247 HIV E MATERNIDADE: SENTIMENTOS DAS MULHERES QUE NÃO PODEM AMAMENTAR HIV AND MATERNITY: WOMEN`S FEELINGS WHO CAN`T BREAST FEEDING Brigite Almeida Miranda Discente do Curso de Enfermagem do Centro Universitário do Leste de Minas GeraisUnileste/MG. [email protected] Keyla da Silva Discente do Curso de Enfermagem do Centro Universitário do Leste de Minas GeraisUnileste/MG Eneida Coimbra de Lima Mestre em Enfermagem. Docente do Centro Universitário do Leste de Minas GeraisUnileste/MG RESUMO A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) está em crescente disseminação, principalmente entre mulheres em idade fértil, aumentando assim a possibilidade da transmissão vertical. O objetivo desse trabalho foi conhecer os sentimentos das mulheres soropositivos em relação à não amamentação. Utilizou-se uma abordagem de natureza qualitativa em estudo de caso. Foram pesquisadas nove mulheres que em seus depoimentos expressaram sentimentos, significados e soluções dos problemas sobre o desejo de amamentar e a impossibilidade de realizá-lo. A análise dos dados realizada pelo método de Análise de Conteúdo Temático resultou em três categorias: sentimentos quanto a não amamentar; o que fez para enfrentar o problema; o significado disto para elas. O estudo revelou que sentimentos e significados se misturam na fala das mulheres, que demonstram esperança pela cura, sendo o diagnóstico preponderante ao desejo de amamentar. Esse fato apresenta base para o enfermeiro na busca de alternativas para prestar uma assistência que contemple de forma satisfatória esta parcela da população com menos preconceitos e discriminações. PALAVRAS-CHAVE: Infecções por HIV. Aleitamento materno. Enfermagem. Emoções. ABSTRACT This paper appeared of the interest in study the grouwing dissemination of the Acquired Immunodeficiency Syndrome (AIDS), mainly among women in fertile age, what increases the possibility of vertical transmission. The objective was to know the seropositive women’s feelings about no-breast-feeding. It was used a qualitative approach in a case study. Nine women had been searched and, in their depositions, they expressed their feelings, meanings and solutions to the problem about the wish of breast-feeding and the impossibility to do it. The analysis of data made by Analysis of Thematic Content method resulted in three categories: feelings about no-breast-feeding; what they did to face the problem; the meaning of this to them. The study showed that feelings and meanings are mixed in women’s speaking, who demonstrate hope of cure and the diagnosis is preponderant to the wish of breast-feeding. This fact presents a basis for the nurse in his search of alternatives to give an assistance that contemplates, in a satisfactory way, this parcel of population with less preconceptions and discriminations. KEY WORDS: HIV infections. Breast feeding. Nursing. Emotions. Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG-V.2-N.2-Nov./Dez. 2009 248 INTRODUÇÃO A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida pode ser transmitida através dos líquidos corporais como o sangue, o líquido seminal, secreções vaginais, o líquido amniótico e o leite materno. A transmissão que ocorre de mãe para filho durante o trabalho de parto e amamentação com o leite materno, constitui a transmissão vertical (SMELTZER; BARE, 2005). Os primeiros relatos existentes na literatura médica sobre o Vírus da Imunodeficiência Adquirida (HIV) são do ano de 1981, nos Estados Unidos da América, sendo que duas décadas depois os números já ultrapassavam os 40 milhões de pessoas atingidas pelo HIV. Desde então, a epidemia vem se alastrando crescentemente e o Brasil está ocupando o 2º lugar dos casos de notificações nas Américas (SABINO; BARRETO; SANABANI, 2005). Atualmente, no Brasil, parte das populações masculina e feminina de todas as regiões geográficas, está contaminada pelo HIV, porém o crescimento da transmissão da AIDS entre as mulheres especialmente em idade fértil corresponde a números altos segundo algumas literaturas, sendo que desta população muitas se tornam gestantes em potencial risco para transmitir o HIV a seus filhos, aumentando o número de casos em crianças contaminadas por transmissão perinatal (SABINO; BARRETO; SANABANI, 2005). Após o parto, a amamentação torna-se um fator de risco importante, principalmente nos paises subdesenvolvidos em que a substituição do leite materno é às vezes inadequada e/ou inacessível. Quando possível a amamentação deve ser contra-indicada e substituída por fórmulas que contemplem uma nutrição adequada (RIBEIRO et al., 2005). Estudos constatam que a transmissão do HIV através do leite humano tem se mostrado mais relevantes nos casos em que as mães se infectaram no pós-parto, pois neste período a viremia é maior, aumentando esta possibilidade (ORTIGÃO, 1995; NEGRA, QUEIROZ, LIAN, 2005). Em ocorrência desses fatos a Organização Mundial de Saúde e outros órgãos decidiram que nos países em desenvolvimento, quando for possível o acesso ininterrupto da substituição nutricional do leite humano, as mães soropositivos não devem amamentar, evitando a doença e morte dos seus filhos (CAMELO JÚNIOR; MOTTA, 2004). Considerando que a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida está em crescente disseminação, não existindo grupos de risco, atingindo amplamente a heterossexualidade principalmente entre mulheres na idade fértil, com a probabilidade de infecção de seus filhos através da transmissão vertical do HIV, é necessário a adoção de medidas que possam prevenir primariamente a transmissão perinatal do HIV. Procura-se envolver educação e informação, prevenção e/ou tratamento precoce de doenças sexualmente transmissíveis, prevenção da gravidez não planejada, testes para detectar infecções pelo HIV e disponibilidade do aconselhamento pré e pós-teste (RIBEIRO et al., 2005). O estudo realizado por Hebling (2005) mostra que são diferentes as reações que cada mulher tem ao perceber que não pode amamentar o que causa na maioria delas um sentimento de incompetência no desempenho do papel de mãe. Quando a amamentação não pode ser realizada, os Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG-V.2-N.2-Nov./Dez. 2009 249 profissionais devem incentivar a mãe a oferecer o alimento substituto com toda a atenção e carinho fazendo com que este momento seja íntimo para a mãe e filho, promovendo a interação entre eles. Devido os riscos da transmissão vertical durante o aleitamento materno, as mulheres são aconselhadas por profissionais da saúde a não amamentar seus filhos. Diante disso surgiu o interesse de conhecer os sentimentos em relação à experiência da não amamentação para as mulheres HIV-positivo. Os enfermeiros ao estarem atentos aos aspectos psicológicos e emocionais quando prestam assistência às mulheres soropositivas, promovem o fortalecimento das estratégias dessas mulheres para enfrentarem muitos desafios, visto que as cobranças dos familiares, amigos e de pessoas mais próximas é constante no que se refere a não estar amamentando. Além disso, ressalta-se a importância do vínculo afetivo durante a amamentação entre mãe e filho, pois estas pessoas depositam confiança nestes profissionais, que devem ter uma conduta ética com seriedade e respeito (VINHAS et al., 2004). O presente estudo espera contribuir para que os enfermeiros realizem uma abordagem mais segura, livre de preconceito e discriminação às mulheres que passam ou passarão à experiência de não amamentar. Busca-se com esta pesquisa conhecer os sentimentos da não amamentação para a mulher portadora de HIV. METODOLOGIA A presente pesquisa foi desenvolvida a partir de um estudo exploratório com abordagem qualitativa, utilizando a técnica de estudo de caso. A abordagem qualitativa é flexível, moldando-se ao estudo durante a coleta de dados. Busca entender o todo com uma visão holística, exigindo grande envolvimento do pesquisador, sendo esse um instrumento da pesquisa (POLIT; BECK; HUNGER, 2004). O método de estudo exploratório tem como objetivo fornecer maior contato com o problema tornando-o mais visível, aprimorando idéias ou descobrindo intuições. Sendo dessa forma, o planejamento é passível e flexível possibilitando considerar diferentes características do fato estudado, envolvendo levantamento bibliográfico, entrevistas com pessoas que tiveram experiência prática com o problema pesquisado (GIL, 2002). A categoria de pesquisa que envolve o estudo de caso trata-se de uma análise aprofundada do assunto, tendo como base suportes teóricos que orientarão o estudo do investigador. Este não é tão focado na quantificação das informações (TRIVIÑOS, 1987). Esta categoria citada refere-se a um estudo aprofundamento de um ou mais objetos, sendo exaustivo, mas permite maior detalhamento e conhecimento sobre o assunto pesquisado. Uma objeção evidenciada é a dificuldade de generalização, porque utiliza um ou poucos casos, porém o propósito do estudo de caso é mostrar uma visão global do problema estudado (GIL, 2002). A pesquisa foi realizada na instituição Grupo de Apoio aos Soropositivos (GASP), uma Organização Não Governamental (ONG) situada no bairro Canaã, município de Ipatinga, no Estado de Minas Gerais. Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG-V.2-N.2-Nov./Dez. 2009 250 O GASP foi fundado em setembro de 1997 e tem como objetivo lutar pelos direitos dos soropositivos na região do Vale do Aço. Com um ano de fundação, a instituição foi elevada a Utilidade Pública Municipal em 08 de Dezembro de 1998. O reconhecimento nacional veio em 2001, e no ano seguinte o estadual. A instituição é mantida por doações, eventos, convênios e trabalho voluntário. Suas atividades de rotina são palestras em escolas, empresas, clubes de serviço, igrejas e outros locais, bem como atendimento psicológico e jurídico para os portadores do HIV/AIDS e familiares, visitas domiciliares, acompanhamento hospitalar, distribuição de cestas básicas, de preservativos e material informativo. A população são 56 mulheres soropositivas inscritas no GASP, já a amostra constitui-se de nove mulheres que participaram de duas reuniões ocorridas aos dias 04 e 11 de setembro de 2008, sendo que na primeira reunião o número de participantes foi de seis pessoas, e na segunda foram três participantes. Foi considerado como critério de inclusão: mulheres HIV-positivo, maiores de 18 anos, freqüentadoras da instituição e que tiveram filhos após a soropositividade. Os critérios de exclusão foram as mulheres menores de 18 anos e aquelas que não freqüentavam o GASP. Utilizou-se como instrumento para a coleta de dados um questionário aberto auto-aplicado, onde foram apresentadas cinco questões (Apêndice A). Inicialmente, os dados seriam coletados através de uma entrevista com formulário semi-estruturado, o que não foi possível visto que as participantes não aceitaram a presença das pesquisadoras por motivos que envolviam a preservação do anonimato, segundo o relato da voluntária do GASP. Sendo assim, não houve interação entre as pesquisadoras e as participantes. O questionário é utilizado como uma coleta de dados onde o pesquisador apresenta questões por escrito ao pesquisado. Um dos tipos existentes é o questionário auto-aplicado, que é entregue ao individuo para que responda de próprio punho (GIL, 2002). Para o desenvolvimento deste estudo foi entregue ao presidente do GASP o projeto de pesquisa, solicitando permissão para o desenvolvimento da mesma, através do Termo de Autorização. Mediante a isso foi aplicado o questionário às mulheres que participaram das reuniões de grupo que acontecem semanalmente, por uma voluntária do GASP, responsável por presidir os encontros. A colaboração da voluntária foi importante para estabelecer o elo entre as pesquisadoras e as mulheres. A ela foram dadas as orientações necessárias para o esclarecimento quanto ao objetivo da pesquisa, solicitando a transmissão das informações às mulheres. Assim, apresentou-se o questionário juntamente com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), havendo detalhamento sobre o objetivo da pesquisa, a forma de participação das mulheres, o tempo necessário para responder o questionário e o desconforto emocional que poderia ser causado. Ressaltou-se ainda sobre o anonimato das mulheres, assim como o direito de desistir de participar em qualquer momento do estudo sem penalidades, a não remuneração e a disponibilidade das acadêmicas para solucionar quaisquer dúvidas. Foram Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG-V.2-N.2-Nov./Dez. 2009 251 entregues duas vias do TCLE para cada participante, ficando uma via com elas e a outra devolvida às pesquisadoras. Cada participante escolheu um nome fictício de uma flor de sua preferência que foi colocado no cabeçalho do questionário para identificação Simbólica na discussão dos resultados. Ao sugerir que escolhessem o nome de uma flor teve-se a intenção de preservar a identidade das participantes, respeitando a sensibilidade dessas mulheres Três participantes não fizeram essa escolha, sendo então, atribuídas a elas um nome de flor a critério das pesquisadoras. Os dados foram interpretados de acordo com o método de Análise de Conteúdo Temático processado através da escolha de palavras - chave e registro do número de vezes em que elas apareceram nas respostas obtidas pelo questionário. A descrição dos significados das respostas utilizou a técnica que usa a palavra contendo o melhor conteúdo, havendo mais de um em uma única resposta. Essa técnica originou três categorias de análise: sentimentos quanto a não amamentar, o que fez para enfrentar o problema e o sentimento e/ou significado dessa experiência para elas. A discussão dos resultados baseou-se no referencial teórico. O Método de Análise de Conteúdo é a forma de estudar as comunicações entre os homens, sendo um conjunto de técnicas para analisá-las, descrevendo o conteúdo das mensagens. Como qualquer outra técnica seu valor se relaciona ao apoio de referencial teórico. A análise de conteúdo é recomendada para o estudo de atitudes, valores ou crenças de uma população (TRIVIÑOS, 1987). Este estudo contemplou a Resolução nº196/96 de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde que regulamenta a pesquisa com seres humanos (BRASIL, 1996). RESULTADOS As nove mulheres que participaram deste estudo apresentaram idades que variaram entre 22 a 58 anos, Tab. 1 TABELA 1 Número de mulheres por faixa etária. Faixa etária 20 a 29 anos 30 a 39 anos 40 a 49 anos Acima de 49 anos Total número 02 03 01 03 9 % 22,22 33,33 11,11 33,33 100 A soma da segunda e quarta faixas etárias demonstra o maior contingente de participantes acima de 30 anos, o que leva a inferir que a faixa etária acima dos 40 anos possivelmente não teve filhos após o diagnóstico, já que as respostas das mulheres se referem à doença e não ao diagnóstico. Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG-V.2-N.2-Nov./Dez. 2009 252 Para o estudo de caso as informações quanto ao estado civil e número de filhos modificam pouco a característica da amostra, considerando que todas elas tinham filhos, independentes do estado civil e da idade. Cada categoria apresentada teve questões correspondentes a elas. Na primeira categoria: sentimentos quanto a não amamentar oito (88,88%%) das pesquisadas relataram ter sentido vontade de amamentar. Destas mulheres participantes que disseram sim, três (33,33%) acrescentaram observações envolvendo significados e cinco (55,55%) responderam apenas sim, sem maiores descrições sobre o assunto abordado. Somente uma (11,11%) mulher disse não ter sentido vontade de amamentar. Na segunda categoria: O que fez para enfrentar o problema não houve consenso entre as respostas, indicando que cada uma procurou seus próprios recursos. Dentre as respostas duas (22,22%) disseram ter procurado por profissionais psicólogos, uma (11,11%) disse ter buscado apoio na família, uma (11,11%) resolveu os problemas fornecendo outros alimentos ao filho, uma (11%) relatou que a solução foi não amamentar, uma (11,11%) não respondeu, quatro (44,44%) parecem não ter entendido a questão, visto que as respostas não condizem com a pergunta. No entanto essas respostas nos remetem a sentimentos e atitudes descritas na discussão dos resultados. As respostas ultrapassaram a porcentagem adequada havendo mais de uma opção por participante. A terceira categoria extraída foi sobre o significado de não amamentar. Esta foi a categoria que mais trouxe diversidades de respostas, havendo mais de um significado em cada uma delas, como apresentado na tabela 2. TABELA 2 Significado de não amamentar. Significado Importante para o desenvolvimento do bebê Crescer com saúde Tristeza Maravilha Proteção do filho Ato de amor Alimentação pode ser substituída Sonho de toda mulher Número Absoluto 05 Freqüência 55,56 02 02 01 01 01 01 01 22,22 22,22 11,11 11,11 11,11 11,11 11,11 A última questão por ser uma questão aberta para que acrescentassem o desejado por elas permeou todas as categorias, sendo os achados interessantes. A intenção se referia a amamentação, porém, três (33,33%) citaram a importância da cura para si e para as outras pessoas, assim as respostas foram além do esperado pelas pesquisadoras. As outras seis (66,66%) participantes deram respostas diversas como apresentado na tabela 3. Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG-V.2-N.2-Nov./Dez. 2009 253 TABELA 3 Expectativas Palavras chave Cura Não respondeu Discriminação Mãe soropositivo não pode amamentar Contra mulher HIV positivo amamentar Amamentar é egoísmo Que todas as mães pudessem amamentar Freqüência 03 02 01 01 01 01 01 % 33,33 22,22 11,11 11,11 11,11 11,11 11,11 DISCUSSÃO As categorias assim divididas originaram a discussão em forma de texto integral, ou seja, mesmo valorizando as palavras chave e o número de menção de cada uma delas optou-se por destacar sentimentos e significados sem pontuar a categoria. De acordo com estudos realizados por Sanchez Moreno, Rea e Filipe (2006) essas mulheres soropositivas ficam divididas em uma situação que envolve a elas e a criança, onde os riscos e benefícios devem ser avaliados. Os conflitos vivenciados devem ser levados em consideração. Pelas respostas obtidas infere-se que a não amamentação acarreta certo conflito interior nas mulheres, pois ficaram entre proteger a criança, não dando o leite materno e buscar apoio no imaginário, relatando não haver provas cientificas quanto à infecção pelo vírus através da amamentação. Importante, mas consciente de que não amamentar é fundamental para a criança, apesar que não foi constatado que amamentar contamina a criança. Melhor evitar. Açucena As literaturas disponíveis enfatizam o valor biológico do aleitamento materno considerando essa prática fundamental, quando reafirma sua importância para todas as crianças nos aspectos emocionais e fisiológicos. Esse discurso sobre aleitamento materno é apropriado pela saúde e quando imposto a todas as mulheres reforça este sentimento de conflito. Segundo Del Ciampo, Ricco e Almeida (2004) a amamentação é a primeira ação benéfica, se não a mais importante, que a mãe propicia ao seu filho, pois é o modo natural com que o recém-nascido recebe tudo o que necessita para um bom desenvolvimento físico, psíquico, emocional e nutricional. É através do leite materno, que o bebê recebe todo o aporte que precisa para um bom desenvolvimento, criando um vinculo afetivo muito intenso, estreitando os laços entre mãe e filho. Atualmente Brasil (2006) descreve o risco de transmissão do HIV pelo aleitamento entre 7% a 22%, aumentando a exposição a cada mamada, sendo as mães sintomáticas ou assintomáticas. Ortigão (1995); e Negra, Queiroz e Lian (2005) mencionam a importância da fórmula láctea para uma nutrição adequada, contra-indicam a amamentação Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG-V.2-N.2-Nov./Dez. 2009 254 quando a mulher é soropositiva e enfatiza o risco aumentado no pós-parto quando a viremia é maior. No presente trabalho oito (88,88%) das mulheres pesquisadas reconhecem a importância do aleitamento materno para o desenvolvimento da criança, garantindo uma saúde adequada. A amamentação é realidade e um fato positivo na vida e desenvolvimento de uma criança nos seus primeiros dias de vida... Rosa vermelha Saudável, até para criança ficar mais com saúde. Mussenda Dentre os sentimentos extraídos das respostas, a tristeza e frustração foram relatadas como um fator que circunda essas mulheres, o que torna mais difícil a compreensão e aceitação da não amamentação. Fiquei muito triste. Açucena Sim (em relação ao desejo de amamentar), mas fui privada deste singelo gesto de amor... Rosa vermelha Lógico (em relação ao desejo de amamentar). Mas fui privada deste ato. Violeta branca O que se compara ao estudo de Padoin e Souza (2006) que ao falarem sobre a compreensão da amamentação a mulher soropositivo demonstra dificuldade e tristeza em não poder realizar uma pratica que além de desejada está ao seu alcance. Percebe-se que, apesar da tristeza sentida por estas mulheres, o bemestar do filho torna-se o fator mais importante, sobrepondo ao seu desejo de amamentar. A mãe HIV-positivo se conforma em abster-se de sua vontade para proteger seu filho, demonstrando o amor incondicional que sente por ele. O sonho de toda a mulher é amamentar mais no meu caso é impossível, porque o leite materno é rico em HIV. Margarida Muito (quanto ao desejo de amamentar), mas meu desejo de ter um Bebê saudável é maior. Açucena ...proteção do meu próprio filho. (ao relatar que mesmo sentindo o desejo de amamentar não o realizou). Rosa Vermelha Esses depoimentos são equivalentes aos achados do estudo de Batista e Silva (2007) ao discorrerem sobre os sentimentos das mulheres diante da impossibilidade de amamentar, demonstrando a conformidade com a situação, pois a compensação de ter um filho saudável é maior. Elas sentem a necessidade de evitar dar o leite do peito, para que a vida possa manter-se, possibilitando um futuro saudável para a criança. Mesmo estando convencidas de que não amamentar é a melhor opção, para evitar a infecção dos filhos, oito (88,88%) das mulheres ao responder sobre o desejo de amamentar, disseram tê-lo sentido. A amamentação é Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG-V.2-N.2-Nov./Dez. 2009 255 considerada símbolo representativo da maternidade, que permeia os pensamentos das mulheres de alguma forma. Condiz com os estudos de Nakano (2003) que relata o ato de amamentar como um atributo que está aderido ao corpo e mente das mulheres, fazendo parte de sua natureza humana, apontando a amamentação como mecanismo para reafirmar seu dever e responsabilidade de mãe. Batista e Silva (2007) afirmam em seus resultados que a mulher com AIDS por ter impedimento para realizar o aleitamento materno, não vive a maternidade em sua plenitude, considerando que este ato é primordial para exercer o papel de mãe. Pandoin e Souza (2006) discordam, pois a mulher vive a plenitude da maternidade compensando a impossibilidade de amamentar, se ocupando com os cuidados que são necessários para a sobrevivência da criança, bem como as preocupações e o temor com a doença. Das mulheres que participaram do estudo uma (11,11%) relatou não ter sentido o desejo de amamentar e não acrescentou nenhum comentário à resposta. Ao responderem sobre a substituição do leite materno por outros alimentos, seis (66,66%) mulheres disseram não ter encontrado dificuldades em relação a alimentação, o que pode estar relacionado ao fato da gratuidade do leite substituto (NAN) para as estas crianças, contempladas pelo Programa do Governo. Não (relativo não ter havido impossibilidade em substituir a alimentação do filho). Graças a Deus, meus 2 filhos mais novos que foram gerados depois dos resultados, ganharam o NAN até um aninho... Açucena Não corrobora aos achados de Dias, Pacheco e Eidt (2008) ao relatar que as mulheres encontram dificuldades em adquirir o alimento substituto, pois nem sempre são informadas sobre o direito gratuito de recebê-lo, dificultando assim a alimentação das crianças. É relevante ressaltar que a feminização e juvenilização da AIDS entre mulheres, merece atenção especial visto que, quanto menor for à idade da mulher, maior será seu período de reprodução, aumentando às chances de ocorrer uma gravidez e consequentemente a possibilidade de transmissão vertical do HIV, se não forem adotadas as medidas preventivas adequadas. Merece atenção especial a aquisição do conhecimento da AIDS, pelas mulheres. Esse é mais voltado a campanhas específicas, por dois motivos: por adoecimento ou morte dos filhos e companheiros podendo receber diagnóstico e tratamento tardios e outro é a detecção durante a gravidez daquelas que estão em idade reprodutiva (DINIZ; VILLELA 1999). Uma das evidências que existe no aumento do número de casos entre as mulheres é o crescimento significativo do número de crianças infectadas pelo HIV através da transmissão vertical (SANTOS et al., 2002; ARAUJO et al., 2008). Nesse estudo três (33,33%) participantes disseram ter tido dificuldades em substituir a alimentação de seus filhos, mas apenas uma (11,11%) comentou a resposta e atribuiu que a proteção do filho foi decorrente de uma Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG-V.2-N.2-Nov./Dez. 2009 256 força divina visto que quando seu filho nasceu ainda não sabia do diagnóstico de soropositividade. Sim, esta impossibilidade foi do meu próprio filho que o rejeitou. Porque até no momento eu não sabia que eu era soropositivo, tenho plena certeza que Deus protegendo meu filho desde meu ventre. Violeta Para Gir et al. (2006); Araújo et al. (2008), as mulheres buscam a religião para ter um apoio emocional, conseguindo suportar a realidade de seu cotidiano, servindo como um alívio para suas angustias, já que a luta pela sobrevivência é constante diante da severidade do seu diagnóstico. Outro achado da resposta acima se refere à feminilização da AIDS e a descoberta tardia do diagnóstico, já que em muitos casos a descoberta é durante a realização do pré-natal. Condiz com a pesquisa de Alves, Kovács e Paiva (2002) que em seus estudos de 26 mulheres entrevistadas, 14 realizaram o teste para a detecção do HIV após o adoecimento dos filhos ou do companheiro. Outro aspecto abordado foi sobre alternativa encontrada para solucionar o problema, ficando claro que cada uma procurou o que estava ao seu alcance, sendo as respostas diferentes. Também evidenciou-se a importância que elas dão à convivência com outras pessoas da sociedade, podendo inferir-se a fuga da solidão e outro modo de busca de apoio. Fatos importantes foram destacados nessa análise. Assim dentre as respostas mais prevalentes estão duas (22,22,%) que procuraram por terapia e duas (22,22%) que disseram que a solução é conviver com o problema. Aprendendo a conviver com o problema e com o meu filho e as pessoas que me rodeiam. Rosa vermelha Convivendo com ele e aprendendo com demais pessoas que convive. Os problemas não solucionaram, mas sim contornados. Violeta branca Psicólogo e família. Margarida Através de terapia. Cravo Os relatos acima corroboram com os achados da pesquisa realizada por Araújo et al. (2008) que observou no relato de vida de cada mulher que as formas de enfrentamento têm semelhanças, pois aprender a lidar com essa realidade é um desafio, já que esta mulher encontra-se fragilizada. Solucionei dando leite e sopinhas e chazinhos. Mussenda Relacionando com os achados da pesquisa, um fato que inicialmente poderia ser identificado como um problema é a substituição da amamentação devido a implicação sentimental que está embutida neste ato. Porém, aparece como uma das soluções encontradas para os problemas, discordando das literaturas que enfatizam o beneficio nutricional e emocional do aleitamento exclusivo. Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG-V.2-N.2-Nov./Dez. 2009 257 Dias, Pacheco e Edit (2008) enfatizam que a sociedade, mídia colocam sempre a amamentação como indispensável, proporcionando que a sociedade pense no leite materno como única fonte de nutrição saudável para a criança. Isso, de certa forma, exclui esta parte da população que evita o aleitamento como forma de proteção e prevenção de seus filhos. Brasil (2006) relata que as mulheres não devem amamentar mesmo em uso de terapia anti-retroviral, devendo inibir mecanicamente a lactação, substituindo a alimentação por fórmula infantil, seguida de outros alimentos conforme orientação do Guia Prático de Preparo de Alimentos para Crianças Menores de 12 Meses que não Podem Ser Amamentadas. A última abordagem resultou em surpresa para as pesquisadoras, uma vez que a intenção era obter respostas sobre a não amamentação, porém destaca-se a menção sobre a cura feita por três (33,33%) das participantes. A questão aberta permitiu que acrescentassem o que achasse pertinente e ficou demonstrado que o diagnóstico se sobrepõe ao desejo da amamentar. Que se encontrasse a cura não só para mim, mas para todos que convivem com o HIV positivo. Violeta branca Gostaria que encontrasse a cura não só para mim, mas também para outros que vive com este problema. Rosa vermelha A cura. Hortência Vinhas et al. (2004) colocam que, por estarem conscientes de que a AIDS não tem cura, as mulheres ficam rodeadas de sentimentos que amedrontam ao pensar na possibilidade de contaminar os filhos, seja antes ou após a gestação. O preconceito e a discriminação encontram-se presentes no discurso destas mulheres, possivelmente por terem vivenciado situações em que a sociedade ou a própria família deixaram-nas expostas ao constrangimento, dificultando ainda mais seu equilíbrio emocional. ...são sete anos de luta e até hoje sofro com preconceitos, mas está nas mãos de Deus.” “... somos muitos discriminadas. Açucena Carvalho; Piccinini (2006); e Araújo et al. (2008) destacam a sociedade como principal fonte de preconceitos e discriminações, isolando as pessoas, trazendo transtornos psicológicos, levando até a omissão do diagnóstico. Outro relato apresentado nesta questão foi relevante, pois demonstra uma visão diferenciada a respeito das mulheres que optam por serem mãe após o conhecimento do diagnóstico, sendo uma opinião que diverge de alguns estudos. Sou contra a mulher soropositivo engravidar, mesmo que o risco seja mínimo, porque a criança não pode escolher correr o risco. Acho egoísmo. Orquídea Discorda de Moura e Praça (2006) que em seus resultados encontraram mulheres que engravidaram após saber da sua condição de soropositividade Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG-V.2-N.2-Nov./Dez. 2009 258 para realizar o desejo de ser mãe e demonstrar para a sociedade que são normais. Neste depoimento ficou clara a dificuldade desta mulher em aceitar a situação de saúde em que se encontra, visto que, as respostas das outras participantes tiveram opiniões diferenciadas, demonstrando que pode ser necessário criar uma imagem de resistência, a fim de lidar com as pessoas e ocultar suas fragilidades emocionais. CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo principal deste estudo de caso, que buscou conhecer os sentimentos de mães soropositivos que não amamentaram foi alcançado. Infere-se que os significados e sentimentos para essas mulheres são inseparáveis, pois ao se abordar este tema, suas respostas expressam dois pontos: a vivência da força do diagnóstico sobrepondo a vontade de amamentar, e a esperança da cura que é mencionada por elas como um desejo para si e para todas as outras mulheres que passam pela mesma experiência. Assim, para oito (88,88%) das mulheres pesquisadas a importância da amamentação para o bebê foi apontada como o fator mais relevante. Surgiram expressões que descreveram a amamentação como ato de amor e tristeza em não poder realizá-lo, porém houve uma (11,11%) mulher que mencionou o leite materno como simplesmente um tipo de alimentação, já que pode ser substituído. Evidenciou-se também que o bem-estar dos filhos está acima do desejo de amamentar, sendo a condição de saúde da mulher um fator importante para possibilitar a prática do aleitamento materno. Mesmo estando conscientes sobre a importância de não amamentar para a prevenção e proteção dos filhos quanto à transmissão vertical, o desejo de amamentar está presente, demonstrando seu valor como ato afirmativo da maternidade. O tema reforça o que a literatura sinaliza como a feminização da AIDS, destacando o aumento da possibilidade de transmissão vertical, devido ao longo período reprodutivo em que as mulheres se encontram, com maiores chances de engravidar, trazendo problemas diversos para elas e seus filhos. A forma de enfrentamento dos problemas entre as participantes do estudo revela que não importa estarem no mesmo grupo de apoio e possuírem diagnóstico comum, já que cada uma buscou alternativas para solucioná-los da maneira que foi mais fácil ou acessível. O estudo pode subsidiar meios para que profissionais da saúde fiquem atentos, no que se refere a não reforçar o discurso da saúde sobre a importância do aleitamento materno para todas as mulheres e crianças, tanto para os aspectos fisiológicos quanto para os afetivos e emocionais, principalmente ao atendimento as mulheres HIV-positivo trabalhando com segurança, diante da “impossibilidade” de amamentar, de forma que seja o menos conflitante possível para as mulheres. Assim preconceito e discriminação serão suavizados e elas sentirão que podem contar com o Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG-V.2-N.2-Nov./Dez. 2009 259 serviço e atendimento de qualidade, que correspondam as suas necessidades individuais. 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Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG-V.2-N.2-Nov./Dez. 2009 263 APÊNDICE A Questionário Nome fictício (flor): Idade: Estado civil: Numero de filhos: 1- Para você qual o significado da amamentação? 2- Você sentiu desejo de amamentar? 3- Você teve alguma impossibilidade em substituir a alimentação do seu filho? 4- Como você solucionou os problemas encontrados? 5- Há algo mais que você gostaria de acrescentar? Agradecemos sua colaboração na construção do nosso artigo. Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste-MG-V.2-N.2-Nov./Dez. 2009