Um diálogo Europa - América do Sul
Francisco Rojas Aravena
América do Sul: A caminho de uma coordenação estratégica?
A América do Sul, composta por doze
países e duzentos milhões de pessoas, busca
estabelecer seu espaço e sua identidade em
um sistema internacional globalizado e interdependente. Essa região possui tantas assimetrias como o resto da América Latina e o
Caribe. O Brasil tem uma extensão territorial
de 8.500.000 km2, em comparação com o
Equador, que possui pouco menos de 300.000
km2, ou Uruguai, com menos de 200.000
km2. Do mesmo modo, existem também
grandes variações quanto ao produto interno
bruto per capita, entre os US$6.000, mais ou
menos, que alcançam Argentina ou Chile, e
os US$938 que mantêm a Bolívia. no âmbito
da pobreza. Mas se temos diferenças, tendemos a nos homogeneizar, porque mais da
metade da população latino-americana se
situa abaixo da linha da pobreza, 10% ou mais
vivem na indigência, talvez com a exceção de
Uruguai e Chile, onde as cifras de indigentes
podem ser um pouco menores. Outro aspecto
que nos homogeneiza - com a exceção do
Chile - é a alta dívida externa da região.
Os presidentes sul-americanos, reunidos
em Cuzco, Peru, em 8 de dezembro de 2004,
concordaram em criar a Comunidade Sulamericana de Nações. Esta decisão é o passo
inicial para estabelecer uma institucionalida-
de que formaliza o espaço sul-americano com
uma identidade própria, a partir do estabelecimento e a implementação progressiva de
ações conjuntas que reforçam a integração
desta parte do mundo. No âmbito externo,
busca-se o acordo e coordenação de políticas
e da diplomacia, com o objetivo de afirmar a
América do Sul como um fator diferenciado
capaz de ser um interlocutor significativo nas
relações externas.
A Declaração do Cuzco, assim como as
outras declarações e as ações desenvolvidas
evidenciam um compromisso cada vez mais
forte e efetivo - um compromisso que se “amarra” cada vez mais - em torno dos valores e interesses compartilhados por meio da cooperação
entre os países da região. Com o desenvolvimento dessas políticas de cooperação, procurase mudar a situação atual e a do passado, para
estabelecer uma entidade estratégica nova,
com uma identidade própria, capaz de desenvolver uma interlocução efetiva com os principais atores internacionais. Será um processo
progressivo. Os objetivos apresentados evidenciam um grande desafio para a vontade política e o pacto regional que demandará, por um
lado, superar grandes obstáculos e resistências
e, por outro, superar as crônicas desconfianças
entre os dirigentes nacionais.
9
Segurança Internacional: Políticas Públicas e Cooperação Bi-Regional
Finalmente, cabe destacar que a democracia é o valor essencial que permite ampliar as
oportunidades de cooperação e, ao mesmo
tempo, é o marco conceitual mediante o qual
os doze Estados da região podem cooperar;
daí que esse é o eixo para ampliar a governabilidade e desenvolver um espaço sul-americano integrado nas esferas política, social,
econômica, ambiental e de infra-estrutura.
Em síntese, podemos destacar que o sistema sul-americano busca articular-se e estar
em condições de transformar-se em um ator
internacional relevante.
América do Sul: déficit de certeza
Em primeiro lugar, um ponto muito significativo é que na América do Sul existe na
atualidade um déficit de certeza: temos um
passado que se nega a desaparecer, ao menos
por quatro aspetos que são importantes.
10
a) Permanecem remanescentes de conflitos limítrofes, que de tempos em tempos têm reverberações que afetam as relações bilaterais dos
países da região. Entre eles, podemos destacar Peru-Chile pela fronteira marítima,
Chile-Bolívia; Colômbia-Venezuela; Venezuela-Suriname; Colômbia-Nicarágua; Argentina-Grã-Bretanha. Esse é um tema que
embora pareça do passado, é necessário levar
em conta, fundamentalmente porque na
década de 1990, o uso da força, isto é, o deslocamento de forças militares, ou inclusive o
uso aberto da força, como foi a guerra entre
Peru e Equador, esteve presente em pelo
menos dezenove oportunidades.1
b) O século XX se nega a desaparecer também
graças à questão dos direitos humanos. É um
tema de caráter permanente que não encontra uma solução adequada, uma resposta de
caráter mais permanente dos Estados da região perante este problema, em especial no
Cone Sul. No caso do Chile, o presidente
Lagos recebeu o “Informe da Comissão sobre
Tortura”, um tema esquecido em quinze anos
de transição, mas que era uma questão vigente, de grande importância. Mais de 35 mil
chilenas e chilenos entregaram seu testemunho, dos quais foram considerados 27 mil
para esse informe, descobrindo-se as atrocidades cometidas de maneira institucional no
período militar. Algo similar ocorre em distintas partes e pode haver respostas diferentes,
mas que requerem uma resposta de fundo
sobre essa questão do passado. Isso não é
exclusivo da América Latina: entre China e
Japão segue a discussão sobre qual forma
deveriam adotar as desculpas por violações
dos direitos humanos durante a época da
guerra. O tema do holocausto é uma questão
atual não somente na Europa; nele se reflete
uma demanda de maior tolerância e não-discriminação. Mas no caso latino-americano,
creio que, pelo menos no Cone Sul, se trata
de uma questão de grande importância e que
há medidas de ordem distinta como mostram
as particularidades de Argentina, Chile e
Brasil para canalizar soluções para essa
matéria.2
c) Uma terceira linha do passado que se nega a
nos abandonar é a guerra na Colômbia. Tem
1 David Mares, “Conflictos limítrofes en el Hemisferio Occidental: análisis e su relación con la estabilidad democráti-
ca, la integración económica y el bienestar social”. Em Jorge Domínguez Conflictos Territoriales y Democracia en
América Latina, Siglo XXI, FLACSO Chile, Universidad de Belgrano. Buenos Aires, 2003.
2 Entrevista com Jorge Armando Féliz, Folha de S. Paulo, 14 de novembro de 2004.
Um diálogo Europa - América do Sul
quase meio século; nada faz prever que possa
terminar. Na atualidade, a busca do desarmamento dos paramilitares se faz fora de um
contexto e de um plano específico de paz e,
portanto, não está claro qual será o resultado
que se possa ter em um contexto mais amplo,
tendente a diminuir a escala do conflito e
construir espaços para a estabilidade e a paz.
d) Finalmente, na perspectiva global, a América do Sul continua sendo uma região marginal nos assuntos internacionais, embora
existam dentro da região países, como o
Brasil, que é uma das oito principais economias do mundo e que tem a potencialidade
de ser um dos grandes países que influenciem o sistema global.
Nesse marco de incerteza, um aspecto
novo de conseqüências imprevisíveis é que se
começam a questionar os pactos sociais constitutivos dos Estados; isso ocorre com grande
força hoje em dia na Bolívia e se expressou na
região caribenha no caso do Haiti. Este último corresponde a um Estado em colapso, um
Estado falido.3 Não devemos descartar que se
repitam situações similares causadas por crises sociais, pela falta de coesão social e política; em conseqüência, estamos perante uma
questão grave para nossa região. A debilidade
da coesão social e a defecção da política afetam a governabilidade democrática. Este é
um campo no qual temos um diagnóstico
compartilhado,4 mas não temos agendas específicas para enfrentá-lo, ou seja, não temos
uma agenda comum, sul-americana nem latino-americana, para enfrentar o tema da
pobreza, tampouco a temos para a prevenção
de conflitos sociais, ou para o desenvolvimento de políticas sub-regionais que alcancem
um forte impacto em políticas sociais e com
isso na redução das grandes inseguranças e
sua incidência na estabilidade democrática.
Portanto, na crescente incerteza perante
o risco, aparecem dificuldades para a atração
de investimentos estrangeiros, no mínimo, ou
situações mais graves quando se abrem espaços para a atuação de distintos grupos sem lei
no âmbito soberano de um ou vários Estados.
Temos como parte das incertezas a debilidade dos diálogos. Importante interlocução
desenvolveu-se com a Europa, mas não se
concretizou em acordos vinculantes.5 Temos
uma falta de diálogo efetivo com os EUA para
poder coordenar políticas. Somente a cooperação pode facilitar o alcance de soluções no
contexto da globalização e da interdependência; o caminho unilateral demonstrou que
agrava os problemas.6 Criar um sistema inclusivo é uma das ferramentas centrais para a
governabilidade e a estabilidade tanto nacional como internacional.
No manejo de riscos, vale a pena destacar
que a América Latina teve uma política
transparente em um tema de particular
3 Robert I. Rotberg, State Failure and State Weakness in a Time of Terror, Washington D.C.,
Brookings Institution Press, 2003.
4 PNUD, La Democracia en América Latina. Buenos Aires, Aguilar, 2004. FLACSO Chile, Gobernabilidad
en América Latina. Informe Regional: 2004. Santiago, FLACSO, 2004.
5 Francisco Rojas Aravena, (Ed.) Multilateralismo, Perspectivas Latinoamericanas. Caracas,
Nova Sociedade/FLACSO Chile. 2002.
6 Claudio Fuentes (Ed.) Bajo la mirada del halcón. Estados Unidos-América Latina post 11/09/2001.
Santiago, Chile, FLASCO, 2004.
11
Segurança Internacional: Políticas Públicas e Cooperação Bi-Regional
importância como é a política atômica.7 A
região latino-americana e caribenha promoveu uma política global tendente ao desarmamento; as armas de destruição em massa não
existem na região e a prevenção quanto ao
desenvolvimento nuclear teve uma grande
importância na estabilidade interestatal e em
limitar o espaço para uma eventual escalada
armamentista.
Cabe destacar que, dado o peso da tradição latino-americana nesse campo, seria
muito difícil para qualquer ator mudar o status quo, porque o status quo nuclear constitui
hoje um elemento fundamental na estabilidade global. Os custos políticos seriam imensos,
dada a prática e o desenvolvimento de mais
de três décadas e meia de uma persistente,
coerente e permanente política de desarmamento nuclear e de outras armas de destruição em massa impulsionada pelos países latino-americanos.8
Crescentes redes de interdependência
12
Embora reconheçamos esse quadro de
incerteza, ele também mostra outra coisa, a
qual reafirma que temos uma importante
perspectiva de cooperação e interdependência na região sul-americana, para enfrentar e
prevenir o quadro descrito. A interdependência se consolida na região. Existem interdependências positivas que apontam na direção
de promover a democracia, a solidariedade e
a integração; mas também existem redes de
integração negativas, como o crime organizado e as redes transnacionais ilícitas. São par-
ticularmente graves aquelas vinculadas ao
tráfico de armas leves e o impacto que estas
têm nas mortes nos países latino-americanos,
seu vínculo com os seqüestros e mais em
geral, com os homicídios violentos.
Constatamos um amplo espaço para o
desenvolvimento de novas redes de vinculação. Elas se manifestam em diversos âmbitos
tais como o energético, o comercial, a defesa
e a cooperação política, para citar alguns. O
tema energético tal e como o apresentou o
presidente Lula, constitui uma área na qual a
América do Sul deveria explorar novas formas de cooperação, novas formas de visualizar o futuro, tanto para os países que são produtores, como para aqueles que são consumidores de energia, com opções mutuamente
benéficas e que incidem no desenvolvimento
e na estabilidade econômica da região.
As redes de interdependência têm cada
vez mais peso nos aspectos comerciais, em
telecomunicações, nas questões financeiras,
transporte, rodovias. No entanto, ainda nos
restam muitas lições a aprender com os avanços da Comunidade Européia, gerando vínculos e um diálogo permanente nessas áreas.
Ainda restam grandes espaços para a coordenação e a harmonização de políticas.
Os avanços mais importantes ocorreram,
ainda que pareça paradoxal, na área de defesa. Os comitês permanentes de segurança
entre Chile e Argentina ou entre Argentina e
Brasil constituem um núcleo substancial para
o diálogo sobre questões estratégicas e para a
prevenção de interpretações errôneas sobre
as decisões nacionais entre esses países.
7 Tlatelolco, é o tratado mais significativo no terreno nuclear na América Latina e o Caribe.
É uma peça angular do sistema de segurança da região e um dos pilares nas políticas globais de desnuclearização.
8 Seminário Internacional “Código de Conduta contra a proliferação de mísseis balísticos”, FLACSO Chile,
MREE Chile, Embajada de Italia. FLACSO Chile, outubro de 2004.
Um diálogo Europa - América do Sul
Foram fundamentais no desenvolvimento e
ampliação da confiança em matéria de segurança e defesa. Essa corresponde a uma das
áreas em que as boas práticas e experiências
podem ser reproduzidas no resto da região.
No âmbito da segurança da defesa, destacam-se as medidas de confiança mútua, os
temas de homologação do gasto militar, o
treinamento e os exercícios conjuntos, a interoperabilidade e as operações de paz.
Cabe ressaltar o importante papel que
hoje em dia desempenha a presença militar,
política e estratégica de Argentina, Brasil e
Chile, acompanhados por oficiais do Peru e
do Equador, oficiais centro-americanos e
alguns grupos de soldados de outros países
latino-americanos, no Haiti. Trata-se de uma
responsabilidade muito grande, na qual os
países das Américas devem tomar decisões
cruciais quanto a como contribuir para rearmar um Estado em colapso, que se encontra
em um área vital para o Caribe e cuja eclosão
impacta os EUA, a Venezuela e a Colômbia, e
que tem uma significação muito mais ampla
do que às vezes se percebe para os governantes dos países do Cone Sul.
As aberturas comerciais e o diálogo comercial que nossos países mantêm obrigam a
que permanentemente, quando se analisa
qualquer tema, se deva estudar e ver os vínculos que possuem em outras áreas. Por
exemplo, as questões alfandegárias têm um
impacto não somente comercial, mas também
fito-sanitário, os montantes de arrecadação
impositiva e outras.
Nesse sentido, estimo que a coordenação
do diálogo político, tanto regional como fora
da região, é bastante limitada quanto a seus
resultados. Temos reuniões de presidentes de
distinto tipo, nas mais diversas cúpulas, como
a do Grupo do Rio, mas não conseguimos
avançar em termos dos diálogos mais urgentes
que requer a região para enfrentar as tendências mais permanentes que nos desestabilizam,
nos impedem o crescimento ou que demandam esforços preventivos. As declarações das
cúpulas possuem baixo nível de concreção.
Toda nossa agenda aponta para o desenvolvimento de políticas e iniciativas de caráter cooperativo, com elas se incrementa a interdependência. Do mesmo modo, o déficit que
temos no acordo sobre políticas internacionais
faz com que tenhamos pouco peso no mundo.
O tempo e a política
Um aspecto fundamental que Norbert
Lechner nos ensinou9 foi que a ordem social é
uma criação humana e se estrutura sobre a
base de controle do tempo. É necessário
estruturar o tempo, ele não é uma seqüência
de continuidades, mas uma criação social,
uma criação humana.
Se olharmos o quadro seguinte, encontramos que a possibilidade de acordo por permanência no tempo de presidente na região provavelmente tenha uma grande oportunidade
desde meados de 2006, até quando alguns
países, como Argentina e Chile, comemorem
o bicentenário da independência, em 2010.
Ou seja, haverá uma permanência no tempo
dos presidentes que permite desenvolver projetos conjuntos que podem ser capazes de ter
um impacto em seus sistemas políticos e em
seu desenvolvimento e também uma gravitação no sistema internacional.
Todo dirigente político conhece e sabe
que o tempo é um bem escasso, que é
9 Norbert Lechner, Los patios interiores de la democracia. Santiago de Chile, FLACSO, 1988.
13
Segurança Internacional: Políticas Públicas e Cooperação Bi-Regional
QUADRO 1 - O tempo e a política
PAÍS
2004
2005
2006
2007
2008
Argentina
*
Brasil
*
*
*
Bolívia
Chile
*
2009
2010
*
*
*
*
*
*
*
*
*
*
*
*
Colômbia
*
*
*
*
Equador
*
*
*
*
Paraguai
Peru
Uruguai
*
*
Venezuela
*
*
*
*
*
*
*
*
*
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*
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*
*
*
*
necessário cuidar, criar, desenvolver e
agregar-lhe valor. E portanto, a partir de
como se estruture o tempo, é como se fixarão as prioridades, se estabelecerão as
metas que podem ser alcançadas em um
período determinado. Nesse sentido, a
2011
*
*
*
coordenação de políticas que se podem
acordar e avançar neste momento serão
decisivas no médio prazo. Se formos capazes de pensar no sistema internacional com
uma perspectiva de caráter sul-americano
e desenvolvermos ações que, em conse-
QUADRO 2 - Percepções de ameaças priorizadas por sub-região
14
MERCOSUL
PAÍSES ANDINOS
AMÉRICA CENTRAL
CARIBE
Narcotráfico
Narcotráfico
Narcotráfico
Narcotráfico
Terrorismo
Terrorismo
Terrorismo
Terrorismo
Tráfico de armas
Pobreza e carências
Meio ambiente
Pobreza e
sociais
e desastres naturais
carências sociais
Crime organizado
Guerrilhas e
Crime organizado
Meio ambiente
Tráfico de armas
Pobreza e carências
Tráfico de armas
Crime organizado
Tráfico de armas
Guerrilhas e
Meio ambiente
Guerrilhas e
grupos subversivos
e desastres naturais
grupos subversivos
grupos subversivos
Meio ambiente
e desastres naturais
Pobreza e carências
e desastres naturais
sociais
Crime organizado
sociais
Fonte: elaboração própria com base nos discursos dos ministros de Defesa na V Conferência
Ministerial de Defesa, Santiago 2002, e nas respostas enviadas pelos países para a Comissão de
Segurança Hemisférica da OEA. As tendências que o quadro mostra coincidem com os discursos
que os países fizeram na Conferência Especial de Segurança de 2003.
Um diálogo Europa - América do Sul
qüência, façam com que todos os países
melhorem sua posição global.
Distintas percepções de ameaças
A percepção de ameaças na região varia
conforme seus atores e o peso de variáveis
sub-regionais. No caso dos países do Mercosul e da área andina, tal como no resto da
América Latina, o narcotráfico e o terrorismo
aparecem como primeira prioridade. O narcotráfico é uma ameaça para todos e possui
diversas manifestações locais. O terrorismo é
uma ameaça importante, que pode aumentar
na medida em que se materialize e transforme
em uma ameaça para os EUA. No entanto,
comprovou-se que a América do Sul não é
uma região a partir da qual atue o terrorismo
de alcance global, embora não se possa descartar que tente isso no futuro.
Também constatamos diferenças nas subregiões em relação ao segundo nível de prioridades, em que o tráfico de armas e o crime
organizado para o Mercosul se transformam
na primeira prioridade, ao passo que os temas
de pobreza, carências sociais e guerrilhas são
prioritários no mundo andino.
Isso mesmo é reafirmado quando se analisa o que assinalam os livros de defesa dos distintos países da região, em que cinco livros da
América do Sul destacam o narcotráfico como
a principal ameaça, outros cinco destacam o
crime organizado, quatro o terrorismo e o tráfico de armas e três o tema das guerrilhas.10
Quem possui visão estratégica?
Dessa perspectiva, cabe perguntar sobre
quais países têm estratégia. Como é vista a
questão da estratégia? Provavelmente, o
10 Publicaram livros de defesa Argentina, Brasil, Chile, Equador, Peru e Uruguai.
15
Segurança Internacional: Políticas Públicas e Cooperação Bi-Regional
16
único país que possui uma estratégia de longo
prazo na América do Sul é o Brasil. Pelo peso
que tem no continente, porque sua política
internacional está pensada como um instrumento para o desenvolvimento econômico e
como um elemento que busca reduzir as vulnerabilidades e para isso promove alianças
globais como o IBSA, (Brasil junto a Índia e
África do Sul); ou um diálogo transversal
com a China e com o Irã. Enfatiza o multilateralismo e o desenvolvimento de medidas
proativas, que se expressam particularmente
em iniciativas no Conselho de Segurança,
onde busca obter um assento permanente.
No caso da Argentina, hoje seu foco está
no problema do default. A crise financeira
especialmente e suas conseqüências domésticas lhe impedem um espaço de projeção regional e global.
Por sua vez, o Chile é um país muito
pequeno, com uma população muito reduzida, que embora tenha o projeto estratégico de
ser um país plataforma entre a Ásia e a América Latina e uma visão global, somente em
coordenação com Argentina e Brasil poderá
desenvolver sua visão e ter um peso maior no
sistema internacional.
O Peru está concentrado em seus problemas de governabilidade e de instabilidade do
sistema político. A Colômbia está em guerra
interna. E o projeto bolivariano de uma nova
democracia, o que permitiria nossa união,
como destaca o presidente Chávez, não tem
peso para transformar-se em um projeto sulamericano que catalise o conjunto da região.
A polarização nacional dificulta o desenvolvimento de políticas de Estado.
Portanto, a única opção é combinar uma
estratégia sul-americana conjunta que seja
capaz de avançar em forma modular nos diferentes âmbitos e que consolide cada passo
antes de gerar novas metas. Será crucial coordenar e criar espaços de diálogo positivo e ação
com o México, nas questões em que isso seja
possível e isso significa em todas, exceto na
comercial, dada a dependência deste país do
mercado norte-americano. Tudo o que foi dito
anteriormente possibilitaria uma maior presença da América Latina no sistema internacional.
Projeções e demandas
Necessitamos de mais conhecimento para
recopilar e sistematizar ações que os distintos
atores desenvolvem, reconhecer o papel que
hoje em dia têm os atores da sociedade civil
que impulsionam os processos de integração
de nova geração. Temos demandas políticas, é
necessário entrar em acordo sobre metas
específicas no médio prazo. Sem isso, o tempo
se vai das mãos de quem dirige os governos.
As demandas sociais de hoje são cada vez
mais relevantes e é necessário escutar os distintos atores. Temos uma necessidade permanente de monitorar e gerar mecanismos de
alerta precoce sobre os temas tradicionais. É
necessário manter uma visão e uma ação
sobre os conflitos limítrofes, pois isso permite
manter o desarmamento, um baixo nível de
gasto militar e um controle das armas estratégicas na região.
Sem dúvida, as demandas mais urgentes
são as vinculadas à governabilidade democrática e aí as prioridades principais são como
reduzir a pobreza, como consolidar procedimentos democráticos e como fortalecer
mecanismos de prevenção.
Desse ponto de vista, a projeção desejável
é como combinar políticas públicas regionais,
para criar bens públicos internacionais nesta
região, a partir de uma posição sul-americana,
mais do que de posições nacionais.
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