Revista da ESPM – Maio/Junho de 2002 Balanced Scorecard – Da teoria à prática Os desafios atuais do marketing político no Brasil 11 • JOÃO GUALBERTO VASCONCELLOS Texto produzido para palestra realizada9na “Semana ESPM de Marketing Político” realizada em 22 de agosto de 2001 no Rio de Janeiro. 1 Revista da ESPM – Maio/Junho de 2002 1. Um pouco de história No surgimento de seu sistema político, o Brasil viveu um quadro marcado por forte ausência das massas. Assim, enquanto no Século XIX países como os Estados Unidos, Inglaterra ou França já conviviam com partidos políticos enraizados em amplos setores sociais – por razões próprias de cada um deles –, nós ainda estávamos submetidos ao jugo dos coronéis. Ao jugo daqueles que controlavam as estruturas do chamado Poder Local, sobretudo os grandes senhores da terra. Nossa República, controlada por frações das elites ligadas ao coronelismo, partia do princípio de que havia a Incapacidade Política das Massas. Caberia justamente às elites a condução não somente da política, mas de todas as instâncias decisórias na sociedade. O princípio de incapacidade das massas estava mesmo presente no ideário republicano de 1889, sobretudo pela forte influência que o positivismo teve entre os principais adeptos do movimento. Um dos principais elementos dessa democracia sem povo era a fraude eleitoral. Basta lembrar que com o voto a bico de pena, feito de forma aberta, os eleitores eram obrigados a 10 “Enquanto os brasileiros estavam submetidos ao autoritarismo expresso desde a monarquia até o Varguismo, os norteamericanos construíram os seus dois grandes partidos ainda no Século XIX.” declarar publicamente suas escolhas. Numa antiga fazenda ou município rural, esta declaração era acompanhada pelo próprio cacique político da paróquia eleitoral. Ninguém era capaz de discordar do chefe político. Outros mecanismos permitiam a manipulação, como, por exemplo, o voto por procuração. Um grande empregador, da área urbana ou rural, tirava o título eleitoral para o trabalhador junto com uma procuração que o tornaria o eleitor efetivo. Assim, no dia das eleições um só poderoso votava por 200 ou 300 pessoas. Nesse clima político, não desenvolvemos até a Revolução de 1930, sobretudo até a decretação do Estado Novo em 1937, os grandes instrumentos das ações democráticas. Para termos uma idéia desta defasagem, enquanto os brasileiros estavam submetidos ao autoritarismo expresso desde a monarquia até o Varguismo, os norte-americanos construíram os seus dois grandes partidos ainda no Século XIX. Suas festivas convenções datam desta época. Em outro pólo político, o trabalhismo inglês ou o socialismo francês são contemporâneos das últimas fases da Revolução Industrial. A democracia ocidental avançava, enquanto o Brasil fincava-se em processo marcado pelo elitismo. Somente com a industrialização e o crescente processo de urbanização surgiu entre nós o chamado trabalhismo, já nos anos 1940, durante o Governo de Getúlio Vargas. Graças aos avanços tecnológicos, pela primeira vez puderam ser utilizados os instrumentos de comunicação de massa, como o rádio. Outro instrumento que passou a ser usado foram os grandes eventos políticos com a presença de grande público. Esses nada tinham com a tecnologia, mas estavam inspirados no modelo de propaganda do nazismo e do fascismo, que estavam em voga na Europa. Era, sobretudo em Benito Mussuloni que se inspiravam os responsáveis pela propaganda varguista. No Estádio de São Januário, grandes concentrações de trabalhadores eram realizadas para comemorar o 1.o de maio com a presença do ditador. Assim, Vargas implantou no Brasil o primeiro modelo que incluía as massas. Certamente, essa inclusão deu-se de forma manipulada e dentro dos padrões político-clássicos brasileiros, mas significou forte mudança com relação aos métodos do coronelismo. O país era outro e já tinha demandas diferentes. Do ponto de vista de um olhar histórico sobre o nosso marketing político, o movimento de Vargas deve ser compreendido como precursor. Facilitou a tarefa, o desenvolvimento tecnológico que permitiu a presença do rádio, do cinema, da imprensa com boa cobertura nacional e de outros instrumentos que poderiam permitir uma comunicação de boa qualidade e velocidade com todo o país. Nos anos 1950, esse movimento foi perdendo progressivamente o controle das nossas elites políticas, orientadose para um populismo de esquerda que deu origem, por exemplo, às Ligas Camponesas e a um sindicalismo menos oficial. Foi o bastante para que o processo fosse calado pela força dos militares. Assim, nos anos 1960, quando a tecnologia avançou mais e a televisão tornou-se definitivamente o grande canal de comunicação de massas, estávamos imersos no atraso autoritário dos Revista da ESPM – Maio/Junho de 2002 militares. Por essa razão, o Brasil aprofundou a distância no desenvolvimento que o marketing político teve nas sociedades ocidentais a partir dessa época. Os canais de expressão da sociedade estavam comprimidos pela ditadura militar. Havia uma disciplina na comunicação eleitoral que impedia o desenvolvimento de um fluxo normal de informações. Esse fluxo só foi restabelecido com o fim dos governos militares em 1985. As primeiras eleições em que vivemos a força do marketing político moderno foram as de 1989. O segundo turno disputado por Collor e Lula foi um espetáculo de grande porte. O debate realizado nos últimos dias de campanha – e um dos elementos que contribuíram fortemente para a vitória de Collor – foi acompanhado como uma final de Copa do Mundo. O Brasil parou para ver seus líderes debaterem idéias e projetos. Nesse processo, a melhor compreensão, por parte do presidente então eleito, dos instrumentos da comunicação moderna, da utilização de novas ferramentas possibilitadas sobretudo pela televisão foram um diferencial importante. O momento era especial. A televisão brasileira, sobretudo a Rede Globo, havia desenvolvido um padrão de qualidade técnica muito grande. A importância política e social da televisão brasileira já era muito grande. Talvez o Brasil seja o país democrático ocidental onde ainda hoje a televisão ocupe o mais importante papel social. Os brasileiros a adoram. Somos um povo que se informa, sobretudo na perspectiva de informação de massas, através dela. Assim, em 1989 pela primeira vez esse instrumento poderia ser usado com sua extraordinária capacidade. Poderíamos mesmo afirmar que Collor ganhou aquela eleição através da utilização viva desse meio de comunicação. Um grande espetáculo foi montado no processo eleitoral. Pelo desenrolar da história, ficamos todos sabendo que Collor estava preparado para ganhar a eleição, mas não estava preparado para história lhe deu uma chance que ele não merecia. 2. Os desafios Dificilmente será mais uma vez um ator relevante para a política brasileira.” Na verdade, as últimas décadas no Brasil foram tempos de aprendizagem democrática. Foram tempos de conhecer a grande política e seus instrumentos. Acredito que estamos neste limiar de século diante de um quadro novo e em mutação. Seus principais rebatimentos no campo do marketing político tendem a ser: 1. Os brasileiros têm cada vez mais tomado decisões baseadas em informações, fenômeno que vem ocorrendo no mundo ocidental; governar. A continuação do espetáculo tentado por ele mesmo no governo – adorava praticar, por exemplo, esportes radicais aos domingos para ocupar os jornais de segunda-feira – não foi suficiente para manter uma lógica de governo. Da mesma forma que as massas foram enganadas, elas deram-se conta do erro. Collor foi afastado do poder no terceiro ano de seu mandato por evidências claras de corrupção. Transformou-se em um zumbi da política brasileira. Depois de oito anos sem poder exercer seus direitos políticos, tentou lançar-se candidato à Prefeitura de São Paulo em 2000. Foi juridicamente impedido, mas enquanto permaneceu no páreo era candidato de 1% dos votos e mais de 80% de rejeição. Dificilmente será mais uma vez um ator relevante para a política brasileira. A 11 Revista da ESPM – Maio/Junho de 2002 2. A política eleitoral do grande espetáculo, que norteou uma certa vertente do marketing político brasileiro, esgotou a sua capacidade de produzir resultados; 3.O modelo que está sendo construído leva em conta alguns restos do modelo anterior, mas se alimenta sobretudo de novas perspectivas. Mas o que seriam essas novas perspectivas? Quais são verdadeiramente nossos grandes desafios? Tentarei a seguir traçar alguns de seus elementos: Primeiro desafio: O personagem político ter atributos positivos para o seu eleitorado A experiência profissional que adquiri através da atuação na Futura, que realiza não somente pesquisas, mas ajuda 12 na construção de estratégias políticas e de gestão de uma forma geral e eleitorais de maneira particular, me leva a crer que o eleitorado está hoje muito atento. Num país que tem uma estrutura partidária tênue e cujas instituições são ainda muito frágeis, os eleitores aprenderam a valorizar as dimensões pessoais dos candidatos. Elas já foram estruturadas sobretudo no favor e na simpatia, que ainda continuam fortes, mas está claramente se locomovendo em direção a valorização de outros atributos. Nas eleições municipais de 2000, o que pudemos observar é que a retidão na conduta foi um elemento fundamental. Neste sentido, ser um bom patrão, ser solidário com os seres humanos que precisam de ajuda sem mostrar demagogia ou ser um pai ou uma mãe responsável foram apontados nas Pesquisas Qualitativas, realizadas através de discussão em grupo, como elementos chaves. O ator político que não as tiver terá seguramente menos chances de disputar com sucesso uma eleição. Aliás, é bom registrar que o papel dos atributos pessoais acaba por compensar a nossa frágil estrutura partidária. Ali- “O ator político que não as tiver terá seguramente menos chances de disputar com sucesso uma eleição.” mentados por uma cultura política personalista, os eleitores buscam nos candidatos e não nos partidos o centro de suas escolhas. A novidade é o critério da escolha. Segundo desafio: Ter programas e projetos que agreguem valor para o eleitorado Entretanto, não basta um caráter tido como positivo pelos eleitores através da leitura do passado do candidato ou do ator político que tem o desafio seja de dirigir um governo ou uma entidade pública. É preciso mais. Torna-se fundamental diferenciar-se no discurso e nas ações. Existe uma tendência no Brasil de hoje de criar-se uma diferenciação partidária. Ela não será grande num primeiro movimento, mas certamente a forma de enfrentar os problemas como os do desemprego, por exemplo, tende a se diferenciar para o eleitor. Por isso é importante mostrar a diferenciação programática. Quando pensamos em nichos eleitorais específicos, como o empresariado, por exemplo, vemos que este elemento é central na construção de apoios importantes e na construção de alianças eleitorais consistentes. Outro elemento é o abrigo partidário das propostas. É preciso estar atento para coerência, para não provocar situações sem consistência para a opinião pública. É da continuidade de programas como este que acabaremos construindo uma cultura partidária. Terceiro desafio: O grupo político precisa montar uma estrutura de informações capaz de alimentar um processo positivo para a opinião pública: o verdadeiro papel das pesquisas Revista da ESPM – Maio/Junho de 2002 O mercado político tende a ser cada vez mais competitivo. Eleições como a de Fernando Henrique Cardoso, em 1998, serão mais exceções do que regras. A diferenciação de atributos pessoais e de programas é cada vez mais vital. Entretanto, para perceber o que conta e o que não conta e para montar uma percepção clara das tendências da opinião pública, é cada vez mais necessário saber como ela se movimenta. Assim, não se trata de contratar pesquisas somente nas eleições, mas de desenvolver toda uma estratégia de captação de elementos da realidade. Da construção de uma série histórica e da perfeita compreensão dos movimentos. É importante ter a história, os deslocamentos dos principais atores e segmentos da opinião pública. Quarto desafio: Haver uma estrutura de comunicação capaz de construir uma imagem positiva A estrutura tradicional do marketing político no Brasil construída nos anos 1980 e 1990 está esgotando sua capacidade de produzir resultados positivos. É necessário que os candidatos competitivos construam outras relações com a sociedade, outros padrões de relacionamento com as lideranças mais autênticas, sejam elas sociais, empresariais, políticas, comunitárias, de trabalhadores ou outras. O importante é ser um líder enraizado. É preciso ter claro que o marketing político não substituirá jamais a relação de qualidade dentro do sistema político. Essa relação o político tem que possuir a partir de sua trajetória pessoal e suas propostas. Com as massas trata-se da mesma coisa. É preciso saber formular um discurso compreensível em sua essência e não um rol de palavras bonitas e sem sentido. Assim tem-se uma imagem consistente. O monitoramento permanente da imagem feito através de um bom sistema de informações permitirá a correção de desvios. “Assim, não se trata de contratar pesquisas somente nas eleições, mas de desenvolver toda uma estratégia de captação de elementos da realidade.” Quinto desafio: Ser verdadeiro, ético e comprometido Finalmente, é bom registrar que da mesma forma que Collor compreendeu a força do marketing espetáculo em um determinado momento, aqueles que estão na arena hoje devem compreender quais são os desejos colocados. Depois de tantas evidências de corrupção no sistema político brasileiro, os eleitores querem gente limpa. De bons atributos pessoais, de bons programas de governo e comprometidos com a gestão ética das coisas da política. Não basta ser honesto na relação com o dinheiro ou os recursos públicos, é preciso estender a noção de honestidade em todos os relacionamentos que o poder possibilita. Nas eleições municipais de 2000 vimos lideranças e dirigentes de governos bem avaliados do ponto de vista da prestação de serviços serem derrotados. Faltava-lhes o elemento ético na condução das ações. Coisa que não é mais permitida. O sentido de ser verdadeiro é ainda mais profundo. Por exemplo, atores políticos como Fernando Gabeira, José Genoíno, Marta Suplicy, Antonio Kandir, Luiz Eduardo Magalhães mostraram aos eleitores suas verdades. Defendendo posições claras diante dos fenômenos de sociedade. Estão chegando ao fim os tempos em que se tinha um discurso para cada público. Em que a coisa mais importante seria agradar, independentemente do compromisso com a verdade. A verdade de cada um o remete ao seu nicho. É preciso saber maximizar as oportunidades dos nichos, sem ser falso. 3. Palavras Finais Resumindo, o marketing político está mudando. O que está sendo construído é algo que leva em conta o longo prazo, as ações planejadas, o comprometimento público, a verdade. Esses são elementos que fazem parte da trajetória de uma sociedade democrática moderna. Como a que queremos todos construir no Brasil. 13 Revista da ESPM – Maio/Junho de 2002 Dentro da construção de novos padrões de comportamento eleitoral da população, alguns elementos ganharão importância para aqueles que se defrontam profissionalmente com o marketing político Um deles, por exemplo, é a inexistência de possibilidade de reconhecimento de propostas partidárias e, ainda, da avaliação do horário político elei- “É preciso ter claro que o marketing político não substituirá jamais a relação de qualidade dentro do sistema político.” toral gratuito concedido pelo TRE. Esse horário hoje é depositário dos maiores recursos da campanha e tem um resultado pífio diante das formas como as pessoas se informam para tomar a decisão eleitoral. Ele certamente terá que ser reformatado levando em conta os novos elementos que estão presentes na arena política. Também devem ser levados em conta o aumento do nível de escolaridade presente na sociedade, em grande parte derivado do projeto educacional iniciado ainda nos militares e aprofundado na década passada, ou o novo papel da mídia. Sua postura nos últimos acontecimentos no país desde a queda de Collor até a desgraça de Jader Barbalho é central. Aliás, é a diferenciação desses elementos que vai modificando a sociedade. Que vai produzindo um momento novo. Por isso a ação dos profissionais deve ser diferente. Nesse novo universo que vai nascendo, os profissionais precisam aprender com a verdade. Ela será um diferencial competitivo para os que dela souberem usar. São desafios profundos para os profissionais de marketing político e fundamentais para a construção da sociedade que todos queremos. • João Gualberto Vasconcellos – Doutor em Sociologia pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, Paris, França, autor do livro A Invenção do Coronel: raízes do imaginário social brasileiro (Edufes, 1995) e co-organizador de Recursos Humanos e Subjetividade (Atlas, 1996, 1ª edição), dentre outros. É Diretor do Instituto de Pesquisas Futura e Professor no mestrado em Administração da Universidade Federal do Espírito Santo. 14