UM ESTUDO DOS INVARIANTES OPERATÓRIOS MOBILIZADOS POR CRIANÇAS DO QUINTO ANO EM UMA ATIVIDADE DE MODELAGEM MATEMÁTICA Marlí Schmitt Zanella Universidade Estadual de Maringá [email protected] Lilian Akemi Kato Universidade Estadual de Maringá [email protected] Resumo: Neste texto, apresentamos algumas análises de uma atividade de Modelagem Matemática, na perspectiva da Educação Matemática, desenvolvida com um grupo de quinze alunos do quinto ano do Ensino Fundamental, de uma escola pública do Paraná. A partir dos elementos que caracterizam esquema de ação, bem como invariantes operatórios, definido por Gérard Vergnaud, analisamos os esquemas de ação mobilizados por estes alunos durante o desenvolvimento de uma atividade de Modelagem, denominada “Altura da Catedral de Maringá”. As análises indicaram que a principal ferramenta matemática utilizada pelos alunos abordam o raciocínio aditivo (composição de medidas) e raciocínio multiplicativo (isomorfismo de medidas) ambos, pertencentes à primeira classe de problemas da estrutura aditiva e multiplicativa, respectivamente. O principal invariante detectado é que a dificuldade dos estudantes reside na passagem de uma quantidade contínua para uma quantidade discreta. Palavras-chave: Modelagem Matemática. Teoria dos Campos Conceituais. Anos iniciais do Ensino Fundamental. A Modelagem Matemática na Educação Matemática No contexto da Educação Matemática o termo Modelagem Matemática não possui um significado único, entretanto, de maneira geral, pode-se dizer que a Modelagem1 é a utilização da Matemática para compreender e resolver situações problemas, que podem ter origem em áreas externas à Matemática ou em situações do dia-a-dia (BARBOSA, 2003; LUNA, 2007). Blum e Ferri (2009) compreendem por tarefas de Modelagem aquelas tarefas que requerem traduções substanciais entre a realidade e a Matemática. Segundo Blum (2006), uma atividade de Modelagem é uma tarefa matemática não rotineira, pois solicita ao aluno uma interpretação matemática de uma situação do mundo real, e desta forma, o aluno tem a 1 Utilizaremos este termo sempre que nos referirmos à Modelagem Matemática. XII EPREM – Encontro Paranaense de Educação Matemática Campo Mourão, 04 a 06 de setembro de 2014 ISSN 2175 - 2044 possibilidade de formular uma descrição matemática ou um procedimento para desenvolver uma estratégia ao invés de fornecer apenas um número como resposta, obtido por um procedimento único. Além disso, os alunos podem desenvolver um modelo que descreve uma situação da vida real. Estes modelos podem incentivá-los a resolver, descrever, simplificar, revisar e refinar suas ideias (validar), bem como, utilizar uma variedade de meios de representação para explicar as estratégias utilizadas. Uma das vantagens de se desenvolver atividades de Modelagem na sala de aula é a possibilidade destes alunos descreverem as estratégias de solução desenvolvidas, que podem revelar, explicitamente, como os alunos pensam em uma dada situação (BLUM e FERRI, 2009; ENGLISH, 2006). Nesse sentido, o presente estudo analisa uma atividade de Modelagem, denominada “Altura da Catedral de Maringá” que seguiu os pressupostos indicados por Blum e Ferri (2009), em que os alunos foram convidados a discutir a quantidade de crianças necessárias para atingir a altura da Catedral de Maringá. As estratégias utilizadas pelos alunos para resolver a atividade é interpretada segundo a Teoria dos Campos Conceituais, apresentada na próxima seção. A Teoria dos campos conceituais As orientações didáticas apresentadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o bloco de conteúdos Números e Operações estão fundamentadas na Teoria dos Campos Conceituais (TCC) de Gérard Vergnaud. O foco da TCC é o próprio conteúdo do conhecimento e a análise conceitual do domínio desse conhecimento (VERGNAUD, 1991). A TCC proporciona o estudo das ações dos estudantes e as condições de produção, registro e comunicação durante situações de aprendizagem. Para Vergnaud (1991) esta teoria preocupa-se com a formação e o desenvolvimento de conceitos, e a formação e o desenvolvimento de um conhecimento conceitual devem emergir a partir de situações problemas que levem em consideração: a representação e o conceito e, os invariantes operatórios (conceitos e teoremas em ação) na situação problema. Um campo conceitual é um “conjunto de situações, cujo domínio progressivo exige uma variedade de conceitos, de procedimentos e de representações simbólicas em estreita conexão” (MAGINA et al. 2008, p. 6). Isso significa que um conceito não se encontra isolado, por isso é necessário trabalhar os diferentes significados de um conceito por meio de XII EPREM – Encontro Paranaense de Educação Matemática Campo Mourão, 04 a 06 de setembro de 2014 ISSN 2175 - 2044 diferentes tipos de problemas. A adição e a subtração são exemplos de conceitos que ganham sentido quando considerados como parte de um campo conceitual, o campo da estrutura aditiva (VERGNAUD, 1991). O campo conceitual da estrutura aditiva é o conjunto de situações cujo domínio requer uma ou várias adições ou subtrações ou uma combinação de tais operações, e o conjunto dos conceitos e teoremas que permitem analisar estas situações como tarefas matemáticas. Este campo é dividido em seis classes de situações: Composição – de medida, de transformação e de relação, Transformação – de medida e de relação, e, Comparação de medida (VERGNAUD, 1991). Este autor também definiu o campo Conceitual da estrutura multiplicativa é o conjunto de situações cujo domínio requer uma ou várias multiplicações ou divisões, e o conjunto dos conceitos e teoremas que permitem analisar estas situações como atividades matemáticas. Nas relações multiplicativas, Vergnaud (1991) ressalta que podemos distinguir duas categorias principais, o isomorfismo de medidas e o produto de medidas. Para desenvolver uma atividade o aluno tem várias decisões a tomar, e estas são objeto de uma organização invariante. Magina et al. (2008) ressaltam que o conjunto dos invariantes compreende os objetos, as propriedades e as relações que podem ser reconhecidas e usadas pelo sujeito para analisar e dominar as situações, e que expressam a compreensão do educando sobre o conceito, por isso os invariantes dão significado ao conceito. Neste contexto, estabelecer classificações às situações problemas, descrever procedimentos, detectar teoremas e conceitos em ação, analisar a estrutura e a função dos enunciados e das representações simbólicas é de interesse para a aprendizagem em Matemática. Neste trabalho, utilizamos a TCC como fundamentação teórica para analisar uma atividade de Modelagem, intitulada “Altura da Catedral de Maringá”, que objetivos desenvolver conceitos abordados no bloco de conteúdos Grandezas e Medidas e Números e Operações. Percurso metodológico A trajetória metodológica proposta neste trabalho pautou-se numa abordagem qualitativa, que de acordo com Bogdan e Biklen (1994) visa compreender os comportamentos a partir da perspectiva dos sujeitos envolvidos na investigação. Neste tipo de pesquisa a fonte direta dos dados é o ambiente natural, a investigação é descritiva e interessa-se pelos XII EPREM – Encontro Paranaense de Educação Matemática Campo Mourão, 04 a 06 de setembro de 2014 ISSN 2175 - 2044 processos mais do que pelos resultados. Neste texto os dados são analisados por meio da Teoria dos Campos Conceituais, objetivando analisar e identificar os esquemas de ação mobilizados por estudantes ao desenvolverem uma atividade de Modelagem. A compreensão dos comportamentos dos sujeitos envolvidos se deu pela observação do grupo envolvido, durante uma atividade matemática num ambiente de Modelagem. Os dados foram coletados por meio de registros escritos realizados durante o trabalho em sala de aula e registros orais transcritos de áudio. O público investigado foi um grupo de quinze alunos que cursam2 o quinto (5º) ano do Ensino Fundamental, em uma instituição pública de ensino em Maringá – Paraná. A atividade de Modelagem que foi proposta aos grupos está descrita no Quadro 01, intitulada “Catedral de Maringá”. Destacamos que tal atividade foi adaptada de Blum e Ferri (2009), realizada com alunos da 4ª série da escola primária (4ª série da Grundschule na Alemanha), equivalente ao 5º ano do Ensino Fundamental no Brasil. Cada grupo tinha a disposição uma ficha contendo informações da altura da Catedral, uma fita métrica e folhas para resolução. Quadro 01: Atividade da Altura de Catedral de Maringá. Catedral de Maringá – Catedral Basílica Menor Nossa Senhora da Glória Problemática: Quantas crianças do seu grupo são necessárias para que atinjam a altura da Catedral de Maringá? Altura da Catedral: 114 m Altura da cruz (no topo): 10 m Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/82/Cathedral_of_Maring%A10%A1_02_2007_8712.JPG Uma discussão inicial ocorreu entre pesquisadora e alunos para iniciar a atividade, o que gerou uma grande mobilização e participação do grupo, conforme representado no diálogo a seguir. A pesquisadora é indicada por Pesq e neste primeiro diálogo, os alunos são 2 Ano letivo de 2014. XII EPREM – Encontro Paranaense de Educação Matemática Campo Mourão, 04 a 06 de setembro de 2014 ISSN 2175 - 2044 representados por Cça (criança), pois como a maioria dos alunos participaram desta discussão geral, não é possível identificar a fala de cada um. Pesq – Quem aqui já foi à Catedral de Maringá? Cça – Eu. Ela é muito bonita. Cça – Eu também, ela é bem grande. Pesq – Bem grande? Quanto? Qual será a altura da Catedral? Cça – Ah, uns 10 metros. Cça – Uns 50 metros. Cça – Acho que é menor. Pesq – Menor quanto? Qual altura? Cça – Acho que uns 5 metros. Pesq – Mas qual referência de altura vocês podem tomar para dizer se ela é grande ou pequena? Cça – A minha casa é pequena. Pes – E a altura da sala de aula? Quanto mede? Cça – Uns 2 metros. Cça – Ah, 1 metro. Pesq – 1 metro. Mas, qual é a sua altura? Você sabe? Cça – Ah, não sei. Cça – Eu tenho 1 metro e 48 centímetros. Então a sala não tem 1 metro de altura. Acho que tem 2 de mim. Pesq – Então, vamos te medir? Vamos verificar qual é a sua altura? Cça – Sim. [...] Cça – Se eu tenho 1,48 metros, então, a Catedral deve ter mais de 50 metros. Cça – Ela deve ter uns 100 metros. Cça – Acho que é muito. Pesq – Será? Na verdade a Catedral tem 114 metros de altura, mais uma cruz, no topo, com 10 metros. Cça – Então, eu quase acertei. Cça – Então ela tem 124 metros? Pesq – Isso. Agora eu tenho uma problemática para vocês. Quantas crianças são necessárias para atingir a altura da Catedral? Cça – Muitas. Pesq – Muitas? Mas quantas crianças? Vamos descobrir? Na sequência desta discussão os alunos foram organizados em quatro grupos para desenvolverem a atividade, em que objetivou-se trabalhar com o conteúdo Grandezas e Medidas, em específico, comprimento (metro e centímetro) e conceito de altura. Ressaltamos que também é contemplada na atividade uma discussão sobre o bloco de conteúdos Números e Operações. Para as atividades em grupos, o Grupo 01, tem seus alunos representados por A1, A2, A3 e A4. Grupo 02 é representado pelas iniciais A5, A7, e A6. Os alunos do Grupo 03 são representados por A8, A9, A10 e A11, e os alunos do Grupo 04 são representados por A12, A13, A14 e A15. Na sequência fazemos uma descrição das estratégias desenvolvidas pelos grupos e análise dos resultados sob a ótica da TCC. Descrição e análise do Grupo 01 (G1) XII EPREM – Encontro Paranaense de Educação Matemática Campo Mourão, 04 a 06 de setembro de 2014 ISSN 2175 - 2044 Destaca-se que este grupo escolheu trabalhar com as medidas em centímetros, e no caso, para 124 metros utilizaram 12400 centímetros. De acordo com Zanella (2013), na TCC, converter 1 metro em 100 centímetros é considerado um conceito em ação, visto que é uma ação pertinente à situação. A primeira ação desenvolvida pelo grupo foi identificar e anotar as respectivas alturas dos participantes. No Quadro 02, identifica-se na estratégia adotada deste grupo o raciocínio aditivo, especificamente, uma composição de medidas. Quadro 02: Estratégia do grupo G1 – composição de medidas Composição de medidas Esquema - TCC Esquema G1 Conhecendo-se duas medidas elementares ou mais, é possível encontrar a medida composta. Fonte: Autores. Na sequência o grupo discutiu sobre o próximo passo da atividade. Para os participantes, a altura da Catedral (124 metros) poderia ser determinada a partir da altura do grupo, por meio de multiplicações: A2: Então a gente vai multiplicar (5,69) até chegar no resultado da Catedral. A3: Só que a gente não tem multiplicado por quanto para chegar na altura da Catedral. A4: Olha a gente não sabe por quanto que tem que multiplicar para chegar à altura da Catedral. A2: São 4 pessoas, e a gente somou as alturas, .... a gente vai multiplicando aos poucos [...] Por meio do raciocínio multiplicativo os alunos realizaram várias multiplicações (do 1 ao 12) com a altura do grupo (569 cm). No momento em que multiplicaram por 12, e obtiveram 6828 centímetros realizaram a soma de 2 parcelas de A2: A gente já está no 12 (12 vezes 569). A2: Ah... Já sei, a gente podia fazer: ? Pesq: Então verifica. [...] A2: Ah ... passou do valor. A1: A gente pode fazer do número anterior. A3: Aqui olha, fica 62 metros. É bem próximo. A2: ... vamos somar. A1: É 11 gente. A2: Deu quase, olha, deu 125 metros e 18 centímetros. A3: A gente pode tentar outro, não custa tentar. A4: Mas esse daqui deu quase ( . , obtendo . XII EPREM – Encontro Paranaense de Educação Matemática Campo Mourão, 04 a 06 de setembro de 2014 ISSN 2175 - 2044 O Quadro 03 explicita o raciocínio multiplicativo envolvido nesta etapa da resolução da atividade e indica como as crianças mobilizaram seus esquemas de ação, o que mostra a utilização de isomorfismo de medidas, uma das categorias definidas por Vergnaud (1991) para a estrutura multiplicativa. Quadro 03: Estratégia do grupo G1: isomorfismo de medidas Isomorfismo de medidas Na multiplicação, conhecemos o valor unitário e outras duas quantidades, em dois tipos de medidas. Fonte: Autores. Esquema - TCC Exemplo G1 Após identificar que a adição de duas parcelas de 6259 centímetros seria suficiente para atingir a altura da Catedral, em que obtiveram 12518 centímetros ou 125,18 metros, os participantes discutiram sobre quantas crianças foram consideradas para atingir essa altura. Embora o resultado fosse maior do que 124 metros, uma das preocupações demonstradas pelo grupo durante o desenvolvimento da atividade, para eles era o resultado mais próximo do desejado, pois estavam trabalhando com grupos de 569 centímetros e não apenas com uma das alturas dos membros do grupo. Para determinar a quantidade de crianças necessárias para atingir 12518 centímetros os participantes observaram que utilizaram a altura de quatro crianças e multiplicaram por 11, totalizando 44 crianças, que neste caso, utilizaram-se de um isomorfismo de medidas. Entretanto, para obter 125,18 metros, os alunos utilizaram duas vezes o grupo de 6259 centímetros, e por esse motivo somaram , indicando que seriam necessárias 88 crianças para atingir a altura da Catedral. Novamente os participantes utilizaram o raciocínio aditivo, realizando uma composição de medidas. Os esquemas de ação mobilizados pelos estudantes são iniciados com uma composição de medidas (estrutura aditiva) e na sequência utilizam o isomorfismo de medidas (estrutura multiplicativa) para determinarem a quantidade de grupos de 5,69 metros. No segundo momento, em que procuram determinar a quantidade de crianças necessárias para atingir a altura mais próxima à altura da Catedral, há uma mudança, primeiro eles realizaram um isomorfismo de medidas, para com o resultado encontrado (44 crianças) realizarem uma composição de medidas. XII EPREM – Encontro Paranaense de Educação Matemática Campo Mourão, 04 a 06 de setembro de 2014 ISSN 2175 - 2044 Descrição e análise Grupo 2 (G2) Este grupo, composto por três integrantes, iniciou a discussão da atividade com o esquema de ação claro e definido. A5: A gente vai ter que pegar a fita e medir nós três. Daí a gente vai ter que somar para ver quantas vezes a nossa altura vai dar a Catedral. A7: É, por que só a parte da Catedral tem 114 metros, mais a cruz, dá 124 metros. A5: Sim. A7: Então a gente soma. Daí quando a gente somar nos três a gente multiplica. Quem começa? Quando o aluno A5 explicita seu esquema de ação, utiliza-se o raciocínio aditivo para identificar a altura que o seu grupo atinge para, na sequência, resolver a problemática por meio de um isomorfismo de medidas (estrutura multiplicativa). As estratégias utilizadas pelo grupo são destacadas no Quadro 04. Quadro 04: Estratégias de resolução do grupo G2. Composição de medidas Composição das alturas dos participantes para determinar a altura do grupo. Isomorfismo de medidas – Realizaram a multiplicação de 10 grupos de altura 4,26 metros e indicaram que seriam necessárias 30 crianças para atingir a altura de 42,60 metros. Um valor menor do que o desejado. Isomorfismo de medidas – Indicaram que a altura de 3 grupos de 30 crianças seria o mais próximo da altura da Catedral, com altura de 127,80 metros. Fonte: Autores. Consideramos que a estratégia desenvolvida pelo Grupo 2 é pertinente na ação, e, portanto, pode ser é interpretada como um conceito em ação (VERGNAUD, 1991). Salientamos que o grupo indicou que seriam necessárias 87 crianças para atingir a altura da Catedral, pois com 90 crianças a altura era maior do que 124 metros. A seguir transcrevemos um diálogo sequencial para interpretar os esquemas de ação sob a ótica da TCC: [...] A7: A gente pegou 4,26 metros (que é a altura de nós três) e multiplicou por 10. Deu 42 metros e 60. Aí a gente foi tentando, tentando, e deu por 3. 42,6 metros vezes 3, deu 127 metros e 80 centímetros. Pes: Que corresponde ao que? A5: A altura da Catedral. XII EPREM – Encontro Paranaense de Educação Matemática Campo Mourão, 04 a 06 de setembro de 2014 ISSN 2175 - 2044 A7: Aqui (127,80m), nós tiramos 3 centímetros e deu 127,77 metros. Aí a gente tirou 3,77 metros para chegar em 124 metros. Neste caso, após explicarem o desenvolvimento da atividade para a pesquisadora, o aluno A7 esclarece que para determinarem a altura de 124 metros o grupo realizou duas subtrações, tiraram 3 centímetros e na sequência tiraram 3,77 metros de 127,80 metros. Mas esta ação, para a estratégia utilizada, não é pertinente, visto que os valores que foram subtraídos não estão relacionados com nenhuma das medidas utilizadas na construção da estratégia deste grupo, o que representa um invariante inadequado, pois para eles o importante era obter o resultado de 124 metros. Na sequência do diálogo, a pesquisadora questionou os alunos sobre o valor que foi subtraído de 127,80 metros: Pes: Mas essa medida aqui (3,77 metros) corresponde à medida de alguém? A7: Passa da minha medida. Pes: Passa da sua medida? E quanto é a sua medida? A7: 1 metro e 49. Passa longe. Pes: Precisa de mais pessoas para chegar em 3,80 metros? A7: Precisa de mais uma pessoa. Pes: E então, no total, quantas crianças vocês utilizaram? A7: 91. Pes: Por que 91 crianças? A5: Mas se a gente utilizou 90, como pode ter 91? No diálogo anterior, identifica-se outro invariante inadequado, pois os alunos retiraram determinada altura (3,80 metros) de 127,80 metros. No entanto, na contagem da quantidade de crianças o aluno A7 acrescentou uma criança ao invés de retirar do total, 90 crianças. O aluno A5 questiona o aluno A7 sobre o acréscimo, indicando que ele está equivocado. Em seguida a pesquisadora faz alguns questionamentos ao grupo para auxiliar o aluno A7 a compreender o que o aluno A5 disse: Pes: Sim, vocês tinham 90 crianças, mas de 127,80 metros para 124 metros, vocês aumentaram a altura ou diminuíram? A5: Diminuiu. Pes: Então você está colocando ou tirando crianças? A7: Tirando. Pes: E quantas crianças, mais ou menos, vocês tiraram? A5: Dá 87 crianças. Pes: Por que 87 crianças? A5: Por que aqui (3,80 metros) tiramos a altura de quase 3 crianças. Após essa discussão, o grupo compreendeu que 127,80 metros era um valor maior do que a altura da Catedral, e por isso, era preciso retirar determinada medida e aproximar o valor obtido de 124 metros. No diálogo anterior, identifica-se um invariante adequado utilizado por A5 para indicar a quantidade de crianças. O aluno A5 considerou que deveria subtrair uma quantidade que trabalharam durante a atividade, ou seja, a altura de todo grupo. Neste sentido, indicou que se retirassem a altura de 3 crianças da medida 127,80 metros, o XII EPREM – Encontro Paranaense de Educação Matemática Campo Mourão, 04 a 06 de setembro de 2014 ISSN 2175 - 2044 valor obtido era mais próximo da altura da Catedral (124 metros), e com esta estratégia era necessário um grupo com 87 crianças (equivalente à altura de 4,26 metros) para atingir a altura da Catedral. Descrição e análise Grupo 3 (G3) O Grupo 3, composto por quatro alunos, iniciou o desenvolvimento da atividade realizando a medição de cada um. A representação utilizada pelo grupo foi diferente dos demais, pois o esquema de ação utilizado por eles é separar unidades de metro das unidades de centímetros. No Quadro 05 está ilustrada a altura de cada aluno e a representação que utilizaram. Quadro 05: Representação da altura dos membros de G3. Altura de G3 1 m e 52 cm A8 1 m e 44 cm A9 1 m e 57 cm A1 0 1 m e 48 cm A1 1 Fonte: Autores. Na primeira estratégia, os alunos discutem a possibilidade de somar a altura dos membros, e assim o fizeram. A composição de medidas realizada pelo grupo ocorreu pela adição dos centímetros (52+44+57+48) e a este resultado, adicionaram 4 metros, obtendo 6 metros e 56 centímetros. Entretanto, a composição das alturas deste grupo é 6,01 metros. Após diálogo entre o grupo, eles decidem adotar outra estratégia. [...] A11: Olha, a gente não vai fazer assim: 6 com 56. A gente vai pegar uma medida. A9: Não, pega o do A8, que é mais fácil. A11: Olha, dois A10 dá 3 metros e 14 centímetros. Pes: E ai, como vocês estão pensando em fazer? A10: A gente está pensando em colocar não sei quantos de mim aqui. Pes: E se fosse assim, quantas pessoas com essa altura seriam necessárias? Qual é a sua altura? A10: 1 metro e 57 centímetros. A11: Então 1,57 vezes ... A8: Vezes 100? A10: É. A11: Vamos fazer 157 vezes 20. A10: Gente é muito difícil. A11: Não, eu vou fazer vezes 9. Cadê a borracha. XII EPREM – Encontro Paranaense de Educação Matemática Campo Mourão, 04 a 06 de setembro de 2014 ISSN 2175 - 2044 Após entrarem em consenso de que escolhendo a altura de um aluno eles poderiam realizar multiplicações para determinar a quantidade de crianças que eram necessárias para atingir a altura da Catedral, o grupo realizou um isomorfismo de medidas, como mostra o Quadro 06. Quadro 06: Estratégias de resolução do grupo G3. 1ª estratégia: Isomorfismo de medidas a) Multiplica a altura de aluno A10 por 9, obtendo 14,13 metros. b) Multiplica 14,13 metros por 9, e obtém 137,17 metros. Valor superior ao desejado (124 metros). Note aqui, que o aluno equivocou-se na realização da multiplicação. c) Multiplica 14,13 metros por 8, e obtém 113,04 metros. Valor inferior ao desejado (124 metros), entretanto, mais próximo do que obtido anteriormente. 2ª estratégia: Composição de medidas d) Adicionou a altura de todos os membros do grupo, advindo da composição de medidas realizado no início. e) Continuou a fazer adições sucessivas com a altura individual dos membros do grupo, até obter o valor mais próximo de 124 metros. Fonte: Autores. Para determinar a quantidade de crianças necessárias para atingir a altura da Catedral o grupo retornou aos cálculos, e indicou que foram necessárias 9 crianças com 1,57 metro, na sequência utilizaram 8 grupos com 9 crianças, totalizando 72 crianças. Entretanto, devido às adições realizadas, o grupo indicou que eram necessárias 75 crianças para atingir a altura da Catedral. Consideramos que as estratégias utilizadas na ação, primeiro o isomorfismo de medidas e na sequência a composição de medidas foram pertinentes, embora os alunos do grupo se equivocaram na quantidade de crianças que foram adicionadas ao grupo de 72 crianças. XII EPREM – Encontro Paranaense de Educação Matemática Campo Mourão, 04 a 06 de setembro de 2014 ISSN 2175 - 2044 Descrição e análise Grupo 4 (G4) O Grupo 04 era composto por quatro alunos. A altura dos membros deste grupo é: A12: 1,80 m; A13: 1,46 m; A14: 1,40 m e A15: 1,46 m. O aluno A12, embora tenha participado da etapa de medição de alturas, no momento em que registrou sua altura, anotou o valor medido, que era menor do que 1,80 (1,51 m), mas enquanto os membros do grupo discutiam uma estratégia de ação, o aluno A12 anotou a medida de 1,80 m. Em nenhum momento os demais participantes questionaram sobre a altura do aluno A12. A estratégia adota pelo grupo foi a composição de medidas. Em nenhum momento o grupo utilizou o raciocínio multiplicativo, como mostra o Quadro 07. Quadro 07: Estratégias de resolução do grupo G4. Estratégia: composição de medidas a) O grupo realizou a adição das alturas dos membros do grupo, e obtiveram 6,12 metros. Os alunos não questionaram a altura do aluno A12, que anotou uma medida superior, com variação de quase 30 centímetros a mais do que a altura dos demais. O segundo passo, foi realizar a adição de 9 grupos de 6,12 metros, obtendo 54,08 metros. b) Na sequência, os alunos adicionaram 2 parcelas de 54 metros, advinda do passo anterior, obtendo 108 metros. Fonte: Autores. Este grupo não conseguiu seguir com o raciocínio aditivo para obter uma altura de 124 metros, nem mesmo indicar a quantidade de crianças necessárias para atingir esta altura. Discussão dos resultados Esta pesquisa objetivou identificar os esquemas de ação, bem como os invariantes operatórios, apresentados por um grupo de estudantes do 5º ano do Ensino Fundamental em uma tarefa de Modelagem. As estratégias de resolução mobilizadas pelos grupos são classificadas por Vergnaud (1991) como esquemas, que não funcionam da mesma maneira para as duas classes de situações problemas. A primeira classe de situações é aquela em que o sujeito dispõe de XII EPREM – Encontro Paranaense de Educação Matemática Campo Mourão, 04 a 06 de setembro de 2014 ISSN 2175 - 2044 competências necessárias para o tratamento imediato da situação. Neste caso, a conduta do aluno é automatizada, organizada por um esquema único. Isto é evidenciado pelo aluno A5 do grupo 2 e pelo aluno A2 do grupo 1. No início da discussão da atividade desenvolvida, estes alunos mobilizaram, cada um em seu grupo, uma estratégia adequada para resolver a problemática, em que mostraram para o grupo como poderiam proceder para atingir o objetivo. Assim, coube aos grupos realizarem uma composição de medidas e um isomorfismo de medidas. Não estamos afirmando com isto que esse era o único modo de resolução, mas um modo coerente para atingir o objetivo, por meio do raciocínio aditivo e multiplicativo. A segunda classe de situações é aquela em que o sujeito não dispõe das competências necessárias ao tratamento imediato da situação. Neste caso, o sujeito mobiliza vários esquemas, sucessivamente, que por vezes entram em competição, são combinados e recombinados. Este tipo de esquema é identificado entre a maioria dos alunos dos quatro grupos, que nesta etapa escolar (5º ano do Ensino Fundamental) já estudaram situações da estrutura aditiva e multiplicativa de números naturais, mas não mobilizaram o raciocínio multiplicativo para desenvolver a atividade se não por influência dos alunos A5 e A2. No caso do grupo 4, em que utilizaram apenas o raciocínio envolvido na estrutura aditiva, evidencia que o esquema utilizado pertence à classe de situações em que o sujeito não dispõe de todas as competências necessárias para realizar a atividade. Isso não significa dizer que os alunos não sabiam realizar o cálculo de multiplicação, mas, sobretudo, que para estes alunos utilizar a estratégia envolvida no raciocínio multiplicativo ainda não é uma competência que o grupo domina. Segundo Vergnaud (1991), a automatização é uma das manifestações evidentes na organização da ação, e a sequência de decisões conscientes tomadas pelos alunos é um objeto de organização invariante para cada uma das classes de situações. Nas palavras do autor, os esquemas são do mesmo tipo lógico que os algoritmos, mas pode faltar eventualmente a efetividade, entendida neste contexto como a propriedade de findar a resolução com segurança e um número finito de passos. Cabe ressaltar que o trabalho de Blum e Ferri (2009), realizado com estudantes alemães, que cursavam a 4ª série da escola primária (última série da Grundschule na Alemanha), equivalente ao 5º ano do Ensino Fundamental no Brasil, obtiveram resultados semelhantes aos deste estudo, no que diz respeito as estratégias utilizadas para resolver a tarefa de Modelagem. Todos os grupos realizaram a medição da altura dos membros dos grupos e, na sequência, adicionaram as alturas para determinar a altura total de cada grupo. XII EPREM – Encontro Paranaense de Educação Matemática Campo Mourão, 04 a 06 de setembro de 2014 ISSN 2175 - 2044 Segundo Blum e Ferri (2009) o grupo 1 (altura do grupo: 5,87 metros) acrescentou dez grupos de 5,87 metros, obtendo 58,70 metros, e este resultado multiplicaram por 2, obtendo a altura solicitada para a atividade, próximo de 130 metros. Mas não indicaram a quantidade de crianças necessárias para atingir esta altura. Já o grupo 2, com a medida da altura do grupo (7,43 metros), multiplicaram 7,43 metros por 13, em que indicaram este resultado (96,59 metros) o mais próximo da altura solicitada. O Grupo 3 indicou uma divisão de 132 metros (altura de uma torre) por 5,76 metros (altura do grupo), mas não conseguiram desenvolver e indicar um resultado. E o grupo 4 utilizaram-se apenas de operações de adição. Com a altura do grupo fizeram adições sucessivas para obter um valor próximo do solicitado. Neste caso, indicaram que eram necessários 15 alunos para atingir a altura solicitada, quando na verdade eram 15 grupos de 5,88 metros (altura total do grupo). Com o exposto, inferimos que as estratégias de ação desenvolvidas por alunos brasileiros e alemães abordam o raciocínio aditivo (composição de medidas) e raciocínio multiplicativo (isomorfismo de medidas) ambos, pertencentes à primeira classe de problemas da estrutura aditiva e multiplicativa, respectivamente. O principal invariante detectado é a dificuldade dos estudantes reside na passagem de uma quantidade contínua para uma quantidade discreta (altura em metros para uma quantidade de crianças). Segundo Vergnaud (1991) a confiabilidade do esquema para o sujeito baseia-se no conhecimento que ele detém, das relações entre o algoritmo e as características da situação problema que ele tem a resolver. De acordo com Magina et al. (2008), o esquema apresenta a forma como o aluno organiza os invariantes de ação ao tratar com um conjunto de situações, podendo ser caracterizado como: “local, ser organizador dos invariantes necessários em uma dada situação e para atuar naquela situação de maneira implícita”, ou seja, as competências e concepções dos educandos relacionam-se na análise das tarefas matemáticas realizadas por eles. Referências BARBOSA, J. C. Modelagem Matemática na sala de aula. In: Perspectiva. Erechim, v. 27, n. 98, p. 65-74, 2003. BLUM, W. Modellierungsaufgaben im Mathematikunterricht – Herausforderung für Schüler und Lehrer. In: Realitätsnaher Mathematikunterricht – vom Fach aus und für die Praxis (Hrsg.: Büchter, A. u.a.). Franzbecker: Hildesheim, 2006. s. 8-23. XII EPREM – Encontro Paranaense de Educação Matemática Campo Mourão, 04 a 06 de setembro de 2014 ISSN 2175 - 2044 BLUM, W.; BORROMEO FERRI, R. Modellieren schon in der grundschule?. In: PETERKOOP, A.; LILITAKIS, G.; SPINDELER, B. Lernumgebungen: Ein weg zum kompetenzorientierten mathematikunterricht in der grundschule. Offenburg: Mildenberger, 2009. s.142-153. BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação. Porto: Porto Editora, 1994. ENGLISH, L. D. Mathematical modelling in the primary school: Children’s construction of a consumer guide. Educational Studies in Mathematics. 63. 2006. p.303-323. LUNA, A.V.A. Modelagem matemática nas séries iniciais do ensino fundamental: um estudo de caso no 1º ciclo. In: Conferência Interamericana de Educacion Matemática, 12. Santiago de Querétano. Anais ... 2007. CDROM. MAGINA, S. et al. Repensando Adição e Subtração: Contribuições da Teoria dos Campos Conceituais. 3ª edição. São Paulo: PROEM, 2008. VERGNAUD, G. A Teoria dos Campos Conceptuais. In: BRUN, JEAN. Didáctica das Matemáticas. Tradução: Maria José Figueiredo. Lisboa: Instituto Piaget – Horizontes Pedagógicos, 1991. p. 155-191. ZANELLA, M. S. Um estudo teórico sobre as estruturas aditivas e multiplicativas de números racionais em sua representação fracionária. Dissertação (Mestrado em Educação para a Ciência e a Matemática). Universidade Estadual de Maringá. Maringá, 2013.