Universidade Estadual de Campinas Novembro de 2001 19 ESPETÁCULO ESPETÁCULO Voar é possível Portadores de necessidades especiais dão show de dança sobre cadeiras de rodas MARIA ALICE DA CRUZ Carlinhos de Jesus quer absorver a técnica [email protected] E strelas brincando com sua própria luz, um brilho autêntico, que emerge de dentro para fora. A coreografia “Feliz”, inspirada na música Balada dos loucos e interpretada pelo coreógrafo Carlos Faustini e a aluna Camila Bôer, enche de cor o Teatro do Sesc-Campinas. “Muito bom”, comenta o espectador. O que seria mostra de dança em cadeira de rodas vira um show. “Maravilha”, define a estudante de educação física Maraísa Cruz. No palco, as cadeiras e os movimentos tornam-se leves. Na maioria das coreografias, as cadeiras são instrumentos manipulados com a habilidade de quem nasceu para interpretar. Helena Pimenta, 67 anos, integrante do grupo Arte e Vida sobre Rodas, de São José do Rio Preto, tem razão: “Minha cadeira é minha sapatilha e me dá asas”. A Balada de Choppin parece executada pelo próprio corpo do dançarino baiano Luis Antonio Cruz, que, sem muito esforço, arranca gritos de louvor do público, formado por profissionais e estudiosos envolvidos no ensino da dança para portadores de deficiência ou não. Com um trabalho solo, Cruz representa o grupo Rodança, de Salvador. Conta que a equipe criou 13 coreografias e sete atos musicais e que os demais integrantes só não vieram apresentá-los porque faltou patrocínio para a viagem. Ao dançar a música Bijork, de Arnaldo Antunes, Chico Science e Nação Zumbi, Maristela Neri de Godoy também brilha ao lado dos companheiros da Companhia Artes sem Barreiras, de São Paulo. Dançar para um Novo Olhar é a coreografia de Ana Battosso, defendida com muita responsabilidade e riqueza de expressão pelos integrantes do grupo. “A minha vida inteira, sempre dancei. Sofri um acidente e quebrei a cervical. Esta relação com a dança é tudo para mim”, alegra-se Maristela. O grupo Três Mulheres e uma Dança, da Apae de Santa Bárbara d’Oeste, interpreta Beatriz, de Milton Nascimento e Chico Buarque. A equipe é formada pela fonoaudióloga e professora de dança Viviane Gonçalves Oliveira, a voluntária Mary Nishiyna e Dayane de Oliveira, a primeira aluna de Viviane. Dayane tem paralisia múltipla e iniciou o trabalho há dez anos. Segundo Viviane, a dança mudou muita coisa na vida da aluna, a começar pela melhora na comunicação, no relacionamento com a família e a sociedade. Paralisados ficam os olhos dos espectadores ao ver Dayane no tablado. Para dançar é só querer. “Há pessoas que não têm deficiência e não conseguem dançar”, lembra a estudante de educação física Maria do Carmo Freitas, uma das autoras da coreografia Metamorfose, apresentada pelo grupo Ciad, da PUC-Campinas. Na opinião dela, a deficiência que o ser humano tem para olhar as qualidades do outro, faz com que a sociedade não atente para o que os portadores de deficiência são capazes de realizar. “A gente trabalha dentro das possibilidades do portador, da mesma que se faz com uma pessoa que não sabe dançar”, explica. A mostra, organizada pela professora Graciele Massoli Rodrigues, fez parte do I Simpósio Internacional de Dança em Cadeira de Rodas, viabilizado por professores da Unicamp em parceria com outras entidades envolvidas no ensino de dança. A estrutura de apoio foi garantida por alunos da Escola Superior de Educação Física de Jundiaí e pela equipe do Sesc-Campinas. “Bravo!”, respondeu o público em pé. A minha cadeira de rodas é minha asa. Eu me sinto voando quando danço. A cadeira de rodas também é minha sapatilha. Ainda vamos fazer muita gente chorar. Helena Pimenta Fotos: Antoninho Perri Ao terminar sua intervenção na mesaredonda “Proposta de métodos de dança em cadeira de rodas”, o renomado dançarino e coreógrafo Carlinhos de Jesus afirmou que levaria os números de telefone de todos os participantes do I Simpósio Internacional de Dança em Cadeira de Rodas, realizado na Unicamp nos dias 5, 6 e 7 de novembro. “Um encontro como esse só vem me enriquecer profissionalmente. É uma técnica que vou absorver dentro do que faço”. Na opinião dele, a iniciativa das professoras Maria Beatriz Rocha Ferreira, Vera Aparecida Madruga Forti e Eliana Lúcia Ferreira traz benefícios afins para os portadores de necessidades especiais e para os profissionais de educação física e dança. Carlinhos de Jesus coordena há dois anos o grupo de dança da Associação Niteroiense de Deficientes Físicos (Andef), no Rio de Janeiro. Ele foi procurado pelo grupo, que queria participar de paraolimpíadas. “A idéia partiu deles e eles me convenceram dançando. Nem chegamos a conversar nada: quando cheguei, já começaram a dançar e eu aceitei imediatamente. Eu vi a possibilidade, o talento, a expressão”, relembra. O dançarino percebeu o que o grupo podia lhe acrescentar como ser humano e como profissional. “Hoje eles estão prontos para uma olimpíada”, reforça. O samba é o ritmo predominante nas coreografias criadas pelo coreógrafo. “É preciso fazer coisas alegres para eles dançarem”. Para Carlinhos, o professor deve respeitar os limites e as necessidades do aluno, independentemente da forma como este se apresenta. “Que diferença faz alguém entrar andando em minha academia e eles em cadeiras de rodas, se eu busco na dança uma expressão?”, questiona. A mostra realizada na Unicamp pode levar à criação da Confederação Nacional de Dança em Cadeira de Rodas, segundo anunciou a professora Eliana Lucia Ferreira, idealizadora do simpósio, durante sua intervenção na mesa-redonda da qual participavam profissionais importantes tanto da área de dança-esporte, como de dança-arte. Convidado, Carlinhos de Jesus aceitou tornar-se membro da confederação. Eliana revela que em 1990 o Brasil tinha apenas três pessoas interessadas no ensino de dança em cadeira de rodas; em 1998, existiam oito grupos formados e, neste ano, foram registrados 35 grupos. “Fora os que não conhecemos”, comemora. Carlinhos de Jesus, dançarino: coreografias com samba visando paraolimpíadas