Antropolítica
No 27 2o semestre 2009
ISSN 1414-7378
Antropolítica
Niterói
n. 27
p. 1-302
2. sem. 2009
© 2010 Programa de Pós-Graduação em Antropologia UFF
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP
A636 Antropolítica: Revista Contemporânea de Antropologia — n. 27, 2º sem. 2009,
(n. 1, 2. sem.1995). Niterói: EdUFF, 2009.
v. : il. ; 23 cm.
Semestral.
Publicação do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade
Federal Fluminense.
ISSN 1414-7378
1. Antropologia Social. I. Universidade Federal Fluminense. Programa de
Pós-Graduação em Antropologia.
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Roberto Augusto DaMatta (PUC)
Roberto Mauro Cortez Motta (UFPE)
Ruben George Oliven (UFRGS)
Sofia Tiscórnia (UBA)
Sumário
Nota dos editores, 7
Dossiê: Dinâmica de Identidades sociais e politização de alteridades culturais, 9
Apresentação: Comitê editorial da Revista Antropolítica
Especificidades da identidade de descendentes de italianos no sul do Brasil: breve análise
das regiões de Caxias do Sul e Santa Maria, 21
Miriam de Oliveira Santos e Maria Catarina Chitolina Zanini
Novos sujeitos de direitos e seus mediadores – uma reflexão sobre processos de
mediação entre quilombolas e aparelhos de Estado, 43
Maristela de Paula Andrade
“A retórica da tradição”: notas etnográficas de uma cultura em transformação, 63
Gilmar Rocha
Ciranda e profissionalização: reflexões a partir de “Os Coroas Cirandeiros”, 85
Lysia Reis Condé
Artigos
Entre olhares antropológicos e perspectivas dos estudos culturais e póscoloniais: consensos e dissensos no trato das diferenças, 97
Andreas Hofbauer
A construção do objeto quilombo: da categoria
colonial ao conceito antropológico, 131
Véronique Boyer
Colonização agrícola dirigida
e construção de parceleiros tutelados,
Pedro Fonseca Leal
155
Cultura jurídica nacional: símbolos e comportamentos
autoritários permeados pelo discurso democrático, 183
Débora Regina Pastana
Conflitos políticos e intolerância religiosa
em Alagoas na Primeira República, 203
Ulisses Neves Rafael
Resenhas
Livro: BARROS, Benedita da Silva; GARCÉS, Claudia L. López; MOREIRA, Eliane C. Pinto; PINHEIRO, Antônio do Socorro F.(org.). Proteção
aos conhecimentos das sociedades tradicionais. Belém: Centro Universitário do Pará – CESUPA / Museu Paraense Emílio Goeldi, 2007. 341 p.
Autor da Resenha: Bruno C. Brulon Soares, 225
Notícias do PPGA
Relação de dissertações defendidas no PPGA, 233
Relação de teses defendidas no PPGA, 263
IV Jornada de Antropologia dos Alunos do PPGA/UFF, 269
Revista antropolítica: números e artigos publicados, 275
Coleção antropologia e ciência política (livros publicados), 297
Normas de apresentação de trabalhos, 301
Contents
Editors note, 7
Dossier: Dynamics of social identities and
the politicization of cultural alterities, 9
Foreword: Editorial Committee of Antropolítica Journal
Specificities of the identity of descendants of iItalians in southern
Brazil: a brief analysis of the regions of Caxias do Sul and Santa Maria, 21
Miriam de Oliveira Santos and Maria Catarina Chitolina Zanini
New Subjects of Rights and their Mediators – a reflection on processes
of mediation between decendents of runaway slaves and state apparatus, 43
Maristela de Paula Andrade
“The retoric of tradition”: ethnographic’s
Notes of a culture in transformation”, 63
Gilmar Rocha
Cirandas and professionalization:
reflections on the group “Os Coroas Cirandeiros”, 85
Lysia Reis Condé
Articles
Between anthropological perceptions and the perspectives of
the cultural and postcolonial studies: consensuses
and discordances in the treatment of differences, 97
Andreas Hofbauer
The construction of the quilombo object:
from colonial category to anthropological concept,
Véronique Boyer
Directed agricultural colonization
and construction of protected sharecroppers,
Pedro Fonseca Leal
155
131
Juridical cultures: Legal systems: symbols and
authoritarian behavior permeated by the democratic discourse,
Débora Regina Pastana
183
Political conflicts and religious
intolerance in Alagoas in the First Republic, 203
Ulisses Neves Rafael
Reviews
Book: BARROS, Benedita da Silva; GARCÉS, Claudia L. López; MOREIRA, Eliane C. Pinto; PINHEIRO, Antônio do Socorro F.(org.). Proteção
aos conhecimentos das sociedades tradicionais. Belém: Centro Universitário do Pará – CESUPA / Museu Paraense Emílio Goeldi, 2007. 341 p.
Reviewed by: Bruno C. Brulon Soares, 225
PPGA News
PhD Thesis defended at PPGA, 233
Thesis defended at PPGA, 263
4th Journey’s Antropology Students of PPGA/UFF, 269
Revista Antropolítica: numbers and published articles, 275
Published Books Coleção Antropologia e Ciência Política, 297
Norms for Article Submission, 301
Nota dos Editores
Neste número 27 da Antropolítica, coorespondente ao segundo semestre de
2009, reafirmamos nossa intenção de utilizar este veículo de comunicação para
tornar pública nossa produção acadêmica, abarcando o corpo docente e discente
do Programa de Pós-Graduação em Antropologia, mas também autores vinculados às redes institucionais com as quais mantemos intercâmbios sistemáticos,
bem como acolher, com muita honra, diversos autores que elegem esta revista
como meio de publicação de sua própria produção.
A demanda por publicação vem se ampliando, condição que tem nos permitido, no processo de leitura dos textos encaminhados, induzir aproximações
temáticas e metodológicas entre os inúmeros artigos que nos foram submetidos e aprovados pelos pareceristas. Agregamos, neste número 27, quatro
artigos em torno da questão Dinâmica de identidades sociais e politização de
alteridades culturais, título de dossiê que corresponde a uma das sessões da
estrutura da revista. A pertinência da agregação dos artigos demonstra não só
preocupações relativamente comuns de vários antropólogos e seus respectivos
programas institucionais, como também revela questões sociais candentes na
sociedade brasileira contemporânea. Fomos, assim, sensibilizados a colaborar
na expansão do debate em torno de processos de construção de identidades
sociais, bem como em torno de investimentos políticos de distinção cultural,
com os quais diversos antropólogos colaboram como pesquisadores e assessores,
revelando facetas diferenciadas e concomitantes ou complementares do fazer
antropológico.
Na sessão “Artigos”, a intenção editorial é a agregação de temas diversos, publicados conforme as demandas individuais dos autores. Neste número, apresentamos desde textos de intenções mais teóricas e revisionistas da produção
antropológica, como os dois primeiros, até contribuições que acompanham
diversas faces da ação do Estado e da construção democrática, além de campos
de tensão que permeiam a convivência de diferenciadas ações religiosas.
Mediante publicação de resenhas, estimulamos nossos alunos à inserção no
mundo acadêmico pelo exercício de tomada de posição frente à bibliografia de
interesse mais imediato, bem como acolhemos outras contribuições pertinentes.
Nas “Notícias do PPGA”, temos o orgulho de publicar o programa da IV Jornada
de Antropologia, comemorativa dos 15 anos de existência do Programa, evento
pelo qual os alunos organizam alternativas de debate e contraposição entre
nosso corpo docente e discente, mas incluindo como proposta fundamental
a participação de professores ou pesquisadores de instituições externas, que
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assim colaboram na discussão dos trabalhos acadêmicos a que os alunos
se dedicam no decorrer do curso, na elaboração da dissertação ou tese.
Sendo um evento anual, iniciativa sistematicamente reproduzida pelos
alunos, orgulhamo-nos pela demonstração da maturidade intelectual e
desvelo com que se profissionalizam.
Continuamos a disponibilizar os números publicados da Revista Antropolítica no site www.uff.br/ppga, facilitando assim o acesso dos interessados
e honrando os autores que escolhem a revista como meio de circulação
de idéias, dando ampla divulgação à reflexão de questões que quiseram
tornar públicas. E assim, reafirmamos um dos objetivos da revista, a de
circular idéias no campo acadêmico brasileiro, mas também naqueles em
que autores e leitores dominam a língua portuguesa.
Comitê editorial da Revista Antropolítica - UFF
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Dossiê:
Dinâmica de identidades
sociais e politização de
alteridades culturais
Comitê Editorial da Revista Antropolítica
Apresentação
Os artigos que compõem este dossiê – Dinâmica
de identidades sociais e politização de alteridades culturais – convidam à reflexão sobre conceitos associados como identidade social, memória coletiva
e dinâmica cultural, todos bastante utilizados nas
ciências sociais, diríamos mesmo, bastante explorados, além de, por vezes, abundantes na linguagem política. Todavia, conforme demostram os
autores, também importantes para compreender
uma série de fenômenos sociais da contemporaneidade. Muitos desses fenômenos se apresentam
mais visíveis no atual contexto socioeconômico
e político, de investimentos públicos no sentido
da construção de reconhecimentos da diversidade de produção de formas de existência social.
Correlativamente, da produção de situações e
eventos constitutivos da definição e consolidação
do sistema democrático de organização social, de
exercício de cidadania representativa. Tais reivindicações políticas pressupõem a produção de
diferenciadas formas de pensar e agir, portanto,
de reconhecimento da crescente diversidade de
referências culturais.
Tão recorrentes aqueles conceitos, o leitor, ao
identificar a temática geral deste dossiê, pode
então imaginar: Mas ainda há o que se dizer
sobre identidade social ou tradição cultural? E
imediatamente poderíamos responder: Então,
por que tantos movimenos memorialistas no atual
contexto?
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Ora, como aqueles conceitos integram a formação dos cientistas sociais
e criam os meios de comunicação entre eles próprios e os públicos com
os quais têm interesse em interagir, estão na ordem da produção acadêmica, porque também na ordem da produção da vida social. Sendo
de usos tão recorrentes, são por vezes descredenciados, tendo em vista
significados assim banalizados. Não obstante, são inerentes ao sentido da
produção dos cientistas sociais: compreender a capacidade de produção
e reprodução das relações sociais segundo parâmetros formulados pela
elaboração contextual de significados. Por conseguinte, são de tamanha
utilidade e amplitude, como todos os autores demonstram, que eles,
por tais circunstâncias, exigem exercícios de explicitação dos conteúdos
empregados e dos respectivos processos de constituição. Este exercício
metodológico é cuidadosamente praticado em todos os artigos.
Frente a questionamentos recorrentes sobre formas de construção de
grandes memórias – memórias coletivas politicamente mais assentadas
e, assim, supostamente homogeneizadas –, grupos sociais reivindicam a
produção de memórias singulares e diferenciadas. Memórias fragmentadas e destinadas a fazer diluir relações de poder que fundamentaram
os marcos impositivos de sistemas de posições sociais correspondentes
àquelas formas de cristalização de hegemônicas visões de mundo.
Sob movimentos de desvalorização de memórias coletivas recomendadas
como únicas e, correlativamente, de valorização de memórias múltiplas
e questionadoras de história imposta, enfim, diante de processos de luta
pelo reconhecimento de singularidades de formas de vida, os antropólogos operam em contextos oportunos para registro e compreensão de
formas de constituição de espaços sociais propiciadores dos investimentos
na distinção política de grupos sociais.
Em todos os casos estudados, os autores focam em pesquisas empíricas em torno de grupos que reclamam o reconhecimento político e o
pertencimento social, investindo para que as fronteiras simbólicas dos
universos sociais assim reclamados, sejam reconhecidas, ora como conformadoras de comunidades de origem ou de percursos comuns, ora
de projeção de destinos sociais estimados, ora de memória coletiva em
busca de reconhecimento. Portanto, os artigos trazem como questão
fundamental do exercício antropológico, o papel constitutivo e constituinte do imaginário social na institucionalização de práticas e formas
de contraposição; reportam à compreensão de práticas de grupos em
relação contrastiva, de modos de produção de discursos referenciadores
das experiências comuns.
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Então, desde já se justifica a agregação dos artigos neste dossiê: em todos
sendo demonstrado que, para se compreender a natureza das relações
sociais vividas pelos grupos que foram privilegiados para efeitos do estudo
de situações empíricas, importa compreender como elas são pensadas e
vividas, que modos de vida e crenças configuram as identidades sociais.
Essas questões analíticas atravessam, diferentemente, todos os textos.
Separando o exercício analítico daquele correspondente aos fenômenos
delimitados para objetos de pesquisa, os autores insistem na distinção
entre as relações conceituais que delimitam seu próprio universo de significações, e aquelas sobre as quais pretendem compreender, para tanto
explicando os processos de produção de distinções sociais e políticas de
grupos e, assim, de construção de identidades sociais.
Todos então investem no combate a concepções objetivistas, essencialistas,
primordialistas ou substancialistas da identidade social, da cultura e da
tradição, empenhando-se em fazer cair por terra qualquer pretensão
inocente de pensar experiências passadas como memorizadas a partir
da idéia de conservação e recuperação; mesmo que os agentes, em
cada situação, no afã do reconhecimento e de produção da vida social,
reivindiquem tais pressupostos. Importante recurso da construção da
identidade social, a memória coletiva, tão valorizada no contexto como
portadora de atributos de definição da tradição, não pode ser definida
como restituição ou reprodução do passado; mas um conjunto de marcas na reconstrução referenciada aos outros que se encontram em jogo
nos termos da vida social em causa; ou um conjunto de referências ao
passado, fundamentadas neste mesmo jogo social, implicando estratégias
de investimentos no que deve vir a ser mediante a contraposição ao que
se admite que se foi.
A originalidade de cada caso estudado incide sobre a demonstração do
como e do porquê tais traços ou atributos sociais são dramatizados e
reivindicados no processo de valoração de uns vis-a-vis os outros. Por
conseguinte, o que está em jogo é a forma como os homens se tornam
seres sociais e culturais se transfigurando e se convertendo por diversas
versões coletivamente consentidas. Este tornar-se ser social é, no tempo
e no espaço, da ordem da incomensurabilidade. Os casos aqui analisados
são apenas alguns exemplos.
Destacamos ainda que todos os autores entram em acordo quanto à perspectiva conceitual e metodológica de que a identidade social representa
formas de cristalização de conquistas obtidas ou de contraposições, em
meio a processos mais ou menos conflitivos, processos que permitem
então compreender a construção social da visão de si mesmos vis-a-vis
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o mundo social imediatamente referenciado. Integram os universos de
agentes em estudo, tanto aqueles identificados como pertencentes aos
grupos sociais em pauta, como os demais agentes em interação e em
contraposição. Nós antropólogos argumentamos: tais reflexões pressupõem a valorização do estudo dialógico das relações sociais em causa, a
depender da situação social.
Defendemos então a relevância da temática deste dossiê, do mesmo modo
que afirmamos a diversidade de formas com que individuos e grupos
compartilham práticas e representações sociais, sistemas de crenças, de
lembranças, de sentidos para a vida coletiva. Tão diversas que só podem
ser conhecidas pelo estudo de como se apresentam em cada caso.
Iniciamos a organização do dossiê pelo artigo “Especificidades da identidade de descendentes de italianos no sul do Brasil: breve análise das
regiões de Caxias do Sul e Santa Maria”, de Miriam de Oliveira Santos
e Maria Catarina Chitolina Zanini. Elas colaboram para a reflexão da
temática, considerando alguns dos possíveis desdobramentos de processos de imigração, situação especial de provimento na construção de
identidades culturais.
Assumindo a importância da perspectiva construtivista de análise para
pensar os processos e o campo institucional em jogo na constituição
identitária, as autoras enfatizam a construção contextual de atributos
sociais, expressões de processos de atribuição de significados sociais
na interação entre agentes sociais privilegiadamente qualificados pela
alteridade. Para valorizar a singularidade situacional do processo em
pauta, elas constroem parceria intelectual no estudo comparativo de
casos, cada uma demonstrando como os agentes sociais participam de
maneiras diferenciadas das definições de modos coletivos de viver e
interagir. Os dois casos são selecionados de experiências vividas por
descendentes de italianos no estado do Rio Grande do Sul, mas cada
um compreendido por contextos próprios referentes aos municípios de
Caxias do Sul e Santa Maria.
Como o processo de imigração propiciou a convivência de individuos
e grupos referenciados a nacionalidades diversas, mesmo que em tese
tais experiências fossem respostas a reajustamentos populacionais correspondentes à elaboração e à objetivação de projetos de reprodução
familiar valorada pela autonomia da atividade agropecuária e artesanal,
as experiências apontam para a diversidade de práticas. Reconstituindose no espaço do outro, imigrantes italianos construíram e responderam
à construção de atributos sociais, alguns deles ainda transmitidos como
legados a gerações sucessivas. As autoras refletem então sobre a produção
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de sinais de tipificação e adscritivos comuns, tais como valores associados
ao pioneirismo, à reafirmação do trabalho e da família, recursos fundamentais para projeção e objetivação de estratégias de ascensão social.
Mesmo que haja valores em comum na estruturação dos processos de
integração, as autoras demonstram o quanto a denominação imigração
italiana está longe de corresponder a um fenomeno homogêneo, como
pode insinuar a utilização genérica do termo.
Para dar conta da especificidade de cada caso, as autoras destacam os
processos de negociação interativa, valorizando a relação entre cultura
e identidade, tal como o fazem outros tantos autores com os quais elas
entram em acordo, especialmente os que se dedicam àquela reflexão
no contexto da globalização. Por esta afiliação, os autores por elas
anunciados, também defendem o reconhecimento de qualificações que
definem certos universos culturais como culturas hibridas; também advogam o compartilhamento de princípios que orientam o engajamento
necessário aos investimentos no sentido da substantivação desejada; e
também consideram a institucionalização de símbolos fundamentais à
conformação de uma crença coletiva nos modos de distinção de grupos
sociais. Relevam então o caráter imaginário da constituição da prática
social dos grupos e dos termos da construção de reivindicações socialmente reafirmativas. E, nesses termos, também valorizam a produção
de discursividades, algumas socialmente institucionalizadas para efeitos
de produção de memória coletiva.
Além do estudo dos recursos de textualização discursiva, as autoras
tomam como unidade de análise alguns dos eventos significativamente
valorizados, recursos operacionais à demonstração dos modos de construção de percursos consagrados de alteridades. Fazem então referência
a movimentos sociais, apreendidos pela dinâmica das trajetórias em jogo,
que em muito devem sua existência a outros tantos engajamentos coletivos na construção de outras identidades culturais. Para citar um exemplo,
destacaríamos a identidade ítalo-gaucha, por meio da qual os agentes
integram processos enriquecedores dos sentidos e sinais diacríticos que
os grupos utilizam para delimitar as fronteiras de pertencimento, substantivadas na crença numa origem comum ou numa tradição própria.
Reafirmando o mesmo princípio metodológico defendido por todos
autores que compõem o dossiê, qual seja o entendimento da construção
da identidade pela análise do caráter contextual de suas possibilidades
de significação, seguimos enfatizando a contribuição de Maristela de
Paula Andrade, no artigo “Novos sujeitos de direitos e seus mediadores – uma reflexão sobre processos de mediação entre quilombolas e
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aparelhos de Estado”. A autora demonstra a constituição de campos de
mediação cultural, inerentes ao processo de construção institucional de
indentidades distintivas. E o faz analisando processos de construção de
quilombolas como sujeitos políticos, processos que deslancharam enquanto desdobramentos da luta no sentido de inscrever direitos específicos na
Constituição Brasileira de 1988. Os processos de luta não se esgotaram
aí. Pelo contrário, a inclusão de tais princípios de definição oficial operou como oportunidade fundamental para a emergência de multiplos
processos de reivindicação e luta, não só no sentido da objetivação dos
termos inscritos, mas também de sua melhor adequação à diversidade
de situações, à viabilidade de produção de meios de representação ou
de espaços públicos para encaminhamento de reivindicações.
Dado à transversalidade das questões políticas em jogo e à diversidade de
sentidos que eram assim produzidos, formas de dependência intelectual
foram se constituindo. Exigiu-se assim a construção de mediadores projetados do próprio grupo ou emergidos em outros espaços institucionais
integrados a esse campo de mediação cognitiva e de produção de sentigos políticos. Portanto, espaços de aprendizagem da negociação e da
representação delegada, mas também de expressão dos desdobramentos
das formas de integração social que foram então sendo qualificadas. Destacamos então a demonstração mais sistematizada de Maristela de Paula
Andrade, porque tomada como o próprio objeto de estudo, no que tange
aos princípios de interdependência ou de construção de redes de interconexão na prática de construção e redefinição de identidades sociais.
Entre outras contribuições destacamos no artigo de Maristela de Paula
Andrade o exercício demonstrativo da produção de meios e recursos e
da redefinição de papéis formais, diante de outros arranjos institucionais
e da construção de espaços próprios à visibilidade e à estruturação do
que a autora qualifica como questão quilombola. Para construção do sujeito quilombola e todos os atributos inerentes a esta existência social pela
participação política e jurídica em questão, diversos recursos se fizeram
e se fazem necessários como instrumentos intercambiadores da comunicação entre representantes de posições diferenciadas: jornais, passeatas,
congressos, seminários, relatórios, produção de conhecimentos acadêmicos. A diversidade desses recursos corresponde assim à construção da
diversidade dos agentes mediadores inerentes aos processos em marcha.
Portanto, a contribuição demonstrativa, fundamentada em longo trabalho de pesquisa e assessoria, impede qualquer crença na definição
substantivada ou essencializada do quilombola. E nos coloca diante de
processos de investimentos no sentido da re-historicização de grupos
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sociais que, outrora, viviam também distintivamente, contudo a partir
de outros sinais diacríticos. E entre eles, um dos mais consensualmente
reconhecidos, fundamentava-se no privilegiamento do aspecto racial.
Prosseguindo na valorização das contribuições demonstrativas da diversidade de situações empíricas, mas também da importância dos cuidados metodológicos sistematicamente anunciados por todos os autores,
integramos o artigo de Gilmar Rocha, intitulado “A retórica da tradição:
notas etnográficas de uma cultura em transformação”.
O autor toma como objeto de análise, diante do contextual processo de
espetacularização do circo no Brasil, tal como enfatizam as recentes reapresentações do Cirque du Soleil e a criação proliferante de inúmeras companhias, trupes e escolas de circo em várias cidades do país, a produção
de discursos sobre o sentido da tradição em processos de modernização,
questão que veio sendo enfatizada por todas as autoras precedentes, mas
doravante tomada como unidade analítica pelos autores que se seguem.
Instigado pela compreensão dos motivos pelos quais as apresentações e
constituições de unidades circenses alcançam tamanho sucesso, o autor
constrói a questão analítica em torno dos sentidos que vêm sendo atribuídos à cultura nas sociedades contemporâneas, questão que, como sabemos, percorre as trajetórias de constituição da disciplina antropológica.
Como indica o título do artigo, o autor se dedica à análise de sentidos
atribuídos à tradição frente ao processo de modernização da cultura
circense no Brasil, mas não só: faz revelar especificidades do fenômeno a
partir de démarches contrastivas entre o caso estudado – por longo trabalho
de campo: o Grande Circo Popular do Brasil (Marcos Frota Circo Show), e a
literatura acadêmica e jornalística produzida sobre outros tantos casos
de reprodução e reinvenção daquela expressão cultural.
O exercício antropológico se situa, por um lado, entre o diálogo produzido a partir da análise da produção acadêmica do caso em foco e, por
outro, a partir das múltiplas interpretações a que os antropólogos têm
se dedicado quanto às possibilidades de ressignificação do conceito de
cultura nas sociedades contemporâneas. O autor do artigo reivindica
então o reconhecimento de sua contribuição empírica e epistemológica
ao estudo da “eficácia simbólica” da “retórica da tradição”, perfilando,
em correlação, um profícuo diálogo com diversos antropólogos contemporâneos, mas também com aqueles que se consagram pelas reflexões
em torno da temática da reinvenção da tradição ou da economização da
cultura. Quanto a este último aspecto, destacam-se os investimentos no
sentido de eleger manifestações culturais estilizadas enquanto fatores
enriquecedores e diversificadores de processos de desenvolvimento social
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local ou territorial (e político, para concatenarmos com a contribuição
das autoras precedentes).
Em consonância com os princípios analíticos cultivados por antropólogos,
adverte o autor: o novo não significa ruptura, especialmente quando se
contrapõe à tradição. Pelo contrário, tradição e modernidade não são excludentes, porque a modernidade é, até certo ponto, o refundamento ou,
para nos valermos de expressão consagrada: “reinvenção da tradição”.
Manter a tradição é manter a modernidade, mesmo que politicamente
a tradição venha a ser defendida pela competência de quem se coloca
acima da vida social e define verdades.
Para mais facilmente entrarmos num acordo, basta acompanharmos os
diversos campos de concorrência e a expressão de conflitos sociais que
subjazem à definição do que é moderno ou tradicional; e assim verificarmos os atos de violência simbólica: o reconhecimento de que a definição
não é um dado, não corresponde a uma expressão naturalizada, ainda
que seja esta a grande questão que sustenta as lutas simbólicas definidas
em campos de poder específicos. Da mesma forma, basta acompanharmos
as tentativas de definição dos princípios de inclusão e exclusão, dos de
dentro e dos de fora, dos establecidos e dos recem-vindos ou impostores, para reconhecermos que são exercícios de classificação socialmente
construídos, como já nos apontavam Durkheim e Mauss.
Associando as diversas contribuições dos autores já apresentados, poderíamos estimular os leitores, por uma análise também contrastiva, a
refletirem sobre alguns processos de construção distintiva de estilos de
vida, de modos de compartilhar e, assim, de pensar se representando, e,
em se representando – em geral contrastivamente mas não só, também
aos outros eleitos cúmplices diretos ou indiretos de pertencimentos aos
mesmos universos de significação e reconhecimento de práticas sociais.
Tal é o caso dos que se definem como circenses tradicionais que, geneticamente e por estilo de vida, se pensam fundadores, legítimos definidores
do que é a cultura circense. Nesses termos, ela é representada sacralizadamente, levando em conta a contraposição aos modos de construção dos
negócios e às formas racionalizadas de uso do corpo que são atribuídas às
outras tentativas de representação da reivindicada arte.
Este também é o caso do grupo de músicos de ciranda em Paraty, Rio
de Janeiro, que se pensam os mais tradicionais, os mais verdadeiros,
contrapondo-se aos aventureiros. Não obstante, por esta reivindicação
distintiva, promovem as condições para alcançarem o status de profissionais, dotados de racionalidade mínima que esta posição pressupõe.
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Incorporamos então, entre as diversas contribuições dos autores aqui
integrados, aquela apresentada por Lysia Reis Condé, quando também
se dedica a refletir sobre a construção social distintiva de identidades,
sobre modos de operacionalização de exercícios políticos de produção de
sentidos atribuídos à tradição, assim erigida como competência inerente
à posição de quem outrora e atualmente foi responsável pela execução
da dança. Incluímos, em referência a esses objetivos.
No artigo “Ciranda e profissionalização: reflexões a partir do ‘Os Coroas
Cirandeiros’”, produtos da dissertação de mestrado defendida junto
ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal Fluminense,
Lysia Reis Condé considera a valorização da tradição como prestação de
serviços, num contexto socioeconômico de implementação do turismo
como atividade econômica municipal. Mediante tal proposta, analisa o
processo pelo qual a ciranda, como ela mesma define: saber e forma de
se expressar musicalmente outrora aprendidos como atributos da socialização de agricultores e pescadores em seus meios de origem, passou a
ser oferecida sob a forma de serviço cultural no município de Paraty, RJ.
Entre e correlativamente aos diversos grupos que disputam as oportunidadades de prestação desse serviço e que, por vezes, concorrem na
definição da ciranda como verdadeiramente tradicional, a autora, por
perspectiva relacional, analisa a experiência social dos integrantes do
grupo “Os Coroas Cirandeiros”. Assim se integrando no campo de prestação de serviços culturais, especialmente voltados para turistas nacionais
e estrangeiros, os componentes de “Os Coroas Cirandeiros” empenham-se,
mediante desejo compartilhado, para serem socialmente reconhecidos
pelo exercício dessa atividade cultural economicamente redimensionada
e, também como músicos profissionais. Este desejo em grande parte alimenta e é alimentado pela dotação de recursos, inclusive financeiros, para
enfrentamento dos desafios e dilemas inerentes à sistemática prestação
de serviços. Nessa condição pretendida, poderiam, frente aos demais,
se firmarem competitivamente no mercado turístico.
Em consenso – por nós sinalizado – com os demais autores, Lysia Reis
Condé investe na demonstração do contexto econômico e social em que
a ciranda, enquanto expressão da singularidade histórica da formação
cultural de habitantes do município, veio a ser valorizada como recurso
importante na definição das particularidades turísticas do município de
Paraty. Isto, quanto ao desenvolvimento local da economia e das atividades produtivas para os moradores, ladeadas por outros investimentos
econômicos na construção de hotéis e pousadas, infraestrutura capaz de
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 11-20, 2. sem. 2009
20
permitir o engajamento de outros, no caso positivamente qualificados e
recebidos como turistas.
Mesmo na condição de itinerantes ou passageiros, os turistas povoam
o sistema de imagens dos produtores culturais, não só no sentido do
pressuposto atendimento do que estes desejam ver, mas também da
valorização do que é ou vem sendo um paratyense.
O artigo da última autora vem então enriquecer a apresentação deste
dossiê, pelo destaque da contribuição demonstrativa dos recursos materiais e discursivos, imaginativos e dialógicos de definção da tradição na
modernidade, processo que implica conflitos na definição legitima do
que é a tradição. Enquanto desejo político do grupo em foco, só pode
ser atendido pela inclusão de elementos e significados que venham a
assegurar tal definição no contexto vigente, isto é, nas condições em que
as relações entre os diversos agentes sociais em jogo vão se configurando.
Concluiríamos chamando a atenção para a contribuição dos autores
perfilados, no que tange à problematização das dificuldades que vêm
sendo enfrentadas pelos cientistas sociais para acompanhar os processos
vigentes de mudanças. Os processos sociais em sua complexidade não têm
correspondido aos investimentos mais lentos da construção de termos
e categorias conceituais ou de linguagens e sistema de representações
adequados à expressão do que se advoga ser compreendido. Então,
paradoxalmente pouco compreendido, quando nos deparamos com a
ausência de termos correspondentes ao que se quer explicar. Então, tende
o cientista social para o uso de metáforas indicadoras das tentativas de
aproximação interpretativa.
É o caso de diversos autores que estudam processos de mudanças sociais pela designação ou reconhecimento de que houve transformações,
mas que só podem ser pensadas pela contraposição tipificadora ao que
supostamente era o fenômeno social, isto é, seu ponto inicial, embrião a
partir do qual se tentou demonstrar os percursos dos desdobramentos.
Essas dificuldades são reconhecidas por adjetivações com pretensões
conceituais, como bem demonstra o uso, à torto e à direito, do qualificativo novo: novos movimentos sociais, novas ruralidades, novos atores, novos
mediadores, novas instituições, novos processos, etc.
Os autores deste artigo, desenhando uma problemática de pesquisa e
refletindo sobre ações sociais contextualmente significativas, elaboram
análises sobre dinâmicas de modos de construção social, quais sejam:
os que expressam o dinâmico exercício de se produzir e se reproduzir
socialmente, contínuo mas não repetitivo.
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 11-20, 2. sem. 2009
Miriam de Oliveira Santos*
Maria Catarina Chitolina Zanini**
Especificidades da Identidade de descendentes de
Brasil: breve análise das regiões de
Caxias do Sul e Santa Maria***
italianos no sul do
*
Professora Adjunta –
UFFRJ. Pesquisadora
Associada do Núcleo Interdisciplinar de Estudos
Migratórios – NIEM. Endereço: Rua Tomaz Coelho,
80/402 – Vila Isabel, Rio de
Janeiro –RJ, CEP.: 20540110. Tel.: (21) 22689271.
E-mail: <mirsantos@uol.
com.br>.
**
Professora Adjunta – UFSM.
Pesquisadora Associada do
Núcleo Interdisciplinar
de Estudos Migratórios –
NIEM. Endereço: Caixa
Postal 5046 – Agência Campus UFSM, Santa Maria
– RS, CEP.: 97110-970. Tel.
(55)22263583. E-mail: <[email protected]>
***
Uma versão preliminar
desse artigo foi apresentada na VII Reunião de
Antropologia do Mercosul.
A identidade de descendente de italianos, “italianos
do Rio Grande do Sul”, “talian”, “ítalo-gaúchos”
ou simplesmente “italianos” é construída por meio
de alguns sinais adscritivos comuns, tais como o
pioneirismo, o elogio à família enquanto valor, da
religião e, principalmente, da reafirmação do trabalho
como estratégia de ascensão social. São esses os símbolos
escolhidos, que servem como tipificação diacrítica do
grupo e elementos de contraste em relação aos demais
“brasileiros”. Entretanto, no próprio Rio Grande do
Sul existem diferenças com relação à trajetória de
construção das italianidades. Neste artigo, pretende-se
efetuar um contraponto etnográfico entre a região de
colonização da serra gaúcha, especialmente Caxias
do Sul, e a colonização ocorrida na região central
do estado, principalmente, em Santa Maria e região.
Palavras-chave: identidade; imigração italiana;
colonização.
22
Iniciamos este artigo ressaltando: aquilo que se costuma chamar genericamente de “imigração italiana” tem pouco de homogêneo, apresentando
diversas especificidades, entre elas: locais de origem do imigrante na
própria Itália, geografia da terra hospedeira, clima, inserção econômica.
Muitas vezes, é mais fácil encontrar semelhanças entre a imigração italiana
e alemã para o Rio Grande do Sul do que entre a imigração italiana para
São Paulo e para o Rio Grande do Sul.
Mesmo dentro do Rio Grande do Sul, deparamo-nos com diferenças
significativas entre o desenvolvimento de Caxias do Sul e o da Quarta
Colônia de Imigração Italiana (ex-colônia Silveira Martins).1 Por outro
lado, podem ser encontradas semelhanças entre a colonização de Caxias
do Sul e cidades de colonização alemã, até de outros estados, como, por
exemplo, a de Blumenau, em Santa Catarina, onde, analogamente a
Caxias, instaurou-se uma forte burguesia comercial e industrial vinculada à colonização, que incentivou a manutenção de uma distintividade
baseada na etnicidade (SEYFERTH, 1974; ROCHE, 1969). Esses contrapontos nos serviram de inspiração para, de forma breve, problematizar
as diferenças no interior de um processo que poderia parecer coeso e
homogêneo, como é a revitalização e reivindicação das italianidades,
mas que apresenta, em sua dinâmica, cruzamentos com outras questões
sociais e políticas mais amplas, internas e externas ao contexto brasileiro, que exigem dos pesquisadores trânsitos interdisciplinares e constate
vigilância epistemológica acerca do fazer etnográfico.
Identidade e construção de identidade
Interessa-nos, especialmente, a relação entre cultura e identidade, na
forma enunciada por Goffman (1978). Este autor afirma que a cultura é
produzida por meio de negociações no âmbito das interações sociais, em
uma posição bastante próxima à de Firth (1974), para quem a cultura é
socialmente produzida, em consonância com a organização social. Mas o
autor que melhor se adapta ao que observamos no Rio Grande do Sul é
Stuart Hall. Segundo Hall, percebe-se, atualmente, uma desintegração
das identidades nacionais pela tendência da homogeneização cultural da
globalização. Em função disso, há um reforço das identidades nacionais e
1
A antiga colônia Silveira Martins abrange trechos do que atualmente é conhecido como os municípios da
Quarta Colônia: Silveira Martins, Agudo, Nova Palma, Faxinal do Soturno, Ivorá, Pinhal Grande, São João do
Polêsine, Restinga Seca e Dona Francisca. Parte de seu território inicial foi desmembrado em 1888 e dividido
entre os municípios de Santa Maria, Cachoeira do Sul e Júlio de Castilhos. Contudo, devido à municipalização crescente no estado, algumas dessas localidades se emanciparam e hoje possuem vida administrativa
própria. A Quarta Colônia está situada no interior do estado, próximo à cidade de Santa Maria. Em Agudo,
Dona Francisca e Restinga Seca a colonização foi mista: alemães e italianos.
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23
de outras locais e particularistas, em virtude da resistência ao processo de
globalização. Como síntese desse choque, as identidades nacionais estão
em declínio, mas novas identidades, que ele denomina híbridas, estão
tomando o seu lugar (HALL, 1999). Com essas afirmações, Hall nos dá
pistas interessantes e inovadoras para compreender o contexto cultural
do Rio Grande do Sul como parte de um processo mundial, no qual
culturas locais e nacionais se mesclam com aspectos novos trazidos pela
globalização e resultam no que o autor vai chamar de “culturas híbridas”. 2
Contudo, essa reafirmação do regional não é totalmente nova. Já em
1963, Freyre, em um artigo escrito originalmente em inglês, afirmava:
Alguns estudiosos da situação internacional como ela se tem desenvolvido no mundo desde a revolução Industrial da Europa – a conquista
industrial do mundo baseada em ideais de estandardização de todos
os países, de acordo com os padrões dos Estados capitalistas mais poderosos – reconhecem a necessidade de um regionalismo criador em
oposição aos muitos excessos da centralização e da unificação política
e da cultura humana, estimuladas não só política mas economicamente
por forças e interesses imperialistas. Os que assim pensam têm como
fundamental que um crescente número de unidades culturais diversas
contribuiria para a estabilidade do mundo, prevenindo a formação e a
expansão de imperialismos e impérios. (FREYRE, 2000, p. 119)
Hall também nos auxilia a perceber que a revalorização da cultura italiana
e da “diferenciação” cultural, que os descendentes de italianos habitantes
das cidades de Caxias do Sul e Santa Maria pretendem ter em relação
aos demais “brasileiros”, não é um fenômeno local, inserindo-se num
contexto mundial de valorização das identidades locais.
Por isso, buscaremos analisar como as identidades dos imigrantes italianos e seus descendentes são socialmente construídas mediante a noção
de cultura compartilhada. É importante lembrar que existe um duplo
estatuto na questão da identidade. De um lado, trata-se de um processo
em construção e, de outro, pressupõe substantivação na qual os agentes
sociais decidem acreditar.
Alguns autores, como Cohen, afirmam que a identidade étnica está ligada
a interesses corporativos. Segundo esse autor, a etnicidade é instrumentalizada e acionada nos momentos em que é relevante, e a instrumentalização política da etnicidade é usada como arma para adquirir privilégios
2
Cabe observar que Emílio Willems, em um trabalho no qual se propunha observar a assimilação de imigrantes alemães pela sociedade brasileira, vai utilizar o mesmo termo. Para ele, os colonos alemães estavam
produzindo no Brasil uma “cultura híbrida” (WILLEMS, 1980).
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24
(COHEN, 1979). No entanto, é importante lembrar que a identidade
étnica até pode ser manipulada e utilizada para atingir determinados
objetivos de alguns grupos corporados, mas que não se resume a isso,
já que o grupo pode preexistir ao interesse corporativo.
Em um artigo inédito sobre a identidade brasileira, Schneider chama a
atenção para o fato de que a construção de uma identidade envolve a
“construção de uma origem “histórica”, e que essa construção envolve
também não apenas origens míticas ou mitológicas, mas uma “leitura
específica” de determinados fatos históricos” (SCHNEIDER, 2003, p.
1).3 Schneider aponta ainda para um “culto à imigração”, fruto da visão
positiva que os brasileiros têm da Europa, e para o fato de que a cultura
do descendente de imigrantes aparece, discursivamente, como diferente
daquilo que é considerado tipicamente brasileiro4 (SCHNEIDER, 2003).
Assim, objetivamos mais do que responder a questões que salientam a
universalidade entre a diversidade das italianidades: elencar o quanto os
contextos nos quais esses grupos se inseriram fizeram com que negociassem sinais diacríticos que lhes possibilitassem sobrevivência grupal e manutenção de fronteiras. Como exemplo, podemos citar, em Caxias (RS),
a uva e suas simbologias como algo “italiano”; em Silveira Martins (RS), a
batata, sustento das famílias. Em Caxias, a riqueza; na Quarta Colônia,
certa nostalgia por não se considerar uma colônia próspera.
Enfim, elementos que permitem ao antropólogo encontrar as diversidades no interior de um processo comum: a etnicidade. Em ambas, Caxias e
Santa Maria, observa-se a italianidade como sentimento de pertencimento
baseado numa origem que dialogou historicamente com vários períodos
da vida regional e nacional, cada uma a seu modo. Seu apogeu simbólico
se deu após os festejos do Centenário da Imigração Italiana no estado,
em 1975, quando já havia uma elite intelectual e econômica capaz de
produzir uma discursividade acerca de si mesma, salientando o quanto
esse grupo havia contribuído para o desenvolvimento e riqueza do estado. Em Santa Maria, os resultados dessa revitalização apareceram na
década de 1980, com a fundação de entidades italianas patrocinadas por
membros das camadas médias e altas, que visavam promover a cultura
italiana. O que se observaria, a partir de então, em todo o estado, era uma
crescente efervescência de entidades italianas, associações, círcoli, corais
3
O trabalho foi apresentado no PPGAS do Museu Nacional e a versão preliminar do artigo foi gentilmente
enviada ao autor.
4
De acordo com Ferreira (1999, p. 153): “Nos discursos correntes, o brasileiro aparece bastante desqualificado.
Como são discursos pronunciados por brasileiros, cabe perguntar quem são os verdadeiros brasileiros ou os
brasileiros ideais – espelhamento que parece remeter-se ao europeu, aprofundando sempre a inferioridade
brasileira, ao defrontar-se com o olhar discriminador do colonizador”.
Antropolítica
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25
etc., que buscariam promover a italianidade. São processos particulares
que ainda requerem muitos estudos para que suas dinâmicas possam ser
compreendidas e analisadas. Contudo, o que para nós foi estímulo para
as pesquisas é a força encontrada nesse tipo de reivindicação.
As italianidades guardam um conjunto de especificidades que, seja do
ponto de vista simbólico ou pragmático, merecem ser melhor estudadas. As análises a seguir, sobre Caxias ou Santa Maria, foram fruto de
pesquisas etnográficas realizadas pelas autoras. Santos (2004) defendeu
tese sobre a simbologia da Festa da Uva em Caxias. Zanini (2002, 2006)
defendeu tese sobre a construção da trajetória de italianidade em Santa
Maria e região. Ambas continuam a estudar esses e outros grupos migratórios, objetivando a melhor compreensão dessas dinâmicas, que não
são privilégio dos descendentes de italianos mas presentes também em
outros grupos étnicos no Brasil, tanto no meio urbano como no rural.
Os “Italianos” de Caxias do Sul
Ao estudar os grupos étnicos, Barth (2000) chama a atenção para as
linhas divisórias que separam os grupos humanos através da criação e
manutenção de fronteiras simbólicas e distintivas. No caso específico da
cidade de Caxias do Sul, houve uma dissolução das fronteiras entre as
identidades regionais (na época da grande imigração, apesar do passaporte italiano, as pessoas consideravam-se venetas, trentinas, lombardas
etc.) e a fusão dessas identidades em uma nova, a de “italianos” ou “descendentes de italianos”. 5
Essa fusão ocorreu por meio de uma alteração dos critérios de pertencimento a uma coletividade. Não significou, entretanto, incorporação
plena à identidade nacional brasileira, mantendo-se uma identidade
diferenciada, vinculada ao processo migratório.
Observamos que, em Caxias do Sul, a ênfase está, sobretudo, nas orientações valorativas básicas, pois ser ítalo-gaúcho ou “de origem” italiana,
remete a um determinado tipo de comportamento: trabalho duro, honestidade, religiosidade, moralidade. E apesar de, nos últimos anos, o
estudo da língua italiana e a participação em corais e grupos de dança
com vestimenta típica terem se transformado em atividades bastante
5
No entanto, é necessário ressaltar que até hoje existem na cidade, além do Centro Cultural Ítalo-Brasileiro,
o Circolo Trentino de Caxias do Sul e a Associação Vêneta de Caxias do Sul. Parece-nos que o mecanismo
que opera na manutenção dessas identidades regionais é o mesmo que faz com que os descendentes de
italianos prefiram ser considerados “ítalo-gaúchos” a “ítalo-brasileiros”. Afinal, o desenvolvimento desigual
do Norte e do Sul da Itália faz com que os descendentes de Trentinos e Vênetos tenham mais “prestígio” do
que genéricos “descendentes de italianos”.
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valorizadas, o que continua sendo basilar para o pertencimento é o
aspecto moral.
No entanto, embora o aspecto moral seja prioritário, a distinção baseiase na reivindicação de uma origem étnica específica, por parte dos
descendentes de imigrantes italianos chegados a Caxias do Sul a partir
de 1875. A reivindicação progressiva dessa distinção é formulada especialmente por residentes da zona urbana do município. Reivindicação
que é reforçada a partir da criação da Festa da Uva em 1931. Frosi (1998,
p. 166) assinala que:
[...] O uso da fala dialetal italiana é, muitas vezes, artificial na boca
de falantes urbanos. Ela não tem aí uma função de comunicação e de
transmissão de cultura. Ela é usada como um instrumento para demarcar um espaço próprio, uma identidade cultural local, um perfil
de determinado grupo humano ítalo-brasileiro regional.
Os descendentes de italianos que residem em Caxias do Sul delineiam-se
como um grupo diferenciado no interior da sociedade nacional, apresentando sinais diacríticos que conformam o seu reconhecimento enquanto
grupo. Os habitantes da região reportam essa identidade como característica dos descendentes de imigrantes italianos, que se instalaram na região
a partir de 1875. As lideranças da cidade falam em “ítalo-brasileiros”,
“ítalo-gaúchos” ou “descendentes de italianos”. O povo refere-se a si
mesmo como “italianos” ou “italianos do Rio Grande do Sul”.
Em Caxias do Sul, observamos que uma pequena elite de descendentes
de imigrantes detinha o poder político e econômico. Porisso, ao contrário do que aconteceu em outras zonas de imigração, mesmo durante o
período no qual a campanha de nacionalização foi mais forte, de 1930
até 1954, os prefeitos foram descendentes de italianos, inclusive Dante
Marcucci, nomeado durante o Estado Novo e que ficou no poder até
1947. Euclides Triches, prefeito de Caxias do Sul no período de 1951 a
1954, secretário de obras públicas do estado em 1955, foi eleito governador em 1972. Giron (1994, p. 41) ressalta que:
Das listagens dos empresários apresentados como as maiores empresas
industriais e comerciais da Região, no Álbum comemorativo de 1925,
nenhum dos nomes era de brasileiros. A burguesia era constituída por
italianos natos, ou, no máximo, de filhos de imigrantes. Sob o ponto
de vista econômico, estavam plenamente integrados ao capitalismo
nacional.
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27
Ao poder econômico sucede rapidamente o poder político. Machado
observa que:
A escolha do nome de Miguel Muratore e depois de Dante Marcucci,
integrantes da Associação dos comerciantes para governar o Município
de Caxias do Sul, permitiu que as elites locais chegassem ao poder
público municipal [...]. (2001, p. 254).
A cidade é um espaço aberto e disputado por grupos distintos, sendo
também palco privilegiado de disputas, classificações e segregações. Além
disso, é na cidade que vai se concentrar a elite colonial: comerciantes
e industriais no início e, um pouco mais tarde, intelectuais e políticos.
Nesse processo, ocorre uma hibridização cultural: por um lado, a elite se
afasta dos valores dos grupos rurais e se aproxima dos valores da elite
brasileira e, por outro, constrói para si uma identidade distinta da elite luso-brasileira.
Na década de 1950, construiu-se a identidade de imigrante italiano,
marcada pela imagem do colono progressista, desenvolvido, pioneiro que
havia se transformado em industrial. Nessa mesma época, aqueles que
permaneciam como colonos (rurais) eram vistos como símbolo de atraso.
A idéia de progresso era de desenvolvimento urbano, industrialização,
grandes edifícios, enfim, a transformação da “colônia” de imigrantes
pioneiros na grande metrópole civilizada e civilizadora, que servia de
modelo de desenvolvimento ao resto do país. Portanto, ser italiano era
positivo, ser colono negativo. A dicotomia rural/urbano correspondia
à dicotomia colono/italiano. Contemporaneamente, observamos uma
revalorização do campo (e do colono) e a fusão das duas identidades
anteriores em uma só: o colono italiano. Segundo Lagemann:
A interpretação heróica, fazendo do colono bem sucedido econômica ou
politicamente um verdadeiro ‘self-made-man’, é perfeitamente compatível a um sistema ideologizado pela ‘democracia agrária’. Dentro dessa
perspectiva, existe a possibilidade democrática, livre, de ascensão social.
Por uma decisão individual, exclusivamente pelos próprios méritos,
ultrapassam-se as barreiras da pobreza, ignorância, isolamento e da
insignificância. Assim, quem teve sucesso no empreendimento, merece
ser cultuado. É o culto do vencedor. Vêm daí as trajetórias imaginárias
do colono de mãos calejadas rumo ao sucesso nas diversas áreas, seja
o comércio, indústria, política, etc. Chega-se, seguindo esse caminho,
a colocar o imigrante como o civilizador, o que tudo iniciou, incluindo
a industrialização. (LAGEMANN, 1980, p. 118)
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Ou seja, os políticos e a elite “de origem” contribuíram para a construção
e cristalização da imagem do imigrante como pioneiro e civilizador. No
Álbum Comemorativo dos 75 Anos da Imigração Italiana, encontramos:
“[...] Entre os árdegos pioneiros de 1875 e os lutadores de hoje, não vai
diferença maior que nos métodos e meios de trabalho. A vontade de vencer, o ânimo na luta, a ambição de melhorar e ir para diante, a vibração,
o entusiasmo, as virtudes e os defeitos são os mesmos”. 6
De acordo com Maestri (1999, p. 191), essa “interpretação heróica da
colonização” surge em função da “universalização e generalização de
depoimentos singulares sobre as dificuldades vividas pelo imigrante
italiano, nos primeiros tempos, no Rio Grande do Sul”, isto é, parte dos
relatos e das biografias dos primeiros imigrantes. Emerge também em
função de “uma visão hipercrítica da organização do movimento colonizador pelas autoridades nacionais”, em que as dificuldades dos tempos
iniciais da colonização são maximizadas e as providências tomadas pelas
autoridades brasileiras para o desenvolvimento da colônia convenientemente esquecidas. 7
Maestri considera que existe uma “leitura hagiográfica da história da
colonização”, leitura que é encampada pelos meios de comunicação, adquirindo “foro científico ao se propor como interpretação hegemônica do
fenômeno migratório” (MAESTRI, 1999, p. 191). Deriva daí um discurso
etnocêntrico demarcador de fronteiras étnicas, que aparece tanto nos
depoimentos quanto na historiografia. Exemplo paradigmático desse
“culto ao vencedor” é a inauguração, em 1946, do busto de Ábramo
Eberle, na Praça Vestibular, em Caxias do Sul. Lê-se na inscrição da placa:
“Pioneiro do Progresso Caxiense”. No entanto, uma leitura atenta da sua
biografia aponta para o fato de que ele não era um “colono” qualquer.
Ao narrar a partida da família Eberle da Itália, Franco relata que o pai
de Ábramo Eberle:
Vendeu a granja, saldou suas dívidas, tirou uma pequena quota para
as despesas imediatas de viagem e o restante foi investido na compra
de objetos que, segundo opinavam seus amigos já estabelecidos no Rio
Grande, ofereciam boa margem de lucro. Trouxe, assim, um lote de
chapéus para homens e para mulheres, mudas de videira, macieiras,
6
Discurso do Sr. Alceu Barbedo, Procurador Geral da República e orador oficial designado pela Comissão
da Festa da Uva. Apud Bertaso; Lima (1950, p. 22).
7
As primeiras exposições de produtos coloniais são organizadas pelos administradores das colônias. No Rio
Grande do Sul, há incentivo à policultura, na busca de melhores culturas, e o governo chega, inclusive, a
trazer agrônomos e técnicos da Itália para orientar os colonos em suas culturas.
Antropolítica
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29
cerejeiras e outras plantas de produção comercial, além de caldeiras e
alambiques de cobre. (FRANCO, 1943, p. 31)
Ou seja, longe de ser o pobre pioneiro aliciado pelas promessas dos
agentes de colonização, Eberle e sua família vêm para o Brasil por conta
própria, já informados sobre as condições de vida e trazendo um bom
sortimento de mercadorias para iniciarem-se no comércio. Comércio
que permitiria a acumulação de capital para a indústria. Ábramo Eberle
vendeu de vinho a colônias, passando por diamantes.
Como nos lembra Wolf (2003, p. 238),
[...] o nacionalismo italiano postulava um Estado criado por membros
de uma elite urbana, uma Itália criada ‘a fim de criar italianos’. Esse
nacionalismo não apela para um Volk original, mas insiste no conceito
de cilvità (as qualidades da civilização) [...].
Ao construir o lugar do pioneiro, colonizador e civilizador para si, os
imigrantes italianos e seus descendentes determinaram também o lugar
dos outros moradores da terra: para os negros e índios o papel de selvagens e incultos; para os descendentes de portugueses, o papel de pessoas
sem refinamento, de maneiras rudes e portadores de uma religiosidade
católica distinta daquelas que traziam os italianos, julgamento já expresso
no apelido pelo qual eles são conhecidos: “pêlo duro”, uma designação
regional (no resto do país se conhece como “casca grossa”).
Ao contrário das grandes cidades, em especial São Paulo, onde aparece
ainda hoje o estigma do italiano grosso, pouco educado – “casca grossa”,
“carcamano” – (CARELLI, 1986), em Caxias do Sul o grau de coesão grupal permite que os estigmatizados como grossos sejam os descendentes
de portugueses e também aqueles considerados “brasileiros”, alcunhados
genericamente de “negri”.
Durante a Segunda Guerra Mundial, ser “italiano” era uma categoria
negativa, mas, a partir do final da guerra, observamos uma reelaboração
que aponta o imigrante italiano como o civilizador, aquele que transformou a selva em cidade por meio do suor de seu rosto. A cultura “italiana”
é assumida como um elemento de diferenciação, porque promovedora
de progresso e riqueza. Há uma construção histórica de uma identidade,
ligada a determinados comportamentos, que estão associados ao sentido
de pertencimento a um grupo. Acontece, nesse caso, um privilegiamento
de natureza biológica (a descendência italiana) para explicar fenômenos
sociais, inclusive, o desenvolvimento econômico de Caxias do Sul. A culAntropolítica
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30
tura adquire assim um significado classificatório, implicando a noção de
superioridade e inferioridade, num discurso que hierarquiza as etnias.
Da mesma maneira que Cohen8 fala em uma retribalização, podemos
apontar para uma reetnização, na qual indivíduos que se transferem
do campo para a cidade enfatizam e exageram a sua identidade e exclusividade cultural, com objetivos políticos e econômicos. Mas isso não
quer dizer que tal identidade seja desprovida de outros significados não
instrumentais – afetividade , espírito de comunidade, valores compartilhados etc.
Giron também aponta para a relação entre o discurso laudatório e a
economia. A autora sublinha que “o imigrante heróico, trabalhador,
econômico e realizador da economia gaúcha é a imagem que o grupo [de
descendentes de imigrantes italianos] criou sobre seus feitos” (GIRON,
1980, p.66). Em suma, a construção de uma identidade contrastiva em
relação à sociedade nacional surge quando o grupo se diferencia – separando colonos e citadinos – mas, principalmente, quando tal postura
começa a se mostrar vantajosa, levando, inclusive, nos últimos anos, à
incorporação e reelaboração de valores e costumes camponeses por parte
da população urbana.
Os “Italianos” em Santa Maria (RS) e região
A imigração italiana para a região central do Rio Grande do Sul teve início
em 1877, feita em levas familiares, principalmente oriundas do norte
da Itália. Eram católicos, mas alguns com influência da maçonaria (que
marcou, de certa forma, aquele processo migratório). A maior parte era
de camponeses. A colônia Silveira Martins, contudo, foi construída com
um centro urbano e alguns imigrantes para lá se dirigiram. No início
do processo igualou-se ao que foi descrito anteriormente com relação a
Caxias do Sul. Aqueles indivíduos orientavam suas existências guiados
pela crença religiosa, desejo de ascensão social e motivados pela possibilidade de manutenção de uma ordem familiar idealizada, na qual o pai
era o patrão e os filhos mão-de-obra, fosse enquanto camponeses ou nas
pequenas empresas domésticas. Nessas hierarquizações, pouco espaço
cabia às mulheres, fosse na busca de sua própria ascensão social ou na
possibilidade de se tornarem proprietárias ou empreendedoras, caracte8
Segundo Sprandel (1992, p. 9), “Em 1969, Abner Cohen em, Custom and politics in urban Africa, definiu como
retribalização o processo pelo qual o indivíduo pertencente a grupos tribais que se transferem para as cidades,
enfatizam e exageram a sua identidade e exclusividade cultural, com objetivos políticos e econômicos. A
retribalização pode ser entendida como uma manipulação sóciocultural da formação de novos agrupamentos
políticos, e como resultado da interação entre grupos étnicos dentro de um contexto de novas situações
políticas”.
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rística que, nos relatos, possui uma face eminentemente masculina. Sua
imagem foi construída à sombra da imagem masculina. Ela trabalhava,
mas não usufruía da sua produção de riqueza; criava filhos, educava-os
nas normas cristãs, tornando-os aptos ao trabalho e à disciplina, mas era
alijada da parte pública da produção da riqueza.
Sobre os primeiros colonos há poucos relatos (LORENZONI, 1975;
POZZOBON, 1997; ANCARANI, [19--]). Dois deles são especialmente
ricos, pois foram escritos por imigrantes e, posteriormente, traduzidos e
publicados por seus descendentes: Julio Lorenzoni (1975), que tinha 14
anos quando sua família migrou, em 1877, e Andréa Pozzobon (1997),
com 22 anos quando sua família migrou, em 1895. Nesses relatos,
percebe-se a dinâmica do processo migratório: a pobreza daquelas populações, o aliciamento por agentes, padres, parentes, entre outros, e a
vinda para a América, na expectativa de uma melhora nas condições de
vida. O contraste entre o mundo do qual provinham ( Europa) e o aqui
encontrado (matas, índios, negros, comida e muita terra), fez com que os
relatos de ambos apresentassem o encontro com a natureza brasileira e
sua diversidade. A noção de processo civilizador se inicia nesse encontro
narrativo acerca do mundo americano. Como ressalta Pratt (1999), em
sua análise de relatos de viajantes, essa zona de contato9 possibilita a representação desse encontro como uma anticonquista, numa nova forma
narrativa, na qual a presença do europeu civilizador é naturalizada, e
sua autoridade é representada como civilização e não como invasão,
“fazendo uma impressão mais de inocência do que de intervenção”
(PRATT, 1999, p. 27). Eles chegam, dominam e domesticam o que antes
era considerado natureza e espaço vazio e se sentem autorizados para
isso. Os relatos de Lorenzoni e Pozzobon (estes, ambos homens, letrados, oriundos do norte da Itália), narrados em tom pessoal, podem ser
considerados dessa forma. Em suas apresentações da natureza, como
salientaria Pratt, há um certo colonialismo classificador acerca do outro
e do mundo encontrados.
Esses imigrantes eram vênetos, lombardos, trentinos, friulanos, mantovanos etc. Não se sentiam italianos no sentido de um pertencimento a
um Estado Nacional, numa Itália que acabara de se unificar de direito
(1870) e a contragosto de muitos. Consideravam-se habitantes de um
paese que possuía características específicas, adoravam santos específicos e, em algumas situações, falavam, inclusive, dialetos particulares
e incompreensíveis, como relata Lorenzoni quando narra a travessia
9
Para a autora, zona de contato seria aquele espaço de encontros coloniais “...onde os povos que estavam
separados geográfica e historicamente entram em contato e estabelecem relações duradouras, envolvendo
normalmente a coerção, a desigualdade racial e o conflito irresolvível” (PRATT, 1999, p. 30).
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oceânica. Ele salienta que, no navio que os trazia para o Brasil, alguns
não se entendiam. Contudo, algo os unia: eram migrantes pobres em sua
maioria, despossuídos, e essa experiência os tornava iguais, apesar das
diferenças culturais. A lembrança de terem participado de um processo
comum, apesar das diferenças, pode ser observada ainda hoje entre os
descendentes, mesmo que de regiões distintas. A invocação do passado,
da figura do pioneiro, daquele antepassado que migrou, que efetuou a
ruptura, é algo forte. Alguns desses imigrantes são ainda lembrados por
meio de fotos de passaportes e documentos copiados e transformados em
quadros, que são exibidos nas paredes das salas de estar, seja residenciais
ou comerciais e de serviços.
Ao receberem os lotes, agregavam-se de acordo com os pertencimentos
regionais (vide a nominação das localidades Val de Buia, Val Feltrina, Val
Verones, Linha dos Mantuanos etc). O processo de assentamento nos lotes
e de produção foi animador nos primeiros anos, permitindo que as
famílias vivessem bem, como ressalta Lorenzoni. Essas diferenciações,
mantidas nas localidades de habitação mas generalizadas ao se tornarem “os italianos”, foram absorvidas pelos descendentes nas situações
de interação social fora da colônia. Fato alterado contemporaneamente
devido às novas dinâmicas dos processos identitários em níveis transnacionais. Esses descendentes têm reivindicado origens dentro da origem:
se autodenominam friulanos, trentinos, lombardos, vênetos e gostam de
salientar isso. Assumem a condição genérica também, numa negociação
de alteridades, mas ressaltam suas particularidades orientados, em parte,
pelas dinâmicas identitárias da própria Itália que favorece os descendentes de acordo com as regionalidades de origem e estabelece convênios
e agenciamentos orientados pelo critério de antecedência do imigrante
pioneiro, o antepassado, transformado no iniciador da saga familiar.
A colônia Silveira Martins foi desmembrada e extinta em 1888 e seu
território dividido entre os municípios de Júlio de Castilhos, Santa Maria
e Cachoeira do Sul. O centro urbano no qual começara a colônia ficou
sendo distrito de Santa Maria e, em 1987, emancipa-se, tornando-se o
município de Silveira Martins, conhecido como o “berço da colonização
italiana local”. A colônia, próspera em seu nascedouro não conseguiu
progredir como aquelas da serra gaúcha, em especial Caxias do Sul,
considerada a “pérola das colônias”, questão que tem motivado estudos
na região. A elite da colônia Silveira Martins migrou para Santa Maria
e para outras localidades e não reinvestiu seu capital econômico (e humano) em nível local.
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Não houve também o desenvolvimento de indústrias, como ocorreu
na serra. Os camponeses pobres também migraram, criando redes de
deslocamento muito interessantes de se estudar. Havia seleção de membros que rumavam para os centros urbanos para se tornarem operários,
trabalhar no comércio ou em serviços. Geralmente os pais e alguns filhos
permaneciam na colônia, recebendo, muitas vezes, o valor do salário
daquele membro que se deslocara. Essas redes se alastravam, permitindo
a circulação de mão-de-obra e também de pessoas da colônia para Santa
Maria, no caso, a situação de pesquisa que mais de perto acompanhei.
Essas pessoas eram hospedadas por parentes ou padrinhos, e as mulheres,
que trabalhavam como empregadas domésticas, residiam com os patrões
que eram, em sua maior parte, migrantes e descendentes de italianos que
haviam ascendido economicamente, formando já distinções baseadas no
sucesso da empreitada migrantista, muitas vezes, no interior da mesma
família. Essa circulação deve ser compreendida como estratégia de sobrevivência da condição de camponês, porque com lotes de 22 hectares,
em média, muitos deles em terrenos acidentados, a sobrevivência não
era fácil, o que favorecia e impelia essas migrações internas e a busca por
novas oportunidades de renda, que não estivessem assentadas somente
no trabalho com a terra.
Em Santa Maria, cidade econômica e politicamente mais importante
na região, a reivindicação de uma italianidade positivada acompanha
o trajeto das reivindicações em nível nacional e estadual. Na década de
1980, criam-se as primeiras agregações que, em 1991, transformam-se
na Associação Italiana de Santa Maria. Em 1994, a cidade recebe uma
Agência Consular. Aliada a essas entidades, há a criação constante de
circoli, que são entidades que possuem vínculo com as regiões italianas,
tais como: Circolo veneto, Circolo Lombardo, Circolo Emiglia-Romana, entre
outros. Em nível local, os acontecimentos do período do Estado Novo
também marcaram os descendentes de italianos e fizeram com que, no
período pós-Segunda Guerra Mundial, as italianidades fossem vivenciadas de forma mais discreta e ressentida. O Estado Novo havia deixado
marcas, ao proibir que os descendentes e os imigrantes falassem seus
dialetos, que se reunissem publicamente e que se deslocassem livremente. Houve uma série de repressões que, localmente, permaneceram
na memória dos descendentes (vide ZANINI, 2005b, 2006) como um
sinal adscritivo importante, embora nem sempre bem compreendido.10
Zanini denominou esse processo de “memórias em construção”, pois
revelavam, justamente, o percurso de construção das alteridades locais
10
Compreendemos memória no sentido atribuído por Halbwachs (1990): uma construção sobre o passado,
efetuada no presente, por meio das categorias de sentido atuais dos descendentes.
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e quais seriam os sinais adscritivos que estavam tendo significado para
o grupo. Processo esse que a autora considera em constante atualização,
orientado por dinâmicas interativas locais, nacionais e transnacionais,
inclusive fazendo uso das novas mídias, o que transforma a italianidade
numa noção privilegiada para os estudos étnicos.
Considerações finais
Foi importante para o desenvolvimento deste artigo, com base em pesquisas empíricas, compreender a trajetória do movimento de reivindicação da identidade ítalo-gaúcha, sua constituição e negociação como
uma estratégia de manutenção do grupo e, também, como um símbolo
de classificação social, que está em constante dinâmica. Muitos dos descendentes que reivindicam a identidade ítalo-gaúcha hoje o fazem por
acreditar que essa identidade lhes agrega valor e contribui para a diferenciação social. Ser ítalo-gaúcho é mais valorizado do que se denominar,
simplesmente, brasileiro. Diríamos, assim, que essa reivindicação é uma
estratégia de distinção no interior de um mercado regional e nacional
de bens simbólicos, embora os italianos do Rio Grande do Sul não se
identifiquem com os estereótipos atribuídos aos italianos de São Paulo,
por exemplo, considerados menos religiosos e distintos daqueles daqui
(ZANINI, 2005b).
Além disso, mediante a inserção nas redes desses grupos, as possibilidades
de ascensão social ampliam-se, uma vez que a marca da identidade ítalogaúcha passa a ser um diferencial, que permite ter acesso, por exemplo,
à cidadania italiana, trabalho no exterior, bolsas de estudo e a uma rede
de contatos que os situa entre iguais e entre pessoas que, idealmente,
valorizariam as mesmas coisas: trabalho, poupança, família, religiosidade.
O importante para compreender a invocação da italianidade desses imigrantes são os sinais diacríticos que o grupo utiliza para delimitar suas
fronteiras de pertencimento, a construção de tradições e de sentidos
para essas tradições. É interessante a observação de Oro (1996, p. 621),
ao salientar que os descendentes de italianos do Rio Grande do Sul não
negariam suas identificações como brasileiros e gaúchos, mas reivindicariam uma “identidade étnica plural”, hibridizada. Salientaríamos:
são “ítalo-brasileiros”, “ítalo-gaúchos”. Essas hibridizações, contudo, são
negociadas nos contextos interativos, de acordo com situações que se estabelecem. Ora é mais lucrativo se denominar simplesmente de italiano,
lombardo, ítalo-gaúcho e assim por diante. Portanto, são possibilidades
de os indivíduos agregarem valor a si, reivindicando a identidade e se
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identificando como descendentes de um grupo tido como empreendedor,
progressista e ordeiro nas representações atuais.
Tal afirmação se coaduna com as observações de Hall (1999). A etnicidade, vista por esse prisma, seria uma forma de reação à homogeneização
imposta por padrões sociais dominantes. No contexto das negociações
identitárias, a cultura seria um elemento a ser considerado dinamicamente e não como fonte imutável de pertencimento grupal, com o que
concordamos amplamente e sobre o que nossas pesquisas etnográficas
constantemente nos alertam. Encontramos, em Caxias do Sul, uma liderança étnica ligada à burguesia comercial de origem colonial, com a
identidade étnica fornecendo uma rede de proteção social. A etnicidade
foi mobilizada pela elite dominante como recurso e estratégia para manter
o controle. Nesse caso, a cultura é utilizada também como instrumento
político (JENKINS, 1997).
Deste ponto de vista, a etnicidade se desdobra como uma ideologia, no
sentido que Gramsci (1978) dá ao termo, ou seja, como um cimento que
unifica as práticas e pensamentos de um determinado grupo social. Surge
aí o conceito de lealdade ao grupo e de uma identidade local. No caso
do grupo que estudamos, há uma clara hierarquização de identidades:
a identidade local (de origem) sobrepõe-se à regional e à nacional. Os
descendentes de italianos consideram, de acordo com as negociações, que
a sua identidade mais significativa é a identidade local de “italianos”, sem,
contudo, renegar seu pertencimento à pátria brasileira. Como dizem:
são brasileiros “de origem italiana”.
O que pensamos ser relevante do ponto de vista das discursividades acerca da italianidade(s) é: com a ascensão econômica e política da parcela
da população de migrantes e descendentes que enriqueceu, há versões
acerca da trajetória dos “italianos no estado”, que se torna hegemônica
e legítima, a ponto de virar quase uma história oficial, na qual são ressaltadas dificuldades e união do grupo e apagadas ou minimizadas as
dissensões. Nesse sentido, pesquisas etnográficas alertam para as complexidades internas nesses processos de reivindicação de pertencimento
e também para o importante papel exercido pelos agenciadores étnicos,
ainda pouco estudado.
Na história oficial daquela região, não é ressaltado o contexto em que se
deram a imigração e o povoamento do Rio Grande do Sul, mas aquelas
virtudes que são pensadas como “inatas”dos imigrantes trabalhadores,
honestos, bons católicos, criativos, persistentes, apegados à família e a
poupadores.
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O sangue seria uma metáfora, conforme ressaltado por Seyferth (2004).11
Ele é usado narrativamente para definir ou invocar a índole ou o caráter
do descendente, ressaltando o quanto a identidade, potencialmente, seria
inata. Isso, conforme observamos em nossas etnografias, é uma retórica,
pois os descendentes se sabem negociadores identitários e são cientes
de que a italianidade pode se tornar mais ou menos visível, de acordo
com seus interesses, portanto, não seria tão substantivada ou inata assim.
Observamos, nesse caso, a imposição de uma ideologia dominante como
senso comum. Segundo a teoria gramsciana, as ideologias mais ativas
e orgânicas interferem no senso comum e nas tradições. É isso que observamos em Caxias do Sul. As idéias da elite caxiense são não apenas
hegemônicas, mas também parte do senso comum da região. É preciso
lembrar, porém, que, para Gramsci, ideologia não é uma “falsa consciência”, mas reprodução e transformação (ROUANET, 1978). Porém, tão
importante quanto esse aspecto de possibilidades de criar discursividades
e transformá-las em representações com “força”, é que os descendentes
de imigrantes italianos, sejam de Caxias do Sul ou de Santa Maria, são
negociadores em potencial. As italianidades são mesclas de pragmatismo
com valorações, sentimentos e uma infinidade de elementos selecionados
nos contextos de fronteiras. Isso, pensamos, torna esse tema apaixonante
para a Antropologia.
Abstract
The identity of the descendants of Italians, “Italian of Rio Grande do
Sul”, “Talian,” “Italian-gauchos” or simply “Italian” is constructed by
some common signs ascriptions, such as pioneering, the compliment to the
family as value of religion and particularly the reaffirmation of the work as
a strategy of social ascension. These are the chosen symbols, which serve as
the group and typing diacritical elements of contrast in the other “Brazilian.”
However, in the Rio Grande do Sul, there are differences with respect to the
construction of Italian history. This article is intended to make a contrast
between the ethnographic region of colonization of the mountain gaúcha,
especially Caxias do Sul, and settlement occurred in the central region of
the state, mainly in Santa Maria and region.
Keywords: identity; italian immigration; colonization.
11
A afirmação da autora é em relação aos teuto-brasileiros, mas acreditamos que pode ser utilizada também
em relação aos descendentes de italianos.
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Maristela de Paula Andrade**
Novos sujeitos de direitos e seus mediadores –
uma reflexão sobre processos de mediação
entre quilombolas e aparelhos de
Chefe do Departamento
de Sociologia e Antropologia/UFMA, Professora do
Programa de Pós-Gradua­
ção em Ciências Sociais/
UFMA, Coordenadora
do Grupo de Estudos Rurais e Urbanos. Tel.: (98)
33018325, (98) 88239261.
Email: <saudadem@uol.
com.br>. Ultimas Publicações: Conflitos agrários
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v. 15, p. 445-451, 2007;
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Ciências Sociais, São Luís, v.
2, p. 37-60, 2007; Os gaúchos
descobrem o Brasil: projetos
agropecuários contra a
agricultura camponesa.
São Luís: EDUFMA, 2008;
Terra de índio: identidade
étnica e conflito em terras
de uso comum. 2. ed. São
Luís: EDUFMA, 2008.
*
Texto apresentado no GT
“Transformações sociais e
projetos políticos em concorrência”, durante a 33º
Reunião Anual da Anpocs,
2009.
**
Estado*
Este artigo trata da constituição de um novo sujeito de
direitos – os quilombolas – e do campo de mediação em
que se viu envolvido desde a inserção do Artigo 68 na
Constituição Brasileira de 1988. A partir da análise
de situações empíricas envolvendo os quilombolas de
Alcântara, Maranhão, busca-se problematizar o fato de
que, para existir publicamente, para encaminhar suas
reivindicações, esses novos sujeitos de direitos passaram
a depender de uma grande diversidade de estruturas
e agentes de mediação que se interpuseram entre eles e
as instituições nacionais e internacionais.
Palavras-chave: Alcântara; quilombolas; conflitos
agrários; mediação.
44
Introdução
Os quilombolas: um novo sujeito de direitos, um novo
campo de estudos, novos mediadores
Desde 1988, quando se insere na Constituição o Artigo 68, resultado
do reconhecimento pelo Estado Brasileiro de sua dívida para com os
descendentes de escravos,1 e a partir de quando milhares de grupos
camponeses,2 em todo o Brasil, passam a adotar a identidade de quilombolas para interlocução com a burocracia estatal, muito se tem escrito
sobre eles. Passaram a circular nos meios acadêmicos tanto elaborações
teóricas, com o objetivo de construir modelos explicativos que pudessem
contribuir para a interpretação das transformações sociais e dos problemas provocados pelo surgimento desse novo sujeito de direitos, inclusive ressemantizando velhos conceitos (ALMEIDA, 1998b) (ALMEIDA,
1998a), quanto trabalhos etnográficos ancorados no registro e análise
de situações empíricas particulares. Cremos, porém, que pouca atenção
se tem sido dada ao fato de que, para existirem publicamente, para
realizarem a interlocução política com instituições supracomunitárias,
esses grupos passaram a depender de toda uma rede de mediadores,
desde aqueles que foram erigidos como seus próprios representantes, aos
antropólogos (que foram conclamados a dizer quem eram esses sujeitos
de direitos), aos advogados (atuando em entidades não-governamentais
ou dentro do próprio Estado), aos funcionários de órgãos oficiais, aos
gestores públicos e de empresas. Enfim, agentes sociais especializados no
que se poderia denominar questão quilombola, passaram a deter autoridade
para dizer quem são, onde e como vivem e quais os direitos desses grupos.
Ao passarem a existir como sujeitos políticos coletivos criaram-se movimentos, associações, entidades, em nível estadual, nacional ou local,
no âmbito das quais mandatários passaram a assumir o papel de porta
vozes (BOURDIEU, 1984), atuando em organizações específicas, que
se fundam sobre recortes étnicos e raciais, para além dos sindicatos de
trabalhadores rurais. Espalhados em vários povoados do interior de
praticamente todas as unidades da federação, esses grupos já existiam
conforme diversificadas formas de organização social e compartilhamento
de identidades específicas várias, construídas historicamente, a maior
1
Uma genealogia do emprego de termos como pretos, terras de preto, quilombos, remanescentes de quilombos e outras
foi realizada em outro texto. Ver Paula Andrade (2003).
2
O debate sobre o conceito de camponês, na literatura antropológica, é bastante amplo e não vamos retomálo aqui. Neste texto, o estaremos utilizando num sentido igualmente largo, para indicar grupos que vivem
fundamentalmente do cultivo da terra, da exploração dos recursos pesqueiros, da extração de recursos
florestais e animais, com base no trabalho familiar.
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parte delas ancoradas em fundamentos étnicos. Já vinham lutando pela
permanência em seus territórios, por meio do sindicato de trabalhadores
rurais, de associações de moradores no nível do povoado, com apoio da
Igreja Católica e de outros mediadores tradicionais (WOLF, 1984, p.
12), conforme cada conjuntura. A partir de 1988, novas entidades de
representação assumiram papel de intermediação, agregando-se àqueles
mediadores mais tradicionais.
Alguns autores viram nesse processo o resultado do esgotamento das
formas clássicas de representação e de mobilização política – o Sindicato,
o partido político – e a inauguração de outras, mais plásticas e diversificadas, construídas a partir de situações localizadas e específicas, e com
base em identidades como as de atingidos, pela construção de barragens,
hidroelétricas, portos, indústrias ou outros empreendimentos de grande
porte (ALMEIDA, 1994).
Em alguns casos essa identidade foi provocada pela própria ação oficial –
caso já referido dos atingidos – e, em outros, assistiu-se a uma passagem ou
uma combinação de antigas categorias de autodenominação como pretos,
moradores de terras de preto, de terras de santo, de terras de índio, ressaltando
o seu fundamento étnico, para a de quilombolas simplesmente. Os movimentos, entidades, organizações da sociedade civil ligadas ao chamado
movimento negro passaram a utilizar a expressão comunidades negras rurais e,
atualmente, comunidades negras rurais quilombolas. Os aparelhos de estado,
numa estratégia da condescendência (BOURDIEU, 1994, p. 121) passaram
a adotar vários desses termos e expressões.
Neste artigo pretendo problematizar o fato de que para existir publicamente, encaminhar suas reivindicações, os quilombolas passaram a depender de uma grande diversidade de estruturas e agentes de mediação
que se interpuseram entre eles e a nação para utilizar os termos de Wolf
(2003, p. 75) quando trata seu material sobre o México e analisa “a rede de
relações de grupos que conecta as localidades e as instituições nacionais”:
Essa não é uma questão presente apenas no caso dos quilombolas.
Para existir publicamente como sujeito político coletivo, para sair da
condição da existência atomizada e ser reconhecido como sujeito de
direitos, qualquer segmento ou categoria social necessita de portavozes que falem em seu nome, que façam com que o problema vivido
individualmente, privadamente, se imponha na arena pública como
problema social. (LENOIR, 1998, p. 85-88)
No caso de Alcântara essas redes se estendem entre as localidades e
organismos nacionais e supranacionais como OEA e OIT. A ligação
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dos quilombolas (famílias de camponeses, pescadores, artesãos, extrativistas, espalhados em povoados do interior, e até mesmo grupos em
áreas urbanas, de estados de todo o Brasil), passou a se realizar com
essas instituições nacionais e supranacionais por meio de uma rede de
mediadores, constituída de antropólogos, advogados, parlamentares,
integrantes do Ministério Público, pesquisadores, clérigos, jornalistas
e outros profissionais, que passaram a apoiá-los em suas reivindicações
e a realizar a mediação entre eles e a sociedade mais ampla. Suas reivindicações chegaram às instituições nacionais por meio de uma série
de porta-vozes, agentes sociais também organizados em movimentos e
associações, instituídos como os que passaram a deter a fala autorizada
nos assuntos relativos aos quilombolas.
Portanto, neste artigo, penso ser interessante tomar como objeto de
estudo questões relativas à delegação, às formas de representação e às
contradições advindas da movimentação desses intermediários (WOLF,
apud SILVERMAN, 1977, p. 293-294; SILVERMAN, WOLF, 2003, p.
253-294) que se colocam entre os quilombolas, os aparelhos de estado e
outras instituições, tendo como inspiração situações empíricas apreendidas em contexto de trabalho de campo. Tento refletir também sobre
as estratégias de abordagem e tentativas de submissão ou cooptação dos
quilombolas, de parte das instituições nacionais – oficiais ou privadas –
que se utilizam da intermediação de agentes sociais locais.
O Centro de Lançamento e os quilombolas de Alcântara
Antes de entrar na discussão central desse artigo – o papel dos mediadores – creio ser necessário situar o leitor, em linhas gerais, quanto ao
caso de Alcântara.
Imaginada pelos militares nos anos 1980 como um “vazio demográfico”,
Alcântara tornou-se um problema – jurídico e social – a partir da Constituição de 1988, que garantiu aos chamados remanescentes de quilombos o
direito a titulação de seus territórios.
Em 2004, como resultado da luta pela permanência em seu território,
que resultou na elaboração de um laudo antropológico solicitado pelo
Ministério Público Federal (ALMEIDA, 2006a), a Fundação Palmares,
do Ministério da Cultura, reconheceu o território étnico de Alcântara,
integrando 152 comunidades, termo aqui utilizado como unidades sociais
registradas em localidades chamadas povoados. Posteriormente, o INCRAMA identificou 157 comunidades, com aproximadamente 17 mil e 500
pessoas. As famílias que integram essas unidades sociais vivem de pesca,
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agricultura e extrativismo, baseando sua economia no uso comum dos
recursos naturais. Constituem-se como populações tradicionais segundo a
legislação nacional e internacional. São grupos protegidos por lei pelo
fato de sua dinâmica cultural representar patrimônio contemplado na
Constituição Federal (artigos 215 e 216 e artigo 68 dos ADCT) e na
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o
Brasil é signatário.
Alguns anos após um decreto de desapropriação por utilidade pública,
em 1980, 312 dessas famílias foram deslocadas compulsoriamente dos
seus lugares, à beira do oceano, e instaladas em lotes, nas chamadas
agrovilas. Nesses novos locais não podem se reproduzir material e socialmente, pois, são áreas distantes do mar e constituídas de solos arenosos,
inviabilizando a pesca e a lavoura. Ainda hoje não receberam títulos das
terras e das casas entregues pela Aeronáutica. Os jovens casais são proibidos de edificar novas residências. Essa situação pode ser considerada
como limpeza étnica, pois as jovens gerações são obrigadas a migrar para
a periferia de Alcântara e de São Luís, proibidas de viver nos territórios
de seus ancestrais.
Por ter tratado esses brasileiros como não cidadãos e provocado uma
grave desestruturação ambiental e social no município como um todo,3 o
Brasil responde perante a Câmara Interamericana de Direitos Humanos
da OEA. Nas agrovilas, famílias foram separadas, sua soberania alimentar
foi duramente atingida, a realização de festas e rituais foi seriamente
comprometida e impedido o contato com cemitérios antigos.
Há também uma ação interposta junto à OIT – Organização Internacional do Trabalho – no mesmo sentido, já que são cerca de 30 anos de
descumprimento da legislação, de desrespeito a acordos lavrados em
cartório ou estabelecidos judicialmente. No litoral, a luz elétrica e o
telefone chegaram há pouco tempo.
Recentemente, as famílias que permaneceram no litoral do município
foram atingidas pela ação de empresas ligadas à Alcântara Cyclone Space, binacional brasileiro-ucraniana, cuja constituição está relacionada à
expansão do Centro de Lançamento de Alcântara, por meio da qual o
Brasil pretende alugar a base de lançamento a países estrangeiros.
Em 2008, passados oito anos da instauração de uma ação civil pública,
no âmbito da qual o Ministério Público cobra do Estado brasileiro a titulação do território quilombola, empresas contratadas pela binacional
3
Em outubro de 2008 o Sr. Leonardo dos Anjos e a Sra. Militina Serejo, de Brito e Mamuna respectivamente,
estiveram, como peticionários, junto a essa Comissão, em Washington, prestando depoimentos.
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brasileiro-ucraniana Alcântara Cyclone Space intrusaram povoados do
litoral onde pretendiam implantar inicialmente seis e, depois, três sítios
de lançamento. Realizaram inúmeras perfurações, suprimiram vegetação sem licença do IBAMA, destruíram caminhos e roçados, devastando
margem de rios. Ameaçadas em suas condições de existência, as famílias
reagiram, instalando barreiras e obrigando as empresas a se retirar.
Diante da resistência das famílias, em fins de 2008 foi homologado
um acordo judicial acerca da titulação do território, segundo o qual
as empresas não realizariam quaisquer obras no território quilombola,
recuando para dentro dos 8700 hectares já detidos pelos militares. As
partes se comprometiam, ainda, a não recorrer judicialmente, porém
o governo brasileiro já desrespeitou esse acordo, tendo o Ministério da
Defesa recorrido da decisão.
A atuação dessas empresas corresponde a múltiplos interesses atuais
envolvendo o governo brasileiro e empresas ligadas ao mercado aeroespacial, guardando íntima relação com uma história de interferência
sobre a vida desses grupos, que se estende por mais de 20 anos. O que
se constata no momento, tanto nas agrovilas quanto nesses povoados do
litoral, é resultado de um processo histórico que se desenrola por quase
três décadas.
Os povoados Mamuna, Baracatatiua, Brito, Mamuninha, Retiro, Mato
Grosso, Itapera, Canelatiua, Ponta de Areia e outras localidades, são classificados de acordo com uma taxonomia nativa, de beira de costa. Conforme
foi demonstrado noutro trabalho (PAULA ANDRADE; SOUZA FILHO,
2006), as famílias desses povoados de beira de costa são responsáveis,
hoje, pela produção e manejo dos estoques de alimentos não apenas às
comunidades em questão, mas também àquelas das agrovilas.
O uso comum dos recursos naturais, característica fundamental da economia desses grupos, além de obedecer a regras específicas, definidas
coletivamente e acatadas de modo consensual, é orientado por princípios
de base étnica que garante o atendimento das necessidades imediatas
e preserva os recursos para apropriação futura. Essa forma de se relacionar com o ambiente natural define uma sustentabilidade ecológica
(LIMA; POZZOBON, 2005) própria, orientada pelo que a antropologia
denomina de saber local (ESCOBAR, 2000), por um savoir faire camponês,
caracterizando uma arte da localidade (PLOEG, 2000).
Tais sistemas de conhecimento, conformando um modo próprio de se
relacionar com a natureza e formas particulares de organização social
com especificidades sociais, históricas e étnicas, têm sido utilizados como
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referência na caracterização desses grupos como remanescentes de quilombos
e populações tradicionais (ALMEIDA, 2006a). Não por serem considerados
resquícios do passado que rigidamente se conservem e se reproduzam
ao longo do tempo, mas por sua dinâmica interna representar um patrimônio social e cultural contemplados tanto na Constituição Federal
(artigos 215 e 216 e artigo 68 dos ADCT) quanto na Convenção 169, da
qual o Brasil é signatário.
O lugar e a posição da pesquisadora
O material empírico que suscita as reflexões apresentadas a seguir se
origina de trabalhos de campo realizados em Alcântara, no Maranhão,
em povoados diretamente atingidos pela implantação e tentativa de expansão do Centro de Lançamento de Alcântara, em território atualmente
reconhecido por setores do governo brasileiro como devendo ser titulado
aos quilombolas.4 Refere-se ainda, a resultados de pesquisas realizadas
para fins acadêmicos e de formação de alunos; a levantamentos para a
produção de peças solicitadas pelo Ministério Público Federal no Maranhão (PAULA ANDRADE; SOUZA FILHO, 2008) ou para a redação
de artigos veiculados em periódicos de grande circulação nacional; a
sistematização de informações para subsidiar a ação dos chamados atingidos em situações diversas de interlocução com seus antagonistas. Esse
material empírico diz respeito, ainda, a organização de informações para
atuação como perita em audiência na Comissão de Direitos Humanos da
OEA, juntamente com dois representantes dos quilombolas.
Neste sentido, este artigo resulta da adoção de uma perspectiva próxima daquela classificada como sociologia pública, tal qual conceituada por
Burawoy (2006) ou da antropologia do desenvolvimento como entendida
por Viola (2000), Olivier de Sardan (1995) e Bierschenk (2008). Resulta,
portanto, do envolvimento com o caso de Alcântara desde a participação
como antropóloga no Ministério de Reforma e Desenvolvimento Agrário,
antigo MIRAD, no período da Nova República (1985-1987). Depois disso,
desenvolvi trabalhos de pesquisa sobre: insegurança alimentar provocada
pela implantação do Centro de Lançamento em povoados de pescadores e
pequenos agricultores, com recursos do antigo Ministério Extraordinário
4
Apesar de a Fundação Cultural Palmares ter reconhecido numa faixa contínua, o território ocupado por 154
povoados quilombolas, o que constituiria o território étnico de Alcântara, tal como caracterizado no laudo
pericial; apesar de existirem acordos judiciais homologados pela Justiça Federal no Maranhão, reconhecendo
que o Estado Brasileiro, por meio de seus órgãos específicos, deva titular essa grande área e entregá-la aos
quilombolas, outros setores como a Casa Civil, o Gabinete de Segurança Institucional, o Ministério da Defesa,
têm interferido politicamente e, de fato, a portaria do INCRA que delimita o território nunca foi publicada,
tendo sido convocada uma audiência de conciliação pela AGU.
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de Segurança Alimentar – MESA – e do CNPq (PAULA ANDRADE; SOUZA FILHO, 2006); as estratégias de resistência camponesa ancoradas em
identidades étnicas; os sistemas de conhecimento, apropriação e manejo
dos recursos naturais por esses grupos étnicos vis-à-vis as transformações
provocadas pela implantação da Base e, finalmente, sobre as referências
culturais do patrimônio imaterial desses grupos com recursos do IPHAN
(PAULA ANDRADE; SOUZA FILHO, 2009).
Ao longo dessas décadas que transcorrem entre 1985 e os dias de hoje,
tive a oportunidade de acompanhar a movimentação dos atuais quilombolas em sua interlocução com parlamentares, representantes de órgãos
oficiais brasileiros e internacionais – ONU e OEA –, além da empresa
Alcântara Cyclone Space e suas contratadas.
Nesses trabalhos tive a oportunidade de conviver com os moradores de
povoados situados no litoral do município ou nas chamadas agrovilas,
onde famílias foram assentadas compulsoriamente pelos militares nos
anos 1980. Essa convivência vem-se dando em suas próprias casas, nos
seus lugares de residência e trabalho e também durante a realização de
audiências públicas na sede do município, nos povoados ou na capital
São Luís. São audiências oficiais, assembléias, reuniões, que envolveram
a presença não apenas de representantes dos povoados, mas de entidades de assessoria e apoio de Alcântara, São Luís ou de outros estados do
Brasil, além de parlamentares, representantes de organismos internacionais, funcionários de empresas interessadas no Centro de Lançamento,
representantes de ministérios e órgãos governamentais.
Os mediadores, os quilombolas e as situações
de conflito com a Alcântara Cyclone Space
Como vimos até aqui, constata-se que o surgimento desse novo sujeito
de direitos provocou transformações em vários campos: intelectual, jurídico, da própria organização desses camponeses e seus mediadores, dos
aparelhos de estado e das políticas públicas. A partir de 1988, registra-se
um esforço de parte de historiadores, arqueólogos, mas, principalmente, de antropólogos, para elaborar um arcabouço conceitual de modo a
renovar os modelos explicativos e, assim, dar conta dos processos sociais
que eclodiram em todo o país envolvendo esses novos sujeitos de direitos.
No caso dos estudos do campesinato maranhense, se nos anos 1970 as
categorias analíticas adotadas eram propriedade comunal, campesinato comunal (MOURÃO, 2007) (PRADO, 2007), no final dos anos 1980 e 1990
a categoria analítica que se impôs adotou os termos da categoria nativa
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uso comum para indicar o sistema específico de apropriação e manejo da
terra e demais recursos básicos, passando-se a falar em terras de uso comum
(PAULA ANDRADE, 1999).
Por outro lado, o Estado por meio de seus diferentes aparelhos, paulatinamente, a partir dos anos 1990, também tenta ir ao encontro das demandas
desses grupos, promovendo políticas públicas específicas e adotando
uma “estratégia da condescendência”. Os aparelhos de Estado buscam,
estrategicamente, adotar a mesma linguagem dos movimentos aos quais
se dirige. Assiste-se a uma etnicização das políticas públicas, aparecendo
na agenda dos órgãos governamentais, sobretudo dos anos 1990 em
diante, uma série de programas e projetos específicos para quilombolas,
como se não fosse tarefa do Estado levar eletrificação rural, educação,
infra-estrutura a todas as comunidades rurais e não apenas àquelas
que fossem identificadas, classificadas, reconhecidas como quilombolas.
No caso de Alcântara, no auge da resistência à expansão do Centro de
Lançamento de Alcântara e da luta pelo reconhecimento e titulação do
território quilombola, chegou-se a assistir a presença combinada de 11
ministérios e a proposta de deflagração de 166 ações oficiais no município, cuja avaliação mereceria atenção e ainda está por ser realizada.
Paralelamente, surgem e se reforçam estruturas de mediação que se
interpõem entre a sociedade mais ampla e os camponeses que adotam
a identidade de quilombolas – associações em nível municipal, estadual
e nacional, movimentos organizados, entidades de apoio e assessoria. O
Estado elege alguns agentes, no âmbito dessas organizações que falam
em nome dos quilombolas, com representação estadual e nacional, para
serem os interlocutores privilegiados na implementação de políticas específicas de recorte étnico para esses segmentos. Pode-se dizer que essas
organizações, fundadas para articular as ações com vistas à defesa dos
direitos dos quilombolas, principalmente àquele relativo à titulação dos
territórios desses grupos, se especializaram na gestão de recursos públicos e passaram a se constituir em interlocutores exclusivos dos órgãos
estatais, elidindo a presença do órgão de classe dos trabalhadores rurais.
Estamos diante, portanto, de vários processos sociais que transcorrem
em distintos campos – acadêmico-científico, da burocracia estatal, da
sociedade civil – envolvendo porta-vozes dos quilombolas, produtores
de conhecimento, funcionários de órgãos oficiais, representantes do
Estado, operadores do Direito e de empresas estatais e privadas, agentes de organizações da sociedade civil, em vários estados da federação.
Tais processos dizem respeito, em última instância, aos conflitos envolvendo a existência de grupos que reivindicam um passado escravo como
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fundamento do direito à permanência em seus territórios. A própria
discussão acerca da distinção dos conceitos de terra e território ganha a
cena acadêmica, jurídica e política, envolvendo distintas posições entre
aqueles que se fixam nos direitos patrimoniais e aqueles que defendem
os direitos mais amplos de grupos étnicos.
Em Alcântara, as lutas contra a implantação do Centro de Lançamento,
chamado simplesmente de Base, transcorrem ao longo dos últimos 24
anos e ganham um de seus marcos na tentativa das famílias de reagir
contra o deslocamento compulsório promovido pelos militares nos anos
1985 e seguintes. Naquele momento, o órgão de classe dos trabalhadores
rurais5 assume a liderança dessas lutas, apoiado em mediadores externos
– intelectuais, principalmente antropólogos, religiosos e advogados. Mais
tarde, no final dos anos 1990, surge um movimento autodenominado
atingidos (pela Base de Alcântara) e, nos anos que se seguem, há um
afastamento das antigas lideranças sindicais do controle e direção das
lutas num momento em que estava em jogo não mais a implantação,
mas a expansão da Base.
Paralelamente, no mesmo período, na metade dos 1990, surgem organizações de comunidades negras rurais quilombolas em nível estadual e nacional, que foram conclamadas a se associar a centenas de comunidades
espalhadas por vários municípios. Tais organizações passaram a gerenciar
recursos para os chamados “projetos”, como resultado das políticas de
recorte étnico implementadas nos dois governos Lula. Outras entidades
estaduais ligadas ao movimento negro ou de apoio às lutas camponesas e
em prol dos direitos humanos perderam protagonismo nesse momento,
assim como a luta pela terra deixou de estar no foco das mobilizações. A
gestão de projetos de construção de casas de farinha, residências, inclusão
digital e outras iniciativas voltadas à atuação junto à criança quilombola,
ao jovem quilombola, à mulher quilombola, passou a contrastar com a
mobilização nas décadas anteriores, quando a luta pela terra mostrava
sua face mais aguda, com altos índices de despejos, destruição de casas,
assassinatos de camponeses, de líderes religiosos e outros profissionais
a eles ligados. Naquelas décadas, as atividades das entidades de apoio e
assessoria se voltavam maciçamente para a assistência jurídica e os advogados apareciam como mediadores fundamentais entre as camponeses
e as instituições nacionais.
No caso de Alcântara, o movimento que surge no final dos 1990, enfatizando a situação dos atingidos pela Base, termina se fundindo com as
movimentações dessas organizações de comunidades negras rurais, tornadas
5
Atualmente há duas entidades de representação dos trabalhadores rurais, no município e em nível estadual
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as principais clientes das políticas governamentais e as interlocutoras
oficiais para assuntos atinentes aos quilombolas. Seus dirigentes passam
a se constituir como interlocutores privilegiados em Brasília, para assuntos quilombolas, terminando por sobrepor a delegação para tratar
de políticas públicas àquela para intermediar a resolução dos conflitos
entre atingidos e a Base. Muitas vezes, a negociação dos chamados projetos
termina elidindo as exigências de embates com os órgãos oficiais, uma
vez que os intermediários que discutem políticas e benefícios para os
quilombolas são os mesmos porta-vozes das reivindicações dos atingidos
de reconhecimento e titulação do território étnico de Alcântara.
Em grande parte dos casos esses mandatários de organizações de perfil
étnico e racial, constituídos como porta-vozes dos quilombolas, são oriundos dos próprios povoados que passam a ser designados de comunidades
negras rurais. Alguns deles, a partir do controle dessas organizações, passaram a ocupar cargos dentro dos aparelhos de estado, em nível estadual
ou nacional, mudando de posição, mas conservando sempre a função de
mediadores entre os quilombolas e as instituições nacionais. Há, porém,
situações específicas em que esses que passam a ser os representantes, a
falar em nome de, a representar os quilombolas, são pessoas de origem
camponesa, porém já radicadas no meio urbano e com habilidades e
capital cultural distintos daqueles detidos pelos que vivem nos povoados,
cultivando e pescando. Há situações, inclusive, de indivíduos que, tendo
origem camponesa e tendo ocupado cargos em instituições nacionais,
tornam-se esses interlocutores bilíngues: que podem falar a língua dos
representados e se comunicar com as instituições nacionais. Conquistam
o papel de porta-vozes pelo fato de se comunicarem com os dois sistemas
– local e nacional – fluentemente.6
Deste modo, os quilombolas, como sujeito coletivo, passam a estar conectados com grupos na sede do município, na capital do estado e na
capital do país, por meio de relações com ex-integrantes de suas próprias
comunidades ou de pessoas da sede do município galgaram postos nessas
organizações representativas e que controlam poder e recursos fora dessas
comunidades. São integrantes de grupos orientados para a nação, para
utilizar os termos de Wolf (2003, p. 73-91) que fazem a mediação entre
o todo maior e os grupos orientados para a comunidade. Estes grupos
orientados para a comunidade são formados por pessoas que residem
6
Em trabalhos de campo realizados entre os Tenetehara, nos idos de 1970, no âmbito da Comissão Pró-Índio
do Maranhão, observávamos que muitos indígenas que haviam morado com não-indígenas na infância e
juventude, tinham servido ao Exército e, na volta a sua comunidade, tornavam-se lideranças e mediadores
entre uns e outros. A idéia de que eram uma espécie de intermediários politicamente bilíngues nos surgiu
naquele momento, em discussões com Murilo Santos.
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nos povoados, cultivando e pescando e, muitas vezes, exercendo o cargo de professores que residem no local. Atualmente, são dirigentes de
associações de moradores, que cuidam dos interesses das famílias que
residem no local.
Conforme Wolf, nessa malha de conexões característica das sociedades
complexas, as funções de mediação implicam no exercício do poder
de algumas pessoas sobre outras, provocando conflitos e acomodações
tanto no nível local (dos povoados, das comunidades), quanto em nível
supra comunitário. Nesses processos são estabelecidas alianças em que
agentes locais buscam reconhecimento externo e podem adotar um
comportamento manipulador a fim de atingir seus próprios interesses.
Eles se tornam os intermediários econômicos e políticos das relações
nação/comunidade, função que traz suas recompensas [...] indivíduos
capazes de atuar em termos de expectativas tanto orientadas para
a comunidade como para a nação tendem a ser selecionados para a
mobilidade. Eles se tornam os intermediários econômicos e políticos das
relações nação-comunidade, função que traz suas recompensas (WOLF,
2003, p. 83).
Entre o mandato para falar em nome de e a usurpação da palavra do
outro, da posição do outro, o limite é tênue. Mesmo porque essas organizações de representação estadual e nacional passam a se mover em
arenas onde se disputam interesses diversos, o que resulta em conflitos,
no estabelecimento de alianças, em acomodações distintas. Nessa arena,
das quais o antropólogo não se furta, esses intermediários se movem
também a partir de múltiplos interesses. O caráter desinteressado da
delegação nada mais é que uma das faces da usurpação, do “mistério do
ministério” (BOURDIEU, 1984).
Desde o surgimento dos quilombolas como novos sujeitos de direitos,
desenha-se, portanto, em todo o país e, no caso analisado, em Alcântara,
uma arena em que se movem integrantes das próprias comunidades,
seus porta-vozes colocados na sede do município e na capital do estado,
representando as organizações de comunidades negras rurais, assim como
funcionários de órgãos oficiais. Advogados e outros profissionais atuando
em entidades não-governamentais e em entidades confessionais, antropólogos realizando pesquisas na área e atuando no INCRA, parlamentares
de todos os matizes ideológicos e partidários, integram essa arena onde
se disputa a autoridade da fala legítima em nome desses sujeitos e onde
se enfrentam, também, diferentes interesses na condução do que parece
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ser o móvel de todos: a titulação do território quilombola e a defesa dos
direitos desses homens e mulheres.
A relação com os mediadores –
duas situações emblemáticas
Para o caso de Alcântara, gostaría de examinar duas situações que me
parecem emblemáticas dos conflitos e acomodações de que fala Wolf,
envolvendo os quilombolas dos povoados e os agentes colocados nas
diferentes redes de mediação, dentre as quais poderíamos distinguir,
grosso modo, pelo menos duas: a constituída por organizações de recorte
étnico e racial (que assumem a representação dos quilombolas em nível
estadual e nacional), e organizações da sociedade civil que se colocam
como assessores e apoiadores desses grupos.7
Em 2008 se inicia o que as empresas denominam de “serviços de préengenharia” em áreas indicadas pela Agência Espacial Brasileira como
próprias para a expansão do Centro de Lançamento de Alcântara, nas
quais se edificariam novos sítios de lançamento a serem explorados pela
empresa binacional brasileiro-ucraniana e por outros países com os quais
o Brasil viria a estabelecer acordos. Passou a estar em jogo a apropriação de ampla faixa do território quilombola de Alcântara, ou seja, de
todo o litoral do município, não apenas para as atividades relacionadas
ao Cyclone 4, como também no sentido de reservar áreas para futuros
empreendimentos ligados ao mercado aeroespacial (PAULA ANDRADE;
SOUZA FILHO, 2008). Principalmente três povoados do litoral8 passam
a se defrontar diretamente com engenheiros e outros funcionários dessas
empresas, começaram a circular em suas áreas.
Diante do avanço das empresas, observo reações distintas, de parte de
famílias desses povoados, no tocante à intrusão em seus territórios e à
relação com aqueles funcionários.
Num primeiro caso (povoado 1), os funcionários não chegaram sequer
a se aproximar do núcleo de casas, pois o presidente da associação de
moradores se reuniu com um grupo de homens e fez com que voltassem
de onde estavam, na área de praia que circunda o povoado.
No segundo caso ( povoado 2), rompendo com a posição dos mediadores, inclusive com os pesquisadores – antropólogos e estudantes – que
7
8
Certamente a complexidade e a dinâmica que envolve a movimentação dessas redes exigiria esforços de
interpretação que excedem as pretensões desse artigo.
A omissão dos nomes desses lugares é proposital, por questões éticas.
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pesquisam na área, com religiosos que os apóiam e também com seus
vizinhos mais próximos, as famílias estabeleceram “negociação” com as
empresas. Foram procuradas por altos funcionários da ACS e da ATECH,
que lhes prometeram benefícios por meio da implantação de infraestrutura (energia elétrica, telefone, água e estrada) e empregos imediatos.
Várias pessoas do povoado passaram a se empregar temporariamente
com as subcontratadas dessas empresas para serviços de guias na área,
desmatamento, serviços domésticos (lavagem de roupa e preparação de
comidas).9 Nesse povoado, portanto, as empresas se fizeram presentes
sem problemas e maiores conflitos e os mediadores, até então reconhecidos como representantes de todos os quilombolas do município, assim
como os pesquisadores, que apoiavam as ações de resistência contra
essas empresas, foram avisados para não se apresentarem no povoado.
Na outra situação se encontra um povoado vizinho ao povoado 2, intitulado povoado 3. Neste, alguns funcionários das empresas, sobretudo
engenheiros, já haviam estabelecido relações comerciais com algumas
famílias que mantêm pequenos comércios no lugar. Nesse momento,
esses técnicos passam a exercer o papel de mediadores entre as famílias
e a direção das empresas, que por sua vez têm conexão direta com ministérios, tendo alguns de seus diretores, muitas vezes, sido ministros
de estado.10 Ou seja, nesse momento, as tarefas de mediação entre as
instituições nacionais e até mesmo supranacionais são realizadas por
técnicos que se apresentam nesses lugares como pessoas que “apenas
querem realizar o seu trabalho”. Desta forma, parte dos moradores do
povoado 3 recebe esses novos agentes, que ali comparecem para fazer
compras, conversar informalmente. O conflito se inicia quando, não
respeitando as fronteiras físicas entre povoados, as empresas, que alegavam estar realizando trabalhos de “pré-engenharia”, sediadas com suas
máquinas no povoado 2, passaram a penetrar no povoado 3, devastando
babaçuais, atingindo roçados, ameaçando de destruição as cabeceiras do
rio que serve as famílias. Nesse momento, em um ato repentino e não
esperado pelos mediadores que até então se tinham alçado à condição
de porta-vozes dos quilombolas do município, as famílias se reúnem e
9
Não vem ao caso analisar aqui as estratégias de que se utilizaram os funcionários dessas empresas em sua
aproximação com as famílias, procurando dirigir-se a pessoas indicadas por vereadores e funcionários da
Prefeitura e não àqueles formalmente constituídos como representantes da associação de moradores. Este
é um tema para outro trabalho já em andamento.
10
O Sr. Roberto Amaral, presidente da Alcântara Cyclone Space, foi ministro de Ciência e Tecnologia e ocupou
também, em alguns momentos, a presidência do PSB – Partido Socialista Brasileiro. Deputados federais
ligados a esse partido ou a seus aliados, tem se movimentado na Câmara e em outras instâncias do executivo
federal, no sentido de propagar a incompatibilidade da existência dos quilombolas em seus territórios e o
que tem sido classificado como “desenvolvimento do país”, “interesse nacional” e “progresso” dessas próprias
comunidades.
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interrompem o trabalho das máquinas, obrigando-as a parar durante
meses e meses enquanto movimentavam outras instituições nacionais
(IBAMA, Ministério Público, Ministério do Desenvolvimento Agrário).
Essa resistência terminou determinando o estabelecimento de um acordo
judicial em que a empresa ACS concordava em recuar para dentro dos
8700 hectares já detidos pelos militares e sob controle do CLA.
A resistência dessas famílias surpreendeu os mediadores que vinham
anunciando e agindo no sentido do estabelecimento das chamadas “ações
compensatórias”, tomando por irreversível a expansão do CLA em todo
o litoral do município.
A ação direta de enfrentamento das máquinas das empresas corresponde
à dinâmica da própria rede de mediadores, envolvendo antropólogos,
ecólogos, advogados, estudantes, religiosos, mas não se pode dizer, igualmente, que até mesmo esses agentes, tenham deixado de se surpreender
com a firmeza da negativa das famílias em permitir que as empresas
dessem continuidade a seus trabalhos.
Considerações Finais
No caso dos quilombolas, agentes sociais que não podem se fazer ouvir
por si próprios, que não ocupam a condição de cidadãos plenos na sociedade brasileira, desprovidos de capital cultural, de informações, de acesso
às instituições nacionais, é patente que passam a existir à medida que
constituem representantes, seus porta-vozes (BOURDIEU, 1984, p. 50).
Para sair da existência atomizada devem constituir o porta-voz, de modo
a aceder à condição de sujeito coletivo. Esse porta-voz deve sua existência
à necessidade da objetivação desse novo sujeito coletivo em movimentos,
organizações, associações várias que, por sua vez, nomeiam ou elegem
mandatários. Só por meio dessas organizações os quilombolas passam a
existir como pessoa moral, como agentes sociais com existência pública.
Para que sejam reconhecidos como tal, além dos representantes que falam
por eles, há ainda o especialista reconhecido oficialmente como capaz de
reafirmar, de acordo com os cânones da ciência, a condição quilombola
do grupo e, como se não bastasse, o grupo deverá estar inscrito em uma
instituição oficial, cadastrado como sujeito coletivo e, assim, receber a
chancela que lhe permitirá ter reconhecido seu território pelo Estado
brasileiro.
No caso de Alcântara, em vários dos momentos de seu processo de resistência, algumas comunidades assumem papel de destaque, passando a
desempenhar papéis especializados no tocante ao todo maior (o território
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étnico de Alcântara), conforme cada momento do enfrentamento do
Estado brasileiro, seja ele representado pela Agência Espacial Brasileira,
a Infraero, a direção do Centro de Lançamento de Alcântara, a Casa
Civil, a ACS e os diferentes ministérios e órgãos por meio dos quais se
dá a manifestação do poder público.
Deste modo, no momento do remanejamento compulsório, nos anos
1980, as famílias remanejadas para as agrovilas, representadas pelo
Sindicato dos Trabalhadores Rurais assumiram a frente da resistência,
promovendo atos de enfrentamento, negociando com a Aeronáutica e
estabelecendo acordos. Nas etapas que se sucederam, após a consolidação do remanejamento e todas as consequências socialmente trágicas
para aquelas famílias, a resistência foi se deslocando para outras áreas
geográficas do município e sendo assumida pelas famílias que ainda seriam atingidas em função da implantação de novos sítios de lançamento.
As comunidades do litoral e aquelas que deveriam receber os futuros
remanejados, conforme planejamento da Agência Espacial Brasileira,
passaram a ser o foco da resistência, registrando-se um deslocamento
geográfico dos enfrentamentos. Outro foco paralelo de embates se observou de parte daqueles que já haviam sido remanejados décadas atrás
e que buscavam reapropriar terras, estabelecendo roçados nas áreas
açambarcadas pela Aeronáutica, mas o grande embate com os militares
e com outros aparatos de Estado passou a girar em torno da tentativa
de expansão do Centro de Lançamento de Alcântara e de instalação de
sítios de lançamento para aluguel a outros países em todo o litoral do
município.
Nesse momento, comunidades do litoral passaram a se insurgir contra
seus antagonistas sem, necessariamente, passar pelo controle dos portavozes colocados no município, na capital ou mesmo em Brasília. Tentaram
negociar diretamente com as empresas ou resistiram e obrigaram as
máquinas a parar, reação esta que levou a um recuo do empreendimento
daquela binacional para dentro da área já controlada pelos militares.
Tentando negociar diretamente com essas empresas ou empreendendo
ações diretas de embargo dos trabalhos da ACS, parecem ter prescindido dos mediadores, dos porta-vozes naquele momento. Isto foi possível
porque o próprio campo da mediação está em constante movimento e
transformação. Sendo assim, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais voltou
a assumir o papel de porta-voz dos quilombolas de Alcântara, inclusive
para efeito de representação judicial, movimento que não se fez, igualmente, sem o apoio e a assessoria e, portanto, sem a mediação, de uma
série de profissionais colocados em distintas organizações.
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O próprio fato de estar redigindo este texto nos insere nesse campo dinâmico e complexo e indica que não deixamos de assumir uma posição.
As questões, as contradições, resultantes da inserção, como intelectuais,
nesse campo, estão totalmente em aberto para discussão.
Abstract
This article deals with the formation of a new subject of rights – quilombolas
– and the field of mediation in which he has been involved since the insertion
of Article 68 in the 1988 Brazilian Constitution. From the analysis of
empirical situations regarding the quilombolas of Alcântara, Maranhão;
we aim at problematizing the fact that these new subjects of rights in order
to exist publicly and forward their claims, came to depend on a variety of
structures and mediation agents which intervened between them and the
national and international institutions.
Keywords: Alcântara; quilombolas; land conflicts; mediation.
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Gilmar Rocha**
“A retórica da tradição”: Notas Etnográficas de Uma
Cultura em Transformação*
*
Doutor em Antropologia
Cultural pelo IFCS-UFRJ.
Professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais. Autor dos livros: O
rei da Lapa: Madame Satã
e a malandragem carioca.
Rio de de Janeiro: 7 Letras,
2004; em parceria com Sandra P Tosta: Antropologia &
Educação. Belo Horizonte:
Autêntica, 2009. Endereço
para contato: Rua Corcovado, 651;302 Bairro Jardim
América, Cep: 30421-389
Belo Horizonte (MG). Email. [email protected]
**
Uma versão modificada deste texto foi apresentada no
XIV Congresso Brasileiro
de Sociologia realizado no
Rio de Janeiro em 2009.
Este título é uma clara referência ao trabalho de
José Reginaldo Gonçalves
(1996), a quem agradeço os
ensinamentos e a amizade.
Desnecessário dizer que as
idéias aqui desenvolvidas
são de responsabilidade,
única e exclusiva, do autor.
Nos últimos anos assistimos a um verdadeiro processo de
espetacularização do circo no Brasil, sendo exemplares
as recentes reapresentações do Cirque du Soleil, a
criação de inúmeras companhias, trupes e escolas de
circo em várias cidades do país às propostas lúdicopedagógicas de arte-educação das ONG’s dirigidas
às crianças e adolescentes em situação de risco social.
A compreensão das razões desse sucesso leva a um
exercício de reflexão antropológica sobre o significado
do circo e o sentido da cultura nas sociedades
contemporâneas. Especificamente: o texto apresenta
uma análise do discurso sobre o sentido da tradição
frente ao processo de modernização da cultura circense
no Brasil a partir do trabalho de campo realizado junto
ao Grande Circo Popular do Brasil (Marcos Frota
Cir­co Show) anos atrás.
Palavras-chave: circo; cultura; tradição; moderni­
zação.
64
“O homem que inventou o circo
teve uma previsão do céu.”
(Cecília Meireles)
O Circo em Cartaz
O circo está em moda. Nunca se falou tanto de circo ou se lançou mão
de sua imagem como nos últimos anos. Do sucesso dos espetáculos
Saltimbancos (2007), Alegria (2008), Quidam (2009) do Cirque du Soleil às
performances circenses de crianças nos sinais de trânsito nas ruas das
grandes cidades brasileiras, o circo hoje parece fazer parte da paisagem
cultural do país.
Mas a verdade é que os espetáculos apresentados na televisão, passando
pela criação de inúmeras companhias, trupes e escolas de circo em várias
metrópoles do Brasil às propostas lúdico-pedagógicas de arte-educação
aplicadas a crianças e adolescentes em situação de risco social, encobrem
o fato de que as razões do sucesso do circo, hoje, são bem mais antigas
e têm dimensões internacionais. Ao menos desde os anos 1960, alguns
performers e artistas populares começaram a divulgar a idéia de um “circo
social” que, posteriormente, ganharia o qualificativo de “novo circo”. É
nesse contexto que surge a proposta do Cirque du Soleil no Canadá em
1984; no Brasil, pode-se destacar a experiência do Grande Circo Popular
do Brasil (Marcos Frota Circo Show), criado em 1991.
No entanto, o circo continua ainda bastante desconhecido se considerarmos o número de publicações sobre o assunto em território nacional. Assim, contrariando o entusiasmo do historiador Coxe (1988) que,
baseando-se nas estimativas de Raymond Toole Scott em Circus and Allied
Arts, declara haver mais de 16 mil títulos de livros, artigos e pesquisas
sobre circo no mundo, no Brasil, observa a historiadora Ermínia Silva,
“muito pouco se escreveu e se escreve sobre o circo” (1996, p. 20). Com efeito,
a “moda do circo” aliada à pouca divulgação dos estudos sobre o circo
no país, por si só, justificaria toda e qualquer reflexão sobre o significado
do circo frente às políticas culturais desenvolvidas na sociedade brasileira
atualmente. Mas outras razões podem ser apresentadas, sendo a principal
o fato de que a compreensão do fenômeno da espetacularização pela qual
passa hoje o circo, deve ser visto à luz do processo mais amplo de ressignificação do próprio conceito de cultura nas sociedades contemporâneas.
Nessa perspectiva, a análise em foco parte da caracterização do circo
no mundo moderno seguida das discussões em torno do conceito de
cultura no contexto dos anos 1980, tendo como paralelo o movimento
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65
de divulgação do chamado “novo circo”; e, na sequência, apresenta o
caso do Grande Circo Popular do Brasil (Marcos Frota Circo Show) com o
objetivo de ilustrar a “eficácia simbólica” da “retórica da tradição” como
parte do processo de construção político-cultural da imagem do circo na
sociedade brasileira contemporânea.1
O Fetichismo da Cultura
É no mínimo curioso, falarmos em processo de espetacularização do circo
quando, durante muitos anos, o mesmo foi considerado ao menos pelos
norte-americanos “o maior espetáculo da terra!”. Por outro lado, embora
alguns pesquisadores encontrem em um longínquo passado histórico as
raízes do circo, sua forma moderna é datada de 1768, quando o então
ex-militar de cavalaria Philip Astley passou a cobrar pelas apresentações
acrobáticas dos ginetes correndo céu aberto sobre o dorso nu dos cavalos
no espaço circular do picadeiro, na cidade de Londres. Portanto, o circo surge no contexto das sociedades urbanas modernas como uma das
primeiras modalidades de espetáculo de massa da indústria de diversão
de fins do século XIX.
Nessa perspectiva, pode-se aproximar o circo do conjunto de manifestações e símbolos que passaram a integrar com o tempo o imaginário nacional de algumas sociedades modernas, como nos sugere Eric Hobsbawn
(1984) em sua análise das tradições inventadas. Haja vista o que nos diz
Saxon, que a despeito de sua origem inglesa e “apesar da concorrência
do cinema, da TV e de um sem-número de distrações surgidas no século
XX, o circo continua a ser, confirmando um dito popular nos Estados
Unidos, ‘tão norte-americano como uma torta de maçã’” (1988, p. 34).
Processo semelhante pode ser observado com o futebol no Brasil. Com o
tempo, o circo se legitimou como símbolo da identidade norte-americana
ao mesmo tempo que se tornou um ícone de cultura internacional. O
desenvolvimento do “circo americano” desde fins do século XIX é, nesse
caso, paradigmático.2
Com efeito, quando hoje se fala em surgimento de um ”novo circo” a
partir da década de 1980, não significa uma novidade no sentido estrito
do termo. Do ponto de vista histórico, o circo parece estar em constante
1
2
A “eficácia simbólica” aparece pela primeira vez em Lévi-Strauss (1967) e tem uma dimensão performativa
na medida em que a linguagem (do xamã) pode ser vista como um sistema de significados por meio do qual
(o doente) pode organizar e formular o sentido da sua “má sorte” (doença). É neste sentido, que penso numa
“eficácia simbólica” da “retórica da tradição”, ou seja, como a produção de um sentido que visa legitimar ou
autenticar as experiências do “novo circo” hoje.
Ver Rocha (2009c).
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66
processo de reinvenção desde sua institucionalização no mundo moderno. É suficiente lembrar ainda as inúmeras transformações ocorridas no
plano interno em relação à organização social e produção do espetáculo
quanto, no externo, no campo das representações sociais que formam
o seu imaginário social.3 No Brasil, o entusiasmo dos modernistas com
o circo-teatro nos idos de 1920, enquanto símbolo legítimo e genuíno
de cultura popular capaz de expressar o sentido de brasilidade, não foi
suficiente para estancar as mudanças e a perda de prestígio sofrida pelo
circo até bem pouco tempo. Passados 50 anos, somente em fins da década de 1970, o circo começou a ser redescoberto pelos cientistas sociais e
elevado à objeto de estudo sociológico.4
Hoje assistimos a um movimento de retorno à tradição que não é exclusividade do circo.5 Nesse sentido, a redescoberta do circo é parte
de um processo mais amplo de renovação do significado da cultura,
datada em fins dos anos 1960, que tem no desenvolvimento do cultural
studies bem como na análise gramsciana sobre o papel dos intelectuais
na organização da cultura nas sociedades modernas, além da projeção
da teoria da carnavalização de Bakhtin no Brasil, isto para não falar das
discussões político-ideológicas em torno da cultura popular no quadro do
pensamento cepecista no país e das orientações internacionais da Unesco
sobre a constituição do patrimônio imaterial, alguns de seus melhores
exemplos.6 No entanto, destaque especial cabe às obras A Interpretação
das Culturas, de Clifford Geertz (1998), publicado em 1973, e The Invention of Culture, de Roy Wagner (1981), original de 1975, na medida
em que podem ser vistas como duas importantes fontes de inspiração e
reflexão epistemológica sobre o conceito de cultura na perspectiva da
antropologia simbólica contemporânea. Lúcia Lippi Oliveira sintetiza a
questão nos seguintes termos:
Nos dias de hoje, os discursos sobre patrimônio enfatizam seu caráter
de construção ou invenção, derivado das concepções antropológicas de
cultura, que passa a ser tomada como sistema simbólico, como estrutura
de significado pelas quais os homens orientam suas ações. Outra novidade no campo foi a categoria de patrimônio imaterial ou intangível.
É preciso reforçar que os bens que configuram o patrimônio têm, ao
3
Nesse caso, a leitura das memórias circenses representa uma boa estratégia para se acompanhar as transformações do circo ao longo do tempo; ver, por exemplo, Orfei (1996).
4
Ver Rocha, Gilmar (2003, 2008); processo semelhante ocorre com a malandragem no Brasil, ver Rocha
(2006).
5
Ver, por exemplo, Abreu & Chagas (2003) e Cardoso e Bacelar (2007), para os campos do patrimônio e da
religião, respectivamente.
6
Rocha (2009a) apresenta um histórico deste processo no Brasil tendo como foco o campo das Ciências Sociais.
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67
mesmo tempo, um sentido prático e simbólico. Fala-se de objetos que
têm “ressonância”, que fazem a mediação entre passado e presente,
entre imaterial e material, entre alma e corpo, que são condição e
efeito de determinada modalidade de autoconsciência. (2008, p. 135)
Assim, no que diz respeito à política cultural propriamente dita no Brasil,
apesar da especificidade conjuntural brasileira dos anos 1960/1970, vivida
sob o signo do fechamento político, o governo militar acompanhava em
parte as orientações internacionais para a política cultural. Se, de um lado,
desde o início dos anos 1970, as primeiras conferências internacionais
sobre política cultural põem em destaque o papel da cultura no processo
de desenvolvimento social, por outro lado, isto não impediu que a cultura fosse usada como estratégia política do Estado em busca de apoio
de setores intermediários da sociedade, observa Ortiz (1985) e outros.7
Assim, em 1975, o governo assumindo o papel de “mecenas” elabora um
Plano Nacional de Cultura onde se previa a criação e remodelação de
uma série de instituições no campo das artes e da comunicação como,
por exemplo, EMBRAFILME, FUNARTE e RADIOBRÁS, com fins a
potencializar o controle ideológico sobre a produção dos bens culturais
no país. Até este momento a cultura parece intimamente associada ao
processo de desenvolvimento do país mais conhecido como “milagre
econômico brasileiro”. Somente depois dos anos 1980, a cultura deixa de
ser vista como apêndice do desenvolvimento econômico e passa a gozar
de um relativo prestígio e autonomia a ponto de Rubens Bayardo (2007)
destacar a tendência geral de uma inversão cujo resultado é a “culturalização da economia” na qual se tem um processo de “instrumentalização da
cultura para fins econômicos”. O autor alerta para o perigo do fetichismo
da cultura quando observa:
Diversos usos de la cultura terminam haciendo con ella una utopia, un
bálsamo, una mención políticamente correcta, un apêndice decorativo,
um fetiche disponible para mágicas soluciones, sin haber pasado por
un análisis reflexivo del concepto y de sus usos (p. 87).
É dentro deste quadro de mudanças de paradigmas e de orientações
para a política cultural de salvaguarda do patrimônio imaterial que se
situa o “novo circo”, hoje espalhado pelo mundo, pode ser visto nas experiências do Archaos, Cirque O, Circus Oz, Ra Ra Zoo, Villa Smart’s Circus,
Althoof, Circo Price. Mas a julgar pelo sucesso de bilheterias e de circos fixos
e espetáculos itinerantes apresentados em várias cidades do mundo, o
Cirque du Soleil aparece como a experiência mais bem sucedida do “novo
7
Sobre a política cultural no Brasil a partir dos anos 1970, ver Miceli (1984).
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circo”. O resultado mais visível dessa nova proposta de circo tem sido
a transformação do circo, ou melhor, da arte circense em um negócio
capaz de concorrer com outras formas de espetáculos produzidos pela
sociedade de consumo contemporânea.8
Segundo alguns pesquisadores, tudo começou nas ruas, ou melhor, a
partir das performances de artistas de rua que resolveram reaproximar o
circo de suas origens. Sem desprezar as tradições circenses, o “novo circo”
incorpora elementos de dança, teatro, televisão, cinema, música, técnicas
de alpinismo etc, ficando muito próximo de um espetáculo multimídia
no qual se apresenta um “enredo”. Haja vista espetáculos como “Caiu do
Céu” (produção franco-brasileira que lembra a estória de Asas do Desejo
(1987), filme de Win Wenders), no qual se narra o encontro de anjos e
seres humanos em um ambiente urbano ao ritmo de rap, rock, danças
de ruas, técnicas de alpinismo e artes circenses; isto para não falar dos
inúmeros espetáculos do Cirque du Soleil, tais como, Saltimbancos, Alegria,
Quidam etc, nos quais a renovação da própria linguagem do espetáculo
circense não significa o abandono das “técnicas corporais” tradicionais
que garantem a eficácia dos números artísticos.
O “novo circo”, antes de ser um tipo específico de circo parece ser um
movimento de renovação da arte circense. Isto porque, paralelamente às
experiências de alguns circos que se definem como “novo circo”, ocorre
uma explosão de escolas e trupes em todo mundo. Assim, o “novo circo”
corresponde a todo esse movimento que envolve trupes circenses, escolas
de circo e alguns “novos circos” propriamente dito.9 Na verdade, o “novo”
não significa necessariamente uma ruptura com a tradição. Tradição e
modernidade não são excludentes, ao contrário, hoje, ser tradicional,
até certo ponto, significa ser moderno. E, dialeticamente, ser moderno,
significa voltar à tradição ou fundar uma tradição. Aqui, a “volta à tradição” tem servido de inspiração ao “novo circo”.
No Brasil, ainda parecem tímidas as experiências do “novo circo”, ficando restritas ao espaço e movimento das companhias e trupes circenses
externas ao “mundo do circo” tradicional. A princípio, as novidades
circenses que hoje despertam a atenção de crianças e adultos no mundo
8
No Brasil, comparado a outras expressões de cultura de massa tais como a música e o cinema, o circo ainda
está longe de apresentar o mesmo desempenho financeiro e ter o mesmo prestígio que os circos nas culturas
anglo-saxã. Por outro lado, o que parece caracterizar o chamado “novo circo”, além do discurso ecológico
de proteção aos animais, a renovação estética do espetáculo e o uso do circo como instrumento de política
pública com fins à promoção da cidadania e educação das crianças e adolescentes em situação de risco social,
é o efeito sedutor sobre setores das classes médias urbanas.
9
Na verdade, este é um movimento amplo e complexo que, neste momento, só podemos apontar sua existência, sem contudo poder analisa-la, em vista das inúmeras experiências desenvolvidas na Europa, Ásia e
América, ao menos desde os anos 1920 do século passado.
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inteiro, parecem ter origem fora das lonas de circo. Por sua vez, isto
não impede que se reconheça o papel de inovação desempenhado por
alguns circenses ao longo da história do circo, embora sempre vistos
como casos isolados e resultado da genialidade e talento dos mesmos.
Considerados expressôes da cultura tradicional, poucos circos parecem
reunir elementos artísticos e administrativos que possibilitem o qualificativo de inovador ou moderno. No Brasil, os circos Orlando Orfei, Tihany
e Spacial mereceram em algum momento essa qualificação.10
Recentemente, o Grande Circo Popular do Brasil (Marcos Frota Circo Show)
passou a engrossar a lista daqueles que, de algum modo, têm contribuí­
do para manter viva a tradição e ao mesmo tempo a modernidade do
circo. Mas não é sem conflitos que essa reinvenção acontece. Vejamos.11
O Grande Circo Popular do Brasil
(Marcos Frota Circo Show)
O Grande Circo Popular do Brasil, propriedade do ator Marcos Frota, da
Rede Globo de Televisão, foi criado em 1991. Em mais de 20 anos de
existência, o GCPB participou de inúmeros programas de televisão e
eventos culturais de projeção nacional como, por exemplo, os shows
beneficientes Criança Esperança e a 3ª edição do Rock in Rio no Maracanã
em 2001. Até o momento de realização da pesquisa em 2003, o GCPB
era parte de um complexo organizacional no qual estavam envolvidos a
agência de produção, organização e promoção de espetáculos artísticos
e eventos culturais, Marcos Frota Produções Artísticas Ltda, sediada no Rio
de Janeiro, o Instituto Cultural e Assistencial São Francisco de Assis (ICASFA) com sede em Limeira, interior de São Paulo, além de um exército
de funcionários técnicos, administradores e artistas que trabalham na
produção do espetáculo do circo passando pelo processo de montagem
e produção artística à divulgação publicitária e de marketing. Especificamente, o GCPB contava com a participação de aproximadamente 150
pessoas em sua estrutura e organização, além de um aparato arquitetural
de lonas, caminhões, carros de divulgação, geradores de energia e sistema
10
Essa atribuição dada à tradição e aos talentos individuais constitui um traço fundamental na constituição e
interpretação da cultura brasileira, a este respeito ver As Invenções do Cotidiano, de Everardo Rocha (2003).
11
A análise a seguir tem como referência básica minha tese de doutorado em antropologia cultural intitulada
Corpo e Alma de Uma Cultura Viajante – Um Estudo Antropológico do Grande Circo Popular do Brasil (Marcos Frota
Circo Show), defendida no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia
e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro em 2003. Doravante o nome do circo será
abreviado para GCPB e as citações extraídas do trabalho serão referenciadas somente com o número da
página.
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de iluminação etc, somando um patrimônio avaliado em torno de 500
mil dólares, segundo informação de seus administradores.
Minha pesquisa sobre circo iniciada anos atrás, como parte do processo de
doutoramento, foi marcada por uma dramática experiência empírica que
somente os trabalhos de campo são capazes de nos provocar. Lembrando
o que diz Evans-Pritchard (1978) sobre o quanto o trabalho de campo
pode nos surpreender exigindo uma mudança de orientação do olhar
antropológico, também eu, inicialmente, embora estivesse interessado
no simbolismo corporal no circo, tive de desviar, temporariamente, minha atenção para o problema que invadia o discurso do artista de circo
tradicional. Em outras palavras, naquele momento, os “circenses tradicionais” estavam mais interessados em falar das condições de trabalho,
dos conflitos com a administração, das ameaças que as escolas pareciam
representar, do que sobre o papel específico do corpo na cultura do circo.
O conflito vivido pelos artistas tradicionais com a administração do circo
representava um conflito maior que pode ser traduzido no binarismo:
os “de dentro” e os “de fora”. Esse drama, porque na verdade a maneira
como o conflito se desenvolve no cotidiano do circo revela-se por meio
de pequenos “dramas sociais”, segundo a formulação de Turner (1994),
pode ser observado nas falas de um de seus diretores à época e, na sequência, de um artista tradicional:
Agora, que tem dez anos que a gente está na estrada, primeiro ninguém
acreditava que Marcos queria ter uma lona, quando Marcos começou
a ter uma lona todo mundo falou “vamos ver quanto dura. Não dura
um mês”. É uma brincadeira, mas a gente não encarou como uma
brincadeira, a gente enfrentou esse desafio. A coisa foi, foi, já temos
uma geração saída daqui, que está lá no trapézio. Então, hoje começou
a incomodar profundamente. Por que? A crise chegou a um ponto
que os artistas de circo resolveram se reunir em seminário os direitos
e deveres. Então questiona a existência de uma pessoa que não é de
circo, dessa tradição, veja a ironia, como se Marcos fosse e tivesse o
perfil de um dono de circo, ele nunca conviveu com os donos de circo,
porque ele nunca se convenceu, ele nunca assumiu realmente esse
papel de dono de circo. Tanto que a gente sabe que o circo tradicional
é vertical, o dono de circo, o secretário, o capataz. A gente sentia em
muitos momentos que as famílias do circense tradicionais exigiam de
Marcos um perfil mais forte que dava segurança. A maneira de Marcos
tratar o problema que não tem um perfil de um dono de circo também
balançou muito as pessoas, com uma certa insegurança no começo, vai
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para frente ou não vai. Hoje isso nem se questiona, mas hoje passou a
incomodar fora. (p. 61)
Para o circense tradicional, uma das fontes dos conflitos reside no tratamento diferenciado dado aos artistas que vem “de fora”:
Isso aí, o circo deu muita mordomia. Aqui tem o artista que é de tradição de circo que tem seu trailler, e o que não é de circo, que não é de
família tradicional de circo, que vem e fica no hotel, e tem outros que
é de circo e vive no hotel. Quer dizer, o circo paga hotel para o artista,
isso não existe. Acho que tem que estar todo mundo no mesmo barco.
Se o dono ou o gerente quer ficar lá fora, mora lá fora, mas todo dia
tem que estar presente aqui dentro do circo para poder todo mundo
ter seu valor. (p. 62)
Tais falas revelam dois modelos de circo: de um lado, o circo tradicional
onde a estrutura obedece a uma rígida hierarquia imposta pelas famílias
apoiadas no princípio da tradição; do outro lado, um modelo empresarial
de circo que visa estabelecer uma organização racional descentralizada
baseada nos pressupostos modernos da igualdade social e liberdade
individual. Acontece que a estrutura organizacional do GCPB era composta basicamente por um grande número de artistas tradicionais e suas
famílias (aproximadamente 70%), e os “outros”, a administração do circo
e o pessoal de suporte técnico (“peão”), pessoas oriundas “de fora” do
mundo do circo. A começar pelo proprietário do circo Marcos Frota.12
Considerado o “Embaixador do Circo no Brasil” e um de seus principais
renovadores do circo na atualidade, a imagem pública de Marcos Frota
tem sido objeto de controvérsias e polêmicas no mundo do circo. Sobre
ele pesam inúmeras representações contra e a favor. Mas não pretendo
estender, neste momento, o rosário de acusações que marcam as relações
sociais no cotidiano do circo. Tais acusações revelam problemas tanto de
ordem administrativa quanto problemas relacionados à visão de uns sobre
os “outros” como as representações em torno do artista tradicional de
circo visto como “cigano”, “gente preguiçosa” etc, quanto a do “aventureiro” e do “cirqueiro” pessoas interessadas somente em ganhar dinheiro
com o circo, como será visto à frente. Atrás dessas mútuas acusações e
questionamentos entre os “de dentro” e os “de fora”, reside uma concepção
de circo cujo reconhecimento e legitimidade passa pelo significado do
moderno e do tradicional. Afinal, como declara um circense:
12
Lembrando a condição do estrangeiro, inicialmente, Marcos Frota é alguém que gera desconfiança sendo
colocado sob suspeita. Na verdade, Marcos Frota pode ser visto como um “mediador”, no sentido dado a este
termo por Velho & Kuschinir (1996) e, como tal, ele é alguém que tem ajudado a divulgar e a manter viva
a tradição do circo ao mesmo tempo que leva para dentro dele a linguagem de outras expressões artísticas.
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Tem gente que não é de circo e se torna muito mais circense que o próprio circense. O Marcos é um exemplo. O Marcos é doente pelo circo.
É um exemplo de um cara que é um bom circense sem ser tradicional.
É ou não é? (p. 81).
Com efeito, afirmações como essa nos ajuda a relativizar a noção de
tradicional e a problematizar a noção de moderno no mundo do circo
e, em consequência, o próprio significado de circo.
A Retórica da Tradição
O circo tradicional, na definição de Hotier (1997), apresenta as seguintes
características: a) o espaço circular; b) presença dos animais, pois a tradição do circo ocidental nasce com o cavalo; c) presença do palhaço; d)
um espetáculo concebido para estimular as emoções e não para provocar
uma reflexão do tipo intelectual; e) um espetáculo concebido segundo
uma repartição funcional das emoções estimuladas pelos diferentes
números; f) uma dimensão estética na medida em que o espetáculo de
circo é feito para gerar a admiração diante da beleza; g) um espetáculo
no qual se exclui a vulgaridade verbal e gestual, assim como o exibicionismo sexual, o sadismo, o masoquismo e a violência. Mas, para o artista
tradicional o circo é, antes de tudo, um “organismo vivo”, pois é a sua
casa, é a sua vida. “O circo é meu trabalho, é a minha vida, entendeu?
Eu vivo disso”, me declara um artista de família tradicional. Contudo,
não se trata simplesmente de trabalho, o circo se torna uma “metáfora
viva” da própria vida:
O circo para mim é tudo, é minha vida, eu vivi dentro disso aqui. Tudo
que eu sei de comportamento humano, eu posso dizer que eu aprendi
dentro do circo. Conviver com várias nacionalidades, com várias pessoas. O circo não tem maldade nenhuma, ele chega na cidade e trás
alegria, diversão... ele é universal, não tem uma... é uma coisa pura. Eu
acho que o circo não vai morrer nunca. Pode se modernizar de vários
motivos, mas ele não vai acabar, só se ninguém tomar uma atitude
sobre isso, se deixar o circo cair aos pedaços... ninguém se preocupar
em manter os artistas, dar o devido respeito que merece, ter aquela
relação entre o chefe e o empregado, o artista e o dono do circo, se
tiverem aquela relação boa, aquele respeito um com o outro, o circo
não vai acabar nunca. Trazendo alegria, diversão para todo mundo, é
uma atividade que a gente faz, que faz bem para o corpo, para alma.
Por exemplo, quem está no circo, na minha opinião, não envelhece só
rejuvenesce. O circo é uma saúde. (p. 77)
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O circo deve ser visto como estilo de vida e visão de mundo. O circo não
é só uma maneira de viver, morar e trabalhar, é também uma maneira de
pensar. O circo corre nas veias, está no sangue, não sai do pensamento,
dizem os circenses. O circo é ao mesmo tempo casa e empresa, arte e
trabalho. Como me disse certo dia um circense: “moramos no trabalho
e viajamos com nossa casa”.
É dentro desse quadro de referência que a noção de tradição e/ou
tradicional aparece antes como um elemento de classificação social do
que como resultado de uma herança genética. Em um sentido amplo,
a tradição adquire uma função retórica no discurso circense mais do
que representação de uma realidade. O circense não está fechado à
modernidade, embora seja visto e classificado na maioria das vezes como
“tradicional”. O recurso à tradição consiste numa forma de estabelecer
uma diferença com o artista que vem “de fora”, diz o circense:
Eu o que eu posso falar para você é uma coisa até delicada, eu dou
uma maior força isso que o Marcos quer fazer montar uma universidade, conseguir montar em cada cidade uma universidade. Pegar o
pessoal tradicional de circo, que já estão com idade mais avançada, e
ficar parado num lugar e sendo professor, dando aula, pegando essas
crianças de rua, esse pessoal que gosta de circo, que vem e se apaixona
pelo circo, aprender... eu acho importante. Só que isso vem atrapalhar
um pouco os artistas de circo, porque o pessoal de circo já vem de berço. Já
nasce com serragem no sangue. E esse pessoal, pelo o que eu vejo, eles vem
pelo o que eles acham bonito no circo, então, pelo o que eu conversei
com alguns alunos, eles não vão seguir a vida inteira no circo, é como
se fosse um hobby para eles. E isso vem atrapalhar um pouco os artistas
tradicional do circo. (p. 83, grifos nossos)
A metáfora do sangue é fundamental nesse processo de classificação. O
circense é aquele que tem “serragem no sangue” ou “serragem nas veias”.
É como se o circo fosse uma questão de atavismo biológico. Outros circenses acentuam a diferença entre o tradicional e o artista da escola de
circo, por exemplo, diz um empregado do circo “eu, sinceramente, não
estou discriminando não, mas eu acho que o artista feito na escola não
é artista não”. Quando perguntado por quê, ele responde: “o artista
tem que ser feito de geração em geração” (p. 83). O circense tradicional
é o resultado não só de uma genética ou de uma hereditariedade; ele
também é fabricado aos poucos, todos os dias dentro do circo. Há uma
certa representação de “pureza” nessa fala. À exemplo do estudo de Abreu
Filho (1980) sobre a família numa cidade do interior de Minas Gerais,
a categoria “sangue” é um vetor de transmissão de qualidades físicas e
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morais no sentido de ser formadora da personalidade do artista. O sangue transmite as qualidades boas ou ruins do circense. Ser tradicional,
nesse contexto, significa antes ser portador de certa qualidade que pode
ser observada nas performances corporais do artista circense: “Se você
chega numa escola de circo você vê que um cara que vai abrir um triplo
e um mortal ele foi feito na escola de circo porque o tradicional de circo,
você viu como esse moleque voa aí? Esse moleque é um gato pra voar...”
(p. 84). A tradição é substancializada no discurso e no corpo circense.
Referindo-se a qualidade do artista vindo de fora, diz o circense,
e você vê, esse pessoal não tem uma qualidade, eles querem fazer, eles
não sabem o perigo e o risco que tem. Eles querem subir no trapézio,
eles querem dar 2, 3, 4, 5 voltas, mas eles não sabem o perigo que tem,
que é um troço que é perigoso. E só o pessoal do circo, que vem desde
pequeno que sabe, que vive o com o perigo que tem (p. 84).
Ter qualidade, conviver com o risco, sentir o perigo são dados vistos e
considerados naturais. Outros circenses falam de coragem, humildade e
alegria como qualidades imprescindíveis ao artista. Perseverança e força
de vontade também são ingredientes necessários à formação de um artista
de qualidade. De um outro ponto de vista, essa qualidade também passa,
até certo ponto, pelos aspectos externos ao corpo, pois:
A primeira [coisa] para mim é saber fazer bem. A segunda é ter responsabilidade com o trabalho dele, que a maioria tem. O circense tem
essa vantagem, ensaia no horário normal, procura fazer bem feito. Tem
alguns que não valem nada, mas a maioria são ótimos no que fazem,
com responsabilidade. Difícil você escutar um falar “não vou entrar
no espetáculo hoje, porque estou com dor de cabeça, ou porque meu
pé está doendo”. O circense não faz isso, já as pessoas que entram no
circo já quer ficar com o corpo mole. É por isso que eles tem essa diferença. Eu acho que é. Eu acho. Não sei se é isso ou se não é. Porque
eles pensam assim não corre na veia. (p. 84)
Responsabilidade, fazer bem, dedicação, respeito à “grande família circo”
constituem alguns dos principais atributos da identidade circense. Mesmo
aqueles que nasceram no circo e não levam a sério os valores instituídos
pela família circense correm o risco da desqualificação. A categoria “cirqueiro” é um indicativo disso, diz o circense:
O circense é aquele que nasceu dentro do circo. Porque tem o cirqueiro, a gente pode falar aqui, é que nem se fosse um cigano. Ele quer
ganhar dinheiro. Vamos supor, você monta um circo e vai ganhar diAntropolítica
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nheiro. Então você tá pouco se ligando com o artista, com a qualidade
do espetáculo, é um cirqueiro [...]. tem três versão aí: tem o dono de
circo, que vem de berço, tem esse que nem o cigano mesmo, vem para
ganhar dinheiro, vamos supor, você mesmo, você que não é de circo,
você pega e monta o circo, você viu que deu renda então você só quer
ganhar [...]. (p. 85)
O circo não é só um negócio, é um estilo de vida. O circo é uma questão
de corpo e alma. Creio que nenhuma outra afirmação traduz melhor
toda a carga emocional e cognitiva que o circo guarda do que a que me
foi narrada por um circense ao explicar a “aura” (leia-se magia) do circo. Mesmo não tendo nascido em circo, a eloquência das palavras dessa
circense é bastante reveladora do efeito mágico produzido pelo circo:
“Olha, acho que quero morrer no circo”.
Para o circense tradicional, ou para aquele que “se tornou um tradicional”
o circo é um estilo de vida no sentido de ser uma maneira de viver, sentir
e pensar o mundo. O circo não é moda. Aliás essa é exatamente a principal crítica que o circense faz aos que vêm de fora. Julgam que o artista
vindo de fora não tem compromisso com o circo e a arte circense. Em
nome da arte, da vida, do circo, que o circense se vê no compromisso
de ter que se sacrificar pelo circo. Compromisso que exige do artista, no
extremo, ter de trabalhar no picadeiro mesmo quando acaba de receber
a notícia da morte da mãe, é o que conta o palhaço Arrelia (1997) em
sua autobiografia.
A falta de compromisso do artista que vem de fora, na visão do circense,
põe em risco a vida do circo. O risco não se restringe aos preparativos
nem aos números durante o espetáculo: ele se faz presente e está vivo
no cotidiano do circense. Nesse sentido, o artista ou o peão que vem de
fora, representa sempre uma ameaça à ordem do circo. Como diz um
circense, referindo-se ao pessoal administrativo, “ninguém lá da diretoria, né, não tem, não tinha vínculo nenhum com o circo”. Com relação
ao artista, diz um outro, “tá entrando gente no circo que não tem nada
a ver com isso e tá denegrindo o nome do circo”. Como sugerem os
estudos sobre a percepção do risco social, o risco é uma interpretação
subjetiva dos indivíduos sobre aquilo que consideram ser uma ameaça
à sua integridade física e moral.
Talvez, agora, fique mais fácil compreender o significado da definição,
apresentada anteriormente, do circo como um lugar de saúde; bom para
se criar os filhos, sem maldade, com segurança, enfim, um lugar sem
vícios. Lembro que uma das primeiras representações que me foi fornecida pelos circenses era a de que o circense é uma pessoa “sem vícios”.
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Os circenses de mais idade reafirmavam categoricamente a virtude e,
até certo ponto, a “pureza” dos filhos não só em termos de uma suposta
“bondade natural” (grifo nosso), assim como, em razão de levarem uma
vida sem vícios. O circense não bebe e não fuma, mesmo porque isso
seria extremamente prejudicial às suas performances artísticas. Em tom
de brincadeira falava-se que ao chegar a um barzinho certamente um
circense pediria um copo de leite ao invés de uma dose de bebida alcoólica
qualquer. A diferença é que, para o circense tradicional, o circo não é um
hobby, uma moda, um meio de vida ou profissão como outra qualquer.
Ao contrário, o circo é a sua vida; em outro sentido, é o seu vício.13
Mas a suposição de um circo puro, original, “perdido no tempo”,
revela-nos mais um sistema de classificação do que uma realidade de
fato. Afinal o artista tradicional de circo está aberto, de certa forma, a
toda sorte de experiências e novidades modernas. Como todo mundo,
ele gosta de conforto e da facilidades promovidas pelas tecnologias do
mundo informatizado. Assim, no que diz respeito à minha experiência
de campo, a família surgia mais como uma categoria de classificação e
menos como uma “realidade” que pudesse ser pura e simplesmente
definida por relações de consaguinidade ou instituição detentora de um
saber específico. Família servia para falar tanto de “relações de sangue”
quanto de “relações de trabalho”. Em nome da tradição, da “pureza de
sangue”, da natureza especial do artista tradicional de circo, ameaçando
de morte pela “invasão dos aventureiros” o “circo-família”, esconde-se
um processo de “autenticação” do circo.14 Mas, outro é o ponto de vista
dos “de fora”.
Circo se Aprende na Escola
Em 2001, Marcos Frota lançou as bases da Universidade Livre do Circo
(UNICIRCO) no exato momento em que acontecia no Brasil o Primeiro
Festival Mundial de Circo, realizado em Belo Horizonte. Estes dois eventos
são de grande importância para o entendimento dos rumos que o circo
vem tomando nos últimos anos.
13
Mesmo ações aparentemente destituídas de significação memorialística como o processo de montagem do
circo, acabam por acionar um conjunto de representações que evocam a tradição, ver Rocha (2009b).
14
O conceito de família merece uma atenção especial na análise do mundo do circo em vista do fato de carregar
uma tensão entre o ideal tipo da consanguinidade e, na prática, operar por meio das alianças e reciprocidades. Na verdade, à exemplo do discurso sobre o patrimônio cultural no Brasil, o “circo-família” parece
sofrer um processo de autenticação que se assemelha ao que Gonçalves (1996) denominou de “retórica da
perda”. Na mesma linha de reflexão da historiadora Ermínia Silva (1996) sobre a família de circo no Brasil,
recentemente tive acesso ao trabalho de Afonso (2002) sobre o circo em Portugal, cujo título “Os Circos não
Existem” é, significativamente, uma reafirmação da importância da família, pois, o que existe é a família de
circo, observa a antropóloga.
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Fazendo eco à proposta do “novo circo”, o GCPB, através da UNICIRCO,
manifesta a sua “função social”, ou em termos mais usual sua “responsabilidade social”. É sabido que as escolas de circo têm desempenhado um
papel importante no sentido de formar novos artistas de circo e novas
trupes circenses. É nessa perspectiva, que se situava a incipiente experiência da UNICIRCO. Este projeto teve como pressuposto a idéia da
não utilização de animais em circo, a continuidade da arte circense, a
promoção do desenvolvimento total (físico, psíquico e sociocultural) da
criança, tendo como base uma pedagogia da convivência e do lúdico.
Como se vê, o discurso de renovação da arte circense estende-se também
ao próprio circense e não somente à renovação estética do espetáculo e
às crianças carentes em situação de risco social. Em uma das atividades
propostas no documento “Temporada 2001 – Belo Horizonte” encontram-se
oficinas para os filhos de artistas circenses e de outros trabalhadores do
circo. Além das atividades de
“contação de história”, “teatro”, “mímica”, “música”, “confecção de bonecos e
brinquedos com material reciclado”, destacam-se os objetivos: “aperfeiçoar
a convivência grupal, familiar e comunitária, tornando-a cada vez mais harmoniosa e solidária; intensificar a curiosidade do saber e do fazer, ampliando a
perspectiva do mundo ao redor; estimular o desempenho escolar, através de práticas lúdicas e atividades alternativas centradas nas artes e na cultura circense”.
Ao final, seria o próprio artista tradicional o maior beneficiado. Em tese,
a idéia era a de valorizar o “fazer” (leia-se saber) do artista tradicional
detentor de uma “técnica corporal” específica.15
Mas este projeto mereceu inúmeras críticas do artista tradicional. A começar pela denúncia de falta de participação na elaboração do projeto,
bem como, da falta de recursos técnicos à sua implantação. Por exemplo,
desabafa um circense,
na minha opinião está tudo errado. Eles estão fazendo umas coisas aí que não
dá para entender. Pegar o aluno, ensaiar em três semanas aí, mostrar o que é
o circo e tal em três semanas... Depois eles pega e vão... dá um diploma para
cada um deles, né? Você acha que isso está certo? (p. 115).
Para quem faz do circo sua vida, é difícil entender os resultados práticos de uma oficina de acrobacia ou trapézio de 60 horas. E continua o
circense:
15
Essas orientações encontram-se no “documento” de circulação interna, na verdade, um planejamento das
atividades do GCPB para a temporada de 2001, em Belo Horizonte.
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78
[...] não, não tem a mínima possibilidade. Se você fizer ali, você fez
é milagre, com o tempo que você tem, a qualidade do seu trabalho,
o que eles estão te oferecendo para você ensinar as pessoas. É muito
pouco as condições, a estrutura, não tem nada, não tem nada. Não tem
um aparelho para você ensinar uma pessoa a fazer uma determinada
coisa, um salto com segurança, como... se um rapaz desse aí machucar
aí, quebrar o pescoço e morrer aí, e aí? (p. 115)
Do outro lado, a idéia de “circo social” tornou-se um dos pontos mais
polêmicos do Primeiro Festival Mundial do Circo, realizado em Belo
Horizonte em 2001. Naquele momento, um dos expositores denunciava
o quanto o chamado “circo social” pode gerar expectativas frustrantes nos
menos avisados. Não se pode esperar que todas as crianças se tornem
artistas de circo e que todos um dia trabalhem no Cirque du Soleil, dencunciava um dos palestrantes. Isso não significa que os projetos sociais
desenvolvidos em muitas comunidades carentes não tenham apresentado
resultados positivos. Mas é preciso olhar com cautela as posturas mais
messiânicas.16
O próprio Festival pode ser visto como palco de um conflito mais amplo
e profundo sobre o “espaço” do circo. Sem dúvida alguma, uma das questões mais salientes discutidas durante os seminários durante o Festival
era a criação de um sistema de “referências para esta importante manifestação
cultural” que é o circo e, em particular, a escola de circo, assim se manifestou um expositor. Isso significa que, se a partir de agora circo também
se aprende na escola, faz-se necessário normatizar, criar regras, definir
currículo mínimo. Significa que a legitimação das escolas de circo como
veículos alternativos de educação e promoção da cidadania para crianças
e adolescentes em situação de exclusão e risco social deveria passar por
um processo de institucionalização junto aos órgãos oficiais de Educação
do Estado. Ao menos essa foi a tônica e a principal reivindicação de alguns dos principais donos e representantes de escolas de circo durante
o Festival. É significativo o fato da iniciativa de realização do Festival ter
partido da Escola Nacional de Circo do Rio de Janeiro, da Spasso Escola
Popular de Circo, de Belo Horizonte, e da Circo Escola Picadeiro, de
16
Acreditar que por meio do circo as crianças e os adolescentes irão adquirir cidadania, significando melhoria
nas condições de vida como, por exemplo, trabalhar em um circo, ainda é um sonho tanto para as crianças
e adolescentes quanto para os idealizadores de projetos sociais dessa natureza. O problema é que por de
traz de muitos projetos sociais escondem-se às vezes interesses menos nobres do que promover a cidadania
de crianças em situação de risco.
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São Paulo. Se, circo se aprende na escola, então faz-se necessário sua
institucionalização e, portanto, sua normatização.17
De fato, o Festival acabou por revelar outros interesses e conflitos envolvidos nesse “drama”. Toda essa história parece conter uma profunda
ironia. Quando se olha para história do circo no Brasil, vê-se que o circo
foi tradicionalmente alvo de perseguições e preconceitos, ora da parte
do Estado ora da parte dos setores das classes dominantes da sociedade
brasileira.18 Curiosamente, hoje o circo é apresentado exatamente como
um instrumento de promoção da cidadania, formação educacional e
profissional, de crianças pobres, carentes e marginais. O circense que
sempre reclamou da falta de incentivo do governo em criar condições
de melhoria de vida e de trabalho, no mínimo passa a ver com desconfiança os projetos das escolas de circo. Ele que sempre foi considerado
um “cigano” (no sentido de alguém “sem endereço fixo”), alguém à margem da sociedade, sem garantia trabalhista, sem cidadania, vê o circo
transformar-se no instrumento de promoção da cidadania dos “outros”.19
As escolas de circo são uma espécie de “outro” do circense. Dependendo do
ponto de vista, o “outro” muda sua “natureza”, o que faz dele não um pólo
fixo da relação com o “eu”. Assim, as escolas de circo parecem representar
um duplo papel (que oscila entre o “mesmo” e o “outro”) para o circense:
de um lado, acentuando o sentimento de ameaça e abandono à exemplo
das crianças em situação de risco social quando ele se vê desrespeitado,
do outro lado, quando aparecem como uma espécie de “aposentadoria”
enquanto recompensa e reconhecimento social por sua dedicação à arte
ao longo da vida. Contudo, mais do que um problema conjuntural, esse
como outros conflitos são parte de uma história em que os embates entre
os “de dentro” e os “de fora” se revela um problema de ordem estrutural
que, nesse momento, não é possível analisar em profundidade.20
Resumindo: o chamado circo tradicional é uma invenção moderna que
pode ser rastreada nos discursos sobre o circo. A própria noção de tradi17
18
Diferentemente do “mundo do samba”, a idéia de escola no “mundo do circo” é relativamente nova. Fico tentado a pensar que essa novidade sugere uma relação de poder entre o saber e o “fazer”, embora este “fazer”
signifique um modo de saber específico. Durante o período do trabalho de campo tive a oportunidade de
ver um aluno de escola de circo “fazer” malabares tendo como referência uma espécie de partitura (tal qual
as partituras de música) na qual estava registrada a sequência de movimentos de um determinado modo de
jogar a clave.
Isto pode ser observado no trabalho de Duarte (1995).
19
Apesar das críticas aos projetos sociais envolvendo o circo, o discurso circense tende a destacar a importância do circo para a formação humana e a promoção da cidadania das crianças e dos adolescentes em geral,
contudo, muitas vezes era o “outro” (o “de fora”) contra o qual o circense se posiciona tendo em vista o fato
de que ele representa ameaça e perigo.
20
Na verdade, a compreensão desse problema, discutido na tese, tem como eixo a cultura da viagem no circo.
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ção é constitutiva da modernidade, lembra Giddens (2002). Até mesmo o
suposto “fim da tradição” dever ser relativizado, pois segundo o sociólogo:
O fim da tradição não significa que a tradição desaparece, como queriam
os pensadores do Iluminismo. Ao contrário, ela continua a florescer
em toda parte em versões diferentes. Mas trata-se menos – se é que
se pode dizê-lo assim – de tradição vivida de maneira tradicional. Viver a tradição de maneira tradicional significa defender as atividades
tradicionais por meio de seu próprio ritual e simbolismo – defender a
tradição por meio de suas pretensões à verdade. (p. 53)
Tradição e modernidade não se opõem, ao contrário são complementares, pois, segundo Ricoeur, toda “tradição vive graças à interpretação; é
por este preço que ela dura, isto é, permanece viva” (1988, p. 28). Assim
como para um artista a tradição funciona como selo de qualidade, para
o circo a tradição funciona como autenticação da sua modernidade. No
Brasil, hoje, a evocação da tradição ganha contornos de modernidade. È
moderno ser tradicional. Neste sentido, modernidade e tradicionalidade
não são duas condições naturais, antes, podem ser vistas como categorias
de pensamento que acionam um sistema de classificação e de significados
sociais orientando as interpretações não só de circenses tradicionais e
modernos bem como dos antropólogos nesse processo de (re)invenção
do circo no mundo contemporâneo.
Abstract
In recent years we have watched to a real spectacularization process of circus
in Brazil, being illustrations since the recent shows of Cirque Du Soleil, the
creation of many companies, troupes and school of circus in most cities of the
country to the proposal of playfulness in the educational process of NGO´s
art-education directed to children and adolescent in social risk situation.
The understanding of the reasons of this success guides us to an exercise
of anthropological reflection about the meaning of circus and the sense of
culture in contemporary societies. Specifically, the text shows an analysis of
discourse over the sense of tradition regarding the process of modernization
of circus culture in Brazil based on the fieldwork realized with Grande Circo
Popular do Brasil (Marcos Frota Circo Show) years ago.
Keywords: circus; culture; tradition; modernization.
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Lysia Reis Condé*
Ciranda e profissionalização: reflexões a partir de
“Os Coroas Cirandeiros”
O texto apresenta análise do processo pelo qual a
ciranda – saber e forma de se expressar musicalmente,
outrora aprendidos como atributos da socialização de
agricultores e pescadores em seus meios de origem –
passou a ser oferecida sob a forma de serviço cultural
no município de Paraty, RJ, a partir da experiência
dos integrantes do grupo “Os Coroas Cirandeiros”.
Por meio do texto, demonstra-se o desejo compartilhado
entre os membros do grupo de serem reconhecidos
socialmente por atividade desempenhada como músicos
profissionais, assim como os desafios e dilemas para
se firmarem competitivamente no mercado turístico
naquela condição pretendida.
Palavras-chave: ciranda; turismo; prestação de
serviços.
*
Mestre em Antropologia
pela Universidade Federal
Fluminense.
86
No presente texto1 analiso o processo pelo qual ex-agricultores, por meio
de processo de migração para a sede do município de Paraty, RJ, e inserção em mercado de trabalho assalariado ou de aposentadoria, puderam
assegurar a prestação de serviços culturais fundados em conhecimentos
musicais, adquiridos como atributos de socialização em seus meios de
origem. Refiro-me aos integrantes do grupo musical de ciranda,2 “Os
Coroas Cirandeiros”, no atual contexto, empenham-se em ser reconhecidos socialmente como componentes de grupo artístico musical.
A legitimidade dessa reivindicação se fundamenta no fato de esse grupo
estar organizado por especialidade de um saber musical valorizado como
tradição, no município em apreço. Na condição de grupo guardião de
conhecimento tradicional ( a ciranda) puderam oferecê-la como serviço
cultural aos que a Paraty se dirigem à procura de consumo de produtos
culturais, não sem buscar lhes assegurar benefícios provenientes da nova
posição social assumida: a ampliação de rendimentos e a possibilidade
de reproduzirem-se como grupo e serem prestigiados por um saber e
experiência até bem pouco desconsiderados.
A compreensão da construção de legitimidade da condição de músicos
profissionais, assim como da construção de quadro institucional configurador de condições sociais capazes de possibilitarem o acesso à situação
pretendida, requer o entendimento da correlação de processos de mudanças sociais e econômicas ocorridas no município de Paraty, os quais
possibilitaram a revalorização da ciranda em período próximo – quais
sejam: os decorrentes da implementação de políticas de valorização de
patrimônios e os decorrentes de nova orientação das práticas econômicas,
associadas a investimentos no setor de turismo.
Atualmente, Paraty encontra-se inserida num amplo circuito de cidades
brasileiras que, através de seus gestores, investem na atividade turística
como importante setor de atividade econômica e concorrem entre si
na oferta de bens e serviços que lhes possam garantir um diferencial
nesse mercado do qual fazem parte. No caso específico de Paraty, a
permanência de boa parte do conjunto arquitetônico, composto por
sobrados e casarios erigidos, em sua maioria nos séculos XVIII e XIX, e
a presença de manifestações culturais que se referem a práticas de sociabilidade associadas ao período colonial – além da localização geográfica
1
Constituído por reflexões que resultaram do estudo realizado para a obtenção do grau de mestre junto ao
Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense.
2
Gênero musical difundido no litoral sul do estado do Rio de Janeiro e litoral norte do estado de São Paulo,
expressão das influências do contato de europeus portugueses com os habitantes da região. Em Paraty,
constituía uma das músicas dançadas que compunha o chiba – designação dada aos encontros festivos com
música, dança e comida, ocasiões de sociabilidade de agricultores e pescadores – hoje inexistente.
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do território, o mar e a vegetação de mata Atlântica – se constituíram
em importantes bens agregadores de valor turístico. Tais bens, reconhecidos como patrimônios, notadamente os designados como histórico e/
ou cultural, natural, e mais recentemente, imaterial, conferem a Paraty
um caráter peculiar, em meio à disputa pelo reconhecimento da oferta
diferenciada de produtos turísticos – o de locus privilegiado condensador
de patrimônios.
A constância das construções de estilo colonial por longo período de
tempo foi consequência da estagnação econômica pela qual o município
passou entre os anos de 1855 até meados do século XX, motivo pelo
qual não sofreu as interferências de processos de expansão econômica
que alteraram a configuração socioespacial das sedes municipais de
outros municípios do estado do Rio de Janeiro. Contudo, a valorização
do conjunto arquitetônico pouco alterado e, mais recentemente, a valorização de manifestações culturais expressivas de reconhecida tradição
e, portanto, como bens a serem preservados, foram consequências de
diferenciados processos. Dependeram, dentre outros, da atuação de
agentes, governamentais ou não, comprometidos com a causa da proteção
aqueles patrimônios culturais.
Na esfera de atuação governamental, cabe destacar as políticas implementadas a partir do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
– IPHAN, que conferiram ao município novos status relativos ao campo
discursivo do patrimônio em momentos distintos: em 1945, Paraty foi
considerada Patrimônio Histórico Estadual; em 1958, foi tombada pela
então Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, tanto no
livro referente a sítios de valor arqueológico, etnográfico e paisagístico
como no referente a belas-artes. Em 1966, o município foi elevado à
categoria de Monumento Histórico Nacional.3
Essas políticas alcançaram legitimidade com o apoio e empenho de agentes locais envolvidos com o trabalho social de produção de um passado,4
mais especificamente com o trabalho de construção da memória coletiva
entre os Paratyenses.
Dentre esses, os fundadores do Instituto Histórico e Artístico de Paraty (IHAP), instituição criada em 1976 com o objetivo de recuperar
a memória histórica da cidade e formar a consciência de preservação
dos patrimônios histórico e cultural. As ações empreendidas por tais
agentes salvaguardas de patrimônios – alguns deles nascidos no próprio
3
4
Cf. Souza (1994, p. 99).
Estou referenciada pelas reflexões de Arantes (1984), nas quais qualquer tentativa de reconstrução do
passado é realizada no presente e nos termos do presente.
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município ou que para lá retornaram após terem terminado o ensino
universitário, e outros, pesquisadores, por profissão ou diletantismo –
visavam não só a pesquisa e recuperação de documentos e objetos de
considerado valor histórico, mas, sobretudo, valorizar manifestações
culturais reconhecidas como tradições, as quais conferissem sentido ao
passado que ajudavam a construir.
Os esforços no sentido de valorizar práticas culturais reivindicadas como
tradições contaram com a adesão de alguns segmentos sociais, dentre os
quais moradores antigos saudosos das expressões de sociabilidade vivenciadas por eles no passado; pessoas de fora e intelectuais que passavam a
visitar cada vez com maior frequência a cidade; empresários do comércio
e da rede hoteleira, os quais dependiam dos recursos patrimoniais para
vender seus serviços; e agentes da administração municipal, integrantes
da recém-instalada Secretaria de Turismo e Cultura, interessados em
ampliar as possibilidades de exploração turística de patrimônios para
atrair um número maior de visitantes e investimentos ao município.
A ação conjunta IPHAN/IHAP/Secretaria de Turismo e Cultura, com o
apoio de membros da comunidade local, resultou na revalorização de
várias manifestações culturais, religiosas e laicas, e ressignificação de
outras já existentes, classificadas, em seu conjunto, como expressão de
tradição e vistas, a partir de então, também como bens passíveis de serem
oferecidos no mercado turístico.
A procissão do Fogaréu, evento religioso que constitui um dos ritos de
celebração da Semana Santa, foi uma dessas manifestações que havia
deixado de existir a muitos anos, mas que desde 1984 passou a ser realizada com regularidade. Já a festa do Divino Espírito Santo, evento de
maior destaque na programação turística da cidade, assim como a festa
de Santa Rita ganharam novas feições, mais de acordo com o passado
que se queria exaltar.
Também a festa de São Pedro, realizada desde 1956 em uma capela na
Ilha do Araújo, principalmente por pescadores residentes do local, adquiriu outras dimensões desde que foi associada ao mercado turístico.
Disputas esportivas ( canoagem, natação, windsurfe e pesca de camarão)
foram introduzidas na programação, além de premiação conferida ao
barco melhor decorado na procissão marítima, depois designada para
esse fim. Por se realizar em local de reconhecida beleza natural, atraiu,
para além da festa, investimentos do setor hoteleiro e passou a integrar
o roteiro de visitas das pessoas interessadas no turismo ecológico.
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Tais mudanças são uma demonstração de que os objetivos e as circunstâncias de realização dessas manifestações não são as mesmas que os
guardiães da memória e da tradição buscam enfatizar. Mais do que a
continuidade com um determinado passado, o que a presença delas
atesta é a configuração de novas relações instituidoras de um presente,
associadas com o desenvolvimento da atividade turística no município.
A construção do serviço
A imposição desse mercado turístico associada a um ambiente social de
culto às tradições possibilitou a alguns músicos tocadores de ciranda,
em sua maioria ex-agricultores e pescadores que migraram para a sede
municipal, oferecerem como produto seus saberes musicais adquiridos
como parte do processo de socialização em seus meios de origem.
Respaldados e imbuídos dos discursos de exaltação dos costumes antigos, referenciais da identidade dos Paratyenses, puderam oferecer, sob
a forma de serviço, para tanto, o principal capital cultural acumulado
possível de ser convertido em atrativo para os visitantes com interesse
voltado para os aspectos históricos de Paraty. Uma atividade realizada
não a partir da vontade exclusiva de si mesmos, nem tampouco de uma
suposta visão empreendedora; mas objetivada como necessária, tanto
para seus executores como para os agentes de valorização da memória
social ou aqueles dedicados à atividade empresarial do turismo, nesta
convergência, todos orientados por propósitos asseguradores da continuidade de práticas culturais assim reafirmadas como tradição.
Atualmente, além de “Os Coroas Cirandeiros”, há cinco grupos constituídos de apresentação da ciranda em Paraty que competem entre si e
com os demais atrativos culturais oferecidos aos turistas pela atenção e
reconhecimento dos mesmos. Interessa-me compreender a construção
do serviço prestado pelo primeiro, que se fundamenta na ciranda valorizada como tradição ou perpetuação de seus princípios estruturantes
e distintivos.
Antes mesmo de constituirem-se em grupo, no sentido de adotarem um
nome que os identifica, alguns dos integrantes do “Os Coroas Cirandeiros” – aqueles que obtiveram o aprendizado da ciranda através de
sucessivas gerações – já vinham sendo solicitados para apresentarem-se
em eventos festivos (festas de aniversário, casamento) e, eventualmente,
para mostrar a alguns turistas e empresários, em sua maioria provenientes de São Paulo, uma música considerada, naquele momento, como
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constitutiva da “alma” dos Paratyenses, expressão da cultura, associada
ao popular, de seus habitantes.
Vez ou outra, algum proprietário de pousada contratava, sob cachê, a
apresentação dos reconhecidos “tocadores de ciranda” para entreter
os hóspedes, assim como proprietários de estabelecimentos comerciais
(restaurantes e bares), pagavam uma determinada quantia para que
os músicos ficassem em frente aos estabelecimentos com o objetivo de
atrair os turistas para aqueles locais. Em diversas ocasiões, moradores
que apreciavam manifestações representativas de experiências coletivas
pretéritas, solicitavam a presença dos cirandeiros.
Para a execução da ciranda era e ainda é desejada a junção de alguns
instrumentos de corda: viola, violão,5 cavaquinho e bandola,6 e de percussão, pandeiro ou adulfo,7 mas nem sempre possíveis de serem associados
devido a não-disponibilidade de um ou outro músico. A cada apresentação, novos arranjos eram feitos para compor uma equipe geralmente
constituída de duas ou três pessoas relativamente fixas, sendo as demais
“catadas”, conforme a expressão de um deles.
As duas pessoas mais velhas (idade e permanência) no “Os Coroas Cirandeiros” – ambas conhecedoras da ciranda do tempo em que era tocada
e dançada junto a outras músicas nos encontros festivos de moradores
da região rural de Rio dos Meros – foram as primeiras do grupo a associarem-se para atender aos pedidos de apresentação não só da ciranda,
mas também da Folia de Reis.
Por essa ocasião, alguns pesquisadores interessados no estudo de práticas
culturais se dirigiam a Paraty com o objetivo de registrar a riqueza do
repertório de manifestações que, diante do impacto das transformações
sociais e econômicas, eram secundarizadas ou se encontravam sob ameaça
de desaparecimento. Assim como os pesquisadores, alguns visitantes,
representantes de uma classe média reconhecida como mais intelectualizada, ao chegarem a Paraty, iam ao encontro dos músicos que tocavam
ciranda, interessados nas especificidades da cultura local, contribuindo
para dar-lhes reconhecimento e, ao mesmo tempo, para atribuir-lhes a
autoridade de verdadeiros guardiães da memória da ciranda, os únicos
capazes de falar sobre ela.
5
6
7
De uso mais recente.
Bandolim tenor adotado em período próximo.
Instrumento pouco usado nos dias atuais, semelhante ao pandeiro, porém produzido de forma artesanal com
madeira de boa envergadura e couro de cabrito ou cotia, preferencialmente. Diferencia também do pandeiro
por não possuir aperto, alcançando-se o som desejado pelo atrito do couro com as mãos ou esfregando o
couro no chão.
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A administração municipal, atenta às transformações em curso, passa a
considerar a ciranda como produto cultural genuíno, propiciando, por
seu intermédio, apresentar Paraty às pessoas de fora. E a inclui em alguns
eventos da programação turística, mesmo que de maneira intermitente.
Da mesma forma, alguns bailes do clube da cidade passaram a acontecer
sob a música dos cirandeiros. O conjunto desses atos ajudava a consagrar
a ciranda como produto turístico e tradição.
Com o acelerado e contínuo aumento da chegada de visitantes ao município, o fundador do grupo propõe a um companheiro músico e alguns
outros instrumentistas menos regulares, tocarem em uma das ruas do
centro histórico, local de maior concentração do trânsito de turistas. O
depoimento do primeiro, contando como foi o convite aos outros músicos,
exprime bem os atuais parâmetros para a exibição da ciranda:
Gente, pra gente não esquecer as nossas tradições, vamos ficar numa
beira da rua aí, né. Tocando pros turistas ver. E procuramos a rua do
Comércio, que ali é a rua do Comércio. Então, eu digo [referindo-se ao
momento presente]: – É o seguinte, pra gente não ficar vazio, colocamos
o chapéu... junto com a gente. E não pedimos ninguém para colocar
dinheiro. Aqueles que passar, achar que tem que pôr alguma coisa, é
bem vindo, né. Então, é o que acontece. A gente vai pra lá sempre, né.
Ficamos lá. E os turistas em volta da gente, ali aplaudindo, né.
A justificativa dada para a decisão de ocuparem a rua do Comércio e
tocarem “pros turistas ver” foi para não esquecerem as tradições, ou seja,
da mesma forma que, para constituir-se produto, a ciranda tem de ser
vista (e assim consumida), para ser validada enquanto tal, precisa também
estar referendada pela crença na atualização de um modelo consagrado
como tradição – altamente valorizado no mercado em questão. Estando
a ciranda consagrada com o produto turístico, pode-se lograr, por intermédio dela, alternativa de renda para esses, que desde então, se pensam
como transformados em profissionais da música.
O vasto repertório de atividades realizadas pelo grupo – apresentações
em pousadas, ruas do centro histórico, casas de particulares, festas religiosas e laicas, e até mesmo em outras localidades –, apesar de não ocupar
integralmente o tempo destinado às tarefas devotadas ao trabalho e nem
se constituir na única ocupação entre seus membros, caracteriza o desejo
de profissionalização da atividade de músico, a despeito da crença dos
defensores da tradição, que creditam na atividade atual a continuidade
de um costume de outrora.
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O comentário de um deles a respeito do que fazem, demonstra com
clareza esse argumento:
Eu considero um trabalho, não considero uma ciranda, né. O sujeito
diz: – Ah, vai tocar a ciranda? Eu digo: – Não, eu vou fazer um trabalho. [...] Não vou dizer que eu vou tocar uma viola, eu vou fazer um
trabalho, né. [...] Trabalho como se eu fosse trabalhar de enxada, fosse
fazer qualquer coisa. [...] E é um trabalho pesado, né. [...] Não pode
brincar, é um trabalho sério. Se brincar, vira bagunça, né.
Ao contrapor o trabalho sério à brincadeira, este integrante está
referindo-se exatamente ao sentido que tinha a ciranda quando ela se
constituía, sob a forma de música e dança, em uma das maneiras de
expressar a sociabilidade de agricultores e pescadores que residiam em
regiões localizadas no entorno da sede municipal de Paraty até os idos de
1950. Naquele contexto socialmente referido, as reuniões festivas entre
moradores vizinhos, designadas chiba, aconteciam para celebrar datas
comemorativas (Natal, Ano Novo), devoção a algum santo (São João e
São Pedro os mais reverenciados), ajutório, ou mesmo para reunir as
pessoas em festa.
Da mesma forma, ao dizer com convicção que não é a ciranda o que eles
fazem, o mesmo não está posicionando-se de encontro às expectativas
daqueles que contribuem para legitimar a ciranda como prática tradicional. Já se sabe que um discurso, quando reconhecido e legitimado,
produz a existência do que enuncia.8 Por isso todos eles reconhecem a
ciranda como um trabalho que fazem para “manter” ou “não esquecer”
as tradições.
A atual ocupação de músico foi inclusive definida por um deles como um
trabalho, por vezes, pesado. Esse membro alega que as apresentações do
grupo na rua do Comércio podem alcançar duas horas ininterruptas,
sem intervalo para descanso. Quando fazem uma pausa, com duração em
torno de no máximo 20 minutos, é para beber água, levada por eles, ou
para ir a um banheiro próximo. Como os músicos dependem da atenção
dos turistas que transitam incessantemente pela rua do Comércio, qualquer pausa mais delongada pode deixar escapar boas oportunidades de
remuneração. Porque, de acordo com o relato do mesmo: “os turistas
brasileiro, estrangeiro que estão ali próximo da gente... se a gente parar,
ter um entrevalo, eles vão embora, né. Então eles ficam ali assistindo, né.
Então a gente vai direto, né”.
8
Cf. Bourdieu (1996, p. 109).
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Dilemas e desafios à profissionalização
As atuais formas de exibição pública da ciranda, como prestação de serviços culturais, implicaram na exigência de adaptação desses músicos a
novos modos de exposição, sob formato de grupo musical, com o objetivo
de possibilitar a conquista da atenção do público de turistas espectadores.
No entanto, tal exigência se coloca como uma tarefa de difícil alcance,
conforme pude observar nas três ocasiões em que estive em Paraty para
buscar informações e contatos capazes de alargar minha compreensão
sobre a contextual construção da ciranda como um serviço. A partir do
acompanhamento das atividades realizadas pelo grupo e também das
conversas e desentendimentos entre seus integrantes, pude constatar a
irregularidade da presença de alguns membros em compromissos assumidos pelo responsável do grupo, assim como a saída de uma pessoa
e a incorporação de outra num intervalo de nove meses, período que
compreendeu minhas incursões ao campo de trabalho. Em algumas
ocasiões, presenciei a apresentação do grupo em número reduzido de
duas pessoas, e, em outras, a apresentação se deu com a associação de
músicos que não integravam formalmente, o grupo.
Estas constatações me levaram a indagar sobre a constituição da equipe
de músicos, centrada num núcleo estável capaz de assegurar adesões mais
ou menos ocasionais. Com esta forma de composição, como poderiam
corresponder às exigências de compromissos artístico-musicais orientadas
por calendários organizados por interesses a eles imediatamente alheios?
Pautando-me na autoatribuição da equipe de “Os Coroas Cirandeiros”
como grupo e nas orientações constitutivas do fazer antropológico – que
se fundamenta na conceitualização de sociedade como um constructo
social, um empreendimento humano – torna-se imprescindível pensar
as autodesignações não como originadas em si mesmas ou a partir de
livres escolhas individuais, mas pensá-las como representações sociais,
resultado de processos de exteriorização e internalização de significados
produzidos a partir do convívio social e sempre articuladas de forma
sistêmica, ou seja, a um conjunto de outras representações e categorias.
Ao se referirem como grupo associado em torno de alguns músicos, os
integrantes de “Os Coroas Cirandeiros”, estão expressando a necessidade
de vir a ser grupo estável ou capaz de superar os problemas decorrentes
da imprevisibilidade e continuidade da prestação de serviço. Desejo
manifesto pela necessidade de se imporem no mercado turístico em
condições de concorrência e em conformidade com as representações e
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expectativas daqueles que crêem consistir uma equipe de músicos que
personificam uma determinada tradição.
Essa representação configura-se como declaração de intenção, uma
vez que insistentemente manifestam aspiração de tornarem-se grupo.
Faltam-lhes características por eles reclamadas continuamente: a existência de objetivos e regras comuns reconhecidas por seus integrantes
e certa disponibilidade de tempo exigida para dedicação à atividade.
Há também outros empecilhos: a recorrente rotatividade de músicos e
a concomitância de outras ocupações profissionais entre seus membros,
além da ausência de um capital cultural empresarial, capaz de orientá-los
na maximização dos benefícios e minimização dos riscos desse empreendimento. Estes obstáculos acabam por transformar a tarefa de constituir o desejado grupo estável como um projeto, em certos contextos
dramatizados como agonístico e inalcançável, permeado por disputas,
desentendimentos e conflitos entre os que se propõem a ele aderir.
As tensões decorrem, geralmente, do dilema enfrentado pelos integrantes do grupo em tentar compatibilizar o desejo de profissionalizarem-se
na atividade musical com a necessidade de serem reconhecidos como
grupo expressão de tradição. O desafio consiste em operar, de modo
concomitante, com duas lógicas distintas de organização, por meio das
quais o grupo tenta assegurar sua existência.
Em muitas situações, as divergências se evidenciam quando critérios são
reclamados para a organização profissionalizada frente a arbitrariedades
justificadas pela devoção a hábitos costumeiros, ainda que haja alternância entre as posições assumidas pelos membros – ora prevalecendo
o argumento da tradição, ora o do profissionalismo – de acordo com os
interesses em questão.
É o caso, por exemplo, da exigência de desempenho e habilidade musical,
por vezes requerida como condição para a participação e permanência
de integrantes junto ao grupo – tendo em vista o aprimoramento da
prestação do serviço – mas que, em situações específicas, é ignorada em
detrimento da valorização do dom e sabedoria tradicionais, atributos
daqueles que, no caso das referências do grupo em apreço, vivenciaram
uma forma de sociabilidade vicinal.
Não sem motivo, as incongruências e incompatibilidades para se constituírem como profissionais da música, sendo para isso necessário se adequarem a princípios de agregação pautados pelo compartilhamento de
regras e objetivos inerentes à condição pretendida, mas fundamentados
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na crença na tradição enquanto prática pretérita, para a qual a existência
do grupo parece se assegurar por princípios de auto-evidência.
Se a realização da condição profissional se coloca como uma busca de
difícil alcance, dadas as dificuldades de reproduzir os pressupostos de
apresentação exigidos para esse fim, a prestação do serviço estará assegurada, desde que garantida a base sobre a qual ela se sustenta: uma
tradicional manifestação cultural.
Abstract
The paper presents an analysis of the process by which the ciranda –
knowledge and way of expression trhough music once learned as attributes
of the socialization of farmers and fishermen in their means of origin – is
now offered in the form of cultural services in the city of Paraty, RJ starting
from the experience of members of the group “The Crowns Cirandeiros. The
text demonstrates the shared desire among the group members for social
recognition of the activity as performed by professional musicians as well
as the challenges and dilemmas to establish themselves competitively in the
tourism market in the desired condition.
Keywords: ciranda; tourism; services
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ARTIGOS
Andreas Hofbauer*
Entre olhares antropológicos e perspectivas dos
estudos culturais e pós-coloniais:
consensos e dissensos no trato das diferenças
Termos como cultura e identidade não são monopólio
de nenhuma disciplina acadêmica em particular. O que
ocorre é mais uma disputa, raramente explicitada, em
torno do uso e do valor analítico que é atribuído a tais
categorias. Este artigo busca aprofundar a reflexão
sobre a maneira como a antropologia e os estudos
culturais e pós-coloniais têm tratado a questão das
diferenças, mais especificamente o tema das identidades
no mundo atual, envolvido cada vez mais por aquilo
que se convencionou chamar de globalização. Assim,
procura-se apontar convergências e divergências
entre diferentes tradições acadêmicas e argumenta-se
em favor de uma inspiração mútua entre elas, com o
objetivo de superar fraquezas analíticas localizadas
em cada uma delas.
Palavras-chave: diferença; identidade; teoria
antropológica; teoria pós-colonial.
*
Professor assistente, Doutor em Antropologia, na
UNESP – Campus Marília.
Endereço: R. Paranaguá,
192, ap. 122, Centro, Londrina – PR, Cep: 86.020030. Email: <andreas.
[email protected]>.
Telefone: (043) 3324-5010.
100
O uso do hijab (véu) por muçulmanas residentes na Europa ocidental
tem causado grande polêmica em torno da questão da imigração e
da convivência entre diferentes grupos humanos. E mais do que isto:
tornou-se também referência emblemática no debate entre aqueles que
defendem políticas multiculturalistas e os que exigem uma total assimilação cultural dos imigrantes ou mesmo a sua expulsão. Os argumentos
usados nesta discussão vêm revelando de modo cada vez mais nítido as
múltiplas facetas do “símbolo véu”, que pode assumir significados sociopolíticos bastante variados e pode até assumir conteúdos ideológicos
que se opõem um ao outro.
De um lado, o hijab vem sendo associado por seus opositores à submissão
e à exploração da mulher: eles/elas vêem nele um sinal que expressa a
opressão da mulher pelo homem e que, desta forma, reafirma o patriarcalismo e o machismo. Já os/as defensores/as do hijab projetam nele uma
afirmação étnico-religiosa e/ou da liberdade individual e, neste sentido,
para alguns o véu simboliza o direito a liberdades individuais e coletivas
no país acolhedor; assim, seu uso pode ser visto também como um ato
de resistência contra forças assimilacionistas.
O exemplo do véu coloca e recoloca, portanto, não apenas aos legisladores
dos países ocidentais a questão complexa de como avaliar a(s) diferença(s)
e como lidar com elas, mas serve também como exemplo paradigmático
para a reflexão acadêmica sobre as diferenças na contemporaneidade.
No mundo atual, marcado por fluxos de capitais, informações e também,
mesmo que de forma controlada pelos países ricos, de pessoas, há uma
gama cada vez maior de referências culturais à disposição dos sujeitos,
fato que contribui também para a criação de incertezas a respeito do
significado das coisas. São tais incertezas que obrigam os sujeitos a serem,
por meio de processos de identificação, mais e mais ativamente criadores de significado. As discussões em torno do véu podem, portanto, ser
vistas como um exemplo de que vivemos numa época marcada por uma
profunda crise da representação e, ao mesmo tempo, por processos e
jogos identitários cada vez mais complexos.
Estudos semióticos e pós-modernos falam, por exemplo, da dissociação
entre significante e significado, ou seja, de um processo de autonomização
dos significantes em relação aos significados provocada pela hiper- ou
pós-modernidade. Sabemos desde Saussure que a relação entre significante e significado é – por princípio – uma relação arbitrária. Mas, ao
mesmo tempo, os estudos linguísticos clássicos sustentavam que existe
um consenso social que atribui significados aos significantes e que fundamenta, desta forma, sim, uma relação – de certa maneira – sólida e
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duradoura entre significante e significado. Caso contrário, argumentavase, a comunicação entre os seres humanos estaria posta em xeque ou
tornar-se-ia muito difícil, quase inviável. No entanto, no contexto do
capitalismo tardio, há indícios fortes de que estas “pontes” – relações
estáveis entre significantes e significados – começaram a ruir. Diante
desta situação se torna também, evidentemente, cada vez mais difícil
fazer qualquer comentário sobre as diferenças humanas.
A importância da cultura
Para tematizar a complexidade da questão das diferenças no mundo de
hoje, proponho analisar duas perspectivas que têm dado contribuições
importantes para esta reflexão: a tradição antropológica que, desde os
seus primórdios, tem colocado no centro de suas reflexões a questão das
diferenças humanas; e a perspectiva dos estudos culturais e pós-coloniais,
que surgiu dentro de uma tradição sociológico-filosófica que incorpora,
inclusive, reflexões dos estudos literários. Pretendo apontar as semelhanças e divergências teóricas embutidas nestas “correntes”, para, ao
final, argumentar em favor de uma inspiração mútua entre elas, com o
objetivo de superar fraquezas analíticas localizadas em cada uma delas.
Comecemos pelos principais passos que foram responsáveis pela elaboração dos conceitos paradigmáticos de cultura e de identidade bem
como por suas diversas interpretações, a partir de um viés antropológico.
Sabe-se que na segunda metade do século XIX, as diferenças entre os
seres humanos eram atribuídas pelos cientistas, geralmente, a processos
evolutivos e/ou a essências raciais-biológicas. Neste momento da constituição e da institucionalização da antropologia moderna, a grande maioria
dos antropólogos era adepta do evolucionismo social. De acordo com
esta perspectiva, as diferenças culturais eram concebidas como etapas
da história (evolução) da espécie humana, que era entendida como um
“aprimoramento gradual” do homo sapiens. Consequentemente, os povos
“primitivos” eram tratados pelos cientistas como verdadeiros representantes da “infância da humanidade”. O interesse dos evolucionistas pelos
“povos primitivos” justificava-se, portanto, em boa medida pela idéia
de que o conhecimento sobre eles contribuiria para entender melhor a
origem (as raízes) da “sociedade ocidental”.
O fato de que os evolucionistas acreditavam numa única força civilizatória
explica também porque Edward Burnett Tylor, fundador da antropologia
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britânica, tratou, na sua clássica definição de civilização e cultura1 como
sinônimos; explica ainda porque, de acordo com as análises de George
Stocking Jr. (1982, p. 81), utilizou, em toda a sua obra, a palavra “cultura”
somente no singular. Sabemos também que, para além do pensamento
evolucionista social existia uma tradição de pensamento que via na força
da biologia o fator principal das diferenças entre os seres humanos; e
que estas duas abordagens se mesclavam e sobrepunham, por vezes, nas
argumentações dos cientistas da época.
Coube a Franz Boas, judeu-alemão radicado nos Estados Unidos, desafiar
os determinismos (tanto o determinismo evolucionista como o racialbiológico) que marcavam as visões acadêmica e popular das diferenças
humanas. Boas recuperaria a noção do “Volksgeist” (“espírito de um
povo”), elaborada por pensadores alemães como Herder e Hegel, para
renovar a idéia de cultura: ele iria tratá-la como uma totalidade orgânica, como a vida psíquica de um povo. Este antropólogo, que teve um
papel fundamental na consolidação da antropologia como disciplina nos
EUA, insistiria não apenas na idéia de uma pluralidade de culturas, mas
opor-se-ia também a subjugar o mundo das culturas a “leis naturais”.
Outro ponto importante: Boas reivindicaria uma separação conceitual
rigorosa entre raça, entendida como herança biológica, de um lado; e
cultura(s), vista(s) como o(s) mundo(s) da simbolização, de outro lado
(BOAS, 1949). Foi desta forma que Boas conseguiu subtrair a noção da
“diferença” do “reino da natureza”, isto é, de um mundo dominado por
características inatas, e remetê-la a um espaço conceitual próprio para se
pensar os mundos da simbolização criados pelos próprios seres humanos.
Sabe-se também que as idéias de Boas abririam o caminho para a consolidação e a defesa do chamado “relativismo cultural” (sobretudo entre
os seus discípulos, como R. Benedict, M. Mead e outras/os), segundo o
qual, em sua formulação clássica, as culturas humanas são tratadas como
sistemas de valores irredutíveis uns aos outros – uma perspectiva que,
em última análise, impossibilita um julgamento qualitativo dos diferentes costumes e comportamentos culturais a partir de quaisquer outros
parâmetros que não os locais.
Esta noção sistêmica e sincrônica das culturas, como entidades coesas e
homogêneas, marcaria, no fundo, todas as grandes teorias antropológicas do início do século XX: não apenas o culturalismo norte-americano,
mas também o funcionalismo e o estruturalismo lhe seriam tributários.
1
“Cultura ou civilização, no seu sentido etnográfico amplo, é aquele complexo que inclui conhecimento,
crença, arte, moral, lei, costumes, e qualquer outra capacidade e hábito adquirido pelo ser humano como
membro de uma sociedade” (TYLOR, 1871, v. 1, p. 1).
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A concepção sistêmica de cultura ganharia mais dinâmica a partir da
década de 1970 e 1980, quando pesquisadores, como p.ex. P. Bourdieu
(1972) e M. Sahlins (1981), começaram a conjugar a noção de sistema
com usos particulares e estratégicos de partes do repertório sociocultural,
em virtude de interesses pessoais e grupais.
Tais mudanças de perspectiva analítica foram interpretadas por Sherry
Ortner, no clássico artigo “Theory in Anthropology since the Sixties”
(1984), como uma reação ao paradigma estruturalista que, segundo esta
pesquisadora, predominou na produção antropológica durante a década
de 1960. Com base na crítica de que o estruturalismo nega a relevância do sujeito intencional sobre o processo social e cultural, e também
qualquer impacto significativo da história (“evento”) sobre a estrutura,
alguns estudiosos buscaram elaborar modelos teóricos alternativos nos
quais tanto os agentes quanto os eventos tivessem um papel mais ativo
(ORTNER, 1984, p. 137-138).
Teria sido desta forma que termos como prática, ação, interação, experiência, performance, mas também agente, ator, pessoa, self, indivíduo
e sujeito começaram a ganhar uma centralidade cada vez maior em trabalhos antropológicos. Interessava agora entender não somente como o
sistema molda a prática, mas sobretudo também como o próprio sistema
é moldado pela ação dos agentes sociais: isto é, como a prática contribui
para reproduzir o sistema/estrutura e como o sistema/estrutura pode ser
transformado/a e/ou mantido/a pela prática (ORTNER, 1984, p. 152154). Foram preocupações teóricas como estas que introduziram e deram
destaque à noção de “agenciamento” (agency) em estudos antropológicos.
Uma outra perspectiva analítica foi aberta por C. Geertz (1989), que propôs novo paradigma para a antropologia, que repercutiria fortemente,
inclusive, fora da disciplina, já que visava a erradicar as fronteiras entre
ciência e arte. Sabemos que a chamada antropologia interpretativa,
que aborda culturas como textos interpretáveis e, em princípio, não
conclusivos, abriu o caminho para uma crítica radical à antropologia,
impulsionando processos que a literatura especializada denominaria de
virada literária, virada dialógica e virada reflexiva.
Uma nova geração de antropólogos, que deram um passo além em
relação ao projeto interpretativo geertziano e que seriam rotulados de
pós-modernos, já não acredita na possibilidade de chegarmos, na análise,
a um plano intersubjetivo em torno dos significados dos signos, tal como
Geertz supunha. Seu objetivo declarado, agora, é romper com os “monólogos” que, segundo eles, dominavam as monografias antropológicas
clássicas (inclusive, os textos “clássicos” de Geertz da década de 1970).
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Para isto, era necessária a elaboração de estratégias que permitissem
expressar as múltiplas vozes, a polifonia, que, de acordo com estes autores, cria e recria a vida em sociedade. Os antropólogos pós-modernos
centrariam assim as suas atenções na relação dialógica entre pesquisador
e pesquisado, tida como responsável pela produção de conhecimento.
Inspirados em Foucault, alguns procuram analisar, em primeiro lugar,
como se articulam – por meio dos discursos – as relações de poder.
Evidentemente, quando se parte de noções como estas, a representação
em si torna-se um grande problema analítico e o conceito de cultura pode
correr o risco de entrar numa crise profunda. De fato, houve antropólogos que passaram a reivindicar o abandono do conceito de cultura.
Num texto famoso (“Writing against culture”, 1991), Lila Abu-Lughod,
antropóloga nascida no Egito e que leciona nos EUA, caracteriza a cultura
como “uma ferramenta essencial para a fabricação de alteridades” e propõe substituí-la por termos como “prática” ou “discurso”. De acordo com
a autora, diferentemente de “cultura”, estes conceitos (prática, discurso)
não sugerem “homogeneidade” e “holismos”, mas enfatizam outras características que Abu-Lughod considera mais importantes nos processos
culturais: dinâmicas, subjetividades e processos de transformação.
Outros pesquisadores, como James Clifford, que se vê como historiador
e crítico da antropologia, concordam que cultura é uma idéia profundamente comprometida, mas preferem não abrir mão do uso do conceito.
Ao mesmo tempo, Clifford afirma que as noções clássicas de “integridade
cultural” não têm como sobreviver aos processos de fragmentação que o
mundo pós-industrial impôs. Ele entende que no mundo atual, as fronteiras, todas as fronteiras, são “incertas” e sujeitas a negociações. Portanto,
para Clifford não existem tampouco seres humanos que pertencem a
um único lugar, a uma única cultura. Já não há mais estes espaços com
limites fixos; e provavelmente eles nunca existiram, sugere ele. De acordo
com este pesquisador, somos todos viajantes e é neste sentido que ele usa
também a metáfora da “cultura como viagem” (CLIFFORD, 1995, p. 56).2
2
Clifford afirma ainda que a pesquisa antropológica deveria concentrar-se em novas localizações: nas fronteiras
que ele entende como lugares de hibridação, de luta e de transgressão. É que, de acordo com Clifford, são
as experiências de fronteira que produzem visões políticas poderosas, as quais teriam a capacidade de gerar
aquilo que ele chama de “cosmopolitismos discrepantes”, isto é, posturas cosmopolitas que geram fricção e que
dão impulsos para as transformações (CLIFFORD, 1995, p. 67-70). Idéias como estas aproximam-se bastante
daquelas apresentadas por autores nomeados, neste ensaio, pós-coloniais (cf. p.ex. Bhabha). As críticas a tais
reflexões se assemelham também. A ênfase na relação dialógica como fonte da produção de conhecimento e
a incorporação dos princípios da análise discursiva fariam com que a atenção fosse desviada de uma avaliação
de diferenças em termos de valores, epistemologias, mitologias, teologias, políticas e economias, etc. presentes
nas diversas formas de vida das pessoas. E este movimento contribuiria para reduzir a idéia da cultura a um
“marcador da diferença” (differencing) que tenderia a dissolver tudo que tem sido caro à antropologia até
recentemente (cf. as críticas de Sahlins aos antropólogos pós-modernos, em SAHLINS, 1997, p. 43-44).
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Paralelamente às (re)formulações e discussões sobre a validade do
conceito de cultura, a noção de identidade começava a ganhar cada
vez mais importância nos textos antropológicos. Este conceito foi emprestado das áreas da psicologia e da filosofia, num momento em que
alguns pesquisadores perceberam que as teorias clássicas a respeito da
cultura – elaboradas pelo funcionalismo, culturalismo norte-americano,
estruturalismo – não davam conta de temas importantes de análise, tais
como questões relacionadas com disputas de poder, conflitos dentro e
entre os grupos (especialmente os conflitos interétnicos), etc. Sobretudo
aquela idéia que orientava implicitamente os diversos estudos clássicos,
segundo a qual existiria uma correlação entre espaço, grupo e cultura,
começava a ser questionada. Tornava-se cada vez mais perceptível que
esta suposição não correspondia mais ao mundo da segunda metade
do século XX.
Deslocando as atenções para as fronteiras
Foi neste contexto que conceitos como “identidade étnica” e “etnicidade” entraram no vocabulário dos antropólogos. Cita-se geralmente
a introdução à coletânea Grupos étnicos e suas fronteiras, publicada por
Fredrik Barth em 1969, como o texto que teria introduzido a noção de
“identidade étnica” na reflexão antropológica.3 Neste ensaio, hoje tido
como clássico, Barth argumenta, entre outras coisas, que o “grupo étnico”
não deve ser visto meramente como um “suporte”, como uma “unidade
portadora de cultura”. É que, argumenta o autor, se procedermos desta
forma, a definição do conceito “grupo étnico” não se diferenciaria substancialmente do uso da velha idéia de raça contra o qual a antropologia
tem polemizado desde os tempos de Boas.
Barth argumenta que a relação entre cultura e identidade étnica (entre
fronteiras de uma cultura específica e de um grupo específico) não é
obrigatoriamente uma relação simples de “um para um” (BARTH, 1969,
p. 14). Se nas monografias clássicas a “identidade grupal” era tomada
geralmente como algo “dado”, algo que não precisaria ser examinado e
explicado, a análise de Barth visa agora a diferenciar claramente entre
3
Sabe-se, porém, que vários outros cientistas deram contribuições importantes para a idéia da “identidade
étnica” antes de F. Barth. Assim, podemos lembrar, p.ex., as reflexões do antropólogo Evans-Pritchard sobre
o princípio de segmentação entre os Nuer (no livro Os Nuer, 1940) ou ainda as considerações do sociólogo M.
Weber a respeito da importância de processualidades, contrastividades e de subjetividades na formação dos
“grupos étnicos” (no seu clássico Economia e sociedade, 1922). Entre outros trabalhos que foram fundamentais
para dar início à reflexão sobre identidade étnica poderíamos citar Custom and politics in urban Africa (COHEN,
1969), Beyond the melting pot (GLAZER; MOYNIHAN, 1963); Ethnicity (editado por GLAZER; MOYNIHAN,
1975); e no Brasil, os trabalhos de Roberto Cardoso de Oliveira (p.ex., Identidade, etnia e estrutura social, 1976)
e de Manuela Carneira da Cunha (“Etnicidade: da cultura residual mas irredutível”, em CUNHA, 1986).
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organização social e cultura (VILLAR, 2004, p. 171). Barth mostra, por
exemplo, que existem grupos étnicos com – relativamente grandes –
variações culturais internas como existem, às vezes também, fronteiras
nítidas entre pessoas cujos padrões e valores culturais não se diferenciam substancialmente, ou seja, entre pessoas que são – “culturalmente
falando” – muito parecidas.
O que determina a definição e redefinição da(s) fronteira(s), diz Barth,
não é necessariamente a diferença cultural “real observável”, e sim muito
mais as “relações” que existem entre as pessoas (os grupos) e, acima de
tudo, a maneira como as diferenças são percebidas pelos agentes sociais.
Ou seja, de acordo com este autor, a razão da “identificação” (e da diferenciação) não está tanto em diferenças que existem “objetivamente”,
mas em diferenças que são concebidas pelos próprios agentes como
socialmente relevantes. Barth iria enfatizar ainda a processualidade e
contextualidade da identidade étnica, quando chama a atenção para
aquilo que ele denomina de “emblemas de diferença”: ocorre que, em determinados contextos e em virtude de interesses particulares, as pessoas
(indivíduos e grupos) selecionam do seu repertório cultural (vestimenta,
língua, moradia, etc.) algum signo (“traço diacrítico”) para delimitar-se
de outros e para exibir uma identidade comum.
Reflexões como estas têm sido usadas para ajudar a explicar processos
de etnicização (etnogênese) que podem ser provocados por situações de
conflito. Assim, estudos antropológicos recentes inspirados em Barth
mostraram de que maneira, com o acirramento dos conflitos na exIugoslávia e em Ruanda, hibridismos culturais existentes – aqueles laços
socioculturais que ligavam as pessoas além de diferentes “tradições” e
proveniências, começavam a ser reprimidos e “subrepresentados” no
cotidiano das pessoas. Em pouco tempo, correspondendo a visões identitárias pregadas pelos líderes, as pessoas passaram a sentir-se obrigadas
a fazer opções que as tornavam “ou”/”ou”; no caso da ex-Iugoslávia:
ou sérvios, ou croatas ou muçulmanos; em Ruanda: ou tutsis ou hutus.
Vimos, portanto, que Barth começa a abordar o grupo étnico mais como
uma estratégia que orienta e organiza as interações sociais. Partindo
desta perspectiva, este antropólogo reivindicaria também que o ponto
central da pesquisa antropológica não deveria ser o “conteúdo das
culturas” (cultural stuff), mas muito mais “a fronteira étnica que define
o grupo”. Assim, as reflexões deste autor propõem deslocar o foco da
análise da constituição interna (valores, costumes) para as fronteiras,
mais especificamente, para a criação e manutenção das fronteiras do
grupo. Mais recentemente, Barth seria criticado por alguns antropóAntropolítica
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logos (p.ex., VILLAR, 2004) que o acusaram de ter elaborado uma
noção de identidade que aparece como resultado de uma livre escolha
dos indivíduos: análise que tenderia a conferir uma onipotência quase
total ao agente social e ignoraria a importância de sistemas, estruturas
e padrões culturais.
De qualquer forma, parece lícito afirmar, que, de certa maneira, as reflexões deste antropólogo bem como a introdução do conceito de identidade
abriram uma nova frente investigativa: a das perspectivas subjetivas sobre
a questão das diferenças humanas. O conceito “identidade étnica” abriria
espaço na análise para o olhar dos próprios pesquisados sobre aquilo que
os diferencia dos “outros”. Não há evidentemente, hoje, concordância
total entre os antropólogos no que diz respeito ao uso e ao conteúdo
do conceito de identidade étnica. Mas podemos talvez destacar alguns
pontos que me parecem “consensuais” para a grande maioria.
Em primeiro lugar, a “identidade étnica” não deve ser pensada como uma
“entidade em si”. Recentemente, alguns antropólogos (p.ex., ERIKSEN,
2003) têm argumentado, inclusive, que seria “mais correto” usarmos o
termo “identificação” no lugar de “identidade”, já que o tema diz respeito
a “processos contínuos” e não a uma coisa que pode ser “possuída” ou
“perdida”. Neste sentido, a maioria dos especialistas no assunto entende
que identidades são construções profundamente marcadas pelas diversas
relações em que os sujeitos estão inseridos e envolvidos e pelos contextos
em que vivem.
Além disso, vários pesquisadores têm chamado a atenção para o fato
de que hoje os sujeitos e grupos estão convivendo com e envolvidos em
vários processos identitários paralelamente; eles estariam mergulhando
em diferentes “fluxos culturais” e, desta forma, bricolando “múltiplas
identidades” (CASTELLS, 2002). Dependendo dos contatos e relações
dos sujeitos e grupos com determinados contextos e espaços, ocorreriam identificações diferentes e tais processos seriam vivenciados pelos
agentes sociais ou como experiências complementares ou como vivências
conflitantes entre si.
Outros cientistas buscam análises alternativas. Assim, G. Lins Ribeiro,
p.ex., recupera a noção de “níveis de integração sociocultural”, cunhados
por Julian Steward, em 1951. Este conceito deveria ajudar a pensar as
diferentes formas de sociabilidade que marcam a vida dos sujeitos na
era da globalização exacerbada. Ele constituiria um instrumental metodológico adequado para entender melhor os laços de pertencimento
que os agentes sociais constroem a partir de suas múltiplas atuações em
diferentes âmbitos espaço-socioculturais (planos local, regional, nacioAntropolítica
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nal, internacional e transnacional). Assim, seria possível analisarmos a
pluralidade e a multidimensionalidade do fenômeno da identidade, sem
cairmos numa abordagem pós-moderna extremada que tende a abordar
a criação de identidades como um jogo em que os indivíduos teriam plena
liberdade e pleno domínio sobre as suas escolhas identitárias. Ribeiro
chama a atenção para o fato de que “os processos de autoidentificação são
atravessados por diferentes lealdades a diferentes níveis de integração”
(RIBEIRO, 1997, p. 3-4,14).
As transformações relativamente recentes ocorridas no contexto da
globalização criaram, é importante frisar, novos desafios para a reflexão
antropológica e instigaram diversos pesquisadores a refinar a sua reflexão sobre o conceito de identidade. A análise a seguir, de contribuições
recentes de Thomas Hylland Eriksen, deveria servir como um exemplo
de como o tema da diferença no mundo globalizado pode ser abordado
a partir de um instrumental antropológico.
Eriksen associa a ascensão da categoria “identidade étnica” no pensamento antropológico com mudanças de enfoque que ocorreram dentro da
disciplina. Se até relativamente pouco tempo atrás as variações culturais
eram vistas pelos pesquisadores como um “valor em si” e mereciam, inclusive, ser fortalecidas diante das imposições do mundo moderno, nas
últimas décadas – devido ao acirramento de processos da globalização,
mas também às críticas pós-modernas, pós-estruturais e pós-coloniais
–, idéias fundantes como “autenticidade” e “tradição” começaram a ser
revistas. Eriksen (2001, p. 3) lembra ainda que os críticos do holismo
cultural apontaram não apenas para o fato de que existem grandes
variações internas dentro de cada cultura, mas mostraram também que
“ideologias tradicionalistas”, que enfatizam as “raízes” e a “pureza cultural”, surgem com frequência no contexto de processos de modernização
e globalização.
Assim, cada vez mais antropólogos teriam se convencido de que o foco
de análise já não devia mais ser “as diferentes culturas ’em si’”, mas a
maneira como os agentes sociais fazem uso dos símbolos culturais em
situações específicas. De acordo com este raciocínio, analisar a “cultura
como ela é” sem levar em consideração o dinamismo que envolve o
“agenciamento”, afirma Eriksen, torna-se uma prática antropológica
ultrapassada que – assim soa a acusação – contribui para promover uma
idéia essencializada da cultura.
Dito isto, Eriksen critica, ao mesmo tempo, aqueles usos do termo “identidade” que passam a idéia de que o indivíduo é um “significador que
flutua livremente”. “O indivíduo não é um sujeito que cria a partir do
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nada”, escreve Eriksen (2001, p. 17), opondo-se a certos “excessos” que
localiza em abordagens marcadamente pós-modernas (nas avaliações de
Z. Bauman). Ele enfatiza a importância da perspectiva construtivista na
análise identitária, mas ao mesmo tempo chama a atenção para o fato de
que os signos, que se tornam marcadores da identidade de um indivíduo
ou de um grupo, não são escolhidos de forma aleatória, e sim fazem parte
da experiência do cotidiano das pessoas (ERIKSEN, 1991, p. 12). De
acordo com Eriksen, cada pessoa é portadora de um grande número de
identidades em potencial, mas apenas algumas delas tornam-se socialmente relevantes e “fazem a diferença no seu dia-a-dia” (2001, p. 13).
Com o objetivo de chamar a atenção para certos limites que se impõem
aos sujeitos na negociação das suas identidades (nos processos de identificação), Eriksen distingue, nas suas análises, dois aspectos da “identidade
étnica”: um imperativo, outro situacional.4 Assim, Eriksen argumenta
que um negro emigrado será, na Europa, inevitavelmente “identificado”
como “estranho” pela maioria da população local. Neste caso, a margem
de negociação é mínima e, para este sujeito, a identidade torna-se mais
imperativa do que situacional.5
No entanto, de acordo com Eriksen, há sempre no “pacote identitário” –
isto é, no conjunto de processos de identificação que o indivíduo vive –,
algumas “identidades” que admitem mais possibilidades de manipulação do que outras. Eriksen entende que, na maioria das situações, há
alguma margem de negociação para os processos de inclusão e exclusão.
Portanto, para ele, não existe uma imposição total, nem no caso das
“identidades imperativas”, da mesma maneira que seria uma utopia
acreditar na existência de uma escolha totalmente livre nos processos
identitários. De modo geral, diz Eriksen (2004, p. 163), o elemento imperativo mostra-se mais forte nos processos identitários que têm lugar
em sociedades chamadas de tradicionais do que naqueles que ocorrem
em sociedades marcadas pela (pós-)modernidade ocidental. Enquanto
a sociabilidade pós-moderna exige flexibilidade, adaptações e contextualizações constantes das individualidades, as perspectivas subjetivas
em sociedades “tradicionais” aparecem frequentemente controladas por
normas coletivas.
Sendo o contraste um dos elementos importantes da identidade, afirma
Eriksen (2004, p. 166), a maioria das identidades é – em princípio –
4
A idéia de que a identidade étnica é tanto “imperativa” como “situacional” já pode ser encontrada nos escritos
clássicos de F. Barth.
5
Como exemplos de identificações impositivas o autor menciona aquelas relacionadas com o parentesco e
com a língua-mãe.
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“ou”/”ou”: a pessoa sente-se ou homem ou mulher, ela “é” ou branco
ou negro, ou cristão ou muçulmano etc. No entanto, se olharmos para a
realidade mais de perto, perceberemos que ela se apresenta muitas vezes
de forma mais complexa e menos ordenada. Recorrendo aos seus estudos
na ilha de Trinidad, o pesquisador chama a atenção para o grupo dos
“douglas”, que surgiu a partir da convivência entre os afrotrinidadenses (na sua maioria, cristãos) e os hindu-trinidadenses (na sua maioria
muçulmanos ou hindus) e tornou-se um grupo intermediário entre as
duas comunidades principais. De acordo com Eriksen, tais processos de
hibridação e crioulização, característicos da colonização nas Américas,
tornam-se hoje cada vez mais frequentes mundo afora. Em contextos
como este, surgem e expandem-se zonas ambíguas que tendem a substituir as fronteiras antes claras, conclui Eriksen.
Em recente artigo, “Crioulização e criatividade” (2003), Eriksen investiga
a criatividade em processos identitários no mundo globalizado, a partir
do exemplo da chamada segunda geração de imigrantes na Europa. Ele
localiza três tipos principais de “estratégias identitárias”:
a) identidade pura, de acordo com o autor, seria escolhida por tradicionalistas ou puritanos. Trata-se de uma opção que costuma ser oferecida
aos jovens por líderes religiosos e por políticos que buscam promover
políticas de identidade. Este tipo de identidade promete aos jovens
uma vida ordenada e regrada. Ao estabelecer fronteiras firmes, inibir ou proibir negociações em torno de valores e moral, conseguiria
frequentemente oferecer às pessoas uma sensação de segurança, neutralizando ambiguidades e o caos que muitos sentem na sua vivência
diaspórica. De acordo com Eriksen, “identidades puras” ajudam as
pessoas que vivenciam no cotidiano atos de discriminação e sofrem
humilhações e exclusão social a estabelecer uma visão positiva sobre
si próprias e seu grupo. O preço a ser pago seria uma certa alienação
em relação à “sociedade receptora”, uma situação que não deixaria
de provocar também certas frustrações no meio deste grupo.
b) identidade hifenizada, que o autor avalia como uma tentativa de ligar
duas categorias (ou “vivências”): p.ex., a tradição turca com a alemã.
Eriksen relata que, nestes casos (de jovens que se vêem como turcosalemães), ocorre frequentemente que dentro de casa vive-se como
no interior da Anatólia (isto é, segue-se a maior parte dos costumes
turcos); nos espaços públicos (rua, escola etc.), no entanto, os jovens
turcos-alemães tendem a se comportar como qualquer outro alemão.
O autor lembra que as “identidades hifenizadas” ainda pressupõem
que existam fronteiras claras entre grupos. No cotidiano, as pessoas
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mudam frequentemente os códigos (code switching) quando atravessam
“fronteiras” e passam de um espaço cultural para outro. Trata-se de
um procedimento que ocorre com a maior naturalidade, sem grandes
questionamentos nem constrangimentos da parte dos jovens.
c) identidade crioula, diferentemente da “identidade pura” e da “identidade hifenizada”, esse terceiro tipo de identidade não reconhece
a existência de culturas puras. Enquanto a “identidade pura” e a
“identidade hifenizada” continuam tendo como referência a noção
boasiana clássica de “cultura” (um “todo complexo e homogêneo”),
a “identidade crioula” apresenta tal grau de mistura que já não faz
sentido buscar nela “hífens” ou “fronteiras”. Como exemplo de uma
“identidade crioula”, Eriksen cita jovens imigrantes que vivem na
Alemanha, identificam-se como muçulmanos, mas ao mesmo tempo
costumam comer carne de porco e tomar bebidas alcoólicas. Têm
relações sexuais antes do casamento, mas aceitam, ao mesmo tempo,
que os seus pais arranjem o seu casamento. Frequentam, num dia, a
mesquita e, no dia seguinte, vão dançar numa discoteca. Acompanham
tanto canais de TV turcos, como assistem a TV alemã, etc.
Se as “identidades puras” buscam impedir a crioulização, continua Eriksen em sua análise, as “identidades hifenizadas” são tentativas de usar os
dois velhos “mapas” para atribuir sentido (significado) ao novo território:
usam as velhas referências culturais como orientação no novo contexto.
Já as “identidades crioulas” descartam “os mapas antigos” (velhas noções
de cultura) e procuram desenhar um “novo mapa” (“novos padrões”)
(ERIKSEN, 2003, p. 233).6
Hoje, juntamente com estes processos, seria perceptível em praticamente
todas as sociedades uma tensão entre “valores” apresentados como “tradicionais” e “valores” que enfatizam a “liberdade e escolha individual”. Se o
6
Eriksen ainda deixa claro que os três tipos de identidade por ele formulados não pretendem descrever
um processo cronológico linear. Ao contrário: frequentemente, acontece que, num primeiro momento da
imigração, na busca de uma melhora na sua condição de vida, a primeira geração não entra diretamente
em choque com a sociedade “receptora” e mantém uma relação com as suas tradições religiosas e os seus
costumes que Eriksen chama de relaxed. Ou seja, as pessoas continuam praticando uma série de tradições
culturais que as remetem à sua origem (turca, sérvia etc.), mas sem fazer questão de exibi-las em público,
sem enaltecê-las diante do resto de sociedade e sem vinculá-las a reivindicações políticas. Num segundo
momento, porém, podem ocorrer mudanças de atitudes, sobretudo entre aqueles da “segunda geração”
que têm dificuldade em ascender socialmente (dificuldade de conseguir um trabalho mais digno e mais bem
remunerado do que aquele que os seus pais executaram). Quando membros desta geração, que já cresceram
na diáspora e que desde a sua infância estão confrontados (na escola, via mídia, etc.) com a propagação dos
valores supremos do mundo ocidental moderno (as máximas dos Direitos Humanos, como igualdade entre
seres humanos, entre sexos, “grupos étnico-raciais” etc.), percebem ou avaliam que não são tratados – na
prática – de acordo com estes valores, afirma Eriksen, partes da segunda geração se rebelam e respondem
com “puritanismo cultural” e/ou com reivindicações que visam à implementação de “políticas identitárias”
(ERIKSEN, 2003, p. 234).
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autor localiza neste fenômeno uma tendência universal, chama ao mesmo
tempo a atenção para o fato de que a relação entre o poder (manutenção)
da tradição e a liberdade individual da modernidade varia de lugar para
lugar. Dependendo do contexto, ocorrem diferentes articulações desta
tensão que, evidentemente, exerce uma influência importante sobre a
formação das identidades locais (ERIKSEN, 2004, p. 163).
Eriksen mostra que, no mundo atual, a maioria das sociedades é envolvida por forças antagônicas que são características do e intrínsecas ao
processo da globalização e agem diretamente sobre a construção das
identidades. De um lado, percebemos a disseminação de hibridismos,
sincretismos – mistura de culturas, que caminha com processos de migração, de desterritorialização e de desenraizamento de grandes populações,
além de ser facilitada e instigada por novas tecnologias e novas formas
de comunicação. Paralelamente a este fenômeno, articulam-se projetos
políticos que propõem como estratégia de luta o retorno às raízes culturais e/ou a afirmação das diferenças. Pode-se encontrar esta estratégia
identitária que tende a promover a essencialização das diferenças, tanto
em discursos que reivindicam direitos coletivos para minorias étnicas e/ou
religiosas como em discursos que defendem os interesses de um grupo
socialmente reconhecido ou mesmo majoritário.7
Eriksen tem argumentado que as trocas culturais, as contínuas influências
mútuas não levaram ao fim das fronteiras identitárias. Ele entende as
forças centrípetas ou uniformizadoras da globalização e as forças centrífugas ou fragmentárias das políticas identitárias como dois lados de uma
mesma moeda. Os esforços em torno da implementação de políticas identitárias surgem, portanto, de acordo com Eriksen, como uma tendência
complementar ou ainda como uma consequência direta (trueborn child)
dos processos de globalização (ERIKSEN, 2007, p. 145-146). Quanto
mais as pessoas se tornam semelhantes, afirma o antropólogo norueguês,
mais começam a se preocupar em aparecer como diferentes umas das
outras. E quanto mais elas procuram “ser diferentes”, mais semelhantes
elas se tornam (ERIKSEN, 2007, p. 146). Isto porque, segundo Eriksen,
existem hoje algumas maneiras estandartizadas de expressar “unicidade”
e “diferença” que são globalmente reconhecidas e aceitas e tornam os
diferentes grupos “comparáveis” uns aos outros (ERIKSEN 2004, p. 168).
7
A “nova direita“ na Europa, p. ex., reivindica o direito à manutenção da „cultura nacional“ e da „identidade
nacional“ que sente ameaçada por aquilo que entende como „invasão dos imigrantes“. Nos seus discursos, já
não recorre mais ao clássico discurso da superioridade racial, mas apropria-se de instrumentos „modernos“
para a defesa de suas posições, como se pode notar no discurso de grupos como a Liga Nord (Itália), a Frente
Nacional (França). etc.
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A preocupação com a “comparabilidade”, da qual nos fala Eriksen, tem
como referência principal o plano legal: isto é, o plano dos direitos nacionais e internacionais, as obrigações dos Estados nacionais em relação
aos organismos internacionais (ONU), especialmente no que diz respeito
ao tratamento de grupos minoritários. Para Eriksen, a exibição pública
de roupas e penteados tidos como tradicionais, a “retomada” de práticas
musicais “tradicionais” e de usos culinários “regionais” etc., aparecem hoje
como elementos recorrentes por meio dos quais os grupos procurariam
“sinalizar diferenças” e ganhar mais “visibilidade”. Pode-se perceber
que pessoas e coletivos, nos mais diversos lugares do planeta, procuram
desenvolver estratégias semelhantes para apresentar-se e representar-se
como grupos homogêneos e coesos, com o objetivo de serem reconhecidos
pelo legislador como “minorias”, isto é, como “entidades coletivas” para as
quais o legislador prevê direitos particulares. Ou seja, para poderem ser
reconhecidos como grupo, pessoas e coletivos tenderiam a assumir um
mesmo “padrão de reconhecimento”.
Eriksen avalia, assim, que vivemos um momento em que está se desenvolvendo uma espécie de “gramática comum” que se torna cada vez mais
globalmente estandartizada e que rege a articulação das “diferenças”. Ele
localiza nestas transformações recentes um paradoxo: de um lado, existe
no mundo globalizado uma ânsia cada vez maior de enfatizar e de destacar diferenças; de outro lado, o “agenciamento das diferenças”, isto é, a
maneira como as diferenças são articuladas, segue cada vez mais o mesmo
padrão. E mais: a assunção deste padrão – desta gramática específica – pode
até levar à transformação de algumas das “características fundamentais”
que “originalmente” constituíam “traços distintivos” do grupo. Parafraseando Eriksen, poderíamos concluir que a homogeneização na maneira
de articular a diferença seria, nestes casos, o preço do reconhecimento.
A afirmação do sujeito moderno e a sua fragmentação na
era pós-moderna
Quero agora abordar algumas contribuições valiosas para a reflexão
sobre as diferenças que estão inseridas numa outra “tradição”, à qual
poderíamos chamar de sociofilosófica, e que se concentra, em suas análises,
na sociedade ocidental. O filósofo canadense Charles Taylor, que vem
se dedicando há décadas, à filosofia das ciências sociais, argumenta que,
na modernidade, a identidade é formada e definida pela existência ou
inexistência de reconhecimento.8 Ao elaborar esta tese no seu já clássico
8
Agradeço as contribuições e sugestões de Raquel Kritsch para a el\aboração e síntese das idéias de Taylor.
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As fontes do self (1989), Taylor procura mostrar que a noção de pessoa sofreu
importantes alterações ao longo da história do Ocidente. Durante muito
tempo, o lugar do sujeito era determinado por fatores externos à pessoa,
que estavam ligados a noções como “status” e “honra”, fundamentos das
hierarquias sociais.9
Assim, em sociedades deste tipo, tradicionais e hierarquizadas, a “identidade” das pessoas era “regulada” por meio dos papéis sociais. Taylor
denomina estas “identidades” de “socialmente derivadas”, já que se baseavam em categorias sociais que eram tomadas pelos sujeitos como algo
dado, exterior a eles, e que, portanto, raramente sofriam algum tipo de
questionamento. E eram elas, as “identidades socialmente derivadas”,
que sustentavam e garantiam também o reconhecimento social da pessoa.
Taylor sustenta ainda que o fato de que, em tempos pré-modernos, as
pessoas não falassem em “identidade” e “reconhecimento” não significa
que elas não tivessem tido aquilo que hoje chamamos de “identidade”, e
sim deve-se muito mais a um contexto social específico em que questões
como estas eram demasiadamente descomplicadas para serem tematizadas
(TAYLOR, 1995, p. 57; 1992, p. 34).
Taylor procura mostrar que as trocas mercantis e as mudanças sociais
introduzidas na era moderna promoveriam, entre outras coisas, uma mudança no paradigma ético, que teria reflexos importantes sobre a noção de
pessoa. Aos poucos, explica ele, as pessoas começam a se conceber como
seres com profundidade interna, ou seja, como unidades que carregam
um valor em si (que têm sua própria medida, marca da originalidade de
cada ser humano) e, desta forma, caracterizam-se pela dignidade. Diferentemente da honra, sustentada por relações sociais assimétricas, afirma
Taylor, a dignidade, e isto é importante, era articulada como uma categoria
comum a todas as pessoas; portanto, como uma categoria universalista e
potencialmente igualitária. Assim, o paradigma da dignidade, que, aliás,
segundo Taylor, é o único conceito compatível com a democracia, passa
paulatinamente a substituir o da honra — um processo que permitiria
mais adiante a individualização da identidade.
Com a modernidade, então, aquilo que posteriormente será chamado de
“identidade da pessoa”, vem a ser construído a partir “de dentro”, e não
mais pela posição social do sujeito. Ocorreria, portanto, uma individualização da identidade, a qual traria consigo o ideal de que todos os seres
humanos deveriam ser autênticos consigo mesmos. Ocorre também, de
acordo com Taylor, que, neste processo, as noções de “bem” e “mal” deixam
de ser determinadas de fora (por Deus e/ou outras ordens exteriores) e
passam a ser percebidas como algo enraizado nos sentimentos dos próprios
9
Cf. também algumas das reflexões elaboradas por L. Dumont na sua obra O individualismo (1985).
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sujeitos. É por esta razão que a busca da autenticidade passa a constituir
um ideal: agora, ser autêntico é ser, em primeiro lugar, verdadeiro para
comigo (Rousseau), e não só para com Deus; o que implica também ser
verdadeiro para com a minha originalidade (a medida da minha dignidade), que só eu conheço (Herder).
Taylor lembra-nos ainda neste contexto, que foi Herder quem divulgou
a idéia de que o ser humano possui uma medida do bem e da justiça que
lhe é própria; e que foi este filósofo alemão quem defendeu o princípio
da originalidade não apenas no plano individual, mas também no plano
coletivo – uma noção, aliás, que inspiraria antropólogos como F. Boas a
desenvolver as suas reflexões sobre as culturas humanas. Esta concepção
da identidade como oriunda de dentro de cada ser, explica Taylor, daria
origem ainda a uma “política da diferença” que visa ao reconhecimento
da identidade única, singular de indivíduos ou grupos. Podemos perceber
com clareza em nossos dias uma das consequências deste desenvolvimento:
a reivindicação por reconhecimento já se tornou uma mola propulsora da
ação política, tanto individual quanto coletiva.
Entretanto, diferentemente da “identidade socialmente derivada”, a
“identidade interiormente derivada”, que agora passa a ser “pessoal e
original”, já não goza de um reconhecimento a priori. A partir da “virada
da subjetividade” provocada pela modernidade, o reconhecimento precisa
ser conquistado ativamente pelos sujeitos. E isto só é possível, segundo
Taylor, por meio do diálogo e da luta permanente com outros relevantes
(Hegel). A autodefinição, que supõe a aquisição de linguagens humanas
de expressão repletas de significado, só pode ocorrer por meio de “interações comunicativas” e da disputa com outros “eus importantes”. Ora, se a
formação bem como a manutenção da identidade é dialógica, isto implica
a negociação com terceiros, o que, por sua vez, supõe o reconhecimento.
Vários sociólogos importantes (como p.ex. Hall) já chamaram a atenção
para o fato de que a idéia da “identidade” ganha importância apenas com
a “modernidade”. Alguns autores (Dittrich e Radtke) argumentam que a
pergunta “quem sou eu?” cria incertezas apenas a partir do momento em
que já não há uma explicação hegemônica do mundo (crise das grandes
religiões, crise das ideologias), a partir do momento em que várias interpretações do mundo começam a se estabelecer numa única sociedade
e “convivem” numa relação de concorrência. Assim, Stuart Hall (2001,
p. 39), por exemplo, afirma que a preocupação com a identidade surge
devido à falta de “inteireza”.
Segundo Hall, as transformações no mundo pós-industrial, a dinâmica
acelerada (a mobilidade, as novas formas de transporte, as novas formas
de comunicação), as fragmentações e os novos arranjos na organização
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social e na organização dos espaços que o capitalismo moderno tem ocasionado em todos os âmbitos da vida social, fariam com que os indivíduos
e os grupos já não se sentissem “totalidades coesas”. Hoje, na era da pósmodernidade, há cada vez mais indícios de que a coerência das coisas e dos
sujeitos está se esvaindo. Os indivíduos envolvem-se em múltiplos processos
identitários paralelamente, a partir dos quais parecem estar “bricolando”
os “seus” significados. Assim, a fixação de qualquer identidade torna-se
sempre temporária e provisória.
Mais recentemente, o tema da “identidade” ganharia uma nova importância dentro da sociologia, a partir do momento em que alguns autores,
hoje geralmente associados aos estudos pós-coloniais, começaram a fazer
críticas às premissas da teoria da modernização (COSTA, 2006, p. 83-85),
chamando a atenção, entre outras coisas, para o fato de que a noção clássica
do sujeito cartesiano iluminista constituiria, acima de tudo, um ideário
construído no momento da expansão colonial, uma “autorepresentação”
que visaria afirmar um self europeu em oposição aos colonizados em ultramar. Tanto o “sujeito racional iluminista”, que se fundamenta numa
identidade autocentrada, formulada pela razão, quanto a noção mais
moderna do “sujeito sociológico”, que se forma e se transforma por meio
de diálogos com outras identidades e outros mundos culturais externos,
propagariam e afirmariam a existência de uma espécie de essência interna
nuclear do ser humano (um “eu verdadeiro”).
De acordo com autores como Hall, esta idéia da “identidade completa”,
que está presente tanto no sujeito cartesiano como no sujeito sociológico,
nunca se realizou, nem mesmo no mundo ocidental, e revela-se hoje o
produto de uma fantasia ocidental que não se sustenta mais diante da
enorme variedade de identidades possíveis (HALL, 2001, p. 7). A partir
de reflexões como estas, a questão das diferenças seria repensada não
somente no plano dos indivíduos, mas também no plano das coletividades.
Princípios destes questionamentos podem ser percebidos nos chamados
“estudos culturais”, que se desenvolveram na Grã-Bretanha, especificamente, em torno do Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS)
em Birmingham. Partindo de preocupações diferentes daquelas da antropologia clássica, os estudos culturais tendem a abordar a cultura, em
primeiro lugar, como um campo no qual disputas por poder,10 conflitos
em torno de significados e processos de identificação e diferenciação são
articulados e negociados. Ou seja, ao invés de destacar a força integrativa
10
Ao argumentar que os estudos culturais concebem a cultura como um campo (espaço) dentro do qual as
relações de poder são negociadas, Marchart defende a idéia de que, no fundo, a categoria central dos estudos
culturais não é a da cultura, mas a da política. O autor usa, evidentemente, uma noção dilatada do conceito
de política, algo que ele chama de „práticas de fixação hegemônicas que embarcam todo campo social [...] e
não somente o sistema político“ (MARCHART, 2008, p. 222).
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e homogeneizadora das culturas, os estudos culturais procuram chamar
a atenção para a ausência de consensos em questões relacionadas a valores e significados nas sociedades atuais. Ao trabalhar especialmente com
recortes de classe social, gênero, idade e grupos étnico-raciais, procuram
entender a criação e reformulação de diferenças e fronteiras inerentes
ao processo da modernização e da chamada globalização. No fundo, o
foco analítico giraria em torno de três conceitos básicos: cultura, poder
e identidade.
Sabe-se que os estudos culturais passaram, desde a sua fundação, por
várias fases e sofreram diferentes influências que marcariam as suas análises. Assim, um dos pioneiros dos estudos culturais, Raymond Williams,
que partia de uma perspectiva marxista (materialismo cultural), recorreu
à noção da hegemonia, elaborada por Gramsci, para repensar a idéia
de cultura e, desta forma também, criticar a relação mecanicista que, de
acordo com ele, marcava o modelo marxiano clássico que opunha infraestrutura a superestrutura. Outra fonte de inspiração seriam as idéias de
Althusser sobre a noção de ideologia e, no caso de alguns autores, certas
reflexões psicanalíticas (Lacan). A partir da década de 1970, concepções
estruturalistas e pós-estruturalistas começaram ganhar mais importância,
de maneira que em muitos trabalhos mais recentes sobressaem-se, por
vezes, reflexões teóricas que seguem premissas da análise de discurso
(Foucault,11 Derrida).
Num dos seus ensaios, “A identidade cultural na pós-modernidade”
(HALL, 2001), Stuart Hall, figura central na consolidação dos estudos
coloniais – foi diretor do CCCS de 1968 a 1987 –, analisa o efeito do
fenômeno da globalização sobre as identidades coletivas. Quanto mais a
vida social se torna mediada pelo mercado global, afirma Hall, tanto mais
ganhamos a impressão de que as identidades flutuam livremente, como
que desvinculadas de tempos, lugares, histórias e tradições específicas.
“Somos confrontados por uma gama de diferentes identidades”, escreve
11
As reflexões de Foucault sobre a relação entre discurso, saber e poder teriam um impacto importante sobre
diversos pesquisadores ligados aos estudos culturais e pós-coloniais. A rejeição da noção de poder como um
objeto que pode ser possuído por determinados sujeitos e/ou grupos e o reconhecimento do poder como
uma força não somente repressiva, mas também produtiva que permeia o corpo social e opera como um
regime de verdade levou Foucault a concentrar sua reflexão nos discursos que ele entende como práticas
que formam e moldam, de maneira sistemática, objetos e pessoas a respeito dos quais eles falam. Na medida
em que Foucault compreende que os discursos nunca apenas descrevem, mas criam relações e canais de
autoridade, constroem e posicionam os sujeitos, a noção de representação deixa também de ser mero “retrato
da realidade”: passa agora a ser constitutiva dos sujeitos e do mundo no qual eles vivem e se articulam. Ao
abordar os discursos como campos do poder que produzem significados e posicionam e ordenam sujeitos,
Foucault também abriu, implicitamente, o caminho para o desenvolvimento de um “outro olhar” sobre a
questão das “diferenças culturais e/ou identitárias”, que não deixa de pôr em xeque perspectivas clássicas
desenvolvidas na disciplina da antropologia (FOUCAULT, 1980, 1982).
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o autor, “dentre as quais parece possível fazer uma escolha” (HALL,
2001, p. 75). Este “efeito de supermercado cultural” seria potencializado
ainda pela difusão do consumismo. Ao mesmo tempo, Hall chama ainda
a atenção para tentativas de reconstruir identidades purificadas que
buscam restaurar a coesão, “fechar a tradição” frente ao hibridismo e à
diversidade. Neste contexto, refere-se a fenômenos recentes, tais como o
do “fundamentalismo”, que ele caracteriza como uma forma de revival do
nacionalismo e do absolutismo étnico e religioso (HALL, 2001, p. 92-94).
No fundo, Hall aponta três possíveis consequências da globalização para
a formação das identidades: a) desintegração das identidades nacionais,
em decorrência de processos de “homogeneização cultural”; b) fortalecimento das identidades nacionais e de outras identidades locais como
“respostas” à globalização; e c) surgimento de novas identidades híbridas
(HALL, 2001, p. 69). O autor detecta, portanto, forças contraditórias que
se manifestam como uma tensão entre o global e o local. Ao lado de uma
tendência que aponta para a homogeneização global, articula-se também
um fascínio, cada vez mais forte, pela diferença e pela mercantilização
da “etnia” e da “alteridade”. Ou seja, juntamente com o impacto do
“global”, surge um novo interesse pelo “local”.
Hall lembra, neste contexto, que nem o liberalismo, nem o marxismo previam um “tal resultado”. Tanto liberalismo quanto marxismo sustentavam
que o apego ao local daria gradualmente lugar a valores e identidades
mais universalistas e cosmopolitas. Entendiam que o nacionalismo e a
etnia eram formas arcaicas de sociabilidade – algo que seria “dissolvido”
pela força revolucionária da modernidade. De acordo com essas “metanarrativas” da modernidade, previa-se que os “apegos irracionais” e/ou
afetivos ao local e ao particular seriam gradualmente substituídos por
identidades mais racionais e universalistas. Entretanto, escreve Hall, a
globalização não parece estar produzindo nem o triunfo do “global”,
nem a persistência do “local” (HALL, 2001, p. 97).
Percebe-se que em diversos trabalhos dos estudos culturais (Grossberg e
Hall), a identidade começa a ser tratada como um efeito do poder. A idéia
da identidade e da diferença centrar-se-ia na seguinte questão: quem
tem o poder de definir quem fará parte do grupo e quem não; quem
será incluído e quem será excluído? Partindo de uma tal perspectiva, a
identidade apresentava-se, evidentemente, como uma questão fundamentalmente política. Juntamente com esta reflexão, articulou-se uma
crítica aos modelos binários tidos como característicos do pensamento
ocidental moderno, que teriam fundamentado e petrificado as diferenças
entre “nós” e “os outros” e que impossibilitariam uma melhor compreensão das relações de poder.
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Desestabilizando os binarismos
Preocupações como estas orientarão os trabalhos de autores chamados de
pós-coloniais, cujas reflexões se sobrepõem e se mesclam, por vezes, com
as dos estudos culturais. Nas suas análises, a questão da identidade está
diretamente ligada à articulação de uma crítica à história do Ocidente,
ao colonialismo, e mais especificamente, às grandes narrativas que, de
acordo com eles, criaram uma oposição entre o Ocidente e o “resto do
mundo”.
Incorporando premissas teóricas fundamentais de Foucault a respeito
da relação entre discurso, saber e poder, a perspectiva pós-colonial faria
críticas viscerais às formas de representação que o Ocidente moderno
desenvolveu. Sustentaria que as idéias discriminatórias sobre os chamados selvagens e primitivos foram fulcrais para fundamentar a criação da
idéia iluminista de um sujeito autônomo que se entende como autodeterminado e superior em relação aos “seres não civilizados” (VARELA,
2005, p. 16). Uma grande preocupação dos pós-coloniais seria, portanto,
denunciar como a articulação dos diversos binarismos criados pelo discurso colonial (nós-eles, colonizadores-colonizados, cidadão-súdito etc.)
guia não somente a produção de conhecimento, mas justificou também
intervenções políticas que incluíam, com frequência, o uso da violência.
No livro Orientalismo, publicado em 1978 e frequentemente lembrado
como texto fundacional do pós-colonialismo, Edward Said procura
mostrar como o discurso colonial produziu ao mesmo tempo os sujeitos
colonizadores e os colonizados e, mais especificamente, como o Oriente foi
“inventado” por construções narrativas elaboradas por “orientalistas”, ou
seja, por pessoas que se diziam peritos em assuntos orientais. Argumenta,
portanto, que os textos dos especialistas ocidentais não teriam criado
somente conhecimento, mas teriam gerado a própria realidade que eles
pretendiam descrever. Embora Said entenda que a idéia do Oriente é
produto de um discurso dominante, ele a desqualifica, paradoxalmente,
como uma representação “errônea”, o que significa implicitamente que
ele imagina haver uma representação “correta” do Oriente.
Uma nova geração de pensadores pós-coloniais criticaria, portanto, que
a abordagem de Said, que denuncia a oposição entre Ocidente e Oriente
como decorrência de uma estrutura de dominação, não põe em xeque
este dualismo, mas contribui, em última instância, para estabilizá-lo e/
ou aperfeiçoá-lo. Autores como Homi Bhabha detectam na obra de
Said uma perspectiva ainda totalizante que continua tratando tanto o
Oriente como o Ocidente como entidades homogêneas e essencializadas.
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De acordo com Bhabha (1994, p. 72), ao insistir na estrutura binária
clássica entre colonizador e colonizado, Said recusa-se a refletir sobre
ambivalências e ambiguidades que surgem nos processos de colonização,
as quais Bhabha concebe como fontes essenciais para o surgimento de
projetos contra-hegemônicos.
Bhabha entende que o discurso colonial nunca foi tão uniforme como
ele próprio se apresentava e não foi capaz de operar por meio de uma
forma tão incontestável, sem distúrbios e irrupções como sugere a análise
de Said. As identidades por meio das quais o colonialismo pretendeu
fixar “senhores” e “subjugados” revelaram-se – surpreendentemente
– instáveis e frágeis, afirma Bhabha, o que permite a ele questionar a
própria existência de uma oposição binária clara entre colonizadores e
colonizados. Para ele, os sujeitos colonizados teriam, sim, a possibilidade de iniciar processos de negociação e questionamentos nas fissuras
do discurso dominante; desta forma, seria possível causar fricção no
processo colonizador.
Na sua argumentação, Bhabha baseia-se também em reflexões fundadas
na análise de discurso. Afirma que a tentativa de fixar o significado não
podia ser alcançada plenamente, uma vez que no processo de “tradução”
de idéias particulares e de teorias produzidas na metrópole surgiriam
inevitavelmente hibridações. O contexto colonial não permitiria uma
repetição do original sem modificação, de maneira que o processo de
tradução – a repetição num outro contexto – abrirá inevitavelmente
brechas e fissuras no “texto” original.
Ao operar com conceitos como hibridação, “mímica”, e “terceiro espaço”,
Bhabha procura não apenas reavaliar o tema da resistência, mas também
elaborar um novo quadro conceitual para tematizar a questão da diferença em si. Assim, a noção da mímica, concebida como uma “repetição
com diferença”, ajuda-o a defender a idéia de que a imitação no contexto colonial não deve ser vista meramente como um ato de submissão
incondicional ao colonizador. Pelo contrário: o seu lado escorregadio
faria com que ela se tornasse ao mesmo tempo semelhança e ameaça; e
faria, portanto, com que ela pudesse ter um potencial subversivo, qual
seja, o de minar as grandes narrativas do colonialismo.
Seguindo este raciocínio, Bhabha referir-se-ia à hibridação não como
uma junção de dois elementos que dão vida a um terceiro, mas muito
mais como aquilo que ele denomina “terceiro espaço”: um momento
que torna possível novos posicionamentos dos sujeitos; um momento em
que os signos são deslocados de seu referencial hegemônico e ainda não
foram inscritos num outro sistema de representação totalizante. É este
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deslocamento que, para Bhabha, caracteriza o momento da hibridação
do signo (BHABHA, 1994, p.185).12
Percebe-se que na análise de Bhabha a diferença já não é tratada como
uma fronteira entre dentro e fora, mas transforma-se num locus dentro
do “próprio centro” (HEIN, 2006, p. 41-42). A transposição das fronteiras
para o interior das culturas transforma a cultura num lugar incerto de
significação. Com o desaparecimento de fronteiras nítidas entre as culturas, surgem sobreposições e interstícios (o “terceiro espaço”) aos quais
Bhabha atribui a origem de inovações e transformações. Autores como
Bhabha vêem, portanto, nas classificações binárias o modo ocidental,
logocêntrico de apreender o mundo que teria constituído a base para a
construção das estruturas modernas de dominação. Estas classificações
teriam criado a ilusão de representações completas – “bem acabadas” –
que não deixam resíduos. Para argumentar contra tais essencialismos, os
autores pós-coloniais recorrerão a reflexões do filósofo francês Derrida
sobre a “différance”.
As reflexões de Derrida partem da constatação de que nenhum contexto
discursivo particular esgota plenamente o repertório de significações
atribuíveis a um signo; e que significantes e significados nunca se correspondem inteiramente. A seguir, ele explica que palavras (signos) não
são a “coisa em si”; isto é, o signo não é uma presença (ele não coincide
com a coisa). Mas, esclarece este pensador, nós temos a ilusão de ver o
signo como uma presença, ou mais exatamente, nós temos a ilusão de
ver no signo a presença do referente, embora saibamos que o referente
só exista como traço de uma presença que nunca se concretiza.
De acordo com este filósofo, o signo carrega em si o traço daquilo que
ele substitui e o traço daquilo que ele não é, ou seja, precisamente a diferença. Assim, Derrida entende também que palavras (signos) podem
ser definidas somente por meio de outras palavras das quais elas diferem
(différer). Desta maneira, ele chega a formular que o significado é adiado
(différé) por meio da articulação de uma cadeia infinita de significantes.
Em suma, de acordo com Derrida, o signo é caracterizado por duas
características ou duas noções contempladas pelo verbo francês différer:
a) pelo adiamento da presença; b) pela diferença relativamente a outros
signos. São estas as duas características essenciais, que sintentizam o
12
Para Bhabha, o momento da hibridação é fortuito, aleatório; é uma interação contingente que independe
da vontade dos sujeitos. Ou seja: de acordo com estas idéias, o ato subversivo não pode ser controlado, em
última instância, pelos sujeitos. Desta forma, a concepção teórica de Bhabha não abre espaço para abordar
aquilo que outros autores chamam de agency. Costa avalia que é impossível extrair das idéias de Bhabha uma
teoria ou estratégia para a resistência e/ou para a transformação social, como diversos movimentos sociais
vêm fazendo (COSTA, 2006, p. 94, 100-102).
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neologismo “différance” criado por Derrida e que fundamentam, em
termos teóricos, o rompimento com a idéia da “diferença preexistente”
(“diferença ontológica”). E é a instabilidade inerente à produção de
significado, descrita pelo termo “différance”, que serve aos pós-coloniais
também como argumento de que a “prisão simbólica” imposta pelos discursos hegemônicos discriminatórios e estereotipados pode ser rompida
e que, portanto, as lutas contra-hegemônicas fazem sentido.
Podemos perceber que diversos autores ligados ao pós-colonialismo recorreram, de fato, à idéia da “différance” para fundamentar o combate
àquela grande narrativa que opõe o Ocidente ao resto do mundo (“The
West and the rest”, nas palavras de Hall). Entende-se que este discurso,
que remonta ao período colonial, tem reduzido a história moderna a
uma ocidentalização paulatina e heróica do mundo, omitindo ao mesmo
tempo que, por meio da expansão colonial, diferentes historicidades
e temporalidades foram violentamente fundidas e mescladas (HALL,
2003, p. 113-115).
A descontrução desta polaridade (West/rest) torna-se, portanto, um dos objetivos mais importantes do projeto pós-colonial. Trabalhos pós-coloniais
mais recentes têm investido, inclusive, na construção de soluções teóricas que permitam servir de base a lutas contra-hegemônicas que sejam
distintas de uma mera inversão da valorização deste par conceitual “o
Ocidente e o resto”. Percebe-se, portanto, que a maioria dos pós-coloniais
atuais já não se contenta com as “estratégias de inversão”, elaboradas
pelos movimentos anti-colonialistas e anti-racistas históricos, tais como,
por exemplo, o panafricanismo e a negritude: estratégias que teriam
buscado atribuir conotações positivas àqueles conceitos (por exemplo,
à categoria “negro”) que teriam posto os não-ocidentais não apenas em
oposição, mas também numa posição subalterna em relação ao “mundo
ocidental civilizado”.
Para os pós-coloniais, não se trata mais de dar voz aos oprimidos. Busca-se
agora uma descolonização da própria imaginação, da maneira de pensar.
Este raciocínio aponta para uma crítica que não seja simplesmente anticolonialista, seguindo os exemplos históricos. Compreende-se agora que
a luta anti-colonial “clássica” ocorreu ainda dentro da episteme colonial;
aponta-se para o fato de que esta luta se deu, ainda, por meio da “reificação”, isto é, por meio da fixação da suposta diferença entre o colonizador
e o colonizado, na forma de movimentos nativistas e nacionalistas. O
ponto aqui é a constatação de que a estratégia contra-hegemônica predominante não rejeitava a essencialização das diferenças (as oposições
colonizador-colonizado, branco-negro), mas buscava apropriar-se dos
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conceitos reificados impostos com o objetivo de atribuir-lhes novos significados de teor afirmativo e positivo (por exemplo, “black is beautiful”).
Os pós-coloniais exigem, no entanto, uma outra atitude.13 O objetivo
declarado é a descontrução de todo tipo de essencialismo na concepção
das diferenças humanas: exige-se agora a diluição crítica de todas aquelas fronteiras vistas como legados do colonialismo, de um lado, e das
lutas anti-coloniais, de outro lado (COSTA, 2006, p. 89). Desta forma, o
projeto pós-colonial procura, no fundo, “reinscrever” o colonizado na
modernidade; entretanto, não mais como “o outro” do Ocidente, e sim
como parte integrante e constitutiva daquilo que foi construído – discursivamente – como moderno.
Reflexões pós-estruturais, que têm marcado profundamente o ideário
pós-colonial, abriram novas perspectivas para pensar o(s) sujeito(s) e
a(s) identidade(s) individuais e coletivas. Ao invés de abordar os sujeitos
como “substâncias” (identidades independentes), passa-se a concebêlos como construções discursivas: como sinais flutuantes nas cadeias de
significação que perdem e ganham a sua significação no jogo semântico
da diferenciação (COSTA, 2006, p. 98-99). Compreende-se, portanto,
que sujeitos e identidades são parte das cadeias de significação. Não são
anteriores à linguagem, mas construídos dentro de discursos.
Os pós-coloniais argumentam, assim, que são os discursos que produzem
um lugar para o sujeito, que abrem um espaço para um posicionamento. “Articulação” é o conceito-chave usado por Hall para descrever este
13
Embora adepta do desconstrutivismo, Spivak admite que em determinadas situações históricas grupos
subalternos precisam recorrer ao “essencialismo estratégico”, que ela entende como uma prática subversiva
com um objetivo político claro. Ela adverte, porém, que o essencialismo estratégico deve ser usado por um
tempo determinado; caso contrário, pode provocar abusos e atitudes totalitárias (SPIVAK, 1998). Autores
como Hall e Gilroy reconhecem também a importância dos movimentos históricos negros que organizaram
a resistência contra o colonialismo e o racismo em torno de uma noção essencializada de identidade. Mas
reivindicam, ao mesmo tempo, uma revisão desta estratégia. Hall argumenta que “[n]ão existe garantia,
quando procuramos uma identidade racial essencializada da qual pensamos estar seguros, de que esta
sempre será mutuamente libertadora e progressista em todas as outras dimensões” (HALL, 2003, p. 347).
Se nos basearmos em noções essencializadas de identidade, será impossível fazer uma crítica a oprimidos
que podem ser também opressores de oprimidos. “Chegamos ao fim da inocência”, ao fim da imaginação
inocente de “sujeitos negros essencializados”, conclui Hall (apud SOLOMOS, 2002, p. 166).
De forma semelhante, Paul Gilroy tem atacado, nos seus escritos mais recentes, o uso do conceito “raça”
pelo discurso militante negro e por partes da cultura negra, uma vez que considera que a idéia de raça está
muito comprometida com as atrocidades da modernidade (colonialismo, imperialismo, escravidão e fascismo), tendo desumanizado tanto as vítimas como aqueles que se beneficiam do discurso racial. Ele acredita
que invenções tecnológicas e inovações nas áreas biológicas e médicas possibilitarão transformar a nossa
visão sobre o corpo humano e, desta forma, contribuirão para desafiar os velhos discursos da “raciologia”
científica. Diferentemente daqueles que rejeitam o conceito de raça por considerá-lo não-científico, Gilroy
entende que o legado da raça (raciologia) não pode ser simplesmente negado; primeiro há de se reconhecer
a força deste ideário e confrontar-se com esta história para, num segundo passo, poder superá-la. Este seria
o caminho para conseguirmos construir um pensamento pós-racial (GILROY, 2000, p. 37,43).
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posicionamento e reposicionamento constante dos sujeitos: nesta linha
de argumentação, articular quer dizer tanto expressar uma idéia como
conectar diferentes elementos a uma nova unidade. Portanto, de acordo
com a abordagem pós-colonial, sujeitos e discursos constituem-se simultaneamente; ou melhor: indivíduos e coletivos só podem se articular por
meio de discursos. Com o uso do termo “novas etnicidades”, cunhado
por Hall (1991), a perspectiva pós-colonial posiciona-se contra as velhas
concepções essencializadas de grupo étnico e procura enfatizar exatamente esta dimensão discursiva na construção das identidades coletivas.
Podemos perceber, portanto, que esta noção pós-colonial de identidade
compartilha com a perspectiva antropológica alguns pontos: a) a postura
anti-essencialista; b) a idéia de que a identidade deve ser tratada como um
processo contínuo, como uma construção social que é articulada (definida
e redefinida) dentro de contextos sociais e históricos específicos; e c) a
idéia de que os processos de identificação são permeados por interesses,
disputas por poder, conflitos etc., e articulam-se hoje frequentemente em
consonância com estratégias de luta política que visam à implementação
de direitos especiais (individuais ou coletivos).
Comentamos também que um dos grandes objetivos da reflexão póscolonial é elaborar uma crítica ao mundo ocidental, às teorias clássicas
da modernização: busca-se desestabilizar e, quiçá, superar os binarismos
ocidentais vistos como uma espécie de ferramenta que tem legitimado a
repressão, a exclusão e a discriminação de grandes partes da humanidade. Vimos ainda que a incorporação da idéia da différance no pensamento
pós-colonial serviu aos cientistas como instrumento para questionar e
rejeitar o pressuposto moderno a respeito da identidade substancialista
dos sujeitos. E mais: possibilitou também a articulação de idéias que
visam a derrubar concepções homogêneas e essencialistas de identidade, cultura e de raça, além de ter ajudado a fortalecer tendências que
procuram valorizar a diversidade, a multiplicidade, a heterogeneidade
e os hibridismos nas vivências humanas.
A perspectiva antropológica, de outro lado, presta-se evidentemente
também a desenvolver críticas às consequências, muitas vezes nefastas,
do colonialismo e capitalismo para as diversas populações mundiais. Ao
mesmo tempo, tem-se concentrado, tradicionalmente, sobretudo na compreensão da produção cultural local e nas estratégias que os pesquisados
elaboram, recorrendo às “tradições” locais e transformando-as na interação frequentemente conflituosa com “outros mundos” – num processo
em que ocorrem apropriações, traduções, hibridismos e sincretismos.
Poderíamos dizer que enquanto os pós-coloniais aproximam-se da questão da diferença “de fora para dentro”, centrando a sua reflexão numa
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perspectiva mais macro, a antropologia tende a inverter a direção do
percurso analítico: busca uma compreensão da diferença que parte “de
dentro” para, a partir daí, olhar “para fora”. Se o “lado forte” das pesquisas antropológicas sempre foi o trabalho etnográfico minucioso que cria
uma sólida base para a compreensão das alteridades, o olhar relativizante
que abriu as portas para compreender de dentro “outras culturas” fez
com que não poucas monografias clássicas tendessem a evitar abordar
questões como conflito, poder, discriminação e desigualdade. Não é por
acaso que estudos antropológicos que seguem o modelo do relativismo
clássico foram e são acusados de justificar desigualdades sociais, atos
de violência e de discriminação. De fato, são relativamente poucos os
antropólogos que se dedicaram ao estudo de tais temas espinhosos; e
são poucos os que participam dos grandes debates públicos atuais em
torno de reflexões que envolvem diretamente a questão das diferenças,
tais como políticas de identidade, multiculturalismo, direitos humanos,
migração etc. (cf. a crítica de ERIKSEN, 2006).
De outro lado, pode-se perceber que os estudos pós-coloniais não desenvolveram nenhum interesse específico em investigar a existência e
importância de diferentes formas de pensar e de organização social,
ou ainda de diferentes sistemas de valores, éticas e ontologias — e não
investiram, portanto, na elaboração de nenhum instrumental teórico
que permitisse estudar funções, padrões ou estruturas culturais etc. Em
várias abordagens ganha-se a impressão de que os autores rejeitam a
possibilidade de pensar cultura como algo que possa orientar a percepção e a ação dos sujeitos. Vimos que já os estudos culturais “clássicos”
trataram as culturas, em primeiro lugar, como um espaço dentro do qual
as relações de poder são negociadas. Sherry Ortner localiza nos estudos
que seguem a orientação pós-colonial14 um certo paradoxo. De um lado,
pretendem abrir espaço para a articulação de formas de resistência contra as grandes narrativas e projetos hegemônicos; de outro, recusam-se
a conhecer de perto e a falar sobre os mundos daqueles que resistem.
Para esta antropóloga norte-americana, a atitude dos pós-coloniais desestimula a prática etnográfica e enfraquece as culturas, tende a torná-las
ralas (thinning culture15). A dissolução do sujeito em “efeitos subjetivos”
não pode ser a única resposta à noção do sujeito reificado, reivindica
14
Ortner refere-se aqui especificamente aos chamados “subaltern studies“ que se inspiram nos trabalhos
desenvolvidos por Gayatri Spivak (“Can the subaltern speak?”, 1998).
15
Sahlins tem se preocupado igualmente com o impacto dos pensamentos foucaultiano e gramsciano sobre o
estudo da(s) cultura(s). Num texto repleto de aformismos e expressões sarcásticas, Waiting for Foucault, still,
este eminente defensor do conceito antropológico de cultura contra-ataca ao afirmar, entre outras coisas,
que uma certa vanguarda de pesquisadores teria transformado o poder numa espécie de “buraco negro
intelectual” que engole os mais diversos conteúdos culturais. Num outro trecho, Sahlins critica explicitamente
o “modismo” de substituir o conceito de cultura pelo de discurso (2002, p. 20, 61).
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Ortner. Ao invés de desconstruir os sujeitos, dever-se-ia mostrar como
os agentes sociais são socialmente e culturalmente construídos e como
cada cultura, cada subcultura e cada momento histórico constrói sua
própria forma de agenciamento (agency), seus próprios modos de implementar o processo de refletir sobre o self e o mundo [...]”. “Agency
não é uma entidade que exista à parte da construção cultural [...]
(ORTNER, 2006, p. 57).
No fundo, poderíamos dizer, seguindo a crítica de Ortner, que tanto a
perspectiva pós-moderna quanto a pós-colonial “mais radical” tendem
a transformar “o outro” num “efeito do(s) discurso(s)”. Neste contexto,
é bom lembrarmo-nos de que lugar os pós-coloniais nos falam, levando
a sério, desta forma, uma exigência analítica dos próprios autores póscoloniais: em muitos casos, trata-se de vozes de intelectuais provenientes
do chamado Terceiro Mundo (por exemplo, Hall, Said, Spivak, Bhabha)
que atuam em universidades européias ou estadunidenses e, aparentemente, preocupam-se, em primeiro lugar, com uma inserção mais justa
dos “povos periféricos” no mundo da globalização. Assim, as suas reflexões são permeadas, não raras vezes, por perspectivas mais normativas.
Se voltarmo-nos para o complexo exemplo do hijab, com o qual abrimos
este ensaio, podemos afirmar que tanto a perspectiva antropológica
como a pós-colonial podem nos fornecer orientações teóricas válidas e
competentes para a compreensão deste emaranhado multifacetado de
significantes e significados. Assim, a interpretação do véu como sinal da
luta contra forças assimilacionistas não precisa obrigatoriamente contradizer a interpretação do hijab como símbolo da submissão da mulher. A
avaliação depende não somente dos diferentes pontos de vista culturais/
societais, mas depende também de processos no fundo imprevisíveis que
ocorrem na articulação dos signos. Se os estudos antropológicos chamam
a nossa atenção, em primeiro lugar, para os diferentes significados que
são produzidos pelos diversos grupos humanos nos diversos contextos
culturais, os ensinamentos pós-coloniais alertam, entre outras coisas,
não somente para o impacto que os discursos hegemônicos têm sobre
as formas de representação, mas também para a instabilidade e provisoriedade na produção dos significados em si.
Em muitas análises, podemos perceber hoje, inclusive, bricolagens e
mesclas criativas das mais diversas concepções teóricas. Se estes arranjos
e sobreposições podem ser justificados como adaptações às necessidades
da complexidade pós-moderna, parece-me importante não perdermos
de vista as premissas muitas vezes divergentes embutidas em cada uma
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dela. Não para construirmos muros ou reafirmarmos fronteiras entre
disciplinas ou tradições analíticas, mas para o bem da compreensão e da
reflexão. É que toda concepção teórica aponta para alcances analíticos e
vieses de interpretação específicos, de maneira que diferenças e diferenças
não dizem sempre respeito à mesma coisa.
Acredito que as análises antropológicas podem aprender com várias das
críticas pós-coloniais e devem procurar incorporá-las; como entendo
também que os estudos pós-coloniais devem ser enriquecidos por preocupações mais antropológicas. Talvez assim venha a ser possível darmos
melhor conta da complexidade e sutileza analíticas que o “estado” deste
mundo cada vez mais globalizado requer. Mas para isto, ainda serão
construídas pontes teóricas mais seguras entre estas duas perspectivas.
Abstract
Concepts like culture and identity are no monopoly of any particular
academic discipline. There is instead a dispute, rarely explicitated, over the
use of and the analytical value attributed to those categories. This article
intends to deepen the reflexion about the way how Anthropology and the
Cultural and Postcolonial Studies have dealt with the problem of difference,
specifically with the topic of identity in the contemporary world affected
more and more by what usually is called globalization. It intends to show
convergences and divergences between different academic traditions and
argues for a mutual inspiration between them in order to overcome analytical
weaknesses localized in each of them.
Keywords: difference; identity; anthropological theory; postcolonial theory.
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Véronique Boyer*
A construção do objeto quilombo:
da categoria colonial ao conceito antropológico**
Após a promulgação do artigo 68 na Constituição
brasileira de 1988, a antropologia começa a se
interessar pela “emergência” de uma identidade
quilombola numa sociedade que associa o quilombo ao
passado. Pesquisadores pretendem submeter a noção
antiga de quilombo a um processo de ressemantização,
no intuito de transformá-la num conceito pertinente
para apreender a realidade de novas formas de
mobilização política. Para entender qual seria a
singularidade dos grupos chamados quilombolas, os
autores refletem sobre a natureza de suas diferenças
com o resto da população, bem como tentam identificar
os domínios da vida social, cultural e política onde
se manifestam. Este artigo se propõe a examinar os
rumos desta reflexão antropológica sobre o quilombo,
chamando atenção para o que é comum a todas as
abordagens, mas também para o que as distingue,
indicando em que termos – pressupostos e perspectivas –
as análises foram desenvolvidas.
Palavras-chave: quilombo; antropologia; resemantização; Brasil.
*
**
CNRS/MASCIPO
Pelas reflexões críticas e
estimulantes observações,
quando da leitura da primeira versão deste artigo,
agradeço a Patricia Birman,
Agnès Clerc-Renaud e Mariana Pantoja. E pela leitura
atenta de uma versão mais
adiantada, agradeço ainda
a Anne-Marie Losonczy,
embora assuma toda a responsabilidade pelas análises
aqui propostas
132
Num artigo publicado em Afro-ásia, o antropólogo americano Richard
Price (2000, p. 264) sugere ao governo do Suriname se inspirar do
exemplo do seu vizinho brasileiro para garantir os direitos territoriais
dos Saramaka, um dos grupos oriundos dos descendentes de escravos
africanos fugitivos na região guianense. Pois, cem anos após a abolição, o
Brasil se comprometeu oficialmente a assegurar a proteção dos quilombolas, o artigo 68 da Constituição de 1988 estipulando explicitamente que
o Estado deve reconhecer o seu direito à propriedade da terra:
Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o
Estado emitir-lhes títulos respectivos.
No mesmo ano, o governo institui por lei federal, uma estrutura administrativa encarregada de “formula[r] e implanta[r] políticas públicas
que têm o objetivo de potencializar a participação negra brasileira no
processo de desenvolvimento, a partir de sua história e cultura”.1 No seu
site, a Fundação Cultural Palmares (Fcp) anuncia já ter contabilizado 1 289
“comunidades remanescentes de quilombo” suscetíveis de beneficiarem-se
do artigo 68, mas indica que o conjunto totalizaria 3.524. Este último
número poderia se revelar ainda abaixo da realidade já que, segundo
O Estado de São Paulo,2 organizações não-governamentais as estimam
em 5 mil. Grupos que aspiram ao reconhecimento como quilombolas
aparecem no território de todos os Estados – com exceção de Roraima
e do Acre e com uma concentração maior na Bahia, no Maranhão, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Sul. O aumento
significativo na quantidade de “comunidades quilombolas” (que as
atribuições efetivas de terra têm dificuldade de acompanhar)3 acontece
assim a partir do momento em que ser quilombola significa ter acesso a
direitos diferenciados.
Jean-François Véran indicou que, promulgado na ocasião do centenário
da Abolição, o artigo 68
apareceu como uma concessão simbólica obtida pelos movimentos militantes […] para reabilitar a experiência histórica da resistência à escravidão frente a tese dominante de uma ‘escravidão dócil’ (1999, p. 54).
1
Cf. <http://www.palmares.gov.br/ >.
2
Cf. edição do dia 4/ 01/ 2009, disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/geral,grupos-temdificuldade-para-provar-origens-quilombolas,302630,0.htm>. O nome destas ONGs não está citado.
3
Se, en junho de 2009, 102 títulos de propriedade dizendo respeito a 95 territórios quilombolas tinham sido
emitidos, 830 demandas ainda estavam esperando (Incra, jun. 2009).
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Com efeito, para o movimento negro, a presença destes grupos rurais
testemunha da “continuidade do espírito de resistência” (VERAN, 1999,
p. 59), outrora ao esclavagismo e agora ao sistema capitalista. A idéia
de “remanescência do quilombo” se construiu desta forma a partir da
“relação entre um objeto histórico e um projeto político” (1999, p. 4).
Na sua relevante análise das disputas e negociações entre os diferentes
atores sociais para dar um sentido à noção, J.-F. Véran nota que os antropólogos ocupavam um lugar de destaque ao lado dos militantes, dos
representantes das instituições e dos juristas.
Entretanto, a antropologia tinha-se desinteressado pelo quilombo durante
quase 30 anos. Do fim do século XIX, nos anos 1960, estudos compararam e contrastaram o quilombo rural, percebido como forma obsoleta de
resistência à sociedade escravagista, à vitalidade dos cultos afro-brasileiros
urbanos,4 mas este tema foi depois abandonado pelos historiadores. Durante os anos 1990, é claramente reinvestido por antropólogos curiosos
da emergência de uma identidade quilombola numa sociedade que
associa o quilombo ao passado. Os pesquisadores pretendem pensar
essa noção datada (SCHWARCZ, 1999, p. 304), desempoeirando-na ou
“re-semantizando-na”, a fim de transformá-la num conceito pertinente
para apreender a realidade de novas formas de mobilização política onde
as questões fundiárias são centrais. A partir deste momento, a volumosa
produção não deixa de se ampliar com a publicação de livros e artigos,
a defesa de teses de mestrado e doutorado, e a redação de laudos periciais – dos quais não tratarei por falta de espaço.
Prosseguindo na trilha aberta pelos trabalhos de Jean-François Véran,
propõe-se aqui de examinar os escritos acadêmicos dos antropólogos.
Para circundar e compreender qual seria a singularidade dos grupos
chamados quilombolas, os autores se indagam sobre a natureza de suas
diferenças com o resto da população, e tentam identificar os domínios
da vida social, cultural e política onde se manifestam. No entanto, o
seu ponto de partida não é necessariamente o mesmo, bem como a sua
abordagem e a ordem de mobilização dos instrumentos conceituais da
disciplina. Certas obras – a de Alfredo Wagner Berno de Almeida – são
estudos críticos que procuram elaborar o quilombo enquanto objeto
intelectual, a partir de uma reavaliação dos elementos habitualmente
utilizados para caracterizá-lo. Outras (de José Maurício Arruti), se interessam pelos processos em curso, construção da alteridade, emergência
de demandas “etnicas” e o papel das instituições. Outras ainda, talvez
o maior número, objetivam mostrar como é possível intervir no campo
4
Entre outros, Raimundo Nina Rodrigues, Arthur Ramos, Edison Carneiro e Roger Bastide.
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social para que os grupos possam contemplar o seu “direito à diferença
cultural e à reprodução de suas práticas econômicas e sociais, bem como
o respeito pelos seus saberes tradicionais” (O’DWYER, 2002, p. 20)5.
Apesar dessas diferenças, os argumentos construídos muitas vezes se
entremeiam, a ponto de sistematicamente se reforçarem. Neste campo
de estudo em plena expansão, as questões teóricas sempre têm preocupações ligadas a um projeto de sociedade que promova, para conseguir a
equidade social, um tratamento diferenciado dos grupos de população. O
fato é mais perceptível nos trabalhos antes mencionados, onde a antropologia é concebida não só como “meio”, permitindo a implementação das
políticas públicas a favor dos quilombolas, como também, tanto quanto
possível, fonte de novos conhecimentos científicos. Por isto, não obstante
os autores debaterem sobre a definição de quilombo aceita pelo Estado,
as suas discussões se situam no quadro predefinido das orientações e
das categorias adotadas por este, sem que elas sejam nunca submetidas
à análise. Esta tensão entre programa científico e compromisso militante
atravessa, de ponta a ponta, a literatura – ainda que em graus diversos
e segundo configurações variáveis.
Convém então chamar a atenção para o que é comum às abordagens,
mas também para o que as distingue, mostrando como a reflexão para
atualizar a definição da noção colonial e passeista de quilombo foi levada,
a partir de que termos e constatações, segundo quais perspectivas e com
quais limites. Todavia, antes de indicar as variações na construção e na
administração da prova da diferença dos quilombolas, é indispensável
descrever o quadro geral que constitui o embasamento, explícito ou não,
das diferentes interpretações.
A reparação de uma dívida
Com o seminário organizado pela Unesco e coordenado pelo antropólogo
Arthur Ramos nos primórdios dos anos 1950, inicia-se uma longa série
de pesquisas a respeito do que costuma-se chamar “relações raciais”.6
Mais adiante, nos anos 1980 e 1990, vários estudos evidenciaram, com
dados demográficos, as profundas desigualdades entre “Negros” e
“Brancos”7 em diferentes áreas: acesso a educação, ao mercado de trabalho, nível de remuneração, taxa de mortalidade infantil, expectativa
5
Trato deste tema num outro artigo (no prelo)
6
Não faz parte desse artigo analisar o projeto da Unesco, nem examinar as diferntes contribuições trazidas
nesta ocasião. Para isto, ver Schwarcz (1999) e Hofbauer (2006).
7
Coloco maiúsculas a Negro, Branco e índio para indicar que trata-se de categorias sociais. No primeiro uso
destas palavras, coloco aspas para insistir nesse ponto.
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de vida, saneaento básico etc. Na maior parte desses trabalhos, centrados
na exclusão social de setores específicos da população e na reprodução
da desigualdade, a raça é entendida “como um princípio classificatório
fundamental e estrutural na sociedade brasileira” (SCHWARCZ, 1999,
p. 293). Essa linha de pesquisa surgiu nos anos 1990, põe em destaque
a situação desfavorável aos negros mas, ao retomar a idéia de cultura
de um ponto de vista menos essencialista, sua atenção se volta antes de
mais nada para a dimensão política das identidades. É neste contexto
de maior interesse para as dinâmicas e recomposições identitárias, bem
como para os movimentos sociais e as mobilizações políticas no campo,
que se desenvolve a produção científica sobre as “comunidades negras
rurais”, apreendendo-as enquanto quilombos, exemplo paradigmático
de uma etnicidade negra.
A primeira pedra da edificação da diferença quilombola é uma verdade histórica inegável: a sociedade que se constitui após a chegada dos
portugueses no início do século XVI, nessa parte do Novo Mundo que
denominariam Brasil, baseia-se na violência e no trabalho forçado –
primeiro dos índios (“negros do país”) até o diretório pombalino de
1758 expressamente o proibir; em seguida dos escravos importados da
áfrica. A historiografia8 lembrou várias vezes a importância do sistema
escravagista, que perdurou quase quatro séculos até a sua abolição em
1888. Tanto para a exploração de recursos naturais e a organização da
produção quanto para a manutenção e a reprodução de relações sociais
hierarquizadas, o Brasil ainda hoje carrega essas marcas. As disparidades
socioeconômicas persistem de fato entre os descendentes de escravos e
os filhos e netos dos proprietários, uma esmagadora maioria dos primeiros concentrando-se entre as categorias sociais carentes enquanto os
segundos entre os mais ricos. Entre os “pobres”, os negros, cuja cor de
pele seria um marcador evidente de uma ancestralidade escrava, devem
também enfrentar as manifestações de um racismo mais perverso que
a roupagem da cordialidade o dissimula. à discriminação social, vem
se sobrepor uma discriminação racial. Nesse contexto, alguns autores
defendem que só a antropologia é capaz de transformar “um problema
social [isto é a correlação entre cor da pele e posição na hierarquia social,
em] um problema socioantropológico” (RUSSCZYK, 2007, p. 165), e
mais exatamente numa questão teórica: a dos quilombos.
Alguns antropólogos vão além desta constatação da fragilidade social dos
descendentes dos antigos cativos. Assim, Ilka Boaventura Leite (2000, p.
334) não se contenta em observar que a abolição não proporcionou uma
8
Para uma recente revisão bibliográfica, ver Armelle Enders (2008).
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melhora de suas condições de vida. Ela sustenta que este período correspondeu à acentuação de sua exclusão social. Ao passo que a manumissão
dos escravos (seja pela compra da sua liberdade ou através do benefício
da Lei do Ventre Livre (1871)) sempre dependia de uma contrapartida
paga aos donos, a supressão da escravidão não previra nenhuma disposição e compensação para favorecer a integração enquanto cidadãos à
sociedade pós-escravagista. Portanto as desigualdades socioeconômicas
se perpetuaram duradouramente.
Outro elemento anterior a Lei áurea é mencionado como fator concorrente à permanência destas: a Lei de terras promulgada em 1850
que, rompendo com o anterior regime das sesmarias, proíbe qualquer
aquisição de terra a não ser pela compra.9 A única exceção notável à
aplicação da nova regra diz respeito aos escravos “recompensados” por
uma parcela da sua participação à guerra do Paraguai (1864-1870).
Raros cativos conseguirão as somas exigidas para aceder à propriedade
fundiária graça aos fundos de emancipação; os outros, isto é a imensa
maioria, estarão na incapacidade de adquirir a sua terra nos termos
doravante previstos pela lei.
As terras ocupadas por estes eram geralmente obtidas por testamento
ou por uma concessão acordada pelo dono ainda vivo. Em certos casos,
escreve A. W. B. de Almeida, foram transferidas a “algumas das chamadas ‘comunidades negras’ de hoje [por um proprietário que as acionou]
para lutar no passado contra os quilombos” (2002, p. 57). A informação
é longe de ser simplesmente anedótica, pois significa que a atual categoria de quilombo acolha tanto os descendentes de escravos foragidos
quanto os filhos de cativos mandados pelos seus donos para combatê-los.
O que parece então unir uns e outros é o estatuto de escravo de seus
antepassados. Entretanto, e esse fato derruba a hipótese, certos grupos
hoje qualificados de remanescentes de quilombos foram fundados por
homens “livres”, procurando melhores condições de sobrevivência em
terras afastadas. Afinal de conta, o denominador comum de todas essas
situações, independentemente das circunstâncias particulares de cada
uma delas, é ter permanecido fora de qualquer transação mercantil.
9
Segundo G. Treccani, José de Souza Martins apontou para as implicações desta mudança numa conferência
pronunciada no Palácio do Desenvolvimento em 2000: « é sempre bom lembrar que a Lei de Terras foi
aprovada quase que simultaneamente com a aprovação da Lei que prohibe o tráfego negreiro para o Brasil.
A Lei de Terras foi uma condição para o fim da escravidão. Em todos os meus trabalhos eu disse que num
país em que a terra é livre, como era no regime sesmarial, o trabalho tem que ser escravo. Num país em que
o trabalho se torna livre, a terra tem que ser escrava, isto é, a terra tem que ter preço e dono, sem o que
haverá uma crise nas relações de trabalho » (MARTINS, 2000, p. 1 apud TRECCANI, 2006, p. 76).
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Essa característica tornou problemática, ontem e ainda hoje, o reconhecimento pelo Estado do direito dos quilombolas à propriedade das
terras onde estão estabelecidos. Assim, este levou raramente em conta as
doações ou os testamentos em seu favor e não se empenhou muito para
regularizar as ocupações duradouras, embora informais. Mais ainda,
fechou os olhos quando grandes proprietários ou poderosas empresas se
apoderaram de suas terras, inclusive recorrendo a capangas. Observando
que a questão fundiária foi sistematicamente tratada como um problema
policial e que a justiça apoiou na maioria das vezes os mais fortes, alguns
autores (entre os quais TRECCANI, 2006) cotejam a condição passada
de escravo com aquela também presente, de agregado, e até postulam
uma equivalência entre elas, na medida em que ambas estão embasadas
no trabalho forçado.
Todavia, a ausência de documentos comprovando a propriedade fundiária e a apropriação da força de trabalho de homens mantidos, por um
patrão, num estatuto subordinado não são fatos que dizem respeito só
aos quilombolas. A mobilização do Mst e as reivindicações dos sindicatos
de trabalhadores rurais mostram que a questão agrária – a concentração
das terras e a sua redistribuição – é um problema interessando a maior
parte da população. E se é possível que o modelo da relação patrãoagregado remeta ao elo entre o escravo e seu dono, bastaria ler alguns
trabalhos para se convencer que este é princípio estruturante do conjunto
da sociedade agrária brasileira.10
É provavelmente por esta razão que os especialistas dos quilombos argumentam um terceiro registro, específico aos Negros. Estes se distinguem
dos outros excluídos que foram vítimas da ideologia dominante do embranquecimento, que dissimula o racismo contra eles e se traduziu pelo
recurso a uma imigração européia maciça. A história oficial, que não
presta homenagem aos elementos culturais trazidos pelos africanos, nem
a sua contribuição na formação da sociedade, e tampouco a resistência
frente a um sistema iníquo, os reduziu à invisibilidade social. Signo da
força atual desta ideologia e do fato de que o Brasil ainda se vê numa
fase de embranquecimento, aponta de modo perspiciaz Leite (2000,
p. 346), o artigo 68 está incluído no Ato das disposições constitutionais
transitórias: parece desta forma implicitamente entendido que os Negros
são destinados, cedo ou tarde, a desaparecer.
Portanto, a Abolição não poderia ser considerada como um processo
acabado. O Estado e a sociedade têm uma dívida histórica para com
os grupos de populações explorados, espoliados, exterminados, que
10
Só para a Amazônia onde trabalho, ver por exemplo Araújo (1993) e Lima; Alencar (2000).
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reconheceram e agora devem cumprir. Historiadores e antropólogos
lembram que as Constituições de 1934, 1967 et 1969 fracassaram na suas
tentativas de reduzir as disparidades pela proclamação da igualdade de
todos os indivíduos perante a lei. Chegou então a hora de tomar outro
caminho. E, mesmo que o artigo 68 não passasse de um gesto simbólico
do governo da época em direção dos militantes do movimento negro, o
constante aumento das demandas de regularização fundiária no quadro
das possibilidades jurídicas que ele abriu atesta sua percepção como eficaz ponteiro para pressionar as autoridades. Junto às cotas reservadas
aos Negros na entrada da universidade ou de certas administrações, a
atribuição de títulos de propriedade às “comunidades remanescentes
de quilombo” concretizaria ações compensatórias indispensáveis ao
reequilíbrio das chances, além de constituir um reconhecimento da sua
participação à sociedade nacional.
O quilombo: da criminalização passada à resistência
presente, do direito à antropologia
Um dos grandes avanços da Constituição de 1988 é o de operar uma
inversão do pensamento jurídico prevalecente até a Abolição, atribuindo
um valor positivo a agrupamentos sociais antes negativamente percebidos. Referências ao quilombo aparecem na literatura colonial no século
XVII para designar qualquer habitação com cinco escravos foragidos
reunindo-se em torno de um pilão, objeto que atesta uma atividade de
produção autônoma. As autoridades julgavam estes estabelecimentos,
tão modestos, como crime contra a ordem escravagista, que devia ser
combatido pela tropa.
Com o artigo 68, o Estado rompe definitivamente com a estigmatização
do quilombo, já que se compromete a conceder direitos específicos e
diferenciados aos descendentes dos escravos fugitivos, em particular
sobre as suas terras. A fundação, criada nesta ocasião para representar
e defender os interesses da população negra, recebe, de modo significativo e altamente simbólico, o nome de um quilombo. No entanto, não
se trata de um quilombo qualquer. O nome escolhido é o do maior e
mais resistente: Palmares, situado no sertão da capitania de Pernambuco
(estado de Alagoas), resistiu ao longo do século XVII e somou até 20 mil
pessoas, antes de ser destruído pelo poder colonial em 1695, depois de
dois anos de repetidos assaltos (ENDERS, 2008, p. 50).
A fundação, como esclarece o termo “cultural” acrescentado a seu nome,
recebe a incumbência de preservar e promover as “manifestações afroAntropolítica
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brasileiras”.11 Deste ponto de vista “cultural”, os quilombos chamam a
sua atenção da mesma forma que os cultos de possessão cujo mais renomado é o candomblé, isto é, enquanto exemplo relevante da contribuição africana à formação da sociedade brasileira. Os “modos de fazer e
de viver das comunidades remanescentes”, que se supunha ao mesmo
tempo pertencer e caracterizar uma tradição singular, são considerados
como bens imateriais de um patrimônio brasileiro que convém proteger
(VÉRAN, 1999, p. 56).12 Elevando as terras quilombolas à condição de
território cultural nacional, a Fcp se propõe a trabalhar para garantir a
possibilidade do etnodesenvolvimento, repertoriando os grupos suscetíveis de serem integrados nesta categoria.
Os meios da sua ambição só lhe serão dados em 1992, quando um decreto
ratifica o seu estatuto. No entanto, a Fcp será o alvo das críticas de um
movimento negro, lamentando o seu imobilismo e a sua concorrência
com o Incra que não entende abandonar-lhe a tarefa de regularizar
as terras, sejam elas quilombolas (VÉRAN, 2003, p. 62). Em 1995, ano
comemorativo da memória de Zumbi, último rei de Palmares e figura
emblemática da resistência quilombola, as “comunidades remanescentes”
tornam a ocupar um lugar de destaque no palco político nacional. O
problema da regulamentação do artigo 68, em suspenso desde a sua promulgação, ficou nesse momento incontornável. E juristas, parlamentares,
militantes do movimento negro, que se enfrentavam para saber o que se
devia entender por quilombo hoje, se voltaram para os pesquisadores
em ciências sociais.
A produção científica sobre os quilombos – as questões levantadas e
as propostas sugeridas, a insistência sobre os novos significados – teve
uma influência notável sobre o rumo das discussões e o sentido dado
à definição legal. Assim, para Girolamo Domenico Treccani, jurista de
formação e leitor assíduo dos historiadores e antropólogos, a legislação
em vigor leva em conta “três elementos constitutivos complementares e
inseparáveis” (2006, p. 84) que caracterizam a experiência quilombola:
cada um dos grupos é formado de indivíduos unidos por uma relação
“preconstituída”, isto é, a sua origem se encontra no passado pois são
remanescentes; são organizados de maneira coletiva, a identidade sendo
assumida por uma “comunidade” e não por uma pessoa; enfim, todos
passaram por um mesmo “acontecimento” histórico: foram quilombos.13
O primeiro critério permitiu operar um “deslocamento semântico” e uma
11
Cf. <http://www.palmares.gov.br/>.
12
Os artigos 215 et 216, complementando as disposições do artigo 68, dão relevo a esta dimensão.
13
Esses critérios têm eco naqueles que são habitualmente considerados no caso indígena: uma presença desde
os tempos precolombianos, um coletivo povo, a tragédia da Conquista (Mariana Pantoja, comunicação pessoal).
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“inversão simbólica” entre o indivíduo e o grupo na leitura do artigo
artigo 68: a formulação “remanescentes de comunidades de quilombo”
devia ser entendida como “comunidades remanescentes de quilombo”.14
Quantos aos dois últimos, a sua interpretação foi determinante para
saber, por uma lado, sob qual forma seria legalizada a terra e, por outro
lado, quem poderia se beneficiar.
A questão das modalidades foi juridicamente resolvida bastante rapidamente por decretos de aplicação prevendo que o título atribuído aos
quilombolas não seria individual, mas sim coletivo.15 Por inovadora que
fosse a decisão num país onde a norma de referência é a propriedade
rural privada individual, era, contudo, perfeitamente compatível com
a habitual representação do quilombo fundado por escravos africanos
foragidos em lugares isolados, longe das aglomerações: os antigos quilombolas vivendo supostamente à margem do mundo dos Brancos e de
suas regras, os seus legítimos descendentes só podiam ter também valores e um outro modo de funcionamento. Insistindo sobre sua diferença
quanto a sociedade nacional, as disposições eram capazes de satisfazer
tanto os defensores da causa quilombola quanto seus adversários apegados ao caráter excepcional do quilombo – este levando aparentemente
a promessa de uma regularização fundiária limitada.
A questão dos beneficiários do artigo 68 era, sem dúvida nenhuma, a
mais fundamental, já que a resposta dada teria efeitos diretos sobre o
número de grupos contemplados pela sua aplicação. Foi resolvida rebatendo radicalmente as representações a respeito dos quilombos. Com
efeito, pesquisadores, entre os quais Flávio Gomes (1996), começaram a
mostrar que, longe de estarem física e economicamente retraídos, eles
estavam às vezes instalados na proximidade das fazendas e das vilas,
mesmo nas cidades, e que mantinham relações inclusive comerciais com
seus habitantes. Logo, ficou evidente que a relação dos quilombolas com
a sociedade dominante não se teceu sistematicamente no registro do conflito e da ilegitimidade, e que o isolamente tão posto em relevo era, afinal
de contas, uma ficção que pouco tinha a ver com a realidade histórica.
Além disto, aqueles trabalhos indicavam que a população dos quilombos
não era homogênea, nem na sua origem, nem no seu estatuto: ao lado
de escravos fugitivos, índios, mestiços e brancos livres. Ao declarar que
um título de propriedade seria conferido a grupos morando na terra
de um antigo quilombo e tendo por ancestrais negros foragidos – isto
é, colocando a condição de um passado de luta aberta e durável –, o
14
Ver Jean-François Véran (2003, chap. II).
15
Além do que, as terras não podem ser vendidas.
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artigo 68 não conseguia dar conta do que tinham sido verdadeiramente
os quilombos.
Faltava saber o que eles eram hoje. Foi essencial a intervenção de antropólogos que tinham participado de um projeto sobre “comunidades
negras rurais”16 e publicado em 1994 um documento onde pleiteavam
um reexame da noção. Esses pesquisadores, afiliados a Associação Brasileira de Antropologia,
tiveram papel decisivo […] ao indicar a necessidade de se perceberem
os fatos a partir de uma […] dimensão que venha incorporar o ponto
de vista dos grupos sociais que aspiram à vigência do direito atribuído
pela constituição Federal (O’DWYER, 2002, p. 18).
No seu entender, a noção de quilombo não deve ser definida a partir da
historiografia, mas dos grupos sociais que exigem presentemente o seu
reconhecimento como quilombolas. O grupo de trabalho, institucionalizado no mesmo ano e funcionando com uma dotação da Fundação Ford, se
transformou em 1996 numa comissão Terras de Quilombos encarregada
de “organizar e planejar as ações da Aba [,… de] assessorar a diretoria
em ações extremas que exigissem contato com órgãos do Judiciário e
do Ministério Público” (LEITE; OLIVEN, 2002, p. 10). Ao explicitar a
missão confiada à comissão, a Aba se engajou publicamente, enquanto
associação científica, numa política preconizando o desenvolvimento de
um diálogo com os representantes das instituições oficiais do Estado.
Desta forma, pretendia-se legitimamente, por um lado, não abandonar ao
direito um objeto antropólogico e, por outro lado, defender os interesses
“dessas populações historicamente sofridas e espoliadas em seus direitos
e na sua condição humana” (LEITE; OLIVEN, 2002, p.11).
Conhecedores das formações sociais contemporâneas as mais evocatórias
do quilombo, isto é as “comunidades negras rurais”, estes antropólogos
indicaram que o artigo 68 define os grupos atuais pelo o que não eram
mais, e frisaram que, por isto, o projeto da FCP era “mais voltado para
o passado e para o que idealmente teria ‘sobrevivido’ sob a designação
formal de ‘remanescentes das comunidades de quilombos’” (ALMEIDA,
2002, p. 46). Para eles, a diversidade das condições de sua fundação atesta
de forma clara que a insurreição não podia ser adotada como critério
da experiência histórica dos quilombolas. Posto que os quilombos foram
várias vezes destruídos e reconstruídos mais adiante na mata, as “comunidades remanescentes” não se encontram necessariamente nos lugares
16
Ver Schwarcz (1999) para uma reflexão critíca sobre os estudos sobre o Negro no Brasil e Véran (2003, p.
94-104) para uma análise da passagem do estudo das comunidades negras rurais ao estudo dos quilombos.
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ocupados outrora por escravos foragidos. Nem as fugas concretizadas
os caracterizariam tampouco de modo absoluto. Era preciso considerar
todas as fugas não realizadas, que estas tenham se traduzido por uma ajuda pontual, que o projeto tenha falhado ou findado com uma recaptura
(ALMEIDA, 2002, p. 61). Por fim, no intuito de corresponder a realidade
de hoje, foi argumentado que a nova categoria jurídica devia ser capaz
de acolher “comunidades quilombolas” que nem são descendentes de
antigos quilombos – por exemplo, as famílias de escravos libertos que
compraram suas terras (ALMEIDA, 2002, p. 68).
Ao limitar o passado histórico contemplado ao período escravagista, e
insistir tanto sobre a perenidade do estabelecimento e a continuidade da
filiação biológica quanto sobre a permanência de elementos socioculturais, a letra do artigo 68 prevalecia sobre o seu espírito. Essa leitura literal,
revelando-se inadequada e demasiadamente restritiva, foi determinante
no sentido de proceder a uma “ressemantização” do vocábulo quilombo.
Todos os atores presentes durante as negociações, inclusive a Fundação
Cultural Palmares que insistiu num primeiro momento sobre o critério
da continuidade do grupo com a sua situação no período pré-Abolição,
aderiram a esta proposta.17
A antropologia se impôs como a disciplina científica mais apta a levar
a termo a ruptura com a concepção discriminante do quilombo, pois,
longe de se contentar em recolher genealogias e de reconstituir os
deslocamentos das populações para comprovar a presença efetiva de
quilombos, procurou esclarecer o passado a partir da percepção que os
grupos têm de si próprios, sua história, presente e futura. Sua contribuição consistirá em demonstrar, apoiando-se sobre o trabalho de campo,
que a noção remete a configurações sociais variáveis e extremamente
flexíveis, e o que se entende por resistência pode assumir formas bem
diversas. Mas ambicionava-se também construir um modelo geral com
as ferramentas intelectuais forjadas, identificando os traços culturais e/
ou sociológicos que caracterizam todas as “comunidades negras rurais”
atuais independetemente das circunstâncias particulares da sua formação.
17
Na definição da Fundação Cultural Palmares, o denominador comum dos quilombos são os valores de
liberdade, resistência e trabalho em comum: « As denominações quilombos, mocambos, terra de preto,
comunidades remanescentes de quilombos, comunidades negras rurais, comunidades de terreiro são expressões que designam grupos sociais afros-descendentes trazidos para o Brasil durante o período colonial,
que resistiram ou, manifestamente, se rebelaram contra o sistema colonial e contra sua condição de cativo,
formando territórios independentes onde a liberdade e o trabalho comum passaram a constituir símbolos
de diferenciação do regime de trabalho adotado pela metrópole » (<http://www.palmares.gov.br/>).
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A “ressemantização” do quilombo pela antropologia
Se o problema dos beneficiários do artigo 68 pôde parecer em parte resolvido, ele se revelou mais problemático a medida que surgiam demandas
por parte de grupos se considerando até agora “posseiros”, “trabalhadores rurais” ou “populações tradicionais” – para nem evocar o caso
dos quilombos urbanos. O quilombo continua portanto a ser o objeto de
redefinições sucessivas em numerosos trabalhos procurando incansavelmente alargar o campo de aplicação do vocábulo, sem todavia renunciar
a conservar-lhe uma espeficidade. Estes partem da constatação que nem
as abordagens marxistas – percebendo os quilombos como resistência à
opressão –, nem as abordagens tipológicas, que classificavam-nos segundo o tamanho ou as atividades econômicas, foram capazes de relativizar
a noção em relação a sua definição histórica, tampouco conseguiram
liberá-la da camisola arqueológica (MARQUES, 2008, p. 22). Os autores
se propõem então encontrar perspectivas inovadoras a partir da coleta
de dados e/ou de uma reflexão crítica sobre a bibliografia. Pode-se grosso
modo distinguir as análises que insistem mais sobre as noções de modo
de produção e/ou de territorialização daquelas recorrendo à etnicidade
e/ou à raça enquanto construção social.
Por sua vez, Almeida se interessa desde os anos 1980 pelos conflitos agrários no estado do Maranhão e pelo processo de demarcação das terras, na
época, indígenas. Depois, as duas temáticas (crise da estrutura fundiária
e direitos das “comunidades tradicionais”) serão estreitamente associadas a estudos sobre as “identidades construídas no conflito” por grupos
sociais particulares. Para Almeida, as lutas travadas pelos sindicatos de
trabalhadores rurais revelaram a inadequação das categorias censitárias
utilizadas pelo Ibge e categorias cadastrais do Incra. Pois, observa ele,
muitas formas de apropriação de recursos naturais não fazem intervir
a noção de unidade de exploração definindo o “estabelecimento”, nem
são individualizadas como o pressupõe o “imóvel rural” submetido ao
imposto fundiário. Uma rubrica “ocupações especiais” foi criada para
incluir as situações ditas de “terras de uso comum”, que não correspondem
nem a “terras coletivas”, nem a “terras comunais, no sentido emprestado pela feudalidade” (ALMEIDA, 2002, p. 45), e que os atores sociais
podem chamar de terras de preto, terras de santo ou terras de índio.18
Aproximando as ditas “terras de preto” do quilombo reconhecido pelo
legislador, e após ter mostrado a necessidade de relativizar os elementos
que definiam este no passado, o antropólogo julga indispensável “romper
com o dualismo geográfico atribuído ao quilombo, que faz com que seja
18
Ver Almeida (1989) para um examem destas diferentes apelações.
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entendido como oposição à plantation e como o que está fora dos limites
físicos da grande propriedade territorial” (ALMEIDA, 2002, p. 54). Com
efeito, a queda dos preços da monocultura no mercado internacional
favoresceu a multiplicação de “situações de autoconsumo [por] famílias
de escravos que mantinham uma forte autonomia a pouca distância
da casa-grande” (ALMEIDA, 2002, p. 54),19 das quais participavam os
quilombolas quando eram capturados. Em razão da importância deste
fenômeno – qualificado por Almeida de aquilombamento da propriedade
dos donos – na “formação de uma camada de pequenos produtores
familiares” (ALMEIDA, 2002, p. 59), o autor afirma que “a questão do
denominado ‘quilombo hoje’ passa também pelo entendimento do sistema econômico intrínseco a essas unidades familiares, que produzem
concomitantemente para o seu próprio consumo e para diferentes circuitos de mercado” ALMEIDA, 2002, p. 51). As “comunidades”, outrora
chamadas “negras rurais” e hoje “remanescentes de quilombo”, se caracterizam por modalidades próprias de apropriação e gestão do território:
cada grupo doméstico cuida da sua casa, sua roça e seu quintal, mas é
coletivamente que são tomadas as decisões sobre o uso da terra e dos
outros recursos naturais. O que é comum a todas é a sua capacidade de
resistência à propriedade privada da terra pela constituição de formas
autônomas de produção.
Uma análise crítica da noção de quilombo deve então começar por se
perguntar, não “como as agências definem, ou como uma ONG define,
ou como um partido político define [estes grupos sociais], mas como os
próprios sujeitos se autorepresentam e quais são os critérios políticoorganizativos que norteiam as suas mobilizações e forjam a coesão em
torno de certa identidade” (ALMEIDA, 2002, p. 68). Esses critérios são
essenciais no que permitem “relativizar o peso de uma identidade definida pela comunidade de língua, pelo território, pelo fator racial ou por
uma origem comum” (ALMEIDA, 2002, p. 73). Almeida indica que “há
agentes sociais de ascendência indígena que […] estão se autodefinindo
como pretos” enquanto outros, “que poderiam ser classificados como
negros se encontram mobilizados em torno da defesa das chamadas terras
indígenas” (ALMEIDA, 2002, p. 69, grifos do autor).20 As ditas terras de
preto são assim uma forma de uso comum a considerar entre outras que
“estão se impondo”, num jogo onde diversas “identidades coletivas estão
sendo sucessivamente afirmadas” (ALMEIDA, 2002, p. 72):
19
Para o estado do Maranhão, o autor encontra « situações de autoconsumo e de autonoia a pouca distancia da
casa-grande », atestando que o grande proprietário já « não era mais o organizador absoluto da produção »
desde a segunda metade do século XVIII (ALMEIDA, 2002, p. 54).
20
Esta reflexão é aprofundada por José Maurício Arruti (1997, 2006).
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Está-se diante de uma diversidade de autodefinições referidas a tais
situações sociais que muitas vezes contrariam concomitantemente tanto
as disciplinas militantes quanto os critérios dos técnicos da burocracia
administrativa, ambos apoiados em fatores supostamente objetivos e
fiéis a clivagens pretensamente científicas (ALMEIDA, 2002, p. 71).
A abordagem socio-histórica proposta por Almeida tem o grande mérito
de integrar à análise as relações econômicas e políticas nas quais está
presa a maior parte dos grupos sociais no meio rural, fornecendo chaves
importantes para entender a formação deste campesinato.
Apresenta igualmente a vantagem de abrir novas pistas para pensar a
flexibilidade das identidades assumidas pelos grupos, e em particular
as reivindicações atuais de alguns deles enquanto quilombolas. Para
Almeida, a identidade étnica, antes de mais nada situacional e política, deve ser abarcada do ponto de vista de “estratégias contingentes”
(ALMEIDA, 2002, p. 74) para, entre outros, garantir direitos sobre um
território: “a existência do grupo emana da construção de um repertório de ações coletivas e de representações em face de outros grupos.
Trata-se de investigar etnograficamente as circunstâncias em que um
grupo social determinado atacou uma categoria, acionando-as ao interagir com outros” (ALMEIDA, 2002, p. 74-75). De fato, convém notar:
o que é qualificado como modo de produção próprio dos quilombolas, é
aliando uma área de uso coletivo da terra e plantações privadas, não é de
modo algum exclusivo a eles. Essa apropriação da terra, que o advogado
José Helder Benatti (1997) chama posse agroecológica, também é o fato
daqueles que a literatura designa como “populações tradicionais”, isto
é, seringueiros, ribeirinhos etc.
Contudo, na conclusão do seu artigo, quando pretende resituar o objeto
quilombo num contexto mais amplo, o autor dá a impressão de tentar
se distanciar duma abordagem meramente sociopolítica que poderia
aplicar-se a muitos grupos sociais. Pois, após ter deixado claro que o quilombo deve se emancipar da “investigação arqueológica” e da “definição
de historiadores e de geógrafos”, afirma que não pode ser reduzido ao
“raio de ação de agrônomos, que o tomam simplesmente como problema
agrário” (ALMEIDA, 2002, p. 79). Desta forma, convida para a prática
de outro exercício onde a Identidade quilombola está apreendida numa
perspectiva mais restritiva e supostamente mais de acordo com os cânones
da “antropologia mais recente”, sendo que esta:
permitiu conceituá-los [...] como grupos étnicos que existem ou persistem ao longo da história como um ‘tipo organizacional’, segundo
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processos de exclusão e inclusão que possibilitam definir os limites entre
os considerados de dentro ou de fora. Isso sem qualquer referência
necessária à preservação de diferenças culturais herdadas que sejam facilmente identificáveis por qualquer observador externo, supostamente
produzidas pela manutenção de um pretenso isolamento geográfico e/
ou social ao longo do tempo. (O’DWYER, 2002, p. 14)
Esses pesquisadores não pretendem que a continuidade das “comunidades remanescentes” com os antigos quilombos passe exclusivamente ou
obrigatoriamente pela descendência biológica dos seus habitantes com
as famílias de escravos. Nem que a singularidade da sua organização
ou da sua cultura se deixe facilmente perceber. Sustentam que foram
historicamente constituídas e que seus “limites” podem ser discernidos
quando se leva em conta as dinâmicas de pertencimento. A idéia de que
os “processos de exclusão e inclusão” estão no princípio da identidade
quilombola, está presente num artigo de Ilka Boaventura Leite: a partir
da Abolição,
inicia-se a longa etapa de construção da identidade destes grupos, seja
pela formalização da diferenciação étnico-cultural no âmbito local,
regional e nacional, seja pela consolidação de um tipo específico de
segregação social e residencial dos negros, chegando até os dias atuais
(LEITE, 2000, p. 338).
As unidades sociais que resultaram, “mutáveis e instáveis” (MARQUES,
2008, p. 48), são parecidas àquelas dos índios do nordeste estudados
por João Pacheco de Oliveira, e chamados “misturados” por oposição
aos índios “puros” da Amazônia. Esta figura do índio parece se tornar,
implícita ou explicitamente, um paradigma para entender o que é ser
quilombola hoje: os índios “emergentes” ajudariam a pensar os Negros
“emergentes” porque, como eles, estão engajados num processo de redescoberta da sua identidade étnica e de mobilização política para que o
Estado atenda a seus direitos.21 Apesar de a identidade dos quilombolas se
apresentar de modo mais nítido em situações de conflito – o que remete
ao argumento de Almeida –, não deveria se deduzir que esses grupos,
enquanto coletivos distintos do conjunto nacional, só existem na relação
contrastada com um Outro ameaçador, nem que a sua consciência de si
próprio num registro étnico não se alimenta de elementos independentes
de contextos sociopolíticos.
21
A comparação entre os dois é um dos temas do livro de J. M. Arruti (2006).
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O conceito de territorialização, retirado da obra de João Pacheco de
Oliveira,22 foi fundamental para evitar que as análises entrassem num
beco sem saída. Pois, a eventual imperceptibilidade ou invisibilidade da
“diferença” quilombola no dia-a-dia não devia questionar sua realidade
e da sua irredutibilidade. Para os especialistas dos quilombolas, a terra
não é um simples espaço físico e sua importância excederia a de um
meio de produção econômico. Antes de tudo, trata-se de um território
“socialmente ocupado” (CHAGAS, 2007, p. 228), isto é, mapeado pelas
relações sociais que sustentam a reprodução cultural da “comunidade”. Além do seu grau de “autonomia camponesa” e da sua afirmação
étnica e política, os quilombolas se caracterizariam pelo fato de que a
identidade e o território são indissociáveis (MARQUES, 2008, p. 25): a
“territorialização étnica [aparece] como modelo de convivência com os
outros grupos na sociedade nacional.” (LEITE, 2000, p. 338)
Aliás, é por que as terras são tidas por “essenciais como instrumento de
identidade cultural e antropológica” (TRECCANI, 2006, p. 91) que a demarcação territorial seria tão complexa: “não se trata de terras, mas de
concepções identitárias” – o que a teoria antropólogica chama “etnicidades” lembra o autor na mesma página (TRECCANI, 2006, p. 15). Neste
contexto, a obtenção de direitos territóriais significaria mais para um
grupo do que garantir a sua condição de sobrevivência. A propriedade
da terra ofereceria a possibilidade de se conscientizar da sua diferença e
de preservar as suas práticas culturais: “dispor deste território representa
apropriar-se da própria história do grupo, das relações de lealdade e
solidariedade, do parentesco, da religiosidade, da ritualidade festiva e
das expectativas futuras projetadas sobre ele” (CHAGAS, 2001, p. 228).
Em outros termos, o território concretiza a etnicidade.
No entanto, a partir do momento em que as análises do quilombo seguem
a Escola do contato interétnico da antropologia indígena, adotando
uma perspectiva onde o território se articula ao parentesco enquanto
“princípio de constituição social” (VIVEIROS DE CASTRO, 1999, p.
196), elas se expõem à crítica formulada por Eduardo Viveiros de Castro
contra aquela:
a etnologia amazônica vem demostrando como muitas das formações
sociais daquela região convertem continualmente o ‘território’ (a coresidência) em parentesco, ao definirem os residentes de um mesmo
22
A « noção de territorialização é definida como um processo de reorganização social que implica: 1) a criação
de uma nova unidade sociocultural mediante o estabelecimento de uma identidade étnica diferenciadora;
2) a constituição de mecanismos políticos especializados; 3) a redefinição do controle social sobre os recursos
ambientais; 4) a reelaboração da cultura e da relação com o passado » (OLIVEIRA, 1998, p. 55).
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grupo local como ‘parentes’ [...] No caso do modelo que Oliveira parece
estar concebendo para os indios do Nordeste, é o parentesco que se
converte em território. É como se nessa situação o conceito de mistura
corporal – os índios misturados- necessitasse de uma contrapartida na
pureza territorial – os territórios íindígenas distintos reivindicados pelos
índios. (VIVEIROS DE CASTRO, 1999, p. 196-197)
Ora, ainda que, sem dúvida, segundo modalidades outras que aquelas das
sociedades ameríndias referidas por E. Viveiros de Castro, a antropologia,
urbana e rural – inclusive das populações “misturadas” amazônicas –,
indicou a importância do modelo do parentesco para pensar as relações
sociais em grupos que frequentemente afirmam que “os vizinhos são os
parentes mais próximos”,23 há então como pensar que esta reformulação da corresidência em parentesco, presente nos povoados que não se
mobilizam em torno de identidade étnica, também é observável nas “comunidades quilombolas” – estas sendo, aliás, por vezes, de parentes dos
primeiros, por aliança ou filiação. Privilegiar tal abordagem permitiria
restituir ao tecido social toda sua densidade. Todavia, seria preciso livrarse, de antemão, do a priori da predominância de uma lógica territorial
na formação desses grupos, assumindo que a determinação de limites
geográficos acabados só faz sentido, para eles, no contexto de trâmites
para a regularização fundiária, frente a um Estado que não conhece
outra linguagem senão a das fronteiras.
Como conclusão provisória
No artigo citado na introdução, Richard Price estima que, de um ponto
de vista político, os “destinos [dos Saramaka no Suriname e dos quilombolas
no Brasil] vieram a se entrelaçar” (2000, p. 265). Os grupos oriundos
dos africanos escravos, aspiram a uma proteção legal garantindo a sua
permanência nas suas terras. No entanto, esses objetivos comuns não
significam que haja um reconhecimento mútuo de um destino solidário, e ainda menos uma identificação de uns com os outros. De resto, o
comentário do antropólogo vem após outro, algumas linhas antes, onde
julga que, para os Saramaka, “poucos dos afro-brasileiros classificados
como remanescentes de quilombo seriam vistos como quilombolas”. Com
efeito, os Saramaka sempre viram o mundo dividido entre “nós” e “eles”,
e aqueles que eles consideram como o Outro, também os vêem desta
forma. O seu corpus de crenças, o seu idioma, as posturas corporais, as regras matrimoniais, entre outros, constituem signos patentes da distância
cultural. Como R. Price deixa claro, não precisa de “antropólogos para
23
Por exemplo, Boyer (1993).
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demonstrar sua notável ‘diferença’ cultural/social/política, que é evidente
até mesmo para o olho menos avisado” (2000, p. 264). Contrastando
com esta situação, a “diferença” dos quilombolas, redescobrindo a sua
identidade e formalizando atualmente a sua distinção, não se imporia a
qualquer um como uma certeza indiscutível: nem ao grande público, e
quiçá nem aos próprios quilombolas! Parece tão sutil, que necessita da
atuação de profissionais em ciências sociais para torná-la visível.
Porisso, os estudos sobre os Saramaka se desenvolveram em torno de
outras problemáticas diferentemente dos trabalhos sobre os quilombolas
brasileiros. Os primeiros se concentraram sobre esta sociedade peculiar a
fim de entender, dar conta e analisar as suas lógicas específicas. Os segundos procuraram, principalmente, evidenciar e explicitar a singularidade
dos quilombolas em relação com o resto da população. A reflexão dos
antropólogos não partiu da realidade empírica e das categorias locais.
Foi norteada por uma exigência política superior: conservar uma noção
colonial que voltava a aparecer nas agendas do Estado e do movimento
negro urbano à condição de esvaziá-la do seu antigo sentido para imputar
um novo conteúdo. O paradoxo da singularidade quilombola é que esta
se constrói na interação do Estado, dos intelectuais, das organizações
internacionais, dos movimentos sociais e das populações locais.
Jean-François Véran (2003, p. 116) distingue uma abordagem “situacional” do quilombo (“reportando-se à logíca específica de mobilização
de um grupo preso num contexto de interações” ) de uma outra, “substencialista” (“que se apoia sobre um certo número de critérios tangíveis
remetendo à essência do que é um grupo étnico” ). Mas observa que
“longe de se relevar a suas contradições, essas duas definições coexistem
e se confundem num vai-e-vem dedutivo, que aprisiona o objeto num
círculo analítico dentro do qual ele não pode ser objetivado” (VÉRAN,
2003). De fato, vale notar que o trabalho de redefinição do quilombo
leva os autores a rearticular constantemente as mesmas palavras (territorialização, etnicidade, autonomia da produção), que incansavelmente se
permutam como referências incontornáveis e em raciocínios circulares. A
dimensão situacional da diferença quilombola “construída no conflito”,
advogada por Almeida, não conseguiu emancipar-se do quilombo como
“métafora para pensar o grupo” (LEITE, 2000, p. 339). Foi o preço a
pagar para que a noção colonial possa se tornar pouco a pouco um conceito autorizando a “redução sociológica dos casos empíricos em uma
mesma categoria” (ARRUTI, 2008, p. 329).
A perspectiva destes pesquisadores é, na verdade, subentendida pela idéia
de que “as pessoas e grupos sociais têm o direito a ser iguais quando a
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 131-153, 2. sem. 2009
150
diferença os inferioriza, e o direito a ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza” (SANTOS, 2000, p. 47 apud CHAGAS, 2007, p.
232). Igualdade e diferença são desta forma tratadas como dimensões
distintas de um jogo político que os grupos sociais poderiam, e até devem, se apoderar. O sentimento que os inspira é certamente generoso,
e ninguém pode permanecer insensível, considerando que a redefinição
do quilombo não só o transformou num “conceito”, mas também numa
categoria jurídica inclusiva, permitindo a um grande número de populações tentar aceder a direitos sociais e territoriais.
Este último ponto é quanto mais importante que a multiplicação dos
estudos sobre quilombolas se acompanhou de uma inscrição cada vez
pronunciada no campo político e institucional. O interesse crescente
da Aba para o quilombo e os grupos quilombolas se traduziu por uma
mudança do lugar ocupado pela temática dos “territórios negros” no
organograma da Associação. No ano 2000, a Comissão de Assuntos
Territoriais integrou antropólogos especialistas do tema, “de modo a
incluir a questão das terras de quilombos, tanto quanto a das terras indígenas, no problema da distribuição da terra no país” (LEITE, 2002,
p. 10). Eliane Cantarino O’Dwyer, a coordenadora do projeto inicial
sobre as “comunidades negras rurais” que foi reconduzido como Grupo
de Trabalho permanente, dirige hoje uma comissão especial de apoio
à Presidência, relativa aos laudos que devem ser produzidos na ocasião
das demandas de regularização fundiária. Desta forma, as problemáticas
dos pesquisadores se ampliaram, e se infletiram de discussões teóricas
para preocupações mais concretas e mais aplicadas.
A institucionalização dessa linha de pesquisa traz algumas interrogações
sobre o devir do espaço até agora muito livre proporcionado pela Aba,
para discussões críticas e comparativas sobre as diferentes formas de
mobilização sociopolítica. Assim, será que sua contribuição à definição
e à promoção das políticas públicas destinadas aos quilombolas não a
levaria a assumir também um papel onde é esperado dela que ateste
a identidade dos grupos sociais? Com efeito, a missão pericial que os
antropólogos aceitam cumprir pelo Estado não é (sem deixá-los numa
posição ambígua) junto às populações com as quais trabalham. Convém,
portanto, prosseguir na análise das relações complexas entre programa
científico e projeto político, bem como do papel que supostamente seria
do antropólogo e da antropologia neste contexto.
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 131-153, 2. sem. 2009
151
Abstract
After the enactment of the article 68 of the 1988 Brazilian Constitution,
Anthropology became interested in the emergence of a quilombola identity
in a society where quilombo is supposed to belong to the past. Researchers
intend to submit the old notion of quilombo to a process of evaluating its
semantics (“re-semanticization” ). They aim to transform it into a concept
enabling to understand the reality of new forms of political mobilization.
To identify and understand the singularity of groups called Quilombola,
these authors question the nature of their characteristics and the areas of
social, cultural and political life where it is possible to comprehend them. It
is therefore necessary to identify what is common to different approaches, but
also what distinguishes them by pointing out how the reflection and discussion
to update the definition of the concept of quilombola was conducted, from
which assumptions, with which terms and according to which perspectives.
Keywords: quilombo; anthropology; re-semantization; Brazil.
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Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 131-153, 2. sem. 2009
Pedro Fonseca Leal*
Colonização agrícola dirigida e construção
de parceleiros tutelados
Nos anos que corresponderam ao período do Regime
Militar no Brasil (1964-1985), a Amazônia foi alvo
de inúmeros projetos governamentais, cujos princípios
orientadores eram a segurança, integração e modernização nacionais. Uma das estratégias criadas pelos
agentes governamentais para alcançar os objetivos que
orientavam tais princípios foi a formulação e implantação da Política Oficial de Colonização Agrícola, pela
qual a região Amazônica deveria ser povoada a partir
da distribuição de parcelas de terra de até 100 hectares,
para serem exploradas por pequenos agricultores vindos
de outras partes do país. Neste artigo, apresento uma
análise dos investimentos realizados por agentes do Estado na sistematização de normas para a condução da
política oficial de colonização agrícola, referenciados
ao Projeto de Assentamento Dirigido Rio Juma, criado
em 1982 por porta-vozes do INCRA.
Palavras-chave: política de colonização agrícola;
poder tutelary; Amazonas
*
Doutor em Antropologia
pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia
da Universidade Federal
Fluminense.
156
Em diferentes contextos sociais de configuração da sociedade brasileira,
diversos segmentos e setores produtivos e gestores governamentais produziram representações referenciadoras de intervenções confluentes e/ou
contrastantes sobre a Amazônia. Por volta da década de 1970, no plano
governamental, a região fora recorrentemente encarada como espaço a
ser povoado e domesticado para fins de exploração “racional” da terra
e dos recursos naturais. Para o setor agroexportador, ela representou
a possibilidade de apropriação de rapina e ampliação da concentração
fundiária, tanto pela implantação de projetos agropecuários como meramente especulativos. Para outros setores empresariais (banqueiros,
industriais, exploradores de mineração, construtores de grandes obras
etc.), a região representou a possibilidade de expansão dos lucros em diferentes áreas de atuação, ainda na modalidade produtiva ou especulativa
da terra. Ao segmento camponês, expropriado ou sob escassez de terra
em outras regiões do país, a Amazônia significou a possibilidade de acesso
a recursos naturais para produção familiar, embora essa apropriação
fosse, muitas vezes, irrealizada. Atualmente, assiste-se ainda aos efeitos
da militância dos ambientalistas nacionais e estrangeiros sobre a região.
Sob invisibilidade nacional, reconhece-se, entretanto, as representações
produzidas pelos olhares e vivências dos diferentes povos indígenas e dos
hoje reconhecidos “povos” e “comunidades tradicionais” que há muito
habitam na região. Portanto, muitas são as Amazônias que referenciam
os sentimentos e imaginários sociais tanto no Brasil como no Exterior e
que configuram significados a projetos políticos de intervenção regional.
Levando em conta a política oficial de colonização no estado do Amazonas, as ações estatais postas em prática por agentes vinculados a instituições do governo federal, até o início dos anos de 1980, resultaram em
projetos disciplinadores das formas de apropriação e gestão da terra e
dos recursos naturais, mas também da vida social, política e econômica
dos eleitos ou reivindicantes beneficiários.
Ainda nos anos de 1940, no estado do Amazonas, foram criados: o Projeto Integrado de Colonização Bela Vista, abrangendo uma área de 300
mil hectares, incidindo sobre os municípios de Manacapuru, Manaus
e Codajás; e a Colônia Agrícola Nacional do Amazonas, que passou,
posteriormente, a ser denominada Núcleo Colonial do Amazonas. Na
década de 1970, contudo, foi criado o Projeto Integrado de Colonização
Tabatinga, no alto rio Solimões, com 1.212,287ha. E em 1982, foi criado o
Projeto de Assentamento Dirigido Rio Juma, no sudeste do estado, numa
área de 689.000ha, às margens da rodovia Transamazônica, abrangendo,
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 155-182, 2. sem. 2009
157
na época da criação, os municípios de Novo Aripuanã e Borba, ambos
em 1987 dando origem ao município de Apuí.1
Outros projetos foram criados por iniciativa do governo estadual do
Amazonas: as Colônias Agrícolas Cláudio Mesquita, Manaus-Caracaraí
ou Rio Branco, Ifigênio Sales e Rio Preto, esta última com 50.000 ha
e 225 famílias, todas no município de Manaus; e Novo Amazonas, no
município de Itacoatiara.2
A partir dos anos de 1980, amplia-se a atuação dos governos federal,
estadual e municipais na constituição de diferentes modalidades de projetos territoriais no Estado. Nos municípios da calha do Rio Madeira, a
intervenção governamental resultou na produção de diferentes formas
de apropriação de uso da terra e dos recursos naturais (Quadro 1). Tais
projetos e suas particularidades, quanto ao tipo ou forma de regulação,
ao público alvo, aos objetivos e às formas de obtenção da terra, testemunham ações expressivas de diferentes contextos sociais e políticos, de
mobilização dos agentes sociais em luta pelo direito de acesso à terra e aos
recursos naturais, bem como pelo direito de permanecer no território,
preservando suas formas tradicionais de apropriação e uso, em processos
de atribuição de significados próprios à terra e aos recursos naturais.
1
2
Dados extraídos de: IPEA et al. (1972); MDA/INCRA/SIPRA (consultado em 2007); SCHWEICKARDT
(2001).
IPEA et al. (1972).
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 155-182, 2. sem. 2009
Antropolítica
9712,21
40401,18
PAE Matupiri
PAE Jenipapos
560900
5439,13
PA Paquequer
1012108,36
Total
Nova Olinda do Norte
108411,76
138435
PAE Tupana Igapó-Açu
PAE Maripiti
69812,55
PAE Trocanã
3400,83
PA Piaba
687633,55
4414,67
PA Puxurizal
PAE Abacaxis
161700
4425100
Borba
4119100
Novo Aripuanã
PA Acari
93958,29
Total
9500
34344,9
PA Matupi
PAE Onças
4828200
2543571,52
Total
Manicoré
627822,62
PAE São Benedito
689000
1226748,9
PA2 Rio Juma
PAE Aripuanã-Guariba
5424000
101397,6518
PAE1 Botos
Apuí
3307200
Área(ha)
Humaitá
Município/ Tipo de Projeto
374
29184
1215
400
200
300
100
111
104
31098
1773
18196
1198
200
395
70
533
44327
7660
80
80
7500
17451
200
38559
População/ Capacidade de
Assentamento (Famílias)
416
887
321
58
202
72
107
127
873
1083
196
389
58
440
6740
54
47
6639
148
Famílias Assentadas
Federal
Federal
Federal
Federal
Federal
Federal
Federal
Federal
Federal
Federal
Federal
Federal
Federal
Federal
Federal
Federal
Esfera Quadro 1 – Tipos de Projetos de Assentamento nos Municípios da calha do rio Madeira
27/11/1998
27/12/2006
23/12/2005
10/06/2005
17/12/2004
18/11/2002
20/07/1992
28/08/1992
11/08/2006
12/05/2000
24/09/2001
20/07/1992
23/12/2005
23/12/2005
30/08/1982
23/04/2004
Data de criação
158
Niterói, n. 27, p. 155-182, 2. sem. 2009
Antropolítica
2973
37596,51
326020,51
2982000
PAE Acará
PAE Novo Jardim
Total
Canutama
26137,27
Área(ha)
34218500
PDS3 Gedeão
Total
Total Geral: 27
Municípios
3893397,182
11898,8
PAE – Total: 15
PDS – Total: 1
160
3237
11570
14967
263491
Capacidade (Nº de Famílias)
623
160
305
158
36909
298
11463
703
50
262
100
291
29907
123
84676
1174
500
300
População/ Capacidade de
Assentamento (Famílias)
126
2610
9691
12427
Famílias Assentadas
446
126
175
145
317
734
50
262
92
330
122
1077
362
299
Famílias Assentadas
Fonte: INCRA (1 Projeto de Assentamento Agroextrativista; 2 Projeto de Assentamento; 3 Projeto de Desenvolvimento Sustentável)
946301
PA – Total: 11
4851596,982
11898,8
PA Paciá
Projetos
9017,1
5221,37
PA Umari
6922900
Lábrea
18120
141818
PAE Canaã
PA São Francisco
12670
133936
PA Sampaio
759900
Autazes
PA Engenho
565610,38
Total
889200
287098,62
PAE Abacaxis II
Itacoatiara
273072,63
Área(ha)
PAE Curupira
Município/ Tipo de Projeto
Esfera Federal
Federal
Federal
Federal
Federal
Federal
Federal
Federal
Federal
Federal
Federal
29/03/2007
28/10/1999
02/04/1996
29/04/1993
08/07/2005
07/07/2005
15/12/2004
20/03/1992
29/11/2000
10/06/2005
21/12/2004
Data de criação
159
Niterói, n. 27, p. 155-182, 2. sem. 2009
160
Da leitura dos dados sistematizados no Quadro 1, imediatamente se
impõe o reconhecimento da magnitude dos projetos em termos de área
de terra e número de famílias a serem assentadas. Na década de 1980,
foi criado um projeto com previsão de assentamento de um número de
famílias jamais repetido. Na década de 1990, oito projetos foram criados, abrangendo os municípios de Manicoré, Novo Aripuanã, Borba,
Nova Olinda do Norte, Autazes, Canutama e Lábrea, numa área total
de 250.927 hectares, com previsão de absorção de 3.836 famílias. O
processo oficial de apropriação de terra no estado do Amazonas ainda se
expandiu no início deste século, abrangendo 16 projetos, nos municípios
de Humaitá, Apuí, Manicoré, Borba, Nova Olinda do Norte, Itacoatiara,
Autazes e Lábrea, somando uma área de 3.911.670 ha, destinada ao
assentamento de 3.631 famílias.
Neste artigo, considero analiticamente os desdobramentos de múltiplas
e diferenciadas versões da política oficial de colonização agrícola implantada no sul e sudeste do estado do Amazonas, priorizando os modos de
objetivação de programas e normativos que revelavam a intervenção
estatal, mas também as formas de produção de recrutamento e de
engajamento dos agentes sociais que foram localizados3 no Projeto de
Assentamento Dirigido Rio Juma (PAD Rio Juma), criado em 1982 por
porta-vozes do INCRA. Para melhor compreensão do objeto de estudo
em apreço, destaco que o intuito explícito dessa criação fôra ordenar o
processo de ocupação da região sudeste do estado do Amazonas, que se
intensificara a partir do final da década de 1970, e, assim, possibilitar a
exploração “racional” do solo e dos recursos naturais da região.
Projeto de Assentamento Dirigido Rio Juma
Criado através do decreto nº 238/82 para assentar 7.500 famílias, os
porta-vozes do INCRA advogavam para o Projeto de Assentamento Dirigido (PAD) Rio Juma o status de maior assentamento da América Latina.
O PAD Rio Juma integrava-se a um conjunto de ações do Governo Militar,
motivado pelos lemas “unir gente sem terra a uma terra sem gente” e “integrar para não entregar”, objetivados no Plano de Integração Nacional
(PIC), lançado em julho de 1970. O PIC orientava as políticas de colonização e de desenvolvimento implementadas na Amazônia naquele período
e visava integrar aquela região aos mercados nacional e estrangeiro. A
3
Segundo Seyferth (2009, p. 47): “no século XIX e início do século XX, o termo ‘localização’ era empregado
para designar o ato de recebimento (por compra) e exploração de um lote colonial (destinado à agricultura)
equivalente, portanto, ao que atualmente conhecemos como ‘assentamento’”.
Antropolítica
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161
rodovia Transamazônica (BR-230), que teve sua construção anunciada
em março de 1970, conjuntamente com outras rodovias, também era
parte das políticas adotadas pelo Governo Militar e visava criar condições
para a ocupação daquela região por diversos segmentos da sociedade e
por diferentes setores da economia, nacionais e estrangeiros.
Segundo Soares:
o objetivo definido no projeto de implantação [do Projeto de Assentamento Dirigido Rio Juma] era constituir-se em alternativa para absorver o fluxo migratório proveniente de Rondônia e do Acre, através
da BR-319 que liga Porto Velho (RO) a Humaitá (AM), onde se liga à
rodovia Transamazônica. Esse Projeto serviria como ‘instrumento de
ordenação de ocupação de terras do Amazonas, evitando instruções e
posses desordenadas’. E pressupunha ‘a expansão da fronteira agrícola,
a criação de novos empregos, além de contribuir para a auto-suficiência
regional de gêneros alimentícios de primeira necessidade’” (SOARES,
1999, p. 98).
Gerido principalmente por agentes estatais vinculados ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, para a constituição do
PAD Rio Juma foram recrutadas, por agentes desta instituição, famílias
de colonos da região sul do país, principalmente do estado do Paraná,
para serem localizadas em lotes que variavam de 40 a 100 ha (com a predominância dos lotes de 60 a 80 ha). Os agentes do INCRA ficavam responsáveis pela obtenção e distribuição de terras; organização territorial;
administração do Projeto; assentamento das famílias; estabelecimentos
das unidades agrícolas; implantação de infraestrutura física; educação;
saúde e previdência social; habitação rural; empresa cooperativa, crédito
e comercialização.4 As famílias selecionadas pelos agentes do INCRA
receberam transporte, do local de origem até o Projeto; ferramentas,
recursos e assistência técnica, para iniciar o trabalho nos lotes, além de
recursos para habitação. Os recursos financeiros transferidos duraram
de oito meses a um ano.
Como um dos objetivos do PAD Rio Juma era a produção de gêneros alimentícios de primeira necessidade para suprir o mercado regional, os parceleiros5 foram, ao longo do processo de implantação do Projeto, estimulados
a produzir: arroz, milho, mandioca, pimenta do reino, café, guaraná,
cacau, entre outros produtos. Para que os parceleiros aderissem ao cultivo
4
5
Schweickardt (2001, p. 45); Soares (1999, p. 91).
Cf. Art. 4o, Inciso VII, da Lei no 4.504, de 30 de novembro de 1964, “Parceleiro”, aquele que venha a adquirir
lotes ou parcelas em área destinada à Reforma Agrária ou à colonização pública ou privada.
Antropolítica
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162
destes produtos, a liberação de recursos para a produção agrícola estava
condicionada à incorporação deles ao plantio orientado para a produção
de mercadorias. Além do crédito, a política de produção e distribuição
de sementes e mudas, assim como o atendimento com assistência técnica, também estavam vinculados aos produtos valorizados pelos agentes
estatais responsáveis pelo Projeto. Dessa forma, os recursos e serviços
disponibilizados pelos agentes estatais funcionaram como instrumento
de controle governamental e direcionamento da produção agrícola.
No decorrer do processo de “arrecadação” das glebas de terra (num
total de duas) para fins da política de colonização oficial e criação do
PAD do Rio Juma, foram localizadas posses em seu interior, totalizando
10.710ha. Posteriormente elas foram regularizadas pelo INCRA: 31 por
Licenças de Ocupação (L.O) e 45 por Contratos de Promessa de Compra
e Venda (CPCV) (SOARES, 1999, p. 98). A localização de áreas já ocupadas na delimitação da terra destinada ao PAD Rio Juma confirma, no
perímetro do Projeto, a existência tanto de famílias que anteriormente à
sua criação, ali se dedicavam ao extrativismo, atividade complementada
por uma agricultura conjugada com criação, todas voltadas prioritariamente para o autoconsumo; mas também aí se confirma a existência de
grandes propriedades.
Todavia, esse processo, justo porque formalmente designado pela qualificação dirigido, com o lançamento do I Plano Nacional de Reforma Agrária
(1985-9) pelo governo federal e, consequentemente, com a criação de
novas vertentes políticas sob a modalidade de Projetos de Assentamento
de Reforma Agrária pelos agentes do INCRA, foi relativamente abandonado pelas intenções estatais intervencionistas. Os recursos antes
destinados aos projetos de colonização oficial passaram a ser canalizados,
privilegiadamente, para as áreas de assentamento de reforma agrária,
e, concomitantemente, novas modalidades de investimentos e ações
governamentais foram aplicadas em novas áreas.
Visando se enquadrar institucionalmente nas novas referências governamentais de condução da reforma agrária, isto é, na nova política de
distribuição de recursos e serviços governamentais, os agentes estatais
responsáveis pela gestão do Projeto Rio Juma alteraram a categoria do
Projeto, passando sua denominação de Projeto de Assentamento Dirigido
a Projeto de Assentamento do Rio Juma (SOARES, 1999, p. 92).
Mesmo com a mudança de categorização do Projeto, os recursos governamentais destinados a torná-lo viável continuavam escassos. Parte deles,
quando chegava, vinha com atrasos que comprometiam o calendário
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agrícola. A morosidade na liberação e a escassez dos recursos repassados
pelo governo federal aos administradores do Projeto comprometiam não
só as atividades agrícolas, mas também a execução das obras de infraestrutura. Por exemplo: a) a construção e melhoria de estradas, travessões
e vicinais, que ligam os lotes à estrada principal, tornando inviável o escoamento da produção e a mobilidade dos parceleiros; b) a construção dos
postos de armazenamento e de beneficiamento dos produtos agrícolas;
c) a aquisição de maquinários para atividade agrícola; d) a construção
dos edifícios para implantação dos serviços em educação e saúde; e) os
serviços de assistência técnica, de ensino e atendimento médico, para os
quais faltavam recursos e pessoal.
Estima-se que logo nos primeiros anos do Projeto, cerca de 2.600 famílias
tenham sido assentadas, das quais apenas 40% permaneceram no assentamento. Da criação do projeto, em 1982, até o ano de 2005, estima-se
que foram assentadas 6.134 famílias no total, mas, destas, apenas 503
receberam o título definitivo da terra.6 Estima-se ainda que a taxa de
ocupação dos lotes do Projeto não tenha ultrapassado, até os dias de
hoje, cerca de 40% da capacidade prevista. Isto sugere que dos 6.134
lotes distribuídos até 2005, apenas cerca da metade esteja ocupada nos
termos previstos pelo caráter formal da elaboração do projeto.
Em consequência, a situação da população local, constituída majoritariamente por parceleiros, mas acrescida de uma pequena parcela de
agricultores mobilizados por movimentos de migração “espontânea”,
que ocuparam então terras do entorno do Projeto, foi se agravando
de forma significativa, especialmente em meados da década de 1980.
A precariedade da situação fez com que parte dos agricultores reivindicassem apoio junto ao Governo do Estado do Amazonas, mediante a
criação do município de Apuí, o que ocorreu através da Lei nº 1826, de
30 de dezembro de 1987, com uma área de 54.240 km2 (5.424.000 ha).
Para os moradores da região, a criação do município representava uma
possibilidade de melhoria na economia local, na infraestrutura e na prestação dos serviços básicos do recém-criado município. Após tal criação,
os repasses de recursos dos governos federal e estadual possibilitaram a
melhoria nos serviços de educação, saúde e infraestrutura do município,
principalmente na área onde se estabeleceu a sede municipal. Mas não
representou a conquista da autonomia, da emancipação frente os agentes do INCRA. Com a condição de Município, ainda hoje, os parceleiros
(oficiais e não-oficiais) que vivem e produzem no interior do PA Rio
Juma, estão afiliados a duas instituições em termos de demanda e aten6
MDA/INCRA – Sistema: SIPRA.
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dimento dos recursos –INCRA e prefeitura municipal – diferentemente
da concepção autonomista de outros projetos de colonização dirigida.
Constituído a partir do desmembramento dos municípios de Novo
Aripuanã e Borba, não houve qualquer ato dos governos estadual e federal no sentido de desmembramento de terras para serem destinadas à
administração municipal de Apuí. Assim, até o momento do trabalho de
campo desta pesquisa, em 2007, a maior parte das terras do município
estava dentro da faixa definida como “indispensável à segurança e ao
desenvolvimento nacionais”,7 sob a gestão do governo federal, na figura
dos agentes do INCRA. A sede do município está localizada dentro da
área arrecadada e destinada ao Projeto de Assentamento Rio Juma.
A partir de 2004, parte das terras da União que estavam fora da área
do Projeto foram convertidas em unidades de conservação, geridas
por agentes vinculados ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Renováveis (IBAMA). Sob a gestão do governo do estado do
Amazonas, estão 2.825.932,823 hectares, ao sul do município, que criou,
através dos agentes vinculados ao Instituto de Proteção Ambiental do
Estado do Amazonas (IPAAM), entre 2005 e 2006, um conjunto de nove
unidades de conservação, de diversas categorias, mosaico de unidades de
conservação a que foi atribuído como “objetivo principal ([...] conter o
avanço da grilagem de terra e o consequente desmatamento da região”
(SECRETARIA DE ESTADO DO MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ESTADO DO AMAZONAS, 2007).
7
Cf. Art. 1º Decreto-Lei Nº 1.164, de 1º de abril de 1971.
Antropolítica
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Antropolítica
Proteção Integral
Uso Sustentável
Uso Sustentável
Proteção Integral
Parques Nacionais – Total: 2
Floresta Estadual – Total: 4
Reserva de Desenvolvimento Sustentável – Total: 6
Parque Estadual- Total: 2
Reserva Extrativista – Total: 2
2
3
4
5
6
Nova Olinda do Norte e Borba
Humaitá
Canutama
Novo Aripuanã
Novo Aripuanã
Novo Aripuanã
Manicoré, Humaitá, Novo Aripuanã,
parte do estado de Rondônia
Manicoré
Manicoré
Manicoré
Apuí e Novo Aripuanã
Apuí
Apuí
Apuí
Apuí
Apuí
Apuí
Apuí
Apuí
Município
880608,51
1165972,12
1098272,52
873570
2154070
6627104,74
22354,86
468790
802023
589611,28
–
72296,33
873570
216108,73
304146,28
83381
150465,31
113606,43
185946,17
492905,28
808312,18
224290,82
336040,07
–
883257
Área (ha)
454611,59
Fonte: Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SDS); Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
Uso Sustentável
Uso Sustentável
Floresta Nacional – Total: 3
Total Geral: 19
1
Uso Sustentável
Uso Sustentável
FLONA de Humaitá
Uso Sustentável
FLONA Balata-Tufari
RDS Canumã
Uso Sustentável
RDS do Juma
RESEX do Lago do Capanã Grande
Uso Sustentável
Uso Sustentável
FLOREST de Manicoré
Proteção Integral
Uso Sustentável
RESEX6 do Guariba
RDS do Rio Madeira
Uso Sustentável
RDS Bararati
PAREST do Guariba
Uso Sustentável
FLOREST de Apuí
Uso Sustentável
Uso Sustentável
FLOREST do Sucundurí
Proteção Integral
Uso Sustentável
PAREST5 do Sucundrí
PARNA Campos Amazônicos
Uso Sustentável
RDS4 Aripuanã
RDS do Rio Amapá
Uso Sustentável
Uso Sustentável
FLOREST3 do Rio Aripuanã
Proteção Integral
PARNA2 Juruena
Tipo
Uso Sustentável
FLONA1 Jatuarana
Nome da Unidade de Conservação
Quadro 2 – Unidades de Conservação nos Municípios da calha do rio Madeira
Esfera
Estadual
Federal
Federal
Estadual
Estadual
Estadual
Federal
Estadual
Federal
Estadual
Estadual
Estadual
Estadual
Estadual
Estadual
Estadual
Estadual
Federal
Federal
2005
2004
2005
2006
2006
2005
2006
2005
2004
2005
2005
2005
2005
2005
2005
2005
2005
2005
2005
Ano de Criação
165
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166
A análise dos dados apresentados no Quadro 2 permite concluir que, de
um total de 6.627.104,74 ha utilizados para a implantação de 19 unidades
de conservação nos municípios da calha do rio Madeira, no período de
2004 a 2006, 4.872.926,23 ha foram destinados à criação de 15 unidades
de conservação de uso sustentável, cujo objetivo básico é “compatibilizar
a conservação da natureza como uso sustentável de parcela dos seus
recursos naturais”,8 permitindo a permanência dos moradores que tradicionalmente ocupam a área, e 1.754.178,51 ha foram convertidos em
unidades de conservação de proteção integral, que tem como objetivo
principal “preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto
dos seus recursos naturais”,9 não tolerando a existência e ocupantes em
seu interior nem a exploração dos seus recursos naturais.
O município de Apuí guarda certa excepcionalidade em relação a
outros municípios do estado do Amazonas, por se constituir de terras
centrais, com acesso apenas rodoviário, porque distante de leitos de rios
navegáveis. O município interliga-se a oeste com a sede de Humaitá
através da BR-230 (Transamazônica), não pavimentada, num trecho de
aproximadamente 400 km; a leste liga-se com o Estado do Pará, também
através da Transamazônica, uma distância de 300 km, até a cidade de
Jacareacanga (PA); ao norte liga-se com o município de Novo Aripuanã,
através da AM-174, estrada não pavimentada, num total de 292 km.
Existem ainda duas vias de acesso por estradas não pavimentadas ao rio
Aripuanã (navegável no período de cheia). A primeira distante 120 km
do município de Apuí, onde se localiza a comunidade de Prainha, e a
segunda no chamado “Porto Juma”, próximo à cidade de Novo Aripuanã,
cujo acesso se dá através de ramal na altura do km 130 da AM -174. A
partir da localidade de “Porto Juma”, o rio Aripuanã torna-se navegável
todo o ano (SOARES, 1999, p. 98-9; SDS/AM, 2007, p. 15).
A unidade político-administrativa em foco conta com uma extensa rede
hídrica constituída pelos rios Juma, Acari, Sucundurí, Aripunã e Juruena. No entanto, estes só são navegáveis no período das cheias (inverno
amazônico), pois, durante a vazante (verão), a redução do nível da água,
o grande número de corredeiras e a exposição do leito rochoso impedem
a navegação e dificultam o acesso por via fluvial a várias localidades do
município e da região (SOARES, 1999, p. 98-9; SDS/AM, 2007, p. 15).
Mesmo com as melhorias na infraestrutura, nos serviços básicos de atendimento à saúde e à educação, de assistência técnica e do crescimento da
economia, a situação do município ainda é descrita como de precarie8
Cf. Art. 7o do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, Lei No 9.985, de 18 de julho de 2000.
9
Ibidem.
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167
dade, no que diz respeito à responsabilidade do exercício dos poderes
públicos federal, estadual e municipal (SOARES, 1999; SDS/AM, 2007).
A despeito de a situação do município ser reconhecida como precária,
agora configurada como unidade totalizante mais perceptível, como se
pode depreender pelos dados estatísticos, entre os anos de 1991 e 2006,
a sua taxa de crescimento populacional foi de 243,06%, deslocando-se
de uma população de 5.732, em 1991, para 19.664 habitantes, em 2006
(ver tabelas 1 e 2).
Tabela 1 – População residente no Município de Apuí10
POPULAÇÃO
1991
5.732
1996
11.048
2000
13.864
2006
19.664
Fonte: IBGE, 1991, 1996, 2000 e 2006
Tabela 2 – Taxa de crescimento do município de Apuí11
TAXA DE CRESCIMENTO
96/2000
25,48%
91/96
92,74%
91/2006
243,06%
Fonte: IBGE, 1991, 1996, 2000 e 2006
Para o ano de 2007, o IBGE estimou uma população de 17.451 pessoas no município. No período de 1991 a 2000 houve uma oscilação na
distribuição da população, passando a população rural de 59,54%, em
1991, para 55,81%, em 2000 (Tabela 3).
Tabela 3 – População urbana e rural residente
Apuí – anos de 1991, 1996 e 2000
no município de
Ano
1991
1996
2000
Urbana
2.319
4.434
6.126
%
59,54
59,86
55,81
Rural
3.413
6.614
7.738
%
40,46
40,14
44,19
Total
5.732
11.048
13.864
Fonte: IBGE, 1991, 1996, 2000.
Após essa breve descrição da situação empírica de análise, reflito sobre
os mecanismos através dos quais os agentes do INCRA tentaram estabelecer uma relação de poder tutelar frente aos designados beneficiários
do Projeto em pauta. Por este exercício, não pretendo advogar qualquer
exceção para o caso, que resultaria na crença de que as intenções dos
10
Organizado por SDS/AM (2007).
11
Organizado por SDS/AM (2007).
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agentes em jogo, independentemente da posição que vier a privilegiar,
se realizam como projetadas. Pelo contrário, por representar um bom
exemplo das formas de expressão do Estado em seus investimentos
objetivantes, dado que neste contexto a organização social da nação foi
alterada pela relativa e crescente hegemonia de valores fundados nos
ideais democráticos, redefinindo e deslegitimando muitas das realizações fundadas na crença dos acertos do autoritarismo, o caso em pauta
permite a compreensão da agência estatal pelo caráter dinâmico da vida
política e dos agentes sociais integrados como parceleiros como sujeitos
políticos e econômicos dotados de capacidade contextual e relativa de
construção de alternativas e de desdobramentos mais atinentes aos recursos privados e públicos em jogo.
O processo de constituição do parceleiro
As políticas governamentais de colonização agrícola na Amazônia, isto
é, aquelas postas em prática pelos governos que constituíram o Regime
Militar no Brasil (1964-85), apresentavam mecanismos diversos de seletividade e de disciplinamento dos comportamentos econômicos, sociais e
políticos dos supostos beneficiados. Tais mecanismos preconizavam que,
para o sucesso da ação colonizadora e integradora, o Estado deveria agir
no sentido de tornar viável e, mais que isso, estimular a entrada na região
de agentes sociais e econômicos mais aptos a por em prática os modelos
de colonização e de desenvolvimento idealizados no interior das agências
estatais, todavia sob forte influência dos interesses do capital nacional e
estrangeiro. Nos termos da colonização agrícola oficial, os pretendentes
à condição de parceleiro deveriam corresponder aos atributos definidos
nos regulamentos estatais, de modo a se constituírem como desejáveis12 à
ação colonizadora e integradora do Estado. Segundo o regulamento do
INCRA, para se tornarem beneficiários da política de colonização oficial, os candidatos a parceleiro deveriam “possuir conhecimento agrícola
dirigido para exploração específica e dispor de recursos financeiros e
experiência na obtenção de crédito bancário”,13 além de “demonstrar
capacidade empresarial para gerência do lote na forma planejada”14 pelos
agentes do Estado. Nesta perspectiva, os supostos beneficiários, dado
que se integraram a um projeto político em construção multifatorial,
deveriam estar abertos a constantes mudanças comportamentais, incorporar e gerir tecnologias e relações sociais e econômicas apropriadas aos
12
Ver Ramos (2006).
13
Oliveira (1989, p. 93-94).
14
Art. 64, inciso V, do Decreto Lei no 59.426, de 27 de outubro de 1966.
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objetivos e exigências definidas no projeto. Enfim, deveriam responder
em tese aos recursos de engajamento propostos pelos agentes gestores
do Projeto, embora tais respostas dependessem dos recursos que eles
próprios se acreditavam portadores e dos que imaginavam corresponder
aos que lhes eram designados ou atribuídos.
Para os idealizadores da política de colonização dirigida, um dos princípios fundamentais da intervenção estatal sobre os processos de ocupação
e exploração de terras devolutas15 era “promover o aproveitamento
econômico, mediante o exercício de atividades agrícolas, pecuárias e
agroindustriais”.16 Ela seria aplicada, privilegiadamente, utilizando
terras públicas17 em áreas de vazio demográfico. A noção de vazio demográfico trazia, portanto, duas idéias centrais: a primeira dizia respeito à
noção de espaços desocupados ou com população rarefeita ou dispersa
que precisavam ser incorporados à economia e sociedade nacionais; e a
segunda estava ligada à idéia de aproveitamento econômico racional da
região a ser colonizada. Dessa forma, eram reconhecidos pelos agentes
estatais, como espaços de vazio demográfico, aqueles que: estavam desocupados ou eram ocupados por povos e comunidades dispersos ou
rarefeitos, que utilizavam técnicas rudimentares para a exploração do
solo e dos recursos naturais, com baixo requinte tecnológico e com pouca capacidade de transformação ou domesticação da natureza, capazes
de produzir artigos, em quantidade e qualidade, adequados somente a
uma economia de subsistência, com pouca ou nenhuma relação com o
mercado, pois a organização da produção estava fortemente atrelada
aos princípios ordenadores do sistema de organização social dos grupos.
A colonização oficial deveria ser realizada em terras já incorporadas ao
Patrimônio Público ou que viriam a sê-lo. Ela seria efetuada, preferencialmente, nas áreas: I) ociosas ou de aproveitamento inadequado[...]; V)
de desbravamento ao longo dos eixos viários, para ampliar a fronteira
econômica do país.18
Tinha como objetivos:
I) a integração e o progresso social e econômico do parceleiro; II) a melhoria do nível de vida do trabalhador rural; III) a conservação dos recursos
15
Art. 3º, parágrafos 1º a 4º, da Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850.
16
Art. 5º, do Decreto nº 59.428, de 27 de outubro de 1966.
17
Art. 9º, incisos I a III do Estatuto da Terra, Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964.
18
Art. 56, do Estatuto da Terra, Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964.
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170
naturais e a recuperação social e econômica de determinadas áreas; e
IV) o aumento da produção e da produtividade no setor primário.19
Nas “regiões economicamente ocupadas em que predominava economia
de subsistência e cujos lavradores e pecuaristas careciam de assistência
adequada”,20 a política de colonização visava: “a) ao aproveitamento de
área cuja exploração fosse inadequada e acarretasse o uso predatório
dos recursos naturais, ou cujos proprietários não dispusessem de meios
para adoção de práticas conservacionistas; b) ao aproveitamento de áreas
incluídas em planos preferenciais de implantação de grandes obras de
infraestrutura”.21
Planejada para as áreas de vazio demográfico,22 a política de colonização
oficial, materializada em diferentes tipos de projetos, foi elaborada mediante a crença de que os agentes estatais modelavam em estado bruto,
podendo criar mecanismos disciplinadores do espaço social em formação
e dos agentes sociais sobre os quais agiriam. Os parceleiros corresponderiam assim a posições ocupadas segundo um sistema hierárquico de
gestão da terra e dos recursos naturais.
A estratégia de recrutamento e deslocamento de pequenos agricultores
da região Sul do país para a constituição do Projeto de Assentamento
Dirigido do Rio Juma, posta em prática pelos agentes do INCRA, já
respondia a esta contradição. Para o espaço vazio eram deslocados homens imaginados em estado ideal de existência para efeitos do projeto.
Buscava-se recrutar famílias de pequenos produtores e trabalhadores
rurais que correspondessem à imagem positivamente valorizada pelos
agentes estatais, isto é, ao parceleiro desejado. Mas não só, também diminuir a tensão social de disputa pela terra, gerada pelo processo de concentração fundiária e, consequentemente, de cercamento das pequenas
propriedades, que se agravavam na região Sul do país. Em resumo,
associavam-se duas intenções mais amplas: viabilizar e gerir o processo
de ocupação de áreas de vazio demográfico; e dar andamento à política
estatal de eliminação de “minifúndios”,23 sobretudo nas regiões de pressão
fundiária. O processo de recrutamento não se deu de forma aleatória,
tanto no que diz respeito aos agentes recrutados, quanto à localidade
onde se desenrolou, privilegiando, para o Projeto de Assentamento Diri19
Art. 57 do Estatuto da Terra, Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964.
20
Art. 43, inciso III, do Estatuto da Terra, Decreto nº 4.504, de 30 de novembro de 1964.
21
Art. 6º do Decreto nº 59.428, de 27 de outubro de 1966.
22
Art. 11 do Decreto nº 68.153, de 1º de fevereiro de 1971.
23
Art. 4º, inciso II e IV, da Lei nº 4.504, de 30 de dezembro de 1964.
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171
gido Rio Juma, os desejáveis da região sudoeste do Paraná, sobretudo do
município de Francisco Beltrão e outras unidades municipais vizinhas.
Assim como em outras épocas, as campanhas dos governos militares,
do período 1964-1985, de estímulo às migrações, seja de população
seja de capital, para a Amazônia, elevavam-na à condição de eldorado.
As propagandas promovidas pelos agentes estatais exaltavam a vocação
ao empreendedorismo e as possibilidades que a região guardava para o
desenvolvimento de atividades na agricultura e pecuária e a exploração
mineral, hídrica e industrial. As estradas, sobretudo a Transamazônica,
eram a grande promessa para a “conquista e colonização” da região,
possibilitando, principalmente, a circulação e escoamento de mercadorias e de pessoas.
Para assegurar credibilidade à política de colonização oficial, o governo
federal, como já apresentados, acenava com recursos múltiplos e totalizantes, amplamente divulgados nos meios de comunicação pelos agentes
estatais. Estas promessas eram o carro chefe da propaganda governamental para atrair agricultores com limitadas condições de expansão da
unidade de produção familiar nas suas regiões de origem.
Assim sendo, os agentes estatais pretendiam engajar sujeitos sociais que
correspondessem à gestão de expectativas vislumbradas ou que estivessem abertas à indução de comportamentos correspondentes à condição
de parceleiros. Buscando atrair principalmente o produtor rural cuja unidade de produção se enquadrava na definição de “minifúndio”, segundo
o Estatuto da Terra, os agentes estatais prometiam parcelas de até 100
hectares, o que, para esses agricultores, era impossível de se conseguir
no Paraná. A promessa de terra farta e fértil, onde “se plantando tudo
dá”, produziu expectativas e certa euforia quanto às possibilidades de
melhoria das condições de produção e reprodução social e econômica dos
agricultores, o que “atraiu muita gente da cidade de Francisco Beltrão e
das cidades vizinhas, na época da seleção”.24 Estimulou-se, dessa forma,
o engajamento necessário à ação migratória.
A construção da imagem positivada da migração para a Amazônia fora
associada à construção de uma imagem negativa, de uma situação de
precariedade e de escassez, sobretudo de terra, vivenciada pelos supostos
beneficiários nos seus locais de origem. Em oposição, estimulava-se, através das propagandas, a construção do ideário de uma possível situação
de fartura, um lugar da riqueza, projetada para um futuro, processo a
ser alcançado mediante deslocamento para a Amazônia.
24
Entrevista cedida em 17/07/07.
Antropolítica
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172
Para a legitimação da política de colonização oficial, os agentes estatais
procederam no sentido de divulgar, privilegiadamente, seu aspecto social
em detrimento do seu real interesse, econômico e político. Pensada pelos
agentes estatais enquanto uma política de distribuição de recursos que
pretendia atender a agentes específicos, sua implementação corresponderia à retórica da construção social, política e econômica do beneficiário,25
isto é, do parceleiro modelar.
Neste sentido, Foucault (1979, p. 284), ao desenvolver sua análise sobre o
tema da governabilidade e elaborar o que ele denominou teoria do governo,
dá a seguinte contribuição:
O governo é definido como uma maneira correta de dispor as coisas
para conduzi-las não ao bem comum [...] mas a um objetivo adequado a
cada uma das coisas a governar. O que implica, em primeiro lugar, uma
pluralidade de fins específicos [...]. Portanto, uma série de finalidades
específicas que são o próprio objeto do governo. E para atingir estas
diferentes finalidades deve-se dispor as coisas. [...] no caso da teoria
do governo não se trata de impor uma lei aos homens, mas de dispor
as coisas, isto é, utilizar mais táticas do que lei, ou utilizar ao máximo
as leis como táticas. Fazer, por vários meios, com que determinados
fins possam ser atingidos. [...] a finalidade do governo está nas coisas
que ele dirige, deve ser procurada na perfeição, na intensificação dos
processos que ele dirige e os instrumentos do governo, em vez de serem
constituídos por lei, são táticas diversas.
Mecanismos para a constituição
e reprodução do poder tutelar
Para a constituição do beneficiário desejável, os agentes estatais planejaram um conjunto de ações que pretensamente funcionariam, por um
lado, como mecanismos de indução de comportamentos dos supostos
beneficiários; e, por outro, que levariam à constituição de uma relação de
25
Segundo Neves (1997a, p. 78), “Especialmente nos casos de políticas sociais, as instituições estatais operam com um modo de ação baseado na desorganização despolitização para a organização-politização específicas. Através de uma classificação e de um
enquadramento, expresso especialmente pela categorização que ressalta problemas e
carências, o beneficiário deve-se adequar a uma etiqueta, processo que pressupões a
criação de novos espaços de luta, novas questões, novas identidades e novos modos
de incorporação de comportamentos, mesmo se a reação se orienta pela recusa ou
resistência”.
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poder tutelar26 dos agentes estatais sobre os parceleiros, resguardada por
uma relação de troca de favores, de “dádiva”, no sentido de Mauss (2003).
Assim estava previsto no Decreto no 59.428, de 27 de outubro de 1966:
aos candidatos a parceleiro poderão ser concedidas as seguintes facilidades: a) transporte de estação viária, ou porto marítimo ou fluvial até
a sede do núcleo; b) crédito para alimentação durante a primeira fase
da implantação; c) prioridade no trabalho a salário ou empreitada, em
obra ou serviço do núcleo, durante o período de carência, desde que
não prejudique a exploração de sua parcela; d) assistência médica até
a consolidação do núcleo; e) suprimento de mudas, sementes, adubos,
inseticidas, fungicidas e utensílios agrícolas, para pagamento a prazo
além do período de carência; f) prestação de serviços gerais de preparação da parcela pelo prazo referente à implantação do núcleo; g)
implantação de benfeitorias previstas no projeto (Art. 75).
A seleção, o deslocamento
e a localização dos “parceleiros”
Buscando corresponder às expectativas dos agentes da colonização,
no processo de constituição da autoimagem do parceleiro modelar, os
candidatos tinham de conhecer os atributos definidores da condição
desejada, descritos nos regulamentos da política de colonização oficial,
a saber: “exerçam, ou queiram efetivamente exercer, atividades agrárias
e tenham comprovada vocação para seu exercício; comprometam-se a
residir com sua família na parcela, explorando-a direta e pessoalmente;
possuam boa sanidade física e mental e bons antecedentes; demonstrem
capacidade empresarial para gerência do lote na forma projetada”;27
e espírito associativista.28 Exigia-se, também, pela descrição oficial do
26
Para Oliveira Filho (1988, p. 224-225), “em geral o aspecto mais destacado da tutela, aquele que a envolve
de uma necessidade e que a pretende justificar, é a dimensão educativa, pedagógica, de que se reveste a
relação (suposta de aprendizado e proteção) entre tutor e tutelado. Este último é sempre aquele sobre o qual
se supõe que disponha de um conhecimento parcial ou deformado dos códigos culturais dominantes. [...] A
finalidade da tutela é justamente transformar, através de uma ensinamento e uma orientação dirigidas, tais
condutas desviantes em ações e significados prescritos pelos códigos dominantes. Assim a tutela é fator de
controle do grupo social sobre um conjunto de indivíduos potencialmente perigosos para a ordem estabelecida, uma vez que partilham, junto com os infratores, de condutas vistas como anti-sociais. [...] À diferença
de outras formas mais explícitas e utilitárias de dominação, a relação da tutela se funda no reconhecimento de uma
superioridade inquestionável de um dos elementos e na obrigação correlata, que esse contrai (para com o tutelado e
com a própria sociedade envolvente) de assistir (acompanhando, auxiliando e corrigindo) a conduta do tutelado
de modo que o comportamento deste seja julgado adequado – isso é, resguarde os seus próprios interesses e não ofenda as
normas sociais vigentes” (OLIVEIRA FILHO, 1988).
27
Art. 64, incisos II, III, IV e V, do Decreto nº 59.428, de 27 de outubro de 1966.
28
Art. 63, da Lei nº 4.504, de 30 de Novembro de 1964.
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perfil do candidato a beneficiado, para a constituição do Projeto de Assentamento Dirigido do Rio Juma, que os “parceleiros devessem possuir
conhecimento agrícola dirigido para exploração específica e dispor de
recursos financeiros e experiência na obtenção de crédito bancário”
(INCRA, 1983, p. VII/IX apud OLIVEIRA, 1989, p. 93-4).
Com o processo seletivo, os agentes da colonização almejavam atrair não
só os que em família tivessem vocação ao exercício da atividade agrícola,
mas também e principalmente, aqueles que demonstrassem capacidade
empresarial para gerência do lote na forma projetada pelos agentes estatais. “Associativismo” e “Gerir o lote na forma projetada” representavam
aspectos importantes do perfil do parceleiro, uma vez que no processo
de implantação do Projeto estes seriam recorrentemente mobilizados
pelos gestores do Projeto, já que este era um processo, sobretudo, de
disciplinamento29 e indução dos comportamentos sociais, políticos e
econômicos dos supostos beneficiados em processo de mutação. Dessa
forma, o parceleiro, tal como Neves (1997, p. 75) aponta para o assentado
correspondente do I Plano Nacional de Reforma Agrária (I PNRA), era
socialmente concebido, pelos agentes da colonização, como o sem raiz,
ser ambíguo que se socializava num mundo em transformação ou em
conversão, cujas marcas derivavam dos objetivos do processo e da legislação (NEVES, 1997b, p. 75).
Feita a seleção dos beneficiados, os agentes da colonização procediam ao
agendamento e à organização das viagens. Em 1983, saíram as primeiras
famílias encaminhadas para o PAD Rio Juma, que foram conduzidas de
ônibus, fretados pelos agentes do INCRA, do município de Francisco
29
Segundo Foucault (1977, p. 153): O poder disciplinar é, com efeito, um poder que,
em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior “adestrar”; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. Ele não amarra as forças
para reduzi-las; procura ligá-las para multiplicá-las e utilizá-las num todo.Em vez de
dobrar uniformemente e por massa tudo o que lhe está submetido, separa, analisa,
diferencia, leva seus processos de decomposição até as singularidades necessárias e
suficientes. “Adestra” as multidões confusas, móveis, inúteis de corpos e forças para
uma multiplicidade de elementos individuais – pequenas células separadas, autonomias
orgânicas, identidades e continuidades genéricas, segmentos combinatórios. A disciplina
“fabrica” indivíduos; ela é a técnica específica de um poder que toma os indivíduos ao
mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício. Não é um poder
triunfante que, a partir de seu próprio excesso, pode-se fiar em seu superpoderio; é
um poder modesto, desconfiado, que funciona a modo de uma economia calculada,
mas permanente. [...] O sucesso do poder disciplinar se deve sem dúvida ao uso de
instrumentos simples: o olhar hierárquico, a sanção normalizadora e sua combinação
num procedimento que lhe é específico, o exame (FOUCAULT, 1977, p. 153-172).
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Beltrão ao local do Projeto de Assentamento Dirigido do Rio Juma, em
uma viajem que podia durar cerca de uma semana ou mais, como precisou um dos entrevistados: “Foi no ano de 1983, nós saímos dia 24 de
agosto e chegamos dia 1o de setembro de 1983”.30
Conjuntamente ao processo de seleção dos desejados, o financiamento
do deslocamento era mais uma ferramenta adotada pelos agentes da
colonização para o exercício do poder tutelar. A atração daqueles que
correspondiam à imagem do parceleiro modelar, cujos comportamentos
fossem adequados aos definidos nos regulamentos oficiais para o projeto
de colonização, não se operava, fundamentalmente, através da interdição
à entrada daqueles que fugiam ao padrão de comportamento adequado,
mas sim através de favores que estimulassem uma parcela dos migrantes
a se adequarem ao modelo idealizado pelos agentes da colonização. Dessa
forma, o financiamento do deslocamento e a definição do destino dos
parceleiros pelos agentes da colonização funcionavam como ações do mecanismo de construção de uma relação de troca de favores,31 entre agentes
diferentemente posicionados, de modo a induzirem comportamentos
que pretendiam resultar na construção do parceleiro.
Neste processo, à passagem e aceitação no processo seletivo, à viagem
financiada pelos agentes da colonização e à chegada no local de destino,
seguia-se a identificação e a localização do beneficiário na parcela de terra.
O ato de recebimento do lote representava, tanto para o beneficiário
como para os agentes do INCRA, a objetivação da primeira etapa do
processo de colonização que se materializava na terra e, consequentemente, na constituição de uma relação formal entre os beneficiários e os
agentes da colonização. Ambos agentes envolvidos estavam munidos de
obrigações e direitos geridos por regulamentos legalmente instituídos,
substantivados no contrato de colonização.32
No ato da localização do parceleiro em sua parcela de terra, no Projeto
de Assentamento Dirigido do Rio Juma, ele assinava o Contrato de
Assentamento com o INCRA. O Contrato definia os direitos e deveres
das partes, ficando os agentes do INCRA responsáveis por: “destinar ao
parceleiro, uma parcela de terra do referido Projeto, para que nela resida
com sua família e exerça atividades agrícolas, com finalidade de torná-la
produtiva”. Para que o Projeto alcançasse seus objetivos, os agentes do
INCRA assumiam os seguintes compromissos:
30
Entrevista concedida em 23/07/07.
31
Ramos (2006, p. 168-169).
32
Art. 67, do Decreto nº 59.428.
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a) medir e demarcar as parcelas; b) implantar a infraestrutura física
básica, correspondente a construção de estradas, escolas e ambulatórios;
c) conceder ao parceleiro concessão de empréstimo Crédito Alimentação
e Auxílio Habitação; d) expedir documento de terra ao parceleiro, se
cumpridas as condições do Contrato e demonstrar capacidade profissional para a exploração da parcela.
Ficava definido, também, que o INCRA “não desenvolveria no Projeto
atividades de caráter permanente, tais como assistência técnica à saúde e à
educação, comprometendo-se, no entanto, a diligenciar junto aos órgãos
competentes no sentido de prestarem apoio ao parceleiro, nessas áreas”.
O contrato dava ênfase às seguintes obrigações do parceleiro:
a) residir em sua parcela, explorando-a direto e pessoalmente; b)
atender à orientação do INCRA, com vista a sua plena capacitação
profissional; c) ressarcir ao INCRA as despesas previstas na clausula
anterior, acrescidas o juros de 6% ao ano, em prestações anuais, prestações estas a serem pagas juntamente com aquelas correspondentes
ao valor da terra nua.
A relação entre os agentes do INCRA e o parceleiro podia ser rompida
caso o parceleiro
a) não demonstrasse capacidade profissional durante o período de
dois anos, a contar da data de sua localização na parcela; b) deixasse
de cultivar direta e pessoalmente a parcela durante o período de 3
(três) meses, salvo motivo de força maior da Administração do Projeto;
c) deixasse de residir no local de trabalho ou em área pertencente ao
Projeto, salvo justa causa reconhecida pela Administração do Projeto;
d) desmatasse indiscriminadamente, sem imediato aproveito agrícola
do solo ou deixar de obedecer aos dispositivos da Lei no 4.771, de 15
de setembro de 1965 (Código Florestal); e) se tornasse elemento de
perturbação para o desenvolvimento dos trabalhos por má conduta
ou inadaptação à vida comunitária.
Nestes casos, o contrato seria rescindido e o parceleiro perderia o direito
à aquisição da parcela de terra.
O contrato objetivava o caráter crucial do planejamento, cujos agentes
da colonização pretendiam definir direitos e deveres englobantes a cada
um dos agentes diferentemente posicionados, para assim uniformizar
comportamentos.
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A Assistência Técnica e o Crédito
Os instrumentos de controle e de indução de comportamentos produtivos
e políticos ocupavam papel de destaque no processo de constituição do
parceleiro. Cada uma das etapas do processo de constituição de ex-colonos,
da região Sul, em parceleiros, no Projeto de Assentamento Dirigido Rio
Juma, visava reforçar o poder tutelar dos agentes do Estado. Dessa forma,
as políticas de assistência técnica e de crédito ocupavam lugar central no
conjunto de procedimentos e mecanismos acionados pelos agentes da
colonização para a constituição do agricultor modelar.
No planejamento dos agentes estatais, o estabelecimento do clima de
cooperação entre o beneficiário e o Estado, no aproveitamento da terra,
que garantiria a integração social e ativa participação do agricultor e sua
família no processo de desenvolvimento rural, só seria possível através da
preparação educacional e da formação empresarial e técnico-profissional
do parceleiro. Para alcançar a “capacitação plena” e, consequentemente,
a adesão do agricultor ao projeto de colonização, os agentes estatais
procederiam no sentido de fornecer-lhes os seguintes meios, (supostamente) possibilitadores da conversão: i) assistência técnica; ii) produção
e distribuição de sementes e mudas; iii) criação, venda e distribuição de
reprodutores e uso da inseminação artificial; iv) mecanização agrícola;
v) cooperativismo; vi) assistência financeira e creditícia; vii) assistência à
comercialização; viii) industrialização e beneficiamento dos produtos; ix)
eletrificação rural e obras de infra-estrutura; x) seguro agrícola; xi) educação, através de estabelecimentos agrícolas de orientação profissional;
xii) garantia de preços mínimos à produção agrícola. Através da assistência social, técnica e fomentista, os agentes da colonização pretendiam
estimular a produção agropecuária, de forma a que ela atendesse não só
ao consumo nacional, mas também à possibilidade de obtenção de excedentes exportáveis, alcançando dessa forma o desenvolvimento rural.33
Dessa forma, os serviços de assistência social, técnica e creditícia tinham
um forte componente pedagógico que, aos olhos dos agentes estatais,
tinham importância central para que os objetivos estabelecidos para a
Política de Colonização Oficial fossem alcançados.
As atividades de assistência técnica tinham os seguintes objetivos: a)
planificação de empreendimentos e atividades agrícolas; b) elevação do
nível sanitário, através de serviços próprios de saúde e saneamento rural,
melhoria de habitação e de capacitação de lavradores e criadores, bem
como de suas famílias; c) criação do espírito empresarial e a formação
33
Art. 73 do Estatuto da Terra (Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964).
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adequada em economia doméstica, indispensável à gerência dos pequenos estabelecimentos rurais e à administração da própria vida familiar; d)
transmissão de conhecimentos e acesso a meios técnicos concernentes a
métodos e práticas agropecuárias e extrativas, visando à escolha econômica das culturas e criações, à racional implantação e desenvolvimento,
e ao emprego de medidas de defesa sanitária, vegetal e animal; e) auxílio
e assistência para o uso racional do solo, execução de planos de reflorestamento, obtenção de crédito e financiamento, defesa e preservação
dos recursos naturais; e f) promoção, entre os agricultores, do espírito
de liderança e de associativismo.34
Os técnicos agrícolas atuavam ora como pedagogos, estimulando, auxiliando e transmitindo, para os parceleiros, os conhecimentos que julgavam
necessários e adequados para o bom desempenho da produção, ora
como fiscais, avaliando se os parceleiros estavam adotando suas orientações e se as atividades inerentes ao processo produtivo estavam sendo
executadas em conformidade com o planejado. Além dos produtos que
eram definidos pelos gestores do Projeto, a forma de gestão da unidade
produtiva também estava sob vigilância dos técnicos agrícolas, sob risco
de rescisão contratual.35
Para o acesso aos equipamentos necessários ao modo de produzir estimulado pelos gestores do Projeto e ao recebimento dos recursos e serviços
oferecidos pelos agentes estatais, os parceleiros deviam adotar o associativismo como forma de organização econômica e política.36 No processo
de implantação do PAD Rio Juma, os agentes governamentais definiram
que em cada vicinal37 os parceleiros deveriam constituir uma associação
ou cooperativa, que seria atendida com maquinário e equipamentos a
serem utilizados de maneira coletiva pelos seus membros.38
Por conseguinte, para que a retórica da projeção estatal da sociedade desejada, não basta difundir um eldorado em si. Os recursos que o tornam
viável são partes desta mesma retórica e da possibilidade de construção
34
Art. 75, Parágrafo 4º, da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964.
35
Art. 77 do Decreto nº 59.428, de 27 de outubro de 1966.
36
Art. 67, parágrafo 2º, alínea “b”, do Decreto nº 59.428, de 27 de outubro de 1966.
37
Estradas que fazem a ligação dos lotes ou parcelas com a estrada principal.
38
Neves (1997b, p. 74-75), ao analisar o processo de assentamento dos assentados do Projeto de Assentamento
Novo Horizonte, observa:
“
Por ser uma construção intelectual qualificada pela modelagem e ressocialização, o assentado é forjado como
um modo geral de ser. Sua participação no processo é formal, qualificando a demonstração de princípio.
Sua identidade corresponde ao da representatividade formal, mediada pelo associativismo ou irmanação
em torno de atribuídos interesses comuns. A participação associativista desempenha um papel de resolução
lógica da contradição inerente à idealização de um processo de mudança que pressupões o modelado, isto
é, aquele que em princípio deve receber as marcas que lhes são atribuídas”.
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de engajamentos duradouros ou celebrantes, mas capazes de fazer crer
as apostas de deslocamentos familiares, apostas construídas mediante outras condições sociais, mas passíveis de operarem por afinidades eletivas.
Considerações finais
No caso em apreço, os mecanismos de indução de comportamentos
acenados pelos agentes do INCRA para estimular e conduzir o processo
de colonização, possibilitam apontar para a constituição de uma relação
de poder tutelar, pela qual os beneficiários, os parceleiros, no sistema
de crenças que suporta tais ações, mormente em contextos políticos
autoritários, corresponderiam a pressupostos relativamente inerentes
ao exercício estatal: a resposta relativamente adequada de criaturas dos
agentes do Estado.
Por isso, neste texto, privilegiei a demonstração de um dos investimentos, dos agentes estatais quando referenciados à constituição de
meios para incorporar nacionalmente a região amazônica enquanto
área ocupada e produtiva. E assim me posionando, enfatizei algumas
das diversas regulamentações e idealizações, que diversamente foram
instituídas conforme o contexto sociopolítico. Isto não significa que a
pesquisa da qual este artigo é uma das textualizações, tenha apenas sido
referenciada por uma transversalidade privilegiadora das ações centrais
dirigidas aos espaços periféricos e operacionalizada por diversos agentes
mediadores. Em Leal (2009), também abordei os modos de construção
dos parceleiros diante desses constrangimentos e precariedades, todavia,
por tal perspectiva analítica, constituidores de alternativas à criação de
modelos próprios e práticos, diversos e concorrentes, orientados por
valores outros, como o da reprodução ampliada do patrimônio familiar,
tal como também acenada pela legislação, embora portadora de outros
significados. A delimitação do módulo mínimo redimensionada pela
grandeza quantitativa, de minifúndios no Sul para 100ha na Amazônia,
já é expressiva de pontos de encontro e desencontro. Enquanto para
os produtores que aderiram ao projeto, o módulo mínimo corresponde
ao início de um processo de ciclo de formação do patrimônio familiar,
para agentes estatais e olhares externos a essa dinâmica de reprodução
social, o módulo mínimo é também o máximo ou ponto de encerramento
da intervenção. Dessa discordância quanto aos desdobramentos, muitas
das incompreensões sobre os processos de redistribuição de terra se
alimentam, não só neste caso como também em quase todos os demais
projetos de colonização ou de assentamento. Portanto, pontos de interseção e acordos são necessários para o engajamento dos agentes sociais,
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mas as condições de colocação em prática são tão distanciadas que por
vezes aparecem como produtos de valores e referências inesperadas ou
indesejadas, especialmente para os agentes estatais.
A importância da análise deste caso, pelo que tange à institucionalização do projeto, destaca-se ainda por ele ter sido criado em contexto de
transição de elaborações de referências gerais para as políticas fundiárias
– nos extertores da legitimidade dos projetos de colonização dirigida e
na efervescência da elaboração da política de reforma agrária, que veio a
ser regulamentada no I PNRA, em 1985. Por tais circunstâncias, os meios
de aplicação de regras inicialmente valorizadas foram flexibilizados, sem
que o projeto correspondesse aos ideários que promoveram os Projetos
de Assentamentos. O caso revela as faces dinâmicas e relativamente contraditórias das ações estatais, desde que não se deixe cair na tentação de
pensar a ação do Estado como sistema harmônico, mas na transição em
jogo para o contexto estudado, da constituição de palavras de ordem
e tomada de posição que contrapunham o autoritarismo a formas de
participação popular e à construção coletiva da sociedade em outras instâncias de representação política e de decisão, como demonstra a afiliação
centralizada ao governo federal ou localizada ao governo municipal.
Abstract
In the years that corresponded to the period of the Military Regime in Brazil
(1964 -85), the Amazonian was target of several government projects whose
guiding beginnings were the national security, integration and modernization. One of the strategies created by the government agents to reach the
objectives that guided such beginnings was the formulation and implantation
of the Official Politics of Agricultural Colonization, when the Amazonian
region should be populated from the distribution of land portions of up to
100 hectares, for they be explored by small farmers ­comings of other parts
of the country. In this article, I present an analysis of the investments accomplished by agents of the State in the systemization of norms to conduct
of the official politics of colonization agricultural, the Project of Driven
Establishment Rio Juma, created in 1982 for spokesmen of INCRA.
Keywords: politics of agricultural colonization; tutelary power; Amazônia.
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Débora Regina Pastana*
Cultura jurídica nacional: Símbolos e comportamentos autoritários permeados pelo discurso democrático
*
Mestre e Doutora em Sociologia pela Faculdade de
Ciências e Letras – FCL
da Universidade Estadual
Paulista–UNESP. Bacharel
em Direito pela Faculdade
de História, Direito e Serviço Social da Universidade
Estadual Paulista–UNESP.
PUBLICAÇÕES RECENTES: Cultura do medo:
reflexões sobre violência
criminal, controle social e cidadania no Brasil. São Paulo: Editora Método, 2003;
Cultura do medo. Revista
Cadernos de Campo, São
Paulo, n. 10, 2004; Cultura
do medo e democracia: um
paradoxo brasileiro. Revista
Mediações, Londrina, v. 10,
p. 183-198, 2005; Medo e
opinião pública no Brasil
contemporâneo. Revista
Estudos de Sociologia, São
Paulo, v. 10, 2007; O “Estado punitivo” brasileiro e
a “democracia representativa elitista” de Boaventura
de Souza Santos. Revista
CRONOS, Natal, v. 8, 2007.
Endereço: Rua Virgulino de
Oliveira, 215, Nova Piracicaba – Piracicaba/SP – CEP:
13.405 – 067. E-mail: [email protected].
Telefone: (019) 3413-3809.
Este artigo reporta a análises e conclusões formuladas
a partir de observações sobre a justiça penal brasileira
e que deram origem a tese intitulada “Justiça Penal no
Brasil Atual: Discurso democrático – prática autoritária”. Focalizando especificamente a cultura jurídica
nacional, este texto procura associar a manutenção do
autoritarismo no controle penal à tradição conservadora do campo jurídico brasileiro.
Palavras-chave: controle penal; cultura jurídica;
autoritarismo.
184
Atualmente podemos afirmar que o Poder Judiciário mostra-se resistente
em assumir sua responsabilidade política na consolidação democrática
nacional. Os fatores dessa resistência são muitos, e no Brasil, à semelhança do observado por Boaventura de Souza Santos (1996) em Portugal
e em outros países, destaca-se o conservadorismo dos juristas. Esses
“operadores do Direito”, como gostam de ser chamados, são formados,
na grande maioria, em faculdades intelectualmente engessadas, dominadas por concepções retrógradas da relação entre Direito e sociedade.
Há também o desempenho rotinizado, centralizado na Justiça punitiva
e legalista, politicamente hostil à Justiça conciliatória e tecnicamente
despreparado para ela.
Impera, por sua vez, uma cultura jurídica cínica que não leva a sério a
garantia dos direitos, uma vez que em largos períodos conviveu ou foi
cúmplice de maciças violações dos direitos constitucionalmente consagrados.
Conforme avalia Santos (1996), o despreparo dos juristas, combinado com
a tendência de se refugiarem nas rotinas e no produtivismo quantitativo,
faz com que a oferta judiciária se torne altamente deficiente, o que, de
certa maneira, contribui para a erosão da legitimidade dos tribunais.
É bom ressaltar, todavia que esse “despreparo” é, neste artigo, compreendido muito mais como um estratagema de uma classe que ao orquestrar um dos poderes do Estado, não o querendo desafinado aos seus
interesses, dita as notas a serem seguidas. Aqui, estamos reafirmando o
olhar de Pierre Bourdieu (2001, p. 211) pois esse campo profissional,
caracterizado por sua trajetória social, mantém uma “cumplicidade objetiva” que na maioria das vezes é imperceptível aos olhos daqueles que
não fazem parte desse universo.
É certo que a prática dos agentes encarregados de produzir o Direito
ou de aplicá-lo deve muito às afinidades que os unem [...] aos detentores do poder temporal, político ou econômico. A pro­ximidade dos
interesses e, sobretudo, a afinidade dos habitus, ligada às formações
familiares e escolares semelhantes, favorecem o parentesco das visões
do mundo. Segue-se daí que as escolhas que o corpo deve fazer, em
cada momento, entre interesses, valores e visões do mundo diferentes
ou antagonistas têm poucas probabilidades de desfavorecer os dominantes. (BOURDIEU, 2001, p. 241-242)
Repetidas vezes, no transcorrer da história, observou-se a associação
dos juristas à elite dominante. De fato, durante toda a modernidade, e
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mesmo antes, a posse dessa espécie de capital cultural, que é o capital
jurídico, bastou para garantir posições de poder.
Não há, portanto, como negar que, a partir do liberalismo burguês, o
Direito se materializou cada vez mais como a ordem de uma classe. No
Brasil essa ordem vai se consolidando ao longo do processo de colonização portuguesa, assentada em uma cultura jurídica que, já naquele
momento, trazia as condições contraditórias da retórica formalista e
igualitária, bem como da prática patrimonialista. Essa ordem mantém-se,
em grande medida, nos dias de hoje, claro que com os aperfeiçoamentos
que o próprio sistema capitalista introduziu no decorrer da história.
Conforme atesta Eugenio Raúl Zafaroni (2002, p 77), ainda hoje o campo
jurídico seleciona seus integrantes:
[...] dentre as classes médias, não muito elevadas, e lhes cria expectativas
e metas sociais da classe média alta que, enquanto as conduz a não criar
problemas no trabalho e a não inovar para não os ter, cria-lhes uma
falsa sensação de poder, que os leva a identificar-se com a função (sua
própria identidade resulta comprometida).
Assim, evidente que o campo jurídico tem produzido e reproduzido,
ideologicamente, em diversos momentos da história brasileira, montagens
políticas e representações jurídicas, que revelam uma estrutura normativa
e sistematizada, com funções específicas de controle social autoritário.
Daí a constatação de que o Direito brasileiro constrói sua especificidade,
com base numa tradição legal definitivamente marcada por uma formação social elitista, formalista e antidemocrática (BORGES FILHO, 2001).
Tem-se assim, na histórica estratificação social do Brasil, a contradição
clássica entre uma elite dominante que perpetua uma ordem jurídica
que a privilegia, e as classes populares submetidas à Justiça daquela
elite. Essa estrutura jurídica, que no começo do século XX ainda estava
sob o controle da dominação agrária, agora, face à uma nova dinâmica
socioeconômica, ajusta-se mantendo seu caráter positivista e legalista.
É dessa forma que se consolida a cultura jurídica no Brasil ao longo de
todo o transcorrer do século XX, apegada de forma extrema à normatização jurídica e suas feições liberais-burguesas. Assim, o Direito é reduzido a
um mero sistema de normas que se limita a dar sentido jurídico aos fatos
sociais à medida que são enquadrados no esquema normativo vigente.
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Quando examinamos uma cultura jurídica qualquer, todavia, se faz
necessário reconhecer todos os integrantes do campo que ela congrega.
Segundo Bourdieu (2001, p. 212):
[...] o campo jurídico é o lugar de concorrência pelo monopólio do direito de dizer o Direito, quer dizer, a boa distribuição ou a boa ordem, na
qual se defrontam agentes investidos de competência ao mesmo tempo
social e técnica que consiste na capacidade reconhecida de interpretar
(de maneira mais ou menos livre ou autorizada) um corpus de textos
que consagram a visão legítima e justa do mundo social.
Em outras palavras, o campo jurídico se apresenta como o espaço de
exclusividade da interpretação da norma e, consequentemente, da resposta legal dada aos conflitos levados a ele.
Esse complexo campo, que abrange também as organizações do Ministério Púbico e, parcialmente, as Delegacias de Polícia, é organizado
territorial e hierarquicamente, possuindo inúmeros personagens cujas
responsabilidades específicas, compreendidas internamente como exercício de micro poderes, são, em sua maioria, desconhecidas da população.
De acordo com Maria Teresa Sadek (1999, p. 12), o público em geral
desconhe­ce não apenas o funcionamento desse campo como também é
incapaz de distinguir os papéis e as funções de cada um de seus agentes.
Pode-se afirmar que o grau de desconhecimento é universal, não havendo correlação positiva entre escolaridade e conhecimento. Ou seja,
mesmo pessoas com grau universitário não possuem conhecimentos
mínimos sobre o sistema de Justiça e seus diferentes operadores. Não
é raro que ignorem a existência de dois agentes inteiramente distintos
como o são o juiz e o promotor. O delegado de polícia sequer é visto
como pertencente ao sistema de Justiça. (SADEK, 1999, p. 12)
Para um corpo que deseja manter-se neutro, imparcial e distante da sociedade e que busca, ainda que de forma implícita, proteger os interesses
dominantes, até porque se identifica com eles, nada mais apropriado do
que a ignorância social sobre suas competências e responsabilidades.
No entanto, eles próprios sentem certo desconforto em não terem reconhecida sua importância e autoridade. Segundo Sadek (1999, p. 12),
inúmeras vezes, durante sua pesquisa, ouviu promotores queixarem-se
de que eram constantemente indagados sobre quando seriam promovidos, tornando-se um juiz. Ou, mesmo um juiz, entre indignado e
surpreso, relatando ter sido cobrado por não ter saído de seu gabinete
para prender um crimi­noso.
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Na missão aparentemente esquizofrênica de garantir os preceitos da
cidadania sem macular as bases dessa sociedade desigual e classista,
verifica-se que a lógica interna desse campo acaba por se impor aos
que nele trabalham (juízes, promotores, advogados, e serventuários da
Justiça) consolidando a idéia de que justiça se faz de forma ritualística
e contemplativa.
Mais do que isso, dentro desse campo, além da existência do interesse
comum, vale dizer, da perpetuação de uma prestação jurisdicional autoritária e excludente, há também os interesses de cada personagem do
Judiciário que, em confronto, tornam a Justiça ainda mais arbitrária e
incompreensível.
Sobre esses conflitos internos dedicou especial atenção a socióloga Maria
Glória Bonelli. Ela analisou as interações e competições profissionais entre
juízes, promotores, advogados, delegados de polícia e funcionários de
cartórios judiciais que lidam institucionalmente com a questão da Justiça. Tendo como referência uma comarca específica, Bonelli (1998, p.
185) pôde averiguar que “as relações entre as profissões engendram um
mundo próprio, com uma dinâmica interna que lhe é peculiar, pensada
como um universo com autonomia relativa frente a outras esferas, tais
como o mercado ou a política”.
A dinâmica dessas relações, segundo a autora, é marcada tanto pelas
disputas intraprofissionais quanto pelas interprofissionais. A primeira
delas refere-se à competição entre os pares e está relacionada à própria
estratificação de cada ocu­pação, a segunda examina as disputas entre
profissões que atuam em áreas de fronteira.
No primeiro caso, Bonelli (1998, p. 200) verificou que os entrevistados
apresentavam um estereótipo da conduta profissional que desaprovavam, para se distinguir desse modelo e cons­truir sua trajetória de uma
forma positiva. Assim, a competição intraprofissional se manifestava na
denúncia, por parte dos informantes, dos comporta­mentos inadequados
de seus companheiros de profissão qualificados como inativos, morosos,
incompeten­tes, corruptos, violentos ou apadrinhados.
Entre os diversos profissionais, a disputa ocorre em torno do poder e do
prestígio. Ela verificou que no topo da hierarquia profissional (evidenciado pelas profissões de juiz, promotor de justiça e advogado) o cotidiano
é tenso e marcado por disputas. Já nas profissões hierarquicamente
inferiores, o que predomina é a deferência social. Os funcionários judiciais são decisivos nesse processo da construção da deferência aos juízes
e promotores, “porque procuram obter para a sua posição profissional
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algo desse reconhecimento do público, desse temor, desse respeito”
(BONELLI, 1998, p. 210).
Ela constatou que a formalidade extrapola o am­biente das audiências,
se incorporando ao cotidiano do fórum com frequência. Assim, mesmo
a condição de funcionário de escalão subalterno é reelaborada, para o
público externo, pela criação de uma conduta de superioridade, de po­
der, que o funcionário incorpora à sua imagem, para caracterizar a forma
como quer ser identificado. “O fato de trabalhar vinculado ao terceiro
poder da Repú­blica brasileira acaba marcando o tratamento que destina
à clientela, ao assu­mir para o seu cargo a condição de autoridade, de terceiro poder, junto a quem precisa da Justiça” (BONELLI, 1998, p. 211).
Em estudo antropológico, Gessé Marques Jr. (1996) chegou à mesma
conclusão. Ao analisar algumas características do funcionamento interno
e cotidiano dos fóruns, ele descreve sua experiência da seguinte maneira:
[...] O funcionário, a funcionária-chefe e a ascensorista expressam um
poder de autoridade que se aplica facilmente aos que procuram os
fóruns. Apesar de não terem poder de decisão – como os funcionários
graduados – eles se apropriam da ‘aura de autoridade’ que a instituição
representa. (MARQUES JR., 1996, p. 31)
Essas constatações contribuem para a crítica explicitada nesta tese, vale
dizer, a ausência de uma dinâmica democratizante no interior do campo
jurídico, ainda que seu discurso dominante proclame o contrário. Em
um ambiente marcadamente autoritário como o fórum – que deveria
ser mais um espaço de defesa dos direitos do cidadão – inevitável é a
produção e reprodução da imagem de cidadão como aquele que pede
e espera um favor por parte da autoridade à qual recorre.
É sob essa perspectiva que Rosângela Batista Cavalcanti (1999) compreende a intensificação da fragilidade cidadã nesse ambiente.
Diante dos intrincados caminhos do sistema de Justiça e da situação
de completo estranhamento, muitos indivídu­os tornam-se ainda mais
fragilizados e, no espaço do fórum, acabam sendo exageradas as suas
condições de apatia e despreparo. Como um ser apático e despreparado,
a rigor, não consegue exercitar o seu papel de cidadão ­detentor tanto
de direitos quanto de responsabilidades ­, as relações que se estabelecem
no fórum frequentemente assumem um caráter de proteção e/ou descaso, por parte dos agentes do sistema, e de sensação de incapacidade,
por parte da maio­ria dos cidadãos que procura pela Justiça formal.
(CAVALCANTI, 1999, p. 47)
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Sadek (1999) também relatou essas disputas internas em suas pesquisas:
[...] O juiz vê o promotor como um agente que retarda a sentença, como
alguém que pode dificultar o seu trabalho, já que tem atribuições que
interferem no processo e, no limite, como alguém estranho à justiça e
sem responsabilidade. Tais críticas tenderam a se acentuar após a Constituição de 1988, que conferiu maiores poderes ao Ministério Público,
tornando-o independente tanto do Executivo quanto do Judiciário.
O promotor crítico, de seu lado, identifica no juiz um burocrata do
julgamento, um agente passivo, ao con­trário dele, que tem o poder de
iniciar uma ação. (SADEK, 1999, p. 15)
De fato, promotores e delegados disputam prerrogativas funcionais,
como por exemplo, a competência para presidir a elaboração do inquérito penal,1 e os juízes, por sua vez, não reconhecem os poderes
constitucionais do Ministério Público além de, via de regra, ignorarem
a atuação do delegado. O cotidiano desse campo é marcado pelo predomínio hierárquico e por disputas profissionais entre as ditas autoridades.
Esse cenário articulado a partir de forte conteúdo autoritário, reflete a
preocupação de cada ator com a construção de sua identidade profissional, autonomia e legitimidade, e retrata, ao mesmo tempo, o descaso
para com aquele que mais interesse tem no serviço prestado por todos,
o cidadão excluído.
Todos esses conflitos internos apontam para uma Justiça pouco preocupada com as questões políticas decorrentes do processo de democratização.
Essa lógica interna, com suas lutas e corporativismos, mantém presente
a necessidade da ritualística, da formalidade, da neutralidade, da aura
de autoridade e do próprio temor.
O campo jurídico, independente da profissão, reproduz o subjugo da
dominação autoritária, conveniente apenas para a ampla burguesia, ao
permitir que o corporativismo e o profissionalismo prevaleçam sobre o
interesse público. A disputa pelo poder simbólico no mundo jurídico
é, portanto, a maior evidência de que este campo está longe de querer
democratizar-se.
Outras características e símbolos presentes em todo o campo jurídico
evidenciam o Direito como um instrumento autoritário de dominação.
O local onde trabalham os operadores jurídicos, por exemplo, destaca1
O inquérito policial é um procedimento administrativo, anterior à ação penal, mantido sob a guarda do
Escrivão de Polícia e presidido pelo Delegado de Polícia (§ 4º art. 144 Constituição Federal). Trata-se de
instrumento formal de investigações, compreendendo o conjunto de diligências realizadas pela autoridade
policial (delegado de polícia) para apurar o fato criminoso. De natureza preparatória, o inquérito é destinado
a reunir os elementos necessários à apuração de uma infração penal e de sua autoria.
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se como uma arquitetura simbólica impactante. O fórum sempre ocupa
um lugar de destaque na organização física da cidade e sua aparência
grandiosa, assim como a igreja, desperta temor e reverência.
Esse traço além de revestir de importância e autoridade a imagem da
Justiça, também funciona como um fator de inibição.
Segundo Sadek (1999, p. 13):
As pessoas não entram neste espaço público sem demonstrar recato
e, mesmo, constrangi­mento. Estrategicamente, as salas reservadas ao
juiz não são de fácil acesso. Normalmente, localizam-se no segundo
andar, situação espacial que estimula a ima­gem do juiz como de alguém
distante, fechado em seu gabinete, uma autoridade com a qual não se
mantém contato, insensível a pressões. O juiz não recebe o público, só
entra em relação direta com a população quando a pessoa passou para
uma das seguintes cate­gorias: vítima, acusado ou testemunha. E mesmo
nes­tes casos, as pessoas não falam o que desejam, mas respondem às
questões por ele formuladas e sempre em um tom bastante formal. A
reverência devida ao juiz é estimulada pêlos funcionários que dividem
com o juiz o espaço do fórum. Estes tratam o juiz com deferência, cerimônia e respeito e, em geral, dificul­tam o acesso do público às salas
ocupadas pela magis­tratura.
Mesmo durante as audiências, quando o juiz, o Ministério Público e as
partes envolvidas finalmente se reúnem em um mesmo ambiente, as fronteiras invisíveis se mantêm intactas. Em Justiça, documentário dirigido
por Maria Augusta Ramos2 no ano de 2004 e que retrata o cotidiano do
sistema de Justiça Penal no Rio de Janeiro, pode-se observar atentamente
a disposição dos lugares na sala de audiência.
O juiz se coloca no patamar superior, uma vez que sua mesa está disposta
muito acima das demais. O réu fica defronte ao juiz, mas sem poder
encará-lo, pois sua visão não alcança o olhar do magistrado. O promotor, em uma mesa um pouco mais baixa e ao lado do juiz, embora esteja
atuando em defesa da sociedade, parece simplesmente pactuar com o
magistrado. Quase não se manifesta e, quando o faz, dirige-se somente
ao juiz. A defensoria pública, que deveria estar ao lado do acusado, inclusive orientando o seu depoimento, coloca-se distante do mesmo, sequer
2
A cineasta passou vários dias filmando o transcorrer de processos criminais, acompanhando as audiências
de interrogatório, oitiva de testemunhas, sentenças, e, paralelamente, a vida dos magistrados, da defensoria
pública e dos réus desses processos. Nesse documentário fica explícito, para aqueles que não pertencem ao
campo jurídico, todo o autoritarismo presente na Justiça Penal brasileira. Ao apresentar juízes, cujas posturas
evidenciam o desejo por repressão severa ao criminoso, o documentário aponta para a idéia de que tais
magistrados atuam como “guardiões da sociedade” na “guerra contra o crime”.
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podendo encará-lo. Ao acusado, muitas vezes, é negado um primeiro
contato com a defensoria pública antes do seu interrogatório e, durante
o mesmo, sequer pode observar as expressões do seu defensor.
Geralmente o juiz tem suspenso na parede, atrás de si, um tradicional
crucifixo3 católico, representando certo aval da “Justiça divina” para
com a Justiça dos homens. Essa associação, que no passado legitimou
tiranias, discriminações e perseguições; parece, ainda hoje, acenar para
a resignação daquele que está sendo julgado. Além de violar a liberdade
de culto religioso, essa união promíscua entre Estado e Igreja, simbolicamente, sacraliza as decisões judiciais que, como dogmas, passam a ser
incontestáveis.
Aliás, não é só a presença do crucifixo na sala de audiência que no remete
à condenação religiosa. Como bem destaca Tamar Oliva (2006), inúmeras
palavras do vocabulário jurídico-penal são heranças do vínculo secular
que liga o crime à religião.
Culpa, reprovação, arrependimento, perdão, confissão. Os termos parecem extraídos de uma pregação religiosa, porém aqui são trazidos em
colorido algo diverso. Palavras basilares no vocabu­lário jurídico-penal,
encontram-se na verdade todas elas insculpidas no texto do vigente
Código Penal brasileiro. (OLIVA, 2006, p. 11)
Enfim, esse ambiente hostil, intimidatório e humilhante, marcado por
fronteiras intransponíveis, rechaça qualquer possibilidade de espontaneidade por parte das classes populares. Ao contrário, o cidadão brasileiro
mais humilde ainda tem orgulho de nunca ter entrado em uma delegacia
ou num fórum. Para ele, a única justificativa para estar presente nesses
ambientes é ter cometido alguma infração ou estar sendo acusado de algo
negativo. Não está presente no seu imaginário que é justamente nesses
espaços que ele pode exercer, em parte, sua cidadania.4
Além disso, a própria fala, nesse meio, é enigmática e por vezes totalmente
incompreensível para o leigo em Direito, vale dizer, para praticamente
todo o cidadão que não se encaixa na definição de “operador do Direito”.
Essa tendência em criptografar o mundo jurídico é até mesmo incentivada pelos próprios juristas.
3
Segundo o Tribunal de Ética da OAB de São Paulo (parecer 3048/04) “a presença do crucifixo nas salas de
júri e dos advogados é um alerta para o cometimento de um erro judiciário que não deve ser esquecido”.
Curiosamente quem julga fica sempre de costas para o símbolo.
4
Não que seja necessário sempre a interferência Judiciário na concretização dos direitos, mas não deixa de
ser uma via importante.
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Há, inclusive, em algumas grades curriculares de cursos de Direito, a
disciplina “linguagem jurídica”, cujo objetivo é desenvolver a competência do aluno no domínio do linguajar forense e dos brocardos jurídicos.
A linguagem forense constitui modalidade de linguagem técnica. Nos
estudos doutrinários, nas sentenças, nos acórdãos, nas petições, nos
arrazoados, utiliza-se uma linguagem específica. Advogados, juízes,
membros do Ministério Público observam, nos seus escritos, uma
linguagem própria, diferenciada da linguagem literária e da comum.
(GONÇALVES, 1990, p. 11)
Nesse sentido é a lição de Miguel Reale (1994, p. 8), considerado um
baluarte no mundo jurídico, quando afirma que “os juristas falam uma
lin­guagem própria e devem ter orgulho de sua linguagem multimilenar,
dignidade que bem poucas ciências podem invocar” Ele segue orientando
o acadêmico de Direito que
às vezes, as expressões correntes, de uso comum do povo, adquirem,
no mundo jurídico, um sentido técnico especial [...] sendo por isso
necessário que os mesmos dediquem a maior atenção à termi­nologia
jurídica, sem a qual não poderão penetrar no mundo do Direito.
Por fim alerta que quem está cursando uma faculdade de Direito deve
conhecer “os elementos preliminares indispensáveis para situar-se no
complexo domínio do Direito, cujos segredos não bastará a vida toda
para des­vendar”.
Como se observa, estão presentes nesse discurso a exaltação da obscuridade semântica que mantém incompreensível o campo jurídico,
protegendo-o das críticas provenientes do vulgo, além da constatação
de que o Direito é muito mais um segredo do que uma ciência.
A ciência jurídica, como discurso que determina um espaço de poder, é
sempre obscura, repleta de segredos e silêncios, constitutiva de múltiplos efeitos mágicos e fortes mecanismos de ritualização, que contribuem
para a ocultação e clausura das técnicas de manipulação social. Enigmático, coercitivo e canônico, o conhecimento do direito responde em
alta medida às nossas subordinações cotidianas e à versão conformista
do mundo que fundamenta a sociedade instituída. (WARAT, 1996)
Nessa perspectiva, o Direito tem se prestado a fechar-se em “contradições” e bloquear-se diante da sua função comunicativa. Há uma ausência
de adequação entre o discurso e a prática do Direito, o que leva à sua
paulatina perda de legitimidade.
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Isso se reflete no uso de argumentos truncados que são decorrência de
uma ciência jurídica formal, hermética e pautada por dogmas puristas e
‘mitos’, que acabam, em alguns casos, por levar o Direito a uma situação
de franca impossibilidade de regulação. (RAVA, 2003)
Para Bourdieu (2001, p. 213) isso se observa porque, de modo diferente
da hermenêutica literária ou filosófica, a prática teórica da interpretação
de textos jurídicos não tem nela própria a sua finalidade; diretamente
orientada para fins práticos, e adequada à determinação de efeitos práticos, ela mantém sua eficácia à custa de uma restrição da sua autonomia.
Essa foi justamente a constatação de uma pesquisa feita pelo IBOPE5
em 2003. O levantamento constatou que uma parcela significativa da
população passa alheia aos dizeres jurídicos em processos básicos da
esfera da Justiça.
Em Justiça (RAMOS, 2004), essa realidade fica também muito clara. Nas
audiências retratadas evidencia-se a “muralha da linguagem”6 existente
entre os juízes e o cidadão comum.7 Das audiências retratadas, conclui-se
facilmente que o réu não entende a linguagem do juiz e esse, por sua
vez, não compreende a realidade vivida pelo réu.
Por temer não relatar direito os fatos que implicaram na sua acusação,
muitas vezes a fala do réu apresenta-se confusa e apelativa; o que torna
suas alegações frágeis e, em certos casos, suspeitas.Verifica-se também
o pouco tempo dado ao acusado para se explicar perante o juiz. Sua
fala é várias vezes interrompida e reelaborada pelo juiz que, de forma
superficial, traduz para o escrevente, o relato.
Aqui se observa o que Luis Eduardo Soares chama de “desconstituição do
sujeito”. Comentando o documentário, ele destaca como o acusado fica
invisível aos olhos do juiz. Toda a informação sobre o acusado ou sobre
os fatos devem estar de acordo com o relatado nos autos, pela polícia
ou pelas testemunhas, por exemplo. O juiz não procura compreender
o acusado, “ele dilui sua imagem tornando-o mais uma voz a exigir sentença, objeto de um juízo reificado e desumanizado” (RAMOS, 2004).
Como diz a juíza Fática Maria Clemente, “o mundo do juiz está dentro
dos autos” (Ramos, 2004), sendo o acusado mero adereço, totalmente
dispensável. Isso explica a dramática audiência que dá início ao documen5
Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística
6
Expressão consagrada por Vito Giannotti (2004) no livro Muralhas da linguagem.
7
Como exemplo, o que para um dos acusados é “rua”, para a juíza Clemente, apontada no documentário, vira
uma ‘artéria’. Essa mesma juíza usa o termo “encrepado” para se dirigir ao réu, ao invés de simplesmente
acusado (RAMOS, 2004).
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tário, presidida pelo juiz Roberto Ferreira da Rocha. Ele, durante quase
todo o interrogatório, não enxerga o acusado que está prostrado à sua
frente em uma cadeira de rodas. O acusado relata sua situação bizarra
de justamente estar sendo acusado de fatos que, pela sua condição física
deficiente,8 seriam impossíveis de serem praticados por ele.
Mesmo o acusado relatando sua condição para o juiz, ele só se deu conta
do absurdo da situação quando olhou para baixo e viu a cadeira de rodas.
Como não ouviu uma palavra sequer do depoimento do acusado perguntou com certo constrangimento: “Que que você tem? Está doente? Você
já está assim há muito tempo? Quando você foi preso você não estava em
cadeira de rodas, estava? Você foi preso já em cadeira de rodas!” (sic).
Diante da situação, não perdeu o ar de repreensão e finalizou dizendo:
“A defensora pública vai analisar essa sua situação e vai pedir os direitos
que ela achar que você merece” (sic) (RAMOS, 2004).
Conforme Geraldo Prado,9 juiz que também participou do documentário, o modelo ideal de um processo penal numa sociedade democrática
deve permitir a todos os participantes, a todos os atores, estarem numa
relativa igualdade de posições.
O réu de um processo deve ter condições de verbalizar a sua história,
porque não há nada mais dramático para um ser humano do que ser
julgado por um pedaço da sua história. É como se a nossa vida fosse
um filme, mas o julgamento criminal fosse uma fotografia, ou seja, um
trecho daquele filme é capturado, congelado e submetido a julgamento. Existem muitas justificativas que as pessoas podem apresentar, e o
mínimo que você pode esperar de um processo em que seres humanos
podem perder a liberdade é que todos os sujeitos falem, compreendam
o que o outro fala e sejam compreendidos.
Zafaroni (2002, p. 77) também faz essa crítica ao relatar o que ele denomina “burocratização do segmento judicial”. Ele afirma que o campo
jurídico isola seus integrantes “até da linguagem dos setores criminalizados e fossilizados (pertencentes às classes mais humildes), de maneira a
evitar qualquer comunicação que venha a sensibilizá-los demasiadamente
com a sua dor”.
Nas audiências retratadas em Justiça (RAMOS, 2004) fica claro, por
exemplo, que os juízes não ouvem os relatos dos acusados a respeito
das torturas policiais sofridas. Trata-se de informação que parece não
8
Sua condição contestava veementemente a acusação de que pulou o muro para invadir um domicílio.
9
Entrevista de Geraldo Prado à Carta Maior em 23/02/2005, a respeito de sua participação no documentário
Justiça de Maria Augusta Ramos.
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ser pertinente para a apuração dos fatos e que passa, portanto, a ser
desconsiderada. A violência e a corrupção policial se naturalizam e em
praticamente nenhum momento os policiais são confrontados em seu
depoimento.
Essas armadilhas da linguagem e esses limites da fala diferenciam os
papéis nesses teatros sociais que são as audiências. Esses mecanismos
distinguem as classes sociais e, ao estabelecerem essas diferenças, tornam
impossível qualquer julgamento justo. O acesso à Justiça, um dos pressupostos de sua democratização, se dá inicialmente pela compreensão,
por todos que a ela recorrem, de seus procedimentos e resultados.
Geraldo Prado destaca que essa impossibilidade de comunicação por
emprego de linguagens distantes e intocáveis impede; por um lado, que
o juiz compreenda o que o réu diz e, por outro, que o réu entenda o
contexto da sua acusação.
Imagina o que é ser o réu, saber que aquilo que você falar pode influenciar na sua absolvição ou condenação, e você não saber o que falar.
Essa impossibilidade de comunicação é marca de um sistema penal
discriminatório, que despreza o sujeito que vai ser julgado e não facilita
nem um pouco um mecanismo de tradução da linguagem ou da fala
dos acusados para o juiz. (RAMOS, 2004)
Como resposta às críticas dessa natureza, a AMB lançou em Brasília, em
setembro de 2005, a Campanha pela Simplificação da Linguagem Jurídica,
que, segundo a mesma, pretendia aproximar o Poder Judiciário da
sociedade.
Embora a proposta fosse combater o uso do chamado “jurisdiquês”,
sendo para tanto empreendidos trabalhos no sentido de “conscientizar
a comunidade jurídica de que era necessário alterar a cultura linguística
dominante na área do Direito” para que os cidadãos pudessem entender
o desempenho da Justiça, o próprio presidente da AMB naquele momento, o juiz Rodrigo Collaço, destacou que o objetivo não era “defender
a vulgarização da linguagem jurídica, nem estimular o desuso de termos
técnicos necessários para o contexto jurídico”. Segundo o presidente “há
uma série de excessos na linguagem jurídica que podem ser banidos
sem prejuízo” e era nesse sentido que a campanha iria operar (UNB –
Agência – 1/9/2005).
Nessa fala fica uma questão sem resposta: os excessos na linguagem jurídica podem ser banidos sem prejuízo de quê? Embora o discurso não
explicite, e num primeiro momento possa até fazer referência ao exercício
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jurisdicional, na realidade, o que esse campo jurídico quer ver protegida
é a autoridade dos seus operadores e os interesses preservados na sua
atuação. Trata-se, portanto, de uma campanha que propõe apenas uma
satisfação simbólica à sociedade, incapaz de comprometer os privilégios
desse corpo profissional.
Se é certo que a dominação incide também sobre a comunicação, e o
pertencimento a um grupo ou classe social determina a diferente linguagem a se utilizar no cotidiano, o “jurisdiquês” funciona como uma
forma de exclusão ativa.
De acordo com Gianotti (2004, p. 98-99), “quem a usa, a menos que
esteja falando com seus pares, exclui milhões de outros que não pertencem ao seleto grupo de quem sabe, de quem fala, ou de quem lê uma
linguagem de poucos”.
Não sem razão que a juíza Clemente se defende em certo momento de
Justiça afirmando que embora a audiência seja também uma reunião de
técnicos, “que falam a mesma língua”, quando ela se dirige ao acusado
“fala a língua do réu” (RAMOS, 2004). Sem perceber, ela reproduz o
fosso entre os personagens que ela própria nega existir.
Enfim, como atesta Maria Ignez Kato, defensora pública também retratada no documentário, “a linguagem do Direito é feita para não ser
compreendida, porque é uma linguagem da dominação, do controle.
Assim, não pode, de fato, ser uma linguagem de acesso direto e livre”
(RAMOS, 2004).
Também por meio do discurso é possível observar o olhar discriminador
de alguns juízes em relação aos acusados nas audiências. O juiz Rocha,
durante um interrogatório relatado em Justiça, pergunta ao acusado:
“Já trabalhou alguma vez?” (RAMOS, 2004). A compreensão de que o
acusado é um desocupado voluntário ultrapassa seu inconsciente e escancara, na sua fala, uma discriminação de classe que em muito lembra
o discurso trabalhista da era Vargas.
Em outro momento a juíza Clemente ri quando um acusado lhe diz,
durante o interrogatório, que tem passado fome na prisão, pois a cadeia
onde se encontra não serve o jantar. No seu sorriso fica explícito, não
só sua condenação moral, mas um certo prazer em verificar o suplício
daquele réu.
A esse respeito, o documentário também relata um fato muito frequente
no mundo forense: juízes fazendo julgamentos morais sobre os acusados.
No documentário, um dos acusados de receptação estava num carro com
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três mulheres e vivia com uma outra mulher, que estava grávida. Em
dado momento a juíza Clemente questiona o acusado: “como é que você
estava num carro com três mulheres se você tem sua mulher em casa, que
está grávida?” (RAMOS, 2004). O adultério do réu em nada interessa à
juíza. Ela não tem poder para fazer julgamentos morais dessa natureza,
mas ainda assim seu posto lhe dá essa oportunidade. Nenhum réu vai
contestá-la dizendo que isso é assunto somente seu, pois certamente isso
irá prejudicá-lo. Essa atitude ilustra o ar repressor que envolve muitos
magistrados, como se eles fossem exemplos de virtude e moral.
Nas palavras de Nalini (1994, p. 39):
[...] Para preservar a imparcialida­de e a independência, atributos sobre
os quais se funda a segu­rança da Justiça humana, é vedado ao juiz
conviver em normal relacionamento. [...] Cidadão acima de qualquer
suspeita, deve sobrepairar entre os demais, garantido-se a tranquilidade propiciadora do julga­mento isento. [...] Postura inerte, contida
nos cânones ortodoxos que inspiram o traçado do perfil ideal do Juiz:
o reino do Juiz não é deste mundo.
Ao contrário, os inúmeros casos10 revelados recentemente sobre juízes
que praticam nepotismo, desvio de verbas, superfaturamento de obras
e compras, vendas de sentenças e de ordens de soltura; além de outras
posturas eticamente questionáveis, têm reduzido consideravelmente a fé
e confiança dos brasileiros na autoridade moral desse corpo profissional.
Outro fato muito comum e que reproduz as diferenças sociais presentes
no mundo forense, é a avaliação da personalidade do acusado pelo juiz
que preside o processo. Ao condenar um dos acusados, Clemente aplica
uma pena rigorosa, acima do mínimo legal, e justifica sua decisão dizendo ter o réu “personalidade voltada ao crime e conduta social perigosa
ao convívio comunitário”. Mas como a juíza analisa a personalidade do
acusado? Ela tem conhecimento especializado para isso, ou desvendar a
personalidade de um indivíduo é tarefa especifica dos profissionais da área
da saúde?
10
Nesse momento em que a mídia evidencia a operação Furacão, mostrando a ação da Polícia Federal ao
prender juízes e desembargadores suspeitos de vender sentenças favoráveis à máfia dos bingos e caça-níqueis,
é oportuno lembrar a prisão de 23 pessoas, em agosto de 2006, envolvidas em uma organização criminosa
que agia na Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia, acusada de desviar cerca de R$ 70 milhões no
pagamento de serviços, compras e obras superfaturadas. Entre os presos o presidente do Tribunal de Justiça
de Rondônia, desembargador Sebastião Teixeira Chaves, um procurador do Ministério Público e um juiz de
Direito. A Operação Dominó, assim denominada pela polícia federal, identificou que tal organização exercia
influência sobre agentes do Poder Judiciário, do Ministério Público, do Tribunal de Contas e do Poder Executivo. Naquele momento a polícia federal informou também que tinha indícios de que mais magistrados
e membros do alto escalão do Ministério Público e do Poder Executivo estavam envolvidos na quadrilha.
Sobre o assunto, confira a edição do jornal O Estado de São Paulo de 05/08/2006.
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O que parece um equívoco isolado é, na verdade, prática corriqueira no
mundo forense. Quando se trata de avaliar a personalidade de outrem o
campo jurídico cria inúmeras receitas. Em princípio, o julgador amparase no senso comum que o faz supor que podemos compreender uma
outra pessoa por analogia ao nosso comportamento. Ele geralmente raciocina dessa forma, comparando as manifestações exteriores do acusado
com as suas. Assim, conhecendo alguns padrões de temperamentos (por
exemplo, uma predisposição agressiva) e suas formas de manifestações
visíveis (discussões, ameaças etc.), ao reconhecê-los no acusado, conclui
logo o julgador que, tal como a sua experiência pessoal, trata-se de uma
personalidade agressiva.
O juiz Aníbal Bruno (1969, p. 95), aclamado entre os penalistas, ao comentar o Código Penal, explica a avaliação da personalidade exatamente
dessa forma. Diz o jurista: “o juiz tem de proceder à investigação da
personalidade através das suas manifestações no mundo exterior, pela
observação do comportamento habitual do sujeito, dos modos pelos quais
procura, em geral, resolver os seus problemas na vida”. Ele parte do
inexplicável pressuposto de que seus padrões de conduta são universais,
corretos e suficientes para a determinação da personalidade do agente.
A teoria jurídica dominante também não vê maiores dificuldades em
analisar a personalidade do acusado. Pelo contrário, há autores que
até ensinam como o juiz deve avaliá-la. Paulo José da Costa Jr (2000. p.
163) explica que:
[...] se o acusado revelar uma personalidade de acentuada indiferença
afetiva, de analgesia moral, deverá haver exacerbação da reprimenda
imposta. Se não revelar traços de agressividade, mostrando tratar-se
de meliante que visa ao lucro sem ostentar a brutalidade, deverá ser
concedido ao acusado um tratamento mais benigno.
Júlio Fabrini Mirabete (2003, p. 293) a define como “as qualidades morais, a boa ou má índole, o sentido moral do criminoso, bem como sua
agressividade e o antagonismo com a ordem social”.
Conforme destaca Fábio Wellington Ataíde Alves (2006, p. 10):
A doutrina dominante deixa claro que, para o Código Penal, a acepção
da perso­nalidade deve ser compreendida em sen­tido vulgar. Assim, Roberto Lyra analisa a personalidade do agente fora do ambiente clínico,
sem pesquisa psicológica, unica­mente perquirindo sobre a participação
do réu no círculo cívico, isto é, sobre a sua conduta como pai; filho;
esposo; amigo; profissional etc. [...] Deste modo, dando azo à elevação
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199
da pena-base, comumente deparamo-nos com expressões judiciais que
infligem ao agente — sob o comando de uma falsa retórica da personalidade — o porte de personalidade desvirtuada; personalidade distorcida;
personalidade desviada; persona­lidade voltada à prática delitiva; personali­dade
perigosa; personalidade anti-social; personalidade comprometida pela falta de
valores éticos e morais; personalidade volta­da para o mal etc. Todas estas expressões, extraídas da jurisprudência e muito se­melhantes à legislação
penal do início do século passado, exprimem a retórica da personalidade
distorcida, cuja fórmula-padrão empresta importância a um modelo
de perversidade e predisposição do acu­sado para praticar más ações.
Como se observa são definições que enfatizam a moral e que não dão
importância alguma à falta de formação profissional adequada, por parte
do juiz, para a realização de tal avaliação. Enunciados pseudocientíficos
que transformam a personalidade do acusado em um “retrato três por
quatro”, permitindo ao juiz reduzí-lo a um estereótipo, evidentemente
desvinculado da realidade.
Há inúmeras jurisprudências que acompanham esses tropeços da teoria
entendendo que “por sua natureza, a criminalidade violenta de regra
já evidencia má personalidade e acentuada periculosidade do agente”
(TACRIM-SP- AC ­ Rel. Azevedo Franceschini ­ JUTACRIM 36/310) ou
ainda, mais especificamente, que “a gravidade do delito de assalto revela
desde logo no agente uma distorção psicológica, rompendo os freios da
moral e da religião” (TACRIM-SP ­ AC ­ Rel. Octávio E. Roggiero ­ JUTACRIM 42/190).
Não há como não concluir que a consideração da personalidade do
acusado pelo juiz, seja pela desinformação de natureza psicológica ou
pela distância mantida em relação ao homem comum do povo, explicita
também o abismo que existe entre cidadania e Justiça Penal no Brasil.
Outro símbolo que retrata a distinção de classes sociais no ambiente jurídico é a indumentária. Praticamente todos os funcionários da Justiça,
de juízes a escreventes, vestem-se de maneira formal. Homens de terno
e mulheres de tailleur desfilam pelos corredores dos fóruns entre os réus
e seus familiares maltrapilhos. Os juízes, para explicitar ainda mais sua
autoridade, vestem por cima de seus trajes uma toga preta.11
11
O uso da toga preta pelo juiz também nos remete ao significado litúrgico das vestimentas dos padres. Segundo a igreja católica, revestido dos paramentos, o sacerdote não é um simples membro da sociedade; é o
funcionário sagrado que exerce função pública. Simbolicamente, também o juiz, ao vestir a toga, deixa de
ser um particular e os seus atos passam a ser públicos, vale dizer, em nome do interesse coletivo. Entretanto,
mais do que distinguir entre função privada e função pública, nos dias atuais, a permanência dessa indumentária serve muito mais para reforçar a sacralização da magistratura, cuja imagem venerável contribui
na composição do ethos autoritário da profissão.
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200
Em Justiça chama atenção a preocupação da Juíza Clemente com sua
toga. Na verdade, por ter sido promovida a desembargadora, ela ganharia uma toga nova, mais imponente. Contudo, ao ver-se diante da
antiga sentiu certo apego à peça; como se nela estivesse impregnada
certa parcela de sua autoridade, resolvendo, então, levá-la para o novo
ambiente de trabalho.
É evidente, portanto, que todo o cenário jurídico, mais a forma de se
vestir e de falar de seus operadores, apresentam-se como símbolos que
ostentam o poder e fortalecem a aura de autoridade desses profissionais
pouco preocupados em democratizar seu campo, melhorando assim a
prestação jurisdicional que oferecem.
Essas observações reforçam, portanto, nosso argumento de que o campo jurídico, permeado por uma cultura autoritária, não atua em uma
perspectiva democratizante, embora seus discursos digam exatamente
o contrário. Desde a postura distante, imparcial e pragmática à imagem
idealizada de autoridade, passando pelo reforço ao corporativismo; todos esses fatores evidenciam um campo autoritário, pouco preocupado
com a democratização da Justiça e, portanto, nada responsável com a
consolidação democrática nacional.
Abstract
This article reports analyses and conclusions formulated from comments
about Brazilian Criminal Justice and that they had given to origin the
thesis “Criminal Justice in Current Brazil: Democratic speech ­ practical
authoritarian”. Focusing specifically national legal culture, this text looks
for to associate the maintenance of the authoritarianism in the criminal
control to the conservative tradition of brasilian legal field .
Keywords: criminal control; legal culture; authoritarianism.
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Ulisses Neves Rafael*
Conflitos políticos e intolerância religiosa
em Alagoas na Primeira República.
*
Doutor em Sociologia e
Antropologia pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Professor adjunto
da Universidade Federal
de Sergipe e atualmente,
investigador associado do
Centro de Estudos Sociais
da Universidade de Coimbra, onde realiza Estágio
Pós-Doutoral. Últimas publicações: Zé do Chalé: o
dono da flexa. In: SALA
do artista popular. Rio de
Janeiro: CNFCP/IPHAN,
2007. p. 11-27. ISSN 14143755; Nação Lascada: a arte
e a metáfora de Véio. In:
SALA do artista popular. Rio
de Janeiro: CNFCP/IPHAN,
2005. p. 7-26. ISSN 14143755; Operação Xangô:
uma etnografia da perseguição. Estudos Afro-asiáticos,
Rio de Janeiro, 2004. ISSN
0101-546X.
Os primeiros anos do século XX, época em que o governador Euclides Malta esteve à frente do poder em
Alagoas, foram marcados por uma sucessão de revoltas
populares, tendo aquele governador como seu principal
agente. O objetivo deste artigo é reconstituir a trajetória política desse governador e identificar alguns dos
elementos que culminaram na sua deposição em 1912,
entre os quais a “Operação Xangô”, nome pelo qual
ficou conhecido no Estado o episódio que implicou na
destruição das principais casas de culto daquela capital
e de municípios próximos.
Palavras-chave: Euclides Malta; Primeira República; Operação Xangô.
204
Introdução
O objetivo aqui é proceder à análise dos acontecimentos políticos que se
desenvolveram no Estado de Alagoas, Brasil, por volta das primeiras anos
do século XX, época em que o governador Euclides Malta esteve à frente
do poder por mais de uma década, concorrendo para tornar o período
conhecido por “Era dos Maltas”, inclusive porque, mesmo quando não
esteve como representante máximo de Executivo no Estado, garantiu que
pessoas ligadas a ele assumissem a administração pública, conservando,
portanto o seu poder político no local. O interesse nesse empreendimento
reside no fato de que, a partir de sua biografia, será possível identificar
alguns dos elementos que culminaram na sua deposição em 1912, bem
como na “Operação Xangô”, nome pelo qual ficou conhecido em Alagoas o episódio que implicou na destruição das principais casas de culto
daquela capital e de municípios próximos.
Essa análise, portanto, tem início a partir da consideração de um elemento
básico da sua biografia: sua condição de bacharel, aspecto importante
para demarcar as particularidades de um perfil que, naquelas circunstâncias, aciona vários símbolos de prestígio, para se fazer reconhecer.
Um Bacharel anacrônico
Euclides Malta inicia seu mandato como governador no dia 12 de junho de 1900, mas seu ingresso na política deu-se precocemente e por
via bem comum na época, sobretudo para quem procedia de família de
proprietários rurais como ele (TENÓRIO, 1997). Quero me referir ao
modelo que ficou conhecido como a “praga do bacharelismo” (HOLANDA, 1995, p. 157), tendência, que teve forte influência na formação da
mentalidade brasileira e que consiste numa supervalorização de certos
símbolos, entre os quais destacavam-se: carreiras liberais, título de doutor
e prestígio da palavra escrita.
Foi por essa via que Euclides Malta enveredou pela carreira pública, já
num período bem posterior à fase áurea daquele fenômeno. Portanto,
pode-se dizer que tendo nascido em 1861 – no período “interessantíssimo” em que, segundo Gilberto Freyre, nasceram muitos brasileiros cujas
biografias serviriam de lastro a interpretações sociológicas dessa época
de transição da vida nacional –, ele seria um autêntico representante da
ascensão social desse segmento (FREYRE, 1990, p. 255).
A finalidade do bacharel Euclides Malta nesse período era: assegurar o
poder familiar, já garantido pela tradicional condição de grandes proAntropolítica
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prietários rurais e pela patente de Alferes de Milícia do seu pai – outra
insígnia do privilégio de classe superior ocupando postos de comando,
conservados por brancos ou quase brancos (FREYRE, 2000).
Euclides Malta parece incorporar vários traços da ambivalência que
marca essa passagem entre dois tempos e dois mundos distintos. Por
exemplo: é um caso típico de individuo que buscou através da valorização da educação, mais especificamente da formação em Direito, o
caminho para ingressar na vida política, porém, sem dispensar outros
atributos, de ordem mais afetiva, adquiridos no interior de uma família
tradicional e acionados como importantes credenciais na constituição
de sua própria estirpe.
Importante destacar a aliança com o Barão de Traipu, que alinhava
uma das figuras políticas de maior peso em Alagoas naqueles primeiros
anos de ajustamento da política às imposições do novo regime republicano. Convém esclarecer que Barão de Traipu, por si mesmo uma
figura bastante ambígua, foi um dos últimos baluartes da Monarquia
em Alagoas, e que, apesar de ter aderido às idéias republicanas, como,
aliás, a maioria de seus colegas monarquistas, conservou o título nobiliárquico adquirido no regime anterior, inclusive durante o exercício
do seu mandato de governador e na chefia do partido conservador no
sul de Alagoas. Isso demonstra a fragilidade dos quadros republicanos
alagoanos que se afirmaram em meio à sobrevivência dos velhos políticos
do Império. Aliás, como na própria capital da República, sendo que nos
recônditos da Federação, a elite oriunda dos quadros da Monarquia que
se apresentou na produção do processo de estabilização institucional da
Primeira República, não se orientava pelo discurso cientificista e pela
competência técnica que marcou a geração de republicanos positivistas
(SEVCENKO, 1988, p. 33). A aproximação entre o Barão de Traipu e
Euclides Malta se dá através do casamento com a filha daquele, o que
revela mais um traço desse hibridismo que marcou a trajetória do jovem
bacharel, que se manifesta através da utilização desse antigo recurso de
aliança, traço típico de sociedades tradicionais, para garantir o acesso a
um regime cuja maior característica era a suposta modernização de sua
estrutura política.
Assim, seria em função do apoio recebido do Barão de Traipu, de quem
se tornou conselheiro, que Euclides Malta teria conseguido esse acesso
aos meios políticos. Inicialmente, ocupou cargos menos vistosos como
– promotor publico, professor do Liceu de Penedo. Posteriormente, o
primeiro mandato propriamente político, como deputado estadual, em
cuja função participou da Assembléia Constituinte.
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Gilberto Freyre, no capítulo referente à ascensão do bacharel e do mulato
faz menção a essa possibilidade reservada aos jovens doutores (casamento
com uma moça rica ou de família poderosa), o que garantia, inclusive a
alguns moços inteligentes, mas pobres, o ingresso na carreira política.
Muitos deles chegaram a ser deputados e até mesmo ministros do Império. Euclides Malta apesar de proceder de um reduto econômico mais
favorável, não recusou as vantagens que uma aliança dessa natureza lhe
proporcionaria, entre as quais, o papel de genro conselheiro, função tão
prestigiada nesse processo de ascensão política dos bacharéis dentro das
famílias, conforme atesta o próprio Freyre:
Se destacamos aqui a ascensão dos genros é que nela se acentuou
com maior nitidez o fenômeno da transferência de poder, ou de parte
considerável do poder, da nobreza rural para a aristocracia ou a burguesia intelectual. Das casas-grandes dos engenhos para os sobrados
das cidades. (FREYRE, 2000, p. 612)
Assim sendo, Euclides Malta irá representar a figura que estabelece a
ponte entre as estruturas arcaicas de poder, comandadas por coronéis
semianalfabetos, dentre os quais o Barão de Traipu figurava como um
dos menos ilustrados, e essa nova geração de bacharéis emergentes, inteligentes, mas sem cultura, que circulavam em torno da classe dominante,
da qual no mais das vezes, figuravam apenas como ilustres ornamentos.
No auge do atrito que mais tarde marcaria o relacionamento entre Euclides Malta e o Barão de Traipu, o jornal A Tribuna fornece-nos uma
descrição bem singular deste último: “[...] era um matuto rico, mas de
pé rachado, cheio de defeitos, de promodes, de antonces, de Nanje eu,
etc...” (PIPAROTES, 1907, p. 1; MENDONÇA JUNIOR, 1966, p. 76-78).
Outra observação a respeito convém ainda ser feita. Trata-se das formas
de tratamento utilizadas pelos presidentes da província, impressas nos
relatórios, falas e mensagens. O título de Doutor só aparecera, pela primeira vez, na fala que o Presidente da Província João Lins Vieira Cansansão pretendia dirigir à Assembléia Legislativa, em 3/5/1840. Gilberto
Freyre, na obra já referida, afirma que só a partir de 1845, em pleno
domínio do segundo Império é que os homens formados começam a ser
indicados para a administração de províncias (FREYRE, 2000, p. 610).
O valor argumentativo disso consiste no fato de que o grau de bacharel só
será utilizado pela primeira vez nos relatórios alagoanos, em 15/4/1901,
coincidentemente, por Euclides Malta. Essa tradição foi mantida nos
relatórios posteriores, inclusive por seus aliados. Muitos, porém, na
falta de tal titulação, lançavam mão das patentes militares adquiridas
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por reputação. Isso nos faz relembrar as análises de Sérgio Buarque de
Holanda, segundo o qual:
Numa sociedade como a nossa, em que certas virtudes senhoriais ainda
merecem largo crédito, as qualidades do espírito substituem, não raro,
os títulos honoríficos, e alguns dos seus distintivos materiais, como o
anel de grau e a carta de bacharel, podem equivaler a autênticos brasões
de nobreza. (HOLANDA, 1995, p. 83)
Euclides Malta e o “Tempo de Política”1
A “Era dos Maltas”, nome pelo qual ficou conhecido o longo período em
que essa família esteve à frente da política alagoana, apresenta-se como
uma ruptura à estrutura administrativa no Estado, naquele tempestuoso
início da República. Para ter-se uma idéia da volatilidade que o antecedeu
à frente do executivo estadual, basta conferir a relação de governadores
que assumiram essa função desde a proclamação da República em 1889
até o início do primeiro mandato daquele governante em 1900. Foram
17 mandatos, exercidos em pelo menos três situações por integrantes
de juntas governativas, que apesar do curto período à frente do poder,
exerceram a difícil tarefa de facultar a exequibilidade da administração
no Estado. No geral, os mandatos não iam além de alguns dias ou meses, sendo poucos os que o cumpriram por mais de um ano. Em apenas
quatro períodos administrativos, inclusive três deles imediatamente anteriores à ascensão de Euclides Malta ao poder, a gerência dos negócios
públicos pôde ser exercida por um tempo mais largo. Desse modo, na
medida em que consegue cumprir os três anos para os quais tinha sido
eleito, além de garantir a sua substituição pelo irmão Joaquim Paulo
Vieira Malta, e reassumir depois o mesmo posto para o cumprimento de
mais dois mandatos, Euclides Malta irá representar um corte no modo
de se fazer política no Estado, além de servir como paradigma para as
administrações futuras. Portanto, a “Era dos Maltas”, pode ser tomada,
embora com cautela, como “A criação de um outro cotidiano”, que não
elimina o que está dado, mas interfere profundamente na sua maneira
de operar (PALMEIRA; HEREDIA, 1997, p. 170).2
1
A expressão “tempo de política” aqui utilizada para dar título a este tópico, é inspirada nas contribuições
de Moacir Palmeira e Beatriz Heredia, que no texto “política ambígua” usam-na para se referir ao período
específico das eleições, em que a atividade política desenvolve-se em toda sua potencialidade. É possível
compreender o longo período dominado por Euclides Malta, como marcado por uma certa liminaridade,
integrada por todos aqueles elementos que permeiam essa condição (PALMEIRA; HEREDIA, 1997).
2
Em artigo mais recente Moacir Palmeira amplia a noção de “tempo histórico”, relacionando-a com outras
noções de “tempo” que permeiam o imaginário das populações camponesas do Nordeste brasileiro, as quais
esse autor utiliza para se referir a outras situações da vida social, tais como: festas, safra, plantio, quaresma,
greve ou ainda personalidades, instituições e fatos (PALMEIRA, 2002, p. 171-177).
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No período em que Euclides ingressa definitivamente na política alagoana, o Brasil assistia à implementação de grandes transformações. O
Presidente da República Campos Sales (1898/1902) deu prosseguimento
e viabilidade ao projeto republicano iniciado por Prudente de Morais
(1894/1898), primeiro presidente civil do novo regime e representante
da oligarquia cafeeira paulista. Seu projeto político implicou na restrição
dos militares no poder, encerrando assim, o ciclo militarista da Primeira Republica. Em contrapartida, favoreceu à ascensão das oligarquias
civis, que apesar de já terem obtido algum destaque desde o início da
República, reclamavam uma participação mais efetiva na vida política
do país. Sob sua batuta, forma-se o Grande Clube Oligárquico, espécie
de frente comum da qual ele, na condição de Presidente da República,
torna-se o chefe de partido (CARDOSO, 1977, p. 45-47).
Campos Sales prossegue com esse projeto, por um lado, consolidando
a participação do núcleo republicano civil de São Paulo e, por outro,
inaugurando o chamado “pacto oligárquico”, que significou a disseminação do poder oligárquico para além de suas fronteiras locais. A “Política
dos Governadores”, outro nome pelo qual também ficou conhecido o
mesmo pacto, propunha uma troca de favores entre o presidente e os
governos estaduais. Esse é também o nome dado ao sistema, que depois
de controlados os focos abertos de oposição, caberia organizar a política,
de um modo tal que as “chefias naturais” – expressão direta da dominação
oligárquica local – tivessem mecanismos explícitos de funcionamento.
O propósito dessa nova política seria alcançar a unidade do governo,
atacando o problema estadual, através da direção de uma minoria.
Segundo Edgar Carone, esta representação aristocrática é o cerne do
pensamento vigente, o qual defende como garantia de estabilização das
atuais oligarquias no poder, o fim das oposições em favor de um maior
controle do processo eleitoral sob a tutela das oligarquias estaduais
(CARONE, 1975).
Euclides Malta se beneficiará da ordenação política que se apresenta
nesse período. Ele próprio um fiel representante em Alagoas das elites
agrárias, garantirá sua posição no mapa oligárquico que se desenha
por todo o país. Com tal respaldo, deitaria raízes profundas na política
alagoana, pacificando os ânimos da classe agrária açucareira, evitando a
polarização política entre grupos de Maceió e Penedo ou entre regiões
e assegurando o comando indiscutível da política local. Nas sucessivas
campanhas em que se elegeu, lançou mão do modo peculiar de fazer
política de tais governadores e que tanto caracterizou esse período da
nossa história: fraudes eleitorais, duplicatas e violências contra opositoAntropolítica
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res, atuação marcante da figura do coronel e a presença da indefectível
instituição voto de cabresto e do “curral eleitoral”.
Contudo, o ato político de maior repercussão promovido por Euclides
Malta ainda como governador e também como chefe do Partido Republicano de Alagoas, uma vez que o Barão de Traipu declarando estar
cansado retirara-se da atividade política, deu-se por ocasião da escolha
do seu sucessor, no caso seu próprio irmão, para concorrer ao cargo de
Governador no pleito que se realizaria em 19/04/1903..
A participação de Euclides Malta nesse processo, já vinha se fazendo
sentir há algum tempo, desde quando influencia sua bancada na elaboração de uma reforma constitucional de última hora. Pelas novas bases,
a Assembléia suprimiu palavras restritivas, que inviabilizavam a eleição
do seu irmão. Entre as consequências dessa manobra consta, portanto,
a ruptura política com seu sogro e preceptor (Barão de Traipu).
Desde o inicio do mandato de Joaquim Paulo Vieira Malta (12 de junho
de 1903), exatamente pelos artifícios desenvolvidos pelo irmão, a família
Malta torna-se alvo de ataques constantes da oposição, embora sem a consistência que a situação exigia. Durante esse período, tem-se a presença
de uma oposição que esbravejava através da imprensa, mas aos poucos
vai adquirindo força e aglutinando nomes de peso da política local, em
torno de um novo partido que se autoproclamou de “o verdadeiro”
Partido Republicano do estado. Esta nova agremiação reuniu um grupo
de pessoas insatisfeitas e dispostas a formar uma oposição ao governo
estadual. Contudo, a autonomia política do Partido Republicano em
nenhum momento esteve ameaçada, a exemplo das sucessivas eleições
realizadas no período.
O fato de Euclides Malta manter essa superioridade política em Alagoas,
pelo que ficou demonstrado nas sucessivas vitórias do grêmio sob sua
coordenação, nos vários pleitos realizados, deve-se menos à presença
efetiva de uma oposição combatente do que ao modo como se procediam
as eleições no estado, de um modo geral:
A partir da criação desse novo partido, e com as cisões que ele provocou
nas hostes do antigo Partido Republicano chefiado por Euclides Malta,
o debate transfere-se para a Capital Federal, onde antigos aliados, agora ocupando lugares distintos da tribuna, atacam-se a cada sessão. Os
motivos vão da suposta traição do Barão de Traipu pelo seu genro, até
as reformas da Constituição alagoana e a ilegalidade da eleição de Joaquim Paulo. O grau de acirramento das querelas políticas e a constante
utilização por parte dos políticos alagoanos das tribunas da câmara dos
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deputados e da assembléia dos senadores na capital federal, entretidos
na faina de esmiuçar a política estadual de Alagoas, chega a tal ponto,
que os jornais do Rio de Janeiro passam a denunciar a inutilidade daquelas discussões:
Cousas da Política – O chamado caso de Alagoas não tem razão de occupar a attenção do público, e menos de tomar mais tempo aos trabalhos
da Câmara e do Senado [...].
O que alli occorreu nada mais é do que se tem passado nos demais
estados, com as devidas excepções (Jornal do Brasil apud POLÍTICA
alagoana, 1904, p. 1)
Em função da composição das chapas para o triênio 1906/1909, quando
chega o momento de acertar a substituição do então governador, novos
enfrentamentos entre antigos desafetos reacendem-se. A renúncia definitiva de Joaquim Paulo ao cargo de governador acontece apenas 12
dias antes do pleito, no dia 31/03/1906, embora desde o dia primeiro
de novembro de 1905, já se encontrasse afastado do exercício do cargo,
do qual fora licenciado de sua candidatura ao cargo de juiz seccional
para ir tratar pessoalmente no Rio de Janeiro, “respeitando sempre o
modelo constitucional”, conforme atesta A Tribuna. Quem assume é o
vice-governador eleito coronel Antônio Máximo da Cunha Rego, o qual
permanecera no poder de primeiro de novembro de 1905 a 12 de junho
de 1906, quando Euclides Malta assume seu segundo mandato.
Esta não seria a primeira vez que bandos armados ameaçavam invadir
a capital, a fim de garantir o ingresso ou a permanência de algum político no poder. Parte desse batalhão de homens era formada de detentos
que vez por outra, sobretudo na semana-santa o governador do Estado,
usando das prerrogativas que o seu cargo lhe conferia, perdoava o resto
da pena a que foram condenados.
O clima de tensão verificado na capital durante o processo sucessório é
agravado pela presença daqueles “facínoras beneficiados pela munificência governamental”, que em momento oportuno e quando solicitados,
concorriam juntamente com o Batalhão Policial para garantir a ordem,
reprimindo qualquer manifestação contrária ao Governador ou aos
chefes políticos a ele associados, conforme já insinuara o mesmo jornal
de oposição (PAULO Malta..., 1905, p. 1).
Depois que assumiu seu segundo mandado como chefe máximo do
executivo, Euclides Malta enfrentaria outras turbulências. Ainda em
1906, pouco depois de ter assumido pela segunda vez o mandato de governador do Estado, ele manda empastelar o jornal oposicionista Correio
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de Alagoas; o único que nos últimos três anos apresentara uma oposição
mais sistemática às suas manobras políticas. Aliás, esses primeiros meses
de sua administração estiveram marcados por forte tensão, em parte,
devido aos boatos espalhados pela cidade de que sua cabeça encontrava-se
a prêmio, como também, pelo grande número de nomeações verificadas
no Batalhão Policial, motivo pelo qual a cidade viu-se tomada, alguns
dias, pela presença de homens vindos do interior, sob a justificativa de
garantir uma transição política tranquila e sem surpresas.
No mais, este segundo mandato correu como os demais: em meio a muitas
negociatas e transações de caráter duvidoso, como por exemplo, uma
nova reforma na Constituição do Estado, que garantiria a Euclides Malta
sua reeleição para o último e definitivo mandato, repetindo medidas
semelhantes já tomadas em outros estados como Pará, Ceará, Pernambuco – onde também predominava o estilo autocrático de fazer política.
Em 12 de março de 1909, Euclides Malta é reeleito, sem “o protesto
sequer de um voto que discrepasse da unanimidade da votação”. A oposição, como era de se esperar e se utilizando dos recursos disponíveis,
contesta e denuncia o modo suspeito como foi realizado o pleito, sem no
entanto, obterem eco aos seus reclames. Durante a segunda administração
de Euclides Malta, o Partido Republicano dominava quase absolutamente,
tanto as cadeiras da Assembléia Legislativa, como as chefias municipais
– 51 órgãos espalhados pelo estado, cuja unanimidade em favor da indicação do nome de Euclides teria garantido a constitucionalidade da
reeleição. No entanto, as condições de governabilidade pareciam cada
vez mais insustentáveis:
No rol desses acontecimentos é que surge o movimento salvacionista,
diretamente associado, em nível nacional, à campanha eleitoral para
sucessão de Afonso Pena em 1910, cujo principal nome era o de Hermes
da Fonseca, com o apoio fundamental de Pinheiro Machado, antigo
aliado na capital da República, de Euclides Malta. Segundo Douglas
Apratto Tenório, a parte crítica da questão reside no fato de que, se
inicialmente as oligarquias regionais foram responsáveis pelo fortalecimento, no quadro nacional, do sistema federativo, diante desse retorno
dos militares à cena política, sua presença tornou-se um empecilho aos
ideais renovadores apregoados pelo candidato eleito, Hermes da Fonseca
(TENÓRIO, 1997, p. 112-113).
O caso mais evidente da ruptura de antigos setores oligárquicos com
aqueles que ainda se mantinham governando nos estados é o de Pinheiro Machado, criador do Partido Republicano Conservador o qual
congregou, ainda que provisoriamente e sem muito entusiasmo, os
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setores oligárquicos nos Estados. Diante do fracasso do seu projeto,
Pinheiro Machado vê-se às voltas com a campanha salvacionista, à qual
adere, sacrificando antigos aliados a fim de assegurar seu prestígio junto
ao Presidente eleito. Foi por sua influência que Euclides Malta prestou
apoio à candidatura de Hermes da Fonseca. Porém, quando a campanha
antioligárquica desencadeia-se, a cabeça desse governante seria uma das
primeiras a rolar. Contudo, a campanha sucessória nos estados, entre
fins de 1911 e começo de 1912, assumira uma feição que não tinha como
ser modificada.
A candidatura do general Clodoaldo da Fonseca, filho de Pedro Paulino
da Fonseca, primeiro governador republicano de Alagoas e parente
do presidente Hermes da Fonseca, de cujo gabinete militar era chefe,
apresenta-se como a mais concorrida naqueles tempos de retorno do militarismo. O convite para que aderisse às hostes do Partido Republicano já
fora feito por Euclides Malta em suas inúmeras viagens à capital federal.
Contudo, quem acabou conquistando sua confiança foram os oposicionistas do Partido Democrático e sua candidatura, contagiou diversos
segmentos da sociedade, desde os coronéis do interior até as camadas
médias urbanas, todos empenhadas no mesmo projeto político, qual seja,
a derrubada da oligarquia maltina, atualizando em Alagoas sob o nome
de “soberania”, o movimento que em nível nacional convencionara-se
chamar “Salvação” (TENÓRIO, 1997, p. 114).
O quadro agrava-se com o surgimento, no dia 17 de dezembro de 1911,
da Liga dos Republicanos Combatentes em Homenagem a Miguel Omena, sob os auspícios de Fernandes Lima, outro importante articulador
da oposição no estado, e um dos principais responsáveis pela derrubada
de Euclides Malta do poder. É com o aval desse líder oposicionista que
a Liga irá espalhar o terror em Maceió.
Se as condições de governabilidade já se encontravam afetadas pelo
clima de animosidade semeado pela oposição, com a instalação da Liga,
o combate e as perseguições tornam-se mais efetivos e concretos. Eles
fecharam estabelecimentos públicos, distribuíam boletins insultuosos
contra os partidários do Legba,3 afugentavam inimigos políticos nas ruas e
em suas próprias casas, forçando muitos deles a escapar vexatoriamente
pelos fundos das residências, como foi o caso do intendente, do vice, e
depois o próprio governador.
A primeira vez, em fins de janeiro, quando depois de enfrentam e
desarmarem a guarda do Palácio do Governo, forçam-no a também
escapar pelos fundos e viajar até o vizinho Estado de Pernambuco, em
3
O significado do termo Leba ou Legba e a razão porque Euclides Malta e seus correligionários foram
associados a essa entidade do panteão afro-brasileiro serão discutidos em tópico posterior.
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busca de refúgio, local em que permanece por mais de um mês, em
constante contato com a Capital Federal, aguardando garantia policial
para retomar o poder.
No dia 10 de março, por volta do meio dia, Euclides Malta volta a Maceió, protegido por um forte aparato policial. Sua chegada é bastante
tumultuada. O clima de terror se espalha pela cidade e os comerciantes
assustados, cerram as portas dos seus estabelecimento. A Companhia de
Trilhos Urbanos suspendeu o tráfego dos veículos e nos lugares em que
o cortejo passava, entre o desembarque no Porto do Jaraguá e o Palácio
dos Martírios, a população insultava a comitiva, enquanto os sinos das
igrejas dobravam os finados. No mesmo dia, depois de ter assumido suas
funções, Euclides Malta sofre novo revés.
Às cinco e meia da tarde, depois de percorrerem as principais ruas do
centro, uma massa popular que integrava o Centro Cívico Alagoano PróClodoaldo, concentra-se na praça dos Martírios em frente ao Palácio do
Governo, onde seria realizado um meeting. Tendo resistido à intimação
dos soldados do 8º Batalhão, para que interrompessem aquele comício e
à consequente ordem de prisão contra suas lideranças, os manifestantes
entraram em confronto com a força policial, composta naquela ocasião
por não mais que 80 soldados. Resultou da troca de tiros, vários feridos, entre eles o Tenente Brayner, nomeado por Euclides Malta para o
cargo de secretário do Interior e que viria a falecer dias depois; o Major
Jatobá e o auxiliar do comércio João Carlos de Albuquerque. Contudo,
causou maior comoção entre os manifestantes a morte do poeta e orador
Bráulio Cavalcante, jovem liderança oposicionista de Alagoas, recentemente chegado a Maceió poucos dias após ter concluído o bacharelado
em Ciências Sociais e Jurídicas na Faculdade do Recife e cujo funeral
foi acompanhado por cerca de 8 mil pessoas, transformando-se num
grande ato de protesto.
Na manhã do dia 13, um dia após a tão aguardada eleição, quando o
resultado já estava mais ou menos definido e a vitória dos candidatos
oposicionistas, assegurada, o Revmº Manoel Lopes, preclaro diocesano,
dirigiu-se ao Palácio dos Martírios onde convenceu Euclides Malta a
renunciar. Só então a vida voltou ao normal na Capital.
O “papa do Xangô alagoano”
e suas incursões pela Religião
Os centros espíritas, como também eram conhecidas as casas de culto
afro-brasileiros de Alagoas, no período da administração de Euclides
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Malta, nutriram-se de uma certa complacência por parte do poder
público. Da capital e de outros municípios do interior, vez por outra,
eram encaminhadas às autoridades competentes, solicitações para que
fosse garantida a realização dos cultos, bem como a integridade física
dos seus praticantes, constantemente ameaçada pela população local. Ao
que tudo indica, o governador de Alagoas, parece ter dedicado bastante
atenção a essas práticas, ou pelo menos, fez valer as constituições federal
e estadual, garantindo através dos seus destacamentos, o funcionamento
desses cultos, razão pela qual talvez, tenham surgido as acusações que
mais tarde os adversários políticos fariam a Euclides Malta, acerca de sua
suposta ligação com os terreiros da cidade onde, segundo se dizia, ele
buscava proteção para se manter por tanto tempo no poder.
As notícias sobre a represália a esses cultos no período, por parte da polícia, eram incipientes. A primeira vez em que se constatou uma prisão,
tendo por motivação a acusação de “bruxaria”, ocorreu em meados de
1901. Tem-se assim, a punição de uma determinada atividade mágicoreligiosa, considerada marginal desde os tempos coloniais, mas que,
a partir da República, com a sua regulamentação pelo Estado, gerou
um embate sobre a legitimidade do combate e da perseguição a elas. A
partir do caso em tela, a acusação que recai sobre a acusada, “uma tal”
de Santina, enfatiza muito mais a exploração da prudência e confiança
alheias, do que a própria feitiçaria. Talvez uma tentativa de mascarar
o objeto real da detenção, amparando-se no dispositivo legal tanto do
Código Penal como da Constituição.
Em momento posterior, poucos dias depois de Euclides Malta ter transferido temporariamente sua residência para o bairro do Alto do Jacutinga,
usando como justificativa o tratamento de saúde de um dos seus filhos, os
jornais da Capital noticiaram a devassa a um terreiro existente naquelas
cercanias, resultando também em detenções.
Bico Doce é mestra de Maracatu, solemnidade que se effectua quando
há necessidade de falar com o pae, que é o nome da divindade acceita
pela gyria boçal della e de seus frequentadores. A Casa estava cheia de
crentes e é ornada de búzios, de latas, de cabeças (osso) e quanta coisa
sugestiva pode obter aquella gente ignara e parva.O Sr. Capitão Braz
Caroatá pôz termo aquela joça, mandando para a cadeia treze devotos,
sendo sete homens e seis mulheres entre as quaes a celebre Maria Bico
Doce. Temos informação de que o santo tem estado alli na cabeça de
muita rapariguinha, durando no máximo três a quatro dias, em que
ellas ficam sonambulas para fins que reclamam seria providencia contra a tal bico doce e seus cúmplices. (POLÍTICA alagoana, 1904, p. 1)
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Supõe-se ser um período de muita movimentação no calendário das
celebrações religiosas, uma vez que naquela data celebravam-se em
Maceió várias festividades, entre as quais, o novenário de São Gonçalo,
cujo início coincidiu com a data das detenções. É possível que a festa
organizada por Bico Doce já viesse se desenrolando há alguns dias, como
é comum em alguns terreiros mais tradicionais, que reservam às vezes
uma semana para comemorar o santo da casa. Existem indícios de que
o lugar onde se realizavam os festejos era mesmo uma casa de Xangô e
sua existência já devia ser do conhecimento das pessoas do local, o que
tornava impossível escapar ao controle das autoridades policiais. Isso
leva a crer que seu funcionamento contava com a aquiescência dessas
autoridades. A reprimenda sofrida naquele fatídico ano de 1904 se dá,
talvez em função do incômodo que porventura os atabaques estivessem
causando, interrompendo dessa maneira o sossego que a família de
Euclides Malta buscou no bairro.
A partir de 1903, embora por um curto período de tempo, tornam-se
comuns os pedidos de autorização para o funcionamento, senão de casas
propriamente de culto religioso, pelo menos de certo tipo de divertimento que guardava com aquelas práticas religiosas inúmeras aproximações. Trata-se dos folguedos populares das mais diversas espécies
como fandangos, congos, reisados, presépios, marujada e o próprio maracatu
que dentre todos, era o que mais se aproximava do Xangô, tanto pelos
aspectos estéticos e rítmicos, como pelo fato de seus organizadores serem
também pessoas ligadas àquela religião.
Tais situações remetem a uma característica básica do relacionamento entre o poder oficial, através dos seus aparelhos de controle, e os
grupos populares responsáveis pela organização dos folguedos, o qual
se encontra marcado por uma certa ambiguidade. Interesses forjados
culturalmente talvez expliquem essa aparente contradição presente na
classificação dessas práticas religiosas, bem como na sua receptividade
ou negação, o que resulta, por um lado, em atitudes hostis para com
manifestações que em outras situações são legitimadas e permitidas.4
Assim, fica a impressão de que com exceção das prisões relatadas, aquelas práticas religiosas parecem ter se beneficiado da benevolência do
governador que pode ter pago um preço muito alto pela associação do
seu nome com essas casas de culto. Contudo, não é de todo descabido
pensar que um político daquela envergadura, na posição de representante máximo do poder estadual, fizesse suas visitas às casas de cultos
4
Sobre essa “esquizofrenia” em relação às religiões afro-brasileiras e seus desdobramentos
seculares, cf. Fry (1998, p. 439-471); Dantas (1988); Maggie (1992).
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africanos ou que consultasse os orixás sobre os destinos reservados à sua
carreira eleitoreira. Aliás, esse refluxo da política sobre a religião já foi
bastante explorado por inúmeros estudiosos em outras localidades (Cf.
RIO, 1976; RODRIGUES, 1935).
Alguns meses após a posse de Euclides Malta como senador, em 8 de
maio de 1904, da própria tribuna daquela Câmara, na capital federal,
surgem as primeiras insinuações acerca de supostas associações do exgovernador com integrantes dos xangôs de Alagoas, conforme se pode
depreender da polêmica envolvendo o nome de dois funcionários do
Estado levados por ele em sua comitiva para o Rio de Janeiro. Um deles
era mais conhecido pela alcunha de Manoel Inglês e na crônica alagoana
é descrito como “negro retinto, ótimo cozinheiro, residente na Ladeira
do Brito e dono de afamado terreiro de Maceió” (LIMA JUNIOR, 2001,
p. 154). A ligação desse antigo servente da Recebedoria do Estado com
o ex-governador de Alagoas seria bastante alardeada através dos órgãos
oposicionistas, Jornal de Debates e Correio de Alagoas.
Contudo, a quantidade de material disponível sobre o assunto é irrisória,
o que impede discernir a veracidade de certas acusações. Além da matéria
de 1906, que trazia as associações mais diretas entre o governador e as
casas de culto, e outras menos enfáticas, quase nada se falou a respeito.
Interessante notar que, mesmo no auge dos ataques desferidos pelos
adversários políticos de Euclides Malta, quando inclusive a campanha
sucessória de 1911 já estava definida, essa associação quase não aparece.
Durante todo o segundo semestre daquele ano, o jornal Correio de Maceió
dedica todos os seus editoriais a atacar as últimas medidas administrativas de Euclides Malta, e até mesmo desencavando manobras políticas
realizadas em gestões anteriores. As referências aos terreiros de Xangô
aparecem muito sutilmente, mais especificamente, em dois momentos,
na coluna intitulada “Boatos e Boatinhos”, onde o articulista, “Pretinho
dos Boatos”, no auge das acusações contra aquele Governador, escreve:
“É voz corrente [...] que, quando o Dr. Euclides Malta sente qualquer
dificuldade política, nota-se que funcionam ou trabalham todas as casas
de Xangô, existentes nesta cidade” (BOATOS e boatinhos, 1911, p. 2).
Na mesma coluna, dias depois, o assunto voltaria a baila:
Fala-se [...] que sua majestade não desceu de seus aposentos no domingo
e hontem; está acamado e a caldos de galinha; que alguns esculapios
reaes consultados, diagnosticaram tratar-se do mal triste governamental
e receitaram emplastos adhesivos. [...] que os xangôs trabalharão todos
os domingos, o que quer dizer: a oligarchia está moribunda... (BOATOS
e boatinhos, 1911, p. 2)
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Somente o Jornal de Alagoas na série de matérias intituladas “Bruxaria”,
escritas por ocasião do Quebra de 1912, estabelecera de modo mais direto essa ligação. Em inúmeras passagens assistimos essa ligação sendo
explicitamente indicada. Esse jornal traz inúmeras denúncias de que a
frequência do governador a essas casas ia além da simples curiosidade
ou como forma de prestigiar, com fins eleitoreiros, as atividades ali desenvolvidas.
Sabia-se que entre o nefasto governo do Sr. Euclides Malta e as inúmeras
casas de feitiçaria barata, profusamente espalhadas pela cidade, existia
a mais estreita afinidade. Sabia-se que a grande força em que o inepto
oligarca apoiava o seu governo era o Xangô, e com essa confiança no
fetiche ignorante mantinha em completa debandada todos os outros
poderes orgânicos do Estado [...] Sabia-se que o Sr. Euclides Malta e
os áulicos palacianos assiduamente frequentavam esses antros endemoniados, que entre nos, para escarneo de uma população inteira,
constituiam ameaçadores e perigosos focos de indolência e prostituição.
(JORNAL de Alagoas S, 1912, p. 1)
No período em que se verifica a destruição das casas de Xangôs de Maceió, o terreiro supostamente frequentado por Euclides Malta era o da
Tia Marcelina, situado na antiga rua da Aroeira, nas imediações da atual
praça Sinimbu. Esse teria sido um dos primeiros focos das perseguições
realizadas pela turba enlouquecida, ainda no primeiro dia de fevereiro,
quando as suas instalações foram invadidas por mais de quinhentas
pessoas, segundo o jornalista do Jornal de Alagoas que se encontrava no
local, na ocasião. Foi num dos aposentos dessa casa, mais especificamente
no que se convencionou chamar de Peji, que foram encontrados retratos
que atestaram essa ligação entre o Governador e os xangôs:
Dizia-se que o ‘Xangô’, o pupilo do Sr. Euclides Malta, trabalhava
por ordem deste para que morressem antes das respectivas eleições
os intemeratos Cel. Clodoaldo da Fonseca e o Dr. Jose Fernandes de
Barros Lima [...].
Em muitas dessas casas foram encontrados documentos preciosos que a
sofreguidão do povo destruiu e nos quartos reservados e escondidos as
vistas dos profanos, ardiam velas em redor de figuras grotescas que eles
fantasiavam ser o Cel. Clodoaldo da Fonseca ou o Dr. Jose Fernandes.
Debaixo das vestes de um ‘leba’ ídolo com chifres, foi encontrado um
retrato do Cel. Clodoaldo da Fonseca, virado de cabeça para baixo, como
refém de futuros acontecimentos. [...].Um bode sacrificado a ‘Oxalá’
tinha pendurado no pescoço o retrato do Cel. Clodoaldo da Fonseca
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e esse bode, entre acaçás, moringas, pratos, moedas de cobre e outros
ingredientes estava destinado a ser enterrado na praia.
Em outras foram achados dois retratos do Cel. Clodoaldo e do Dr. Fernandes Lima, sob um montículo de barro fedorento e aluminado por
quatro velas de sebo.Eis todo o cortejo bestial que cercava e prestava
mão forte ao Governo do Sr. Euclides Malta. (JORNAL de Alagoas,
1912, p. 1)
As acusações contidas nas matérias publicadas no referido jornal, referemse ao período que culminou com a campanha persecutória contra uma
possível permanência de Euclides Malta no poder. O epíteto de Leba a que
elas se referem e que recairia sobre Euclides Malta e seus correligionários,
deve porém, ser buscado numa versão mais plausível, no caso, um livro
de crônicas Alagoas Pitoresca, escrito por Edu Blygher, onde é relatada a
situação em que o governador ficou conhecido por aquele designativo:
Chico Foguinho, o pioneiro dessa seita entre nós, nos primeiros passos
para a sua constituição foi a Palácio, acompanhado dos seus irmãos
Japyassu, Cesário Thompsom, Chico de Teça e vários outros crentes,
[...] e convidaram o Governador, para honrar com a sua presença, a
sessão inicial dos ofícios inaugurais do culto aludido. Euclides, dentro
do seu velho princípio, em virtude do qual, melhor seria estar bem com
todos, do que ter alguém ou alguma coisa que lhe pudesse fazer algum
mal, aceitou o convite e lá se foi para a tal inauguração do Xangô do
Foguinho, na rua Santa Maria.
Em lá chegando, Japyassu, como que introdutor diplomático e palavra
passada com a irmandade, aclamou o seu chefão Euclides, como representante máximo de Deus Leba, ou seja, o Papa do Xangô alagoano.
Euclides meio embaraçado com a surpresa, recebeu, todavia, aquela
honraria, como uma simples palhaçada e com sua proverbial bondade
e indiferença a uns tantos preconceitos sociais, dentro sempre do seu
inseparável princípio já anunciado [...] submeteu-se ao ‘Beija mão dos
fiéis’, coroou os santos, desde o maior ao menor e ao terminar toda
essa cerimônia ritual, ao retirar-se, chamou Chico Foguinho e toda a
corja macumbeira e disse-lhes: Bem, está tudo certo e faço votos pela
felicidade de todos vocês, mas eu os advirto de que, acima desse tal
de papado está o meu poder secular. Em caso, pois de conflito entre
os dois, podem ficar certos, o papa de vocês desaparece, para ficar o
governador zelando pelo bem estar do povo que governa. E, outrossim, declaro, ainda que para evitar massadas e nova visita ao templo
xangoriano, como papa não devo andar muito a mostra, de modo que,
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sem arredar o pé do vaticano farei de lá, tudo que julgar necessário aos
interesses de vocês. E retirou-se com grande séquito de papalinos [...].
[...] E está aí, salvo melhor juízo, a origem do lebismo nas Alagoas. Só
tempos depois do Euclides fora do Governo, é que veio ele saber dessa
história do seu papado e da razão por que seus amigos eram chamados Lébas...E ao pôr-se ao par de tudo isso, dando uma gargalhada,
declarou: ‘nunca tal coisa se deu na minha vida, e nem nunca sequer,
por curiosidade, entrei nessas casas de macumbas e feitiçarias’[...] E
como estas, foram muitas acusações que lhe fizeram. (BLYGHER,
1951, p. 12-14)
Este é sem dúvida o depoimento mais extenso encontrado sobre a suposta ligação de Euclides Malta com os terreiros de Xangô de Maceió,
embora sua utilização deva ser feita com cuidado, por assumir em suas
últimas linhas a forma de uma defesa que se tornou recorrente entre os
tinham apreço pelo ex-governador, os quais tentaram livrá-lo do estigma
de macumbeiro que o perseguia. Essa contestação sempre se apresenta
quando o objeto dos ataques é alguém de grande projeção nos meios
políticos, o que não significa dizer que as suspeitas levantadas sejam
totalmente descabidas ou exclusivas de uma época.
Sendo ou não fidedignos tais relatos, é o fato de estarem associados à
figura do então governador que torna as casas de culto vulneráveis à devassa que se inicia naquele fatídico 2 de fevereiro. Esse período, portanto,
coincide com uma mudança na direção dos ventos. Os tempos não eram
mais os mesmos. A tranquilidade daqueles dias, nos quais a realização
dos toques nos terreiros se dava de forma corriqueira, com a aprovação
das autoridades locais, estava com seus dias contados. A situação política
exigia cautela e moderação, já que o papa do Xangô alagoano, grande
protetor daquelas casas achava-se afastado de suas funções governamentais. Porém, obrigação com orixá é coisa sagrada e quando entra
na cabeça do devoto, não tem cristão que a demova. A vingança veio a
cavalo e abateu-se sobre aquelas casas como uma tempestade. Os pais e
mães de santo de Maceió pagaram caro pelas suas alianças. Nenhum deles
pode rogar a proteção dos orixás e se o fizeram, estes não lhes valeram.
Quando ecoou o grito de guerra, “Quebra!”, os “cabras” da Liga que a
essa altura não deviam obediência a qualquer autoridade, nem terrena,
nem sobrenatural, caíram com toda sua fúria sobre os terreiros. Os
primeiros a serem atingidos foram aqueles que se localizavam nas proximidades da sede da liga. A “súcia” enfurecida entrava porta adentro
quebrando tudo que encontrava pela frente, fazendo jus à determinação
do líder, e batendo nos filhos de santo que se demoraram na fuga. DiverAntropolítica
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sos objetos sagrados, utensílios e adornos, vestes litúrgicas, instrumentos
utilizados nos cultos, foram retirados dos locais em que se encontravam e
lançados no meio da rua, onde se preparavam grandes fogueiras. Entre
rosários e colares de ofás, colocava-se também imagens de santos representativas do Leba ou foram expostas a zombaria durante o cortejo que
ainda percorreria outras casas de culto situadas nos arredores.
A procissão errante, composta de quase 500 pessoas invadiu os recintos
ainda em atividade, transformando aquela manifestação num verdadeiro
carnaval, formato que certas revoltas populares assumem em algumas
ocasiões históricas. Móveis e utensílios eram queimados no próprio lugar
onde se encontravam, enquanto outros tantos paramentos e insígnias
usados nos cultos eram arrastados para fora dos terreiros, para arderem
na grande fogueira montada. Na confusão, alguns dos filhos de santo
conseguiam escapar. Os que insistiram em permanecer no local sofreram
toda sorte de violência física.
Muitos dos objetos utilizados pelos filhos de santo nos cultos daquela
casa perderam-se ou foram desviados em função do seu valor econômico, como pulseiras e braceletes de prata, e anéis de ouro cravejados
de pedras semipreciosas, cujo paradeiro até hoje se desconhece. Outros
objetos como esculturas e fetiches foram conservados e conduzidos para
a sede da Liga dos Republicanos Combatentes, para serem expostos à
visitação pública.
Com alguns dos instrumentos que minutos antes serviam ao embalo dos
cultos e uma revoada de alfaias exibidos nas extremidades de varas, a
turba percorreu inicialmente algumas ruas da Levada, em direção ao
centro da cidade, agregando em seu cortejo novos adeptos, atraídos pelo
ruído desusado e gargalhadas zombeteiras, confiante de que se tratava
de uma das prévias do bloco dos Morcegos em adiantada hora da noite.
A presença de Manoel Luiz da Paz à frente daquele cortejo, com suas
indefectíveis muletas, atestava a identificação da agremiação.
Depois de terem percorrido os principais xangôs do centro da cidade,
muitos combatentes já cansados de tanta devassa retornaram à sede da
Liga, acompanhando o presidente da entidade, para depositar os objetos
apreendidos durante a devassa, que seriam expostos à visitação pública
por dias. Os demais manifestantes que residiam em áreas mais afastadas
da cidade, sem dispor dos bondes que àquela hora já tinham interrompido seus serviços, iam por conta própria estendendo a quebradeira a esses
locais mais remotos, enquanto se deslocavam para suas casas. Confiantes
na falta de policiamento da cidade, decorrente do grande número de
deserções na força pública que compunha o Batalhão Policial verificado
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nos últimos dias, iam perturbando o sossego dos moradores das ruas
por onde passavam com gritos e exclamações sem termo, apavorando
os donos de xangôs e obrigando-os a escapar na calada da noite para
lugar incerto, deixando para trás, objetos sagrados que não podiam ser
conduzidos em sua fuga. Durante todo o fim de semana prossegue a
investida aos terreiros espalhados pela cidade.
Na sexta-feira da semana seguinte, morria no Rio de Janeiro o Barão
do Rio Branco, ministro das Relações Exteriores. Em sua homenagem
o Presidente da República baixou um decreto adiando os festejos carnavalescos para o mês de abril seguinte. O povo, no entanto, não cumpriu
a determinação do executivo, brincando os dois carnavais. Na época, o
jornal carioca A Noite satirizou o episódio, publicando em suas páginas
os versos seguintes: “Com a morte do barão/ tivemos dois carnavá/ ai
que bom, ai que gostoso/ Se morresse o ‘marechá’”, para se referir ao
Marechal Hermes da Fonseca, Presidente da República. É possível que
em Maceió, na mesma época, a população tivesse evocado esses versos,
acrescentando à quantidade de brincadeira da glosa original, mais um
carnaval que eles haviam brincado uma semana antes.
Abstract
The first years of the 20th century in the Governor Euclides Malta was
ahead of power in Alagoas, were marked by a succession of popular, having
one Governor as its main agent. The purpose of this article is the path it
Governor and identify some of the elements that culminated in its deposition
in 1912, including the “Operation Shango” by which was known in the
Alagoas episode involving the destruction of the main houses of worship
that capital and municipalities.
Keywords: Euclides Malta; First Republic; Operation Shango.
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conhecimentos das sociedades tradicionais. Belém: Centro
Universitário do Pará – CESUPA: Museu Paraense
Emílio Goeldi, 2007. 341 p.
Bruno C. Brulon Soares*
* Museólogo. Mestre em
Museologia e Patrimônio.
Doutorando em Antropologia pelo Programa de
Pós-Graduação em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal Fluminense
(UFF). Bolsista do REUNI
vinculado ao Departamento de Antropologia. Pesquisador do Laboratório
de Educação Patrimonial
(LABOEP) nesta mesma
universidade. Email: <[email protected]>.
Tel.: (21) 2609-6184.
As instituições e os pensadores que se dedicam ao estudo
da preservação dos saberes tradicionais e do patrimônio cultural em geral, no Brasil, hoje, representam um
conjunto heterogêneo de agentes e pontos de vista que
envolve simultaneamente a academia e as entidades
governamentais. O livro Proteção aos conhecimentos das
sociedades tradicionais, organizado por Benedita Barros,
Claudia Garcés, Eliane Moreira e Antônio Pinheiro, é
composto por 19 trabalhos de autores de diferentes nacionalidades que tratam do contexto político, jurídico e
cultural que envolve a proteção dos saberes ameaçados
de determinados grupos na América do Sul, e analisam como as discussões na região se relacionam com
o cenário internacional. Os textos que constituem esta
coletânea são resultantes dos trabalhos apresentados no
Seminário Internacional “Proteção aos Conhecimentos
das Sociedades Tradicionais”, realizado em Belém, no
Pará, em novembro de 2005 – evento representativo dos
complexos debates acerca da temática proposta, tendo
sido realizado a partir da parceria de instituições que
historicamente vêm estabelecendo vínculos de naturezas
variadas com o contexto discutido, entre elas o Centro
Universitário do Pará (CESUPA), o Museu Paraense
Emílio Goeldi (MPEG) e o Instituto Amazônico de Pesquisas (IMANI) da Universidade Nacional da Colômbia.
As visões expostas tiveram como ponto de partida uma
concepção da proteção dos conhecimentos tradicionais
que se autoapresentou como ampla, buscando uma
abordagem não fragmentada e indo além, portanto,
do enfoque dos Direitos de Propriedade Intelectual
(DPI) e da Convenção sobre a Diversidade Biológica
228
(CDB), que, como relatam alguns dos autores, enfatizam a proteção aos
conhecimentos associados à biodiversidade visando a garantir aos seus
detentores uma repartição que possa ser pensada como “justa” – para
quem? – e “equitativa” – com base em quê? – dos benefícios oriundos da
utilização destes conhecimentos.
Assim, os primeiros textos apresentados partem do contexto internacional em que são concebidas políticas percebidas como universais – ou
universalizantes – para se estabelecer, nas diversas localidades, aquilo que
pode ser entendido como “justiça” e “igualdade” nos variados embates
políticos. No texto de Teodora Zamudio Conocimento tradicional en el ámbito
internacional, vê-se claramente como vem se desenhando uma política
internacional que pretende ser encampada pelos governos nacionais, e
que promove a noção de conhecimento tradicional como bem a serviço
da humanidade – e, logo, suscetível de ser assimilado ao mercado do
Ocidente, obedecendo a suas leis próprias. As disputas locais por este
valioso patrimônio de grupos que, em geral, não reconhecem o Estado
em que territorialmente encontram-se inseridos, tornam-se internacionais no alcance do interesse que despertam. Como é apontado no artigo
de Teodora Zamudio, cabe a comunidades indígenas e ao movimento
indígena internacional a tarefa de interpretar os processos de elaboração
normativa dos quais estes grupos são comumente alienados. Por exemplo, como explica a autora, graças à iniciativa do movimento indígena
internacional, o Convênio sobre a Diversidade Biológica (CDB) está
sendo interpretado sob uma perspectiva tendente a integrar os “povos
indígenas” como sujeito diretamente interessado em todo o processo
relativo ao acesso e à utilização de seu conhecimento tradicional.
Os casos narrados acerca do conhecimento de grupos indígenas no Brasil
ou em países vizinhos são pensados por grande parte dos autores em
relação às diretrizes internacionais que, em geral, os definem e definem
os modos de apropriação de sua herança pela ótica do mercado. No
texto Regime internacional de proteção dos conhecimentos tradicionais: é possível
chegar a um consenso?, Eugênio Pantoja lembra que ameaças como a da
biopirataria – na forma do registro do princípio de recursos biológicos
brasileiros por empresas de países estrangeiros – torna a questão da
proteção dos conhecimentos tradicionais iminente para regiões essencialmente diversas como a Amazônia. Por meio da dinâmica da apropriação
indevida do patrimônio, aquilo que é da esfera local é internacionalizado ao lhe ser atribuído valor de mercado. Mas como permitir que os
pequenos produtores dos grupos que detém estes saberes em disputa e
as empresas obtenham lucro conjuntamente e de forma ‘sustentável’ –
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ambiental e socialmente? Pantoja questiona se seria realmente possível
chegar a um consenso sobre um regime internacional de proteção dos
conhecimentos tradicionais.
Os conflitos são ainda mais complexos quando a diversidade legal é
colocada em debate, na medida em que se torna flagrante no relato de
alguns dos autores o paradoxo entre uma região em que países próximos e que apresentam características comuns não possuem um marco
jurídico regional para regular o assunto e, atuando como uma força
que se impõe muitas vezes verticalmente neste cenário fragmentado, o
mercado global busca alcançar a formulação de parâmetros universais
para gerir os impasses e facilitar o acesso aos conhecimentos dos grupos
que vivem fora dele. Para Pantoja, uma possível solução se daria através
da contribuição de legislações regionalizadas que contribuiriam para a
construção de uma pirâmide da base para o topo, e não o inverso como
vem sendo feito em muitos dos casos.
Claudia López Garcés, no texto Proteção aos conhecimentos das sociedades tradicionais: tendências e perspectivas, aponta que as relações assimétricas entre
sociedades tradicionais e as empresas transnacionais, que caracterizam,
ainda hoje, os processos de acesso e intercâmbio de conhecimentos, colocaram em discussão a necessidade de estabelecer mecanismos jurídicos
que regularizassem essas relações. Segundo ela, é possível afirmar que
os conhecimentos tradicionais são aqueles produzidos pelas sociedades
possuidoras de traços culturais específicos que as diferenciam das sociedades nacionais em que estão imersas; estes conhecimentos constituem
sistemas dinâmicos que se atualizam constantemente. As duas afirmações,
entretanto, denotam a possibilidade de uma série inesgotável de ambiguidades e paradoxos que definem a complexidade das abordagens ao
tratarem destes conhecimentos objetivamente.
Traçando historicamente o desenvolvimento dos debates sobre o tema,
a autora lembra que é a partir da década de 1990 que a discussão sobre
a proteção dos conhecimentos tradicionais se viu atrelada à necessidade
de proteger os recursos genéticos como patrimônio natural dos países
em desenvolvimento. Ela recorda, ainda, que, até o início desta década,
a legislação internacional considerava os recursos naturais e os conhecimentos associados como patrimônio da humanidade, o que garantia o
livre acesso para quem desejasse utilizá-los, e que resultava numa situação desfavorável para as pessoas que, na prática, os detinham e deles já
faziam uso. Mas, como ela mesma não deixa de apontar, até o momento,
apesar das políticas que buscam estabelecer relações classificadas como
harmônicas e mecanismos de compensação em relação a estes povos,
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230
é o enfoque do mercado que tem predominado nas discussões sobre a
necessidade de proteção destes conhecimentos que vêm se apresentando
de variadas formas, como produtos, patrimônios ou mercadorias.
Como lembra Edgar Bolívar em seu artigo “La naturaleza”a proteccíon de los
saberes tradicionales: el caso del Yoco entre los Airo Pai de la Amazonia peruana
a discussão contemporânea acerca dos conhecimentos tradicionais gira
em torno de temas como a aplicação de novas tecnologias, os assuntos
de propriedade intelectual, a gestão da biodiversidade ou os direitos
culturais, refletindo em suma interesses e posições políticas divergentes
sobre o assunto. Ao analisar o uso tradicional de um vegetal amazônico,
o yoco, e a sua profunda relação com a cultura indígena airo pai o secoya,
o autor chama a atenção para o conflito entre sistemas de conhecimento
diferentes. A própria natureza – e as diversas formas de concebê-la – é,
portanto, culturalmente construída e socialmente produzida, tanto
pela modernidade e o capitalismo, como pelas sociedades tradicionais
aqui estudadas. E as divergências de pensamento não se limitam a este
ponto: é preciso ainda, como tentam fazer alguns dos autores mesmo
que de forma insuficientemente crítica, questionar o que significam
conceitos tais como os de ‘conhecimentos tradicionais’, ‘patrimônio’ e
‘biodiversidade’ para estes grupos, para o mercado e para os cientistas
que tentam entendê-los.
Ao pesquisar as interferências entre as noções de propriedade e os regimes nativos de circulação de conhecimento entendidos de maneira
ampla e os novos modelos de propriedade e circulação de conhecimentos
postos na agenda desses povos pelos debates sobre o patrimônio, Marcela
Stockler de Souza tem como ponto de partida no texto A dádiva indígena
e a dívida antropológica: direitos universais e relações particulares o problema
do patrimônio cultural tal como emerge de debates e iniciativas recentes
no âmbito do Estado, da sociedade civil e, principalmente, das próprias
comunidades no sentido da proteção e revitalização de práticas culturais
indígenas. Esta autora questiona a prática de pesquisa junto a esses povos,
indagando sobre o papel do antropólogo de “criar” ou “materializar” a
“cultura indígena” em seus livros e artigos, na produção de um conhecimento (mais ou menos tradicional) que é seu e não necessariamente
daqueles que por ele são estudados. A questão gira em torno das próprias
categorias de estudo e daqueles responsáveis por produzi-las, e, com
isso, busca-se voltar o olhar sobre o tema central para o antropólogo,
pensando a sua autoridade de especialista nestes contextos e o poder de
mediador entre as diversas instâncias em conflito.
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Dominique Gallois, em Culturas indígenas e processos de patrimonialização,
a partir do trabalho com grupos indígenas do Amapá e do norte do
Pará, chama a atenção para os impactos acarretados pelas experiências
de promoção cultural indígena que estão se multiplicando em algumas
partes do país. A questão de que trata a autora é a de que enquanto se
multiplicam iniciativas de “resgate”, recuam perigosamente as alternativas que visam incrementar um efetivo conhecimento a respeito dos
patrimônios imateriais indígenas, e, neste processo o uso das noções de
cultura, tradição e ancestralidade acaba esvaziado de qualquer sentido
preciso.
Assim, partindo das críticas apresentadas ao longo do livro, se pensamos na concepção dos antropólogos de que saberes tradicionais só têm
vitalidade quando são transmitidos de acordo com as formas de enunciação próprias de cada grupo, como é entendido o produto que deixa
estes contextos ditos tradicionais e vai para o mercado? Esta questão,
que permeia a reflexão da maioria dos autores da obra, leva a pensar
na categoria de patrimônio como algo deslizante e pouco precisa nos
discursos contemporâneos, e portanto digna de ser relativizada.
Um outro ponto de relevância que pode ser discutido a partir da leitura
dos textos é a recorrente – mas ainda não predominante – conceituação do patrimônio a partir da idéia de patrimônio total ou integral, já
que assimila em uma só noção todo o conjunto de esferas em que ele é
concebido, indo contra as tentativas tradicionais das políticas de Estado
de utilizar o conceito como ferramenta de fragmentação das culturas.
Segundo Carla Belas, em seu trabalho O conceito de patrimônio imaterial
e a prática dos inventários culturais, a idéia de que o meio ambiente local
fornece boa parte da matéria-prima para a produção dos bens culturais
de determinada região leva a pensar também na intrínseca relação entre
diversidade biológica e diversidade cultural, que já vem sendo considerada pelos inventários e os planos de preservação e salvaguarda. Esta
talvez seja uma das possíveis razões pelas quais, como apontam Bruno
Mileo, Cíntia Costa e Eliane Moreira no texto Convenção da Diversidade
Biológica e Acordo TRIPS: uma análise conciliadora, é hoje tão polemizada a
problemática das patentes biotecnológicas, aqui já mencionadas, que vem,
segundo os autores, suscitando conflitos entre o sistema de propriedade
intelectual e o sistema de acesso aos recursos do patrimônio genético e
aos conhecimentos tradicionais associados a estes.
O que se lê nas entrelinhas da problemática apresentada pelo tema central
proposto aos autores no Seminário Internacional que gerou a obra analisada, é um conjunto de dilemas provenientes da interpretação ilusória
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deste cenário de disputas em que as “comunidades” são entendidas como
entidades homogêneas ou fragmentos organizados destacados do todo,
e o imenso conjunto de interações microscópicas que as constituem, que
poderiam servir para se entender soluções individualizadas para cada
caso estudado, são ignoradas nos processos de objetivação e apropriação
do que se chama de uma ‘cultura’ do Outro. A falha, portanto, em muitas
análises apresentadas atualmente no que concernem os debates acerca
do patrimônio no Brasil é a forte tendência à reificação de uma relação
ultrapassada do ‘nós’ dominantes, de um lado, e o ‘eles’ dominados ou
suscetíveis de sê-lo, do outro.
Sendo assim, pensar o patrimônio em sua integralidade, mais do que
considerar a totalidade dos elementos de uma ‘cultura’ como um todo
integrado, significa contemplar todas as relações de força presentes no
contexto de interação que compõem determinado grupo. O patrimônio,
portanto, é total na medida em que não pode ser pensado de forma
precisa e desprovida de ingenuidade sem que seja entendido no bojo de
todas as relações através das quais é produzido e disseminado. Desta feita,
o próprio papel do antropólogo como especialista passa a ser problematizado nos trabalhos que tratam do conhecimento dos grupos de regiões
diversas que ganham o rótulo insustentável de ‘sociedades tradicionais’.
Finalmente, o fino diálogo entre os diferentes autores na construção
do debate aqui esboçado tem relevância ao ilustrar e trazer à tona, de
maneira representativa, os problemas, as ambiguidades e as ‘zonas de
sombra’ dos estudos patrimoniais no Brasil nas últimas décadas, e revela
sumariamente os pontos em que uma antropologia crítica pode ajudar
a desatar alguns dos apertados nós que caracterizam este campo que
se constitui na justaposição de disciplinas diversas e de conhecimentos
variados – ainda que não necessariamente opostos.
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NOTÍCIAS
DO PPGA
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RELAÇÃO DE DISSERTAÇÕES DEFENDIDAS
NO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM ANTROPOLOGIA
CURSO DE MESTRADO EM ANTROPOLOGIA
1 título: Um abraço para todos os amigos
Autor: Antonio Carlos Rafael Barbosa
Orientador: Prof. Dr. José Carlos Rodrigues
Data da defesa: 16/1/1997
2 Título: A produção social da morte e morte simbólica em
pacientes hansenianos
Autor: Cristina Reis Maia
Orientador: Prof. Dr. José Carlos Rodrigues
Data da defesa: 2/4/1997
3 Título: Práticas acadêmicas e o ensino universitário:
uma etnografia das formas de consagração e
transmissão do saber na universidade
Autor: Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa:16/6/1997
4 Título: “Dom”, “iluminados” e “figurões”:
um estudo sobre a representação da oratória no
Tribunal do júri do Rio de Janeiro
Autor: Alessandra de Andrade Rinaldi
Orientador: Prof. Dr. Luiz de Castro Faria
Data da defesa: 3/1/1997
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 235-262, 2. sem. 2009
236
5 Título: Mudança ideológica para a qualidade
Autor: Miguel Pedro Alves Cardoso
Orientador: Profª Drª Lívia Neves Barbosa
Data da defesa: 7/10/1997
6 Título: Culto rock a Raul Seixas: sociedade alternativa
entre rebeldia e negociação
Autor: Monica Buarque
Orientador: Prof. Dr. José Carlos Rodrigues
Data da defesa: 19/12/1997
7 Título: A cavalgada do santo guerreiro: duas festas de
São Jorge em São Gonçalo/Rio de Janeiro
Autor: Ricardo Maciel da Costa
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 23/12/1997
8 Título: A loucura no manicômio judiciário:
a prisão como terapia, o crime como sintoma, o
perigo como verdade
Autor: Rosane Oliveira Carreteiro
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 6/2/1998
9 Título: Articulação casa e trabalho: migrantes
“nordestinos” nas ocupações de empregada
doméstica e empregados de edifício
Autor: Fernando Cordeiro Barbosa
Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 4/3/1998
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237
10 Título: Entre “modernidade” e “tradição”:
a comunidade islâmica de Maputo
Autor: Fátima Nordine Mussa
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 11/3/1998
11 Título: Os interesses sociais e a sectarização da doença
mental
Autor: Cláudio Lyra Bastos
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 21/5/1998
12 Título: Programa médico de família: mediação e
reciprocidade
Autor: Gláucia Maria Pontes Mouzinho
Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 24/5/1999
13 Título: O império e a rosa: estudo sobre a devoção do
Espírito Santo
Autor: Margareth da Luz Coelho
Orientador: Prof. Dr. Arno Vogel
Data da defesa: 13/7/1998
14 Título: Do malandro ao marginal: representações dos
personagens heróis no cinema brasileiro
Autor: Marcos Roberto Mazaro
Orientador: Profª Drª Lívia Neves Barbosa
Data da defesa: 30/10/1998
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 235-262, 2. sem. 2009
238
15 Título: Prometer-cumprir: princípios morais da política:
um estudo de representações sobre a política
construídas por eleitores e políticos
Autor: Andréa Bayerl Mongim
Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 21/1/1999
16 Título: O simbólico e o irracional: estudo sobre sistemas
de pensamento e separação judicial
Autor: César Ramos Barreto
Orientador: Prof. Dr. José Carlos Rodrigues
Data da defesa: 10/5/1999
17 Título: Em tempo de conciliação
Autor: Angela Maria Fernandes Moreira-Leite
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 15/7/1999
18 Título: Negros, parentes e herdeiros: um estudo da
reelaboração da identidade étnica na comunidade
de
Retiro, Santa Leopoldina – ES
Autor: Osvaldo Marins de Oliveira
Orientador: Profª Drª Eliane Cantarino O’Dwyer
Data da defesa: 13/8/1999
19 Título: Sistema da sucessão e herança da posse
habitacional em favela
Autor: Alexandre de Vasconcellos Weber
Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 25/10/1999
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 235-262, 2. sem. 2009
239
20 Título: E no samba fez escola:
um estudo de construção social de trabalhadores
em escola de samba
Autor: Cristina Chatel Vasconcellos
Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 5/11/1999
21 Título: Cidadãos e favelados: os paradoxos dos projetos
de (re)integração social
Autor: André Luiz Videira de Figueiredo
Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 19/11/1999
22 Título: Da anchova ao salário mínimo: uma etnografia
sobre injunções de mudança social em Arraial do
Cabo/RJ
Autor: Simone Moutinho Prado
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 25/2/2000
23 TÍTULO: Pescadores e surfistas: uma disputa pelo uso do
espaço da Praia Grande
Autor: Delgado Goulart da Cunha
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 28/2/2000
24 TÍTULO: Produção corporal
da mulher que dança
Autor: Sigrid Hoppe
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 27/4/2000
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 235-262, 2. sem. 2009
240
25 TÍTULO: A produção da verdade nas práticas judiciárias
criminais brasileiras: uma perspectiva antropológica
de um processo criminal
Autor: Luiz Eduardo de Vasconcellos Figueira
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 21/9/2000
26 TÍTULO: Campo de força: sociabilidade numa torcida
organizada de futebol
Autor: Fernando Manuel Bessa Fernandes
Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 22/9/2000
27 TÍTULO: Reservas extrativistas marinhas: uma reforma
agrária no mar? Uma discussão sobre o processo
de consolidação da reserva extrativista marinha de
Arraial do Cabo/RJ
Autor: Ronaldo Joaquim da Silveira Lobão
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 29/11/2000
28 TÍTULO: Patrulhando a cidade: o valor do trabalho e
a construção de estereótipos em um programa
radiofônico
Autor: : Edilson Márcio Almeida da Silva
Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 8/12/2000
29 TÍTULO: Loucos de rua: institucionalização x
desinstitucionalização
Autor: Ernesto Aranha Andrade
Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 8/3/2001
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 235-262, 2. sem. 2009
241
30 TÍTULO: Festa do Rosário: iconografia e poética de um rito
Autor: Patrícia de Araújo Brandão Couto
Orientador: Profª Drª Tania Stolze Lima
Data da defesa: 8/5/2001
31 TÍTULO: Os caminhos do leão: uma etnografia do processo
de cobrança do Imposto de Renda
Autor: Gabriela Maria Hilu da Rocha Pinto
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 7/8/2001
32 TÍTULO: Representações políticas: alternativas e
contradições – das múltiplas possibilidades de
participação popular na Câmara Municipal do Rio
de Janeiro
Autor: Delaine Martins Costa
Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 27/9/2001
33 TÍTULO: Capoeiras e mestres: um estudo de construção de
identidades
Autor: Mariana Costa Aderaldo
Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 29/10/2001
34 TÍTULO: Índios misturados: identidades e desterritorialização
no século XIX
Autor: Márcia Fernanda Malheiros
Orientador: Profª Drª Tania Stolze Lima
Data da defesa: 17/12/2001
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 235-262, 2. sem. 2009
242
35 TÍTULO: Trabalho e exposição: um estudo da percepção
ambiental nas indústrias cimenteiras de Cantagalo/
RJ – Brasil
Autor: Maria Luiza Erthal Melo
Orientador: Profª Drª Gláucia Oliveira da Silva, Prof. Dr. Carlos Machado de
Freitas (co-orientador)
Data da defesa: 4/5/2001
36 TÍTULO: Samba, jogo do bicho e narcotráfico:
a rede de relações que se forma na quadra de uma
escola de samba em uma favela do
Rio de Janeiro
Autor: Alcyr Mesquita Cavalcanti
Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 20/12/2001
37 TÍTULO: Mãos de arte e o saber-fazer dos artesãos de
Itacoareci: um estudo antropológico sobre
socialidade, identidades e identificações locais
Autor: Marzane Pinto de Souza
Orientador: Profª Drª Gláucia Oliveira da Silva
Data da defesa: 6/2/2002
38 TÍTULO: Do alto do rio Erepecuru à cidade de Oriximiná:
a construção de um espaço social em um núcleo
urbano da
Amazônia
Autor: Andréia Franco Luz
Orientador: Profª Drª Eliane Cantarino O’Dwyer
Data da defesa: 27/3/2002
39 TÍTULO: O fio do desencanto: trajetória espacial e social
de índios urbanos em Boa Vista (RR)
Autor: Lana Araújo Rodrigues
Orientador: Prof. Dr. José Carlos Rodrigues
Data da defesa: 27/3/2002
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 235-262, 2. sem. 2009
243
40 TÍTULO: Deus é pai: prosperidade ou sacrifício? Conversão,
religiosidade e consumo na Igreja Universal do
Reino de Deus
Autor: Maria José Soares
Orientador: Profª Drª Lívia Neves Barbosa
Data da defesa: 1­/4/2002
41 TÍTULO: Negros em ascensão social: poder de consumo e
visibilidade
Autor: Lidia Celestino Meireles
Orientador: Profª Drª Lívia Neves Barbosa
Data da defesa: 1/4/2002
42 TÍTULO: A cultura material da nova era e o seu processo
de cotidianização
Autor: Juliana Alves Magaldi
Orientador: Profª Drª Lívia Neves Barbosa
Data da defesa: 20/7/2002
43 TÍTULO: A Festa do Divino Espírito Santo em Pirenópolis,
Goiás: polaridades simbólicas em torno de um rito
Autor: Felipe Berocan Veiga
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 1/7/2002
44 TÍTULO: Privatização e reciprocidade para trabalhadores da
CERJ em Alberto Torres/RJ
Autor: Cátia Inês Salgado de Oliveira
Orientador: Profª Drª Gláucia Oliveira da Silva
Data da defesa: 4/7/2002
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 235-262, 2. sem. 2009
244
45 TÍTULO: Cada louco com a sua mania, cada mania de cura
com a sua loucura
Autor: Patricia Pereira Pavesi
Orientador: Profª Drª Lívia Neves Barbosa
Data da defesa: 7/1/2003
46 TÍTULO: Linguagem de parentesco e identidade social, um
estudo de caso: os moradores de Campo Redondo
Autor: Cátia Regina de Oliveira Motta
Orientador: Profª Drª Gláucia Oliveira da Silva
Data da defesa: 7/1/2003
47 TÍTULO: Vila Mimosa II: A Construção do Novo Conceito
da Zona
Autor: Soraya Silveira Simões
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 20/1/2003
48 TÍTULO: Tão perto, tão longe: etnografia sobre relações
de amizade na favela da Mangueira no Rio de
Janeiro
Autor: Geovana Tabachi Silva
Orientador: Profª Drª Lívia Neves Barbosa
Data da defesa: 20/1/2003
49 TÍTULO: O mercado dos orixás: uma etnografia do
Mercadão de Madureira no Rio de Janeiro
Autor: Carlos Eduardo Martins Costa Medawar
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 20/1/2003
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 235-262, 2. sem. 2009
245
50 TÍTULO: Para além da “porta de entrada”: usos e
representações sobre o consumo da canabis entre
universitários
Autor: Jóvirson José Milagres
Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 10/6/2003
51 TÍTULO: E o verbo (re)fez o homem: estudo do processo
de conversão do alcoólico ativo em alcoólico
passivo
Autor: Angela Maria Garcia
Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 12/6/2003
52 TÍTULO: Le souffle au coeur & damage: quando o mesmo
toca o mesmo em 24 quadros por segundo (Louis
Malle e a temática do incesto)
Autor: Débora Breder Barreto
Orientador: Profª Drª Lygia Baptista Pereira Segala Pauletto
Data da defesa: 24/6/2003
53 TÍTULO: O faccionalismo xavante na terra indígena São
Marcos e a cidade de Barra das Garças
Autor: Paulo Sérgio Delgado
Orientador: Profª Drª Eliane Cantarino O’Dwyer
Data da defesa: 24/6/2003
54 TÍTULO: Cartografia nativa: a representação do território,
pelos guarani kaiowá, para o procedimento
administrativo de verificação da Funai
Autor: Ruth Henrique da Silva
Orientador: Profª Drª Eliane Cantarino O’Dwyer
Data da defesa: 27/6/2003
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 235-262, 2. sem. 2009
246
55 TÍTULO: Nem muito mar, nem muita terra. Nem tanto
negro, nem tanto branco: uma discussão sobre
o processo de construção da identidade da
comunidade remanescente de
Quilombos na Ilha da
Marambaia/RJ
Autor: Fábio Reis Mota
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 27/6/2003
56 TÍTULO: Pendura essa: a complexa etiqueta de reciprocidade
em um botequim do Rio de Janeiro
Autor: Pedro Paulo Thiago de Mello
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 30/6/2003
57 TÍTULO: Justiça desportiva: uma coexistência entre o público
e o privado
Autor: Wanderson Antonio Jardim
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima, Profª Drª Simoni Lahud Guedes (co-orientadora)
Data da defesa: 30/6/2003
58 TÍTULO: O teu cabelo não nega? Um estudo de práticas e
representações sobre o cabelo
Autor: Patrícia Gino Bouzón
Orientador: Prof. Dr. José Sávio Leopoldi
Data da defesa: 5/2/2004
59 TÍTULO: Usos e significados do vestuário
entre adolescentes
Autor: Joana Macintosh
Orientador: Profª Drª Laura Graziela Figueiredo Fernandes Gomes
Data da defesa: 16/2/2004
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 235-262, 2. sem. 2009
247
60 TÍTULO: A cientifização da acupuntura médica no Brasil:
uma perspectiva antropológica
Autor: Durval Dionísio Souza Mota
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima; Profª Drª Simoni Lahud Guedes (co-orientadores)
Data da defesa: 19/2/2004
61 TÍTULO: Das práticas e dos seus saberes:
a construção do “fazer policial” entre as praças da
PMERJ
Autor: Haydée Glória Cruz Caruso
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 19/2/2004
62 TÍTULO: O processo denunciador – retóricas, fobias e
jocosidades na construção social da dengue em
2002
Autor: Anamaria de Souza Fagundes
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 29/3/2004
63 TÍTULO: Rua dos Inválidos, 124 –
a vila é a casa deles
Autor: Marcia Cörner
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 29/3/2004
64 TÍTULO: Santa Tecla, Graça e Laranjal: regras de sucessão
nas casas de estância do Brasil Meridional
Autor: Ana Amélia Cañez Xavier
Orientador: Profª Drª Eliane Catarino O’Dwyer
Data da defesa: 25/5/2004
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 235-262, 2. sem. 2009
248
65 TÍTULO: Desemprego e malabarismos culturais
Autor: Valena Ribeiro Garcia Ramos
Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 31/5/2004
66 TÍTULO: Dimensões da sexualidade na velhice: estudos com
idosos em uma agência gerontológica
Autor: Rosangela dos Santos Bauer
Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 9/6/2004
67 TÍTULO: Lavradores de sonhos: estruturas elementares
do valor cultural na conformação do valor
econômico. um estudo sobre a propriedade capixaba
no município de vitória
Autor: Alexandre Silva Rampazzo
Orientador: Profª Drª Lívia Martins Pinheiro Neves
Data da defesa: 26/7/2004
68 TÍTULO: Responsabilidade social das empresas: quando o
risco e o apoio caminham
lado a lado
Autor: Ricardo Agum Ribeiro
Orientador: Profª Drª Gláucia Oliveira da Silva
Data da defesa: 28/1/2005
69 TÍTULO: A escolha: um estudo antropológico sobre a
escolha do cônjugue
Autor: Paloma Rocha Lima Medina
Orientador: Profª Drª Lívia Martins Pinheiro Neves
Data da defesa: 3/2/2005
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 235-262, 2. sem. 2009
249
70 TÍTULO: Agricultores orgânicos do Rio
da Prata (RJ): luta pela preservação social
Autor: Pedro Fonseca Leal
Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 23/2/2005
71 TÍTULO: Uma comunidade em transformação: modernidade,
organização e conflito
nas escolas de samba
Autor: Fabio Oliveira Pavão
Orientador: Prof. Dr. José Sávio Leopoldi
Data da defesa: 28/2/2005
72 TÍTULO: Esculhamba, mas não esculacha: um relato sobre
uso dos trens da Central do Brasil, no Rio de
Janeiro, enfatizando as práticas e os conflitos
relacionados a comerciantes ambulantes e outros
atores, naquele espaço social
Autor: Lênin dos Santos Pires
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 28/2/2005
73 TÍTULO: O porteiro, o panóptico brasileiro:
as transformações do saber-fazer
e do saber-lidar deste trabalhador
Autor: Roberta de Mello Correa
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 18/3/2005
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 235-262, 2. sem. 2009
250
74 TÍTULO: Tempo, trabalho e modo de vida:
estudo de caso entre profissionais
da enfermagem
Autor: Renata Elisa da Silveira Soares
Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 8/4/2005
75 TÍTULO: Espaço urbano e segurança pública: entre o
público, o privado e o particular
Autor: Vanessa de Amorim Pereira Cortes
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 18/4/2005
76 TÍTULO: Vida após a morte: salvo ou condenado?
Autor: Andréia Vicente da Silva
Orientador: Profª Drª Lívia Martins Pinheiro Neves
Data da defesa: 9/5/2005
77 TÍTULO: Dramas sociais, realidade
e representação:
a família brasileira vista pela
TV
Autor: Shirley Alves Torquato
Orientador: Profª Drª Laura Graziela F. F. Gomes
Data da defesa: 11/5/2005
78 TÍTULO: Consumidor consciente, cidadão negligente?
Autor: Michel Magno de Vasconcelos
Orientador: Profª Drª Laura Graziela F. F. Gomes
Data da defesa: 18/5/2005
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 235-262, 2. sem. 2009
251
79 TÍTULO: Paixão pela política e política
dos Paixão: família e capital político em um
município fluminense
Autor: Carla Bianca Vieira de Castro Figueiredo
Orientador: Prof. Dr. Marcos Otávio Bezerra
Data da defesa: 6/3/2006
80 TÍTULO: Quando a lagoa vira pasto:
um estudo sobre as diferentes formas
de apropriação e concepção
dos espaços marginais da Lagoa
Feia–RJ
Autor: Carlos Abraão Moura Valpassos
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 6/3/2006
81 TÍTULO: O dono da rota:
etnografia de um vendedor
no centro urbano do
Rio de Janeiro
Autor: Flavio Conceição da Silveira
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 6/3/2006
82 TÍTULO: Os caminhos da Maré:
a turma 302 do CIEP Samora Machel
e a organização social do espaço
Autor: Lucia Maria Cardoso de Souza
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 7/3/2006
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 235-262, 2. sem. 2009
252
83 TÍTULO: Os ciganos de calon do Catumbi:
ofício, etnografia e memória urbana
Autor: Mirian Alves de Souza
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 9/3/2006
84 TÍTULO: Disque-denúncia: a arma do cidadão. Processos
de construção da verdade
Central
Disque-denúncia do Rio de Janeiro
a partir da experiência da
Autor: Luciane Patrício Braga de Moraes
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 9/3/2006
85 TÍTULO: Quando o peixe morre pela boca:
Os “casos de polícia” na Justiça Federal Argentina
na cidade de Buenos Aires
Autor: Lucía Eilbaum
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 10/3/2006
86 TÍTULO: A dádiva no mundo contemporâneo:
um estudo do dom monádico
Autor: Fabiano Nascimento
Orientador: Profa Dra Lívia Martins Pinheiro Neves
Data da defesa: 10/3/2006
87 TÍTULO: A fumaça da discórdia: da regulação
do consumo e o consumo de cigarros
Autor: Patrícia da Rocha Gonçalves
Orientador: Profa Dra Lívia Martins Pinheiro Neves
Data da defesa: 10/3/2006
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 235-262, 2. sem. 2009
253
88 TÍTULO: Família, redes de sociabilidade
e casa própria: um estudo etnográfico
em uma cooperativa habitacional em
São Gonçalo, RJ
Autor: Michelle da Silva Lima
Orientador: Profa Dra Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 10/3/2006
89 TÍTULO: Identidade, conhecimento e poder
na comunidade muçulmana
do
Rio de Janeiro
Autor: Gisele Fonseca Chagas
Orientador: Prof. Dr. Paulo Gabriel Hilu Pinto da Rocha
Data da defesa: 10/3/2006
90 TÍTULO: Comércio ambulante na cidade
do Rio de Janeiro: a apropriação
do espaço público
Autor: Marcelo Custódio da Silva
Orientador: Prof. Dr. José Sávio Leopoldi
Data da defesa: 10/3/2006
91 TÍTULO:Revitalização urbana em Niterói:
uma visão antropológica
Autor: André Amud Botelho
Orientador: Profª Drª Laura Graziela F. F. Gomes
Data de defesa: 31/3/2006
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 235-262, 2. sem. 2009
254
92 TÍTULO: Educandos e os educadores:
Imagens Refletidas. Estudo
do processo de constituição
de categoria ocupacional
Autor: Arlete Inácio dos Santos
Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves
Data de defesa: 28/4/2006
93 TÍTULO: Sobre a disciplina no futebol brasileiro –
uma abordagem pela Justiça Desportiva Brasileira
Autor: André Gil Ribeiro de Andrade
Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes
Data de defesa: 25/5/2006
94 TÍTULO: Polícia para quem precisa: um estudo sobre tutela
e repressão do GPAE no Morro do Cavalão
(Niterói)
Autor: Sabrina Souza da Silva
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data de defesa: 30/6/2006
95 TÍTULO: Mobilidade espacial e campesinato:
gestão de alternativas escassas
Autor: Gil Almeida Félix
Orientadora: Profa Dra Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 30/6/2006
96 TÍTULO: A igreja ortodoxa antioquina na cidade do Rio
de Janeiro: construção e manutenção de uma
identidade religiosa diaspórica no campo religioso
brasileiro
Autor: Houda Blum Bakour
Orientador: Prof. Dr. Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto
Data da defesa: 27/2/2007
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 235-262, 2. sem. 2009
255
97 TÍTULO: O programa justiça terapêutica da vara de
execuções penais do Rio de Janeiro
Autor: Frederico Policarpo de Mendonça Filho
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 27/2/2007
98 TÍTULO: Etnicidade, processo de territorialização e ritual
entre os tuxá de rodelas
Autor: Ricardo Dantas Borges Salomão
Orientador: Profª Drª Eliane Cantarino O´Dwyer
Data da defesa: 28/2/2007
99 TÍTULO: Tempo(s) ecológico(s): um relato das tensões entre
pescadores artesanais e ibama acerca do calendário
de pesca na lagoa feia
– RJ
Autor: José Colaço Dias Neto
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 6/3/2007
100 TÍTULO:Atafona: formas de sociabilidade em um balneário
na região norte-fluminense
Autor: Juliana Blasi Cunha
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 6/3/2007
101 TÍTULO:Com que roupa eu vou? códigos que orientam as
escolhas do vestuário feminino na classe média do
Rio de Janeiro
Autor: Solange Riva Mezabarba
Orientador: Profª Drª Lívia Martins Pinheiro Neves
Data da defesa: 9/3/2007
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 235-262, 2. sem. 2009
256
102 TÍTULO:Notting hill: notas etnográficas sobre
um british carnival
Autor: Iara Gomes de Bulhões
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 6/6/2007
103 TÍTULO:Maranhão sou eu: tambor de mina e construção
identitária – o caso do terreiro cazuá de mironga,
em serpédica – rj
Autor: Wilmara Aparecida Silva Figueiredo
Orientador: Profa Dra Eliane Cantarino O’Dwyer
Data da defesa: 31/8/2007
104 TÍTULO:A praia de copacabana:
uma reflexão sobre algumas das estratégias de
construção e manutenção da imagem de um espaço
de consumo e lazer da cidade do rio de janeiro
Autor: Flávia Ferreira Fernandes
Orientador: Profa Dra Laura Graziela Figueiredo Fernandes Gomes
Data da defesa: 31/8/2007
105 TÍTULO:Ciranda e prestação de serviços: os coros
cirandeiros em busca da profissionalização
Autor: Lysia Reis Condé
Orientador: Profa Dra Delma Pessanha Neves
ata da defesa: 10/9/2007
106 TÍTULO:Família e redes de parentesco em uma política da
velhice: análise de um programa governamental de
gestão do envelhecimento
Autor: Felipe Domingues dos Santos
Orientador: Profa Dra Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 31/1/2008
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 235-262, 2. sem. 2009
257
107 TÍTULO:Sobre o modo de justificação dos ascensos e
descensos nos organismos governamentais dos
dirigentes do partido justicialista (p.j.) de
Salta,
Argentina, nos anos 1995-2005 (narrativas de
obediência e lealdade)
Autor: Maria Fernanda Maidana
Orientador: Prof. Dr. Marcos Otávio Bezerra
Data da defesa: 6/3/2008
108 TÍTULO:Diga espelho meu, se há na avenida alguém mais
feliz que eu! estudo sobre identidatidade e memória
da g.r.e.s união da ilha do governador
Autor: Paulo Cordeiro de Oliveira Neto
Orientador: Prof. Dr. José Sávio Leopoldi
Data da defesa: 11/3/2008
109 TÍTULO:Entre barracões e módulos de pesca:
pescaria e meio ambiente na regulação do uso de
espaços públicos na barra do jucu
Autor: Marcio de Paula Filgueiras
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 24/3/2008
110 TÍTULO:Processos de construção e comunicação das
identidades negras e africanas na comunidade
muçulmana sunita do rio de janeiro
Autor: Cláudio Cavalcante Júnior
Orientador: Prof. Dr. Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto
Data da defesa: 10/4/2008
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 235-262, 2. sem. 2009
258
111 TÍTULO:Explicadoras na nova holanda:
um processo informal de escolarização
Autor: Beatriz Arosa de Mattos
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 25/4/2008
112 TÍTULO:Na “pegação”: encontros homoeróticos
masculinos em juiz de fora
Autor: Verlan Valle Gaspar Neto
Orientador: Prof. Dr. Ovídio Abreu Filho
Data da defesa: 25/4/2008
113 TÍTULO:Feijoada completa: reflexões sobre a administração
institucional e dilemas nas delegacias de polícia da
cidade do rio de janeiro
Autor: Érika Giuliane Andrade Souza
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 30/4/2008
114 TÍTULO:Gosto não se discute: atores, práticas, mecanismos
e discursos envolvidos na construção social do
gosto alimentar infantil entre crianças de
0 a 10
anos
Autor: Bonnie Moraes Manhãs de Azevedo
Orientador: Profa Dra Laura Graziela F.F. Gomes
Data da defesa: 4/8/2008
115 TÍTULO:A viagem da gente de transformação: uma
exploração do universo semântico da noção de
transformação em narrativas míticas do noroeste
amazônico
Autor: Felipe Agostine Cerqueira
Orientador: Profa Dra Tânia Stolze Lima
Data da defesa: 29/8/2008
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 235-262, 2. sem. 2009
259
116 TÍTULO:De volta para casa: a vida nas residências
terapêuticas e o trabalho dos cuidadores, em
barbacena – mg
Autor: Rafael Pereira
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 2/9/2008
117 TÍTULO:Vitória sobre a morte: a glória prometida
o “rito de passagem” na construção da identidade
das operações especiais
Autor: Paulo Roberto Storani Botelho
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 5/9/2008
118 TÍTULO:Os trabalhadores da política: uma corrente do pt
de niterói
Autor: Bruner Titonelli Nunes
Orientador: Prof. Dr. Marcos Otávio Bezerra
Data da defesa: 25/9/2008
119 TÍTULO:A busca pela união: estudo sobre o modo de
atuação de uma liderança comunitária
Autor: Leandro Mascarenhas Matosinhos
Orientador: Prof. Dr. Marcos Otávio Bezerra
Data da defesa: 26/9/2008
120 TÍTULO:A gente faz de tudo um pouco: um estudo de
construção social de trabalhadores nas relações
familiares e de vizinhança
Autor: Julia Mitiko Sakamoto
Orientador: Profa Dra Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 30/9/2008
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 235-262, 2. sem. 2009
260
121 TÍTULO:Um olhar sobre a cena do graffiti no Rio de
Janeiro
Autor: Ana Lúcia Peres Leal
Orientador: Marcos Otávio Bezerra
Data da defesa: 12/03/2009
122 TÍTULO:De sol a sol, em luta por um lugar ao sol: a
guarda municipal e os ritos, conflitos e estratégias
do espaço público carioca.
Autor: Marcos Alexandre Verríssimo da Silva
Orientador: Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 23/03/2009
123 TÍTULO:Analfabetismo: problema social e desonra pessoal?
Autor: Tatiana Arnaud Coutinho Cipiniuk
Orientador: Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 24/04/2009
124 TÍTULO:“Politicagem” e dependências políticas: controle,
trocas e negociações
Autor: Monique Florêncio de Aguiar
Orientador: Jair de Souza Ramos
Data da defesa: 29/04/2009
125 TÍTULO:A construção social de trabalhadores através da
educação profissional: tentando “ser alguém na
vida”
Autor: Izabella Lacerda Pimenta
Orientador: Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 30/04/2009
126 TÍTULO:Do encanto ao desencanto: mudanças na
percepção do projeto do Comperj pela vizinhança
do empreendimento
Autor: Pedro da Silva Santos
Orientador: Marcos Otávio Bezerra
Data da defesa: 27/05/2009
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 235-262, 2. sem. 2009
261
127 TÍTULO:Entre a caserna e a rua: o dilema do “pato”: uma
análise antropológica da instituição policial militar a
partir da
Academia de Polícia Militar Dom João vi
Autor: Juliana Lima Ribeiro
Orientador: Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 12/08/2009
128 TÍTULO:O olhar indígena: ativismo étnico e produção
audiovisual em Campo Grande
Autor: Marta Castilho da Silva
Orientador: Sidnei Clemente Peres
Data da defesa: 24/08/2009
129 TÍTULO:Se meu carro falasse... Ele teria muito a dizer! Um
estudo do carro, seus usos e representações no
trânsito da cidade do Rio de Janeiro
Autor: Marisa Dreys da Silva Xavier
Orientadora: Laura Graziela F. F Gomes
Data da defesa: 25/08/2009
130 Título: Outro jornal, outras notícias: uma contribuição
à análise antropológica da produção
telejornalística.
Autor: Kássio Pinto da Motta
Orientador: Julio César de Souza Tavares
Data da defesa: 26/08/2009
131 TÍTULO:Novela brasileira – um estudo sobre o lugar e a
representação do trabalho
Autor: Marisa Silva Rodriguez
Orientadora: Laura Graziela F. F Gomes
Data da defesa: 27/08/2009
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 235-262, 2. sem. 2009
262
132 TÍTULO:OS animais são muito mais que algo somente bom
para comer
Autor: Rafael Fernandes Mendes Junior
Orientadora: Tania Stolze Lima
Data da defesa: 28/08/2009
133 TÍTULO:Preventório 21:
um estudo de caso sobre as
apropriações e usos sociais de um projeto local de
desenvolvimento sustentável”
Autor: Érica da Cruz Barbosa
Orientador: Marcos Otávio Bezerra
Data da defesa: 22/09/2009
134 TÍTULO:Se o privado vira público: uma análise dos
tratamentos de caso de “violência doméstica contra
a mulher” no município de São Gonçalo (RJ)
Autor: Maria de Paula Godoy Garcia
Orientador: Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 03/11/2009
135 TÍTULO:Marcel Gautherot e Édison Carneiro: a imagem
fixa e a dinâmica do folclore – estudo a partir
do acervo do Centro Nacional de Folclore e
Cultura Popular
Autor: Juliana Lima Ribeiro
Orientadora: Lygia Baptista Pereira Segala Pauleto Beraba
Data da defesa: 23/11/2009
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 235-262, 2. sem. 2009
263
RELAÇÃO DE TESES DEFENDIDAS
NO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM ANTROPOLOGIA
1 TÍTULO: A mulher-sujeito:subjetividade,
consumo e trabalho
Autor: Cesar Ramos Barreto
Orientador: Prof. Dr. José Sávio Leopoldi
Data da defesa: 29/9/2007
2 TÍTULO: O ritual judiciário do tribunal do júri
Autor: Luiz Eduardo de Vasconcellos Figueira
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 9/3/2007
3 TÍTULO: Igualdade e hierarquia no espaço público:
análise de processos de administração
institucional de conflitos no município de
niterói
Autor: Kátia Sento Sé Mello
Orientador: Prof.Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 29/3/2007
4 TÍTULO: O direito ao lugar: situações processuais
de conflito na reconfiguração social e
territorial no município de itacaré
– BA
Autor: Patrícia de Araújo Brandão Couto
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 30/3/2007
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 263-267, 2. sem. 2009
264
5 TÍTULO: A adolescência na medicina:
um olhar antropológico
Autor: Fernando César Coelho da Costa
Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 20/4/2007
6 TÍTULO: Das reportagens policiais às coberturas
de segurança pública: representações da
‘violência urbana’ em um jornal do rio de
janeiro
Autor: Edílson Márcio Almeida da Silva
Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 25/4/2007
7 TÍTULO: Sobre culpados e inocentes: o processo de
criminação e incriminação pelo ministério
público federal brasileiro
Autor: Gláucia Maria Pontes Mouzinho
Orientador: Prof. Dr. Marcos Otávio Bezerra
Data da defesa: 28/9/2007
8 TÍTULO: Cruzada de são sebastião no leblon: uma
etnografia da moradia e do cotidiano dos
habitantes de um conjunto habitacional na
zona sul do rio de janeiro
Autor: Soraya Silveira Simões
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 26/2/2008
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 263-267, 2. sem. 2009
265
9 TÍTULO: Campo intelectual e gestão da economia do
babaçu: dos estudos científicos às práticas
tradicionais das quebradeiras de coco babaçu
Autor: Cynthia Carvalho Martins
Orientador: Profa Dra Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 28/2/2008
10 TÍTULO: Maneiras de beber: sociabilidades e alteridades
Autor: Ângela Maria Garcia
Orientador: Profa Dra Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 28/2/2008
11 TÍTULO: O melhor de niterói é a vista do rio.
políticas culturais e intervenções urbanas:
mac e caminho niemeyer
Autor: Margareth da Luz Coelho
Orientador: Profa Dra Laura Graziela Figueiredo Fernandes Gomes
Data da defesa: 7/3/2008
12 TÍTULO: Do mito ao... cinema: a incestuosa
gemeidade. um close sobre a figura dos
gêmeos nas narrativas contemporâneas
Autor: Débora Breder Barreto
Orientador: Profa Dra Lygia Baptista Pereira
Data da defesa: 13/3/2008
13 TÍTULO: Entre a estrutura e a performance: ritual de
iniciação e faccionalismo entre os xavantes
da terra indígena são marcos
Autor: Paulo Sérgio Delgado
Orientador: Profa Dra Eliane Cantarino O’Dwyer
Data da defesa: 31/3/2008
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 263-267, 2. sem. 2009
266
14 TÍTULO: A semântica do intangível. considerações
sobre o registro do ofício de paneleira
do espírito santo: ritual de iniciação e
faccionalismo entre os xavantes da terra
indígena são marcos
Autor: Lucieni de Menezes Simão
Orientador: Profa Dra Lygia Baptista Pereira Segala
Data da defesa: 30/4/2008
15 TÍTULO: Identidade(s) e nacionalismo em cabo verde
Autor: João Silvestre Tavares Alvarenga Varela
Orientador: Profa Dra Eliane Cantarino O’Dwyer
Data da defesa: 25/4/2008
16 TÍTULO: Legados e alteridades culturais: migrantes
nordestinos no
Rio de Janeiro
Autor: Fernando Cordeiro Barbosa
Orientador: Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 29/01/2009
17 TÍTULO: Por trás da notícia: um olhar etnográfico sobre os
ritos de interação numa redação de jornal
Autor: Pedro Paulo Tiago de Mello
Orientador: Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 29/01/2009
18 TÍTULO: Produções de (des)crenças na atuação
do estado: etnografia em espaços de disputa entre
moradores da periferia de
Porto Alegre e agentes de
estado
Autor: Heloísa Helena Salvatti Paim
Orientador: Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 13/02/2009
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 263-267, 2. sem. 2009
267
19 TÍTULO: Brasileiros, bolivianos ou indígenas?:
construções identitárias dos
Camba no Brasil
Autor: Ruth Enrique da Silva
Orientador: Eliane Cantarino O’Dwyer
Data da defesa: 19/02/2009
20 TÍTULO: Cidadãos em toda parte ou cidadãos à
parte?: demandas de direitos e reconhecimento no Brasil
e na
França
Autor: Fabio Reis Mota
Orientador: Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 20/02/2009
21 TÍTULO: A eficácia da acupuntura: uma abordagem cultural
para além da técnica
Autor: Durval Dionísio Souza Mota
Orientador: Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 04/03/2009
22 TÍTULO: Entre ruas, becos e esquinas: por uma
antropologia dos processos de construção da ordem na
lapa carioca
Autor: Haydée Glória cruz Caruso
Orientador: Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 30/04/2009
23 TÍTULO: Colonização dirigida nas terras do sem fim:
formas contraditórias de gestão estatal e parceleiros em
descompasso legal.
Autor: Pedro Fonseca Leal
Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 21/12/2009
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 263-267, 2. sem. 2009
269
PROGRAMA DA IV JORNADA
SEGUNDA-FEIRA 30/11/2009
17h às 18h - Auditório ICHF
Mesa de Abertura
Participantes:
Antonio Claudio Lucas da Nóbrega (Pró-Reitor PROPPi)
Francisco de Assis Palharini (Diretor ICHF)
Simoni Lahud Guedes (Coordenadora do PPGA)
Coordenação: Marcelo Jermann
18 às 20h -Auditório ICHF
Celebração 15 anos do PPGA - Debutando Experiências e Trajetórias
Participantes:
Simoni Lahud Guedes
Delma Pessanha Neves
Roberto Kant de Lima
Eliane Cantarino
Marco Antônio da Silva Mello
Antonio Rafael Barbosa
Edilson Márcio da Silva
Coordenação: Martin Curi
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 269-273, 2. sem. 2009
270
TERÇA-FEIRA - 1 /12/2009
9 às 12h
GT1 - Lazer, sociabilidades e apropriações do espaço (dia 01/12/2009
às 09:00 sala 516 bl. ‘O’)
Elaine Rodrigues Perdigão – “Nas cordas da viola: a migração nordestina nos versos do repente.”
Felipe Berocan Veiga - “O Ambiente Exige Respeito”: o lugar das gafieiras na genealogia dos espaços destinados à dança de salão carioca
Rodrigo Coutinho Andrade - As diferentes formas de apropriação do
carnaval na cidade do Rio de Janeiro no processo de modernização
(1850 – 1920)
Debatdor: Diego Araoz (IFCS-UFRJ)
Coordenação: Izabella Lacerda
13:30 às 16h
GT2 – Religião e Simbolismo na Contemporaneidade (dia 01/12/2009
às 13:30 sala 516 bl. ‘O’)
Mauro Pereira Junior - O Raelianismo e sua cosmologia: ciência e religião em novos modos de pensamento
Daniel Martinez de Oliveira - Experiência e Autenticidade no Santo
Daime
Mariana Emiliano Simões - Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Arturos- Notas sobre o processo de pesquisa
Mariana Pettersen Soares - Qual o papel do ritual dos “Encomendadores de Almas” nos dias de hoje?
Debatedor: Renata Menezes (MN)
Coordenação: Bruno Brulon
16:30 às 18:30h - Auditório ICHF
MESA 1: Dilemas Metodológicos: Novas fontes de pesquisas e dificuldades de acesso ao campo
Participantes :
María Elvira Díaz-Benítez(MN)
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 269-273, 2. sem. 2009
271
Antonio Rafael Barbosa (UFF)
Sandra Sá Carneiro (UERJ)
Coordenação: Daniel Martinez
QUARTA-FEIRA - 02/12/2009
9 às 12h
GT3 - Variações do Fazer Antropológico (dia 02/12/2009 às 09:00 sala
516 bl. ‘O’)
Letícia Luna Freire – O que uma Visita Guiada pelo ‘Nativo’ Pode Revelar ao Etnógrafo
Hilaine Yaccoub - A Autoridade Etnográfica em Questão: os usos da
etnografia nas pesquisas de marketing
Verlan Valle Gaspar Neto – Antropologia Biológica no Brasil hoje: esboço para um possível retrato
Debatedor: Fernando Rabossi (IFCS-UFRJ)
Coordenação: Pedro Pio
13:30 às 16h
GT4 - Ressignificações do Urbano (dia 02/12/2009 às 13:30 sala 516
bl. ‘O’)
Paola Figueiredo dos Santos Souza - Encontros e despedidas dos catadores do Lixão de Itaoca
Lidia Canellas - Mercado Popular da Uruguaiana: uma etnografia
acerca do “m² mais caro” do Centro do Município do Rio de Janeiro
Pedro Guilherme M. Freire - Um estudo etnográfico do processo de
“revitalização” urbana na área portuária da cidade do Rio de Janeiro
Debatedor: André Videira (UFRRJ)
Coordenação: Hilaine Yaccoub
16:30 às 18:30h
GT5 - Identidades e Representações (dia 02/12/2009 às 16:30 sala 516
bl. ‘O’)
Juliano Gonçalves da Silva – Filmes Indígenas Latino-Americanos: um
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 269-273, 2. sem. 2009
272
paradigma em construção?
Izabella Lacerda Pimenta – Trabalho e educação profissional: experiências e discursos sobre o que é ser técnico
Frederico Policarpo de Mendonça Filho -“Ser Afetado” pelos Discursos
Acerca das Drogas e o “limite moral” dos consumidores: apontamentos sobre a continuidade e descontinuidade no consumo de drogas
Bruno C. Brulon Soares - Uma Visita ao Museu do ‘Outro’: texto, palco ou campo de batalha?
Alana Cristina Gomes da Silva - O Reflexo do Eu no Espelho Coletivo:
identificação e discurso nos grupos de narcóticos anônimos
Shirley Alves Torquato - Entre o Prazer e o Drama: consumo e distinção social na Nova classe média
Debatedor: Adriana Vianna (MN)
Coordenação: Lidia Canellas
QUINTA-FEIRA 03/12/2009
9 às 12h
GT6 - Conflitos sob uma perspectiva antropológica (dia 03/12/2009 às
09:00 sala 516 bl. ‘O’)
José Colaço Dias Neto - “Pescador que é Pescador Enfrenta até o IBAMA!”: reflexões sobre racionalidade e ética ambiental
Iara Gomes de Bulhões -Parque Estadual da Serra da Tiririca Um
Parque Ecológico Urbano e Povoado
Elisa Cotta de Araujo - Vazanteiros e quilombolas do Rio São Francisco: a emersão de identidades no contexto de conflitos ambientais
Monique Florencio de Aguiar - Escolhas Políticas e Moralidades
Debatedor: Maria Pita (UBA)
Coordenação: Marta Fernandez
13:30 às 16h
GT7 - Antropologia do Esporte no país da Copa 2014 (dia 03/12/2009
às 13:30 sala 516 bl. ‘O’)
André Gil - Futebol: Arte, Força ou Resultados? – Sondagens sobre os
limites das dicotomias “indivíduo x sociedade/natureza x cultura”
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 269-273, 2. sem. 2009
273
Pedro Pio Azevedo de Oliveira Filho – Futebol e Representações Sobre
Masculinidade: um estudo de caso
Martin Curi - O estádio Engenhão no Rio de Janeiro: espaço dos torcedores?
Debatedor: Arlei Damo (UFRGS)
Coordenação: Izabella Lacerda
16:30 às 18:30h - Auditório ICHF
Mesa 2: Ética e Antropologia - suas relações
Participantes:
Luis Rojo (UFF)
Eliante Cantarino (UFF)
Julio Tavares (UFF)
Brigida Reinoldi (Pesquisadora Consejo Nacional de Investigaciones
Científicas y Técnicas /Universidad Nacional de Misiones (Argentina) e
Pesquisadora associada al NECVU/IFCS/UFRJ)
Coordenação: Juliano Silva
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 269-273, 2. sem. 2009
274
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 269-273, 2. sem. 2009
Revista Antropolítica
ARTIGOS PUBLICADOS
277
Revista no 1– 2o semestre de 1996
Artigos
Brasil: nações imaginadas
José Murilo de Carvalho
Brasileiros e argentinos em Kibbutz: a diferença continua
Sonia Bloomfield Ramagem
Mudança social: exorcizando fantasmas
Delma Pessanha Neves
Ostras e pastas de papel: meio ambiente e a mão invisível do mercado
José Drummond
Conferências
Algumas considerações sobre o estado atual da antropologia no Brasil
Otávio Velho
That deadly pyhrronic poison a tradição cética e seu legado para a teoria
política moderna
Renato Lessa
Resenha
Uma antropologia no plural: três experiências contemporâneas.
Marisa G. Peirano
Laura Graziela F. F. Gomes
Revista no 2 – 1o semestre de 1997
Artigos
Entre a escravidão e o trabalho livre: um estudo comparado de Brasil
e Cuba no século XIX
Maria Lúcia Lamounier
O arco do universo moral
Joshua Cohen
A posse de Goulart: emergência da esquerda e solução de
compromisso
Alberto Carlos de Almeida
In córpore sano: os militares e a introdução da educação física no Brasil
Celso Castro
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 277-296, 2. sem. 2009
278
Neoliberalismo, racionalidade e subjetividade coletiva
José Maurício Domingues
Do “retorno do sagrado” às “religiões de resultado”: para uma
caracterização das seitas neopentecostais
Muniz Gonçalves Ferreira
Resenhas
As noites das grandes fogueiras – uma história da coluna Prestes
José Augusto Drummond
Os sertões: da campanha de Canudos, Euclides da Cunha; O sertão
prometido: massacre de Canudos no nordeste brasileiro
Terezinha Maria Scher Pereira
Revista no 3 – 2o semestre de 1997
Artigos
Cultura, educação popular e escola pública
Alba Zaluar e Maria Cristina Leal
A política estratégica de integração econômica nas Américas
Gamaliel Perruci
O direito do trabalho e a proteção dos fracos
Miguel Pedro Cardoso
Elites profissionais: produzindo a escassez no mercado
Marli Diniz
A “Casa do Islã”: igualitarismo e holismo nas sociedades muçulmanas
Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto
Quando o amor vira ficção
Wilson Poliero
Resenha
Nós, cidadãos, aprendendo e ensinando a democracia: a narrativa de
uma experiência de pesquisa
Angela Maria Fernandes Moreira-Leite
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 277-296, 2. sem. 2009
279
Revista no 4 – 1o semestre de 1998
Artigos
Comunicação de massa, cultura e poder
José Carlos Rodrigues
A sociologia diante da globalização: possibilidades e perspectivas da
sociologia da empresa
Ana Maria Kirschner
Tempo e conflito: um esboço das relações entre as cronosofias de
Maquiavel e Aristóteles
Raul Francisco Magalhães
O embate das interpretações: o conflito de 1858 e a lei de terras
Márcia Maria Menendes Motta
Os terapeutas alternativos nos anos 90: uma nova profissão?
Fátima Regina Gomes Tavares
Resenha
Auto-subversão
Gisálio Cerqueira Filho
Revista no 5 – 2o semestre de 1998
Artigos
Jornalistas: de românticos a profissionais
Alzira Alves de Abreu
Mudanças recentes no campo religioso brasileiro
Cecília Loreto Mariz e Maria das Dores Campos Machado
Pesquisa antropológica e comunicação intercultural: novas discussões
sobre antigos problemas.
José Sávio Leopoldi
Três pressupostos da facticidade dos problemas públicos ambientais
Marcelo Pereira de Mello
Duas visões acerca da obediência política: racionalidade e
conservadorismo
Maria Celina D’Araújo
Revista no 6 – 1o semestre de 1999
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 277-296, 2. sem. 2009
280
Artigos
Palimpsestos estéticos y espacios urbanos: de la razón práctica a la
razón sensible
Jairo Montoya Gómez
Trajetórias e vulnerabilidade masculina
Ceres Víctora e Daniela Riva Knauth
O sujeito da “psiquiatria biológica” e a concepção moderna de pessoa
Jane Araújo Russo, Marta F. Henning
Os guardiães da história: a utilização da história na construção de
uma identidade batista brasileira
Fernando Costa
A escritura das relações sociais: o valor cultural dos “documentos”
para os trabalhadores
Simoni Lahud Guedes
A Interdisciplinaridade e suas (im)pertinências
Marcos Marques de Oliveira
Revista no 7 – 2o semestre de 1999
Artigos
Le geste pragmatique de la sociologie française. Autour des travaux
de Luc Boltanski et Laurent Thévenot
Marc Breviglieri e Joan Stavo-Debauge
Economia e política na historiografia brasileira
Sonia Regina de Mendonça
Os paradoxos das políticas de sustentabilidade
Luciana F. Florit
Risco tecnológico e tradição: notas para uma antropologia do
sofrimento
Glaucia Oliveira da Silva
Trabalho agrícola: gênero e saúde
Delma Pessanha Neves
Revista no 8 – 1o semestre de 2000
Artigos
Prolegômenos sobre a violência, a polícia e o Estado na era da
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 277-296, 2. sem. 2009
281
globalização
Daniel dos Santos
Gabriel Tarde: Le monde comme féerie
Isaac Joseph
Estratégias coletivas e lógicas de construção das organizações de
agricultores no Nordeste
Eric Sabourin
Cartórios: onde a tradição tem registro público
Ana Paula Mendes de Miranda
Do pequi à soja: expansão da agricultura e incorporação do Brasil
central
Antônio José Escobar Brussi
Resenha
Terra sob água – sociedade e natureza nas várzeas amazônicas
José Augusto Drummond
Revista no 9 – 2o semestre de 2000
Artigos
Desenvolvimento económico, cultural e complexidade
Adelino Torres
The field training project: a pioneer experiment in field work
methods: Everett C. Hughes, Buford H. Junker and Raymond Gold’s
re-invention of Chicago field studies in the 1950’s
Daniel Cefaï
Cristianismos amazônicos e liberdade religiosa: uma abordagem
histórico-antropológica
Raymundo Heraldo Maués
Poder de policía, costumbres locales y derechos humanos en Buenos
Aires de los 90
Sofía Tiscornia
A visão da mulher no imaginário pentecostal
Marion Aubrée
Resenha
Reflexões antropológicas em tópicos filosóficos
Eliane Cantarino O’Dwyer
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 277-296, 2. sem. 2009
282
Revista no 10/11 – 1o/2o semestres de 2001
Artigos
Profissionalismo e mediação da ação policial
Dominique Monjardet
The plaintiff – a sense of injustice
Laura Nader
Religião e política: evangélicos na disputa eleitoral do Rio de Janeiro
Maria das Dores Campos Machado
Um modelo para morrer: última etapa na construção social
contemporânea da pessoa?
Rachel Aisengart Menezes
Torcidas jovens: entre a festa e a briga
Rosana da Câmara Teixeira
O debate sobre desenvolvimento entre o Brasil e os EUA na década
de cinqüenta
W. Michael Weis
El individuo fragmentado y su experiencia del tiempo
Carlos Rafael Rea Rodríguez
Igreja do Rosário: espaço de negros no Rio Colonial
Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros
In nomine pater: a ciência política e o teatro intimista de A. Strindberg
Gisálio Cerqueira Filho
Terra: dádiva divina e herança dos ancestrais
Osvaldo Martins de Oliveira
Resenha
Estado e reestruturação produtiva
Maria Alice Nunes Costa
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 277-296, 2. sem. 2009
283
Revista no 12/13 – 1o/2o semestres de 2002
Artigos
Transição democrática e forças armadas na América Latina
Maria Celina D’Araújo
Mercado, coesão social e cidadania
Flávio Saliba Cunha
Cultura local y la globalización del beber. De las taberneras en
Juchitan, Oaxaca (México)
Sergio Lerin Piñón
Romaria e missão: movimentos sociorreligiosos no sul do Pará
Maria Antonieta da Costa Vieira
“O estrangeiro” em “campo”: atritos e deslocamentos no trabalho
antropológico
Patrice Schuch
A transmissão patrimonial em favelas
Alexandre de Vasconcelos Weber
A sociabilidade dos trabalhadores da fruticultura irrigada do platô de
Neópolis/SE
Dalva Maria da Mota
A beleza traída: percepção da usina nuclear pela população de Angra
dos Reis
Rosane M. Prado
Povos indígenas e ambientalismo – as demandas ecológicas de índios
do rio Solimões
Deborah de Magalhães Lima
Raízes antropológicas da filosofia de Montesquieu
José Sávio Leopoldi
Resenhas
A invenção de uma qualidade ou os índios que se inventa(ra)m
Mercia Rejane Rangel Batista
China’s peasants: the anthropology of a revolution
João Roberto Correia e José Gabriel Silveira Corrêa
Revista no 14 – 1o semestre de 2003
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 277-296, 2. sem. 2009
284
Dossiê
Esporte e modernidade
Apresentação: Simoni Lahud Guedes
Em torno da dialética entre igualdade e hierarquia: notas sobre as
imagens e representações dos Jogos Olímpicos e do futebol no Brasil
Roberto DaMatta
Transforming Argentina: sport, modernity and national building in
the periphery
Eduardo P. Archetti
Futebol e mídia: a retórica televisiva e suas implicações na identidade
nacional, de gênero e religiosa
Carmem Sílvia Moraes Rial
Artigos
As concertações sociais na Europa dos anos 90: possibilidades e
limites
Jorge Ruben Biton Tapia
A (re)construção de identidade e tradições: o rural como tema e
cenário
José Marcos Froehlich
A pílula azul: uma análise de representações sobre masculinidade em
face do viagra
Rogério Lopes Azize e Emanuelle Silva Araújo
Homenagem
René Armand Dreifuss
por Eurico de Lima Figueiredo
Revista no 15 – 2o semestre de 2003
Dossiê
Maneiras de beber: proscrições sociais
Apresentação: Delma Pessanha Neves
Entre práticas simbólicas e recursos terapêuticos: as problemáticas de um
itinerário de pesquisa
Sylvie Fainzang
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 277-296, 2. sem. 2009
285
Alcoólicos anônimos: conversão e abstinência terapêutica
Angela Maria Garcia
“Embriagados no Espírito Santo”: reflexões sobre a experiência
pentecostal e o alcoolismo
Cecília L. Mariz
Artigos
Visões de mundo e projetos de trabalhadores qualificados de nível
médio em seu diálogo com a modernidade tardia
Suzana Burnier
O povo, a cidade e sua festa: a invenção da festa junina no espaço
urbano
Elizabeth Christina de Andrade Lima
Antropologia e clínica – o tratamento da diferença
Jaqueline Teresinha Ferreira
Mares e marés: o masculino e o feminino no cultivo do mar
Maria Ignez S. Paulilo
Resenhas
Antropologia e comunicação: princípios radicais
José Sávio Leopoldi
Politizar as novas tecnologias: o impacto sócio-técnico da informação
digital e genética
Fátima Portilho
Criminologia e subjetividade no Brasil
Wilson Couto Borges
Revista no 16 – 1o semestre de 2004
Homenagem
Luiz de Castro Faria: o professor emérito
por Felipe Berocan da Veiga
Dossiê
Políticas públicas, direito(s) e justiça(s) – perspectivas comparativas
Apresentação: Roberto Kant de Lima
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 277-296, 2. sem. 2009
286
Drogas, globalização e direitos humanos
Daniel dos Santos
Detenciones policiales y muertes administrativas
Sofía Tiscornia
Os ilegalismos privilegiados
Fernando Acosta
Artigos
Estado e empresários na América Latina (1980-2000)
Álvaro Bianchi
O desamparo do indivíduo moderno na sociologia de Max Weber
Luis Carlos Fridman
A construção social dos assalariados na citricultura paulista
Marie Anne Najm Chalita
As arenas iluminadas de Maringá: reflexões sobre a constituição de
uma cidade média
Simone Pereira da Costa
Resenhas
Ética e responsabilidade social nos negócios
Priscila Ermínia Riscado
Novas experiências de gestão pública e cidadania
Daniela da Silva Lima
Uma ciência da diferença: sexo e gênero
Fernando Cesar Coelho da Costa
O consumidor artesão: cultura, artesania e consumo em uma
Sociedade Pós-Moderna
Colin Campbell
Por uma sociologia da embalagem
Franck Cochoy
Revista no 17 – 2o semestre de 2004
Dossiê
Por uma antropologia do consumo
Apresentação: Laura Graziela F. F. Gomes e Lívia Barbosa
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 277-296, 2. sem. 2009
287
Pobreza Da Moralidade
Daniel Miller
O consumidor artesão: cultura, artesania e consumo em uma
Sociedade Pós-Moderna
Colin Campbell
Por uma sociologia da embalagem
Franck Cochoy
Artigos
A Antropologia e as políticas de desenvolvimento: algumas
orientações
Jean-François Baré
Arquivo público: Um segredo bem guardado?
Ana Paula Mendes de Miranda
A concepção da desigualdade em Hobbes, Locke e Rousseau
Marcelo Pereira de Mello
Associativismo em rede: uma construção identitária em territórios
de agricultura familiar
Zilá Mesquita e Márcio Bauer
Depois de Bourdieu: as classes populares em algumas abordagens
sociológicas contemporâneas
Antonádia Borges
Resenhas
Modération et sobriété. Études sur les usages sociaux de l’alcool
Fernando Cordeiro Barbosa
Governança democrática e poder local: A experiência dos conselhos
municipais no Brasil
Débora Cristina Rezende de Almeida
Uma ciência da diferença: sexo e gênero
Fernando Cesar Coelho da Costa
Revista no 18 – 1o semestre de 2005
Dossiê
Responsabilidade social das empresas, segundo as Ciências Sociais
Apresentação: Eduardo R. Gomes
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 277-296, 2. sem. 2009
288
Responsabilidade social e globalização: redefinindo o papel das
empresas transnacionais no Brasil
Letícia Helena Medeiros Veloso
A modernização de valores nas relações contratuais: a ética de
reparação antecede o dever de responsabilidade?
Paola Cappellin
Business, politics and the surge of corporate social responsibility in
Latin America
Felipe Agüero
Artigos
Xamanismo e renovação carismática católica em uma povoação de
pescadores no litoral da Amazônia Brasileira: questões de religião e
de gênero
Raymundo Heraldo Maués e Gisela Macambira Villacorta
Conexões transnacionais: redes de Advocacy, cooperação Norte-Sul e
as ONGs latino-americanas
Pedro Jaime
Parentesco e política no Rio Grande do Sul
Igor Gastal Grill
Diversidade e equilíbrio assimétrico: discutindo governança
econômica e lógica institucional na União Européia
Eduardo Salomão Condé
Homenagem
Eduardo P. Archetti (1943-2005) In Memoriam
Pablo Alabarces
Resenha
Livro: O desafio da colaboração: práticas de responsabilidade social
entre empresas e Terceiro Setor
Rosa Maria Fischer
Autora da resenha: Daniela Lima Frtado
Revista no 19 – 2o semestre de 2005
Dossiê
Fronteiras e passagens: fluxos culturais e a construção da etnicidade
Apresentação: Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto e
Eliane Cantarino O’Dwyer
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 277-296, 2. sem. 2009
289
Etnicidade e o conceito de cultura
Fredrik Barth
Etnicidade e nacionalismo religioso entre os curdos da Síria
Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto
Entre iorubas e bantos: a influência dos estereótipos raciais nos
estudos afro-americanos
Stefania Capone
Os quilombos e as fronteiras da Antropologia
Eliane Cantarino O’Dwyer
Artigos
Engajamento associativo/sindical e recrutamento de elites políticas:
“empresários” e “trabalhadores” no período recente no Brasil
Odaci Luiz Coradini
Crônicas da pátria amada: futebol e identidades brasileiras na
imprensa esportiva
Édison Gastaldo
O duro, a pedra e a lama: a etnotaxonomia e o artesanato
da pesca em Ponta Grossa dos Fidalgos
Arno Vogel e José Colaço Dias Neto
De antas e outros bichos: expressão do conhecimento nativo
Jane Felipe Beltrão e Gutemberg Armando Diniz Guerra
Resenha
Livro: A revolução urbana
Henri Lefèbvre
Autor da resenha: Fabrício Mendes Fialho
Livro: Ser polícia, ser militar. O curso de formação na socialização
do policial militar
Fernanda Valli Nummer
Autora da resenha: Delma Pessanha Neves
Livro: Reflexões sobre o culto moderno dos deuses fe(i)tiches
Bruno Latour
Autora da resenha: Verlan Valle Gaspar Neto
Revista no 20 – 1o semestre de 2006
Dossiê
Da técnica, estudos sobre o fazer em sociedade
Apresentação: Gláucia Silva
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 277-296, 2. sem. 2009
290
Sobre a distinção entre evolução e história
Tim Ingold
A potência do fogo e a bifurcação da história em direção à
termoindústria. Da máquina de Marly, de Luís XIV, à central nuclear
de hoje
Alain Gras
As duas faces da incerteza: automação e apropriação dos aviões Glasscockpit
Caroline Moricot
Um laboratório-mundo
Sophie Poirot-Delpech
Artigos
A poética da experiência: narrativa e memória
Diego Soares
Neocomunidades no Brasil: uma aproximação etnográfica
Javier Lifschitz
Liberdade e riqueza: a origem filosófica e política do pensamento
econômico
Angela Ganem, Inês Patricio e Maria Malta
Resenhas
Livro: Ciência e desenvolvimento
José Leite Lopes
Autora da resenha: Cátia Inês Salgado de Oliveira
Livro: Le temps du pub. Territoires du boire en Anglaterre
Josiane Massart-Vicent
Autora da resenha: Delma Pessanha Neves e Angela Maria Garcia
Revista no 21 – 2o semestre de 2006
Dossiê
Antropologia, mídia e construção social da realidade
Apresentação: Laura Graziela Figueiredo Fernandes Gomes
“Cantando espalharei por toda a parte, se a tanto me ajudar engenho
e arte”: propaganda, técnicas de vendas e consumo no Rio de Janeiro
(1850-1870)
Almir El Kareh
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 277-296, 2. sem. 2009
291
Identidades flexíveis como dispositivo disciplinar: algumas hipóteses
sobre publicidade e ideologia em sociedades “pós-ideológicas”
Vladimir Safatle
Remediação e linguagens publicitárias nos meios digitais
Vinícius Andrade Pereira
Artigos
O sorriso da lua
Eli Bartra
Alimentos transgênicos, incerteza científica e percepções de risco:
Leigos com a palavra
Renata Menasche
Técnicos e usuários em programas de assistência social: encontros e
desencontros
Heloísa Helena Salvatti Paim
A economia moral do extrativismo no médio Rio Negro: Aviamento,
alteridade e relações interétnicas na Amazônia
Sidnei Peres
Educação e ruralidades: por um olhar pesquisante plural
Jadir De Morais Pessoa
Resenhas
Livro: Buenos vecinos, malos políticos: Moralidad y política
en el gran Buenos Aires. Buenos Aires: Prometeo, 2004. 283 p.
Sabina Frederic
Autor da resenha: Fernanda Maidana
Resenhando o conceito de “Double Bind” de Gregory Bateson
em seis autores das ciências humanas contemporâneas
Autora da resenha: Mônica Cavalcanti Lepri
Revista no 22 – 1o semestre de 2007
Dossiê
Democracia, espaço público, estado e sociedade em uma perspectiva
comparada
Apresentação: Roberto Kant de Lima e Fábio Reis Mota
Organisation et pouvoir: pluralité critique des régimes d’engagement
Laurent Thévenot
O caleidoscópio identitário dos professores dos liceus do ensino
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 277-296, 2. sem. 2009
292
oficial nos anos 1960: julgamentos críticos e disposições práticas
José Manuel Resende
Violencia institucional y sensibilidades judiciales. El largo camino de
los hechos a los casos
Maria Josefina Martínez
A formação do Estado em Angola na época da globalização
Daniel dos Santos
Artigos
Introdução a O que é um animal?
Tim Ingold
Um mundo sem antropologia
Clara Mafra
Discutindo classificações raciais, étnicas e o racismo no futebol brasileiro a
partir de um olhar desconstrutivista
Marcel Freitas
Defendendo privilégio: os limites da participação popular em
Salvador, Bahia
Bernd Reiter
Resenhas
Livro: La relation médecins-malades: information et mensonge da
autoria de Sylvie Fainzang
Autora da resenha: Jaqueline Ferreira
Revista no 23 – 2o semestre de 2007
Dossiê
A Política e o Popular: reflexões sobre militância e ações coletivas
Apresentação: Marcos Otávio Bezerra
Militantes políticos y militantes sociales: reconocimiento, persona y
espacio publico
Sabina Frederic
Mobilizações de bairro, repertórios de ação coletiva e trajetórias
pessoais
Marcos Otávio Bezerra
Militantismo partidário e experiência de poder. O caso do PT no
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 277-296, 2. sem. 2009
293
Distrito Federal
Daniella de Castro Rocha
Para além do MST: o impacto nos Movimentos Sociais Brasileiros
Marcelo C. Rosa
Artigos
A sociologia da capacidade crítica
Luc Boltanski e Laurent Thévenot
O ensino religioso em sala de aula: observações a partir de escolas
fluminenses
Emerson Giumbelli
Reflexões sobre a figura do narrador como “guardiã da memória”
no distrito de Icoaraci, Belém (PA): incursão etnográfica na barbearia
São Jorge
Flávio Leonel Abreu da Silveira e Pedro Paulo de Miranda Araújo Soares
O luto dos arrozeiros: uma etnografia dos impactos sociais da seca de 2005
numa cidade dos pampas gaúchos
Carlos Abraão Moura Valpassos
Desastre e Indiferença Social: o Estado perante os desabrigados
Norma Felicidade Lopes da Silva Valêncio, Victor Marchezini e Mariana
Siena
Resenhas
Livro: Carman, Maria. Las trampas de la cultura: los intrusos y los
nuevos usos del barrio de Gardel
Autora da resenha: Michele Andrea Markowitz
Livro: Bestor, Theodore. Tsukiji – The fish market at the center of
the world
Autora da resenha: Wilma Leitão
Revista no 24 – 1o semestre de 2008
Dossiê
De volta ao mundo da vida de pernas pro ar: Contribuições para os
estudos em corporeidade, linguagem e memória da capoeira
Apresentação: Julio Cesar de Tavares
Da “destreza do mestiço” à “ginástica nacional”: narrativas
nacionalistas sobre a capoeira
Matthias Röhrig Assunção
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 277-296, 2. sem. 2009
294
A memória do corpo na narrativa de mestre João Grande
Maurício Barros de Castro
Adaptação em movimento: o processo de transnacionalização da
capoeira na França
Daniel Granada da Silva Ferreira
A luta da capoeira: reflexões acerca da sua origem
Paulo Coêlho de Araújo e Ana Rosa Fachardo Jaqueira
Angola e o Jogo de Capoeira
Maduka T. J. Desch Obi
Artigos
Imigração brasileira na Guiana: entre elocubrações e realidade
Isabelle Hidair
Caminho Niemeyer: os “usos” da cultura em Niterói
Margareth da Luz Coelho
A socialização das meninas trabalhadoras
Joel Orlando Bevilaqua Marin
Entre muros e rodovias: os riscos do espaço e do lugar
Eduardo Marandola Jr
Resenhas
Deslocamentos, movimentos e engajamentos: as formas plurais da
ação humana na perspectiva de Laurent Thévenot
Autor da resenha: Fabio Reis Mota
Revista no 25 – 2o semestre de 2008
Dossiê
Estudos de imigração: novas abordagens e perspectivas
Apresentação: Márcio de Oliveira e Jair de Souza Ramos
Tempo e estudo da Assimilação
Nancy L. Green
A imigração: o nascimento de um “problema” (1881-1883)
Gérard Noiriel
O papel dos agentes administrativos na política de imigração
Alexis Spire
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 277-296, 2. sem. 2009
295
Artigos
Observação flutuante: o exemplo de um cemitério parisiense
Colette Pétonnet
Itinerários ocupacionais, juventude e gestão de empregabilidade
Delma Pessanha Neves
Performance e empreendimento nos assaltos contra instituições
financeiras
Jania Perla Diógenes de Aquino
A colonização alemã na região central do Rio Grande do Sul – capital
social e desenvolvimento regional
José Marcos Froehlich, Everton Lazzaretti Picolotto, Heber Rodrigues Silva e
Matheus Alegretti de Oliveira
Narrar, redigir e escrever: o diário nos prontuários da assistência
social
Isabelle Csupor e Laurence Ossipow
Resenhas
Livro: Pétonnet, Colette. L’observation flottante: l’exemple d’un
cimetière, parisien, L’Homme, oct-déc. 1982, XXII (4r),p. 37-47
Autor da resenha: Soraya Silveira Simões
Livro: Marques, Ana Claudia (Org.). Conflitos, política e relações pessoais.
Fortaleza, CE: Universidade Federal do Ceará/Funcap/CNPq –
Pronex; Campinas, SP: Pontes Editores, 2007.
Autor da resenha: Leonardo Vilaça Dupin e Sheila Maria Doula
Livro: Carneiro, Sandra Sá. A pé e com fé: brasileiros no Caminho de
Santiago. São Paulo: Attar, 2007. 277p.
Autor da resenha: Sílvia Regina Alves Fernandes
Revista no 26 – 1o semestre de 2009
Dossiê
Família e sociedade: paternidade e maternidade em questão
Apresentação: Grupo de Trabalho Transmissão de patrimônios culturais
Quando tecnologia, lei e família convergem: questões de gênero e
geração em conexão com testes de paternidade
Claudia Fonseca
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 277-296, 2. sem. 2009
296
Restitución de niños desaparecidos: usos políticos del parentesco en
la justicia
Sabina Regueiro
De casa em casa, de rua em rua... na cidade: “circulação de crianças”,
hierarquias e espaços sociais
Maria Angélica Motta-Maués, Daniele Greice Lopes Igreja e
Luiza Maria Silva Dantas
Família conjugal, precariedade de provisões e matrifocalidade
Delma Pessanha Neves
Artigos
A globalização subdesenvolvida: Celso Furtado, Fernando Henrique
Cardoso e a formação de uma escola de pensamento latino-americana
(1945-2000)
Afrânio Garcia
De objetos y prácticas en el mundo de la justicia: los “efectos judiciales”
Deborah Daich
As relações entre Executivo e Legislativo e o neoliberalismo no Brasil
Leandro Ribeiro da Silva e Soraia Marcelino Vieira
El Tinku: escenario cultural de la violencia ritualizada
Facundo Medina Portilla e Sebastián Cohen
Os participantes e promotores do Fórum Social Mundial e as bases do
militantismo
Odaci Luiz Coradini
Luta pela terra e assentamentos no Sudeste do Pará
Fernando Michelotti
Resenhas
Livro: FERRANTE, Vera Lúcia Botta, WHITAKER, Dulce Consuelo
Andreatta. Reforma agrária e desenvolvimento: desafios e rumos da política
de assentamentos rurais. Brasília: MDA; São Paulo: Uniara (co-editor),
2008.
Autor da resenha: Paula Campos Pimenta Velloso
Livro: CORRÊA, Maria Terezinha. Princesa do Madeira: os festejos
entre as populações ribeirinhas de Humaitá-AM.
Autor da resenha: Elaine Rodrigues Perdigão
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 277-296, 2. sem. 2009
297
COLEÇÃO ANTROPOLOGIA E CIÊNCIA POLÍTICA
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
16.
Os fornecedores de cana e o Estado intervencionista
Delma Pessanha Neves
Devastação e preservação ambiental no Rio de Janeiro
José Augusto Drummond
A predação do social
Ari de Abreu Silva
Assentamento rural: reforma agrária em migalhas
Delma Pessanha Neves
A antropologia da academia: quando os índios somos nós
Roberto Kant de Lima
Jogo de corpo: um estudo de construção social de trabalhadores
Simoni Lahud Guedes
A qualidade de vida no Estado do Rio de Janeiro
Alberto Carlos Almeida
Pescadores de Itaipu (Série Pesca no estado do Rio de Janeiro)
Roberto Kant de Lima
Sendas da transição
Sylvia França Schiavo
O pastor peregrino
Arno Vogel
Presidencialismo, parlamentarismo e crise política no Brasil
Alberto Carlos Almeida
Um abraço para todos os amigos: algumas considerações sobre
o tráfico de drogas no Rio de Janeiro
Antônio Carlos Rafael Barbosa
Escritos exumados – 1: espaços circunscritos – tempos soltos
L. de Castro Faria
Violência e racismo no Rio de Janeiro
Jorge da Silva
Novela e sociedade no Brasil
Laura Graziela Figueiredo Fernandes Gomes
O Brasil no campo de futebol: estudos antropológicos sobre os
significados do futebol brasileiro
Simoni Lahud Guedes
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 297-299, 2. sem. 2009
298
17. Modernidade e tradição: construção da identidade
social dos pescadores de Arraial do Cabo (RJ)
(Série Pesca no estado do Rio de Janeiro)
Rosyan Campos de Caldas Britto
18. As redes do suor – a reprodução social dos trabalhadores da
pesca em Jurujuba (Série Pesca no estado do Rio de Janeiro)
Luiz Fernando Dias Duarte
19. Escritos exumados – 2: dimensões do conhecimento antropológico
L. de Castro Faria
20. Seringueiros da Amazônia: dramas sociais e o olhar antropológico (Série Amazônia)
Eliane Cantarino O’Dwyer
21. Práticas acadêmicas e o ensino universitário
Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto
22. “Dom”, “Iluminados” e “Figurões”: um estudo sobre a representação da oratória no Tribunal do Júri do Rio de Janeiro
Alessandra de Andrade Rinaldi
23. Angra I e a melancolia de uma era
Gláucia Oliveira da Silva
24. Mudança ideológica para a qualidade
Miguel Pedro Alves Cardoso
25. Trabalho e residência: estudo das ocupações de empregada doméstica e empregado de edifício a partir de migrantes “nordestinos”
Fernando Cordeiro Barbosa
26. Um percurso da pintura: a produção de identidades de artista
Lígia Dabul
27. A sociologia de Talcott Parsons
José Maurício Domingues
28. Da anchova ao salário mínimo: uma etnografia
sobre injunções de mu­­dança social em Arraial do Cabo/RJ
(Série Pesca no estado do Rio de Janeiro)
Simone Moutinho Prado
29. Centrais sindicais e sindicatos no Brasil dos anos 90:
o caso Niterói
Fernando Costa
30. Antropologia e direitos humanos (Série Direitos Humanos)
Regina Reyes Novaes e Roberto Kant de Lima
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 297-299, 2. sem. 2009
299
31. Os companheiros – trabalho e sociabilidade na pesca de
Itaipu/RJ (Série Pesca no estado do Rio de Janeiro)
Elina Gonçalves da Fonte Pessanha
32. Festa do Rosário: iconografia e poética de um rito
Patrícia de Araújo Brandão Couto
33. Antropologia e direitos humanos 2 (Série Direitos Humanos)
Roberto Kant de Lima
34. Em tempo de conciliação
Angela Moreira-Leite
35. Floresta de símbolos – aspectos do ritual Ndembu
Victor Turner
36. Produção da verdade nas práticas judiciárias criminais brasileiras: uma perspectiva antropológica de um
processo criminal
Luiz Figueira
37. Ser polícia, ser militar: o curso de formação
na socialização do policial militar
Fernanda Valli Nummer
38. Antropologia e direitos humanos 3
Roberto Kant de Lima (Organizador)
39. Os caminhos do leão: uma etnografia do processo de cobrança
do imposto de renda
Gabriela Maria Hilu da Rocha Pinto
40. Antropologia – escritos exumados 3 – Lições de um praticante
L. de Castro Faria
41. A vida social das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva
cultural
Arjun Appadurai
42. Dramas, campos e metáforas: ação simbólica
na sociedade humana
Victor Turner
43. Políticas públicas de segurança, informação e análise criminal
Ana Paula Mendes de Miranda e Lana Lage da Gama Lima
44. O caminho do mundo: mobilidade espacial
e condição camponesa numa região da Amazônia Oriental
Gil Ameida Felix
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 297-299, 2. sem. 2009
45. Políticas públicas de segurança e práticas policiais no Brasil
Lenin Pires e Lucia Eilbaum (organizadores)
301
Normas de apresentação de trabalhos
1. A revista Antropolítica, do programa de Pós-Graduação em
Antropologia da UFF, aceita originais de artigos e resenhas
de interesse das Ciências Sociais e da Antropologia em particular.
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e/ou a pareceristas externos, que poderão sugerir ao autor
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e 8 páginas, no caso das resenhas. Eles devem ser apresentados
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• recuo de 1cm no início do parágrafo;
• recuo de 2cm nas citações; e
• uso de itálico para termos estrangeiros e títulos de livros
e periódicos.
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entre parênteses, com as seguintes informações; sobrenome
do autor em caixa alta; vírgula; data da publicação; vírgula;
abreviatura de página (p.) e o número desta.
(Ex.: PEREIRA, 1996, p. 12-26)
5. As notas explicativas, restritas ao mínimo indispensável, deverão ser apresentadas no final do texto.
6. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final
do texto, obedecendo às normas da ABNT (NBR-6023).
Livro:
MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos e outros textos escolhidos.
2. Ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. 208p. (Os Pensadores, 6)
LÜDIKE, Menga, ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação:
abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.
Antropolítica
Niterói, n. 27, p. 301-302, 2. sem. 2009
302
FRANÇA, Junia Lessa et al. Manual para normalização de publicações técnico-científicas. 3. ed. ver. e aum. Belo Horizonte: Ed.
da UFMG, 1996, 191 p.
Artigo:
ARRUDA, Mauro. Brasil: é essencial reverter o atraso. Panorama
da Tecnologia, Rio de Janeiro, v. 3, n.8, p. 4-9, 1989.
Trabalhos apresentados em eventos:
AGUIAR, C. S. A. L. et. al. Curso de técnica da pesquisa bibliográfica: programa-padrão para a Universidade de São Paulo.
In: CONGRESSO BRASILEIRO DE BIBLIOTECONOMIA
E DOCUMENTAÇÃO, 9., 1977, Porto Alegre. Anais... Porto
Alegre: Associação Rio-Grandense de Bibliotecários, 1977.
p. 367-385.
7. As ilustrações deverão ter a qualidade necessária para uma
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1, Figura 2 etc.)
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9 Os textos deverão ser precedidos de identificação do autor
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etc.), que não ultrapasse 5 linhas.
10. Os colaboradores na modalidade artigos terão direito a
três exemplares da revista; e na modalidade resenha, a um
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11. Os originais não aprovados não serão devolvidos.
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Niterói, n. 27, p. 301-302, 2. sem. 2009
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PRIMEIRA EDITORA NEUTRA EM CARBONO DO BRASIL
Título conferido pela OSCIP PRIMA (www.prima.org.br)
após a implementação de um Programa Socioambiental
com vistas à ecoeficiência e ao plantio de árvores referentes
à neutralização das emissões dos GEEs – Gases do Efeito Estufa.
Este livro foi composto na fonte Myriad Pro corpo 8
Impresso na Gráfica e Editora Progressiva Ltda.,
em papel Offset 75g (miolo) e Cartão Supremo 250g (capa)
produzido em harmonia com o meio ambiente.
Esta edição foi impressa em abril de 2010.
Tiragem: 400 exemplares
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