DESENHANDO O TERROR: UM RELATO DE CASO
Hélvia Cristine Castro Silva Perfeito¹
Luciana Macedo Donadeli¹
Introdução
Relata-se o atendimento do caso de um garoto de cinco anos de idade, trazido
por sua mãe à Clínica Psicológica da Universidade Federal de Uberlândia,
encaminhado. Por uma neuropediatra com o diagnóstico de Transtorno Global de
Desenvolvimento – Autismo Leve. A criança trazia como sintomas: mutismo seletivo,
fala robotizada, dificuldade de interação social e estereotipias: uma grande fascinação
por ventiladores, helicópteros e aviões. Por meio do contato e da aproximação tornouse possível compreender mais profundamente as vivências psíquicas deste garoto,
levando a uma reavaliação psicodiagnóstico, baseada na relação e vivências
fantasísticas para além dos sintomas.
Método:
Foi utilizada a técnica de Atendimento Psicanalítico Conjunto Pais-Crianças e o
método interpretativo da Psicanálise, como norteadores desse atendimento.
Este modelo, além de propor a presença da criançaede seu grupo familiar, conta
também
com
a
presençadedois
psicoterapeutasdentrodasala:umnaposiçãode
psicoterapeutaobservador,comointuitoderelatar a sessão
enquanto
faz
partedela
recebendo os afetos relativosaoclimatransferencial,eumpsicoterapeuta coordenador, com
voz ativa nas construções e intervenções durante o atendimento (Paravidini et all, 2009).
Discussão:
Nas sessõesiniciais,pôde-seobservarGabriel (nome fictício) comoumgarotoinquieto,
curiosoearredio, não permitiaaaproximaçãoeocontatofísico,embora permanecesse com
olhos atentos ao seu redor.
Sua mãe mostra-semuitomobilizadacomo diagnóstico recebidoporGabriel e por vezes
emociona-se e questiona qual seria seu papel no “problema” de seu filho.
Noentanto,elarelataqueatéaescolaqueixar-sedo comportamento “estranho” de Gabriel,
¹Endereço Profissional: Clínica Psicológica- Instituto de Psicologia – Universidade Federal de
Uberlândia: Rua Ceará, s/n, Bloco 2C, Campus Umuarama, CEP: 38405-320 – Uberlândia, MG – Brasil.
E-mail: [email protected]
Nota curricular: Psicóloga e Psicanalista da Clínica Psicológica da Universidade Federal de Uberlândia,
Mestre em Psicologia Aplicada (Núcleo Intersubjetividade) pela Universidade Federal de Uberlândia.
²Endereço Profissional:CAPSad/UFU - Rua GenarinoCazabona, 826 – CAPSad/UFU – Luizote de
Freitas, Uberlândia, MG.
E-mail: [email protected]
Nota curricular: Graduada em Psicologia pela Universidade Federal de Uberlândia; Especilizanda em
Clínica Psicanalítica em Extensão pela Faculdade Cidade Verde; Psicóloga clínica no Centro de Atenção
Psicossocial – Álcool e outras drogas da Universidade Federal de Uberlândia. Atende também em
consultório particular.
ela não havia notado nada de errado com seu filho e só procurou a neuropediatra a
pedidodaescolaedepessoaspróximas.
A
mãequeantesnãoolhavaparasuacriança,
partir
depoisdo
deste
momento,
diagnóstico
a
passou
aseconcentrarapenas nas condutas de Gabriel que lhe pareciam “anormais”.
Elatambémcontaque desde que o garoto completou um mêsdeidadevoltouatrabalhar
durante dezesseis horaspor dia, deixando Gabriel com o pai e que mesmo ao chegar em
casa com os seios doloridos de tanto leite, ele rejeitava mamar no peito e escolhia a
mamadeira. Em várias sessões, Gabriel se mostrouextremamenteresponsivoàsfalasdesua
mãe: fez barulho de escarroaoouvirorelatodesuarejeição ao peito da mãe, batia os
brinquedos quando ouvia osrelatosdolorososdamãesobreoseudiagnóstico, permanecia
paradoquando elademonstrava sofrimento e raiva. No entanto ele não respondia quando
esta
lhe
dirigiaa
fala.
Do
mesmo
omeninobrincavacomapsicoterapeuta.
modo,amãenãooolhava
enquanto
Elapermaneciadispersaenão o atendia quando
este demandava ajuda oulhe dirigia uma fala pouco estruturada.
Pôde-se perceberimensodescompassoentre mãe e criança. Ela relata que por vezes
desistiu de conversar com o filho, pois estenãolherespondiaequenãobrincava com
ele,pois
elegostavadebrincarsozinho.
MuitosdestesmovimentosdeGabriel,relatadospelamãe, foram se modificandodurante
osatendimentos.
Gabrielsemostrava responsivoàs intervenções lúdicas e passou a
permitir aproximação da psicoterapeuta combrincadeiras de toque e contato.
Permaneciam
períodos
longos
em
determinadas
brincadeiras
e
respondia,
mesmoqueapenaspor meiodeatos e olhares,às falas da psicoterapeuta.
Pôde-seobservaremGabriel vivências intensas de angústia,desesperoesusto diante de
situações as quais não era capazdecompreendercomclarezacomo, por exemplo:a
ausência dospais,toquesrepentinosemseu corpo, barulhos altos e pessoasusando
fantasias.
Com
o
desenrolar
das
sessões
em
que
anarrativa
damãe
easinterpretaçõespsicanalíticaspassaramadaroutrosentidoàsexperiências de medo de
Gabriel, o menino começou a desenharno quadro negro da sala cenas em que
helicópteros quebravam ecaíam. A psicoterapeuta ao entrar nessas cenas, narrando-ase
desenhando aquilo que Gabriel pedia, passou a representar situações de perigo e
medo do garoto.
(Desenho do menino representando helicópteros quebrados e caídos)
(Desenho feito pela psicoterapeuta, à pedido de Gabriel, representando situação terrorífica:
pai, mãe e avó com vara na mão e ventilador machucando o menino, que está sangrando)
Considerações finais
Diantedaangústiadesuamãe,frente
ao
diagnósticodeautismo,surgiaummenino“estranho”,quediversasvezespareciaatuaropapelq
uelhehaviasidodesignadopelodiagnóstico.
Entreosdoishaviaumvaziodepalavras,quedeixava
Gabriel
“no
ar”,
assim
comoseushelicópteros e aviõesque sempre despencavam. Essa falta de continência por
parte
damãe,levavaGabrielaviversituaçõesdeintensaangústia
edesamparo,
fazendo-
oseisolareseapegaremobjetosque,assimcomoele,rodopiavameproduziamar no silêncio e
novazio.
Através dos desenhos feitos por Gabriel e pela psicoterapeuta,o menino pôde
expressar situações demedo eterrordiante dapossibilidade de fragmentação e introduzir
palavras
na
forma
de
umanarrativagráficaelúdica,quepuderamelaborarsuasfantasiasinconscientesepermitiramu
mamudançade posicionamento subjetivo, a qualfoirefletidanocontato dele com sua mãe.
Referências:
PARAVIDINI, J. L. L; PRÓCHNO, C. C.; PERFEITO, H. C. C. S.; CHAVES, L.
S.(2009). Atendimento psicoterapêutico conjunto pais-criança: espaço de circulação de
sentidos. In: Estilos da Clínica. Vol. Alv., n° 26, 90-105.
PERFEITO, H. C. C. S. (2007). Os impasses nas funções parentais: da clínica
psicanalítica do precoce às transformações sócio-histórico-culturais. Relatório final
de Dissertação de Mestrado, Instituto de Psicologia da Universidade Federal de
Uberlândia, MG, Brasil.
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