Evolução Urbana de uma Cidade no Interior Paulista Casa Branca no Caminho de Goiás Mariana Pereira Horta Rodrigues Trabalho Final de Graduação Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo Orientadora: Maria Lúcia Bressan Pinheiro São Paulo 2006 Ao meu marido, Marcelo, e aos meus pais, Heraldo e Eliana. Para a população casa-branquense. Agradecimentos A Deus, pela vida. À minha orientadora, Maria Lúcia Bressan Pinheiro, pela amizade, atenção na discussão de diversos temas e paciência nos desabafos. Nas orientações, os sonhos e a vontade de estudar cresceram a cada dia. Aos demais professores presentes na banca, Beatriz Piccolotto Siqueira Bueno e Percival Tirapeli, toda gratidão e admiração. Ao meu marido, Marcelo Juliano Bevilaqua, pelo amor, companheirismo e apoio em todos os momentos. Aos meus pais, Heraldo e Eliana, que sempre acreditaram em mim, pelo exemplo de vida, amor e carinho. À minha irmã Ana Cláudia e à minha tia Norma, pela leitura final dos textos e pela eterna amizade. Aos meus irmãos, Fernanda e Rafael, pelo amor. Ao meu avô, Manuel, pelo exemplo profissional. Aos colegas do Departamento do Patrimônio Histórico da cidade de São Paulo, pela iniciação na prática do patrimônio histórico. Aos casa-branquenses que me auxiliaram na pesquisa e coleta de materiais. Aos meus amigos Michel Hoog Chauí do Vale e Vanessa Rocha Siqueira, pela amizade, pelas reflexões sobre arquitetura e pelos momentos de descontração e riso solto. Sumário ABREVIATURAS 06 APRESENTAÇÃO 07 INTRODUÇÃO 10 DADOS GERAIS 12 CAPÍTULO I ASPECTOS HISTÓRICOS 1.1 Aspectos Históricos Gerais 1.2 O Processo de Interiorização do Brasil 1.3 O Caminho de Goiás e as Origens do Estado de São Paulo 1.4 O Povoamento Mineiro 1.5 Casa Branca: Aspectos Históricos Peculiares Períodos Iniciais do Processo de Urbanização 1.6 O Café e a Estrada de Ferro Mogiana Nova Fase de Urbanização 1.7 Considerações sobre os Aspectos Históricos 13 CAPÍTULO II URBANIZAÇÃO E URBANISMO NO BRASIL E EM CASA BRANCA 49 2.1 O Processo de Urbanização em Casa Branca 2.2 Os Primórdios da Ocupação do Território da Freguesia de Nossa Senhora das Dores de Casa Branca 2.2.1 Hipóteses 1, 2 e 3 2.2.2 Hipótese 4 2.3 A Evolução Urbana de Casa Branca: Nova Proposta 2.4 Discussão sobre Urbanismo Inserção de Casa Branca no Contexto Nacional 2.4.1 Primeiro Eixo de Evolução Urbana de Casa Branca Século XVIII a 1814 2.4.2 Segundo Eixo de Evolução Urbana de Casa Branca De 1814 a 1841 2.4.3 Terceiro Eixo de Evolução Urbana de Casa Branca De 1841 a 1878 2.4.4 Quarto Eixo de Evolução Urbana de Casa Branca De 1878 a 1881 2.4.5 Quinto Eixo de Evolução Urbana de Casa Branca De 1881 a 1932 51 58 13 18 21 27 31 41 46 60 71 73 76 95 98 100 102 103 CAPÍTULO III PATRIMÔNIO HISTÓRICO 104 105 113 3.1 Patrimônio Histórico e os Conceitos de Conservação e Restauração 3.2 Preservação de Conjuntos Urbanos 3.3 Os Órgãos de Preservação no Brasil 118 CAPÍTULO IV PROPOSTAS 130 4.1 O Quadro Urbano a ser Preservado 4.2 Morfologia dos Conjuntos Urbanos a serem Preservados 4.3 Discussão das Propostas 4.3.1 Proposta de Intervenção 130 137 143 148 CONSIDERAÇÕES FINAIS 151 BIBLIOGRAFIA 152 ANEXO I REGISTRO DE IMÓVEIS DA RUA WALDEMAR PANICO 155 ANEXO II REVISTA ‘CIGARRA’ 157 Abreviaturas ACCPE - Associação Casa-branquense de Cultura Phísica e Esportiva CAGESP - Companhia de Armazéns Gerais de São Paulo CONDEPHAAT - Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo DAE - Divisão de Arquivos do Estado de São Paulo FAUUSP - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo FFLCH - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IG - Instituto Geológico do Estado de São Paulo IGC - Instituto Geográfico e Cartográfico do Estado de São Paulo IHGB - Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional SPHAN - Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional UFSCAR - Universidade Federal de São Carlos UNESP - Universidade do Estado de São Paulo USP - Universidade de São Paulo Apresentação A preservação da memória é a grande motivação dessa pesquisa. Ela faz parte de nosso cotidiano e responde aos anseios humanos de conhecimento de seu passado. Quem fomos, somos e haveremos de ser? A história e a identidade de cada cidadão compõe-se de lembranças e da consciência sobre os fatos. O que se caracteriza como patrimônio cultural, em sua essência, é o conjunto de lembranças através das quais um povo identifica-se e um país pode ser, então, chamado de nação. Patriotismo, regionalismo, sentimentalismo? Tratase da consciência da necessidade da preservação da cultura como primícia para o desenvolvimento de um povo. Foram estudos sobre a “Urbanização e Urbanismo no Brasil” e sobre a “Conservação e Restauração do Patrimônio Arquitetônico” que me despertaram a atenção e o interesse para a preservação de conjuntos arquitetônicos em centros urbanos. A constante evolução dos espaços citadinos impõe aos pensadores da cidade a necessidade de aliar a preservação de bens de interesse histórico às transformações inevitáveis e essenciais à modernização desses centros, com vistas à manutenção da qualidade de vida, através de espaços adequados à convivência humana. Acredita-se que a cidade do passado não deve negar a do presente, nem esta a outra. Cada tempo tem o seu próprio valor. Portanto, a cidade não deve permanecer imóvel e imutável, deve-se incentivar a concomitância entre a preservação histórica e a contemporaneidade. A conservação não só do patrimônio arquitetônico, mas da conformação urbana, justifica-se pela cidade, em sua arquitetura e urbanismo, conter os aspectos da sociedade que a habita. Relembrando “As Cidades e a Memória”, “(...) a cidade não conta o seu passado, ela o contém como as linhas da mão, nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimãos das escadas, nas antenas dos pára-raios, nos mastros das bandeiras, cada segmento riscado por arranhões, serradelas, entalhes, esfoladuras”. Tais questões somaram-se ao anseio de devolver os frutos de minha formação acadêmica à terra mãe. Seguindo uma tendência de estudos voltados para o interior do Bra- Uma notícia está chegando lá do Maranhão Não deu no rádio, no jornal ou na televisão Veio no vento que soprava lá no litoral De Fortaleza, de Recife e de Natal A boa nova foi ouvida em Belém, Manaus, João Pessoa, Teresina e Aracaju E lá do norte foi descendo pro Brasil central Chegou em Minas, já bateu bem lá no sul Aqui vive um povo que merece mais respeito Sabe, belo é o povo como é belo todo amor Aqui vive um povo que é mar e que é rio E seu destino é um dia se juntar O canto mais belo será sempre mais sincero Sabe, tudo quanto é belo será sempre de espantar Aqui vive um povo que cultiva a qualidade Ser mais sábio que quem o quer governar A novidade é que o Brasil não é só litoral É muito mais, é muito mais que qualquer zona sul Tem gente boa espalhada por esse Brasil Que vai fazer desse lugar um bom país Uma notícia está chegando lá do interior Não deu no rádio, no jornal ou na televisão Ficar de frente para o mar, de costas pro Brasil Não vai fazer desse lugar um bom país (Notícias do Brasil, Milton Nascimento e Fernando Brant) 1 Matéria optativa AUH – 237, oferecida na graduação da FAUUSP e ministrada pela professora Beatriz Piccolotto Siqueira Bueno. 2 Matéria optativa AUH – 127, oferecida na graduação da FAUUSP e ministrada pelas professoras Maria Lúcia Bressan Pinheiro e Beatriz Mugayar Kuhl. 3 CALVINO, p.14 -15. sil, especialmente sobre o interior do Estado de São Paulo, realizados pela Unesp, Usp São Carlos, Ufscar e alguns trabalhos realizados na FauUsp, volto meus olhares de arquiteta e urbanista para a cidade de Casa Branca. “A novidade é que o Brasil não é só litoral (...)” e há a necessidade de que também as pequenas cidades do interior do Estado estejam preparadas para discutir, conscientemente, questões do Estatuto da Cidade e possam elaborar seus Planos Diretores com vistas a um desenvolvimento urbano adequado. Questões práticas de como analisar o patrimônio arquitetônico, inserido na preservação de um conjunto urbano, foram trazidas pelo estágio de um ano na Divisão de Preservação do Departamento do Patrimônio Histórico do Município de São Paulo, sob supervisão e orientação do arquiteto Walter Pires, principalmente nos trabalhos de elaboração de inventário e pesquisa sobre o bairro de Mirandópolis, instrução de processo de tombamento de antigas residências no bairro do Ipiranga e inventário de bens no bairro da Vila Mariana. Todos os trabalhos abordaram a questão do objeto arquitetônico inserido na metrópole histórica, principalmente no caso de Mirandópolis, cujo processo propôs o tombamento do bairro, preservando o desenho urbano. Essas questões sobre a grande metrópole de São Paulo são paradigmas para estudos que podem ser realizados em qualquer cidade do Brasil. Numa escala reduzida, a cidade de Casa Branca apresenta os mesmos problemas pelos quais a Vila de Piratininga passou e que a metrópole enfrenta como conseqüência de decisões equivocadas, como a ocupação de áreas de mananciais, a impermeabilização do solo, a ocupação das margens dos rios e córregos, o transporte público inadequado, a falta de áreas verdes e de lazer públicas, a habitação irregular, etc. Idéias sobre a viabilidade e recursos para instaurar a restauração e conservação de bens móveis e imóveis foram introduzidas por intelectuais envolvidos na preservação da Fazenda do Pinhal, em São Carlos, célula mater daquela cidade, especialmente o gerente da Casa Pró Pinhal, Francisco de Sá Neto. Em Congresso realizado naquele local, foram discutidas questões como, por exemplo, a necessidade de elaborar políticas públicas para a preservação do patrimônio cultural brasileiro, especificamente no Estado de São Paulo, em parceria com o Iphan e Condephaat, em paralelo com o desen- 4 Uma metodologia para pesquisa sobre o patrimônio histórico do interior do Estado de São Paulo já havia sido elaborada na década de 1970 pelo Iphan, segundo José Saia Neto, que propunha um levantamento sistemático sobre a região da Mogiana, onde se encontra Casa Branca. Portanto, há tempos, estudos tentam voltar-se para o espaço interiorano. 5 Notícias do Brasil, música de Milton Nascimento e Fernando Brant. volvimento de projetos de pesquisa e ações educativas junto à comunidade, bem como parcerias com a iniciativa privada, de uma forma que o direcionamento econômico seja conduzido pela pesquisa e pelo valor científico, sem perda da densidade histórica do patrimônio, visando à sua sustentabilidade. Mas, apesar do grande interesse pela cidade, barreiras organizacionais atrozes impediram avanços na pesquisa documental. Documentos do arquivo morto do município não se encontram mais na Prefeitura: foram queimados ou enviados ao museu da cidade, cuja falta de funcionários especializados em arquivamento, museologia ou algo semelhante inviabilizam qualquer tipo de pesquisa mais densa e específica, haja vista a desorganização e a falta de catalogação, apesar do grande esforço e da dedicação do pesquisador Adolfo Legnaro Filho, diretor do museu. Observa-se essa falha do sistema público municipal e o desleixo com a cultura da cidade. Queixas e murmúrios à parte, é tempo de prosseguir. Identificar problemas e necessidades é o primeiro passo para propor soluções adequadas. As cidades de Casa Branca (da realidade ao pessimismo) A cidade do tempo, da história, da terra e dos velhos, do sagrado e do largo; a cidade do aço, do concreto, da luxúria e do desleixo; a cidade do conforto, da aparência, da opulência e do opressor; a cidade do trabalho, do pão, do calçado e da jabuticaba; a cidade déspota, arrogante, hilária, ignorante! Nelas, vilarejos, terra batida, percevejos, goteiras, barro, bala, fumo, prostituição. Fé? Força, loucura, exclusão, abismo. O tempo a teria salvo, o presente a condena. Passada a história, que nada mais se construa (Mariana Horta, 1° de março de 2006 – após uma semana de pesquisas e atribulações em Casa Branca) 6 Museu Histórico e Pedagógico Afonso e Alfredo de Taunay. Introdução A história da cidade de Casa Branca poderia ser confundida com a história de muitas outras do interior paulista situadas ao longo do Caminho de Goiás. As terras, antes ocupadas pelos índios caiapós, passaram a ser percorridas pelos bandeirantes, que, seguindo as nascentes dos rios, chegaram até Vila Boa de Goiás, onde encontraram ouro. A trilha do Anhangüera seria, a partir de então, caminho de viajantes em busca de fortunas. O Brasil interiorizava-se a partir da Vila de São Paulo de Piratininga, em direção a Minas e Goiás. Muitos pousos surgiram na passagem de rios e, destes, arraiais, freguesias, vilas e cidades. A Capitania de São Paulo urbanizou-se a partir do Caminho de Goiás, principalmente após a crise do ouro em Minas Gerais, com a migração de muitos mineiros para a região, que desenvolveram uma agricultura de subsistência e introduziram a criação de gado. Casa Branca insere-se nesse processo: foi pouso para viajantes, apesar de não ser passagem de rio, mas entroncamento de caminhos; possuía sesmarias, concedidas ao longo do Caminho de Goiás; e continha capela e vigário. Seu início de urbanização é considerado um processo espontâneo, no qual a população inicial era paulista e mineira. Mas, por motivos que serão apresentados e discutidos, houve a intervenção por parte da Coroa lusitana, através de uma linha portuguesa de ordenação do território, defendida e introduzida no Brasil por Dom João VI. O arraial tornou-se Freguesia por Decreto Régio e incentivou-se a colonização açoriana nessas terras. Nesse aspecto, a cidade de Casa Branca diferencia-se, ao considerarmos o contexto da Capitania de São Paulo. Apesar das intervenções urbanísticas portuguesas terem ocorrido em outras localidades do Brasil colonial, como em Vila Boa, há a necessidade de se discutir os interesses do governo português na região de Casa Branca. Sobre essas análises, vários contextos embasam-nas: as ‘políticas’ de colonização do Brasil e os ‘mecanismos’ de interiorização e conquista do território; os interesses econômicos do governo português e as crises do reinado luso na Europa; e os interesses da Espanha na conquista do território oriental da América. Corta extensa e quase despovoada zona da parte suloriental da vastíssima província de Mato Grosso a estrada que da Vila de Sant’Ana de Paranaíba vai ter ao sítio abandonado de Camapuã. Desde aquela povoação, assente próximo ao vértice do ângulo em que confinam os territórios de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso até ao Rio Sucuriú, afluente do majestoso Paraná, isto é, no desenvolvimento de muitas dezenas de léguas, anda-se comodamente, de habitação em habitação, mais ou menos chegadas umas às outras; rareiam, porém, depois as casas, mais e mais, caminham-se largas horas, dias inteiros sem se ver morada nem gente (...). Ali começa o sertão chamado bruto. Pousos sucedem a pousos, e nenhum teto habitado ou em ruínas, nenhuma palhoça ou tapera dá abrigo ao caminhante contra a frialdade das noites, contra o temporal que ameaça, ou a chuva que está caindo. Por toda a parte, a calma da campina não arroteada; por toda a parte, a vegetação virgem, como quando aí surgiu pela vez primeira. A estrada que atravessa essas regiões incultas desenrola-se à maneira de alvejante faixa, aberta que é na areia, elemento dominante na composição de todo aquele solo, fetilizado aliás por um sem-número de límpidos e borbulhantes regatos, ribeirões e rios, cujos contingentes são outros tantos tributários do claro e fundo Paraná ou, na contravertente, do correntoso Paraguai(...). O legítimo sertanejo, explorador dos desertos, não tem, em geral, família. Enquanto moço, seu fim único é devassar terras, pisar campos onde ninguém antes pusera pé, vadear rios desconhecidos, despontar cabeceiras e furar matas, que descobridor algum até então haja varado. Cresce-lhe o orgulho na razão de extensão e importância das viagens empreendidas; e seu maior gosto cifra-se em enumerar as correntes caudais que transpôs, os ribeirões que batizou, as serras que transmontou e os pantanais que afoitamente cortou, quando não levou dias a rodeá-la com rara paciência(...). Nascera Cirino de Campos (...) na província de São Paulo, na sossegada e bonita Vila de Casa Branca, a qual demora umas 50 léguas do litoral. Filho de um vendedor de drogas, que se intitulava boticário e a esse ofício acumulava o importante cargo de administrador do correio, crescera debaixo das vistas paternas até a idade de doze anos, completos os quais fora enviado, em tempos de festas e a títulos de recordações saudosas, a um velho tio e padrinho, morador na cidade de Ouro Preto (...). O menino, transido de medo, passou a tarde a chorar num canto sombrio da casa, onde relembrou, até lhe vir o sono, a alegre vida de outrora, os folguedos que fazia com os camaradas na viçosa relva do Cruzeiro à entrada da Vila de Casa Branca e sobretudo os carinhos da saudosa mãe (...). (TANAY, Visconde de. Inocência. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1964, p.9,10,17,18,32,33, primeira edição de 1872) . 10 A história de Casa Branca confunde-se, portanto, com a própria história do Brasil. A escala reduzida da problemática não lhe tira o mérito da exploração científica. Trata-se de um microcosmo da história brasileira nesse país onde, muitas vezes, a cultura é esquecida e o povo perde sua identidade. São esses primeiros passos, oriundos da observação histórica, que indicarão o caminho para a preservação do patrimônio cultural dessa cidade, atualmente entregue aos interesses aleatórios, não públicos, que a consomem e a desfiguram. 1 Segundo Lucila Brioschi, o antigo sertão do Rio Pardo foi capítulo menor na saga bandeirante, pois seu solo não oferecia as riquezas então procuradas – pedras e metais preciosos. Esta região foi conhecida e trilhada, provavelmente, desde fins do século XVII, como trecho de passagem daqueles que, saindo dos campos de Piratininga, demandavam os antigos domínios dos índios Goiazes. Sobre as trilhas sertanistas foi-se delineando um traçado mais ou menos fixo, que passou, então, a ser conhecido, já no século XVIII, como Caminho de Goiás (BRIOSCHI, 1995, p.49). 1- Mapa do Caminho de Goiás Fonte: BACELLAR & BRIOSCHI, p.45. 11 Dados Gerais Município de Casa Branca Área: 865 Km² Altitude Média: 679 m Freguesia de Nossa Senhora das Dores de Casa Branca, Território de Mogi Mirima: Alvará de 25 de outubro de 1814 Vila do Termo de Mogi Mirim, abrangendo as freguesias de Casa Branca e Caconde e o curato de São Simão: Lei n.° 15, de 25 de fevereiro de 1841 Cidade de Casa Branca: Lei n.°22, de 27 de março de 1872 Comarca, com os Termos de Casa Branca, Caconde e São Simão: Lei n.° 46, de 06 de abril de 1872 Localização: Está situada a Nordeste do Estado de São Paulo, no trajeto da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro. As coordenadas geográficas da sede municipal são: 21° 46’ 29’’ latitude Sul e 47° 05’ 16’’ longitude Oeste. A distância em relação à capital do Estado é de 201 km, em linha reta. Em seus primórdios, localizava-se no chamado “sertão do rio Pardo”, região que abrangia o território desde o rio Jaguari Mirim ao Sul até o rio Grande ao Norte, e que, administrativamente, pertenceu ao antigo Município de Jundiaí, passando a compor o Município de Mogi Mirim, quando da criação deste último, em 1769. Sobre o âmbito da administração eclesiástica, a área encontrava-se sobre a jurisdição da freguesia de Mogi Guaçu. Limites: N: Mococa e Tambaú NE: São José do Rio Pardo E: Itobi SE: Vargem Grande do Sul S: Aguaí SO: Santa Cruz das Palmeiras O: Santa Cruz das Palmeiras e Tambaú NO: Tambaú População do Município de Casa Branca Ano Total de habitantes 1765* 16 1825 2635 1872** 10281 1890 13482 1900 16133 1920 26397 1940 21993 1950 21123 1954 22452 1960 17212 1970 18170 1980 21751 1991 25308 2000 26800 *dados de 1765 retirados da pesquisa de Amélia Trevisan (1979, p.27) ** dados do recenseamento oficial (FURLANI, 2003, p.108) 2- Localização do Município de Casa Branca em relação ao Estado e ao Município de São Paulo. Fonte: Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, vol XI. 3- O Município de Casa Branca e seus limites. a A grafia adotada para Mogi Guaçu, Mogi Mirim e Mogiana segue aquela adotada pela própria administração dos municípios e pelo registro daquela empresa de estrada de ferro. Como palavras de origem indígena, deveriam ser escritas com “j”, mas optou-se pelo “g” em função do uso corriqueiro. 12 Capítulo I Aspectos Históricos 1.1 Aspectos Históricos Gerais O sistema econômico feudal, a predominância do meio rural e um poder político descentralizado e fragmentado, aliados à intensa exploração dos camponeses, levou ao início de várias rebeliões na Europa Ocidental, em princípios do século XIV. O sistema feudal não permitia o aumento da produtividade agrícola, levando às guerras e à estagnação. A solução para essa crise da Europa Ocidental foi a expansão geográfica e o aumento da população que seria explorada. Portugal destacou-se como o pioneiro dessa expansão ultramarina devido a vários fatores. Firmava-se no quadro europeu como um país autônomo, com tendências a voltar-se para o exterior, além de possuir uma base política mais consolidada do que o restante da Europa e um governo monárquico centralizado na figura de D. João, o Mestre de Avis, em torno do qual reagruparam-se importantes grupos sociais, como a nobreza e os comerciantes. Portanto, a Coroa tinha força e estabilidade para lançar-se como empreendedor na expansão marítima. Além disso, Portugal possuía posição geográfica privilegiada além de experiência no comércio de longa dis- “Qualquer estudo histórico, mesmo uma monografia sobre um assunto bastante delimitado, pressupõe um recorte do passado, feito pelo historiador, a partir de suas concepções e da interpretação de dados que conseguiu reunir. A própria seleção de dados tem muito a ver com as concepções do pesquisador”. (FAUSTO, p.13) 4- Principais Rotas Comerciais Portuguesas dos séculos XVI ao XVIII. Fonte: CHLA, vol I, p.451 In FAUSTO, p.31. 13 tância. Ceuta, no Norte da África, foi o ponto de partida da expansão ultramarina, com a chegada dos portugueses em 1415. A expansão metódica desenvolveu-se ao longo da costa ocidental africana e nas ilhas do Oceano Atlântico. A partir da conquista do Cabo da Boa Esperança (1487), os portugueses chegam à Índia e depois à China e ao Japão (1540 a 1630). A exploração na costa da África baseou-se no sistema de feitorias, pontos fortificados de comércio, e a partir de 1441, no comércio de escravos para Portugal. Nas ilhas do Atlântico, a exploração diferiu bastante do caso africano. Na Ilha da Madeira (1420), Açores (1427), Cabo Verde (1460) e São Tomé (1471), os portugueses realizaram experiências significativas de plantio em grande escala, com uso de mão-de-obra escrava, método que seria também introduzido no Brasil. Em relação ao Brasil, foi somente a partir da possibilidade dos espanhóis tomarem as ‘terras brasileiras’ como alternativa de caminho para as Índias, em 1492, que Portugal contestou a posse da nova terra, fato que culminou nas negociações do Tratado de Tordesilhas (1494). Após a posse das ‘terras brasileiras’ ter sido garantida pelo Tratado, pode-se identificar no período colonial brasileiro (1500 a 1822), segundo Boris Fausto, três períodos: de 1500 a 1549, a chegada de Cabral à instalação do Governo Geral, um período de reconhecimento e posse da nova terra, com um comércio escasso; de 1549 até fins do século XVIII, período de consolidação da colonização, com marchas e contramarchas; e, do final do século XVIII até 1822, período de transformações na ordem mundial e nas colônias, culminando com a crise do sistema colonial e com a independência. São de relevância, nessa pesquisa, os dois momentos históricos finais, com extensão do período até fins do século XIX, para compreensão da expansão cafeeira e da ferrovia no Brasil. Apesar disso, o período inicial, até 1549, também contribui para o entendimento de pontos posteriores a serem estudados, referentes às políticas de colonização dirigida, ocorridas no sertão brasileiro, que se relacionam com formas de exploração da colônia. As primeiras tentativas de exploração basearam-se no sistema de feitorias. Inicialmente, as terras brasileiras foram arrendadas por um período de três anos a um consórcio de 1- FAUSTO, p.41. 14 comerciantes liderado por Fernão de Noronha. Foi a partir de 1505 que o Brasil passou a ser explorado diretamente pela Coroa, não com intenções de povoamento efetivo, mas visando à extração do pau-brasil, atividade econômica que predominou até 1535. No entanto, vários fatores, principalmente políticos, levaram a Coroa portuguesa à convicção de que era necessário colonizar a nova terra. Além das disputas de fronteiras com a Espanha, eram os franceses que, nesse primeiro período da colonização, despertavam as maiores preocupações, pois praticavam pirataria. Em relação à colonização do Brasil, a primeira tentativa inicia-se com o sistema das Capitanias Hereditárias, introduzido por Dom João III. Em essência, elas representaram uma tentativa transitória e inicial de colonização, com o objetivo de integrar a Colônia à economia mercantil européia. A posse das capitanias dava aos donatários extensos poderes, tanto na esfera econômica, com a arrecadação de tributos, como na administrativa. Deste ponto de vista, os donatários tinham o monopólio da justiça, com autorização para fundar vilas e doar sesmarias. No entanto, as capitanias não vingaram e apenas duas desenvolveram-se, São Vicente e Pernambuco. Com isso, aos poucos, essas terras voltaram a pertencer ao Estado, sendo que entre 1752 e 1754 o Marquês de Pombal completou esse processo. A decisão de instituir o Governo Geral do Brasil também provém de Dom João III, num período em que a Coroa portuguesa começava a entrar em crise, reflexo dos maus negócios na Índia e das derrotas militares no Marrocos. Além desses fatores, o fracasso das Capitanias Hereditárias levou à necessidade de uma organização administrativa da Colônia. A instituição do Governo Geral deveria garantir a posse das terras, a sua colonização e a arrecadação de tributos para a Coroa. Representou um esforço de centralização administrativa, o que não significa que o governador geral detivesse todos os poderes, já que a ligação entre as capitanias era bastante precária, o que limitava a sua ação. Além disso, essa montagem da administração colonial desdobrou e enfraqueceu o poder da Coroa, que não se ajustava à idéia de uma máquina burocrática esmagadora, transposta com êxito para a Colônia. O Estado esteve mais presente apenas nas regiões que eram o núcleo fundamental da economia de exportação. Por isso, 15 até meados do século XVII, o Estado somente foi eficaz na sede do governo geral e nas capitanias à sua volta. Nas outras regiões, houve o preenchimento das funções do Estado por grupos privados, como o bandeirismo paulista que, apesar de desvinculado da Coroa, não foi inimigo do Estado, pois compatibilizava com os interesses do governo português. Foi somente com a descoberta das minas de ouro e diamantes que o governo português aumentou seu controle, com o interesse de assegurar a cobrança de tributos sobre suas riquezas. Portanto, a colonização apenas começa a se consolidar após três décadas marcadas pela necessidade de garantir a posse da nova terra. O Brasil torna-se, então, uma Colônia com a função de fornecer ao comércio europeu produtos alimentícios e minérios, com base na produção em larga escala e assentada na grande propriedade e no trabalho escravo, principalmente negro. Através do mercantilismo, a Coroa portuguesa tratou de assegurar os maiores ganhos do empreendimento colonial. Portanto, podemos dizer que o sentido da colonização, até a descoberta dos metais preciosos, foi dado pela grande propriedade, o trabalho escravo e a monocultura. Mas, Carlos Teixeira da Silva chama a atenção para o fato de a Coroa sempre ter se preocupado em diversificar a produção e garantir o plantio de gêneros alimentícios para consumo na própria Colônia. Destaca, ainda, a presença de pequenos proprietários na sociedade rural, além dos senhores e seus escravos. Boris Fausto acrescenta dizendo que não havia desinteresse da Coroa pela plantation, mas havia a necessidade de produção de alimentos para a fixação do homem na Colônia. Por esse quadro geral econômico, podemos entender porque a população da Colônia viveu em sua grande maioria no campo. As cidades cresceram aos poucos e eram dependentes do meio rural. Esse quadro somente começa a ser modificado em função dos grandes comerciantes e pelo crescimento do aparelho administrativo, o que aumentou o peso qualitativo das cidades. A invasão holandesa e a vinda da família real para o Rio de Janeiro, em 1808, também contribuíram para o desenvolvimento dos centros urbanos. Nesse processo de colonização, é importante destacar o papel da Igreja. Estado e Igreja estavam destinados a organizar a colonização no Brasil. À Coroa cabia a organização administrativa, política e o controle econômico. À Igreja, o con- 2- p.58. Carlos Teixeira da Silva apud FAUSTO, 3- FAUSTO, p.58. 16 trole sobre as almas facilitava veicular a obediência ao poder do Estado. Mas, apesar da subordinação da Igreja ao Estado, no caso português, a Igreja adquiria certa autonomia ao tornar-se proprietária de grandes extensões de terra. Próximos aos patrimônios religiosos também surgiam povoações, sendo a capela o elemento valorizador da terra, pois era através da presença religiosa que a função administrativa tornava-se organizada e a freguesia podia, então, ser estabelecida. Após o auge do ouro, o Brasil enfrenta consecutivas crises no período Pombalino, de 1750 a 1777, entre elas a queda da produção do ouro, a crise do açúcar, despesas para reconstruir Lisboa após o terremoto de 1755 e guerras com a Espanha pelas terras do sul de São Paulo ao Rio da Prata. Com a queda de Pombal, em 1777, seguida da instituição do reinado de D. Maria I e do príncipe regente D. João, muita coisa mudou. Companhias de comércio foram extintas e fábricas foram fechadas, mas, de 1777 a 1808, o reinado foi favorável à reativação das atividades agrícolas na Colônia. Após a invasão francesa em Portugal, o príncipe D. João decide pela transferência da Corte portuguesa para o Brasil, em 1808. Com a vinda da família real, ocorre uma reviravolta nas relações entre Metrópole e Colônia. Iniciam-se as disputas pela abolição da escravatura por parte dos ingleses, com interesses em aumentar o mercado consumidor no Brasil, e ocorrem alterações no cenário urbano da Colônia. A Coroa também tomava medidas no sentido de integrar Portugal e Brasil como partes de um mesmo reino. Em 1815, D. João eleva o Brasil a Reino Unido de Portugal e, no ano seguinte, é sagrado rei de Portugal, com o título de D. João VI. Mas, em 1820, irrompeu em Portugal uma revolução liberal. Os rebeldes procuravam enfrentar um momento de profunda crise na vida portuguesa: crise política pela ausência do rei; crise econômica pelo fim do mercantilismo; e crise militar pela presença de tropas inglesas em Portugal, mesmo com o fim da guerra na Europa em 1814. Além disso, pretendiam fazer com que o Brasil voltasse a se subordinar inteiramente a Portugal. No final de 1820, exigiram a volta do rei D. João VI àquele país e, temendo perder o trono, o monarca retorna, deixando no Brasil o príncipe regente Pedro, futuro D. Pedro I. 17 1.2 O Processo de Interiorização do Brasil Frei Vicente do Salvador escreve, em 1627, que os portugueses tinham sido incapazes de povoar o interior da nova terra. Mas, é justamente a partir da segunda metade do século XVII que ocorre uma revisão do esquema colonial, com novas formas de exploração e dominação. Nesse quadro, segundo Nestor Goulart, o governo português estabeleceu uma linha de maior centralização do poder e, como decorrência, houve uma dinamização da vida urbana da colônia. Ainda no fim do período colonial, cerca de 74% da população concentrava-se em torno dos principais portos exportadores e no interior das capitanias costeiras: RJ, BA, PE e PB. A colonização da Capitania de São Vicente também começou pelo litoral, com o plantio de cana e a construção de engenhos. Mas essa atividade não progrediu, por causa da desvantagem com a produção nordestina. Por outro lado, a existência de índios em grande número na região Centro-Sul atraiu para o local os primeiros jesuítas. Padres e colonizadores, com objetivos diferentes, iriam se aventurar rumo ao interior, vencendo a Serra do Mar e abrindo caminho por trilhas indígenas, até chegar ao Planalto de Piratininga, fundando, em 1554, a povoação de São Paulo. Dessa forma, separados da costa por essa barreira natural, os primeiros colonizadores e os missionários voltaram-se cada vez mais para o sertão, percorrendo caminhos com a ajuda dos índios e utilizando-se da rede fluvial formada pelo Tietê, o Paraíba e outros rios. 5- A Marcha do Povoamento e a Urbanização - Séculos XVI e XVIII, respectivamente. Fonte: HGCB, Difel, tomo I, vol. 1. In FAUSTO, p.92 e 139. 4- p.91. Frei Vicente do Salvador apud FAUSTO, 5- REIS FILHO, 1995, p.25. 18 As bandeiras foram a grande marca deixada pelos paulistas na vida colonial do século XVII. Essas expedições, que reuniam brancos, mamelucos e índios, lançavam-se pelo sertão em busca de indígenas a serem escravizados e metais preciosos. As bandeiras tomaram as direções de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e as regiões onde se localizavam as aldeias de índios guaranis, organizadas pelos jesuítas espanhóis. Os historiadores Alfredo Ellis Jr. e Afonso Taunay valorizaram as façanhas paulistas, que estenderam as fronteiras do Brasil muito além de Tordesilhas, como, por exemplo, no caso do Caminho de Goiás, que se estendeu além daquela linha, ligando São Paulo de Piratininga a Vila Boa de Goiás. Como já foi mencionado, não se pode dizer que os interesses da Coroa e o bandeirismo estivessem completamente separados. Houve bandeiras que contaram com o incentivo direto da administração portuguesa, enquanto outras não. De um modo geral, a busca de metais preciosos, o apresamento dos índios, em determinados períodos, e a expansão territorial eram compatíveis com os objetivos da Metrópole. Foram os paulistas, em suas andanças pelo sertão, que confirmaram a presença de metais preciosos no Brasil. Foi em 1695, no rio das Velhas, próximo a Sabará e Caeté, que ocorreram as primeiras descobertas significativas de ouro, associadas ao nome de Borba Gato. Com a descoberta dos metais preciosos, a corrida do ouro provocou a primeira grande corrente imigratória para o Brasil: de 1700 a 1760, chegaram, de Portugal e das Ilhas dos Açores, cerca de 600 mil pessoas. Conseqüentemente, em termos administrativos, o eixo da vida da Colônia deslocou-se para o Centro-Sul, especialmente para o Rio de Janeiro, por onde entravam escravos e suprimentos e saía o ouro. Portanto, a extração do ouro e diamantes deu origem à intervenção regulamentadora mais ampla que a Coroa realizou no Brasil, fazendo grande esforço para arrecadar tributos, os quais eram o quinto e a capitação. Arrecadar impostos e organizar a sociedade das minas passaram a ser os dois objetivos básicos da administração portuguesa. Para isso, era necessário estabelecer normas, transformar acampamentos em núcleos urbanos, criar um aparelho burocrático, incluindo as funções militares. Além disso, a economia mineradora gerou uma certa articulação entre áreas diversas da Colônia. Do Sul para Mi19 nas, vieram o gado e as mulas, necessários ao carregamento de mercadorias, e o comércio intensificou-se. Muitas pessoas, de diversas partes do Brasil, também migraram para a região, além de portugueses e açorianos. Com essa nova população em Minas Gerais e a atividade mineradora não rural, a vida social concentrou-se em novas cidades e as fronteiras das ‘terras portuguesas’ na América expandiram-se. E foi com a descoberta de novas minas em Goiás e Mato Grosso que o território interior, sob domínio português, foi estendido longamente para oeste dos limites do Tratado de Tordesilhas e, em cada uma dessas áreas, estabeleceram-se vilas e sistemas regulares de controle administrativo. A mineração, pois, induziu o reforço dos esquemas de centralização e as iniciativas de criação de vilas foram transferidas à administração central, sendo que as câmaras municipais tiveram seus poderes restringidos. Dessa forma, a criação de vilas passa a ser feita por iniciativa do governo português, através de Cartas Régias aos governadores e uma política de urbanização mais coerente. Mas, sua estruturação efetiva somente ocorrerá durante a administração do Marquês de Pombal (1750-1777). Considerando que as disputas para expandir as ‘terras portuguesas’ na América levaram à necessidade de efetivar a colonização nas fronteiras, que deveriam corresponder ao Tratado de Tordesilhas, levanta-se, como hipótese, a possibilidade de que Casa Branca se situasse nesse limite, daí uma das razões do governo português decretar a fundação de uma Freguesia nessa localidade, obviamente associada a outros fatores, que serão considerados mais adiante. Com o intuito de aprofundar essa hipótese, foram realizados mapas que possibilitassem a comparação da provável localização da linha imaginária do Tratado de Tordesilhas, com a localização do município de Casa Branca. As duas composições de mapas, observadas acima, foram baseadas em atualização do mapa do Brasil, oferecida pelo IBGE, sobreposta ao mapa de Boris Fausto (Rumo das Principais Entradas e Bandeiras), que mostra a posição da linha do Tratado. Como as referências geográficas no período colonial eram bastante imprecisas e diferentes das atuais, já que as longitudes não eram medidas a partir do Meridiano de Greenwich, não há como ter certeza, pelos métodos utilizados nesta monografia, do posicionamento correto da linha de Tordesilhas. Mas, não tendo sido encontrado mapa atualizado 6- Rumo das Principais Entradas e Bandeiras Fonte: HGCB, tomo I, Vol. 1. In FAUSTO, p.95. 7- Linha do Tratado de Tordesilhas e a localização do Município de Casa Branca 8- Linha do Tratado de Tordesilhas, o Caminho de Goiás e a localização do Município de Casa Branca 20 oficial dessa informação desejada, a aproximação dessa idéia pode ser visualizada nestes mapas acima. Observando-os, a cidade de Casa Branca pode ser considerada próxima ao limite das terras portuguesas, segundo aquele Tratado, considerando-se todas as imprecisões das informações. A hipótese poderia, então, ser relevante, apesar de outras freguesias já terem sido fundadas nessa região, como Franca, de 1804. Com isso, desde o início do século XVIII, a extensão geográfica da Colônia nada tinha a ver com a incerta Linha de Tordesilhas. A expansão das bandeiras paulistas, para o Oeste, e dos criadores de gado e forças militares, para o Sudoeste, ampliou, de fato, as fronteiras do país. O avanço minerador, a partir do século XVIII, também contribuiu, de modo que a fisionomia territorial do Brasil já se aproximava bastante da atual. O Tratado de Madri (1750), entre Portugal e Espanha, reconheceu o princípio de posse para quem fosse ocupante efetivo de uma área, o que também contribuiu para incentivar as políticas de colonização permanente das terras pelos portugueses. No entanto, apesar das fronteiras estarem praticamente definidas, vastas regiões do país permaneciam inexploradas. 9- Brasil antes e depois do Tratado de Madri. Fonte: CHLA, vol. I. In FAUSTO, p.136. 1.3 O Caminho de Goiás e as Origens do Estado de São Paulo Para o estudo da evolução urbana da cidade de Casa Branca é necessário, primeiro, entender a evolução urbana ao longo do Caminho de Goiás, inserido no processo de interiorização do Brasil. Esse sertão, território dos índios caiapós, teve sua ocupação e seu povoamento marcado pela antiga trilha de Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhangüera, aberta para aprisionamento de índios e para busca de metais preciosos, que viria a se chamar Caminho de Goiás. Durante o século XVII, começaram as incursões pelo interior, à procura de índios e metais preciosos, aproveitando as antigas trilhas indígenas. O comércio através da Estrada de 10- Caminhos antigos indicando as principais penetrações de bandeiras. Caminho de Goiás. Fonte: Instituto Geológico do Estado de São Paulo 6- Segundo Ganymedes José (p.15), é por volta de 1572 que Sebastião Marinho, sertanista, conhece o caminho dos goiases. Depois, vieram outros: Afonso Sardinha, Luís Caetano de Almeida, Bartolomeu Bueno Siqueira e Bartolomeu Bueno da Silva, entre 1670 e 1680. E, segundo um documento datado de 1728, que cuida das delimitações das divisas entre São Paulo e Minas, encontrado no volume XXIV da “Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Estado de São Paulo”, já se mencionava um arraial de Casa Branca. 21 Goiás também era facilitado pela topografia do seu traçado, que, cortando terrenos pouco acidentados, permitia o tráfego de carros de boi. Com isso, pequenas roças foram se disseminando ao longo dessas trilhas e a terra foi sendo ocupada com a formação de arraiais e sítios para a criação de gado e lavoura. Com o tempo, os moradores do Planalto de Piratininga tornaram-se abastecedores do litoral e do Nordeste canavieiro. Somente em fins do século XVII que os vicentinos, contando com incentivos da Coroa portuguesa, intensificaram as buscas de riquezas minerais e descobriram as primeiras jazidas de ouro, na região da atual Ouro Preto, em 1690. Ainda na primeira metade do século XVIII, foi descoberto ouro em Mato Grosso, em 1718, e em Goiás, em 1725. Esse fato transformou vastas áreas, até então habitadas por indígenas, em centros para onde convergiam indivíduos sequiosos de enriquecimento. À medida que as áreas de mineração se expandiam, intensificava-se o fluxo das trocas com os núcleos de população mais antigos, criando e sedimentando antigas trilhas e caminhos. Negociantes, tropeiros, autoridades ou simples aventureiros circulavam periodicamente pelas estradas, contribuindo para a fixação de moradores ao longo dos percursos. Na beira dos caminhos iam se disseminando ranchos, roças, vendas e surgindo locais para o abastecimento e pernoite, os pousos. A notícia sobre o ouro em Goiás teve como conseqüência imediata um aumento da ocupação das terras ao longo do caminho, seja por concessão de sesmarias, seja por posse pura e simples. A intensificação da circulação de tropas e pessoas nesse trajeto fez convergir os interesses dos particulares em auferir lucros com o fornecimento de abrigo e mantimentos aos viajantes, com as preocupações da Coroa em facilitar, de forma controlada, as vias de acesso ao ouro. Uma série de sesmarias foram solicitadas nesse trajeto, tendo como justificativa a instalação de pousos “para a comodidade dos viajantes e aumento do real dízimo”. Entre 1727 e 1736, foram feitos cerca de 69 registros de sesmarias ao longo do Caminho. Além disso, no momento em que a ocupação se acelerava, posseiros de longa data também tratavam de legalizar o uso de suas terras, alegando já se encontrarem no local, plantando roças e criando gado há muito tempo. Foram nos dez primeiros anos após o descobrimento do ouro de Goiás 7- BACELLAR & BRISCHI, p.47. 22 que ocorreram quase todos os atos de concessão de sesmarias e de regulamentação das posses registradas pela estrada do Anhangüera. Se o número de sesmarias pode ser avaliado, o total de pousos realmente instalados nesse percurso tem sido objeto de controvérsias. O mais provável é que os pousos podiam ser encontrados a distâncias regulares, que cobriam uma jornada de viagem de 2,5 a 5 léguas. Esses pousos, designados também como sítios ou paragens, possuíam, além de uma ou mais casas de morada do chefe do pouso e seus eventuais agregados, outras benfeitorias de uso exclusivo do proprietário: o pasto, um rancho e, às vezes, uma venda para uso de tropas e viajantes. Os pousos ofereciam aos viajantes acomodações extremamente simples: um teto de sapé sustentado por madeiras, com o espaço interno inteiramente aberto. Mas, as rotas que haviam levado os paulistas a descobrir as Minas Gerais, minas de Goiás e Cuiabá e que representavam as principais vias de abastecimento dos pousos e arraiais que aí surgiram, viram-se ameaçadas por caminhos mais curtos, que ligavam os núcleos mineradores diretamente ao porto do Rio de Janeiro (Caminho Novo, construído entre 1701 e 1707). Com isso, e além da rápida exaustão das minas goianas, entre 1740 e 1790, a região passou por um período de relativa estagnação em relação à produção e à população. A soma desses fatores causou o atraso na ocupação efetiva das terras ao longo do antigo Caminho do Anhangüera. Talvez esse seja, também, um dos fatores para o atraso da elevação do arraial de Casa Branca a freguesia, o que ocorreu somente em 1814. A partir de 1760, porém, abrem-se os caminhos de Ouro Fino a Cabo Verde, sendo esse, talvez, o mais importante caminho para o povoamento do Nordeste de São Paulo. Por volta de 1765, foi descoberto ouro nas cabeceiras do Rio Pardo, o que resultou na primeira instalação de freguesia em território paulista: a Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Cabeceiras do Rio Pardo (atual Caconde), desmembrada de Mogi Guaçu. Isso provocou um crescimento populacional junto à divisa com a Capitania de Minas Gerais: foi essa área ao Norte do Rio Pardo, durante o século XVIII, a responsável pelo crescimento da população do Nordeste paulista, facilitado pelo caminho de Ouro Fino a Cabo Verde. Apesar das trilhas existentes desde o século XVII, 23 somente após a descoberta do ouro em Vila Boa de Goiás, a antiga ligação dos paulistas com as terras dos índios goiases ganhou foros de “estrada” ou “caminho”. O Caminho de Goiás saía de São Paulo em direção a Jundiaí, dirigindo-se a Mogi Mirim, Mogi Guaçu e Casa Branca. Depois desse percurso, feito no sentido Sul-Norte, o caminho tomava a direção Noroeste, atingindo Cajuru, Batatais, Franca e Ituverava. Seguindo próximo à nascente dos rios, passando o rio Tietê, seguia-se pelos rios Atibaia, Jaguari, Jaguari Mirim, Pardo e Grande, transpostos por meio de barca. 11- Casa Branca nos roteiros do sertão (1772) Fonte: FURLANI, p.120. 24 Alguns relatos, citados por Pedro Taques, confirmam que a região já era percorrida pelos sertanistas vicentinos desde meados do século XVII, colocando-a na trama dos trilhos e caminhos abertos nos primeiros séculos de exploração do planalto bandeirante. Seu traçado deveria ser bem conhecido no ano de 1722, quando a bandeira de Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhangüera, levou apenas vinte dias para ir de São Paulo ao Rio Grande. Desde o ano de 1655, o território cortado pela trilha do Anhangüera pertenceu ao Município de Jundiaí. Em 1769, a porção Norte passou para a jurisdição da recém-criada vila de Mogi Mirim, que sofreu sua primeira fragmentação ao ser criada a vila de Franca, em 1823. O segundo desmembramento ocorreu apenas em 1841, quando da instalação da vila de Casa Branca. Desta, nasceu São Simão, em 1865, da qual desmembrou-se Ribeirão Preto, em 1871. O Estado de São Paulo teve origem nas Capitanias de São Vicente e Santo Amaro, com a configuração atual influenciada pelo Caminho de Goiás, já que a interiorização ocorreu a partir de São Paulo de Piratininga (1554), o ponto de partida privilegiado para o reconhecimento dos sertões. 12-Desmembramento Territorial do Nordeste Paulista Franca 1821 - Batatais 1839 - Cajuru 1865 Casa Branca 1841 - São Simão 1865 Nordeste Paulista: freguesias e municípios criados até 1889 Municípios Data da freguesia Data do município Município de origem Franca 1804 1821 Mojimirim Batatais 1815 1839 Franca São Simão 1842 1865 Casa Branca Cajuru 1846 1865 Batatais Ituverava 1847 1885 Franca Igarapava 1851 1873 Franca Ipuã 1859 1948 S. Joaquim da Barra Sto. Antônio da Alegria 1866 1885 Cajuru Ribeirão Preto 1870 1871 São Simão Morro Agudo 1872 1934 Orlândia Rifaina 1873 1948 Pedregulho Nuporanga 1873 1885 Batatais / Orlândia Patrocínio Paulista 1874 1885 Franca Altinópolis 1875 1918 Batatais Sertãozinho 1885 1896 Ribeirão Preto Serra Azul 1885 1927 São Simão Jeriquara 1885 1964 Franca Fonte: IGC, 1995. Franca - Igarapava 1873, Patrocínio Paulista 1885 - Ituverava 1885 Batatais - Cajuru - Sto. Antônio da Alegria 1885 - Nuporanga 1865 São Simão - Ribeirão Preto 1871 8- Pedro Taques apud BACELLAR & BRIOSCHI, p.46. 25 Em 1709, a Coroa comprou as Capitanias de Santos e São Vicente, criando a Capitania Real de São Paulo e Minas do Ouro, que foi desmembrada em duas em 1720, São Paulo e Minas Gerais, e, em 1748, criaram-se as Capitanias de Goiás e Mato Grosso. Nesse mesmo ano, São Paulo passou a ser subordinada ao Rio de Janeiro, mas, com o acirramento das disputas entre castelhanos e portugueses pelas fronteiras, em 1750 é assinado o Tratado de Madri e no ano de 1765 a Capitania de São Paulo é restituída, pela necessidade de fortalecer os territórios ocupados pelos portugueses, sendo governada por Morgado de Mateus (1765 a 1775). A restauração do governo de São Paulo, sob a administração de Morgado de Mateus, marcou o início do crescimento econômico paulista a partir da segunda metade do século XVIII. A partir de então, São Paulo superou o período bandeirante e voltou-se para o desenvolvimento da agricultura. Mas o povoamento mais intensivo só ocorreu a partir da última década do século XVIII, com a entrada maciça de mineiros no território paulista. Como já citado, foi a atividade mineradora, entre final do XVII e meados do XVIII, o fator determinante de uma ocupação mais densa e da diversificação das atividades no interior brasileiro. Aliás, uma característica que chama a atenção para a área estudada, segundo Bacellar e Brioschi, é que o povoamento, após a crise do ouro nas Minas Gerais, a partir de 1748, deu-se predominantemente por mineiros, durante todo o século XIX. Segundo esses autores, a influência mineira não se esgotou no processo migratório dos anos 1800, mas persistiu na economia de subsistência e criação de gado, na preservação de vínculos com o Sul de Minas e na conservação de traços culturais, como a arquitetura e o modo de falar. Foi com essas características mineiras que a população local recebeu paulistas, fluminenses do Vale do Paraíba e imigrantes de outras nações, povos que trouxeram novos produtos para serem cultivados, uma nova organização do espaço e novas relações de trabalho. Morgado de Mateus tenta seguir as diretrizes deixadas pelo Marquês de Pombal, que buscou um desenvolvimento fundamentado no aperfeiçoamento da agricultura, sendo que várias obras de divulgação agrícola, editadas em Lisboa, foram enviadas ao Brasil, com o intuito de esclarecer os produtores e modernizar as práticas agrícolas coloniais. Franca 1821 - Igarapava 1873 - Patrocínio Paulista 1885 - Ituverava 1885 Batatais 1839 - Cajuru 1865 - Sto Ant. Alegria 1885 - Nuporanga 1865 / Orlândia 1909 - Jardinópolis 1898 São Simão - Ribeirão Preto 1871 - Sertãozinho 1896 - Cravinhos 1897 Fonte: BACELLAR & BRIOSCHI, 1999, p.84. 9- BACELLAR & BRIOSCHI, p.17. 26 Atividade efêmera, a mineração contribuiu para a ocupação e povoamento das terras do Planalto de Piratininga. Uma vez esgotados os aluviões, as pastagens no entorno eram ocupadas com gado e roças, permitindo que boa parte dos mineradores se transformassem em criadores e lavradores. Assim, no final do século XVIII e início do XIX, a principal atividade econômica do Nordeste Paulista continuava sendo o comércio com os viajantes, o que incentivou a criação de novos pousos. Mas, os caminhos e trilhas alternativos, abertos a partir do Caminho de Goiás, mantinham alertas as autoridades locais, tendo em vista possíveis evasões de tributos e o controle da entrada e estabelecimento de mineiros no território paulista. De Ouro Fino ao desemboque do Rio Pardo, toda a área a Leste do Caminho de Goiás esteve sob tensão durante os séculos XVIII e XIX, o que pode ser considerado como um dos principais motivos para o interesse da Coroa portuguesa em estabelecer em Casa Branca a freguesia, em 1814. Dentro desse espaço social, onde cada qual produzia para sua própria subsistência, a diferenciação das atividades e ocupações era bastante restrita. Todos os ofícios ocorriam em paralelo com o cultivo da terra. Somente com a criação das vilas, as ocupações estritamente urbanas poderão se desenvolver. A partir de 1830, surgem alguns indivíduos que vivem apenas de sua ocupação, sem vínculos com a atividade agrícola10. Pouco a pouco, a separação entre os ofícios e o comércio e as lidas agrárias indica a constituição de um novo espaço social, que se destaca daqueles definidos pelos sítios e fazendas. 1.4 O Povoamento Mineiro Em 1856, o Nordeste Paulista apresentava uma rede fundiária de implantação relativamente recente, pois a abertura do Caminho de Goiás, ainda em princípios do XVIII, não implicara no desbravamento dos vastos territórios às suas margens. Somente no início do século XIX, em momento de instauração de uma importante migração mineira, é que se principiou a desbravar o chamado Sertão do Caminho de Goiás. Grandes glebas foram abertas e ocupadas com a cria- 10- BACELLAR & BRIOSCHI, p.74. 27 ção de gado, a produção de queijos e o plantio de milho e feijão. As primeiras grandes glebas foram apossadas a partir de 1800, obedecendo ao sentido principal do fluxo migratório sul-mineiro. Ou seja, foram sendo estabelecidas na seqüência leste-oeste, primeiro ocupando a margem direita do Rio Pardo e, depois, a margem esquerda. Foi após o período áureo da extração de metais preciosos em Minas que o povoamento do sertão paulista ganhou corpo. O período de apogeu da extração do ouro foi entre 1733 e 1748. Após esse período, começa a declinar a produção nas primeiras jazidas, em Minas Gerais, e, no último quartel do século XVIII, a decadência generaliza-se: no início do século XIX, a produção aurífera já não tinha maior peso no conjunto da economia brasileira. Com isso, o retrocesso da região das minas foi nítido: as cidades transformaram-se em centros estagnados, provocando a migração. Ouro Preto, por exemplo, tinha 20 mil habitantes em 1740 e apenas 7 mil em 1804. Os mineiros passaram a procurar as terras férteis do Leste de São Paulo e as atividades voltam-se, novamente, para a agricultura. Os ‘avanços’ dos mineiros sobre o território paulista, durante o século XVIII, prenunciaram o movimento migratório que imprimiu a sua marca na área das futuras freguesias de Franca, Batatais e Casa Branca, no início do século XIX, determinando um aumento de 50% na população. Entre o final do século XVIII, com os seus pousos e sua economia de abastecimento interno, e o último quarto do XIX, com o café, o antigo sertão do Caminho de Goiás viu sua paisagem totalmente modificada pela entrada maciça dos mineiros em seu território (1790-1875). Nesse período, em que os ‘entrantes’ mineiros povoaram o Nordeste Paulista, houve uma ruralização da sociedade mineira, fato que também pode ser entendido como uma expansão das atividades desenvolvidas no Sul de Minas para as Capitanias de São Paulo e Rio de Janeiro, e não simplesmente uma forma de evasão à decadência da atividade mineradora. Um destaque é a indústria de laticínios no Nordeste paulista, herança mineira, como os “Laticínios Argênzio”, fábrica localizada em Casa Branca e fundada em 1897. O incremento da agricultura e a expansão da pecuária no Sul de Minas têm especial importância para o conhecimen28 to do Nordeste paulista. Foi, em grande parte, da Comarca do Rio das Mortes (São João Del Rei) que saíram os entrantes que povoaram as vertentes ocidentais da Mantiqueira e o sertão do Rio Pardo. Freguesia do rio Pardo: população segundo condição social - 1801 - 1835 Anos Livres Escravos N % 1801 491 1807 1267 1814* 2046 1824* 3974 1835** 7224 68 Total N % 86 80 79 338 72 68 3443 32 Fonte: AESP: Maços de População N % 14 571 100 21 1605 100 802 28 2848 100 1853 32 5827 100 10667 100 *Chiachiri Filho, 1986 p.186 **Müller, 1937 BACELLAR & BRIOSCHI * No início do século XIX, a população do sertão do Rio Pardo cresceu a uma taxa de 8,9% ao ano. A divulgação da notícia da existência de terras desocupadas e boas para cultivo e criação de gado atraía cada vez mais mineiros. Entre 1801 e 1807, a população da Freguesia do Rio Pardo quase triplicou e a maioria dos entrantes era considerada pobre. A partir de 1820, começaram a chegar na região famílias com maiores recursos, contando-se vários proprietários de escravos (BACELLAR & BRIOSCHI, p. 227). Esses dados são importantes para entender o contexto regional e inserir Casa Branca como o arraial mais próximo dessa Freguesia do Rio Pardo, onde havia sido descoberto ouro e onde a população estava crescendo sem controle por parte da Coroa portuguesa. Cidades mineiras Cidades ao longo do Caminho de Goiás Nova descoberta do Rio Pardo mandado impedir pelo Capitão General de S.Paulo Descoberta de ouro nas desembocaduras do Rio Pardo e novos caminhos de ligação entre Ouro Fino e Cabo Verde contribuíram para o povoamento do Nordeste Paulista. 13- O Caminho de Goiás: o pouso de Casa Branca e o seu entorno Fonte: BACELLAR & BRIOSCHI, p.45. O Nordeste paulista foi local não apenas de passagem daqueles que, buscando ocupar as fronteiras, migraram com o seu rebanho. No processo migratório em direção Oeste, grande parte dos entrantes aí fixou residência e deixou a sua descendência. Em fins do XVIII, de 1788 a 1820, o interesse 29 pelo sertão do Rio Pardo ressurgiu e pode ser percebido pelo número de pedidos de legitimação de posses antigas11, o que pode significar não só o medo desses antigos proprietários perderem suas terras para os entrantes mineiros, mas também a preocupação com o ouro que estava sendo descoberto na região. As terras do sertão do Rio Pardo haviam se tornado atraentes para indivíduos enriquecidos com o comércio ou para aqueles que ocupavam postos elevados na administração da Colônia, sendo que as terras, até então pouco ocupadas e provavelmente de baixo custo, tornavam-se focos de novos investimentos. Daí resulta a importância tardia do arraial de Casa Branca e o seu povoamento como centro agrícola e pecuário. Uma grande dúvida coloca-se nesse momento: se já havia a colonização espontânea, realizada pelos mineiros imigrantes, por que a necessidade da colonização açoriana? Será que isso não ocorreu muito mais em decorrência de um fator externo, o superpovoamento12 das ilhas atlânticas, do que pela necessidade de povoamento desse sertão? Com essa migração mineira crescente no sertão do Rio Pardo, a população aumentava progressivamente e, no ano de 1811, os moradores desse sertão, que se estendia entre Mogi Guaçu e Franca, enviaram ao Bispo de São Paulo, Dom Mateus de Abreu Pereira, um pedido para a criação de duas freguesias nesse trecho. No ano de 1814, a Mesa da Consciência13 aprovou a instalação das duas freguesias solicitadas: Casa Branca, ao Sul do Rio Pardo, e Batatais, na sua margem direita. Os então fregueses de Franca, Batatais e Casa Branca, eram munícipes de Mogi Mirim. A criação das três freguesias em um intervalo de tempo de 10 anos expressa um crescimento demográfico, mas não da riqueza. Portanto, além da intenção da Coroa portuguesa, houve o interesse da criação da freguesia de Casa Branca pelos próprios moradores. Mas, como veremos mais adiante, o local solicitado por alguns moradores e pelo padre Godói não correspondia àquele onde foram construídas as casinhas para os açorianos e onde deveria ser erigida a Igreja Matriz. Uma capela, dedicada a Santana, já existia nas terras de Cocais, mas não foi considerada. À medida que avançava a ocupação das terras do Nordeste Paulista, os antigos posseiros iam perdendo suas roças. 11- BACELLAR & BRIOSCHI, p.63. 12- A partir de 1746, os açorianos, pressionados pelos problemas ocasionados pela superpopulação, agravados ainda por colheitas insuficientes, viram-se obrigados a emigrar e solicitaram ao Rei o transporte de uma parte da população para o Brasil (TREVISAN, p.12). O mesmo teria ocorrido no início do século XIX. 13- BACELLAR & BRIOSCHI, p.78. 30 Enquanto o sertão do Rio Pardo era apenas um espaço que se interpunha entre a cidade de São Paulo e Vila Boa de Goiás, seus moradores paulistas puderam plantar para o seu sustento em terras próprias e alheias. Com o crescimento populacional e a chegada de famílias mineiras possuidoras de escravos e grandes rebanhos de gado, a pressão sobre a ocupação das terras foi sentida tanto por antigos proprietários, que reafirmavam o seu direito sobre as áreas já ocupadas, como por posseiros e agregados destituídos de suas roças. A presença dos mineiros e a sua preponderância na população do Nordeste paulista duraram enquanto o gado e a agricultura do excedente14 dominavam a economia regional. Com a introdução e expansão da cafeicultura, os paulistas voltam a ocupar a região, desta vez acompanhados por fluminenses, originários do Vale do Paraíba, e pelos imigrantes europeus, dentre os quais destacam-se os italianos. A criação de uma freguesia não implicava, necessariamente, na sua elevação a vila em curto espaço de tempo. Para isso, contribuíam fatores de ordem econômica, demográfica e política. E é com a chegada dos trilhos da estrada de ferro que surgem várias cidades, sedes de municípios novos que suplantaram povoados e cidades já existentes. 1.5 Casa Branca: Aspectos Históricos Peculiares Períodos iniciais do processo de urbanização A região, onde em 1814 se inseriu a freguesia de Casa Branca, estendia-se ao longo do Caminho de Goiás. Esta vasta faixa de terra ofereceu, pela ausência de grandes florestas e pelos campos, um caminho natural para os bandeirantes. Constituída por terrenos ricos em arenitos e xistos argilosos e cálcicos15, rochas de pouca resistência que conformaram um relevo quase plano, essa região adquiriu uma importância extraordinária como eixo de expansão colonizadora paulista, pois era a única via possível em direção ao Norte. Dessa forma, Casa Branca foi, no seu início, um pouso no Caminho de Goiás. Segundo apontamentos de Saint-Hilaire16, o pouso de 14- Agricultura do excedente era aquela na qual a produção visava, principalmente, à subsistência, mas, o que sobrava era comercializado. 15- PANTOJA, p.23. 16- Sain-Hilaire apud PANTOJA, p.25. 31 Casa Branca estava situado em posição intermediária entre Mogi Mirim e Franca, sendo, pois, inevitável que todas as tropas, vindas de Goiás para São Paulo ou do Sul para o Norte, escolhessem este pouso para se abastecerem. “Casa Branca é, portanto, uma cidade que nasceu a expensas de uma estrada, viveu e conheceu grande desenvolvimento como centro comercial, onde se abastecia um vasto hinterland que se estendia até Minas e Goiás”17. Depois da expedição do Anhangüera, em 1722, o caminho, pelo menos até o Rio Pardo, já era conhecido e contava com moradores. Dessa forma, a região da futura freguesia de Casa Branca já tinha um começo de povoamento nas primeiras décadas do século XVIII e era conhecida como “Boca do Sertão”. Esta afirmativa é comprovada pelo fato de que Bartolomeu Bueno da Silva, voltando a São Paulo, em 1725, com a notícia da descoberta de ouro em Goiás, viria a receber de D. João V o direito das passagens dos rios que dependessem de canoas no caminho de seus descobrimentos. Os rios considerados foram o Iguatibaia, Jaguari, Pardo, Grande, Rio das Velhas, Parnaíba, Guacurumbá, Meia Ponte e dos Pasmados. Em cada rio, os descobridores requereram sesmarias para poder instalar os serviços de barcas, as quais deveriam constar de pouso para viajantes, pasto para os animais, plantações e criações para fornecer alimentos. A partir de então, sucederam-se vários outros requerimentos de concessão de sesmarias ao longo do Caminho de Goiás, sendo que de 1726 a 1736 foram concedidas terras numa extensão de 690 km de testada, perlongando a rota do ouro18. Nessa região, portanto, houve sempre moradores e sítios, o que não ocorreu do Rio Pardo para diante, mesmo após a descoberta dos rios Sapucaí e Grande. Em 1731 já se afirmava, oficialmente, que na região, “até o rio . Sesmarias Concedidas no Caminho de Goiás 1726 - 1736 Data Situação Sesmeiro 1726 02.07 Rio Jaguari (passagem) Bartolomeu Bueno da Silva 02.07 Rio Iguatibaia (passagem) Bartolomeu Bueno da Silva 02.07 Rio Meia Ponte (passagem) Bartolomeu Bueno da Silva 02.07 Rio Guacurumbá (passagem) Bartolomeu Bueno da Silva 02.07 Rio Parnaíba (passagem) Bartolomeu Bueno da Silva 02.07 Rio dos Pasmados (passagem) Bartolomeu Bueno da Silva 02.07 Rio Pardo (passagem) Bartolomeu Bueno da Silva 02.07 Rio Grande (passagem) Bartolomeu Bueno da Silva 02.07 Rio das Velhas (passagem) Bartolomeu Bueno da Silva 02.07 Rio Mojiguaçu (passagem) Bartolomeu Bueno da Silva 02.07 Rio Sapucaí (passagem) Bartolomeu Bueno da Silva 1727 22.10 Ribeirão das Araras Manuel Miranda Freire 13.11 Córrego da Paciência Manuel Dias Abreu 1728 30.03 Córrego Bocajubas (Olho D'agua) Manuel Rodrigues Nunes 02.04 Rio Cubatão Carlos Barbosa de Magalhães 21.04 Rio Sapucaí (passagem) Antônio Pereira 06.07 Ribeirão Pirapitingui (Mojiguaçu) José Correia da Fonseca 26.07 Ribeirão das Furnas Francisco Rodrigues Prado 31.07 Ribeirão das Carrancas Xavier Teles da Silva 31.07 Ribeirão Araquara Urbano Couto Menezes 02.08 Ribeirão Sapucaí Mirim José Góis Morais 02.08 Ribeirão Pirapitingui Kartinho Nunes de Oliveira 02.08 Ribeirão Pirapitingui Manuel Gomes da Costa 04.08 Lugar Batatais Pedro Rocha Pimentel 06.08 Ribeirão Itupeva Inácio Vieira Barros Fajardo 06.08 Paragem Araraquara João Pimentel Távora 07.08 Lugar Campinhos (além Rio Atibaia) Antônio da Cunha Abreu 08.08 Ribeirão Jatibocas (além Rio Sapucaí) Manuel Dias Meneses 09.08 Ribeirão Itaqui Jorge Silva Nobre 09.08 Ribeirão dos Barreiros (aquém Rio Grande) José Munis Paiva 09.08 Lugar entre o rio Cubatão e o Araraquara Rafael Francisco 09.09 Ribeirão Água Quente (Serra Negra) Manuel de Castro 18.09 Ribeirão Jatibocas Matias do Couto 27.09 Paragem entre o rio Sapucaí e o Grande José Gonçalves de Aguiar 28.09 Lugar além do rio César Manuel Gonçalves de Aguiar 1732 15.11 Lugar Campinhos (Aquém do rio Moji) Antônio da Cunha Abreu 15.11 Lugar Campinhos (Aquém do rio Moji) João Bueno da Silva 15.11 Lugar Campinhos (Aquém do rio Moji) Manuel das Neves Pires 1733 23.02 Paragem rio Água Fria Simão Bueno Xavier 26.04 Paragem Ponte Alta Francisco Jorge de Chaves 26.04 Córrego da Paciência Manuel Dias Abreu 26.04 Córrego Seco Estevam da Cunha e Abreu 28.05 Paragem além do rio Jaguari João Pedroso Xavier 23.07 Paragem Ribeirão do Cercado Inácio Vieira Barros Fajardo 23.07 Moji do Campo João dos Reis Araújo 15.10 Ribeirão das Pedras Januário de Godói Moreira 30.10 Ribeirão Palmital (aquém do rio Pardo) Pedro Francisco Sarmento 12.11 Paragem Bocaina Margarida Silva 18.11 Paragem das Quadrilheiras Antônio de Araújo Lanhoso 02.12 Paragem Barra de Itupeva Jerônimo Dias Barreto 02.12 Lugar Cachoeira Grande do rio Moji João Antônio 03.12 Lugar Cachoeira Grande do rio Moji Bernardo Bicudo de Aguiar 03.12 Paragem Olho D'agua Manuel Rocha Carvalho 18.12 Paragem rio Moji Maria Vaz (Antônio Furquim) 18.12 Ribeirão da Paragem Cocais Simplício Pedroso Xavier 1734 23.01 Ribeira do Rio Pardo Domingos Jorge da Silva 02.11 Riberião Itaqui Domingos Vierira Cardoso 1735 22.02 Paragem Olho D'agua Inácio Rodrigues 22.05 Rio Moji Manuel de Oliveira Souza 22.05 Rio Moji Manuel Alves Tenório 1736 06.03 Paragem além rio Jaguari Amaro Nunes Área Concedida Testada: 104 léguas e 1800 braças=690 km Sertão: 105 léguas=693 km Fonte: TREVISAN, 1979, p.23. 32 Pardo, inclusive, houve moradores e sítios”19, e que, em 1733, uns homens chamados mascates andavam pelo caminho com suas cargas de negócios, vendendo aos roceiros e chegando até ao Rio Grande. Durante todo o século XVIII e XIX, o povoamento da rota do ouro intensificou-se e Casa Branca tornou-se o entroncamento dos caminhos das Minas Gerais, de Mato Grosso e de Goiás. No entanto, foi somente a partir da presença religiosa na povoação que a comunidade começou a se organizar para solicitar a oficialização do arraial. O padre Francisco de Godói Coelho, ordenado em 1787, foi o primeiro vigário de Casa Branca. Em 1807, requereu e obteve carta de sesmaria na região, propriedade que tinha início na lagoa seca de “Olhos D’água”, indo até ao córrego do Piçarrão. Nessa propriedade dos Cocais, distante uma légua do pouso de Casa Branca, o padre Godói tentou lançar as bases de uma povoação, erigindo uma capela sob a invocação de Santana e um cemitério na divisa de Cocais e Piçarrão. Animados pelo padre Godói, os moradores do sertão do Caminho de Goiás requereram ao bispo de São Paulo a criação de uma freguesia. Sendo o padre Godói o orientador do movimento, parecia-lhe certo que a representação pedia a ereção da freguesia no local da suposta única capela existente, isto é, em Cocais e não no pouso de Casa Branca, onde, na ocasião (1811), segundo a hipótese defendida por Amélia Trevisan, não havia motivo especial aparente para tal ereção. Respondendo ao pedido, o bispo de São Paulo, D. Mateus de Abreu Pereira, após ouvir o parecer favorável do pároco de Mogi Guaçu, concordou com a proposta.20 Portanto, afirma Trevisan21, a escolha da localidade de Casa Branca deveu-se ao bispo de São Paulo, que, na ocasião, como membro interino do Governo da Capitania, representava o pensamento da Coroa: D. João pretendia incentivar a agricultura baseada em pequenas propriedades, com a criação de núcleos de povoamento. Assim, o Alvará Régio22 da criação da Freguesia de Nossa Senhora das Dores de Casa Branca foi expedido no Rio de Janeiro, em 25 de outubro de 1814, e assinada, em março de 1814, pelo príncipe regente de Portugal, Dom João VI. Em vista da necessidade de uma parcela da população e do esforço do padre Godói, a freguesia seria criada em Repartição dos Moradores do Caminho de Goiás, desde o Rio Jaguari Mirim até ao pouso de Cubatão 1765 Sítio Moradores Fogos (livres) Chefes das famílias Jaguari 1 5 Gonçalo da Costa Bezerra Iberaba 2 5 Manuel José Castro Francisco Muniz Olho D'água 2 10 Antônio Siqueira Dias Carlos de Siqueira Antunes Piçarrão 3 19 João Muniz de Barros Ângelo Dias Antônio Cardoso Ribeirão 2 7 Casa Branca 2 16 Bartolomeu Fernandes Faria Francisco Xavier Machado Alexandre de Souza Manuel Ferreira Capão 1 5 José de Siqueira Gil Tambaú Paciência 1 9 Caetano de Souza Machado 2 10 Inácio Bueno Bartolomeu Dias Cercado 2 6 Luiz Pedroso Rio Pardo 1 5 Lourenço Bezerra Cubatão 4 27 Francisco Barbosa Maria Pedrosa Pedro Alvares Maria da Silva Bernardo Machado 23 124 Fonte: TREVISAN, p.27. 17- PANTOJA, p.25. 18- TREVISAN, p.20 19- TREVISAN, p.22. 20- Parecer do Bispo D. Mateus de Abreu Pereira: “1- A nova freguesia seria criada sob a invocação de Nossa Senhora das Dores, no lugar da Casa Branca, com limites desde o Rio Jaguari (Mirim) até ao pouso do Cubatão, em distância de 16 léguas. 2- A igreja matriz deveria ser edificada no lugar da Casa Branca, para ficar no centro do território da Freguesia” (o antigo pouso de Casa Branca achava-se situado próximo ao Rio Espraiado) (D. Mateus de Abreu Pereira apud TREVISAN, p.39). 21- TREVISAN, p.39. 33 Cocais, onde havia a capela de Santana. Entretanto, motivos políticos determinaram sua ereção no pouso de Casa Branca, o que não teria correspondido aos motivos religiosos dos moradores do sertão, segundo Trevisan. Explicar-se-ia, assim, a falta de interesse dos paroquianos em erigir a matriz de Casa Branca. A única capela existente na nova freguesia, construída como as casas, de pau-a-pique e coberta com palha de indaiá, sem torre e com um único pórtico, comportava apenas cerca de 50 pessoas23. Ainda segundo Trevisan24, coincidiu essa criação com a necessidade de o governador ter de erigir uma povoação para arranchar os casais de ilhéus que D. João VI pretendia remeter para a Capitania de São Paulo. Em dezembro de 1814, o governador da Capitania de São Paulo recebeu mais de vinte casais de açorianos para o aumento da população e o desenvolvimento da lavoura. À falta de terras devolutas no litoral, 14- Configuração atual do Município de Casa Branca: limites com os municípios vizinhos. Localização aproximada do pouso de Casa Branca e da povoação dos Cocais. Fonte: IGC 22- “Eu, o Príncipe Regente de Portugal, e do Mestrado, cavallaria, e Ordem de Nosso Senhor JESUS Christo. Faço saber, que sendo-me prezente com reprezentação do Reverendo Bispo de São Paulo do Meo Conselho, o requerimento dos moradores do Certão da estrada de Goyas no dito Bispado, em que me expunhão a grande falta de Pasto, e Socorros Espirituaes, que sofrião pela longetude da Sua Freguezia, pedindo-me, que afim de remediar tão grandes males lhe fizesse a Graça de erigir huma nova Freguezia naquele Certão: o que visto, e repportas dos Procuradores Geral das Ordens, e da minha Real Coroa, é Fazenda, que tudo subio a minha Real Prezença em consulta da Meza da Consiencia, e Ordens. Hey por be, que no Certão da estrada de Goyas do Bispado de São Paulo d’aquem do Rio Pardo no lugar denominado Caza Branca, seja erecta huma nova Freguezia com a invocação de Nossa Senhora das Dores, a qual os moradores do dito Certão edificarão à sua custa no prefixo termo de quatro annos, e ficará lemitada esta nova Freguezia desde o Rio Jaguari athe o pouzo do Cubatão. Pelo que mando a todas as pessoas, a que o Cumprimento deste Alvará competir o cumprão, e guardem, como nelle se contem, sendo passado pela Chancellaria da Ordem, e registrado nos Livros da Câmera do Bispado de São Paulo, e nos das Freguezias, que por este sou servido mandar erigir, e nada que ella houver de ser desmembrada, e valera como Carta, posto que seo effeito haja de durar mais de hum anno, sem embargo da ordenação em contrario”. (Alvará Régio de D. João VI sobre a criação da Freguesia de Nossa Senhora das Dores de Casa Branca, em 25 de outubro de 1814. Transcrição da carta segundo Adolfo Legnaro Filho, diretor do Museu Histórico de Casa Branca) 23- TREVISAN, p.67. 24- TREVISAN, p.40. 34 deliberou o governo estabelecê-las no termo da vila de Mogi Mirim, a fim de povoarem a estrada que ia a Goiás e Mato Grosso, principal via de comércio de São Paulo com aquelas capitanias. Mas, segundo Pantoja25, foi em conseqüência da diminuição da população paulista, convocada para as guerras do Sul, que o Governador Francisco de Assis Mascarenhas, Marquês de Palma, tratou de promover a colonização estrangeira, por isso a tentativa de formar um núcleo de colonização açoriana nessas terras da freguesia de Casa Branca. Como havia cinco famílias açorianas na sesmaria do Rio do Peixe26, chegadas em 1813, e sendo o Caminho de Goiás a via de maior comércio para o interior, projetou o governo instalar os ilhéus nessa região. Escolhida a localidade para formar a primeira povoação de colonos, criou-se ali uma freguesia nova, a de Casa Branca. Iniciada com grande atividade a construção das casas, tratou-se de encontrar terras devolutas nas proximidades da nova povoação. Entretanto, não havia terras devolutas ao longo do caminho, pois desde 1726 tinham sido concedidas por sesmaria. O local mais próximo encontrado para instalar a povoação foi nas terras da sesmaria que o coronel José Vaz de Carvalho recebera em 1791 para criação de animais e que, na ocasião, estava abandonada. Escolheu-se, nesse local, uma faixa de terra, junto ao Rio Espraiado e perto do pouso de Casa Branca, para acomodar os casais de ilhéus. Segundo Amélia Trevisan, chegam à Capitania de São Paulo, em dezembro de 1814, mais vinte casais27, mas somente 19 famílias chegariam a Casa Branca em maio de 181528, com cinco a sete filhos cada, somando cerca de cento e vinte pessoas, que vieram das ilhas à custa do Estado para se estabelecerem no sertão do Rio Pardo. Segundo Trevisan, especialmente construída para os colonos açorianos, junto ao pouso de Casa Branca, a nova povoação teria sido planejada, seguindo um traçado regular29. Assim, projetou-se a planta do povoado, prevendo o seu aumento com abertura de novas ruas, todas dentro do alinhamento. Segundo D’Alincourt30, em 1818, “o lugar de Nossa Senhora das Dores de Casa Branca consta de um largo retangular, ornado de pequenas casas cobertas de palha e com uma 25- PANTOJA, p.28. 26- A sesmaria do Rio do Peixe localizavase no Termo da Vila de Mogi das Cruzes e os chefes das famílias açorianas eram: Manoel Raposo Velloso, Antônio Raposo, José da Costa, José da Ponte e José de Oliveira. 27- A palavra ‘casal’, antigamente, designava a família. 28- Segundo Trevisan (p.61) os chefes das famílias açorianas eram: 1- Antônio de Souza Pacheco 2- Manuel Batista 3- João Lourenço de Borba 4- Manoel Correia 5- Manoel Antônio 6- José Valério do Sacramento 7- Domingos José de Melo 8- Antônio José do Nascimento 9- Manoel Espínola de Bitancourt 10- Francisco de Souza Pimentel 11- José da Rosa Machado 12- Francisco Antônio 13- Manoel Vieira 14- Francisco Cardodo 15- Fructuoso de Quadros 16- João José da Cunha 17- Manoel do Conde 18- Francisco de Espínola 19- José de Ávila Neto 20- Silvestre Correa Medina (que ficara em Santos) Segundo Ganymedes José (p.30), teriam vindo para Casa Branca 124 açorianos, de 23 famílias diferentes: 1- Manuel Antônio Machado, sua mulher Domingas da Conceição e 2 filhos. 2- Manuel de Conde Pais, sua mulher Juana Francisca da Conceição e 6 filhos. 3- Manuel de Espíndola Bittencourt, sua mulher Maria Antônia de Jesus e 6 filhos. 4- Manuel Correia de Melo, sua mulher Maria Josefa e 5 filhos. 5- Antônio Raposo, sua mulher Ana Maria e seus 4 filhos. 6- Manuel Joaquim de Matos, sua mulher Úrsula Brandina da Conceição e 7 filhos. 7- Narciso Vieira Gonçalves, sua mulher Vicência Maria da Conceição e 5 filhos. 8- Manuel Valério do Sacramento, sua mulher Teresa Cândida de Jesus e 1 filho. 9- João Vieira da Costa, sua mulher Maria dos Anjos de Bittencourt e 8 filhos. 10- José Vieira da Costa, sua mulher Ana Maria das Dores e 2 filhos. 11- José de Souza, solteiro. 12- João de Matos Oliveira, sua mulher Rosa Vitorina de Conceição e 9 filhos. 13- José da Rosa Machado, sua mulher Maria Delfina do Rosário e 4 filhos. 14- Máximo José de Souza, sua mulher Ana Joaquina de Jesus e 1 filho. 15- José de Pontes dos Reis. 16- Francisco de Espíndola, sua mulher 35 igreja no fim do mesmo largo”. Saint-Hilaire31, que passou por Casa Branca no ano seguinte (1819), registrou que “a aldeia de Casa Branca compõe-se de casinholas esparsas e de uma rua reta, bastante larga, mas muito curta; numa das extremidades dessa rua está edificada uma pequena igreja, a igual distância das duas filas laterais de casas”. Assim, conclui Amélia Trevisan, que a primeira rua de Casa Branca, partindo da capela, estendia-se até ao pouso de Casa Branca, situado à beira da estrada dos goiases32; nessa rua, que Trevisan chama como rua dos Ilhéus, segundo ela, surgiram as primeiras vendas, tanto que ela ficou conhecida mais tarde como Rua do Comércio, depois Rua Mestre Araújo e atual Rua Waldemar Panico33. Os primeiros comerciantes dessa rua teriam sido quatro dos ilhéus, os quais, aproveitando a proximidade do pouso, instalaram pequenas vendas em suas casinhas, fornecendo gêneros aos tropeiros da estrada.34 Portanto, o povoado era formado de uma rua que, embora larga, era curta, dando a impressão de uma praça; margeando-a, dois correres de casas ligadas, sem jardins e com pequenos quintais. E essa primeira rua de Casa Branca, partindo da capela, estendia-se até ao pouso da Casa Branca, situado à beira do Caminho de Goiás. As casas eram em número de 24, construídas para as famílias dos insulares. Amélia Trevisan questiona tal economia de terreno no sertão. A verdade é que não havia terras devolutas ao longo do Caminho de Goiás e, além disso, o plano governamental era o de aumentar com novas famílias o núcleo urbano, reservando espaço para novas ruas. Deve-se ressaltar que a tipologia de casas contíguas era uma constante no ordenamento português. Era o alinhamento das casas que delimitava o espaço da rua, o qual devia constituir um cenário mais ou menos homogêneo, segundo as tradições portuguesas, sendo que as construções deviam se fazer sobre o alinhamento fronteiro dos lotes e nos limites laterais. Além disso, havia a necessidade de se proteger as paredes de taipa, vulneráveis às intempéries. Mas, a experiência com o núcleo colonial de açorianos de Casa Branca teve início antes da criação da Freguesia Aldina Rosa e 8 filhos. 17- Antônio José da Rosa, sua mulher Júlia Marfisa do Rosário e 11 filhos. 18- Manuel Veloso de Souza, sua mulher Ana Rosa e 4 filhos. 19- Manuel Vieira Gonçalves e seus 2 filhos. 20- Francisco de Souza Pimental. 21- Manuel Batista de Mendonça. 22- Francisco Antônio de Espíndola. 23- João Lourenço da Borba. “a povoação foi edificada com regularidade e com a mesma foram marcadas as ruas que deviam abrir para o futuro, para que os vindouros não tenham de emendar erros da polícia passada, com prejuízo até dos possuidores que estiverem fora dos alinhamentos e são para seguir a planta a princípio determinada sem nenhuma alteração.” (DAE – Ofício do Intendente Geral da Polícia, Paulo Fernandes Viana ao sargento-mor de Casa Branca, José Garcia Leal. Rio de Janeiro, 24 de agosto de 1818. M.I. Caixa 33, ordem 265.) 29- 30- D’Alincourt apud TREVISAN, p.65. 31- Saint-Hilaire apud TREVISAN, p.67. 32- RIO DE JANEIRO. Arquivo do IHGB – Dicionário Topográfico da Comarca de Casa Branca por Lafayete de Toledo. 1899. M. Lata 6, Doc. 9, Vol. IV. 33- JOSÉ, p.29. 34- DAE – Ofício do sargento-mor José Garcia Leal ao Conde de Palma. Casa Branca, 8 de junho de 1819. M.I. Caixa 87, ordem 333. de Nossa Senhora das Dores, isto é, em 1813, com os cinco casais vindos da ilha de São Miguel, a maior dos Açores. Os outros casais, chegados à nova povoação em 1815, vieram das ilhas Graciosa e Terceira. 36 Os açorianos, que deixaram para sempre suas ilhas e que vieram tão esperançosos, embalados por tantas promessas, em busca de melhores condições de vida, eram os maiores interessados no sucesso da empresa. Para eles, foi criada a povoação de Casa Branca, onde receberam lotes urbanos e terras para cultivo na sesmaria do Ribeirão Claro. Nesses lotes urbanos, cada casal recebeu uma casa e ainda benefícios como uma junta de bois, uma vaca, sementes, duas enxadas, dois machados, um arado e mesadas para seu sustento por dois anos, enquanto não pudessem colher suas lavouras. Por que, então, o parcial malogro do empreendimento, já que dos 19 casais ficaram na freguesia de Casa Branca apenas 6 ou 7? Os poucos estudos feitos sobre os ilhéus de Casa Branca repetem-se e detêm-se sobre as afirmações de SaintHilaire e Luís D’Alincourt35: “(...) assustados à vista das enormes árvores que deviam derrubar antes de preparar e semear as terras, fugiram quase todos (...)” e “(...) vieram vinte e quatro casais, dos quais existem unicamente 6 (...) por causa do esquecimento que houve de se lhes fornecer tudo quanto o Estado lhes tinha prometido”. Segundo Trevisan, realmente, a sesmaria cedida aos ilhéus localizava-se num trecho de matas virgens, na cabeceira do Rio Tambaú, com grandes árvores em meio ao cerrado. E foi mesmo por causa do descaso do governo da Capitania de São Paulo que o empreendimento não obteve o resultado que o príncipe regente esperava. A principal queixa era referente à impossibilidade do uso da terra. Para os açorianos, a posse da terra era fundamental. Mas o ano de 1815 chegava ao fim, sem que lhes tivessem demarcado as terras da sua sesmaria. Daniel Pedro Muller, tenente-coronel do Real corpo de engenheiros, chegou a Casa Branca em janeiro de 1816 para inspecionar o estado em que se achava o núcleo de povoamento. Após a inspeção, determinou que se assinalassem os terrenos que os ilhéus deveriam cultivar, fazendo medir a sesmaria e distribuir as terras aos casais na devida proporção. O Conde de Palma reconhece que sem os ilhéus não poderia haver um estabelecimento permanente, como se desejava, para aumento da população. A partir das determinações do tenente-coronel, pretendia-se resolver a situação angustiosa dos casais e reter na 35- Saint-Hilaire e D’Alincourt apud TREVISAN, p.74. 37 freguesia os açorianos, para que não malograsse o empreendimento, pois a partida dos novos habitantes mostraria o descaso com que o governo da Capitania tratara assunto tão relevante. O Conde de Palma, segundo observação de Amélia Trevisan, não soube valer-se do núcleo criado por Dom João, que ofereceu colonos práticos na agricultura, financiou suas mesadas, casas, sementes e arados, tudo pago pela Fazenda Real. Ao Governo da Capitania só competia oferecer terras; mas o Conde de Palma, ainda segundo descrição de Trevisan, para eximir-se de sua incompetência, não perdia a oportunidade de desmerecer os ilhéus, dizendo que eram preguiçosos e vadios. As terras concedidas não foram consideradas boas para os ilhéus e não mais acreditando nas promessas feitas, declararam que, apesar das novas providências sobre as terras e novas casas, só se contentariam indo povoar as terras da Fazenda Santa Cruz ou Cantagalo. Mas, o núcleo de Casa Branca não ficaria deserto, uma vez que, após novas negociações, 7 casais resolveram ficar. A nova sesmaria cedida, contígua à povoação, permitiu aos ilhéus, enquanto não se construíam as novas casas e enquanto não se demarcavam as terras, morar em suas casas, inclusive os ilhéus com suas vendas. As casas seriam edificadas com 40 palmos de frente por 30 de fundo, “(...) com risco e dimensões dadas por Muller para cada hum dos cazaes de ilheos, sendo cada huma das ditas cazas situadas no centro dos terrenos”36 das terras para cultivo, deixando vazias as casas dos lotes urbanos. Escolhidos os terrenos de acordo com as instruções do engenheiro Muller, isto é, terra habitável, reunindo as propriedades de água, matos de cultura e campo de pastagens, ao informar as providências tomadas, o engenheiro pediu ao Conde de Palma que mandasse pagar aos ilhéus dois mil réis para completarem seus arados, bem como lhes fornecesse novamente o gado para principiarem suas culturas, pois o primeiro que havia sido dado a eles fora vendido por necessidade de subsistência. Pediu também que restituísse o comando da povoação ao capitão Anselmo de Oliveira Leite, cargo que havia sido passado para José Garcia Leal. Entretanto, mais um ano passou sem que os ilhéus recebessem os títulos das terras. 36- DAE. M.I. Códice 88, fl. 107. 38 Para demonstrar a dificuldade da situação, o Juiz de Fora de São Paulo37 escreveu o seguinte: “(...) não conhecia, em território algum, casais mais mal estabelecidos do que esses que estão em São Paulo, principiando por não terem terreno algum próprio, por terem perdido tudo quanto se mandou e se lhes na Casa Branca”.O que ocorreu é que a sesmaria de José Vaz de Carvalho, cedida aos ilhéus, já havia sido passada a Antônio Soares do Prado, daí a dificuldade em se conseguir o título da posse da terra. Mas o intendente Paulo Fernandes Viana insistia que o importante era manter os ilhéus naquelas terras. O Governo Interino remeteu tudo ao engenheiro Muller, o qual relatou o ocorrido desde a chegada dos casais; e que eles haviam recebido tudo o que havia sido prometido, faltando apenas os títulos das terras, que, no entanto, estavam sendo cultivadas. Esses títulos ainda não haviam sido entregues porque a sesmaria do coronel José Vaz ainda não fora confirmada. Sugeriu, então, que o governo remetesse os autos da sentença à Corte, onde a sesmaria seria logo confirmada, ficando, assim, tudo legalizado. De fato, em 1818, o Intendente da Polícia informou ser injusta a pretensão de Antônio Soares, pois o coronel José Vaz tinha a posse da sesmaria há muitos anos, a qual havia sido confirmada por sua Majestade. O sargento-mor José Garcia Leal, indo à Corte, teve ocasião de explicar ao Intendente de Polícia a verdadeira situação dos ilhéus. Devido à sua dedicação, José Garcia Leal foi nomeado diretor da povoação, cabendo-lhe instruções38 específicas para ordenar a povoação. Esses problemas sobre a posse da terra mostram também que não havia um plano urbanístico desenhado, com a delimitação das terras, já que somente após a chegada dos ilhéus, saíram à procura de terras devolutas. Contudo, a situação não se resolvia, mesmo após Antônio Soares do Prado ter requerido ordem de despejo das famílias dos ilhéus. Por falecimento desse senhor, a questão continuou com seus herdeiros; sua viúva Ana Maria da Candelária requereu a Dom João VI contra a invasão dos ilhéus em sua sesmaria. Em 1821, comprovou-se, finalmente, que as terras pertenciam à viúva. Mas, o Governador da Capitania respondeu que os ilhéus deveriam permanecer nas terras. 37- Juiz de Fora de São Paulo apud TREVISAN, p.112. 38- Instruções ao novo diretor da povoação, José Garcia Leal: 1- “Seu primeiro cuidado deve ser conseguir que os ilhéus se empreguem na lavoura para a qual foram mandados, à custa de grandes despesas feitas pela Intendência. 2- A partir dessa data, a Intendência não mais financiará as despesas da colônia. 3- Deve animar aos povos a levantar a Matriz que não tem tido aumento e sem a casa de Deus não estão bem as dos humanos. 4- Determinará que nenhum dos ilhéus poderá sair do distrito para qualquer fim que não seja o comércio vizinho sem licença por escrito; aquele que não atender será castigado cada vez com oito dias na prisão na cadeia da vila de Mogi Mirim, ou na Corte, se por lá aparecerem e voltarão presos para a povoação. 5- Deve usar de brandura sempre que possível, deixando os castigos para último caso. 6- Convidará, por parte do Intendente, ao exemplar vigário da freguesia, Francisco de Godói Coelho, para ajudar a animar os trabalhos desses novos colonos.” (DAE- Ofício do Intendente de Polícia ao sargento-mor José Garcia Leal. Rio de Janeiro, 24 de agosto de 1819. M.I. Caixa 33, ordem 265, apud TREVISAN, p.114.) 39 Embora inquietados muitas vezes por intrusos, os ilhéus conseguiram se firmar em suas terras. A propriedade ficou conhecida como Fazenda Cachoeira dos Ilhéus e no fim do século XIX foi dividida judicialmente, fracionando-se em diversos sítios e fazendas, denominadas: Morro, Bom Jesus, Prata, Morro dos Ilhéus, Capão Doce, e outras. Dedicaram-se à agricultura e à pecuária. Foram eles que salvaram Casa Branca em 1826, quando, por pavor ao recrutamento para as guerras no Sul, os homens válidos fugiram para Goiás e Minas Gerais. Como os ilhéus e seus filhos estavam isentos de tal serviço, permaneceram na freguesia. Passados dez anos do início da povoação oficial pelos açorianos, no ano de 1825 havia em Casa Branca 2.635 habitantes distribuídos por 467 fogos e divididos em duas companhias de ordenanças: a primeira comandada pelo capitão Joaquim Gonçalves dos Santos, natural de São João Del Rei e a segunda, pelo capitão José Magalhães Passos. O vigário Francisco de Godói Coelho continuava em Cocais e recebera um coadjutor, o padre Joaquim Floriano. Embora o alvará de criação da freguesia dispusesse que os moradores deveriam edificar a Igreja Matriz no prazo de quatro anos, neste ano de 1825 ainda não havia sido cumprida a exigência. Isto se deveu ao fato de ainda existir na povoação a pequenina capela que, segundo Trevisan, o Intendente Geral de Polícia mandara construir para os ilhéus receberem nela os benefícios dos sacramentos. Com a partida dos ilhéus para sua sesmaria, algumas das casinhas foram vendidas pelo governo. Outras pessoas vieram morar na povoação e, devido à pobreza das moradias, é de crer-se que não eram fazendeiros e sim pessoas humildes, os chamados ‘entrantes’, vindos de Minas Gerais. Entre os novos moradores, havia alguns pardos devotos de Nossa Senhora do Rosário. No ano de 1822, houve um grande incêndio no povoado, que destruiu sete casas, inclusive a que seria do quartel e cadeia. Em 1897, escreve Lafayete de Toledo39: “(...) a povoação de Casa Branca progredia e já tinha uma capela coberta de sapé, no local onde hoje está a Igreja do Rosário”. 39- RIO DE JANEIRO. Arquivo do IHGB – Dicionário Topográfico da Comarca de Casa Branca por Lafayete de Toledo. 1899. M. Lata 6, Doc. 9, Vol. IV, p.143. 40 1.6 O Café e a Estrada de Ferro Mogiana: Nova Fase de Urbanização 15- Estradas de Ferro no Estado de São Paulo Ligações entre São Paulo, Moji Mirim, Casa Branca e Ribeirão Preto 16- Estação Briaréu em Casa Branca Durante o século XIX, produtos tradicionais de exportação, como a cana e o algodão, foram perdendo a sua posição privilegiada em favor de um novo produto que se expandia rapidamente: o café. Nas últimas décadas do século XVIII, os engenhos de cana constituíram-se num dos principais mercados consumidores de animais de carga e tração, assim como de gêneros alimentícios, promovendo a expansão dos rebanhos e da agricultura. Foi essa integração de São Paulo com a economia exportadora, exibindo a necessidade de viabilização do co- 17- Estação Casa Branca, Praça Rui Barbosa 18- Estação Cocais em Casa Branca 41 mércio através da melhoria da infra-estrutura (estradas e portos) e a dinamização das tropas internas, que criou condições favoráveis à posterior disseminação da lavoura cafeeira pelo território paulista. O café não surgiu abruptamente. Na década de 1830, a produção era ainda incipiente, mas sua expansão foi muito rápida: em menos de duas décadas ocupou as terras férteis do Nordeste paulista. Com a ascensão da cafeicultura, inicia-se um processo que por todo o Estado de São Paulo, nas últimas décadas do século XIX, foi desalojando os ‘mineiros’ para dar lugar aos ‘paulistas’. Um processo em que a cultura do café foi tomando espaço à criação de gado e à cultura do excedente. A partir de fins do XIX, as áreas produtoras de café receberão um novo impulso, com crescimento acelerado de população e desdobramento em novos municípios, alterando a configuração do espaço, até então marcado pela existência das fazendas de gado e das lavouras de gêneros de subsistência. Até 1848, quando o café ultrapassou a cana no valor das exportações, as plantações do Vale do Paraíba eram responsáveis pela quase totalidade da produção desse produto. Foi a estrada de ferro Santos-Jundiaí (1867) o passo decisivo para a expansão dos cafezais pelo Oeste paulista. A expansão dos trilhos pelo interior paulista permitiu o avanço da agricultura de exportação, no caso o café, por áreas anteriormente ocupadas pela economia do excedente. Já na segunda metade do século XIX, o avanço do café ao longo do Caminho de Goiás significou, em termos concretos, a ultrapassagem dos limites geográficos anteriormente atingidos pela produção açucareira. As transformações, que se manifestavam em termos provinciais, vão atingir o Nordeste paulista somente no último quarto do século, quando o café impõe a sua marca na organização da produção e dos estilos de vida e na mentalidade da população. A partir da década de 1870, uma conjuntura favorável viria a incentivar a expansão da frente pioneira do café sobre o Nordeste paulista, ampliando o espaço agrário voltado para a lavoura de exportação. A relativa valorização do café, a abertura do mercado consumidor norte-americano e a possibilidade técnica das ferrovias como meio de encurtar e baratear o transporte foram incentivos essenciais, que permitiram a paulatina incorporação dessa região à cafeicultura. O café sofreu 19- Estação Coronel Correa em Casa Branca 20- Estação Nova de Casa Branca 42 sua primeira interrupção apenas ao final da década de 1920, com a grande crise mundial. Foi a partir dessa década de 1870 que se iniciou a penetração do café na Alta Mogiana, em momento propício à sua expansão, favorecido pelo aumento do consumo e pela alta dos preços internacionais. Fazendeiros e o próprio Estado investiram pesadamente na lavoura cafeeira, gerando o enriquecimento notável de São Paulo. Clima, relevo, solo e a expansão ferroviária favoreceram a rápida instalação de grandes plantações cafeeiras no Nordeste paulista, alterando radicalmente o panorama agrário regional. O café possibilitou o crescimento econômico significativo de São Paulo, principalmente após sua produção em larga escala na Alta Mogiana. Daí resultaram o crescimento demográfico acelerado, graças também à imigração em larga escala, juntamente com a expansão dos serviços e, enfim, o início da industrialização. A Estrada de Ferro Mogiana, fundada em março de 1872, visava atender ao vasto Nordeste paulista. Em 1875, já havia alcançado Mogi Mirim e Amparo, partindo de Campinas. Casa Branca seria a próxima estação, inaugurada em 1878. Conforme o contrato celebrado com o governo da Província de São Paulo para a construção da linha até Casa Branca, a companhia fora também autorizada a construir um ramal que fosse até aos municípios de São Simão e Ribeirão Preto. A escolha dos traçados das linhas férreas era determinada pela conformação do relevo e pela oferta do café, isto é, levava em consideração a localização das grandes manchas cafeeiras do Nordeste paulista. A expansão das vias férreas nessa região esteve, portanto, intimamente vinculada à economia cafeeira. O início do declínio cafeeiro resultou na paralisação do processo de instalação de novos ramais. Certamente, a ausência de planejamento na construção das estradas de ferro, aliada às distâncias estendidas pelos desvios excessivos em função dos interesses políticos, também contribuíram para a decadência da rede ferroviária, que viria a perder a concorrência com o transporte rodoviário. Foi em 1854 que o Dr. Martinho da Silva Prado introduziu o café no município de Casa Branca, mas essa lavoura só ganharia importância a partir de 1878, com o advento da Estrada de Ferro Mogiana, que garantiu o escoamento da produção e a introdução da mão-de-obra estrangeira mais espe43 cializada40. É nesse período que Casa Branca passou por uma fase verdadeiramente revolucionária. Segundo Pantoja41, Casa Branca torna-se o posto mais avançado da estrada de ferro e o problema do transporte e da mão-de-obra é resolvido. Com isso, a função agrícola domina a vida na cidade, complementada pela função comercial. A influência da estrada de ferro também se faz notar no crescimento da cidade: o povoamento, detido até a Praça Barão de Mogi Guaçu, junto à Igreja Matriz, começa a se estender colina acima, para atingir a estação da estrada de ferro, localizada na parte alta da cidade. Ao mesmo tempo, o comércio desloca-se para a rua Coronel José Júlio (a Rua da Estação), caminho mais curto para atingir a estação. A cidade alcança seu desenvolvimento máximo em comprimento e começa a crescer em largura. A cultura cafeeira manteve-se até 1924, quando começa a diminuir sua produção em conseqüência do esgotamento dos solos, da praga da broca e da concorrência das novas áreas abertas ao café, e cai em completa estagnação com a crise de 1929. Criação de gado, cereais, hortaliças e o algodão substituíram o café. É importante considerar também que de centro dinâmico da economia, a agricultura começou a desempenhar um papel completamente diferente durante a década de 1930, subordinando-se à indústria nacional, sendo a responsável, até 1950, pelo seu estabelecimento. A crise econômica mundial, desencadeada a partir da quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em 1929, afetou gravemente a sociedade brasileira, atingindo, de maneira mais direta, o setor exportador. Essa crise implicou em profundas alterações nas estruturas econômica, social e política do país. A economia exportadora, fundada em um único produto, o café, teve exposta sua fragilidade. Diante dessa crise, a sociedade brasileira encaminha-se para um novo modelo de crescimento, baseado numa produção voltada para o mercado interno e sob a liderança do setor industrial. O processo de industrialização emergente coloca em cena novos atores sociais e novas relações de trabalho, expandindo o assalariamento e a residência urbana. A cidade e a indústria exercem grande atração sobre os moradores do campo e a migração rural-urbana toma vulto sem precedentes. 40- FURLANI, p.126. 41- PANTOJA, p.36. 44 Nesse processo de industrialização do país, os problemas econômicos que já existiam em Casa Branca agravam-se com o desequilíbrio entre a produção agrária e a comercialização desses produtos ou a sua industrialização. Casa Branca nunca foi uma cidade industrial: tanto no passado como no presente, as iniciativas industriais nesse município foram, marcantemente, inconstantes. Mas a cidade destacou-se em outro ramo. Na década de 1910, Casa Branca teve grande destaque no ramo educacional, que se transformou num fator de desenvolvimento econômico. A partir de 1912, graças à ação do Dr. Francisco Thomaz de Carvalho, foi criada a Escola Normal de Casa Branca, cuja função foi essencial à vida da cidade42. Casa Branca, transformada em capital-escola, possuía amplo raio de ação, que alcançava, principalmente, Itobi, São José do Rio Pardo, São Sebastião da Grama, Vargem Grande do Sul, São João da Boa Vista, Mococa, Cajuru, Palmeiras, Tambaú, São Simão, Cravinhos, Aguaí e o Sul de Minas. Numerosas famílias fixaram-se em Casa Branca para educar seus filhos, o que constituiu importantíssimo fator, ao lado da cultura cafeeira e da ferrovia, na determinação do índice populacional de 26.397 habitantes, em 1920, somente superado no ano de 2000, com 26.800 habitantes. Com a crise do café, em 1929, salientou-se o papel da Escola Normal como suporte vital do contexto funcional da cidade, garantindo-lhe sua sobrevivência após a época de ouro daquele produto. Mas, com a expansão da rede escolar estadual, a partir da década de 1940, Casa Branca perdeu sua expressiva posição de pólo educacional, o que refletiu incisivamente em seu desenvolvimento. Hoje, Casa Branca não possui nenhum destaque econômico. Casa Branca foi importante entroncamento rodo-ferroviário, mas, hoje, resguarda apenas sua condição de nó rodoviário, dada a desativação da malha ferroviária. A indústria não se desenvolveu, havendo poucos estabelecimentos desse setor secundário, e a economia gira em torno do funcionalismo público, do presídio estadual e da agricultura. A agricultura, no entanto, atividade histórica empreendida desde a vinda dos açorianos e intensificada com a imigração mineira, é uma atividade que não traz divisas econômicas para o município. Maria Aparecida Pantoja já discutia 42- FURLANI, p.138. 45 esse problema que persiste até o presente. Segundo estudos dessa pesquisadora, foram identificadas duas zonas rurais no município. Uma, a Nordeste, é limítrofe com os municípios de São José do Rio Pardo, São Sebastião da Grama e Vargem Grande do Sul; a outra, limítrofe com Tambaú e Palmeiras. Ambas têm suas produções captadas pelas sedes dos municípios vizinhos, ocasionando sérios desequilíbrios à economia de Casa Branca. Em suma, Casa Branca produzia, mas não comercializava. Até hoje, tratando-se não só da comercialização dos produtos, mas da industrialização, o mesmo fato se repete com a produção de cítricos, cana, arroz, feijão, milho, soja, algodão, madeira, etc., escoada para outros municípios industrializados. Assim, Casa Branca produz, mas não industrializa43. 1.7 Considerações sobre os aspectos históricos Maria Aparecida Pantoja aponta, em 1942, questões que são discutidas até o presente: as fases de apogeu e crise da economia casa-branquense, fases comerciais e agrícolas, em paralelo com dados da população e do território, baseados nos relatos de Saint-Hilaire. Destaca-se a descrição geomorfológica da região, com características favoráveis à penetração pelos bandeirantes, em direção a Goiás e Minas Gerais. Ponto de destaque é também a criação do povoado. Como já havia, no século XVIII, capela no povoado de Cocais, os sesmeiros do pouso de Casa Branca, temendo a concorrência, teriam dirigido uma petição ao príncipe regente D. João, na qual solicitavam a criação da freguesia. Sobre a imigração açoriana, esta teria ocorrido pela necessidade de se aumentar a população local, já que ocorria um decréscimo expressivo da população paulista em decorrência das guerras do Sul. O trabalho de João Horta de Macedo, de 1950, proporciona uma visão do vilarejo em 1865. Destaca a importância de dois documentos fundamentais para a comprovação da existência do pouso de Casa Branca, já no século XVIII: o “Mapa Geográfico da Capitania de S. Paulo (1791 e 1792)” e os dados inscritos no recenseamento de Mogi Mirim, de 1783. Suas descrições sobre a espacialidade do pequeno povoamen- 43- FURLANI, p.129. 46 to são palavras do Visconde de Taunay, que faz referência ao povoado em seu livro “Marcha das Forças”44 e exalta suas qualidades pitorescas em “Inocência”45. O terceiro trabalho de referência é a dissertação de Amélia Trevisan, de 1979. Em seu trabalho, reúne dados fundamentais sobre a cidade, como censos, descrições dos viajantes do século XIX, referências a documentos originais sobre a imigração açoriana e até mesmo o nome dos primeiros proprietários de sesmarias da região em estudo. Estabelece algumas discussões sobre a vinda dos açorianos e sobre a tentativa de estabelecer um núcleo agrícola, avaliados como uma coincidência com o pedido dos moradores para fundar a freguesia. Não há um aprofundamento sobre a questão da evolução urbana, deixando, ainda, em aberto a questão do ordenamento português. Ressalta-se também, nessa primeira fase da pesquisa, a falta de material gráfico oficial que possibilitasse um estudo preciso da territorialidade. Alguns mapas foram produzidos ou manipulados para possibilitar uma maior aproximação espacial desse Nordeste paulista, região de história tão rica e intrigante, com importantes questões urbanísticas a serem desvendadas, que devem ser desbravadas, de forma a que cada cidade do entorno possa identificar-se nesse contexto único do Caminho de Goiás. Em relação ao início do povoamento da cidade de Casa Branca, supõe-se, pelos dados apresentados, que a região desta cidade já era conhecida no século XVII, pois foi através da trilha que levava às Minas Gerais, e que passava por esta região, que o ouro foi descoberto no Rio das Velhas, em 1690. Mas o povoamento somente teve início após a intensificação do comércio pelos viajantes, a partir da descoberta de ouro em Mato Grosso, em 1718, e em Goiás, em 1725. Com os caminhos para Minas e Goiás, estabeleceu-se neste entroncamento o pouso de Casa Branca, paragem para os viajantes e ponto de comércio. “Boca de sertão”, Casa Branca foi elevada a freguesia em 1814, somente depois de Franca, em 1804, e Caconde, em 1765. A ocupação do seu território data do século XVIII, tendo sido concedida sesmaria no Ribeirão da paragem Cocais, em 1733, e constando no censo de 1765 dois fogos. Mas o povoamento somente intensifica-se com a imigração minei- 44- TAUNAY, Alfredo d’Escragnolle Taunay, Visconde de, 1843-1899. Marcha das forças: expedição de Mato Grosso, 1865-1866. São Paulo: Melhoramentos, 1928. 45- TAUNAY, primeira edição de 1872. 47 ra, iniciada após 1790, decorrente da crise do ouro de 1748, atingindo o auge em meados do século XIX. Área pioneira no processo de interiorização, inserida no Nordeste paulista, é elevada a freguesia por Decreto de D. João VI, devido a vários fatores: . Por medo de perderem suas terras, devido à imigração mineira, os sesmeiros e alguns moradores próximo ao pouso, por intermédio do Padre Godói, solicitaram a elevação do pouso a Freguesia, de forma a lhe garantir alguma ordem administrativa e militar. . Dentro da política de interiorização do Brasil, incentivada pelo Tratado de Madri, havia a intenção, por parte do governo português, de garantir a posse das terras das fronteiras da antiga Linha do Tratado de Tordesilhas, através da fundação de núcleos urbanos, que também auxiliariam no controle oficial das estradas, principalmente para assegurar o controle sobre as áreas onde metais preciosos haviam sido descobertos. Também coincide esta atitude com os anseios de estabelecer núcleos baseados em pequenas propriedades rurais, para diminuir o poder dos grandes proprietários de terras e intensificar o poder da Coroa, principalmente após a vinda da família real em 1808, na busca de uma centralização do poder. . A descoberta de ouro nas cabeceiras do Rio Pardo, em 1765, é alvo de grande preocupação da Coroa. Com a abertura de Caminhos entre Ouro Fino e Cabo Verde, havia a necessidade de controle mais rígido para garantir a exploração oficial dessa riqueza mineral. Para esse fim, funda-se a primeira freguesia no Nordeste paulista: Nossa Senhora das Cabeceiras do Rio Pardo (atual Caconde). Casa Branca seria o pouso paulista mais antigo e mais próximo desse extremo leste, divisa com Minas Gerais, sendo, portanto, focada pela Coroa. . Por último, coloca-se a necessidade de se estabelecer os açorianos que já se encontravam no Brasil, sendo bastante oportuno para D. João VI a criação desta freguesia, o que coincide, ainda, com a necessidade de intensificar o contingente populacional na região, já que muitos paulistas e mineiros estavam sendo convocados para as guerras no Sul. Portanto, muitos fatores contribuíram para essa inserção populacional e para o desenvolvimento inicial desse núcleo urbano. 48 Capítulo II Urbanização e Urbanismo no Brasil e em Casa Branca Nas diversas fases de crise e reerguimento do município de Casa Branca, as oportunidades econômicas foram seguidas por novas fases de urbanização. No início do povoamento, como ‘Boca de Sertão’, conheceu grande desenvolvimento como centro comercial, onde se abastecia um vasto hinterland que se estendia até Minas e Goiás. Com o surgimento de 21- Foto Aérea da cidade de Casa Branca, 1968. Fonte: FFLCH USP _ sem escala 22- Foto Oblíqua da cidade de Casa Branca, 1968. Fonte: IGC “A história da urbanização colonial é a história das configurações assumidas no espaço, pelas relações dessa sociedade, no processo de colonização. A história do urbanismo colonial é a história dos esforços para controle do espaço urbano dessas relações, no quadro da dominação colonial” (REIS FILHO, Nestor Goulart. Notas sobre o urbanismo no Brasil. Primeira parte: período colonial. São Paulo: Cadernos do LAP 08/ FAUUSP, 1995, p.5). 49 outros pousos no caminho até Franca, Casa Branca perde sua preponderância e exclusividade. Trata-se da primeira crise. Da mesma forma, reergue-se com a introdução da cultura do café, em 1854, quando a agricultura foi incrementada pela vinda dos mineiros, principalmente a partir de 1841, e com o prolongamento dos trilhos da Estrada de Ferro Mogiana, de Mogi Mirim a Casa Branca, em 1878. No entanto, nova crise se estabelece com o prolongamento da Estrada de Ferro para Ribeirão Preto, cessando a atuação de Casa Branca como cidade pioneira no transporte ferroviário na região. A economia manter-se-á, então, até 1929, em torno dos cafezais, com a função agrícola em primeiro lugar. A partir de 1912, a função agrícola dividirá lugar com a função intelectual, quando o Dr. Altino Arantes, que geria a pasta de Instrução Pública no governo Rodrigues Alves, manifestou sua intenção de criar uma Escola Normal na Mogiana. Como Casa Branca estava em plena expansão cafeeira, como centro econômico importante e com a vantagem de ocupar posição central na região, foi escolhida. Criada a Escola Normal, muitos estudantes se transferiram para Casa Branca, quer vindos das cidades servidas pelo ramal do Rio Pardo, a saber, São José do Rio Pardo, Mococa e cidades do Sul de Minas, como de toda a região da Mogiana, entre Ribeirão Preto e Casa Branca e entre Casa Branca e Mogi Mirim. Com o crescimento populacional, que passou de 16.133 habitantes em 1900 para 26.397 em 1920, Casa Branca tornou-se uma pequena capital escolar. Com a crise cafeeira instaurada em 1929, devido ao esgotamento da terra, ao aparecimento da broca e à concorrência dos cafezais novos do Noroeste, a presença da Escola Normal, graças à numerosa população escolar, impediu que a cidade caísse em completa estagnação. Mas, a partir da década de 1940, com a criação de numerosos ginásios e Escolas Normais livres, em São José do Rio Pardo, Mococa e São Simão, Casa Branca perdeu seu papel intelectual. Dentro de um período delimitado entre início do século XIX e meados do século XX, a evolução urbana seguiu essas fases econômicas. Primeiro, a ocupação restringia-se à Rua do Comércio, atual Waldemar Panico, região à beira do Caminho de Goiás, de intensa movimentação comercial. Com o café e a ferrovia, casarões são construídos na Rua Dr. Menezes e no 1- PANTOJA, p.48. 50 entorno da nova Igreja Matriz e o eixo de ocupação do espaço estende-se até a Estação da Mogiana, atingindo o auge da expansão urbana longitudinal. É somente com a construção do prédio da Escola Normal, na década de 1930, na Praça Dr. Carvalho, que a cidade começa a crescer em largura e a área central torna-se mais densamente ocupada. Neste capítulo, propõe-se caracterizar essa evolução urbana, identificando-a no espaço citadino, bem como analisar os seus mecanismos de ocupação, inserido no contexto do urbanismo português no Brasil. 2.1 O Processo de Urbanização de Casa Branca 23- A evolução urbana de Casa Branca segundo Geraldo Majella Furlani: consideram-se seis períodos distintos. Fonte: FURLANI, 123. 51 Em relação à evolução urbana da cidade de Casa Branca, seguindo os estudos de Geraldo Majella Furlani, a progressão da cidade poderia ser caracterizada a partir de seis períodos: 1- Da origem da cidade, 1814, a 1852 (construção da Igreja Matriz): da Rua do Comércio (atual Waldemar Panico) até a Praça Barão de Mogi Guaçu. 2- De 1852 a 1878 (advento da Estrada de Ferro Mogiana e período áureo do café): setor em torno da Praça Barão de Mogi Guaçu e bairros São João e Senhor Menino. 3- De 1878 a 1932 (edificação da Escola Normal): da Praça Barão de Mogi Guaçu até a estação velha da Mogiana (Praça Rui Barbosa), trechos das avenidas Francisco Nogueira de Lima e Coronel Castro e Bairro dos Marsons. 4- De 1932 a 1960: trechos das ruas Altino Arantes, Duque de Caxias, Santo Antônio e Manoel Martins, setor do baixo Desterro e Bairro do Desterro (1949); Vilas Industrial e Francischet (1952); Vila Santa Maria (1956); Bairro de Nazaré, Jardins Resende e São Carlos (1957) e Vila de São Bernardo (1958) 5- De 1960 a 1994: parte antiga do Jardim Boa Esperança ou Vila Diniz (1962); Vila Três Cruzes (1963); Vila Santa Cecília (1964); Trecho da Duque de Caxias (1965); segmento da Justino de Castro e Jardins Alvorada e Boa Esperança (1966): Jardins Tupi, América e Paulista (1970); conjunto habitacional João Stefanini (CECAP), Jardim Eldorado e parte da Duque de Caxias (1977); Portal dos Pinheiros, Estância Coesa e Jardins Europa e Macaúba (1978); Chácara Mogiana, Parque São Paulo, Vertentes do Alporama e Jardins do Horto, Bela Vista e Boa Esperança (1979); Parque Residencial João Pereira de Lima (Nosso Teto) e Jardim Industrial (1980); segmentos das ruas Justino de Castro e Santo Antônio – Jardim Francischet (1981); trechos das ruas Doutor Moacir Trancoso Peres e Manoel Martins (1982); Jardim Rafaela (1984); Cidades Jardins I e II ou Vila Grilo (1988); Conjuntos Habitacionais Professor Wlademir Pereira, Professor Sebastião de Faria Zimbres, São Bernardo II e Bela Vista, Núcleo Residencial Emílio Bernarde (1992) e Chácara Boa Vista (1994). 6- De 1994 a 2001: Conjuntos Habitacionais Doutor Odenir Buzatto, Parque das Acácias e Arlindo Peres (2000); Jardim 2- FURLANI, p.121. 52 Colina do Sol e Condomínio Jardim Monte Belo (2001). Sobre essa evolução urbana descrita e proposta por Furlani, proponho que o esquema seja simplificado e que cada conjunto arquitetônico constitua uma proposta de preservação a ser apresentada ao Condephaat, restringindo o foco de interesse ao centro da cidade. Desta forma, apresento uma proposta mais detalhada da evolução urbana da cidade de Casa Branca, desde os seus primórdios no século XIX até 1932, restringindo-me a estudos do centro da cidade, perímetro que engloba a evolução urbana da cidade desde a ocupação ao longo do Caminho de Goiás até a introdução da Estrada de Ferro e da Escola Normal. Destaco também, nesta nova proposta, a Rua Waldemar Panico e a Rua Mestre Araújo como primórdios da ocupação desse território. 24- A evolução urbana do centro da cidade de Casa Branca segundo estudos de Geraldo Majella Furlani. Sobreposição do mapa produzido pelo professor Furlani, figura 23, ao mapa atualizado da cidade de Casa Branca, cedido pela arquiteta Maria Eliza Chinez. 53 1- Caminho de Goiás, atual estrada para Tambaú 2- Córrego Espraiado 3- Córrego Pingo 4- Hipóteses 1, 2 e 3 de localização das casas dos açorianos 5- Hipótese 4 de localização das casas dos açorianos 6- Hipótese de localização da primeira capela do povoado, atual Praça Honório de Syllos 7- Hipótese de localização da primeira capela do povoado, atual Largo do Rosário 8a- Primeiro cemitério 8b- Segundo cemitério, a partir de 1869 9- Igreja Matriz Nossa Senhora das Dores 10- Estação da Estrada de Ferro Mogiana 11- Santa Casa de Misericórdia 1885/ 1887 12- Mercado Municipal 1885 13- Príncipe de Nápoli 1887 14- Casa Cristal 1890 15- Antigo grupo escolar Rubião Júnior 16- Capela de Nossa Senhora do Desterro 17- Cadeia Pública e Paço Municipal 18- Bosque Municipal 19- Escola Normal 1932 20- Asilo de Inválidos 26- Mapa da nova proposta de evolução urbana para a cidade de Casa Branca - proposta inicial advinda dos estudos de Furlani e dos estudos da cronologia de surgimento das edificações nesse espaço urbano. século XVIII a 1814 (criação da Freguesia) 1814 a 1841 (localização da igreja matriz) 1841 a 1878 (Estrada de Ferro Mogiana) 1878 a 1881 1881 a 1932 (Escola Normal) Abaixo, são apresentados os dados retirados da bibliografia deste trabalho, organizados em ordem cronológica. Alguns dados são relatos de viajantes do século XIX, outros são comentários conclusivos a partir da observação desses relatos, feitos por Maria Aparecida Pantoja (1942), Ganymedes José (1971) e Amélia Trevisan (1979). É através destes dados e dos apontamentos de Furlani que efetuamos uma nova proposta para a evolução urbana de Casa Branca. 54 Século XVIII: no entroncamento dos caminhos para Minas, Cuiabá e Goiás a região de Casa Branca apresenta-se como pouso de viajantes, já com a concessão de sesmarias. 1807: o Padre Francisco de Godói Coelho requer sesmaria na propriedade de Cocais e funda ali uma capela, dedicada a Santana, e um cemitério. 1811: pedido de criação da Freguesia de Casa Branca. 1814: expedido o Alvará Régio para criação da Freguesia de Nossa Senhora das Dores de Casa Branca; determina-se a construção das casas que acolheriam os imigrantes açorianos e de uma capela, que depois seria substituída pela matriz. 1815: em maio deste ano chegam os casais de açorianos. 1818: segundo relato de D’Alincourt, a Freguesia constava de um largo retangular, ornado de pequenas casas cobertas de palha e com uma igreja no fim do mesmo largo. 1819: segundo Saint-Hilaire, a Freguesia se compunha de uma rua reta, bastante larga, mas muito curta, e numa das extremidades, a igual distância das duas filas laterais de casas, havia uma igreja consagrada a Nossa Senhora das Dores. As casas eram em número de 24, contíguas e cobertas de palha. 1822: um grande incêndio destrói sete casas, inclusive a que seria do quartel e cadeia. 1825: os açorianos partem para as sesmarias e algumas casinhas são vendidas pelo governo. 1837: havia na Freguesia duas ruas, a Rua do Comércio e, paralela a esta, a Rua das Flores. 1841: a vila já contava com 40 casas novas e se estendia até o Largo do Rosário, convergindo para a praça onde se projetava a construção da matriz (atual Praça Barão de Mogi Guaçu). A Rua dos Carros, hoje Luiz Gama, era a principal via de tráfego de carros de boi e tropas e o centro comercial estava localizado na Rua do Comércio, atual Waldemar Panico, e no Largo do Rosário. Essa função comercial é revelada pelas formas das casas: baixas e alongadas com numerosas portas; eram os grandes armazéns. 1843: iniciados os trabalhos para a construção da primeira igreja matriz, na atual Praça Barão de Mogi Guaçu. 1852: a igreja matriz já estava edificada, mas não concluída: apresentava-se sem acabamentos. 1869: mudança do cemitério do Largo do Rosário para onde é hoje o Instituto de Educação, antiga Escola Normal. Ficava 27- Rua Waldemar Panico, década de 1980. Fonte: Museu de Casa Branca. Autor desconhecido. 28- Rua Waldemar Panico, 136. Construção demolida. Sem data. Fonte: Museu de Casa Branca. Autor desconhecido. 29- Primitiva Igreja do Rosário em Casa Branca. Aquarela de Miguel Dutra (1854). Reprodução de João Dorat de fotografia fornecida por Afonso Taunay. Fonte: Almanaque de Casa Branca para o ano 1905, emprestado pela senhora Dulce Horta. 30- Primitivo Cemitério de Casa Branca. Aquarela de Miguel Dutra (1855). Reprodução de João Dorat de fotografia fornecida por Afonso Taunay. Fonte: Almanaque de Casa Branca para o ano 1905, emprestado pela senhora Dulce Horta. 55 próximo ao bosque de onde brotava a água para consumo do dia-a-dia. 1872: início das construções do Teatro São José. 1877: a Estrada de Ferro Mogiana chega ao Aterradinho e D. Pedro II visita Casa Branca. Vicente Ferreira de Syllos Pereira o recebe em seu sobrado, situado na Rua Capitão Horta, atrás do colégio Rubião Júnior. 1878: a Estação Mogiana chega em Casa Branca. 1881: com o aumento das construções, o segundo cemitério já estava praticamente no centro da cidade. A nova opção recaiu sobre uma gleba da antiga Fazenda Penhora. A cidade cresce da Praça Barão de Mogi Guaçu em direção à estação de trem e a Rua Coronel José Júlio torna-se a nova rua do comércio. Atingida a estação, a cidade alcançou o seu desenvolvimento máximo no sentido do comprimento e vai começar a crescer em largura. 1885: instalou-se a Irmandade da Santa Casa de Caridade. O prédio deveria ser construído com frente para a Rua dos Carros, na época conhecida como Rua da Palha, atual Rua Luiz Gama e Luiz Piza. Nesse ano também é inaugurado o Mercado Municipal, não muito distante de onde seria a Santa Casa. A partir da inauguração, a rua defronte passou a ser chamada Rua do Mercado e a posterior, Rua São Miguel. 1886: D. Pedro II visita Casa Branca pela segunda vez e planta as cinco palmeiras no Largo do Rosário. Nesse tempo, o movimento de trens da Mogiana já é regular e já se tinha formado uma rua comprida que ia do Rosário ao topo, onde estava a estação, atual Rua Coronel José Júlio. Nessa rua, havia um bondinho, o Candura, que subia até a estação puxado por burros e descia à tração. 1887: inaugura-se a Santa Casa de Caridade e com o café, muitos imigrantes continuam indo para Casa Branca e os italianos fundam, na Rua Capitão Horta, o prédio de uma nova escola, a Príncipe de Nápoli. 1888: a igreja matriz é inaugurada solenemente e funda-se o Clube Recreativo de Casa Branca. 1889: um incêndio destrói a igreja matriz. 1890: é fundada a Casa Cristal da família Basilone. 1891: assinala-se a existência da primeira escola da cidade, o colégio Santa Maria, que funcionava em um casarão de janelas altas, próximo ao Largo do Rosário. Era conhecida 31- Fotos da Estação da Estrada de Ferro Mogiana em Casa Branca, 1920. Fonte: Museu de Casa Branca. Autor desconhecido. 32- Rua Coronel José Júlio - Rua da Estação. Fonte: Museu de Casa Branca. Autor desconhecido. Sem data. 33- Santa Casa de Misericórdia, 1940. Fonte: Museu de Casa Branca. Autor desconhecido. 56 como escola de baixo, pois depois foi construída outra mais próxima da estação. 1893: lançada a pedra fundamental da nova igreja matriz, no mesmo local anterior. Também ocorre a construção da capela, em honra de Nossa Senhora do Desterro, e da nova cadeia pública, que seria em dois pavimentos, destinando-se o superior ao Paço Municipal. Escolheram o local no Largo da Misericórdia. Também chega à cidade a luz elétrica. 1902: o Paço Municipal está situado no Largo da Misericórdia. 1903: fundado o primeiro Grupo Escolar, Dr. Rubião Jr., provisoriamente instalado em um velho casarão no Largo do Rosário, perto da casa onde o Imperador havia se hospedado, na Rua Capitão Horta. Por doação do Barão de Casa Branca, a cidade nessa época tinha vários chafarizes. A nascente provinha do açude no bosque, local dos futuros terrenos da ACCPE, Associação Casa-branquense de Cultura Phísica e Esportiva. 1912: criação da Escola Normal. 1917: construção da avenida que leva a cidade ao bosque. 1918: a Escola Normal entra em funcionamento no velho casarão da esquina do Largo do Rosário. 1928: escolhido o local para a construção da nova Escola Normal: o antigo cemitério. 1932: fundado o Asilo de Inválidos, entra em funcionamento o novo prédio da Escola Normal e cria-se o Sanatório Cocais, sendo destruído o antigo abrigo dos leprosos, restando apenas a capela na saída para Tambaú, construída em 1888. 1938: inaugura-se o Salão São José, da paróquia, ao lado da matriz. 1952: a antiga Rua dos Carros e da Palha, atual Luiz Gama, transforma-se em avenida de duas mãos. 1960: inaugura-se o Cine Casa Branca e funda-se a Escola Técnica de Comércio na esquina das ruas Lafaiete de Toledo e Lacerda Franco. 1962: inaugura-se a estação rodoviária, nos fundos da igreja matriz, e também o Fórum Ministro Costa Manso, na Praça Rodrigues Alves, antigo Largo da Boa Morte. 1963: inaugurada a CAGESP, armazém para estoque da produção agrícola. 1966: remodelação da Praça Rui Barbosa, em frente à Estação 34- Casa das Irmãs, anexa à Santa Casa de Misericórdia, 1940. Fonte: Museu de Casa Branca. Autor desconhecido. 35- Antigo Mercado Municipal. Fonte: Almanaque de Casa Branca para 1905, emprestado pela senhora Dulce Horta. 36- Igreja do Rosário e as cinco palmeiras plantadas por D. Pedro II, que não existem mais. Fonte: Museu de Casa Branca. Autor desconhecido. 37- Escola Príncipe de Nápoli, Rua Capitão Horta. Fonte: Museu de Casa Branca. Autor desconhecido. Sem data. 57 da Estrada de Ferro Mogiana. Com este panorama geral da evolução urbana da cidade de Casa Branca, passemos, então, ao foco deste trabalho: o primeiro eixo de ocupação, da Rua do Comércio, atual Waldemar Panico, até a Praça Barão de Mogi Guaçu, com delimitação do perímetro referente ao processo de ocupação do solo vinculado aos primeiros tempos de povoação, à vinda dos açorianos para a cidade e à migração de mineiros: Rua do Comércio, Praça Barão do Rio Pardo e Largo da Igreja do Rosário. 38- Clube Casa Branca na Praça Barão de Mogi Guaçu, décade de 1920. Fonte: Museu de Casa Branca. 2.2 Os primórdios da ocupação do território da Freguesia de Nossa Senhora das Dores de Casa Branca 39- Jardim Público na Praça Barão de Mogi Guaçu. Fonte: Almanaque de Casa Branca para 1905, emprestado pela senhora Dulce Horta. Rua dos Mineiros 40- Casa Cristal, Rua Coronel José Júlio, esquina com a Praça Barão de Mogi Guaçu. Fonte: Museu de Casa Branca. Autor desconhecido. Sem data. Repartição dos Habitantes/ Grupos Ocupacionais dos Chefes de Família, Senhores, Escravos e Agregados 1814 Ocupação Chefes de família Senhores Escravos Agregados Clero secular Agricultura e pecuária Comércio Ofícios Diversos Total 1 1 3 0 145 26 83 66 4 0 0 1 15 2 6 7 1 0 0 1 166 29 92 75 41- Antigo Paço Municipal e Cadeia Pública. Fonte: Almanaque de Casa Branca para o ano de 1905, emprestado pela senhora Dulce Horta. Fonte: Listas Nominativas por Fogos apud TREVISAN p.51. 58 No ano da criação da Freguesia, em 1814, havia em Casa Branca 166 fogos, dos quais 117 eram de famílias originárias da Capitania de São Paulo, 35 de Minas Gerais, 1 de Goiás e 13 sem indicação. No quadro de ocupações do referido censo consta, em primeiro lugar, o clero secular, pois o pároco, o padre Francisco de Godói Coelho, além de suas funções religiosas, era o representante administrativo do governo da Capitania de São Paulo, nomeado pelo Príncipe Regente. Consta também um único senhor de engenho de açúcar, lavradores, lavradores-criadores, um negociante de bois, taberneiros, ferreiros, um sapateiro, telheiros, carpinteiros, fiadeiras e escravos. Analisando este quadro, podemos supor que o pouso já possuía uma razoável estrutura urbana, vinculada à produção rural, mas já com atividades exclusivamente urbanas, atividades estas que deveriam atender aos moradores e aos viajantes. Com isso, novamente pode-se afirmar que a vinda dos açorianos para a cidade tratou de responder a interesses da Coroa em estabelecer esses imigrantes que já se encontravam no Brasil desde 1813. Não se criou uma freguesia unicamente para abrigá-los, mas coincidiu o pedido do Padre Godói com a necessidade de D. João VI de alocar essas famílias. De qualquer forma, foi o Decreto de D. João VI, de 1814, que determinou as diretrizes para a ocupação ordenada desse território. Em fevereiro de 1813, já se encontravam os açorianos distribuídos pelas capitanias do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Porto Seguro e Espírito Santo. A segunda leva de açorianos chegou ao Brasil ainda no ano de 1814 e se encontravam distribuídos, desde então, provisoriamente ao longo do Caminho de Goiás, nas fazendas de Jundiaí, São Carlos e Mogi Mirim, chegando em Casa Branca apenas em maio de 1815. Dessa forma, comprova-se que a projetada colonização açoriana na Capitania de São Paulo começou com um erro básico, pois ao invés de, primeiramente, se escolher o local da povoação para alojar as famílias imigrantes, procedeuse ao contrário: primeiro mandaram vir dos Açores os casais, para depois se resolver o local e a sua habitabilidade. Foi em dezembro de 1814 que o Conde de Palma, governador da Capitania de São Paulo, recebeu 20 casais de ilhéus açorianos para aumento da população e desenvolvimento da lavoura. Deliberou o governo estabelecê-los no termo da 42- Antiga Cadeia Pública. Fonte: Museu de Casa Branca. Autor desconhecido. Sem data. 43- Igreja Nossa Senhora das Dores, 1930 Fonte: Museu de Casa Branca. Autor desconhecido. 44- Igreja Nossa Senhora das Dores, 1940 Fonte: Museu de Casa Branca. Autor desconhecido. 45- Antigo casarão do colégio Rubião Júnior. Fonte: Museu de Casa Branca. Autor desconhecido. Sem data. 3- Dados estatísticos colhidos nos maços de população de Mogi Guaçu, apud TREVISAN, p.42, 50 e 51. 4- TREVISAN, p.55. 59 Vila de Mogi Mirim, para povoar a estrada que ia a Goiás e Mato Grosso, principal via de comércio de São Paulo com aquelas capitanias. Tal decisão e necessidade coincidiram, portanto, com o pedido de criação da Freguesia de Casa Branca feito pelos moradores já lá residentes. Em maio de 1815, chegam em Casa Branca 19 casais, somando cerca de 120 pessoas, que vieram dos Açores à custa do Estado. A esses açorianos foram entregues casas junto ao pouso de Casa Branca, porém a questão das terras para cultivo demoraria a ser resolvida. Documento enviado pelo Intendente Geral de Polícia ao sargento-mor de Casa Branca, em 1818, estaria esclarecendo ao sargento-mor a obrigatoriedade em seguir a planta que teria sido determinada quando da construção das casas dos açorianos, no ano de 1815. Não há, no entanto, referências à existência dessa planta que definiria o traçado urbano desse primeiro eixo de ocupação, mas supõe-se que o plano tenha realmente existido, haja vista a racionalidade desse traçado e a regularidade do traçado das ocupações subseqüentes, em quadrícula. Após considerar os aspectos acima relatados, há quatro hipóteses que podem ser estabelecidas a partir dos documentos pesquisados e dos estudos que estão sendo realizados a respeito da história da cidade de Casa Branca e das características da evolução urbana no Brasil nesses primórdios de ocupação do território. 46- Escola Normal, 1940. Fonte: Museu de Casa Branca. Autor desconhecido. 2.2.1 Hipóteses 1, 2 e 3 Segundo os estudos de Amélia Trevisan, o início da ocupação efetiva do pouso de Casa Branca teria ocorrido com a construção das casas para os açorianos, que chegaram a esse novo núcleo urbano em 1815. A hipótese, defendida em sua dissertação de mestrado, estabelece que tais casas de morada, construídas pela Coroa portuguesa, estariam localizadas onde hoje é a Rua Waldemar Panico, antiga Rua do Comércio, sendo que haveria, ainda hoje, construções remanescentes desse início do século XIX. Seriam 24 casas, contíguas e cobertas de 5- Segundo certidão da Câmara de Mogi Mirim, 1° de julho de 1815, apud TREVISAN, p. 63. 6- “A povoação foi edificada com regularidade e com a mesma foram marcadas as ruas que deviam abrir para o futuro, para que os vindouros não tenham de emendar erros da Polícia passada, com prejuízo até dos possuidores que estiverem fora dos alinhamentos e são para seguir a planta a princípio determinada sem nenhuma alteração”. (DAE – Ofício do Intendente Geral de Polícia ao sargento-mor de Casa Branca, José Garcia Leal, em agosto de 1818, apud TREVISAN, p. 65). 60 palha. A autora também defende que a antiga igreja construída para atender os açorianos localizar-se-ia no mesmo lugar onde hoje está a Igreja do Rosário. Os seus apontamentos baseiam-se nos relatos dos viajantes D’Alincourt e Saint-Hilaire. Segundo D’Alincourt, em 1818, o lugar de Nossa Senhora das Dores de Casa Branca constava de um largo retangular, ornado de pequenas casas cobertas de palha e com uma igreja no fim do mesmo largo, para onde teriam ido 24 casais. Saint-Hilaire, em 1819, registra que Casa Branca se compunha de uma rua reta, bastante larga, mas muito curta, e numa das extremidades, à igual distância das duas filas laterais de casas, uma igreja consagrada a Nossa Senhora das Dores; as casas eram em número de 24. Com essas descrições e segundo apontamentos de Amélia Trevisan, constata-se que o povoamento era formado por uma rua, que hoje seria a Rua Waldemar Panico, na qual haveria 24 casinhas contíguas, sem recuo lateral ou frontal, 12 de cada lado da rua, cobertas de palha e, provavelmente, construídas de pau-a-pique, segundo as técnicas construtivas utilizadas na época e através da observação das três casinhas que resistem até o presente e que, supostamente, seriam remanescentes daquele período. Observa-se também que apesar de terem sido construídas 24 casas, vieram para a cidade apenas 19 casais e, portanto, as demais casas passaram 47- Desenho referente à proposta de Amélia Trevisan para a localização das 24 casas dos açorianos e da primeira capela. As casas estariam localizadas na Rua Waldemat Panico, com frente medindo 4 braças (8,8 m). A primitiva igreja estaria localizada onde hoje está a Igreja do Rosário, mas ela estaria voltada para o grande largo, em direção às casas. Nas suas costas, estaria o cemitério. 7- D’Alincourt e Saint-Hilaire apud TREVISAN, p.66. 61 a ser ocupadas por outras funções, como o quartel, que foi destruído no incêndio de 1822, o qual destruiu 7 casas. Mas, se considerarmos as descrições dos viajantes, que considera que a igreja estava localizada no fim do conjunto das casas, podemos levantar mais duas hipóteses de localização dessas habitações açorianas e de localização da primitiva igreja. Nessa segunda hipótese, apenas pela observação do desenho desse trecho urbano considerado, que possui um alargamento da Rua Waldemar Panico, que hoje constitui a Praça Honório de Syllos, podemos supor que esse largo poderia ter sido o adro da primitiva igreja. 49- Desenho referente à hipótese 2. As 24 casas dos açorianos estariam localizadas na Rua Waldemar Panico, com frente medindo 4 braças (8,8 m). A primitiva capela estaria localizada onde hoje é a Praça Honório de Syllos. Na terceira hipótese, podemos considerar o posicionamento da antiga igreja no atual local da Igreja do Rosário, mas muda-se o posicionamento das casas, que localizar-se-iam na atual Rua Mestre Araújo. 50- Desenho referente à hipótese 3. As 24 casas construídas para os açorianos estariam localizadas na Rua Mestre Araújo, continuação da Rua Waldemar Panico, com frente medindo 3 braças (6,6 m). A primitiva capela estaria localizada onde hoje é a Igreja do Rosário. Tais hipóteses podem ser levantadas porque não há provas sobre a real localização dessas construções. Sobre as casas da Rua Waldemar Panico, números 131, 151 e 165, não há elementos concretos que comprovem que elas seriam remanescentes dessas primitivas construções de 1815 e, sobre a capela, supõe-se que ela localizar-se-ia no local da atual Igreja do Rosário em função de uma gravura de 1854, que será 8- DAE – Ofício do Alferes Comandante do Quartel de Casa Branca ao Governo Interino sobre o incêndio – 28 de fevereiro de 1823, apud TREVISAN, p.66. 62 Praça Honório de Syllos Rua Waldemar Panico 102 183, 201 e 229 do outro. Como um lado tem 8 propriedades e o outro, 6, supondo que na época dos açorianos haveria 12 casas de cada lado, levanta-se a hipótese de um posterior remembramento desses lotes, já que os imóveis construídos no início do século XIX seriam pequenas construções, sem recuos laterais, medindo de 3 a 4 braças de frente e provavelmente semelhantes às construções 131, 151 e 165 e até mesmo à 136, já demolida, consideradas por aquela autora remanescentes do período. Outras suposições também podem ser levantadas a partir de documento fornecido pelo Cartório de Registro de Imóveis de Casa Branca, referentes aos títulos de compra e venda dos primeiros proprietários registrados10, a maioria no início do século XX. É importante ressaltar que tais casas de morada foram construídas pelo governo da Capitania de São Paulo, mas que, com a saída dos açorianos para suas sesmarias, as casas foram vendidas. Também seria interessante analisar os processos existentes na Prefeitura a respeito das obras realizadas nesse logradouro, em relação aos proprietários atuais, como uma tentativa de recuperar a conformação original dos lotes e as características originais das construções. Tal análise não foi possível, pois não conseguimos fazer uma retrospectiva dos nomes dos proprietários, obtemos apenas os nomes dos proprietários atuais e dos primeiros. Sobre os atuais, não havia nenhum dado relevante para esse estudo, e sobre os primeiros, não houve como localizar tais processos, haja vista que a 72 apresentada adiante. Mas novas informações demonstram que a hipótese de Amélia Trevisam pode ser realmente questionada. É o que demonstramos nos apontamos que se seguem. Considerando a hipótese de Amélia Trevisan correta, nos dispusemos a analisar a atual situação dos imóveis localizados na Rua Waldemar Panico, com o intuito de buscar resquícios que pudessem comprovar que as casas dos açorianos tivessem sido realmente localizadas nessa rua. Procurou-se observar tanto as construções como as configurações dos lotes. Analisando documento da Prefeitura do Município de Casa Branca, que elenca os imóveis hoje situados na Rua Waldemar Panico, observamos que atualmente há apenas 14 propriedades nos dois lados da rua. Os números 102, 118, 136, 152, 196, 206, 212, e 236 de um lado e 131, 151, 165, 63 Rua Waldemar Panico - antiga Rua do Comércio Prefeitura só possui documentos a partir de 1970 e aqueles seriam do início do século. Outra forma para tentar supor a conformação original de tais casas e seus respectivos lotes seria através das plantas dos lotes atuais, através dos quais poder-se-ia verificar a modulação desses lotes, mas, como descrito acima, o acesso a qualquer dado da Prefeitura para esses fins acadêmicos não foi possível. Observando os dados do Cartório de Registro de Imóveis, podemos supor a numeração original das construções da Rua Waldemar Panico. Tendo como registro oficial das antigas numerações da Rua do Comércio, como demonstra tabela abaixo, apenas os números 01, 03, 11, 06, 08 e 10, levanta-se a hipótese da numeração original dos outros imóveis e, com esses dados, supõe-se que a Rua dos Açorianos, que segundo Amélia Trevisan seria a atual Waldemar Panico, seguisse pelas ruas Waldemar Panico e Mestre Araújo, para só assim ser possível completar a numeração das 24 casas. Rua Waldemar Panico Rua Mestre Araújo Rua do Comércio ano numeração atual ímpar numeração original 1922 131 10 1922 151 8 165 6 1917 183 1917 201 1978 4 4 2 1 229 numeração atual par numeração original 1924 102 17 1922 118 15 136 13 152 1926 196 9 1918 206 7 212 5 236 3 1909 148 e 154 11 1942 Nessa tabela, considera-se que a Rua do Comércio passou a se chamar Rua Mestre Araújo e somente depois chamou-se Waldemar Panico, segundo considerações de Ganymedes José. Tal hipótese poderia ser comprovada se houvesse nos registros da Prefeitura ou no Museu de Casa Branca os históricos dos nomes das ruas da cidade, como o que existe no Arquivo Municipal do Município de São Paulo. Talvez a Rua do Comércio se referisse não só à atual Waldemar Panico, mas também à Mestre Araújo, pois seriam uma só. Mas, nessa hipótese apresentada, os lotes, referentes à essa numeração 64 ‘original’, seriam maiores do que as 3 ou 4 braças de frente sugeridas para as primeiras casinhas açorianas. Acredita-se, portanto, que já nesse começo do século XX, segundo o registro no Cartório de Imóveis, teria ocorrido um remembramento dos lotes originais dos açorianos ou que aquelas construções de 1815 não se localizavam nesse local. Ainda procurando resquícios históricos, tentou-se fazer pesquisa utilizando os nomes dos primeiros proprietários com registro no Cartório de Imóveis, solicitando-se os processos referentes àqueles proprietários junto à Prefeitura. No entanto, como os processos ainda existentes na Prefeitura datam a partir de 1970 e os registros de compra e venda são, em sua maioria, das décadas de 1910 e 1920, não foi possível encontrá-los. Segundo o arquiteto responsável da Prefeitura, o senhor Homero Evangelista, tais documentos do arquivo morto ou foram destruídos ou estariam no Museu de Casa Branca. A pesquisa neste último estabelecimento comprovouse inviável, haja vista a falta de catalogação e organização dos documentos. Diante de tais dificuldades, optou-se por utilizar outros meios para chegar à hipótese da conformação original das 24 casas dos açorianos. O documento utilizado seria a própria construção remanescente, referente aos imóveis 131, 151 e 165 da atual Rua Waldemar Panico, e a conformação atual das quadras e das ruas, utilizando mapa atualizado da cidade, cedido pela arquiteta Maria Elisa Chinez. É importante considerar e destacar que a conformação atual dessas residências citadas, mesmo se for realmente vestígios de outros tempos, muito provavelmente não é aquela original, já que há um histórico de sua construção de quase 200 anos, que inclui mudanças de uso e reformas. Considerando o fato de que, segundo o registro do Cartório de Imóveis, as construções 131, 151 e 165, no registro de 1922, pertenciam a um único proprietário, o senhor Álvaro Machado Pereira, teria havido, pelo menos, um processo de remembramento de lotes. Portanto, a localização de portas e janelas talvez fosse outra originalmente, o que poderia ser pesquisado através de prospecções. O interessante também seria comparar a posição dos esteios de madeira com as medidas mínimas utilizadas para a construção do pau-a-pique, tentando, assim, supor qual seria a conformação original de 52- Imóveis situados na Rua Waldemar Panico, números 131, 151 e 165. Fotos de Mariana Horta, março de 2006. 9- Cada braça tem 2.2 metros de comprimento. 10- Ver anexo do Registro de Imóveis da Rua Waldemar Panico. 65 cada casinha açoriana. Mas também a técnica construtiva já foi substituída. A casa 151, por exemplo, já apresenta as paredes da fachada em tijolos. Outro fato a considerar é que as entradas laterais, hoje presentes nos imóveis 131 e 165, com certeza já são modificações da segunda metade do século XIX. 53- Estudos sobre a casa de pau a pique, taipa de mão ou taipa de sopapo. 1a- Sequência de desenhos de Silvio Cordeiro, sobre a estrutura do pau a pique e da configuração da casa de caboclo 2a- Modelo de planta de casa em pau a pique, desenho de Carlos Zibel Costa 3a- Desenho da planta da casa 165 da Rua Waldemar Panico, de Mariana Horta, em março de 2006. 1a 2a 1b 3a 54- Série de desenhos para estudo de suposta configuração das casas dos açorianos no início do século XIX, localizadas na Rua Waldemar Panico. Desenhos de Mariana Horta. 2b 1b- A configuração das casas 131, 151 e 165 no início do século XX e ainda hoje, com pequenas alterações nas entradas laterais. 2b- Proposta de plantas para as casas dos açorianos. Modulação com porta e janela. 66 Ainda sobre esse primeiro eixo de ocupação, é destaque a Igreja do Rosário e seu largo. Segundo Amélia Trevisan, a capela, construída para os açorianos enquanto não se erigia a matriz, havia sido construída como as casas, de pau-a-pique e coberta com palha de indaiá, sem torre e com um único pórtico e comportava cerca de 50 pessoas. Teria sido esta capela, supostamente construída entre 1814 e 1818, a primeira matriz da Freguesia de Casa Branca, edificada no mesmo lugar onde está a atual Igreja do Rosário, em cuja proximidade também encontrava-se o cemitério, segundo Amélia Trevisan. Mas, outro questionamento é que, se existissem as 24 casinhas na atual Rua Waldemar Panico, a localização da capela no atual posicionamento da Igreja do Rosário seria muito distante e não estaria de acordo com o descrito por D’Alincourt, em 1818, e por Saint-Hilaire, em 1819. Segundo eles a rua seria reta e curta, estando no seu final a pequena capela. Como já foi comentado, observando o desenho atual da cidade vemos um pequeno largo onde hoje está a praça Honório de Syllos. Qual a razão da existência desse largo? Será que não era ali que poderia estar localizada a antiga capela de pau-a-pique coberta de palha? E depois, com a evolução urbana, determinou-se a nova localização onde hoje está a Igreja do Rosário, com o cemitério onde hoje é a praça subseqüente? De qualquer forma, naquela hipótese ou nesta, afirmam-se questões de desenho urbano baseadas apenas em suposições, sem terem sido feitas prospecções arqueológicas ou mesmo que tenha sido descoberta alguma planta ou desenho antigos. O primeiro registro da primitiva Igreja do Rosário, já em seu local atual, aparece em 1854, em aquarela de Miguel Dutra11, já com torre. Portanto não era a primitiva capela de 1814. Talvez, aquela original, situada no largo da Praça Honório de Syllos tivesse sido destruída no incêndio de 1822. O ofício relatando tal acontecimento confirmaria essa hipótese? Segundo Matilde Maria de Jesus12, essa primitiva capela não tinha torre e suas paredes de pau-a-pique não tinham pintura, eram apenas rebocadas de areia e estrume de gado e não possuía janelas laterais, apenas duas portas. Uma reforma ou uma nova construção para substituir 11- Aquarela de Miguel Dutra existente no Museu Paulista e reproduzida no trabalho de SCACABARROZZI, p.6. Ver página 55 desta monografia. 12- Matilde Maria de Jesus apud SCACABARROZZI, p.7. 67 a capela primitiva teria sido feita em torno de 1854, segundo a aquarela de Miguel Dutra. A igreja atual foi erguida em 1914, para comemoração do centenário da paróquia. O interessante seria pesquisar sobre documentos eclesiásticos referentes à implantação da primeira capela e às reformas e construções subseqüentes. Haveria um plano urbanístico para a conformação do largo? Existiriam esses documentos eclesiásticos? Retomando outra questão importante, temos que considerar que os resquícios das construções supostamente remanescentes das açorianas, já não seriam daquele início do século XIX. As várias mudanças de usos e as conseqüentes mudanças arquitetônicas caracterizariam tais construções como documento histórico referente a outro período, da metade do século XIX. A Rua do Comércio teve uma vida bastante intensa no século XIX, especialmente entre a segunda metade daquele século e início do XX, como mostraram os relatos de Maria Bárbara Horta Pereira13. Por isso, esse período deve ter marcado muitas transformações nas suas características, como sugerem os relatos: a vida dinâmica e de intensa atividade econômica transforma as formas de ocupação do solo, o que muitas vezes ocorreu em São Paulo, a exemplo da Avenida Paulista, e continua ocorrendo, como na Avenida Faria Lima e Marginal Pinheiros. 55- Mapa de 1885 desenhado por Maria Bárbara, provavelmente segundo pesquisas e relatos de seu pai Álvaro e de sua mãe Alice. 1- Rua Coronel José Júlio 2- Rua da Palha, atual 7 de Setembro 3- Rua das Flores, atual Capitão Horta 4- Rua do Comércio, atual Waldemar Panico 5- Praça da Matriz 6- Praça da Igreja do Rosário 7- Casa de Manoel Machado Pereira e sua mulher Maria Bárbara. Ao lado ficava o armazém. 8- Casa de João Bento de Oliveira Horta Fonte: PEREIRA, p.14. 56- Desenhos de Maria Bárbara. A primeira figura corresponde ao armazém de João Bento de Oliveira Horta, dividido em três residências, correspondentes às atuais construções de numeração 131, 151 e 165. As duas figuras de baixo correspondem ao número oito do mapa acima, lote 148 ou 154, atual 152 da Rua Waldemar Panico, que também pertenceram a João Bento, construção já demolida. Fonte: PEREIRA, p.16, 17. No ano de 1885, a cidade expande-se em direção à estação da Estrada de Ferro Mogiana. No manuscrito de Maria Bárbara14, há a descrição em detalhes da conformação da cidade nesse ano, provavelmente em decorrência dos relatos de seu pai Álvaro Machado Pereira e de sua mãe Alice Horta Pereira. 13- Nesta monografia, foi usado um manuscrito inédito de 1983 como documento de pesquisa, escrito por Maria Bárbara Horta Pereira, filha de Álvaro Machado Pereira e Alice Horta Pereira, descendentes do casal açoriano José da Rosa Machado e Maria Delfina do Rosário, que vieram para o Brasil em 1814. Todos, em algum momento de suas vidas, moraram em Casa Branca e esse manuscrito registra esses relatos da família. 14- PEREIRA, p.14. 68 A casa de João Bento de Oliveira Horta15, que aparece no mapa com a numeração 8, referida no texto de Maria Bárbara, seria a atual casa 152, da Rua Waldemar Panico, conforme registro do Cartório de Imóveis. A construção do outro lado da rua, “baixa e comprida”, corresponde aos imóveis números 131, 151 e 165, que aparecem no Registro de Imóveis como propriedades de Álvaro Machado Pereira, que as havia adquirido do próprio João Bento, que outrora tivera ali um armazém. A casa de João Bento de Oliveira Horta, atual 152, em seu desenho, não se parece com as casinhas do outro lado da rua, referentes ao armazém. As janelas em arco e o terreno grande não condizem com as descrições das casinhas açorianas. Nesse ano de 1885, 70 anos após aquelas construções primitivas, muitas alterações já deviam ter ocorrido na outrora Rua dos Açorianos16. Álvaro Machado Pereira casa-se com Alice Horta Pereira em 1909 e pouco tempo depois o Major João Bento de Oliveira Horta encerrou as atividades em seu estabelecimento comercial e transformou o prédio, antigo armazém, em três residências, Rua do Comércio números 06, 08 e 10, atuais Rua Waldemar Panico 131, 151 e 165, sendo que o casal foi morar na maior, a 165. Pelos relatos, a descrição das casas em 1909 é praticamente a mesma nesse ano de 2006. São quase 100 anos de predominância das características principais dessas construções e mesmo que não sejam as originais dos açorianos, as próprias transformações de uso, o seu destaque como uso comercial na Rua do Comércio e o tempo dessas construções já justifica o seu valor como registro de uma época, o que justificaria, mais uma vez, o seu tombamento pelo Condephaat. Nesta década de 1910, também é registrado por Maria Bárbara a existência de uma fábrica de macarrão da família Gregorini, ao lado da residência do Major João Bento, na Rua do Comércio, além de uma farmácia do próprio Álvaro Machado Pereira. Sobre esta década de 1910, há também um interessante registro da história da cidade em texto publicado na revista “Cigarra”17, cedida por Maria Elena Horta. Tal documento trata da visita do presidente do Estado, o senhor Altino Arantes, 15- João Bento de Oliveira Horta é avô de Maria Bárbara, pai de Alice Horta Pereira. Ele é filho de Moysés de Oliveira Horta, que foi para Casa Branca da cidade de Cabo Verde, em Minas Gerais, cujo pai Manuel Joaquim d’Horta veio dos Açores, da Província do Fayal, cuja capital é Horta. “O primeiro Horta de quem tenho notícia é Manuel Joaquim d’Horta (vindo dos Açores, da Província do Fayal, cuja capital chama-se Horta). Encontro-o na pequenina vila de Cabo Verde, a Oeste do Estado de Minas Gerais, próximo à divisa com o Estado de São Paulo. Sei apenas, a seu respeito, que foi pai de Moisés de Oliveira Horta. (Este) ao atingir a idade adulta, casou-se com uma moça chamada Maria Antônia do Nascimento. O casal resolveu ir para o Estado de São Paulo (e), de fato, vamos encontrá-los, em 1832, na pequenina cidade de Casa Branca (...)” (PEREIRA, p.6-7) “Também de uma das ilhas dos Açores veio para o Brasil a família de José da Rosa Machado e Maria Delfina do Rosário. Chegaram por volta de 1816, com uma leva de imigrantes açorianos que, vencendo as duras penas a rude estrada do porto de Santos para o interior, fixou-se em Casa Branca.” (PEREIRA, p.8-9) “Ainda voltamos aos Açores. Agora estamos na ponta noroeste da Ilha de São Jorge, onde fica a Freguesia dos Rosais, um pequeno povoado. Ali, no caminho de baixo (...) é onde mora a família de Francisco José Machado Pereira. Todas as noites, após os trabalhos do dia, à porta da casa, ele conversa com seu cunhado Manoel Inácio de Souza Pontes. E sempre o assunto é o sonho de ambos: o Brasil, a colônia que Portugal tem na América do Sul, e para onde tantos amigos têm ido.” (PEREIRA, p.9-10) 16- A denominação Rua dos Açorianos é sugerida por Amélia Trevisan, mas não há registros que a confirmem como nome oficial. 17- Ver a revista em anexo. 69 por ocasião das festas de entrega de diplomas à primeira turma de alunas que concluíram o curso da Escola Normal de Casa Branca, em torno de 1917/1918. Descreve-se o progresso da cidade, exaltando sua beleza, com habitações modernas e higiênicas, ainda com destaque para sua riqueza agrícola, especialmente a cultura do café. Fala-se ainda nas benfeitorias nos espaços públicos: bosque, jardim, rodovia, saneamento e a própria instalação da Escola Normal em 1912. Concluindo toda essa discussão, salienta-se que nos estudos realizados sobre a cidade de Casa Branca, observa-se o grande destaque dado à ‘colonização’ açoriana e a pouca preocupação com a migração mineira, que deixou traços profundos na cultura do município. Segundo Maria Aparecida Pantoja18, apontamentos de Saint-Hilaire destacam outros dois fatos interessantes: o crescimento do povoado de 1819 a 1823 e a semelhança de seu plano de construção com o das aldeias de Minas. Esses dois fatos poderiam ser explicados pela migração de mineiros para a região, vindos de São João Del Rei e Cabo Verde. A análise dos dados apresentados por Amélia Trevisan e a sua confrontação com dados de relatos de famílias que habitaram a pequena cidade no século XIX, levam-nos a crer que criou-se um mito a respeito das casas dos açorianos, como uma forma de exaltar um passado no qual a cidade teria sido ‘colonizada’ por novos estrangeiros, vindos dos Açores, apesar de já estarem presentes em suas terras aqueles imigrantes vindos das Minas Gerais, da cidade de Cabo Verde e São João Del Rei, sendo que a primeira também já havia sido colonizada por imigrantes açorianos, mas com população nascida no Brasil. As casas dos açorianos na Rua Waldemar Panico, se assim realmente caracterizadas, só teriam permanecido como tal até meados da década de 1820, quando aqueles receberam suas sesmarias e para lá se mudaram. As 24 casas foram, então, alugadas ou vendidas e só na segunda metade do século XIX tal rua recebe destaque urbano como a Rua do Comércio, assumindo a função que exercia a Freguesia em termos regionais, já que, de origem, era pouso de viajantes. 57- Desenho das casas 131, 151 e 165 da Rua Waldemar Panico, segundo descrição das mesmas em 1910, por Maria Bárbara. Desenho de Mariana Horta. 58- Desenho das casas 131, 151 e 165 da Rua Waldemar Panico, segundo descrição das mesmas em período anterior a 1885, quando eram um único armazém. Hipótese de como poderia ter sido o armazém de João Bento de Oliveira Horta. Desenho de Mariana Horta. 70 2.2.2 Hipótese 4 A partir dos estudos da historiadora Amélia Trevisan, da observação dos mesmos relatos dos viajantes Saint-Hilaire e D’Alincourt, dos documentos históricos apresentados em seu trabalho, bem como novos documentos referentes às propriedades localizadas hoje na Rua Waldemar Panico e seus respectivos primeiros proprietários registrados em cartório e até mesmo o manuscrito de uma família, que descreve a sua história em Casa Branca, como a observação da própria arquitetura e do desenho urbano, podemos tirar novas conclusões, paradoxais com as idéias defendidas em 1979, mas que podem abrir novos caminhos para pesquisas futuras. A nova hipótese defendida é que as 24 casas construídas pela Coroa portuguesa para acolher os casais de açorianos não estariam localizadas na atual Rua Waldemar Panico, mas ao redor da Igreja do Rosário, formando um “largo retangular”, como afirma D’Alincourt. O próprio relato dos viajantes sugere essa conformação, já que, em 1818, Casa Branca constava de um largo retangular, ornado de pequenas casas cobertas de palha e com uma igreja no fim do mesmo largo, ou que, em 1819, o povoado compunha-se de uma rua reta, bastante larga, mas muito curta, e numa das extremidades, à igual distância das duas filas laterais de casas, localizava-se uma igreja consagrada a Nossa Senhora das Dores. Dessa forma, propõe-se outra ocupação do espaço 59- Hipótese 4 de localização das casas dos açorianos nos primórdios do século XIX. As 24 casas estariam localizadas no entorno da Praça Barão do Rio Pardo, formando um grande largo, cada uma com 4 braças de frente (8,8 m). A capela estaria localizada onde hoje está a Igreja do Rosário, mas com frente para o outro lado, sendo que nas suas costas, atual Praça Dr. Barreto, estaria o primeiro cemitério da povoação. 18- PANTOJA, p.30-31. 71 urbano no início do século XIX. Como desde o final do século XVIII já havia sesmarias nessa região sendo ocupadas e como o pouso para viajantes que passavam pelo Caminho de Goiás, atual estrada velha para Tambaú, acarretou o início de uma aglomeração em favor dessa atividade comercial, acredita-se que, primordialmente, a Rua Waldemar Panico tenha sido ocupada pelos próprios sertanistas, seguindo essa tendência comercial dos viajantes. Tal hipótese deve-se principalmente à observação das características espaciais e da arquitetura. A rua em diagonal, que rasga o desenho mais regular, em quadrículas, seria a própria continuação do caminho para Goiás, sugerindo que o início da aglomeração urbana tenha surgido às margens de tal caminho, já que era preciso atender à necessidade de tais viajantes. Essa ocupação sertanista seria mais lógica, pois, não havendo capela naquele local próximo ao pouso, a própria estrada, com seu movimento, seria o único foco de interesse ao redor do qual poder-se-ia iniciar um arraial. É importante destacar que, como a Coroa portuguesa era responsável pela construção das habitações para os açorianos, determinou também a construção da primeira capela e os traçados das ruas futuras. Tais casas, de acordo com os relatos dos viajantes, seriam pequenas construções de taipa de sopapo, contíguas e cobertas de sapê. Essas construções, de 1815, não tiveram a influência da cultura açoriana em sua arquitetura, mas foram construídas com as características da arquitetura cabocla local, já que esses imigrantes chegaram na Freguesia quando tais construções estavam praticamente terminadas. Também não há relato de que eles tivessem construído suas próprias casas, mesmo porque os açorianos permaneceram nessas construções por apenas alguns anos e logo foram transferidos para suas sesmarias. É claro que, posteriormente, a cultura açoriana permaneceu no local, advinda das próprias famílias que chegaram em 1815, como de outras famílias de origem do mesmo arquipélago e que foram para a freguesia migrando do sul de Minas, das cidades de Cabo Verde, e de São João Del Rei, e que aqui se estabeleceram em meados do século XIX, por volta do ano 1841, como a família do João Bento de Oliveira Horta, citado anteriormente, que veio da ilha Fayal, cuja capital é Horta, e que foi para Casa Branca em 1832. 72 Com isso, supomos que as características açorianas, ainda presentes em algumas construções da Rua Waldemar Panico, números 131, 151 e 165, como os gradis de madeira, sejam resquícios de uma arquitetura de meios do século XIX, mesmo porque a ocupação de lotes com recuos laterais data de 1850 a 1900, segundo Nestor Goulart Reis Filho. 60- Análise dos mapas do Instituto Geológico do Estado de São Paulo (IG). Observando os mapas de 1905, 1907, 1930, 1938 e 1964 do município de Casa Branca, pudemos montar um histórico da evolução urbana da cidade. Com esses dados, tecemos comparações com o mapa da evolução urbana proposto por Furlani e com a primeira hipótese pessoal para a evolução dessa cidade (p.53 e 54). Como resultado, temos um último mapa como proposta pessoal final da evolução urbana da cidade de Casa Branca. 2.3 A evolução urbana de Casa Branca: nova proposta Mapa IG 1905 Mapa IG 1938 Mapa IG 1907 Mapa IG 1964 Mapa IG 1930 Mapa IG 1971 73 Após a pesquisa bibliográfica que permitiu a montagem de uma proposta de evolução urbana para a cidade de Casa Branca, principalmente a partir da localização de imóveis que teriam atraído a expansão urbana, como a matriz, a estação de trem e a Escola Normal, e da análise sobre o primeiro eixo de ocupação da cidade, buscou-se em material iconográfico a prova final para entender a conformação desse espaço urbano. Os mapas do Instituto Geológico do Estado de São Paulo mostram, além do desenho das ruas, a ocupação das quadras, mostrando em detalhe o território ocupado. Desvantagem há no fato desses registros terem sido feitos apenas a partir de 1905, mas, desse ano até 1964, pode-se entender melhor o território. Em relação à grafia, ao desenho de tais mapas, percebe-se que até 1930 o plano urbano é apresentado com ruas perfeitamente paralelas, num sistema ortogonal de quadrículas, o que não corresponde à realidade. É só observar o mapa de 2000, feito sobre base de foto aérea. Trata-se de uma questão de método de trabalho e da tecnologia utilizada para efetuar esses mapas ou era esse o plano original para o desenvolvimento urbano, tal como escrito no Ofício do Intendente Geral de Polícia ao sargento-mor de Casa Branca? Mapa IG 1905 Mapa IG 1930 Mapa IG 1907 Mapa IG 1938 Mapa IG 1964 61- Mapa da evolução urbana de Casa Branca, produto da análise dos mapas do Instituto Geológico. 74 O fato é que, apesar do plano regular, claramente identificado no mapa de 1930, esse plano não é ortogonal perfeito, como comprova o mapa de 2000. Comparando-se o mapa, produto da análise dos mapas do IG, com o outro, proposto como hipótese de evolução urbana para este trabalho de graduação (p.54), podemos afirmar que o primeiro confirma o segundo. Há grande semelhança entre os dois, com a diferença de que os mapas do IG destacam quais as faces de quadra são ocupadas e quais não são. Foi elaborado, então, um terceiro mapa, produto desses dois apresentados, sendo este último a proposta final para a evolução urbana da cidade de Casa Branca, delimitando um perímetro de atuação que caracteriza a cidade até o ano de 1932. Perímetro de interesse histórico, dentro do qual serão propostos os conjuntos arquitetônicos a serem preservados. É importante destacar que esse perímetro corresponde ao atual centro da cidade, com as ruas comerciais centradas na Coronel José Júlio, Altino Arantes, Ipiranga, Luiz Gama e Luiz Piza, e que é nesse perímetro que os preços da terra são os mais altos, sendo que a especulação imobiliária começa a se fazer presente, haja vista a existência de inúmeros terrenos vazios. Entender toda essa dinâmica é fundamental para propor soluções eficazes que possam garantir a preservação do patrimônio histórico, inserido nesse perímetro, e o diálogo com suas áreas envoltórias. 62- Mapa da Evolução Urbana de Casa Branca. Proposta final para esta monografia. 75 A compreensão do espaço urbano além desse perímetro também é de suma importância, principalmente na identificação de carências, o que auxiliaria na proposição de novos usos públicos para espaços vazios e até mesmo para imóveis de interesse como patrimônio histórico. Esse estudo da cidade como um todo também é essencial para que se possa planejar seu crescimento e expansão, impedindo, dessa forma, uma aglomeração hipertrofiada nesse núcleo histórico, ou seja, o seu inchaço, o que poderia causar uma aceleração nas transformações ocorridas sem controle, e a sua rápida descaracterização. Não se pretende o enrijecimento da cidade, mas um desenvolvimento que respeite o patrimônio cultural. Expandir a cidade para além desse perímetro é, portanto, essencial para a sua preservação. Mas, é também fundamental garantir o seu uso, apesar da criação de novos eixos urbanos. 2.4 Discussão sobre Urbanismo: inserção de Casa Branca no contexto nacional O período em que se insere a cidade de Casa Branca, em seus primórdios de desenvolvimento urbano, mostra-se obscuro dentro dos estudos já realizados sobre o urbanismo português no Brasil. Muitos dados são apresentados a respeito da segunda metade do século XVIII, referente à gestão do Marquês de Pombal, de 1750 a 1777, e do período pós-independência do Brasil, principalmente no período Republicano, a partir de 1890, mas não há uma discussão clara sobre o urbanismo no início do século XIX, no qual inserese a intervenção portuguesa no processo de urbanização do pouso de Casa Branca, com a criação da freguesia em 1814. Estabeleceremos uma discussão sobre as características desse ‘urbanismo casa-branquense’ a partir da comparação com os estudos realizados por Nestor Goulart Reis Filho, Murillo Marx e Roberta Delson, além de apontamentos de Manuel Teixeira e Margarida Valla, tentando compreender o quadro urbanístico e a morfologia daquela cidade do Nordeste paulista. 76 A composição do quadro histórico dessa cidade e a observação de seu desenho urbano atual já nos levaram a várias hipóteses sobre os primórdios de seu desenvolvimento urbano. A comparação com o quadro do urbanismo brasileiro e a observação das características morfológicas do território e também das características arquitetônicas, será outro caminho para a compreensão desse espaço, inserindo-o na história do Brasil e contribuindo para o conhecimento dessa região ao Sul de Minas Gerais. Até o momento, a cartografia do início do século XX, os dados referentes à implantação de edifícios religiosos e civis no tecido urbano e a observação local foram fontes que permitiram a constituição do mapa da evolução urbana da cidade, dividindo-a em cinco períodos de interesse para o presente estudo. A partir dessa cartografia, poderemos observar os traçados e as morfologias urbanas da cidade em suas várias fases de desenvolvimento, características ainda legíveis espacialmente. Sobre esta região, localizada entre o Rio Jaguari e o Rio Pardo, conta-se que, por volta de 1682, foi Bartolomeu Bueno da Silva o primeiro homem civilizado a percorrer a região, onde viria a surgir o pouso de Casa Branca19. Como primeiros registros oficiais, há referência ao arraial de Casa Branca em 1728, citada na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo20, além dos dados apresentados no caderno de recenseamentos de Mogi Mirim, de 1765 e 1783, e do Mapa Geográfico da Capitania de São Paulo, realizado entre 1791 e 1792. Além dos estudos de Lafayette de Toledo, Afonso de E. Taunay, Saint-Hilaire, Luiz D’Alincourt e do Visconde de Taunay21. Recuperando o início da ocupação dessa região, que se desenvolveu ao longo do chamado Caminho de Goiás, esta faixa do território paulista, representada pelo antigo termo de Mogi Mirim, conheceu uma ocupação rala e dispersa desde as primeiras décadas do século XVIII, em função da descoberta do ouro de Goiás. O início de seu povoamento, segundo Lucila Brioschi22, foi quase linear, com o estabelecimento de alguns pousos situados ao longo da estrada, ligando a cidade de São Paulo a Vila Boa de Goiás. Famílias de paulistas ocuparam a área e aí deitaram suas raízes, dando início à ocupação e à história da região - viveram as conjunturas de opulência e decadência do ouro de Goiás. Mas foi nos primórdios do 19- Segundo Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, 11° volume, p.230. 20- Vol. XXIV. 21- Alfredo d’Escragnolle Taunay, o Visconde de Taunay (1843-1899). 22- BRIOSCHI, 1995, p.10. 77 século XIX que teve início um processo de adensamento populacional, provocado por migrações de mineiros que se estabeleceram com fazendas de gado. E no último quartel daquele século, o café chegou às margens do Rio Pardo. É justamente a história inicial desse povoamento paulista e mineiro que deve ser resgatada. Na bibliografia específica sobre a cidade de Casa Branca, há grande destaque dado à colonização açoriana, mas há poucas considerações sobre a população paulista que ali já residia desde o século XVIII e a mineira chegada em meados do XIX. Na verdade, afirma Lucila Brioschi23, na própria historiografia paulista a história feita pelos mineiros no século XIX foi quase esquecida e a ocupação paulista é superficialmente tratada, como época de menor significação. Mas, é esse período anterior à constituição da Freguesia de Nossa Senhora das Dores de Casa Branca, em 1814, que caracteriza a ocupação espontânea desse território, ao longo dessa rota do ouro. No início da colonização do Brasil, nos séculos XVI e XVII, o projeto de ocupação do novo território incluía a criação de vilas nas Capitanias Hereditárias, poder concedido aos donatários. Mas, apesar dessa relativa autonomia administrativa da Colônia, não havia ainda condições para uma vida urbana: vilas e cidades tinham papéis eminentemente administrativos. Houve uma política urbanizadora apenas nas cidades de interesse para a Coroa; nas demais, as iniciativas partiam dos donatários ou da própria população. Segundo Teixeira e Valla24, os traçados das primeiras cidades do Brasil, construídas no século XVI sem intervenção direta do poder real, tinham as suas raízes na tradição urbana vernácula, adequada a uma política de ocupação do território feita lentamente pelos donatários. A organização espacial dessas pequenas cidades era de responsabilidade dos próprios donatários, daí resultando, na maior parte dos casos, núcleos urbanos com traçados irregulares, sendo ausentes preocupações de geometrização. Mas, a partir da influência espanhola, pela união das coroas (1580-1640), a influência do código castelhano começa a se fazer sentir e a preocupação com a ordem formal dos espaços urbanos torna-se mais presente. Ao terminar o século XVII, a Colônia teria uma população total de 300.000 habitantes25, que viviam em sua maioria no meio rural e junto ao litoral. Essas condições 23- BRIOSCHI, 1995, p.11. 24- TEIXEIRA & VALLA, p.216. 25- REIS FILHO, 1995, p.38. 78 somente se alterarão no século XVIII, em função da descoberta do ouro. Com a descoberta de novas minas em Goiás e Mato Grosso, o território interior, sob o domínio português, foi estendido longamente para Oeste dos limites do Tratado de Tordesilhas e, em cada uma dessas áreas, foram estabelecidas vilas e sistemas regulares de controle administrativo. A mineração induziu o reforço dos esquemas de centralização e as iniciativas de criação de vilas foram transferidas à administração central e as câmaras municipais tiveram seus poderes restringidos. Dessa forma, a criação de vilas passa a se fazer por iniciativa do governo português, através de Cartas Régias aos governadores e uma política de urbanização mais coerente, sendo que vilas e cidades do Brasil ficaram mais semelhantes aos modelos portugueses. Mas a estruturação efetiva dessa política urbanizadora somente ocorrerá durante a administração do Marquês de Pombal26, quando fundar vilas e cidades torna-se a forma mais eficaz de demonstrar a soberania sobre um território e de o defender. No século XVIII, surgem cidades, construídas em Portugal e no Brasil, com planos regulares, concebidos segundo traçados geométricos, a maior parte das vezes ortogonais, onde se expressam alguns dos grandes temas do urbanismo clássico: a cidade planejada racionalmente na sua estrutura global; a praça como elemento central da malha urbana; e os conceitos de planejamento e beleza urbana associados à regularidade do traçado e à adoção de modelos arquitetônicos uniformes, aos quais deveriam obedecer todas as construções de uma rua, de uma praça ou mesmo de uma cidade27. É nesse contexto que se insere a política urbanizadora de Pombal, principalmente nas províncias do Mato Grosso, Amazônia e Grão Pará. Sobre as normas estabelecidas nesse período na Colônia, segundo Teixeira e Valla28, nada é referido sobre o plano das novas vilas, presumindo-se que na maioria dos casos o traçado existente tenha-se mantido inalterado. Este terá sido, certamente, o caso nos aldeamentos jesuíticos, que se regulavam por um conjunto de regras bastante preciso e adotavam um traçado geométrico regular, não se excluindo a hipótese de os próprios traçados jesuíticos terem estado na origem das características regulares de fundações urbanas portuguesas seiscentistas e setecentistas. Verifica-se, por outro lado, uma grande semelhança entre os termos e as orientações 26- REIS FILHO, 1995, p.39. 27- TEIXEIRA & VALLA, p.253. 28- TEIXEIRA & VALLA, p.255. 79 de muitas das Cartas Régias e autos de fundação desses novos núcleos urbanos. Tal fato significa que existia um conjunto de princípios estabelecidos que eram sistematicamente utilizados na definição do traçado dessas novas fundações, resultado de uma prática efetiva de urbanização e de princípios teóricos que se desenvolviam, apesar de, em alguns casos, a realidade construída acabar por diferir das prescrições enunciadas nesses documentos, devido a alterações introduzidas localmente, muitas vezes motivadas pelas particularidades do sítio e pelo confronto com a realidade. Ainda segundo aqueles autores29, ao longo dos séculos XVI e XVII a adoção de traçados regulares no planejamento de novas cidades ou na construção de novos bairros em cidades já existentes desenvolve-se tanto em Portugal, em Lisboa, nas ilhas da Madeira e dos Açores, bem como no Brasil e no Oriente. Mas, do ponto de vista estritamente formal, a dominância de edifícios singulares, e o seu papel como ponto focal de várias perspectivas, aparecem-nos tanto em traçados irregulares como em traçados geometrizados, constituindo uma das principais características do urbanismo de origem portuguesa. Em todas as situações há sempre a preocupação de marcar e de valorizar as particularidades topográficas e peculiares de cada lugar. A sua aparente desordem era efetivamente regida por princípios que, embora não codificados num conjunto explícito de regras, eram parte de uma rica tradição urbana. Em todos esses períodos, com maior ou menor presença da ação reguladora da Coroa, percebe-se, pois, que não só o Estado tomou a iniciativa de estabelecer novos núcleos de povoamento, e nesses casos a Igreja sempre estava presente, mas também a população estabeleceu e procurou oficializar novos povoados, como afirma Murillo Marx30. Um arraial, surgido espontaneamente, igualmente deveria ser oficializado pela presença da Igreja, quando assumiria funções administrativas. Capela curada, paróquia, catedral e sé institucionalizariam o arraial, a freguesia, a vila e a cidade perante a Coroa portuguesa. E tal sagração do espaço urbano deveria seguir as normas das “Constituições da Bahia31”, que atentam para problemas em relação a prédios e vazios urbanos, como sua localização, utilidade e características de composição. Segundo Murillo Marx, tais recomendações eclesiásticas se 29- TEIXEIRA & VALLA, p.215. 30- MARX, 1991, p.17,18. 31- As Constituiçõens primeyras do arcebispado da Bahia foram redigidas em 1707 e publicadas em 1719 e referem-se tanto aos ritos eclesiásticos como também estipulam normas para construção e localização dos locais pios, sendo que as igrejas deveriam ser edificadas em lugar alto, livre de umidade e de outras construções, permitindo que as procissões pudessem andar ao redor delas. (MARX, 1991, p.20-22) 80 tornariam condicionantes para o tecido urbano dos incipientes estabelecimentos coloniais lusitanos, em função da lacuna e omissão deixadas pela legislação portuguesa, já que Portugal não criou uma legislação específica para suas colônias, mas simplesmente transferiu sua legislação e jurisprudência. É somente com a República que a norma temporal ganhará pleno domínio. Nos primórdios da colonização, a evolução usual dos embrionários arraiais brasileiros32 advém dos patrimônios religiosos ou das terras concedidas às capelas, terras doadas à Igreja por proprietários de glebas vizinhas, com a intenção de se beneficiarem com os ofícios eclesiásticos e com os decorrentes serviços civis. É desse patrimônio que se dará o retalhamento e a distribuição inicial do solo brasileiro. Foi em meio às sesmarias que esses patrimônios religiosos se constituíram, e essas mesmas terras deveriam servir de moradia e de meio de subsistência a quem desejasse ali morar de forma gregária. Portanto, entre o mundo rural e o urbano desabrochavam pequenas povoações alterando a paisagem e, lentamente, o meio social. Mas é importante destacar que os patrimônios podiam ser religiosos ou leigos, tendo estes últimos ganho importância e maior freqüência no século XIX, já sob outro quadro imobiliário. Ainda segundo Marx33, o patrimônio religioso merece atenção destacada diante das peculiaridades do desenho urbano brasileiro. De fato, a luta para obtenção da licença para uma capela deveria atender à exigência do arcebispado de que ela não existisse em lugar ermo e despovoado. Portanto, para a capela ser oficializada, deveria haver um assentamento, que também lhe garantiria os rendimentos necessários para a manutenção do templo. Conseguiriam isso através da cessão, mediante foro, de parcelas de terras para interessados em habitar junto ao templo. Dessa forma, a criação de um patrimônio não apenas definia o terreno da capela, de seu adro e da área a sua volta, como determinava o retalhamento do solo ao seu redor. Observando os desenhos propostos por Murillo Marx34, podemos entender claramente a sua conclusão sobre a realidade desses aldeamentos coloniais: eram constituídos por um modesto casario situado no entorno da capela, com um terreiro vasto e poucas ruas ou ruelas. Uma freguesia não se distanciaria desse modelo, crescendo apenas em tamanho. O patrimônio de uma capela se constitui por entre as sesmarias, contribui para seu sustento, possibilita o acesso à terra. (MARX, 1991, p.42) A capela acolhe moradores em pequenas porções de sua gleba, torna-se instrumento de urbanização e cria uma nova paisagem. (MARX, 1991, p.43) Próspero e avantajado, o lugar - certamente uma freguesia - ascende a vila e ganha um patrimônio, agora público: o rossio. (MARX, 1991, p.78) 32- MARX, 1991, p.25. 33- MARX, 1991, p.37. 34- MARX, 1991, p.54. (Sequência de desenhos figura 63) 81 Todos esses registros revelam e repetem o tipo de ordenação representado pelo pequeno agrupamento de casas, pelo predomínio de sua disposição irregular, por ruas mal delineadas, tortuosas e inconstantes na largura, de pequenas travessas e de terrenos desalinhados. Afirma-se ainda que uma observação mais atenta permite perceber a pouca atenção por parte das autoridades temporais para com o ordenamento e aprimoramento dos povoados e mesmo freguesias, isso devido ao fato de que a administração municipal estava sediada numa outra aglomeração, às vezes muito distante35. Dessa forma, Marx afirma36 que não se adotou um padrão urbanístico a se repetir indefinidamente. E quando foram adotados planos regulares, não se optou, a não ser raramente, pelo xadrez, ou seja, pelo esquema de ruas perpendiculares com uma praça principal, quadrada ou retangular. Assim, as cidades brasileiras não apresentam um esquema viário em grelha perfeita, mesmo quando regulares. Em contraponto a esse período inicial da colonização brasileira, descrita por Murillo Marx, Teixeira e Valla37 afirmam que nas fundações setecentistas, uma praça – quadrada ou retangular – constituía o elemento gerador da estrutura física da cidade. Era a partir dela que se definia o traçado das ruas e se estruturava o conjunto da malha urbana, geralmente segundo um sistema ortogonal. Nesta praça, onde na maior parte das vezes localizava-se o pelourinho, deviam ser também edificados a igreja, a casa da Câmara e a cadeia. Além disso, todos os edifícios de habitação deviam ter fachadas construídas de acordo com o mesmo traçado. Tais características estavam devidamente expressas nas Cartas Régias e autos de fundação e são expressão da influência de princípios renascentistas na concepção e traçado destas cidades. O conceito de ‘planejamento urbano’ associado à regularidade do traçado, à nova concepção cenográfica do espaço, à valorização do papel da fachada e à adoção de modelos arquitetônicos uniformes, aos quais deviam obedecer todas as construções de uma rua ou de uma praça, são alguns dos grandes temas do urbanismo clássico, que no Brasil, segundo esses autores, foram plenamente aplicados em Províncias como a de Mato Grosso, Amazônia e Grão Pará e Maranhão. Mas, é importante ressaltar que tal ordenamento português no Brasil ocorreu a partir do século XVIII e em Uma câmara administrará o município, o pelourinho simbolizará sua autonomia; uma nova etapa da vida urbana e da ordem fundiária. (MARX, 1991, p.79) Cresce a vila e se adensa; aumenta a importância dos limites de todo o tipo e se multiplicam as questões de alinhamento. (MARX, 1991, p.110) Surge o loteador, o empreendedor imobiliário que retalha uma gleba, vende suas parcelas, passa igualmente a desenhar a cidade. (MARX, 1991, p.111) 63- Sequência de desenhos de Murillo Marx, em seu livro Brasil, terra de quem? 82 locais de grande interesse para a Coroa, pontos chave para garantir a posse do território e em locais onde os jesuítas, que seriam expulsos, tinham constituído suas missões. No grande sertão inabitado, como o interior de São Paulo, que aqui tratamos especificamente, muitos assentamentos surgem como patrimônios e seguem as orientações diretas da Igreja. Nos setecentos, também afirma Murillo Marx38, disseminamse mais exemplos de um desenho rigoroso em novas fundações ou em outras aglomerações elevadas à categoria de vila por razões estratégicas. Tais núcleos impressionam pela ortogonalidade de suas ruas, pela presença de uma praça central e por outros cuidados, como a orientação, a declividade para o escoamento das águas, a largura das vias e dos terrenos. Mas, ainda assim, não constituem uma quadrícula perfeita39. O esquema de quadrícula regular, de uma praça central como núcleo irradiador de uma grelha de ruas ortogonais, somente aparece em fundações bem recentes de fins do século XIX e início do XX, e também em cidades da frente pioneira do café. Nessas aglomerações, despontam novas praças, além daquela da matriz, especialmente a da estação ferroviária e, com a República, a da escola pública. É também com a República, com sua primeira Constituição, que foi permitido aos Estados tornarem cidade toda e qualquer sede de município. Em meados dos oitocentos, a apropriação da terra não se dará mais pela concessão do Estado, mas pela compra e venda40. Com a Lei das Terras41, de 1850, a terra adquire um valor de troca e se regulamenta como mercadoria. Nesse momento, há a necessidade do parcelamento exato do solo e da definição precisa dos lotes, por escrito e em plantas, detalhamento que passa a exigir outra precisão na medição e demarcação. As solicitações de alinhamento tornam-se corriqueiras, uma questão de desenho urbano, assumidas pela edilidade nos seus serviços administrativos e técnicos. Com essa nova postura, o desenho das ruas e largos vai sendo, discretamente, modificado, tanto em cidades maiores como menores. Daí a racionalidade do desenho que se começa a detectar nas centenas de fundações recentes (final do XIX) dos sertões paulistas, até então inóspitos. Essas fundações, dos tempos da riqueza desbravadora do café, têm por trás aquela importante e anterior mudança legal da Lei das Terras e são caracterizadas por uma forma mais geometrizada, que 35- Isso me parece um pouco contraditório, ao observar o desenho da planta da cidade de Casa Branca. Desde o segundo período da evolução urbana, referente àquilo que teria sido constituído a partir de 1814, o traçado urbano já demonstra uma certa racionalidade, que talvez não seja planejada, mas apenas siga a tradição portuguesa de ordenamento. O traçado original, do século XVIII a 1814, segue as descrições acima? Penso que sim. Este traçado original segue apenas a lógica da continuidade do Caminho de Goiás, contrapondo-se ao restante da malha, em quadrícula paralela ao córrego Espraiado e entre dois córregos. O que Murillo Marx descreve aplicase, portanto, ao primeiro eixo de desenvolvimento desse núcleo urbano, no qual a capela teria ocupado a atual praça Honório de Syllos, largo e talvez antigo adro da igrejinha de pau-a-pique. 36- MARX, 1991, p.60. 37- Deve-se considerar que esses autores tratam da política Pombalina, sob a qual foram fundadas ou reestruturadas vilas ou cidades como São José de Macapá (1758), Vila Nova de Mazagão (1770), Vila Bela do Mato Grosso (1777), Vila de São João de Parnaíba (1798), e alguns aldeamentos como a Aldeia de São Miguel (1765), Marabitenas (1767) e Vila Viçosa (1769). 38- MARX, 1991, p.97. 39- Essas características urbanas aparecem em cidades como Salvador e Mariana. 40- Com a Independência do Brasil, houve uma grande indecisão, por parte do novo Estado, quanto à questão da terra. A resolução de 17 de julho de 1822 havia suspendido o antigo sistema de concessão de terras, o das sesmarias, porém não instaurou um outro que completasse a reformulação pretendida. Essa indecisão prolongou-se até 1850 e permitiu, nesse período de indecisão, uma única forma de obtenção da terra rural: a posse. (MARX, 1991, p.103) 83 presidirá também a expansão dos núcleos mais velhos, por toda parte e em qualquer escala. Apoiado na rede ferroviária, aparece então um novo tipo de traçado, mais geométrico e atento à orientação, à forma e ao tamanho do seu módulo: surge o lote para ser vendido. É nesse fim do século XIX que surge o termo ‘loteamento’, que tornou-se corriqueiro nos textos legais, e o antigo concessionário de terras deixa de ter determinados vínculos com o patrimônio da Coroa, para tornar-se proprietário da terra com direitos para loteá-la. Segundo Nestor Goulart42, essas mudanças na organização do espaço já eram observáveis nas três últimas décadas do século XIX. Poucos anos após a instalação das primeiras ferrovias nas regiões Sudeste e Sul do país, a atividade urbanizadora adquiriu extraordinária intensidade. No final dos anos 1880, as linhas alcançavam regiões novas, de desbravamento recente, induzido pelas facilidades do novo meio de transporte. Em alguns casos, as empresas ferroviárias criaram subsidiárias para promover a colonização, estimulando o avanço de pioneiros. O mais freqüente, porém, era o avanço dos próprios pioneiros com múltiplas empresas, oferecendo glebas rurais ou lotes em vilas e cidades, por eles mesmos fundadas. Nessas frentes pioneiras, os traçados das cidades apresentavam soluções urbanísticas estereotipadas, em forma de tabuleiro de xadrez, de acordo com o sentido pragmático das iniciativas, revelando o caráter mercantil e a urgência dos empreendimentos. As condições topográficas eram pouco consideradas e espaços maiores eram reservados para uma praça de comércio em frente à estação e mais uma ou duas nas proximidades, para atividades cívicas, sociais, culturais e religiosas. Roberta Marx Delson, na defesa de suas teorias sobre um planejamento urbano abrangente aplicado no Brasil a partir do século XVIII, antes mesmo do Marquês de Pombal, no período chamado de joanino – D. João V – deixa de considerar certos aspectos esclarecidos por Murillo Marx, como a questão do desenvolvimento urbano a partir do patrimônio religioso, não de forma aleatória, mas considerando regras bastante claras da própria Igreja, como as “Constituições da Bahia”. Apesar desse documento descartar essa característica peculiar do Brasil, bem como desconsiderar o surgimento espontâneo de assentamentos do interior, lança 41- Lei de Terras 42- REIS FILHO, 1995, p.13. 84 algumas questões sobre o período posterior ao pombalino, como um período de continuação de normas já estabelecidas. Na sua defesa de um ‘planejamento urbano’43 português, não considera o tamanho ou função dos núcleos, a única distinção importante que destaca é entre as comunidades que receberam um planejamento sistemático depois da sua fundação e as que foram construídas obedecendo, desde o início, a uma regulamentação. Delson considera que é a partir de 1716 que a maioria das novas comunidades construídas no sertão foram subordinadas a um protótipo de planejamento de vilas, promulgado nesse ano para a criação da municipalidade de Mocha, na zona Norte do Piauí. Fisicamente, essa construção planejada representava o compromisso de Portugal com o Absolutismo e o Iluminismo e o xadrez da malha urbana era a representação da imagem civilizada e europeizada que Portugal esperava projetar no interior do Brasil. O mecanismo, pelo qual o sertão seria subordinado à autoridade real, baseava-se na fundação de comunidades supervisionadas pela Coroa, as quais formariam redes integradas urbanizadas, localizadas em pontos estratégicos do interior. As leis de planejamento, organizadas a partir de 1716, forneciam instruções metodológicas para a fundação das vilas, determinando que na construção de novas vilas deveriam ser tomadas providências referentes à localização da praça central com pelourinho, localização da igreja, localização da Câmara, cadeia e outras construções públicas, e demarcação dos lotes residenciais em linha reta, de forma a garantir uma disposição ordenada e em linha reta das moradias e garantir a uniformidade de suas fachadas, proporcionando uma vista harmoniosa do conjunto. Sem dúvida, segundo Delson44, o maior desafio enfrentado pelos portugueses foi implantar os novos padrões urbanos nas regiões de mineração do Centro e na fronteira do extremo Oeste do país. Nesses locais, assume que os bandeirantes e mineradores tinham tomado a iniciativa na formação de comunidades, mas que, em geral, as ruas desses vilarejos eram, simplesmente, as estradas que passavam pela região, e não vias especialmente construídas. Em suas intervenções, a Coroa era favorável à escolha judiciosa de lugares que apresentassem claras potencialidades de evoluírem para comunidades permanentes, além de estipular que esses 43- Roberta Delson adota o ‘planejamento urbano’, nesse período colonial, como a abordagem do traçado de elementos arquitetônicos num centro habitado, sem consideração de seu tamanho ou função. 44- DELSON, p.27. 85 novos centros deveriam localizar-se perto de achados recentes de ouro. Porém, nessa ordem inicial, não se faz nenhuma referência a um traçado urbano, dando a entender que a preocupação primordial da Coroa era fixar os aventureiros e não criar comunidades ordenadas. Em meados dos setecentos45, enquanto a região de Minas começou a assumir um caráter quase urbano, a geração seguinte de exploradores bandeirantes penetrou para o Oeste, em direção a Goiás e Mato Grosso. A partir de 1727, exigiuse que os administradores tomassem todas as providências possíveis para reter a escassa população, mesmo em zonas não produtoras de ouro. Também foram realizados censos para identificar vazios demográficos, e as futuras povoações teriam que se submeter às exigências de planejamento. É através do Código de 1746 que será fundada Vila Bela, em Mato Grosso. A partir de 174046, os portugueses adotaram o programa de José da Silva Pais de colonização subsidiada, para um projeto de colonização com imigrantes açorianos com assistência social completa. O Conselho Ultramarino considerava esses imigrantes - cujas condições de sobrevivência nas ilhas de origem eram dificultosas, devido ao excesso de população – como colonos excelentes para o Brasil. Acreditavam que os imigrantes ilhéus eram um tipo de colono mais estável que o bandeirante, pois eram considerados, por natureza, agricultores satisfeitos em permanecer na terra e que não se deixariam seduzir pelas perspectivas de enriquecimento rápido na mineração. Era através do Regimento de 1747 que se definia o programa para cada nova comunidade criada para famílias açorianas. As instruções sobre o projeto das cidades eram detalhadas com maior precisão nessa legislação do que em qualquer lei de planificação de vilas anteriores: insistiase no traçado ordenado das ruas e na uniformidade dos elementos arquitetônicos. Esse regimento de 1747, segundo Delson, era um modelo de uniformidade e ordem. O planificador urbano era instruído a traçar as ruas com não menos de 30 pés (9m) de largura, e a demarcar uma praça quadrada de 500 palmos (110m) de lado. O objetivo era usar ao máximo o espaço disponível e obter uma perspectiva grandiosa. Em coerência com essa política, a instrução referente às casas dizia que elas 45- DELSON, p.27. 46- DELSON, p.41. 86 deveriam ser construídas em boa ordem, deixando-se entre elas e atrás delas um espaço demarcado, suficiente para o plantio de pomares e hortas. No entanto, a sensatez desse arranjo é questionável, porque o largo espaçamento das edificações conferia um aspecto espalhado à comunidade. Essa nova política de subsídio da imigração foi produto da mentalidade de D. João V. Como protótipo para o povoamento de vilas, o Regimento de 1747 complementava o modelo de Aracati, do mesmo ano, fornecendo orientações sobre as dimensões das novas comunidades. O planejamento de vilas tinha evoluído para a instalação patrocinada de colonos, e daí foi apenas um passo para o planejamento regional abrangente, que seria aplicado amplamente na segunda metade do século XVIII, com o incentivo do Marquês de Pombal. Não se nega a importante atuação pombalina no aperfeiçoamento do sistema joanino, mas, já naquele período, havia sido desenvolvido e aplicado no Brasil um modelo de governo absolutista. A primeira providência da Companhia Geral do Grão Pará e Maranhão, criada pelo Marquês de Pombal em 1755, foi a construção de São José de Macapá para colonos dos Açores e da Ilha da Madeira, seguindo o plano de colonização de 1747. Na colonização de Salto, em 1792, diferentemente dos primeiros planos de colonização com açorianos, o governo assumiria apenas a responsabilidade de fornecer instrumentos aos colonos, em vez de dotar cada família de unidade residencial padronizada. 64- São José de Macapá, no Amapá, 1761, mostrando o desenho da praça dupla. (DELSON, p.57) 65- São José de Macapá, detalhe da disposição das habitações. (DELSON, p.58) No final da dominação pombalina em 1777, com a adaptação bem sucedida do modelo de planificação de vilas padronizado a regiões geograficamente diferentes, segundo 87 Delson47, pode-se observar que no resto do século XVIII o destaque à retilineidade e à regularização continuou, agora estendendo-se aos centros urbanos mais antigos. Com a Independência do Brasil, em 1822, o Império declara que o crescimento urbano padronizado é desejável e obrigatório. A Lei de Organização Municipal, de 1828, institui as diretrizes para o crescimento urbano no país no século XIX e continha instruções precisas para as Prefeituras no que se referia à configuração urbana. Embora nem todos os núcleos tenham se ajustado às novas normas urbanas, a orientação geral para a regulamentação foi uma característica desse ciclo e, na opinião da autora, a maioria dessas novas comunidades obedeceu ao modelo predeterminado. Com isso, durante os últimos anos do século XVIII e também muito tempo depois de instaurado o Império, a prevalência das malhas urbanas ortogonais foi assegurada. Os conceitos de ordem e precisão, outrora ditados pelo programa disciplinar para o interior sem lei, agora se haviam tornado padrões de bom gosto para toda a nação. Diante de tantas considerações sobre legislações que teriam regido a organização do Brasil Colônia, e sobre a defesa de Roberta Marx Delson sobre a generalização da aplicação dessas normas, é importante considerar, novamente, os apontamentos de Murillo Marx, sob o seu ponto de vista da união Igreja-Estado, característica peculiar brasileira. Este autor não nega a existência das ‘Ordenações do Reino’, com certas adaptações necessárias à sua aplicação no novo território conquistado, mas, diante de sua pouca caracterização e de um processo não regulamentado para sua aplicação, as normas canônicas impõem-se sobre certas situações. Segundo Murillo Marx48, é importante destacar que a norma espiritual e a temporal coexistiram por muito tempo no Brasil, mas as determinações eclesiásticas impuseram-se com facilidade nos primeiros tempos. Isto por lacuna e omissão da legislação específica portuguesa e pelo fato das orientações canônicas já atentarem para problemas que podiam interessar aos prédios e aos vazios urbanos, como sua localização, utilidade e características de composição. Acobertadas pela Coroa, tais constituições eclesiásticas ganharam força de lei e terminaram por influir mais do que a lei nos incipientes estabelecimentos coloniais lusitanos, posto que, diante de normas civis muito gerais, as normas espirituais impuseram- 47- DELSON, p.91. 48- MARX, 2003, p.17, 18. 88 se com maior eficácia e rigor. Os instrumentos legais lusitanos, as ‘Ordenações do Reino’, em sua generalidade e por sua transposição praticamente automática de um continente a outro, chegaram para um cumprimento relativo, já que Portugal nunca criou um corpo de legislação especial para suas colônias. Em conseqüência, segundo Murillo Marx, eram os costumes que prevaleciam nas fundações brasileiras de todo o período colonial. Transpostas pela metrópole e completadas de forma casuística, as leis lusas foram muito lentamente se adaptando para fazer frente a uma nova realidade. As mais gerais, como as relativas à questão fundiária, incidiram sem detalhamento sobre o quadro urbanístico; as mais específicas avançaram timidamente com as posturas municipais. É somente com a Independência que as normas civis substituíram as constituições do arcebispado da Bahia e, com a República, ganharam seu pleno domínio e mundanização. Mas, conflitos e atritos entre as duas jurisdições existiram por séculos em toda a colônia portuguesa na América49. Tais conflitos refletem a união da Igreja com o Estado e se fizeram sentir na paisagem urbana brasileira, já que as duas jurisdições conviviam e presidiam a vida na colônia: uma com as “Constituições da Bahia”, de 1707, e a outra com as “Ordenações Filipinas”, ordenações do reino que foram aplicadas à colônia de forma casuística e que atravessaram a Independência, a República e o século XX. Casuisticamente também se sucederam os acertos entre Sua Majestade e Roma, o que resultou na seqüência de dezenove concórdias. Afirma Marx que é a partir dessa incerteza e indefinição da relação entre a Igreja e o Estado que se pode compreender as incertas e mal definidas linhas das povoações brasileiras, como também analisar a sua inquestionável lógica própria. Apesar da permanência das normas eclesiásticas sobre o país e de seu peso sobre a vida do povo, a Independência trouxe mudanças significativas também para os aspectos citadinos50. Toda a laicização ocorrida na Europa, durante o século das luzes, não podia deixar de se fazer sentir, assim como os reflexos da Revolução Francesa, particularmente no mundo português, tão atingido pela transferência da corte para o Brasil. Mas será somente com a República que a união Igreja e Estado se desfaz e a secularização, iniciada no século 49- MARX, 2003, p.21. 50- MARX, 2003, p.34. 89 XVIII, se completa. A aplicação das leis do reino em sua colônia, segundo Murillo Marx, ajudou a transposição de um certo tipo de desenho urbano através do Atlântico. O costume e a tradição, alicerçados na Idade Média, estiveram presentes nessa reprodução de características urbanísticas tão forte e seguidamente repetidas. Porém, um quadro legal atinente a questões básicas e em que se amparava o arcabouço normativo da cidade foi a causa mais direta desse fenômeno, não esquecendo os reflexos da união Igreja-Estado. As ‘Ordenações do Reino’, transpostas para realidade tão diversa, sofreram apenas as adaptações mais óbvias e inevitáveis, não sendo claro o plano citadino em geral, seu arruamento e, sobretudo, o parcelamento do solo. Das ‘Ordenações do Reino’ e das medidas de caráter casuístico baixadas através de cartas régias, alvarás e decretos, passou-se diretamente à Legislação Imperial, sem se conhecer por séculos um código especial para a colônia. As primeiras ordenações foram feitas por Afonso V, no século XV, e aproveitadas para as Ordenações Manuelinas, em 1521, que, revisadas, consubstanciaram as Ordenações Filipinas, que tiveram grande duração e alcance, permanecendo no Brasil até o século XX, apesar da Carta de Lei de 1828, que delegava às Câmaras vários assuntos referentes à gestão do chão público. Essas cartas régias e decretos visavam, normalmente, a não mais do que uma cidade em foco e, nesta, alguns aspectos gerais. As instruções não chegavam a expressar detalhes que pudessem constranger a iniciativa da autoridade colonial, regional ou local, nem que, hoje, nos pudessem ajudar a compreender melhor o desenho urbano resultante. Diante de tais características, o direito civil reconhecia o canônico que, ao contrário, possuía determinações claras e categóricas sobre temas da paisagem urbana. Portanto, afirma Marx51, no caso português, não havendo uma planta oficial a ser repetida, mas procedimentos tácitos e costumeiros a serem aplicados, o processo de gerenciamento, não sendo rigoroso, levou a um grau de opções maior, de soluções mais variadas que no caso espanhol. Mas no fim dos setecentos, já aparecem mais questões de arruamento, abertura de novas vias, pendências com proprietários e recursos para obras públicas e reparos. Também ocorrem mudanças em novas fundações dos fins dos setecentos: o 51- MARX, 2003, p.49. 90 cuidado temporal torna-se mais explicitado e o espiritual, se não ausente, parece mais subordinado, ou menos imperioso, conseqüência do período pombalino. Mas, é somente nos primeiros anos republicanos que se intensificam as normas de cunho predominantemente técnico, como as que dizem respeito ao gabarito das ruas ou ao seu calçamento. Mesmo assim, podemos observar semelhanças entre cidade distintas. Dessa forma, podemos analisar algumas plantas de cidades do século XVIII, com planos claros de intervenção, e outras, situadas no Caminho de Goiás, como Franca e Casa Branca, sem ainda uma documentação que prove a intervenção física intencional da Coroa. Há uma semelhança entre esses desenhos de São João da Parnaíba, Franca e Casa Branca, respectivamente com origens em 1798, 1804 e 1814. Há uma clara regularidade do traçado, em quadrículas não ortogonais, paralelas, primordialmente, ao rio, nos casos de São João e Casa Branca, daí a primeira impressão de irregularidade do traçado. Estas duas também se organizam em torno de uma praça que contém a igreja. Em Casa Branca e Franca, o surgimento da cidade como prolongamento do Caminho de Goiás, formando um desenho inicial irregular em diagonal, contrasta com o restante do desenho, em quadrículas regulares não ortogonais, com crescimento em direção à estação da Estrada de Ferro. 66- Vila de São João de Parnaíba, desenho de 1798. (TEIXEIRA & VALLA, p.266) 67- Planta da cidade de Franca mostrando o núcleo urbano original e a extensão da cidade em direção à estação da Estrada de Ferro Mogiana (Almanaque de Franca, 1912, p.215). 68- Planta da cidade de Casa Branca, desenho de 1932 (IG). Outra característica, segundo Teixeira e Valla52, é que nessas fundações uma praça constituía o elemento gerador da estrutura física da cidade. Era a partir dela que se definia o 52- TEIXEIRA & VALLA, p.255. 91 traçado das ruas e se estruturava o conjunto da malha urbana, segundo um sistema ortogonal, em alguns casos. Nesta praça, onde, na maior parte das vezes, localizava-se o pelourinho, deveriam ser também edificados a igreja, a casa da Câmara e a cadeia. Além disso, todos os edifícios deveriam ter fachadas construídas de acordo com o mesmo traçado, normas que estariam bem descritas nas cartas régias e autos de fundação desses núcleos, como a Nova Vila Viçosa, de 1769 e a Nova Vila Alcobaça, de 1774. A cidade setecentista é, assim, uma cidade regular, com uma estrutura de base geométrica, racionalmente planejada na sua estrutura global. Também nesse período, diferentemente de períodos anteriores, o processo de crescimento já não ocorre através da construção de sucessivas malhas urbanas, cada uma delas com as suas características morfológicas próprias, que se iam adicionando sucessivamente, mas a expansão da sua estrutura urbana original passa a ser feita segundo regras que nela já estão implícitas. Todo esse panorama sobre a urbanização e o urbanismo no Brasil, da Colônia até a Proclamação da República, lança luzes e dúvidas sobre as características que teriam incidido sobre a cidade de Casa Branca. As teorias sobre esse assunto iniciam-se com os estudos de Nestor Goulart Reis Filho, em 1968, e são aprimorados junto ao Laboratório de Estudos sobre Urbanização, Arquitetura e Preservação (LAP), estudos publicados em 1995. Em 1979, Roberta Marx Delson lança novas questões, que só serão publicadas no Brasil em 1997. Abordando a questão do parcelamento do solo brasileiro e as conseqüências da união Igreja-Estado, Murillo Marx enriquecerá esses estudos no Brasil com os trabalhos da década de 1980. Os três autores levantam questões importantíssimas sobre os processos de surgimento dos núcleos urbanos no Brasil e das formas de controle desses espaços, mas, ao observar um caso específico, de uma cidade do interior paulista, nunca antes mencionada em tais estudos, a análise de sua conformação e morfologia se torna complexa e duvidosa: as respostas não são reveladas facilmente. Uma dúvida que me coloco é sobre as várias formas de surgimento da aglomeração urbana no Brasil. Nos seus primórdios de colonização, havia no Brasil um sistema de cessão de sesmarias pelo capitão donatário, que havia recebido 69- Nova Vila Viçosa, 1769. (TEIXEIRA & VALLA, p.277) 70- Nova Vila de Alcobaça na Capitania de Porto Seguro, 1774. (TEIXEIRA & VALLA, p.279) 92 uma capitania hereditária da Coroa, sendo que o donatário também poderia fundar vilas. Depois, nos setecentos, a Coroa passa a determinar a fundação ou a reformulação de vilas e cidades em locais que lhe eram de interesse, através de Cartas Régias direcionadas diretamente aos governadores das Províncias. Mas, em todo o período colonial, houve também a fundação espontânea de assentamentos, nos locais mais distantes do sertão brasileiro. Aglomerações surgidas ao longo de caminhos, a partir de pousos, ou em torno de alguma atividade específica, como a mineração. Há também o surgimento incentivado pelos próprios sesmeiros, que doavam terras à Igreja, constituindo o patrimônio religioso, do qual ocorreria o retalhamento da terra. Mas, se analisarmos o caso de Casa Branca, mesmo que o início da aglomeração tenha surgido em torno do Caminho de Goiás e do caminho para Minas, em torno do pouso que atendia aos viajantes, tendo se estabelecido ali uma atividade comercial, precisamos considerar que aquelas terras não estavam devolutas, mas já haviam sido doadas em sesmaria no início do século XVIII, como mostram os censos apresentados no trabalho de Amélia Trevisan53. Temos também que considerar que, caso seja verídico, se perto ao pouso de Casa Branca houvesse uma capela já em 1811, como faz referência Ganymedes José em seu trabalho, poderia ter havido a intenção de que aquele arraial fosse constituído como capela curada. Portanto, talvez tivesse havido a doação de um patrimônio religioso à Igreja, através do qual teria sido construída tal capela e distribuídas as terras para os fogos. Mas, como ocorreu a ida do padre Godói para a fazenda Cocais, em 1807, e como este teria solicitado a sua própria sesmaria, com a intenção de ali constituir novo povoamento, devido à proximidade de ambos os lugares, não haveria perante o bispo de São Paulo, responsável pela região, necessidade de haver duas capelas na região de Casa Branca, desativando aquela outra do pouso, deixando apenas a de Santana, em Cocais. Havia também uma intenção política em sagrar apenas a capela de Cocais, já que para isso uma população deveria estar sendo constituída e o padre Godói, então, beneficiar-se-ia com a distribuição de suas próprias terras, sendo que os posseiros deveriam, então, mediante foro, pagar tributos à capela. Essa análise não chega a conclusões, mas é importante estabelecer essas questões para 53- Ver página 32 desta monografia. 93 que entendamos que Casa Branca pode ter tido um processo de urbanização bastante característico no Brasil, e que esse processo, associado ao patrimônio, poderia ter continuado independentemente das intenções da Coroa em acelerar o processo de constituição da freguesia para ali instalar os açorianos. Com a capela curada, independentemente de qualquer outra intenção da Coroa, poderia haver a elevação do arraial a freguesia, se ali fosse também construída uma matriz, haja vista a evolução vinculada ao poder da Igreja. Dentre as várias análises, pesquisas e pontos de vista, podemos afirmar que houve no Brasil várias formas e mecanismos para instaurar ou oficializar núcleos urbanos. Ao mesmo tempo em que no século XVIII, com a descoberta de ouro no Brasil, inicia-se uma ação mais regulamentadora da Coroa, com a criação de inúmeras vilas em pontos estratégicos para a dominação do território, a ação espiritual ainda se fazia presente, haja vista que a relação Igreja-Estado persistirá até a República. Enquanto as Ordenações do Reino sofriam adaptações e novos regulamentos surgiam para solucionar problemas urbanísticos específicos, locais e isolados, a Igreja fazia-se presente onde a Coroa não tinha interesses específicos. Muitas aglomerações urbanas surgem de patrimônios religiosos ou de aglomerações espontâneas oficializadas pela presença de um membro religioso. Mesmo com o maior rigor legislativo, efetivado no período pombalino, o poder da Igreja católica será refletido nos tecidos urbanos coloniais, seguindo as Constituições da Bahia. Mas, devemos considerar também que, mesmo cidades que não sofreram nenhuma intervenção direta da Coroa, durante o período colonial, poderão ter passado por remodelações urbanísticas durante o período cafeeiro, assumindo feições de uma ação regulamentadora mais presente, seguindo uma morfologia mais regular. Com isso, propõe-se que cada período da evolução urbana de Casa Branca seja analisado à luz desses conceitos apresentados, numa tentativa de identificar o porquê de suas características morfológicas, vinculadas às várias etapas da urbanização desse território. 94 2.4.1 Primeiro eixo da evolução urbana de Casa Branca Século XVIII a 1814 O arraial de Casa Branca teria seguido as características de desenvolvimento das primeiras aglomerações do Brasil Colônia? Já foi posto que houve na região duas aglomerações, uma próxima ao pouso, na beira do Caminho de Goiás, outra na Fazenda Cocais. No ano de 1765, o sítio de Casa Branca aparece com 2 fogos e 16 moradores e no novo censo realizado em 178354, já consta um novo morador, João de França, 41 anos, casado com Maria Almeida, e com seis filhos: Vicente, Manuel, Ana, Joana, João e Luís. E no ano de 1790, um aventureiro chamado Bento Dias Garcia se estabeleceu em uma gleba não muito distante do caminho e como nas terras havia muitos coqueiros, a fazenda ficou conhecida por Cocais. Suas divisas iam desde a lagoa seca Olhos d’Água até o córrego Piçarrão. Havia ainda na região alguns sesmeiros55. É certo que ainda nesse século XVIII a região não se constituiria com feições urbanas. Haveria, provavelmente, apenas o pouso para os viajantes e esses fogos referidos. Mas, deste último quarto de século até meados da segunda década do XIX, novos viajantes paulistas ali se fixariam com suas famílias, como mostram os dados do censo de 1814. Outro fato relevante é a citação de Ganymedes José56 sobre a presença de uma capela no pouso, ainda em 1811. Segundo o autor, nesse ano de 1811 já havia em Casa Branca um posto de comércio que tinha a vantagem de estar localizado à beira do Caminho de Goiás. Acrescente-se o fato de ali também ter sido construída uma capela de pau-a-pique e coberta de sapé, apesar de naquele núcleo não morar nenhum padre que pudesse celebrar os ofícios eclesiásticos. Esse relato fornece um dado importantíssimo, haja vista que as citações de Amélia Trevisan não consideram tal povoamento, ela apenas refere-se à capela construída pelo padre Godói em Cocais, a capela dedicada a Santana, e que só posteriormente, com o alvará para criação da freguesia, teria sido erigida a capelinha no povoado de Casa Branca para atender às necessidades dos açorianos. Mas, há grande probabilidade da capela citada por Ganymedes ter existido antes da oficialização do arraial como século XVIII a 1814 Segundo Nestor Goulart Reis Filho (1970, p.21) nesse início do século XIX, o quadro urbano colonial era constituído por ruas de aspecto uniforme, com casas térreas e sobrados construídos sobre o alinhamento das vias públicas e sobre os limites laterais dos terrenos. A rua era delimitada pelas construções e não havia jardins. Nas construções mais simples, as técnica utilizadas eram o pau-a-pique, o adobe ou a taipa de pilão. A cobertura formava-se por um telhado em duas águas, sem o uso de calhas. 71- Foto da Estrada de Casa Branca a Tambaú, março de 2006. Foto de Mariana Horta. 54- TREVISAN, p.34. 55- JOSÉ, p. 16. 56- Ganymedes José, em prefácio de seu livro Uma Vez, Casa Branca... , de 1973, relata que, junto com colegas da Escola de Comércio de Casa Branca, fazia pesquisas sobre a cidade e, portanto, tinha em mãos “caixas e caixas com importantíssimo material informativo sobre a história de Casa Branca!”. Foi com esse material que elaborou o romance citado, sem considerações científicas, mas seguindo esses documentos preciosos e considerando relatos dos moradores locais. 95 freguesia. Devemos considerar os apontamentos de Murillo Marx e Nestor Goulart e os dados censitários apresentados por Amélia Trevisan. Observando o desenho urbano, podemos supor que o núcleo inicial da cidade de Casa Branca tenha-se formado pela confluência entre o caminho para Goiás, trecho referente à antiga Rua do Comércio, e o caminho para Minas, trecho referente à Rua dos Mineiros, como sugere o mapa de 177257. Dessa ocupação incipiente, espontânea, decorrente da instalação de um pouso de viajantes à beira do Caminho de Goiás, resultaria o desenho irregular. Mas, mesmo nessa suposta aleatoriedade, percebe-se a presença de um desenho característico da normatização eclesiástica: o largo, referente à atual praça Honório de Syllos. Nesses primórdios de urbanização, portanto, a iniciativa foi decorrência da ação desbravadora dos bandeirantes e foram os próprios viajantes que ali se fixaram. As ruas desse núcleo eram, portanto, apenas a continuação das estradas que ali passavam, mas a presença de uma capela seria necessária para a oficialização da comunidade, daí o largo e a sugestiva existência do templo já em 1811. Levanta-se também a hipótese de que os próprios proprietários de terras da região tivessem doado um patrimônio para a constituição de um núcleo, pois não havia terras devolutas nesse sertão. Dessa forma, o surgimento do pouso e a constituição de um patrimônio teriam sido concomitantes, com a posterior ocupação pelos fogos, que aparecem nos censos acima citados. Mesmo que tal ocupação tenha ocorrido entre a segunda metade do século XVIII e início do XIX, em período em que já estariam consolidadas as diretrizes de regulamentação das intervenções urbanísticas da Coroa, não havia nessa região, até então, um interesse específico para a intervenção, apesar da descoberta de ouro nas cabeceiras do Rio Pardo, ocorrendo, pois, o seu desenvolvimento como decorrência dos interesses da própria população, seguindo, portanto, um desenvolvimento semelhante ao descrito por Murillo Marx. Segundo Murillo Marx58, se o poder temporal não estabelecesse um plano para uma povoação qualquer, um de seus elementos obrigatórios – capela curada, matriz, catedral e sé – era somente autorizado se sua localização e 72- Foto da Rua Waldemar Panico, trecho com calçamento de pedras não aparadas, março de 2006. 73- Foto da Rua Waldemar Panico vista da Praça Honório de Syllos, março de 2006. 57- Ver página 24 desta monografia. 58- MARX, 2003, p.111. 96 terreno preenchessem certas exigências estabelecidas pelas constituições do arcebispado. Da Bahia vinham para toda parte, e também ao planalto sulista distante e de difícil acesso, as normas para localizar a igreja matriz do lugar, bem como todas as outras capelas e igrejas. Todas obedeceram a tais determinações e, cada uma e todas em conjunto, desenharam, mais do que qualquer autoridade civil ou militar, os contornos da paisagem urbana das cidades brasileiras desses primeiros tempos. Daí, serem os adros quase as únicas praças e as ruas, espaços que ligavam um prédio importante a outro, quase sempre de uma igreja a outra. 74- Foto da Rua Waldemar Panico vista da Praça Honório de Syllos, março de 2006. 75- Foto da Praça Honório de Syllos, março de 2006. 76- Foto da Praça Honório de Syllos e da Rua Mestre Araújo, março de 2006. 78- Foto da Rua Mestre Araújo em direção à Praça Barão do Rio Pardo, março de 2006. 77- Foto da Rua Mestre Araújo em direção à Praça Honório de Syllos, março de 2006. 97 2.4.2 Segundo eixo da evolução urbana de Casa Branca De 1814 a 1841 O processo espontâneo de desenvolvimento, que, provavelmente, seguiria os caminhos decorrentes de uma presença religiosa, já com a capela de 1811 construída, não deixou de ser regido por normas canônicas, mas teve incorporadas as características da colonização açoriana dirigida. Como afirmou Murillo Marx, uma ação mais presente da Coroa portuguesa não significava a subordinação total dos interesses eclesiásticos. Por muito tempo, as normas presentes nas Constituições da Bahia preencheram as lacunas das Ordenações do Reino. Nesse trecho urbano, podemos supor que coexistiram os interesses da Igreja e o Regimento de 1747, através do qual se definia o programa para cada nova comunidade açoriana. Apesar de não haver registro de um plano desenhado especificamente para esse assentamento, através desse Regimento há clara intenção de ordenamento desse novo traçado urbano. O desenho regular, não ortogonal, mas em quadrículas regulares, faz-se presente. O núcleo açoriano estrutura-se ao redor de um grande largo, onde deveriam ser localizados a matriz, o pelourinho e o cemitério e em torno do qual seriam construídas as casas para os açorianos e os edifícios para a representação civil, como a Casa de Câmara e a cadeia. É em torno dessa praça que deveria, então, ser estruturado o núcleo. Tal caracterização aproxima-se bastante das descrições feitas por Teixeira e Valla, em relação às fundações dirigidas pela Coroa: a urbanização em torno de uma praça. 79- Foto do entorno da Praça Barão do Rio Pardo, março de 2006. De 1814 a 1841 Na primeira metade do século XIX, a presença da Missão Francesa na Corte e a fundação da Academia de Belas Artes favoreceram o emprego de construções mais refinadas. Surge um novo tipo de residência, a casa de porão alto, que representava uma transição entre os velhos sobrados e as casas térreas. Possuíam o mesmo tipo de implantação no lote do período colonial. A inovações aparecem com a implantação de platibandas, que substituíram os velhos beirais por condutores ou calhas, e também na utilização do vidro, simples ou colorido, sobretudo nas bandeiras das portas e janelas, em lugar das gelosias. As fachadas são marcadas por pilastras e sobre estas, na platibanda, são colocados vasos de louça. Aparece também o telhado de quatro águas, muitas vezes sem a platibanda. Nessa época, multiplicavam-se as ruas calçadas e apareciam os primeiros passeios junto às casas, e também surge o jardim público. (REIS FILHO, 1970, p.33) 80- Foto do entorno da Praça Barão do Rio Pardo, março de 2006. 98 83- Fotos do entorno da Praça Barão do Rio Pardo, março de 2006. 81- Fotos do entorno da Praça Dr. Barreto, março de 2006. 82- Foto da Praça Barão do Rio Pardo e da escola Ribião Júnior, março de 2006. 84- Foto da Igreja do Rosário, de seu largo e da escola Ribião Júnior ao fundo, março de 2006. 99 2.4.3 Terceiro eixo da evolução urbana de Casa Branca De 1841 a 1878 Como a construção da matriz ainda não fora iniciada, existindo apenas uma capela no local original determinado para esse fim, onde hoje é o Largo do Rosário, determinouse, em 1841, um novo terreno para sua construção. Com isso, a freguesia foi elevada a vila e a ocupação do território seguiu em direção à matriz, tendo o povoamento sido impulsionado pela migração mineira. O traçado urbano segue paralelo aos córregos Espraiado e Pingo, em continuação ao traçado do período açoriano anterior, supondo-se que houvesse, realmente, um plano que regulamentasse, através de um conjunto de normas, o crescimento urbano da comunidade açoriana, como já sugeria o ofício do Intendente Geral da Capitania de São Paulo ao sargento-mor de Casa Branca, em 181859. Mas, é somente a partir da década de 1870, com o auge do café na região, que a urbanização toma impulso e é ocupado o entorno da igreja matriz, como sugerem os casarões ainda presentes no local e nas proximidades. É a partir dessa segunda metade do século XIX que os alinhamentos das ruas tornam-se mais precisos, de acordo com a postura do Conselho Geral da Província de São Paulo, de 1830, sobre a criação de um arruador, a ser nomeado pela Câmara, que tinha o cargo de alinhar todas as ruas. Com isso, o alinhamento ganhará papel crucial ao longo do século XIX. De 1841 a 1878 Na segunda metade do século XIX, as cidades e as residências são dotadas de serviços de água e esgoto e surgem as casas urbanas com novos esquemas de implantação, afastadas dos vizinhos e com jardins laterais, mas com as construções ainda mantendo o alinhamento com a via pública. Normalmente, o recuo era apenas de um dos lados; do outro, quando existia, reduzia-se ao mínimo. Ao mesmo tempo, a arquitetura mantinha o esquema da casa de porão alto, transferindo, porém, a entrada para a fachada lateral. O contato da arquitetura com os jardins laterais, dificultado pela altura das construções, era resolvido pela presença de varandas, protegidas com gradis de ferro, às quais se chegava por meio de caprichosas escadas. Modificam-se também as técnicas construtivas. As casas passam a ser construídas de tijolos e cobertas com telha tipo Marselha, com beirais ornados com lambrequins. Mais para o final do século XIX surgem os afastamentos das construções em relação às vias públicas, o recuo frontal. As construções passam a ocupar o centro do lote. Aparecem também as venezianas. Desaparece, portanto, a uniformidade dos esquemas das residências, que foi o traço marcante da fase colonial. (REIS FILHO, 1970, p.43) 85- Foto da Rua Doutor Menezes. 59- . Ver página 36 desta monografia. 100 86- Igreja Matriz Nossa Senhora das Dores. Fonte: Site da Câmara Municipal de Casa Branca, sem data, autor desconhecido. 89- O entorno da Praça Barão de Mogi Guaçu, março de 2006. 87- Igreja Matriz Nossa Senhora das Dores e seu largo, março de 2006. 89- O entorno da Praça Barão de Mogi Guaçu e antiga Escola Normal ao fundo, março de 2006. 88- O entorno da Praça Barão de Mogi Guaçu e o prédio Basilone, março de 2006. 90- Rua Coronel José Júlio e o prédio Basilone, março de 2006 101 2.4.4 Quarto eixo da evolução urbana de Casa Branca De 1878 a 1881 É instaurada, em 1878, a estação da Estrada de Ferro Mogiana em Casa Branca e o cemitério assume nova localização em 1881. Nesse curto espaço de tempo, o desenho urbano atinge o auge de seu desenvolvimento longitudinal, seguindo do jardim da igreja matriz até a estação. A feição morfológica da cidade assume, de uma vez por todas, um caráter claramente ordenado, não mais em torno de praças com funções religiosas, mas em favor de uma modernização associada à ferrovia e de uma praça estruturada para o comércio, facilitado e incentivado pelo novo meio de transporte. Tornase presente o desenho do tabuleiro de xadrez, pela própria facilidade e agilidade da delimitação dos lotes. Foi nesse período que muitas cidades já existentes tiveram os seus traçados urbanos remodelados em função da ação de empresas associadas às ferrovias, com o intuito de promover a colonização. Em Casa Branca, talvez não tenha ocorrido a remodelação do traçado original da freguesia, já ordenado, mas tenha havido a intenção de ortogonalizar o crescimento subseqüente, sendo perceptível a sua maior regularidade. 91- A Rua Coronel José Júlio (Rua da Estação) e a Praça Rui Barbosa ao fundo, março de 2006. De 1878 a 1881 92- Foto da Estação da Estrada de Ferro Mogiana em Casa Branca, Praça Rui Barbosa, março de 2006. 93- O entorno da Praça Rui Barbosa, março de 2006. 102 2.4.5 Quinto eixo da evolução urbana de Casa Branca De 1881 a 1932 A ocupação urbana expande-se transversalmente até atingir os limites naturais do dois córregos que circundam o povoado. O traçado mantém-se regular, seguindo as diretrizes agora estabelecidas pela República. O cemitério desloca-se novamente e a construção da Escola Normal de Casa Branca, no antigo cemitério, conclui o período de urbanização até esses tempos de crise do café e início de uma nova fase política no Brasil, a transição entre a Primeira República, a Ditadura de Getúlio Vargas e a Nova República. De 1881 a 1932 Nesse início do século XX, considera-se completa a primeira etapa de libertação da arquitetura em relação aos alinhamentos do lote, mas ainda existem construções vinculadas às características dos períodos anteriores, construídas sobre os limites das vias. Entre as duas guerras mundiais, algumas inovações serão marcantes: a preocupação de isolar a casa em meio a um jardim, a tendência a conservar um paralelismo rígido em relação aos limites do lote, a transformação progressiva dos pavilhões externos das chácaras em edículas, o desaparecimento progressivo de hortas e pomares, com a sua redução quase simbólica a uma jabuticabeira ou a um canteiro de alfaces. (REIS FILHO, 1970, p.53) 94- Praça Ministro Costa Manso, 2005. 95- Santa Casa de Misericórdia, maio de 2006. 96- Escola Normal. Site Câmara Municipal, sem data, autor desconhecido. 103 Capítulo III Patrimônio Histórico Diante das várias teorias sobre conservação e restauração já discutidas até o presente, é importante que a postura escolhida para abordagem do patrimônio histórico e intervenção em edificações seja coerente com as necessidades específicas do local e do edifício, sempre respeitando o legado histórico de tal objeto de forma a garantir a sua transmissão para o futuro. A prática, portanto, deve basear-se numa abordagem metodológica do patrimônio a partir do conhecimento dos elementos de valor a serem preservados, conhecimento adquirido através da pesquisa, da documentação e do registro das diversas fases pela qual passou o bem até o seu presente atual. A revisão histórica sobre a cidade de Casa Branca, no que concerne ao seu processo de urbanização, ao urbanismo e à arquitetura, trouxe à tona a identificação do patrimônio histórico dessa cidade. Preservado ou não, tal patrimônio refere-se a períodos distintos da história da cidade, tanto em relação a bens imóveis arquitetônicos como ao próprio desenho urbano ou até mesmo de elementos que compõem o espaço público, como o calçamento. Mas é o conjunto urbano que traz significado à necessidade de preservação. Dessa forma, é necessário resgatar conceitos sobre a preservação de conjuntos urbanos, tendo em vista uma revisão teórica que embase ações que possam atender às peculiaridades desse núcleo urbano. A conformação da cidade, decorrente de uma preocupação urbanística baseada em um panorama português de normas ou, simplesmente, tradições, aliada a uma arquitetura bastante característica, claramente identificada no quadro da arquitetura no Brasil, devem ser preservadas em conjunto, de forma a garantir uma ambiência e uma correta leitura e identificação cultural da população com esses espaços tombados. 104 3.1 Patrimônio Histórico e os Conceitos de Conservação e Restauração O título do livro de Françoise Choay já indica os caminhos para a análise desse recente campo de estudo: A Alegoria do Patrimônio destaca como o desenvolvimento intelectual humano foi capaz de estabelecer discursos e debates de suma importância no campo da conservação e restauração de bens de valor cultural, mas ao mesmo tempo mostra como ocorre a manipulação das informações, subjugando-as a uma lógica econômica, mercadológica. Estabelece-se um panorama a respeito das teorias e das práticas relacionadas ao patrimônio histórico, termo que acaba por assumir a sua definição primária: complexo de bens materiais ou não, direitos, ações, posse e tudo o mais que pertença a pessoa ou empresa e seja suscetível de apreciação econômica. Após tanto trabalho intelectual, há uma involução das aplicações práticas das teorias de conservação e restauro, tendo em vista algumas intervenções realizadas no Brasil. Os intelectuais não deixam de se beneficiar com as técnicas modernas aplicadas a essa área do conhecimento, e a eles lhes foi permitido o acesso às informações históricas para o entendimento das obras. À maioria da população restou-lhes compor a massa manipulada pelo marketing do turismo, que canaliza grandes investimentos de dinheiro, acarretando uma apreciação superficial e medíocre dos monumentos históricos. A questão cultural, num processo cognitivo e pedagógico, como diz a autora, seria o ponto fundamental a ser discutido, já que a preservação dos monumentos antigos é, antes de tudo, uma mentalidade e não uma lei que se estabelece. Não obstante, há que se destacar, primeiramente, a evolução do pensamento humano, a fim de se tentar compreender as falhas que permitiram a manipulação econômica da cultura. As premissas para entender esse desenvolvimento intelectual baseiam-se na diferenciação entre monumento e monumento histórico. O monumento apresenta uma função antropológica, uma relação com a memória, ou seja, remete à memória viva de certa comunidade – trata-se de um marco para manter viva a memória. Essa memória, porém, perpe- 1- “A expressão designa um bem destinado ao usufruto de uma comunidade que se ampliou a dimensões planetárias, constituído pela acumulação contínua de uma diversidade de objetos que se congregam por seu passado comum: obras e obras-primas das belas artes e das artes aplicadas, trabalhos e produtos de todos os saberes e savoir-faire dos seres humanos. Em nossa sociedade errante, constantemente transformada pela mobilidade e ubiqüidade de seu presente, ‘patrimônio histórico’ tornou-se uma das palavras-chave da tribo midiática. Ela remete a uma instituição e a uma mentalidade.” (CHOAY, p.11) 2- Patrimônio. Definido pelo Dicionário Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. 3- “O sentido original do termo é o do latim monumentum, que por sua vez deriva de monere (advertir, lembrar), aquilo que traz à lembrança alguma coisa. A natureza afetiva de seu propósito é essencial: não se trata de apresentar, de dar uma informação neutra, mas de tocar, pela emoção, uma memória viva. Nesse sentido primeiro, chamarse-á monumento tudo o que for edificado por uma comunidade de indivíduos para rememorar acontecimentos, sacrifícios, ritos ou crenças”. (CHOAY, p.17-18) 4- “O monumento histórico é uma invenção, bem datada, do Ocidente. (...) A noção não pode ser dissociada de um contexto mental e de uma visão de mundo. (...) o monumento histórico não é, desde o princípio, desejado e criado como tal; ele é constituído a posteriori pelos olhares convergentes do historiador e do amante da arte, que o selecionam na massa dos edifícios existentes, dentre os quais os monumentos representam apenas uma pequena parte”. (CHOAY, p.25) 105 tua por entre as gerações ou para cada geração existe algo a ser lembrado? Talvez neste questionamento esteja a perda do entendimento do sentido do monumento – a quem pertence essa memória? Com a perda do entendimento do monumento como signo, este passa a adquirir função como sinal: há uma substituição do ideal da memória pelo ideal da beleza. Essa perda do valor de memória também é justificada pelas memórias artificiais, como a imprensa, a pintura ou a fotografia. Dessa forma, o monumento comemorativo vai sendo substituído pelo monumento histórico como exaltação da técnica e da beleza construtiva de uma época e não como rememoração de feitos da história. Os monumentos históricos, por sua vez, como invenção ocidental, têm sua conceituação baseada nos estudos das ruínas antigas de Roma. Estudos dirigidos pelo clero dos séculos VIII ao XII acarretaram, muitas vezes, uma conservação destruidora, tanto em termos conceituais, uma vez que as artes pagãs passam a ser interpretadas segundo os conhecimentos cristãos, como em termos práticos, por haver a exploração econômica dos mármores e das outras preciosidades das construções antigas, que passam a ser utilizadas nas novas edificações. Estes dois problemas apresentados podem ser relacionados às dificuldades encontradas para haver a apropriação de uma cultura existente ou à necessidade de se dar uso às antiguidades. Acreditava-se que a alteridade de uma cultura estranha não poderia ser assumida. Na verdade, uma questão que se pode colocar é: Por que uma cultura precisa ser assumida? Por estar sendo transformada em produto de consumo? Pode-se supor, contudo, que a cultura no século XII fosse um meio de unir a qualidade artística à doutrinação dos fiéis católicos, por isso a necessidade de a arte ser assumida, além de justificar o interesse dos clérigos letrados e interessados pela arte. Hoje talvez possamos estabelecer outra diferenciação: entre monumento histórico e patrimônio histórico. O monumento histórico é uma invenção do Ocidente, que atribui a determinado objeto ou construção um valor cultural vinculado à memória de certa comunidade, valores estes não associados simplesmente a feitos históricos, mas à técnica e à estética de determinado período. O patrimônio histórico, em sua essência, é o conjunto de lembranças através das quais um 5- Signo. “Ling. Entidade constituída pela combinação de um conceito, denominado significado, e uma imagem acústica, denominada significante. [A imagem acústica de um signo lingüístico não é a palavra falada (ou seja, o som material), mas a impressão psíquica deste som, segundo Saussure”. (Dicionário Aurélio Buarque de Holanda Ferreira) 6- Sinal. “V. símbolo. Aquilo que, por um princípio de analogia, representa ou substitui outra coisa. Aquilo que, por sua forma ou sua natureza evoca, representa ou substitui, num determinado contexto, algo abstrato ou ausente. Aquilo que tem valor evocativo, mágico ou místico. Objeto material que, por convenção arbitrária, representa ou designa uma realidade complexa”. (Dicionário Aurélio Buarque de Holanda Ferreira) 106 povo se identifica; é o conjunto dos produtos culturais de uma sociedade, podendo ser chamado, de uma forma mais abrangente, como patrimônio cultural. Essa nova conceituação abrange, hoje, tanto bens imóveis e móveis como também os bens intangíveis, extrapolando, dessa forma, a conceituação de monumento histórico. Além disso, entretanto, a apropriação desse termo pelo mundo capitalista também o vincula a questões econômicas e mercadológicas, assumindo, portanto, o termo ‘patrimônio’ a figuração de um bem com valor econômico. Consideramos importante discutir essa nova conceituação do patrimônio cultural, como uma forma de controlar essas investidas capitalistas e reafirmar a sua essencialidade, o seu valor de memória, direito de todo cidadão. É preciso reafirmar o patrimônio cultural como um bem que propicie saber e prazer, posto à disposição de todos, diferenciando-o de produtos culturais, fabricados, empacotados e distribuídos para serem consumidos. Analisando a evolução do pensamento a respeito da apreciação da obra concreta e da conceituação da conservação do monumento histórico, ainda no século XV havia o que foi chamado por Choay de “efeito Petrarca”, segundo o qual as obras que não pertenciam à Antiguidade eram relegadas às trevas. Conseqüência de um entendimento literário e filológico da história de Roma; uma apreciação não visual, que não conseguia relacionar-se diretamente com a obra em análise. É o chamado por Choay de “efeito Brunelleschi”, que introduzirá a análise do universo formal da arte clássica, permitindo um diálogo entre artistas e humanistas, sendo que o passado passa a ser revelado pela produção material das civilizações. É também nesse contexto que surgem os antiquários, responsáveis pela elaboração dos primeiros ‘inventários’ sobre bens de interesse cultural, quando há a necessidade de tornar visível o passado. Seguindo essa evolução, segundo Choay, constata-se que a arte contribui com os próprios meios para transmitir o espírito dos povos e das civilizações, apostando no deleite como um dos valores inerentes ao monumento histórico. A partir de então, esboça-se uma nova filosofia da representação, com conseqüências para o modo de conservação das antiguidades: a fruição da arte não é ‘mediatizável’, ela exige a presença real de seu objeto. Com isso, começa-se a esboçar também a nova forma de conservação: a conservação real, 7- Essas discussões pessoais baseiam-se nos apontamentos de Choay. A seguinte frase caracteriza muito bem tal processo de produção do patrimônio cultural: “Nosso patrimônio deve ser vendido e promovido com os mesmos argumentos e as mesmas técnicas que fizeram o sucesso dos parques de diversões”. Discurso do Ministro do Turismo francês em 1986, secundado por um de seus colaboradores: “Passar do centro antigo como pretexto ao centro antigo como produto”. (CHOAY, p.211) 107 não bastando gravuras ilustradas em livros, já que houve a constatação de que o trabalho de erudição e de inventário levado a cabo pelos antiquários não tinha quase nenhum efeito na conservação real dos monumentos históricos. É na França de 1789 que tem origem a conservação real dos monumentos históricos, através de um aparelho jurídico e técnico, paralelamente aos atos de vandalismo da Revolução Francesa. “Da noite para o dia, a conservação iconográfica abstrata dos antiquários cedia lugar a uma conservação real”. O primeiro passo para essa transformação foi a transferência dos bens do Clero e da Coroa para a nação. O segundo, a batalha ideológica: conservar não apenas Igrejas Medievais, mas a totalidade do patrimônio nacional, transcendendo as barreiras do tempo e do gosto. É somente no século XX, porém, que o monumento histórico entra em sua fase de consagração, atingindo o auge na década de 1960, com a Carta de Veneza. De 1820 a 1960, marca-se a evolução da teoria e prática da conservação dos monumentos históricos nos países europeus, o desenvolvimento da arqueologia e da história da arte e as alterações de gosto, chegando até às vanguardas de Le Corbusier. A unidade do período é dada pelos reflexos da Revolução Industrial. Diante dos novos conflitos e das modificações inseridas pela Revolução Industrial, o monumento histórico inscreve-se sob o signo do insubstituível, frente à racionalização da produção, da substituição da arte por produtos, da estandardização da produção humana. Mas ao mesmo tempo em que ocorre essa valorização, as transformações dos modos de vida e da organização espacial das sociedades urbanas tornam obsoletos os aglomerados urbanos antigos, sendo que os monumentos que neles se encontram afiguram-se como obstáculos e entraves a serem eliminados ou destruídos para ceder lugar aos novos modos de urbanização. Na Carta de Atenas de 1933, que trata do urbanismo moderno de Le Corbusier, a valorização da cidade histórica ocorre paralela e contraditoriamente à sua desvalorização. Afirma-se que os valores arquitetônicos serão salvaguardados se constituírem a expressão de uma cultura anterior e se corresponderem a um interesse geral. Não deixa claro, no entanto, quais seriam os valores que caracterizariam um edifício como digno de ser preservado. Há, pois, a possibilidade de manipu- 8- CHOAY, p.100. 108 lar esses valores de acordo com a conveniência de aplicação do urbanismo moderno, o que fica evidente ao se afirmar que não se deve preservar o elemento prejudicial ao urbanismo moderno. Outra desvalorização do patrimônio refere-se à destruição da ambiência dos monumentos: a arquitetura torna-se um monumento isolado. É somente em 1964, com a Carta de Veneza, que se instaurará a Carta Internacional sobre Conservação e Restauração de Monumentos e Sítios. Nos primórdios das discussões sobre conservação e restauro, Ruskin e Viollet-le-Duc ensejaram discussões acirradas a respeito da conservação e restauração: termos de significação distinta que desencadearam duas vertentes principais de teorias sobre monumentos históricos – as propostas de Viollet-le-Duc e as críticas de Ruskin. Viollet-le-Duc, como ativo construtor, propõe a intervenção física, a restauração; Ruskin, em termos quase sagrados, defende a preservação e o respeito à memória do construtor ou proprietário original. Travadas em meados do século XIX, essas discussões, ainda hoje, não estão bem esclarecidas. Há, no entanto, a distinção entre preservação, manutenção, reparo e restauração, classificando-se os graus de intervenção em um monumento. As polêmicas ressurgem a cada obra, como um corpo vivo único que deve ser diagnosticado e estudado em todas as suas peculiaridades. A postura de Viollet-le-Duc é reconstruir segundo a visão idealizada do estilo predominante. Não há um estudo arqueológico e uma busca da verdade arquitetônica e, normalmente, faz-se a complementação da obra atendendo ao gosto do intelectual. A polêmica instaura-se já nessa intervenção de ‘complementação’ da obra, inicialmente empregada na ‘restauração’ de esculturas. Recentemente, pensa-se que seja mais interessante manter alguns elementos incompletos, tanto na escultura como na arquitetura – como irá defender Camillo Boito – mas, deve-se considerar que a arquitetura deve possuir uma estrutura estável e a garantia de seu uso. Atualmente, considera-se que as necessárias complementações devem ser feitas respeitando as características gerais da obra, como gabarito, material e proporção, mas este elemento novo deve ser facilmente identificável como não original. Viollet-le-Duc estabeleceu outra teoria, considerando que fosse feita a com- 109 plementação no mesmo estilo da obra primitiva. A doutrina e a prática de restauração implementadas por Viollet-le-Duc resumem-se nas suas próprias palavras: “Restaurar um edifício não é mantê-lo ou refazê-lo; é restabelecê-lo em um estado completo que pode não ter existido nunca em um dado momento”10 e na sua concepção ideal dos monumentos históricos. Na intervenção no castelo Pierrefonds, observa-se a invenção de várias etapas do complemento e a destruição de vários elementos não concordantes. Apesar dessa atitude, em seu discurso teórico, afirma que, quando houver, numa obra a ser restaurada, características primitivas e as características de uma primeira intervenção, é importante que as duas características sejam preservadas, se possível, ou que se preserve a última intervenção. E diz ainda que o restaurador deve fazer sobressair os traços dessas modificações, em vez de dissimulá-las. Ao contrário disso, em Pierrefonds foram destruídos os ‘anexos’ da construção, numa tentativa de ‘limpar’ o estilo predominante e escolhido pelo intelectual. Um ponto concordante de sua teoria é a respeito da necessidade de mudança de função do edifício, em decorrência do progresso. Segundo ele, não se pode negligenciar o lado prático da arquitetura para se encerrar totalmente no papel de restaurador de antigas disposições fora de uso. Assumir a mudança de uso não é ceder às necessidades do presente, mas compreender que o melhor meio para conservar um edifício é encontrar para ele uma destinação. A esse respeito também escreveu Ítalo Calvino11. Claro que, se a restauração não for feita seguindo uma norma e garantindo a manutenção das características culturais da obra, mesmo com uma nova função, não se tratará de restauração, mas de uma simples reforma. Em contraposição, Ruskin funda o anti-scrape movement, instaurando, de forma radical, sua crítica contra a restauração12. Talvez a visão de destruição viesse das obras que estavam sendo restauradas na época, completadas quase que aleatoriamente. A associação dos estudos arqueológicos à arquitetura beneficiou as obras de restauro, garantindo sua maior fidelidade às características originais. Apesar de seu tom radical, considerou que a restauração viesse a ser uma necessidade, mas com uma ressalva: esta deve ser feita honradamente, não através de mentiras. A 9- “Mas, se for o caso de refazer, em estado novo, porções do monumento das quais não resta traço algum, seja por necessidades de construção, seja para completar uma obra mutilada, então o arquiteto encarregado da restauração deve imbuir-se bem do estilo próprio ao monumento cuja restauração lhe é confiada”. (Viollet-le-Duc, Restauração, p.53) 10- Viollet-le-Duc, Restauração, p.29. 11- “Mas foi inútil a minha viagem para visitar a cidade: obrigada a permanecer imóvel e imutável para facilitar a memorização, Zora definhou, desfez-se e sumiu. Foi esquecida pelo mundo” (CALVINO, p.20) 12- “Sobre a conservação da arquitetura que possuímos, o verdadeiro sentido da palavra restauração (...) significa a destruição mais completa que um edifício pode sofrer, destruição da qual não se poderá salvar a menor parcela, destruição acompanhada de uma falsa descrição do monumento destruído. Restaurar o que foi belo em arquitetura é impossível, tanto quanto ressuscitar os mortos” (RUSKIN, p.256). 110 conservação continua, porém, a ser a sua grande defesa. A necessidade da restauração consistiria em descuidar dos edifícios para que eles tivessem que sofrer essa intervenção. Portanto, se houver cuidado com os edifícios, não haverá necessidade de restaurá-los. Trata-se, justamente, da visão atual de conservação, manutenção, reparo e restauro. Para tanto, as casas, a sua arquitetura sagrada, deveriam ser construídas solidamente, com os melhores materiais, de forma a durarem décadas. Mesmo que aparecessem sinais de deterioração, seriam sinais da verdadeira glória do edifício, o sinal da idade, prova da sua durabilidade e de que a memória do proprietário estaria sendo preservada e que um legado estaria sendo deixado para as gerações futuras. Ainda hoje, a conservação deve ser vista como prioridade, e a restauração deve ser feita em casos em que a percepção da importância de um monumento seja feita tardiamente. Portanto, o estudo das questões culturais de uma sociedade deve ser incentivado. O valor cultural deve permitir que obras sejam conservadas constantemente, possibilitando seu uso no cotidiano, como integrante da vida urbana. Esta conservação ou restauração não deve, no entanto, impedir o desenvolvimento e modificação do espaço urbano de acordo com as necessidades da sociedade, mas sim integrar-se a ela. Não deve, tampouco, configurar um cenário de fachadas; deve, mesmo assumindo novos usos, continuar interagindo com o seu entorno. Ainda no debate sobre a restauração, para além de Ruskin e Viollet-le-Duc, Camillo Boito extrai o melhor de cada autor antecessor e elabora uma síntese sutil. A Ruskin ele deve sua concepção da conservação dos monumentos baseada na noção de autenticidade; com Viollet-le-Duc, postula a prioridade do presente em relação ao passado e afirma a legitimidade da restauração. Todas essas discussões são muito pertinentes, pois são a essência do desenvolvimento dos conceitos atuais de conservação e restauro. Depois da sua compreensão, é chegada a hora da confrontação do cenário prático da aplicação dessas teorias: o cenário da indústria cultural. A partir da década de 1960, ocorre um aumento quantitativo do culto do patrimônio cultural e a globalização dos valores e das referências ocidentais, expansão simbolizada 111 pela atuação da UNESCO13 a partir de 1972, responsável pela proclamação da universalidade do sistema ocidental de pensamento e de valores quanto ao tema da conservação e restauração. Com essa intenção de ‘democratização do saber’ e erradicação das diferenças, o desenvolvimento da sociedade do lazer encontra sua capitalização no ‘turismo cultural’. Mas há muito que ser discutido a respeito da globalização dos conceitos europeus e dos seus efeitos sobre a observação dos monumentos históricos. Primeiramente, há a necessidade de se discutir como incorporar modelos teóricos estrangeiros que possam identificar nas obras de um país os valores a serem preservados. Deve-se considerar que o significado atribuído a uma certa obra advém da cultura da nação em que está inserida. Por isso há necessidade de valorização da cultura local em contraposição à simples aceitação não antropofágica dos modelos estrangeiros. Talvez a dominação dos conceitos europeus explique as dificuldades encontradas por alguns países para compreender e aceitar regras de preservação patrimonial. Há, portanto, clara necessidade de discutir a autenticidade dos valores culturais, daquilo que uma nação deve reconhecer como valor a ser preservado. Acredita-se que deva ser preservado não só o estilo de determinada época, mas aquilo que a população considera como parte de sua memória e essencial para o reconhecimento do espaço, ou seja, aquilo que permite a sua identificação com o espaço com o qual ele convive. O descaso com essa valorização da memória de um povo em geral, visando a uma identidade cultural universal, reflete-se na valorização, unicamente, de cidades que possuam algum interesse turístico, por isso questionamos: Qual o valor de um patrimônio preservado tão-somente para o turismo? E o caso das cidades que não possuem tal interesse ou tal público? Essa população não teria direito à memória? Com o turismo cultural, há a possibilidade de a cultura perder seu caráter de realização pessoal, tornando-se empresa e, logo, indústria. Por sua vez, os monumentos e o patrimônio histórico adquirem dupla função: obras que propiciam saber e lazer, postas à disposição de todos, mas também produtos culturais, fabricados, empacotados e distribuídos para serem consumidos. Ocorre uma metamorfose do seu valor de uso e apreciação em valor econômico. O turismo cultural, em fun- 13- Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. 112 ção do aumento dos lucros, incumbe-se de explorar os monumentos por todos os meios, a fim de multiplicar indefinidamente o número de visitantes. Com essa busca incansável pelo maior lucro, os métodos de conservação e restauro acabam sendo prejudicados. Estabelece-se um antagonismo entre dois sistemas de valores e dois estilos de conservação. Numa valorização da apreciação cultural pura, estão aqueles que seguem as teorias de Boito e Giovannoni. Perseguindo a rentabilidade, estão aqueles que praticam métodos já condenados no século XIX. São estes últimos os que mais produzem na sua sociedade contemporânea, sob o marketing da ‘valorização patrimonial’, não tanto em seu sentido de valorização cultural, mas econômica. Como dito no início da discussão, todos os princípios, regras e preceitos, devidamente argumentados e refinados nos últimos duzentos anos, pareciam estar plenamente estabelecidos e aceitos pela sociedade e pelos intelectuais, mas o mercado dominou a atuação no campo estudado, e todo o desenvolvimento intelectual de séculos subjugou-se aos interesses econômicos. Busca-se a valorização rentável acima de qualquer teoria, de qualquer especialização ou de qualquer valor de identidade cultural. 3.2 Preservação de Conjuntos Urbanos As discussões a respeito da preservação de conjuntos urbanos iniciam-se com as transformações advindas da Revolução Industrial, já no século XIX, e com as obras de Haussmann, em Paris. Segundo Choay14, Haussmann destruiu malhas urbanas inteiras em nome da higiene, do trânsito e da estética. Há que se considerar, porém, que naquela época, a maioria daqueles que defendiam os monumentos do passado também concordavam sobre a necessidade de uma modernização radical das cidades antigas e de sua malha urbana. Assim, o sentido da preservação de conjuntos urbanos ocorreu na contramão do desenvolvimento do urbanismo moderno. Apesar da contemplação e exaltação dos encantos e belezas antigas, ainda não havia o entendimento da cidade como um 14- CHOAY, p.175. 113 patrimônio específico que pudesse ser conservado da mesma forma que um monumento histórico. Contudo, a noção de patrimônio urbano histórico, acompanhada de um projeto de conservação, surge na própria época de Haussmann, mas na Inglaterra, com Ruskin, seguido por Camillo Sitte e por Giovannoni, considerados os fundadores da nova disciplina, à qual Cerda dá o nome de urbanismo. Devido a fatores culturais, esses conceitos só serão absorvidos no século XX e, mesmo entre a II Guerra Mundial e a década de 1980, houve pouquíssimos historiadores que trabalharam com a questão do espaço urbano. Esse retardamento da compreensão do espaço urbano como valor histórico também advém das dificuldades no estudo das cidades, devido à sua escala, à sua complexidade e à falta de cadastros e documentos cartográficos, que impediam o entendimento dos modos de produção e de transformação desses espaços. Hoje, no entanto, segundo Choay15, assiste-se a um florescimento de trabalhos sobre a morfologia das cidades pré-industriais e das aglomerações da era industrial. Ruskin, segundo Choay16, desperta a consciência sobre a cidade antiga e sobre as intervenções que lesam as suas estruturas ou a sua malha urbana, exatamente no momento das grandes obras de Paris (1860), mas não o faz de forma explícita. A sua defesa não é a da conservação de cidades e conjuntos históricos: combate apenas pela vida e sobrevivência da cidade ocidental pré-industrial, num sentido apaixonado e moralista. Para ele, as cidades antigas devem ser habitadas como no passado e são a garantia da identidade humana: quer viver a cidade histórica no presente, conservando a sua malha, que é a essência da cidade, constituída pela arquitetura doméstica, extremamente valorizada por esse intelectual. Na obra do arquiteto e historiador Camillo Sitte (18431903), segundo Choay17, a cidade pré-industrial aparece como um objeto pertencente ao passado, e a historicidade do processo de urbanização, que transforma a cidade contemporânea, é assumida em toda a sua extensão e positividade. Dessa forma, a cidade antiga, tornada obsoleta pelo desenvolvimento da sociedade industrial, não deixa de ser reconhecida como figura histórica. As idéias de Sitte18 originam-se da constatação da feiúra da cidade contemporânea, ou da sua carência de qualidade estética, frente à beleza das disposições espa- 15- CHOAY, p.177. 16- CHOAY, p.180. 17- CHOAY, p.182. 18- As idéias de Camillo Sitte foram desenvolvidas no livro Der Städtebau nach seinen künstlerischen Grundsätzen, de 1889. 114 ciais das cidades antigas. Mas defendem a análise racional dos grandes sistemas arquitetônicos do passado como um meio através do qual possamos descobrir princípios imutáveis que nos auxiliem na elaboração de um novo sistema para as novas condições históricas. Assim, tanto Sitte como Viollet-le-Duc propõem procurar os caminhos de uma criação contemporânea que corresponda às exigências originais de uma civilização avassalada por uma completa transformação técnica, econômica e social. Ambos não militaram pela preservação de centros antigos, apenas manifestaram a preocupação de salvar as velhas cidades da destruição completa. O italiano G. Giovannoni (1873-1943), arquiteto, restaurador, historiador da arte, engenheiro e urbanista, é o primeiro a nomear o ‘patrimônio urbano’, que adquire sentido e valor não tanto como objeto autônomo de uma disciplina própria, mas como elemento e parte de uma doutrina original da urbanização19. Das análises morfológicas estabelece uma doutrina de conservação, a Carta Del Restauro Italiana de 1931, sempre considerando a cidade como organismo estético e cinético: atribui simultaneamente um valor de uso e um valor museal aos conjuntos urbanos antigos, integrando-os numa concepção geral da organização do território. Dessa forma, os núcleos antigos podem recuperar uma atualidade que lhes havia sido negada por Viollet-le-Duc e Sitte. Atualidade de usos, desde que neles não se implantem atividades incompatíveis com sua morfologia. Para a cidade histórica, considerada monumento e tecido vivo, Giovannoni estabelece, então, três grandes princípios: 1- Todo fragmento urbano deve ser integrado num plano diretor local, regional e territorial, que simboliza sua relação com a vida presente. 2- O conceito de monumento histórico não pode designar um edifício isolado, separado do contexto das construções no qual se insere, pois o entorno do monumento mantém com ele uma relação essencial. 3- Os conjuntos urbanos antigos requerem procedimentos de preservação e restauração análogos aos que foram definidos por Camillo Boito para os monumentos. Através dos conceitos de autenticidade, hierarquia de intervenções e estilo de restauração, Boito (1835-1914) estabeleceu os fundamentos 19- CHOAY, p.194. 115 críticos da restauração como disciplina, baseados em estudos de Ruskin e Viollet. Em primeiro lugar, assumida a necessidade da restauração, esta não deve, em nenhuma hipótese, correr o risco de ser passada por original. É imperioso que se possa identificar a inautenticidade da parte restaurada. Propõe também três tipos de intervenção nos monumentos, de acordo com a sua idade e estilo: para os monumentos da Antigüidade, uma restauração arqueológica; para os monumentos góticos, uma restauração pitoresca, que se concentre no esqueleto; para os monumentos clássicos e barrocos, uma restauração arquitetônica que leve em conta os edifícios em sua totalidade. Transpostos para as dimensões do fragmento ou do núcleo urbano, eles têm por objetivo essencial respeitar sua escala e sua morfologia e preservar as relações originais que neles ligaram unidades parcelares e vias de trânsito. Também não se podem excluir os trabalhos de recomposição, de reintegração, de desobstrução. Admite-se, portanto, uma margem de intervenção limitada pelo respeito ao ambiente, assim, tornam-se lícitas, recomendáveis ou mesmo necessárias, a reconstituição, desde que não seja enganosa, e sobretudo determinadas modalidades de demolição. A teoria de Giovannoni antecipa, de forma simultaneamente mais simples e mais complexa, as diversas políticas das ‘áreas protegidas’ que foram desenvolvidas e aplicadas na Europa a partir de 1960. Contém, igualmente, segundo Choay20, seus paradoxos e dificuldades. De acordo com a Carta de Veneza, de 1964, definese monumento histórico não mais somente como a criação arquitetônica isolada, mas compreende também o sítio urbano ou rural. Os então chamados sítios monumentais devem ser objeto de cuidados especiais que visem a salvaguardar sua integridade e assegurar seu saneamento, sua manutenção e valorização. Sobre eles incidem os mesmos critérios de conservação e restauração elaborados para as obras isoladas, que visam a salvaguardar tanto a obra de arte quanto o testemunho histórico. A conservação de monumentos deve ser entendida como uma manutenção permanente e é sempre favorecida pela utilidade do monumento. A adaptação de usos é, portanto, desejável, mas não deve alterar a disposição ou a decoração dos edifícios. A conservação de um monumento também im- 20- CHOAY, p.203. 116 plica a preservação do entorno, de tal forma que o esquema tradicional seja conservado e toda construção nova ou toda intervenção que possa alterar as relações de volume e de cores seja proibida. A restauração, pelo contrário, deve ter caráter excepcional e fundamenta-se no respeito ao material original e aos documentos autênticos. Essa intervenção termina onde começa a hipótese, e todo trabalho complementar, reconhecido como indispensável por razões estéticas ou técnicas, destacarse-á da composição arquitetônica e deverá ostentar a marca dos tempos atuais. Será sempre precedida e acompanhada de estudos arqueológicos e históricos do monumento, sendo permitido o emprego de todas as técnicas modernas de conservação e construção, desde que as tradicionais se revelem inadequadas. Além disso, as diversas fases necessárias para a edificação do monumento devem ser respeitadas de acordo com seus valores, que não devem ser julgados somente pelo autor do projeto. Por último, todo trabalho de conservação ou restauração será sempre acompanhado da elaboração de uma documentação precisa sob a forma de relatórios analíticos e críticos, documentação que deve ser depositada nos arquivos de um órgão público e posta à disposição de pesquisadores. A Carta de Washington21, de 1986 e 1987, vai complementar a Carta de Veneza. Ela define os princípios e os objetivos, os métodos e os instrumentos de ação apropriados a salvaguardar a qualidade das cidades históricas, a favorecer a harmonia da vida individual e social e a perpetuar o conjunto de bens que, mesmo modestos, constituem a memória da humanidade. Entende-se por salvaguarda das cidades históricas as medidas necessárias à sua proteção, à sua conservação e restauração, bem como a seu desenvolvimento coerente e à sua adaptação harmoniosa à vida contemporânea. Para ser eficaz, a salvaguarda das cidades e bairros históricos deve ser parte essencial de uma política coerente de desenvolvimento econômico e social e ser considerada no planejamento físico territorial e nos planos urbanos em todos os seus níveis. É também essencial e indispensável a participação e o comprometimento dos habitantes da cidade. Não se deve jamais esquecer que a salvaguarda das cidades e bairros históricos diz respeito primeiramente a seus habitantes. Como última 21- Carta Internacional para Salvaguarda das Cidades Históricas. ICOMOS – Conselho Internacional de Monumentos e Sítios. Esta carta diz respeito mais precisamente às cidades grandes ou pequenas e aos centros ou bairros históricos com seu entorno natural ou construído, que, além de sua condição de documento histórico, exprimem valores próprios das civilizações urbanas tradicionais. 117 recomendação, as intervenções em um bairro ou em uma cidade histórica devem realizar-se com prudência, sensibilidade, método e rigor. Dever-se-ia evitar o dogmatismo, mas levar em consideração os problemas específicos de cada caso particular. No Brasil, é a Carta de Petrópolis22 que estabelece diretrizes para a conservação de cidades ou bairros históricos. Como destaque, apresenta a defesa da polifuncionalidade como uma característica do sítio urbano histórico. Diante disso, a sua preservação não deve ocorrer à custa da exclusividade de usos, nem mesmo daqueles ditos culturais, devendo, necessariamente, abrigar os universos de trabalho e do cotidiano, onde se manifestam as verdadeiras expressões de uma sociedade heterogênea e plural. Guardando essa heterogeneidade, deve a moradia construir-se na função primordial do espaço edificado, haja vista a flagrante carência habitacional brasileira. Desta forma, especial atenção deve ser dada à permanência no sítio histórico urbano das populações residentes e das atividades tradicionais, desde que compatíveis com a sua ambiência. 3.3 Os Órgãos de Preservação no Brasil Deve-se entender a formação da mentalidade brasileira, a respeito dos conceitos de preservação, inserida num contexto internacional do pós I Guerra Mundial. Há a necessidade de reconstrução dos países, mas também a manutenção e fortalecimento das culturas nacionais. O urbanismo moderno surge como a opção do novo; a preservação, como a manutenção dos bens culturais e a valorização da história e da identidade de um povo em determinada época. No Brasil, os conceitos de preservação são formulados e oficializados no Decreto Lei n° 25, de 1937, que cria o IPHAN, antigo SPHAN. Desde o início da criação desse órgão, as intervenções em patrimônios históricos são polêmicas, baseadas em opiniões pessoais isoladas e não em um conjunto de normas que balizassem as intervenções. Em alguns casos, chega-se ao ponto de “(...)restabelecê-lo em um estado completo que pode não ter existido nunca em um dado momen- 22- A Carta de Petrópolis, de 1987, é resultado do 1° Seminário Brasileiro para Preservação e Revitalização de Centros Históricos. 118 to”23. Na verdade, até hoje, muitas intervenções de restauro apresentam-se equivocadas. Respeitar a autenticidade do patrimônio, diferenciar o novo do original, permitir a reversibilidade das intervenções, assegurar usos compatíveis com o espaço preservado e garantir a sua ambiência são premissas para o restauro. São os bons exemplos da prática da restauração que serão capazes de disseminar pela sociedade os verdadeiros valores de respeito ao patrimônio histórico. Não se trata apenas de uma conscientização a respeito da necessidade da preservação de bens de valor histórico e artístico, mas da conscientização de que é preciso ter cuidado com aquilo que se insere visualmente no meio urbano, mais especificamente, com a identificação da sociedade com o espaço que a rodeia, tanto em relação ao velho quanto ao novo. O velho nos faz retornar às lembranças de uma época remota, valorizando a existência dos antepassados; o novo cria a identidade do povo com a época que estão vivendo, o presente e a sua produção. Surge a dúvida: a sociedade atual terá o que preservar? É preciso, realmente, questionar todos esses conceitos da identidade, para que a preservação não se restrinja apenas ao passado, estendendose aos questionamentos de nosso legado para o futuro. Há necessidade de os órgãos públicos, voltados à preservação, apresentarem-se mais atuantes no meio social atual. Ao contrário, escondem-se, refugiam-se, isentam-se das críticas à atualidade e dificultam o acesso aos documentos do passado. Se “um país sem passado não tem futuro”, é preciso avaliarmos a atuação desses órgãos. Se a educação no Brasil fosse prioridade para os governos, entendida como a única forma de assegurar o real desenvolvimento do país, talvez os caminhos a serem perseguidos para a valorização do patrimônio cultural fossem menos tortuosos. Na Itália, quanto valor se dá à educação e à aproximação das crianças aos bens culturais! Quanto ao Brasil, não é a sua história recente, nos seus quinhentos anos, que lhe tira o mérito de atuar na valorização da cultura. Não se valoriza a cultura porque não existe cultura de uma minoria, sendo esta a única detentora do conhecimento e dos meios para produzi-lo. A cultura de um país organiza-se em âmbito nacional, em termos de nação, e a nação é constituída de todo o seu povo. A fase heróica do Serviço do Patrimônio Histórico e 23- Viollet-le-Duc, Restauração, p.29. 119 Artístico Nacional, SPHAN, tratada por Maria Cecília Londres Fonseca24, caracteriza-se pelo único período em que houve uma forte busca de uma identidade ideológica dentro de um órgão desse nível. Mesmo que na prática possa haver muita crítica com relação às formas com que se deram os processos de tombamento de bens culturais, foi muito importante a conceituação inicial, talvez até mesmo para que se possa rever o processo conceitual e avaliar o porquê da situação atual, de descaso por parte do governo e de uma falta de unidade intelectual. Foi no auge das discussões intelectuais no Brasil, na década de vinte, que os modernistas levantaram o debate sobre o patrimônio nacional. Enquanto nas artes propunha-se a produção de uma identidade nacional, a partir da antropofagia e de uma arte genuinamente brasileira, na arquitetura, a princípio, era o ecletismo que vigorava. Gregori Warchavishick, por exemplo, para aprovar o projeto da primeira casa modernista, em 1928, teve que desenhar ornamentos neoclássicos na fachada, mas não os construiu com a desculpa de falta de dinheiro, isso para burlar a imposição desse estilo pela Prefeitura. Portanto, havia um impasse entre a produção de uma identidade nova, através de uma revolução artística, e a valorização de um passado recente. A figura do maior modernista brasileiro, Mário de Andrade, expressa muito bem essa aparente contradição. Na sua atuação artística e também frente ao Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo (1930), expressava uma produção inovadora através de uma visão crítica do Brasil europeizado e da necessidade de valorização dos traços primitivos da nossa cultura, assim como a defesa da educação. Para ele, o reconhecimento de uma identidade nacional viria dos estudos das raízes populares. É justamente através do Modernismo, invocando a realidade nacional, que vai ocorrer a sua identificação com o patrimônio na figura da arquitetura colonial e do Barroco. Há uma integração entre modernidade e tradição. O Barroco de Minas Gerais é percebido como a primeira manifestação cultural tipicamente brasileira, possuindo, portanto, a origem da cultura brasileira. Essa relação baseia-se também na leitura produzida pelos arquitetos modernistas, que viam afinidades entre os princípios construtivos do período colonial e os princípios da arquitetura moderna brasileira. Há, portanto, uma 24- FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em Processo – Trajetória Política Federal de Preservação no Brasil. Rio de Janeiro, UFRJ/Minc/ IPHAN, 1997. 120 relação de continuidade. Iniciava-se a valorização do patrimônio nacional baseada na arquitetura. Sua importância já é percebida com o tombamento de Ouro Preto ainda em 1933. A atuação de Mario de Andrade, tratando de produção intelectual, foi excepcional, mas Fonseca aponta para a efetivação da participação dos modernistas na produção da identidade nacional somente no momento em que um governo tomou como a base do seu fortalecimento a produção intelectual desses modernistas, como forma de persuasão da população. O Estado Novo passou a ser apresentado como o representante legítimo dos interesses da nação, recorrendo-se às tradições culturais brasileiras para legitimá-lo. Ao mesmo tempo em que os intelectuais modernistas adquiriam espaço, os radicais sofriam com a censura e a repressão política, enquanto a educação da massa era reduzida a um conhecimento instrumental. A produção intelectual era controlada pelo governo, com o objetivo de criar uma massa cultural homogênea, sem que houvesse espaço para expressões populares isoladas. A cultura deveria representar a nação como um todo. As conseqüências dessa negação da educação como forma de dominar ou restringir a ação das massas podem ser percebidas hoje. A educação estadual, tendo as Universidades como exceção, já que predominantemente elitistas, não possui valor algum, não havendo uma política educacional séria, na qual se fundamente o desenvolvimento do país. O grande problema, aparentemente, é a economia, não obstante é a educação que estrutura um país. Como assegurar que os órgãos de preservação tenham prestígio e atuem com rigor conceitual se, constituindo a cultura a base de sua atuação, o governo deixa esta instância para segundo ou mesmo último plano? A cada um o seu trabalho. Faz-se mister reconhecer a falha do sistema como um todo e não só a falha dos arquitetos nos casos polêmicos de intervenções sobre o patrimônio. É nesse contexto do Estado Novo que é criado, em 1936, o SPHAN, sob direção de Rodrigo Melo Franco de Andrade. Apesar do autoritarismo, a produção cultural desse órgão não era vista pelo governo como um instrumento de persuasão e não estava relacionada com os interesses de direcionamento educacional getulista. Dessa forma, conseguiu-se manter com plena autonomia, o que também significou afastamento dos interesses populares. O indeferimento 121 do anteprojeto de Mário de Andrade expressa claramente que as principais questões que deveriam ser excluídas da lei de preservação seriam as aproximações com o povo. Ao contrário, Mário enfatiza essa questão e classifica a arte como manifestação erudita e popular e defende que a aproximação da massa aos monumentos se daria através do valor histórico dos bens, procurando, justamente, a identidade cultural com a população. Dentro desse pensamento, inclui-se a idéia dos museus municipais, que valorizariam a arte reconhecida pelo povo como de interesse para preservação da cultura. Haveria plena participação do povo. A valorização do popular é, sem dúvida, o traço marcante da atuação de Mário de Andrade. Infelizmente, não foi o seu ideário o que foi seguido no SPHAN e muito menos a sua teoria educacional, na qual propunha a coletivização do saber e não a mera instrumentalização da população. Rodrigo M. F. de Andrade concordava com Mário a respeito de ser a educação o único meio para criar na população um sentido do patrimônio, ou seja, criar um envolvimento da população com a sua história. Mas o SPHAN acabou deixando para outros a tarefa de educar as massas e constituiu-se como uma instituição meramente técnica. O projeto aceito como instrumento base do SPHAN é Decreto-lei n° 25, de Rodrigo M. F. de Andrade, e estava voltado, basicamente, para garantir ao órgão os meios legais para sua atuação, principalmente em relação à questão do direito à propriedade. Não havia a preocupação com uma conceituação teórica para balizar as decisões de tombamento. Muitas vezes, bastava a autoridade do avaliador para justificar uma decisão, obedecendo-se a critérios pessoais. Além disso, houve muito mais preocupação com o valor artístico dos bens do que com o seu valor histórico, diferentemente da proposta de Mário de Andrade. Dessa forma, a constituição do patrimônio no Brasil foi realizada a partir de uma perspectiva predominantemente estética, não havendo uma difusão clara da justificativa do valor cultural desses bens. Aliada a perspectiva estética a uma política educacional de não difusão do saber, o patrimônio constituiu-se como alvo de interesse apenas dos intelectuais, havendo um nítido afastamento das camadas mais populares, além de uma falta de conhecimento do valor cultural da preservação dos bens de valor histórico. 122 Em relação ao Estado de São Paulo, o órgão de preservação estadual, o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo – CONDEPHAAT –, surgirá apenas em 1968, com suas atribuições somente confirmadas pela constituição estadual de 1989. É no início da década de 1980, porém, que será realizado um estudo sistemático destinado a inventariar os bens culturais do Estado, incluída a região da Mogiana, por Gustavo Neves da Rocha Filho. Nesse estudo de 1982, buscou-se explorar apenas as cidades fundadas até meados do século XIX, incluída Casa Branca. Procurava-se conhecer o acervo cultural do Estado, a fim de programar e incentivar um inventário mais completo, tanto pelo próprio Condephaat quanto pelas comunidades locais, e promover a defesa de alguns bens. Delimita-se a área de estudo à mancha urbana referente ao ano de 1940, e a arquitetura é classificada pela sua tipologia, sem considerar, no entanto, nenhuma construção ferroviária. Faz-se também uma sugestão de edifícios que deveriam ser inventariados e tombados prioritariamente. Vinte anos depois, alguns desses imóveis já haviam sido demolidos, sem que se realizassem inventários sobre a cidade. O único imóvel tombado é o Instituto de Educação Francisco Tomás de Carvalho, de 1932, com abertura do processo de tombamento aprovada em Sessão Ordinária de 27.07.1987, Ata n°75225. Assim também o único bem natural com processo de tombamento aberto é a Reserva de Cocais. Outro processo foi aberto sobre as casinhas da Rua Waldemar Panico26, ainda que por iniciativa da própria população. Essa descentralização da atuação pública sobre a preservação e tombamento de monumentos históricos também atingirá os municípios do interior do Estado. Em Casa Branca, é no ano de 1985, sob coordenação do Prefeito Walter Eduardo Pereira Avancini, que se iniciam as tentativas de criar um órgão de preservação municipal, o Serviço do Patrimônio Artístico, Cultural, Histórico, Paisagístico, Arqueológico e Natural de Casa Branca27 (SEPACHANP). “A criação deste serviço parte da premissa de que todas as comunidades mais desenvolvidas do Planeta preservam o seu patrimônio (...) (e) aproveitamos o ensejo para dizer que este momento possui um significado histórico para nosso Município (...)”28, haja vista a iniciativa ímpar que, no entanto, será frustrada. 25- O referido imóvel tem, a partir de 27.07.1987, assegurada sua proteção, conforme o artigo 134 do Decreto Estadual n°13.426 de16.03.1979 e sob penas previstas no Artigo 165 do Código Penal Brasileiro. Decreto Nº 13.426, de 16 de março de 1979 Artigo 134 — Os bens tombados não poderão ser destruídos, demolidos, mutilados ou alterados, nem sem prévia autorização do Conselho, reparados, pintados ou restaurados, sob pena de multa a ser imposta pelo mesmo Conselho de até 20 (vinte) por cento do respectivo valor, neste incluído o do terreno, se for o caso, e, sem prejuízo das demais sanções aplicáveis ao infrator. § 1.º — Na hipótese de alienação onerosa dos bens referidos neste artigo, de propriedade de pessoas naturais ou jurídicas de direito privado, a União, o Estado e os Municípios terão nessa ordem, direito de preferência para aquisição, obedecido o processo estabelecido para a espécie, pelo Decreto-lei federal nº 25, de 30 de novembro de 1937. § 2.º — A alienação gratuita, a cessão de uso, a locação ou a remoção de qualquer bem tombado, deverá ser comunicada ao Conselho com antecedência mínima de 30 (trinta) dias. § 3.º — Os bens tombados, pertencentes ao Estado e aos Municípios só poderão ser alienados, ou transferidos de uma para outra dessas entidades, comunicado o fato ao Conselho. § 4.º — No caso de transferência da propriedade do bem imóvel tombado, inclusive por sucessão “causa mortis”, competirá ao serventuário do Registro de Imóveis competente efetuar, “ex-officio”, as respectivas averbações, das quais dará ciência ao Conselho. § 5.º — Os bens tombados ficam sujeitos a inspeção periódica do Conselho. § 6.º — Na hipótese de extravio ou furto de qualquer bem tombado, o respectivo proprietário deverá comunicar a ocorrência ao Conselho dentro de 15 (quinze) dias, sob pena de multa de 20% (vinte por cento) do valor do bem. 26- “De acordo com o que dispõe o artigo 142 do Decreto 13.426 de 16.03.79, notificamos a todos os interessados que o Colegiado do Condephaat, em sua sessão ordinária de 28 de fevereiro de 2005 , Ata n°1354, deliberou aprovar o parecer do Conselheiro Relator, favorável à abertura do processo de estudo de tombamento dos seguintes bens, localizados no Município de Casa Branca”: 1. Imóveis situados na Rua Waldemar Panico n°131, s/n°, 151, 155 e 136; 2. Trecho da Rua Waldemar Panico com pavimentação original em pedra; 3. Marco celebrativo da Guerra do Paraguai situado na Rua Waldemar Panico. Nos termos do parágrafo único do já citado artigo 142 e do artigo 146 do mesmo Decreto, a deliberação ordenando o tombamento ou a abertura do processo de tombamento assegura, desde logo, a preservação do bem até decisão final da autoridade competente, ficando, portanto, proibida qualquer intervenção que possa vir a descaracterizar a referida área, sem prévia autorização do Condephaat, além de poder ser punido o 123 Com a criação deste Serviço do Patrimônio, estabelece-se que ele funcionará em parceria com o Museu Municipal e será constituído por dez membros29 indicados pelo Sr. Prefeito Municipal, que não receberão vencimentos. Tal diretoria deverá submeter à aprovação do Prefeito um Estatuto que regerá suas atividades, que será publicado em 10.08.1985, seguindo orientações da Legislação Federal e Estadual. Nesse Estatuto, incorre-se no mesmo desacerto dos demais órgãos brasileiros: não há a referência sobre qual postura teórica será seguida para as tomadas de decisão frente à conservação e restauro e sobre uma metodologia para escolha de imóveis que deveriam ser tombados. Além disso, o Serviço do Patrimônio não se constitui como um órgão municipal efetivo, com funcionários concursados, sendo composto apenas por membros da sociedade e do Legislativo Municipal, de forma voluntária. Também não há nenhuma referência a iniciativas educacionais que possam conscientizar a população e esclarecê-la sobre a atuação do Serviço, já que é atingida diretamente pelas decisões daquele órgão. Houve sim uma tentativa de aproximação com essa população, através da realização da “I Mostra de Fotografias Antigas de Casa Branca”30 e de uma palestra sobre patrimônio histórico31, mas sem maiores conseqüências. Em janeiro de 1986, o Serviço do Patrimônio de Casa Branca entra com o pedido de tombamento dos seguintes bens32: 1. Móveis da Câmara Municipal 2. Calçamento de pedras não aparadas na Rua Waldemar Panico 3. Bosque Municipal (ACCPE) 4. Antigo prédio da Prefeitura Municipal (Praça Dr. Barreto) 5. Praça Barão do Rio Branco 6. Praça Barão do Rio Pardo 7. Praça Dr. Barreto 8. Praça Barão de Mogi Guaçu 9. Praça Dr. Carvalho 10.Praça Ministro Costa Manso 11.Praça Rui Barbosa 12.Praça 25 de outubro (Bairro São João) Em julho de 1986, começam a aparecer os primeiros descumprimento do acima disposto com as sanções penais previstas no artigo 63 da Lei Federal n°9605, de 12.12.1998”. (Diário Oficial Poder Executivo – Seção I – São Paulo, 115 (89) – sexta-feira, 13 de maio de 2005, p.38) Decreto Nº 13.426, de 16 de março de 1979 Artigo 142 — O tombamento de bens se inicia pela abertura do processo respectivo, por solicitação do interessado ou por deliberação do Conselho, tomada “ex-officio”. Parágrafo único — A deliberação do Conselho ordenando o tombamento ou a simples abertura do processo, assegura a preservação do bem até decisão final da autoridade, pelo que o fato será imediatamente comunicado à autoridade policial sob cuja jurisdição se encontre o bem em causa para os devidos fins. Artigo 146 — A abertura do processo de tombamento, quando da iniciativa do proprietário, ou a notificação deste nos demais casos, susta desde logo, qualquer projeto ou obra que importe em mutilação, modificação ou destruição dos bens em exame. LEI Nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 Art 63. Alterar o aspecto ou estrutura de edificação ou local especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial, em razão de seu valor paisagístico, ecológico, turístico, artístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida: Pena - reclusão, de um a três anos, e multa. 27- Prefeitura Municipal de Casa Branca, Estado de São Paulo, LEI Municipal N° 1.278 de 09 de julho de 1985 28- Prefeitura Municipal de Casa Branca, Estado de São Paulo, Mensagem à Câmara Municipal N° 14/85 29- A primeira Diretoria do Serviço do Patrimônio de Casa Branca foi constituída em 30.11.1985 pelos seguintes membros: 1. Prof. Geraldo Majella Furlani (Presidente do Serviço) 2. Prof. Rômulo Augusto Correa de Araújo 3. Dr. Sérgio Pistelli 4. Sr. Adolfo Legnaro Filho 5. Arq. Laís Helena Monteiro da Silva 6. Prof. Edgard Alcântara de Oliveira Guerreiro 7. Eng. Araken Ribeiro de Paiva 8. Prof. Ganymedes José Santos de Oliveira 9. Profa. Osnilda Paiva Aga 10. Profa. Maria Helena Horta 30- Mostra realizada de 20 a 27 de outubro de 1985, sob coordenação de Laís Helena Monteiro da Silva e Adolpho Legnaro e apoio da Prefeitura Municipal, da Comissão de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Paisagístico, Cultural e Arqueológico de Casa Branca e do Museu Histórico Pedagógico Afonso e Alfredo de Taunay. 31- Palestra proferida pelo arquiteto Luís Menechino. 124 problemas sobre o efetivo funcionamento do Serviço33. Em ofício, a Comissão do SEPACHANP solicita ao Prefeito a aprovação do projeto de lei que altera a natureza do órgão, que de cunho meramente consultivo ou opinativo passe a ser de essência deliberativa, a fim de que seja dotado de poder decisório e despojado de seu cunho decorativo, haja vista a sua constituição utópica destituída de qualquer ação prática, como comprovam os pedidos de tombamento de bens públicos sem nenhuma resposta ou ação. Tais solicitações não devem ter sido atendidas, pois nesse mandato do Prefeito Sr. Walter Eduardo Pereira Avancini (1984-1988) não há mais registros da atuação do SEPACHANP, segundo material disponibilizado pela Câmara Municipal de Casa Branca. Novas discussões somente aparecerão no próximo mandato político (1988-1992), do Prefeito Sr. Geraldo Majella Furlani. Em 1989, é apresentado ao então prefeito novo projeto de lei34 para criação e funcionamento do Serviço do Patrimônio Artístico, Cultural, Histórico, Paisagístico, Arqueológico e Natural de Casa Branca, com o novo nome SPACHPAN. Dessa vez, o projeto parece mais bem estruturado em termos legais, cabendo à Prefeitura Municipal adotar as providências necessárias para o funcionamento do órgão35, assegurandolhe recursos financeiros e materiais necessários, e funcionará junto à Divisão de Educação e Cultura da Prefeitura Municipal, valendo-se do pessoal daquela seção para satisfazer às normas legais do controle e prestação de contas. Novamente a herança do SPHAN, que estabelece um órgão burocrático sem que haja uma preocupação e uma postura teórica sobre os princípios do patrimônio histórico. Não se cria um departamento: sobrecarrega-se uma divisão já existente. Novamente aparecem os mesmos problemas da gestão anterior: as ações teóricas não têm respaldo prático. Em ofício de 28 de junho de 1989, do presidente do SPACHPAN, Ganymedes José, ao Prefeito Geraldo Majella, solicita resposta a todos os ofícios enviados à Prefeitura desde 1986, incluindo reclamação sobre a demolição do antigo prédio da Prefeitura, na Praça Dr. Barreto. Quem haveria autorizado a demolição, sem a consulta do SPACHPAN, se sobre o mesmo imóvel já havia sido pedido o tombamento? Numa nova tentativa, o SPACHPAN envia outro ofício36 ao Prefeito, sugerindo o tombamento dos seguintes bens: 32- Prefeitura Municipal de Casa Branca, Ofício n° 04/86, de 24.01.1986. 33- Prefeitura Municipal de Casa Branca, Ofício 07/86. 34- Projeto de Lei N° 0442/89, de autoria do vereador Sérgio Pistelli, aprovado em 23.06.1989. 35- O Conselho do SPACHPAN, em 1989, era constituído pelos seguintes membros: 1.Ganymedes José Santos de Oliveira (Presidente) 2. Dr. Antônio José Chinez 3. Vereador Antônio José Nunes de Carvalho 4. Vereador Antônio Sandoval 5. Profa. Licínia Amélia Pereira Avancini 6. Profa. Luizinha Lauretti 7. Profa. Maria de Lourdes Maschietto V. de Andrade 8. Profa. Osnilda Paiva Aga 9. Dra. Regina Célia Basile Moffa 10. Profa. Yvone Ferriolli 36- Ofício 06/89, de 4 de setembro de 1989 e Ofício 11/89, de 7 de novembro de 1989. 125 1. Móveis da Câmara Municipal 2. Calçamento de pedras não aparadas na Rua Waldemar Panico 3. Bosque Municipal (ACCPE) 4. Ipês da EEPSG Dr. Francisco Tomaz de Carvalho e demais árvores que ali houver, inclusive pau-brasil 5. Palmeiras Imperiais, Praça Dr. Barreto 6. O que restou do prédio da Prefeitura Municipal (Praça Dr. Barreto) 7. Praça Barão do Rio Branco 8. Praça Barão do Rio Pardo 9. Praça Dr. Barreto 10.Praça Barão de Mogi Guaçu 11.Praça Dr. Carvalho 12.Praça Ministro Costa Manso 13.Praça Rui Barbosa 14.Praça 25 de Outubro (Bairro São João) 15.O cemitério do Cocais 16.A antiga Capela dos Leprosos, saída para Tambaú 17.A casa de morada do Prof. Edgard Guerreiro, na Pra- 97- Foto da Praça Dr. Barreto, local da antiga Prefeitura do Município de Casa Branca, década de 1980, foto cedida por Dulce Horta. ça Rodrigues Alves, n° 110. No mesmo ofício 11/89, o Spachpan se pronuncia com relação ao caso do prédio da Prefeitura na Praça Dr. Barreto, pois “(...) embora tenhamos solicitado o tombamento do que havia restado do prédio da antiga Prefeitura, todo o remanescente foi atirado ao chão”37, e o terreno, ainda hoje, dezesseis anos depois, continua vazio. Frente ao descaso da Prefeitura diante da atuação e solicitações do Spachpan e após demolições e nenhum tombamento efetivo, uma comissão daquele órgão reúne-se com o Condephaat, em 15 de fevereiro de 1990, numa tentativa de reestruturar o órgão municipal. Como uma ducha de otimismo ou um banho de água fria, a representante do Condephaat38 afirma que: “(...) é preciso que os elementos incumbidos da preservação da memória da cidade não se sintam frustrados facilmente e, se conseguirem realizar 10% do que imaginavam, já será uma grande produção. Porque a luta pela preservação da memória de uma comunidade esbarrará constantemente com a má vontade em geral das pessoas que não sabem o que é e como se concretiza um tombamento. 98- Foto da Praça Dr. Barreto, local da antiga Prefeitura do Município de Casa Branca demolição do prédio - década de 1980, foto cedida por Adolfo Legnaro Filho. 99- Projeto proposto para a reforma do antigo prédio da Prefeitura de Casa Branca, na Praça Dr. Barreto, década de 1980. Foto cedida por Adolfo Legnaro Filho. Não consta a autoria do projeto. 126 Além do mais, vivendo dias de consumismo e grande sede de escalada imobiliária, não há o interesse de se preservar “velharias”. (...) Somente daqui a algum tempo, depois de muito trabalho educativo, principalmente com crianças e jovens (nas escolas), conseguiremos formar uma geração que respeite a memória que se deseja preservar”. (Rita de Cássia, arquiteta do Condephaat no ano de 1990) Sob esse ponto de vista, são sugeridas várias atividades para a elaboração de um esquema de trabalho, como mapeamento dos bens de interesse para serem preservados; uma classificação desses bens, elencando prioridades; elaboração de incentivos aos proprietários dos bens tombados, para conservação e restauração; desvinculação do órgão da Prefeitura, com autonomia para decisões próprias, mas com verba pública para se manter, utilizando trabalho gratuito de seus membros; estabelecimento de núcleos dentro dos quais estejam vários bens tombados, com o objetivo de facilitar a sua preservação; elaboração de estudos técnicos sobre o imóvel a ser tombado, como o histórico e o levantamento de suas características; elaboração e realização de campanhas educativas, via rádio, jornal e outros veículos da mídia, bem como atuação direta nas escolas; inventário do maior número de imóveis possível, mesmo que não haja interesse para tombamento, deixando seu registro para a posteridade; incentivo à cultura através de um museu de rua; estruturação do órgão com engenheiros, arquitetos e advogados para a instrução dos pedidos de tombamento; e consulta constante do Condephaat, para evitar decisões contrárias àquelas já estabelecidas por este órgão. Tendo em vista essas recomendações, percebemos que o Condephaat, mesmo tendo as suas próprias dificuldades de atuação, mostra disposição em auxiliar os Municípios a estabeleceram seus próprios órgãos de preservação, valorizando a preservação de bens de interesse local. Todas as tentativas de reorganizar o Spachpan são, no entanto, novamente frustradas. Em 18 de março de 1990, este órgão publica artigo em um jornal39 local suplicando a ajuda e a participação da população, numa tentativa de conscientizá-la do valor da preservação da história da cidade e do valor desse órgão, que deveria ser de interesse público. Mas o fim parece irremediável frente à carta de demissão de Ganymedes José40. 37- Ofício 11/89, de 7 de novembro de 1989, do Presidente do SPACHPAN, Ganymedes José, ao Prefeito Geraldo Majella. 38- A engenheira Rita de Cássia, nesse ano de 1990, era a representante do Condephaat na cidade de Amparo. 39- Gazeta de Casa Branca 127 Inesperadamente, em 13 de junho de 1990, o Prefeito Municipal Geraldo Majella envia à Câmara Municipal projeto de lei41 que visa à autorização legislativa para tombamento de vários bens do município de indiscutível interesse histórico e cultural, listados para serem preservados pela Municipalidade. O projeto inclui os seguintes bens móveis e imóveis: 1. Os móveis da Câmara Municipal 2. O calçamento de pedras da Rua Waldemar Panico 3. O casarão de propriedade de Edgard Alcântara de Oliveira Guerreiro, sito à Praça Ministro Costa Manso, n°110 4. O cemitério do Cocais 5. A antiga Capela dos Leprosos, na saída para Tambaú, do lado esquerdo da vicinal Prof. João de Pádua Lima 6. A Santa Casa de Misericórdia Em 19 de julho de 1990, são declarados de interesse histórico todos os bens móveis e imóveis acima relacionados, e as leis42 são aprovadas pela Câmara e sancionadas pelo Prefeito. Os imóveis não chegam a ser tombados, não podendo incidir sobre eles a legislação municipal de bens tombados pelo Município. O processo de preservação desses bens é, então, interrompido novamente. Em 22 de agosto de 1990, é constituído um novo Conselho do Spachpan. Em 8 de fevereiro de 1991, pelo decreto N° 1.139, são declaradas áreas de preservação ambiental a Reserva do Cocais e a Lagoa do Aterradinho. Após essas deliberações sobre a preservação dos referidos bens, não há menção, nos documentos fornecidos pela Câmara, de outras atitudes que o Spachpan possa ter tomado frente ao patrimônio histórico da cidade. Mas o Condephaat continuou sua política de incentivar a criação e reestruturação de órgãos municipais de preservação, tanto que, em 7 de junho de 2002, foi enviado ao Prefeito Municipal de Casa Branca, na época o senhor Sckandar Mussi, convite para participação no Seminário “Preservação do Patrimônio Cultural no Âmbito Municipal”, que contou com a presença de especialistas na área que trataram de temas sobre a política de preservação e recuperação do patrimônio cultural, dando ênfase às discussões para a viabilização da criação e aperfeiçoamento 40- Em 13 de abril de 1990, escreve Ganymedes José Santos de Oliveira ao Prefeito Geraldo Majella Furlani: “Depois de longa reflexão, e sem me atrever a plagiar Rui Barbosa, venho à presença de Vossa Senhoria para: 1. Agradecer a confiança em mim depositada, quando de minha nomeação para a presidência do Spachpan local; 2. Informar que: a. De tanto enfrentar tropeços e bem pouco haver conseguido realizar neste órgão; b. De tanto ver os ideais desmoronando diante de interesses materiais; c. De tanto ouvir mais comentários negativos do que receber apoio em prol de nossa causa; d. De tanto ver triunfar a vitória da ociosidade; e. De tanto merecer, deste país, mais punição do que respeito por meu trabalho cultural (escritor); f. De tanta descrença no atual Governo que, assaltando-me à mão armada, tira-me a estabilidade econômica e o direito de não poder, com dignidade, tratar-me clinicamente servindo-me dos proventos que amealhei com honestidade no correr dos anos; g. De tanto curtir a revolta de assistir ao aplauso dos políticos cínicos que gargalham de nossa derrocada financeira, mas que mantêm polpudos salários; h. De estar farto de resistir aos embates de injustiça; i. De ter a consciência tranqüila de já tanto haver doado para esta cidade e este país; j. De haver perdido a coragem e as forças físicas, em virtude de uma enfermidade cardíaca; l. De tanto ver tantos vagabundos vivendo tranqüilamente, sem pagar impostos, recebendo assistência governamental e sem sofrer ônus ou desgastes emocionais, Comunico a Vossa Senhoria que estou optando pela ociosidade, não mais me interessando em trabalhar nem pelo bem desta comunidade e nem pelo bem do país. Assim sendo, rogo escusas por meu fracasso funcional e, em caráter irrevogável, apresento minha demissão do encargo que tão zelosamente me foi oferecido”. 41- Prefeitura Municipal de Casa Branca, Mensagem à Câmara N° 35/90 42- As Leis abaixo transcritas foram cedidas pela Câmara, mas há a falta de uma, a 1.547, não fornecida. Lei Municipal N° 1.545, de 19 de julho de 1990: Art. 1° - Fica declarada de interesse histórico e cultural, devendo, por isso, ser preservada pelo Município, o prédio da Santa Casa de Misericórdia, sito à Praça Dr. Carvalho, n° 204. Art. 2° - O Poder Executivo mandará fotografar as faces exteriores do mencionado prédio, para que seu aspecto arquitetônico seja permanentemente conservado. Art. 3° - Ficam vedadas modificações na sua fachada. 128 dos Conselhos Municipais do Estado de São Paulo. Não há menção oficial da participação do senhor Prefeito, apenas a presença do senhor Adolfo Legnaro Filho, diretor do Museu Histórico da cidade de Casa Branca. Não houve, no entanto, repercussão visível. O Spachpan continua desativado. Nota sobre a abertura do processo de tombamento pelo Condephaat das casas 131, 151 e 165 da Rua Waldemar Panico, em Casa Branca, publicada em 13 de maio de 2005 no Diário Oficial do Estado de São Paulo. Mesmo tendo sido publicada a abertura do processo de tombamento desses imóveis em Casa Branca, em abril de 2006 ocorreu quase a demolição completa da edificação número 151. Abaixo, as fotos antes e depois da demolição. 100- Foto da casa número 151 da Rua Waldemar Panico em março de 2006. 101- Foto do conjunto das casas 131, 151 e 165 da Rua Waldemar Panico em março de 2006. Art. 4° - A preservação de que trata esta lei não atinge a ala nova, situada na parte interna do prédio. Art. 5° - Revogadas as disposições em contrário, esta lei entrará em vigor na data de sua publicação. Lei Municipal N° 1.546, de 19 de julho de 1990: Art. 1° - Fica declarada de interesse histórico e cultural, devendo, por isso, ser preservada pelo Município, a Capela dos Leprosos, situada na saída para Tambaú, do lado esquerdo da estrada vicinal Prof. João de Pádua Lima, no sentido Casa BrancaTambaú. Art. 2° - O Poder Executivo mandará fotografar a mencionada capela, para que seu aspecto arquitetônico seja permanentemente conservado, sendo vedada qualquer modificação. Art. 3° - A mencionada capela deverá ser objeto de constante conservação. Art. 4° - Revogadas as disposições em contrário, esta lei entrará em vigor na data de sua publicação. Lei Municipal N° 1.548, de 19 de julho de 1990: Art. 1° - Fica declarada de interesse histórico e cultural, devendo, por isso, ser preservada pelo Município, a casa de morada sobrado, pertencente ao Dr. Edgard de Alcântara de Oliveira Guerreiro, sito à Praça Ministro Costa Manso, n° 110, antiga Praça Rodrigues Alves, neste Município (de Casa Branca). Art. 2° - O Poder Executivo mandará fotografar as faces exteriores do mencionado prédio, para que seu aspecto arquitetônico seja permanentemente conservado. Art. 3° - Ficam vedadas modificações nos forros, assoalhos, portas, janelas e caixilhos de todas as dependências, bem como seu aspecto divisório. Art. 4° - O mencionado prédio, objeto de constante conservação, deverá vir a ser ocupado, preferencialmente, com atividades culturais, educacionais ou assistenciais. Art. 5° - Revogadas as disposições em contrário, esta lei entrará em vigor na data de sua publicação. Lei Municipal N° 1.549, de 19 de julho de 1990: Art. 1° - Fica declarado de interesse histórico e cultural, devendo, por isso, ser preservada pelo Município, o calçamento de pedras na antiga Rua do Comércio, hoje denominada Rua Waldemar Panico, neste Município (de Casa Branca). Art. 2° - O Poder Executivo mandará fotografar o local, para que seu aspecto seja permanentemente conservado. Art. 3° - Revogadas as disposições em contrário, esta lei entrará em vigor na data de sua publicação. Lei Municipal N° 1550, de 19 de julho de 1990: Art. 1° - Ficam declarados de interesse histórico e cultural, devendo, por isso, serem preservados pelo Município, os móveis pertencentes ao patrimônio da Câmara Municipal, constantes de uso reservado aos senhores vereadores durante as sessões as edilidade (...). Art. 2° - O Poder Executivo mandará fotografá-los, para que sejam permanentemente conservados, ficando vedada qualquer modificação nos mesmos. Art. 3° - Revogadas as disposições em contrário, esta lei entrará em vigor na data de sua publicação. 102- Foto do conjunto das casas 131, 151 e 165 da Rua Waldemar Panico em abril de 2006. Foi mantida apenas a parede externa frontal do imóvel 151. 129 Capítulo IV Propostas O valor das cidades é revelado em expressão poética: a sua exuberância não se equipara à riqueza da vida urbana. A memória associa-se ao cotidiano. Da mesma forma, Ruskin afirma que a importância da mais bela das cidades depende não da riqueza de seus palácios, mas da primorosa e zelosa decoração das habitações, até mesmo nas menores. A cidade é, então, lembrada não pelos seus monumentos, pelas suas construções e objetos espetaculares, mas pela imagem acolhedora que ela transmite, através da vida que existe nela. Discute-se a preservação do que poderia ser chamado de arquitetura do cotidiano, a arquitetura residencial ou, Partindo dali e caminhando por três dias em direção ao levante, encontra-se Diomira, cidade com sessenta cúpulas de prata, estátuas de bronze de todos os deuses, ruas lajeadas de estanho, um teatro de cristal, um galo de ouro que canta todas as manhãs no alto de uma torre. Todas essas belezas o viajante já conhece por tê-las visto em outras cidades. Mas a peculiaridade desta é que quem chega numa noite de setembro, quando os dias se tornam mais curtos e as lâmpadas multicoloridas se acendem juntas nas portas das tabernas, e de um terraço ouve-se a voz de uma mulher que grita: uh!, é levado a invejar aqueles que imaginam ter vivido uma noite igual a esta e que na ocasião se sentiram felizes. (CALVINO, p.11). até mesmo, comercial. Uma arquitetura não exuberante, mas significativa como representação dos modos de vida de uma época. É assim classificada a arquitetura de Casa Branca a ser preservada. Uma arquitetura e um desenho urbano de uma época em que a vida citadina, nesse sertão, era simples e pacata. Uma vida caipira, sertaneja. A cultura de cidades do interior paulista. 4.1 O quadro urbano a ser preservado 103- Mapa da Proposta de Tombamento dos conjuntos urbanos. Conjunto 1 Conjunto 2 130 1, 2, 3 5 4 6 104- Mapa dos imóveis de interesse histórico e arquitetônico situados no centro de Casa Branca. Destaca-se em vermelho os imóveis que possuem maior interesse para tombamento como patrimônio histórico. 1- Rua Waldemar Panico 131 2- Rua Waldemar Panico 151 3- Rua Waldemar Panico 165 4- Rua Waldemar Panico 183 5- Rua Waldemar Panico 236 6- Rua Waldemar Panico 102 7- Rua Mestre Araújo 72 8- Rua Mestre Araújo 20 9- Praça Barão do Rio Pardo 239 10- Igreja Nossa Senhora do Rosário 11- Praça Barão do Rio Pardo 10 12- Praça Barão do Rio Pardo esquina com Dr. Menezes (Hotel Alvorada) 13- Rua Barão de Casa Branca 415 131 7 8 9 11 10 12 13 14 15 16 17 14- Rua Barão de Casa Branca esquina com Narciso Marques 371 15- Rua Barão de Casa Branca 91 16- Rua Dr. Menezes 109 17- Rua Dr. Menezes s/n 18- Rua Dr. Menezes 59 19- Praça Barão de Mogi Guaçu 50 20-Praça Barão de Mogi Guaçu s/n 21- Praça Barão de Mogi Guaçu 174 22- Praça Barão de Mogi Guaçu 188 23- Praça Barão de Mogi Guaçu 95 24- Praça Barão de Mogi Guaçu 120 25- Igreja Nossa Senhora das Dores 26- Rua Capitão Horta 758 27- Rua Capitão Horta 447 28- Rua Capitão Horta 442 29- Rua Capitão Horta 390 30- Rua Capitão Horta 368 31- Rua Capitão Horta 338 32- Rua Capitão Horta 324 33- Rua Capitão Horta 216 34- Rua Capitão Horta 206 35- Rua Capitão Horta 165 36- Rua Coronel José Júlio s/n 37- Rua Coronel José Júlio 94 38- Rua Coronel José Júlio 33 39- Praça Barão de Mogi Guaçu esquina com Luiz Piza 40- Praça Barão de Mogi Guaçu esquina com Luiz Gama 41- Rua Coronel José Júlio s/n 42- Estação Casa Branca da Estrada de Ferro Mogiana 43- Praça Rui Barbosa 14 44- Praça Rui Barbosa 73 45- Rua Coronel José Júlio 29 46- Rua Coronel José Júlio 33 47- Rua Coronel José Júlio 73 48- Rua Coronel José Júlio 101 49- Rua Coronel José Júlio 133 50- Rua Coronel José Júlio 118 51- Rua Coronel José Júlio 159 e 165 52- Rua Coronel José Júlio 231 53- Rua Coronel José Júlio 230 e 234 54- Rua Coronel José Júlio 251 55- Rua Coronel José Júlio 242 56- Rua Coronel José Júlio 261 57- Rua Coronel José Júlio 260 58- Rua Coronel José Júlio 279 59- Rua Coronel José Júlio 284 60- Rua Coronel José Júlio 374 61- Rua Coronel José Júlio 448 62- Rua Coronel José Júlio conjunto 490 63- Rua Coronel José Júlio conjunto 758 64- Rua Coronel José Júlio conjunto 771 e 775 65- Rua Coronel José Júlio 796 66- Rua Coronel José Júlio 829 67- Rua Coronel José Júlio 854 68- Rua Coronel José Júlio 841 69- Rua Sete de Setembro 110 70- Rua Sete de Setembro 152 71- Rua Sete de Setembro 164 72- Rua Sete de Setembro 244 73- Praça Ministro Costa Manso 136 74- Praça Ministro Costa Manso 249 75- Rua Altino Arantes s/n 76- Rua Altino Arantes esquina com Duque de Caxias - Igreja Presbiteriana 132 18 19 20 21 22 77- Instituto de Educação Franscisco Tomaz de Carvalho 78- Rua Luiz Piza 353 79- Rua Luiz Piza s/n 80- Rua Lacerda Franco 715 81- Rua Lacerda Franco s/n 82- Rua Lacerda Franco 395 83- Rua Napoleão Sasso esquina com Duque de Caxias 84- Santa Casa de Misericórdia 85- Rua Ipiranga 339 86- Rua José Gerônimo de Vasconcelos 93 87- Rua Ângelo Stefanine 306 88- Avenida Dorotheo Barbosa s/n 89- Rua Alfredo P. Mendonça 270 90- Rua Alfredo P. Mendonça s/n 91- Rua Santo Antônio 457 24 23 27 26 25 28 29 30 31 32 35 33, 34 36 133 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 134 55 56 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 54 57 69 70 71 135 72 75 76 83 77 79 78 80 74 73 81 84 82 85 86 87 88 89 90 91 136 Propõe-se a preservação urbana e arquitetônica orga- nizada em dois conjuntos, além de alguns imóveis isolados, como mostra o mapa da página 131: Primeiro Conjunto: tombar o desenho urbano, o calçamento original da Waldemar Panico, inclusive as pedras que ainda existem sob as calçadas de cimento, o calçamento de paralelepípedo, o gabarito do trecho e de parte do entorno, bem como o tombamento de alguns imóveis. Rua Waldemar Panico Rua Mestre Araújo Praça Barão do Rio Pardo Praça Dr. Barreto Rua Doutor Menezes Praça Barão de Mogi Guaçu 105- Trecho da Rua Waldemar Panico, próximo à Estrada para Tambaú, constituído de pedras não aparadas. Março de 2006. Segundo Conjunto: tombar o desenho urbano, o prédio da estação de trem com a praça e o gabarito da rua Coronel José Júlio. Estação da Estrada de Ferro Mogiana Praça Rui Barbosa Rua Coronel José Júlio Imóveis isolados: imóveis destacados no mapa. 4.2 Morfologia dos conjuntos urbanos a serem preservados Os dois conjuntos urbanos, propostos para serem incluídos num plano de preservação, possuem a mesma característica: organizam-se ao redor de praças, o centro irradiador do crescimento urbano. No primeiro, duas praças com função religiosa; no segundo, uma praça com função comercial – ambos bastante característicos dos períodos históricos correspondentes: do século XVIII, passando pela constituição da freguesia, com a Igreja do Rosário no século XIX, até a constituição da vila, em 1841, e a determinação do local da Igreja 106- Rua Waldemar Panico, 152. Sob a calçada de cimento, foram encontradas as mesmas pedras não aparadas que compõem o trecho final da rua. Maio de 2006. 137 Nossa Senhora das Dores; da chegada da Estrada de Ferro Mogiana, em 1878 e o ressurgimento do comércio. São essas praças, antes com funções claramente definidas, religiosas e leigas, os poucos espaços públicos da cidade atual. Contrariamente à realidade da maior parte das cidades fundadas em períodos anteriores, a praça, a partir do século XVIII, deixa de se situar marginalmente no traçado urbano ou no encontro de diferentes malhas da cidade, correspondentes a sucessivas unidades de crescimento. A estrutura formal da praça já não vai resultar da progressiva regularização, realizada ao longo dos séculos, do espaço que havia sido eleito para a implantação dos principais edifícios institucionais da cidade. Pelo contrário, nos traçados urbanos setecentistas, a praça é pensada desde o início como o centro da cidade, em termos simbólicos, espaciais e funcionais. Dessa forma, podemos considerar Casa Branca, estruturada em torno de três praças principais, inserida nesse contexto, apesar de ter sofrido uma intervenção reguladora somente em 1814, quando, apesar da intervenção da Coroa, o domínio religioso ainda se fazia presente. No entorno da primeira praça, Largo do Rosário, primeiro foram organizadas as casas dos açorianos, a Câmara, a cadeia e o cemitério. Depois, surgem os dois primeiros núcleos escolares, a casa que abrigou o núcleo Rubião Júnior e a outra que abrigou a Escola Normal. Ainda, recentemente, também ali se localizava a Prefeitura, em casarão já demolido. No entorno da segunda praça, da Igreja Matriz, aglomeram-se os casarões dos cafeicultores, em seu período áureo. Nas proximidades, também foram construídos o edifício sede da Câmara e Cadeia e o Mercado Municipal. Ao redor da terceira praça, a estação de trem e hotéis 107- Casa que abrigou a Escola Normal, no Largo do Rosário, antes da construção do prédio na Praça Doutor Carvalho. Hoje este casarão foi dividido em dois imóveis e parte dele abriga um supermercado, projeto que manteve apenas a fachada da edificação (fachada pintada de verde na foto ao lado. O desenho da casa original é de Pantoja (p.36) e as fotos são de março de 2006. 1- TEIXEIRA & VALLA, p.255. 138 para os comerciantes. As funções institucionais principais da cidade organizavam-se, portanto, no entorno de praças. Ainda hoje, o núcleo administrativo não se deslocou. O centro histórico é o centro da vida urbana, com a Prefeitura ocupando o prédio da antiga estação de trem da Mogiana. No começo da povoação, o restrito circuito público abrangia um ou outro largo de estreitas ruas e becos, como o suposto largo da primitiva capela de 1811, na confluência das ruas do Comércio e dos Mineiros, atual Praça Honório de Syllos. Outro largo, o do Rosário, também subjugava-se a funções eclesiásticas, bem como o da matriz Nossa Senhora das Dores. De fato, os poucos largos antecediam, geralmente, capelas ou igrejas e como tal subordinavam-se ao clero. A mudança somente ocorrerá com a Independência e com a República, quando pátios de capelas e igrejas passam a integrar e a aumentar a superfície que constitui o chão público. Com essa mundanização do espaço, iniciam-se outras manifestações laicas: a atenção com o gabarito mínimo das vias, a criação de novas praças ligadas a funções e edifícios mundanos, como as estações ferroviárias e as escolas oficiais, e o aparecimento do jardim público. Segundo esse ponto de vista de Murillo Marx, entretanto, essa laicização de espaços pios teve como herança uma velha rede de espaços públicos, acanhados e mal cuidados. Praças constituídas de antigos largos diante de capelas e igrejas ou simples alargamentos de ruas. E ruas que ligavam terreiros cristãos. Casa Branca, como freguesia, constitui-se no início do tempo em que perdem força as normas eclesiásticas, as ordens religiosas, as confrarias e suas respectivas construções. É justamente nesse período, com a proximidade da Independência e, posteriormente, com a República, que se multiplicam novas fundações urbanas em muitas regiões, ostentando, inclusive, outra conformação, como as cidades do oeste paulista e no sul mineiro, de acordo com Murillo Marx. Não obstante, essas novas fundações continuam dominadas por sua matriz e pelo adro, largo ou praça da matriz, praças em torno das quais gira a vida e o melhor esforço edílico. Nessas fundações dos séculos XVIII e XIX, surgirão também outros edifícios, religiosos ou não: o hospital, o largo da estação e o mercado. Sob preocupações laicas, expressam um urbanismo calcado em questões higiênicas e estéticas, em- 2- MARX, 2003, p.107. 3- MARX, 2003, p.130. 139 bora as povoações não tenham ignorado os séculos em que tantas igrejas e seus respectivos adros imperaram sobre acanhados conjuntos urbanos e mereceram a maior das atenções coletivas. O mercado demora a aparecer e o faz, primeiramente, de forma tímida, com as ‘casinhas’. A casa de Câmara e a cadeia também são humildes, em casas de aluguel. Só no fim do século XVIII vão ganhar sede própria. É a partir do final do XVIII, sob o governo de Morgado de Mateus, que os espaços públicos passam a ser definidos mais claramente – método aplicado no princípio de muitas vilas que, por motivos geopolíticos, tratou de erigir. Ao mesmo tempo em que as delimitações do espaço público se definem e se mundanizam, o uso também se modifica. Associados aos ritos eclesiásticos, missas e procissões, praças e ruas perdem essas funções, tornam-se espaço para manifestações culturais laicas. Hoje, entretanto, a maioria se restringe a espaços de circulação e vias de tráfego, mesmo sem o adequado recolhimento e equipamentos para o estar e a permanência coletiva. Durante todo o Brasil colônia e mesmo após a Independência, o cenário da vida urbana era de recolhimento, com destaque apenas para as manifestações religiosas e políticas. Somente com a ferrovia e a intensificação da população urbana surgem novas atividades no espaço público, como o comércio e atividades recreativas. Portanto, esse uso restrito atual também se trata de uma questão cultural. Outra causa desse uso subestimado dos espaços públicos é o próprio trato por parte do poder público. A princípio, os cuidados com o espaço público eram obrigação dos moradores e vereadores. Capinar e limpar ruas e pátios constituíam responsabilidade de cada um diante de sua testada ou terreno, principalmente por ocasião de datas litúrgicas. O mobiliário urbano também se compunha exclusivamente de símbolos católicos, como cruzes e imagens. É somente a partir da segunda metade do XIX que surgem novos equipamentos urbanos. Apesar da cobrança sobre os moradores e da forte presença da Igreja, houve, por quatro séculos, segundo Murillo Marx, um estado de permanente descuido do espaço público. Trata-se de quatrocentos anos de secularização do espaço público, de um lento processo de regulamentação de 108- A Rua Waldemar Panico e o descuido com a manutenção da pavimentação de paralelepípedo. Fato que ocorre em vários outros locais da cidade de Casa Branca. Foto de março de 2006. 109- A Praça Honório de Syllos e seu entorno. O descuido com o espaço público também está presente nas praças. O mato cresce, o lixo espalhase pela rua e não há equipamento público adequado. Foto de março de 2006. 4- MARX, 2003, p.155. 5- MARX, 2003, p.163. 140 normas que, até hoje, em muitas cidades, ainda estão sendo elaboradas, por exigência do Estatuto da Cidade. Essa laicização do chão público esclarece, outrossim, os modos de administração desse espaço, uma seqüência histórica de leis genéricas destituídas de qualquer rigor, que, ainda hoje, explicam o desleixo com o trato desses espaços. O quadro aqui apresentado, refere-se, em seu aspecto histórico, apenas ao centro histórico de Casa Branca, atual centro administrativo e econômico. O mau trato do espaço público, contudo, estende-se por toda a cidade. Nos bairros periféricos, ocorre a ausência de espaço público adequado. Poucas são as praças, a maioria sem arborização nem equipamentos adequados. Faltam áreas de lazer que, comodamente, foram substituídas pelos espaços das escolas, que, por uma determinação Estadual, passaram a receber a população nos finais de semana. Paradoxalmente, ainda existem muitos terrenos vazios nesse centro histórico, fruto de demolições de casarões do período cafeeiro, como se pode observar nas fotos antigas quando comparadas com as atuais. Diante de tais características, da oferta de terrenos em locais privilegiados e da demanda por serviços que atendam às necessidades coletivas da população, há que se pensar numa política pública, de forma a resgatar o valor social desses lotes subestimados e de garantir a preservação dos imóveis que ainda existem. 110- Entorno da Praça Dr. Barreto, local da antiga sede da Prefeitura do Município de Casa Branca. Foto cedida pelo Museu de Casa Branca, sem data. Foto do imóvel na década de 1980, cedida por Dulce Horta, e o seu estado atual. O terreno permanece vazio por mais de 16 anos. 111- Localização de alguns terrenos vazios no centro de Casa Branca sobre foto aérea 2000. 141 O valor social da terra deve não só estar relacionado ao uso público e coletivo, mas a todo e qualquer uso que contribua para a valorização da vida urbana, incluídos os usos privados. Toda e qualquer intervenção na cidade, especialmente nesse centro histórico, deve ser calcada por um Plano Diretor, que regulamente o uso e a ocupação, por meio de um zoneamento que discipline o gabarito, a taxa de ocupação e o índice de aproveitamento do solo, bem como recuos. É preciso, portanto, orientar a ocupação territorial da cidade e restringi-la, mas também incentivá-la. Logo, é fundamental o conhecimento da evolução urbana da cidade. Faz-se necessário entender o processo de urbanização para compreender as razões da paisagem citadina atual. Só assim é possível alterar esse desenho urbano e propor novos conceitos para os futuros crescimentos da cidade. 112- Terreno vazio entre a Praça Honório de Syllos e a Rua Luiz Gama. Foto de março de 2006. 113- Terreno localizado na esquina da Praça Barão de Mogi Guaçu com a Rua Coronel José Júlio. As fotos antigas, à esquerda, mostram o casarão que ali existia. Foto cedida pelo Museu de Casa Branca. As duas fotos acima mostram o estado atual do terreno: vazio. 142 114- Terreno localizado na esquina da Praça Barão de Mogi Guaçu com a Rua Pedro Toledo, ao lado da Igreja Nossa Senhora das Dores. Fotos antigas cedidas pelo Museu de Casa Branca e foto atual do terreno, que abriga um posto de gasolina desativado. 4.3 Discussão das propostas Para uma efetiva ação e intervenção, como um planejamento urbano abrangente, ou como um planejamento territorial, a agregar urbano e rural, tomam-se como premissa as considerações de Gustavo Giovannoni sobre o patrimônio histórico em escala urbana. A cidade, considerada em seu conjunto do novo e do velho, como cidade historicizada, deve ser abordada como um organismo único, composto por seus pormenores. Dessa forma, os bens de interesse histórico específico não devem ser dissociados do conjunto da cidade, da sua morfologia, da sua ocupação, dos seus usos, da vida citadina. Para tanto, a cidade deve ser submetida a um planejamento urbano que também incorpore questões de preservação do patrimônio histórico. Giovannoni discute a convivência entre toda a diversidade urbana, entre os edifícios novos, os velhos e os de interesse histórico/cultural; entre as diversas formas de ocupação e ordenamento do solo. A valorização da cidade está em preservar a diversidade de percepções visuais, garantir a complexidade espacial, que traz a cada indivíduo a possibilidade da fuga da monotonia, a quebra do estático, do óbvio. 6- Discussões nesse mesmo nível estão sendo travadas no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano da Universidade Federal de Pernambuco, dentro do Centro de Conservação Integrada Urbana e Territorial. Segundo os estudos do Centro de Conservação Integrada, CECI, a gestão da conservação integrada urbana e territorial é um novo campo disciplinar que procura reunir teorias, conceitos e experiências reais, de modo a formar uma prática planejada de ação pública para a conservação e o desenvolvimento das cidades contemporâneas. Surgiu da convergência de duas matrizes de pensamento do planejamento urbano e territorial contemporâneo: da conservação integrada, formulada inicialmente pelo urbanismo progressista italiano, nos anos 1960/70, e que encontrou sua expressão maior no Manifesto de Amsterdã, de 1975; do desenvolvimento sustentável, elaborado a partir dos preceitos apresentados pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que levou à Agenda 21 e a seus desdobramentos urbanos. A conservação integrada é um princípio fundamental para a conceituação do desenvolvimento sustentável urbano, especialmente porque restabelece a cidade como um artefato histórico-cultural que estabelece o nexo entre as gerações. Nesse sentido, a cultura aparece como uma dimensão de mesma importância que a economia e a política em qualquer estratégia de implantação de políticas de desenvolvimento sustentável. A conservação integrada é alcançada pela aplicação de técnicas de restauração sensíveis e pela escolha correta de funções apropriadas no contexto de áreas históricas, levando em conta a pluralidade 143 Gordon Cullen também chama a nossa atenção para esses aspectos. A vida urbana é complexa e, muitas vezes, contraditória. Interferir nesse espaço é, portanto, tão complexo como organizar a própria vida. É por isso que tais ações devem advir de um conhecimento amplo e profundo do objeto alvo, e da percepção e do entendimento da cultura e das tradições que incidem sobre determinado espaço e sua população. Essas intervenções são extremamente necessárias, principalmente quando o interesse capitalista sobrepõe-se ao interesse público, quando o valor econômico subjuga a cultura e a tradição, distorcendo a memória de forma a acarretar a perda da identidade cultural de uma comunidade. Como primeiro passo para esse planejamento urbano do município de Casa Branca, propõe-se a identificação e seleção dos imóveis e trechos urbanos que devem ser preservados e reconhecidos como patrimônio histórico do município, inclusive os que devem ser efetivamente tombados. Neste trabalho, sugere-se a preservação de dois trechos urbanos, incluindo alguns imóveis e o desenho urbano, bem como ações que garantam a percepção desses espaços através de restrições para o seu entorno. Estas são apenas sugestões que deveriam ser avaliadas por um conselho que compusesse o órgão de preservação do município. A preocupação específica sobre esses dois trechos urbanos não impede a discussão desses conjuntos inseridos na escala da cidade. Em termos morfológicos e especificamente arquitetônicos, nos perímetros delimitados como área de modificação urbana restrita, deve-se garantir a harmonia dos conjuntos através da restrição de gabarito, de uso, da ocupação do solo e da instituição de níveis de preservação. Nos trechos da Rua Waldemar Panico e Mestre Araújo, considerando as características dos imóveis selecionados para serem tombados, o gabarito das construções deve ficar restrito a 4m (3m+1m), tendo em vista a presença de casarões de porão alto do início do século XX. Em relação à implantação no lote, devem-se seguir as normas atuais, respeitando as necessidades de ventilação e insolação. Nesse trecho, não há necessidade de instituir a NP-3, pois as modificações já são bastante marcantes. Convém considerar também que, em todo esse trecho da Rua Waldemar Panico até a Praça Barão de Mogi Guaçu, seja preservado tanto o calçamento de pedra de valores, tanto econômicos quanto culturais, e visando julgamentos equilibrados. Quanto ao desenvolvimento sustentável, este deve ser entendido como a capacidade de a humanidade assegurar que se supram as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações de suprir suas próprias necessidades. A conservação urbana integrada, CI, teve origem na experiência de reabilitação do centro histórico de Bolonha, nos anos 1970, conduzida por políticos e administradores. Posteriormente, os mesmos princípios foram aplicados em cidades italianas e espanholas. Nos dois casos, serviu como argumento para a construção de uma imagem política de eficiência administrativa, justiça social e participação popular. As primeiras aplicações da CI foram feitas em áreas residenciais antigas nas periferias dos centros históricos, com destaque na recuperação da estrutura física, econômica e social, mantendo os antigos habitantes. Posteriormente, a ênfase recai sobre espaços públicos, áreas verdes e de recreação e na conversão de grandes edificações em equipamentos sociais, de uso coletivo. Buscavase também a integração das áreas periféricas dos centros urbanos, por meio de políticas de transporte coletivo de massa gratuito, como em Bolonha. Nos anos 1980/90, a proposta da CI abandonou o cunho ‘social’ e passou a ser encarada como uma forma de ‘revitalização’ de áreas centrais deprimidas ou obsoletas. Nesse sentido, associou-se à proposta de recuperação econômica e do valor imobiliário dos estoques de construções, especialmente daqueles protegidos por instrumentos legais de tombamento, localizados em áreas centrais. A revitalização formou um dos esteios das políticas neoliberais em nível municipal. Transformaram a conservação urbana em estratégia de agregação de valor à economia urbana e em instrumento poderoso de atração de investimentos privados supra-regionais ou internacionais. Essas políticas aceitam que os bons resultados compensam socialmente a expulsão dos habitantes e pequenos negociantes, por meio do processo de ‘gentrificação’, que é o resultado da revitalização de áreas históricas, deterioradas e obsoletas, no qual as áreas passam por um processo de valorização das propriedades imobiliárias, atraindo usuários que pagam rendas mais altas. A partir da ECO 92, a CI aliou a questão ambiental à social, o que representou um retorno às concepções abrangentes do planejamento urbano, em escala territorial. Declaração de Amsterdã e os conceitos da Conservação Integrada: - o patrimônio arquitetônico contribui para a tomada de consciência da comunhão entre história e destino. - o patrimônio arquitetônico é composto de todos os edifícios e conjuntos urbanos que apresentem interesse histórico ou cultural. - o patrimônio é uma riqueza social; sua manutenção, portanto, deve ser uma responsabilidade coletiva. - a conservação do patrimônio deve ser considerada como objeto principal da planificação urbana e 144 não aparada como o calçamento de paralelepípedo. Isso não só garante a preservação das características originais da cidade, em seus diferentes momentos históricos, como garante também a manutenção de um tráfego leve, devidamente apropriado à escala urbana desse trecho da cidade. Além disso, esses calçamentos têm a vantagem de permitir a infiltração da água sem aquecer o ambiente, diferentemente do que ocorre com a pavimentação asfáltica. Como alternativa ao paralelepípedo – fora dos dois trechos urbanos a serem tombados, mas ainda dentro do perímetro do centro histórico –, pode-se adotar o bloco intertravado em seus diversos formatos, elemento de fácil manutenção e substituição. Quanto ao uso, em todo esse trecho, deve ser predominantemente residencial, com permissão restrita ao comércio, aos serviços e ao uso institucional. O comércio deve ser apenas local, como padarias, pequenos mercados, lojas e farmácias. O uso institucional e de prestação de serviço não deve produzir ruídos excessivos, nem transtornar os moradores ou provocar uma alteração muito significativa no trânsito. O tráfego de veículos pesados também deve ser proibido nesse trecho acima citado e desviado para as ruas Luiz Gama e Luiz Piza, para que as trepidações não afetem as estruturas dos imóveis tombados, acelerando a sua deterioração. Serão permitidas apenas carga e descarga de veículos autorizados. Deve-se prever também incentivos aos proprietários de imóveis tombados, para que os conservem e restaurem quando necessário, como descontos ou isenção do IPTU por certo período de tempo, atitude já prevista no Projeto de Lei N° 0442/89, do vereador Sérgio Pistelli, sobre a criação e funcionamento do Spachpan. No trecho em torno da Praça Barão do Rio Pardo, Praça Dr. Barreto, Rua Dr. Menezes e Praça Barão de Mogi Guaçu, os usos, ocupação do lote e restrições do tráfego são os mesmos citados acima, mas o gabarito das construções pode elevar-se até 7m (2 X 3m+1m), tendo em vista que nesses locais as construções existentes hoje são de outra escala, pois já aparecem construções de dois pavimentos. No segundo trecho proposto para a preservação do desenho urbano e de alguns imóveis, no entorno da Praça Rui Barbosa, seguindo pela Rua Coronel José Júlio, o uso deve ser predominantemente comercial e institucional, respeitando a territorial. - as municipalidades, principais responsáveis pela conservação, devem trabalhar de forma cooperada. - a recuperação de áreas urbanas degradadas deve ser realizada sem modificações substanciais da composição social dos residentes nas áreas reabilitadas. - a conservação integrada deve ser calcada em medidas legislativas e administrativas eficazes. - a conservação integrada deve estar fundamentada em sistemas de fundos públicos que apóiem as iniciativas das administrações locais. - a conservação do patrimônio construído deve ser assunto dos programas de educação, especialmente dos jovens. - deve ser encorajada a participação de organizações privadas nas tarefas da CI. - deve ser encorajada a construção de novas obras arquitetônicas de alta qualidade, pois serão o patrimônio de hoje para o futuro. Pré-requisitos para a CI - sensibilização da sociedade para a importância dos bens culturais. - garantir a manutenção e conservação das qualidades e valores da configuração urbana e arquitetônica. - assegurar a manutenção do que existe de específico, incorporando novos objetivos sociais e econômicos. - promover o contínuo monitoramento do estado de conservação e estratégias de sustentação. - elaboração de inventários físico-arquitetônicos e de documentação histórica. - o estabelecimento de ato administrativo regulamentando o sítio como patrimônio cultural. -a criação da comissão do sítio, com a representação dos diversos grupos sociais presentes na sociedade. Modelo de Aplicação da CI. Etapas: 1- Análise e Valorização 2- Negociação 3- Proposições 4- Monitoramento e Controle 5- Plano de Desenvolvimento Local 6- Programa de Educação Patrimonial 7- Legislações Urbanísticas e Tributárias A Gestão da Conservação Urbana no Brasil Com a nova Constituição de 1988, o Governo Federal desobrigou-se das políticas públicas locais, transferindo a responsabilidade para os Municípios, que foram forçados a elaborar estratégias específicas de desenvolvimento local. Em todas as experiências, buscou-se a formação de uma nova ‘imagem’ da cidade. Num mundo globalizado, onde localidades competem diretamente por investimentos produtivos, o que decide a competição são as especificidades das localidades e suas imagens. No Brasil, a aplicação de políticas locais de desenvolvimento, voltadas para a revitalização de áreas urbanas consolidadas ou históricas, é uma novidade. Aparecem casos bastante polêmicos, como o Pelourinho, em Salvador, e o Bairro do Recife, em Recife. 145 escala urbana e as suas características históricas e atuais. No entorno da Praça Rui Barbosa, o gabarito poderá chegar a 10m (3 X 3m+1m). Ao longo da Rua Coronel José Júlio, o gabarito poderá chegar a 7m (2 X 3m+1m), respeitando a largura da rua, que é bem estreita e de mão única, e as construções históricas ali existentes. Em todo o centro histórico, identificado no mapa, o gabarito das construções não poderá exceder 13m (4 X 3m+1m), respeitando a escala das ruas, com exceção para os lotes frente às avenidas Luiz Gama e trecho da Luiz Piza, resguardando as suas devidas proporções, onde o gabarito poderá chegar a 16m (5 x 3m+1m). Em todo esse tecido urbano identificado como o centro histórico, a malha urbana existente atualmente deve ser preservada. A partir de todo esse estudo realizado até o momento, e considerando a escala reduzida dessa cidade e desse centro histórico, consideram-se os espaços públicos ali existentes adequados, não sendo indicadas modificações do espaço. Deve-se incentivar, no entanto, espaços públicos no entorno desse centro e nos bairros periféricos, e incentivar ou até mesmo obrigar a ocupação de terrenos vazios nesse centro histórico, através dos mecanismos previstos no Estatuto da Cidade10, que garantam a função social da terra, para impedir uma ação da especulação imobiliária. Com essas diretrizes gerais, pretende-se garantir a qualidade do espaço urbano através da adequada convivência entre a cidade antiga, que se transforma, a cidade tombada e a cidade nova, que se constrói a cada dia. Para viabilizar todas essas ‘restrições’ no centro histórico, deve-se prever o adensamento urbano e a verticalização em outros trechos da cidade, de forma a não impedir o seu desenvolvimento; ao contrário, incentivar o adensamento ordenado e com qualidade espacial, visualizando uma cidade de porte médio não espraiada, mas concentrada adequadamente, de forma a garantir a acessibilidade e a circulação. Para tanto, a verticalização deve vir acompanhada de um plano viário, que preveja o leito carroçável e o passeio público adequados; um plano paisagístico e ambiental, que garanta a preservação de áreas de mananciais, de matas ciliares, de áreas de contenção das boçorocas e de matas virgens. Deve-se também prever local adequado para o Aterro Sanitário, garantindo a não ocupação de seu entorno. 7- Nesta monografia de conclusão de curso, estamos considerando apenas o núcleo urbano sede do município de Casa Branca e não todo o município, que é composto por mais dois núcleos, Venda Branca e Lagoa Branca. 8- Níveis de Preservação (segundo o DPH da Prefeitura de São Paulo): NP-1: preservação integral dos edifícios, interna e externamente, admitindo-se reparos sem alteração da forma, estrutura, material e demais características arquitetônicas relevantes. NP-2: preservação das características arquitetônicas externas dos edifícios, admitindo-se reformas internas compatíveis com a conservação das fachadas, cobertura e componentes arquitetônicos externos. NP-3: corresponde à definição de características arquitetônicas externas – ritmo de vãos, proporções, inclinação de coberturas, materiais – para reformas em edificações existentes ou para novas construções, visando à sua harmonização com aquelas classificadas como NP-1 ou NP-2. 9- A metodologia adotada para a definição dos gabaritos máximos das construções em áreas no entorno de imóveis tombados é a mesma adotada em alguns trabalhos do Departamento do Patrimônio Histórico da Prefeitura de São Paulo. Utilizam-se 3m para cada pavimento e mais 1m como margem de tolerância, permitindo a construção, por exemplo, de caixas d’água e uso de pés-direitos mais altos. 10- O projeto de lei (Projeto de Lei n. 5.788/90), conhecido como Estatuto da Cidade, foi aprovado em julho de 2001, e está vigente desde 10 de outubro desse mesmo ano. A partir desse momento, o capítulo da política urbana da Constituição de 1988, em combinação com o Estatuto da Cidade e o texto da Medida Provisória n. 2.220, dão as diretrizes para a política urbana do país, nos níveis federal, estadual e municipal. O Estatuto da Cidade prevê mecanismo de intervenção urbana, como forma de garantir a função social da cidade e da propriedade urbanas. Dentre eles, destacamos nesta monografia, como instrumentos de indução do desenvolvimento para levar à ocupação de terrenos vazios ou subutilizados: parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; IPTU progressivo no tempo; desapropriação com pagamento em títulos; direito de preempção; e criação de Zonas Especiais de Interesse Social, ZEIS. 11- Pelo texto da Constituição de 1988, o Plano Diretor é o instrumento básico da política municipal de desenvolvimento urbano (artigo 182). Cabe ao Plano Diretor cumprir a premissa constitucional da garantia da função social da cidade e da propriedade urbanas. Ou seja, é o Plano Diretor o instrumento legal que vai definir, no nível municipal, os limites, as faculdades e as obrigações envolvendo a propriedade urbana. Deverá explicitar de forma clara qual o objetivo da política urbana. Deve partir de um amplo processo de leitura da realidade local, envolvendo os mais variados 146 Para garantir o pleno atendimento do Plano Diretor11, deve-se reestruturar a Prefeitura. Deve ser constituída uma Secretaria do Planejamento Urbano, composta por arquitetos, engenheiros e profissionais de diversas áreas. A esta secretaria devem estar ligados o Departamento de Patrimônio Histórico, Departamento de Habitação e Áreas Públicas e Departamento do Meio Ambiente. Propõe-se esta estrutura visando a um planejamento urbano e territorial integrado, atendendo ao conjunto da área urbana e rural. Dessa forma, o órgão de preservação municipal, o Spachpan, existente perante a lei, mas inativo, deve ser modificado. Primeiro, é imprescindível a sua profissionalização, daí a necessidade da constituição de um Departamento com funcionários concursados, que inclua um corpo de arquitetos, engenheiros, historiadores e sociólogos e que possua verba pública própria, advinda da Secretaria de Planejamento Urbano. Dentro do Departamento do Patrimônio Histórico, deve-se prever um Estatuto12 de atuação frente às questões de conservação e restauração dos bens tombados e também uma metodologia para inventariar os bens do município e critérios para selecionar aqueles que devem ser tombados. Com essa proposta, supomos que a ação local de um órgão de preservação municipal seja mais eficiente que a atuação de um órgão estadual, no caso o Condephaat, principalmente pela distância. A ação deve ocorrer próxima à população e atingir a comunidade: deve fazer parte da vida dessa população. Como premissa, a Secretaria do Planejamento Urbano deve agir de forma conjunta com a Secretaria da Educação. A população deve ser conscientizada constantemente da importância do planejamento urbano para a vida em sociedade e não somente sobre o patrimônio histórico, já que a ação para a preservação desses bens é uma forma de planejamento urbano, daí a necessidade de estar inserida e prevista no Plano Diretor. Para a atuação da Secretaria da Educação, em relação específica a essa conscientização sobre o planejamento urbano e sobre a preservação do patrimônio cultural, pode ser permitida a terceirização desse ‘serviço’, através do incentivo a atividades extracurriculares, culturais e educativas, junto às escolas, de forma a atingir crianças e seus familiares13. A inserção do assunto na grade curricular das escolas de ensino fundamental é uma conduta interessante. O orçamento deveria setores da sociedade. A partir disso, vai estabelecer o destino específico que se quer dar às diferentes regiões do Município, embasando os objetivos e as estratégias. (Brasil. Estatuto da Cidade (2001), p.43) 12- O Estatuto do Departamento do Patrimônio Histórico deve ser abrangente em relação às questões de conservação e restauro do patrimônio, para não incorrer em erros de intervenção. É preciso buscar um equilíbrio entre as várias teorias existentes, para evitar a falsificação. Segundo palavras de Beatriz Kühl, deve-se considerar que não há apenas uma forma de se avaliar os monumentos históricos, mas várias, cada qual de pertinência relativa. Além disso, toda avaliação ou julgamento comporta certa subjetividade, daí a importância de que os profissionais envolvidos na conservação do patrimônio tenham uma sólida formação histórica e estética, principalmente, para se buscar o equilíbrio entre a subjetividade e a objetividade dessas análises. “A questão da conservação de monumentos históricos deve ser discutida e enfrentada dentro da realidade de cada época, e o fato de, futuramente, as soluções serem, provavelmente, diversas, não nos exime da responsabilidade pela sua preservação. Ainda que não haja consenso e, muitas vezes, nem mesmo coerência nas abordagens, não se deve renunciar ao exercício da razão e da crítica” (KÜHL, p.482). Os vários conceitos de restauração: Restauro arqueológico: introduz o princípio da ‘distinguibilidade’. Permite a recomposição ou consolidação do monumento, mas as intervenções ou adições devem ser distintas da obra original. Restauro estilístico: não há distinção entre os componentes restaurados e os originais; os acréscimos são eliminados para que as características do estilo principal sejam ressaltadas. Restauro romântico: preservação da matéria original do monumento; respeito às modificações e ampliações posteriores; respeito absoluto pela edificação em seu estado atual; repulsa pela intervenção. Restauro histórico: o monumento é visto como documento. As intervenções devem se basear em dados concretos fornecidos pela pesquisa histórica e pelo próprio objeto de estudos; permite-se a reconstrução. Restauro moderno: monumentos como documentos da história da civilização. Devem ser preservadas as adições e modificações no decorrer do tempo e conservadas as marcas da passagem do tempo. Prefere a consolidação à reparação, e a reparação à restauração; as intervenções devem ser distintas da obra original através do uso de materiais diversos; todo trabalho de restauro deve ser documentado e ter marcas que o identifiquem. Restauro científico: confere grande importância aos valores históricos e documentais de um monumento, dando a eles maior relevância que aos elementos formais. Restauração baseada em estudos rigorosos. Restauro crítico: passa-se a dar maior importância ao caráter artístico e estético da obra, à sua mensagem formal. Permite-se a reconstrução e a 147 prever contratos anuais de empresas encarregadas de organizar eventos, palestras, seminários, cursos, festas e apresentações culturais. Dessa forma, a população seria incentivada a tomar parte da vida social e cultural da cidade sem ser obrigada. O aprendizado seria mais fácil, já que espontâneo, além de efetivo e duradouro. 4.3.1 Proposta de intervenção Como forma de viabilizar o aprofundamento dos estudos sobre o patrimônio histórico da cidade de Casa Branca, propomos a construção de um edifício adequado para abrigar museu e arquivo municipal, o que possibilitaria a organização dos documentos históricos, haja vista que, atualmente, o museu da cidade localiza-se em um antigo prédio da Prefeitura, localizado fora do centro da cidade, sem uma estrutura física que comporte sua função. Acrescentam-se ao programa dessa nova edificação usos compatíveis com a carência da população por espaços culturais e de lazer. O novo edifício comportaria, então, um programa complexo, agregando as funções de museu, arquivo municipal, salas para acesso grátis à internet, espaço para leitura, café, espaços para palestras e cursos gratuitos, além de área de lazer ao ar livre com pistas de skate e pequeno parque infantil, por exemplo. Com esse programa procura-se integrar lazer e cultura e aproximar a comunidade das atividades relacionadas à preservação do patrimônio histórico do Município. A escolha do local do projeto advém da constatação da necessidade de um espaço público que acolha a população e atenda às suas carências, que contribua também para a valorização do patrimônio histórico. Escolhemos para o projeto o terreno vazio entre a Praça Honório de Syllos e a Rua Luiz Gama. Com isso, pretendemos valorizar o patrimônio cultural desse primeiro eixo de ocupação do território de Casa Branca, como forma de reafirmar o seu caráter histórico diante da população casabranquense, integrando-o à vida social urbana. anastilose. Restauro analógico: faz uso de técnicas tradicionais e reposições idênticas. 13- Tomam-se como exemplo as atividades realizadas pela Fazenda Pinhal, em São Carlos, em parceria com a Prefeitura daquele Município. A Semana Pró Casa do Pinhal é realizada em São Carlos desde 2001, com o objetivo de estimular os valores de preservação e o acesso ao patrimônio histórico-cultural do Município, através de atividades para alunos da rede municipal e da Universidade Aberta da Terceira Idade (UATI), para professores e para o público em geral. Neste ano de 2006, estão programadas para os meses de maio e junho, visitas à Fazenda Pinhal, que receberá todos os alunos da 3ª série do Ensino Fundamental e da Educação de Jovens e Adultos (EJA), ampliando o caráter educativo do evento e promovendo a inserção das visitas como recurso pedagógico. A UATI também consolidará sua participação, com a visita dos alunos de seus dois campi a Pinhal. Em 2006, portanto, a Fazenda deverá receber mais de mil e duzentos visitantes. O tema da Semana Pró Casa do Pinhal deste ano de 2006 é a Cultura e História Afro-Brasileira: contribuição da população negra em São Carlos, buscando atender a uma demanda por conteúdos que abordem a participação do negro na história local e a conseqüente ampliação dos personagens desta história. Dessa forma, além das visitas dos estudantes, estão programadas palestras para o público em geral e oficinas para públicos específicos: professores, monitores e profissionais da área cultural e educacional. O evento prevê atividades ligadas à cultura negra, com danças, música, exposições de fotografias e artes plásticas abertas ao público. (Pró Casa do Pinhal, São Carlos) 115- Mapa com a localização do terreno para a construção do projeto proposto (marca verde). 148 Propomos que a entrada principal dessa edificação es- teja voltada para a Rua Luiz Gama, que, pelas suas dimensões, comportaria melhor o uso coletivo voltado para o lazer. Na Rua Waldemar Panico e Praça Honório de Syllos, propomos apenas o acesso para o museu e arquivo através de uma praça. Separa-se o uso do lazer do cultural apenas por uma questão funcional, devido à preocupação de não se alterar a caracaterística residencial daquele local. 116- Foto do terreno proposto para o projeto, na Rua Florinda de Souza (antiga Rua dos Mineiros) Praça Honório de Syllos Rua Luiz Gama Rua Mestre Araújo Rua Barão de Casa Branca 117- Foto do terreno proposto para o projeto, com uma das frentes para a Praça Honório de Syllos. terreno a Ru e od s Ca ca an r aB rã Ba ico a m e ald W a an rP Ru 149 Rua dos M ineiros 118- Sequência de croquis para o projeto do edifício e praça propostos. 150 Considerações Finais Ao longo desta monografia, discutimos a respeito do histórico, da evolução urbana, do urbanismo e do patrimônio cultural de Casa Branca com o intuito de trazer à tona o valor cultural dessa cidade do interior paulista. Enquanto nos estudos anteriores sobre essa localidade destacava-se a colonização açoriana e a intervenção da Coroa portuguesa, pretendemos conhecer também a ocupação sertanista, dos ‘paulistas’ e ‘mineiros’. Levantamos dúvidas sobre conceitos afirmados há tempos e questionamos o desenho urbano, o traçado de ruas e praças. Houve uma grande procura do entendimento desse espaço, em seus aspectos físicos, arquitetônicos e urbanísticos, e em seus aspectos culturais, para que pudéssemos propor formas de intervenção para garantir a preservação de seu patrimônio coletivo. As propostas clamam por ações imediatas, com alterações na estrutura administrativa do Município, tendo em vista que este poder torna-se o responsável pelo planejamento urbano integrado. A escala reduzida da cidade permite tais intervenções, que devem ser aperfeiçoadas e discutidas por um conselho que elabore o Plano Diretor e por membros de um departamento do patrimônio histórico, em uma ação conjunta com a secretaria de planejamento urbano e em parceria com a população, além de parcerias para concretizar restaurações e projetos de conservação de alguns edifícios da cidade. O trabalho apenas começou. A cidade de Casa Branca precisa discutir questões urbanas, precisa envolver-se com a vida citadina. Em parceria com outros arquitetos da cidade e com membros da sociedade, tentamos, agora, organizar grupos de estudo sobre a cidade e eventos para o debate sobre patrimônio histórico com a população. Além disso, as questões colocadas por todo o trabalho estão em aberto para discussões, passíveis de serem aprofundadas em um futuro mestrado. 151 Bibliografia ABREU, João Capistrano de. Caminhos antigos e o povoamento do Brasil. 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XI. 154 Anexo I Registro de Imóveis da Rua Waldemar Panico Primeiros proprietários com registro no Cartório de Imóveis de Casa Branca. 155 156 Anexo II Revista Cigarra, década de 1910 - provavelmente de 1916. 157 Esta monografia foi composta em Garamond corpo 9/12/13/14 e 16 e impressa em papel sulfite 90g/m² na Impressora Epson CX 4700, em São Paulo/SP, em junho de 2006. 158