NA COVA DOS LEÕES De Nielson Menão Premiado no XII concurso capixaba de dramaturgia, categoria adulto, 1991. Atenção: Texto registrado e distribuído em caráter puramente de uso e leitura PESSOAL. Todos os direitos reservados aos detentores legais dos direitos da obra. Para a representação e comercialização legal da peça, entrar em contato com o autor através do e-mail: [email protected] 1 CENAS E PERSONAGENS: Prólogo: Na rua Juca Cena 1: Ecologistas de plantão Executivo Atleta Suzana Garoto alérgico Outros Cena 2: O casal Airton Anelina Cena 3: Hospital São Judas Tadeu Recepcionista Cena 4: Santa Casa Irmã de caridade Dr. Santinho Cena 5: Hospital do Estado Mulher Alice Clínico Pediatra Diversos pacientes Cena 6: Agência do SUS Secretária Dr. Balduíno 2 Cena 7: Casa de Juca Chica Mãe Cena 8: Hospital do Estado. (Três dias depois) Juca Chica Mãe Mulher 3 Ato único Prólogo Rap do prólogo É a dura realidade social Eu vou dizer agora da situação A minha a sua, a violência ta na rua Ta na sua cara, ta na sua casa O cidadão que paga imposto Não tem o que precisa Não tem a segurança do seu dia a dia A minha vida, a sua vida Não vale nada, virou uma piada Só que eu não acho graça e não vejo saída O deputado discursa no congresso nacional Faz acordos duvidosos, cria leis que não funcionam Não acaba com a desigualdade social O que importa é aumentar impostos Ficar no poder, se reeleger, se dar bem (Coro) São tantas promessas de um futuro melhor Palavras bonitas de um futuro melhor Discursos bonitos de um futuro melhor Quero ver vir aqui fazer acontecer E o trabalhador vive na honestidade Não tem tranqüilidade, dignidade Só tem dificuldade sofre com a burocracia Refém da bandidagem e da malandragem A polícia é uma instituição, a serviço do cidadão É mentira, ela só protege poderosos E o patrimônio público da nação Que não é meu nem seu e de nenhum irmão Serve para assustar, serve para reprimir E não manter a ordem como diz a lei 4 Esse sistema (todo) ta errado, são muitas as questões Estamos perdidos na cova dos leões. (A cortina se abre lentamente. Uma voz de noticiário policial narra) Voz: “À noite quando se dirigia à padaria para comprar um litro de leite para seu filho, Juca Carneiro da Silva foi vítima de um latrocínio. Um gesto qualquer da vítima foi interpretado pelos agressores como um ato de resistência. Juca recebeu um tiro na testa e uma facada no abdome. Os assaltantes não tiveram muito que roubar. Alguns trocados e um relógio, herança de seu pai. Levaram-lhe também seus documentos”. Cena 1: AS ECOLOGISTAS DE PLANTÃO. (Quando a voz termina a narração, a cortina já estará totalmente aberta, com a iluminação adequada. Ouve-se um grito lancinante de dor, é Juca que volta a si e dá conta do acontecido. Ao grito de Juca funde-se o grito das ecologistas que aparecem em passeata portando faixas e cartazes tipo: “Salvem os pingüins do pólo norte”, “Acabem com a matança das baleias.” E outras da moda. Uma ecologista trará uma jibóia no pescoço. Ao verem Juca deitado no chão com as tripas fora do abdome e o cérebro vazando por um buraco na testa param indignadas. Juca dá outro grito.) Canção das ecologistas: Está na hora de lutar Ou amanhã não existirá Vamos juntos, vamos todos Novos ares respirar Vamos juntos, vamos todos Novos ares respirar. Nossos rios, nossos mares É preciso respeitar Nossa fauna, nossas matas É preciso preservar CAMADA DE OZÕNIO. AQUECIMENTO GLOBAL. Salvem, salvem o planeta terra Salvem da destruição 5 Salvem o planeta terra Salvem da destruição Salvem! Os nossos mares Salvem! Nossas florestas A água que bebemos Á está no fim Salvem! Os animais Salvem! A natureza Salvem! As nossas vidas O planeta terra CENA 1 – AS ECOLOGISTAS DE PLANTÃO Catitas – Gente, que é isso? Paula – Meu Deus... Que é isso? Catitas – Vejam que cena chocante. Catitas, Rafael Franco e Rafael Haui – Chocante... Chocante. R. HAUI – O senhor vai ser denunciado por atentado contra a natureza. Juca – (Gritando e gemendo) Aiiiiiiiiii... R. Franco – Vamos leva-lo à delegacia mais próxima, Cássia. Cássia – Atentado contra a natureza dá cadeia sem direito à fiança. Juca – Me ajuda... Cássio – Moço... o senhor não percebeu a gravidade de seu ato? Eu acho que não Cássia. Levanta daí, moço. Juca – Graças a Deus... Catitas – Graças a Deus? Graças a Deus o quê? Juca – Vocês chegaram. Me ajudem... Aiiiiiiiiiiiiii Thais – O senhor é surdo, ou está se fazendo de besta? Olha o estado deplorável que está ficando a grama, né amor. Catitas – Deplorável? Deplorável é pouco... R. Haui – O senhor sabe quanto tempo leva pra formar um gramado como esse? Thais – Olha a poça de sangue coagulado que se formou no gramado, Cássia. 6 Paula – Ele nem imagina que esse tipo de grama está em extinção. Catitas – Extinção... Sabe o que é extinção, moço? Acho que não Cássia... Thais – O senhor não tem consciência ecológica, moço? Não deve ter não, né amor? Ana – Não percebe que está abalando o equilíbrio do sistema planetário em que vivemos? Nielson – Acho que ele quer acabar com toda a grama do país. Cássio – E provocar um buraco ainda maior na camada de ozônio. Catitas – O senhor está colaborando para aumentar o buraco da camada de ozônio. Não percebeu não, moço? Márcia – Moço levante-se da grama, por favor... Olha que nós estamos falando por bem Rafael Franco – O senhor sabia que nossa Organização pode tomar medidas drásticas contra o senhor? Cássia – Na verdade não gostaríamos de prejudicá-lo por isso estamos falando por bem. Vamos moço, levante-se. (Juca a muito custo, segurando as tripas que vazam pelos seus dedos e o cérebro que se derrama pela testa, consegue ficar em pé, cambaleante. Todos aplaudem). Catitas – Viu como o senhor conseguiu? Sabia que ia conseguir. Juca – Ai me ajudem... Cássio – O senhor sabe quanto tempo vai demorar pra crescer de novo essa grama aí onde o senhor estava deitado? Thais – Acho que ele nem faz idéia, né amor? Márcia – Todos nós precisamos colabora com a natureza, moço. Senão daqui a pouco vai ser uma destruição só. Todos – (Desencontradamente) Uma destruição só. Juca – (Cai novamente ajoelhado e com muito custo balbucia). Preciso de ajuda. 7 Cássia – Todos precisamos de ajuda ou no futuro não restará nada em cima da terra. Paula – Nenhuma árvore, nenhum rio, nenhum animal, nenhum shopping center. Cássia – Só areia. Todos – Só areia. Paula – Igual no deserto do Saara. O senhor sabia que o deserto do Saara já foi uma exuberante floresta? Thais – Cheia de gramados lindos como esse do nosso parque? Cássia – E com uma floresta tropical, com uma riquíssima fauna e flora? Cássio – Cheia de borboletas, passarinhos, araras? Paula – Macacos, onças e jaguatiricas? Rafael Franco – E olhe só a que estado ficou reduzido hoje. A nada. Catitas – A nada... Thais – No deserto não tem vida, moço. É impossível viver lá, sabia? Né amor? Cássio – Junte-se a nós, moço. Ainda é tempo de salvar a natureza. Catitas – Temos que despertar em todos a consciência ecológica. Ana – Os homens precisam parar de matar passarinhos. Cássia e Thais – Jacarés. Paula e Ana – Baleias. Nielson – Focas. Cássia e Thais – Golfinhos. Nielson - Ursos polares. Paula e Ana – Atuns Márcia e Rafael Franco – Peixes-bois. Thais – Formigas... (Longo tempo, todos se olham) Né amor. Cena 2 – O CASAL 8 (Entra um casal num carro vermelho. Estão indo para algum restaurante jantar. Ela está bem vestida, com jóias. O carro pára perto de Juca que cai novamente ajoelhado). Juca – Graças a Deus! Airton – Meu Deus! O que aconteceu? Angelina – Que horror! Vamos embora. Airton – Espere. Angelina – Acelera Airton! Juca – Me leva prum hospital, moço. Eu ia comprar leite pro meu filho mais novo quando fui assaltado. Me levaram tudo. Eu to com a barriga cortada... Me deram um tiro no meio da testa. Airton – Onde estão os assaltantes? Angelina – Eu falei que a gente não devia passar por esta rua. Não falei Airton? Este lugar está cheio de bandidos. E você ainda pára prum desconhecido. Nem sabemos quem ele é. Airton – Calma, Angelina. É só alguém que precisa de ajuda. Angelina – E eu tenho cara de Madre Teresa de Calcutá pra ajudar todo mundo que precisa? Airton – (A Juca) Os bandidos eram muitos? Estavam armados? Podemos chamar a polícia para o senhor. Juca – (gemendo) Nããããããããããããã! Angelina – Ta vendo? Ele não quer ajuda. Juca – Preciso ir para um hospital. Não agüento mais. Airton – O senhor perdeu muito sangue? Angelina – Claro, Airton, não está vendo a camisa dele toda ensangüentada? Juca – Me leva prum médico, pelo amor de Deus. Airton – Claro... Claro. Angelina – Não senhor... Não está vendo que pode ser um assaltante? Airton – Não tem cara de assaltante. Angelina – Não tem? Você é mesmo um idiota, Airton. 9 Airton – Não precisa fazer cena, Angelina, meu amor. Eu disse somente que ele não tem cara de assaltante. E não tem. Olhe só para ele. Angelina – Airton? Cena? Eu sou de fazer cena? Airton – Ta bom... Ta bom... Angelina – Se todos os assaltantes tivessem cara de assaltante, você não acha que a polícia já teria prendido todos eles? Airton – Meu bem... Calma... Também não é assim. Você anda vendo muita televisão. Nem todo mundo é bandido. Angelina – Se ele subir eu desço. Se entrar eu saio. Airton – Meu bem seja compreensiva. O homem sofreu um acidente. Angelina – Acidente, não... Juca – (Gemendo) Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii! Angelina – Assalto, é diferente. Airton – Tudo bem, assalto. Mas ele precisa de ajuda. Angelina – E depois vai sujar todo o carro. Se ele pelo menos estivesse limpo. Airton – Amigo, desejo-lhe boa sorte! Infelizmente não posso ajudá-lo. Espero que o senhor compreenda, não quero brigar com minha esposa. Angelina – O senhor pode caminhar mais um pouco. O Hospital São Judas Tadeu não fica muito longe. Airton – Isso mesmo. O hospital está a poucos quarteirões daqui. O trânsito já não está tão movimentado e não há nenhum problema em caminhar. Angelina – É mesmo, a noite está fresca, poderá fazer bem ao senhor. Acelera Airton, já é quase meia noite. (Vinheta). Juca – Meu Deus... Meia noite... O leite do menino. CENA 3 – HOSPITAL SÃO JUDAS TADEU. (Airton acelera e sai. Juca caminha com dificuldade. Aos poucos o cenário com os dizeres de: “Hospital São Judas Tadeu”, vai entrando em cena, como se Juca estivesse caminhando e se aproximando do hospital. Quando o cenário estiver totalmente em cena, entra a recepcionista. Durante o transcorrer da cena uma voz da enfermaria chama alguns doutores, como nos filmes 10 americanos, para dar ambientação, tipo: “Dr. Nilton”... Dr. Nilton... compareça ao necrotério). Recepcionista – Nossa! Acidente? Juca – Saí de casa pra comprar leite pro menino. Os bandidos me levaram tudo: a carteira, o relógio... e me rasgaram... e ainda me deram um tiro no meio da testa. Ai como dói. Rece – Vamos atendê-lo imediatamente. É caso de extrema urgência. (Pega uma ficha e caneta) Seu nome? Juca – Juca... Carneiro... da Silva. Rece – (Escrevendo). Da Silva... Idade, seu Juca? Quantos anos o senhor tem? Juca – 27 anos. Rece – Nacionalidade? (Tempo) O senhor é brasileiro, seu Juca? Juca – É. Rece – Sexo ? Juca – Como? Hum? Rece – Sexo? Juca – Secso? Rece – É sexo, seu Juca. Juca – É... Sou homem, né? Rece – (Anotando sempre) Sexo... Masculino. Estado civil? Juca – Sou juntado Rece – Local de trabalho? Juca – Sou ajudante de pedreiro. Rece – Por favor, a carteira da Previdência. Juca – Eu expliquei pra senhora, me roubaram o relógio, o dinheiro do leite e a carteira com todos os documentos. Rece – Eu só quero a carteira da Previdência. Juca – Ai... me roubaram... me roubaram. Rece – Bem, neste caso o senhor deverá estar fazendo um depósito. 11 Juca – Depósito? Em dinheiro? Rece - Sim, Sr. Juca. Um depósito de 36 salários mínimos. Juca – Mas, fui roubado. Não tenho dinheiro. Rece – O senhor poderá estar pagando com cartão. Seu cartão é Visa? Máster Card? (Silêncio) American Express? Credicard? Bem, seu Juca, nós não vamos poder atendê-lo. Nosso hospital não atende indigentes. Juca – Mas a senhora mesmo disse que o meu caso é grave. Rece - Grave é modo de dizer. Se o senhor chegou até aqui é porque não está tão ruim assim. O senhor compreende, não sou eu, de maneira nenhuma que não quero atendê-lo. São ordens do hospital, compreende? Ordens superiores. Juca – Onde posso ser atendido, então? Rece – O senhor pode ir à Santa Casa. Lá eles atendem o senhor. Juca – Minha cabeça dói muito. E o sangue que não pára de sair da minha barriga. Rece – Isso é tudo que posso fazer pelo senhor. Juca – Tem uma ambulância parada aí fora. Será que ela pode me levar? Rece – Sinto muito, mas a ambulância só tem ordens para atender pacientes particulares ou previdenciários. Juca – Mas eu não to me agüentando mais. Ai... Rece – São ordens superiores, seu Juca. É o procedimento da casa. Por mim... Voz – “Por favor, recepcionista de plantão, recepcionista de plantão, compareça à sala do almoxarifado”. Rece – Ah... Desculpe, seu Juca. Estão me chamando. Com licença. Cena 4 – SANTA CASA (Juca fica sozinho no meio da cena. O cenário sai. Ele caminha. O mesmo jogo anterior de mudança de cenário. Uma freira o atende). Irmã – Jesus Cristo! Juca – Preciso de um médico, urgente... Irmã – Jesus Cristo! 12 Juca – Eu saí pra comprar leite pro menino. Os assaltantes me levaram tudo: a carteira, o relógio... e me rasgaram... e ainda me deram um tiro no meio da testa. Ai, meu Deus. Irmã – Jesus Cristo. (Tempo) Meu filho, é realmente impossível que depois de tudo isso você ainda esteja vivo. Você deve agradecer a Deus. Isso mostra como Nosso Senhor é misericordioso e ama seus filhos. É um verdadeiro milagre! (A freira toca uma campainha). Mas não se preocupe, meu filho, Deus é grande. (Entra Dr. Santinho, de óculos, calvo, vestido com um clássico pijama listrado por baixo do guarda-pó, com um estetoscópio no pescoço). Irmã – Veja só este caso, Dr. Santinho! Ele saiu para comprar leite para o filho. Pobre criança! Alguns assaltantes levaram tudo: a carteira, o relógio, o carro... Juca – O carro não. Irmã – Ai graças a Deus, senão o prejuízo ia ser maior. Juca – Eu disse que carro não. Irmã – Mas o senhor não disse que eles tinham levado tudo? Juca – Mas era tudo que eu tinha. Irmã – Eu entendi, meu filho. Juca – Eu não tenho carro, irmã. Nunca tive. Eu não sei nem dirigir. Irmã – E o senhor estava andando a pé numa hora dessas? Não sabe que é perigoso? Juca – Ainda era cedo, irmã. Fui comprar leite e pão pro menino. Irmã – Eu não sei onde vamos parar com tanta violência. Como se não bastasse roubar, ainda atentaram contra sua vida. Meu Jesus misericordioso. Abriram-lhe o abdome e lhe deram um tiro na testa. Veja, doutor, bem no meio da testa. O senhor não acha que é um verdadeiro milagre este homem estar vivo? Quantas pessoas por muito menos perdem a vida deixando viúvas e filhos pequenos, desamparados. O senhor tem que agradecer a Deus pelo milagre, meu bom homem. Dr. Santinho – (Em tom profissional). A senhora tem razão, irmã. O caso é muito grave. Ele continua perdendo muito sangue. É um verdadeiro milagre que não tenho morrido. Precisa urgentemente ir à mesa cirúrgica. Irmã – Muita obrigada doutor. Desculpe chamá-lo a essa hora. Já passa de uma hora. Deus lhe pague. 13 Dr. Santinho – Não seja por isso, irmã. Estamos aqui para servir a todos que necessitam do nosso conhecimento. (Sai) Irmã – Seu caso é grave, meu filho. Se o Dr. Santinho disse que é grave, é porque é. Ele é o melhor cirurgião desta cidade. Juca – É ele quem vai me atender? Irmã – Oh, não meu filho. Fiquei tão afobada pelo milagre que me esqueci de lhe dizer. A Santa Casa não tem serviço de pronto socorro. Juca – Não? Irmã – Não. Por isso não vamos poder atendê-lo. Irmã – Mas porque veio aqui? Juca – A moça do hospital São Judas Tadeu me disse que eu não podia ser atendido lá porque não tinha comigo o cartão da Previdência, aí ela me mandou vir aqui. Irmã – Vagabunda! Estão cansados de saber que aqui não temos pronto socorro. Perua, sem vergonha. Só porque estava sem o cartão ela não atendeu o senhor? Deus me perdoe, mas estas coisas me causam profunda revolta. Espere aqui, meu filho, já volto. (Sai. Juca aproveita para catar pedaços do cérebro pelo chão e arrumar as vísceras. A irmã volta com um vidro e uma pinça). Irmã – Onde se viu, meu filho, ficar perdendo os miolos aonde passa e ninguém fazer nada? Veja: vou colocá-los neste vidro. Depois a gente fecha e os pedaços ficam em segurança. Você não vai precisar ficar com esta mão na testa, que até causa má impressão. Pronto! Leva assim. Vá ao Hospital do SUS que eles atendem qualquer um. Juca – Muito obrigado, irmã. Depois eu venho devolver o vidro pra senhora. Irmã – Não precisa agradecer. E pode ficar tranqüilo, meu filho. É só amanhecer e telefono ao hospital São Judas Tadeu para me queixar da recepcionista. Ande logo que seu caso é grave. Você viu o que o Dr. Santinho disse. Deus o acompanhe. CENA 5 – HOSPITAL DO SUS. (O cenário da Santa Casa sai da mesma maneira que os outros. Juca caminha para o Hospital do Sus, que aparece no palco da mesma forma que os anteriores. Alguns doentes esperam para serem atendidos, uns sentados no 14 chão gemendo, outros encostados como podem. No atendimento, uma mulher de idade indefinida, com um crachá, preenche as fichas. Juca se encosta-se ao balcão). Mulher – O senhor que fazer o favor de entrar na fila? Juca – Preciso de um médico urgente. Fui assaltado... Levei um tiro e uma facada. Estou me sentindo mal. O meu caso é grave, Mulher – Aqui todos os casos são graves. Ou o senhor pensa que as pessoas vêm aqui porque não tem onde ir? (Todos da fila balançam a cabeça afirmativamente). Não é porque este hospital pertence ao estado que qualquer um faz o que bem entende. Onde não há ordem não há eficiência, como diz nosso secretário da saúde. (Juca vai se arrastando para o último lugar da fila). Lidar com gente ignorante é a pior coisa que existe. Mas como diz o secretário da saúde, a gente precisa ter paciência para atender bem a todo mundo. (Todos da fila balançam a cabeça afirmativamente. Música. Todos cantam e dançam). Não venha bagunçar o meu coreto Espere a sua vez no seu lugar Se você chegou agora, fique na sua, ou vai pra rua Não crie problemas, nem provoque confusão As coisas por aqui andavam muito bem Mas, você chegou querendo botar banca, vê se te manca. Não se preocupe, sua hora vai chegar, Toda atenção do mundo eu vou lhe dar. E você poderá falar, reclamar e até chorar. Mas uma coisa eu preciso lhe dizer Abençoado o país em que nascemos Feliz cada criança será quando crescer Pois o progresso, a ordem e a decência Nós deixaremos como herança, Pois de um futuro melhor, Nós somos a esperança. E abra os olhos, meu amigo Que a modernidade chegou E você não se tocou 15 Agora são outros tempos, mais modernos E tudo vai bem de norte a sul, neste país Viva nosso país idolatrado, salve, salve A classe dominante é chocante E se preocupa com nosso bem estar Mas uma coisa eu preciso lhe dizer Abençoado o país em que nascemos Você não acredita? Porque será? Você pensa que faço piada? Porque será? Solte uma gargalhada e deixe tudo como está Ah, ah, ah, ah. (A coreografia terá um final apoteótico, terminando com Juca no balcão para ser atendido). Mulher – Está vendo? O senhor ficou na fila e não morreu. Trouxe a carteira da Previdência? Juca – Eu sai para comprar leite pro meu menino e fui assaltado... Levei um tiro... e uma facada na barriga. Mulher – Esse pessoal precisa aprender a responder o que a gente pergunta. Não estou perguntando se o senhor foi assaltado, se levou um tiro ou dois, se foi esfaqueado ou não. Eu só lhe perguntei se está com a carteira da Previdência. Juca – Tenho a carteira. Mas foi roubada. Mulher – (Surpresa) Roubada? E o senhor não providenciou outra? Juca – Ainda não. Como estou me sentindo mal, resolvi vir até aqui primeiro. Mulher – Mas é um absurdo! Como é que o senhor anda por aí sem a carteira da previdência. E se acontece um acidente, como é que fica? Uma pessoa sem documentos não é um cidadão, é um marginal! É como diz o nosso secretário da saúde: precisamos moralizar o atendimento hospitalar! (Silêncio. A mulher pega uma ficha). Aqui nós só atendemos indigentes. Quem é do Sus a ordem é não atender. Mas vou abrir uma exceção e colocar o senhor pra ser atendido. Vou preencher a ficha, mas antes faça o favor de desencostar do balcão. Não vê que está sujando tudo de sangue? É como diz o nosso secretário da saúde, um órgão público tem que dar o exemplo de limpeza. Nome, por favor. 16 Juca – Juca Carneiro da Silva. Mulher – (Soletrando e escrevendo) Ju-ca... Cor-dei-ro. Juca – Cordeiro não senhora, Carneiro. Mulher – Vou fazer uma fezinha amanhã no bicho. O senhor sabe que número é o Carneiro? Juca – Não senhora. Mulher – Brincadeirinha, seu Juca. Isso é pra descontrair. Sexo? Mas-cu-li-no! Idade? Juca – Vou fazer 28. Mulher – Vinte e sete. Endereço? Juca – Invasão de Itapuã. Mulher – Estado civil? Solteiro? Juca – Sou ajuntado, sim senhora. Mulher – Profissão? Juca – Ajudante de pedreiro. Mulher - Escolaridade? Juca – Eu parei na segunda série, pra trabalhar. Mulher – Nome do cônjuge? (Juca não entende) Nome de sua mulher? Juca – É Francisca... Maria da Silva. Mas o povo chama ela de Chiquinha, de Chica. Mulher – Quantos filhos, seu Juca, e idade de cada um? Juca – Bom... Tem a Silvaneide de 7, o Instaley Fitizgeraldi de 9, o Jon Quenedy de 10 e Bento XVI que não completou ano ainda. Mulher – Quanto o senhor ganha por mês? Juca – Às vezes dá pra ganhar quase dois salário. Mulher – Sua esposa trabalha? Juca – Sim, senhora. Mulher – Onde? Juca - Em casa mesmo... Cuida dos menino, lava as roupa, minha mãe ajuda ela. 17 Mulher – Seu Juca eu perguntei se ela trabalha fora. Juca – Ah, não senhor! Mulher – Quantos cômodos tem a casa onde o senhor mora? Juca – Essa que a gente mora agora até que é boa. Tem uma cozinha e um quarto que cabe todo mundo. Pra fora tem a privada e o tanque que a gente divide com mais dois vizinhos. Mulher – É casa própria, cedida ou alugada? Juca – A gente paga aluguel, sim senhora. Mulher – É de alvenaria ou madeira? Juca – Alvenaria. Mulher – Quanto o senhor paga de aluguel? Juca – Eu nem sei direito. É a mulher a que acerta tudo isso com o dono da casa. Mulher – Como? Juca – Quando eu recebo meu salário eu entrego o salário na mão da Chica e ela paga tudo o que tem que pagar e compra as coisa pra casa. Mulher – Água encanada? Juca - Sim, senhora. Mulher – Esgoto ou fossa? Juca – É fossa, sim senhora. Mulher – Luz elétrica? Juca – Sim, senhora. Mulher – Quanto o senhor gasta por mês com alimentação? Juca – O que sobra do aluguel só que sempre falta. A mulher gosta de comprar um carninha de vez em quando, mas é difícil. Mulher – Vestuário? (Tempo) Quanto o senhor gasta com roupas? Juca – Não sei, não senhora. A mulher compra de uma amiga dela que traz do Paraguai. Compra a prazo. A gente ta sempre devendo. Mas não é todo mês que ela compra, não senhora. Mulher – Com instrução? (Explica melhor). Quanto o senhor gasta com escola para os filhos? 18 Juca – Nada, não senhora. Mulher – Com transporte? Juca – Eu só tenho uma bicicleta usada. De vez em quando eu compro uma peça pra ela, quando quebra. Sempre quebra... a bicicleta ta meia velha... Mas não dá muito gasto, não senhora. Mulher – Lazer? (Explica melhor) O senhor vai com sua esposa a restaurantes? Boates? Teatro? Viagem de férias? Juca – Não senhora, a mulher só vai na casa de umas conhecida dela, mas é tudo perto de casa mesmo. Mulher – O senhor pode aguardar um momento. Pode sentar ali naquele banco. (Juca senta. A mulher sai. Juca fica um largo tempo sozinho. Entra uma mulher loira, roliça, com uma ficha na mão). Alice – (Chamando) Senhor Juca Cordeiro da Silva. (Ele se apresenta). Juca – É Carneiro. Carneiro da Silva. Alice – Mas aqui está escrito Cordeiro. Juca – Eu expliquei pra outra mulher que era Carneiro. Alice – Vamos corrigir para não haver equívocos depois. (Corrige). Car-nei-ro. Da próxima vez o senhor precisa dar o nome corretamente. O que o senhor sente, Seu Juca? Juca – Estou tentando segurar os miolos que teimam em sair pela testa... (Mostra o buraco de bala na cabeça) E a tripas que não param na barriga. (Alice sorri compreensiva). Alice – Vamos aos poucos, seu Juca. Como diz o nosso secretário da saúde, temos que ter método se quisermos fazer um bom atendimento. O senhor sabe, aqui estamos construindo um hospital modelo. Chegaremos às causas de seu mal, por ora apenas pergunto o que sente. Se sente alguma dor. O senhor me compreende? Juca – Sinto muita dor, doutora. Me dói a cabeça e a barriga. Alice – Certo. Mas não me chame de doutora. Sou enfermeira. O doutor vai atendê-lo depois. Somente preencho esta ficha. A que horas o senhor começou a sentir dores? Juca – Desde às 10 da noite. 19 Alice – Bem, agora são 4 da madrugada. (Anota numa ficha). “Paciente informa que a partir das 22 horas foi acometido por fortes dores na cabeça, à altura da testa, na região mediana, cerca de dois centímetros acima da base do nariz e de forte dor no abdome, que se irradia em faixa do hipocôndrio direito ao esquerdo”. (Olha para ele). O senhor costuma sentir estas dores com freqüência, seu Juca? Juca – Não, senhora. Alice – É a primeira vez? Juca – Fui assaltado... levei um tiro na testa e uma facada na barriga. Alice – O senhor costuma beber? (tempo). Quando isto aconteceu o senhor tinha bebido ou estava sóbrio? Juca – Não senhora. Alice – Tinha bebido? Juca – Não, senhora, eu não bebo. Alice – Sóbrio? Juca – Não bebo. E também não fumo, nem jogo. Alice – Certo, seu Juca. O doutor já virá atendê-lo. (Entra o clínico geral, com estetoscópio e outros aparatos para exame. Faz sinal à enfermeira que lhe passa a ficha que lê com muito interesse. A enfermeira sai para buscar a maca). Clínico – O senhor está sentindo estas dores desde às 10 horas? Juca – É, sim senhor. Foi a hora que fui assaltado. (Alice entra com a maca) Clínico – Deite-se, Seu Juca. (O clínico dá a ficha para Alice. Juca deita-se na maca. O clínico ausculta-o, mede-lhe a pressão arterial. Entra outro médico trajando jeans, jaleco branco e calçando sandálias. Alice mostra a ficha de Juca para o pediatra). Clínico – O que você acha? Pediatra – É, parece grave. Clínico – Também sou desta opinião. Pediatra – Mas, como foi? Clínico – Ele diz que foi assaltado às 10 horas da noite. Levou um tiro na testa e abriram-lhe o abdome com uma faca. Parece-me uma faca de cozinha. 20 Pediatra – É, também acho. A faca devia estar muito amolada. Clínico – O corte parece bastante profundo. Pediatra – Mas ele não reagiu? Clínico – Se reagir é pior. Outro dia, um conhecido do chefe da minha esposa, foi assaltado em plena luz do dia. Disse que o ladrão veio de bicicleta, encostou a faca na jugular do infeliz e se ele gritasse seria cortado ali mesmo. E foi coisa rápida. Não deu tempo nem de reagir. Pergunta se tinha algum policial por ali. Alice – Tinha algum policial por ali? Clínico – Imagine. É ruim de ter. Pediatra – Isso foi na rua? Clínico – Na calçada. O coitado levou o maior susto. Estava caminhando na calçada. Em plena luz do dia. Esse negócio de dizer que só acontece à noite, em lugares de pouco movimento... Já não é mais assim. Pediatra – É, os bandidos estão atrevidos agora. Mas é o que sempre digo. Não tem justiça nesse país. Enquanto não tiver justiça a coisa vai daqui pra pior. Clínico – E depois, também, é a questão da impunidade. A polícia prende hoje e amanhã solta. Pediatra – Vocês viram outro dia, no noticiário da televisão? Alice – Deus me livre, nem televisão eu vejo mais. Clínico – Eu também... Raramente dá pra ver alguma coisa. Geralmente eu gosto de ver algum filme, quando estou à toa, em casa. Alice – Eu já deixei de ver televisão por causa do plantão. Eu até gostava de ver novela. Mas quando está no melhor da história era escalada para o plantão. Clínico - É pra gente que trabalha em horários alternados, não dá para acompanhar nada. Ainda mais novela, que demora mais de um ano pra terminar. Alice – Eu estava acompanhando aquela do médico que era conquistador. Como é que chamava aquela novela? Oh, meu Deus... Eu estou ruim pra guardar nomes... Pediatra – Outro dia, no noticiário da meia noite, mostrou aquela mulher que estava na parada de ônibus, com uma criança de oito meses e meio no colo. 21 Alice – Ah... eu vi. Meu Deus, que horror. Como é que mostram uma coisa dessas na televisão? Clínico – Eu vi também. Ela recebeu uma coronhada tão forte no septo nasal que a criança foi lançada a mais de três metros de distância. Alice – Era dia claro, também. Pediatra – É... devia ser umas cinco e meia. Tava claro. Além de fazerem o que fizeram com a criança, os bandidos levaram tudo da pobre mulher. E o pior é que ninguém faz nada. Alice – É por isso que eu sou a favor da pena de morte. Não tem nada que ficar sustentando vagabundo na cadeia. Clínico – Eu também... Tem casos que só a pena de morte resolve. Sou favorável para os crimes bárbaros, quando se mata um pai de família. Ou então, seqüestro com morte, assalto seguido de morte, estupro de menores... Alice – Deus que me perdoe, mas às vezes eu morro de medo de ficar neste hospital sozinha, com noites de pouco movimento. Depois que aquela paciente que saia do raio X foi estuprada, Deus me livre, ficar andando sozinha pelos corredores. Clínico – É mesmo. Eu soube do caso. Não sei quem estava comentando outro dia... Pediatra – É... eu soube também. A polícia andou uma semana por aqui, interrogando todo mundo. Clínico – Mesmo assim não conseguiram pegar o tarado. Alice – Pegaram nada. E nem vão pegar nunca. Quando a polícia chegou, o homem já tinha feito o serviço e desaparecido. Clínico – Mas a mulher não conseguiu ver o rosto do bandido? Alice – E como é que vê? Ele arrastou a coitada prum canto escuro. Ela estava com uma crise brava de cálculo renal. A pobrezinha não tinha nem como gritar. E se gritasse todo mundo pensava que era por causa da crise renal. Disse que quase morreu asfixiada de tanto que ele apertava o pescoço dela. Encontraram a infeliz desmaiada. Ela só se lembrava do cheiro que o desgraçado tinha. Disse que o tarado cheirava tão forte, suava e fungava que nem um porco. Eu acho que devia ser algum negão. Mas vai saber... tem tanto negão por aí. Clínico – E até hoje a polícia não conseguiu nenhuma pista? Alice – Polícia? Eles nunca estão onde as coisas acontecem. 22 Pediatra – Se bem que as coisas agora estão melhorando. Eu vi a entrevista do secretário da segurança. Ele disse que o governo está investindo uma fortuna em novos equipamentos e abrindo concurso pra novos policiais. Clínico – Mas já estava na hora mesmo. A violência, nesta cidade, está se tornando cada dia um problema mais sério. E isso é de pouco tempo pra cá. Alice – Muito sério. E não é de muito tempo, não. Sabe aquela rua ali atrás do supermercado? Até pouco tempo dava pra passar sozinha de noite. Eu mesmo... Juca – (Geme) Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii (Todos voltam a atenção para Juca). Clínico – Pois é seu Juca. O senhor chegou às 2 horas no hospital. Já era pra ter sido atendido. O senhor não falou na portaria que seu caso era grave? Juca – Doutor... Ai doutor... eu cheguei aqui e expliquei meu caso à moça a portaria. Ela me disse que todos os casos que chegam aqui são graves, e que eu esperasse a minha vez como todo mundo. Eu esperei. Clínico – Bem, seu Juca. Eu não me meto na parte burocrática. Estou aqui para atender, somente. (Olha para o pediatra). Acho que teremos que pedir ajuda. Não é um caso para nós. Pediatra – Quem está de plantão hoje, na cirurgia, é o Dr. Santinho. Vamos chamá-lo. Clínico – Alice, telefone à casa do Dr. Santinho. Diga-lhe que é um caso de extrema urgência. Ele é o melhor cirurgião da cidade. Alice – Sim, senhor. (Sai). Clínico – É ele quem vai atendê-lo. O seu caso foge ás nossas especialidades. Sou clínico geral e meu colega é pediatra. (Os dois médicos saem. Juca fica sozinho novamente. Levanta a cabeça. Olha de um lado e para outro e adormece. Ronca. Passa o tempo. Galos cantam, o dia amanhece. O clínico entra). Clínico – Mas, o senhor ainda está aqui? Pensei que já houvesse sido operado! Onde está o dr. Santinho? Juca – (Desperta assustado). Não sei doutor. Clínico – Enfermeira... Enfermeira. Alice – (Entrando) Chamou doutor? 23 Clínico – Onde está o Dr. Santinho? Não é possível este pobre homem não ter sido operado até agora. Alice – Meu Deus, eu me esqueci. O senhor me desculpe, doutor. Vou ligar imediatamente. (Saindo) Também, é tanta coisa na cabeça, que a gente acaba esquecendo. Juca – (Sentindo as dores voltarem por estar novamente acordado). Ai... Ai... Ai... Dói muito, doutor. Não agüento mais. Clínico – Tenha paciência, seu Juca. O senhor será atendido pelo melhor cirurgião que nós temos. Tenha um pouco de paciência. Alice – (Voltando). O dr Santinho não está em casa. A esposa disse que está de plantão na Santa Casa. Clínico – Hoje não é dia dele dar plantão aqui? Alice – É, mas ele está lá. O senhor quer que eu ligue para a Santa Casa? Clínico – Não... Não. O dr Santinho deve ter sido chamado lá em virtude de algum caso urgente. Não vamos incomodá-lo... Olha aqui seu Juca, temos que dar alguma solução ao seu caso. Como o senhor sabe, aqui é um hospital modelo, gerido pelo Estado. Alice – Como diz o nosso secretário de Saúde. “Se o hospital, por qualquer razão, não puder resolver diretamente o problema do paciente, deve resolvê-lo, indiretamente, encaminhando-o a outro local.” Clínico – Como o senhor pode ver, deixar o paciente sem assistência, jamais! Alice – Aqui o senhor não ficará ao léu, como ficou até agora. Clínico – Vou encaminhá-lo imediatamente ao Sus para que o senhor providencie outra carteira. Alice – Como o caso do senhor é de extrema gravidade, isso não levará mais de alguns minutos. Clínico – E, ainda, hoje cedo, o senhor será atendido pelo dr. Santinho, que é o melhor cirurgião da cidade, e terá seu caso resolvido. Os dois – O que o senhor acha da idéia? Juca – Ai... O senhor é quem sabe, doutor. Clínico – Sim, faremos isso. Será melhor para o senhor. O dr. Balduíno, que é um dos chefões do SUS, é meu amigo íntimo. Colega de turma, o senhor 24 compreende. Pois vou escrever-lhe uma carta, pedindo-lhe que se empenhe no seu caso. Alice – Sendo protegido por ele, as coisas vão se tornar mais fáceis para o senhor. Clínico – Tenho certeza que ele não deixará de me atender. (Enquanto escreve alguma coisa num bloco de pape). Alice, providencie a ambulância para conduzir o seu Juca ao SUS. (Entrega o papel a Juca e sai). Alice – O senhor está vendo o que é eficiência? É assim que todo órgão público deveria funcionar! (Sai. Juca olha para um lado e para outro. Adormece. Ronca. Entra o clínico vestido com roupa de academia de ginástica). Clínico – Mas não é possível! Quase 8 horas e o senhor ainda está aqui? Enfermeira... Enfermeira. Alice – Sim, doutor... doutor... Ah, desculpe-me doutor, mas esqueci de ver a ambulância. Vou chamá-la imediatamente. (Sai apressada). Clínico – Agora tenho certeza que seu caso será resolvido, seu Juca. Foi até bom o senhor descansar mais um pouco, não foi? Juca – Ai... doutor, não agüento mais tanta dor. Alice – (Voltando). A ambulância não pode sair, doutor. O hospital não tem dinheiro pra comprar gasolina e os fornecedores se recusam a vender, enquanto o débito antigo não for quitado. Clínico – Não é possível! Aposto que o secretário de Saúde não foi avisado disto. Bem, isto é problema administrativo e eu não me intrometo. Estou aqui para dar consultas. Obrigado, dona Alice. (Enquanto o clínico fala, a enfermeira ajuda Juca descer da maca. Em seguida ela sai levando a maca. Juca mal pode se manter nas pernas). Olha, seu Juca, se eu não estivesse saindo do plantão e não estivesse indo para minha aula de aeróbica, eu mesmo faria questão de levá-lo ao Sus. Mas, infelizmente, não posso. Por outro lado, o meu colega já foi embora. Acho que o senhor pode ir a pé. São apenas 5 quarteirões. Até logo, seu Juca. Fique tranqüilo, e não se esqueça do vidro com os pedaços do cérebro. (Sai. Juca fica só por alguns instantes, depois inicia a caminhada, como das vezes anteriores. Uma secretária bem vestida o atende). 25 CENA 6 – AGÊNCIA DO SUS. Secretária – Pois não? Juca – Eu queria falar com o dr Balduíno. Secretária – O senhor tem hora marcada? Juca – Não, senhora, o meu caso é urgente. Secretária – O senhor foi indicado por alguém? Juca – Sim, pelo doutor... aqui está a carta dele. (entrega a carta) Secretária – O dr Balduíno já está para chegar. O senhor aguarde um momento. Pode esperar ali no corredor, por favor. (Juca sai de cena). Balduíno – (Entrando) Bom dia! Secretária – (Gentil. Bajuladora). Bom dia, doutor Balduíno! Balduíno – O secretário da Saúde ligou? Secretária – Não senhor! Balduíno – Algum recado? Secretária – Não senhor. Nada importante. Balduíno – Então,o dia hoje será tranqüilo. Secretária – Com certeza, doutor. Balduíno – Transfira meus compromissos para amanhã. Preciso sair mais cedo hoje. Minha esposa está trocando as cortinas de casa e faz questão que eu ajude a escolher. Secretária – Tenho certeza que o senhor fará uma boa escolha, senhor. Balduíno – Pois eu já não tenho tanta certeza assim. Não confio muito no meu senso de estética para a combinação de cores. Secretária – Imagine, doutor. Tanto o senhor como sua esposa possuem um excelente bom gosto aliado à simplicidade. Todos aqui comentam a decoração de sua casa. O senhor se lembra daquele churrasco com o pessoal da agência, na beira da piscina? Balduíno – Ah, sim no meu aniversário. Não, mas aquela decoração já foi mudada. Minha esposa gosta de mudar tudo com freqüência. Ela lê muito aquelas revistas de decoração, inclusive está pensando em fazer um pequeno jardim no banheiro. Ela me mostrou numa revista. Fica lindo. Eu fiquei encantado. E depois é como se você trouxesse a natureza para dentro do 26 banheiro. Já pensou, pela manhã, quando você se levanta para escovar os dentes? Abre aporta do banheiro e se depara com aquela miniatura de floresta tropical dentro de casa? Secretária – É uma excelente maneira de se começar o dia, doutor Balduíno. Não tenho dúvidas. Balduíno – Avise o motorista para apanhar minha esposa em casa. Juca – (De fora). Aiiiiiiiiiiiii... Não agüento mais. Secretária – Ah! Temos um senhor aguardando aí fora com uma carta de recomendação de um amigo seu, doutor. (Entrega a carta). Baduíno – Pode mandar entrar. Secretária – (Lendo o nome de Juca, na carta, que está nas mãos do doutor) Pode entrar, seu Juca Cordeiro. (Juca entra e a secretária sai). Juca – Carneiro. Balduíno – (Admirado) Não, não, não. O que aconteceu? Juca – É que fui assaltado, levei um tiro no meio da testa e me rasgaram a barriga com uma faca. Me roubaram todos os documentos, o pouco dinheiro que eu tinha e a carteira da Previdência. Por isso não pude ser atendido em nenhum lugar. Balduíno – Mas o senhor procurou um hospital? Juca – O São Judas Tadeu, a Santa Casa e o Hospital do Estado. Balduíno – É revoltante o que o senhor me diz, seu Juca Cordeiro. Juca – Carneiro... Juca Carneiro. Balduíno – São fatos como estes que estamos empenhados em acabar. Estes acontecimentos só servem para desprestigiar a medicina brasileira. Olha, vou lhe contar uma coisa: quando o Superintendente me convidou para ocupar o cargo, sabe qual foi minha reação? Não sabe? Pois eu vou lhe dizer. Disse a ele: “Sr. Superintendente, há muito o que mudar no sistema de saúde. Só aceito se tiver o apoio de V.Sa. para realizar essas mudanças. De outra maneira o cargo não me interessa. Continuarei com a minha clínica, onde conto com excelente clientela”. E sabe o que o Superintendente respondeu? (Juca balança a cabeça negativamente). Exatamente isso: “Convidei-o, Dr. Balduíno, porque quero mudanças. Conheço suas críticas ao sistema de saúde, e, em grande medida reputo-as justas. Quero que ponha no papel todos os senões ao Sistema Previdenciário e nos envie. Farei com que chegue até o 27 ministro”. Como vê, não entrei de gaiato, mas por cima, com o apoio total do Superintendente. (Toca uma sineta. Entra a secretária com grandes arquivos na mão). Sabe o que é isto? Em nove meses fiz o que o Superintendente me pediu, passei tudo para o papel. Consultei estudiosos da questão previdenciária, entrevistei-me com médicos, com autoridades. Analisei judiciosamente todo esse material e o resultado ai está. Como o superintendente queria. Foi uma crítica severa, meu amigo. Pensei até que perderia o cargo. Mas, se assim fosse sairia de cabeça erguida. Mas, aconteceu o contrário. O superintendente não só aprovou o documento, como encaminhou-o ao ministro.Eu sei que o ministro já leu – algumas partes, é claro – e disse que é um documento para ser levado a sério. As mudanças virão, meu amigo. O senhor sabe, este é um país onde os males são seculares, vêm desde a época do descobrimento. Não podemos resolver questões tão arraigadas do dia para a noite. Temos que ter persistência. E isso não nos falta. Veja como a persistência e a determinação são importantes. Há apenas três anos ocupo este cargo e os resultados já começam a aparecer, isto porque em momento algum desanimei diante dos obstáculos. Não sei se o senhor teve a oportunidade de usar algum sanitário da sala de espera dos pacientes desta agência. Se usou, deve ter notado que nenhum, isto mesmo, nenhum sanitário tem assento no vaso. O senhor admite um desleixo desses? Pois desde que tomei posse venho lutando para que os assentos sejam adquiridos. O senhor não imagina quantos telefonemas, cartas, telegramas, telex, viagens à capital, para conseguirmos isto! E o superintendente sempre me apoiando. Finalmente saiu a resolução abrindo edital para a tomada de preço para a compra dos assentos, na última quintafeira. Isto significa que dentro de 4 ou 5 meses já teremos resolvido este problema. (A secretária entra com um assento de vaso sanitário simples). Veja, aqui temos uma amostra dos assentos que serão colocados em todas as agências. Não é uma coisa de luxo, mas também, não é uma coisa de má qualidade (A secretária sai com o assento). O senhor me desculpe se lhe digo tudo isto, mas é importante que saiba que passamos por profundas mudanças no setor da saúde. Juca – Ai... doutor, não agüento mais essa dor. Balduíno – Sim, analisando o seu caso, é inconcebível que tenham lhe negado atendimento, mormente num caso de emergência como o seu. O senhor poderia até ter morrido! O hospital São Judas Tadeu e a Santa Casa poderiam até sofrer um processo por omissão de socorro, mas deixemos isso de lado, 28 agora. O importante é que o seu caso seja resolvido. (Entra a secretária com um bloco de papel na mão). Olha, seu Juca, vou dar-lhe uma recomendação para que a nova carteira fique pronta o quanto antes e o senhor possa ser atendido com urgência. (Escreve num papel, destaca e entrega a Juca). É melhor a ambulância levar o senhor até a sua casa. Se a imprensa vê-lo nesse estado.... Vão escrever cobras e lagartos sobre o sistema de saúde. Mentiras como sempre. O senhor vai até sua casa, toma um banho, troca de roupa e volta. E lembre-se, estamos aqui para mudar. Qualquer problema não se acanhe em me procurar. (Dr. Balduíno sai. Juca fica apalermado como quando entrou. A secretária volta). Secretária – Seu Juca, a ambulância espera pelo senhor no pátio. Juca – Sim, senhora. (Juca sai. Talvez black-out rápido) CENA 7 – CASA DE JUCA. Volta ao lar Toda vez que eu chego em casa Ela está à minha espera Com sorriso bem aberto Vem correndo até o portão Com seu jeito carinhoso Que me alegra o coração. Toda vez que eu entro em casa As crianças tão durmindo A casa ta arrumada Ta com cheiro de limpeza O banho ta preparado E a comida ta na mesa. Toda vez que fico em casa Eu faço uma oração Obrigado, meu senhor Por me dar tanta alegria Por poder voltar pra casa Pro aconchego da família. (Cena da casa de Juca. Estão a mulher, com a criança mais nova no colo, e a mãe de Juca. Ele entra provocando espanto nas duas). 29 Chica – Onde você andou até agora, homem de Deus? Mãe – Calma, Francisca. Meu Pai Eterno. Chica – Eu não falei que ele só ia chegar depois do almoço? Espia só. Mãe – Calma, calma. Meu menino! Chica – E cadê a porra do leite? Cadê? Se esperasse por ele a gente morria de fome. Já sei. Encheu a cara, se meteu em briga e foi dormir na casa de alguma piranha. Mãe – Vem, meu filho. Explica o que aconteceu pra sua mãe. Chica – É pra mim que ele tem que explicar, eu que sou a mulher dele. Mãe – Chica, vamos saber o que houve primeiro. Chica – Além de tudo ainda está faltando no serviço hoje. Mãe – E você acha que ele ia pode trabalha assim? Chica – (Irritada) Eu me entendo com ele, dona Matilde. Mãe – Meu filho nunca foi de vagabundagem, alguma coisa aconteceu com ele. Chica – A senhora sabe que homem nenhum presta. Homem é tudo igual. Mãe – Juca é um exemplo de pai de família, trabalhador e cumpridor dos dever. De casa pro trabalho e do trabalho pra casa. Você num devia tratar dessa maneira um homem como esse que nunca teve nenhum vício. Chica – E a senhora ainda queria que tivesse vício? Com essa merda de salário, ia dar pra sustentar algum vício? Mãe – Ele num tem culpa se a situação está preta e os patrão num paga o salário merecido. Chica – Eu fico aqui, cozinhando, limpando casa, lavando roupa, cuidando de criança: ele sai de casa pra comprar leite e pão, e me chega numa hora dessa, com o sol já alto. A vizinhança toda viu ele chegar. Só o diabo sabe o que vão falar. Eu procuro evitar conversa de vizinha. Faço de um tudo pra não cair na boca desse povo. Aqui só mora mulher de bêbado e vagabundo. Mãe – (Enérgica). Ce qué pará de falá? Chica – Eu ainda nem comecei. E a senhora pára de se intrometer na minha vida. Mãe – Eu to querendo ajudar. Deixa de ser malcriada. Deixa o teu marido explicar o que aconteceu. Fala filho. O que aconteceu com você? 30 Juca – Fui assaltado. Levei uma facada na barriga e um tiro na testa. Chica – E porque não procurou um hospital? Mãe – Isso mesmo, meu filho, porque não procurou um hospital? Assim é que não pode ficar. Juca – E vocês acham que eu estava onde até agora? Mãe – Explica, meu filho. Explica. Juca – Eu tava no hospital. Chica – Mas, nesse estado, você devia ter procurado o pronto-socorro. Juca – Eu também fui no pronto-socorro. Chica – Ainda bem. Juca – Ainda bem, não. Ninguém quis me atender. Chica – Mas, claro que não. Olha o estado miserável que você está. Parece um indigente. Juca – Eles me roubaram tudo. Mãe – Eles quem, meu filho? O pessoal do hospital? Juca – Que pessoal do hospital? Mãe – Ah, sim, do pronto-socorro. Juca – Que pronto-socorro! Os bandidos, os assaltantes. Me levaram a carteira da Previdência e o relógio. Chica – Tudo? O dinheiro do leite também? Juca – Tudo. Tudo. Quase me levaram a vida, também. Mãe – Meu filho, seu caso parece grave. Juca – Eu já ouvi isso a noite inteira. Que o meu caso é grave. Chica – Olha só a camisa dele. Quero ver pra tirar essas mancha de sangue. Juca – Uma freira me arrumou esse vidro pra não perder os pedaço de miolo. Mãe – Dá aqui o vidro, meu filho, pra não quebrar. Chica – Eu tomo de conta. (Toma o vidro da mão da mãe). Se a senhora deixar cair no chão lá se vai os miolo do meu marido. Mãe – Pode deixar que eu sei cuidar do meu filho. Eu sempre cuidei dele sozinha. (Toma o vidro da mão de Chica. Uma puxa o vidro para um lado, a 31 outra puxa para o outro, o vidro escapa das mãos das duas, cai no chão abrindo a tampa e espalhando o cérebro de Juca pelo chão). Juca – Só me faltava essa agora. Depois de tudo o que passei só me faltava perder os miolo na minha própria casa. Eu só vim aqui pra mudar de roupa e voltar pra agência do INSS pra tirar uma carteira nova. Tenho uma recomendação do chefão lá do INSS pra carteira sair mais rápido e eu poder ser atendido com urgência. (A mãe e Chica correm de um lado para outro. Pegam uma colher e um prato e juntam o cérebro espalhado pelo chão, colocando-o cuidadosamente no prato). Chica – Não precisa ficar nervoso. Você também fica nervoso à toa, nunca vi. Tá tudo arrumado aqui no prato. Não vai cair mais. Ta aqui ó... Mãe – Eu vou preparar um banho, e você vai trocar de roupa. Vê se melhora pelo menos a aparência. (A mulher sai correndo e entra com uma bacia. A mãe sai e volta com uma vasilha de água. Ambas tiram com cuidado as roupas de Juca e dão-lhe banho. A mulher costura o talho da barriga com uma agulha de crochê e barbante. A mãe coloca os pedaços do cérebro dentro do buraco da testa. Enquanto trabalham, conversam). Chica – Olha só que confusão que estão essas tripas. Tem muitas que não se aproveitam mais. Mãe – Os miolo ta quase derretendo. Se meu menino não chega a tempo não ia ter miolo na cabeça. Você falou que levou um tiro? (Procura). Só tem o buraco aqui. Cadê a bala? Só se saiu pro outro lado. Chica – Não vai ficar muito bem costurado, não. Eu não tenho prática de costurar barriga. Essa é a primeira. O que importa é que as tripa estão arrumada lá dentro. Mãe – Os médico dão um jeito melhor lá no hospital, depois. Isso é pra não ficar escapando pedaço de tripa por aí. Aqui ta pronto. Pelo menos, miolo não cai mais. Chica – Aqui também ta pronto. Pelo menos não fica com aquela aparência horrível. Toma, veste essa calça limpa. Mãe – Ta aqui a camisa de sair. Tem que ir bem vestido lá pro médico. Senão é capaz de pensar que é marginal. (Juca veste a roupa que lhe dão). 32 Chica – Hoje ele não vai ver médico nenhum. Hoje é só pra fazer o cartão novo da Previdência. Mãe – Mas, o cartão não fica pronto hoje. Chica – Eu não falei que fica pronto. Eu falei que hoje é dia de tirar o cartão. Só isso. Mãe – Depois que tirar o cartão é que vai no hospital, meu filho? Chica – É dona Matilde. Tem que ficar perguntando a mesma coisa toda hora. A senhora não ouviu ele dizer que o chefão lá do INSS arranjou pra tirar o cartão, pra ele ser atendido no hospital, com urgência? Mãe – Já entendi. Já entendi. (Luz) CENA 8 – HOSPITAL DO SUS (Uma semana depois, no hospital do Estado. Juca entra e entrega o cartão novo da Previdência para a recepcionista). Mulher – Ah... Já sei. O senhor esteve aqui na semana passada. É o paciente que foi assaltado e tem que ser atendido com urgência. Como é que o senhor está passando? Chica – A senhora se lembra dele? Mulher – Claro. Vejamos o que posso fazer pelo senhor. Mãe – O médico falou que o caso dele é grave e que tem que ser atendido com urgência. Mulher – Eu sei, claro que eu me lembro que seu caso é grave, meu senhor. E o senhor será atendido, pode ter certeza. Como diz o nosso secretário de saúde. “A coisa mais importante no sistema de saúde é o pronto atendimento do segurado, que é quem contribui para que ele exista”. Mulher – O Dr. Balduíno deu uma recomendação e a carteira da Previdência ficou pronta em cinco dias. Mulher – (Sempre sorridente e solícita). Cinco dias? Agora o senhor já pode marcar consulta como todo segurado, seu Juca. (Examina o livro de consultas) Bem, seu Juca, o Dr. Santinho está com um número de consultas completo para os próximos dias, mas consegui encaixar o senhor para daqui duas semanas, às 10 horas. Está marcado aqui na carteira. Não vai faltar, senão só 33 daqui 60 dias. Vou anotar na ficha do Dr. Santinho. (Escrevendo). Ju-ca Cordei-ro... Juca – (Repentinamente é tomado por uma fúria inexplicável. Agarra a mulher pelo colarinho até enforcá-la. A recepcionista é morta entre as mãos de Juca. Ouve-se suavemente os primeiros acordes do hino nacional. Luz em resistência. Juca termina com a alma lavada) Cordeiro, não! Car-nei-ro. Eu já disse mil vezes: Car-nei-ro. Eu não sou cordeiro. O meu nome é Juca Car-neiro. Juca Carneiro da Silva. FIM Esta peça foi montada pelo grupo Catar-se, em Brasília, estreando em 24 de outubro de 2008 sendo composto pelo seguinte elenco: Márcia Marmori Cássia Gentile Yuri Paz Henrique Lúcio Giulia Grandis Luis Otávio (Catitas) Paula Coury Rafael Franco Rafael Haui Terra Thais Músicos: Cássio Aguiar Paula Ferrari Kamai Freire Pedro Senna Iluminação: Júlio Pavolak Direção: Nielson Menão 34