CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE PROFa. DRa. BEATRIZ REGINA PEREIRA SAETA Diretora PROFa. DRa. IRANÍ TOMIATTO DE OLIVEIRA Coordenadora do Curso de Psicologia PROFa. MS. TÂNIA ALDRIGHI Resp. pela Área de Psicologia Institucional e Coordenadora de Extensão Núcleo de Estudos e Pesquisas Psicossociais do Cotidiano PROGRAMAÇÃO 7h30 - Abertura Oficial do Evento Profa. Dra. Beatriz Regina Pereira Saeta Diretora do CCBS Profa. Dra. Iraní Tomiatto de Oliveira Coordenadora do Curso de Psicologia Organização: Núcleo de Estudos e Pesquisas Psicossociais do Cotidiano ANAIS DA VI MOSTRA DE PSICOLOGIA DO COTIDIANO Professores Orientadores Prof. Dr. Alex Moreira Carvalho Profa. Dra. Anete de Souza Farina Profa. Dra. Claudia Stella Prof. Ms. João Garção Profa. Dra. Vânia Conselheiro Sequeira Prof. Ms. Walter Lapa DIA: 06/11/2007 HORÁRIO: das 7h30 às 18 horas LOCAL: Auditório Benedicto Novaes Garcez – Prédio 9 1 ARTE 2 MÚLTIPLOS SENTIDOS DO GRAFITE: ENTRE A RECEPÇÃO E A PRODUÇÃO Pesquisadores Andréa de Góes Ribeiro, Anny Rose Siqueira Machado, Beatriz Barone Guida, Fabiane Manuchakian, Pamella Sousa Cornetti Rocha, Stefanie Barery Orientação: Prof. Dr. Alex Moreira Carvalho O objetivo deste trabalho é analisar: (1) O impacto dos grafites em transeuntes nas ruas da cidade de São Paulo; (2) as representações dos produtores deste tipo de manifestação artística sobre o trabalho que realizam. A escolha do tema ocorreu em função do grafite ser uma forma de expressão simbólica presente no cotidiano. Trata-se de reconhecer o grafite como uma “técnica social do sentimento”, (expressão usada por Vigotski, 1999, para se referir à arte), pela qual os artistas destroem determinados conteúdos pela forma, tornando-os mais complexos e maiores que a própria vida. Assim, para Lassaca (2007), “O trabalho dos grafiteiros, normalmente, tem por ideologia desmistificar os símbolos de dominação cultural, contribuindo dessa forma para uma melhor compreensão cultural, questionamento social e um aproveitamento diferenciado do espaço urbano” (p. 17). Para Pennachin (2003), o grafite se constitui como conjunto de signos policodificados que envolvem o cruzamento de linguagem diversas, marca das metrópoles contemporâneas. Diante de tal profusão de imagens, “O sujeito urbano corre o risco de perder esta habilidade de ver, sendo condenado a saltar de uma mensagem a outra sem conseguir se aprofundar nos significados de nenhuma delas” (p.1). O grafitismo tem origem nos tempos das pinturas rupestres e, hoje, revela as expressões , no cotidiano, do sujeito contemporâneo. Desta forma, nos anos 60, o grafite surge nos Estados Unidos como expressão de identidade e crítica à descriminação social – o sujeito já não quer ser apenas mais um na multidão. No entanto, é possível que a percepção dos transeuntes esteja tipificada (segundo Berger e Luckmann, 2007). Assim, qual o impacto dos grafites em seus receptores? Seria produzir uma síntese psicológica, isto é, fazer com que a percepção cotidiana seja desconstruida a partir dos efeitos produzidos pelo trabalho artístico? Ou o grafite é visto apenas a partir de formas construídas socialmente? Como salienta Gonçalves (2007) as “ linhas do graffiti conduzem tanto a movimentos de subordinação? quanto a movimentos de resistência à produção em série de subjetividades” (p.I). Neste sentido, a arte faz parte do processo de construção da subjetividade, seja para manter ou criticar representações sociais estabelecidas. Utilizou-se o método analítico objetivo, tal como proposto por Vigotski (1999), ou seja, realizaram-se entrevistas com transeuntes, e Grafiteiros/artistas, sobre o trabalho percebido e/ou realizado. Os resultados parciais indicam que, para os grafiteiros, o trabalho que realizam embeleza a cidade e é diferente de outras imagens, como a pichação, que é, por eles, associada ao vandalismo. O grafite é importante na medida que, entre outras coisas, recupera a memória da cidade (característica especifica do um trabalho de um grafiteiro). Todos os grafiteiros tomam o grafite como arte e um deles ressalta que o trabalho que realiza assim o é em função do domínio técnico exigido, e não apenas de um suposto “dom”. Os transeuntes também diferenciam pichação e grafite, referindo-se ao primeiro como 3 vandalismo, mas nem todos perceberam o grafite, o que indica que estão submersos no império das imagens, sem no entanto buscar entendê-las ou lhes atribuir significados. REFERÊNCIAS BERGER, P E LUCKMANN, T. A construção social da realidade. Petrópoles: Vozes, 2004. CARVALHO, A. Arte e Psicologia: uma relação delicada. In: Introdução à Psicologia do cotidiano. São Paulo: Expressão e Arte, 2007. 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São Paulo: Martins Fontes, 1999. 4 URSINHOS CARINHOSOS: MONTANDO UM OUTRO FOCO Pesquisadores: Adriana Suzuki Beatriz Rodrigues Camila Shwafaty de Oliveira Cibele Baston Elisa Rubbo Marina Sandrini Phillipe Fernandes Raona Martins Rodrigo Mostaço Andrade Orientação: Prof. Dr. Alex Moreira Carvalho Segundo Leite (2002) a explicação psicológica da arte procura uma forma de compreensão a partir das características do indivíduo, essa necessidade de explicação se dá em função da nova condição da vida social na modernidade; na medida em que o homem deixou de acreditar no sobrenatural ou na determinação hereditária, ele passou a encontrar outras explicações, por isso ao invés de se dirigir para o mundo externo, onde ele encontra possibilidades de desenvolvimento muito diferentes, até opostas, ele se interioriza. A arte costuma valorizar os aspectos individuais, não apenas de formas inovadoras, como também resignificando “velhos temas”. Neste estudo analisaremos, do ponto de vista da narrativa cinematográfica, os comportamentos apresentados por Timothy Treadwell, “O homem urso”. Timothy passou 13 anos vivendo com os ursos no Alasca e registrou mais de cem horas desta vivência com sua câmera. Do acordo com a teoria de Vigotski (1998) a arte não é apenas representação de concepções morais, sociais, ou pedagógicas, mas sobretudo, uma construção (como técnica social dos sentimentos) que pressupõe uma atividade mental e emotiva do sujeito a respeito da obra de arte. Merleau Ponty (1969) no artigo “O cinema e a nova psicologia”, diz que um filme não deseja exprimir nada além dele próprio, ele não é pensado e sim percebido. A arte acontece no cinema, para Hebert Head (1969), pois a formação estética do cinema envolve um critério de seleção de cenas, técnica e sensibilidade. Bazin (1992) também concebe o cinema como criação de sentidos que as imagens não têm objetivamente, mas que decorrem da sua relação, isto é, da montagem. Em outras palavras, para o autor “o sentido não está na imagem, mas sim na sombra projetada pela montagem no plano consciente do espectador” (p. 73). No artigo “Uma nota sobre um filme” a autora Susan Langer (1969) compara o cinema com um sonho, pois os dois criam uma realidade virtual e atemporal, entretanto, quem leva o sujeito para essa realidade no cinema é a câmera. Walter Benjamin afirma em seu artigo “A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução” (1969) sendo que a arte sempre foi passível de reprodução, apesar de que, na reprodução manual o original se mantém distante. Diz ele que a reprodução técnica elimina todo caráter histórico da arte. Por outro lado, a arte tinha, para ele, grande potencial revolucionário, que se manifestava, dentre todas as formas artísticas, com maior força, no cinema, pois este é uma forma de ampliação da percepção. Assim, transcendia seu ponto de partida: o cotidiano. O filme foi construído de tal forma que: 1-) as filmagens feitas por Timothy demonstram um deslocamento progressivo dos personagens, isto é, passa da natureza para o próprio “homem urso”, que, assim, utiliza a câmera como confessionário; 2-) o diretor Werner Herzog contrapõe os sentidos atribuídos pelo homem urso a si mesmo e a natureza a uma interpretação que muda o foco: afinal, o que deseja o homem urso ao se comportar interagindo com uma natureza idealizada? Pudermos observar no filme “O homem 5 urso” uma fantasia de onipotência, por parte de Timothy Treadwell, na sua relação com os ursos e com a natureza, onde ele era o único diferente, ou seja, ser humano. Sendo assim, na sua concepção, ele dominava a natureza e em decorrência disso dominava a si mesmo. Devido a busca incessante por um estado de completude, a vivência com os ursos o fez humanizar os ursos simbolicamente, e devido às frustrações sociais, desconsiderar os seres humanos. O homem urso, na busca de uma sociedade ideal, vai contra a civilização, e acaba indo contra a natureza devido à essa busca desenfreada por algo que ele nunca terá. Essa revolta ocorre então, pelo desamparo ocasionado socialmente, na relação com o outro e com ele mesmo. REFERÊNCIAS BAZIN, A. (1992) O que é cinema. Cap:7. Lisboa: Editora Livros Horizonte. CARVALHO, A. (2007) Introdução à Psicologia do Cotidiano. (Arte e Psicologia: uma relação delicada, Cap.2). São Paulo: Expressão e Arte. GRÜNNEWALD, J.L. (1996) A idéia do cinema. Rio de Janeiro: Editora: Civilização Brasileira, p. 15-96. LEITE, D. (2002) Psicologia e Literatura. São Paulo, Unesp. VIGOSTSKI, L. A formaçao social da mente. (1984). São Paulo: Editora Martins Fontes, p.323-363. VIGOSTSKI, L. (1998) Psicologia da Arte. São Paulo: Editora: Martins Fontes. VIGOSTSKI, L. (2001) Psicologia Pedagógica. São Paulo: Editora Martins Fontes. AS DIARISTAS ENCONTRAM DAVID E PIETÁ DE MICHELANGELO 6 Pesquisadores: Alan da Rocha Brum André Fortini de Oliveira André Guimarães Pisani Andrea Berezin Caroline Domene Rodrigues João Paulo Fernandes Nery Rafael Rudemberg de Almeida Mendonça Tatiana Neves Catalano Orientação: Prof. Dr. Alex Moreira Carvalho. Este trabalho teve como objetivo analisar a reação de diaristas a duas obras do período renascentista - David e Pietá de Michelangelo. Inicialmente as pranchas foram apresentadas às colaboradoras em recortes contendo fragmentos das obras acima citadas e em seguida, contendo as obras como um todo. A divisão em dois momentos de apresentação das obras se deu em função da possibilidade de verificar se a reação estética se pauta no modelo de harmonia e equilíbrio, conforme os princípios da “poética” do renascimento ou se as mudanças no campo das imagens produzidas no mundo contemporâneo – de imagens fragmentadas – alteram a percepção. A aplicação foi realizada com seis colaboradoras do sexo feminino, diaristas e trabalhadoras em casa de família ao menos uma vez por semana. Os sujeitos foram escolhidos uma vez que se buscou avaliar o impacto das duas formas de apresentação da obra em pessoas sem formação acadêmica especializada. As pranchas eram de tamanho A4 no papel couchet e apresentadas às colaboradoras as quais puderam falar livremente sobre elas. Segundo Vigotski (1998), a criação artística se realiza como uma técnica social dos sentimentos que produz uma reação estética de cunho emocional. Ao mesmo tempo, tal reação pode estar determinada por formas apreendidas de percepção do universo artístico. O renascimento tinha como principais características a representação do homem tal como supostamente ele é na realidade mantendo suas proporções de profundidade, perspectiva e simetria; estudo do corpo e do caráter humano; e simplicidade na construção. Esta concepção de arte tornou-se hegemônica no ocidente. Por outro lado a contemporaneidade produz o avesso da representação renascentista sob formas de imagens fragmentadas e destituídas de unidade e equilíbrio. Assim, restou-se saber qual seria a reação das diaristas diante de duas maneiras de se apresentar um objeto estético. Verificou-se que as colaboradoras não relacionaram os fragmentos entre si, nem dialogaram com o todo, imprimindo no seu encontro o cotidiano, sem dar espaço à objetividade da obra. Em outras palavras, a obra ficou reduzida às interpretações relacionadas às histórias pessoais, sem que um diálogo se construísse. Segundo Berger e Luckmann (2002), a realidade da arte é uma construção social e, nesse sentido, as colaboradoras perceberam o material apresentado a partir do referencial realista que supostamente sustentou o renascimento. Heller (2004) e Vigostki (1998) consideram que a arte ultrapassa o cotidiano, questionando e produzindo estranhamento e mudança de percepção de mundo no receptor. Pode-se afirmar que houve um encontro, de cunho cognitivo e emocional, das diaristas com as imagens apresentadas, mas na medida em que apresentaram percepção tipificada e submetida às suas próprias realidades, resta discutir, como fez Vigotski (2004), a necessidade de uma educação que se paute na aprendizagem da forma artística como condição para a reação estética. 7 REFERÊNCIAS BERGER, P. L. & LUCKMANN, T. A construção social da realidade. São Paulo: Vozes, 2002. HELLER, A. O cotidiano e a história. São Paulo: Paz e terra SA, 2004. VIGOTSKI, L. Psicologia da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 1998. ___________. Psicologia pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2004. 8 9 FAMÍLIA 10 HERÓIS COTIDIANOS: REINVENTANDO A FAMÍLIA Pesquisadores: Deborah Lima Karina Santarosa Leandro M. Souza Ligia Puosso Marcelo Szajubok Mariana A. A. Marques Michele Christmann Susan H. Almeida Orientação: Profa Dra Vânia C. Sequeira Segundo dados do PNAD (Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios-IBGE) as novas famílias têm apresentado a seguinte configuração: média de 2,5 filhos, quando na década de 60 este número era de 6,5 filhos, apontando uma queda na taxa de fecundidade. As famílias nucleares (pai, mãe e filhos) ainda são predominantes com 59,4% em 1992, mas este número vem caindo, dados de 2002 apontam que 47% dos domicílios já são constituídos por famílias que um dos pais está ausente. Outro tipo de família é a unipessoal que vem apresentando uma taxa de crescimento considerável, em 1992 representava 7,3% e em 2001 passou para 9,2%. No mesmo caminho, houve um aumento das mulheres sem cônjuge com filhos, de 15,1% em 1992 para 17,8% em 2001, o que demonstra novamente um aumento considerável das famílias monoparentais. Houve um aumento das famílias de casais sem filhos passando de 12,9% em 1992 para 13,8% em 2001. Também existem novas categorias, outros tipos de família: 5,2% em 1992 para 5,9% em 2001 (homossexuais e outros arranjos). A família é fundamental no desenvolvimento, não é essencial apenas para a sobrevivência do indivíduo, mas também para a transmissão de valores culturais, sociais para a manutenção da sociedade (CARVALHO e ALMEIDA, 2003). A família é o primeiro núcleo de relações do indivíduo, compreender como essas relações constituem a subjetividade é de fundamental importância para a psicologia. Nesse sentido, muitas transformações ocorreram nas configurações familiares desde o modelo nuclear burguês até a atualidade, com padrões e papéis diferenciados, que devem ser compreendidos, não só pela psicologia, mas pela sociedade em geral. Desenvolver estudos sobre os novos modelos familiares pode capacitar profissionais na orientação das famílias, no esclarecimento da sociedade em geral, evitando um olhar, muitas vezes, preconceituoso em relação a essas questões. O conhecimento é possivelmente, um primeiro passo para uma reflexão sobre as formas de intervenção para a melhoria da qualidade de vida das famílias. O objetivo desse estudo é compreender as vivências das pessoas envolvidas em novas configurações familiares. Método: Os sujeitos desta pesquisa foram seis pessoas integrantes de uma nova configuração familiar: separados, recasados, homossexuais, solteiros com filhos e adotantes. Como instrumento adotou-se a entrevista semi-dirigida com o objetivo de compreender as vivências das pessoas diante das transformações no modelo familiar tradicional. As entrevistas foram realizadas pelos pesquisadores, no local de escolha do sujeito, e por se tratar de entrevistas com seres humanos, ressalta-se que foram tomados os devidos cuidados éticos. Os dados coletados, por meio da entrevista semi-dirigida, foram analisados qualitativamente com base na análise de conteúdo, no sentido de compreender as vivências nessas novas estruturas de família. Análise de dados: Como observamos em nossas entrevistas, a família deixou de ser sinônimo de pai, mãe e filhos para dar lugar à união de pessoas que estão ligadas por laços de parentesco ou afetivos, pelo desejo de compartilhar suas 11 vidas, independente de filhos, da legalidade ou da opção sexual, o que nem sempre ocorre no modelo de família tradicional. Mais importante do que a presença concreta de pai e mãe, é o vínculo que o cuidador estabelece com a criança, o que constituiu o universo simbólico para o desenvolvimento emocional saudável de filhos biológicos ou adotados, em qualquer caso, seja de família monoparental, recomposta ou de casais homossexuais. As funções, materna e paterna, aparecem de diferentes maneiras, essa nova família pode criar um ambiente seguro e acolhedor, não ficando restrita aos moldes tradicionais de configuração familiar. O mais importante é o desejo de ser mãe ou pai, que sem dúvida é indispensável para formação de um individuo, independente da opção sexual ou estado civil. O afeto, a responsabilidade e o desejo superam os laços legalmente estabelecidos ou biologicamente constituídos para dar lugar a pais e mães que são capazes de oferecer um modelo afetivo que proporcione os recursos necessários para o desenvolvimento de um ser humano. Kamers (2006) diz que o amor materno e paterno não são dados biologicamente, podemos concluir que esses afetos e relações são construídos através da convivência e do aprendizado, ou seja as interações, os cuidados e a relação diária constroem os laços afetivos. Segundo Borges (2005) é função dos pais guiar e introduzir a criança na cultura, garantir a transmissão de valores, de conduta e regras. Quanto ao questionamento sobre as novas configurações, podemos entender que o essencial para que se cumpra a função materna e paterna e como conseqüência, a simbólica, é que essas relações sejam carregadas de desejo. É importante e estruturante para o ser humano ocupar um lugar no desejo do outro (BORGES, 2005). A tomada de consciência de que os aspectos relevantes das funções parentais e simbólicas podem ser executados satisfatoriamente, não apenas por um modelo familiar único, pode trazer um novo olhar para a família e suas novas configurações, menos preconceituoso e moralista. REFERÊNCIAS BORGES, M.L. (2005). Função Materna e Função Paterna, suas vivências na atualidade. Dissertação de mestrado. Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2005. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. 31ª edição. São Paulo: Saraiva, 2003. BUTLER, J. - O parentesco é sempre tido como heterossexual?. Revista Cad.Pagu, n.21 Campinas 2003. CARVALHO, I. M. M. de e ALMEIDA, P. H. Família e proteção social. São Paulo Perspec. , São Paulo, v. 17, nº 2, 2003. Disponível em: http://www.scielo.br. COSTA, L. F. e CAMPOS, N. M. V. A avaliação psicossocial no contexto da adoção: vivências das famílias adotantes, 2003 . Disponível em: http://www.scielo.br FÉRES-CARNEIRO, T. Casamento contemporâneo: O Difícil convívio da individualidade com a conjugalidade., Psicologia Reflexão e Critica, ano/vol.11, número 002, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil, 1998. FÉRES-CARNEIRO, T. Clínica da família e do casal: tendências da demanda contemporânea. Interações: Estudos e Pesquisas em Psicologia, 3(6), 1999. pp 23-32. 12 GERVENY, C. M. de O. A família como modelo: Desconstruindo a patologia. Campinas: Editorial Psy II, 1994. HAMAD, Nazir. A criança adotiva e suas famílias. Rio de Janeiro: companhia de Freud, 2002. JABLONSKI, Bernardo. Paternidade: Considerações sobre a Relação Pais-Filhos após a Separação Conjugal. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2004. KAMERS, Michele As novas configurações da família e o estatuto simbólico das funções parentais. São Paulo dez. 2006. Estilos clin. v.11 n.21 Disponível em: http://www.scielo.br LANE, S. T.M; CODO, W. Psicologia social: o homem em movimento. São Paulo: Brasiliense, 2001. LOBO, C. Famílias recompostas. In: SOCIOLOGIA, PROBLEMAS E PRÁTICAS, n. 48, 2005, pp. 91-114. MIOTO, R.C.T. Artigo Família e Serviço Social. Revista Serviço Social & Sociedade, São Paulo, Ed Cortez, 1997. 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Vânia Conselheiro Sequeira Nas diversas culturas, as famílias têm maneiras próprias de manifestarem o luto, por meio de festas, sacrifícios, reações prolongadas e intensas de tristeza, oferendas e muitas outras. Dentre estas formas, não há uma mais correta que as demais, elas são apenas diferentes. O luto é um processo de reação à perda de alguém querido, que pode resultar em sentimento de dor, tristeza e desinteresse pelo mundo externo, fazendo também com que se questione valores e o sentido da própria vida. Ele não ocorre de forma linear, pode apresentar momentos de negação e fragilidade, é um evento emocional, mas diretamente relacionado com os costumes e valores sociais. No luto, é necessário um processo de enfrentamento em que o indivíduo e a própria família darão um sentido novo às suas existências, entendendo a morte como um evento que encerra a vida. Por ser um assunto tabu em nossa sociedade, com forte carga emocional, não se pode falar em um tempo determinado para que a família vivencie o luto e restabeleça o equilíbrio funcional existente antes da morte, já que isso depende muito da integração emocional e da intensidade da perturbação causada pela morte, em cada família. Para Bromberg (1999), apud Kalincka (2006), para encarar a morte na família, é necessário um rearranjo do sistema familiar e, como conseqüência, a construção de uma nova identidade, um novo nível de equilíbrio. A morte de um filho é possivelmente a perda mais dolorosa para uma família, pois é uma ruptura com a ordem natural dos acontecimentos, onde os mais velhos morrem antes dos mais novos. Este tipo de perda gera diversas conseqüências, como risco de suicídio, problemas de saúde, conflitos familiares, divórcio, entre outras. Os familiares tendem a se isolar em sua dor, a presença de amigos ajuda os familiares a compreender mais rapidamente a separação, tendo um papel importante na reestruturação emocional da família. Segundo Kalincka (2006), a perda de um filho é um tipo singular de luto. Perder um filho requer dos pais (ou outro cuidador), um ajuste emocional para enfrentar a situação individual e também as alterações no sistema familiar. Diante da perda, há certas tarefas do luto a serem realizadas, a fim de que o equilíbrio existente antes da morte possa ser restabelecido. Tais tarefas implicam em um processo de aceitação e elaboração da morte, concomitantemente a um ajuste familiar e reposicionamento emocional diante da ausência do ente que faleceu. Um processo terapêutico específico tem como objetivo fazer o enlutado voltar a desempenhar as atividades anteriores à morte do membro da família, reassumindo uma rotina, definida a partir de suas atuais necessidades. O recurso terapêutico da psicoterapia breve, adaptada à crise específica despertada pelo luto, se mostra eficaz no processo de elaboração do luto, uma vez que não é hora para aprofundar conflitos intrapsíquicos inconscientes que seriam aprofundados em um processo analítico tradicional. Na resolução do luto deve-se considerar o 14 quadro emocional da família, levando em conta os recursos disponíveis que esta detém para trabalhar o luto. Budman e Gurman (1988), citados por Bromberg (1994), afirmam ser objetivo final do terapeuta, ante as situações de perda, fazer com que o paciente consiga realizar a transposição da situação de vítima para a de sobrevivente. Um sinal de luto terminado se faz presente quando é possível pensar na pessoa que faleceu sem desorganização subjetiva, o que não implica na ausência de tristeza e saudades, sentimentos que estarão sempre presentes. Além disso, é fundamental poder investir emoções na vida e no viver. Método: Foram entrevistadas oito pessoas, sendo seis pais que perderam seus filhos de forma abrupta e dois profissionais que estudam o tema abordado. Todas as entrevistas seguiram os procedimentos éticos para as pesquisas com seres humanos: carta de informação da pesquisa para devida ciência dos procedimentos aos quais seria submetido, como também, consentimento livre e esclarecido de participação e concordância no uso eventual dos depoimentos e/ou de imagens gravadas. Foram elaborados dois roteiros semi-estruturados, um para os pais e outro para os profissionais, com perguntas abertas centradas na temática do luto. A entrevista teve o cunho narrativo, sem estrutura fixa, deixando os entrevistados à vontade em suas colocações, permitindo com isso, que o discurso emergisse naturalmente. Os dados foram analisados qualitativamente e a partir das respostas foram criados eixos temáticos para compreensão do tema: reação familiar; apoio emocional; fases do luto e, vida após a perda. Procurou-se observar se as respostas dos entrevistados condiziam com a literatura estudada, ou seja, se existe tempo médio para elaboração do luto, se na prática as fases do luto são observáveis, assim como, a reação familiar e os sentimentos presentes no momento da perda, como negação, tristeza, desesperança diante da própria vida e, se a retomada das atividades cotidianas poderiam contribuir para o enfrentamento do luto. Análise dos dados: Percebe-se que em decorrência das perdas, desenvolve-se o sentimento de dor, de tristeza e o desinteresse pelo mundo externo, pois toda energia está direcionada à dor e às recordações, sendo necessário um trabalho do indivíduo enlutado para desapegar-se e para investir sua energia libidinal em outros objetos. A notícia de que algo aconteceu com seu filho é um momento, descrito pelos entrevistados, de muita angústia, seguida de choro e falta de ação. Entre a notícia e a morte propriamente dita, a esperança é um alento para suportar a dor. Para Worden (1998), a primeira tarefa do processo de luto é enfrentar a realidade de que a pessoa está morta, de que ela se foi e não irá retornar, o que inclui a negação, mesmo que por um período curto de tempo, que funciona como anestesia, depois da notícia inesperada e chocante. A negação é substituída pela aceitação parcial, como se a dor tivesse esvanecido, a luta tivesse cessado (Kubler-Ross, 1994). Existe a possibilidade de desenvolver depressão, diante da dor dilacerante da perda ou sentimento de culpa por não ter protegido o suficiente o filho. Um grande desafio de nossas vidas a ser transposto e de suma importância é aceitar a morte. As conseqüências de uma perda dependem da fase do desenvolvimento em que a família e cada indivíduo se situam naquele momento. É imprescindível informar que não existe um tempo pré-estabelecido para que a família se reestruture e estabeleça novamente um equilíbrio emocional, pois isso depende muito da integração emocional e da intensidade de perturbação que a morte causa em cada família, sempre respeitando a individualidade de cada pessoa. É importante ressaltar que a perda não deve ser esquecida ou negada, mas sim vivenciada e elaborada, de tal forma que se possa superar o acontecimento e prosseguir a vida. Nesse sentido, a psicoterapia breve é de extrema importância ao dar suporte emocional para o enfrentamento do luto, o que poderá beneficiar a qualidade de vida da pessoa, no entanto é possível perceber que alguns entrevistados foram em busca de ajuda e não receberam um trabalho específico que possibilitasse esse suporte emocional. 15 REFERÊNCIAS BROMBERG, Maria Helena. A psicoterapia em situações de perdas e luto. Campinas: Editorial Psy II, 1994. FRANCO, Maria Helena Pereira. Atendimento psicológico para emergências em aviação: a teoria revista na prática. Estud. psicol. (Natal), Natal, v. 10, n. 2, 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413294X2005000200003&lng=pt &nrm=iso>. Acesso em: 03 Out 2007. FREITAS, Neli Klix. Luto materno e psicoterapia breve. São Paulo: Summus, 2000. FREUD, Sigmund. (1917) Luto e Melancolia. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1996, p.245265. FUKUMITSU, K. O. Uma visão fenomenológica do luto. Campinas: Editora Livro Pleno, 2004. KALINCKA, Marques de Sousa e Silva. Discurso de pais enlutados: investigação das formas de diminuição da dor do luto. Disponível no site: http://www.redepsi.com.br/portal. Acessado em 27/7/06. KUBLER-ROSS, Elisabeth. Sobre a Morte e o Morrer. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1994. LAPLANCHE, Jean e PONTALIS, J.B. Vocabulário de Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 2001. WALSH, Froma & MCGOLDRICK, Monica. Morte na Família: Sobrevivendo às Perdas. Porto Alegre: Artmed, 1998. WORDEN, W. J. Terapia do Luto, um manual para o profissional de saúde mental. Porto Alegre: Artes Médica, 1998. 16 OS PAIS DE NARCISO: REFLEXÕES SOBRE A EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA Pesquisadores: Bruna Ferreira de Souza Monique A. Nascimento Sousa Mylenna Taja Trevisani Natalia Cecília Lourençato Patrícia Munck Macedo Vanessa dos Santos Tiso Vanessa Pereira Lima Vivian Romeiro Pegoraro Orientação: Profa Dra Vania C. Sequeira O narcisismo começa nos espelhos – no espelho que é a mãe, cujos olhos cintilantes e sorriso receptivo refletem o encanto pelo filho – (HOLMES, 2005, p.5) e instaura a subjetividade, sempre dada por esse outro que cuida inicialmente da criança (mãe ou representante dela), mas será preciso ir além deste espelho para construir a noção de alteridade. Esse estado inicial fusional mãe-bebê dá condição para o surgimento do eu, porém, é preciso a intervenção do pai (ou seu representante), da lei, dos limites para que o sujeito seja inserido na cultura e desenvolva laços com os outros. O amor permissivo, excessivo não é suficiente, pois sem disciplina e ordem, ele não consegue assegurar a continuidade das gerações, da qual depende toda a cultura. (LASCH, 1983, p. 209). De acordo com Lasch (1983), o narcisismo se define como um individualismo extremo, falta de interesse no passado e no futuro, desprezo pelos outros, preocupações com as relações pessoais em detrimento das relações de poder e falta de interesse pela coesão social. Percebemos que o homem da atualidade vive assim, desinteressado dos outros e desenraizado da sociedade. O homem pós-moderno - que faz de sua vida pessoal, a profissional - fica sujeito às instabilidades que a economia pode gerar, sendo recorrente a instabilidade afetiva e, conseqüentemente, familiar. (RODRIGUES e ABECHE, 2005) Assim, a relação entre pais e filhos fica sujeita aos horários e compromissos da vida profissional dos pais, e os filhos ficam cada vez mais sozinhos, isso pode reforçar a idéia de que são auto-suficientes, independentes e com a ausência de afetos, podem existir compensações com objetos, roupas, brinquedos e muita permissividade. A crescente dificuldade de impor limites e fazer com que eles sejam seguidos acabou por convencer os especialistas de que eles são uma solução para as dificuldades da família(LASCH, 1983). Assim, os pais passaram a agir não de acordo com seus sentimentos ou julgamentos, mas sim de acordo com o que os representantes das agencias do bem-estar: os especialistas, definem como correto. De acordo com Lasch (1983), podemos observar historicamente o incentivo de uma cultura liberal na relação de pais e filhos, que incentiva acima de tudo a compreensão, mesmo que excessiva e permissiva. Muitas transformações ocorreram no contexto sócio-histórico o que levou a modificações na família, o ideal de família burguesa não corresponde aos conflitos que os pais estão enfrentando para educar seus filhos. Diante das exigências das transformações sociais, os pais receiam tornar-se antiquados e passam a ser permissivos em demasia. Segundo La Taille (2000), isso ocorre porque os pais não têm certeza de seus próprios valores, encontrando assim, dificuldades diante da transmissão de valores aos filhos. Por tudo isso, o objetivo deste trabalho é compreender as vivências de pais e filhos no que se refere à educação cotidiana. Método: A pesquisa é de natureza qualitativa. Desta maneira, segundo Goldenberg (2003, p.53), esses dados devem buscar uma descrição detalhada de situações com 17 o objetivo de compreender os indivíduos em seus próprios termos. Os dados não são padronizados como os dados quantitativos, obrigando o pesquisador a ter flexibilidade e criatividade no momento de coletá-los e analisá-los. O estudo foi realizado com adolescentes de 15 a 20 anos e seus pais, totalizando 9 sujeitos. Também foram analisados casos, divulgados na mídia, de adolescentes de classe média/alta com comportamentos de desrespeito e de desvalorização ao outro. Foram escolhidos sujeitos que apresentavam algum tipo de dificuldade com relação à educação: os pais reclamavam dos excessos de seus filhos, pareciam perdidos; os filhos transgrediam regras sociais e aparentavam achar que podiam fazer tudo que queriam (como dirigir sem carteira de motorista). Também selecionamos reportagens sobre adolescentes sem-limites, como por exemplo, o caso de adolescentes que espancaram uma empregada doméstica no ponto de ônibus. A coleta de dados foi realizada em setembro de 2007. Optou-se pelo uso de entrevista semi-estruturada individual, com roteiro prévio de perguntas que se referiam à educação cotidiana, vivenciada pelos pais e filhos. As entrevistas foram gravadas e depois transcritas, com autorização prévia. Os sujeitos também só participaram da pesquisa após o consentimento livre e esclarecido. Os dados foram analisados de acordo com o referencial teórico, a partir da elaboração de categorias sobre as vivências de pais e filhos no que se refere à educação cotidiana. Discussão de Resultados: A partir das entrevistas e do material recolhido da mídia, pode-se notar que os pais parecem preferir uma postura permissiva, pois aparentemente é mais fácil concordar com as atitudes e imposições dos filhos do que enfrentá-los, dizendo não, correndo o risco de perder o afeto e a amizade deles. Os pais se aproximam mais dos filhos, ficam amigos dos filhos, não exercendo a função de autoridade, assim, os filhos adquirem uma ilusão de onipotência, acham que podem tudo, por não terem se deparado com a frustração de ouvir não aos seus desejos. Desse modo, criam-se pequenos reis ou bebês-gigantes, que acham que o mundo deve servi-los, que todos os outros estão a serviço da realização de suas vontades, o que pode dar origem a pessoas narcisistas, tais como as que encontramos hoje, apenas voltadas para si, onde o outro não tem nenhum valor, a não ser como objeto de satisfação pessoal. É claro que existe relação entre a sociedade capitalista e as dificuldades dos pais, pois a exigência da mão de obra feminina, além das horas excessivas de trabalho, também levou a ausência dos pais na criação dos filhos pela falta de tempo e pelo cansaço, com isso se estabelece relações frias e superficiais entre pais e filhos. Segundo Lasch (1983), a família contemporânea cria uma ilusão de normalidade em suas relações familiares, onde as funções dos pais são feitas de maneira mecânica. Segundo Goldenberg (1998), os filhos não possuem limites e seria a função da figura paterna, impor as regras, dar limites e desenvolver a capacidade de ser social na relação com o outro. A mãe, por sua vez, pode estar ausente e/ou assumir uma função de mãe superprotetora, protegendo e colocando seu filho num pedestal, para suprir sua ausência ou a do pai, fazendo com que ele acredite que é o centro do mundo, o que pode gerar uma personalidade narcisista. Em grande parte das entrevistas feitas, encontramos pais ausentes concretamente, ou a figura dele não internalizada psiquicamente com o sentido de Lei. Quando presentes, a relação é de amizade, os pais não têm voz ativa, trabalham demais e não vêem os filhos, ou tentam ser extremamente democráticos e acabam, permissivos. De acordo com o referencial teórico utilizado neste estudo, é a função de o pai transmitir a lei e fazer com que ela se cumpra, para que não haja uma ausência de internalização desta. É na adolescência, também, que os pais devem distanciar-se dos filhos para que se torne bem clara a diferenciação da relação com os pais daquela que se tem com os amigos, a fim de consolidar a idéia de autoridade (KNOBEL,1985). Partindo do princípio de que a família é essencial na formação da criança e de sua relação com o mundo, podemos analisar que é a partir do que se passa no ambiente familiar que se formam os pequenos narcisos, que um dia virão a se tornar adolescentes que cometerem atos de desrespeito e desprezo ao outro. Assim, a família deixa de ser um lugar de amparo, dando lugar 18 à manifestação de um individualismo exacerbado. Portanto, é preciso amparar essa família fragilizada, aprofundar as discussões sobre essa temática e não atuar como os tradicionais especialistas que tomam o lugar dos pais, gerando mais incerteza e dúvidas na educação dos filhos. REFERÊNCIAS CALLIGARIS, C. Três conselhos para educação das crianças. In: Educa-se uma criança? Porto Alegre: Artes e Ofícios Editora Ltda., 1994, p. 25 –30. GOLDENBERG, G.; O pai simbólico está ausente na criança e no adolescente infratores; In: LEVISKY, David L; Adolescência pelos caminhos da violência. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998. GOLDENBERG, M. A arte de Pesquisar. R.J. / S.P.: Record, 2003. GOMES, A. J. S; RESENDE, V, R. (2004). O pai presente: o desvelar da paternidade em uma família contemporânea. Revista Psicologia: Teoria e Pesquisa. Vol. 20, Nº 2, pp. 119-125. HOLMES, J. Conceitos da Psicanálise: Narcisismo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005. KNOBEL, M. (1985). A Síndrome da adolescência normal. In: A. Aberastury & M. Knobel (Org.), Adolescência normal. (4ª ed.). Porto Alegre: Artes Médicas, pp. 5-15. LA MENDOLA, S. O sentido do risco. Tempo social - revista de psicologia da USP, setembro 2005. Disponível em: www.scielo.br/pdf/ts/v17n2/a04v17n02.pdf. LASCH, C. A cultura do narcisismo: a vida americana numa era de esperanças em declínio. Tradução: Ernani Pavaneli. Rio de Janeiro: Imago, 1983. LA TAILLE, Y. Limites: Três Dimensões Educacionais. São Paulo. Editora Ática, 2000. MORAES, M. L. Q. A estrutura contemporânea da família. In: COMPARATO, M. C. M. e MONTEIRO, D. S. F. A Criança na Contemporaneidade e a Psicanálise: Família e Sociedade: Diálogos interdisciplinares. Volume I. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001. MUNHOZ, M.L.P. Sem Limites. In: Psique Ciência e Vida Especial. Ano 1 nº 2 . São Paulo. Editora Escala, 2007 p. 34-37. RODRIGUES, A.A. e ABECHE, R.P.C. Família contemporânea, reflexo de um individualismo exacerbado? 2005. Estados Gerais da Psicanálise. Disponível em:http:// www.estadosgerais.org/encontro/IV/PT/trabalhos/Alexandra_Rodrigues_e_Regina_Abeche. pdf. Acesso em: 12 de Agosto de 2007. SILVA, M.C.C. Ato Delinquente e Adolescência - Vicissitudes de Uma Travessia. In: JERUSALINSKY, A (Org.). Adolescência: Entre o Passado e o Futuro. Porto Alegre, Artes e Ofícios, 1997. SOUZA, M. L. R. Violência. São Paulo, Casa do Psicólogo, 2005. TANIS, B. A família atual, a constituição subjetiva da criança e a psicanálise. In: COMPARATO, M. C. M. e MONTEIRO, D. S. F. A Criança na Contemporaneidade e a Psicanálise: Família e Sociedade: Diálogos interdisciplinares. Volume I. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001. 19 MÍDIA E CONSUMO 20 AMOR NA MÍDIA Pesquisadores Aline Mendes Camila Lemos Kelly Kimie Malka Sheery Natalia Feijó Natalie Cardeal Patrícia Gomes Renata Pozelli Simone Luccas Orientação Prof. Ms. João Garção Introdução: Talvez nenhum tema tenha merecido tanta atenção dos pesquisadores, poetas, escritores, músicos e das pessoas comuns, como o amor. Entre o fascínio e a desilusão, este tema se mantém presente e essencial desde o início das sociedades, e da história do homem. Nosso objetivo foi revisitar a história amorosa presente na mídia (veículos de massa, literatura, música e na poesia). Também não poderíamos deixar de lado pesquisadores atuais, e para isso fomos conversar com o psicanalista Dr. Flávio Gikovate, com a socióloga Maria Helena Matarazzo, com a antropóloga Paula Miraglia, e com o teólogo Ariovaldo Ramos. Eles ajudaram a compor cenário para nosso entendimento sobre as diversas facetas do amor. Pretensão à parte, este é um trabalho que possibilitou um novo olhar para o maior tema da humanidade: o amor. Objetivo de estudo: Analisar o amor entre as pessoas comuns às transmitidas pelos veículos de comunicação. Método: Realização de entrevistas semiestruturadas com profissionais estudiosos no assunto. Privilegiando os autores pesquisadores. Pesquisa dos programas audiovisuais e revistas colaborarão metodologicamente. Discussão: O trabalho presente é uma grande fonte de inspiração do ser humano que passa por esse sentimento, o amor e suas múltiplas facetas (amores impossíveis, amores possessivos, amores oposto, amores gay e lésbicas) na sociedade contemporânea, tentamos buscar entender o porquê e como esses amores e suas múltiplas facetas ocorrem hoje, juntando com o tema essencial, a mídia, como esta usufruí desses sentimentos tão complexos, como e o porquê o ser humano agrega a esses sentimentos seguindo suas normas e regras dando nomes à seus amores. ”Nietzsche dizia que no amor é sobre tudo o temor que faz crescer. A ilusão amorosa mostra a beleza do outro, mas o temor estimula a refletir, a buscar, a adivinhar, ou seja, a exercitar-se para penetrar na realidade para além das aparências. O medo desempenha o papel propulsor, de conhecimento.“ (Carotenuto, p.51). Os amores contemporâneos refletem hoje variáveis contingências tanto de modismo, de satisfação, idealização no meio social e no próprio ser humano, porém algumas pessoas ainda procuram determinados amores como, por exemplo: o amor de Eros e Psiqué, “Eros é o amor personificado. Em grego desejar ardentemente, significa com exatidão o desejo dos sentidos. Psique é igualmente a alma personificada.” (Morin, p.137) Sopra e respira – princípio vital – amor de Eros e Psiqué. Freud considera que o amor é a manifestação da libido e que a libido se volta para os outros, ou se volta para a própria pessoa. Já observava que o amor tende a funcionar como modelo de busca da felicidade e reconhecera sua natureza ilusória no sentido de consolar e tornar tolerável o mal- estar próprio do desejo humano. (Fromm, p.74). Portanto não é que se pense que o amor não é importante. Todos sentem fome dele, assistem a inúmeros filmes sobre histórias de 21 amor, felizes e infelizes, dizem centenas de sovadas canções que falam de amor, e, contudo, quase ninguém passa haver alguma coisa a respeito do amor que necessite ser aprendida. Creio que nenhuma terapia, nenhuma experiência permita eliminar esse sentimento de vazio que o amor iludindo-nos promete nos preencher. Quando cremos que o vazio foi abolido, é provável que estejamos enganando a nós mesmos. Tememos uma dialética da ausência (se dilata) e da presença (se condensa) do ser amado. Assim como é costumeiro acreditar que dores e tristezas, em quaisquer circunstâncias, poderiam ser evitadas, também se acredita que o amor significa a ausência de qualquer conflito. Tendo esses sentimentos facilmente atribuídos, enfraquecido pela própria sociedade, a mídia se valida principalmente da televisão imaterial, colocando-se em primeiro a afetividade onde o sujeito se identifica com o objeto (mercado fetiche); pois todo comportamento humano é emocional, e a propaganda se utiliza desses mecanismos para garantir a comunicação com o espectador. Por exemplo: nas novelas, propagandas, revistas femininas (“como conquistar um amor, como se vestir”). Há um fascínio do homem contemporâneo pela imagem, “espelhos” sociais – si mesmo (Narciso/Eros e Psiqué). Segundo Moniz Sodré, na obra “Televisão e Psicanálise”, há uma associação entre o real, a imagem e a televisão. “O real do conjunto – do espaço social, é cada vez mais fabricado pelos dispositivos ideológicos do mercado. Jamais lidamos com um “real em si”, o real produzido”. (Sodré, p. 30). Tendo uma forma de relacionamento social com o objeto de sua identificação, pois com seu ego reprimido o problema do amor é a esperança de completude, facilmente é reconhecível quando se trata deste sentimento, tem como fundamento uma perda original, colocada por Freud em termos de objeto perdido de uma satisfação primeira e origem deu profundo e permanente anseio por seu retorno, o qual recebe o nome de desejo. Já para Lacan, o amor paixão se dirige ao outro como objeto complementaridade e revelando sua raiz narcísica, já indicada por Freud; ou seja, o sujeito ama para ser amado, acrescenta que a paixão (além do amor, o ódio e a ignorância) é, justamente, alienação do desejo no objeto. Em sua face simbólica diferentemente, o eixo do amor é situado, não no objeto, mas naquilo que o objeto não tem. Nisso ditando a satisfação pela saciação do desejo de consumir e ter o belo, vão surgindo várias conseqüências inventadas pelo homem, entre elas preconceitos e discriminação em relação à escolha de seus parceiros. Havendo uma idealização de completude nas relações amorosas devido as suas exigências, tendo em vão os amores impossíveis, e o fascismo que pode ser situado aos fanáticos, neuróticos, possessivos. Tendo sempre estagnado os amores impossíveis, pois delimita ser o mais bonito e é justamente a impossibilidade que atrai, a dificuldade nos impulsiona, nos motiva. Por exemplo, num amor impossível cabem todos os sonhos, todas as perfeições, o mínimo detalhe é idealizado. Porque uma vez que o amor torna-se possível, acaba a expectativa, ou seja, acaba o sonho.Por ter o seu ego enfraquecido o individuo dentro da sociedade de massa tenta se satisfazer rapidamente usando a tecnologia e a comodidade que a sociedade trás, não possibilitando pensar e se desenvolver de forma consciente. O encontro regressivo padronizado, pré-redigida, a padronização deve ser disfarçada como uma livre escolha em resultado do público, a indústria cultural produz o coletivo e perde a individualidade e por sua vez mascara a individualidade, tendo o processo de socialização forçado. O indivíduo contém a fragilidade dentro da sociedade no seu modo de amar, tanto homem como a mulher adquiri o seu modo de amor porém juntamente dentro da sociedade. Podemos citar uma relação que geralmente é criada e recriada nas sociedades, numa relação sempre há um egoísta e um generoso, assim diz Flavio Gikovate. Para Edgar Morin em método 6, saber amar é ter um equilíbrio na relação razão-paixão. ”O verdadeiro amor alimenta a dialógica (razão-paixão) sempre viva na qual a sabedoria e loucura se geram reciprocamente. Por isso o amor é o máximo da sabedoria e da loucura”. (Morin, p.139)Considerações Finais: O amor quando relacionado à mídia é um tema instigante, pois este sentimento interfere no íntimo de cada indivíduo, de como ele se relaciona com o objeto. 22 Embora a mídia divulgue imagens amorosas, cada ser humano parece ter seu jeito de amar, este jeito é o que faz com que cada poeta ou escritor conte o amor de forma tão substantiva. Padronizar o amor é como formá-lo objeto de consumo, porém ninguém será rico o suficiente para adquiri-lo, visto que o amor é uma conquista. REFERÊNCIAS ADORNO, T.W. HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento. Rio de janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006. BERGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas. A Construção Social da Realidade.17ª ed. Petrópolis: Vozes, 1999. CAROTENUTO, Aldo. Eros e Pathos- Amor e Sofrimento. São Paulo: Paulus Editora, 1994. FOUCAULT, M. As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes, 2002. FROMM, Erich. A Arte de Amar. Belo Horizonte: Hatiaia Limitada, 1990. LAPA, Walter; FARINA, A. S.; FRANCO, E. M. ; GARCAO, J.; CARVALHO, A. M.; SEQUEIRA, V. C.; STELLA, C. Introdução á psicologia do cotidiano. 2007. MORIN, Edgar. O método 6: ética. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2005. 222 Sulina, 2003. SODRÉ, Muniz. Televisão e Psicanálise. São Paulo: Ática, 1987. THOMPSON, Letícia. Amores impossíveis. Disponível em: <http://www.leticiathompson.net/amores_impossiveis.htm> Este artigo está licenciado sob a <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Amor_plat%C3%B4nico">GNU Free Documentation License</a>. Usa material do <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Amor Platônico">artigo da Wikipédia "Amor Platônico"</a>. WEBCINE. Melhores filmes- Romance. Disponível em: <http://www.webcine.com.br/especial/filmes/melhroma.htm> 23 MÍDIA E CONSUMO DA JUVENTUDE – FENÔMENOS DA PÓSMODERNIDADE Pesquisadores: Aline Cristina de Melo, Carlos Eduardo Damasceno Espósito Fernanda Moraes Strutz Isabela Ferraz do Amaral Campos Jonathan Brian Jentof, Karen Mello Westerstahl Márcia Jorge Maria Virginia Tibuzio Ress, Maureen Gabriela dos Santos Gouvêa Pedro Figueiredo de Moraes Willy Civitate Casarini Orientação: Prof. Ms. João Garção Introdução: A sociedade considerada por muitos autores como pós-moderna, é monopolizada pelo imaginário da televisão e da publicidade. Comandada pela lógica do capital, tem como valor supremo a visibilidade. É uma sociedade não mais regulada pela política, religião e nem pela repressão imposta pelas diversas pedagogias, mas pelo espetáculo (KEHL, 2002). A beleza externa e o capital passaram a ser supervalorizados e tornaram-se o centro da sociedade. Com a transição da sociedade moderna para a pós-moderna, o caráter social foi perdido, e a sociedade cada vez mais massificada. “Massa é o que resta quando se esqueceu tudo do social” (BAUDRILLAD, 1994). As massas não são uma referência, porque não têm natureza representativa, não se expressam, não refletem. Elas querem espetáculo, nenhuma força pode convertê-las à seriedade dos conteúdos (BAUDRILLAD, 1994). Com a valorização desenfreada do capital e da imagem, houve uma enorme procura por se tornar visível aos outros, e cada vez mais, os artistas da televisão e da moda se tornaram os ídolos da sociedade, que, por sua vez, quer estar no lugar onde seus ídolos estão. O pensamento dominante é que “só posso estar na televisão se eu me parecer com quem já está lá”, assim, o lado intelectual foi desvalorizado. Isso fez com que as pessoas procurassem, cada vez mais, cirurgiões plásticos, produtos para emagrecer e se manter jovem e comprar em lojas onde os ídolos “televisíveis” anunciam. Outra forma de mídia na sociedade atual são as revistas. Milhões de exemplares são vendidos semanalmente, visando à boa forma, a boa aparência, sem se preocuparem com a saúde física e mental de quem os lê. “As revistas transmitem o mito da beleza como um evangelho de uma nova religião” (WOLF, 1992). A conseqüência é o consumo excessivo e a procura pela eterna juventude, para que só assim possamos ser reconhecidos pelo outro. Desta forma, fica clara a desvalorização do ser humano como pessoa, todos se tornam peças, objetos não pensantes, que têm a beleza como prioridade e não como uma “simples forma de nos relacionarmos com o mundo” (DUARTE, 2003). Objetivo: Refletir sobre este tema é o principal objetivo desta pesquisa, investigando até quando e onde a mídia e todas as suas formas de manifestação controlam as vidas, os pensamentos e as vontades de cada pessoa, refletida em cada espelho que é o outro. Método: A metodologia consiste em pesquisas bibliográficas, considerando os autores mais relevantes, revistas semanais, quinzenais e mensais que tratam do tema, considerando o número de páginas dedicadas ao assunto, complementando foram realizadas entrevistas com profissionais e estudiosos do assunto. Foram entrevistadas 17 pessoas de ambos os sexos, e de faixa etária acima dos 50 anos, e uma 24 jovem de 28 anos, modelo e atriz. As entrevistas foram abertas e semi-dirigidas, procurando descobrir o grau de prazer com a vida de cada pessoa. Todos os entrevistados consentiram livremente prestar seus depoimentos dentro de todos os pressupostos da ética, todos leram e assinaram a carta de informação ao sujeito, e o termo de consentimento livre e esclarecido. As entrevistas foram realizadas no Esporte Clube Pinheiros, na loja de produtos de beleza Phytá e na Agência Léquipe de atores e modelos, com a devida autorização de cada estabelecimento. Todos os entrevistados concordaram que seus depoimentos fossem filmados e fotografados para a utilização neste trabalho acadêmico. Discussão: A indústria da comunicação e da cosmética tem na juventude sua maior fonte de lucro e divulgação. Vender juventude está sendo provado como um negócio lucrativo para quem vende e, pelo menos a curto prazo, um investimento para quem compra. Hoje vivemos em uma sociedade que preza demais o corpo, o que é visível, o espetáculo, e por isso tantas pessoas procuram cirurgias plásticas, para corrigir o que elas acham que está errado, ou o que o outro acharia que está errado. Tornar-se jovem é a meta de quem já está envelhecendo e permanecer jovem é a meta de quem ainda é novo. As entrevistas e pesquisas também ilustram que a vida não existe apenas aos mais jovens, sendo possível envelhecer com beleza, graça e sabedoria, embora em uma sociedade massificada, mostrar que isso realmente é possível, é um trabalho árduo, que envolve tempo para que as pessoas tomem consciência disso e passem a rever seus valores. Considerações finais: Entendemos que esse fenômeno da busca pela juventude eterna, presente no nosso cotidiano, domina o pensamento das sociedades massificadas. Quem não está seguindo as mesmas regras que os outros, é visto como uma pessoa não digna de pertencer à um grupo e, para evitar exclusões, integram-se na sociedade massificada, passando a ter o mesmo pensamento e o mesmo comportamento. Fica claro, pelas entrevistas, que nem todos pensam assim, muitas pessoas sabem como preservar seus corpos e suas imagens sem a necessidade de cirurgias, mas, com o crescente número de operações plásticas que são feitas a cada ano, com o número de revistas que trata do assunto, fica claro que esse é um fenômeno que cresce cada vez mais. É necessária muita conscientização para que as pessoas deixem esse culto ao corpo para voltar a valorizar o lado intelectual, e a mídia tem um papel fundamental na influência das pessoas, então deve-se tomar muito cuidado com o que é dito e o que é exposto. REFERÊNCIAS BAUDRILLARD, Jean. Á sombra das maiorias silenciosas, o fim do social e o surgimento das massas. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1993. BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de janeiro: Jorge Zahar, 1998. DUARTE JÚNIOR, João Francisco. O que é beleza: experiência estética. São Paulo: Brasiliense, 2003. FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago, 2002. MARCUSE, Herbert. A dimensão estética. Lisboa: Edições 70, 1999. SODRÉ, Muniz. Televisão e psicanálise. São Paulo: Ática, 1987. WOLF, Naomi. O mito da beleza – como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres. Rio de Janeiro: Rocco, 1992 25 UMA POSSÍVEL ANÁLISE DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: MÍDIA, CULPA E SOLIDÃO Pesquisadores: Ana Carolina Palaria Celina Horvat Eduardo Pierozzi Eliane Espanha Keli Lourenço Leonardo Prado Rafael Rodrigo Viviane Colin Orientação: Prof. Ms. João Garção Introdução: Com o advento da pós-modernidade e a introdução do sistema econômico capitalista, ocorreu um conseqüente consumo desenfreado, que causou alterações nos valores humanos. Tornaram-se mais freqüentes sentimentos tais como a culpa e a solidão, visto que o homem afastou-se do outro e uniu-se ao tecnológico e à mercadoria. No sistema informativo pós-moderno, o “pseudo – acontecimento” gera outros acontecimentos em progressão geométrica e numa tal grandeza de simulação que já não se podem traçar fronteiras claras entre o real e o imaginário, nem mesmo chamar de pseudo a um acontecimento. Nietzsche, em uma de suas obras diz que “o homem conhece apenas os efeitos das leis da natureza, mas não elas mesmas”, e também que o homem é quem cria seus próprios valores, dando um sentido humano às coisas, tendo então como resultado um mundo articulado. Segundo Berman: Tudo é absurdo, mas nada é chocante porque todos se acostumam a tudo. Este é um mundo em que o bom, o mau, o belo, o feio, a verdade, a virtude, têm uma existência apenas local e limitada. (BERMAN, 2000, pág. 27) O trajeto histórico no qual percorrerá esta reflexão compreende desde a idade média até o advento da modernidade, passando pelo iluminismo e alcançando a pós-modernidade, local onde vigorará o enfoque e os destaques deste trabalho, que adquirem maior evidência no final do século 20, início do século 21. Objetivos: Após uma breve reflexão da sociedade contemporânea, discutiremos a tríade: mídia, culpa e solidão, com o objetivo de identificar as repercussões que esses temas têm no cotidiano dos sujeitos que compõem o cenário em que eles atuam. Esta sociedade, denominada sociedade da imagem é caracterizada pelas informações que precedem os fatos e a instantaneidade. Método: Buscou-se na literatura de Sigmund Freud, Teixeira Coelho, Marshall Berman, entre outros, os conceitos que circundam os temas, e os mesmos foram articulados. Filmes e propagandas, que discutem o tema foram assistidos. Entrevistas de forma semi-estruturada foram realizadas com intelectuais das áreas de filosofia e semiologia. Para as entrevistas utilizou-se instrumentos audiovisuais. Os dados coletados foram analisados pelos membros da equipe, sob a supervisão do professor responsável, tendo como critérios de análise os fundamentos teóricos selecionados. Discussão: Na formação psíquica, social e estrutural do sujeito, tem-se a necessidade da relação face a face, que participará da constituição da subjetividade e no processo intersubjetivo dele. Conforme Berger; Luckmann (2003), na situação face a face, a subjetividade do outro me é acessível porque ele é plenamente real. Porém, aquilo que sou não 26 é acessível para mim o tempo todo, e para que isso aconteça, é necessário a reflexão, que só é provocada pela atitude que o outro manifesta com relação a mim. Assim, podemos inferir que se nos afastamos da situação face a face, além de perdermos o contato social, nos distanciamos de nós mesmos e do contato com nossa subjetividade, causada entre outros fatores, pela substituição do encontro com o outro por aparelhos automatizados. Desta forma, segundo Freud (1920), a culpa é oriunda de material recalcado por duas vias: ou o sujeito sente-se culpado ao transgredir a regra social ou por transgredir uma regra internalizada pelo superego. A repercussão que o recalque e consequentemente a culpa causam na sociedade atual é de exacerbação do desejo, ou seja, consome-se por um desejo, por uma falsa necessidade. Neste ponto, a mídia, a partir da consciência do desejo do indivíduo e de posse de ferramentas poderosas, bombardeia-o incessantemente com informações e produtos para aliviar a culpa por não estar presente, por exemplo, no dia a dia de um filho. Logo, uma emoção cultural pode ser autoprotetora e ilusória, a partir do momento que insere valores que escondem a culpa que se possa sentir por algo que se faça, e também por encontrarem um “bode expiatório” para suas próprias culpas e luxúrias. Contudo, os produtos automatizados não substituem as relações sociais, que são fundamentais para a construção da subjetividade do indivíduo, podendo assim, levá-lo à solidão. O consumo dos produtos não ocasiona a retirada do sentimento de culpa e agrega a ele, o sentimento de solidão. Ao sentir-se culpado e só, os indivíduos recorrem frequentemente aos objetos divulgados pela mídia, que tem a capacidade de fetichização da matéria. Assim, a mídia se faz presente em todos os seguimentos, ditando o que comer, vestir, falar, enfim, modificando comportamentos e alterando os hábitos, visando o lucro, característica principal da sociedade de consumo. Esses ensinamentos visam quase sempre à aquisição de um produto, não bastando mais a dona de casa ir ao supermercado. Nessa realidade, o supermercado passa a ser o “lugar de gente feliz”, perdendo o seu verdadeiro sentido (vender de alimentos). Os produtos acabaram por exercer o papel de preencher algum sentimento de falta no sujeito, o que na realidade expressa o sentimento de solidão que este possui em si e em sua vida cotidiana. De uma forma irônica poderíamos propor a seguinte análise: o fato de a dona de casa não ir ao mercado não significa que ela não seja feliz, mas que se ela for estará sendo mais feliz ou talvez tentando comprar a tão esperada felicidade. Pois se lá é lugar de gente feliz, então porque não fazer parte e conquistar um pouco dessa felicidade também? A simples visão de qualquer fragmento do mundo miraculosamente produzido no vídeo e a sensação de que o mundo está quase presente ali diante dos olhos, são elementos capazes de conectar o telespectador com o mundo, amenizando a absurda solidão que possa sentir enquanto indivíduo solitário na massa gigantesca da grande cidade. A comunicação entre as pessoas é um dos exercícios mais freqüentes, indispensáveis e, no entanto, frustrantes do cotidiano. Nem sempre o que se diz é o que de fato se sente. A solidão é um estado interno, a princípio um sentimento de que algo ou alguém está faltando. Uma sensação de separatividade e desconexão com algo ainda inconsciente. Na sociedade como a de hoje, pode ser percebido a experimentação de uma sensação coletiva de futilidade: a futilidade de uma vida que não se fixa nem se afirma em qualquer objetivo permanente, a qual perdure para além do esforço despendido. Refletindo um sentimento de solidão, de vazio existencial, onde as pessoas são condicionadas a reprimir o que sentem, não é mais permitido sofrer, vide em muitas propagandas, novelas, filmes onde sempre há um final feliz, sem sofrimento. Assim: Como é impossível que o homem que se desenvolva como homem no isolamento, igualmente é impossível que o homem isolado produza um ambiente humano. Solitário é um ser no nível do animal. (BERGER; LUCKMANN, 1996, pg. 75) 27 Neste contexto, os produtos surgem como uma solução para todos os males, e os personagens funcionam como inspiração para se ter uma vida melhor, ou como algo que nunca se alcançará, e esses valores, estilos de vida se renovam a cada primeiro capítulo e a cada estréia no cinema. O problema está em como absorver estes valores que a mídia expõe e que elas não sejam usadas como um pano para se esconder a realidade vivida de cada um. O mercado de mercadorias culturais provê a única medida através da qual um diálogo em escala pública pode ocorrer: nenhuma idéia chega a atingir ou modificar os modernos, a não ser que possa ser colocada no mercado não só em termos de sobrevivência material, mas também em termos de sustento espiritual – um sustento para cuja provisão eles sabem que não podem contar com o mercado. (BERMAN, 2002, p. 144) Na telerealidade o poder é uma forma reguladora que simula o mundo para melhor reespecializá-lo e administrá-lo. De fato, não se transmite nenhum conhecimento realmente produtivo, mas ilusões, imagens de conhecimento, para fins de captação pura e simples do olhar e melhor imposição dos efeitos de organização social. Segundo Sodré: A televisão é o espelho no qual, a ordem técnico-capitalista se reflete e indica as suas grandes linhas da constituição das identidades sociais. Como um tigre em sua jaula, o simulacro televisivo é capaz de fascinar nosso olho, precisamente porque nos “mata” ou exclui, enquanto identidades originais. (SODRÉ, 2002, p.54) Assim, a televisão simula uma sociedade fundada não mais numa ética do trabalho material, mas na produção psíquica. O que no vídeo se produz é o desejo. Se a finalidade imediata da produção é o consumo então nenhum consumo pode satisfazer realmente um desejo, afim de que não pare jamais a escalada geométrica da ordem produtiva. Por fim, a ética e a moral adquirem um papel de grande importância, uma vez que esses termos sofreram uma resignificação, onde impõe-se o individualismo, que não engrandecem o sujeito e o torna cada vez mais distante do verdadeiro Eu. Considerações Finais: Na discussão, o grupo procurou considerar que a mídia, como instrumento veiculador da informação, pode participar do processo de eliminação da relação face a face e a conseqüente eliminação da reflexão do sujeito quanto a si próprio e ao mundo, permitindo que este absorva um conteúdo repleto de intenções políticas, econômicas, sociais e afetivas, que desencadeiam um enfraquecimento do Eu. REFERÊNCIA BAUDRILLARD, Jean. A sombra das maiorias silenciosas, o fim do social e o surgimento das massas. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1993. BERGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas. A Construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1996. BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. COELHO, Teixeira. O que é indústria cultural. 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1983 28 FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago, 1974. HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. 7. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2004.SODRÉ, Muniz. Televisão e psicanálise. São Paulo: Ática, 1987. BONDACZUK, Pedro J. Solidão. Disponível em: http://www.planetanews.com/news/2006 /10382, 2006. Acesso em: 20 Set 2007. FONG, E L. O que é solidão. Disponível em: <http://www.institutouniao.com.br/artigos/ solidao.asp>. Instituto União. Acesso em: 20 29 RELIGIÃO 30 DIVERSOS FENÔMENOS, DIVERSAS EXPLICAÇÕES E MUITAS (IN) CERTEZAS Pesquisadores: Adriana Teixeira Buriti Alexandre Borgh Kühl Ana Elisa Macedo Alves Bárbara M. de Santana Fabiana Muramatsu Heloise Bayeh Igor de O. Chappaz Karen Cláudia B. da Silva Milton N. de C. Neto Paula Tiroli Paulo Rodrigo V. Falcade Thais Cristina M. Maschietto Orientação: Prof. Ms. Walter Lapa O presente trabalho pretende apresentar diferentes fenômenos religiosos com o objetivo de abrir precedentes para a discussão sobre as diversas leituras da realidade, tendo como foco os fenômenos de manifestações espirituais dentro das religiões mais representativas no Brasil, promovendo assim, um debate entre a neuropsicologia, metapsicologia e dogmas religiosos. Para a realização do trabalho foi necessário identificar quais são as religiões que fazem parte do cotidiano dos brasileiros e para isso foi utilizado como instrumento o último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2000, o percentual de católicos no país era de 73,8%, evangélicos 15,45%, sem religião 7,3% e outros 3,45%. É importante considerar a possibilidade de variação desses índices, pois o IBGE realizou a pesquisa com uma amostra reduzida da população e, além disso, é provável que algumas pessoas que se dizem católicas escondem o fato de freqüentarem outros cultos religiosos. Entretanto, considerando as possíveis variáveis, os dados obtidos pelo IBGE são os que mais se aproximam da realidade dos brasileiros, o que nos mostra que o tema em questão é de grande importância pelo fato de a religiosidade estar presente no cotidiano de grande parte da população. Para viabilizar o projeto foram utilizados materiais provenientes de fundamentação bibliográfica - consulta a livros e a sites que disponibilizam teses e artigos científicos - de orientação teológica, psicológica e neuropsicológica. Durante todo o processo de pesquisa teve-se a preocupação em se utilizar informações de fontes seguras e variadas para que ao final do trabalho fossem obtidos dados o menos tendenciosos possíveis. A pesquisa trouxe elementos para a produção de um vídeo (em formato DVD, com aproximadamente 12 min.), composto por imagens relacionadas às religiões, que visa possibilitar a reflexão acerca dessa temática durante a VI Mostra de Psicologia do Cotidiano, evento promovido semestralmente pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. A Psicologia enquanto ciência humana busca por meio de diversas abordagens compreenderem como o homem se relaciona com o meio e também procura conhecer quais são as explicações que a psique humana produz a partir dos fenômenos que ocorrem. Fenômenos psíquicos são pesquisados por muitos estudiosos no campo da Psicologia, especialmente os da abordagem junguiana. Para esses estudiosos e para Jung, os fenômenos psíquicos podem ser demonstrados empiricamente por meio de conceitos metafísicos. Segundo Jung, “a fé é uma relação com conteúdos projetados” e a fé mantêm a 31 convicção de que a projeção é uma realidade” (JUNG, 1998, p. 305) e os fenômenos psíquicos ou psi são: “Todo e qualquer evento que esteja atrelado a ocorrências significativas não-ordinárias marcantes para uma ou algumas pessoas, envolvendo a obtenção de informações por vias não comuns e/ou produção de manifestações físicas que aparentem expressar uma ação inteligente não passível de ser explicada a contento por causas físicas ou ordinárias”. (GUIMARÃES, 2004, p. 23) É possível definir o que são os fenômenos psi, no entanto sua complexidade é ainda maior quando há um esforço na busca por explicações para o seu acontecimento. De fato, existem diversas formas para se interpretar esses fenômenos e são essas diversas formas que esse trabalho propõe analisar. Serão abordados fenômenos espirituais de estigma e exorcismo (catolicismo), incorporação (religiões afro-brasileiras), psicografia e cirurgia espiritual (espiritismo) - alguns desses fenômenos são comuns no cotidiano de quem participa dos cultos, rituais e celebrações religiosas e são, sem dúvida, um campo de muito interesse e curiosidade para cientistas, entre eles, os psicólogos. Considerando que a conciliação entre ciência e religiosidade, apesar das tentativas de setores isolados de ambas as partes, tem sido motivo de muita polêmica, esse projeto não tem a pretensão de chegar a conclusões definitivas, mas sim de abrir a discussão sobre esses fenômenos que são explicados tanto por vias dogmáticas quanto científicas. REFERÊNCIAS ANTONIAZZI, Alberto. As religiões no Brasil segundo o censo de 2000. In: Revista de estudos da religião, nº. 2/ 2003, pág. 75-80. GAARDER, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O livro das religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. GUIMARÃES, Carlos Antônio Fragoso. Carl Gustav Jung e os fenômenos psíquicos: as vivências e os fatos biográficos de Jung ligados ao espiritismo, à metapsíquica e a parapsicologia e seus contatos com Sigmund Freud, William James e Joseh Banks Rhine/ Carlos Fragoso Guimarães. São Paulo: Madras, 2004. JUNG, Carl Gustav. A vida simbólica: escritos diversos/ C. G. Jung; Tradução Edgar Orth/ revisão técnica de Jette Bonaventura. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. (Obras completas de C. G. Jung, V. 18/2). 32 SEXO E RELIGIÃO: PECADO OU BENÇÃO? Pesquisadores: Adriana A. S. Feitosa Amanda L. S. Gil Bianca F. Centurione Débora Diegues, Ellen G. Gonçalves Gabriela M. do A. Prado Ligia P. Silva Lilian B. de L. Perez Luciano Nascimento Michelle Finotti. Orientação: Prof. Ms. Walter Lapa Na maioria das religiões o sexo é visto como tabu, há pouco material cientificamente escrito sobre o assunto e dentro de algumas delas a questão é mencionada apenas para coibir a prática sexual pré-matrimonial. Segundo o psiquiatra e sexólogo Ronaldo Pamplona da Costa, membro da Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana, o sexo é visto como um benefício à saúde física e mental, não acarretando prejuízos quando feito seguramente, pelo contrário, ele estimula a produção de endorfina e serotonina. Essas substâncias ocasionam a perda de calorias, dão à sensação de prazer, aliviam dores, tensões e favorece a criatividade, sendo uma válvula de escape para o estresse, e com a liberação de serotonina há um possível afastamento de transtornos psicológicos, como por exemplo, a depressão. Já quando a prática sexual é realizada de forma doentia, sem responsabilidade, pode trazer conseqüências negativas como a gravidez indesejada, doenças sexualmente transmissíveis ou até desenvolver patologias relacionadas ao sexo, como a pedofilia ou compulsão pelo mesmo. No entanto, a mídia exibe cenas de sexo há “qualquer hora” e “em qualquer lugar”, temos a banalização do mesmo, além dos “incentivos” para iniciar a vida sexual cada vez mais precocemente. E ao mesmo tempo em que a mídia exibe esse tipo de informação, cada vez mais em novelas, filmes e propagandas, há também, uma exibição de precauções que devem ser tomadas para o sexo, como em algumas novelas juvenis, em que aparecem as preocupações dos jovens em utilizar a camisinha, incentivando assim o uso da mesma, mesmo que seja jovem o bastante para a prática do sexo. Para Berger e Luckman (1985), “a linguagem objetiva as experiências partilhadas e torna-as acessíveis a todos dentro da comunidade lingüística, passando a ser assim a base e o instrumento do acervo coletivo do conhecimento.” (p. 96). A partir dessa idéia, mostra-se que através da linguagem, trabalhada nesta pesquisa, a midiática, há uma reprodução das idéias sobre sexo na sociedade, através dos meios de comunicação. Com isso, neste trabalho buscou-se entender como o sexo e a religião se articulam em uma sociedade em que de certa forma “apóia” a prática sexual. “A linguagem... é o meio mais importante pelo qual as sedimentações objetivadas são transmitidas na tradição da coletividade” (Berger e Luckman, 1985, p. 96), nas religiões o que se percebe, em muitos cultos, rituais, missas, é que através da linguagem, os fiéis retiram os seus princípios morais para a vida cotidiana. “A linguagem das religiões é realizada por meio de símbolos que, ao longo do tempo, têm influenciado profundamente a vida dos homens.” (Lapa, 2007, p. 161). Para Berger e Luckman (1985), a religião seria uma instituição, e como tal ela incorpora-se à experiência do indivíduo por meio de papéis. Estes papéis, linguisticamente objetivados, são 33 essenciais ao mundo objetivamente acessível de qualquer sociedade. Ao desempenhar papéis, o indivíduo participa de um mundo social, tornando-o subjetivamente real para ele próprio. Porém, alguns papéis não têm outra função senão a de representação simbólica da ordem institucional como totalidade integrada como no caso, papas, pastores, rabinos, entre outros. Aos fiéis cabem funções menos enaltecidas para serem desempenhadas no cotidiano, porém algumas vezes estes também representam simbolicamente a ordem institucional. Ele desenvolve seu papel para participar da instituição religiosa. A pesquisa contou com informações de apenas algumas religiões mais representativas no Brasil, como Catolicismo, Protestantismo, Espiritismo e Judaísmo. Os oito sujeitos dessa pesquisa são jovens universitários maiores de 18 anos, membros das religiões citadas acima. Através de entrevistas semidirigidas foram respondidas as perguntas formuladas pelo grupo de pesquisa, em que se questionava: qual a visão do sexo na religião do sujeito, qual a opinião do sujeito sobre aquela idéia de sexo, e como que o sujeito lida com a regra proposta pela religião que segue. A coleta de dados ocorreu de forma a se contatar os possíveis sujeitos que gostariam de realizar a pesquisa, informando a estes colaboradores sobre a mesma. A análise e interpretação de dados ocorreram de forma a estudar o que os sujeitos entendem da própria religião com relação ao sexo, e se os mesmos concordam com esse ponto de vista e realmente pratica o que a religião deles propõe. Para a maioria das religiões o sexo pode ser praticado não apenas para fins procriativos desde que seja pós-matrimonial. Por exemplo, segundo os sujeitos entrevistados, da Religião Católica, é condenado o uso de métodos contraceptivos artificiais como a camisinha, entretanto não condena a “tabelinha” por ser um método natural. Ao contrário, no Protestantismo (na denominação Batista) é liberado o uso dos mesmos, bem como a busca pelo prazer. A doutrina espírita não se coloca diretamente sobre a questão da sexualidade. Ela diz que cada indivíduo é responsável pelos seus atos, tanto os bons quanto os ruins. O espiritismo sugere condutas corretas, mas todos têm livre arbítrio para fazer sua escolha. Não há proibição do sexo, pois ele é visto como um instinto, uma atitude natural do homem. Por fim, no Judaísmo, o sexo é liberado desde que haja o matrimonio, e o homem deve priorizar o prazer a sua companheira, entretanto é proibido o uso de métodos contraceptivos. Apesar dos dogmas das religiões apresentadas, alguns sujeitos deixaram transparecer o uso do livre arbítrio ao declararem que na maioria das vezes, mesmo não concordando seguem, enquanto outros não concordam e não seguem as regras sobre sexualidade na religião. Apesar da grande importância do assunto, este trabalho não pretende esgotar o tema, pois seu principal objetivo foi abordar o assunto com fins acadêmicos. Portanto, mesmo após a pesquisa permanece ainda a questão: sexo e religião: pecado ou benção? REFERÊNCIAS BERGER e LUCKMANN. A construção social da realidade. Tradução Floriano Souza Fernandes – Petrópolis, Vozes, 1985. LAPA; WALTER. Religião, religiosidade na vida cotidiana: algumas reflexões. In: Introdução à psicologia do Cotidiano – Org: Núcleo de estudos e Pesquisas Psicossociais do Cotidiano. Ed. Expressão e Arte, São Paulo. 2007 http://saude.terra.com.br/interna/0,,OI296222-EI1517,00.html, acessado em 20/08/2007. 34 ABORTO X RELIGIÃO: ALÍVIO OU CULPA? Pesquisadores Evandro Peixoto Ligia Duarte Márcia Ferreira Monisy de Sá Natasha Mazzola Paloma Ferreira Silvia Andréia Orientação: Prof. Ms Walter Lapa O aborto, nos dias de hoje, é algo que vem gerando muita polêmica em nossa sociedade uma vez que este tema envolve questões morais e religiosas. Quanto a moral, de acordo com Heller (2004): “Uma das funções da moral é a inibição, o veto. A outra é a transformação, a culturalização das aspirações da particularidade individual. Isso não se refere apenas à vida do indivíduo, mas também a da humanidade”. (p.23). Apesar disso, no Brasil, são realizados, anualmente, 4 a 5 milhões de aborto, 10% do total mundial, que cresce a cada ano (CAMON, A. 2002). Através da mídia, a legalização do aborto vem sendo muito discutida, dividindo opiniões e colocando em dúvida se a mãe tem ou não o poder de decidir o ciclo de vida do feto. Esta pesquisa tem por objetivo verificar a concepção religiosa sobre o aborto. Propõe-se a entender como as religiões – protestante, católica, espírita – pensam sobre o assunto. Nosso trabalho também teve como preocupação a situação psicológica das mulheres que, por um motivo ou outro, trilharam por este caminho: como lidaram com esta situação? Como enfrentaram a sociedade? Como se sentiram na ocasião. arrependem-se atualmente. Como se sentem hoje. Freqüentavam alguma religião. A religião as ampararam. Que tipo de auxílio foi oferecido? Optamos pela entrevista semidirigida a fim de compreender melhor os motivos que as levaram ao aborto. Foram entrevistadas cinco mulheres que realizaram o aborto e três líderes religiosos representantes das religiões já citadas. Foi perguntado a esses líderes como eles encaram o aborto, e como a religião a qual eles representam lida com a questão. Entre as cinco mulheres que fizeram o aborto: duas se arrependeram logo após, sendo uma espírita e a outra católica não praticante; uma se arrependeu depois de algum tempo - freqüentava a igreja católica -; duas não se arrependeram – uma católica não praticante e a outra espírita – afirmaram que fariam novamente caso estivessem na mesma situação. As religiões pesquisadas foram categóricas em afirmar que são contra o aborto, entretanto, os motivos que as levam a esta posição são diferentes. A igreja católica não apóia a lei do aborto, considerando um crime e algo imoral, portanto um grave pecado. Em casos que existem risco de morte para a mãe e havendo uma prescrição médica, o aborto pode ser realizado, obtendo assim o perdão da igreja. O protestantismo, no caso de nossa pesquisa - a Igreja Presbiteriana do Brasil reconhece que: Muitos problemas são causados anualmente pela prática clandestina de abortos, trazendo a morte de muitas mulheres jovens e adultas. Todavia, entende que a legalização do aborto não solucionará o problema, pois o mesmo é causado basicamente pela falta de educação adequada na área sexual, a falta de controle de natalidade, a banalização da vida, a decadência dos valores morais e a desvalorização do casamento e da família. Visto que: Deus é o Criador de todas as coisas e 35 que, como tal, somente Ele tem o direito sobre nossas vidas. (BRASILEIRO; R. 2007, p. 6) O espiritismo considera a vida do ser já existente como prioritária em relação ao ser que ainda não existe e, havendo risco para a mãe, a interrupção da gravidez pode ser praticada. Segundo a doutrina espírita, o espírito sempre existiu, desligando-se pela morte e reencarnando em outro corpo. Para eles, portanto, não há, no caso de um aborto, a "morte" de um ser. O que existe é a frustração de um espírito que tem seu corpo abortado. Se as razões para esta interrupção da gravidez forem injustificáveis, existirá um espírito, que, já sabia, e já possuía essa escolha de nascer naquela família, e ao ser abortado terá que buscar outra mãe imediatamente, assim, buscando outra família que lhe deseje. Considerando os dados coletados podemos afirmar que todas as religiões pesquisadas são contra o aborto, apenas levam em conta a saúde da mulher, podendo realizá-lo como forma de preservação de sua vida. A partir das entrevistas, observa-se que existe a consciência da reprovação de sua religião em relação ao aborto. A maioria das entrevistadas mostraram-se arrependidas após algum tempo da realização do aborto, o que possivelmente pode ter acontecido devido a influência da socialização religiosa. O aborto é uma manifestação desesperada das dificuldades da mulher para realizar uma opção livre e consciente na procriação e uma forma traumática de controle da natalidade. Mesmo numa consideração não religiosa, o aborto é um signo de uma rendição, nunca uma afirmação de liberdade. (NATA; A. 1975). Algumas das colaboradoras demonstraram encontrar certo alívio de sua culpa, ao se aproximarem mais de suas religiões. Uma vez que: O processo de abortamento incompleto deixa marcas indeléveis. A culpa, a depressão e a psicossomatização são sinais de feridas psicológicas sofridas pelas mulheres, indicando quão profundamente o aborto às sensibiliza, fazendo-as sofrer física e emocionalmente. (MOTTA; I. S. 2005) Esta pesquisa não teve a pretenção de esgotar o assunto, pois trata-se de uma experiência acadêmica, ficando aberta a possibilidade de investigações mais profundas. REFERÊNCIAS: BRASILEIRO; R. Revista Informativa da Junta de Missões Nacionais da Igreja Presbiteriana do Brasil – Nº. 11 – 2007 – Editora Cultura Cristã. Artigo: CAMON; A. (Org) A Ética na Saúde. São Paulo: Pioneira, 2002. HELLER; AGNES O Cotidiano e a História. São Paulo: Paz e Terra S.A. 7ª. Ed, 2004. MOTTA; I. S. A relação interpessoal entre profissionais de saúde e a mulher em abortamento incompleto: "o olhar da mulher". Rev. Bras. Saude Mater. Infant. [online]. 2005, vol. 5, no. 2 [citado 2007-10-04], pp. 219-228. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519 38292005000200011&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 1519-3829. 36 NATA; A. O Aborto e a Liberdade; Sec. Geral do Partido Socialista Italiano in Rinascita, 1975 (site http: //www.aborto.com.br/aborto_liberdade/index.htm ) UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Núcleo de Estudos e Pesquisas Psicossociais do Cotidiano. Introdução à psicologia do cotidiano. São Paulo: Expressão & Arte, 2007. 37 SUBJETIVIDADE E CULTURA 38 "TORCIDA ORGANIZADA: ENTRE O AMOR E O ÓDIO, DO ESPETÁCULO À MORTE". Pesquisadores: Bruna Praxedes Yamamoto Juliana Rocha de Faria Lucila Isabel Faustino Marcelo Rodrigues Silveira Oliveira Rafael do Amaral Braga Orientação: Profª. Dra. Claudia Stella Para Pimenta (2000) a violência entre as torcidas organizadas tem vários aspectos, tais como: o esvaziamento político-cultural-coletivo dos novos sujeitos sociais, isto é, a juventude cada vez mais exaurida de consciência social e coletiva; a ausência de expectativa de futuro a esses jovens; as transformações sentidas nos cotidiano dos amplos centros urbanos; um modelo de sociedade de consumo instaurada no Brasil que valoriza a individualidade, o banal e o vazio, bem como o prazer e a excitação provocada pelas violências ou pelos confrontos agressivos; a familiarização com a violência; má distribuição de renda; entre muitos outros que geram todo um ambiente favorável para o desenvolvimento desses grupos. Cabe ressaltar, que nas torcidas organizadas seu percentual de torcedores está concentrado em jovens de até 18 anos e de baixa renda. Entretanto, isso não é uma exclusividade, visto que, conforme estudos para a pesquisa constam que há torcedores de todas as idades e condições sociais. O objetivo desse estudo foi entender a construção da subjetividade do indivíduo dentro da torcida organizada, assim como os motivos das afiliações e desligamento de seus integrantes. Para isso também foi necessário estudar o funcionamento das torcidas e entender a diferença que existe entre os torcedores que freqüentam os estádios, mas que não fazem parte da torcida organizada e os filiados às torcidas. Atualmente, como podemos observar em nossa vida cotidiana, os indivíduos estão se isolando cada vez mais, o que causa um sentimento de solidão. Uma reação que o indivíduo pode ter a essa solidão é a de se agregar a um grupo concreto e factível, pois assim ele poderá viver uma relação mais fácil, pré-determinada e definida do que as relações que são estabelecidas na “vida real”. Para Horkheimer e Adorno (1973), a família é um microgrupo primário no desenvolvimento de sua personalidade e na manutenção de ideais sociais, assim, a criança se desenvolve por meio de expectativas e identificações de sua cultura e suas ações passam a ser o reflexo das atitudes que o adulto reproduz, para não decepcioná-lo com medo de perder seu amor. Encontramos essa atitude nos indivíduos que fazem parte da torcida organizada, geralmente seu time é escolhido pelos pais, afirmando a influência da família na criança para adotar um ideal. A formação do indivíduo se estabelece de acordo com a sociedade e a cultura onde está inserido. De acordo com Figueiredo (2006, apud STELLA, 2007) caso o indivíduo não tenha apoio da sociedade e de suas instituições, ele passa a constituir referências internas, assim, desenvolvendo sua reflexão moral tentando conciliar seus desejos pessoais com as exigências impostas pela sociedade. O que podemos perceber na torcida organizada é que os torcedores quando relacionado a seu grupo podem não constituir uma reflexão das normas que a sociedade impõe. Ressaltamos aqui a subjetividade privatizada, sendo esta uma experiência íntima, onde ninguém tem acesso aos nossos pensamentos, sentimentos e nossas vivências. Para Figueiredo (2006), a subjetividade privatizada entra em crise quando se descobre que a liberdade e a diferença são, em grande medida, ilusões. Essa crise nos torcedores pode se dá por perceberem o quanto eles tem do outro, do adversário, de suas semelhanças, de seus ideais e de suas atitudes. Segundo Freud (1921), em um grupo o 39 indivíduo se torna membro de uma raça, uma nação, uma instituição, ou como parte de uma multidão de pessoas que se organizam em determinada situação para um intuito definido. No grupo os indivíduos podem colocar no lugar de seu ideal de ego um único e mesmo objeto, no caso a torcida organizada, e por isso se identificam uns com os outros em seus egos. Na torcida organizada geralmente encontramos um líder, de acordo com Freud (1921), esse líder pode ser substituído por uma idéia dominante, assim o indivíduo estará ligado a dois laços libidinais, de um lado o líder, e do outro pelos membros do grupo. Encontramos aqui a falta de liberdade do indivíduo num grupo, pois se cada indivíduo está preso por um laço libidinal tão intenso, não encontramos dificuldade em atribuir a essas circunstâncias a alteração e a limitação que foram observadas em sua personalidade. Os intensos vínculos emocionais que podem ser observados nas torcidas organizadas e em seus gritos de guerra podem explicar a característica e a semelhança de reações de todos eles. Seus integrantes são reduzidos a indivíduos grupais, perdendo assim suas características individuais. Le Bon (apud FREUD, 1921) acredita que as particularidades do indivíduo se apagam num grupo e assim sua distintividade desaparece, apresentando novas características que não possuíam anteriormente, buscando a razão disto em três fatores: o sentimento de poder invencível; o contágio; e a sugestionabilidade. Essas características singulares do indivíduo podem desaparecer nos torcedores da torcida organizada, já que quando inseridos a um grupo, estes se sentem inabaláveis, fortalecidos e protegidos pelos demais, sendo contagiados pelos gritos de guerra, pela disputa, liderança, entre outros fatores. “Um grupo é impulsivo, mutável e irritável. É levado quase que exclusivamente por seu inconsciente”. (FREUD, 1921 p. 187). Em Freud (1921) podemos identificar dentro da torcida organizada, alguns aspectos comuns em grupos, como a fraqueza intelectual, a falta de controle emocional, a incapacidade de moderação ou adiamento e a inclinação a exceder todos os limites emocionais e descarregá-la completamente sob a forma de ação. Essas características seriam uma espécie de comprovação da regressão da atividade mental a um estágio anterior, como observado em selvagens e crianças. Como resultado dessa regressão que tornam seus impulsos emocionais particulares e os atos intelectuais desses indivíduos fracos demais para alcançarem algo por si próprios, há uma necessidade de serem reforçados por sua igual repetição nos outros membros do grupo. Segundo Roquette (1999), há condições que estão relacionadas aos acontecimentos violentos provocados pela massa: a distinção ordenada, onde o grupo adota uma identidade num processo de categorização permitindo a percepção do outro e então a confrontação com ele; a minorização onde a violência praticada pela massa é contra uma minoria e escolhida como objeto de uma contrariedade da massa, isto é, após sua identificação no grupo o sujeito se põe contra aqueles opositores; a excepiconalidade, onde o tempo de violência é um momento excepcional no desenrolar normal dos dias, a violência existe em uma situação desindividualizada. O método utilizado para este indivíduo foi entrevistas semi-dirigidas, pesquisa em acervos eletrônicos e pesquisas bibliográficas. A análise foi realizada segundo os referenciais adotados na pesquisa. Podemos perceber também que o ego daquele que participa da torcida organizada pode ter duas características: a primeira seria uma estrutura egóica marcada pela falta de uma autoridade paterna (simbólico ou real) e essa imagem paterna seria substituída pela organização Torcida. A segunda, uma estrutura egóica marcada pela identificação com os ideais da torcida (“um por todos, todos por um”). Muitos integrantes da torcida organizada buscam ali dentro formas de amparo e muitas vezes encontram, pois o sentimento de família e de que todos são iguais, esteve presente na fala de todos os entrevistados. Podemos notar que no momento em que o individuo faz parte da torcida organizada, esta seria o seu ideal de ego e que a partir do momento em que o ideal de ego desse indivíduo passa a ser outro, ele abandona a torcida. Neste trabalho apresentamos a formação do indivíduo e sua influência por parte da sociedade e como a criança é influenciada pela 40 família para obtenção de um time, consequentemente a estrutura egóica que o indivíduo tem em comum dentro de sua torcida e a atitude dessas torcidas organizadas causando violência sem refletir as conseqüências ou as exigências da sociedade. REFERÊNCIAS FIGUEIREDO, Luís C. M.. Psicologia uma (nova) introdução; uma visão histórica da psicologia como ciência/ Luís Mendonça Figueiredo e Pedro Luiz Ribeiro de Santi. – 2. ed. – São Paulo: Educ, 2006. FREUD, S. Psicologia das massas e análise do eu. In: Obras completas de Sigmund Freud; Rio de Janeiro: Imago Editora, 1972. HORKHEIMER, Max, ADORNO, Theador. Temas básicos da sociologia. São Paulo: Cultrix, 1973. NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISA PSICOSSOCIAIS DO COTIDIANO. Introdução à psicologia do cotidiano. – São Paulo: Expressão e Arte Editora, 2007. PIMENTA, Carlos Alberto Máximo. Violência entre torcidas organizadas de futebol. São Paulo Perspec. , São Paulo, v. 14, n. 2, 2000. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo. ROUQUETTE, Michel-Louis. Massas, normas e violência. Ciênc. saúde coletiva. Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo. 41 O PRECONCEITO DO SUJEITO “NÃO-PRECONCEITUOSO” Pesquisadores: Aline Mossmann Fernandes Débora Cozachevici de Jesus , Dulninéia Bastos Duarte Elaine Ap. de Campos Ivan Ratcov Juliana Rampim Chiantia Karen Danielle Magi Ferreira Maria Pia appendino Santoro Ribeiro Nathalie Igli de Figueiredo Priscila Souza Mendes Orientação: Prof. Drª. Claudia Stella. A proposta deste trabalho é definir preconceito de acordo com as idéias da teoria crítica da sociedade. Para entender como ocorre a representação social do preconceito é preciso compreender o processo de constituição da subjetividade. Segundo Stella (2007) a subjetividade não é um sistema fechado, mas sim um processo que ocorre de modo dialético no desenvolvimento psíquico do sujeito em relação à cultura e aos processos sociais nas quais está inserido. Freud (1930) nos fala que a barbárie encontra-se no próprio princípio civilizatório. Adorno (2003) entende por barbárie o fato das pessoas no decorrer do processo civilizatório encontrarem-se tomadas por uma agressividade primitiva, um ódio primitivo ou, na terminologia culta, por um impulso de destruição. Ele diz ainda que a barbárie seria advinda de uma educação repressora, em que o sujeito não obtém consciência, ele apenas reproduz as ideologias e representações sociais vigente em sua cultura. Crochík (2006) utilizando idéias de Marcuse cita que a constituição do indivíduo com predisposição ao preconceito, normalmente, ocorre no processo de socialização primária com o enfraquecimento da família. Diante disso o indivíduo passa a ser socializado diretamente pelo todo social e tem maiores dificuldades em se constituir, consequentemente, as identificações que realiza são genéricas e frágeis e, com o fortalecimento do capitalismo, a mediação da família responsável pelo processo de socialização da criança passou a ser desnecessário à formação de indivíduos atuantes e críticos e é justamente porque a autoridade da família se enfraqueceu que a adesão a autoridade e cultura social foi possível. Crochík (2001) ainda afirma que a falta de experiência e reflexão geram preconceito, propondo a partir disso uma hipótese de contato, que consiste em que o sujeito preconceituoso se relacione com o alvo de seu preconceito, o que geraria reflexão e identificação, porém, isso é pouco possível porque o sujeito preconceituoso é frágil e está inserido em uma sociedade competitiva, ou seja, que exige dele uma postura forte e autoritária. Freud (1930) relata que a sociedade incentiva a relação por identificação, projetando sua agressividade em um outro que possa odiar. Somente através desse mecanismo é possível o processo civilizatório. A partir destas definições, tomamos como objetivo para este trabalho a análise do preconceito por meio de falas de estudantes universitários, especialmente sobre preconceito contra o sujeito que é preconceituoso, tentando identificar a ideologia presente no discurso deste que se diz não-preconceituoso. Sendo essa postura identificada, verifica-se se há existência de preconceito velado na forma de um discurso justificador. Frente a uma constelação de leis que proibem a discriminação, grupos marjoritários desenvolvem estratégias ideológicas que perpetuam práticas discriminatórias de forma não aberta, mas, segundo Stefano (2007), mascarada, causando a impressão que o discurso clássico discriminativo 42 diminuiu, os atuais discursos ideológicos justificam a situação dominante sem, aparentemente, infringir as normas vigentes, atribuindo o discurso preconceituoso e justificados a população brasileira e não a si mesmo. Para a realização da pesquisa, o grupo se baseou nos textos indicados pela supervisão e realizaram fichamentos extraindo os principais conceitos relacionados ao preconceito. Após discussões dos textos, o grupo elaborou uma entrevista semi-dirigida, que foi aplicada em estudantes universitários, sendo gravadas e transcritas posteriormente, servindo como objeto de análise cujo objetivo era identificar as representações sociais do preconceito contido no ambiente acadêmico. O grupo se preocupou em tentar abarcar questões que evocassem cenas que pudessem mostrar a simbolização que o indivíduo tem do preconceito, o significado que o sujeito atribui ao conceito e avaliar o sentimento que suscita no entrevistado quando este se depara com o sujeito preconceituoso. Dessa forma, tentar analisar se há o preconceito velado quando o discurso não condiz com suas reações, ou se há o preconceito assumido contra quem o possui. A ideologia dominante do preconceito, na qual o que se prega é não ser preconceituoso, é bastante difundida em nossa sociedade. Segundo Horkheimer e Adorno (1973) a presença de caráter esteriotipado não é exclusivo dos preconceituosos, mas que muitas vezes é identificado em pessoas de caráter “livre de preconceito” e que disso se cria um tipo “rígido”. A sociedade atual propaga a idéia do “politicamente correto” e o que se prega é o não preconceito, porém, percebemos que, de um modo geral, nas entrevistas as pessoas se dizem não-preconceituosas mesmo sendo possuidoras de preconceitos. Consideramos que este trabalho serviu para compreender a existência do preconceito em indivíduos que se dizem não-preconceituosos, identificar que as pessoas, muitas vezes, têm um preconceito velado. Além disso, constatamos que uma parcela dos estudantes universitários trás reflexões que auxiliam no movimento crítico quanto a este tema bastante complexo que é o preconceito, Verifica-se também a importância deste tema ser trabalhado com profundidade, seja no ambiente acadêmico, e/ou no todo social, pois, como diz Adorno (2003), o desenvolvimento da consciência individual não significa progresso social, pois, para que haja transformação na sociedade, o homem precisa se engajar em projetos sociais e ideários, ou seja, compreender que é produto e produtor da história. REFERÊNCIAS ADORNO, T. Educação após Auschiwitz. In: Educação e Emancipação. São Paulo: Paz e Terra, 2003. CROCHÍK, J. L. Preconceito, Indivíduo e Cultura. 3º Ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006. CROCHÍK, J. L. Teoria crítica da sociedade e estudos sobre preconceito. In: Revista Sociedade Brasileira de Psicologia Política, ano 1. Vol. 1. N. 1. 2001. FREUD, S. O mal-estar na civilização, Rio de Janeiro: Imago, 1997. 1ª Edição, 1930. HORKHEIMER, M., & ADORNO, T. W. (1973). Temas básicos de Sociologia. São Paulo: Editora Cultrix. MATOS, O. Sociedade, Tolerância, Confiança, Amizade. Revista USP. São Paulo, p.92-100, marmaio, 1998. 43 STELLA, C. Subjetividade e Cultura In: Introdução à Psicologia do Cotidiano – Organização Núcleo de Estudos e Pesquisas Psicossociais do Cotidiano. São Paulo: Expressão e Arte Editora, 2007. STEFANO, M. S. Representação social e Esteriótipo: A zona muda das representações sociais. USP. Disponível em: http:// ww.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s01023272006000100006&1ng=pt&nrm=isso, 06 de set, 17:00hs, 2007. 44 NÃO QUERO LUXO NEM LIXO: PRODUÇÃO DE LIXO E A CONSTITUIÇÃO DA SUBJETIVIDADE NA CULTURA DO CONSUMO. Pesquisadores: Adriana Harumi Brian Couto Bruna Cortez Caroline Borges Diogo Moreira Fernanda França Flávio Nunes Joyce Hiratsuka Lauana Garcia Marcel Ferraz Mayara Patrão Patrícia Constantino Priscila Bezerra. Orientação: Profª. Drª. Claudia Stella “O conceito de subjetividade não pode ser compreendido isoladamente da sociedade na qual o indivíduo se desenvolve; antes, ele se apresenta dialeticamente constituído nos conceitos de cultura e sociedade” (Stella, 2007, p.137). Partindo desse pressuposto, entendemos que a subjetividade do indivíduo está vinculada à sociedade na qual ele se desenvolve. Segundo Adorno, a formação cultural converte-se em semiformação pela necessidade de sua expansão. Essa necessidade é defendida pela ideologia com a finalidade de ocultar a cisão social. O sujeito, sem condições financeiras, tem acesso a determinados elementos culturais de maneira mais barata. Desta forma, a ideologia equilibra classes sociais distintas, promove uma falsa sensação de igualdade e banaliza tais elementos. A semiformação imprime no sujeito a possibilidade de saber de tudo. O sujeito pode entrar em contato com qualquer elemento cultural, não importa a distância, pois a indústria cultural se incumbirá disso. O fato do sujeito não estar dissociado do meio e este meio ser permeado de aspectos falseados da cultura, cria, nesse indivíduo, pseudonecessecidades advindas de um constante desejo de completar um vazio que, supostamente pode ser preenchido pelo consumir, tratando-se possivelmente de um ato inconsciente e insatisfatório. Associando, portanto o tema do lixo com a obra de Freud: Mal-Estar na Civilização nota-se que as pessoas, para continuarem na sensação de completude (sentimento oceânico), muitas vezes passam por cima de seus desejos individuais, com o intuito de se integrarem ao grupo, submetendo-se a produtos de maneira inconsciente, com a ilusão de se sentirem completos, deixando assim de lado suas individualidades. As indústrias de consumo, aproveitando desse desejo de “querer ser completo”, lançam seus produtos, e através dos meios de comunicação, convencem o público de que estes são a fonte de realização dos seus desejos. As pessoas iludidas por essa idéia consomem com a intenção não só de terem a sensação de completude, mas também se integram nesse grupo consumidor em busca da felicidade (gozo) e na tentativa de evitar o sofrimento em suas relações. Assim, há um grande consumismo e, decorrente disso, uma superprodução de coisas descartáveis que pertencem aos produtos, os quais depois de utilizados, não servem mais ao consumidor. Essa superprodução tornou-se maior a partir do momento em que consumir virou uma necessidade indispensável nessa sociedade. Analisando-se por meio do conceito de beleza, ordem e limpeza da obra de Freud, o lixo produzido é retirado das casas de seus consumidores, dando-lhes a impressão de 45 ordem e limpeza, de que o lixo foi embora, desapareceu. Entretanto, o lixo é despejado em aterros a céu aberto, mostrando que este problema é muito mais grave. Hoje, o lixo também conhecido como “Resíduo Sólido Urbano” (RSU), é visto como tudo aquilo que se joga fora, pois não tem utilidade. Os dicionários de língua portuguesa definem a palavra como sendo: sujeira, imundice, coisas inúteis, imprestáveis, velhas, sem valor; qualquer material produzido pelo homem que perde a funcionalidade e é descartado. O conceito de lixo tem subdivisões: lixo comercial e industrial, lixo público, lixo de fontes especiais e o lixo domiciliar, que é o foco principal deste trabalho. Decidimos estudar a respeito do lixo ao entrar em contato com a realidade de como o mesmo é descartado pelas pessoas nas metrópoles brasileiras. Segundo último censo do IBGE (2000), a população brasileira —de 182.420.808 habitantes — produziu 228.413 toneladas de lixo; o que representa 1,25 quilos diários por cada habitante. Do total produzido, apenas 23% passam por algum tipo de tratamento ou disposição final. Mesmo quando o lixo é tratado adequadamente, alguns problemas persistem, mas no Brasil 59% do lixo produzido é lançado a céu aberto. Diariamente, cerca de 15000 toneladas diárias de lixo são produzidas na cidade de São Paulo, em que 73% provêm de domicílios. Cada pessoa, em média, produz de 800 gramas a 1,3 quilos, de acordo com a classe social, chegando a 2 quilos no caso das classes mais altas. Do total produzido, metade trata-se de lixo orgânico, sendo que a outra parte é praticamente composta de materiais recicláveis, assim, 40% do que nós compramos é jogado fora. (IDEC, 2003; NOTÍCIAS, 2007). Pouco se pensa sobre os resíduos gerados, e muito menos para onde eles vão. É papel da psicologia não só zelar pelo bem estar emocional do indivíduo, mas também pela integridade do ambiente em que este reside. O objetivo deste trabalho é estudar a inter-relação da sociedade de consumo e seus descartes para trazer uma reflexão acerca da produção do lixo na atual sociedade de consumo. Além disso, junto com essa reflexão compreender a constituição da subjetividade do sujeito e comparar as pessoas que apenas produzem e descartam o lixo àquelas que vivem e trabalham com ele. Para coletar estes dados, foram utilizadas entrevistas semi-dirigidas com pessoas que produzem lixo e pessoas que trabalham com o lixo. Essas entrevistas foram gravadas, transcritas e analisadas com referencial teórico adotado nesse trabalho. Também foram realizadas dentro dos princípios de ética em pesquisa. De acordo com as entrevistas realizadas, podemos observar que a constituição do que é lixo é diferente para os profissionais que trabalham com coisas descartadas e aquele que somente o produz. Por exemplo, os coletores e os funcionários de cooperativa de reutilização e reciclagem representam o lixo como “dinheiro” e chegam até a mencionar a necessidade da sua existência para sua sobrevivência, ajudando de uma maneira nem sempre consciente, com preservação do meio. Já os que apenas descartam vêm o lixo como algo incômodo, que rompe com o ideal de limpeza, beleza e ordem. Poucos têm consciência da produção efetiva de seu lixo e dos danos causados por este, o que justifica a não preocupação com os resíduos sólidos descartados. Isso ocorre devido ao modo de funcionamento do mercado de consumo, pois este incentiva o descarte de produtos para o aumento do consumo de outras coisas semelhantes transvestidas de novas, já que, fornecendo novos itens, logo a sociedade e seus indivíduos apresentam, em seguida, a sua demanda pelo consumo. Com base no trabalho realizado, consideramos ser necessário pensar-se em políticas públicas que englobem conceitos fundamentais para preservação ambiental e a constituição do sujeito, por meio de reflexão e conscientização do seu papel na sociedade e na indústria de consumo, pois ao consumir e descartar, o sujeito, em um movimento dialético se torna uma parte consumida e também descartada pela sociedade atual. 46 REFERÊNCIAS ADORNO, T. W. Teoria da semicultura. In: Educação e Sociedade. Nº 56, ano XVII, dezembro, 1996. FIALCOFF, D. É lixo demais. Ago1998. Disponível em< http://www.sinpro-rs.org.br (acesso em 1.09.2007). FREUD, Sigmund. Mal-Estar na Civilização. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1997/1930. GONÇALVES-DIAS, S. L. F. Há vida após a morte: um (re)pensar estratégico para o fim da vida das embalagens. Gestão & Produção, 2006, vol.13, n. 3. IDEC em ação. Lixo: sociedade precisa produzir menos e reciclar mais. 27 jan.2003. Disponível em< http://www.idec.org.br (acessado em 19.08.2007). OLIVEIRA, G. G. M.; MATTIOLI, O. C. Brincando com sucata: a espontaneidade em jogo. Encontros de Psicologia de Assis. ANAIS_DO_XIX_ENCONTRO, 138. Assis, 2006. Disponível em< http://www.assis.unesp.br. (acessado em 19.08.2007). STELLA, C. Subjetividade e cultura: perspectivas da psicologia do cotidiano. In: Núcleo de Estudos e Pesquisas Psicossociais do Cotidiano. Introdução à Psicologia do Cotidiano. São Paulo: Expressão e arte editora, 2007. 47 TRABALHO E LAZER 48 INVISIBILIDADE PROFISSIONAL: UM PROCESSO DE VULNERABILIDADE SOCIAL Pesquisadores: Alyne Cassola Abranches Charlotte Fabienne Marie Jouk Elise Priscilla Silva Casarine Glauce Gomes da Rocha Marcella Andrade dos Santos Maytê de Souza Araújo Michele Sombra de Almeida Nathalya Pedrassolli de Jesus Rosana Esses Rosimeire de Oliveira Tatiana Maia Machado Orientação: Profª Drª. Anete Farina Nas línguas latinas a palavra trabalho é originada da palavra tripalium, instrumento usado para tortura. Trabalho, ainda hoje, representa sofrimento ou castigo. Mas não só o esforço físico pode ser denominado como tal; a atividade intelectual também é nomeada da mesma forma, assim como a obra. O trabalho é uma atividade determinada e transformadora, muitas vezes, de forma penosa, porém necessária. Carmo (1992) cita o fato da sociedade atribuir valores aos indivíduos considerando-os como “ganhadores” e “perdedores” através de suas conquistas profissionais e conseqüentemente monetárias. Ele coloca como exemplo Van Gogh e Gauguin, que foram considerados “perdedores” quando vivos e hoje seus quadros são tidos como investimentos. A sociedade reconhece o valor do indivíduo através da notoriedade e acúmulo de capital proporcionado por sua atividade econômica. Quando o homem não se enquadra no padrão de sucesso estabelecido por seu meio, ele passa a ser enxergado como indivíduo de segunda classe, ou às vezes, nem consegue ser enxergado. Originando assim a invisibilidade social, espécie de desaparecimento psicossocial de um homem no meio de outros homens. Esta envolve dois fenômenos que assumem caráter crônico nas sociedades capitalistas, que são: primeiro, a humilhação social, e segundo, a retificação. A humilhação social apresenta-se como um fenômeno histórico, construído e reconstruído ao longo de muitos séculos, e determinante do cotidiano dos indivíduos das classes populares. É expressão da desigualdade política, indicando exclusão intersubjetiva de uma classe inteira de homens de âmbito público da iniciativa e da palavra. Constitui, assim, um problema político. Por outro lado, a retificação configura-se como um processo pelo qual, nas sociedades industriais, o valor do que quer que seja (pessoas, relações inter-humanas, objetos, instituições, etc.) vem apresentar-se à consciência dos homens como importância econômica, ou seja, tudo passa a contar, primeiramente, como mercadoria. Não somente a sociedade preconceituosa, mas também o homem predisposto ao preconceito rotula o que tem diante de si e o enquadra num estereótipo de grupo. Ao fazer isso, habitualmente passa por cima das propriedades do indivíduo que não coincidem com as do grupo. No modo de produção capitalista os homens são transformados em coisas e as coisas são transformadas em “gente”. Assim, o trabalhador passa a ser uma “coisa” chamada de força de trabalho, que recebe uma outra coisa chamada salário. O conceito ser-humano desaparece, eles existem agora na forma de coisas. As relações sociais são relações alienadas por parecerem imediatas e naturais e não um produto da ação dos próprios indivíduos da sociedade. A classe social ganha autonomia, aparecendo como 49 causadora das relações e não como um resultado das ações dos indivíduos na sociedade. Neste contexto, será abordada a invisibilidade social mediada pelo trabalho e suas características intrínsecas de valoração econômica e de reconhecimento na sociedade. O presente estudo teve por objetivo explorar os aspectos psicossociais desencadeados em profissões de baixo prestígio social. Participaram da pesquisa, 11 profissionais das seguintes carreiras (dois garis, segurança, plaqueiro, cobrador de ônibus, impermeabilizador do metrô, faxineira, artista de rua, auxiliar de limpeza, panfleteiro e manobrista). Como estratégia de investigação utilizamos à entrevista semidirigida que procurou investigar a percepção que têm do trabalho. A análise foi feita baseada na leitura específica sobre as concepções de trabalho, invisibilidade, preconceito e ideologia. Procurou-se investigar sobre o cotidiano do trabalho; as dificuldades que o envolvem; a autopercepção do profissional; a percepção do outro em relação a eles; o sentimento que existe ao praticar tal atividade e o que é esperado em relação ao próprio futuro e ao dos filhos. As entrevistas foram realizadas no próprio local de trabalho e os depoimentos foram gravados em áudio e vídeo para garantir fidedignidade à análise. Os entrevistados foram informados sobre os objetivos do estudo e também sobre a liberdade de participação ou não, segundo os padrões éticos impostos para pesquisas com seres humanos. Os dados revelam convergências temáticas, que posteriormente foram divididas em três eixos de análise: (1) histórico de desemprego; (2) percepção de uma vida e um futuro prédeterminados e (3) contradições sobre o respeito social que a profissão exercida apresenta. As mudanças econômicas que aconteceram do século XIX para o século XX se refletiram muito no trabalho do homem e na sua relação com o mesmo, criando uma ideologia de trabalho que engloba um conjunto de regras sociais que começaram a gerar preconceito contra aquele que não se encaixava nesse sistema (quem não trabalha é preguiçoso, incompetente, vagabundo…), Crochik (1997). Segundo Suzana Albornoz (2000), a sociedade reage de forma diferenciada em relação ao desemprego baseando-se nas causas que levaram ao mesmo. Quando o indivíduo é visto como um desempregado voluntário, ele sofre coerção e repressão à vadiagem. Já quando o desemprego é considerado involuntário, existe uma mobilização de diversos setores da sociedade para incluir este indivíduo no mercado de trabalho. Entretanto, não são levadas em consideração as necessidades psicossociais e econômicas da pessoa. “Por mim, eu tando trabalhando, porque eu fiquei nove anos desempregado, então para mim, ta uma vitória, né. Por mim, tanto faz se tá trabalhando com faxina, na metalurgia, tanto faz. Qualquer coisa, eu tando trabalhando e tendo o meu salário, é o que importa.” “Ah! Por mim né. Foi o que apareceu no momento né. Então, eu tive que pegar né, mas por mim, normal né. Antes eu tinha vergonha, né, é mais agora eu tiro de letra.” Para Chauí a ideologia é algo que não possibilita ao indivíduo perceber sua situação socioeconômica como uma conseqüência de processos históricos e sociais. Assim, esta situação é vista como natural. Bourdieu (1992) apontou as estruturas sociais como representações relativamente repetidas e homogêneas. Conceito o qual, ele nomeou de habitus, o que determina no grupo a reprodução de práticas ideológicas através da interiorização das crenças, tradições e regras. Desta forma a vida se torna pré-determinada sem possibilidade de objetivar uma realidade diferente daquela vivida no seu cotidiano. “Só espero para meus filhos, porque para mim, de agora para diante é só Jesus, mais nada. Meu futuro agora só tá no meu serviço. Enquanto eu to trabalhando eu dou conta de cuidar dos meus filhos, se eu parar eu não dou conta.” “Olha, eu, infelizmente, não tive oportunidade de estudar, então eu casei muito nova, então eu não tive estrutura para manter. Sabe? Ter assim, ter uma forma de ter uma estrutura boa, nos longo dos anos, então as conseqüências vêm depois, como eu não fiz minha carreira de nova, então eu to né encontrando mais dificuldade....” 50 O trabalho é um parâmetro valorativo para a nossa sociedade, principalmente em relação à remuneração salarial. A profissão para o indivíduo, não tem apenas um caráter exclusivamente econômico, mas também uma significativa representação à subjetividade, pois ocupa grande parte do seu cotidiano. Com base neste sistema de valorização, as atividades dividem-se em socialmente reconhecidas ou não. Tal divisão cria condições para se estabelecer preconceitos e/ ou rotulações dos profissionais. Crochik (2006) entende o preconceito como um fenômeno psicológico e de processo social, no qual se transforma e se forma o indivíduo. A sua manifestação é individual, assim como responde às necessidades irracionais do indivíduo, mas surge no processo de socialização como resposta aos conflitos aí então gerados. Para Heller, (1979), o pensamento cotidiano, torna-se um pensamento fixado na experiência, empírico e ao mesmo tempo, ultrageneralizador. Essa é obtida de duas maneiras: por um lado assumem-se estereótipos, analogias e esquemas já elaborados e por outro, eles são “introduzidos” pelo meio em que crescemos, tornando-se inevitável na vida cotidiana, pois cada uma de nossas atitudes baseia-se numa avaliação probabilística. Foi-se evidenciado que a valorização preconceituosa às profissões abordadas está arraigada até mesmo na concepção destes profissionais, porque através de seus discursos, pode-se verificar a contradição sobre o respeito social às funções desempenhadas. “Eu acho que é visto sim, sabe?! Muita gente dá parabéns pra gente. Outros já né têm uns madames, aí, mais ricão, aí, que às vezes olha pra gente que nem um lixo mesmo. Mas a gente não é lixo não, a gente trabalha porque a gente precisa...... e a gente gosta também (risos).” “Acho que não é a profissão que digna a pessoa e sim o caráter”. “... um futuro de respeito. O que eu falo pra ele: não interessa que seja qual for a profissão, mas trate os seres humanos iguais. Porque não há diferença entre a profissional gerente e um profissional faxineiro, ou qualquer uma profissão. Mas eu acho que tem que ser de igual para igual.” Com este estudo foi possível verificarmos que os entrevistados possuem uma visão de vida pré determinada, sem perspectivas de futuro, ou seja, não há uma possibilidade de mudança. Os papéis que estes profissionais assumem na sociedade são derivados de diversos processos sociais e a partir daí nota-se um universo limitado. Uma possível mudança só poderia ocorrer se houvesse uma modificação da realidade para esses indivíduos que estão imersos em um cotidiano voltado para a urgência da sobrevivência. O estudo identificou que os profissionais trabalham e vivem seu cotidiano para suprirem suas necessidades de subsistência o que os impedem de refletir sobre as perspectivas de futuro. RFERÊNCIAS ALBORNOZ, S. O que é o trabalho. São Paulo: Brasiliense, 2000. BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1992. COSTA, Fernando Braga . Homens Invisíveis: relatos de uma humilhação social. São Paulo. Globo, 2004 CHAUÍ, M. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 2001. CROCHIK, J. L. Preconceito: indivíduo e cultura. 2. ed. São Paulo: Robe, 1997. HELLER, A. O Cotidiano e a História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. 51 UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Núcleo de Estudos e Pesquisas Psicossociais do Cotidiano. Introdução à psicologia do cotidiano. São Paulo: Expressão & Arte, 2007. 52 A ARTE EM TRIDIMENSÃO: UM PROJETO DE EXPLORAÇÃO MULTISENSORIAL PARA INCLUSÃO DE DEFICIENTES VISUAIS. Pesquisadores: Bárbara Costa Ferreira de Pádua Bianca Nader Cíntia Rodrigues de Campos Tonetti Simone Fabiane da Silva Orientação: Profa. Dra. Anete Souza Farina O presente estudo teve por finalidade explorar o trabalho de profissionais que atuam na área da arte em projetos de inclusão de deficientes visuais em museus. O termo deficiência visual refere-se a uma situação onde a pessoa tem baixa visão, mesmo após tratamento clínico e/ou cirúrgico e uso de óculos convencionais ou é cega. O conceito de deficiência surgiu com a declaração dos direitos das pessoas deficientes, aprovada pela Assembléia Geral da ONU em 9 de dezembro de 1975. O termo “pessoa deficiente” refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais. No entanto, de acordo com Ribas (1985) a palavra deficiente, em todas as sociedades adquire um valor segundo padrões, regras e normas estabelecidas no bojo de suas relações sociais. Isto porque em qualquer sociedade existem valores que se concretizam no modo como a sociedade se encontra organizada. Estes mesmos valores refletem no pensamento e nas imagens dos homens e passam a nortear e a influenciar suas ações. São valores que se infiltram, inclusive nas palavras utilizadas pelos homens para sua expressão. Berger e Luckmann (1985) definem estes valores como objetivações, ou seja, “produtos da atividade humana que estão ao dispor, tanto dos produtores quanto dos outros homens, como elementos que são de um mundo comum”. Sendo a vida cotidiana somente possível por causa destas objetivações. Segundo Heller (1998), nosso pensamento e comportamento do cotidiano são caracterizados pela ultrageneralização: assumimos estereótipos, analogias e esquemas já elaborados, que nos são apresentados pelo meio em que crescemos e pode-se passar muito tempo até percebermos com atitude crítica esses esquemas recebidos. Desta forma, os preconceitos são produzidos pela vida cotidiana e são obras da própria integração social. O preconceito relaciona-se à particularidade e seu afeto é a fé que está em contradição com o saber, isto porque “resiste sem abalos ao pensamento e à experiência que a controlam.”. A linguagem, como responsável pelo processo socializador, tipifica as experiências, permitindo-nos agrupá-las em amplas categorias. Ao mesmo tempo em que tipifica também torna anônimas as experiências, pois as experiências tipificadas podem ser repetidas por qualquer pessoa. (BERGER e LUCKMANN, 1985). A linguagem é mais que um aglomerado de sons e signos. Ela é um sistema de sinais carregados de significados que permite a interação entre os seres humanos. Além disso, por meio dela, e com ela, o homem compreende e constrói a realidade, dotando-a de ordem, conceitos e idéias. Assim a vida cotidiana faz com que tenhamos uma concepção de deficiência pré-definida. A linguagem é capaz de se tornar o repositório objetivo de vastas acumulações de significados e experiências, que se preservam no tempo. Ela possibilita a transmissão de um acervo social de conhecimento para as outras gerações. Sendo assim, a compreensão da linguagem é essencial para a compreensão da realidade da vida cotidiana. (BERGER e LUCKMANN, 1985). A forma como nos relacionamos com as outras pessoas é estabelecida por esquemas tipificadores. Através deles apreendemos as pessoas e organizamos a nossa interação. É importante salientar que toda tipificação acarreta uma anonimidade inicial. (BERGER e 53 LUCKMANN, 1985) Se uma pessoa deficiente for tipificada como incapaz, a tendência é considerar esta uma característica da categoria “pessoa deficiente”. A soma dessas tipificações e dos padrões recorrentes de interação estabelecidos por meio delas formam a estrutura social que permite que ocorra a exclusão. Segundo Ribas, a exclusão para com o deficiente está inserida em um mecanismo que ao mesmo tempo segrega o “diferente” e afirma que todos os cidadãos são iguais numa “ideologia de integração” que é colocada em prática pelas instituições. Estas devem preparar o indivíduo com deficiência para que este seja aceito pela sociedade. Segundo Berger e Luckmann (1985), “as instituições estruturam o contexto em que o indivíduo se insere; suas características são o controle, a historicidade e as tipificações atribuídas pelos indivíduos entre eles próprios.”. O “individualismo como representação coletiva” é um mecanismo que aparece como uma forma de legitimar a exclusão. Ele foi estudado por Robert Farr (1991) e se caracteriza como “a atribuição do sucesso e do fracasso exclusivamente a pessoas particulares, esquecendo-se completamente de causalidades históricas e sociais. Há uma individualização do social e um endeusamento do individual.” (SAWAIA, 2006) Ou seja, a pessoa deficiente que se destaca na sociedade é vista como alguém que realmente se dedicou a conquistar algo, enquanto que os outros não tiveram o mesmo resultado por falta de vontade e esforço. É feito este julgamento sem levar em consideração que são poucas as oportunidades oferecidas. É garantido em Lei o direito de acesso à arte pelas pessoas deficientes. O Decreto 5.296/2004 estabelece que as áreas governamentais responsáveis pelas atividades de cultura, esportes, turismo e lazer deverão desenvolver “tratamento prioritário e adequado aos assuntos relacionados à proteção dos deficientes de forma que estimulem e viabilizem medidas de acesso aos meios de comunicação social, às artes e às letras e promovam o desenvolvimento de programas que estimulem a participação destas pessoas no campo das artes e das letras”. No entanto, percebemos que o trabalho de profissionais da arte junto às pessoas deficientes é ainda algo muito novo. Mesmo a arte sendo uma atividade de extrema importância ao indivíduo. A arte é uma das formas de elevação acima da vida cotidiana que produzem objetivações duradouras. Segundo Heller (1998), o reflexo artístico rompe com a tendência espontânea do pensamento cotidiano (tendência orientada ao Eu individual-particular). Isto ocorre, pois a arte tem em sua essência a autoconsciência e a memória da humanidade. A arte possibilita que o artista concentre toda a sua atenção sobre uma única questão, suspendendo qualquer outra atividade e empregando sua inteira individualidade humana na resolução de uma determinada tarefa. Este processo chamase homogeneização, que não pode ocorrer de forma arbitrária e sim de modo que nossa particularidade individual se dissipe na atividade humana genérica escolhida consciente e autonomamente, enquanto indivíduos. Segundo Vigotski (1999) “o procedimento da arte é o procedimento do estranhamento dos objetos e o procedimento da forma complexificada, o qual aumenta a dificuldade e a duração da percepção, uma vez que o processo de percepção em arte é um fim em si e deve ser prolongado.” Sendo assim, a arte rompe com os mecanismos da vida cotidiana, tais como: as tipificações, o imediatismo, ações não refletidas e de caráter simplesmente funcional. Sabendo da importância da arte, buscamos explorar de que forma o deficiente visual está tendo acesso a trabalhos artísticos. É importante salientar que algumas bibliotecas e museus já estão oferecendo um atendimento adequado a estes usuários. São eles: Pinacoteca do Estado de São Paulo, Biblioteca Louis Braille, assim como um museu adaptado na Espanha. Método: Participaram do estudo dois profissionais que atuam em projetos de inclusão de deficientes visuais em museus, além de um usuário deficiente visual. Para tanto adotou-se a entrevista semidirigida como estratégia de investigação. O roteiro previamente estabelecido procurou observar: a) a percepção do profissional sobre o próprio trabalho que realizam em visitas programadas para grupos de deficientes visuais. b) a percepção do usuário deficiente visual sobre o trabalho realizado por estes profissionais. As 54 entrevistas foram realizadas no próprio local de trabalho seguindo os procedimentos éticos definidos para pesquisa com seres humanos. Após a transcrição dos depoimentos realizou-se uma análise qualitativa dos dados que permitiram identificar dois eixos temáticos: a) acessibilidade social e b) inacessibilidade. Discussão: a) Este eixo informa sobre a preocupação dos profissionais em relação ao processo de socialização dos deficientes visuais. Ocorre com isso uma ampliação do universo simbólico como forma de inclusão, não só à cultura, à arte, mas também em relação à sociedade. A ida ao museu possibilita um contato maior com diferentes pessoas o que é importante para uma socialização mais abrangente. Para isso, os profissionais devem decodificar a linguagem da arte não somente de forma visual, mas também multisensorial, possibilitando a percepção e o conhecimento da arte por meio de outros sentidos como o tátil, o olfativo, o sonoro, o cinestésico, etc. São utilizadas reproduções em relevo de obras de arte, jogos sensoriais, maquetes táteis com a localização e a arquitetura do museu e publicações em tinta e braile. Segundo Berger e Luckmann (1985), o homem não nasce membro da sociedade, ele torna-se membro da sociedade. Isto porque ocorre um processo de socialização onde “a relação do homem com seu ambiente caracteriza-se pela abertura para o mundo.”. Berger e Luckmann (1985) afirmam que o universo simbólico oferece a ordem para a apreensão subjetiva da experiência biográfica. Experiências pertencentes a diferentes esferas da realidade são integradas pela incorporação ao mesmo envolvente universo de significação. Esta integração de situações “diferentes” com a realidade predominante da vida cotidiana tem grande importância porque estas situações constituem a mais aguda ameaça à existência naturalmente aceita e rotinizada na sociedade. Além disso, o universo simbólico ordena a história em passado, presente e futuro. Em relação ao futuro, estabelece um quadro de referência comum para a projeção das ações individuais. Desta forma, quanto maior o acesso de deficientes visuais através de projetos que possibilitem a eles novas experiências, tanto maior serão as possibilidades de acessibilidade no futuro. A importância da linguagem, segundo Berger e Luckmann (1985) está no poder que esta possui de transcender e integrar nossas experiências e significações, sendo que por meio dela, um mundo inteiro pode ser atualizado em qualquer momento. b) O eixo inacessibilidade aponta sobre as dificuldades que se impõe aos projetos destinados ao deficiente visual. De acordo com os entrevistados a formação acadêmica pouco explora o processo de decodificação da arte para deficientes visuais, tornando esta experiência um exercício que tenha sua origem na vontade individual de alguns profissionais. Além disso, foi relatada a escassez de projetos específicos de inclusão de deficientes visuais em museus. É provável que isto se justifica pela ultrageneralização e por esquemas tipificadores. Heller (1998) relata que possuímos um “eu particular” e um “nós generalizado”. Quando uma pessoa segue sua própria vontade, podemos dizer que o particular está se sobressaindo ao que é genérico. Isto pode ocorrer quando o indivíduo passou por uma experiência, como ter tido um familiar com deficiência e por influência disto se sente motivado a realizar um trabalho com pessoas que estejam na condição de deficiente. Já a ultrageneralização faz parte da vida cotidiana, os indivíduos agem ou por meio de generalizações tradicionalmente aceitas e difundidas na sociedade ou segundo generalizações que eles mesmos estabelecem a partir de suas próprias experiências particulares. Normalmente as pessoas não se orientam a partir de uma consideração mais precisa dos casos singulares que compõem a sua vida. Segundo Heller (1998), o pensar e agir sem uma reflexão consciente e crítica — seria a característica dominante da vida cotidiana. Assim, esta espontaneidade faz com que nos utilizemos de esquemas tipificadores, que por sua vez, moldam a interação social. Considerações finais: Este trabalho permitiu uma resignificação, gerada pelo choque de realidade, em função da possibilidade de inserção do deficiente visual dentro do museu, interiorizando um novo conceito de acessibilidade. Esta possibilidade de acesso é resultado de uma condição histórica e social de inclusão do deficiente, buscando, em primazia, a 55 socialização. O profissional, que decodifica a linguagem para o deficiente visual, torna-se parte deste processo de socialização. Isto porque o usuário é obrigado a interagir com a sociedade desde seu trajeto para o museu, até com as pessoas que nele trabalham e visitam. Deste modo o deficiente não se isola e nem é isolado da comunidade. Enfim, consideramos importante o acesso do deficiente visual na arte, pois as diferentes experiências fazem com que o seu universo simbólico se amplie. Desta maneira, o indivíduo não ficará apenas reproduzindo uma realidade já estabelecida, mas principalmente poderá ser sujeito da sua história. REFERÊNCIAS: BERGER E LUCKMANN. A construção social da realidade. Petrópolis: Vozes, 1985. HELLER, A. O cotidiano e a história. 4. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1998. KALUME, Pedro de Alcântara. Deficientes: ainda um desafio para o governo e para a sociedade. São Paulo: LTr, 2005. RIBAS, João Baptista Cintra. O que são pessoas deficientes. São Paulo: Brasiliense, 20030. SAWAIA, Bader. As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2004. VIGOTSKI, L. S. Psicologia da arte. São Paulo: Martins Fontes, 1999. 56 ASPECTOS CULTURAIS DO TRABALHO INFANTIL E SUAS REPERCUSSÕES Pesquisadores: Gabriel Silva Ricardi Rodrigo Noia Mattos Montan Thatiana Naveiros Ramalho Thiago Marinho Reis e Silva Orientação: Profª. DrªAnete Souza Farina Introdução: O trabalho é hoje um dos principais meios de formação da identidade social das classes populares, em razão do fenômeno do desemprego. Desde a Revolução Industrial o trabalho se firmou na sociedade como um meio de exploração da sobrevivência da classe trabalhadora. A partir desse processo se construiu socialmente a luta de classes, responsável pela constituição do universo simbólico que, neste caso, apresenta para o homem contemporâneo um cotidiano intrinsecamente ligado ao tipo de trabalho que ele desempenha. De acordo com Heller (2000), o ser humano recolhe de seu cotidiano somente os elementos que lhe interessam, porque o cotidiano é imediato e pragmático. Como o trabalho é percebido como inserção social, principalmente em tempos de desemprego, o tipo de trabalho realizado perde o valor. Nesse caso, as classes populares se inserem em atividades ocupacionais que, em geral, são desprestigiadas socialmente e, portanto, são pessimamente remunerados. Tais condições impõem à urgência da subsistência e reduz o pensamento crítico, além de imprimir na família a luta diária para subsistência, o que inclui a exploração do trabalho infantil. Cada vez mais essa condição se faz presente em nossa sociedade, pois “para desenvolvermos nosso caráter, temos de fugir da rotina” (Sennet apud Smith, p 43). De acordo com Marques (2003), no início do século XIX, cientistas afirmavam que o trabalho infantil era importante como antídoto aos possíveis perigos provenientes do ócio e vício que estavam presentes na vida das crianças pobres, desocupadas e que “nunca seriam os futuros trabalhadores ordeiros, disciplinados, demandados pelo capital”. A partir dessa forte ideologia o trabalho infantil se constitui como uma forma válida de preparação para o futuro, encobrindo sua real intenção. A formação diretamente ligada ao trabalho encontrou nas classes populares o apoio da família. O cotidiano, assim apresentado, pode ser definido como uma estrutura orientadora que norteia a vida e mostra os objetivos a serem seguidos. Essa rede protetora é tecida, na maior parte das suas malhas, com atividades laboriosas e objetos de devoção. São referenciais importantes, que mostram ao homem por onde andar, como andar, e para que andar. Sem este suporte, a vida poderia parecer um salto mortal e sem significado. Para tanto, desde a tenra idade aprende-se o mundo em sua forma objetiva e, também, sobre os valores, as crenças, os costumes e todos os elementos que compõem a cultura do próprio grupo de convivência. É assim que a socialização permite o processo de interiorização da realidade em sua forma objetiva, e somente no processo de exteriorização fica explicitada a realidade em sua forma subjetiva. (Farina, 2007). Na exteriorização tem-se a possibilidade de observar a ação da instituição como entidade organizada e coercitiva. Os papéis se consolidam em uma relação dialética entre o individuo e a sociedade. Uma vez cristalizados, podem manter-se ou serem alterados pelas instituições. Dessa maneira, as Leis do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990), são difíceis de serem aplicadas a todas as situações. Pois, para esses pais, não há nada de errado em colocar os filhos para trabalharem na infância. Para Bourdieu (1992), toda atividade humana está sujeita ao habito. Ação freqüentemente repetida torna-se moldada em um padrão que pode ser repetido com economia de esforço. As experiências humanas retidas na consciência, 57 uma vez sedimentadas como entidades reconhecíveis e capazes de serem lembradas, favorecem sentido verdadeiramente social, quando se objetivou em um sistema de sinais, repedindo-se uma objetivação compartilhada. É dessa forma que as instituições se organizam e se cristalizam e constituem as suas sociedades, a partir do pensamento e das ações do homem. O habitus torna-se o habitus. O hábitus é assim definido por Bourdieu: “um sistema de disposições socialmente constituídas que, enquanto estruturas estruturada, estruturantes, constituem o princípio gerador e unificador do conjunto de práticas e das ideologias características de um grupo de agentes” (1992, p. 191). Objetivo do trabalho: O presente estudo teve por objetivo abordar os aspectos culturais do trabalho infantil e suas repercussões. Método: Participaram do estudo seis trabalhadores, sendo quatro adultos e dois jovens. Como estratégia de investigação adotou-se a entrevista semidirigida, que procurou identificar o cotidiano de trabalho, a história das pessoas e as repercussões do trabalho infantil. As entrevistas foram realizadas nos próprios lugares de trabalho, a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (CEAGESP) e a feira de artesanato da cidade de Embu – SP, seguindo os procedimentos éticos de pesquisas com seres humanos. Os dados foram analisados qualitativamente a partir de dois eixos temáticos (a) O valor do trabalho (b) O trabalho infantil e suas repercussões. Discussão – Analise e Interpretação: Entendendo o trabalho infantil como um problema histórico e cultural, foi possível a partir do depoimento dos entrevistados verificar que todos sentem orgulho em trabalhar e de terem iniciado a vida profissional junto com a família a partir dos 5 anos de idade. Os motivos relatados descrevem a necessidade de subsistência da família e justificam a intensa jornada de trabalho empreendida desde a tenra idade. Para Berger (2004), o espírito geral de uma dada cultura influirá em grande parte no desenvolvimento da personalidade de seus membros. E afirma que isso ocorre porque o organismo humano encontra-se em desenvolvimento biológico e psicológico, quando já está em relação com o meio. O caráter do eu, como produto social, envolve obviamente um equipamento psicológico, o qual passa a inviabilizar a compressão do homem fora do particular contexto social em que foi formado. Os entrevistados supõem que o trabalho infantil contribuiu para a formação do eu e, portanto, é valido como estratégia educacional dos filhos. Entretanto, para os entrevistados jovens o discurso se mostra ambíguo, porque revelam uma contradição entre o gosto pelo trabalho que realizam e o aborrecimento em desempenhá-lo. De acordo com Sennett (1999), “do ponto de vista da instituição, a flexibilidade dos jovens os torna mais maleáveis tanto em termos de assumir riscos quanto de submissão imediata” (p. 111). Esse pensamento pode ser utilizado facilmente nesse contexto. As crianças evitam decepcionar os pais que lhes atribuíram uma responsabilidade, sujeitam-se ao trabalho sem questionar. Os pais que fazem os filhos trabalharem justificam sua opção como um processo educacional e como contribuição para a renda da família. A criança fica sujeita ao trabalho, ainda que esse o afaste de um adequado desenvolvimento físico, psicológico e social. De acordo com Freud (1930), a família seria a célula germinal da civilização. Aspecto importante a se discutir quando é notório que a maioria dos casos de trabalho infantil origina-se no ambiente familiar. Quase que de forma invisível, encontra-se no discurso das pessoas que trabalharam na infância uma subjetivação proveniente do capitalismo, pois como disse Guattari (2005), na fabrica “injeta-se representações nas mães, nas crianças, como parte do processo de produção subjetiva.” (p.33). É na família que as instituições também operam uma formação coletiva da força de trabalho. Deste ponto de vista, o que se passa na família é uma socialização da criança às relações de poder dominante. “Os pais são convidados as serem bons ‘pais de alunos’ ou professores em casa...” e “esta função generalizada estratifica papeis, hierarquiza a sociedade, codifica destinos... procura mais fazer com que as pessoas entrem nos quadros preestabelecidos, para adaptá-los às atividades universais e eternas...” (Guattari, 1981). 58 Considerações Finais. Com este estudo foi possível compreender que o trabalho infantil possui influências históricas e culturais fortes e devido a essas influências, continua presente em nossa sociedade. Em especial na população mais carente da sociedade, lugar em que ele se faz mais presente. Os limitados recursos financeiros e a forte ideologia capitalista estruturam e sustentam o trabalho precoce que é reproduzido culturalmente nas famílias. Ao introduzem os filhos no trabalho, cada vez mais rígido e estratificado será o seu papel durante a formação subjetiva da criança. Não há maneira melhor de subjetivar o futuro trabalhador do que se aproveitar de sua infância para que tal subjetividade funcione no próprio coração dos indivíduos, na sua percepção perante o mundo e ordem social e cultural. REFERÊNCIAS BOURDIEUR, P. A economia das trocas simbólicas. Tradução Sergio Miceli, Silvia de Almeida Prado, Sonia Miceli e Wilson CamposVieira. 3 ed. São Paulo: Perspectiva, 1992. CAMPOS, HERCULANO RICARDO AND ALVERGA, ALEX REINECKE. Trabalho infantil e ideologia: contribuição ao estudo da crença indiscriminada na dignidade do trabalho. Estud. psicol. (Natal), 2001, vol.6, no. 2, p.227-233. ISSN 1413-294X FARINA A S AND FRANCO E M, Psicologia do Cotidiano: Reflexões Sobre o Processo Socializador in Introdução à Psicologia do Cotidiano. – São Paulo: Expressão e Arte Editora, 2007. FORRESTER, VIVIANE. O horror econômico. São Paulo, Editora da Unesp, 1997. HELLER, AGNES. O Cotidiano e a História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. GUATTARI, FÉLIX. Revolução Molecular. Pulsações políticas do desejo. Brasiliense, São Paulo, 1981. GUATTARI, FÉLIX E ROLINK, SUELY. Micropolítica. Cartografias do desejo. Ed Vozes, Petrópolis, 2005, 7ª. Ed. Revisada FREUD, SIGMUND. O Mal-Estar Na Civilização (1930). Rio de Janeiro, Imago Volume XXI, 1980. MARQUES, VERA REGINA BELTRÃO. Histórias de higienização pelo trabalho: crianças paranaenses no novecentos. Cad. CEDES, Abr 2003, vol.23, no. 59, p.57-78. ISSN 0101-3262 SARTORI, ELISIANE. Trabalho infantil em Franca: um laboratório das lutas sociais em defesa da criança e do adolescente. Cad. Pagu, Jun 2006, no. 26, p.253-278. ISSN 01048333 SENNETT, RICHARD. A Corrosão do Caráter. Rio de Janeiro: Record. 1999.