O GALO DE OURO
Para meu sobrinho
Daniel Carneiro Carneiro,
dedico essa prosa jacuipense.
Pedra Retorcida
Durante algum tempo,
hesitei abrir aquela porta.
O sentido de toda cidade
estava atado, como um nó,
lá dentro. Talvez fosse
o que jamais procurasse:
o sentido das coisas
explicada por trás das portas.
Algumas Ruas também
hesitei atravessar.
Eram incansáveis e longas,
como as noites brincadas
lá fora, onde tudo mais cabia.
Em verdade,
nada procurava
além de um pequeno gole
guardado ou esquecido
por trás daquela porta verde:
sem trancas, maçanetas e levemente arranhada
com a dor de abrí-la.
Os olhos esverdeados
acompanhavam a inquietação do vento
se infiltrando pela porta exilada
como quem fala: ó de casa!
(As Ruas atravessam o tempo não vencido).
Aquela porta que hesitei abrir
largou mão de sua fronteira
e deu lugar a janelas
que me assombram pacientes,
até que o frio as feche novamente.
Faz frio por detrás das portas retorcidas;
o outro nos decifra,
enquanto se esconde.
João Moraes Filho In Pedra Retorcida, 2004.
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Tomei como capricho a difícil tarefa de reconstruir os passos muitas vezes
tiranos dos dois condenados, e também perseguir com afinco sem desanimar em busca das
coordenadas da trilha e que durante toda a minha vida eu passei a decifrar tendo como
ponto de partida algumas pistas que durante o percurso do tempo se tornaram falsas e
inúteis. Devo a minha vitória as forças da natureza e a magia que foram sem dúvida os
meus aliados na titânica empreitada de localizar onde se achava a cidade perdida de
Nashahutê e por conseguinte o Galo de Ouro.
Passei minha vida como bibliotecário da Casa Bahia entre manuscritos, livros
empoeirados e jornais do século passado. Instituição que têm na vanguarda à insígnia
historiadora Consuelo Pondé de Sena, irmã do saudoso amigo e jornalista Edístio Pondé de
Sena, que muito jovem nos deixou de maneira abrupta. Lembro-me de Edistinho, torcedor
fanático do Esporte Clube Bahia, forte, de semblante radiante, nos visitando naquela manhã
de 1972 em nossa aprazível morada. O eterno amigo quando contava com dez anos já
escrevia crônicas no maior jornal de circulação do nordeste daquela época, o jornal A
Tarde, e foi se embora de maneira bárbara deixando para trás todo um futuro promissor
nas letras baianas.
Parte do que fui ganhando com o soldo do meu suor destinei para a minha pesquisa
na compra de equipamentos, manuais, mapas e o pagamento de guias que me levassem a eu
achar em definitivo a minha fonte.
Por trinta anos cruzaram pelo meu caminho toda sorte de tipos detestáveis que me
faziam confundir o norte de minhas coordenadas. Desses tipos execráveis que se
aproximaram quando imaginavam que eu era um caçador de tesouros perdidos. Entendiam
que a minha obstinação perpassava pela trilha do portal da riqueza material.
Quando eu mencionava que estava em busca de Nashautê, logo confrontavam
rumos do tesouro deixado pelo patriarca Afonso Ribeiro nas terras do Salgado. E que a
estátua do Galo de Ouro tornou-se o fantasma para toda aquela gente. Sabia que o pequeno
galináceo fora moldado por um famoso joalheiro em Lisboa e fazia parte da herança
deixada pelos dois degredados quando aqui chegaram na frota de Pedro Álvares Cabral na
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distante data de 1500, em terras de Porto Seguro. E de fato desde que o Galo foi enterrado
nessas terras que estranhas luzes ao cair do sol são vistas no alto do platô despertando a
curiosidade e trazendo toda sorte de especulação a ponto de se fazerem vigília em busca de
que aqueles fachos brilhando na escuridão serem OVNI em visita aquele nicho geográfico.
O galo de ouro existe na memória desse povo. A estátua do animal foi forjada no
melhor metal de vinte um quilate e mede cerca 47 centímetros e com olhos cravejados de
diamantes e na parte da cauda todas as penas eram cravejadas com diversos rubis vindo da
Índia. Em cada esporão havia duas esmeraldas gigantes em formato de cone, dizem que
possue um brilho encantador aos olhos de quem teve o privilégio de admirá-lo.
Foi há cerca de quinze anos atrás numa viagem de reconhecimento de
coordenadas geográficas que numa manhã de sol a pino eu me encontrava na porta de um
grande entreposto comercial que negociavam fardos de mamonas, couro e sisal que escutei
um velho com a idade aproximada de noventa anos, de chapéu de couro de baeta e um
jaleco surrado pronunciar pela primeira vez a estória do galo de ouro.
Esse velho de voz arrastada e tez esturricada pelo sol da caatinga se chamava
Manuel Maia e conversava em tom confidencial, quase balbuciando um segredo que
guardava há sete chaves para o interlocutor de nome João Bretante.
Fiquei de parte, a observar carregadores com sacas de mamonas às costas, no
entrar e sair do armazém e escorado na parede, em plena esquina, ouvir aquele diálogo
revelador entre os dois homens.
- Soube em Pindobaçu, que de Pedras Altas, há um andarilho que estar no
rumo do Galo de Ouro.
Já o outro, se chegando mais próximo, indagou:
- Pelo visto, Manuel falta bem pouco para o galo tornar-se fortuna.
O velho, então, em tom profético, anunciou:
- Desde que eu me entendo que a procura do Galo de Ouro tornou-se a ruína
para muitos homens. Há a maldição e a cada ano que ele vem a tona, subindo dois palmos dos
confins da terra que a estampa da desgraça se apodera desses caçadores de tesouro. Você não
se recorda que em 1930 pelo mesmo Galo, Melquisedec se enforcou na Quixabeira da
Encruzilhada, perto do Rio do Peixe. Somente Pedro Rabada será capaz de verdadeiramente
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descobrir o Galo das entranhas da terra. E pelo que se comenta por lá é que nem mesmo ele tem
qualquer interesse de botar a mão nessa fortuna.
Meio sorrateiro permaneci escutando na esquina e busquei na capanga que trazia a
tiracolo fumo de corda do recôncavo e comecei a fazer um cigarro. Os dois homens se
entreolharam e se despediram para o caminho da feira semanal daquela cidade. O tempo se
mostrava firme, mas inexplicavelmente foi se formando nuvens no céu, foi ficando escuro,
de um nublado com cor de chumbo e em poucos minutos uma trovoada despencou deixando
todos surpresos. Eram os deuses mostrando a face. E encharcado pela chuva busquei abrigo
dentro do armazém. Enquanto permaneci no armazém, passando aquela trovoada, estranhos
diálogos, escutei, de um homem de porte de príncipe, que dialogava com um dos
carregadores, enquanto esse, levava os precisos fardos para uma carroça tendo um asinino
segurando o peso das mercadorias.
-Eu sempre soube que o cão por ter sido belo e poderoso tentou o próprio
Deus, e por isso foi botado para fora do céu. Eu sempre imaginei que quem negocia com o
suor alheio um dia cai em desgraça. É a lei natural do universo. Não se surrupia o que Deus
deixou para que o próprio homem tanja sua história. A pedra de jaspe e sardônio será dada
ao vencedor juntamente com o maná escondido. Será lhe entregue também uma pedra
branca, e na pedra será gravado um nome novo, que ninguém conhece senão aquele que
receber. Apresentarão-se aos olhos dos viventes escolhidos o cimo da jerarquia celeste,
onde estão os sete espíritos de Deus e os Quatro Seres vivos cheios de olhos na frente e
atrás. As suas formas evocam o que há de mais nobre, de mais robusto, de mais sábio e de
mais rápido. Imersos no seio da divindade e lançando os seus olhares sempre despertados
ao mundo eles representam a ação vivificante de Deus sobre as quatro regiões da terra. O
cordeiro imolado de sete chifres, o rolo de papiro, as taças de ouro cheias de perfumes
também serão dadas também ao vencedor. Porém,chegará uma hora em que o cavalo
amarelado da peste cavalgará sobre a face da terra e naqueles dias, os homens buscarão a
morte e não a conseguirão; desejarão morrer, e a morte fugirá deles.
Entendi naquele momento de que aquele desabafo me levava a pensar na
minha empreitada. Descobri onde o galo estava enterrado de que serviria para aquela gente,
já que por trás daquele achado havia uma maldição. Titubeando de meu propósito fui ao
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Mercado Municipal construído no governo de João Moraes de Tanquinho, e entre aquele
burburinho e sacas de feijão e charque, tentei cooptar para que servisse como trabalhadores
daquela empreitada, homens robustos e fortes. O primeiro homem que contratei tinha o
nome de Mário de Aquilina, e a sua profissão era de ser goleiro. Mais adiante me encontrei
com um outro homem de nome Cafum, de estatura baixa, negro, musculoso com um sorriso
desavergonhado, vivia de pinha aberta. Os dois homens me levaram a localizar mais dois
ajudantes onde ambos eram mabaços e se chamavam Manoel e Manoelito, batistas,
pedreiros, de uma nobreza de caráter rara de ser ver naquelas plagas.
Na cidade fretei um carro de aluguel que era dirigido por Beto, tocador de
trombone de vara na lavagem da cidade na banda do Biriba. Cada um dos homens foi
pondo apar da geografia do lugar e os seus tipos. Eu verdadeiramente não estava sozinho e
nem me sentia um estranho naquele ninho. Partimos na manhã seguinte para a região do
Salgado tendo que pernoitar com os homens no povoado, antes de eu me dirigir ao platô
onde se avistavam as luzes. No povoado na casa de uma velha de nome Galdina Rangel,
genitora de Miguel Donato Rangel e André Donato Rangel ali paramos para dormir. Essa
estranha senhora foi de uma generosidade a toda prova. Nos cedeu o armazém da farinha
para que todos pudéssemos colocar os instrumentos e pernoitar. Várias esteiras de pindoba
foram estendidas, um suculento mungunzá, e um bom café pisado no pilão, cuscuz e beiju
foram nos servido ao acordar. Fomos tratados pela velha senhora, como se me conhecesse
há bastante tempo, como se eu estivesse à frente de um séqüito de príncipes em viagem a
gruta de Belém. No sertão a generosidade povoa as relações. Devido ao fato deles sempre
diante das intempéries do tempo necessitarem de uma espécie de mutirão entre ambos que
chamam de adjutório, ficou nessa gente um sentimento de comunhão nunca visto em região
nenhuma dessa Bahia.
A velha Galdina Rangel nascera nessa mesma região e já contava com cerca
de oitenta e oito anos, baixinha, de tez de índia, um coque amarrado no cabelo, um vestidão
até os pés de uma chita colorida parecia mais uma rainha conduzindo aquele seu reino. Por
cerca de duas horas sentei-me no grande avarandado da sua casa sob a luz da lua e de um
bibiano a querosene. A velha senhora me contou que lidava com os encantados da caatinga,
fazia responso, e em determinadas datas do ano batia seus bebés para os santos do panteão
indígena brasileiro, como a cabocla, o preto velho, o caçador, o boiadeiro. Para ela os
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encantados necessitavam que a cada ano se referendasse como num pleito de gratidão e
ofertas as graças alcançadas. Disse-me que a história do galo desde que ela era menina que
os antigos moradores daquela localidade já faziam referência a esse objeto com grande
temor e pânico. Aquela jóia rara da ourivesaria teria sido trazida de Lisboa na nau do
fidalgo e Capitão-mor Pedro Álvares Cabral e surrupiada a bordo pelos condenados
Nicolau Coelho e Afonso Ribeiro, mancebos degredados de Dom João Telo, ambos
estavam condenados à morte, e que aqui foram deixados em 1500, naquela manhã de quinta
feira, 30 de abril, após zarparem a comitiva para a Índia em busca de especiarias para o Rei
Dom Manuel, de Portugal. E que os primeiros habitantes europeus em terras brasileiras
foram esses dois homens de passado abjeto que aqui povoaram o continente deixando uma
fortuna e uma geração. Os dois degredados tomaram o caminho do norte, e na região
assolarada da caatinga onde fincaram pouso. Da geração dos dois malfeitores só se acha
viva a figura exótica de Pedro Rabada, de quem detém o segredo do galo de ouro. Pois
Rabada, é parente de Afonso Ribeiro, o qual deixou em documento escrito do próprio
punho as coordenadas do sítio onde se acha localizada esse grande cabedal para seus
descendentes.
Cinco séculos se passaram desde a aventura daqueles dois condenados a morte,
fugindo de sua sentença, que preferiram se embrenharem naquele território desconhecido,
tentando sobreviver, entre animais selvagens e índios canibais, e empreenderam uma longa
marcha pelo interior da Bahia, até então inexplorado.
A luta que empreenderam os dois condenados contra os índios paiaiás,
estabelecidos que eram nessa região, fizeram com que erguessem paliçadas para se
protegerem dos temíveis silvícolas. Longas batalhas tiveram que travar os dois homens, até
capturarem no mato duas índias dessa tribo a que deram o nome de Lúcia e Ana, índias
essas que ficaram amarradas ao tronco durante dois anos, até vir a dar luz a duas crianças,
criando assim a geração do povo do Salgado.
Foram necessário capturar mais índias para a povoação daquele sítio e com a
chegada de mais fêmeas, aquela prole foi se estendendo, e no ano de 1531 a região do
Salgado já contava com cerca de trinta almas.
O condenado Afonso Ribeiro assim deixou escrito em pergaminho de couro de
carneiro pirografado a fogo: “tomem a altura do sol ao meio-dia e achem 56º, e a sombra
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seja setentrional, pelo que, segundo as regras do astrolábio, julgo estar esse local afastado
da equinocial por 17º,e ter por conseguinte a altura do pólo Antártico em 17º, segundo é
manifesto nessa minha esfera cientifica”. Assim se achava escrito nos documentos deixados
para seus descendentes e que Pedro Rabada detém esse segredo.
Da casa de D. Galdina Rangel a altura da porta da entrada de Seu Pedro Rabada
andamos cerca de dezoito léguas, em quatro burros emprestados pela gentil senhora
enquanto estivéssemos nessa região.
Chegamos a casa de Seu Pedro Rabada à boquinha da noite quando sol se
preparava para cochilar. Fomos recebidos em meio a um grande samba de roda, cuja frente
dos festejos se achava o patriarca daquela casa.
Quando eu vim de lá de casa
Na seca de novecentos
Meus burros morreram tudo
Só ficou meu sendeiro jumento
E o jegue véi, por osso duro
Ficou no terreiro roendo monturo
Tenho meu jumento sendeiro
Tenho meu artifício fogueiro
Eu não me importo com isso
Fogo, jumento e artifício.
O samba continuou com a nossa chegada. No meio da sala da casa estavam os
três músicos portando cuia de cabaça, viola e pandeiro, enquanto a frente uma roda de
mulheres e homens dançavam ao som das chulas de Pedro Rabada. Ao lado da sala, ficava
uma pequena mesa onde se via muitos copos, limão e três garrafas de cachaça que era
servida por uma mulher que administrava aquela bebedeira. Fiquei de parte a observar
aquela gente tão festeira. E todos que estavam ali imaginavam que teria vindo para também
praticar aqueles festejos. Eu sou de natureza arredia, sisuda, de pouca fala e pouca prosa.
Nada encanta aos meus olhos facilmente. Parecia que eu estava numa comunidade da Costa
do Benim, ou propriamente em Angola, onde a semba efusivamente é cantada por todo o
país. Não havia sequer um branco dançando naquele ambiente onde nos achávamos.
Sempre acreditei que a alegria em demasia embota o caráter de qualquer ser
humano. Há hora para tudo. Na terra e o que há em volta é movido por um compasso que se
alteia, torna-se booleano, e por fim é de um silêncio gritante, igual o que perpassa em meu
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peito povoado de esfinge. Jamais com o meu achado quero com isso me servir de pavão,
como vejo alcunhar aqueles que muito se amostram. Sou calado e de minha boca nenhuma
palavra vã que denigra o meu irmão ou semelhante. Aprendi no silêncio da casa da Bahia a
admirar as horas sem o afã da ansiedade. Esperei pacientemente aquele samba se findar e
aqueles homens que me acompanhavam dançaram até o amanhecer.
Quando todos haviam se retirado daquele ambiente, me dirigi ao Sr. Pedro
Rabada e contei-lhe do meu intento. Disse-lhe o que mais me fustigava não era a descoberta
do tesouro mas sim os resquícios da lendária cidade de Nashautê. Ele ainda de voz rouca
pelo samba que empreendera a noite inteirinha, disse-me:
- Só mesmo um louco como você para vir de tão longe se interessar por essas
coisas estranhas. O que os velhos deixaram estão aqui (e me mostrou o pergaminho) faça
bom proveito se por um acaso encontrar a fortuna.
E se dirigiu com um filho, provavelmente o mais velho, para a beira de um
açude nas proximidades de sua fazenda, para se banhar daquela empreitada noturna em que
se metera Dali em diante eu estava completamente sozinho debaixo daquele calor
miserável. Só contava com a ajuda dos meus aparelhos e dos quatro homens que me
acompanhavam. Fui empreendendo a marcha e ao cair da noite estávamos nós diante do
platô. E realmente estranhas luzes desciam do alto do céu para a terra, continuamente,
como se alguém estivesse a monitorar aqueles fenômenos. Marquei a distancia no teodolito
e pela manhã nos dirigimos para aquele local. Era um imenso vale, de caatinga espessa
onde se ouvia o chocalho das cascavéis. Era difícil acesso o local que marquei na bússola. E
pela noite nos arranchamos em barraca e esperamos novamente a luz surgir. Duas noites
esperamos por aquela novidade. E na terceira noite de um sábado vimos o clarão nos cobrir
como uma nave extraterrestre. Eu não teria dúvida de que debaixo de onde estávamos se
encontrava o que procurávamos. Fui buscando aquelas coordenadas geográficas que Pedro
tinha me dado e marcando na bússola, e disse aos homens que começassem a cavar aquele
local que determinei. Durante todo o dia não encontramos no buraco que fizemos na terra
nenhum resquício de nada. À noite, caiu e eu exausto deite-me para dormir numa barraca
que armei afastada dos quatro homens. E eis que em sonho tive uma grande revelação.
Estava diante de um velho de barbas longas, na entrada de uma cidade que me era
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desconhecida, quando vir passar um mensageiro montado num grande cavalo que me
abordou:
-
De agora em diante tu suportarás as conseqüências de teus atos. Pergunte ao ancião que ele
próprio te mostrará a cidade que procuras com tanto afinco.
E me dirigindo ao velho lhe indaguei:
-
Onde fica Nashautê?
E o ancião já alquebrado pelo tempo, disse-me:
-
Vem que eu te mostro acidade que tanto procuras.
Saímos juntos percorrendo uma trilha, quase uma picada naquela mata espessa e
instransponível. Vi um grande portal e uma grande muralha contornando e se achava inscrito
no portal em letras góticas: Omi okin bejá. Parecia algo do idioma iorubá. Atravessei o portal,
e deparei com uma multidão de pessoas todas fantasiadas como se estivessem atravessando
aquela grande rua com destino ao um grandioso baile de máscara. Na porta de um velho
palácio havia dois leões esculpidos no mármore brancos cuja pata direita estava sentada numa
esfera, semelhante há um planeta. Na janela desse casarão colonial estava uma mulher que
gesticulava muito, de gestos bruscos, que parecia estar desequilibrada. Era algo que se
destoava da harmonia daquela paisagem. Busquei o olhar daquela bela mulher de cabelos
presos num grande pente, semelhante como mulheres ciganas usam, e vi que ela estava a me
convidando para que eu entrasse naquele casarão. Ao empurrar a enorme porta de cedro
deparei-me com a nobre senhora que já me aguardava na entrada do grande corredor com uma
enorme chave na mão. Eis que ela me disse:
- Todos aqueles que buscaram conhecer nossa civilização se perderam
somente na curiosidade. Não faça dessa descoberta algo que mais tarde venha denegrir todo
um passado que somente restou escombros e ruínas para as gerações futuras.
Confesso que fiquei durante alguns segundos, temeroso. E lhe indaguei de que
local seria aquela enorme chave. E a gentil senhora me disse:
- Essa chave pertence à porta do imenso baú de ferro onde se acha guardado
o galo de ouro.
Fiquei mirando aquele enorme objeto e eis que da sala surgia uma outra senhora, já
bastante velha, com um xale preto sobre os ombros. Olhou-me com um olhar inquisidor e
disparou a carretilha:
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- Lá se vão quinhentos anos desde que o galo foi surrupiado da Nau
Capitânia e até hoje para desespero dos incautos esse objeto maldito ainda consegue despertar
a curiosidades de loucos. Aquele galo foi moldado com o ouro que foi também roubado de
imensas jazidas em colônias quando Portugal dominava a África. Por trás dos diamantes,
esmeraldas, há um pouco de sangue daqueles que tombaram em defesa de sua terra. Se Afonso
furtou o galo ele tinha lá seus motivos. Gatuno que rouba gatuno tem cem anos de perdão.
Temeroso, falei:
-
E a senhora como se chama?
E a velha consertando o xale, disse-me:
- Afonso Ribeiro foi meu avô, portanto sou neta e Efigênia Ribeiro é a minha
graça.
Despertei com um dos homens me chamando, e por alguns instantes fiquei a
lembrar daquele estranho sonho. O dia se mostrava de céu claro, sem nuvens no céu.Parecia
que teríamos uma jornada estafante. Começamos a preparar nosso desjejum, e após o término
iniciamos as escavações. Durante três dias de sol a pino no Vale do Jacuípe, um dos
instrumentos trincou em um objeto de ferro. Meu coração palpitava, e cuidadosamente, fui aos
poucos descobrindo aquela raridade. Tratava-se da chave que vi em sonhos e que emergiu
lentamente do solo calcinado e me cobriu de espanto. Fui até a barraca e procurei limpá-la
com extremo cuidado. Afinal aquela chave abriria o esperado baú de ferro onde se achava o
galo de ouro. As escavações continuaram. À noite quando ela descia na região, fazíamos uma
grande fogueira, e ali em volta do fogo ficávamos todos a entretermos com a história de cada
um. Os mabaços Manoel e Manoelito aproveitavam sempre o horário dessas reuniões de
descanso para pedir uma breve pausa e ler passagens do Livro dos Cânticos dos Cânticos.
Ficávamos embevecidos pela beleza daqueles cantos de núpcias e o amor humano de um
homem por sua esposa, a verdadeira aliança de Deus para com o seu povo. Por sorte minha
aquela expedição era composta por homens de bons propósitos. E eu me sentia seguro no meio
deles, no ermo daquela caatinga. O fantasma do peculato e da cobiça não perpassava no
universo daqueles quatro homens.
Um imenso alicerce de um grande palácio se descortinou com as nossas
escavações. Foi surgindo todo um sítio que tinha um requinte de uma grande construção
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colonial naquele descampado. Afinal tínhamos encontrado a cidade de Nashautê. Por alguns
segundos quando se delineava aos meus olhos aquela estranha obra de engenharia fiquei
trêmulo e de coração palpitando, semelhante quando se ama com ardor a mulher amada, e se
passa muito tempo sem vê-la. Todos nós comemoramos aquele grandioso achado após quinze
dias de escavações incessantes. Mas a nossa alegria parecia como castelos erguidos na areia da
praia e não demorou em que Cafum, nosso valente carregador de instrumentos, caísse doente
de uma noite para o dia. Pela manhã quando todos nós despertamos para o desjejum esse não
levantou de sua barraca. E ao me dirigir a ele notei que queimava em febre, a ponto de delirar.
Na noite seguinte caíram todos acometidos de febre das mais violentas. Ainda passamos mais
uma noite no meio da caatinga esperando a melhora de algum deles,
mas todos os
trabalhadores estavam definitivamente convalescentes. Na minha bagagem havia termômetros
e anti-termicos mas a febre não cedia aos medicamentos que lhes prescrevia. Estava num mato
sem cachorro, no ermo do tempo, descoberto e sem ação. Esperamos cindo dias para que
aqueles sintomas desaparecessem dos homens, e para nossa desgraça o fantasma tinha em
definitivo surgido naquelas plagas. Todos os homens estavam com enormes bulbões na virilha,
a peste tinha se alastrado de maneira violenta. Nessa região eu havia esquecido que esse tipo
de epidemia é freqüente devido ao clima e a proliferação de ratos silvestres.Numa das noites
ao pé da fogueira um dos homens chegou a comentar que no passado remoto uma terrível
epidemia de peste havia se alastrado por toda a região. Já não havia mais para quem apelar e o
desenrolar dos acontecimentos caminhava para o quadro se agravar. Então, selei um dos
animais e na noite mesma bati em retirada em busca de ajudas. Pelo caminho de estrelas
fosforescentes no céu claro de agosto cheguei a recordar a passagem no Livro Sagrado de
Samuel I, no capítulo 6º em que dizia: "Esteve a arca do Senhor na terra dos filisteus sete
meses. Estes convocaram os seus sacerdotes e adivinhos e perguntaram-lhe: ‘Que faremos da
arca do Senhor?Dizei-nos como havemos de a remeter ao seu lugar.’ Eles responderam: ‘Se
devolveis a arca do Deus de Israel, não a mandeis vazia, mas juntai a ela uma oferta
expiatória. Se fordes curados, sabereis então porque sua mão não cessou de pesar sobre vós.’
– ‘Que oferta expiatória, perguntaram eles, devemos fazer’ –Responderam: ‘Cinco tumores
de ouro e cinco ratos de ouro, conforme o número de dos príncipes dos filisteus,porque foi
esta a praga que vos feriu a vós e aos vossos príncipes. Fazei, pois, figuras de vossos tumores
e figuras de ratos que devastam a terra. Daí assim glória ao Deus de Israel; talvez retire ele a
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sua mão de cima de vós, de vosso deus e de vossa terra. Por que endureceis os vossos
corações como os egípcios e o Faraó?Colocarei no caro a arca do Senhor, juntamente com
um cofre, no qual poreis os objetos de ouro que ofereceis como expiação; depois a deixai
partir.Seguia-a com os olho: se ela subir pelo caminho de sua terra, para as bandas de BetSames, é o Senhor quem nos enviou esta praga; do contrário, conheceremos que não foi a sua
mão que nos feriu, mas que tudo isto foi um simples acidente.”
A residência de Pedro Rabada ficava distante do acampamento mas mesmo assim
foi em seu rancho que busquei a primeira ajuda. A noite já ia alta quando risquei com o
animal no terreiro da porta. Lá dentro todos estavam a dormir. Chamei pelo dono da casa, e no
escuro vi um bibiano sendo aceso. Logo a porta se abriu e Pedro enrolado numa coberta
perguntou se era de paz. Relatei o acontecido e lhe pedir que fosse à cidade buscar um médico
para os doentes. Em seguida retornei para o local do acampamento naquela mesma noite. O
animal que me transportava parecia ter asas nas patas. Tudo para mim estava nebuloso. Os
acontecimentos foram se sucedendo um a um, como se eu não tivesse controle da situação. Ao
desembarcar no acampamento encontrei os homens que estavam a gemer diante de fortes
dores e pareciam estar possuídos por uma estranha entidade. Nenhum deles me reconheceu
todos estavam a delirar continuamente numa sucessão de gritos de penúria. Pelo resto da noite
estranhas luzes sobrevoavam o local onde estávamos acampados. Aquele imenso clarão
deixava o local com a aparência de um dia tamanho. Ninguém ficou em pânico pois já estava
ficando corriqueira, aquela esquisitice nos velando do alto dos céus.
Quando verdadeiramente as luzes se foram o dia já se mostrava claro. Tratei de
buscar lenha para fazer o fogo e preparar o desjejum. Os homens se mostravam silenciosos e
intrigado daquela situação fui a cada barraca ver em que estado se encontravam todos. E a
surpresa se estampou diante de meus olhos, todos amanheceram mortos.
Estavam ali de corpos rígidos e tesos, com o semblante da morte dominando-os
quatro homens inocentes que o induzir para se encontrarem com o cavaleiro da foice. Nada
mais restava a fazer, toda a minha empreitada fora em vão. Tinha descobertos os alicerces
da cidade perdida, faltava pouco para encontrar o galo de ouro, mas a peste dominava tudo.
Estava verdadeiramente derrotado, nada mais me seduzia a ficar naquele ermo, parecia que
a maldição que tanto Pedro Rabada tinha vaticinado tinha de fato calhado. . “Tive medo.
Busquei coragem na minha mochila à procura da velha pistola calibre 380. Não a encontrei.
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Retirei-me do local com a rapidez do vento. Fiz uma jura: selaria meus lábios e dali em
diante nada mais falaria sobre o assunto. Aqueles que quiserem um dia se interessar em
descobrir o galo de ouro que o façam. Para mim a história está encerrada...”
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