HISTÓRIA - Módulo 1 Anexo 1 A glorificação do trabalho Dentre todas as utopias criadas a partir do século XVI, nenhuma se realizou tão desgraçadamente como a da sociedade do trabalho. Fábricas-prisões, fábricas-conventos, fábricas sem salário, que aos nossos olhos adquirem um aspecto caricatural, foram sonhos realizados pelos patrões e que tornaram possível esse espetáculo atual da glorificação do trabalho. Para se ter uma idéia da força dessas utopias realizadas impregnando todos os momentos da vida social a partir do século XVIII, basta considerarmos a transformação positiva do significado verbal da própria palavra trabalho, que até a época Moderna sempre foi sinônimo de penalização e de cansaços insuportáveis, de dor e de esforço extremo, de tal modo que a sua origem só poderia estar ligada a um estado extremo de miséria e pobreza. Seja a palavra latina e inglesa labor, ou a francesa travail, ou grega ponos ou a alemã Arbeit, todas elas, sem exceção, assinalam a dor e o esforço inerentes à condição do homem, e algumas como ponos e Arbeit têm a mesma raiz etimológica que pobreza (penia e Armut em grego e alemão, respectivamente). Essa transformação moderna do significado da própria palavra trabalho, em sua nova positividade, representou também o momento em que, a partir do século XVI, o próprio trabalho ascendeu da “mais humilde e desprezada posição ao nível mais elevado e à mais valorizada das atividades humanas, quando Locke descobriu que o trabalho era fonte de toda a propriedade. Seguiu seu curso quando Adam Smith afirmou que o trabalho era a fonte de toda a riqueza, e alcançou seu ponto culminante no ‘sistema de trabalho’ de Marx onde o trabalho passou a ser a fonte de toda a produtividade e expressão da própria humanidade do homem” (Hannah Arendt, La Condición Humana, p. 139). A dimensão crucial dessa glorificação do trabalho encontrou suporte definitivo no surgimento da fábrica mecanizada, que se tornou 1 HISTÓRIA - Módulo 1 Anexo 1 a expressão suprema dessa utopia realizada, alimentando, inclusive, as novas ilusões de que a partir dela não há limites para a produtividade humana. Essa descoberta delirante da fábrica como lugar, por excelência, no qual o trabalho pode se apresentar em toda a sua positividade não só alimentou as projeções apologistas da sociedade burguesa, como também a de seus próprios críticos, na medida em que ela foi entendida como o momento de uma liberação sem precedentes das forças produtivas da sociedade. Assim a fábrica ao mesmo tempo que confirmava a potencialidade criadora do trabalho anunciava a dimensão ilimitada da produtividade humana através da maquinaria. Para esse pensamento movido pela crença do poder criador do trabalho organizado, a presença da máquina definiu de uma vez por todas a fábrica como o lugar da superação das barreiras da própria condição humana. “A invenção da máquina a vapor e da máquina para trabalhar o algodão”, escrevia Engels em 1844, “deu lugar como é sobejamente conhecido a uma Revolução Industrial, que transformou toda a sociedade civil”. Essa imagem cristalizada já no pensamento dos homens do século XIX apagou todo o percurso sinuoso da organização do trabalho na época Moderna, ao reduzir definitivamente a fábrica a um acontecimento tecnológico. Contudo, os ecos das resistências dos homens pobres a se submeterem aos rígidos padrões do trabalho organizado são audíveis desde o século XVII e assinalam a presença da fábrica a partir de um marco distinto daquele definido pelos pensadores do século XIX. Aqueles primeiros homens, que se viram constrangidos pela pregação moral do tempo útil e do trabalho edificante, sentiram em todos os momentos de sua vida cotidiana o poder destrutivo desse novo princípio normativo da sociedade. Sentiram na própria pele a transformação radical do conceito de trabalho, uma vez que essa nova positividade exigiu do homem a sua submissão completa ao mando do patrão. 2 HISTÓRIA - Módulo 1 Anexo 1 Introjetar um relógio moral no coração de cada trabalhador foi a primeira vitória da sociedade burguesa, e a fábrica apareceu desde logo como uma realidade estarrecedora onde esse tempo útil encontrou o seu ambiente natural, sem que qualquer modificação tecnológica tivesse sido necessária. Foi através da porta da fábrica que o homem pobre, a partir do século XVIII, foi introduzido no mundo burguês. A reflexão que agora propomos visa ultrapassar a imagem cristalizada que o pensamento do século XIX produziu sobre a fábrica, reduzindo-a a um acontecimento tecnológico. Nosso intuito é desfazer o manto da memória da sociedade burguesa e reencontrar a fábrica em todos os lugares e momentos onde esteve presente uma intenção de organizar e disciplinar o trabalho através de uma sujeição completa da figura do próprio trabalhador. Por isso os leitores não devem se surpreender quando no decorrer do texto encontrarem no engenho de açúcar da colônia o esboço da fábrica que iria produzir o futuro operário europeu. Edgar Salvadori de Decca, O nascimento das fábricas, 3. ed., São Paulo, Brasiliense, 1985, p. 7-10. (Col. Tudo é história). 3 HISTÓRIA - Módulo 1 Anexo 2 Os ritmos da duração, conforme descritos por Fernand Braudel, permitem identificar a velocidade em que as mudanças ocorrem e como nos acontecimentos estão inseridas várias temporalidades: a curta duração, a dos acontecimentos breves, com data e lugar determinados; na média duração, no decorrer da qual se dão as conjunturas, tendências políticas e/ou econômicas, que, por sua vez, se inserem em processos de longa duração, com permanências e mudanças que parecem imperceptíveis. É o ritmo das estruturas, tais como a constituição de amplos sistemas produtivos e de relações de trabalho, as formas de organização familiar e dos sistemas religiosos, a constituição de percepções e relações ecológicas estabelecidas na relação entre o homem e a natureza. PCNEM, p. 304. HISTÓRIA - Módulo 1 Anexo 3 A compreensão de cidadania em uma perspectiva histórica, como resultado de lutas, confrontos e negociações, e constituída por intermédio de conquistas sociais de direitos, pode servir como referência para a organização dos conteúdos da disciplina histórica. A partir de problemáticas contemporâneas, que envolvem a constituição da cidadania, pode-se selecionar conteúdos significativos para a atual geração. Identificar e selecionar conteúdos significativos são tarefas fundamentais dos professores, uma vez que se constata a evidência de que é impossível ensinar “toda a história da humanidade”, exigindo a escolha de temas que possam responder às problemáticas contundentes vividas pela nossa sociedade, tais como as discriminações étnicas e culturais, a pobreza e o analfabetismo. PCNEM, p. 305. HISTÓRIA - Módulo 1 Anexo 4 Texto 1 Texto literário da época: peça teatral de Martins Pena (18151848), O juiz de paz da roça, escrita e encenada entre os anos de 1833-1838 CENA 1 – Sala com uma porta no fundo. No meio uma mesa, junto à qual estarão cosendo MARIA ROSA [esposa do lavrador Manuel João] e ANINHA [filha do casal]. Maria Rosa – Teu pai hoje tarda muito. Aninha – Ele disse que tinha hoje muito que fazer. Maria Rosa – Pobre homem! Mata-se com tanto trabalho! É quase meio-dia e ainda não voltou. Desde as quatro horas da manhã que saiu; está só com uma xícara de café. Aninha – Meu pai quando principia um trabalho não gosta de o largar e minha mãe sabe que ele tem só a Agostinho [negro escravo]. Maria Rosa – É verdade. Os meias-caras agora estão tão caros! Quando havia valongo [no sentido de mercado de escravos] eram mais baratos. Aninha – Meu pai disse que quando desmanchar o mandiocal grande há de comprar uma neguinha para mim. Maria Rosa – Também já me disse. Aninha – Minha mãe já preparou a jacuba [bebida feita com água, farinha e açúcar] para meu pai? Maria Rosa – É verdade! De que já ia me esquecendo! Vai aí fora e traz dous limões. In Comédia de Martins Pena, Rio de Janeiro, Tecnoprint, s./d., p. 39. (Col. Clássicos brasileiros). 1 HISTÓRIA - Módulo 1 Anexo 4 Texto 2 Texto de caráter político da época, escrito pelo advogado abolicionista Joaquim Nabuco (1849-1910) (...) a palavra Escravidão (...) não significa somente a relação do escravo para com o senhor; significa muito mais: a soma do poderio, influência, capital e clientela dos senhores todos; (...) a dependência em que o comércio, a religião, a pobreza, a indústria, o Parlamento, a Coroa, o Estado enfim, se acham perante o poder agregado da minoria aristocrática, em cujas senzalas centenas de milhares de entes humanos vivem embrutecidos e moralmente mutilados pelo próprio regime a que estão submetidos. (...) Porque a escravidão, assim como arruína economicamente o país, impossibilita o seu progresso material, corrompe-lhe o caráter, desmoraliza-lhe os elementos constitutivos, tira-lhe a energia e a resolução, rebaixa a política; habitua-o ao servilismo, impede a imigração, desonra o trabalho manual, retarda a aparição das indústrias, promove a bancarrota, desvia os capitais do seu curso natural, afasta as máquinas, excita o ódio entre as classes, produz uma aparência ilusória de ordem, bem-estar e riqueza, a qual encobre os abismos da anarquia moral, de miséria e destruição, que de Norte a Sul margeiam todo o nosso futuro. Joaquim de Nabuco, “O abolicionismo”, apud Francisco Alencar et al., História da sociedade brasileira, Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico, 1979, p. 176-177. Texto 3 Texto de caráter oficial da época: a Coroa portuguesa publica o alvará de 3 de março de 1741 Eu, El-Rei [D.João V], faço saber aos que este alvará virem, que sendo-me presentes os insultos que no Brasil cometem os escravos fugidos, a que vulgarmente chamam de quilombolas, passando a fazer o excesso de se ajuntarem em quilombos; e sendo preciso acudir 2 HISTÓRIA - Módulo 1 Anexo 4 com remédios que evitem essa desordem: hei por bem que a todos os negros que forem achados em quilombos, estando neles voluntariamente, se lhes ponha com fogo uma marca em uma espádua com a letra “F”, que para este efeito haverá nas câmaras; e se, quando for executar esta pena, for achado já com a mesma marca, se lhe cortará uma orelha, tudo por simples mandado do juiz de fora, ou ordinário da terra ou do ouvidor da comarca, sem processo algum e só pela notoriedade do fato, logo que do quilombo for trazido, antes de entrar para a cadeia. In Inês da C. Inácio e Tânia R. de Luca, Documentos do Brasil colonial, São Paulo, Ática, 1993, p. 78-79. (Série Fundamentos, n. 94). Texto 4 Texto da época: visão do Padre Vieira de um engenho de cana-de-açúcar, nos Sermões, de 1633 E verdadeiramente quem via na escuridade da noite aquelas fornalhas tremendas perpetuamente ardentes; as labaredas que estão saindo aos borobotões de cada uma pelas duas bocas ou ventas, por onde respiram o incêndio; os etíopes, ou ciclopes banhados em suor tão negros como robustos que subministram a grossa e dura matéria ao fogo, e os forçados com que o revolvem e atiçam; as caldeiras em lagos ferventes, com canhões sempre batidos, já vomitando espumas, exalando nuvens de vapores, mais calor que de fumo, e tornando-se a chover para outra vez os exalar; o ruído das rodas, das cadeias, da gente toda de cor da mesma noite, trabalhando vivamente, e gemendo tudo ao mesmo tempo sem momento de tréguas, nem de descanso; quem vir enfim toda a máquina e aparato confuso e estrondoso daquela Babilônia, não poderá duvidar, ainda que tenha visto Ethnas e Vesúvios, que é uma semelhança do inferno. Apud Edgar Salvadori de Decca, O nascimento das fábricas, 3. ed., São Paulo, Brasiliense, 1985, p. 48-49. (Col. Tudo é história). 3 HISTÓRIA - Módulo 1 Anexo 4 Texto 5 Texto contemporâneo de análise e interpretação histórica, escrito por Paul Singer, “A globalização e o Brasil no fim do segundo milênio” O que os portugueses vieram buscar aqui eram metais preciosos ou outros produtos vendáveis no mercado mundial. Como não encontraram ouro e prata de imediato, iniciaram a produção de açúcar de cana com mão-de-obra escrava da África. Globalização mais explícita seria difícil de conceber. O açúcar era produzido nos engenhos do Nordeste, com capital holandês, transportado em navios portugueses, consumido na Europa e os tributos eram cobrados pela coroa lusitana. (...) Na etapa colonial mercantilista, que vai do século XV ao XX, nações européias dominaram, eventualmente povoaram e a seu modo “civilizaram” inúmeros países nos mais diversos estágios de evolução nos demais continentes. Deste processo emergiram sociedades mistas, dominadas por elites européias ou europeizantes, que exploravam nativos ou escravos trazidos da África. In Revista Teoria e Debate, ano 13, n. 44, p. 14, abr./maio/jun. 2000. Texto 6 Texto contemporâneo em forma de música popular: “A mão da limpeza”, de Gilberto Gil O branco inventou que o negro Quando não suja na entrada Vai sujar na saída, ê Imagina só Vai sujar na saída, ê Imagina só Que mentira danada, ê Na verdade a mão escrava 4 HISTÓRIA - Módulo 1 Anexo 4 Passava a vida limpando O que o branco sujava, ê Imagina só O que o branco sujava, ê Imagina só O que o negro penava, ê Mesmo depois de abolida a escravidão Negra é a mão De quem faz a limpeza Lavando a roupa encardida, esfregando o chão Negra é a mão É a mão da pureza Negra é a vida consumida ao pé do fogão Negra é a mão Nos preparando a mesa Limpando as manchas do mundo com água e sabão Negra é a mão De imaculada nobreza Na verdade a mão escrava Passava a vida limpando O que o branco sujava, ê Imagina só O que o branco sujava, ê Imagina só Eta branco sujão In disco Raça Humana, 1984. 5 HISTÓRIA - Módulo 1 Anexo 4 Texto 7 A Imagens da época: A e B de Johan Moritz Rugendas, séc. XIX; C, gravura holandesa, séc. XVII. B C 6 HISTÓRIA - Módulo 1 Anexo 5 Podemos identificar os diferentes ritmos da duração pelo exemplo da escravidão africana brasileira. A Abolição da Escravidão ocorreu no dia 13 de maio de 1888, na capital do Brasil. Trata-se de um acontecimento breve, datado e localizado no espaço, que se explica pela conjuntura econômica da expansão da cafeicultura de exportação com necessidades urgentes de ampliação de mão-de-obra e pela conjuntura política e social que forçava rearticulações no grupo do poder monárquico e criava oposições ao regime, principalmente pelos republicanos. Mas, para compreender a abolição da escravidão e a forma como ela ocorreu, torna-se necessário situála no processo estrutural, em temporalidades mais longas: no processo de mudanças do sistema capitalista, desde sua constituição histórica, e na longa duração do racismo. Este explica não só a permanência até hoje de preconceitos e discriminações em relação às populações negras e mestiças, mas também a origem da própria escravidão, baseada em conceitos de raça superior e inferior criados por sociedades que pretendiam dominar e explorar outros grupos humanos. A escravidão não cria o racismo, mas o tem como pressuposto. A apreensão das noções de tempo histórico em suas diversidades e complexidades pode favorecer a formação do estudante como cidadão, aprendendo a discernir os limites e possibilidades de sua atuação, na permanência ou na transformação da realidade histórica em que vive. PCNEM, p. 304. HISTÓRIA - Módulo 1 Anexo 6 • Que ritmo de duração, basicamente, o filósofo utiliza em sua análise? • Quais os recortes temporais que propõe e qual movimento histórico e quais são os movimentos históricos, considerados por ele, como “divisores de águas”? • Como caracteriza cada um dos períodos? (Nos âmbitos do trabalho e da ciência.) • Indique as mudanças e as permanências entre os períodos, conforme o tratamento dado pelo autor. • Este vídeo trouxe para vocês alguma “luz” sobre a sociedade em que vivemos, isto é, colaborou para aumentar sua compreensão da realidade? Qual? HISTÓRIA - Módulo 1 Anexo 7 Cada grupo poderá decidir qual (ou quais) aspecto(s) do tema “Trabalho no mundo contemporâneo” irá explorar ou destacar: diversidade ou desigualdades (inspirados pelo vídeo Queimar); relações com o desenvolvimento tecnológico (especialmente das comunicações); falta de tempo para o convívio social e lazer (queixas constantes em nossa sociedade); o trabalho sem motivação em que se cumpre ordens ou executa-se planos elaborados por outros; a discriminação; realização e conquistas pessoais; o crescimento da oferta de bens materiais (produtos e mercadorias de primeira necessidade ou não) nas sociedades contemporâneas; desemprego; etc. É importante que o grupo mantenha a coerência na abordagem e apresentação do(s) aspecto(s) que desejarem ressaltar. Utilizar: revistas de publicação periódica e caráter informativo (Veja, Época, Superinteressante etc.) e jornais da chamada “grande imprensa” (de circulação estadual ou nacional); os jornais locais (municipais ou regionais) também podem ser utilizados, desde que costumem veicular notícias nacionais e internacionais. HISTÓRIA - Módulo 1 Anexo 8 Texto 1 Fim de século Junto com o Ano Novo e o novo século teremos um novíssimo milênio, o terceiro dos tempos modernos. É momento apropriado para a reflexão e a memória. Nos últimos mil anos que estamos encerrando, a humanidade descobriu continentes na Terra e caminhos no espaço. Iluminou as noites e aumentou os dias de vida do homem. Atravessou guerras e procurou a paz que nem sempre foi possível. Como seremos nos próximos mil anos? Conseguiremos dar teto e pão a cada ser humano? Dominaremos a ciência e a colocaremos a serviço do bem de todos? Até que ponto poderemos chegar à utopia de uma sociedade justa, de uma humanidade solidária? É impossível imaginar o estágio de civilização e técnica que alcançaremos até 3001. Neste último século do milênio que acaba, sonhamos com uma odisséia no espaço ao som do “Danúbio Azul’’, com os computadores dotados de sentimentos humanos, capazes de sentir ciúme e medo. Ao longo dos mil anos passados, nossos maiores gênios foram incapazes de imaginar as coisas simples de que hoje dispomos, como a luz elétrica, a gravação do som e da imagem, o telefone celular, a interatividade eletrônica. Bem verdade que as conquistas técnicas não bastaram à nossa sede de justiça, à nossa busca da verdade. Tal como o homem primitivo, ainda nos perguntamos o que somos, o que fazemos neste mundo, para onde iremos. Nenhum de nós estará presente quando a roda do tempo virar novamente o calendário, colocando o algarismo 3 antes de cada ano. Faremos parte de um passado imenso, incontornável. Um passado que só terá sentido se realmente a humanidade vencer o desafio da dor e da miséria. 1 HISTÓRIA - Módulo 1 Anexo 8 Se chegarmos a esse dia, teremos justificada nossa condição humana, e seremos dignos de uma memória abençoada. Carlos Heitor Cony, in Folha de São Paulo, 31/12/2000. Texto 2 Tecnologia e trabalho: a máquina substituirá o homem? A condição humana O Homem sempre esteve em busca de instrumentos que amenizassem seu labor diário. Assim, o homem primitivo descobriu que era mais prático domesticar animais do que caçá-los, e que plantar os frutos rendia muito mais do que colher o que crescia espontaneamente. Desde os primórdios, os simplificados engenhos mecânicos eram fabricados em função da força do movimento dos braços e dos pés, multiplicando, assim, a potência motora do homem. Isso aconteceu, por exemplo, com os índios brasileiros, que imediatamente lançaram mão dos equipamentos dos portugueses, como a foice e o machado, para a derrubada das matas. No trabalho artesanal, então, a destreza humana, a habilidade do artífice eram fundamentais. Com o advento das máquinas, na Revolução Industrial do século XVIII, foi preciso dar ao trabalhador o adestramento necessário para acionar o maquinário. A força bruta das máquinas exigia a habilidade e a agilidade humanas. A máquina dependia do homem e o homem, da máquina. Aos poucos foram-se aperfeiçoando as técnicas de divisão e racionalização do trabalho. Nos Estados Unidos, no início deste século, Frederick Taylor elevou os índices de produção ao levar às últimas conseqüências a divisão do trabalho, considerando os mínimos gestos e reproduzindo-os em uma série de movimentos repetitivos e simples. Aos trabalhadores, muitas vezes submetidos à vigilância e a uma opressiva hierarquia, era exigida nada menos que obediência cega às decisões vindas de cima. 2 HISTÓRIA - Módulo 1 Anexo 8 Na mesma época, ou seja, nas décadas de 10 e 20, Henry Ford aperfeiçoou o sistema (...). Estava criada a “linha de montagem”. Muitos consideram o sistema fordista como a Segunda Revolução Industrial. No Brasil, o taylorismo e o fordismo tiveram eco já nas primeiras décadas de 20 e 30, quando o empresariado, e até mesmo o escritor Monteiro Lobato, ao tomarem conhecimento do processo, saudavamno entusiasticamente. (...) Robotização (...) com o taylorismo e o fordismo culminou o processo pelo qual o trabalho humano foi reduzido a simples gestos repetitivos, e portanto começou a ser possível imaginar substituí-lo por um braço mecânico. Os robôs substituiriam a parte-máquina do homem. Curiosamente a palavra “robô”, ou mais especificamente “robota”, vem do idioma tcheco, e significa “trabalho forçado” ou “escravo”. Para tornar possível a aplicação dessa máquina de trabalho, havia um dilema técnico: seu custo era tão alto que não compensava substituir a disponível e barata atividade humana. Por ser caro, tratava-se de “artigo de luxo” ou devaneio de cientistas, aos olhos do senso prático empresarial. Nos últimos anos, porém, o alto custo da mão-de-obra vem levando os países mais avançados a automatizar tudo o que podem (...). Paulo Sérgio do Carmo, in Márcia Kupstas (Org.), Trabalho em debate, São Paulo, Moderna, 1997, p. 40-41 e 45-46. 3 HISTÓRIA - Módulo 1 Anexo 9 Texto 1 A imitação da Rosa Antes que Armando voltasse do trabalho a casa deveria estar arrumada e ela própria já no vestido marrom para que pudesse atender o marido enquanto ele se vestia, e então sairiam com calma, de braço dado como antigamente. Há quanto tempo não faziam isso? Mas agora que ela estava de novo “bem”, tomariam um ônibus, ela olhando como uma esposa pela janela, o braço no dele, e depois jantariam com Carlota e João, recostados na cadeira com intimidade. Há quanto tempo não via Armando enfim recostar com intimidade e conversar com um homem? A paz de um homem era, esquecido de sua mulher, conversar com outro homem sobre o que saía nos jornais. Enquanto isso ela falaria com Carlota sobre coisas de mulheres, submissa à bondade autoritária e prática de Carlota, recebendo enfim de novo a desatenção e o vago desprezo da amiga, a sua rudez natural, e não mais aquele carinho perplexo e cheio de curiosidade – vendo enfim Armando esquecido da própria mulher. E ela mesma, enfim voltando à insignificância com reconhecimento. Como um gato que passou a noite fora e, como se nada tivesse acontecido, encontrasse sem uma palavra um pires de leite esperando (...). Sentou-se no sofá como se fosse uma visita na sua própria casa que, tão recentemente recuperada, arrumada e fria, lembrava a tranqüilidade de uma casa alheia. O que era tão satisfatório: ao contrário de Carlota, que fizera de seu lar algo parecido com ela própria, Laura tinha prazer em fazer de sua casa uma coisa impessoal; de certo modo perfeita por ser impessoal. Oh, como era bom estar de volta, realmente de volta, sorriu ela satisfeita. Segurando o copo quase vazio, fechou os olhos com um suspiro de cansaço bom. Passara a ferro as camisas de Armando, fizera listas metódicas para o dia seguinte, calculara minuciosamente o que gastara de manhã na feira, não parara na verdade um instante sequer. 1 HISTÓRIA - Módulo 1 Anexo 9 Se uma pessoa perfeita do planeta Marte descesse e soubesse que as pessoas da Terra se cansavam e envelheciam, teria pena e espanto. Sem entender jamais o que havia de bom em ser gente, em sentir-se cansada, em diariamente falir; só os iniciados compreenderiam essa nuance de vício e esse refinamento de vida. Clarice Lispector, “A imitação da rosa”, in Laços de família (coletânea de contos), 8. ed., Rio de Janeiro, José Olympio, 1977, p. 35-36 e 38-39. Texto 2 O trabalho e poder do casal A família exercia um controle bastante rigoroso sobre seus próprios membros. O marido era o chefe da família; a mulher casada precisava ter sua autorização por escrito para abrir uma conta no banco ou para administrar seus próprios bens. Era ele que exercia o pátrio poder. É apenas com as leis de 1965 sobre os regimes matrimoniais e de 1970 sobre o pátrio poder que desaparece a inferioridade jurídica da mulher em relação ao marido. Em certos meios e regiões, a realidade certamente era mais igualitária do que o direito. (...) De fato, é de se perguntar se a divisão dos papéis masculino e feminino não acabava outorgando o poder na esfera privada às mulheres. Mesmo que convenha fazer algumas ressalvas, como mostrou Martine Segalen em relação à família rural tradicional, a divisão dos papéis situava a mulher preferencialmente dentro da família, reservando ao homem o âmbito externo: as transações importantes, a representação familiar, a política. É possível discutir se essa partilha era apenas ilusória; pode-se concordar com as feministas que, na medida em que o importante era a vida pública, as mulheres ficavam relegadas à vida doméstica; inversamente pode-se salientar a importância central dos valores domésticos nessa sociedade em que o indivíduo valia pela família e o unico êxito era familiar, para 2 HISTÓRIA - Módulo 1 Anexo 9 sustentar que as mulheres, na medida em que controlavam a esfera doméstica, exerciam na verdade um poder decisivo. Para a história da vida privada, parece mais pertinente ressaltar aqui que o espaço doméstico era incontestavelmente o território da “patroa” ou da “rainha do lar”, termos que variavam conforme o meio, mas dotados do mesmo significado. Em muitos casos, de fato, o marido que voltava para casa, na verdade, voltando para a casa de sua mulher: era ela que reinava no lar. O homem não podia tomar iniciativas nesse espaço sem sujar, quebrar ou desarrumar. Disso resultava a existência de uma solidariedade propriamente masculina fora da família. Suas razões e modalidades variavam conforme o meio e regiões. Entre os operários, era freqüente que se sentissem impelidos para o bar pela exigüidade da casa e pela dificuldade em ter uma vida privada nesse espaço. Foi preciso que o espaço doméstico aumentasse para que eles pudessem passar em casa os momentos de lazer cada vez mais prolongados. Antoine Prost, “Fronteiras e espaços do privado”, in Philippe Ariès e Georges Duby, (Org.), História da vida privada: da primeira guerra a nossos dias, 5. ed., São Paulo, Companhia das Letras, 1997, p. 77-78. Texto 3 Leila Estou pensando em você Quero lhe ver Mas nesse horário você deve estar Pegando os filhotes no colégio Depois chegar em casa Ver o resto de tudo (...) Adoro teus cabelos Adoro tua voz 3 HISTÓRIA - Módulo 1 Anexo 9 Adoro teu estilo Adoro tua paz de espírito O encanador te deixou na mão Tem reunião do condomínio O telefone não dá linha E o chuveiro tá dando choque Tem uma barata voadora no quarto das crianças E os monstrinhos estão gritando alucinados Pra eles tudo é diversão Mas você sabe o que é ter pavor pavor pavor de baratas voadoras E você diz daquele seu jeito: – Ai, preciso de um homem (...) Você monta suas fotos para a exposição Promete trabalhar mais com o computador (...) Ter que pegar o carro no conserto Ver a conta do banco, cartão, IPTU Sábado vai ter peixada na Analu E domingo, cachorro-quente com as crianças na Fernanda Adoro teu olhar Adoro tua força (...) Às vezes as coisas são difíceis, minha amiga Mas você sabe enfrentar a beleza dessa vida (...) Legião Urbana, disco Tempestade, 1996. 4 HISTÓRIA - Módulo 1 Anexo 10 O trabalho na evolução humana (...) o objetivo de traçar a evolução histórica da humanidade não é antever o que acontecerá no futuro, ainda que o conhecimento e o entendimento histórico sejam essenciais a todo aquele que deseja basear suas ações e projetos em algo melhor que a clarividência, a astrologia ou o franco voluntarismo. O único resultado de uma corrida de cavalos que os historiadores podem nos contar com absoluta confiança é o de um páreo que já foi corrido. Menor ainda é a possibilidade de descobrirem ou inventarem legitimações para nossas esperanças – ou receios – quanto ao destino humano. (...) O que ela pode fazer é descobrir os padrões e mecanismos da mudança histórica em geral, e mais particularmente das transformações das sociedades humanas durante os últimos séculos de mudanças radicalmente aceleradas e abrangentes. Em lugar de previsões e esperanças (...). Ora, um projeto dessa ordem exige uma estrutura analítica para a análise da história. Essa estrutura deve estar baseada no único elemento observável e objetivo da mudança direcional dos assuntos humanos, independente de nossos desejos subjetivos ou contemporâneos e juízos de valor, isto é, a capacidade persistente e crescente da espécie humana de controlar as forças da natureza por meio do trabalho manual e mental, da tecnologia e da organização da produção. Sua realidade é demonstrada pelo crescimento da população humana no globo ao longo da história, sem retrocessos significativos, e o crescimento – particularmente nos últimos séculos – da produção e da capacidade produtiva. Pessoalmente, não me incomodo de chamar isso de progresso, tanto no sentido literal de um processo direcional, quanto porque poucos de nós não o consideraríamos como uma melhoria potencial ou concreta. Eric Hobsbawm, Sobre a história: ensaios, São Paulo, Companhia das Letras, 1998, p. 42-43. HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 1 Rádio Pirata Abordar navios mercantes Invadir, pilhar, tomar o que é nosso Pirataria nas ondas do rádio Havia alguma coisa de errada com o rei Preparar a nossa invasão E fazer justiça com as próprias mãos Dinamitar um paiol de bobagens e navegar o mar da tranqüilidade Toquem o meu coração, façam a revolução Está no ar nas ondas do rádio No submundo repousa o repúdio E deve despertar You know that it would be untrue You know that I would be a liar If I was to say to you Girl you couldn’t get much higher Come on babe light my fire Disputar em cada freqüência Um espaço nosso nessa decadência Canções de guerra, quem sabe canções do mar Canções de amor ao que vai vingar Toquem o meu coração, façam a revolução Está no ar nas ondas do rádio No underground repousa o repúdio e deve despertar oh Grupo RPM (revoluções por minuto), 1985. Música incidental: “Light my fire” (Paulo Ricardo e Luis Schiavon). HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 2 O tempo histórico, compreendido nessa complexidade, utiliza o tempo cronológico, institucionalizado, que possibilita referenciar o lugar dos momentos históricos em seu processo de sucessão e em sua simultaneidade. Fugindo à cronologia meramente linear, procura identificar também os diferentes níveis e ritmos de durações temporais. A duração torna-se, nesse nível de ensino e nas faixas etárias por ele abarcadas, a forma mais consubstanciada de apreensão do tempo histórico, ao possibilitar que alunos estabeleçam as relações entre continuidades e descontinuidades. A concepção de duração possibilita compreender o sentido das revoluções como momentos de mudanças irreversíveis da história e favorece ainda que o aluno apreenda, de forma dialética, as relações entre presente-passado-presente, necessárias à compreensão das problemáticas contemporâneas, e entre presente-passadofuturo, que permitem criar projeções e utopias. PCNEM, p. 303. HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 3 Uma nova ciência para um novo milênio Se existe algo que nos impressiona ao refletirmos sobre o mundo que nos cerca é sua diversidade: o vivo e o não-vivo, animais e pedras, árvores e nuvens, se desdobram em incontáveis formas, expressões de uma criatividade que nos emociona e inspira. Nós também somos produto dessa criatividade. Ao que tudo indica (pelo menos em nossa vizinhança solar), somos a única espécie capaz de refletir sobre si própria e o ambiente que a cerca. É por meio da ciência que procuramos organizar o que aprendemos sobre a natureza, buscando sempre explicações simples e concretas dos fenômenos que observamos. De certa forma, podemos medir o sucesso de uma teoria científica pelo seu poder de explicação. Quanto mais completa ela for, maior o número de fenômenos que ela poderá explicar, usando o menor número possível de princípios ou leis. Historicamente, é na física que encontramos o modelo fundamental para a estruturação das teorias científicas. Durante o século 17, Galileu Galilei e Isaac Newton desenvolveram a mecânica, que estuda o movimento de corpos materiais no espaço. Em seu magnífico livro “Princípios Matemáticos da Filosofia Natural”, publicado em 1687, Newton estruturou toda a mecânica a partir de apenas três leis básicas, as famosas “leis do movimento”. Qualquer movimento que observamos na natureza, seja ele a órbita de um cometa em torno do Sol, a queda de uma gota de chuva ou o movimento de um ciclista em sua bicicleta, pode ser explicado aplicando-se uma ou mais leis de movimento (a mecânica newtoniana falha na descrição de movimentos muito rápidos, com velocidades comparáveis à da luz, ou na descrição de movimentos na escala atômica. Mas nossa vida diária é certamente newtoniana). Para atingir esse enorme poder descritivo com apenas algumas leis, Newton reduziu o mundo a uma coleção de pontos materiais HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 3 (como bolas de sinuca) agindo sob a ação de forças. Essa é uma descrição reducionista, uma estratégia amplamente adotada em todas as disciplinas científicas: dividir e simplificar ao máximo um sistema complicado, facilitando assim a descrição de seu comportamento. O sucesso da descrição newtoniana do mundo foi tão imenso que o reducionismo tornou-se a pedra filosofal da ciência. E, sem dúvida, quando aplicado a outras disciplinas, o reducionismo também foi muito bem-sucedido. Em química, falamos de átomos e moléculas; em biologia, falamos de células e genes; e, em certos ramos da psicologia, falamos de categorias de comportamento ou da quantificação das várias formas de expressão, verbais e corporais. Sem dúvida, nosso século será lembrado como o século de glória do reducionismo. As nossas vidas hoje são produto de inúmeros avanços em ciência e tecnologia, cujo sucesso é conseqüência direta da aplicação do reducionismo. Mas nem tudo é um mar de rosas, e esses avanços trazem seríssimos efeitos colaterais, como o poder destrutivo de nossas armas, a poluição desenfreada do meio ambiente, os perigos de manipulação da opinião pública pela exploração dos meios de comunicação. Como dizia o Buda, “onde existe luz, existe sombra”. Os tempos estão mudando; novas direções surgem em ciência, apontando para o oposto do reducionismo: o uso de técnicas globais na descrição de sistemas. Não dividir para entender, mas tratar o comportamento do todo como um todo; o todo é maior do que a soma das partes. O cérebro não é o produto da soma de seus neurônios, a emergência da vida é um fenômeno coletivo, nosso planeta e todos os seus habitantes devem ser tratados como uma unidade, em que ações locais podem ter efeitos globais. Uma nova ciência para um novo milênio, onde o reducionismo e o “holismo” se complementarão em nossa descrição do mundo. Marcelo Gleiser, in Folha de São Paulo, 23/8/1998. HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 4 Verdade e liberdade, a síntese que faltava Albert Einstein não era um judeu praticante. Mas reconhecia a existência de Deus. Acreditava em padrões de certo e errado. Sua atividade intelectual era devotada à busca não só da verdade, mas também da certeza. Viveu o suficiente para sofrer com a interpretação moralmente equivocada do seu trabalho científico. “Como aquele que no conto de fadas transformava tudo o que tocava em ouro, comigo é em confusão que tudo se transforma nos jornais.” O comentário de Einstein em carta a seu amigo Max Born, em 1920, reflete sua angústia. Uma leitura errônea da Teoria da Relatividade Geral estimulou a crença de que não havia mais absolutos: de tempo e espaço, de bem e mal, de conhecimento, sobretudo de valores. Assistiu, atônito, à metamorfose de seu trabalho na epidemia do relativismo moral, assim como padeceu a dor de ver a sua equação dar à luz o terror nuclear. Houve muitas vezes, confidenciou Einstein no final de sua vida, em que desejou ter sido um simples relojoeiro. Recentemente, reli a encíclica Veritatis Splendor, texto obrigatório para quem tem o ofício, comprometedor e fascinante, de tentar iluminar a verdade profunda dos fatos e, ao mesmo tempo, defender aquilo que está no cerne do DNA da raça humana: a liberdade. João Paulo II, um papa dotado de extraordinária cabeça filosófica, pretende resgatar este “mundo desconjuntado”, como tristemente observava Hamlet. Na encíclica, o pontífice adverte para a “decadência do sentido moral” na sociedade e suas conseqüências dramáticas para a democracia. “Uma democracia sem valores se transforma com facilidade num totalitarismo visível ou encoberto”, afirma o texto com um realismo cortante. “A origem do totalitarismo moderno deve ser vista na negação da dignidade transcendente da pessoa, sujeito natural de direitos que ninguém pode violar; nem o indivíduo, nem a família, nem a sociedade, nem a nação, nem o Estado.” (...) HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 4 Qualquer construção democrática, autêntica e não apenas de fachada, reclama os alicerces da lei natural. No respeito aos seus princípios está o melhor antídoto contra aventuras ditatoriais. (...) Não se compreende de que modo obteremos uma sociedade mais justa e digna para seres humanos (os adultos) por meio da organização da morte de outros seres humanos igualmente vivos (as crianças não nascidas). Há um elo indissolúvel entre a prática do aborto, o massacre do Carandiru, a chacina da Candelária e outras agressões à vida: o ser humano é encarado como objeto descartável. Os argumentos esgrimidos em defesa dessas ações, alguns cruéis, outros carregados de eufemismos, não conseguem ocultar o desrespeito ao primeiro direito humano fundamental, base da sociedade democrática: o direito à vida. (...) Trata-se, na verdade, do corolário de um silogismo dramaticamente lógico. A vida deixa de ser um fato sagrado. Converte-se, simplesmente, numa realidade utilitária. (...) Uma das doenças culturais do nosso tempo (e certo jornalismo manifesta alguns dos seus sintomas) é o empenho em contrapor verdade e liberdade. As convicções, mesmo quando livremente assumidas, recebem o estigma de fundamentalismo. Impõe-se, em nome da liberdade, o dogma do relativismo. Trata-se, na feliz expressão do cineasta marxista Pier Paolo Pasolini, da “intolerância dos tolerantes”, que, obviamente, conspira contra o sadio pluralismo democrático. (...) Carlos Alberto Di Franco, in Estado de S. Paulo, 22/1/2001. HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 5 Reflexões sobre futebol Uma semana antes da estréia, tivemos uma folga de 24 horas para cada um se divertir, aproveitar para fazer o que quisesse, satisfazer as suas necessidades sexuais. Que eu me lembre, ninguém levou namorada nem esposa, e cada um fez o que quis, à sua maneira, acompanhado ou sozinho. Alguns conseguem sem desprazer sublimar o desejo sexual, ou seja transformar esse desejo em outro: leitura, cinema, trabalho etc... assim foi construída a civilização; outros, e aí é ruim para o atleta, reprimem o desejo sexual, mas ele continua cada vez mais forte, importunando-os. A relação sexual na véspera da partida, com prazer, sem traumas, bebidas alcoólicas ou perda de sono, é benéfica e deixa o jogador “levinho”, como disse Romário. (...) Com 26 anos, encerrei a carreira, triste mas com o consolo de que era jovem e podia iniciar uma nova profissão. Renasceram sonhos adolescentes de ter uma profissão liberal, estudar e me informar mais sobre o mundo e a vida. Tinha a sensação de que o futebol tinha sido uma passagem, um lazer remunerado, gostoso e de muitas glórias. Agora começaria minha vida real, como qualquer um, sem fama, e não precisaria ficar constrangido em ser conhecido, tomar uma cerveja no bar, ir ao cinema. Era a conquista da liberdade, da privacidade, e a identificação com o homem. (...) Passei 21 anos, de 1973 a 1994, longe do futebol. Assistia só aos jogos importantes na tevê e raramente ia aos estádios, não por desgosto, raiva, falta de saudade, e sim por comodidade, por estar envolvido com a medicina. Quando o inconsciente se manifestava, sonhava que estava fazendo gols, dando passes, sendo campeão. O sonho é o reflexo da alma, nossa verdade. (...) Dedicava-me ao ensino com entusiasmo, orgulho e prazer. Descobri que todo professor gosta de aplauso e que eu não fugia à verdade número um do ser humano: a vaidade. O professor, como o comentarista, sempre tem a ilusão de que o que ele fala é importante. HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 5 (...) Estava vivendo um momento frustrante na medicina. Piorava o nível de ensino, os alunos reclamavam, e o hospital universitário, onde eu trabalhava oito horas por dia, estava cada dia pior. Para sobreviver, a faculdade passou a atender como serviço público, recebendo ajuda do governo. Nós, professores, viramos médicos do Inamps via faculdade, trabalhando em péssimas condições e com os alunos insatisfeitos. Sentia-me conivente com todo esse absurdo que é o sistema de saúde no Brasil, que não tem o mínimo respeito pelo ser humano. Além disso ganhava um salário indigno. Pensava em largar a medicina e dedicar-me à terapia psicanalítica, pois tinha acabado de terminar o curso teórico e estava entusiasmado com a obra de Freud. (...) Na Copa de 1994, matei a saudade do futebol. Saí do Brasil só para participar da mesa-redonda diária e acabei comentando várias partidas. (...) Gostei, e aprovaram a minha atuação em frente às câmeras de tevê. Até hoje não entendo como virei comentarista de televisão. Sou tímido, sempre tive medo de falar em público (...). Aos poucos fui perdendo o medo da tevê, principalmente comentando partidas, pois não apareço no vídeo. A terapia pessoal ajudou-me a conviver com essa ansiedade, e hoje me sinto quase descontraído. Tostão, Lembranças, opiniões, reflexões sobre futebol, São Paulo, DBA, 1997, p. 64, 97-98, 102-104. HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 6 Teoria da evolução – Já falamos sobre Marx. Vamos agora falar sobre Darwin. Você certamente ainda se lembra de que os pré-socráticos queriam encontrar explicações naturais para os processos da natureza. Assim como através disso eles queriam se libertar das antigas explicações mitológicas, também Darwin precisava se libertar da doutrina cristã sobre a criação do homem e dos animais, vigente em sua época. – Mas ele foi realmente um filósofo? – Darwin era biólogo e pesquisador natural. Mas ele foi o cientista que, mais do qualquer outro em tempos mais modernos, questionou e colocou em dúvida a visão bíblica sobre o lugar do homem e da criação. – Então seria bom você falar um pouco sobre a teoria da evolução de Darwin. – Vamos começar pelo próprio Darwin. Ele nasceu em 1809 (...). Quando Charles entrou para o liceu de Shrewsbury, o reitor dizia que ele era um jovem que vivia disperso, não falava coisa com coisa, se gabava sem ter motivo para isto e não fazia nada de sensato. Para o reitor, “sensato” era ficar decorando vocábulos gregos e latinos. E quando falava em viver disperso, ele estava pensando, entre outras coisas, no fato de Charles colecionar besouros de várias espécies (...). Paralelamente ao curso de teologia, porém, ele conseguiu certo reconhecimento como pesquisador natural. Darwin também interessava-se por geologia (...). Em agosto do mesmo ano [1831] (...) recebeu uma carta que viria a determinar todo o seu futuro (...) partiria numa expedição com a incumbência de fazer o mapa cartográfico do extremo sul da América do Sul (...). Quando voltou para a casa, aos vinte e sete anos, já era um pesquisador famoso (...) o livro que suscitou na Inglaterra os mais calorosos debates foi Sobre a origem das espécies, publicado em 1859. Seu título completo é On the origin of species by means of natural selection or the preservation of favoured races in the struggle for life. (...) Uma HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 6 tradução feita hoje poderia ser a seguinte: “Sobre a origem das espécies por meio da seleção natural ou A preservação de raças favorecidas na luta pela vida”. Alguns preferem falar em “sobrevivência” no lugar de “preservação”, outros em “esforço pela manutenção da vida”, em vez de “luta pela vida”, que teria um “tom bélico”. (...) ele dizia que todas as espécies de plantas e animais que vivem hoje descendem de formas mais primitivas, que viveram em tempos passados. Ele pressupõe, portanto, uma evolução biológica. Em segundo, Darwin explica que esta evolução se deve a “seleção natural”. – Só os mais fortes sobrevivem, não é isso? – Vamos nos concentrar primeiro na sua reflexão sobre a evolução propriamente dita. Em si, esta idéia não tinha muito de original (...). Só que nenhum deles [cientistas como Lamarck e o avô de Darwin] tinha conseguido dar uma explicação aceitável para como essa evolução se processa. (...) Tanto os membros da Igreja quanto muitos cientistas eram partidários da teoria bíblica segundo a qual as diferentes espécies de plantas e animais eram imutáveis. Para eles, cada espécie animal tinha sido criada um dia, separadamente das outras e para todo o sempre, por um ato de criação especial. (...) esta visão cristã estava de acordo com as concepções de Platão e Aristóteles. (...) A teoria das idéias de Platão tinha como ponto de partida a noção de que todas as espécies animais eram imutáveis, já que cada uma tinha sido criada a partir de um modelo correspondente a uma idéia ou forma eterna. O fato de as espécies serem imutáveis também é uma pedra fundamental na filosofia de Aristóteles. Jostein Gaarder, O mundo de Sofia (Romance da história da filosofia), 33. ed., São Paulo, Companhia das Letras, 1998, p. 432-436. HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 7 Transformar o mundo O opressor só se solidariza com os oprimidos quando seu gesto deixa de ser um gesto piegas e sentimental, de caráter individual, e passa a ser um ato de amor àqueles. Quando, para ele, os oprimidos deixam de ser uma designação abstrata e passam a ser os homens concretos, injustiçados e roubados. Roubados na sua palavra, por isto no seu trabalho comprado, que significa a sua pessoa vendida. Só na plenitude deste ato de amar, na sua existenciação, na sua práxis, se constitui a solidariedade verdadeira. Dizer que os homens são pessoas e, como pessoas, são livres, e nada concretamente fazer para que esta afirmação se objetive, é uma farsa. Da mesma forma como é, em situação concreta – a da opressão – que se instaura a contradição opressor-oprimidos, a superação desta contradição só se pode verificar objetivamente também. Daí, esta exigência radical, tanto para o opressor que se descobre opressor; quanto para os oprimidos que, reconhecendo-se contradição daquele, desvelam o mundo da opressão e percebem os mitos que o alimentam – a radical exigência da transformação da situação concreta que gera opressão. Parece-nos muito claro, não apenas neste, mas noutros momentos do ensaio que ao apresentarmos essa radical exigência – a da transformação objetiva da situação opressora – combatendo um imobilismo subjetivista que transformasse o ter consciência da opressão numa espécie de espera paciente de que um dia a opressão desapareceria por si mesma, não estamos negando o papel da subjetividade na luta pela modificação das estruturas. Não se pode pensar em objetividade sem subjetividade. Não há uma sem a outra, que não podem ser dicotomizadas. (...) Confundir subjetividade com subjetivismo, com psicologismo, e negar-lhe a importância que tem no processo de transformação do mundo, da história, é cair num simplismo ingênuo. É admitir o impos- HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 7 sível: um mundo sem homens, tal qual a outra ingenuidade, a do subjetivismo, que implica em homens sem mundo. Não há um sem os outros, mas ambos em permanente integração. Em Marx, como em nenhum pensador crítico, realista, jamais se encontrará esta dicotomia. O que Marx criticou e cientificamente destruiu, não foi a subjetividade, mas o subjetivismo, o psicologismo. A realidade social, objetiva, que não existe por acaso, mas como produto da ação dos homens, também não se transforma por acaso. Se os homens são os produtores desta realidade e se esta, na “invasão da práxis”, se volta sobre eles e os condiciona, transformar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens. Paulo Freire, Pedagogia do oprimido, 12. ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983, p. 38-39. HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 8 História da Ciência Econômica Em 1936, foi publicado um livro: “Teoria geral do emprego, do juro e da moeda”, de autoria de J. M. Keynes. A publicação deste livro é considerada por muitos como assinalando, na história da ciência econômica, uma data tão importante quanto a de 1776, ou seja, da aparição da “Riqueza das Nações”, de Adam Smith. E outros (...) julgam ser esta obra “das mais penetrantes e significativas escritas a partir de David Ricardo”. Assim também H. Cole a saúda como a obra mais importante depois do “Capital”, de Marx. Certo é que, pelo seu conteúdo, pelos estudos e discursos suscitados, o livro de Keynes abre um novo período na evolução da ciência econômica. E o mesmo se pode dizer em relação à política econômica da nossa época. Vamos tentar, pois, dar uma idéia de conjunto dessa “revolução keynesiana” (...) a) Os clássicos e neoclássicos raciocinaram, com efeito, como se tratasse de uma sociedade na qual todos os trabalhadores encontravam trabalho. Eliminaram deliberadamente a existência do desemprego. E para um mundo econômico, assim, simplificado e deformado, estabeleceram as regras de formação e variação dos preços das mercadorias e serviços (taxa de juro, de salário, de juro, de renda). Keynes julga, pois, necessária uma revisão da teoria dos preços, em função da realidade, isto é, em função de uma economia na qual o pleno emprego não se realiza na maioria das vezes. (...) b) Em segundo lugar, julga Keynes haverem os clássicos apresentado, apenas, uma visão parcial e falsa dos problemas econômicos, ao deixarem de levar em conta, em seus raciocínios, a existência da moeda. (...) E só com Keynes foi que se conseguiu atrair a atenção geral, quer para a importância do fenômeno monetário no equilíbrio econômico, quer ainda para o aspecto dinâmico – e não mais estático – assumido pelos fenômenos econômicos. HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 8 c) Keynes critica a teoria clássica, acoimando-a de “particular”, por uma terceira razão: os clássicos raciocinaram sobre os fenômenos econômicos levando em conta, na maioria das vezes, comportamentos individuais dentro de um quadro econômico deliberadamente limitado. (...) Trata-se, para Keynes, de combater e ultrapassar este ponto de vista microeconômico para considerar o problema em termos mais gerais de “rendimentos globais”, ou seja, raciocinar com base em dados de conjunto. (...) O problema apresentava-se, no espírito de Keynes, da maneira seguinte: considerada uma sociedade em seu conjunto, quantos indivíduos encontrarão trabalho e qual será a quantidade global da produção resultante? (...) Ora, a teoria clássica explicava o equilíbrio dos mercados de trabalho, de capitais e de mercadorias, pelo funcionamento da lei de oferta e da procura: Keynes vai, em seu estudo econômico, tomar por base novos princípios. (...) O estudo teórico levou Keynes a mostrar que os mecanismos autoreguladores, nos quais acreditavam os economistas clássicos, podem falhar e, deixando de funcionar, não serão corrigidos certos desequilíbrios; e, por conseguinte, as situações de subemprego podem prolongar-se por muito tempo, não se verificando a reabsorção. A intervenção do Estado torna-se pois necessária. Keynes acha que a intervenção do Estado deve-se dar de maneira mais ou menos permanente, principalmente sob a forma de uma política de manipulação monetária com o objetivo de atuar sobre os três elementos variáveis acima citados, elementos esses dos quais depende o volume do emprego e da produção. Paul Hugon, História das doutrinas econômicas, 8. ed., São Paulo, Atlas, 1996, p. 446-453. HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 9 Ao se repensar o tempo histórico tendo como referência as relações homem-natureza, pode-se ainda avançar na compreensão das diversas temporalidades vividas pela sociedade e nas formulações das periodizações e marcos de rupturas. Assim como defendia Lévi-Strauss, as grandes transformações irreversíveis da sociedade podem ser basicamente divididas em dois grandes períodos. O primeiro momento desse longo processo foi a revolução agrícola, com a criação da agricultura, responsável por mudanças significativas nas relações entre os homens, a terra e as plantas e animais. O segundo grande momento foi o da revolução industrial dos séculos XVIII e XIX, que introduziu relações entre o homem e os recursos naturais em escala sem precedentes, impondo novo ritmo no processo de transformações e de permanências. Esses dois momentos correspondem à constituição de novas formas de os homens organizarem o tempo, com novos ritmos, e de se organizarem no seu tempo cotidiano: ao longo desse processo, o tempo da natureza foi sendo substituído pelo tempo da fábrica. PCNEM, p. 303-304. HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 10 Agricultores e criadores De caçador a criador, de coletor a agricultor. Grupos humanos sofreram essa transformação em momentos diferentes, com intensidade diversa, em diferentes locais do mundo. Até há pouco tempo, sob a influência do evolucionismo e de um marxismo mal digerido, descreviam-se essas passagens como necessárias e positivas. Hoje já se discute, sob a ótica da antropologia, se a felicidade de um grupo depende do gado confinado e da terra domada. (...) Autores como Pierre Clastres chamam a atenção para mitos que tomaram corpo pela repetição e não pela evidência. Um deles é o de que, necessariamente, a coleta e a caça seriam atividades primitivas porque inseguras, enquanto a agricultura e a criação engendrariam forte sentimento de segurança material. Como todas as falácias, esta é uma meia verdade, uma vez que a agricultura, enquanto atividade do homem na tentativa de submeter a natureza, corre riscos naturais como secas, pragas e enchentes. Por se constituir em riqueza concentrada, a agricultura atraía a cobiça de vizinhos mais preocupados em atividades de guerra do que de organização agrícola. Já um grupo de coletores vivendo em simbiose com a natureza (...) poderia ter uma certeza maior de sua sobrevivência. O que estamos questionando – fique bem claro – é o caráter necessário e positivo da passagem de um tipo de organização “primitivo” para outro tipo mais evoluído. Parece que essas transformações ocorrem em situações concretas que precisam ser estudadas particularmente. (...) Pelos conhecimentos atuais supõe-se que a primeira atividade agrícola tenha ocorrido na região de Jericó, na Cisjordânia (hoje sob a tutela de Israel), num grande oásis junto ao mar Morto, há cerca de 10 mil anos. (...) De qualquer forma, através da difusão ou de movimentos independentes, supõe-se que o fenômeno tenha surgido também na Índia (há 8 mil anos), na China (7 mil), na Europa (6.500), na África tropical (5 mil) e nas Américas (4.500). HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 10 Os produtos cultivados variavam de região para região, com a natural predominância de espécies nativas, como os cereais (trigo e cevada), o milho, raízes (batata-doce e mandioca) e o arroz principalmente. Uma vez iniciada a atividade, o homem foi aprendendo a selecionar as melhores plantas para a semeadura e a promover o enxerto de variedades, de modo a produzir grãos maiores e mais nutritivos do que os selvagens. Por que se fala em revolução agrícola? Porque o impacto da nova atividade na história do homem foi enorme. E não se trata apenas de mera questão acadêmica, mas de algo muito real e palpável como o próprio número de seres humanos sobre a face da Terra. De fato, nos sistemas de caça e coleta estabelece-se um controle demográfico resultante da limitação da oferta de alimentos. Não é devido a que não existam alimentos na natureza, mas devido a que sua obtenção torna-se extremamente mais complicada para grandes grupos. (...) Não se pode pensar em agricultores “respeitando” a cultura de coletores, aceitando seu próprio desenvolvimento sócio-econômico, aguardando que o crescimento de suas forças produtivas os levasse a se tornarem também plantadores e criadores... Como toda grande revolução da humanidade, esta também teve seus arautos e corifeus, bem como sua massa de cooptados e subjugados. A revolução agrícola torna-se quase irresistível. Seu avanço, a partir de poucos focos difusores, atinge áreas cada vez mais extensas, cercadas por contornos marginais, como diz Darcy Ribeiro. Esses contornos vão diminuindo a ponto de se tornarem simples pontos esquecidos pelo avanço da História. Isso é bom? Isso é mau? O fato é que a revolução agrícola paulatinamente destrói formas de existência anteriores, e os povos que se mantêm coletores são poucos e facilmente assimiláveis às idéias da revolução quando atingidos. Jaime Pinsky, As primeiras civilizações, 9. ed., São Paulo, Atual, 1991, p. 30-35. HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 11 Revolução Industrial Veja o caso da revolução industrial. É um fenômeno que não se produz no cume da economia, mas bastante embaixo e algumas vezes muito embaixo. A revolução têxtil organiza-se quase sozinha, autofinancia-se, e é só por volta de 1830 que o capitalismo londrino porá as mãos na indústria têxtil. Quando ele percebe que o têxtil não rende mais suficientemente, o abandonará para trabalhar com estradas de ferro. O que caracteriza para mim o jogo superior da economia é a possibilidade de passar de um monopólio para outro. Paul Fabra acaba de me lembrar que o longo prazo me interessa. Não é porque eu me interesso por ele que o longo prazo é de um valor excepcional, mas porque ele é a história profunda da humanidade, e que é em relação a essa história profunda que toda a história se estrutura. O longo prazo são os eixos de coordenadas que tracei, e é em relação a ele que proporei este ou aquele problema. Perde-se o monopólio? Não faz mal, acha-se outro. É a morte do capitalismo do avô e do pai, mas não do capitalismo do filho ou do neto. (...) A revolução industrial, a do século XVIII, é uma verdadeira revolução porque ela pôs em órbita uma revolução depois da outra. Em outras palavras, só há revolução quando a inovação é tal que acarreta uma sucessão de inovações. Os moinhos de vento e os moinhos hidráulicos [na Idade Média] foram reproduzidos e aperfeiçoados, mas a “revolução” não progrediu. É como se hoje ficássemos parados nas inovações do trabalho dos têxteis na Inglaterra ou então na fundição a coque. Mas a revolução industrial do século XVIII não desemboca num equilíbrio qualquer; o equilíbrio se rompe quase que sozinho. (...) O cabresto de atrelagem, o arreio, ou o leme de cadaste não são iniciativas coerentes que criam um mundo econômico novo. HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 11 Só existe, em minha opinião, verdadeira revolução industrial, quando esta é suficientemente poderosa não só para romper um equilíbrio antigo, mas também para abrir a porta a uma dinâmica de transformação. Uma lição de história de Fernand Braudel, Rio de Janeiro, Zahar, 1989, p. 113-115. HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 12 1. A virgem, de Sandro Botticelli (século XV) 2. Família de imigrantes 3. Família Matarazzo 1 HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 12 4. Família moderna (revista Caras) 5. Casal moderno (revista Veja, pesquisa comportamento) 6. Índia (foto Milton Guran) 2 HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 12 7. Reunião no Parque, de Jean Baptiste J. Pater (século XVIII) 8. Comemoração em família (século XIX-XX?) 9. Festa hoje (Caxorro Loco) 3 HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 12 10. Mulheres no Carnaval (século XX) 11. Carnaval hoje (cartoon) 12. Trabalho da mulher em pintura de Pedro Bruno (século XIX) 13. Mulher moderna (revista Casa Cláudia) 4 HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 12 14. Mulher e a moda 15. Modelo em pintura de Jean-Marc Nattier (século XVIII) 16. Onde eu estaria feliz, de Di Cavalcanti (século XX) 5 HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 12 17. Garota do calendário (Pirelli) 18. Sensualidade moderna 6 HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 13 Moda e progresso E essas transformações rápidas, profundas, radicais e contínuas são características do mundo a partir do final do século XVIII, e especialmente a partir da segunda metade do século XX. Tal inovação é agora tão geral e evidente que é considerada regra básica, particularmente em sociedades como a dos EUA, cuja história, em sua maior parte, transcorre na era das transformações revolucionárias constantes, e pelo jovem em tais sociedades, para quem – em vários momentos de seu desenvolvimento – tudo é, de fato, uma nova descoberta. Nesse sentido todos nós crescemos como Colombo. Uma das funções menores dos historiadores é mostrar que a inovação não é e não pode ser absolutamente universal. Nenhum historiador dará um segundo de crédito à afirmação de que alguém hoje de algum modo descobriu um jeito absolutamente novo de desfrutar do sexo, um pseudo “ponto G” que era anteriormente desconhecido da humanidade. Dado o número finito de coisas que podem ser feitas entre parceiros sexuais de qualquer espécie, a extensão de tempo e o número de pessoas que a esteve praticando na face da Terra, e o interesse persistente dos seres humanos em explorar o assunto, pode-se supor seguramente que a novidade absoluta esteja fora de questão. As práticas sexuais e as atitudes diante das mesmas certamente mudam, tal como a roupagem e o cenário do que freqüentemente é uma forma de teatro particular de alcova de simbolismo social e biográfico. Por razões óbvias, o sadomasoquismo na indumentária motociclística não poderia fazer parte desse simbolismo no tempo da rainha Vitória. Provavelmente o ciclo da moda sexual muda hoje mais rapidamente que no passado, como todos os outros ciclos da moda. Mas a história é uma advertência útil contra a confusão entre moda e progresso. Eric Hobsbawm, Sobre história: ensaios, São Paulo, Companhia das Letras, 1998, p. 41-42. HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 14 O que é mito A definição de dicionário seria: História sobre deuses. Isso obriga a fazer a pergunta seguinte: Que é um deus? Um deus é a personificação de um poder motivador ou de um sistema de valores que funciona para a vida humana e para o universo – os poderes de seu próprio corpo e da natureza. Os mitos são metáforas da potencialidade espiritual do ser humano, e os mesmos poderes que animam nossa vida animam a vida do mundo. Mas há também mitos e deuses que têm a ver com sociedades específicas ou com deidades tutelares da sociedade. Em outras palavras, há duas espécies totalmente diferentes de mitologia. Há a mitologia que relaciona você com sua própria natureza e com o mundo natural, de que você é parte. E há a mitologia estritamente sociológica que liga você a uma sociedade particular. Você não é apenas um homem natural, é membro de um grupo particular. Na história da mitologia européia é possível ver a interação desses dois sistemas. No geral, o sistema socialmente orientado é o de um povo nômade, que se move erraticamente, para que você aprenda que o seu centro se localiza nesse grupo. A mitologia orientada para a natureza seria a de um povo que se dedica ao cultivo da terra. Joseph Campbell, O poder do mito, 5. ed., São Paulo, Palas Athena, 1993, p. 23-25. HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 15 A religião acabou? Houve um tempo em que os descrentes, sem amor a deus e sem religião, eram raros. Tão raros que eles mesmos se espantavam com a sua descrença e a escondiam, como se ela fosse uma peste contagiosa. E de fato o era. Tanto assim que não foram poucos os que foram queimados na fogueira, para que sua desgraça não contaminasse os inocentes. Todos eram educados para ver e ouvir as coisas do mundo religioso, e a conversa cotidiana, este tênue fio que sustenta as visões de mundo, confirmava, por meio de relatos de milagres, aparições, visões, experiências místicas, divinas e demoníacas, que este é um universo encantado e maravilhoso no qual, por detrás e através de cada coisa e cada evento, se esconde e se revela o poder espiritual. O canto gregoriano, a música de Bach, as telas de Hieronymous Bosch e Pieter Bruegel, a catedral gótica, a Divina Comédia, todas estas obras são expressões de um mundo que vivia a vida temporal sob a luz das trevas e da eternidade. O universo físico se estruturava em torno do drama da alma humana. E talvez seja esta a marca de todas as religiões, por mais longínquas que estejam uma das outras: o esforço para pensar a realidade toda a partir da exigência de que a vida faça sentido. Mas alguma coisa ocorreu. Quebrou-se o encanto. O céu, morada de Deus e dos santos, ficou de repente vazio. Virgens não aparecem mais em grutas. Milagres se tornaram cada vez mais raros, e passaram a ocorrer sempre em lugares distantes com pessoas desconhecidas. A ciência e a tecnologia avançaram triunfalmente, construindo um mundo em que Deus não era necessário como hipótese de trabalho. Rubem Alves, O que é religião, 6. ed., São Paulo, Brasiliense, 1984, p. 7-8. HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 16 Caçadores e consumidores Ora, o sistema típico dos povos caçadores – que passam o tempo todo matando e comendo animais e não sentem como nós que o animal é uma forma inferior de vida – admite ser o animal uma forma equivalente à humana, só que sob um aspecto diferente; o animal é reverenciado, respeitado e, não obstante, morto. Segundo o tema mítico básico das culturas caçadoras, a morte do animal é um sacrifício autoconsentido. Ele aceita ser morto. Isso pode ser encontrado em todos os mitos. É com sentimento de compreensão e gratidão que o animal marcha para a morte, numa cerimônia que lhe permitirá regressar à fonte materna a fim de renascer no ano seguinte. É como se houvesse um pacto entre o animal e as comunidades humanas no sentido de respeitar o mistério da natureza: é matando, e só matando, que a vida existe. (...) Hoje em dia, não somos nós que matamos os animais que comemos. Para isso temos os açougueiros, e a carne nos chega às mãos muito bem embalada, particularmente nos shopping centers. Vemos as pessoas separando este ou aquele pedaço e dizendo, “Vou levar este”. É uma atitude diferente. Aquela gente agradecia ao animal por ele se entregar. Nós agradecemos à nossa noção de divindade por propiciar-nos esse alimento. É uma psicologia de todo em todo diferente. A psicologia primitiva é a da vida consumindo-se a si mesma em suas várias manifestações. No norte do Japão, em Hokkaido, ainda subsiste uma raça de indivíduos caucasóides (...). São conhecidos como os Aino, e seu culto principal é o do urso. Isto acontece hoje, passados quarenta ou sessenta mil anos. O conservadorismo do homem primitivo é fundamental. Mudar uma forma, até mesmo a de utensílio, é como perder sua força. Joseph Campbell, As transformações do mito através do tempo, São Paulo, Cultrix, 1990, p. 16-17. HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 17 Mudança das coisas sagradas Para os medievais não havia fantasia alguma. Seu mundo era sólido, constituído por fatos, comprovados por inúmeras evidências e além de quaisquer dúvidas. Sua atitude para com o mundo era idêntica a nossa atitude para com o nosso. Como eles somos incapazes de reconhecer o que de fantasioso existe naquilo que julgamos ser terreno sólido, terra firme. E o que é fascinante é que uma civilização construída com as fantasias tenha sobrevivido por tantos séculos. E nela os homens viveram, trabalharam, lutaram, construíram cidades, fizeram música, pintaram quadros, ergueram catedrais... Curioso este poder das fantasias para construir teias fortes bastante para que nelas os homens se abriguem. (...) Aqueles que duvidam ou propõem novos sistemas de idéias, ou são loucos ou são ignorantes, ou são iconoclastas irreverentes. Aconteceu, entretanto, que aos poucos, mas de forma constante, progressiva, crescente, os homens começaram a fazer coisas não previstas no receituário religioso. Não eram aqueles que ficavam na cúpula da hierarquia sagrada que as faziam. E nem aqueles que estavam condenados aos seus subterrâneos. Os que estão em cima raramente empreendem coisas diferentes. Não lhes interessa mudar as coisas. O poder e a riqueza são benevolentes para com aqueles que os possuem. E os que se acham muito por baixo, esmagados ao peso da situação, gastam suas poucas energias na simples luta por um pouco de pão. (...) Foi de uma classe social que se encontrava no meio que surgiu uma nova e subversiva atividade econômica, que corroeu as coisas e os símbolos do mundo medieval. Em oposição aos cidadãos do mundo sagrado, que haviam criado símbolos que lhes permitissem compreender a realidade como um drama e visualizar seu lugar dentro de sua trama, à nova classe interessavam atividades como produzir, comerciar, racionalizar o trabalho, viajar para descobrir novos mercados, obter lucros, criar riquezas. HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 17 E, se os primeiros se definiam em termos de marcas divinas que possuíam por nascimento, os últimos afirmavam: “Por nascimento nada somos. Nós nos fizemos. Somos o que produzimos”. (...) E silenciosamente a burguesia triunfante escreve o epitáfio da ordem sacral agonizante: “os religiosos, até agora, têm buscado entender a natureza; mas o que importa não é entender, mas transformar”. Rubem Alves, O que é religião, 6. ed., São Paulo, Brasiliense, 1984, p. 42-45. HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 18 Desenvolvimento de religiões CAMPBELL: ... ao se defrontar com uma nova mitologia em que a metáfora para o mistério é o pai, você terá um conjunto de sinais diferentes do que teria se a metáfora para a sabedoria e mistério do mundo fosse a mãe. E ambas são metáforas perfeitamente adequadas. Nenhuma delas é um fato. São metáforas (...). MOYERS: Mas alguns dos grandes santos não se aproveitaram de todas as fontes à sua disposição? Tiraram daqui e dali e construíram um novo programa. CAMPBELL: Isso é o que se chama desenvolvimento de uma religião. É como se vê na Bíblia. No início, Deus era apenas o mais poderoso entre vários deuses. Era apenas um deus tribal, circunscrito. Então, no século VI, quando os judeus estavam na Babilônia, foi introduzida a noção de um Salvador do mundo, e a divindade bíblica migrou para uma nova dimensão. A única maneira de conservar uma velha tradição é renová-la em função das circunstâncias da época. No tempo do Velho Testamento, o mundo era um pequeno bolo de três camadas, que consistia de algumas centenas de milhas em torno dos centros do Oriente Próximo. Ninguém tinha ouvido falar dos astecas ou dos chineses. Quando o mundo se altera, a religião tem de se transformar. (...) MOYERS: Você conta uma história sobre um selvagem nativo, que uma vez disse a um missionário: “Seu deus se mantém fechado numa casa como se fosse um velho decrépito. O nosso está na floresta, nos campos, e nas montanhas quando vem a chuva” (...) CAMPBELL: ... esse é um problema que você encontra no Livro dos Reis e em Samuel. Os vários reis hebreus realizavam sacrifícios no topo das montanhas. Eles estavam errados, na opinião de Jeová. Na comunidade hebraica o culto a Jeová foi um movimento específico, que finalmente prevaleceu. Foi o esforço decisivo de um certo deus na periferia do templo contra o culto da natureza, que era celebrado em toda a parte. HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 18 Essa investida imperialística de um certo segmento da cultura se prolongou no Ocidente. Mas agora ela precisa abrir-se à natureza das coisas... Joseph Campbell, O poder do mito, 5. ed., São Paulo, Palas Athena, 1993, p. 21-22. HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 19 Raízes do cristianismo ... veremos como o cristianismo pouco a pouco foi se infiltrando no mundo greco-romano (...). Jesus era judeu e os judeus pertencem ao ciclo cultural semita. Os gregos e os romanos pertencem ao ciclo cultural indo-europeu. Podemos constatar, então, que a civilização européia tem duas raízes (...). Chamamos de indo-europeus todos os países e culturas nos quais são faladas as línguas indo-européias. (...) Os indo-europeus primitivos viveram há mais ou menos quatro mil anos, provavelmente nas proximidades do mar Negro e do mar Cáspio. Dali saíram em grandes levas para o sudeste (...). Tanto os antigos livros sagrados da Índia, os Vedas, quanto os escritos da filosofia grega (...) foram escritos em línguas de uma mesma família. Mas não são apenas as línguas que se parecem. Às línguas aparentadas pertencem também pensamentos aparentados. Por esta razão é que falamos de um círculo cultural indo-europeu. (...) Um ponto comum típico é o fato de elas conceberem o mundo como um imenso palco, no qual se desenrola o drama da luta incessante entre as forças do bem e as forças do mal. (...) Por fim, os indoeuropeus tinham uma visão cíclica da história. Isto significa que para eles (...) Não há, portanto, um verdadeiro começo para a história, assim como também não haverá um fim. (...) Os primeiros semitas são originários da península da Arábia, mas o círculo cultural semita também se expandiu para extensas e diferentes partes do mundo. (...) As três religiões ocidentais – o judaísmo, o cristianismo e o islamismo – têm um pano de fundo semita. (...) Outro traço comum semita é a sua visão linear da história (...): Deus criou o mundo e com isto começou a história. Um dia porém a história vai acabar e isto vai acontecer no dia do Juízo final (...). Podemos dizer que a Igreja cristã começa nesta manhã de Páscoa com os boatos sobre a ressurreição de Jesus. O próprio Paulo dei- HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 19 xa isto claro: “Pois se Cristo não ressuscitou, então todo o nosso sermão é vão; e vã toda a vossa crença”. A partir de então, todas as pessoas podiam ter esperança na “ressurreição da carne”. Para nos redimir, Jesus teria sido crucificado. (...) atente bem para o fato de que em solo judeu não se falava em “imortalidade da alma” nem em qualquer forma de “transmigração”. Estes eram conceitos gregos e, portanto, indo-europeus. Jostein Gaarder, O mundo de Sofia (Romance da história da filosofia), 33. ed., São Paulo, Companhia das Letras, 1998, p. 166-177. HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 20 Texto 1 Caminhos dos direitos O caminho contínuo, ainda que várias vezes interrompido, da concepção individualista da sociedade procede lentamente, indo do reconhecimento dos direitos do cidadão de cada Estado até o reconhecimento dos direitos do cidadão do mundo, cujo primeiro anúncio foi a Declaração Universal dos Direitos do Homem; a partir do direito interno de cada Estado, através do direito entre os outros Estados, até o direito cosmopolita (...). Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas (...). A liberdade religiosa é um efeito das guerras de religião; as liberdades civis, da luta dos parlamentos contra soberanos absolutos; a liberdade política e as liberdades sociais, do nascimento, crescimento e amadurecimento do movimento dos trabalhadores assalariados, dos camponeses com pouca ou nenhuma terra, dos pobres que exigem dos poderes públicos não só o reconhecimento da liberdade pessoal e das liberdades negativas, mas também a proteção do trabalho contra o desemprego, os primeiros rudimentos de instrução contra o analfabetismo, depois a assistência para a invalidez e a velhice, todas elas carecimentos que os ricos proprietários podiam satisfazer por si mesmos. Ao lado dos direitos sociais, que foram chamados de direitos de segunda geração, emergiram hoje os chamados direitos de terceira geração, que constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente heterogênea e vaga, o que nos impede de compreender do que efetivamente se trata. O mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído. Mas já se apresentam novas exigências que só pode- 1 HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 20 riam chamar-se de direitos de quarta geração, referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo. Quais são os limites dessa possível (...) manipulação? Mais uma prova, se isso ainda fosse necessário, de que os direitos não nascem todos de uma vez. Nascem quando devem ou podem nascer. Nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem – que acompanha inevitavelmente o progresso técnico, isto é, o progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e os outros homens – ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo, ou permite novos remédios para as suas indigências: ameaças que são enfrentadas através de demandas de limitações do poder; remédios que são providenciados através da exigência de que o mesmo poder intervenha de modo protetor. Às primeiras correspondem os direitos de liberdade, ou um não-agir do Estado; aos segundos, os direitos sociais, ou uma ação positiva do Estado. Embora as exigências de direitos possam estar dispostas cronologicamente em diversas fases ou gerações, suas espécies são sempre – com relação aos poderes constituídos – apenas duas: ou impedir malefícios de tais poderes ou obter seus benefícios. Norberto Bobbio, A era dos direitos, Rio de Janeiro, Campus, 1992, p. 7. Texto 2 Entrevista com a historiadora Michelle Perrot, professora de História Contemporânea da Universidade de Paris VII E – Que papel teve a Revolução [Francesa] na mudança da vida cotidiana? Essas mudanças foram mais numerosas para os homens ou para as mulheres? MP – Os acontecimentos revolucionários influenciaram, como é óbvio, a vida cotidiana das pessoas. Examinemos o problema da vida material, a questão do pão, a questão do aumento dos preços. Muito bem, as mulheres sobre as quais recaía a responsabilidade do andamen- 2 HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 20 to da vida familiar foram com muitas probabilidades mais atingidas na sua vida cotidiana que os homens. Quando se mobilizam, principalmente nas grandes cidades, o fazem justamente por causa de problemas desse tipo. Depois há a questão do trabalho. O trabalho artesanal, no qual eram empregados homens e mulheres, sofreu mudanças de todo tipo durante a Revolução, sobretudo nas cidades. Como em todo período de crise econômica e social, as mulheres foram induzidas a trabalhar mais para complementar salários familiares. Outro exemplo: o problema da vida espiritual, da religião. Na França, no fim do século XVIII, as mulheres eram mais ligadas à Igreja do que os homens. Para elas, foi dramático assistir às perseguições de padres e freiras. E – E os homens? MP – Penso que para os homens a oportunidade maior consistiu num acréscimo da sua participação na vida pública, através de manifestações, clubes, alistamento na guarda nacional e nos exércitos. Os homens eram sem dúvida nenhuma mais participantes do que as mulheres. Por certo as mulheres ganharam um espaço público que não existia antes da Revolução. Contudo a participação ativa na vida pública foi característica de uma minoria, e esta minoria teve, bem cedo, de enfrentar a hostilidade dos homens. E – Os revolucionários eram muito machistas? MP – Sim, salvo algumas exceções, entre as quais poderia citar Condorcet. Em 1792, isto é, no momento de maior impulso revolucionário, os clubes femininos são fechados e as mulheres confinadas ao seu papel de mães e donas-de-casa. A historiadora Mona Ozouf demonstrou que, quando no inverno de 1794 as mulheres tentaram desempenhar um papel ativo nas festas, isso foi visto como ameaça. A festa revolucionária era sempre uma festa extremamente organizada. Queria-se que as várias idades da vida, os sexos, as mães, os filhos, respeitassem os seus papéis. Quando muito, as mulheres podiam assumir o papel emblemático de encarnar a Deusa Razão, ou a Liberdade. 3 HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 20 E – Considerando o papel determinante assumido pelas mulheres em alguns dias revolucionários, pode-se dizer que também durante a Revolução Francesa desenvolve-se um roteiro clássico, pelo qual a mulher aparece muito nos momentos iniciais para ser marginalizada na fase de assentamento? MP – A Revolução Francesa não foge a esse modelo, aliás, é o seu cenário primitivo. Afinal, todas as revoluções do século XIX irão inspirar-se na Revolução Francesa. Quase sempre, o esquema se repete: num primeiro momento, um alistamento de mulheres, um apelo às mulheres; depois, quando a situação se estabiliza, pede-se a elas que retornem a seu lugar. (...) E – Acredita que existem valores proclamados pela Revolução e que, mesmo não realizados, permanecem válidos ainda nestes dias? MP – Certo. Aquela grande conquista, que são os direitos do homem, é ainda incompleta. Por exemplo, no campo das relações entre os sexos, das relações sociais, das relações étnicas. Se considerarmos que a Revolução Francesa proclamou que os judeus eram cidadãos como todos os outros, e que atualmente vemos renascer os discursos sobre o anti-semitismo... Ainda: os direitos do homem não são certamente aplicados nas prisões. Em outras palavras, eu penso que os direitos do homem são um texto cujos efeitos práticos não foram ainda obtidos. (...) In Isto É-Senhor, A Revolução Francesa – 1789/1799, São Paulo, Editora Três, 1989, p. 66-67. 4 HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 21 Relacione os fatos abaixo com as respectivas interpretações/explicações. A) Independência do Brasil B) Proclamação da República brasileira C) Revolução de 1930 D) Ditadura militar 1. ( ) “Quanto ao povo, este não participou do processo de articulação (...) porque era marginalizado pela aristocracia, que não admitia manifestações populares na política brasileira.” 2. ( ) “Mas os efeitos negativos desse processo recaíram sobretudo na classe trabalhadora (...)” 3. ( ) “Muitos cidadãos só souberam da instalação do novo regime através de jornais (...) pois o golpe (...) que resultou na queda do governo (...) ocorreu na madrugada (...)” 4. ( ) “… continuaram porém a conspirar contra o regime. Estavam descrentes de poder mudar as instituições brasileiras pelo voto.” HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 22 Texto 1 A boa nova Com relação a prognósticos, os historiadores tendem a seguir o conselho do mestre Vicente Mateus: “Esse negócio de previsão não está com nada, principalmente quando fala do futuro”. Por outro lado, é inegável que o estudo da história é um instrumento precioso quando se pretende compreender tendências e processos que estão em andamento. Por aí se delineia um panorama visível. O século 20 assinalou um desdobramento e a aceleração da revolução científico-tecnológica iniciada em fins do 19. Graças à introdução de novos potenciais energéticos, basicamente a eletricidade e os derivados de petróleo, ocorreu um salto tecnológico de tal magnitude que se iniciou uma nova era, dando origem ao mundo tal como o conhecemos. Esse processo contínuo de mudança técnica foi ainda mais intensificado pela atual Revolução da Microeletrônica. Assim, se tomarmos como base o ano de 1975, quando os circuitos integrados alcançaram o pico de 12 mil componentes, ocorreu uma mutação técnica de impacto explosivo. Ou seja, atingido um limiar máximo de densidade para um circuito integrado, esse equipamento era então utilizado para produzir circuitos mais densos ainda, numa cadeia de transformações cumulativas que se alimentam sucessivamente. Segundo uma lei clássica da engenharia, cada decuplicação da capacidade de um sistema constitui uma mudança qualitativa de teor revolucionário. O que significa que desde 75 passamos por algo como dez revoluções tecnológicas sucessivas no espaço de duas décadas, algo jamais visto na história da humanidade e que nos deixa, às portas do século 21, no limiar de uma mudança de paradigmas técnicos e científicos, capaz de reformular todo o conhecimento acumulado até aqui. 1 HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 22 O lado mais perverso dessa história foi o modo como ela foi enredada pelo processo de mudança política e econômica, encabeçado pelas lideranças conservadoras que ascenderam à cena em meio à crise do petróleo de meados dos anos 70. Decidiu-se abandonar o padrão-ouro como base do mecanismo de sustentação cambial, provocando um efeito de liberalização dos mercados que logo se difundiu para as demais economias desenvolvidas. Essas medidas geraram novos fluxos de capital que, vendo-se agora livres dos controles tradicionais, se voltaram para oportunidades de investimento no mercado mundial, superando os limites antes representados pelas fronteiras nacionais. Foi o que desencadeou o processo chamado de globalização. Ocorrendo em paralelo com a Revolução da Microeletrônica, ele adquiriu uma dinâmica avassaladora, consolidada pela rede de satélites e a rede de computadores. Os maiores beneficiados foram dois. Em primeiro lugar, os capitais financeiros, que passaram a atuar num ciclo de 24 horas, transferindo volumes fabulosos de recursos de uma parte a outra do planeta pelo toque de uma tecla de computador ou de telefone celular. Em segundo lugar, foram as grandes corporações, capazes agora de mover suas instalações e recursos por todo o planeta, em busca das melhores vantagens. Os grandes perdedores foram os Estados nacionais, as sociedades baseadas em sistemas de bem-estar social e o ambiente. Capitais especulativos e grandes corporações se viram fortalecidos a ponto de demandar Estados que se limitem a controlar a inflação e o Orçamento, sociedades destituídas de sindicatos, leis trabalhistas e garantias sociais e recursos naturais isentos de legislação ambiental. Resultado: mais desigualdade, desemprego, miséria, violência, devastação. Dessa perspectiva, qualquer olhar para o futuro revela um horizonte sombrio, senão sinistro. 2 HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 22 Blocos regionais Para uma melhor compreensão desse novo contexto, é preciso notar que a redução do papel e da ação dos Estados nacionais, no geral, não significa o fim da polarização exercida por alguns deles. Muito pelo contrário. As grandes potências tendem a ampliar o seu âmbito de ação, na proporção direta em que outros Estados são absorvidos sob sua esfera de influência. Esse processo é claro na tendência à formação dos blocos regionais. Por exemplo, o bloco europeu, capitaneado pelos “três grandes”, Alemanha, França e Reino Unido. Ou o bloco americano, centrado nos Estados Unidos. Pode-se projetar a médio prazo o bloco europeu absorvendo os países do leste e da bacia mediterrânea, assim como se percebe os Estados Unidos catalisando todo o continente, do Alasca à Patagônia. No Oriente, o quadro é mais tenso. Há pelo menos quatro focos independentes. A Rússia, com seus vastos recursos naturais e o anseio de preservar seu status de potência militar. O Japão, com sua economia sofisticada e a condição de articulador da diplomacia ocidental na região. A Índia, em meio às disparidades regionais, com uma sábia prioridade em educação e know-how. A China, a única ostentando um crescimento de dois dígitos na última década, com uma agenda econômica e tecnológica agressiva, contando com a sofisticação financeira de Hong Kong e, possivelmente, Taiwan, terá cartadas cada vez mais decisivas no jogo internacional. “Soft power” Mas o fato fundamental é que nenhum desses Estados asiáticos nem a Europa podem abrir mão do mercado norte-americano, e que suas relações são melhores com os Estados Unidos do que entre si. Nesse sentido os americanos adentram ao século 21 numa con- 3 HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 22 dição ainda mais privilegiada do que aquela que desfrutaram no 20. Não se confunda essa tendência com a clássica noção do imperialismo. Naquele caso o elemento decisivo era o poder militar, o “big stick”. Na nova situação o que se configura é o “soft power”, a capacidade de seduzir os subordinados com imagens, promessas e expectativas de uma prosperidade promovida como crescente e infinita. É a sociedade do espetáculo em escala global, representando a desigualdade como o show da vida. De forma que, se o equilíbrio do terror, ainda baseado nas armas nucleares, e o equilíbrio das conveniências, baseado no “soft power”, atuam como forças estabilizadoras, o elemento explosivo é representado pelos grandes contingentes humanos relegados para as margens e para fora do maná providencial do mercado. Essa tendência à concentração das riquezas, maximização das desigualdades e a conseqüente deterioração ambiental constituirá o maior desafio do século 21. Um dos aspectos mais dramáticos desse problema se refere à urbanização. Pela primeira vez na história da humanidade, as populações urbanas serão superiores às rurais. Hoje cerca de 1,5 bilhão de pessoas vivem nas cidades, mas em 2025 serão cerca de 4,2 bilhões. Ou seja, 3 de cada 5 seres humanos. Esse crescimento se concentrará nas metrópoles dos países subdesenvolvidos. O dado estarrecedor é: a região mais urbanizada do mundo será a América Latina, onde 85% da população viverá nas cidades. Avalie os problemas atuais de cidades como Rio ou São Paulo e faça as multiplicações. São más notícias? Sim. Mas passado o choque, talvez a consciência da gravidade da situação ajude a nos tirar do estado de apatia ou conformismo que a complexidade das tecnologias e o conservadorismo da política tendem a nos incutir. A boa nova é justamente o surgimento, na última década, da geração de “refuseniks” que, em estado de franca rebeldia, insistem para que as prioridades desse mundo globalizado voltem a se centrar nos homens, na natureza e na solidariedade. 4 Nicolau Sevcenko, in Folha de S. Paulo, 31/12/2000. HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 22 Texto 2 Rupturas e transformações Fernand Braudel foi quem melhor desenvolveu a idéia de que todo o acontecimento histórico pertence simultaneamente a pelo menos três tempos distintos: o episódico, o conjuntural e o da “longa duração”, que dá aos demais seu sentido último. O tempo conjuntural tem uma dinâmica cíclica, enquanto as estruturas de longue durée possuem uma vida tão longa que atravessam uma infinidade de gerações, estabelecendo as coordenadas que definem, em última instância, os espaços geográficos, econômicos e culturais em que vive a espécie humana. “Para o observador social, este tempo é primordial, posto que ainda mais significativos que as estruturas profundas da vida são os seus pontos de ruptura, a sua brusca ou lenta deterioração…” ( Braudel, 1972, p. 53). O “tempo longo” do universo em que o Brasil constituiu-se como Estado-nação é o mesmo da modernidade capitalista européia e da expansão imperial dos seus estados territoriais, mas seu futuro imediato, no contexto internacional, ocorrerá dentro de um tempo conjuntural que foi inaugurado com o fim da Segunda Guerra Mundial, passando por um “ponto de ruptura” decisivo que começou no fim da década de 60. Entre 1968 e 73, ocorreu um verdadeiro cluster de decisões e acontecimentos, cujas conseqüências mais duradouras acabaram mudando a face do sistema capitalista e as coordenadas em que se dará, neste novo século, a disputa entre povos, Estados e nações pelo poder e riqueza mundiais. É o momento em que se somam e multiplicam a escalada dos conflitos sociais nos países centrais; a vitória de várias lutas de libertação nacional na periferia da “ordem americana”; e a “indisciplina” dos capitais privados em fuga na direção do euromercado de dólares, com o questionamento da política in- 5 HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 22 ternacional norte-americana por parte de seus principais aliados europeus e asiáticos. Foram estes fatos e a resposta a estes desafios que estão na origem das mudanças responsáveis por esta “segunda grande transformação” da ordem capitalista que se cristalizou nos últimos 25 anos do século XX. José Luís Fiori, “O Brasil no espaço”, Teoria e Debate, ano 13, n. 44, p. 19-20, abr./maio/jun. 2000. 6 HISTÓRIA - Módulo 2 Anexo 23 (...) o ensino de História, desenvolvido por meio de atividades específicas com as diferentes temporalidades, especialmente da conjuntura e da longa duração, pode favorecer a reavaliação dos valores do mundo de hoje, a distinção de diferentes ritmos de transformações históricas, o redimensionamento do presente na continuidade com os processos que o formaram e a construção de identidades com as gerações passadas. PCNEM, p. 306. HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 1 Texto1 Deus não pode mudar o passado mas os historiadores podem. Samuel Butler, escritor inglês (1835-1902) Texto 2 Ora, a história é a matéria-prima para as ideologias nacionalistas ou étnicas ou fundamentalistas, tal como as papoulas são a matéria-prima para o vício da heroína. O passado é um elemento essencial, talvez o elemento essencial nessas ideologias. Se não há nenhum passado satisfatório, sempre é possível inventá-lo. De fato, na natureza das coisas não costuma haver nenhum passado completamente satisfatório, porque o fenômeno que essas ideologias pretendem justificar não é antigo ou eterno mas historicamente novo. Isso é válido tanto para o fundamentalismo religioso em suas versões atuais – a versão do aiatolá Khomeini de um estado islâmico não é anterior ao início dos anos 70 – quanto para o nacionalismo contemporâneo. O passado legitima. O passado fornece um pano de fundo mais glorioso a um presente que não tem muito o que comemorar. Eu me lembro de ter visto em algum lugar um estudo sobre a civilização antiga das cidades do vale do Indus com o título Cinco mil anos de Paquistão. O Paquistão nem mesmo era cogitado antes de 1932-3, quando o nome foi inventado por alguns militantes estudantis. Apenas se tornou uma demanda séria a partir de 1940. Como Estado apenas existiu a partir de 1947. Não há nenhuma evidência de haver mais conexão entre a civilização de Mohenjo Daro e os atuais governantes de Islamabad que entre a Guerra de Tróia e o governo de Ancara, que no momento reivindica o retorno, ainda que apenas para a exibição pública, do tesouro de Schliemann do rei Príamo de Tróia. Mas de certo modo, 5 mil anos de Paquistão soam melhor do que 46 anos de Paquistão. 1 HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 1 Nessa situação os historiadores se vêem no inesperado papel de atores políticos. Eu costumava pensar que a profissão de historiador, ao contrário, digamos, da de físico nuclear, não pudesse, pelo menos, produzir danos. Agora sei que pode. Eric Hobsbawm, Sobre história: ensaios, São Paulo, Companhia das Letras, 1998, p. 17. Texto 3 Além das histórias escritas, as comunidades relembram o seu passado através da construção espontânea de uma memória coletiva, que se manifesta por meio de comportamentos, de condutas e de rituais, vivos e abertos à reconstrução permanente da lembrança e do esquecimento. (...) A tendência nas sociedades urbanas e industriais é a predominância da história escrita sobre a memória e o desaparecimento progressivo das manifestações espontâneas e lembranças coletivas. (...) Nessas sociedades complexas, a identidade coletiva, constituída através da memória, é substituída por lugares de memória (museus, bibliotecas, espaços culturais, galerias, arquivos...) ou por uma “grande história”, a história da nação, que pretende unir todos através de uma trajetória comum. E as datas comemorativas nacionais são marcos históricos do que se considera uma “grande história”, escrita por determinados grupos sociais (...) como sendo elas representantes de um passado glorioso, que deve ser valorizado por toda uma nação. Antônia Terra F. Calazans, “História e memória”, in Jornal Bolando Aula de História, n. 13, maio 1999. Texto 4 A viagem de Cabral suscita, pelo menos, dois problemas: O primeiro, muito discutido, é que a tradição e a historiografia deram à sua viagem o nome de “descobrimento do Brasil”, o que envolve um claro eurocentrismo. Se os portugueses descobriram os tupiniquins, tupinambás, etc., foram também descobertos pelos índios. Falar em descobrimento do Brasil, como em descobrimento da América, é a 2 HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 1 visão do vencedor. Isto tem sido muito discutido. Nos anos 50, o historiador mexicano Edmundo O’Gorman escreveu La invención de la América, um belíssimo texto em que diz que não há descobrimento da América porque ela não existia; havia sim um território. A América foi inventada, não descoberta! O Brasil também teria que ser inventado. E certamente não foi Pedro Álvares Cabral quem inventou o Brasil, da mesma forma que a América não foi inventada por Colombo. O desdobramento dessa idéia dá, por vezes, lugar a equívocos. Um deles se desenvolveu nos anos 60 e 70: se essa é a visão do imperialismo, então nossa história teria que ser escrita do ponto de vista contrário, isto é, dos vencidos, dos índios. Isso é um delírio, porque não podemos nos converter em índios. Esse revisionismo – procurar fazer uma história sem etnocentrismo – produziu algumas obras interessantes, como, por exemplo, os novos trabalhos sobre história da Igreja na América Latina, escritos na perspectiva da Teologia da Libertação. Mas se essa obra tem contribuições notáveis, tem também um viés complicado. A Teologia da Libertação diz, por exemplo, que a verdadeira catequese tem que preservar a cultura do índio. Eu perguntei num debate: “Mas como vocês vão preservar a cultura do índio, se nela a religião é fundamental?” Aí os teólogos da corrente disseram: “Nós acreditamos que o cristianismo seja compatível com qualquer cultura”. Ora, isso é uma matéria de fé, que não pode ser demonstrada. (...) Os povos daqui eram iletrados, sua história era oral, eles não tinham registros escritos. O que temos de história são os escritos europeus, alguns melhores, outros piores. Fernando Novais, “A invenção do Brasil”, in Teoria e Debate, ano 13, n. 44, p. 52, abr./maio/jun. 2000. 3 HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 2 História, cultura e comunicação A comunicação não é um fenômeno isolado nem contemporâneo. Como atividade humana, é necessário considerá-la integrada nos processos culturais e, para estudar sua evolução, não é possível desvinculá-la da cultura. No entanto, como os meios de comunicação de massa empregam uma sofisticada tecnologia – aqui no sentido de engenho, máquina –, pode-se ter a falsa idéia de que a comunicação é um fenômeno recente, produto de uma tecnologia contemporânea. Na realidade, quando encaramos a comunicação numa perspectiva histórica, verificamos que as técnicas se transformaram, mas conteúdo e significados permanecem os mesmos. Tal como a história em geral, a história da comunicação exige perspicácia do pesquisador para diagnosticar os processos de gestação dos fenômenos da comunicação, assim como sua utilização pela comunidade. É necessário estar atento ao conjunto das realidades que circundam o homem para poder compreender a presença da comunicação, numa determinada conjuntura. O homem, como todo animal, está sujeito às necessidades do meio, que têm de ser atendidas para que os indivíduos possam sobreviver e procriar. Para tanto, ele desenvolve um ambiente secundário, artificial. Este ambiente nada mais é do que a cultura. Neste sentido, Herskovitsa define como “a parte do ambiente feita pelo homem” e E. B. Taylor, numa conceituação mais pormenorizada, focaliza-a como “o conjunto complexo de costumes que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes e quaisquer capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade”. Deste conjunto complexo vamos destacar: 1. O conjunto das relações dos homens entre si, que caracteriza, ao mesmo tempo, a estática e a dinâmica da existência social – As relações entre os homens implicam sempre um processo de co- 1 HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 2 municação; entre elas destacamos o aprendizado, quer seja no sentido da aculturação, quer no sentido de contato e difusão, formas fundamentais da transmissão da cultura. Quando se fala de aprendizado, ficam implícitas as formas de dominação, pois nelas encontramos processos que contêm pressão e persuasão. 2. O conjunto das formas de expressão de que se serve o homem – A sociedade, como um todo, expressa-se pela arte e esta se constitui num dos campos básicos para o estudo da comunicação. Através da literatura e do teatro, das artes plásticas e da música, pode-se captar a visão de mundo de uma sociedade num determinado momento histórico. 3. O conjunto das relações dinâmicas entre os homens e seu meio natural, relações essas que se manifestam mediante o emprego de técnicas – Sendo o espaço geográfico a realidade histórica mais imutável, sobre ele o homem vem exercendo contínua atividade, no sentido de dominá-lo por meio da técnica. Desde que o homem iniciou a domesticação de animais e os utilizou para reduzir as distâncias até à mais moderna tecnologia de transmissão por satélite, o seu objetivo tem sido a eliminação do binômio espaço-tempo. As distâncias, medidas em anos e meses, foram sendo reduzidas a dias, horas e minutos, até o espaço ser praticamente “eliminado” na “aldeia global”. (...) A chegada dos portugueses ao Brasil em 1500 marca o início da sua integração ao complexo cultural cristão-ocidental. (...) A mímica foi, sem dúvida, o primeiro meio de comunicação entre os portugueses e os indígenas, como testemunha a carta de Pero Vaz de Caminha a D. Manuel, mas de imediato, a música e a dança também desempenharam processo idêntico. (...) A atração dos trópicos, os naufrágios de barcos e a sensualidade que distinguiram as relações entre europeus e nativos foram as forças constantes que atuaram no princípio da colonização brasileira. Narra ainda Pero Vaz de Caminha que, além dos degredados deixados em 2 HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 2 terra, ficaram mais dois grumetes que fugiram da nau durante a noite e não voltaram mais. Estes e tantos outros fugitivos, degredados e náufragos atuaram como meio de comunicação entre europeus e índios. João Ramalho e Diogo Álvares Correia, apenas para citar dois exemplos, viveram em harmonia entre as tribos indígenas, aprenderam seu idioma e tiveram muitos filhos; foram os primeiros intérpretes e suas proles constituíram a primeira geração mestiça, os mamelucos. Esta primeira geração foi também bilíngüe, aprendendo tanto o português de seus pais como o idioma nativo de suas mães. A língua estava iniciando sua função de comunicação no Novo Mundo. (...) Além do idioma, como principal meio de comunicação, outros aspectos foram envolvidos no sistema de comunicação dos jesuítas, como forma de conquista. Nóbrega defendeu o uso de instrumentos musicais, cantos e danças indígenas na liturgia católica, dizendo ser lícito conservar alguns costumes do gentio que não fossem contrários à fé católica. (...) Porém foi com o teatro que os jesuítas demonstraram melhor sua capacidade de utilização da comunicação como meio de persuasão. As manifestações cênicas já existiam no Brasil (...) mas foram os jesuítas, principalmente Anchieta, quem as direcionou no sentido de “levar a fé, os mandamentos religiosos à audiência, num veículo ameno e agradável, diferente da prédica áspera dos sermões”. (...) Com a cultura do açúcar configurava-se a sociedade patriarcal representada pelo senhor de engenho e escravo, pela casa-grande e senzala. (...) O espaço passou a ser conquistado pelo espraiamento dos canaviais; o tempo, marcado pelas chegadas e partidas das frotas, que eram também o único elemento de comunicação com o mundo. (...) O índio era gente – assim havia proclamado o papa – enquanto o negro era mercadoria passível de ser medida e avaliada, animal de trabalho. (...) Nenhuma ordem religiosa (...) se preocupou em ensinar aos negros a fé cristã, e muito menos instruí-los. (...) O aprendizado 3 HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 2 do negro deu-se, de fato, ao lado dos companheiros de senzala que há mais tempo estavam no Brasil. E isto lhe permitiu em parte preservar sua própria cultura. Maior intercâmbio, somente nos serviços domésticos da casa-grande. Ali, o negro imprimiu a sua primeira marca cultural. Gerando filhos mestiços, amamentando os filhos dos brancos, incutindo-lhes uma indelével personalidade de negritude. Virgílio Noya Pinto, Comunicação e cultura brasileira, 4. ed., São Paulo, Ática, 1995, p. 5-15. 4 HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 3 TEXTO DE LEI AMBIENTAL Altera a Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. O CONGRESSO NACIONAL DECRETA: Art. 1o Os arts. 17-B, 17-C, 17-D, 17-F, 17-G, 17-H, 17-I e 17-O da Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981, passam a vigorar com a seguinte redação: “Art. 17-B. Fica instituída a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental - TCFA, cujo fato gerador é o exercício regular do poder de polícia conferido ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibama para controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais.” (NR) “§ 1 o Revogado.” “§ 2 o Revogado.” “Art. 17-C. É sujeito passivo da TCFA todo aquele que exerça as atividades constantes do Anexo VIII desta Lei.” (NR) “§ 1 o O sujeito passivo da TCFA é obrigado a entregar até o dia 31 de março de cada ano relatório das atividades exercidas no ano anterior, cujo modelo será definido pelo Ibama, para o fim de colaborar com os procedimentos de controle e fiscalização.” (NR) “§ 2 o O descumprimento da providência determinada no § 1o sujeita o infrator a multa equivalente a vinte por cento da TCFA devida, sem prejuízo da exigência desta.” (NR) “§ 3 o Revogado.” “Art. 17-D. A TCFA é devida por estabelecimento e os seus valores são os fixados no Anexo IX desta Lei.” (NR) “§ 1 o Para os fins desta Lei, consideram-se:” (AC) “I - microempresa e empresa de pequeno porte, as pessoas jurídicas que se enquadrem, respectivamente, nas descrições dos incisos I e II do caput do art. 2o da Lei no 9.841, de 5 de outubro de 1999;” (AC) 1 HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 3 “II - empresa de médio porte, a pessoa jurídica que tiver receita bruta anual superior a R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais) e igual ou inferior a R$ 12.000.000,00 (doze milhões de reais);” (AC) “III - empresa de grande porte, a pessoa jurídica que tiver receita bruta anual superior a R$ 12.000.000,00 (doze milhões de reais).” (AC) “§ 2o O potencial de poluição (PP) e o grau de utilização (GU) de recursos naturais de cada uma das atividades sujeitas à fiscalização encontram-se definidos no Anexo VIII desta Lei.” (AC) “§ 3 o Caso o estabelecimento exerça mais de uma atividade sujeita à fiscalização, pagará a taxa relativamente a apenas uma delas, pelo valor mais elevado.” (AC) “Art. 17-F. São isentas do pagamento da TCFA as entidades públicas federais, distritais, estaduais e municipais, as entidades filantrópicas, aqueles que praticam agricultura de subsistência e as populações tradicionais.” (NR) “Art. 17-G. A TCFA será devida no último dia útil de cada trimestre do ano civil, nos valores fixados no Anexo IX desta Lei, e o recolhimento será efetuado em conta bancária vinculada ao Ibama, por intermédio de documento próprio de arrecadação, até o quinto dia útil do mês subseqüente.” (NR) “Parágrafo único. Revogado.” “Art. 17-H. A TCFA não recolhida nos prazos e nas condições estabelecidas no artigo anterior será cobrada com os seguintes acréscimos:” (NR) “I - juros de mora, na via administrativa ou judicial, contados do mês seguinte ao do vencimento, à razão de um por cento;” (NR) “II - multa de mora de vinte por cento, reduzida a dez por cento se o pagamento for efetuado até o último dia útil do mês subseqüente ao do vencimento;” (NR) “III - encargo de vinte por cento, substitutivo da condenação do devedor em honorários de advogado, calculado sobre o total do débito inscrito como Dívida Ativa, reduzido para dez por cento se o pagamento for efetuado antes do ajuizamento da execução.” (AC) 2 HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 3 “§ 1o-A. Os juros de mora não incidem sobre o valor da multa de mora.” (AC) “§ 1 o Os débitos relativos à TCFA poderão ser parcelados de acordo com os critérios fixados na legislação tributária, conforme dispuser o regulamento desta Lei.” (NR) “Art. 17-I. As pessoas físicas e jurídicas que exerçam as atividades mencionadas nos incisos I e II do art. 17 e que não estiverem inscritas nos respectivos cadastros até o último dia útil do terceiro mês que se seguir ao da publicação desta Lei incorrerão em infração punível com multa de:” (NR) “I - R$ 50,00 (cinqüenta reais), se pessoa física;” (AC) “II - R$ 150,00 (cento e cinqüenta reais), se microempresa;” (AC) “III - R$ 900,00 (novecentos reais), se empresa de pequeno porte;” (AC) “IV - R$ 1.800,00 (mil e oitocentos reais), se empresa de médio porte;” (AC) “V - R$ 9.000,00 (nove mil reais), se empresa de grande porte.” (AC) “Parágrafo único. Revogado.” “Art. 17-O. Os proprietários rurais que se beneficiarem com redução do valor do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR, com base em Ato Declaratório Ambiental - ADA, deverão recolher ao Ibama a importância prevista no item 3.11 do Anexo VII da Lei no 9.960, de 29 de janeiro de 2000, a título de Taxa de Vistoria.” (NR) “§ 1 o-A. A Taxa de Vistoria a que se refere o caput deste artigo não poderá exceder a dez por cento do valor da redução do imposto proporcionada pelo ADA.” (AC) “§ 1 o A utilização do ADA para efeito de redução do valor a pagar do ITR é obrigatória.” (NR) “§ 2 o O pagamento de que trata o caput deste artigo poderá ser efetivado em cota única ou em parcelas, nos mesmos moldes escolhidos pelo contribuinte para o pagamento do ITR, em documento próprio de arrecadação do Ibama.” (NR) “§ 3 o Para efeito de pagamento parcelado, nenhuma parcela 3 HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 3 poderá ser inferior a R$ 50,00 (cinqüenta reais).” (NR) “§ 4 o O inadimplemento de qualquer parcela ensejará a cobrança de juros e multa nos termos dos incisos I e II do caput e §§ 1 o-A e 1o, todos do art. 17-H desta Lei.” (NR) “§ 5o Após a vistoria, realizada por amostragem, caso os dados constantes do ADA não coincidam com os efetivamente levantados pelos técnicos do Ibama, estes lavrarão, de ofício, novo ADA, contendo os dados reais, o qual será encaminhado à Secretaria da Receita Federal, para as providências cabíveis.” (NR) Art. 2o A Lei no 6.938, de 1981, passa a vigorar acrescida dos seguintes artigos: “Art. 17-P. Constitui crédito para compensação com o valor devido a título de TCFA, até o limite de sessenta por cento e relativamente ao mesmo ano, o montante efetivamente pago pelo estabelecimento ao Estado, ao Município e ao Distrito Federal em razão de taxa de fiscalização ambiental.” (AC) “§ 1o Valores recolhidos ao Estado, ao Município e ao Distrital Federal a qualquer outro título, tais como taxas ou preços públicos de licenciamento e venda de produtos, não constituem crédito para compensação com a TCFA.” (AC) “§ 2 o A restituição, administrativa ou judicial, qualquer que seja a causa que a determine, da taxa de fiscalização ambiental estadual ou distrital compensada com a TCFA restaura o direito de crédito do Ibama contra o estabelecimento, relativamente ao valor compensado.” (AC) “Art. 17-Q. É o Ibama autorizado a celebrar convênios com os Estados, os Municípios e o Distrito Federal para desempenharem atividades de fiscalização ambiental, podendo repassarlhes parcela da receita obtida com a TCFA.” (AC) Art. 3o A Lei no 6.938, de 1981, passa a vigorar acrescida dos seguintes Anexos VIII e IX: 4 HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 4 TEXTOS DE ATUALIZAÇÃO MÉDICA Texto 1 Pesquisadores de Nevada (EUA) demonstraram que a principal causa para a síndrome do túnel do carpo não são os movimentos repetitivos e sim alguma doença de base. O estudo foi realizado com 297 pacientes com síndrome do túnel do carpo ou que tinham dor similar no punho, braço ou mão. Os pesquisadores realizaram exame físico e revisão do histórico destes pacientes. Cerca de 40% dos pacientes diagnosticados com síndrome do túnel do carpo apresentavam doenças metabólicas, inflamatórias e degenerativas capazes de originar os sintomas, tais como: hipotireoidismo, obesidade, artrite reumatóide, diabetes e lupus. E apenas 11,8% sabiam ter essas doenças. Os pesquisadores acreditam que esta alta taxa de diagnóstico não feito demonstra que os médicos geralmente não cogitam como hipótese diagnóstica na síndrome do túnel do carpo outras causas que não ocupacionais. Texto 2 Na maioria das doenças existe um componente psicológico na apresentação clínica. Muitas vezes são sintomas claros para o paciente, mas o médico não encontra nenhum sintoma orgânico. Mas, existem sinais orgânicos que são psicológicos, como por exemplo a paraplegia histérica. Sinais neurológicos ligados a movimentação foram analisados em 1962, pelo psiquiatra E. Slater, do Hospital de Neurologia de Londres, que acompanhou 85 pacientes, durante nove anos, e identificou três grupos: no primeiro foi diagnosticada uma doença de conversão histérica, que tinha uma doença orgânica associada, e nesses nove anos prevaleceu a doença orgânica; o segundo grupo só tinha uma histeria pura e que com o passar do tempo revelou, também, a presença de uma doença orgânica, e o terceiro grupo tinha o diagnóstico de esquizofrenia, HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 4 depressão e distúrbios de personalidade, sendo que este diagnóstico se confirmou, depois de nove anos. Nesse período, dos 85 pacientes, 3 desenvolveram demência e houve 12 mortes, inclusive 4 suicídios, incluindo um caso com miopatia grave e esclerose múltipla. Muitos desses diagnósticos, feitos em 1962, poderiam ser melhor esclarecidos com a aparelhagem e os exames mais modernos, hoje existentes. H. Crimlisk e colaboradores do mesmo Hospital de Neurologia de Londres acompanharam 73 pacientes, por seis anos, com diagnóstico de sintomas motores inexplicáveis que seriam rotulados de histéricos, em 1962, ou psicossomáticos, com exames normais. Em 35 deles (48%) havia perda de função motora, por exemplo, paralisias e, em 38 (52%), havia excesso de função motora, por exemplo, tremores, distonia e ataxia. Somente 3 pacientes apresentaram-se com doenças neurológicas orgânicas, que seriam possíveis de serem diagnosticadas se o exame clínico e laboratorial tivesse sido mais preciso. O autor recomenda o seguimento desses pacientes, durante muitos anos, porque na consulta inicial dificuldades de explanação dos sintomas do paciente e dos familiares podem desviar do atendimento a queixa neurológica inicial. Como demonstraram esses autores, o índice de falhas baixou de 33% em 1962, para 0,4%, em 1991. Em 75% dos pacientes foi confirmada a doença psiquiátrica, sendo que desses, 33% tinham os distúrbios motores ligados à doença psiquiátrica. Brit. Med. J., n. 316, p. 582-586, 21/2/98. HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 5 NOTÍCIA SOBRE FAMOSOS DA TV O curto espaço de tempo entre o namoro, o noivado e o casamento da atriz Patrícia de Sabrit (25) com o cantor e ator Fábio Jr. (47) impediu que a jovem noiva se preparasse como desejava para a vida conjugal. Mas assim que voltou da lua-de-mel, na Austrália, a bela arregaçou as mangas e, aproveitando o período de férias da TV Record, depois de encerrar as gravações da novela Vidas Cruzadas, resolveu se aprimorar em uma das artes da dona de casa exemplar: a culinária. “Acho importante a mulher ter vários dotes e quero continuar a tomar aulas desse tipo”, afirmou a atriz, logo após receber as primeiras lições, na quinta-feira, dia 8. Casada há um mês e meio, em vez de recorrer à mãe ou sogra, como as mulheres faziam antigamente, ela foi prática. Se matriculou no Atelier Gourmant, em São Paulo, e, cheia de charme, vestiu o avental branco para aprender a fazer o menu básico da culinária brasileira: arroz, feijão, bife e batatas fritas. “O cheiro está ótimo. Fábio vai ter que provar. Já liguei pedindo para ele ficar sem comer até eu chegar, porque estou levando o jantar”, disse ela, orgulhosa do prato que preparou para agradar o marido. A repentina decisão da atriz foi aplaudida por sua mãe, a empresária Marina de Sabrit (48). “Patrícia está na fase amélia. Como está de férias no momento, não quer ficar em casa feito madame, sem fazer nada útil”, disse Marina. “Desde criança, a Pat gosta de cozinhar e comer. É uma gourmet. Ela já prepara bem entradas e sobremesas. Agora quer aprender o cardápio completo.” Patrícia explica que não procurou a ajuda da mãe simplesmente porque a empresária, descendente de alemães e casada com francês, não lembra como se faz o cardápio trivial da mesa brasileira. “Cozinho divinamente pratos sofisticados, como cordeiro com menta, mas esqueci o básico arroz e feijão”, diz a mãe. Patrícia acredita que seu gosto pela culinária vem de família. “Estou curtindo muito. Cozinhar me traz boas recordações das minhas HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 5 avós.” Quando tinha 7 anos, a avó paterna da atriz, Nicole Chamagne (83), deu curso de culinária francesa em casa para a família inteira. Patrícia guarda o momento com carinho na memória. E também não esquece as dicas que recebeu da avó materna, a alemã Ivone Renaux (74), como embrulhar a panela de arroz no jornal, “para deixá-lo soltinho”. “Nunca levei a sério o ato de cozinhar porque não precisava. Mas agora estou fazendo o curso também por necessidade prática.” Revista Caras. HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 6 NOTÍCIAS SOBRE INFORMÁTICA Texto 1 A British Telecom (BT) deverá lançar, até ao final do mês, o novo serviço SDSL, que permitirá a transmissão de dados bidireccional até aos 8 Mbits por segundo. O que é estranho é que a maioria dos britânicos ainda está à espera do serviço ADSL (tal como os portugueses), lançado em Agosto de 2000, mas que ainda não cobre a totalidade do território de Sua Majestade. O novo serviço SDSL (symmetric DSL) permite transmissão de dados, bidireccional, até 8 Mbits por segundo, e já se encontra em fase de testes na região de Ipswich, de acordo com Chris Gibbs, vice-presidente da BT, em declarações à ZDNet UK. No entanto, Hans-Erhard Reiter, presidente do DSL Forum, afirma que a tecnologia SDSL já foi ultrapassada por um novo standard, designado por G.SHDSL, capaz de transmitir dados mais rapidamente e a distâncias superiores. Gibbs contrapôs este argumento, afirmando que a BT também já está a efectuar testes com a tecnologia VDSL (Very high-speed Digital Subscriber Line), onde os seus utilizadores poderão beneficiar de velocidades de transmissão até 14 Mbits por segundo. No entanto, ainda subsistem algumas dúvidas técnicas relativamente a este tipo de linhas. Reiter, por exemplo, afirma que a tecnologia VDSL é viável mas apenas através de cabos de fibra óptica levados até casa dos potenciais utilizadores. Os próprios fabricantes de semicondutores especializados em chipsets DSL já se estão a preparar para o lançamento dos novos serviços. A Westell, que fornece os equipamentos de acesso para SDSL à BT, espera, em Abril deste ano, dar início à construção dos componentes baseados no novo chipset G.SHDSL (Symmetric High-Bit-Rate Digital Subscriber Loop), que também deverá suportar voz sobre DSL (VoDSL).” HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 6 Texto 2 Cientistas americanos do Optoelectronics Research Group da Universidade da Califórnia desenvolveram um ‘’refrigerador’’ do tamanho de um grão de areia para ser implantado no interior dos chips semicondutores para o seu arrefecimento com consequente aumento de performance. O micro refrigerador é composto por 200 camadas de dois tipos de semicondutores colocadas umas sobre as outras de forma alternada, formando o que em inglês se denomina ‘’superlattice’’. Cada uma destas camadas ultra finas é composta por uma liga formada por silício, germânio e carbono, colocados então sobre outra camada de silício. Utilizando então este micro refrigerador, os cientistas conseguiram reduzir em 7 ºC a temperatura de um chip que estava a operar a 100 ºC. Apesar de não ser uma grande redução, a equipa espera desenvolver ainda mais a tecnologia para então tornar-se viável a sua comercialização. Fonte: www.digitopt/tecnologia HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 7 COMENTÁRIOS ECONÔMICOS Segundo Oliveira, a necessidade de poupar para garantir a aposentadoria será o grande motor que vai puxar esse avanço em direção ao risco. “Uma parcela crescente dos investidores vai perceber que não é possível garantir um futuro tranqüilo apenas com as cadernetas de poupança e os fundos conservadores.” Esses clientes, diz, vão exigir novos produtos, e as demandas vão forçar o aperfeiçoamento da indústria de fundos. Devagar, de maneira quase imperceptível, essa migração do dinheiro para fundos mais arriscados já começou. O patrimônio total dos 1 000 fundos que fazem parte do Guia Exame é de 175,2 bilhões de reais. Os fundos de renda fixa representam quase 160 bilhões de reais. A divisão é desigual: as carteiras referenciadas, menos arriscadas, têm ativos de 70 bilhões de reais. Já os fundos não-referenciados, que prometem uma rentabilidade maior, têm 90 bilhões de reais. E a maior parte dos lançamentos é de não-referenciados. Essas carteiras procuram superar um pouco a rentabilidade dos Certificados de Depósito Interfinanceiro (CDI) sem arriscar o principal investido. Seus objetivos de rentabilidade são de 101% a 105% dos CDI. “Para o pequeno cliente, a proteção do principal ainda é uma preocupação maior que a rentabilidade”, diz Jorge Ávila da Silva, diretor de administração de recursos de terceiros da Caixa Econômica Federal. “Os próximos passos serão os fundos que usam derivativos para obter maiores percentuais dos CDI e os fundos de ações”, avalia Renato Raglione, diretor da empresa de administração de recursos do Unibanco. Espaço para crescer é o que não falta. Raglione compara os mercados brasileiro e americano. No Brasil, a soma de todos os fundos de investimento com as fundações de previdência privada representa um patrimônio de 320 bilhões de reais, o que é mais ou menos 30% do Produto Interno Bruto (PIB). “Nos Estados Unidos, essa soma é igual HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 7 ao PIB, que é de 11 trilhões de dólares”, diz ele. Claro que Brasil e Estados Unidos ainda estão muito longe um do outro. Mas é possível prever que os fundos vão chegar a 50% do PIB brasileiro em quatro ou cinco anos. “É um crescimento respeitável”, diz ele. À espera dessa onda de novos investidores, os bancos estão preparando novos produtos de renda variável. A idéia é conquistar principalmente o cliente com apetite para arriscar seu dinheiro na bolsa. “Os produtos de renda variável deverão ser grandes captadores de poupança privada”, diz Carlos Henrique Mussolini, diretor responsável pela administração de ativos do Itaú. Revista Exame. HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 8 A sociedade da terceira onda Na primeira sala da Galleria Nazionale d’Arte Moderna, em Roma, à esquerda de quem entra, uma grante tela de Gustav Klimt (...) triunfa poética e alusiva como uma majestosa pintura bizantina. Nos livros ela é geralmente intitulada As três idades da mulher, mas a etiqueta e os arquivos oficiais da Galleria limitam-se a As três idades, como agrada a nós que neste quadro amamos reconhecer, com uma certeza um tanto mais persistente quanto menos documentada, uma alegoria de época. Em 1905, quando Klimt a pintou; em 1912 quando a Galleria a adquiriu, a sociedade industrial era jovem, forte e segura como a mulher que sobressai entre a velha enrugada com o rosto voltado para o passado e a menina tranqüila no seu repouso rico de futuro. Naqueles mesmos anos, Picasso inaugurava em Paris uma nova era da pintura (as Demoiselles d’Avignon são de 1907), Freud libertava a psicologia da filosofia (A interpretação dos sonhos é de 1889), Ernest Mach destrinchava a filosofia do positivismo (Conhecimento e erro é de 1905). Na arquitetura, o ferro, o aço e o cimento davam representação plástica ao estruturalismo nascente; na música, 1 HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 8 Schönberg e Stravinski emergiam com novas técnicas e novas sonoridades; na física o casal Curie descobria o rádio, Planck elaborava a teoria dos quanta, Einstein a da relatividade; na literatura o erotismo de Wedekind encorajava o despertar da primavera que a Art Nouveau, o Jugendstil e o Liberty iriam colorir de curvas harmoniosas e indolentes. Após a onda milenária da era rural, após a onda bem mais breve do maquinismo industrial, mil novos sintomas anunciavam o advento de uma terceira onda, de uma era pós-industrial capaz de exaltar a dimensão criativa das atividades humanas, privilegiando mais a cultura do que a estrutura; aquela cultura que pouco a pouco se tornou uma coisa só com a nossa natureza e que nos solicita a conquistá-la, explorando-lhe as zonas de sombra, residuais e crescentes. Assim, por exemplo, enquanto sabemos como se produzem os bens materiais e, portanto, como podemos reproduzi-los a nosso gosto, sabemos muito menos como se produzem as idéias, os símbolos, as informações. Por isso os percursos da invenção teórica, da descoberta científica, da criação artística intrigam-nos como regiões até então misteriosas, particularmente hábeis em esquivar-se à exploração. As tentativas de capturar também esta parte da natureza e reduzila a cultura multiplicam-se em vários setores, mas por enquanto as razões e as formas de criatividade permanecem em grande parte misteriosas. Os neurologistas, os biólogos e psicólogos conseguiram definir alguma coisa a respeito dos processos de idealização individual. Mas muito menos sabemos sobre a criatividade expressa pelos grupos. (...) A partir da Segunda Guerra Mundial, tornou-se cada vez mais evidente a transformação radical da sociedade industrial e o advento de uma nova civilização: uma alternância de épocas que se verifica naquelas raras ocasiões históricas, nas quais não é apenas uma única ciência ou uma única arte que progride, havendo uma interligação entre mais domínios do saber, o que faz com que a experiência humana dê um salto de qualidade. Saltos como estes, no curso da história, aconteceram há cinco 2 HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 8 mil anos com a civilização mesopotâmica; nos séculos XII e XIII, com as grandes descobertas teórico-práticas; na segunda metade do século XVIII com o Iluminismo, a Revolução Francesa e o nascimento da indústria; no decorrer do século XX com a desarticulação das velhas disciplinas e o seu restabelecimento. Como se vê, aquelas que Braudel chamava de “ondas longas” da história tornaram-se cada vez mais curtas: foram necessários muitos milênios de vida arcaica para produzir o estado moderno; foram necessários 500 anos de organização moderna para produzir a sociedade industrial; apenas dois séculos de indústria bastaram para provocar o advento pós-industrial. O conhecimento desta última revolução ainda não está difundido e radicado, mas os novos tempos estão aí sob os olhos de todos: no mercado de trabalho, os ligados ao setor terciário já superam os que se dedicam à agricultura e à indústria reunidas; na formação do produto interno prevalecem os serviços sobre os bens materiais; no sistema social, o conhecimento teórico, a ciência e a informação agora ocupam o papel central que já pertenceu à produção manufatureira; no sistema cultural, o individualismo e o narcisismo adquirem vigor crescente, enquanto os gostos se desmassificam e as modas pegam cada vez menos; no sistema ideal, volta a emergir o senso estético como parâmetro de valor das coisas. Domenico De Masi (Org.), A emoção e a regra: os grupos criativos na Europa de 1850 a 1950, Rio de Janeiro, José Olympio, 1997, p. 13-15. 3 HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 9 Imprensa e capitalismo Por muitas razões fáceis de referir e de demonstrar, a história da imprensa é a própria história da sociedade capitalista. O controle dos meios de difusão de idéias e de informações – que se verifica ao longo do desenvolvimento da imprensa, como reflexo do desenvolvimento capitalista em que aquele está inserido – é uma luta em que aparecem organizações e pessoas da mais diversa situação social, cultural e política, correspondendo a diferenças de interesses e aspirações. Ao lado dessas diferenças, e correspondendo ainda à luta pelo referido controle, evolui a legislação reguladora da atividade da imprensa. Mas há, ainda, um traço ostensivo, que comprova a estreita ligação entre o desenvolvimento da imprensa e o desenvolvimento da sociedade capitalista, aquele acompanhando a este numa ligação dialética e não simplesmente mecânica. A ligação dialética é facilmente perceptível pela constatação da influência que a difusão impressa exerce sobre o comportamento das massas e dos indivíduos. O traço consiste na tendência à unidade e à uniformidade. Em que pese tudo o que depende de barreiras nacionais, de barreiras lingüísticas, de barreiras culturais – como a imprensa tem sido governada, em suas operações, pelas regras gerais da ordem capitalista, particularmente em suas técnicas de produção e de circulação –, tudo conduz à uniformidade, pela universalização de valores éticos e culturais, como pela padronização do comportamento. As inovações técnicas, em busca da mais ampla divulgação, acompanham e influem na tendência à uniformidade. É interessante verificar o paralelismo entre o esforço técnico de produção, na imprensa, e o progresso dos meios de comunicação e de transporte, afetando o problema fundamental da grande imprensa, que é o do volume e espaço geográfico em que a notícia, ou a informação, ou a doutrinação têm oportunidade. Nelson Werneck Sodré, História da imprensa no Brasil, 2. ed., Rio de Janeiro, Graal, 1977, p. 1-2. HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 10 História da imprensa O estreito vínculo entre a imprensa e a ordem capitalista aparece, também, na evolução do problema da liberdade e de informar e de opinar. Assim, não devido ao rudimentarismo dos meios – que, na maioria dos casos, eram orais – carece de sentido recordar os sistemas de divulgação anteriores à invenção de Guttemberg e seu generalizado uso: a transmissão de notícias nas tribos primitivas, a Acta diurna dos romanos, o reaparecimento de seu processo em Veneza, nada têm a ver com a imprensa. Como todas as invenções, a de Guttemberg resultou de necessidade social, que o desenvolvimento histórico gerou e a que estava vinculada a ascensão da burguesia, em seu prelúdio mercantilista. Como as trocas interessavam apenas a elementos de classes e camadas numericamente reduzidas, entretanto, o desenvolvimento da imprensa foi muito lento naquela fase, e ela foi facilmente controlada pela autoridade governamental. Poderosas forças econômicas empenharam-se, desde então, por debilitar esse controle – eram as forças do capitalismo em ascensão: o princípio da liberdade da imprensa, antecipado na Inglaterra, vai ser encontrado então, tanto na Revolução Francesa quanto no pensamento de Jefferson, que correspondia aos anseios da Revolução Americana, sintonizando com a pressão burguesa para transferir a imprensa à iniciativa privada, o que significa, evidentemente, a sua entrega ao capitalismo em ascensão. Nos países em que essa ascensão operava-se agora muito mais no plano político, pois estava já consolidada no plano econômico, a liberdade de imprensa encontrava barreiras nos remanescentes feudais, adrede mantidos, por vezes, pela própria burguesia, como escudos contra o avanço, embora ainda lento, do proletariado e do campesinato – a Inglaterra e a França particularmente –, o problema permaneceu longamente no palco. Foi a ausência, nos Estados Unidos, de passado feudal, que permitiu ali a solução rápida de tal problema, colocada a liberdade de imprensa – isto é, o seu controle pela HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 10 burguesia – como postulado essencial e pacífico, abrindo-se ao seu desenvolvimento, então, as mais amplas perspectivas. Assim, enquanto na Inglaterra a stamp tax só desapareceu em 1855, e, na França, a liberdade de imprensa permaneceu relativa até 1881 – nos Estados Unidos surgiu ampla, praticamente com a independência. Nelson Werneck Sodré, História da imprensa no Brasil, 2. ed., Rio de Janeiro, Graal, 1977, p. 2-3. HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 11 Regimes de imprensa (parte 1) Os obstáculos à liberdade de imprensa – (...) Existem cinco obstáculos principais a sua liberdade, muito diferentes. O mais antigo, tecnológico, desvanece-se hoje. O segundo entrave é político: desde o nascimento da imprensa, seu desenvolvimento foi freado pelo soberano e seus tribunais; ainda hoje, mesmo nas democracias, o Estado tenta sempre censurar ou orientar a informação. A terceira ameaça, cada vez mais grave no século XX, é econômica: a utilização da mídia com o objetivo único de tirar proveito. Quanto ao quarto obstáculo, pode surpreender, pois raramente se fala dele: o conservadorismo dos profissionais, suas noções e hábitos ultrapassados. (...) O último obstáculo, do qual jamais se fala, emana da cultura local: as tradições, como a condição das mulheres nos países muçulmanos, a lealdade para com a tribo na África, o respeito pelos anciãos no Japão. Dito de outro modo, ele provém do público. (...) Há quatro regimes [de imprensa] possíveis, dois que não são democráticos e dois que o são. Cada um se funda numa concepção do universo e do ser humano. Simplificando, os pessimistas julgam que o homem é uma besta e não lhe concedem nenhum livre arbítrio: ele precisa ser vigiado, refreado, doutrinado. Já os otimistas consideram os humanos como seres dotados de razão: se lhes derem acesso à informação e se forem livres para trocar suas idéias, saberão gerir a sociedade na qual vivem. • Regime autoritário – Na Europa, este tipo foi comum até meados do século XIX e, no século XX, o Estado fascista retomou as práticas das monarquias absolutistas. Neste regime, comumente, os meios de comunicação permanecem empresas privadas com fim lucrativo – mas as autoridades censuram-lhes estritamente os conteúdos. Informação e entretenimento podem ser subversivos. É preciso que as idéias veiculadas sejam conformes aos interesses do poder. Não há imprensa de oposição; não há debate político. Algumas categorias de notícias HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 11 trágicas, sinais de disfunção, são proibidas. • Regime comunista – Os meios de comunicação não existem fora de um Estado totalitário no qual estão absorvidas todas as instituições e as indústrias: eles funcionam como engrenagens num vasto mecanismo. O conceito de liberdade de imprensa não tem portanto nenhuma pertinência. Este regime, inaugurado na Rússia no início dos anos 20, foi estendido à Europa do Leste após 1945, à China após 1949 – depois, nos anos 60, a uma grande parte do Terceiro Mundo. Num regime totalitário, o Estado utiliza a mídia para divulgar suas instruções, para inculcar a ideologia oficial. A função primeira da mídia é mentir, esconder tudo o que não serve aos interesses da casta no poder. No fim do século XX, este regime está em extinção (...). Claude-Jean Bertrand, A deontologia das mídias, São Paulo, Edusc, 1997, p. 31-33. HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 12 Regimes de imprensa (parte 2) Há quatro regimes [de imprensa] possíveis, dois que não são democráticos e dois que o são. Cada um se funda numa concepção do universo e do ser humano. Simplificando, os pessimistas julgam que o homem é uma besta e não lhe concedem nenhum livre arbítrio: ele precisa ser vigiado, refreado, doutrinado. Já os otimistas consideram os humanos como seres dotados de razão: se lhes derem acesso à informação e se forem livres para trocar suas idéias, saberão gerir a sociedade na qual vivem. (...) • Regime liberal – O regime liberal de informação tornou-se a norma internacional graças ao artigo 19 da Declaração Internacional dos Direitos do Homem da ONU (1948). Segundo esta doutrina, nascida no século XVIII, século das Luzes, é preciso que todos os fatos sejam relatados e que todas as opiniões sejam postas no “mercado de idéias”. Então o ser humano é capaz de discernir a verdade e tende a inspirar-se nela em seu comportamento. Se o Estado deixar, tudo se fará da melhor maneira. Esta ilusão não resistiu à comercialização crescente da imprensa desde a virada do século XX: tornava-se bom o que era lucrativo. Além disso, todas as empresas tendem naturalmente à concentração. Assim, o poder de informar, de determinar os temas do debate nacional, arriscava-se a cair nas mãos de alguns proprietários, que não eram eleitos, nem obrigatoriamente peritos ou desejosos de servir o público. • Regime de “responsabilidade social” – Este conceito, nascido de uma percepção mais realista da natureza humana e da economia, prolonga o precedente. A expressão foi lançada nos Estados Unidos por uma “Comissão sobre a liberdade da imprensa”, que reunia personalidades exteriores ao meio da imprensa. A mídia acolheu seu relatório (1947) com indiferença ou furor. Nos vinte anos seguintes, suas idéias foram em geral adotadas. Segundo esta doutrina, é preferível que a mídia não seja propriedade do Estado, nem esteja sob seu con- HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 12 trole. Em compensação, os meios de comunicação não são empresas comerciais comuns cujo sucesso possa medir-se pelos lucros. É normal que busquem a rentabilidade, mas precisam ser responsáveis perante os diversos grupos sociais: responder a suas necessidades e desejos. Caso os cidadãos estejam descontentes com o serviço que lhes é fornecido, a mídia deve reagir. É preferível que se emende por si mesma. Se não fosse o caso, seria necessário e legítimo que o Parlamento interviesse. (...) Na sociedade atual, só a mídia é capaz de nos fornecer um relatório rápido e completo dos acontecimentos que se produzem a nossa volta. Seu papel é obter a informação, triá-la, interpretá-la – em seguida fazê-la circular. Particularmente, deve vigiar os três poderes (executivo, legislativo e judiciário) (...) Ninguém possui conhecimento direto do conjunto do globo. Além de sua experiência pessoal, o que se sabe provém da escola, de conversas – mas sobretudo da mídia. Para o homem comum, a maior parte das regiões, das pessoas, dos assuntos dos quais a mídia não fala, não existem. Claude-Jean Bertrand, A deontologia das mídias, São Paulo, Edusc, 1997, p. 32, 34-37. HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 13 Imprensa no Brasil (parte 1) Assim, onde o invasor encontrou uma cultura avançada, teve de implantar instrumentos de sua própria cultura, para a duradoura tarefa, tornada permanente em seguida, de substituir por ela a cultura encontrada. Essa necessidade não ocorreu no Brasil, que não conheceu, por isso, nem a Universidade nem a imprensa, no período colonial (...). Instrumento herético, o livro foi, no Brasil, visto sempre com extrema desconfiança, só natural nas mãos dos religiosos e até aceito como peculiar de seu ofício, e a nenhum outro. As bibliotecas existiam nos mosteiros e colégios, não nas casas de particulares. Mas ainda aquelas foram pouquíssimas, de livros necessários à prática, constituindo exceção mesmo os edificantes. A dos jesuítas na Bahia, quando da expulsão pombalina, levada a hasta pública, não encontrou licitantes, deteriorando-se os livros seqüestrados, ou utilizados pelos boticários, para “embrulhar adubos e ungüentos”. (...) Nos fins do século XVIII, começaram a aparecer bibliotecas particulares. Os autos das “inconfidências” as revelam, no intuito de agravar a sorte dos acusados: ler não era apenas indesculpável impiedade, era mesmo prova de crimes inexpiáveis. Os que estudavam na Europa, traziam livros, entretanto, e até os emprestavam. As entradas de livros – salvo aqueles cobertos pelas licenças da censura – eram clandestinas e perigosas. Os que contavam coisas da terra não tinham aquelas licenças, ou, em alguns casos, quando as recebiam, como o de Antonil, impresso em 1711, no Reino naturalmente, sofriam apreensão imediata. Foi confiscado e destruído. Sobraram, por sorte, três exemplares, e isso permitiu que, um século depois, fosse novamente reimpresso. (...) Como entravam na colônia os livros? (...) Papéis, gazetas, livros eram vendidos no cais por marinheiros ingleses. Revelam os Autos da Devassa que Tiradentes, em 1788, andara procurando no Rio livros que tratassem do levante dos ingleses. O Almanaque da Cidade do Rio de Janeiro, de 1792, mencionava a existência de uma só livraria; HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 13 mas o de 1799 acusa a existência de duas. Que livros seriam vendidos nelas? O Livro de Carlos Magno, (...) almanaques, folhinhas. Tudo impresso no Reino, evidentemente. Os bons livros, os livros autênticos, entravam de contrabando. (...) A imprensa surgiria, finalmente, no Brasil (...) sob proteção oficial, mais do que isso: por iniciativa oficial – com o advento da Corte de D. João. Antonio de Araújo, futuro conde da Barca, na confusão da fuga, mandara colocar no porão do Medusa o material gráfico que havia sido comprado para a Secretaria de Estrangeiros e da Guerra, de que era titular, e que não chegara a ser montado. Aportando ao Brasil, mandou instalá-lo nos baixos de sua casa à rua dos Barbonos. (...) Dessa oficina, a 10 de setembro de 1808, saiu o primeiro número da Gazeta do Rio de Janeiro. Era um pobre papel impresso, preocupado quase que tão somente com o que se passava na Europa (...). Armitage situou bem o que era a Gazeta do Rio de Janeiro: Por meio dela só se informava ao público, com toda a fidelidade, do estado de saúde de todos os príncipes da Europa (...) natalícios, odes e panegíricos da família reinante. Não se manchavam essas páginas com as efervescências da democracia, nem com a exposição de agravos. A julgar-se do Brasil pelo seu único periódico, devia ser considerado um paraíso terrestre, onde nunca se tinha expressado um só queixume. Nelson Werneck Sodré, História da imprensa no Brasil, 2. ed., Rio de Janeiro, Graal, 1977, p. 13-16 e 22-23. HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 14 Imprensa no Brasil (parte 2) (...) Minha tese é simples e tem a idade da Revolução Francesa. Para que o povo não seja enganado, é preciso possibilitar-lhe acesso amplo aos saberes técnicos, científicos, humanísticos. A imprensa possui papel estratégico na batalha em prol da formação do eleitor consciente, adulto, responsável. Se não for quebrado o circuito que vai da falta de informação à escolha de meros demagogos, estaremos sempre à beira da tirania de pessoas que só respondem diante de oligarcas. Após nossa fala (Janio de Freitas apresentou exemplos concretos das difíceis relações entre imprensa e Poder Judiciário), foram abertos os debates. Uma pergunta deixou-me apreensivo. “O que o senhor pensa da Abin?” Disse o que penso: “Considero essa instituição um retorno ao fascismo”. E, mais adiante, tive condições de ampliar o juízo, mostrando o quanto estamos em clima de Termidor no mundo e no Brasil. As bombas contra os movimentos em prol das minorias, os apresentadores de televisão, do rádio que envergonham a classe jornalística com sua militância diária, caluniando a própria idéia de direitos humanos, o retorno, em cursos jurídicos, de autores como Carl Schmitt, tudo isso se coaduna com a volta dos serviços de espionagem. Somem-se à lista as censuras disfarçadas, os projetos como a “lei da mordaça” e outros atentados às liberdades públicas e particulares e temos o quadro definido de uma direção autoritária, para não dizer tirânica, na República Federativa do Brasil. Depois do encontro dos procuradores, tivemos notícias da bisbilhotice oficial, ou oficiosa, na vida particular de líderes opostos ao Executivo federal. No rol dos espionados está justamente o procurador que nos interpelou sobre a Abin. É triste que, num evento em que se tenha homenageado cidadãos íntegros do Ministério Público, como o sr. Álvaro Augusto Ribeiro Costa, incansável promotor do civismo, e em que se recordaram o assassinato e ameaças de morte contra pro- 1 HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 14 curadores (além de outras perseguições, como a enfrentada pela dra. Amanda Figueiredo, no Recife, por exercer estritamente o seu ministério), estes últimos tenham sido obrigados a se preocupar com o terror de Estado, sob patrocínio do governo e do Legislativo. Quando tudo indica que o nível da corrupção e da impunidade atinge patamares de verdadeira pandemia, assusta perceber que agentes do poder federal usam recursos públicos para intimidar os que denunciam os malefícios. Esse costume da polícia secreta, que usa a delação e o anonimato irresponsável, mas pago, tem uma história. Ela começou com o golpe do Termidor contra a democracia francesa e se desenvolveu no império napoleônico. Romances como “O Vermelho e o Negro” mostram a impotência civil durante a tirania do corso. Na contra-revolução surgida depois de sua queda, todos os governos da Europa usaram essa arma contra os seus cidadãos. E se reinventou a tortura exorcizada por Beccaria e por Voltaire, a chantagem sobre familiares, o exílio e outros meios coercitivos, aproveitados pelos regimes totalitários do século 20. Platão invectiva o tirano como alguém que espiona os dirigidos, porque não possui a sua confiança e amizade. Com base em informes obtidos por meios corruptos e ilegais, “se ele (o governante) suspeitar que alguns deles albergam pensamentos de liberdade que os afastem da obediência a ele, provocará desavenças, com o pretexto de os deitar a perder, entregando-os aos inimigos”. Por que produzir uma agência de controle dos particulares? Quando foi editado o AI-5 disseram que o presidente da República nunca o empregaria com imprudência. Um homem sério retrucou: “O presidente, não, mas e o guarda da esquina?”. O AI-5 é uma nódoa na história do nosso povo. Existem duas perguntas quando enfrentamos leis como a que produziu a Abin: em favor de quem foram estabelecidas e para que servem? 2 HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 14 Na democracia em que ocorrem os primeiros passos rumo à transparência do poder diante dos cidadãos, é de estarrecer que o movimento inverso seja o único realmente ensaiado, ou seja, a transparência dos cidadãos diante dos poderosos, através da espionagem, da censura, da mordaça. Esse programa piloto de fascismo, ensaiado com as bênçãos do Congresso Nacional, deve ser revisto de alto a baixo, em proveito da liberdade, da amizade, do valor definido sob um sublime alvo coletivo, a pátria comum de todos os brasileiros. Roberto Romano, in Folha de S. Paulo, página A3, 22/11/2000. 3 HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 15 Alegria, alegria Caetano Veloso Caminhando contra o vento Sem lenço, sem documento No sol de quase dezembro Eu vou O sol se reparte em crimes Espaçonaves, guerrilhas Em Cardinales bonitas Eu vou Em caras de presidentes Em grandes beijos de amor Em dentes, pernas, bandeiras Bomba e Brigitte Bardot O sol nas bancas de revista Me enche de alegria e preguiça Quem lê tanta notícia Eu vou Por entre fotos e nomes Os olhos cheios de cores O peito cheio de amores vãos Eu vou Por que não, por que não Ela pensa em casamento E eu nunca mais fui à escola Sem lenço, sem documento, eu vou Eu tomo uma coca-cola Ela pensa em casamento E uma canção me consola Eu vou Por entre fotos e nomes Sem livros e sem fuzil Sem fome, sem telefone No coração do Brasil Ela nem sabe até, pensei, Em cantar na televisão O sol é tão bonito Eu vou, sem lenço, sem documento Nada no bolso ou nas mãos Eu quero seguir vivendo, amor Eu vou Por que não, por que não… HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 16 Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo (8/8/1999) o escritor italiano Umberto Eco citou a personagem criada por outro escritor, o argentino Jorge Luís Borges (1899-1986), para explicar sua idéia sobre a memória: a arte de conjugar recordação e esquecimento. A personagem Funes seria capaz de lembrar-se de cada detalhe de todas as coisas que já haviam lhe acontecido. Cada letra de cada palavra de cada frase, cada folha de cada árvore que vira. Como resultado não conseguia agir, sequer se mexer, escrava de uma memória entulhada de informações. HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 17 Meios de comunicação: estrutura, linguagens e poder A grande quantidade de meios de comunicação hoje disponível, somada à dedicação de muitos deles à informação, põe o ser humano urbano deste final de século frente a uma quantidade de informações jamais imaginada na face do planeta em qualquer momento anterior de sua história. Essa possibilidade, que a ideologia conservadora ou “integrada” (para usar o conceito de Umberto Eco) se apressa sempre em elogiar e classificar como ‘libertadora’ – como se a variedade fosse em si redentora da opressão –, cria uma espécie de intoxicação que mais e mais começa a fazer clara para observadores em todo o mundo e mesmo para o senso comum (...) A quantidade como sinônimo de liberdade é típica de ideologias autoritárias. Entre os regimes comunistas ela se revelava nas informações apologéticas sobre a quantidade de livros e jornais vendidos na ex-União Soviética. As tiragens de Mayakovski eram apresentadas como índice de cultura do cidadão soviético e as tiragens dos jornais como sinal de que os russos eram bem-informados (...) Nos países sob o regime capitalista, embora a opinião conservadora seja sempre crítica da opressão e da falta de liberdades civis no extinto bloco soviético, a quantidade de meios e veículos é da mesma forma ideologicamente colocada como signo de liberdade. Foi assim no passado com o número de jornais, com as listas das emissoras de rádio, com a abertura de novas redes de TV, depois com a ‘revolução’ que supostamente ocorreria com a TV a cabo e é assim hoje com a suposta ‘liberdade individual’ de criar páginas infinitamente na Internet. (...) De fato, as TVs a cabo romperam o domínio da CBS sobre a audiência televisiva nos Estados Unidos e já fazem sentir seus efeitos sobre a Rede Globo no Brasil. (...) Mas o consumidor que ‘zapeia’ (muda de canal) da Globo vai ‘navegar’ pelos serviços de TV por assinatura fornecidos pelas empresas NET (grupo Globo) ou TVA (grupo Abril)... os mesmos que dominam os meios de comunicação no país desde o tempo do 1 HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 17 Regime Militar. Ali, o consumidor vai encontrar algumas dezenas de canais produzidos no Brasil (por subsidiárias ou afiliadas de Globo ou Abril) ou em outros países, por empresas de grupos como Disney, Hearst (os sucessores daquele William Randolph Hearst que inspirou Orson Welles no filme Cidadão Kane), Fox (do empresário australiano Rupert Murdoch, o maior magnata da mídia internacional), ou Time-WarnerTurner (o maior grupo de comunicações dos Estados Unidos, que tem revistas do grupo Time-Life, as produtoras e as distribuidoras de TV e cinema do grupo Warner e a CNN de Ted Turner, entre outros inúmeros investimentos em comunicação) (...) Diferente hoje é o fato de que o ciclo de esgotamento da mística ideológica é quase automático – a Internet está no Brasil há cerca de dois anos e já se consolida o esgotamento do fascínio ‘integrado’, talvez em conseqüência do fato de que também em velocidade ‘tempo real’, no Brasil e no mundo, grandes conglomerados se apropriam da distribuição de sinais pela Rede mundial de computadores, mantendo em novos padrões a antiga dominação e a alienação do cidadão como produtor de informação e voz. No Brasil, pouco mais de um ano depois da chegada da Rede ao país, o maior ‘site’ é da Folha de S. Paulo, um conglomerado de vários jornais, indústria gráfica etc., associado ao grupo Abril. Novamente nada de novo, só a necessidade de lembrar que ‘da próxima vez’ que um novo meio for anunciado como ‘redentor’ o leitor pode se preparar... Com a Internet, repete-se também o ciclo descrito por Bertolt Brecht em seu texto sobre o rádio (...): os detentores de voz desenvolveram um meio de informação e saíram atrás dos consumidores que permitiriam sua exploração comercial e o surgimento de um sistema econômico em torno dele. (...) Então, mais uma vez, o meio novo de início “não tem nada a dizer” – no caso da Internet, ela era apenas um sistema de transmissão de informações para professores e órgãos do governo americano. Aí foi buscar “o teatro, a ópera, o café-concerto, conferências, imprensa local, 2 HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 17 periódicos”, como dizia Brecht sobre o rádio nos anos 20 e 30. Está aí a Internet distribuindo novelas à moda da TV, informações de trânsito como as rádios AM, meteorologia como as TVs, folhetins romanceados à moda dos jornais antigos, diversão, horóscopos como as revistas de cabeleireiro (e os jornais), vendendo passagens aéreas, substituindo a relação entre banco e cliente... enfim, ocupando nichos de necessidade preexistentes para conquistar o hábito de consumo de seus usuários. Ainda uma vez mais, um novo meio se torna o que Décio Pignatari, referindo-se à TV, classificava de “meio de meios”, somatória de meios anteriores fagocitados. (...) E, mais uma vez, o uso ‘dialógico’ do meio, permitido pela tecnologia, fica relegado a segundo plano. Vai acontecendo agora mais rapidamente do que antes, o que se deu com o rádio: embora a tecnologia dos computadores também atribua essa possibilidade, já que os modens são telefones conectados ao computador (e como tal são aparelhos de comunicação essencialmente de dupla mão). É tão grande a quantidade de informações disponibilizada pelos ‘provedores de acesso’ que o consumidor só utiliza sua capacidade de diálogo para ‘navegar’ pelo que é oferecido. Os grandes conglomerados de comunicação ocupam a Internet, a mente e o tempo do consumidor de tal forma que para a massa de usuários que se incorporam à rede hoje, ela é um recurso tecnicamente diferente para uma forma de consumo semelhante à dos meios anteriores. Leão Pinto Serva, Babel: a mídia nos tempos do dilúvio e nos últimos tempos, São Paulo, Mandarim, 1997, p. 137-142. 3 HISTÓRIA - Módulo 3 Anexo 18 (...) Na perspectiva da educação geral e básica, enquanto etapa final da formação de cidadãos críticos e conscientes, preparados para a vida adulta e a inserção autônoma na sociedade, importa reconhecer o papel das competências de leitura e interpretação de textos como uma instrumentalização dos indivíduos, capacitando-os à compreensão do universo caótico de informações e deformações que se processam no cotidiano. Os alunos devem aprender, conforme nos lembra Pierre Vilar, a ler nas entrelinhas. E esta é a principal contribuição da História no nível médio. PCNEM, p. 301.