116 CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DA CODEPLAN JOSÉ ROBERTO ARRUDA I – INTRODUÇÃO O Sr. José Roberto Arruda comandou no Distrito Federal o mais fabuloso esquema de corrupção de que se tem notícias neste País. Os depoimentos do Sr. Durval Barbosa Rodrigues prestados ao Ministério Público e à Polícia Federal, os vídeos, os áudios e o conjunto de dados a que a CPI da CODEPLAN teve acesso (contratos, notas de empenho, ordens bancárias, auditorias, SIGGO, etc.) constituem um conjunto de provas irrefutáveis da organização criminosa montada por ele para “roubar o Estado”, como afirmou o Sr. Joaquim Domingos Roriz, seu aliado político, em conversa com o advogado Eri Varela em 2006 (Disponível em http://www.youtube.com, acesso em 10/6/2010). Aliás, o esquema criminoso montado pelo Sr. José Roberto Arruda nasceu, cresceu e se ramificou dentro do próprio Governo do Sr. Joaquim Domingos Roriz/Maria de Lourdes Abadia. Quando ele assumiu o Governo em 1º de janeiro de 2007, também assumiu o controle de todas as operações do esquema de corrupção, bem como o comando de todos os colaboradores e beneficiários desse esquema, a maioria dos quais vindas do Governo anterior. Aliás, o governo do Sr. José Roberto Arruda imbrica-se de tal forma no governo do Sr. Joaquim Domingos Roriz que, a não ser pela data de corte do Diário Oficial, é difícil saber onde termina o Governo de um e onde começa o Governo do outro, apesar de, nas aparências das eleições de 2006, se ter tentado fazer distinção. Isso foi puro jogo de cena. Quem acompanha a trajetória política do Sr. Joaquim Domingos Roriz e do Sr. José Roberto Arruda na Capital da República sabe da simbiose que há entre eles, mesmo tendo o Sr. José Roberto Arruda, cassado pela Justiça Eleitoral, tentado mostrar-se diferente do Governo de seu padrinho político. Tudo, porém, não passou de um grande jogo de marketing publicitário, porque, na prática, foram trocadas algumas cortinas para tentar encobrir as mesmas práticas do Governo Roriz, 117 CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DA CODEPLAN inclusive aquelas mais abjectas, como o gigantesco esquema de corrupção revelado pela Operação Caixa de Pandora. A trajetória política do Governador cassado, assim como a de seu antecessor, está associada a escândalos que ganharam notoriedade nacional e até internacional. É a personalidade típica de um político inescrupuloso, que, sob a invocação de um suposto interesse púbico, esconde um mar de sujeira tão grande que turva a vista até do mais precavido cidadão. É um político que se apropriou de um discurso convincente e bem estruturado, até certo ponto, mas que se revelou falso e mentiroso ao longo de muitos anos. Para compreender como se chegou aos fatos estarrecedores revelados em 27 de novembro de 2009 com a Operação Caixa de Pandora da Polícia Federal, que escancararam as cortinas para mostrar a corrupção do Governo do Sr. José Roberto Arruda, pode-se fazer a análise de dois momentos distintos, mas contínuos e separados apenas pela posse em 1º de janeiro de 2007. II – PRÁTICAS ILÍCITAS ATÉ 1º DE JANEIRO DE 2007 Foi a partir de um cargo de funcionário da Companhia Energética de Brasília – CEB que o Sr. José Roberto Arruda conquistou espaços políticos importantes para chegar ao comando do Governo do Distrito Federal nas eleições de 2006. Como Secretário de Obras no Governo Roriz (1991-1994), preparou o terreno político que o elegeria Senador da República em 1994. Habilidoso politicamente, foi escolhido Líder do Governo Fernando Henrique Cardoso, cargo a partir do qual procurou concentrar em suas mãos todas as articulações entre o Governo do Distrito Federal e os órgãos da União, como forma de se cacifar politicamente para eleger-se governador em 1998. Para isso, tentou desqualificar publicamente seu padrinho político e, ao mesmo tempo, aproveitando-se do fato de o Governador Cristovam Buarque (19951998) ser da oposição, procurou dificultar ao máximo a vida do GDF, inclusive intervindo politicamente para que a União não desse o necessário aval para empréstimos conseguidos nesse período. Com isso, queria desacreditar o governo de 118 CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DA CODEPLAN então e colocar-se no centro do que chamou à época de terceira via, uma opção política para os que não concordavam com a velha disputa entre o Partido dos Trabalhadores e o Sr. Joaquim Domingos Roriz. Tendo perdido as eleições de 1998, declarou-se neutro no segundo turno entre Cristovam Buarque e Joaquim Domingos Roriz, mas era apenas por conveniência momentânea, pois bastou o Sr. Joaquim Domingos Roriz assumir o cargo em 1º de janeiro de 1999 para que ele novamente se alinhasse com o velho padrinho e se reacomodasse em seu ninho político. No Senado, continuou com seu propósito de manter-se como articulador entre o GDF e o Governo Federal, mas, por ter violado o painel de votação secreta do Senado da República na cassação do então Senador Luiz Estevão, teve de renunciar ao mandado em maio de 2001 para não ser cassado. Dois Senadores do Distrito Federal, quase que ao mesmo tempo, estavam nas páginas negativas do noticiário nacional, envergonhando a população que os elegeu. O fato que culminou na renúncia do Sr. José Roberto Arruda ao cargo de Senador da República é revelador de parte significativa de sua personalidade pública: a mentira. Quando o fato foi revelado, ele jurou da tribuna do Senado que não tinha sequer visto a lista de votação. Falou com tal convicção que até convenceu alguns incautos. Poucos dias depois, da mesma tribuna, confessou exatamente o que negara. Chorou. Reconheceu ter errado. Pediu perdão e, com falsos ares de humildade, mostrou-se arrependido perante a opinião pública, como se a negativa anterior não tivesse ocorrido. Isso ficou no imaginário popular. É um homem que negara o que fez, mesmo quando todas as evidências indicavam o contrário. Em 2002, com o discurso de arrependimento, reapareceu no cenário político distrital como o Deputado Federal mais bem votado daquelas eleições e foi a partir dessa eleição para Deputado Federal que começou a se organizar para conquistar o Governo do Distrito Federal, já que seu padrinho político não podia mais ser candidato ao mesmo cargo. 119 CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DA CODEPLAN Suas movimentações políticas para esse intento são bem conhecidas e povoam as páginas dos jornais em diferentes momentos de 2003 a 2006. O que não se sabia é que ele alavancava sua candidatura para Governador com vultosas somas de recursos públicos desviados de contratos feitos entre o GDF e empresas inescrupulosas, principalmente da área de informática. Para pôr em prática o plano engendrado para conquistar o Governo do Distrito Federal, o Sr José Roberto Arruda, ainda em 2002, buscou apoio nos aliados do Governo do Sr. Joaquim Domingos Roriz e no próprio Governador para que o ajudassem como alternativa para as eleições de 2006. Seu discurso de 1998 como alternativa ao embate eleitoral entre petistas e rorizistas havia sido deixado de lado por completo. Interessava-lhe apenas conquistar o comando da Capital da República. Por essa razão, segundo revelou o Correio Braziliense, ele disputou enquanto pôde o apoio político do então Governador Roriz às suas pretensões eleitorais e travou publicamente uma ferrenha luta com o então Senador Paulo Octávio, seu colega de partido, para saber quem seria o indicado pela legenda para disputar essas eleições. De acordo com o mesmo jornal, o Governador Joaquim Domingos Roriz declarou apoio político à sua Vice-Governadora, mas inúmeros fatos outros revelam que esse apoio era apenas formal, porque na prática os Srs. Joaquim Domingos Roriz e José Roberto Arruda estavam coligados, como mostra, aliás, um áudio divulgado nas eleições de 2006, quando o Sr. Joaquim Domingos Roriz desanca a falar mal do Sr. José Roberto Arruda. Também comprovam o comprometimento entre ambos os vídeos e depoimentos do Sr. Durval Barbosa. Aliás, esse comprometimento ia muito além de apoio político. O Sr. José Roberto Arruda passou a controlar vários órgãos e empresas públicas do Distrito Federal, com poderes para indicar servidores comissionados, intermediar a celebração de contratos, cobrar propina e montar uma poderosa estrutura de apoio à sua campanha eleitoral, durante praticamente todo o último Governo Roriz/ Abadia. Tudo era feito com o conhecimento e consentimento do mandatário do GDF de então, o Sr. Joaquim Domingos Roriz, pois era ele quem tinha os poderes para nomear e autorizar contratações. Isso, aliás, está comprovado 120 CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DA CODEPLAN pelos depoimentos do Sr. Durval Barbosa Rodrigues (Inquérito nº 650/ STJ, vol. 1, fl. 15). As ações irregulares do Sr. José Roberto Arruda, envolvendo o GDF e reveladas pela Operação Caixa de Pandora, começaram em 2002, pelo que se soube até aqui. Mesmo depois da violação do painel do Senado, ele foi eleito Deputado Federal com 324.248 votos na mesma coligação que reelegeu o Sr. Joaquim Domingos Roriz (PFL, PMDB, PRP, PSD, PSDB). Nada menos do que 26,5% dos eleitores de 2002 acreditaram nele. Essa votação expressiva certamente o incentivou a iniciar sua peregrinação por órgãos e empresas do GDF em busca de apoio, crente de que a população do DF o inocentara do vergonhoso episódio do Senado da República. E o primeiro órgão procurado por ele, até onde se sabe, foi a Companhia de Desenvolvimento do Planalto Central – CODEPLAN, ainda em 2002, segundo depoimento do próprio Presidente dessa empresa (Inquérito nº 650/ STJ, vol. 1, fl. 15) prestado ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios em 16 de setembro de 2009. O objetivo do Sr. José Roberto Arruda era conseguir do titular da empresa apoio financeiro para suas pretensões eleitorais, por intermédio de contratos de informática superfaturados, impostos aos órgãos públicos sem qualquer comprovação de necessidade. A escolha da CODEPLAN, certamente, não se deu por acaso. Ao ser eleito pela mesma coligação do candidato Joaquim Domingos Roriz, o Sr. José Roberto Arruda sabia que essa empresa estava entre as que mais desviavam recursos públicos para campanhas eleitorais e para o custeio de despesas pessoais e enriquecimento ilícito de várias personalidades políticas do DF, como ficou demonstrado em diversas ações movidas pelo Partido dos Trabalhadores e pelo Ministério Público Eleitoral após as campanhas de 2002, entre elas as que foram protocolizadas no Superior Tribunal de Justiça, mas que não tiveram seguimento por falta de autorização legislativa. 121 CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DA CODEPLAN Como comprovação dos motivos que levaram o Sr. José Roberto Arruda a procurar o presidente da CODEPLAN para ajudá-lo financeiramente, basta lembrar que, entre os órgãos do Governo, no curto período de 1999 a 2002, a CODEPLAN, além de ter seu orçamento aumentado em mais de 30 vezes, foi a que mais recebeu créditos suplementares do Governador do Distrito Federal: Ano Dotação inicial Crédito suplementar Dotação autorizada Aut./Inicial (%) 1999 7.990.000,00 4.190.000,00 12.180.000,00 52,44 2000 91.746.000,00 16.953.000,00 108.699.000,00 18,48 2001 106.993.000,00 1.563.000,00 108.556.000,00 1,46 2002 246.341.000,00 54.317.884,00 300.658.884,00 22,05 Havia, nessa empresa, uma fonte abundante de recursos para financiar toda uma estrutura de apoio às pretensões do Sr. José Roberto Arruda para as eleições que seriam realizadas em 2006. Do lado do Governo, não faltava dinheiro para supostamente ser aplicado em informática, nem faltava escrúpulo ao presidente da CODEPLAN, segundo ele mesmo revelou, para fazer contratos milionários, embora sem qualquer necessidade para a Administração Pública. Do lado de alguns empresários, não faltava vontade e apetite para contratar com o Poder Público, ainda que para isso tivessem de pagar propina, desde que também pudessem abocanhar parte do dinheiro público, como de fato abocanharam em volumes muito superiores à justa remuneração dos serviços prestados. Paralelamente a isso, o Sr. José Roberto Arruda sabia o quanto de recursos públicos tinham sido carreados para a campanha de seu padrinho político, por intermédio da CODEPLAN e do Instituto Candango de Solidariedade em 2002, segundo farto conjunto probatório levado pelo Ministério Público à Justiça Eleitoral e ao Superior Tribunal de Justiça. Sabedor dessa situação é que o Sr. José Roberto Arruda buscou a intermediação do Sr. Durval Barbosa Rodrigues na CODEPLAN para conseguir o dinheiro de que precisava para bancar escritórios políticos que, com bastante antecedência, preparariam sua ascensão ao cargo de Governador do Distrito Federal. 122 CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DA CODEPLAN O trecho do depoimento do Sr. Durval Barbosa sobre o início dessas tratativas (Inquérito nº 650/ STJ, vol. 1, fl. 15-16), por ser histórico, merece reprodução fac-símile neste Relatório: A essas tratativas e com o conhecimento do Governador Joaquim Domingos Roriz, o Sr. José Roberto Arruda pôde organizar uma estrutura milionária que, durante quatro anos, deu-lhe apoio suficiente para preparar o caminho para a vitória 123 CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DA CODEPLAN nas eleições de 2006 ainda no 1º turno. O custo, porém, foi financiado com dinheiro do contribuinte. Essa estrutura começou a funcionar ainda no início de 2003, quando faltavam quase quatro anos para as próximas eleições. Ela consistiu no seguinte: a) contratação de cinco salas no 5º andar do Liberty Mall, onde montou os serviços de comunicação, tecnologia da informação, advocacia, call center e apoio logístico (Inquérito nº 650/ STJ, vol. 1, fl. 16), espaço também utilizado pela campanha do Sr. Joaquim Domingos Roriz ao Senado Federal; b) organização de um escritório político na W3 502 Sul, com a mesma estrutura descrita do item anterior; c) montagem de um espaço chamado de Casa dos Artistas na QI 5 do Lago Sul, pertencente ao Sr. Osório Adriano; d) contratação de pessoal para dar suporte às articulações político- eleitorais. Segundo a prestação de contas das eleições de 2006 do Sr. José Roberto Arruda (< www.tse.jus.br> , acesso em 2/ 6/ 2010) foram arrecadados R$ 8.055.660,08 e gastos R$ 8.018.410,00 na campanha eleitoral. No entanto, não há qualquer registro de despesas para essas estruturas em sua prestação de contas. Em depoimento escrito à CPI da CODEPLAN, o Sr. Osório Adriano confirmou que essa denominada Casa dos Artistas foi cedida ao Sr. José Roberto Arruda e sofreu reformas. Pelas regras eleitorais, a despesa tinha de ter sido declarada. Para custear essas estruturas e as despesas com pessoal e apoio logístico, foram desviados vultosos recursos públicos, por intermédio de empresas contratadas por órgãos ou empresas públicas do Governo do Distrito Federal. Em planilhas detalhadas no Inquérito nº 650/STJ (vol. 4, fl. 68), só da CODEPLAN foram usados R$ 57.754.007,00 para o custeio desses espaços, no período compreendido entre 2003 e 2006. 124 CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DA CODEPLAN Para conseguir esses recursos, além da colaboração e intermediação do Sr. Durval Barbosa Rodrigues, o então Deputado José Roberto Arruda contou com a colaboração direta de seus assessores mais próximos, alguns dos quais também aparecem em vídeos amplamente divulgados na mídia, como os Srs. Omézio Pontes, Domingos Lamóglia e Rodrigo Arantes. Já o modus operandi para conseguir esses recursos financeiros ora se dava pelo contato com as empresas já contratadas pela CODEPLAN, ora se fazia a indicação de novas empresas para serem contratadas a fornecer produtos ou serviços sem qualquer comprovação de necessidade pelos órgãos públicos. Das empresas que já possuíam contrato com o ICS ou com a CODEPLAN, a mais envolvida com o Sr. José Roberto Arruda foi a Linknet Tecnologia e Telecomunicações Ltda, por sinal também a mais envolvida nas denúncias de desvios de recursos para a campanha de 2002 do Sr. Joaquim Domingos Roriz. Só no período de 2005 a 2010, essa empresa recebeu só de órgãos do Distrito Federal mais de meio bilhão de reais. No período anterior, de 1999 a 2004, não se têm dados, porque essa empresa era contratada pelo Instituto Candango de Solidariedade. De qualquer sorte, além dos depoimentos e documentos do Sr. Durval Barbosa, o proprietário dessa empresa, o Sr. Gilberto Lucena, aparece em vídeo acertando valores de propina a serem pagos em razão de recursos recebidos a título de reconhecimento de dívidas, já no Governo do Sr. José Roberto Arruda. Do segundo caso, consta que o Sr. José Roberto Arruda pediu ao Presidente da Codeplan para contratar a empresa Notabilis S/ C Comunicação e Marketing, pertencente a seus assessores e ao seu próprio filho (Inquérito nº 650/STJ, vol. 1, fl. 17). De 2003 a 2006, essa empresa recebeu da CODEPLAN a fabulosa quantia de R$ 723.200,00 (Inquérito nº 650/STJ, vol. 2, fl. 89). Um outro exemplo da influência do Sr. José Roberto Arruda na CODEPLAN foi a contratação da empresa Nova Fase Consultores Associados Ltda (CNPJ 02.609.247/0001-35) para prestar assessoria na área da previdência social (Inquérito nº 650/STJ, vol. 1, fl. 17). Essa assessoria, segundo consta do objeto do contrato, 125 CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DA CODEPLAN consistia na elaboração de estudos com uso de softwares específicos para cálculo de compensação financeira entre o Regime Geral de Previdência Social e os Regimes Próprios de Previdência Social dos Servidores do Distrito Federal e elaboração de relatórios com informações relativas a valores do Fundo de Compensação das Variações Salariais – FCVS para devida recuperação de créditos pela Secretaria Extraordinária de Previdência do Distrito Federal/ GDF junto à Caixa Econômica Federal. Para isso foram assinados dois contratos, o de nº 4/ 2006 e o de nº 7/ 2006, com vigência de 10/ 4/ 2006 a 7/ 10/ 2006, praticamente coincidindo com o período eleitoral. Por esses serviços foram pagas, respectivamente, as vultosas importâncias de R$ 13.660.000,00 e de R$ 12.158.233,98 (total de R$ 25.818.233,98). Os preços, segundo revelou o próprio contratante, não tinham qualquer respaldo no mundo fático. Eram acertados entre autoridades, segundo revelou o próprio contratante, presidente da CODEPLAN (Inquérito nº 650/STJ, vol. 1, fl. 25): Além da abusividade dos preços e do fato de o objeto do serviço não ser da área de informática, o que afastaria a CODEPLAN, é de se notar também que a empresa contratada, segundo o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica do Ministério da Fazenda, tem sede no município de Baueri-SP e não tem entre as suas especialidades a prestação de assessoria na área de previdência social. Ao contrário, na descrição de suas atividades econômicas secundárias, está expressamente excluída a consultoria técnica específica. Ambos os contratos exigiriam consultoria técnica especializada, se tivessem sido feitos para atender alguma demanda da Administração Pública. Esses dados mostram a facilidade com que os recursos eram desviados da CODEPLAN, especialmente por conta da abundância de recursos que o Governador 126 CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DA CODEPLAN Joaquim Domingos Roriz disponibilizava para lá e por conta do poder do próprio Presidente dessa empresa para fazer os desvios. No período em que o Sr. José Roberto Arruda, então Deputado Federal, moveu-se para desviar recursos públicos para sua estrutura política, a CODEPLAN foi contemplada com vultosas somas de recursos públicos. Enquanto a receita do Distrito Federal de 2003 a 2006 cresceu cerca de 70%, as dotações orçamentárias para a CODEPLAN cresceram 323%, conforme quadros seguintes: Ano Dotação inicial Crédito suplementar Dotação autorizada % Aut./Inicial 2003 82.756.000,00 78.959.706,00 161.715.706,00 95,41 2004 205.253.000,00 157.968.119,00 363.221.119,00 76,96 2005 357.530.000,00 211.034.500,00 568.564.500,00 59,03 2006 417.020.960,00 268.483.197,00 685.504.157,00 64,38 Esse era um dos férteis terrenos preparados para o esquema de corrupção no Governo do Sr. Joaquim Domingos Roriz, do qual o Sr. José Roberto Arruda se beneficiou antes de ser Governador do Distrito Federal. O conjunto de elementos e informações acima mencionados não deixa dúvidas da participação do Sr. José Roberto Arruda num esquema de corrupção montado durante o Governo do Sr. Joaquim Domingos Roriz. Como provas materiais incontestes dessa participação, que se articulam com absoluta precisão nessa engrenagem corrupta, podem ser lembradas as seguintes: a) um vídeo em que ele aparece recebendo maços de dinheiro do Sr. Durval Barbosa Rodrigues, presidente da CODEPLAN à época da gravação em 2006 (Cópia no Inquérito nº 650/STJ; transcrição no Apenso III, fl. 217); b) declaração do presidente da CODEPLAN de que entregou recursos ao Sr. José Roberto Arruda desde 2002 até o final de 2009 (Inquérito nº 650/ STJ, vol. 1, fls. 14s), com farta documentação de controle; c) recibos assinados pelo Sr. José Roberto Arruda de que recebeu dinheiro com o Sr. Durval Barbosa (Inquérito nº 650/STJ, Apenso III, fl. 185s) e DVD 3 (MÍDIAS\ CÓPIA DOS AUTOS DE ANÁLISE E APREENSÃO PARA O STJ E MP\ MB 05\ Documentos_digitalizados\ MB_05_item_10). 127 CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DA CODEPLAN A todos esses fatos, e apesar da abundância de dinheiro ilícito movimentado nas campanhas eleitorais de 2006, o Sr. José Roberto Arruda não pagou as contribuições devidas ao INSS pelas despesas que teve com pessoal. Segundo os dados disponíveis na Justiça Eleitoral (< www.tse.jus.br> , acesso em 6/ 6/ 2010), o candidato José Roberto Arruda informou que teria gasto, nas eleições de 2006, a importância R$ 8.018.410,00. Desse total, R$ 188.942,72 foram usados para pagar o serviço de 518 pessoas. No entanto, não consta dessa prestação de contas qualquer informação sobre recolhimento das contribuições para o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. Só que a Orientação Normativa nº 2, de 13 de agosto de 2004, do Secretário de Previdência Social, não deixa dúvidas da necessidade do recolhimento: Art. 1º É segurado contribuinte individual, nos termos da alínea "g" do inciso V do art. 12 e da alínea "g" do inciso V do art. 11, respectivamente das Leis nº s 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, a pessoa física contratada por comitê financeiro de partido político ou por candidato a cargo eletivo, para prestação de serviços nas campanhas eleitorais. Art. 2º Para efeito de recolhimento de contribuições previdenciárias, os candidatos a cargos eletivos e os comitês financeiros de partidos políticos equiparam-se a empresa, nos termos do parágrafo único do art. 15 da Lei n.º 8.212, de 24 de julho de 1991. Art. 3º Os candidatos a cargos eletivos e os comitês financeiros de partidos políticos utilizarão as respectivas inscrições no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ, concedidas pela Secretaria da Receita Federal/ MF, para recolher as contribuições previstas nos arts. 20, 21 e 22 da Lei nº 8.212, de 1991, incidentes sobre as remunerações pagas, devidas ou creditadas aos segurados de que trata o art. 1º. Art. 4º A ocorrência de fatos geradores de contribuições e demais informações pertinentes deverão ser informadas ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, mediante Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social – GFIP. Esses dados todos revelam que o Sr. José Roberto Arruda mantinha um discurso para agradar parte da população, ao mesmo tempo em que surrupiava os recursos da sociedade para fins pessoais. 128 CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DA CODEPLAN O pior é que as práticas corruptas de que ele participara durante o Governo do Sr. Joaquim Domingos Roriz continuaram – de forma ainda mais intensa – em seu Governo. Interessante notar também que ele havia condenado essas práticas publicamente ao assumir o GDF, como se verá a seguir. III – PRÁTICAS ILÍCITAS A PARTIR DE 1º DE JANEIRO DE 2007 Ao tomar posse como Governador do Distrito Federal, o Sr. José Roberto Arruda tomou algumas medidas de suposto impacto para tentar conquistar a opinião pública, ou melhor, enganá-la. Alegava que faria um governo novo, diferente de seu antecessor. O Jornal Opção, de 7 a 13 de janeiro de 2007, noticiou assim: O governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, iniciou sua gestão com o que foi classificado de “colocar ordem na casa”. Mais de 17 mil servidores comissionados demitidos, número de secretarias reduzido para menos da metade, contratos suspensos e até mesmo a transferência da sede administrativa do governo do Plano Piloto para a cidade-satélite de Taguatinga. A prática, porém, foi outra muito diversa, pois todas essas ações eram apenas de fachada, como diz a sabedoria popular. As medidas anunciadas, na verdade, eram apenas cortina de fumaça para tentar encobrir o gigantesco esquema de corrupção que financiou sua campanha nas eleições de 2006 e que foi mantido e ampliado para dar a ele e a um amplo grupo de apoiadores e aliados políticos respaldo financeiro para suas ações ilícitas. Pior do que isso, eram medidas para facilitar a viabilidade do esquema de corrupção, como a que suspendeu contratos, para negociá-los posteriormente com propina maior. Enquanto até o final de 2006 ele era beneficiário de parte do esquema montado no Governo do Sr. Joaquim Domingos Roriz, a partir da posse em 1º de janeiro de 2007, o Sr. José Roberto Arruda passou a ser o comandante do esquema em todo o seu Governo. Inicialmente, é preciso lembrar que parte significativa do secretariado e dirigentes do Governo do Sr. Joaquim Domingos Roriz e de sua vice, a Sra. Maria de Lourdes Abadia, não só apoiou eleitoralmente o Sr. José Roberto Arruda, como 129 CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DA CODEPLAN também continuou com funções tão ou mais importantes do que tinham no governo anterior, apesar de a Governadora anterior ter concorrido às eleições de 2006. Essas pessoas poderiam ser relacionadas aqui, já que às exonerações de 31/12/2006 seguiram-se as nomeações no dia seguinte pelo próprio Governador José Roberto Arruda. Mas foram tantas e em todos os níveis hierárquicos que sempre se corre o risco de deixar alguém de fora. Apenas como exemplo, basta lembrar os nomes dos Srs. Benjamim Segismundo de Jesus Roriz, Durval Barbosa Rodrigues, Fábio Simão, José Geraldo Maciel, Odilon Aires, Ricardo Penna, Roberto Giffoni e Weligton Moraes, todos citados na Operação Caixa de Pandora. Também não se pode esquecer que o Sr. Joaquim Domingos Roriz, apesar das críticas que o Sr. José Roberto Arruda lhe fazia, também mantinha pessoas indicadas para cargos comissionados, segundo consta de uma planilha de Excel denominada < Controle_de_Cargos_Deputados> , inserta no DVD2\ DVD 2 MÍDIAS\ Apenso 9\ MB 03 item 8.8, encaminhado à CPI pelo Superior Tribunal de Justiça. Entre as medidas tomadas logo no início e ao longo do Governo do Sr. José Roberto Arruda para ludibriar a opinião pública e encobrir a corrupção que grassava em seu Governo e sob seu comando, estão as seguintes: 1ª ) Reorganização administrativa do Distrito Federal, com suposta extinção de Secretarias e cargos comissionados Foi com muita pompa e ampla cobertura da mídia, inclusive com espaço privilegiado na propaganda eleitoral do DEM no início de 2007, que o novo Governador, ao tomar posse, editou o Decreto nº 27.591, de 1º de janeiro de 2007, para fazer uma reestruturação administrativa, que, segundo ele, diminuiria os custos da máquina pública distrital. E um dos pontos mais destacados à época foi a extinção dos milhares de cargos comissionados deixados por seu antecessor. O Governador falou, inclusive, à época na extinção de 23 mil cargos comissionados. Os jornais noticiaram 17 mil. 130 CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DA CODEPLAN Nada disso foi verdade. Primeiro, porque, de acordo com o Secretário de Planejamento e Gestão, conforme dados informados à Câmara Legislativa em resposta a requerimentos de pedidos de informação, havia 18.493 cargos comissionados quando Arruda assumiu, o que já permite observar o exagero da informação. Segundo, porque não é verdade que o Governo extinguiu esses cargos. Basta ler o texto do aludido Decreto para verificar que esses cargos não foram extintos, mas colocados num banco de reservas, para irem sendo providos à medida das necessidades administrativas, ou melhor, à medida dos interesses políticos e em dosagens que pudessem assegurar gradativamente mais apoios às eleições de 2010. A extinção dos cargos era pura fantasia, e o próprio Diário Oficial do Distrito Federal, de 15 de setembro de 2008, desmente o Governador, pois ali foi publicado pelo próprio Governo que, no GDF, estavam providos 16.448 de um total de 19.503 cargos comissionados existentes. 2ª ) Extinção da CODEPLAN e do I nstituto Candango de Solidariedade O Governador José Roberto Arruda também tentou extinguir a CODEPLAN, mas voltou atrás logo em seguida. Mandou descredenciar o Instituto Candango de Solidariedade (Decreto nº 27.732, de 23/ 2/ 2007), mas manteve o Sr. Benjamim Segismundo de Jesus Roriz em cargo comissionado para cuidar dele. Esse senhor fora Secretário de Governo durante oito anos e, ao mesmo tempo, membro do Conselho de Administração do ICS. O objetivo que estava por trás dessa ação não era público, mas inteiramente privado. Segundo revelou o Sr. Durval Barbosa Rodrigues (Inquérito nº 650/ STJ, vol. 1, fl. 24 e 28), o objetivo dessa extinção era apenas destruir as provas que pudessem vir a comprometer o Sr. José Roberto Arruda pelos atos ilícitos praticados no período de 2003 a 2006, durante o Governo do Sr. Joaquim Domingos Roriz. A extinção era, de fato, apenas para aparentar severidade no trato da coisa pública. Na prática, o que houve foi que as empresas contratadas pelo 131 CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DA CODEPLAN ICS/ CODEPLAN para desviar recursos públicos passaram a fazer contratos diretamente com os órgãos do GDF. Foi apenas mais uma fachada, pois, mesmo tendo descentralizado da CODEPLAN para os órgãos do GDF os contratos de informática, o esquema de propina, a abundância de recursos, as empresas e a contratação sem levantamento de demandas continuaram sem qualquer solução de continuidade. 3ª) Locação de veículos e imóveis Outra medida anunciada com pompa e circunstância pelo Governador José Roberto Arruda foi a redução de veículos e imóveis locados. Na prática, porém, houve um aumento considerado nessas despesas, conforme dados abaixo extraídos de resposta da Secretaria de Planejamento e Gestão ao Requerimento de informações nº 1.971/2010: Governo Ano Roriz/Abadia 2006 2007 2008 Arruda 2009 Total Veículos 3.576.973,62 12.527.005,92 11.607.203,02 14.427.110,33 38.561.319,27 Imóveis Total 21.539.619,68 25.116.593,30 28.840.912,50 41.367.918,42 25.064.406,00 36.671.609,02 25.064.406,00 39.491.516,33 78.969.724,50 117.531.043,77 4ª) Dívidas deixadas pela Governadora Maria de Lourdes Abadia Para mostrar distanciamento de seus antecessores perante a opinião pública, o Sr. José Roberto Arruda, ao tomar posse, anunciou ter herdado uma dívida de mais de R$ 700 milhões, segundo fez divulgar pela imprensa à época. Apesar de esses números não terem sido confirmados e dos desmentidos dos governantes que saíram, o fato é que foram pagos em 2007, a título de reconhecimento de dívidas de exercícios anteriores, a importância de R$ 437.478.323,07, conforme registro no Sistema Integrado de Gestão Governamental – SIGGO. Embora o valor seja menor do que foi divulgado, soube-se pelos vídeos e depoimentos prestados pelo ex-Secretário de Relações Institucionais do Governo 132 CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DA CODEPLAN Arruda que até isso serviu para desviar recursos para o esquema de corrupção montado durante a campanha eleitoral e continuado após a posse de Governador. Segundo depoimento do Sr. Durval Barbosa Rodrigues prestado ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, o reconhecimento de dívidas era uma forma de “legalizar o ilegal” (Inquérito nº 650/ STJ, vol. 1, fl. 20), uma vez que o Governador José Roberto Arruda não autorizava o contrato emergencial nem a abertura de processo licitatório, mas mantinha as empresas prestando serviços, para depois extorqui-las com os reconhecimentos de dívida, fato, aliás, registrado em imagens do Sr. Gilberto Lucena, dono da empresa Linknet, grande doadora de recursos não contabilizados para a estrutura de campanha do Sr. José Roberto Arruda. O que é, porém, mais estarrecedor nesse caso é que o Sr. José Roberto Arruda baixou um decreto específico para o reconhecimento das dívidas deixadas por sua antecessora em 2006, com a finalidade de concentrar nas mãos de um único Secretário o acerto de propina. Pelo Decreto nº 27.815, de 28/ 3/2007, ele determinou que qualquer reconhecimento de dívidas relativas ao exercício de 2006 só poderia ser feito após a avaliação da Corregedoria-Geral do Distrito Federal, cujo titular era o Sr. Roberto Giffoni. Pelo que ficou revelado pelo Sr. Gilberto Lucena em vídeo gravado na sala do Sr. Durval Barbosa, a liberação desses recursos estava condicionada ao acerto da propina. Disse também que o Sr. Roberto Giffoni e Ricardo Penna, ambos Secretários do Governo do Sr. José Roberto Arruda, só liberavam os pagamentos mediante acerto prévio da taxa instituída a título de propina. Esses elementos todos se entrelaçam de tal modo e com tal clareza que é inconteste o fato de o Governo do Sr. José Roberto Arruda ter usado o peso da Administração Pública para cobrar propina das empresas contratadas pelo GDF. 5ª) Prestação de serviços sem contrato O que se percebia nas práticas do Governo do Sr. José Roberto Arruda, confirmado posteriormente pelas declarações bombásticas do Sr. Durval Barbosa 133 CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DA CODEPLAN Rodrigues, é que a corrupção generalizou-se de tal modo no âmbito do Poder Executivo que o Governo começou a perder o controle. Mais uma vez, com ares de austeridade e boa gestão, o Sr. José Roberto Arruda editou o Decreto nº 29.674, de 5/ 11/ 2008, para tentar conter a sanha de seus subordinados diretos. Por esse Decreto, ficou proibido contratar sem o regular processo licitatório, bem como o pagamento de despesas sem o prévio empenho. Proibiu-se, também, a dispensa ou inexigibilidade de licitação sem o cumprimento das formalidades legais vigentes. Pela singularidade de sua redação, o art. 1º merece ser transcrito: Art. 1º Fica vedado aos titulares de Órgãos e Entidades do Complexo Administrativo do Governo do Distrito Federal e aos respectivos Ordenadores de Despesa a efetivação de qualquer contratação, em especial de prestação de serviços, inclusive de natureza continuada, e fornecimento de bens sem o regular procedimento licitatório e o prévio empenho da despesa, bem assim a efetivação de contratações em caráter emergencial ou com inexigibilidade de licitação sem o cumprimento das disposições legais vigentes e a aprovação em parecer prévio da Procuradoria-Geral do Distrito Federal ou da Unidade Jurídica respectiva quando se tratar de Órgão da Administração Pública Indireta, devendo-se observar, nas contratações emergenciais, a concomitante instauração do procedimento licitatório regular. O texto, na verdade, é uma verdadeira confissão do desgoverno em que se tornou o GDF, por conta dos desmandos do Sr. José Roberto Arruda e de parte significativa de seu secretariado e assessores mais diretos. Emitir um Decreto para dizer que os titulares de órgãos devem cumprir a Lei é por demais descabido e, ao mesmo tempo, extremamente inusitado. Na Administração Pública, nada pode ser feito a não ser quando a Lei assim determina ou autoriza. Ademais, realizar despesa sem prévio empenho é algo proibido desde a Lei federal nº 4.320, de 1964 (art. 60), e expor num Decreto a exigência de procedimento licitatório para as contratações com o serviço público é a demonstração cabal de que a ilegalidade se tinha generalizado no complexo administrativo do DF. A leitura desse Decreto em conjunto com a conversa gravada pela Polícia Federal entre o Sr. José Roberto Arruda e o Sr. Durval Barbosa Rodrigues (Inquérito 134 CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DA CODEPLAN nº 650/ STJ, Apenso III, fl. 143s) é reveladora do grau de corrupção que havia se instalado no GDF. Ainda que não se tenha a confirmação da autoria da frase abaixo, atribuída ao Secretário de Fazenda do DF, Valdivino José de Oliveira (Inquérito nº 650/STJ, vol. 4, fl. 514-515), ela parece retratar com fidedignidade o fluxo da corrupção do Governo do Sr. José Roberto Arruda: “o esquema de propina começa no protocolo e vai até o Governador”. 6ª) Educação Segundo o Sr. Durval Barbosa Rodrigues (Inquérito nº 650/ STJ, vol. 1, fl. 17), ele foi contactado em 2006 por emissários do Sr. José Roberto Arruda para contratar o Instituto Sangari a fim de adquirir o produto chamado “Ciência em Foco”. Em seu depoimento prestado à CPI da CODEPLAN, o Sr. Renato Malcotti confirma ter conduzido o representante dessa empresa até o Presidente da Codeplan. No Governo do Sr. José Roberto Arruda, a empresa Sangari do Brasil Ltda foi contratada e vem recebendo uma soma considerável de recursos. ANO Soma de Valor do Documento 2008 Fundo Manut. Desenv. Educação Básica Secretaria de Educação Total geral 2009 2010 Total geral 25.358.319,01 14.734.673,06 19.628.766,73 59.721.758,80 49.566.184,03 35.592.386,13 4.938.337,79 90.096.907,95 74.924.503,04 50.327.059,19 24.567.104,52 149.818.666,75 A melhoria na qualidade do ensino público é promessa de muitos governantes e anseio da sociedade brasileira, mas impressiona o volume de recursos gastos com despesas correntes, como as acima, enquanto a remuneração dos professores vem sendo corroída, ano após anos, pela falta de uma política salarial efetiva para a categoria. E até as conquistas já insertas em Lei são retiradas dos docentes. Pela Lei nº 4.075, de 28/ 12/ 2007 (art. 32), os professores teriam direito a um reajuste de 19,98% em março de 2009. Entretanto, o Governador José Roberto Arruda invocou a 135 CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DA CODEPLAN Lei de Responsabilidade Fiscal para aprovar o maior congelamento de salários de que o DF tem notícias (Lei nº 4.316, de 8 de abril de 2009). Observa-se, então, que se alega falta de recursos para a justa melhoria salarial dos professores. No entanto, abundam recursos para contratações arranjadas, como essa denunciada pelo Sr. Durval Barbosa Rodrigues. 7ª ) Confirmação do esquema corrupto pelo próprio Sr. José Roberto Arruda Tal como ocorrido em épocas pretéritas, todo esse conjunto de fatos poderia ser tomado apenas como indício e, assim, não se chegar à conclusão de que, de fato, houve um esquema de corrupção faraônico no Distrito Federal durante a gestão do Sr. Joaquim Domingos Roriz e do Sr. José Roberto Arruda. No entanto, a conversa gravada pela Polícia Federal com autorização do Superior Tribunal de Justiça entre o Sr. Durval Barbosa Rodrigues e o Sr. José Roberto Arruda não deixa dúvidas sobre a veracidade dos fatos. Nessa conversa, transcrita para o Inquérito nº 650/ STJ (Apenso 3, fl. 143 e seguintes), fica claro não só o conhecimento detalhado do Sr. José Roberto Arruda sobre o esquema de corrupção montado em seu Governo, como ainda seu efetivo comando nessa organização criminosa. Num dos trechos da conversa, inclusive, ele informa que o Sr. Durval Barbosa Rodrigues tem direito a ficar com parte do dinheiro arrecadado não só para pagar advogados, mas também para outras finalidades pessoais (Inquérito nº 650/STJ, Apenso III, fl. 145). 8ª) A propina que cabia a cada um O volume de recursos públicos desviados pelo esquema de corrupção apresenta cifras bilionárias. Só o Sr. Durval Barbosa estima ter movimentado cerca de R$ 160 milhões, segundo informou em depoimento prestado no processo de quebra de decoro parlamentar da Deputada Eurides Brito. Pelos bilhões de reais que teve à sua disposição na presidência da Codeplan de 1999 a 2006 e pelo conteúdo 136 CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DA CODEPLAN de seus vários depoimentos e do dinheiro filmado em vídeos divulgados na imprensa, é possível que tenha sido muito mais. De qualquer modo, pelos documentos e informações colhidas pela Polícia Federal e Ministério público, o montante arrecadado pelo esquema de propina era assim distribuído (Inquérito nº 650/STJ, vol I, fl. 23, e Apenso 3, fl. 38): 9ª) Declaração do Imposto de Renda Depois que vieram a público as informações colhidas pela Operação Caixa de Pandora, o Sr. José Roberto Arruda divulgou à imprensa sua declaração de imposto de renda relativa ao exercício de 2009, como tentativa de rebater denúncias de que 137 CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DA CODEPLAN seu patrimônio teria subido mais de 1000%, segundo divulgara o Estado de S. Paulo, de 6/12/2009. Independentemente do crescimento patrimonial, o fato é que a renda contida na declaração do Sr. José Roberto Arruda revela outros aspectos que comprovam ter ele fontes paralelas para custear suas despesas pessoais e de sua família. Segundo consta dessa declaração, os rendimentos mensais dele restringiamse basicamente à sua remuneração do cargo de Governador e a valores recebidos de pessoa física: Dados da Declaração do IR Valor (R$) Remuneração de governador 144.103,05 Remuneração de pessoa física 59.238,52 Lucro na alienação de bens 165.606,04 Poupança 9.029,00 13º 5.685,80 Ganhos de capital 114.902,96 Total 498.565,37 Desse total, R$ 115.562,34 são despesas contidas em sua própria Declaração do Imposto de Renda (pagamentos e descontos de IR e previdência social). Como houve um aumento de capital de R$ 273.258,74, conclui-se que ele teve disponível para suas despesas pessoais cerca de R$ 100 mil para um ano. Apesar de ser uma quantia razoável, a ostentação de riqueza dele e de sua mulher, segundo divulgou a revista Época, de 21/ 1/ 1010, demonstram que esses recursos seriam insuficientes para custeá-la. 10ª) Panetones Depois que vieram a público as informações colhidas pela Operação Caixa de Pandora, o Sr. José Roberto Arruda divulgou à imprensa que o dinheiro recebido do Sr. Durval Barbosa Rodrigues, gravado em vídeo, era para a aquisição de panetones. Era uma tentativa de justificar o injustificável. Mas, para levar avante a mentira, foram divulgados recibos emitidos pelo próprio Sr. José Roberto Arruda para o Sr. Durval Barbosa Rodrigues. 138 CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DA CODEPLAN Cópia desses recibos constam do Inquérito nº 650/ STJ, enviado à CPI pelo STJ. No Apenso III, (fl. 185s), aparecem recibos apenas do Sr. Durval Barbosa Rodrigues. No DVD 3 (MÍDIAS\ CÓPIA DOS AUTOS DE ANÁLISE E APREENSÃO PARA O STJ E MP\ MB 05\ Documentos_digitalizados\ MB_05_item_10), aparecem cópia de recibos para o Sr. Durval Barbosa Rodrigues e para outros doadores. Constata-se pelos documentos que só o Sr. Durval Barbosa Rodrigues teria feito duas doações por ano, num valor de R$ 300 mil em quatro anos, o que é uma soma altíssima para ser doada, especialmente por o doador ser um servidor público e, em tese, depender do salário para sobreviver: VALOR (R$) Ano 2004 2005 2006 2007 Subtotal Apenso 3 DVD 3 20.000,00 70.000,00 30.000,00 80.000,00 20.000,00 30.000,00 20.000,00 30.000,00 90.000,00 210.000,00 Total geral 300.000,00 No DVD3, constam outros doadores para a “campanha natalina do panetone”, muitos deles flagrados na Operação Caixa de Pandora, como o Sr. José Geraldo Maciel. Criou-se até um suposto livro para se controlar o valor das doações. No cabeçalho de cada ano, registra-se: A contabilidade dessas doações chega à impressionante cifra de R$ 1.758.000,00, além da arrecadação de mais 106.500 penetones de diversos empresas: 139 CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DA CODEPLAN Ano 2004 2005 2006 2007 Total Valor (R$) Panetones (Qtd.) 334.000,00 20.500 496.000,00 31.000 719.000,00 27.000 209.000,00 28.000 1.758.000,00 106.500 Os recibos, segundo a perícia da Polícia Federal, são falsos e foram produzidos em 28 de outubro de 2009. Renderam ao Sr. José Roberto Arruda uma ação penal por falsidade ideológica, segundo noticiou a imprensa. Independentemente desse aspecto, porém, o fato é que os recibos confirmam as afirmações do Sr. Durval Barbosa Rodrigues de que o Sr. José Roberto Arruda recebia dele dinheiro arrecadado junto às empresas que mantinham contratos na área de informática da CODEPLAN. O Sr. José Roberto Arruda, ao assinar os recibos alegando falsamente que o dinheiro era para a compra de panetones, confessa que recebia dinheiro do Sr. Durval Barbosa Rodrigues. E este, na qualidade de presidente da CODEPLAN, afirma que o dinheiro entregue ao Sr. José Roberto Arruda advinha de propina cobrada das empresas de informática. Enquanto o Sr. Durval Barbosa Rodrigues apresentou uma prova em vídeo de o Sr. José Roberto Arruda recebendo dinheiro de um esquema de corrupção, o Sr. José Roberto Arruda assinou oito recibos para dizer que tinha recebido dinheiro do Sr. Durval Barbosa de 2004 a 2007. Esses recibos, em conjunto com os demais elementos probatórios (vídeos, depoimentos, áudios, etc.), não deixam dúvidas, então, de que o Sr. José Roberto Arruda montou, sim, uma gigantesca organização criminosa para desviar recursos públicos para fins pessoais. 11ª) Ética e mentiras Além de tudo isso que acima se expôs e das inúmeras matérias produzidas pela imprensa, com o esforço pessoal de jornalistas, sobre o esquema de corrupção no Governo do Distrito Federal, há ainda um elemento a ser considerado em face das altas quantias de movimentação de dinheiro em espécie. 140 CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DA CODEPLAN Apesar de, no mundo do século XXI, a circulação de dinheiro em moeda corrente ser quase jurássica, o Sr. José Roberto Arruda foi à sala do presidente de uma empresa pública para pegar R$ 50 mil em espécie. Ainda que fosse para comprar os fabulosos panetones, o fato é que um servidor público, como o é o presidente da CODEPLAN, não poderia ter em suas mãos quantia tão alta, e muitas vezes superiores ao seu próprio salário. E o Sr. José Roberto Arruda, embora tenha mentido sobre a finalidade do dinheiro, sabia que o dinheiro provinha de fontes ilícitas, tanto que se mostrou desconfortável diante da hipótese de sair da sala com o maço de dinheiro, segundo revelam as imagens gravadas pelo Sr. Durval Barbosa Rodrigues. Tanto ao Sr. José Roberto Arruda quanto aos demais flagrados nos vídeos do Sr. Durval Barbosa Rodrigues faltou ética em suas declarações para reconhecer que suas explicações não faziam e não fazem o menor sentido no mundo contemporâneo, porque as transações financeiras são feitas pelos meios seguros e sofisticados que a moderna tecnologia proporciona. IV – CONCLUSÃO Todos os fatos que vieram a público com a Operação Caixa de Pandora e aos que a CPI da CODEPLAN teve acesso nas suas investigações revelam que o Sr. José Roberto Arruda montou uma grande farsa para conquistar o Governo do Distrito Federal e, uma vez empossado no cargo de Governador, comandou um gigantesco esquema de corrupção, com desvios de dinheiro público, contratos superfaturados, pagamento à base aliada, tudo com o intuito de se manter no poder e, ao mesmo tempo, usar a máquina pública como se fosse um bem privado posto à sua disposição. Como no aspecto criminal as investigações já estão sendo conduzidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal e Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, a CPI da CODEPLAN opta por aguardar o término das investigações. 141 CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DA CODEPLAN No que já há provas suficientes para medidas judiciais, administrativas e legislativas, a CPI da CODEPLAN conclui pelas seguintes recomendações: 1) Ao Ministério Público Eleitoral no Distrito Federal que investigue a possibilidade de ingressar com as ações judiciais competentes com vistas a apurar a prática de crimes eleitorais durante o período de 2002 a 2006. 2) À Procuradoria-Geral do Distrito Federal que ingresse com as ações competentes com vistas a cobrar do Sr. José Roberto Arruda os valores desviados da CODEPLAN por intermédio do Sr. Durval Barbosa, com base especialmente nas provas do Inquérito nº 650/STJ, vol. 4. 3) Ao Tribunal de Contas do Distrito Federal: a) que ultime a análise a repercussão dos fatos revelados pela Operação Caixa de Pandora nas contas do Governador Arruda relativas ao exercício de 2009; b) que encaminhe à Procuradoria-Geral do Distrito Federal o resultado de todas as auditorias e inspeções sobre os contratos com indícios de irregularidades, a fim de que sejam tomadas as devidas providências; 4) À Câmara Legislativa do Distrito Federal que vote e rejeite as contas do ex-Governador José Roberto Arruda relativas aos exercícios de 2007, 2008 e de 2009. 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