Museu, arte e cidade: as primeiras exposições no vão livre do MASP1
Túlio Rossini Ferreira Zanatta (1) Adriano Tomitão Canas (2)
(1) Núcleo de Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo da FAUeD, UFU, Brasil. E-mail:
[email protected]
(2) Núcleo de Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo da FAUeD, UFU, Brasil. E-mail:
[email protected]
Resumo: Este artigo tem como objeto de estudo o Museu de Arte de São Paulo. O objetivo é
compreender a relação existente entre o edifício e a cidade analisando as diferentes ocupações que
ocorreram no vão livre do museu e que desempenharam importante papel em relação a apropriação do
espaço público. Pretende-se investigar como o MASP foi divulgado na revista Mirante das Artes (196768) identificando seu papel enquanto elemento estruturador do espaço e da vida coletiva.
Palavras-chave: MASP; revista Mirante das Artes; espaço público; exposições de arte.
Abstract: This article has as object of study the Sao Paulo Museum of Art. The goal is to understand the
relationship between the building and the city analyzing the different occupations that occurred in span
of MASP that played an important role about appropriation of public space. We intend to investigate how
the MASP was published in the Mirante das Artes magazine (1967-68) identifying its role as a structuring
element of space and collective life.
Key-words: MASP; Mirante das Artes magazine; public space; art exhibitions.
1. INTRODUÇÃO
O Núcleo de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo da – FAUeD/UFU desenvolve desde 2009 o
projeto de pesquisa intitulado Arquitetura Moderna no Brasil e sua recepção nas revistas europeias e
brasileiras (1945-1960), no qual busca-se identificar e relacionar os temas abordados pelas revistas de
arquitetura europeias e temas presentes nas revistas brasileiras especializadas em arquitetura do mesmo
período.
Para a produção deste artigo o objeto de estudo foi o Museu de Arte de São Paulo – MASP, museu criado
em 1947 por Pietro Maria Bardi e Lina Bo Bardi, com sede definitiva projetada em 1957. Num primeiro
momento, o texto pretende compreender, a partir da pesquisa realizada na revista Mirante das Artes, Etc.revista criada em 1967 por Bardi, e que se vinculava às ações promovidas pelo museu -, os discursos que
apontam para as questões que afirmam a dimensão pública proposta para o projeto do MASP, para em
seguida analisar as primeiras ações artísticas propostas para ocupar o vão livre do museu, que
desempenharam importante papel na apropriação do espaço público e na difusão da arte para a cidade.
2. OBJETIVOS E JUSTIFICATIVA
Este texto tem como objetivo compreender a relação existente entre edifício e cidade, tendo o Museu de
Arte de São Paulo – MASP como objeto. Pretende-se identificar os discursos que conferem ao MASP sua
dimensão pública, de museu vivo e formador de público, aberto para a cidade, assim como analisar as
1
Este artigo é resultado de um projeto de iniciação científica realizado pelo Núcleo de Teoria e História da
Arquitetura e Urbanismo da FAUeD/UFU com apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico CNPq.
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primeiras ações artísticas promovidas pelo museu em seu vão livre que contribuíram para a proposta de
difusão da arte na cidade.
No discurso elaborado por Pietro Maria Bardi e Lina Bo Bardi para apresentar o MASP à época de sua
criação, encontra-se sintonias com as discussões presentes no debate internacional entre os arquitetos
junto aos CIAM. Bardi afirma que a arquitetura do museu é elemento integrante da cidade, e que a
proposta de um programa formador de público e a arquitetura ideal para a implementação de tal
experiência fazem parte de um mesmo projeto. Ao desenvolver a proposta para a sede definitiva do
museu em 1957, a arquiteta Lina Bo Bardi explora o tema da “monumentalidade” relacionado ao seu
sentido cívico e coletivo para a construção do lugar.
3. MÉTODO EMPREGADO
Esta pesquisa procurou investigar acerca do caráter público do edifício projetado por Lina Bo Bardi para
o MASP identificando suas potencialidades e seu diálogo com a cidade, contribuindo para a reflexão
sobre a produção da Arquitetura Moderna no Brasil. Para uma efetiva análise e compreensão do projeto
para a sede do MASP na Avenida Paulista, foi realizada uma revisão bibliográfica acerca da discussão, na
qual compreendeu o levantamento e a catalogação do material textual e iconográfico relacionado ao
museu publicado na revista Mirante das Artes, Etc (1967-1968), assim como de outras publicações, tais
como a revista Habitat, catálogos de exposições, teses e artigos realizados sobre o museu. O Centro de
Documentação do MASP foi importante para o desenvolvimento desta pesquisa fornecendo acesso
completo aos arquivos do acervo referente não só a história do MASP, como também das exposições que
ocorreram no vão livre.
4. RESULTADOS OBTIDOS
O MASP e o seu espaço na cidade
Os primeiros estudos de Lina Bo Bardi para a sede do Museu de Arte de São Paulo - MASP, no terreno
do Trianon na Avenida Paulista datam de 1957, e já é possível identificar a proposta de um projeto que
busca integrar arte, arquitetura e cidade, relacionada ao seu sentido cívico e coletivo para a construção do
lugar.
No texto O novo Trianon (1957-67)2, Lina Bo Bardi apresenta as premissas iniciais que nortearam o
projeto para o MASP, discorrendo suas expectativas diante do trabalho didático e formador pretendido
pelo museu e explorando sobretudo sua arquitetura. O projeto final do edifício é publicado
detalhadamente através de plantas, perspectivas e fotografias do andamento da obra.
O texto também traz croquis elaborados pela arquiteta que revelam estudos de exposições ao ar livre para
o vão livre do museu. Em seus croquis é possível identificar a presença de esculturas de arte popular,
totens e objetos atirantados na laje do primeiro pavimento, além de pessoas, adultos e crianças utilizando
o espaço, reafirmando-o como parte integrante da cidade. Lina também destaca a vegetação do local,
fazendo referência ao parque Trianon, à direita da imagem. Sobre o vão livre, ela completa:
2
O novo Trianon (1957-67). Mirante das Artes, Etc. São Paulo, n.5, p. 20, 1967. Lançada em 1967, a revista
Mirante das Artes, Etc foi composta por 12 volumes e teve como diretor geral Pietro Maria Bardi e diretor
responsável Geraldo do Nascimento Serra. A revista recebeu o nome da galeria de Bardi, localizada em São Paulo,
na Rua Estados Unidos nº1494, responsável por promover diversas exposições e movimentar o mercado de arte na
cidade paulista.
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Eu procurei, no Museu de Arte de São Paulo retomar certas posições. Procurei (e espero
que aconteça), recriar um “ambiente” no Trianon. E gostaria que lá fosse o povo, ver
exposições ao ar livre e discutir, escutar música, ver fitas. Gostaria que crianças fossem
brincar no sol da manhã e da tarde. E até retretas e o mau-gosto de cada dia que,
enfrentado “friamente” pode ser também um conteúdo. (BO BARDI, 1967, p.20)
A nova sede do MASP ergue-se sobre uma área de 5.000m² a partir da Avenida Paulista e distribui os
acessos ao museu através de um elevador em aço e vidro temperado e uma escada ao ar livre. A estrutura
robusta composta por quatro pilares coligados por duas vigas de concreto protendido na cobertura
garantem sustentação ao bloco que abriga dois níveis. Tal estrutura “é o ponto central desta arquitetura,
alcança a simplicidade em uma grandiosidade para tanto pelas suas dimensões como pela clareza da
solução”3.
O programa do museu é organizado e distribuído em cincos níveis. Na cota mais baixa estão localizados o
restaurante e a biblioteca, junto ao hall cívico do museu. No nível de 4,5m se encontra um pequeno
auditório e um teatro, depósitos e espaços destinados às exposições. O primeiro pavimento destina-se às
exposições temporárias e ao acervo permanente, além da parte administrativa localizada nas áreas
periféricas da planta. Já o segundo abriga a Pinacoteca que ocupa todo o espaço com 2.400m² abertos
completamente à luz natural. (CANAS, 2010)
Ainda em O novo Trianon (1957-67), Lina publica imagens do antigo Belvedere, recuperando a memória
do ponto simbólico da Avenida Paulista. O local ganhou popularidade com a realização de bailes,
formaturas e carnavais e possuía considerável projeção e reconhecimento popular. Em 1951 o Belvedere
foi demolido para a construção do pavilhão que abrigou a “I Bienal Internacional de Arquitetura” e logo
em seguida Francisco Matarazzo Sobrinho, então presidente do Museu de Arte Moderna de São Paulo,
promoveu um concurso para elaboração do projeto do MAM para o mesmo terreno onde posteriormente
foi construído a nova sede do MASP.4
O projeto elaborado por Lina atendia com clareza às condições impostas pela prefeitura de São Paulo; o
terreno deveria ser ocupado por uma obra aberta à cidade, que mantivesse a vista do Belvedere, assim
como o caráter público e festivo do local. A vida coletiva presente nesse espaço seria parte fundamental
no sentido da monumentalidade do futuro edifício, inserindo a discussão da ideia do museu entendido
como elemento dinâmico no contexto de uma cultura moderna, distante do caráter isolado dos antigos
museus centrados na ideia da conservação de obras de arte. O novo edifício deveria estimular as vocações
do local como espaço coletivo, assim, Lina buscou oferecer espaços abertos à apropriação por parte da
população, uma característica que efetivamente marca o espaço do MASP até os dias de hoje.5
Lina retoma a discussão da “monumentalidade” e do racionalismo no projeto para a nova sede do museu
esclarecendo as diferenças semânticas entre os termos. Destaca que o intuito do projeto é ir além do
particular, explorando as potencialidades do uso coletivo do espaço e reafirma que:
O conjunto do Trianon vai repropor, na sua simplicidade monumental, os temas, hoje
tão impopulares, do racionalismo. O monumental não depende das ‘dimensões’: o
3
Idem. Ibidem.
O projeto vencedor foi o do arquiteto Affonso Eduardo Reidy, porém sua proposta não seguiu adiante por
desrespeitar a cláusula de doação do terreno que determinava manter o espaço do Belvedere livre presenvando a
vista do centro da cidade. GIANNECCHINI, Ana Clara. Técnica e estética no concreto armado: um estudo sobre os
edifícios do MASP e da FAUSP. São Paulo, FAUUSP, 2009, p.101. apud LEONELLI, Carolina. Lina Bo Bardi
[experiências] entre arquitetura, artes plásticas e teatro. São Paulo: FAUUSP, 2011, p.200.
5
LEONELLI, Carolina. Lina Bo Bardi [experiências] entre arquitetura, artes plásticas e teatro. São Paulo: FAUUSP,
2011, p.145.
4
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Parthenon é monumental embora a sua escala seja a mais reduzida. A construção
nazifascista (Alemanha de Hitler, Itália de Mussolini), é elefantíaca e não monumental;
na sua empáfia inchada, na sua não-lógica. O que eu quero chamar de monumental não
é questão de tamanho ou de ‘espalhafatoso’, é apenas um fato de coletividade, de
consciência coletiva. O que vai além do ‘particular’, o que alcança o coletivo, pode (e
talvez deve) ser monumental. (BO BARDI, 1967, p.20)
O discurso elaborado por Pietro Maria Bardi para apresentação do MASP à época de sua criação em
1947, ainda ocupando sua primeira sede na Rua Sete de Abril, encontrava-se em sintonia com as
discussões presentes no debate internacional entre os arquitetos modernos que buscavam por uma
renovação da função dos museus e do seu papel na transformação do espaço da cidade. Tal discussão
inicia-se no IV CIAM – Congresso Internacional de Arquitetura Moderna, realizado em Atenas em 1933
com a proposição de espaços destinados às obras de arte inseridos na cidade. Tal ocasião originou a Carta
de Atenas e Can our Cities Survive?, documentos resultantes de intensa discussão que possibilitaram a
ampliação do debate acerca do papel dos museus e das artes na cidade. (CANAS, 2012)
Retoma-se o tema no VIII CIAM, realizado em Hoddeston em 1951, intitulado “O Coração da Cidade”. O
centro cívico, a Nova Monumentalidade e a integração das artes na cidade foram tomados como pontos
centrais das discussões. A partir disso surgem as novas propostas de museus como “laboratórios” nas
proposições de Le Corbusier e de Josep Lluis Sert em seus discursos na busca por uma transformação dos
centros das cidades através da criação de pontos estratégicos que viriam a contribuir para recuperar o
sentido de coletividade. (CANAS, 2012)
Bardi empregou o termo “laboratório” para traduzir o seu projeto para o museológico que visava integrar
o MASP à cidade, e a ação desenvolvida pelo museu em sua primeira sede na Rua Sete de Abril foi
apontada por Le Corbusier como exemplo de integração entre museu, formação e cidade, um dos papéis
do “coração”.6 Segundo o arquiteto Aldo Van Eyck (1997), que também acompanhou tal debate, a
postura de Lina foi majestosa em relação a concepção arquitetônica do edifício para o MASP. Aponta que
a arquiteta não só manteve a cidade aberta, mas também construiu um espaço para o povo, devolvendo à
cidade tanto quanto retirou dela. O edifício oferece espaços abertos que exploram as vocações do local
como ambiente coletivo e potencializam a apropriação por parte do público.7
Playground – Nelson Leirner
Reafirmando seu caráter de uso público e coletivo, o MASP foi responsável por organizar diversas
exposições de arte no vão livre e sediar ações vinculadas à cidade. A partir do material levantado no
acervo da Biblioteca e Centro de Documentação do MASP, foi possível constatar que, nos primeiros anos
de atividades do museu no Trianon, quatro exposições se apropriaram do vão livre, sendo elas: A mão do
povo brasileiro (1969); Playground (1969); Caciporé Torres (1969) e Carrossel (1969). Também
manifestações urbanas tiveram seu lugar no vão livre do museu, como é o caso do Circo Piolin (1972).
LE CORBUSIER. “O coração como ponto de reunião das artes”. In ROGERS, E. N., SERT, J. L., TYRWHITT, J.
El Corazón de La Ciudad: por uma vida más humana de la comunidad. Barcelona: Hoelpi, 1955, p. 49-50 apud
CANAS, A. T. MASP - Museu Laboratório. Projeto de museu para a cidade (1947-1957), 2010, p 29.
7
EYCK, Aldo Van. Um dom superlativo. Museu de Arte de São Paulo. São Paulo: Instituto Lina e P.M. Bardi.
Editorial Blau. 1997.
6
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Imagem 1: Caciporé Torres (1969) Fonte: Centro de Documentação MASP.
Imagem 2: Circo Piolin (1972) Fonte: Centro de Documentação MASP.
A primeira exposição que de certa maneira ocupou o vão livre do MASP foi A mão do povo brasileiro
(1969), que instalou um carro-de-boi anunciando a mostra de arte popular brasileira que ocorria no
interior do museu. O carro-de-boi foi posicionado ao lado das esculturas-brinquedos de outros artistas
como as pirâmides de Nelson Leiner e o Carrosel (1969) de Maria Helena Chartuni e Carlos Blanc, onde
as crianças interagiam e brincavam. (RODRIGUES, 2008) Tais ocupações foram seguidas da exposição
de Caciporé Torres (1969) e do Circo Piolin (1972), tenda instalada no vão livre durante a comemoração
do cinquentenário da Semana de Arte Moderna, em 1972.
Imagem 3: Exposição Playground (1969) no vão livre do MASP. Fonte: Centro de Documentação MASP.
A exposição que recebeu destaque por ter sido a primeira responsável por assumir completamente a área
do vão livre do MASP como espaço expositivo foi Playground, concebida por Nelson Leirner8 em julho
de 1969. Assim como o projeto museológico do MASP buscava a difusão das artes na cidade e a
formação do público, a instalação Playground estava vinculada aos mesmos princípios. A decisão do
8
Artista plástico nascido em 1931 na capital paulista, é expoente na discussão da arte moderna, questionando temas
relacionados a censura, política, arte popular, dentre outros. Foi integrante do coletivo Rex, grupo de artistas
plásticos atuante na cidade de São Paulo criado em 1966, para combate, por meio de exposições, ações e debates, o
excesso a institucionalização da arte.
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artista por ocupar o Belvedere foi justamente a possiblidade de relação que poderia ser estabelecida entre
os objetos expostos e os passantes da Av. Paulista. O objetivo comum era a desconstrução das
exposições destinadas a frequentadores de galerias, buscando uma aproximação do público em geral com
o contexto das artes.
O nome da exposição, intitulada Playground, sugere a instalação artística como um equipamento de lazer
que busca a relação de participação e interação entre público e obra. Cerca de 30 trabalhos compuseram a
mostra do artista, que foram distribuídos e organizados por todo o espaço, possibilitando um percurso
livre. Inserida no vão livre do museu, atua como elemento dinamizador do espaço, extensão do edifício
transparente que abriga a arte, intensificando, assim, a proposta de um museu vivo, atuante, que se abre
para a cidade e mais próximo da vida do homem.
Imagem 4: Exposição Playground (1969) no vão livre do MASP. Fonte: Centro de Documentação MASP.
A partir da análise do material levantado, foi identificado peças de fases anteriores da carreira de Leirner,
como a obra Adoração (1966). A instalação, pertencente ao acervo do MASP, é composta por uma
estrutura cilíndrica de tecido carmim que abriga em seu interior uma tela de Roberto Carlos sobreposta
por uma estrutura de luzes néon. A imagem do cantor é emoldurada por outras menores de santos e santas
em segundo plano, apresentando “de forma ambígua, evocação de alguém próximo e, contudo, ausente”9.
Uma roleta amarela, logo na entrada da instalação, sugere, de modo inequívoco, que custa algo ingressar
no espaço de veneração ao ídolo, tornando ambíguo o local, já que toda a instalação é permeável e aberta
ao público.
Com a suposta homenagem ao ídolo popular, resultado da ambivalência da obra, Leirner questiona
valores morais, estéticos e patrimoniais relacionados ao espaço proeminente que a indústria de massa
passa a ocupar no cotidiano urbano do país. (FARIAS, 1995) O autor subverte a lógica de hierarquia até
então estabelecida; o objeto de adoração passa a ser o artista em substituição do ícone religioso,
estabelecendo a crítica diante do culto ao artista como santo.
A instalação O happening da crítica (1967) foi umas das peças que também compôs o cenário da
exposição. Tal obra foi apresentada anteriormente pelo artista no IV Salão de Arte Moderna de Brasília.
O objetivo em expor um porco empalhado com um presunto acorrentado no pescoço foi de questionar
sobre os critérios utilizados pelo júri para seleção dos trabalhos que entrariam na mostra do evento. O
9
ANJOS, Moacir dos. Adoração - Nelson Leirner. Recife: Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães e Brasília:
Arte 21 – Escritório de Arte e Projetos Culturais, 2003.
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artista traz novamente a obra para ser exposta e junto a ela, uma nota explicativa intitulada Continua o
caso do porco em que ele rebate as críticas levantadas pelos organizadores do evento.
Embora o artista tenha utilizado peças de ocasiões anteriores, a maior parte delas foram desenvolvidas
exclusivamente para a Playground (1969) e desenhadas para serem manipuladas. Esses novos objetos
tinham caráter interativo e estimulava o usuário não só a mudar suas configurações, mas também de usar
o próprio corpo na sua fruição, como é o caso da caixa de areia com bolas de gude. Outros trabalhos
estabeleciam forte relação com o skyline urbano, com formas geométricas e ritmadas.10
Imagem 5: Peças interativas da exposição Playground (1969). Fonte: Centro de Documentação do MASP.
Imagem 6: Pirâmides da exposição Playground (1969). Fonte: Centro de Documentação do MASP.
O catálogo oficial publicado pelo MASP apresenta um projeto gráfico limpo e objetivo, condizente com a
proposta de interação da exposição. Organizado cronologicamente, o livreto prevê os espaços de cada
imagem, porém, em branco, sendo o próprio visitante que completaria o catálogo, semelhante ao formato
de um álbum de figurinhas. As imagens foram impressas em paletas de cores únicas preestabelecidas pelo
artista, dentre elas o magenta, o ciano e o amarelo, distribuídas pelo próprio museu. A identificação e
equivalência das imagens eram feitas pela própria data da obra e legendas presentes no catálogo.
Imagem 7: Catálogo da exposição Playground (1960) Fonte: Centro de Documentação MASP.
10
FARIAS, Agnaldo. O fim da arte segundo Nelson Leirner. São Paulo: Secretaria do Estado de Cultura, 1995.
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No texto de apresentação publicado pelo museu na primeira página do catálogo oficial da exposição,
Bardi esclarece que:
“a intenção da apresentação dos objetos de Nelson Leirner no Belvedere do
Museu era a da comunicação com o público, não platonicamente, mas direta,
tão direta que sugeria, solicitava mesmo, uma participação tanto mental quanto
táctil, manual, dando-se a liberdade de neles se mexer, modificar suas posições
em composições e ajeitamentos que melhor agradassem ao visitante.” (BARDI,
1969)
No entanto, a repercussão da exposição não foi a esperada. Logo após sua inauguração, todas as peças
foram danificadas e parte delas destruídas por completo, repetindo o fracasso da primeira tentativa de
Nelson Leirner em 1967, na cidade de São Paulo pela galeria Rex, em que o artista apresenta novos
modos de expor em relação a participação dos visitantes e a ocupação de espaços públicos. O museu se
encarregou de repará-las, repintado e substituindo as peças em que a recuperação não fosse possível.
Porém, dias após a reforma seu estado era lastimável, tal como se apresentava no dia da inauguração.11
Embora o público não estivesse preparado para tal questionamento, resultando no fracasso da exposição,
a mostra de Leirner foi o primeiro passo para que ocupações posteriores pudessem se apropriar do vão
livre do museu.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As exposições e outras manifestações que foram objetos de estudos mais específicos permitem confirmar
a relação existente entre o edifício e a cidade, assim como proposto inicialmente por Lina Bo Bardi em
seu projeto arquitetônico. O vão livre do MASP é um espaço público por excelência e atua como
catalizador da dinâmica urbana da cidade. Lina recorria frequentemente à frase de John Cage para
denominar o vão livre como a "arquitetura da liberdade", local liberto à recepção de diferentes sensações
pelo ser humano, sendo assim um lugar privilegiado para a percepção da vida, da coletividade, da
metrópole paulistana, do mundo.
Imagem 8: Show aberto ao público no vão livre do MASP. Fonte: Museu de Arte de São Paulo. São Paulo: Instituto
Lina e P.M. Bardi. Editorial Blau. 1997, p.13.
11
Idem. Ibidem.
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O MASP sempre foi e tem sido palco das mais diversas expressões sociais e manifestações políticas e,
recentemente, logo após as manifestações que ocorreram em junho de 2013 que reuniram centenas de
milhares de pessoas em todo o país, surgiram questões polêmicas relativas ao fechamento de seu vão
livre.12 No entanto, como aqui discutido, tal vazio representa enorme valor simbólico enquanto espaço
cívico e coletivo, assim sendo desde a sua idealização por P.M. Bardi e Lina Bo Bardi.
O atual grupo responsável pela administração e curadoria do museu tem revelado intensos esforços em
relação a recuperação das primeiras exposições da instituição, incluindo A mão do povo brasileiro (1969)
e Playground (1969). Em entrevista, Adriano Pedrosa, atual diretor artístico da instituição, afirma que o
intuito do novo projeto museográfico para o museu tem como objetivo revisitar algumas das primeiras
mostras do MASP, resgatando elementos de suas expografias e discussões relacionadas a dimensão
participativa. Pedrosa presente trazer de volta os tão debatidos cavaletes de Lina que, embora apresentem
desafios técnicos e de conservação, a radicalidade e atrito que eles representam são importantes para a
atualidade.
Pedrosa destaca ainda que, em relação aos tradicionais moldes de expor “é preciso buscar novas maneiras,
com mais dinamismo e um certo grau de interatividade – que não seja o modelo visitante-espectador
passivo”13 para possibilitar a abertura de campos culturais e a atração de novas audiências para o museu.
O museu busca, neste momento, retomar o projeto original proposto por Lina e Bardi com o intuito de
resgatar, através do novo circuito expográfico, a história do MASP, se mantendo vivo e aberto à cidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARDI, Pietro M. The Arts in Brazil - A new museum at São Paulo. Milão: Del Milione, 1956.
__________. Museu de Arte de São Paulo. Catálogo das pinturas, esculturas e tapeçarias. São Paulo: Habitat,
1963.
__________. "20 anos do Museu de Arte de São Paulo". Mirante das Artes, n° 5. São Paulo: set.-out.
1967.
__________. MASP novo. Mirante das Artes, n.11. São Paulo: set.-out. 1967, p.12.
__________. A Rainha, o Dr. Assis e o museu. Mirante das Artes, n.12. São Paulo: nov.-dez. 1967. p.1213.
__________. Masp Ano 30. São Paulo: Masp/Secretaria da Cultura do Estado, 1978.
__________. Museu de Arte de São Paulo. Rio de Janeiro: Funarte, 1981.
__________. 40 anos de Masp. São Paulo: Crefisul, 1986.
__________. História do Masp. São Paulo: Instituto Quadrante, 1992.
BO BARDI, Lina. Função social dos museus. Habitat, n. 1, out.-dez., 1950, p. 17.
__________. O Novo Trianon. 1957-67. Mirante das Artes n.5. São Paulo, 1967. p. 20-23.
12
Sobre a polêmica do fechamento do vão ver: GUERRA, Abilio. Os retrógrados. Sobre o fechamento do vão livre
do Masp. Minha Cidade, São Paulo, ano 14, n. 160.05, Vitruvius, nov. 2013. Disponível em:
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/14.160/4961>. Acesso em: 23 ago. 2015.
É preciso preservar o vão. Estadão, São Paulo, nov. 2013. Disponível em:
<http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,e-preciso-preservar-o-masp-imp-,1098579> Acesso em: 23 ago. 2015.
13
O futuro está no passado. Anuário Bamboo 2015. São Paulo, p.70-72, 2015.
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CANAS. A. T. MASP: Museu Laboratório. Projeto de museu para a cidade (1947-1957). Tese
(Doutorado) FAU-USP, 2010.
CANAS, A. T. MASP - Museu Laboratório. Museu e cidade em Pietro Maria Bardi. Arquitextos (São
Paulo),
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150,
p.
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2012.
Disponível
em:
<http://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.150/4450>; ISSN/ISBN: 18096298.
CANAS, A. T. A Revista Habitat e o Museu de Arte de São Paulo. In: Seminário Internacional
Representações da Cidade no Mundo Lusófono e Hispânico, 2013, Rio de Janeiro - RJ. Anais do
Seminário Internacional Representações da Cidade no Mundo Lusófono e Hispânico. Rio de Janeiro:
FAU-UFRJ-PROARQ,
2013.
p.
1-14.
Meio
de
divulgação:
Digital;
ISSN/ISBN:
9788588341579. Novembro 2013.
EYCK, Aldo Van. Um dom superlativo. Museu de Arte de São Paulo. São Paulo: Instituto Lina e P.M.
Bardi. Editorial Blau. 1997.
FARIAS, Agnaldo. O fim da arte segundo Nelson Leirner. São Paulo: Secretaria do Estado de Cultura,
1995.
FERRAZ, Marcelo Carvalho (org.) Lina Bo Bardi. São Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1993.
GUERRA, Abilio. Os retrógrados. Sobre o fechamento do vão livre do Masp. Minha Cidade, São Paulo,
ano
14,
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160.05,
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Disponível
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É preciso preservar o vão. Estadão, São Paulo, nov. 2013. Disponível em:
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LEONELLI, Carolina. Lina Bo Bardi [experiências] entre arquitetura, artes plásticas e teatro. São Paulo:
FAUUSP, 2011, p.200.
MIRANTE DAS ARTES. 1967-68: 1-12.
__________. Editoral. Mirante das Artes n.5. São Paulo, set.-out. 1967, p.9-10.
__________. O programa do MASP. Mirante das Artes n.7. São Paulo, jan.-fev. 1967, p.11.
RODRIGUES, Mayra. Exposições de Lina Bo Bardi. São Paulo: FAUUSP, 2008.
RUBINO, Silvana; GRINOVER, Mariana. (Orgs.). Lina por escrito: textos escolhidos de Lina Bo Bardi.
1943-1991.São Paulo: CosacNaify, 2009.
TENTORI, Francesco. P.M. Bardi. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 2000.
AGRADECIMENTOS
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq pelo apoio financeiro, à
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Design da Universidade Federal de Uberlândia – FAUeD/UFU,
à Biblioteca e Centro de Documentação do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, ao meu
orientador Prof. Dr. Adriano Tomitão Canas e à coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Teoria e
História da Arquitetura e Urbanismo – FAUeD/UFU Prof. Dr. Maria Beatriz Camargo Cappello.
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