UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
CURSO DE GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
FRANCISCO DAS CHAGAS CARVALHO JÚNIOR
O MINISTÉRIO DA REFORMA E A INVESTIDA NEOLIBERAL NO BRASIL
NATAL – RN
2013
FRANCISCO DAS CHAGAS CARVALHO JÚNIOR
O MINISTÉRIO DA REFORMA E A INVESTIDA NEOLIBERAL NO BRASIL
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado à coordenação do Curso de
Graduação em Gestão de Políticas
Públicas da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, em cumprimento às
exigências legais como requisito à
obtenção do título de Bacharel em Gestão
de Políticas Públicas.
Orientador: Profº.
Cristopher dos Santos
NATAL - RN
2013
Msc.
Anderson
FRANCISCO DAS CHAGAS CARVALHO JÚNIOR
O MINISTÉRIO DA REFORMA E A INVESTIDA NEOLIBERAL NO BRASIL
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à coordenação do Curso de Graduação em Gestão
de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em cumprimento às
exigências legais como requisito à obtenção do título de Bacharel em Gestão de Políticas
Públicas.
Aprovado em: 17/06/2013
BANCA EXAMINADORA
Profº. Msc. Anderson Cristopher dos Santos – Orientador
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Profª. Dra. Sorais Carlos Vidal – Examinadora Interna
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Ms. Daniel Gonçalves de Menezes – Examinador Externo
“Mas Deus prova o seu amor
para conosco, em que Cristo
morreu por nós, sendo nós
ainda pecadores”. (Romanos
5:8) Bíblia Sagrada
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, autor e consumador da minha fé, pois sem sua
permissão jamais alcançaria esse feito.
Aos meus pais, Francisco das Chagas Carvalho e Leonimar de Lima Carvalho, pelo
incondicional esforço e amor dedicados a mim durante o período dessa graduação. Sem eles,
nunca alcançaria esse mérito.
A minha namorada e futura esposa, Karoline Isabelle, pelo amor a mim dedicado,
pelo apoio em meio as lutas e a consideração que sempre teve comigo. Você tem parte nessa
conquista. Estendo os agradecimentos aos seus pais, Ricardo Rocha e Josélia Almeida, pela
ajuda que ambos tem me dado durante esse período turbulento.
Aos meus irmãos, Meiriane Carvalho, Marcelo Henrique e Márcio Henrique, pelo
apoio mesmo a distância. Sei que torcem pelo meu sucesso.
A minha segunda família de sangue, Francisca Lina, Antônio Ribeiro, Jacqueline
Carvalho e Mateus Lima. Obrigado por tudo que fizeram por mim durante essa caminhada.
Abro espaço também para agradecer a Sadraque Eronilson e Misma Sousa, pela amizade
sincera e pelos conselhos sempre valorosos.
As minhas duas avós, Raimunda Fernandes e Maria da Conceição, pela ajuda que
me deram ao longo dos anos e por terem sempre acreditado em mim. Como também a todos os
meus tios, em especial a José Iris, Antônia e Nitinho, pela ajuda financeira que me concederam
em momentos de dificuldade. Nunca os esqueci.
A Dona Zilá Fernandes, pela estadia em sua residência durante dois anos e pela
paciência com a minha pessoa.
Aos casais e amigos do peito, Emanuel e Danise, Guilherme e Daniele, pelo apoio
moral e ajuda espiritual que me dão.
Aos meus amigos de infância, Júnior Santos, Tiago Ricardo, Edson Iran e Batista
Souza, que apesar da distância continuam sendo referências em minha vida, tratando-se de
amizade verdadeira.
A todos os meus primos, que não irei nomeá-los aqui, pois são muitos, para não
correr o risco de esquecer o nome de alguém.
Por fim, ao meu orientador, Anderson Cristopher, pela ajuda e conselhos na
execução desse trabalho.
Muito obrigado a todos!
LISTA DE SIGLAS
BANESPA – Banco do Estado de São Paulo
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD – Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
CD – Cargo de Direção
CF – Constituição Federal
ENAP – Escola Nacional de Administração Pública
FHC - Fernando Henrique Cardoso
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
FMI – Fundo Monetário Internacional
MARE – Ministério da Reforma do Aparelho do Estado
ONG – Organização Não Governamental
OS – Organizações Sociais
OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
PPP – Parceria Público-Privada
STF – Supremo Tribunal Federal
TELEBRÁS – Telecomunicações Brasileiras S.A.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
TABELA
Tabela 01 - Reposicionamento de Remunerações dos Cargos de Direção.................................43
RESUMO
Este trabalho se propõe a fazer uma análise do período que ficou marcado como o ápice do
Neoliberalismo no Brasil. Tendo como objeto de estudo o Ministério da Reforma e Aparelho
do Estado – MARE, busca-se analisar as medidas implementadas pelo governo através do
ministério durante seu período de vigência, entre os anos de 1995 a 1998. O recorte temporal se
dá em virtude de ser nesse período em que o país mais presenciou projetos com esse cunho,
voltado para privatizações, diminuição do tamanho do Estado, desregulamentação financeira e
abertura de mercado externo. Além das medidas adotadas durante esse período, busca-se
também verificar quais implicações essas mudanças trouxeram para o Brasil, diante da
conjuntura de crise que o país vivia. A reforma administrativa ou gerencial foi apenas o início
das mudanças empenhadas pelos reformadores para colocar em prática suas medidas
neoliberais. Para tanto, foi analisada uma vasta bibliografia, incluindo livros, artigos da internet
e documentos oficiais do governo federal.
Palavras-chave: Neoliberalismo. MARE. Reforma do Aparelho do Estado. Brasil.
ABSTRACT
This work intends to make an analysis of the period that marked the apex of Neoliberalism in
Brazil. Having as object of study and the Ministry of State Apparatus Reform - MARE, seeks
to analyze the measures implemented by the government through the ministry during his
lifetime, between the years 1995-1998. The time frame is given by virtue of being in this period
that the country witnessed more projects with this stamp, facing privatization, reduction of the
size of the state, financial deregulation and opening of foreign markets. In addition to the
measures adopted during this period, seeking also to see what implications this change brought
to Brazil, given the situation of crisis that the country lived. The managerial or administrative
reform was just the beginning of changes committed by the reformers to put into practice their
neoliberal measures. Therefore, it was considered a wide bibliography, including books,
articles and official documents of the Internet from the federal government.
Keywords: Neoliberalism. MARE. Reforming the State. Brazil.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 12
2. O NEOLIBERALISMO – CONCEITO, HISTÓRIA E INTRODUÇÃO NO
BRASIL ......................................................................................................................... 13
2.1. CONCEITO .................................................................................................................. 13
2.2. HISTÓRIA .................................................................................................................... 15
2.2.1. O PIONEIRISMO CHILENO ................................................................................... 17
2.2.2. INGLATERRA E ESTADOS UNIDOS: O ÁPICE DO CONSERVADORISMO .. 18
2.3. INTRODUÇÃO NO BRASIL ....................................................................................... 19
2.3.1. FERNANDO COLLOR: O FIASCO DA POLÍTICA BRASILEIRA NA DÉCADA
DE 1990 ............................................................................................................................... 20
2.3.2. DE ITAMAR FRANCO À FHC: O ÁPICE DO NEOLIBERALISMO NO BRASIL
............................................................................................................................................... 21
3. O MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO E REFORMA DO ESTADO .............. 24
3.1. A CRIAÇÃO DO MARE ............................................................................................. 24
3.2. O PLANO DIRETOR DA REFORMA DO APARELHO DO ESTADO ................... 26
3.2.1. O DIAGNÓSTICO DO PLANO DIRETOR ............................................................. 29
3.2.2. OS SETORES DO ESTADO ..................................................................................... 31
3.2.3. OBJETIVOS DO PLANO DIRETOR ....................................................................... 32
3.2.4. TRANSIÇÃO DO MODELO BUROCRÁTICO PARA O GERENCIAL ............... 34
3.2.5. PROJETOS E ÓRGÃOS ENVOLVIDOS NA REFORMA ..................................... 35
4. AS REALIZAÇÕES DO MARE: 1995 – 1998 ............................................................ 36
4.1. O FIM DO MINISTÉRIO DA REFORMA .................................................................. 36
4.2. . OS AVANÇOS E RETROCESSOS DA REFORMA ................................................ 37
4.2.1. MUDANÇAS NA LEGISLAÇÃO ............................................................................ 37
4.2.2. MUDANÇAS INSTITUCIONAIS ............................................................................ 40
4.2.3. INOVAÇÕES NO SERVIÇO PÚBLICO ................................................................. 44
4.2.4. INFLUÊNCIAS DO MARE ...................................................................................... 45
4.3. OS CRÍTICOS A REFORMA DO ESTADO E AO SISTEMA NEOLIBERAL ........ 46
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 49
6. REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 52
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho expõe o período em que o Brasil viveu o ápice de implantação
do projeto neoliberal no país. De forma mais clara, foi analisado o Ministério da Reforma e
Aparelho do Estado – MARE, seus objetivos, diretrizes e legado, sendo este o objeto central do
referido artigo. Destaca-se ainda um breve delineamento do que foi o neoliberalismo e suas
implicações, desde sua criação até a chegada no Brasil.
O MARE foi criado em 1995 e extinto 1998, logo, o recorte temporal utilizado
nesta análise consiste nos três anos de existência do ministério. O MARE foi criado ainda
durante o primeiro governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, como forma de
implantar as medidas neoliberais que o governo tanto ambicionava, ou seja, o projeto de
reforma do aparelho estatal.
O ministério teve a frente como um dos grandes idealizadores da reforma, junto
com o presidente Fernando Henrique, o ministro Bresser-Pereira, o qual implantou todas as
medidas adotadas enquanto existência do ministério. Bresser iniciou o projeto e sob sua própria
orientação o MARE foi extinto.
A respeito da metodologia utilizada, foi realizada a leitura de livros que expõem o
tema Neoliberalismo e a Reforma Gerencial no Brasil, artigos oriundos de periódicos da
internet e o próprio sitio do Governo Federal, o qual contém os documentos oficiais com todo
as informações sobre o ministério, isto é, os Cadernos do MARE.
De forma geral, os autores mostram o que o país passava naquele período em sua
conjuntura, o teor das reformas, o motivo e suas consequências no contexto brasileiro. Com
exceção do último tópico do capítulo quatro, que de forma crítica tenta mostrar porque o
neoliberalismo não foi a melhor opção a ser adotada pelo governo brasileiro, trazendo
argumentos contundentes de autores que são referências nesse campo de estudo.
Por fim, o trabalho estrutura-se da seguinte forma:
a) O que foi o neoliberalismo, onde surgiu, sua história no contexto europeu e
na América Latina e introdução no Brasil. Além de uma pequena passagem
pelos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso.
b) A concepção do MARE, o contexto brasileiro na década de sua criação,
exposição do Plano Diretor que propunha todas as medidas que deveriam
12
ser adotadas no período em questão, o modo de transição do modelo
burocrático para o gerencial e os novos setores do Estado.
c) As realizações do ministério no período entendido entre 1995 e 1998, sua
extinção em 1998, as mudanças observadas no aparelho do Estado após
algumas medidas, as influências sofridas pelo MARE e a visão crítica de
alguns autores a respeito dos assuntos supramencionados.
2. O NEOLIBERALISMO – CONCEITO, HISTÓRIA E INTRODUÇÃO NO
BRASIL.
2.1. CONCEITO
Durante o longo século XX, ocorreram diversas mudanças políticas, econômicas e
sociais que afetaram direta e indiretamente o futuro de países latino-americanos e europeus,
inicialmente na década de 1970, e que em seguida tiveram seus adeptos em várias partes do
mundo. Tais ideias se diferenciavam, além de outras questões, pela opção de manter ou não o
Estado como principal agente na economia de um país. É esse o ponto de partida que se deve
levar em consideração quando iniciado o debate sobre neoliberalismo: o nível de ingerência
estatal na economia. Todavia, a redução do intervencionismo estatal, como pregam os
neoliberais, traz consigo diversas outras medidas que completam o ideário, como a busca pela
liberdade individual, estabilidade econômica e auto regulação de mercado.
O neoliberalismo é em primeiro lugar uma teoria das práticas político
econômicas que propõe que o bem-estar humano pode ser melhor promovido
liberando-se as liberdades e capacidades empreendedoras individuais no
âmbito de uma estrutura institucional caracterizada por sólidos direitos a
propriedade privada, livres mercados e livre comércio (HARVEY, 2005,
p.12).
Não convém, para os adeptos da teoria neoliberal, que o Estado seja o grande
detentor da política econômica, pois este não possui a capacidade de gerenciamento necessária,
nem mecanismos suficientes para lidar com as rápidas transformações que o mercado sofre a
cada momento, sendo assim, o próprio mercado seria o único capaz de lidar e acompanhar tais
mudanças mercadológicas. Primordialmente, alguns serviços como saúde, educação,
previdência, dentre outros setores estatais, devem ser privatizados, a fim de cumprir seu
13
verdadeiro papel perante a sociedade, que além de atender as mais distintas necessidades, serão
mantidos por aqueles que realmente possuem maior poder econômico.
Os pensadores neoliberais argumentam que, o Estado ao promover a igualdade está
retirando a liberdade de iniciativa dos indivíduos, agindo de forma paternalista e impedindo a
livre iniciativa daqueles que assim o desejam (CARINHATO, 2008). Tendo em vista que os
serviços são oferecidos pelo Estado àqueles que necessitam e não são pagos, como devem ser,
seus usuários não apresentam o mesmo respeito, nem confiança, caso tivessem que
desembolsar altas quantias para quitar seus planos de saúde privados ou mesmo pagar a escola
de seus filhos, por exemplo. Para os neoliberais, mais vale pagar um alto valor pelo que almeja
e poder cobrar por aquilo que, de fato, foi adquirido privativamente, que ficar a mercê de um
Estado lento, incapaz e ineficiente para cumprir seus anseios, que são muitos.
MARQUES (2012) faz um resumo dos principais pontos que se tornaram consenso
a respeito do neoliberalismo e suas intenções:
i) O neoliberalismo enfatiza um papel dominante para o mercado e um papel
reduzido para o Estado na alocação de recursos; ii) Para alcançar um ajuste
fiscal e para aumentar a eficiência da economia, uma substancial porção do
setor público deveria ser privatizada; iii) Liberação total de preços ou, nos
setores controlados, promoção de reajustes que possibilitam a obtenção, por
parte das firmas, de taxas de retorno positivas; iv) Desregulamentação do setor
financeiro, liberalizando o fluxo de capital externo; v) Liberalização do
comércio, levando ao fim do programa de substituição de importações; vi)
Incentivos ao investimento externo, buscando compensar o declínio no
investimento privado e a diminuição dos recursos fiscais; vii) Reforma do
sistema de seguridade social, com a criação de fundos de pensão privados
competitivos; viii) Reforma do mercado de trabalho, buscando diminuir a
rigidez das leis trabalhistas, adequando-as ao novo mercado existente
(MARQUES, 2012, apud BAER e MALONAY, 1997).
Com o advento da globalização, o pensamento neoliberal ganha celeridade e com a
troca de informações de forma mais frenética, muitos países absorvem em uma quantidade
muito maior aquilo que é veiculado como fonte de inspiração para a prática neoliberal e tornase mais acirrada a competitividade entre mercados e indivíduos.
14
Em suma, de acordo com a visão neoliberal, o Estado não é capaz de gerir e dar o
aporte necessário para que o mercado possua uma economia de peso, nem muito menos ser o
grande controlador do fluxo de capitais gerado por esse mercado furioso, sendo necessário
desconstruir toda burocracia insulada, para dar vazão a um Estado que surja em momentos de
crise financeira, com a finalidade de socorrer a economia. Em outras palavras, o que deve
existir é um Estado mínimo, com poucas funções gerenciais e que dê suporte a um mercado
que, eventualmente, possa estar em desajuste financeiro. Segundo FRIEDMAN (1985), a
liberdade econômica, nela própria e por si própria, é uma parte extremamente importante da
liberdade total.
2.2. HISTÓRIA
Após o fim da II Guerra Mundial, a Europa encontrava-se, dentre outros aspectos,
arrasada economicamente, sendo necessário tomar medidas enérgicas para salvar a economia.
Foi a partir desse momento que ganharam espaço as ideias de um estado intervencionista que,
além de lidar com a crise financeira, fosse capaz de atender uma população faminta, com
doenças provenientes da guerra e outras mazelas que afetavam a todos. O Welfare State 1foi
adotado como política econômica por quase três décadas, até que em meados da década de
1970, após o choque do petróleo, tal modelo mostrou-se fraco e insuficiente para manobrar a
economia de forma eficiente e escapar de uma nova crise econômica. Segundo alguns teóricos
conservadores da crise da democracia (...) o Welfare State acabou por gerar excessiva
politização de questões econômicas e sociais (NEGRÃO, 1996).
Como resposta às ideias de um estado de bem-estar social, logo em 1944, Friedrich
Hayek em seu texto inicial O caminho da Servidão expôs de forma clara seus ideais contra um
estado interventor. Segundo Anderson
Trata-se de um ataque apaixonado contra qualquer limitação dos mecanismos
de mercado por parte do Estado, denunciadas como uma ameaça letal a
liberdade, não somente econômica, mas também política. O alvo imediato de
Hayek, naquele momento, era o Partido Trabalhista inglês, às vésperas da
1
O Welfare State foi o modelo adotado principalmente nos países europeus durante o pós-guerra, colocava o
Estado como provedor das políticas sociais e organizador da política econômica. Segundo Esping-Andersen
(1995): “o Welfare State, uma das marcas da "era dourada" de prosperidade do pós-guerra, significou mais do que
um simples incremento das políticas sociais no mundo industrial desenvolvido. Em termos gerais, representou um
esforço de reconstrução econômica, moral e política”.
15
eleição geral de 1945 na Inglaterra, que este partido efetivamente venceria. A
mensagem de Hayek é drástica: “Apesar de suas boas intenções, a socialdemocracia moderada inglesa conduz ao mesmo desastre que o nazismo
alemão – uma servidão moderna” (ANDERSON, 1995, p. 9).
Com a crise da década de 1970, era necessário estabilizar a economia, reduzir o
nível inflacionário, diminuir o desemprego e colocar e Estado no lugar que, de fato, seria o seu
por direito, somente como o provedor das medidas que salvariam a economia em crise e
reduzido ao ponto de não influenciar ou mesmo atrapalhar o que mais se buscara naquele
momento, o “bem-estar do mercado”. O movimento operário e o forte sindicalismo, afirmava
Hayek e seus companheiros, eram o carro chefe da crise, a luta por salários mais justos,
juntamente com a pressão social por maiores gastos na área social levaram os empresários a
estagnação financeira generalizada, não dando chance para reação alguma (ANDERSON,
1995).
Ademais, os neoliberais não desejavam a extinção do Estado por completo, era
necessária a presença estatal naquele momento, no entanto, como desarticulador de si próprio,
atuando em casos específicos, como no desmantelamento dos sindicatos, realizando reformas
fiscais e na geração de moeda. Mesmo para os neoliberais era indispensável, portanto, a
presença do Estado para poder dar o suporte necessário, fosse político e/ou econômico para a
implementação das medidas previstas a fim romper com a crise econômica. O saldo, enfim, de
todas as medidas supramencionadas seria uma economia voltada cada vez mais para o resultado
individual, ou seja, pequenos grupos como detentores da maior fatia do bolo econômico, assim
como uma desigualdade sadia, que acima que qualquer coisa, é um fator crucial para o
desenvolvimento de uma nação.
As mudanças impostas pelo neoliberalismo não foram colocadas em prática
bruscamente, foi preciso pouco mais de uma década, entre 1970 e 1980, para que se
consolidassem na Europa. Países como Inglaterra em 1979, Alemanha em 1982, Dinamarca em
1983, dentre outras potencias europeias, tiveram suas economias totalmente remodeladas pelo
neoliberalismo, tendo ganhado maior destaque o modelo inglês, que introduziu de forma mais
intensa o ideário neoliberal em sua economia, com a então presidente, Margaret Thatcher. Em
resumo, os anos 80 viram o triunfo mais ou menos incontrastado da ideologia neoliberal nesta
região do capitalismo avançado (ANDERSON, 1995). Já na América Latina, primeiramente o
Chile com o General Pinochet teve grande conotação e em seguida os Estados Unidos, de
16
forma simultânea a Europa, tendo a frente o governo de Reagan, este último ficou reconhecido
tanto pela rapidez em introduzir as medidas, como pela forma que as fez, usando a corrida
armamentista contra a União Soviética para tal fim.
Alguns anos mais tarde, em 1989, a América Latina vivenciou aquilo que seria a
total derrocada do modelo social-democrata, o que ficou conhecido como “Consenso de
Washington”. Essa reunião contou com uma série de economistas, destacando-se John
Williamson, todos dispostos a discutir e confirmar as reformas que seriam necessárias para o
continente latino-americano e que já eram consenso desde meados da década de 1970 no
primeiro mundo. As ideias neoliberais não poderiam mais permanecer à margem das agendas
dos países emergentes, tendo em vista a onda neoliberal que ocorria naquele momento, tanto
política, como econômica. Ou seja, era mister a aceitação dessa política pelos países latinoamericanos, caso contrário, estariam fadados a não acedência de suas economias em um
mercado mundial. As grandes agências de fomento como o FMI, BID, BIRD e outros, foram o
carro chefe para a consolidação do ideário interposto, de modo que, empréstimos e ajudas
financeiras diversas somente eram liberados, caso o país em questão aderisse ao modelo
neoliberal. Ora, os bancos precisavam de uma confirmação sólida que os países possuíam uma
economia estável, com o índice inflacionário controlado e um mercado capaz de lidar com as
transformações inerentes a globalização.
2.2.1. O PIONEIRISMO CHILENO
Foi no Chile a experiência pioneira do neoliberalismo no mundo, sob o comando do
General Augusto Pinochet, após um golpe de estado liderado por este, o qual permaneceria no
poder por quase duas décadas. O Chile vivenciou, durante a década de 1970, uma crise
econômica sem precedentes, o governo de Salvador Allende, que já sentia os efeitos da crise,
sofre o golpe militar e em seguida, Pinochet providencia o que ficou mais conhecido como
milagre chileno. Um grupo de economistas, que mais tarde foram denominados como “The
Chicago Boys” tratou de preparar um plano, que teve como base os ensinamentos de Milton
Friedman. Logo o governo de Pinochet adotou as medidas anti-keynesianas, juntamente com
um regime duríssimo no que tange a liberdade democrática, ou seja, além do regime neoliberal,
havia uma das mais pesadas ditaduras da América Latina.
17
O Chile de Pinochet começou seus programas de maneira dura: desregulação,
desemprego massivo, repressão sindical, redistribuição de renda em favor dos
ricos, privatização de bens públicos. Tudo isso foi começado no Chile, quase
um decênio antes de Thatcher, na Inglaterra [...] O neoliberalismo chileno bem
entendido pressupunha a abolição da democracia e a instalação de uma das
mais cruéis ditaduras militares do pós-guerra [...] a economia chilena cresceu a
um ritmo bastante rápido sob o regime de Pinochet (ANDERSON, 1995, p. 19
e 20).
Os economistas pensadores de Chicago colocaram em prática tais medidas, como
também, trabalhando em parceria com o FMI, reestruturaram a economia, reverteram as
nacionalizações, liberaram os recursos naturais, privatizaram a seguridade social e facilitaram
os investimentos estrangeiros diretos e o comércio mais livre (HARVEY, 2005).
Dessa maneira, o Chile foi a primeira e uma das mais bem sucedidas experiências
do neoliberalismo no mundo, pois de forma prática e rápida conseguiu implementar as medidas
esperadas, desarticulando todo o aparato estatal, politico e econômico, montado num período
anterior a 1973. Mas a democracia em si mesma – como explicava incansavelmente Hayek –
jamais havia sido um valor central do neoliberalismo (ANDERSON, 1995).
2.2.2. INGLATERRA
E
ESTADOS
UNIDOS:
O
ÁPICE
DO
CONSERVADORISMO
O modelo neoliberal Inglês, a partir de 1979, é considerado um dos mais legítimos,
tendo em vista o ambicioso programa de desestatização que foi colocado em prática. Os
governos de Margaret Thatcher teve como base o Chile de Pinochet, porém, politicamente mais
agressivo e audacioso. Houve um total desmantelamento do Estado inglês, redimensionando o
mercado de trabalho por completo, tornando o setor industrial bem mais retraído e aumentando
os investimentos no setor privado.
O modelo inglês foi, ao mesmo tempo, o pioneiro e o mais puro. Os governos
Thatcher contraíram a emissão monetária, elevaram as taxas de juros,
baixaram drasticamente os impostos sobre os rendimentos altos, aboliram
controles sobre os fluxos financeiros, criaram níveis de desemprego massivos,
aplastaram greves, impuseram uma nova legislação anti-sindical e cortaram
gastos sociais (ANDERSON, 1995, p. 12).
18
Não há dúvidas de que Thatcher transformou o modo de fazer política e de tomada
de decisões na Europa, seu governo serviu como referência para vários outros no continente
europeu e na América Latina.
Seguindo a mesma linha de Thatcher, Ronald Reagan embarcou no governo
americano em 1980, sob a forte tensão da crise mundial. Reagan não mediu esforços para
colocar em exercício o ideário neoliberal em seu país, com isso os Estados Unidos, junto com
os casos supracitados, Chile e Inglaterra, tornaram-se as maiores referências tratando-se de
neoliberalismo em sua forma empírica. E teve início, assim, [nos Estados Unidos] a abissal
mudança para uma desigualdade social cada vez maior e a restauração do poder econômico da
classe alta (HARVEY, 2005, p. 35).
Dentre outras, a diferença crucial da situação norte americana e inglesa encontravase no fato de, nos Estados Unidos não ter havido, neste período, uma social democracia tão
forte como na Europa, de forma que, não houve grandes dificuldades por parte de Reagan em
atingir seus objetivos, pois antes mesmo de seu governo, Carter seguiu sem dificuldades a
desregulação (das empresas aéreas e de caminhões de carga) como solução parcial para a
estagflação (HARVEY, 2005, p. 33).
Nos Estados Unidos, onde quase não existia um Estado de bem-estar do tipo
europeu, a prioridade neoliberal era mais a competição militar com a União
Soviética, concebida como uma estratégia para quebrar a economia soviética
e, por esta via, derrubar o regime comunista na Rússia. Deve-se ressaltar que,
na política interna, Reagan também reduziu os impostos em favor dos ricos,
elevou as taxas de juros e aplastou a única greve séria de sua gestão
(ANDERSON, 1995, p. 12).
Constata-se, portanto, que a agenda neoliberal nesses países cumpriu o papel a que
veio, pois as inflações foram contidas, os gastos sociais caíram consideravelmente, os salários e
os direitos dos trabalhadores foram reduzidos, para assim, aumentar a margem de lucro dos
empresários e por fim, a força dos sindicatos submergiu perante tamanho poder neoliberal.
2.3. INTRODUÇÃO NO BRASIL
Após, praticamente, toda a América Latina ter adotado o modelo neoliberal como
forma político-econômica de gerir o Estado e, por conseguinte, a economia, durante as décadas
19
de 1970 a 1990, países como Chile, México, Argentina, Bolívia, Venezuela, dentre outros,
aderiram às ideias liberalizantes até os anos 90. Com o Brasil não foi diferente, seguindo um
ritmo parecido e após assistir vários desses países “recém-salvos” de uma estagflação nas
décadas anteriores, o país resolveu adotar as medidas que já era consenso entre das economias
mencionadas acima.
Em 1985, a candidatura de Paulo Maluf à presidência do Brasil trouxe o início
daquilo que seriam as primeiras investidas neoliberais no país. Maluf trazia em seu plano de
governo propostas que buscavam encerrar com a crise e colocar a economia brasileira
novamente nos eixos.
(...) tal alternativa imaginava que a solução da crise brasileira e a estabilização
da economia viriam da quebra da intervenção estatal, com o fim dos subsídios
e transferências para as empresas estatais e pelo aprofundamento dos
mecanismos de mercado. Ela propunha ainda que o Brasil se abrisse a divisão
internacional do trabalho, voltando-se a agricultura e a produção industrial
cuja tecnologia já fosse assimilada e permitindo a entrada de produtos
estrangeiros de tecnologia avançada (NEGRÂO, 1996).
Com a derrota de Paulo Maluf e a morte de Tancredo Neves, assume a presidência da
república seu vice, José Sarney. Porém, nesse momento as ideias apresentadas por Maluf em
sua campanha não ganharam tanto espaço na agenda governamental de seus adversários, com
isso, tratava-se ainda de uma simples empreitada neoliberal sem muito sucesso. Enfim,
efetivamente a adoção do modelo neoliberal se iniciou com o ex-presidente Fernando Collor de
Melo e continuou com o governo de Fernando Henrique Cardoso (MARIANI, 2007).
2.3.1.
FERNANDO COLLOR: O FIASCO DA POLÍTICA BRASILEIRA NA
DÉCADA DE 1990.
Fernando Collor chegou ao poder em 1990, após uma campanha apoiada,
principalmente, pela mídia brasileira, carismático e com um discurso politico firmado na luta
contra a corrupção, ficou conhecido como “o caçador de marajás”. O então presidente se insere
num processo que ele mesmo denominaria como modernizante, baseado num mercado mais
ativo e com um índice inflacionário regulado, o presidente lançou o Plano Collor. Sob um
clima de tensão político e econômico, Collor, através de medidas provisórias, realiza o confisco
20
das poupanças, o que gerou o alto grau de revolta na população, de modo que, os valores dos
saques eram determinados pelo governo, e o restante seria usado pelo próprio governo, o qual
pagaria em parcelas futuras. Segundo ANTUNES (2005), as estratégias de Collor e suas
investidas excêntricas na economia não passavam de uma aventura bonapartista.
O Plano Collor ansiava por um novo modelo de mercado para o Brasil, onde o país
pudesse competir com mercados internacionais, com uma economia mais pujante e voltada
para a exportação.
Tudo em clara integração com o ideário neoliberal. A privatização do Estado
preenche outro requisito imprescindível desse ideário. Os procedimentos para
a obtenção deste télos seguem, em dose única, o essencial do receituário do
Fundo Monetário Internacional (FMI): o enxugamento da liquidez, o quadro
recessivo decorrente, a redução do déficit público, a modernização (privatista)
do Estado, o estímulo às exportações e, é claro, a prática do arrocho salarial,
secularmente utilizada em nosso país. É um desenho econômico nitidamente
neoliberal (ANTUNES, 2005, p. 9-10).
Após dois anos de sua investidura como presidente, Collor desmantelou toda a
economia brasileira, como jamais houve precedente, suas ideias e decisões mostraram-se um
fiasco perante uma crise que, naquele momento, levava a economia do Brasil a um caos
generalizado. As denúncias de corrupção na cúpula do governo não permitiram que o caçador
de marajás levasse a diante suas ideias. Enfim, as pressões populares e o risco do impeachment
pelo Congresso Nacional pressionaram o presidente a renúncia em 1992.
2.3.2.
DE ITAMAR FRANCO À FHC: O ÁPICE DO NEOLIBERALISMO NO
BRASIL
Com a saída de Fernando Collor, o vice-presidente Itamar Franco assumiria a
presidência da república, sob pressões de vários âmbitos, como sociedade civil e empresários,
contudo, o quadro político era a favor do recém-eleito presidente. De acordo com ANTUNES
(2005), amplos setores, até mesmo do espectro mais de esquerda mostraram-se
(equivocadamente) generosos em relação ao novo governo.
Suas principais orientações eram resgatar a ética na política e preparar o país para a
implantação de um novo plano de estabilização (CARINHATO, 2008). É no ensejo de
21
implantação do Plano Real que Fernando Henrique Cardoso ganha notoriedade, como ministro
da fazenda da Itamar. O Plano de FHC surtiu seus efeitos, contendo uma hiperinflação que há
tempos assolava o Brasil e estabilizando a economia. Cabe ressaltar a influência exercida pelo
FMI e o Banco Mundial na implantação do Plano Real, ou seja, por trás de uma tentativa de
estabilizar a economia e colocar o mercado nos eixos, havia, intrinsecamente, as ideias do
Consenso de Washington aplanadas em tal contexto.
Essa estratégia tinha o seguinte receituário: combate à inflação, através da
dolarização da economia e valorização das moedas nacionais, associado a uma
ênfase na necessidade de ajuste fiscal. Junto dessas orientações, ainda
podemos citar a reforma do Estado – mormente privatizações e reforma
administrativa – desregulamentação dos mercados e liberalização comercial e
financeira. Aplicadas tais políticas reformistas, o país estaria apto para o
crescimento econômico (CARINHATO, 2005, p. 40).
Diante de todo o arcabouço de políticas (neo)liberalizantes interpostas, FHC chega
a Presidência da República. Dessa vez a agenda neoliberal ganha espaço com o presidente que
havia salvado a economia com seu plano redentor, em outras palavras, o Plano Real o havia
colocado em lugar de destaque e agora, o quadro político e econômico favorecia Cardoso, de
maneira que, é com o advento do seu mandato, que o Brasil presenciaria o maior e mais
conservador período de neoliberalismo da história do país.
FHC ao assumir o governo não hesita em colocar em prática aquilo que já era mais
que real na maioria dos países circunvizinhos e que no Brasil, as tentativas anteriores haviam
sido um tanto frustrantes. Logo é colocado em exercício um plano de privatização pesado e
bem direcionado a setores estratégicos, como energético, petrolífero, telecomunicações, dentre
outros. A ideia de diminuir o Estado e permitir que o mercado adentrasse mais fortemente
nesses setores, juntamente com a abertura da economia para mercados internacionais eram o
carro chefe do governo de Cardoso. FHC foi servil para os de fora e truculento para os de baixo
aqui de dentro (ANTUNES, 2005, p. 38).
Por meio de medidas provisórias, o então presidente abusou de seu poder em várias
situações, observou-se uma acumulação de atribuições legislativas pelo chefe do executivo, de
modo que o Congresso Nacional se transformou, de certa forma, submisso ao poder do
Presidente da República, transformando-o em um sistema autoritário e centralizador (COSTA,
22
2000, p. 62). A estabilidade monetária naquele momento era o foco maior do governo, por isso
também, o grande número de medidas provisórias.
A agenda legislativa desse governo foi extensa e complexa. Certamente não
contemplava o amplo leque de questões que compunham a agenda pública. A
questão da desigualdade social, por exemplo, não fazia parte dessa agenda. A
estabilidade monetária obteve prioridade máxima, assim como as reformas
tidas como necessárias para garantir o controle inflacionário e permitir a
inserção do país na economia internacional (FIGUEIREDO, LIMONGI &
VALENTE, 1999, p. 50).
A forma utilizada por Fernando Henrique para diminuir o tamanho do estado e
colocar em prática, de fato, as ideias de sua agenda, foi criando um ministério específico para
tal fim, o Ministério da Administração e Reforma do Estado – MARE, tendo a frente o ministro
Bresser Pereira. Foi nesse ministério onde as coisas aconteceram para o sucesso do ideário do
neoliberalismo no país.
(...) os quatro aspectos básicos da reforma da reconstrução do Estado: a
delimitação de sua abrangência institucional e os processos de redução do
tamanho do Estado, a demarcação de seu papel regulador e os processos de
desregulamentação, o aumento de sua capacidade de governança e o aumento
de sua governabilidade. Nos quatro casos, o objetivo não é enfraquecer o
Estado, mas fortalecê-lo (BRASIL, 1998).
Seu primeiro mandato, além da proposta da Reforma do Aparelho do Estado, foi
marcado fortemente pela contenção de gastos em setores cruciais do Estado, pela estratégia de
privatização e principalmente, pelo controle da inflação. Foi em seu governo que o Brasil
voltou a ter índices inflacionários mais estáveis, após décadas de sucessivas crises, todavia, a
busca por investimentos de terceiros deixou o país ainda mais preso a dívidas externas,
decorrência de onerosos empréstimos adquiridos com agências internacionais, como FMI e
Banco Mundial. Segundo estes organismos internacionais, para o crescimento econômico e
inserção na ordem mundial é preciso que os Estados estejam com orçamentos equilibrados e
estabilidade interna da moeda (COSTA, 2000, p. 5).
Durante os primeiros anos de seu governo, FHC ainda pautou e concretizou
privatizações de companhias importantíssimas e de peso na economia brasileira, como no caso
da Vale do Rio Doce em 1997, da Telebrás em 1998 e do BANESPA em 2000, esta última já
23
aconteceu em seu segundo mandato. No caso da Petrobrás, maior empresa brasileira, Cardoso
também investiu pesado no plano de privatização da mesma, porém, não obtendo êxito como
nos casos anteriores.
A eleição que consagrou Fernando Henrique como presidente pela segunda vez foi
vencida já no primeiro turno, usando do mesmo argumento utilizado na primeira campanha: o
plano real. Com a retórica de “não trocar o certo pelo duvidoso”, chegou a presidência em 1999
e logo continuou seu programa de privatização. Seu segundo mandato não foi marcado por
grandes reformas estruturais, como aconteceu até 1998. Destaca-se nesse período a criação da
Lei de Responsabilidade Fiscal em 2000 e a implantação, a nível federal, do programa Bolsa
Escola, o qual já fazia parte da agenda de algumas cidades do Brasil.
A reforma implementada pelo Governo FHC desmonta o Estado, a partir do
aprofundamento da estratégia privatizante, inaugurada por Collor de Mello. O
governo FHC empreendeu um desmonte da máquina pública, com demissões
de funcionários, a fragilização da economia nacional devido a abertura
irrestrita das importações, o desmonte da seguridade social, através da
supressão de direitos previdenciários e a quebra dos princípios do SUS Sistema Único de Saúde devido à criação das Organizações Sociais (COSTA,
2000, p. 25).
Em resumo, era esse o cenário formado durante a década de 1990 que perduraria
até o início dos anos 2000, quando Lula chega a presidência. FHC foi o presidente, até hoje,
que honrou o ideário neoliberal, no âmbito de Brasil, com grandes privatizações, abertura de
mercado, desregulamentação financeira, diminuição do tamanho do aparelho de Estado, dentre
outras medidas colocadas em prática durante o período de seus dois mandatos. Os capítulos
seguintes deste trabalho analisarão de forma mais aprofundada as reformas empreendidas por
Cardoso, principalmente, no período de 1995 a 1998, considerado o auge das reformas.
3. O MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO E REFORMA DO ESTADO
3.1. A CRIAÇÃO DO MARE
A partir de 1995, teve início no Brasil um processo que ficou conhecido como a
Reforma do Aparelho do Estado ou Reforma Gerencial. Essa iniciativa alavancada durante o
governo de Fernando Henrique Cardoso foi colocada em prática através do ministério criado
24
para este fim. O MARE teve a frente, inicialmente, o Ministro Bresser-Pereira, o qual foi
colocado como peça fundamental para o sucesso temporário das medidas tomadas naquele
período, como também um dos grandes idealizadores da reforma, junto com o presidente, FHC.
Segundo os reformadores, o Brasil passava, naquele momento, por uma crise do
Estado, o modelo burocrático estatizante era o grande culpado, tanto da crise do modelo
mencionado, como também da crise econômica que o país passava desde o início da década de
1980. Sendo assim, era mister que uma reforma no aparelho estatal fosse iniciada, tomando
como modelo países europeus e sul americanos que já haviam iniciado tal processo alguns anos
antes. A reforma seria a salvação do Brasil, pois criaria um Estado competitivo e uma
economia pujante, podendo concorrer com países de economias mais sólidas e instituindo um
setor produtivo regido pelo mercado. Enfim, o MARE era a institucionalização das ideias
neoliberais no Brasil.
As reformas realizadas nos anos 90, notadamente a privatização, a
liberalização comercial e a abertura da economia, tiveram eficácia no
desmonte dos alicerces da antiga ordem, de tal forma que qualquer perspectiva
de retorno ao passado torna-se anacrônica (DINIZ, 2001).
O Brasil foi um dos primeiros países em desenvolvimento a adotar essas medidas
de reforma do aparelho estatal, tendo em vista a necessidade de se adequar aquilo que era
praticamente consenso em todo o mundo ocidental. Ora, o Brasil precisava mostrar que estava
se adequando as medidas orientadas pelo Consenso de Washington, caso contrário, havia o
risco de sua economia estar fadada ao esquecimento. Era preciso cortar gastos, melhorar o
desempenho da economia, criar um mercado autossuficiente, eliminar de vez os altos índices de
inflação e criar um serviço público mais eficiente, baseado na competição, qualidade e busca
por resultados, ou seja, cada vez mais parecido com o setor privado.
Enquanto a primeira grande reforma da organização do Estado, a reforma
burocrática ocorrida no século 19 visava criar uma administração profissional
e eletiva, a reforma da gestão visa melhorar a qualidade e reduzir o custo dos
serviços públicos, ou, em outras palavras, atender as demandas da sociedade
sem incorrer em custos excessivos (BRESSER-PEREIRA, 2006).
A reforma buscava tanto o apoio da população em geral, como, principalmente, dos
servidores que faziam parte da administração naquele momento, apesar de grande parte deles
não serem de acordo, pois a empreitada do governo almejava a retirada de vários de seus
25
direitos, como o enxugamento do quadro de pessoal nos mais diversos órgãos da administração
federal.
Por implicar a flexibilização da estabilidade do funcionalismo, a reforma
administrativa tem sido identificada como contrária aos interesses dos
servidores. Nada mais incorreto: os bons funcionários, que constituem a
maioria absoluta, nada têm a temer. Muito pelo contrário: pretende-se
valorizar o servidor público, proporcionando-lhe motivação profissional,
remuneração condizente com o mercado de trabalho nacional, além de
razoável segurança no emprego (BRASIL, 1995).
3.2. O PLANO DIRETOR DA REFORMA DO APARELHO DO ESTADO
Com o objetivo de dar suporte à reforma, O Plano Diretor da Reforma do Aparelho
do Estado foi criado em 1995, estabelecendo diretrizes para a reorganização da administração
pública do Brasil e determinando objetivos a serem cumpridos dentro de cada setor da máquina
pública.
O Plano Diretor coloca em questão os principais motivos da crise do Estado, e o
que, de fato, é a crise, apresenta também um receituário de como vencê-la, apontando sempre
para a diminuição da máquina pública como sendo a solução. Segundo é colocado no plano, o
Estado não tem capacidade de acompanhar o desenvolvimento tecnológico e da globalização da
economia mundial (BRASIL, 1995). Diante dessa circunstância, ou inicia-se a reforma
urgentemente ou o país tornar-se-ia vítima desse processo globalizante, por não tomar as
decisões corretas na hora em que muitos estão indo na mesma direção, pelo menos é assim que
criam os neoliberais.
A crise do Estado define-se então (1) como uma crise fiscal, caracterizada pela
crescente perda do crédito por parte do Estado e pela poupança pública que se
torna negativa; (2) o esgotamento da estratégia estatizante de intervenção do
Estado, a qual se reveste de várias formas: o Estado do bem-estar social nos
países desenvolvidos, a estratégia de substituição de importações no terceiro
mundo, e o estatismo nos países comunistas; e (3) a superação da forma de
administrar o Estado, isto é, a superação da administração pública burocrática
(BRASIL, 1995).
26
Apesar de todo o aparato criado para dar vazão ao neoliberalismo neste momento,
há no plano diretor uma tentativa de camuflar quem o representa e a origem dessas ideias,
assim como toda a esperança criada sobre a reforma do aparelho Estado. Dessa forma, é
colocada no plano que seria “utópica” toda tentativa de reorganizar o aparelho do Estado
baseando-se nos ideias do neoliberalismo, pois o mesmo não é real. Entretanto, sabe-se que a
base do que foi (re)criado durante o governo de Fernando Henrique era remanescente das ideias
interpostas no Chile, Inglaterra e nos Estados Unidos, alguns anos antes.
Cabe destacar a preocupação que há em esclarecer que, não se trata de um plano
diretor para a Reforma do Estado, mas sim, de seu aparelho, ou seja, os três poderes:
Legislativo, Executivo e Judiciário, juntamente com os três níveis federativos: União, Estados e
Municípios. O aparelho do Estado é constituído pelo governo, isto é, pela cúpula dirigente nos
três poderes, por um corpo de funcionários e pela força militar burocrática O Estado, por sua
vez, é mais abrangente que o aparelho [...] (BRASIL, 1995). A reforma do Estado,
propriamente dita, aconteceria naturalmente na mente dos cidadãos ao passo que a primeira
seria consolidada na administração.
Um dos principais mecanismos utilizados nesse período foi a privatização, onde
dezenas de empresas no Brasil passaram por esse processo durante a década de 1990, sendo
totalmente vendidas para o setor privado. Outro processo abordado pelo plano diretor e que
pouco se fala é o que se nomeou de “publicização”, em outras palavras, passar para o setor
público não-estatal (terceiro setor) serviços como saúde, educação, cultura e pesquisa cientifica,
os quais não envolvam o exercício do poder pelo Estado, mas que devam ser subsidiados por
Ele (BRASIL, 1995). Neste sentido, claramente nota-se que há uma tentativa forçada de
colocar o Estado como simples provedor de leis e regulador de serviços que, de certo modo,
nunca saíram de sua competência, tendo em vista que legalmente o serviço é provido pelo
Estado, contudo, não é mais tutelado por Ele.
De fato, o papel do Estado, enquanto produtor de bens e prestador de serviços
está sendo reduzido, dada a crise fiscal e à ineficiência da administração
pública burocrática. Em contrapartida, porém, as organizações públicas nãoestatais só tendem a crescer. Primeiro, porque podem ser tão eficientes quanto
as empresas privadas. Segundo, porque são uma forma de propriedade mais
adequada para uma série de atividades, como a educação superior, a pesquisa
científica, a saúde, e a cultura, que envolvem direitos humanos fundamentais,
e produzem amplas economias externas (...). Terceiro, porque, devido ao
27
controle social a que estão submetidas, são mais compatíveis com o regime
democrático - um regime que tende historicamente a universalizar-se
(BRESSER-PEREIRA, 1995).
A tentativa de implantação do modelo gerencial vem com o intuito de quebrar o
antigo modelo adotado pelo Brasil na década de 1930 com o DASP, o qual teve várias
tentativas de reforma de durante o restante do século XX. Os argumentos utilizados eram que o
modelo anterior acumulava várias mazelas do Brasil colônia, fossem nepotismo,
patrimonialismo, clientelismo, dentre outros. Com isso, a administração gerencial viria a
romper com essas práticas, tornando o processo burocrático mais rápido e cada vez mais livre
dessas e outras implicações.
No que diz respeito ao enxugamento da administração pública, os próprios números
trazidos pelo plano diretor corroboram energicamente para crer que a tentativa por trás de todas
as medidas tomadas através do ministério da reforma, era mesmo o sucateamento do serviço
público federal no Brasil. Segundo números do próprio plano, entre os anos 1989 e 1995, a
quantidade de servidores públicos civis do poder executivo federal caiu de 7132 mil para 580
mil. Já envolvendo os demais setores da administração federal, como autarquias, fundações,
empresas públicas, sociedade de economia mista e os demais, verificou-se que entre 1988 e
1994, o número de servidores ativos caiu de 1.444.000 para 1.197.000. Ou seja, constata-se
que, de fato, era crescente o sucateamento do aparelho estatal do Brasil, onde em menos de
cinco anos o país perdeu mais de 200 mil servidores. O mais interessante é que os gastos com o
serviço público federal durante o período mencionado aumentaram, mesmo com toda a redução
no quadro de funcionários, de modo que, no PIB do Brasil a participação da folha de
pagamento da União passou de 2,89% para 3,17%. Isto é, a redução no número de funcionários
era real, porém, o salário daqueles que permaneciam era aumentado, e assim parecendo cada
vez mais com o setor privado, na busca pelo lucro e por resultados. Apesar do aumento no
salário dos servidores, havia um problema inerente a esse sistema e que se transformava
rapidamente em uma bola de neve. Ora, se havia servidores saindo do serviço público, logo,
haveria um maior número de desempregados no país, e mais, com um aumento nos salários dos
remanescentes, consequentemente haveria concentração de renda em alguns setores.
Para justificar tal posição, o Plano Diretor da Reforma do Estado Considerou a
Constituição de 1988 um retrocesso burocrático sem precedentes, propondo
2
Todos os dados informados foram retirados do Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado.
28
abolir a estabilidade dos servidores, reduzir os gastos (principalmente com os
inativos), avaliar o desempenho
e diminuir a
cultura burocrática
(CARINHATO, 2008).
3.2.1. O DIAGNÓSTICO DO PLANO DIRETOR
São enfatizados no diagnóstico do plano diretor os problemas, de um lado, que
dizem respeito às condições do mercado de trabalho e a política de recursos humanos, e de
outro, referente a três dimensões do problema institucional-legal, cultural e gerencial (BRASIL,
1995). A dimensão institucional-legal busca a melhor eficiência do próprio funcionamento do
aparelho estatal, pois a Constituição de 1998 enrijeceu muito a burocracia, principalmente, com
a adoção de concursos públicos, permitindo que o poder executivo trabalhe na organização
direta e composição dos órgãos públicos, aumentando o detalhismo presente nos orçamentos e
nos processos de aquisição de materiais, dentre outros. A respeito de uma possível reforma
constitucional BRESSER-PEREIRA (1996) diz o seguinte:
A reforma mais importante, porque dela depende a maioria das outras, é
naturalmente a constitucional. Além de seu significado administrativo, ela tem
um conteúdo político evidente. Na medida em que suas principais propostas
[...] sejam aprovadas, não apenas abre-se espaço para a administração pública
gerencial, mas também a sociedade e seus representantes políticos sinalizam
seu compromisso com uma administração pública renovada, com um novo
Estado moderno e eficiente (BRESSER-PEREIRA, 1996).
No tocante aos recursos humanos, a crítica persiste no simples fato de que,
unicamente por meio de concursos públicos, indivíduos tem acesso ao serviço público e
ganham o direito de fazer carreira, adquirindo a estabilidade após alguns anos. Além de não
permitir que outros tenham acesso através de modos de seleção diferenciados, o concurso não é
realizado com regularidade, com isso não permite a entrada periódica de servidores, e mais,
tornando o processo seletivo mais caro e moroso. Diante disso, o plano reitera a necessidade de
uma política que possibilite o acesso de pessoas mais capacitadas e com espírito competitivo
mais aflorado, e que essa política dê formação, capacitação permanente e remuneração
condizente com a valorização do exercício da função (BRASIL, 1995).
29
Em relação ao mercado de trabalho, o plano buscou mostrar a importância do setor
na modernização do aparelho estatal, como também a intenção, pelo menos teoricamente, de
trazer jovens recém-formados, como força de trabalho ativa e com uma mentalidade aberta às
mudanças que seriam implantadas. Como já mencionado anteriormente, é exposto como foi
melhorado o salário dos servidores a partir de 1994, ultrapassando em algumas situações o
setor privado. Na mesma linha, os planos de carreira dentro da União são discrepantes, no que
diz respeito aos salários, onde muitas vezes, o mesmo cargo em órgãos governamentais
diferentes apresentam remunerações totalmente distintas. Preocupação maior demonstrada por
aqueles que queriam o enxugamento da máquina pública encontrava-se na grande quantidade
de servidores inativos naquele período, os aposentados somavam mais de 470 mil, com a média
de idade de 42 anos, em outros números, 36% dos gastos com pessoal da União eram
direcionados para esse grupo. Do ponto de vista fiscal, a situação se tornará insustentável [...]
do ponto de vista social, um sistema injusto e desequilibrado (BRASIL, 1995).
Há um ataque claro por parte do plano diretor ao sistema previdenciário brasileiro,
em detrimento do setor privado, alegando que os profissionais deste último trabalham por mais
tempo e contribuem de forma mais rigorosa para ter uma aposentadoria no momento certo após
parar de trabalhar. Recaem, ainda, as inferências sobre o gasto que a União possui com este
setor, ultrapassando todos os limites necessários que o Estado é capaz de suportar. No mais,
seria irredutível a necessidade e a pressa de se retirar da União essa carga pesadíssima.
Os aspectos mencionados acima são claramente alvos que requerem alteração legal,
quer seja a CF de 1998, ou leis abaixo dela, no entanto, para que sejam viabilizadas tais
mudanças e com o sucesso esperado, concomitantemente, deve ocorrer uma mudança de mente,
isto é, na cultura daqueles que fazem parte da administração, como também na sociedade em
geral. Esta dimensão diz respeito a um elemento central da técnica administrativa de como
fazer, com que métodos, de que modo, sob qual orientação de valores (BRASIL, 1995).
Treinamento constante, motivação psicológica e material, supervisão e acompanhamento dos
servidores e inovações no ambiente de trabalho são, segundo os reformadores, aspectos
imprescindíveis na atmosfera de qualquer serviço público, e que o modelo gerencial traria, caso
implantado. Por fim, é expressa no plano a necessidade de se impor um tipo de motivação
negativa, como mesmo coloca, uma espécie de possibilidade de demissão do servidor
(BRASIL, 1995), caso este não atinja o nível esperado pela administração, mostrando que sua
performance está aquém do desejado, embora, seja uma motivação colocada em segundo plano.
30
Acerca do diagnóstico apresentado pelo plano diretor e os possíveis meios de
reformulação do quadro existente, não ficam dúvidas que a busca por resultados e o aumento da
competitividade dentro do ambiente público administrativo é o mais desejável e recomendável
por aqueles que buscam um aparelho estatal mais eficiente.
A reforma administrativa quebrou a estabilidade do funcionalismo e o
regime jurídico único. Através dos planos de demissão voluntária, o governo
conseguiu reduzir significativamente o número de funcionários públicos. A
redução do Estado, com a diminuição do número de funcionários públicos,
extinção de entidades estatais e a privatização de empresas públicas, é parte do
ajuste fiscal buscado. A meta é ter um Estado menor, porém mais forte e ágil.
Certamente o Estado ficará menos na área social e mais forte na organização
das condições gerais para a manutenção do lucro do setor privado (COSTA,
2000).
3.2.2. OS SETORES DO ESTADO
São colocados e aprovados no plano diretor da reforma, quatro setores estratégicos
dentro da máquina do Estado, os quais compõem a nova estrutura do Estado, enquanto reforma
gerencial. Cada um bem dividido entre si e com cada órgão exercendo suas atribuições dentro
do novo modelo. Sendo assim, o modelo burocrático tradicional seria modificado, contando
com a nova configuração, qual seja:
NÚCLEO ESTRATÉGICO. Corresponde ao governo, em sentido lato [...]
Poderes Legislativo e Judiciário, ao Ministério público e, no poder executivo,
ao Presidente da República, Ministros de Estado e seus auxiliares e assessores.
ATIVIDADES EXCLUSIVAS. É o setor em que são prestados serviços que
só o Estado pode realizar [...] a cobrança e a fiscalização dos impostos, a
polícia, a previdência social básica, o serviço de desemprego, o serviço de
transito, o controle do meio ambiente, o subsídio à educação básica, o serviço
de emissão de passaportes, etc. SERVIÇOS NÃO EXCLUSIVOS.
Corresponde ao setor onde o Estado atua simultaneamente com outras
organizações públicas não-estatais e privadas. As instituições desse setor não
possuem o poder de Estado [...] são as universidades, os hospitais, os centros
de pesquisa e os museus. PRODUÇÃO DE BENS E SERVIÇOS PARA O
MERCADO. Corresponde à área de atuação das empresas. É caracterizado
31
pelas atividades econômicas voltadas para o lucro que ainda permanecem no
aparelho do Estado como, por exemplo, as do setor de infraestrutura
(BRASIL, 1995).
Além da mudança na forma de comando, de um modelo burocrático para o
gerencial, seria modificada também a forma de domínio, onde apenas o setor estratégico e o
setor das atividades exclusivas são mantidos como propriedade estatal (COSTA, 2000). Já os
serviços não exclusivos, através da publicização, seriam transferidos para o terceiro setor e, por
fim, com o setor produtivo firmemente privatizado, o Estado perderia sua tutela. Ao se utilizar
o mecanismo de terceirização dos serviços públicos para empresas privadas ou ONGs – visto
que o governo via como necessário o caráter competitivo na área social – estes passaram a
serem consideradas mercadorias (CARINHATO, 2008).
Cada setor mencionado anteriormente possui especificidades, as quais devem ser
vistas de forma criteriosa, de modo que as tomadas de decisões ocorram dentro do padrão
esperado pelo modelo gerencial. No primeiro, o núcleo estratégico, o que importa são as
tomadas de decisões e o cumprimento delas, que devem ocorrer de forma segura e consciente,
tendo em vista que é o setor abarcado pelo poder executivo. Nos três setores seguintes, que
devem se ater, principalmente, ao atendimento aos cidadãos, o plano coloca a eficiência como
sendo fundamental para o seu sucesso, pois a qualidade no atendimento e a produtividade
nesses três setores são a alavanca propulsora para o ajustamento do aparelho do Estado.
3.2.3. OBJETIVOS DO PLANO DIRETOR
Após a exposição de diretrizes e do diagnóstico, o plano diretor coloca seus
objetivos para reforma do aparelho do Estado. Nesse aspecto, o documento parece tentar
mascarar cada vez mais a tentativa de diminuir o Estado e esconder que, por trás de decisões
pontuais em setores estratégicos, como já exposto, o neoliberalismo não tem mais parte nesse
processo, no entanto, a desestatização vislumbra, antes de mais nada, uma imposição de
interesses neoliberais, onde quem está por trás de todo o esquema são influenciadores
remanescentes e políticos conservadores, que veem no Consenso de Washington sua base mais
sólida de ideias, como o próprio presidente, Fernando Henrique Cardoso. A estrutura de do
Estado arquitetado pelo governo FHC tem um perfil liberal e conservador (COSTA, 2000).
32
São elencados uma séria de objetivos, transcritos de forma ampla, com objetivos
gerais e específicos para cada setor do Estado. Os objetivos gerais, basicamente impõem a
necessidade por parte da União em transferir para estados e municípios maiores atribuições e
tirando do Estado a grande carga carregada pela burocracia, levando para o setor público nãoestatal a maioria das atividades. Os objetivos específicos de cada setor, com exceção do núcleo
estratégico (que busca a melhor tomada de decisões do governo), expressam o desejo
privatizante dos responsáveis pelo plano, demonstrando e apresentando o quão ineficiente é a
administração burocrática.
Primeiramente, para o núcleo estratégico, o essencial é aumentar a efetividade na
tomada de decisões, juntamente com um plano de modernização burocrática, trazendo melhores
salários para os servidores, proporcionando entrada no serviço público por vias mais acessíveis,
como concursos públicos e processos seletivos mais rápidos, dentre outros aspectos. Por fim,
ter condições de gerenciar as agências criadas para realizar as poucas atividades exclusivas
deixadas sob o comando do Estado.
Para as atividades exclusivas, os objetivos são claros quanto a retirar do Estado
praticamente todas as atribuições, como transformar as autarquias e fundações em agências
autônomas, substituindo, nesse caso, a burocracia insulada pela administração baseada na
competição individual e na busca por resultados. Para isso, contar com ajuda da sociedade civil,
na participação enquanto formuladores e avaliadores de políticas públicas (BRASIL, 1995).
Quanto aos serviços não exclusivos, coube utilizar a publicização para alterar o
perfil das fundações públicas em organizações sociais, retirando do Estado o poder de intervir
nesses órgãos, porém, ajudando-as apenas financeiramente e celebrando contrato de gestão,
tendo em vista o serviço que esta prestará a sociedade civil.
Por fim, ao setor de produção para o mercado, coube implantar o próprio plano de
privatização, por meio de um conselho de privatização, tanto fortalecendo as empresas que
fossem privatizadas, como dando suporte as agencias reguladoras que viessem a supervisionar
as empresas. Enfim, esse era o escopo do que desejavam os neoliberais para o Brasil na
segunda metade da década de 1990.
33
3.2.4. TRANSIÇÃO DO MODELO BUROCRÁTICO PARA O GERENCIAL
O plano diretor, estrategicamente, focou em três dimensões o processo de transição
de um modelo para o outro. Primeiramente, era necessário reformular as leis, Constituição e
outras menores, ou seja, dar ao sistema jurídico do Brasil uma nova roupagem e que se
adequasse ao novo modelo, seria a reforma institucional-legal. Em segundo plano e de forma
simultânea, a mudança seria cultural, passando de uma cultura burocrática para uma gerencial.
Por fim, seria a própria alteração da máquina pública, isto é, de um modelo de gestão pública
burocrática e estatizante para o modelo gerencial, baseado em resultados.
Em relação ao novo patamar jurídico pretendido pela reforma, esperava-se que seus
resultados apareçam em médio prazo, entre os anos de 1996 e 1997. Com isso, são propostas
emendas constitucionais que venham dar todo o suporte para o restante das leis
complementares criadas no âmbito da reforma. Destacam-se as emendas de ordem economia e
previdenciária.
Estas emendas visam, a curto prazo, facilitar o ajuste fiscal especialmente nos
estados e municípios, onde existe excesso de quadros, mas também na União
no que diz respeito ao sistema previdenciário. A médio prazo visam a
possibilitar a modernização da administração burocrática prevalecente no
núcleo estratégico e a introdução da administração gerencial no setor de
prestação de serviços do Estado (BRASIL, 1995).
Das emendas apontadas no plano diretor, duas dizem respeito a reforma
administrativa, as quais abordam todos os aspectos referentes a transição para o modelo
gerencial, como as mudanças estruturais proporcionadas, como salários de servidores,
estabilidade no cargo, meios de ingresso no serviço público federal, prerrogativas dos três
poderes, dentre outros aspectos. Já a outra emenda diz respeito a reforma previdenciária, pois é
identificado um dos maiores gargalos do sistema burocrático o fator de a União ter altos gastos
com aposentadorias, que muitas vezes são concedidas precocemente. Além das emendas à
Constituição, deverão ser elaboradas uma série de leis infra-constitucionais, que abarquem uma
série de casos pontuais e que dizem respeito aos servidores stricto sensu . Essas mudanças não
se fazem apenas para atender o interesse público e o da cidadania, mas também em benefício
do funcionário (BRESSER-PEREIRA, 1996).
34
Concretamente, as mudanças na administração ocorrerão, a priori, na dimensãogestão, esta que é a primeira a ser implantada e que devem ser vistos os frutos mais
rapidamente, isto é, em curto prazo, até o final do ano de 1995. No que tange as mudanças na
cultura administrativa, os resultados destes seriam vistos em longo prazo, final do ano de 1999,
pois seriam mais uma consequência das medidas anteriores. Ao mesmo tempo, as outras
reformas ganharão mais impulso ao passo que a cultura for mudada dentro da administração e
na mente da sociedade, ou seja, é crucial esse processo para o sucesso das outras medidas.
Ao que se percebe, nesses aspectos mencionados acima, existe uma clara
desconformidade na implantação das medidas, pois o documento prevê a execução do plano de
mudança de gestão sendo anterior a mudança na esfera legal. Em outras palavras, o
enxugamento do Estado começaria antes mesmo de aprovadas as leis, as quais sustentam todas
as medidas subsequentes. Sendo assim, a formalização de todo processo através das leis seriam
mais uma forma de tornar pública a situação e não de embasar o processo.
A mudança da gestão, embora dependa das reformas institucionais-legais, não
se limita a elas nem pode esperar por elas. É preciso implantar na
administração pública toda uma nova filosofia, toda uma nova cultura
gerencial e suas respectivas práticas (BRASIL, 1995).
3.2.5. PROJETOS E ÓRGÃOS ENVOLVIDOS NA REFORMA
Para tornar factível a realização da reforma no aspecto da gestão, foram pensados
uma série de projetos que consentiram na implantação do modelo de administração gerencial.
No entanto, foi dada maior ênfase a três projetos, quais sejam: Avaliação Estrutural, Agências
Autônomas e Organizações Sociais e Publicização. O primeiro diz respeito a uma sistemática
de avaliação permanente, a qual caberia ainda observar amplamente a estrutura do Estado. O
Projeto das Agências Autônomas teria por objetivo a transformação de autarquias e de
fundações que exerçam atividades exclusivas do Estado, em agências autônomas, com foco na
modernização da gestão (BRASIL, 1995). Por último, o Projeto das Organizações Sociais e
Publicização tinha como enfoque transferir órgãos estatais para o setor público não-estatal, de
modo que passariam a ser organizações sociais fomentadas pelo Estado, mas totalmente
desvinculados deste e com plena autonomia de gestão. Finalmente, completando a agenda
35
reformista do aparelho estatal, serão desenvolvidos nove projetos adicionais que darão suporte
aos três primeiros e que serão distribuídos nos mais diferentes setores.
Além dos projetos encabeçados pelo Ministério da Reforma, para que o modelo
gerencial possa lograr o êxito desejado, o referido ministério contará com a ajuda de outros
órgãos governamentais, os quais darão todo o suporte necessário, seja implantando projetos ou
controlando setores estratégicos do Estado. São os seguintes:
Câmara da Reforma do Estado e seu Comitê Executivo: responsáveis pela
dimensão político-estratégica, com atribuições de aprovar, acompanhar e
avaliar os projetos da Reforma. Conselho da Reforma do Estado: órgão
consultivo, e de articulação perante a sociedade civil dos programas propostos.
Casa Civil da Presidência da República: responsável pela coordenação geral
de todas as atividades não apenas da reforma do aparelho do Estado, mas de
todo o Estado. Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado:
responsável pela formulação, proposição e negociação das ações e projetos da
reforma do aparelho do Estado, através de todas as suas secretarias. Ministério
do Planejamento e Orçamento: responsável, em relação à reforma do
aparelho do Estado, particularmente pelo planejamento das atividades do
Estado e por uma sistemática orçamentária compatível com a administração
pública gerencial. Ministério da Fazenda: responsável, em relação à reforma
do aparelho do Estado, pelo controle efetivo das despesas e pelo controle
interno (BRASIL, 1995).
4. AS REALIZAÇÕES DO MARE: 1995 - 1998
4.1. O FIM DO MINISTÉRIO DA REFORMA
O Ministério da Reforma do Aparelho do Estado, através do seu Plano diretor,
apresentou as diretrizes e objetivos daquilo que seria, a priori, o início da segunda reforma que
alteraria toda a conjuntura do país dali em diante. Em 1998 foi aprovada pelo Congresso
Nacional a Emenda Constitucional 19, a qual veio concretizar e dar o respaldo legal as
principais mudanças legais que já eram visivelmente implantadas a nível federal e que, segundo
os reformadores, eram também imprescindíveis para a modernização da máquina pública
brasileira. Com a implantação da Emenda 19, dentre outras mudanças, destacam-se aquelas
36
relacionadas com a estabilidade dos servidores públicos, com o regime de remuneração dos
agentes públicos e com a gestão gerencial da administração pública (SILVA, 1999).
O MARE foi extinto em 1998, segundo orientação do próprio ministro, BresserPereira, o qual passaria todas as suas atribuições para o Ministério do Planejamento e Gestão.
Até então, as reformas eram implementadas a nível federal, de modo que, com a mudança de
ministério as reformas passaram a ser praticadas, também, nos Estados e Munícipios da
federação. Os governos estaduais e municipais viabilizaram novidades no campo das políticas
públicas: maior participação social, ações mais ágeis, e, no caso específico dos estados, a
expansão dos centros de atendimento integrado, uma das maiores revoluções na administração
pública brasileira contemporânea (ABRUCIO, 2007). Já no que diz respeito à extinção do
MARE e a apropriação de suas atribuições por outro ministério, o próprio Bresser- Pereira diz o
motivo:
Essencialmente, porque com base na experiência dos Estados Unidos e do
Chile eu fiquei então convencido de que a reforma gerencial poderia avançar
mais se estivesse em um ministério com o poder derivado da elaboração do
orçamento federal. [...] O MARE não tinha esse poder. Dependia
exclusivamente de sua capacidade de convencimento. E nessa matéria fora
bem-sucedido. Mas administração não se faz apenas através de persuasão.
Esta é importante, mas precisa ser combinada com decisão, e, para isso, era
aconselhável transferir as funções do MARE para o Ministério do
Planejamento, que tem o poder de orçamento (BRESSER-PEREIRA, 2010).
4.2. OS AVANÇOS E RETROCESSOS DA REFORMA
4.2.1 MUDANÇAS NA LEGISLAÇÃO
Apesar das críticas que o modelo proposto por Bresser recebeu, é possível perceber
mudanças significativas em alguns setores do Estado, as quais foram vistas como benéficas, no
final de tudo. Isto é, nem tudo foi desperdício.
As Emendas Constitucionais 19 e 20, juntamente com uma série de leis aprovadas
simultaneamente deixaram o sistema administrativo mais flexível quanto à contratação de
pessoal, realização de concursos públicos, folha de pagamentos e demissão de funcionários,
transparência e controle da sociedade. Um dos principais avanços diz respeito à eliminação de
37
cargos que possuem super salários dentro da administração, como também o indiscriminado
acúmulo de cargos de forma que estimula em muito o nepotismo e outras formas de
beneficiamento pessoal direto e indireto. Outro ponto importante diz respeito ao controle do
orçamento com o pagamento de pessoal, onde foi estipulado um limite de até 60% do
orçamento em sua liquidez para esse custeio. Por fim, o fato de o servidor adquirir a
estabilidade somente após três anos de efetivo exercício no serviço público federal, dentre
outros pontos. Acerca do exposto, referente às reformas legais na administração pública e ainda
como forma corroborativa vale destacar novamente as palavras de ex-ministro:
Os principais pontos da reforma constitucional são a previsão de mecanismos
de flexibilização da estabilidade, com a possibilidade de perda do cargo por
insuficiência de desempenho ou por excesso de quadros, o fim da
obrigatoriedade do Regime Jurídico Único, a disponibilidade do servidor com
remuneração proporcional ao tempo de serviço, a exigência de avaliação para
alcançar estabilidade no final do estágio probatório, a proibição de aumentos
em cascata, a eliminação da expressão “isonomia salarial” do texto
constitucional; o reforço do teto e do subteto de remuneração dos servidores, a
exigência de projeto de lei para aumentos de remuneração nos três poderes
(BRESSER-PEREIRA, 1998).
Todos os pontos acima citados já eram situações factíveis no contexto de 1998, os
quais o governo já trabalhava formas de avaliá-los dentro da administração. Percebe-se nessas
alterações que se buscava não somente um reajustamento legal, mas também uma mudança no
aspecto político e relacional da administração federal nos três poderes e entre eles próprios. Ou
seja, essas medidas trouxeram uma mudança estrutural em toda administração, abrangendo do
menor ao maior cargo.
Quanto à reforma previdenciária, visto que esse era um peso carregado pelo Brasil,
devido a grande quantidade de cadernetas de aposentadoria que o país sustentava, foram feitas
inúmeras reformas. A Emenda nº 20 tinha dentre outras providências, o dever de instituir o
sistema de previdência social e as normas de transição de um ativo para aposentado.
As principais mudanças compreendem a revisão das regras de acesso aos
benefícios, visando a contenção da retirada precoce do segurado da atividade
produtiva, mediante introdução da exigência de idades mínimas para acesso as
aposentadorias voluntárias. Além disso, as aposentadorias proporcionais serão
extintas e o regime especial dos professores, com tempos reduzidos, será
38
restringido aos professores do ensino fundamental e médio, excluídos os
professores universitários (BRASIL, 1998).
As mudanças na legislação colocadas em prática através das duas emendas
deixaram clara a necessidade de diminuir o tamanho do Estado, retirando de alguns setores
grande parte dos seus funcionários e nivelando o salário de muitos outros, apesar do discurso
sempre pronto em afirmar que a intenção não é diminuir a força do Estado, mas, sim,
justamente aumentar a participação do Estado nesses aspectos. Vale ressaltar ainda que muitas
destas mudanças permanecem até os dias atuais.
Além das duas Emendas supramencionadas foram criadas uma série de outras leis,
que vinham complementar todo o aparato legal e contribuir para que as outras anteriores
ganhassem legitimidade. Ao passo que a Emenda 19 foi aprovada, outros projetos de Lei
Complementares foram enviados ao congresso de forma prioritária para apreciação imediata
dos parlamentares, fossem para alteração de pontos contrários ou para aprovação.
Lei Complementar que trata da perda do cargo pelo servidor estável; Lei
Complementar que visa perda do cargo como forma de cumprimento aos
limites orçamentários; Lei Complementar que permite a aplicação do regime
estatutário, Lei 8.112/90 e do regime celetista em segmentos diferenciados da
administração federal, para os novos servidores; Por fim, um projeto de Lei
Complementar que fixa limite de despesas com pessoal para a administração
pública (BRASIL, 1998).
Outros projetos foram elaborados nesse período, porém, não foram aprovados
enquanto o ministério ainda existia. Pode-se fazer menção do projeto de lei que buscava fixar
um piso e um teto aos salários dos três poderes da União, tendo como referência o subsídio
recebido pelos Ministros do STF. Muitos desses projetos eram desenvolvidos por indivíduos
que nem faziam parte do processo legislativo, ou seja, eram simpatizantes intelectuais da causa
colocada pelo ministério, que se reuniam periodicamente para discutirem projetos de leis que
viessem dar suporte a reforma.
Além das leis que foram formuladas, implementadas e direcionadas para os
servidores, foram colocadas em pauta também mudanças em duas das leis mais abrangentes e
mais conhecidas pela sociedade brasileira, Lei 8.112/90 e 8.666/93, as quais tratam dos
servidores públicos e das licitações e contratos, respectivamente. Apesar das leis já existirem
nesse período, mas as mesmas foram alvo de revisão, pois em muito divergiam daquilo que os
39
reformadores queriam para a administração. Outra lei de significativo peso no Brasil foi
aprovada em 2000, a qual foi fruto desse debate, a Lei de Responsabilidade Fiscal se consagrou
como uma das maiores conquistas desse período.
Enfim, o Brasil passou nesse momento por uma efervescência total no tocante as
novas mudanças legais, algumas que já aconteciam na prática e outras que haveriam de vir. O
Governo Federal, na pessoa de Fernando Henrique Cardoso, a princípio deu total apoio às
medidas implementadas por Bresser, afinal era o início de seu plano de reforma estratégico, no
qual usou um ministério para esse fim. Entretanto, seu segundo mandato foi marcado logo de
início pelo desmantelamento desse ministério, apesar de os quatro anos seguintes à extinção do
MARE tivera sido caracterizado pelas privatizações e enxugamento da máquina pública.
Não há dúvidas de que projetos de lei não faltaram, nem mentes que cada vez mais
idealizassem uma reviravolta no quadro normativo do país, tendo em vista também que muitos
desses intelectuais formuladores de leis não faziam parte do quadro legislativo e criticavam em
muito a CF de 1988. Eis um dos grandes problemas encontrados pelo ministério, os projetos de
leis muitas vezes não eram criados por parlamentares, e quase sempre eram aprovados com
ressalvas,
como
afirma
ABRUCIO
(2007)
haviam
resistências
políticas,
vindas
primordialmente do Congresso.
Os parlamentares temiam a implantação de um modelo administrativo mais
transparente e voltado ao desempenho, pois isso diminuiria a capacidade de a
classe política influenciar a gestão dos órgãos públicos, pela via da
manipulação de cargos e verbas. Ademais, também havia senões no núcleo
central do governo, sob a influência do ministro chefe da Casa Civil, Clóvis
Carvalho, o que levou o Palácio do Planalto a não apostar numa reforma
administrativa mais ampla (ABRUCIO, 2007).
4.2.2. MUDANÇAS INSTITUCIONAIS
No tocante as reformas institucionais, as medidas tomadas inicialmente dizem
respeito às alterações nos planos de carreira dos funcionários e na reorganização e
fortalecimento da carreiras de Estado. O objetivo maior em relação às mudanças no contexto do
serviço público direto era criar e reformular cargos de carreira com maior expressão que
estivessem ligados diretamente a ministros e outros cargos de alto escalão, promovendo um
40
serviço público mais elitizado e longe das bases de apoio. Foi dada maior expressão aos cargos
ligados a área de regulação e coordenação em nível federal, mas que aos poucos, foram sendo
disseminadas aos níveis estadual e municipal.
Percebe-se até esse momento que, além da pouca entrada de funcionários na
administração Pública Federal no período em questão, a facilidade de demissão dos ativos e
daqueles que não atingissem a média satisfatória do governo eram facilmente percebidos.
Dessa forma, acirrando em muito o trabalho daqueles que faziam parte do sistema naquele
momento, tornando o processo cada vez mais parecido com o setor privado. Na proposta de
reforma, o governo abandonou esse tudo ou nada, segundo o qual ou o servidor conserva o
emprego ou perde todos os seus direitos, e partiu para um sistema gradualista, semelhante ao já
adotado pelo setor privado (BRESSER-PEREIRA, 1996).
A reorganização destas carreiras conduzirá ao delineamento de um núcleo de
carreiras de Estado, destinadas a constituir a espinha dorsal de uma burocracia
altamente qualificada e equipada para conferir maior qualidade técnica ao
processo decisório no Estado Brasileiro. No futuro, os atuais cargos e carreiras
deverão estar unificados conforme cinco funções básicas: advocacia,
diplomacia, políticas públicas, polícia, diplomacia e fiscalização (BRASIL,
1998).
Em relação à parte remuneratória dos servidores foram feitos também diversos
reajustes. Agora com um sistema baseado na competição individual e na busca por resultados,
foram criadas gratificações de desempenho, tendo como parâmetro os resultados individuais de
cada servidor e seu desempenho dentro do novo quadro. Esse novo posicionamento deixou o
sistema muito mais acirrado em relação ao desempenho de cada funcionário, pois nesse
momento o risco de demissão é mais visivelmente delineado pela condição financeira do
Estado e pelos feitos de cada indivíduo isoladamente. Muitas das medidas tomadas na
administração durante esse período, além de ter como base o setor privado, observou-se
também situações existentes no campo internacional.
Entre os meses de abril e maio de 1998 houve um reajuste salarial nos cargos de
direção na administração, onde se pode perceber nitidamente o grande esforço do governo em
ampliar o fosso entre os menores e os maiores cargos no tocante aos salários. Corrobora e
esclarece também que, apesar das dificuldades financeiras que o Brasil enfrentava, não se
41
justificava a grande quantidade de funcionários a menos e o aumento desregrado dos salários
dos servidores pertencentes ao alto escalão da máquina.
Tabela 1: Reposicionamento de Remunerações dos Cargos de Direção
Cargo
Abr/98
Mai/98
Aumento %
CD-1
1.971,55
5.600,00
184,0
CD-2
1.828,99
4.800,00
162,4
CD-3
1.585,91
3.800,00
139,6
CD-4
945,95
2.800,00
195,9
Fonte: Cadernos do MARE – Caderno nº 15.
A tabela acima serve de demonstrativo de como os salários dos cargos de maior
atribuição cresceram após a reformulação e como o aumento foi significativo, chegando a
quase 200% de aumento de um mês para o outro em um único cargo. Vale ressaltar que o
número de cargos atingidos por essa reforma foi contabilizado, a princípio, em 3.066 cargos.
Ao delimitar o núcleo estratégico em poucas funções governamentais,
basicamente ligadas à diplomacia, às finanças públicas, à área jurídica e à
carreira de gestores governamentais, o projeto da reforma Bresser deixou de
incorporar outros setores essenciais da União, fundamentais para que ela atue
como
reguladora,
avaliadora
e
indutora
no
plano
das
relações
intergovernamentais (ABRUCIO, 2007).
Foi pensado também para os servidores públicos, modos de avaliação permanente
dos serviços, ou seja, os servidores eram prontamente avaliados a todo momento pelos
ocupantes dos cargos de maior escalão, pois dessa forma, depositando mais confiança nos de
cima e fiscalizando e avaliando a risca os de baixo, o sistema caminhava com maior fluidez. Da
mesma forma, foi criada uma política de capacitação dos servidores, a qual continha diretrizes e
mecanismos para a coordenação e avaliação das ações de treinamento (BRASIL, 1998). Nesse
mesmo período foi criada a famosa licença prêmio, extinta anos depois.
Para que o enxugamento da máquina estatal fosse completado, além das medidas já
expostas, foram colocadas em prática leis que extinguiram milhares de cargos. A intenção era
aglomerar várias funções em um única pessoa, de forma que não viesse a ser caracterizada
42
uma acumulação de cargos, mas também não deixassem servidores ociosos de trabalhos. No
ano de 1998, o quantitativo de cargos somavam 1.500 denominações, mas a intenção para
pouco tempo era reduzir para aproximadamente 100 cargos. A maioria desses se tratavam de
cargos menores, como telefonistas, por exemplo. Com todas essas mudanças, o quadro de
funcionários efetivos com cargos de baixo escalão diminuiu, ganhando aumento significativo
os terceirizados.
A administração gerencial só pode ser realizada com bons administradores,
para a qual eles são até mais importantes que para a administração burocrática,
já que se atribui aos mesmos mais autonomia e mais responsabilidades e se
espera deles boas decisões (BRESSER-PEREIRA, 2010).
A terceirização também foi uma das medidas utilizadas em larga escala durante os
três anos de duração do Ministério da Reforma. Assim, a administração direcionou muitas de
suas áreas de atuação para execução do setor privado e ainda trazendo muitos funcionários para
trabalhar dentro da administração, que propriamente não fazia parte dela. A contratação de
serviços terceirizados pelo serviço público federal foi uma das práticas que mais se
intensificaram no Brasil após esse período, ao passo que nenhum órgão da administração
federal com o passar dos anos possuía um Assistente de Serviços Gerais próprio, sendo todos
terceirizados.
Outro ponto que merece destaque é o modelo denominado como publicização, esse
sistema consiste em passar para o terceiro setor algumas atribuições, as quais o governo
acreditava não ser de sua alçada, mais conhecidas como atividades não-exclusivas. Este
também foi um dos principais pontos abordados e colocados em prática pela administração,
onde um determinado órgão extinto e suas atividades eram passadas para uma Organização
Social de direito privado e sem fins lucrativos, após isso, seu contato com a administração
passou ser via contrato de gestão. Foi desse período em diante que o país também pode
observar um “boom” no aumento das OS e OSCIP. Seu marco legal ocorreu com a criação da
lei das OSCIP (Lei 9.700/99). O caderno nº 2 do MARE retrata justamente o que são essas
entidades e quais suas funções dentro da sociedade, a esse respeito é destacado o seguinte no
documento:
Na condição de entidades de direito privado, as Organizações Sociais tenderão
a assimilar características de gestão cada vez mais próximas das praticadas no
setor privado, o que deverá representar, entre outras vantagens: a contratação
43
de pessoal nas condições de mercado; a adoção de normas próprias para
compras e contratos; e ampla flexibilidade na execução do seu orçamento
(BRASIL, 1998).
É claro que a situação aqui não se trata somente de um troca de função, onde o
Estado deixou de exercer suas atribuições em um setor, mas também percebe-se uma condição
de mercadoria dos órgãos públicos ao se fazer esse procedimento de publicização e acima de
tudo um esvaziamento do setor público. A esse respeito ABRUCIO (2007) diz o seguinte:
Ademais, a reforma Bresser elaborou um novo modelo de gestão, que
propunha uma engenharia institucional capaz de estabelecer um espaço
público não-estatal. As organizações sociais (OSs) e as organizações da
sociedade civil de interesse público (Oscips) são herdeiras desse movimento
— só nos governos estaduais, há cerca de 70 OSs atualmente. O espírito dessa
ideia pode ser visto, hoje, nas chamadas parcerias público-privadas (PPPs).
Não obstante a inovação conceitual, tais formas deram mais certo nos estados
do que na União, sofrendo no plano federal uma enorme resistência ao longo
da gestão do ministro Bresser-Pereira (ABRUCIO, 2007).
4.2.3. INOVAÇÕES NO SERVIÇO PÚBLICO
Nos aspectos inovação e incentivo ao serviço público foi criada a Escola Nacional
de Administração Pública – ENAP, a qual foi vinculada ao MARE. Com o intuito de oferecer
capacitação aos servidores públicos federais, por meio de programas de incentivo. Enquanto em
1995 foram alcançados 1.964 servidores com seus cursos, em 1998, até o mês de junho, já eram
4.442 servidores treinados de acordo com o interesse do governo federal. Observa-se aqui uma
necessidade de se treinar mais servidores no sistema e dar o suporte conceitual necessário
quanto à reforma da máquina estatal. Desse modo, a cultura organizacional mudou rapidamente
em três anos, principalmente daqueles ingressantes no serviço público.
Por meio de um concurso de experiências inovadoras patrocinado pelo MARE e
ENAP foi criado o prêmio Hélio Beltrão, destinado àqueles que tinham ideias inovadoras e
traziam opiniões que viessem a somar com o novo modelo gerencial adotado pelo Estado. A
participação no concurso é orientada pelos seguintes critérios: busca por resultados, foco no
usuário, aumento da eficiência, estímulo à criatividade no trabalho e transparência nos
44
processos decisórios (BRASIL, 1998). A intenção era fazer com que houvesse o estímulo
pessoal e em equipe para agilizar mudanças, detectar problemas e solucioná-los internamente.
Em 1998 o concurso foi realizado pela terceira vez.
O MARE também tratou de inovar no aspecto da transparência, utilizando-se do
veículo da internet para tornar mais célere o contato com a sociedade e entre os órgãos do
governo. Talvez tenha sido um dos aspectos mais positivos das medidas tomadas nesse período,
o investimento nesse meio de comunicação e de transparência, que em governos seguintes
tornou-se um marco e uma obrigação dos governantes: publicar suas decisões e o extrato das
contas públicas na internet. Porém, de acordo com ABRUCIO (2007) a visão economicista
estreita da equipe econômica de Bresser barrou várias inovações institucionais.
4.2.4. INFLUÊNCIAS DO MARE
Para implementar essa gama de projetos e programas, o governo federal contou
com o apoio e com influências externas. Apesar do discurso acerca de não serem neoliberais as
medidas colocadas em prática pelo governo, o MARE recebeu investimentos e ideias do BID
durante todo seu processo de nascimento e extinção, em 1998. O ex-ministro Bresser recebeu
uma visita em Brasília do então presidente do banco em 1995, Enrique Iglesias, dentre outros
assuntos foram tratadas formas de parceria entre o governo brasileiro e o BID, a fim de
contemplar as reformas que seriam colocadas em prática anos depois. Em 1996, aconteceu uma
conferência do BID onde Bresser foi palestrante em Washington, disso temos o seguinte
resultado:
Depois da conferência, o chefe da divisão para assuntos de reforma do Estado
do BID, Edmundo Jarquim, disse-me encantado: “agora temos um modelo de
reforma do Estado que o Banco Mundial não tem”. No final do terceiro ano de
meu ministério, o BID aprovou um financiamento significativo para a
reforma, que meu secretário Carlos Pimenta conduziu com competência,
usando os recursos principalmente para desenvolver o setor eletrônico do
governo, para financiar reestruturações organizacionais e modernização na
gestão de recursos humanos, e para difundir as experiências da reforma no
nível dos estados e municípios (BRESSER-PEREIRA, 2010).
45
Grande parte do programa de modernização realizado pelo MARE foi financiado
pelo BID, onde os recursos foram utilizados também em órgãos diretos da administração como
Ministério da Justiça e IBGE (BRASIL, 1998).
O empréstimo compreende um total de US$ 90 milhões, além de igual
contrapartida em recursos locais. Este montante será aplicado ao longo de 5
anos, sendo que, numa primeira etapa, serão aplicados US$ 57 milhões, em 4
subprogramas que contemplam algumas das mais importantes linhas de ação
que vêm sendo empreendidas no âmbito da reforma administrativa
(BRASIL,1998).
O Banco Mundial e o BID são velhos conhecidos de países que desejam programar
reformas em seu aparelho estatal, ou aqueles que estão dificuldades financeiras e os ajuda por
meio de empréstimos, como aconteceu no caso do Brasil. Contudo, para que sejam concedidas
quantias financeiras, são feitas uma série de exigências aquele país, certificando-se que o
mesmo adotará a agenda liberalizante que os mesmos propõem. Dessa forma, constata-se que
no caso brasileiro não se tratava somente de uma reforma no aparelho estatal em virtude da
crise de um modelo antigo, mas, sim, da implantação de uma agenda neoliberal, dessa vez
camuflada de uma nova proposta.
4.3. OS CRÍTICOS A REFORMA DO ESTADO E AO SISTEMA NEOLIBERAL
Acerca de todos os pontos expostos acima é merecido que se faça uma análise mais
apurada e crítica, sob um ângulo puramente acadêmico, a respeito desse fenômeno ocorrido na
década 1990 no Brasil, qual seja: a introdução veemente de uma nova lógica de mercado e de
novos mecanismos de “controle” por parte do Estado. É necessário trazer a tona autores e seus
argumentos, sustentando ou derribando as propostas neoliberais, embutidas na nova ordem,
chamada de Globalização. No caso do Brasil, por meio do MARE, durante o governo FHC,
como já apresentado, foi o período ápice desse movimento.
A busca pelo lucro sempre foi uma verdade entre os indivíduos, de forma que, ao
longo dos séculos foram variantes as formas com que se chegava a essa perspectiva de ganhos,
porém, é com o aparecimento do capitalismo que a coisa fica acirrada. A Globalização,
utilizando-se da possibilidade de aproximação de nações por meio da tecnologia, veio a ser um
o fator que deu maior celeridade ao processo expansão capitalista em diversos países.
46
Pela própria dinâmica do processo de acumulação de capital, em que está
levado a ganhar na massa de lucro o que tende a perder na taxa – conforme
diminui proporcionalmente o peso da mão-de-obra em favor da tecnologia –, o
capitalismo é levado a expandir-se continuamente, tendo necessidade de novos
mercados ou do aprofundamento dos mercados existentes (SADER, 2008, p.
36).
Após o período de derrocada do Welfare State, no final da década de 1970, esse
movimento de Globalização, tendo a frente o conhecido neoliberalismo, ganhou espaço e desde
então sua hegemonia na maioria das nações capitalistas foi notória.
As políticas neoliberais, molas propulsoras da globalização contemporânea,
têm vários aspectos: privatização de empresas estatais, abertura para o
mercado internacional, desindexação dos capitais, precarização das relações
de trabalho. Todas contêm um elemento central, que perpassa todos os outros
e os articula: desregulamentação da economia, isto é, retirada das travas à livre
circulação dos capitais (SADER, 2008, p. 39).
O modelo econômico que logo chegou à América Latina atingiu primeiramente o
Chile de Pinochet e se alastrou por todo o continente. Segundo SADER (2008), após a
implantação do modelo neoliberal no Chile, o país passou a ser um dos piores países em
distribuição de renda do continente e tornando a América Latina um dos continentes de maior
injustiça social no mundo. O neoliberalismo prometeu a elevação dos níveis de investimento de
capital, a modernização econômica, com as consequências dinâmicas nos outros planos da
economia. Não foi o que aconteceu (SADER, 2008, p. 41).
Sendo assim, o neoliberalismo caracteriza-se como uma política de alto risco para
aqueles países sem preparo político e econômico que aderem a essa ideologia, pois estão
fadados a permanecerem com altos níveis de desigualdade, o que é um resultado evidente da
adoção de tal política. Como afirma, por fim, SADER:
De instrumento de apoio no processo de acumulação, passa a ser um fim em si
mesmo, gerando um mecanismo de acumulação financeira que tem um caráter
predatório, porque não cria riquezas nem empregos, acentuando os processos
de concentração de renda. [...] Todo esse processo de profundas e
concentradas transformações compõe o cenário do que podemos chamar de
globalização neoliberal, dentro de cada país e em escala mundial. Neste plano,
operou-se a mais radical ruptura entre os países do centro – que passaram a ser
47
chamados de ‘globalizadores’, por serem agentes desse processo de
transformações – e os ‘globalizados’, por serem vítimas passivas dele
(SADER, 2008, p. 42).
O autor acima é enfático ao afirmar a nocividade do processo de (neo)liberalização
mundial e seus efeitos dentro de uma economia. Não obstante, o caso brasileiro é peculiar,
devido a grande quantidade de medidas tomadas de forma a não caracterizá-las como liberais.
No caso do Brasil, é evidente que o país passava por uma série de crises: política,
econômica e social, no entanto, o enfoque do governo era o desmantelamento do aparelho
estatal, reduzindo-o a um mero cumpridor de leis e organizador da bagunça criada pelos
próprios neoliberais. Sendo assim, concorda-se que reformas eram necessárias, porém, que
fossem universalizantes, que tratassem de situações como desemprego, fome e distribuição de
renda sob uma visão macro, ao ponto de atender a todos. Porém, a reforma do Estado foi
divulgada pelo Governo FHC como condição para o ingresso do país na “modernidade
globalizada” (COSTA, 2000, p. 16).
Não acreditamos que a Reforma realizada pelo Governo FHC seria a única
possível, do tipo salvação nacional. Acreditamos que o pacto político presente
no governo FHC, articulado a um processo de subordinação externa que
beneficia alguns setores internos, foi viabilizado no país devido à
incapacidade de contestação deste projeto pelo conjunto da sociedade,
especialmente pelos partidos de oposição (COSTA, 2000, p. 14).
É evidente que não era a reforma que o país necessitava naquele momento,
principalmente da forma com que foi realizada, de cima para baixo, não havendo participação
clara da sociedade na tomada de decisões. Outro ponto importante, diz respeito à falta de
consideração com o funcionalismo público, o qual teve grande parte de seus direitos
suprimidos, adoção de planos de demissão voluntários em diversos setores e uma diminuição
de seus salários, com exceção dos cargos de direção, estes que tiveram seus salários
aumentados.
A reforma administrativa brasileira orienta-se claramente para a substituição
dos órgãos e agências governamentais por instituições privadas (lucrativas ou
não), em todas as atividades que forem consideradas como não-exclusivas do
Estado. Consequentemente, nenhuma importância tem sido dada aos
programas de valorização, capacitação e recuperação da capacidade técnica do
48
funcionalismo público, ao mesmo que se enfatizam as mudanças que
permitem ao governante efetuar privatizações, transferências de patrimônio
público para um gestor privado e alterações dos direitos dos funcionários
(FLEURY, 1997, p. 306).
Grandes foram as implicações que o Brasil passou devido esses mecanismos de
privatização e publicização, pois os empresários e firmas de maior porte no mercado foram os
mais beneficiados, tendo em vista que o capital só circulava dentre aqueles que possuíam a
maior fatia do bolo econômico, e cada vez mais isso se tornava absurdo, perante o projeto
reformista.
Ao se utilizar o mecanismo de terceirização dos serviços públicos para
empresas privadas ou ONGs – visto que o governo via como necessário o
caráter competitivo na área social – estes passaram a serem consideradas
mercadorias. Assim, fatalmente o caráter de direito social é perdido, pois os
serviços ficaram disponíveis àqueles que tiverem recursos financeiros ou
outros equivalentes para adquiri-los (CARINHATO, 2008, p. 44).
Com isso, conclui-se segundo a visão dos autores, que o caminho tomado pelo
governo brasileira, adotando tal política, não tenha sido o mais sensato, pois havia outras
formas de vencer as crises que o país vivia, não aderindo àquelas que colocaram o Brasil num
patamar de desigualdade ainda maior do que anteriormente as reformas.
Dessa forma, estaremos no Primeiro Mundo em breve. Ate porque, lá também
esta se desenvolvendo i1has de consumo e riqueza ladeadas por um aumento
da exclusão e da miséria. Os pobres da Inglaterra pós-Thatcher e dos Estados
Unidos pós-Reagan que o digam (NEGRÂO, 1996, p. 9).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de não ser de concordância dos reformadores, seja Bresser-Pereira ou
mesmo o ex-presidente FHC, as medidas adotadas durante o período de seus dois mandatos
1995-1998 e 1999-2002 foram de cunho neoliberal, principalmente, durante o primeiro período
destacou-se uma maior efervescência de ideias e projetos dentro dessa ceara.
O MARE foi, de fato, o objeto utilizado nas mãos dos neoliberais, em busca de uma
nova configuração para o Estado Brasileiro. O sucateamento da máquina pública se deu através
49
da reforma administrativa, ou seja, através da reforma também denominada de gerencial, o
governo via a solução para a crise vivida naquele momento, como também vislumbrava a
oportunidade de ouro para implantação das medidas tão sonhadas desde os governos anteriores.
Dentre as medidas adotadas pelo governo de Cardoso estão as seguintes:
(...) privatização de empresas estatais, abertura para o mercado internacional,
desindexação dos capitais, precarização das relações de trabalho. Todas
contêm um elemento central, que perpassa todos os outros e os articula:
desregulamentação da economia, isto é, retirada das travas à livre circulação
dos capitais (SADER, 2008, p. 39).
Dessa forma, cabe reafirmar que as medidas tomadas pelo MARE durante sua
existência foram de cunho liberal, tomando como base os preceitos do Neoliberalismo,
mostrados anteriormente e as formas de atuação do governo brasileiro na década de 1990,
como exposto no autor acima, não resta dúvidas que o intuito era, realmente, reduzir o tamanho
do Estado brasileiro ao ponto de o mercado ser detentor e responder por suas próprias ações,
enquanto que o primeiro seria aquele que socorreria esse mercado em tempos de dificuldades
financeiras.
Fato é que, além de ser uma orientação ideológica, onde cabe a alguns países
adotá-la ou não, esse fenômeno também se comporta como forma de pressão por parte de
agências internacionais, como FMI e Banco Mundial e de países desenvolvidos, os quais
desejam investir em outras economias, porém, para fazê-lo é necessário adotar todas as
medidas impostas por eles.
No caso do Brasil não foi diferente, a ideologia neoliberal foi trazida
principalmente pelas agências internacionais, como forma de pressionar o país a adotar tais
medidas, caso contrário seria impossível ingressar em outras economias e atrair investimentos
externos. O contexto internacional daquele momento forçava países como o Brasil, que se
encontrava em uma crise, a aderirem a todo ideário, com isso, o país recebeu bilhões de reais
em investimento externo durante o governo de Fernando Henrique. Assim como afirma
COSTA (2000):
Defendemos a tese de que a reforma do Estado não é um fenômeno isolado,
ela é decorrente de uma série de mudanças nas relações internacionais,
especialmente nas relações do comércio mundial e na organização das forças
50
políticas entre os diferentes países [...] Não é coincidência que os processos
liberalizantes, iniciados na Inglaterra e Estados Unidos, tenham sido
incorporados na agenda das reformas do Estado em muitos países do mundo.
Existe uma lógica dentro deste processo histórico, que é a lógica do grande
capital, mudando as regras da regulação do Estado na sociedade (COSTA,
2000, p. 52).
51
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