Uma Coleção de Artigos sobre Tilápia II Por Dr. Fernando Kubitza Publicado no Panorama da Aquicultura 1998-2005 Indice Qualidade da água na produção de peixes – Parte I - 1998 .................................................... 4 Qualidade da água na produção de peixes – Parte II - 1998 ..................................................11 Tilápia em água salobra e salgada ........................................................................................20 Monitoramento a saúde dos peixes ......................................................................................25 Antecipando às doenças na tilapicultura ...............................................................................33 Desafios para a consolidação da tilapicultura no Brasil ...........................................................41 Estes artigos foram selecionados de artigos referenciados publicados no Panorama da Aquicultura 1998-2005. Distribuído com permissão do Panorama da Aquicultura Ltda. pelo Southern Ocean Educational and Development Project, CIDA/ Univ. of Victoria, Canada Agosto 2009 Panorama da AQÜICULTURA, Janeiro/fevereiro, 1998 Panorama da AQÜICULTURA, Janeiro/fevereiro, 1998 QUALIDADE DA ÁGUA NA PRODUÇÃO DE PEIXES - PARTE I Por Fernando Kubitza, especialista em Nutrição e Produção de Peixes, mestre em Engenharia Agrônoma pela ESALQ - USP e Ph.D pela Auburn University - Alabama, USA. Hoje ocupa o cargo de Coordenados do Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento do Projeto Pacu. A 1. Introdução: Condições inadequadas de qualidade da água resultam em prejuízo ao crescimento, à reprodução, à saúde, à sobrevivência e à qualidade dos peixes, comprometendo o sucesso dos sistemas aquaculturais. Inúmeros são as variáveis e processos envolvidos com a qualidade da água. Sem a pretensão de abordar todos eles de forma exaustiva, este material didático se limitará à discussão das variáveis e processos físicos, químicos e biológicos mais relevantes ao manejo econômico da qualidade da água em ecossistemas aquaculturais. 36 2. Aspectos Fisiológicos dos Peixes Importantes à Produção 2.1.Pecilotermia. Enquanto os mamíferos e aves são animais homeotérmicos, ou seja, conseguem manter a temperatura corporal constante, os peixes não possuem tal capacidade, sendo conhecidos como animais pecilotérmicos ou de sangue frio. Na realidade, a temperatura corporal dos peixes varia de acordo com as oscilações na temperatura da água. Do ponto de vista energético, a pecilotermia confere uma vantagem aos peixes comparados aos animais homeotérmicos que gastam boa parte da energia dos alimentos para a manutenção da temperatura corporal. Esta energia, nos peixes, é utilizada para crescimento (ganho de peso), daí o motivo da maioria dos peixes apresentarem melhor eficiência alimentar que os mamíferos e aves. Dentro da faixa de conforto térmico para uma espécie de peixe, quanto maior a temperatura da água, maior será a atividade metabólica, o consumo de alimento e, conseqüentemente, o crescimento. Durante os meses de outono e inverno os peixes tropicais diminuem o consumo de alimento e podem até deixar de se alimentar em dias muito frios, o que resulta em reduzido crescimento. 2.2 Respiração. Com o auxílio das brânquias (ou guelras), os peixes realizam as trocas gasosas por difusão direta entre o sangue e a água. Quanto maior a concentração de oxigênio e menor a de gás carbônico na água, mais facilmente se processa a respiração dos peixes. O gás carbônico interferecom a absorção de oxigênio pelos peixes. Quanto mais alta a temperatura da água, maior o consumo de oxigênio pelos peixes. Peixes alimentados também consomem mais oxigênio do que peixes em jejum. Partículas de silte e argila, bem como a presença de parasitos e patógenos sobre as brânqueas prejudicam a respiraçào e podem causar asfixia nos peixes. 2.3 Excreção fecal. Parte do alimento ingerido não é digerido e/ ou absorvido pelos peixes e vai ser excretado como fezes dentro do próprio ambiente de cultivo. Estas fezes se decompõem por ação biológica, consumindo oxigênio e liberando nutrientes na água. Quanto melhor a digestibilidade do alimento, menor será a quantidade de resíduos fecais excretada. 2.4 Excreção nitrogenada. O ambiente aquático faz da excreção nitrogenada dos peixes um processo simples e de baixa demanda energética. A amônia é o principal resíduo nitrogenado excretado pelos peixes. A excreção da amônia ocorre via brânquias, por difusão direta para a água. Em mamíferos e aves há um considerável gasto de energia na transformação da amônia em uréia e ácido úrico, principais resíduos nitrogenados excretados por estes animais, respectivamente. A amônia surge como o principal resíduo Panorama da AQÜICULTURA, Janeiro/fevereiro, 1998 do metabolismo protéico dos peixes. Desta forma, alimentos com excessivo teor protéico e/ou com desbalanço na sua composição em aminoácidos (unidades formadoras das proteínas) aumentam a excreção de amônia pelos peixes. A amônia é tóxica aos peixes e medidas para evitar o acúmulo excessivo de amônia na água devem ser tomadas durante o cultivo. 3. O Uso da Água nos Sistemas Aquaculturais Quanto a intensidade de utilização ou renovação de água, os sistemas de produção intensiva de peixes podem ser classificados como: sistemas de água parada; sistemas com renovação de água; sistemas de recirculação de água. 3.1 Sistemas de água parada ou estáticos Os sistemas de água parada se caracterizam pela somente reposição das perdas devido à infiltração e à evaporação da água dos tanques e viveiros, os quais podem ser utilizados em dois ou mais ciclos de cultivo sem serem esvaziados. Este sistema é bastante usado onde o suprimento de água é limitado ou em situações em que o abastecimento dos tanques depende de bombeamento, o que pode onerar demasiadamente os custos de produção. A capacidade de produção dos sistemas de água parada gira ao redor de 4.000 a 12.000 kg de peixes/há, em função da espécie cultivada e da estratégia de produção adotada. 3.2 Sistemas com renovação de água Onde há adequada disponibilidade de água e o abastecimento pode ser feito por gravidade, muitos produtores optam pela utilização de sistemas com renovação de água. Nestes sistemas pode haver entrada e saída contínua de água (sistema contínuo) ou a renovação periódica de um certo volume de água dos tanques e viveiros (sistema intermitente). A renovação de água permite uma diluição na concentração de resíduos orgânicos e metabólicos, evitando uma excessiva eutrofização dos tanques e viveiros. De 10.000 a 30.000 kg de peixe/há de viveiro pode ser produzido, em função da espécie e da estratégia de produção adotada. Sistemas de alto fluxo. Salmonídeos (como exemplos a truta arco-íris, o salmão do Atlântico, o salmão Coho e o salmão rosa) são bastante exigentes em relação à qualidade da água. O mais tradicional dos sistemas de cultivo de salmonídeos utiliza tanques supridos com grande fluxo de água (os chamados “raceways”). Tilápias, carpas e bagre-do-canal, entre outras espécies, também são bastante cultivados em sistemas de alto fluxo. Cerca de 30 a 150kg de peixe/m 3 de volume de raceways podem ser produzidos, em função do fluxo de água e uso de aeração contínua. Considerando-se uma profundidade de 1m, cerca de 300 a 1.500 toneladas de peixe podem ser produzidos por hectare de raceway. 3.3 Sistemas de recirculação de água Os sistemas de recirculação de água são adequados quando o objetivo é produzir um grande volume de peixes sob limitações quanto ao uso ou disponibilidade da água e área. Como o sistema é praticamente fechado, embora periodicamente possa haver uma troca parcial ou mesmo total da água do sistema, é inevitável o acúmulo de resíduos orgânicos e metabólicos. Unidades de filtração mecânica e biológica e aeradores são instalados em série para remover os sólidos da água, promover a transformação microbiológica da amônia e do nitrito (substâncias tóxicas aos peixes) em nitratos, e repor o 37 Panorama da AQÜICULTURA, Janeiro/fevereiro, 1998 oxigênio consumido e eliminar o excesso de gás carbônico acumulado na água do sistema. A capacidade de produção destes sistemas gira ao redor de 20 a 70 kg/m 3 , em função da espécie, da capacidade de renovação de água e do nível tecnológico adotado pelo produtor. Sistemas de recirculação de água também são usados para garantir a sobrevivência de espécies de peixes tropicais em regiões onde o inverno é rigoroso. Neste caso, faz-se uso de um sistema fechado de recirculação de água em estufas plásticas aproveitando a energia solar para aquecimento. Aquecimento elétrico e o uso de fontes geotérmicas de água, quando existentes, são alternativas para assegurar uma adequada temperatura na água durante o inverno. A função principal da recirculação de água, neste caso, é minimizar as perdas de calor do sistema, mantendo a temperatura em níveis satisfatórios com menor gasto de energia. As discussões que se seguem enfocarão, basicamente, o manejo da qualidade da água em tanques e viveiros em sistemas de água parada ou sistemas de renovação intermitente de água. Alguns aspectos relacionados aos sistemas de alto fluxo serão discutidos oportunamente. e metabólitos, causando a morte do embrião em desenvolvimento. Uma aeração vigorosa, seguida por um período de decantação, auxiliam na precipitação do hidróxido de ferro, melhorando a qualidade destas águas para uso em incubatórios. 5. Indicadores de Qualidade da Fonte de Água 4. Fontes de Água para Piscicultura O adequado suprimento de água de boa qualidade é fundamental para o sucesso de explorações aquaculturais. A seguir é apresentada uma discussão sobre a qualidade e limitações quanto ao uso das diversas fontes de água utilizadas em aqüicultura. 4.1. Águas superficiais Rio, lagos naturais, açudes e córregos são exemplos de fontes superficiais de água usadas em piscicultura. Tais águas geralmente apresentam concentrações de oxigênio e gás carbônico próximas à saturação, sendo adeuqdas à vida dos peixes, excetuando-se os casos em que haja contaminação com resíduos agrícolas (pesticidas, herbicidas, e argila e silte em suspensão devido aos processos erosivos), industriais e urbanos (domésticos e hospitalares). A composição química de algumas fontes de águas superficiais são apresentadas na tabela 1. A temperatura das águas superficiais flutua de acordo com a hora do dia e época do ano, podendo restringir o cultivo de alguns peixes. Águas superficiais também podem trazer peixes e outros organismos indesejáveis ao ambiente de cultivo, sendo necessária a proteção das linhas de abastecimento com filtros e telas. 4.2. Águas subterrâneas As águas provenientes de minas e poços (originária de lençóis freáticos) têm sido usadas no abastecimento de sistemas aquaculturais.Água subterrâneas. Geralmente estas águas apresentam baixa concentração de oxigênio dissolvido e altos níveis de gás carbônico, necessitando de aeração ou exposição ao ar através de represamento ou percorrendo canais abertos antes de abastecer os sistemas de criação. Águas subterrâneas apresentam temperatura praticamente constante durante o ano. Águas de poços e minas podem conter elevados teores de íons reduzidos de ferro que rapidamente se oxidam quando em contato com o ar, formando precipitados de hidróxido de ferro. Tais precipitados são prejudiciais em encubatórios, pois podem recobrir a superfície dos ovos e impedir as trocas de gases 38 5.1 Presença de vida A exigência de peixes e outras formas de vida é um forte indicativo da qualidade de uma fonte de água para piscicultura. Técnicos e piscicultores devem desconfiar da qualidade de águas superficiais desprovidas de organismos vivos. Os fatores limitantes devem ser identificados e corrigidos com práticas economicamente viáveis para adequação desta água à piscicultura. 5.2 Temperatura A exigência em temperatura depende da espécie de peixe e fase de desenvolvimento em que este se encontra (ovo, larva, póslarva ou juvenil). As espécies tropicais normalmente apresentam ótimo crescimento a temperaturas de 28 a 32 0 C. Temperaturas mínimas e máximas da água devem ser conhecidas de modo a determinar a viabilidade do cultivo de uma espécie em particular. 5.3 Concentração hidrogeniônica da água (pH) O pH é definido como o logarítimo negativo da concentração (em mols/L) dos íons H + na água. Os valores de pH da água indicam se esta possui reação ácida ou básica. H 2O + H2O = H 3O+ + OH - ou H2O = H + + OH PH = - log [H +] Panorama da AQÜICULTURA, Janeiro/fevereiro, 1998 A escala de pH compreende valores de 0 a 14. Como regra geral, valores de pH de 6,5 a 9,0 são mais adequados à produção de peixes. Valores abaixo ou acima desta faixa podem prejudicar o crescimento e a reprodução e, em condições extremas, causar a morte dos peixes. Os valores de pH podem variar durante o dia em função da atividade fotossintética e respiratória das comunidades aquáticas, diminuindo em função do aumento na concentração de gás carbônico (CO2) na água. No entanto, o CO2 , mesmo em altas concentrações, não é capaz de abaixar o pH da água para valores menores que 4,5. Condições de pH abaixo de 4,5 resultam da presença de ácidos minerais como os ácidos sulfúrico (H 2 SO4), clorídrico (HCl) e nítrico (HNO3). Método de determinação : o pH pode ser medido usndose papéis indicadores de pH ou kits colorimétricos com uso de indicadores em gotas ou, de forma mais precisa, com aparelhos eletrônicos de maior precisão ( “pH meters”). 5.4 Alcalinidade total Este parâmetro se refere à concentração total de bases tituláveis da água. Embora a amônia, os fosfatos, os silicatos e a hidroxila (OH -) se comportem como bases contribuindo para a alcalinidade total, os íons bicarbonatos (HCO3 -) e carbonatos (CO3=) são os mais abundantes e responsáveis por praticamente toda a alcalinidade nas águas dos sistemas aquaculturais. A alcalinidade total é expressa em equivalentes de CaCO3 (mg de CaCO3 / L). O ácido carbônico (H2CO3) é um produto da reação ácida do CO2 na água. A ionização do ácido carbônico é o processo desencadeador da formação do íon bicarbonato, como ilustrado a seguir: CO2 + H2O = H2CO3 H2CO3 = H + + HCO3O íon bicarbonato age como base formando CO2 e H 2O, ou como ácido, dissociando-se para formar o íon carbonato, como se segue: HCO3 - = CO2 + H2O ; reação como base HCO3- = H + + CO3= ; reação como ácido O íon carbonato (CO3 = ) reage como uma base, dissociando-se para produzir hidroxila e íon bicarbonato: CO3 = + H2O = HCO3- + OH Menos de 1% de todo o CO2 dissolvido na água forma ácido carbônico. No entanto, águas naturais contém muito mais íons bicarbonatos do que seria possível apenas com a ionização do ácido carbônico presente no sistema. Isto se explica pela direta reação do CO2 com rochas e solo, formando íons bicarbonato: Calcita CaCO3 + CO2 + H2O = Ca2+ + 2HCO3Dolomita CaMg(CO3) 2 + 2CO2 + 2H2O = Ca2+ + Mg 2+ + 4HCO3Íons bicarbonato também são formados num processo de troca iônica de íons Ca2+ por íons H + no lodo (substrato) dos viveiros, na presença de CO2 39 Panorama da AQÜICULTURA, Janeiro/fevereiro, 1998 CO2 + H2O = H+ + HCO3Lodo-Ca2+ + H+ = Lodo-H + + Ca2+ Lodo-Ca2+ + CO2 + H2O = Lodo-H + + Ca2+ + HCO3A alcalinidade total está diretamente ligada à capacidade da água em manter seu equilíbrio àcido-básico (poder tampão da água). Águas com alcalinidade total inferior à mg CACO3/L apresentam reduzido poder tampão e podem apresentar significativas flutuações diárias nos valores de pH em função dos processos fotossintético e respiratório nos sistemas aquaculturais. Método de determinação A alcalinidade total é determinada através de um processo titulométrico, em laboratório ou no campo. Tal princípio de análise é utilizado em kits de análise de água e segue descrito a seguir: 1) coletar uma amostra de 100mL da água a ser analisada; 2) adicionar 4 gotas de um indicador a base de fenolftaleína; se a água ficou incolor (pH<8,3), prossiga com o ítem 3; se a água ficou rosa (pH>8,3) prossiga com o passo 4. 3) Adicionar 4 gotas do indiciador alaranjado de metila (methyl orange) e titular a amostra com a solução de ácido clorídrico (HCl) 0,0163N até a água mudar de coloração do amarelo para o laranja (pH = 4,3). Multiplicar o volume de ácido utilizado por 10,1 para obter a alcalinidade total da água (em mg CaCO3/L), neste caso devida exclusivamente à presença de íonss bicarbonatos. 4) Titular a amostra com uma solução de HCl 0,0163N até a coloração 40 da água mudar de rosa para incolor (pH = 8,3). Anotar o volume (P) de ácido utilizado. Prossiga com o passo 5 5) Adicione a mesma amostra 3 gotas do indicador alaranjado de metila e titule com HCl 0,0163N até a mudança de cor do amarelo para o laranja (pH = 4,3). Anotar o volume (B) de ácido utilizado. 6) Fazer os seguintes cálculos: a) se B = 0, então P x 22,5 é o valor da alcalinidade total (em mg CaCO3/L), neste caso devido, exclusivamente, a presença de íons hidroxila (OH -). b) se B - P = 0, então P x 10 é o valor da alcalinidade total (em mg CaCO3/L), neste caso devido, exclusivamente, a presença de íons carbonato (CO3 =). c) se B - P = C, então P x 10 é o valor da alcalinidade (em mg CaCO3/L) devido à presença de íons carbonato (CO3 =) e C x 10,1 é o valor da alcalinidade (em mg CaCO3/L), neste caso devido à presença de íons bicarbonato (HCO3-). A soma destes dois resultados indica o valor da alcalinidade total da água. 5.5. Dureza total: a dureza total representa a concentração de íons metálicos, principalmente os íons de cálcio (Ca2+) e magnésio (Mg 2+) presentes na água. A dureza total da água é expressa em equivalentes de CaCO3 ( mg CaCO3/L). Em águas naturais, os valores de dureza total geralmente se equiparam a alcalinidade total, ou seja, Ca2+ e Mg 2+ praticamente se encontram associados aos íons bicarbonatos e carbonatos. No entanto, exixtem águas de alta alcalinidade e baixa dureza, nas quais parte dos íons bicarbonatos e carbonatos estão associados aos íons Na+ e K+ ao invés de Ca2+ e Mg 2+ . Em águas onde a dureza supera a alcalinidade, Panorama da AQÜICULTURA, Janeiro/fevereiro, 1998 parte dos íons Ca e Mg se encontram associados à sulfatos, nitratos, cloretos e silicatos. 2+ 2+ Método de determinação: a dureza total da água é determinada através de método titulométrico, mesmo princípio utilizado pelos kits de análise de água, como descrito a seguir: 1) coletar 50 mL de amostra de água e transferir para um Erlenmeyer. Adicionar 1 mL de solução tampão e misturar. A solução tampão é preparada misturando-se 67,5 ml de cloreto de amônia e 570 mL de hidróxido de amônia em balão volumétrico, completando o volume da solução para 1L com água destilada. 2) Adicionar 4 gotas do indicador Eriocromo negro ‘T’ e titular com solução de EDTA sódico ( solução contendo 4g do sal etilenodiamino tetracético dissódico e 0,1g de cloreto de magnésio hexahidratado e diluída a 1L com água destilada). A mudança de cor do vermelho-vinho para azul puro indica o final da titulação. Multiplicar por 20 o volume de EDTA usado para obter o valor da dureza total da água, expressa em mg de CaCO3/L. 5.6. Gás carbônico (CO2): comparativamente ao nitrogênio e argônio, o CO2 está presente em baixa proporção na atmosfera (tabela 3). Portanto, mesmo sendo altamente solúvel, as concentrações de CO2 na água são bastante baixas. A água pura saturada com CO2 a 250 C (760 mmHg) tem uma concentração de CO2 de 0.46 mg/L. A respiração das algas, das macrófitas, dos peixes e do zooplâncton, bem como os processos microbiológicos de decomposição da matéria orgânica são as fontes importantes de CO2 nos sistemas aquaculturais. Ao longo do cultivo, a respiração pode exceder a atividade fotossintética ( importante mecanismo de remoção do CO2), aumentando consideravelmente a concentração de CO2 no sistema, a qual pode ultrapassar facilmente os valores de 25 mg/L. Método de determinação: a concentração de gás carbônico na água pode ser determinada por um processo titulométrico, em laboratório ou no campo. Este mesmo princípio de análise é utilizado nos kits práticos de análise de água. Tal processo é descrito a seguir: 1) coletar duas amostras de água de 20mL e adicionar 3 gotas de indicador base de alaranjado de metila (methyl orange) a uma delas e 3 gotas de indicador a base de fenolftaleína a outra. Se a CO2 amostra (alaranjado de metila) ficou amarela e a segunda (fenolftaleína) incolor, então há CO2 livre na água. 2) pipetar 200mL da mesma amostra e colocar em um Erlenmeyer. Adicionar 10 gotas de indicador a base de fenolftaleína. 3) titular a mostra com carbonato de sódio 0,0454N até obter uma coloração rosa claro ou pH de 8,3 na amostra. A concentração de CO2 em mg/L, é calculada multiplicando por 5 o número de mL de carbonato de sódio utilizado na titulação. 5.7. Amônia e nitrito: a amônia (NH3) é um metabólito proveniente da excreção nitrogenada dos peixes e outros organismos aquáticos e da decomposição microbiana de resíduos orgânicos ( restos de alimento, fezes e adubos orgânicos). A aplicação de fertilizantes nitrogenados amoniacais (sulfato de amônia, nitrato de amônia e os fosfatos monoamônicos e diamônicos - MAP e DAP) e uréia também contribui para o aumento da concentração de amônia na água. O nitrito (NO2 -) é um metabólito intermediário do processo de nitrificação, durante o qual a amônia é oxidada a nitrato ( NO3 -) através de ação de bactérias do gênero Nitrosomonas e Nitrobacter. Condições de baixo oxigênio dissolvido prejudicam o desempenho da bactéria do gênero Nitrobacter, favorecendo o acúmulo de nitrito na água. Métodos de determinação: a concentração de amônia e nitrito na água pode ser determinada através de métodos colorimétricos, como os utilizados pelos kits de análises de água. Determinações sem o auxílio destes kits exigem equipamentos de alto custo, como os espectrofômetros, disponíveis apenas em laboratórios mais sofisticados. 5.8. Transparência da água e o uso do disco de Secchi: a transparência (capacidade de penetração da luz) da água pode ser usada como um indicativo da densidade planctônica e da possibilidade de ocorrência de níveis críticos de oxigênio dissolvido durante o período noturno. Sob condições de transparência maiores que 40 cm, medida com o disco de Secchi ou com a imersão de qualquer objeto na coluna d’água, é muito rara a ocorrência de níveis de OD abaixo de 2 mg/l em viveiros estáticos com biomassa de peixes ao redor de 4.500 kg/ha. Águas com tansparência maior que 60 cm permitem a penetração de grande quantidade de luz em profundidade, favorecendo o crescimento de plantas aquáticas submersas e algas filamentosas. Portanto, na ausência de um oxigenômetro e de um sistema de aeração de emergência, recomenda-se manter a transparência da água entre 40 e 60 cm. Se os valores de transparência forem próximos ou menores que 40 cm, deve se interromper ou reduzir os níveis de arraçoamento diário ou as dosagens de fertilizantes e estercos aplicados, bem como aumentar o intervalo entre aplicações. Promover a renovação da água, quando possível, auxilia no ajuste dos volumes de tranparência. Próximas Edições: ParteII edição 46 . O metabolismo do fitoplâncton . Componentes e funcionamento do sistema tampão bicarbonatocarbono . Monitoramento da qualidade da água . Correção da qualidade da água . Origem e reciclagem dos resíduos orgânicos e metabólitos . Qualidade do alimento e qualidade da água Pare III edição 47 . A dinâmica do oxigênio dissolvido . Aeração de tanques e viveiros . Qualidade da água em sistemas de alto fluxo 41 Panorama da AQÜICULTURA, maio/junho, 1998 Qualidade da Água na Produção de Peixes - Parte III (Final) Por Fernando Kubitza, especialista em Nutrição e Produção de Peixes, mestre em Agronomia pela ESALQ – USP e Ph.D em aqüicultura pela Auburn University - Alabama, USA. Atualmente ocupa o cargo de Coordenador do Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento do Projeto Pacu/Agropeixe. · A dinâmica do oxigênio dissolvido nos sistemas aquaculturais · Aeração de tanques e viveiros do ar para a água. Quando Ca for maior que Cs, ocorre difusão do O2 da água para o ar. Quanto maior o gradiente entre Ca e Cs, maior a taxa de difusão de O2 entre a água e o ar. Tabela 9. Solubilidade do oxigênio (em mg/l) em função da temperatura e da salinidade da água · Qualidade da água em sistemas de alto fluxo. 12. A dinâmica do oxigênio dissolvido nos sistemas aquaculturais O oxigênio é essencial à vida dos organismos aquáticos e baixas concentrações de oxigênio dissolvido na água podem causar atraso no crescimento, redução na eficiência alimentar dos peixes, aumento na incidência de doenças e na mortalidade dos peixes, resultando em sensível redução na produtividade dos sistemas aquaculturais. Entender os fatores que afetam a dinâmica do oxigênio nos sistemas aquaculturais é fundamental ao manejo econômico da produção de peixes. 12.1. Solubilidade do oxigênio na água. Em equilíbrio com a atmosfera, a solubilidade do oxigênio na água reduz com o aumento da temperatura e salinidade da água e com a redução na pressão barométrica (aumento da altitude) do local. O efeito da temperatura e da salinidade na solubilidade do oxigênio na água, em condições de equilíbrio com a atmosfera, é ilustrado na tabela 9. A pressão parcial do oxigênio na atmosfera pode ser calculada multiplicando-se a pressão atmosférica pela percentagem de O2 na atmosfera para uma dada condição de temperatura do ar. Cerca de 21% de oxigênio existe na atmosfera a 0oC. Portanto, a pressão parcial do oxigênio é 760 mmHg x 0.21= 159.6 mmHg. A difusão de oxigênio da atmosfera para a água, ou viceversa, ocorre quando houver um diferencial de pressão de O2 entre o ar e a água. A água é dita saturada em O2 quando a concentração de oxigênio dissolvido é aquela teoricamente possível sob as condições de temperatura, salinidade e pressão barométrica existentes. Esta concentração é chamada “concentração de saturação” (Cs). Como exemplo, podemos observar na tabela 9 que a Cs do O2 a uma temperatura de 26oC e salinidade igual a zero é de 8.09 mg/l. De uma forma geral, quando a concentração atual de oxigênio na água (Ca) for menor que a Cs, ocorre difusão do O2 NE - Devido a sua extensão, a Panorama da AQÜICULTURA está publicando em três edições consecutivas a íntegra desse artigo. Nesta edição publicamos a terceira e última parte. A água pode se encontrar subsaturada ou super saturada com oxigênio. A percentagem de saturação de O2 na água é calculada como segue: % Saturação O2 = (Ca/Cs) x 100 Muitas espécies de peixes podem tolerar concentrações de O2 dissolvido em torno de 2 a 3 mg/l. por períodos prolongados. Salmonídeos podem tolerar níveis de 4 a 5 mg/l. No entanto, o peixe se alimenta melhor, apresenta melhor condição de saúde e cresce mais rápido quando os níveis de O2 dissolvidos são próximos à saturação. Supersaturação da água com oxigênio não causa um aumento na produção de peixes, nem sequer uma melhora na eficiência alimentar dos mesmos. No entanto, a supersaturação pode ser desejada para compensar a respiração dos peixes sob condições de elevados níveis de gás carbônico na água. Supersaturação excessiva da água com gases, incluindo o O2, pode resultar numa condição chamada “Trauma da Bolha de Gás” (Gas Bubble Disease - GBD) . Quando a diferença (DP) entre a pressão total de gases (PTG) e a pressão barométrica (PB) na água for em torno de 50 a 200 mmHg as condições são favoráveis à ocorrência de GBD. 35 Panorama da AQÜICULTURA, maio/junho, 1998 DP = PTG - PB DP = (PO2 + PN2 + PCO2 + PH2O) - PB Os sintomas de GBD são: formação de bolhas de gás e enfizemas no sangue e nos tecidos, bolhas de gás no intestino e na cavidade bucal, ruptura da bexiga natatória causada por uma excessiva inflagem das mesmas, hemostasia (obstrução dos vasos sanguíneos), exoftalmia (olhos saltados), entre outros. A taxa de mortalidade varia de 50 a 100%. Várias são as condições que podem causar supersaturação de gases na água, entre elas: 1) Atividade fotossintética intensa; 2) Rápida elevação na temperatura da água. Águas de minas ou poços são frias e concentradas em gases. Quando em contato com a atmosfera mais quente, um aumento repentino na temperatura cria condições de supersaturação de gases nestas águas; 3) Águas abaixo de cachoeiras ou quedas d’água podem estar supersaturadas com gases; 4) Águas superficiais durante o inverno podem estar saturadas com gases. A percolação através do solo pode resultar em aquecimento destas águas, causando uma supersaturação de gases nas mesmas. Níveis de saturação de oxigênio acima de 300% pode resultar em massiva mortalidade de peixes devido à GBD. É comum a ocorrência de supersaturação de gases nas águas de viveiros. No entanto, mortalidade de peixes devido à GBD não é frequentemente observada sob condições de cultivo em viveiros. A supersaturação de gases nos viveiros, particularmente o oxigênio, é restrita às camadas mais superficiais onde a penetração de luz é adequada aos intensos processos fotossintéticos. O peixe encon Publicações Técnicas Pedidos pelo telefone/fax (067) 721-1220 Preço: R$ 15,00 (cada) Qualidade da Água na Produção de Peixes de Fernando Kubitza Principais Parasitoses e Doenças dos Peixes Cultivados de Fernando Kubitza Transportes de Peixes Vivos de Fernando Kubitza Nutrição e Alimentação dos Peixes Cultivados de Fernando Kubitza Planejamento da Produção de Peixes de Kubitza, Lovshin, Ono e Sampaio Manejo de Sistemas de Pesca Recreativa de Fernando Kubitza Cultivo de Peixes em Tanques Rede de Eduardo Ono 37 Panorama da AQÜICULTURA, maio/junho, 1998 12.2. Consumo de oxigênio pelos peixes. O consumo de oxigênio varia com a espécie, o tamanho, o estado nutricional e o grau de atividade dos peixes, a concentração de oxigênio e a temperatura da água, entre outros. Na tabela 10 são resumidos alguns fatores ou condições que afetam o consumo de oxigênio em algumas espécies de peixes. De acordo com os dados da tabela 10 pode-se concluir que: 1) o consumo de oxigênio é praticamente duplicado a cada 10oC de aumento na temperatura da água; 2) o consumo de oxigênio aumenta sensivelmente após as refeições e com o nível de atividade dos peixes; 3) sob condições iguais de biomassa, peixes pequenos consomem mais oxigênio comparado a peixes grandes. A equação a seguir pode ser usada para estimar o consumo de oxigênio de espécies de peixes de clima tropicais, bastando conhecer o peso (em gramas) do animal: Consumo de oxigênio (mg O2/h/kg) = (1.000/peso) x (peso)0.82 Tabela 10. Fatores ou condições que afetam o consumo de oxigênio (em mg/h/kg de peixe) em diferentes espécies de peixes. em sistemas de água parada ou de pequena renovação de água. Devido ao balanço entre a atividade fotossintética do fitoplâncton e a atividade respiratória das diferentes comunidades aquáticas (plâncton, peixes e organismos bentônicos), os níveis de oxigênio dissolvido (OD) nos sistemas aquaculturais flutuam diuturnamente. Quanto maior a biomassa planctônica, maior a amplitude desta variação (Figura 3). Oxigênio dissolvido (mg/l) tra um abrigo nas camadas mais profundas dos viveiros, onde excessiva supersaturação de gases é improvável. No entanto, durante as fases de larvicultura quando as larvas, que possuem movimentação restrita e lenta, se encontram confinadas aos extratos superfíciais dos viveiros, mortalidade devivo à GBD pode ser importante. Figura 3. Variação diária na concentração de oxigênio dissolvido na água de viveiros com alta, moderada e baixa biomassa planctônica. Horário do dia 12.4. Nível de arraçoamento e oxigênio dissolvido. Níveis de arraçoamento acima de 50 kg de ração/ha/dia estão associados com um aumento na ocorrência de níveis críticos de oxigênio dissolvido em tanques e viveiros, reduzindo a sobrevivência e a eficiência alimentar dos peixes (Tabela 8 p.26; Tabela 11). Tabela 11. Efeito do nível de arraçoamento na concentração média de oxigênio dissolvido (OD) ao amanhecer, na sobrevivência e performance produtiva do bagre-do-canal estocados em viveiros sob diferentes densidades (Tucker et al. 1979). Os níveis de oxigênio dissolvido em viveiros de água parada recebendo mais de 50 kg de ração/ha/dia devem ser monitorados diariamente e equipamentos para aeração de emergência devem estar disponíveis. 1 Valores entre parênteses indicam consumo de manutenção dos peixes. 12.3. Flutuações diuturnas nos níveis de oxigênio em viveiros Como discutido anteriormente, o plâncton é tanto o principal produtor como o maior consumidor de O2 nos tanques e viveiros 38 12.5. Predição da ocorrência de níveis críticos de oxigênio. A dinâmica do oxigênio em tanques e viveiros é bastante complexa. Pesquisas têm sido feitas no sentido de identificar e quantificar os diversos fatores envolvidos no balanço do oxigênio nos sistemas aquaculturais, para melhor prever a ocorrência de concentrações mínimas de O2 dissolvido em tanques e viveiros. Em síntese, a concentração de oxigênio é resultante da atividade metabólica dos diferentes organismos aquáticos, mais especificamente do balanço entre os processos fotossintéticos e a atividade respiratória dos diferentes organismos. A difusão do O2 entre o ar e a água também Panorama da AQÜICULTURA, maio/junho, 1998 participa neste balanço, que pode ser resumido na seguinte equação: ODágua = ODinicial ± ODdifusão + ODsíntese - ODplâncton - ODpeixes - ODbentos Concentrações críticas de oxigênio dissolvidos são, geralmente, observadas durante a madrugada e amanhecer em viveiros com alta densidade planctônica. A predição da ocorrência de níveis críticos de oxigênio dissolvido é fundamental no manejo da aeração de tanques e viveiros sob cultivo intensivo. Três métodos básicos foram propostos para a previsão de níveis críticos de oxigênio dissolvido em viveiros durante as primeiras horas da manhã. O primeiro deles se baseia no uso de uma equação (“Equação Noturna”) onde variáveis como consumo de oxigênio pelo plâncton, pelos peixes e por organismos bentônicos, bem como a taxa de difusão do oxigênio entre o ar e a água devem ser fornecidas. A complexidade e a não praticidade da Equação Noturna podem ser vislumbradas de imediato, razões pelas quais este método não é utilizado por produtores. O segundo método baseia-se na leitura da concentração de oxigênio dissolvido ao final da tarde (pôr do sol), nos valores de transparência da água, medidos com o auxílio do disco de Secchi, e na temperatura da água dos viveiros. Baseado nestas três variáveis e na biomassa de peixes estocada, usa-se de algumas tabelas para se determinar o valor mínimo de transparência da água para garantir uma concentração mínima de 2mg/l. de oxigênio dissolvido ao amanhecer. Se a transparência mínima for maior que a transparência do viveiro obtida com o disco de Secchi, há uma grande probabilidade de ocorrência de concentrações de oxigênio menores que 2 mg/l. Portanto, a aeração dos viveiros deve ser providenciada. Embora um pouco mais simples que o método da Equação Noturna, o uso deste segundo método necessita de informações mais detalhadas sobre as condições dos viveiros (transparência e biomassa estocada), bem como a determinação da concentração de oxigênio ao final da tarde. Também é necessário que o produtor entenda como usar as tabelas de transparência mínima, o que é pouco prático. O terceiro método, bastante popular e efetivo na predição de níveis críticos de oxigênio dissolvido, baseia-se na tomada de duas leituras da concentração de oxigênio na água de cada viveiro durante o período noturno, a um intervalo de 2 a 3 horas. Com a diferença entre estas concentrações, faz-se uma projeção linear de queda dos níveis de oxigênio, prevendo o horário de ocorrência de níveis críticos de oxigênio dissolvido. Este método é bastante seguro, até mesmo conservativo, pois as concentrações reais de oxigênio dissolvido ao amanhecer ficam, normalmente, um pouco acima dos valores previstos. 13. Aeração de tanques e viveiros Os processos fotossintéticos do fitoplâncton e a respiração dos organismos aquáticos (plâncton, peixes, bentos e microorganismos) causam flutuações diuturnas na concentração de oxigênio e gás carbônico dissolvidos na água. Em sistemas aquaculturais de água parada ou de pequena renovação de água, a excessiva entrada de nutrientes via alimento ou adubação favorece o desenvolvimento de uma densa população planctônica, acentuando ainda mais as flutuações nos níveis de oxigênio dissolvido. Baixas concentrações de oxigênio dissolvido combinadas à níveis elevados de gás carbônico são frequentemente observadas durante o período noturno, prejudicando o desenvolvimento normal ou, até mesmo, causando massiva mortalidade de peixes. A aeração dos tanques e viveiros é fundamental para a manutenção de níveis adequados de oxigênio dissolvido, aumentando a sobrevivência e a performance produtiva dos peixes. 13.1. Aeração de emergência, suplementar ou contínua. A aeração de emergência baseia-se no monitoramento diário dos níveis de oxigênio durante o período noturno e acionamento dos sistemas de aeração sempre que forem previstos níveis de oxigênio menores que 2 a 3 mg/l. Os aeradores são acionados durante a madrugada, uma ou duas horas antes destes níveis serem atingidos, e permanecem ligados por períodos de 4 a 6 horas. Os aeradores são desligados uma ou duas horas após o nascer do sol, quando suficiente luz está disponível para estimular os processos fotossintéticos do fitoplâncton. A aeração suplementar consiste no acionamento diário dos aeradores, durante o período noturno, independente da projeção dos níveis críticos de oxigênio dissolvido. A aeração contínua consiste na aplicação ininterrupta de aeração durante todo o cultivo ou apenas nas fases de manutenção de alta biomassa e elevados níveis de arraçoamento. Aeração contínua é bastante utilizada em tanques para cultivo intensivo 39 Panorama da AQÜICULTURA, maio/junho, 1998 (raceways ou tanques circulares), principalmente em sistemas com recirculação (reuso) da água. Aeração contínua demanda maior consumo de energia e não traz benefício adicional sobre a aeração suplementar ou de emergência em viveiros. A aeração contínua pode ainda causar um aumento excessivo na turbidez mineral da água, prejudicando o desenvolvimento do fitoplâncton, interferindo com a dinâmica do oxigênio dissolvido na água e a remoção de metabólitos tóxicos como a amônia e o CO2. Partículas minerais em suspensão na água pode causar danos ao epitélio branquial dos peixes facilitando a entrada de organismos patogênicos e o estabelecimento de doenças. usados e uma comparação entre o desempemho dos mesmos. Os valores da taxa padrão de transferência de oxigênio (SOTR) dependem da potência do sistema de aeração e podem ser calculados em testes específicos para desempenho de aeradores, como proposto por Boyd (1990). A grande variação nos valores de SOTR dentro de um mesmo grupo de aeradores (Tabela 12) resulta das diferenças de potência entre os aeradores testados. Em contraste, os valores da eficiência padrão de aeração (SAE) apresentam menor variação devido considerarem a potência de cada sistema, ou seja, a SAE é calculada dividindo-se a SOTR pela potência do aerador. Aeração de emergência versus aeração suplementar: Steeby e Tucker (1988) compararam a aeração de emergência com a aeração suplementar diária onde eram aplicadas 6 horas de aeração durante o período noturno em viveiros com bagre-docanal. Cerca de 641 horas de aeração de emergência foram usadas, comparadas à 1.372 horas de aeração noturna contínua. A produção e conversão alimentar médias do bagre de canal foi de 7.000 kg/ ha e 1.60 em viveiros com aeração de emergência, comparadas a valores de 6.700 kg/ha e 1.59, respectivamente, em viveiros com aeração contínua. Aeração de emergência é prática bastante popular entre os piscicultores norte-americanos. Uma aeração de emergência bem conduzida garante, com segurança, a manutenção de níveis de oxigênio dissolvido acima do nível crítico estipulado como base para se proceder a aeração. Por exemplo, Kubitza (1995) usou aeração de emergência todas as vezes em que níveis de oxigênio dissolvido abaixo de 3 mg/l eram previstos em tanques para cultivo intensivo do black bass Micropterus salmoides. As concentrações médias de oxigênio dissolvido ao amanhecer foram acima de 4 mg/l.. Níveis de oxigênio dissolvido abaixo de 3 mg/l. foram observados esporadicamente em alguns tanques. O nível mais baixo de oxigênio registrado foi 1,8 mg/l. e ocorreu apenas uma noite, em apenas um tanque. Biomassas de 2.700 a 7.200 kg/ ha foram obtidas, com níveis de arraçoamento de até 90 kg/ha/dia sendo mantidos durante oito dias consecutivos. Durante o período de verão, tanques estocados em alta densidade, recebendo acima de 60 kg de ração/ha/dia, necessitaram de aeração de emergência frequentemente. Tanques recebendo de 80 a 90 kg de ração/ha/ dia receberam aeração de emergência quase todas as noites durante o verão. Cole e Boyd (1986) observaram o efeito do nível de arraçoamento na necessidade de aeração em viveiros de produção de bagre-do-canal. Aeração de emergência era acionada sempre que os níveis de oxigênio dissolvido ao amanhecer fossem estimados abaixo de 2 mg/l.. Aeração de emergência foi utilizada quase todas as noites em viveiros recebendo 112 kg ou mais de ração/ ha/dia. Viveiros recebendo até 56 kg de ração/ha/dia raramente necessitaram de aeração de emergência. Mesmo capaz de manter adequada concentração de oxigênio dissolvido na água, a aeração não permite aumentar a produção dos sistemas aquaculturais sem limite. Altas produções exigem níveis elevados de arraçoamento, resultando no acúmulo excessivo de metabólitos tóxicos como a amônia e o nitrito, que eventualmente passam a reduzir o consumo de alimento, o crescimento e a eficiência alimentar dos peixes. Tabela 12. Taxa padrão de transferência de oxigênio (SOTR) e eficiência padrão de aeração (SAE) de diferentes aeradores (Boyd e Ahmad 1987). 13.2. Tipos de aeradores. Diversos mecanismos e equipamentos têm sido usados para efetuar a aeração em tanques e viveiros. A tabela 12 relaciona os principais sistemas de aeração e aeradores 40 Em geral, aeradores de pás são mais eficientes na transferência de oxigênio do que os demais aeradores. No entanto, existem modelos de aeradores de pás menos eficientes que alguns propulsores de ar, bombas verticais e bombas aspersoras. Aeradores elétricos Aeradores de pás são aeradores com um corpo cilíndrico revolto por linhas de pás. O corpo cilíndrico é movido por um motor elétrico acoplado a um mecanismo de redução da velocidade, garantindo uma velocidade de 80 a 90 rpm. Normalmente é necessário 1 kW de potência para cada 40 a 50 cm de comprimento do corpo cilíndrico do aerador de pás. O diâmetro do corpo cilíndrico mais a extensão das pás devem ter aproximadamente 91 cm para aeradores de pás maiores que 2 kW ou 60 cm para aeradores de pás de menor potência. Os aeradores de pás são sustentados na água com o auxílio de uma estrutura flutuante que pode ser feita com tambores de plástico ou de metal, com tubos de PVC, blocos de isopor, entre outros materiais. Esta estrutura deve permitir a regulagem das pás a uma profundidade de 9 a 11 cm abaixo da linha d’água. As pás podem ser feitas em metal ou poliuretano, ou qualquer outro material de boa resistência e devem ter, de preferência, 10 a 15 cm de largura e apresentar uma seção de formato triangular com um ângulo interno de 120 a 135o. As pás devem ter uma disposição espiralada ao longo do corpo cilíndrico do aeradore de pás, garantindo uma constante área de pás em contato com a água, evitando assim uma variação no torque do motor. Com a rotação do corpo cilíndrico, as pás espirram a água para o ar, efetivando, deste modo, a aeração da mesma. A potência exigida aumenta linearmente com o aumento na profundidade das pás, com o aumento no diâmetro e no comprimento do corpo cilíndrico e com o aumento na velocidade de rotação do aeradores de pás. Propulsores de ar consistem de um motor elétrico de 3.450 rpm, que aciona um eixo com uma hélice em sua extremidade final. Este eixo está envolto por uma camisa metálica oca que tem aberturas que possibilitam a passagem do ar atmosférico para o interior da camisa. Ao final da camisa existe uma estrutura difusora. Com Panorama da AQÜICULTURA, maio/junho, 1998 a rotação do eixo e a aceleração da água causada pela rotação da hélice, ocorre uma queda na pressão dentro da camisa, favorecendo a entrada do ar, impulsionado pela própria pressão atmosférica, o qual é forçado através da estrutura difusora e injetado na forma de pequenas bolhas próximo à área de turbilhonamento da água causada pela rotação da hélice. Os propulsores de ar usados em aquicultura possuem motores menores que 7.5 kW (10 hp). Bombas verticais possuem um motor elétrico protegido dentro de um cilindro metálico, o qual fica submerso na água. Ao eixo do motor é adaptada uma hélice que impulsiona a água verticalmente, a qual, em contato com o ar, recebe a aeração. Bombas verticais com potência de 0.37 kW a 3 kW (0.5 a 4 hp) são mais comumente usadas em sistemas aquaculturais. A rotação do motor varia de 1.730 a 3.450 rpm. Bombas aspersoras consistem de bombas de alta pressão que impulsionam a água através de uma estrutura de descarga com um ou mais orifícios, lançando a água para o ar, efetuando a aeração. Bombas aspersoras com potência de 7.5 a 15 kW e com velocidade de 500 a 1.000 rpm têm sido usadas em aquicultura. Sistemas de ar difuso consistem basicamente de um compressor ou soprador de ar, um sistema de tubulação para distribuição do ar e estruturas difusoras de ar. Os difusores de ar podem ser feitos com material cerâmico, mangueiras de borracha ou plástico perfuradas, tubos de PVC perfurados, entre muitos outros. Aeradores acoplados à TDP de tratores Aeradores acoplados à tomada de potência (TDP) de tratores são montados sobre trailers e podem ser transportados de um viveiro a outro. Estes aeradores são de grande utilidade durante PEIXE SAUDÁVEL, RETORNO GARANTIDO O uso regular de PROPEIXE constitui a melhor alternativa para uma piscicultura lucrativa, tratando de modo natural, econômico e seguro o peixe e seu habitat, pois: a) Promove a um só tempo melhoria na alcalinidade e dureza totais da água, resultando em mais carbono para as plantas; b) Neutraliza ou eleva o pH da água e do solo, conforme a dosagem utilizada, favoracendo as condições para o bom desenvolvimento dos peixes e outros organismos aquáticos de valor comercial; c) Elimina fungos, bactérias e parasitas que infestam a água e os animais aquáticos atuando diretamente sobre a Lernaea e sanguessugas com grande eficiência; d) Controla a população de tilápias e outros peixes nativos, usado em dosagem correta, eliminando larvas e alevinos indesejáveis provenientes de desovas dos peixes não revertidos sexualmente; e) Substitui a calagem tradicional com eficiência, rapidez, segurança e economia. PROPEIXE ! 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Existem disponíveis no mercado norte-americano aeradores montados sobre trailers e propelidos por motores estacionários, reduzindo a necessidade de aquisição de uma frota de tratores. Os aeradores propulsionados por tratores são basicamente do tipo aeradores de pás ou do tipo bomba aspersora. Os aeradores de pás apresentam corpo cilíndrico bastante variado, com diâmetro da ponta de uma pá à ponta de outra em torno de 50 a 150 cm. O formato e tamanho das pás variam bastante, bem como o comprimento dos cilindros. A SOTR de aeradores de pás varia de 20 a 30 kg O2/h quando operados por um trator de 50 hp (37 kW). Uma rotação de 540 rpm é normalmente aplicada à TDP para a propulsão de aeradores de pás. Diferenciais de caminhão ou caminhonetes são frequentemente usados para reduzir a velocidade de rotação dos aeradores de pás, os quais giram entre 100 a 120 rpm. Quanto maior a profundidade das pás e/ou mais rápida for a rotação do cilindro, maior será a SOTR do aerador de pás, embora aumente o consumo de energia durante a aeração. Bombas aspersoras demandam maior potência e giram em torno de 540 a 1.000 rpm, ou seja, na mesma velocidade que a TDP do trator. Bombas aspersoras apresentam SOTR de 12 a 20 kg O2/h quando acionados por tratores de 67 a 107 hp (50 a 80 kW). Boyd (1990) cita o exemplo de um aerador tipo bomba aspersora propulsionado por um trator de 60 kW, com uma SOTR de 21.2 kg de O2/h, comparado com um aerador de pás propulsionado por um trator de 50 kW, com uma SOTR de 29.8 kg de O2/h. Durante aeração prolongada os tratores devem ser operados à potências menores que a potência máxima para evitar o aquecimento excessivo do motor. 13.3. Posicionamento dos aeradores. Boyd observou a circulação da água em tanques retangulares onde aeradores foram instalados e acionados em diferentes posições. Aeradores posicionados no centro de uma das margens mais longas do viveiro, com o fluxo de água dirigido perpendicularmente à margem oposta, promoveram uma circulação mais uniforme da água (Figura 4). Quando dois ou mais aeradores são usados num mesmo viveiro, estes podem ser dispostos em série, de preferência nos cantos dos viveiros, promovendo um movimento circular da água. Os aeradores devem ser posicionados em áreas não muito rasas e com o fluxo de aeração orientado de forma a não ficar paralelo e muito próximo às margens dos viveiros evitando assim a suspenção excessiva de partículas de argila e silte. Durante períodos de baixa concentração de oxigênio na água, os peixes ficam condicionados a se posicionar em regiões próximas aos aeradores, onde as concentrações de oxigênio dissolvido são maiores. Durante uma aeração de emergência, qualquer aerador suplementar deve ser posicionado próximo ao aerador em funcionamento, pois este é o local onde os peixes se encontram. Em tanques sem aerador em funcionamento, durante a aeração de emergência o aerador deve ser posicionado nas áreas de maior concentração de oxigênio, pois este é o local mais provável de localização dos peixes. Posicionamento de aeradores em locais opostos às áreas de maior concentração de oxigênio forçará o peixe a se deslocar através de uma massa de água com baixos níveis de oxigênio dissolvido para chegar até o aerador. Muitas vezes os 41 Panorama da AQÜICULTURA, maio/junho, 1998 peixes não conseguem chegar até a área de influência do aerador, morrendo por asfixia ao longo do trajeto. 13.5. Número de aeradores necessários. Durante o verão, cerca de 25 a 30% dos viveiros usados no cultivo intensivo do bagre-do-canal exigem aeração numa mesma noite. No caso de tanque e viveiros pequenos (área menor que 3.000 m2) aeradores de pequeno porte são empregados, podendo ser translocados de um viveiro ao outro quando necessário. Assim, um número mínimo de 3 aeradores deve estar disponível para cada 10 viveiros. Viveiros maiores demandam aeradores de maior porte, portanto mais pesados e de translocação mais trabalhosa, geralmente impraticável. Cada viveiro, portanto, deve ter seu próprio sistema de aeração, a não ser que aeradores montados sobre trailers e acionados pela TDP de tratores ou por motores estacionários estejam disponíveis. 14. Qualidade da água em sistemas de alto fluxo Figura 4. Posição de aeradores e circulação de água em viveiros retangulares (Boyd 1990). 13.4. Potência do sistema de aeração. Em tanques e viveiros estáticos a quantidade de aeração a ser aplicada pode ser calculada com equações bastante complexas que estimam o consumo de oxigênio das comunidades aquáticas, principalmente o plâncton, o bento e os peixes. Trabalho árduo é conhecer a eficiência do aerador utilizado, dados nem sempre fornecidos pelos fabricantes, e o quanto do oxigênio fornecido pela aeração é utilizado pelo plâncton, peixes e outros organismos. No entanto, sistemas de aeração de 5 a 10 hp têm sido frequentemente usados por hectare de viveiro. Em sistemas de alto fluxo de água a determinação da potência de aeração a ser aplicada é tarefa menos complicada, como apresentado no exemplo a seguir: Condições de cultivo: tanque com volume de água de 200 m3 fluxo contínuo de 100m3/h (uma troca completa a cada 2 horas) água de abastecimento com 7,5 mg OD/l., a 28°C ( 96% da saturação de oxigênio) OD mínimo desejável no tubo de escoamento = 3 mg/l. (40% da saturação) tilápia do Nilo de 450g, consome 108mg O2/kg/h ou seja, 108g O2/ tonelada/h) Situação 1: apenas com troca de água é possível sustentar uma biomassa de 3.750 kg de tilápia/tanque (18,75kg/m3). OD disponível= (7,5 - 3,0) x 100.000 L/h = 450.000 mg/l. ou 450g O2/h Biomassa sustentável= (450/108) x 1.000 = 4.167 kg de tilápia/tanque ou 20,84kg/m3. Situação 2 : a meta é sustentar cerca de 30 toneladas de tilápia/ tanque (150kg/m3), com o mesmo fluxo de água mais aeração. Qual a potência de aeração necessária? Consumo de oxigênio = 30t x 108g O2/t/h = 3.240g O2/h Oxigênio disponível com o fluxo de água = 450g O2/h Deficit de O2 que deve ser suprido pela aeração= 3.240-450=2790 g O2/h. Aerador do tipo propulsor de ar (SAE = 1,19 kg O2/HP/h) Potência de aeração = (2,79 kg O2/h)/1,19 kg O2/HP/h) = 2,34 HP Fator de segurança de 30% = 2,34 x 1,3 = 3HP 42 Nos sistemas de alta renovação de água, onde tanques do tipo “raceways” (escavados em terra, de alvenaria) ou tanques circulares (em alvenaria, metal, fibra de vidro), a qualidade da água é mantida pelo suprimento contínuo de água para oxigenação e remoção de amônia. 14.1. Oxigênio dissolvido. Da mesma forma que em sistemas de baixa renovação ou estáticos, a concentração de oxigênio dissolvido na água é o primeiro fator limitante à produtividade dos sistemas de alto fluxo. É recomendável uma concentração mínima de oxigênio dissolvido na água de saída (efluente) ao redor de 40% da saturação. O suprimento de oxigênio através da água de abastecimento é proporcional ao fluxo de água disponível para renovação. Quanto maior o fluxo de água, maior o fornecimento de oxigênio e, portanto, maior a biomassa de peixes que pode ser sustentada. A biomassa de peixes nos sistemas de alto fluxo é comumente expressa em relação ao volume dos tanques (kg/m3) ou em relação ao fluxo de água fornecido (kg/m3/h ou kg/l/minuto). A taxa de renovação utilizada depende da disponibilidade de água e da velocidade da corrente formada dentro das unidades de produção. Como recomendação geral, a velocidade da água não deve exceder 0,25m/s, de forma a não demandar do peixe um gasto de energia excessivo para manter sua posição na corrente. Quando o fluxo é limitado devido a disponibilidade de água ou pela velocidade máxima recomendada, a aeração contínua pode ser aplicada para aumentar o fornecimento de oxigênio e, portanto, a capacidade de suporte do sistema. 14.2. Amônia. Garantido o fornecimento de oxigênio, a produtividade do sistema será limitida pela concentração de amônia na água. É recomendável que a concentração de amônia não ionizada não exceda 0,05mg/l. para peixes tropicais e 0,012mg/l. para salmonídeos. Exposição dos peixes à concentrações de amônia acima destes limites pode resultar em reduzido crescimento e baixa eficiência alimentar. Águas com pH neutro ou ligeiramente ácido (6,0 a 7,0) permitem uma maior capacidade de suporte, visto que a concentração de amônia não ionizada aumenta com a elevação do pH. A quantidade de amônia excretada pelos peixes pode ser calculada com base na quantidade de proteína consumida. Em média, cerca de 40% da proteína bruta (PB) presente em uma ração completa é utilizada como energia, resultando na produção de amônia. Exemplificando, para uma ração com 32% de proteína bruta, cada 1.000kg de ração fornece 320kg de proteína. Em média, a proteína contém 16% de N. Portanto, a quantidade de N fornecida por tonelada desta ração é 320 x 0,16 = 51,2 kg. Destes, 40% é excretado na forma de N-NH3 (nitrogênio amoniacal), ou seja, 51,2 x 0,40 = 20,48kg de N-NH3. Para uma certa ração, a quantidade de N-NH3 excretada pelos peixes pode ser estimada Panorama da AQÜICULTURA, maio/junho, 1998 diretamente multiplicando a quantidade de ração fornecida por (0,064 x PB/100). peratura 28oC, a percentagem da amônia total na forma não-ionizada (forma tóxica) é 6,475. 14.3. Estimativa da capacidade de suporte em sistemas de alto fluxo. A capacidade de suporte dos sistemas de alto fluxo depende, dentre muitos, dos seguintes fatores: 1) Qualidade da água de abastecimento; 2) Volume de renovação disponível; 3) Consumo de oxigênio dos peixes e concentração mínima de oxigênio tolerável; 4) Excreção de amônia pelos peixes e nível de amônia tóxica na água; 5) Disponibilidade de um sistema de aeração contínuo. É possível obter uma estimativa da capacidade de suporte para tanques usados em sistemas de alto fluxo conhecendo a qualidade da água de abastecimento (oxigênio dissolvido e temperatura), o fluxo de água disponível e o consumo de oxigênio do peixe cultivado. No exemplo discutido na seção 13.4., com o fluxo de água disponível (100m3/h ou uma troca completa a cada 2horas) foi possível sustentar uma biomassa de 3.750kg ou 18,75kg/m3 sem aeração e 30.000kg ou 150kg/m3 com uma aeração contínua de 3hp. Também é possível estimar a capacidade de suporte em função da máxima concentração de amônia permitida. Para tanto são necessárias informações adicionais sobre o pH e a concentração de amônia na água de abastecimento, o teor de proteína bruta da ração, bem como proceder a uma estimativa da máxima taxa de excreção de amônia e máxima taxa de arraçoamento permitida. No exemplo da seção 13.4., qual seria a biomassa de peixes sustentável neste mesmo tanque, considerando exclusivamente a concentração de amônia como fator limitante? Estabelecendo um limite de amônia de 0,05mg NNH3/l., temperatura da água de 28oC, concentração de amônia total na água de abastecimento de 0,12mg/l, ração com 32% de proteína bruta (PB) e consumo diário na ordem de 2,0% (0,02) da biomasa ao final da engorda, vamos analisar duas situações: AMÔNIA máx = (0,05mg/l.) x 100/(6,475) = 0,772mg/l. ou g/m3 Situação 1: água de abastecimento pH = 6,5 (consultar a Tabela 5) a) calcular a máxima concentração de amônia total permitida (AMÔNIA máx): de acordo com a Tabela 5, sob condições de pH 6,5 e temperatura 28oC, a percentagem da amônia total na forma não-ionizada (forma tóxica) é 0,218. AMÔNIA máx = (0,05mg/l.) x 100/(0,218) = 22,9mg/l. ou g/m3 b) calcular a máxima excreção diária de amônia permitida (AMÔNIA exc): considerando uma vazão de 100m3/h e uma concentração de amônia total de 0,12mg/l. na água de abastecimento. AMÔNIA exc = (22,9 - 0,12) x (100m3/h) x 24 horas = 54,67 kg/dia c) calcular a máxima quantidade de ração que pode ser fornecida diariamente (RAÇÃO máx): considerando um teor de proteína bruta (PB) de 32%. RAÇÃO máx = (54,67 kg/dia)/(0,064 x PB/100) = (54,67)/ (0,064x0,32) = 2.670kg/dia d) calcular a máxima biomassa de peixes (BIOMASSA máx): considerando um consumo diário de ração na ordem de 2% do peso vivo. BIOMASSA máx = 2.670kg/0,02 = 133.500 kg/tanque ou 667,5kg/ m3 Situação 2: água de abastecimento pH = 8,0 a) calcular a máxima concentração de amônia total permitida (AMÔNIA máx): de acordo com a Tabela 5, sob condições de pH 8,0 e tem- b) calcular a máxima excreção diária de amônia permitida (AMÔNIA exc): considerando uma vazão de 100m3/h e uma concentração de amônia total de 0,12mg/l. na água de abastecimento. AMÔNIA exc = (0,772 - 0,12) x (100m3/h) x 24 horas = 1,57 kg/dia c) calcular a máxima quantidade de ração que pode ser fornecida diariamente (RAÇÃO máx): considerando um teor de proteína bruta (PB) de 32%. RAÇÃO máx = (1,57 kg/dia)/(0,64 x PB/100) = (1,57)/(0,64x0,32) = 76,7kg/dia d) calcular a máxima biomassa de peixes (BIOMASSA máx): considerando um consumo diário de ração na ordem de 2% do peso vivo. BIOMASSA máx = 76,7kg/0,02 = 3.835 kg/tanque ou 19,18kg/m3 Com base nos cálculos desenvolvidos na seção 13.4. e nos cálculos apresentados nesta seção, é possível chegar aos seguintes fundamentos gerais dos sistemas de alto fluxo: 1) A concentração de oxigênio dissolvido na água é o primeiro fator limitante à capacidade de suporte dos sistemas de alto fluxo. Sob condições de pH mais alcalino, concentrações elevadas de amônia podem limitar a capacidade de suporte tanto quanto as concentrações de oxigênio dissolvido. 2) Existindo uma restrição à produtividade do sistema imposta pelos níveis de oxigênio dissolvido ou pela concentração de amônia tóxica, um aumento adicional na capacidade de suporte pode ser obtido com: a) aumento no fluxo de água até o limite de velocidade recomendado para a espécie cultivada; b) redução do teor protéico e melhora na qualidade da proteína da ração, bem como redução do pH da água quando economicamente viável (no caso de limitação devido à concentração de amônia tóxica). 3) Para uma certa vazão de água suficiente para remoção de amônia e resíduos orgânicos (alimento não consumido e fezes), a aplicação de aeração contínua pode garantir um significativo aumento da capacidade de suporte dos sistemas de alto fluxo sem necessidade de aumentar o uso de água. Sob condições de pH 6,5, com o mesmo fluxo de água (100m3/h) seria teoricamente possível produzir até 133,5 toneladas de tilápias por tanque, certificado o fornecimento de adequada potência de aeração ou, até mesmo, a injeção de oxigênio líquido. 4) A capacidade de suporte a pH 6,5 é cerca de 35 vezes a capacidade de suporte a pH 8,0 sob as mesmas condições de renovação de água. Sob condições de pH acima de 8,0 a capacidade de suporte dos sistemas de alto fluxo pode ser limitada, em primeiro plano, pela concentração de amônia tóxica e não pelos níveis de oxigênio dissolvido. crie peixes saudáveis 43 Panorama da AQÜICULTURA, março/abril, 2005 1 Uma boa alternativa de cultivo para estuários e viveiros litorâneos Por: Fernando Kubitza, Ph.D. (Acqua & Imagem) e-mail: [email protected] Muitas espécies e linhagens de tilápia são eurialinas, o que lhes confere a capacidade de adaptação a ambientes de diferentes salinidades, podendo ser cultivadas tanto em água doce, salobra ou salgada. Em diversos países o cultivo de tilápias em águas estuarinas e marinhas tem sido avaliado em caráter experimental e, em alguns locais, já se consolidou como atividade comercial. O Brasil apresenta um grande potencial para cultivo de peixes em áreas estuarinas, notadamente na Região Nordeste. No entanto, devido à ausência de tradição e ao desconhecimento tecnológico do cultivo de peixes marinhos, o uso destas áreas para fins de aqüicultura tem se limitado ao cultivo de camarão e de moluscos. O cultivo de tilápias em tanques-rede nestes estuários deve ser firmemente avaliado, pois pode trazer significativos ganhos econômicos, sociais e ambientais para as populações locais, hoje severamente impactadas pelo declínio da atividade pesqueira. O Brasil é um dos principais produtores mundiais de camarão marinho e a infra-estrutura instalada para o cultivo do camarão pode ser também utilizada em cultivos consorciados (policultivo camarão e tilápia) ou mesmo em monocultivo de tilápias com mínimas adaptações nos viveiros ou nas estratégias de cultivo. O mercado nacional e internacional deste peixe é crescente e a infra-estrutura e logística hoje disponível para beneficiamento e exportação do camarão pode ser otimizada para o escoamento dos produtos da tilápia. A evolução do cultivo de tilápias no Equador é um exemplo real. Devido a problemas de sanidade nos cultivos de camarão marinho, os carcinicultores apostaram na tilápia. De uma produção ao redor de 2.500 toneladas de tilápia em 1998, o Equador produziu cerca de 30.000 toneladas em 2002, tornando-se o maior exportador de produtos de tilápia na América Latina. Tilápias cultivadas em águas salobras e salgadas não apresentam problemas com off-flavor e sua carne geralmente se assemelha em sabor à carne de peixes marinhos. A textura (firmeza) da carne também é superior a observada em tilápias cultivadas em água doce, julgada pela experiência pessoal deste autor. Assim, o cultivo de tilápias nestes ambientes, particularmente as linhagens vermelhas, pode resultar em produtos extremamente atrativos (quanto ao aspecto visual, sabor e preço) para atuar em um nicho de mercado hoje (sub) abastecido com espécies marinhas de alto valor, como os pargos rosado e vermelho, o robalo, a carapeba, a garoupa, entre outros. a tilápia de Moçambique (Oreochromis mossambicus) e a tilápia de Zanzibar (Oreochromis uroleps hornorum). Além do cultivo como espécie pura, o cruzamento direcionado entre duas ou mais destas espécies (hibridações e retro cruzamentos) tem sido utilizado para a obtenção de alevinos híbridos ou para o estabelecimento de linhagens com determinadas características desejáveis ao cultivo. Por exemplo, o crescimento precoce, a obtenção de progênies com maior percentual de machos (híbridos), tolerância ao frio, resistência à alta salinidade, facilidade de captura, maior eficiência reprodutiva, entre outras. Características relacionadas ao mercado também foram contempladas, particularmente no que diz respeito à obtenção de linhagens vermelhas (que reúne padrões de cor que vão do branco ao rosa, ou passam por diversos tons de amarelo, laranja e vermelho claro). A seguir serão apresentadas informações sobre a tolerância e desempenho das principais espécies e linhagens de tilápia em águas salobras e salgadas. Para efeitos práticos desta revisão, quando forem feitas referências à água doce, salobra ou salgada, sem especificar o valor exato da salinidade, o leitor deve ter em mente os seguintes limites: água doce < 1ppt; água salgada >20ppt; e água salobra, salinidades entre 1 e 20ppt. Com base na divisão prática aqui proposta, em função do regime das marés e do regime de chuvas, os ambientes estuarinos geralmente devem ser vislumbrados como uma combinação de águas salobras e salgadas. Tilápia do Nilo A Oreochromis niloticus é a espécie mais cultivada no mundo, devido, principalmente, a alta prolificidade, maturação sexual mais tardia e crescimento mais rápido em comparação às espécies e híbridos relacionadas neste artigo. A grande maioria das tilápias produzidas no Brasil carrega material genético de O. niloticus (Foto 1). Foto 1 - Tilápia do Nilo (Foto Kubitza) As espécies e linhagens de tilápias e a relação com a salinidade No mundo são reconhecidas mais de 70 espécies de tilápias. No entanto, apenas quatro delas contribuem de maneira significativa para a composição do pool genético de tilápia hoje utilizado nos cultivos comerciais em todo o mundo: a tilápia do Nilo (Oreochromis niloticus), a tilápia azul (Oreochromis aureus), 14 Panorama da AQÜICULTURA, março/abril, 2005 A tilápia tailandesa (Foto 2 ) introduzida em 1996 e a recém introduzida tilápia Supreme são linhagens comerciais desenvolvidas na Ásia a partir da combinação de materiais genéticos de O. niloticus originários de diversos locais da África. Foto 2 - Tilápia Chitralada Tailandesa (Foto Kubitza) 80 e 125 gramas após 90 ou 120 dias de cultivo (Watanabe et al 1997; Guerrero e Guerrero 2004). Essas diferenças talvez sejam um reflexo da pureza dos estoques genéticos de O.niloticus nestes dois países ou de outras variáveis ambientais nos locais onde foram realizados os testes. Tilápia de Moçambique Inúmeros estudos avaliaram a capacidade de adaptação desta espécie em cultivos em água salobra e salgada e muitas vezes são visualizados grandes contrastes nos resultados, que podem ser atribuídos à pureza genética dos estoques avaliados e a outras condições inerentes a cada um dos estudos. Em resumo, parece haver um consenso quanto a melhor eficiência reprodutiva desta espécie em água doce, comparada a águas salobras. Apesar de ser capaz de se reproduzir normalmente em águas com salinidade de 7 a 14ppt (ou 7 a 14g de sais/litro), a eficiência reprodutiva e o desenvolvimento de pós-larvas são melhores em água doce. A sobrevivência das pós-larvas na primeira semana de vida é muito baixa em salinidades acima de 10ppt. Metade dos ovos e das larvas morre após 96 horas de exposição à água com salinidade ao redor de 19ppt. Em água salgada (32ppt) a tilápia do Nilo não é capaz de se reproduzir. Alguns estudos sugerem que a tilápia do Nilo pode ser aclimatada a águas com salinidade de 30ppt ou até mesmo superior a isso. No entanto, o crescimento desta espécie parece ser maximizado a salinidades entre 10 e 12ppt (salinidade isoosmótica em relação aos fluídos corporais – plasma e fluídos celulares). Há registros de que até 16-18ppt o crescimento é semelhante ao observado em água doce. Em estudo sobre tolerância à salinidade, foi registrada uma salinidade letal mediana (salinidade que mata 50% dos animais) ao redor de 46g/l para O. niloticus quando a adaptação à salinidade ocorreu a acréscimos entre 2 e 8ppt por dia. No Brasil, Ostrenski et al (2000) observaram que a tilápia do Nilo pode ser aclimatada a salinidade ao redor de 25ppt. No entanto, mortalidade total foi registrada após 90 minutos em água com 30ppt. Hena et al (in press) registraram alta mortalidade em O. niloticus em salinidades de 23 e 30ppt, atribuída tanto ao estresse osmoregulatório quanto à maior susceptibilidade à doenças. Em um experimento piloto com tanques-rede realizado pela Bahia Pesca no estuário de Camamu, na Bahia, foram registradas altas incidências de ulcerações na pele e alta mortalidade de tilápias da linhagem tailandesa em local com salinidade entre 26 e 28ppt. Em outro local com salinidade ao redor de 20ppt a sobrevivência foi de 76% para a tailandesa. Além da maior salinidade, neste segundo local também predominaram correntes de água de maior velocidade (entre 10 e 22m/minuto), que pode ter imposto maior estresse aos peixes confinados. Em um estudo realizado em aquários avaliando o crescimento da tilápia do Nilo em diferentes temperaturas e salinidade (Likongwe et al 1996) também apareceram lesões na pele dos peixes quando a salinidade atingiu 16ppt a uma temperatura de 32oC. Essas lesões não ocorreram na mesma salinidade a temperaturas de 28 e 24oC. Wainberg (em comunicação pessoal) observou reduzido crescimento, lesões corporais e hemorragias em tilápia tailandesa e dois outros híbridos vermelhos em viveiros quando a salinidade ultrapassou valores de 16 a 18ppt. Em contraste com a tolerância à salinidade registrados no Brasil, ensaios de crescimento realizados em tanques escavados nas Filipinas resultaram em índices de sobrevivência entre 82 e 94% quando a salinidade da água flutuou entre 14 e 35ppt ou entre 17 e 50ppt. Alevinos de 3 a 4 gramas atingiram peso médio entre A Oreochromis mossambicus ou Tilápia de Moçambique é uma das espécies mais tolerantes à salinidade. Sobrevive bem a concentrações de sal de até 70ppt e tolera concentrações próximas de 120ppt quando adaptada gradualmente. Consegue se reproduzir em águas de salinidade próxima a 50ppt. A eficiência reprodutiva desta espécie é cerca de três vezes maior em água com salinidade entre 9 e 15ppt do que em água doce. No cultivo desta espécie em água doce foram registrados altos índices de mortalidade. A tilápia de Moçambique contribuiu com material genético para a formação de diversas linhagens de tilápia. Uma das mais conhecidas é o híbrido vermelho denominado Tilápia Vermelha da Flórida (TVF). Nas Filipinas está sendo desenvolvido um programa para a produção de linhagens de tilápia capazes de crescer bem e se reproduzir em água salgada. Este programa tem como base a hibridação entre O. mossambicus e O. niloticus. Os pesquisadores envolvidos neste programa registraram valores de salinidade mediana letal (salinidade que mata 50% dos peixes utilizados no experimento) de 54ppt para a tilápia do Nilo, 115ppt para O. mossambicus, e entre 97 a 112ppt para os híbridos recíprocos entre estas espécies e seus retrocruzamentos com O. mossambicus. Tilápia de Zanzibar A Oreochromis urolepis hornorum ou Tilápia de Zanzibar (Foto 3) também tolera e se reproduz em salinidades acima de 30ppt. O. hornorum foi oficialmente introduzida no Brasil na década de 70 pelo DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas) e foi experimentalmente utilizada para a produção do híbrido com a tilápia do Nilo. Recentemente, na Estação da CHESF em Paulo Afonso foi realizada a hibridação experimental de O. hornorum com a tilápia tailandesa (Chitralada), onde foram obtidos híbridos F1 100% machos e indivíduos ¾ (retrocruzamento do híbrido com a tilápia tailandesa). A tolerância destes híbridos à salinidade deve ser avaliada. Se eles apresentarem a tolerância da O. hornorum, pode estar aí um bom material genético para o cultivo em águas salobras e salgadas. Foto 3 – Tilápia de Zanzibar (Foto Panorama) Tilápia Azul Há registros de cultivos da Oreochromis aureus ou Tilápia azul (Foto 4) em água com salinidade entre 39 e 45ppt. No entanto, esta espécie apresenta crescimento mais lento que O. spilurus e que a tilápia vermelha de Taiwan nos cultivos em água salgada. Os híbridos entre O. niloticus e O. aureus parecem se desenvolver bem em água salgada (32–34ppt). A tilápia azul é conhecida por Panorama da AQÜICULTURA, março/abril, 2005 15 sua maior tolerância ao frio e muito utilizada em cruzamentos onde esta característica é desejada. Grande parte da tilápia cultivada na China é composta por híbridos entre O. niloticus e O. aureus. Foto 4 - Exemplar de Oreochromis aureus (Foto Kubitza) Tilápia Vermelha da Flórida Esta linhagem foi originada do cruzamento de um macho mutante vermelho de O. mossambicus com uma fêmea normal O. hornorum (Foto 5). Foto 5 - Tilápia vermelha no nordeste: possível contribuição da tilápia vermelha da Flórida (Foto Kubitza) Em alguns países onde foi introduzida (particularmente em países da Ásia, América Central, América do Sul e Ilhas do Caribe) a Tilápia Vermelha da Flórida - TVF sofreu ao longo do tempo contribuições de outras espécies de tilápia. No entanto ainda conserva um forte componente genético de O. mossambicus, o que lhe confere grande tolerância a altas salinidades. A TVF cresce melhor do que indivíduos puros O. mossambicus. O crescimento e a conversão alimentar da TVF são melhores em águas salobras (> 10ppt) do que em água doce (1ppt). O crescimento a 18ppt foi melhor do que o obtido em água doce ou a uma salinidade de 36ppt. O desempenho da tilápia vermelha da Flórida em água salgada é bem razoável, sendo possível, a partir de alevinos de 1 a 5g atingir peso médio ao redor de 450g em 150 a 160 dias de cultivo com conversão alimentar ao redor de 1,8:1 com rações contendo entre 25 e 32% de proteína. A TVF foi introduzida na Colômbia e no Equador, neste último como opção para o cultivo em águas de alta salinidade. Nestes países alguns híbridos foram derivados desta linhagem, como a Red Jumbo 1 (híbrido com O. niloticus). No Brasil, a Bahia Pesca realizou um cultivo experimental de tilápias vermelhas híbridas (denominadas Red Jamaica, como as da Foto 6 no estuário de Camamu (Bahia). Alevinos de 1g atingiram peso médio final de 350 a 550g com 200 dias de cultivo. No entanto, a conversão alimentar não foi das melhores, girando entre 2,4:1 e 3,9:1. No local de maior salinidade (26-28ppt) e de maior velocidade da água (10 a 22m/minuto) as tilápias apresentaram manchas esbranquiçadas na pele e lesões ulcerativas. Essa possível baixa tolerância à salinidades de 26-28ppt nos faz acreditar que a Red Jamaica não carrega uma grande contribuição de O. mossambicus. Wainberg também observou problemas a salinidades acima de 18ppt (reduzido crescimento e lesões na pele) em tilápias vermelhas oriundas de duas localidades do nordeste, o que nos leva a crer que a contribuição de O. mossambicus nestes peixes também é reduzida. Quanto à capacidade reprodutiva, apesar da TVF ser capaz de se reproduzir a salinidades de até 36ppt, a produção de pós-larvas foi duas vezes melhor a 5ppt do que a 18ppt. Acima de 18ppt há uma redução acentuada na fertilização dos ovos e na taxa de eclosão e na sobrevivência das pós-larvas. Tilápia Vermelha de Taiwan Este é outro híbrido vermelho originado do cruzamento entre O. mossambicus x O. niloticus. A Tilápia Vermelha de Taiwan - TVT cresce bem a salinidades entre 17 e 37ppt. No entanto, é bastante sensível ao manuseio sob altas salinidades. O comportamento de reprodução deste híbrido é inibido em água salobra ou salgada, o que pode ser devido ao legado genético de O. niloticus, que também não é Foto 6 - Tilápias vermelhas (Foto Kubitza) capaz de se reproduzir em água salgada (32ppt). Isso certamente é uma vantagem no cultivo em águas de alta salinidade, reduzindo os problemas com a superpopulação dos viveiros. No entanto, a produção de alevinos tem que ser feita em locais com água doce ou salobra. Guerrero e Guerrero (2004) compilaram informações sobre o cultivo experimental de um híbrido vermelho entre O. mossambicus e O. niloticus em viveiros com água de salinidade ao redor de 32ppt. Alevinos de 8g atingiram 180g em 120 dias de cultivo. A sobrevivência foi de 83%. Outras espécies de tilápia tolerantes a altas salinidades Apesar de pouco utilizadas em cultivos comerciais, Oreochromis spilurus e Sarotherodon melanotheron são espécies de tilápia altamente tolerantes à salinidade. O. spilurus também é mais tolerante ao frio do que a tilápia vermelha da Flórida, porém apresenta menor crescimento que esta em água salgada. Sarotherodon melanotheron tolera salinidades de até 120ppt, porém cresce muito lentamente. Há estudos avaliando a tolerância à salinidade e o crescimento de híbridos desta espécie com O. niloticus. Juvenis de S. melanotheron apresentaram mortalidade mediana (50% dos peixes) a uma salinidade próxima de 125ppt. Avaliação da tolerância à salinidade Em virtude da grande variabilidade na composição genética de híbridos e linhagens de tilápia cultivadas no Brasil, a melhor maneira de se assegurar da tolerância de uma determinada espécie à salinidade é realizar um teste prático. Neste teste, grupos de 20 a 50 peixes devem ser colocados em caixas ou aquários experimentais. Seria interessante realizar o ensaio com juvenis ao invés de pequenos alevinos. A salinidade pode ser aumentada a taxas diárias de 3 a 5ppt. O uso de água do mar (ao invés da simples adição de sal) na mistura com a água dos aquários experimentais é recomendável, pois a água do mar apresenta uma mistura mais completa de sais presentes no ambiente onde será realizado o cultivo. O balanço entre os íons presentes na água pode influenciar na tolerância dos peixes à salinidade. A salinidade deve ser gradualmente elevada. O ponto de mortalidade mediana (salinidade na qual a mortalidade acumulativa atingiu 50% dos peixes de um determinado aquário) e de mortalidade completa (salinidade na qual se atingiu 100% de mortalidade dos peixes em um determinado aquário). Estes valores de salinidade, comparados com as salinidades observadas nos possíveis locais de cultivo poderão dar ao produtor uma idéia da adequação de um certo tipo de tilápia ao cultivo. Avaliada a tolerância, Panorama da AQÜICULTURA, março/abril, 2005 17 o produtor deve fazer um ensaio piloto de cultivo e verificar se o desempenho dos peixes é satisfatório (crescimento, conversão alimentar e sobrevivência). Salinidade e crescimento Salinidades ao redor de 10 a 12ppt são consideradas isoosmóticas para as tilápias. Nesta faixa de salinidade o consumo de oxigênio é minimizado, sugerindo um menor gasto de energia para osmoregulação (manutenção do equilíbrio de sais nos fluídos corporais – plasma e fluídos celulares). Salinidades isoosmóticas potenciam o crescimento de O. niloticus, O. mossambicus e da tilápia vermelha da Flórida. Para a tilápia vermelha da Flórida e a tilápia de Moçambique, a produção de pós-larvas também é mais eficiente nestas salinidades. Em geral, os híbridos vermelhos usados em cultivos comerciais no mundo, crescem melhor em águas salobras do que em água doce ou água salgada. Yi et al (2004) avaliaram o desenvolvimento de uma linhagem de tilápia vermelha oriunda da Tailândia em viveiros fertilizados, sem o uso de ração. Peixes estocados com 22g, aos 160 dias alcançaram peso médio de 88g na água doce contra 144 a 150g a 10ppt, 123 a 142g a 20ppt e 106 a 115g a 30ppt. A sobrevivência em todas as salinidades foi de 100%. O crescimento destes híbridos vermelhos em água salobra (salinidade próxima da isoosmótica) foi superior ao registrado em água doce ou em água salgada (30ppt). Isso também foi observado para a tilápia vermelha da Flórida, para a tilápia de Moçambique, para híbridos entre O. mossambicus e O. hornorum e para a Tilápia vermelha de Taiwan (O. mossambicus x O. niloticus). Diversos motivos foram apresentados para explicar este melhor crescimento em águas isoosmóticas. O primeiro deles é o menor custo energético com a osmorregulação. Russel et al (2003) registraram uma menor taxa metabólica de manutenção em tilápia de Moçambique aclimatadas à água salgada do que em peixes em água doce. O segundo é a redução na agressividade de alguns híbridos vermelhos em águas salobras e salgadas. O oposto foi observado para a tilápia do Nilo, com o aumento da agressividade entre os peixes quando a salinidade aumento gradualmente de 0 a 36ppt. Esta maior agressividade pode estar relacionada com a mortalidade registrada ao longo da adaptação gradual deste peixe à água salgada. Um terceiro componente é o aumento geral na taxa metabólica em tilápias aclimatadas em água salgada comparado aos mesmos peixes aclimatados em água doce. Na tilápia vermelha da Flórida cultivada em águas de alta salinidade foi observado aumento no consumo de alimento e uma melhor conversão alimentar. Russel et al (1994) verificaram um aumento na produção de hormônio de crescimento e uma maior atividade das células produtoras deste hormônio na hipófise das tilápias de Moçambique aclimatadas em água salgada, comparadas a peixes mantidos em água doce. Isso pode ser uma das causas do aumento no metabolismo e no crescimento desta espécie de tilápia em água salgada. Há um consenso entre produtores e técnicos de que as linhagens vermelhas híbridas existentes no Brasil apresentam crescimento inferior ao registrado para as linhagens com base genética de tilápia do Nilo quando cultivadas em água doce. No entanto, essa diferença pode ser menos acentuada em águas salobras ou salgadas. Assim, vale a pena reavaliar o crescimento destes peixes em locais com água salgada ou que apresentam grande flutuação na salinidade. Adaptação à água salgada Os dois fatores mais importantes no sucesso da adaptação à água salgada são a idade (tamanho) dos juvenis e a estratégia de adaptação. Tanto para a tilápia vermelha da Flórida como para O. niloticus a tolerância à água de alta salinidade é maior após os 40-50 dias de vida. O tamanho parece ser mais importante do que a idade em determinar esta tolerância. Para O. niloticus a tolerância máxima à água salgada parece ser atingida com alevinos maiores que 5cm. Para 18 Panorama da AQÜICULTURA, março/abril, 2005 O. mossambicus e seus híbridos com O. niloticus, alevinos já com 2,5cm apresentam boa tolerância à transferência à água salgada. Diversos estudos demonstraram que as principais espécies e híbridos de tilápia usadas na aqüicultura não toleram transferência direta da água doce para a água salgada. S. melanotheron, considerada uma tilápia altamente resistente à salinidade, apresentou 90% de mortalidade sete horas após a transferência direta de alevinos de 20g da água doce para uma água de 35ppt. Para Oreochromis aureus a transferência direta da água doce para água com salinidade maior que 21ppt resultou em mortalidade. Com a adaptação gradual, com incrementos de 5ppt ao dia esta espécie tolerou salinidade de até 52ppt. Para as espécies de tilápia hoje cultivadas, a transferência direta de água com 0 para 10ppt é considerado um procedimento seguro. A partir deste ponto é recomendado um aumento gradual da salinidade não ultrapassando incrementos de 5ppt ao dia. Assim, são necessários cinco a seis dias para completar a aclimatação à água salgada (32ppt) para as espécies capazes de tolerar esta salinidade. A tilápia vermelha da Flórida, a tilápia de Moçambique e os híbridos O. mossambicus x O. niloticus toleram transferência direta da água doce para água com salinidade próxima de 18 a 20ppt. Considerações finais O Brasil conta com extensas áreas de estuários, onde a pesca artesanal já deixou de ser uma importante fonte de renda para as populações locais. A aqüicultura nestas áreas, além de restaurar o desenvolvimento sócio-econômico, contribuirá com a redução na pressão de captura exercida pela pesca. A falta de tradição e de domínio da tecnologia de cultivo de peixes marinhos tem limitado à exploração aqüícola destas áreas ao cultivo de moluscos. O cultivo de tilápias em tanques-rede pode ampliar o leque das atividades econômicas nos estuários e minimizar o risco de empreendimentos pioneiros voltados ao desenvolvimento do cultivo de peixes marinhos. Adicionalmente, há no país uma considerável infra-estrutura já instalada para o cultivo do camarão marinho no nordeste. O cultivo de tilápias nestes empreendimentos pode ser uma excelente alternativa de diversificação e minimização de riscos, principalmente com a atual situação de preços e com as sanções comerciais impostas ao Brasil e outros países no mercado internacional do camarão. Não custa mencionar a necessidade de, antes de empenhar grandes investimentos na tilapicultura, avaliar com cautela as opções e tendências do mercado, bem como as condições de infra-estrutura e equipamentos disponíveis ao cultivo. Particularmente, a despesca da tilápia em tanques escavados é muito mais difícil do que a do camarão. Isso poderá demandar investimentos adicionais na adequação das unidades de cultivo e na aquisição de equipamentos que facilitem o processo de produção e colheita. Outro passo importante é a adequada seleção das espécies ou linhagens de tilápias candidatas ao cultivo em águas salgadas. Testes de tolerância e desempenho são obrigatórios sob as condições prevalentes em cada localidade. Estes testes devem ser realizados ao longo de todo o ano para cobrir todas as variações ambientais possíveis. O desenvolvimento de linhagens específicas de tilápia pode demandar o uso de estratégias de hibridação e/ou a implementação de programas de seleção e melhoramento genético para a obtenção de populações com maior tolerância à salinidade e melhor desempenho. As linhagens de O. niloticus avaliadas no Brasil não são capazes de tolerar condições de salinidade acima de 20ppt. As linhagens de tilápias vermelhas avaliadas no cultivo também apresentaram problemas de desempenho e baixa sobrevivência quando a salinidade superou os limites de 26ppt. Outras linhagens devem ser avaliadas e, se não forem adequadas, será necessária a importação de material genético específico para o cultivo em águas salgadas. As referências bibliográficas deste artigo foram omitidas e podem ser solicitadas ao autor através de e-mail, além de poderem ser acessadas na edição on-line no site www.panoramadaaquicultura.com.br Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2000 1 Por: Ludmilla M. M. Kubitza, Tatiana G. Guimarães e Fernando Kubitza 32 Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2000 Durante o XI Simpósio Brasileiro de Aquicultura - SIMBRAQ 2000, a Dra. Eunice Lam, da Universidade de Malaspina – Canadá, apresentou uma estratégia simplificada de monitoramento do bem estar geral dos peixes. Neste trabalho preventivo, o fundamento é identificar precocemente quaisquer desvios da normalidade, permitindo ao piscicultor obter suporte ao diagnóstico e a correção de problemas antes que eles se estabeleçam com grande intensidade. A conduta proposta pela Dra. Lam, além de simples e coerente, pode ser facilmente implementada por qualquer piscicultor ou técnico, mesmo que estes não tenham experiência no diagnóstico de patologias. Com o intuito de apresentar os fundamentos deste trabalho preventivo aos piscicultores e técnicos, a equipe da ACQUA & IMAGEM organizou uma seqüência de fotos ilustrando condições normais e diversos distúrbios nos peixes, que possam auxiliar na detecção de problemas ainda em seu início. Este artigo não tem a pretensão de apresentar diagnósticos de doenças ou distúrbios específicos, mas sim permitir ao piscicultor uma maior familiaridade na observação de alguns órgãos internos e percepção de anormalidades nos peixes. O primeiro passo O piscicultor deve estabelecer uma rotina de coleta de peixes. Peixes moribundos devem ser preferencialmente examinados, principalmente se a mortalidade é freqüente, mesmo se um número muito reduzido de peixes estão morrendo. No entanto, a amostragem não deve ser restrita a estes peixes. Animais aparentemente sadios também devem ser amostrados. Três peixes de cada viveiro ou tanque já seriam suficientes para o objetivo deste trabalho preventivo. Em pisciculturas com um número muito grande de viveiros e tanques, o piscicultor deve definir grupos de viveiros ou tanques com características similares. Por exemplo, viveiros com peixe de uma mesma espécie, com peso médio próximo, densidades semelhantes e recebendo o mesmo tipo de ração. Assim, dentro dos grupos específicos de tanques e viveiros, alguns serão escolhidos para monitoramento periódico, ou até mesmo podem ser coletadas amostras alternadas entre os viveiros de um mesmo grupo. Um intervalo de duas semanas é adequado entre uma amostragem e outra. No entanto, em viveiros onde os peixes apresentem alterações no comportamento ou qualquer sinal indicativo de anormalidade, alguns animais devem ser prontamente coletados e analisados. Observação rotineira da resposta alimentar A redução no consumo de alimento é a primeira resposta dos peixes a uma condição de estresse. A inadequada qualidade de água e o início de uma doença são motivos para redução do apetite. Portanto, o indivíduo responsável pela alimentação deve prestar atenção na resposta alimentar dos peixes e comunicar ao seu imediato a ocorrência de quaisquer alterações. Na própria folha de controle da alimentação deve ser anotada a resposta dos peixes a cada alimentação (por exemplo, E- excelente; B-bom; R-regular; P-péssimo), a qual deve ser padronizada entre o pessoal encarregado da alimentação. No caso de uma redução no apetite dos peixes, o primeiro passo é conferir se os parâmetros de qualidade de água estão dentro de condições normais. Se a qualidade da água não for a causa do problema e este persistir, alguns peixes deverão ser prontamente coletados para observações mais detalhadas. Outras características de comportamento dos peixes Além de reduzir o consumo de alimento, peixes com saúde precária tendem a permanecer isolados, apresentam alteração de cor (corpo geralmente escurecido; Fig. 8, 9 e 13) e natação errática (Fig. 8). Sob condições adequadas de qualidade da água, a presença de peixes boquejando na superfície ou buscando a entrada de água indica uma possível infestação e inflamação nas brânquias (parasitos, bactérias e fungos). Anatomia externa e interna dos peixes Nas Figuras 1, 10 e 16 o piscicultor pode se familiarizar com a anatomia externa e interna dos peixes, e reconhecer alguns órgãos e estruturas. No exame externo dos peixes o piscicultor deve ficar atento as seguintes alterações no corpo: · · · · · · · Coloração anormal (Fig. 8, 9 e 13); Ocorrência de lesões na pele (Fig. 1); Aparecimento de sinais de hemorragia (áreas avermelhadas; Fig. 1 e 2); Sinais de destruição das nadadeiras (nadadeiras partidas; podridão nas bordas das nadadeiras, especialmente na nadadeira caudal; Fig. 6 vs. Fig. 7); Abdômen distendido (inchado; 17); Excessiva produção de muco; Presença de organismos externos fixados ao corpo do peixe. Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2000 33 A seguir, uma relação de 18 fotos legendadas das anormalidades que comumente ocorrem na anatomia dos peixes, quando ele não está com a sua saúde plena. As ilustrações abaixo possibilitarão a observação dessas alterações e o reconhecimento dos órgãos internos, de forma que a identificação dos problemas numa fase inicial, facilite o tratamento dos animais. 34 Figura 1.Anatomia externa de uma tilápia. Observar a lesão ulcerativa com hemorragia periférica (halo hemorrágico). Note também o início de podridão da extremidade da nadadeira caudal e da ponta final da nadadeira dorsal. Figura 2. Hemorragia na pele: na base da nadadeira peitoral, no opérculo; na região ventral e na região dorsal do peixe. Figura 3. Tilápia apresentando opacidade da córnea (olho opaco ou esbranquiçado). Figura 4. Tilápia apresentando exoftalmia (olhos saltados) e opacidade da córnea (olhos opacos). Figura 5. Olho de tilápia apresentando a córnea ulcerada e hemorrágica. Note também a deformidade na região frontal da cabeça. Figura 6. Nadadeira peitoral apresentando podridão e hemorragia. Compare com a nadadeira peitoral de um peixe sadio da Figura 7. Figura 7. Peixe sadio. No detalhe o aspecto normal da nadadeira peitoral. Observe o opérculo bem formado, recobrindo toda a cavidade branquial. Figura 8. Tilápias apresentando perda de equilíbrio e natação errática, em sentido espiralado. Observe a coloração escura dos peixes e a aparente curvatura (defor-midade) do peixe de cima. Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2000 Figura 9. Note o escurecimento do corpo de tilápias doentes (peixes de baixo). Compare com a coloração normal de um peixe sadio (peixe de cima). Observe a podridão da extremidade da nadadeira caudal e o aspecto de mal alimentado do peixe de baixo. No peixe do meio, atente para a lesão no lábio inferior do lado esquerdo da boca. Figura 11. Cavidade abdominal de uma tilápia aparentemente sadia. Observe o fígado de grande tamanho e de coloração marrom claro. Note a deposição de gordura na cavidade abdominal, bem maior do que no peixe da Figura 13. Figura 10. Brânquias e órgãos internos de uma pirapitinga. Observar as brânquias com aspecto saudável e coloração vermelho vivo. O estômago e o intestino repletos, indicando que o animal estava se alimentando bem. O fígado de coloração vermelho vivo e tamanho normal. Figura 12. Fígado, baço e vesícula biliar de tilápia (superior) e pirapitinga (inferior). Os peixes apresentavam aspecto saudável. Observar a diferença de forma entre as vesículas biliares destes peixes. Figura 13. Observe a coloração escura do corpo desta tilápia doente. Note o fígado aumentado e com manchas amareladas. Observe a vesícula biliar repleta de bílis e de coloração verde bem escuro: um sinal indicativo de que o peixe está sem se alimentar a um bom tempo. Também note a pequena quantidade de gordura visceral. Figura 14. Trato digestivo de duas tilápias do mesmo tamanho. No lado esquerdo da foto está o trato digestivo de um peixe doente, que deixou de se alimentar. Observe o estômago e o intestino vazios e a vesícula biliar repleta com bile de cor verde escuro. No lado direito um peixe sadio: observe o estômago e o intestino repletos e a vesícula biliar não muito cheia e com bile de cor verde claro. Figura 15. Baço e coração de tilápia sadia (acima) e de tilápia doente (abaixo). Os peixes apresentavam tamanhos semelhantes. O peixe doente apresentou baço de tamanho aumentado e extremidades espessas (engrossadas). O coração do peixe doente apresentou aumento de tamanho e lesão. Figura 16. Vísceras de tilápia: observe o fígado de coloração marrom avermelhado; note a posição da vesícula biliar unida a um dos lóbulos do fígado; o baço apresenta aspecto aumentado e coloração vermelha escura. O tecido gorduroso está entremeado no intestino. O estômago está por baixo das vísceras, não sendo visível nesta foto. A porção final do intestino contém um pouco de ingesta. Figura 17. O peixe da esquerda é um peixe sadio. O da direita apresentava o abdômen bastante distendido e perda de equilíbrio. Após a necrópsia foi constatada a presença de grande quantidade de fluído sanguinolento na cavidade abdominal (ascite) do peixe da direita. Figura 18. Cavidade abdominal de tilápia. Observe o fígado bastante aumentado. As vísceras se encontravam aderidas à parede abdominal. Note a aderência entre os órgãos internos. Este é o mesmo peixe com ascite (acúmulo de fluído na cavidade abdominal) que aparece na Figura 17. Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2000 35 Exame dos olhos: a observação de anormalidades nos olhos pode auxiliar o piscicultor a antecipar maiores problemas. O piscicultor deve ficar atento para olhos opacos ou esbranquiçados (Fig. 3 e 4); olhos saltados (Fig. 4) ou afundados; com lesões (Fig. 5); com aspecto hemorrágico (avermelhados), dentre outras anormalidades. Cabeça e opérculo: observe a formação do ...O piscicultor deve ficar atento para olhos opacos ou esbranquiçados; olhos saltados ou afundados com lesões com aspecto hemorrágico, dentre outras anormalidades... opérculo (Fig. 1 e Fig. 7) e se há presença de deformidades no mesmo ou na cabeça (Fig. 5). Peixes com opérculo muito aberto podem estar com dificuldade respiratória, que pode ser causado pelo baixo oxigênio na água ou pela infestação das brânquias por parasitos ou infecções por fungos ou bactérias. Opérculos muito curtos curto deixam as brânquias mais expostas ao meio. Exame das brânquias: ao examinar as brânquias (Fig. 10) atente para os seguintes detalhes: brânquias com aspecto inchado (congestionado ou inflamado); com excessiva quantidade de muco; observe a presença de áreas necrosadas (amareladas ou marrom); brânquias com coloração vermelho pálido ou rosada sugere uma condição de anemia nos peixes. Fique atento para a presença de parasitos fixados às brânquias ou de cistos ou pontinhos brancos. Aspectogeraldasvísceras: ao expor as vísceras do peixe, observe se estas não se apresentam aderidas à parede da cavidade abdominal ou entre si (peritonite; Fig. 18). Também preste atenção para a presença de parasitos (vermes) que possam estar aderidos às vísceras. Fique atento para a presença excessiva de líquido na cavidade abdominal (ascite ou barriga d’água; Fig. 17). Observe a coloração (incolor, amarelado, sanguinolento) e a transparência deste líquido (opaco ou transparente). Quantidade de gordura visceral (Fig.11, 13 e 16): serve como indicativo do estado alimentar dos peixes. Nenhuma ou pouca gordura é um forte indicativo de que o animal está há muito tempo sem se alimentar. Muita gordura pode indicar a prática de alimentação em excesso ou mesmo uma alta relação energia/proteína no alimento. totalmente amarelados geralmente indicam anormalidades. Alguns parasitos se alojam no fígado, formando cistos, que podem ser visualizados a olho nu. Em algumas situações o fígado pode se apresentar hemorrágico (com coágulos ou pontinhos vermelhos – petéquias). Também podem ocorrer lesões e até mesmo tumores. Intestino (Fig. 10 e 14): observe se há presença de alimento e a cor do mesmo; se o aspecto é hemorrágico e se há fluído sanguinolento em seu interior. Abrindo o intestino com o auxílio de uma tesoura pequena, observe a presença de vermes. Vesícula Biliar: localizada entre os lóbulos do fígado, a vesícula biliar se apresenta como uma bexiga geralmente transparente ou coberta por uma membrana de cor opaca (Fig 12). Em seu interior se encerra a bile, um fluído de cor amarelada ou esverdeada. A função da vesícula biliar é armazenar sais biliares e despejá-los no intestino para auxiliar na digestão das gorduras. Assim, quando o peixe está se alimentando normalmente, a vesícula apresenta cor amarelada e pequeno tamanho. Nos peixes que não estão se alimentando, a vesícula biliar fica repleta e geralmente de cor verde escuro (Fig. 13 e 14). Vesícula muito cheia e com coloração verde azulada indica que o peixe não se alimenta há muitos dias. Se a ração está sendo fornecida e o peixe não está se alimentando, algo está errado e deve ser diagnosticado e corrigido. Estômago (Fig. 10; 14): observe a presença de alimento. Peixes doentes geralmente deixam de se alimentar e ficam com o estômago vazio. Fígado (Fig. 10; 11; 12 e 16): é um órgão importante nos processos metabólicos, na geração de energia, desintoxicação do organismo, entre outras funções. As alterações no tamanho e na textura do fígado são mais importantes na constatação de distúrbios do que as alterações em sua cor. Tamanho e textura do fígado: fígado de tamanho aumentado, esparramado por toda a cavidade abdominal, pode indicar uma anormalidade (Fig. 13). Peixes supridos com alimentos ricos em carboidratos e gordura (ricos em energia) e pobres em proteína (por exemplo, milho, mandioca, restos de panificação, ração para suínos e aves, entre outros) tendem a apresentar aumento no tamanho do fígado (Fig 11). Isto pode prejudicar as funções deste órgão e causar problemas. O índice hepato-somático (IHS) indica a relação entre o tamanho do fígado e o tamanho do corpo do peixe. O IHS é expresso em porcentagem (%) e calculado multiplicando o peso do fígado do peixe por 100 e dividindo o valor obtido pelo peso do peixe. Por exemplo, se um peixe pesa 131g e o seu fígado 4,7g, o IHS será (4,7/131) x 100= 3,59%. O IHS pode ser comparado entre diferentes grupos de peixes e usado como indicativo de anormalidades. Fígado de textura friável (que se parte ou se despedaça facilmente) é um indicativo de distúrbios. Um fígado normal apresenta boa integridade, podendo ser manuseado sem que se parta facilmente. Cor do fígado: pode variar do vermelho vivo ao vermelho com tons marrom/amarelados. Peixes cultivados intensivamente com rações comerciais tendem a apresentar maior acúmulo de glicogênio e gordura no fígado, ficando este órgão geralmente com uma coloração mais para marrom/amarelada (Fig. 11) do que vermelho (Fig. 12). No entanto, fígados pálidos (rosados, beges ou quase brancos) ou ...Peixes cultivados intensivamente com rações comerciais tendem a apresentar maior acúmulo de glicogênio e gordura no fígado... Baço: é um órgão em forma de um triângulo comprido, chato na espessura e de coloração vermelho escura (Fig 12, 15 e 16). Geralmente encontrado adjacente ao estômago, entremeado a gordura visceral. Examine o baço e procure observar (comparar) o tamanho e coloração deste órgão. Baço de cor quase negra e de tamanho aumentado (com as margens espessas e arredondadas) é um indicativo de infecções bacterianas. Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2000 37 Piscicultor, abaixo estão os principais itens a serem observados em um exame rotineiro dos seus peixes. Use o quadro abaixo para melhor avaliar as possíveis anomalias. 38 Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2000 Organizando as informações: no Quadro a seguir são resumidos os principais itens a serem observados em um exame rotineiro feito pelo piscicultor. Use um quadro como este para cada uma das avaliações. Especifique o viveiro ou tanque amostrado, o número de peixes observados. Examine simultaneamente os peixes amostrados de um mesmo viveiro ou tanque. Se as condições dos peixes em um mesmo viveiro forem muito distintas, use uma folha para cada peixe. Caso seja constatada alguma anormalidade que mereça um exame mais detalhado por um profissional especializado, registre as informações adicionais sobre a qualidade da água no dia (ou no dia anterior) da amostragem. Também faça uma breve resenha das condições de qualidade da água nas últimas duas semanas, principalmente no que diz respeito ao oxigênio dissolvido. No caso de mortalidade, relate se esta foi aguda (muitos peixes morreram de uma só vez); crônica (poucos peixes morreram nos primeiros dias e a mortalidade vem aumentando dia a dia); sub-crônica (todos os dias um pequeno número de peixes morrem). Descreva sucintamente o que vêm ocorrendo com os peixes. Estas informações serão úteis para auxiliar o profissional encarregado do diagnóstico mais preciso do problema. Outras informações serão solicitadas oportunamente pelo profissional encarregado do diagnóstico. ...é preciso manter os olhos bem abertos para detectar problemas em seu início. Isto ajudará a reduzir as perdas financeiras e o desestímulo geral provenientes de problemas crônicos com a inadequada saúde dos peixes... Esta estratégia simples de monitoramento da condição dos peixes, conforme proposta pela Dra. Lam e aqui apresentada de uma maneira bastante simples e ilustrativa, pode ser útil tanto aos piscicultores quanto às empresas que prestam suporte técnico em piscicultura. Dentre muitas, as empresas de ração podem se beneficiar muito deste acompanhamento rotineiro da condição dos peixes em diferentes propriedades. Em quadros de mortali- dade crônica sempre é questionada a qualidade da ração em uso. Assim, as empresas que implementarem um monitoramento simplificado como este em alguns dos seus clientes, podem antecipar muitos problemas e reunir evidências suficientes para discutir e buscar soluções para os eventuais problemas que surgirão com os seus clientes. Aos piscicultores e técnicos recomendamos especial atenção quanto à qualidade da água e ao manejo nutricional, fatores ainda responsáveis por grande parte dos problemas nas pisciculturas. Também é preciso manter os olhos bem abertos para detectar problemas em seu início. Isto ajudará a reduzir as perdas financeiras e o desestímulo geral provenientes de problemas crônicos com a inadequada saúde dos peixes. Fundamental para isso é o empenho dos piscicultores e técnicos em aprender um pouco mais sobre o monitoramento e correção da qualidade da água, bem como assimilar boas práticas de manejo. Se com o uso de boa técnica e aplicando um bocado de conhecimento os problemas não deixam de aparecer, não há dúvidas que uma piscicultura alheia às boas práticas de manejo, descuidada quanto à questão nutricional e com pouco controle de qualidade de água, está com seus dias contados. Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2000 39 Panorama da AQÜICULTURA, maio/junho, 2005 1 Antecipando-se às doenças na tilapicultura Fernando Kubitza, Ph.D. (Acqua & Imagem) [email protected] A principal empresa produtora de tilápia da Costa Rica, Acqua Corporation, contabilizou nos meses de abril e maio deste ano um prejuízo direto da ordem de 2,5 milhões e foi obrigada a dispensar mais de 100 funcionários. A mortalidade foi resultado de uma infecção crônica pela bactéria Piscirickettsia salmonis, possivelmente agravada por alterações na qualidade da água de abastecimento. Desde 2004 os produtores costarriquenhos conviviam com mortalidades crônicas causadas por esta bactéria. A situação estava sendo mantida sob controle com o uso freqüente de antibióticos. A Piscirickettsia salmonis, já conhecida pelos produtores de salmão em diversos países, também foi isolada de tilápias cultivadas em Taiwan, Honduras, Estados Unidos e Jamaica. As exportações costarriquenhas de produtos de tilápia em 2004 foram da ordem de 4.600 toneladas (destas 4.090 somente para os Estados Unidos). Considerando que o maior volume de exportações da Costa Rica corresponde a filés (cerca de 30% do peixe inteiro), esta exportação equivale a uma produção anual próxima a 15.000 toneladas de tilápia inteira/ano. Em 2004 a produção de tilápias foi de 19 mil toneladas, 90% superior ao produzido em 2000, um crescimento médio superior a 17% ao ano. Que esse infortúnio seja um alerta aos produtores, pesquisadores, técnicos e homens públicos envolvidos com a aqüicultura no Brasil, sobre a necessidade de adoção de medidas preventivas e de biossegurança para evitar que episódios como esse não acometam a tilapicultura brasileira. Embora concentrada e expressiva, a produção de tilápia na Costa Rica é pequena comparada às estimativas da tilapicultura no Brasil. Apesar da ausência de estatísticas oficiais, seguramente a produção de tilápias em nosso país ultrapassa a casa das 100.000 toneladas/ano. Grande parte da expansão dos cultivos no Brasil se deve ao uso de tanques-rede nos grandes reservatórios, notadamente em São Paulo, Bahia, Alagoas e Ceará. Quem é do setor sabe que os cultivos intensivos em tanques-rede são bastante susceptíveis a variações na qualidade da água e à ação de agentes infecciosos, resultando em considerável mortandade crônica. Não há informações precisas sobre dimensão destas perdas, mas não hesito em afirmar que pelo menos 5% dos peixes em tamanho de mercado morrem antes de completado o cultivo (desconsiderando perdas de juvenis e alevinos). Isso deve representar cerca de 5.000 toneladas de peixe/ano, que a um custo de produção médio ao redor de R$ 2,00/quilo, resulta em prejuízo aos produtores ao redor de R$ 10 milhões (cerca de US$ 4 milhões). Ou seja, perdemos passivamente nos cultivos no Brasil quase o dobro do prejuízo contabilizado recentemente na tilapicultura costarriquenha e pouco se fala sobre isso. Este artigo não tem a pretensão de discorrer sobre tratamentos de doenças, mas sim de alertar os produtores e técnicos, dos potenciais organismos patogênicos na tilapicultura e discutir medidas preventivas que possam contribuir com a melhoria da sanidade nos cultivos. Os leitores interessados em informações mais detalhadas sobre os procedimentos profiláticos e terapêuticos específicos para controle das principais enfermidades de tilápias aqui mencionadas devem consultar os artigos já publicados nesta revista (Panorama da Aqüicultura: julho/agosto, 2000; julho/agosto, 2001), livros específicos sobre tilápia (Tilápia: tecnologia e planejamento na produção comercial. Kubitza, 2000) ou ainda livros sobre doenças e parasitoses dos peixes cultivados (Kubitza e Kubitza, 2004 Ed. revisada e ampliada; Pavanelli et al 1998). Doenças e parasitoses em tilápias As tilápias sempre foram reconhecidas por sua grande rusticidade. Dificilmente eram registradas doenças ou deficiências nutricionais nos cultivos, que em sua maioria eram conduzidos em tanques escavados com a presença de plâncton. Sempre foi admirável a capacidade destes peixes de tolerar o manuseio e condições adversas de qualidade de água. No entanto, nas últimas décadas os cultivos de tilápia se intensificaram, impulsionados tanto pela consolidação da tilápia como um peixe de aceitação global e pelo desenvolvimento de sólidos mercados locais. Empreendimentos industriais de cultivo começaram a experimentar altas densidades de estocagem em tanques escavados com altas taxas de renovação de água e aeração, em tanques de alto fluxo (“raceways”), em tanques-rede e em sistemas fechados com tratamento e recirculação de água. O aumento na pressão de produção, a maior dependência do uso de alimentos formulados, a intensificação do manuseio e a maior ocorrência de problemas de qualidade de água nestes cultivos intensivos revelaram uma outra face das tilápias. Apesar de sua natureza resistente, começaram a surgir problemas nutricionais e mortalidade atribuída a organismos patogênicos. No QUADRO 1 são relacionados os principais agentes patogênicos isolados em tilápias cultivadas. QUADRO 1. Agentes patogênicos registrados em tilápia cultivadas em água doce ou em águas salobras/salgadas. Panorama da AQÜICULTURA, maio/junho, 2005 15 Parasitoses Diversas espécies de protozoários ciliados, flagelados, monogenóides, copépodos, entre outros grupos de parasitos foram isolados em tilápias. Grande parte destes parasitos se aloja na pele e nas brânquias, podendo ou não se alimentar dos tecidos e fluídos do peixe hospedeiro. Infestações nas brânquias resultam em lesões e inflamação do epitélio branquial, prejudicando a respiração e a manutenção do equilíbrio osmorregulatório dos peixes. Adicionalmente, as lesões nas brânquias e na pele dos peixes parasitados servem como porta de entrada para infecções secundárias por fungos e bactérias. Parasitos do grupo dos mixosporídios se alojam em cartilagens ou na matriz óssea, podendo causar anomalias no esqueleto (curvatura da coluna e deformidades na cabeça). Quando se alojam no cérebro, podem causar distúrbios na natação (natação espiralada). Doenças virais Em revisão feita pelo Dr. John Plumb (Auburn University) há relatos de alguns casos de viroses em tilápia. Um deles foi o vírus da linfociste (já identificado em outras espécies de peixes) em tilápias nativas de lagos do leste africano. Linfociste é uma doença causada por um iridovírus com genoma DNA. Apesar de não causar a morte dos peixes, este vírus faz surgir na pele e nadadeiras, aglomerações de tecidos semelhantes a verrugas ou tumores que podem prejudicar a aparência e aceitação do pescado. Para diversas espécies de peixes já foram diagnosticadas viroses específicas. Com a tilápia isso ainda não ocorreu. Geralmente há uma carência de profissionais treinados ou de laboratórios equipados para a identificação de viroses em peixes em diversos países tropicais onde se cultiva a tilápia. Isso faz com que episódios de mortandade que possam ter sido primariamente desencadeados por infecções virais passem sem diagnóstico, ou sejam atribuídos exclusivamente a outros agentes infecciosos (bactérias, por exemplo) isolados dos peixes doentes. A B Fígado Coração Baço Vesícula FOTO 1 – Observe os órgãos internos de duas tilápias de mesmo tamanho. (A) – peixe sadio: observe a vesícula biliar de tamanho normal e coloração verde claro, indicando peixe que está se alimentando. No peixe doente (B) a vesícula está escura e repleta de fluído biliar, típico de peixe que deixou de se alimentar há dias. Observe que o peixe doente tinha o baço aumentado e de coloração muito escura, quase negra. Também é perceptível o aumento no tamanho do fígado e do coração no peixe doente. O fígado do peixe doente está hemorrágico. Rim Doenças bacterianas Diversas bactérias patogênicas foram isoladas em tilápias cultivadas, conforme relação apresentada no QUADRO 1. Os sinais clínicos que fortemente indicam a ocorrência de bacterioses são: a) presença de áreas despigmentadas e que podem evoluir para lesões ulcerativas no corpo; b) nadadeiras hemorrágicas ou erodidas (podridão das nadadeiras); c) sinais de hemorragia em diversas partes do corpo; olhos saltados, de aspecto opaco e/ou hemorrágico; d) áreas necrosadas nas brânquias; e) acúmulo de fluído de aspecto opaco e/ou sanguinolento na cavidade abdominal provocando distensão do abdômen (ascite); f) hemorragia e hiperplasia nos órgãos internos (fígado e coração), aumento de tamanho e enegrecimento do baço, vesícula biliar escurecida e repleta (FOTO 1); g) hemorragia e presença de fluído sanguinolento no intestino; h) inflamação e aumento no tamanho do rim (FOTO 2). Os peixes infectados podem apresentar escurecimento do corpo, dificuldade respiratória, letargia, natação irregular ou espiralada, dentre outras alterações comportamentais. Geralmente perdem o apetite, o que dificulta o tratamento da doença com o uso de antibióticos adicionados na ração. A seguir é feita uma breve descrição das principais bacterioses que acometem os cultivos de tilápia no Brasil e no mundo. FOTO 2 – Rim de tilápia inflamado e aumentado, indicativo de infecção bacteriana. Septicemia por Aeromonas móvel (MAS) Esta doença é causada pela bactéria Aeromonas hydrophila (esporadicamente Aeromonas sobria pode estar envolvida). Os sinais clínicos são: erosão das nadadeiras e hemorragia difusa pelo corpo e nadadeiras. Geralmente há perdas de escamas e surgem manchas despigmentadas na pele (FOTO 3). Essas manchas geralmente evoluem em ulcerações (FOTO 4). Olhos saltados (exoftalmia), opacidade da córnea e abdômen distendido (ascite), (FOTO 5) com acúmulo de fluído opaco ou sanguinolento. Intestino com aspecto inflamado (avermelhado) e geralmente vazio pelo fato do peixe doente ter parado de comer. O fígado do peixe geralmente se apresenta pálido e hemorrágico (FOTO 6). Panorama da AQÜICULTURA, maio/junho, 2005 17 Pseudomonas fluorescens também causa septicemia em tilápias com semelhantes sinais clínicos. Estas bactérias estão presentes em praticamente todos os ambientes de água doce e se manifestam quando os peixes são debilitados por problemas de qualidade da água, temperaturas baixas ou por um manuseio inadequado. Informações mais detalhadas sobre a MAS em tilápias podem ser encontradas em matéria desta revista (Panorama da Aqüicultura, julho/agosto, 2000) e na revisão elaborada pelo Dr. John Plumb (1997). FOTO 6 – Órgãos internos de tilápia com septicemia por Aeromonas: peritonite (aderência das vísceras), fígado aumentado e com severa hemorragia Streptococcose FOTO 3 – Mancha despigmentada na pele (perda de escama) que pode evoluir para úlcera FOTO 4 – Lesão ulcerativa em tilápia: infecção por Aeromonas FOTO 5 – Tilápia à direita com ascite: infecção por Aeromonas hydrophila 18 Panorama da AQÜICULTURA, maio/junho, 2005 Bactérias do gênero Streptococcus estão relacionadas com episódios de alta mortandade de tilápias em países como Japão, Israel, Estados Unidos, Taiwan, Filipinas e Brasil. Tilápias são mais susceptíveis à infecção por Streptococcus em águas com salinidades entre 15 e 30ppt. Muitas vezes são registradas infecções simultâneas por Streptococcus e outras bactérias, como exemplo Aeromonas hydrophila. Dr.John Plumb registra evidências de que infestações por parasitos como a Trichodina, que causam excessiva injúria à pele, pode favorecer a ocorrência de infecções por Streptococcus e por Edwardsiella tarda em tilápias. No Brasil, episódios de mortalidade de tilápias infectadas por Streptococcus foram registrados, e se tornaram comuns, particularmente em tanques-rede e em períodos de elevada temperatura. Sinais típicos desta bacteriose são a natação irregular em espiral, curvatura e escurecimento do corpo (FOTO 7), olhos saltados e opacos, com inflamação granulomatosa nas lentes (FOTO 8). Na pele aparecem áreas despigmentadas que podem evoluir posteriormente para lesões mais bem definidas (tipo úlceras). Uma completa revisão sobre esta doença foi apresentada em matéria publicada por esta revista (Panorama da Aqüicultura, julho/agosto, 2001). FOTO 7 – Tilápias com infecção por Streptococcus: natação irregular (espiralada), curvatura e enegrecimento do corpo Edwardisiellose Doença causada pela enterobactéria Edwardsiella tarda registrada tanto em água doce como em água salobra. A Edwardsiella habita o intestino, coexistindo com as tilápias da mesma forma que a bactéria Aeromonas hydrophila. A intensificação do cultivo favorece a infecção por esta bactéria devido ao maior aporte de material fecal nos tanques de cultivo e maior contato peixe a peixe devido às altas taxas de estocagem. Vibriose FOTO 8 – Tilápia infectada por Streptococcus: corpo escurecido e olhos opacos Causada por bactérias do gênero Vibrio. Em água doce as principais são Vibrio cholerae, Vibrio parahaemolyticus e Vibrio mimicus. Em água salgada temos Vibrio anguillarum, Vibrio parahaemolyticus e Vibrio vulnificus. São bactérias gram negativas do tipo bastonetes geralmente móveis. Os sinais clínicos são semelhantes ao da septicemia causada por Aeromonas. Rickettsiose Columnariose (podridão das nadadeiras) Em água doce esta doença é causada pela bactéria Flavobacterium columnare. Sua contraparte em água salgada é a bactéria Flexibacter maritimus. Em água doce, a columnariose é uma doença que ocorre nos meses mais quentes (temperaturas ótimas para a bactéria estão entre 28 a 32oC), em tanques com grande acúmulo de matéria orgânica e com a qualidade da água prejudicada. Flavobacterium columnare aproveita-se da baixa resistência dos peixes ao manuseio (quando debilitados por problemas de qualidade da água ou pela má nutrição) ou da ocorrência de injúrias físicas durante o manejo. A columnariose não é uma doença muito freqüente em tilápias, embora eventualmente cause considerável mortalidade em alevinos após o manuseio e transporte. Seus sinais clínicos englobam a ocorrência de necrose nas nadadeiras (FOTO 9), particularmente na caudal (podridão de cauda), crescimento bacteriano na boca (boca de algodão) e presença de áreas necrosadas nas brânquias, dificultando a respiração dos peixes. Dr. Plumb descreve o relato de Chen et al. 1994 sobre tilápias do Nilo doentes em Taiwan das quais foi isolado um organismo similar a Rickettsia. Os peixes infectados ficavam letárgicos e com coloração pálida. Apresentavam úlceras e hemorragia na pele. Internamente foi observado aumento no tamanho do baço (esplenomegalia) e do rim, ascite (abdômen distendido) e nódulos brancos no fígado. No início deste artigo foi registrada a alta mortandade de tilápias em fazendas da Costa Rica, atribuída à infecção por Piscirickettsia salmonis, bactéria comumente encontrada em salmonídeos no Chile, Noruega e Canadá. Fatores que favorecem a ocorrência de doenças bacterianas em tilápia • Altas taxas de estocagem; • Deterioração da qualidade da água e excessivo acúmulo de material orgânico; • Inadequada nutrição; • Queda brusca de temperatura; • Infestações por parasitos; • Manejo grosseiro que causam perda de muco e de escamas e lesões na pele; • Alta salinidade combinada com temperaturas extremas. Doenças fúngicas FOTO 9 – Podridão das nadadeiras em tilápia causada por Flavobacterium columnare Dois tipos de fungos foram identificados como causadores de doenças em tilápia: Saprolegnia parasitica e Branchiomyces spp. Saprolegina parasitica acomete tilápias em diversas fases de desenvolvimento (desde o ovo até indivíduos adultos). Infecções por este fungo são muito comuns quando as tilápias são manejadas com temperatura da água abaixo de 24oC, particularmente nos meses de inverno e na primavera, quando o manuseio começa a ser intensificado e os peixes ainda não restabeleceram plena resistência imunológica. O manuseio grosseiro e o acúmulo de material orgânico nos tanques de cultivo favorecem a ocorrência de Panorama da AQÜICULTURA, maio/junho, 2005 19 infecções. Infecções por Saprolegnia geralmente são secundárias e ocorrem após os peixes terem sido debilitados por injúrias devido ao manuseio ou por infecções parasitárias. Também ocorrem após o peixe ser debilitado por infecções bacterianas. “É melhor prevenir do que remediar” Como o leitor pôde observar, muitos agentes infecciosos foram isolados em tilápias. Alguns deles são responsáveis por perdas consideráveis em todas as fases de produção deste peixe. Assim, é imprescindível que os produtores, pesquisadores, técnicos, órgãos governamentais, fabricantes de rações e outras empresas com interesse no desenvolvimento do setor, cooperem no sentido de se antecipar aos problemas de sanidade nos cultivos. A adoção de ações preventivas é um hábito que precisa ser adquirido e incorporado à cultura das empresas (melhor, dizer, de seus funcionários). No QUADRO 2 são feitas algumas recomendações para reduzir os problemas relacionados à sanidade em piscicultura. Estas sugestões devem ser implementadas sempre com base na adoção de boas práticas de manejo da produção. Seguramente, o ditado “é melhor prevenir do que remediar” cabe aqui muito bem, pois remover montanhas de peixes mortos dos viveiros ou tanques-rede é o que há de mais desagradável em uma piscicultura. Além disso, mortalidades crônicas de peixes sem perspectiva de controle desarmam, desestimulam e deprimem qualquer equipe de produção. QUADRO 2. Recomendações básicas para reduzir a ocorrência de problemas de doenças em piscicultura. • Realizar quarentena antes da introdução de novos exemplares; • Manter um setor de berçário isolado dos outros setores da piscicultura; • Efetuar um contínuo monitoramento e correção da qualidade da água; • Prover adequada nutrição e alimentação dos animais; • Remover diariamente peixes mortos e moribundos dos tanques de cultivo e disponibilizar local adequado para a disposição dos mesmos; • Realizar inspeção sanitária de rotina mesmo em lotes de peixes aparentemente sadios (inspeção externa e interna, exames parasitológicos e exames microbiológicos); • Ficar atento a qualquer alteração no comportamento dos peixes. E sempre que isso ocorrer, ficar atento à qualidade da água e realizar exames clínicos tanto nos peixes moribundos como nos aparentemente sadios do lote; • Desinfecção de equipamentos e utensílios de uso rotineiro (caminhões e tanques de transporte, redes e puçás, roupas de trabalho, aeradores que são deslocados de um viveiro a outro). A desinfecção de tudo o que é usado nas pisciculturas nem sempre é viável em termos operacionais ou de custo. Mas essa necessidade deve estar sempre presente na mente dos piscicultores e implementada sempre que houver suspeita de doenças infecciosas; • Eliminação de plantéis de peixes infectados com agentes que permitam transmissão vertical, ou seja, de mãe para filho. Viroses, por exemplo, podem ser transmitidas de mãe para filhos através do ovo; • Manter sob controle a população de outros animais na piscicultura (roedores, cachorros, aves predadoras de peixes, anfíbios, entre outros). Estes animais podem servir de vetores de doenças ou zoonoses, e ainda atuar como hospedeiro intermediário de alguns parasitos. Biossegurança nos cultivos Com a expansão da tilapicultura no Brasil, é natural que produtores e empresários procurem melhorar a qualidade do material genético através da importação de linhagens de tilápia de melhor desempenho produtivo em países com tradição no cultivo e melhoramento genético deste peixe. Além dos estoques naturais na África, o grande banco genético de tilápias na atualidade está nos países Asiáticos. Cabem aqui algumas considerações. A primeira é o fato de que, nestes países as tilápias têm sido cultivadas intensivamente por muitas décadas. Portanto, as linhagens existentes já foram acometidas por diversos tipos de enfermidades e seguramente podem ser portadoras de algum agente infeccioso de difícil controle e que pode causar grandes prejuízos aos cultivos, como exemplo o Streptococcus, que foi isolado de tilápias cultivadas no Brasil em 2001. A segunda: os cultivos em diversos países asiáticos somam décadas de uso de medicamentos e, seguramente, muitas cepas de bactérias que podem ser introduzidas com tilápias importadas destes países já desenvolveram resistência a medicamentos (particularmente os antibióticos) utilizados na aqüicultura brasileira. Uma terceira consideração é a possibilidade de que animais importados de outros países ou regiões apresentem maior susceptibilidade a agentes patogênicos existentes e evoluídos em nossas pisciculturas. Desta forma, linhagens de excelente desempenho em outras localidades (países e regiões) podem apresentar problemas quando cultivadas em outros locais e expostas ao desafio com novos agentes patogênicos. A quarentena destes lotes introduzidos é fundamental para reduzir o risco de que estes sejam imediatamente expostos a patógenos aos quais ainda não tiveram tempo de desenvolver imunidade. Com o tempo haverá uma seleção natural dos indivíduos tolerantes aos patógenos existentes no local de introdução. A adoção das boas práticas sanitárias durante o cultivo (QUADRO 2) é um passo importante da biossegurança na piscicultura. Adicionalmente, as empresas de reprodução que precisam importar material genético de outros países ou mesmo de outros estados brasileiros, devem evitar a introdução de peixes em suas instalações, sem uma completa certificação sanitária que ateste a ausência de parasitos, bactérias e vírus nos exemplares adquiridos. Ainda não há no Brasil uma exigência de certificação sanitária para produtores de alevinos. Portanto, quem se dedica a engorda está sujeito a introduzir em seus cultivos diversos tipos de patógenos com os alevinos adquiridos. Os produtores podem contratar os serviços de laboratórios especializados (universidades, institutos de pesquisa e mesmo privados) para avaliar a presença de parasitos ou bactérias patogênicas nos exemplares adquiridos. A desinfecção de equipamentos é essencial, principalmente daqueles utilizados em diversas propriedades, como os caminhões e caixas de transporte de peixes vivos. A desinfecção de roupas de trabalho demanda conscientização e disciplina por parte dos funcionários. Geralmente a equipe de produção não possui uniforme, nem sequer usa roupas apropriadas para uma fácil desinfecção durante a rotina. Os funcionários entram em diversos viveiros em um mesmo dia, sempre com a mesma roupa e sem qualquer desinfecção das mesmas. O uso racional de medicamentos, notadamente os antibióticos, também é uma questão relevante na biossegurança dos cultivos. O uso indiscriminado destes produtos pode resultar no desenvolvimento de resistência por parte de alguns patógenos. Assim, os medicamentos tradicionalmente utilizados começam a não fazer mais efeito e as opções de tratamento ficam cada vez mais escassas e caras. Panorama da AQÜICULTURA, maio/junho, 2005 21 Já existem vacinas desenvolvidas com sucesso para prevenir bacterioses em diversas espécies de peixes. Merecem destaque as vacinas contra Aeromonas salmonicida (furunculose), Vibrio anguilarum e Vibrio salmonicida (vibriose), Aeromonas hydrophila, Edwardsiella ictaluri (septicemia entérica do bagre-do-canal). Também já foram avaliadas experimentalmente vacinas contra Edwardsiella tarda (Edwardsiellose) e Flavobacterium columnare (Columnariose ou podridão das nadadeiras). Nos Estados Unidos há um grupo de pesquisadores do USDA (Departamento de Agricultura) dedicados exclusivamente ao desenvolvimento de uma vacina para imunização de tilápias contra o Streptococcose, bacteriose que tem causado grandes prejuízos em cultivos intensivos de tilápia naquele país. Empresas privadas dedicadas à produção de vacinas e medicamentos para uso na produção animal já dirigem esforços específicos para desenvolver vacinas para uso na aqüicultura. Vacinas comerciais contra Streptococcus iniae, Streptococcus agalactie (Streptococcose) e Lactococcus garviae (Lactococcose) já estão sendo utilizadas por produtores de tilápia na Ásia e em Israel. No Brasil ainda não há registro do uso de vacinas na piscicultura, mas esta pode ser a mais eficaz ação para reduzir a mortalidade crônica observada nos cultivos intensivos de tilápia e mesmo de outras espécies de peixe. tâncias que incrementam a resposta imunológica (geralmente a imunidade não específica) dos animais. Em geral os imunoestimulantes promovem efeitos de probióticos, por melhorar a condição de saúde dos animais. A adição de probióticos e imunoestimulantes nas rações pode contribuir com a melhora na sobrevivência e desempenho dos peixes no cultivo e servir como ferramenta para aliviar as mortalidades crônicas atribuídas a agentes infecciosos. Diversos produtos têm sido avaliados como imunoestimulantes/ probióticos em peixes. No cultivo de tilápias, em particular, há referências ao uso de substâncias como as peptidoglucanas, coquetéis de bactérias (geralmente contendo bactérias do gênero Lactococcus), polissacarídeos (zimozana, escleroglucana entre outros). Imunoestimulantes como o ascogen parecem potencializar a resposta imunológica em tilápia após a vacinação contra Aeromonas hydrophila. Em salmonídeos, a substância levamisol potenciou a resposta imunológica quando aplicado juntamente com a vacina contra Aeromonas salmonicida. Diversos produtos com propriedades imunoestimulantes e probióticas já estão disponíveis no mercado. Como a administração destes probióticos e imunoestimulantes geralmente é feita através dos alimentos, aos fabricantes de rações cabe o papel decisivo de avaliar (em parceria com produtores e instituições de pesquisa) e difundir o uso de probióticos e imunoestimulantes como medida preventiva para reduzir os problemas com doenças na piscicultura. Uso de probióticos e imunoestimulantes Atenção nos cultivos de tilápia em água salgada Probióticos são compostos que melhoram o desempenho produtivo e a condição, enquanto os imunoestimulantes são subs- A exemplo do que ocorreu no Equador, a tilapicultura pode ser uma alternativa para diversificação do cultivo em fazendas Vacinação 22 Panorama da AQÜICULTURA, maio/junho, 2005 até o momento dedicadas exclusivamente à produção do camarão marinho. Diante desta perspectiva, aos carcinicultores que agora enveredam na tilapicultura, recomendo atenção a algumas particularidades das tilápias. As principais espécies e linhagens de tilápia disponíveis no Brasil não toleram cultivo em salinidades acima de 25ppt. As que aparentemente parecem tolerar salinidades acima de 25ppt, ainda correm o risco de não resistirem ao estresse adicional relacionado ao manejo, má qualidade da água, infestações parasitárias ou à quedas bruscas na temperatura. Assim, esses animais podem ficar extremamente vulneráveis à doenças infecciosas e apresentar baixo desempenho e sobrevivência nos cultivos. Aos candidatos a tilapicultores vale lembrar que algumas linhagens de tilápias são particularmente sensíveis à infecções bacterianas (notadamente à Streptococcose) quando a temperatura da água se eleva demasiadamente (acima de 30oC). Essa susceptibilidade é acentuada pelo estresse adicional devido ao adensamento e/ou deterioração da qualidade da água nos cultivos intensivos. Quando cultivadas em águas com salinidade de 15 a 30ppt se tornam ainda mais susceptíveis à infecção por Streptococcus, comparadas a tilápias cultivadas em água doce. Aos carcinicultores da região Sul, saliento a importância de evitar o manuseio de tilápias nos períodos de baixa temperatura (<24oC) e os riscos de mortalidade que pode ocorrer durante o inverno. Abaixo de 20oC o sistema imunológico das tilápias é praticamente desativado, o que pode favorecer a ocorrência de doenças infecciosas, agravada pela baixa resistência deste peixe em águas de alta salinidade. Tilápias se dão muito bem em viveiros escavados nos quais o produtor consegue manter adequado desenvolvimento do fitoplâncton. Nestes ambientes elas crescem rapidamente, apresentam eficiente conversão alimentar e alta sobrevivência, resultando em um competitivo custo de produção. A despesca, no entanto, pode ser extremamente trabalhosa quando o fundo dos viveiros é irregular e/ou não se conta com redes adequadas e estruturas auxiliares como caixas de despescas nos viveiros. O sucesso do cultivo nestes ambientes depende da habilidade do produtor em manter um plâncton saudável, servindo como uma fonte complementar de alimento (nutrientes) e como agente saneador do ambiente. O plâncton cumpre papel fundamental na oxigenação do ambiente e na remoção de amônia e gás carbônico da água de cultivo. Também promove o desenvolvimento de organismos benéficos (algas, protozoários, rotíferos, microcrustáceos, fungos e outros), que equilibram biologicamente o sistema, dificultando a proliferação "Os produtores devem adotar práticas preventivas para minimizar os problemas sanitários na piscicultura. Além dos benefícios econômicos com o aumento na sobrevivência e melhora no desempenho produtivo dos peixes, haverá uma considerável economia na racionalização do uso de produtos terapêuticos." exclusiva de organismos patogênicos. Em viveiros escavados sem renovação de água é recomendável manter o estoque de peixes abaixo de 8.000kg/ha, mesmo com o uso de aeradores, evitando assim problemas com a qualidade da água que possam comprometer o desempenho e a saúde das tilápias. Considerações finais O governo precisa ser mais ágil e objetivo na implementação de um programa de inspeção e controle sanitário dos materiais genéticos introduzidos no país para aqüicultura. Além da exigência de atestado sanitário na procedência, o Ministério da Agricultura deveria contar com pelo menos um laboratório especializado em diagnósticos ictiopatológicos para realizar uma contra-prova dos animais mantidos em instalações de quarentena. Se isso não for possível, contar com a parceria de laboratórios que hoje operam em algumas universidades do país. Os produtores devem adotar práticas preventivas para minimizar os problemas sanitários na piscicultura. Além dos benefícios econômicos com o aumento na sobrevivência e melhora no desempenho produtivo dos peixes, haverá uma considerável economia na racionalização do uso de produtos terapêuticos. Os fabricantes de rações devem ficar atentos à evolução no uso de probióticos e imunoestimulantes na aqüicultura e incorporar estes produtos às rações destinadas ao cultivo intensivo de tilápias. Diversas vacinas já disponíveis e usadas em outros países devem ser rapidamente avaliadas e introduzidas na rotina dos nossos cultivos. Os patologistas no país devem direcionar mais esforços no desenvolvimento de vacinas com cepas locais de bactérias que hoje já têm causado consideráveis perdas de tilápias em nosso país, em particular o Streptococcus e a Aeromonas. Nas pisciculturas de nosso país há material biológico de sobra para iniciar os trabalhos de isolamento destas bactérias e a produção de vacinas. Temos acesso a todos os avanços tecnológicos na tilapicultura mundial, a pesquisa com tilápia nas universidades nacionais tem avançado consideravelmente e estamos cientes das patologias e episódios marcantes de mortalidades de tilápia em diversos países. Assim, não é concebível esperarmos por uma fatalidade se podemos começar a agir agora. Ou vamos ter um revés na tilapicultura semelhante ao que vem ocorrendo na carcinicultura marinha? Técnicos, pesquisadores e governo devem empenhar esforços para eliminar da nossa aqüicultura o velho ditado: “em casa de ferreiro, o espeto é de pau”. As fotos deste artigo foram cedidas pelo autor. Panorama da AQÜICULTURA, maio/junho, 2005 23 Panorama da AQÜICULTURA, setembro/outubro, 2005 1 Desafios para a consolidação da tilapicultura no Brasil Por: Fernando Kubitza, Ph.D. - (Acqua & Imagem, Jundiaí-SP) [email protected] João Lorena Campos, M. Sc. - (Qualy Aqua, Dourados-MS) [email protected] A tilapicultura no Brasil é ainda muito recente. Para valer mesmo, os cultivos comerciais tiveram início na década de 90 e somente se intensificaram após 1995, impulsionados pela crescente aceitação da tilápia nos pesque-pague do Sul e Sudeste. No Nordeste do país, os cultivos de tilápia somente se tornaram expressivos a partir de 2000, com empreendimentos em tanquesrede em reservatórios no Rio São Francisco (particularmente o de Xingó, que congrega áreas de Alagoas, Bahia e Sergipe) e principalmente nos açudes do Ceará. Recentemente, com exceção dos estados da região norte do país, do Mato Grosso e Rio Grande do Sul (devido a restrições ambientais, e este último também por conta do clima pouco favorável), os cultivos de tilápia têm se multiplicado por todo o país. No entanto, merecem destaque a criação em tanques-rede no oeste do Estado de São Paulo, nos reservatórios do Ceará e no Rio São Francisco, em áreas dos estados de Sergipe, Bahia e Alagoas. Apesar de não haver estatísticas oficiais, a produção atual de tilápias cultivadas no Brasil provavelmente supera 100.000 toneladas/ano. Praticamente toda esta produção é destinada ao mercado interno, o que adiciona pouco mais que 0,5kg/ano no consumo per capita de pescado do brasileiro. Parece pouco, mas 0,5kg de tilápia sobre 6kg (média nacional per capita), significa que quase 9% do consumo de pescado do brasileiro é suprido pela tilápia. E o brasileiro ainda pode e irá consumir muito mais tilápia do que isso com a expansão do cultivo em diversas regiões do país. 14 Panorama da AQÜICULTURA, setembro/outubro, 2005 Principais obstáculos à expansão da produção Diversos obstáculos podem contribuir com o atraso no desenvolvimento da tilapicultura industrial no Brasil. Os principais, na opinião dos autores, são discutidos a seguir. Queda na taxa de câmbio Em geral, os grandes empreendimentos dedicados à produção de tilápia têm sua estratégia de comercialização amarrada à exportação. Naturalmente, quando se pensa em comercializar grandes volumes, a exportação para os Estados Unidos e Europa é o caminho mais fácil, pois são mercados de demanda crescente e que pouco exigem na promoção do produto (poucas despesas com marketing e propaganda). No entanto, a exportação da tilápia ainda é muito sensível às variações na taxa de câmbio, como as que presenciamos no momento atual. A taxa de câmbio atual (US$ 1,00 = R$ 2,30) compromete sensivelmente o lucro das indústrias exportadoras, impedindo-as de aumentar os preços pagos aos produtores. Salvo exceções em algumas regiões do país, os tilapicultores têm trabalhado com margens muito apertadas, refreando assim a expansão dos cultivos. Mercado nacional pouco explorado O mercado interno, de tamanho nada desprezível, é uma alternativa que somente agora começa a ser considerada. Os frigoríficos precisam intensificar a oferta e a promoção da imagem dos produtos de tilápia no mercado nacional, para que o crescimento do setor não fique exclusivamente dependente da exportação. O consumidor brasileiro ainda desconhece a tilápia, mas nos mercados onde produtos de boa qualidade já tiveram penetração, a aceitação é muito boa e os preços refletem o valor que os consumidores fazem do produto, aproximandose, e em vários casos superando, os preços obtidos na exportação. Custo de produção ainda elevado Os custos de produção ainda são altos devido à falta de economia de escala, tanto na produção quanto no processamento. Pontos como o baixo nível tecnológico e a falta de associativismo e cooperação entre os produtores também contribuem para o alto custo da produção. Consideráveis perdas da produção ainda ocorre devido à ocorrência de doenças, elevando consideravelmente os custos de produção (ver artigo na Panorama da Aqüicultura, vol. 15 nº 89, p15-23, 2005). As indústrias processadoras ainda não conseguem um aproveitamento integral da tilápia (filé e subprodutos, como a polpa, pele, cabeça e resíduos do processo), levando à perdas de receita que têm potencial para aumentar significativamente a rentabilidade destes empreendimentos. Falta de regulamentação quanto ao licenciamento ambiental Obviamente que a dificuldade de obtenção do licenciamento ambiental desencoraja os investidores. A falta da licença ambiental dificulta a concessão de crédito; coloca os cultivos sob o risco constante de autuações e fechamento; e pode inviabilizar o estabelecimento de contratos comerciais. Esta situação deve ser abordada por todo o setor, pressionando por respostas rápidas e educando os órgãos ambientais sobre as questões de real importância dentro da piscicultura. Análise dos custos de produção e processamento Visando demonstrar a situação atual dos produtores e indústrias que estão processando tilápias no Brasil, são apresentadas neste artigo algumas análises sobre os custos de produção e de processamento da tilápia, assim como sobre a rentabilidade de empreendimentos comercializando os produtos de tilápia no mercado interno e externo. Custo de produção do filé Diversos fatores interferem com o custo de produção do filé, dentre eles, o preço pago pela tilápia viva, o rendimento do processo, a escala de processamento da indústria, as particularidades específicas de cada empreendimento (investimento e custo de capital, características do processo e do produto produzido, embalagens, localização e logística, fretes, prestação de serviços, carga tributária, entre muitas outras questões). Por sua vez, muitos destes fatores ainda estão atrelados a inúmeras outras variáveis. Assim, o custo de produção dos filés de tilápias pode ser o mais variado entre os diferentes frigoríficos do país. No QUADRO 2 é apresentada uma análise de cenários, variando a margem paga ao produtor (a partir de um custo de produção de R$ 2,20/kg da tilápia viva) e de um custo de industrialização de R$ 2,00/kg de filé (embalagem inclusa). Foi considerado na análise um rendimento em filé de 29%. Praticando uma remuneração entre 10 e 20% ao produtor, o custo de produção do filé fresco (FOB frigorífico) varia entre R$ 9,40 e 11,30/kg. QUADRO 2. Estimativa do custo do filé (FOB frigorífico) sob diferentes condições de preço da tilápia viva (margem ao produtor) e custo de industrialização Custo de produção da tilápia viva A tilapicultura industrial está se expandindo principalmente através do aumento dos empreendimentos de cultivos em tanquesrede nos reservatórios de diversos estados do país. Dessa forma, nos limitaremos a apresentar aqui, de maneira direta e simplificada, os custos para este sistema de cultivo. No QUADRO 1 são apresentadas estimativas do custo de produção para tilápias com cerca de 1,0 kg, variando as condições de conversão alimentar e de preço da ração (32% de PB). Foram mantidos constantes os preços de juvenis, a sobrevivência no cultivo e a participação da ração e alevinos no custo total de produção. Os empreendimentos de cultivo de tilápias em tanques-rede geralmente estão produzindo peixes ao redor de 1,0 kg, quer seja para produção de filé para exportação, quer para atender a exigência de mercados regionais. Salvaguardadas as particularidades de alguns empreendimentos, a área em azul no QUADRO 1 representa a faixa mais provável de custo para a Região Nordeste do país (custo médio ao redor de R$ 2,17/kg). A área em rosa representa os custos mais prováveis para produtores na região Sudeste (custo médio ao redor de R$ 2,31/kg). Vamos considerar um custo médio geral de R$ 2,20/kg (praticamente US$ 1,00/kg no câmbio atual). QUADRO 1. Estimativa do custo de produção de tilápias ao redor de 1,0 kg, em tanques-rede em função da conversão alimentar e do preço da ração Considerando as seguintes condições: juvenil de 20-30g a R$ 220,00/mil; sobrevivência de 90% até o final do cultivo; o custo das rações e juvenis corresponde a 80% do custo total de produção. Considerando as seguintes condições: rendimento no processamento de 29% em filés Condições de preço que viabilizam a produção de filés de tilápia Duas situações serão aqui apresentadas: a) frigorífico com produção exclusiva de filé para o mercado interno e, b) frigorífico com produção de filé exclusiva para exportação. Apesar de os filés destinados ao mercado interno possibilitarem maior rendimento de carne, para fins de simplicidade na comparação entre estas duas situações foram mantidas as mesmas condições de rendimento de filé (29%) e de qualidade do produto. O índice de escolha para a avaliação da viabilidade econômica do empreendimento foi a Taxa Interna de Retorno (TIR). Em simples palavras, a TIR corresponde à taxa de juros que o dinheiro investido no empreendimento deverá render ao investidor. A TIR de um empreendimento pode ser comparada tanto à taxa de juros anual do mercado ou a TIR de outras opções de investimento, como a aplicação do dinheiro no mercado de ações, em ouro, em dólar, investimentos no mercado imobiliário e outros potenciais investimentos (agricultura, pecuária, comércio, etc). Atualmente, por exemplo, a taxa anual de juros no Brasil é de cerca de 20%. Assim, se a análise do fluxo de caixa anual de um frigorífico durante um determinado período de tempo (por exemplo, 10 anos) resultar em TIR de 20%, o empreendimento não adicionou nada ao patrimônio dos investidores. Se a TIR for menor que 20%, os investidores perderam patrimônio (dinheiro) com o investimento. Se for maior que 20%, o patrimônio dos investidores aumentou. Se o empreendimento frigorífico for comparado com outra opção de investimento que conhecidamente resulta em taxa interna de retorno de 40%, o investimento no frigorífico somente seria atrativo se a sua TIR fosse maior do que 40%. Panorama da AQÜICULTURA, setembro/outubro, 2005 15 Nos QUADROS 3 e 4 são apresentados os valores da TIR para frigoríficos que processam tilápia sob diferentes cenários, combinando preço pago ao produtor pela tilápia viva e preço de venda do filé, conforme representado pelas seguintes cores: QUADRO 4. EXPORTAÇÃO - Taxa interna de retorno (TIR) para frigorífico para exportação de filés. Não há aproveitamento de nenhum subproduto. ·Azul claro – cenários com TIR igual ou maior a 40%; ·Branco - cenários com TIR entre 30 e 40%; ·Amarelo - cenários com TIR entre 20 e 30%; ·Rosa – cenários com TIR igual ou menor a 20%. Mercado interno No QUADRO 3, considerando um preço de venda de R$ 12,00 o quilo, a TIR para o empreendimento utilizado no exemplo pode variar de 20 a 34% para preços de aquisição da tilápia viva entre R$ 2,86 e 2,20/kg, respectivamente. Observe que a TIR diminui com o aumento na margem paga ao produtor e com a redução no preço médio de venda do filé. Assim, as combinações que resultam em prejuízo ao investidor (áreas marcadas em rosa) se concentram no canto superior direito do quadro. No canto inferior esquerdo estão as combinações mais lucrativas (margem baixa ao produtor e altos preços de venda). Para operar sem prejuízo, toda vez que o preço de venda cai o frigorífico tende a pagar menos ao produtor. A via inversa também deve valer, para compensar os períodos de déficit e manter a sustentabilidade da industria como um todo. QUADRO 3. MERCADO INTERNO - Taxa interna de retorno (TIR) para frigorífico com vendas voltadas exclusivamente ao mercado interno. Único produto aproveitado é o filé. Não há aproveitamento de nenhum subproduto. Condições base: · Preço venda do filé CIF: R$ 12,00/kg · Aquisição da tilápia viva: variável, entre R$ 2,20 a 2,86/kg · Custo de industrialização e distribuição: inicia em R$ 2,70/kg e declina progressivamente com o aumento na escala de produção do frigorífico, chegando a R$ 1,85/kg; · Investimento total no frigorífico: R$ 6 milhões; · Volume de processamento: inicialmente com 600 toneladas de filé/ano e aumento de 30% ao ano, estabilizando a partir do 5º ano com produção de 1.714 toneladas de filé/ano; · Impostos sobre o lucro real: PIS, COFINS, CSSL e IR que juntos somam 34,6%. As condições são as mesmas apresentadas no QUADRO 3, alterando apenas o seguinte: · Preço venda do filé fresco CIF: US$ 6,00/kg · Taxa de câmbio: US$ 1,00 = R$ 2,30 · Custo de industrialização e frete aéreo (filé fresco): inicia em R$ 5,45/kg e declina progressivamente com o aumento na escala de produção do frigorífico, chegando a R$ 3,74/kg; · A exportação é isenta PIS, COFINS e CSSL. Apenas foi aplicado IR de 15% sobre o lucro real. · ND – a TIR não pode ser determinada O incremento da rentabilidade com a polpa congelada (CMS) O aproveitamento da polpa (CMS) - subproduto extraído da carcaça resultante do processo de filetagem - é uma alternativa muito interessante para melhorar a rentabilidade da operação e ainda contribuir com a diminuição na quantidade de resíduos produzidos na indústria. No GRÁFICO 1 são apresentadas as curvas da TIR para empreendimentos voltados à exportação ou ao mercado interno, que comercializam ou não a polpa congelada obtida a partir do resíduo da filetagem (carne aderida ao esqueleto). Foram mantidas as mesmas condições de operação dos exemplos anteriores. A margem de remuneração ao produtor foi de 20%, ou seja, o preço de aquisição da tilápia viva foi de R$ 2,64/kg. Nas análises aqui apresentadas foram considerados: rendimento de polpa de 14% sobre o peso da tilápia viva; custo de industrialização de R$ 0,50/kg e, preço de venda de R$ 3,20/kg para a polpa congelada. GRÁFICO 1 - Taxa interna de retorno - Exportação vs Mercado Nacional Preço venda do filé x aproveitamento ou não da polpa Para as condições de escala da análise apresentada no QUADRO 3, preços de venda do filé iguais ou maiores que R$ 12,60/kg resultam em TIR acima de 30% com boas margens aos produtores. Exportação No QUADRO 4, com o preço de venda de US$ 6,00/kg, a TIR para o empreendimento varia de 15 a 33%, adquirindo a tilápia viva entre R$ 2,86 e 2,20/kg, respectivamente. Para as condições de escala da análise e na atual condição, pode ser observado no QUADRO 4, que os preços de filés frescos para exportação devem ser superiores a US$ 6,00 para que os frigoríficos obtenham TIR acima de 30% e mantenham adequada remuneração aos produtores. 16 Panorama da AQÜICULTURA, setembro/outubro, 2005 Condições base: · Para o filé destinado ao mercado nacional os preços CIF foram de R$ 10,20; 10,80; 11,40; 12,00; 12,60; 13,20 e 13,80/kg; · Os preços CIF do filé exportação (em US$/kg) foram de US$ 4,80; 5,10; 5,40; 5,70; 6,00; 6,60 e 7,20/kg de filé, algo próximo de equivalente a R$ 11,00; 11,70; 12,40; 13,10; 13,80; 15,20 e 16,60/kg; · Margem ao produtor: 20% (Preço de R$ 2,64/kg de tilápia viva); · Custo de industrialização e distribuição do filé fresco foi de R$ 2,70 a 1,85/kg para mercado nacional e de R$ 5,45 a 3,74/kg para a exportação; · Investimento no frigorífico: R$ 6 milhões; · Volume de processamento: inicialmente com 600 toneladas de filé/ano; aumento de 30% anualmente até 5º ano; e estabiliza a partir daí em 1.714 toneladas de filé/ano; · Câmbio: US$ = R$ 2,30/kg; · Aproveitamento da polpa e preço: 14% sobre o peso da tilápia inteira; industrialização a um custo de R$ 0,50/kg; e preço médio de venda de R$ 3,20/kg. Com base na análise apresentada no GRÁFICO 1, sem o aproveitamento da polpa, o preço médio de venda do filé que assegura ao empreendimento uma TIR de pelo menos 30% foi próximo de R$ 12,70/kg para vendas no mercado nacional e de US$ 6,40/kg para a exportação. Com o aproveitamento da polpa, estes preços foram ao redor de R$ 11,40/kg para o mercado nacional e próximo de US$ 6,15/kg para exportação, na condição atual de câmbio. No QUADRO 5 é apresentada uma análise comparativa do mesmo empreendimento, sendo fixado os preços de venda para o filé e com a compra da matéria-prima remunerando o produtor em 20% (R$ 2,64/kg de tilápia viva). Foram utilizadas as mesmas bases usadas para elaborar o GRÁFICO 1. Observe que os valores da TIR sem aproveitamento da polpa foram próximos de 25% para o mercado nacional e 21% para exportação. Com o aproveitamento da polpa estes valores da TIR foram elevados para 34% e 26%, respectivamente. O aproveitamento da polpa adicionou uma margem de lucro próxima de R$ 0,85/kg de filé no mercado interno e R$ 0,40/kg de filé para exportação. Note também os valores de VPL (valor presente líquido) dos empreendimentos, calculado com uma taxa mínima requerida de 20% ao ano e com um período de análise de 10 anos. O VPL indica o aumento esperado no valor do patrimônio do empreendedor com a operação do empreendimento durante o período de análises especificado. O aproveitamento da polpa eleva significativamente o VPL dos empreendimentos. QUADRO 5. Comparação entre os valores da taxa interna de retorno (TIR) para frigorífico dedicado exclusivamente ao mercado nacional ou à exportação, com ou sem aproveitamento e comercialização da polpa (US$ = R$ 2,30) OBS: para fins de comparação no custo do filé CIF já foram inclusos impostos. No caso da exportação: apenas IR sobre lucro real (15%); No mercado nacional: PIS, COFINS, CSSL e IR sobre o lucro real, que somam 34,6% "As atuais circunstâncias de câmbio desfavorável e mercado nacional pouco explorado, fazem com que os preços ofertados pelos frigoríficos aos criadores sejam pouco atrativos para promover uma rápida expansão na produção" Os frigoríficos instalados no país estão ávidos por produtos para aumentar rapidamente sua escala de produção e assim reduzir custos e melhorar as margens de lucro. No entanto, as atuais circunstâncias de câmbio desfavorável e mercado nacional pouco explorado, fazem com que os preços ofertados pelos frigoríficos aos criadores sejam pouco atrativos para promover uma rápida expansão na produção. Uma alternativa para isso seria a oferta de crédito específico para investimento e capital de giro a taxas de juro altamente atrativas para que os produtores expandam seus cultivos e, assim, alcancem economias de escala para reduzir os custos de produção. Deste modo os frigoríficos poderão aumentar o volume de processamento, reduzir custos e remunerar melhor o produtor. A variação no câmbio A taxa de câmbio é fator decisivo na viabilidade de um frigorífico que exporta filés de tilápia. No QUADRO 7 é apresentada uma análise do impacto da taxa de câmbio e da margem paga ao produtor sobre a TIR do frigorífico do exemplo usado neste artigo. Observe que, mantendo constante o preço de venda em dólar, a medida que a taxa de câmbio declina, a margem ofertada ao produtor tem que ser reduzida para manter a TIR acima da taxa mínima requerida (vamos supor 30%). Neste exemplo, com o dólar a R$ 2,30, somente é possível obter TIR acima de 30% ofertando no máximo 5% de margem ao produtor. Já com câmbio a R$ 2,50, a TIR de 30% pode ser obtida remunerando o produtor próximo a 20%. QUADRO 7. Exportação - Taxa interna de retorno (TIR) para frigorífico com vendas voltadas exclusivamente à exportação de filés. Não há aproveitamento de nenhum subproduto A influência do volume de produção A rentabilidade dos frigoríficos, sob as condições aqui apresentadas, é extremamente dependente do aumento no volume do processamento, que foi de 30% ao ano, estabilizando ao redor de 1.700 toneladas de filé/ano a partir do 5º ano. Caso a produção aumente apenas 14% ao ano e se estabilize ao redor de 1.000 toneladas de filé/ano a partir do 5º ano, a TIR cai para valores que inviabilizam economicamente o empreendimento (QUADRO 6). QUADRO 6. Comparação dos valores da taxa interna de retorno (TIR) para produção de filés para o mercado nacional ou exportação, com ou sem aproveitamento da polpa e sob dois níveis de produção anual Condições de análise semelhantes às utilizadas para compor a análise do GRÁFICO 1 e o QUADRO 5. Compra da matéria-prima a R$ 2,64/kg (20% de margem ao produtor); Produção estabiliza a partir do 5º ano em 1.000 t/ano ou em 1.700 t/ano. Condições base: são as mesmas usadas no QUADRO 4 Observe no QUADRO 8 que o aproveitamento e comercialização da polpa eleva a TIR do empreendimento. Isso assegura adequada rentabilidade mesmo sob baixas taxas de câmbio. Por exemplo, com o dólar a R$ 2,30 e uma margem ao produtor de 20%, a TIR com o aproveitamento da polpa foi de 30% contra 21% para o empreendimento sem este aproveitamento. Panorama da AQÜICULTURA, setembro/outubro, 2005 17 Aumento no rendimento de filé no processo "O glaciamento tem uma importante função na proteção do filé contra a desidratação, através da formação de uma camada fina de gelo sobre o produto. Assim, o glaciamento pode adicionar peso considerável ao produto, aumentando margem de lucro do atacadista ou frigorífico" QUADRO 8. Exportação - Taxa interna de retorno (TIR) de frigorífico para exportação de filés, com ou sem o aproveitamento de polpa, remunerando o produtor com margens de 10, 20 ou 30% e sob diferentes taxas de câmbio. Condições base semelhantes às especificadas nos QUADROS 4 e 6 A aplicação do glaciamento (glazing) Outra importante consideração a ser feita diz respeito ao mercado de pescado congelado no Brasil ser marcado por produtos com glaciamento (glazing). Esse glaciamento tem uma importante função na proteção do filé contra a desidratação, através da formação de uma camada fina de gelo sobre o produto. Assim, o glaciamento pode adicionar peso considerável ao produto, aumentando margem de lucro do atacadista ou frigorífico. Tal prática não foi considerada nas análises acima. No QUADRO 9 são comparados cenários com venda de filés congelados no mercado interno, sem ou com a aplicação de um glaciamento de 10%. Esse ganho de peso no filé adiciona quase 3% no rendimento da filetagem (de 29 para 32%). Foram usadas as mesmas condições da análise feita nos QUADROS 5 e 6, com o preço da tilápia viva em R$ 2,64/kg. Observe a elevação na TIR com a aplicação do glaciamento, assim como a elevação no VPL (valor presente líquído do projeto), calculado com uma taxa mínima requerida de 20% ao ano e com um período de análise de 10 anos. O VPL indica o aumento esperado no valor do patrimônio do empreendedor com a implantação do empreendimento. QUADRO 9. Comparação entre os valores da taxa interna de retorno (TIR) para filé congelado para o mercado nacional com ou sem aproveitamento da polpa ou glazing Acabamos de verificar que 10% de aumento de peso no filé através do glaciamento equivale a um aumento de 3% no rendimento da filetagem. E esses 3% de aumento resultaram em elevação nominal de 4 a 5% na TIR dos empreendimentos do exemplo do QUADRO 9. Isso nos mostra a importância de buscar sempre que possível uma maior eficiência no rendimento de filé. Para exportação, a retirada da pele do filé é feita com um corte mais profundo (deep skin) entre a pele e o filé, de modo que o filé não fique com sua linha central muito escura ou vermelha. Além disso, são feitos recortes mais profundos na zona da barriga e no pedúnculo caudal, para dar um melhor acabamento ao filé. Assim, o rendimento na filetagem cai para 29 a 30%. Para alguns mercados, é possível ajustar o skinner (equipamento que retira a pele) para fazer um corte mais rente a pele, e também fazer um recorte menos intenso no acabamento do filé, elevando o rendimento para 32 a 33%. Importante também é efetuar um treinamento específico, uma seleção bastante rigorosa e o monitoramento constante do rendimento de cada funcionário da linha de filetagem. Também não deve ser subestimado o efeito da qualidade do peixe adquirido no aproveitamento do filé. Peixes que foram mal nutridos geralmente apresentam a musculatura lombar menos desenvolvida e rendem menos em filé. Peixes com grande acúmulo de gordura visceral (seja por um desbalanço nutricional na ração ou por um inadequado manejo alimentar) resultam em maiores quebras no processamento e menor rendimento em filé por quilo. A indústria como um todo também deve se preocupar em identificar ou desenvolver material genético que resulte em melhor rendimento de filé. Isso deve passar pela avaliação de linhagens já existentes no Brasil e no exterior, bem como pelo desenvolvimento de linhagens nacionais com maior aptidão para rendimento de filé, mantendo ao mesmo tempo as características de crescimento, de conversão alimentar e de resistência ao manejo e às doenças necessárias aos cultivos industriais. O que precisa ser feito? Não há mais dúvidas de que a consolidação da tilapicultura industrial no Brasil já é um processo em andamento. No entanto, os empresários do setor (produção e indústria) devem ficar atentos aos seguintes pontos/necessidades: • Aumento na escala de cultivo e industrialização buscando atingir economias de escala, otimizando o aproveitamento das unidades de produção; • Melhorar as condições de crédito para investimento e custeio para empreendimentos de médio e grande porte, algo hoje muito difícil com a alta taxa de juros no mercado. Uma política de crédito específica para o setor com taxa de juros mais atrativa possibilitaria um rápido aumento na produção e na oferta de tilápia aos frigoríficos; • Manutenção da qualidade dos produtos. A indústria como um todo deve estar conforme com as exigências dos mercados e consumidores quanto às qualidades orPanorama da AQÜICULTURA, setembro/outubro, 2005 19