primeira pessoa | osgemeos Revista do itaú PeRsonnalité n o 24 | ano 6 _ “a nossa bíblia” O nascimento das ideias da dupla de grafiteiros OSGEMEOS, 39 anos, é sempre registrado nos caderninhos que Gustavo e Otávio Pandolfo levam em mãos. “São mais de cem diários, de vários tamanhos, cheios de desenhos, pensamentos, desabafos e histórias. Eles juntos são a nossa Bíblia.” bebel gilberto por millos kaiser; foto carol quintanilha “Fiquei uma mulher séria. dei uma sossegada geral” bob burnquist hugo carvana regina da costa pinto O “baú do tesouro” da dupla fica em seu ateliê, exemplar distribuído naspoder ser consultado no Cambuci (SP), para agências sempre personnalité que for preciso. Só os dois sabem o que suas páginas guardam e inspiram 90 EDITORIAL H á seis anos a Revista Personnalité promove a prática de um jornalismo refinado e surpreendente. Personalidades reclusas têm aberto suas casas para nós, e grandes jornalistas têm deixado, aqui, sua marca em textos irretocáveis. Neste momento você pode se perguntar: mas por que um banco faz uma revista que não traz notícias sobre economia, cartões, taxas e fundos? A resposta é simples: porque isso fazemos através de nossos gerentes. A revista fazemos para você, leitor, alguém ávido por cultura e informação com qualidade e profundidade. É por isso que nas páginas a seguir você não encontrará apenas uma entrevista com a cantora e compositora Bebel Gilberto, mas, sim, um passeio por toda sua carreira, com o viés de um texto intimista, assinado pelo jornalista Eduardo Logullo, amigo de nossa personagem de capa. O mesmo podemos dizer da entrevista com o ator Hugo Carvana, que, aos 76 anos (e 91 longas-metragens na bagagem), abriu sua casa e seu bom humor para uma conversa sobre vida e trabalho. Ali, ele revela que está preparando a aposentadoria da direção, mas garante que o envolvimento com comédia não largará jamais. Talvez a melhor palavra para definir a entrevista seja: inspiradora. E é assim, usando a experiência de nossos perfilados, que desejamos seguir. Nessa mesma linha trazemos um texto emocional e gastronômico sobre o tradicional restaurante francês Ledoyen, um dos mais antigos de Paris, que tem três estrelas no Guia Michelin. Também em Paris visitamos a casa de Regina da Costa Pinto, baiana restauradora de obras como a Mona Lisa. Do lado de cá do Atlântico, fomos aos Estados Unidos conhecer a propriedade do skatista Bob Burnquist, na Califórnia. Na casa de Regina, deparamo-nos com um quadro e paredes brancas: tudo para descansar seus olhos calejados por tantas cores e microscópios para restauração; no quintal de Bob, vimos a megarrampa, pistas de skate em obras e seu xodó, um helicóptero. Nossa 24ª edição comprova, mais uma vez, que ver tudo com os próprios olhos faz toda a diferença para a revista que você começa a ler agora. the new york times Bob burnquist treina na megarrampa no quintal de casa, na califórnia, onde recebeu a reportagem da revista personnalité sandy huffaker/ Um abraço e boa leitura, André Sapoznik Itaú Personnalité Colaboradores expediente Colaboradores Editor Paulo Lima Diretor Superintendente Carlos Sarli Diretor Editorial Fernando Luna Diretora de Criação Ciça Pinheiro Diretor de Núcleo Tato Coutinho Diretor Financeiro Agenor S. Santos Diretora de Publicidade e Circulação Isabel Borba Diretora de Eventos e Projetos Especiais Proprietários Ana Paula Wehba Luiz Antonio Ryff, 43 anos, é jornalista há 21, quando começou a carreira no Jornal do Brasil. Atualmente se dedica à direção de conteúdo da Casa do Saber Rio e ao lançamento do documentário sobre o clássico Fla x Flu, dirigido por Renato Terra, do qual participa como entrevistador. Aqui, Ryff relembra a sua saborosa experiência no tradicional restaurante parisiense Ledoyen. “Não vejo a hora de repetir a dose.” A jornalista Fernanda Ezabella, 32 anos, começou a trabalhar na Reuters de São Paulo em 11 de setembro de 2001. Em 2008, foi para a Folha de S.Paulo, trabalhou na “Ilustrada” e se tornou correspondente do jornal na costa oeste dos EUA. Nesta edição, foi até o sul da Califórnia encontrar o skatista Bob Burnquist. “Ele é um cara bacana, tranquilo e sem a afetação dos famosos de Hollywood. Foi bom estar em um ambiente tão brasileiro e falar português.” fotos: arquivo pessoal e bruna dalcim (dalcim) Formado pelos arquitetos Fabio Riff, Rodrigo Oliveira, Thomas Frenk e Fabrizio Lenci, todos com 25 anos, o estúdio Vapor324 fica no edifício Copan. Lá tocam projetos gráficos e de arquitetura. Recentemente, foram convidados para a Trienal de Arquitetura de Lisboa e para a Bienal de Arquitetura de São Paulo. Nesta edição, ilustram o passeio de bike de Dico Tostes no Rio. “Somos ciclistas. É um tema que achamos que precisa ser discutido”, diz Fabrizio. fotos: arquivo pessoal e divulgação (vapor 324) O norte-americano Richard Wright já foi bailarino na prestigiada companhia American Ballet Theatre, tornou-se coreógrafo, ator e depois fotógrafo. Traz na bagagem retratos de Samuel L. Jackson, John Malkovich e Sean Penn. Seu projeto atual é o livro Charactor, que traz retratos de atores e suas inspirações. Nesta edição, fez as fotos de Bob Burnquist. “Fotografar o Bob em sua casa foi uma experiência deliciosa.” Diretor de Redação Décio Galina Editora Lia Bock Produtora Executiva Kika Pereira de Sousa Assistente de Produção Juliana Carletti Departamento Comercial Supervisora de Projetos Especiais e Planejamento Comercial Ana Carolina Costa Oliveira Assistente Comercial da Diretoria Gabriela Trentin Assistente de Arte Marketing Publicitário Fabiana Cordeiro Gerentes de Contas Paulo Paiva e Roberta Rodrigues Gerente de Contas On-line Marco Guidi Executiva de Contas On-line Fernanda Siqueira Assistente de Tráfego Comercial Aline Trida Para anunciar [email protected] Representantes Internacionais Sales Multimedia, Inc. (USA) info@multimediausa. com Argentina Roberto Rajmilevich [email protected] BA Romário Júnior DF Alaor Machado MG Rodrigo Freitas PE Wladmir Andrade PR Raphael Muller RJ Juliana Rocha RJ (Trip e Tpm) X² Representação RS/SC Ado Henrichs SE Pedro Amarante SP Interior Daniel Paladino Pesquisa de Imagens (coordenação) Aldrin Ferraz Bibliotecário Daniel de Andrade Produção Gráfica Walmir S. Graciano Produtor Gráfico Cleber Trida Tratamento de Imagens Roberto Longatto e Roberto Oliveira Revisão Ecila Cianni (coordenação), Adriana Rinaldi, Janaína Mello e Marcos Visnadi Projetos Especiais e Eventos Coordenação Regina Trama Editora de Arte Ana Luiza Gomes Assistente Mariana Beulke Trade e Circulação Diretora Daniela Basile Analista de Trade Renata Vilar Gerente de Circulação Adriano Birello Analista de Circulação Vanessa Marchetti Projetos Digitais Diretor de Mídias Eletônicas de Custom Publishing Beto Macedo Editores de Arte Débora Andreucci e Diego Maldonado Assistente de Arte Julia Vargas Gerente de Negócios Izabella Zuanazzi Núcleo de Vídeo Coordenação Ana Rosa Sardenberg Videomaker Marco Paoliello e Lucas Kiler Assistente de Produção e Finalização Viviane Gualhanone Editor de Vídeo Pitzan Oliveira Produção Bruno Oliveira TV Trip Direção Joana Cooper Diretora Assistente Anice Aun Editora Daniela Guimarães Relações Públicas Taís Neri Assistentes de RP Rafael dos Santos e Monalisa de Oliveira Estagiária Verônica Centeno Colaboraram nesta edição Vanina Batista (direção de arte), Cyntia Fonseca Zuliani e Kiki Tohmé (designers), Edmundo Clairefont (edição de texto), Daniela Fernandes da Costa, Eduardo Logullo, Fernanda Ezabella, Kelly Cristina Spinelli, Luiz Antonio Ryff, Luiz Fernando Vianna, Jones Rossi, José Nilton Dalcim, Millos Kaiser, Pedro Henrique França (texto), Carol Quintanilha, Daryan Dornelles, Marcelo Correa, Marcelo Naddeo, Nelson Mello, Pedro Meyer, Richard Wright (fotos), Vapor324 (ilustração), Marina Brum (styling), Dani Kobert (make), Ana Hora (produção) Comitê Itaú responsável por esta edição Fernando Chacon, André Sapoznik, Cristiane Portella, Danielle Sardenberg, Camila Carneiro e Elisangela Bonamigo Colaboradores DPZ Propaganda Marcello Barcelos e Elvio Tieppo Capa Daryan Dornelles Tratamento de capa Regis Panato Photouch Quarta capa Daryan Dornelles Revista Personnalité é uma publicação trimestral da Trip Editora e Propaganda em parceria com o Itaú Personnalité. Endereço para correspondência: rua Cônego Eugênio Leite, 767, 05414-012, São Paulo, SP. E-mail: [email protected] www.tripeditora.com.br A Trip Editora, consciente das questões ambientais e sociais, utiliza papéis Suzano com certificado FSC (Forest Stewardship Council®) para impressão deste material. A Certificação FSC garante que uma matéria-prima florestal provenha de um manejo considerado social, ambiental e economicamente adequado. Impresso na Gráfica Log&Print – Certificada na Cadeia de Custódia – FSC Ex-nadador profissional do Vasco, o carioca Daryan Dornelles, 42 anos, é fotógrafo há 16. Colaborador de publicações como Rolling Stone, GQ, Marie Claire e Serafina, no momento cuida do lançamento do seu livro de retratos de músicos do Brasil, previsto para março de 2014. Para esta edição fez a capa com Bebel Gilberto. “Foi lindo, astral dez! Como já nos conhecíamos, tudo ocorreu da melhor maneira possível.” A jornalista Daniela Fernandes da Costa trocou São Paulo por Paris há 14 anos. Hoje, aos 44, colabora regularmente com a BBC Brasil e com o jornal Valor Econômico. Nesta edição, assina o perfil da restauradora Regina da Costa Pinto, uma das poucas pessoas que podem encostar na Mona Lisa. “Ela é uma pessoa interessante, culta e com muito humor. Tem mil histórias para contar. Antenada na atualidade brasileira e francesa.” O jornalista Pedro Henrique França, 28 anos, começou a carreira no jornal O Estado de S. Paulo, dirigiu o documentário Ecos e passou pela revista Poder antes de partir para uma temporada em Nova York. De lá, colaborou para veículos como GQ, Serafina e Valor Econômico. Há um ano radicado no Rio, o paulistano entrevistou o ator Hugo Carvana. “Conversar por 2 horas com um dos maiores mitos do cinema nacional foi um presente inesquecível da profissão.” Apaixonado por esportes, o jornalista José Nilton Dalcim, 53 anos, é especializado em tênis há 33. Criador do site tenisbrasil.com.br, que em breve completa 15 anos, Dalcim toca projetos de vídeos de instrução do esporte e o lançamento de uma coleção de e-book. Para esta edição escreveu sobre tênis em dupla. “Conheço o Bruno Soares desde os tempos em que era juvenil, um cara muito bem-humorado. Foi muito legal ver que, apesar dos anos e do sucesso, ele continua exatamente da mesma forma.” sumário 10 Cá entre Nós Música, gastronomia, viagem e futebol – dicas de quem sabe viver bem 15 Prestígio no céu, em hell Ironicamente, foi em uma peça chamada Hell (inferno, 16 50 74 em inglês) que a atriz Bárbara Paz se viu onde gostaria 16 “Não deve ser fácil ser minha mãe” O skatista brasileiro Bob Burnquist já venceu 26 X Games, quebrou 28 ossos, acumulou R$ 20 milhões e vive sob o risco de inventar novas manobras 24 VIDA EM DUPLA Com a vitória no Masters do Canadá, o mineiro Bruno Soares se consolida na quarta posição do ranking mundial do tênis em dupla, modalidade disputada desde 1879, em Wimbledon 34 A ARTE QUE NINGUÉM VÊ É assim que uma das mais importantes restauradoras de obras de arte do mundo define a profissão. Em Paris há 40 anos, Regina da Costa Pinto é uma das poucas pessoas que encostaram na Mona Lisa 42 DE PERDER A CABEÇA Diz a lenda que foi no Ledoyen a última refeição de Robespierre antes de ser guilhotinado pela Revolução Francesa. De lá para cá, o mais antigo restaurante de Paris segue oferecendo experiências definitivas 34 fotos: richard wright (bob); pedro meyer (regina); daryan dornelles (bebel) e marcelo correa (hugo) de chegar quando saiu do Rio Grande do Sul 50 A seu bel-prazer 74 A ópera do malandro Ao comentar as músicas do primeiro DVD com o amigo Eduardo A vida, a obra, os amores e a despedida de Hugo Carvana, Logullo, Bebel Gilberto revê histórias de vida e chega a conclusões 76 anos e 91 longas. O ator e cineasta prepara a aposentadoria sobre o presente: “Agora decido quem fica ao meu lado” da direção: “Mas continuo na comédia para sempre” 60 Grande elenco 84 DIÁRIOS DE BICICLETA Para comemorar os 50 anos da gravadora que deu cara à bossa nova, O ciclista Dico Tostes revela suas impressões ao testar o Bike Rio, convidamos Cesar G. Villela, o lendário designer do selo carioca, sistema de bicicletas públicas que a prefeitura criou em parceria a relembrar as histórias por trás das capas clássicas da Elenco com o Itaú: “É devagar que se sente o mundo” 66 voz de placa do país, narram os melhores momentos da carreira e revelam 90 Primeira Pessoa “a nossa bíblia” as diferenças entre trabalhar para o rádio e para a televisão O nascimento das ideias da dupla de grafiteiros OSGEMEOS é José Silvério e Milton Leite, dois dos principais locutores esportivos sempre registrado nos caderninhos que Gustavo e Otávio Pandolfo levam à mão. “São mais de cem diários, de vários tamanhos” cá entre nós cá entre nós viagem, gastronomia e cultura – convidados especiais abrem suas preferências Por Kelly Cristina Spinelli _Passe a passe Roger Moreira, músico _trilha sonora Pedro Andrade, jornalista O gol de Gérson, no final da Copa de 1970, ficou na memória do líder do Ultraje a Rigor: era um tricolor marcando num dos jogos mais importantes do Brasil Das fitas cassete gravadas na infância aos temas de suas reportagens: a música está na vida do apresentador do Manhattan Connection 3 1 2 5 7 1. “Three Little Birds”, Bob Marley Nasci no Rio de Janeiro e costumava ir a Búzios na infância; esta música me provoca uma memória quase olfativa. Me lembro de como era estar sentado na rede, sentindo a brisa da praia naquela época. 2. “Breath Me”, Sia É a música que tocou no final de A sete palmos, seriado da HBO. Eu estava no final de um relacionamento, curtindo uma dor de cotovelo. É triste, é linda. Combinou perfeitamente. 3. “Back to Black”, Amy Winehouse Sempre gostei de cantoras antigas. Vi a Amy pela primeira vez em um pub em Nova York, em 2005, e ela me transportou no tempo. Nova York é assim: gente toca num bar intimista num dia; no outro, explode. 4. “Lisztomania”, Phoenix Gosto do remix do Classixx. É minha música levanta-defunto. Posso estar num velório que, ao escutá-la, saio dançando. Aliás, é a minha música. A que meus amigos colocaram quando entrei numa festa surpresa que fizeram pra mim. 5. “Feeling Good”, Nina Simone Gosto desde sempre. A letra tem a ver com quem sou: tento dar valor às menores coisas, enxergar o lado bom da vida. Traduz meu estado de espírito. 6. “You and your heart”, Jack Johnson Viajei uma vez pra Costa Rica e estava apaixonadíssimo. Foi a música da viagem, na Praia Manuel Antonio, que não deve nada pra nenhuma praia do Caribe. O Jack Johnson tem essa pegada de sol, de mar, de praia, me identifico. 7. “Empire State of Mind”, Jay-Z e Alicia Keys A canção virou um hino de 10 8 Nova York. Logo que me mudei pra cá, me apaixonei pela cidade, e esta música representa isso. Me arrepio só em falar dela. 8. “Moon Dance”, Van Morrison Esta eu ouvia meu pai cantando alto no carro quando era criança. No começo eu detestava, ficava com vergonha. Mas depois acabei me apaixonando. fotos: divulgação 6 fotos: divulgação (roger) e empics sPorts/pa images/easypix 4 “Naquela época, a gente ainda torcia para que os jogadores do nosso time fizessem gols em jogos da Copa. A corrente era pelo Brasil, mas também pelo clube. Não tinha essa história de atletas vendidos para equipes europeias. Eu tinha 13 anos, era torcedor do São Paulo, sempre fui, é tradição, uma herança familiar. Nós nos reunimos todos para ver a partida na TV. Era a decisão da Copa do Mundo de 1970, Brasil contra Itália. Todo mundo assistiu aos jogos naquele ano: era a primeira transmissão em cores de um Mundial. O Pelé fez o primeiro gol, depois a Itália empatou. O gol do Gérson, que jogava pelo São Paulo, foi lindo: a bola sobrou pra ele e em um chute em curva no canto esquerdo, que nunca mais esqueci, desempatou. Começava ali meu interesse de verdade por futebol. Ainda lembro que eu estava participando de um bolão e tinha apostado que o Brasil venceria por 3 a 1. A partida estava ganha e faltava pouco pra terminar quando o Pelé tocou pro Carlos Alberto, que veio correndo e marcou 4 a 1. Todo mundo vibrou, mas fiquei bravo. Tinha perdido o bolão. Eu pensava: ‘A gente já ia ganhar mesmo com o 3 a 1, precisava ter feito mais esse gol?’.” gérson enche o pé para colocar o brasil na frente do placar contra a itália, na final da copa de 70 FICHA TéCNICA BRASIL 4 X 1 ITÁLIA Domingo, 21/6/1970, estádio Azteca, no México Brasil Félix, Carlos Alberto, Brito, Piazza, Everaldo, Clodoaldo, Rivellino, Gérson, Jairzinho, Tostão, Pelé. Técnico: Zagallo. itÁLIA Albertosi, Burgnich, Cera, Rosato, Facchetti, Bertini (Juliano), Domenghini, De Sisti; Mazzola, Boninsegna (Rivera), Riva. Técnico: Ferruccio Valcareggi. Gols Pelé aos 18 e Boninsegna aos 37 minutos do 1º tempo; Gérson aos 21, Jairzinho aos 26 e Carlos Alberto Torres aos 41 do 2º tempo. 11 cá entre nós cá entre nós _sonhos GUTO REQUENA, arquiteto _água na boca PATRÍCIA MARANHÃO, chef Estudioso do impacto das novas tecnologias no design e na arquitetura, ele se encanta com as cidades que misturam tradição e modernidade O Nordeste invadiu o cardápio do Gardênia Pinheiros desde que a chef Patrícia Maranhão assumiu o restaurante e levou aos pratos ingredientes como azeite de babaçu e arroz de cuxá 2. UM SABOR INDISPENSÁVEL. morou em casa 45 anos, cozinhar. Era prima do [compositor maranhense] João do Vale. Eu adorava quando ela fazia capitão, que é um bolinho amassado de arroz, com carne e feijão. Pimenta-de-cheiro: é um sabor único, suave. 5. INSPIRAÇÃO. 3. O QUE NÃO PODE FALTAR NA COZINHA? Sou apaixonada por pimentas. E azeite de babaçu, que é ótimo para frituras e finalizações: aguenta 40 graus de temperatura. 4. PONTAPÉ INICIAL. Me interessei por gastronomia vendo a Naura, que Gosto muito de arte, de festas populares, de bumba meu boi. Tudo isso influencia meus pratos. 6. UM PRATO MARANHENSE. Arroz de cuxá. Nós não temos a erva apropriada para fazer aqui em São Paulo, então, fico morrendo de saudade. 12 BEIRUTE, 2013 jornada inesquecível “A família de um dos meus melhores amigos é de Beirute, então tinha curiosidade em conhecer a cidade. Por coincidência, fui este ano a trabalho. Amei. Fiquei impressionado com a mistura, o encontro do mundo árabe com o católico, do trânsito barulhento com o som das orações que saem dos alto-falantes das mesquitas. Beirute tem uma arquitetura otomana que, infelizmente, está sendo invadida pelas construções modernas, uma intensa cena de galerias de arte, clubes de música eletrônica como o B018, que fica em um bunker usado durante a guerra civil. E os libaneses de Beirute são quase mineiros, te oferecem comida o tempo todo (e as kaftas são incríveis!). Sem contar que adoram brasileiros: muitos imigraram pra cá, todo mundo tem um primo, irmão ou amigo no Brasil.” Modo de preparo Lave a carne e coloque-a para dourar em uma panela com óleo quente. Em seguida, acrescente a cebola e o alho e deixe refogar. Adicione o arroz e os pimentões e misture bem. Acrescente o caldo de legumes, e, por fim, a pimentade-cheiro. Abafe a panela até que o arroz fique soltinho. Finalize com cheiro-verde e sirva acompanhado com ovo frito e banana frita. Tempo de preparo: 30 minutos Rendimento: 4 porções Experimente Gardênia Pinheiros Praça dos Omaguás, 110, São Paulo. Tel.: (11) 3815-9247 O Restaurante GARDÊNIA faz parte do Menu Personnalité. Conheça os pratos em: itau.com.br/ personnalite/experiencia e picture net/corbis (toquio) Salgado. Adoro temperos, ervas, condimentos. Ingredientes 500 g de arroz 500 g de carne de sol ou carne-seca em cubos 1 cebola média picada 5 dentes de alho picados 1 maço de cheiro-verde ½ pimentão verde cortado em cubos pequenos ½ pimentão vermelho cortado em cubos pequenos 3 pimentas-de-cheiro picadas 2 folhas de louro 4 bananas (para acompanhar) 4 ovos (para acompanhar) 1 litro de caldo de legumes fotos: divulgação ANDRE KLOTZ; carma casula/age fotostock (beirute) 1. doce ou salgado? Arroz de Maria Isabel fotos: NELSON MELLO O nome nos documentos é Patrícia Maia Borges, mas ninguém a conhece assim. O estado onde essa chef nasceu, o Maranhão, foi sempre tão influente em sua vida que tomou posse até de seu sobrenome. Ela atende hoje por Patrícia Maranhão e é responsável pelo cardápio do restaurante Gardênia Pinheiros, que assumiu há um ano como chef proprietária, depois de estagiar com Alex Atala, se formar no Senac e fazer cursos na Le Cordon Bleu de Chicago. O carro-chefe do restaurante continua sendo a paleta de cordeiro, mas, aos poucos, Patrícia está introduzindo ingredientes, sabores e pratos da sua terra no cardápio. O arroz de Maria Isabel, prato tipicamente nordestino que ela divide com a Revista Personnalité, é um deles. “É leve e ao mesmo tempo saboroso, tem cor, tem essência”, diz. TÓQUIO próxima parada “Adoro viajar, gasto todo meu dinheiro em viagens. Tóquio está no topo da lista das próximas. A cultura do Japão é incrível, desde a comida até a arquitetura. Eles são tecnológicos, inovadores, digitais, mas ao mesmo tempo são ligados às tradições. Quero muito conhecer, se possível ainda este ano.” 13 Prestígio | bárbara paz cá entre nós _ no céu, em hell _dica de mestre Igor Mochizaki, desenvolvedor de receitas Ironicamente, foi em uma peça chamada Hell (inferno em inglês) que a atriz Bárbara Paz se viu onde gostaria de chegar quando saiu do Rio Grande do Sul Especialista em criar delícias para a Häagen-Dazs, Mochizaki ensina uma sobremesa gostosa e refrescante que pode ser feita em casa A única coisa que pode ser melhor do que brownie, sorvete, banana e castanha é juntar todos esses ingredientes em uma sobremesa só. Pois bem, essa é a dica de Igor Mochizaki, formado em gastronomia pelo Senac e especialista em criar receitas para marcas famosas, como a Nestlé, no passado, e, de dois anos para cá, a Häagen-Dazs. A pedido da Revista Personnalité, ele preparou um quitute irresistível. “Tem a ver com o clima e tem uma harmonização legal, além de ser fácil de fazer em casa”, diz. A única dificuldade é escolher comer quente ou frio, o que fica a gosto do freguês. Na dúvida, prove as duas opções. Tropical Brownie Ingredientes 50 g de manteiga em cubos 50 g de açúcar 2 ovos 250 g de chocolate meio amargo 140 g de farinha de trigo 1 colher (chá) de essência de baunilha 1 colher (chá) de bicarbonato de sódio ½ colher (chá) de canela em pó 140 g de amêndoas picadas Manteiga para untar Farinha de trigo para untar (22x30 cm) com manteiga e farinha de trigo, incluindo as laterais. Asse no forno preaquecido a 180 ºC por 20 minutos. Desenforme e deixe esfriar. Corte o brownie fazendo pequenos retângulos. Descasque a banana e corte em pedaços. Coloque as bolas de sorvete sobre o brownie e sirva com a banana. Utilize a calda para fazer desenhos no prato. Decore com as amêndoas. 14 A Häagen-Dazs é parceira do Itaú Personnalité. Veja as promoções exclusivas no site: www.itau.com.br/personnalite/ experiencia foto: divulgação Modo de Preparo Faça o brownie levando o chocolate meio amargo ao fogo, em banho-maria, com a manteiga. Mexa até ficar homogêneo. Adicione o açúcar e mexa. Na batedeira, coloque os ovos, a essência de baunilha e a canela em pó. Bata até ficar com uma textura macia. Incorpore o chocolate. Misture um pouco da farinha de trigo com o bicarbonato de sódio e peneire. Aos poucos, adicione o restante da farinha à mistura de chocolate. Unte uma forma retangular padrão fotos: divulgação (sorvete) e nelson mello Para montar o prato: 1 bola de sorvete Häagen-Dazs Vanila Caramel Brownie 1 bola de sorvete Häagen-Dazs Banoffe 50 ml de calda de chocolate 1 banana-nanica inteira 30 g de amêndoas laminadas Hoje ninguém questiona o estofo de Bárbara Paz para interpretar Edith, a esposa prostituta de Félix (Mateus Solano), o grande vilão da trama da telenovela Amor à vida. Mas o momento da virada de carreira, em que passou a ser reconhecida como atriz, e não como vencedora de reality-show (ganhou o primeiro Casa dos artistas, em 2001), veio bem antes disso. Foi quando subiu ao palco em 2010, estreando a peça Hell. “Era quase um monólogo, um projeto idealizado por mim”, ela diz. A adaptação do livro homônimo da escritora francesa Lolita Pille era dirigida pelo então namorado, e hoje marido, Hector Babenco. Um papel denso: de uma garota rica, fútil, consumista e foto de cartaz de divulgação da peça hell, de 2010, estrelada por bárbara paz e dirigida por hector babenco usuária de drogas. Sua atuação foi elogiada por críticos de teatro. Entre os especialistas, houve quem ressaltasse que o virtuosismo de Bárbara, aparente num papel difícil, justificava a montagem. “Foi uma peça que recebeu inúmeras críticas positivas, colocando meu trabalho em outro patamar, de entrega, de reconhecimento”, afirma. “Depois de 17 anos de estrada, tive a sensação de que cheguei onde gostaria. A estrada foi longa, árdua, mas muito, muito prazerosa.” O caminho citado por essa gaúcha de Campo Bom teve início muito antes de entrar na Casa dos artistas. Bárbara se formou no Teatro Escola Macunaí- 15 ma em 1995 e na sequência fez um ano de CPT (Centro de Pesquisa Teatral), com Antunes Filho. “Ali foi minha grande formação como atriz”, conta. “Foi onde aprendi a enxergar o mundo com os olhos de poeta.” Depois disso, passou três anos com o grupo Parlapatões. Mas, em 2009, quando obteve o papel de Renata, na novela Viver a vida, escrita por Manoel Carlos, deu o primeiro grande salto. “Foi um momento importante”, Bárbara lembra. “Eu era aquela menina que saiu do Rio Grande do Sul exatamente com esse sonho. E, quase 20 anos depois, eu estava ali, dando vida a personagens tão importantes para a teledramaturgia brasileira.” foto: alessandro shinoda/folhapress Por Fernanda Ezabella, de Vista, Califórnia Fotos Richard Wright Bob Burnquist tenta mortal na final de megarrampa no sambódromo do anhembi, em 2011 “ Não deve ser fácil ser minha mãe” Bob Burnquist já venceu 26 X Games, quebrou 28 ossos, acumulou R$ 20 milhões e vive sob o risco de inventar novas manobras. “Se me machuco, quero voltar logo. Se pensar no pior, você não faz nada” Personnalité U ma cabra anda solta pela pista de skate. É um complexo grande de curvas ousadas e descidas íngremes, mas com buracos aqui e ali e folhas acumuladas no fundo do bowl. A pista não está abandonada, explica o dono, e sim em processo de transição. No momento, ele só tem olhos para o outro lado do quintal de sua casa no sul da Califórnia, onde estão a megarrampa, do tamanho de um prédio de oito andares, e seu mais novo brinquedo, um helicóptero. Roberto Dean Silva Burnquist nasceu no Brasil e mora há quase 20 anos nos Estados Unidos, onde virou um dos atletas mais bem-sucedidos do skate. Foi o primeiro skatista e o segundo brasileiro, depois de Pelé, a ganhar um Laureus, o Oscar esportivo, em 2002. Neste ano, bateu o recorde de medalhas do X Games, a Olimpíada dos esportes radicais – são 26, praticamente o mesmo número de ossos quebrados (“uns 27 ou 28”) – o mais recente num acidente no final de julho, três semanas antes de receber a Revista Personnalité. Ele tentava seu nono ouro na modalidade Big Air, aquela da megarrampa, quando caiu de cara e quebrou o nariz. Acabou com bronze. Os campeonatos já não o empolgam tanto como os vídeos que tem feito no fundo do quintal. Em agosto, criou uma série para internet chamada Dreamland, na qual aparece se atirando do helicóptero para a megarrampa, a maior do mundo em propriedade privada. No final da filmagem, salta da rampa e se agarra ao helicóptero, que sobe, sobe... até ele se soltar e cair sorrindo. “Desde moleque, mesmo antes do skate, eu sonhava em voar ou saltar de paraquedas”, conta. As acrobacias de extremo risco – que incluem um salto de skate no Grand Canyon – aumentaram a fama do atleta, já reconhecido pelas medalhas e criações de manobras. Ele foi o primeiro e único a fazer um looping de skate num tubo e a completar um 900 graus de costas para a megarrampa. “Gosto de andar de skate”, diz na entrevista a seguir. “O lance é: me machuquei e não vejo a hora de voltar. É sempre assim, você sente a dor, quebra um osso e sara. Se ficar pensando no pior, você não faz nada.” Aos 36 anos, Bob também parece passar por uma transição pessoal. Divorciado pela segunda vez, em 2012, tem ido nos últimos anos muito mais ao Brasil, onde alugou uma casa no Rio de Janeiro. Diz que hoje tem mais produtos licenciados com sua marca na terra natal que nos EUA, como câmera, um game, mochila, cadernos, skates e uma coleção de roupas na C&A. Sua fortuna foi estimada pelo site norte-americano The Richest em US$ 8 milhões (cerca Bob Burnquist de R$ 20 milhões). Quando está no Brasil, fica com a filha Jasmyn, 5 anos. Nos EUA, fica com a mais velha, Lotus, 13. No quintal de sua casa, as duas cabras fazem companhia ao cavalo de Bob, Rio. O atleta tem árvores de abacate, limão, maçã e pera. Uma horta está abandonada, à espera de uma nova parceria, como a que fez em 2012 com restaurantes de comida mexicana para fornecer produtos orgânicos. Encontrar sua casa na cidade de Vista, com menos de 100 mil habitantes e a 67 quilômetros de San Diego, é fácil. Afinal, é a única da redondeza com uma escultura de skate feita de pedra no portão. As rodinhas são pintadas com a bandeira do Brasil. “Quero tentar evoluir cada vez mais o skate brasileiro”, diz. “Desde moleque, mesmo antes do skate, eu sonhava em voar” Achei que encontraria você com o nariz bem machucado. Ah, ele sangrou mais por dentro do que por fora. O médico disse que nunca tinha visto um nariz tão torto. Melhorou depois da cirurgia, foram três dias miseráveis, com curativo, um monte de coisa. A Lotus cuidou de mim. 18 Bob aos 4 anos; e em 1990, aos 14, no bowl do Arpoador. Na página ao lado, o skatista durante o aquecimento para o x games de 2012, em los angeles: ele ficou com a medalha de ouro E como faz para não ficar traumatizado? A gente pensa no melhor, se prepara para o pior e fica na positividade. O negócio é aprender a cair, é estar preparado, fortalecido, fazer alongamento. Minhas juntas são hipermóveis, de nascimento. Já me safei de muita coisa por isso. Ou então não me machuquei o tanto que poderia ter me machucado. Mas o corpo tem memória. Tem muita coisa que sinto até hoje. foto: arquivo pessoal e grant hindsley/ap photo arquivo pessoal arquivo pessoal Já tinha passado por um susto assim? Já passei por vários sustos, né? Mas o rosto é o rosto. Na hora, nem doeu tanto. Doeu depois, para ajustar o nariz, que estava fora do lugar. Fui atrás da rampa, o médico pegou e crau! No ano passado, no mesmo X Games de Los Angeles, bati as costas, achei que era sério. Não conseguia nem andar, fiquei 20 horas na cadeira de rodas. Mas meu médico falou: “Se você quer andar de skate na sexta” – e eu tinha me machucado na terça – “você vai ter que sair desta cadeira imediatamente, não interessa se dói, tem que começar a andar”. Ele fez massagem, foi um processo superdoloroso. E consegui. Essas pistas menores da sua casa estão abandonadas? Essas aí foram construídas há mais tempo. Tirei as chapas para consertar embaixo. E as aproveitei para esse outro projeto do Dreamland. Usei todas na megarrampa. Aqui tenho que administrar a construção e a reconstrução. Faz 19 Personnalité Bob Burnquist torcido, com a cara quebrada e, mesmo assim, tenho que andar de skate – porque tenho uma demonstração marcada ou algum projeto grande com produção esperando. Não tem para onde correr, tem que andar. Você enfaixa e anda com dor. É difícil. Você é um exemplo de atleta que criou um nome forte, ganha dinheiro. Como você gerencia isso? Com meu telefone faço tudo. Aprovo uma propaganda, uma foto, um vídeo. Tenho uma agência aqui nos EUA, a WMG, e outra no Brasil, a BLG, de licenciamento da minha marca. Aprendi tudo sozinho. Obviamente o Tony Hawk [uma das lendas do skate] é um modelo, ele me abriu muitas portas. Com patrocinadores e negócios gigantescos, como você faz para manter o esporte com seu caráter original, ligado à rebeldia e à diversão? Isso aí é fácil porque eu sou a mesma pessoa de sempre. A diferença é que como profissional tenho uma disciplina maior, até porque as responsabilidades foram mudando. Faço o que quero e sou rebelde da minha maneira. O skate me ensinou muito a correr atrás do que quero e não desistir. Como é a sua rotina? Quando chega perto de um evento grande, treino muito, mas duas semanas antes desacelero – ao contrário da maioria. Meu corpo não aguenta. Aí entra o quiroprata, ponho o pé no gelo, tem um cooler debaixo da mesa. Não ando todo dia de skate para ganhar campeonato. Ando todo dia porque amo andar de skate. Mas não dá para negar que campeonato tem uma fórmula e, dependendo do evento, acaba sendo mesmo repetitivo. uns três anos que não ando muito ali, confesso que acabei negligenciando. Mas, na megarrampa, ando direto. Quero terminar de arrumar as outras porque o design de pista é muito divertido. _ “Gosto de ioga porque ensina a respirar” E por que ter uma megarrampa no quintal? Tive a oportunidade de comprar este terreno colado ao meu e pensei: “Se eu quiser evoluir mesmo, vou ter que ter uma pista privada”. Depois que ela ficou pronta, em 2006, a minha evolução não parou. Bob Burnquist gosta de começar bem a manhã. Seja com uma omelete de clara ou uma vitamina de fibra e proteína. Geralmente ele bate leite de amêndoas com iogurte, banana e morango. “Vale também um açaí.” Em um dos vídeos do Dreamland, você aparece de skate pulando do helicóptero de paraquedas. Se cansou do chão? Isso vem desde moleque. O pai de um amigo visitava fazendas num monomotor e numa das visitas ele me deixou pegar no manche e ficar virando pra cá e pra lá. Eu tinha uns 7 anos. Aquilo ficou comigo. O tempo passou, minha realidade era o skate, mas eu sempre sonhava em saltar de paraquedas. Comecei a saltar em 2003, a licença para pilotar, tirei em 2005, e aí o paraquedas tomou toda minha atenção. estúdio. Estão ali uma bancada para montar skates, diversas pranchinhas e troféus, além de caixas e mais caixas de tênis enviadas pelo patrocinador. No teto, pendurou alguns cheques comemorativos que recebeu no começo da carreira. Bob levanta peso, mas não muito. “Tenho que ser forte e ágil. Não grande”, diz. “Por isso gosto de ioga, trabalha força e mente, ensina a respirar. Quando você respira, mantém o emocional mais controlado.” 20 JAE C. HONG/AP PHOTO Antes de treinar, costuma alongar bastante e se aquecer tocando bateria num quartinho apelidado de Ganhar um X Games rende hoje mais de US$ 50 mil. Lembra do que comprou com seu primeiro prêmio? Ah, devo ter comprado CDs! Ganhei uns campeonatos profissionais no Brasil com 15 anos. Lembro que fiz uns US$ 500. O primeiro internacional foi no Canadá, um cheque de US$ 800. Guardei, eu já pensava em comprar uma casa. Você é mais reconhecido aqui nos EUA ou no Brasil? Sou bastante reconhecido aqui, mas no Brasil sou parado até por senhoras... Quatro eventos de megarrampa foram transmitidos pela Globo. Ganhei todos. Fiquei em evidência. Você é um atleta que abriu caminhos e ampliou os limites do esporte. O que surpreende você na garotada de hoje? O que é possível agora não era quando comecei. Hoje existe a megarrampa, skate com velocidade alta, corrimões enormes. O próprio Tom Schaar, um dos moleques novos, de 14 anos, foi o primeiro a acertar um [giro no ar de] 1080 graus , e dar um 900 graus com facilidade. São manobras bem complexas, difíceis. Quando ele começou a andar, a megarrampa já era uma realidade, fazia parte. Aquilo inspirava ele. Em 1999, o Tony Hawk deu o primeiro 900 graus, ele tinha uns 30 e poucos anos. Hoje, é tudo rápido, os moleques têm 14. Eles vão sem medo por não ter tanta experiência, não ter apanhado tanto. Eu lembro como era nessa idade: você acredita em milagre. Existe uma pressão para inovar a cada evento? É pressão interna. Todo ano tento colocar alguma coisa que ninguém viu. Caso contrário é melhor ficar em casa, onde montei um obstáculo novo e posso filmar. A galera vai falar que sumi até verem por que sumi. No caso destes vídeos do Dreamland, foi isso. Quando vou tentar uma coisa nova, eu filmo, ponho no disco rígido e vou para a próxima. Dá para guardar 10 segundos que são ouro e, assim, vamos montando. Você tem um trabalho que é um passatempo para muita gente. Quais são as chateações? Quando não posso trabalhar [risos]. Ou quando estou com o pé acima, bob no X Games em los angeles, em 2011; na página ao lado, com a bateria que toca para se aquecer antes do skate 21 Personnalité Como sua mãe e suas filhas reagem a projetos como esse de pular no Grand Canyon de skate? Elas não têm muita escolha, na verdade. Eu não falo. Minha mãe só fica sabendo depois. Falar por quê? Ela vai ficar preocupada, vai falar um monte. Ela não é muito de assistir, mas gosta de apoiar. Entendo. Fazia não sei quanto tempo que ela não ia para um campeonato. Aí ela foi e... quebrei o nariz. Não deve ser fácil ser minha mãe. de recuperação, repeti a sexta série... Minha mãe, claro, começou a tirar meu skate. Comecei a escutar. Uma vez ela até cortou os pneus da minha bicicleta. Eles me apoiavam muito, mas me reeducavam pelo skate. Você é espírita. Como isso ajuda na sua carreira? Dá um pé mais sólido no chão. A fama pode acabar deslumbrando. O legal do espiritismo é estar sempre centrado, manter a humildade, aproveitar o momento. Não é assim: “Tenho várias vidas, então beleza” [risos]. Quero evoluir o máximo nesta. É uma questão de fé. E tenho pessoas perto de mim que me protegem. Estou sempre lendo, se preciso de alguma coisa, eu paro, fecho o olho, dou uma rezada. Você se sente em sintonia com algo maior. Quando você começou a andar de skate e a se profissionalizar, como foi a reação de seus pais? Ganhei meu primeiro skate com 10 anos. Tinha uma bola que um grande amigo perdeu. No lugar dela, ele me deu o skate. Com 11 anos pedi um skate profissional de aniversário para o meu pai. Ele comprou e a gente montou junto numa bancada onde ele fazia seus projetos. Foi superlegal. No mesmo período, abriu a pista Ultra perto de casa, eu morava no Brooklin, em São Paulo. Então ia para a escola e andava de skate. Era uma atividade boa, minha mãe via como algo positivo porque eu tinha asma. Aí comecei a andar com galera mais velha, deixei de ir para escola, fiquei E o que você quer da vida? Qual seu próximo passo? Quero estar cada vez mais presente no Brasil, evoluir cada vez mais o skate lá. Também quero continuar andando da minha maneira, filmando, que é onde está a evolução, seguir crescendo e ver minhas filhas bem. Quero continuar exatamente como estou, como minha vida está. 22 Acima, bob pilota seu helicóptero e mostra sua propriedade de cima para a reportagem. Na página ao lado, o skatista na estrutura que sustenta a megarrampa “se preciso de alguma coisa, paro, fecho o olho e dou uma rezada” Por José Nilton Dalcim dreamstime VIDA EM DUPLA Com a vitória no Masters do Canadá e o vicecampeonato no US Open, o mineiro Bruno Soares se consolida na quarta posição do ranking mundial do tênis em dupla, modalidade disputada desde 1879, em Wimbledon le melhorou a devolução do saque, evoluiu no trabalho de pernas e aprimorou o voleio — rebater a bola antes que ela quique na quadra. Orientado pelo técnico Roberto Morais, o mineiro Bruno Soares trouxe o Brasil de volta às manchetes internacionais do tênis ao vencer em agosto o torneio de duplas do Masters 1.000 de Montreal, no Canadá, ao lado do austríaco Alexander Peya. Com o resultado, assumiu o quarto lugar no ranking mundial, algo que um brasileiro não conseguia há 30 anos. Até mesmo quem bate sua bolinha de fim de semana sabe: dupla é quase outro jogo de tênis. Dividir a metade da quadra, que parece tão grande quando se joga sozinho, tem suas vantagens, mas também exige habilidades especiais. O espaço onde rebater a bola longe do alcance do adversário também fica menor. Entre os profissionais, na verdade, fica muito menor. Se o esforço físico diminui, a necessidade de precisão aumenta. As competições de duplas são tão antigas quanto as individuais. O primeiro campeonato foi disputado em Wimbledon, em 1879, apenas dois anos depois de ser criado o de simples. Nunca teve a mesma repercussão. No tênis profissional, em que se passou a ganhar dinheiro a cada partida disputada a partir de 1968, a dupla costumou ser o mundo dos aposentados, uma forma de esticar a carreira e a conta bancária. Mas isso mudou drasticamente nos últimos dez anos. O sucesso brasileiro nas duplas começou há mais de 50 anos. Maria Esther Bueno foi a primeira da história a ganhar os quatro grandes campeonatos 26 o mineiro bruno soares; na página ao lado, seu parceiro, o austríaco alexander peya fotos: guto gonçalves/asics (bruno) e empics sports/paimages/easypix E numa única temporada, em 1960. Thomaz Koch e Edison Mandarino ainda figuram entre os duetos de maior sucesso na centenária Copa Davis. Com 1,80 metro, altura relativamente baixa para os grandalhões do tênis moderno, Bruno transformou-se no caso nacional mais notório de eficiência, não só pelo título no Canadá como pelo vice-campeonato no US Open, conquistado em setembro. Para chegar lá, ele trilhou o caminho tradicional, ou seja, boa carreira juvenil e difícil transição para o profissionalismo. Bruno, no entanto, não contava com uma contusão no joelho esquerdo, que o levou à cirurgia e a uma parada de quase dois anos. “Cheguei a considerar o fim da carreira”, conta. “Montei até uma academia de ginástica me preparando para o plano B.” Veio então a decisão, sempre dolorosa, de abandonar os jogos de simples e tentar a sorte nas duplas. “Estava com 25 anos e era ciente da dificuldade que seria retomar a carreira individual. Ainda assim não foi fácil, porque a gente sabe que o circuito de duplas não tem o mesmo glamour e paga bem menos. Para ganhar dinheiro em simples, você precisa ser top 100; nas duplas, precisa chegar entre os 40.” Hoje, Bruno é top 5. Aquela imagem do atleta semiaposentado de barriguinha protuberante praticamente não existe mais. A média de idade despencou na última década e, para engrossar o caldo, a Associação dos Tenistas Profissionais (ATP) incentiva os ídolos de simples a jogar em duplas. “A coisa mudou muito”, diz Soares. “A galera toda está treinando muito, porque se não fizer isso dificilmente vai ter sucesso. “após a cirurgia cheguei a considerar o fim da carreira” 27 28 alexander peya (de costas) e bruno soares durante o us open 2013, torneio em que foram vice-campeões LIÇÕES NO IRAQUE Família é algo que geralmente pesa demais na vida de um tenista, porque é seu porto seguro desde que começa a dar as primeiras raquetadas. No Brasil, principalmente, são os pais que bancam a custosa trajetória pelo mal planejado circuito juvenil, que muitas vezes limita a oportunidade de carreira a quem pode gastar mais. Bruno começou aos 5 anos, quando morava no Iraque. O pai, Malthus Antônio Soares, um engenheiro civil que havia sido contratado para trabalhar no país, mudou-se para o Oriente Médio quando Bruno tinha 2 meses de vida. Ali, passou a tomar aulas de tênis, acompanhado pelo filho. “A gente sempre foi unido em tudo”, diz Bruno. “Meus pais tiravam férias para me ver jogar, mas sempre me deixaram escolher meu caminho. A única exigência foi que jamais abandonasse o colégio.” Essa proximidade afetou muito o atleta quando Malthus faleceu, em junho do ano passado. Por aquelas ironias do destino, 14 meses depois, ele acabou conquistando o título do Masters do Canadá no Dia dos Pais e registrou na lente da câmera da TV o seu pesar. “Aquele dia foi ARQUIVO pessoal UMA QUÍMICA COMPLEXA O maior dos segredos para o sucesso está na escolha correta do parceiro, e isso envolve uma química complexa. Para início de conversa, é preciso fazer cálculos. A entrada num campeonato profissional se dá através da soma do ranking dos dois tenistas. Depois, existe uma questão técnica e de estilos. Por fim, e talvez ainda mais relevante, a afinidade pessoal. “Tive sorte”, conta Bruno. “Em 2008, ainda estava tentando me firmar como duplista e aí veio uma semifinal totalmente inesperada em Roland Garros, em que derrotei no caminho o experiente Kevin Ullyett, do Zimbábue. Além de saltar para 40o do mundo, chamei a atenção do Ullyett e duas semanas depois ganhamos um torneio na grama. Resolvemos fazer parceria fixa para 2009, que seria a despedida dele do circuito, e isso valeu para mim por quatro anos. Ele me ensinou demais.” Nas duas temporadas seguintes, Soares tentou encaixar parceria com outro mineiro especialista em duplas, Marcelo Melo, mas apesar de serem grandes amigos e de alguns resultados positivos a coisa não decolou. Foi quando pintou o austríaco Alexander Peya, ex-top 100 de simples que estava começando a se dedicar às duplas. “Treinamos juntos e eu estava convicto: era o parceiro que queria naquele momento”, diz. “Mas ele já estava acertado com outro austríaco e tive de esperar. Fiquei naquela espécie de namoro até que por fim trocamos ideia e sentimos que havia potencial.” Mas o que afinal de contas funciona tão bem com um que não dá certo com outro? A história tem exemplos notáveis de parcerias de comportamentos antagônicos dentro e fora das quadras. Peter Fleming temperava o explosivo John McEnroe, Pam Shriver sabia acalmar Martina Navratilova, Mark Woordforde era o contrapeso do tímido Todd Woodbridge. Também era assim com Koch, garotão roqueiro e estilo hippie, e o conservador Mandarino. “Na parte de quadra, eu me considero um duplista versátil, que se dá bem em todos os pisos e balanceia bem o saque, o voleio, a devolução”, explica Bruno. “Alex é bem parecido comigo. Acho que eu não daria certo com jogadores muito agressivos, que gostam do risco máximo. Preciso de um parceiro sólido.” Porém, é fora das quadras que a coisa pode ir para o bem ou para o mal. Com um calendário de 40 semanas ao ano, a maioria delas longe da família e dos amigos, vivendo a enorme pressão por resultados e por dólares, é muito fácil a situação sair do controle. “Qualquer erro, qualquer comentário malfeito pode fazer desandar tudo”, confessa Soares. “Tem gente que consegue jogar até brigada, mas acho isso impossível. Estamos juntos 18 horas por dia, saímos juntos, comemos juntos, temos vitórias e derrotas. Há alguns que tentam levar no lado profissional e só se vêem no treino. Para mim, não funciona.” Caso clássico, os yasuyoshi chiba/afp Os torneios estão cada vez mais equilibrados, e ter [Rafael] Nadal, [Novak] Djokovic ou [Andy] Murray jogando complica para a gente. Mas eu gosto disso, é bom para o esporte e para chamar mais atenção para as duplas.” Melhor duplista brasileiro da Era Profissional até a ascensão de Soares, o paulista Cássio Motta, que se aposentou em 1994, atesta a evolução. “Eu jogava duplas quando não conseguia vaga de simples, e aí aconteceu de os resultados virem. Joguei o Masters de fim de ano no Madison Square Garden, com aquele público todo. Foi o máximo.” Hoje empresário e apenas espectador distante do tênis, Motta se diz maravilhado com a mudança no equipamento: “Com a raquete de madeira, você tinha de acertar a bola no lugar exato para obter um bom golpe. As de hoje permitem que você erre muito o centro e ainda consiga um golpe potente e preciso”. “treinamos juntos e eu estava convicto: era o parceiro que queria” argentinos Guillermo Vilas e Jose-Luis Clerc, inimigos mortais, jogavam a Copa Davis sem trocar olhar ou palavra. Bruno e Peya tentam compor o quadro de forma suave. O austríaco viaja com mulher e filho, e Bruno leva a esposa, Bruna Alvim, ex-tenista, em 12 a 15 torneios por ano. “A gente se conheceu por causa do tênis, éramos crianças e jogávamos no mesmo clube. Começamos a namorar e eu parei de treinar, mas de vez em quando até arrisco bater uma bolinha com ele”, conta a arquiteta. Os dois já completaram quatro anos de casamento, ela sempre seguindo cada partida do maridão. “Não perco um jogo, fico grudada no computador ou na TV, mas não costumo ficar nervosa.” A distância dói mais. “Estamos juntos há quase 15 anos e nunca me acostumei a ficar longe dele.” 29 _ Principais conquistas de Bruno Soares Duplas 2013 Masters do Canadá, Eastbourne, Barcelona, São Paulo e Auckland 2012 Valência, Estocolmo, Tóquio, Kuala Lumpur e São Paulo 2011 Costa do Sauípe e Santiago 2010 Nice 2009 Estocolmo 2008 Nottingham Duplas mistas 2013 Finalista em Wimbledon 2012 Campeão do US Open _ Irmãos Bryan: norte-americanos são os melhores do mundo Não há mais nada para Bob, canhoto, e Mike ranking quatro meses antes do encerra- meira vez o top 20 do ranking de duplas, ele Bryan, destro, conquistarem no circuito de mento da temporada. decidiu que era hora de escolher. duplas. Os gêmeos idênticos norte-america- 30 no alto, A italiana lea pericoli (esquerda) e a brasileira maria esther bueno brincam no jogo de exibição de lady crosfield’s (1959), em londres; ao lado, os irmãos bryan celebram vitória contra robert lindstedt e horia tecau, em melbourne (2012) O apego ao tênis vem de família. A mãe, nos têm o maior número de troféus, foram aos jogos de simples e tiveram sucesso no Kathy, disputou Wimbledon quatro vezes, os que mais venceram partidas, que mais forte circuito universitário americano. Gra- foi quadrifinalista de duplas em 1965 e hoje lideraram o ranking, detêm o recorde de duados em Stanford, Bob venceu simples ainda dá aulas. O pai, Wayne, ainda que títulos de Grand Slam e, por consequência, e duplas no Nacional de 1992, já fazendo advogado e músico, também é instrutor são os que mais ganharam dólares. Milhões parceria com Mike, um feito raro. O canhoto de tênis e está sempre envolvido em ações de dólares. E nem pensam em parar. Têm poderia ter se esforçado mais na carreira públicas de ensino para crianças. Dizem que ainda 35 anos, idade excelente para o duro individual, já que chegou a ser 116º do mun- os filhos começaram a jogar aos 2 anos. calendário internacional de duplas. Profis- do quando tinha 22 anos, porém o sucesso Fato curioso é que eles proibiam Bob e Mike sionais desde 1998, estão tão absolutos em ao lado do irmão já chamava a atenção e, de jogar entre si no circuito juvenil. Quando 2013 que já garantiram o número um do pouco depois, quando atingiram pela pri- acontecia de eles se cruzarem, um teria de abandonar a disputa em favor do outro, de forma alternada. Há mais de dez anos, os dois se juntaram também para formar uma banda de rock, com Mike na bateria, Bob nos teclados e o pai na guitarra. Não se pode dizer que o sucesso seja parecido com o das quadras, mas eles já gravaram até CD e dão shows com frequência. “Tocar em público, ser um rock star, era um sonho de infância”, afirmam. A popularidade dos dois é sem precedentes para duplistas exclusivos. Têm mais de 110 mil seguidores no Twitter, onde produzem mensagens divertidas e espirituosas o tempo todo. Revelam, entre outras coisas, que não fotos: pa archives/pa images/easypix e marianna massey/corbis (irmãos bryan) “Acho que posso me manter no circuito até perto dos 40 anos” meio complicado. Logo que acordei, vi nas redes sociais todo mundo homenageando seu pai e aquilo me pegou, chorei antes do jogo”, conta. “Essas datas são chatas para mim. Quando vencemos, me enchi de novo de lágrimas e a câmera veio na minha direção. Saiu espontâneo.” Os novos tempos do circuito de duplas também já começam a fazer milionários, ainda que a premiação seja significativamente menor do que nos torneios de simples. O campeão individual do recém-encerrado US Open, por exemplo, embolsou US$ 2,6 milhões, o que é quase seis vezes mais do que os US$ 460 mil que a dupla vencedora dividiu entre si. Ruim? Nem tanto. Maiores vencedores de todos os tempos, os irmãos gêmeos Bob e Mike Bryan já superaram a casa dos US$ 10 milhões de premiação oficial (leia boxe ao lado). Nesse quesito, Bruno também é o duplista brasileiro com maior faturamento, tendo já atingido US$ 1,5 milhão. O faturamento, no entanto, é relativo. “O atleta sul-americano tem custo muito mais alto porque as viagens são sempre mais longas e mais caras.” Os torneios na Europa e nos Estados Unidos dominam 80% do circuito. “Também existe o imposto na fonte de cada país onde jogamos, que na média morde 25%”, continua Soares. “E ainda precisamos pagar o percentual do treinador – o Peya tem três – e da empresa que nos agencia. É um valor mentiroso. Acho que nunca vi um tostão do que ganhei na época em que jogava de simples [até 2007].” Com a carreira no auge, as frequentes viagens e o reconhecimento no meio, Bruno equilibra o ritmo interno levando uma vida sossegada longe das quadras. Embora ache Paris o melhor lugar para jogar e Miami, para descansar, o que o mineiro realmente gosta é de ficar em casa, no bairro Santa Lúcia, em Belo Horizonte. Ele confessa que sempre teve atração por esportes mais radicais, como surf e skate, mas o grande risco físico o fez trocar tudo por rodadas de pôquer. “Meus planos imediatos são todos ligados ao tênis”, conta. “Acho que posso me manter no circuito até perto dos 40 anos. Quero jogar pelo menos mais duas Olimpíadas. E quem sabe ganhar Wimbledon um dia.” Os irmãos começaram com mais atenção sabem cozinhar e que pediram autógrafo para Kobe Bryant na Olimpíada. Juntos, dirigem a Fundação Bryan Brothers, dedicada a levar esporte a crianças carentes. Recordes e fortuna? Os dois garantem que a motivação é outra. “A gente simplesmente adora jogar tênis todos os dias.” 31 Bob Burnquist pergunta: Foi difícil adaptar a língua para trabalhar em outro idioma? 32 Regina da Costa Pinto responde: Saí do Brasil bastante cedo, vivi na Espanha, na Bélgica e me formei na França. Então, no meu caso, a dificuldade é quando preciso escrever em português. Isso ficou claro na ocasião da restauração do Poussin [Regina restaurou o quadro Himeneu travestido assistindo a uma dança em honra a Príapo, do francês Nicolas Poussin (1594-1665), pertencente ao Museu de Arte de São Paulo (Masp)]. Foi impossível redigir um texto técnico em português – tive que contar com a colaboração da minha colega Karen Barbosa. Sempre leio em francês ou em espanhol porque é mais fácil encontrar livros nessas línguas do que livros brasileiros. 33 Por Daniela Fernandes da Costa, de Paris Fotos Pedro Meyer a arte que ninguém vê Uma das mais importantes restauradoras do mundo, a baiana Regina da Costa Pinto mora em Paris há 40 anos, trabalha para o Museu do Louvre e é uma das poucas pessoas que podem encostar na Mona Lisa. “O restauro mais perfeito é aquele que ninguém vê” 34 Personnalité Regina da Costa Pinto Não podemos nos impor em relação à criação do pintor em momento algum. O restauro mais perfeito é aquele que ninguém vê.” O trabalho efetuado na obra Pietà d’Avignon, do século 15, atribuída ao francês Enguerrand Quarton (1410-1466) e exposta no Louvre, “é uma das mais belas restaurações da minha vida”. DOIS ANOS COM VERONESE Basta uma rápida caminhada com Regina pelo Louvre para ter uma ideia da extensão de seu trabalho. Em poucos metros, a brasileira aponta sucessivamente inúmeras obras-primas que restaurou. Entre elas, a Virgem com a criança e o jovem São João Batista, de Botticelli (1445-1510), “que era muito utilizada em santinhos de primeira comunhão no Brasil”. Mais à frente, ela indica o Homem com luvas, de Ticiano (1490-1576), um de seus quadros preferidos, ou ainda São Marco coroando as virtudes teologais, de 4 metros de altura por 4 metros de largura, do pintor italiano Veronese (15281588), cujo restauro durou dois anos. século 16 e protegido por um vidro blindado – é a maior atração. Apesar de boa parte de seu trabalho estar “exposta” no Louvre, Regina também já restaurou telas de outros museus importantes na França, como o Orsay e o Centro Georges Pompidou, em Paris, e o de Rouen, na Normandia. Suas atividades incluem ainda obras milionárias de colecionadores particulares, sobretudo ingleses e espanhóis, o que a leva, muitas vezes, a trabalhar em casa. Por isso, seu apartamento com decoração clássica tem um ar de ateliê artístico: cavalete, mesa repleta de pincéis, tintas e acessórios para pintura, além de telas encostadas na parede. Nesse período, já passaram pelas mãos de Regina telas valiosíssimas de pintores como Rembrandt, Monet, Manet, Botticelli, Goya, Rafael, Van Gogh, Tiziano, Cézanne, Rubens, Caravaggio, Chagall, Picasso e tantos outros. Ela já perdeu a conta dos quadros que restaurou. É certo que são várias centenas. “Talvez umas 500 obras ou mais”, afirma, com o sotaque baiano bem presente. “É um trabalho sem glória. 36 Regina e uma de suas restaurações mais célebres: a mona lisa, de Leonardo da vinci, do louvre “já restaurei 500 obras ou mais”, diz regina sem perder o sotaque baiano fotos: arquivo pessoal (monalisa); divulgação T udo é branco no apartamento da baiana Regina da Costa Pinto Dias Moreira, situado em um charmoso bairro de Paris, próximo ao Teatro da Ópera. O piso, as paredes, o sofá, as almofadas, a mesa de mármore e até mesmo as flores. Tudo branco. A exceção são os objetos decorativos, feitos de cristal. Na luminosa sala de estar, um enorme quadro chama a atenção. É uma tela virgem, branca, batizada por ela de Ausência. A ausência de cores tem uma explicação. Trata-se de “um repouso para os olhos”. Descanso, aliás, imprescindível para alguém que, diariamente, trabalha com uma multidão de cores, traços e pigmentos utilizados pelos grandes nomes da história da arte. Regina é restauradora de pinturas. Uma das mais importantes do mundo. Seu currículo inclui a obra mais famosa do planeta: Mona Lisa, de Leonardo da Vinci (1452-1519). A brasileira trabalha há 40 anos para o Museu do Louvre, onde o pequeno quadro (77 cm x 53 cm) – pintado no início do acima, Retrato do Dr. Gachet, de Vincent van Gogh; e a obra O Balcão, de Édouard Manet, ambas do Museu d’Orsay, restauradas pela baiana radicada em paris 37 Personnalité _ Regina indica três museus na França Regina da Costa Pinto Especialistas ressaltam o talento da baiana. “A Regina possui conhecimentos científicos muito precisos sobre os materiais e produtos químicos a serem utilizados”, afirma Laurent Salomé, diretor científico do Grand Palais, responsável pelas exposições desse museu da capital francesa. “Ao mesmo tempo, ela possui grande intuição e sensibilidade para compreender a pintura.” Salomé também foi diretor do Museu de Belas Artes de Rouen, que possui um dos acervos mais importantes da França, e teve inúmeras ocasiões em que trabalhou com a brasileira. Entre os restauros realizados por Regina para esse museu, estão uma importante pintura de Caravaggio (15711610), A flagelação do Cristo, e a obra-prima do século 16 A virgem entre as virgens, do pintor holandês Gerard David (1460-1523). “Com a Regina, um trabalho complicado tem sempre uma solução. Além disso, diferentemente de outros profissionais, ela se envolve em todas as fases que precedem o restauro e conhece muito bem as etapas de análise do quadro”, afirma Salomé, se referindo às radiografias e fotos com luz infravermelha, por exemplo. A brasileira estudou pintura, um talento suplementar em relação aos que dominam apenas as técnicas de restauro. Museu de Rouen, na Normandia (o trajeto de trem-bala, desde Paris, leva 1h15) – “Ele foi decorado pela designer Andrée Putman e possui um grande jardim de inverno, com um restaurante onde há pinturas e esculturas”, diz Regina. Ali podem ser vistos os quadros A flagelação do Cristo, de Caravaggio, e A virgem entre as virgens, de Gerard David – ambos restaurados por ela. Há também obras de Diego Velázquez, Rubens, Poussin, Monet e Modigliani. Museu Condé, em Chantilly (a 38 km de Paris) – “Ele fica em um belíssimo castelo situado em um parque Regina conta que sempre gostou de pintar e desenhar. Por isso, cursou, no final dos anos 60, a Escola de Belas Artes de Salvador. Decidiu concluir a formação na renomada escola de São Fernando, em Madri, que teve como alunos Salvador Dalí e Goya. Foi na capital espanhola que decidiu se especializar em restauro, após ver uma reportagem a respeito. Ingressou no Instituto Central de Restauração de Obras de Arte, Arqueologia e Etnologia de Madri. Afinal, como dizia seu pai, médico, “é muito difícil um artista sobreviver apenas de sua arte”. De lá foi para a Bélgica, onde fez curso de aperfeiçoamento no Instituto Real do Patrimônio Artístico de Bruxelas, referência internacional na área. Quando chegou a Paris, em 1973, apenas para uma curta estada antes de retornar a Salvador, descobriu que o centro de restauração do Louvre havia aberto vagas. O concurso público, com cerca de 200 inscritos (e apenas 13 aprovados), durou dois meses e teve inúmeros exames práticos e orais. Regina tirou o segundo lugar. Mas, se dependesse de alguns jurados da banca examinadora, que lhe deram zero em uma prova oral, ela não estaria ali. Isso porque Regina havia se tante coleção”, afirma. Estão expostas As três graças e Nossa Senhora do Loreto (um dos primeiros restauros realizados por ela), do pintor Rafael (1483-1520), e um Autorretrato de Ingres (1780-1867). Em Chantilly ocorrem as grandes corridas de cavalo na França e, por isso, há também um Museu do Cavalo no local. O castelo possui ainda “uma linda biblioteca com várias raridades”. Museu JacquemartAndré, em Paris: “É um lugar excepcional”. Situado na antiga residência, do século 19, de uma rica família colecionadora, o museu apresenta pinturas, esculturas, móveis e objetos de arte. Regina recomenda os quadros de Perugino, Carpaccio, Botticelli, Fragonard e Rubens. O museu também possui um salão de chás com afrescos de Tiepolo no teto. 38 fotos: thomas patrice/hemis/afp (jacquemartandré) e divulgação MONA LISA NAS MÃOS e possui uma impor- Veste-se com elegância. Usa modelos da grife Yves SaintLaurent e também tem peças da Chanel. Comunicativa, gosta de falar sobre os mais variados assuntos e a conversa pode se estender por horas. No tempo livre, frequenta a ópera e o balé. “Ela é muito culta e também generosa”, diz o amigo Clemente Hungria, pesquisador de história da arte que mora em Londres e a conhece há oito anos. “Inicialmente, é uma pessoa fechada”, diz. “Mas, após um contato, ela se abre. A Regina possui um lado materno nas relações de amizade.” Para se dedicar ao trabalho, a restauradora optou por não ter filhos nem rotina familiar. A família de Regina fundou uma das primeiras usinas de cana-de-açúcar da Bahia, no final do século 19, com equipamentos e engenheiros franceses, e desenvolveu um império açucareiro no estado até meados do século passado. Seu tataravô, o visconde de Oliveira, foi presidente da província da Bahia em 1860 e padrinho de crisma do jurista, escritor e diplomata Ruy Barbosa (1849-1923). Algumas casas de engenho da família ainda existem. A restauradora se lembra da época em que “não existia shopping” em Salvador. Ou de quando atravessava um riacho para assistir à missa em uma igrejinha. O Brasil ainda segue pouco presente em sua carreira. Em 2009, realizou um importante restauro, o do quadro Himeneu travestido assistindo a uma dança em honra a Príapo, do francês Nicolas Poussin (1594-1665), pertencente ao Museu de Arte de São Paulo (Masp). “Isso foi muito importante para a minha vida profissional”, diz. “Foi a primeira vez que realizei um trabalho para um grande museu brasileiro.” Durante essa estada no Brasil, ela também restaurou uma obra de um dos maiores colecionadores particulares do país, cujo nome Regina prefere não citar. “Ele possui quadros importantes, como uma tela de recusado a responder perguntas que achava muito fáceis. “Eu era jovem e não tinha consciência de muitas coisas.” Após trabalhos importantes, que garantiram à brasileira notoriedade na Europa, veio o direito de tocar o “Santo Graal”: a Mona Lisa. Regina integra a limitadíssima equipe de uma dúzia de pessoas, entre especialistas de diferentes áreas, que pode pôr as mãos no célebre quadro, pintado sobre madeira. “Hoje, os exames são mais raros porque a temperatura e a umidade da caixa de vidro onde ela fica são controladas por computador e não há alterações”, diz Regina. O fato de lidar com grandes obras de arte, que representam “um patrimônio positivo deixado pelo homem”, também tem seu lado árduo. Apesar de usar máscara, Regina acaba inalando produtos químicos utilizados, como solventes fortes. Além disso, precisa fazer regularmente reeducação visual com um oftalmologista para evitar ficar vesga devido ao uso constante de microscópios. Em maio, a brasileira recebeu uma condecoração do Senado francês por suas atividades no país. Essa foi sua quinta premiação. Mas, mesmo após tantas décadas na França, Regina, nascida em Salvador, não se adaptou ao comportamento que ela considera mais frio dos habitantes locais. Segue sendo uma mulher calorosa. No ambiente de trabalho, sua fama é tingida pelo bom humor. “Toda vez que a encontro, ela me faz rir”, diz Salomé, diretor do Grand Palais. Quando passa férias no Brasil, aproveita para matar a saudade do “mar azul da Bahia, da comida e do calor humano”. “Em Salvador, sua casa vive movimentada. Ela adora receber visitas”, conta Clara Calmon da Costa Pinto, prima de Regina que estuda história da arte em Londres. “Apesar de todos esses anos fora do Brasil, Regina mantém uma ligação muito forte com a Bahia e com a família.” a restauradora em sua casa, onde recebeu a revista personnalité 39 Personnalité Regina da Costa Pinto _ A ciência de salvar obras históricas 1982). Regina ri ao mostrar o livro publicado após esse restauro, em que seu longo sobrenome foi dividido no meio e atribuído a duas restauradoras distintas. No final do ano passado, teve a ocasião de jantar com o costureiro Christian Lacroix, que realizou, para o Museu de Rouen, a cenografia da mostra sobre o pintor impressionista francês Jacques-Émile Blanche (1861-1942), com quadros restaurados por ela. Uma vez, a baiana foi jantar com o presidente de um banco francês que havia patrocinado uma exposição no Museu de Rouen. “Eu estava com o rosto mascarado de maquiagem”, ela conta rindo. Instantes antes, Regina havia dado uma entrevista para uma TV regional sobre o restauro. Pediu à maquiadora para a deixar irreconhecível (talvez por vergonha de aparecer). Só viu depois do jantar a “camada branca” que a deixou com ares de “boneca de cera”. A restauradora diz que ainda sente emoções fortes ao realizar seu trabalho. “É um privilégio ter nas mãos obras de museus, sobretudo quando se trata de pintores que admiramos”, diz. Entre seus preferidos, Manet, Da Vinci, Domenico Ghirlandaio e, sobretudo, Rosso Fiorentino, sua grande paixão e o único desses que nunca passou por seus dedos. No futuro, Regina prevê dividir seu tempo entre Paris e a Bahia. Fitinhas do senhor do Bonfim, amarradas na maçaneta da porta de entrada de seu apartamento, são o único vestígio de cor em sua sala. É possível que um dia ela pegue os pincéis que estão por ali. E então, diz a baiana, quem sabe pintará algo sobre a Ausência, a tela virgem que domina a parede de sua casa tão branca. Modigliani”, afirma. Na década de 70, Regina se aproximara de coleções particulares recuperando o antigo acervo do conde Matarazzo (1854-1937). Atualmente, esse tipo de trabalho tem ganhado espaço em sua agenda. Para restaurar um quadro, é preciso primeiro realizar uma documenfitinha do senhor do bonfim na maçaneta tação científica, com radiografias – inclusive tridimensionais – e fotos com luzes diretas e raios ultravioleta e infravermelhos. “Isso nos ajuda a fazer um diagnóstico antes da intervenção”, diz Regina. Também são realizados exames químicos, com tomadas de amostras (do tamanho da cabeça de um alfinete) para identificar os materiais utilizados pelo artista e analisar as diferentes camadas de tintas. Na França, a profissão começou a se desenvolver apenas nos anos 70, com a criação de cursos na área. Mas muitos materiais usados na restauração ainda não eram reversíveis, havia risco de alterar a arte. “Hoje, há maior conhecimento sobre as propriedades dos solventes”, conta Regina. E pensar que até o século 17 os “restauradores” não hesitavam em “adaptar” a obra ao estilo vigente da época e mudavam até mesmo as cores originais. “Quem mais estraga as obras de arte é o homem”, diz ela, que fotos: divulgação já foi chamada às pressas para retirar chicletes de quadros ou consertar rasgos e arranhões em telas causados durante o transporte. “Cada obra é única, estamos sempre inovando e nos adaptando para fazer os restauros”, diz Regina, acrescentando que é preciso ter criatividade e, às vezes, até improvisar para encontrar a melhor solução. no topo, A Virgem entre as Virgens, de Gerard David; e A flagelação do Cristo, de Caravaggio, ambos restaurados no Museu de Rouen 40 Nesses anos de carreira, Regina adquiriu uma coleção de acontecimentos pitorescos. Nos anos 80, restaurou quadros na antiga residência de Wallis Simpson, a duquesa de Windsor (1896-1986), nos arredores da capital francesa – comprada pelo milionário egípcio Mohamed Al-Fayed, dono do hotel Ritz, em Paris, e da loja de departamentos Harrods. Passou dias ouvindo histórias do mordomo e vendo fotos de festas com celebridades e objetos pessoais da duquesa. Também teve o privilégio de visitar a coleção particular de quadros da rainha da Inglaterra, desconhecidos do grande público. Ela teve acesso ao espaço privado do castelo de Windsor, onde só é possível entrar com autorização, e descobriu que a rainha tem uma grande coleção de quadros do artista veneziano Canaletto, além de guardar sofisticadas porcelanas de Sèvres. A brasileira também conheceu o príncipe Rainier de Mônaco ao ser chamada para restaurar o retábulo da catedral do principado, de autoria do pintor franco-italiano Louis Brea (1450-1525), que orna o túmulo da princesa Grace Kelly (1929acima, O Homem com Luvas, de Ticiano, restaurado no Museu do Louvre; e, ao lado, A Estação Saint-Lazare, de Monet, restaurado por regina no Museu d’Orsay 41 Por Luiz Antonio Ryff, de Paris bridgeman art archive/keystone DE PERDER A CABEÇA restaurante ledoyen sendo usado para um workshop de costureiras em 1914 Diz a lenda que foi no Ledoyen a última refeição de Robespierre antes de ser guilhotinado pela Revolução Francesa. De lá para cá, o mais antigo restaurante de Paris a ostentar as três estrelas Michelin segue oferecendo experiências definitivas, como relata Luiz Antonio Ryff belos de Le Squer, 51 anos, eram um tremendo contraponto à cozinha pesada e visualmente pouco atraente de Bocuse. Pelas mãos de Le Squer, um leitãozinho confit com cebola doce caramelada é tão leve quanto saboroso. Para não falar de uma de suas assinaturas: croquant de pamplemousse cuit et cru, concebido para um jantar comemorativo no Chateau Yquem, em Sauternes, onde é feito o vinho doce mais desejado do mundo. Certamente a sobremesa mais refrescante que provei, e eu nem sou lá muito fã de grapefruit. Como amuse bouche, a transparência de campari com gengibre que espocava na boca foi a única concessão a uma cozinha tecnoexperimental. De resto, o Ledoyen é um restaurante criativo, mas sem grande pendor para modernismos. A vinda de Le Squer até minha mesa para conversar foi uma distinção. Ele o chef le squer se aproxima e se apresenta – como se fosse necessário denis guignebourg/abacapress hristian Le Squer entra no suntuoso salão neoclássico adornado com grandes espelhos, painéis de madeira com pinturas antigas, cortinas espessas e móveis Napoleão III sem ser notado. Está de jeans surrado e tênis. Mas ele é o chef do Ledoyen e pode. Le Squer se aproxima da minha mesa e, com simplicidade absolutamente oposta aos pratos que prepara, se apresenta. Como se fosse necessário. Eu comentara meu prazer com a refeição a Vincent Javaux, o sommelier que explicava as harmonizações com os pratos e acabara de me apresentar ao Pineau des Charentes, um vinho fortificado pouco conhecido mesmo na França. Poucos dias antes, em Lyon, havia me decepcionado ao jantar no restaurante de Paul Bocuse, o principal embaixador da tradição culinária francesa. Os pratos inventivos, saborosos e geometricamente fachada neoclássica do ledoyen. na página ao lado, o restaurante fotografado em 1910 44 não faz um tour pelo restaurante como Bocuse. Le Squer passou pelas moças de traços orientais que faziam os pedidos em inglês e fotografavam o belíssimo carrinho com duas dezenas de queijos. Não parou para falar com os engravatados que pareciam discutir negócios no lado oposto do salão. Cumprimentou e sorriu para um grupo de franceses sentados na mesa atrás de mim. O que atraiu Le Squer à minha mesa foi seu amor pelo Brasil. Ele já esteve uma dezena de vezes no país – cozinhando, dando palestras ou viajando com a família. Encantou-se com o acarajé na Bahia, os crepes de tapioca e com a comida de Dadá, a cozinheira mais famosa de Salvador. Também adorou pão de queijo, açaí, cupuaçu e batata-baroa. Foi a Tiradentes, ao Rio, a São Paulo e a Natal. “O clima do Nordeste me agrada particularmente porque ele me lembra o da collection dupondt/akg-images C 45 minha Bretanha natal: muito vento, um ar salino, uma culinária rica em peixes e frutos do mar, uma cozinha elegante, ainda que muito simples”, ele me diz. “Fui surpreendido pela qualidade das matérias-primas, que nos permitem criar pratos muito interessantes. O Brasil é um país enorme por sua cultura, mas também por seu tamanho, e cada região oferece produtos, gostos e pratos diferentes, que não canso de descobrir.” Na última vez em que esteve no Brasil, no ano passado, a convite de Roland Villard, chef do Le Pré Catelan, no Rio de Janeiro, Le Squer foi apresentado ao pirarucu e ao tambaqui, que serviram de ingredientes para um jantar amazônico feito a quatro mãos com Villard. “Além de um excelente cozinheiro, com uma profunda reflexão sobre a profissão e sobre o futuro da culinária, ele é uma pessoa especial e muito simples, sem qualquer frescura”, conta Villard, que faz uma confidência: nessa última vez em que veio ao Rio, Le Squer o surpreendeu ao pegar um ônibus no aeroporto com a mulher e ir direto vê-lo. TRÊS ESTRELAS salvador dali (1904-1989) sai do ledoyen no dia 23 de dezembro de 1980 Benoit Decout/REA e eric feferberg/afp (chef) “o ledoyen tem um serviço sofisticado sem ser pesado” bertrand rindoff petroff/getty images Nascido na Bretanha, no noroeste da França, Christian Le Squer tomou gosto pela cozinha ao embarcar como ajudante no navio pesqueiro do tio aos 14 anos. A primeira estrela Michelin veio em 1996, quando estava no Café de la Paix, em Paris. A segunda veio dois anos depois. A terceira chegou em 2002, aos 40 anos, três anos após ele assumir a cozinha do Ledoyen. O jeito simples e discreto de Le Squer, na verdade, ajuda a diminuir a pompa do Ledoyen, que, de outra forma, poderia ser intimidadora. Afinal, uma experiência prazerosa em um restaurante não se resume à qualidade da comida. “Ele tem um serviço sofisticado, sem ser pesado, em que a pessoa se sente confortável”, diz. “Em outros restaurantes três estrelas o cliente fica com medo de fazer qualquer coisa. Fica com a sensação de ser analisado o tempo todo.” Não é a única distinção do Ledoyen em relação às grandes mesas de Paris. A cidade tem dez restaurantes com três estrelas Michelin, o reconhecimento máximo do mais tradicional guia gastronômico do mundo. O Ledoyen fica perto de outros com igual patamar. Plaza Athénée e Le Meurice, onde Alain Ducasse pendura algumas de suas caçarolas espalhadas pelo mundo, ficam a cerca de 1 quilômetro. O Epicure, a meros 850 metros. Mas nenhum desses, nem os outros, têm tanta história quanto o Ledoyen. Escondida atrás do Petit Palais naquela que é, provavelmente, a menor avenida de Paris, a Dutuit, a casa comandada por Le Squer é o único imóvel em seus 190 metros de extensão. Ela fica à esquerda da parte baixa da avenida mais famosa do mundo, a Champs-Élysées, com seus quase 2 quilômetros de extensão, no lado oposto ao Arco do Triunfo. O Ledoyen pode ser o único imóvel. Mas que imóvel! A mansão de dois andares em estilo neoclássico com grandes colunas na entrada e um jardim foi construída interior do restaurante ledoyen; e, no detalhe, o chef christian le squer em 1842 pelo arquiteto Jacques Hittorff, o mesmo que planejou a reforma da Place de la Concorde, a poucos passos. O prédio foi destruído em 1848 – ano da Comuna de Paris – e teve que ser refeito. Entre seus frequentadores no século 19 estão Napoleão e a imperatriz Josefina, os escritores Émile Zola e Gustave Flaubert, os pintores Edgar Degas e Claude Monet. Guy de Maupassant, outro habitué, fez o restaurante de cenário em um de seus romances. Mas sua história é bem anterior. O restaurante é de 1792, se chamava Au Dauphin e ficava em outro lugar, perto 47 da Place de la Concorde. Revolucionários como Marat, Saint Just e Danton costumavam beber ali. Diz a lenda que foi o lugar da última refeição de Robespierre antes de perder a cabeça na guilhotina. Os tempos, no entanto, eram outros. Na época o que viria a ser o Ledoyen era um pequeno albergue com vacas pastando ao redor. Um público diferente dos turistas endinheirados com sacolas Louis Vuitton que passeiam nas redondezas atuais. Ledoyen 1, avenue Dutuit, Paris 8ème Tel.: (33) 1 53 05 10 01 Metrô Champs-Elysées | www.ledoyen.com Regina da Costa Pinto pergunta: O que você herdou de seu pai? Bebel Gilberto responde: O mesmo tipo de humor. 48 49 Por Eduardo Logullo Fotos Daryan Dornelles produção Kika Pereira de Sousa Ao comentar as músicas do primeiro DVD com o amigo Eduardo Logullo, Bebel Gilberto revê histórias de vida e chega a conclusões sobre o presente: “Agora decido quem fica do meu lado. Não é muito, mas tem sido bem melhor assim, sabia?” A seu bel-pra zer Personnalité A mulher de rosto magro e conversa sempre animada inicia a entrevista, numa fria noite no Leblon, dizendo: “Ando obcecada por trabalho!”. Pela primeira vez na vida, depois de três décadas de carreira musical e uma discografia composta de nove CDs, Bebel Gilberto, 47 anos, assumiu as rédeas da própria carreira. “Agora decido quem ficará do meu lado. E com quem fecharei parcerias profissionais. Não é muito, mas tem sido bem melhor assim, sabia?” A agenda cheia comprova. Convidada (pela segunda vez) para cantar no Rock in Rio, realizado em setembro, foi escalada para homenagear Cazuza. A apresentação perfilou o the best do amigo e parceiro: “Ih, foi lindo e difícil separar o repertório”. Ao mesmo tempo, Bebel segue empolgada com os resultados do seu primeiro DVD, gravado na Praia do Arpoador, em show dirigido pelo designer carioca Gringo Cardia. O registro se chama In Rio e faz o resumo da sua trajetória musical. “Fui produtora do DVD para o selo Biscoito Fino. Tenho trabalhado demais! Mas a dona do trabalho sou eu.” bebel gilberto A cantora conta que vive uma busca por equilíbrio pessoal, profissional e criativo. “Ou quase isso”, ela completa, depois de pensar um pouco. A frase sugere um momento importante, de novidades, tentativas e uma revisão da carreira. O repertório do DVD sugere a mesmíssima coisa: arranjos inéditos, parceiros de peso e grandes sucessos. Decidimos, então, amigos de tantos anos, falar sobre as canções que melhor explicariam sua trajetória e que estampam In Rio. Combinou-se assim: eu citaria uma música. E ela descreveria o processo que a fez chegar àquela composição. “É como entrar num túnel do tempo”, diz Bebel. Mas, antes mesmo de começarmos a falar das faixas, acabamos entrando num desvio. O papo retrocede ao começo da vida musical, da vida vivida. Sempre foi assim. Nossas conversas jamais foram retilíneas. Com Bebelucha (o apelido que os amigos próximos utilizam e que acabou virando a razão social de sua empresa), as composições são escritas a partir das experiências, surgindo por caminhos tortos, cheios de curvas, mas sempre graciosos. Cheios de bossa. 52 bebel no colo de sua mãe, miúcha. na página ao lado, em show com seu pai, joão Gilberto, em 1980 fotos: arquivo pessoal (miúcha) e lewy moraes/folhapress o desvio no tempo A vida da garota Isabel Gilberto de Oliveira tinha tudo para dar errado. Ou talvez fosse o contrário: tinha tudo para dar certo. Quem sabe? Taurina, nascida em Nova York em 12 de maio de 1966, Bebel teve que lidar com a herança familiar que lhe trazia portas abertas, mas peso demais e exposição exagerada. Ou alguém acha simples ser filha de João Gilberto, o nome matriz da bossa nova, e de Miúcha, cantora e primogênita da família literomusical Buarque de Holanda? A genética musical não garantiu um início profissional tão fácil. “Lutei muito até conseguir decolar lindamente na minha terceira tentativa profissional, o álbum Tanto tempo, que lancei em 2000.” Esse trabalho a levou, em questão de meses, a se tornar um dos mais importantes artistas brasileiros dos circuitos internacionais, posicionando o CD nos top charts norte-americanos, japoneses e europeus, além de somar vendagens que ultrapassaram 1 milhão de cópias. Até o presidente americano Bill Clinton declarou à época que Bebel Gilberto era trilha sonora na Casa Branca. Façanha semelhante só acontecera nos idos dos anos 1960, quando Sérgio Mendes popularizou de modo universal o estilo bossa-samba-jazz. Restava, porém, uma diferença: Bebel inaugurava uma sonoridade toda dela, a bossa eletrônica. Antes do estouro mundial, ela fizera em 1986 a tentativa meio arriscada de lançar-se pela gravadora WEA num disco que leva seu nome. Bebel Gilberto não aconteceu como se esperava. A avaliação da obra mudou com o tempo. “Hoje, esse trabalho é compreendido como referência vital daquela época, meio bossa nova, meio rock’n’roll, além de selar as minhas parcerias com Cazuza e Dé, que eram do Barão Vermelho.” Dividindo o microfone com Cazuza, a cantora compôs o clássico “Preciso dizer que te amo”. Mas a verdade é que o batismo musical de Bebel aconteceu ainda antes e por obra de sua mãe. Aos 9 anos, Bebel acompanhou Miúcha cantando, no Carneggie Hall de Nova York, ao lado do saxofonista Stan Getz. No Brasil, participou dos musicais Pirlimpimpim e Os saltimbancos, com um empurrãozinho de seu tio Chico Buarque, compositor da versão brasileira do clássico infantil. “Sempre fui assim: incontida, expansiva, esparramada, aberta” Electro-batucada Essas tentativas todas não significaram a garantia de permanência artística. Em 1991, Bebel partiu. Decidiu entremear temporadas nos Estados Unidos com aparições pelo Rio. Cazuza morrera um ano antes. Havia um grito parado no ar. Melhor seria tentar profissionalizar-se em Manhattan. 53 Personnalité 54 acima, foto do encarte do lp de os saltimbancos (1977): bebel no colo da mãe; nara leão à direita de miúcha arquivo pessoal “ fiquei realmente uma mulher séria. Dei uma sossegada geral” arquivo pessoal (saltimbancos) Nesse vai e vem, Bebel Gilberto faz aparições em projetos grandes, alinhando-se ao que existia de interessante na cena eletrônica dos anos 1990 – década de novidades, começo da era digital, final de milênio e com mudanças de comportamento. “Foi quando apareci no projeto Red Hot + Rio cantando com Everything But the Girl e George Michael”, diz. “Acabei participando da gravação do CD que reuniu essa turma toda.” Ao mesmo tempo, o mercado fonográfico japonês se tornava um campo promissor para artistas experimentais. “De repente, colaborei no CD Future listening! [1995], do produtor Towa Tei, cantando ‘Technova’ e ‘Batucada’”, conta. “Ali, a gente burilava uma nova sonoridade que logo levou ao projeto Peeping Tom, de Mike Patton, vocalista do Faith No More. Eu cantei ‘Caipirinha’ e mostrei ao planeta novos timbres eletrônicos.” A partir daí, dividiu o microfone com estrelas como Caetano Veloso, Thievery Corporation e David Byrne. A lista segue imensa. E a bossa nova jamais seria a mesma. A partir de seu terceiro disco, Tanto tempo, de 2000, o nome Bebel Gilberto se associou de vez ao tufão da bossa eletrônica e virou hit mundial, de um momento para o outro. “Foi loucura”, ela lembra. “Fazíamos shows desde a Finlândia bebel gilberto 55 bebel gilberto Sigsworth me fez misturar o balanço carioca da Orquestra Imperial com as Brazilian Girls [grupo de Nova York].” O trabalho seguinte, All in One, lançado em setembro de 2009, ganhou um auxílio luxuoso: o selo da Verve, gravadora que simboliza o jazz moderno nos Estados Unidos. E contou com os superprodutores disputados Mark Ronson (Amy Winehouse) e Mario Caldato Jr. (Beastie Boys e Björk). Neste ponto da carreira, Bebel vendeu quase 3 milhões de CDs, teve canções incluídas em trilhas de sete seriados da TV norte-americana (entre eles, Sex and The City) e em sete filmes (como nos aclamados Comer rezar amar e Closer – Perto demais, ambos estrelados por Julia Roberts), foi nominada duas vezes ao Grammy e cantou ao vivo no evento Miss Universo 2011 para um público estimado pela rede NBC em 1,5 bilhão de pessoas em 180 países. Finalmente, voltamos a falar das lembranças que cada canção do DVD In Rio traz para Bebelucha: “Samba e Amor” (Chico Buarque) “Na verdade, é a minha declaração de amor ao Chico, né? A minha paixão por ele, com quem já tinha gravado duas vezes [as canções ‘A mais bonita’ e ‘Os grilos são astros’]. Uma música de paixão, de uma dupla que não quer sair da cama, do quarto, da atmosfera de romance, do filme que fotos: chico nelson/editora abril e cristina granato/agência o globo inventaram para o seu amor.” até Cingapura, dos clubes modernos de Londres ao Madison Square Garden, sempre com ingressos sold out.” Dessa época, eu guardo na memória a visão de Bebel saindo apressada do hotel Maksoud Plaza, em São Paulo. O zíper da mala meio aberto e pontas de roupas quase se arrastando pelo chão. “Minha vida era hotel, aeroporto, palco”, diz. “Você se recorda de que papai estava no Maksoud nos mesmos dias e eu só o encontrei por alguns minutos?”, Bebel me pergunta. “Fora os compromissos profissionais, não havia tempo para mais nada. Mas tudo valeu muito a pena, acho.” Quatro anos depois, com a carreira consolidada, seu segundo álbum internacional, Bebel Gilberto, redefinia a bossa eletrônica com um estilo lounge acústico. “Ali comecei a marcar presença como compositora e como uma voz brasileira.” A filha cantora puxou a João Gilberto. Adora dar intervalos espaçados entre cada trabalho. É meticulosa. Está sempre atrás de um novo som. Assim, apenas em 2007 ela lançaria Momento, seu terceiro álbum internacional em sete anos. “Nesse trabalho conseguimos uma fusão das sonoridades anteriores”, explica. “Sem contar que o produtor inglês Guy Ao lado, bebel em retrato tirado em 1976. Acima, depois de um show do tio Chico buarque no canecão, Rio de janeiro, em 1988 “Tranquilo” (Kassin) “Fiz novo arranjo agora no DVD. No CD Momento, ela é totalmente caribenha, eu estava influenciada pela Orquestra Imperial naquela época. Um dia, no ensaio, falei: ‘Gente, vamos fazer algo meio bossa nova? O arranjo original é tão intranquilo’. Acho uma letra corajosa, que mostra de verdade coisas em que [o produtor] Kassin acredita e que eu incorporei.” “Samba da Bênção” (Vinicius de Moraes/Baden Powell) “É quase como se fosse uma música minha. Foi a canção que me lançou no mundo. Decidi que na arte do DVD/CD a letra dela ficaria em uma página que mostra o pôr do sol do Arpoador. Aliás, é a única letra publicada no encarte, por ter significado especial. Tudo começou quando eu namorava aquele vietnamita, lembra? Quando eu queria falar mal dele chamava-o de chinês... [risos]. Em 1999, nós dois fomos morar em Brighton, perto de Londres. Ele teve a sacação de mostrar ‘Samba da bênção’ para o produtor Amom Tobim, que é metade brasileiro, metade inglês e estava superarrebentando na época. Resgatamos ‘Samba da bênção’ no último 57 Personnalité bebel gilberto ano em que Baden Powell [1937-2000] viveu... Aliás, Baden ouviu a minha versão. E me ligou. Foi literalmente uma bênção. Ele morreu pouco tempo depois.” “Rio” (Simon LeBon/Nick Rhodes/Andy, John e Roger Taylor) “Bom, o Rio sempre foi a minha cara, a minha casa da alma. Essa gravação que abre o DVD tem outra história para mim. Importante lembrar que faço uma homenagem ao Duran Duran, ao [vocalista] Simon LeBon. Eles cantaram a cidade daquele jeito meio gringo, mas que se tornou uma visão internacional. Quando canto, a intenção vira outra. Vira o ‘meu’ Rio.” “Eu preciso dizer que te amo” (Bebel Gilberto/Cazuza/Dé) “Ficou incrível esse novo arranjo. Comecei viajando no da Marina Lima feito nos anos 80. Essa canção é fundamental na minha vida. Retrata uma época nossa no Rio, os tempos do Baixo Leblon, as paixões ocultas e ‘tanta coisa em comum’... Continua um registro intenso e forte.” locar um foco direto nas músicas dele.” de semana ele me devolveu a música pronta. Tem aquela coisa linda “Bananeira” (João Donato/Gilberto Gil) que toca o coração todo. Me comove muito, sempre, cantá-la”. “Essa música tem meu jeito, meu balanço, é tropical, tropicalista, “Close Your Eyes” (Bebel Gilberto/Suba/Roberto Dranoff/Patrí- alegre, doida... O novo arranjo do DVD está bastante fiel ao cia Ermell/Dinho Ouro Preto) original. Donato adora, na primeira versão ele participou.” “Puxa, é uma música que já veio praticamente pronta pelo [produtor] Suba. Ele tinha feito com a Patrícia Ermell, a modelo com quem na- “Sem Contenção” (Bebel Gilberto/Gerry Arling/Richard Cameron) morava. Maravilhosa. Botei uns detalhezinhos. Até Dinho Ouro Preto “Essa canção reflete muito sobre a minha coisa de querer falar fez alguns trechos. Oitenta autores... [risos] Mas continua demais. E com o coração e não usar a cabeça. Não ser racional... Sempre fui parece sempre com meu jeito e viagens musicais.” assim: incontida, expansiva, esparramada, aberta. A letra diz isso tudo. E a melodia acompanha essas características pessoais.” “Única participação que fiz só com o Suba [músico sérvio, radicado no Brasil, morto em 1999 enquanto produzia um disco de Bebel]. É um marco do meu primeiro CD internacional, que leva o nome da canção. O tempo parece reger de modo legal a minha carreira. Tanto tempo, tanto faz? O tempo não para? Melhor ouvir a música.” “Aganju” (Carlinhos Brown) “Lembra quando essa música foi lançada num desfile da Fórum que aparecia na novela Celebridade [escrita por Gilberto Braga, veiculada em 2003 e 2004 pela TV Globo]? Ela tem uma batida boa que combina mesmo com a moda. E foi a canção que lançou Carlinhos Brown 58 De volta ao presente e a seu apartamento no Leblon, nossa conversa envereda por algumas confissões. “Ah, fiquei realmente uma mulher séria... Dei uma sossegada geral, sabe?” Bebel adora passar férias no Rio. Na cidade, encontra os amigos, olha o pôr do sol na calçada da praia e faz planos. “Ando mais forte e centrada. Agora digo que estou casada com o trabalho, entende? É fazer música, tocar violão, compor...” Nesse momento do papo, Bebelucha ouve a campainha e abre a porta. Dois amigos chegavam, no meio da noite, para uma visita. Penso se é hora de ir, embora ainda haja muito a perguntar. “Ah, não. Fique comigo o tempo que você quiser”, ela me diz. “Temos tanta coisa para conversar e inventar.” Bebel, a prima sílvia buarque de holanda e cazuza em show de chico buarque em 1988 cristina granato/agência o globo “Tanto Tempo” (Bebel Gilberto/Suba) agradecimento: sacada / a.brand / animale / cris barros / cláudia jatahy para abrand tinho: fiz a melodia, mandei pro Caju [apelido de Cazuza]. Em um fim styling: marina brum; assistente: aline dias; make: dani kobert; assistente de foto: ana rovati de forma mais internacional. Talvez eu tenha sido a primeira a co- produção rj: ana hora; produção executiva sp: kika pereira de sousa; assistente de produção: juliana carletti; “Mais Feliz” (Bebel Gilberto/Cazuza/Dé) “Primeira música que escrevi profissionalmente, sabe? Lembro direi- 59 Por Luiz Fernando Vianna, do Rio de Janeiro GRANDE Para comemorar os 50 anos da gravadora que deu cara à bossa nova, convidamos Cesar G. Villela, o lendário designer do selo carioca, a relembrar as histórias por trás das capas clássicas da Elenco divulgação ELENCO um dos trabalhos favoritos de cesar, a arte do disco de 1962 de noel rosa marcou época na gravadora odeon ao transformar a letra “o” do sobrenome do poeta da vila em uma rosa te chamado a falar de uma entidade adorada por amantes da música: “as capas da Elenco”. A fundação da gravadora está completando 50 anos. Criada em 1963 por Aloysio de Oliveira, surgiu para fazer os discos de bossa nova que o produtor e compositor não conseguia levar adiante na Odeon, de onde fora diretor artístico. Foi ali que conheceu Cesar. N a virada dos anos 1950 para os 1960, as gravadoras enchiam de cores as capas de seus discos para tentar chamar a atenção dos compradores. Olhando as vitrines das lojas, o carioca Cesar G. Villela só enxergava confusão e se lembrava da frase do guru da comunicação Marshall McLuhan: “O excesso de detalhes numa composição chama-se ruídos visuais”. Começou a criar capas clean (bem antes de a palavra virar moda), despiu-as de qualquer extravagância e, com isso, realizou a mais completa tradução da bossa nova, que emergia na mesma época. “Cesar limpou os excessos das capas. Usou recursos que tinham a ver com a estética de simplicidade e com a limpeza outra das capas prediletas de cesar g. villela, é a do primeiro disco de nara leão (1964) rítmica da bossa nova. Não há dúvida de que deu uma cara para a bossa”, diz Ruy Castro, autor de Chega de saudade e outros livros sobre o gênero musical. “Muita gente passou a seguir o estilo dele. Mesmo assim, o preto do Cesar era mais preto e o branco era mais branco.” Aos 83 anos, Cesar G. (de Gomes) Villela saboreia o reconhecimento por ter feito algo único. Mas é um reconhecimento que está longe de ser sinônimo de riqueza material. Leva uma vida simples, morando em Miguel Pereira, a 120 quilômetros da capital fluminense – “das quatro operações, só aprendi duas: diminuir e dividir”. Prioriza há quatro décadas a pintura, mas é frequentemen- 62 Depois de trabalhar com Roberto Marinho – que lhe dava caronas até em casa – em O Globo e na Rio Gráfica Editora, como ilustrador, Cesar foi para a agência Standard, de onde foi demitido por falta de vocação para a publicidade. Caminhando um dia pela Cinelândia, no centro do Rio, encontrou no bar Amarelinho o músico João Donato, seu colega de Instituto Lafayette, acompanhado de outro músico, Antonio Carlos Jobim. Donato lhe sugeriu procurar a Odeon. Dias depois, levou seu portfólio, agradou André Midani (o franco-sírio que se tornaria o executivo mais poderoso da indústria fonográfica brasileira) e passou a trabalhar como freelance. Era 1958, e a bossa nova nascia com o sucesso de “Chega de saudade”, na voz de João Gilberto. “André ainda não entendia muito de artes gráficas e me deu carta branca para fazer as capas”, diz Villela. “Fiz muitas porcarias, outras razoáveis e algumas boas.” A primeira é uma das que considera boas: um disco com músicas de Noel Rosa em que o “o” do sobrenome do Poeta da Vila era o desenho de uma divulgação CARONA com roberto marinho para o álbum a bossa nova de roberto menescal e seu conjunto (1964), o designer destacou uma foto do músico vestido com roupa de praticante de pesca submarina (o que ele era) 63 quando Celso [Frota Pessoa], o padrasto de Tom Jobim, organizou as contas, recebi alguma coisa”, conta. “Em primeiro lugar, Aloysio não gostava de pagar ninguém. Em segundo, não tinha dinheiro mesmo”, diz Ruy Castro. “Na época, era complicado transportar os discos. Eles podiam levar dias para chegar em São Paulo, e muito mais nas outras cidades. Era difícil vender.” Em 1968, Aloysio vendeu a Elenco para a Philips. Nos anos 1990, já como PolyGram (hoje é Universal), a companhia pagou a Cesar pelo uso das artes. “A primeira capa de discos produzida no mundo foi em 1948. Três anos depois, a novidade já chegava no Brasil. Tirando um ou outro belo exemplo, não é exagero afirmar que somente em 1958 veríamos surgir um artista realmente original no _ Estilo de Cesar vira referência para outras capas mundo fonográfico: Cesar G. Villela”, afirma o designer Egeu Laus. “Seu trabalho tem consistência até hoje, demonstra a importância do design na história das artes gráficas brasileiras e jamais será esquecido pelos fãs da música e da arte visual produzida no século 20.” Cesar criou mais de mil capas. Em 1965, foi para os Estados Unidos trabalhar com desenho animado e filmes educativos. A partir da década seguinte, começou a ficar mais tempo no Brasil, mas dando atenção maior à pintura. Se não acumulou dinheiro, procura demonstrar viver em paz, sem excessos (não fuma nem bebe), despojado, como a arte que o consagrou. “A gente não começa nada, somos seguimento”, diz o artista. “Sem as caravelas, não existiriam os porta-aviões. Acrescentei um pouco e aprendi muito.” O estilo de Cesar Villela que fez história na Elenco virou referência para outras gravadoras. “As linhas simples e ao mesmo tempo sofisticadas casam perfeitamente com a música e viraram sua cara”, afirma o designer e pesquisador musical Marcello 1 Montore, autor do livro Elenco: a cara da bossa 2 (2009). Foi por isso que gravadoras como Philips e Som Livre lançaram LPs de bossa nova com a estética usada por Cesar. Mas existem discos de outros gêneros que também beberam em sua fonte. Mesmo considerando a fase dos CDs, vemos capas com seu estilo. “Hoje pode parecer simples criar esse alto-contraste dado por Cesar, mas, na época, era complexo e caro”, conta Marcello. “A parceria com o fotógrafo Chico Pereira foi fundamental. O processo envolvia fazer negativos intermediários entre a imagem final e o primeiro registro”, explica. 5 4 3 1. LP Jair de todos os sambas 4. LP Tom – Vinicius – Gravadora: Philips Toquinho – Miucha, Ano: 1969 Gravadora: Som Livre Ano: 1977 2. LP Velha bossa nova Gravadora: RCA-CAMDEN 5. CD Garoto & Luiz Bonfá Ano: 1978 Gravadora: EMA Ano: 1995 3. LP Let kiss 6 divulgação rosa. Mas o embrião de seu estilo surgiu em 1960, no LP O amor, o sorriso e a flor, o segundo de João Gilberto. Ao lado do fotógrafo Chico Pereira, com quem fazia dupla, tinha ido ver uma exposição de fotógrafos amadores. Encontrou imagens em alto-contraste – áreas pretas e brancas bem nítidas – e com técnica da solarização (queima de negativos até restar a silhueta). Virou sua marca. A capa do LP de João Gilberto teve grande impacto, mas não seduziu o cantor. “Ele ficou mais de 2 horas comigo no telefone dizendo que ele não tinha tristeza, como a capa poderia dar a impressão. Ele tinha tristezinha. Até hoje não sei o que é.” O salto maior viria quando trocou a Odeon pela Elenco, onde continuou tendo carta branca. Os primeiros trabalhos, em 1963, foram para os discos Antonio Carlos Jobim e Vinicius & Odette Lara. Em ambas, além do alto-contraste e do despojamento, outra marca: quatro bolinhas vermelhas espalhadas pela capa, sendo uma delas a do logotipo da gravadora, assemelhada a um refletor. “Estava lendo a cabala”, explica. “E vi que o número quatro simbolizava a harmonia.” Para citar duas capas dentre as tantas das quais ele gosta, há a do primeiro disco de Nara Leão (1964) – o nome da cantora com setas saindo dos as – e a de A bossa nova de Roberto Menescal e seu conjunto (1964), com uma foto do músico com roupa de praticante de caça submarina (o que ele era). Por vezes, Cesar utilizava recortes de papel, como em Baden Powell à vontade (1964). Na época esses trabalhos não renderam um centavo ao artista. “Só no final, 64 capa de Baden Powell à vontade (1964), com ilustração de Cesar Villela e detalhes feitos com colagem de recortes de papel Gravadora: Paladium 6. LP Avanço Ano: 1965 Gravadora: Philips Ano: 1963 65 POR José Silvério e Milton Leite em depoimento a Jones Rossi fotos Marcelo Naddeo voz de placa Dois dos principais locutores esportivos do país narram os melhores momentos da carreira e revelam as diferenças entre trabalhar para o rádio e para a televisão José Silvério grita gol em casa; na página ao lado, Milton Leite 67 problemas financeiros o departamento de futebol da emissora fechou. Ainda no Rio, virei correspondente da Tupi de São Paulo e da Nacional de Brasília. Até que em 1975 fui para a Jovem Pan, onde fiquei por 25 anos, até me transferir para a rádio Bandeirantes, onde estou até hoje. Sou uma pessoa de rádio. Tive uma breve experiência na TV Manchete, onde narrei a Olimpíada de Atlanta [1996], sem me desligar da Jovem Pan, e fui chamado pela ESPN para narrar as reprises dos jogos da seleção brasileira em 1970. A ESPN, em 1995, foi a primeira a mostrar em cores, apresentando para uma geração que nunca tinha assistido às jogadas de Pelé, Rivellino, Tostão… Gosto mais de rádio do que de futebol. Quando me perguntam, falo que não torço para nenhum time. E é verdade. Gosto de rádio. Ainda hoje. A internet, por exemplo. Ela ajuda muito. Às vezes tem 50 mil acessos só pelo site em um jogo de domingo à tarde. No YouTube “coloríamos o futebol que era em preto e branco” por José Silvério, 67 anos, 50 de carreira no rádio _ Os cinco jogos mais importantes que narrei Corinthians 1 x 0 Ponte Preta, final do Campeonato Paulista de 1977 “O gol do Basílio foi especial por ter tirado o Corinthians da fila de títulos de 23 anos.” Corinthians 2 x 0 Ponte Preta, final do Campeonato Paulista de 1979 “O gol de Palhinha pode ser ouvido no Museu do Futebol, do Pacaembu, onde está em ‘exposição’ permanente.” Palmeiras 4 x 0 Corinthians, final do Campeonato Paulista de 1993 “De pênalti, o Evair fez o quarto gol na prorrogação e tirou o Palmeiras do jejum de títulos de 16 anos. Ficou famoso por, antes de gritar ‘gol’, eu anunciar ‘agora de férias. Me levaram para um teste na rádio Cultura e gostaram. Aí, narrei outros seis. Em março de 1964, Jaime Gomide, da Rádio Itatiaia, estava em Lavras e me ouviu narrar. Gostou e decidiu me levar para fazer um teste em Belo Horizonte. Passei e comecei a narrar jogos do Campeonato Mineiro de Juniores e jogos do Villa Nova [clube centenário de Nova Lima]. Passei pela fase do aprendizado, cresci, e fui para a rádio Inconfidência. Nessa época, gostava de ouvir tudo, principalmente os locutores do Rio e de São Paulo. Adorava Jorge Curi [19201985, célebre ao descrever os dribles de Garrincha: ‘ele paaaaassa de passagem’], Fiori Gigliotti [1928-2006, que iniciava as transmissões com o clássico ‘abrem-se as cortinas’], Oduvaldo Cozzi [1915-1978, a voz que popularizou o termo ‘folha seca’] 68 e Waldir Amaral [1926-1997, o locutor que batizou Zico como Galinho de Quintino]. Mas sempre tive meu próprio estilo de narração. Nunca fui muito de bordão. Narro em cima do lance. Todo mundo se espanta com isso, mas nunca tive um escorregão que marcou. Tive erros esporádicos. Um dos maiores foi um gol do Zenon [no Corinthians] no qual ele colocou uma trajetória tão curva na bola que gritei que ia pra fora, mas consertei a tempo. O outro foi em uma vitória do São Paulo. O Mário Sérgio [hoje comentarista da Fox Sports] fez o gol de calcanhar. Dei o gol, no entanto, para o Oscar. Só fui descobrir que não era dele na segunda-feira. o rádio e a internet Depois da Inconfidência, fui pra rádio Continental, no Rio de Janeiro, mas por eu vou soltar a minha voz.’” [Pelo bizarro regulamento daquele ano, o jogo foi para a prorrogação mesmo depois de o Palmeiras ter vencido por 3 a 0 no tempo normal – o Corinthians havia vencido o primeiro jogo por 1 a 0.] fotos: sérgio berezovski/editora abril (milton) e gazeta press “Quando o jogo estava fraco, a gente inventava. O cara chutava longe e na locução a bola aparecia tirando tinta da trave. Ficava mais interessante. Coloríamos a partida que era em preto e branco. Mas o futebol mudou. Agora é tudo muito rápido. Hoje o cara recebe e a bola já não está mais com ele. E as câmeras exibem os lances por todos os ângulos. Antes, o jogador matava a bola, pensava para dar um passe, deixavam ele pensar. Tinha esse espaço junto para narrar. E não havia imagem para quem ouvia. O locutor era quem descrevia essa imagem. O rádio fazia parte de um mundo bem diferente. Naquela época, sem TV, sem internet, o cinema criava uma fantasia muito grande. A gente não vivia o mundo real; vivia o mundo dos sonhos. Tem quem use drogas; nós viajávamos no rádio. Em Lavras, onde comecei a carreira, as pessoas imaginavam o Rio de Janeiro. Era tudo mais isolado. Isso se refletia na narração, sem dúvida. Nasci em Itumirim, interior de Minas. Parti para Lavras em 1958, com 13 anos. Estudei em colégio interno. Já tinha uma grande paixão pelo rádio e, ao mesmo tempo, não havia muitas opções no internato. Então, escutava muito e isso gerava brincadeiras dos colegas, já que eu tinha o costume de narrar os jogos de futebol de botão. Fazia locução de tudo. Narrava as brincadeiras, os bois passando, os cachorros correndo, dava nome a eles. Em 1963, no aniversário da cidade, no mês de julho, dia 20, haveria um amistoso entre o Olímpica de Lavras [time amador que ainda existe] e o Bragantino, como parte das festividades. Para ter uma ideia de como o esquema era amador, a rádio local tinha três locutores: todos estavam encontro gols dos quais nem lembrava, com 20 mil, 30 mil acessos. E fica lá para sempre. Isso valoriza o nosso trabalho. O rádio não compete com a TV, senão já estava morto. Muita gente não entende isso. São diferentes. O locutor de TV pode até ter influência de rádio, mas acaba mudando. Na chamada Era de Ouro do rádio [entre os anos 40 e 50], era raro ter um aparelho em casa. Hoje, ao contrário, ele está em todo lugar. O importante é se adaptar, e eu sempre me adaptei muito facilmente. Em 2009, na última rodada do Campeonato Brasileiro [vencido pelo Flamengo], vários times chegaram à última rodada com chances de título: Flamengo, Internacional, São Paulo e Palmeiras. Montamos um estúdio e fui narrando os cinco jogos ao mesmo tempo. Eu mudava conforme mudava o campeão. Teve uma aceitação enorme. Foi uma das poucas vezes que transmiti vendo os jogos pela TV. O rádio precisa inovar para não morrer.” Palmeiras 4 x 2 São Paulo, torneio Rio-São Paulo 2002. “Neste jogo, em que o Alex dá dois chapéus, o último encobrindo o Rogério Ceni, antes de fazer um dos gols, eu antevejo a jogada e grito ‘e que golaço’ muito antes de o Alex fazer o gol.” Brasil 2 x 0 Alemanha, final da Copa de 2002, no Japão “Foi emocionante porque em 1994, outra final que eu narrei, os gols só saíram nos pênaltis.” após uma fila de 23 anos, basílio arranca o grito de “é campeão” da torcida do corinthians, na vitória sobre a ponte preta, no morumbi (1977). na página ao lado, fiori gigliotti (à esquerda) e josé silvério na cabine da rádio bandeirantes, em São Paulo (1990) 69 _ Os cinco jogos mais importantes que narrei “o narrador é um vendedor de emoções” por Milton Leite, 54 anos, 22 de carreira na TV Espanha 1 x 0 Holanda, final da Copa do Mundo de 2010 “O gol do Iniesta marcou a consagração dessa geração. Todo mundo já falava da Espanha, campeã da Eurocopa 2008.” Palmeiras 0 x 1 Portuguesa, Campeonato Paulista de 1991 “Foi o primeiro jogo que narrei pela TV Jovem Pan. Nem lembro quem fez o gol. Mas foi neste jogo que me transformei em narrador. Fui escalado de última hora, então narrei pela intuição.” coisa programada. Vou sentindo o jogo da mesma forma que um torcedor sente. Existe, porém, uma diferença entre a narração da TV aberta e a da por assinatura. A orientação da Globo é desviar os comentários para o comentarista e as questões de arbitragem para o árbitro, além de conversar mais com quem está assistindo. Na TV fechada, você fala com quem já é fanático por futebol; na aberta, a preocupação é envolver o resto da família: a mulher, a filha, o público que estava vendo o Faustão e também vê novela. locutor por acaso Sempre fui mais um cara de texto que de rádio. Meu primeiro emprego foi no Jornal de Jundiaí. O dono da empresa tinha 70 “SEMPRE FUI UM CARA MAIS DE TEXTO. nunca projetei ser narrador” fotos: arquivo pessoal (milton) e thierry orban/corbis “Sempre fui um cara que falava muito. E sou de uma geração totalmente relacionada com o rádio. Em casa, isso começou por influência da minha mãe, que adorava ouvir o radinho dela. Mas foi aos 11 anos, na Copa de 1970, no México, que me apaixonei – e de quebra aprendi a gostar do futebol. Por isso, mesmo meu começo como narrador tinha uma influência muito grande do que ouvia no rádio. Em minha memória afetiva habitam dois nomes: Osmar Santos e José Silvério. Tenho um pouco do bom humor do Osmar Santos. Mas há uma pequena diferença. Ele criava vários bordões [como ‘pimba na gorduchinha’ e ‘ripa da chulipa’] e eu nunca me preocupei em criar os meus. O ‘que beleza!’, por exemplo, o Wanderley Nogueira falava fazia tempo na rádio Jovem Pan. O ‘que fase!’ veio de um amigo. Do José Silvério, peguei a precisão. Ele tem um reflexo fantástico para narrar uma partida. No rádio você precisa falar absolutamente tudo o que acontece. Na TV, não. Minha transmissão no começo era assim – eu falava mais do que devia. O Tuta [Antônio Augusto Amaral de Carvalho, dono da rádio e da extinta TV Jovem Pan, onde Milton trabalhou] me chamou e falou que nada era mais importante que a imagem. No início, eu tinha um jeito de falar muito alto, impostado. Na TV, é mais uma conversa, e o narrador é um vendedor de emoções. Tem que provocar, no bom sentido, o telespectador. Uma saída é usar o bom humor quando o jogo está ruim. Não adianta querer dar emoção. Com o bom humor você pode mostrar que aquilo está ridículo. Mas não é uma uma rádio. Ali experimentei pela primeira vez a função de repórter de campo. Na década de 1980, cheguei a trabalhar no caderno de economia do Estadão. Antes de me tornar narrador, eu era âncora de um programa de variedades da Jovem Pan. Durante seis meses, me dividi entre a rádio e o Estadão. A Jovem Pan abriu um canal UHF, a TV Jovem Pan. A programação misturava esportes, filmes e jornalismo. Havia um acordo com a Globo e em 1991 a emissora transmitiria o Campeonato Paulista e o Brasileiro. Eu não era narrador, mas me transformei em um ao ser escalado para um jogo entre Palmeiras e Portuguesa. O locutor titular passou mal. Teve um problema de garganta. Aí me chamaram: ‘Vai lá você’. Não lembro nem quem fez o gol no jogo, devia estar muito nervoso. Fui pela intuição. Mas devo ter ido bem, já que me mantiveram no posto. A ida para a ESPN aconteceu em 1995. O Juca Kfouri e o Flávio Prado me indicaram e a emissora me chamou para cobrir as férias do Paulo Soares, bem na época em que seria lançada a ESPN Bra- Palmeiras 1 x 1 Corinthians, sil – antes havia somente a ESPN International. Na ESPN Brasil cobri minha primeira Copa do Mundo [França 98] e a primeira Olimpíada [Sydney 2000]. Saí em abril de 2005 e comecei na SporTV. Em 2006, passei a narrar os primeiros eventos para a Globo, dentro do Esporte Espetacular, como triatlo e vôlei. Em 2010, consegui a difícil tarefa de entrar para o seleto time de locutores da emissora, quando narrei Internacional e Vasco. Foi um passo importante na minha carreira. O negócio é que sempre gostei muito de escrever. Nem rádio imaginava fazer. A mesma coisa aconteceu com a narração. Quando era mais novo pensava em ser escritor. Cheguei a escrever uns contos, mas anos mais tarde reli e vi que não tinha qualidade suficiente para seguir nessa área. Hoje tenho dois livros publicados [As melhores seleções brasileiras de todos os tempos e Os 11 maiores centroavantes do futebol brasileiro, ambos pela editora Contexto], mas são reportagens. Nunca projetei e nunca pensei em ser narrador. Aconteceu.” NA PÁGINA AO LADO, na espn brasil, em uma de suas primeiras transmissÕes, em 1996. no alto, um dos jogos mais importantes na carreira, A FINAL DA COPA DE 1998: “PARA NARRAR OS GOLS DA FRANÇA, FOI PRECISO UM ESTILO MAIS CHOROSo, SEM EMPOLGAÇÃO” 71 Campeonato Paulista de 2009 “Este jogo marcou porque fiz uma narração diferente. Foi o primeiro gol do Ronaldo com a camisa do Corinthians, nos acréscimos. Narrei assim: ‘Senhoras e senhores, o Fenômeno voltou’. Normalmente não faço isso, mas o Ronaldo merecia, era um jogador diferente. A partir daí criei frases diferentes para situações especiais. Cheguei a fazer uma para o milésimo gol do Romário, mas acabei não narrando esse jogo.” França 3 x 0 Brasil, final da Copa do Mundo de 1998 “Foi a primeira Copa do Mundo que fiz pela ESPN. E na final não pude narrar no meu estilo tradicional. Para narrar os gols da França foi preciso um estilo mais choroso, sem empolgação.” Internacional 1 x 0 Vasco, Campeonato Brasileiro de 2010 “Foi meu primeiro jogo na TV Globo. Não é fácil conseguir entrar no seleto grupo de narradores da emissora. Foi um importante momento na minha carreira.” Baixe a Revista Personnalité no tablet e assista ao vídeo com José Silvério Bebel Gilberto pergunta: Em qual filme mais gostou de atuar? Hugo Carvana responde: Bar Esperança [comédia de 1983, dirigida, roteirizada e estrelada pelo ator]. Gostei muito de fazer o Zeca, um personagem alegre e divertido. 72 73 Por Pedro Henrique França, do Rio de Janeiro Fotos Marcelo Correa a ópera do malandro A vida, a obra, os amores e a despedida de Hugo Carvana, 76 anos e 91 longas. O ator e cineasta prepara a aposentadoria da direção: “Mas continuo na comédia para sempre” Personnalité hugo carvana PRIMEIRO ATO A ARTE DO JEITINHO fotos: arquivo folha press e arquivo pessoal (hugo com a família) Ainda garoto, Hugo Carvana dava um jeitinho para entrar em um cinema da Tijuca, na zona norte do Rio de Janeiro. Enquanto abriam os portões de saída para os espectadores da sessão anterior, ele se infiltrava na turma. E andava de ré. Assim, ingressava na sala sem ser notado. Adolescente, querendo prestigiar o recém-inaugurado Maracanã, fanático pelo Fluminense, o jeito era usar seu porte franzino. Encontrava uma fresta na grade, escorregava por ela. Dentro do estádio, saía correndo até se perder na multidão. Aos 30 anos, nos idos de 1967, frequentava o samba do Teatro Opinião. Certa noite, utilizou uma canja para, em suas palavras, “capturar” a jornalista Martha Alencar, que estava acompanhada por um amigo de Carvana. “Eu já estava de olho nela”, conta. “Uma hora vi que meu amigo estava tomando cerveja e que iria ao banheiro em algum momento. Quando ele foi, falei: ‘Você devia sair daqui e tomar uma canja comigo’. Quando voltou, senteio mais longe. E fomos tomar a canja.” Martha ainda não acredita como aquele papo colou. Ela se sai com a justificativa de que acabou se deixando levar pelo jeito “meio cafajeste, meio romântico” de Hugo. “Eu me apaixonei pela intensidade que ele colocava em tudo que fazia”, diz. “O bom humor, a alegria e sua extrema sensibilidade para tudo ao redor, muito diferente daquele verniz cultural forjado nas escolas da zona sul [do Rio de Janeiro] que eu frequentava.” No ano seguinte, se casaram. Desde aquele fim de noite, tomando canja no tradicional restaurante Fiorentina, no Leme, lá se vão quase 50 anos juntos, quatro filhos – todos envolvidos nos bastidores do cinema – e cinco netos. Há duas décadas, o casal abriu a produtora MAC, que realiza seus próprios longas. Com 76 anos de vida e quase 60 de carreira entre a TV, o teatro e o cinema, trabalhando entre as posições de produtor, ator e diretor (e até de lateral esquerdo nas antigas peladas com o time Amigos do Fluminense, em que se incluía Chico Buarque), Hugo Carvana é um veterano na arte do jeitinho. Nascido em Lins de Vasconcelos, bairro da zona norte do Rio, e criado na Tijuca, é o arquétipo do bom malan- 76 Hugo durante as filmagens de vai trabalhar, vagabundo!, em 1987. Na página ao lado, o ator e cineasta com a mulher, martha alencar, e os quatro filhos (pedro, júlio, rita e maria clara) dro carioca (ele talvez prefira “malandro fluminense”), uma figura assumida e desenvolvida por ele. Em setembro, Carvana estreou a comédia Casa da mãe Joana 2, nono filme de sua autoria e que reúne como protagonistas Antonio Pedro, José Wilker e Paulo Betti. O cineasta revela já ter outro roteiro pronto. Intitulado Curto circuito, deverá ser seu último trabalho como diretor. Diagnosticado há quatro anos com mal de Parkinson, Carvana tem sentido a perda de equilíbrio e a lentidão decorrentes da doença e da idade. “A única coisa que lamento [por envelhecer] é não ter mais agilidade”, diz o artista durante uma tarde de conversa em sua casa na Barra da Tijuca. “A raiva que tenho é esta: queria que meu corpo tivesse a mesma energia que tenho na cabeça.” Ele solta a frase e, na mesma hora, educadamente, pede um café e uma água a uma funcionária. Então, pede licença: “Você se incomoda se eu fumar?”. “Queria que meu corpo tivesse a mesma energia que tenho na cabeça” 77 Personnalité hugo carvana SEGUNDO ATO fotos: arquivo pessoal (malu) e reproduções (marcelo correa) A DOENÇA DO HUMOR 78 No alto, Hugo em ensaio exclusivo para a revista personnalité. acima, com malu mader nas gravações de corpo a corpo (1984); e em vai trabalhar, vagabundo! (1973), com otávio augusto e marieta severo. na página ao lado, cartaz do filme no festival de taormina, na itália (1974) “Eu tenho a bactéria do humor”, diz Hugo. E ri. “Toda minha obra como autor sempre foi voltada para a comédia. Tenho muito orgulho de dizer que não sigo tendências, faço isso desde 1973, com Vai trabalhar, vagabundo!.” O primeiro filme dirigido por ele, Vai trabalhar, vagabundo! de certa forma fez o contrário do que afirma sua frase acima: lançou a tendência. Os outros é que seguiram o caminho pavimentado por Carvana. A obra é quase um manual para as comédias de costumes que dominam a bilheteria dos filmes nacionais. Títulos atuais como E aí... Comeu? (de 2012, 2,5 milhões de espectadores), Os normais (2003, 3 milhões) e Até que a sorte nos separe (2012, 3,5 milhões) bebem desse jeito de fazer graça com os tipos comuns, as questões da mesa de bar, os dilemas da rotina, os relacionamentos que dão errado, as contas no fim do mês. Ele antecipou tudo isso. “Meu humor é elaborado. Por trás dele, há sentimentos”, diz. Amigos e profissionais que trabalharam com o diretor sabem disso. Seu estilo é ditado com poucas palavras e um sorriso no canto direito da boca. Desse jeito, ele consegue o que quer do elenco nos sets. A atriz Malu Mader interpretou a filha de Carvana na segunda novela em que atuou (Corpo a corpo, de 1984). A dupla também contracenou em Celebridade, de 2003. Cinco anos atrás, ela foi dirigida por Hugo em Casa da mãe Joana, seu maior sucesso de público como diretor, com mais de 500 mil espectadores. “O set anda sozinho com ele”, conta Malu. “Li um livro de Woody Allen e vi traços do Carvana. O filme dele é tão claro, tão a sua cara e tão evidente para os atores que trabalham ao seu lado, que fica tudo subentendido. Não tem estresse nenhum.” Para Malu, Hugo está no patamar de artistas como Luiz Gustavo (79 anos) e Marieta Severo (66): com eles, não há barreira de idade entre novatos e veteranos. “Outro dia ouvi uma frase”, conta Malu, “e ela dizia que a jovialidade é uma virtude que algumas pessoas não perdem com a idade. O Carvana está nessa turma, em que há um papo reto independentemente da idade.” O ator Gregório Duvivier, do coletivo de humor Porta dos Fundos, foi dirigido por Carvana na comédia Não se preocupe, nada vai dar certo! (2011). Ele também exalta o alto-astral na gravação. “Ele canta o tempo inteiro: Cartola, Noel, marchinhas... O set de filmagem está sempre embalado por algum samba antigo que ele cantarola. Não tem correria nem desespero. A vida pra ele é um eterno fazer rir. De preferência, cantando.” “meu humor é elaborado. por trás dele, há sentimentos” 79 Personnalité TERCEIRO ATO cacá diegues cinema, deixaram-no uma vez mais com o dinheiro mirrado. “Não cometo mais esse tipo de loucura.” Carvana iniciou sua carreira nos palcos em 1954, na companhia Teatro do Estudante. Em 1960, entra para o Teatro de Arena, em São Paulo, num momento em que, “assim como hoje um ator quer ser da Globo, naquela época queria ser do Teatro Brasileiro de Comédia [TBC]”. “Quis o destino” que ele pegasse o caminho alternativo e fosse parar no Arena ao lado de Milton Gonçalves e Nelson Xavier. “Esse teatro nos fazia olhar para o nosso país, para o brasileiro. Ele me deu uma consciência sobre a importância social do trabalho de ator, que é muito maior que a vaidade. Foi um divisor de águas.” Uma geração cineasta despontava naquele período. Na turma que viria a protagonizar o Cinema Novo, surgiam nomes como Arnaldo Jabor, Cacá Diegues, Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos. Atores do Arena eram procurados por eles. “O Cinema Novo teve alguns rostos característicos”, afirma Cacá Diegues, que escreveu com Hugo e Chico Buarque o roteiro de Quando o Carnaval chegar, de 1972. “Carvana era um deles. Depois, ele foi para a televisão e fez parte do grupo que, junto com Daniel Filho, Oduvaldo Vianna Filho, Paulo José e outros, UMA OBRA A SER ESTUDADA fotos: arquivo pessoal (teatro) e reprodução marcelo correa Filho de pais separados (a mãe era costureira, o pai, marinheiro), Hugo Carvana teve uma infância com dinheiro curto. Abandonou o emprego de office boy quando se descobriu num estúdio da TV Tupi, para uma figuração. De sua mãe, ouviu que não tinha “criado filho para ser veado”. Dali em diante, acabou a mesada: só teria casa e comida. E lá foi ele, com jeitinho, se embrenhar em bicos de estúdio. “Tinha que arrumar dinheiro para a cerveja e para o cigarro”, diz. Em pouco tempo, iria morar em Copacabana, onde assistiria in loco, “nos inferninhos” do bairro, ao nascimento da bossa nova. Em um deles, “ia todo dia ver aquele rapaz de olhos azuis tocar”. Era Tom Jobim. Não foi só para sair de casa que o boêmio Hugo Carvana teve de se virar com as contas. Com o cinema, faliu duas vezes. Na primeira, em 1971, decidiu se lançar como produtor executivo de O Capitão Bandeira contra o Dr. Moura Brasil. “Era muito bom o filme”, afirma. Mas o público não correspondeu. Recuperou-se dois anos depois com o sucesso de Vai trabalhar, vagabundo!. Em 1991, teve a ideia de investir numa sequência. Faliu novamente. A suspensão dos empréstimos tomados da Embrafilme, antiga agência estatal de fomento ao 80 hugo atua com flávio migliaccio (à direita), na peça revolução na américa do sul (1959), no teatro arena, em são paulo “hugo carvana é um especialista em personagens brasileiros”, diz cacá diegues modernizou o meio, fazendo da telenovela o maior fenômeno de cultura popular da América Latina.” Como ator, Hugo Carvana iniciou aos 18 anos uma série de trabalhos em 22 chanchadas. Trabalhou bem, Genival (1954) foi a primeira (o tal filme em que fez figuração e que o levou a abandonar o posto de office boy). Acabaria se tornando um nome disputado por diretores de peso. Nas palavras de Cacá Diegues, “ele é um especialista em personagens brasileiros”. Ao captar esse espírito, que dava voz e face (sempre com seu famoso e imponente bigode) ao brasileiro pobre, ao trabalhador, ao homem das ruas, o ator abriu todo um caminho para o cinema nacional. O escritor João Ubaldo Ribeiro, cujo livro Deus é brasileiro virou filme de Cacá Diegues e Hugo Carvana, vai além: “Sua obra ainda precisa ser estudada como merece”. quando o carnaval chegar (1972): Maria Bethânia, hugo, ana maria magalhães, chico buarque, nara leão e antonio pitanga 81 Personnalité hugo carvana ÚLTIMO ATO Ao longo da entrevista, Carvana atribui ao acaso as oportunidades que a carreira lhe deu. Místico? Não, ele se define agnóstico. Mas tem sua crença numa força espiritual – “que é o que eu chamo de Deus”. Ao dizer isso, cantarola os versos “força nenhuma no mundo interfere sobre o poder da criação”. A música, “Poder da criação”, é do sambista João Nogueira, um de seus ídolos, morto em 2000. “É lindo isso, não?” Hugo é também fã de Paulinho da Viola. “Nas poucas vezes em que estivemos juntos não consegui dizer nada. Fico muito tímido.” O apego a essa força espiritual aumentou quando descobriu dois tumores no pulmão, no fim dos anos 1990. Fumante desde os 15, resume em três fases o processo da notícia: um soco no estômago, seguido das lágrimas e do que ele chama de “inventário da morte, que é pensar nas coisas que você vai perder”. Fez quimioterapia, radioterapia e cirurgia espiritual, sem anestesia, no Lar de Frei Luiz. “O médium vem, recebe uma guia e opera com as mãos. Onde ele tocava a mão no meio do peito, brotava sangue”, conta. Um ano depois, veio a cura. Reduziu o vício. Ainda pita um charuto. E diz que é só fumaça. Nas paredes de sua casa, estão estampados pôsteres de filmes que se tornaram ícones da cinematografia nacional com repercussão no exterior, a exemplo de Se segura, malandro (1978), Vai trabalhar, vagabundo! e O homem nu (1997). Também há 82 hugo e marília pêra, em Bar esperança (1982); cartaz do filme; o ator interpreta valdomiro pena, no seriado plantão de polícia (1979), com denise bandeira. ao lado, com o charuto: “é só fumaça” fotos: agência o globo (plantão de polícia) e reproduções (marcelo correa) A DESPEDIDA DO MALANDRO fotos, como a que aparece com Marília Pêra, estrela de Bar Esperança (1982), outro de sua autoria. Apesar do reconhecimento no cinema, a repercussão nacional veio mesmo com a telinha. O personagem Valdomiro Pena, um jornalista do seriado Plantão de polícia (1979), está entre seus maiores sucessos. Sua última novela foi Insensato coração (2011). TV, para Carvana, “foi da maior importância”. “Ela tem outro ritmo. Você grava num dia e vê o resultado no outro. É diferente da peregrinação do cinema, que é quase um Santiago de Compostela.” Prestes a se despedir dos filmes autorais, reduzindo o ritmo de trabalho, Carvana diz não se arrepender de nada. Quer lidar com o lado suave do cinema. Afirma que a maturidade lhe trouxe leveza. “Estou mais amoroso e afetuoso. Talvez ame mais a Martha hoje do que 40 anos atrás.” E emenda: “Sexo não é só orgasmo. O prazer de estar junto, um beijo, um abraço, um filme de mãos dadas... Isto é sexo: essa energia que vai de um para o outro”. O jeitinho Hugo Carvana está longe de acabar. “estou mais amoroso. talvez ame mais a martha hoje do que 40 anos atrás” 83 Por Dico Tostes, em depoimento a Edmundo Clairefont Ilustrações Vapor324 “ DIÁRIOS DE BICICLETA O ciclista Dico Tostes revela suas impressões ao testar o Bike Rio, sistema de bicicletas públicas que a prefeitura criou em parceria com o Itaú: “Tive a impressão de que a cidade era minha. É devagar que se sente o mundo” E ra uma vergonha. Sou um carioca apaixonado por bikes. Já pedalei mais de 16 mil quilômetros ao redor do mundo – o que mais ou menos significaria ir do Rio até Barcelona e voltar. Com 17 anos, subi na magrela e fui, com um amigo, até Buenos Aires. Depois, passei quatro meses na Europa sobre duas rodas. No Vaticano, encontrei o papa João Paulo II, que tocou o meu selim – talvez você não saiba, mas ele era fã do cicloturismo. Trilhei pelas duas costas americanas, passeei pelo Havaí, pelo Alasca, pela Nova Zelândia, pelo Nordeste brasileiro. Quando garoto, participava de competições de triatlo. Disputei, inclusive, o Campeonato Brasileiro. Daí eu repetir: era uma vergonha eu nunca ter usado o Bike Rio, o sistema de bicicletas públicas que a prefeitura da cidade implementou com apoio do Itaú em outubro de 2011. No comecinho de setembro, remediei a situação. Durante uma semana, me locomovi utilizando as Laranjinhas. Sei que esse formato é inspirado em experiências que deram muito certo em vários cantos do planeta. Em Barcelona, chama-se Bi- 85 cing. Em Paris, Velib. Em Bruxelas, Villo!. Em Milão, BikeMi. Em Nova York, Citi Bike. Em Montreal, Bixi. A lista é grande, o sistema é elogiado, a adesão popular é imensa e o futuro, claríssimo: a bicicleta é bem mais do que uma alternativa ao carro, é um caminho para se reconectar com o espírito da cidade. Mas no Rio é diferente. No Rio, a possibilidade de usar menos o carro e viver mais na rua é... maravilhosa. Conheço bem a cidade sobre duas rodas. Na adolescência, rodava uns 15 quilômetros diários para sair de Itanhangá – bairro na zona oeste onde ainda moro – e chegar ao Leblon, na zona sul, onde eu estudava. Minha magrela era minha locomoção. Era o máximo, mas obviamente perigoso. Atravessava túneis e a avenida Niemeyer – e quem a conhece pode imaginar como era dividir uma pista com os carros ali. O Rio vem mudando. Na verdade, o mundo vem mudando. Você pode depositar isso na conta que quiser: aquecimento global, saúde física, fuga do trânsito, contato com a natureza e com a cidade. O fato é que as bicicletas deixaram de ser uma possibilidade de diversão aos _ O Rio das bicicletas Siga o roteiro de Dico Tostes pelas ciclovias da cidade fins de semana. Elas se tornaram uma provável saída para fazer de uma metrópole um lugar mais aprazível, tranquilo, silencioso, ecológico, saudável. O negócio é que andar de bike ainda envelopa alguns riscos pesados. Vejo tanta imprudência, me assusto até nas ciclovias, às vezes esburacadas. Talvez por isso eu resistisse em experimentar as Laranjinhas. Até que a Revista Personnalité me deu um empurrãozinho. BIKE E SAMBA A Cidade Maravilhosa conta hoje com 300 quilômetros de ciclovias. Até 2016, ano da Olimpíada, deve chegar a 450 quilômetros. É um começo. Nova York tem 800 quilômetros. O projeto Bike Rio soma 60 pontos e 600 bicicletas. Desde o início de seu funcionamento, dois anos atrás, mais de 1,8 milhão de viagens foram feitas utilizando as Laranjinhas. Laranjinha, aliás, é o apelido. Oficialmente, as magrelas foram batizadas de Samba. São robustas, vêm com cestinha, buzina, refletores, retrovisor, seis marchas e um selim macio. Cada ponto é gerenciado por computador, utiliza energia solar e oferece, além de um mapa da rede, informações sobre a disponibilidade de magrelas pela cidade. Tudo muito bom. O procedimento é menos complicado do que o das Velib parisienses, que já usei algumas vezes. Aqui, o usuário baixa o aplicativo para celular, fácil de entender, colorido, divertido. Em menos de 10 minutos você absorve tudo o que precisa saber. Logo me cadastrei e paguei os R$ 10 da tarifa mensal, que me pareceu baratíssima. Com isso, você pode usar quantas bikes quiser por dia sem pagar nada a mais, desde que cada utilização não exceda 60 minutos. Se ultrapassar esse limite, será cobrada no cartão de crédito uma tarifa de R$ 5 a cada hora. O passo seguinte foi encontrar a minha estação. Decidi pegar a magrela na praia do Leblon. Escolhi, por boa coincidência, a estação da rua José Linhares, onde ficava meu colégio de muitos anos atrás. A gente não para pra pensar no desafio logístico de manter um número suficiente de bikes por ponto. O aplicativo, novamente, foi incrível: ajuda na hora de resolver onde pegar e devolver a bike, qualidade obrigatória para se programar e pensar no trajeto. Estações do Bike Rio PRIMEIRO TESTE Caminho de ida Naquele dia inicial, ficaria a manhã inteira em reunião, no Jardim Botânico. Peguei uma bike na estação. Apesar de ter 86 Caminho de volta 87 estava com a bike havia mais de 60 minutos, seria cobrado em R$ 5 por hora extra. Achei uma cortesia admirável. Por mim, estava ótimo o preço. Seguir com a mesma Laranjinha ainda seria mais barato e conveniente do que estacionar um carro ali ou ir de táxi. “é devagar que se sente o mundo. é pedalando que se sonha acordado” capacidade terapêutica Minha segunda grande experiência na semana envolveu um trajeto maior. Teria uma reunião com um cliente em Botafogo, um bairro que sugere dramas para quem vai de carro e quer achar uma vaga de estacionamento. A bike, mais uma vez, seria a opção perfeita. De novo, parti da estação José Linhares numa manhã ensolarada – e mais quente. O trajeto teria mais ou menos uns 4 quilômetros. Pensei em um roteiro deslumbrante e me permiti curtir alguns cantinhos do Rio que na correria do dia a dia a gente nem aproveita. Fiz quase todo o caminho por ciclovias. Atravessei o Jardim de Alah, entre Leblon, Ipanema e a Lagoa Rodrigo de Freitas. Cruzei uma feira de rua empurrando a bike numa atmosfera superbucólica, observando tudo. Quem anda de magrela sabe a capacidade terapêutica que ela oferece. Você para pra pensar. Pra ouvir. O ritmo do dia muda. Parece mais longo. Parece melhor. Fiz, então, o contorno da lagoa, cartão-postal da cidade. Parei para tirar fotos. Nunca me canso da paisagem. Dei uma pausa no Palaphita Kitch, um quiosque com uma vista linda do entorno, das montanhas até a Pedra da Gávea. Desviei até o sopé do Morro dos Cabritos, passando pelo Parque da Catacumba, com um sen- ARQUIVO pessoal verificado que ela estava legal, na primeira pedalada a corrente saiu. Para não sujar a mão tentando colocá-la de volta, devolvi a bicicleta. Troquei por outra, zerada. A dica aqui é checar a pressão dos pneus, se o freio e a buzina estão OK. Apesar de as Laranjinhas estarem bem cuidadas, a maresia do Rio e o uso intenso castigam. Decidi levar meu capacete. Percebi que a bicicleta nos convida a andar na calçada e, portanto, a buzina é fundamental. Senti que as Laranjinhas impõem um certo respeito. As pessoas olham, gostam, os motoristas parecem um pouco mais cientes de que ela entrou no trânsito carioca como mais uma opção de transporte. Ainda não temos estações em cada esquina. Mas, em 2014, está prevista a instalação de 200 novos pontos, com 2 mil bikes a mais em pontos da cidade que não se restringirão aos atuais no centro e na zona sul. Tomei meu café da manhã no Jardim Botânico, no café La Bicyclette, local por vários motivos ideal para um passeio sobre duas rodas. O dia estava friozinho e com céu azul. Perfeito para pedalar e não chegar todo suado. Nesse trajeto entre o Leblon e o Jardim Botânico, fiz uma parada rápida para apreciar a beleza da arquitetura francesa do Jockey Club. O Rio é bem mais bonito quando você pode fazer uma pausa a qualquer momento, ouvir os barulhos, focar a paisagem, descobrir novos caminhos, ruelas cheias de árvores, casinhas antigas, ver as pessoas na rua, ouvir as conversas. Mas senti falta de um cadeado acoplado à Laranjinha. Em Paris, por exemplo, a Velib conta com uma corrente simples e prática para uma descansada, um lanche, uma compra. Fica a sugestão. Lá pelas tantas, enquanto tomava meu café com os clientes, o meu telefone tocou. Era o serviço do Bike Rio, me informando educadamente que, como eu 88 89 sacional paisagismo e caminhos de pedra. Fui sem pressa e sem trânsito até a reunião. Bicicleta não combina com pressa. Pressa combina com suor. Suor pede roupas novas. Dica para quem pretende adicionar as magrelas ao uso diário: uma mochila com uma muda de roupas sequinhas. Terminada a reunião, contornei a Lagoa pelo outro lado. Parei na frente da hípica. Mirei o Parque dos Patins. Meu destino era voltar ao Leblon, entregar a Laranjinha, fechar o dia na praia. Era meio da tarde, e as ciclovias estavam vazias. Dá um pouco a impressão de que a cidade é mais sua. Você redescobre em poucos quilômetros cantinhos que havia esquecido. Você se sente bem. Você sente que faz o bem. Você se torna parte de uma comunidade de gente que pensa diferente. Afinal, é devagar que se sente o mundo. E é assim, pedalando, que se sonha acordado.” Baixe a Revista Personnalité no tablet e assista ao vídeo com Dico Tostes primeira pessoa | osgemeos _ “a nossa bíblia” por millos kaiser; foto carol quintanilha O nascimento das ideias da dupla de grafiteiros OSGEMEOS, 39 anos, é sempre registrado nos caderninhos que Gustavo e Otávio Pandolfo levam em mãos. “São mais de cem diários, de vários tamanhos, cheios de desenhos, pensamentos, desabafos e histórias. Eles juntos são a nossa Bíblia.” O “baú do tesouro” da dupla fica em seu ateliê, no Cambuci (SP), para poder ser consultado sempre que for preciso. Só os dois sabem o que suas páginas guardam e inspiram 90 91