“De onde vem o pão...” Análise dos determinantes de rendimentos dos trabalhadores ... 1 “De onde vem o pão...” Análise dos determinantes de rendimentos dos trabalhadores de Curvelo/MG 1 Alessandro Gomes Enoque 2 1- INTRODUÇÃO A complexidade da “nova sociedade” brasileira a aproxima, sobremaneira, da discussão internacional a respeito dos fatores que determinam a estratificação social. Embora o peso de fatores educacionais tenha um papel importante na literatura brasileira sobre estratificação social e mercado de trabalho (Fernandes, Neves e Haller, 1999; Helal, 2005), fatores adscritos (raça e gênero) ainda têm peso fundamental na explicação da desigualdade social (Pastore e Silva, 2000; Fernandes, 2004; Bills et all, 1985). Em seu estudo acerca dos determinantes de cargos e salários de trabalhadores da indústria de transformação no Brasil, Fernandes, Neves e Haller (1999) nos mostram fortes evidências para a teoria do capital humano (o efeito da educação aumenta com a elevação da experiência do trabalhador). Destaque-se, no entanto, a existência de efeitos credenciais ao observarem-se os picos nos fins dos ciclos educacionais. Além disto, há elementos para comprovação da teoria da reprodução social (mesmo que pequena), uma vez que os efeitos da educação dos pais e da ocupação do pai são positivos. Em perspectiva semelhante, Helal (2005) nos mostra evidências, a partir de dados da PNAD de 1996, de uma influência importante do capital humano na empregabilidade formal e gerencial dos indivíduos. 1 Este artigo é parte da pesquisa “De onde vêm o pão: Análise dos Determinantes de Rendimentos dos Trabalhadores de Curvelo/MG”, financiada pelo Núcleo de Pesquisas Interdisciplinares em Administração da Faculdade de Ciências Administrativas de Curvelo/MG (NÚPIA/FAC), Programa Institucional de Iniciação Científica. A pesquisa foi realizada no período de agosto a novembro de 2008. 2 Doutorando em Ciências Humanas: Sociologia e Política pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG. Mestre em Administração de Empresas pela Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG (Organização e Recursos Humanos). Coordenador de Curso e Professor da Faculdade de Ciências Administrativas de Curvelo. 5 REVISTA DA FACULDADE DE CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS DE CURVELO Assim, este trabalho tem, como objetivo principal, a análise do peso de diversos fatores, principalmente aqueles relacionados à teoria do Capital Humano, na determinação da renda dos trabalhadores de Curvelo/MG. Embora este seja um assunto intensamente debatido pelas Ciências Sociais, as discussões dentro da teoria administrativa são bastante pífias. Os trabalhos existentes tendem, necessariamente, a ressaltar a questão da discriminação e do racismo nas empresas. Concentrar a questão étnica na dimensão do racismo é, no entanto, superficial e incompleto. É objetivo deste trabalho caracterizar os membros da etnia negra dentro de uma empresa têxtil localizada na região de Curvelo/MG. Algumas variáveis serão consideradas, tais como: salário, idade, sexo, tempo de empresa e posição ocupada pelos negros na organização. 2- REFERENCIAL TEÓRICO Há certo consenso na bibliografia de estratificação social a respeito das modificações ocorridas na estrutura ocupacional brasileira a partir da década de cinquenta (Ribeiro e Scalon, 2001; Silva, 2004; Ribeiro, 2004). Em âmbito geral, a sociedade brasileira fez, neste período, a transição entre sociedade agrária tradicional para sociedade industrial classista e de feições modernas3. Tal fenômeno, denominado por Silva (2004) como “modernização conservadora”, teve, como conseqüência, a redução de vários estratos ocupacionais ligados a uma sociedade baseada na produção agrícola de latifúndio e voltada para a exportação – grandes proprietários agrícolas e trabalhadores rurais, por exemplo, e a inserção de novos atores sociais provenientes da consolidação de um corpo burocrático em novas áreas de atuação do Estado – Educação e Saúde, além de nova camada administrativa/ gerencial nas grandes empresas privadas – “white-collar”. Como nos mostra Evans (1982), o modelo de desenvolvimento brasileiro contou, naquele momento, com a participação de três agentes 3 A respeito desse ponto, Ribeiro (2004, p.384) nos mostra que “(...) os dados de mobilidade social indicam que pelo menos 50 % dos homens entre 20 e 64 anos de idade têm origem em famílias na classe de trabalhadores rurais”. Sobre esse mesmo ponto, Ribeiro e Scalon (2001, p.66-67) afirmam que “(...) em 1973, 30 % da população trabalhadora masculina empregada pertencia às classes rurais, enquanto, em 1996, esse número era de somente 20,2 %. Essa retração fica clara quando observamos mudanças no tamanho da classe Ivc1 (proprietários rurais): em 1973, cerca de 4,5 % da população masculina era formada por empresários rurais; em 1996 este número caiu para 1,2 %” (Ribeiro e Scalon,2001,p.67) 6 “De onde vem o pão...” Análise dos determinantes de rendimentos dos trabalhadores ... principais: (a) capital privado nacional; (b) capital privado estrangeiro e (c) Estado. No que se refere ao Estado, a intervenção na promoção do desenvolvimento econômico pautou-se no papel de “demiurgo” (produtor) que se estendeu desde o governo getulista até os governos militares. As intervenções do Estado brasileiro restringiram-se, no entanto, aos setores de infraestrutura econômica (energia, transportes e comunicações), de desenvolvimento social (educação, saúde e previdência), além dos setores já transformados por lei em monopólio do Estado (petróleo). Observa-se, ainda, que, no caso brasileiro, a atuação do Estado esteve, sempre, em complementariedade com o capital estrangeiro, proprietário dos setores produtivos considerados mais “modernos” (automobilístico, por exemplo), pelo fornecimento de matérias-primas para as indústrias internacionais. Além disso, a opção pelos setores citados acima não foi pautada por critérios de competitividade ou inserção no mercado internacional por exportações, mas, algumas vezes, por critérios de “segurança nacional” 4. Sendo assim, produtos comercialmente mais favoráveis no mercado externo não foram “contemplados” nem pelo capital local nem pelo Estado. Nesse sentido, Evans (1982) nos mostra que a expansão da empresa estatal criou uma associação implícita entre elas e as multinacionais. Tal associação, baseada na complementariedade de interesses, tornou evidente a divisão entre infraestrutura e produção direta5. A partir da década de noventa, várias reformas econômicas promovidas na América Latina auxiliaram sobremaneira a complexificação da estrutura de classes no Brasil. Para SAAVEDRA (2004), as expectativas em relação às mudanças, pelos processos de privatização de empresas, de liberalização comercial e de redução do papel do Estado, giravam em torno da busca de maiores taxas de crescimento econômico. BRESSER, MARAVALL & PRZEWORSKI (1994) nos mostram, no entanto, que a opção pela adoção de políticas neoliberais traria, na verdade, resultados totalmente inversos. Segundo os autores, existiria ampla evidência de que a opção pela ideologia neoliberal tenderia a induzir recessões tão profundas que reduziriam os níveis de investimen4 Um outro aspecto que deve ser levado em conta diz respeito ao fato de que a orientação para a industrialização estava muito mais pautada, no caso brasileiro, para o mercado interno. 5 Estes fatores tiveram, como consequência, a amplicação do corpo burocrático estatal no corpo da sociedade brasileira. Para Silva (2004, p.44), “(...) os novos papéis assumidos pelo Estado implicaram a expansão e consolidação de uma grande burocracia, nos diversos níveis da sua organização políticoadministrativa”. No que se refere ao capital privado nacional, Silva (2004) afirma que, ao lado das estruturas oligopolísticas privadas e das empresas estatais, nota-se um claro aumento de estratos denominados “white-collar”. Ribeiro e Scalon (2001, p.67) nos mostram, nesse sentido, que “(...) a porcentagem dos profissionais, administradores e gerentes aumentou de 8,0 %, em 1973, para 11,4 % em 1988 (...)”. Outro ponto salientado pelos autores é o crescimento substancial da chamada pequena burguesia (56 % entre os anos de 1973 e 1996) fruto da urbanização e da expansão dos serviços. 7 REVISTA DA FACULDADE DE CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS DE CURVELO tos, as expectativas em relação a um futuro crescimento econômico e gerariam custos sociais que tornariam a continuação das reformas politicamente não palatáveis em contexto democrático6. Ao analisar o caso brasileiro, HOFMAN (2001) nos mostra que, no período de 1989 a 1998 que compreende a implantação das reformas, a taxa média anual de crescimento do PIB no país girou em torno de 1,1 %, valor bem inferior mesmo em relação à média latino-americana: 4,0 %. Comparando o desempenho brasileiro com o restante do mundo (EUA, por exemplo – 2.4 %), observa-se que os resultados foram, também, inferiores. É importante destacar, ainda, que somente os anos de 1994, 1995 e 2004 apresentaram taxas de crescimento econômico superiores às taxas mundiais. Quanto à situação do trabalho, SAAVEDRA (2004, p.193) nos mostra que o desemprego tornou-se problema explícito na década de 90 e que “(...) os índices de desemprego são mais altos do que eram durante os anos 1980”. Embora o país não apresente taxas tão altas quanto o restante da América Latina, o autor nos mostra crescimento contínuo das taxas de desemprego urbano desde 1995. O índice de desemprego em 1995 foi da ordem de 4,6 %, enquanto que, em 2000, atingiu o patamar de 7,1 %. O perfil do trabalho foi também bastante modificado pelo contexto das reformas econômicas. URANI (1996) corrobora tal análise ao mostrar que, para a realidade brasileira, a participação dos trabalhadores sem carteira assinada e por conta própria cresceu entre os anos de 1991 e 1995. No que se refere aos trabalhadores sem carteira assinada, a participação no mercado de trabalho “saltou” de 22,51 % (em 1991) para 25,70 % (em 1995). Cumpre dizer que realidade semelhante ocorreu no grupo de trabalhadores por conta própria (19,95 % em 1991 contra 21,86 % em 1995). O autor afirma, ainda, que a participação dos trabalhadores com carteira assinada decresceu no mesmo período (53,45 % em 1991 e 48,26 % em 1995), indicando que o segmento informal estaria atuando como um “colchão” para atenuar os impactos macroeconômicos e sociais das reformas. 6 É significativo observar, neste ponto, os trabalhos desenvolvidos por Williamson (1992) que nos mostra que, dentre 10 países latino-americanos que implementaram reformas “parciais ou totais”, apenas 04 tiveram crescimento econômico no período de 1988-1989, enquanto que 06 tiveram estagnação ou declínio do PIB. 8 “De onde vem o pão...” Análise dos determinantes de rendimentos dos trabalhadores ... 3- METODOLOGIA 3.1. Fonte de Dados A análise foi feita a partir dos dados do Censo Populacional Brasileiro do ano de 2000. A opção pela pesquisa do IBGE diz respeito, exatamente, à possibilidade de abrangência em nível municipal e por possuir variáveis importantes na explicação dos ganhos de rendimentos dos trabalhadores (gênero, raça, anos de escolaridade, idade, migração, religião, situação do domicilio, formalização e estado civil). 3.2. Variáveis e modelos Os dados foram utilizados para subsidiar a análise em dois momentos. Primeiramente, foi feita uma análise descritiva de algumas variáveis que nos apontam características individuais e sócio-demográficas destacadas na literatura que explicam, em grande parte, os rendimentos dos trabalhadores. Posteriormente, foi construído um modelo de regressão linear a fim de estimar, estatisticamente, o impacto destas variáveis nos rendimentos dos trabalhadores de Curvelo/MG. 3.3. Variável Dependente e Variáveis Independentes 3.3.1. Variável Dependente Log(Renda): Logaritmo natural dos rendimentos totais no trabalho principal dos trabalhadores, com idade entre 15 e 65 anos, do município de Curvelo/MG. 3.3.2. Variáveis Independentes Causais e de Controle Gênero - Para fins de categorização, foram utilizados os gêneros masculino e feminino (0 = feminino; 1 = masculino). Raça - Foram utilizadas as categorias raciais propostas pelo IBGE (branco, preto, amarelo, pardo e indígena). Tal variável foi, no entanto, 9 REVISTA DA FACULDADE DE CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS DE CURVELO modificada tendo em vista melhor utilização no modelo (1 = branco; 0 = não branco). Escolaridade - Para fins de análise, foi utilizada a variável “anos de escolaridade”. Experiência Profissional - Como forma de instrumentalização desta variável, foi utilizada a idade do indivíduo (como “proxy” de experiência profissional) e a idade ao quadrado. Migração - Para estudar o “status” migratório do indivíduo, foram utilizadas 03 variáveis indicadoras (não migrante, migrante intraestadual e migrante interestadual) Religião - Para estudar o efeito da religião, foram utilizadas 08 variáveis indicadoras (sem religião, religião católica, religião evangélica, religião espiritualista, religião afro-brasileira, religião oriental, outras religiões e religião não declarada). Situação do Domicílio - (Urbano = 1 e Rural = 0). Formal - (Formal = 1 e Informal = 0). Estado Civil - Para estudar o efeito do estado civil, foram utilizadas 04 variáveis indicadoras (solteiro, casado, desquitado e viúvo). 4- ANÁLISE DOS RESULTADOS 4.1. Análise Descritiva Para fins deste trabalho, foram utilizados dados secundários oriundos do Censo Populacional Brasileiro de 2000. Uma vez que o objeto de estudo consistia na análise dos fatores que determinam os rendimentos dos trabalhadores de Curvelo/MG, fez-se necessária a construção de uma amostra composta pelos habitantes desta cidade, com idade entre 15 e 65 anos e que tinham trabalho na semana de referência da pesquisa 7 no ano de 2000. Tal amostra apresentou um total de 23.995 indivíduos, sobre os quais as diversas análises abaixo foram efetuadas. 7 Cumpre destacar que foram retirados, desta amostra, indivíduos que apresentavam renda ignorada. 10 “De onde vem o pão...” Análise dos determinantes de rendimentos dos trabalhadores ... GRÁFICO 01 SEXO DO ENTREVISTADO Fonte: IBGE (Censo 2000) Como pode ser observado no gráfico 01, há uma predominância do gênero masculino no mercado de trabalho de Curvelo/MG (62,80 %) no ano de 2000. Aprofundando o nível de análise, efetuando o cruzamento entre as variáveis “gênero” e “situação do domicílio”, observou-se que há, ainda, uma predominância de homens no mercado de trabalho rural da cidade, ou seja, aproximadamente 84 % daqueles indivíduos que atuam no campo, são do gênero masculino. É importante destacar que, daqueles que trabalham na cidade, 39,7 % são mulheres. Tal realidade pode estar relacionada ao fato de que grande parte da economia urbana de Curvelo/MG está ligada ao comércio e à prestação de serviços. A distribuição sexual do mercado de trabalho na cidade, levando em conta os critérios de formalidade/informalidade, expõe uma realidade interessante. Em contraposição à realidade nacional, não há, para Curvelo/MG no ano de 2000, grandes variações quanto à distribuição sexual do mercado de trabalho quanto à formalização do trabalho. Percebe-se que o percentual de homens nos setores formal e informal gira em torno de 63 %. 11 REVISTA DA FACULDADE DE CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS DE CURVELO GRÁFICO 02 MÉDIA DO TOTAL DE RENDIMENTOS DO TRABALHO PRINCIPAL POR SEXO Fonte: IBGE (Censo 2000) Outro aspecto importante pode ser observado no gráfico 02. Mesmo sendo significativa a maioria da mão-de-obra na cidade de Curvelo/MG, os homens têm uma média do total de rendimento do trabalho principal quase duas vezes superior ao das mulheres. A média de rendimentos dos homens gira em torno de R$ 470,57 8, enquanto a das mulheres é de R$ 283,69. É importante destacar, ainda, que a média dos rendimentos do trabalho principal, sem qualquer distinção de sexo, é de aproximadamente R$ 401,06. Nota-se, entretanto, que, apesar de receberem rendimentos inferiores aos dos homens, as mulheres trabalhadoras de Curvelo/MG, em 2000, possuíam mais anos de escolaridade (aproximadamente 7,68 anos de escolaridade em comparação com 6,11 dos homens). Tal fato pode refletir possível estratificação sexual no mercado de trabalho curvelano, já que, as mulheres estariam alocadas em postos de trabalho de menor “status” social e, portanto, com rendimentos inferiores. Além 8 Para fins de comparação, é importante destacar que o valor do salário mínimo brasileiro para o ano de 2000 foi de R$ 151,00. 12 “De onde vem o pão...” Análise dos determinantes de rendimentos dos trabalhadores ... disso, o fato de as mulheres possuírem grau de escolaridade maior pode estar associado à idéia de que os homens são normalmente inseridos no mercado de trabalho em idade inferior e tendem, com isto, a abandonar os estudos. Com relação à raça dos entrevistados, observou-se que a categoria não branco apresenta o mais elevado percentual (63,8 %). Cumpre destacar que tal categoria agrupa elementos das raças “preto” e “pardo” (conforme nomenclatura do Censo 2000) e que se aproxima, bastante, da realidade nacional. O percentual de “brancos” no mercado de trabalho curvelano apresenta um total de 36,2 %. Da mesma forma que pode ser observado no tocante à variável “gênero”, os rendimentos totais no trabalho principal no mercado de trabalho de Curvelo/MG variam substancialmente conforme a raça dos entrevistados. A média dos rendimentos dos “não brancos” gira em torno de R$ 337,93, ao passo que os rendimentos dos brancos aproximam-se de R$ 513,89. Outra dimensão importante que deve ser analisada é a relação entre a raça do entrevistado e seu grau de escolaridade. Observou-se que, para a realidade do mercado de trabalho de Curvelo/MG no ano de 2000, há clara distinção entre “não brancos” e “brancos”. Em relação à primeira categoria, a média de anos de estudo girou em torno de 5,96, enquanto, à segunda, a média foi de 8 anos. A média de idade dos trabalhadores pesquisados é, para o ano de 2000, de 34,21 anos com um desvio-padrão de 11,81. Ressalta-se, ainda, que aproximadamente 75 % dos trabalhadores de Curvelo/ MG possuem idade inferior a 42 anos. Na variável “migração”, observou-se que a grande maioria (71,3 %) dos trabalhadores de Curvelo/MG, com idade entre 15 e 65 anos, é proveniente de outras cidades do interior de Minas Gerais. Tal realidade é seguida por um percentual de 23,69 % de trabalhadores não migrantes. 13 REVISTA DA FACULDADE DE CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS DE CURVELO GRÁFICO 03 CARACTERÍSTICAS DA MIGRAÇÃO Fonte: IBGE (Censo 2000) Analisando-se a média do total de rendimentos do trabalho principal dos indivíduos pesquisados no ano de 2000 e tendo por base seus “status migratório”, observa-se que, apesar de terem um contingente menor, os “migrantes interestaduais” possuem média de rendimentos superior à das demais categorias (R$ 495,22). A categoria “não migrante” apresenta-se em segundo lugar com média de rendimentos de R$ 452,84. Finalmente, em terceiro lugar, apresentam-se os “migrantes intraestaduais” com média de R$ 442,57. Um aspecto importante a destacar é o de que a média de anos de escolaridade da categoria “não migrante” apresenta o maior valor (7,68 anos), seguida dos “migrantes intraestaduais” (6,05 anos). Sobre a religião dos trabalhadores de Curvelo/MG, observa-se uma predominância de indivíduos católicos (90,78 %). Tal fato pode estar associado à grande influência da arquidiocese de Diamantina/MG, na cidade, além da presença de padres redentoristas (São Geraldo) e de organizações católicas. Em segundo lugar, apresenta-se a religião evangélica com aproximadamente 6,28 % dos indivíduos pesquisados. 14 “De onde vem o pão...” Análise dos determinantes de rendimentos dos trabalhadores ... GRÁFICO 04 RELIGIÃO Fonte: IBGE (Censo 2000) Cumpre destacar que as maiores médias de rendimentos podem ser encontradas nas categorias “religiões orientais” (R$ 728,54), “religiões espiritualistas” (R$ 715,95) e “sem religião” (R$ 556,38). Os trabalhadores católicos de Curvelo/MG, embora sejam maioria, apresentam média de rendimentos de apenas R$ 402,05. A pior média de rendimentos apresenta-se, no entanto, para os trabalhadores que declararam professar religiões afro-brasileiras (R$ 163,90). Tal valor pode estar relacionado, ainda, ao fato de que praticantes desta religião são, normalmente, de cor preta. Neste sentido, a média de rendimentos pode estar muito mais relacionada à cor do indivíduo do que, propriamente, à religião. 15 REVISTA DA FACULDADE DE CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS DE CURVELO GRÁFICO 05 RELIGIÃO x MÉDIA DOS RENDIMENTOS TOTAIS DO TRABALHO PRINCIPAL Fonte: IBGE (Censo 2000) Realidade semelhante pode ser observada comparando as variáveis “religião” e “anos de escolaridade”. Nota-se, claramente, que os indivíduos das categorias “religiões orientais”, “religião espiritualista” e “sem religião”, apresentam os maiores graus de escolaridade (respectivamente: 10, 21, 8,6 e 7,02). Destaca-se, no entanto, o alto grau de escolaridade dos trabalhadores que professam religião afro-brasileira (7,77 anos). Tal média é, inclusive, superior à dos trabalhadores que optaram pela categoria católico (6,79 anos). 16 “De onde vem o pão...” Análise dos determinantes de rendimentos dos trabalhadores ... GRÁFICO 06 RELIGIÃO x MÉDIA DOS ANOS DE ESCOLARIDADE Fonte: IBGE (Censo 2000) No que se refere à situação do domicílio do trabalhador pesquisado, observamos uma predominância daqueles localizados na cidade (89,3 %). Em segundo lugar, apresentam-se os trabalhadores rurais com percentual de aproximadamente 10,7 %. Nota-se, ainda, um considerável grau de formalização do mercado de trabalho de Curvelo/MG (aproximadamente 61,3 %). É importante destacar que tal fato apresenta comportamento diverso em relação ao padrão nacional. A grande maioria dos trabalhadores encontram-se em ocupações relacionadas ao “serviço, vendas e comércio” (33,82 %) e à “produção de bens e serviços industriais” (26,56 %). Ressalta-se, ainda, o percentual apresentado pela categoria “dirigentes e gerentes” (3,48 %). 17 REVISTA DA FACULDADE DE CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS DE CURVELO GRÁFICO 07 OCUPAÇÃO x MÉDIA DOS RENDIMENTOS TOTAIS DO TRABALHO PRINCIPAL Fonte: IBGE (Censo 2000) Ao aprofundarmos o nível de análise, cruzando as variáveis “ocupação” e “média dos rendimentos totais do trabalho principal” dos trabalhadores entre 15 e 65 anos de Curvelo/MG, observa-se que as maiores médias estão relacionadas às categorias “dirigentes e gerentes” (R$ 1.505,81), “forças armadas, polícia militar” (R$ 1.096,02) e “profissionais de ciências e artes” (R$ 985,05). Convem destacar que as piores médias podem ser encontradas nas seguintes ocupações: “agricultura, pecuária e floresta” (R$ 248,96), “serviços, venda e comércio” (R$ 259,93), “reparos e manutenção” (R$ 323,69) e “produção de bens e serviços industriais” (R$ 336,02). 18 “De onde vem o pão...” Análise dos determinantes de rendimentos dos trabalhadores ... GRÁFICO 08 OCUPAÇÃO x MÉDIA ANOS DE ESCOLARIDADE Fonte: IBGE (Censo 2000) Outro aspecto importante pode ser observado nas variáveis “ocupação” e “ média de anos de escolaridade”. Embora a categoria “profissionais de ciências e artes” apresente a maior média de anos de escolaridade (12,35 anos), tal fato não se traduz em maior média de remuneração para esta categoria, como visto anteriormente (apresenta-se em terceiro lugar no “ranking” de remuneração). Nota-se, ainda, um alto grau de escolaridade dos “profissionais administrativos” e uma pequena média de rendimentos (R$ 399,69), o que pode estar relacionado à política de remuneração da administração pública local. 4.2. Análise dos Dados da Regressão Linear Nesta etapa do trabalho, foram analisados os resultados provenientes do modelo de regressão linear, cuja variável dependente é o logaritmo natural dos rendimentos totais do trabalho principal dos indivíduos com idade entre 15 e 65 anos e residentes em Curvelo/ MG. Como variáveis independentes, foram utilizadas: gênero (1= masculino; 0 = feminino), raça (1 = branco; 0 = não branco), anos de 19 REVISTA DA FACULDADE DE CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS DE CURVELO escolaridade, idade e idade ao quadrado (como “proxy” de experiência profissional), variáveis indicadoras de migração (não migrante9, migrante intraestadual e migrante interestadual), variáveis indicadoras de religião (sem religião10, religião católica, religião evangélica, religião espiritualista, religião afro-brasileira, religião oriental, outras religiões e religião não declarada), situação do domicílio (1 = urbano; 0 = rural), formal (1 = formal; 0 = informal) e variáveis indicadoras de estado civil (solteiro11, casado, viúvo e desquitado). TABELA 01 Model Summary Fonte: IBGE (Censo 2000) O primeiro aspecto importante acerca da análise do modelo de regressão linear construído diz respeito ao seu alto poder explicativo. Observados na tabela acima, as variáveis do modelo respondem por cerca de 36,1 % na variação dos rendimentos dos trabalhadores, de 15 a 65 anos de Curvelo/MG. Ressalte-se que tal “poder explicativo” é bastante significativo para estudos sobre a determinação de rendimentos de trabalhadores brasileiros. Conforme tabela seguinte, das variáveis explicativas alocadas ao modelo, apenas quatro não estariam associadas ao logaritmo natural do total de rendimentos totais no trabalho principal12 dos indivíduos entre 15 e 65 anos de Curvelo/MG 13: “religião espiritualista”, “religiões orientais”, “religião não declarada” e “migrante interestadual”. É importante destacar que, além do fato de todas as demais variáveis 9 10 11 12 13 Categoria de Referência. Categoria de Referência. Categoria de Referência. Variável Dependente do Modelo. Nível de significância da ordem de 0,05. 20 “De onde vem o pão...” Análise dos determinantes de rendimentos dos trabalhadores ... estarem relacionadas significativamente com a variável dependente, o sinal dos coeficientes indica se a associação é positiva ou negativa. TABELA 02 Fonte: IBGE (Censo 2000) No que se refere ao “gênero” do entrevistado, observamos associação positiva da variável da ordem de 0,345, significando que, para a realidade do mercado de trabalho de Curvelo/MG, em 2000, ser homem (homens = 1) aumentava em 41,19 % os rendimentos do indivíduo (em relação as mulheres e mantidas todas as demais variáveis constantes). É importante destacar que tal realidade aproxima-se, consideravelmente, dos estudos acerca do mercado de trabalho brasileiro, onde os homens tendem a ter rendimentos superiores ao das mulheres. No caso da variável “raça”, seu coeficiente foi, também, positivo e da ordem de 0,121 para o ano 2000. Tal realidade significa que ser “branco” aumentava em 12,86 % a renda do trabalhador no mercado de trabalho da cidade de Curvelo/MG, no ano de 2000. Destaca-se, conforme foi efetuado com a variável “gênero”, que tal realidade é, 21 REVISTA DA FACULDADE DE CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS DE CURVELO também, bastante próxima à realidade nacional, uma vez há uma tendência de os trabalhadores não brancos terem rendimentos inferiores aos brancos. Quando abordamos o “estado civil” dos trabalhadores entre 15 e 65 anos de Curvelo/MG, no ano de 2000, fez-se necessária a inclusão de variáveis indicadoras no modelo. Optou-se, para fins deste trabalho, a inclusão da variável indicadora “solteiro” como referência, no modelo apresentado. Ressalta-se, portanto, que todas as conclusões a respeito do efeito das variáveis indicadoras de estado civil estão relacionadas à realidade de ser solteiro. Ser casado, neste sentido, aumenta em 25,23 % os rendimentos totais no trabalho principal dos indivíduos entre 15 e 65 anos de Curvelo/MG em relação aos solteiros. O efeito da variável “separado, desquitado ou divorciado” é menor, ou seja, da ordem de 18,06 % (também em relação aos solteiros). Por fim, ser “viúvo” aumenta em 22,51 % os rendimentos dos trabalhadores de Curvelo/MG em 2000. Os efeitos da crença religiosa nos rendimentos dos indivíduos pesquisados também foram alcançados através da construção de variáveis indicadoras. Como referência, neste caso, foi utilizada a variável indicadora “sem religião”, sendo que as demais variáveis “religiosas” farão referência a esta. Uma vez que as variáveis “religião espiritualista”, “religião oriental” e “religião não declarada” não apresentaram resultados significativos, elas não serão analisadas. Conforme pode ser observado na tabela acima, ser “católico” possui efeito negativo nos rendimentos dos trabalhadores entre 15 e 65 anos de Curvelo/MG no ano de 2000 (- 0,194). Tal valor significa que “ser católico” diminui em 17,63 % os rendimentos totais no trabalho principal dos indivíduos em relação aos “sem religião”. Fato semelhante ocorre nas religiões evangélica (redução de 15,55 % nos rendimentos em relação aos sem religião), afro-brasileira (redução de 33,50 % em relação ao sem religião) e “outras religiões” (redução de 16,47 % também em relação aos sem religião). No que se refere às variáveis acerca do “status” migratório, a variável indicadora utilizada foi “não migrante”. Ressalta-se, no entanto, que somente a variável “migrante intraestadual” pode ser analisada, uma vez que a outra (“migrante interestadual”) apresentou resultados não significativos. Pode-se dizer, portanto, que ser migrante intraestadual aumenta em apenas 2,43 % os rendimentos dos trabalhadores de Curvelo/MG em comparação aos não migrantes (indivíduos que nasceram no município). 22 “De onde vem o pão...” Análise dos determinantes de rendimentos dos trabalhadores ... Analisando o efeito da variável “situação do domicílio” (urbano = 1), notou-se efeito positivo de tal variável (0,158), significando que ser trabalhador urbano aumenta em 17,12 % o rendimento total no trabalho principal para os indivíduos entre 15 e 65 anos de Curvelo/MG no ano de 2000. Em continuidade a tal informação, nota-se que ser “formal”, ou seja, possuir carteira de trabalho assinada ou contribuir para instituto de previdência, aumenta em 23,24 % os rendimentos em relação aos trabalhadores “informais”. Destaca-se, neste momento, que as variáveis “anos de estudo” e “idade” (“proxy” de experiência profissional), tradicionalmente relacionadas ao conceito de capital humano, possuem um alto poder explicativo no modelo estudado. Tal realidade pode ser observada nos coeficientes do beta padronizado (0,436 e 0,834, respectivamente). Isto significa, fundamentalmente, que as variáveis relacionadas ao capital humano possuem um alto poder explicativo para o mercado de trabalho de Curvelo/MG no ano de 2000. Quanto à variável “anos de escolaridade”, nota-se, através da análise da tabela apresentada acima, que cada ano de escolaridade a mais aumenta em 10,63 % os rendimentos dos trabalhadores entre 15 e 65 anos de Curvelo/MG. Em relação à idade do pesquisado (variável normalmente utilizada nos modelos como “proxy” de experiência profissional), nota-se uma realidade semelhante, ou seja, cada ano de idade a mais aumenta em 6,82 % o rendimento total no trabalho principal dos indivíduos pesquisados. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho teve, como objetivo principal, analisar os fatores que determinam os rendimentos dos trabalhadores de Curvelo/MG. Para tanto, foi selecionada uma amostra de moradores de Curvelo/MG com idade entre 15 e 65 anos e que exerciam atividade remunerada na semana de referência da pesquisa (ano de 2000). Em um primeiro momento, foi efetuada a análise descritiva dos dados onde se pode constatar que o mercado de trabalho curvelano possui o seguinte perfil: homens, não brancos, com idade média de 34 anos, católicos, com média de escolaridade de 6,7 anos, provenientes de outras cidades do interior de Minas Gerais (migrantes intraestaduais) e alocados, principalmente, nas seguintes atividades: “serviço, vendas e comércio” e “produção de bens e serviços industriais”. 23 REVISTA DA FACULDADE DE CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS DE CURVELO Em um segundo momento, foi construído um modelo de regressão linear, cuja variável dependente era o logaritmo natural do total de rendimentos no trabalho principal dos indivíduos componentes da amostra. Foram observados os efeitos de diversas variáveis explicativas na variação dos rendimentos dos indivíduos pesquisados. Notou-se, através destes dados, a confirmação da hipótese do capital humano no mercado de trabalho curvelano, uma vez que o efeito das variáveis “anos de escolaridade” e “idade” (“proxy” de experiência) foi acentuado e significativo. No caso da variável “anos de escolaridade”, por exemplo, foi constatado que cada ano a mais de estudo aumenta em 10,61 % os rendimentos totais dos indivíduos no trabalho principal para o mercado de trabalho de Curvelo/MG em 2000. 6. Referências Bibliográficas BILLS, David B. et all. Class, Class Origins, Regional Socioeconomic Development and the Status Attainment of Brazilian Men. Research in Social Stratification and Mobility, volume 4, pages. 89-127, 1985. BRESSER PEREIRA, Luiz; MARAVALL, José e PRZEWORSKI, Adam. “Economic Reforms in New Democracies: a Social-Democratic Approach”. In: SMITH, William et. al. (orgs.) Latin American Political Economy in the Age of Neoliberal Reforms: Theoretical and Comparative Perspectives for the 1990s. 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