DARWIN: ENTRE A TERRA E O CÉU CARLOS MARQUES DA SILVA Quando pensamos em Darwin e na sua Teoria da Evolução por Selecção Natural vem-nos imediatamente à mente um Darwin biólogo, estudando tentilhões e tartarugas terrestres nas Galápagos... E, no entanto, quer no que respeita aos fundamentos, quer às implicações da Teoria darwinista, a Geologia teve um papel importante. O próprio Darwin, enquanto naturalista, apesar de um primeiro contacto algo desmotivador com a Geologia, acabou por adquirir uma sólida formação geológica de base e desenvolveu trabalho importante no domínio das Ciências da Terra. Efectivamente, é considerado por muitos – nomeadamente pelo próprio e pelos seus contemporâneos – mais um geólogo que um biólogo. Iniciada a sua notável viagem de circum-navegação (1831-36), o primeiro desembarque de Darwin é efectuado em Cabo Verde, na Ilha de Santiago. Aí, num local impiedosamente castigado por um Sol abrasador, o que domina é a Geologia. São, pois, de natureza geológica as primeiras observações do jovem naturalista do HMS Beagle. Muitas outras se seguiriam. Com base no trabalho realizado durante a sua viagem, Darwin publicou posteriormente diversos trabalhos de índole geológica. Dessas obras, porventura, a mais conhecida é aquela, publicada em 1842, em que, discorrendo sobre a estrutura e a distribuição dos recifes coralígenos, desvenda a origem dos recifes em atol do Pacífico, explicando a sua formação em torno de ilhas vulcânica sujeitas a erosão e a subsidência. Está bem patente em “A Origem das Espécies” (1859) a influência que a leitura da obra “Princípios de Geologia” (1830-33), de Charles Lyell, cujo primeiro volume lhe foi oferecido por Robert FitzRoy, capitão do Beagle, teve em Darwin. A Teoria da Evolução por Selecção Natural pressupõe a existência de tempo, de muito tempo, do tempo suficiente para as mudanças evolutivas gerarem a biodiversidade que actualmente conhecemos. A assunção, em “A Origem das Espécies”, de um tempo geológico imensamente extenso, aliada a uma visão “uniformitarista” do mundo natural, de acordo com a qual a Terra mudava paulatinamente, ao longo de uma escala temporal vastíssima, segundo processos idênticos – em natureza e em intensidade – aos que actualmente vigoram, apoia-se em grande medida da leitura da obra de Lyell. Por outro lado, a escala temporal a que, segundo a perspectiva darwinista, baseando-se no uniformitarismo de Lyell, a evolução ocorria entrava directamente em conflito com leituras e interpretações cronológicas mais conservadoras dos textos bíblicos. Juntamente com, por exemplo, a questão da “origem simiesca” da Humanidade, este tema suscitou reacções arrebatadas por parte dos sectores mais conservadores da já de si conservadora sociedade vitoriana inglesa da segunda metade do séc. XIX e alimentou variadas e calorosas polémicas. Enfim, Darwin e a sua Teoria da Evolução, estavam e ainda estão, literalmente, entre a Terra e o Céu. 15 de Outubro de 2008 Carlos Marques da Silva é Professor Auxiliar no Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), onde lecciona, sobretudo, disciplinas relacionadas com a Paleontologia, e investigador no Centro de Geologia da Universidade de Lisboa. Natural de Lisboa, nasceu em 1961. Desde cedo, para “desespero” da sua mãe, que via o seu quarto encher-se rapidamente de “experiências científicas”, de lagartixas, de rochas e, sobretudo, de fósseis, mostrou um interesse particular por aspectos do mundo em que vivemos que são normalmente estudados no âmbito das Ciências Naturais, em geral, e da Geologia e da Paleontologia, em particular. Alfacinha por nascimento, mas – desde idade pré-escolar – almadense “de facto”, ingressou em 1977 no Centro de Arqueologia de Almada (CAA), na altura uma associação juvenil que, para além de acções de cariz arqueológico, desenvolvia, também, actividades viradas para temas paleontológicos, por virtude do substrato geológico rico de fósseis de idade miocénica sobre o qual assenta Almada. Numa época em que agências como a actual Ciência Viva ainda eram uma miragem, nos anos de 1970, foi no contacto directo com arqueólogos e paleontólogos nacionais (Carlos Tavares da Silva, Octávio da Veiga Ferreira, Georges Zbyszewski, entre outros), no âmbito das actividades do CAA, que cresceu em Carlos Marques da Silva o gosto pela ciência e, por via da dedicação graciosa desses primeiros mestres, o carinho pela divulgação científica. A paixão pelos fósseis e pela Paleontologia impeliram-no a estudar no estrangeiro, com uma bolsa de estudo, na Universidade Estatal de Moscovo “M.V. Lomonossov”, de 1980 a 1986, onde se graduou, obtendo o título de MSc em Geologia, com especialização em Paleontologia. Durante a sua estadia em Moscovo, para além das actividades estudantis desenvolvidas na Universidade, trabalhou como tradutor (russo-português) de obras de divulgação científica da Paleontologia (entre outras) e como tarefeiro na preparação de fósseis de vertebrados no Museu de Paleontologia de Moscovo, sobretudo de fósseis de dinossáurios da Mongólia. Ingressou na Universidade de Lisboa, no Departamento de Geologia da FCUL, como AssistenteEstagiário, em 1989, leccionando as disciplinas de Paleontologia e de Paleontologia Estratigráfica. Doutorou-se, em 2002, na Universidade de Lisboa, também em Paleontologia. O seu domínio de investigação actual é a Paleontologia dos Invertebrados, em particular a Paleozoologia dos moluscos gastrópodes de idade miocénica e pliocénica (23 a 1,6 milhões de anos de idade) do Atlântico Norte e do Mediterrâneo e as suas aplicações à resolução questões paleoecológicas e paleobiogeográficas. Paralelamente, desenvolve trabalho de investigação em Paleoicnologia de estruturas bioerosivas associadas a paleolitorais rochosos de miocénicos e pliocénicos e colabora com arqueólogos em temas relacionados com a Arqueozoologia dos moluscos marino-estuarinos associados a contextos arqueológicos. Nos últimos anos, no âmbito da sua investigação paleontológica, participou em várias expedições de campo nas Caraíbas (Venezuela, Panamá, República Dominicana) e no Norte de África (Marrocos). Página pessoal de CMS: http://webpages.fc.ul.pt/~cmsilva/ Publicações de CMS: http://webpages.fc.ul.pt/~cmsilva/Cms/Cmspag/Biblioinfo.htm