9 Introdução O referente trabalho monográfico dá ênfase à importância do estudo sobre o movimento literário romântico, mostrando o histórico social da literatura, sua importância, conceitos e perspectiva. No Brasil, o Romantismo teve o seu início logo após a independência, trouxe grandes transformações sociais, políticas, econômicas culturais e influenciou aos escritores a livre expressão do pensamento, das emoções e dos sentimentos, comprometidos em renovar o padrão cultural do país. Formou -se assim uma identidade literária que caracterizou perfeitamente o retrato da literatura brasileira. Dentre as várias características românticas abordadas, uma merece especial atenção que é a figura feminina presente nas obras dos poetas românticos. Este elemento feminino é destacado através de maneiras diversas nas três gerações, entretanto, predomina no estilo romântico a idealização da mulher e do amor em que o autor realça o seu lirismo amoroso. Vale salientar, José Martiniano de Alencar, poeta consagrado que revel ou a alma brasileira por meio de seus escritos. Pertencente a terceira geração romântica, se destacou na prosa e traçou um extraordinário painel do Brasil com seus romances indianistas, históricos, regionais e urbanos. Foi um intelectual que se preocupou c om o nacionalismo, exaltou a natureza focalizando o índio nas várias etapas de interação com o branco. Alencar mostrou o histórico nacional, reverenciando o homem indígena, suas crenças, costumes e bu scou criar uma língua com vocabulário português. É diante desse pressuposto que este estudo monográfico pretende analisar a obra Iracema, além de mergulhar nos efeitos imaginários, paisagem, emoções e deslumbramento que a obra traz. Como também no estilo literário do autor, o qual evidencia a figura feminina c omo uma mulher pura, romântica, dotada de forte sentimentalismo, que por causa do amor trai o compromisso com o seu povo para se entregar ao homem branco, Martim. 10 De acordo com o perfil feminino idealizado por Alencar, pode-se estabelecer uma comparação entre a índia Iracema e o papel da mulher na sociedade da época em que a obra foi escrita. Esta monografia está organizada da seguinte forma: no primeiro capítulo, trata-se do perfil da idealização da mulher no Romantismo, em que é analisada nos poemas dos escritores românticos: Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu, Álvares de Azevedo e Castro Alves, observando a marcante presença do elemento feminino nas três fases do movimento romântico. No segundo capítulo, é revelado o perfil literário de José de Alencar, abrangendo biografia e a linha estética particular que o intelectual desenvolveu, assim como este mostrava a mulher nos romances urbanos como Senhora e Lucíola. O terceiro capítulo refere -se ao perfil da mulher na obra Iracema, destacando a figura da índia e estabelecendo um paralelo de ligação entre a figura feminina da obra com o papel da mulher na sociedade da época sob a perspectiva Alencariana. A realização dessa monografia está fundamentada em pesquisas bibliográficas mediante estudos em obras de vários autores que proporcionaram base importante para o desenvolvimento e aprofundamento do tema, também for am feitas pesquisas em livros, revistas, ensaios e sites publicados na internet. 11 1. O perfil da idealização da m ulher no Rom antism o. O Romantismo teve a sua origem na segunda metade do século XVIII , com uma marcante transformação cultural ocorrida no Ocidente. A partir daí surgiu a burguesia moderna, que rompendo com as determinações culturais e os privil égios da aristocracia, (classe dos nobres ou fidalgos), deu início ao individualismo e a valorização da originalidade, numa tentativa de alcan çar uma autêntica expressão do sentido da vida burguesa. Com o apogeu da bu rguesia, esta tornou-se rica e influente, criou um padrão artístico próprio, confirmando sua própria linguagem e contrapondo-se aos padrões aristocráticos. Estes que mantinham uma linguagem baseada na frieza da inteligência , opondo-se a emoção e ao sentimento e atribuíam regras artísticas que inferiorizavam os poetas. Fazendo uma análise da origem do termo Romantismo, pode-se constatar que segundo Coutinho ( 2001 p.140) Da palavra francesa roman (romanz ou romant), as línguas modernas derivaram o sentido corrente no século XVIII, e que penetrou no Romantismo, designando a literatura produzida à imagem dos romances medievais,fantasiosos pelos tipos e atmosfera. De acordo com o autor não se pode definir a época da introdução do termo romântico e seus derivados, este conhecido termo fundamentou -se numa transformação estética e po ética, desenvolvida em oposição à tradição neoclássica setecentista. Nessa revelação do Romantismo, é indispensável estabelecer a diferença entre o estado de alma romântico e o movimento ou escola de abrangência universal que surgiu entre os sécu los XVIII e XIX. No entanto o estado de alma ou estilo romântico é uma constante universal, enquanto que, o movimento histórico é relativista, em contraposição aos padrões clássicos, que traz como incentivo básico a fé, contempla a natureza, inspira-se na emoção, na paixão, no imaginário. O ro mântico busca idealizar a realidade e não reproduzi-la. A nova era literária é um movimento reu nido e unificado, com particularidades comuns e gerais às várias nações ocidentais, e de acordo com , Coutinho, (2001p141) “A mesma concepção da natureza e suas relações com o homem o mesmo estilo poético, formado da imaginação, símbolos e mitos peculiares”. 12 Vários autores e fatos importantes contribuíra m como marcos na longa infiltração pré- rom ântica, produzindo assim a desvinculaçã o do Neoclassicismo. A revelação de Shakespeare, grande poeta e dramaturgo, que representa a outra face importante da contribuição inglesa à renovação literária. Na Alemanha, Herder e Goethe, os irmãos Schlegell Klopstoch, que através do irracionalismo, transformou o período o mais inesquecível e essencial da história literária alemã. Não devemos esquecer de Rousseau, outro grande poeta europeu, cuja contribuição serviu como ponto de descoberta das principais tendências que resultariam nos aspectos românticos, por isso, ele foi considerado o pai do Romantismo. Como mostra Tieghem no livro de Coutinho (2001 p.142) “o início do Romantismo propriamente dito, ocorreu durante treze anos, entre 1795 a 1810. Os fatos principais em diferentes países formam a linha expressiva que constituiu o período.” Então, 1795 para a Alemanha, 1798 na Inglaterra, o início do século XIX na França e os países escandinavos, 1816 para a Itália, 1822 para a Polônia. Por volta de 1825, todos os países do Ocidente já estav am influenciados pelo movimento, este que, no meio do século apresentará totalmente o seu fim. Uma qualidade primordial do espírito romântico é a imaginação. Os poetas diante do seu eu individual, acreditavam que a imaginação é uma admirável capacidade de criar mundos imaginários, certamente, crendo na realidade deles. Foi com essa prática do imaginário que os poetas foram consagrados como visionários e também agentes de capacidades extraordinárias que transcediam o invisível, como nos mostra Coutinho (2001, pg. 143). Graças à imaginação criadora, o poeta era dotado de uma capacidade peculiar de penetrar num mundo invisível situado além do visível a qual, o tornava um visionário, aspirando saudoso por um mundo diferente no passado ou no futuro, outro mundo mais satisfatório do que o familiar. O poeta romântico está constantemente buscando modificar a realidade, e a imaginação, portanto, destaca-se como um modo especial de se exprimir, chegando de certa forma, a ter uma significação religiosa e metafísica, e percebendo que as coisas sensíveis são eternas graça, a interpretação do familiar e do transcendente. 13 O individualismo destaca -se como uma característica expressiva do Romantismo, visto como uma defesa contra uma norma social em que o homem estava sujeito a viver cumprindo atividades onde não era reconhecido. É importante esclarecer que no Renascimento, o homem ocidental, já era consciente de sua individualidade, porém uma consciência como protesto, em busca de mudanças no processo cultural, só passou a existir no movimento romântico. Assim, graças ao individualismo, iniciou-se a valorização das emoções e dos sentimentos do homem burguês, que pertencia a uma classe social desprezada, isso fez com que a burguesia alcançasse a sua independência cultural. É importante ressaltar que, quando surgiu o Romantismo, criou-se também um público-leitor, pois antes, com a an tiga aristocracia não existia um público -leitor propriamente dito. Os poetas, nas cortes, na realidade eram servos que mantinham o prestígio dos nobres senhores, e não tinham suas obras artísticas valorizadas. E com relação a mulher,esta não era reconhecida como leitora a ssim como afirma Cademartori (2002 p.38). “A educação da mulher como leitora só teve início no século XVIII, ou seja, foi a partir desse século, que a mulher deixou de ser vista como uma pessoa culturalmente leiga.” O princípio fundamental da arte moderna está originado na luta pela liberdade, obedecendo a critérios próprios e em busca da arte particularmente expressiva, por esse motivo, o rom ântico apresenta-se como um homem só e d esconsidera as imposições e restrições das regras. Esse movimento literário representou um dos estilos mais importantes na história da cultura ocidental, demonstrou o privilégio do autor em manifestar seus sentimentos, o autodomínio, a razão e a serenidade nunca vistas anteriormente. Tudo isso tinham sido valorizados na história da arte, além da sensibilidade, da ousadia, e da anarquia que se originaram nesse período romântico. Os romancistas nas suas obras fazem uma busca ao passado com o intuito de fugir do presente, e é por estar longe que o passado é considerado exótico, nesse contexto, prevalecem o sonho, a loucura, e as lembranças da infância . A mulher apresenta-se diante de qualidades distintas, assim como coloca Cademartori (2002 p.40). 14 Com relação à mulher, esta apresenta-se diante de uma dualidade, ou seja, ora sendo a mulher santa e digna de amor, que seria a mãe, a irmã e ora sendo a mulher satânica, que seria a que desperta desejos e por isso torna-se ameaçadora e prejudicial. Diante dessas vertentes a temática dessa mulher é apresentada de maneiras diversas de acordo com o estilo de cada autor. De maneira geral, nos países onde o Romantismo se desenvolveu,percebe -se o culto á natureza, a permanência das características locais, a individualização e tendo a arte sendo realizada com significativo estilo poético nacional. No Brasil, esse movimento surgiu logo após a independência, e estabeleceu uma identidade nacional, a exaltação à pátria, e a liberdade política para a arte. O autor brasileiro reconheceu o índio como símbolo nacional, porém este é visto como uma idealização, uma personagem simbólica que não tem nenhuma adequação com o real,retrata a aparência da alma nacional influenciada pelo auge da independência,de acordo com Coutinho(2001 p. 170). O nacionalismo romântico assumiu um caráter muito próprio do Brasil, sob a forma do indianismo. Casando a dountrina do “bom selvagem” de Rousseau com as tendências lusóficas, o nativismo brasileiro encontrou no índio e sua civiliza ção um símbolo de independência espiritual, política, social e literária. De acordo com essa afirmação de Coutinho o Romantismo iniciou -se no Brasil quando já havia terminado no Ocidente , é fundamental destacar a significação desse termo, que é prop ício e insubstituível ao Brasil, não tendo uma identificação completa com os movimentos europeus. M as que se originou de uma diversidade de fatores locais e sugestões externas, trazendo como propósito maior a harmonia com que as sugestões externas submeteram -se ao estilo das tendências locais, resultando num movimento perfeito e que ainda hoje é o mais autêntico de todos os estilos literários. Podemos distinguir dois aspectos básicos dessa tendência literária: Nacio nalismo e Romantismo propriamente dito, es te último, refere-se ao conjunto de traços específicos e da estética posteriores ao Neoclassicismo. Já o prim eiro denomina -se 15 da junção do Nativismo, ou seja, predominância do sentimento à natu reza, com o patriotismo, que quer dizer, o sentimento e a exaltação da nação. Esses aspectos estão estritamente relacionados ao objetivo de dotar ao país uma literatura de formação independente. O intuito patriótico foi um dos motivos marcantes para a formação da literatura brasileira, surgido graças à independência, e desenvolvido com um imenso desejo de dotar o Brasil de uma literatura que manifestasse de forma rica e correta a realidade própria, ou seja, uma literatura nacional. Para se construir essa literatura nacional, predominou-se durante todo o Romantismo,como Candido ainda coloca (1997 p. 11) (...) o senso de dever patriótico que estimulava os escritores a não apenas cantar a sua terra, porém a reconhecer as suas obras como contribuição ao progresso, por isso, o patriotismo foi considerado como um incentivo e a literatura como contribuição para a grandeza da nação. Em Paris, entre os anos de 1833 a 1836, deu-se início a consciência das mudanças na literatura e o evidente desejo de propagá -la intencionalmente, assim , foi a partir desse momento que se ouviu falar em uma literatura nova. Então, um grupo de jovens: Domingos José Gonçalves de Magalhães, Manuel de Araújo Porto Alegre, Francisco de Sales Torres Homem, João Manuel Pereira da Silva e Cândid o de Azeredo Coutinho, encontraram -se para estudar e conheceram as novas orientações literárias. Gonçalves de Magalhães, o líder do grupo, percebeu que essas orientações corresponderiam às expectativas na definição d e uma literatura nova no Brasil,pois a nação recentemente independente alcançaria liberdade em todos os setores,conforme afirma Coutinho (2001 p.169). O Romantismo fez soarem os clarins da liberdade em todos os setores. À liberdade política, à autonomia de consciência, ocorreu paralela a rebelião literária. Formara-se com o tempo uma nova sensibilidade, que procurava expressar-se por outra forma artística. O ponto de partida para a divulgação exata do movimento romântico foi a publicação de Niterói (revista brasiliense de Ciências, Letras e Artes), em 1836, cuja epígrafe era ¨ Tudo pelo Brasil, e para o Brasil ¨.Essa revista foi escrita pelo já citado, grupo de jovens intelectuais que in vestigavam as tendências das Artes, Literatura e 16 Ciências Brasileiras, e anunciada ao mundo culto da França, por intermédio do prestativo Eugene de Monglave, um dos fundadores e secretário da agremiação, que se interessou e ajudou na publicação da nossa literatura. Em relação a Niterói revista brasiliense é preciso entender que esta foi a primogênita na introdução do estilo cultural brasileiro,conforme Amora (1881 , p. 93). É necessário ir além, isto é, entrar no estudo da significação dessa revista no periodismo nacional e mesmo estrangeiro da época, e na análise de seus propósitos e de seu conteúdo , pois, que ela, sem embargo de ter sido um fator, de nosso Romantismo então em gênese foi também um índice, e muito expressivo, de um estilo de cultura, ou como então se dizia, de civilização, que seus jovens redatores procuraram, não importa que com distante, reduzida e diluível ação, introduzir no Brasil. Gonçalves de Magalhães e Pereira da Silva deram o pontapé inic ial para a teoria do Nacionalismo literário, através de seus escritos críticos. É importante ressaltar também que, ainda em 1836, Gonçalves de Magalhães, o inspirado jove m brasileiro, publicou: Suspiros Poéticos e Sau dades, obra que marca o início do Romantismo Brasileiro. Nela Magalhães propunha idéias de ligação significativas entre o meio e a literatura, destacando as forças sugestivas da natureza e do índio, conforme, Magalhães no livro de Cândido (1997 , p. 264) “Pode o Brasil inspirar a imaginação dos poetas e ter uma poesia própria? Os seus indígenas cultivaram porventura a poesia? ¨.Aqui está claro através dessas indagações que Magalhães tinha uma visão consciente da grande influência que o físico e os habitantes exercem na formação de um país,nas artes e na literatura. Um importante e essencial elemento que faz parte da nova estética literária é a religião. Esta surgiu em oposição ao passado colonial e a temática pa gã dos neoclássicos. Vários poetas trataram dess e tema, assim como afirma Cândido (1997, p. 17). Todos os românticos, com poucas exceções manifesta ram um ou outro avatar do sentimento religioso, desde a devoção caracterizada até um vago espiritualismo, quase panteísta. É preciso , com efeito, distinguir mais de um aspecto nessa tendência. Através da observação das variadas definições de religião, verifica-se que,enquanto Monte Alverne, traz a oratória sagrada como exemplo de novos sentimentos, 17 Gonçalves Dias definiu a religião como fé específica, crença, e de voção. Já a obra “O Anchieta”, de Fagundes Varela é conhecida como o ponto chave neste tema, abordando um catecismo com grandeza de espírito. O movimento romântico penetrou-se no país com um sentido de relativismo, ou seja, que está fundamentado num princípio de busca da verdade e da realidade, adaptando-se à situação local, valorizando-a, e de acordo com a norma romântica de exaltar o passado e as particularidades nacionais. Dessa form a, o romantismo assumiu o seu modo particular com características especiais e marcas próprias, entretanto, ao lado de elementos gerais que se relacionam com o movimento europeu. Foi devido a este movimento que o Brasil conquistou uma liberdade de pensamento e expressão, resultando de maneira espetacular e im previsível na evolução do processo literário. Durante o período de meio -século, de 1800 a 1850 que se evidenciou um grande salto na literatura brasileira, tran sportando-se das sombras de uma situação indefinida, com a junção de um neoclassicismo decaído, exaltação nativista, e iluminismo revolucionário, para um movimento artístico, formado da reunião de poetas célebres e prosadores reconhecidos. Esses solidificaram a literatura brasileira com a autonomia de um tom nac ional trazendo suas formas e temas, e a autoconsciência crítica dessa autonomia, destaca-se nessa renovação literária José de Alencar, como símbolo do novo modelo literário, conforme, Coutinho (2001, p. 153). Sobressai nesse instante a figura de José de Alencar, o patriarca da literatura brasileira, símbolo da renovação literária então realizada, a cuja obra está ligada a fixação desse processo revolucionário que enquadrou a literatura bra sileira nos moldes definitivos. Esse mesmo desencadeamento revolucionário ocorreu na poesia, transferida para o plano interior, ao lado do lirismo, com formas épica e narrativa, cultivadas por meio de excelentes expressões nas obras de Gonçalves Dias e Castro Alves. Configurase então, o Romantismo Brasileiro com as seguintes datas: De 1808 a 1836 a fase do pré-romantismo; de 1836 a 1860 o Romantismo propriamente dito; e o auge do movimento está situado entre 1846 e 1856. Após 1860 é um período de transição para o Realismo e o Parnasianismo.O movimento romântico foi o modo adequado de realizar a união entre o pensamento individual ao pensamento coletivo,surgindo 18 dessa forma a exaltação individual que se juntava à exaltação coletiva,por isso esse movimento adquiriu vários aspectos,de acordo com (Coutinho.2001p.167). No caso do brasileiro apesar da individualidade, demonstra uniformidade em suas características fundamentais, pois no momento de elevação individual se aliava à elevação coletiva encontrando no estilo romântico a maneira adequada de realização. Por essa razão, o Romantismo é formado de vários aspectos: o literário e artístico, o político e social, abrangendo vários gêneros como a poesia lírica, o romance, o drama, o jornalismo,a eloqüência,o ensaio. É essencial revelar que este movimento literário foi acima de tudo, um estilo de vida, nacional, envolvendo todo o povo com suas formas, foi sentido, cantado, e pensado de forma perfeitamente singular, constatando por meio dele a individualidade e a alma coletiva. Observa-se também no romantismo, um marcante enfeite político e social, que demonstrou o seu lado democrático -popular visível e atuante, assim como afirma: Samuel Putnam no livro de Coutinho (2001 , p.168): Nunca foi tão íntima a relação entre arte e sociedade, acompanhando lado a lado a revolução burguesa e o movimento pela independência e democracia, o que o transformou em poderosa arma na luta e o veículo literário do nascente nacionalismo do Brasil e outros países latino-americanos. Igualmente aqui a revolução burguesa triunfava com a independência e a democracia, como conseqüência da Revolução Francesa, visto pelos brasileiros como opressão política, Portugal passou a ser exploração econômica e conservadorismo literário, surgindo mediante o romantismo o brilho da liberdade em todos os setores. Essa liberdade está estreitamente compro vada nas características desse novo estilo , onde encontramos a livre expressão do eu, detalhado dentro de um subjetivismo constante, em que o autor exp õe seus sentimentos e suas emoções, tendo como ponto central da arte poética, o mundo interior refletido como resultado das influências provocadas pela realidade exterior . Além dessas outras característic as Coutinho, (2001, p. 145- 147). principais merecem destaque, conforme, 19 Senso de m istério - o autor romântico valoriza o mistério da existência, por isso, aprecia em se envolver com o sobrenatural e o terror. Reform ism o - o sentimento de democracia invade a alma do romântico, por essa razão, participa dos movimentos libertários e nas obras de alguns autores está registrada essa grande influência revolucionária. Ilogism o - não há lógica na atitude romântica, a regra é a contradição entre pólos opostos de alegria e melancolia, entusiasmo e tristeza. Sonho - uma tendência peculiar do escritor romântico é idealizar um mundo novo, melhor, e isso ele faz através do sonho. Fé - é a fé quem governa o espírito romântico: a crença se revela em diferentes manifestações de religiosidade cristã. Culto a natureza - a natureza é supervalorizada no romantismo, sendo um lugar de refúgio, puro, não contaminado pela influência da sociedade, lugar de cura física e espiritual. Escapism o - o romântico deseja fugir da realidade para um mundo idealizado, criado, à sua imagem, à imagem de suas em oções e anseios, e por intermédio da imaginação. O poeta romântico não está satisfeito com a realidade da vida, por isso busca um mundo idealizado, construído através do sonho, onde pudesse escapar-se dos problemas cotidianos da vida. Retorno ao passado - há uma fuga para a natureza e em volta ao passado, idealizando uma civilização diferente do presente. Desse retorno originaram -se várias manifestações: saudades da infância, medievalismo, indianismo,retorno ao passado nacional que mostra as raízes da pátria. Exagero - o romântico está constantemente na busca pela perfeição, por esse motivo, foge para um mundo em que coloca tudo o que imagina de bom, belo, bravo, 20 puro, amoroso, situado no passado, no futuro, ou em um lugar distante, um mundo irreal, cheio de perfeição e sonho. Idealização da m ulher - a figura da mulher é sempre idealizada, anjo ou prostituta; as vezes santa e merecedora do amor, outras vezes ameaçadora e causadora de males. Para retratarmos os principais poetas do romantismo, é fundamental conhecermos alguns autores que influenciaram nossos poetas na criação e desenvolvimento dessa rica escola literária. Dentre eles estão: Ferdinand Denis, que já valorizava a tradição indianista de Basílio e Durão; Victor Hugo, que é o responsável por lev ar os ideais românticos ao teatro; Almeida Garret, português, que inovou nas peças teatrais. Na literatura merecem destaque; Fausto Goethe, as diversas poesias de Lord Byron e as obras de Victor Hugo (Os Miseráveis), e de Alexandre Dumas (Os três Mosqueteiros). A primeira geração romântica é conhecida como nacionalista o u indianista, porque os escritores deram ênfase aos temas nacionais, aos fatos históricos, religiosidade, e a valorização da natureza e do índio, este que era visto como o símbolo cultural da nação. Os poetas que se destacaram foram: Gonçalves de Magalhães, Gonçalves Dias, Araújo Porto Alegre e Teixeira e Souza. A segunda geração foi denominada ultra -romântica ou mal do século, pois os escritores dessa geração descreviam os temas amorosos com exagero ficando as poesias marcadas por pessimismo, melancolia, trazendo também tristeza, valorização da morte, solidão, egocentrismo, subjetivismo, sentimentalismo ao extremo. Principais autores: Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Junqueira Freire e Fagundes Varela. Conhecida como Candoreira, a terceira geração é caracterizada pela poesia que retrata temas sociais e políticos, desejo de liberdade, defesa dos escravos, apresenta-se com um tom retórico e exaltado. Seus principais representantes fora m: Castro Alves, Tobias Barreto, e Sousândrad, e na prosa romântica José de Alencar. 21 Dentre as várias temáticas destacadas e mencionadas, uma merece especial atenção que é a idealização da mulher. Esta idealização pode ser facilmente notada nas três fases do romantismo, conforme Callou, (2006, p. 01) “Assim como os poetas românticos são diferenteme nte característicos nessas três fases, eles também se diversificaram na forma da descrição do amor e da mulher”. Interessante, é observar que, a cada comportam ento, existe uma forma de amar diferente e por tanto, um ideal de perfeição e beleza diferente, o que gera a necessidade de uma nova musa. Assim da mesma forma que existem três geraçõe s românticas, há três mulheres românticas. (Callou, 2006, p.01) Na primeira geração, o amor é angelical, idealizado, m uito semelhante com o trovadorismo medieval, em que a mulher é um ser intocável, um anjo, símbolo da perfeição, a mais bela e virgem. Para os poetas dessa ge ração o homem é visto como um cavaleiro, submisso, que está satisfeito em apenas glorificar a sua amada. O amor entre eles é puro, porém nada na realidade acontece, pois não há sensualidade, nem sexo, ficando só no pensamento , por causa da distância entre ambos. Percebe-se nesse perfil feminino que há con templação, exaltação da mulher, mas o amor é impalpável, frequentemente alimentado pela imaginação, como veremos a seguir nas estrofes da poesia ¨Olhos Verdes ¨ de Gonçalves Dias: Simpsom (2007, p. 43, 44) O lhos Verdes ¨ São uns olhos verdes, verdes, Uns olhos de verde-mar, Quando o tem po vai bonança; Uns olhos cor de esperança, Uns olhos por que morri; Que ai de mi! Nem já sei q ual fiquei sendo Depois que os vi! Como du as esmeraldas, Iguais na forma e na cor, Têm luz mais branda e mais forte, Diz uma – vida, outra – morte; Uma – loucura, outra – amor. Mas, ai de mi! Nem já sei qual fiquei sendo 22 Depois que os vi! Dizei vós, ó meus amigos, Se vos perguntam por mi, Que eu vivo só da lembrança De uns olhos da cor da esperança, De uns olhos verdes que vi! Que ai de m i! Nem já sei qual fiquei sendo Depois que os vi! Nesse poema de Gonçalves Dias podemos perceber a admiração do autor, a uma mulher, que através dos seus olhos verdes, (esperança e esmeralda) transmitia todo o mistério, ternura e serenidade de uma bela representação de uma figura feminina. Já a segunda geração apresenta confusão de sentimentos com misticismo de melancolia, tristeza e tédio, fascínio pela morte, por isso, as mulheres pálidas e magras, e até mesmo mortas são atraídas pelos autores. Conceituada de ultra romântica essa geração mo stra um amor triste e conflituo so, em que o homem sente-se inferior e indigno de tocar a mulher. Essa inferioridade traz um conflito entre o medo de amar e o grande desejo de realizar esse amor. Entretanto, diante desse conflito ele não culpa a sua amada. Podemos verificar esse amor que perturba o homem e inicia-se com sensualidade forte mente reprimida na poesia de Ca simiro de Abreu . No livro de Simpson (2007, p. 185-187). Am or e Medo ¨ Quando te vejo e me desvio cauto Da luz de fogo que te cerca,oh! Bela, Contigo dizes,suspirando amores: ---¨ Meu Deus! Que gelo,q ue frieza aquela!¨ Como te enganas! Me u amor é chama Que se alimenta no voraz segredo, E se te fujo é que te adoro louco... És bela – eu moço; tens am or – eu medo!... Ai! Se te visse no calor da sexta, A mão tre mente no calor das tuas, Amarrotado o teu vestido branco, Soltos cabelos nas espáduas nuas!... 23 Ai! Se eu te visse,Mad alena pura, Sobre o veludo reclinada a meio, Olhos cerrados na volúpia doce, Os braços frouxos – palpitante o seio! ... Vampiro infame,eu sorveria em beijos Toda a inocência que te lábio encerra, E tu serias no lascivo a braço, Anjo enlodado nos pauis da terra. Casimiro já coloca todo um amor impossível em relação à mulher e também a descreve de forma erótica, através dos detalhes do seu corpo. Destaca-se então um amor desejável, porém inatingível, que para esquecer-se o poeta entra em completa melancolia. Vejamos agora a poesia de Álvares de Azevedo que está marcada de um amor melancólico e dramático, nele a mulher surge como figura capaz de modificar a vida do poeta, o qual sem ela, só encontrará paz na morte. Simpson (2007, p. 129). Perdoa-m e, visão dos m eus am ores Perdoa-me,visão dos meus amores, Se a ti ergui meus olhos suspirando!... Se eu pensava num beijo desmaiando Gozar contigo uma estação d e flores! De minhas faces os mortais palores, Minha febre noturna delirando, Meus ais,meus tristes ais vão revelando Que peno e morro de amorosas dores... Morro,morro por ti! na minha aurora A dor do coração,a dor mais forte, A dor de um desengano me devora... Sem que última esperança me conforte, Eu-que outrora vivia!-eu sinto agora Morte no coração, no s olhos morte! Álvares de Azevedo, é o maior representante do ¨mal do século¨, no soneto,pálida à luz, mostra a sua admiração pela beleza feminina, enfatizando as suas fantasias amorosas, e um amor obsessivo, reverenciado até mesmo enquanto dormia. Azevedo (1994 p116). 24 Soneto Pálida, à luz da lâmpada sombria, Sobre o leito de flores reclinada, Como a lua por noite embalsamada, Entre as nuvens do amor ela dormia! Era a virgem do mar! Na escuma fria Pela maré das águas embalada! Era um anjo entre nuvens d´alvorada Que em sonhos se banhava e se esquecia! Era mais bela! O seio palpitando... Negros olhos as pálpebras abrindo... Formas nuas no p eito resvalando... Não te rias de mim, meu anjo lindo! Por ti - as noites eu velei chorando, Por ti – nos sonhos morrei sorrindo! Na terceira geração a mulher romântica ainda é idealizada, porém deixa de ser vista como perfeição, aqui se apresenta carnal, desejada e possuída, com sentimentos e preferências. Podemos constatar essa mudança da mulher na obra do consagrado poeta Castro Alves, que soube transferir para a lírica amorosa, o gosto pelas imagens monumentais, tornando assim à sua poesia erótica. Observemos o poema a seguir: Alves (1997, p. 69 e 70). Boa Noite Boa noite, Maria! Eu vou-me embora. A lua nas janelas bate em cheio Boa noite,Maria! É tarde... é tarde... Não m e apertes assim contra teu seio. Boa noite!...E tu dizes-Boa noite, Mas não mo digas assim por entre beijos... M as não mo digas descobrindo o peito, - Mar de amo r onde vagam meus desejos. Mulher do meu amor! Quando aos meus beijos Treme tua alma, como a lira ao vento, Das teclas de teu seio que harmonias, Que escalas de suspiros, bebo atento! Como um negro e sombrio firmamen to, Sobre mim desenrola teu cabelo... E deixa-me dormir balbuciando - Boa -noite! – formosa Consuelo!... 25 Esse poema mostra que o lirismo amoroso de Castro Alves é diferente dos seus companheiros, apresenta um amor mais realista, sensual, não se trata mais de um amor apenas sonhado, mas vivido, a figura feminina não é apenas uma imagem bela e distante, é acessível, feita de beleza, carícia e sensualidade. Assim percebe-se que, apesar dos poetas românticos, idealizarem a mulher de maneiras diversificadas nas três gerações, há uma analogia entre o sentimento de amor, a dor, e a decepção amorosa, seja por não ter o amor correspondido, ou por esse amor estar distante, num sonho inacessível. A imagem subjetiva do amor e da mulher é um recurso predominante, pois nota-se nas poesias acima citadas a empolgação pela imaginação e o exagero nas características da mulher, vista quase sempre, como: bela, virgem, angelical, intocável, perfeita. Os escritores românticos revelam seus sentimentos, desejos, e a imensa vontade de realizar esse amor. Para conquistar um público leitor e atender aos anseios deste, que busca na leitura das narrativas uma identificação com heróis e heroínas, representantes da vida cotidiana; os rom ânticos envolviam seus heróis e principalmente as heroínas, num prestígio de beleza, integridade e de todas as qualidades possíveis que podem enfeitar o caráter,o corpo e a alma de uma pessoa. Estes são uns dos motivos marcantes da presença da figura f eminina no romantismo envolvendo a idealização, o amor platônico, a emoção que predominava sobre a razão, e fantasia sobre a realidade . Há constante destaque da beleza feminina. Diante desse contexto vale ressaltar, um importante poeta que pertence à terceira geração romântica, José de Alencar, que idealizou a mulher através de formas bastante simbólicas atribuindo -lhe diferentes características tanto para os perfis femininos nos romances urbanos , que através dos quais deixa claro os costumes da sociedade carioca da época, quanto para a mulher nos romances indianistas ,esta que,representa todo um idealismo sentimental e amoroso,revela -se também como símbolo de nacionalismo. As obras de Alencar tiveram grande repercussão na literatura e na sociedade carioca da época, além de serem reconhecidas como referência nacional até hoje . Portanto, é essencial retratarmos o perfil desse grandioso escritor brasileiro, como veremos no segundo capítulo desse trabalho monográfico. 26 2 . O Perfil literário de Jo sé de Alencar Considerado como o patriarca da literatura brasile ira, José Martiniano de Alencar, nasceu, em Mecejana, Ceará, no dia 01 de Maio de 1829. Filho de ex-padre, o senhor José Martiniano de Alencar, o qual foi deputado pela província do Ceará , e de dona Ana Josefina de Alencar. Durante a fase de criança e na adolescência era conhecido pelo apelido de Cazuza. Formou-se em Direito em 1850, no ano seguinte começa a advogar na capital do país Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano a lei que proíbe o tráfico de escravos para o Brasil é assinada por Euzébio de Queiróz e nessa época o Brasil vivia a prosperidade da cultura cafeeira. Em 1854, Alencar começa a escrever uma seção diária no Correio Mercantil intitulada. ¨Ao Correr da Pena ¨,nesta comentava os divers os assuntos da vida do Rio de Janeiro e do país. É inaugurada a primeira estrada de ferro brasileira e a técnica de mudanças de modernização da sociedade urbana dá seus primeiros passos. 1 . Foi também professor, crítico, teatrólogo, romancista, poeta, orador e político. Aos 18 anos escreveu seu primeiro romance, “Os Contrabandistas”, nessa época surgiram os primeiros sintomas da tuberculose, doença que atormentou a vida do escritor durante trinta anos. Em 1855, Alencar passa a ser um dos fundadores do jornal Diário do Rio de Janeiro, do qual se torna editor-chefe. Neste jornal publica os textos que em breve o tornariam conhecido em todo o país. A obra “Cinco Minutos”, teve uma grande aceitação por parte dos leitores, logo em seguida “A Viuvinha” e outras obras que revelam a vida social na corte. Em 1857 publica ¨O Guarani¨, obra-prima histórica e po ética que mo stra o início da colonização do país. Dessa forma surge uma nova brilhante estrela na literatura nacional. Nesse mesmo ano escreve u ¨A peça São João¨, e no próximo ano a peça “As asas de um anjo ”, esta foi censurada pela imprensa por ser considerada como imoral. Em 1859 o escritor inicia a sua carreira política sendo nomeado chefe da secretaria do ministério da justiça, foi também deputado no Ceará, em 1868 torna-se ministro da justiça e depois candidata -se a senador, mas devido a um desentendimento com o imperador abandona o ministério. No ano de 1873,quando foi criado o Partido Republicano Paulista ,que significava os interesses dos moralistas, Alencar entra em conflito com Joaquim Nabuco, e por causa de sua 1 FARACO , Carlos: José de Alencar HTTP://www.culturabrasil.pro.br/josedealencar.htm. Acesso no dia 18/10/08 . disponível em : 27 atitude bastante conservadora o escritor apóia os escravocratas e provoca o desapontamento de todos aqueles que lutavam em defesa da libertação dos escravos. Quando tinha vinte anos apaixona -se por Chiquinha Nogueira da Gama, moça rica, herdeira de imensa riqueza da época, o amor porém , não foi correspondido , pois a moça tinha interesse por um rapaz carioca burguês. Decepcionado no amor Alencar demorou muito a se apaixonar novamente somente aos trinta anos renasce a paixão calorosa e o amor correspondido por Georgina C ochrane, filha de um rico inglês. O namoro e matrimônio foram rápidos, casam -se em 20 de junho de 1864. Em 1976, Alencar já com a sua saúde debilitada vende todos os seus bens e juntamente com Georgina e os seis filhos viaja para a Europa em busca de tratamento, visita Inglaterra, França e Portugal. Durou pouco tempo a sua viagem cerca de oito meses, pois sua saúde se agrava e ele retorna para o Brasil, vindo a falecer no Rio de Janeiro no dia 12 de dezembro de 1877. 2 Alencar foi um intelectual que se preocupou com nacionalismo , poeta reconhecido como o maior escritor do romantismo brasileiro. Destaca-se pela capacidade de expressar o retrato perfeito da cultura brasileira, através de novas tendências da produção literária, em que busca o surgimento de uma literatura original, expansiva, de ótima qualidade, além de buscar maneiras de resgatar a personalidade das personagens, seja herói ou vilão. A ssim os nobres sentimentos são evidenciados nas suas obras. O referente poeta foi um excelente modelo de brasilidade , nas suas obras exaltou as belezas naturais do Brasil, homenageou o índio brasileiro, atribuindo-lhe qualidades como: coragem honra inteligência, poder de sedução, e idealizando-o como o símbolo do herói nacional. Ele foi um defensor dos motivos e das temáticas nacionais, por essa razão deu um forte impulso na formação da lite ratura brasileira, de acordo com Coutinho, (2001, p. 153). Defendendo os motivos e temas brasileiros, sobretudo os indígenas, para a literatura, que deveria ser a expressão da nacionalidade; reivindicando os direitos de uma linguagem brasileira; colocando a natureza e a paisagem física e social brasileiras em posição 2 (SILVA, Edmar, Bernardo da. José da Alencar (2006) http://www.vidaslusofonas.pt/jose_alencar.htm. Acesso no dia: 08/11/08 p. 01. ). Disponível em 28 obrigatória no descritivismo romântico; exigindo o enquadramento da região e do regionalismo na literatura; apontando a necessidade de ruptura como os gêneros neoclássicos, em nome de uma renovação que teve como conseqüência imediata, praticamente, a criação da ficção brasileira. Predomina o amor na estética literária de Alencar, é visto como redenção, o bem vence o mal, a natureza reflete o estado da alma do s personagens e observa -se que, o próprio autor, sempre está presente nas narrativas e xpondo seus sentimentos e permitindo maior veracid ade nas suas obras. Enfim, um excelente poeta que reuniu na sua produção literária um compromisso cívico de revelar a face da nova nação. Os romances de Alencar seguem as principais tendências da literatura nacional, classificando-se em: indianistas, regionalistas, históricos e urbanos. Observemos as características dessas tendências: Em relação aos Romances Indianistas que são marcados pela idealização do índio, como também foi registrada na poesia de Gonçalves de Magalhães e Gonçalves Dias. Alencar destaca o heroísmo e a beleza do índio, reverencia a natureza exótica brasileira e retrata o homem indígena como símbolo nacional, um ser que vive em perfeita harmonia com a natureza. Foi através do indianismo que Alencar buscou revelar o históric o fiel da nossa cultura e o intuito de criar uma língua brasileira, conforme Coutinho (2001 , p. 174). Também no concernente à linguagem, o movimento romântico desempenhou papel revolucionário, no que ressalta, ainda aqui, a figura de Alencar. Reivindicando os direitos de um dialeto brasileiro em cuja caracterização antilusitana tinha lugar as peculiaridades da fala popular brasileira. As suas principais obras indígenas são distinguidas em três momentos: antes, durante e depois da colonização. Em “Ubirajara¨, focaliza o índio na fase anterior ao contato com os colonizadores, ou seja, o índio prevalece no seu modo natural sem a interferência dos estrangeiros. Já na obra-prima “Iracema”, vemos os primeiros contatos do branco com os índios nas terras cearenses, cria um mito das origens de um povo. 29 E em “O Guarani”, mostra o início da colonização e da aculturação dos índios, porém estes mantêm seus costumes e o caráter in ócuo sem se corromper com as más influências do invasor. Os Romances Regionalistas procuram apresentar as características mais típicas das regiões culturais do país. Portanto, em “O Guaúcho” (1870), desta ca o homem dos pampas sul rio-grandense, idealizado no personagem Manuel Canho como um centauro. Na obra “O Sertanejo” (1875), o personagem Arnaldo dá vida a um sertanejo cearense com seus costumes, suas tradições e, principalmente, com seu caráter. Nesses romances, Alencar revela o perfil psicológico do s personagens. Já nos Romances Históricos as narrativas tem como base fatos e lendas que m arcaram a nossa história,e que auxiliaram o autor a descrever o Brasil assim como desejara,formando assim a verdadeira literatura. O romance “As minas de Prata” (1862 - 1865), te m como tema a vivência dos bandeirantes desbravando os sertões brasileiros em busca de tesouros. É considerado o melhor romance histórico. Em “A Guerra dos Mascates” (1873), o autor tira proveito de um tema histórico:- o conflito entre Olinda e Recife ocorrido no início do século XVIII para fazer críticas alusivas à política de D. Pedro II. Personagens imaginários escondem políticos da época e até o imperador. No entanto Romances Urbanos retratam os costumes da sociedade carioca da época, evidenciando o grande luxo da vida burguesa, o autor faz críticas à vida supérflua e hipócrita, e o valor ao capitalismo que os burgueses mantinham. Há complicadas histórias de amor e perfis femininos idealizados com mistura de estudo psicológico. Portanto, de acordo com Bosi (1994 p.139). O mesmo floresta é mancebos diferencial operam as escritor que idealizava heróis míticos no coração da o que sabe recortar as figuras gentis de donzelas e nos salões da corte e nos passeios da Tijuca. O está no grau de complexidade psicológica em que tendências para a fuga e o narcisismo. Além das obras menores “Cinco minutos” (1856); “A viuvinha” (1860); “Diva” (1864); “A pata da gazela” (1870); “Sonho d`ouro” (1872) “Encarnação” (póstuma,1877) – 30 duas merecem destaque ,reconhecidas por alguns críticos como pré -realistas: “Lucíola” (1862)- que trás como tema a pro stituição definida po r questões familiares e sociais e “Senhora” (1875) - o tema desse romance é o casamento por interesse,criticado pelo autor e dividido em quatro partes que fazem parte às etapas de uma transição comercial: o preço,a quitação,a posse e o resgate. É disputado com Iracema como o melhor romance de Alencar, que segundo Bosi (1994, p. 129), “ As duas obras-primas de Alencar, Iracema e Senhora, tão diversas entre si do ponto de vista ambiental, mas próximas pela consecução do tom justo e pela economia de meios de que se valeu o romancista”. José de Alencar foi um poeta que sempre expressou livremente suas idéias políticas e literárias, por essa razão, fez muitas críticas e também foi muito criticado. Quando escrevia no Diário do Rio de Janeiro indiretamente fez duras críticas ao imperador D Pedro II. Em 1856 com uma série de cartas assinadas com o pseudônimo de Ig critica a forma artificial com que Gonçalves de Magalhães, no livro ¨A confederação dos Tamoios , aborda o tema do índio . Essa polêmica estende-se durante quatro meses no ano de 1856 e teve uma razão importante , pois na ocasião debatiam -se sobre o que seria o autêntico nacionalismo da literatura brasileira que até aquele momento sofrera influências da literatura portuguesa. Alencar já demonstrava interesse de adotar a temática em suas futuras obras, porque reconhecia a cultura indígena como primordial e somente um grande e sábio escritor poderia transformar a marca diferencial da real literatura nacional. Com a peça ¨Verso e Reverso¨,em 1857, o autor estréia como teatrólogo,na qual aborda o Rio de Janeiro da época retratando a prostituição, a censura corta trechos da peça deixando Alencar com muita raiva, entretanto, tempos depois o autor através do romance Lucíola abordaria novamente o tema. Fica claro que Alencar é um escritor que usufrui da liberdade e do individualismo como primazia para descrever o passado, revelar o presente, a vida na sociedade da época e as relações humanas submetidas ao dinheiro, como afirma Bosi (1994, pg. 137.) Alencar, cioso da própria liberdade, navega feliz nas águas do remoto e do longínquo. É sempre com menoscabo ou surda irritação que olha o presente, o progresso, a vida em sociedade; e quando se 31 detém no juízo da civilização, é para deplorar a pouq uidade das relações cortesãs, sujeitas ao Moloc do dinheiro . Vale ressaltar a importância das obras de José de Alencar que inspiraram nos burgueses o prazer pela leitura nacional, mediante a composição do estilo em que amalgamou a idealização e o sonho, com um realismo delicado, que valorizou a natureza brasileira, o índio reconhecido como figura oriunda da cultura brasileira e o que mais importava para o auto r de acordo Bosi (1994 p.137) “cobrir com a sua obra narrativa passado e presente, cidade e campo, litoral e sertão, e compor uma espécie de suma romanesca do Brasil.” Percebe-se claramente que Alencar escreveu sobre o Brasil como um todo alcançando sua particular consciência literária,foi graças a sua descrição peculiar romântica que este escritor in centivou outros autores a percorrer caminhos por ele traçados. É importante mencionar que no estilo literário de Alencar sobressaem -se o poder da imaginação e a capacidade de criar narrativas bem estruturadas, ele não se restringiu aos aspectos documentais. Tanto os personagens regionais quanto os indígenas apresentam -se como heróis puros, autênticos, sensíveis, honrados, corteses. Percebe-se que Alencar na criação dos seus personagens modificava as roupagens, as feições e os cenários, porém tinha o mesmo objetivo: alcançar a um perfil puramente brasileiro. Esse consagrado escritor buscou mostrar não apenas suas críticas políticas, mas, sobretudo suas intenções de trazer a civilização e a modernidade para a sociedade independente brasileira . Com relação à mulher idealizada por Alencar, observamos perfis femininos distintos, nos romances regionais às mulheres são caracterizadas como sedutoras, demonstram autonomia, dotadas de beleza inigualável, o escritor faz uma análise psicológica dessas personagens que vivem numa sociedade onde o dinheiro é o condutor das relações e provoca desequilíbrios que m odificam a vida do s personagens. A vida social burguesa predominada de costumes, moda, dinheiro, status social é criticada pelo autor que leva o leitor a refletir no final do enredo. Alencar, porém mantêm seu sentimentalismo no desfecho de suas prosas rom ânticas, pois acontece à rendição ao amor ou transforma o caráter do s personagens, assim percebe-se o alto nível de sensibilidade e o desejo de resgatar a dignidade das mazelas da sociedade . Como nos mostra Bosi (1994 p. 137). 32 Alencar crê nas “razões do coração” e, se as sombras do seu moralismo romântico se alongam sobre as mazelas de um mundo antinatural (o casamento por dinheiro, em Senhora. A sina da prostituição, em Lucíola), sempre se salva, no foro íntimo, a dignidade última dos protagonistas, e se redimem as transações vis repondo de pé heróico e heroína. Como exemplos dos romances regionais ou citadinos temos, “Diva, A Pata da Gazela, Lucíola e Senhora”. No livro “Senhora”, o enredo destaca o casamento por interesse financeiro , onde a heroína Aurélia Camargo, moça pobre que vive com a mãe viúva num bairro do Rio de Janeiro, apaixona-se por Fernando Seixas, que também se apaixona por ela, porém ele ambicioso por querer subir na vida de qualquer jeito acaba trocando Aurélia por Adelaide Amaral, moça rica que oferece um suposto dote. Aurélia depois de receber uma enorme e inesperada herança,sentindo-se humilhada e desprezada pelo ambicioso Fernando,resolve se vingar e com a ajuda do tio gasta parte de sua herança na compra do apaixonado Fernando, o qual fica furioso quando descobre toda a armação da vingança, incluindo a privação de intimidades,humilhações da esposa,sarcasmos e hipocrisia.Fernando então luta até conseguir reunir a quantia suficiente para recuperar a sua liberdade e dignidade, mas por fim ambos arrependem -se e se entregam ao amor. Observemos trechos da obra: Alencar (1999, p. 142 - 143 ). Tornou-se a deusa dos bailes; a musa dos poetas e o ídolo dos noivos em disponibilidade. Era rica e formosa. (...). Na sala, cercada de adoradores, no meio das esplêndidas reverberações de sua beleza, Aurélia bem longe de inebriar-se da adoração produzida por sua formosura, e do culto que lhe rendiam, ao contrário parecia unicamente possuída de indignação por essa turba vil e abjeta... Não era um triunfo que ela julgasse digno de si,a torpe humilhação dessa gente ante sua riqueza.Era um desafio,que lançava ao mundo; orgulhosa de esmagá-lo sob a planta,como a um réptil venenoso.E o mundo é assim feito;que foi o fulgor satânico da beleza dessa mulher,a sua maior sedução.Na acerba veemência da alma revolta,pressentiam-se abismos de paixão;e entrevia -se que procelas de volúpia havia de ter o amor da virgem bacante (...). ( primeira parte cap. 04). Aqui vemos características que revelam a beleza física de Aurélia e as diversas faces da personalidade extravagante e inconstante que ela esconde no seu interior e que se revelam de acordo com as circunstâncias,situações e con forme os seus caprichos. 33 Em Lucíola, a protagonista Lúcia torna -se a prostituta mais cara e mais disputada do Rio de Janeiro, entretanto conserva um interior essencialmente puro que será resgatado pelo amor de Paulo. A narração é feita em primeira pessoa, Paulo narrador-personagem conta uma história já acontecida e insiste em torná -la presente, como se tudo estivesse acontecendo no momento da narração. Essa história mostra o passado da protagonista, Maria da Glória, uma menina de catorze anos, que viu toda a família cair doente por causa da epidemia da febre amarela de 1850, então para não deixar sua família morrer de fome e de febre, permite ser possuída por Couto, um vizinho que usufrui dela em troca de dinheiro. Quando o pai descobre como ocorrera a salvação de sua vida, expulsa a filha de casa,esta é adotada por Jesuína e continua vivendo por meio da venda do próprio corpo,sustentado de longe a família.Quando morre sua amiga Lúcia,Maria da Glória,coloca o próprio nome no atestado de óbito e adota o nome da companheira.Assim é considerada morta pelos pais que a perdoaram, e torna -se a mais famosa,linda e rica prostituta do Rio de Janeiro.Apaixona-se por Paulo e abandona a vida que levava,entretanto por causa da mentalidade moralista da sociedade Lúcia não tem um final feliz ao lado de Paulo,passa a cuidar da irmãzinha e do próprio filho e ao negar-se a tirar do ventre o bebê morto,Lúcia morre de complicações no parto. Vejamos trechos da obra: (Alencar: 2005, p. 14). Nota-se aqui a admiração de Paulo por Lú cia logo no primeiro momento que a viu. A lua vinha assomando pelo cimo das montanhas fronteiras; descobri nessa ocasião, a alguns passos de mim, uma linda moça, que parara um instante para contemplar no horizonte as nuvens brancas esgarçadas sobre o céu azul e estrelado. Admirei-lhe do primeiro olhar um talhe esbelto e de suprema ele gância. Já nesse outro trecho pode -se perceber o sarcasmo do amigo de Paulo ao falar de Lúcia, e Paulo depois de saber a verdade sobre a moça sente -me envergonhado dos comentários de Sá,e incapaz de revelar a impressão de pureza da alma que teve daquela mulher. ( Alencar: 1997, p.14-15). Quem é esta senhora? Perguntei a Sá.- A resposta foi o sorriso inexprimível,mistura de sarcasmo,de bonomia e fatuidade,que desperta nos elegantes da corte a ignorância de um amigo,profano na difícil ciência das banalidades sociais. – Não é uma senhora, Paulo! É uma mulher bonita. Queres conhecê-la?...Compreendi e corei de minha simplicidade provinciana, que confundira a máscara 34 hipócrita do vício com o modesto recato da inocência... – Que linda menina! Exclamei para o meu companheiro, que também admirava. Como deve ser pura a alma que mora naquele rosto mimoso! Nos romances indianistas vemos a figura feminina destacada como ser sublime dotada de um sentimentalismo exagerado, submissa, dominada pela emoção, heroína que põe em risco a própria vida em prol do amor, essa figura feminina é exaltada na obra Iracema, a qual será tratada no próximo capitulo. 35 3- O Perfil da m ulher na obra Iracem a de José de Alencar: a fig ura da índia . A obra em destaque Iracema foi escrita em 1865, é um poema e m prosa, narrada em terceira pessoa onde o narrador é consciente, ou seja, sabe tudo sobre o interior e o exterior dos personagens. O escritor utilizou -se de uma linguagem descritiva, com excesso de adjetivos, comparação, buscou igualar as características do s personagens com os elementos da natureza para elogiar as qualidades físicas dos heróis, principalmente a protago nista Iracema. Iracema é um dos mais belos romances da nossa literatura brasileira, nele está descrita a história da bela índia que pertence a tribo tabajara, que se apaixona pelo guerreiro branco Martim, obra registrada com forte valor sentimental apresenta-se num confronto entre o índio e o branco onde padrões culturais são postos à prova e rompidos. O autor argumentando a colonização do Ceará, e por conseqüência a do Brasil construiu uma ficção perfeita do processo de colonização do Brasil e de toda a América pelos invasores portugueses e europeus. O nome Iracema é uma anagrama da palavra América, e o nome de seu amado Martim refere -se ao deus greco-romano Marte, o deus da guerra e da destruição. Alencar através de uma linguagem com ritmo e forte cunho poético,cria um estilo próprio e valoriza a sublime língua dos primitivos com frases e palavras que mostram ser naturais na boca dos índios. O livro publicado no século XVI,em curto tempo, agradou os leitores como também os críticos literários,destacando o jovem Machado de Assis,que aos 27 anos escreveu sobre Iracema no Diário do Rio de Janeiro,em 1866: Assis (1959 p. 860 – 861). Tal é o livro do Sr. José de Alencar, fruto do estudo e da meditação, escrito com sentimento e consciência... Há de viver este livro, tem em si as forças que resistem ao tempo,e dão plena confiança do futuro...Espera -se dele outros poemas em prosa. Poema lhe chamamos este, sem curar de saber se é antes uma lenda se um romance: o futuro chamar-lhe-á obra-prima. 36 Vejamos também a opinião de Massaud Moisés sobre a obra no livro de Alencar (1968, p. 45). O nervo central do estilo alencarino é constituído por um modo de ser basicamente poético. Alencar era poeta na essência mesma de sua visão das coisas. O ¨maravilhoso¨ com que vestia o homem e a paisagem,o sentimento infan til e mágico com que concebe uma harmonia de paraíso para o mundo,constituem atributos líricos por excelência.Q uando dizemos que Ira cema é um verdadeiro poema em prosa,apenas apontamos a expressão fundamental da cosmovisão de Alencar: a poesia. A história se passa no século XVI, nas terras selvagens nordestinas, onde hoje é o litoral do Ceará. Ali nasceu Iracema, uma jovem índia guerreira da tribo tabajara, que segundo o autor (Alencar: 2000, p.16). ¨virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que o talhe de palmeira.¨ Era como Alencar abordava Iracema. Um dia enquanto repousa na mata e enfeita de plumas e penas as flechas de seu arco, aparece diante dela, um jovem guerreiro português chamado Martim, que se perdera dos seus amigos Pitiguaras. Assustada e surpresa pela presença do estanho, Iracema com uma flechada fere o moço na face. A índia percebendo que havia ferido um inocente quebra junto com Martim a flecha d a paz, e o leva até a cabana do pai, o velho pajé Araquém. Este o recebe com cortesia disponibilizando guerreiros para defendê -lo e mulheres para servi-lo. A hospedagem de Martim junto aos tabajaras não agrada a todos, principalmente ao guerreiro chefe Irapuã, apaixonado por Iracema. Martim passa a conviver na tribo,e a cada dia cresce a sua admiração pela virgem tabajara, porém sente uma imensa saudade de Portugal e da amada que lá deixou. Em meio a festas e guerras travadas com outras tribos, a índia e o guerreiro branco se envolvem amorosamente. O que não seria possível, pois Iracema é a virgem (que guarda o segredo da jurema e o mistério do sonho), ou seja, fez voto de castidade a Tupã. Contrariando a crença de sua tribo e por amo r a Ma rtim, Iracema foge da aldeia antes que Araquém e os outros índios percebam. A fuga acontece ao lado de Martim e de um guerreiro da tribo pitiguara, chamado Poti,o qual era tratado como irmão pelo branco português. 37 Ao perceber o acontecido, os tabajaras, comandados por Irapuã, e Caubi irmão de Iracema, começam a perseguição aos apaixonados, no entanto, encontram a tribo inimiga pitiguara e assim ocorre uma grande e sangrenta batalha. Iracema ao ver a fúria com que Irapuã e Caubi atingem Martim, luta como uma cobra cascavel e os fere gravemente. Por fim a tribo tabajara, percebendo a derrota e a morte de muitos irmãos selvagens foge. Iracema chorou vendo seus irmãos de raça mortos. Depois do ocorrido Martim e Iracema vão para as margens do rio, Poti está feliz por ter retornado à sua taba e por ter salvado seu irmão branco. Irace ma está triste por ficar hospedada na tribo inimiga de seu povo. Caminham bastante até chegarem numa praia deserta, onde Martim acha que é o local apropriado para construírem a sua cabana. Passado algum tempo Martim sente -se na obrigação de ir guerrear junto ao seu irmão Poti e a tribo pitiguara, Iracema fica sozinha, na rotina diária colhia frutas, passeava pelos campos, arrumava a cabana e sempre ansiosa aguardava a volta de Martim. Grávida, ela esperava a chegada do filho e já não se sentia triste por te r deixado seus entes queridos e sua nação. Martim demora e Iracema dá a luz ao filho, a quem o chamou Moacir, o filho da dor, ficando gravemente debilitada pelo parto. O branco português che ga logo em seguida, e ao ouvir o canto triste da jandaia, ave que acompanhava Iracema, pressente a tragédia. Chega ainda a tempo de vê-la morrer nos seus braços. Ela só teve forças para erguer o filho e apresentá lo ao pai, em seguida desfaleceu na rede. Suas últimas palavras foram o pedido ao marido de que a enterrasse ao pé do coqueiro que ela tanto gostava.Martim sofrera bastante,principalmente porque seu grande amor pela esposa havia revigorado com a paternidade.O local onde Iracema se enterrou veio a s e chamar Ceará.O filho de Iracema e Martim é o primeiro cearense,fruto da relação,muitas vezes,trágica entre o português e o indígena. Quatro anos depois, Martim e o filho retornaram para sua terra, ali o branco implantou a fé cristã. Poti se tornou cristão e continuou sendo o fiel amigo de Martim. Os dois amigos, juntamente com o comandante Jerônimo de Albuquerque, venceram os tupinambás e expulsaram o branco tapuia. Quase sempre Martim ia ver o local onde fora tão feliz e a saudade lhe doía ao peito. A jandaia mantinha -se 38 cantando no coqueiro, ao pé do qual Iracema fora enterrada, entretanto, a ave não repetia mais o nome de Iracema. ¨ Tudo passa sobre a terra .¨ Nessa importante e bela obra, Alencar destacou uma idealização de mulher, através de Iracema. A protagonista é apresentada como símbolo de perfeição, o escritor faz um elo de ligação entre a terra e a figura feminina atribuindo -lhe qualidades que retrata a simbologia das maravilhas da natureza cearense e brasileira,como veremos no trecho a seguir: A alegria morava em sua alma. A filha dos sertões era feliz como a andorinha, que abandona o ninho de seus pais e peregrina para fabricar novo ninho no país onde com eça a estação das flores. Também Iracema achava ali nas praias do mar um ninho de amor, nova pátria para seu coração. Como o colibri borboleteando entre as flores da acácia, ela discorria as amenas campinas. A luz da manhã já a encontrava suspensa ao ombro do esposo e sorrindo, como a enrediça entrelaça o tronco robusto e todas as manhãs o coroa de nova grinalda. ( Alencar: 2000, p.88) Esse trecho mostra que o narrador está se referindo a alegria de Iracema, comparando-a com a andorinha, ave que demonstra alegria, felicidade, tem po de bonança, e em comparação com o colibri, dá idéia de liberdade quando a índia chega nas terras pitiguaras. O referente autor mediante a descrição e a imaginação aguçada considera Iracema mais do que uma mulher, pois ela não anda, flutua e toda a natu reza rende-lhe homenagem. Alencar (2000, p. 16) “ mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo da grande nação tabajara. O pé grácil e nu,mal roçando,alisava apenas a verde pelúcia qu e vestia a terra com as primeiras águas”. Percebe-se também que a índia, é uma personagem estereotipada, ou seja, durante todo o enredo mantém o seu caráter, simboliza o bem, a beleza e a fidelidade, e por causa do seu amor por Martim permanece fiel, mesm o quebrando os valores e as tradições de sua tribo: (Alencar: 2000, p. 77).¨- Iracema tudo sofre por seu guerreiro e senhor.A ata é doce e saborosa;mas quando a machucam, azeda.Tua esposa quer que seu amor encha teu coração das do çuras do mel. 39 Martim muitas vezes, mostra-se indeciso, revelando dúvidas nos seus sentimentos, quando se recorda das terras portuguesas e de uma namorada européia que l á deixou, Iracema ao contrário, sabe o que quer e luta pelo que quer, por amor ao guerreiro branco não teme um in stante em abandonar a posição privilegiada que ocupa na tribo. Todas as suas ações revelam sua coragem em proteger o amado da fúria do selvagem Irapuã, como veremos numa parte do capítulo XVIII: O grande chefe pitiguara levou além o formidável tacape. Renhiu-se o combate entre Irapuã e Martim. A espada do Cristão, batendo na clava do selvagem, fez-se em pedaços. O chefe tabajara avançou contra o peito inerte do adversário. Iracema silvou como a boicininga; e arrojou-se contra a fúria do guerreiro tabajara . A arma rígida tremeu na destra possante do chefe e o braço caiu-lhe desfalecido.( Alencar: 2000, p. 73). O autor de Iracema, atribuiu a figura feminina responsabilidade de promover êxtases de prazer aos indígenas, ou seja, Iracema é a única virgem que guarda o segredo da jurema,um licor que traz sonhos alucinados e prazerosos para os índios tabajaras.Diante disso,fica claro que a índia vivia numa soc iedade em que a mulher era submissa aos costumes e tradições indígenas, além de ter que manter o voto de castidade a Tupã,e caso traísse as suas importantes funções receberia o castigo dos deuses segundo o pajé tabajara:-¨ Teu deus falou pela boca do pajé: Se a virgem de Tupã abandonar ao estrangeiro a flor de seu corpo ela morrerá.¨ (Alencar: 2000, p. 50). Apesar de ser uma índia guerreira, Iracema revela submissão na convivência com os indígenas, pois suas tarefas diárias se restringem aos afazeres domés ticos e a servir aos homens, quando Martim chega à sua cabana é Iracema qu em vai buscar água para lavar seus pés e servir a refeição. Da mesma forma as mulheres de sua tribo desempenham tais funções como está claro na fala do pajé Araquém: “- Bem vindo sejas. O estrangeiro é senhor na cabana de Araquém. O s tabajaras têm mil guerreiros para defendê-lo e mulheres sem conta para servi-lo.Dize e todos te obedecerão. (Alencar: 2000, p. 21). Em virtude disso, percebe-se que o enredo escrito no século XIX, época em que a mulher não era reconhecida na sociedade, nem tinha seu espaço social valorizado, apenas tinha uma vida centralizada nas tarefas diárias e conservação do lar. Diante desse pressuposto, percebemos que o escritor é fruto de seu tempo, pois este, 40 baseado nessa ideologia tinha como influência o Iluminismo e as idéias positivistas, assim de acordo com Tâmara, (2007, p. 01): A ideologia dominante do século XIX traz como base, formas bastante preconceituosas com relação à presença de diversas etnias e também sobre a condição de submissão da mulher e da consideração desta como instru mento de prazer. Entretanto é necessário esclarecer que a mulher desde o tempo colonial foi retratada diante de submissão ao homem, e o seu papel social não foi reconhecido, nem valorizado na formação da nação brasileira. Conforme Amado (1998 , p. 51). A mulher da fase colonial, tanto a brasileira quanto à européia, evidentemente, foi submetida do poder androcêntrico. Ambas sofreram exclusões semelhantes, mesmo em contexto históricosculturais dissociados. A sociedade sempre foi estruturada a partir da ótica masculina. O homem posicionou -se, sempre ao longo da história, como agente construtor e o papel de figurante, nesse processo, era dimensionado à mulher. Calada e submissa, trabalhadeira e asseada. Assim fica claro que a mulher desde o tempo da formação da sociedade brasileira, permaneceu ao lado do homem vivendo diante de uma constante submissão,o seu papel social era reconhecido somente para a procriação,ou seja,a mulher foi sempre vista como a procriadora,a que dá vida e continuidade à família ,a rainha do lar. Porém, no fim do século XIX, com as grandes mudanças políticas e sociais do país, é que a mulher, através de lutas e depois de muitos protestos, conseguiu a sua participação no mercado de trabalho, publicação em jornais, revistas, teve direito ao voto, participação na imprensa,na literatura e no teatro . 41 CONSIDERA ÇÕES FINA IS A investigação realizada deste trabalho consiste em relatar o contexto histórico do Rom antismo, em que participou José de Alencar e outros poetas românticos, como Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu, Álvares de Azevedo e Castro Alves. Estes mediante a perspectiva romântica destacavam a mulher sob uma perfeita idealização. A obra Iracema, con stituída com forte cunho poético, e escrita c om uma linguagem bastante rebuscada, nela o intuito do autor foi de colocar de forma verossímil, a linguagem do indígena com traços específicos e oriundos do português. Diante de tantas pesquisas realizadas, me diante varios autores, conclui-se que a idealização da mulher, na figura da índia, destaca aspectos, beleza e sentimentos, referentes ao estilo romântico , entretanto, mesmo sendo idealizada, a mulher representada na figura da índia surgiu mediante um proje to de Nacionalismo, ou seja, destaca a relação, muitas vezes trágica, do índio com o branco, e o surgimento de um outro tipo de raça.Também mostra o extermínio do povo indígena pela invasão portuguesa e a grande influência da cultura branca sobre a cultura indígena. Constatamos também que esta obra é fruto das influências do Iluminismo e das idéias positivas do século XIX, as quais influenciaram o autor José de Alencar e tinham como base formas bastantes preconceituosas nas relações das diversas etnias, onde a condição da mulher era de submissão, não tendo representatividade social, a vida era restrita apenas ao lar sem maiores pretensões. Em virtude desses acontecimentos históricos, culturais e sociais, fica claro que somente no fim do século XIX, com as grandes mudanças políticas e sociais do país, a mulher através de lutas e protestos conseguiu o seu espaço e reconhecimento dentro da sociedade, como participação no mercado de trabalho, direito de voto, participaçã o na imprensa e nos teatros, passando de objeto de representação para sujeito nas várias enunciações. 42 BIBLIOGR AFIA Fontes prim árias: ALENCAR, José de, (2000) Iracema Lenda do Ceará: clássicos brasileiros comentado por Vicente Ataíde, Editora: HD Livros ,Curitiba. 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