X Encontro Nacional de Educação Matemática
Educação Matemática, Cultura e Diversidade
Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010
O FAZER MATEMÁTICA: ANALISE DA ORGANIZAÇÃO DIDÁTICA NA
ARTICULAÇÃO DE CONTEÚDOS A PARTIR DA MOVIMENTAÇÃO DE
OBJETOS OSTENSIVOS E NÃO OSTENSIVOS
Renato Borges Guerra
Universidade Federal do Pará - UFPA
[email protected]
Reginaldo da Silva
Universidade Federal do Pará - UFPA
[email protected]
Roberto Carlos Dantas Andrade
Universidade Federal do Pará - UFPA
[email protected]
Resumo: Este trabalho é parte de pesquisa realizada pelo Grupo de Estudos e Pesquisas da
Didática da Matemática do IEMCI/UFPA1, neste estudo realizamos análise da organização
didática proposta por Elon Lages Lima no livro Medidas e Formas em Geometria, nesta
análise objetivamos destacar a importância do Fazer Matemática nos termos propostos pela
Teoria Antropológica do Didático e sua influência no processo de estudo, bem como
refletir sobre o Fazer Matemática das organizações didáticas propostas por professores
para a consequente organização matemática construída pelos alunos em sala de aula.
Também se evidencia a manipulação dos objetos ostensivos e não-ostensivos em uma
prática escolar. O fazer matemática evidenciado na organização de Lima manipula os
objetos ostensivos resgatando conhecimentos matemáticos de forma articulada e integrada
o que possibilita a assimilação de novos conhecimentos matemáticos.
Palavras-chave: Fazer Matemática; Ostensivos; Não-ostensivos; Geometria Espacial.
Introdução
O advento da educação matemática permitiu o surgimento de teorias que buscam
discutir para compreender os fenômenos que ocorrem no processo de ensino aprendizagem
da matemática. Dentre as teorias advindas da educação matemática destacamos a Teoria
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Instituto de Educação Matemática e Científica /Universidade Federal do Pará
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Antropológica do Didático (TAD) proposta por Yves Chevallard, que aborda entre outros
temas, o fazer matemática.
Este fazer matemática é caracterizado por um fazer articulado e compreensivo que
movimenta o maior número possível de objetos matemáticos, onde no processo de ensino
aprendizagem da matemática a construção do conhecimento ocupa posição de destaque em
relação ao produto final deste conhecimento.
No que se refere ao processo de ensino aprendizagem as instituições de ensino
geralmente adotam manuais didáticos como referência para o ensino, este fato evidenciou a
necessidade desta pesquisa, na qual nos propomos analisar a organização didática proposta
por Elon Lages Lima, no livro Medidas e Formas em Geometria, objetivando destacar a
importância do fazer matemática nos termos propostos pela TAD e sua influência no
processo de estudo, bem como refletir sobre este fazer nas organizações didáticas
propostas por professores para a consequente organização matemática construída pelos
alunos em sala de aula.
Fazer Matemática
Historicamente não a como negar a imbricação existente entre o desenvolvimento
da raça Humana e da Matemática, este fato nos permite compreender a matemática como
uma atividade humana, logo pode ser modelada a partir de Práxis, que são chamadas pela
TAD de praxeologias matemáticas ou organizações matemáticas. Esta permite descrever e
analisar práticas institucionalizadas, como também estudar as condições das mesmas.
Chevallard et. al. (2001, p. 251), descrevem as Praxeologias como a relação entre práxis e
logos, e afirmam “[...] não há práxis sem logos, mas que também não há logos sem práxis.
As duas estão unidas como dois lados de uma folha de papel. Quando juntamos as palavras
gregas práxis e logos encontramos a palavra praxeologia”.
Ao refletirmos sobre as práticas sociais na perspectiva da TAD, podemos entender
as práticas escolares como praxeologias, em particular as que se referem ao processo de
estudo da matemática como praxeologias matemáticas ou organizações matemáticas, as
quais devem propiciar aos alunos eficácia em suas atuações, no que diz respeito a
resoluções de situações problemas e, ao mesmo tempo, os levem a um fazer e
compreender. Em suma, podemos dizer que um sistema didático - processo de ensino
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aprendizagem – que ocorre em uma instituição educacional é composto entre outras de
praxeologias matemáticas.
Nestes termos, na elaboração de praxeologias matemáticas na perspectiva da TAD,
está implícito que tanto o professor de Matemática como os alunos, cada qual em seu nível,
utilizam técnicas didáticas como instrumentos para construir praxeologias matemáticas.
Contudo, o professor as utiliza com objetivo de reorganizar obras matemáticas para o
ensino, e ao reconstruir as organizações matemáticas para o ensino, está construindo uma
organização didática.
A TAD nos subsidia a inferir sobre a atividade matemática como uma atividade
social, isto nos leva investigar como é possível a assimilação das idéias, intuições e
conceitos existentes nos contextos da matemática e, além disso, como fazê-las emergir de
forma contextualizada no cotidiano escolar. Uma atividade matemática é formada por
objetos tais como: formalismo; gráficos; gestos; palavras etc. classificados como objetos
particulares sensíveis que podem intervir na atividade matemática, como representações de
outros objetos, com a função de produzir conceitos, entretanto, não se pode considerar
apenas a função instrumental desses elementos na análise didática do desenvolvimento do
saber matemático.
Ao se tratar da natureza dos objetos didáticos e de seu funcionamento na atividade
matemática, Bosch e Chevallard (1999) os classificam em objetos ostensivos e nãoostensivos. Os objetos ostensivos têm certa materialidade e, por isso, são perceptíveis aos
sentidos humanos e podem ser manipulados, ou seja, se manifestam como signos. Já os
objetos não-ostensivos são: idéias; intuições; conceitos etc. que existem institucionalmente,
estes só podem ser evocados (interpretados) pela manipulação dos objetos ostensivos
associados a uma palavra, uma frase, um gráfico, uma escrita, um gesto, ou todo um
discurso, por exemplo, reta, ponto e plano.
Assim o fazer matemática pode ser entendido a partir da manipulação dos objetos
ostensivos e não-ostensivos em uma organização matemática, a co-ativação desses objetos
no desenvolvimento de uma técnica para o enfrentamento de uma tarefa pressupõe a
manipulação de objetos ostensivos regulados pelos não-ostensivos.
O fazer matemática concebido pela TAD se caracteriza por três aspectos: o
primeiro está na perspectiva de aplicação, quando alguém utiliza conhecimentos
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matemáticos construídos dentro ou fora do contexto escolar para solucionar problemas que
surgem no seu cotidiano; o segundo refere-se ao processo de estudo, um ser humano que se
vê frente a um problema que, para ser resolvido, necessita de conhecimentos matemáticos
já existentes, porém, esta pessoa ainda não se apropriou desses conhecimentos, logo,
precisa estudar para aprendê-los com o objetivo de solucionar o problema; o terceiro
refere-se a criação e/ou re-significação de modelos, este caso consiste em criar uma
matemática nova ou re-significar modelos já existentes, atividade realizada, por exemplo,
por pesquisadores da matemática pura e aplicada.
Quando buscamos caracterizar o fazer matemática de uma pessoa ou de um grupo,
não devemos limitar este fazer somente ao âmbito de sala de aula. Pois o mesmo pode
ocorrer perfeitamente em outros contextos. Alguns aspectos evidenciam que os seres
humanos em muitos casos precisam ter conhecimentos matemáticos suficientes para
resolver situações matemáticas cotidianas, ou pelo menos identificar que a problemática
necessita de um tratamento matemático para ser resolvida. Tendo em vista a imbricação da
matemática na vida do homem, vemos a necessidade da alfabetização matemática nos
termos explicitados a seguir:
O fato de que se ensine matemática na escola responde a uma
necessidade ao mesmo tempo individual e social: cada um de nós deve
saber um pouco de matemática para poder resolver, ou quando muito
reconhecer, os problemas com os quais se depara na convivência com os
demais. Todos juntos haveremos de manter o combustível matemático
que faz a sociedade funcionar e devemos ser capazes de recorrer aos
matemáticos quando for necessário (CHEVALLARD, 2001, p.45).
Reduzir o fazer matemática somente à sala de aula pode induzir as pessoas a não
valorizarem a matemática produzida na escola, pois se a matemática só existir dentro dos
muros da escola, apenas no contexto de ensino e aprendizagem, deixa oculta sua real
importância social. Este pensamento equivocado do fazer matemática pode ter sérias
consequências no processo de ensino aprendizagem, motivando os alunos a não se
responsabilizarem pelas respostas dadas em suas práxis matemáticas. Dessa forma,
deixando a cargo do professor toda a responsabilidade do processo de estudo.
Quando nos referimos à responsabilidade do aluno no processo de construção do
conhecimento, temos o objetivo de enfatizar a sua co-responsabilidade em sua
aprendizagem. Para tanto, é através da utilização de competências didáticas que o professor
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contribui com o processo de estudo do aluno, construindo organizações didáticas capazes
de colocar o aluno na condição de co-responsável pela aprendizagem matemática.
Fazer matemática nos termos propostos consiste em articular saberes matemáticos
de forma integrada para a construção de modelos que também se articulem com outros
modelos, que possibilitem resolver problemáticas a partir da entrada num processo de
estudo de determinado objeto matemático. Fazer matemática também significa a utilização
com regularidade de modelos matemáticos em situações distintas encontradas no cotidiano,
e a partir destes interpretar os resultados obtidos.
Por exemplo, um aluno que foi orientado por um professor ou que toma a iniciativa
de estudar determinada obra matemática, e a partir da articulação dos saberes matemáticos
envolvidos, se apropria do modelo do cálculo de área de uma figura plana regular usando o
fracionamento dessa figura em quadrados unitários como unidade de medida e em outra
situação, este aluno consegue calcular a área de uma figura irregular qualquer usando o
modelo adquirido na situação anterior, este aluno estará fazendo matemática, através da
utilização do modelo.
Outro exemplo, um aluno que teve a oportunidade de estudar determinada obra
matemática, semelhança entre retângulos, e constrói o modelo matemático do conceito de
semelhança pela forma, pela proporcionalidade entre os lados homólogos e pela
congruência entre os ângulos correspondentes da figura. Se este aluno consegue, usando
este modelo, construir figuras semelhantes quaisquer a partir desses conceitos,
demonstrando uma utilização do modelo e na articulação de modelos outros, ele estará
fazendo matemática. Esta nossa interpretação de fazer matemática é apoiada nas palavras
de Chevallard, quando diz:
Um aspecto essencial da atividade matemática consiste em construir um
modelo (matemático) da realidade que queremos estudar, trabalhar com
tal modelo e interpretar os resultados obtidos neste trabalho, para
responder as questões inicialmente apresentadas (CHEVALLARD,2001,
p.50).
Nestes termos, a investigação sobre o objeto de estudo torna-se fator preponderante
para o ensino e a aprendizagem e não somente o uso de estratégias de ensino,
condicionando em plano secundário o objeto de estudo. Assim, são pertinentes as palavras
de Chevallard ao afirmar que:
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No discurso psicopedagógico que domina nossa cultura escolar,
considera-se a aprendizagem escolar como objetivo último da ação
educativa. A análise está centrada no que o professor deve fazer para
favorecer a aprendizagem dos alunos, uma aprendizagem que se traduza
em aquisições significativas e em interesse pela matéria. Em
compensação, nunca se considera necessário uma análise detalhada do
processo de estudo do aluno, isto é, do trabalho matemático que ele
realiza, considerado como um objeto em si mesmo. [...] A tendência é
considerar o ensino como um instrumento para potencializar o
desenvolvimento das estruturas cognitivas dos alunos, e nesse sentido, o
estudo que estes devem realizar (entendido como um meio auxiliar no
ensino) não depende muito da matéria específica estudada
(CHEVALLARD, 2001, p. 80, grifos do autor).
Enfatizamos que a TAD não se opõe às teorias de aprendizagem cognitiva. No
entanto, não as considera suficiente para abarcar as complexidades que surgem no processo
de ensino e aprendizagem. O professor, ao trabalhar um objeto matemático em sala de
aula, deve se preocupar não somente em como se dá a aprendizagem na mente do
estudante, mas também analisar o estudo do aluno a respeito do objeto matemático que está
sendo trabalhado, uma vez que o processo de ensino aprendizagem deve ser visto segundo
um ponto de vista sistêmico e não como o estudo separado de cada um de seus elementos.
Dessa forma, professor e aluno ficam no contexto escolar ligados pelo conhecimento,
surgindo, assim, um sistema didático formado por três elementos: professor-conhecimentoaluno.
Fazer matemática na organização proposta por Elon Lages Lima
Analisando a organização matemática proposta por Lima (1991), identificamos a
determinação de modelos algébricos para o cálculo do volume de sólidos, nesta perspectiva
o autor propõe uma seqüência de estudo que inicia pela noção intuitiva de volume, a qual é
descrita como a quantidade de espaço ocupada pelo sólido, que é calculada de duas
maneiras: através da imersão de um sólido em um recipiente contendo líquido, onde o
volume de líquido deslocado é o volume do sólido e através da utilização do cubo unitário
onde o volume de um sólido é calculado pelo número de vezes que este contém o cubo
unitário.
Entretanto este fazer matemática em algumas situações não se mostra viável, por
exemplo, para sólidos muito grandes ou muito pequenos. Este fato leva o autor a utilizar o
cubo unitário para calcular o volume de um cubo C cuja aresta mede n unidades de
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comprimento, n um número inteiro, ficando assim o volume do cubo C determinado pela
quantidade de cubos unitários contidos em C, ou seja, basta contar quantos cubos unitários
cabem no cubo C. Neste caso, o fazer matemática evidencia a articulação da relação de
semelhança entre sólidos com o cálculo de volume, através da proporcionalidade entre a
aresta do cubo C e a aresta do cubo unitário.
Esta praxeologia permite calcular o volume de um cubo de aresta n qualquer de
forma prática ao estabelecer a relação de proporcionalidade entre as arestas, haja vista, que
dois cubos são sempre semelhantes, existe uma razão de proporcionalidade K entre suas
arestas, logo seus volumes têm razão de proporcionalidade K3, possibilitando assim o
cálculo do volume de um cubo qualquer através do registro algébrico V
K 3v ( v é o
volume do cubo unitário), como a razão de semelhança entre a aresta do cubo C e do cubo
unitário é K
n
o que torna K = n, ou seja, a razão K é a própria aresta do cubo C, o que
1
permite estabelecer um novo registro algébrico para o cálculo do volume do cubo C,
V
n3 , como n é a medida da aresta do cubo C, conclui-se então que o cálculo do volume
de um cubo qualquer pode ser feito simplesmente elevando à medida da aresta a terceira
potência.
Nesta praxeologia matemática é possível perceber de forma explicita a articulação
dos objetos ostensivos como os registros geométricos, aritméticos e algébricos, também se
verifica que a relação de semelhança estabelece a conexão entre os objetos matemáticos
dentro do mesmo registro e entre os registros.
A partir da modelação deste registro o autor calcula o volume de um sólido
retangular qualquer utilizando o cubo unitário como unidade de medida, tendo este sólido
retangular, arestas cujas medidas são números racionais, este cálculo é possível apesar dos
sólidos não serem semelhantes, haja vista, não haver uma razão de proporcionalidade entre
suas arestas correspondentes.
Contudo, ao contarmos a quantidade de cubos unitários que cabem no sólido
retangular conclui-se que cada aresta do sólido pode ser dividida pela aresta do cubo, ou
seja, em cada aresta cabe um deter minado número de arestas do cubo unitário, assim
sendo, o volume do sólido retangular fica determinado pela multiplicação do número de
arestas do cubo unitário que cabem no comprimento, na largura e na altura de maneira
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análoga ao cálculo do volume do cubo V
n.n.n , assim o volume do bloco retangular
qualquer fica determinado através do registro algébrico V
a.b.c , sendo a, b e c as
medidas das arestas do sólido retangular.
Lima (1991) em sua organização matemática ao generalizar o cálculo do volume de
sólidos retangulares cujas arestas têm como medida números racionais, movimenta objetos
matemáticos ostensivos, que possibilitam compreender a noção de capacidade, objeto
matemáticos não-ostensivos, caracterizando assim um fazer matemática, nos termos
propostos por Chevallard (2001).
Partindo da generalização do cálculo de volume de sólidos retangulares quaisquer a
V
a.b.c . O autor faz uma articulação, para o cálculo do volume de sólidos irregulares (S)
utilizando poliedros retangulares, (sólido formado pela reunião de um número finito de
blocos retangulares justapostos) contido no sólido irregular ou que contém este sólido
irregular, ou seja, a noção intuitiva de justaposição de blocos retangulares permite calcular
o volume aproximado por falta ou por excesso aumentando o número de blocos
retangulares que formam o poliedro retangular, de tal forma que o volume do sólido
irregular seja tomado a partir do volume do poliedro inscrito (P) ou circunscrito (P’), assim
V(P)
V(S)
V(P’).
Apesar deste fazer matemática justificar de forma geral o cálculo do volume de um
sólido qualquer, a técnica utilizada torna-se exaustiva dependendo da irregularidade do
sólido, o que de certa forma impossibilita a utilização de um modelo algébrico capaz de
realizar o cálculo do volume de um sólido irregular qualquer de forma imediata. Esta
impossibilidade evidencia a necessidade de outra técnica que permita certa praticidade no
cálculo do volume.
Nesta perspectiva, Lima (1991) assume em sua organização matemática o princípio
de Cavaliere como axioma, o que significa admitir que dados dois sólidos sobre um plano,
e se um outro plano horizontal seccionar estes sólidos determinando figuras planas com
áreas iguais, estes sólidos terão volumes iguais, desta forma, o cálculo de volume reduz-se
ao cálculo de área.
Assim sendo, conhecido o volume de um sólido, como por exemplo, o volume de
um paralelepípedo reto que é um bloco retangular, pode-se encontrar o volume de um
sólido qualquer, desde que admita o princípio de Cavaliere.
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Lima (1991) admite por definição o prisma como caso particular de cilindro, e pelo
princípio de Cavaliere o volume de um cilindro é igual a área da base multiplicado pelo
número de áreas contidas na altura deste, as quais se obtém através das secções horizontais,
desta forma se estabelece o modelo algébrico V
A.h , onde A é a área da base e h é a
altura do sólido.
No que se refere ao cálculo do volume do cone, o autor recorre ao cilindro de base
triangular, visto que seu volume está determinado pelo modelo algébrico V
A.h . Este
sólido de base triangular ao ser seccionado em três sólidos de mesma altura e mesmo
volume de tal forma a resultar em três pirâmides, determina o volume da pirâmide em
1
3
do volume do cilindro e como Lima (1991) admite por definição que a pirâmide é um caso
particular do cone, então o volume de um cone pode ser calculado pelo modelo
algébrico V
1
A.h.
3
Nesta praxeologia matemática, na intenção de evidenciar modelos algébricos que
permitam de forma genérica calcular o volume de determinados sólidos, o autor propõe o
estudo através de famílias de sólidos, as do cilindro e do cone, este fazer matemática
promove a movimentação de objetos matemáticos ostensivos e não-ostensivos, na
articulação entre os registros geométricos e algébricos.
No que diz respeito ao cálculo do volume da esfera, o autor propõe uma seqüência
de estudo que articula através do princípio de Cavaliere a esfera, o cilindro eqüilátero e
dois cones circulares de altura R (clépsidra) extraídos do cilindro eqüilátero gerando um
novo sólido denominado anticlépsidra, sendo R o raio da esfera e o raio do cone.
Para o cálculo da esfera o autor considera a anticlépsidra sobre um plano α o qual
tangencia a esfera e ambos no mesmo semi-espaço determinado por α, ao verificar que as
secções produzidas por planos paralelos a α, na esfera e na anticlépsidra têm áreas
numericamente iguais, pelo princípio de Cavaliere fica determinado que o valor numérico
do volume da esfera é aproximadamente igual ao da anticlépsidra que é calculado pelo
modelo algébrico V
4 3
R .
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A praxeologia matemática proposta pelo autor para o cálculo da esfera apresenta
um fazer matemática justificado pela utilização do princípio de Cavaliere e a
movimentação dos objetos ostensivos V
R2 h e V
1 2
R h . Neste fazer matemática
3
observamos a movimentação simultânea de registros geométricos e algébricos,
caracterizado pela extração da clépsidra gerando um sólido que se relaciona com a esfera,
esta movimentação de registros no campo geométrico ocorre concomitante a
movimentação de registros no campo algébrico, visto que o registro algébrico da
anticlépsidra V
4 3
R resulta de operações estabelecidas entre os registros algébricos que
3
calculam o volume do cilindro e o volume do cone. A relação estabelecida pelo princípio
de Cavaliere entre anticlépsidra e a esfera permite a compreensão do objeto não-ostensivo
volume da esfera, bem como considerar o objeto ostensivo V
4 3
R como registro
3
algébrico que calcula o volume da esfera.
Considerações
Podemos verificar que na organização matemática proposta por Lima (1991) o
fazer matemática concebido pela TAD, se mostra presente e indica a relevância deste fazer
para o processo de ensino aprendizagem, apontando para o professor possíveis caminhos
que propiciem a busca de estratégias que permitam aos alunos a prática de um fazer
matemática, mas um fazer para compreender a ponto de ser argumentado e justificado
pelos alunos, possibilitando-lhes interpretarem situações que permeiam seu contexto sóciocultural, levando-os a perceberem que a matemática não se limita à sala de aula, o que a
nosso ver pode funcionar como um agente motivador para que os alunos se conscientizem
da importância da matemática para a sociedade tecnológica baseada na informação.
A opção por esta teoria para a condução de organizações matemáticas para as
práticas docentes oportuniza ao professor o compartilhamento com o aluno da
responsabilidade no processo de aprendizagem da matemática no contexto escolar,
permitindo ao aluno exercer também a condição de protagonista e não de coadjuvante na
construção do conhecimento no sistema didático.
Nossas reflexões a respeito da aprendizagem escolar fundamentadas na TAD nos
permitem enfatizar a relevância da entrada em um processo de estudo para um fazer
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matemático que propicie investigações sobre o objeto de estudo afim de que o professor
possa cada vez mais enfatizar as articulações existentes entre os vários objetos
matemáticos, como na organização matemática aqui analisada e em destaque os objetos
ostensivos e não-ostensivos.
Referências
BOSCH, M.; CHEVALLARD, Yves. La sensibilité de l’ativité mathématique aux ostensifs
Objectd’etude et problematique. Recherches en Didactique des Mathématiques, Paris, v.
19, n. 1, p.77-124, 1999.
CHEVALLARD, Yves et al. Estudar matemáticas: o elo entre o ensino e a
aprendizagem. Tradução: Daisy Vaz de Moraes. Porto Alegre: Artmed, 2001.
LIMA, Elon Lages. Medidas e formas em geometria: comprimento, área, volume e
semelhança. Rio de janeiro: sociedade brasileira de matemática, 1991.
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