O professor de LE em formação – desafios e possibilidades na era digital Pre-service FL teachers – challenges and possibilities in the digital era Kátia Modesto Valério 1 (UFF) Heloisa Liberto 2 (UFF) Resumo: Este artigo trata de uma pesquisa exploratória realizada em ambiente universitário com professores de Língua Inglesa em formação. Com o objetivo de se compreender suas percepções acerca da incorporação de um componente online ao programa de um curso de graduação, foram utilizados instrumentos etnográficos para nos aproximarmos de suas impressões acerca do processo de ensino-aprendizagem mediado pelas novas ferramentas da Web 2.0. Possivelmente por acomodação a um modelo tradicional de aprendizagem, os licenciandos investigados tendiam a utilizar a rede mundial de computadores preferencialmente como fonte de informação, sem explorar os recursos propiciados pela Web 2.0. Os resultados demonstram que as mudanças impostas pela era digital demandam uma nova postura por parte do aprendiz e que a aclimatação do mesmo às novas tecnologias ainda requer trabalho paciente e gradual. Apontam-se, ainda, os cursos híbridos como espaços férteis para o andaimento em direção a essa mudança. Palavras-chave: formação de professores de LE, aprendizagem colaborativa, web 2.0, percepções, curso híbrido. Abstract: This article concerns an exploratory research conducted in academic context with preservice English language teachers. In order to understand their perceptions on the incorporation of an online component to the program of their undergraduate course, we used ethnographic tools to approach their views on the teaching-learning process mediated by new Web 2.0 tools. Possibly due to their adherence to traditional learning models, the undergraduate students surveyed tended to use the World Wide Web preferably as source of information without exploring the features afforded by Web 2.0. Results indicate that the changes imposed by the digital age demand a new attitude on the part of the learner and their acclimatization to ICTs still requires patient and gradual work. The study also indicates that hybrid courses might be a fertile field for the scaffolding to these changes. Keywords: FL pre-service teachers, collaborative learning, web 2.0, perception, hybrid course. 1. Introdução A abrangência mundial do aprendizado de línguas à distância (LOBANOVA, 2006) e as inovações tecnológicas envolvidas nessa prática vêm alterando significativamente a 1 2 [email protected] [email protected] Linguagens e Diálogos, v. 2, n. 2, p. 1-16, 2011 1 configuração da sala de aula de língua estrangeira. A comunicação entre inúmeras pessoas, a independência de tempo e espaço e as possibilidades de conexão hipermídia são ganhos permitidos pelo meio virtual, com os quais o profissional de educação deve se familiarizar a fim de que possa implementar uma nova pedagogia online (GUICHON, 2009) em sua prática cotidiana. Com a extensão eletrônica das paredes da sala de aula, torna-se evidente que os papéis tradicionais de professor e aluno, provavelmente, irão mudar. O professor de LE tende a tornar-se mais motivador, mediador e designer de tarefas ao invés de transmissor de informação. O aluno, por sua vez, deixa de ser mero reprodutor de informações para se tornar um sujeito capaz de criar e transmitir a outros o produto de sua criação, incitando discussões e reflexões, assumindo, assim, uma postura dinâmica no processo ensino-aprendizagem (HUBBARD, 2009). É nesse cenário que a Teoria Sociocultural (VYGOTSKY, 1978 ) vem dar suporte à compreensão da aprendizagem como atividade mediada, fruto da colaboração, que ganha novo ímpeto (MCCARTY, 2009) amparada pelas comunidades de prática online (WENGER, 2011). Com o advento da Web 2.0 e com as políticas públicas no sentido da universalização da banda larga3 e do letramento digital do aluno cidadão (MENEZES DE SOUZA; MONTEMÓR, 2006), o momento histórico que ora vivemos nos parece extremamente oportuno para preparar o professor em formação para incorporar os recursos disponíveis na rede mundial de computadores a sua prática pedagógica. Os cursos de licenciatura, a nosso ver, devem encampar tal empreitada, pois pretende-se que o profissional da educação que ora formamos contribua para a inserção de seu futuro aluno em um mundo digitalizado, no qual ele possa circular e atuar, senhor de seu processo de aprendizagem. Foi para trazer ao licenciando as possibilidades instrucionais que se abrem nesse novo universo que demos início, no primeiro semestre de 2010, no Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense, a um projeto de ensino voltado para a interação, mediada por ferramentas sociais, entre alunos de diferentes disciplinas do Instituto. No intuito de explorar o potencial de diversas ferramentas sociais que caracterizam a Web 2.0 para o ensino, o projeto envolveu a criação de uma rede colaborativa de aprendizagem por parte dos 3 http://www4.planalto.gov.br/brasilconectado/pnbl Linguagens e Diálogos, v. 2, n. 2, p. 1-16, 2011 2 licenciandos de Língua Inglesa voltada tanto para a construção do próprio conhecimento quanto para atender as necessidades instrucionais de alunos novatos da graduação. É no âmbito desse projeto de ensino que este artigo vem relatar um estudo de natureza exploratória acerca do perfil de nosso licenciando. Espera-se que os encaminhamentos propostos por esse artigo possam gerar subsídios para uma melhor compreensão do perfil do aluno de Letras. Consideramos aqui as percepções desse aluno na transposição das práticas cotidianas do domínio social para o domínio acadêmico e profissional, buscando aquilatar a relevância da incorporação dos recursos da Web para a formação de professores no contexto da Universidade Pública no Brasil. 2. Discussão preliminar A revolução digital traz consigo uma mudança significativa no panorama educacional à medida que a tecnologia põe ao alcance do aprendiz uma enorme gama de informações, que se multiplica em um curto espaço de tempo e da qual ele pode lançar mão para imprimir suas próprias escolhas e estabelecer seu próprio percurso de aprendizagem. O ambiente de aprendizagem vem se tornando, portanto, cada vez mais flexível e múltiplo; ou seja, aprendizes constroem seu conhecimento a partir do acesso à informação de variadas fontes, em diversas modalidades de expressão, oriundas de qualquer lugar no planeta no momento em que precisam. Essa enorme disponibilidade propicia experiências de aprendizagem anteriormente inimagináveis (STURM, KENNEL, MCBRIDE e KELLY, 2009). A aquisição de meta-habilidades, o estabelecimento do currículo negociado, o acesso a insumos autênticos e a aprendizagem global, por exemplo, tornaram-se mais tangíveis a partir das inovações tecnológicas recentes (FELIX, 2005). Nos últimos anos, o cenário educacional foi ainda impactado – as ferramentas sociais fizeram com que a educação à distância, antes voltada para a interação do aprendiz com o computador, passasse a integrar também a interação do aprendiz com outros indivíduos por intermédio do computador (KERN e WARSCHAUER, 2000). Desse modo, a aprendizagem de línguas assistida por computador, comumente referida como CALL, ganha novos contornos e é melhor descrita como aprendizagem colaborativa mediada por computador, ou CSCL (Computer-Supported Collaborative Learning). A Web 2.0, que suporta uma variedade enorme de ferramentas, leva ao usuário leigo a possibilidade de gerenciar gratuitamente espaços pessoais de interação a partir de qualquer computador ou dispositivo móvel Linguagens e Diálogos, v. 2, n. 2, p. 1-16, 2011 3 conectado a WWW (DIEU, 2007). As ferramentas sociais – blogs, wikis e demais recursos de compartilhamento – permitem que o aprendiz construa, incorpore, arquive e compartilhe informações na criação colaborativa de espaços de aprendizagem, viabilizando a solução de problemas, a reflexão e o raciocínio crítico, desencadeados pela pesquisa e colaboração no meio virtual (WARSCHAUER, 1997; DIEU, 2007). Ao tecer espaços de rede virtuais, a Web 2.0 recria a dinâmica das comunidades sociais e demanda uma redefinição dos modelos instrucionais (STURM et al, 2009). A aprendizagem amparada por esse fenômeno social global, caracterizado pela liberdade, abertura e inteligência coletiva (Wikipedia, 2010), parece vir ao encontro das tendências do pensamento educacional atual, que buscam no construtivismo sociointeracional as bases teóricas para uma pedagogia flexível, autêntica, relevante, global e inclusiva (LEE, 2004 e FELIX, 2005). De fato, a corrente filosófica educacional que tem Lev Vygotsky como maior expoente compreende a aprendizagem como uma construção resultante da ação colaborativa que se desenrola na interação social. Para esses teóricos, o organismo e o meio exercem ação recíproca e é sobre essa interação que se constrói o conhecimento do indivíduo (OLIVEIRA, 2009). Enfim, por seu caráter permeável e heterogêneo, a TSC se coloca como um dos aparatos teóricos viáveis para se percorrer as trilhas abertas pela Web 2.0. Ressaltamos aqui um aspecto crucial da aprendizagem colaborativa mediada por computador que não é suficientemente enfatizado no construtivismo sociointeracional. Na aprendizagem em rede o aprendiz constrói seu conhecimento (construtivismo) como resultante da interação com seu meio (socioconstrutivismo ou construtivismo sociointeracional), mas também está ativamente engajado no processo de construção de conhecimento para sua comunidade de aprendizagem. (HOLMES et al, 2001:1). Esse processo de andaimento (scaffolding) ao qual se referiram Wood, Bruner e Ross (1976), que desapareceria após o cumprimento de sua função (PATA et al, 2005), permanece no meio virtual, na rede de conhecimentos construída, pronto para acolher novos aprendizes, que partirão do que já foi feito, para que, por sobre essa base, construam seus próprios andaimes, que, por sua vez, abrigarão novos aprendizes. A construção do conhecimento nesse processo é muito mais veloz e exponencialmente mais rica, pois está alicerçado na diversidade das contribuições individuais que se multiplicam, tecendo a trama do conhecimento. Dessa forma, a visão desse processo se torna mais abrangente para abarcar Linguagens e Diálogos, v. 2, n. 2, p. 1-16, 2011 4 uma comunidade de aprendizes, cujas fronteiras são dinâmicas. A filosofia educacional que compreende a aprendizagem com e para os outros tem sido descrita como socioconstrutivismo comunitário (HOLMES et al, 2001) e captura um dos aspectos fundamentais da ACMC – o aprendiz coloca seu processo de aprendizagem a serviço de outros aprendizes que virão depois dele. Um dos grandes desafios com os quais a Universidade se depara atualmente é a formação de professores capazes de atuar junto a seus alunos preparando-os para agirem neste novo cenário educacional, que demanda maior autonomia e engajamento e fomenta a construção colaborativa do saber. Nesse sentido, este artigo visa contribuir para a compreensão das expectativas e percepções desse futuro profissional com relação à incorporação de componente online ao seu currículo. 3. A pesquisa A pesquisa aqui relatada teve como ponto de partida um projeto de ensino intitulado “Aprendizagem Colaborativa de Aspectos Sintáticos da Língua Inglesa na Sala de Aula Conectada”, realizado no primeiro semestre de 2010, no Instituto de Letras da UFF. Sob o viés do Construtivismo Sociointeracional, o projeto visava à formação de uma comunidade de prática (SILVA, 2008) que poderia ir muito além dos muros da Universidade. Os alunos da disciplina Língua Inglesa VII - Sintaxe tinham, como parte das atribuições do curso, a criação de uma rede colaborativa de aprendizagem voltada tanto para a construção do próprio conhecimento quanto para atender às necessidades instrucionais de alunos novatos da graduação. Ou seja, utilizando o suporte de ferramentas colaborativas da Web 2.0, esses professores em formação deveriam criar ambientes de aprendizagem virtuais voltados para a proficiência no uso de três itens do conteúdo programático da disciplina – as orações condicionais, a voz passiva e o discurso indireto em inglês. Assim, deveriam trocar informações relativas a aspectos diversos dessas estruturas bem como, ao considerar os alunos novatos, oferecer explicações, ocorrências autênticas e atividades voltadas para o uso de tais estruturas. Três grupos de alunos participaram do projeto de ensino: a) 23 alunos da disciplina Língua Inglesa VII – Tópicos em Sintaxe, que tiveram papel de alunos tutores e constituíram nosso maior celeiro de dados; b) os alunos cursando Língua Inglesa I e Língua Inglesa III, Linguagens e Diálogos, v. 2, n. 2, p. 1-16, 2011 5 chamados por nós de alunos novatos, público-alvo dos produtos realizados pelos alunostutores e c) os alunos cursando a disciplina Novas Tecnologias e Ensino/Aprendizagem de Língua Estrangeira no Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem do Instituto, que interagiram com os grupos coletando dados e participando do processo de avaliação dos produtos online. Na tentativa de aclimatar o profissional de Letras em formação no uso de ferramentas sociais multimodais, aproximadamente cinco encontros (dez aulas) do semestre letivo foram alocados para que os alunos construíssem colaborativamente uma rede de conhecimentos sobre os aspectos sintáticos da língua inglesa selecionados. Cada um dos três tópicos foi abordado em duas etapas. A primeira, voltada para a construção do próprio conhecimento, gerou uma página wiki, aberta pela professora/pesquisadora. Numa segunda etapa, a turma, dividida em três grupos de alunos, com 6 a 7 componentes cada, utilizou, em revezamento, cada uma das ferramentas adotadas – a wiki PBWorks, o fórum de voz Voice Thread e o mapa conceitual Mind Meister – criando seus próprios espaços virtuais para dar suporte ao processo de aprendizagem dos alunos novatos. Assim, desse processo, resultaram doze produtos: três páginas na wiki da turma preparadas coletivamente por e para toda a turma e nove produtos voltados para os alunos novatos – três wikis, três fóruns de voz e três mapas conceituais. Desse modo, todos os alunos do Inglês VII trabalharam com as três estruturas sintáticas e também com as três ferramentas utilizadas, como se pode observar no quadro a seguir. Orações Condicionais Voz Passiva Discurso Indireto Grupo A Fórum de Voz Mapa conceitual Wiki Grupo B Wiki Fórum de Voz Mapa conceitual Grupo C Mapa conceitual Wiki Fórum de Voz Quadro 1 – Distribuição dos temas e ferramentas utilizadas pelos grupos de alunos Além da participação na confecção dos produtos digitais, os alunos deveriam registrar semanalmente suas experiências e impressões sobre o curso em um blog. Como o grupo de Linguagens e Diálogos, v. 2, n. 2, p. 1-16, 2011 6 alunos do Inglês VII tinha conhecimento avançado em Língua Inglesa, atuando, em sua grande maioria, em cursos livres de idiomas, tínhamos grandes expectativas com relação ao sucesso da turma na elaboração dos produtos. No decorrer da implementação do projeto, no entanto, por intermédio da análise do teor dos blogs e da observação dos alunos nos encontros presenciais, notamos que esses alunos, embora fossem usuários regulares da Internet, se ressentiam do uso das ferramentas sociais sugeridas e manifestavam seu desejo por um modelo mais tradicional de aula. Alguns se apresentavam como tecnofóbicos, como deixa transparecer o avatar adotado por uma aluna e reproduzido na Figura 1. Figura 1 - Avatar adotado por aluno de Língua Inglesa VII Tal resposta nos surpreendeu, pois essa reação aparentemente se contrapunha à literatura (MORAN, 2002), que sugere maior engajamento por parte do aluno ao experimentar a aprendizagem mediada pela Internet. Com essa constatação, iniciamos um estudo para compreender melhor esse aluno, suas atitudes, expectativas e preferências para que, a partir dessa compreensão, sugeríssemos alguns encaminhamentos que pudessem permitir o cumprimento do objetivo do projeto de modo menos traumático, em outra oportunidade. Relatamos, a partir daqui, o estudo exploratório realizado para compreensão do grupo, foco de nossa preocupação – aquele constituído pelos 23 alunos da disciplina Língua Inglesa VII. Para que pudéssemos nos aproximar desses alunos, utilizamos, além de sua produção ao final do projeto, alguns instrumentos etnográficos que tiveram como suporte ferramentas gratuitas disponíveis online. O percurso dos fazeres desses alunos ao longo do curso foi acessado por intermédio da análise do teor de seus diários de aprendizagem – postagens semanais que faziam nos blogs Linguagens e Diálogos, v. 2, n. 2, p. 1-16, 2011 7 disponíveis na rede social Collaborative Learning Experience (CLE), criada pela docente da turma na rede Ning (www.ning.com) e, posteriormente, migrada para a rede Group.s (http://grou.ps.com). Dos insights advindos da leitura desses blogs, elaboramos uma série de perguntas que compuseram seis questionários online no site de inquéritos Surveymonkey (www.surveymonkey.com). Além disso, consideramos também o ápice do projeto no qual os alunos haviam se engajado – os produtos publicados na web para referência dos alunos novatos: três páginas Wiki (www.pbworks.com), três Fóruns de voz (www.voicethread.com) e três Mapas Conceituais (www.mindmeister.com). 4. A análise De posse dos dados levantados, tentamos nos aproximar do perfil dos alunos de Letras, nossos sujeitos de pesquisa, buscando compreender suas atitudes perante esse novo modelo instrucional. A análise dos diferentes aspectos da prática online dos participantes tutores teve por base a análise de questionários online, assim como os diários de aprendizagem (Blogs) produzidos por eles vis-à-vis a qualidade e pertinência dos produtos finais. O primeiro passo na investigação foi a caracterização da familiaridade desses alunos com o mundo digital. Para tanto, foi elaborado um questionário online4 no qual os alunos deveriam avaliar seu desempenho frente aos recursos comumente utilizados na Web. Figura 2 - Familiaridade com recursos da Web 4 http://pt.surveymonkey.com Linguagens e Diálogos, v. 2, n. 2, p. 1-16, 2011 8 Todos os alunos faziam uso da internet regularmente e tinham alguma destreza no manejo de determinados recursos, sendo que 9 alunos se caracterizaram como usuários eficientes e 4 como muito eficientes. Os 5 alunos restantes avaliam seu desempenho como razoável. Como pode se verificar na Figura 2, apesar de a maior parte dos alunos dominar recursos como e-mail e redes de relacionamento. Apesar disso, o grupo ainda não tinha participado de uma experiência de utilização de recursos da Web 2.0 com fins pedagógicos diretamente relacionados ao ensino-aprendizagem de LE. Conforme observado em sessão anterior, ao considerar os diários de aprendizagem dos alunos, pudemos verificar que os mesmos não refletiam o grau de motivação constatado em resultados de pesquisas anteriores (MORAN, 2002; MUEHLEISER, 1997; SOUZA, 2000). Talvez tal contraste possa ser atribuído ao fato de que, nessas pesquisas, a Internet havia sido usada sobretudo como fonte de pesquisa e não como ferramenta de produção de material e meio de publicação dos objetos criados pelos próprios alunos. Ao analisar os blogs – diários de aprendizagem – dos alunos5, observamos as mais variadas reações e atitudes dos mesmos ao longo do curso. Houve relatos que expressavam desde grande entusiasmo até frustração ou repúdio – muitos deles partindo dos mesmos alunos. Tal variedade refletia seu ânimo ou perplexidade ao lidar com diferentes ferramentas da Web e pode ser exemplificada pelos trechos a seguir: (1) Last week class Hi guys, how are you doing? I hope fine. So, last week class was very useful because we got to know better all the tools we are supposed to handle through the course. I got very excited with ours, which is going to be the VOICE THREAD and, also, because now we have new members in our group! Fantastic! Added by R on March 28, 2010 at 10:03pm 1 2 3 4 5 6 No excerto (1), o aluno R demonstra aprovação e boa disposição para realizar as atividades online. Suas escolhas lexicais (useful – l.3; excited – l.4 e fantastic – l.6), a intensificação a elas acrescida (very – l. 3 e 4) e as exclamações (l.6) que pontuam seu texto perpassam seu otimismo e entusiasmo para com o componente online da disciplina. (2) 5 Learning about wiki Hello my friends, Last class was very interesting, because K taught us how to use the wiki and, specifically, how to edit it. The theory was quite easy but putting it into practice is, interestingly, difficult, not only because of the text itself, but also 1 2 3 4 5 www.ning.com Linguagens e Diálogos, v. 2, n. 2, p. 1-16, 2011 9 and mainly because I have to change something that is not mine. I hope I can figure it out. Added by C on April 27, 2010 at 3:54pm O aluno C, no excerto (2) é mais comedido em sua apreciação. 6 7 Manifesta sua aprovação com relação a uma atividade presencial (very interesting – l.3), mas demonstra seu desconforto diante do componente online, mais especificamente em relação a questões de autoria na wiki (difficult – l.5). Sua incerteza quanto seu sucesso na utilização da ferramenta manifesta-se em sua postagem com seu comentário final (I hope I can figure it out – l.7). (3) Third Week (again) Ok, I really hate this. I hate websites that do not work right. I just wrote my post about the third week and when I published it VANISHED. Ok? Just like that! The message after I pressed the "Publish Post" button was "Sorry, this website is under maintenance, bla bla bla..." and they disappeared with my post. I'm really late for what I have to do and instead of leaving my house, I'm here trying to write AGAIN a post in this thing! I'm really furious right now. Added by S on March 27, 2010 at 3:10pm 1 2 3 4 5 6 7 8 No terceiro trecho transcrito, o aluno S manifesta seu repúdio ao componente online do curso, em especial à ferramenta utilizada para redigir seu diário de aprendizagem. Essa rejeição está marcada de diversas formas em todo o excerto (3). Já no título, o aluno sinaliza com o termo again (l.1) que está refazendo uma tarefa já realizada, fato reiterado ao longo de seu relato que culmina na linha 7 da postagem com a repetição do termo. No corpo de sua postagem, encontramos escolhas lexicais marcadas como hate, reiterado, e furious. Ambos os termos ocupam extremos em escalas de qualificação e são intensificados por really (l. 2 e 8). O desaparecimento é relexicalizado (vanished – l.4 ; disappeared – l.6) e acompanhado por traços de dramaticidade, que adicionam força à queixa do aluno. A pergunta posposta Ok? e a expressão Just like that! (l.4) aproximam o leitor do texto e o convidam a testemunhar o fato no imaginário. A crítica à funcionalidade da ferramenta é acentuada pelo acionamento do conhecimento compartilhado com o leitor no uso da expressão bla bla bla. Além disso, o elemento lexical thing também parece ter sido usado pejorativamente para se referir à ferramenta. Por fim, a postagem também traz marcas prosódicas – as várias exclamações (l. 4 e 8) e o uso da caixa alta (l. 4 e 7) reproduzem no gênero digital alguns traços da oralidade, indicando entonação enfática. Linguagens e Diálogos, v. 2, n. 2, p. 1-16, 2011 10 Para lidar com tal diversidade de reações, a partir de uma análise empírica desses relatos, e para propiciar uma visão mais clara da evolução dessas respostas às práticas online, estabelecemos uma codificação numérica para a expressão dessas reações. Para estabelecer essa codificação, utilizamos um critério subjetivo e consensual – tomamos valores positivos para representar a força de emoções positivas (3: entusiasmo, avidez, realização; 2: ânimo; 1: satisfação, confiança e esperança) e, da mesma forma, valores negativos para simbolizar a intensidade de emoções negativas (-1: desconforto, preocupação, insegurança; -2: insatisfação, ansiedade; -3: desespero, frustração, repúdio). Essa transposição de códigos resultou em gráficos lineares que representam o percurso emocional de cada aluno. A Figura 2 ilustra a trajetória de dois desses alunos. Figura 3 - Reação ao componente online É importante ressaltar aqui que o percurso desses dois alunos não representa uma exceção, mas exemplifica as reações reportadas pela maioria dos integrantes da turma, uma vez que nenhum deles manteve uma trajetória linear ao longo do curso. A despeito da instabilidade de suas reações frente à utilização das ferramentas online, os resultados de inquéritos online atestam a eficiência das ferramentas sociais da Web 2.0 utilizadas. Dentre os alunos da turma, 10 julgaram o meio online como mais eficiente para a aprendizagem; no entanto, 19 dentre os 23 alunos declararam se sentir mais à vontade na modalidade presencial. Linguagens e Diálogos, v. 2, n. 2, p. 1-16, 2011 11 Com relação à qualidade dos produtos online realizados pelos alunos de Inglês VII, os mesmos foram apreciados pelos alunos pesquisadores – os alunos de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem que atuaram como avaliadores. Como pode-se observar na Figura 3, a qualidade da produção dos alunos utilizando as diferentes ferramentas foi reconhecida. Figura 4 - Impressão dos participantes avaliadores Como apontado anteriormente, um dos principais objetivos do projeto de ensino inicial foi fomentar a incorporação das novas tecnologias à prática pedagógica dos professores em formação, uma vez que seus futuros alunos já estariam inseridos num mundo digitalizado. Os resultados desta pesquisa indicam que esse objetivo foi parcialmente alcançado, na medida em que 13 dos 18 alunos inqueridos atestam pretender incorporar os recursos da Web à sua prática pedagógica e 14 deles pretendem fazê-lo para sua própria aprendizagem. No que tange aos objetivos da disciplina – o estudo de tópicos de sintaxe sob uma ótica discursiva, incorporando domínio da metalinguagem –, observa-se que os mesmos foram, em grande parte, atendidos. No processo de sua aprendizagem num modelo instrucional semipresencial, foi necessário que os alunos desenvolvessem uma competência determinante para esse meio – a autonomia (HUBBARD, 2009), o que foi reconhecido por 14 entre os 18 alunos inquiridos. Os professores em formação tiveram que buscar suas próprias estratégias para dar conta do componente online da disciplina, que dependia do manuseio de ferramentas sociais para eles, até então, desconhecidas. Linguagens e Diálogos, v. 2, n. 2, p. 1-16, 2011 12 Figura 5 - Percepção das competências desenvolvidas durante o curso Nota-se aí um contraste entre o desconforto dos alunos diante das novas tecnologias à serviço de sua aprendizagem, conforme sugerem seus Blogs, e os ganhos obtidos a partir do uso das mesmas (cf. Figs. 3 e 4). Essa aparente contradição poderia ser melhor compreendida se observarmos a importância que os alunos atribuem aos procedimentos para a aprendizagem, conforme a Figura 5 ilustra. Figura 6 - Importância atribuída aos procedimentos para a aprendizagem Linguagens e Diálogos, v. 2, n. 2, p. 1-16, 2011 13 Dados obtidos através de questionário ao final do curso indicam que os meios tradicionais de ensino ainda são os mais valorizados entre os alunos investigados. A preferência pela explicação do professor em contexto presencial é consensual e a importância da utilização de atividades impressas é reconhecida pela grande maioria da turma. A importância atribuída às provas escritas formais e à produção de material impresso, preferido à produção na web, também revela a valorização de um modelo tradicional de aprendizagem por parte dos professores em formação. No entanto, já se pode notar um movimento na direção de um novo modelo educacional baseado na construção colaborativa do conhecimento quando os alunos alegam que as discussões em grupo são importantes para seu processo de aprendizagem. A Web tem sua importância reconhecida, sobretudo, como fonte para pesquisas direcionadas e para busca de material autêntico, funcionando, assim, em ambos os casos, como repositório, função típica da Web 1.0. O valor motivacional do emprego da Internet no ensino, no presente estudo, a princípio, não havia encontrado respaldo nas pesquisas de Moran (2002), Muehleiser (1997) e Souza (2000), conforme o conteúdo dos relatos dos alunos em seus diários de aprendizagem. É importante ressaltar, contudo, que aquelas pesquisas se deram no contexto da Web 1.0, cuja função ainda é a mesma privilegiada pelos alunos estudados aqui. Tal constatação vem sinalizar que, apesar de sua evolução, no contexto de ensino-aprendizagem, os alunos ainda apresentam resistência às suas novas possibilidades de uso. O grande desafio seria, então, ampliar o escopo de utilização da Web, fazendo com que os alunos fiquem em dia com os avanços tecnológicos. 5. Encaminhamentos A pesquisa relatada sugere que apesar de os professores de Língua Inglesa em formação estudados serem usuários regulares da Internet, mostraram-se ansiosos ao se depararem com ferramentas desconhecidas. Embora tenham demonstrado certa resistência às novas experiências de aprendizagem, os alunos conseguiram vencer as dificuldades impostas pela tecnologia e confeccionaram produtos de qualidade. A despeito da instabilidade de suas reações às ferramentas adotadas, os objetivos do curso e do projeto de ensino foram, em grande parte, atendidos. Vimos, ainda, que os licenciandos investigados utilizam a rede mundial de computadores preferencialmente como fonte de informação, sem explorar os recursos oferecidos pela Web 2.0. Linguagens e Diálogos, v. 2, n. 2, p. 1-16, 2011 14 Aclimatar o profissional de Letras em formação no uso de ferramentas sociais textuais e multimodais e na circulação em ambientes virtuais de aprendizagem, possibilitando a incorporação das novas tecnologias à sua prática pedagógica, faz-se mister desde o surgimento da Internet até os dias de hoje. No entanto, essa adaptação não acontece de forma espontânea. Como pudemos perceber ao longo da pesquisa aqui relatada, apesar da era globalizada em que vivemos, esse movimento os faz sair de sua zona de conforto e constitui um desafio, que alguns ainda preferem não enfrentar. Isso requer, cada vez mais, investimento no letramento digital e desenvolvimento pedagógico voltado para um trabalho reflexivo frente às novas modalidades de ensino, que se fazem cada vez mais presentes em contextos acadêmicos de várias partes do mundo. Uma nova postura por parte do aprendiz requer um trabalho paciente e gradual. Nesse sentido, os cursos híbridos constituem um meio promissor, na medida em que nos encontros presenciais ocorre o andaimento necessário para a exploração de novos rumos propiciados pelo componente online. Referências DIEU, B. Ferramentas sociais, redes e interação: um círculo virtuoso. In: I Conferência de WebCurrículo. São Paulo: PUC, 2008. FELIX, U. E-learning pedagogy in the third millennium: the need for combining social and cognitive constructivist approaches. ReCALL, 17 (1): 85–100, 2005. GUICHON, N. Training future language teachers to develop online tutors’ competence through reflective analysis. ReCALL, 21: 166-185, 2009. HOLMES, B., TANGNEY, B., FITZGIBBON, A., SAVAGE, T. e MEEHAN, S. Communal constructivism: students constructing learning for as well as with others. In: PRICE, J., WILLIS, D., DAVIS, N.E. e WILLIS, J. (Eds.). Proceedings of the 12th International Conference of the Society for Information Technology and Teacher Education, p. 3114–3119, 2001. HUBBARD, P. 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