ARTIGO JOSÉ ANTONIO BRUNO DA SILVA * U A URO GONÇAL VES * * RESUMO Este estudo teve como objetivo analisar eletromiograficamente os músculos reto da coxa, bíceps da coxa (cabeça longa), eretor da espinha e reto do abdome, no exercício denominado "levantamento terra", em diferentes amplitudes de movimento da articulação do joelho com 30 e 90% da carga máxima. Os registros foram realizados em oito voluntários homens, utilizando-se de um módulo de aquisição de sinais biológicos acoplado a um computador através de uma placa A , . Os sinais foram obtidos por eletrodos de superficie, e a angulação da articulação do joelho foi verificada por meio de um eletrogoniômetro instalado no joelho direito do voluntário. Conclui-se assim que o levantamento terra é um padrão de movimento que basicamente ocorre predominantemente pela ação do eretor da espinha, bíceps da coxa (cabeça longa) e reto da coxa. A maior atividade foi verificada no eretor da espinha e bíceps da coxa (cabeça longa), no intervalo de 60 a O graus da articulação do joelho, e no músculo reto da coxa, no intervalo inicial de 90 a 60 graus da articulação do joelho. - - - Palavras-chave:eletromiografia, reto da coxa, bíceps da coxa (cabeça longa), eretor da espinha, reto do abdome, levantamento terra. Há uma forma competitiva da musculação denominada levantamento básico, composto de três diferentes tipos de exercícios: o supino, o agachamento e o levantamento terra. Essa modalidade foi introduzida no Brasil em 1978, tendo crescido e desenvolvido principalmente em São Paulo, com a realização de grande número de competições anuais e de nível internacional. O "básico" brasileiro é o mais forte da América do sul, conquistando inclusive um segundo lugar no mundial de 1985 (RODRIGUES, 1985; DEPARTAMENTO, 1984). - 'Apoio: Fundação para o Desenvolvimento da UNESP - FUNDUNESP proc. 076190-DFP e 384190-DPE. Discente do Curso de Educação Física - IB- UNESP- Rio Claro. **Professor Assistente Doutor - Laboratbrio de biomecânica - Departamento de Educaçáo Física IB - UNESP- Rio Claro, SP. 70 R. Min. Educ. Fis., Viçosa, v. 8, n. 1, p. 70-81,2000 Estando incluído no programa das Olimpíadas alternativas, que incluem modalidades que pleiteiam a inclusão nos Jogos Olímpicos, o levantamento básico é bastante procurado por levantadores olímpicos, por ser mais uma forma possível de competição, além do fato de que particularmente no levantamento terraa primeira fase da puxada é bastante similar à do levantamento olímpico (BITTENCOURT, 1984; LAMBERT, 1987). Entre os exercícios incluídos no levantamento básico, o único que é pouco difundido dentro das academias é o levantamento terra ou levantamento de "peso morto", o que se justifica pela grande possibilidade de lesão do anel fibroso e dos ligamentos intervertebrais. De fato, as conseqüências, no aspecto das lesões, são mais severas que as do supino e agachamento (LAMBERT, 1988). Diante da escassa quantidade de estudos específicos sobre esse exercício e de sua importância dentro dos exercícios básicos, e utilizando-se dos estudos de GONÇALVES (1991), que indica os músculos mais atuantes em levantamentos manuais de carga, o presente estudo tem por objetivo analisar eletromiograficamente os músculos reto da coxa, bíceps da coxa (cabeça longa), eretor da espinha e reto do abdome durante o levantamento terra, em diferentes amplitudes de movimento da articulação do joelho e em diferentes acréscimos de carga, contribuindo assim para que os profissionais em educaçlo física e praticantes deste exercício tenham uma informação mais científica da real participação destes músculos nesta modalidade esportiva. REVISAO DE LITERATURA i No levantamento de cargas de maneira geral, devem ser observados alguns princípios para otimizar sua execução, como: os pés estarem aplainados no solo; existir um afastamento das pernas com intuito de aumentar a estabilidade; manter o peso o mais próximo possível do corpo; flexionar os joelhos; e manter a coluna ereta, devendo o indivíduo estar voltado para aquilo que pretende levantar (BROER, 1968; BARBANTI, 1979; COOPER e GLASSOW, 1979; RACH e BURKE, 1987; GONÇALVES, 1998). Esta é uma preocupação no caso de levantamentos realizados nas atividades da vida diária, porém o mesmo existe tratando-se de levantamentos de peso com intuito esportivo. Os Jogos Olímpicos da era moderna possibilitaram a muitos atletas, a partir da década de 70, aperfeiçoar o rendimento técnico atravé, do avanço tecnológico e, principalmente, das investigações científicas em equipamentos de alta precisão, bem como o aprofundamentode métodos de treinamento desportivo. Atualmente, a maioria dos atletas de alto nível utiliza métodos de treinamento de força muscular em busca de uma melhor performance e, principalmente, para diminuir a incidência de lesões músculo-esqueléticas (Priest e Holshouser, 1987, citados por BARBANTI, 1988). O treinamento de força pode ser considerado uma das formas mais eficazes para melhorar o rendimento atlético competitivo em vários níveis de solicitação do aparelho locomotor. R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 8, n. 1, p. 70-81,2000 71 Na maioria dos esportes, nos métodos de treinamento de força prevalecem atividades com carga (musculação) de 50 a 70% da força máxima, destacando-se duas variações do trabalho: uma com ritmo acelerado do exercício acentuadamente de caráter explosivo e outra em que ocorre progressiva elevação da velocidade e do ritmo dos movimentos (VERKHOSHANSKY, 1995). Nesse sentido, os exercícios com pesos têm despertado interesse de vários estudiosos, pois permite verificar, por meio de observações biomecânicas, a influência da carga, do tipo de aparelho, da velocidade de execução e do ângulo articular, assim como o comportamento dos músculos em diferentes meios de solicitação de esforço fisico. Das muitas técnicas biomecânicas, a eletromiografia (Lat. elektra, reluzente, brilhante, relativo a eletricidade; Gr. myos, músculo; e Lat. graphicus, escrever), após a Segunda Guerra Mundial, tornou possível utilizar métodos mais confiáveis para estudar a atividade muscular em seres humanos (LEHMKUHL e SMITH, 1987). Segundo VERKHOSHANSKY (1995), os exercícios de força não são apenas um meio para melhorar o rendimento da força muscular, porém contribuem diretamente para o desenvolvimento da velocidade e coordenação dos movimentos, a rapidez das reações motoras e da capacidade de relaxar os músculos, como também podem ser eficazes quando selecionados e ordenados no período de maneira adequada, ou seja, no programa de treinamento. Este autor conclui que eles produzem resultados eficazes quando correspondem a uma parte de todo o método de treinamento desportivo. LAMBERT (1987) recorda que há 50 anos o desenvolvimento foi o primeiro dos três movimentos olímpicos do halterofilismo (arranco e arremesso); devido às dificuldades de arbitragem causadas por uma interpretação muito livre do regulamento, este exercício foi suprimido do programa de competições oficiais da Federação Internacionalde Levantamento de Peso (a partir de 1976). Uma simples modificação da posição inicial desse movimento deu origem a diversos exercícios de treinamento, inclusive os exercícios denominados desenvolvimento em banco (supino), desenvolvimento em banco fechado (supino fechado) e desenvolvimento em banco com halteres (supino com halteres). Especificamente sobre o treinamento de força muscular, para BARBANTI (1988) ele tem contribuído para o avanço dos métodos de treinamento e, de modo considerável, para sua prática em todos os meios esportivos como uma das formas de aumentar o rendimento atlético. Dos exercícios que compõem o levantamento básico, SEDWICK et al. (1 989) consideraram que no levantamento terra há uma eficiência mecânica ein razão da posição das articulações e dos músculos, gerando melhores resultantes de forças, segurança contra lesões musculares e articulares, e um grau de coiitrole, manutenção do equilíbrio, precisão do movimento e economia de esforço. No entanto, na execução incorreta do levantamento terra, as forças compressivas que atuam na coluna vertebral aumentam sigiiificativainente. Basicamente, deve-se atentar para a diminuição da distância entre o disco L51 72 R. Min. Educ. Fis., Viçosa, v. 8, n. 1, p. 70-8 1,2000 S1 e o ponto de aplicação de peso que está sendo levantado (SILVA, 1984; WIRHED, 1986; BARBANTI, 1979; McGILL e NORMAN, 1987). SILVA (1984) e HARMAN (1988) sugerem que, para prevenir lesões, pode-se utilizar de recursos fisicos como o cinto pélvico padrão, a fim de aumentar a segurança na execução do levantamento terra, com o aumento da pressão intra-abdominal, e que, conforme estudos de HARMAN (1989), BRENKE et al. (1990) e ADRIAN e COOPER (1989), pode-se também reduzir potencialmente as lesões ocasionadas pelas forças compressivas nos discos espinhais, que aumentam significativamente com o aumento da quantidade de peso levantado. BROWN e ABANI (1985) documentaram características do levantamento terra de basistas adolescentes, verificando posturas mais eretas no inicio do levantamento nos indivíduos mais experientes em relação aos menos experientes, assim como maior variabilidade e magnitude nos parâmetros de aceleração linear e angular. Estes autores também constataram que a articulação do quadril sofre o maior torque devido ao braço de momento horizontal da barra. BURDE'iT (1982) também verificou diferenças entre levantadores experientes, mostrando que eles assumem posições mais fletidas nos quadris e no joelho, com ângulo menor entre a perna e o solo. Informações importantes foram fornecidas pelos estudos de GARHAMMER e LAUGHLIN (1980), em que os resultados demonstraram rendimentos de força mais altos para carga submáxima que para carga máxima em Levantamentos básicos. HAKKINEN (1988) verificou que durante a execução das cinco repetições consecutivas de uma série, na fase inicial da puxada do levantamento olímpico, aumentos significativosocorreram nas durações com decréscimo na velocidade angular dosjoelhos, evidenciando fadiga. Isso sugere que no treinamento de levantamento terra, para desenvolver força, devem-se utilizar cargas subináximas, com séries de no máximo cinco repetições. Sobre os músculos analisados neste estudo, verifica-se que os primeiros estudos eletromiográficosdos eretores da espinha que estivessem próximos ao padrão de movimento do levantamento terra foram realizados por Allen (1948), citado por BASMAJIAN (1976), que determinaram suas ações durante a ânteroflexão da coluna vertebral, onde constataram que a atividade aumenta com a flexão e desaparece no final desta. Mais voltados ao levantamentode carga e evidenciando a postura fletida dos joelhos estão os estudos de DELLITO et al. (1987), os quais determinaram ser a atividade do eretor da espinha maior durante o período inicial do levantamento, promoveiido maior segurança a coluna lombar. LAWRENCE e DE LUCA (1983) investigaram a relação do sinal mioelétrico e a força, em trabalho coin 80% da contração máxima coin basistas, verificando que esta relação não é l iiiear. Floyd e Silver (1950), citados por BASMAJIAN (1976), demonstraram que o aparente eiirijecimento do reto do abdome ao puxar uma carga do chão R.Min. Educ. Fis., Viçosa, v. 8, n. I, p. 70-81,2000 73 ocorre por recrutamento passivo deste e que uma inclina~ãoa frente do tronco não é acompanhada de atividade. M O W S et al. (196 l), estudando o papel do tronco na estabilidade da espinha em levantamento similar ao terra, notaram uma atividade menor do reto do abdome em relação aos demais músculos estudados, intercostais, oblíquos e paravertebrais, o que também foi observado por McGILL e NORMAN (1988), quando utilizaram uma máquina de levantamento incremental e verificaram que realmente o reto do abdome apresenta baixa atividade. Estudos eletromiográficos durante levantamentos de cargas elevadas mostraram atividades paralelas do transverso do abdome e oblíquo interno do abdome com o aumento da pressão intra-abdominal (MORRIS et al., 1961; McGILL e NORMAN, 1988). Com esta revisão, verifica-se que o levantamento terra apresenta escassez de estudos,justificando a realização da análise deste movimento através da eleiromiografia. MATERIAL E MÉTODOS O presente estudo foi realizado em oito voluntlios do sexo masculino, com idade variando entre 19 e 29 anos, praticantes de musculação, sem referências de doenças músculo-esqueléticas. Todos eram universitários e de antropometria semelhante. Foram estudados eletromiograficamente os músculos reto da coxa, biceps da coxa (cabeça longa), eretor da espinha e reto do abdome, do lado direito, e para captação dos sinais eletromiograficos foram utilizados eletrodos de superfície do tipo "Beckman", que foram colocados, segundo DELAGI (198 l), sobre os músculos biceps da coxa (cabeça longa) e reto da coxa, todos do lado direito. Os eletrodos para registro do músculo reto do abdome e eretor da espinha foram localizados no tronco, conforme McGILL e NORMAN (1988), isto é, 5 cm a direita na altura da cicatriz umbilical, e, para o músculo eretor da espinha, 10 cm acima da articulação sacro-iliaca e 10 cm a direita. Para aquisição dos registros eletromiográficos,foi estabelecida a freqüência de 1.O24 Hz; para esta coleta foi utilizado um módulo de aquisição de sinais biológicos marca Lynxl de quatro canais, ao, qual foram conectados os eletrodos, sendo calibrado o ganho em 10.000Hz, o filtro de passa alta em 200 Hz e o filtro de passa baixa em 2.000 Hz. A conversão dos sinais analógicos para digitais foi feitp por uma placa AID com faixa de entrada de -5 a +5 Volts (CAD 1026 - Lynx ). para aquisição dos sinais, utilizou-se um software específico (Aqdados-Lynx ). Os limites para aquisição do sinal foram fixados em +500 e -500 mV. Ainda para que o ambiente de coleta estivesse o mais livre - Lynx Tecnologia Eletrdnica Ltda. Doado pela Fundunesp, Proc. 076/90/F/Cbs E 384/90-Dpe ao Laborat6rio de Biodinâmica do Depto. de Educação Física do Ib-Unesp-Rio Claro. - 74 - -- - R. Min. Educ. Fis., Viçosa, v. 8, n. 1, p. 70-81,2000 i possível de ruídos, utilizou-se um filtro de 60 Hz no hardware, a fim de impedir a entrada das freqüências da rede elétrica local. Quanto aos parâmetros de ensaio, foi utilizado o tipo simples, fixando-se a coleta em três segundos, tendo inicio através da borda de descida. Em cada registro foi utilizada a análise numérica, para posterior análise estatística das amostras para cada canal e no tempo determinado, e para cada músculo foi obtido o valor da área (integrar definida) sob o sinal, entre os tempos inicial e final de coleta, que permitiu calcular o valor eficaz do sinal. Para o levantamento terra, o voluntário foi posicionado em pé, com os pés afastados e alinhados confortavelmente, com tronco ereto; quadril flexionado com angulação de aproximadamente 45 graus com o solo; joelhos flexionados; e mãos segurando a barra a frente do corpo, no chão, com empunhadura alternada, isto t ,uma com a articulação radioulnar em supinação e a outra em pronação a uma distância maior que a distância dos ombros. Os cotovelos mantinham-se estendidos. A execução do levantamento terra apresentou a seguinte seqüência: extensão do joelho e quadril, até atingir uma postura ereta, com hiperextensão do tronco no final (DEPARTAMENTO, 1984; LEIGHTON, 1987; YESSIS, 1987; LAMBERT, 1988). As anilhas de peso variaram entre 0,5 e 20 kg, colocadas numa barra de 10 kg da marca RiGHE'ITO2. Cada voluntário, previamente, realizou um teste de carga máxima de acordo com o método de HAKKINEN e KAUHANEN (1986), que consiste no levantamento de 70% do máximo normalmente utilizado pelo atleta, e repetindo o levantamento por cincolvezes; após intervalo de três minutos acrescentou-se 10% da carga anterior, realizando este procedimento até que o voluntário apresentasse impossibilidade de levantar duas vezes a mesma carga, sendo a carga máxima o valor imediatarnente anterior as duas falhas. Os voluntários realizaram o levantamento com 90 e 30% da carga máxima. A fim de verificar a angulação do joelho, foi instalado um eletrogoniômetro, que teve sua angulação inicial fixada em 90 graus e final em O grau, sendo a aquisição angular simultânea a eletromiográfica, possibilitando a verificação da amplitude de movimento articular onde houve maior atividade muscular. Antes de efetivar a coleta dos registros, cada voluntário executou o movimento várias vezes, adquirindo assim o sentido cinestésico e controlando a postura e a velocidade de execução. Os sinais obtidos foram coletados e analisados pelo software Aqdados (LYNX*); após a análise e quantificação dos registros, efetuou-se tratamento estatístico baseado na análise de variância, aplicando-se o teste de Tukey (BANZA'ITO e KRONKA, 1989), para se obter a diferença entre as médias dos músculos e entre as médias dos intervalos de ângulo para cada um dos músculos. 2 - Righetto Equipamentos para Condicionamento Físico Ltda. Campinas - R. Min. Educ. Fis., Viçosa, v. 8, n. 1, p. 70-81,2000 75 RESULTADOS Tabela 1 - Valores eficazes médios (uV) dos músculos reto da coxa, bíceps da coxa (cabeça longa), eretor da espinha e reto do abdome, nos intervalos angulares de 90 a 60 graus, de 60 a 30 graus e de 30 a O graus da articulação do joelho, com cargas de 30 a 90% da carga máxima de cada indivíduo MUSCULOS BCCL INTERVALOS (graus) 45,3 C 76,7 RA 4,21 E 4,98 Diferença significativa para p E 0,05 A e B = em relação ao intervalo de 30 a O graus. C = em relação ao intervalo de 60 a 30 e 30 a O graus. D = em relação ao intervalo de 60 a 30 graus. E = em relação ao intervalo 30 a O graus. 759 8,92 Os resultados demonstram que, para efetivação do movimento de extensãode quadril e joelhos e manutenção ereta da coluna vertebral no levantamento terra, houve atividade nos músculos reto da coxa, bíceps da coxa (cabeça longa) e eretor da espinha, o que está de acordo com HAY e REID (1985), WIRHED (1986), KENDALL e McCREARY (1987), RASH e BURKE (1987) e DANIELS e WORTHINGHAM (1987), que relatam ser estes músculos extensores do joelho, extensor do quadril e extensor do tronco, respectivamente. O inúsculo reto da coxa apresentou a sua maior atividade na fase inicial do levantamento terra, ou seja, no intervalo de 90 a 60 graus, ocorrendo posteriormente queda de sua atividade até O grau, o que concorda com Basmajian et al. (1972), citados por BASMAJIAN (1976), os quais observaram o fim prematuro da atividade do reto da coxa na extensão do joell-io, porém discordam dos mesmos autores, que verificaram o início tardio da atividade. Verificou-se que, enquanto o reto da coxadiminui sua atividade, o bíceps da coxa teve sua atividade aumentada, o que concorda coin BARATA ( 1 988) e DRAGANICH (1989), que, estudando a ação coi-ijui-itado quadríceps e dos 76 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 8, n. 1, p. 70-81,2000 posteriores da coxa, determinaram que os últimos atuam com o quadríceps no final do movimento de extensão como antagonista, com a tarefa de impedir a brusca extensão do joelho, semelhantemente a referência de LEHMKUHL e SMITH (1987), ao observarem o comportamento destes dois grupos musculares durante as fases de oscilação e apoio médio na marcha. O reto da coxa apresentou atividade inferior íl do bíceps da coxa, o que provavelmente seja explicado pelo trabalho de BROWN e ABANI (1985), que afirmam estar os esforços maiores no levantamento terra localizado na articulação do quadril, devido ao momento extensor no quadril reproduzido por este, que é superior ao que ele produz na articulação do joelho. O músculo eretor da espinha apresentou atividade eletromiogrtíficadurante todo o movimento do levantamento terra, o que concorda com Pauly (1966), citado por BASMAJIAN (1976), e McGILL e NORMAN (1988), os quais verificaram grande atividade do eretor da espinha em atividades de levantamento, porém ela foi maior entre as fases media1 e final do movimento, contrariamente aos estudos de DELLITO et al. (1987), que afirmaram ter o eretor da espinha maior atividade em levantamento no período inicial. Este resultado provavelmente seja explicado com os estudos de NEWMAN et al. (1991), os quais constataram, no levantamento de peso, ser a força primariamente desenvolvida pelas estruturas ligamentosas e não por músculos espinhais. Outro fator que explica ser mais significativa a diferença de atividade do eretor da espinha entre os intervalos de 90 e 60 graus e 60 e 30 graus pnovavelmente é que o joelho, ao estar mais estendido, aumenta o momento sobre a coluna, em particular a coluna lombar, aumentando assim sua atividade eletromiográfica.O joelho, na maioria dos sujeitos, apresentou extensiío mais precoce em relação ao quadril, devido ao fato de que, com esta extensão, fica liberada a passagem da barra pelo joelho de forma mais retilínea. Verificou-se que a extensão dojoelho terminava antes do final da execução do levantamento terra, o que concorda com SCHIPPLEIN (1990), que também observou esta ocorrência de extensão do joelho antes do quadril em indivíduos inexperientes em levantamento, o que se pode afirmar no caso do presente estudo, pois os sujeitos, embora fossem praticantes de musculação, não tinham o levantamento terra como sua especialidade. Nos últimos interva10sde ângulo, o bíceps da coxa apresentou a atividade eletromiográfica aumentada, o que provavelmente seja explicado pelo fato de existir nestes intervalos a maior parte do movimento de extensão do quadril, que é função principal deste músculo (RASH e BURKE, 1987). O músculo reto do abdome apresentou baixa atividade durante todo o levantamento terra, coin ligeiro aumento no final deste, o que confirma os achados de Floyd e Silver (1950), citados por BASMAJIAN (1976), MORRIS et al. (1961), McGILL e NORMAN (1988) e Waters e Morris (1970), citados por BASMAJIAN (1976), que também constataram pouca atividade eletroiniográfica deste músculo. O aumento significativo da atividade eletromiográfica do reto do abdome observado no intervalo de ângulo final talR. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 8, n. 1, p. 70-81,2000 77 vez seja devido à hiperextensão da espinha ao final da execução do exercício, ocasionando atividade antagonista e, provavelmente, reflexa deste músculo. Analisando o levantamento terra nas cargas de 30 e 90% da carga máxima de cada indivíduo, nota-se aumento da atividade muscular para todos os músculos. Este aumento de atividade foi similar em porcentagem para todos os músculos, exceto para o eretor da espinha, que apresentou grande atividade para ambas as cargas estabelecidas no estudo. Os resultados obtidos neste estudo permitem as seguintes conclusões: - O músculo eretor da espinha é o mais ativo entre todos os músculos estudados no levantamento terra, em especial nos intervalos de 60 a 30 e de 30 a O graus da articulação do joelho. - O músculo bíceps da coxa (cabeça longa) obteve sua maior atividade eletromiográfica nos intervalos de 60 a 30 e de 30 a O graus da articulação do joelho. - O músculo reto da coxa apresentou sua maior atividade na fase inicial do levantamento, que vai de 90 a 60 graus da articulação do joelho. - O músculo reto do abdome apresentou baixa atividade eletromiográfica, tendendo a ser mais efetiva no intervalo de ângulo de 30 a O graus da articulação dojoelho. - O aumento da carga no levantamento terra foi acompanhado de aumento da atividade eletromiográficapara todos os músculos. ABSTRACT Dead Lift: an Electrornyographic Study This study had as objective to analyze electromyographic activity of the rectus femoris, biceps femoris(caput longum), erector spinae and rectus abdominis muscles in the exercise denominated "lifting earth or dead lifting" in different range of movement of the knee joint with 30% and 90% of the maximum load. The registrations were accomplished in 8 voluntary men, where a module of biological signs acquisition was coupled to a computer through a board AO. Tlie signs were obtained by surface eletrodes, and the angulation of the knee joint verified through an electrogoniometer installed in the volunteer's right knee. It is concluded that the "dead lifting" is a movement pattern that basically happens predominantly for the action ofthe erectus spinae, biceps femoris (caput longüin) and rectus femoris. The largest activity was verified at erector spinae and biceps femuris (caput longum) in the interval of 60 to O degrees of the kneejoint, aiid tlie rectus femoris muscle in the initial interval of 90 to 60 degrees of the knee joint. Key words: electromyography,rectus femoris, biceps fomoris (caput longum), erector spinae, rectus abdomini, dead lifting. 78 R. Min. Educ. Fis.,Viçosa, v. 8, n. 1, p. 70-81,2000 ADRIAN, M. J.; COOPER, J. M. Biomechanics of human movement. Indianápolis: Benchmark Press, 1989. p. 346-7. BANZATTO, A. D.; KRONKA, S. N. Experimentaçiio agrícola. Jaboticabal: FUNEP, 1989. p. 25-9,43-5,240,243. t BARATTA, R. et al. Muscular coactivation. The role of the antagonist musculature in maintaining knee stability. The American Journal of Sports Medicine, v. 16, n. 2, p. 113-22, 1988. BARBANTI, V. J. Teoria e prhtica do treinamento desportivo. São Paulo: Edgard Blocher, 1979. p. 153-8,230. BASMAJIAN, J. V. Eletrofisiologia de Ia accion muscular. 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