CENTRO UNIVERSITÁRIO METODISTA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM REABILITAÇÃO E INCLUSÃO MESTRADO PROFISSIONAL EM REABILITAÇÃO E INCLUSÃO MARTHA FERRARI AGUSTONI RECICLAGEM E A INCLUSÃO SOCIAL: A UNIDADE DE TRIAGEM DE “LIXO” DO HOSPITAL SÃO PEDRO PORTO ALEGRE 2012 MARTHA FERRARI AGUSTONI RECICLAGEM E A INCLUSÃO SOCIAL: A UNIDADE DE TRIAGEM DE “LIXO” DO HOSPITAL SÃO PEDRO Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Reabilitação e Inclusão do Centro Universitário Metodista, do IPA, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Reabilitação e Inclusão. Orientador: Prof. Dr. Norberto da Cunha Garin Co-orientador: Prof. Dr. Edgar Zanini Timm PORTO ALEGRE 2012 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Agustoni, Martha Ferrari. Reciclagem e a inclusão social [manuscrito] : a unidade de triagem de “lixo” do Hospital São Pedro / Martha Ferrari Agustoni, 2012. 133 f. Dissertação (mestrado) – Centro Universitário Metodista, do IPA. Programa de Pós-Graduação. Mestrado em Reabilitação e Inclusão, Porto Alegre, 2012. "Orientação: Prof. Dr. Norberto da Cunha Garin” "Co-orientação: Prof. Dr. Edgar Zanini Timm” 1. Inclusão social. 2. Transtorno mental. 3. Reabilitação. 4. Reciclagem. 5. ATUT. I. Garin, Norberto da Cunha. II. Timm, Edgard Zanini. III. Título. CDD 362.21 CDU 364.048.6 Bibliotecária Responsável Patrícia Mentz CRB 10/2143 MARTHA FERRARI AGUSTONI RECICLAGEM E A INCLUSÃO SOCIAL: A UNIDADE DE TRIAGEM DE “LIXO” DO HOSPITAL SÃO PEDRO Esta Dissertação foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Mestre em Reabilitação e Inclusão, no Programa de Pós-Graduação em Reabilitação e Inclusão, do Centro Universitário Metodista, do IPA. Porto Alegre, Apresentada à Banca Examinadora composta pelos (as) professores (as) ____________________________________________ Prof. Dr. Norberto da Cunha Garin– Orientador PPG-RI _____________________________________________ Profa. Dra.Luciane Carniel Wagner PPG-RI ______________________________________________ Profa. Dra. Ilza Maria Tourinho Girardi UFRGS AGRADECIMENTOS À Universidade Federal do Rio Grande do Sul pelo incentivo a capacitação de seus Técnicos, na busca do conhecimento. À Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação Social da UFRGS, ao Prof. Ricardo Schneiders da Silva, que proporciona a capacitação de seus Técnicos, através de Projetos, Mestrado e Doutorado. Ao Mestrado Profissional em Reabilitação e Inclusão Social e ao Prof. Dr. Jerri Luiz Ribeiro, pela grata satisfação de contar com sua compreensão e decisões. Ao Prof. Dr. Norberto Garin, meu Orientador, a mais grata satisfação de ter podido contar com sua orientação e compreensão e seus ensinamentos. A minha família pelo incentivo e paciência no período de estudos, e da certeza que iria vencer mais esta etapa da vida. Ao meu pai, Carlos Augusto Ferrari (in memoriam), obrigado por ser meu pai e transmissor de seu legado. À natureza como um todo e as felinas Kitty e Nina que acompanharam a trajetória e pelo seu amor incondicional. Aos professores e colegas do curso de Mestrado a grata satisfação de conhecê-los. Estar na hora certa, poder viver e conviver é uma grata satisfação. Gracias à la vida! A escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros, ou arriscar a nossa destruição e a da diversidade da vida. (Carta da Terra) RESUMO O presente trabalho busca mostrar as relações que podem ocorrer entre a doença mental e a reabilitação, as possibilidades que o trabalho pode oferecer a pessoas historicamente excluídos da sociedade. Atualmente os doentes mentais possuem um campo de atuação bem restrito e o Galpão de reciclagem Associação dos Trabalhadores da Unidade de triagem do Hospital São Pedro (ATUT), que se encontra nas dependências do Hospital São Pedro é uma oportunidade para que essas pessoas e sua reabilitação. Na ATUT é oferecida capacitação com uma atividade fácil de ser compreendida e de ser seguida, dentro de uma organização. Neste Galpão é triado material reciclável vindo da coleta seletiva e doado por Instituições Públicas, Bancos, escritórios e outros. É uma oportunidade de trabalho para pacientes do Hospital e de outros locais que sejam receptores destas pessoas. Sabemos que a sociedade não possui condições de recolocá-los na economia de mercado, mas lá no Galpão eles têm esta oportunidade de trabalho, e de manter a reabilitação psicossocial bem como obter um ganho mensal, lhes oportunizando a independência. O cuidado com a natureza está contribuindo com o Projeto ATUT, pois cada vez mais é importante a atividade de descarte correto dos resíduos que produzimos, a fim de que a natureza possa regenerar-se, manter uma agradável convivência com o homem. Assim, mostramos que a coleta seletiva de materiais recicláveis e sua correta destinação ao Galpão de reciclagem é importante, pois vai contribuir para a preservação do meio ambiente. Estuda-se o caso da Associação ATUT, com o objetivo de propor um modelo para que outros galpões possam existir e assim multiplicar a ideia original vinda do Projeto ATUT, que era uma oficina de terapia de reciclagem. Palavras-chave: Doença Mental. Associados da ATUT. Materiais Recicláveis. Reciclagem. Reabilitação. Inclusão Social. ABSTRACT The present study attempts to show the relations that can occur between mental illness and rehabilitation, the possibilities that the work can offer individuals historically excluded from society. Currently they have a very restricted field of operation and the recycling shed Workers' Association triage unit of Hospital São Pedro (ATUT), which is at the premises of St. Peter's Hospital is an opportunity for the mentally ill and their rehabilitation. There is a capacitating offered with an activity easy to understand and to be followed within an organization. There is triaged recyclable material coming from the selective collection and donation by public institutions, banks, offices and others. It is an opportunity of work for the hospital patient and other places which are receptors for these patients. We know that society does not have conditions of replacing them in the market economy, but there in the shed they have this opportunity to work, and also to keep the psychosocial rehabilitation and also get a monthly gain, their opportunity to the independence Nature is contributing to the project ATUT because it is increasingly important activity of properly discard the waste we produce, so that it can regenerate itself, maintain a pleasant living with a man. Thus we have shown that the selective collection of recyclable materials and their proper disposal to the recycling shed is important today, will contribute to the preservation of the environment. It was a studied of the case: ATUT Association, in order to propose a model which may create de origin of other sheds and so multiply the original idea came from ATUT Project, which was a workshop of therapy recycling. Keywords: Mental Illness. Associates of ATUT. Recycled Materials. Recycling. Rehabilitation. Social Inclusion. LISTA DE SIGLAS 3Rs - Reduzir, reaproveitar e reciclar A3P - Agenda Ambiental na Administração Pública ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas AJURIS - Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul APAE - Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais ATUT - Associação dos trabalhadores da Unidade de Triagem CEPERS - Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul - Sindicato dos Trabalhadores Em Educação CGA - Coordenadoria de Gestão Ambiental COREN - Conselho Regional de Odontologia CREA - Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura, Agronomia DMLU - Departamento Municipal de Limpeza Urbana FABICO - Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação Social FADERS - Fundação de Articulação e Desenvolvimento de Políticas Públicas para Pessoas Portadoras de Deficiência e de Altas Habilidades no Rio Grande do Sul GTs - Grupos de trabalho(s) HPSP - Hospital Psiquiátrico São Pedro IBAMA - Instituto Brasileiro de Meio Ambiente IPA - Instituto Porto Alegre IPF - Instituto Psiquiátrico Forense LEVs - Locais de entrega voluntária de resíduos recicláveis ONU - Organizações das Nações Unidas PEVs - Postos de entrega voluntária PNRS - Política Nacional de Resíduos Sólidos PROCERGS - Companhia de Processamentos de Dados do Rio Grande do Sul SICREDI - Cooperativa de Crédito SUS - Sistema Único de Saúde SUSEPE - Superintendência dos Serviços Penitenciários TIM - Telefonia TIM UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................9 1.1 PROBLEMA.........................................................................................................14 1.2 OBJETIVO GERAL..............................................................................................15 1.3 OBJETIVOS ESPECÍFICOS................................................................................16 1.4 A OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE NO GALPÃO...............................................17 2 REFERENCIAL TEÓRICO.....................................................................................19 2.1 WEBER E O TIPO IDEAL....................................................................................19 2.2 NATUREZA E CONHECIMENTO........................................................................23 2.3 DOENÇA MENTAL, HISTÓRIA E ORGANIZAÇÕES..........................................28 3 OS MATERIAIS RECICLÁVEIS.............................................................................32 4 PROJETO DE EXTENSÃO: ATUT- RECICLANDO VIDAS COM INCLUSÃO SOCIAL...................................................................................................................43 4.1 CAMPANHAS DE DIVULGAÇÃO........................................................................46 4.2 APOIO E PARCERIAS.........................................................................................51 4.3 METODOLOGIA...................................................................................................51 5 O PERFIL DOS ASSOCIADOS E SEUS LOCAIS DE ORIGEM...........................55 5.1 O PERFIL.............................................................................................................55 5.2 LOCAIS DE ORIGEM..........................................................................................56 5.2.1 Hospital São Pedro.........................................................................................57 5.2.2 Instituições de Atendimento Psicossocial...................................................66 6 LOCAIS DE TRABALHO NO COTIDIANO DO GALPÃO.....................................73 7 ORGANOGRAMA DO GALPÃO...........................................................................85 8 PARCERIAS, SERVIÇOS E RECEITAS DA ATUT...............................................91 9 O CASO: O COTIDIANO DO GALPÃO DE RECICLAGEM.................................94 9.1 PERÍODO PRÉ-INSTITUCIONAL 2000: UMA OFICINA DE REABILITAÇÃO...94 9.2 NASCIMENTO E INSTITUCIONALIZAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO DOS TRABALHADORES DA UNIDADE DE TRIAGEM DO HOSPITAL SÃO PEDRO................................................................................................................98 10 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................109 REFERÊNCIAS.......................................................................................................118 ANEXOS..................................................................................................................121 9 1 INTRODUÇÃO Ao iniciar o caminho da pesquisa qualitativa do presente trabalho, foi percorrido um longo tempo de espera, para que os trâmites legais fossem efetivados no sentido de ser aprovada pelos Comitês de Ética do Centro Universitário Metodista do IPA e do Hospital São Pedro, onde o Galpão de reciclagem está dentro dos seus muros. Hoje, o Galpão é uma Associação que tem a sua independência organizacional e estrutural, mas está lá dentro, do maior hospital que abriga doentes mentais de Porto Alegre. Foram cinco meses de espera, com a aprovação dos Comitês de Ética, liberando a pesquisa. Algumas ressalvas foram solicitadas, através dos Comitês de Éticas do IPA e do Hospital São Pedro (Anexo 1) e (Anexo 2), e o Termo Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo 3), assim respeitados por mim, durante a minha trajetória da pesquisa no trabalho de campo. Sempre respeitei os limites impostos, em se tratando de pessoas portadoras de doença mental ou com alguma deficiência mental, na sua maioria. A pesquisa como um todo foi muito prazerosa, pela condição especial de ser muito bem recebida pelos associados - Equipe Técnica do Galpão. Senti-me muito à vontade para perguntar, aguçar minha curiosidade pelo cotidiano deles e do Galpão para que o trabalho de pesquisa pudesse representar tudo àquilo que ele realmente é, em um estudo de caso. Assim farei a proposição de uma possibilidade para as pessoas com doença mental e que estejam no processo de reabilitação, em busca de sua inclusão social. Início pela história do Hospital Psiquiátrico São Pedro, que na atualidade não é mais um hospital moradia, apenas um número pequeno de indivíduos ainda moram nele, em torno de cento e cinquenta pessoas, em regime de internação permanente na condição de morador. Nesta condição, de moradores do Hospital encontramos pessoas abandonadas e sua condição emocional e de remissão total, assim como não sabem sua origem, família, muitas vezes até o próprio nome, também pela idade avançada. Os demais estão ou ficam internados por um período máximo de um mês, ou em tratamento ambulatorial. O Hospital recebe atualmente pessoas com sofrimento psiquiátrico que necessitam de tratamento ambulatorial, com um curto período de internação, todos são encaminhados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) que atende à demanda da região Metropolitana de Porto Alegre. 10 Consigo traçar a história deste Hospital para doentes mentais e também não só em relação à memória de seus atores, como o caminho longo da doença mental e dos meandros que ela passou até chegar à atualidade. Assim vemos que para estes indivíduos houve uma evolução em relação a sua situação de cidadania. Existe uma reabilitação para o doente mental? Como se traduz? Ela acontece como um estado permanente? Fiz ao longo da pesquisa muitos questionamentos, no trabalho de campo e durante a convivência com os associados do Galpão e mesmo em momentos de reflexão do meu dia a dia, que me remetia às entrevistas. Observando o cotidiano desses pacientes, as tarefas, os diálogos, os eventos como o lanche, palestras, comportamentos nos diferentes momentos da pesquisa. Refletir sobre o mundo em que vivemos e para onde iremos, foram perguntas que me fiz durante a pesquisa, não só em relação à natureza, mas também quanto à existência destes indivíduos e a sua inserção na sociedade. Minha realidade pessoal permeou a doença mental, pois meu pai, já falecido, Dr. Carlos Augusto Ferrari, foi Psiquiatra, mas de outro complexo hospitalar - o Hospital Espírita, fundado e idealizado pelo meu avô paterno, Sr. Conrado Ferrari. Sem ter vocação para cursar a faculdade de Medicina, fui estudar Biologia, e adepta ao ideal da preservação do meio ambiente, cursei especialização em Educação Ambiental e, posteriormente, dentro da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) fiz o curso de Capacitação para Agente Ambiental, com ênfase na Gestão dos Processos Ambientais. Há nove anos participo da Ação de Extensão que busca trabalhar o Galpão de reciclagem da Associação dos trabalhadores da unidade de triagem do Hospital São Pedro (ATUT), promovendo uma assessoria de comunicação interna e externa, realizada por acadêmicos do Curso de Comunicação da UFRGS. Promovemos a educação ambiental para os associados e para os integrantes da comunidade da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da referida Universidade. Nunca me imaginei dentro deste lugar, tão pouco falado e de maneira velada, como um assunto proibido ou esquecido, pela sociedade. Hoje percebo a importância do Projeto de Extensão ATUT para o Galpão e também da minha presença para os associados, como um elo de conhecimento e integrador entre a Universidade e esta Associação. 11 Hoje os doentes mentais estão sendo descortinados pela necessidade da sociedade ter que enxergar os que lá estiveram internados ou que foram ou são moradores desse Complexo Hospitalar. Assim a sociedade tem que propor uma saída para eles, para que eles possam ter um convívio diário dentro de nossa sociedade, de participação efetiva de forma inclusiva. Passando não só pela aceitação deste doente no seu retorno e convívio familiar, mas também numa posição de mão de obra trabalhadora, contribuindo para a sociedade e para si, de uma forma terapêutica. Pelos recursos da medicina atual o doente mental nunca deixará de ser um doente mental, ele não é um ex-doente mental, mas pode estar em reabilitação, sendo um processo permanente. Sobre a questão da reabilitação as pessoas têm uma ideia meio ortopédica que os conceitos de reabilitação seria pegar o sujeito efetivo um processo de reabilitação social propriamente dito e este sujeito passa ser incluso na sociedade habitual, normal. A reabilitação não é isto. Não é um processo de ortopedia. Ela é um processo continuo permanente um processo sem fim. Na verdade a reabilitação significa criar formas efetivas de inclusão destas pessoas na sociedade. Por exemplo, através do trabalho. Como é no nosso caso. Demanda um atendimento permanente. (Membro da Equipe Técnica nº 1). É um estado de vigília permanente em que o doente mental luta contra a sua doença. Devemos entender que este doente é um somatório do complexo tratamento psicoterápico e medicações. Assim ele encontra-se num estado que poderá contribuir para sociedade, através de uma ocupação e tendo um ganho digno, com um pensamento libertador da prisão mental que se encontra, através da construção de um processo reabilitador. O presente estudo, em torno do Galpão de Reciclagem Associação dos trabalhadores da Unidade de Triagem do Hospital São Pedro (ATUT) pretende trazer à Academia uma trajetória da Associação com seus integrantes dentro do seu cotidiano de trabalho e de vivências. Este Galpão iniciou suas atividades em 2000, como uma oficina terapêutica, com pacientes doentes mentais vindos do Clube da Amizade, um grupo de socialização do Hospital. Esta oficina funcionava nas dependências do Hospital, com apenas 3 a 4 indivíduos. [...] Inicialmente o projeto começou com as pessoas do Clube da Amizade é um serviço de convivência do próprio Hospital e depois progressivamente foi 12 se ampliando este perímetro então a gente tem pacientes que moram nos abrigos da Prefeitura, nos Caps. São centros de atendimento psicossocial, ambulatório do Hospital e alguns pacientes do Hospital, porque o projeto está focado em atender o público que não mora no Hospital então esta é a caracterização do grupo e têm algumas pessoas que moram na vila São Pedro nas residências terapêuticas alguns pacientes do Hospital residem. (Membro da Equipe Técnica nº 1) As impressões na época da formação da oficina terapêutica foram positivas sob o olhar de mais um membro da Equipe Técnica da Associação. [...] Eu acho que este projeto geração de renda bem do início a gente começou: achar o lugar para trabalhar, limpar este lugar, estruturar, divulgar o trabalho, divulgar este trabalho no Hospital, depois foi desenvolvendo. Começou com o [...] (Membro da Equipe Técnica nº 01) e, eu dois pacientes [...] saiamos para divulgar e pegar material aqui pela Bento Gonçalves, também divulgando o trabalho no comércio [...] Desde o ano de 2001, quando iniciou mesmo acho que desenvolveu bastante, foi para lá de positivo [...] até acho que não fosse crescer tanto. E a oportunidade de crescer mais [...] não estancou aqui [...] acho que tem um mundo ainda. (Membro da Equipe Técnica nº 2) Atualmente a Associação é uma soma de tramas de ações bem peculiares dentro do seu cotidiano. O interesse de levar à Academia este assunto e as questões que envolvem o nosso lixo 1 é de grande importância, pois caminhamos na grande teia da vida e deste planeta que vivemos e que algum dia deixaremos para as futuras gerações de todas as espécies habitantes de nosso planeta Terra. No pensamento de Capra (2001), que desenvolveu uma compreensão sistêmica, unificada e que integra as dimensões biológica, cognitiva e social da vida e demonstra que a vida em todos os seus níveis, é interligada por redes complexas. Dentro desse estudo gostaria de contribuir com as atividades profissionais e de educação ambiental realizadas nos galpões de reciclagem. Com a nova legislação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), Lei nº 12.035 de 2 de agosto de 2010 entrando em vigor, ainda faltando as leis complementares, os galpões de reciclagem devem ser contemplados com ações inclusivas de alguma forma, dentro das políticas públicas de inclusão social, trazendo assim um ganho a todos os indivíduos participantes dos galpões (associação ou cooperativas). 1 Explicamos que a palavra lixo designa-se aos resíduos recicláveis, nomenclatura adequada para se referir ao material que possa ser aproveitado no processo de reciclagem. O que não aproveitamos na reciclagem é denominado dejeto e este vai para o aterro sanitário. Também denominamos como resíduos sólidos secos que são aproveitados para fabricação de novos produtos, a partir de plástico, metal, papel, vidro. (KRIEGER, 2006, p. 72). 13 Esta pesquisa poderá ser uma fonte de alternativas com a contribuição de um modelo visando melhorar e constituir uma possibilidade de galpão de reciclagem inclusivo. Minayo (2007) discute a violência do campo na antropologia e na sociologia urbana para diminuir a violência no apoio às crianças abandonadas e aos excluídos, como população de rua, doentes mentais, desfavorecidos, a importância fundamental é a família, religião e a escola. Sabe-se ainda que o problema complexo e é de ordem econômica, político, social e histórico no Brasil que contribuíram para a disseminação dos problemas na educação. Minayo (2007) diz que a violência e a exclusão social no Brasil é secular, vem desde os tempos da colônia, exemplificando a escravização dos índios, posteriormente dos negros e neste contexto instaura as profundas desigualdades e o desprezo das classes dominantes coloniais pelo povo pobre e escravo. O interesse pelo tema deste trabalho, o Galpão de Reciclagem e sua amplitude em promover uma melhoria de vida para seus associados, não só para a reinserção econômica, mas também para a inclusão social, através de uma atividade cotidiana como uma mão de obra trabalhadora na sociedade. Meu envolvimento, pelos menos de dez anos nos assuntos ambientais, como agente ambiental e gerente dos resíduos produzidos na unidade acadêmica que trabalho, aliado ao Projeto de Extensão ATUT 2 em curso, com o Galpão da Associação dos Trabalhadores da Unidade de Triagem de lixo do Hospital São Pedro (ATUT) foi a escolha do objeto de estudo para a Dissertação de Mestrado, no sentido de propor um trabalho acadêmico sobre esta Associação como estudo de caso dando o surgimento de uma possibilidade, que poderá acolher outros grupos de indivíduos excluídos, pelo estigma do sofrimento psiquiátrico, ou de alguma outra deficiência e, por isso, estejam na situação de pouca inclusão não só social, como econômica. Minha trajetória nesta rede do Galpão de Reciclagem, educação ambiental, coleta seletiva vem desde 2002, quando pude entrar no mundo da reciclagem propondo trabalhos acadêmicos que pudessem melhorar a situação destes associados. 2 O Projeto de Extensão ATUT é uma ação de extensão da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS. 14 O Galpão de Reciclagem é um local de trabalho, com a sua diversidade de tarefas e executadas pelo grupo, de forma individual, passando pela triagem de material reciclável recebido, separação e classificação de tipos de materiais, limpeza destes, material reciclável oriundo de documentos sigilosos (papeis); sendo picotados, enfardados e a finalização para a venda. Obtém-se assim uma finalização com fardos de material reciclável e a venda mediante um valor. Em 2004, a Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação Social da UFRGS, implantou a coleta seletiva nesta unidade acadêmica, com um programa de motivação, informação e sensibilização sobre a atividade, sob minha orientação e coordenação. Desde lá o Projeto de Extensão ATUT promove ações e atividades que possam contribuir no meio acadêmico quanto à atividade de coleta seletiva e sua importância no panorama mundial de falência ambiental. Também colaboramos com uma assessoria de comunicação, de educação ambiental e de vivências na Unidade de Triagem de Lixo do Hospital São Pedro (ATUT). Na UFRGS temos um sistema de coleta seletiva e destinação, onde essa unidade é de nossa parceira receptora dos materiais recicláveis, desde 2004. Ela tem uma constituição diferente, pois é composta por pacientes, ex-pacientes do Hospital e de outras instituições que albergam pessoas com doença mental, denominada de galpão de reciclagem especial. Estas pessoas com pouca possibilidade de reinserção econômica e social no mercado de trabalho iniciam através da oficina terapêutica de reciclagem as atividades de triagem e separação do material reciclável, assim surge esta Unidade de triagem ATUT. A capacitação para a atividade foi sem grandes dificuldades, porque integra uma atividade simples na triagem ou separação do material reciclável que possibilitou a estes indivíduos que constituíssem uma força de trabalho. O Galpão fica nas dependências do Hospital São Pedro, mas mantêm uma estrutura à parte deste, com certa independência no seu cotidiano. Mantém uma Equipe Técnica, Coordenação da Associação e associados, sendo estes pacientes com doença mental e moradores da comunidade. 1.1 PROBLEMA Os projetos sociais de reciclagem de materiais recicláveis, em geral promovem inclusão, mas são tomados por práticas de gestões amadoras, com baixa 15 capacidade organizacional e de sustentabilidade de longo prazo. Dentro deste contexto analiso se é possível construir metodologias que apontem alternativas de inclusão social adequadas para projetos sociais de reciclagem com viabilidade econômica, dentro do que já existe. Esta pesquisa é um estudo de caso. Assim pergunto: é possível construir, com uma metodologia adequada e a partir da análise das singularidades do estudo de caso proposto no Galpão de reciclagem da Associação dos Trabalhadores da Unidade de triagem (ATUT) propor um modelo sustentável de inclusão social, com geração de renda e trabalho envolvendo a triagem de materiais recicláveis, que possam ser reutilizados por outros grupos, também excluídos do processo trabalhoemprego-social? Com a pesquisa qualitativa analisei documentos, incluindo a pesquisa de campo, em contato direto com as pessoas envolvidas nas tarefas cotidianas que permeiam a Associação, buscando ai as experiências vividas, para serem utilizadas na pesquisa. Nessa condução o trabalho tomou corpo e foi delineado pelo trajeto metodológico através dos dados colhidos e das observações, interpretações, questionamentos, anotações que foram feitas ao longo do período da pesquisa de campo, transcrevendo a vivência do cotidiano dessa Associação e a sua contribuição para um modelo tipo ideal (WEBER,1995). Através da pesquisa busquei colher as informações que pudessem auxiliar na construção do estudo de caso e de suas peculiaridades, com a compreensão dos caminhos que formam a rede desta Associação no sentido da promoção, da reabilitação e da inclusão social de seus associados. 1.2 OBJETIVO GERAL O estudo de caso poderá contribuir para que as discussões da Academia adentrem no cotidiano desse grupo, a fim de ajudar numa melhor interação e organização das relações com a sociedade. Espero que esta pesquisa esclareça o caminho tomado pela Associação e que esta possa contribuir com a qualidade de vida e promoção da inclusão doentes mentais em reabilitação. Compreendendo como o cotidiano dessa Associação se desenvolve no seu dia a dia poderei construir uma linha de tempo e colocá-los como protagonistas desta história que foi construída com a interação da conservação do meio ambiente, 16 com as questões do material reciclável, seu descarte, e sua valoração para o mercado econômico e para a sociedade. Acreditamos que tudo faça parte de uma rede, e que ela se entrelace construindo uma organização peculiar de trabalho, como objetivo geral. 1.3 OBJETIVOS ESPECÍFICOS a) Apresentar o processo que produz a relação entre beneficiamento do resíduo reciclável e geração da renda e sua distribuição junto aos associados na unidade de triagem de resíduos estudada. b) Propiciar projeto de geração de renda para atendimento de necessidades básicas dos associados do Galpão de reciclagem. c) Mostrar a constituição formal de uma Associação dos trabalhadores da unidade de triagem de materiais recicláveis e analisar o seu Estatuto Social. d) Verificar se os associados da Unidade de triagem (ATUT) estudada estão ou não envolvidos num contexto de preservação e educação ambiental. e) Descrever um caso de implantação da estrutura de equipamentos, operacional e de estrutura física da unidade de triagem (ATUT) estudada. f) Identificar o processo de qualificação e capacitação dos participantes do Programa Coletivo de Trabalho da unidade de triagem de lixo estudada. g) Descrever os processos de participação dos associados em fóruns, seminários, palestras na unidade de triagem (ATUT) estudada. h) Descrever as interfaces de parcerias e que tipo de serviços e receitas geram na Unidade de triagem (ATUT) estudada. 17 1.4 A OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE NO GALPÃO Estive no Galpão, em suas andanças e observações, num livre trânsito com todos os envolvidos, perguntando sobre dúvidas, ou curiosidades no manejo dos materiais recicláveis, nas diversas mesas e grupos de associados. Com a finalidade de me contextualizar e poder levar a termo as entrevistas, procurei descobrir o cotidiano dos associados, sempre respeitando o bom andamento do seu trabalho, sem interferir diretamente, mas trocando ideias. Estas visitas foram anotadas e lidas para que pudessem integrar ao trabalho. O momento permitiu um levantamento exaustivo dos comportamentos, coletivos e individuais, reservados aos doentes mentais, em sua estabilidade ou variação, segundo as diferentes condições de contato como também dos moradores da comunidade. Junto à observação participante foi utilizada a técnica de entrevista semiestruturada. As entrevistas ocorreram de forma organizada e sistemática, após a aprovação e liberação do Comitê de Ética do Hospital. Essas entrevistas serviram para eu me guiar no momento que elas fossem aplicadas. Algumas perguntas foram acrescidas ou feitas para facilitar o seu entendimento, já que muitos dos entrevistados se mostraram receosos ao serem perguntados, antes de serem entrevistados. Durante a entrevista eu procurei deixá-los confortáveis, utilizando uma linguagem coloquial, para que pudessem se contextualizarem e responder seguramente às questões, sem receio ou de se sentirem constrangidos, pois é muito comum sentirem-se medrosos, diante de uma situação nova, receando um perigo (FOUCAULT, 1972). Do grupo, somente um se negou a participar, afirmando que não gostava de falar e misturou a situação da pessoa da pesquisadora com o Projeto de Extensão da UFRGS. Eu disse que eram duas situações distintas, mas a pessoa não aceitou. Futuramente esta pessoa me falou que gostaria ter participado da entrevista. Conforme determinação do Comitê de Ética do IPA, os associados que tinham algum impedimento legal, no caso Curatela legal, que é o encargo deferido por lei a alguém capaz, para reger a pessoa e administrar os bens de quem, em regra maior, não pode fazê-lo por si mesmo, não participariam das entrevistas. Nas conversas no cotidiano do Galpão eles estavam presentes por vontade própria na questão participação. Eu expliquei que, por razões especiais eles não seriam entrevistados, mas fariam parte da pesquisa como associados do Galpão. No final da pesquisa, percebi que primeiro observando, anotando e perguntando, e depois, 18 entrevistando, as técnicas aplicadas nas entrevistas se complementaram de forma satisfatória, pois estas confirmaram muitas das minhas impressões no senso comum. Foram montados três tipos de entrevistas, pois o público alvo da pesquisa se dividia em três grupos: Equipe Técnica, Terapeuta Ocupacional, Psicólogo e setor Administrativo-financeiro; pacientes ou ex-pacientes do Hospital e de outras instituições psiquiátricas e moradores da comunidade da Vila São Pedro. Para cada um dos grupos as perguntas foram modificadas, conforme a pertinência da mesma. Em todos os grupos foram colhidos dados pessoais, instrução escolar, idade, endereço, origem em relação a internações, ser ou não um paciente com doença mental. Isto possibilitou a obtenção de um perfil geral de todos os entrevistados contribuindo no momento da efetivação da entrevista. A Equipe Técnica foi denominada membro da Equipe Técnica nº 01, 02, 03, sem identificação pessoal dos mesmos. Os pacientes foram denominados paciente nº 01, nº 02, nº 03 e assim sucessivamente, sem identificar quem é nem pelo gênero. Os moradores da comunidade da Vila São Pedro foram chamados na pesquisa de morador nº 01, nº 02, nº 03, assim por diante, sem identificação pessoal. A entrevista semiestruturada deixa espaço para a entrevistadora e o entrevistado se aprofundarem na resposta e fornece mais liberdade ao entrevistado. Apesar deste fato na entrevista semiestruturada, a maioria dos entrevistados não o fez, e responderam apenas às questões, sem incluir algum dado extra à pesquisa. Assim eles se dispuseram apenas em responder sim ou não, com pouca explicação. Analisei a dificuldade das pessoas, não só de entender as perguntas como também o estado emocional dos entrevistados. Por outro lado, muitos falaram de suas histórias de vida, o que não era pertinente à pesquisa. Alguns tiveram muita dificuldade de se expressar, por causa do estado mental muito remissivo, de confusão mental. Segundo Bauer e Gaskel (2002), o entendimento da coletânea de dados através do estatuto, livro de registro, fotografias e as entrevistas semiestruturadas trazem respostas que possibilitam o entendimento do todo que envolve a pesquisa. Ainda fazendo parte da pesquisa qualitativa as observações de campo e coletânea de dados e as respectivas analises a pesquisa puderam ser vistos no estudo de caso. 19 No decorrer do período das entrevistas, todos colaboraram e se empenharam, pois sempre lhes foi dito que estariam contribuindo para uma pesquisa, e que eles mesmos eram o objeto da mesma. Este fato lhes atribuiu uma posição de destaque e de importância, tão necessárias às pessoas historicamente excluídas de nosso convívio em sociedade. A contextualização do trabalho permeia três áreas temáticas como a sociologia e metodologia de Weber; intermediando a natureza e conhecimento e a doença mental. Para tal, se faz necessário um referencial teórico que demonstre os caminhos trilhados por mim durante o processo de estudo. Trata-se de um método novo no lugar do método experimental objetivo que teria escassa aplicação nos conhecimentos baseados na percepção sensorial que deveria lidar com fenômenos subjetivos e da compreensão (método objetivo versus método compreensivo). 2 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 WEBER E O TIPO IDEAL Foi o sociólogo alemão Max Weber (1864-1920) que sistematizou de modo detalhado a metodologia da tipologia cunhada como método de construção do tipo ideal ou tipo puro. Quanto à origem do termo: tipo ideal, Weber tomou emprestado de Adolf Jellinek, mas alterou seu significado. Jellinek chama sua criação de um tipo empírico. Para Weber, o modelo não é apenas empírico, mas um tipo ideal. Porém para Weber citado por Vale (2007), o tipo ideal não é uma pura ficção subjetiva, precisa ser confrontado com o desenrolar do real (procedimentos causais dos acontecimentos) e sua relação com uma situação histórica que para Weber é sempre parcial e estritamente delimitada. Segundo Vale: A elaboração de uma tipologia é de fundamental importância para os estudiosos das organizações, pois permite entender quais as reais consequências de escolhas teóricas prévias no âmbito de seus estudos e pesquisas. Ao longo da apresentação da evolução das contribuições teóricas, será possível observar como vai se ampliando o espaço e a influência dos teóricos organizacionais. À medida que a teoria avança no tempo, afastando-se do enfoque original, centrado em análises espaciais de fundamentação neoclássica, passando por uma preocupação mais dirigida às conformações produtivas e à organização industrial e chegando, finalmente, nas abordagens de natureza mais institucionalista, o papel dos 20 analistas organizacionais vai tornando-se mais proeminente e relevante. (VALE, 2007, p. 161). O tipo ideal de modo sintético trata-se de uma reunião de atributos que depende inteiramente da posição assumida pelo pesquisador, no sentido de que isso provém da abstração dele uma influência dos ficcionistas e do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (FLEISCHMANN, 1977). Segundo Lima: Weber, diferentemente dos níveis de generalizações alcançados por Durkheim, formulados dentro dos limites empíricos impostos pelos tipos médios (quantitativos influenciados pelo filósofo Francis). Para Weber, o objeto do conhecimento social não se impõe à análise, como já dado, como coisa, como se esta realidade tivesse uma ordem interna e leis gerais capazes de determinar a qualquer investigador simplesmente a busca de fidelidade a ela. Weber tendeu para o modelo ideal do experimento na física (influência de Galileu). (LIMA, 2008). Para Weber citado por Fernandes (1967), era necessário descobrir um método que permitisse estabelecer com referência aos fenômenos das atividades humanas, o que o método experimental permitia realizar em relação aos fenômenos da natureza. Em lugar do método experimental que teria escassa aplicação nos conhecimentos baseados na percepção sensorial, que deveria lidar com fenômenos subjetivos e da compreensão, Weber criou o método que permite lidar com fenômenos de sentido - o método de compreensão, realizado através do tipo ideal (FERNANDES, 1967, p. 84-85). Segundo Fernandes (1967), o tipo ideal na concepção de Weber é um instrumento de análise sociológica para o entendimento dos fenômenos sociais por parte do cientista social com o objetivo de criar tipologias puras, destituídas de tom avaliativo, de forma a oferecer um recurso analítico baseado em conceitos, como o que é religião, burocracia, economia, capitalismo, entre outros. Max Weber é o fundador da chamada Sociologia Compreensiva. Podemos dizer que ela só tem acesso aos fenômenos socioculturais por meio de procedimentos metodológicos diversos daqueles usados nas Ciências Físico-Naturais e na Matemática. Na cultura o único meio de ingresso neste reino é através da compreensão desta. Segundo Raymond Aron, (1977), um importante estudioso do pensamento social clássico: 21 O termo compreensão no sentido de entendimento é a tradução clássica do alemão Verstehen. A idéia de Weber é a seguinte: no domínio dos fenômenos naturais só podemos aprender as regularidades observadas por meio de proposições de formas e natureza matemáticas. Em outras palavras, é preciso explicar os fenômenos por meio de proposições conformadas pela experiência, para ter o sentimento de compreendê-las. A compreensão é, por conseguinte mediata, passa por intermediários conceitos ou relações. (ARON, 1977, p. 468). Podemos definir que compreensão é a captação interpretativa do sentido ou conexão de sentido, dessas relações implicadas e implicantes entre o sujeito e o objeto é um conhecimento de dentro para fora. Esse sentido pode estar concebido na ação particular, no pensado de modo aproximado, ou no construído cientificamente pelo método tipológico, quando se elabora um tipo ideal puro de um fenômeno frequente. Weber constrói o método tipológico através de um arquétipo de ação social, levando em conta as ações históricas que, em sua pureza, não exista na realidade. Ou seja, é um modelo simplificado do real, elaborado com base em traços considerado essências para determinação da causalidade, segundo os critérios de quem pretende explicar o fenômeno a ser estudado. Ele é utilizado como um instrumento para conduzir o autor à realidade complexa do problema. A pretensão de Weber (1995) era fornecer com o tipo ideal um recurso teórico-metodológico que, se devidamente aplicado, permite cumprir um autocontrole na investigação científica e certa conquista processual de uma neutralidade axiológica contra a pretensão simplificada da neutralidade objetiva das ciências observacionais. Para Weber, quanto mais se atribui forma conceitual aos elementos que constituem o fundamento da significação cultural específica das relações históricas complexas mais o conceito, ou o sistema de conceitos, adquire um caráter de tipo ideal. [...] Weber, assim criou o método de classificação e comparação dos fatos sociais produzidos em uma sociedade ou em sociedades do mesmo tipo ou em sociedades diferentes. A partir da metodologia do tipo ideal, podemos descobrir seus traços comuns, de modo a estabelecer os modelos ideais puros através de processos e fatos baseados em situações individuais e coletivas que ocorrem na realidade social e ao mesmo tempo levarmos em conta as características fundamentais e singulares dos fenômenos, tornando-os típicos pela generalização modelada pelas ações sociais, com suas regularidades, tendências, fatores e efeitos sociais. (WEBER, 1995, p.420) 22 A construção do tipo ideal possibilita ao investigador a construção artificial de um meio de controle dos dados e das interpretações dos mesmos. Weber (1995) propõe a construção metodológica comportando duas posições onde o investigador passa operar em duas séries: uma real, que é um dos fenômenos vistos durante a observação e uma ideal que é como se o fenômeno fosse construído mediante a uma racionalidade com referência a fins (FERNANDES, 1967, p. 98). Os conceitos assim elaborados devem ser generalizadores, pois se deve capturar e reter o que é essencial, mais relevante e não o acessório. Os conceitos construídos pelo investigador possuem sempre um fim que busca soluções em domínios que são difíceis, por isso parecem vazios diante da realidade histórica. . Numa investigação social, caberia aos investigadores interpretar e construir conceitos relativos à singularidade do acontecer. Estes conceitos devem servir como instrumentos científicos de ordenação da realidade. A metodologia dos modelos tipos ideais oferece também algumas dificuldades que, segundo Florestan Fernandes (1967), são as dificuldades do tipo ideal podem ser resumidas sinteticamente: a) partir da abordagem compreensiva, formalmente, o conhecimento sociológico não podia encontrar um paralelo exato nem com o conhecimento matemático, nem com o conhecimento experimental puro; b) a generalização não se encontrava no determinismo naturalista, como proceder a generalizações compreensivas? Como operar concretamente as duas séries uma ideal e a empírica e ao mesmo tempo, tendo que descrever tanto as uniformidades no mundo de atividades humanas quanto as suas especificidades; c) a interpretação das investigações depende quase totalmente da capacidade individual do cientista em descobrir o sentido subjetivo das ações. É o método de compreensão, seja de um sentido existente de fato historicamente dado, seja construído como tipo ideal; d) para Florestan Fernandes também, Weber não chegou a elaborar, de forma sistemática e completa a sua concepção de tipo ideal; isto nos deixa bastante órfãos, fazendo com que possamos compreender seu método muito mais pelas leituras de suas obras do que por uma sistematização específica do tipo ideal (FERNANDES, 1967, p. 84-95). Mesmo diante das reconhecidas dificuldades a metodologia do tipo ideal de Weber trouxe um maior horizonte às ciências sociais para contribuir no 23 entendimento e na interpretação da ação social de modo a explicar os fenômenos com generalidades respeitando suas singularidades. Para Weber (1995), era necessário descobrir um método que permitisse estabelecer com referência aos fenômenos das atividades humanas, o que o método experimental permitia realizar em relação aos fenômenos da natureza. Em lugar do método experimental que teria escassa aplicação nos conhecimentos baseados na percepção sensorial, que deveria lidar com fenômenos subjetivos e da compreensão, ele criou o método que permite lidar com fenômenos de sentido - o método de compreensão, realizado através do tipo ideal (FERNANDES, 1967, p. 8485). O tipo ideal é um instrumento metódico que possibilita construir passo a passo um esquema coerente que permita operar conceitos, pois os fenômenos sociais não possuem estruturas dotadas de sentido. Um tipo ideal é formado pela acentuação unilateral de um ou mais pontos de vista e pela síntese de um grande número de fenômenos individuais, difusos, discretos, mais ou menos presentes e ocasionalmente ausentes, os quais são arranjados de acordo com os pontos de vista unilateralmente acentuados em uma construção analítica unificada. Em sua pureza conceitual, essa construção mental não pode ser encontrada na realidade em nenhuma parte. É uma utopia. (LIMA, 2008). Na concepção de Weber (1995), é um instrumento de análise sociológica para o entendimento dos fenômenos sociais por parte do cientista social com o objetivo de criar tipologias puras, destituídas de tom avaliativo, de forma a oferecer um recurso analítico baseado em conceitos, como o que é religião, burocracia, economia, capitalismo, entre outros. Max Weber é o fundador da chamada Sociologia Compreensiva. Podemos dizer que ela só tem acesso aos fenômenos socioculturais por meio de procedimentos metodológicos diversos daqueles usados nas Ciências Físico-Naturais e na Matemática. Na cultura o único meio de ingresso neste reino é através da compreensão desta. 2.2 NATUREZA E CONHECIMENTO Além da contextualização do tipo ideal de Weber esta pesquisa repassa por autores que buscam fundamentar o pensamento em relação à preservação da 24 natureza, como por exemplo: Leonardo Boff, Bruno Latour, Fritjof Capra e Edgar Morin. Leonardo Boff (1993) é um detentor de ideias que o homem deve viver junto à natureza. Ele diz que o universo está continuamente expandindo-se, organizandose e autocriando-se. Seu estado natural é a evolução e não a estabilidade, a transformação e a adaptabilidade e não a imutabilidade e a permanência. O universo relaciona-se em redes, ciclos e não existe nada fora desta relação. Por isso todos os seres são interdependentes (natureza e o homem) colaborando entre si para evoluírem juntos e garantir o equilíbrio de todos os fatores. Por trás de todos os seres atua a energia de fundo que deu origem e anima o universo e faz surgir novas criações. A mais espetacular delas é descrita em Terra viva e nós (BOFF, 1993), onde ele mostra que os seres humanos são como a porção consciente e inteligente dela, com a missão de cuidá-la. Vivemos tempos de urgência. O conjunto das crises atuais em relação ao meio ambiente está criando uma espiral de necessidades de mudança que, se não forem implantadas, nos conduzirão fatalmente ao caos coletivo, mas que se forem assumidas, poderão nos elevar a um estágio mais alto de civilização desde o final do século XX. Para esse autor a humanidade está em profunda crise existencial e de identidade com a natureza. Boff (1993) sai em busca de novas ideologias, espiritualidade, de perspectiva humanística e financeira com soluções rápidas e satisfatórias de superação dessas crises. O autor investe em busca de soluções para os problemas que segundo ele próprio nós mesmos criamos. Para ele a resposta para resolução de nossos problemas passa pela mudança de comportamento e uma nova visão diferente de mundo onde a humanidade precisará se redimir diante de tantas tragédias e modificar seu comportamento, a tempo de consertar os estragos já feitos e acumulados. Isto mostra que o ser humano está interligado a um contexto e a um sistema. Assim a humanidade deve em primeiro lugar ter muito cuidado consigo mesmo e, inseparavelmente, com o meio ambiente. Para Boff (1999), o cuidado como processo sistêmico não representa somente uma ação pontual e unilateral, mas envolve um sentimento de pertença e de comunicação com o entorno social num todo integrado. Sob esse enfoque, o cuidado passa a ser uma atitude de ocupação, de preocupação, de responsabilização e de envolvimento efetivo e afetivo com o outro. Essa relação 25 dialoga e é inter-retro-relacional do cuidado com a natureza e com o universo como um todo. Reflete que a natureza e o universo não constituem simplesmente o conjunto dos objetos existentes como pensava a ciência moderna. Constitui uma teia de relações, em constante interação, como vê a ciência contemporânea. Os seres que interagem deixam de ser apenas objetos. Eles se fazem sujeitos, sempr e relacionados e interconectados, formando um complexo sistema de inter-retrorelações. O universo é, portanto, o conjunto das relações dos sujeitos (BOFF, 1999). Outro autor que julgamos relevante considerar é Bruno Latour, filósofo e antropólogo francês. Esse autor ainda pouco conhecido no Brasil, mas que proporciona uma audaciosa análise da ciência, demonstrando o quanto o contexto social e o conteúdo técnico são essenciais para o próprio entendimento da atividade científica. Latour (2004) apresenta o conceito de tecnociência para entender melhor o impacto da integração da tecnologia com a ciência e com as implicações do saber sobre a natureza. Para esse autor, os problemas de hoje, seja o aquecimento da atmosfera, a manipulação genética, a transformação da sociedade pela alta tecnologia, não permitem mais separar ciência e política. Para Latour (2004), a alternativa é a constituição de uma ecologia política com um caráter profundamente democrático que pressuponha a participação de todas as partes interessadas no processo do avanço do conhecimento sobre o mundo animal e natural, ou seja, a participação até dos não humanos, dos animais, como as minhocas da floresta, representados assim por cientistas e defensores dos animais, ao lado dos índios, dos garimpeiros, dos economistas e dos artistas. Esta postura faz com que Latour (2004) desafie os modernistas e pós-modernistas, em busca do bom senso e da civilidade. Ele também afirma que a maior qualidade na política é a decência que se tornou um insumo raro e está em falta no mundo atual. Para Latour (2004), as decisões são importantes demais para serem deixadas somente para os políticos e cientistas. A natureza e o conhecimento não podem ser apreendidos como um objeto dualista, mas precisam ser compreendidos dentro de uma perspectiva dialógica de cuidado. Essa relação implica repensar as bases de sustentação do planeta terra que vão desde as práticas mais elementares e aparentemente ingênuas de jogar papel no chão, de poluir águas, como também pelas práticas de consumo indo até a elaboração e execução de políticas públicas e ambientais, pautadas no processo de um viver saudável. 26 É importante, nessa direção, que as práticas educativas e de pesquisa contribuam com atividades que tenham significado e que proporcionem um repensar e um reorganizar dos modos de pensar e agir frente ao processo de viver saudável e suas implicações e interações com as questões ambientais mais amplas. Em outras palavras, é importante que o setor da saúde e enfermagem desenvolva práticas educativas que possibilitem repensar o cuidado de si, do outro e das múltiplas interações que estes abarcam, a fim de que o indivíduo se perceba no cuidado e orientado pelo cuidado em suas diferentes dimensões. Outro autor que julgamos importante considerar é Fritjot Capra (2001). Ele apresenta a noção de conexões ocultas em busca de uma ciência para uma vida sustentável. O autor mostra que as últimas descobertas científicas demonstram que todas as formas de vida, desde as células mais primitivas até as sociedades humanas mais complexas com suas empresas e estados nacionais e até mesmo sua economia global, organizam-se segundo o mesmo padrão e os mesmos princípios básicos promovendo um sistema em rede. Capra (2001) desenvolveu uma compreensão sistêmica e unificada que integra as dimensões biológica, cognitiva e social da vida e demonstra que a vida, em todos os seus níveis, é interligada por redes complexas. Por fim, outro autor que julgamos significativo considerar é Edgar Morin, que é um pensador convicto, que acredita na necessidade de aperfeiçoar a existência do homem sobre o planeta sabendo que este poderá nunca ser o melhor dos mundos. No livro Terra-Pátria, que foi escrito em colaboração com a jornalista Anne Brigitte Kern (1995), Morin, sociólogo francês, esboça um retrato do globo em que se aloja o ser humano e questiona as formas e o conteúdo desta sobrevivência. Ele não acredita em soluções definitivas, mas faz uma argumentação em favor do esforço para criar respostas possíveis, mas sem concessões à hipocrisia pragmática. Não se deve procurar em suas palavras um tom de pessimismo e nem de uma mensagem apocalíptica, pois Morin (1995) enumera um conjunto de erros cometidos que devemos superar com a aprendizagem da história e propõe correções de rumo subordinadas a uma recuperada consciência humanística. Morin (1995) quer que a vida de todos os seres humanos, deva ser considerada mais do que um bem supremo. Assim ele defende o constante trabalho para a eliminação das fronteiras que separam a humanidade de si mesmo. 27 Ele propõe a reformulação do pensamento para a compreensão da crise planetária que se instalou na Terra. Nesse contexto observa que as civilizações dispersas do planeta estão vivendo um momento de necessidade de interdependência em todos os aspectos e é preciso, então, que se consolide a fraternidade, que surge com a conscientização da importância dessas inter-relações entre a comunidade humana e o cosmo. Este autor fala ainda da era planetária em que vivemos e a sua agonia, do cartão de identidade terrena, dos objetivos terrestres e da responsabilidade do ser humano na transformação da Terra-Pátria que deve iniciar-se pela transformação do pensamento. Tendo-se a percepção em relação à preservação e conservação do ambiente global. Dessa forma, deve-se constituir um processo contínuo, no qual os indivíduos e comunidades envolvidas tomem consciência da possibilidade de um colapso ecológico e adquiram conhecimentos, valores, habilidades, experiências e determinação que os tornem aptos a agir, individualmente e coletivamente, tendo como princípio básico o respeito a todas as espécies de vida. Pensamos que Morin (1995) tem razão quando afirma que uma lógica da complementaridade nos faz pensar para além das excludências e distinções. Essa lógica supõe o intercâmbio entre diferentes áreas de conhecimentos, sobretudo quando se trata do meio ambiente, tema que por si próprio demanda vários enfoques e disciplinas. Desse modo, os cuidados com o planeta devem ser uma preocupação de profissionais de todas as esferas, em especial de educadores, no sentido de (re) educar ambientalmente os cidadãos terrestres. Morin (1995) apontou para necessidade de um pensamento ecológico, que leve em consideração a ligação vital de todos os sistemas vivos, ao seu ambiente. Essas questões, entretanto, necessitam de atenção especial por parte dos órgãos nacionais e internacionais responsáveis pela conservação da natureza, bem como da população em geral, uma vez que para se alcançar sucesso na realização de qualquer trabalho de nível de conscientização é preciso a participação ativa da população. Para fomentar uma conscientização ampla e efetiva segundo Morin (1995) é preciso adentrar em novos referenciais capazes de satisfazer, pelo menos em parte, às grandes indagações da sociedade contemporânea. Para o autor durante o século XX sedimentou-se uma nova percepção de mundo, de sociedade, ou seja, uma percepção sistêmica da realidade existencial: a complexidade como um pensamento 28 que distingue e une, ao invés de isolar, separar e reduzir o todo às suas partes (MORIN, 1995). Este novo pensar tem como pano de fundo, a articulação dos fragmentos dispersos pelo saber tradicional reducionista e a partir de uma nova lógica, compreender as múltiplas relações, causalidades e interdependências entre os processos naturais e sociais. O pensamento complexo possibilita, numa percepção sistêmica, estudar o meio ambiente, os seres vivos e os seres inertes de forma integral e inter relacionada, ou seja, na interação e na inter-relação entre eles e não mais de forma isolada e fragmentada, regida pelo pensamento hegemônico tradicional. A partir dos autores citados podemos ainda compartilhar das ideias de Odum (1993), ele diz que devemos ter um cuidado ecológico, como atitude fundamental dos tempos atuais que impulsiona a atenção de todas as ações do saber e do conhecimento para a defesa do meio ambiente seja: no domicílio, no local de trabalho, nas escolas e universidades, nos espaços públicos e privados, e em toda a parte, permeando os processos e redes de relações, interações e associações entre os seres humanos e demais seres junto à natureza. Trata-se de um compromisso ético de responsabilidade consigo, com os outros e com o ecossistema de forma ampla e integradora. 2.3 DOENÇA MENTAL, HISTÓRIA E ORGANIZAÇÕES A ontologia de Michel Foucault (1972) é uma experiência de pesquisa e estudos bem como um exercício sobre as paragens do nosso presente. Foucault testa nossos limites, apresenta a noção do saber médico como um saber poder, o não saber de um paciente como uma viabilização da impaciência pela liberdade e uma constituição estabelecida do poder pelo conhecimento. Foucault (1972) procurou, na grande maioria das suas obras, abordar os problemas concretos como a insanidade, a prisão, a clínica em um contexto muito específico geográfico e historicamente na França, mas também no restante da Europa e no Ocidente como um todo; nas idades Clássicas, do século XVIII, ou na Grécia antiga. No entanto, suas observações ajudam a identificar os conceitos superiores a esses limites no tempo e no espaço. Elas conservam, assim, uma grande abrangência, tanto intelectual, em uma variedade de áreas. Estuda a transferência, por exemplo, das técnicas de punição penal no final do século XVIII, 29 sugerindo o surgimento de uma nova forma de subjetividade constituída pelo governo. Para Foucault (1972), não há relação de poder sem constituição correlativa de um campo de conhecimento, ou que não pressupõe e constitui ao mesmo tempo relações de poder. Estes relatórios de poder-saber não estão sendo analisados a partir de um conhecimento sobre o que seria livre ou não do sistema de poder, mas em vez disso, devemos considerar que o sujeito sabe, os objetos são como os efeitos dessas implicações fundamentais do poder-saber. A partir, principalmente dos estudos de Foucault, as pesquisas em Hospitais Psiquiátricos passaram a ser realizadas considerando a contextualização da própria doença mental ao longo da história de vida. A compreensão da doença mental tem passado por diversas fases dentro da história da humanidade. Na Antiguidade pré-clássica, as doenças eram explicadas como resultantes da ação sobrenatural; a partir de 600 a.C, os filósofos gregos trouxeram a ideia organicista da loucura e até o começo da Idade Média o tratamento aplicado era de apoio e conforto aos doentes mentais. Segundo FOUCAULT, Nesta época estavam os pobres, vagabundos, presidiários e as cabeças alienadas, que assumiram o lugar dos leprosos e vemos então que a salvação se espera desta exclusão, para eles e para os que os excluem. Dá-se então um novo sentido dentro de uma cultura diferente. Estas formas estão partilhando o que é exclusão social, mas terão uma reintegração espiritual (FOUCAULT, 1972, p. 6). No final da Idade Média até a Idade Moderna houve uma mudança radical desses conceitos. O doente mental passou a ser visto como um possuído pelo demônio. Dessa forma, o tratamento antes humanitário, foi modificado para espancamentos, privação de alimentos, tortura generalizada e indiscriminada, aprisionamento dos doentes para que estes se livrassem dessa possessão. No século XVII, já existiam hospitais para os excluídos socialmente, grupo constituído pelos doentes mentais, criminosos, mendigos, inválidos, libertinos e portadores de doenças venéreas. Embora a loucura tivesse passado do campo mitológico para o âmbito médico, ainda a medicina não tinha elementos para definila. “Os medos seculares, que sucederam a lepra, vê-se bem que a loucura está 30 ligada a velhos ritos e a todas as experiências maiores ocorridas da Renascença” (FOUCAULT, 1972, p. 8). Surgiu no século XVIII, Phillippe Pinel, considerado o pai da Psiquiatria, que teve o mérito de libertar os doentes mentais das correntes. Os asilos foram substituídos, então, pelos manicômios, estes somente destinados aos doentes mentais. Desenvolveram-se com isso várias experiências e formas de tratamento nos hospitais La Bicêtre e Salpêtrière que se difundiram da França para o resto da Europa. Para FOUCAULT (1972) a loucura esteve ligada à Terra de internamentos e ao gesto que lhe designava esta com seu local natural. Ele diz ainda, que em meados do Século XVIII, os internamentos dos loucos era estrutura visível na experiência clássica da loucura e também um dado que será motivo de escândalo, quando esta experiência vier a desaparecer da cultura europeia. O tratamento no manicômio, de acordo com o que preconizava Pinel, deveria ser de reeducação do doente mental, implicando respeito às normas e desencorajamento das condutas inconvenientes. A função disciplinadora descrita por Pinel, nos manicômios e do médico deveria ser exercida como um perfeito equilíbrio entre firmeza e gentileza. Tendo a permanência demorada do médico em contato com os doentes um melhor conhecimento sobre os sintomas e sobre a evolução da loucura. FOUCAULT (1972) diz que a partir das terapias de Pinel os loucos foram colocados durante um século e meio, sob o regime de internamento de sistema rígido e confinamento como casas de força. Estes confinamentos eram considerados como em seu local natural. Mais ainda, FOUCAULT (1972) descreveu que os loucos eram cobertos de trapos, tendo apenas um pouco de palha para abrigarem-se do frio e da umidade do chão, sobre o qual ficavam e dormiam. Os loucos eram mal alimentados, com pouco ar para respirarem, sem água e sem muitas outras coisas necessárias para viver. Com este tipo de tratamento ficavam entregues e abandonados a uma vigilância de carcereiros e não cuidadores. Ele cita estes lugares como verdadeiros antros, mantidos pelos governos através de grandes despesas nas capitais. Porém, com o passar do tempo houve uma leitura modificada do tratamento moral de Pinel, segundo FOUCAULT (1972), sem os cuidados originais do método. As ideias corretivas para o comportamento dos hábitos dos doentes passaram a ser recursos de imposição da ordem e da disciplina institucional, recursos estes que 31 visavam, naquele momento, o bem da instituição. Tudo isto era justificado para manter o doente mental em tratamento. FOUCAULT (1972) ainda relata que no início do século XIX o tratamento do doente era uma releitura distorcida do tratamento moral, preconizado por Pinel e que utilizava medidas físicas e higiênicas como duchas, banhos frios, chicotadas, máquinas giratórias e sangrias. FOUCAULT (1972) descreve que aos poucos, o que era considerado como uma doença moral passou também a ter uma concepção orgânica, de acordo com o pensamento de vários discípulos. Primeiro as técnicas de tratamento usadas pelos que defendiam as teorias organicistas eram as mesmas empregadas pelos adeptos do tratamento moral, e tinham como explicações e justificativas fisiológicas para sua utilização. A partir daí prevalecem as teorias organicistas da doença mental mediante as descobertas experimentais da neurofisiologia e da anatomia patológica. Mesmo assim, entrando no século XX a ideia de submissão do louco ainda persistia. FOUCAULT (1972) ainda relata que o tema de um parentesco entre a medicina e a moral é, sem dúvida, tão velho quanto à medicina grega. Mostrando que estas terapêuticas revelam surpreendentes paisagens imaginárias e uma cumplicidade entre a medicina e a moral, que atribui todo o sentido a essas práticas de purificação. Nela, a percepção médica é de longe considerada ética, e por muitas vezes até é apagada, através do castigo, para eliminar o contagio da doença mental. Aqui na pesquisa trabalhei com uma população que de um modo ou de outro, faz parte dessa história. Trata-se de uma população proveniente do Hospital Psiquiátrico São Pedro 3. Nesse contexto, Edson M. Cheuiche (2004), historiador do Serviço de Memória Cultural do Hospital Psiquiátrico São Pedro, apresenta uma retrospectiva e resgate histórico sobre os cento e vinte anos do Hospital São Pedro, que possibilitou mostrar o que foi ele no passado e o que é atualmente. Também mostrou o porquê da existência do Galpão de reciclagem em suas dependências, a sua significação e importância que nos ajudam a entender o caso do Galpão de unidade de triagem de lixo do Hospital São Pedro, que é o objeto empírico principal deste trabalho. 3 O Hospital Psiquiátrico São Pedro é uma instituição do Estado do Rio Grande do Sul, localizado em Porto Alegre. 32 3 OS MATERIAIS RECICLÁVEIS O atual Código de Limpeza Urbana (Código, 2011) com a Lei Complementar nº 234, de 16 de outubro de 1990, surgiu para regulamentar o serviço de gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos, cuja competência para a execução é do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU, 2011) para a cidade de Porto Alegre (RS). Pelo Código, são estabelecidas as normas de como devem ser o acondicionamento, a coleta, a destinação e a disposição final dos resíduos de qualquer natureza no âmbito do município de Porto Alegre, bem como prevê penalidades aos que infringirem tais regras. Como destaque do Código está a obrigatoriedade de o proprietário de terrenos mantê-los em condições perfeitas de limpeza (artigo 38). Esse dispositivo tem como objetivo evitar que o mau uso da propriedade particular cause prejuízos aos imóveis vizinhos como, por exemplo, os donos de terrenos que os deixam abertos e cheios de mato e lixo, criando condições para a proliferação de ratos, baratas, mosquitos e outros transmissores de doenças. O modelo de sociedade em que vivemos com o desenvolvimento capitalista implica numa geração de resíduos que produzimos. Mais do que ainda na maneira que os descartamos e também na sua quantidade que cada vez mais é maior e variada. Com esta constatação estamos sendo levados ao esgotamento dos recursos naturais não renováveis. Morin (1995) descreve que devemos pensar cada vez mais num modelo econômico de crescimento compatível desenvolvimento ambientalmente sustentável. Capra (2001) com mostra que um a humanidade deve então buscar novas maneiras de sensibilizar as pessoas para que estas percebam seu poder de vida no presente e de suas ações para gerações futuras. A partir de 1989, novos conceitos foram introduzidos no modelo de gestão do DMLU. A política de gerenciamento de resíduos sólidos adotados a partir de 1989 na cidade de Porto Alegre é uma referência e foi liderado pelo grupo de Trabalho de Gestão Integrada e Sustentável dos Resíduos sólidos em cidades da America Latina e Caribe, do Programa de Gestão Urbana da ONU. A proteção ao meio ambiente e o apoio a segmentos excluídos da sociedade constituem as diretrizes dessa política adotada pelo DMLU (2011) na cidade de Porto Alegre. Assim é adotado o modelo de unidades de triagem (UT) de resíduos como sistema 33 de triagem e posterior encaminhamento para reciclagem. O lixo passa a ser abordado sob o prisma dos princípios da educação ambiental, não mais sendo um resto uma sobra. As bases do novo sistema de gerenciamento leva em conta a redução de produção de resíduos; a reciclagem dos resíduos e mais ainda o aproveitamento deste (3Rs). Preconizando as ideias de Odum (1993) o (DMLU, 2011) cria programas de educação ambiental para disseminar a ideia dos 3Rs, disponibilizados pela prefeitura de Porto Alegre para escolas, universidades, professores, síndicos de prédios, lideranças comunitárias, com Projetos Sociais de Reaproveitamento e Reciclagem. O programa de educação ambiental não é só disponibilizado na Capital, mas tem parcerias com outros municípios e outros estados. Ele foi pioneiro na implantação de um sistema de gerenciamento de resíduos, bem como da coleta seletiva em Porto Alegre, que em 2011 comemorou 21 anos de existência, com uma implantação bem sólida e todos os bairros da região metropolitana. O sistema de gestão de gerenciamento de resíduos secos (material reciclável) utilizado na coleta seletiva é de renome para todo o país, seu modelo é uma realidade de sucesso. Existem dos tipos de coletas: a domiciliar e a coleta seletiva. A coleta domiciliar na cidade de Porto Alegre atinge 100% em toda a cidade. A partir de 2011foi implantado um sistema de containers. Esta coleta é automatizada, é um sistema consagrado em outras cidades do mundo, como Paris, Roma, Milão, Barcelona, Santiago, Buenos Aires, Caracas, Montevidéu e Punta Del Este. Porto Alegre recebe este novo tipo de coleta assim garantindo mais facilidade e limpeza. Porto Alegre também é a primeira capital do Brasil com coleta automatizada de lixo orgânico domiciliar. Este tipo a partir de uma área piloto da cidade de Porto Alegre, a zona central e centro, o DMLU implantou o novo sistema de containers. O sistema está sendo ajustado, diante de problemas decorrentes como incêndio e destruição dos containers e mesmo uma demanda maior. No interior gaúcho, este sistema já foi implantado nas cidades de Caxias do Sul, Santa Maria, Pelotas, Bagé, entre outras cidades. O sistema passa ainda pela instalação, adaptação e aceitação da população nos bairros de Porto Alegre em que já foi implantado. Mas ainda existe um campo bem grande nesta cidade de Porto Alegre que conta com a coleta mecânica. Os tipos de resíduos que devem ser encaminhados à coleta domiciliar são resíduos orgânicos como cascas e restos de 34 frutas e legumes, sobras de comida, papel higiênico, fraldas descartáveis usadas, guardanapos e toalhas de papeis engordurados, plantas, restos de podas e varrição, pó de café erva-mate, restos de vegetação acondicionados em sacos de lixo, preferencialmente pretos, próprios para este tipo de descarte. É recomendável que se forem descartados algum material cortante ou pontiagudo, deverão ser embalados, para evitar lesão aos garis, no sistema manual de coleta. Já a Coleta Seletiva em Porto Alegre está presente há vinte anos no cotidiano da cidade. O sistema implantado atualmente atinge 100% dos bairros, com a coleta duas vezes por semana. Esta coleta recolhe materiais recicláveis e reaproveitáveis como papéis (sem gordura), papelão, latas de alumínio, isopor, plásticos, metais, vidros e embalagens longa vida. Este material coletado é encaminhado às unidades de triagem (UT) conveniadas com o DMLU. Estas unidades de triagem geram emprego e renda para centenas de pessoas, além de estar dando uma destinação correta ao material reciclável e beneficiando o nosso meio ambiente. Atualmente, o DMLU realiza o recolhimento em torno de 100 t/dia de materiais recicláveis, os quais são encaminhados às 18 Unidades de Triagens cadastradas no Departamento, onde trabalham cerca de 800 pessoas (VANZELLOTTI, 2011). Os caminhões que fazem a coleta dos materiais recicláveis nos bairros encaminham para as unidades de triagem,. Entretanto a Unidade de triagem do Hospital São Pedro não recebe mais este material reciclável, porque encontra-se dentro de um complexo hospitalar. Assim não é adequada a entrada de um material reciclável em suas dependências. Nas unidades de triagem, os trabalhadores que podem ser associados ou cooperados e fazem a separação mais específica por tipo de material, prensam, agrupam em fardos e levam para a negociação para indústria da reciclagem e ou aproveitamento. Se houver algum material reciclável contaminado por gordura, líquidos eles são devolvidos para a coleta domiciliar. Vanzellotti (2011) informa que a Prefeitura de Porto Alegre fornece a infraestrutura para as unidades de triagem e também garante um custeio de manutenção de valor R$ 2.500,00, que atualmente encontra-se defasado, mediante as necessidades das unidades. O resultado bruto da comercialização do material reciclável é dividido entre os integrantes das associações ou cooperativas de cada unidade de triagem. 35 O sistema de gerenciamento deste tipo de material é reconhecido como uma prática de gestão na reciclagem em todo o país (VANZELLOTTI, 2011) e já recebeu prêmios como Prêmio Coleta Seletiva. Ainda encontramos no sistema de gestão de resíduos, a Unidade de triagem e compostagem (UTC) Francisco Engel Rodrigues, situada na estrada Alonso Lourenço Mariante no Bairro da Lomba do Pinheiro. Ela tem aproximadamente uma área de 10 hectares, iniciou suas atividades em 2000, é um local onde o DMLU faz o reaproveitamento dos resíduos orgânicos usando o método da compostagem (VANZELLOTTI, 2011). A compostagem é um método de reaproveitar os resíduos orgânicos. É um processo natural de decomposição da matéria orgânica, que gera o processo. A base do composto é a parcela dos resíduos domiciliares composta por sobras de alimentos, restos de jardins e outros. Ainda usam-se resíduos orgânicos provenientes de estabelecimentos comerciais e industriais. Cerca de 10 toneladas de resíduos domiciliares chegam nesta unidade, lá os trabalhadores separam o rejeito, do seco do orgânico. Esta ação de separação é feita em duas esteiras, com 30 m de comprimento cada uma. Dando prosseguimento ao processo os resíduos orgânicos são colocados no pátio da unidade em montes, também denominado leiras pelos profissionais que trabalham neste meio. Periodicamente estas leiras são revolvidas para acelerar o processo. A temperatura das leiras pode atingir até 70ºC e, em 100 dias após, reduz-se a uma temperatura ambiente, devido à fermentação. Quando o composto atinge esta condição ele é peneirado e já pode ser utilizado na jardinagem. O composto produzido por esta Unidade é comercializado e o dinheiro gera renda para os integrantes da associação. No sistema de gerenciamento de resíduos sólidos temos ainda os Aterros Sanitários para onde são encaminhados os resíduos sólidos orgânicos através de uma obra de engenharia que tem como objetivo a redução de impacto ambiental no descarte de lixo, através de uma área adequada, preparada com impermeabilização e controle da entrada do resíduo. Segue-se ainda a compactação e cobertura periódicas destes materiais, drenagem e tratamento de efluentes líquidos e gasosos, com monitoramento ambiental. Atualmente os resíduos sólidos domiciliares de Porto Alegre são enviados para a Central de Resíduo Recreio, aterro sanitário de propriedade da empresa Soluções Ambiental Ltda., no município de Minas do Leão, 36 que fica a 113 km da cidade de Porto Alegre. Hoje, acredita-se que para os aterros sanitários deva ir somente o lixo orgânico que não possa ser reciclado ou reaproveitado, assim também garantindo menos aterros e futuramente algum problema de impacto ambiental. Atualmente o Brasil tem uma Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), contemplando um descarte para todos os tipos de resíduos, classificados com sua periculosidade. Esta política foi aprovada após 21 anos de tramitação no Congresso Nacional e foi sancionada como Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010 pelo Senhor Presidente da República Sr. Luis Inácio Lula da Silva (Lei 12.305/2010). A Lei 12.305/2010 encontra-se na situação de regulamentação do plano que possa dar suporte a sua efetiva aplicação, uma vez que contamos com uma diversidade muito grande de tipos de resíduos. Um dos pilares em que o Plano Nacional de Resíduos Sólidos encontra-se apoiado é que todos nós devemos ter a noção de nossas responsabilidades em relação aos resíduos gerados e no seu descarte final. Isto gera também uma nova perspectiva cultural a ser seguida no país. Morin (1995) apontou a necessidade de um pensamento ecológico, que leve em consideração a ligação vital de todos os sistemas vivos ao seu ambiente. Essas ligações, entretanto, necessitam de atenção especial por parte dos órgãos nacionais e internacionais responsáveis pela conservação da natureza, bem como da população em geral e sua participação mais ativa, uma vez que para se alcançar sucesso na realização de qualquer trabalho contará com uma maior conscientização. Para fomentar uma conscientização ampla e efetiva é preciso compreender que Morin (1995) trás novos referenciais capazes de satisfazer, pelo menos em parte, as grandes indagações da sociedade contemporânea. O autor acrescenta que durante o século XX sedimentou-se uma nova percepção de mundo, de sociedade, ou seja, uma percepção sistêmica da realidade existente, a partir da complexidade como um pensamento que distingue e une, ao invés de isolar, separar e reduzir o todo às suas partes. Este novo pensar tem como pano de fundo, a articulação dos fragmentos dispersos pelo saber tradicional reducionista e a partir de uma nova lógica, compreender as múltiplas relações, causalidades e interdependências entre os processos naturais e sociais. 37 A partir da lei (PNRS) os fabricantes, distribuidores, comerciantes, consumidores, importadores e os titulares dos serviços de limpeza urbana devem criar uma rede de coleta destes resíduos, que denominada Logística Reversa. A lei traz ainda uma meta a ser vencida de implantação da logística reversa para o ano de 2014, onde todos os tipos de resíduos tenham uma destinação corretamente realizada (PATELLA, 2011). Entende-se que a prática da logística depende de acordos setoriais, que começaram a ser elaborados no início do ano de 2011 com a criação dos Comitês Interministeriais do PNRS com a função de orientar a implantação do sistema de logística reversa. Estes dois eixos juntos traduzem a implementação da nova política. Nesse sentido, os consumidores também deverão atuar para que a nova lei seja cumprida, uma vez que, entre as principais medidas estabelecidas pela PNRS, está a definição do papel do consumidor no processo de emissão e coleta de resíduos. Para exercer o princípio da responsabilidade compartilhada, a regulação fixa o dever dos consumidores de acondicionarem adequadamente os resíduos reutilizáveis e recicláveis sempre que houver o sistema de logística reversa ou coleta seletiva implantada pelos municípios (PATELLA, 2011). Com a sanção da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010), o Brasil passa a ter um marco regulatório nesta área. Esta lei faz a distinção entre resíduo (lixo que pode ser reaproveitado ou reciclado) e rejeito (o que não é passível de reaproveitamento), além de se referir a todo tipo de resíduo: doméstico, industrial, da construção civil, eletroeletrônico, lâmpadas de vapores mercuriais, agrosilvopastoril, da área de saúde e perigosos. Resultante de ampla discussão com os órgãos de governo, instituições privadas, organizações não governamentais e sociedade civil, a PNRS reúne princípios, objetivos, instrumentos e diretrizes para a gestão dos resíduos sólidos. Os objetivos principais da nova Lei de resíduos (Lei 12.305/2010) são: • A não geração, redução, reutilização e tratamento de resíduos sólidos; • Destinação final ambientalmente adequada dos rejeitos; • Diminuição do uso dos recursos naturais (água e energia, por exemplo) no processo de produção de novos produtos; • Intensificação de ações de educação ambiental; • Aumento da reciclagem no país; 38 • Promoção da inclusão social; • Geração de emprego e renda para catadores de materiais recicláveis. As propostas estão em torno de que a PNRS institui o princípio de responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, o que abrange fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, consumidores e titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos (PATELLA, 2011). Um dos pontos fundamentais da nova Lei é a chamada Logística Reversa, que se constitui em um conjunto de ações para facilitar o retorno dos resíduos aos seus geradores para que sejam tratados ou reaproveitados em novos produtos. De acordo com as novas regras, os envolvidos na cadeia de comercialização dos produtos, desde a indústria até as lojas, deverão estabelecer um consenso sobre as responsabilidades de cada parte. Os grupos de trabalhos (GT) são compostos por representantes de entidades nacionais das cinco cadeias produtivas em estudo, de prefeituras, organizações estaduais e municipais, de prefeitos e de governo, e de sociedade civil. Estão responsáveis para estudar e discutir alternativas socioeconômicas e tecnicamente viáveis para formulação de proposta de modelos para Logística Reversa e de subsídios de editais de chamamento para os ac ordos setoriais. Num primeiro momento foram instalados cinco grupos técnicos, apesar da lei de resíduos englobar todo de tipo resíduo. São eles: para descarte de medicamento; embalagens em geral; embalagens de óleos lubrificantes e seus resíduos; eletroeletrônicos; lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio de luz mista. À medida que vão surgindo soluções para a Logística Reversa destes, outros tipos de resíduos serão incluídos. As empresas teriam até o final de 2011 para apresentar propostas de acordo, mas quem perder o prazo ficará sujeito à regulamentação federal. Atualmente, a Logística Reversa já funciona com pilhas, pneus e embalagens de agrotóxicos. Mas é pouco praticada pelo setor de eletroeletrônicos, que foi um dos que mais contestaram tal ponto da Logística. (PATELLA, 2011). Quanto à Logística Reversa na coleta seletiva que já é uma realidade em muitos municípios do país deverá ter um plano integrado de manejo com a participação dos governos estaduais e municipais. O governo federal tem uma 39 estimativa para que a coleta seletiva no país atinja um patamar de 20% em 2015, assim podendo contribuir na redução de pressão por recursos naturais e de conservação da energia na produção industrial, pois o uso de plásticos, alumínio e papel reciclado como insumos para produção reduz a necessidade de energia também no processo produtivo (PATELLA, 2011). A lei dos resíduos sólidos proíbe a existência de lixões e determina a criação de aterros sanitários para lixo sem possibilidade de reaproveitamento ou de decomposição (matéria orgânica). Nos aterros, que poderão ser formados até por consórcios de municípios, será proibido catar lixo, morar ou criar animais. As prefeituras poderão ter recursos para a criação de aterros, desde que seja aprovada, nas câmaras de vereadores, uma lei municipal, também criando um sistema de reciclagem dos materiais recicláveis. A classificação de um resíduo é dada quanto à sua periculosidade, que vem das suas propriedades físicas e químicas ou infectocontagiosas que possam apresentar: a) risco à saúde pública, provocando mortalidade, incidência de doenças ou acentuando seus índices; b) riscos ao meio ambiente, quando o resíduo for gerenciado de forma inadequada. Ainda assim medimos o grau de toxidade que é a propriedade potencial que o agente tóxico possui em maior ou menor grau. O agente tetragênico que é qualquer substância, mistura, organismo, agente físico ou estado de deficiência que, estando presente durante a vida embrionária ou fetal, produz uma alteração na estrutura ou na função do individuo dela resultante. O agente mutagênico que é qualquer substância, mistura, agente físico ou biológico cuja inalação, ingestão ou absorção cutânea possa elevar as taxas espontâneas de danos ao material genético e ainda provocar ou aumentar a frequência de defeitos genéticos; agentes carcinogênicos; agentes eco tóxico e ainda outros medidores específicos para certos animais cobaias. Segundo a ABNT NBR 10004, os resíduos são classificados em: Classe 1 - Resíduos Perigosos: são aqueles que apresentam riscos à saúde pública e ao meio ambiente, exigindo tratamento e disposição especiais em 40 função de suas características de inflamabilidade, corrosividade, e a atividade, toxicidade e patogenicidade. Classe 2 - Resíduos Não Inertes: são os resíduos que não apresentam periculosidade, porém não são inertes; podem ter propriedades tais como: combustibilidade, biodegradabilidade ou solubilidade em água. São basicamente os resíduos com as características do lixo doméstico. Classe 3 - Resíduos Inertes: são aqueles que, ao serem submetidos aos testes de solubilização (ABNT NBR-10.007), não têm nenhum de seus constituintes solubilizados em concentrações superiores aos padrões de potabilidade da água. Isto significa que a água permanecerá potável quando em contato com o resíduo. Muitos destes resíduos são recicláveis. Estes resíduos não se degradam ou não se decompõem quando dispostos no solo (se degradam muito lentamente). Estão nesta classificação, por exemplo, os entulhos de demolição, pedras e areias retirados de escavações. (Norma 2011). A Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010) estabelece pela primeira vez novos princípios, objetivos e instrumentos para correta gestão dos resíduos sólidos no Brasil. O grande marco regulatório da nova legislação é o conceito de responsabilidade compartilhada, pois os geradores de resíduos, tanto públicos como privados, no quais nos incluímos os consumidores, temos responsabilidades definidas dentro da PNRS. Devemos cooperar para a implementação desta e que os objetivos dela sejam atingidos. Embora a PNRS (Lei 12.305/2010) refira-se muito sobre a gestão de resíduos, principalmente pela disposição e destinação adequadas. A lei também traz a responsabilidade dos resíduos gerados no processo industrial como na fase de comercialização, consumo e pós-consumo, abrangendo todas as etapas de sua vida útil. Esta política encontra-se em conformidade do princípio dos 3Rs - reduzir, reutilizar e reciclar, o qual tem pautado os programas de incentivo à reciclagem no Brasil e no mundo. A responsabilidade compartilhada entre produção e consumo e apregoada na PNRS deverá ser implementada, de forma individualizada e encadeada, fazendo com que cada um dos atores assuma suas responsabilidades dentro de toda cadeia (BOFF, 1999). Morin (1995) relata que o maior problema é fazer com que cada um entenda a importância de sua atuação dentro da cadeia, e assim o sistema se transformará, 41 modificando o panorama atual, mas isto deverá acontecer com a mudança de comportamento e de entendimento que para fomentar uma conscientização ampla e efetiva é preciso para o autor adentrar em novos referenciais capazes de satisfazer, pelo menos em parte, as grandes indagações da sociedade contemporânea. Temos que considerar ainda o importante papel dos consumidores na Logística Reversa, porque como tais, deveremos acondicionar corretamente e, de forma diferenciada, os diversos tipos de resíduos sólidos e também disponibilizá-los adequadamente para fins de coleta seletiva e posterior destinação. Ainda contamos com o descarte de equipamentos e materiais domésticos, como eletroeletrônicos, celulares, baterias, lâmpadas, medicamentos vencidos ou não, óleo de cozinha e outros que deverão ser entregues em locais de recepção voluntária de resíduos recicláveis (LEVs) ou Postos de entrega voluntária (PEVs). Estes locais devem ser instalados pelos responsáveis para acumulação temporária com vistas à realização da Logística Reversa. Essa passa pela separação correta do lixo; pela prevenção e redução na geração de resíduos sólidos. A mudança de hábitos preconizada por Odum (1993) inicia-se dentro das residências com a separação de materiais, além de fiscalizarmos se o poder público está fazendo a sua parte com a implementação da coleta seletiva e da destinação ambientalmente adequada. A PNRS (Lei 12.305/2010) conta com o auxilio de controle de órgãos fiscalizadores, o Ministério Público, órgãos ambientais, Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA), e o próprio cidadão que farão o monitoramento das ações para a implantação e o cumprimento da Logística Reversa. Sabemos também que os próprios consumidores são os que mais demoram a se acostumar com as novas responsabilidades. Atualmente, grande parte dos consumidores ainda não tem hábito de separar os materiais e dispor de maneira adequada para o descarte (PATELLA, 2011). Sendo importantes ações de conscientização e mobilização a fim de envolver a população nesse processo. O Ministério do Meio Ambiente, vendo esta necessidade, lançou a Campanha “Separe o Lixo e Acerte na Lata”, e divulga nos meios de comunicação disponíveis, para que atinja o maior número de pessoas. A administração pública federal também implantou um programa denominado Programa Agenda Ambiental da Administração Pública (A3P 2010), que visa implantar a responsabilidade socioambiental nas suas atividades e operacionais da administração pública. Esta 42 agenda tem como princípios a inclusão de critérios socioambientais nas atividades regimentais assim como mudanças nos investimentos, compras e outras ações de serviços pelo governo federal com a proposta de promover uma gestão adequada dos resíduos gerados e a diminuição da subtração dos recursos naturais utilizados pelo homem, também promovendo a melhoria de qualidade de vida no ambiente de trabalho. Esta agenda passa por momentos de implantação como a criação de Comissões A3P dentro da Instituição, realização de um diagnóstico ambiental, desenvolvimento de projetos e atividades relativas à agenda, promoção da mobilização, sensibilização na preservação do meio ambiente. Ainda, ela prevê a realização e avaliação e o monitoramento das ações implantadas. Também recomenda algumas sugestões de ações para implantação como: o uso racional dos recursos naturais com combate ao desperdício, como o consumo do papel, englobando ações como levantamento e seu acompanhamento, usado para impressão e cópias, o levantamento de número de impressora e situação em relação à manutenção ou substituição, a realização de impressão de papel frente e verso. A confecção de blocos de anotação com papel usado só de um lado, e ainda a utilização de papel não clorado ou reciclado. O consumo de energia, com diagnóstico das instalações elétricas, com proposição de alterações necessárias para redução de consumo: implantação de sensores em banheiros e andares, campanhas de conscientização, aproveitamento das condições naturais do ambiente de trabalho como ventilação, luz solar. Ainda recomenda o uso racional da água, coleta seletiva solidária, compras sustentáveis realizadas através de aquisições de bens e matérias, contratações de serviços e projetos ambientalmente sustentáveis. Morin (1995) manifesta que apesar de parecer que é um caminho longo e muito difícil de ser percorrido, as nossas dificuldades atuais, problemas ambientais que estão surgindo em relação a nossa convivência com a natureza, nos remete à concordância deste novo padrão de pensamento. Como as evidências sobre os problemas ambientais são irreversíveis e cada vez mais agudos, resta à humanidade promover um novo pensamento com mudanças de hábitos em relação à natureza. Muito importante para este novo padrão, que tenham leis regulatórias em relação a todos os tipos de resíduos que a sociedade produz e também de seu descarte para que possamos vislumbrar um planeta mais limpo, sustentável no qual o homem seja integrante da natureza. 43 4 PROJETO DE EXTENSÃO: ATUT- RECICLANDO VIDAS COM INCLUSÃO SOCIAL Minha trajetória nessa rede do Galpão de reciclagem, educação ambiental, coleta seletiva vem desde 2002, quando pude entrar no mundo da reciclagem propondo trabalhos acadêmicos que pudessem melhorar a situação destes, com a participação da ação de extensão. Em 2004, a Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação Social (FABICO) da UFRGS, implantou a coleta seletiva na unidade, com um programa que visava à motivação, informação e sensibilização dessa atividade, através do Projeto de Extensão ATUT. Desde lá promovemos ações e atividades que possam contribuir no meio acadêmico quanto à atividade de coleta seletiva e sua importância no panorama mundial de falência ambiental. Também colaborei com a assessoria de comunicação, de educação ambiental e de vivências na Unidade de triagem de lixo do Hospital São Pedro (ATUT), através do Projeto de Extensão ATUT: reciclando vidas com inclusão social. É uma ação de extensão e dada à importância da temática para a nossa vivência, a partir de 2007, passou a ter caráter permanente, com atividades no Galpão de reciclagem e de assessoria interna e externa de comunicação e educação. Passou então esta ação a ser vinculada à Direção da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação em parceria com a Coordenadoria de Gestão Ambiental da UFRGS. Na Faculdade se promove a implementação da educação ambiental, conscientização do público envolvido e gestão ambiental, dentro do Projeto da Reitoria da UFRGS. O nome definitivo da ação passou também pelo processo de reciclagem ao longo dos nove anos que ela vem atuando. A ação de extensão fazia parte da Agência Experimental de Relações Públicas dessa Faculdade. Era um projeto dentro de um grupo que atendia às necessidades da Faculdade. Esta ação trabalha o envolvimento do aluno de graduação com uma comunidade carente ou com pessoas com necessidades especiais. Com a implantação da coleta seletiva na Faculdade a partir do ano de 2004 e seu pleno sucesso com a adesão da comunidade acadêmica desta. Esta ação tem mostrado a ideia de reciclar, transformar e não engessar. Por isso nasceu o nome final Projeto de Extensão ATUT: reciclando vidas com inclusão social, se deu a partir das vivências do cotidiano do projeto, que se ampliou não só 44 no Galpão, mas também na comunidade da UFRGS, em especial da FABICO. É um jogo de palavras-chave, que traduzem as ideias principais da ação durante esses anos e que se solidificaram em suas atividades. Este nome agora é permanente, pois dentro de tudo que pudemos pensar, objetivar e executar para o Galpão e para a própria Faculdade, ele engloba, posto que é representativo na Universidade. Na UFRGS temos um sistema de coleta seletiva e destinação, em que a Unidade de triagem de lixo do Hospital São Pedro (ATUT) é nosso parceiro receptor dos materiais recicláveis, desde 2004. Esta Unidade de triagem tem uma constituição diferente, pois ela é composta por pacientes, ex-pacientes e por outras instituições que albergam pessoas com doença mental. Os associados da ATUT, por serem na sua maioria doentes mentais, tem pouca possibilidade de reinserção econômica e social no mercado de trabalho. Daí a intenção de nomear a ação de extensão com as palavras reciclando vidas e inclusão social, pois mostra o objetivo da Unidade de Triagem (ATUT). A capacitação dos associados para a atividade acontece sem grandes dificuldades na atividade de triagem do material. Isso possibilitou que essas pessoas constituíssem uma força de trabalho. O Galpão fica nas dependências do Hospital São Pedro, mas mantêm uma estrutura à parte deste, com certa independência no seu cotidiano. Mantém uma Equipe Técnica, Coordenação da Associação e associados. A ATUT está associada ao Projeto São Pedro Cidadão, que preconiza a reforma psiquiátrica e a reinserção dos doentes mentais à sociedade. Por esta razão é composta principalmente de pacientes egressos do Hospital Psiquiátrico São Pedro, moradores carentes da Vila São Pedro, que fica no entorno do complexo hospitalar São Pedro e atualmente de outros locais como pensões, albergues, que tenham um perfil psiquiátrico, em reabilitação totalizando de 36 pessoas, segundo dados coletados referentes a 2002-2009, com a Equipe Técnica do Galpão. Esse grupo conta com uma equipe de apoio técnico, formada por um Psicólogo e uma Terapeuta Ocupacional. A ATUT por ocasião de implantação da Associação recebeu o apoio do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), da Fundação Solidariedade de Formação e Capacitação de Trabalhadores e da Secretaria do Trabalho Cidadania e Assistência Social. Desde 2003 esta Associação é uma Unidade de triagem e trabalha com o sistema de parceiros doadores de materiais recicláveis. Algumas empresas parceiras como o Banrisul, a PROCERGS, a Secretaria da 45 Fazenda, o Centro Administrativo do Estado e a Polícia Rodoviária Federal, doam materiais recicláveis como plásticos, vidros, papéis e metais. Recebendo assim um material reciclável mais limpo, sem contaminações e por estarem dentro das dependências de um hospital, tiveram que abandonar o recebimento de material vindo da coleta seletiva do nosso município. O material reciclável é triado (beneficiado no Galpão) e vendido, garantindo uma fonte de renda aos trabalhadores desta Associação. Através dessa atividade, os alunos do Curso de Comunicação Social da UFRGS têm uma experiência real de trabalho em comunidades carentes, adquirindo conhecimentos úteis para serem transpostos na resolução de outras situações em sua futura atuação profissional. Além disso, o Projeto encurta a distância entre a vida acadêmica e as questões sociais, instrumentando a consciência crítica do futuro profissional e preparando-o para o mercado de trabalho aliado a uma nova consciência ambiental. O objetivo da assessoria é desenvolver e manter um processo de comunicação e educação ambiental entre a ATUT e diversos segmentos sociais, visando ao apoio de outras instituições à integração social do grupo de recicladores. Além disso, pretende firmar convênios para a captação de materiais recicláveis e de recursos financeiros a fim de proporcionar a melhoria de suas condições de trabalho. Os instrumentos de comunicação interna, também, serão aprimorados e estabelecidos em redes e fluxos de comunicação com a comunidade, através da divulgação das atividades e necessidades dos componentes da ATUT (KAUFMANN, 2010). Kaufmann (2010) descreve que nas atividades do Projeto de Extensão a visão da Comunicação Social, mostrando a importância do mesmo para o Galpão, como um motivador na rede de associados, Equipe Técnica e também no aspecto ambiental. Desde seu início a ação promove campanhas de comunicação, levando em conta a potencialização da Associação, como um todo, internamente e com o público externo. 46 4.1 CAMPANHAS DE DIVULGAÇÃO Algumas campanhas e programas já desenvolvidos são de caráter permanente, sempre levando em conta a necessidade da Associação. a) Projeto de divulgação da ATUT: consiste na realização de uma campanha de divulgação das ações da ATUT, através do encaminhamento de press-releases a diversos suportes de comunicação de mídia impressa, televisiva e radiofônica. São eles vídeo institucional, jornalístico, promocional, banner informativo, campanha do agasalho, campanha de divulgação para captação de parcerias e do projeto em empresas e Instituições, campanha nas Escolas Municipais de POA de divulgação sobre o projeto oportunizando doações, campanha Kit de captação de parceiros para a ATUT, atualização do KIT captação de parcerias para ATUT, com a colaboração da Equipe Técnica da ATUT e execução da bolsista de extensão sob a minha orientação. O Projeto de Extensão esteve presente, juntamente com a Coordenadoria de Gestão ambiental, em parceria apresentaram um vídeo mostrando a situação do projeto da coleta seletiva na Universidade e da sua segregação a galpões de reciclagem, que são Associação dos Trabalhadores da Unidade de Triagem de lixo do Hospital São Pedro e o da Vila Pinto. Para estes dois galpões é que a UFRGS segrega seus materiais recicláveis de acordo com a Legislação Federal. O vídeo mostrou de uma forma geral, como se encontra o projeto, as atividades ligadas, e uma visão de cada galpão em relação à importância da prática da coleta seletiva e da parceria com a Universidade. O vídeo apresentado é o A separação que nos une. Este vídeo encontra-se a disposição no acervo do Projeto de Extensão e na Coordenadora de Gestão Ambiental da UFRGS. Esteve à frente desta atividade, a Direção da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação, a Coordenação do projeto, Martha Ferrari Agustoni, Coordenadoria de Gestão Ambiental, Tereza Campezatto, laboratório de vídeo/FABICO, Prof. André Prytoluck. b) O projeto O mural da ATUT: como um veículo de comunicação não só entre os associados, mas também com a Equipe técnica, parceiros e outros. O mural foi revitalizado com a mudança de local, de estrutura visual e nova identificação visual. A partir de então, ele está sendo realimentado e atualizado para que os associados usufruam deste veículo de comunicação. 47 c) Projeto Museu da ATUT: a formulação de um folder para o Museu da reciclagem, localizado no Galpão de reciclagem da ATUT. Em busca de valorização das antiguidades e de objetos significativos do Museu, procuramos destacar os aspectos interessantes em vista de atrair mais doações para o Galpão e divulgação dele. Foi elaborado um folder sobre o Museu. O mesmo foi entregue à Equipe Técnica do Galpão. O acervo do Museu é constituído, na sua maioria, de material reciclável enviado para o Galpão. Com a implantação do Curso de Museologia da FABICO/UFRGS, no ano de 2011, está sendo feito um estudo de nomeação para todo acervo e também de catalogação. O local onde está sendo guardado o acervo é um Gabinete de Curiosidade e deverá ser mantido assim, pois tem uma variedade enorme de tipos de objetos. d) Projeto de Identidade Visual: consistiu na criação de uma identidade visual para ATUT. e) Projeto Folder Institucional: foi confeccionado folder para divulgar e promover o trabalho da ATUT. O folder está sempre em constante atualização. f) Projeto Site da ATUT e utilização das redes sociais: em virtude da evolução que se propaga a utilização das redes sociais como uma forma de comunicação. Foi criado um endereço eletrônico para o Galpão: [email protected] e um linked it, uma rede profissional. Também foi elaborado o novo site da Associação e como se utiliza os links: www.wix.com/atutrs/atut. O site e o e-mail servem de meio de comunicação com a sociedade, com outros galpões, com parceiros e traz agilidade à Coordenação e Equipe Técnica da Associação em manter-se atualizada. g) Ciclo de Palestras: realizado sobre assuntos de interesse dos recicladores, como contribuição previdenciária, segurança do trabalho, tabagismo, amizade e solidariedade, drogas e terapias, ginástica laboral, meio ambiente, sobre doenças sexualmente transmissíveis e suas implicações sociais, higiene pessoal e bucal, a epidemia da dengue. h) Programa Semana do Meio Ambiente na FABICO: na mesa expositora, no saguão da FABICO ocorre exposição de brinquedos reciclados, absorvente sustentável, cadernetas de papel, canetas, réguas, sacolas (ecobags), entre outros materiais recicláveis que foram aproveitados para terem novamente uma utilidade para a sociedade. 48 j) Programa datas comemorativas: foram organizados eventos de confraternização em datas comemorativas, como no Natal, na Páscoa, no Dia das Crianças, para os filhos dos associados. l) Programa vivências: foram realizados passeios e outras atividades, como a exibição de filmes, a fim de proporcionar experiências ao grupo fora do ambiente de trabalho, são filmes didáticos e temáticos, visitas, oficinas de artesanato recicláveis visitação a empresas recicladoras como a BETTANIN, apresentação de vídeos, visitação no Planetário da UFRGS; m) Programa de oficinas: foram realizadas diversas oficinas, de criação de um jornal mural, de arte, teatro e de contação de histórias. n) Programa Campanha do agasalho: no mês de maio lançamos, na Faculdade de Comunicação da UFGRS, a Campanha do Agasalho para os Recicladores da ATUT. Foram elaboradas peças, folder, cartazes informando sobre o objetivo desta ação. Por esta ação obter um grande sucesso e grande adesão da comunidade ela tornou-se de caráter definitivo, assim ocorrendo todos os anos. o) Divulgações da Associação na Faculdade: aconteceu a participação da Coordenadora no evento: Sinta-se em Casa, na FABICO, com apresentação do Projeto ATUT: reciclando vidas com inclusão social e da coleta seletiva e seu processo de informação e divulgando também a educação ambiental na Faculdade. Este evento consistiu da apresentação, para os alunos calouros. Foram em dois momentos, um no início do primeiro semestre e do segundo semestre letivo, de 2009-2012. p) Participação no Portas Abertas (recepção de alunos do ensino médio): aconteceu com apresentação do Projeto através de banner e exposição de material gráfico, visual, fotos do mesmo durante o dia do evento pela Coordenação e bolsista. q) Participação no Salão de Extensão da UFRGS: com apresentação de trabalho e pôster 2003-2011, ou outros eventos externos a Universidade que possam dar visibilidade ao Projeto de Extensão. A partir de 2004 a Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação implantou o sistema de coleta seletiva e um amplo trabalho de motivação, conscientização e motivação para sua comunidade. Esta ação é permanente e segue os princípios da educação ambiental e a regra dos 3Rs: reduzir, reaproveitar e reciclar. Como este processo está sempre se renovando e é uma prática que trabalha com um segmento muito heterogêneo. Foram feitas capacitações para funcionarias da limpeza da 49 Faculdade e levando em conta o modelo de coleta seletiva adotada pela UFRGS e os objetivos não só de melhoria ambiental como da doação dos resíduos para o Galpão ATUT. Nosso sistema baseava-se no que consumíamos e o que poderíamos descartar de material reciclável como papel, plástico e metal. Para tal, foi elaborada uma pesquisa, aplicada à comunidade da Faculdade e também um processo de observação antes da implantação. Foi implantado um sistema com estes três tipos de materiais recicláveis, observados nas lixeiras da Faculdade, com lixeiras adequadas pela cor de recebimento. As funcionárias da limpeza desde então foram ensinadas a fazer a coleta do material reciclável e encaminhá-lo para a Associação. Então notamos que a Faculdade tem um valor em torno de 500 kg de material reciclável, para doação para Associação. Este dado é coletado através da pesagem do material reciclável da Faculdade ao chegar no Galpão. A qualidade do material reciclável também é notada como de boa qualidade. A Faculdade se compromete a descartar, através de envio, um material reciclável de boa qualidade, sem muita contaminação. A contaminação está no caráter da aparência do material reciclável, molhado, engordurado, com produto orgânico, amassado. Este tipo de material não é passível de ser aproveitado para reciclagem, ele retorna ao lixo doméstico e sendo reencaminhado ao aterro sanitário. Ao chegar no Galpão junto com um bom material reciclável, ele pode contaminá-lo. O Projeto de Extensão sempre se preocupou com o perfil dos associados, sua origem, para poder contemplar ao máximo a maioria dos associados, com suas atividades. Este Galpão é uma Associação com trabalhadores da Unidade de triagem do Hospital São Pedro (ATUT), faz parte do Projeto São Pedro Cidadão e busca a reinserção social (reabilitação) e econômica dos pacientes do Hospital São Pedro e moradores da comunidade da vila São Pedro, exclusivamente até o ano de 2009. O Projeto São Pedro Cidadão visou reformular o atendimento psiquiátrico no Rio Grande do Sul, reinserindo, gradativamente, o paciente na sociedade. Visou modificar a abordagem dada a pessoas com doença mental, atendendo às diretrizes da Lei da Reforma Psiquiátrica 9.715/92, que prevê a substituição gradativa dos leitos psiquiátricos moradia, por leitos em hospitais gerais e o engajamento dos usuários à sociedade. Mesmo tentando atender o número de associados em quantidade de igualdade, o Galpão desde 2008 apresenta um novo perfil de associados. Não mais mantendo a capacidade de trabalho com metade de 50 associados com doença mental e a outra parte com moradores da vila São Pedro. Os associados oriundos da vila começam a se retirar do Galpão, por diversos fatores entre os quais, motivos pessoais, como pouca integração com os pacientes, novas oportunidades de trabalho, indisciplina e faltas ao trabalho. [...] Este relacionamento com as pessoas consideradas ditas normais e com os pacientes do hospital na prática que a gente viu que fora aquele discurso que todo mundo alimenta de integração inclusão e de por ai vai a gente observa que de tanto de uma parte do grupo como da outra existe uma resistência. As pessoas tem uma tendência a se enxergar por exemplos as pessoas de se enxergar como iguais. (Membro da Equipe Técnica nº 01) Com a evasão dos associados, e dos moradores da comunidade, abrem-se novos postos de trabalho. A Equipe Técnica que acompanha o Galpão abriu vagas para outras instituições que acolhem pessoas com doença mental sendo do Estado, ou de albergues. Estes locais apenas recebem as pessoas por um tempo restrito, como uma casa de passagem. Com isto o perfil da Associação modificou-se e os desafios mudaram em relação às necessidades do Galpão quanto à integração, respeito e a efetivação das atividades, maior sentido terapêutico, remuneração e inclusão social. [...] Inicialmente o projeto começou com as pessoas do clube da amizade é um serviço de convivência do próprio hospital e depois progressivamente foi se ampliando este perímetro então a gente tem pacientes que moram nos abrigos da prefeitura, nos caps. são centro de atendimento psicossocial, ambulatório do hospital e alguns pacientes do hospital, porque o projeto está focado em atender o publico que não mora no hospital então esta é a caracterização do grupo e tem algumas pessoas que moram na vila São Pedro nas residências terapêuticas e alguns pacientes do hospital residem. (Membro da Equipe Técnica nº 1). O Projeto tem o entendimento que durante estes nove anos de atividades, convivência com este Galpão e seus associados, percebeu-se que eles conseguem atingir um bom grau de superação de seus problemas psíquicos, uns mais, outros menos, outros nenhum, chegando ao desligamento da Associação. Mas também observamos que os associados diante de novos desafios em relação à condição da doença mental vem demonstrando pleno conhecimento e discernimento quanto à importância de sua atividade para sociedade e para a conservação do meio ambiente na questão de triagem de material reciclável. 51 4.2 APOIO E PARCERIAS Os parceiros e apoiadores são empresas públicas e privadas que contribuem com resíduos, patrocínios, material gráfico, doações nas campanhas que possa ser utilizadas na ação de extensão, com as quais a ATUT celebra convênios. 4.3 METODOLOGIA Conjuntamente a Coordenação, Equipe Técnica da Associação do Galpão da ATUT (Coordenadora, Psicólogo e Terapeuta Ocupacional) e o bolsista de extensão traçam a metodologia para sedimentar a política de atuação e captação de novas parcerias para a Associação. Essa metodologia pressupõe o processo de abordagem da ação feita pelos alunos universitários envolvidos deve sempre ocorrer através de uma perspectiva da comunicação, buscando informações e fundamentando a prática na realidade dos principais envolvidos, os associados da ATUT, como atuantes com estes e não para estes. Com isto os conhecimentos e o aprendizado na área de comunicação e da educação ambiental são lhes oferecidos, sendo que eles próprios estudam e resolvem pelo que deverão querer – “tomam suas decisões” (KAUFMANN, 2010). A política da ação de extensão busca o autoconhecimento e a emancipação comunitária, definida na bibliografia consultada para o desenvolvimento do Projeto e a seleção de métodos e técnicas de pesquisa, planejamento e execução das atividades. São feitas, ainda, reuniões periodicamente com a Coordenação e com a Equipe Técnica do Galpão. O objetivo da assessoria é desenvolver e manter um processo de comunicação entre a ATUT e os diversos segmentos sociais, visando implementar o apoio de outras instituições à integração social ao grupo de trabalhadores da ATUT. Além disso, o Projeto de Extensão pretende firmar convênios para a captação de materiais recicláveis e de recursos financeiros a fim de proporcionar a melhoria de suas condições de trabalho. Os instrumentos de comunicação interna e externa são aprimorados com o estabelecimento de redes e fluxos de comunicação com a comunidade, através da divulgação das atividades e das necessidades dos componentes da ATUT (KAUFMANN, 2010). 52 Com o ingresso do Projeto de Extensão na Gestão Ambiental proposta pela Universidade, através da Coordenadoria de Gestão Ambiental e com a Medida Provisória da Presidência da República e adoção da Portaria Normativa de nº 345, de setembro de 2008, relativas à necessidade de descarte dos materiais recicláveis e adoção de uma cooperativa, associação ou catadores como receptores, são feitas modificações no segundo semestre do ano de 2008. O padrão estabelecido pela Gestão Ambiental para a Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação Social da UFRGS, com a sinalização de RECICLÁVEL = SACO PRETO. RESÍDUO RECICLÁVEL = SACO AZUL E RESÍDUO NÃO Foram aproveitadas as lixeiras coletoras já existentes na Faculdade, mas adaptadas para o padrão. Foram agregadas as novas lixeiras. Fezse nova identificação visual para a comunidade através de folder e cartazes afixados nos murais da Faculdade. Realizaram-se, reuniões motivadoras para as funcionárias da limpeza da Faculdade explicando o novo padrão e ressaltando a importância do trabalho delas junto ao Projeto. Dentro das ações da Gestão Ambiental o Projeto promoveu capacitação permanente para as funcionárias da limpeza da Faculdade quanto à mobilização e conscientização em relação ao sistema de Gestão Ambiental da Universidade e, especificamente, como proceder a respeito da coleta seletiva. Elas foram visitar o Galpão de reciclagem e vivenciaram o trabalho dos associados da ATUT, para que pudessem conhecer o caminho final dos materiais recicláveis por eles recolhidos e acondicionados na Faculdade. O resultado foi excelente. Saíram da capacitação motivadas e quando voltaram da visitação à ATUT, estavam visivelmente sensibilizados por participarem da rede UFRGS/ATUT. Esta atividade é permanente, através de telefonemas, contatos pessoais, sempre na busca de tirar dúvidas e contribuir para a melhoria da coleta seletiva dentro do Campus da Saúde da UFRGS, através da ação coletiva dos agentes ambientais. Com estas ações de seminários, visitações e envolvimento, as funcionárias da limpeza com a Associação ATUT puderam efetivar a parceria de doação dos materiais recicláveis do Campus da Saúde para a ATUT (VANZELLOTTI, 2011). Outra atividade que o Projeto mantém são as oficinas de coleta seletiva, levando ao público interessado as formas de separação do material reciclável, d e como podemos, já em nossas casas, enviar um material reciclável melhor, de qualidade boa. O Projeto sempre contou com novidades em relação às novas tecnologias que estão à disposição no mercado e também com a colaboração de 53 informações do Galpão de Reciclagem. Acrescente-se a isso a Campanha da Compostagem na FABICO, como projeto piloto da Gestão Ambiental, lançada no Campus da Saúde. Finalizando, o Projeto de Extensão tem vasta participação na atuação do Galpão de reciclagem. Kaufmann (2010) descreve, na sua Dissertação de Mestrado que o Projeto de Extensão tornou-se de caráter permanente não só pela sua característica de assessoria, mas pela importância do assunto reciclagem, galpões de reciclagem, a possibilidade de inclusão social através da prática de triagem de material reciclável para o nosso país e também para a preservação do meio ambiente como um todo dando ênfase à educação ambiental. Constitui este Projeto uma teia de relações, em constante interação, como vê as ciências naturais contemporânea. Os seres vivos que interagem deixam de serem apenas objetos. Eles se fazem sujeitos, sempre relacionados e interconectados, formando um complexo sistema de inter-retro-relações. O universo é, portanto, o conjunto das relações dos sujeitos (BOFF, 1999). Latour (2004) apresenta o conceito de tecnociência para entendermos melhor o impacto da integração da tecnologia com a ciência e as implicações do saber poder sobre a natureza. Sabemos assim que atualmente o processo de reciclagem é uma das saídas para os problemas ambientais, pois gera um produto vindo do lixo (material reciclável) e ao mesmo tempo promove o saneamento de nossas cidades, limpando e diminuindo a necessidade de novos aterros sanitários. Segundo Krieger (2006), define-se a palavra lixo como restos das atividades humanas, considerado como inúteis, indesejáveis ou descartáveis no estado sólido, semissólido ou semilíquidos. Ainda Krieger (2006) define os resíduos comuns como resíduos sólidos que podem ter sua disposição final sem precisar passar por tratamento, manipulação e ou transportes especiais. Atualmente os resíduos sólidos ainda são subdividimos em orgânicos e recicláveis. Nos resíduos sólidos orgânicos encontramos restos de comida, frutas e verduras, que não poderão ser reaproveitados e reciclados. Os resíduos sólidos recicláveis, podem ser reaproveitados, separados, triados e encaminhados à indústria da reciclagem, através das cooperativas e associações de unidades de triagem e catadores de lixo. Ainda a palavra lixo nos remete a pensar que dele nada podemos retirar para aproveitar ou reciclar. A reciclagem é um pensamento contemporâneo, pois sempre fomos ensinados a descartar bem longe de nossas vistas aquilo que não 54 nos serve mais, sem utilidade, nas latas de lixo, sem nem pensar que muitos materiais poderiam ser reutilizados, reciclados. Hoje temos infindáveis utilizações para diversos materiais recicláveis, provocando a sociedade a separar seu lixo e descartar corretamente, através da coleta seletiva. 55 5 O PERFIL DOS ASSOCIADOS E SEUS LOCAIS DE ORIGEM 5.1 O PERFIL Trago um perfil dos associados, levando em conta a origem de encaminhamento, escolaridade, sexo, idade, e o tipo de doença mental que os associados apresentam ao ingressarem no Galpão para iniciar suas atividades. Na sua maioria são do sexo masculino, integrando a força de trabalho, mas há também um significativo número de mulheres, que fazem a separação minuciosa do tipo de material reciclável. A idade dos associados está entre 30 a 50 anos, uma faixa etária de bom desempenho nas atividades. A escolaridade é baixa, com o primeiro grau incompleto, provando-se que no campo do mercado de trabalho eles têm muito pouca probabilidade de conseguir um local fora do Galpão considerando o complicador da doença mental. Há associados que possuem o ensino médio incompleto, mas não se mostraram muito interessados em terminar os seus estudos para terem uma perspectiva melhor de trabalho. Uma parte dos associados não se sente confortável em trabalhar no Galpão de reciclagem. [...] Eu não poderia dizer que gosto, mas também não poderia dizer que gosto. [...] é um trabalho! Que me satisfaz [...] como vou te explicar eu não tenho orgulho de trabalhar com o lixo [...] eu não tenho até acho que quase ninguém aqui tem [...] Até quando me perguntam sobre o meu trabalho eu tenho vergonha de falar [...] mas eu falo que trabalho com reciclagem, [...] material reciclável, mas eu tenho orgulho. (Paciente nº 17) Outro paciente dá seu testemunho sobre a atividade do Galpão. [...] Só pelo trabalho, não acho bom trabalho com o lixo, mas (Paciente nº 06). É compreensível que esses recicladores em melhor condição de escolaridade são os mais críticos em relação à condição do trabalho do reciclador, mas não vislumbram uma mudança em suas vidas. Tomam o trabalho de reciclador somente por um trabalho qualquer e seu ganho no final do mês. Ainda encontramos associados com o segundo grau completo e com uma intenção de fazer um curso superior, mas onde a doença mental o impossibilita. 56 O perfil do associado então é uma pessoa de jovem; tanto do sexo masculino como do sexo feminino, com baixa escolaridade, mas que gosta do trabalho que desenvolve, alguns orgulham-se de ser um associado reciclador. [...] Eu to bem satisfeita com que eu faço aqui no galpão, adoro! Depois que eu vim para cá eu melhorei bastante meus amigos disseram que eu fiquei melhor e a minha família também acham que eu melhorei a minha mãe fala, não imaginei que a [...] (Paciente nº 04) ia ter um futuro, ia ficar bem uma menina trabalhadora ela tá indo por ela, faz as coisas valeu a pena. E eu gosto mesmo quando está chovendo eu venho, não gosto de faltar eu vou o compromisso é meu a gente pega o compromisso tem que cumprir. (Paciente nº 04) Apresenta-se também o testemunho de uma moradora da Comunidade: [...] Eu só saio daqui quando não der mais, eu acho gratificante trabalhar aqui, e também o que mudou a minha vida quase dez anos de trabalho, eu antes trabalhava muito de faxina e faxina um dia tem outro está chovendo já não tem mais é difícil então foi onde eu fui conquistando a maioria das minhas coisas que eu tenho hoje foi o tempo de trabalho que eu tenho aqui na ATUT. Abri conta em loja, no banco então eu tenho um bom nome no mercado, mas graças ao meu trabalho na ATUT. A gente é cliente do Banrisul eu e outras pessoas daqui vários anos eu não estou só aqui pelo dinheiro, mas pelas portas que me abriram. (Moradora da Comunidade nº 03) Esta é a força de trabalho dos associados atualmente, num percentual de 90% que são doentes mentais na busca da reabilitação e de uma inclusão social. Buscam isso através de uma atividade permanente de triagem, que o Galpão oferece, sem que o indivíduo deva ter a necessidade de uma melhor capacitação e escolaridade. 5.2 LOCAIS DE ORIGEM A procedência dos associados da ATUT é variada. Parte é constituída de pacientes vindos do Hospital São Pedro, outros vem de instituições de atendimento psicossocial em período de adaptação. 57 5.2.1 Hospital São Pedro O Hospital São Pedro, inaugurado em 29 de junho de 1884, com o nome Hospício São Pedro (homenagem ao santo do dia e padroeiro da Província) foi o primeiro hospital psiquiátrico de Porto Alegre e da então Província de São Pedro. (CHEUICHE, 2004). Sua construção, de expressão imperial, foi estimulada pela filantropia, constituindo-se, no final do século XIX, no maior espaço de cunho social da Província. Os doentes mentais foram um dos segmentos sociais excluídos dos padrões de comportamento eleitos pela sociedade, até a fundação do Hospício e eram alojados em uma ala especial da Santa Casa de Porto Alegre. Como o número de insanos, como eram chamados os doentes mentais na época provenientes das mais diversas regiões da Província, crescia consideravelmente, foi necessário que os recolhessem à Cadeia Civil. A conduta que apresentavam tranquilos ou agitados era um dos critérios que definiam o local de internação. Conta o historiador Cheuiche (2004) que uma circular imperial, em meados do século XIX, definia os hospitais e as casas de caridade das províncias como as instituições responsáveis pela administração da loucura, acabando com a possibilidade de enviar os insanos para o Hospício D. Pedro II, no Rio de Janeiro. Urgia um local ímpar para os alienados, outro termo empregado para definir os doentes mentais nessa época. O projeto de construção do Hospício fez parte do processo de saneamento social da cidade, deslocando para o subúrbio todos os que apresentassem algum desvio de conduta. O procedimento indolente era impróprio às exigências de produção da emergente sociedade moderna. A urbe, normatizadora, vista como espaço de opulência, previsibilidade e disciplina, era destinado aos grupos sociais judiciosos, que definiam os padrões racionais de comportamento. É nesse meio de racionalidade que a loucura foi considerada uma ameaça, devendo ser silenciada e isolada através do encarceramento físico, longe do espaço público. Segundo Cheuiche (2004), os hospitais psiquiátricos no Brasil surgiram no final do século XIX, profundamente influenciados pela psiquiatria francesa e pelo tratamento moral. O primeiro foi o Asilo Pedro II, no Rio de Janeiro fundado em 1853. Cheuiche (2004) fala que as atividades de ensino neste Hospital tiveram início em 1908, incentivadas por seu Diretor Dr. Deoclécio Pereira, para os alunos da Faculdade de Medicina, que atualmente faz parte da UFRGS. Posteriormente, em 58 1926, inicia-se a grande fase de pesquisas no Hospital, instituída por seu Diretor Dr. Jacyntho Godoy. É nesse contexto histórico que se encontra o doente mental hospitalizado, agora sujeito de estudo. Tratava-se de uma população específica, com perda da sua autonomia e vulnerabilidade não só em decorrência da própria doença que os afetava, mas também pela situação de abandono que muitas vezes se encontravam. Existe uma dificuldade, muitas vezes de rechaço para tê-los dentro do meio familiar. Dentro da perspectiva histórica, Cheuiche (2004) diz que esses indivíduos foram institucionalizados, com famílias omissas, em situação de abandono. Esse quadro colocava os doentes numa realidade diferente, permissiva para pesquisas diversas. Muitas formas de tratamento e inovações foram introduzidas nessa época tais como Insulinoterapia de Sakel, eletroconvulsoterapia de Ugo Cerletti, entre outros métodos de tratamento. A fundamentação teórica para estes procedimentos caracterizava-se por uma desmontagem da estrutura psíquica que proporcionaria uma reconstrução sadia. Foram marcantes os trabalhos do Dr. J. Godoy no combate à paralisia geral progressiva, de origem sifilítica, tratada pela aplicação de arsênico e bismuto. Descoberta pelo austríaco, Professor Wagner Von Jaureg, a malarioterapia, foi introduzida pela primeira vez no Brasil, no Hospital São Pedro, com grande sucesso. O historiador relata que o local escolhido para a construção do prédio destinado à loucura, na “Estrada do Mato Grosso” (atual Avenida Bento Gonçalves), no Arraial do Partenon, arrabalde da cidade, invocava explicitamente a necessidade de um ambiente próprio ao tratamento terapêutico e implicitamente a exclusão social. A chácara adquirida para a edificação do Hospício tinha 38,5 hectares. A Fazenda Provincial, autorizada pela Lei Provincial 1.220, de 16 de maio de 1879, comprou o espaço da viúva Maria Clara Rabello por 25 contos de réis. A comissão responsável pela administração da obra, nomeada pelo Presidente da Província, Carlos Thompson Flores, em novembro de 1879, foi presidida pelo Provedor da Santa Casa, Antonio Coelho Junior. Os recursos para custear o empreendimento foram bancados, principalmente, por doações de filantropos e pelas rendas obtidas com as extrações de Loterias da Província, conforme a Lei Provincial 944, de 13 de maio de 1874 (CHEUICHE, 2004). Com somente um dos pavilhões prontos, o ato de fundação do Hospício foi comemorado com ostentação, na presença das autoridades e da imprensa de Porto Alegre. O incremento das internações e o abandono dos pacientes por seus 59 responsáveis estimularam o término da construção do Hospício São Pedro, que só veio acontecer em 1903. Insólito por sua magnitude à época, o prédio, idealizado em planta por Álvaro Nunes Pereira, foi menção de cartão postal de Porto Alegre na primeira década do século vinte (CHEUICHE, 2004). Conforme o Regulamento do Hospício São Pedro de 1884, estabelecido pelo Presidente da Província, José Júlio de Albuquerque Barros, a nova Instituição foi gerida pela Mesa Administrativa da Santa Casa de Misericórdia, que teve no seu Provedor, Joaquim José Salgado, a figura principal da estrutura organizacional do Hospício. Com a República, por decisão de governo, o Hospício São Pedro separouse da Santa Casa e ficou subordinado à Secretaria do Interior e Exterior (CHEUICHE, 2004). Com a intervenção estatal, os médicos, que atuaram no Hospício como Dr. Carlos Lisboa, seu único representante na primeira administração da Instituição, como Diretor do Serviço Sanitário do asilo de alienados, assumiram efetivamente a Direção-Geral do Hospício São Pedro. Um novo Regulamento do Hospício foi elaborado, desta vez sob a égide de um médico, o Dr. Francisco de Paula Dias de Castro, nomeado Diretor do Hospício São Pedro pelo governo republicano do Estado do Rio Grande do Sul. Cerca de uma década após a inauguração, por sugestão de Júlio de Castilhos e apoiado por uma campanha do jornal A Federação, a Companhia Carris Urbanus, com bondes de tração animal, fixou seu terminal em frente ao Hospício São Pedro. Esta circunstância, além de estreitar o elo do espaço urbano ao espaço elegido à loucura, facilitou a aproximação dos sociáveis cordatos aos confinados insanos. É nesse período que o discurso psiquiátrico e os novos recursos terapêuticos, de avançada tecnologia à época, foram efetivamente instalados no âmbito do Hospital São Pedro. Incluso no conjunto do Hospital Psiquiátrico São Pedro, cuja área de 13,9 hectares. Inclui 43.710 m 2 de área edificada, o prédio histórico do São Pedro está tombado pelos poderes públicos, estadual e municipal. Com 12.324 m2 de área construída, o conjunto arquitetônico é composto por seis pavilhões, com dois pavimentos, voltado para o sul. São ligados transversalmente por um pavilhão na direção leste-oeste. Com linhas ecléticas, predomina a arquitetura neoclássica (CHEUICHE, 2004). 60 Um fato relevante na década de 1960 aconteceu uma superlotação no Hospital Psiquiátrico São Pedro, chegando ao número de 5.000 pacientes internados. Certamente um vasto campo para os pesquisadores da época. O grande problema para a realização de pesquisas em hospitais psiquiátricos é a questão da autonomia do doente mental. O resgate desta capacidade é uma das metas do tratamento de cada usuário, devendo o tratamento instituído direcionar-se no sentido de buscá-la dentro das melhores possibilidades. No caso de incapacidade do paciente, um familiar assumirá esta responsabilidade e o representará defendendo os seus melhores interesses. Caso não haja um familiar que assuma este papel, quem responde pelo paciente é um tutor legal ou ainda o Diretor do Hospital (LOPES, 1983). A doença mental, dentre todas as doenças, é a mais provável de afetar a competência do paciente para tomada de decisões, sendo de particular interesse para o psiquiatra e a pesquisa nesta área. Esses pacientes quando são internados frequentemente se mostram incapazes de decidir sobre o consentimento, quadro que pode ser revertido depois que melhoram (LOPES,1983). O cenário contemporâneo dos processos de gestão no campo da saúde mental, balizados pelas diretrizes da Lei da Reforma Psiquiátrica n. 9.715 de 1992, apontou para ações multifacetadas no sentido da inclusão social do paciente doente mental, ações que vão da substituição gradativa dos leitos psiquiátricos por leitos em hospitais gerais até a efetiva constituição de uma Rede de Atenção Integral à Saúde Mental, incluindo a implantação de projetos de geração de trabalho e renda que permitam resgatar a credibilidade do usuário. A trajetória do Hospital sintetiza essa disposição, porém inovando no sentido da inclusão conjunta deste público com outro, moradores de uma comunidade vizinha ao hospital, que apresenta forte grau de precarização e dificuldade de inserção no mercado (LOPES, 1983). A desinstitucionalização, a partir da Reforma Psiquiátrica como processo social complexo no Hospital São Pedro, implicou não somente na transformação de técnicas e terapêuticas, mas sim dos atores sociais envolvidos incluídos os próprios usuários, familiares e técnicos deste Hospital. Ainda Lopes (1983) relata as diferenças no sentido de provocar as rupturas do que estava instituído dentro das pessoas. Assim criou-se um processo de transição em que nos espaços da cidade voltaram a circular livremente. Deste evento surgiu o impacto da diferença, a desistitucionalização, que marcou a saída de 61 pessoas doentes mentais do lugar previsível como hospitais manicômios para o cotidiano. Ela ainda afirma que houve reflexões e mais ainda a formulação de um novo desafio. Após o advento da Reforma Psiquiátrica adotada no Brasil, sabe-se que os doentes mentais não moram mais nos hospitais, que outrora os recebia como moradia e local de tratamento. Atualmente poucos estão na condição de morador no Hospital São Pedro, em torno de 130 pacientes. Na sua maioria não possuem dados que possam encaminhá-los às suas famílias, estão em situação de abandono, são idosos e sem possibilidade de reabilitação mental pelos recursos da medicina atual. Para tal o Estado hoje mantém locais onde os doentes mentais possam conviver, ter uma ocupação, serem cuidados, uma vez fora do hospital moradia (LOPES, 1983). A prefeitura de Porto Alegre dispõe um bom número de abrigos e pensões públicas protegidas que recebem os doentes mentais em fase de reabilitação. São muitas as doenças que trouxeram estes indivíduos para uma internação no Hospital São Pedro, como esquizofrenia, bipolaridade, dependência química, deficiência mental, associados a maus tratos, abandono, abuso sexual de familiares, histórias de vida envolvendo muito sofrimento e dor que desencadeiam um processo de sofrimento mental, denominado “doença mental”. [...] A gente costuma fazer uma avaliação com três critérios: o emocional, psiquiátrico, sujeito não pode estar agressivo, com alucinações nem delirante. Nem com alucinação; o critério ocupacional que é as condições de trabalho que a pessoa apresenta e o critério social, necessidades que a pessoa tem. Todos estes critérios são entrecruzados e bem elásticos, estou falando de uma tolerância bem elástica. (Membro da Equipe Técnica nº 1) O doente já demonstrando uma estabilidade e uma possibilidade de produzir através de uma atividade ou trabalho é encaminhando ao Galpão de reciclagem, ATUT, tornando-se um reciclador(a). Existem locais especializados que encaminham possíveis recicladores ao Galpão. Após o encaminhamento e entrevista com a Equipe Técnica do Galpão e a existência de vaga, será um associado, em período de experiência, antes de se tornar um associado reciclador. No próprio Hospital São Pedro encontramos o Clube da Amizade que encaminha indivíduos que possam fazer parte do Galpão. 1 - Clube da amizade: situa-se nas dependências do Hospital São Pedro. Funciona nas segundas-feiras e nas quintas-feiras, sempre no turno da tarde. É um 62 espaço de ressocialização e reabilitação psicossocial. Este clube é o resultado da intervenção da residente de Educação Artística (Programa de Residência Integrada em Saúde Mental Coletiva/Escola de Saúde Pública/Hospital Psiquiátrico São Pedro/RS). Neste espaço ocorre a reabilitação e reinserção social de pacientes egressos de hospitais psiquiátricos e de outros serviços de saúde mental (MEYER, 2008). Vem daí muitos sócios que trabalham na Associação dos Trabalhadores da Unidade de Triagem (ATUT), Associação de reciclagem de materiais recicláveis (papel, metal, plástico, vidro e sucatas), com a opção pela confecção de artesanato. Através de materiais reaproveitáveis foi estimulado outro olhar para o que era considerado lixo. Durante as atividades artísticas, a gradativa apropriação das técnicas e materiais ofertados, resultou em soluções criativas e no interesse pela comercialização dos produtos feitos, cuja renda reverteria para o próprio clube. O resgate da autoestima e a ampliação dos vínculos foram consequências da proposta desenvolvida. As atividades artísticas com pacientes doentes mentais e a Oficina de Criatividade do Hospital é uma referência de espaço substitutivo existente a partir da Reforma Psiquiátrica brasileira. [...] Daí comecei a me tratar com o Dr. [...], ele me tratou, antes eu tomava muito remédio, eu me tratava no CAps. Daí depois me tratar muito tempo o Dr. [...] me mandou para o clube da amizade. É nas quintas feiras e na segunda [...] tem a terapeuta ocupacional, doutor, outra T O [...] foi indo foi indo [...] no inicio eu não queria ir [...] mas meus amigos me empurram para ir. (Paciente nº 4) [...] Vim do Clube da amizade. Quando era paciente e fui encaminhado para trabalhar aqui. (Paciente nº 11) O Clube da Amizade, segundo Membro da Equipe Técnica nº 02 (2011) é uma Associação, sem fins lucrativos, fundada em 1975, antes da Reforma Psiquiátrica (Lei n. 9.715/92), aliado ao processo de desinstitucionalização. Entre seus principais objetivos estão: desenvolver no associado aspectos sadios da personalidade; estimular a progressiva autonomia dos sócios; prevenir a ocorrência de reincidências de novas internações; promover a integração grupal estimulando a participação dos sócios nas diversas atividades; oportunizar padrões mais sadios de relacionamento entre os associados, a família e a comunidade de acordo com suas potencialidades; possibilitar ao associado o acesso aos recursos disponibilizados à 63 comunidade; proporcionar novas experiências positivas aos associados através da execução de programas de qualificação profissional do trabalhador; incluir a pessoa portadora de deficiência e/ou sofrimento psíquico no mercado de trabalho através da educação, do resgate de conhecimentos tradicionais, do artesanato, do saber científico, da democratização e acesso à tecnologia de informação; promover a ética, a paz, a cidadania, os direitos humanos, a democracia e outros valores universais; promover a amizade e através dela procurar meios saudáveis de convivência social troca de experiências, apoio afetivo e técnico. O Membro da Equipe Técnica nº 02 (2011) também diz que o Clube da Amizade se caracteriza por ser um grupo operativo centrado em tarefas diversas dirigidas pelos coordenadores. O grupo operativo é um grupo que tem por finalidade aprender a pensar em termos da resolução das dificuldades criadas e manifestadas no campo grupal, e não no campo individual de cada integrante, e não está somente centrado no grupo, mas na tarefa que se opera em duas dimensões. Em 2007 a equipe técnica do Clube era composta por uma Psicóloga, uma estagiária de Psicologia, uma residente de Artes Plásticas, um Educador Físico e uma voluntária de arte terapia. Esta equipe funcionou como suporte, estimulando a participação dos sócios nas diversas atividades e assessorando a diretoria e demais membros do Clube. Meyer (2008) explica que os encontros aconteciam todas as segundas das 13h30 às 16h, na sua sede, que fica no piso inferior do prédio do Ambulatório Melanie Klein e, nas quintas-feiras, no ginásio de esportes do Hospital, o Gigantinho. Nas segundas-feiras compareciam ao Clube, em média, 20 sócios. São pessoas com diagnósticos diferenciados, sendo predominante a esquizofrenia, depois transtornos de ansiedade, bipolaridade e outros. Alguns sócios já faziam parte do Clube há muitos anos, outros haviam entrado para o Clube mais recentemente. No período, além das atividades administrativas (reuniões da diretoria, do conselho fiscal, assembleias ordinárias e eleições) eram desenvolvidas atividades culturais (visitas a exposições, museus, feiras e outros), físicas (ginástica localizada e alongamentos, jogos recreativos, caminhadas e oficina de autocuidado), sociais (festas comemorativas, passeios na cidade e outros municípios e visitas domiciliares aos sócios e familiares), oficinas (jardinagem, culinária, tricot e crochet, costura, arte, artesanato e teatro). A prática de atividades artísticas, segundo relato dos sócios era 64 prática que dependia, para acontecer, da presença de um monitor qualificado (MEYER, 2008). O Clube da Amizade pode criar oportunidades de formação, capacitação e inclusão social. Ele não foi pensado como um espaço de geração de renda, para resolver problemas econômicos dos sócios, até mesmo porque a renda movimentada era insuficiente para ser considerada uma forma de subsistência. O fator econômico foi apenas uma das vertentes, pois o que se buscou foi a inclusão social, a descoberta de novas habilidades e reconhecimento. Meyer (2008) ainda relata que foi feita proposta para que o paciente, fora do mercado produtivo, exilado em suas relações sociais em função da sua doença, pudesse, em seu projeto de tratamento, encontrar lugar cidadão, através do seu trabalho. As oficinas, lugar em que arte e artesanato se mesclaram em trabalhos diversos envolvendo processo/produtos, puderam, em alguma medida, modificar os sujeitos promovendo reabilitação e cidadania. Ao facilitar o trânsito social, também facilitaram o convívio familiar, bem como a inserção, como um trabalho produtivo possível. Neste sentido, pensar em oficinas construtivas e inventivas, onde cada sujeito trabalha de acordo com as suas possibilidades e potencialidades, favorece a reabilitação dos pacientes (MEYER, 2008). Membro da Equipe Técnica nº 02 (2011) relatou que muitos participantes do Clube da Amizade foram ou são associados da ATUT. Tendo iniciado a socialização lá no Clube, hoje são pertencentes de uma força de trabalho. Atualmente seis integrantes na Associação fazem parte do Clube da Amizade. Quatro desses foram entrevistados. 2 - Comunidade - Vila São Pedro: são os moradores da Vila São Pedro, que se situa atrás do Hospital São Pedro. No início da Associação, em 2002, o número de participantes moradores desta Vila era igual ao número de pacientes e ex-pacientes do Hospital. Nascia assim uma possibilidade de experiência, caracterizada como um elemento possível de construção e transformação social no campo de saúde mental e como um dispositivo de sociabilidade, suporte mútuo e de ação concreta no tecido social, na comunidade desta vila e do manicômio. Caracterizou-se como uma alternativa de atenção e prevenção em saúde mental, de possibilidade de desconstrução do manicômio junto à sociedade civil. A saída destes associados, moradores da Vila, ocorreu por diversos motivos, como insatisfação, trabalhar por conta (autônomo), gravidez, filhos pequenos, desavenças e brigas com 65 os pacientes, busca de uma alternativa de renda mensal. A Evasão maior ocorreu nos últimos três anos. Atualmente encontramos cinco moradores da Vila (comunidade), c omo associados do Galpão. Três associados foram entrevistados, dos quais destacamos dois: [...] Eles estavam sem motorista e a minha filha vendeu a Kombi para eles. Eu tava sem emprego e precisando de um serviço, eu vim trabalhar aqui. (Morador nº 01) [...] Eu desde o inicio o meu pensar é assim, tivemos algumas dificuldades no inicio, né [...] como era o inicio da associação [...] dificuldade de material, eu sou uma pessoa de pensamento bem positivo, porque não desisti [...] ampliar o negocio, comprar uma prensa, ter uma picotadeira [...] com tempo ter uma Kombi para associação, aumentar o número de associados [...] graças a Deus deu certo [...] como é uma reciclagem especial, foi muito bem aproveitado aquela ideia que eu tive. Eu me sinto muito bem. Eu não só estou aqui porque eu recebo o meu dinheiro, eu estou aqui porque eu gosto de trabalhar eu gosto do grupo ao todo. Eu não estou só aqui para coordenar mas também para trabalhar,e numa harmonia, em paz do serviço. (Morador nº 03). 3 - A Morada São Pedro: Nos últimos anos, o Hospital São Pedro, vem passando por um processo de desinstitucionalização e reabilitação psicossocial, que contempla a reinserção psicológica e social dos doentes mentais. Muitas ações, programas e serviços estão sendo realizados com este intuito, a destacar o Projeto Morada São Pedro. Membro da Equipe Técnica nº 02 (2011) relata que O Projeto Morada São Pedro propõe a construção de 36 Serviços Residenciais Terapêuticos no território da Vila São Pedro, onde há cerca de 144 pessoas que se encontram asiladas e em abandono familiar. Quanto aos espaços geográficos, aos territórios habitáveis, a inserção destes novos moradores na comunidade da Vila está garantida. O que não é visível e passa pela subjetividade é a interação social na realidade da vida cotidiana. Membro da Equipe Técnica nº 01 (2011) afirma que o processo de interação social entre os moradores da Vila São Pedro e dos doentes mentais que são usuários do Hospital Psiquiátrico São Pedro a partir do estabelecimento de uma intervenção junto a estes sujeitos, passa pela construção da sua cidadania com os membros da comunidade da Vila que é o objetivo o Projeto Morada São Pedro. Atualmente há dois associados nesta condição, sendo abrigados pelo Projeto Morada, com sua integridade mantida, pela sua autogestão do seu cotidiano, mas com a supervisão do Hospital. 66 [...] Eu moro na morada São Pedro, moro sozinho. (Morador nº 14). 4 - Ambulatório Geral e Unidade Madre Matilde – É uma ala psiquiátrica de moradores do Hospital. Ela fica nas dependências do Hospital São Pedro que recebe pessoas procedentes de Viamão e de outras localidades fora da região metropolitana. (MEMBRO DA EQUIPE TÉCNICA nº 02, 2011). Os pacientes que são encaminhados pelos Técnicos do Hospital, são os que apresentam possibilidades de manter um cotidiano e realizar tarefas dentro do Galpão. Há quatro associados nessa situação: [...] Lá na Morada eu morava com o [...] meu namorado [...] agora to aqui no Madre Matilde (uma unidade do HSP) [...] sabe porque [...] eu botava o remédio fora, eu escondia ele, botava atrás da cama, eu até fumava charuto na morada, (risos) [...] Eu tenho vontade de ir para minha casa [...] botar uma empregada. (Paciente nº 16). 5.2.2 Instituições de Atendimento Psicossocial 1 - CAPs e CAPs 8: são dois centros de atenção psicossocial que oferecem atendimento à população para realizar o acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários. Os centros entre todos os dispositivos de atenção à saúde mental, têm valor estratégico para a Reforma Psiquiátrica Brasileira. Com a criação desses centros, possibilita-se a organização de uma rede substitutiva ao Hospital Psiquiátrico no país. Os CAPs são serviços de saúde municipais, abertos, comunitários que oferecem atendimento diário. Estes serviços devem ser substitutivos e não complementares ao Hospital Psiquiátrico. De fato, o CAPs é o núcleo de uma nova clínica, produtora de autonomia, que convida o usuário à responsabilização e ao protagonismo em toda a trajetória do seu tratamento. Os projetos desses serviços, muitas vezes, ultrapassam a própria estrutura física, em busca da rede de suporte social, potencializadora de suas ações, preocupando-se com o sujeito e a singularidade, sua história, sua cultura e sua vida cotidiana. O perfil populacional dos municípios é, sem dúvida, um dos principais critérios para o planejamento da rede de atenção à saúde mental nas cidades, e 67 para a implantação de Centros. O critério populacional, no entanto, deve ser compreendido apenas como um orientador para o planejamento das ações de saúde. De fato, é o gestor local, articulado com as outras instâncias de gestão do Sistema Único de Saúde, que terá as condições mais adequadas para definir os equipamentos que melhor respondem às demandas de saúde mental de seu município. Segundo o Portal da Saúde (SUS), O CAPs dentre muitas das suas funções estão: prestar atendimento clínico em regime de atenção diária, evitando as internações em hospitais psiquiátricos; acolher e atender as pessoas com transtornos mentais graves e persistentes, procurando preservar e fortalecer os laços sociais do usuário em seu território; promover a inserção social das pessoas com transtornos mentais por meio de ações intersetoriais; regular a porta de entrada da rede de assistência em saúde mental na sua área de atuação; dar suporte à atenção à saúde mental na rede básica; organizar a rede de atenção às pessoas com transtornos mentais nos municípios; articular estrategicamente a rede e a política de saúde mental num determinado território; promover a reinserção social do indivíduo através do acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários. Muitos associados já foram encaminhados pelos CAPs, o Galpão conta com seis associados, na atualidade. [...] A gente se interna faz o tratamento aqui, e depois fui encaminhada para cá [...] eu faço tratamento das drogas, sou dependente [...] eu vim do CAPs Viamão e fiquei internada aqui. O meu irmão foi encaminhado, trabalhava aqui, agora ele já não está mais daí, através dele eu conheci a Dona [...], e ela me trouxe. (Paciente nº 07). 2 - Pensão Pública Protegida Nova Vida: é unidade da Secretaria Municipal de Saúde (Prefeitura Municipal de Porto Alegre), que desde 1990 abriga e dá tratamento gratuito às pessoas portadoras de distúrbios psíquicos. Recebe pacientes de forma temporária, sem estabelecer tempo de permanência. O Portal da Secretaria Municipal da Saúde de Porto Alegre informa que esse serviço é pioneiro no Estado e no País no que se refere a residenciais terapêuticos, consolidando uma proposta de atenção à saúde mental substitutiva ao modelo manicomial. O Membro da Equipe Técnica nº 02 (2011) relata que entre muitas das atividades de terapia ocupacional oferecidas pela Nova Vida estão oficinas: de 68 culinária, atelier de arte, grupos de leitura e teatro. Trabalham na pensão três psicólogos, terapeuta ocupacional, enfermeira, nutricionista, onze técnicos de enfermagem, auxiliar de nutrição, duas cozinheiras, auxiliar de cozinha, três auxiliares de limpeza, dois estagiários da secretaria, porteiros e estagiários de psicologia. Esta pensão iniciou suas atividades no ano de 1990, quando recebeu 53 usuários provenientes da Clínica Pinel, de Porto Alegre, que havia se descredenciado do SUS. Com essa situação, os usuários não receberiam mais o atendimento pelo sistema público de saúde. A partir de uma mobilização de familiares, profissionais da saúde e políticos, foi possível encontrar um lugar para abrigar essas pessoas. Firmou-se um convênio entre Estado e Município, onde a administração ficou sob a responsabilidade da Secretaria de Saúde de Porto Alegre e o prédio foi cedido pelo Estado. Desde essa data, a Pensão passou por modificações tanto físicas como de funcionamento. O caráter de moradia tornou-se temporário e iniciou-se um trabalho efetivo de reabilitação e reinserção social dessas pessoas segundo Portal da Secretaria Municipal da Saúde de Porto Alegre (2011). O referido o Portal, quando consultado em 2011, informou que conta com três residenciais, com características específicas dividida em módulos. Um deles é a Casa de Transição que já era um recurso existente desde 1995 onde ficam usuários morando temporariamente com autonomia para autocuidado e cuidado com o ambiente e vestimentas. Faz suas compras e administra seu benefício assistencial. Recebe visitas da equipe itinerante uma vez por semana e sempre que necessita, além deste horário, estipulado para a itinerância, vai até a Pensão Nova Vida. Outro módulo é o Serviço Residencial Terapêutico Gomes Jardim, inaugurado em 2004, para usuários com maior autonomia. Eles próprios cuidam do ambiente, do preparo dos alimentos, das compras da semana, da lavagem de roupas, administram sua medicação e circulam pela cidade de forma autônoma. Nesse residencial há uma supervisão diária da equipe itinerante. O terceiro módulo é constituído de um Residencial onde ficam os usuários com menor grau de autonomia, sendo acompanhados nas atividades da vida diária, como idas ao banco, ao supermercado, à consultas médicas e odontológicas, de acordo com a demanda específica de cada um. São estimulados a desenvolver autonomia, visando ao processo de reabilitação e reinserção social. Em 2011 contava com 12 usuários e 69 uma equipe multidisciplinar 24 horas, durante os sete dias da semana. O Galpão está com sete associados encaminhados pela Pensão. [...] Eu vim da pensão Nova Vida (Paciente nº 02). 3 - Abrigo Bom Jesus: albergue administrado pela Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC), o Abrigo Municipal Bom Jesus promove atendimento e auxílio aos moradores de rua para reorganização pessoal e social. Há um associado procedente deste Abrigo. 4 - Oficina de Geração de Renda: são oficinas renda que ajudam na reabilitação dos pacientes com doenças metais inserindo-os novamente no mundo social. O Membro da Equipe Técnica nº 02 (2011) relata que a proposta atual de oficinas sugere estratégias que buscam inserção dos pacientes, a partir de métodos que capacitam os pacientes a criar, produzir e vender os produtos que desenvolvem. Além disso, as oficinas são criadas para que os mesmos possam transformar suas competências em fonte de renda. Tem um cunho social, sendo utilizada como ferramenta de capacitação de pacientes com ou sem benefícios, para que eles iniciem seu processo de crescimento e mobilidade social de forma prática e autônoma O Galpão tem três integrantes desta Oficina como associados. [...] Eu fui encaminhado pela geração de renda, e eles me enviaram aqui para o São Pedro e para o Galpão. (Paciente nº03) 5 - Abrigo Marlene: O Abrigo Marlene está localizado na Av. Getúlio Vargas, 40, em Porto Alegre, é o lar provisório de aproximadamente cem pessoas, sendo oito famílias completas. É mantido pela Prefeitura, tem o objetivo de recuperar e reintegrar os ex-moradores de rua, prepará-los para voltar à sociedade e a suas famílias. Segundo o Membro da Equipe Técnica nº 02 (2011) esta entidade, que existe desde 1995, oferece atendimento médico, serviço social e terapias ocupacionais aos usuários, além de segurança e monitoramento. Trata-se não de uma moradia permanente, mas de uma casa de passagem. Os moradores ficam no abrigo por um tempo suficiente para se reerguer. No geral, entre 90 e 120 dias. Atualmente o Galpão tem um associado encaminhado pelo abrigo. [...] encaminhou, do cais mental. Dra. [...]. E tava no abrigo Marlene [...] (Paciente nº 12) 70 6 - Cazon: é um Centro Abrigo Zona Norte, localizado na zona norte de Porto Alegre. O Blog Voluntário do Rio Grande do Sul (2011) informa que ele é uma das unidades da Fundação de Articulação e Desenvolvimento de Políticas para pessoas com de deficiência e altas habilidades no RS (FADERS) que atende a pessoas com deficiência mental e múltiplas deficiências. Recebe pessoas a partir de 18 anos oriundas de escolas especiais como a Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), Recanto da Alegria, Cristo Redentor, Escolas Municipais. O Cazon tem uma equipe técnica formada por setores de supervisoras, pedagogas, assistentes social, psicóloga. Possui diversas oficinas ocupacionais, bem como oficinas de produção que em parceria com algumas empresas oportuniza estes alunos desenvolver a importância do trabalho. O Galpão tem hoje um associado encaminhado pelo CAZON. (MEMBRO DA EQUIPE TÉCNICA Nº 02, 2011). 7 - Abrigo Dias da Cruz: está nas dependências do Instituto Espírita Dias da Cruz, na Avenida Azenha nº 366, esquina Avenida Ipiranga. A casa possui dois pavilhões que integram o Albergue Noturno, com capacidade total para atender até 100 pessoas/noite, oferece banho, roupas, calçados, jantar e café da manhã aos desabrigados. Alguns doentes mentais estão na condição de moradores de rua, por impossibilidade de retorno familiar, ou história de vida, fuga, muitos motivos são apresentados à Equipe Técnica do Galpão por ocasião da entrevista de apresentação, para trabalhar no Galpão de reciclagem. O Galpão tinha um associado encaminhado pelo Abrigo. (MEMBRO DA EQUIPE TÉCNICA Nº 01 E Nº 02, 2011). [...] Eu fiquei sabendo quando eu sai lá da clínica e a minha família. O albergue Dias da Cruz me encaminhou, lá na Farrapos [...] me informaram que tinha trabalho, na reciclagem [...] (Paciente nº 14). 8 - Instituto Psiquiátrico Forense: O Instituto Psiquiátrico Forense “Maurício Cardoso” (IPF) é um estabelecimento médico-penal da Rede Penitenciária do Estado do Rio Grande do Sul, integrante da estrutura orgânica da Superintendência dos Serviços Penitenciários (SUSEPE), da Secretaria de Justiça e Segurança. O IPF cumpre funções periciais e assistenciais, além de atividades como ensino e pesquisa. É o único local do Estado onde são realizados os laudos de avaliação de Responsabilidade Penal, para avaliar se há ou não doença mental em pessoas que tenham cometido delitos. Além disto, também é o órgão responsável 71 pela realização dos exames anuais de verificação da cessação de periculosidade, pelos quais se registra se o interno apresentou melhora em suas condições mentais que seja suficiente para permitir o retorno ao convívio social. É a Instituição na qual são realizados todos os laudos de avaliação de dependência toxicológica do Estado. Do ponto de vista assistencial, o Membro da Equipe Técnica nº 01 (2011) relata que o IPF é o principal local para a internação, o tratamento e a ressocialização das pessoas que praticaram delitos sob influência de doença mental, e que receberam Medidas de Segurança, decretadas pela Justiça, através de internações ou tratamento ambulatorial. O IPF acolhe a todos os indivíduos sentenciados com Medidas de Segurança de internação no Estado, bem como a maioria dos que recebem Medidas de Segurança Ambulatoriais, presos com alta progressiva (AP) que podem fazer alguma atividade fora do presídio. O Galpão está com três associados de origem do IPF com Alta Progressiva. Esta parceria iniciou-se no ano de 2011. (Membro da Equipe Técnica nº 01 (2011). [...] Instituto Psiquiátrico Forense. Estou em alta progressiva. Eu sou paciente ali do IPF, daí a TO, Dna. [...] do IPF falou com seu [...] (Membro da Equipe Técnica nº 01) conseguiu. (Paciente nº 15. Alta Progressiva) Com a descrição dos locais de origem de encaminhamento dos associados do Galpão contata-se a sua diversidade, pois o Galpão atende um grupo mesclado de pessoas com doenças mentais. O doente mental se encontra no processo de reabilitação e de inclusão permanente. Existem inúmeras opções para os doentes mentais, após um período de internação, estes locais servem de casa de passagem, onde oferecem um acolhimento para quem não mais quer ou não tem uma família responsável pelo doente mental. Na maioria, os entrevistados contam com sua própria sorte e responsabilidade, não mais existindo o vínculo familiar. Por esta razão, a existência desses locais é muito importante, pois se torna uma opção, mesmo no momento da reabilitação, onde ocorre um evento psiquiátrico, de acolhimento destas pessoas. [...] Aquele ditado popular de que de louco todo mundo tem um pouco existe um imaginário social de desqualificação das pessoas no momento que ela tem algum transtorno psiquiátrico, tanto que eu pessoalmente não costumo alterar a minha ação técnica pela questão zoonografica (sic.), que remete a questão de equilíbrio por um manual técnico o diagnostico e tem pessoas que 72 até acham que eu não saberia dizer o que o sujeito tem [...] estão enganados, eu tenho total compressão zoonografica (sic.) mas eu utilizo ela para denominar as essas nem as situação senão a gente acaba reforçando esta questão da desqualificação. Se fosse efetivamente uma analise das pessoas normais que não passaram por uma avaliação psicológica ou psiquiátrica, certamente a grande maiores das pessoas ditas normais teriam problemas emocionais menores ou maiores então na pratica isto não tem uma diferença e a gente acabou migrando estas vagas que eram do pessoal da comunidade para as pessoas do hospital por uma necessidade mesmo estas pessoas estão em fila de espera. A gente acha que é importante privilegiar no bom sentido estas pessoas. É uma necessidade. (Membro da Equipe Técnica nº 01) Seu tratamento passa por uma temporalidade mista, no sentido de conseguir manter sua rotina de vida e de trabalho, mesmo que medicado. Muitas vezes isto não acontece, e os episódios psiquiátricos retornam por motivos, até bem corriqueiros. Podendo desencadear um surto ou um retorno à crise. Estas crises muitas vezes podem provocar a saída do Galpão, como mostra o livro de ocorrências diárias do mesmo. Ocorrendo então uma evasão e rodízio bem significativo dos associados. O panorama geral do Galpão no ano de 2011 era bem diferente do que foi nos anos anteriores, porque hoje ele contava com cerca cinquenta associados. Com dez associados interditados (Curatela) e cinco são moradores da comunidade, sendo da Vila São Pedro, ainda trazendo o perfil original do Galpão. [...] Este relacionamento com as pessoas consideradas ditas normais e com os pacientes do hospital na prática que a gente viu que fora aquele discurso que todo mundo alimenta de integração inclusão e de por ai vai a gente observa que de tanto de uma parte do grupo como da outra existe uma resistência. As pessoas têm uma tendência a se enxergar por exemplos, as pessoas de se enxergar como iguais. (Membro da Equipe Técnica nº 01). 73 6 LOCAIS DE TRABALHO NO COTIDIANO DO GALPÃO O Galpão de reciclagem abriga um mundo específico de tarefas diárias dentro de um cotidiano e de peculiaridades bem variado pelos seus componentes. É um grupo composto por associados, que no seu conjunto efetuam tarefas diárias pertinentes à triagem desses materiais recicláveis. A triagem desses passa pela transformação, através da limpeza, organização e separação por tipos de materiais recicláveis já pré-selecionados na Coleta Seletiva. Eles chegam à Associação dos Trabalhadores da Unidade de Triagem do Hospital São Pedro onde são pré-selecionados e oriundos de parceiros doadores que acolheram este Galpão como unidade de triagem para seus materiais recicláveis. O tipo de material enviado pelos parceiros constituído principalmente de papel, plásticos (garrafas), papelão, embalagens, chega ao Galpão em boa qualidade. [...] Então é uma unidade de triagem diferenciada e o aspecto do tipo de material, é totalmente diferenciado das outras unidades tem que ser mais limpo, não vou dizer que vem tudo separado o aspecto é de mais limpo vou dizer o porquê esta dentro da área do Hospital, está lidando com pacientes o Galpão tem que estar sempre limpo,com aspecto organizado bem limpinho,quer ou não queira é uma reciclagem especial, ela é bem diferenciada de todas as outras. (Morador nº 03) Já que este material é pré-selecionado, limpo, quase sem contaminação, é de fácil triagem para os associados. Existe o material sigiloso, que após ser picotado ou fracionado, torna-se papel comum, podendo ir para reciclagem. Geralmente este material sigiloso é oriundo de processos, ou documentos que não podem ser publicados e nem lidos. [...] O nosso material sigiloso é o nosso forte do Galpão, sendo uma reciclagem especial a gente tem dois picotadores de material sigilosos duas prensas. O material sigiloso é um material que consta dados pessoais, então não pode ir direto para bombona, depois de separado, ele tem que ser fragmentado e picotado para deixar de ser um material sigiloso. E depois ser fardado. A gente assina uma responsabilidade, também em destinar este material corretamente fragmentado. (Morador nº03) O Galpão ATUT oferece este tipo de serviço, mas também se torna responsável pelo fracionamento, junto ao emissor do material, através de um 74 convênio firmado entre as partes Galpão e parceiro. Como ele fica dentro das instalações do Hospital São Pedro, e é de jurisdição estadual, muitos parceiros doadores de materiais recicláveis são do próprio governo estadual como: Banrisul, secretarias de estado, PROCERGS; órgãos federais como a UFRGS, Polícia Rodoviária Federal e outros como Conselho Regional de Enfermagem (COREN), Conselho Regional de Odontologia (CRO), Rainha das Noivas, Sindicato CEPERS, AJURIS, SINDICAIXA, CGTEE, Maquimotor, Banco Santander, TIM, Saraiva, CREA, e alguns escritórios de pessoas físicas. Este Galpão trabalha com o sistema de parcerias doadoras de material reciclável por estar dentro de um local destinado ao atendimento na área da saúde. Não poderia estar recebendo um material oriundo da coleta seletiva do município, como os demais galpões credenciados pelo Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU, 2011). Esse recolhe todo o resíduo da coleta seletiva do município e divide entre as dezoito unidades de triagem. Para lá também é enviado o material de expurgo das unidades de triagem, que é algum material reciclável contaminado por matéria orgânica, posteriormente enviada para a coleta domiciliar encaminhado ao aterro sanitário. Além do credenciamento junto ao DMLU, o Galpão recebe uma quantia mensal que agrega às suas despesas. Este valor mensal é de R$ 2.500,00. Desde o início do credenciamento até os dias de hoje o valor não foi reajustado. [...] Eu faço a parte administrativa do galpão. Ajudo eles a coordenar os trabalhos, mas minha principal tarefa é a parte financeira. Tudo que tiver que comprar, tudo que tiver que dividir de dinheiro. Tudo de dinheiro passa pelas minhas mãos. (Membro da Equipe Técnica nº03) Para dar continuidade ao sistema de doações de parceiros, o Galpão possui transporte próprio constituído de uma Kombi, que busca no local de origem uma quantidade mínima 100 litros em sacos de materiais recicláveis. [...] Boas é todos os dias, a gente agradece a Deus que foi mais um dia de trabalho, de ruim não tenho nada. Kombi nova para mim, porque se o carro não anda, eu não posso fazer as coletas, e ou se ele tá arrumando também esse novo [Kombi] gente sabe que não vai ter problema. E que cada vez que estraga, sai dinheiro e sai o dinheiro daqui é bom para toda ATUT. (Morador nº 01) 75 O tipo de material reciclável recebido também passa por um período de avaliação no sentido de classificação em boas condições, sem muito contingente orgânico, o que inviabilizaria sua venda como um reciclável. [...] Na unidade de triagem especial temos várias parcerias, o material tem que vir mais limpo, eu converso com os parceiros quando o material não está muito bom, está sujo, contaminado. Eu tenho a responsabilidade por telefone ou pessoalmente dou um prazo de 15 dias a um mês para melhorar o material. Uma vez, que quando se faz o convênio eles já sabem para onde estão enviando o material. Mas uns 80% melhora. (Morador nº 03) O Galpão possui muitas formas de trabalho. Cada associado opera um tipo de tarefa, sendo esta de acordo com sua capacidade de trabalho e condição mental. Essa é uma variante, pois para um doente mental em reabilitação, um novo dia passa a ser uma novidade, uma nova oportunidade, é sempre diferente. [...] A gente nota com o passar do tempo eles vão se engajando no trabalho eles também vão mudando a expressão do rosto, as roupas as atitudes. Então eu acredito que isto venha melhorar a pessoa através do trabalho, recicla a pessoa, melhora a vida deles, do associado. (Membro da Equipe Técnica nº 02) Assim, as tarefas são delegadas com o rodízio de trabalhadores: um dia na mesa de triagem, outro nos plásticos, ou em outras atividades do cotidiano do grupo. Mas o grupo aceita bem o rodízio e também a condição especial de algum colega não estar muito bem, em relação ao estado de saúde mental. [...] Meio dia pela manhã, eu limpo os banheiros masculino e depois o feminino. Depois eu venho para mesa, oriento meus colegas que não sabem muito, na mesa a gente organiza os papeis, branco, colorido, misto papelão. Separação de papel. (Paciente nº 07) O Galpão está nas dependências do Hospital São Pedro, dentro de um pavilhão psiquiátrico em desuso. É um grande salão dividido em duas partes. Numa dela está a estrutura logística do Galpão. Na outra metade funcionam as oficinas de bordado, costura e fuxico. Esta estrutura física é pouco acolhedora e de pouco conforto. No verão é muito quente, pois não possui um bom sistema de ventilação e o teto é de telhas de zinco, muito avariadas. No inverno torna-se insalubre pela condição de um piso frio e sem conforto. A iluminação está deficitária. Em 76 decorrência da quantidade de furos no telhado, a chuva avaria o sistema elétrico do local (holofotes). Mesmo assim, durante as entrevistas percebeu-se que os associados convivem bem dentro deste local pouco adequado, talvez porque já tenham experimentado uma pior condição, de não ter outro local de trabalho, ou mesmo uma simples oportunidade. [...] É importante é o serviço que eu consegui, um emprego, importante que eu conheci a minha esposa aqui dentro do Galpão. Eu trabalho de manhã e à tarde. (Paciente nº 03) Mesmo trabalhando na reciclagem, alguns associados têm um preconceito em relação ao objeto material reciclável, que muitos ainda denominam como lixo. [...] Eu gosto mais ou menos, só pelo trabalho, só pelo que eu ganho. (Paciente nº 06) Mas muitos dos associados não trazem, junto de si, o preconceito, até esboçam uma situação de estarem ali prestando um serviço à sociedade e como beneficiadores ou recicladores do meio ambiente. [...] Eu me sinto muito bem em limpar o meio ambiente vamos separar o lixo, a saúde, né todo mundo reclama que tem que separar, mas daí a natureza fica suja o nosso lixo é bem bom não tem cheiro. Eu já fui em outros galpões é um fedor, as pessoas não separam direito. Sua vida melhorou ou não desde que você veio trabalhar no galpão? Sim muito. Qual o lugar que vai dar comida para nós? (Paciente nº 04) Eles traduzem uma pequena aula de educação ambiental quando fazem a triagem dos materiais recicláveis e de quanto à sociedade deve melhorar sua coleta seletiva. Não colocando estes materiais no Arroio Dilúvio, mostra assim uma consciência ambiental. Para alguns associados o Galpão é apenas um local de trabalho possível, diante da sua condição mental, nada mais. Assim o Galpão é uma mescla de situações e de opções para essas pessoas apresentando-se como uma possibilidade de reabilitação aliada a uma opção de geração de renda. [...] Porque é uma reciclagem especial porque a maioria dos associados são pessoas especiais, são pessoas que têm seus diagnósticos diferenciados, são pessoas que vivem abaixo de medicação. São pessoas que fazem terapia ali, e também tão fazendo uma terapia. E tem esta equipe técnica que acompanha, muito querida desde o início. Então é uma unidade de triagem 77 diferenciada e o aspecto do tipo de material, é totalmente diferenciado das outras unidades. (Morador nº 04) Denominamos lixo a uma grande diversidade de resíduos sólidos de diferentes procedências, dentre eles o resíduo sólido urbano gerado em nossas residências. A taxa de geração de resíduos sólidos urbanos está relacionada aos hábitos de consumo de cada cultura. Nota-se uma correlação estreita entre a produção de lixo e o poder econômico de uma dada população. O lixo faz parte da história do homem, já que a sua produção é inevitável. O lixo é definido de acordo com a conveniência e preferência de cada um. Na Idade Média o lixo acumulava-se pelas ruas e imediações das cidades, provocando sérias epidemias e causando a morte de milhões de pessoas. A partir da Revolução Industrial, 1698, iniciou-se o processo de urbanização provocando um êxodo do homem, do campo para as cidades. Observou-se assim um vertiginoso crescimento populacional, favorecido também pelo avanço da Medicina e consequente aumento da expectativa de vida. Assim observa-se os impactos ambientais, que passaram a ter um grau de magnitude alto, devido aos mais diversos tipos de poluição, dentre eles a poluição gerada pelo lixo. O fato é que o lixo passou a ser encarado como um problema, o qual deveria ser combatido e escondido da população. Uma solução para o lixo, naquele momento, não foi encarada como algo importante, pois bastava simplesmente afastá-lo, jogando-o em áreas mais distantes dos centros urbanos, assim denominados lixões (VANZELLOTTI, 2011). Nos dias atuais, com a maioria das pessoas vivendo nas cidades, e com o avanço mundial da indústria provocando mudanças nos hábitos de consumo da população, vem-se gerando um lixo diferente em quantidade e diversidade. Até mesmo nas zonas rurais encontram-se frascos e sacos plásticos acumulando-se, devido às formas inadequadas de descarte. Há três décadas a produção de resíduos era de algumas dezenas de quilos por habitante/ano; mas hoje, vemos países altamente industrializados como os Estados Unidos produzirem mais de 700 kg/hab./ano. No Brasil, o valor médio verificado nas cidades mais populosas é da ordem de 180 kg/hab./ano. A produção elevada de lixo norte americano deve-se ao alto grau de industrialização e aos bens de consumo descartáveis produzidos e amplamente utilizados pela maioria da população, como consumismo. 78 Mas no Brasil, a geração do lixo ainda é, em sua maioria, de procedência orgânica. Porém, nos últimos anos vem se incorporando um novo modo de consumo igual aos países ricos. Isso tem levado a uma intensificação do uso de produtos descartáveis. Sem dúvida, associado ao crescimento populacional à intensa urbanização e às mudanças de consumo que levam a um novo padrão do lixo brasileiro. Essa modernidade não está sendo acompanhada das medidas necessárias para dar ao lixo gerado, um saneamento adequado. Vanzellotti (2011) diz que os resíduos gerados em áreas urbanas, em estações de tratamento de esgoto são um grande problema, tanto pela quantidade quanto pela toxicidade de tais rejeitos. A solução para tal questão não depende apenas de atitudes governamentais ou de decisões de empresas. Deve ser fruto também do empenho de cada cidadão. Esse tem o poder de recusar produtos potencialmente impactantes, participar de organizações não governamentais e segregar resíduos dentro de casa, facilitando assim processos de reciclagem. O conhecimento da questão do lixo é uma maneira de se iniciar um ciclo de decisões e atitudes que possam resultar em uma efetiva melhoria de nossa qualidade ambiental e de vida, dando um destino adequado ao lixo (VANZELLOTTI, 2011). Na Associação o trabalho de triagem está ligado à atividade terapêutica, que deu origem à formação desta. Mesmo dentro de regras de horário, tarefas, atividades, postos de trabalho, de revezamento nas mesas, ainda assim existe a possibilidade de flexibilização da rotina, com momentos lúdicos, fumar um cigarro ou dar uma espairecida. Os associados que necessitem sair para consultas médicas, são liberados. Todos na ATUT sabem das necessidades e limitações de cada um e existe o respeito entre si. Alguns dos associados, os mais remissivos, que têm dificuldades de concentração ou que ainda necessitem de um olhar mais específico da Equipe Técnica, ficam em pequenos grupos, atuando numa tarefa mais simples, também acompanhados por outro associado. Alguns só comparecem à Associação pelo turno da tarde, porque é o horário em que conseguem efetivamente atuar nela. Como este público é muito variado em relação às doenças que trazem como bagagem de vida assim quando um dia que eles estão mais sonolentos, mas avoados, menos interessados, não são cobrados. Aqueles que precisam faltar ou resolver problemas particulares, sejam usuários do 79 Hospital ou Moradores da Comunidade, podem fazê-lo, desde que tragam atestado ou compensem a falta em outro momento. Essas questões são levadas a um integrante da Equipe Técnica que toma a decisão em favor do associado solicitante. [...] Sim, muito, mas eles me mandam andar na linha. (Paciente nº 05) A composição do Galpão como espaço físico segue a um modelo proposto às Unidades de triagem credenciadas pelo DMLU, com alguma adaptação necessária ao espaço disponível. O Galpão está em funcionamento desde 2002 e nunca foi ampliado ou mesmo sofreu alguma adaptação quanto a melhorias de maquinários, ocorreram na infraestrutura poucas reformas. Localizamos a entrada do Galpão pela porta e por onde entram os materiais recicláveis. Na entrada encontra-se um pátio que abriga a kombi, os fardos já prontos e acondicionados, cobertos por um plástico para proteção da chuva. O caminhão de recolhimento leva os fardos e no mesmo local circulam os associados no momento de lazer. A pausa do café da manhã é às nove e meia, com duração de vinte minutos e o café da tarde, às quinze horas, com a mesma duração. A ATUT oferece o café preto, cada um traz o seu lanche e alguns trazem leite para misturar ao café. O local foi mudado no ano de 2011. O cafezinho fica na parte onde acontecem as oficinas terapêuticas de costura e bordados, no Galpão. Possui uma pia, e um balcão. No momento do café acontecem conversas, rodinhas, mas o hábito de fumar é fora do Galpão. No pátio circulam alguns moradores do próprio Hospital, que ficam pedindo um cigarro, catando algum material pelo chão, mas não entram dentro do Galpão. Também passam por ali visitantes que chegam para conhecer a ATUT e parceiros que vêm entregar pessoalmente o material reciclável. No lado direito fica a entrada que, atualmente abriga um depósito de material a ser triado do tipo sigiloso, que necessita ter um controle de manejo. Antigamente esse local abrigava a cozinha dos associados e área de convivência, mas foi transformado em mais um local de depósito de material reciclável. Ao lado, da nova cozinha existe um espaço que serve para encontros, reuniões, palestras dos associados. Junto a este local há mais uma mesa de triagem. Na sala onde é depositado o material reciclável sigiloso, fica localizado o Relógio Ponto. Foi um pedido dos associados da Comunidade, a fim de evitar 80 discussões em função dos atrasos e faltas, minimizando as injustiças entre eles. Todos associados têm a obrigação de bater o relógio-ponto e assim computar as horas trabalhadas. A presença do relógio e a obrigatoriedade fazem parte do sistema reabilitador, dando ao indivíduo uma responsabilidade no seu cotidiano. O relógio é digital, adquirido a mais ou menos um ano. Ocupa lugar de destaque e visibilidade na entrada da sala, onde encontra-se o mural de informações da Associação. Nesse mural encontram-se informações para os associados, de caráter institucional do Hospital, da Equipe Técnica, informações sobre datas de aniversários e alguma notificação de interesse deles. Ao lado da ex-cozinha, fica o escritório da Coordenação, lugar ocupado pelos seus integrantes, composta por dois associados, que auxiliam os demais e orientam as atividades do dia-a-dia do Galpão. A coordenadora do Galpão cuida mais dos processos administrativos, contato com os parceiros, venda de materiais, lista de revezamento de trabalho aos sábados, lista de almoço, lista do pessoal que fica para trabalhar no turno da tarde. Ela é escolhida por eleição a cada dois anos, podendo ser reconduzida. Trata-se de uma moradora da Comunidade e já esteve por diversas vezes neste cargo, demonstrando muito conhecimento sobre o andamento do Galpão e de suas singularidades e peculiaridades. Conta ainda que apesar das muitas dificuldades do cotidiano, ela gosta muito de estar ali e também cumprir a tarefa de coordenar o Galpão. (WEBER, 1995). A vice-coordenadora não foi eleita, mas escolhida pela Coordenadora em exercício, para auxiliar na parte das atividades. A vice-coordenadora (extraoficial), também chamada de delegada pelos demais associados, fica circulando entre eles para cooperar, ajudar na tarefa dos mais remissivos e fazendo a atividade de triagem, quando necessário. No local do escritório da Coordenação ficava o pessoal da Equipe Técnica, junto com ela. Mas a cerca de um ano e meio, foi reformado um novo espaço para Equipe Técnica, localizado ao lado no Galpão, no prédio onde ficam as salas dos outros especialistas, responsáveis pelas atividades terapêuticas da costura e da lavagem dos carros. Neste mesmo espaço encontramos os banheiros de uso exclusivo dos funcionários do Hospital, almoxarifado e a sala que abriga o Museu da ATUT, que também é uma sala de recepção a pessoas convidadas. O Museu foi organizado pelo Psicólogo e contém materiais raros e antigos encontrados em meio 81 aos resíduos que chegam ao Galpão. É um espaço que mostra a realidade da sociedade, pois demonstra o olhar que essa tem para com seus objetos, no sentido de descartar o que não serve, ignorando a etapa de reaproveitamento, ou de doação. A sociedade tem uma enorme necessidade de descartar tudo que não quer mais ou que está lhe incomodando, refletindo assim o pensamento capitalista e consumista (MORIN, 1995). Na parte da frente do Galpão encontram as gaiolas que recebem o material enviado pelos parceiros doadores e que não tem caráter sigiloso. Esse material chega de Kombi e é colocado pelos associados nas gaiolas. Estão acondicionados em saco de lixo. À frente das gaiolas é para o lado do pátio, onde fica o trânsito de pessoas, da Kombi, de entrada e saída do Galpão. Do lado de dentro das gaiolas, vamos encontrar a mesa de triagem, onde os associados ficam de costas, abrindo os sacos de lixo. Num primeiro momento iniciam a triagem dos materiais e acondicionando em bombonas. O acondicionamento é feito por tipo de material: papel branco; pardo; misto e mistão; jornais; revistas; latinhas e o plástico. A separação continua no sentido de verificar a condição do material recebido, que posteriormente terá um bom valor agregado no momento da venda. De frente para a mesa principal encontra-se mais uma mesa de triagem, onde os associados separam outro material, mas de origem papel. O plástico já separado na mesa de triagem vai para a parte de trás do Galpão. Nesse local ele recebe um tratamento e limpeza, caso seja necessário e também é separado por tipo e categoria de plásticos: em pet; embalagem de pote de manteiga; plástico mole; plástico duro etc. São vários tipos, cada um com seu valor de mercado. As tampinhas das garrafas também são separadas para venda. Ao lado da mesa do plástico e à frente, ficam as gaiolas onde os plásticos que foram triados. Os que não foram, ficam armazenados. À direita, dando um contorno de corredor, encontram-se gaiolas com material de sucata, latinhas, alumínio, e outros do gênero. Os vidros são armazenados ao lado da entrada principal. Esse tipo de material deverá passar pelo fracionamento (quebrado). Por este motivo e pela origem dos associados, o Galpão não tem muito interesse na recepção do material vidro e também pelo pouco valor agregado no momento da venda para reciclagem. Na parte central ficam outras grandes gaiolas, que acabam dividindo-o em dois espaços. Nestas gaiolas ficam os papéis palha que passaram pela picotadeira, 82 maquina que faz a transformação do material sigiloso em material comum reciclável, pois foi fracionado. [...] Gosto, gosto mesmo. Mesmo com tudo que aconteceu comigo, me acidentei ali na picotadeira. O [...] e o [...] (Membro da Equipe Técnica nº 02 e Membro da Equipe Técnica nº 01) não queriam mais que eu ficasse ali, mas como tá faltando gente eu fui, mesmo sabendo dos riscos. E do que aconteceu comigo. Não fiquei com medo, nada. (Morador nº 02) Atrás dessas gaiolas fica uma das prensas e a picotadeira que faz um barulho ensurdecedor quando está ligada. Ela é uma máquina antiga, mas de grande valor para o Galpão ATUT. Esse Galpão é a única Unidade de Triagem que oferece, aos seus parceiros doadores, esse tipo de serviço, que é muito valorizado pelas instituições públicas e mesmo nas privadas no sentido de descarte de documentos sigilosos. O fracionamento do material sigiloso, muitas vezes, é acompanhado pelo Órgão doador responsável pelo material, dado a importância do documento. Muitos desses são materiais do Poder Judiciário, Fazenda, dissertações, notas fiscais, fotografias, material que trás a origem como endereço e que por esta razão deve ter o máximo rigor no descarte. Ao lado da picotadeira ficam os banheiros, que foram reformados para o uso dos associados (masculino e feminino), trazendo conforto aos seus usuários. Na parte de trás do Galpão fica uma das prensas. Ao lado esquerdo das gaiolas centrais fica a outra prensa. Ainda nesse mesmo local fica a gaiola onde são armazenadas as caixas de papelão utilizadas para embalar os fardos de material. Nas proximidades da saída secundária fica o elevador usado para os fardos de material, que pesam em torno de trezentos quilos, até os caminhões que vêm buscálos no pátio. Há cerca de dois anos atrás, os fardos eram carregados manualmente, exigindo a presença da maioria dos homens associados para fazê-lo, o que representava uma dificuldade, pois podia acarretar acidente, ou mesmo causar problemas de saúde para o trabalhador. A balança também fica posicionada próximo da prensa, porque logo depois de prensado o fardo é pesado. Esses fardos, depois de pesados, ficam esperando a venda, armazenados junto à parede lateral do Galpão, atrás da prensa. Normalmente os lugares (posição) dos associados dentro do Galpão são fixos, mais por algum motivo de demanda acumulada de material para ser triado, as posições são trocadas, para garantir o despacho rápido dos materiais. Os sábados 83 são utilizados para mutirão e ou plantão para diminuir a quantidade de material reciclável cumulado dentro do Galpão ou nas gaiolas. É organizada uma escala de trabalho, com a disponibilidade e vontade do associado. Os turnos de trabalho são divididos entre manhã e tarde. A maioria dos associados trabalha mais no turno da manhã. Os que têm condições físicas para trabalhar nos dois turnos, assim o fazem. As pessoas que tem algum compromisso em relação à terapêutica, como o clube da amizade, oficinas de criatividade, saem sem prejuízo. Alguns associados que só fazem o turno da manhã, pois apresentam um estado bem remissivo de saúde, demonstram a vontade de trabalhar os dois turnos, com a intenção de terminar a tarefa proposta durante o turno da manhã. [...] É importante. Olha, eu gosto de ficar quieta, fazendo meu trabalho quieta, só prestando atenção para aquilo que eu to fazendo. Assim eu fico feliz. Eu só trabalho de manhã, mas eu gostaria de trabalhar um pouco de tarde, ajudar um pouco de tarde o que eu não consegui terminar de manhã eu faço à tarde. (Paciente nº16) Alguns associados, só conseguem ter condições de fazer tarefas pela parte da tarde, pela quantidade de medicação e o grau de remissão. Todos que trabalham os dois turnos e são pacientes e doentes mentais recebem o almoço ofertado pelo Hospital, numa sala a parte do refeitório utilizado pelos funcionários do Hospital. Os Moradores da Comunidade que são associados fazem os dois turnos de trabalho. O valor da remuneração mensal é de acordo com as horas trabalhadas de cada associado. É variável pela quantidade total de material enfardado para reciclagem, o valor de cada tipo de material, em relação à bolsa de recicláveis sob o binômio quantidade de material reciclável e bolsa de valores. O valor para cada tipo de material reciclável é variável, dependendo da oferta e demanda; cotação do dólar, relação com a bolsa de valores, através da Comodittes. Atualmente o valor para tipos mais comuns que o Galpão oferece com a triagem é: Quadro nº 1 - Tipo de material reciclável - papel TIPO Branco (escrito) Celulose AP Branco Apara misto (papel colorido) Mistão (capa de caderno) PAPEL VALOR /Kg 0,46/kg 0,85/kg 0,20/kg 0,15/kg 84 Jornal Tetra Pak Papelão 1 (marrom) Papelão 2 (colorido) Fonte: Coordenação do Galpão, outubro 2012 0,19/kg 0,15/kg 0,34/Kg 0,23/Kg Quadro nº 2 - Tipo de material reciclável - plástico TIPO Pet branco (plástico transparente) Pet verde: Pad branco (materiais de limpeza) PLÁSTICO VALOR 1,20/kg 0,80/kg 0,80/kg Pad colorido (embalagens coloridas em geral) Mole transparente (saco plástico transparente) Misto Mole (sacola de mercado): 0,80/kg 0,40/kG Tampinha plástica: PS (copinho de café): PP (garrafas de água mineral): 0,50/kg 0,30/kg 1,15/kg 0,70/kg Fonte: Coordenação do Galpão outubro 2012 Quadro nº 3 - Tipo de material reciclável alumínio – sucatas - isopor ALUMÍNIO-SUCATAS-ISOPOR TIPO Latinhas de alumínio Sucatas em geral Isopor Fonte: Coordenação do Galpão outubro 2012 VALOR 2,40/kg 0,13/kg 0,10/kg 85 7 ORGANOGRAMA DO GALPÃO Esse Galpão de reciclagem fica nas dependências do Hospital Psiquiátrico São Pedro. Na sua formação há uma Equipe Técnica formada por um Psicólogo, uma Terapeuta Ocupacional e uma Assessora Administrativo-financeira. A Equipe Técnica se conecta com a Coordenação do Galpão, com todos os associados e com parceiros doadores. Parte da Equipe Técnica, juntamente com a Coordenação, supervisionam as atividades e o cotidiano do Galpão. Os associados mantêm uma estreita comunicação com a Equipe Técnica em relação a atitudes e solicitações pessoais. Todos seguem uma regra geral, indistintamente, mesmo sendo um associado paciente ou um associado morador da comunidade, em relação às regras de conduta ou de trabalho, conforme organograma a seguir. Fonte: a Autora A importância da Equipe Técnica para a existência do Projeto do Galpão é um dos pilares da Associação. Ela dá a orientação técnica do ponto de vista 86 emocional e também da distribuição de tarefas ao grupo. Indica à Coordenação do Galpão quais caminhos e soluções possíveis aos problemas que se apresentam no cotidiano de trabalho. Os entrevistados foram unânimes em dizer, falar ou expressar seus sentimentos de agradecimento a toda Equipe Técnica do Galpão. De uma forma ou de outra, as expressões surgiram no sentido da Equipe Técnica ser um guarda-chuva que ao mesmo tempo orienta o cotidiano dos trabalhos deles e dá o apoio emocional necessário durante a reablitação. Nas palavras dos entrevistados nota-se a dedicação da Equipe Técnica ao projeto de criação do Galpão. [...] Claro, isso tem que ser às vezes a gente fica lentinha, daí ela chama e faz tempo que eu não tenho as crises eu acho que melhorei. (Paciente nº 01) [...] Falando com coração a [...] e [...] (membro da Equipe Técnica nº 02 e o membro da Equipe Técnica nº 01) que fizeram o projeto, o [...] (membro da Equipe Técnica nº 03) veio depois. Se mudar acho que não vai ser bom. São profissionais ótimos, se um deles sair, vai sair um pedaço da reciclagem. São muito, muito, muito importantes como profissionais, amigos, eles são amigos da gente. (Morador nº 01) [...] Eu vou ser bem sincera, a importância da equipe técnica não só no trabalho como na minha vida foi muito interessante porque esta reciclagem iniciou com esta Equipe técnica em 2000. Quando eu vim ela já existia, antes era uma oficina terapêutica, quando eu vim em 2001, foram eles que iniciaram com dois pacientes, eles buscavam material pelo hospital, lá fora, perto na Bento, traziam de casa. Quando eu cheguei tinha 6 pacientes trabalhando com a Equipe Técnica, no início o meu relato da dificuldade é um relato muito importante não só para mim como para o grupo todo. Eles são os nossos cuidadores e não fosse pela Equipe Técnica não existiria a reciclagem que existe hoje eu estou muito emocionada. Hoje eu me deito todos os dias e me levanto, tomo meu banho venho pro trabalho e tenho meu trabalho! Muito importante. (Morador nº 03) [...] Acho muito importante, mas às vezes nem a Equipe Técnica consegue resolver, ainda tem muita coisa para melhorar aqui dentro da reciclagem. Por exemplo: as pessoas cuidarem dos outros, ficarem xeretando a vida do outro, já houve ocasiões de provocações de colegas, isto ai é uma coisa que tem que mudar ainda, tem que melhorar um pouco. Pode ser melhor, só ter vontade, que muitas vezes não tem. Já falei para [...] (membro da Equipe Técnica nº 02) que tem muita pouca gente nas gaiolas e precisa mais. Tem mais gente no sigiloso que nas gaiolas. Tem que alterando uma coisa, tirar do sigiloso e botar nas gaiolas. Chega material toda hora. Uma coisa legal é pegar todo mundo junto. Parar um pouco com a conversa. O Galpão tem seu lado negativo, mas tem seu lado positivo. (Paciente nº 17) [...] Eu acho muito importante. Eles dão muita força, se não estivessem, a gente não saia. Eles são um porto firme entendeu? Vamos lá, vocês conseguem para mim não são pacientes, vocês são pessoas normais isto incentiva. Acho muito bom. (Paciente nº 04) [...] Se não fosse a Equipe Técnica quem iria ser responsável pelo Galpão, nem existiria. (Paciente nº 10) 87 [...] Sim, eles são. Sim sem eles este Galpão fica por conta, não anda para frente. (Paciente nº13) No Galpão encontramos alguns pacientes muito remissivos, com pouca compreensão, mesmo assim conseguem executar as atividades propostas. Segue a fala de um paciente remissivo, que encontrou nas atividades, sua razão de viver. [...] É importante. Olha, eu gosto de ficar quieta, fazendo meu trabalho quieta, só prestando atenção para aquilo que eu to fazendo. Assim eu fico feliz. Eu só trabalho de manhã, mas eu gostaria de trabalhar um pouco de tarde, ajudar um pouco de tarde o que eu não consegui terminar de manhã eu faço à tarde. (Paciente nº 16) Os relatos convergem, num só pensamento, sobre a existência da Equipe Técnica para o Galpão quanto a importância dela para a própria organização e a sua existência. A Equipe Técnica da Associação, integrada pelo Psicólogo e Terapeuta Ocupacional, foi a idealizadora e a fundadora da Associação em 2001. Antes disso, coordenava a Oficina Terapêutica de reciclagem. Em 2002, a contadora juntou-se à Equipe Técnica nas atividades administrativas e financeiras do Galpão. Esta Equipe minimiza os conflitos interpessoais e se preocupa em mostrar aos associados, a importância do crescimento da ATUT em termos de geração de renda e integração dos mesmos. Ao intervir nas reuniões, por exemplo, ela mostra as possibilidades de entendimento entre os associados, diminuindo as fraquezas já existentes e as ameaças, ressaltando as oportunidades e forças deste grupo. Os associados esboçaram seus sentimentos de respeito, de gratidão e de afeto pelos membros dessa Equipe. São especialistas que reforçam o potencial do coletivo de trabalho. Se não acreditassem nisso, não teriam levado as atividades adiante, apesar dos momentos turbulentos, que são relatados por eles mesmos e por alguns associados mais antigos. Sendo assim, apesar de ser uma organização em forma de Associação, onde não existe um dono, um patrão, foi possível identificar as relações hierárquicas no contexto organizacional. 88 A Equipe Técnica desempenha o papel de referência e de tomada de decisões que dizem respeito à ATUT quando, por meio das reuniões, os associados não chegam a uma decisão concreta e coerente, como demonstrado acima. A Equipe exerce a função de poder maior, apesar de não haver decisões individuais e isoladas. Os associados se dirigem a ela para pedir auxílio, resolver determinados problemas. Além dela, há uma referência mais direta nesta hierarquia constituído da Coordenação e da Vice-coordenação do Galpão. Por estarem mais próximos dos associados, trabalhando diretamente com eles, servem de apoio às questões mais ordinárias, relacionadas ao trabalho, às funções, ao apoio para atividades extras. Isso porque nem sempre há um membro da Equipe Técnica à disposição, como no período da tarde e aos sábados, por exemplo. É para isso que existe a Coordenação da Associação que muitas vezes, atua como mediador entre associados e a Equipe Técnica, representando os associados frente a ela. Este formato hierárquico é comum às organizações, mesmo que sejam associações ou cooperativas. É preciso que haja algum referencial, uma pessoa ou grupo de pessoas a quem se remeter quando há necessidade, mesmo que esta pessoa ou grupo não tome a decisão sozinha. Na ATUT, quando há um problema individual, alguma insatisfação ou problema pessoal, o associado se dirige à Coordenação ou à Equipe Técnica para juntos tomarem a decisão, considerando as regras formalizadas pelo grupo. Exemplificando, se algum associado precisa faltar, depois recupera as horas em outro momento ou recebe apenas pelas horas trabalhadas. Quando o assunto é de ordem coletiva, como uma discussão sobre trabalho extra, ou mesmo algum comportamento desviante que altera ou atrapalha o rendimento do grupo, é feita uma Assembleia com todos para que tomem a decisão. Neste sentido, quando não é possível chegar a um acordo, um membro da Equipe Técnica intervém e decide a partir da opinião da maioria. Quando não é possível estabelecer essa maioria, a Equipe Técnica considera o que é mais conveniente para o grupo. (FREITAS; MOSCAROLA, 2000). O trabalho de triagem de materiais recicláveis é manual e minucioso, feito em grupos: o do plástico, o do papel sigiloso, o das mesas da frente. Isso permite que se estabeleçam conversas, troca de experiências e causos de vida. Muitos se conhecem intimamente, sabem dos problemas uns dos outros e acompanham o andar da vida dos colegas com interesse e preocupação. As amizades se fortalecem 89 diariamente na ATUT em meio aos montes de material, numa mistura de cooperação e solidariedade que permite a aproximação do diferente, a compreensão do outro. É uma forma de inserção que se dá pela construção de novas práticas. Essas interações permitem que o convívio social se estenda para outras esferas, facilitado pela experiência positiva recorrente na Associação (KAUFMANN, 2010). O convívio com diversas pessoas na ATUT, desde a Equipe Técnica até os diversos visitantes que a frequentam, permite o reconhecimento e familiaridade na relação com os outros. Pelas possibilidades de convívio que o Mundo ATUT, segundo mostra Kaufmann (2010) nos seus relatos os doentes mentais e favelados não precisam mais se esconder atrás dos muros do preconceito e do estigma, pois ao trabalharem na Associação ocupam um espaço importante no mundo. Alguns associados, principalmente os paciente e usuários do Hospital, estão na ATUT desde sua criação, dizem não trocar esta experiência por nada, principalmente, pelos efeitos positivos em seus processos de recuperação através da reabilitação do convívio com os outros e de inclusão social. Alguns associados aparecerem na ATUT mesmo durante as férias, porque não conseguiam ficar longe da Associação e dos amigos que fizeram lá. Nesse sentido a Associação se mostra como sinônimo de bem-estar. [...] A minha vida financeira tá melhorando, aos poucos. A pessoal, aos poucos. Eu moro aos fundos do terreno da minha irmã junto com a minha namorada. (Paciente nº 03). Além das características de sociabilidade que marcam os dias de trabalho na ATUT, existe a simplicidade que marca o jeito de ser, a forma de vestir e de se expressar dos associados, típicas do mundo modesto dessas pessoas. Suas vestes são simples, muitas oriundas de doações. O Projeto de Extensão ATUT: Reciclando Vidas com Inclusão Social da UFRGS, faz campanha do agasalho e as doações são encaminhadas aos associados, que as recebem com muita gratidão. A ATUT concentra múltiplos níveis de precarização, marcados na superfície dos corpos, nos olhares e nos gestos, no vestir, no falar e também no modo de trabalhar na triagem de materiais recicláveis. 90 Mesmo com o seu jeito próprio de viver, essas pessoas não deixam a vaidade de lado, principalmente as mulheres, com suas unhas pintadas, suas bijuterias, e objetos comprados com o salário recebido no Galpão. [...] Eu adoro, aqui. Eu consegui bastante coisas, comprei uma cama de Box e me deito e rolo pela cama e uma TV de tela plana. (Paciente nº 04) Eles descrevem, com satisfação, o que conseguem adquirir ou fazer com o ganho mensal. [...] Sinto bem, gosto é daqui. Que eu vivo, pago minhas contas. (Morador nº 02) Os associados, no seu cotidiano, mostram que a simplicidade não impede o exercício da vaidade na medida em que as condições sociais o permitem. É uma forma de fugir dos estigmas da pobreza, da doença mental, do lugar social, cultural e econômico que determinam uma quase exclusão total. Muitos dos associados mudam seu paradigma de pensamento a partir do momento em que a reabilitação se torna uma realidade, um novo caminho, mesmo que seja todos os dias. A reabilitação não se dá como um processo definitivo, ela é conquistada a cada dia, por novas atitudes que o doente mental apresenta em relação a sua terapêutica. Assim tornam-se mais seguros, independentes, sentindo-se respeitados pelo grupo e pela sociedade. O Galpão mantém uma disciplina, na qual os horários, as tarefas, a convivência (mesmo que seja entre doentes mentais), colocado essas pessoas numa nova realidade. 91 8 PARCERIAS, SERVIÇOS E RECEITAS DA ATUT O Galpão ATUT, desde 2003, possui um sistema de parceiros doadores de material reciclável. Nesse momento a Equipe Técnica, juntamente com o Projeto de Extensão ATUT: reciclando vidas com inclusão social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, constitui um sistema de captação de parceiros doadores de resíduos recicláveis. Primeiramente com setores do governo estadual e posteriormente pessoas físicas e com instituições públicas federais. O tipo de serviço é oportunizar o descarte com garantia à instituição solicitante e a responsabilidade sobre o material reciclável doado. O Galpão também oportuniza a fragmentação de documentos sigilosos ao serem descartados. A maioria dos materiais recicláveis doados é disponibilizada ao Galpão e este faz a coleta do material através de um transporte próprio, pela Kombi da ATUT. Entre 2003 e 2006 a importância da captação de parceiros doadores era primordial para a existência do Galpão. O Galpão tem atualmente um grande número de parceiros e com um bom volume mensal de material reciclável doado por eles. Como muitos dos associados são novos no Galpão (2009-2012) e entraram num período onde as parcerias estavam consolidadas, notou -se durante as entrevistas, que este fato em relação aos parceiros doadores não aparece como muito importante. Esses novos associados não passaram pelas expectativas do tempo de formação do Galpão, onde as gaiolas que recebem material reciclável estavam vazias. Apenas um ou dois lembraram-se dos parceiros doadores, sendo os mais expressivos como a UFRGS (Campus da Saúde), Banrisul e algum outro que enviava material sigiloso, o qual chama atenção pelo fato do responsável estar presente no momento que é a documentação fragmentada. Esse é um dado de grande relevância, mas a maioria dos associados não menciona e poucos mencionam o fato da existência de parceiros doadores. [...] Bom, eu saio todos os dias de manhã tipo às sete e trinta horas, às vezes às seis e trinta horas e levo dois colegas, mas eu também tenho outras atividades. Se estraga um maquinário, sou eu que levo para o conserto. Eu que desmonto e monto. Coletas de papel reciclável, plástico, tudo que for reciclável. Eu busco nos parceiros da Associação, lá na UFRGS eu pego num 92 monte de lugares. A ATUT e os parceiros e a gente tem responsabilidade de buscar este material e agente vive disto ai. (Morador nº 01) No momento de entrada como associado para Galpão é mencionado que o material reciclável vem de parceiros doadores e isso é tomado como uma verdade incontestável. Entretanto os associados não mencionaram a importância dessas doações para a sobrevivência do Galpão. A causa pode ser pela perturbação mental, que a maioria traz consigo, pouco dado de informação sobre a importância para eles, ou que eles conseguem absorver. Assim não levei a pesquisa aos parceiros, sendo apenas esses mencionados como parte do processo de institucionalização do Galpão. Sem dúvida é uma peculiaridade bem importante do ponto de vista organizacional na existência e na sobrevivência dele. A Coordenação possibilita aos doadores , informações e palestras esclarecedoras, demonstrando a importância da separação adequada na fonte geradora do material reciclável, pois esse poderá ter um bom aproveitamento na indústria. Esclarece também, a respeito de como esse material deve ser enviado para o Galpão. Esses momentos acontecem junto aos parceiros quando o reciclável enviado por eles não está dentro dos padrões mínimos de recepção do Galpão. A associação conta com um grande número de parceiros doadores e com uma boa quantidade de material e de boa qualidade, facilitando a triagem pelos recicladores. Pouco material contaminado com algum elemento orgânico é encontrado, ou mesmo pérfuro cortantes, como agulhas e seringas contaminadas, ou mesmo por outro tipo de contaminação biológica ou química. [...] Na Unidade de triagem especial temos várias parcerias, o material tem que vir mais limpo, eu converso com os parceiros quando o material não está muito bom. Está sujo, contaminado, eu tenho a responsabilidade. Por telefone ou pessoalmente dou um prazo de 15 dias a um mês para melhorar o material. Uma vez que quando se faz o convênio eles já sabem para onde estão enviando o material, mas uns 80% melhora. (Morador nº 03) Os associados mais antigos tem a lembrança das dificuldades, do pouco material nas gaiolas. Isso significava que, no final do mês, o salário também seria prejudicado, de menor valor. Então fizeram alguma menção ao fato da existência dos Parceiros Doadores enviarem o material reciclável para o Galpão, como um fato importante. 93 A Equipe Técnica e a Coordenação do Galpão possuem controle do material reciclável que os parceiros doadores enviam, mantendo, assim, uma via de dois lados do convênio, Galpão e parceria. 94 9 O CASO: O COTIDIANO DO GALPÃO DE RECICLAGEM De forma a construir um modelo ideal, a pesquisa permeou os fenômenos que ocorreram no Galpão, na construção de sua história. Tais fenômenos se repetiram ou não, mas de alguma forma levaram à estrutura atual do Galpão de reciclagem ATUT. A história do Galpão dividiu-se em dois momentos, sendo o Período Pré-institucional e o Institucional conforme Weber: Obtém-se um tipo ideal mediante acentuação unilateral de um ou vários pontos de vista, e mediante o encadeamento e de grande quantidade de fenômenos isolados dados, difusos e discretos, que se pode dar em maior ou menor número ou mesmo faltar por completo, e que se ordenam segundo pontos de vista unilateralmente acentuados, a fim de se formar um quadro homogêneo de pensamento. (WEBER, 1991, p.106) Os períodos citados anteriormente são descritos da seguinte forma. 9.1 PERÍODO PRÉ-INSTITUCIONAL 2000: UMA OFICINA DE REABILITAÇÃO A oficina terapêutica de reciclagem iniciou suas atividades para contemplar a vinda da Reforma Psiquiátrica no Brasil, terminando com os hospitais moradia e reabilitando seus doentes para o convívio da família em sociedade. As instituições não recebiam mais pacientes moradores. Estavam de acordo com o pensamento contemporâneo e atendendo às diretrizes da Reforma Psiquiátrica (Lei n. 9.715/92), que regulamenta um novo modelo de assistência psiquiátrica deixando de ser predominantemente hospitalar e passando à atenção psiquiátrica extra-hospitalar. Essa nova metodologia permite apenas internações quando indispensáveis, pelo menor prazo de tempo possível. Atualmente o Hospital Psiquiátrico São Pedro abriga em torno de 130 pessoas abandonadas, esquecidas, largadas no hospício há 30, 40 ou 50 anos. No processo de desinstitucionalização sobraram esses, sem identidade, sem família, sem um lugar fora das moradas do Hospital. Muitos estão sem condições físicas e psíquicas para reingressar na sociedade. Os que não entraram como doentes mentais, ao longo do tempo, do abandono e da clausura, assim tornaram-se. Esses excluídos perambulam pelos pátios da casa carregando nas costas uma média de idade de mais de 60 anos, a maioria deles, vividos dentro 95 do Hospital. Trazem as marcas e feridas nos rostos, histórico de um penoso tratamento psiquiátrico, que hoje é muito mais avançado, quase nulo de efeitos colaterais. O Hospital São Pedro passa por um processo de revitalização e restauração, e desenvolvendo uma nova proposta no tratamento dos doentes mentais. A paisagem da recepção do Hospital, ainda imponente, abriga uma fisionomia das palmeiras imperiais na sua entrada com prédios do ambulatório, prédio principal centralizado, parte burocrática e o Memorial acerca da sua história. Este prédio foi tombado e está sendo revitalizado. Ao seu redor ficam as alas que ainda abrigam cerca de cento e trinta moradores do Hospital nos dias de hoje. Esses são de idade avançada e que não apresentavam nenhuma possibilidade de reabilitação e sem qualquer algum contato familiar (LOPES, 1983). O Galpão se situa na parte baixa, dentro do grande terreno do Hospital São Pedro, à esquerda de quem entra vindo pela Av. Bento Gonçalves, localizado após a recepção, passando o Prédio Histórico que se reconhece logo à chegada e os pavilhões dos pacientes. Esta microrregião é arborizada e, dado o relativo distanciamento com as edificações circundantes, recebe sol durante boa parte do dia. A Lei n. 9.715 de 7 de agosto de 1992, dispõe sobre a Reforma Psiquiátrica no Rio Grande do Sul. Essa determina a substituição progressiva dos leitos nos hospitais psiquiátricos por rede de atenção integral em saúde mental. Determina regras de proteção aos que padecem de doença mental, especialmente quanto às internações psiquiátricas compulsórias, de acordo com o 2° artigo da Lei: A reforma psiquiátrica consistirá na gradativa substituição do sistema hospitalocêntrico de cuidados às pessoas que padecem de sofrimento psíquico, por redes integradas e por variados serviços assistenciais de atenção sanitária e social, tais como: ambulatórios, emergências psiquiátricas em hospitais gerais, unidades de observação psiquiátrica em hospitais gerais, hospitais-dia, hospitais-noite, centros de convivência, centros comunitários, centros de atenção psicossocial, centros residenciais de cuidados intensivos, lares abrigados, pensões públicas e comunitárias, oficinas de atividades construtivas e similares. (Lei nº 9.715, 1992) Segundo o Membro da Equipe Técnica nº 02 (2011), a oficina terapêutica de reciclagem nasceu de modo contemplar os doentes em um estado mental que possibilitassem uma possível reabilitação psicossocial. A implantação da ATUT foi 96 uma das ações, que faz parte do Projeto São Pedro Cidadão – criado em 1993, e assumido como prioritário pelo Governo em 1999 – que, dentro das novas diretrizes da Reforma Psiquiátrica, visava reinserir o portador de sofrimento psiquiátrico gradativamente na sociedade. De acordo com o Membro da Equipe Técnica nº 02 (2011) e o Membro da Equipe Técnica nº 01 (2011), aprovados em Concurso Público do Hospital São Pedro, a Direção do Hospital solicitou que fosse criada uma atividade terapêutica contemplando a reabilitação de doentes mentais. A ATUT surgiu em setembro de 2000 com este propósito da atividade Terapêutica (oficina), somando-se aos trabalhos já desenvolvidos pela Supervisão dos Serviços de Atividades Terapêuticas do Hospital como Horta Comunitária, Salão de Beleza, Oficina de Criatividade e Reabilitação Profissional. O objetivo era proporcionar aos pacientes, que não residiam mais nas unidades do Hospital, um recurso ocupacional para evitar que a doença se transformasse em um problema social. Ainda sim uma possibilidade financeira. A ATUT, portanto, começou a ser vista como uma forma de sobrevivência para os pacientes que sairiam das dependências do Hospital, dentro de um Galpão que fora, no passado, uma ala psiquiátrica localizado num setor mais afastado do prédio principal. É de fácil acesso tanto para o restante do Hospital, como para a Vila São Pedro, a comunidade atrás do mesmo. [...] A direção na época solicitou que a gente fizesse um projeto, e deram três opções, a reciclagem, cantina ou brechó. Aí eu e o [...] (Membro da Equipe Técnica nº 01), conversamos, aí veio dúvida do que trabalhar. Bom, então vamos trabalhar com reciclagem. Vamos ver como é que é. Eu não sabia nada, nada de reciclagem, nunca tinha entrado numa, nem o [...] ( Membro da Equipe Técnica nº 01). Aí então a gente começou a visitar as reciclagens, conversamos com o pessoal, começamos a receber as dicas, achamos interessante, a [...] da Vila Pinto deu todas as dicas, assim como é que era, como é que não era como é que eles desenvolviam o trabalho deles, aí a gente viu que tava no caminho certo. Mas, aí veio aquela dúvida assim de como é que vai ser trabalhar com pacientes psiquiátricos e lixo né. Começamos a questionar essa coisa. Aí o [...] (Membro da Equipe Técnica nº 01), dizia, ah, mais o paciente psiquiátrico é uma sobra da sociedade e o lixo também é uma sobra da sociedade. Será que isso vai dar certo? Eu disse não sei, é meio complicado. (Membro da Equipe Técnica nº 02, 2011) Estas foram às primeiras impressões do Membro da Equipe Técnica nº 02 (2011) a cerca da escolha do tipo de oficina. Mesmo assim pensava e tinha dúvidas se haveria de dar certo. Pensava que os doentes mentais já eram excluídos da 97 sociedade, tinham o estigma da doença mental, pior ainda trabalhar com o lixo, que a própria sociedade quer se livrar. Era um dilema de preconceito a cerca do tipo de tarefa, mas também era de fácil entendimento, pois tratava-se de capacitá-los para atividade de triagem. Naquela época a oficina iniciou com três pacientes do Hospital que tinham todos os pré-requisitos para integrarem a oficina, pois já participavam do Clube da Amizade. Saiam com a Terapeuta Ocupacional em busca de material reciclável no próprio Hospital, conta o Membro da Equipe Técnica nº 02 (2011). Surgiu a ATUT como uma oficina terapêutica. Era um trabalho com uma dimensão bem mais reduzida e com o objetivo, a princípio, de fazer um atendimento pontual ao paciente. Desde o início, na verdade, já havia uma ideia de transformar esse tipo de atividade num trabalho que visasse à geração de renda efetiva e que criasse um recurso sem a necessidade do custeio do Hospital. O trabalho já tinha surgido com essa ideia e foi a mola mestra do Projeto do Galpão. Houve um crescimento natural com a participação e inclusão e diversas empresas públicas e privadas no Projeto. [...] Na verdade a gente nunca fez um planejamento estratégico, empresarial, foi sempre se agregando valor a esse trabalho, tempo e ele foi tendo um crescimento de certa forma natural. (Membro da Equipe técnica nº 01, 2011). A Associação recebeu apoio da Secretaria do Trabalho e Ação Social do Rio Grande do Sul, que realizou um treinamento gerencial ofertando algumas opções para que a ideia do Projeto avançasse. Este programa era do Governo do Estado e era chamado “Coletivos de Trabalho”, que contemplava uma bolsa auxílio às pessoas. Em contrapartida, essas participavam de um curso de formação. Ao final desse curso a ideia era que as pessoas pudesse se capacitar e formar uma associação de trabalhadores. Sendo assim, foi isso que acabou ocorrendo com o Galpão ATUT, pois já tinha o Projeto, mas precisava capacitar os futuros associados para o trabalho de triagem. Neste momento em 2000, também houve a parceria com o Departamento Municipal de Limpeza Urbana de Porto Alegre (DMLU), que realizou um treinamento de capacitação de cerca de três meses para que os associados aprendessem a separar corretamente todos os tipos de materiais recicláveis. Assim nasceu, através dessa parceria, a ATUT,como a 9ª Unidade de Triagem da cidade de Porto Alegre, passando a integrar o projeto de Coleta Seletiva e gerenciamento 98 de materiais recicláveis coordenado por esse Departamento. A associação atendeu ao padrão de gerenciamento do DMLU, que fornecia os materiais recicláveis para o Galpão, oriundos da coleta seletiva da cidade. Cumpriam a obrigatoriedade de devolver algum material orgânico para ser encaminhado ao Aterro Sanitário, selando assim, o convênio ATUT e DMLU. Foram analisados ofícios, atas e correspondências para que este momento pudesse ocorrer de forma oficial. 9.2 NASCIMENTO E INSTITUCIONALIZAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO DOS TRABALHADORES DA UNIDADE DE TRIAGEM DO HOSPITAL SÃO PEDRO Com o passar do tempo, a estrutura do Galpão já conveniada com o DMLU a capacitação dos participantes na oficina terapêutica, surgiu a ideia da institucionalização do Galpão ATUT. A Sociologia significa uma ciência que pretende compreender interpretativamente a ação social e assim explicá-la em seu curso e seus efeitos. (WEBER, 1994, p. 3). Apareceram as primeiras ideias de como institucionalizar o Galpão de forma de cooperativa ou em associação. No início o pensamento original era a de ser montada uma cooperativa. Os membros da equipe técnica analisaram muitos empecilhos de ordem física e jurídica, pois o público alvo poderia ou não ter seu pleno direito civil. Havia ainda a situação legal da Equipe Técnica, pois já eram funcionários públicos do próprio Hospital. Desta forma, não poderiam ter outro vínculo empregatício. Mais ainda, o Galpão estava localizado no Hospital, não cabendo assim o perfil de cooperativa. Surgiu a alternativa de associação, já que assim poderia funcionar nas dependências do Hospital. Para se formar uma associação foi necessário que a Equipe Técnica formulasse um Estatuto Social, a fim de constituir uma entidade física. Dessa forma os recicladores teriam um vínculo oficial com o Galpão. O objeto de análise sociológica não pode ser definido como a sociedade, ou como o grupo social, ou mediante qualquer outro conceito de referência nos coletivos, cuja existência não ocorreria a Weber negar. O que ele sustenta é que o ponto de partida da analise sociológica só pode ser dado pela ação 99 de indivíduos e que ela é ‘individualista’ quanto ao método. (COHN, 1991, p. 126). Em 18 de setembro de 2002 foi criado o Estatuto Social e lavrada a Ata de fundação da ATUT em Porto Alegre, oficializando-a enquanto Associação. O Estatuto trata da constituição, sua denominação, seus fins, sua sede, sua duração, associados, Coordenação, declarando que a ATUT é uma sociedade civil sem fins lucrativos, com o objetivo de promover a unidade de seus associados em torno da defesa dos direitos sociais e econômicos, sem distinção de raça, credo, cor e partido político. (Estatuto Social - Associação de catadores de materiais recicláveis União Vila e Hospital Psiquiátrico São Pedro, registro 1293266). Art. 1º - A associação de Catadores de Materiais Recicláveis União Vila e Hospital Psiquiátrico São Pedro, fundada em POA, 12 de setembro de 2002 é uma sociedade civil sem fins lucrativos, que objetiva promover a unidade dos associados em torno da defesa dos seus direitos sociais e econômicos, sem distinção de raça, credo, cor e partido político, com sede à Av. Bento Gonçalves, nº 2460, bairro Partenon, cidade de Porto Alegre e constitui-se por prazo indeterminado. (Estatuto Social da Associação de Catadores de Materiais Recicláveis União Vila e Hospital Psiquiátrico São Pedro, 12 de setembro de 2002. Registro 1293266). Art. 2º Na perseguição de seus fins, a Associação trabalhará pela defesa dos interesses e da valorização profissional de seus associados, tanto no que tange à assessoria que lhes prestará para seu aprimoramento técnico, celebração de contratos, prestações de serviços, realização de cursos, desenvolvimento do espírito comunitário, como no que se refere à colaboração com entidades afins, inclusive públicas, com as quais celebrará convênios, além de representação junto à Federação Estadual das Associações dos Recicladores de Resíduos Sólidos do Rio Grande do Sul FARGS (Estatuto Social da Associação de Catadores de Materiais Recicláveis União Vila e Hospital Psiquiátrico São Pedro, de 12 de setembro de 2002. Registro 1293266) Constitui ainda, como documentos na memória do Galpão, a ata da assembleia da Coordenação Executiva e três atas de assembleias extraordinárias com data, respectivamente, de 16 de agosto de 2005 com a pauta do dia de desligamento de uma associada, a ata de 18 de setembro de 2008, com a pauta do dia de escolha através de eleição da Coordenação e demais cargos e a ata de 21 de outubro de 2010, com a pauta do dia de nova eleição da Coordenação e demais cargos. Foram esses documentos oferecidos à mim e dois livros de anotações durante a pesquisa. Nesse momento, a Associação contava com membros oriundos do Clube da amizade, Morada São Pedro e da comunidade da Vila São Pedro, mesclando um 100 público heterogêneo, atendendo aos objetivos de funcionamento da Associação. Sendo assim, após a sanção da Associação, desde 2002, a ATUT tem como proposta, além da inserção dos moradores e usuários do Hospital, a interação da população residente na comunidade da Vila São Pedro, no mercado de trabalho. O convívio dos moradores e usuários do Hospital com as pessoas de fora do ambiente hospitalar, propicia resultados positivos para sua recuperação. A entrada do pessoal da Vila no São Pedro, também está ligada ao fato do Projeto Morada, residenciais terapêuticos para ex-moradores do Hospital, estar localizado dentro da Vila São Pedro. Esse Projeto faz parte do processo de desinstitucionalização e reinserção social dos doentes mentais, e localiza-se externamente, atrás do Hospital. O tipo ideal (o modelo) não deve ser confundido com a história. Os conceitos e juízos não constituem a realidade, nem a reproduz a realidade, apenas a "ordena" de modo válido (científico). (LIMA, 2008) O nascimento desse Projeto vem da compreensão e da necessidade da reabilitação psicossocial do ex-morador do Hospital. Para isto o Hospital, amparado na Reforma Psiquiátrica, oportuniza aos doentes mentais, em melhores condições, de retornar ao convivo social. As moradas denominadas residenciais terapêuticos do Hospital estariam em condições de abrigar esses internos. Entretanto, esses não tinham outra opção familiar. Assim muitos que estavam trabalhando no Galpão ATUT eram moradores dessas residências. Eles circulavam pelo Hospital, quer seja no trabalho quer em alguma atividade terapêutica, sob a orientação do mesmo. Como a Morada ficava na Vila São Pedro, atrás do Hospital, a alternativa que esse encontrou foi motivar a integração entre os moradores da Vila e os exmoradores do Hospital. Assim foi feita uma justa troca, no sentido de os exmoradores do Hospital poderem habitar a Vila e os moradores da Vila terem um local para trabalhar na Associação, oportunizando uma integração social entre as duas populações bem distintas, mas longe de serem saudáveis. [...] Aquele ditado popular de que de louco todo mundo tem um pouco; existe um imaginário social de desqualificação das pessoas, no momento que ela tem algum transtorno psiquiátrico. Tanto que eu pessoalmente não costumo alterar a minha ação técnica pela questão zoonografica (sic.), que remete à questão de equilíbrio por um manual técnico, o diagnóstico. E tem pessoas que até acham que eu não saberia dizer o que o sujeito tem. Estão enganados, eu tenho total compressão zoonografica (sic.), mas eu utilizo ela para denominar as essas. Nem na situação. Senão a gente acaba reforçando 101 esta questão da desqualificação. Se fosse efetivamente uma análise das pessoas normais, que não passaram por uma avaliação psicológica ou psiquiátrica, certamente a grande maiorias das pessoas ditas normais teriam problemas emocionais menores ou maiores. Então na prática, isto não tem uma diferença e a gente acabou migrando estas vagas, que eram do pessoal da comunidade, para as pessoas do Hospital, por uma necessidade. Mesmo estas pessoas que estão em fila de espera. A gente acha que é importante privilegiar, no bom sentido dessas pessoas. É uma necessidade. (Membro da Equipe Técnica nº 01, 2011). Estes residenciais terapêuticos possibilitam aos autonomia tanto desejada como cuidados pessoais doentes mentais de limpeza, a higiene, alimentação, cuidados com suas roupas, e até mesmo a administração da medicação prescrita pelo médico do Hospital, saindo em liberdade e experimentando o retorno ao convivo social. A triagem de materiais recicláveis, enquanto tarefa de reabilitação profissional, desempenha um papel terapêutico importante junto aos doentes mentais, contribuindo, de forma decisiva para o resgate da sua credibilidade social. Da mesma forma, representa uma possibilidade concreta de geração de trabalho e de renda aos moradores da Vila São Pedro, uma população com histórica dificuldade de acessar o mercado de trabalho. Nesse sentido, a Associação se integra na perspectiva de uma nova força de trabalho, atendendo também ao doente mental, como forma efetiva de inclusão social deles nos vários campos de convivência sócio-comunitária, cultural e no mundo do trabalho. Além da atividade terapêutica e de inclusão social, também existe a reocupação, que alia a geração de postos de trabalho à construção de uma consciência ecológica e cidadã. Essa atividade contribui na destinação dos materiais recicláveis, produzidos em grandes quantidades, pela sociedade contemporânea. No início, a Associação possuía quarenta e seis associados à ATUT, que se mesclavam entre metade com doentes mentais em reabilitação e moradores da comunidade. Essa mescla, entre públicos tão distintos, proporcionava o convívio social e a integração. [...] No início eu sempre dizia, a nossa unidade de triagem tinha dois grupos: o grupo da comunidade e o grupo de pacientes.Queira ou não queira, acaba sendo um grupo dividido. E pela quantidade que hoje nós temos de associados, maioria são pacientes, nós da comunidade somos cinco pessoas. Então, hoje acaba sendo um grupo só. Não há mais diferenças, e as diferenças que há, é para melhorar o serviço. O pessoal da Comunidade lida com a picotadeira. (Morador nº 03) 102 Na prática, o que se observa é um grande rodízio de entra e sai de pessoas da comunidade no período 2003 a 2009, observando a análise documental do Livro de Registros e Atas do Galpão. Esses registros, inicialmente são bem organizados e detalhados, separados por assuntos. À medida que o Galpão foi crescendo, esses tornam-se confusos, apenas são recados misturados em meio a atas de assembleias, ocorrências de entradas e saídas de associados, algumas ocorrências eventos clínicos como comportamentais, intervenções sobre a saúde, infraestrutura, higiene e limpeza, organização e normas internas, atas de reuniões do Galpão, reservas de vagas, entradas ou desligamentos. Estes eventos foram anotados de forma desorganizada. Encontram-se anotados em dois livros, num período compreendido entre 2003 a 2011. À medida que muitos eventos foram registrados, percebe-se a falta de tempo para esta atividade. A precisão dos assuntos se mistura, as caligrafias são diferentes, o que leva a crer que várias pessoas fizeram suas anotações no livro, em duplicata, sobre o mesmo assunto. Verificou-se que, no início da institucionalização do Galpão existia uma organização nos registros.Era um livro de registros de atas de assembleias, mas depois tornou-se um livro de registro de tudo que ocorria no Galpão, como um diário. Os eventos clínicos foram anotados, desde o início, sempre por algum integrante da Equipe Técnica, já que é de sua responsabilidade resolve-los. Esses registros são descritos sucintamente pelo quadro do ocorrido ou pela medicação indicada. Podiam ser de ordem comportamental ou de alguma intervenção relativa à saúde. Eram, na maioria de eventos descritos de pacientes, mas alguns, de moradores da comunidade. Isso me remete a constatar que os moradores da comunidade acabam também adoecendo, necessitando de algum atendimento da Equipe Técnica. [...] Ai eu acho, assim como está, tá bom... são muito importantes, no dia que a gente tá muito nervoso, triste a gente entra na sala deles, eles conversam com agente... eu achava que nem tinha mais função... hoje sei que tenho... (Paciente nº 07). As anotações relativas à infraestrutura não apresentam um crescimento ou diminuição, são apenas dados soltos no livro de registro. Não apresentam periodicidade nem organização ao longo dos anos. São eventos relativos à consertos de máquinas, troca de lâmpadas, extintores de incêndio, conserto da Kombi. Percebe-se que não há uma preocupação em ter uma manutenção 103 preventiva sobre a infraestrutura do Galpão. Caso aconteça um problema de ordem da infraestrutura, ele é sanado de acordo com a disponibilidade de manutenção do Hospital ou de outro serviço externo. A higiene e a limpeza foram especialmente itens bem importantes, no ano de 2009. Nessa ocasião foram feitos dois banheiros para os associados, um masculino e um feminino. Isso os motivou a utilizar estes espaços adequadamente, respeitando a higiene e a limpeza. Decidiu-se que dois associados cuidassem da higiene e da limpeza dos banheiros a cada dia, fazendo um rodízio de modo que todos colaborassem com esta tarefa extra. Atualmente, a limpeza dos banheiros é feita por pessoal terceirizado do Hospital, mas ainda existe a observância do local se manter limpo e organizado no cotidiano do Galpão. Essa postura é salientada nos momentos diversos do Ciclo de Palestras, que muitas vezes são motivadoras e instigadoras promovidas pelo Projeto de Extensão ATUT: reciclando vidas com inclusão social, da UFRGS. Para a maioria das pessoas algumas atividades tornam-se corriqueiras, já para os doentes mentais, existe dificuldade de manter a periodicidade destas atividades, como cuidar de seu corpo, lavar as mãos diariamente. Eles necessitam de motivação e determinação para praticar pequenas atitudes, e agregá-las ao seu dia-a-dia, ou seja, buscar a lucidez, ao acordar, fazer a higiene, se arrumar para trabalhar, tomar café, sair para o trabalho, pegar um coletivo, chegar ao trabalho, bater o ponto, ir para seu posto. A rotina para os doentes mentais em reabilitação é importante, mas nem sempre é cumprida. Para essas pessoas que buscam uma reabilitação e a lucidez perdida com a doença mental é um trabalho difícil a cada dia que nasce. Durante as entrevistas foi notado que a higiene e limpeza e rotina de trabalho, para eles, tornou-se algo de vital importância. Eles procuravam fazer isso, mas encontravam muita dificuldade para vencer as tarefas. Percebi que eles se encontravam como se estivessem diante de um espelho e se vissem presos pelo seu estado mental. À medida que buscam a realidade, fazem o tratamento de forma correta, traduzindo a reabilitação através do cotidiano. Essas pessoas começam a sair de dentro desse espelho e conseguem voltar à realidade, libertando-se da prisão deles próprios. Foi assim que ao longo das entrevistas que refleti sobre as falas dos pacientes, que na sua maioria relataram seus problemas de ordem psíquica e emocional, mesmo sem serem instigados sobre este assunto. Serviu 104 como um momento reflexivo pessoal para mim e isso não foi utilizado como dados de pesquisa. [...] Ela voltou para o mundo, ela antes não queria tomar banho, ficava num quarto escuro. A minha mãe me botava embaixo do chuveiro, me amarrava para tomar banho. Não podia comer, estava enorme de gorda, um cabelão. Agora eu tomo meu banho, minha higiene, quando eu estou bem, eu ajudo os meus amigos. Agora eu sou gente. (Paciente nº 04). Em relação às normas e à organização, durante o período descrito, vê-se um acréscimo significativo em relação à quantidade de eventos anotados, mostrando que a Associação deu um grande valor a este item. Houve cerca de 20 eventos anotados no Livro de Registro. Podem ser de caráter normativo envolvendo o grupo, resolvidos em reunião, decididos pela Equipe Técnica, referentes à organização geral do Galpão em relação às tarefas ou de informações para os associados. Nos anos de 2007 e 2008 foram anotados cerca de 20 eventos com esta temática, mostrando a necessidade de tomar decisões de caráter normativo e de organização, visto que o número de associados era bem alto e havia muito serviço dentro do Galpão. Nota-se que existe uma significativa preocupação com os registros dos eventos, pois os mesmos aparecem todos os anos. Mostra também uma ordenação crescente em relação ao assunto organização Os registros encontrados nos livros, atas, assembleias ou reuniões, são de ordem decrescente à medida que a Associação toma corpo. No seu início, para se constituir a Associação foram necessárias muitas reuniões, nas quais todos associados participavam. Um fato peculiar para o número elevado de reuniões nos primeiros quatro anos do Galpão, foi o fator de integração dos grupos envolvidos, e a pouca quantidade de material reciclável que chegava ao Galpão. O grupo tinha tempo para reuniões, estruturando a sistemática da Associação. Eram reuniões ordinárias, assembleias de todo grupo ou reuniões da Coordenação da Associação com a Equipe Técnica. Na medida em que a estruturação se estabilizou, a quantidade de reuniões foi diminuindo e chegou a cair a zero em 2010. Essa diminuição deveu-se também ao fato de que a quantidade de material reciclável a ser triado foi crescendo e as tarefas dentro do Galpão, se avolumando. Assim o espaço para reuniões do grupo, para discussão sobre a Associação, passou a segundo plano, somente em momentos importante para resolução de problemas que envolvesse o grupo todo. 105 Outro fato importante, que contribuiu para diminuição das reuniões, foi que a Associação, desde o final de 2008, passa por um novo momento com a saída da maioria dos moradores da Comunidade. Hoje ela conta com apenas seis integrantes da Comunidade. A saída dos moradores se deu pelos mais variados fatores, tais como, econômico, melhor condição de trabalho destes, gestações, dificuldade de integração ou opção em trabalhar como autônomo. Uma justificativa marcante para saída, foi de fato a dificuldade de trabalhar com os doentes mentais por achar que o trabalho deles não rende e sobrecarrega o dos moradores da comunidade. [...] Na realidade a gente sempre fez que não houvesse uma diferença, que eles trabalhassem juntos, mas a gente sabe que existe. O pessoal da comunidade trabalham mais, geralmente não é uma regra. Tem muitos pacientes que trabalham muito bem, mas é que acontece de algum da comunidade trabalhar muito além deles. E esse é objetivo, eles estão no espaço dos pacientes trabalhando, para que eles também ganhem, é uma troca. Eu acho isto muito bom, às vezes os pacientes esquecem que são pacientes. De tão igual, que são integrados. (Membro da Equipe Técnica nº 03) A saída deste grupo se deu aos poucos. Enquanto outros chegaram para trabalhar, entretanto, nem todos se adaptaram, ou por outro motivo, não ficam na Associação. Segundo a Equipe Técnica, não existe um motivo maior para a saída desse grupo. Os próprios pacientes também entram e saem, em grande número, mais pela falta de condições de adaptação à tarefa e ao cotidiano de trabalho. Observou-se que a partir de 2008 existiu um momento de transição e de formação de um novo perfil do trabalhador do Galpão. Novas frentes de trabalhadores foram buscadas pela Equipe Técnica que abriu vagas a outras instituições, que abrigam doentes mentais em reabilitação com condições de manter uma rotina de trabalho. Inicialmente de forma experimental e, se conseguir manter suas atividades, efetivando-se na Associação. [...] A gente costuma fazer uma avaliação com três critérios: o emocional, psiquiátrico, sujeito não pode estar agressivo, com alucinações nem delirante. Nem com alucinação. O critério ocupacional, que é as condições de trabalho, que a pessoa apresenta e o critério social, necessidades que a pessoa tem. Todos estes critérios são entrecruzados e bem elásticos, estou falando de uma tolerância bem elástica. (Membro da Equipe Técnica nº 01) 106 Nota-se que em no final de 2009 o novo perfil começou a ser moldado e os próprios associados começaram a se adaptar com um grupo maior de pacientes doentes mentais. Parece que entre os associados moradores da comunidade e os doentes mentais, a diferença é em relação à quantidade de conflitos. Esses acontecem em maior número e aumenta a intervenção da Equipe Técnica no cotidiano da Associação. Esse também é um motivo para que o número de reuniões diminua, pois não há tanto espaço para elas, no cotidiano do Galpão. As resoluções passam por pequenas reuniões entre da Coordenação com a Equipe Técnica e posterior conhecimento do grupo todo. Atualmente a Associação tem um número de 50 associados, podendo variar para mais ou para menos, dependendo do número das saídas. Ela estabilizou neste patamar em relação à condição dos associados a disponibilidade de material reciclável para triagem por mês, bem como à condição de atendimento da Equipe Técnica disponível. O número de associados com doença mental em reabilitação é de aproximadamente 44 e dos moradores da comunidade é de 6 associados. A pesquisa mostrou que, embora os números reduzidos de associados moradores da comunidade, os mesmos, estão satisfeitos em dividir a força tarefa do Galpão com este outro grupo bem peculiar formado de doentes mentais, não fazem distinção e nem referência ao fato da existência da doença. [...] Olha, no começo eu vim só para experimentar. Daí fiquei e adoro trabalhar aqui, me dou bem com os meus colegas, somos todos iguais aqui dentro. (Morador nº 01). O registro de saídas, entradas, ou mesmo desligamentos, ficou a cargo da mudança de panorama do Galpão nestes últimos quatro anos. Agora contempla o novo perfil, retomando a importância da questão terapêutica e considerando a parte financeira dos associados, como gerador de trabalho e fonte de renda. O Membro da Equipe Técnica nº 02 (2011), sempre buscou e cobrou dos associados, a lembrança do lado terapêutico da atividade de triagem de material reciclável. O Membro demonstrou satisfação pelo retorno do lado terapêutico do Projeto de reabilitação da ATUT, buscando um grupo maior de doentes mentais em situação de exclusão social e econômica. 107 [...] Hoje em dia não me assusta mais doente, vai se apropriando com a situação, pois a gente hoje em dia está abrindo para pacientes, da comunidade e pacientes da grande Porto Alegre, isto é uma grande vitoria. A vontade deles de ter alguma coisa diferente e com o dinheiro que eles recebem, faz a diferença. A vontade de ter uma rede, isto tudo faz com que eles voltem ao trabalho se motivem. São coisas simples, também ampliem a amizade. Hoje é grupo grande, bem diferente, mas com subgrupos, que tenham mais afinidade. Mas na grande maioria eles se acolhem, se aceitam, é muito bom ver eles integrados, mas também tem muita confusão, muita disputa, um tem mais que o outro, é o normal. É o que representa o mundo lá fora. (Membro da Equipe Técnica nº 02). Acentuado o número de registro nos livros, nos últimos anos, se deu pela razão da abertura de novos postos de trabalho, e também desligamentos, considerados normais pela Equipe Técnica. Mesmo assim, nas entrevistas que fiz com os moradores da comunidade busquei informações a cerca dos que saíram. Muitos desses ainda não conseguiram uma nova colocação, estão fazendo bico na Vila e outros já estão em algum serviço. Alguns se arrependeram de se retirar do Galpão. [...] De lá para cá, quase dez anos de trabalho, já entrou e saíram pessoas, alguns conseguiram serviço fixo, outros estão trabalhando individual. Outros que saíram voltaram, mas saíram de novo, não dando certo. Mas outros, eu sei, estão sem nada até hoje. (Morador nº 03). Uma das principais queixas dos associados moradores da comunidade era que o valor do salário mensal variava muito ou era baixo. Não tinham carteira de trabalho assinada e nem décimo terceiro salário. Por essas razões, no momento da entrada de algum novo membro é esclarecido como se ocorre a divisão dos recursos obtidos com a venda do material reciclável, e ele que está fazendo parte de uma Associação sem vínculo empregatício ou lucro. Ela sobrevive do material reciclável triado, com um valor agregado de venda de acordo com a cotação na Bolsa de Valores dos recicláveis e do comprador (revendedor) dividido por horas trabalhadas por mês. [...] Existe uma maturidade deles, saberem o porquê, existe esta diferença. E tudo melhorou até pela situação financeira. E no inicio adquiriu muitas coisas, pagava muitas despesas, agora dá mais para dividir o dinheiro. (Membro da Equipe Técnica nº 03) 108 Mesmo exigindo uma demanda por maior trabalho terapêutico e psicológico dos integrantes da Equipe Técnica, eles estão apostando muito no novo perfil da Associação. As dificuldades são muitas, pois conciliar um grupo grande em reabilitação, e também promover uma geração de renda, é uma tarefa complexa. A Equipe Técnica optou por esta nova experiência e acha que está dando certo, pois tem consciência de estarem dando uma oportunidades para estas pessoas, estigmatizadas pela doença mental. 109 10 CONSIDERAÇÕES FINAIS O Galpão de reciclagem ATUT apresenta singularidades em relação ao comportamento dos associados e em relação à Associação com lugares bem definidos e importantes. Alguns participam e interagem mais do que outros, mas se complementam no cotidiano deles. Dentre os associados à posição da Coordenação do Galpão é de orientar as tarefas diárias, agendando a busca de materiais recicláveis com os parceiros; o motorista com a responsabilidade de cumprir a agenda diária com os parceiros e entrega-los ao Galpão. Os associados, das mesas, do grupo dos plásticos, picotadeira, prensas, enfardamento tem suas responsabilidades. É uma engrenagem de pessoas e funciona como uma fábrica. O horário a cumprir, a disciplina entre os associados com a Coordenação do Galpão são vistas como peculiaridades importantes. Nessa engrenagem diária agrega-se o fato de a maioria dos associados, terem doença mental, mas encontram-se em reabilitação, em busca contínua de uma reinserção social, emocional e econômica dentro da sociedade. A Equipe Técnica tem um caráter importante de mediar e solucionar as questões entre os associados e também contribuir com a Coordenação do Galpão nos aspectos administrativo-financeiros. A baixa escolaridade e a doença mental constituem o paradigma diário do funcionamento da ATUT. O dia-a-dia do Galpão não segue uma rotina rígida, depende primeiro, do estado mental dos associados, e do número que comparece ao trabalho ou mesmo de quem vai se ausentar para alguma consulta médica. Ao observamos o Galpão parece uma grande bagunça, existe desorganização, mas quando participamos do processo, pudemos observar e entender esses entraves como normal. É o cotidiano do Galpão. Ele funciona dentro destas realidades. Para o bom funcionamento, a atuação da Equipe Técnica, é como um guarda chuva, ou mesmo cuidadores, orientando todas as questões disciplinares emocionais e também administrativas. A pesquisa mostrou que os entrevistados e mesmo os próprios membros da Equipe Técnica concordam com a existência desta agindo diretamente no cotidiano do Galpão. Ela orienta as questões jurídicas entre o Galpão e o Hospital e providencia a manutenção dele. Nas questões de auxilio psicológico e terapêutico observaram-se momentos de contenção com associados. 110 Aconteceram alguns episódios de ordem disciplinar, onde houve a necessidade de intervenção da Equipe Técnica com o associado envolvido. No projeto do Galpão é correto dizer que a existência deste grupo de profissionais agindo diretamente no Galpão é relevante. Também é importante ressaltar a relevância da existência do Galpão nas dependências do Hospital São Pedro, trazendo melhores condições de retorno ao tratamento à doença mental, no processo de reabilitação do paciente. É importante destacar o fato de o Galpão fazer parte deste Hospital, mesmo com estrutura administrativa e operacional independente dele. A reabilitação não é um processo ortopédico: a cura é busc ada a cada dia e se possível, dentro de um contexto de inclusão emocional, familiar, profissional e econômica. O doente mental está num estado permanente de reabilitação, assim como os viciados em alguma droga. Eles necessitam praticar todos os dias a disciplina, o exercício da cura. Sabe-se que contribui excepcionalmente para com estas pessoas o acolhimento familiar junto ao terapêutico (Membro da Equipe Técnica nº 01, 2011). Na pesquisa percebeu-se que os pacientes e associados do Galpão, mesmo não morando mais no Hospital, preferem as casas de passagens, os abrigos, onde encontram cuidadores e quando apresentam uma melhora e estabilização da saúde, são encaminhados para uma atividade terapêutica ou trabalho. Hoje o Galpão ATUT oferece esta oportunidade. Tornando-se uma possibilidade da Reforma Psiquiátrica, que preconizou o retorno integral do doente mental às suas residências, ao convívio familiar e social. Nas conversas com os associados, eles relataram fatos pessoais que me levou a pensar e concluir que os mesmos não retornam ao convívio da família. Várias vezes os ouvi dizerem: “moro sozinho”; “estou na Pensão Nova Vida”, “no Abrigo Bom Jesus”, “moro com mais dois colegas do Galpão”, “aluguei uma peça para morar”, “moro na Morada da Vila.” Chamou-me a atenção este fato e, conversando com a Equipe Técnica pude desvendar a mais cruel realidade de que, dentro da própria família, onde se esperaria que zelassem por eles, é onde se dá o desencadeador da doença mental. Assim o doente mental, mesmo após inúmeros atendimentos e internações, não quer retornar à sua casa ou família. Prefere o acolhimento do Estado. Esta é a realidade deles, é uma verdade. 111 A própria família muitas vezes é quem o exclui, colocando-o dentro do manicômio, através de maus tratos, abusos sofridos que jamais foram esquecidos. Muitos associados, nos momentos de conversas informais, relataram fatos extremamente chocantes de suas histórias de vida. Mas o que me deixou menos ansiosa ou triste é que eles conversam, e desabafam seus problemas passados e estão felizes. Pareceu-me como se estivessem falando de outra pessoa, como se fosse uma história alheia. A situação familiar foi elaborada, e com o auxilio de medicações, eles conseguem sair do evento que gera o sofrimento. Assim, o processo de reabilitação e de melhora emocional torna-se efetivo. Estes fatos não foram mencionados neste trabalho, serviram somente de base de informação histórica sobre a doença mental. Para os associados doentes mentais em reabilitação todo dia é um novo dia: passando pela rotina de levantar; tomar banho; o café da manhã; os remédios; higiene pessoal e bucal; a vestimenta; sair de casa para o trabalho no Galpão. É uma rotina e também o motivador da reabilitação. Nesses fatos encontramos a significação da existência do Galpão de reciclagem ATUT. Esse local possibilita a integração de pessoas esquecidas pela sociedade. A promoção da atividade de triagem é de caráter muito singelo e de fácil compreensão para pessoas. Mesmo assim o entendimento simples torna-se complicado e não sendo possível de ser realizado por eles. Uma condição extremamente importante para a existência do Galpão é a capacitação dos associados para uma atividade de caráter terapêutico. A Equipe Técnica é unânime em dizer que o trabalho no Galpão é levado a sério pelos associados doentes mentais e proporciona uma reabilitação mais eficaz, tirando a pessoa de episódios contínuos de retorno ao Hospital e de internações. O Galpão de reciclagem é um promotor da reabilitação e esta leva à inclusão social e econômica do doente mental. A pesquisa mostrou que muitos associados, os mais antigos, hoje encontram-se em melhores condições sociais. Os associados mais novos estão almejando uma melhoria social e econômica com o trabalho no Galpão. Essas são todas condições importantes para se dizer que a pessoa doente mental esteja no processo de reabilitação e inclusão social. É um conjunto de fatos e ações diárias que remete o associado a este estado. A atividade de triagem de um material reciclável, antigamente denominado como lixo da sociedade, que ela descarta, não torna o associado reciclador menos nobre ou menos importante. Os associados dentro do grupo de recicladores são 112 como os saneadores do meio ambiente. Eles estão cooperando com a limpeza das cidades, dando um destino correto a um contingente enorme de recicláveis, fazendo com que estes retornem à cadeia produtiva através da indústria. Essa ação elimina a necessidade da construção de número maior de aterros sanitários e também da deposição de materiais recicláveis no solo, que demoram muito tempo até a sua decomposição natural. Os associados antigos, que participaram da fundação do Galpão, têm a compreensão sobre a importância da atividade de triagem e gostam do que fazem. Assim apresentam uma postura positiva em relação a trabalhar diretamente com este material. Alguns não gostam de falar sobre o processo de triagem de material reciclável, porque não se sentem confortáveis ao fazê-lo. Os associados mais novos, que entraram nos últimos três anos quando o número de associados doentes mentais aumentou substancialmente, sabem que estão fazendo um bem à natureza. Concordam que é importante, ou nem sabiam que este lugar existia, mas depois de vivenciar a rotina do Galpão, concordam com a importância da existência dele. Alguns poucos associados fazem menção de que trabalham no Galpão porque foi o único local onde foram aceitos, o que não torna menos importante a atividade de triagem e nem todo o processo organizacional do mesmo. Fica claro na pesquisa que a baixa escolaridade e a doença mental fazem os associados confundirem estas posições, mas em algum momento das entrevistas, eles concordam que para eles é uma ferramenta de reabilitação e de inclusão social. Assim entendemos a necessidade da Lei que obriga a todo local comercial a acolher um deficiente, mas que se torna complicado no caso do doente mental, pois o legislador não conhece os meandros da doença mental. O doente mental não possui capacidade de exercer uma atividade sem a orientação de profissionais especializados no seu cotidiano, como psicólogo, como terapeuta ocupacional. O Galpão tem a condição necessária por encontrar-se dentro de uma instituição hospitalar. Esse disponibiliza uma Equipe Técnica com profissionais especializados para orientar o doente mental em reabilitação que participa da Associação. Permite-lhe a liberdade de ação diária de atuação dentro do processo organizacional e de tarefas do Galpão. O caso mostra bem esta situação que beneficia essas pessoas em reabilitação na sua busca de reinserção. 113 O Hospital tem a preocupação de manter alguma parceria junto ao associado, disponibilizando a alimentação, medicação e uma possível internação, se necessária. Ainda fazem parte da força de trabalho os moradores da comunidade que não são menos importantes, são pessoas chaves dentro do sistema organizacional do Galpão. Eles se ocupam das tarefas mais complexas, buscando o material reciclável dos parceiros e contribuem com a organização diária do Galpão ou operando as máquinas mais sofisticadas que necessitem de uma maior percepção e cuidado no manejo. São atividades que os pacientes não podem desenvolver, mas podem colaborar. A pesquisa mostrou que, com o aumento dos doentes mentais na força de trabalho da Associação a responsabilidade da Equipe Técnica também aumentou. São inúmeras solicitações de ordem emocional, de tarefas, saídas entre outras. Durante o período de observações foi visto que pelo menos uma vez, cada componente da Equipe Técnica, esteve de licença saúde, acarretando sobrecarga de trabalho terapêutico aos outros integrantes. Os motivos das licenças eram doenças de ordem ocupacional, dores na coluna e estresse, mostrando bem a origem delas. A Equipe Técnica se mostrou atenciosa e buscou resolver, da melhor forma, a ordem de toda Associação. O bem-estar da maioria dos associados é o que importa. As decisões são tomadas com ponderação e observações. O Galpão representa uma nova oportunidade para pessoas drogadas que estão cumprindo pena prisional no Instituto Forense, em fase de reabilitação, como a pena progressiva. É um novo desafio ao Galpão acolher estas pessoas, pois são vindos de outra camada da população também excluída, os drogados, e ainda cumpridores de uma pena prisional. Assim eles necessitam de uma atividade profissional como fonte de reabilitação das drogas. A integração destes associados com os outros foi positiva, não foi percebido preconceitos ou brincadeiras em torno da origem. A pesquisa do estudo de caso do Galpão de reciclagem possibilitou a construção, com uma metodologia adequada e a partir da análise de suas singularidades do estudo, a criação de um modelo sustentável de inclusão social, com geração de renda e trabalho envolvendo a triagem de materiais recicláveis, que possa ser reutilizado por outros grupos de pessoas excluídos do processo trabalho e emprego sociais. 114 Com a análise de documentos, a pesquisa de campo e com contato direto, não só com as pessoas envolvidas nas tarefas cotidianas que se passam na Associação, percebeu-se esta possibilidade a partir de experiências vividas. Com o caso já estudado notamos que a Associação, ao longo do seu tempo de existência, foi tomando novas dimensões em relação às questões que se apresentavam e também encontrando soluções que pudessem torná-la realizável. Mesmo assim observou-se no estudo de caso que muitas vezes não foi seguida uma metodologia e nem uma continuidade nas ações apresentadas. A partir deste diagnóstico existe a possibilidade da construção de um modelo para ressocialização e promoção da inclusão social de doentes mentais, que são pessoas historicamente excluídas. Tendo em vista o público alvo estar em crescimento, as instituições psiquiátricas, mesmo dentro da Reforma Psiquiátrica, devem estar atentas a uma necessidade maior de orientação e de recondução dos doentes mentais a luz da sociedade. Não somente devolvê-las à família, mas também proporcionar programas permanentes de reabilitação. Sabe-se que o doente não só passa por um programa de psicoterapias, tratamentos medicamentosos, mas também por uma possibilidade de uma atividade, que possa leva-lo a uma rotina saudável. O trabalho é significativamente um motivador, pois ele leva o doente mental em reabilitação a estar atento à realidade e a manter sua rotina, seja terapêutica ou de atividade. Dessa forma, uma instituição pública é capaz de oferecer a estrutura física e o corpo técnico, para assim formar um galpão com a finalidade de tornar-se uma associação, um grupo de possibilidades de caráter terapêutico e de atividade econômica, gerando assim inclusão social. É recomendável uma equipe multidisciplinar, com mais profissionais, além de Psicólogo, Terapeuta Ocupacional e funcionário financeiro-administrativa. Seria recomendável agregar-se a este modelo, uma equipe mais robusta, com mais profissionais para manter uma melhor condição em relação à saúde dos trabalhadores, como profissionais de administração, psicopedagógica, de relações públicas, para que pudessem auxiliar nas mais diversas ações que um galpão tenha que se envolver e de caráter organizacional. A capacitação da coordenação do galpão é importante, pois nela concentra as atividades de relações interpessoais e de organização deste. Viu-se no estudo de caso que falta uma melhor capacitação e maior independência para exercer suas atividades. 115 Na maioria das vezes, a Equipe Técnica, tem que intervir nas situações cotidianas do Galpão, além dos eventos de natureza psicoemocional. Acredito que modernizando as relações organizacionais tanto da Equipe Técnica como da Coordenação com os associados, deverá melhorar as atividades cotidianas do Galpão. Essa modernização oportunizará uma melhor organização e um ambiente de trabalho mais aprazível. Assim também a modernização de maquinários e a disponibilidade de ampliação do local do Galpão lhe trarão benefícios. Os associados se mostram motivados para novas mudanças desde que sejam disponibilizadas através do diálogo com todo o grupo. Eles acreditam no grupo como um todo. Atualmente o poder Público Federal, com suas práticas inclusivas e algumas empresas privadas, estão disponibilizando editais que contemplam, aos galpões de reciclagem, novas infraestruturas, possibilitando sua modernização. Cabe à Equipe Técnica estar atenta e participar deles, pois é um meio dos galpões se modernizarem. A coordenação do galpão, podendo contar com mais conhecimento e capacitação, possibilitará uma atuação mais efetiva sobre as atividades diárias no mesmo, favorecendo a diminuição de intervenções da equipe técnica, por algum motivo alheio à parte psicoemocional dos associados. Ela assim pode ampliar suas atividades relativas à reabilitação do ponto de vista emocional, sem ter que estar constantemente “apagando incêndios”, entre os associados. Entendo que as necessidades são muitas e poucos são os investimentos na área da saúde mental. Deve-se apostar neste projeto de geração de renda para atendimento de necessidades básicas de associados do Galpão de reciclagem ATUT. Ele tornou-se um modelo de possibilidade para muitas outras pessoas que estão na mesma situação de vulnerabilidade, tanto social quanto econômica, um Galpão de reciclagem inclusivo. É um projeto que alia a facilidade de capacitação com o entendimento da atividade de triagem, mas que leva o doente mental a uma rotina de trabalho e que além de gerar bem-estar, possibilita reabilitação mais efetiva, com a geração da inclusão social e econômica dessas pessoas. O momento atual, com necessidades e perspectivas de preservação do meio ambiente, a atividade de reciclador ou catador é uma opção e apresenta-se como uma grande possibilidade para os doentes mentais em reabilitação. 116 Assim aliam-se áreas multidisciplinares de saber em busca do projeto de reabilitação do doente mental que possa proporcionar a inclusão social e econômica. É uma possibilidade que tem as condições de sucesso, pois o Galpão ATUT, com todas as suas limitações, já está chegando aos 10 anos de vida, em condições de expansão, ainda que necessite de reformas na área estrutural e organizacional. Para quem iniciou como uma oficina de terapia de reciclagem, ele é plenamente um sucesso e serve como paradigma para outras instituições que trabalhem com doentes mentais em reabilitação. A necessidade de cuidado com o meio ambiente, da existência da coleta seletiva, é uma obrigação e representa uma mudança de hábito e de novas maneiras de olhar e preservar a natureza. Certamente não faltará material reciclável a novos galpões, mas também é certo que mais doentes mentais irão buscar oportunidades de reinserção. O trabalho que os associados fazem no Galpão de triagem de material reciclável, não só beneficia a natureza, através da reciclagem, mas estão constantemente reciclando vidas com inclusão social. A reabilitação ocorre de maneira efetiva, dentro do cotidiano do doente mental. Com a intenção de oferecer elementos para continuidade desta pesquisa, elenco alguns indicadores, a partir do trabalho realizado. 1. Relevância da instalação do galpão estar nas dependências de uma instituição que possa dar suporte aos associados com doença mental em reabilitação, como fator suporte. 2. Um número maior de casas de passagem, com equipes necessárias para que o doente mental possa administrar seu dia-a-dia, após a internação. 3. Outros galpões que possam receber as pessoas doentes mentais como associados ou cooperativados. 4. Um número maior de pessoas da comunidade no galpão, como associados. 5. O processo de triagem de materiais recicláveis como forma de capacitação fácil para pessoas de baixa escolaridade. 6. Maior capacitação para Coordenação do galpão, buscando um gerenciamento mais qualificado. 7. A conscientização, a cerca do meio ambiente, entre os associados. 117 8. Uma equipe técnica maior, com outros profissionais da saúde dando suporte terapêutico à associação. 9. Uma organização maior, possibilitando um local de trabalho mais aprazível aos trabalhadores. 10. Maior informação em relação aos materiais recicláveis recebidos, como documentos sigilosos e sua fragmentação, para fomentar as parcerias e disponibilidade do serviço. 11. Prioridade na constituição de galpões de reciclagem para atender aos dispositivos da Lei nº 12.035 de 2 de agosto de 2010 da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). 118 REFERÊNCIAS AGENDA AMBIENTAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. Brasília: MMA/SAIC/DCRS/Comissão Gestora da A3P, 4. ed. 2007,100 p. ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 1977. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS - NBR 10004. Disponível em http://aslaa.com.br/legislacoes/NBR%20n%2010004-2004.pdf. Acesso em 18 maio 2012. BAUER, Martin W.; GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som. 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São Paulo: Cortez, 1995. 121 ANEXOS RELAÇÃO DE ANEXOS 1 – PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA IPA ............................................................. 122 2 – TERMO LIVRE CONSENTIMENTO ESCLARECIDO E IPA ............................. 123 3 – PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA DO HOSPITAL SÃO PEDRO E DECLARAÇÃO ..................................................................................................... 126 4 – ESTATUTO SOCIAL DA ASSOCIAÇÃO ............................................................ 127 5 – ATA DA FUNDAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO ........................................................... 130 6 – ATA DA ASSEMBLEIA EXTRAORDINÁRIA ..................................................... 131 7 – ATA DA ELEIÇÃO DA COORDENAÇÃO EXECUTIVA ..................................... 132 8 – ATA DA ELEIÇÃO DA COORDENADORA EXECUTIVA .................................. 133 122 ANEXO 1 – PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA IPA 123 ANEXO 2 - TERMO LIVRE CONSENTIMENTO ESCLARECIDODO E IPA 124 ANEXO 3 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO E IPA 125 126 127 ANEXO 4 - ESTATUTO SOCIAL DA ASSOCIAÇÃO 128 129 130 ANEXO 5 – ATA DA FUNDAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO 131 ANEXO 6 – ATA DA ASSEMBLEIA EXTRAORDINÁRIA 132 ANEXO 7 – ATA DA ELEIÇÃO DA COORDENAÇÃO EXECUTIVA ASSEMBLÉIA GERAL Ata de Eleição da Coordenação Executiva Aos onze dias do mês de novembro de dois mil e quatro, reuniram-se em Assembléia Geral, na sede da associação dos Trabalhadores da Unidade de Triagem do Hospital Psiquiátrico São Pedro – ATUT, os associados abaixo assinados, a fim de eleger os novos membros da coordenação da ATUT, que assim ficou constituída: Elaine Carvalho, coordenadora geral; João Rodrigues Bonfim, vicecoordenador; Antônio Everaldo Moreira, primeiro secretário; Juarez Santos da Rosa, segundo secretário; Daniel Bicca Ribeiro, primeiro tesoureiro; Almir da Silva Rodrigues, segundo tesoureiro. Os membros da diretoria, permanecerão em seus cargos pelos próximos dois anos, conforme prevê o Estatuto. Ata lida e assinada por mim, Antônio Everaldo Moreira e pelos demais: Almir da Silva Rodrigues Amauri Ramos Antônio Everaldo Moreira Arcângelo Alves Antunes Atanásio Teles dos Santos Célia pereira Machado Daniel Bicca Ribeiro Dilce Roseli Rodrigues Doracilda de Lima e Silva Eduardo Brasil Pinto Elaine Carvalho Fernando Pereira Geraldo Lobato Joaquim Silveira João Bonfim Jorge da Silva Barbosa José Silveira Joventino José dos Santos 133 ANEXO 8 – ATA DA ELEIÇÃO DA COORDENADORA EXECUTIVA