MODELAGEM E SIMULAÇÃO DA INCRUSTAÇÃO DE CARBONATO DE CÁLCIO EM CONDIÇÕES DE POÇO 1 1 2 1 1 Mirely C. Viana, Rafael P. Cosmo, Fabio de A. Ressel Pereira, 1 2 Daniel da C. Ribeiro, André Leibsohn Martins Universidade Federal do Espírito Santo, CEUNES / DETEC Petrobras – CENPES / PDGP / PCP 1 2 Rodovia BR-101 Norte km 60, Bairro Litorâneo, CEP 29932-540, São Mateus – ES, Rua Horácio Macedo 950, Ilha do Fundão - Cidade Universitária, CEP 21941-915, Rio de Janeiro – RJ. E-mail: [email protected] RESUMO - A incrustação carbonática surge como um desafio na exploração de campos do pré-sal no Brasil. Devido aos reservatórios serem constituídos em sua maioria por rochas predominantemente carbonáticas. Para que ocorra a incrustação é necessário uma sequência de etapas. Este trabalho consiste no estudo de alguns parâmetros que influenciam na deposição carbonática. O efeito termodinâmico não é considerado. São utilizados cristais de tamanhos específicos com a finalidade de avaliar como o tamanho final da partícula pode influenciar no processo de deposição em diferentes graus de turbulência. Foi simulado escoamento bidimensional turbulento, onde é utilizado um duto de vinte e um metros de comprimento. Para realizar as simulações empregou-se CFD (Computational Fluid Dynamics). Os resultados mostraram que o efeito da gravidade torna-se evidente com o aumento do tamanho da partícula e, quanto maior for o grau de turbulência, mais distribuída é a taxa de deposição ao longo do duto. Palavras-Chave: CFD, precipitação, incrustação carbonáticas INTRODUÇÃO A presença de incrustações está quase sempre associada à perda de produção, a situações de intervenção em poços e consequentemente à redução de lucros. As perdas relacionadas à incrustação alcançaram, em escala global, a ordem de 1,4 bilhões de dólares ao ano (FRENIER; ZIAUDDIN, 2008) somente na indústria petrolífera. Atualmente no Brasil com a recente descoberta do pré-sal tem-se uma nova fronteiroa para o setor petrolífero, devido ao fato das formações serem predominantemente carbonáticas, podendo gerar incrustações. O mecanismo de geração das incrustações carbonáticas está ligado ao estado de equilíbrio químico da solução. Os principais fenômenos envolvidos durante o processo são: íons dissolvidos, nucleação, crescimento de cristais, aglomeração e incrustação. Após a aglomeração dos cristais, irá se iniciar a deposição destes aglomerados, essa incrustação causará a redução do diâmetro, ou até mesmo obstrução total da linha, podendo levar a interrupção da produção. A deposição é influenciada por parâmetros do escoamento, bem como as características das partículas, como o tamanho e velocidade, além de propriedades do fluido, como sua massa específica e viscosidade. Termodinâmica A solubilidade de um mineral é função da temperatura, pressão e composição, ou seja, o mecanismo principal de deposição está ligado às variações de pressão e temperatura, saída de gás, mudanças de pH ou contato com água incompatível. De acordo com York e Schorle (1966), a cristalização de uma espécie em solução ocorre através de três etapas: supersaturação, nucleação e tempo adequado de contato. Além da supersaturação com íons cálcio e carbonato, a perda ou flash de CO2 também é um fator importante na formação de partículas de cálcio, segundo a equação abaixo: 2+ Ca (aq) + 2HCO3 (aq) ↔ CaCO3(s) + H2O(l) + CO2(aq) (1) O CO2, segundo Cosmo (2013), é considerado a espécie que mais afeta a precipitação de carbonato de cálcio. Em caso de supersaturação de íons cálcio, o equilíbrio também será deslocado para a direita, favorecendo a formação de CaCO3. Crescimento, Aglomeração e Deposição de Partículas Inicialmente ocorre a nucleação, que consiste na formação das primeiras partículas sólidas a partir dos íons. Existem dois tipos de nucleação, a homogênea e a heterogênea, a primeira se dá de forma espontânea e a segunda forma necessita de um substrato. A supersaturação contribui para a nucleação, porém é necessário tempo de contato suficiente para que haja a deposição. O tempo de contato é influenciado pelas condições termodinâmicas, condições de escoamento e condições químicas (BARROS, 2012). No estudo em questão, não serão considerados o processo termodinâmicos e a modelagem do crescimento de cristais. Para efeito de simplificação serão estudados cristais de tamanhos específicos com a finalidade de avaliar como o tamanho da partícula pode influenciar no processo de deposição. A deposição de partículas ocorre em dois passos, o transporte para a superfície seguido de ligação com essa superfície. Segundo Collins (2002) existem seis mecanismos de transportes que permitem que o cristal alcance a parede do duto, estes são: movimento de partícula causado por forças eletrostáticas; deposição devido a forças gravitacionais; deposição devido à dispersão cisalhante e forças cisalhantes; difusão Browniana; transporte devido a forças inerciais; difusão turbulenta. A transição do fluxo laminar para o turbulento pode manter as partículas em suspensão, principalmente partículas pequenas influenciando na deposição. Os efeitos eletrostáticos podem causar repulsão eletrostática entre os cristais em suspensão promovendo deposição, entretanto estes efeitos são pouco significativos. Contudo, tal deposição é dependente do resultado de iterações como a de Lifshitz-van Der Waals e forças eletrostáticas (COLLINS, 2002). Em tubos horizontais a força da gravidade pode ser um agente importante sobre os cristais em suspensão, causando a deposição deles na base do tubo e torna-se significativa quando a velocidade é baixa e os cristais são grandes. Estudos de CFD É comum a utilização de experimentos e simulações computacionais, no entanto testes experimentais nem sempre são viáveis, assim o uso de CFD (Computational Fluid Dynamics) que soluciona equações de escoamento de fluidos com o uso de computadores, permite realizar condições que experimentalmente não seriam possíveis. Diversos autores como Peri et. Al (2007), Lee et. Al (2008) e Zhu (2010), mostraram nos trabalhos realizados a importância da utilização de CFD. METODOLOGIA Foi empregado código computacional comercial de CFD (Computational Fluid Dynamics), em específico o software FLUENT® da linha ANSYS14.5®, baseado em método dos volumes finito para realizar as simulações, onde o domínio de solução é dividido em um número finito de volumes de controle contíguos, e então a equação de conservação é aplicada em cada volume de controle. Dentro de cada volume de controle está localizado um nó computacional, no qual são calculados os valores das variáveis. (GONÇALVES, 2007) As simulações consistem em escoamentos turbulentos incompressíveis, multifásicos e em duas dimensões. Para quantificar o efeito das partículas no escoamento, foi usado o modelo de fase discreta (DPM – Discrete Phase Model). Sendo o quantitativo de partículas calculado a partir de Cosmo (2013) considerando as condições operacionais de pressão e temperatura. A taxa de incrustação foi calculada a partir da massa de partículas acumulada nas fronteiras do domínio com o auxílio da condição de contorto do tipo “trap” nas paredes do domínio. Para geração da geometria e da malha foi utilizado o software GAMBIT®. Modelagem Conservação movimento: ( ) de ( ) massa e quantidade de (1) O primeiro termo representa a variação de densidade no tempo e o segundo termo descreve o fluxo de massa entre os seus limites e é chamado termo convectivo (VERSTEEG; MALASEKERA, 2007). Para um fluido incompressível: (2) Quanto a quantidade de movimento, temos as seguintes equações nas direções x e y respectivamente, dadas por: ( ) ( ) (3) (4) Sendo: ( ) (5) é a força de arrasto por unidade de massa da partícula e: ( ) (6) (12) (7) Onde, é a velocidade da fase fluida, é a velocidade da partícula, é a viscosidade molecular do fluido, é a densidade do fluido, é a densidade da partícula, e é o diâmetro da partícula. CD é denominado coeficiente de arrasto para partículas esféricas regulares: ( ) O efeito global das forças de corpo é definido por uma fonte SM. e V é referente ao volume. Turbulência: O escoamento turbulento é caracterizado por flutuações instantâneas de velocidade, temperatura e outros escalares, oferecendo mecanismo adicional para a quantidade de movimento e transferência de energia. Outro aspecto do fluxo turbulento é seu caráter irregular aleatório e caótico (TENNEKES; LUMLEY, 1972 apud DAVIDSON et al., 2011, p.5). Para quantificar a turbulência foi utilizado o modelo k-ε standard. A energia cinética turbulenta, k, e a taxa de dissipação, ε, são dadas pelas seguintes equações: ( ) ( ) [( ) ] (8) ( ) ( ) [( ) ) ] ( (9) Onde representa a geração de energia cinética devido a média do gradiente de velocidade, a geração de energia cinética turbulenta devido a flutuabilidade, representa a contribuição de dilatação flutuante em turbulência compressível para a taxa de dissipação global. As constantes, , e , possuem valores padrões de 1,44, 1,92 e 0,99, respectivamente. e são número de Prandtl para k e ε, respectivamente, e valem = 1,0 e = 1,3. Os valores de e , correspondentes a fonte de energia, são definidos pelo usuário. A viscosidade turbulenta é dada pela seguinte equação: (13) Onde a1,a2 e a3 são constantes que podem ser aplicadas para vários valores de Re, dados por Morsi e Alexander apud Guia Teórico Ansys Fluent®. Sendo Re o número de Reynolds: | | (14) Propriedades Para este trabalho foram adotadas partículas esféricas de calcita, para efeito de simplificação, escoando junto com água. A água possui massa específica de 1000 kg/m³ e viscosidade de 0,001kg/m.s e a calcita possui massa específica de 2800 kg/m³, sendo adotados três diâmetros diferentes para serem avaliados, sendo eles de 20, 40 e 60µm, os diâmetros foram escolhidos de forma aleatória. Geometria e Malha do Sistema O duto possui comprimento total de vinte e um metros e diâmetro de 0,127 m (5 in), contando com uma região de baixa permeabilidade (Porous Jump) a um metro da entrada (Figura 1), que provoca redução de 1013,25 kPa na pressão do escoamento, ou seja, durante um metro o fluxo segue com 10132,50 kPa e durante vinte metros o fluxo segue com 9119,25 kPa, desconsiderando outras formas de perda de energia. Porous jump 1m 20 m (10) DPM – Discrete phase model: Prediz a trajetória da partícula, integrando o balanço de forças no sistema de referências Lagrangeanas: ( ) ( ) (11) Onde é um termo adicional de aceleração (força/ unidade de massa da partícula), ( ) Figura 1 – Esquema do duto utilizado nas simulações. A malha utilizada possui 26250 células e razão de aspecto máximo de aproximadamente 19,4. Condições Operacionais De acordo com o trabalho de Cosmo (2013), -5 um escoamento com vazão de 1,16x10 m³/s, com diferencial de pressão de 1013,25 kPa, sendo a pressão inicial 10132,50 kPa e a final 919,25 kPa, sob temperatura de 100 ºC, acarreta uma -8 taxa de deposição de calcita de 1,16x10 kg/s. Para avaliar o problema de incrustação carbonática, foram então adotadas as condições operacionais que estão apresentadas na Tabela 1. superior do duto quando o diâmetro da partícula é de 60 µm, neste caso é possível notar que a taxa de deposição é bem menos significativa do que a apresentada na Figura 3. Tabela 1 – Condições Operacionais. Re Vazão (m³/s) Permeabilidade (m²) -3 60000 6,00x10 4,66263E-06 -3 40000 4,00x10 3,10842E-06 -3 20000 2,00x10 1,55421E-06 RESULTADOS Teste de Independência de Malha Para realizar a escolha da malha utilizada no trabalho, foram realizadas simulações com a finalidade de avaliar o comportamento utilizando malhas com as respectivas quantidades de células: 13.125, 26.250, 52.500 e 105.000. Após a simulação foram avaliadas a velocidade no centro do duto e a taxa de incrustação, onde todos os casos apresentaram muito próximos, com desvios inferiores a 4%. Considerando os resultados obtidos, a malha escolhida foi a de 26.250 células por combinar satisfatória discretização e reduzido numero de células. Deposição Carbonática As Figuras 2, 3, 4 e 5 mostram o efeito do grau de turbulência na deposição carbonática tanto na parede superior como na parede inferior do duto. Com a finalidade de comparar os casos foram adotados o menor e maior diâmetro partícula, de acordo com a Tabela 1, devido a melhor visualização dos efeitos da turbulência e gravidade. É possível notar uma tendência nas curvas de deposição das Figuras 2 e 3, referentes ao diâmetro de partícula de 20 µm, mostram maior deposição quando a velocidade do escoamento é maior, ou seja, quando há um grau de turbulência mais elevado. De acordo com Collins (2002) o fluxo turbulento permite a criação de vórtices mantendo as partículas em suspensão, principalmente as pequenas, isso explica a maior taxa de deposição na parede superior estar relacionada ao fluxo mais turbulento, como mostra a Figura 3. Quanto a Figura 4, é possível notar que no início do escoamento existe uma deposição mais acentuada no caso em que a velocidade é menor, e ao final do escoamento a deposição é maior quando há mais turbulência, isso pode ser explicado pelo fato do escoamento mais turbulento apresentar mais facilidade em transportar massa. Já a Figura 5 mostra a deposição na parede Figura 2 – Influência da turbulência na deposição na parede inferior do duto usando partículas com 20µ. Figura 3 – Influência da turbulência na deposição na parede superior do duto usando partículas com 20µ. Figura 4 - Influência da turbulência na deposição na parede inferior do duto usando partículas com 60µ. Comparando as Figuras 6 e 7 que mostram o efeito do tamanho da partícula na taxa de deposição pode-se notar que os gráficos apresentam um padrão, onde pode-se destacar o efeito da gravidade, que se torna significativo nas partículas maiores promovendo maior deposição. Figura 5 - Influência da turbulência na deposição na parede superior do duto usando partículas com 60µ. Collins (2002) afirma que a deposição de cristais devido à gravidade é significativa quando a velocidade é baixa e os cristais são grandes, que é bem representado pela Figura 6. Podemos identificar também uma diferença significativa, onde o número de Reynolds é mais elevado, ocorre uma distribuição mais homogênea da taxa de deposição ao longo do duto. Figura 6 – Influência do tamanho da partícula na deposição com Re=20000. Figura 7 - Influência do tamanho da partícula na deposição com Re=60000. CONCLUSÕES De acordo com os resultados obtidos na simulação do escoamento com deposição carbonática, pode-se afirmar que: A simulação do escoamento turbulento com partículas inertes foi bem sucedida; os resultados revelam uma concordância quanto ao efeito da gravidade e da turbulência, onde a taxa de deposição é influenciada diretamente pelo tamanho da partícula e a turbulência afeta a diretamente a distribuição da taxa de deposição ao longo do duto. O trabalho pode prosseguir com investigação de outras geometrias e adicionar o efeito da termodinâmica na simulação do escoamento. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROS, W. Q. Estudo do impacto da incrustação inorgânica na permeabilidade de meios porosos carbonáticos. [Projeto de Graduação]. Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Centro Universitário Norte do Espírito Santo (CEUNES), São Mateus, 2012. COLLINS, I. E. A new model for mineral scale adhesion. 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