Tópicos para a discussão sobre ciência entre os povos não europeus 1. Porque a ciência moderna é um produto do Ocidente (Europa)? 2. Quais as razões pelas quais os povos da Ásia, da África e das Américas não desenvolveram uma ciência como a européia? 3. A Índia e a China fizeram grandes avanços na Matemática e na Astronomia, muitos deles originais e anteriores aos equivalentes europeus, mas pouco disso foi absorvido pela cultura ocidental. Quais as razões? 4. Segundo alguns autores (indianos em sua maioria), a despeito do fato de que vários estudos históricos recentes terem demonstrado que importantes descobertas em matemática e astronomia ocorreram no sub-continente indiano antes do que na Europa, os livros e cursos sobre história da matemática e da ciência ignoram sistematicamente esses novos conhecimentos e ensinam apenas a história européia do desenvolvimento desses campos do saber (chegando até a atribuir a descoberta de leis matemáticas e fatos astronômicos a europeus ao invés de indianos). Em outras palavras, há um eurocentrismo na maneira como a história da ciência é ensinada e vista pela comunidade científica. Esse eurocentrismo pode ser sintetizado pelo dogma: A ciência clássica é européia e suas origens estão na filosofia e ciência gregas. Os diagramas abaixo ilustram a visão eurocêntrica sobre a ciência: Visão eurocêntrica clássica da evolução da ciência Visão modificada da evolução da ciência (ainda eurocêntrica) Algumas frases tiradas de livros clássicos sobre história da ciência (traduções livres minhas): ... A ciência árabe apenas reproduziu os ensinamentos recebidos da ciência grega (P. Duhem, Le Système du Monde, 1965) ... pode-se quase omitir desenvolvimentos hindus e chineses em matemática (G. Sarton, Guide to the History of Science, 1927) Quanto mais se examina os eruditos hindus, mais eles parecem dependentes dos gregos ... (e) ... bastante inferiores a seus predecessores em todos os aspectos (P. Tannery, La Géométrie Grecque) 5. O conceito de “Lei da Natureza” era diferente entre os povos não europeus? Vejam por exemplo, o seguinte trecho de um artigo sobre multiculturalismo em ciência (tradução livre minha): Além do mais, o conceito ocidental de leis da natureza se deve tanto a crenças religiosas judaico-cristãs como à crescente familiaridade existente nos primórdios da Europa moderna com a autoridade real centralizadora, com o absolutismo real. Needham argumenta que essa ideia ocidental de que o universo é um “grande império, regido pelo Logos divino” nunca foi compreensível em nenhum momento da longa história da ciência chinesa porque um elemento comum às diversas tradições chinesas era o de que a natureza é auto-governada, uma teia de relacionamentos sem tecelão, com a qual os humanos interferem por seu próprio risco: “A harmonia universal não se dá pelo fiat celestial de algum Rei dos Reis, mas pela cooperação espontânea de todos os seres no universo produzida por eles seguirem as necessidades internas de suas próprias naturezas ... Todas as entidades em todos os níveis agem de acordo com sua posição nos grandes padrões (organismos) dos quais eles são partes.” Comparada à ciência da Renascença, a concepção chinesa de natureza era problemática, impedindo o interesse por descobrir “leis abstratas precisamente formuladas ordenadas no início por um formulador de leis para a natureza não humana”: “Não havia confiança de que o código de leis da natureza pudesse ser desvendado e lido, pois não havia garantia de que um ser divino, mesmo que mais racional que nós, tivesse alguma vez formulado tal código capaz de ser lido.” Obviamente, noções como “comando e dever nas “Leis” da Natureza” desapareceram da ciência moderna, substituídas pela noção de regularidades estatísticas que descrevem mais do que prescrevem a ordem da natureza – em certo sentido, um retorno, conforme comenta Needham, à perspectiva taoísta. Mas mesmo assim outros resíduos das concepções primordiais permaneceram. Evelyn Fox Keller indicou as implicações políticas positivas da concepção da natureza como ordenada simplesmente, ao invés de ordenada por lei. Quero com isso apenas frisar que as concepções ocidentais da natureza estiveram intimamente ligadas a ideais religiosos e políticos ocidentais mutáveis. Sandra Harding, Is Science Multicultural? Challenges, Resources, Opportunities, Uncertainties. Configurations 2.2 (1994) 301-330. Disponível em: http://muse.jhu.edu/journals/configurations/v002/2.2harding01.html (Acessado em 10/04/2014)