AGRADECIMENTOS À professora orientadora Regina Helena Urias Cabreira pelo seu empenho e dedicação nas diversas análises deste trabalho. A todos os professores do curso de Especialização em Ensino de Línguas Estrangeiras Modernas do Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná pela maneira com que nos incetivaram a trilhar esse caminho repleto de novos saberes. Aos meus familiares que tanto me apoiam e me incentivam nesta jornada em busca de novos horizontes. II Vampire Bite By Elise R. McCurdy The bite of the vampire, vicious, insane. The blood dripping down, upon my frame. The years I do see are gone. So am I. I try to scream but afraid. All I do is cry. I plead for my life, as I feel I am becoming one of them. A vicious vampire, my life filled with sin. Now I can feel hungry. Now I can feel blood. As it rushes, rushes through my veins. I am the Vampires Bite, Insane. III SUMÁRIO Resumo...............................................................................................................V Abstract..............................................................................................................VI Introdução..........................................................................................................01 Capítulo I – O pano de Fundo da Obra..............................................................05 Capítulo II – Vestígios Propositais.....................................................................09 Conclusão..........................................................................................................30 Bibliografia.........................................................................................................33 IV RESUMO Este projeto faz uma análise do tema do erotismo e dos comportamentos não convencionais presentes no romance Entrevista com o Vampiro de Anne Rice (1973). Entende-se por comportamentos não convencionais homossexualismo, bissexualismo, pedofília, incesto e o complexo de Electra, e por erotismo o uso de imagens ou símbolos que provoquem estímulos sexuais. Foi feita uma análise de trechos do romance para que se pudesse achar respaldo para as questões levantadas, uma vez que nenhum destes comportamentos é explicitado no desenrolar da trama, e a sensualidade é apenas insinuada. Os trechos utilizados foram aqueles em que Rice, de uma forma camuflada, sugere, através de seus vampiros, os comportamentos não aceitos pela sociedade. Além disso, foi feita uma análise das inquietações que levaram Rice á escrever este romance gótico. Explicou-se também o que é Literatura Gótica e foram ressaltadas, durante a análise, as partes que caracterizam o romance como Gótico. Este romance foi escolhido por ser uma obra contemporânea de uma escritora reconhecida mundialmente. A obra foi traduzida para o português por Clarice Lispector, uma das maiores escritoras brasileiras, a qual traz na sua obra indagações semelhantes as de Rice, isto é, o questionamento sobre a vida e seus valores. Palavras Chaves: Erotismo, Comportamentos não convencionais, Vampiros, Seres Humanos, Literatura Gótica. V ABSTRACT This project analyses the theme of the eroticism and the unconventional behaviours depicted in the novel Interview with the Vampire by Anne Rice (1973). It is understood by unconventional behaviours homosexuality, bisexuality, paedophilia, incest and the Electra Complex, and by eroticism the use of images or symbols that arise sexual stimulus. Specific parts of the novel were analysed in order to find supporting evidence for the questionings specified above, once none of these behaviours are openly shown during the development of the plot, the sensuality is only insinuated. The parts used were those in which Rice, in a disguised way, suggests, through her vampires, the behaviours not accepted by the society. Besides, it was made an analysis of the restlessness that triggered Rice to write this gothic novel. It was also explained what gothic literature is and highlighted, during the analysis, the parts which characterise the novel as gothic. This novel was chosen because it is a contemporary piece of work by a writer who is recognised worldwide. The book was translated into Portuguese by Clarice Lispector, one of the greatest Brazilian writers, whose concerns are similar to those of Rice. Both of them question the meaning of life and its values. Key Words: Eroticism, Unconventional Behaviours, Vampires, Human Beings, Gothic Literature. VI Introdução Este projeto faz uma análise do tema do erotismo e de comportamentos não convencionais no romance Entrevista com o Vampiro de Anne Rice (1974), uma vez que a conotação sexual está presente em grande parte do livro. Alguns dos temas colocados nas entrelinhas pela escritora são homossexualismo, bissexualismo, incesto, pedofilia e o complexo de Electra¹ . Entrevista com o Vampiro é um romance contemporâneo de uma escritora norte americana reconhecida mundialmente. A obra foi traduzida para o português por uma das maiores escritoras brasileiras, Clarice Lispector. Sabemos que a obra clarissiana é fundamentada em indagações sobre as questões humanas; o romance de Anne Rice segue pelo mesmo caminho. Portanto, esse romance encaixou-se perfeitamente no universo de Clarice Lispector. Clarice consegue passar com veemência toda a paixão de Anne Rice sobre o universo vampiresco onde a fantasia está solta, mas a realidade espreita por trás do gótico, do terror e do romântico. Anne Rice nasceu em Nova Orleans em 4 de outubro de 1942, descendente de irlandeses e alemães. Foi criada no Texas e morou na Califórnia antes de voltar à sua cidade natal, cenário de sua obra. Rice formou-se em Ciências Políticas e fez Mestrado em Criação Literária. Em 1969 escreveu um conto chamado “Entrevista com o Vampiro”. Em 1972 sua primeira e única filha morreu de leucemia aos seis anos de idade. Inconformada com a morte da filha Rice procura um meio para melhor entender a vida. A eternidade, que já povoava sua mente, passa a ser uma constante. Ela então decide continuar seu conto de 1969, pois esta seria a maneira que a mesma encontraria para dar vida eterna a um ser humano, desta forma conseguiria derrotar o fantasma da morte. Em 1973 tornou seu conto de 1969 em um romance gótico. A literatura gótica inclina-se para a loucura, a morbidez, o sombrio, o satânico. Alguns a chamam de literatura do mal, mas tecnicamente pode ser chamada de literatura fantástica. Ela ignora Deus como o ser supremo e dá vida a outros seres com talentos tão poderosos quanto os Dele. Esta complacência do ¹O complexo de Electra foi batizado a partir de um mito grego segundo o qual Electra, para vingar o pai, Agamemnon, incita seu irmão Orestes a matar a mãe, Clitemnestra, e seu amante Egisto, que haviam assassinado Agamêmnon. Fonte: http:www2.uol.com.br/cienciahoje/chdia/n1051.htm. Acesso em 14.03.05 1 fantástico em relação aos valores negativos produz medo, reprovação, angústia e desespero. Segundo a Merriam-Webster’s encyclopedia of literature (1995: 480) um romance gótico é: European Romantic, pseudomedieval fiction having a prevailing atmosphere of mystery and terror. Its heyday was the 1790s, but it was frequently revived thereafter. Called gothic because its imaginative impulse was drawn from the rough and primitive grandeur of medieval buildings and ruins, such novels were expected to be dark and tempestuous and full of ghosts, madness, outrage, superstition, and revenge. The settings were often castles or monasteries equipped with subterranean passages, dark battlements, hidden panels, and trapdoors. The vogue was initiated in England by Horace Walpole’s immensely successful Castle of Otranto (1765). His most respectable follower was Ann Radcliffe, whose The Mysteries of Udolpho (1794) are among the best examples of the genre. A more sensational type of gothic romance exploiting horror and violence flourished in Germany and was introduced to England by Matthew Gregory Lewis with The Monk (1796). The classic horror stories Frankenstein (1818), by Mary Shelley, and Dracula (1897), by Bram Stoker, are written in the gothic tradition but without the specifically gothic trappings. Easy target for satire, the early gothic romances died of their own extravagances of plot, but gothic elements continued to haunt the fiction of such major writers as the Brönte Sisters, Edgar Allan Poe, and Nathaniel Hawthorne, as well as many modern horror stories. A good deal of early science fiction, like H.G. Well’s The Island of Doctor Moreau (1896), also seems to spring out of gothic movement. In the second half of the 20th century, the term was applied to paperback romances having themes and trappings similar to the original gothic novel. Rice se encaixa perfeitamente neste cenário gótico, consegue trazer de volta os vampiros, seres que fazem parte da superstição de muitos povos, principalmente da Europa ocidental. Ela consegue recriar com maestria criaturas folclóricas que fazem parte do lado sombrio de lendas antigas. Suas criaturas são seres ultrajantes, que não respeitam normas e são filhos da escuridão. São seres metade humanos e metade deuses. São onipotentes, decadentes, enigmáticos e envoltos em mistério. Não são fantasmas mas também não são humanos. São violentos e doces ao mesmo tempo. O lado da insanidade do ser humano é explorado com precisão por Rice através destas criaturas lendárias. Rice usa elementos da cultura gótica como a escuridão, as roupas escuras, a pele alva, a beleza enigmática, os cemitérios e lugares sombrios. Por exemplo, podemos citar que seus vampiros europeus dormiam 2 no subsolo de um teatro em Paris e dormiam dentro de caixões de defunto. Na verdade, todos os vampiros precisavam dormir dentro de um caixão. Depois de Entrevista com o Vampiro muitos outros livros vieram, todos abordando assuntos sobrenaturais. Em 1988 Anne e o marido já tinham tido outro filho e já estavam morando em uma mansão em Nova Orleans. Os direitos para a versão fílmica do romance foram vendidos por 150.000.00 dólares em 1976, o filme porém só foi feito em 1994 e teve a direção de Neil Jordan. Os romances de Rice tornaram-se “best-sellers.” Anne Rice escreveu vários livros sob os pseudônimos de Anne Rampling e A.N. Roquelaure. Os Vampiros sempre tiveram um papel de destaque na literatura e no cinema. A etimologia da palavra vampiro causa polêmica entre os lingüistas. Há, por exemplo, quem reivindique sua ascendência no termo turco uber que significa bruxo ou ainda no termo polonês upire que significa sanguessuga ou também da palavra Sérvia, vampir que significa morto vivo, esta designação é utilizada em vários países para denominar os seres que se alimentam de sangue. Esta crença foi muito difundida na Europa oriental do século XV ao século XIX e divulgada para o mundo principalmente pelo romance de Bram Stoker. Vampiros são criaturas sedutoras que têm o poder de transmitir ou tirar uma vida apenas com uma mordida. O Vampiro é um sedutor. A vítima talvez não tenha consciência que está sendo seduzida, ou talvez tenha, mas no momento da mordida o prazer é tão intenso que elas se tornam presas quase que voluntárias do seu predador. A pergunta que não tem resposta seria: “Quem tem mais prazer neste jogo de sedução sanguinolento, a vítima ou o vampiro?” Aidar e Maciel (1988: 26) enfocam: Para entendermos o vampirismo e sua presença na literatura, precisamos falar sobre os sonhos, que são enredos do nosso inconsciente. Enredos estranhos, na maioria das vezes muito mais estranhos que qualquer história de vampiro e que parece ocultar algum misterioso sentido. Os psicanalistas tentam decifrar esse sentido, descobrindo algo assim como uma lógica das emoções que produzem os sonhos. O que importa aqui é que o sonho é tentativa de realização do desejo. As maquinações do inconsciente são espécies de enigmas que apresentam uma história a ser decifrada. História que funciona como uma espécie de válvula de escape daquilo que é reprimido (alguns desejos e impulsos são proibidos por causarem desequilíbrios, e portanto, não afloram à mente diretamente, 3 mas alegoricamente, em outra linguagem). A questão é que o escritor não precisa ter abusado da salada para escrever histórias escabrosas que se passam em lugares escuros em que habitam criaturas não-mortas, mortosvivos; sem dúvida tais escritores brincavam com seus sonhos, deixandose contagiar por seus signos, lidando com o proibido que é, ao mesmo tempo, o horripilante e a sedução, pois o sonho fala do desejo. Anne Rice consegue transmitir de uma forma camuflada os desejos e ansiedades dos seres humanos através dos vampiros. No romance Entrevista com o Vampiro, a escritora aborda temas ainda polêmicos nesse novo milênio. A estória é macabra e envolvente, mas de uma forma sutil e eficaz Rice provoca o leitor, levando-o a questionar-se sobre seus valores o tempo todo. 4 Capítulo 1 - O pano de fundo da obra O romance Entrevista com o Vampiro induz o leitor a questionar a sexualidade dos personagens. A estória começa em San Francisco, uma cidade notória por sua grande população de homossexuais, o que a torna uma locação bastante questionável e sugestiva. Dois homens jovens e atraentes se encontram em um bar e depois vão para um quarto de hotel. Um deles é jornalista. O outro é um vampiro que vai dar a entrevista. A entrevista é feita, mas no final a mordida fatal acontece, o jornalista quase implora para que isto aconteça. A mordida é o prazer máximo que o vampiro e sua vítima podem compartilhar. Isso quer dizer que houve a consumação do ato sexual entre os dois personagens. O protagonista da estória é um vampiro que tem problemas de aceitação de sua sina. Para ele esta entrevista seria como uma terapia, pois ele precisa compartilhar com alguém toda a dor que sente; a dor da vida, a dor de ser um ser humano, mas ao mesmo tempo ser um pouco monstro. Ele quer e precisa relatar toda estória para se ver livre de um fardo, que é sua consciência. Talvez ele queira alertar os seres humanos que a eternidade e a preservação da juventude sejam apenas ilusões. O vampiro não envelhece. De que valeria a eternidade e a beleza se elas fossem destinadas a poucas pessoas? Nesta entrevista o vampiro fala das suas frustrações, dos seus medos, das suas angústias e de seu questionamento sobre Deus e a vida. É como se ele estivesse sentado em um divã de um analista relatando seus infortúnios. O vampiro é uma criatura andrógina. Rice compara os vampiros a pessoas que têm uma conduta sexual não convencional, tornando-os também andróginos. Em alguns trechos do romance ela insinua que seus vampiros são homossexuais. São seres que não se encaixam dentro da sociedade convencional, às vezes são rejeitados de uma forma aberta, outra vezes de uma forma mais sutil. Rice não fala abertamente que seus vampiros são homossexuais ou sexualmente confusos, ela dá pistas ao leitor. Esta metáfora criada pela escritora talvez tenha sido um meio que ela encontrou para poder driblar nossa sociedade homofóbica. Um herói gay faria sucesso apenas entre os homossexuais, mas um herói sem uma conduta sexual definida poderia 5 agradar a todos. Isto tudo leva-nos a pensar no grau de dificuldade que a sociedade tem em aceitar o diferente, apesar de estarmos em pleno século 21. Após o lançamento da versão filmíca do seu livro, Anne Rice foi questionada sobre o fato de seus vampiros serem homossexuais ou não. Algumas pessoas acham que o filme e o livro são alegorias “gays”. A escritora colocou uma página na internet onde defende seus personagens e explica que não disfarçou os homossexuais de vampiros. Ela disse: Se a estória é sobre gays, é sobre todos nós, os segredos que carregamos, as qualidades boas e ruins que nos separam uns dos outros, os fardos que temos que carregar, a raiva que sentimos, e a situação comum que nos une. Os personagens do livro Entrevista com o Vampiro não são gays disfarçados de vampiros. Eles são nós. Eles estão na nossa solidão, em nossos medos, em nossa solidão espiritual e moral. Eles estão na nossa crueldade, no nosso desespero para encontrar uma companhia, calor, amor e calma em um mundo cheio de tentações maravilhosas e grandes horrores. Eles são seres que erram mas que tem a força de deuses; e é exatamente isso que somos, todos nós. Resumindo, Entrevista com o Vampiro é maior que uma alegoria gay. Gênero influencia tudo mas não determina nada! Vampiros transcendem gênero. Nós como pessoas modernas transcendemos gênero, apesar de nunca podermos escapar dele. Este comentário de Rice leva-nos a crer que a intenção dela ao escrever o romance não foi o de criar estereótipos, mas sim de levar as pessoas ao questionamento de seus valores e da vida. Este contraste que ela faz entre o efêmero e o eterno é uma maneira de conscientizar as pessoas da fragilidade da vida. O gênero é parte da vida mas não determina nada. A conduta sexual não é importante. Se colocarmos todos os habitantes deste planeta em um mesmo plano, todos são apenas humanos, e todos sofrem em busca de um significado para a vida. O gênero não faz ninguém se sentir melhor ou pior que outro. Portanto, a homossexualidade seria apenas uma conduta de vida e não um determinante para ser feliz ou não. A escritora colocou nas entrelinhas os diversos tipos de comportamentos que não são aceitos pela nossa sociedade. O mais evidente deles é o homossexualismo, que é mostrado de uma forma sutil. A autora de uma forma indireta compara os homossexuais a vampiros, isto é, são criaturas não aceitas pela sociedade convencional. Portanto, só são verdadeiros durante a noite quando podem tornar-se eles mesmos protegidos pela escuridão. Assim como 6 os vampiros, os homossexuais estão sempre a procura de sangue novo. São desprezados pela sociedade e alguns vivem escondidos. Os vampiros da estória se preocupam com a aparência, são perdulários e cultos como a maioria dos homossexuais. Um dos protagonistas da estória de Rice é Lestat, um vampiro sem escrúpulos que só pensa em si mesmo e no seu bem estar, faz tudo para que seus caprichos sejam atendidos. Mata sem remorso, mas ao mesmo tempo é atraente e sedutor. Quando ele encontra Louis, vê nele o companheiro perfeito: rico, bonito, inteligente e fragilizado. Louis por estar frágil e sentir-se culpado pela morte de seu irmão, aceita receber o presente negro, o presente negro é a mordida para tornar-se um vampiro. O romance sugere que Louis e seu irmão tinham uma relação de amor além das relações normais entre irmãos, Louis descreve seu irmão de uma forma sensual. (Devemos ressaltar aqui, que o livro está sendo ditado ao jornalista por Louis, portanto podemos dizer que existem duas narrativas paralelas a de Louis e a de Rice). Ele não consegue esconder a admiração que tinha pela beleza de seu irmão. Esse é o primeiro comportamento não convencional insinuado no livro: o incesto. Depois de ter se tornado um vampiro e sentido o êxtase de ver o mundo com outro olhos, Louis arrepende-se mas é muito tarde. Louis passa a ser um vampiro que não se aceita, portanto passando a mostrar a figura daquele homossexual que não se aceita, mas precisa viver. O romance explora o significado do mal no mundo através dos olhos de Louis, um vampiro que tenta lutar contra sua própria natureza, assim como alguns homossexuais que não aceitam sua condição, mas acabam deixando-se vencer pelo desejo. Lestat, vendo o sofrimento de Louis, procura achar um meio de não perdê-lo e para isso resolve criar uma filha para eles, Cláudia. Lestat induz Louis à ajudá-lo nesta macabra criação. Cláudia é uma criança órfã e indefesa. Depois de transformada em vampiro ela fica mimada e cruel como Lestat, apesar de ter em Louis seu porto seguro. A menina acaba tornando-se parte de um triângulo amoroso implícito. Como dito antes, Anne Rice não usa a palavra pedofília em momento algum, tudo é deixado por conta do leitor. 7 Cláudia, por sua vez, sente um profundo amor por seus criadores, um amor que vai além do amor de filha por seus pais, no caso de Claudia ela tinha dois pais do sexo masculino. Desta forma, Rice consegue abordar mais um vício do ser humano, o complexo de Electra, isto é, quando uma filha tem atração pelo seu próprio pai. A menina Claudia, por ter sido transformada em vampiro ainda criança, está condenada a nunca ter um corpo de mulher. No começo da estória ela é um vampirinha feliz, mas com o passar do tempo descobre que nunca será uma mulher. Ela declara aos seus criadores que os odeia. Apesar de não ser verdade, ela odeia Lestat pelo desdém com que ele a trata. Então ela astutamente planeja a morte de Lestat. Depois da suposta morte de Lestat, Claudia e Louis vão para Europa para descobrir suas origens. Lá eles conhecem outros vampiros. Um deles é Armand, este fica fascinado por Louis, trazendo novamente à tona a conotação de vampiros sexualmente confusos. Cláudia por sua vez, com mais de sessenta anos conhece Madeleine e as duas viram protetoras uma da outra. Não poderiam ser mãe e filha devido à idade, portanto subtende-se que a relação delas vai além disso. O lesbianismo é insinuado nesta parte do romance. Cláudia, apesar de não ter o corpo de mulher, tem os anseios e os desejos de um adulto. Devemos frisar que os vampiros não tem relações sexuais como os humanos, seu prazer vem das mordidas. A própria Anne Rice na sua página na internet declarou: “Vampiros não tem sexo. Eles transcendem gênero.” Neste capítulo foi dada uma explicação de como Rice usa a metáfora dos vampiros para explicar a natureza humana. Foi feita uma análise do pano de fundo da obra. Agora partiremos para análise da obra literária. 8 Capítulo 2: Vestígios propositais No primeiro capítulo foi feito um esboço daquilo que Rice insinuou, ou deixou entrelinhas sobre a sexualidade de seus vampiros. Foi descrito o pano de fundo do romance. Neste capítulo será feita uma viagem dentro do romance para que possamos encontrar evidências sobre as questões levantadas. A estória começa com Louis conversando com o jornalista, ele explica que se tornou vampiro quando tinha 25 anos de idade, no ano de 1791 (Rice: 13). Ele explica que vinha de uma família rica, que seu pai já havia morrido e ele tinha que cuidar da sua mãe, irmã e um irmão. O irmão, Paul, era um menino com problemas psicológicos, um fanático religioso. Louis chegou até mesmo a mandar construir um oratório para ele, onde o mesmo passava a maior parte dos dias, dizia ter visões e parecia estar querendo pagar por algum erro que havia cometido. Louis não aceitava o fato de seu irmão tornar-se um religioso, ele o amava demais para deixá-lo partir e ir para um seminário. Paul queria que sua família vendesse tudo que possuíam para ir para França e usar o dinheiro para servir a Deus. Quando Louis descreve seu irmão aos quinze anos de idade ele abusa dos adjetivos e elogios: Na época, era um rapaz muito bonito. Tinha a pele mais macia e os maiores olhos azuis que já vi. Era forte, não era frágil como sou agora e já era, então...Mas seus olhos...Quando olhava dentro de seus olhos, sentia-me como se estivesse sozinho no fim do mundo...numa praia oceânica batida pelos ventos. Sem nada, além do rugido macio das ondas. (Rice:15) Da maneira como fala do irmão dá impressão de que Louis o amava fisicamente, pois nenhum homem ao descrever seu irmão falaria da maciez de sua pele e dos encantos dos seus olhos. Na noite em que seu irmão morreu, ou suicidou-se, Louis explica que o mesmo tinha deixado seu quarto desnorteado e entristecido e que logo depois disso entrou numa espécie de transe e caiu da escada quebrando o pescoço. Na época, sua mãe disse a todos que algo horrível, algo que Louis não queria que fosse revelado, havia acontecido dentro daquele quarto. Louis foi acusado 9 pela morte do irmão por sua própria família e até mesmo a polícia o interrogou. Ele afirma que apenas discutiu com o irmão e o mesmo caiu sozinho da escada. Depois da morte do irmão Louis passou dois dias ao lado do cadáver, ele relata o fato da seguinte forma: Passei dois dias ao lado do seu caixão pensando: eu o matei. Fitei seu rosto até que as manchas aparecessem aos meus olhos e quase desmaiei. A parte posterior de seu crânio tinha se estatelado no chão, e sua cabeça tomava uma forma estranha sobre o travesseiro. Obriguei-me a fitá-lo, observá-lo, simplesmente porque mal podia suportar a dor e o cheiro da decomposição, e por várias vezes tive a tentação de abrir seus olhos. Foram todos maus pensamentos, maus desejos. A idéia principal era esta: eu ri de meu irmão, não acreditei nele, não fui delicado. Ele caiu por minha causa. (Rice: 17-18) Depois da morte do irmão Louis deixa a fazenda onde moravam e todos vão para uma das casas da família em Nova Orleans. Louis começou a beber para poder esquecer a morte do irmão, queria morrer mas não tinha coragem de fazê-lo sozinho. Estaria ele sentindo remorsos por alguma coisa? Houve incesto, ou não? O que teria acontecido no quarto de Louis no dia da morte de seu irmão? Que coisas horríveis eram essas a que sua mãe se referia? Essas são questões que Rice deixa a critério do leitor. Louis conta que quando ele foi mordido por Lestat, foi encontrado quase morto, foi levado para sua casa e sua mãe chamou um padre. Louis diz ter confessado ao padre sobre as visões de seu irmão e o que ele tinha feito, diz ter agarrado o braço do padre e o fez jurar várias vezes que não contaria nada a ninguém. Que mal tão grande teria Louis feito a seu irmão? Depois da visita do padre Louis tem um ataque histérico, naquela mesma noite Lestat volta para visitá-lo e possuí-lo mais uma vez. Louis descreve esta visita de Lestat da seguinte forma: Lembro-me como se fosse ontem. Veio pelo pátio, abrindo as janelas sem um ruído, um homem alto de pele delicada, cabelos louros e movimentos graciosos, quase felinos. (Rice: 20) 10 O encanto que Lestat exerce sobre Louis é inevitável, por mais que ele tente não consegue deixar de admirar e confessa: Recusava-me a olhar para ele, a ser encantado pela doce beleza de seu rosto. Ele repetia meu nome carinhosamente, rindo. Como já disse, pretendia obter a fazenda. (Rice: 24) Louis fica apaixonado por Lestat mas acha que Lestat o quer apenas pelo seu dinheiro. Deve-se ressaltar neste ponto, novamente, que o romance é escrito em primeira pessoa, por Louis, portanto não sabemos exatamente o que Lestat pensava. Louis explica a sensação de estar ao lado de Lestat: Agora me escute, Louis – disse ele, sentando-se a meu lado no degrau, de modo tão gracioso e íntimo que me fez pensar nos gestos de um amante. Recuei. Mas ele passou seu braço direito por meus ombros e me aproximou de seu peito. Nunca havido estado tão próximo dele, e sob a pálida luz, pude perceber o magnífico brilho de seus olhos e a superfície sobrenatural de sua pele. Quando tentei me mexer, colocou os dedos em meus lábios e disse: Fique quieto. Agora vou sugá-lo até a verdadeira fronteira da morte, e quero que fique quieto, tão quieto que quase possa ouvir o fluxo do sangue em suas veias, tão quieto que possa ouvir o fluxo deste mesmo sangue nas minhas. São sua consciência e sua vontade que deverão mantê-lo vivo. (Rice: 25) Louis explica a sensação de ter o lábios de Lestat afundados no seu pescoço: Lembro-me que o movimento de seus lábios arrepiou todos os cabelos de meu corpo, enviando uma corrente de sensações através de meu corpo que não me pareceu muito diferente do prazer da paixão... (Rice: 26) Depois de ter sugado Louis, Lestat corta seu próprio pulso e dá para que Louis beba seu sangue. Louis sente pela primeira vez, seu primeiro orgasmo vampiresco bebendo sangue. Ele proclama: Enquanto bebia o sangue, não via nada a não ser aquela luz. E, em seguida...um som. A princípio era um rugido rouco que depois se transformou num rufar, como o rufar de um tambor, cada vez mais alto, como se alguma imensa criatura estivesse saindo vagarosamente de uma floresta escura e estranha, rufando, enquanto andava, um enorme tambor. E, então, surgiu o rufar de outro tambor, como se outro gigante viesse atrás do primeiro e, cada gigante, preocupado com seu próprio tambor, não desse 11 importância ao ritmo do outro. O som foi se tornando cada vez mais forte até me dar a impressão de não estar apenas atingindo minha audição, mas todos os meus sentidos, de estar penetrando em meus lábios e em meus dedos, na carne de minha têmporas, em minhas veias. Principalmente, em minhas veias, rufar após rufar; e subitamente Lestat afastou o pulso. Abri meus olhos e me contive ao notar que tentava segurar seu pulso, agarrá-lo, querendo fazê-lo voltar à minha boca de qualquer modo. Contiveme porque entendi que o rufar vinha de meu próprio coração, e que o segundo rufo vinha do dele. (Rice: 26) Logo depois deste orgasmo Louis começa a ver o mundo com olhos de vampiro, era como se ele tivesse tomado uma droga poderosa que o fizesse esquecer de tudo e o fizesse apenas admirar tudo que acontecia ao seu redor. Primeiro ficou enamorado pelos botões de sua roupa e depois, ordenado por Lestat, saiu para apreciar a noite. Louis declara em êxtase: Claro que esta foi uma ordem inteligente. Quando vi a lua sobre a laje, fiquei tão encantado que poderia ter permanecido uma hora ali. Passei pelo oratório de meu irmão sem nem ao menos pensar nele, e fiquei entre os choupos e os carvalhos, escutando a noite como se fosse um coro de mulheres sussurrando, todas me convidando a me chegar a seus seios. (Rice: 28) Quando Louis se refere às mulheres nota-se seu desejo de estar com elas, mais uma vez Rice nos mostra o lado sexualmente confuso de Louis. Seria Louis um bissexual disfarçado de vampiro? Louis e Lestat passam a morar juntos, Lestat explica a Louis que vampiros têm que dormir em caixões, como Louis havia sido transformado em vampiro recentemente ainda não possuía um caixão só para ele. Lestat deitase e pede a Louis, em seu tom mais desdenhoso, que se deite sobre ele. Louis meio confuso o faz e explica da seguinte forma: Foi o que fiz. Deitei-me voltado para ele, extremamente confuso com a ausência de medo e sentindo um mal-estar por estar tão próximo dele, belo e intrigante como era. E ele fechou a tampa. Então perguntei se eu estava completamente morto. (Rice: 31) Anne Rice tenta demonstrar como seria a sensação que um homem que se diz heterossexual teria ao ter que se deitar com outro homem, o qual ele 12 acha bonito e atraente. Louis deixou-se morder por Lestat e gostou da sensação da mordida, admite que Lestat é atraente e se deitou com ele no mesmo caixão. Seriam Louis e Lestat homossexuais disfarçados de vampiros? Rice dá as evidências, mas as conclusões devem ser tiradas pelos leitores. Depois de todos os fatos acima mencionados Louis descobre que para sobreviver precisa tirar vidas humanas e fica chocado, pois não o quer fazer. O sangue não lhe daria apenas aquele orgasmo indescritível, mas também o faria sobreviver. Precisaria matar para sobreviver. Neste ponto, acredita-se que Rice queira comparar Louis àqueles que têm prazer sexual de uma forma não convencional, eles abominam esse tipo de comportamento mas acabam vencendo-se pelo desejo e acabam cometendo o que não querem. Essa sensação de prazer e nojo é descrita por Louis, quando Lestat o faz beber o sangue de sua primeira vítima. Cheio de repulsa e enfraquecido pela frustração, obedeci. Ajoelhei-me junto ao homem agachado, que ainda lutava e, colocando ambas as mãos em seus ombros, me aproximei de seu pescoço. Meus dentes mal haviam começado a se transformar, e tive de rasgar sua pele, em lugar de perfurá-la. Mas, uma vez tendo feito a ferida, o sangue jorrou. E quando isto aconteceu, me vi abraçado a ele, bebendo...enquanto todo o resto se desvanecia. (Rice: 35) Louis descreve esta cena como se fosse uma relação sexual proibida, onde a princípio ele não quer porque é proibida, mas depois vencido pelo desejo ela se torna um estupro. Ele fala que rasga a pele do pescoço do homem antes do momento, tanta é a excitação, o sangue jorra como se fosse uma ejaculação. Louis, Lestat e seu pai, passam a morar em Pointe du Lac, a fazenda que Louis e seus familiares moravam antes de seu irmão morrer. O pai de Lestat, o qual ele trata com desdenho, é cego, portanto, não os incomoda. A casa da fazenda é luxuosa, cheia de cortinas de veludo, cristais e tapeçarias. Lestat adorava este estilo de vida, Louis, porém se irrita cada vez mais com Lestat. Em uma das conversas com Lestat, o mesmo explica a Louis que eles podem viver de sangue de animais. Lestat pega uma taça de cristal, 13 depois com sua agilidade vampiresca apanha um rato. Corta o pescoço do animal e depois enche a taça. Tomou o sangue como se estivesse tomando o melhor dos vinhos. Louis assiste a tudo enojado mas ao mesmo tempo surpreso, pois não sabia que poderiam sobreviver desta forma. Depois de tomado o sangue Lestat quebra a taça na lareira e diz: Não se importa, não é? –apontou para a taça quebrada com um riso sarcástico. – Certamente espero que não, pois não poderei fazer nada, caso se importe. (Rice: 39) Logo depois eles discutem e Lestat alega que Louis precisa dele para sobreviver, pois não sabe quase nada sobre o mundo dos vampiros. Esta parte do romance é mencionada porque mais tarde Louis, começa a se alimentar de ratos para não precisar matar humanos. Depois desta discussão Louis arrasta seu caixão até a capela que ele havia mandado construir para seu finado irmão. Sua intenção é ficar longe de Lestat e lembrar de seu amado irmão. No silêncio da capela e com seu caixão em frente ao altar ele conversa com Paul: Pela primeira vez em minha vida, não sinto nada por você, não sinto nada em relação a sua morte. E, pela primeira vez, sinto tudo que poderia, sinto a dor de sua perda como jamais havia sentido antes. (Rice: 40) Esta foi a despedida de Louis para seu irmão, uma despedida um tanto confusa. O que Louis quer dizer quando fala: “não sinto nada por você”. Estaria ele querendo insinuar que agora ele era um vampiro e não precisava mais de sexo? E agora sim o amava como um verdadeiro irmão? Louis sentia-se muito inseguro para deixar Lestat. Lestat não era apenas um vampiro, mas como Louis mesmo afirma, Lestat era um bom professor em assuntos mundanos. Lestat até mesmo conhecia os vendedores de lojas que podiam atender depois da hora, pois fazia questão de que ele e Louis usassem a última moda de Paris. Essa é uma outra característica que não se atribui a um homem completamente heterossexual, estar tão preocupado com moda. 14 Lestat esbanjava o dinheiro de Louis decorando a fazenda com tudo que havia de melhor na época. Essa é mais uma pista deixada por Rice para que se questione a sexualidade dos vampiros. Homossexuais geralmente são perdulários e extravagantes. Lestat cobria seu velho e cego pai com tudo que havia de melhor, mas ao mesmo tempo o tratava de uma forma rude e cruel. Em um dos seus rompantes ele diz: Não lhe dou uma vida esplendorosa? –gritava Lestat. –Não lhe dou tudo o que deseja? Pare de resmungar por causa da igreja e dos seus velhos amigos! Que absurdo. Seus velhos amigos estão mortos. Por que você não morre e me deixa em paz? (Rice: 42) Este comportamento de Lestat nos faz, mais uma vez, questionar sua sexualidade. Muitos psicólogos afirmam que os homens homossexuais têm muito ressentimento com relação aos seus pais, às vezes tornam-se homossexuais por não terem tido um contato físico com uma pessoa do sexo masculino quando crianças, como carinho e abraços. Segundo alguns psicólogos, homens que não dão carinho a seus filhos têm mais chance de ter filhos homossexuais. O psicólogo Steve Biddulph (2002: 18) afirma: Alguns pais temem que, por darem carinho a seus filhos, eles se tornem “maricas” ou talvez, gays. Não é assim. Na verdade, pode ser o contrário. Muitos gays ou bissexuais com que conversei disseram que a falta de afeto paterno contribuiu para tornar a afeição masculina mais importante para eles. Lestat tinha uma relação de amor e ódio com relação ao seu pai, pois este tinha sido muito cruel com ele em sua infância. Quando Lestat saia para caçar suas vítimas sempre procurava gente jovem e bonita, os homens o agradavam mais que as mulheres. Louis relata o fato da seguinte forma: Lestat matava seres humanos o tempo todo, às vezes, dois ou três numa noite, às vezes mais. Em cada um deles saciava sua sede momentânea, depois partia à cata de outro. Costumava dizer, com seu jeito vulgar, que quanto melhor o ser humano, mais o apreciava. Uma jovem viçosa, era isto que preferia para começar a noite; mas para Lestat a morte mais triunfante era a de um rapaz. Os jovens de sua idade lhe agradavam particularmente. (Rice: 46) 15 Se considerarmos que os vampiros sentem seu prazer sexual ao beberem o sangue de alguém. Por que então Lestat prefiria os rapazes às moças? Apesar de não descartá-las, queria ele provar sua bissexualidade? Ou estava apenas disfarçando o fato de ser homossexual? O fato é, ele gostava mais dos homens, portanto, isso o torna mais voltado à homossexualidade. Durante a entrevista Louis fala de Babette, uma mulher que morava em uma fazenda vizinha, ele confessa ao jornalista o que sentia por ela: Como já lhe disse, amava sua força e honestidade, a grandeza de sua alma. Não sentia uma paixão como você sentiria. Mas achei-a mais atraente do que qualquer mulher que tinha conhecido em minha vida mortal. Mesmo sob a camisola severa, seus braços e seios eram roliços e macios; e ela me parecia uma alma arrebatadora vestida por uma carne rica e misteriosa. (Rice: 66) Louis comenta os valores morais da moça, que, para ele, eram muito importantes, até parece sentir-se atraído por ela, mas confessa que não poderia apaixonar-se por ela. Por que Louis não poderia sentir paixão por uma moça com tantos predicados? Louis e Lestat tiveram que abandonar a fazenda e ir para Nova Orleans, todos estavam com medo deles na fazenda e quase os mataram. Louis desejava morrer mas sabia que não podia, não queria matar humanos, então se alimentava de ratos. Ele comenta: Minha sede aumentou febrilmente, e o segui. Meu desejo de morte era constante, como uma idéia fixa, destituída de emoção. Mas precisava me alimentar. Já disse que não matava pessoas. Saí pelo telhado á cata de ratos. (Rice: 73) Louis decide sugar ratos para poupar os humanos. Estaria Rice fazendo uma metáfora? Louis era um vampiro que não se aceitava como tal, julgava-se mal e se culpava o tempo todo. Ele se encaixa perfeitamente no papel de uma pessoa sexualmente confusa, que não quer fazer aquilo que acha moralmente errado, mas sua natureza é mais forte. Portanto, para que não cometa o crime que julga hediondo, acaba achando outro meio para extravasar suas emoções. Seriam os ratos uma espécie de masturbação? No caso de Louis os ratos eram uma solução temporária. Sobre a matança de ratos Louis comenta: “Acreditava que só matava animais por 16 razões estéticas, e me atinha à grande questão moral: se minha natureza era maldita, ou não. (Rice: 73). Talvez Louis não tenha se “desumanizado” completamente, daí o paradoxo de se tornar um vampiro. Havia a excitação, mas isto não o deixou completamente “animal”, como Lestat. Talvez isto explique sua necessidade de “ser entrevistado” para poder mostrar o “outro” lado daqueles que são rejeitados pela sociedade. Louis tentou viver só de ratos, mas o desejo o consumia por dentro, um rato não lhe dava tudo que um ser humano podia lhe dar. Ele conta ao jornalista sobre a noite em que encontrou Claudia, uma criança de cinco anos de idade: Como já lhe disse, naquela noite eu estava agitado. Levantara a questão como vampiro, agora ela me confundia e, naquele estado, não tinha vontade de viver. Bem, isto causou em mim, como nos seres humanos, um ânsia de encontrar algo que satisfizesse, ao menos, o desejo físico. Acho que me utilizei disto como desculpa. Já lhe disse qual o significado da morte para um vampiro. Daí pode imaginar a diferença entre um rato e um homem. (Rice: 74) Nesta passagem Louis lembra o que é o prazer para um vampiro e o porquê dele arder em desejo. Ele se revolta contra si mesmo, se questiona, mas não consegue, como um animal no cio, ele é vencido pelo desejo e confessa: Em que me tornei ao virar vampiro? Onde devo ir? E ao mesmo tempo, conforme o desejo da morte me fazia negligenciar minha sede, esta queimava cada vez mais; minhas veias eram verdadeiros atalhos de dor na carne; minhas têmporas palpitavam; finalmente não pude suportar. Dilacerado pelo desejo de não tomar nenhuma atitude – morrer de fome, definhar em pensamentos de um lado; e o impulso de matar do outro – cheguei a uma rua deserta e desolada e ouvi o som de uma criança chorando. (Rice: 74) Outro vício humano abordado por Rice é a pedofília, como dito anteriormente. Louis decidiu sugar Claudia porque ela era uma criança indefesa, estava ao lado de sua mãe que havia morrido há alguns dias de cólera. Seriam os pedófilos pessoas que abusam das crianças por que não 17 conseguirem expressar sua sexualidade de uma outra forma? Pessoas que se julgam demônios como Louis se julgava? Louis explica ao jornalista: Você precisa compreender que àquela altura eu ardia de necessidade física de beber. Não suportaria outro dia sem alimento. Mas havia alternativas: os ratos abundavam pelas ruas, em algum lugar próximo um cão uivava desesperado. Poderia ter voado do quarto que escolhera, me alimentado e voltado sem dificuldade. Mas a pergunta pesava sobre mim: Sou um condenado? Neste caso, por que sinto tanta pena dela, de seu rosto desolado? Por que desejo tocar seus bracinhos macios, colocá-la agora sobre os joelhos como estou fazendo, senti-la encostar a cabeça em meu peito enquanto acaricio seu cabelo de cetim? Por que faço isto? Se sou um condenado, devo desejar matá-la, só devo desejar alimento para uma existência amaldiçoada, pois, sendo um condenado, só posso odiá-la. (Rice: 75) Louis consegue passar todo seu sofrimento, tenta explicar o porquê de estar abusando de uma criança. Seriam os pedófilos predestinados a cumprir essa sina de prazer e sofrimento ao mesmo tempo? Teria Louis tido uma relação incestuosa também com seu irmão? Rice não é explicita. Estaria ela falando de pedofília? Os vestígios dizem que sim. Os romances góticos têm a característica de criar seres tão poderosos quanto Deus, como dito anteriormente, por isso esta literatura é odiada por alguns e chamada de “literatura do mal”. Rice nos dá alguns exemplos do gótico na sua obra através de Lestat, o vampiro sarcástico que se julgava o todo poderoso. Os vampiros são assassinos – dizia agora. – Predadores. Cujos olhos onipotentes podem lhe proporcionar objetividade. A capacidade de perceber a vida humana em sua totalidade, sem nenhuma piedade repugnante, mas com a vibrante excitação de ser o fim desta vida, de fazer parte do plano divino. (Rice: 83) Em outra passagem Lestat afirma: O mal é um ponto de vista – sussurrava agora. – Somos imortais. É o que temos à nossa frente são ricos festins que a consciência não pode julgar e que nem os homens mortais não podem conhecer sem culpa. Deus mata, assim como nós; indiscriminadamente. Ele toma o mais rico e o mais pobre, assim como nós; pois nenhuma criatura sob os céus é como nós, nenhuma se parece tanto com Ele quanto nós mesmos, anjos negros não confinados aos porcos limites do inferno, mas 18 perambulando por Sua terra e por todos os Seus reinos. Hoje quero uma criança. Sinto-me uma mãe...Quero uma criança! (Rice: 88) Nas passagens acima mencionadas Lestat se compara a Deus, falando da onipotência dos vampiros e do seu poder de dar e tirar e vidas. Estaria Rice questionando Deus? Rice foi impulsionada a escrever sobre a eternidade pelo fato de ter perdido uma filha, talvez isto explique seu grande interesse pelo questionamento destas criaturas e pela relações familiares exploradas no romance. Depois de ter sugado Claudia Louis se arrepende, mas Lestat ri dele. Lestat se aproveita da situação para convencer Louis de sua natureza de vampiro e predador. Lestat consegue achar Cláudia antes que ela morra, ele a traz para Louis e o provoca, o desafia e o excita com palavras como: Veja, Louis como é gorducha e doce, como se nem a morte pudesse roubar seu frescor; a vontade de viver é forte demais! Ela pode fazer uma escultura de seus lábios delicados e de sua mãos roliças, mas não pode estragá-los. Lembre-se de como a desejou quando a viu naquele quarto. Você a deseja Louis. Não vê? Uma vez tendo-a possuído, poderá ter tudo que quizer. Desejou-a na noite passada mas fraquejou, e é por isso que ela não está morta. Pegue-a, Louis, sei que você a deseja. (Rice: 90) Lestat fez com que Louis ficasse louco de desejo. Convenceu-o de sua natureza. Lestat faz o papel do advogado do diabo, é como se ele fosse a própria consciência de Louis. Ninguém pode ir contra seu próprio instinto. Vampiros são predadores. Louis já não se agüentava mais e confessa: E eu o fiz.. Aproximei-me da cama e fiquei simplesmente olhando. Seu peito mal se movia com a respiração, e uma mãozinha se misturava com o cabelo comprido e louro. Não podia suportar aquilo: olhá-la, querendo que não morresse e desejando-a. E quanto mais a olhava, mais podia sentir o gosto de sua pele, sentir meu braço escorregando por suas costas e puxando-a para mim, sentir seu pescoço macio. Macio, macio, era assim que ela era, muito macia. Tentei dizer a mim mesmo que para ela seria melhor morrer – o que seria dela? – mas tais pensamentos não serviam de nada. Desejava-a! E, assim, tomei-a nos braços e segurei-a, seu rosto ardendo junto ao meu, seu cabelo caindo sobre meus pulsos e resvalando por minhas pálpebras, o doce perfume de uma criança forte e palpitante apesar da doença e da morte. (Rice: 90-91) 19 Depois de ter mordido o pescoço de Claudia Louis descreve a sensação da seguinte forma: Os móveis da sala emergiram da escuridão. Sentei-me atônito, fitando-a, fraco demais para me mover, minha cabeça resvalando pela cabeceira da cama, minhas mãos apertando a colcha de veludo. Lestat a pegara e falava com ela, dizendo um nome: Cláudia, Cláudia, escute, acorde, Cláudia. (Rice: 91) Louis descreve Cláudia com palavras que uma pessoa comum não usaria para descrever uma criança. Portanto, mais uma vez o dogma da pedofília está implícito nas palavras de Louis: Sua voz correspondia à sua beleza física, clara como um pequeno sino de prata. Era sensual. Ela era sensual. Seus olhos eram tão grandes e claros quantos os de Babette. (Rice: 93) Estaria Louis abusando de Cláudia por não ter tido coragem de declarar seu fascínio por Babette, sua vizinha que já era uma mulher feita? Louis se mostra cada vez mais perturbado com sua sina. Depois de transformada em vampira por Lestat e Louis, Cláudia passa a ser cruel e sarcástica. Louis não consegue esconder toda a admiração que sente pela filha e ela por ele. O complexo de Electra é abordado nesta parte do romance. Claúdia parece querer se insinuar para seus dois pais. Louis comenta: Mas ela vivia, para passar os braços pelo meu pescoço, aproximar com uma reverência o seu pequeníssimo rosto de meus lábios e colar seus olhos brilhantes aos meus até que nossos cílios se tocassem e rindo, girávamos pelo quarto como numa valsa selvagem. Pai e filha. Amante e amante. (Rice: 100) Nesta mesma página Louis descreve Cláudia de uma forma sensual e perturbadora. Louis parece estar gostando de Cláudia de uma forma doentia. A pedofília se torna aqui quase que evidente: Havia algo terrivelmente sensual no modo como se estendia no sofá numa camisolinha de renda e pérolas. Transformara-se numa 20 sinistra e poderosa sedutora, com sua voz tão clara e doce como sempre, apesar de ter uma ressonância que às vezes era tão adulta e seca e que surpreendia. (Rice: 100) Os anos se passaram e Cláudia cansou de dormir no mesmo caixão que Louis, quando Louis a leva até uma funerária para que ela possa escolher seu próprio caixão, Louis confessa sentir-se como um amante em suas mãos. Não consegue negar-lhe nada. Em outra passagem Cláudia convida Louis para sair e diz: “ Mate comigo esta noite – murmurou, tão sensual quanto uma amante” (Rice: 109). Deve-se lembrar novamente que o livro está sendo ditado por Louis. Em outra passagem Louis confessa estar apaixonado por Cláudia. Ele declara ao jornalista: Pois tinha sido exatamente assim, desde a noite em que tentei deixar Lestat, fracassei e, apaixonando-me por ela, esqueci de meu cérebro destemido, de minhas terríveis perguntas. ( Rice: 115) Cláudia queria descobrir os segredos dos vampiros, para isso precisava encontrar outros vampiros, pois Lestat que era o criador dela e Louis não lhes contava tudo que sabia. Sendo ardilosa como Lestat, Claúdia precisava da ajuda de Louis para matar Lestat e para isso ela confessa seu amor: “ Eu o amo. Louis – ela disse.” (Rice: 120). Ela sabia que Louis a ajudaria depois de tamanha declaração. Cláudia era como Lestat, dissimulada, não era possível saber até que ponto o sentimento de ambos era verdadeiro. Lestat por sua vez, estava ficando cada vez mais distanciado de Louis e Cláudia, passava as noites fora esbanjando seu charme e também o dinheiro de Louis. De acordo com Louis, Lestat gostava que suas vítimas se apaixonassem por ele, e uma destas vítimas foi um músico que Lestat conheceu em uma de suas saídas noturnas. Louis se mostra um pouco enciumado sobre a relação de Lestat com esse rapaz, mas nesta época já não estava tão apaixonado por Lestat como no passado. Seu coração pertencia agora à Cláudia. Louis descreve a relação de Lestat com o músico da seguinte forma: 21 Disse-lhe que ele brincava com suas vítimas, tornando-se amigo e as seduzia, fazendo confiarem e gostarem dele, até que o amassem, antes de matá-las. Aparentemente, era assim que ele brincava com este rapaz, apesar disto já durar bem mais que qualquer outra amizade de meu conhecimento. (Rice: 123) Louis sempre teve uma relação de amor e ódio com Lestat, o caso que Lestat estava tendo com este rapaz com certeza o incomodava, apesar dele não o admitir abertamente. Também o inquietava o fato de Lestat negar-se a contar tudo o que sabia sobre o mundo vampiresco. Por isso acaba deixando que Cláudia tente matar Lestat, só assim se veria livre desta paixão doentia e talvez assim pudesse dar seu amor somente à Cláudia. Cláudia procura um meio para matar Lestat, sabe que ele tem fraqueza por jovens. Então ela elabora um plano. Convida dois meninos bonitos e bem jovens para vir à casa da família vampiresca. As crianças, por serem pobres, são facilmente atraídas. Ela lhes dá comida e também lhes dá ópio, uma droga poderosa que pode envenenar um vampiro. Quando Lestat chega ela lhe oferece o presente. Lestat é sádico e sarcástico. Então comenta: Espero que seja uma bela mulher, com encantos que você nunca terá – disse ele, olhando de cima a baixo. (Rice: 127) Lestat usa essas palavras para magoar Cláudia, pois sabe que ela nunca poderá se tornar uma mulher. Ele age como um amante ferido que quer se vingar de sua amada. Louis descreve a passagem de uma forma sensual. Mais uma vez o seu lado pedófilo é mostrado: Quando cheguei à porta, algum tempo depois, ele se encontrava reclinado sobre o divã. Dois garotinhos jaziam ali, aninhados entre macios travesseiros de veludo, as bocas róseas abertas, as pequenas faces roliças muito macias. Suas peles eram sedosas, radiantes, os cachos dos dois pendiam sobre a testa. (Rice: 128) Louis descreve os meninos como se fosse um voyer pedófilo: Lestat tinha sugado o mais moreno um pouco abaixo, ele era de longe o mais belo. Podia ter sido elevado à cúpula pintada de uma catedral. Não tinha mais de sete anos, com a beleza perfeita do sexo não definido, mas angelical. (Rice: 128) 22 Lestat fica inebriado pelos dois meninos, fica feliz com Cláudia e comenta que desta vez ela havia se superado. Louis descreve o ato da sedução como se ele estivesse no lugar de Lestat: Quando passou, ele abraçou e se aninhou ao lado do outro menino. Afagou seu cabelo sedoso passou os dedos pelas pálpebras roliças e pela ponta dos cílios. E então, colocou toda sua mão macia sobre seu rosto e apalpou-lhe a testa, a face, o queixo, massageando a carne imaculada. Esquecera nossa presença, mas recuou e sentou-se calado por um momento, como se o desejo o deixasse tonto. Fitou o teto e depois voltou os olhos para o banquete perfeito. Virou lentamente a cabeça do menino na almofada, as sobrancelhas deste estremeceram rapidamente e um gemido escapou de seus lábios. (Rice: 129) Louis descreve o ato final da sedução como um cena de amor entre Lestat e os meninos. Louis parece estar tão envolvido no seu voeyrismo que as palavras para descrever a cena tornam-se pertubadoras: E Lestat deslizou das almofadas do sofá, ficando ajoelhado no chão, seu braço preso ao corpo do garoto, puxando-o para perto de si de modo a afundar seu rosto no pescoço da criança. Seus lábios correram pelo pescoço, pelo peito e pelo mamilo minúsculo do peito e, então, enfiando o outro braço pela camisa aberta, de modo a prender o menino com ambas as mãos, suspendo-o e afundou os dentes em sua garganta. (Rice: 129) Depois de ter supostamente matado e se livrado do corpo de Lestat Cláudia declara-se para Louis com toda veemência sua paixão. Louis comenta: Naquela manhã, ela me envolveu em seus braços, aproximou a cabeça do meu peito dentro do caixão apertado, murmurando que me amava, que agora estávamos livres de Lestat para sempre. Eu o amo, Louis – repetiu interminavelmente até que por fim a tampa abaixada nos trouxe a escuridão e, piedosamente, nos tirou a consciência, (Rice: 133) Louis como sempre fica confuso com a suposta morte de Lestat, no momento em que estão se livrando do cadáver Louis sentiu uma vontade incontrolável de sumir junto com Lestat. Depois disso fica frio com Cláudia que com medo de perder Louis diz: Não posso viver sem você – ela sussurrou. – Morreria do mesmo modo que ele morreu. Não posso suportar o fato de não me amar! (Rice: 134) 23 E Louis não resistindo aos encantos de Cláudia lhe diz: - Está bem, minha querida...- disse eu. – Está bem, meu amor... (Rice:135) Louis dá evidências de ter esse amor doentio por Cláudia, mas o fantasma do passado ainda freqüenta seus pensamentos. Seu irmão volta como uma visão: Lá estava meu irmão, louro, jovem e suave como fora em vida, tão real e carinhoso para mim como fora anos e anos atrás, quando não o via assim, tão perfeita era sua recriação, tão perfeita em cada detalhe. Seu cabelo louro escovado para trás, seus olhos fechados como se dormisse, os dedos macios sobre o crucifixo em seu peito, os lábios tão rosados e sedosos que mal suportava ter de vê-los sem tocá-los. E quando estendi a mão para tocar a maciez da pele, a visão terminou. (Rice: 138) Tudo isso acontece na primeira parte do livro. Rice leva-nos a questionar a sexualidade dos seus personagens o tempo todo. Louis é o mais sexualmente confuso de todos. Ora tem atração por mulheres, mas gosta de meninos. Sua relação com Cláudia é doentia. Culpa-se por um suposto incesto e acima de tudo parece amar Lestat mais do que tudo. Cláudia é uma criança que não pode ser mulher. Seria ela realmente apaixonada por seus pais? Ou seria ela apenas uma vítima de dois pedófilos? Uma criança que não teve escolha. Lestat é o mais relaxado de todos. Prazer para ele é ter bens materiais e curtir a vida, tem mais tendências homossexuais, mas para ele prazer é o que importa. Nas parte II e III do romance Louis e Cláudia vão para a Europa para tentar encontrar outros de sua espécie. Vivem várias aventuras no continente europeu, mas acabam em Paris. Por quê Paris? Paris é uma cidade extremamente atraente para pessoas cultas e que gostam de moda. Por isso exerce um fascínio enorme sobre a população homossexual do planeta. Louis procura de todas formas esquecer Lestat, mas sofre muito com a perda de seu criador e amor de sua vida. Ele declara ao jornalista: 24 Queria esquecê-lo, mas estava sempre me lembrando dele. Como se as noites vazias fossem feitas para que se pensasse nele. Às vezes me tornava tão vivamente consciente dele que ele me parecia ter acabado de sair do quarto, com o timbre de sua voz ainda ressoando. De algum modo, me confortava e perturbava o fato de, apesar de minha vontade, eu ainda vislumbrar seu rosto. (Rice: 183) Quando Louis e Claudia chegam à Paris, acabam encontrando o que tanto procuravam, sua espécie. Encontram um covil de vampiros que viviam em um teatro em Paris. O líder deles chamava-se Armand. Louis sente por Armand uma atração irresistível logo no primeiro encontro: Tinha ímpetos de agarrá-lo, de sacudi-lo com tanta violência que seu rosto imóvel seria obrigado a se mexer, a revelar sua canção suave. E subitamente ele estava colado a mim, seu braço circundando meu peito, seus cílios tão próximos que os via brilhar sobre a órbita incandescente de seu olho, sua respiração suave, inodora, contra minha pele. Era o delírio. (Rice: 212) Armand morava no teatro entre vampiros, mas tinha serviçais humanos. Um deles era um menino, que parecia ser uma espécie de escravo sexual. Ele faz com que esse garoto provoque Louis até o deixar louco de desejo. Esta é a única parte do romance onde Rice fala de sexo de uma forma mais humana. A escritora fala do prazer da mordida, mas faz também alusão aos órgãos sexuais, algo não havia mencionado anteriormente. Louis explica como o possuiu: Nunca tinha sentido aquilo, nunca o tinha experimentado, esta entrega de um mortal consciente. Mas antes que pudesse empurrá-lo para seu próprio bem, vi a mancha azulada em seu pescoço tenro. Ele a oferecia para mim. Agora encostava seu corpo todo no meu, e senti a força rija de seu sexo sob a roupa comprimir minha perna. Deixei escapar um suspiro, mas ele se chegou mais, seus lábios sobre algo que devia parecer tão frio, tão inanimado. E mergulhei o dente em sua pele, meu corpo rígido, aquele sexo rijo se encostando em mim e, apaixonado, o ergui do chão. Onda após onda, seu coração palpitante penetrava em mim enquanto, flutuando, eu me balançava com ele, devorando seu corpo, seu êxtase, seu prazer consciente. (Rice: 212) 25 Depois da descrição deste ato sexual, não há dúvidas que para os vampiros o prazer é o essencial. A tendência deste prazer é certamente homossexual no trecho acima mencionado. Louis fica fascinado por Armand, em alguns trechos do livro ele confessa: Senti que mergulhava de novo na contemplação daquela voz e daqueles olhos, dos quais tive de me afastar com grande esforço. (Rice: 215) Gostaria de saber descrever seu modo de falar, como, cada vez que falava, parecia provocar um estado de contemplação muito próximo daquele que começava a sentir, do qual só me libertava com esforço. (Rice: 215) ...me senti poderosamente atraído por ele. (Rice: 216) Louis descobre com felicidade que Armand também o deseja: E meu coração rejubilou-se ao vê-lo assim, ao perceber que ninguém naquela pequena turba captava seu olhar como eu, que ninguém o atraia regularmente como eu. Apesar dele continuar afastado de mim, seus olhos sempre me procuravam. Seu aviso ecoava em meus ouvidos contra minha vontade. (Rice: 227) Cláudia fica enciumada com tudo que está acontecendo, sabe que vai perder Louis para Armand e também sabe que ela é um empecilho para a relação. Implora a Louis para que ele não procure mais por Armand, ela tenta convencer Louis de que ele deseja Armand mais do que Armand o deseja. Mas Louis está completamente apaixonado. As palavras de Cláudia lhe causam sofrimento e dor. Como sempre ele tem dúvidas sobre o que sente. Ama Armand mas ao mesmo tempo ama Cláudia e às vezes ainda pensa em Lestat. Em uma de suas visitas à Armand ele comenta: ...e Armand se sentou à minha frente, seus belos e grandes olhos tranqüilos aparentando inocência. Quando senti que me enfeitiçavam, baixei os olhos, procurando uma chama na lareira, mas só havia cinzas. (Rice: 231) Em outras passagens Louis se refere a Armand da seguinte forma: 26 E senti um desejo tão forte por ele que reuni toda minha força para contê-lo e continuar simplesmente fitando-o, lutando. (Rice: 234) Voltei-me para partir imediatamente, apesar de cada fibra de meu corpo desejar permanecer ali. (Rice: 235) Sim, ele é exatamente como você disse, e já o amo. (Rice: 239) Cláudia, por estar com medo de ficar sozinha, ou talvez, por ciúme, pede a Louis que lhe ajude a criar uma companheira para ela. Cláudia já havia encontrado uma candidata, o nome dela era Madeleine, uma mulher bonita e atraente. Por quê Cláudia escolheu uma mulher? Madeleine dizia amar Cláudia, mas seria apenas amor de mãe e filha? Ou Rice estaria mais uma vez fazendo seus leitores se questionarem sobre seus valores sexuais? O que é certo e o que é errado dentro de uma paixão? Será que os seres humanos assim como os vampiros da estória também transcendem a sexo? Rice lança esses questionamentos de uma forma quase que evidente, os leitores é que decidem. Louis descreve Cláudia e Madeleine assim: E lá estavam juntas: uma doce mortalha, chorando instintivamente, seus braços segurando algo que possivelmente não compreendia, uma coisa infantil, branca, feroz e sobrenatural, que ela acreditava amar. (Rice: 242) Louis não quer transformar Madeleine em vampiro, insiste que Cláudia a quer porque não quer dividi-lo com Armand. Em uma das discussões ele diz a Cláudia: Não, não, é loucura, bruxaria – disse, tentando provocá-la. É você quem não quer me dividir com ele, é você quem deseja cada gota do meu amor. Como não pode, quer o dela. (Rice: 244) Depois de muita insistência por parte de Cláudia e Madeleine. Louis resolve dar o presente negro para Madeleine, pois esta seria uma única forma de ficar com Armand. Madeleine o provoca e Louis confuso como sempre a deseja ardentemente. 27 Foi estranho, aquele momento. Estranho porque nunca poderia prever o sentimento que suas palavras provocaram em mim, o modo como a via agora com aquela cinturinha atraente, a curva roliça e farta de seus seios, e aqueles lábios delicados, provocantes. Ela jamais imaginaria como estava o homem mortal em mim, quão atormentado estava pelo sangue que eu simplesmente beberia. Eu a desejava, mais do que ela sonhava, pois não compreendia a essência do ato de matar. (Rice: 247) E eu podia ver seus olhos, mesmo quando fechava os meus, ver aquela boca zombeteira, provocante. Eu a sugava toda, com força, erguendo-a, e podia senti-la enfraquecer, suas mãos tombando flácidas ao lado do corpo. (Rice: 248) Louis transformou Madeleine em vampiro e agora estava livre para amar Armand. Mas suas dúvidas continuavam, sabia que sentia uma atração forte por Armand e questiona-se: Então, o que sentira por Armand, a criatura por quem transformara Madeleine, a criatura por quem queria ficar livre? Uma curiosa e perturbadora distância? Uma dor surda? Um tremor indescritível? Mesmo naquela incrível confusão, eu vislumbrava Armand em sua cela monarcal, via seus olhos castanhos e sentia seu irresistível magnetismo. (Rice: 253) Quanto à relação de Cláudia e Madeleine, Louis não sabia exatamente o que sentia, às vezes gostava, outra vezes sentia ciúmes. Como declara ao seu ouvinte: Fiquei observando com algum alívio o amor de Madeleine por Cláudia, sua paixão cega e desmesurada. (Rice: 254) Cláudia sussurrando sobre mortes, velocidade e destreza vampirescas, Madeleine inclinada sobre a costura – parecia então que era esta minha única emoção: ódio. Amava-as. Odiava-as. (Rice: 254) Louis segue nesta confusão de sentimentos até o final do romance, mas ele sucumbe quando Armand lhe diz: “Desejo-o. Eu o desejo mais do que qualquer coisa no mundo. (Rice: 258) e Louis logo em seguida declara: “- Não compreendo meus próprios sentimentos. Talvez sejam mais claros para você do que para mim...(Rice: 259) 28 Louis não consegue ser feliz porque a culpa o persegue. Ele comenta com Armand: “Não vejo nossas vidas como poderes e dádivas. Encaro-as como maldições.” (Rice: 263). Acredita-se que Rice queira mostrar através dos olhos de Louis todo o sofrimento e angústia que as pessoas que têm uma conduta sexual que não condiz com os padrões estabelecidos pela sociedade têm que enfrentar. No final da estória os vampiros matam Cláudia e Madeleine por sentirem-se acuados. Louis toca fogo no teatro, matando todos os vampiros. Depois foge com Armand. Lestat, que havia ido à Paris procurar Cláudia e Louis, quase morre no incêndio, mas volta para Nova Orleans. Louis e Armand viajam pelo mundo e depois de alguns anos vão para Nova Orleans. Armand conta a Louis que Lestat está vivo. Louis o procura. Lestat agora está morando numa casa velha e decadente e parece estar com medo da vida. Louis conversa com Armand, discutem sobre as questões da vida. Louis parece não sentir prazer em viver. Armand o deixa, talvez por ciúme, talvez por medo de ser contagiado pela falta de amor que Louis tem por sua existência. Rice é enigmática. Seriam os vampiros gays? Bissexuais? Loucos? Estariam eles representando os verdadeiros seres humanos? O destino das pessoas que não tem um padrão sexual normal de acordo com a sociedade seria a solidão? No romance todos os personagens apesar de serem bonitos e inteligentes, acabam sozinhos. 29 CONCLUSÃO O romance Entrevista com o Vampiro é fruto de um conto escrito por Anne Rice em 1969, e teve continuidade devido à ânsia da busca da eternidade sentida pela autora depois da morte de sua filha. Todo este questionamento levou a autora a escrever não apenas sobre a eternidade, mas também sobre outros valores morais da vida. Clarice Lispector traduziu com brilhantismo para o português toda a saga dos vampiros, passou com destreza toda agonia de viver expressa por Rice na obra original. O romance Entrevista com o Vampiro fala de imoralidade sem ser imoral, descreve a saga de vampiros com uma linguagem altamente sensual, fazendo uma associação entre sexualidade e os comportamentos não convencionais da sociedade. Os vampiros do romance têm comportamentos que ainda são dogmáticos dentro da sociedade, são invasores da privacidade alheia, são seres altamente sexuais. Durante a análise do romance nota-se que Rice tem algo de rodriguiano. Ela mexe nas feridas da alma dos seres humanos, toca em assuntos que não deveriam ser tocados. Poucas pessoas estão psicologicamente preparadas para aceitar que o ser humano tem um lado negro. Estes assuntos que incomodam fazem parte do ser humano e poucos escritores conseguem tratálos com tanta nobreza como Rice e Lispector. Conhecendo a obra de Clarice Lispector, acredito que quando ela fez a tradução do romance para o português, deve ter se apaixonado pelo modo com que Rice fala da existência. Assim como alguns personagens de Nelson Rodrigues,os personagens de Rice vivem dentro de uma sociedade, mas transgridem suas leis. Alguns dos comportamentos mostrados por Rice são homossexualismo, pedofília, incesto, bissexualismo e o complexo de Electra. Podemos até mesmo comparar os vampiros a estupradores porque sexo violento e forçado também é associado com prazer. Esta associação mostra que a sociedade ainda mantém a crença cristã de que sexo é ainda algo pecaminoso e precisa ser evitado, assim como os vampiros e os estupradores. 30 Os mortos-vivos são uma aberração da natureza; eles vão contra as leis naturais, por isso são temidos e odiados pelos seres humanos. Associando sexualidade a estes seres tão poderosos quanto Deus, o romance de Rice associou estes sentimentos negativos ao processo natural dos humanos, fazendo com que os leitores se questionem sobre sua sexualidade diante da grandeza da vida. Os vampiros são seres sensuais, mas não têm relações sexuais para a propagação da espécie, portanto suas relações são por mero prazer. Os vampiros do romance de Rice poderiam viver do sangue de animais, mas não o fazem, pois o prazer que eles têm vindo do sangue humano é bem mais intenso. Rice tenta mostrar a diferença entre uma masturbação e o ato sexual. As presas do vampiro são seus orgãos sexuais, enterrá-las em um animal daria prazer, mas penetrar um humano com elas, seria o orgasmo completo. Só que Rice não pára no ser humano comum, ela vai além, ela insinua o prazer de várias formas. O prazer do homossexualismo, da pedofília, do incesto e da fantasia sexual, até mesmo o prazer do voyerismo é abordado dentro do romance. Este trabalho fez uma análise da sensualidade e do erotismo dentro do romance de Anne Rice. Foram levantadas questões e procuradas respostas para elas. O romance é riquíssimo em simbologias e interpretações, portanto vários tipos de leituras podem ainda ser feitas. Este trabalho se fixou apenas no aspecto da sensualidade e dos comportamentos não convencionais que temos dentro da sociedade. Para trabalhos futuros muitos outros aspectos do romance poderiam seriam estudados: como a crueldade do ser humano, o sentido da vida diante da eternidade, a luta entre Deus e o Diabo e o lado Freudiano do romance. Poderia também ser feita uma comparação entre Anne Rice e o escritor brasileiro Nelson Rodrigues, pois ambos tentam mostrar o lado obscuro da sociedade. Poderia ser feita uma comparação dos valores morais dentro de uma sociedade onde as pessoas têm mais cultura, como a sociedade norte americana e uma sociedade onde há uma grande miscigenação de raças e onde cultura não é algo primordial, como a sociedade brasileira. Tudo através 31 dos personagens de Rice e Rodrigues. Será que todos seres humanos são iguais independente de sua cultura? Outro trabalho que poderia ser feito, seria estudar como a adaptação filmíca do romance foi feita, pois este romance foi adaptado para o cinema, como dito anteriormente. Sabemos que toda adaptação filmíca é uma transição, e nessa conversão de um meio de comunicação para outro adaptações são inevitáveis. Nesse processo de repensar e reconceber a obra literária algumas linguagens ganham e perdem ao mesmo tempo. O filme é muito mais rápido, constrói seus detalhes através de imagens. A camera mostra uma imagem tridimensional em questão de segundos, detalhes que podem levar páginas em um romance. O filme consegue dar informações sobre estória, personagens, idéias, imagens e estilo, tudo ao mesmo tempo. Sendo que em um romance este processo é muito mais moroso. Todos estes aspectos poderiam ser estudados em um trabalho futuro. Para a conclusão final podemos dizer que os vampiros de Rice são seres que não são humanos, mas conseguem instigar os seres humanos para que reflitam sobre sua própria existência. Portanto, muitos trabalhos ainda podem ser feitos sobre estes personagens que questionam a vida. Os conflitos humanos são uma fonte inesgotável de estudo. 32 BIBLIOGRAFIA AIDAR, José Luiz e MACIEL, Márcia. O Que é Vampiro – Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988. BIDDULPH, Steve. Criando Meninos. São Paulo: Editora Fundamento Educacional, 2002. Merriam-Webster’s Encyclopedia of Literature. United the States of America: Merriam-Webster, Incorporated, 1995. RICE, Anne. Entrevista com o Vampiro. Rio de Janeiro: Rocco, 1992. Tradução de Clarice Lispector. THORNLEY, G. C. An Outline of English Literature. Hong Kong: Wing King Tong Co.Ltda – Longman,1979. Sites: BIOGRAPHY for Anne Rice. http://www.imdb.com/name/nm0723351/bio Acesso em 14.01.05 CIÊNCIA em Dia. http://www2.uol.com.br/cienciahoje/chdia/n1051.htm Acesso em 14.03.05 RICE,Anne. Anne’s Variety Statement on the Movie http://wwwmaths.tcd.ie/~forest/vampire/state.html Acesso em 16.12.04 33 RICE,Anne. 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