1
CENTRO PRESBITERIANO DE PÓS-GRADUAÇÃO
ANDREW JUMPER
ANTONIO ALVIM DUSI FILHO
SANTIFICAÇÃO E VIDA CRISTÃ NA VISÃO DOS PURITANOS E SUA
HARMONIA COM A CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER.
SÃO PAULO
2010
2
ANTONIO ALVIM DUSI FILHO
SANTIFICAÇÃO E VIDA CRISTÃ NA VISÃO DOS PURITANOS E SUA
HARMONIA COM A CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER.
1 Ts 4:3 “Pois esta é a vontade de Deus: a vossa santificação”
Monografia apresentada ao Centro
Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew
Jumper como parte dos requisitos da
disciplina “A Confissão de Fé de
Westminster”.
Professor: Dr. Heber Carlos de Campos Jr.
São Paulo
2010
3
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO ..............................................................................................................4
2
OS PURITANOS E OS DESAFIOS DE UMA VIDA DE SANTIDADE ........................5
3
A SANTIFICAÇÃO NA VISÃO DE CALVINO ............................................................8
4
A SANTIFICAÇÃO NA VISÃO DE ALGUNS PURITANOS E CALVINISTAS........11
4.1
JOHN OWEN (1616-1683) ...................................................................................11
4.2
THOMAS WATSON (c.1620-1686) .....................................................................16
4.3
GEORGE WHITEFIELD (1714-1770)..................................................................18
5
A SANTIFICAÇÃO NAS CONFISSÕES DE FÉ REFORMADAS ..............................20
6
CONCLUSÃO ..............................................................................................................24
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................26
4
1
INTRODUÇÃO
Vivemos num mundo pós-moderno, marcado pela relativização de conceitos,
onde parece não haver mais o referencial do que é certo e do que é errado. De uma
forma assustadora, até no meio cristão as referências de certo e errado estão sendo
desprezadas. Como consequência, o mundo experimenta hoje um cristianismo que
paradoxalmente está longe de Cristo, sem referencial, sem ética, sem compromisso
com o próximo, sem amor e mergulhado no materialismo e hedonismo.
Neste contexto, um dos temas mais relevantes e práticos da vida cristã é o da
santificação, ou o do exercício das convicções e valores cristãos numa sociedade tão
anti-cristã. A Confissão de Fé de Westminster trata do tema santificação no capítulo
XIII, onde afirma que todo cristão, após ter sido alcançado pela graça redentora de
Cristo, tendo sido regenerado, inicia um processo de mortificação de suas inclinações
carnais para o pecado, como resultado da ação da graça de Deus em sua vida. Neste
processo o Espírito Santo atua progressivamente no crente, infundindo graça e dando
forças necessárias para que este subjugue o pecado.1 No entanto, devido às
imperfeições e aos resquícios do pecado na vida do crente, nem sempre este obtém a
vitória. Passamos, portanto, todo o curso da vida cristã buscando continuamente a
santificação através da leitura da palavra, da participação nos sacramentos, da oração e
da manifestação da graciosa disciplina da providência de Deus.2 Somos assim
sabedores de que só atingiremos a perfeita santidade quando estivermos na glória.
Este trabalho tem por objetivo analisar a doutrina da santificação conforme
proposta pela Confissão de Fé de Westminster, comparando-a com alguns escritos de
puritanos e calvinistas que marcaram a história da fé cristã durante os séculos XVII e
XVIII e avaliando se tal proposta expressa um consenso reformado à luz destes
autores.
1
A Confissão de Fé de Westminster (1647), capítulo 13. O Catecismo Maior de Westminster (1648):
Perguntas 75 e 77.
2
HODGE, Alexander A. Confissão de Fé Westminster. São Paulo: Os Puritanos, 2008. p.267.
5
2
OS PURITANOS E OS DESAFIOS DE UMA VIDA DE SANTIDADE
Santificação é um tema entranhado no movimento puritano da Inglaterra do
Século XVII. Os puritanos eram uma irmandade de pastores distintos que enfatizavam
as verdades centrais das Escrituras Sagradas, fiéis ao ensino destas verdades, pregavam
expositoriamente, tinham cuidado pastoral e vida de santidade.3 Aqueles crentes eram
chamados de puritanos pois eram escrupulosos a respeito de seu modo de viver. A
própria essência do puritanismo era a materialização do ideal de uma comunidade
santa, caracterizada pela profunda reverência à Deus e uma vida de profundo
comprometimento com a moralidade. Numa Inglaterra Elizabetiana marcada pela via
média entre catolicismo e protestantismo, os pregadores puritanos aglutinavam crentes
zelosos e comprometidos com os ensinos da Escritura, e que desejavam viver uma vida
que agradasse a Deus.4
O puritanismo era caracterizado por sua submissão à autoridade da Escritura e
portanto o cumprimento da Lei de Deus era fundamental. As convicções puritanas
acerca da relevância da Lei de Deus levantava debates importantíssimos a respeito de
que efeito e autoridade a Lei possuia sobre os crentes. A autoridade da Lei era um
princípio de vida central e distintivo no conceito puritano de experiência cristã.5
Esta devoção à lei de Deus refletia-se na vida social dos puritanos tanto na
igreja, como na família. O zelo na observância do dia do Senhor demonstrava um
aspecto prático desta devoção. Um típico conselho puritano a respeito de como os
crentes deveriam se portar em relação ao dia do Senhor consistia de:
(a)
Uma recomendação de que no sábado deveriam preparar-se
espiritualmente mediante a oração e meditação;
(b)
Os chefes de família deveriam reuni-las aos domingo pela manhã para
prepará-las para receberem a máxima edificação durante o culto
público e no decorrer do dia;
3
HULSE, Erroll. Who are the puritans? And what do they teach? Auburn: Evangelical Press, 2000.
p.31.
4
KEVAN, Ernest F. The Grace of Law: a study in puritan theology. Morgan: Soli Deo Gloria
Publications,1997. p.19-20. Minha tradução.
5
Ibid., op.cit., p.21.
6
(c)
Os chefes de família deveriam assegurar que o conteúdo dos sermões
fosse absorvido, encorajando-a a discussões e repetições dos
principais pontos;
(d)
As famílias deveriam buscar apreender os ensinamentos recebidos e
as bênçãos para a semana que se iniciava.6
No âmbito familiar, segundo J. I. Packer7, eles foram os criadores do
matrimônio cristão inglês, da família cristã inglesa e do lar cristão inglês.
Estabeleceram um padrão exaltando o matrimônio e contrapondo-se à idéia medieval
de que o celibato era melhor, mais virtuoso, mais similar a Cristo e mais agradável a
Deus. A ética puritana no casamento era a de buscar um cônjuge não somente
baseando-se no amor apaixonado dos primeiros momentos, mas alguém que pudesse
ser amado ou amada de forma mais perene, debaixo da ajuda de Deus. No que tangia à
criação de filhos, preocupavam-se em treinar a criança seguindo as orientações de
Salomão conforme em Provérbios (Pv 22:6), cuidando de seus corpos e almas de forma
integral, com sobriedade e piedade. O estilo de vida puritano era portanto baseado na
manutenção da ordem familiar, na cortesia mútua e no culto a Deus.8
Se observarmos o contexto de sociedade em que os puritanos viveram podemos
até traçar alguns paralelos com o que experimentamos atualmente no que tange à
santificação. Os diferentes movimentos da época representavam um grande desafio
para a família puritana, principalmente pelas consequências quanto às práticas de vida
e a busca da santificação. Por esta razão, observa-se o combate explícito a tais crenças
e práticas por parte dos pastores puritanos. Na verdade havia um esforço por parte dos
puritanos em mater uma posição equilibrada diantes de dois extremos presentes
naquela sociedade. De um lado estavam os chamados nomistas que defendiam uma
estrita observância da Lei a ponto de serem acusados de abandonar o próprio
evangelho da graça transformando-o em uma doutrina de salvação pelas obras.
6
Ibid. p.137.
PACKER, J.I. Entre os Gigantes de Deus. Uma Visão Puritana da Vida Cristã, São José dos
Campos: Fiel, 1996. p.279.
8
HULSE, op.cit., p.139.
7
7
Tipicamente não encontravam-se nomistas dentre os puritanos9. No outro extremo
estavam os antinomistas10 que asseveravam que os crentes estavam completamente
livres das obrigações da Lei de Deus, e que qualquer observância do dever da Lei era
considerado como uma infração contra a livre graça de Deus.11 Estes sim eram
encontrados entre os puritanos e portanto mereciam um combate mais acirrado pois o
resultado final de sua doutrina era o liberalismo e a libertinagem. Curiosamente, os
puritanos eram conhecidos como pessoas ortodoxas por manterem uma posição de
centro; eram considerados libertinos pelos nomistas e legalistas pelos antinomistas.12 É
interessante observar que nos dias de hoje temos o mesmo desafio de mantermos uma
vida equilibrada tendo em vista a existência de tantos grupos de cristãos evangélicos
identificados como legalistas ou liberais.
Por último, mas não menos importante, encontramos neste caldeirão de
doutrinas que permeavam aquela sociedade do Séc. XVII, a doutrina romanista na qual
se misturavam justificação e santificação apresentando na realidade duas idéias de
justificação. Uma afirmando que através do batismo o homem recebe a infusão da
graça de Deus através da qual o pecado original é extinguido e todos os maus hábitos
do pecado são expelidos. Outra afirmando que a justificação ocorre pelas obras, e o
justo passa portanto a merecer a vida eterna. Este segundo caso a igreja romana
afirmava ser um processo contínuo, que durante a vida de uma pessoa pode incluir até
o sacramento da penitência, e após a morte ocorreria através da purificação do fogo do
purgatório.13
9
Apesar de Richard Baxter, um dos puritanos mais renomados, ter formado mais uma corrente de
pensamento – o neo-nomismo.
10
O antinomismo é comumente associado à Johannes Agrigola, líder da reforma Luterana, que para
combater a doutrina da salvação pelas obras ensinava que um crente não estava obrigado a cumprir a
Lei moral. KEVAN, op.cit., p.23.
11
KEVAN, op.cit., p.22.
12
Ibid., p.33.
13
HULSE, op.cit., p.125.
8
3
A SANTIFICAÇÃO NA VISÃO DE CALVINO
Antes de abordarmos a visão de Calvino sobre santificação, é necessário
examinarmos, ainda que de forma breve, a posição de Calvino a respeito dos usos da
Lei, pois a santificação na vida do crente está diretamente ligada à relação que este tem
com a Lei. McGrath14 sintetiza as três funções da lei moral propostas por Calvino da
seguinte forma:
Em comum com outros Reformadores, tais como Bucero e Melanchthon,
Calvino identifica três funções. Em primeiro lugar, a lei possui um
aspecto educacional ou pedagógico (o usus theologicus legis), uma
capacidade de trazer à tona a realidade do pecado e, assim, preparar o
terreno para a redenção (II.vii.6-7). Segundo, a lei tem uma função
política (o usus civilis regis): impedir que aqueles não regenerados ou
não convertidos se degenerem no sentido de um caos moral (um aspecto
importante para as cidades européias, ansiosas ante a ameaça de
surgimento de uma instabilidade interna). Por fim, a lei possui uma
terceira aplicação, o denominado tertius usus legis, através do qual ela
encoraja os fiéis a se submeterem mais plenamente à vontade de Deus, da
mesma forma com que um chicote pode encorajar um jumento
preguiçoso (II.vii.12).
É baseado neste terceiro uso da lei que a ética da tradição reformada estabeleceu
um padrão de alto rigor. A lei não pode ser abolida, como defendiam os antinomistas,
pois ela expressa a vontade imutável de Deus. Os crentes devem estudá-la com atenção
percebendo que ela não só condena o pecado e remete para a graça de Deus, mas
também determina o curso de suas atitudes. A lei de Cristo não é outra senão a lei de
Moisés. Amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo é
14
MCGRATH, Alister. A vida de João Calvino. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004. p.185.
9
exatamente a expressão das duas tábuas da Lei, que apontam na primeira parte para a
relação com Deus e na segunda para a relação com o próximo.15
Calvino criticou duramente a posição de alguns anabatistas contemporâneos
seus, que cegados pela loucura de suas concupiscências, defendiam a doutrina de que o
crente regenerado e que tenha confiado a direção de sua vida ao Espírito Santo, não
precisaria preocupar-se em refrear seu desejos carnais pois, debaixo da ação do
Espírito, não teria atitudes erradas. O absurdo de tal doutrina levaria à conclusão de
que, sob a ação do Espírito, para o crente já não haveria diferença entre fornicação e
castidade, sinceridade e dolo, verdade e mentira, e etc, pois o Espírito jamais ordenaria
nada de mal.16 Calvino fala também da necessidade do progresso na santificação, e que
ao invés de estarmos indolentes e despreocupados, estavamos sim atentos, lutando com
nossas imperfeições dia após dia, a ponto de subjugar a vontade da carne, vigiando
atentamente para não pecar.
Esta ação deve ocorrer de modo a evidenciarmos
exteriormente os sinais de um profundo arrependimento interior.17 Quanto mais
diligente um crente se conforma à norma de Lei de Deus mais seguros são os sinais de
seu arrependimento.
Acerca da santificação da igreja Calvino escreve:
No entanto, seria mui vão e ridículo ter a Igreja por santa e
totalmente sem qualquer mancha, quando seus membros estão
ainda manchados e sujos. É verdade, pois, que a Igreja foi
santificada por Cristo, mas aqui só se vê o começo de sua
santificação; o fim, porém, e perfeição ocorrerão quando Cristo, o
Santo dos Santos, a haverá de encher, realmente e por inteiro, de
sua santidade. É também verdade que já foi lavada de suas
manchas e rugas, mas é preciso que ainda sejam diariamente
purificadas, até que, em sua vinda, Cristo remova inteiramente
tudo quanto ainda lhe reste.18
15
GONZALEZ, Justo L. Uma história do pensamento cristão. Da Reforma protestante ao século XX.
Volume 3. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004. p.150.
16
CALVINO, João. As Institutas. III.iii.xiv
17
Ibid., III.iii.xvi.
18
Ibid., IV.viii.xii.
10
Calvino também admite que pessoas incrédulas possam agir de forma justa,
equilibrada visando o bem de outros19 (comparando as diferenças de atitude entre
imperadores romanos ), sendo isto fruto da graça comum de Deus sobre a vida de todos
os homens, que por Sua providência imprime valores de Deus nos corações destes, que
por motivações outras que não a santificação, agem de forma digna ou indigna. Apesar
de parecer uma ato exterior fruto de santificação, efetivamente não o é, pois não há
santificação sem a comunhão com Cristo.20 Todo e qualquer esforço empreendido
pelos homens para andarem em boas-obras, obras de “santidade”, só serão
reconhecidos como parte do processo de sua santificação se resultarem da ação do
Espírito Santo em suas vidas. Serão assim as boas-obras que Deus de antemão
preparou para que andássemos nelas (Ef 2:10).
19
20
Ibid., III.xiv.ii.
Ibid., III.xiv.iv.
11
4
A SANTIFICAÇÃO NA VISÃO DE ALGUNS PURITANOS E
CALVINISTAS
Hulse sumarizou o pensamento puritano a respeito das diferenças entre
justificação e santificação conforme se segue no quadro abaixo: 21
JUSTIFICAÇÃO
SANTIFICAÇÃO
É legal ( forense).
É experiencial.
É externa (como uma veste).
É interna.
É perfeita.
Nunca será perfeita nesta vida.
Provém do Pai que declara o crente justo.
Provém do Espírito Santo que opera no crente
para fazê-lo santo.
É de uma vez por todas. Ocorre uma única vez.
É progressiva.
Nada pode implantar.
Nada pode imputar.
Ao sintetizarmos as idéias deste quadro quanto a santificação, podemos dizer que
de forma geral, na visão dos puritanos, a santificação é uma experiência interior
progressiva vivenciada pelos crentes movidos pelo Espírito Santo e que nesta vida não
alcançarão a perfeição.
4.1 JOHN OWEN (1616-1683)
Dentre os vários teólogos puritanos, John Owen destacou-se como o melhor. Foi
considerado um dos maiores teólogos ingleses, a ponto de Charles Spurgeon referir-se
a ele como o príncipe dos teólogos22, e considerado por outros o “rei Davi dos
Puritanos”23. Ele possuia versatilidade, solidez, profundidade e consistência na
exposição das escrituras. Era conhecido como um teólogo de posições doutrinárias
muito próximas do centro do pensamento reformado do século XVII, e em sua época
foi considerado o principal baluarte da Inglaterra e o campeão da ortodoxia evangélica
reformada.24 Foi um homem de Deus que viveu uma vida de santidade e, apesar de sua
21
HULSE, op.cit., p.120.
PACKER, op.cit., p.207.
23
HULSE, op.cit., p.97.
24
PACKER, op.cit.,p.87.
22
12
grande capacidade intelectual que o levou a ser instruído em Oxford, era
reconhecidamente uma pessoa humilde.
John Owen ao escrever sobre a natureza da santificação, apresentou a seguinte
definição:
Santificação é a obra imediata de Deus que por meio de seu Espirito age
de forma integral sobre nossa natureza, procedendo a partir da paz
exercida em nós por meio Cristo, através da qual somos transformados a
Sua semelhança. Somos então mantidos nesta paz com Deus e
preservados inculpáveis, graciosamente aceitos por Ele de acordo com os
termos de Sua aliança até o fim.25
A santificação é apresentada nas escrituras como um ato que possui duas
perspectivas. A primeira refere-se à dedicação, consagração e separação de pessoas ou
objetos com o fim único do serviço religioso, como foi o caso dos levitas, da arca da
aliança, do altar, do tabernáculo, do templo, todos feitos santos pelo próprio Deus. Esta
santificação era totalmente solitária, um fim em si mesma, e sem nenhum efeito
adicional proveniente dela senão a simples separação entre o que era comum e o que
era sagrado. A segunda perspectiva da santificação na verdade resulta da ação de Deus
no interior da alma do homem, comunicando os princípios de santificação à nossa
natureza, e levando-nos a atitudes de santa obediência a Deus. Esta santificação resulta
da eficácia da ação do evangelho em nossas almas, e é baseada na verdade que é a
palavra de Deus, conforme o evangelista João escreve no capítulo 17 verso 17.26
Segundo John Owen não há e não haverá no mundo alguém capaz de
demonstrar tal santidade, senão pelo poder que flui do Senhor Jesus Cristo, a fonte de
toda a santificação, que é comunicada a nós pelo Santo Espírito e está de acordo com a
verdade e promessa do evangelho. O homem natural poderá até demonstrar
exteriormente alguma atitude digna e de boa moral, que demonstre santidade como
25
OWEN, John. The Works of John Owen. Volume III, iv. Philadelphia: Leighton Publications, 1872.
p.371. Minha tradução.
26
Ibid.,p.371.
13
resultado de suas proprias convicções. No entanto, desta forma, o homem engana-se a
si mesmo, achando-se merecedor de algum louvor, o que não é correto já que não há
santificação que não venha da ação do Espírito em nós.
John Owen nos lembra que nossa principal obrigação neste mundo é sabermos o
que significa ser santo, e de fato o sermos. Deus não somente requer a santidade na
vida de todos os crentes como algo indispensável, mas isto é tão somente tudo o que
Ele requer e espera dos crentes, pois nisto reside toda obrigação do homem perante
Ele. E por sabermos que isto é o que Ele requer de nós, devemos nos aplicar nesta
busca da santificação da mesma forma que um servo, conhecedor do único requisito
exigido por seu senhor, se esforça diligentemente para agradá-lo.27 Deus sabe da
incapacidade do homem em santificar-se por suas próprias forças, e portanto pela ação
do Espírito Santo é que Ele opera em nós a santificação.
No contexto de combate às doutrinas romanistas em que o puritanismo estava
imerso, John Owen reforça que era um erro alguém pensar ser possível a obtenção da
salvação e da vida eterna por mérito, como recompensa por uma vida de santidade, de
mortificação dos desejos da carne seja por privação física ou até dor. Pensando desta
forma, os homens tornariam sem efeito o evangelho e a graça do Senhor Jesus Cristo.
Sabemos que a partir de nossa própria natureza decaída e de nossas faculdades não há
a possibilidade de alcançarmos a santificação.28
Portanto, quando Deus comanda e requer dos crentes a santidade de vida, que
por natureza não se encontra neles, o próprio Deus comanda também o poder no
homem interior para que isto seja alcançado. O Espírito Santo é o santificador dos
eleitos de Deus e o autor da santidade neles. Alguns textos das escrituras sustentam
esta visão (Jr 31:33; Jr 32:39,40; Ez 36:26,27). Conforme o apóstolo Paulo diz em 1 Ts
5:23 : “O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo
sejam conservados íntegros e irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo.”
Portanto, por melhores que possam ser os hábitos intelectuais ou morais vivenciados
pelo homem como resultado de sua própria força ou valores pessoais, tal esforço não
pode ser considerado santificação pois não advém da ação da graça especial de Deus
27
28
Ibid.,p.376.
Ibid.,p.382.
14
sobre ele. Mas quando encontra-se sob a ação da graça de Deus, aí sim, são
cooperadores com o Espírito Santo na obra de santificação.29
É importante mencionar que no caso da santificação, o dever do crente e a graça
de Deus não estão em oposição. Pelo contrário, um pressupõe o outro. Não há como
desempenharmos nossas obrigações perante Deus sem a graça dele, bem como ele não
nos dá sua graça para outro fim senão sermos capazes de cumprir com nossas
obrigações. John Owen foi categórico quanto a nossa obrigação de sermos santos
quando afirmou que aqueles que negassem o ensinamento de que Deus nos ordenou a
santificação como um dever, e de que prometeu operar a santidade em nós como um
resultado da sua graça, poderiam também rejeitar a própria Bíblia como um todo.30
Além de tratar da natureza da santificação, John Owen também descreveu a
santificação como uma obra progressiva, ampliando a definição da seguinte forma:
A santificação é uma obra imediata do Espirito de Deus na alma dos
crentes, purificando-os e limpando-os da poluíção e imundície do pecado,
renovando neles a imagem de Deus, e através disso habilitando-os, a
partir de um princípio espiritual e habitual da graça, a prestar obediência
a Deus de acordo e como resultado da nova aliança e da vida e morte de
Jesus Cristo. De uma forma mais simples, afirmou que é a renovação da
nossa natureza pelo Espírito Santo em conformidade com a imagem de
Deus, através de Jesus Cristo.”31
Hodge, posteriormente comentando o capítulo XIII da Confissão de Fé de
Westminster que trata da santificação, em linha com a visão de Owen, afirma que
assim como a regeneração é um ato da livre graça de Deus, a santificação é uma obra
graciosa de Deus e eminentemente do Espirito Santo.32 Um processo de mortificação
do pecado em nós, e da anulação da vontade concupiscente da carne dentro de nós.
29
HODGE, op.cit., p.268.
OWEN, op.cit., p.384.
31
OWEN, op.cit., p.386. Minha tradução.
30
32
HODGE, op.cit. , p.266.
15
Agostinho escrevendo sobre sua conversão comenta esta luta da carne contra o
espírito:
“A vontade nova que começava a existir em mim, a vontade de Vos
honrar gratuitamente e de querer gozar de Vós, ó meu Deus, único
contentamento seguro, ainda não se achava apta para superar a outra
vontade, fortificada pela concupiscência. Assim duas vontades, uma
concupiscente, outra dominada, uma carnal e outra espiritual, batalhavam
mutuamente em mim. Discordando, dilacerando-me a alma.”33
Como resultado do conhecimento a respeito da fonte da santificação, John
Owen combateu a idéia pelagiana de que o Espírito Santo simplesmente estimula
nossas habilidades e nos ajuda no exercício de nossas faculdades e de nossa própria
capacidade de santificação, deixando todo o mérito desta obra em nós.34 O Espírito
Santo é quem merece todo o crédito. É ele quem de fato opera em nós continuamente
nos convencendo da necessidade da santificação e nos capacitando neste caminho.
Diferentemente da obra da regeneração, que é um ato instantâneo de Deus e não possui
diferentes níveis, a santificação é algo progressivo e gradual, onde cada crente pode
experimentar um nível de santidade. Inicia-se em um determinado momento mas é
desenvolvida gradualmente. O texto de 2 Pe 3:17,18 nos ensina isto. Ferguson,
comentando os escritos de John Owen acrescenta que, como a conversão, a
santificação é uma obra real, interna, poderosa e física.35
Para John Owen não basta protegermos nossa vida espiritual contra a degradação,
ou mesmo resistirmos às tentações. Precisamos progredir espiritualmente, buscando
sempre uma melhoria em nossa condição espiritual, florecendo na graça. Isto sim é
requerido de nós. A obra da santificação é comparada a uma semente lançada por Deus
no solo de nossos corações quando nascemos de novo, e que ao ser nutrida e cuidada
cria raízes, floresce, e produz frutos. O aumento e fortalecimento da graça da
33
AGOSTINHO, Santo. Confissões. Petrópolis: Editora Vozes Ltda, 1987. p.173.
OWEN, op.cit. , p.387.
35
FERGUSON, Sinclair. John Owen on the Christian life: The Banner of Truth Trust. Edinburg, 1987.
p.57.
34
16
santificação é resultante da intensidade da ação da graça da fé e do amor de Deus em
nós. Quanto maior a fé e o amor, maior será nossa santificação.36 As graças da fé e do
amor são estimuladas ao desenvolvimento pela apresentação das verdades espirituais à
nossa mente, e pelo encorajamento produzido pela pregação da palavra, através da qual
o ministério do Espírito é completado guiando-nos à toda a verdade. O Espírito nos
traz assim um aumento da sua graça nos abençoando com experiências pessoais com a
verdade e o poder das Escrituras pregadas a nós. Tais experiências são o alimento de
toda a graça, sobre o qual ela cresce e floresce.37
4.2 THOMAS WATSON (c.1620-1686)
Charle Hodge ao comentar sobre a vida de Thomas Watson disse que ele foi uma
daquelas pessoas cuja história de vida e contribuição para a teologia foi tão marcante
que nem mesmo sua origem, datas de nascimento e óbito ficaram registrados,
ofuscados pelo brilho de seus escritos. Era conhecido por sua piedade e disposição em
ajudar. Era um homem culto, um pregador popular, sensato e que amava a oração.38
Para Watson a santificação “é um princípio da obra da graça salvadora pela qual
o coração se torna santo e é feito segundo o coração de Deus.”39 É a principal coisa que
o cristão deve buscar; o primeiro fruto do Espírito, e a evidência do amor de Deus. É
algo que ocorre de forma sobrenatural, a partir da decisão de Deus em nos fazer santos,
operando no nosso homem interior, nas profundezas de nossa alma, mas também em
todo o nosso corpo (1 Ts 5:23). Após a queda o homem se corrompeu como um todo, a
vontade foi depravada, não havendo mais forças para fazer o bem. Com a santificação,
tudo é posto em ordem e harmonia novamente. Ainda que o novo homem não consiga
demonstrar a santidade em todo o tempo, ele é santificado integralmente.40 Watson
também considerava a santificação um processo, algo belo, que o crente desenvolve ao
longo da vida cristã e que perdura até a eternidade.
36
OWEN, op.cit. , p.388.
FERGUSON, op.cit., p.57.
38
WATSON, Thomas. A Fé Cristã. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2009. p.8.
39
Ibid., p.279.
40
Ibid., p.280.
37
17
Podemos também perceber que, semelhantemente a John Owen, Watson
preocupava-se com a fé genuína que, pela santificação, produz frutos. Para ele, ter um
comportamento exemplar na sociedade, como resultado de uma boa educação, ou até
mesmo da graça comum, não era suficiente para evidenciar que alguém havia sido
regenerado e estava buscando a santificação. Qualquer atitude que não nasça do nosso
relacionamento com Cristo Jesus não pode ser considerada santa. Os próprio estóicos
eram pessoas que possuiam um rigor moral, e ao mesmo tempo se mostravam como
inimigos ferrenhos dos ensinamentos de Cristo (At 17:18).41 Watson também
condenava outras práticas exteriores, considerando-as como falsa santidade. A prática
supersticiosa, abundante no papado, de curvar-se diante de imagens, benzer-se com
água benta, dizer orações em direção a um rosário, não demonstrava santificação. Deus
não requerera isto de ninguém. Muitos denominavam-se cristãos mas com suas atitudes
destruíam completamente o conceito de santidade. Watson reprovava claramente a
incoerência entre atitudes e profissão de fé cristã.
Um ponto importante a observar é que Thomas Watson aponta a santificação
como sinal da eleição.42 Deus nos chamou para sermos santos (2Pe 1:15,16), e esta
santificação resulta da justificação. Sem ela ninguém verá a Deus (Hb 12:14). É pela
habitação do Espírito de Deus nos eleitos que estes são guiados a uma vida de
santidade. Watson enumera seis sinais da santificação:
(1) os crentes podem se lembrar de quando não eram santificados (Tt 3:3);
(2) os crentes são habitados pelo Espírito Santo (2Tm 1:14);
(3) os crentes tem antipatia do pecado (Sl 119:104);
(4) os crentes realizam tarefas com o coração e baseados no princípio do amor;
(5) os crentes possuem uma vida bem organizada;
(6) os crentes perseveram em nunca deixar a santidade.
41
42
Ibid.,p.281.
Ibid.,p.284.
18
A santificação é a única coisa que nos torna visivelmente diferentes dos ímpios.43
O crente é selado com um selo duplo, um selo da eleição e outro da santificação.
4.3 GEORGE WHITEFIELD (1714-1770)
George Whitefield, um dos primeiros metodistas calvinistas do Séc.XVIII, apesar
de não ter feito parte do movimento puritano do Século XVII, foi um dos pregadores
mais influentes da Inglaterra de John Wesley e do Novo Mundo.44 Ele demonstrou sua
preocupação com o processo de santificação no sermão sobre o texto de 1Co 1:30,
onde discorreu sobre a bênção que é a santificação, não como uma mera obediência à
ordenanças externas mas sobretudo como uma renovação total do homem. Segundo
ele, se pela justificação os crentes passam a ter legalmente a vida, pela santificação
tornam-se espiritualmente vivos. Os seus desejos passam a ter harmonia com os
desejos de Deus. As suas emoções fixam-se nas coisas lá do alto. Os seus membros,
não mais subjugados pelo pecado, passam a ser instrumentos de justiça de santidade.
As suas memórias estão cheias de coisas divinas. Como novas criaturas e libertos do
poder do pecado, são santos tanto em seu coração como em sua vida e suas atividades.
A santificação permeia o homem como um todo, conforme a seção II do capítulo XIII
da Confissão de Fé de Westminster. Os crentes em Cristo gozam do status de coparticipantes da natureza divina de Jesus, recebendo dele graça sobre graça em suas
almas, e sendo transformados à sua semelhança. Whitefield identifica a natureza
pecaminosa ainda residente em cada crente de forma tão contundente a ponto de dizer
que embora tenhamos uma natureza diabólica somos feitos co-participantes da
natureza de Cristo, e somos trasladados do reino de Satanás para o reino do Filho de
Deus (Cl 1:13), despojados do velho homem que é corrupto, e revestidos do novo
homem criado à semelhança de Deus.45
43
Ibid.,p.287.
GONZALEZ, op.cit. ,p.319.
45
WHITEFIELD, George. Cristo: Sabedoria, Justiça, Santificação e Redenção. São Paulo: Publicações
Evangélicas Selecionadas,19xx. p.8-9.
44
19
Um outro ponto endereçado por Whitefield é que a santificação é o efeito da
justificação em Cristo, em oposição à idéia romanista de que a mesma seja a causa de
nossa justificação. A justiça de Cristo é a causa única de nossa aceitação diante de
Deus e de toda a santidade operada pelo Espírito Santo em nós. A santidade não se
completa nesta vida pois os princípios do pecado ainda encontram-se latentes em
nossos corações ainda que num grau mínimo.46
Whitefield também contesta os antinomistas que pregavam a Cristo sem que
tivessem realmente uma obra de santificação sendo operada em seus corações. Ele
termina seu sermão instando os ouvintes para uma vida de misericórdia e cortesia, e
sendo sabedores de que a santificação é uma obra progressiva onde aquele que é santo
deve continar buscando maior santidade, tratando de subjugar diariamente o pecado
pela graça divina. “Que o pecado que habita em vocês seja sua preocupação diária, não
somente lastimem e lamentem, mas cuidem de subjuga-lo diariamente pelo poder da
graça divina”.47
46
47
Ibid.p.11.
Ibid.p.19.
20
5
A SANTIFICAÇÃO NAS CONFISSÕES DE FÉ REFORMADAS
Devido às diferentes posições a respeito da doutrina da santificação nos Séculos
XVI e XVII, seja a que era ensinada pela igreja católica, sejam os diferentes
pensamentos nomista e antinomista, é de se esperar que as confissões de fé reformadas
de alguma forma tratassem estas questões. Beeke & Ferguson em seu livro “Harmonia
das Confissões de Fé Reformadas” apresentaram uma seção tratando desta
comparação.
Iniciamos pela Confissão de Fé Belga (1561) que teve como principal autor Guido
de Brés. Foi escrita para os crentes reformados dos Países Baixos (principalmente
Holanda e Bégica) que sofreram perseguição.48 O documento tinha o objetivo de
provar aos perseguidores que os crentes reformados não eram rebeldes, mas sim
cidadãos obedientes às leis e às Escrituras Sagradas. Com relação à santificação, a
confissão afirma que a fé, despertada no homem pelo ouvir da Palavra de Deus e ação
do Espírito, o regenera tornando-o um novo homem. Este homem passa a viver uma
nova vida, agora liberto do cativeiro do pecado. A ação dessa fé não o permite
descuidar de viver piedosamente e de forma santa. Sem ela, a motivação do homem
pela santidade de vida é fruto de egoísmo ou do medo da perdição.
Passamos então ao Catecismo de Heidelberg (1563) que teve como principal autor
Zacarias Ursino. Foi escrito com o objetivo de instruir jovens, pastores e professores
do principado alemão de Frederico III nas verdades da fé reformada. O catecismo, que
foi escrito na forma de perguntas e respostas, afirma que pela fé o crente é feito um
membro de Cristo. Através da unção de Cristo o crente é capaz de apresentar-se como
um sacrifício vivo de gratidão a Ele, lutando contra o pecado e Satanás. Afirma
também que através da participação na eucaristia os crentes tornam-se mais e mais
unidos a Cristo por meio do Espírito Santo, e pelo mesmo Espírito vivem e são
governados para sempre. Estes cristãos, diante da impossibilidade de cumprir toda a
Lei de Deus nesta vida, devem ser zelosos desta Lei buscando de Deus em oração a
graça do Espírito Santo, i.e., de serem cada vez mais renovados segundo a imagem de
48
BEEKE, Joel & FERGUSON, Sinclair. Harmonia das Confissões Reformadas. São Paulo: Editora Cultura
Cristã, 2006. p.ix.
21
Deus, até atingirem a perfeição prometida no porvir. Os crentes, conhecedores da
oração do Pai Nosso, devem ordenar e orientar suas vidas, pensamentos, palavras e
obras de forma que o nome de Deus não seja blasfemado, mas honrado.49
Podemos fazer menção também, no que tange à santificação, de alguns artigos dos
Cânones de Dort (1619). Este documento foi resultante da reunião do Sínodo de Dort
(na cidade de Dordrecht) tendo sido escritos com o propósito de resolver as
controvérsias das igrejas holandesas quanto às doutrinas de Jacob Arminio
(arminianismo).50 No capítulo I, artigo 13, o documento afirma que a consciência e a
certeza da eleição dão aos crentes um motivo maior para se humilharem perante Deus e
se purificarem, buscando a santificação. No capítulo V, o artigo 13 reforça que esta
renovada confiança de perseverar torna os crentes mais piedosos, cuidadosos e
diligentes quanto a se manterem nos caminhos do Senhor.
A Confissão de Fé de Westminster (1647) foi um documento produzido na
Inglaterra do Século XVII que teve como objetivo inicial promover uma uniformidade
de fé na igreja e no reino da Inglaterra. No entanto, com o desenrolar das
circunstâncias, a tensão entre monarquia e parlamento, efetivou-se como um
documento consensual contendo fórmulas teológicas e eclesiásticas que enquadravam
a igreja inglesa na doutrina e prática da Igreja Presbiteriana da Escócia.51 No capítulo
XIII da Confissão de Fé vemos os ensinamentos acerca da doutrina da santificação
como se segue:
49
Ibid., op.cit., p.102.
“Os arminianos ensinavam que a eleição era baseada numa fé pressuposta, prevista; que a redenção
de Cristo tinha um caráter universal; que o homem possuia o livre-abítrio e sua depravação havia sido
apenas parcial; que era possível resistir à graça de Deus; e que era possível cair desta graça, i.e., perder
a salvação. As cinco respostas do Calvinismo aos cinco erros do Arminianismo foram que a eleição
incondicional e a fé salvadora são dons soberanos de Deus; que conquanto a morte de Cristo seja
suficiente para expiar os pecados de todo o mundo, sua eficácia salvadora é restrita aos eleitos; que
todas as pessoas são tão completamente pervertidas e corrompidas pelo pecado que não podem exercer
o livre-arbítrio em favor de sua salvação, nem efetuar nenhuma parte da salvação; em soberana graça
Deus nos chama irresistivelmente e regenera o eleito para uma vida nova; e por fim que Deus
graciosamente preserva o redimido para que ele persevere até o fim, muito embora ele possa ser
atribulado por muitas fraquezas à medida que busca afirmar o seu chamado e sua eleição.
(BEEKE&FERGUSON, op.cit., p.xii)
50
51
Ibid., op.cit., p.xiii.
22
Seção I.- Os que são eficazmente chamados e regenerados, havendo sido
criado neles um novo coração e um novo espírito, são, além disso,
santificados genuína e pessoalmente, pela virtude da morte e ressurreição
de Cristo, por sua Palavra e seu Espírito neles habitando; o domínio de
todo o corpo do pecado é destruído e suas diversas concupiscências mais
e mais enfraquecidas e mortificadas e eles mais e mais vivificados e
fortalecidos em todas as graças salvíficas para a prática da genuína
santidade, sem a qual ninguém verá o Senhor.
Seção II. – Esta santificação permeia o homem todo, contudo imperfeita
nesta vida; aí permanece ainda alguns resíduos de corrupção em cada
parte; e daí suscita-se uma guerra contínua e irreconciliável: a carne
digladiando contra o Espírito e o Espírito, contra a carne.
Seção III. – Nessa guerra, ainda que a restante corrupção prevaleça por
algum tempo, contudo, através de um contínuo suprimento de força por
parte do Espírito santificante de Cristo, a parte regenerada vence; e assim
os santos crescem na graça, aperfeiçoando sua santidade no temor de
Deus.52
Por fim, encontramos algumas perguntas e respostas no Catecismo Maior de
Westminster (1648). Como resultado da síntese da Confissão de Fé de Westminster
(1647), o Catecismo Maior de Westminster, com suas 196 perguntas e respostas,
responde à pergunta 75 sobre o que é santificação da seguinte forma:
Santificação é uma obra da graça de Deus, pela qual os que Deus
escolheu antes da fundação do mundo para serem santos são, nesta vida,
pela poderosa operação do seu Espírito, que aplica a morte e a
ressurreição de Cristo a eles, renovados no homem interior segundo a
52
HODGE, op.cit., p.265.
23
imagem de Deus, tendo os germes do arrependimento que conduz à vida
e de todas as outras graças salvadoras implantadas no coração deles, e
tendo essas graças de tal modo estimuladas, aumentadas e fortalecidas,
que eles progressivamente morrem para o pecado e ressuscitam para
novidade de vida. 53
Adicionalmente, responde às questões 77 e 78 mostrando que na santificação o
Espírito de Deus no infunde a graça dando-nos forças para subjugarmos o pecado.
Entretanto a santificação não é igual para todos os crentes, havendo portanto diferentes
níveis de santificação. Não nos tormamos totalmente santos a partir da graça do
Espírito, pelo contrário, passamos por
um processo crescente até alcançarmos a
perfeição na glória. A santificação é portanto imperfeita por causa dos restos do pecado
na vida dos crentes, que por sua vez eventualmente não resistem às tentações, e
acabam apresentando diante de Deus obras imperfeitas e manchadas pelo pecado.
53
Ibid., op.cit., p.101.
24
6
CONCLUSÃO
Ao observarmos as preocupações e a doutrina da santificação conforme ensinada
por alguns pastores puritanos, podemos observar uma grande harmonia com a Confisão
de Fé de Westminster, já que muitos destes homens de Deus trabalharam arduamente
como “Divines” na confecção da Confissão de Fé de Wesminster (em especial Owen e
Watson). Naturalmente, podemos observar também uma grande harmonia com os
ensinamentos de Calvino, já que muitos foram forjados no calvinismo.
Primeiramente podemos comentar a preocupação dos puritanos a respeito da
origem da santificação, demonstrando que ela nasce quando o homem é regenerado e
resulta da ação contínua do Espírito Santo na vida deste novo homem, o que está em
harmonia com a Confissão de Fé de Westminster. As boas obras nascidas no coração
do homem não representam a verdadeira santificação. A verdadeira santificação é fruto
de um processo de infusão da graça de Deus nos seus eleitos, e por conta disto não
pode ter sua origem no coração do homem como fruto da graça comum (não suficiente
para a salvação). O mérito é todo de Cristo que os justifica, os regenera e os santifica.
Um outro ponto de harmonia com a Confissão de Fé é o entendimento de que a
santificação é um processo. Inicia-se na regeneração e desenvolve-se ao longo da vida,
alcançando a perfeição somente na eternidade. É interessante notar a total sintonia
entre Owen , Watson e Whitefield nestes apectos.
Adicionalmente, é importante observar que uma das preocupações particulares dos
puritanos, e que não está explícita na Confissão de Fé de Westminster dizia respeito ao
combate dos posicionamentos extremados dos nomistas e antinomistas. Podemos ver
nos textos de Owen, Watson e Whitefield o ensino de que os crentes devem obedecer a
Lei de Deus porém mantendo-se muito atentos para não caírem no legalismo
exacerbado que anula a graça de Cristo. Por outro lado também não devem, em nome
da graça de Cristo, desprezar a Lei de Deus a tal ponto que não assumam o
compromisso de obediência a ela, caindo-se assim no outro extremo que é a
libertinagem. Como filhos de Deus, lavados pelo sangue do Cordeiro, temos a
obrigação de buscar uma vida santa (1 Pe 1: 14,15), e isto passa pela observância da
Lei de Deus. Que mensagem atual! Em meio a tanta falta de harmonia com a sã
25
doutrina, e tantas esquisitices do evangelicalismo hodierno, precisamos resgatar o
pensamento deste gigantes de Deus do passado, em busca de uma igreja saudável, sem
rugas e sem mácula, que espera a volta do seu Senhor. MARANATHÁ.
26
REFERÊNCIAS
AGOSTINHO, Santo. Confissões. Petrópolis: Editora Vozes Ltda, 1987.
BEEKE, Joel & FERGUSON, Sinclair. Harmonia das Confissões Reformadas. São
Paulo: Editora Cultura Cristã, 2006.
CALVINO, João. Institutas da Religião Cristã.III,IV.
Confissão de Fé de Westminster, XIII. Catecismo Maior de Westminster: Pergunta 75
e 77.
FERGUSON, Sinclair. John Owen on the Christian life: The Banner of Truth Trust.
Edinburg, 1987.
GONZALEZ, Justo L. Uma história do pensamento cristão. Da Reforma protestante ao
século XX. Volume 3. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004.
HODGE, Alexander A. Confissão de Fé Westminster. São Paulo: Os Puritanos, 2008.
HULSE, Erroll. Who are the puritans ? And what do they teach? Auburn: Evangelical
Press, 2000.
KEVAN, Ernest F. The Grace of Law: a study in puritan theology. Morgan: Soli Deo
Gloria Publications,1997.
MCGRATH, Alister. A vida de João Calvino. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004.
OWEN, John. The Works of John Owen. Volume III, iv. Philadelphia: Leighton
Publications, 1872.
PACKER, J.I. Entre os Gigantes de Deus. Uma Visão Puritana da Vida Cristã, São
José dos Campos: Fiel, 1996.
WATSON, Thomas. A Fé Cristã. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2009.
WHITEFIELD, George. Cristo: Sabedoria, Justiça, Santificação e Redenção. São
Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas,19xx.
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santificação e vida cristã na visão dos puritanos e sua harmonia