ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA
ALEX VANDER LIMA COSTA
Coronel de Comunicações - EB
INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA: UM TEOREMA SEM FIM
Rio de Janeiro
2012
ALEX VANDER LIMA COSTA
INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA: UM TEOREMA SEM FIM
Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia
apresentada ao Departamento de Estudos da
Escola Superior de Guerra como requisito à
obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos
de Política e Estratégia.
ORIENTADOR: Prof. Dr. José Amaral ARGOLO
Rio de Janeiro
2012
C2012 ESG
Este trabalho, nos termos da legislação que
resguarda os direitos autorais, é considerado
propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE
GUERRA (ESG). É permitido a transcrição
parcial de textos do trabalho, ou mencioná-los,
para comentários e citações, desde que sem
propósitos comerciais e que seja feita a
referência bibliográfica completa.
Os conceitos expressos neste trabalho são de
responsabilidade do autor e não expressam
qualquer orientação institucional da ESG.
Biblioteca General Cordeiro de Farias
Rasga Junior, Wanderley Monteagudo
Assuntos Civis: Realidade, desafios e perspectivas / Wanderley
Monteagudo Rasga Junior. - Rio de Janeiro : ESG, 2012.
64 f.: il.
Orientador: Prof Adj José Amaral Argolo
Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao
Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito
à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e
Estratégia (CAEPE), ano.
1. Operações de Assuntos Civis. 2. Defesa Civil. 3. Forças
Armadas. I.Título.
A minha família, que contribuiu com inestimável
apoio durante as minhas atividades
desenvolvidas na ESG e aos meus novos
amigos de infância da Turma PROANTAR –
CAEPE 2012.
AGRADECIMENTOS
Ao Corpo Permanente da ESG e aos demais professores e palestrantes do CAEPE
2012, pela contribuição valiosa no meu aprendizado, permitindo-me compreender a
realidade brasileira e fazer uma melhor avaliação da conjuntura de nosso país.
Aos companheiros e companheiras da Turma Programa Antártico Brasileiro (CAEPE
2012), pela camaradagem e pela convivência harmoniosa durante todo o
desenvolvimento do curso.
Ao meu orientador, Professor/ Doutor José Amaral ARGOLO, pelo companheirismo
a mim dispensado e por facilitar o meu trabalho com orientações pertinentes e
eficazes para a consecução desta monografia.
“Los hermanos sean unidios, porque ésa es
la ley primera; tengan unión verdadera en
cualquier tiempo que sea, porque si entre
ellos pelean los devoran los de ajuera”.
Martin Fierro
RESUMO
Esta monografia trata do desafio da integração sul-americana como um objetivo
constitucional do Estado brasileiro e dos obstáculos a serem enfrentados para a sua
consecução. O objetivo deste estudo é apresentar os pensamentos geopolíticos
brasileiros, relacionados com o objetivo de integração, os caminhos já palmilhados
nesse sentido e, principalmente, os óbices à integração da América do Sul. Tudo
isso para tentar confirmar a hipótese de que a integração sul-americana impõe um
enorme desafio à capacidade estratégica nacional, pela magnitude e pela
complexidade desse desafio.
A metodologia adotada comportou uma pesquisa
documental, visando buscar referenciais teóricos nos principais pensadores
geopolíticos do passado e do presente e nos estudiosos dos problemas regionais
atuais, com vistas a interagir tais pensamentos com os diversos óbices que se
apresentam diante do desafio da integração, buscando assim compreender a
intrincada tarefa imposta ao Brasil e ao subcontinente, concluindo sobre a falta de
estrutura do Brasil para desenvolver a “grande estratégia”, apresentando, ao final,
uma proposta de caminho a ser percorrido pelo Estado brasileiro, que permita À
nação coordenar as ações estratégicas necessárias à consecução da sonhada e
difícil tarefa da integração Sul-americana. A conclusão identificou incoerências na
estrutura de mobilização e indicou ações positivas para um eficaz
Palavras chave: Obstáculo. Integração. América do Sul. Geopolítica. Estratégia.
ABSTRACT
This monograph addresses the challenge of South American integration as a goal of
the Brazilian Constitution and the obstacles to be faced to achieve them. The
objective of this study is to present the Brazilian geopolitical thoughts related to the
goal of integration, the paths already walked accordingly and, especially, the
obstacles to the integration of South America. All this to try to confirm the hypothesis
that the integration of south American imposes a huge challenge to national strategic
capability, by the magnitude and complexity of this challenge. The methodology
involved a desk research, aiming to seek theoretical frameworks in the main
geopolitical thinkers of the past and present and scholars of current regional issues,
in order to interact with such thoughts the many obstacles that present themselves
before the challenge of integration, thus seeking understand the intricate task
imposed to Brazil and the subcontinent, concluding about the lack of structure in
Brazil to develop a "grand strategy", presenting the final proposal for a path to be
taken by the Brazilian government, allowing the nation to coordinate actions
strategies needed to achieve the dream and difficult task of integrating South
America.
Keywords: Obstacle. Integration. South America. Geopolitic. Strategy.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Antagonismos geopolíticos em presença na América do Sul ............... 21
Figura 2 – Aberta Andina e Capacidade carreadora da Amazônia ........................ 23
Figura 3 – Compartimentação Geopolítica da América do Sul ...............................30
Figura 4 – Áreas de Intercâmbio Fronteiriço .......................................................... 36
Figura 5 – Estruturação geral das nações no mundo multipolar ........................... 39
Figura 6 – Conflitos na América do sul .................................................................. 64
Figura 7 – Teoria das Pan-regiões de Haushofer .................................................. 71
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO.......................................................................................... 13
1.1
APRESENTAÇÃO DO TRABALHO ......................................................... 14
1.1.1
Objetivos do Trabalho ............................................................................ 14
1.1.2
A Hipótese ............................................................................................... 15
1.1.3
A Justificativa ........................................................................................... 15
1.1.4
A Metodologia Utillizada .......................................................................... 16
1.2
CONCEITOS BÁSICOS DE INTERESSE DO TRABALHO ....................... 16
1.2.1
Integração e Cooperação Regional ........................................................16
1.2.2
Óbices ou Obstáculos ............................................................................. 17
1.2.3
Comunidade de Nações .......................................................................... 17
1.2.4
Blocos Econômicos ................................................................................ 18
2
PENSAMENTOS GEOPOLÍTICOS .......................................................... 19
2.1
GENERALIDADES ..................................................................................... 19
2.2
PENSAMENTO DE MÁRIO TRAVASSOS ................................................ 20
2.2.1
Os Antagonismos em Presença da América do Sul ............................. 20
2.2.2
O Papel Funcional das Regiões Naturais do Brasil ............................ 23
2.2.3
Conclusão sobre o Pensamento de Mário Travassos ......................... 25
2.3
GOLBERY DO COUTO E SILVA E A GEOPOLÍTICA DO BRASIL ........... 25
2.3.1
A Geopolítica da Integração ................................................................... 26
2.3.2
Os Campos de Atuação da Geopolítica ................................................ 27
2.3.3
Conclusão sobre o Pensamento de Golbery do Couto e Silva ......... 32
2.4
PENSAMENTO DE CARLOS DE MEIRA MATTOS.................................... 32
2.4.1
Brasil, um País Continental e Marítimo .................................................. 33
2.4.2
O Brasil e a Continentalização da América do Sul ............................... 35
2.4.3
Conclusão sobre o Pensamento de Carlos de Meira Mattos ............... 36
2.5
PENSAMENTO DE THEREZINHA DE CASTRO..................................... 37
2.5.1
Brasil, um País Marítimo e Continental .................................................. 37
2.5.2
Conclusão sobre o Pensamento de Therezinha de Castro ................. 39
2.6
PENSAMENTO DE DARC COSTA ............................................................ 40
2.6.1
A Teoria do Megaestado ......................................................................... 40
2.6.2
Construindo o Megaestado ..................................................................... 41
2.6.3
Conclusão sobre o Pensamento de Darc Costa ................................... 42
2.7
CONCLUSÃO PARCIAL .......................................................................... 42
3
OBSTÁCULOS À INTEGRAÇÃO SUL- AMERICANA............................. 44
3.1
GENERALIDADES ..................................................................................... 44
3.2
ÓBICES HISTÓRICOS .............................................................................. 45
3.2.1
O Idioma ................................................................................................... 45
3.2.2
Divisão de Tordesilhas ............................................................................ 46
3.2.3
Exploração das Colônias pelas Metrópoles .......................................... 46
3.2.4
Tendência de Desagregação da América Espanhola ............................ 47
3.2.5
Postura Individualista dos Estados ...................................................... 48
3.2.6
Traumas dos Processos de Independência ........................................... 48
3.2.7
Assimetria entre os Países da América do Sul ..................................... 49
3.3
ÓBICES ATUAIS ....................................................................................... 50
3.3.1
As orientações Geopolíticas Divergentes .............................................. 50
3.3.2
A Falta de Visão das Elites ...................................................................... 50
3.3.3
A Não Valorização das Raízes Ibéricas .................................................. 51
3.3.4
Instabilidade Econômica nos Países da região ................................... 51
3.3.5
Indecisão Brasileira na Iniciativa do Processo de Integração ............. 52
3.3.6
O Centro Hegemônico dos Estados Unidos da América ...................... 53
3.3.7
A Carência de Infraestrutura de Transporte e de Energia................... 54
3.3.8
Baixo Nível Educacional da Região ....................................................... 54
3.3.9
Aspirações Hegemônicas da Argentina ................................................. 55
3.3.10
Receio da Perda de Identidade Nacional e de soberania ..................... 56
3.3.11
Atenção Dividida entre Vários Polos de Atração ................................... 56
3.3.12
Isolamento da Região Amazônica .......................................................... 57
3.3.13
Fragilidade econômica da Região .......................................................... 58
3.3.14
A Falta de integração Econômica no Mercosul ..................................... 59
3.3.15
A Desigualdade Socioeconômica da Região ......................................... 59
3.3.16
Fragilidade Democrática de Alguns Países ........................................... 60
3.3.17
Resoluções do Clube de Roma ............................................................... 60
3.3.18
Efeitos do Consenso de Washington .................................................... 61
3.3.19
O Geodireito e as Mudanças Constitucionais ....................................... 62
3.3.20
A Postura Geopolítica Chilena ................................................................ 63
3.3.21
Contenciosos no Continente ................................................................... 63
3.3.22
Questões Militares ................................................................................... 65
3.3.23
Desequilíbrio entre o Cone Sul e o Norte da América do Sul ............. 65
3.3.24
Percepção do Brasil como País Imperialista ......................................... 66
3.4
CONCLUSÃO PARCIAL ............................................................................. 67
4
OS CAMINHOS PARA A INTEGRAÇÃO SUL – AMERICANA................ 68
4.1
GENERALIDADES ..................................................................................... 68
4.2
OS PENSAMENTOS E OS MECANISMOS PARA A UNIDADE ................ 68
4.2.1
O Sonho de Simon Bolívar ..................................................................... 68
4.2.2
O Panamericanismo ................................................................................ 70
4.2.3
Os Mecanismos de Integração: da ALALC à UNASUL ........................ 73
4.2.3.1
Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC) ...................... 73
4.2.3.2
Associação Latino-Americana de Integração (ALADI) ............................. 73
4.2.3.3
A Comunidade Andina de Nações (CAN) ................................................. 74
4.2.3.4
O Sistema Econômico Latino-americano (SELA) ...................................... 75
4.2.3.5
A Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA) ................. 76
4.2.3.6
Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) .................................................. 76
4.2.3.7
Iniciativa para a Modernização e Desenvolvimento .................................. 77
4.2.3.8
A Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos ................ 78
4.2.3.9
A União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) ...................................... 79
4.3
CONCLUSÃO PARCIAL ............................................................................ 80
5
CONCLUSÃO........................................................................................... 82
5.1
O DESAFIO DE UM TEOREMA SEM FIM ................................................ 82
5.2
UMA PROPOSTA PARA A GRANDE ESTRATÉGIA BRASILEIRA ........... 84
REFERÊNCIAS ......................................................................................... 86
13
1
INTRODUÇÃO
“Não é só o progresso, o desenvolvimento da cultura intelectual, da riqueza e
do poder da nossa pátria que desejamos, é também a crescente prosperidade
de todos os povos do nosso continente”.
Barão do Rio Branco
O objetivo estratégico, explicitado no parágrafo quarto de nossa Constituição,
estabelece a base da política externa brasileira no que tange à América latina e, por
conseguinte, no que concerne, também, ao subcontinente Sul-americano, objeto deste
estudo. Assim se refere a nossa lei maior:
Art. 4º. "A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações
internacionais pelos seguintes princípios [...]
Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração
econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina,
visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações” g.n.
(BRASIL, 1988)
Não é razoável que se queira formar uma comunidade latino-americana de
nações, sem antes consolidar esse objetivo no âmbito da América do Sul, onde o
Brasil está inserido fisicamente. Assim sendo, a Constituição (1988) assinala,
indiretamente para a integração sul-americana como um objetivo a ser buscado pelo
Estado brasileiro.
Ao longo de várias décadas, esse objetivo tem sido apontado por diversos
geopolíticos brasileiros e tem norteado as ações político-estratégicas do Brasil, ao
longo da história. Isso se verifica em função da necessidade de se manter relações
amistosas e seguras com nossos vizinhos, em que pesem os antagonismos
registrados no decorrer da formação política dos Estados sul-americanos e,
principalmente, pela necessidade da integração de sua base geográfica e dessa com
seu entorno, visando a uma melhor e maior inserção do país no âmbito mundial.
14
Será que nesse momento, como terceiro interessados, ou seja, como América
portuguesa, não nos cabe mudar de posição, pendular e reconstruir o sonho
de Bolívar, ou seja, buscar uma integração dos países de origem ibérica na
América? (COSTA, 2009)
Além disso, as marcadas diferenças político-sociais e econômicas existentes
entre os países da região e o Brasil, atualmente entre as sete maiores economias do
mundo, se apresentam como um obstáculo sempre atual à intenção prevista em nossa
lei maior. Somam-se a essas diferenças óbices de toda ordem, o que impinge
movimentos de avanço e recuo nas tentativas de união dos países da América do Sul
em torno de óbices que, historicamente objetivos comuns.
Essa relação entre o objetivo nacional de integração regional e os, se lhe
interpõem, é o problema central do trabalho ora proposto.
1.1
APRESENTAÇÃO DO TRABALHO DE PESQUISA
1.1.1 Objetivos do Trabalho
O objetivo geral do trabalho proposto foi o de levantar os óbices ou obstáculos à
consecução do objetivo brasileiro de buscar a formação de uma comunidade latinoamericana de nações a partir da integração sul-americana que, para efeito desse
trabalho, limita geopoliticamente o escopo da análise ao espaço da América do Sul,
buscando investigar de que maneira o Estado brasileiro tem pensado e atuado
estrategicamente em função desse objetivo, identificando as dificuldades e desafios a
serem enfrentados, no nível da “grande estratégia” nacional, para a solução desse
complexo teorema da integração regional.
Em decorrência desse objetivo geral, a pesquisa foi norteada pelos seguintes
Objetivos Específicos:
I. Apresentar os pensamentos geopolíticos e as orientações estratégicas que
apontam para a consecução do objetivo de integração sul-americana.
15
II. Apontar os óbices geopolíticos que, historicamente e atualmente, se interpõem
à integração sul-americana; e
III. Identificar os caminhos já percorridos rumo à integração dos países do
subcontinente.
1.1.2 A Hipótese
O pensamento geopolítico brasileiro aponta para a necessidade da integração
sul-americana como condição vital para o alcance e a manutenção de seus objetivos
nacionais, bem como para a projeção nacional no âmbito regional e internacional.
Não obstante, diante da magnitude e da complexidade dos obstáculos à essa
integração, o Estado brasileiro não está adequadamente preparado, no nível da
“grande estratégia”, para dirigir e coordenar as ações estratégicas para a consecução
de tal objetivo, o que coloca o Brasil diante de um teorema de difícil solução.
1.1.3 A Justificativa
As recentes iniciativas de integração no continente Sul-Americano, como a
assinatura do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), em 1978, a Associação
Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), na década de 60, a Associação LatinoAmericana de Integração (ALADI), na década de 80, o Mercado Comum do Sul
(MERCOSUL), assinado em 1991, pelo Tratado de Assunção e, mais recentemente,
em 2008, a criação da União das Nações Sul-americanas (UNASUL), demonstram
uma maior intensidade das ações brasileiras visando à busca dessa integração.
Tais ações devem-se à velocidade com que se dão as mudanças no tabuleiro
estratégico mundial, que posiciona o Estado brasileiro entre as sete maiores
economias do planeta, assiste à ascensão dos BRICS e acena com a oportunidade de
melhor inserção do país em um mundo multipolar que se vislumbra como cenário
desejável e de interesse para o Brasil que, diferente dos demais países do
subcontinente, já caminha para consolidar-se como uma potência regional e mundial.
16
Não obstante essas iniciativas, os antigos óbices à integração sul-americana
continuam em vigor e sofrendo as mesmas influências da modernidade, onde cada
país busca seu melhor posicionamento estratégico em um mundo em constante
mutação.
Dessa forma, este trabalho é relevante, na medida em que busca apresentar o
pensamento geopolítico nacional e na medida em que aponta os principais óbices à
integração regional, com o intuito de permitir uma melhor visão dos desafios a serem
enfrentados pelas estratégias de alto nível, necessárias à consecução dessa
integração sul-americana.
1.1.4 A Metodologia Utilizada
O trabalho realizado pode ser caracterizado como pesquisa exploratória, onde
se buscou realizar uma análise documental e bibliográfica, valendo-se das publicações
existentes nas bibliotecas da ESG e de outras escolas militares, bem como nas
bibliotecas de algumas universidades e em sítios da rede mundial de computadores,
tudo com vistas à identificação dos pensamentos geopolíticos e dos óbices
relacionados com a integração sul-americana.
1.2
CONCEITOS BÁSICOS DE INTERESSE DO TRABALHO
1.2.1 Integração e Cooperação Regional
O professor Araminta Mercadante de Azevedo, discorrendo sobre os aspectos
institucionais da integração latino-americana, define a integração em sentido amplo
como sendo o “acordo de vontades entre unidades nacionais, para chegar a uma
solução uniforme em determinados campos onde a atividade estatal isolada torna-se
inoperante ou ineficiente.” (AZEVEDO,1991).
A integração pressupõe a criação de centros de decisões comunitários que
possuem competências atribuídas pelos Estados-membros e deles subtraídas. Na
17
integração, o processo é voltado para a satisfação dos interesses comunitários e se dá
nos aspectos físicos da infraestrutura, e nos cinco campos de expressão do poder1.
Difere da cooperação internacional, que não apresenta maiores limitações aos
poderes estatais, permitindo que cada Estado possa alcançar, no processo de
cooperação, a satisfação dos interesses individuais, por meio do compartilhamento de
experiências e soluções comuns de problemas.
1.2.2 Óbices ou Obstáculos
Segundo a doutrina da Escola Superior de Guerra (ESG), os óbices classificamse em Fatores Adversos, quando dificultam os esforços da sociedade ou do Governo
para alcançar e preservar os objetivos nacionais; e Antagonismos, quando assumem
uma forma lesiva aos esforços da sociedade na conquista dos Objetivos
Fundamentais.
1.2.3 Comunidade de Nações
Tomando como base o conceito da Declaração de Cingapura, que constituiu a
“Commonwealth britânica” 2, uma Comunidade de Nações é um espaço onde seus
Estados-membros cooperam num quadro de valores e objetivos comuns. Estes
incluem a promoção da democracia, direitos humanos, boa governança, Estado de
Direito, liberdade individual, igualitarismo, livre comércio, multilateralismo e a paz
mundial.
1
Os campos de expressão do poder são: político, econômico, psicossocial, militar e científicotecnológico.
2
Organização intergovernamental, composta por 54 países membros independentes, através da qual
os países com diversas origens sociais, políticas e econômicas são considerados como iguais
em status.
18
1.2.4 Blocos Econômicos
Bloco Econômico é uma união de países com interesses mútuos de
crescimento econômico e, em alguns casos, se estende também á integração social
desses países. Tem como uma das ideias principais a visão de que haja uma
integração maior entre países e a facilitação no comércio entre eles pode beneficiar a
ambos ter um crescimento maior e em conjunto. O primeiro Bloco Econômico nasceu
em 1956 com a criação da Comunidade Européia do Carvão e do Aço (ECA)3.
Geralmente são definidos quatro estágios ou tipos de Blocos Econômicos.
O primeiro seria a área de livre comércio, onde produtos produzidos por um país
podem entrar em países que têm esse acordo, isento de taxas e burocracias
tradicionais de uma importação normal. Numa segunda fase, a união aduaneira, com
o estabelecimento de condutas de comercio, além de regras para negócios com
países que não fazem parte do bloco.
A terceira parte é a criação de um mercado comum, que implica numa
integração maior entre as economias e regras de comércio interno e externo.
O estágio máximo de ligação é de união monetária, com o diferencial de ter uma
moeda comum em circulação.
3
Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, na Europa. Esse grupo foi formado inicialmente pela
Bélgica, Alemanha Ocidental, Holanda, Itália, Luxemburgo e França.
19
2
PENSAMENTOS GEOPOLÍTICOS RELACIONADOS À INTEGRAÇÃO SULAMERICANA: AS BASES DO TEOREMA DA INTEGRAÇÃO
“Tenho em mim todos os sonhos do mundo”.
Fernando Pessoa
2.1
GENERALIDADES
A integração sul-americana é um sonho acalentado desde os primórdios da
organização política do subcontinente.
Os mitos fundadores da América espanhola são os mesmos mitos fundadores
da América portuguesa: o mito de uma cristandade reunida, o mito do
eldorado, o mito da eterna juventude e o mito do paraíso redescoberto. O
imaginário sul-americano os toma como referência para a montagem de um
futuro comum e grandioso. Essa busca é uma quimera como sul-americanos.
(COSTA, 2005)
Segundo o professor Darc Costa, somente essa “crença” não trás a dinâmica
necessária, sendo imperativo “interpretá-la corretamente, decifrando suas raízes e as
origens de nosso enigma. Daí ser imperativo que as nações sul-americanas devam
posicionar-se no tempo e no espaço, visando a sonhada integração, que será o
produto de uma cooperação efetiva”.
Nesse mister se empenharam inúmeros pensadores nacionais, estudiosos da
nossa geopolítica, desde o Brasil colônia até os dias atuais. Assim, este capítulo
pretende apresentar sucintamente os principais pensamentos geopolíticos que
apontam à integração sul-americana.
20
2.2
MÁRIO TRAVASSOS E A PROJEÇÃO CONTINENTAL DO BRASIL
O então Capitão do Exército Mário Travassos escreveu o livro “Projeção
Continental do Brasil”, editado em 1931, mas que surgiu, primeiramente, em 1930,
com o nome de “Aspectos Geográficos Sul-americanos”.
Essa foi considerada a primeira obra de Geopolítica publicada no Brasil e lançou
os fundamentos da Geopolítica brasileira para aquela quadra da história. Suas
análises e formulações geopolíticas dominaram a mente de pensadores, políticos e
oficiais das forças armadas até a metade do século XX.
Interessante notar que “Projeção Continental do Brasil” foi escrito cerca de um
século
depois
do
processo
de
independência
das nações
sul-americanas,
apresentando uma estratégia de projeção nacional em direção ao Oeste, valendo-se,
para tal, do argumento geopolítico dos “atrativos Atlântico e Amazônico”, como base
para as políticas de desenvolvimento nacional e norteador dos investimentos em vias
de comunicações para circulação das riquezas e ampliação da influência brasileira no
continente Sul-americano.
2.2.1
Os Antagonismos em Presença na Geopolítica da América do Sul
Em sua obra, esse grande pensador geopolítico apresentou a tese de dois
antagonismos geopolíticos formais, presentes durante todo o processo de
desenvolvimento político e econômico do subcontinente, a saber:
- a oposição entre as vertentes do Atlântico e do Pacífico.
Tal oposição se dá pela existência da Cordilheira dos Andes, que divide as
águas dos dois oceanos. De um lado o Oceano Atlântico, notadamente dinâmico, por
ser intensamente navegado, cuja influência se estende ao interior do continente. Do
outro lado o Oceano Pacífico, denominado, naquela quadra do século XX, o chamado
“mar solitário”, cuja influência esbarra, justamente, na grande cordilheira.
21
- a oposição das duas grandes bacias hidrográficas: a do Prata e a do
Amazonas.
De um lado, a Bacia Amazônica, desenvolvendo-se no sentido Leste-Oeste,
apresentando curso direcionado ao principal feixe comercial marítimo, o Oceano
Atlântico e muito próxima dos principais feixes de circulação. Do outro lado, no sentido
Norte-Sul, a Bacia do Prata, com curso direcionado para o Atlântico Sul, mais
próximos aos feixes secundários de circulação.
A figura nº 01 apresenta graficamente os antagonismos mencionados na obra
de Mário Travassos.
Figura 1 – Antagonismos geopolíticos em presença na América do Sul.
Fonte: Fernando de Lima
22
Isso posto, Mário Travassos, dentro de um contexto de disputa entre Brasil e
Argentina, por área de influência no subcontinente, aponta a vantagem Argentina na
utilização da Bacia do Prata para, por meio da facilidade de circulação na mesma,
influenciar regiões no interior da América do Sul. Dessa forma, utilizando hidrovias e
ferrovias, os platinos atrairiam, naturalmente, para sua área de influência, países
interiores, como Bolívia e Paraguai, bem como alcançariam mais facilmente os portos
do Pacífico, por meio das ligações ferroviárias e hidrográficas que conduzem até o
Chile e o Peru.
Por outro lado, Mário Travassos alertava as elites nacionais para a necessidade
de potencializar a atração exercida pela Bacia Amazônica que, por estar próxima ao
centro do continente e permitir a comunicação do interior da América do Sul em
direção às grandes rotas do Atlântico Norte, por meio da hidrovias do Rio Madeira e do
Rio Mamoré, conferiria ao Brasil uma grande vantagem geopolítica, suplantando a
atração exercida pelo Prata. Lembrava, também, que com o aproveitamento dos
“passos” e “nudos”4 existentes na Cordilheira dos Andes, tal vantagem se ampliaria,
com a viabilização da ligação bi-oceânica, conforme se verifica na figura nº 02.
Mário Travassos afirmava, naquelas décadas de 1930-40, que em uma terra de
antagonismos
geopolíticos,
a
“articulação”
fomentada
por
esses
mesmos
antagonismos, por meio de hidrovias e ferrovias, seria o caminho para se tentar
homogeneizar os direcionamentos políticos e econômicos da América do Sul,
lançando as bases para uma defesa efetiva, bem como para uma melhor integração
da região.
4
Regiões de passagens na Cordilheira dos Andes que, uma vez aproveitadas com obras de
infraestrutura, facilitam a circulação no interior do continente, unindo as vertentes do Atlântico e do
Pacífico.
23
Figura 2 – Abertas Andinas e Capacidade carreadora da Amazônia
Fonte: TRAVASSOS, 1947, p. 68.
2.2.2
O Papel Funcional das regiões Naturais do Brasil para a Integração Sulamericana
Além da atração exercida pela Bacia Amazônica e pela proximidade do nosso
território aos principais feixes de comércio do Atlântico Norte, outro aspecto importante
24
da obra de Mário Travassos é o alerta para o papel das regiões naturais do Brasil no
processo de integração Sul-americano.
Mário Travassos apontava duas regiões geopolíticas do nosso território, com
potencial para induzir qualquer processo de integração. São elas: o Brasil Amazônico
e o Brasil Platino.
O Brasil Amazônico vale-se do imenso Rio Amazonas, apresentado como “o
grande coletor do anfiteatro que se arqueia entre Caracas (Venezuela) e La Paz
(Bolívia), rumo ao Oceano Atlântico”. Essa região, por meio da hidrovia MadeiraMamoré, atrai a porção central do subcontinente, representada pelo triângulo
Cochabamba – Sucre – Santa Cruz de La Sierra, apresentado por Mário Travassos
como o centro geográfico do continente, por tratar-se da região de convergência
das três vertentes geográficas que operam no subcontinente (Atlântico - Pacífico,
Amazônica e Platina).
Esse potencial do Brasil Amazônico, segundo o autor, aliado ao aproveitamento
das passagens andinas, podem conduzir as riquezas da América do Sul ao Atlântico
Norte, pelo Grande Rio.
Também o Brasil Platino, que se inicia ao Sul do Mato Grosso, que permite a
penetração do interior da América do Sul para os ecúmenos nacionais por meio de
obras de arte e infraestrutura de transporte rodoviário e ferroviário, bem como atrai o
triângulo boliviano para a articulação com o espaço brasileiro. É o Brasil Platino que
oferece uma alternativa ao Estuário do Rio da Prata, pelos eixos dos rios Paraná,
Uruguai e Paraguai, a fim de alcançar o Oceano Atlântico em maiores latitudes, em
Santos, São Francisco, Paranaguá etc.
Nota-se que Mário Travassos alerta para a necessidade de se aproveitar o
potencial do papel funcional dessas regiões geopolíticas, como base para a integração
sul-americana, o que induz a pensar em um primeiro estágio da integração, que deve
ter lugar no interior de nosso próprio território, com a integração da Hileia Amazônica e
25
a melhoria da articulação do Brasil Platino, por meio de obras de infraestrutura vitais
para o Brasil e para o projeto de integração regional.
2.2.3. Conclusão sobre o pensamento de Mário Travassos
Não obstante o enfoque da disputa entre Brasil e Argentina, os dois principais
países da região naquela ocasião, Mário Travassos, considerado o precursor
geopolítico do século XX, apontava, já naquela quadra (1930), a existência de uma
busca natural por integração continental, por meio das articulações necessárias à
circulação. Essa busca, segundo ele próprio, “poderia ser aproveitada, em
cooperação, para a consecução da integração da América do Sul, a fim de que os
brasileiros, e não só os rio-platenses, tirassem proveito de sua geopolítica”.
Resumindo o pensamento deste eminente geopolítico, cabe citar as palavras do
General Lira Tavares, em seu livro, O Brasil de minha Geração: “Mário Travassos viu o
Brasil diante da América do Sul e do Caribe. Magistralmente traçou os grandes rumos
de uma política nacional destinada a nos levar à posição de potência Sul-americana”.
(TAVARES, em TRAVASSOS, 1947)
Mário Travassos, além de apresentar a necessidade e os caminhos para a
integração, aponta, também, diversos óbices à integração Sul-americana, que serão
abordados, oportunamente, no terceiro capítulo deste trabalho.
2.3
GOLBERY DO COUTO E SILVA E A GEOPOLÍTICA DO BRASIL
Golbery do Couto e Silva foi um destacado pensador geopolítico dos anos pós1964. Escreveu o livro “Geopolítica do Brasil”, em 1967, no contexto da guerra fria e
dos governos militares. Possuidor de um pensamento profundamente nacionalista e
comprometido com o papel do Brasil na busca da estabilidade no Ocidente
apresentou, em sua obra, as linhas mestras de uma visão geopolítica privilegiada do
26
Brasil, apontando para a necessidade do estabelecimento de três estratégias: a da
Integração Territorial, a da Projeção Continental e a da Segurança nacional.
Para Golbery, a geopolítica é a fundamentação geográfica das linhas de ação
políticas ou, como prefere, em suas palavras, “a preposição de diretrizes políticas
formuladas à luz dos fatores geográficos em particular, de uma análise baseada,
sobretudo, nos conceitos básicos de espaço e de posição”.
Dessa forma, a arte da geopolítica (sua aplicação política), afirma Golbery, só é
válida quando genuinamente brasileira e quando leva em conta o Poder nacional
como a base para a ação estratégica, integrando, assim, todas as forças nacionais.
2.3.1
A Geopolítica da Integração
A integração, muito mais que uma tendência, é apresentada por Golbery como
um símbolo da nossa era. Trata-se de um processo solucionador por excelência de
todos os antagonismos e que melhor convém ao espírito faustiano 5 do homem
moderno.
Em relação à integração sul-americana, Golbery observa um histórico e intenso
comércio com a região do Prata e com Tucumán6, assim como para o Oeste, com as
populações andinas de Bolívia e Peru, apesar das fortes barreiras impostas por um
feroz e ciumento monopólio de Espanha.
Ainda historicamente, Golbery observa o “Espírito do Panamericanismo”,
baseado no reconhecimento de uma unidade continental desejada, porém ameaçada,
conforme ele próprio afirma:
5
Considerado símbolo cultural da modernidade, Fausto é um poema épico que relata a tragédia do Dr.
Fausto, homem das ciências que, desiludido com o conhecimento de seu tempo, faz um pacto com o
demônio, que o enche com a energia satânica insufladora da paixão pela técnica e pelo progresso.
6
Província de San Miguel de Tucumán, no Noroeste da Argentina.
27
[...] unidade continental que os ameaçadores perigos externos do agitado
século XX põem, cada vez mais, na categoria de realidades indiscutíveis,
sempre triunfantes e até hoje de inumeráveis e graves divergências, de
agudos choques de interesses e receios não de todo infundados, por certo,
contra interferências desmedidas e prepotentes dos mais fortes. (SILVA, 1978)
Sobre esse processo, afirmava que no mundo moderno, os países fortes se
tornam cada vez mais fortes e os débeis, mais débeis a cada dia, conforme se pode
atestar, nas seguintes linhas escritas por Golbery:
As pequenas nações se veem repentinamente reduzidas à humilde condição
de estados pigmeus e já se lhes profetiza abertamente um final obscuro, baixo
à forma de iniludíveis integrações regionais. [..] a equação do mundo se
simplifica a um reduzido número de termos e nela se percebem, desde já,
apenas raras constelações feudais de estados-barões rodeados de satélites e
vassalos. (SILVA, 1978)
Deixando à parte o aspecto negativo apontado, ainda que verdadeiro, do
processo de integração, fica evidente a preocupação de Golbery com os pontos
comuns de uma crescente interdependência entre os Estados da região, cujas
relações entre si, marcadas por dificuldades, sacrifícios, lutas e crises sucessivas, se
sobrepõem à sua própria vida individual e vegetativa, demandando a revitalização de
débeis estruturas econômicas e a busca de melhores padrões cultural e político.
2.3.2
Os Campos de Atuação da Geopolítica
Golbery, de formação militar e ultranacionalista, emprega um viés de defesa
nacional em suas análises geopolíticas, o que empresta, muitas vezes, uma notada
eloquência em suas comparações, mas sem comprometer o conteúdo científico de
sua obra. Assim, esse pensador brasileiro preconiza que a geopolítica de qualquer
estado atua sobre dois campos a saber:
- a geopolítica em relação ao campo interno, na qual os estados devem
buscar a integração do seu espaço territorial e a valorização do seu território, com a
28
consequente proteção de suas riquezas e infraestruturas adequadas à circulação
interna e ao seu desenvolvimento; e
- a geopolítica em relação ao campo externo, na qual o estado assume,
inexoravelmente, um sentido positivo (uma postura de ataque) ou um sentido negativo
(uma postura defensiva). Em ambos os sentidos, o estado projeta seu espaço nacional
sobre os espaços circunvizinhos.
Em razão dessas atitudes adotadas pelo estado, fruto da análise de sua
geopolítica no campo externo, Golbery assevera que “... é a razão pela qual a
geopolítica, se não fomenta os imperialismos, lhes abre o caminho a sonhos de
conquista, domínio e expansão territorial.” (SILVA, 1978, p 55).
Em relação ao campo interno de atuação da geopolítica brasileira, Golbery
afirma ser uma tarefa gigantesca e que demanda um cuidadoso planejamento de
longo prazo, consumindo longos anos na sua realização. A preocupação com os
vazios de poder na Amazônia e no Centro-oeste e a falta de infraestrutura de
transportes que facilitassem a comunicação e a circulação de riquezas o levava a
apontar tais realidades como “vulnerabilidade nacional”, conforme descrito em suas
próprias palavras: “O vazio de poder, como centro de baixas pressões, atrai desde
todos os quadrantes aos ventos desenfreados da cobiça”. (SILVA, 1978).
Ainda em relação ao campo interno de atuação, Golbery alerta para a
necessidade de vitalizar e integrar o Centro-oeste brasileiro, considerado por ele como
a “placa giratória” situada nas grandes bacias hidrográficas (do Paraguai e
Amazônica), para atrair os vizinhos sul-americanos aos interesses brasileiros e não
aos argentinos, que na ocasião, exercia marcada influência sobre os vizinhos de
Oeste, principalmente sob o viés econômico. Ainda nesse aspecto, Golbery define a
fronteira amazônica como passiva, devendo ser alvo de ações de vigilância e proteção
ao longo das vias penetrantes, o que confirma o esquecimento histórico daquela
região, sob o aspecto da integração.
29
Já a faixa de fronteira com o Uruguai e a Argentina, para Golbery, se apresenta
como a mais preocupante, na medida em que, historicamente, apresenta interesses
divergentes e movimentação intensa, podendo acarretar problemas para a segurança
nacional.
Especificamente em relação ao campo externo de atuação da geopolítica
brasileira, Golbery descreve os países vizinhos como um cinturão de nações unidas
pela mesma origem hispânica, tradições históricas semelhantes e entrelaçadas e,
sobretudo, por uma unidade linguística. Tais aspectos, aliados aos costumes e cultura
diferenciados pela contribuição humana de cada um (origem hispânica) e pela força
modeladora da geografia distinta (Andes), torna a projeção brasileira no subcontinente
um desafio a ser cuidadosamente tratado. Sobre esse aspecto, esse pensador
geopolítico realiza a seguinte afirmação:
[...] velhas desconfianças e antigos litígios, sem dúvida, as separam, mas não
impediriam uma composição de interesses e uma combinação de esforços, se
tratar de satisfazer todas as ambições e todos os ressentimentos à custa do
vizinho exótico [...] (SILVA, 1978, p 76)
Golbery também apresenta a América do Sul como uma massa continental
protegida pela Oceania ao Sul, pelo Oeste Africano, pelos EUA ao Norte e Pacífico à
Oeste, demandando a necessidade de manter essa região livre de pressões
antagônicas.
Além disso, preconizava estender as áreas estratégicas do subcontinente como
zonas de integração geopolítica, a fim de nortear a combinação voluntária de esforços
nacionais para as tarefas construtivas de paz. Essas áreas, conforme representado na
figura 3, são as seguintes:
- área 1: Reserva Geral ou Plataforma Central de Manobra, Onde se localiza o
Centro-Sul do Brasil;
- área 2: Amazônica,
- área 3: Platino-patagônica, no cone sul do continente;
30
- área 4: Continental de soldadura, que une todas as áreas da América do Sul,
tendo como centro o triângulo Sucre, Cochabamba e Santa Cruz de La Sierra; e
- área 5: o Nordeste Brasileiro.
Figura 3: Compartimentação Geopolítica da América do Sul
Fonte: SILVA, 1978, p.112.
31
Por outro lado, ainda sobre o campo externo da atuação da geopolítica brasileira,
afirmava, em detrimento da integração sul-americana, que o mais importante seria
articular os centros de poder ao Sul, ao Nordeste e ao Centro-Oeste, o que deveria
dar-se dentro de um contexto de segurança em relação aos nossos vizinhos.
Portanto, antes mesmo da integração sul-americana, o Brasil deveria agir em
três fases: primeiro, fortalecer a base ecumênica, principalmente ao Sul do país;
segundo, a integrar o Centro-Oeste, a fim de permitir o desbordamento do da hileia ou
opor-se às aspirações platenses no interior do continente; e, terceiro, incorporar
definitivamente a Amazônia ao espaço nacional.
No entanto, Golbery enxerga uma possibilidade de mudança diante das
aspirações e dificuldades comuns aos Estados Sul-americanos. Tal mudança pode se
dar por meio do estímulo a um sentimento de solidariedade continental, sob o calor
das boas práticas de boa vizinhança compreensiva e sem subterfúgios, bem como por
meio de uma maior consciência geopolítica da América Latina. Para tal, apresenta
duas propostas de diretrizes geopolíticas:
- Em primeiro plano, salvaguardar a inviolabilidade territorial, por meio da
integração, articulação e vivificação dos anecúmenos. “O que serve para a proteção
contribui para a integração e solidariedade”, afirmava Golbery; e
- Em segundo plano, participar ativa e generosamente na solução dos
problemas que enfrentam os povos vizinhos, principalmente nas áreas geopolíticas
que participamos.
Reforçando essa ideia, assim se pronunciava Golbery em relação às iniciativas
brasileiras em obras de infraestrutura para a circulação regional:
O mercado comum que se está estabelecendo agora, grande passo projetado
no sentido de uma maior unidade continental e de um desenvolvimento
econômico [...] exige, sobretudo, para sua concreção, a base física de um
sistema adequado de circulação em toda a América do Sul. Brasil não poderia
deixar de cooperar, decididamente, na criação de uma base indispensável.
(SILVA, 1978, p 163)
32
2.3.3 Conclusão sobre o Pensamento de Golbery do Couto e Silva
O pensamento de Golbery do Couto e Silva aponta para o que se pode
denominar como uma “inexorabilidade geopolítica”. Acreditava na interdependência
entre os Estados, como fruto de um processo de integração para solução conjunta
antagonismos, problemas comuns ou transnacionais, fator essencial para as
aspirações nacionais de projeção geopolítica do Brasil e da América do Sul como um
todo.
No entanto, Golbery desenvolve seu pensamento relacionado à integração sulamericana tendo o Brasil como centro e sob os aspectos essenciais da segurança, da
defesa e da estabilidade e, ainda que inexorável, tal integração deveria ser buscada
com cautela, precedida pelas ações de integração no campo interno.
Golbery confirma, assim, o que já alertava Mário Travassos na década 1930, que “as
ações geopolíticas no campo interno produzirão efeitos positivos ou negativos na
geopolítica no campo externo”. Para reforçar o pano de fundo nacionalista de seu
pensamento, bem como a crença na responsabilidade do Brasil na América do Sul,
cabe chamar a atenção para a citação feita pelo próprio Golbery, em relação à
soberania e à iniciativa das ações segundo os interesses do Estado brasileiro:
Deves ter sempre em presente que é loucura que uma nação espere favores
desinteressados de outra, e que tudo o que uma nação recebe como favor o
terá que pagar mais tarde com uma parte de sua independência. (Geoge
Washington, em SILVA, 1978, p 84)
2.4
CARLOS DE MEIRA MATTOS E A GEOPOLÍTICA DO BRASIL
O General Carlos de Meira Mattos é um dos principais formuladores de
propostas para a geopolítica brasileira. Soldado experimentado na II Guerra Mundial
apresentou, a semelhança de seus antecessores, uma visão geopolítica com forte
preocupação com a segurança nacional em seu aspecto mais amplo.
33
Meira Mattos é hoje, reconhecidamente, uma das referências da geopolítica
nacional, cuja obra é de valor indispensável para qualquer análise nessa área de
estudo.
Falecido em 26 de janeiro de 2007, este renomado pensador do Brasil empresta
atualidade e lucidez ao conteúdo da sua obra, cujas observações, relacionadas à
relação Brasil – América do Sul serão apresentadas na sequencia deste tópico.
2.4.1 Brasil, um País Continental e Marítimo
Meira Mattos afirmava que o Brasil é um país “continental-marítimo”. No entanto,
salienta que as condições de comunicação marítima estão postas naturalmente,
permitindo a comunicação com os países atlânticos da Europa, América e África. Não
obstante, excetuando as ligações com os países do Cone Sul do continente
(Argentina, Uruguai e Paraguai), os eixos terrestres são precários ou simplesmente
não existem, dificultando a integração e a exploração da continentalidade que, na
visão desse geopolítico, é a mais significativa característica da geopolítica nacional e,
incoerentemente, a menos explorada.
Em seu livro “Projeção Continental do Brasil”, o General expressa, literalmente
que “as áreas interiores do Brasil e dos nossos vizinhos são pouco desenvolvidas,
gerando um enorme vazio demográfico que se levanta como uma verdadeira barreira
às tentativas de ligação internacional”. (MATTOS, 2011).
Sobre a integração continental e os caminhos para a sua consecução, Meira
Mattos busca na história do pensamento geopolítico os alertas para essa necessidade.
Em sua obra “Brasil: Geopolítica e Destino”, ele cita, por exemplo, a figura de
Alexandre de Gusmão, autor do Tratado de 1750, quando institui o espírito americano
de convivência entre as nações do continente, ao afirmar que “Mesmo que as duas
colônias entrem em guerra, na Europa, seus vassalos na América meridional ficarão
34
alheios ao conflito; continuarão em paz como se tal guerra não houvesse”. (MATTOS,
2011).
Meira Mattos cita, também, as “lembranças e apontamentos” de José Bonifácio,
onde o patriarca da independência alertava para a preocupação com a unidade
brasileira e propunha a fundação de uma cidade no interior do país que promovesse
essa integração nacional, hoje consolidada na cidade de Brasília.
Já a Guerra do Paraguai, para Meira Mattos, foi o fato histórico comprovador da
nossa carência de comunicação para o interior da massa continental, o problema se
mostrou maior do que a simples necessidade de integração, mas afetava
contundentemente a segurança nacional. Para o eminente geopolítico, na falta desses
eixos integradores residia nossa fragilidade.
Em sua obra “A Geopolítica e as Projeções de Poder”, Meira Mattos volta a falar
da continentalidade pouco explorada do Brasil. Dizia que em pleno século XX, o Brasil
era um país escravizado ao mar e à precária navegação de alguns rios, esquecendose de sua exuberante massa territorial. Geopoliticamente lembra que: (MATTOS,
2011) “Os possuidores de imensas áreas interiores somente estarão aptos à plena
valorização de seu território quando forem capazes de explorar essas massas
continentais”.
Sugere, então, Meira Mattos, a implantação de “áreas interiores de interesse
econômico”, que deveriam ser capazes de se modernizarem e sobreviver vinculadas a
um estímulo regional. Dessa forma, o Brasil responderia aos seus estímulos
continentais, empreendendo uma verdadeira marcha para o Oeste (um novo
bandeirismo).
Tal proposta visaria não somente a integração nacional, mas também a atração
dos vizinhos, conforme afirma textualmente, já se referindo às obras de infraestrutura
necessárias à articulação e integração da Amazônia, que se iniciavam com os
governos militares:
35
[...] o que é mais importante, nasce a possibilidade de vertebrar-se não
apenas a Amazônia brasileira, mas uma Amazônia sul-americana, através de
um sistema misto estrada-rio. A ideia de articular e acrescentar ao patrimônio
econômico dos respectivos países as áreas fronteiriças interiores – do Brasil,
Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana
francesa – adquire vitalidade. (MATTOS, 2011)
2.4.2 O Brasil e a Continentalização da América do Sul
Ainda em sua obra “A Geopolítica e as Projeções de Poder”, Meira Mattos
propõe a continentalização da América do Sul, baseado na existência da moderna
tecnologia dos transportes e das comunicações à disposição dos governos dos países
da região, mormente de países em desenvolvimento, como o Brasil. Afirma, ainda, que
essa continentalização se daria em torno de uma zona de integração próxima aos
“nudos” andinos que seria a própria hinterlândia sul-americana, base do processo
integrador.
Para que se dê a continentalização visualizada por Meira Mattos, seria
necessária a formação de “áreas interiores de intercâmbio internacional ou fronteiriço”,
que se alimentassem de interesses mútuos e que fossem capazes de criar economia
própria, dentro de uma mentalidade interiorana. O ápice do processo seria a
valorização do espaço sul-americano, pela enorme expansão das atuais fronteiras
econômicas do continente. A figura 4, apresentada a seguir, apresenta tais áreas
propostas por Meira Mattos.
Ressalta, ainda, Meira Mattos, que das sete áreas propostas, as que se
constituem no maior desafio são as que abrangem o espaço guianense e o espaço do
grande vale amazônico, todo o arco amazônico, portanto, por se tratar de uma região
mais ampla, vazia e atrasada, requerendo ainda muito que fazer. As demais áreas, já
relacionadas com a Bacia Platina já oferecem um adequado grau de humanização e
intercâmbio.
36
Figura 4 - Áreas de Intercâmbio Fronteiriço
Fonte: MATTOS, 2011, p. 281.
2.4.3 Conclusão sobre o Pensamento de Carlos de Meira Mattos
O conceito geopolítico dominante na obra de Meira Mattos, segundo o professor
Luis Fontoura, do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade,
de Lisboa, é o de uma estratégia continentalista apoiada pela maritimidade.
Nos dias em que estamos vivendo, a melhor maneira de defender interesses
nacionais será integrá-los numa comunidade de interesses, reunindo tantos
países quantos sejam aqueles vinculados à área de projeção marítima de
nossa costa; [...] Mas os grandes empreendimentos devem começar pelo
caminho mais fácil – poderíamos dar início à criação da grande comunidade
do Atlântico Sul, para se dar um nome já cunhado. (Fontoura, Apud. Mattos,
2011)
Nessa estratégia, o núcleo pan-amazônico deveria criar as condições de
vitalidade interior, permitindo a comunicação em todo o continente.
37
Ao propor o estabelecimento das áreas interiores de intercâmbio internacional, Meira
Mattos estabelece que o cerne do problema seja a necessidade de ocorrer um
“despertar para a continentalidade”.
Esse despertar passa necessariamente pela integração e valorização do espaço
amazônico, como foco gerador de novos futuros para o Brasil, para os condôminos
amazônicos e para todo o resto do continente, uma vez cumprida uma outra estratégia
de ocupação, de desenvolvimento e de integração, que é apropria “vertebração” do
heartland brasileiro como base para todo o processo de integração do continente sulamericano.
2.5
TEREZINHA DE CASTRO - PRINCÍPIOS, MEIOS E FINS DA GEOPOLÍTICA
Eminente professora da Escola Superior de Guerra, a Sra. Terezinha de Castro
dedicou-se ao estudo da geografia, da geopolítica e da história, disciplinas que deram
fundamento ao seu pensamento geopolítico a respeito do Brasil.
Terezinha de Castro escreveu diversos livros desde a década de 1970 e 80, com
destaque para seu livro “Geopolítica: Princípios, Meios e Fins”, de 1984, que foi “uma
fonte preciosa de ensinamentos de geopolítica, de política nacional e internacional”,
segundo declarou o próprio General Meira Mattos, que apresentou a edição de 1999
dessa obra.
2.5.1 Brasil, um País Marítimo e Continental
Em relação à integração Sul-americana, diferentemente de Meira Mattos,
Terezinha de Castro apresenta em primeiro plano a maritimidade brasileira, como
sendo o principal atributo de sua geopolítica. À luz da teoria de Mahan 7, afirma que o
7
Almirante Alfred Thayer Mahan, norte-americano, é autor da teoria geopolítica da influência do poder
naval na história
38
Brasil tem uma notória importância no Atlântico Sul, pelo seu posicionamento em
relação ao Oceano e pela herança geohistórica transmitida pelos portugueses.
Terezinha de Castro
afirma
que “continuamos, a despeito
de nossa
continentalidade e políticas integracionistas, muito mais ligados ao mar, pois encontrase à beira do Atlântico o nosso ecúmeno estatal, bem como o nosso núcleo
geohistórico, que envolve 80% de nosso efetivo populacional”. (Castro, 1999).
Sobre a importância do Atlântico para o Brasil essa brilhante geopolítica afirma:
De todos os países da América do Sul é o Brasil o que mais necessita de um
grande e poderoso desenvolvimento marítimo e correspondente influência
transatlântica, para base de sua expansão econômica e comercial, e garantia
de uma desafogada liberdade de movimentos no seu tráfego através dos
mares. (CASTRO, 1999)
Discorrendo sobre as mudanças ocorridas nas relações de poder entre os
Estados após a segunda Guerra Mundial, bem como sobre as responsabilidades do
Brasil como ator global, Terezinha de Castro aponta o aparecimento de nações
emergentes ao lado das superpotências e o desenvolvimento de consciências
regionais que levam as nações a agruparem-se em blocos econômicos. Tais
fenômenos ensejam o surgimento de sistemas internacionais muito mais complexos e
que respondem a uma tendência multipolar.
Nesse contexto, posiciona o Brasil como uma nação de segundo nível, cujo
poder combina as extensões regional e internacional e que compete com os EUA
(nação de 1º nível) no âmbito regional, vendo-se estimulado, portanto, a tomar a
direção das atividades pan-regionais.
Também com relação às políticas integracionistas na América do Sul, Terezinha
de Castro ressalta a importância dos eixos que ligam os países do Cone Sul, por
39
permitirem a ligação interoceânica Atlântico-Pacífico, bem como a interiorização das
riquezas através da Bacia do Prata, conectada que está com os dois oceanos.
2.5.2 Conclusão sobre o Pensamento de Therezinha de Castro
Apesar de apresentar um ponto de vista que ressalta como protagonista os
estímulos marítimos da geopolítica brasileira, Terezinha de Castro acena com a
necessidade de o Brasil tomar a iniciativa das políticas que apontam a uma
consciência regional sul-americana, assumindo sua posição de nação perturbadora de
2º nível, capaz de competir por influência regional e inter-regional, encaminhando a
ordem internacional a uma desejada multipolaridade.
Dessa forma, o Brasil pode impor-se, juntamente com sua área de influência,
contra a danosa divisão do mundo entre países transformadores (nações
desenvolvidas de 1º nível) e países extratores (nações subdesenvolvidas de 4º e 5º
níveis), conforme elucidado na figura a seguir.
Figura 5: Estruturação geral das nações na transição para a multipolaridade.
Fonte: CASTRO, 1999, p.388
40
2.6 DARC COSTA E O MEGAESTADO
O engenheiro e professor Darc Costa é um dos mais destacados pensadores
geopolíticos da atualidade. É conferencista eminente da Escola Superior de Guerra e
de outras instituições de peso no país.
Sua obra recente aponta as estratégias para a projeção do Brasil como
importante ator global, que pode almejar a condição de potência central a partir de
uma estratégia integradora desenvolvida no continente sul-americano.
Em seu livro “A Integração Sul-americana como Caminho para a Inserção
Internacional da Região”, em sua edição em espanhol, de 2005, Darc Costa propõe
com lucidez uma detalhada estratégia integradora para a região.
2.6.1 A Teoria do Megaestado
Darc Costa parte do princípio de que o Brasil é o principal Estado nacional do
hemisfério Sul e de que goza das condições de continentalidade e maritimidade ideais
para o desenvolvimento de uma estratégia de mundialização, cuja gênese,
necessariamente, está no continente sul-americano.
Dessa forma, propõe o aproveitamento da continentalidade mediante a
formatação de um processo de cooperação sul-americana, em torno de um
Megaestado, estruturado ao longo de um processo de mundialização.
A maritimidade brasileira, propõe Darc Costa, deve ser renovada, aproveitando-a
como instrumento de domínio do Atlântico Sul e vinculada ao Oceano Pacífico,
apontando ao processo de mundialização.
A estrutura do Megaestado pressupõe a crença em um dualismo primitivo entre
portugueses e espanhóis, imprimindo uma atração mútua e complementaridade,
jamais uma dualidade entre opostos. Essa nova estrutura deverá ser ordenadora das
41
sociedades que se estão integrando para tratar de construir um polo ascendente de
poder.
Apresenta, ainda, como características desse Megaestado sul-americano, o
grande potencial econômico, considerando o potencial mercado consumidor, as fontes
suficientes de matéria-prima, a abundante mão de obra e as articulações internas e
externas que devem dar vida ao Megaestado e projetá-lo mundialmente.
2.6.2 Construindo o Megaestado
Darc Costa reconhece que a ideia de integração latino-americana não é nova e
que está presente no imaginário sul-americano desde a sua concepção, sendo,
portanto, necessário resgatar essa crença como base de um discurso estratégico de
integração.
Assim, propõe uma estratégia para o Brasil, por conseguinte, para a América do
Sul, que passa, pelas seguintes ações:
- o domínio da massa territorial Sul do continente, em primeiro plano;
- o domínio do Atlântico Sul e conexões com o Índico e o Pacífico Sul; e
- a projeção sobre a África Ocidental, América Central, caribe e Oceania.
Essas condições permitirão que o Megaestado funcione como uma grande
economia internacionalizada. Não só a economia brasileira, mas toda a América do
Sul se converteria em uma economia que atendesse às aspirações internas, ao
mesmo tempo em que estariam abertas ao mundo em condições vantajosas.
Ressalva, ainda, Costa (2005) que, seja para impulsionar o desenvolvimento,
seja para garantir as infraestruturas de segurança necessárias à preservação da
própria soberania, a América do Sul deve:
42
“a) garantir amplas redes ferroviárias retificadas, de dupla via, que logo irão se
eletrificando;
b) construir uma moderna rede de super rotas;
c) tornar navegáveis e integradas as redes fluviais mais importantes;
d) melhorar o transporte aéreo;
e) construir um segundo canal interoceânico;
f) construir grandes portos para navios de grande calado; e
g) ter um amplo programa de preparação de sua marinha mercante”.
2.6.3 Conclusão sobre o Pensamento de Darc Costa
A teoria do Megaestado proposta por Dac Costa reúne em uma ideia inovadora,
as principais observações dos pensadores geopolíticos anteriores.
Tendo o Brasil como centro de seu pensamento geopolítico e a América do Sul
como a base de uma melhor inserção no mundo globalizado, Darc Costa propõe que
seja saldada a dívida geopolítica da integração nacional e regional, por meio das
obras de infraestrutura necessárias, sem as quais, qualquer mecanismo de integração
não será efetivo, muito menos o seu proposto Megaestado.
2.7 CONCLUSÃO PARCIAL
O pensamento geopolítico brasileiro relacionado á integração sul-americana
apresenta, como se pode verificar, alguns aspectos comuns que servem de base para
uma orientação geopolítica de integração do subcontinente.
Dentro do contexto do século XX, no período das duas guerras mundiais e da
guerra fria, até a década de 1980, pelo menos, é notória a preocupação de alguns
pensadores com a segurança e a estabilidade da América do sul, sendo importante,
43
portanto, a vivificação dos espaços vazios interiores do continente e a vivificação dos
espaços fronteiriços com vistas à integração para a segurança e defesa nacionais.
Outro aspecto comum e não menos importante é a necessidade de articulação
interna, por meio de obras de infraestrutura (rodovias, ferrovias e hidrovias), com a
consequente comunicação entre os países da região, como base para a integração da
América do Sul.
Mesmo antes da década de 80 do século passado, cresceu de importância a
necessidade de se criar na America do Sul uma integração econômica, como forma de
melhor inserção da região no mercado internacional.
Além disso, o papel do Brasil nesse projeto de integração e cooperação é tido
como fundamental, pela liderança natural que exerce no subcontinente, devendo
mesmo ser o grande fomentador e impulsionador de todo o processo.
Cabe ressaltar, também, que a ocupação efetiva do território nacional,
aproximando a Amazônia e o Centro-oeste dos grandes centros, bem como a
possibilidade de acesso aos países vizinhos, sempre foi uma preocupação presente
em todo o pensamento geopolítico brasileiro.
Assim, o enfrentamento geopolítico dessa “dívida geopolítica”, se assim se pode
chamar, é a base de todo o projeto de integração para a América do Sul e o grande
alerta comum dos principais pensadores pesquisados, com vistas ao desenvolvimento
nacional e, por conseguinte, ao sul-americano.
Finalmente, vale citar o eminente diplomata Samuel Pinheiro Guimarães, sobre
as tarefas a serem desencadeadas pela estratégia nacional:
A primeira e essencial tarefa de um projeto nacional em sua vertente externa
é a promoção da integração física da América do Sul, [...] Em segundo lugar, a
promoção da união sul-americana, essencial para o fortalecimento dos
Estados [...] Em terceiro lugar, a cooperação, através do intercâmbio de
experiências bem sucedidas, para a redução das desigualdades sociais [...] O
Brasil somente poderá se tornar uma nação desenvolvida, próspera, justa e
democrática em uma América do Sul que também o seja. (Guimarães, Apud.
COSTA, 2009)
44
3
OBSTÁCULOS À INTEGRAÇÃO SUL- AMERICANA: AS INCÓGNITAS DE UMA
COMPLEXA EQUAÇÃO
“Não é preciso ter olhos abertos para ver o sol, nem é preciso ter ouvidos
afiados para ouvir o trovão. Para ser vitorioso você precisa ver o que não está
visível”.
Sun Tzu
3.1 GENERALIDADES
Segundo os fundamentos da Escola Superior de Guerra (ESG) e como prescreve
seu manual básico, “os óbices, existentes ou potenciais, podem ser, ou não, de ordem
material. Resultam, às vezes, de fenômenos naturais, como secas e inundações,
outras vezes, de fatores sociais, como a fome, a pobreza e o analfabetismo, ou, ainda,
da vontade humana. Representam, em sua essência, condições estruturais ou
conjunturais, podendo variar, também, em intensidade e na maneira como se
manifestam”. Classificam-se em antagonismos e fatores adversos.
É sabido que em qualquer método de planejamento estratégico, os óbices ou
obstáculos são sempre levantados com o intuito fundamental de direcionar as ações
estratégicas à eliminação ou diminuição desses mesmos óbices, em busca da
consecução dos objetivos.
Assim, a proposta deste capítulo é apresentar os principais óbices à integração
sul-americana, sem esgotá-los, em razão da quantidade e da possibilidade de infinitos
desdobramentos e combinações. No entanto, são fundamentais para a consecução do
presente trabalho e para a compreensão da gigantesca tarefa assumida pelo Brasil
como um dos objetivos nacionais explícitos em nossa Constituição.
Além disso, a interação desses óbices com os principais pensamentos
geopolíticos nacionais à respeito da integração regional permitirá uma melhor visão do
45
que já se caminhou e do que é necessário ainda caminhar para a concretização desse
desafio nacional e regional.
3.2
ÓBICES HISTÓRICOS
Ainda que superados em grande parte, os óbices aqui apresentados como
históricos, além de serem referência para o estudo das origens dos conflitos de
interesses na América do Sul, acabam por imprimir nos povos que aqui habitam,
mormente nos de origem hispânica, certo ressentimento em relação à América
portuguesa, hoje Brasil, bem como entre os próprios Estados de língua espanhola, por
motivos diversos.
A seguir, portanto, serão apresentados esses óbices históricos, com o intuito de
melhor entender as origens das dissensões regionais.
3.2.1 O Idioma
O mais claro e sonante óbice à integração sul-americana está na diferença
linguística entre as Américas portuguesa e a espanhola. A língua, por si só,
caracteriza uma origem comum, uma cultura comum que se revela mais forte do que
qualquer outro tipo de identidade cultural no planeta.
Ainda que nos dias atuais os limites dos idiomas estejam superados por outros
interesses, somente com muito esforço e boa vontade, nações com diferentes idiomas
poderão identificar-se como um só povo, o que implica em dizer que os caminhos da
integração, necessariamente, devem passar por
mecanismos
que
estimulem
a
cooperação e a concertação em torno de objetivos comuns, sem pretender uma
identidade única, o que não deixa de ser, pelo menos, um fator bastante adverso para
a consecução da integração na América do Sul.
46
3.2.2 Divisão de Tordesilhas
Assinado na localidade de Tordesilhas, em 1494, entre os reinos de Portugal e
de Espanha, estabelecia, atendendo a uma série de contestações portuguesas às
aspirações espanholas no novo mundo, a divisão das terras "descobertas e por
descobrir", por ambas as Coroas.
O tratado definia como linha de demarcação o meridiano que passa
a 370 léguas a Oeste da ilha de Santo Antão no arquipélago de Cabo Verde. Os
territórios a Leste pertenceriam a Portugal e os territórios a Oeste, à Espanha.
Mesmo tendo sido um marco inicial, desfeito ao longo do processo de formação
política da América do Sul, a penetração portuguesa em território oficialmente
espanhol gerou um longo período de conflitos armados, só resolvidos no século XVIII,
com o Tratado de Madrid, em 1750.
Assim, por ter sido alvo de tensão e objeto de interesses conflitantes entre os
países ibéricos, Tordesilhas pode ser considerado o marco inicial das discussões
regionais e, portanto, carrega em si o peso de ser a origem dos óbices à integração
regional.
3.2.3 Exploração das Colônias pelas Metrópoles
A América do Sul nasce sob o signo do mercantilismo europeu, onde a
acumulação de riquezas retiradas das colônias era a base da economia europeia,
naquela quadra da história, que se estendeu do século XVI até a primeira quadra do
século XIX, quando se deram os processos de independência na América do Sul.
Fruto dessa realidade histórica de exploração, todas as estruturas políticas,
sociais e econômicas impostas ao novo mundo conduziram a uma aproximação maior
das colônias com suas respectivas metrópoles, em detrimento das articulações entre
47
os vizinhos, o que inviabilizava qualquer iniciativa de integração regional,
prevalecendo os antagonismos sobre os movimentos de aproximação.
3.2.4 Tendência de Desagregação da América Espanhola
Ao contrário da América portuguesa, que manteve sua unidade pela coesão
das oligarquias em torno de objetivos comuns e de um governo imperial central
fortemente instituído no território sul-americano, a América espanhola foi dividida em
Vice-reinos que criaram oligarquias e identidades próprias que se fizeram
protagonistas por ocasião dos movimentos de independência, conduzindo à formação
de novas repúblicas independentes, separadas entre si e com interesses distintos, na
maioria das vezes.
Tal tendência desagregadora foi um reflexo da forma com que essas
oligarquias ou lideranças, normalmente encabeçadas por caudilhos, tratavam os
interesses de suas respectivas áreas jurisdicionais, bem como na forma inflexível com
que defendiam suas posições de poder, ao longo de todo o processo de formação
política da América do Sul, dificultando qualquer projeto de unidade ou cooperação.
Segundo o Prof. Rainer Sousa, apesar de marcar certa época do passado
político americano, essa prática ainda perdura, na opinião de muitos analistas
contemporâneos, que colocam o caudilhismo como uma espécie de herança ou
ameaça ainda manifestada na América Latina.
O caudilho estabelece uma forma de poder político que substitui o lugar a ser
ocupado pelo Estado. Ao mesmo tempo, centra a sua escalada ao poder
como meio de implantar um governo personalista, ou seja, centrado em suas
vontades e interesses individuais. Sem uma clara ideologia, costuma distinguir
os elementos políticos de sua época pela manifestação de apoio ou oposição.
[...] Esse tipo de experiência indica os problemas enfrentados pelas
instituições políticas da América, muitas vezes desprovidas de uma ampla
sustentação social ou uma orientação política explícita.(SOUSA, 2012)
48
Assim, essa tendência desagregadora esteve presente na origem de muitos
conflitos, não só entre as recém-proclamadas repúblicas, como também entre estas e
o império português no Brasil e, mais tarde, o próprio Brasil independente.
3.2.5 Postura Individualista dos Estados
Diferente
da
administração
portuguesa,
que
inicialmente
concedeu
a
particulares, como os donatários das Capitanias Hereditárias, o direcionamento do
processo de colonização do território, a América Espanhola tinha sua estrutura colonial
dirigida pelo rei, com a instituição de órgãos oficiais da corte instaladas nos seus vicereinos na América do Sul e sob o controle de representantes.
No caso do Brasil, a transferência da corte e da família real portuguesa em
1808 favoreceu a organização institucional em bases mais sólidas, mas nem por isso
eficientes, já que o próprio reino se administrava a partir da colônia, o que não
aconteceu com nossos vizinhos.
Dessa forma, as instituições nacionais herdadas das ex-metrópoles se
apresentam paternalistas e desvinculadas dos interesses maiores do território, em
benefício das elites políticas, gerando uma tendência natural de adoção de uma
postura individualista dos Estados, o que dificulta qualquer processo de integração
regional.
3.2.6 Traumas dos Processos de Independência
Relacionado diretamente com a tendência desagregadora da América
espanhola e presente durante a sua formação política, o caráter belicoso e sangrento,
com que se deu o processo de independência favoreceu à divisão em várias
repúblicas independentes e com interesses muito localizados, gerando problemas
fronteiriços e ressentimentos entre esses novos países.
49
Nem mesmo o sonho de Simon Bolívar, de uma América Espanhola unida sob
uma só bandeira, encontrou guarida na mente das elites locais. Ao contrário, o
libertador foi vencido pelas forças desagregadoras que se mostraram maiores.
Do lado português, ainda que não de todo pacífico, o processo de
independência culminou, faustamente, com a unidade territorial. No entanto, assim
como ocorreu com a América espanhola, foi um processo individualizado que durante
muitas décadas manteve esses novos Estados “ensimesmados”.
Portanto, os conflitos de interesses e o individualismo, característicos do
processo de independência dos países da América do Sul, acabaram por dificultar, ao
longo dos anos, as relações entre esses países, prevalecendo, quase sempre, os
interesses locais sobre os regionais.
3.2.7 Assimetria entre os Países da América do Sul
Como resultado de todo o processo de formação política da América do Sul,
que resultou na fragmentação da ex-colônia espanhola e na unidade da ex-colônia
portuguesa, pode-se atestar que o Brasil herdou um vasto território, estendido em
longitude e latitude, que dota a nação com um elevado potencial de riqueza,
população e mercado, que tem sido aproveitado ao longo da história, permitindo,
ainda que não de forma plena, uma razoável cota de bem-estar para sua população,
nos aspectos de educação, saúde, trabalho etc., o que tem elevado a sua estatura
como país, no contexto sul-americano e mesmo mundial.
De forma assimétrica, os países sul-americanos, com algumas exceções, ainda
sentem os reflexos de seus processos de formação política, convivendo com
problemas estruturais que acabam por refletir no bem-estar de suas populações.
Tal assimetria conduz, nos dias de hoje, à uma tendência natural de que esses
países priorizem seus esforços e investimentos para as ações de caráter e de
50
interesse interno, em detrimento dos investimentos em ações que promovam a
integração.
3.3 ÓBICES ATUAIS
3.3.1 As Orientações Geopolíticas Divergentes
A partir do próprio conceito de geopolítica, cada Estado deve fazer sua
avaliação e traçar os rumos de sua política em função de sua realidade geográfica e
geohistórica. Em função disso, historicamente, os países sul-americanos vivem de
costas uns para os outros, voltados que estão para a vertente atlântica ou pacífica, de
acordo com sua posição.
Embora seja um óbice presente ao longo de toda a história da região, o mesmo
se apresenta bastante atual em sua realidade e efeitos.
Tal situação leva naturalmente a uma dissociação econômica e psicossocial,
que representa um sério óbice à integração sul-americana a ser vencido pela vontade
política e por uma bem traçada estratégia nacional e regional.
3.3.2 A Falta de Visão das Elites
Talvez um dos óbices mais graves para a consecução da integração sulamericana seja a falta de preparo das elites intelectuais do subcontinente, uma vez
que alimentam o entendimento generalizado de que a América do Sul é uma economia
periférica, localizada na periferia do mundo, carregando, por isso, as dificuldades
impostas por essa realidade, tais como assimetria econômica, baixa qualidade da mão
de obra, precariedade de infraestrutura, atraso tecnológico, etc.
A falta de preparo implica em uma “vulnerabilidade ideológica externa” que,
segundo Guimarães (2005), talvez seja a mais grave de nossas vulnerabilidades, pois
“não só condiciona o processo de formação da visão do mundo e da sociedade
brasileira, por parte de suas elites intelectuais e dirigentes e, portanto, a orientação
51
estratégica de desenvolvimento e de política externa, como corrói a autoestima da
população”.
Essa falta de preparo educacional e de compromisso com os interesses
maiores do povo refletem no alto índice de corrupção e indiferença de boa parte das
elites. Romper com essa inércia, buscando uma maior aproximação dos centros
desenvolvidos, talvez seja o maior desafio das elites sul-americanas e dos respectivos
governos, nas próximas décadas.
3.3.3 A Não Valorização das Raizes Ibérica
Sabe-se que a diversidade cultural e social dos povos da América do Sul é uma
realidade indiscutível e que não há nenhuma aspiração à homogeneidade. Nas
palavras do Prof. Alberto Methol Ferré (2009): “América Latina es uma totalidad
histórica que no sabe totalizarse”.(sic).
No entanto, alerta o professor Darc Costa que, para o êxito da integração é
necessário que a América do Sul desperte para a necessidade de valorizar a sua raiz
ibérica comum, com suas manifestações culturais de toda ordem. Tal valorização deve
ser a base de um discurso estratégico de integração regional, amalgamando as
vontades em todas as camadas sociais do subcontinente.
Assim, qualquer estratégia integradora deve considerar a ideia de que as partes
se potencializem e se desenvolvam trabalhando juntas, preservando as identidades
nacionais e ações no campo psicossocial devem ser implementadas visando a
construção dessa unidade de pensamento fundamentada em nossas raízes comuns, o
que, não ocorrendo, dificultará em muito qualquer política de cooperação ou
integração regional.
3.3.4
Instabilidade Econômica nos Países da Região
A falta de estabilidade econômica nos Estados da região, em função das
discrepâncias entre os níveis de desenvolvimento socioeconômico, das crises
52
financeiras de âmbito internacional e das pressões sobre as contas externas, levam os
governos dos países sul-americanos a tratar de seus próprios interesses em
momentos de crises.
O próprio MERCOSUL é um bom exemplo dessas divergências de interesses,
na medida em que as contas externas de Brasil e Argentina acabam por impor
restrições ao bom funcionamento do bloco, em função da adoção de medidas
protecionistas no âmbito do mercado comum, por exemplo.
Assim sendo, a instabilidade econômica na região deve ser encarada como um
grave óbice às ações integradoras, devendo ser alvo de políticas e mecanismos de
estabilização econômica que contribuam para a integração sul-americana.
3.3.5 Indecisão Brasileira na Iniciativa do processo de Integração
Com o fim da Doutrina Monroe8 e o consequente descaso dos Estados Unidos
da América para com os problemas sul-americanos, voltaram à baila as propostas de
Simon Bolívar, para a criação de um espaço de sustentação de uma articulação
defensiva no subcontinente. Dizia Bolívar, referindo-se à necessidade de que os
países da região tomassem as rédeas da defesa do próprio continente: “Nenhum
Estado será mais débil que outro, nenhum mais forte. Um equilíbrio perfeito se
estabelecerá por este pacto social”.
Darc Costa observa que para que esse movimento regional seja completo o
Brasil, por sua expressão no continente, deve assumir sua responsabilidade de
liderança do processo, sob pena de comprometer o processo de integração regional.
Há que outorgar ao Brasil a liderança do processo e fazer que se desloque da
posição de terceiro interessado que sempre teve como América portuguesa
na disputa entre o Panamericanismo, criação dos saxões, e o Hispanoamericanismo, criação , para a condução de um movimento novo, o Sulamericanismo, que deve começar com a cooperação sul-americana.(COSTA,
2005, p.94).
8
Doutrina criada pelo ........
53
3.3.6 O Centro Hegemônico dos Estados Unidos da América
A América do Sul está inserida na principal área estratégica dos EUA, a saber, o
hemisfério Americano. Por esse motivo, o papel hegemônico norte-americano exige o
domínio desse espaço de interesse.
Na atual conjuntura, segundo o professor Darc costa, os norte-americanos
desenvolvem políticas que visam a assegurar uma atitude não contestatória a seus
propósitos no hemisfério, bem como visam a desenvolver mecanismos de controle
econômico sobre essa região, como foi o caso da proposta de criação da Área de
Livre Comércio das Américas (ALCA)9, rejeitada pelo Brasil.
Apesar dessa constatação, Darc Costa afirma que a periferia percebe o Brasil
como um centro polarizador, de certa forma submisso, e que precisa contestar as
políticas hegemônicas da superpotência no continente.
As ações hegemônicas da superpotência na América do Sul se dão também
nos campos cultural, defesa, jurídico, energético e tecnológico, onde pretende manter
certo grau de dependência das nações sul-americanas.
Tal situação é um claro óbice às políticas de integração regional, na medida em
que os interesses dos EUA na região, uma vez contrariados, implicará em reação da
superpotência, cuja superação somente se dará com uma postura cada vez mais
independente e cooperativa das nações sul-americanas, reduzindo tal influência
externa.
9
Bloco econômico proposto pelos Estados Unidos em 1994, durante a Cúpula das Américas, com o
objetivo de eliminar as barreiras alfandegárias entre os 34 países americanos, exceto Cuba.
54
3.3.7 A Carência de Infraestrutura de Transporte e de Energia na Região
Principalmente a partir da década de 1930, muito se tem falado e alertado sobre
a necessidade de uma infraestrutura básica de transporte que permita articular o
Atlântico com o Pacífico, que facilite a circulação de riquezas e que integre os
anecúmenos em todas as regiões da América do Sul, no entanto há muito por fazer.
Se tem falado durante décadas de integração de América Latina, mas
praticamente nada se fez para construir a infraestrutura básica, sem a qual
não poderá haver integração [...] Desde a época dos Gregos, e inclusive
antes, o transporte, a infraestrutura urbana, as grandes obras hidráulicas, a
energia, tem sido fatores decisivos para o desenvolvimento econômico.E hoje
o são, mais que nunca. (COSTA,2005, p.178).
A estruturação de uma “malha de infraestrutura desenvolvimentista” que
abarque a construção de rodovias, ferrovias, hidrovias, usinas elétricas, linhas de
transmissão, enlaces de comunicações, frotas mercantes etc, fazem parte das
propostas de estratégias governamentais ao longo de quase um século.
No entanto, o alto custo dessas obras de infraestrutura, a limitada visão das
elites dirigentes, os pagamentos das dívidas dos Estados e os gastos cada vez
maiores com políticas públicas de cunho social, acabam por desestimular o
engajamento dos governos nas estratégias de desenvolvimento. Somente o
investimento em projetos de infraestrutura para o desenvolvimento poderá superar
esse óbice fundamental à integração sul-americana.
3.3.8 O Baixo Nível Educacional da Região
O nível de desenvolvimento de um povo é diretamente proporcional ao nível de
educação desse mesmo povo. Não adianta deter as fontes de matéria-prima em seu
território, se a população não está preparada para transformar tais recursos naturais
em riqueza e desenvolvimento.
55
Ainda que seja certo que a América do Sul tenha abundantes recursos
naturais, é uma ilusão considerar que esses recursos, por si mesmos, são
uma fonte de riqueza. De fato, essa concepção equivocada dos recursos
naturais é a causa parcial do grande subdesenvolvimento que se observa no
continente, atualmente, com o petróleo e a mineração relativamente
desenvolvidos, rodeado por um mar de subdesenvolvimento industrial.
(COSTA, 2005, p.167).
Grandes potências econômicas do mundo atual têm se concentrado no
desenvolvimento de sua força de trabalho, por meio do rápido aumento de sua
educação geral e dos níveis de capacitação especializada. Nesse sentido, Darc Costa
afirma, ainda, que para qualquer economia moderna, essa tarefa da educação inclui
dois aspectos: os níveis de alfabetização elementar e de educação geral da massa da
força de trabalho; e o número e qualificação de cientistas, engenheiros e técnicos.
3.3.9 Aspirações Hegemônicas da Argentina
Até a década de 20 e 30 do século passado, a Argentina usufruía de um status
de país desenvolvido, no contexto da América do Sul, tendo sido pioneira nas obras de
infraestrutura vitais para a circulação do comércio (ferrovias até a Bolívia e Chile, bem
como na infraestrutura urbana, que confere ainda hoje um papel de destaque para
Buenos Aires), tudo isso atraindo para sua área de influência países como Paraguai,
Uruguai e Bolívia.
Segundo Guimarães (2005), as elites conservadoras e neoconservadoras
argentinas sempre acreditaram no potencial de sua própria sociedade. Afirma que
“Ainda hoje creem que o status de país desenvolvido do Cone Sul foi perdido em
razão de políticas equivocadas de uma série de governos que haviam tentado
abandonar as vantagens naturais agroexportadoras do país e industrializá-lo
artificialmente”.
Além disso, o não alinhamento com os EUA durante boa parte do século
passado foi considerado como autodestrutivo e como sendo a causa de terem sido
superados pelo vizinho Brasil.
56
Não obstante o contexto atual, a experiência vivida pelo povo argentino na
primeira metade do século XX alimentou os sonhos portenhos de hegemonia
continental por muitas décadas e tem influenciado o imaginário do seu povo e de suas
elites até os dias atuais.
3.3.10
Receio da Perda de Identidade Nacional e de Soberania
Todo processo de integração, ainda que eminentemente econômica, está
intimamente vinculado às questões de soberania. Nesse contexto, os aspectos
políticos, sociais e culturais adquirem relevância muito maior do que aparentam.
Os defensores desses processos de integração, afirma Guimarães (2005),
“procuram apresentá-los como fenômenos puramente econômicos e técnicos e,
portanto, isento de raízes e consequências políticas”. No entanto, tais processos estão
eivados de implicações políticas e culturais que colocam em cheque o conceito de
soberania.
A adoção de regras e políticas geradas fora do âmbito das elites nacionais e
dos governos nacionais implica no “deslocamento” dessas elites do centro de decisão,
favorecendo ao surgimento de antagonismos e pressões que podem dificultar o
processo
de
integração,
mormente
quando
ainda
existem
contenciosos
e
ressentimentos entre os países e problemas de consolidação de identidade interna.
3.3.11 Atenção Dividida entre Vários Polos de Atração
A relação entre os países da América do Sul, historicamente foi marcada por
indiferença, tensões, mesmo enfrentamentos. Segundo Peña, tratava-se de “vizinhos
incômodos e distantes que se receavam” (PEÑA, 1996).
Tal panorama, ainda segundo esse autor, levou a que os diversos países da
região adotassem uma postura de inserção mundial direcionada à Europa e aos EUA,
57
em detrimento do subcontinente, valendo-se das rotas oceânicas para a comunicação
com tais polos de atração.
Essa atitude pode ser atestada pela infraestrutura física que não estava
orientada a comunicar, mas separar os países da região, principalmente a América
portuguesa da espanhola, o que só foi amenizado já nos anos 1980, com o fim da
Guerra Fria e a nova onda de globalização, quando as lideranças democráticas
começaram a despertar para o problema.
Ainda hoje, mesmo com as aproximações verificadas no subcontinente, EUA e
Europa continuam a dividir as atenções dos vizinhos da América do Sul.
3.3.12
Isolamento da Região Amazônica
A Amazônia é o grande vazio esquecido pelos todos os países sul-americanos
ao longo da história. Hoje, frequentemente lembrada por suas abundantes riquezas,
despertando a cobiça internacional.
As obras de praticamente todos os pensadores geopolíticos nacionais apontam
para a questão da Hileia, como sendo o espaço mais importante para a consecução
da integração sul-americana, pois tem a capacidade de carrear toda a produção do
interior do continente para as rotas do Atlântico uma vez cumpridas as tarefas, não
pequenas, de construir a infraestrutura física necessária.
O General Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, atual Comandante Militar da
Amazônia, afirmou, em recente palestra para comitiva da Escola Superior de Guerra,
que essa região é a “charneira”, por onde deve passar a união do subcontinente e,
para tal, deve ser urgentemente integrada ao espaço nacional e regional.
No entanto, a Amazônia segue isolada e misteriosa, com poucos avanços no
sentido de sua vivificação fronteiriça e na viabilização dos eixos de circulação e com
os piores índices de desenvolvimento humano.
58
Essa dívida geopolítica brasileira pode ser um dos mais graves obstáculos à
consecução da efetiva integração da América do Sul.
3.3.13 Fragilidade Econômica da Região
A fragilidade da economia na América do Sul fica patente ao se atestar sua
escassa capacidade de produção de bens de capital, a baixa taxa de crescimento do
PIB e sobretudo no que diz respeito a maquinaria e equipamentos de alta tecnologia,
denotando um parque industrial ainda incipiente, à exceção do Brasil.
Fruto do atraso na experiência da Revolução Industrial do Século XVIII, que
implicou em atraso nas demais revoluções tecnológicas ocorridas ao longo dos
séculos, a América do Sul manteve-se por muito tempo e ainda vive a realidade de
economias primárias, dependentes de importação de produtos industrializados,
impondo déficit na balança comercial e restrições ao investimento.
Excetuando o Brasil, que produz cerca de 70 % da produção total da América
do Sul e atende a praticamente 80% de sua demanda interna, os demais países, em
conjunto, produzem somente a metade de suas necessidades, sendo a maior parte
dessa produção concentrada no MERCOSUL.
Dessa forma, a dependência das importações e o pagamento do serviço das
dívidas, interna e externa, impõem um enorme déficit nas contas externas da maioria
dos países, não restando recursos para ações desenvolvimentistas, o que é um difícil
óbice a ser superado pelas estratégias de integração regional.
O risco dessa fragilidade, diante da tentativa de padronizar normas econômicas,
é comentado pelo eminente diplomata Samuel Pinheiro Guimarães.
No caso de um Estado sul-americano, sempre que um fenômeno agravar as
desigualdades, aumentar a vulnerabilidade ou acentuar a instabilidade em seu
território ou em outros territórios onde tem esse Estado interesses, esse
fenômeno significará uma ameaça, e isso pode ocorrer com o processo de
normatização econômica. (Guimarâes, 2005)
59
3.3.14 A Falta de Integração Econômica no MERCOSUL
A América do Sul padece, segundo Darc Costa, de uma escassa integração
econômica. Mesmo no âmbito do MERCOSUL, não existe complementaridade entre
as capacidades produtivas de cada país, o que leva à orientação dos excedentes
produzidos à exportações para fora do subcontinente, quando há mercado suficiente
na própria região.
Na maioria das vezes isso se dá em razão de acordos bilaterais entre países
exportadores de commodities da região e economias mais fortes fora do continente e
em razão da falta do estabelecimento de um regime tributário comum, com eficientes
mecanismos compensatórios, que facilite a circulação de mercadorias no interior da
América do Sul.
Outro aspecto importante levantado é que o MERCOSUL deveria ser parte de
uma vigorosa estratégia comum de desenvolvimento. No entanto, as economias
argentina e brasileira ainda não estão integradas e, mesmo se houvesse tal
integração, isso poderia agravar a desintegração interna e as disparidades entre as
regiões de cada país.
Para o professor Darc Costa, essa falta de integração, no âmbito de todo o
continente, revela a vulnerabilidade da economia regional, um dos maiores desafios
às ações de integração.
3.3.15 A Desigualdade Socioeconômica da Região
O padrão de desenvolvimento econômico e social no Brasil é diferente dos
padrões adotados pelos demais países da região. Essa diferença se dá, também,
dentro
dos próprios territórios,
inclusive
no
Brasil,
que
apresenta
índices
socioeconômicos do século XIX, em algumas regiões. Com raras exceções, a doutrina
econômica que prevalece não é a desenvolvimentista, mas a assistencialista,
diretamente ligada ao pagamento de dívidas, previdência e ao resgate social.
60
No dizer de Samuel Pinheiro Guimarães, tal situação acarreta o surgimento
de grandes contingentes populacionais oprimidos e excluídos historicamente, como as
populações indígenas de países como o Peru, a Bolívia e o Equador, que ameaçam à
coesão social e ao Estado.
Assim, a busca de uma doutrina econômica aliada a um discurso
desenvolvimentista, que mobilize os Estados sul-americanos é o grande desafio
estruturante do processo de integração da América do Sul.
3.3.16 Fragilidade Democrática de Alguns Países
Talvez um resquício de séculos de subimissão e dependência das metrópoles e
de lideranças exercidas por caudilhos, o populismo nacionalista que se manifesta,
ocasionalmente, em diversos países da região, acabam por enfraquecer suas
estruturas democráticas, por meio de episódios que envolvem censura de mídias,
perseguição política, insegurança jurídica, estatização de empresas estrangeiras,
desmandos, golpes etc., que comprometem em muito as relações de confiança entre
os Estados.
Exemplos recentes, como o da tentativa de fechamento do Congresso do
Equador pelo próprio presidente, as perseguições à imprensa venezuelana e
argentina e, o golpe na constituição boliviana, são marcas dessa ainda mal
consolidada democracia sul-americana, que se revela um óbice ponderável à
integração sul-americana.
3.3.17 Resoluções do Clube de Roma
Fundado em 1968, O Clube de Roma é um grupo de autoridades e
especialistas que se reúnem para debater assuntos relacionados à política, à
61
economia internacional e, sobretudo, ao meio ambiente e o desenvolvimento
sustentável.
Seu principal documento é um relatório de 1972, intitulado “Os limites do
Crescimento” ou relatório Meadows, que tratava de problemas cruciais para o futuro
desenvolvimento da humanidade, tais como energia, poluição, saneamento, saúde,
meio ambiente, tecnologia e crescimento populacional, preconizando que o Planeta
não suportaria um desenvolvimento de todos os países, devido à pressão sobre os
recursos naturais e sobre o meio ambiente.
Independente das críticas ao documento, as pressões advindas do Clube de
Roma sobre os países em desenvolvimento e subdesenvolvidos é muito grande, com
a atuação de Organizações Não Governamentais (ONG), governos e outros
mecanismos de pressão sobre todas as obras de infraestrutura no subcontinente,
mormente no Brasil.
A pressão internacional pela contenção do desenvolvimento com base no apelo
ambiental pode ser um grave óbice às políticas desenvolvimentistas da região e um
grave limitador do projeto de integração.
3.3.18 Efeitos do Consenso de Washington
O Consenso de Washington, de 1989, é um conjunto de medidas formuladas
por economistas de instituições financeiras como o Fundo Monetário Internacional
(FMI), o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos e que se
tornou a receita oficial do FMI para promover o "ajustamento macroeconômico" dos
países em desenvolvimento que passavam por dificuldades.
Em verdade, dizem os críticos, o grande objetivo do Consenso de Washington é
o de manter abertos os mercados dos países da área de influência dos EUA às
exportações da superpotência, por meio da defesa de teorias econômicas liberais.
62
A implementação das ideias do Consenso de Washington permitiram a
penetração da economia norte-americana nos mercados de baixa competitividade dos
países sul-americanos, reduzindo a autoestima desses Estados e transferindo as
soluções dos problemas internos para órgãos externos aos países periféricos.
Trata-se de uma estratégia para a redução da soberania dos Estados para
elaborar seus próprios planejamentos e políticas estratégias econômicas, o que limita
as ações estratégicas que apontem a uma integração sul-americana.
3.3.19
O “Geodireito” e as Mudanças Constitucionais
Cada vez mais as leis internas dos Estados são influenciadas pelos acordos
internacionais que pressionam em favor das causas ambientalista e da proteção das
minorias.
Essas mudanças legais afetam diretamente os países da América do Sul,
exatamente por possuírem extensa cobertura vegetal e a presença de minorias
indígenas e quilombolas ocupando grandes espaços do território. Essas mesmas leis
atuam como contentoras do desenvolvimento, na medida em que restringem o
aproveitamento dos espaços economicamente utilizáveis, sob o pretexto da criação de
áreas de preservação, áreas de conservação, parques ecológicos, terras indígenas e
quilombolas, etc.
A atuação de Organizações Não Governamentais (ONG) a serviço dessas
verdadeiras “estratégias de contenção” do desenvolvimento regional são uma
constatação dessas pressões sobre o espaço sul-americano, tentando obstruir,
legalmente ou não, obras de infraestruturas, com o intuito de impor aos países um
desenvolvimento sustentável de custo muito mais elevado do que o experimentado
pelas atuais potências econômicas durante seus processos de desenvolvimento
econômico.
Essas pressões dificultam, legalmente, a realização de projetos em benefício da
integração física e do desenvolvimento sul-americano.
63
3.3.20 A Postura Geopolítica Chilena
O Chile, por sua geografia, é naturalmente isolado da grande massa SulAmericana. Sua forma alongada e sua posição debruçada sobre o Pacífico e escorada
na Cordilheira dos Andes explica sua orientação geopolítica ao longo do tempo.
Considerado um “mistério geopolítico”, o Chile não demonstra um interesse
visível na integração econômica do subcontinente, já que se articula comercialmente,
em muito melhores condições, com a Ásia, por meio da APEC (Cooperação
Econômica Ásia-Pacífico) e os Estados Unidos, por exemplo.
Ainda que não seja de forma plena, a estabilidade socioeconômica daquele
país contrasta com as dificuldades da maioria dos países sul-americanos.
Além disso, históricos contenciosos fronteiriços com Peru, Argentina e Bolívia
não estimulam o Chile ao engajamento decisivo no processo de integração no
continente, pelo contrário, adota uma postura reticente em relação a todo processo,
sem, no entanto, deixar de participar das negociações e dos fóruns pertinentes.
Atrair o Chile para o outro lado dos Andes e para um envolvimento maior com o
empreendimento integrador é um desafio para o Brasil em seu intento de integração
regional.
3.3.21 Contenciosos no Continente
Ainda hoje existem ressentimentos e questionamentos que representam
potenciais fontes de conflitos na América do sul, sem falar nos episódios de terrorismo
e da presença de movimentos guerrilheiros que desestabilizam a região.
O Professor-Doutor Wanderley Messias da Costa, da Universidade de São
Paulo (USP), em trabalho datado de 2007, destaca as fragilidades e as instabilidades
nas relações internas do continente, como um desafio à integração sul-americana,
uma vez que tais instabilidades podem dar lugar a ressentimentos e eventuais
fricções, no âmbito das cada vez mais estreitas relações de vizinhança.
64
Em sua Política de Defesa Nacional, o Brasil destaca essa preocupação.
No seu Capítulo “O Ambiente Regional e o seu Entorno Estratégico”, o
documento dedica-se a examinar os aspectos mais amplos do atual quadro
sul-americano, para em seguida destacar a importância de uma estratégia que
vise aprofundar os laços do país no Sub-Continente – sobretudo via o
Mercosul – aí incluída a necessária prioridade atribuída à segurança
regional.(COSTA, 2007)
O mapa organizado pelo professor-doutor Wanderlei Messias da Costa destaca esses
principais conflitos existentes no continente.
Figura 6 – Conflitos na América do Sul
Fonte: Wanderley Messias da Costa
65
3.3.22 Questões Militares
Relacionado aos contenciosos no continente sul-americano, outro óbice a ser
considerado é a ocorrência eventual de uma possível corrida armamentista na região.
A possibilidade de competição e a geração de tensão entre países ressentidos por
qualquer questão podem trazer sérios entraves às políticas de integração.
Mesmo com o estabelecimento do Conselho de Defesa Sul-americano (CDS), a
necessidade de atualizar os arsenais das Forças Armadas; as pressões externas para
venda de armas; o potencial desenvolvimento da indústria de defesa brasileira; as
alianças estratégicas entre Venezuela e Rússia, Venezuela e China, Brasil e França,
Colômbia e Estados Unidos etc; são realidades que, se não administradas
convenientemente, podem converter-se em graves obstáculos à integração da
América do Sul.
3.3.23 Desequilíbrio entre o Cone Sul e o Norte da América do Sul
Esse óbice é um grande desafio a ser enfrentado pelas políticas de integração.
Pode ser traduzido como necessidade de reduzir as disparidades regionais.
Há muito se nota o contraste existente entre os países localizados ao Sul do
continente, mais ricos e com melhor situação socioeconômica, do que a maioria dos
países do Centro e do Norte da América do Sul.
Esses últimos países apresentam menores concentrações populacionais,
menor mercado, menor desenvolvimento econômico, grandes vazios e parca rede
física para circulação interna. Tal situação se verifica, também, em países como Brasil
e Chile, que experimenta, internamente, os mesmos contrastes, em suas regiões de
menores latitudes.
Reduzir esse contraste no interior do continente deverá ser alvo de estratégias
integradoras de grande complexidade e elevados custos com obras de infraestrutura.
66
3.3.24 Percepção do Brasil como País Imperialista
Apesar de arrolado como um óbice histórico de origem, as diferenças entre os
processos de formação política das duas Américas acabaram por imprimir um
sentimento velado de desconfiança por parte das elites da América Espanhola para
com o “Império do Brasileiro”.
Enquanto as ex-colônias espanholas lutavam seus conflitos internos e externos,
o império brasileiro, unido e com uma diplomacia influente, era visto como um governo
monárquico, que possuía uma casa imperial ligada por laços de parentesco com
algumas monarquias europeias que compunham a Santa Aliança, a saber os
Habsburgos e Bourbons.
Além disso, o Brasil era visto como uma ameaça a ser neutralizada, em
possíveis conflitos de interesses na região, na medida em que, por vezes, defendia
seus interesses, por meio de intervenções em assuntos políticos internos de outros
países, como foi o caso da Campanha Cisplatina e a guerra contra Oribe e Rosas, na
região do Prata.
Em relação às ações estratégias brasileiras para a integração, para o professor
Messias da Costa, a relevância do Brasil no subcontinente implica em que
praticamente todos os eventos envolvendo as relações internacionais na região,
impactem sobre o país em alguma medida. Destaca, também, que “do mesmo modo,
os seus movimentos na região, sejam eles diplomáticos, político-estratégicos ou da
órbita econômica, tendem a impactar direta ou indiretamente todo o sistema de países,
uma característica que é intrínseca à sua atual posição e que lhe proporciona
vantagens nas negociações externas” (COSTA, 2007). Tudo isso pode gerar, se não
cuidado convenientemente, posturas antagônicas e retorno a sentimentos antiimperialistas.
Dessa forma, ainda hoje pode se esperar uma tendência, no imaginário do povo
de alguns países sul-americanos, de enxergar o Brasil como um país afastado dos
problemas da América Espanhola e com atitudes imperialistas na defesa de seus
67
interesses na região. Tal desconfiança tende a prejudicar, se não superada, os
intentos de integração no subcontinente.
3.4 CONCLUSÃO PARCIAL
Os óbices históricos e atuais levantados ao longo da pesquisa e apresentados no
presente capítulo impressionam pela quantidade e
pela complexidade que
representam, revelando-se portanto, como verdadeiras incógnitas na intrincada
equação da integração.
A orientação estratégica para a integração regional, propugnada pelo Brasil em
sua Constituição de 1988, segundo a perspectiva geopolítica nacional, seja ela
determinista ou possibilita10, impõe à nação o desenvolvimento de uma forte vontade
política e um detalhado planejamento estratégico que permita superar os óbices
apresentados, visando à tão sonhada integração da América do Sul.
Não obstante o Brasil proponha a busca dessa integração, como um objetivo
nacional, sua consecução deverá ser estrategicamente preparada, para que não se
torne uma utopia ou mesmo justifique uma tentativa de desenvolvimento do Estado
brasileiro dissociada dos demais países da região.
Resta-nos saber se o Brasil possui estrutura governamental capaz de imprimir a
iniciativa e gerenciar o empreendimento da integração no âmbito regional.
10
Teorias que regem a geopolítica. A primeira, determinista, afirma que os Estados se orientam
politicamente em função do que lhe permite sua geografia; a segunda, possibilista, defende a
possibilidade de que o Estado supere os imperativos geográficos para a sua orientação política.
68
4
OS CAMINHOS PARA A INTEGRAÇÃO SUL – AMERICANA: TENTANDO
RESOLVER O INTRINCADO PROBLEMA
“A unidade de nossos povos não é simples quimera dos homens, senão
inexorável decreto do destino”.
Simón Bolivar
4.1
GENERALIDADES
As iniciativas de integração na América do Sul, os projetos de cooperação e
ajuda mútua e outras formas de unir o subcontinente em torno de um objetivo comum
não são novas.
Este capítulo pretende apresentar, de forma bastante sucinta, as iniciativas
empreendidas nesse mister, a fim de que se complete o entendimento geral sobre
todo o contexto da integração sul-americana que hoje é pretendida e buscada,
principalmente, pelo Brasil.
4.2
OS PENSAMENTOS E OS MECANISMOS PARA A UNIDADE
4.2.1. O Sonho de Simon Bolívar
As iniciativas para a integração da América Latina remontam aos ideais de
Simon Bolívar, que juntamente com San Martín, encetaram a campanha libertadora
que separou a América Espanhola do reino de Espanha, no início do século XIX.
A “Carta da Jamaica”, também chamada de Carta Profética, assinada por
Simon Bolívar em 6 de setembro de 1815, é um dos primeiros manuscritos a delimitar
o pensamento da integração das colônias latino-americanas, que naquele momento
lutavam pela independência em relação a Espanha.
69
Ainda sobre a intenção da Carta da Jamaica, Santos (2008) afirma que Bolívar
“não pregava a necessidade do estabelecimento de uma única unidade políticoinstitucional da América Latina, mas indicava que a agregação dos diversos Estados
independentes, por meio de processos integrativos, seria o único caminho para obter
e sustentar a liberdade advinda da independência”.
Bolívar chegou a propor a criação da Confederação dos Países LatinoAmericanos, a ser formada pelos governos da Grã Colômbia, do México, das
Províncias Unidas do Rio da Prata, do Chile e da Federação Centro-Americana, por
ocasião do Congresso do Panamá (1826), órgão que serviria para proteger a América
do Sul das intenções imperialistas de outros Estados, bem como dirimir conflitos de
interesses entre os Estados-membros.
No entanto, por reunir desafetos e pela postura autoritária com que conduzia
suas ações, Bolívar não conseguiu contagiar as elites locais e regionais, o que acabou
por esvaziar seu sonho de uma América unida e independente, confederada contra
interesses externos.
Ainda assim, a mística do libertador tem inspirado muitos homens ao longo da
história Sul-americana, mantendo vivo o sonho de unidade, como se pode notar no
dizer de Meira Mattos:
O libertador foi, na verdade, um precursor da ideia de supernação, hoje tão
em voga através da Commonwealth, da Comunidade Francesa e de outras
concepções políticas modernas. Acreditava o vencedor de Junin, a pluralidade
dos Estados deste continente dentro de uma convivência em que forme “um
conjunto orgânico superior correspondendo aos laços indestrutíveis de língua,
religião, origens e costumes” [...] uma sociedade de nações irmãs. (MATTOS,
2011)
70
4.2.2. O Panamericanismo
Com o arrefecimento das ideias “Confederalistas” de Simon Bolívar, os Estados
americanos passaram a buscar novas formas de cooperação e união a fim de
enfrentar problemas comuns. O projeto de união política de Bolívar dá lugar à
intensificação das relações de colaboração entre os governos dos Estados do
subcontinente, com vistas ao alcance de seus objetivos nacionais.
Para Santos, o Panamericanismo pode ser visto como um “movimento dos
países americanos para criar e fomentar a colaboração entre os Estados em diversos
âmbitos de interesses comuns quer sejam militares, econômicos, políticos,
diplomáticos, sociais ou culturais”.
A primeira Conferência Pan-americana teve lugar em 1899, em Washington,
sob a liderança dos EUA, e pretendia estabelecer uma união aduaneira entre os
Estados Americanos, proposta que foi descartada pelos estados presentes e
transformada em recomendações para a celebração de tratados bilaterais e
plurilaterais, de reciprocidades parciais, de acordo com a conveniência e interesse de
cada Estado, dentro dos seus objetivos nacionais. Depois da primeira, foram feitas
ainda nove conferências, sendo a penúltima em Bogotá, em 1948, quando foi criada a
OEA (Organização dos Estados Americanos) e a última em 1954, em Caracas.
As conferências pan-americanas se caracterizaram como um esforço
diplomático dos Estados no sentido de estabelecer mecanismos de
aproximação entre si. Como desde a realização da primeira Conferência
verificaram-se inúmeras dificuldades para o estabelecimento de uma zona de
livre comércio ou de uma união aduaneira no continente, a opção foi pelo
estabelecimento de conferências periódicas que permitissem a pactuação de
tratados bilaterais ou multilaterais entre os Estados americanos, visando uma
maior aproximação e convergência em assuntos comuns. (SANTOS, 2008)
Carlos de Meira Mattos, em “Projeção Mundial do Brasil”, destaca além da
doutrina bolivariana, a doutrina Monroe, como sendo as duas doutrinas precursoras do
71
pan-americanismo. Dizia que enquanto Bolívar preconizava transformar o novo mundo
numa única nação confederada, Monroe é puramente americanista, unilateral, tutelar
e isolacionista11.
Interessante notar, como reforço da visão pan-americanista, que a tendência de
organização dos Estados em blocos de influência foi percebida pelo general alemão
Karl Haushofer, que em 1930 propôs a divisão dos espaços vitais em eixos na direção
norte-sul, que segundo ele, seria bem mais propícia ao estabelecimento da paz,
eliminando a tendência expansionista dos “Estados diretores” no sentido da
lateralidade (Leste-Oeste). Idealizou, assim, quatro pan-regiões:
Figura 7 – Teoria das Pan-regiões de Haushofer
Fonte: ECEME, 2005
11
É americanista, porque afirma a unidade substantiva do continente americano; é unilateral, quando
consigna aos Estados Unidos todo o papel ativo; é tutelar, pois os Estados Unidos manifestam sua
intenção de amparar os Estados hiapano-americanos que tenham alcançado sua independência; e é
isolacionista, pois propugna “os americanos na Améerica somente”.
72
- Euráfrica, composta por Europa Ocidental, África e Península Arábica, sob a
liderança da Alemanha, podendo ser auxiliada pela Inglaterra;
- Pan-América, formada pelo Continente Americano mais a Groelândia, sob a
liderança dos Estados Unidos;
- Pan-Rússia, formada pela URSS, subtraindo a Sibéria, mas compensando
com a anexação da Índia, com uma saída para o “mar quente”, o Índico, sonho desde
os tempos de Pedro, o Grande;
- Pan-Ásia, abrangendo a parte oriental da Ásia, a Austrália e os demais
arquipélagos e ilhas da área. Os japoneses optaram por chamá-la de “Zona de CoProsperidade Asiática”.
Ainda segundo Meira Mattos, depois de Bolívar e Monroe, o pan-americanismo
ficou sem a liderança de um timoneiro mais decidido que lhe definisse novos rumos,
mesmo no período das duas grandes guerras, quando ocorreu certa mobilização
continental, por motivos de segurança, a “pan-américa” não passou de retórica.
Para esse pensador, talvez tenha partido do Brasil, por meio do ilustre Roberto
Simonsen, o primeiro grito a clamar por nova doutrina pan-americanista, baseada em
cooperação mais estreita para uma efetiva cooperação econômica entre as 21
repúblicas, visando a redução da pobreza ao sul dos EUA, quando por ocasião de
uma reunião do Conselho Interamericano de Comércio e Produção, em 1947, assim
se expressou12:
É mister que procuremos ressaltar, perante os homens de Estado,
responsáveis pela reconstrução mundial, a verdadeira situação da América
Latina. De há muito nos alistamos entre os que envidam esforços para
despertar a consciência mundial em relação aos padrões ínfimos que vigoram
na maioria das nações sul-americanas. (MATTOS, 2012)
12
Simonsen fazia referência à enorme corrente de dólares que invadia a Europa e a Ásia no pósguerra, traduzida no Plano Marshall, em comparação com a miséria esquecida da América Latina.
73
4.2.3. Os Mecanismos de Integração: Da ALALC à UNASUL
Muito se tem feito no âmbito sul-americano e latino-americano, com vistas à
uma maior integração no subcontinente.
De certa forma, a integração econômica é vista como o passo inicial de um
processo de integração mais amplo, haja vista os diversos mecanismos e associações
criadas para impulsionar as economias da região e promover a integração e o
desenvolvimento regional.
Na sequencia serão apresentados os principais mecanismos de integração já
instituídos ou tentados, no continente sul-americano,
4.2.3.1 Associação Latino Americana de Livre Comércio ( ALALC)
Segundo a Wikipédia, a Associação Latino-Americana de Livre Comércio foi
uma tentativa mal sucedida de integração comercial da América Latina, ocorrida na
década de 1960, cujos membros eram Argentina, Brasil, Chile, México, Paraguai, Peru
e Uruguai.
Em 1970,
a
ALALC
se
membros: Bolívia, Colômbia, Venezuela
expandiu
e
com
Equador.
a
Em
adesão
1980,
de
se
novos
tornou na
Associação Latino-Americana de Integração (ALADI).
4.2.3.2 Associação Latino Americana de Integração ( ALADI)
Criada em 1980, pelo Tratado de Montevidéu, a ALADI é um organismo
intergovernamental que visa a contribuir com a promoção da integração da América
Latina, procurando garantir seu desenvolvimento econômico e social.
Tem sua sede na cidade de Montevidéu e são treze os seus membros:
Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Panamá, Paraguai, Uru-
74
guai, Venezuela e Cuba, que teve seu ingresso autorizado somente em 1999. Este é
também o maior bloco econômico da América Latina.
Em sua carta, a ALADI destaca os seguintes objetivos de integração:
- eliminação gradativa dos obstáculos ao comércio recíproco dos paísesmembros;
- impulsão de vínculos de solidariedade e cooperação entre os povos latinoamericanos;
- promoção do desenvolvimento econômico e social da região de forma
harmônica e equilibrada, a fim de assegurar um melhor nível de vida para seus povos;
- renovação do processo de integração latino-americano e estabelecimento de
mecanismos aplicáveis à realidade regional; e
- criação de uma área de preferências econômicas, tendo como objetivo final o
estabelecimento de mercado comum latino-americano.
4.2.3.3 A Comunidade Andina de Nações (CAN)
A Comunidade Andina de Nações (CAN) foi fundada em 26 de maio de 1969,
com o nome de Pacto Andino, com a assinatura do Acordo de Cartagena. Somente em
1999 passou a chamar-se “CAN”, com sua secretaria sediada na cidade de Lima, no
Peru.
Trata-se de um bloco econômico da América do Sul composto por quatro
nações: Bolívia, Peru, Equador e Colômbia, tendo em vista a saída do Chile em 1977
e da Venezuela, em 2006. Brasil, Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai participam
como países associados.
Os principais objetivos do Pacto Andino são:
75
- garantir a livre circulação de pessoas dos países membros;
- possibilitar a integração econômica e cultural entre os países membros;
- representar os interesses dos países membros em acordos com outros blocos
econômicos ou organizações internacionais; e
- emitir o Passaporte Andino.
Em 8 de Dezembro de 2004, os países membros da Comunidade Andina
assinaram a Declaração de Cuzco, que lançou as bases da União de Nações SulAmericanas, entidade que pretende unir a Comunidade Andina ao Mercosul,
compondo uma zona de livre comércio continental.
4.2.3.4 O Sistema Econômico Latino-americano (SELA)
O Sistema
Econômico
Latino-americano
é
um
organismo
regional
intergovernamental, com sede em Caracas, na Venezuela, integrado por 27 países da
América Latina e do Caribe. Criado no dia 17 de outubro de 1975 mediante o
Convênio Constitutivo de Panamá.
Atualmente, o Sistema Econômico Latino-americano (SELA) está integrado por
27 países. São eles: Argentina, Bahamas, Barbados, Belize, Bolívia, Brasil, Colômbia,
Cuba, Chile, Equador, El Salvador, Granada, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras,
Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Suriname, Trinidad e Tobago, Uruguai e a Venezuela. O SELA tem dois Objetivos
prioritários:
1. Promover um sistema de consulta e coordenação para concertar posições e
estratégias comuns da América Latina e o Caribe, em matéria econômica (Comércio
Exterior), ante países, grupos de nações, foros e organismos internacionais.
76
2. Impulsionar a cooperação e a integração entre países da América Latina e do
Caribe.
4.2.3.5 A Organização do Tratado de Cooperação Amazônico (TCA)
Em 1995, os chanceleres dos países amazônicos, reunidos em Brasília, criaram
a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), a fim de fortalecer e
dar personalidade internacional ao Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), de
1978, assinado por Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname
e Venezuela.
Como mecanismo indutor da integração sul-americana, seu objetivo é promover
o desenvolvimento harmonioso e integrado da bacia amazônica, de maneira a permitir
a elevação do nível de vida dos povos daqueles países; a plena integração da região
amazônica às suas respectivas economias nacionais; a troca de experiências quanto
ao desenvolvimento regional; e o crescimento econômico com preservação do meioambiente.
Para tanto, o tratado prevê a cooperação entre os membros para a promoção
da pesquisa científica e tecnológica, a utilização racional dos recursos naturais, a
criação
de
uma infraestrutura de
transportes e comunicações,
o
fomento
do comércio entre populações limítrofes e a preservação de bens culturais.
4.2.3.6 O Mercado Comum do Sul (MERCOSUL)
O MERCOSUL teve início com as tratativas entre Brasil e Argentina, por
intermédio do Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, assinado entre
ambos os países em 1988, fixando como meta o estabelecimento de um mercado
comum, ao qual outros países latino-americanos poderiam se unir.
77
Com a adesão do Paraguai e do Uruguai, os quatro países se tornaram
signatários do Tratado de Assunção (1991), que estabeleceu o Mercado Comum do
Sul, uma aliança comercial que visa dinamizar a economia regional, movimentando
entre si mercadorias, pessoas, força de trabalho e capitais.
Inicialmente foi estabelecida uma zona de livre comércio, em que os países
signatários não tributariam ou restringiriam as importações um do outro.
Já em 1o de janeiro de 1995, esta zona converteu-se em união aduaneira, na
qual todos os signatários poderiam cobrar as mesmas quotas nas importações dos
demais países, por meio de uma tarifa externa comum (TEC). No ano seguinte, 1996,
a Bolívia e o Chile adquiriram o status de associados, embora o processo chileno para
sua associação plena dependa de negociações de problemas fronteiriços com a
Argentina.
Recentemente, em virtude da remoção de Fernando Lugo da presidência do
Paraguai, o país foi temporariamente suspenso do bloco; esse fato deu ensejo a que
se materializasse o ingresso da Venezuela como membro-pleno do MERCOSUL a
partir do dia 31 de julho de 2012, decisão até então adiada em virtude da oposição do
congresso paraguaio.
Para o governo brasileiro e para muitos pensadores geopolíticos, o
MERCOSUL é a base do processo de integração Sul-americana, embora sejam
muitos os obstáculos à eficiência do bloco e que afetam a sua credibilidade.
4.2.3.7 A Iniciativa para a Modernização e Desenvolvimento da Infraestrutura
Regional da América do Sul (IIRSA)
Tem sua origem na Reunião de Presidentes da América do Sul realizada em
Brasília, em agosto de 2000, cuja coordenação ficou a cargo de três bancos regionais:
FONPLATA (Fundo para o Desenvolvimento da Bacia do Prata ou banco do
78
Mercosul), BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e CAF (Banco de
Desarollo de América Latina). O site do Ministério do Orçamento, Planejamento e
gestão assim define a IIRSA:
A Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana
(IIRSA) corresponde a uma iniciativa dos doze países sul-americanos, que
tem por finalidade a promoção do desenvolvimento da infraestrutura de
transporte, energia e comunicações, de forma sustentável e eqüitativa,
através da integração física destes países.(BRASIL, 2012)
A IIRSA continua sendo o principal fórum de discussão e promoção de projetos
de infraestrutura de integração da América do Sul, capitaneado pelo BID, que tem alta
influência dos estados unidos.
Por esse razão, os projetos por toda América do Sul, cerca de 500, são
priorizados em função da capacidade de atrair investimentos privados e que
contemplem um “regionalismo aberto”, com uma integração da região “para fora”,
segundo os critérios neoliberais, com corredores de exportação e a ligação da região
ao mercado global, visando à exportação de commodities.
4.2.3.8 A Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC)
A Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) tem
origem na “Declaração da Cúpula da Unidade”, adotada pelos Chefes de Estado e de
Governo da América Latina e do Caribe durante reunião de Cúpula realizada na
Riviera Maya, México, em fevereiro de 2010.
Naquela ocasião, houve consenso em constituir um novo mecanismo de
concertação política e integração, que abrigará os trinta e três países da América do
Sul, América Central e Caribe.
79
A CELAC, segundo informações constantes da página eletrônica do Ministério
das Relações Exteriores, assumirá o patrimônio histórico do Grupo do Rio 13 (concerto
político), cuja secretaria de turno é exercida atualmente pelo Chile, bem como o da
Primeira Cúpula da América Latina e do Caribe (CALC)14 (desenvolvimento e
integração), cuja presidência temporária é venezuelana.
Em julho de 2011, será realizada, na Venezuela, a III CALC, quando deverá,
então, ser completado o processo de constituição da CELAC.
Para o Brasil, a CELAC deverá contribuir para a ampliação tanto do diálogo
político, quanto dos projetos de cooperação na América Latina e Caribe. O novo
mecanismo também facilitará a conformação de uma identidade própria regional e de
posições latino-americanas e caribenhas comuns sobre integração e desenvolvimento.
4.2.3.9 A União de Nações Sul-americanas (UNASUL)
A UNASUL é uma união intergovernamental, constituída em 23 de maio de
2008, na Terceira Cúpula de Chefes de Estado, realizada em Brasília,Brasil.[4] O
Tratado Constitutivo previa a instalação da sede da União em Quito, Equador. O
Parlamento sul-americano será localizado em Cochabamba, na Bolívia, enquanto a
sede do seu banco, o Banco do Sul, será localizada em Caracas, Venezuela.
A
União
de
Nações
Sul-americanas
integra
as
duas uniões
aduaneiras existentes na região: o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) e
a Comunidade Andina de Nações (CAN), como parte de um contínuo processo
de integração sul-americana.
13
Mecanismo permanente de consulta e concertação política da América Latina e do Caribe, criada em
1986, pela Declaração do Rio de Janeiro, com reuniões de cúpula anuais.
14
Primeira Cúpula da América Latina e do Caribe, sobre integração e desenvolvimento, realizada em
2008, na Bahia.
80
Na busca do desenvolvimento de um espaço integrado nos campos político,
social, cultural, econômico, financeiro, ambiental e da infra-estrutura, este novo
modelo
de integração incluirá
todos
os
avanços
verificados
no
âmbito
do
MERCOSUL e da CAN, assim como as experiências do Chile, da Guiana e do
Suriname.
O objetivo último da UNASUL é favorecer o desenvolvimento equitativo,
harmônico e integral da América do Sul. O que se espera, no entanto, é a prevalência
de uma postura muito mais pragmática do que ideológica.
Os países
membros da
UNASUR
são: Argentina, Brasil, Bolívia, Colômbia,
Chile, Equador, Guiana,Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela.
4.3. CONCLUSÃO PARCIAL
Do sonho bolivariano de uma comunidade de “nações irmãs” até a implantação
da UNASUL, nota-se a variada gama de organismos e instrumentos que pretendem
estruturar o processo de integração e cooperação.
Nota-se, ainda, a partir da metade do século XX, o maior destaque para o
aspecto econômico da integração, que parece ser a opção elegida, dentro de um
contexto mundial capitalista e de economia globalizada, com o fim de estimular a
integração nas expressões política e psicossocial do poder, no âmbito sul-americano.
No entanto, o aspecto econômico talvez seja o mais susceptível de oscilações
ao longo de todo esse processo, uma vez que evoca o aspecto mais realista das
relações internacionais, fazendo variar os ânimos integradores e arrefecer os espíritos
mais bem intencionados, nos momentos de crise econômica, chegando mesmo a
potencializar os óbices de ordem política ou psicossocial.
Todos esses indutores da integração representam esforços satisfatórios na
busca da estabilização e da cooperação regional. São, por assim dizer, os
81
mecanismos que hoje buscam oportunidades de integração e que devem ser as bases
de uma grande estratégia de integração sul-americana.
Dessa realidade pode-se inferir que esses mecanismos integradores, de viés
ponderadamente econômico, mais precisamente o MERCOSUL, a ALADI e a CAN,
devam ser conduzidos com toda a cautela e com o máximo de compromisso, com o
fito de neutralizar ou mitigar os vários óbices já mencionados.
82
5
CONCLUSÃO:
A GESTÃO
ESTRATÉGICA PARA A SOLUÇÃO
DO
INTRINCADO TEOREMA DA INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA
"Todos podem ver as táticas de minhas conquistas, mas ninguém consegue
discernir a estratégia que gerou as vitórias".
Sun Tzu
5.1 O DESAFIO DE UM TEOREMA SEM FIM
Durante todo o trabalho de pesquisa ficou evidente, pela leitura dos diversos
autores geopolíticos, diplomatas e professores, que a busca da integração sulamericana é, mais que um anelo, uma tarefa inexorável que, nos dias de hoje, ganha
corpo pelo sentido de urgência que se apresenta, em função dos fenômenos da
mundialização e da globalização15.
No entanto, para o Brasil, existe uma tarefa anterior, muito mais urgente e que
servirá de base para a articulação de toda a América do Sul. Trata-se de integrar,
efetivamente, o imenso interior do território brasileiro, com a incorporação definitiva da
Amazônia e do Centro-Oeste à vida nacional, por meio da inadiável construção da
infraestrutura de transporte, comunicações e energia necessária a tal empreendimento
que, uma vez instaladas e intensamente exploradas, fará com que os povos se sintam
parte de algo comum, onde as fronteiras sejam meras referências e onde se tenha a
sensação de que se está entrando e saindo da casa de irmãos.
A nação brasileira está diante, portanto, de uma dívida geopolítica interna e de
um objetivo estratégico de projeção continental, que talvez seja a espinha dorsal do
seu destino geopolítico.
15
Mundialização é o processo de aproximação entre os homens pertencentes a espaços geográficos
diferentes, fomentado e intensificado pelas novas tecnologias, manifestado pela intensificação das
comunicações, deslocamentos internacionais, comercialização etc. Já a Globalização tem um viés
fortemente econômico, que se vale de uma maior aproximação entre os povos para impor um
neoliberalismo, uniformizando os mercados e as políticas econômicas, nem sempre boas para
países economicamente mais frágeis.
83
O Brasil, como país impulsionador do processo de integração sul-americano,
deve adotar um discurso e uma postura estratégica coerente diante desse enorme
desafio da integração, que tem gerado muitas expectativas por parte da comunidade
regional e internacional.
Para tanto, é necessário que a nação se conscientize dessa magnífica tarefa e
comece a estruturar eficientemente o poder nacional para tal empreendimento, o que
não tem sido tarefa simples, em função da falta de preparo das elites responsáveis, ao
longo do tempo, como já dizia Mario Travassos na primeira metade do século XX,
referindo-se à inércia nacional em realizar a tarefa da integração nacional.
Evidentemente, não se pode e não se deve apontar e levar ao pelourinho os
responsáveis por esse estado de coisas. São múltiplas as razões que
impediram, entre nós, a formação de uma elite esclarecida, onde se
pudessem recrutar homens de governo, homens públicos suficientemente
universalizados em sua cultura para enxergarem os problemas [...] Os poucos
assim aparelhados, nem sempre estiveram em posição conveniente para
atuar [...] quase sempre temos sido obrigados a resolver as questões
premidos por injunções de toda a sorte, assim no tempo como no espaço, e
arcando com a incipiência de nossas próprias possibilidades. (Travassos,
1947, p.193)
Como se não bastasse a enorme dívida geopolítica a ser honrada pelo Brasil
rumo a sua projeção territorial e sul-americana, existem ainda, nesse caminho, como
apresentado no capítulo três do trabalho, diversos óbices que, pela variedade,
quantidade, complexidade e dimensão, transformam a tarefa da integração em um
teorema por demais complicado, exigindo do país uma clara disposição política para
empreender o objetivo nacional previsto no artigo quarto da Constituição.
Por outro lado, conforme foi mencionado no quarto capítulo deste trabalho, um
longo caminho já foi percorrido, por meio da criação de mecanismos de união entre as
nações sul-americanas e latino-americanas.
84
Esse caminho deve servir de estrutura, sobre a qual se dará a integração sulamericana, uma vez que concentra o conhecimento de tudo o que já foi feito nesse
sentido no subcontinente.
Em resumo, a interação entre os pensamentos geopolíticos de integração com
os óbices à essa mesma integração revela a magnitude da tarefa a ser levada a cabo
pelo Brasil, em coordenação com as demais nações sul-americanas, atuando
estrategicamente dentro e fora dos organismos regionais e que.
A julgar pela complexidade dos desafios a serem enfrentados, pode-se inferir
que o Brasil não está adequadamente preparado em termos de estruturas de
planejamento e coordenação estratégica, para levar a cabo a tarefa da integração sulamericana.
5.2 UMA PROPOSTA PARA A GRANDE ESTRATÉGIA BRASILEIRA
A grande estratégia é aquela que está acima dos governos, que representa o
caminho a ser percorrido rumo ao destino da nação, ajustada constantemente, em
função das conjunturas, a fim de que não se perca os rumos do destino.
No entanto, inexiste no Brasil uma estrutura dentro da máquina governamental
capaz de elaborar, dar coerência, convergência e acompanhar, de forma eficaz, as
grandes estratégias de interesse do Estado nacional, ou seja, não se pode identificar a
“grande estratégia nacional”, o discurso estratégico que sensibilize e mobilize toda a
nação.
Desde o final dos governos militares, as estratégias de longo prazo que
apontavam a um Brasil potência, têm sido substituídas por políticas públicas que
tentam dar respostas aos problemas estruturais e conjunturais, envolvendo diversos
órgãos do governo e ministérios, sem uma coordenação efetiva por parte de uma
estrutura gestora, muitas vezes permitindo que as nuances ideológicas prevaleçam
85
sobre o pragmatismo dos interesses maiores do Estado, alinhados com as naturais
aspirações geopolíticas da nação.
Infelizmente, no entanto, o já mencionado senso de urgência parece não existir
nas elites dirigentes, o que tem prejudicado ou adiado o desenvolvimento das ações
estratégicas necessárias à consecução de uma integração efetiva na America do Sul.
Assim tem sido e assim continuará sendo, a menos que se crie um mecanismo no
Estado brasileiro que rompa com essa tendência.
A proposta dessa conclusão, portanto, é a criação de uma estrutura
independente e sustentada pelo Governo federal, a semelhança de uma Agência
Nacional, que seja capaz de elaborar, e gerir as estratégias nacionais de longo prazo,
com a tarefa adicional de adequar as políticas públicas elaboradas, promovendo,
assim, a convergência e a coerência no âmbito da grande estratégia.
Finalmente, se todos os pensadores estão corretos e se o Brasil realmente
considera a integração da América do Sul como condição básica para lograr a sua
melhor inserção no tabuleiro estratégico mundial, na condição de potência, ainda
neste século XXI, faz-se mister essa estruturação do Estado e das elites nacionais.
Somente dessa forma, impulsionada pelo Brasil, a América do Sul
experimentará, no futuro, o que Samuel Pinheiro Guimarães denominou uma “Sinergia
Multinacional”, capaz de potencializar realidades e identidades nacionais em torno de
um projeto comum, gerando, em cada país, a consciência da importância que o outro
tem para seu próprio projeto nacional. Só assim daremos por resolvido esse intrincado
teorema. Se assim não for, esse teorema não terá fim e a integração sul-americana
não passará de mais uma utopia ao sul do Equador.
86
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