1 Universidade Federal do Rio de Janeiro DISCURSIVIDADES EM CONTATO NO JOGO DE INTERAÇÃO FILMEESPECTADOR EM AULAS DE ESPANHOL LÍNGUA ESTRANGEIRA Julia Caldara Pelajo RIO DE JANEIRO 2015 2 Julia Caldara Pelajo DISCURSIVIDADES EM CONTATO NO JOGO DE INTERAÇÃO FILMEESPECTADOR EM AULAS DE ESPANHOL LÍNGUA ESTRANGEIRA Dissertação Programa de de Mestrado apresentada Pós-Graduação em ao Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos) Orientador: Prof. Doutor Antonio Francisco de Andrade Júnior Rio de Janeiro 2015 3 PELAJO, Julia Caldara Discursividades em contato no jogo de interação filme-espectador em aulas de Espanhol Língua Estrangeira/ Julia Caldara Pelajo. –Rio de Janeiro: UFRJ/ CLA, 2015. vii,241f.: Orientador: Antonio Francisco de Andrade Júnior Dissertação (mestrado) – UFRJ/ CLA/ Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas, 2015. Referências bibliográficas: f. 152-154 1. Discurso. 2. Interação 3. Ensino/Aprendizagem de Espanhol/LE 4. Cinema 5. Argentina/Brasil. I. Andrade Júnior, Antonio Francisco de. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Letras, Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas. III. Discursividades em contato no jogo de interação filme-espectador em aulas de Espanhol Língua Estrangeira. 4 Julia Caldara Pelajo DISCURSIVIDADES EM CONTATO NO JOGO DE INTERAÇÃO FILMEESPECTADOR EM AULAS DE ESPANHOL LÍNGUA ESTRANGEIRA Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como um dos requisitos necessários à obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos – Opção: Língua Espanhola) Aprovada em 9 de março de 2015. _______________________________ Prof. Dr. Antonio Francisco de Andrade Júnior (UFRJ) _______________________________ Prof. Dr. Antonio Ferreira da Silva Júnior (UFRJ) _______________________________ Prof. Dra. Vera Lucia de Albuquerque Sant’Anna (UERJ) Rio de Janeiro 2015 5 RESUMO DISCURSIVIDADES EM CONTATO NO JOGO DE INTERAÇÃO FILMEESPECTADOR EM AULAS DE ESPANHOL LÍNGUA ESTRANGEIRA Julia Caldara Pelajo Resumo da Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos) Esta dissertação pretende apresentar resultados de uma pesquisa de campo que objetiva analisar, em aulas de Espanhol LE, as interações discursivas entre enunciadores situados em diferentes contextos socioculturais. Utilizando a metodologia da pesquisação (Moita Lopes, 1996), em uma instituição escolar federal, localizada no Estado do Rio de Janeiro, são apresentados os filmes “Un cuento chino” e “El hombre de al lado”, ambos argentinos, aos alunos de duas turmas do 1° ano do Ensino Médio. A partir da perspectiva da Análise do Discurso, com ênfase especial para as noções de formações discursivas (Foucault, 2008) e ressonâncias discursivas (Serrani, 2010), são examinados os sentidos construídos na interação filme-espectador e os movimentos de aproximação e distanciamento dos estudantes em relação às práticas enunciativas que se realizam nos filmes, a fim de compreender como os alunos brasileiros interagem com uma discursividade em língua estrangeira e, mais especificamente, com as discursividades próprias do contexto argentino. Para tal exame, são analisados questionários, transcrições das gravações em áudio e debates travados em sala de aula a partir dos filmes, produções resultantes das atividades desenvolvidas neste âmbito, além de entrevistas com estudantes. Palavras-chave: Discurso, Interação, Ensino/Aprendizagem de Espanhol/LE, Cinema, Argentina/Brasil. Rio de Janeiro 2015 6 ABSTRACT DISCOURSES IN CONTACT WITH THE INTERACTION BETWEEN MOVIE AND SPECTATOR IN SPANISH FOREIGN LANGUAGE CLASSES Julia Caldara Pelajo Abstract da Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requesitos necessários à obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos) This paper intends to present the results of a field study that aimed to analyze in Spanish classes the discursive interactions between enunciators located in different sociocultural contexts. Using the methodology of participatory action research (Moita Lopes, 1996), in a federal educational institution located in the State of Rio de Janeiro, Argetinian films were presented to students from two classes in the 1st year of high school. From the perspective of discourse analysis, with particular emphasis on the notions of discursive formations (Foucault, 2008) and discursive resonances (Serrani, 2010), the meanings constructed in the movie-viewer interaction and the students’ movements of approach and distancing in relation to the enunciative practices that take place in the movies are examined in order to understand how Brazilian students interact with a discourse in a foreign language and, more specifically, with the discourses found within the Argentinian context. For this examination, questionnaires, transcripts of audio recordings and debates from the classrooms about the films, productions resulting from activities under this heading, as well as interviews with students, were analyzed. Kew-words: Discourse, Interaction, Spanish Education, Movies, Argentina/Brazil Rio de Janeiro 2015 7 SUMÁRIO Introdução - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 10 I. As formações discursivas enquanto sistemas de dispersão - - - - - - - - - - - - - - - 14 1. Operando com a noção de formações discursivas em aulas de línguas - - - - - - - - -14 2. A ordem do discurso - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -15 2.1. Os procedimentos de controle do discurso - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 16 2.2. Procedimentos de sujeição do discurso - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 16 3. A Arqueologia do Saber - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 18 3.1. Regras de formação - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 21 3.2. A formação dos objetos discursivos- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 22 3.3. Formação das modalidades enunciativas - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 26 3.4. A formação dos conceitos- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -27 3.5. A formação das estratégias- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -29 3.6. Sistema de dispersão- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -30 II. Ressonâncias discursivas no Ensino do Espanhol no Brasil- - - - - - - - - - - - - - 34 1. O privilégio do aspecto lexical no ensino de ELE - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 34 2. Gêneros do discurso em sala de aula: contradições entre a prática e a teoria- - - - - 36 3. Leitura: paráfrase e polissemia - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -40 4. Ressonâncias discursivas e alteridade - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 42 III. Brasil e Argentina: comunidades imaginadas- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 46 1. Discurso fundador e espaços de identidade- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 46 2. A nação imaginada- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 47 3. O surgimento das ficções-diretrizes na Argentina- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -48 3.1. Criollos: uma disputa entre elitistas e localistas na América espanhola - - - - - 49 3.2. O desenvolvimento das cidades argentinas - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 49 3.3. Buenos Aires e a formação da burguesia portenha - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 50 3.4. O paternalismo e a liberdade de discordância - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -52 3.5. Discordâncias intelectuais: Federalistas e Unitários - - - - - - - - - - - - - - - - - - 53 8 3.6. O surgimento do populismo argentino - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 54 3.7. O elitismo e as instituições sociais na Argentina - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 55 4. O surgimento das ficções-diretrizes no Brasil - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 56 4.1. Ausência de uma hierarquia organizada e desordem social - - - - - - - - - - - - - -57 4.2. A identificação dos portugueses com o Brasil - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 58 4.3. O ruralismo e o desenvolvimento das cidades coloniais - - - - - - - - - - - - - - - -58 4.4. A família patriarcal e o nascimento do homem cordial - - - - - - - - - - - - - - - - 60 4.5. Hipóteses explicativas - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 61 IV. Filmes: realidade-ficção e memórias discursivas - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 66 1. Realidade-ficção e memória pública - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 66 2. A cinematografia e suas texturas - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 69 2.1. Cinema e montagem - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 69 2.2. A montagem no roteiro - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 70 2.3. Montagem na realização - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 71 2.4. A montagem propriamente dita - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 74 3. O eu, o outro e a interação discursiva através dos filmes - - - - - - - - - - - - - - - - - - 74 3.1. O enunciado e a alternância dos sujeitos do discurso - - - - - - - - - - - - - - - - - 75 3.2. Ecos, ressonâncias e assimilações da palavra do outro - - - - - - - - - - - - - - - - 76 4. Fabricando realidades nos filmes “Un cuento chino” e “El hombre de al lado” - - - 77 V. Em sala de aula: analisando os dados - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 88 1. A pesquisa-(em)-ação - - - - - - - - -- - - - - - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -88 2. Perfil sociocultural dos alunos - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 89 3. O processo em sala de aula - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 90 3.1. Motivação - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 91 3.2. Introdução - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 92 3.3. Visualização - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 94 3.4. Interpretação - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 95 3.5. Debate - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 95 4. Análise das atividades escritas desenvolvidas na etapa da interpretação - - - - - - - 96 5. Análise dos debates orais desenvolvidos em sala de aula - - - - - - - - - - - - - - - - 122 6. Análise das entrevistas realizadas com os alunos - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -140 9 Considerações finais - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 148 Referências Bibliográficas - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -152 Anexos - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 156 Anexo1: Modelo do questionário - - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 158 Anexo 2: Modelo do termo de consentimento - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -162 Anexo 3: Reportagens utilizadas na motivação do filme “Un cuento chino” - - - 166 Anexo 4: Reportagem utilizada na introdução do filme “Un cuento chino” - - - - 182 Anexo 5: Atividades Didáticas de Interpretação - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 186 Anexo 6: Convenções das transcrições - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 200 Anexo 7: Transcrições de entrevistas - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 204 10 Introdução Esta pesquisa tem como objetivo analisar os processos de interação discursiva motivados por atividades relacionadas à utilização de filmes argentinos em contexto escolar de ensino/aprendizagem de Espanhol Língua Estrangeira (ELE), a partir da perspectiva da Análise do Discurso, com ênfase especial para a noção de formações discursivas, desenvolvida por Michel Foucault (2008), e para a noção de ressonâncias discursivas, desenvolvida por Silvana Serrani (2010). Para tal, foi realizada, ao longo de seis meses, uma pesquisa em uma instituição escolar federal, localizada no Estado do Rio de Janeiro (RJ), nas aulas de Espanhol ministradas pela própria pesquisadora. Tendo em vista essa condição, foi utilizada a metodologia da pesquisação, que pode ser definida pela atuação do pesquisador não somente enquanto aquele que olha com determinado distanciamento, ou seja, que observa, mas, também, enquanto aquele que conduz às ações, refletindo constantemente sobre elas. A presente pesquisação consistiu na apresentação dos filmes “Un cuento chino” (2011) e “El hombre de al lado” (2009) aos alunos de duas turmas do 1° ano do Ensino Médio. Partindo do princípio de que quem vê um filme está em atividade de compreensão de um texto que mistura modalidade oral e escrita, linguagem verbal e não verbal, buscou-se, então, examinar, através de atividades realizadas a partir dos filmes, os sentidos construídos na interação filme-espectador em contexto pedagógico e os conflitos entre os diferentes gestos de leitura perceptíveis a partir do posicionamento dos alunos. Além disso, tendo em vista que quando lemos (ou interagimos com qualquer texto, seja ele impresso ou audiovisual) em uma língua estrangeira, entramos em contato com outras formas de estruturar as significações do mundo, e, portanto, com outras formações discursivas (Serrani, 2010), através da análise dos movimentos de aproximação e distanciamento dos estudantes em relação às práticas enunciativas que se realizam nos filmes argentinos, buscou-se avaliar o processo de interação dos alunos com as discursividades próprias da segunda língua e encontrar os possíveis fatores envolvidos no processo de adesão e/ou resistência em relação ao discurso do outro. Para tal exame, foram analisadas as transcrições das gravações em áudio dos debates travados em sala de aula a partir dos filmes, as produções resultantes das atividades desenvolvidas neste âmbito, as entrevistas feitas com os alunos e questionários respondidos por eles. Para dar sustentação a esta análise, tornou-se necessário percorrer alguns caminhos teóricos. Deste modo, no primeiro capítulo, objetivou-se fazer uma exposição acerca da noção 11 de formação discursiva, proposta por Foucault, devido à importância que sua concepção de discurso possui nesta pesquisa. O autor compreende o discurso enquanto práticas que obedecem a determinadas regras, como um conjunto de enunciados que se apoia em um mesmo sistema de formação, o qual é entendido sempre como contingente e variável. Esta concepção implica jamais admitir qualquer discurso fora do sistema de relações materiais que o estruturam e o constituem. Trata-se da existência de sistemas de procedimentos ordenados que têm por fim produzir, distribuir, fazer circular e regular enunciados, e se ocupa em isolar o nível das práticas discursivas e formular as regras de produção e transformação dessas práticas. No segundo capítulo, levando em consideração que o ensino do Espanhol no Brasil, desde a década de 90 (quando, então, começou a ocupar um espaço significativo no país) vem sofrendo mudanças, buscou-se observar, através do olhar de alguns pesquisadores da área, como Fanjul e Celada & González, algumas concepções de língua e de ensino predominantes ao longo das últimas duas décadas. Verificou-se, então, a existência de práticas que não levam em consideração as dimensões culturais, sociais e discursivas envolvidos no processo de ensino/aprendizagem de LE. Deste modo, buscamos expor a relevância destas dimensões nas propostas de trabalho com a leitura em sala de aula e no processo de construção/produção dos sentidos. Além disso, também foi exposta a noção de ressonância discursiva, desenvolvida por Silvana Serrani (2010), com a qual trabalharemos nesta análise das interações dos alunos brasileiros com os filmes argentinos. Serrani, a partir de pesquisas que vem desenvolvendo em torno das tendências discursivas do Espanhol rioplatense e do Português do Brasil, afirma que, no contexto brasileiro, predominam formações discursivas de transição, caracterizadas por um modo de enunciar através de mecanismos implícitos, ao passo que, no contexto argentino, predominam formações discursivas de abrupção, caracterizadas por um modo de enunciar explícito. De acordo com a autora, essas ressonâncias discursivas são atravessadas por fatores sócio-históricos de formação de ambos os países, constituindo-se como memórias discursivas. No terceiro capítulo, a fim de estabelecer uma análise comparativa entre as discursividades próprias do contexto argentino e brasileiro, foi realizado um exame das semelhanças e diferenças histórico-culturais e sociais de ambos os países. Para colaborar com a reflexão acerca do surgimento de uma nação, foram abordadas as noções de discurso fundador (Eni Orlandi), comunidades imaginadas (Anderson Benedict) e ficções-diretrizes (Shumway). Posteriormente, a partir de uma pesquisa desenvolvida por Shumway sobre o processo de formação da Argentina, pôde-se observar, nesta sociedade, a presença de diversos 12 conflitos, dentre os quais destacamos a rivalidade entre a cidade de Buenos Aires e as demais províncias do país, visto que estas últimas almejavam conquistar sua independência frente ao domínio e soberania dos portenhos. Já no Brasil, a partir das pesquisas desenvolvidas por Sérgio Buarque sobre as raízes do Brasil, verificou-se que há uma tendência por parte dos brasileiros em evitar o conflito nas relações interpessoais e estabelecer laços afetivos, devido ao modo de convívio rural e patriarcal, regido pelos valores da família, dominante na história do país. Ao final, levando em consideração esses fatores, foram estabelecidas hipóteses explicativas em torno da predominância das formações discursivas em cada um dos contextos socioculturais analisados. No quarto capítulo, partir da noção de realidade-ficção, desenvolvida por Josefina Ludmer, discutiu-se acerca dos limites entre a realidade e a ficção, com o objetivo de compreender de que forma as discursividades produzidas nos filmes utilizados nesta pesquisa estão atravessadas por formações discursivas próprias do contexto argentino atual. De acordo com a autora, as obra literárias, assim como as cinematográficas, produzidas a partir do século XX, possuem uma memória pública e atual, denominada fábrica de realidade, que ordena tanto as ficções como a realidade, desfazendo as fronteiras estabelecidas, ao longo dos séculos, entre essas duas esferas. Além disso, foi feita uma exposição acerca das características próprias dos textos cinematográficos, uma vez que a compreensão de sua estrutura é fundamental para o trabalho didático com este material. Buscou-se, também, fazer uma breve demonstração da concepção dialógica da linguagem, proposta por Bakhtin, a fim de contribuir para a reflexão acerca dos papéis ocupados pelos sujeitos na interação discursiva. Ao final, foi feita uma descrição dos filmes utilizados nesta pesquisa para que o leitor possa se situar em relação às realidades argentinas produzidas nos filmes, aos temas abordados e ao contexto em que se desenvolvem as ações. No quinto e último capítulo, primeiramente, buscou-se fazer um detalhamento das etapas percorridas ao longo do processo didático de trabalho com os filmes em sala de aula, o qual foi dividido em quatro etapas: motivação, introdução, visualização e interpretação. Em um segundo momento, foi empreendida a análise das interações dos alunos brasileiros com os filmes argentinos, a partir dos dados coletados ao longo da pesquisação, tais como questionários, entrevistas, atividades escritas produzidas pelos alunos e transcrições das gravações em áudio das aulas ministradas. Por fim, foi concluído que os estudantes brasileiros apresentaram maior resistência às formações discursivas que se realizam nos filmes com ressonâncias discursivas de abrupção e apresentaram maior adesão às formações discursivas com ressonâncias de transição, confirmando a noção de predominância desse modo de 13 construção/produção do sentido no português do Brasil, como afirma Serrani, embora tenha havido complexos movimentos de dissenso ao longo da interação e da negociação de sentidos em sala de aula que, por vezes, chegavam a tensionar o posicionamento regular dos sujeitos dentro dessas tendências. 14 I As formações discursivas enquanto sistemas de dispersão Antes de dar início à análise das interações ocorridas em aulas de ELE, a partir da utilização de filmes argentinos, cabe elucidar algumas noções do âmbito teórico pelo qual permeia esta pesquisa que estarão aqui continuamente presentes. Primeiramente, serão abordadas as noções de discurso e de formações discursivas, desenvolvidas pelo filósofo francês Michel Foucault. Observaremos, então, que, em cada contexto sociocultural, predominam determinadas formações discursivas que atravessam os enunciados proferidos pelos sujeitos de determinado campo discursivo. Assim, no espaço de ensino/aprendizagem de LE, não somente há o contato entre duas línguas e duas culturas, mas também entre diferentes formações discursivas. Compreende-se que criar a consciência do aluno em relação à condição de produção de discurso é importante para que ele possa pensar, através do contato com o outro, o seu próprio entorno social e o seu lugar de enunciação. Perceber que todo comentário, por exemplo, está submetido a um conjunto de regras anteriores a ele, dará oportunidade ao aluno de se posicionar em sala de aula em uma condição não mais alienante. 1. Operando com a noção de formações discursivas em aulas de línguas Silvana Serrani, ao trabalhar com a noção de formações discursivas em suas pesquisas acerca do ensino de leitura nas aulas de línguas, define-a enquanto um “sistema de valores” (1997) que estão impregnados na língua; enquanto “condensações de regularidades enunciativas no processo – constitutivamente heterogêneo e contraditório – da produção de sentidos no e pelo discurso em diferentes domínios do saber” (Ibidem). Para a autora, operar com a noção de formação discursiva permite melhor descrever e explicar o funcionamento de um dos dois momentos cruciais para observar como a língua estrangeira vem incidir na relação amplamente inconsciente que mantemos com a língua fundadora, a saber: os modos diferentes de construir as significações em línguas distintas. (Serrani, 1997, p.3) Deste modo, nesta análise, a partir desta concepção, buscaremos traçar os diferentes sentidos construídos na interação dos alunos brasileiros com as discursividades próprias do contexto argentino, a partir dos seus movimentos de adesão ou resistência em relação ao 15 discurso do outro, e relacioná-los aos processos sócio-históricos de formação das regularidades enunciativas, a fim de depreender o funcionamento dos sistemas de valores próprios de cada língua-cultura. 2. A ordem do discurso Na conferência A ordem do discurso (1970), Foucault centra a discussão em torno dos variados procedimentos que regulam, controlam, selecionam, organizam e distribuem o que pode e o que não pode ser dito. Tais procedimentos irão estabelecer aquilo que é verdadeiro e aquilo que é falso, pois, segundo o autor, os discursos, em si mesmos, não são nem verdadeiros nem falsos. Assim, são os enunciados dentro de cada discurso que estabelecem um regime de verdade, num tempo e espaço determinados. Cabe dizer que, para Foucault, um enunciado não é qualquer coisa dita: ele é um tipo especial de um ato discursivo, uma vez que constitui um campo de sentidos que devem ser aceitos numa rede discursiva, segundo uma ordem. Assim, tendo em vista que, desde o momento em que o sujeito pratica o discurso, ele está submetido a certas regras que determinam tudo aquilo que pode ser dito e relembrado em um dado período histórico e em uma dada sociedade; tendo em vista que os sujeitos que discursam fazem parte de um campo discursivo; tendo em vista que aquele que enuncia um discurso traz em si uma instituição e manifesta uma ordem anterior a ele, na qual ele próprio está imerso; esta pesquisa compreende que aquele que enuncia um discurso no campo da sala de aula manifesta uma ordem, ou seja, conjunto de regras anteriores. Consideramos este tema importante para a formação e prática do professor, uma vez que ele nos propõe enxergar que por detrás de todo discurso, por detrás de toda instituição, existe uma vontade de verdade que se impõe a nós há bastante tempo. Compreendendo isto, o professor se torna ainda mais capaz de refletir sobre suas ações e sobre as ações dos alunos em sala de aula, sobre o que está sendo dito (e não-dito) por ele e pelos alunos, sobre os regimes de verdade que são estabelecidos nos enunciados, sobre as regras a que o sujeito que pratica o discurso está submetido, sobre os poderes que os enunciados ativam e colocam em circulação, sobre as práticas discursivas que os enunciados descrevem. Enfim, compreendendo que somos sujeitos assujeitados, se conquista a possibilidade de não se assujeitar (pelo menos por algum instante), de se tornar um sujeito crítico e “contornar essa vontade de verdade e recolocá-la em questão contra a verdade”. (Foucault, 2009, p.20) 16 2.1. Os procedimentos de controle do discurso Segundo Foucault, os três grandes sistemas de exclusão que atingem o discurso são: a palavra proibida (interdição), a segregação da loucura (oposição razão e loucura) e a vontade de verdade (oposição do verdadeiro e do falso). Todas essas separações “são arbitrárias, ou ao menos se organizam em torno de contingências históricas; que [...] estão em perpétuo deslocamento; que são sustentadas por todo um sistema de instituições que as impõem e reconduzem; enfim, que não se exercem sem pressão” (Foucault, 2009, p.13-14). Além dos procedimentos de controle do discurso que se exercem do exterior, existem outros procedimentos internos em que os discursos exercem seu próprio controle. São eles: o comentário, o autor e a organização das disciplinas. Por estarmos diante de práticas discursivas reveladas nos discursos que circulam nas aulas da disciplina Língua Espanhola, abordaremos, apenas, a organização das disciplinas. Segundo Foucault, “uma disciplina se define por um domínio de objetos, um conjunto de métodos, um corpus de proposições consideradas verdadeiras, um jogo de regras e de definições, de técnicas e de instrumentos.” (Idem, p. 30). Cabe dizer que, para o filósofo, uma disciplina não é tudo o que pode ser dito de verdadeiro sobre alguma coisa: uma proposição deve preencher exigências complexas para pertencer ao conjunto de uma disciplina; deve encontrar-se “no verdadeiro” do discurso de sua época. Porém, “não nos encontramos no verdadeiro senão obedecendo às regras de uma ‘política discursiva’ que devemos reativar em cada um de nossos discursos” (Idem, p. 35). A disciplina LE presente na grade curricular atual das escolas comportou, durante muito tempo, somente as proposições sugeridas pela gramática normativa e repele as demais proposições sugeridas pelos alunos e por outros pesquisadores da área. Assim, somente eram aceitas como verdadeiras as proposições que obedecem a determinadas regras. Ao longo da nossa história, muitos pensadores rechaçados em sua época somente tiveram seus discursos reconhecidos como verdadeiros posteriormente, quando mudaram as regras que se constituíam os objetos e os conceitos. Em sala de aula, observamos que o mesmo se dá: muitas proposições formuladas pelos alunos são repelidas e invalidadas pela disciplina. 2.2. Procedimentos de sujeição do discurso Trata-se de procedimentos que determinam as condições de funcionamento do discurso, que impõem aos indivíduos que os pronunciam certo número de regras, não permitindo que todo mundo tenha acesso a eles: “ninguém entrará na ordem do discurso se 17 não satisfazer a certas exigências ou se não for, de início, qualificado para fazê-lo.” (Foucault, 2009, p.37). Segundo Foucault, a troca e a comunicação são figuras positivas que atuam no interior de sistemas complexos de restrição. A forma mais superficial desses sistemas é constituída pelo ritual. O ritual define a qualificação que devem possuir os indivíduos que falam, a posição que eles devem ocupar no jogo de um diálogo, o tipo de enunciado que deve ser formulado por eles; define os gestos, os comportamentos, as circunstâncias e todo o conjunto de signos que devem acompanhar o discurso; e fixa, enfim, o efeito das palavras sobre aqueles aos quais se dirigem e os limites de seu valor de coerção. Além desta forma de restrição, há também as “sociedades de discurso”, os grupos doutrinários e as apropriações sociais do discurso. Na maior parte do tempo, todos esses sistemas de restrição se ligam uns aos outros e constituem espécies de grandes edifícios que garantem a distribuição dos sujeitos que falam nos diferentes tipos de discursos e a apropriação dos discursos por certas categorias de sujeitos. Digamos, em uma palavra, que esses são os grandes procedimentos de sujeição do discurso. (Idem, p.44) No espaço da sala de aula, o professor ocupa uma posição no diálogo diferente da posição que ocupa o aluno. Por isso, o tipo de enunciado que deve ser formulado pelo professor também é diferente do tipo de enunciado que o aluno formulará. A palavra do professor tem um valor diferente da palavra do aluno. O professor manda (e “obedece quem tem juízo”), o professor diz e ninguém pode questioná-lo. Para que o aluno tenha o direito à palavra, é preciso obedecer e aceitar certas regras do jogo. Tudo o que se diz é controlado. Assim, nesta pesquisa, pude constatar que o discurso do sistema de ensino (assim como os discursos religiosos, terapêuticos e políticos) não pode ser dissociado da prática do ritual, que determina para os sujeitos que falam propriedades singulares e papéis preestabelecidos. O que é afinal um sistema de ensino senão uma ritualização da palavra; senão uma qualificação e uma fixação dos papéis para os sujeitos que falam; senão a constituição de um grupo doutrinário ao menos difuso; senão uma distribuição e uma atribuição do discurso com seus poderes e seus saberes? (Idem, p. 44). Nesta ritualização da palavra é necessário, para nós professores, estarmos atentos. Pois, conscientes de todos esses procedimentos que delimitam e controlam o discurso, já não se pode mais ser ingênuo. As coisas e as palavras já estão circulando na sociedade antes mesmo de nós nascermos: nós não somos simplesmente sujeitos produtores de saberes, nós 18 somos também, e principalmente, um produto dos saberes. É uma voz anterior que nos abriga, como vozes antepassadas afirmando sua força, sua presença entre nós. É o rito, é a ordem do discurso. 3. A Arqueologia do Saber Em A Arqueologia do Saber, Foucault empreende uma análise do campo discursivo, na qual questiona os agrupamentos pelos quais se organizam os discursos, como por exemplo, a psicopatologia, a medicina, a economia política, a biologia, a gramática, buscando encontrar relações entre os enunciados que se apresentam como referentes a cada uma dessas unidades. Partindo do princípio de que essas formas prévias não constituem conjuntos discursivos homogêneos e que elas, em realidade, “são sempre o efeito de uma construção cujas regras devem ser conhecidas e cujas justificativas devem ser controladas” (Foucault, 2012, p.31), o autor elabora, para a realização de sua pesquisa, uma teoria que leva em consideração o campo dos acontecimentos discursivos a partir do qual essas unidades são construídas. Começa, então, um projeto de investigação e descrição de um domínio imenso, constituído pelo conjunto de todos os enunciados efetivos (escritos ou falados) pertencentes a cada um desses agrupamentos. Assim, segundo o autor, para a realização desta tarefa, é preciso: [...] estar pronto para acolher cada momento do discurso em sua irrupção de acontecimentos, nessa pontualidade em que aparece e nessa dispersão temporal que lhe permite ser repetido, sabido, esquecido, transformado, apagado até nos menores traços, escondido bem longe de todos os olhares, na poeira dos livros. Não é preciso remeter o discurso à longínqua presença da origem: é preciso tratá-lo no jogo da sua instância. (Ibidem) Tratar o discurso no jogo da sua instância é, portanto, libertar-se de todos os grupamentos considerados universais e buscar outras unidades; fazer aparecer o espaço em que se desenvolvem os acontecimentos discursivos; apreender o momento de existência e as regras de aparecimento dos enunciados, descrever seus encadeamentos; buscar outros tipos de relações: relações entre enunciados, relações entre grupos de enunciados assim estabelecidos, relações entre enunciados ou grupos de enunciados e acontecimentos de uma ordem inteiramente diferente (técnica, econômica, social, política). Porém, esta análise não pretende descrever todas as relações que possam aparecer – é necessário aceitar recortes provisórios. 19 Mas, diante desta tarefa desafiante, Foucault pergunta: “Que espécie de laços reconhecer validamente entre todos esses enunciados que formam, de um modo ao mesmo tempo familiar e insistente, uma massa enigmática?” (Foucault, 2012, p.39). A fim de explicar as formas unitárias sob as quais eles se apresentam, são formuladas, então, quatro hipóteses a respeito desses laços. A primeira hipótese tem como objetivo verificar se a unidade de um discurso se forma quando os enunciados, diferentes em sua forma e dispersos no tempo, se referem a um único e mesmo objeto. Analisando os enunciados pertencentes à psicopatologia, Foucault logo percebe que a unidade de um objeto não nos permite individualizar um conjunto de enunciados e estabelecer entre eles uma relação ao mesmo tempo descritível e constante. Deste modo, a unidade dos discursos sobre a loucura, por exemplo, não está fundada na existência do objeto “loucura”, uma vez que este objeto foi constituído pelo conjunto do que foi dito no grupo de todos os enunciados que a nomeavam e a descreviam. Além disso, esse conjunto de enunciados, denominado psicopatologia, não se relaciona somente com um único objeto, formado de maneira definitiva (por exemplo, a forma como a loucura é descrita pelos enunciados médicos dos séculos XVII ou XVIII não é idêntica à forma como a loucura é delineada através das sentenças jurídicas ou das medidas policiais). A partir dessa multiplicidade de objetos, o autor conclui que a unidade de um discurso não é feita pela permanência e singularidade de um objeto, mas sim pelo espaço onde diversos objetos se desenham (são nomeados, descritos, analisados, apreciados ou julgados) e continuamente se transformam. Assim, nesta teoria, paradoxalmente, definir um conjunto de enunciados é justamente descrever a “dispersão desses objetos”; formular sua “lei de repartição”; encontrar a “regra de emergência simultânea ou sucessiva dos objetos” que aí podem aparecer e desaparecer. A segunda hipótese se dirige à investigação da existência de um “grupo de relações entre enunciados: sua forma e seu tipo de encadeamento” (Foucault, 2012, p.41). Utilizando como exemplo o caso da ciência médica a partir do século XIX, o autor mostra que a unidade de um discurso não consiste na existência de uma forma determinada de enunciado, mas, sim, no conjunto das regras que tornaram possível a coexistência de diversos enunciados dispersos e heterogêneos. Deste modo, pode-se dizer que o discurso médico, naquela época, não era, como se poderia pensar a princípio, somente um conjunto de descrições, mas também um conjunto de hipóteses sobre a vida e a morte, de escolhas éticas, de decisões terapêuticas, de regulamentações institucionais, de modelos de ensino etc. Além disso, o autor reconhece que esse modo de descrição não parou de se deslocar devido a diversas alterações (como, por 20 exemplo, modificação no sistema de informação a partir do uso do microscópio e dos testes biológicos). Essas alterações foram depositando-se lentamente no discurso médico. Portanto, de acordo com esta análise aqui proposta, para encontrar a unidade de um discurso, é preciso caracterizar e descrever o sistema de repartição dos enunciados, “como se apoiam uns nos outros, a maneira pela qual se supõem ou se excluem, a transformação que sofrem, o jogo de seu revezamento, de sua posição e de sua substituição.” (Foucault, 2012, p.42). A terceira hipótese diz respeito ao sistema de conceitos permanentes e coerentes que se encontram em jogo nos grupos de enunciados. Utilizando como exemplo a análise da linguagem e dos fatos gramaticais, Foucault observa que não seria possível reconstituir uma arquitetura conceitual da gramática clássica (desde Lancelot1 até o fim do século XVIII), pois, além dos conceitos traçados nas análises feitas pelos autores de Port-Royal, é possível ver surgir novos conceitos: alguns derivam do primeiro, outros lhes são heterogêneos e alguns incompatíveis. Verifica-se, assim, um aparecimento simultâneo ou sucessivo dos conceitos. A partir deste exemplo citado pelo autor, também podemos pensar, aqui, nesta pesquisa sobre ensino de línguas, a gramática atual e seu lugar nas práticas de ensino de ELE. Observaremos a presença de diversas formas de conceituar este objeto: desde uma perspectiva mais normativa até uma perspectiva mais descritiva. Deste modo, diante desta heterogeneidade, essa figura coerente que é a gramática seria uma unidade falsa? – pergunta o filósofo. Mas conclui que talvez seja possível encontrar uma unidade discursiva justamente na emergência dos conceitos, em seu afastamento, na distância que os separa e em sua eventual incompatibilidade. Assim, nesta análise, “Não buscaríamos mais, então, uma arquitetura de conceitos suficientemente gerais e abstratos para explicar todos os outros e introduzi-los no mesmo edifício dedutivo; tentaríamos analisar o jogo de seus aparecimentos e de sua dispersão” (Idem, p.43). A quarta hipótese se refere à questão da identidade e persistência dos temas nos diferentes grupos de enunciados. Ao analisar disciplinas como a economia e a biologia, Foucault pergunta se há, nelas, alguma temática que permite unificar um conjunto discursivo: “Será que não se poderia, por exemplo, constituir uma unidade tudo o que, de Buffon a Darwin, constituiu o tema evolucionista? [...]. Será que não se poderia falar, da mesma forma, do tema fisiocrático?” (Idem, p.44). Mas logo o autor constata que seria um equívoco buscar na existência dos temas o princípio de individualização de um discurso. Por exemplo, no caso da ideia evolucionista, se trata de tipos diferentes de discursos sobre o mesmo tema; ou seja, essa mesma temática se articula a partir 1 Lancelot é um dos autores da gramática de Port –Royal , escrita em 1660. Um dos seus argumentos centrais consiste em defender a ideia de que a gramática é universal, pois trata-se de um conjunto de processos mentais. 21 de diferentes jogos de conceitos, tipos de análise e campos de objetos. No caso da fisiocracia se dá diferente: a análise da riqueza compreendia um jogo de conceitos relativamente limitados e que era admitido por todos (mesma explicação da moeda, mesma explicação sobre os preços etc.). A partir desse mesmo sistema de conceitos, havia duas maneiras de explicar a formação do valor: analisando-o como troca ou como remuneração. Assim, através dos mesmos elementos, essas duas possibilidades deram lugar a duas opções diferentes2. Contudo, o autor conclui que, ao invés de buscar a permanência dos temas através do tempo e “traçar a dialética dos seus conflitos para individualizar conjuntos enunciativos” (Foucault, 2012, p.45), seria mais interessante “demarcar a dispersão dos pontos de escolha e definir [...] um campo de possibilidades estratégicas” (Ibidem). 3.1. Regras de formação De acordo com o que foi exposto, podemos perceber que, após formular as hipóteses sobre as quais poderiam se fundar as unidades dessas grandes famílias de enunciados designadas como a medicina, a economia, a gramática etc., Foucault deparou-se diante de um “sistema de dispersão” dos elementos discursivos. Sua análise se baseia, então, na descrição dessas “formas de repartição”, com o objetivo de detectar uma regularidade entre esses elementos. Segundo o autor, No caso em que se puder descrever, entre um certo número de enunciados, semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e funcionamentos, transformações), diremos, por convenção, que se trata de uma formação discursiva. (Foucault, 2012, p.47) Finalmente, para evitar o uso de palavras como “ciência”, “ideologia”, “teoria” ou “domínio de objetividade”, Foucault utiliza a noção de formação discursiva. E as regras dessa formação, o autor define como sendo [...] as condições a que estão submetidos os elementos dessa repartição (objetos, modalidade de enunciação, conceitos, escolhas temáticas). As regras de formação 2 Estabelecendo um diálogo com a temática do ensino/aprendizagem do Espanhol no Brasil, podemos observar duas opções: de um lado, a concepção de ensino de ELE para fluência, e de outro, a concepção de ensino de ELE para formação da cidadania. 22 são condições de existência (mas também de coexistência, de manutenção, de modificação e de desaparecimento) em uma dada repartição discursiva. (Ibidem) 3.2. A formação dos objetos discursivos A fim de verificar as noções de “formação discursiva” e de “regras de formação”, Foucault empreende sua análise. Primeiramente, observa a formação dos objetos. Tomando como exemplo o discurso da psicopatologia do século XIX, o autor pergunta se é possível determinar um sistema segundo o qual os objetos puderam se justapor e se suceder para formar esse campo discursivo. De acordo com sua teoria, para descobrir o regime de existência dos objetos do discurso, seria preciso, inicialmente, “demarcar as superfícies primeiras de emergência” (Foucault, 2012, p.50), ou seja, onde eles podem surgir. Porém, essas superfícies “não são as mesmas nas diferentes sociedades, em diferentes épocas e nas diferentes formas de discurso” (Ibidem). Na psicopatologia do século XIX, elas eram constituídas pela família, pelo grupo social próximo, o meio de trabalho, a comunidade religiosa, e também por outras novas superfícies que começaram a funcionar nessa época (a arte, a sexualidade, a penalidade). Assim, nesses “campos de diferenciação”, o discurso psiquiátrico encontra a possibilidade de fazer aparecer seu objeto, torná-lo nomeável e descritível. Além disso, seria necessário descrever as “instâncias de delimitação”. Por exemplo, no século XIX, ainda que a medicina fosse a instância superior que instaura a loucura como objeto, havia outras que também representavam esse papel: a justiça penal, a autoridade religiosa, a crítica literária e artística. Por fim, seria preciso também analisar as “grades de especificação” (ou de “diferenciação”), ou seja, “os sistemas segundo os quais separamos, opomos, associamos, reagrupamos, classificamos, derivamos, umas das outras, as diferentes ‘loucuras’ como objetos do discurso psiquiátrico.” (Idem, p.51). Porém, Foucault percebe que, para descrever um sistema de formação, ainda é insuficiente essa demarcação dos “planos de emergência”, das “instâncias de delimitação” e das “formas de especificação”. Primeiro, porque eles não fornecem objetos constituídos que determinado discurso só deveria classificar e nomear, visto que o discurso “é algo inteiramente diferente do lugar em que vêm se depositar e se superpor, como em uma simples superfície de inscrição, objetos que teriam sido instaurados anteriormente.” (Idem, p.52). Por exemplo, no caso da psicopatologia, não são as famílias, enquanto “plano de emergência”, que determinam os loucos e propõem doentes para a análise dos psiquiatras. Segundo, porque não foi estabelecida nenhuma espécie de relação existente entre os planos de diferenciação 23 descritos e não seria possível circunscrever um conjunto definido a partir de uma série de determinações heterogêneas, sem relações entre si. No entanto, estas duas questões colocadas remetem a um mesmo ponto. Para compreender este ponto, Foucault traz como exemplo o campo da psicopatologia do século XIX, no qual apareceu uma série de objetos pertencentes ao registro de delinquência (homicídios, crimes passionais, delitos sexuais etc). O problema aqui, então, é saber o que tornou possível o aparecimento desses objetos e como eles puderam ser seguidos de outros que os retomaram, corrigiram, modificaram e eventualmente anularam. Não seria pertinente atribuir o aparecimento desses objetos às normas características da sociedade burguesa do século XIX, a um sistema policial e penal reforçado, ao aumento da criminalidade; pois embora tenham ocorrido todos esses processos, eles não puderam, por si próprios, formar objetos para o discurso psiquiátrico. Deste modo, Se, em nossa sociedade, em uma época determinada, o delinquente foi psicologizado e patologizado, se a conduta transgressora pôde dar lugar a toda uma série de objetos de saber, deve-se ao fato de que, no discurso psiquiátrico, foi empregado um conjunto de relações determinadas. (Foucault, 2012, p.53) Como exemplo destas relações, Foucault aponta: relações entre planos de especificação como as categorias penais e os graus de responsabilidade diminuída, e planos psicológicos de caracterização (faculdades, aptidões etc.); relação entre a instância de relação médica e a instância de relação judiciária; relação entre o filtro constituído pela interrogação judiciária, as informações policiais, a investigação e todo aparelho de investigação jurídica, e o filtro constituído pelo questionário médico, os exames clínicos, as pesquisas dos antecedentes e as narrações; relação entre as normas familiares, sexuais, penais, do comportamento dos indivíduos, e o quadro dos sintomas patológicos e doenças de que eles são sinais; relação entre a restrição terapêutica no meio hospitalar e a restrição punitiva na prisão. Assim, a formação de todo um conjunto de objetos é assegurada por essas relações estabelecidas entre instâncias de “emergência”, de “delimitação” e “especificação” que atuam no discurso: Diremos, pois, que uma formação discursiva se define (pelo menos quanto a seus objetos) se se puder estabelecer um conjunto semelhante; se se puder mostrar como qualquer objeto do discurso em questão aí encontra seu lugar e sua lei de aparecimento; se se puder mostrar que ele pode dar origem, simultânea ou 24 sucessivamente, a objetos que se excluem, sem que ele próprio tenha de se modificar. (Foucault, 2012, p.54) Em relação a essa definição, Foucault faz algumas observações. A primeira delas diz respeito à importância das condições históricas para que apareça um objeto de discurso: “o objeto existe sob as condições positivas de um feixe complexo de relações” (Idem, p.55). A segunda afirma que essas relações são estabelecidas entre instituições, processos econômicos e sociais, formas de comportamentos, sistemas de normas, técnicas, tipos de classificação, modos de caracterização. Assim, elas “não definem a constituição interna do objeto, mas o que lhe permite aparecer, justapor-se a outros objetos, situar-se em relação a eles, definir sua diferença, sua irredutibilidade e, eventualmente, sua heterogeneidade; enfim, ser colocado em um campo de exterioridade.” (Idem, p.55). Por este motivo, por exemplo, será possível observar as interações entre diferentes formações discursivas a partir dos filmes, visto que se trata de um campo de exterioridade, que permite fazer aparecer os objetos. Na terceira observação, o autor faz uma distinção entre essas relações, que ele chama de “relações discursivas”, e as que poderiam ser chamadas de “primárias ou reais” (relações que, independentemente do discurso ou objeto de discurso, podem ser descritas entre instituições, técnicas, formas sociais, etc; como, por exemplo: relações entre a família burguesa e o funcionamento das instâncias e das categorias judiciárias do século XIX) e “secundárias ou reflexivas” (relações que podem estar formuladas no próprio discurso; como, por exemplo: relações entre a família e a criminalidade formuladas no discurso dos psiquiatras). A quarta observação diz respeito, exclusivamente, às relações discursivas. Segundo o autor, elas não são nem internas ao discurso, pois não ligam entre si os conceitos e as palavras; nem são exteriores ao discurso, pois não o limitam nem o impõem certas formas. Elas estão no limite do discurso: “oferecem-lhe objetos de que ele pode falar, ou antes [...] determinam o feixe de relações que o discurso deve efetuar para poder falar de tais ou tais objetos, para poder abordá-los, nomeá-los, classificá-los, explicá-los etc.” (Idem, p.56). Por fim, essas relações caracterizam o próprio discurso enquanto prática, enquanto lugar onde uma pluralidade de objetos se forma ou se deforma, aparece e se apaga. Após procurar essa unidade do discurso junto aos objetos, o autor, então, descobriu “um conjunto de regras que são imanentes a uma prática e a definem em sua especificidade” (Idem, p.57). Assim, em um sistema de formação estável, como, por exemplo, a psicopatologia enquanto disciplina, 25 não são os objetos que permanecem constantes, nem o domínio que formam; nem mesmo seu ponto de emergência ou seu modo de caracterização; mas o estabelecimento de relação entre as superfícies em que podem aparecer, em que podem ser delimitados, analisados e especificados. (Idem, p.57) Deste modo, em sua proposta, não se pretende interpretar o discurso para fazer uma história dos objetos; não se deseja buscar as coisas anteriores ao discurso; mas, sim, busca-se ficar no nível do próprio discurso e, assim, definir os objetos relacionando-os ao conjunto de regras que constituem suas condições de aparecimento histórico, a fim de fazer uma história dos objetos que “desenvolva o nexo das regularidades que regem sua dispersão” (Foucault, 2008, p.58), ou seja, que regem o aparecimento, desaparecimento e transformação dos elementos discursivos. Além disso, identificar os relacionamentos que caracterizam uma prática discursiva ao tentar descrever um objeto não significa necessariamente remeter à análise dos conteúdos léxicos. Por exemplo, não se trata de questionar o sentido dado, em sua época, às palavras “melancolia” ou “loucura sem delírio”, nem a oposição de conteúdo entre “psicose” e “neurose”. Mas, sim, de saber como a criminalidade pôde tornar-se objeto de parecer médico, ou como o desvio sexual pôde delinear-se como um objeto do discurso psiquiátrico. Por exemplo, na prática discursiva da disciplina escolar, observa-se o aparecimento de objetos pertencentes a outros campos e que são redefinidos neste contexto, como, por exemplo, questões relacionadas às políticas públicas de segurança3. Por fim, em seu trabalho, Foucault não pretende tratar os discursos enquanto conjunto de signos que são utilizados para designar coisas, mas como práticas que formam os objetos de que falam: direi que, em todas essas pesquisas que avancei ainda tão pouco, gostaria de mostrar que os ‘discursos’, tais como podemos ouvi-los, tais como podemos lê-los, sob a forma de um texto não são, como se poderia esperar, um entrecruzamento de coisas e de palavras [...]; gostaria de mostrar que o discurso não é uma estreita superfície de contato, ou de confronto, entre uma realidade e uma língua, o intrincamento entre o léxico e uma experiência; gostaria de mostrar, por meio de exemplos precisos, que, analisando os próprios discursos, vemos desfazerem-se os laços aparentemente tão fortes entre as palavras e as coisas, e destacar-se um conjunto de regras, próprias da prática discursiva. Essas regras definem [...] o regime dos objetos. (Foucault, 2012, p.59-60) 3 Como exemplo podemos citar o Programa Escolas do Amanhã, da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, nitidamente relacionado ao projeto das UPPs. 26 Partindo do princípio, então, de que os sujeitos são formados a partir do processo de interação com os discursos e saberes em circulação na sociedade, nesta pesquisa, observaremos que os modos como os alunos interpretam os filmes e os sentidos atribuídos por eles estão atravessados por formações discursivas predominantes em seu contexto sociocultural. 3.3. Formação das modalidades enunciativas Definido as regras de formação dos objetos, o autor avança, então, para a segunda parte de sua análise: a descrição das regras de formação das modalidades enunciativas. Tomando como exemplo, o discurso dos médicos, no século XIX, questiona que encadeamento há entre as muitas formas de enunciados que nele se pode encontrar (descrições qualitativas, narrações biográficas, dedução, verificações experimentais etc.). Como ponto de partida, para encontrar a lei que as rege e o lugar de onde elas vêm, a primeira pergunta que se deve fazer é: “quem fala? [...] Qual é o status dos indivíduos que têm – e apenas eles – o direito regulamentar ou tradicional, juridicamente definido ou espontaneamente aceito, de proferir semelhante discurso?” (Foucault, 2012, p.61). O status do médico, por exemplo, é bastante singular em todas as formas de sociedade. Assim, a fala médica não pode vir de quem quer que seja: ela está associada a um personagem, que é definido por seu status. Porém, esse status também pode ser profundamente modificado. A segunda questão diz respeito aos lugares institucionais de onde os indivíduos obtêm seu discurso, e onde este encontra sua origem legítima e seu ponto de aplicação (seus objetos específicos e seus instrumentos de verificação). No caso dos professores, por exemplo, esses lugares são, para nossa sociedade, a escola, a universidade, o laboratório, a biblioteca etc. Porém, esses diversos lugares nem sempre são os mesmos. A terceira questão se refere às posições do sujeito, que se definem pela situação que podem ocupar em relação aos diversos domínios ou grupos de objetos. No caso do aluno, por exemplo, ele pode ocupar a posição de sujeito que questiona e de sujeito que observa. Ainda existem as posições que o sujeito pode ocupar na rede de informações. Porém, essas diversas situações podem ser redefinidas. Assim, segundo o autor, se, no caso do discurso clínico, o médico pode ocupar sucessivamente diversas funções, é porque “todo um jogo de relações se encontra em jogo” (Foucault, 2012, p.64), como, por exemplo, relações entre o campo das observações imediatas e o domínio das informações já adquiridas; relações entre o papel do médico como terapeuta, 27 pedagogo, transmissor do saber médico etc. Desta maneira, o discurso clínico deve ser entendido como o “relacionamento, no discurso médico, de um certo número de elementos distintos, dos quais uns se referiam ao status dos médicos, outros ao lugar institucional e técnico de onde falavam, outros à sua posição como sujeitos que percebem, observam, descrevem, ensinam etc.” (Ibidem). É ele quem instaura, enquanto prática discursiva, esse sistema de relações. Contudo, tendo em vista a disparidade dos tipos de enunciação no discurso clínico, a medicina clínica, então, deve ser entendida como renovação das modalidades de enunciação (como, por exemplo, renovação dos pontos de vista, conteúdos, formas e do próprio estilo da descrição). As diversas modalidades da enunciação não estão relacionadas à unidade de um sujeito, mas, sim, “manifestam sua dispersão: nos diversos status, nos diversos lugares, nas diversas posições que pode ocupar ou receber quando exerce um discurso, na descontinuidade dos planos de onde fala.” (Idem, p.65-66). Deste modo, o discurso, segundo o autor, [...] não é a manifestação [...] de um sujeito que pensa, que conhece, e que o diz: é, ao contrário, um conjunto em que podem ser determinadas a dispersão do sujeito e sua descontinuidade em relação a si mesmo. É um espaço de exterioridade em que se desenvolve uma rede de lugares distintos. (Foucault, op.cit., p.66) Observa-se, então, que o discurso é definido enquanto um lugar de dispersão do sujeito. Essa questão é importante para esta pesquisa, visto que, ao analisar os processos de interação dos alunos com as formações discursivas próprias do contexto argentino, podemos verificar uma pluralidade de vozes a partir de movimentos de consenso e dissenso entre as interpretações dos discentes, assim como a partir de movimentos de adesão e distanciamento em relação ao discurso do outro. 3.4. A formação dos conceitos Após definir o regime das enunciações características de uma formação discursiva, Foucault empreende sua terceira análise, referente às regras de formação dos conceitos. Tomando como exemplo disciplinas como a gramática, a economia, ou o estudo dos seres vivos, o autor observa o aparecimento de conceitos que não constroem, rigorosamente, um conjunto coerente; e questiona se não haveria uma lei que desse conta da emergência sucessiva ou simultânea dos efeitos discordantes. Porém, para se chegar a tal resposta, de 28 acordo com sua teoria, antes é necessário descrever a organização do campo de enunciados em que esses conceitos aparecem e circulam. A configuração do campo enunciativo compreende: formas de sucessão (e, entre elas: as diversas disposições das séries enunciativas; os diversos tipos de correlação dos enunciados; os diversos esquemas retóricos segundo os quais se podem combinar grupos de enunciados), formas de coexistência (elas delineiam um campo de presença; um campo de concomitância e um campo de memória) e procedimentos de intervenção (tais procedimentos podem aparecer nas técnicas de reescrita, em métodos de transcrição dos enunciados, os modos de tradução, os meios utilizados para aumentar a aproximação dos enunciados, a maneira pela qual se transfere um tipo de enunciado de um campo de aplicação a outro etc.). Assim, diante dessa heterogeneidade de elementos, o que permite delimitar o grupo de conceitos que são específicos de uma formação discursiva é a “maneira pela qual esses diversos elementos estão relacionados uns aos outros: a maneira, por exemplo, pela qual a disposição das descrições ou das narrações está ligada às técnicas de reescrita [...]” (Foucault, 2012, p.70). O sistema de formação conceitual é constituído, então, por este feixe de relações: tentamos determinar segundo que esquemas (de seriação, de grupamentos simultâneos, de modificação linear ou recíproca) os enunciados podem estar ligados uns aos outros em um tipo de discurso; tentamos estabelecer, assim, como os elementos recortantes dos enunciados podem reaparecer, se dissociar, se recompor, ganhar em extensão ou em determinação, ser retomado no interior de novas estruturas lógicas, adquirir, em compensação, novos conteúdos semânticos, constituir entre si organizações parciais (Idem, p.71) Contudo, o que esses esquemas permitem descrever é a dispersão dos conceitos através de textos, livros e obras – dispersão que caracteriza um tipo de discurso. Deste modo, tal análise refere-se ao campo em que os conceitos podem coexistir e às regras às quais esse campo está submetido. Esse campo “pré-conceitual”, é, pois, o conjunto das regras que se encontram em jogo. A descrição desse campo permite que apareçam as regularidades discursivas que tornaram possível a multiplicidade heterogênea dos conceitos. O discurso, aqui, é compreendido, então, como lugar de emergência dos conceitos. A respeito de sua proposta, Foucault afirma: Na análise que aqui se propõe, as regras de formação têm seu lugar não na mentalidade ou na consciência de um indivíduo, mas no próprio discurso; elas se 29 impõem, por conseguinte, segundo um tipo de anonimato uniforme, a todos os indivíduos que tentam falar nesse campo discursivo. Por outro lado, não são consideradas universalmente válidas em todos os domínios indiscriminadamente; são sempre descritas em campos discursivos determinados, e suas possibilidades indefinidas de extensão não são reconhecidas antecipadamente. Podem-se, no máximo, por uma comparação sistemática, confrontar, de uma região a outras, as regras de formação dos conceitos. (Foucault, op.cit., p.74) 3.5. A formação das estratégias Após descrever a rede conceitual a partir das regularidades intrínsecas do discurso, Foucault empreende sua última descrição: as regras de formação das estratégias. As estratégias se referem aos temas ou teorias que os tipos de enunciação formam, segundo seu grau de coerência, de rigor e de estabilidade. A questão, neste tópico, é saber como esses temas ou teorias são distribuídos na história. Para definir este sistema comum, faz-se necessário percorrer alguns caminhos. É preciso, primeiramente, determinar os possíveis pontos de difração (ou seja, dispersão) do discurso. São eles: pontos de incompatibilidade, ou seja, quando dois objetos, ou dois tipos de enunciação, ou dois tipos de conceitos aparecem na mesma formação discursiva; pontos de equivalência, ou seja, quando dois elementos incompatíveis são formados a partir das mesmas regras; pontos de ligação de uma sistematização, ou seja, quando uma série coerente de objetos, formas enunciativas e conceitos são derivados a partir desses elementos equivalentes e incompatíveis ao mesmo tempo. Além disso, para dar conta das escolhas que foram realizadas (entre todas as que poderiam ter sido), é preciso determinar as instâncias específicas de decisão. Assim, cabe verificar o papel desempenhado pelo discurso estudado em relação aos que lhe são contemporâneos e verificar a constelação discursiva à qual ele pertence, uma vez que as escolhas dependem dessas constelações. Por exemplo, tal discurso pode estar em uma relação de analogia, de oposição, ou de complementaridade com alguns outros discursos. Pode-se também descrever, entre diversos discursos, “relações de delimitação recíproca, cada um deles apresentando as marcas distintivas de sua singularidade pela diferenciação de seu domínio, seus métodos, seus instrumentos, seu domínio de aplicação” (Foucault, 2012, p.79). Todo esse jogo de relações constitui um princípio de determinação que admite ou exclui, no interior de um dado discurso, um certo número de enunciados: há sistematizações conceituais, encadeamentos enunciativos, grupos e organizações de objetos que teriam sido possíveis (e cuja ausência não pode ser justificada no nível 30 de suas regras próprias de formação), mas que são excluídos por uma constelação discursiva de um nível mais elevado e de maior extensão. Uma formação discursiva, não ocupa, assim, todo o volume possível que lhe abrem por direito os sistemas de formação de seus objetos, de suas enunciações, de seus conceitos; ela é essencialmente lacunar, em virtude do sistema de formação das suas escolhas estratégicas. (Ibidem) Além disso, é preciso, também, determinar as escolhas teóricas (ou seja, as estratégias) que foram efetuadas. Porém essa determinação depende de outra instância, que se caracteriza: pela função que deve exercer o discurso estudado em um campo de práticas não discursivas; pelo regime e pelos processos de apropriação do discurso (visto que a propriedade do discurso está reservada a um grupo determinado de indivíduos); e pelas posições do desejo em relação ao discurso. De acordo com o autor, a análise dessa instância mostra que “nem a relação do discurso com o desejo, nem os processos de sua apropriação, nem seu papel entre as práticas não discursivas são extrínsecos à sua unidade, à sua caracterização, e às leis de formação.” (Foucault, op.cit., p.80). Esses elementos não são perturbadores, não mascaram o discurso: são elementos formadores. Assim, pode-se dizer que se trata de uma formação discursiva quando se puder definir o sistema de formação das diferentes estratégias que nelas se desenrolam e mostrar como todas derivam de um mesmo jogo de relações. 3.6. Sistema de dispersão Após finalizar a descrição do sistema de formação dos discursos, Foucault se depara, então, diante de um sistema de dispersão dos elementos discursivos. Essa dispersão, segundo o autor, pode ser descrita, em sua singularidade se forem determinadas as regras específicas segundo às quais foram formados objetos, enunciações, conceitos, opções teóricas. Assim, a unidade de um discurso, como o da medicina clínica ou da economia política, reside no sistema que rege e torna possível a aparição desses elementos. Como foi dito ao longo das análises feitas pelo autor, quando se fala de um sistema de formação, não se compreende somente a justaposição, a coexistência ou a interação de elementos heterogêneos (instituições, técnicas, grupos sociais, organizações perceptivas, relações entre discursos diversos), mas seu relacionamento – sob uma forma bem determinada – estabelecido pela prática discursiva. (Foucault, 2012, p.86) 31 Foucault descreveu quatro feixes de relação e definiu, assim, para todos eles um sistema único de formação, mostrando que eles não são independentes um dos outros: por exemplo, as escolhas estratégicas são determinadas por pontos de divergência dos conceitos; assim como as modalidades de enunciação são descritas a partir da posição que o sujeito ocupa em relação ao domínio dos objetos de que fala. Cada nível não se desenvolve de forma autônoma: “da diferenciação primária dos objetos à formação das estratégias discursivas existe toda uma hierarquia de relações.” (Foucault, 2012, p.87). Deste modo, as escolhas teóricas excluem ou implicam, nos enunciados que as efetuam, a formação de certos conceitos. No entanto, segundo o autor, “não foi a escolha teórica que regulou a formação do conceito, mas ela o produziu por intermédio das regras específicas de formação dos conceitos e pelo jogo das relações que mantém com esse nível”. (Ibidem) Além disso, em sua análise, foi observado que os sistemas de formação residem no próprio discurso. Assim, definir um sistema de formação é caracterizar um discurso (ou um grupo de enunciados) pela regularidade de uma prática discursiva. “Por esse sistema de formação é preciso, pois, compreender um feixe complexo de relações que funcionam como regra” (Idem, p.88): através das mesmas leis de formação, novos objetos aparecem, novas modalidades de enunciação são empregadas, novos conceitos são delineados e novos edifícios teóricos são construídos. É importante lembrar que: Uma formação discursiva não desempenha, pois, o papel de uma figura que para o tempo e o congela por décadas ou séculos: ela determina uma regularidade própria de processos temporais; coloca o princípio de articulação entre uma série de acontecimentos discursivos e outras séries de acontecimentos, transformações, mutações e processos. Não se trata de uma forma intemporal, mas de um esquema de correspondência entre diversas séries temporais. (Foucault, op.cit., p.88-89) Por fim, o que se descreve como sistemas de formação não constitui a etapa final dos discursos, ou seja, sua construção acabada (os textos escritos e as falas com seu vocabulário, sintaxe, estrutura lógica ou organização retórica). A análise proposta por Foucault permanece aquém desse estado terminal e analisa “os sistemas que tornam possíveis as formas sistemáticas últimas”. Esses sistemas são considerados como “regularidades pré-terminais em relação às quais o estado final, longe de constituir o lugar de nascimento do sistema, se define, antes, por suas variantes.” (Idem, p.90). Assim, nesta análise das formações discursivas, o 32 autor descobre um conjunto de sistematicidades e relações múltiplas. E é justamente neste ponto que se delineia sua análise: Não procuramos, pois, passar do texto ao pensamento, da conversa ao silêncio, do exterior ao interior, da dispersão espacial ao puro recolhimento do instante, da multiplicidade superficial à unidade profunda. Permaneceremos na dimensão do discurso. (Foucault, 2012, p.91) 33 34 II Ressonâncias discursivas no ensino do Espanhol no Brasil Antes de compreendermos as concepções teóricas, tanto de língua como de ensino e leitura, adotadas nesta pesquisa, cabe ressaltar algumas tendências predominantes no caminho desenvolvido pelos estudos do Espanhol no Brasil. Veremos que essas tendências se configuram como “gestos fundadores” de uma imagem sobre o ensino desta língua que ainda perdura no país. Neste sentido, podemos dizer que os vários discursos em torno desse idioma no Brasil se ligam a uma certa perspectiva comum – ainda que eles sejam dissidentes uns dos outros; ainda que eles não reafirmem o senso-comum (mas continuam em diálogo com esta primeira imagem, na tentativa de rompê-la). Ou seja, os discursos em torno da língua espanhola obedecem a uma certa formação discursiva que, ao longo da história, determinou regras para sua existência e transformações neste contexto. Neles, é possível observar uma predominância da concepção de sujeito unívoco e da compreensão da língua enquanto um sistema estático e homogêneo. 1. O privilégio do aspecto lexical no ensino de ELE Até os anos 1990, no âmbito acadêmico, a reflexão linguística sobre a língua espanhola era quase inexistente. As pesquisas em torno dessa língua no país possuíam um caráter instrumental, voltadas para um ensino com objetivos turísticos ou econômicos, que seria realizado, principalmente, em escolas de idiomas ou em alguns colégios privados. Somente a partir dessa década, o espanhol passou a ocupar novos lugares e a se tornar objeto de pesquisa nas universidades brasileiras. De acordo com Celada & González (2000), alguns fatores, como, por exemplo, a condição periférica do país, o acesso tardio aos modelos teóricos da linguística e a relação de desconhecimento mútuo que se estabeleceu entre o Brasil e os países hispânicos foram responsáveis pelo lugar ocupado pela língua espanhola, irrefletidamente, ao longo de muitos anos. Essa falta de reflexão ocasionou uma espécie de “cristalização” de determinadas crenças que, somente recentemente, estão sendo questionadas. A principal dessas crenças tem como pressuposto a ideia de que o espanhol e o português são línguas muito parecidas e, por este motivo, falar espanhol passou a ser, então, considerado “fácil”. Tal concepção começou a ser difundida nos anos 30 do século XX, 35 através da primeira Gramática da língua espanhola para uso dos brasileiros, de Antenor Nascentes, e estava presente no primeiro manual de ensino que surgiu no Brasil em 1945, de Idel Becker. Neste panorama, o foco das atenções passou a ser a busca pelas diferenças entre essas duas línguas tão semelhantes, uma vez que essas eram consideradas a fonte de todas as dificuldades. Esse pressuposto que se instalou no Brasil acerca do espanhol abriu espaço para que as análises contrastivas se desenvolvessem e se expandissem no país. Esses estudos tinham como fundamento a teoria de Lado (1957), na qual o autor afirmava que os aprendizes possuem uma tendência a transferir os conhecimentos da sua língua materna para a língua estrangeira. Cabe ressaltar que os estudos linguísticos reprodutores dessa visão possuíam uma concepção cartesiana do sujeito e compreendiam a língua como um sistema semanticamente estabilizado e homogêneo, acreditando que seu domínio se dava através do conhecimento lexical, reduzindo-a a um estoque de palavras. Defendiam, portanto, que o espanhol e o português eram semelhantes, pois somente 10% das palavras não possuiriam equivalentes idênticos nos dois idiomas. Passou-se, então, a privilegiar esses vocabulários distintos, conhecidos como “falsos amigos”, pois estes poderiam gerar mal-entendidos. Porém, o equívoco deste modelo se encontra, fundamentalmente, no fato de pensar que somente tendo acesso às palavras seria possível controlar todas as ambiguidades – como veremos mais adiante, as diferenças lexicais tornam-se superficiais e insuficientes ao levarmos em conta outros níveis de análise. A prática didática do ensino de espanhol, por sua vez, é afetada diretamente por esta falta de reflexão. É possível perceber que os professores se referem, constantemente, a algumas dificuldades vivenciadas pelos estudantes brasileiros, tais como, dificuldades para aprender o uso dos pronomes diretos e indiretos, dificuldades para aprender o uso das preposições, dificuldades para aprender a conjugação do verbo gustar, dificuldades no uso de imperativos, dificuldade para conjugar os verbos irregulares etc. De acordo com González & Celada (2000, p.43), todas essas questões apontam que a problemática está relacionada ao funcionamento da sintaxe da língua espanhola: Si consideramos que la sintaxis [...] mobiliza los diferentes planos de la lengua – desde el fonológico al discursivo–, las preocupaciones u observaciones de los profesores pueden verse como indicios de que lo que está produciendo esa serie de dificultades tiene que ver con el funcionamiento de la lengua española en el nivel discursivo, mucho más que con el nivel lexical […] De acordo com Fanjul (2012), a partir da década de 1990, começa, então, um processo de mudança deste panorama no país. O aparecimento das diversas novas tendências que 36 passam a se desenhar no cenário acadêmico brasileiro em torno dessa língua estão relacionadas a alguns fatores externos à academia, como, por exemplo, os processos de integração regional (MERCOSUL), que se iniciam nos campos econômico e político, dando lugar a inúmeros intercâmbios de bens culturais que determinam uma circulação diferente para as línguas na região, fazendo com que o interesse pelas relações entre as línguas espanhola e portuguesa aumente consideravelmente. Especificamente nos estudos linguísticos, essa relação começa a ser abordada a partir de vertentes de forte desenvolvimento na universidade brasileira e de alguns países vizinhos: teoria sobre a aquisição de inspiração gerativista, aplicações de diversas perspectivas nos estudos discursivos e enunciativos e, em menor medida, mas também marcando uma crescente presença, estudos de gramática descritiva. São produzidos e divulgados, dentre outros, trabalhos de pesquisa sobre a aquisição do espanhol por brasileiros (GONZÁLEZ, 1994), sobre comparações entre o funcionamento do português brasileiro e do espanhol (GROPPI, 1997), comparações entre as discursividades relacionadas a ambas as línguas (SERRANI, 1994; SANTANNA, 200; FANJUL, 2002), ou sobre aspectos da subjetividade do brasileiro mobilizado pelo contato com o funcionamento do espanhol (CELADA, 2002), todos abrindo caminhos de interrogação que, graças a contribuições de novos pesquisadores, se mostram produtivos até hoje. (Fanjul, 2012, p.48) Paralelamente a esta nova relação entre línguas e saberes no Brasil, neste mesmo período, aumenta a presença da língua espanhola no campo educacional brasileiro e sua inclusão nos currículos escolares. Neste processo, surge, em 2005, a lei federal 11.161, que dá um prazo de cinco anos para que todas as escolas do ensino médio tenham o Espanhol como disciplina de oferta obrigatória. Devido à necessidade de formação de professores, começa uma interação entre o campo educacional e as pesquisas em desenvolvimento nos últimos anos no campo acadêmico. Porém, mesmo com todos os avanços nos estudos linguísticos apontando para outros caminhos de análise, mesmo com a introdução de novos modelos teóricos para o estudo da linguagem e a realização de novas pesquisas, a manutenção da visão estereotipada do processo de aquisição do espanhol ainda pode ser facilmente detectada no Brasil, principalmente se observamos as práticas didáticas do ensino de línguas das escolas públicas e os materiais didáticos que nelas circulam – em grande parte reforçando ainda os lugares-comuns dos quais precisamos sair. 2. Gêneros do discurso em sala de aula: contradições entre a prática e a teoria Simultaneamente a esta tendência do ensino do espanhol no Brasil, é possível destacar a ocorrência de uma outra tendência, que pode ser relacionada ao surgimento, em 1998, dos 37 Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN): trata-se dos trabalhos dedicados aos “gêneros do discurso” nas pesquisas acadêmicas e, consequentemente, em sala de aula. Após pesquisa de produções acadêmicas relativas a essa problemática, Fanjul observa que, embora nestas elaborações possam ser percebidos os avanços na compreensão das complexas relações entre linguagem, história e sociedade, muitos trabalhos negligenciam as dimensões textual e discursiva. A partir do levantamento nos anais de dois eventos de significativo impacto para a área, realizados em 2010, o autor selecionou 14 comunicações que abordavam esse tema, apresentadas por pesquisadores em formação, de iniciação científica, mestrado ou doutorado e/ou de professores já atuantes nas universidades, a fim de detectar grandes variáveis. O corpus analisado era composto, em sua maioria, por trabalhos que se propunham a contribuir com as práticas de ensino. Os quatro aspectos analisados nos trabalhos foram: a delimitação do referencial teórico; a atenção às relações dialógicas e interdiscursivas para os enunciados considerados ou ainda para a caracterização de determinados gêneros; a atenção a aspectos da configuração textual; e a consideração da especificidade de ter-se um universo linguísticocultural estrangeiro como espaço de trabalho. A primeira constatação foi que nos referenciais teóricos são mencionados dois acervos diferentes: por um lado, tem-se o conjunto de estudiosos da “escola de Genebra” e, por outro lado, os autores do “Círculo de Bakhtin”. Porém, no desenvolvimento de grande parte dos trabalhos, percebe-e um afastamento do tratamento proposto para o discurso por qualquer um dos acervos. Termos como “dialogismo”, “polifonia” e “heterogeneidade”, ritualmente repetidos nos parágrafos de referencial teórico, são completamente ignorados na prática. Segundo Fanjul (2012, p.57), a forte presença destes termos é um sinal “de uma filiação dominante, no campo acadêmico, a concepções sobre a relação entre linguagem, sujeitos e sociedades que, de diferentes maneiras, questionam a unicidade do sujeito falante e a imanência do texto”. Mas, por outro lado, o autor sinaliza que “sua repetição é também sinal de uma certa automatização, de que começam a transformar-se em meras fórmulas de inscrição em uma discursividade, com escassa relação com as práticas efetivas que acompanham (Ibidem). Por exemplo, nas comunicações que assumem um enunciado como objeto, não são estabelecidas relações interdiscursivas4, ou seja, diálogos com “discursos alheios” que estão contidos nos enunciados. Além disso, em grande parte dos trabalhos, esses termos ganham um novo significado ao serem transportados para o campo educacional e 4 De acordo com Pêcheux (1975), o interdiscurso diz respeito ao conjunto estruturado das formações discursivas. Nele, “se constituem os objetos e as relações entre esses objetos que o sujeito assume no fio do discurso” (Charaudeau & Maingueneau, 2014, p.287). Por outro lado, está o intradiscurso, que diz respeito à dimensão linguística dos enunciados. Cabe lembrar que o intradiscurso está atravessado pelo interdiscurso. 38 passam a estar relacionados com a possibilidade de o aluno expressar-se criticamente e conhecer diferentes perspectivas em torno de algum assunto. Deste modo, a “heterogeneidade do discurso deixa de ser constitutiva de todo enunciado para passar a ser vista como um traço distintivo de certas práticas que precisariam ser estimuladas em prol de um modelo de ensino ou, inclusive, de formação cidadã.” (Ibidem). Outro aspecto analisado foi que alguns trabalhos utilizavam os termos “enunciado” ou “gênero” indistintamente, enquanto outros faziam uma distinção entre enunciados que podem ser considerados gêneros, ou não. De acordo com Fanjul (2012, p.58), esses equívocos que o corpus insinua revelam a descaracterização conceitual do tipo de abordagem do enunciado que vem sendo desenvolvida para a análise e/ou para o ensino: Levar um enunciado para o ensino ou incluí-lo em um levantamento para o planejamento didático, de modo que toda a prática com ele se reduza a comentar os “fatos” e “realidades” que ele registra ou poderia registrar, é obliterar, dentre outras coisas, aquilo que se relaciona a um gênero, é precisamente “desgenerizá-lo”, por mais que lhe seja atribuída “autenticidade”. Para perceber o enunciado na sua dimensão genérica, que constitui sua inserção na realidade, é imprescindível analisálo, como explica BAJTÍN (...), “no seu nexo com outros enunciados relacionados a ele”. E é oportuna [...] a observação que o pensador faz em um parêntese que segue imediatamente essa afirmação (...): “é costume analisar esses nexos unicamente no plano temático e não no discursivo, isto é, composicional e estilístico”. Quanto a este ponto, Fanjul observa que, embora em praticamente todos os trabalhos analisados sejam mencionados fatores composicionais e de estilo, somente três realizam uma efetiva abordagem analítica dos enunciados no que diz respeito a esses aspectos. Outros comentam características estilísticas dos gêneros, relacionadas ao lugar social do destinatário, mas reduzem à observação dos pronomes de tratamento. E os demais não fazem menção alguma a nenhuma dessas dimensões. A dimensão composicional, quando abordada, não parte de nenhum modelo de análise, embora não faltem, entre os referenciais teóricos mencionados nas comunicações, propostas aplicadas em muitos trabalhos no Brasil. Outra recorrência encontrada pelo autor no corpus analisado diz respeito a um modo de enunciar caracterizado pelo contraste: em praticamente toda a amostra, estão presentes formulações como, por exemplo, “não regras gramaticais, mas uma prática social” (Fanjul, 2012, p. 60); “não apenas tipos textuais ou marcadores discursivos, mas o sentido produzido em contextos reais” (Ibidem). Tendo em vista as dificuldades de associação entre teoria e prática e de adoção de concepções sobre língua e ensino que não se restrinjam somente às regras prescritivas gramaticais e ao estudo das frases isoladas de seu contexto, em prol de uma compreensão da linguagem como prática social e da relação dos sujeitos com o processo de 39 produção do sentido, Fanjul (2012, p.60-61) questiona acerca da necessidade dessa “repetição quase ritual”: não evidenciariam essas repetições, no seu excesso, a grande dificuldade que ainda se encontra para que o ensino de línguas possa ser alguma outra coisa diferente dessa formalização repetitiva? E a fuga da materialidade em direção a um “social” que não se indaga precisamente nos enunciados com os quais se trabalha, não terá haver com essa carência? Nessa fuga, o estudo da gramática, muitas vezes, é rejeitado no ensino de línguas, acarretando algumas complicações para as pesquisas nesta área. Instaura-se um “distanciamento crescente da materialidade linguística e das regularidades em todos os planos do seu funcionamento, tanto a sintaxe quanto a produção de referência, bem como a trama textual, a configuração enunciativa e o dialogismo” (Fanjul, 2012, p. 61). Na amostra analisada por ele, por exemplo, percebe-se que os fatos de linguagem continuam sendo tratados de modo descontextualizado e que não há tentativa alguma de tentar estabelecer uma vinculação entre os níveis do funcionamento discursivo e linguístico. Por fim, o autor observa que a maioria dos trabalhos que tratam do ensino de línguas estrangeiras não se indaga a respeito da problemática dos gêneros dos discursos em alteridades linguístico-culturais. Ainda que os estudos discursivos e a própria reflexão bakhtiniana sobre “expressividade” deem algumas pistas para abordar a questão dos gêneros em línguas diversas, a abordagem da complexidade do contato linguístico-cultural é reduzida à problemática de tal gênero existir ou não na outra língua/cultura. Segundo Bakhtin (2003), cada gênero possui uma expressividade própria que ressoa na palavra, que ganha, assim, uma “expressividade típica”. Concordando com esse pensamento, Fanjul acredita, então, que esse processo funciona de um modo diferente na percepção de um falante de uma segunda língua: “o eco pode ser ouvido de modos inesperados ou dispersar-se e, juntamente a palavra, de algum modo, redireciona-se para a língua, porque devido ao estranhamento, para o estrangeiro se atualiza de modo premente a vinculação da palavra com o corpo da língua outra” (Fanjul, 2012, p. 63). Contudo, o autor não acredita que a “expressividade típica se anule”, ainda mais quando se trata do caso do português e do espanhol na atualidade, visto que essas duas línguas, segundo ele, “protagonizam um tipo de proximidade interessante para o estudo do funcionamento discursivo”, não somente por se tratar de línguas tipologicamente próximas, mas, principalmente, pelos “efeitos de uma historicidade que tem em comum processos de 40 colonização5” (Idem, p. 63). Por este motivo, pesquisas divulgadas na área de estudos linguísticos passam a considerar a memória discursiva como um lugar para indagar sobre as atuais relações entre essas línguas e os deslocamentos das subjetividades. Para dar conta dessa relação entre o português e o espanhol no plano discursivo, Fanjul (2009) propõe a possibilidade de “espaços de memória compartilhados” entre as sequências discursivas em ambas as línguas e de “um funcionamento parafrástico6 entre elas”. Assim, entendendo a “expressividade típica” como uma “memória do gênero na materialidade da língua”, torna-se produtivo observar as aproximações e distanciamentos entre o português e o espanhol em gêneros discursivos que se manifestam tanto em espaços abrangentes quanto em espaços delimitados por uma das línguas. Porém, isto requer uma interrogação e uma descrição da materialidade linguística. Contudo, Fanjul conclui que há uma crescente desatenção para o estudo do funcionamento linguístico, textual e discursivo. Geralmente, os objetivos deste aspecto da educação são relacionados à necessidade de contribuir para desenvolver um “senso de cidadania” – discurso que circula insistentemente nos espaços voltados para o ensino/aprendizagem de línguas. Porém, o afastamento da metalinguagem não favorece o senso de cidadania. É necessário, então, “promover o conhecimento crítico acerca das metalinguagens em uma perspectiva transformadora” (Fanjul, 2012, p. 64). E, assim, passar a considerar não a memorização de regras prescritivas gramaticais, mas a descrição de regularidades no plano do intradiscurso e nas suas relações interdiscursivas, desenvolvendo práticas de leitura em sala de aula que valorizem a materialidade dos processos de significação. 3. Leitura: paráfrase e polissemia Neste mesmo sentido, Eni Orlandi, no livro Discurso e Leitura, afirma que o fundamento para as metodologias de leitura que são propostas atualmente tem sido a imagem de um sujeito-leitor que se relaciona somente com a linguagem verbal e no interior da escola. Segundo a autora, na idade média, a interpretação era entendida como única (dada pelo mestre) e não podia ser reivindicada pelos indivíduos. No entanto, devido à intervenção cada vez maior do jurídico sobre o religioso, começa a aparecer explicitamente um sujeito. Assim, 5 Embora Fanjul aborde a questão dos processos semelhantes de colonização vivenciados na América, nesta pesquisa também serão considerados os processos marcados por diferenças. 6 O processo parafrástico de produção de sentido, de acordo com Pechêux (1988), diz respeito à “construção das representações de sentidos predominantes em um discurso determinado” (Serrani, 2010, p.90). A polifonia da linguagem se refere à construção de sentidos variados. 41 a subordinação explícita do homem religioso dá lugar a uma subordinação menos explícita do homem jurídico, que insiste na ideia de um sujeito livre. O sujeito moderno, então, é ao mesmo tempo submisso e autônomo. Após observar a formação desse sujeito, a autora propõe uma reflexão sobre a formação do sujeito-leitor e afirma que os modos de assujeitamento em relação ao texto mudam profundamente no curso da história. Deste modo, pode-se falar hoje de um sujeito-leitor que se apresenta como um sujeito capaz da livre determinação dos sentidos ao mesmo tempo em que é um sujeito submetido às regras das instituições. A autora, então, se pergunta: como agir na escola em relação à formação do sujeito-leitor? Como trabalhar com a relação entre leitura parafrástica e leitura polissêmica? A autora também faz uma distinção entre leitura parafrástica e polissêmica que é pertinente para nossa discussão. O processo parafrástico é o que permite a produção do mesmo sentido sob várias de suas formas e o processo polissêmico é o responsável pelo fato de que são sempre possíveis sentidos diferentes. Em certas condições de produção do discurso, há de fato dominância de um sentido, porém a relação com os outros sentidos não pode ser perdida de vista. Deste modo, é necessário, na formação do sujeito-leitor, romper com o processo de produção dominante de sentidos e reconhecer que a multiplicidade de sentidos é inerente à linguagem. Tendo em vista a pergunta feita pela autora, percebe-se que é preciso uma conscientização maior, por parte dos docentes, das condições de produção de discurso, pois somente assim se poderá formar sujeitos-leitores capazes de ir além da literalidade do texto. Porém, como já vimos, sempre haverá um sentido predominante. Este sentido deve ser questionado para que outros sentidos possam emergir. As vozes devem ser escutadas e movimentadas, compreendendo-se, assim, que os sentidos não são lugares fixos, mas construídos na interação com o texto, em circunstâncias sócio-históricas particulares. Como se pôde ver ao longo deste segundo capítulo, a materialidade linguística (ou seja, o sistema morfológico, fonológico e sintático da língua) sempre foi o enfoque predominante no ensino de línguas estrangeiras nas escolas do Brasil. Porém os documentos nacionais vigentes da educação nacional apontam para um ensino de línguas estrangeiras nas escolas que leve também em consideração os fatores socioculturais e discursivos. A conscientização destes aspectos da língua permite uma maior compreensão da complexidade social em que vivemos, uma vez que, ao sensibilizar os alunos em relação às variações dos processos de produção/compreensão do sentido, leva-os a perceber que o uso da linguagem é heterogêneo e que as formas de cada língua variam de acordo com os usuários, com o contexto e com a finalidade em que essas línguas são usadas, de acordo com a idade, o sexo, a região de origem e a classe social de seus usuários. De acordo com os documentos nacionais 42 da educação vigentes (PCN e OCEM), a disciplina Língua Estrangeira7 deve propiciar a ampliação do domínio discursivo dos alunos em diferentes comunidades e situações, entendendo o uso da língua como uma prática social entre sujeitos que ocupam papéis historicamente marcados. Deste modo, o objetivo principal não é somente ensinar a se comunicar, mas, sobretudo, ensinar a interagir com outras vozes em contextos determinados. 4. Ressonâncias discursivas e alteridade Segundo Serrani (1997, p.5), um dos processos fundamentais que acontece quando o sujeito desenvolve uma “aquisição” bem sucedida de segunda língua [...] é a inscrição do sujeito em relações de preponderância na discursividade nova da segunda língua. A relação contraditória do sujeito com ressonâncias discursivas novas, que a segunda língua introduz, possibilita essa alteração na preponderância de suas formações discursivas fundamentais? Deste modo, as aulas de língua estrangeira podem, assim, ser um espaço de interação com novas discursividades e com outros modos de estruturar as significações do mundo. Essa inscrição do sujeito em outras formações discursivas que a segunda língua introduz possibilita que o sujeito estruture novas formas de significar e significar-se, através de um processo de (re)negociação de sentidos e concepções de verdade em torno da vida social, em que estereótipos e preconceitos sobre as culturas estrangeiras podem ser desconstruídos. A partir da noção de formações discursivas, desenvolvida por Foucault, a autora desenvolve a noção de ressonâncias discursivas para referir-se às formulações que se repetem em determinados conjuntos de textos relacionados: “existe ressonância discursiva quando determinadas marcas linguístico-discursivas se repetem, a fim de construir a representação de um sentido predominante” (Serrani, 2010, p. 90). Deste modo, tendo em vista que, através de uma língua estrangeira, entramos em contato com outras formas de estruturar as significações do mundo, e, portanto, com outras formações discursivas, Silvana Serrani (2010) realizou uma pesquisa sobre cartas argumentativas escritas por brasileiros e argentinos. Em sua análise, é realizado um exame das formulações que se repetem em ambos os textos, a fim de estabelecer uma comparação entre as ressonâncias discursivas predominantes nos textos brasileiros e argentinos. Segundo a 7 Atualmente há uma discussão em relação a esta denominação. Alguns autores preferem utilizar o termo “Línguas Adicionais”. Sobre este assunto, ver Garcez (2009). 43 autora, há recorrências expressivas que podem ser observadas em determinados conjuntos de textos discursivamente relacionados. Para a realização deste exame, foi verificada a repetição de: itens lexicais de uma mesma família de palavras ou de itens de diferentes raízes lexicais apresentados no discurso como semanticamente equivalentes; construções que funcionam parafrasticamente e modos de enunciar presentes no discurso. A autora, então, identificou que, no corpus em português, predominaram formações discursivas com ressonâncias de transição; e no corpus em espanhol, predominaram formações discursivas com ressonâncias de abrupção. Serrani ressalta que esses dois tipos de formação discursiva fazem parte de ambas as línguas e que as predominâncias variam de acordo com determinadas condições de produção. Segue, abaixo, as ressonâncias identificadas nos textos argumentativos analisados pela autora que tendem à construção de sentido por transições e abrupções: • Ressonâncias que tendem à construção de sentido por transições: - Ressonância do modo de enunciar indeterminado. - Ressonância da construção do sentido por enunciações marcadamente afirmativas. - Ressonância da estruturação textual com expressões de queixa em parágrafos situados no final do texto. - Ressonâncias de enunciações amenizadoras. • Ressonâncias que tendem à construção de sentido por abrupções: - Ressonâncias de modo de enunciar determinado. - Ressonâncias de modo de enunciar negativo. - Ressonâncias de enunciados que expressam queixas e questionamentos situados no começo do texto. - Ausência de expressões amenizadoras ou elogiosas para o destinatário. Contudo, podemos dizer que há, em nosso mundo, uma diversidade enunciativa, que pode ser percebida, por exemplo, em uma análise comparativa da enunciação em idiomas distintos. Dentro desta necessidade de revisar os pressupostos dos “gestos fundadores” aqui expostos, Celada & Gonzalez (2000) apontam as pesquisas desenvolvidas por Silvana Serrani, que se realizam a partir de uma análise comparativa das discusividades próprias de cada língua. As autoras observam que, ao estudar os fatores que incidem na produção de LE, se podem considerar dois níveis de análise: o da diversidade ou da dimensão constitutiva da alteridade. Segundo elas, a linha de investigação e estudo da língua espanhola no Brasil 44 durante muito tempo se limitou a trabalhar no primeiro nível: o da diversidade, desconhecendo a possibilidade de fazê-lo à luz da dimensão constitutiva da alteridade. Nesta dimensão, leva-se em consideração o modo que cada língua produz seu equívoco (por exemplo, na interação discursiva, podemos observar a produção de mal-entendidos e ambiguidades) e o modo como outras concepções de mundo e valores se evidenciam no plano da enunciação. Os avanços dessa abordagem que leva em consideração a diferença discursiva estão menos desenvolvidos, embora haja muitos estudos atualmente sobre este tema. Se levarmos em consideração somente o plano da diferença morfológica, perceberemos que a diferença entre o espanhol e o português não é, de fato, tão grande. Porém, o plano discursivo mostra que mesmo línguas tipologicamente próxima possuem modos distintos de construir os significados e, consequentemente, modos distintos de projeção do imaginário do sujeito da linguagem. É o que podemos constatar na pesquisa realizada por Serrani, ao identificar a predominância de formações discursivas de abrupção no contexto Argentino e de formações discursivas de transição no Brasil, revelando sua estreita relação com os modos de produção/construção de sentidos. 45 46 III Argentina e Brasil: processos sócio-históricos da formação de discursividades Tendo em vista que nesta pesquisa será realizada uma análise das formações discursivas (e suas ressonâncias) próprias dos contextos brasileiro e argentino, a partir da interação de alunos brasileiros, em aulas de Espanhol LE, com filmes produzidos na Argentina; e considerando que uma prática discursiva pode ser definida como “um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em uma época dada, e para uma determinada área social, econômica, geográfica ou linguística, as condições de exercício da função enunciativa.” (Foucault, 2012, p.144), torna-se fundamental a compreensão dos processos sócio-históricos envolvidos na formação de ambos os países. 1. Discurso fundador e espaços de identidade De acordo com Eni Orlandi (1993, p.18), a formação de um país está ligada à “formação de uma ordem de discurso que lhe dá identidade”. Para referir-se a esta ordem discursiva, a autora desenvolve a noção de ‘discurso fundador’, uma vez que se trata de uma fala que funda sentidos (onde não havia nenhum sentido ou até mesmo onde outros sentidos já se haviam se instalado) e se estabiliza na memória nacional, funcionando como referência no imaginário de um país. O discurso fundador, desse modo, busca “a possibilidade de criar um lugar na história, um lugar particular. Lugar que rompe no fio da história para reorganizar os gestos de interpretação” (Orlandi, op.cit., p.16). Para Orlandi, uma das características fundamentais deste discurso é a sua relação particular com a ‘filiação’. Cria tradição de sentidos projetando-se para a frente e para trás, trazendo o novo para o efeito do permanente. Instala-se irrevogavelmente. É talvez esse efeito que o identifica como fundador: a eficácia em produzir o efeito do novo que se arraiga na memória permanente (sem limite). Produz desse modo o efeito do familiar, do evidente, do que só pode ser assim. (Idem, p.13-14) Quando e como, então, essas memórias permanentes foram fundadas? Embora não se possa determinar uma data exata para o nascimento de nenhuma nação, é possível pensar 47 alguns fatores que contribuíram para o seu surgimento. No caso do encontro dos europeus com o Novo Mundo – caso que aqui muito nos interessa –, como, diante do sem-sentido, diante da nova terra onde nada lhes era familiar, foram surgindo os sentidos? Como o semsentido se deixou “construir com a aparência do sentido estável, coerente e homogêneo” (Idem, p.11)? Neste movimento de significação, quais “espaços de identidade histórica” (Idem, p.13) foram construídos aqui na América Latina e se apresentam ainda hoje como espaços legítimos e institucionais? Acerca dos discursos fundadores do Brasil, Eni Orlandi utiliza como exemplo o enunciado Em se plantando tudo dá, que ficou formulado para sempre na nossa História. Segundo a autora, esse “enunciado ressoa em muitos outros, repercutindo sentidos variados no sentimento de brasilidade. Terra pródiga. Gigante pela própria natureza. Mas mal administrada [...] e que embora seja explorada continuamente não se esgota” (Idem, p. 14). Assim, a partir desse enunciado fundador, se produziu um discurso sobre o Brasil. Sobre a instauração dos sentidos na América, a autora utiliza como exemplo a busca do ElDorado, em que os espanhóis, diante do desconhecido, sentiram a necessidade de domesticar esse Novo Mundo, a fim de “tornar familiar a paisagem hostil” (Idem, p.15). Neste percurso, nomes eram dados arbitrariamente, assim como eram arbitrários os limites que impunham ao acaso para ter um país configurado [...]. Arbitrário, mas necessário. Porque dar sentidos é construir limites, é desenvolver domínios, é descobrir sítios de significância, é tornar possíveis gestos de interpretação. (Orlandi, op.cit., p.15) 2. A nação imaginada Antes de começarmos a adentrar no processo de formação das nações e dos discursos que se estabilizaram tanto no Brasil quanto na Argentina, cabe fazer algumas considerações acerca do conceito de nação. O nacionalismo surgiu no século XVIII na Europa, quando cada país começou a exaltar suas características particulares: Tradições folclóricas, vida campesina, festividades religiosas, história e heróis nacionais, idiossincrasias étnicas, mitologias tribais e paisagens locais em pouco tempo permearam todas as artes [...]. As mitologias nacionais foram criadas ou revividas e divulgadas com entusiasmo evangélico, sempre com o objetivo de criar um sentido de nacionalidade e de destino nacional. Essas mitologias tornaram-se ficções-diretrizes das nações e estimulavam os franceses a ser franceses; os ingleses a ser ingleses; os alemães, alemães. (Shumway, 2008, p. 23-24) 48 O aparecimento do nacionalismo nesse continente está relacionado aos grandes sistemas culturais que o precederam. São eles: a comunidade religiosa e o reino dinástico, “pois ambos no seu apogeu foram figuras de referência incontestes, como ocorre atualmente com a nacionalidade” (Anderson, 2008, p.39). Deste modo, a possibilidade de imaginar a nação surge quando essas concepções culturais fundamentais entram em declínio, “sob o impacto da transformação econômica, das ‘descobertas’ (sociais e científicas) e do desenvolvimento de meios de comunicação cada vez mais velozes” (Idem, p.69-70). Embora esse seja um conceito de forte influência no mundo moderno, é difícil elaborar uma definição precisa do termo. Tomaremos, então, como base a concepção teórica proposta por Benedict Anderson (2008). De acordo com o autor, tanto a nacionalidade quanto o nacionalismo são “produtos culturais específicos” (Idem, p.30). Anderson define a nação como “uma comunidade política e imaginada – e imaginada como sendo intrinsecamente limitada e, ao mesmo tempo, soberana” (Idem, p.32). E ainda acrescenta: “Ela é imaginada porque mesmo os membros da mais minúscula nação jamais conhecerão, encontrarão ou nem sequer ouvirão falar da maioria de seus companheiros, embora todos tenham em mente a imagem viva da comunhão entre eles” (Idem). Assim, as comunidades se distinguem pela forma como são imaginadas. Neste mesmo sentido, Nicolas Shumway (2008) desenvolve a noção de ficções-diretrizes para se referir a esse processo imaginário: As ficções que orientam as nações não podem ser comprovadas, são de fato produtos tão artificiais quanto as ficções literárias. No entanto, são necessárias para dar aos indivíduos um sentido de nação, de povo, uma identidade coletiva e um objetivo nacional. (Shumway, 2008, p.17) 3. O surgimento das ficções-diretrizes na Argentina De acordo com Shumway (2008), as ficções-diretrizes tiveram mais dificuldades para surgir nos países da América espanhola, visto que essas áreas, durante todo o período colonial, eram extensões dependentes do Império, não existia, em nenhuma delas, “um mito de identidade nacional que unisse seus habitantes sob uma ideologia comum” (Idem, p. 26). Assim, as ideias de nacionalidade nestas regiões só começaram a se desenvolver no final do século XVIII, quando, após o colapso político da Espanha na época das invasões napoleônicas, as colônias tornaram-se independentes e passaram a se constituir, forçosamente, enquanto nações autônomas e a improvisar suas ficções-diretrizes. 49 3.1. Criollos: uma disputa entre elitistas e localistas na América espanhola Embora não houvesse ideologias nacionais antes da independência, cada região desenvolveu uma característica cultural própria, pois, devido à aproximação dos colonizadores com os nativos, novas identidades (diferentes da Espanha) foram produzidas pelos criollos, descendentes dos espanhóis: Por causa dessa mistura de culturas, os criollos desenvolveram características prénacionais representadas na alimentação, na música, em suas vestimentas, no dialeto, em tradições folclóricas e em festivais religiosos. Além disso, dados os diferentes graus de miscigenação de espanhóis, africanos e vários grupos indígenas, cada região do império colonial produziu um fenótipo particular [...]. (Shumway, op.cit., p.27) Segundo Shumway, os criollos, no período colonial, pertenciam a duas vertentes opostas: elitistas e localistas. Esta divergência foi responsável por grande parte dos conflitos que ocorreram após a independência. Durante muito tempo, as elites, preocupadas em copiar a cultura europeia, governaram as colônias. Porém, quando esta elite enfraqueceu, surgiu um novo sistema de governo, representado pelo caudillo, que, em oposição, valorizava as tradições folclóricas, formas populares de religião e mitologias pré-nacionais, dando origem, assim, a um “forte sentimento de localismo” (Idem, p. 28) na América espanhola. Iniciou-se, então, uma disputa entre os caudillos e a elite centralista. Logo após o movimento de independência de 1810, explodiu a guerra civil entre criollos e o continente foi se fragmentando regionalmente e socialmente. Finalizado esse período caótico, “os intelectuais de todo o continente se dedicaram à tarefa crucial de criar ficções-diretrizes, mitos de identidade nacional, que pudessem sanar a desarticulação desses países e reduzir talvez a tendência para uma maior fragmentação” (Idem, p. 30). 3.2. O desenvolvimento das cidades Argentinas Quanto ao desenvolvimento da Argentina, especificamente, Shumway explica que a exploração colonial no Cone Sul da América espanhola foi lenta e, por isso, essa região, até a independência, não era “nem sequer a ideia de um país” (Idem, p.31). Como ali não havia ouro nem prata, seu potencial como unidade autônoma não era reconhecido pelos espanhóis. 50 Assim, na prática, a metrópole manteve pouco contato com esta região. Como consequência, no fim do período colonial, a Argentina era um território praticamente vazio. O autor caracteriza a Argentina do século XVIII da seguinte forma: [...] uma terra de povoados dispersos, cidadãos urbanos autonomistas, gaúchos nômades, empregados relativamente dóceis dos fazendeiros, índios selvagens, um desenvolvimento econômico e político mínimo, sem um sentido de destino nacional. (Shumway, op.cit., p.37) Porém, a cidade de Buenos Aires se desenvolveu de modo diferenciado das demais províncias do país. Devido a sua localização privilegiada no estuário do Rio da Prata, essa região, no final deste mesmo século, se tornou um centro comercial importante. “Em razão desses contatos, Buenos Aires prosperou no fim dos anos 1700, assumindo uma aura europeia que ao mesmo tempo excitava e perturbava tanto a elite conservadora representante da monarquia quanto os criollos tradicionalistas” (Shumway, op.cit., p. 33). Outra característica importante ressaltada pelo autor diz respeito à forma isolada como as cidades argentinas se desenvolveram no período colonial, e ao modo como cada uma delas, consequentemente, criou seu próprio sentimento localista. Durante muito tempo, o governo local de cada província do país era representado por cabildos (conselhos municipais) que, embora estivessem sob o controle da elite, defendiam as tradições locais e compreendiam as necessidades do povo. Em razão disso, os monarcas passaram a ver essas instâncias como obstáculos e, no século XVIII, limitaram seu poder. Porém, mesmo com o fim dos cabildos, a busca por um governo autônomo e voltado para os interesses locais não cessou: surgiram, então, os caudillos, que adotaram a cultura campesina (dos gauchos) como base de sustentação de seu governo. Porém, enquanto os “nacionalistas” valorizavam essa cultura, pois acreditavam que ela representava os valores argentinos, os “liberais” desprezavam-na. Assim, podemos compreender que um conflito entre nacionalistas e liberais estava instaurado em cada uma dessas regiões – conflito este que se perduraria por muito tempo ao longo da história. 3.3. Buenos Aires e a formação da burguesia portenha No final do século XVIII, a monarquia espanhola, que somente tinha estabelecido, até então, vice-reinados no México e no Peru, criou, por fim, um vice-reinado no Rio da Prata. A 51 região escolhida para sua sede foi Buenos Aires. Para Shumway (op.cit., p.37), esse novo vice-reinado “representou o primeiro passo para criar uma nova nação, embora na época ninguém pensasse nisso”. Devido à autoridade atribuída pelo rei, a cidade portuária passou a ter privilégios em relação às demais províncias, que “passaram a temer a nova hegemonia dos portenhos [...] temor que teria como resultado quase cinquenta anos de guerras civis, começando logo depois das Guerras da Independência” (Idem, p.37-38). A falta de confiança na cidade portuária cresceu à medida que Buenos Aires, refletindo o próprio localismo, alimentava a aspiração de controlar o interior. Sob o novo vice-rei, os cabildos provinciais sofriam uma pressão cada vez maior para seguir a orientação recebida de Buenos Aires, muitas vezes às custas de suas prerrogativas locais. Além disso, mediante o controle de normas alfandegárias, Buenos Aires interferia de forma crescente na vida financeira do interior. (Ibidem). A burguesia de Buenos Aires, neste momento, estava dividida em dois grupos: os “agentes intermediários”, camada da sociedade mais conservadora e preocupada em defender seus próprios interesses econômicos, e os “comerciantes independentes”, que se opunham aos conservadores. Esses opositores possuíam uma posição radical contra o monopólio comercial espanhol e, inspirados pelo liberalismo de Adam Smith, defendiam o livre comércio, a privatização de terras públicas e a formação de uma marinha mercante local. Em 1808, quando a Corte Espanhola se desintegrou e o vice-rei se ausentou do novo vice-reinado criado no Rio da Prata, a estrutura do governo colonial nesta região sofreu modificações. Assim, o cabildo de Buenos Aires, dominado por ricos portenhos comerciantes e proprietários de terra, assumiu todo o poder da região. Preocupados em defender os interesses da elite e proteger os privilégios de Buenos Aires, impediam qualquer ação que beneficiasse as províncias ou classes inferiores. Deste modo, embora a cidade portuária e as províncias estivessem unidas na luta contra o domínio dos espanhóis no movimento da independência, os diversos conflitos entre portenhos e caudillos de outras províncias, devido ao poder que Buenos Aires tinha sobre as demais regiões da Argentina, e as divergências entre as próprias elites de Buenos Aires não podem ser desconsiderados. De acordo com Shumway, foi justamente a partir dessas separações que o protótipo da política argentina surgiu, bem como as primeiras ficções-diretrizes argentinas, traçadas por intelectuais no século XIX, entre 1808 e 1880. Assim, em lugar de uma união nacional, uma mentalidade divisória foi criada, formando uma sociedade “tão interessada em humilhar o outro como em desenvolver uma nação viável pelo acordo e consenso” (Idem, p.17). Embora 52 as realizações econômicas, sociais e políticas da Argentina mais importantes tenham ocorrido após esta data, o autor afirma que as ficções-diretrizes do país já estavam “estabelecidas bem antes de 1880, e que essas ficções continuaram a modelar e a informar as ações e o conceito de identidade da nação” (Idem, p.18). Deste modo, acredita-se que o sentido de identidade que surgiu na Argentina ao longo deste século, “marca em certa medida qualquer diálogo que os argentinos de hoje têm sobre si mesmos e seu país” (Idem, p.20). 3.4. O paternalismo e a liberdade de discordância O primeiro8 intelectual a criar ficções-diretrizes da Argentina foi Mariano Moreno. Influenciado por escritores do Iluminismo, participou do movimento de maio de 1810, defendendo os interesses dos comerciantes e latifundiários e advogando pelo livre-comércio. Quando a Argentina conquistou a independência da Espanha, Moreno foi nomeado como secretário da Primera Junta9. Embora em sua política levasse em consideração as ideias liberais e se preocupasse com a justiça, por outro lado, por possuir uma educação escolástica e tradicional, era um governante devoto e autoritário. Para Moreno, “a democracia era um belo ideal, desde que não incluísse todos” (Shumway, op.cit., p.54). Figura típica do localismo de Buenos Aires, ele valorizava a elite portenha em detrimento de outras províncias e defendia o domínio de Buenos Aires sobre toda a nação. Porém, os cabildos e habitantes das demais regiões, insatisfeitos com esse poder atribuído a Buenos Aires, começaram a questionar o sistema vigente. Mas, como o mundo de Moreno é “povoado de forma clara por patriotas que concordam com suas ideias e por traidores que discordam delas” (Idem, p.70), todos aqueles que não concordassem com ele eram considerados seus inimigos. Combatendo-os com violência, Moreno instaurou uma guerra que durou sessenta anos, gerando, assim, um ressentimento na sociedade argentina que persiste até os dias atuais. De acordo com Shumway, Moreno assumiu uma “posição contraditória de firmar a paz por meio do terror, a democracia por meio da repressão, a liberdade por meio da coerção” (Idem, p. 65). Porém, por outro lado, “introduziu no discurso argentino os conceitos da igualdade universal, liberdade de expressão e de discordância, liberdade individual, governo representativo, domínio institucional sobre a lei” (Idem, p.74). Deste modo, este primeiro 8 Ao longo do livro, nota-se que Shwmway apresenta uma tendência a detectar marcos iniciais de processos historiográficos. Embora possamos questionar esse ponto de vista, aproveitaremos suas análises sobre Mariano Moreno e as ficções-diretrizes criadas por ele. 9 La Primera Junta foi o primeiro órgão de governo argentino independente da Espanha. 53 intelectual representa o paradigma das atitudes contraditórias que estão presentes no pensamento argentino. Após o exílio de Moreno e a desintegração da Junta devido a divergências internas, duas correntes emergiram na sociedade argentina: o “morenismo” e o “saavedrismo” 10. Esta primeira era formada por liberais defensores do livre-comércio, portenhos, elitistas, cosmopolitas, institucionalistas e unitários. A segunda era formada por conservadores, protecionistas, provinciais, populistas, nacionalistas, personalistas e federalistas. Esses conflitos entre esses dois interesses permaneceram durante muito tempo, mudando apenas o nome das alianças. No século XX, uma “elite cosmopolita, nutrida pela oligarquia da terra e centralizada em Buenos Aires” (Ibidem), assumiu o lugar dos “morenistas”. De acordo com Shumway, o localismo presente no discurso dos argentinos desde o século XIX até os dias atuais é reflexo dessas políticas econômicas protecionistas e dessa visão do mundo insular. Assim, “fascistas, comunistas e populistas terceiro-mundistas seriam os novos paternalistas” (Idem, p.78) da sociedade Argentina a partir do século XX. Perón e Eva são exemplos desses líderes que surgiram posteriormente. 3.5. Discordâncias intelectuais: Federalistas e Unitários Após a morte de Mariano Moreno, os Argentinos enfrentaram um período de grande instabilidade, pois, além da ameaça da intervenção dos espanhóis para recuperar as colônias perdidas, as disputas internas entre partidos políticos divergentes, não cessavam. Segundo Shumway (2008, p.84), expulsar os espanhóis foi simples em comparação com a tarefa de construir uma nova nação, reunindo sob um governo institucional todas as províncias remanescentes. Os dois partidos políticos que emergiam no país, o Unitário e o Federalista, tinham concepções opostas de governo. Esse conflito entre os unitários e os federalistas é considerado, pelo autor, “um paradigma para a compreensão das discordâncias intelectuais subjacentes às ficções-diretrizes da Argentina” (Idem, p.85-86). Os adeptos do Partido Unitário, inspirados nas noções centralista e elitista de governo dos “morenistas”, eram, em sua maioria, portenhos que apoiavam uma democracia exclusivista, na qual um pequeno grupo de homens governaria o 10 A denominação “morenismo” se referia aos seguidores de Mariano Moreno. E o “saavedrismo” agrupava os seguidores de Cornelio Saavedra, presidente da Primera Junta e rival de Moreno. 54 país. O Partido Federalista, em oposição, buscava uma maior autonomia para as províncias. Porém, enquanto os federalistas portenhos pretendiam preservar a receita aduaneira da cidade portuária, os federalistas das províncias do interior resistiam às tentativas de concentrar o poder em Buenos Aires. Porém, apesar das diferenças, “as duas versões do federalismo geraram ficções-diretrizes para justificar sua pretensão ao poder” (Idem, p.80): algumas dessas ficções serão chamadas pelo autor de “populistas”. 3.6. O surgimento do populismo argentino O populismo argentino do século XIX envolve três conceitos principais: o primeiro é uma noção de democracia radical. O segundo é o ideal federalista, que considerava as províncias como unidades autônomas. Por último, boa parte do populismo argentino, tanto passado quanto presente, tenta definir a Argentina a partir da sua cultura popular, particularmente a cultura dos gauchos e dos mais humildes. As raízes do populismo argentino encontram-se na obra de dois homens: José Artigas e Bartolomé Hidalgo. José Artigas era um caudilho uruguaio e também líder político, considerado o herói da independência. Segundo Shumway (op.cit., p.102), Artigas “incorporava ficções-diretrizes antiliberais, protecionistas, populistas, nativistas e personalistas que ainda definem elementos presentes na nação argentina”. A principal forma de conservação e transmissão dessas ficções-diretrizes populistas derivadas do federalismo de Artigas se deu através da peculiar literatura produzida no Rio da Prata, conhecida como gênero gauchesco. O criador desse gênero foi Bartolomé Hidalgo, o primeiro rio-platense a promover o gaucho como um tipo nacional. Assim, “o que em Artigas eram principalmente teorias, em Hidalgo era o arquétipo do gaucho, imagem que representa ao mesmo tempo o camponês argentino do fim dos anos 1810 e um repertório mítico do genuíno espírito argentino” (Idem, p.103). Para o autor, ao anunciar esse novo significante social, o populismo gauchesco de Hidalgo ganha grande importância na formação das ficções-diretrizes traçadas na Argentina. Porém, ainda que a literatura gauchesca e o gesto revolucionário de Hidalgo tivessem encontrado ressonâncias no espírito argentino (assim como outros versos patrióticos escritos no período da independência), segundo Shumway, em 1820, a divisão subjacente à sociedade e à história da Argentina era claramente visível. De um lado estavam os liberais, especialmente os unitários de Buenos Aires que viviam olhando para a Europa [...]. Nesse esquema, Buenos Aires seria exemplo e tutor das 55 províncias, e talvez de toda a América Latina. De outro lado estavam os federalistas, caudilhos das províncias e populistas de vários tipos. [...] eles tinham por meta um sistema político mais inclusivo, com lugar para o camponês, o indígena, o mestiço e os gauchos. [...]. Os dois lados dessa sociedade dividida se uniram inicialmente pelo desejo de expulsar os espanhóis. No entanto, uma vez concluída essa tarefa, dirigiram sua inimizade um contra o outro, fazendo o país mergulhar em sessenta anos de lutas civis e derramamento de sangue. Os dois lados desenvolveram ficçõesdiretrizes para definir a apoiar os seus pontos de vista. [...] essas ficções e os conflitos que elas refletem, evoluíram independentemente, legando à moderna civilização argentina um divisor ideológico que de modo estranho ainda compromete o consenso e a estabilidade do país. (Shumway, op.cit., 2008, p.117) 3.7. O elitismo e as instituições sociais na Argentina Em 1820, no cenário caótico de disputas entre unitários e federalistas, surge no poder Bernardino Rivadavia, um líder que realizou diversas reformas políticas e econômicas na Argentina, investiu na educação (inclusive no interior) e introduziu várias instituições no país. Tratava-se de uma política “obcecada por manter a Argentina atualizada intelectual e artisticamente com a Europa, que representava o posto mais avançado da cultura ocidental. O pressuposto básico era que a cultura constituía um produto que devia ser importado” (Shumway, op.cit., p.124). Rivadavia desejava, assim, organizar uma sociedade que seria um exemplo da cultura europeia na América. De acordo com Shumway (op.cit., p.119), Rivadavia “deixou uma concepção de instituições sociais, de aspirações culturais e de estilo de governo que ainda ocupa um lugar importante entre as ficções-diretrizes do liberalismo argentino”. O período de 1821 a 1827 é considerado, por alguns historiadores, como La Feliz Experiencia, pois a Argentina estava economicamente bem-sucedida. Bernardino Rivadavia, em sua severa dedicação aos novos empreendimentos do país, atuou como um “catalisador para fundir na ‘Feliz experiência’ os ingredientes de paz, prosperidade e alta cultura” (Idem, p.122). Porém, de acordo com Shumway, há também um lado obscuro dessa experiência, que foi significativo para a formação de ficções-diretrizes da Argentina: O lado obscuro da Feliz Experiência foi seu legado de endividamento, concentração de riqueza, exclusivismo, sentimento antipopular e dependência cultural. Esses elementos também limitariam os esforços feitos mais tarde pelos argentinos para erigir uma sociedade viável e inclusiva. (Shumway, op.cit., p.155) 56 Neste período, originou-se, na sociedade argentina, os “rivadavianos”, que consistia em um grupo formado por unitários portenhos, seguidores de Bernardino. Elitistas assumidos, estes eram indiferentes em relação à cultura popular, excluindo as províncias, os gauchos e as classes humildes dos seus projetos de governo. Shumway afirma que, no liberalismo proposto por Rivadavia, pode ser constatado um distanciamento em relação ao paternalismo protetor próprio dos governos coloniais. Assim, no governo Rivadavia, houve uma exaltação da cidade de Buenos Aires que excedia os limites: seu poder frente às demais províncias era afirmado constantemente. Em 1822 foi criado, por intelectuais da elite portenha, o periódico El Argos, que tinha como objetivo divulgar notícias internacionais. Porém, esse jornal nunca escondeu a marca do seu localismo portenho. Buenos Aires, ali, era sempre descrita como “exemplo, fonte civilizadora e preceptora do continente” (Idem, p.128). Essa ficção, de acordo com Shumway, “sobrevive na altivez portenha e continua ofendendo argentinos provincianos, assim como cidadãos de outras nações latino-americanas” (Ibidem). A partir da ideia de ofensa, contida nesta citação, nota-se uma heterogeneidade na cultura argentina, visto que determinados comportamentos e modos de se relacionar próprios dos argentinos provenientes da cidade de Buenos Aires podem ser interpretados como descortesia pelos oriundos das províncias. Assim, conclui-se que os modos de produção e construção dos sentidos variam e os padrões de cortesia não são os mesmos em todo o país, comprovando a ideia de predominância e não de dominância das formações discursivas, na qual essa pesquisa está baseada. 4. O surgimento das ficções-diretrizes no Brasil Quanto aos processos sócio-históricos envolvidos na formação do Brasil e às ficçõesdiretrizes traçadas nesta região, será feita uma análise a partir do livro Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda. Segundo o autor, a “tentativa de implantação da cultura europeia em extenso território, dotado de condições naturais, senão adversas, largamente estranhas à sua tradição milenar, é, nas origens da sociedade brasileira, o fato dominante e mais rico em consequência [...] somos ainda hoje uns desterrados em nossa própria terra” (Holanda, 1995, p. 31). Assim, o autor analisa até que ponto os brasileiros representam as formas de convívio, instituições e ideias herdadas dos portugueses. 57 No caso brasileiro, a verdade [...] é que ainda nos associa à península Ibérica, a Portugal especialmente, uma tradição longa e viva, bastante viva para nutrir, até hoje, uma alma comum, a despeito de tudo que nos separa. Podemos dizer que de lá nos veio a forma atual de nossa cultura; o resto foi matéria que se sujeitou mal ou bem a essa forma. (Holanda, op.cit., p.40) 4.1. Ausência de uma hierarquia organizada e desordem social Um dos pontos ressaltados por Buarque de Holanda, diz respeito à falta de coesão na vida social, que caracteriza a sociedade brasileira. Essa característica é resultado, segundo ele, de uma considerável ausência de uma hierarquia organizada ao longo do período da colonização. No Brasil, a nobreza lusitana “nunca chegou a ser rigorosa e impermeável” (Idem, p.36): as diferentes classes sociais conviviam regularmente e estabeleciam contínuas relações de intimidade. Além disso, o autor aponta que os portugueses, assim como os espanhóis, preferiam o ócio ao negócio: “ambos admiram como ideal [...] uma vida de grande senhor, exclusiva de qualquer esforço, de qualquer preocupação” (Idem, p.38). Esse princípio, existente desde os tempos mais remotos da colonização, nortearam toda a criação de riqueza do país. Na produção agrária, por exemplo, todos “queriam extrair do solo excessivos benefícios sem grandes sacrifícios” (Idem, p.52). Essas duas características, a desordem social e a carência de uma moral do trabalho, se relacionam, pois dificilmente faltaria ordem onde prevalecesse uma forma qualquer de moral do trabalho, pois “são necessárias, uma e outra, à harmonia dos interesses” (Idem, p.39). Por esta razão, a ideia de solidariedade nesta sociedade era precária nas relações de interesse (ou seja, econômicas) e somente existia onde havia vinculação de sentimentos. Assim, no período colonial, a obediência passou a ser o único modo de manter a disciplina. Nota-se, então, que a as relações interpessoais disciplina, na sociedade brasileira, foi construída a partir de dois elementos: de um lado, através da solidariedade, e por outro, na falta desta, através da obediência. Porém, segundo o autor, atualmente, a simples obediência como princípio de disciplina parece uma fórmula caduca e impraticável e daí, sobretudo, a instabilidade constante de nossa vida social. Desaparecida a possibilidade desse freio, é em vão que temos procurado importar dos sistemas de outros povos modernos, ou criar por conta própria, um sucedâneo adequado, capaz de superar os efeitos de nosso natural inquieto e desordenado (Holanda, op.cit., p.40) 58 4.2. A identificação dos portugueses com o Brasil Outra característica apontada pelo autor é a forte identificação dos portugueses com o Brasil e seus habitantes, “sem cuidar de impor-lhes normas fixas e indeléveis” (Idem, p.52). Os espanhóis, ao contrário, nesse encontro com o Novo Mundo, raramente se identificava: apenas se superpunha a uma e a outra região. Assim, “entre nós o domínio europeu foi, em geral, brando e mole [...]. A vida parece ter sido aqui incomparavelmente mais suave, mais acolhedora das dissonâncias sociais, raciais e morais” (Ibidem). Buarque de Holanda observa também que não havia, entre os colonizadores portugueses, qualquer orgulho de raça. No século XVIII, por exemplo, já era escasso o sentimento de distância entre os dominadores e a massa trabalhadora constituída por homens de cor: O escravo das plantações e das minas não era um simples manancial de energia [...]. Com frequência, as suas relações com os donos oscilavam da situação de dependente para a de protegido, e até de solidário e afim. Sua influência penetrava sinuosamente o recesso doméstico, agindo como dissolvente de qualquer ideia de separação de castas ou raças, de qualquer disciplina fundada em tal separação. (Holanda, op.cit., p.55) Nessa época, a vida brasileira podia ser definida por “uma acentuação singularmente energética do afetivo, do irracional, do passional, e uma estagnação ou antes uma atrofia correspondente das qualidades ordenadoras, disciplinadoras, racionalizadoras” (Idem, p.61). Isto se deve ao fato de a sociedade possuir uma origem personalista, em que “os simples vínculos de pessoa a pessoa, independentes e até exclusivos de qualquer tendência para a cooperação autêntica entre os indivíduos” são os mais decisivos (Ibidem). Dessas relações pessoais e afetivas, surgiu o protótipo do “homem cordial”, sobre o qual falaremos mais adiante. Antes, cabe compreender as raízes de sua conformação. 4.3. O ruralismo e o desenvolvimento das cidades coloniais De acordo com Sérgio Buarque, os portugueses instauraram no Brasil uma civilização de raízes rurais. Assim, mesmo após o crescimento dos núcleos urbanos, havia um “predomínio esmagador do ruralismo”, fazendo com que as cidades se encontrassem em situação de dependência dos domínios agrários. Nas cidades coloniais, os senhores de terras (fazendeiros escravocratas e seus filhos, profissionais liberais) monopolizavam a política, 59 ocupando as funções mais elevadas. Por esta razão, toda a ordem administrativa do país, não somente durante o Império como também no regime republicano, está estreitamente vinculada ao velho sistema senhorial. Para o autor, Um dos efeitos da improvisação quase forçada de uma espécie de burguesia urbana no Brasil está em que certas atitudes peculiares, até então, ao patriciado rural logo se tornaram comuns a todas as classes como norma ideal de conduta. Estereotipada por longos anos de vida rural, a mentalidade de casa-grande invadiu assim as cidades e conquistou todas as profissões, sem exclusão das mais humildes. (Holanda, op.cit., p.87) Diferentemente de muitas nações conquistadoras, os portugueses não fizeram da construção de cidades seu principal instrumento de dominação do território brasileiro. Assim, os centros urbanos foram construídos pelos portugueses sem nenhum rigor. Este fato, segundo o autor, difere fortemente a colonização no Brasil da colonização realizada pelos espanhóis na América, uma vez que a formação das cidades espanholas caracterizou-se por uma aplicação insistente em assegurar o predomínio militar, econômico e político da metrópole sobre as terras conquistadas, mediante a criação de grandes núcleos de povoação estáveis e bem ordenados. (Idem, p.95-96) Esta diferença se deu devido a uma distinção fundamental no caráter dessas conquistas: os portugueses tinham como objetivo realizar uma exploração de tipo comercial, ao passo que os castelhanos pretendiam fazer da colônia uma extensão do seu país. Assim, “a obra realizada no Brasil pelos portugueses teve um caráter mais acentuado de feitorização do que de colonização” (Idem, p.107). Por este motivo, a colonização portuguesa se deu, a princípio, através de um “sistema de povoação litorânea ao alcance dos portos de embarque” (Idem, p.106). No século XVI, o interior era escassamente povoado. Somente no terceiro século do domínio português, com a descoberta do ouro em Minas Gerais, é que essas terras começaram a ser povoadas. Já na colonização castelhana se deu o contrário: os espanhóis preferiram a paisagem agreste, a fim de fugir da marinha. Por exemplo, na Argentina, a cidade portuária de Buenos Aires somente passou a ser ocupada pelos Espanhóis tardiamente, no século XVIII. Deste modo, para o autor, tanto essa colonização litorânea, exercida pelos portugueses, quanto o “desequilíbrio entre o esplendor rural e a miséria urbana” (Idem, p.107) 60 são manifestações que expressam o caráter mercantil dessa colonização e causam fortes impactos nas fases posteriores do desenvolvimento social do Brasil. Tendo em vista este pensamento de negociante dos portugueses e seus interesses comerciais no Brasil, a administração realizada por eles no país, em comparação com a dos espanhóis na América11, possuía um caráter mais liberal12. Aqui, os colonizadores não buscaram traçar planos e metas, preferindo, assim, agir e trilhar novos rumos de acordo com a experiência. Embora essa liberdade possa representar uma atitude negativa, Buarque de Holanda acrescenta que ela não está relacionada a um desprezo dos portugueses, mas, sim, a um “realismo fundamental [...]. Que aceita a vida, em suma, como a vida é, sem cerimônias, sem alusões, sem impaciências, sem malícia e, muitas vezes, sem alegria” (Idem, p.110). 4.4. A família patriarcal e o nascimento do homem cordial Após o desenvolvimento da urbanização no Brasil, no século XIX, o novo sistema industrial, que se implantava em substituição das velhas corporações, trouxe algumas mudanças no que diz respeito às relações sociais estabelecidas no país até aquele momento. Com a separação dos empregadores e empregados nos processos de produção, houve pressão para que as relações íntimas, pessoais e diretas, sem autoridades intermediárias, fossem substituídas por um antagonismo entre as classes. Com isto, também a velha ordem familiar se viu abalada: os laços afetivos e de sangue tinham sua importância questionada. Como, ao longo da história da colonização do Brasil, contudo, sempre imperou o tipo de família patriarcal, esse novo mecanismo social, no qual há o predomínio de ideias antifamiliares, provocou uma crise de adaptação dos indivíduos, acarretando “um desequilíbrio social, cujos efeitos permanecem vivos ainda hoje” (Holanda, op.cit., p.145). Os detentores das posições públicas, formados no meio rural, em que predominam os velhos laços caseiros, tinham dificuldades em distinguir os domínios do privado e do público. Deste modo, com a inserção mesmo no contexto cotidiano dos padrões patriarcais de convívio humano, formou-se uma sociedade brasileira pautada no núcleo familiar. Segundo Buarque (op.cit., p.146), “um dos efeitos decisivos da supremacia incontestável, absorvente, do núcleo familiar [...] está em que as relações que se criam na vida doméstica sempre forneceram o modelo obrigatório de qualquer composição social entre nós”. 11 Nota-se que, em alguns momentos, Sérgio Buarque concebe, equivocadamente, a América Hispânica como um bloco homogêneo. 12 Sérgio Buarque utiliza o adjetivo “liberal” referindo-se à falta de controle e de imposição de regras rígidas por parte dos portugueses no processo de colonização do Brasil. 61 Nasce, assim, na sociedade brasileira, o “homem cordial”, caracterizado pela “lhaneza no trato”, “hospitalidade” e “generosidade” (Idem, p.147). Porém, para o Antonio Candido, em prefácio escrito sobre a obra de Sérgio Buarque, O ‘homem cordial’ não pressupõe bondade, mas somente o predomínio dos comportamentos de aparência afetiva, inclusive suas manifestações externas, não necessariamente sinceras nem profundas, que se opõem ao ritualismo da polidez. O ‘homem cordial’ é visceralmente inadequado às relações impessoais que decorrem da posição e da função do indivíduo, e não da sua marca pessoal e familiar, das afinidades nascidas na intimidade dos grupos primários. (Candido, in Holanda, op.cit., p.17) Essa maneira de ser tão típica dos brasileiros pode ser definida, então, como uma exaltação da simpatia e da concórdia; um estabelecimento do respeito através da intimidade; uma forma de convívio regida pelo emotivo. Por este motivo, a vida em sociedade, para nós, é o que mais importa. Nossa maneira de viver é, antes de tudo, “um viver nos outros” (Idem, p.147). Assim, a aversão às relações estabelecidas com distanciamentos ou ritualismos constitui um dos traços mais específicos do nosso espírito. Essa cordialidade também se reflete no uso da língua, em que há um emprego constante do diminutivo -inho. Segundo Buarque de Holanda (op.cit., p.148), por exemplo, A terminação ‘inho’ [...] serve para nos familiarizar mais com as pessoas ou os objetos e, ao mesmo tempo, para lhes dar relevo. É a maneira de fazê-los mais acessíveis aos sentidos e também de aproximá-los do coração. [...] À mesma ordem de manifestações pertence certamente a tendência para a omissão do nome de família no tratamento social. Em regra é o nome individual, de batismo, que prevalece. 5. Hipóteses explicativas Após essas considerações históricas, podemos concluir que, embora, devido à condição de colônia, tanto da Argentina quanto do Brasil, se possa estabelecer proximidades entre a formação de ambos os países, as ficções-diretrizes que funcionam como referências no imaginário dos brasileiros e argentinos se distinguem em alguns pontos fundamentais, devido aos diferentes caminhos traçados por seus colonizadores ao longo do período colonial e suas respectivas consequências nos períodos posteriores. Assim, à luz dessas proximidades e 62 diferenças entre o Brasil e a Argentina, poderemos, por fim, começar o empreendimento da análise das ressonâncias discursivas predominantes em ambos os contextos. Como afirma Serrani (2010, p.95), “as ressonâncias discursivas não acontecem de modo fortuito. A noção de formação discursiva possibilita relacionar essas ressonâncias aos processos de produção do discurso, podendo assim elaborar hipóteses explicativas”. Como vimos no capítulo 2, a autora aponta que, no contexto argentino, predominam formações discursivas com ressonâncias de abrupção, enquanto no contexto brasileiro, predominam formações discursivas com ressonâncias de transição. Porém, onde estariam as raízes dessa diferença? Quais ficções-diretrizes, em cada um desses países, são determinantes para o surgimento dessas formações discursivas? Sobre a relação entre produção/compreensão verbal e os processos sócio-históricos, Serrani realiza um estudo contrastivo das sociedades argentina e brasileira, a partir de trabalhos de outros autores pertencentes à área da Antropologia Social, que também servirá de base para a elaboração de hipóteses explicativas. Segundo a autora, “os protagonistas da política argentina tem sido principalmente corporações: forças armadas, associações empresariais rurais, associações empresariais urbanas, sindicatos, etc. e que a reiteração de golpes militares e a repetição de seus fracassos têm sido cíclica” (Ibidem). É possível relacionar esta afirmação ao processo de formação da Argentina descrito por Shumway (2008), em que se observa, desde o início do desenvolvimento dessa região, a forte presença de variadas organizações governamentais, tais como Cabildos, Caudillos e Juntas, que tinham como objetivo defender os interesses diversos tanto das províncias como da cidade de Buenos Aires. Essas organizações surgiram devido aos conflitos existentes naquela sociedade, dentre os quais se destacam: os conflitos entre a cidade portuária e as províncias, conflito entre “liberais” e “nacionais”, entre “federalistas” e “unitários” etc. Deste modo, na hipótese formulada por Serrani, devido ao surgimento dessas diversas organizações (e alternâncias das mesmas), “foi construindo-se [na Argentina] uma sociedade mais igualitária, mas não por isso mais democrática” (Ibidem). Por outro lado, em relação ao Brasil, a autora observa que se trata de um país “menos igualitário, com uma sociedade marcada pela escassez efetiva da presença das classes populares” (Ibidem), ou seja, pela exclusão dessa camada social e privação de seus direitos. A partir dessa comparação, podemos interpretar que os brasileiros tendem a amenizar os conflitos na sua produção discursiva para ocultar, de certo modo, a desigualdade social, a fim de torná-la menos evidente. Por exemplo, é o caso das relações estabelecidas entre os escravos e os seus donos, descritas por Sérgio Buarque (1995), que estavam atravessadas pelo afetivo, havendo, entre ambos, um escasso sentimento de distância 63 ou de separação de raças. Deste modo, compreende-se que, através do estabelecimento dessa proximidade, os dominadores conseguiam amenizar os conflitos e, de certo modo, estabelecer a disciplina, fazendo com que grande parte dos escravos aceitasse sua condição. A tendência dos brasileiros em enunciar de modo transitório advém desta memória coletiva, enraizada nas formações discursivas predominantes do país, em que se prevalece, nos padrões de cortesia, a cordialidade, em oposição aos ritualismos de polidez. Já na Argentina, essa estratégia de amenização da desigualdade não é predominante, uma vez que, em seu processo de formação, após anos de reivindicações e conflitos entre portenhos e provincianos, foi possível uma relativa conquista de igualdade entre os povos. Além disso, a partir das considerações sócio-históricas traçadas neste capítulo, podemos também estabelecer outras comparações entre ambas as sociedades, a fim de compreender os possíveis fatores responsáveis pelos modos de construir significações distintos no português brasileiro e no espanhol rio-platense. A história da sociedade argentina foi marcada por conflitos que se estenderam desde o período colonial até os dias atuais: conflitos entre criollos elitistas e localistas, conflitos entre a cidade de Buenos Aires e as demais províncias, entre “morenistas” e “saavedristas”, entre unitários e federalistas, e assim por diante. Essas discordâncias intelectuais tornaram-se, assim, parte das ficções-diretrizes da Argentina. Inclusive, no período liderado por Mariano Moreno, foi introduzido no país alguns conceitos, entre eles está a liberdade de expressão e de discordância. Deste modo, é possível compreender porque os argentinos, em geral, nas situações em que realizam uma queixa, tendem a não amenizar o conflito, pois para eles, o conflito é inerente. Não há fuga, mas, sim, enfrentamento. Além disso, por haver, nesta sociedade, um domínio das instituições, os modos de convivência e de relacionamento estabelecidos nesses contextos permeiam a sociedade como um todo, gerando, assim, um convívio pautado no modelo institucional, e não patriarcal, como é o caso do Brasil. No Brasil, as estratégias argumentativas para evitar conflitos na interlocução derivam do modo como os portugueses estabeleceram sua relação com a colônia. Aqui, por mais que houvesse desigualdades sociais, a ausência de uma hierarquia organizada resultou em uma desordem social, a tal ponto que as diferenças não eram sentidas desde uma perspectiva da fragmentação, pois todos conviviam e circulavam nos mesmos ambientes. A separação não era imposta pelos colonizadores. Além disso, devido à identificação dos portugueses com o Brasil, o distanciamento entre as raças e povos, entre os escravos e os fazendeiros, foi amenizado por um sentimento afetivo. Esse sentimento, proveniente de uma sociedade rural e patriarcal, onde sempre predominaram os valores da família, resultou no nascimento do 64 “homem cordial”: aquele que é emotivo, que tem aversão aos distanciamentos sociais e às relações impessoais. Esse indivíduo está nas raízes da nossa história, e sua voz ecoa e ressoa nos mais distintos contextos sociais e está refletido nas formações discursivas predominantes do país. 65 66 IV Filmes: realidade-ficção e memória discursiva É possível observar, atualmente, nas escolas brasileiras, uma frequente utilização de filmes em aulas de língua estrangeira. Este material didático merece uma especial atenção, devido a sua estreita relação com as manifestações culturais e identitárias das sociedades que ali se expressam e que, se levadas em consideração, podem contribuir para um processo de ensino/aprendizagem preocupado com a interação entre indivíduos em um mundo marcado pela heterogeneidade, onde o reconhecimento da diversidade e o respeito pelo outro se tornam a chave para a formação de um cidadão crítico capaz de transformar a si mesmo e ao mundo ao seu redor. Nesta pesquisa, através de um viés discursivo, almejou-se compreender, através da utilização de filmes, os processos de interação entre diferentes formações discursivas, que, como vimos, são construídas ao longo da história e estão presentes na memória de cada nação. Embora se trate de filmes com narrativas ficcionais, considera-se, aqui, que as produções discursivas que se realizam ali são atravessadas por discursividades que possuem prevalência social no contexto argentino atual. Partindo, então, do princípio de que, atualmente, ficção e realidade não são mais objetos em estado de oposição, será utilizado, nesta pesquisa, para dar sustentação à perspectiva adotada, o conceito de realidade-ficção, desenvolvido por Josefina Ludmer. 1. Realidade-ficção e memória pública A noção de realidade-ficção é desenvolvida por Josefina Ludmer em seu livro intitulado Aqui América Latina. Partindo do princípio de que “o mundo mudou e estamos em outra etapa da nação” (LUDMER, 2013, p.9), a autora busca entender (especular, pensar, teorizar) esse novo mundo. Imersa na cidade de Buenos Aires dos anos 2000, descreve sua experiência do tempo presente da seguinte forma: Minha experiência do presente é um conjunto e justaposição de temporalidades em movimento, carregadas de símbolos, signos e afetos. Em Buenos Aires anos 2000 estou no salto modernizador, na aceleração temporal do neoliberalismo, no presente eterno do império (que não se define como um período histórico, mas como a culminação da história), na lacuna temporal do sul, na recessão e na repressão, no 67 chamado à resistência civil e nas primeiras implosões do Estado. Sinto também viver em uma espécie de déjà-vu, em que o presente se duplica no espetáculo do presente. (Idem, p.29) Em sua especulação do presente, do tempo-aqui, Ludmer, se vê diante da necessidade de recorrer a novas palavras e conceitos para poder encontrá-lo. Deste modo, inventa “um mundo diferente do conhecido, um universo sem exterior [...], que flui num movimento perpétuo e efêmero” (Id., p.9). Esse movimento é chamado, então, de imaginação pública (ou fábrica de realidade), que “seria um trabalho social, anônimo e coletivo de construção da realidade (Ibidem)”. A fim de entrar nessa imaginação pública e perceber seu funcionamento, a autora faz uso da literatura latino-americana e dos regimes temporais e territoriais instalados por elas no espaço público. Ao explorar as temporalidades de alguns romances escritos na Argentina nos anos 2000, Ludmer descobre a existência de um tempo nacional, de uma memória pública que está presente no “ar que se respira em Buenos Aires” (Id., p.38): Imaginei que nesses romances [...] deveria estar o trajeto temporal e significante da memória pública, colocada em algum sujeito; que ali deveria estar a memória pública e, portanto, suprapessoal e comum [...]. Ali, nas ficções noturnas, deveria estar a gramática e o movimento da memória atual, a constelação e o desenho no tapete, porque ali estavam os sujeitos públicos com seus tempos e seus movimentos temporais. E somente então, com os sujeitos, poderia sentir as fissuras, repetições e retornos da memória pública do 2000 em Buenos Aires.” (Id., p.52-53) Por estarem configuradas dentro de um passado nacional e por pensarem o presente sempre em relação a um acontecimento anterior que se mantém vivo no curso do tempo, a autora chama essas narrativas de “gêneros da memória” (ou “romances sobre a memória”), de uma memória que é pública e atual. As temporalidades nacionais, que coexistem nos anos 2000 (como, por exemplo, a memória da ditadura, nos anos de 1970) ordenam as ficções e também os escritores, os cineastas e os demais produtores artísticos, que são, portanto, a própria realidade: o “personagem real que a temporalidade precisa para se deslocar” (Id., p.78). Assim, nessas narrativas, “cada temporalidade é um trajeto [...] e um deslocamento com sujeitos e afetos. Cada temporalidade traça uma ordem possível, um diagrama, articulando realidade e ficção; é uma forma de realidade-ficção” (Id., p.38). De acordo com Ludmer, a memória, tanto na ficção quanto na realidade, possui a mesma estrutura temporal: “com a memória, estou na realidade-ficção”, diz a autora. Assim, 68 esse modo de reflexão temporal dos romances, em forma de realidade-ficção, também está na realidade, no presente, na imaginação pública da Buenos Aires dos anos 2000, constituindo o seu regime: “A memória está nas ficções noturnas, no mercado universitário, na política e também no Estado” (Id., p.52). A memória da nação dessa Buenos Aires assume a forma de déjà-vu: vive-se a “impressão de que o presente carece de direção e o futuro está bloqueado” (Id., p.51). Nesse declínio do futuro, a memória atual, avançando para trás, constrói um presente que “se historiciza a si mesmo”, deslocando-o e duplicando-o. Assim, a memória não é somente lembrança do passado, mas “um instrumento presentista, um modo de tornar o presente presente a si mesmo” (Ibidem). De acordo com Ludmer, além desta reprodução perpétua do presente e dessa mudança de temporalidade, em que “desaparece qualquer concepção progressista do movimento histórico” (Id., p. 51), na América latina, a memória é também política, uma forma de justiça, visto que as temporalidades fundadoras estão relacionadas a tragédias. Essa memória, com seus cortes temporais, “satura e altera o tempo dos 2000 em Buenos Aires” (Id., p.52). Elaborada, então, sua especulação do tempo presente, em um segundo momento, Ludmer vai em busca das territorialidades do presente, através da análise de textos atuais que narram a realidade cotidiana da cidade de Buenos Aires. Nessas narrativas, os sujeitos, instalados localmente, “definem sua identidade por seu pertencimento a certos territórios” (Id., p.127). A autora chama essas literaturas de pós-autônomas, uma vez que podem ser entendidas como “práticas literárias territoriais do cotidiano” (Id., p.128). Não tendo outro propósito senão o de produzir presente com a realidade cotidiana, esses textos “atravessam a fronteira da literatura e da ficção, permanecendo fora-e-dentro das duas fronteiras” (Id., p.129). Por se distanciarem da ficção clássica e moderna, não podem ser lidos com categorias literárias. Os romances latino-americanos dos séculos XIX e XX traçavam nítidas fronteiras entre a realidade histórica e a literária. Atualmente, a experiência da realidade cotidiana dos textos “absorve todos os realismos do passado” (Id., p.130) alterando a noção de ficção. Ali, realidade (histórica) é ficção e ficção é realidade: A realidade cotidiana dos textos pós-autonomia exibe, como em uma exposição universal ou uma mostra global da web, todos os realismos históricos, sociais, mágicos, os costumbrismos, os surrealismos e os naturalismos. Absorve e funde toda a mimese do passado, a fim de constituir a ficção ou as ficções do presente. Uma ficção que é “a realidade”. (Id., p.129) 69 É, segundo a autora, o fim de uma era, em que a autonomia da arte se dissolve, assim como todos os campos relativamente autônomos. Atravessando, então, as fronteiras, as artes pós-autônomas do presente, incluído aí o cinema, entram na realidade, sendo que esta realidade não é a realidade histórica do pensamento realista, mas, sim, uma realidade construída. Entram, portanto, na imaginação pública, em “tudo o que se produz e circula e nos invade e é social e privado e público e real” (Id., p.133). E narram histórias cotidianas, a fim de “imaginar identidades de sujeitos que se definem fora e dentro de certos territórios” (Ibidem). 2. A cinematografia e suas texturas Durante muito tempo, o ensino da leitura em aulas de língua se dava, prioritariamente, através de textos escritos. A fim de refletir acerca das possibilidades de trabalho com outras modalidades textuais, esta pesquisa busca propor atividades didáticas em torno de produções cinematográficas. Assim, tendo em vista que quando vemos um filme entramos em atividade de compreensão de um texto híbrido, que mistura modalidade oral e escrita, linguagem verbal e não verbal, cabe fazer algumas considerações acerca desta modalidade textual para um melhor conhecimento de sua estrutura e forma. 2.1. Cinema e montagem No livro Cinema e Montagem, Eduardo Leone e Maria Dora Mourão refletem acerca do universo cinematográfico a partir da montagem, considerando-a não somente como uma etapa final do processo, mas como uma “modalidade articulatória que participa do conjunto, indo do roteiro até o resultado/produto” (LEONE/MOURÃO, 1987, p.15). Segundo os autores, O filme, enquanto discurso, tem como característica fundamental sua natureza heterogênea. Ele se constrói pela incidência de várias texturas, cujas unidades, previamente selecionadas, vão-se concatenando através da montagem e abrindo espaço para a manifestação da narrativa. (Id., p.13) Considerando que “a montagem é o processo em que essas texturas são manipuladas” (Ibidem), para entender essas várias texturas do cinema e “enxergar a complexidade de fatores que concorrem para o espetáculo fílmico: a gestualidade, a cenografia, a marcação dos 70 atores, os diálogos, os cromatismos, a trilha sonora etc.” (Ibid.), é necessário entender a montagem em seus diferentes momentos. Partindo do princípio de que “o cinema é uma arte narrativa” (Id., p.10), os autores utilizam a teoria dos gêneros, proposta por Rosenfeld, e estabelecem uma aproximação entre o gênero dramático e o cinema ficcional e falado. Na definição de Rosenfeld, uma obra dramática é um texto que está constituído basicamente por diálogos e se destina “a ser levado à cena por pessoas que atuam por meios de gestos e discursos” (ROSENFELD, apud LEONE/MOURÃO, op. cit., p. 10). O cinema, por conter todas essas características, é considerado, então, uma expressão dramática. Para dar conta dessa dramaturgia, que se dá não somente no âmbito do texto escrito, mas também no da encenação e seleção de cenas, os autores separam a montagem do texto fílmico em três etapas distintas e interdependentes: para se construir um objeto fílmico, devemos sempre considerar o processo. O resultado artístico como um todo deve ser entendido como a interdependência de três etapas: roteiro, realização e montagem – respectivamente, a peça cinematográfica, a encenação através dos planos e seleção dramática desses planos, que irão remeter novamente à primeira etapa do processo: o roteiro. (Id., p.21) 2.2. A montagem no roteiro De acordo com Eduardo Leone e Maria Dora Mourão, todo roteiro “estará sujeito a certas normas da dramaturgia, no que se refere à construção da trama e sua evolução: despertar e sustentar a tensão através da expectativa, do interesse e do suspense” (Id., p.24). Nessa construção e evolução dessa trama, quatro aspectos próprios dos textos dramatúrgicos estão presentes nas peças cinematográficas: a ação, o espaço, o tempo e o ritmo. Foi somente com o surgimento do cinema falado e a introdução da ação dialógica que o roteiro, aproximando-se da dramaturgia, passou a ser considerado como peça cinematográfica. Diferentemente do cinema mudo, em que “o diálogo não passava de um texto escrito intermediando as cenas, e, portanto, um discurso visual que paralisava o tempo da ação, no cinema falado o elemento acústico/sincrônico criou o contínuo das ações.” (Id., p.19). Nessa ação dramática, os acontecimentos não são mediados por um escritor ou um narrador: eles “se apresentam diante de nós por si mesmos, como na realidade”. (Id., p.18), através dos atores, que objetivam as ações e permitem que os espectadores percebam a fábula no momento da exibição do filme. Deste modo, o roteiro deve ser pensado “como uma peça 71 de uma expressão em que a montagem nos fornece possibilidades de objetivação pelo espetáculo fílmico.” (Id., p.19) Além desse contínuo de ações, a peça cinematográfica também possui um cenário, uma geografia na qual se desenrolarão as ações. Assim, além de contar uma história, o roteiro também tem como função indicar a espacialidade através de algumas marcas, como as rubricas, a fim de estruturar os personagens no espaço. Criam-se, assim, “relações virtuais, isto é, relações que poderão ser atualizadas através de imagens e sons” (Id., p.24). Contudo, todas essas marcações, “deverão desaparecer no espaço da tela. As relações armadas pelo roteiro pertencerão às personagens e à textura dramática do espetáculo fílmico” (Ibidem). Também cabe ao roteiro a organização e indicação do tempo que será representado nesse texto fílmico: tanto o tempo interior das sequências como o tempo do conjunto de sequências que farão parte do filme. Este tempo narrativo é conhecido como tempo diegético e “está ligado à articulação sequencial do espetáculo fílmico. Se considerarmos que cada sequência é um elemento dramático, contendo nele uma relação de causa e efeito, fica simples compreender esse importante aspecto da montagem na peça cinematográfica” (Id., p.28). Por fim, a peça cinematográfica, assim como todo texto pertencente ao gênero dramático, por trabalhar com ações/movimentos, além do espaço e do tempo, indica também um ritmo, uma cadência, “uma espécie de andamento da ação” (Id., p.29). Essas marcas rítmicas são construídas na escrita – primeiramente, encontram-se no texto e são resultados, por exemplo, “da construção dos diálogos, das pausas, das relações entre personagens no quadro” (Ibidem) e, posteriormente, serão transformados, ao longo do processo de montagem, em texto fílmico: As camadas vão sendo sobrepostas e criando determinações e interdependências necessárias, para que no final desse processo possamos ter como resultado um objeto artístico. Qualquer ideia, antes de se transformar em filme, passa obrigatoriamente pela montagem. E na montagem final, propriamente dita, o ritmo do espetáculo surgirá da obediência a essa dinâmica interna do texto fílmico através dos cortes. (Id., p.31) 2.3. Montagem na realização Na exibição do filme “Un cuento chino”, observou-se que os alunos se impressionaram ao ver a cena em que uma vaca cai, inesperadamente, do céu, pois a sensação transmitida era a de que ela cairia em cima dos próprios espectadores. Do mesmo modo, em 72 “El hombre de al lado”, logo na primeira cena do filme, há uma focalização excessiva em uma parede sendo quebrada, dando a impressão de que a própria tela estava sendo perfurada. De acordo com Leone e Mourão (1987), essa relação que é estabelecida entre as imagens e o espectador, é possível devido à descoberta do recorte: Hoje, quando um diretor enquadra, buscando uma equivalência com a peça cinematográfica, ele não está muito distante dos pioneiros que descobriram que o recorte poderia propiciar um universo imenso de emoções e ilusões. Os diretores de hoje, não muito diferentes dos de ontem, ainda procuram o susto e, portanto, a reação da plateia. (Leone & Mourão, op. cit., p. 33) Embora a plateia saiba que se trata de uma representação, diante do filme, ela é capaz de se deixar envolver nessa sequência de planos montados. Esse envolvimento emocional e intelectual “só é possível através do trabalho artesanal e artístico dessa figura chamada diretor; aquele que, partindo de um texto, faz as suas escolhas fabricando imagens e nos devolvendo esse texto em imagens articuladas” (Ibidem). Tendo em vista esse processo de fabricação de imagens a partir de textos escritos, a montagem interna do cinema, ou seja, a montagem das ações dentro do plano, que consiste no “tratamento dado ao espaço da cena e ao enquadramento” (Id., p.39), torna-se uma das atividades mais importantes para o sucesso plástico do filme. A geografia cinematográfica, considerada enquanto processo metonímico, que cria “através de contiguidades, um espaço necessário para a representação”, é, então, o resultado da “combinação de planos em estruturas sinedóquicas” (Id., p.35). A terminologia técnica, que determina o espaço dos planos, dividindo-os em primeiro plano, plano médio e plano geral, revela essa sinédoque. De acordo com os autores, a “ideia de espacialidade surge com a distância que a câmera ocupa do objeto ou objetos. Partindo do texto, o diretor irá armar o espetáculo, valendo-se da fragmentação dos planos, isto é, da decupagem, para num trabalho posterior, montá-los” (Ibidem). O inventor da montagem foi Griffith, fazendo aparecer a figura do encenador cinematográfico. Nesse momento, “outras portas se abriram, e as direcionalidades, movimentos dos atores no quadro, jogos de olhares, gestos indicativos, passaram a ser a base das indicações das ações” (Id., p.36). Assim, através da interferência da câmera, que “mostra, objetivamente, pela montagem, quem vê e o que é visto”, são criadas as contiguidades espaciais. Nelas “conseguimos interpor personagens, desenvolver ações dialogadas e construir a geografia cinematográfica, desconstruindo-a em planos que, na etapa terceira, serão cortados para a reconstrução dessa geografia” (Ibidem). Deste modo, compreende-se que, por 73 ser o espaço plástico um dos elementos dramáticos da narrativa, a preocupação plástica com a construção desse espaço é de suma importância. Em relação à temporalidade na realização, de acordo com os autores, a diferença existente entre o tempo mecânico dos planos (ou seja, o tempo da câmera filmando uma determinada ação) e o tempo narrativo dos planos (que diz respeito às ações e à montagem, realizada pelo diretor) deve ser superada. Se a “decupagem nos leva a um conjunto de planos nos quais existe uma intencionalidade temporal” (Id., p.39), existe, então, em função da narrativa, um tempo dramático, que é diferente do “tempo real”. O diretor, “na fabricação dos planos nos quais serão embutidas as ações”, retarda e apressa o tempo, a fim de tornar equivalentes o roteiro e o discurso fílmico. Os autores também estabelecem uma distinção entre tempo sequencial e o tempo intersequencial. O primeiro é “desenvolvido no interior de uma sequência através de planos montados que delimitam um começo, um meio e um fim para a ação proposta” (Id., p.42-43). O segundo é produzido na montagem, na transição de uma ação para a outra. Deste modo, o trabalho do diretor se organiza da seguinte forma: [...] começará pelo tempo interno dos planos; passará para o tempo de um conjunto de planos que formarão as futuras sequências; e, posteriormente, para um conjunto de sequências que formarão o filme com seu tempo total, aquele que encontramos virtualmente no roteiro. O que chamamos de tempo diegético é o imbricamento desses três tempos que estão harmonizados na estória. (Ibidem) O tempo narrativo é, então, construído nessa fabricação “desordenada” de planos. O diretor precisa estar atento na hora da filmagem, pois qualquer erro pode prejudicar a montagem. Assim, no tempo narrativo como um todo, “um alongamento de uma reação, um olhar mais demorado, um gesto mais contido ou menos contido” (Id., p.45) serão de suma importância. Em relação ao ritmo na realização, cabe considerar que cada uma das modalidades narrativas do cinema (aventura, ficção científica, drama, terror, musical etc.) possui uma concepção de ritmo própria. Diferentemente do trabalho do escritor de roteiro, que desenvolve a escrita de forma linear, o processo de fabricação de imagens do diretor é fragmentário, e a visão do todo é virtual. Para fabricar os planos e articulá-los na montagem, o diretor recorre à totalidade do roteiro. Assim, o tempo de duração de um plano está “implicado com a narrativa e com a sua evolução no espaço da tela” (Id., p.46). 74 Segundo os autores, a ideia de ritmo no texto fílmico advém da harmonia de alguns recursos utilizados pelo diretor no processo da filmagem, tais como: enquadramentos, movimentos de câmera, aproximação, afastamento, travelling, grua, câmera na mão etc. Além disso, não se pode estabelecer uma aproximação entre tamanhos dos planos e ritmo: não é certo que planos mais curtos estabeleçam um ritmo maior ou que planos mais longos, um ritmo menor. Deste modo, “a questão não parece estar somente nas contiguidades entre os planos, mas também nas determinações da montagem interna nessas contiguidades” (Ibidem). 2.4. A montagem propriamente dita A montagem possui um papel relevante na expressão fílmica. O corte, realizado na montagem, além de concatenar os planos, também intensifica as significações e as relações. Assim, o corte deve ser realizado considerando as necessidades da história. De acordo com os autores, “de um lado, a montagem afeta diretamente as capacidades emocionais do espectador e, de outro, interfere também na significação do discurso, pois torna relativos os possíveis sentidos absolutos que têm os planos isoladamente” (Id., p.49). No filme, a imagem, devido às transformações do corte, deixa de ter um significado isolado. As relações entre os diversos planos, definidas pelo corte, nos remete, então, à ideia de montagem. O plano passa a ser entendido, então, como unidade de montagem: por um lado temos o “plano cinematográfico, ou seja, o plano bruto, resultado da câmera ao imprimir a cena, e , por outro, o plano fílmico, resultado da manipulação do plano cinematográfico na mesa de montagem” (Id., p.61). Ao lado dessa montagem que articula planos, há também o plano-sequência, no qual a ação se desenvolve sem a interferência do corte. Porém, ainda assim, esse tipo de plano também é derivado de um trabalho de montagem. O recurso de mobilidade da câmera para acompanhar a ação, neste caso, substitui o corte. 3. O eu, o outro e a interação discursiva através dos filmes Considerando que os sentidos não preexistem ao texto, mas, sim, são construídos na interação do leitor com o texto e buscando evitar que as práticas de leitura nas aulas de Espanhol/LE se reduzam a uma mera decodificação de textos escritos por parte dos alunos, esta pesquisa tem como objetivo analisar, a partir da utilização de textos fílmicos, os sentidos construídos na interação filme-espectador no contexto de ensino/aprendizagem de 75 Espanhol/LE de uma escola pública federal do Estado do Rio de Janeiro e os conflitos entre os diferentes gestos de leitura perceptíveis a partir do posicionamento dos alunos. Sendo esses filmes produzidos na Argentina, cabe ressaltar que nesta interação se dá o contato entre, pelo menos, duas culturas, dois universos discursivos e, consequentemente, entre duas formações discursivas. Segundo Foucault, em A ordem do discurso, os sujeitos que discursam fazem parte de um campo discursivo e desde o momento em que o sujeito pratica o discurso, ele está submetido a certas regras que determinam tudo aquilo que pode ser dito e relembrado em um dado período histórico e em uma dada sociedade (procedimentos que delimitam e controlam o discurso). Deste modo, nesta análise, será observado o modo como os alunos brasileiros interagem com uma discursividade em língua estrangeira (e, mais especificamente, própria do contexto argentino), levando em consideração os movimentos de aproximação e distanciamento dos estudantes em relação às atividades enunciativas que se realizam nos filmes. 3.1. O enunciado e a alternância dos sujeitos do discurso De acordo com Bakhtin, em Estética da criação verbal, “o discurso só pode existir de fato na forma de enunciações concretas de determinados falantes, sujeitos do discurso” (BAKHTIN, 2003, p.275). Em todos os campos da atividade humana são produzidos tipos relativamente estáveis de enunciados, orais e escritos (como, por exemplo, diálogos cotidianos, cartas, romances, pesquisas científicas etc.) que refletem, “não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua mas, acima de tudo, por sua construção composicional” (Id., p.262), as condições e as funções específicas desses campos. Por este motivo, esses tipos de enunciados, também chamados de gêneros discursivos, “são correias de transmissão entre a história da sociedade e a história da linguagem” (Id., p.268). Diferentemente dos esquemas propostos pelas linguísticas gerais, em que o ouvinte ocupa uma posição passiva em relação ao falante, na concepção de Bakhtin, o outro (o ouvinte), no processo da comunicação discursiva, ocupa uma posição ativa responsiva, tornando-se, assim, na compreensão do enunciado, um falante: “concorda ou discorda dele, (total ou parcialmente), completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo, etc.” (Id., p.271). Essa compreensão pode se dar das seguintes formas: 76 a compreensão ativamente responsiva do ouvido (por exemplo, de uma ordem militar) pode realizar-se imediatamente na ação (o cumprimento da ordem ou comando entendidos e aceitos para execução), pode permanecer de quando em quando como compreensão responsiva silenciosa (alguns gêneros discursivos foram concebidos apenas para tal compreensão, por exemplo, os gêneros líricos), mas isto, por assim dizer, é uma compreensão de efeito retardado: cedo ou tarde o que foi ouvido e ativamente entendido responde nos discursos subsequentes ou no comportamento do ouvinte. Os gêneros da complexa comunicação cultural, na maioria dos casos, foram concebidos precisamente para essa compreensão ativamente responsiva de efeito retardado. (Id., p.271-272) Além disso, segundo o autor, o próprio falante, sujeito do discurso, é também um respondente: “pressupõe a existência de alguns enunciados antecedentes – dos seus e alheios – com os quais o seu enunciado entra nessas ou naquelas orações (baseia-se neles, polemiza com eles, simplesmente os pressupõe já conhecidos do ouvinte)” (Ibidem). Assim, cada enunciado passa a ser entendido como um “elo na corrente complexamente organizada de outros enunciados” (Ibid.): além de ele ser uma resposta a enunciados anteriores, ele é também um “gerador/provocador” de respostas dos outros, ou seja, de novos enunciados responsivos. Todos os enunciados, por mais diferentes que sejam em seu conteúdo, volume e estrutura composicional, possuem algumas características estruturais em comum. Uma delas diz respeito a essa alternância dos sujeitos do discurso, na qual o falante, ao terminar seu enunciado, transmite a palavra ao outro e determina os limites precisos dos enunciados. Essa alternância se dá de formas distintas, dependendo dos diversos campos da atividade humana em que o enunciado for produzido. De acordo com Bakhtin, o diálogo real, devido a sua simplicidade, é a forma mais clássica de comunicação discursiva. Nele, cada réplica “possui uma conclusibilidade específica ao exprimir certa posição do falante que suscita resposta, em relação à qual se pode assumir uma posição responsiva” (Id., p.275). Deste modo, elas encontram-se interligadas e estabelecem relações – “relações de pergunta-resposta, afirmaçãoobjeção, afirmação-concordância, proposta-aceitação, ordem-execução, etc.” (Ibidem). Os limites dos enunciados em outros campos da comunicação discursiva são os mesmos que os encontrados no diálogo. Todos eles pressupõem diferentes sujeitos do discurso e esperam a resposta ativa dos outros. 3.2. Ecos, ressonâncias e assimilações da palavra do outro 77 Bakhtin afirma que o processo de assimilação da língua materna ocorre a partir de “enunciações concretas que nós mesmos ouvimos e nós mesmos reproduzimos na comunicação discursiva viva com as pessoas que nos rodeiam” (Id., p.283). Assim, aprender uma língua não significa aprender simplesmente seus vocabulários e estruturas gramaticais, mas, sim, significa aprender a construir enunciados, ou seja, aprender a “moldar o nosso discurso em formas de gênero” (Ibidem), uma vez que o conhecimento dessas formas é fundamental para a comunicação discursiva. Deste modo, para o autor, um enunciado não pode ser considerado uma “combinação absolutamente livre de formas da língua” (Id., p.285), uma vez que cada enunciado é uma resposta a enunciados que o precedem. Trata-se de “ecos e ressonâncias” (Id., p.297) de outras vozes, que se presentificam nos enunciados individuais: a experiência discursiva individual de qualquer pessoa se forma e se desenvolve em uma interação constante e contínua com os enunciados individuais dos outros. Em certo sentido, essa experiência pode ser caracterizada como processo de assimilação – mais ou menos criador – da palavra do outro (e não das palavras da língua). Nosso discurso, isto é, todos os nossos enunciados (inclusive as obras criadas) é pleno de palavras dos outros, de um grau vário de alteridade ou de assimilabilidade, de um grau vário de aperceptibilidade e de relevância. Essas palavras dos outros trazem consigo a sua expressão, o seu tom valorativo que assimilamos, reelaboramos, e reacentuamos. (Id., p.294-295) Deste modo, devido ao fato de o enunciado estar ligado tanto aos elos precedentes como também subsequentes da comunicação discursiva, o enunciado possui tonalidades dialógicas. Essa concepção dialógica da linguagem, proposta por Bakhtin, é fundamental para esta análise, pois a partir dela podemos entender que o aluno, no processo de interação com os filmes, ocupa uma posição ativa responsiva: a partir dos filmes e dos enunciados ali proferidos, ele, no seu movimento de compreensão, produz uma resposta. Será observado, então, o modo como os alunos dialogam com essas “vozes” produzidas no filme, levando em consideração que tanto as “vozes dos filmes” como as “vozes dos alunos”, ecoam e ressoam as “vozes das sociedades” em que ambos estão inseridos. 4. Fabricando realidades nos filmes “Un cuento chino” e “El hombre de al lado” Silvana Serrani, em seu exame das discursividades predominantes nos contextos brasileiro e argentino (ver capítulo 2), utiliza um procedimento de simulação, no qual os 78 enunciadores devem situar-se “imaginariamente em papéis sociais que podem ser previsíveis para eles em um futuro próximo, como, por exemplo, atividades profissionais para as quais, no momento, estão se formando” (SERRANI, 2010, p.86). Em uma das pesquisas, publicada no livro Discurso e Cultura na Aula de Língua, observa-se que a autora analisa as formações discursivas predominantes no Brasil e na Argentina, a partir de um contexto no qual se verifica o estabelecimento de um conflito entre duas empresas que deve ser resolvido por meio de alguma carta. De modo paralelo, na escolha dos filmes utilizados nessa pesquisa, um dos critérios utilizados foi a busca por histórias que tivessem, como tema principal, a presença de um conflito entre duas (ou mais) pessoas que deveria ser resolvido ao longo do enredo. Após algumas análises, foram selecionados os filmes “Un cuento chino” (2011) e “El hombre de al lado” (2009). No filme “Un cuento chino”, há, desde o início até o fim, a presença de um conflito entre um argentino e um chinês, ou seja, há um conflito entre o nacional e o estrangeiro. E no filme “El hombre de al lado”, o conflito se dá entre dois vizinhos: um deles é um proprietário de uma casa famosa e luxuosa e possui características próprias do homem burguês. Já o outro é proprietário de uma casa pequena, que possui poucas janelas. Seu personagem é caracterizado como proveniente de um meio rural. Deste modo, além desse conflito entre vizinhos, o filme está representando um conflito, próprio da Argentina, entre cidade e província. Esses conflitos serão analisados a partir dos diálogos produzidos em diversas cenas do filme, levando em consideração que, em todo enunciado, há marca de outras vozes – há um diálogo constante com enunciados que nós, de alguma forma, deixamos ecoar em nosso dizer: são memórias discursivas, próprias do contexto em que estamos inseridos, presentes em todo ato enunciativo. Assim, acredita-se que os diálogos, ali presentes, são atravessados por formações discursivas próprios do contexto argentino atual. O filme “Un cuento chino” se passa no contexto argentino contemporâneo, na cidade de Buenos Aires. O personagem Roberto, o argentino, é descrito como um ser solitário, rotineiro e intolerante, que vive trancado em seu próprio mundo, fazendo diariamente as mesmas coisas. Essas suas características podem ser percebidas logo no início do filme, na primeira cena em que o personagem aparece. A câmera começa filmando, de longe, a entrada de uma “Ferretería” (loja de materiais de construção), indicando que ali é um dos espaços em que se desenvolverá a história, e, pouco a pouco, vai se aproximando. Trata-se de uma pequena loja, situada em uma rua tranquila, dando a impressão de estarmos prestes a entrar em uma caverna – um mundo à parte: o mundo de Roberto. A câmera, então, subitamente, adentra o espaço. Roberto está atrás do balcão, contando parafusos, um por um: a cena começa com a contagem em torno do número 305 (mostrando que ele já se encontra fazendo 79 aquela ação e aqueles mesmos movimentos, repetitivamente, há algum tempo) e segue mostrando o personagem contando até chegar ao número 323. Neste momento, Roberto se irrita, pois percebe que vieram parafusos a menos na caixa, que diz conter 350 parafusos, e diz: “Y otra vez me cagó, la reputa que le parió”. Roberto liga para o fornecedor de mercadorias para reclamar e começa a discutir com ele pelo telefone, em tom elevado e com palavrões. Essas características da personalidade de Roberto, que observamos logo na apresentação do filme, também são definidas por meio de outras ações no decorrer da história. Em relação ao aspecto rotineiro de Roberto, o percebemos através da repetição de algumas cenas de ações cotidianas realizadas pelo personagem, tais como: dormir todos os dias pontualmente no mesmo horário, tomar café e comer pão (tirando o miolo) todos os dias de manhã, ler e colecionar reportagens absurdas etc. Em relação ao aspecto solitário, ele é evidente, não somente no seu “isolamento” dentro da ferretería, mas também no fato de o personagem morar sozinho (em uma casa que fica no andar de cima da sua loja) e passar a maior parte do tempo – quando não está no trabalho – dentro desse espaço, sem receber ninguém. Inclusive, há cenas em que o personagem fala sozinho: na ausência de um outro, ele estabelece diálogos consigo mesmo. Porém, é justamente através deste mundo isolado da ferretería em que trabalha Roberto que ele interage com as pessoas, embora essas relações não se deem em um nível muito profundo. Ali, ele estabelece diálogos com Leonel, o entregador de jornal; com o entregador de mercadorias para a loja; com Mari, uma antiga namorada que vive no campo, e com alguns poucos clientes. Nesses diálogos, Roberto é apresentado como uma pessoa impaciente, que conversa pouco e não estabelece muitos vínculos afetivos com os outros. Por exemplo, em uma cena, Leonel tenta estabelecer uma conversa com Roberto, fazendo-lhe muitas perguntas e comentários (alguns bem pessoais). Porém, Roberto, ao longo de todo o diálogo, praticamente não olha para Leonel (segue fazendo suas coisas enquanto conversa) e responde com frases curtas e, muitas vezes, fica em silêncio. Vemos também esta característica de Roberto através da sua relação com Mari – ele está sempre a evitando, usando como desculpa o trabalho. As cartas que ela mandava, ele nunca respondia. No jantar que ela o convida para ir, na casa de sua irmã, Roberto quase não conversa, estabelecendo sempre distâncias. É como se ela nunca pudesse acessá-lo em seu mundo isolado. Nos diálogos entre Roberto e os clientes além do estabelecimento de um distanciamento, percebemos também a sua intolerância e impaciência com as pessoas, já citada anteriormente. Há um cliente específico, que frequentemente aparece em sua loja e que, por fazer muitas perguntas, irrita profundamente a Roberto. No primeiro diálogo entre os dois, observamos 80 essa intolerância não somente pelo excesso de frases curtas, mas também pelo seu tom de voz e gestos faciais. No segundo diálogo com o cliente, ele reafirma esse caráter ainda mais: expulsa o cliente da loja, com gritos e palavrões. Essa característica do Roberto vai tomando uma proporção maior ao longo do filme, pouco a pouco, conforme os problemas vão surgindo e se complicando em sua vida, seu comportamento intolerante vai se tornando mais explosivo. Além disso, Roberto também é apresentado como um personagem apegado ao seu (trágico) passado. Ao longo da história, paulatinamente, esse passado é revelado: Roberto não conheceu sua mãe, pois ela morreu no parto. E quando seu pai faleceu, Roberto estava na Guerra das Malvinas. Somente quando retornou da guerra, soube do ocorrido. E, segundo ele, seu pai morreu de desgosto, após ver uma foto dele no jornal participando da guerra. Esses fardos o personagem carrega consigo. O filme revela esse apego a sua mãe através da apresentação de cenas em que o personagem dá presentes a sua falecida mãe no seu aniversário: ele deposita esses presentes em uma cristaleira antiga que há em sua casa. Este móvel, além de presentes, contém também, dentro dele, uma fotografia dela. Assim, este espaço tem como função, no filme, a representação de sua mãe. É através dele que o personagem interage e conversa com ela. O seu apego ao pai é revelado não somente através da profissão que exerce (ele trabalha na loja que era do pai), mas também nas cenas em que é revelada a manutenção da organização do espaço da casa: desde que seu pai morreu, ele não alterou nada de lugar. Inclusive, ele segue dormindo, em uma cama de solteiro, no mesmo quarto que dormia em sua adolescência. O quarto do seu pai, que possui uma cama grande e espaçosa, ele não utiliza – é o espaço intocável da casa que representa a figura e permanência desse pai em sua vida. Certo dia, a rotina de Roberto é atravessada por um elemento inesperado: ele se depara, no meio da rua, com um chinês (Jun) que, recém-chegado à cidade de Buenos Aires, acabou de ser assaltado pelos motoristas do táxi em que vinha do aeroporto. Ele está perdido em Buenos Aires e não sabe falar uma só palavra em espanhol. Roberto, diante da situação, decide ajudar o chinês, levando-o para morar em sua casa alguns dias até que ele encontre seu tio (parente por quem diz buscar). A comunicação entre os dois ao longo do filme está sempre atravessada por obstáculos e impossibilidades. No início, os diálogos são entrecortados por gestos que tentam transmitir os significados daquilo que está sendo dito por ambos. Depois, eles decidem chamar um chinês, entregador de comidas de um restaurante, que domina os dois idiomas, para traduzir a conversa. Este artifício, além de permitir que Roberto, assim como o espectador, compreendam melhor os motivos que levaram o chinês a estar naquele 81 país, permite também que os dois personagens, junto com o espectador, conheçam melhor o passado de cada um. Porém, além das dificuldades idiomáticas, o filme apresenta algumas outras barreiras enfrentadas pelos personagens, tais como: dificuldades de ambos os personagens por serem estranhos, mas estarem vivendo em uma mesma casa, dificuldades devido às diferenças culturais entre ambos e dificuldades encontradas por Jun, devido a sua condição de estrangeiro no país. As dificuldades de Roberto nesta convivência são evidentes diante das características que compõem esse personagem. Acostumado a viver sozinho há muito tempo, sente-se incomodado com a presença de outra pessoa em sua casa interferindo no seu cotidiano e entrando em seu espaço – espaço este extremamente privado, que contêm toda a sua intimidade, sua história e suas regras. Roberto, então decide estabelecer um prazo com ele: na mesa do café da manhã, com um calendário em mãos, explica que Jun somente poderá ficar em sua casa por mais uma semana. Os dias se passam e, apesar das diversas tentativas (eles vão à embaixada chinesa, procuram ajuda em um bairro chinês que há na cidade, vão até a delegacia), Jun não encontra seu tio. Começa, então, um conflito entre os dois. A situação é de tensão. E esse clima vai aumentando ao longo do filme. E todos os diálogos que Roberto estabelece com os outros personagens encontram-se atravessados por esses conflitos: conflitos interiores do próprio personagem, que com a chegada do estrangeiro, do outro em sua vida, se vê obrigado a lidar com questões que ele, ao longo da sua vida, evitou. E também conflitos próprios da situação e das dificuldades encontradas para solucionar os problemas. Por fim, em relação às realidades próprias do contexto argentino que estão sendo produzidas no filme, estão presentes os conflitos existentes, nessa sociedade cosmopolita com dezenas de imigrantes, entre o nacional e o estrangeiro. A cultura do outro em choque com a cultura própria de um país, na medida em que novas formas de ver o mundo, novas formas de atribuição de significado entram em cena no contexto nacional. A homogeneidade da nação é, então, abalada, e esse outro, ao mesmo tempo que é um estrangeiro (e isso será sempre), passa a constituir a identidade nacional do país. A presença de chineses na Argentina, especificamente, devido ao seu intenso fluxo migratório, na década de 1990 (e ainda nos dias atuais), em direção a esse país, é um fator histórico relevante nesta sociedade. Através da chegada do personagem imigrante chinês à procura de seu tio (que também era um imigrante chinês que vivia na Argentina), o filme apresenta, em diversas cenas, a forte presença dos chineses no país e o lugar ocupado por esses imigrantes na sociedade portenha. Percebemos que a maioria deles, no filme, trabalha na área comercial: aparecem como entregadores de comida de restaurantes ou como caixas de supermercados. Além disso, vê-se que as 82 dificuldades enfrentadas por esse imigrante, nesse país estrangeiro, são muitas. A própria embaixada chinesa é pouco efetiva no que diz respeito ao amparo do imigrante chinês. Também observamos que o tratamento policial, nesta sociedade, em relação aos imigrantes não é nada acolhedor: devido, muitas vezes, à sua condição de ilegal, a lei não lhe favorece. No filme, por exemplo, quando Roberto vai até a delegacia para pedir ajuda com o caso de Jun, o policial diz que irá prender o chinês até que ele comprove que não está ilegalmente no país. Em relação ao filme “El hombre de al lado”, a história se passa na Argentina atual, na cidade de La Plata. O filme começa com a imagem de uma parede sendo quebrada. Este momento marca o início de um conflito que se apresenta como o tema principal do filme. Trata-se de um embate entre dois vizinhos, no qual um deles quer abrir uma janela em sua casa, porém, o outro vizinho quer proibi-lo de fazer isso, pois a janela tem vista para a sua casa. Através desta “pequena” abertura, o filme aborda algumas questões próprias do contexto argentino atual. A primeira delas é a apresentação de um fenômeno próprio das cidades do terceiro mundo que vivenciaram um processo de desenvolvimento urbano sem planejamento. No início do curta-metragem “Medianeras” (2004), de Gustavo Taretto, encontramos, por exemplo, uma descrição da cidade de Buenos Aires que parece ilustrar bem esse problema: Buenos aires crece descontrolada e imperfecta, es una ciudad superpoblada en un país desierto, una ciudad en la que se yerguen miles y miles y miles y miles de edificios sin ningún criterio. Al lado de uno muy alto hay uno muy bajo, al lado de uno racionalista, uno irracional, al lado de un estilo francés hay otro sin ningún estilo. Probablemente estas irregularidades nos reflejen perfectamente, irregularidades estéticas y éticas. Estos edificios que se suceden sin ninguna lógica demuestran una falta total de planificación. (Medianeras, 2004) Por possuir esse caráter que é próprio do crescimento urbano desorganizado, essa mesma definição pode ser estendida para a cidade de La Plata, onde se passa o filme “El hombre de al lado”: também uma cidade imperfeita e superpovoada. Em uma das cenas iniciais, Leonardo (um dos personagens centrais da história) ao observar, ao lado de sua mulher, a vista da janela de sua casa, diz: “Que país feo, la puta madre.”. A câmera não mostra o que eles estão vendo, mas podemos supor que eles estão diante da mesma paisagem descrita na passagem acima, em que milhares de edifícios são construídos sem nenhum critério. Além disso, de acordo com o narrador de “Medianeras”, essas irregularidades, além 83 de revelarem a desordem urbana, também marcam/revelam a desigualdade social e econômica da Argentina, uma vez que existem ambientes mais privilegiados que outros: Los edificios son cada vez más chicos, para darle lugar a nuevos edificios, más chicos aún. Los departamentos se miden en ambientes, y van desde los excepcionales 5 ambientes con balcón terraza, playroom, dependencia de servicio, baulera, hasta el mono ambiente, o caja de zapatos. Los edificios como casi todas las cosas pensadas por el hombre están hechas para que nos diferenciemos, los unos de los otros. Existe un frente y un contrafrente, están los pisos bajos y los altos. Los privilegiados son identificados con la letra A, o excepcionalmente la B, cuanto más progresa el abecedario menos categoría tiene la vivienda. Las vistas y la luminosidad son promesas que rara vez coinciden con la realidad. (Medianeras, 2004) No filme “El hombre de al lado”, tanto a problemática da falta de planejamento urbano quanto a desigualdade social (e seus reflexos nas edificações) estão presentes como elementos centrais e norteadores – são, digamos, as causas principais do conflito entre os personagens. Víctor, um dos vizinhos, vive em uma casa que não tem muita luminosidade e, por isso, deseja construir uma janela na parede lateral de sua casa. Porém, Leonardo, o vizinho que mora ao lado, quando percebe o que está acontecendo, tenta impedir Víctor, alegando que aquilo que ele está fazendo, além de tirar sua privacidade, é ilegal. Mas Víctor responde: “Bueno, pero me parece que al barrio no llegó la noticia. ¿Y aquellos edificios que están ahí, aquél y aquel otro?”. Neste momento, o filme está fazendo referência a um fenômeno próprio da realidade argentina atual: a abertura de janelas nas partes laterais dos prédios, conhecidas no país como “Medianeras”: Todos los edificios, absolutamente todos tienen una cara inútil, inservible, que no da ni al frente ni al contrafrente, la medianera. Superficies enormes, que nos dividen y nos recuerdan el paso del tiempo, el smog y la mugre de la ciudad. Las medianeras muestran nuestro costado más miserable, reflejan la inconstancia, las grietas, las soluciones provisorias. […] Contra toda la opresión que significa vivir en estas cajas de zapatos, existe una salida, una vía de escape, ilegal, como todas las vías de escape. En clara contravención al código de planificación urbana, se abren unas minúsculas, irregulares e irresponsables ventanas que permiten que unos milagrosos rayos de luz iluminen la oscuridad en la que vivimos. (Medianeras, 2004) 84 Essa abertura da janela, em “El hombre de al lado”, provoca o encontro entre duas realidades sociais, entres dois universos culturais que se encontram em estado de oposição, representados pelos vizinhos Leonardo e Víctor. Cabe, então, fazer aqui uma descrição de cada um desses personagens. Leonardo é um designer bem-sucedido que carrega consigo todas as características de um rico burguês (produto das sociedades modernas), sempre preocupado com as aparências e com o status. Estabelece uma oposição entre o mundo privado (íntimo) e o público. Seu ideal de perfeição está pautado nos princípios modernos, em que há a exacerbação de mundo plástico e virtual – porém, neste mundo, as relações familiares e interpessoais se veem abaladas. Deste modo, a relação entre Leonardo e seus familiares (sua mulher e sua filha) se vê perpassada por uma crise. Talvez uma crise própria do modo como algumas sociedades se desenvolveram. De acordo com o narrador do filme “Medianeras”, que mais uma vez nos oferece pistas para compreender essa questão, a desordem e o caos urbano das grandes cidades superpovoadas, como Buenos Aires, por exemplo, são responsáveis pelo aparecimento de alguns problemas, tais como: “los divorcios, la violencia familiar, el exceso de canales de cable, la incomunicación, la falta de deseo, la abulia, la depresión, los suicidios, las neurosis, los ataques de pánico, la obesidad, las contracturas, la inseguridad, el estrés y el sedentarismo” (Medianeras, 2004). No mundo “perfeito” criado por Leonardo, alguns desses “males” estão presentes, e podemos destacar três: a falta de comunicação, a insegurança e o estresse. Quanto à falta de comunicação, podemos percebê-la, principalmente, na relação problemática e na falta de diálogo de Leonardo com sua filha adolescente. Quanto à insegurança, ela se manifesta na constante preocupação de Leonardo com os sistemas de alarme da casa. O estresse é evidente na relação entre Leonardo e sua mulher: desde o começo do filme, devido ao problema que estão vivendo com o vizinho, os dois estão sempre discutindo, insatisfeitos. No que diz respeito ao espaço habitado por Leonardo e sua família, trata-se de uma famosa mansão, construída pelo reconhecido arquiteto francês Le Corbusier. Por seguir os princípios básicos da arquitetura moderna, no seu planejamento, visou-se integrar o ambiente interno ao externo. Deste modo, a casa em que vive Leonardo, diferentemente da maioria dos edifícios da cidade, além de espaçosa, possui uma grande variedade de janelas de vidro. Ali, o que não falta é luz e conforto. Do outro lado, em uma casa menor, vive Víctor, um personagem que parece ser o oposto de Leonardo: ao invés de características próprias das camadas burguesas da sociedade, possui traços que o aproximam do mundo rural das províncias argentinas. É como se ele, de certo modo, fosse a representação do gaucho, figura do campo exaltada por muitos 85 intelectuais e artistas ao longo da história do país. De acordo com Shumway (2008, p. 36), os gauchos tinham três raízes étnicas: espanhola, indígena e africana. Corriam livremente pelos pampas, vivendo com facilidade em uma terra generosa; capturavam e montavam cavalos selvagens, bebiam muito, jogavam, praticavam o contrabando; roubavam, lutavam, perseguiam o gado selvagem, vendiam couro para comprar os poucos produtos de que precisavam; comiam sobretudo carne bovina, cantavam baladas improvisadas celebrando seus amores e atos heroicos; e mantinham uniões livres, raramente consagradas pelo casamento matrimonial. Em suma, eram supersticiosos, sujos, analfabetos e felizes. Algumas dessas características descritas pelo autor podem ser percebidas na construção do personagem de Víctor: ele não é casado, não tem mulheres, nem filhos; usa botas e jaquetas de couro; tem relações livres e relaciona-se sexualmente com muitas mulheres; está sempre celebrando os prazeres da vida; caça javalis; vende carros usados; participa das obras em sua casa; usa códigos linguísticos mais vulgares e informais. Ao contrário de Leonardo, ele não está preocupado com o mundo das aparências da sociedade do espetáculo13. Estabelecendo um diálogo com o texto O narrador, de Walter Benjamin, podemos dizer que Víctor representa o arcaico, o artesanal, em oposição ao moderno e industrial. Deste modo, podemos perceber que, no conflito entre os vizinhos, não é somente a invasão de privacidade que está em jogo. Trata-se da apresentação de um conflito que está nas ficções-diretrizes da Argentina, analisadas no capítulo 3: a luta entre a elite portenha (de Buenos Aires), que queria obter prestígio e poder sobre as demais regiões do país, e os povos das províncias, que não aceitavam essa condição e exigiam autonomia. Podemos dizer que, mais do que o problema de uma janela que se abriu, o filme aborda uma tensão que é própria do contexto histórico argentino. E todos os diálogos ali produzidos pelos personagens, na tentativa de resolver o problema, estão perpassados por esta tensão. O problema não é tão simples como parece e não será resolvido com tanta facilidade – eis a sua força: ele está nas raízes. Por fim, conclui-se que os conflitos abordados em ambos os filmes refletem algumas tensões presentes na sociedade argentina atual, como por exemplo: conflitos entre nacionais e 13 De acordo com Guy Debord (1973), o espetáculo é a “afirmação da aparência de toda vida humana, isto é, social, como simples aparência”. Constituindo-se, então, como uma “negação visível da vida”. Obs: citações extraídas do filme “A sociedade do espetáculo”, produzido pelo próprio Guy Debord. 86 estrangeiros, entre federalistas e ruralistas, entre campo e cidade, entre público e privado, entre classes econômicas distintas etc. Além disso, os discursos preponderantes nos diálogos, que visam à resolução desses conflitos, também representam as formações discursivas próprias da realidade argentina atual, uma vez que, em todo enunciado, seja ele “real” ou “fictício”, ecoam vozes que estão presentes nas memórias discursivas das sociedades. Deste modo, a partir das situações de conflito apresentadas nos filmes, serão analisadas as interações ocorridas em sala de aula entre os alunos brasileiros e as discursividades próprias do contexto argentino atual, retratadas nos textos fílmicos aqui selecionados e abordados. 87 88 V Em sala de aula: analisando os dados 1. A pesquisa-(em)-ação Nesta pesquisa foi utilizada a metodologia da pesquisação. Segundo Moita Lopes, trata-se de “um tipo de investigação realizado por pessoas em ação em uma determinada prática social sobre esta mesma prática, em que os resultados são continuamente incorporados ao processo de pesquisa, constituindo novo tópico de investigação, de modo que os professores-pesquisadores, no caso em questão, estejam sempre atuando na produção de conhecimento sobre a sua prática” (Moita Lopes, 1996, p. 185). Assim, ao longo de dois semestres, a pesquisadora realizou um trabalho, com duas turmas do 1° ano do Ensino Médio, nas aulas de Espanhol/LE que ministrava em uma instituição escolar federal localizada no Estado do Rio de Janeiro. A fim de analisar os processos de interação discursiva, foram apresentados aos alunos filmes em língua espanhola produzidos na Argentina recentemente. Cabe ressaltar, que por se tratar de uma pesquisação, buscou-se realizar a pesquisa levando em consideração os planejamentos da escola e a ementa de curso organizada pelos coordenadores da instituição. Antes de dar início à investigação em sala de aula, foi realizado pela professorapesquisadora um planejamento, a fim de organizar as atividades que seriam desenvolvidas em sala de aula. Após essa organização, foi realizada uma pesquisa de campo piloto. A partir dessa pesquisa-piloto foi possível rever alguns planos iniciais e aprimorar as reflexões14. Quando iniciada a pesquisa de campo, buscou-se analisar as interações discursivas motivadas pelos filmes e outras formas de texto (como, por exemplo, críticas de cinema, reportagens, entrevistas etc.) ocorridas nas aulas de Espanhol/LE, a partir da triangulação dos seguintes dados: 14 Dentre as principais mudanças realizadas após a pesquisa-piloto, destacam-se: divisão do trabalho didático com os filmes em quatro etapas (assim, além das etapas básicas de pré-leitura, leitura e pós-leitura, foi inserida uma etapa inicial, denominada motivação); mudança das legendas dos filmes (inicialmente, as legendas estavam em português e passaram a ser em espanhol) e mudanças na metodologia das questões propostas nas atividades escritas: observou-se que as questões utilizadas na pesquisa-piloto não davam conta dos objetivos da pesquisa. Assim, as questões foram elaboradas levando em consideração a metodologia utilizada por Serrani (2010) em suas análises. Além disso, para um maior contato com a materialidade linguística e discursiva dos filmes, optou-se por trabalhar, nas atividades escritas, com diálogos transcritos. 89 gravações de aulas, de debates ou atividades relacionadas aos filmes argentinos apresentados para os alunos; questionários e entrevistas semiestruturadas com os alunos de ELE envolvidos no processo; análise de textos audiovisuais e escritos utilizados pela professora-pesquisadora durante as aulas. Todos os instrumentos de coleta de dados (juntamente às notas de campo) ajudaram a compor um perfil sociocultural dos alunos pesquisados, a compreender concepções relativas à leitura/recepção e à ação pedagógica nas aulas de ELE e a investigar os possíveis fatores ligados aos movimentos de aproximação e/ou distanciamento dos espectadores/leitores em relação aos discursos colocados em circulação pelos filmes argentinos trazidos para a sala de aula, além de outras formas de texto ligadas às atividades que envolvem a apresentação desses filmes. Esta pesquisa não tem intenção quantitativa, e sim qualitativa, pois se trata da análise de apenas um espaço escolar de interação discursiva, com vistas a elaborar reflexões que possam servir de embasamento e estímulo ao desenvolvimento de diferentes práticas significativas no ensino de Espanhol/LE. 2. Perfil sociocultural dos alunos A fim de compor o perfil sociocultural dos alunos, foi elaborado, pela professorapesquisadora, um questionário para ser passado em ambas as turmas (anexo 1). Na turma X, do total de 24 alunos, 13 responderam. Na turma Y, do total de 19 alunos, 15 responderam. Deste modo, no total, 43 alunos participaram da pesquisa, porém, somente 28 participaram dessa etapa. Ao analisar os questionários dos alunos de ambas as turmas, verificou-se que os estudantes tinham entre 14 e 18 anos de idade e que a maioria morava em Nova Iguaçu (RJ) ou nas proximidades dessa região. Notou-se que a maioria dos estudantes tinha hábitos frequentes de leitura. Os tipos de textos mais citados foram: mitologia, mangá, ficções, histórias de detetive, histórias de ação e aventura, comédias, terror, drama, notícias e artigos científicos, textos bíblicos. Também se pode observar que a maioria dos alunos gostava de assistir filmes estrangeiros, principalmente os provenientes dos Estados Unidos ou Europa. Alguns preferiam ver os filmes dublados e outros legendados. Os hobbies citados pelos alunos foram: praticar esportes (50%); tocar instrumento/cantar (28%); jogar videogame (18%); 90 assistir filmes (18%); ler (18%); usar o computador/navegar na internet (14%); sair com os amigos (11%); passear/viajar (11%); fazer curso de inglês (11%); estudar (11%); desenhar (7%); assistir televisão (7%); ir ao shopping (7%); fazer curso de informática (7%); fumar e beber álcool (3,5%), participar de reuniões religiosas (3,5%), escutar música (3%); dormir (3%). Em relação ao contato com a Língua Espanhola, uma parte dos alunos (54%) nunca tinha tido nenhum contato. A outra parte (47%) teve contato através de aulas de espanhol em outras escolas, internet, videogame, filmes, novelas, músicas e livros. 3. O processo em sala de aula O processo pedagógico das atividades realizadas em sala de aula teve como referência uma sequência didática, baseada no modelo proposto por Rildo Cosson (2014). O autor, refletindo acerca do trabalho com textos literários nas escolas brasileiras, afirma que a “leitura demanda uma preparação, uma antecipação” (Cosson, op. cit., p.54). Deste modo, divide esse processo em quatro etapas: motivação, introdução, leitura e interpretação. A motivação consiste na aproximação do aluno com o texto que será lido. É uma preparação para seu encontro com a obra, exercendo influências sobre suas expectativas, porém, sem determinar sua leitura. Ela pode ser, por exemplo, de ordem temática. A introdução é a apresentação do autor e da obra, a fim de tornar positiva a recepção do texto por parte do aluno. Por este motivo, é importante que, nesta etapa, o professor esteja atento à seleção dos elementos que serão explorados e aos aspectos dos paratextos que serão enfatizados. A terceira etapa, chamada de “leitura” por Cosson, diz respeito ao ato de interação direta com as obras, isto é, o encontro do aluno com a materialidade textual – chamaremos esta etapa aqui de “Visualização”, por se tratar de um trabalho com textos fílmicos. A interpretação possui dois momentos: um interior, de caráter individual, que ocorre no encontro do leitor com o texto, e um exterior, em que a interpretação é compartilhada. Segundo o autor, no momento interior, alguns fatores como, por exemplo, “a história de leitor do aluno, as relações familiares e tudo o mais que constitui o contexto da leitura” (Id., p.65) vão contribuir para a interpretação subjetiva. No momento exterior, é importante que “o aluno tenha a oportunidade de fazer uma reflexão sobre a obra lida e externalizar essa reflexão de uma forma explícita” (Id., p.68). Esta etapa de externalização interpretativa será desdobrada em dois momentos neste trabalho, um denominado como “Interpretação” e outro como “Debate”, os quais serão mais bem explicados adiante. 91 Abaixo veremos como foi desenvolvida cada etapa do trabalho com os filmes “Un cuento chino” e “El hombre de al lado” nas aulas de Espanhol/LE ministradas pela professora-pesquisadora. 3.1. Motivação No início da pesquisação, foi explicado aos alunos que eles participariam de uma pesquisa que estava sendo desenvolvida pela professora-pesquisadora em seu curso de mestrado e que tinha como objetivo observar o modo como os alunos interagiam com as propostas oferecidas nas aulas de Espanhol que ministrava na escola, a fim de fazer reflexões acerca do espaço de ensino/aprendizagem de Espanhol/LE. Também foi solicitado que os alunos (ou seus responsáveis) assinassem um termo autorizando a utilização das gravações em áudio das falas espontâneas ocorridas em sala de aula e das entrevistas, assim como o uso dos registros escritos produzidos pelos alunos (anexo 2). Além disso, foi exposto que trabalharíamos com filmes argentinos e que, antes de cada exibição, seriam feitas algumas “sensibilizações” e introduções que auxiliariam na interação dos alunos com os filmes. Na etapa da motivação referente ao filme “Un cuento chino”, devido ao fato de um dos personagens principais colecionar “notícias absurdas”, buscou-se motivar a turma em relação aos acontecimentos absurdos que podem estar presentes no nosso cotidiano. Foi proposto, então, que os alunos lessem algumas notícias publicadas recentemente em jornais hispânicos (anexo 3), selecionadas pela professora-pesquisadora, e expusessem oralmente o assunto da notícia lida. Após essa exposição, através de um debate, para contribuir com a reflexão, foi solicitado que os alunos dessem sua opinião acerca do que eles consideram ser um acontecimento absurdo. A partir da análise dos áudios das gravações das aulas dedicadas a esta etapa, observa-se que, na turma X, as respostas mais frequentes foram: “algo que não é considerado normal”, “coisas completamente sem nexo”, “absurdo não é só, por exemplo, morreu uma pessoa, mas o jeito que a pessoa morre”, “uma ocasião inusitada”15. Na turma Y, as respostas foram: “uma coisa que não acontece diariamente”, “algo fora do normal”, “uma coisa que te surpreende”, “absurdo é algo que não acontece sempre”. A partir dessas respostas, os alunos avaliaram se os acontecimentos narrados nas notícias eram absurdos. Em ambas as turmas, as notícias que os alunos já estavam acostumados a ler não eram 15 Serão utilizados, no corpo do texto, alguns fragmentos de transcrições das falas dos estudantes, gravadas ao longo do processo de pesquisação. 92 consideradas absurdas, como, por exemplo, a notícia de um assalto ou a notícia sobre a morte de pessoas em um protesto. De acordo com os alunos, isso ocorre, pois esses acontecimentos “se tornam uma rotina que você fica acostumado” e “acabamos ficando um pouco insensíveis de tanto ver absurdos nos jornais”. Por outro lado, as notícias que não faziam parte do seu cotidiano, como, por exemplo, a morte de uma pessoa ao tentar salvar alguém, eram consideradas absurdas. Deste modo, foi possível também discutir acerca do gênero textual “notícia”, sua função na sociedade e seu “ato” de banalização dos acontecimentos, a partir do momento em que apresenta determinados fatos “absurdos” como “normais”. Já a motivação referente ao filme “El hombre de al lado” foi dividida em duas partes. Em um primeiro momento, tendo em vista que o filme possui um final atípico, ou seja, que não corresponde ao padrão hollywoodiano predominante no cinema atualmente, foi proposto que os alunos contassem o final de algum filme que eles tenham gostado bastante, com o objetivo de saber o que eles esperavam de um final de um filme. De acordo com eles, um final deve ser surpreendente, inusitado ou comovente e algo positivo deve acontecer. Na turma X, foram citados pelos alunos os finais dos seguintes filmes: “Karatê Kid”, “Se beber, não case”, “Toy Story”, “V de vingança”, “O menino de pijama listrado”, “Os branquelos”, “Procurado”, “Sherlock Homes”, “A invenção de Hugo Cabret”, “Batman” etc. Na turma Y, os filmes citados foram: “O impossível”, “TED”, “Sempre ao seu lado”, “Homem Aranha”, “Capitão América”, “Toy Story”, “Jurassic Park”, “Coração Valente”, “A origem”, “Implacável”, “A busca da felicidade”, “Projeto X” etc. Após essa conversa, em um segundo momento, devido ao fato de o filme “El hombre de al lado” narrar um conflito entre vizinhos que se origina a partir da abertura de uma janela na lateral de uma das casas, buscou-se conscientizar os alunos em relação ao fenômeno vivido atualmente em Buenos Aires, em que janelas são abertas, ilegalmente, nas fachadas laterais dos edifícios. Para contribuir com tal reflexão, foi apresentado o curta-metragem “Medianeras” (Gustavo Taretto, 2004). Através deste filme, a turma pôde observar a organização arquitetônica desta cidade, sua desordem, sua falta de planejamento urbano e suas desigualdades sociais. Além disso, foram feitas comparações entre os problemas presentes na cidade de Buenos Aires e do Rio de Janeiro. Também se discutiu a relação entre o público e o privado nas metrópoles contemporâneas, onde há uma vontade explícita de separação entre esses dois universos. 3.2. Introdução 93 Tendo em vista que o filme “Un cuento chino” narra a chegada de um chinês na Argentina, em sua introdução, objetivou-se trabalhar com os alunos o tema da imigração chinesa nesse país. Para tal, foi feita uma leitura de uma reportagem, divulgada recentemente no jornal eletrônico Clarín, que tratava deste assunto, intitulada “Los chinos en Argentina: mas allá de los supermercados” (anexo 4). Nela, além de informações a respeito do modo de vida desses imigrantes no país e de seus “dotes” comerciais, também havia uma entrevista com um imigrante chinês, dono de um supermercado na cidade de Buenos Aires, narrando sua “saga” desde a chegada na cidade, na década de 1990, até os dias atuais. Após esse momento, discutiu-se acerca dos estereótipos culturais construídos naquele texto jornalístico e dos preconceitos sofridos por muitos estrangeiros no país. Além disso, foram feitas comparações com o Brasil, lugar onde também pode se presenciar um forte movimento imigratório dos chineses. Assim, através dessa etapa de ampliação de conhecimentos prévios, os alunos puderam compreender por que o filme abordava o encontro entre um argentino e um chinês. Na introdução do filme “El hombre de al lado”, devido ao fato de um dos personagens principais viver em uma casa construída na Argentina pelo famoso arquiteto Le Corbusier, objetivou-se fazer uma apresentação dessa casa, a fim de torná-la familiar aos alunos. Considerou-se importante desenvolver esse conhecimento prévio, pois, além de se tratar do elemento geográfico principal em que se desenvolve a história, ele também contribui para a compreensão das características que compõem o personagem que habita este espaço. Para tal, foram exibidas partes do documentário “La máquina de habitar” (Bruno Garritano, 2013), em que os alunos puderam observar tanto a estrutura dessa casa como também os conceitos nos quais Le Corbusier se baseou ao projetá-la. Além disso, tendo em vista que se trata de uma arquitetura moderna, foi feita uma breve explicação sobre esse movimento no mundo e no Brasil. Como auxílio, foram selecionadas duas notícias retiradas da internet sobre esse tema e dois vídeos sobre Oscar Niemeyer e sua concepção de arquitetura16. Também foi possível fazer uma comparação entre esse projeto arquitetônico e o filme “Medianeras”, trabalhado na etapa anterior, visto que a arquitetura moderna está preocupada não só com a mudança estrutural dos edifícios, como também com o bem-estar do homem nas sociedades através da organização das cidades, propondo, assim, que os espaços habitados pelos seres humanos devam ser amplos, arejados e iluminados, além de integrados com o ambiente exterior. A casa retratada no filme, por exemplo, possui gigantescas janelas de vidro que contribuem para essa 16 Endereços eletrônicos dos vídeos utilizados: Vídeo 1: https://www.youtube.com/watch?v=zh6TofLB9as. Vídeo 2: https://www.youtube.com/watch?v=SVVvQUM_zgs 94 integração. Porém, o ambiente externo desta casa, por estar em meio à cidade de La Plata, é composto por ruas em que muitas pessoas transitam diariamente e por muitos outros edifícios. Deste modo, foi explicado aos alunos que o conflito do filme se dava justamente neste ponto: na relação entre o público e o privado. Essa problemática, própria das metrópoles atuais, foi, então, discutida com a turma. Para finalizar essa etapa, a professora-pesquisadora perguntou se os alunos gostariam de viver em uma casa como aquela. Muitos responderam que não gostariam, pois está “muito exposto” e “tira muito a privacidade”. Outros responderam que acharam “maneiro o modelo da casa” e que sentiriam “uma sensação de liberdade” vivendo nela (mas teria que “ser na Suíça, pois no Brasil não rola”, disse um dos alunos da turma Y). Alguns poucos acharam que “tinha os dois pontos de vista”, mas que “não incomodava tanto”. 3.3. Visualização Na etapa da visualização, os filmes foram exibidos na própria sala de aula, ocupando dois tempos de aula cada um (em torno de 1h e 40 min.). Na pesquisa-piloto realizada no ano anterior com outras duas turmas, foram utilizadas legendas em português, visto que os DVD’s não disponibilizavam legendas em espanhol. Porém, esta questão foi entendida como um problema, visto que, uma vez que a pesquisa tem como objetivo observar a interação dos alunos com as formações discursivas próprias do contexto argentino atual, a tradução em português interferiria no processo e, possivelmente, invalidaria os resultados da análise. Assim na pesquisa-oficial, os filmes foram exibidos com legendas em espanhol. Em relação ao filme “Un cuento chino”, foi selecionada uma legenda que estava disponível na internet. Quanto ao filme “El hombre de al lado”, não havia legendas em espanhol disponíveis na internet. Foi solicitado, então, que um profissional da área de Letras, especializado em traduções, fizesse esse trabalho. Ambas as legendas foram analisadas pela professora e correspondiam com o que estava sendo dito oralmente nos diálogos dos filmes. Os filmes foram recebidos com bastante entusiasmo pelos alunos. Enquanto assistiam, todos se mostraram motivados e interessados. Após a exibição, observou-se que a maioria dos alunos gostou dos filmes, embora também tenham apresentado alguma resistência ou estranhamento em relação ao seu “estilo” ou à sua “trama”, principalmente em “El hombre de al lado”. Na experiência de visualização, no início, houve também uma pequena resistência devido ao fato de a legenda estar em espanhol, porém a maioria dos alunos não teve dificuldades em acompanhar os filmes. Somente alguns poucos apresentaram certa dificuldade em acompanhá-los, tanto por causa do idioma quanto pelo “estilo” dos filmes, que 95 é diferente do que eles estão acostumados. Por exemplo, na entrevista, a aluna (G) relatou que “os filmes são às vezes bem difíceis de interpretar então fica meio difícil de você expressar a sua opinião num filme em outra língua que você não conhece”. Mas esta dificuldade, ao longo do processo, foi sendo superada e não prejudicou a recepção e interação dos alunos com os filmes. É o que podemos observar no depoimento desta mesma aluna (G): “no começo eu achei meio chato o primeiro filme (.) mas aí depois com o tempo quando a gente foi fazendo os exercícios deu pra (.) entender melhor porque ver filme em espanhol pra quem não sabe espanhol é bem (.) complicado (.) mas (.) eu gostei bastante dos dois filmes até mais do segundo filme”. 3.4. Interpretação Na etapa da interpretação referente a ambos os filmes, foram propostas atividades escritas para serem desenvolvidas em sala de aula com o objetivo de compreender os sentidos construídos na interação filme-espectador. As atividades foram elaboradas levando em consideração a metodologia de análise utilizada por Silvana Serrani (2010) ao pesquisar as ressonâncias discursivas predominantes na Argentina e no Brasil e os resultados por ela obtidos. As atividades giravam em torno de alguma cena específica, selecionada previamente pela professora-pesquisadora (ver anexo 5). Como nas situações analisadas por Serrani há sempre a presença de algum conflito na interação entre os sujeitos do discurso, buscou-se trabalhar com diálogos em que também houvesse o estabelecimento de algum conflito (como, por exemplo, uma cena do filme “El hombre de al lado” em que os dois vizinhos discutem sobre a construção da janela). Esses diálogos foram transcritos para que, no dia da realização da atividade de interpretação de cada filme, os alunos pudessem lê-los individualmente. Após a leitura, as cenas eram exibidas novamente para a turma. Ao terminar de assistir cada uma delas, os alunos, então, respondiam às perguntas individualmente. A professora-pesquisadora estava em sala de aula todo o tempo retirando as possíveis dúvidas dos alunos, tanto em relação às estruturas e aos vocabulários desconhecidos, como também em relação à compreensão do que estava sendo solicitado na atividade. 3.5. Debate 96 Além das quatro etapas propostas por Rildo Cosson (2014), nesta pesquisa, foi acrescentada uma nova etapa (funcionando como um desdobramento da etapa anterior), que consistia na realização de um debate entre a professora-pesquisadora e os alunos de cada turma, com o objetivo de que as interpretações dos estudantes interagissem entre si, possibilitando a construção de novos sentidos, num processo coletivo de negociação. Nesses debates, além da observação dos movimentos de aproximação e distanciamento dos discentes em relação às formações discursivas de abrupção e transição, buscou-se também compreender a recepção dos alunos em relação aos filmes exibidos em sala de aula. 4. Análise das atividades escritas desenvolvidas na etapa da interpretação Passaremos a seguir para a análise da etapa de “Interpretação”, visto que as três primeiras etapas – “Motivação”, “Introdução” e “Visualização” – já foram descritas, embora sinteticamente, na seção anterior. Considerando que, no contexto analisado por Silvana Serrani, no Brasil, predominam ressonâncias discursivas por transição e, na Argentina, predominam ressonâncias por abrupção, buscou-se desenvolver, nas atividades de interpretação, questões que permitissem compreender a relação que os alunos brasileiros estabelecem com as formações discursivas que caracterizam cada língua-cultura (Português do Brasil e Espanhol da Argentina). Cabe ressaltar, que, Serrani (2010, p.90), ao estabelecer uma comparação entre essas discursividades, verificou a repetição de recorrências expressivas, ou seja, as formulações que se repetem no discurso, tais como: a) Itens lexicais de uma mesma família de palavras ou de itens de diferentes raízes lexicais, apresentados no discurso como semanticamente equivalentes; b) Construções que funcionam parafrasticamente; c) Modos de enunciar presentes no discurso (tais como o modo determinado e o modo indeterminado de enunciar; o modo de definir por negações ou por afirmações -categóricas ou modalizadas –; o modo de referir por incisas de tom casual etc.). Assim, utilizando as categorias enunciativas desenvolvidas pela autora, nesta análise das atividades escritas desenvolvidas em sala de aula, buscou-se observar as formulações que se repetem nas respostas dos alunos. Para a realização deste exame, foram selecionadas duas questões de cada atividade de interpretação. Este recorte foi realizado tendo em vista a 97 produtividade das questões no que diz respeito aos objetivos a serem alcançados, ou seja, os sentidos construídos na interação dos alunos com as formações discursivas predominantes no contexto argentino atual. Ao todo foram analisadas 40 atividades referentes ao filme “Un cuento chino” (19 da turma X e 21 da turma Y) e 43 atividades referentes ao filme “El hombre de al lado” (19 da turma X e 24 da turma Y). Análise dos sentidos atribuídos ao modo de enunciar do personagem Roberto Em uma das questões da atividade de interpretação (anexo 4) referente ao filme “Un cuento chino”, solicitou-se que os alunos descrevessem a impressão que tiveram do modo como o personagem Roberto (o argentino) estabelece um prazo para Jun (o chinês) ir embora de sua casa. Este diálogo foi selecionado, pois, ao analisar o modo de construção do discurso de Roberto, observou-se que ele contém marcas da formação discursiva de abrupção, tais como modo de enunciar determinado (“vos te vas”) e presença de enunciados que expressam queixas e questionamentos no início do texto (“vamos a poner un plazo, si no yo voy a explotar”). Assim, buscou-se compreender os sentidos produzidos na leitura deste diálogo, a fim de avaliar os movimentos de aproximação e distanciamento dos alunos em relação a essa formação discursiva. Abaixo, segue a transcrição: ROBERTO: SENTATE. MIRA, ESTO ES ASÍ. VAMOS A PONER UN PLAZO. SI NO, YO VOY A EXPLOTAR. “BOOM”, ¿HUN? HOY ES UNO. MAÑANA ES DOS. PASADO, TRES. Y ASÍ, CUATRO, CINCO, SEIS, SIETE. SI EL SIETE, TU TÍO NO APARECE, VOS TE VAS. HOY, UNO. JUN: (SILENCIO) A partir da análise das respostas produzidas pelos alunos da turma Y, observa-se, na compreensão do modo de construção de discurso de Roberto, ressonâncias discursivas do sentido de “grosseria”, “ignorância”, “ordem”, “pressão”, evidenciando uma limitada afabilidade de Roberto. Segue alguns exemplos: (G) “Acho que ele foi um pouco grosseiro17 no modo como abordou Jun para mandá-lo embora. Acho que ele poderia ter sido um pouco mais delicado na hora de falar.” 17 Cabe ressaltar que os grifos em negrito foram feitos pela professora-pesquisadora para destacar os elementos que evidenciam a análise. 98 (F) “Há uma impressão um pouco ignorante, na qual expressa que ele não queria um estranho em sua casa. Ao estabelecer um prazo o chino se sente constrangido.” (L) “Como Roberto é um homem solitário, acostumado a ficar sozinho, a presença de Jun na sua casa o incomoda, então ele quer se livrar de Jun, por isso que sua fala é bem grosseira, como se fosse uma ordem, uma sentença.” (N) “Na cena notamos uma emoção e que com suas palavras Roberto impôs uma ordem que era necessária. Usou palavras diretas e claras. ” (AC) “Roberto fala de modo firme, de maneira que ele expressa uma ordem.” Por outro lado, alguns alunos interpretaram que Roberto estava “nervoso”, “cansado”, “tenso”, “estressado”, “desesperado” e “não aguenta mais” a situação do inquilino morando em sua casa. Nota-se, então, que, nessas respostas, os alunos levaram em consideração não somente o diálogo entre os dois personagens, mas também o conflito apresentado pelo filme, utilizando-o como argumento para justificar o modo (abrupto) de Roberto estabelecer o prazo com Jun. Exemplos: (BRA) “A impressão que tive foi de que Roberto estava estressado e desesperado.” (ML) “Que ele não está mais aguentando um estranho na sua casa.” (ADR) “Pois ele estava nervoso. [...]. Vejo que ele queria privacidade e outras coisas também.” (DS) “De que Roberto está cansado de ter que tomar conta de Jun e procurar seu tio. Quando Roberto diz que vai explotar.” (JE) “Parece que Roberto não está confortado18 com a presença de Jun em sua casa. Ele usa expressões curtas como: ‘Sentate, mira, si no yo voy a explotar’.” Nesta última resposta, observa-se que o sentido de “desconforto” foi atribuído devido à utilização de “expressões curtas” por parte do personagem. E o sentido de “cansaço”, “desespero” e “estresse” está associado à palavra “explotar”. Também foi possível observar, em algumas poucas sentenças, ressonâncias discursivas relacionadas ao sentimento de “piedade”, atribuído pelos alunos ao personagem, devido à 18 Na transcrição das respostas dos alunos, optou-se por manter a ortografia original de suas respostas. 99 aparente vontade de Roberto em ajudar Jun. Tal sentimento, contudo, não eliminaria, na visão destes alunos, outros fatores que o estariam incomodando. (BRO): “Eu tive a impressão de que Roberto não estava se sentindo seguro com um estrangeiro desconhecido em sua casa, mas, ao mesmo tempo, com pena do menino chinês.” (MI) “O senti meio renegante, ou seja, querendo que o chinês fosse, mas com medo do que ele poderia sofrer sozinho lá fora.” (HO) “Que ele queria ajudar, mas não queria mudar seu jeito de viver.” Além disso, observamos ressonâncias discursivas relacionadas à noção de “bondade”: (VI) “Ele foi bom para Jun, já que ele dá um prazo grande e tenta explicar mesmo sem entender Jun. [...]. Roberto parece perder a paciência em aguentar e orientar Jun. Por isso estabelece um prazo.” (PCK) “Roberto já chegou ao limite da sua bondade, não aguenta mais ter um inquilino vivendo em sua casa e está disposto a colocá-lo para fora para reaver a paz.” Somente um aluno da turma Y compreendeu que, no início do diálogo, Roberto estava paciente no modo de falar, porém depois começa a perder a paciência. (AY) “Por ser o primeiro dia do prazo, Roberto ainda com paciência no modo de falar, diz que em sete dias Jun precisaria ir embora. O modo como Roberto já estava começando a se estressar fica explícito quando ele diz: ‘Vamos a poner un plazo, si no, yo voy a explotar’.” Ao analisar as respostas da turma X, observou-se que somente dois alunos compreenderam que Roberto estivesse sendo “arrogante” e “grosseiro”: (NI) “Eu tive uma impressão de arrogância da parte de Roberto, do modo como ele falou parecia que ele queria que Jun fosse embora o mais rápido possível.” (GI) “Roberto aparenta atingir um limite, não aguentar mais o Jun em sua casa, grosseiro e direto, dá um prazo de sete dias para o tio de Jun chegar, ou ele resolver seus problemas.” Na maioria das respostas, foram observadas ressonâncias do sentido de “nervosismo”, “estresse” e “irritação”, devido ao fato de Roberto estar vivendo com um estranho em sua 100 casa. Nota-se, então, que nessas sentenças, o conflito apresentado pelo filme foi utilizado como justificativa para o modo como Roberto estabelece o prazo. Exemplos: (DV) “Que Roberto está nervoso, pois está com um estranho em sua casa, e estabelece um prazo para esse estranho ir embora de sua casa, e o quanto mais rápido ele ir embora melhor.” (JS) “Que Roberto não queria mais abrigar Jun por motivo de estresse” (CO) “A impressão foi que Roberto estabelece um prazo por conta do stress e da irritação que é gerado nele desde a chegada de Jun.” (RY) “Roberto não estava aguentando mais aquela situação e queria que Jun fosse embora.” Além disso, foram observadas ressonâncias discursivas do sentido de “incômodo” e “desconforto” por parte de Roberto, já que ele estava vivendo com um estranho em sua casa: (R) “Que de alguma forma o estrangeiro estava incomodando Roberto e que é desconfortável ficar com um estranho em sua casa.” (JY) “[impressão] de incomodo” (RB) “Ele deseja que Jun vá logo embora, ele não se sente a vontade com a presença dele em sua casa.” Alguns alunos compreenderam que Roberto estava “impaciente”: (LF) “Ele na verdade está impaciente, ele quer ajudar Jun, mas não está acostumado com pessoas vivendo em casa com ele. No momento em que se passa, Roberto não deseja um estranho em sua casa.” (JN) “impressão de uma certa impaciência, incômodo, nervoso com a situação” Somente dois alunos compreenderam que Roberto queria “ajudar” o chinês: (E) “Seria uma forma de ajuda-lo, porém fazendo com que Jun entendesse que ele precisava resolver o seu problema” 101 (LF) “Ele na verdade está impaciente, ele quer ajudar Jun, mas não está acostumado com pessoas vivendo em casa com ele. No momento em que se passa, Roberto não deseja um estranho em sua casa.” Análise do modo como os alunos estabeleceriam o prazo com o chinês Em um momento seguinte, a fim de perceber as semelhanças e diferenças entre os modos de enunciar dos brasileiros e argentinos, foi proposto aos alunos que realizassem a seguinte tarefa: Imagine que você se encontra na mesma situação que Roberto: um estrangeiro desconhecido está vivendo em sua casa. Porém, você precisa estabelecer um prazo para ele ir embora. Como você diria isso para ele? Após analisar as sentenças produzidas pelos alunos da turma X, observou-se que a maioria delas continha marcas da formação discursiva de transição, tais como, ressonância de enunciações amenizadoras e estruturação textual com expressões de queixa em parágrafos situados no final do texto. Nos exemplos abaixo, é possível notar uma preocupação dos alunos em construir o seu discurso utilizando uma forma mais “sutil”, “suave”, “confortadora” e “pacífica”, em comparação com o modo de Roberto e de acordo com padrões sociodiscursivos predominantes no Português Brasileiro. Veja: (C) “Eu o chamaria e diria de uma maneira bem leve e sutil, mas de forma que desse a entender os meus motivos, razões” (JN) “Eu diria de uma forma não tão grosseira como Roberto” (DV) “Eu faria igual Roberto na questão dos gestos, tentaria desenhar para ele tentar entender o que eu queria falar, mas de uma forma mais ‘confortadora’ e suave que Roberto.” (E) “Tentaria encontrar uma solução rápida, porém seria mais pacífico, dizendo: sei que você está perdido e estou disposta a lhe ajudar, porém precisamos resolver essa situação logo.” Além disso, foram mencionados alguns gestos que indicaram afabilidade em relação ao personagem chinês e uma preocupação com seu bem-estar. Na primeira sentença (abaixo), 102 nota-se que, além da estratégia de “falar com calma” na hora de estabelecer um prazo, o aluno (DR), para amenizar o conflito, estabeleceria a conversa em um ambiente familiar, acolhedor e agradável, a fim de explicar calmamente a situação em que se encontrava. Além disso, observa-se em sua resposta a possibilidade de aproximação afetiva com o estrangeiro e de ajuda financeira. Na segunda sentença (abaixo), o aluno (LH) diz que utilizaria um calendário e explicaria por meio da linguagem gestual, manifestando sua disponibilidade e generosidade em fazer com que o estrangeiro o entenda. Observe: (DR) “Bem, eu procuraria falar com ele na hora do jantar, com uma comida boa, tentaria explicar da melhor forma possível para que ele entenda o meu lado na historia, falaria com calma e estabeleceria um prazo para ele ir, claro, ajudaria ele financeiramente se me apegasse a pessoa.” (LH) “Fazendo um calendário para ele e explicar fazendo sinais, gestos e faria de tudo para a pessoa entender.” Outros alunos, responderam a questão utilizando o discurso direto, como se estivessem participando de um diálogo. Observou-se que, na maioria das sentenças, ressonâncias discursivas relativas à queixa, perceptíveis no ato de estabelecimento do prazo, estão situadas preferencialmente ao final. Além disso, notou-se, no início de cada resposta, ressonâncias de frases explicativas, a fim de fazer com que o chinês entendesse os motivos pelos quais não poderia ficar na casa de Roberto, como, por exemplo, “não tenho condições financeiras”, “não estou acostumado a ter outras pessoas comigo”, “preciso voltar a minha vida normal”, etc. Também foram utilizadas expressões modalizadoras como “me desculpe”, “infelizmente”, “sinto muito”. Ainda se pode observar, em uma das sentenças, a disponibilidade do estudante (MA) em “ajudar” o estrangeiro a procurar outro lugar para morar. Por fim, também observamos em algumas dessas sequências o prolongamento do prazo (mais do que uma semana). Entende-se que essas foram algumas estratégias utilizadas pelos alunos para amenizar o conflito estabelecido, o que evidencia a predominância de ressonâncias que tendem à construção do sentido por transição nos textos produzidos pelos discentes. Seguem abaixo as sentenças: (I) “Não tenho condições financeiras para manter uma pessoa estranha dentro de minha casa e nem tempo suficiente pata lhe dar assistência, então, temos que estabelecer um prazo.” 103 (RS) “Embora eu não me importe em te ajudar, não tenho condições de o fazer para sempre infelizmente. Se em sete dias seu tio não aparecer, me desculpe, mas você terá de ir embora.” (TY) “Olha, eu gostaria muito de poder ajudar você, porém não estou acostumado a ter outras pessoas morando comigo, assim para não deixar você na rua, vou impor um prazo.” (JLY) “Então Jun temos que conversar... Você já está aqui faz bastante tempo, eu tenho meus trabalhos, minhas manias, bem ou mal eu não te conheço e preciso voltar com a minha vida normal, você pode ficar mais uma ou duas semanas aqui até encontrar outro lugar” (G) “Olha, sinto muito, mas infelizmente não posso deixar você se acomodar. Vamos estabelecer um prazo de um mês pra você encontrar emprego e, caso consiga, te dou mais duas semanas para achar onde ficar. Se não conseguir, em um mês seu prazo acaba.” (MA) “Quando ele acordasse, eu o chamaria para tomar café e diria: - Infelizmente, não tenho mais condições de acudir você aqui na minha casa, então, estou te dando um prazo de 7 dias para que você possa arrumar outro lugar para ficar, e se você precisar, eu posso te ajudar a encontrar esse outro lugar.” (RO) “Eu não posso te manter aqui para sempre, precisarei criar um prazo, desculpe.” Em algumas outras sentenças, notaram-se ressonâncias discursivas do modo de enunciar por abrupção, tais como a presença de queixas situadas no início do texto, como, por exemplo, “esta situação está me incomodando”, “não posso te manter aqui para sempre”, “não tenho nenhuma obrigação contigo” etc. Algumas delas, ainda estão introduzidas por expressões populares como “vou te mandar a real” e “é o seguinte”, responsáveis pela instauração do conflito logo no início do diálogo. Em uma das sentenças, o aluno ainda ameaça chamar a polícia, caso o prazo não seja cumprido. Porém, ainda assim, na maioria delas, pode-se observar a presença de expressões amenizadoras para o destinatário, tais como, “perdão, “sinto muito”, “desculpe”, “te ajudarei a procurar o seu tio” etc., as quais evidenciam a tensão entre certa intenção abruptiva dos enunciados e resquícios de modos de enunciar transitivos predominantes neste contexto pragmático: 104 (JO) “Olha eu vou te mandar a real eu to ficando super incomodada com você eu vou te dar sete dias para seu tio vim te buscar se ele não vier você vai ter que achar outro lugar perdão mas eu não posso sinto muito.” (RYN) “Esta situação está me incomodando e para evitar maiores conflitos acho melhor estabecer-mos (sic) um prazo para que você vá embora e até lá te ajudarei a procurar o seu tio.” (CRL) “Diria algo como: Se em sete dias, seu tio não aparecer, você deverá ir, pois não posso mantê-lo em minha casa. Porém, enquanto isso, irá me ajudar em algumas coisas.” (RE) “Olha, não tenho nenhuma obrigação contigo, mas por caridade vou deixar você ficar em minha casa somente 7 dias, passando do prazo chamo a polícia.” (JS) “-É o seguinte: você ficará um tempo aqui, mas terá que trabalhar fora, quando tiver dinheiro para alugar uma casa, adeus.” Na análise das sentenças produzidas pelos alunos da turma Y, observou-se que, de um total de 18 sequências, metade (9) continha ressonâncias discursivas do modo de enunciar por transição e a outra metade (9) continha ressonâncias do modo de enunciar por abrupção. Nas sequências com ressonâncias de abrupção, notaram-se ressonâncias de enunciados que expressam queixas, questionamentos situados no começo do texto e ausência de expressões amenizadoras para o destinatário. Na segunda sequência, observou-se que o aluno (DM) reproduziu a fala do personagem Roberto (via tradução), revelando, assim, uma identificação com este outro modo de enunciar. Exemplos: (NT) “Falaria: Você tem duas semanas para achar o seu tio, caso não o encontre nessas duas semanas terá que encontrar outro lugar para ficar.” (DM) “Você não pode ficar aqui, tem que ir, vou lhe dar sete dias para procurar para onde ir, sete dias! Hoje é o dia 1! Amanhã 2 e assim segue, só tem sete dias para ir embora.” Em algumas sequências, inclusive, foram encontradas menções ao incômodo e aos problemas causados pelo chinês. Observe: (MO) “- Ei, eu não te conheço, não sei o seu nome, seu passado e isso está me incomodando. Te dou uma semana para achar seus conhecidos ou um lugar para ficar. Hoje será o primeiro dia da contagem.” 105 (VI) “Meu amigo, esta situação está insustentável precisamos de um acordo, um prazo para você ir embora, tenho coisas para fazer e você me incomoda e me atrapalha em minhas tarefas, vamos organizar um limite máximo para você ficar aqui em casa.” Por outro lado, algumas sequências, ainda que com as queixas situadas no início do texto, continham expressões amenizadoras, como, por exemplo, “não me leve a mal”, “sinto muito” e frases explicativas, tais como, “nunca te vi, não tive nenhum contato ou coisa do tipo”, “não tenho condições” etc. Na quinta sequência, abaixo, observou-se uma estratégia de amenização do conflito através de uma ajuda financeira. Notou-se também, novamente, na terceira sequência, uma reprodução do que foi dito por Roberto, evidenciando a identificação do aluno brasileiro com o modo de enunciar do personagem por abrupção. (AC) “Não me leve a mal, mas eu preciso estabelecer um prazo pra você ir embora. Então você pode ficar aqui por uma semana. Se seu tio não aparecer você vai ter que ir embora.” (ML) “Sinto muito mas daqui a uma semana se ninguém te encontrar você tem de ir embora” (BR) “Eu diria para ele desta forma: sente-se, olhe, é necessário por (sic) um prazo para você ficar aqui, não tenho condições. Pense em uma semana, sete dias se seu tio não chegar nesses sete dias, você terá que ir, hoje é um dia.” (JE) “- Se você quiser pode sentar. Olha, eu não sei o que fazer contigo, pois nunca te vi não tive nenhum contato ou coisa do tipo, não tem como eu te manter em minha casa então irei te dar uma semana para algum parente ou amigo seu aparecer se ocorrer eu não terei de enviá-lo para a embaixada.” (FA) “O mesmo que o Roberto fez eu daria um prazo para ele ficar na minha casa e depois mandaria ir embora ou dava um dinheiro para ele se abrigar em outro lugar” Nas sequências predominantemente transitivas produzidas pelos alunos, notaram-se ressonâncias de enunciações elogiosas ou amenizadoras empregadas na interlocução com o coenunciador. Na primeira sequência, observou-se, inclusive, um envolvimento emocional por parte do aluno com o estrangeiro, como se ele estivesse terminando um relacionamento de cunho afetivo: 106 (AY) “Tá sendo muito bom ter sua presença aqui em casa, mas eu também tenho minha própria vida, e você, a sua, isso vai acabar fazendo mal pra nós dois. É melhor você ir embora, precisamos seguir nossas vidas sozinhos.” (RU) “Diria: Observe. Te ajudarei no máximo possível em tudo que precisares19, porém essa ajuda será realizada em um prazo de sete dias começando agora. Depois terás que ir!” (F) “Eu diria assim: Vou te dar um tempo para que encontre seu tio, eu irei te ajudar nessa busca, mas se caso você não achar seu tio, você terá que voltar para sua casa, pois não tem como você ficar aqui por muito tempo, e eu nem te conheço direito para te deixar aqui.” Observou-se também a presença de frases explicativas no início do texto, com o intuito de amenizar o conflito: (ADR) “Poxa já deixei você ficar um tempo na minha residência, sou muito bom pois coloquei um estrangeiro que não conhecia em minha residência, pois agora você terá que se retirar, seguir a sua vida.” Além disso, pode-se notar a presença de enunciações amenizadoras no final do texto. Na sequência abaixo, verifica-se uma preocupação, por parte da aluna, em ser cortês, uma vez que ela explicita não querer ser interpretada como “grosseira” por seu coenunciador. (LH) “Olhe, amigo. Não tem como você passar todo esse tempo na minha casa esperando seu tio. Vamos estabelecer um prazo de uma semana para esperar teu tio aparecer, ou para conseguir uma casa ou apartamento para você. Talvez você possa ficar até duas semanas, mas não mais que isso, ok? Espero não estar sendo grosseira com você.” Também foi possível observar sequências em que os alunos mencionavam a utilização de algumas ferramentas para auxiliar no diálogo, tais como “calendários” e “dicionários”, a fim de tornar a situação um pouco menos conflituosa. Além disso, notou-se que, em algumas, havia o estabelecimento de “um prazo maior” do que o estabelecido por Roberto: 19 Ainda que o aparecimento da 2ª p. sing. possa ser resultado de uma construção interlinguística, devido ao contato com o espanhol, essa desinência, nesta sequência produzida pela aluno (RU), também pode ser considerada como um aspecto que revela a intenção do aluno em amenizar o conflito (aspecto próprio das formações discursivas por transição), uma vez que a segunda pessoa do singular, em geral, no Rio de Janeiro, só aparece, por ex., em textos (escritos) antigos, formais e/ou fortemente marcados pela cortesia. É importante notar também, que, nas respostas produzidas pelos alunos, alguns se aproximam mais da linguagem oral – apropriando-se das características do gênero “roteiro” de cinema – e outros, não, como no caso do aluno (RU). 107 (TH) “Pegaria um calendário e diria que até o final do mês, apontando o dia, ele teria que ir embora.” (HG) “Eu diria com a ajuda de desenhos, desenharia mãos no lugar de números, também teria comprado um dicionário. E teria colocado um prazo maior.” (PCK) “Usaria um calendário, que é uma ferramenta universal e um dicionário da língua do estrangeiro para lhe dizer da melhor forma possível que não posso mais o manter em minha casa.” (BRA) “Eu compraria um dicionário e formaria uma frase que diria para ele ir embora, e não me causar mais problemas.” Ao analisar a incidência da imagem do dicionário nas sequências, notou-se que, na visão dos estudantes, essa ferramenta seria capaz de resolver os problemas de comunicação oral entre línguas de ramos linguísticos tão diferenciados. Embora haja na visão desses alunos um senso comum, equivocado, em relação à comunicação em língua estrangeira, é possível também considerar a presença do dicionário como uma metáfora que indicia uma abertura ao diálogo e uma aproximação em relação ao outro através da língua – uma língua, no caso, não majoritária em nosso contexto geopolítico. Análise dos sentidos atribuídos ao modo de enunciar de Leonardo Em uma das questões da atividade de interpretação (anexo 3) referente ao filme “El hombre de al lado”, solicitou-se que os alunos descrevessem a impressão que tiveram do modo como o personagem Leonardo abordou seu vizinho, Víctor, para tentar solucionar o problema da janela. Este diálogo foi selecionado, pois, ao analisar o modo de construção do discurso de Leonardo, observou-se que ele contém marcas da formação discursiva de abrupção, tais como, modo de enunciar negativo (“No, no. Pero eso no tiene nada que ver”) e presença de enunciados que expressam queixas e questionamentos no início do texto (“Ey. Hola. Ey. ¿Está el dueño? Ah, ¿qué tal? Escúchame, no, no. No puede hacer ese agujero”). Assim, buscou-se compreender os sentidos produzidos na leitura deste diálogo, a fim de avaliar os movimentos de aproximação e distanciamento dos alunos em relação a essa formação discursiva. Abaixo, segue a transcrição: 108 Leonardo: Ey. Ey. Hola. Ey. ¿Está el dueño? Ah, ¿qué tal? Escúchame, no, no. No puede hacer ese agujero, yo, yo, lo hablé hoy con sus albañiles. ¿No ves que da directamente a mi casa? Además es ilegal. Está prohibido Víctor: Vamos por partes. Buenas tardes, yo soy Víctor. ¿Con quién tengo el gusto? Leonardo: Leonardo, vivo acá. Víctor: Ah, Leonardo. Ah, es que te lo iba a avisar ayer pero no pude pasar. Leonardo: ¿Han? Víctor: Nada, el tema es que no tengo luz por este lado y todo el sol viene de allá y necesito atrapar unos rayitos de sol. Nada. Por eso estoy haciendo esta reforma, pero ya que estás acá te pido permiso. ¿Me das permiso? ¿Por qué no te venís acá si te explico bien? Leonardo: No, es que estoy laburando ahora. No, no, no te entiendo. No se puede hacer una, una, una ventana en la medianera con vista a mi casa. Víctor: Bueno, pero me parece que al barrio no llegó la noticia. ¿Y estos edificios que están ahí? Aquél y aquel otro… Leonardo: No, no. Pero eso no tiene nada que ver. Lo tuyo es ilegal. Está vulnerando mi intimidad y la de mi familia. Víctor: Pero si te miran de todas esas ventanas, ¿qué te jode una ventana más? Estoy tratando de atrapar unos rayitos de sol. Leonardo: Sí. Perdón, repítame su nombre, por favor. Víctor: Víctor. Leonardo: Y su apellido, por favor. Víctor: Víctor Chubello. Após a análise das respostas dos alunos para expressar o sentido construído na leitura do diálogo em relação ao modo de enunciar do personagem Leonardo, observaram-se, em algumas sentenças, ressonâncias discursivas do sentido de “raiva”, “revolta”, “irritação”, “incômodo”, “nervosismo” e “impaciência”. Os motivos que levaram os alunos a atribuir esse sentido foram: o fato de Leonardo proibir Víctor de construir a janela, sem escutar seus motivos, e também utilizar um tom de voz alto. Exemplos: (RE) “A impressão que Leonardo passa é de raiva, revolta por ter uma janela virada para sua casa, tirando a privacidade dele e da família. Pelo fato dele gritar e proibir Victor de construir a janela. ‘Está prohibido’.” (DV) “Leonardo estava meio nervoso” (JO) “Tive a impressão de que ele estava irritado pelo modo e o tom em que ele fala com Víctor. No ves que da diretamente a mi casa?.” (RM) “Ele passou a impressão de que tal atitude não agradou Leonardo.” (MA) “Leonardo parecia estar muito irritado e incomodado com o buraco de frente a sua casa, ele dizia que era uma invasão de privacidade.” 109 (RYA) “O modo o qual Leonardo aborda o seu vizinho me dá a impressão que ele estava muito incomodado com aquela janela e que ele não queria ouvir os motivos de Victor abrir uma janela.” Alguns estudantes chegaram a considerar, mais explicitamente, o modo de enunciar do personagem Leonardo como um sinal de descortesia, ou “falta de educação”. Para alguns, esse sentido foi atribuído devido ao fato de Leonardo ter feito a queixa logo no início de sua conversa com seu vizinho. Para outros, o que gerou esse sentido foi o “nervosismo”, “a falta de calma”, a “impaciência”, os “gritos” e a forma “autoritária” de Leonardo falar. (JS) “Ele não teve educação quando foi falar com Victor, tanto que Victor logo em seguida usa expressões amenizadoras como “Bom dia”. As palavras de Leonardo que mostraram a falta de educação foi o fato de Leonardo já chegar falando para o Victor que ele não tinha permissão para construir uma janela ali.” (LRN) “A impressão que tive foi que Leonardo abordou Victor com muita autoridade, nervosismo e sem educação, pois ele deveria ter mais calma, ou seja, ir à casa de seu vizinho para conversar civilizadamente, sem gritos. Assim mostraram as expressões ‘está prohibido’, ‘escúchame’ e ‘no puede hacer ese agujero’.” (D) “Ele estava farto e não foi tão educado mas foi preciso para defender sua família da falta de privacidade. ‘además es ilegal. Está prohibido’.” (CRL) “Pelo que podemos ver, Leonardo estava impaciente e até mesmo um pouco irritado com a situação. As palavras que ele utilizou (‘Ey, Ey, Escúchame’, ‘No pode (sic) hacer’), acompanhados de sua forma de falar, que não fora muito educada (gritando e de forma autoritária).” Seguindo a esteira dessas colocações, outros alunos também compreenderam que o modo de Leonardo abordar seu vizinho foi “grosseiro”, “agressivo” e “arrogante”, “autoritário”, “raivoso”, “rude”, “impaciente”, “intolerante”. Na segunda sequência, observou-se que um dos motivos que levou a aluna (JLE) a atribuir esse sentido foi a ausência de uma cordialidade. Deste modo, a “cordialidade”, definida por Sérgio Buarque de Holanda (1995) como uma exaltação da simpatia e uma forma de convívio regida pelo emotivo, em que o estabelecimento do respeito se dá através da intimidade, pode ser entendida como uma estratégia argumentativa utilizada pelos brasileiros para evitar conflitos na interlocução, constituindo-se, assim, como memória discursiva. Como foi observado em capítulo anterior, 110 essa maneira de ser está nas raízes da cultura brasileira, é produto da formação históricosocial do país e está refletida nas formações discursivas predominantes neste contexto. Na quarta sequência, notou-se que a aluna (I) fez uma associação entre “forma direta” de falar e agressividade, revelando que o seu padrão de cortesia e de manutenção do pacto enunciativo se dá, predominantemente, por meio de “formas transitivas”. Além disso, ao utilizar a formulação “foi logo pedindo” como uma das justificativas para o sentido de grosseria construído, a aluna (I) sinalizou um distanciamento em relação à formações discursivas por abrupção, uma vez que ela é caracterizada por um modo de construção da estrutura textual em que a queixa está situada no início do enunciado. Leiam-se os seguintes exemplos: (G) “Leonardo aparentou estar impaciente e insatisfeito, abordou Victor de forma direta e grosseira. [...]. A utilização das expressões com exclamações e diversos “no” contribuem para perceber a força e exaltação da sua voz com Víctor.” (JLE) “Abordou o vizinho de uma forma autoritária e um tanto grosseira. Pois não procurou saber o que estava acontecendo antes e sem nenhuma cordialidade. ‘Não pode’, ‘está proibido’.” (JN) “Minha impressão foi que ele estava com impaciência, com raiva diante de tal situação. Porque o modo como ele falou e tratou o vizinho foi, primeiramente, arrogante. ‘Escuchame, no, no.’ ‘No puede hacer este agujero...’. ‘Está prohibido’.” (I) “Leonardo foi agressivo para com seu vizinho, pois ele chegou de forma direta, já acusando o vizinho de estar invadindo sua privacidade e foi logo pedindo para tampar a ventana sem dar muito diálogo ao Victor.” (ELA) “Leonardo passa a impressão de estar sendo rude e intolerante com seu vizinho Victor” Porém, alguns alunos, embora também tenham compreendido que Leonardo abordou seu vizinho de forma grosseira, defenderam sua atitude levando em consideração a situação e o contexto em que se encontrava o personagem. Observe: (LH) “Leonardo estava muito estressado e abordou seu vizinho de uma forma grosseira, mas ele tinha razão para falar desta maneira, pois seu vizinho não foi pedir permissão, porque em ‘medianeras’ é proibido e ilegal quando esta de frente a casa de uma pessoa.” 111 (FR) “Tive a impressão de que Leonardo não queria de jeito nenhum que Víctor construísse aquela janela ali, por isso chegou até ele com tom de ‘agressividade’ para deixar claro o que queria. Por causa da forma e das expressões de Leonardo, ele foi direto e profissional. ‘¿Está el dueño? Ah, ¿qué tal? Escúchame, no, no. ¿No ves que da diretamente (sic) a mi casa?’.” Também foi observado, nas sequências analisadas, que os discentes tiveram atenção às ressonâncias discursivas ligadas aos sentidos de “exigência” e “imposição”, por parte de Leonardo, de sua própria vontade, “sem se preocupar em agradar Victor”. Esse modo “exigente” foi visto como negativo para alguns alunos, que o definiram como “ruim”, “impulsivo”, “extremamente grosseiro” e “mal educado”, pois Leonardo “nem sequer cumprimenta” e também “não tenta conversar com o vizinho”, “jogando em sua cara que está errado”. (CA) “Que ele agiu de maneira impulsiva já cobrando soluções, porque ele nem ao menos cumprimentou Victor, já foi lhe exigindo que ele não fizesse a janela.” (RB) “Ele foi extremamente grosseiro, mal educado, pois sem nem sequer cumprimentar e tentar conversar a respeito do assunto, querendo impor sua vontade independente da opinião de seu vizinho.” (NI) “A impressão que eu tive foi que Leonardo agiu de forma ruim, no caso, ele deveria ter falado com Victor o mais rápido possível, porém, ele não foi e tratou Victor de uma forma não muito legal entre vizinhos, pois quis jogar na cara dele que estava errado, o que contribuiu foi a negação que ele utilizou de forma exagerada.” (RH) “Leonardo não tentou chegar a uma conclusão que agradasse ambos (Victor e Leonardo), ele simplesmente pensou em uma resolução que agradasse a ele mesmo. As expressões foram: ‘no puedes hacer ese agujero’ e ‘Además es ilegal. Está prohibido’, pois ele não deu chance a Victor de propor uma solução ao problema. Ele queria do jeito dele, nada diferente Por fim, notou-se a presença de uma sentença em que o aluno reprimia a forma “exaltada” de Leonardo abordar seu vizinho, dizendo que ele não deveria se pronunciar de tal modo. Leia-se: 112 (LS) Ele agiu de uma maneira exaltada com Victor, mesmo que Victor estivesse errado de abrir a janela virada para a casa de Leonardo, ele não deveria falar assim com ele.”) Em algumas poucas sequências, podem-se observar ressonâncias discursivas relacionadas ao sentido de “educação” e “respeito”. Na primeira sequência, a aluna (TY) atribui o sentido de educado devido ao fato de Leonardo utilizar “palavras amenizadoras”. Neste momento, notou-se um dialogismo da voz da professora na voz dos alunos, uma vez que essa palavra foi usada frequentemente tanto nas aulas ministradas como nas atividades de interpretação. Nas demais sequências, notou-se que foi feita uma relação entre falar “calmo”/“tranquilo” e ser educado. Além disso, cabe ressaltar que os alunos, ao analisar os enunciados dos filmes, se dão conta não somente do atravessamento de diferentes formações discursivas, como também da sobreposição de traços linguísticos (como uso lexical e entoação) – os quais muitas vezes imprimem sentidos não coincidentes à enunciação. Por exemplo: a aluna (JY) compreendeu que Leonardo tinha sido educado, porém seu “tom de voz soou grosseiro”. A aluna (TY) afirma que o uso de formas lexicais como “perdón” ou “por favor”, embora imprimam o sentido de “educação”, não necessariamente irão imprimir o sentido de “simpatia”, revelando, assim, que o sentido de “simpatia” é construído, na cultura brasileira, a partir de outras estratégias. Percebe-se, então, a partir da observação dessas sequências, que ambas as alunas demonstraram certa consciência em relação ao fenômeno de não-coincidência do dizer20: (TY) “Acho que o Leonardo foi educado e também ele não queria causar transtornos em ambas as partes usando palavras amenizadoras como ‘Perdón’ e ‘Por favor’. Porém a educação nem sempre faz de você uma pessoa simpática.” (LF) “Ele tentou ser o mais educado possível [...] então, para mim, Leonardo tentou se mostrar um cara tranquilo. Em nenhum momento se mostrou agressivo e explicou sua situação. ‘No, no te enitendo’; ‘Lo tuyo es ilegal’. Leonardo poderia ter tomado decisões mais radicais.” (JY) “Leonardo além de muito educado e calmo mostrou certo incomodo ao ver sua privacidade sendo invadida, mas sempre calmo, sem faltar com respeito. As expressões são: ‘por favor’, ‘¿No ves que da directamente a mi casa? Además es ilegal’, mas o tom de voz soou grosseiro” 20 Sobre esse tema ver Jacqueline Authier-Revuz (1998). 113 Ao analisar as respostas dos alunos da turma Y, notou-se que, na maioria das sentenças, predominaram formações discursivas com ressonâncias do sentido de “irritação”, “estresse”, “nervosismo”. Na quinta sequência, observou-se que o aluno construiu esse sentido devido ao fato de Leonardo “falar muito rápido, fazendo gestos”. É importante ressaltar que esta associação entre o falar rápido e os gestos, estabelecida pelo aluno, demonstra a importância de que a análise do discurso e o ensino/aprendizagem de línguas vão além da concentração exclusiva sobre a forma (estrutura), pois no processo de co-construção dos sentidos em textos multissemióticos (como os filmes) os coenunciadores estão sempre atentos à relação entre linguagem e corpo. Na quarta sequência, observou-se que o motivo que levou o aluno (PK) a essa compreensão foi o fato de o personagem utilizar “muitas negações”. Verifica-se, então, que o aluno não aderiu ao modo de enunciar negativo, próprio das formações discursivas por abrupção neste contexto. Por outro lado, na primeira e na nona sequências, observou-se que alguns alunos associaram esse nervosismo aos conflitos vivenciados pelo personagem após o início da obra da janela, uma vez que ela estava invadindo a sua privacidade, justificando assim seu modo de abordar o vizinho. Pode-se observar, então, nestas sequências, uma certa adesão ao modo de enunciar por abrupção, evidenciando que, esse tipo de formação discursiva, ainda que não predominantemente, também existe no contexto brasileiro e pode ser utilizada em determinadas situações. (VN) “Ele parecia um pouco irritado e insatisfeito, pois a obra é bem ‘sem noção’ e prejudicaria a intimidade dele e de sua família” (FR) “O Leonardo já estava estressado com a obra” (ML) “Ele estava nervoso então de vez em quando gaguejava; pois ele era todo forte e o Leonardo era tímido com relação a brigar com o vizinho” (PK) “Leonardo o abordou bastante assustado e nervoso [...] ele usa muitas negações.” (LH) “Tive a impressão de que Leonardo estava nervoso e um pouco afobado. Pois ele falava muito rápido, fazendo gestos como se tentasse passar algo que não conseguia explicar por meio de palavras, e nervoso, pois ele repetia muitas vezes a mesma palavra não porque queria dar ênfase na palavra, mas talvez porque estava tão nervoso que não conseguia formular uma frase rapidamente.” (GC) “de que ele estava estressado” 114 (AY) “Ele diz que é ilegal e se estressa um pouco com Victor” (BR) “Eu tive a impressão de que Leonardo estava extremamente irritado com a situação, pois ele acha que Víctor vai olhar a intimidade de sua família. Eu tive essa impressão, pois ele gaguejava e falava muito rápido.” Além disso, observa-se a construção dos sentidos de “afobação” e “indignação”. Novamente, um dos motivos que levou os alunos a construir esse sentido foi o “tom de voz” utilizado pelo personagem, evidenciando a forte interferência de fatores relacionados à entonação na produção de sentidos dos alunos a partir da interação com os filmes. Observe: (NH) “A impressão que tive foi que Leonardo estava muito afobado ao falar com Victor, foi pelo tom da voz de Leonardo que tive essa impressão” (BN) “Eu tive a impressão de que ele estava surpreso e indignado” Também podem-se observar, em alguns momentos, ressonâncias mais diretamente ligadas à ideia de falta de cortesia: (TH) “Com muita ignorância e surpresa por ele estar fazendo uma janela com vista para a casa dele” (FL) “Eu tive a impressão de que Leonardo foi um pouco grosseiro pelo modo em que ele falou. Porque ele falou em um tom muito alto, eu acho que ele poderia ter sido um pouco mais gentil, pois o Victor estava conversando com ele calmamente.” (ADR) “As palavras que Leonardo disse eram com um tom de grosseria.” Além disso, alguns poucos alunos compreenderam que Leonardo não foi educado, pois ignora o uso de saudações no diálogo com o vizinho – uso este identificado por um discente como marca de cortesia necessária à interlocução – e, no dizer dos alunos, vai “direto ao ponto”. No caso, o aluno está se referindo ao fato de Leonardo fazer a queixa ao vizinho logo no início do enunciado, traço característico das formações discursivas por abrupção, revelando, assim, um distanciamento em relação a esse modo de enunciar. (DM) “Que Leonardo estava realmente irritado com a janela que seu novo vizinho abriu. Deixou um pouco de sua educação e foi direto ao ponto.” 115 (JE) “Leonardo primeiramente aborda seu vizinho com um pouco de grosseria, pois Leonardo não lhe dá bom dia, nem usa de educação.” (HG) “Ele abordou de forma direta. Porque não o cumprimentou nem, perguntou seu nome, só reclamou do problema.” Por outro lado, também foi possível encontrar em algumas poucas sentenças ressonâncias do sentido de “educação”. (AC) “Ele abordou seu vizinho de maneira educada, explicando que aquilo era ilegal. Não usou palavras de baixo calão nem expressões grosseiras. Por exemplo, perguntou se o vizinho estava bem, mas deixou claro que não estava feliz e não manteve uma relação afetiva.” (MS) “Tive a impressão que Leonardo estava tentando abordar o vizinho com autoridade, mostrando que não havia nenhuma forma de construir a janela, porém utilizando também a educação. Demonstra-se isso com a repetição de ‘nãos’ e a fala apressada.” (RF) “Que Leonardo é um cara calmo e educado, porém abordou seu vizinho com sua voz em tom elevado.” Análise do modo de enunciar do personagem Víctor Em outra questão referente ao filme “El hombre de al lado”, solicitou-se que os alunos descrevessem a impressão que tiveram em relação ao modo como o personagem Víctor abordou seu vizinho, em uma outra cena do filme. Esta cena foi selecionada, pois verificou-se que ela continha, predominantemente, ressonâncias discursivas de transição, tais como, ressonâncias de enunciações amenizadoras e elogiosas para o destinatário (como, por exemplo, “yo te quiero y te respeto como persona”) e estruturação textual com expressões de queixa em parágrafos situados no final do texto. Segue abaixo o diálogo transcrito: Víctor: Leonardo, Leonardo, Leonardo. ¿Tenés un segundo? Quiero charlar sobre la reformita. Leonardo: Ah. Sí. Decime. Víctor: No. Pero acá, no. Mejor vamos a un bar y charlamos tranquilos de amigo a amigo. Leonardo: ¿Sabe qué pasa? Estoy laburando ahora. Víctor: Pero si hace media hora que estás cabeceando ahí frente a la computadora. Deja de joder, Leonardo. Bajá. 116 Leonardo: Tá. Tá. Cinco minutos no más. Vamos al bar de la esquina. Víctor: Ese bar está lleno de negros. Vení, bajá. Leonardo: Sí… Estoy medio ocupado, en serio. ¿Por qué no me decís acá? Víctor: Leonardo, ¿podés bajar? Leonardo: Tá, perá, perá. Leonardo: ¿Qué hacés? ¿Cómo te vas? Víctor: ¿Que hacés, Leonardo? ¿Cómo andás? Leonardo: Bien, bien, che, acá, laburando. Es que, che, tengo que volver enseguida. Dime, ¿qué pasa? Víctor: No, pero acá, no charlemos tan incómodos. ¿Por qué no vamos a la camioneta? Prendo la calefacción y charlamos ahí. Leonardo: Uh, mira, es un mundo esto. Permiso. Víctor: ¿Ves? Tiene un cablecito acá doce voltios para mantener el agua caliente. Eso sí tengo que perfeccionarlo porque se me está saliendo recaliente Leonardo: Claro, está buenísimo. Che, contame que tengo que ir y todo más. Víctor: Bueno, mira, Leonardo, yo te quiero y te respeto como vecino y como persona. Pero la ventana se hace sí o sí. Porque si no toda la reforma que vengo haciendo hace tres meses me queda horrible, todo oscuro. Y toda la guita que gasté se va al reverendísimo peo. Pero no te quiero joder. Voy a hacer una ventana al estilo modernoso de tu casa. Yo pensé en un “ojo de buey”, como los barcos. Pero no voy a hacer una ventana rectangular. Quédate tranquilo, Leonardo. Va a ser la ventana más canchera y más linda de tu casa. Leonardo: Tá, tá, pero, yo te agradezco, pero no, no va a poder ser, Víctor. Digo, aparte de todo lo que hablamos que legalmente no se puede, acá el otro problema real es mi mujer, es una mina súper obsesiva, es inflexible. A mí de hecho la ventana, que sé yo, no me jode tanto, no me parece tan grave, pero ella no va a aceptar nunca. Víctor: ¿Y le ponemos una plantita? De hecho que a las mujeres les encantan las plantas. Leonardo: No, qué plantas. No le va a gustar. Víctor: Tomate el matecito. Leonardo: Ah, puta, me quemé! Víctor: Disculpa. ¿Está ella ahora? Vamos y le explicamos. Leonardo: No, no, es para peor. Aparte no está. Víctor: Entonces, dame el teléfono, yo la llamo. Soy irresistible con las mujeres. Leonardo: Ah, pará, Víctor. ¿Cómo vas a llamar a mi mujer? No va a funcionar. Víctor: Leonardo, no soy ningún psicópata y estoy poniendo toda mi buena onda. ¿Cómo se llama? Leonardo: ¿Mi mujer? Ana. Víctor: Yo la llamo, yo la convenzo. Leonardo: No, pará, pará. Dejame que eso voy a hablar con ella, a ver se le puedo explicar lo que quieres hacer. No le prometo nada. Yo más iba pensando en un no. Ao analisar as respostas produzidas pelos alunos da turma X para caracterizar o modo de Víctor abordar Leonardo nesta cena, notou-se, na maioria das sentenças, ressonâncias discursivas do sentido de “amistoso”, “amigável”, “amigo”, “amizade”. De acordo com os 117 alunos, Leonardo utilizou essa estratégia para “convencer Leonardo”. Os motivos que levaram os alunos a construírem esse sentido foram: o fato de Víctor chamar seu vizinho “para sair” e “beber”, “perguntar pela mulher dele” e “envolver [no assunto] coisas que o Leonardo gosta”. (RE) “A impressão que passa é de que Victor quer se aproximar de Leonardo ser amigo dele. Pelo fato dele chamar para sair, perguntar pela mulher dele, etc.” (RS) “Ele se comportou de forma mais amistosa, com a intenção de convencer Leonardo a conversar com ele.” (NI) “Eu tive a impressão que Víctor queria conquistar a amizade de Leonardo, o chamando para ir beber, conversar com sua esposa, ele queria de toda forma conseguir acabar sua reforma ou até mesmo igualando sua janela ao plano arquitetônico encontrado na casa de Leonardo.” (ELA) “A impressão de que ele tenta forçar uma amizade com Leonardo para tentar convencê-lo a permitir e aceitar a construção de uma janela menor.” (RY) “O modo como Víctor argumenta com Leonardo me passa a impressão de que ele (Victor) queria resolver essa situação de forma amigável” (FR) “Victor tentou ser o mais amigável possível e tentou envolver as coisas que Leonardo gosta para continuar com a reforma. Porque envolvendo algo que Leonardo gosta, ajuda a convencê-lo” Também notou-se a presença de sequências com ressonâncias discursivas do sentido de “tranquilidade”, “calma” e “paciência”. (JN) “A impressão de que ele estava querendo uma boa conversa, com tranquilidade e paciência.” (MC) “Ele parece estar bem tranquilo, bem calmo e disposto a resolver o problema da obra de uma forma pacífica e que os dois lados fiquem felizes.” Em outras sentenças, observou-se que os alunos compreenderam que Víctor foi “educado” no seu modo de abordar o vizinho, pois “falando assim com mais calma e mais educação”, ele teria mais chance de convencer Leonardo. Foi possível notar também que, em 118 algumas respostas, o sentido de “educado” estava associado ao fato de Víctor ter sido “calmo”, “paciente”, “simpático” e “amistoso”. (DV) “Ele foi muito educado e paciente com Leonardo. Porque ele não é bobo, e falando assim com mais calma e com mais educação, com certeza ele teria mais chance do Leonardo deixar ele fazer a janela. ‘yo te agradezco’, ‘yo te quiero y te respeto como vecino y como persona’, ‘Disculpa’.” (IS) “Ele se portou como uma pessoa simpática e educada, tratando-o de forma amistosa para convencê-lo do seu intuito de pôr a janela.” (LO) “A impressão que tive sobre Víctor ao convencer Leonardo foi que Víctor teve calma, educação e além de tudo, agiu como amigo (na conversa) e sem autenticidade21, pois foi chamá-lo em casa, adiantou o assunto que seria abordado, estava calmo, com intenção de ser amigável e conversar em outro lugar para acabar com o clima tenso.” (JNU) “De uma maneira bem convincente e educada apresentando os seus argumentos que propõe até mesmo um benefício a Leonardo.” Além disso, observou-se que os alunos compreenderam o modo de Víctor abordar seu vizinho como “persuasivo”, utilizando diversas estratégias para convencê-lo, tais como o modo de falar “bastante calmo”, sem fazer uso de “nenhuma expressão rígida”, levando-o “para tomar mate”, sendo, de certo modo, “carinhoso e puxa-saco”, na visão de alguns discentes. (LF) “Ao início, tive a impressão de que Víctor estava fazendo de tudo para que Leonardo descesse. Ele chamou o vizinho para dentro da van com o intuito de agradá-lo, criou o ambiente perfeito para persuadir seu pedido de fazer a ventana.” (CRO) “Ele pareceu bastante persuasivo, de uma forma bastante calma e pouco intimativa. Porque ele não utilizou nenhuma expressão rígida, ele até mesmo foi bastante amenizador.” (JS) “Victor usou estratégias como levar ele para tomar mate, oferecer dar flores para a mulher de Leonardo, dizer que respeita Leonardo. Tudo para convencer da colocação da janela. Expressões como ‘de amigo a amigo’ e também ‘te quiero’.” 21 Pode-se deduzir, pelo contexto, que a aluna utilizou equivocadamente a expressão “sem autenticidade”. Provavelmente, ela quis atribuir o sentido de “sem autoridade”. 119 (JY) “Ele foi pedir desculpas, mas com a intenção que Leonardo ficasse com ‘pena’ e deixasse ser feita a janela. Porque ele foi carinhoso e ‘puxa saco’, falando que a casa era moderna.” (CIO) “Argumentou de forma que fosse deixar Leonardo mais confortável perante o fato de Víctor colocar uma janela em direção a uma parte visível da de Leonardo. ‘voy hacer una ventana al estilo modernoso de tu casa’, ‘le ponemos una plantita”.” Outros alunos compreenderam que aquela era a “maneira certa” para conseguir convencer o vizinho, julgando seu modo de abordar Leonardo “bastante razoável”, pois “procurou conversar e argumentar”. (LSA) “Ele tentou convencer ele de deixar a janela lá. Falou da maneira certa.” (RB) “Víctor foi bastante razoável, procurou conversar e argumentar para resolver qualquer problema que surgisse.” Em um menor número de sequências, notou-se que os alunos tiveram uma “má impressão de Víctor” e compreenderam que ele estava “intimidando” seu vizinho, sendo “insistente” e “grosseiro”. Além disso, um dos alunos teve a impressão de que ele “faria alguma besteira”. (JO) “Tive a impressão de [que] Victor estava intimidando e deixando Leonardo sem saída para fugir da conversa. Pelo modo como ele aborda Leonardo. Pero si hace media hora que estás cabeceando ahí frente a la computadora. Dejá de joder, Leonardo. Bajá.” (THY) “Achei Víctor insistente, pois ele fica afirmando o tempo todo que terá a janela e que precisa mesmo sendo proibido e sempre dando ideias para Leonardo não poder recusar como: Y si le ponemos una plantita?” (DO) “Tive a impressão que ele faria alguma besteira pois ele poderia falar ali mesmo mas ficou enrolando como se quisesse leva-lo (sic) para algum lugar.” (G) “Victor foi insistente e grosseiro usando palavras um pouco mais fortes, causando em si uma má impressão e depois ele tentou amenizar com palavras mais tranquilas por assim dizer, porém não obteve sucesso, apenas uma incerteza de Leonardo.” No que diz respeito às respostas produzidas pelos alunos da turma Y, observaram-se, na maioria das sequências, ressonâncias do sentido de “educação” e “respeito”, devido ao fato 120 de ele ter “falado bem calmamente”, ter utilizado “elogios” e tê-lo tratado “com carinho”. De acordo com os alunos, abordar seu vizinho desse modo “educado” foi uma estratégia utilizada por Víctor para poder convencê-lo. Na primeira sequência, observa-se uma duplicidade na construção do sentido do modo de Víctor enunciar: o aluno (GO) percebe que ele foi educado e invasivo ao mesmo tempo. Na quinta sequência, a aluna (AC) apresenta a afetividade enquanto um código que representa cortesia. Novamente, neste caso, notou-se a presença da “cordialidade”, ou seja, do tratamento interpessoal perpassado pelo emotivo e pela intimidade (Holanda, 1995), enquanto traço característico das formações discursivas preponderantes no contexto brasileiro. Na sexta sequência, verificou-se uma percepção, por parte do aluno, do uso de palavras no diminutivo, no discurso de Víctor. De acordo com Holanda (1995), o emprego de palavras no diminutivo constitui um dos traços mais específicos da cultura brasileira. Trata-se de um reflexo da “cordialidade” no uso da língua, uma vez que ele tem a função de aproximar os coenunciadores afetivamente. Por esse emprego representar um pacto de cortesia, nas formações discursivas preponderantes no contexto brasileiro, o aluno, a partir da presença do diminutivo, atribuiu o sentido de educação. (GO) “Ele se manteve educado, mas também fez elogios. Ele utilizou uma argumentação de baixo nível, quando utilizou palavras de duplo sentido dirigidas à mulher de Leonardo. Yo la llamo, yo la convenzo. Soy irresistible con las mujeres.” (MIS) “Ele usou o respeito e falou bem calmamente utilizando elogios e outras expressões, como ‘yo te quiero y te respeto’. Isso para convencê-lo a pôr a janela.” (ML) “Ele foi muito educado e tentou favorecer Leonardo para que ele deixasse colocar a janela pois ele queria colocar a janela e a boa educação era o melhor caminho” (VI) “Ele tentou de todas as formas convencer Leonardo, deu várias opções de soluções de problemas a ele e tentou usar da educação para convencê-lo. Oferecer a van para um encontro, ele fez isso pois a realização da obra era importante para o Victor.” (AC) “Tratou-o de maneira carinhosa e com respeito, com intenção de convencer o vizinho a deixar-lo (sic) fazer a janela. Usou expressões como ‘yo te quiero’ ‘yo te respeto’.” (TH) “Com educação e com calma. Porque ele quer convencer o Leonardo a deixar ele fazer a janela com vista para a casa do Leonardo. Palavras no diminutivo e a insistência dele.” 121 Também foi possível encontrar sequências com ressonâncias do sentido de “amigável”, “compreensivo” e “gentil”, “simpático”. Dentre os motivos que levaram os alunos a construir esse sentido, destaca-se: o fato de ele dizer que fará uma janela linda e o fato de ele chamar o vizinho para beber. Na segunda sequência, nota-se que a aluna percebeu a estratégia utilizada por Víctor, qual seja, ser “amistoso” antes de tentar convencer o seu vizinho, ou seja, utilizar palavras amenizadoras (no caso, afetivas) antes de introduzir a queixa. Esse traço, característico das formações discursivas de transição, é positivvado, então, pela aluna, uma vez que lhe é familiar. Na quarta sequência, notou-se que, para o aluno (PK), Leonardo foi “cordial”, embora esse modo tenha manifestado somente nas suas palavras, pois sua “expressão era de impaciência”. Novamente, observou-se que a cordialidade, traço característico da cultura brasileira, foi identificada pelos alunos, no discurso de Víctor. Cabe ressaltar, que esse personagem, no filme, representa a cultura argentina mais ligada ao campo. Como no Brasil, a cordialidade advém das relações estabelecidas nas áreas rurais (Holanda, 1995), pode-se concluir que esse traço também pode ser observado nas províncias da Argentina, confirmando a ideia defendida por Serrani (2010) de preponderância (e não de dominância) das formações discursivas. (RF) “Victor tentou ser amigável e compreensivo, utilizou argumentos de forma que Leonardo se convencesse a deixar a janela, pois convidou ele para sua van para terem uma conversa amigável, utilizou diversas palavras e expressões de modo que Leonardo se convencesse, como ‘va a ser la ventana más canchera y más linda de tu casa’.” (D) “Victor tentou ser amistoso e ganhar a amizade de Leonardo, para depois convencer ele, que a janela não será tão ruim como pensa.” (BR) “A impressão que tive foi que Víctor está tentando ser gentil com Leonardo, pois ele quer muito fazer a janela. Eu tive essa impressão pois ele chama Leonardo para beber com ele.” (PK) “Víctor aparenta estar bastante cordial, simpático em suas palavras, porém a sua expressão era de impaciência com a relutância de Leonardo.” Em algumas sequências, observou-se que os alunos compreenderam que Víctor tinha sido “convincente”. Um deles, inclusive, disse que teve uma “impressão muito boa” dele, devido ao fato de ele ter utilizado uma “argumentação convencedora”. 122 (AY) “Ele tentou ser calmo e convincente, mostrando para Leonardo que a janela ficaria boa.” (LH) “Ele tentou usar todas as formas possíveis para tentar convencer Leonardo a deixá-lo a fazer a janela, dizendo que vai falar com a esposa de Leonardo para pedir permissão, que não vai prejudicar Leonardo e que vai fazer uma janela bem linda para agradar Leonardo.” (NT) “Tive uma impressão muito boa em relação ao Víctor, pois ele usou uma argumentação convencedora. Usou palavras que me levou a esse pensamento como, ‘Bueno’, ‘yo te quiero y te respeto como vecino y como persona’ e ‘Porque si no toda la reforma que vengo haciendo hace tres meses me queda horrible’.” Outros alunos compreenderam que Víctor queria “bajular” e “persuadir” o vizinho ao tratá-lo “como amigo”, a fim de “mudar seu pensamento”: (FL) “Eu tive a impressão de que Victor quis bajular o Leonardo para que ele convencesse a esposa para que ela deixasse ele pôr uma janela em sua casa. Porque se ele conseguisse mudar o pensamento de Leonardo, ele iria conseguir abrir uma janela na medianeira. A expressão foi: Leonardo, no soy ningún psicópata y estoy poniendo toda mi buena onda.” (JR) “Víctor tenta persuadir Leonardo, tratando-o como amigo usando as seguintes palavras: mi amigo no quiero te joder, ele também lhe oferece algumas coisas assim como bebidas, etc.” Por fim, encontrou-se somente uma sentença em que o aluno compreendeu que Víctor não tinha sido convincente no que diz respeito a sua proposta, uma vez que ela não foi aceita por Leonardo: (GC) “Que não foi muito convincente, pois Leonardo não estava aceitando a proposta de Víctor” 5. Análise dos debates orais desenvolvidos em sala de aula A partir da análise dos debates22 ocorridos em sala de aula, além de verificar os movimentos de aproximação e distanciamento dos alunos em relação às formações 22 Nesta pesquisa, somente foram analisados os debates ocorridos na turma X, devido à qualidade do debate e os dados fornecidos por eles, que foram majoritariamente mais produtivos para esta análise. Além disso, 123 discursivas de abrupção e transição, também foi possível observar os movimentos de identificação/não-identificação dos alunos com os personagens principais e com os filmes assistidos e capturar alguns fatores envolvidos nesse processo. São eles: fatores discursivos, fatores culturais e fatores relacionados à estética cinematográfica. Cabe destacar a existência de movimentos de consenso e dissenso entre os alunos em relação às questões trazidas para o debate sobre os filmes e sobre os aspectos linguísticos-discursivos e culturais que os filmes trazem à baila. Aproximação e distanciamento dos alunos em relação às formações discursivas No debate sobre o filme “Un cuento chino” ocorrido na turma X, ao longo de dois tempos de aula, do qual participaram em torno de 18 alunos, a professora-pesquisadora pediu que os estudantes trocassem as suas impressões em relação ao modo de enunciar de Roberto no diálogo em que estabelece um prazo para Jun ficar em sua casa, a fim de possibilitar a negociação entre os sentidos produzidos, assim como, a construção de novos sentidos. O aluno (E) respondeu, então, que o personagem estava em seu “limite”. O aluno (M), concordando com (G), justificou que “ele tinha a vida dele” e que “não dava para ele ficar completamente voltado” para aquele problema. O aluno (S) complementou, dizendo que “ele estava boladão”. Verifica-se, então, neste momento, que, embora os alunos tenham compreendido que havia uma rispidez na fala de Roberto, há um movimento de identificação com os problemas vividos pelo personagem, uma vez que estes são utilizados como justificativa para seu modo de falar. Observe a transcrição23 do debate abaixo: Prof.: Como que vocês recebem essa fala dele né esse esse enunciado? Alunos: (silêncio e vozes baixas) Prof.: Hã? (E): Era o limite dele Prof.: Oi? Alunos: (falam ao mesmo tempo) (M): Ele tem a vida dele, né professora, num dá pra ficar completamente voltado pra:: Alunos: (falam ao mesmo tempo) (S): Ele tava boladão Ao ouvir essas respostas, a professora-pesquisadora constatou que os alunos estavam caracterizando o modo de Roberto enunciar baseado nos conflitos vivenciados por ele. Assim, também cabe ressaltar esse recorte como uma estratégia utilizada pela professora-pesquisadora tendo em vista a grande quantidade dos dados obtidos. 23 As convenções das transcrições utilizadas nesta análise encontram-se no anexo 6. 124 a impressão de “boladão” que eles tiveram estava sendo justificada não pelos elementos linguísticos e estruturais do diálogo, mas pela própria trama do filme. Então, logo interrompeu e pediu para que os alunos “imaginassem” que eles não sabiam que o personagem estava passando por aqueles conflitos e que levassem em consideração somente a “forma dele falar” (ou seja, o modo de construção do seu discurso) e as marcas que, para eles, transmitiam aquele sentido. Para ajudar na compreensão do que estava sendo solicitado, a professorapesquisadora disse que a sua forma de falar estava “carregada de alguma coisa” que contribuía para a construção daquele sentido de “boladão” e solicitou que os alunos dissessem que “coisa” era aquela. O aluno (E) afirmou que ela “não estava carregada”, mas, sim, que “faltava alguma coisa”. A aluna (SS), em seguida, afirmou que ele estava de “saco cheio”. Ao serem questionados acerca desta “coisa que faltava”, o aluno (E) e o aluno (N), ao mesmo tempo, responderam que faltava “paciência”, pois Roberto fala de um jeito “grosseiro” e “direto”. Segundo eles, o fato de Roberto dizer que “vai explodir” e o fato de ele “estabelecer um prazo” com o chinês, demonstrando que, após esse prazo, “ele tem que se virar”, evidencia esta impaciência. Nota-se, através da análise deste momento do debate, um movimento de distanciamento dos alunos em relação à formação discursiva por abrupção. Uma vez que a formação discursiva por abrupção é caracterizada, entre outras coisas, pela ausência de “expressões amenizadoras ou elogiosas para o destinatário” (Serrani, 2010, p.96) (enquanto a formação discursiva por transição é caracterizada pela presença destas), ao dizer que, no discurso do personagem, “falta alguma coisa”, o aluno revela (e confirma) a tendência dos brasileiros em construir o discurso por transição. Nota-se, então, que a ausência dessas expressões e, por outro lado, a presença de expressões de queixa como voy a explotar e vamos a poner un plazo, fez com que os alunos caracterizassem o modo de Roberto enunciar como “direto”. E, a partir desse modo “direto”, foi produzido o sentido de grosseria e impaciência. Observe: Prof.: Não, sim, a gente justifica, a gente entende que ele tava bolado etc., mas independente imagina que você nem sabe se ele tá bolado se não tá se ele não tava no caso ((interrompe)) no caso a gente sa- sabe que ele tava chateado e tudo, mas assim que forma é essa? você, por que que você diz "ele tava chateado"? porque essa forma ela tá carregada de alguma coisa... como é (.) que é essa forma dele falar, entendeu? (E): Num tá carregada de alguma coisa. Falta alguma coisa. (SS): Tá saco cheio Prof.: Falta o quê? (E): Paciência (N): Paciência 125 Prof.: Por quê? (N): Isso é óbvio (E): Porque ele fala de um jeito grosseiro, ele fala de um jeito direto (N): Ele fala que vai explodir! (E): Ele fala que vai explodir. Ele fala que ele vai dar um prazo pra ele Logo em seguida, ainda sobre o modo de enunciar de Roberto, o aluno (E) diz que somente pela fala podia perceber que ele era “estressado”, pois, segundo ele, neste tipo de situação em que é necessário estabelecer um prazo para alguém sair de sua casa, a pessoa deveria falar com “mais calma”, como, por exemplo, “cara (.) chegou a hora e tudo mais vai você já tá aqui há muito tempo e tal entendeu”. Para ele, esse modo de falar seria “mais calmo”. A aluna (E) concorda afirmando que Roberto deveria conversar com o chinês e dizer que “queria ajudá-lo”, porém alertando-o que ele deveria buscar uma solução para “resolver o problema”. Observa-se, então, na fala de ambos os alunos ressonâncias do modo de construção do discurso por transição. Na fala de ambos os alunos notamos a presença de um modo de enunciar com expressões amenizadoras (no caso do aluno (E), essas expressões seriam as próprias explicações dos motivos; no caso da aluna (L), trata-se de dizer que quer “ajudar” a pessoa). Esse modo de enunciar transitório, para o aluno (E), produz o sentido de “calma”, em contraposição ao modo de enunciar por abrupção, utilizado por Roberto, que produziu o sentido de “estressado”. Observe: (E): e tchau ele tem que se virar porque mesmo se a gente não sabi- se a gente não soubesse não tivesse a a informação de que ele tava estressado a gente ia poder ver pela fala assim (pela fala) sozinha que é uma pessoa estressada porque se você tem alguém colocou na sua casa e você deixou se você deixou (.) você tem que pelo menos quando você for tirar a pessoa de lá falar tipo cara (.) chegou a hora e tudo mais vai você já tá aqui há muito tempo e tal entendeu Prof.: mas é o que o que seria esse jeitinho? isso que eu tô (TY): É mais (E): Se ele falar de um jeito mais calmo entendeu (L): Que ele queria ajudar, mas não queria que ele se que ele se acomodasse. Entendeu? Não achasse que aquilo ali ia () chegar e poder ficar aqui assim. Foi uma forma dele conversar com ele de chegar e falar, olha () Prof.: é (L): você tem que resolver a situação ou você fica um tempo e tenta esperar o seu tio, senão Prof.: é (L): de uma outra forma. Após ouvir essas afirmações, a professora-pesquisadora perguntou aos alunos o que seria, para eles, uma “forma que não demonstra muito paciência”. O aluno (E) retorna a dizer que é falar de uma maneira “grosseira” e “direta”. A aluna (L) disse que ele demonstra 126 impaciência pelo fato de o personagem estabelecer um tempo limite para Jun ficar em sua casa. Segundo ela, Roberto poderia, antes de impor um prazo, perguntar para o chinês se ele tinha alguma outra “solução”. Novamente, nota-se, na fala da aluna, uma ressonância do modo de enunciar por transição, uma vez que a queixa se encontra situada no final do texto. Observe: Prof.: por que, aí o que eu quero saber, o que é uma forma que não demonstra muito paciência pra vocês e aí ele já disse (.) uma das coisas né que é... falar no caso (E): grosseira, direta (L): talvez se ele chegasse e perguntasse "'olha se a gente não conseguir resolver dessa forma, como a gente pode fazer?"' (...) (L): ( ) ele tava com vontade de ajudar, mas ele falou ó tem tem tempo também tem limite” Prof.: ãh-hã (L): agora se ele chegasse e falasse olha como você quer fazer isso, antes de chegar, qual outra alternativa você tem aí tenta::r, perguntar mais pra ele outra solução Prof.: ãh-hã Neste momento, a aluna (B) interferiu dizendo que, para Roberto, “seria muito difícil fazer isso, porque ele era muito rígido”. Observa-se que, neste momento, a aluna (B) revelou que compreendeu que havia uma rigidez no modo de enunciar de Roberto (porém justificou como sendo algo próprio da sua personalidade), demonstrando um distanciamento em relação à formação de abrupção. Em seguida, o aluno (M) disse que o jeito como o personagem fala, demonstra que quer “despachar a pessoa” e que ela está “sendo inconveniente” para ele. O motivo que levou o aluno a construir esse sentido foi o fato de Roberto não ter “demonstrado bom-dia” e ter sido “curto e grosso querendo expulsar”. Nota-se, então, que a ausência de marcadores de cortesia (como, por exemplo, a presença da saudação formal “Buenos días/Buen día”) na fala de Roberto fez com que o aluno (M) compreendesse que o personagem tinha sido “curto e grosso”, para usar novamente a expressão brasileira selecionada pelo aluno para defini-lo, revelando também um distanciamento em relação ao modo de enunciar por abrupção. Observe: (B): professora eu acho que pra ele seria muito difícil fazer isso porque ele é muito... rígido Aluno: ( ) o jeito dele (RE): então pra ele seria Prof.: sim o jeito dele (M): é mas não conhecendo não sabendo que ele seja uma pessoa assim eu acho que o jeito que ele colo- pra pra ao nosso ver ele parece que tá querendo despachar a pessoa a pessoa tá sendo inconveniente porque pelo momento que eu acho que foi assim que ele acordou ele não eh mesmo que não seja ele não nem demonstrou bom dia mesmo que não fale a mesma língua 127 Prof.: sei (M): mas ele foi curto e grosso querendo expulsar é o que ele passa pra gente No debate sobre o filme “El hombre de al lado”, a professora-pesquisadora perguntou aos alunos da turma X com qual dos dois personagens principais do filme (Leonardo e Víctor) eles tinham se identificado mais. O aluno (J) respondeu que não se identificou com “nenhum” deles, pois ambos foram grossos. Segundo ele, enquanto Leonardo foi “extremamente grosso”, Víctor “misturou um pouco de educação” e foi “irônico” em suas falas. Nota-se, então, um distanciamento em relação à formação discursiva de abrupção, uma vez que esta é compreendida pelo aluno como extremamente grosseira. Já a fala de Víctor, por conter um modo de enunciar “indireto”, é considerada mais “educada”, o que expressa uma adesão do aluno em relação à formação discursiva por transição. A professora-pesquisadora pergunta, então, se alguém mais teve essa mesma impressão do Leonardo. O aluno (NI) diz que “todo mundo”, evidenciando, assim, um distanciamento majoritário dos alunos brasileiros em relação ao modo de enunciar por abrupção. Observe: Prof.: Eh, Rafael, você se:: se identificou mais com o Victor ou com o:: com o:: Leonardo? Leonardo é o da casa:: grande e o Victor... Você teve identificação com algum, ou com nenhum, também, né, na verdade pode não ter tido (J): Sinceramente acho que nenhum. Prof.: Com nenhum. Por quê? (J): não me vejo nem sendo grosso, nenhum dos modos, os dois de certa forma, eh:: o Leonardo:: Victor ele também de certa forma foi grosso, mas ele procurou ser um grosso mais ( ) ele misturou um pouco da educação, usou um modo indireto né digamos assim ((A professora estala os dedos para chamar a atenção dos alunos)) (J): ele:: falava uma coisa que aparentemente é:: normal, mas quando você vê tinha uma ironia atrás, o:: o Leonardo então foi extremamente grosso Prof.: Sei (J): Então eu não me identifico muito, não. Prof.: Ãh-hã. Você achou que o Leonardo foi extremamente grosso? (J): Isso. Prof.: Tá vendo, vamo vendo. Eh, quem aqui achou também (NI): todo mundo ( ) Neste momento, o aluno (C) se manifestou, dizendo que achava “Victor muito debochado”. Nota-se, então, que a estratégia de construção do discurso por meio de “indiretas” utilizada por Víctor para amenizar o conflito, não produziu para o aluno (C) o sentido de “educação”, mas, sim, de “deboche”. Ou seja, embora ele estivesse utilizando estratégias próprias do modo de enunciar por transição, a cortesia não foi identificada pelo aluno, visto que este modo indireto foi percebido pelo aluno como “irônico”. A aluna (W) 128 afirma que “gostou dele”. Tendo em vista o movimento de identificação da aluna (W) com o personagem, a professora-pesquisadora diz, então, que “talvez os alunos se identifiquem mais com o Víctor”. A aluna (Y), discordando, afirma que Victor “também é grosseiro”, mas “não demonstrava muito”. Nota-se, então, que, embora a aluna reconheça as estratégias utilizadas pelo personagem para amenizar o seu discurso (revelando, assim, uma aproximação em relação à formação discursiva por transição), o modo de Víctor enunciar ainda é caracterizado como pouco cortês, uma vez que o modo transitório utilizado por ele estava perpassado por uma ironia. Ao se dar conta disso, a aluna percebe, então, a presença de um modo de enunciar abrupto e revela um distanciamento em relação a esta outra formação discursiva. Observe: (C): É que o Victor na minha opinião assim ele é muito debochado. Ele foi [debochado Prof.: ( ) cínico, como a gente ( ), né (C): É, ele ( ) tipo assim] chegava assim, falava uma coisa irônica pro, tipo dando uma indireta pro:: Leonardo Prof.: Sei Prof.: ele era mais indireto o Victor, então (W): (Ah, eu gostei dele) ( ) É] Prof.: De repente, talvez a gente se identifique mais com o Victor, ( ) não sei, [vamo ver (Y): Mas o Victor era grosseiro também ( )] Prof.: Ele também era grosseiro (Y): Ele só não mostrava muito Após esse momento do debate, a professora-pesquisadora disse que tinha percebido que nem todos os alunos concordavam que Leonardo tinha sido “grosso” e pediu para que esses alunos expusessem suas impressões. A aluna (R) respondeu ele foi “direto” e “falou o que achava da situação”. Segundo ela, “ser direto não é ser grosso”, mas é, sim, “falar o que quer”. Nota-se, neste momento, um movimento de aproximação da aluna em relação ao modo de enunciar por abrupção, uma vez que esta formação discursiva não produz, para ela, o sentido de grosseria. A aluna (Z) discorda, dizendo que ele foi “grosso”, pois ele foi “direto demais”. Observa-se, na fala da aluna (Z) um movimento de distanciamento em relação ao modo de enunciar por abrupção, uma vez que ele pode produzir o sentido de grosseria. A aluna (R) diz que “ser grosso é uma coisa muito subjetiva”, uma vez que Roberto poderia ter sido grosso para ela, mas para outra pessoa não. A aluna, então, evidencia em sua fala que o sentido é construído na interação e pode variar. Prof.: Então, deixa só eu perguntar a vocês, e aí, vo-, o que vocês têm a dizer, por que que ele não foi grosso? (R): Ele não foi grosso porque ele falou o que ele achava da situação e "cabou", ele não ( ) Prof.: Em momento nenhum ele foi grosso, da [de todo:: filme, por exemplo 129 (R): Não, ele foi direto e ser direto não é ser grosso, é falar o que quer e "cabou" Prof.: Sei (E): Exatamente isso que aconteceu ( ) Alunos: hh Prof.: Sei, você, [pra você ser direto ((alunos falam ao mesmo tempo)) (Z): Então ele foi direto mas ele também foi grosso, ser direto demais às vezes (F): Ah, então, eu não sei se ( ) ser grosso é uma coisa muito subjetiva, porque pra mim pode (ter sido grosso) e:: pra você não Movimentos de identificação/não-identificação dos alunos com os personagens No que diz respeito à identificação/não-identificação com os personagens, pode-se constatar, através do depoimento de um aluno da turma X, que esses movimentos estavam presentes ao longo do processo e foram estimulados através das atividades de interpretação. Após a professora-pesquisadora perguntar aos alunos da turma X “o que eles achavam” das perguntas que estavam sendo feitas nas atividades de interpretação sobre os filmes, o aluno (G) respondeu que as achava “interessantes”, pois, segundo ele, através dessas questões, o discente pode se colocar “do lado do personagem” e pensar como agiria na situação em que aquele personagem está, respondendo como se fosse o personagem, em alguns casos. Observe: Prof.: O que que vocês têm achado] dessas perguntas que eu tô fazendo pra vocês aqui no... vocês tão entendendo [por que (G): interessantes Prof.: Bem interessantes? Por quê? (G): Porque] você traz um trecho do filme... e::, [além (R): ( ) o que que significa (G): você mostra a cena] e aí a gente vê, a gente analisa e a gente pensa, a gente se coloca do lado do personagem e pensa como a gente agiria na situação que aquele personagem tá Prof.:: Ãh-hã (G): (Entendeu) E tipo a gente responde como se fosse o personagem (.) então além de ser uma pergunta que traz um pouco ( ), traz um pouco do entendimento do aluno do que ele viu do filme Prof.: Sei... (G): do da cena e tudo mais No debate sobre o filme “Un cuento chino”, realizado na turma X, observou-se que alguns alunos se identificaram com os problemas vividos pelo personagem Roberto e outros não. Em um momento do debate, após a professora-pesquisadora perguntar como os alunos 130 caracterizariam esse personagem, o aluno (K) compreendeu que Roberto, embora fosse uma “pessoa nervosa” e estivesse “sempre estressado” com as pessoas, ele tinha uma “boa-índole” e um “bom coração”, revelando um movimento de identificação. Já o aluno (N) diz que ele era daquele jeito porque era “solitário” e “mal-amado”, revelando um movimento de nãoidentificação. Observe: (K): O Roberto ele era uma pessoa nervosa, assim, ele não é, [mesmo assim ele (N): é porque ele era solitário] (K): ( ) ele tinha um bom coração, ele era (N): é porque ele era solitário (K): ( ) ele era uma boa pessoa, ele assim ( ) ele tava sempre estressado com as pessoas que iam lá falar com ele (N): [é porque ele era um homem sem amor (K): ( ) com os clientes ( ) mas ele por dentro ele tem uma boa índole (N): UM HOMEM MAL-AMADO Em um outro momento, a professora-pesquisadora, então, aponta que, em algumas passagens do filme é possível detectar um distanciamento do Roberto em relação ao chinês. O aluno (G), então, justifica, dizendo que “não tem como ele ser cem por cento afetivo”, visto que ele “não tinha motivos pra ter o chinês morando na casa dele”. A aluna (F) diz que é “normal” não ser sempre afetiva, mesmo com “pessoas que a gente conhece”. O aluno (G) diz que o ser humano tem uma limitação: a “impaciência”. Segundo ele, em toda convivência, mesmo com “alguém que você conhece”, em algum momento, aquela pessoa “vai acabar te irritando”. Por este motivo, “esses momentos de diferença são compreensíveis”. O aluno (DR) acrescenta que Roberto “ainda colocou a vida dele em risco”. O aluno (RB) justifica as dificuldades vividas pelo personagem, pois ele “não estava acostumado a estar com as pessoas” e diz que ele acolheu o chinês mesmo sem conhecê-lo. Nota-se, então, um movimento de identificação dos alunos com os problemas vividos pelo personagem após a chegada do estrangeiro em sua casa, uma vez que eles expressam compreender a situação em que se encontra Roberto. Observe: Prof.: tem momentos] que a gente pode identificar também ali no Roberto não só uma re- só uma abertura ao chino, tem momentos também... que a gente pode perceber uma:: um um fechamento mesmo, né, uma:: uma não, uma vontade de não tá compartilhando um pouco (.) eu acho que tem momentos assim que:: a forma do Roberto tratar o chinês, por mais que o chinês tivesse na casa dele (.) né, daqui a pouco a gente vai ver isso, assim, essa forma dele tratar (.) nem sempre é sem, hmm, só recepti- né? Só mi- só amistosa (G): Mas também nem tem como [ser, né 131 Prof.: daqui a pouco] (G): porque do pouco que eu consegui eh entender do filme, acompanhar24, eh... ele não tinha motivo pra te::r o chinês morando na casa dele, entã::o não tem como ser cem por cento afetivo com uma pessoa que não tem ( ) de tá ali Prof.: Ãh-hã (F): E até quando é:: quando a gente conhece assim ( ) até com a gente é normal... a gente nun- nunca vai receber alguém assim sempre (G): O ser humano ele tem uma limitação, ele não tem muita paciência, por mais que você goste de uma pessoa, existe um certo momento, existe uma, um certo de tipo de convivência que aquela pessoa vai acabar (.) te irritando. Prof.: Ãh-hã (G): Isso com uma pessoa que te conhece, imagina com uma pessoa que não te conhece, que tipo, é do nada, entendeu? Então toda, toda essa esses momentos de diferença são compreensíveis. Prof.:: Claro, claro, entendi, na convivência, né? (G): SiProf.: Que (G): Não Prof.: a convivência com o outro, seja ele estrangeiro ou não, ( ) ser do mesmo país, essa convivência com o outro ela vai ter sempre um desgaste, né Aluno: Querendo ou não (DR): Querendo ou não ele ainda colocou a vida dele em risco, tanto que no primeiro dia ele até trancou a porta do quarto pro chinês não Prof.: Ah, é verdade (B): ameaçar nem nada Prof.: depois é que ele passou a não ( ) trancar, né (RB): Principalmente no caso dele que não tava acostumado nem a tá com as pessoas, né, e ele assim quando ele tinha contato com as pessoas ele era bem curto e grosso, ( ) acolher logo uma pessoa na casa dele que ele não conhecia, ele não sabia se era bom ou mau, aliás, ele não falava nem o idioma dele, né Prof.: Ãh-hã (RB): ( ) difícil pra ele, por isso que ele teve também aqueles momentos difíceis Após a professora-pesquisadora perguntar para os alunos sobre o modo como eles caracterizariam o personagem da Mari, notou-se em suas respostas a construção dos seguintes sentidos: “saidinha”, “tiazinha que é toda toda”, “safadinha”25. Além disso, alguns alunos compreenderam que ela “demonstrava tudo”, “era o oposto dele” (de Roberto), estava “de peito aberto”. Desse modo, foi possível observar, por parte de alguns alunos, um movimento 24 Nota-se na fala do aluno (G), que ele teve dificuldade em entender/acompanhar o filme. Essa dificuldade se deu devido ao fato de o aluno não ter visto o filme todo, uma vez que a exibição se deu em duas aulas distintas, e o aluno havia faltado a uma delas. 25 Cabe ressaltar que, através desses comentários, os estudantes evidenciaram um preconceito de gênero. 132 de não-identificação com essa personagem. A aluna (F), ao contrário, demonstrando um movimento de identificação, diz que isso aconteceu porque as mulheres, em geral, “sentem mais, expõem mais e mostram mais” que os homens. Observe: Prof.: claro... legal e sobre então agora assim a gente já falou de dois personagens né super centrais né que é ( ) os dois protagonistas do filme e tem mais um tem um outro personagem que aparece bastante no filme que a gente acabou de ver a cena dela (RO): a vaca? Prof.: quem? (RO): a vaca? (C): vaca hh Prof.: nã::o (D): o motoboy? (C): ( ) motoboy (LF): aquela mulher lá Prof.: tem ele também tem mas ela é mais (B): o carinha do parafuso Prof.: a mulher (LF): a mulher Prof.: não o cara do parafuso também mas ele (LF): a saidinha Prof.: não é (LF): saidinha Prof.: personagem que tá muito fre- presente ele tá assim uma vez ou outra que ele coloca ali (JS): a tiazinha que é toda Prof.: i::sso que é toda o quê? ( ) queria saber Alunos: hh (JN): safadenha (JS): toda toda Prof.: safadenha hh (LF): não professora ela ela tentava chegar assim no Prof.: mas ela era toda o que nesse modo dela ( ) (L): demonstrava tudo pra ele e ele ficava fechado Prof.: ãh-hã (RE): ela era o oposto dele Prof.: ela é o oposto dele por que (.) o que que seria o oposto do Roberto? (RE): não mas só em relação a a isso porque ela também teve compaixão por Jun ( ) Prof.: ãh-hã sim (RE): ela teve mas só em relação a ele ser mais fechado e ela ser mais Prof.: aberta (DR): aberta... mais aberta... de peito aberto... para ele ((Os alunos falam ao mesmo tempo)) Prof.: calma aí gente ( ) não ouvi fala que a mulher é mais o quê? 133 (F): já é da mulher já ser mai::s ah... não sei Prof.: fala (.) mais o quê? pode falar (F): não sei... mais Prof.: mais fofa assim mais (F): é ah Prof.: sei da mulher ser... ter uma forma aí de de repente (F): é por mais que ela seja também curta e grossa ela sente mais que ele, que o homem Prof.: ela é curta e grossa? (F): não Prof.: não ah tá (F): por mais que:: (RE): A mulher em geral (F): é existe Prof.: ãh-hã... sei (F): ela ela eh expõe mais não só claro assim até o jeito dela ela já:: Prof.: (você) é ótima hh (F): ela ela mostra (mais) Prof.: sei... fala, pode falar, porque ((Os alunos falam ao mesmo tempo)) Prof.: não então mas é isso mesmo ela ( ) é mulher às vezes é a visão dela mas vocês também concordam vocês acham que é porque a mulher é que fala mais em geral ou não essa é uma opinião mais dela? A professora-pesquisadora pediu, então, para que os alunos explicassem melhor a impressão que tiveram de que ela era “safadinha”. O (LF), ironicamente, disse que, na verdade, tinha usado “outro termo”. Leia-se a transcrição deste trecho do debate: Prof.: eh mas então aí ele usou a palavra safade::nha (CA): hh (LF): eu usei outro termo professora eu acho que ela é mais amorosa (CA): ãh-hã hh Alunos: hh (DR): tá cheia de amor pra dá Alunos: hh Prof.: nã::o (DR): e outras coisas também A professora-pesquisadora questiona, perguntando por que eles acham que a mulher é “saidinha” quando ela “fala o que sente”. O aluno (LF) diz que “não falou nada disso” e coloca a responsabilidade no amigo (“quem disse foi ele”). Os alunos começam a falar ao mesmo tempo, quando, então, a aluna (C) diz que, se o homem quiser ter relações sexuais 134 com a mulher, “ninguém vai falar nada”. O aluno (DR), ao ouvir essas expressões, repreende a aluna (C), avisando que o que ela está falando está sendo “gravado”. Prof.: mas e por que assim por que que uma mulher quando ela fala (JS): ãh Prof.: o que ela sente, ou seja(.) quando ela é cheia de amor pra dar (.) por que que ela é safadinha? (LF): eu não disse nada disso (.) quem disse foi ele Prof.: por que que a mulher ((Alunos falam ao mesmo tempo)) (C): se o homem pegar comer ninguém vai falar nada (DR): ãh?! hh (JN): que isso?! (DR): só pra avisar isso aí tá gravando ((alunos falam ao mesmo tempo)) Para evitar que os alunos ficassem inibidos em dizer suas interpretações, a professorapesquisadora disse que não estava “recriminando os alunos” pelo fato de eles externarem suas opiniões a respeito da personagem. E diz que só está propondo uma “reflexão”, pois, ao dizermos determinadas coisas, estamos evidenciando uma maneira de enxergar o lugar da mulher que é próprio da nossa sociedade, ou seja, trata-se de uma performatividade de gênero que é também discursiva, histórica e cultural. O aluno (G) concorda, dizendo que, embora nos dias de hoje a conversa de sexo já tenha deixado de ser “tabu”, ainda se sente uma “estranheza” quando a mulher atua desse jeito, demonstrando o seu desejo. Observe: Prof.: não gente a gente então assim eh vocês podem eu não tô nem recriminando o fato de terem falado que ela era safadinha não ele até reflete sobre isso no sentido por que que a mulher quando se expressa ela é considerada safadinha mas é na nossa cultura é mesmo eu não tô eh julgando o que vocês tão também falando num sentido tão né não falem isso (JN): tá abrindo as nossas mentes hh Prof.: né não não é falem falem o que vocês pensam mesmo como vocês né... enxergam não é pra disfarçar não sabe eh mas é porque na nossa sociedade (JN): é Prof.: isso na mulher ela se colocar... o homem não se fosse o homem que falasse ai como você é linda hmm que gostosa (G): ( ) que homem é ( ) sempre quer ( ) (realizar desejos) Prof.: o que, gente? (G): mas a gente não tem mesma visão da da mulher Prof.: ah sei 135 (G): aí quando a gente acaba tendo isso até mesmo nos dias de hoje onde conversas de sexo já deixou de ser tabu (.) a gente acaba tendo uma estranheza porque a gente não tem essa ( ) da mulher O aluno (L), então, observou que “a gente tava levando muito pro modo de ver do nosso país”, que “o filme é argentino” e que não sabemos “se na cultura deles aquilo tem um significado diferente”. Neste comentário, nota-se que a abordagem pedagógica estava contribuindo positivamente no processo de diálogo dos alunos com os filmes, uma vez que estava revertendo as tendências de manutenção de estereótipos culturais e fazendo com que os alunos entendessem que há outras formas de ver e perceber o mundo e construir significados. (L): Professora ( ) porque o filme é argentino você não sabe se na cultura deles aquilo tem alguma forma diferente (.) a gente Prof.: atenção legal isso ((A professora estala os dedos para chamar a atenção dos alunos)) (LM): a gente tá levando muito pro nosso modo de ver aqui no nosso país... a gente tem esse ponto de vista (.) a gente não sabe se o filme se pro público alvo daquele filme teve um sentido diferente ( ) eles lá Prof.: ãh-hã é isso mesmo exatamente Após este momento, para finalizar o debate e aproveitando o comentário do aluno (L) sobre o comportamento da Mari, a professora-pesquisadora conversou com os alunos acerca dos diferentes modos de produção do sentido e sua relação com fatores culturais e sociais. Observe: Prof.: não é e aí o (aluno L) falou uma coisa né talvez as mulheres aqui no Brasil sejam não sejam não tenham tanta assim bom a gente tá generalizando tá mas talvez a gente tenha uma tendência no Brasil às mulheres não terem tanta a tomar tanta atitude na hora né talvez por uma força do machismo né que a ( ) tinha falado fora e aí na Argentina talvez não talvez pode ser a gente não sabe mas essa questão dela é o que o (aluno L) falou foi bem significativo talvez na cultura né ali do da Argentina talvez tenha uma forma da mulher agir diante do homem dentro da cultura que tenda a ser diferente da nossa forma né as culturas elas vão ter também quando a gente falou em diferenças culturais também tem isso né a forma como a mulher se comporta como a gente tá acostumado a forma como o homem se comporta isso tudo também tem a ver com essa relação cultural né por isso que a gente nunca assim quando a gente interpreta uma coisa por isso que é legal a interpretação ela nunca é fechada a gente interpretou dessa forma aqui mas o outro lá já pode ser ter um construir de uma outra forma aquele gesto assim como por exemplo às vezes a mulher brasileira brasileira pode ser muito educada assim ah e sorridente falar e no estrangeiro 136 pode achar que ela já tá querendo eh porque de repente em outros países as mulheres talvez não Prof.: é ou seja mais fechadas aí o Brasil aí a mulher conversa dá informação dá um sorriso aí o outro já acha o estrangeiro de repente que a que a mulher tá querendo:: (A): professora mas não tem como não ver diferença das culturas (vê que) no início lá no barquinho o Jun ia pedir a a (A): a mulher dele (A): a namorada dele em noivado Prof.: ãh-hã (A): e ele ia né Prof.: é (A): ( ) mas lá o outro não quem pedia era a mulher Prof.: i::sso é que são as tendências né culturais claro que não não há uma generalização mas as culturas elas que elas que a gente acaba que tende a fazer aquilo que o nosso:: né o nosso (entorno) né tá fazendo deixa eu pegar aqui só um negocinho aí pessoal vocês sabem cês sabem quem tem horas só pra eu saber (U): dez e cinquenta e três Prof.: dez e cinquenta e três (U): isso Prof.: tá então só pra gente finalizar aqui mais um pouquinho aí eu queria falar né a respeito questões também interpretando um pouco o comportamento que que tem a ver porque quando a gente tá lidando com uma língua estrangeira a gente também tá lidando com com formas de você construir às vezes a organizar no texto o que era diferente que pra gente aquilo soa de uma forma estranha mas que pro outro já é mais comum né então a gente tá vendo tentando entender como é que é essa recepção desse texto que é produzido que é construído nesse outro país que é a Argentina né como que esse texto ele é recebido por vocês como vocês interpretam o comportamento dos personagens tá ou seja como então o comportamento de argentinos por exemplo são interpretado por vocês por exemplo né uma das não o comportamento mas as formas de construir mesmo o discurso assim né de você as relações a as relações interpessoais interpessoais é entre pessoas né Movimentos de identificação/não-identificação dos alunos com os filmes Para dar início ao debate sobre o filme “El hombre de al lado”, a professora- pesquisadora perguntou aos alunos da turma X se eles tinham “gostado” do filme. Logo alguns se pronunciaram dizendo que “não”. O aluno (N) afirmou que “poderia ter sido melhor”. O aluno (CH) achou o filme “muito sem lógica”, porque, no final, Víctor “toma um tiro e não acontece nada”. O aluno (NI) disse que a história era “repetitiva”, devido ao fato de Leonardo ficar “reclamando da janela”. Segundo ele, Leonardo deveria ter “chamado a polícia” para resolver “aquela palhaçada” logo na “primeira vez”. Para o aluno (U), o filme 137 “não tem pé nem cabeça”. A professora-pesquisadora perguntou por que ele achava aquilo. O aluno (U), então, respondeu que o filme “podia ter acrescentado” mais acontecimentos. Prof.: vocês gostaram do filme? (S): Não. (CH): Nã::o. (...) (N): Poderia ser melhor. (CH): Ah, professora, achei um filme muito sem lógica porque no final dá (.) não acontece nada praticamente, o cara toma um tiro (S): Não, não, o cara toma tiro e não acontece nada (CO): Ele é gay! Ele é gay?26 Aluno: [Ãh? Ele é gay hh (CH) Marcelo: não sabe o que acontece com a filha Prof.: (Quero te ouvir) (JS): ( ) acha que ele é gay! (CH): ah, a filha é sequestrada, o cara morreu] não sei o que aconteceu com a garota, se ela foi estuprada ou (alguma) coisa assimVários alunos: hh (CH): O cara tomou tiro e ficou por isso mesmo (S): É↑ Alunos: hh (S): Aconteceu nada, aconteceu nada, o cara só tomando tiro. Prof.: Você achou sem lógica (CH): É. Prof.: Calma, a gente já vai falar dessa parte, primeiro vamo falar do filme, o que que a gente gostou e o que a gente não gostou. Quem então aí não gostou? (N): Poderia ter sido melhor. Prof.: Tá. (N): Eu entrego mesmo. Prof.: Já quero te ouvir no "poderia ter sido melhor". (CA): (Desde o início) Prof.: Então, já vai aí, vo- você não gostou por quê? (NI): ( ) filme sem lógica, ele... a maior parte do tempo foi muito repetitiva, aquela coisa dele ficar reclamando da janela e depois (.) ele chama o cara na casa dele e viram amigos mas... Prof.: é (NI): e aí? Prof.: Não entendi muita coisa. (NI): ( ) Era pra ( ) ter resolvido na primeira vez, chamava a polícia e acabava com a palhaçada toda (S): Mete bala nesse fi::27 26 Novamente, nesta formulação do aluno observa-se um indício de preconceito de gênero. 138 Prof.: Sei. E vocês (vem mais agora aqui) (U): Professora Prof.: Pera. (U): Um filme sem pé e sem cabeça. Prof.: Por quê? (U): Porque... (...) (U): Porque (.) um filme assim, ele Prof.: Por que,( L), né? (U): É. Porque (.) começa uma coisa, tipo assim, como se não terminasse... A- Acontece uma coisa com a pessoa (.) e tipo, fica por aí mesmo, nã- não tem um:: (CH): Um nexo. (U): É, não tem um::, uma lógica pro filme. Prof.: Uma lógica como? (N): Não tem fim. Prof.: O que que é uma lógica? (U): É, um filme, tipo assim... O filme poderia ser (.) eh ( ), podia acrescentar mais coisas. Mais adiante, a aluna (Y) perguntou se a professora-pesquisadora “também não tinha gostado” do filme. A professora-pesquisadora respondeu que “amava”. O aluno (U) diz que o filme quis mostrar “a forma de convivência entre os vizinhos”, porém o vizinho era uma “confusão”. Para o aluno (J) o vizinho (Leonardo) estava sendo “hipócrita”, pois ele “podia ter uma janela naquela posição e o vizinho não”. O aluno (NI) concorda dizendo que “ele tinha a casa toda aberta, mas reclamava” do vizinho (Víctor). O aluno (S) diz que eles deveriam ter chegado a um “acordo” para “construir a janela em outro lugar”. Após ouvir as opiniões dos alunos, a professora-pesquisadora observou que, devido ao fato de os alunos estarem acostumados com uma lógica de filme baseada no “cinema hollywoodiano”, eles estavam buscando essa mesma lógica no filme “El hombre de al lado” e que, por isso, o filme proposto os “desconcertava”. A aluna (Y), então, afirmou que se tratava de um “filme abstrato”. (Y): A senhora também não gostou, não? Prof.: Não, eu amo esse filme. (...) 27 As frases “chamava a polícia e acabava com a palhaçada todo” e “mete bala” indiciam um tipo de relação com a polícia e com a violência bastante característica da organização social do Rio e do Grande Rio (baixada fluminense, inclusive). 139 (U): Porque, tipo assim, o filme ele quis demonstrar tipo assim um, a... tipo, a forma de vivência entre os vizinhos mas só que o vizinho ( ) é "mó" confusão, porque lá é proibido, né, essas coisa assim Prof.: I::sso. (...) (J): ( ) ele tinha uma janela na mesma posição mas o vizinho não podia ter. Prof.: Ãh-hã:: (J): Por que que ele podia ter uma janela naquela posição e o vizinho dele não podia ter, é hipocrisia ( ) ali Prof.: Sei, entendi (...) (NI): ( ) porque a casa dele é praticamente toda aberta↑e ele reclama do cara Prof.: Ah::mas então gente, mas é isso, é aí que tá o interesse do filme (S): ( ) sei lá, chegar a um acordo (com o outro) ( ) botar a janela em outro canto Prof.: Por que é que (diz) então, gente, olha só... vocês estão tocando num ponto muito legal (.) eh, pessoal ( ). É o seguinte: vocês até (tão) tocando num ponto muito interessante, a partir do momento em que vocês estão me perguntando (.) né, me indagando, mas qual o sentido (.) disso (D): Daquilo Prof.: Mas é justamente aí que tá o lado legal do filme porque esse filme (D): legal ( ) Prof.: ele é o lado interessante (D): hh Prof.: da história do >filme< ou se- porque esse filme ele não é um filme realmente, ele não tem a história toda ali como a gente na verdade estaria acostumados a ver no estilo hollywoodiano da coisa, ou seja, que todo, tudo leva a algum lugar, ou seja, toda história algo de diferente vai acontecer (.) né, não fica preso num problema só (.) ou seja, essa lógica do essa lógica do cinema americano é uma lógica que, que ela tá muito, assim, na nossa:: no nosso cotidiano mesmo, né, no nosso dia a dia, a gente lida mais com essa lógica, então quando vem uma lógica de um um filme que apresenta uma outra lógica, um uma outra reflexão... eh, a gente fica um pouco, né, não não cabe muito, peraí isso é um filme, mas isso é filme, não, o que eu aprendi de filme (.) não é isso, né, é meio isso que vocês tão me dizendo (.) até (ontem) o que eu aprendi de filme não é isso. Pra mim um filme tem que ter lógica, tem que ter pé e cabeça, pra mim um filme tem que ter (.) então esse é um filme que que [desconcerta Alunos: ºhhº Prof.: né] no sentido que ele traz uma uma outra lógica de filme. (Y): É um filme abstrato. Por fim, observou-se que, embora os alunos tenham tido certo estranhamento em relação ao filme “El hombre de al lado”, devido aos diversos fatores já apontados aqui, a interação deles com o filme não foi prejudicada. Eles se mostraram empenhados ao longo do 140 debate em discutir todas as questões que surgiram, a fim de buscar um entendimento maior acerca deste “novo” modo de produção cinematográfica. 6. Análise das entrevistas realizadas com os alunos Finalizado o processo de trabalho com os filmes, a professora-pesquisadora realizou as entrevistas semiestruturadas28, a fim de verificar como os alunos avaliavam a metodologia de ensino utilizada ao longo da pesquisação. No total, foram entrevistados, individualmente, quatro alunos. O critério utilizado para a seleção dos alunos foi o seguinte: escolher, em cada uma das turmas, um aluno que tenha revelado, em suas respostas escritas (referente às atividades de interpretação), movimentos de adesão em relação às formações discursivas por abrupção, e um aluno que tenha revelado movimentos de resistência em relação ao discurso do outro. As perguntas tinham como objetivo aprofundar a observação tanto dos movimentos de adesão ou de resistência dos estudantes (devido a sua relação com pré-concepções ligadas às suas formações discursivas), quanto dos movimentos de mudança e/ou reposicionamento decorrentes do processo didático experienciado ao longo do ano letivo. Segue abaixo o roteiro das perguntas29: 1. Como você avalia as atividades propostas ao longo do processo de interação com os filmes? 2. Você percebeu alguma diferença entre o seu modo de falar e o do estrangeiro do mundo hispânico? Na análise das entrevistas desta pesquisa foi utilizado como suporte teóricometodológico a perspectiva discursiva proposta por Rocha, Daher e Santa’Anna (2004) no texto “A entrevista em situação de pesquisa acadêmica: reflexões numa perspectiva discursiva”. Os autores compreendem a entrevista como “produção situada sóciohistoricamente, como prática linguageira que se define por uma dada configuração enunciativa que a singulariza” (Rocha, Daher, Sant’Anna, 2004, p.2), negando, assim, a ideia de que a situação da entrevista revela uma verdade ou uma realidade do sujeito que deve ser acatada pelo pesquisador. Deste modo, compreende-se que, no texto produzido pelo entrevistado, além da sua própria voz, percebe-se a presença de outros dizeres e saberes. 28 As transcrições das entrevistas se encontram no anexo 7. Além destas duas perguntas específicas, utilizadas com os quatro entrevistados, a professora-pesquisadora também fez perguntas referentes a cada uma das respostas produzidas pelos alunos, individualmente, nas atividades de interpretação realizadas ao longo do processo de trabalho com os filmes. 29 141 Trata-se da existência de uma “massa de textos” construída anteriormente ao momento da entrevista. Porém, isso não indica que a entrevista seja uma reprodução desses textos. De acordo com os autores, trata-se de uma nova situação de enunciação que reúne entrevistador e entrevistado, situada num certo tempo, num espaço determinado, revestida de um certo ethos, com objetivos e expectativas particulares, etc. Tudo isto que caracteriza a entrevista como situação de enunciação é suficiente para justificar que algo de novo – e de irrepetível, como o pressupõe o próprio conceito de enunciação – se produza aí, por ocasião de sua realização. Diremos, deste modo, que a entrevista não é mera ferramenta de apropriação de saberes, representando, antes, um dispositivo de produção / captação de textos, isto é, um dispositivo que permite retomar/condensar várias situações de enunciação ocorridas em momentos anteriores. (Idem, p.14) Por este motivo, os entrevistados são sempre pessoas que participaram do processo ou que conhecem determinado tópico abordado na entrevista. Esse saber é, então, atualizado no momento da entrevista. Além disso, nesta perspectiva, o material produzido nas entrevistas não é considerado o próprio corpus de análise, visto que sempre haverá informações, digressões, retificações e informações excedentes. Por isso, caberá ao pesquisador circular neste campo em que se entrecruzam determinados discursos e executar um recorte, de acordo com os critérios e objetivos da pesquisa. De acordo com os objetivos desta pesquisa, foram analisados os movimentos de resistência dos alunos revelados nas entrevistas. Foi possível observá-los nas falas dos quatro entrevistados. A primeira resistência diz respeito aos filmes utilizados. Por exemplo, a aluna (G) diz que, no início, achou o primeiro filme chato e o aluno (RB) diz que não gosta dos filmes. Nota-se que um dos motivos que fez com que a aluna (G) resistisse ao primeiro filme foi o fato de ela ter achado complicado ver um filme em espanhol. O aluno (RB) resistiu porque ele não está acostumado a ver esse tipo de filmes que, segundo ele, “conta muito a vida do personagem”. Porém, pode-se observar que, devido ao processo didático, ocorreu um reposicionamento dos alunos em relação aos filmes. A aluna (G) diz, então, que, com o tempo, devido aos exercícios que eram feitos ao longo do processo, foi entendendo melhor e passou a gostar dos dois filmes. O aluno (RB) diz que, embora não tenha gostado do filme em si, ele achou bastante interessante tudo o que aprendeu com ele (tanto em relação à cultura quanto à própria língua). Observe: 142 (G): Eu gostei bastante assim no começo eu achei meio chato o primeiro filme (.) mas aí depois com o tempo quando a gente foi fazendo os exercícios deu pra (.) entender melhor porque ver filme em espanhol pra quem não sabe espanhol é bem (.) complicado (.) mas (.) eu gostei bastante dos dois filmes até mais do segundo filme (RB) Dos filmes eu admito que não são do meu gosto, assim, filmes, às vezes que conta muito a vida do personagem, mas eu achei ele bastante interessante não o filme em si, mas o que a gente aprendeu do filme, o que que tinha por trás do filme, a proposta do filme, o que a gente acabou aprendendo por trás do filme, tanto da cultura quanto do:: da própria língua. Eu acho que esse aprendizado que a gente teve bastante interessante. Cabe ressaltar que as entrevistas revelam que, para todos os alunos, esse tipo de proposta era algo novo. Observe: (DR): Eu nunca tinha presenciado uma aula de espanhol nesse sentido, (RB): É a primeira vez que eu trabalho com, assim, né na escola, aprendendo espanhol, a proposta vendo filmes (G): É uma forma diferente de você aprender (RU): É que quando eu pensei que era aula de espanhol, você tinha que memorizar verbo no espanhol, isso é muito chato, então isso melhorou muito, é um aspecto positivo para a disciplina. Deste modo, pode-se notar, em algumas entrevistas, um movimento de resistência inicial em relação a esta nova proposta didática, devido à adesão dos alunos a pré-concepções acerca do ensino de língua estrangeira. O aluno (DR), por exemplo, diz que estava acostumado com aquela “coisa bem clássica de você aprender verbinhos e livros didáticos, fazer exercícios em casa”. O aluno (RU) diz que “foi bem diferente da expectativa” que ele tinha de uma aula de espanhol. Porém, em ambos os casos, eles afirmam ter sido positiva a experiência vivenciada ao longo do processo didático. Assim, foi possível observar um reposicionamento das suas opiniões. O aluno (DR) diz que achou muito interessante e eficaz esse novo método de ensino, embora os alunos possam ficar um pouco “ressentidos”. Embora esse “ressentimento” revele certa permanência do movimento de resistência, é possível também observar uma adesão a essa nova proposta. Deste modo, o aluno (DR) afirma que “o ideal seria dividir [as aulas] em duas partes”. Por sua vez, o aluno (RU), após o contato com esse tipo de aula de espanhol, passou a considerar “chato” o ensino de LE voltado para a memorização. De acordo com ele, neste tipo de proposta, o aluno aprende “porque gostou de aprender”. Observe: 143 (DR): Eu nunca tinha presenciado uma aula de espanhol nesse sentido, sempre era aquela coisa bem clássica de você aprender por verbinhos e livros didáticos, fazer exercícios em casa, essas coisas e:: esse ano eu passei por uma situação muito diferente né, um novo modelo de ensino que tá aí agora nessa nova era né de ensino de outros idiomas e eu achei muito interessante esse método de ensino, por mais que às vezes a gente possa ficar um pouco ressentido, com o pé atrás, ah não tem verbo, ah num sei o quê, a gente num pratica verbos. Mas eu acho que isso a gente vai se acostumando a partir do momento que a gente tem um acesso melhor ao diálogo dos filmes em si, ainda mais que são filmes argentinos em sua maioria e eu acho que é uma forma interessante de se aprender. Por exemplo, eu não acho que seria um negócio cem por cento isso, eu acho que o ideal seria saber dividir em duas partes, claro, ressaltando esse novo método de ensino, porque é eficaz. E a partir do momento que você aprende uma cultura e todas as formas verbais que eles têm de se comunicar acho que facilita muito mais o ensino do que é comumente visto em vários cursos de língua estrangeira. (RU): Foi bem diferente da expectativa né () de uma aula de espanhol mas foi bem legal aprender espanhol de outro jeito. Foi bem legal. Tipo assim, não aquele espanhol chato, memorizado, mas aquele que você aprende porque gostou de aprender. Muito bom isso. Ambos os filmes foram filmes excelentes, a maioria de humor, que eu nunca tinha visto. Os alunos (RB) e (G), embora estivessem vivenciando pela primeira vez aquela proposta, não manifestaram movimentos de resistência relacionados às suas pré-concepções. Pelo contrário, desde o início mostraram aderir à proposta, sem nem mesmo mencionar suas expectativas. O aluno (RB) disse que foi interessante porque o estudante “acaba conhecendo outra cultura”. A aluna (G), por sua vez, disse que foi “mais fácil” e “mais intrigante” aprender vendo filmes. Observe: (RB): Logo de início eu achei a proposta bem interessante, que é a primeira vez que eu trabalho com, assim, né na escola, aprendendo espanhol, a proposta vendo filmes, eu achei interessante. Tanto a, como que você conhecer os filmes antes né, tanto lendo as reportagens absurdas quanto saber que tinha a questão dos chineses na argentina, é bo pra entender o contexto do filme né, que () pra entender o texto tem que saber o contexto né, então foi interessante, porque sem essa análise antes talvez a gente não fosse entender todo o contexto que tava por trás do filme. E foi bom no sentido de que culturalmente contribui porque você acaba conhecendo uma outra cultura e, como você disse também durante o ano, você acaba se conhecendo, faz refletir sobre como as pessoas pensam em outros lugares e ver até que ponto bate com o que você pensa, de que forma... É uma construção cultural bastante interessante. (G): Mais fácil do que:: por exemplo (.) aprender a a:: gramática (.) literatura tudo assim bem certinho que nem a gente aprender no português (.) que a gente pega tem isso aquilo 144 matemática também (.) tem isso aquilo tem que aprender aquilo (.) aí:: aprender desse jeito vendo filme texto é uma forma mais como é que se diz intrigante de aprender que te interessa mais (.) do que se você fosse fazer aquilo certinho (.) toda a gramá::tica eh (.) aprender assim mesmo a:: que nem aprende em curso essas coisas. Por fim, pode-se observar um movimento de adesão à proposta, haja vista o fato de o aluno (RU) ter considerado que ela provoca uma “interação” e uma união entre a turma. Observe: (RU): Com certeza me aproximou mais da matéria, porque traz aquela interação do aluno enquanto a professora enquanto a turma toda né tipo nas rodas quando a gente se reunia pra poder discutir sobre os filmes, sobre algum fato de aulas anteriores ou da mesma. Traz uma boa interação e um inturmamento né. Ajuda. Muito bom. Tirando que é divertido né. Além disso, as entrevistas revelam que há, em alguns casos, um movimento de resistência em relação às discursividades preponderantes no contexto argentino atual. Por exemplo, a aluna (G) diz que parece que eles falam de um modo “grosso” e “colocam um pouco de raiva” quando conversam. Observa-se também, em sua fala, uma adesão à formação discursiva por transição, uma vez que, segundo ela, no Brasil, as pessoas tem um jeito “mais simpático”, pois falam de um “jeito muito espontâneo”. Porém, a aluna revelou, também, que reconhece que pode ser somente uma “impressão” da sua parte e que a pessoa pode não estar sendo grosseira. Este reconhecimento foi propiciado pelas reflexões ocorridas em sala de aula. Nota-se, então, que a abordagem pedagógica pode intervir produtivamente (revertendo tendências ao distanciamento) no processo de diálogo de alunos brasileiros com filmes hispânicos. (G): às vezes] (às vezes) pode ser o natural deles mas de vez em quan- mesmo que fale assim natural conversando às vezes eles parece que colocam um pouco de de raiva essas coisa fala tipo grosso Prof.: sei hh (G): aí hh dá impressão mesmo que a pessoa não esteja sendo grossa (.) às vezes dá impressão que ela é grossa pelo jeito que ela fala Prof.: e você achou que isso tava em em todos os filmes nos dois filmes? (G): Em todos os dois eu achei que tava evidente isso mesmo que a pessoa tivesse falando com naturalidade mas Prof.: ãh-hã:: (G): ela fala como se ela fosse rude grossa mesmo que não fosse mas dava a entender que ela era Prof.: ãh-hã:: ah:: e e você que isso é diferente do da por exemplo do do Brasil 145 (G): acho Prof.: isso isso te dá (G): acho Prof.: por que, como é que (G): acho porque eh os brasileiros eu acho que eles têm um jeito mais simpático de falar assim (.) nem todo mundo fala grosso mas tem muita gente que fala muito espontâneo essas coisa então às vezes não dá a entender que a pessoa é grossa mas nos filmes deu bem a entender mesmo que a pessoa não seja parecia muito que ela era pelo jeito que ela falava Também notou-se, nas entrevistas, um movimento de adesão em relação ao discurso do outro. O aluno (RB), por exemplo, embora reconheça que há diferença no que diz respeito ao modo de enunciar dos brasileiros e argentinos, não exclui a possibilidade de ocorrência das duas formações discursivas em ambos os países. Segundo o estudante, a maioria dos brasileiros, quando querem conseguir algo, utilizam um modo de construção do discurso amistoso. Trata-se, nas palavras do aluno, de um “desenrolar” e de dar “jeitinho” – traço este característico das formações discursivas por transição. Porém, para ele, também existe, no contexto brasileiro, ainda que em menor quantidade, formações discursivas de abrupção. O aluno (RB) também estabelece uma relação entre o modo de enunciar de Víctor e o modo de enunciar dos brasileiros, apontando que, no contexto Argentino, também há a ocorrência de formações discursivas por transição. Por fim, observou-se que o estudante, a partir da proposta didática vivenciada por ele ao longo da pesquisação e das suas próprias experiências de mundo, reconheceu a preponderância dos diferentes modos de produção do discurso em cada uma das línguas/culturas trabalhadas, assim como se conscientizou de que a diferença é constitutiva do nosso mundo e pode ser percebida não somente quando nos deparamos com o outro (o estrangeiro), mas também dentro cada cultura. Observe: Prof.: hmm legal (.) legal brigada (.) e bom por fim então queria saber o que que você achou do modo de enunciar se você percebeu alguma diferença por exemplo (.) entre o modo (.) de interação né (.) interação com o outro por exemplo nas sociedades né o modo de convivência por exemplo (.) de eu (.) me interagir com você né como professora (.) por exemplo é diferente nas socieda- no Brasil é diferente o professor talvez eh nos Estados Unidos né talvez tenha uma outra um outro modo de tratamento por exemplo (.) e eu queria saber o que que você se você sentiu alguma diferença entre o modo (.) de interagir né o modo de enunciar (.) do dos hispano-americanos que a gente viu no filme né dos estrangeiros no caso eram os argentinos né (.) se você (vê) se você sentiu (RB): hmm Prof.: alguma diferença entre o modo 146 (RB): é indiscutível que há diferenças né (.) mas assim eu não gosto muito de pega::r (.) eu gosto assim de estudar sociologia de (.) psicologia e eu vejo assim que eu não gosto de estereotipar por exemplo ah os argentinos se tratam dessa forma os brasileiros se tratam dessa forma claro que há como uma maioria (.) né (.) isso que eu respondi (.) mas eu não senti muita diferença eu particularmente não senti diferença porque assim essa diferença que a gente encontra (.) entre a maioria dos brasileiros e a maioria dos argentinos Prof.: ãh-hã (RB): a gente também encontra aqui dentro só que numa minoria Prof.: é (RB): então assim assim como tinha pessoas como o Roberto tratava as pessoas também conheço pessoas que tra- que se tratam os outros assim mesmo que não seja a maioria (.) tem essa pequena minoria que nem é tão pequena assim mas não é a grande maioria (.) né Prof.: a grande maioria que seria como? (RB): ( ) as pesso- assim que a correspondem a (.) matematicamente mais de cinquenta por cento das pessoas se trata dessa forma mas também a outra minoria (.) não é tão pequena assim você encontra muita gente que trata os outros como o Roberto trata como o Leonardo trata como o Victor trata tenta (.) conversar tenta desenrolar o Victor por exemplo ele a princípio não quis (.) eh parar a obra porque aí é uma coisa que ia (beneficiar) ele aí tenta conversa::r tenta dar um jeiti::nho não vamo na minha van deixa eu te mostrar minhas coisas que eu faço né Prof.: ãh-hã:: (RB): pra conhecer pra tornar amigo tudo assim negócio de um pouco de:: como eu posso dizer... tenta desenrolar com ele pra po- pra ver se acabava fazendo ele ceder não vou mostrar que não tenho más intenções né só Prof.: sei sei (RB): ele tentou um pouco desenrolar pra conseguir também o objetivo dele brasileiro também tem um pouquinho disso [né Prof.: ãh-hã (RB): não só] no geral mas a maioria né tenta não sempre que ele sabe que ele tá errado mas ainda assim ele quer alguma coisa ele não não desiste logo de início ele tenta ir conversa::ndo (.) [(dar) um jeiti::nho Prof.: (dar um) jeiti::nho] ãh-hã:: (RB): pra poder eh atender os dois lados né então não senti muita diferença sabe por que essas diferenças ( ) na Argentina tem de pessoas e pessoas também dentro [de cada país Prof.: dentro de cada país] né (RB): a gente acaba convivendo com pessoas diferentes né as pessoas (.) não são iguais a gente acaba se acostumando com a diferença (.) até eu ( ) também com bastante pessoas eu não vejo muita diferença eu conheço muitos tipos de [pessoas 147 148 Considerações finais Após a análise das interações dos estudantes brasileiros com os filmes argentinos exibidos ao longo desta pesquisa, podemos concluir que os alunos apresentaram maior adesão às formações discursivas com ressonâncias de transição, visto que estas, por serem predominantes no português do Brasil, como aponta Serrani, lhes são mais familiares. Por outro lado, observou-se que os estudantes apresentaram maior resistência às formações discursivas que se realizam nos filmes com ressonâncias discursivas de abrupção. Por exemplo, a partir das respostas dos alunos referentes às atividades escritas de interpretação, o modo de enunciar por transição, muitas vezes, é interpretado pelos alunos como “mais educado”, assim como o modo de enunciar por abrupção é interpretado, em diversos momentos, como “pouco educado”, “grosso” e “rude”. Também observamos uma associação, estabelecida por grande parte dos alunos, entre “forma direta” de falar e intolerância ou irritação, levando-nos à conclusão de que o padrão de cortesia se dá, predominantemente, no contexto brasileiro, por meio de “formas transitivas”. É possível, por fim, relacionar o surgimento dessa formação discursiva aos processos sócio-históricos de formação do país. Assim, visto que o estabelecimento de laços afetivos e a demonstração de respeito através da intimidade caracteriza o modo de se relacionar dos brasileiros (tornando-nos, imaginadamente, uma comunidade), devido à herança de uma sociedade patriarcal, presente nas raízes de sua constituição, na qual reinavam os valores da família, a manutenção do pacto enunciativo tende a se dar por meio da cordialidade, em oposição aos ritualismos de polidez (ou seja, aos padrões de cortesia). Já no contexto argentino, observa-se que prevalecem os modos de enunciar que caracterizam as formações discursivas por abrupção, como, por exemplo, uma tendência discursiva em afirmar o conflito, uma vez que o processo de formação do país é marcado por sangrentas guerras, devido à discórdia entre portenhos e as demais províncias da região. Por fim, cabe ressaltar que esse posicionamento em relação ao discurso do outro, além de estar atravessado por memórias discursivas decorrentes de processos sócio-históricos, é também relativizado pelo atravessamento de outros fatores, tal como a identificação subjetiva com o problema vivido pelos personagens. Após a observação de todo o processo através dos diversos instrumentos analíticos utilizados (questionários, atividades escritas, debates e entrevistas), dentre os momentos mais marcantes da pesquisação, podemos destacar: 149 1. o aprofundamento da interação dos alunos com os textos, a partir da divisão do processo em quatro etapas distintas (motivação, introdução, visualização, interpretação); 2. a experiência, por parte dos alunos, de poder viver um processo de aprendizagem diferente do que eles estão acostumados na escola; 3. o estabelecimento de uma relação entre teoria e prática, no sentido da verificação do acontecimento teórico na prática em sala de aula. Além disso, observou-se que a ação didática serviu para sensibilizar e conscientizar os alunos em relação às diferenças culturais, linguísticas e discursivas, devido ao fato de buscar um viés não-dicotômico das formações discursivas de abrupção e transição, formuladas por Serrani, e de revelar que, embora haja determinadas predominâncias de produção e construção do sentido, ambas estão presentes, simultaneamente em ambas as sociedades. Por exemplo, nos debates foi possível perceber a interação entre diferentes interpretações: enquanto uns estabeleciam um distanciamento em relação às formações discursivas de abrupção, outros – embora minoritários – demonstravam adesão. Observou-se, então, uma pluralidade de vozes que se entrecruzam em um movimento de consenso e dissenso, gerando novas vozes e novos sentidos. Através deste movimento, os alunos puderam perceber que a construção do sentido varia (pois são construções socioculturais), tanto na interação entre pessoas situadas em um mesmo contexto ou entre pessoas situadas em distintos contextos, e que a predominância de determinados modos de interpretação dos sentidos se relaciona com fatores históricos de formação dos países. Deste modo, constatou-se que a proposta didática desenvolvida nesta pesquisa é produtiva para o ensino de ELE nas escolas, visto que esta abordagem, ao reverter tendências ao distanciamento no processo de diálogo dos alunos com os filmes hispânicos, propicia movimentos de mudança e reposicionamentos por parte dos alunos brasileiros em relação ao discurso do outro e em relação aos diversos modos de produção do sentido, revertendo tendências a estereótipos e preconceitos culturais e ampliando as formas de leitura do mundo ao nosso redor. Por fim, consideramos que esta proposta de análise contribui com o enriquecimento das propostas de pesquisa na área de ensino/aprendizagem de língua estrangeira, pois, através da articulação dos princípios teórico-metodológicos da Análise do Discurso ao campo pedagógico, oferece perspectivas de reflexão acerca das práticas do ensino de ELE (setor em que há ainda o predomínio da dimensão gramatical deslocada do seu contexto de uso) e das práticas de leitura em sala de aula (não somente de textos escritos, como também leitura e compreensão de outras textualidades que circulam na esfera social), criando situações para 150 que o aluno vivencie a pluralidade de sentidos de um texto (seja ele exclusivamente escrito ou sincrético). Além disso, esta pesquisa, por buscar um viés mais complexo de entendimento dos sinais de proximidade e distanciamento manifestados no processo de interação discursiva, considerando os processos sócio-históricos de construção de sentidos, desenvolveu nas aulas de língua estrangeira interações que propiciaram o engajamento enunciativo do aprendiz nas práticas discursivas. 151 152 Referências Bibliográficas: ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. AUTHIER-REVUZ, Jaqueline. Palavras incertas: as não coincidências do dizer. Campinas: Ed. da UNICAMP, 1998. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BASTOS, Liliana Cabral & SANTOS, William Soares dos. A entrevista na pesquisa qualitativa - Perspectivas em análise da narrativa e da interação. Rio de Janeiro: Quartet/Faperj, 2013. BENJAMIN, Walter. O Narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. 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Paris, 1973. 155 156 ANEXOS Anexo1: Modelo do questionário Anexo 2: Modelo do termo de consentimento Anexo 3: Reportagens utilizadas na motivação do filme “Un cuento chino” Anexo 4: Reportagem utilizada na introdução do filme “Un cuento chino” Anexo 5: Atividades Didáticas de Interpretação Anexo 6: Convenções das transcrições Anexo 7: Transcrições das entrevistas 157 158 ANEXO 1 – MODELO DO QUESTIONÁRIO 159 160 QUESTIONÁRIO Nome completo:_________________________________________________________ Curso:______________________________ Idade: _______ 1. Onde você mora? Há quanto tempo? _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ 2. Já morou em outros lugares? Quais? Por quanto tempo? _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ 3. Em quais escolas você estudou? Especifique as séries cursadas em cada instituição. _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ 4. Você costuma ler textos fora do contexto escolar? Em caso afirmativo, a que gêneros pertencem esses textos? E quais temáticas o atraem mais? _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ 5. Você costuma ver filmes? Em geral, os filmes que você assiste são produzidos em que país? Você assiste mais dublado ou legendado? _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ 6. Quais são suas atividades e/ou hobbies fora da escola? _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ 7. Além do contato com a Língua Espanhola em sala de aula, que outros contatos com este idioma você tem/teve? _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ 161 162 ANEXO 2 – MODELO DO TERMO DE CONSENTIMENTO 163 164 AUTORIZAÇÃO PARA USO DE FALAS E REGISTROS ESCRITOS (alunos menores de 18 anos) Por meio deste documento autorizo a professora Julia Caldara Pelajo, docente de Espanhol da presente instituição e mestranda do Programa de Pós Graduação em Letras Neolatinas da UFRJ, a gravar as falas espontâneas, ocorridas em sala de aula, de resposta a questionários ou em entrevistas do(a) aluno(a) ___________________________________________________________________________ e a utilizá-las para fins de pesquisa, informação ou divulgação, nas área de educação e ensino de línguas estrangeiras. Autorizo ainda que tais falas sejam transcritas e citadas total ou parcialmente em trabalhos apresentados em congressos, artigos publicados em periódicos ou em outros meios de divulgação científica. Autorizo também que registros escritos produzidos pelo(a) aluno(a) sejam utilizados com finalidade científica em trabalhos de pesquisa em educação e em ensino de línguas estrangeiras, de forma total ou parcial. Em todos os casos supracitados, abro mão de qualquer direito de pré-inspeção e préaprovação do material utilizado, assim como de qualquer compensação financeira pelo seu uso. Além disso, qualquer publicação deverá preservar o nome do(a) aluno(a) supracitado(a) e manter sigilo quanto à sua identidade. Também deverá ser garantido o direito do aluno desistir de participar da pesquisa em qualquer momento. Declaro ser maior de idade, tendo todo o direito de autorizar os termos acima expressos, em nome do(a) aluno(a) supracitado(a), estando plenamente ciente do inteiro teor desta autorização. Nome completo:___________________________________________________________ Assinatura:______________________________________Identidade: _______________ Endereço Residencial: _____________________________________________________ Data: ___/___/_____ 165 166 ANEXO 3 – REPORTAGENS UTILIZADAS NA MOTIVAÇÃO DO FILME “UM CUENTO CHINO” 167 168 REPORTAGEM 1 CLARÍN (Marzo, 2014) Se fue a la India a meditar y desapareció en el río Ganges. Es Héctor Rolotti, dueño de la cadena de restaurantes Novecento. Estaba con su esposa cuando vio que una mujer se ahogaba en un remolino. Se tiró al agua para rescatarla y se lo llevó la corriente. El empresario gastronómico cordobés Héctor Rolotti, socio fundador de la cadena de restaurantes 900 (Novecento), desapareció el lunes en aguas del río Ganges, en la India, cuando se arrojó al agua para rescatar a una mujer que se ahogaba. Un comunicado de la empresa Novecento detalló que Rolotti se encontraba junto a su mujer y un grupo de personas en la ciudad de Rishikesh, en la zona norte del río Ganges, cuando vieron que una mujer era absorbida por un remolino. Fue entonces que el empresario y otras personas se arrojaron al agua para intentar rescatar a la mujer. Lo lograron, pero Rolotti no pudo salir del agua y fue arrastrado por la correntada. Ayer por la mañana no estaban claras las circunstancias de su desaparición. En un primer momento se difundió la versión de que Rolotti había sido arrastrado por las aguas del Ganges mientras participaba de un ritual, lo que fue más tarde desmentido por el grupo Novecento. El empresario había viajado a la India junto a su mujer y amigos para practicar meditación y descansar. Rolotti tiene 46 años, es padre de cuatro hijos y está radicado desde hace varios años en Estados Unidos. Hoy vive en Miami, pero sus comienzos fueron en Nueva York, donde arrancó con un pequeño café en el Soho que se transformaría en el punto de partida de una cadena internacional de restaurantes que hoy tiene tres locales en los Estados Unidos, uno en Punta del Este, uno en México, dos en Buenos Aires y uno en Córdoba, que son visitados por celebridades del espectáculo y deportistas. Héctor Rolotti nació en la provincia de Córdoba y se crió en La Cumbre. Fue pupilo del tradicional colegio inglés San Pablo, del que le quedó un recuerdo “espectacular”, según dijo al diario La Voz en 2007. “Se hacen amistades muy fuertes en ese tipo de colegios. Con mis ex compañeros podemos andar por cualquier parte del mundo y no vernos por años, pero nos juntamos y parece que fuera ayer”, dijo entonces con una sonrisa. En 1988, Rolotti viajó a los Estados Unidos por un asunto comercial y le ofrecieron trabajo en una agencia de viajes de Nueva York. Trabajó un año en turismo, después se cansó y salió a vender películas en video, tenía entonces solo 23 años. “Después, viví en el Soho y encontré el local donde abrimos el primer Novecento”, le contó a La Voz ya hace más de seis años. Así, en el 343 de West Broadway de Nueva York nació la que hoy es una cadena internacional de restaurantes. Fue en 1991. El nombre de la cadena está inspirado en la película llamada así de Bernardo Bertolucci. “Arrancó como un cafecito, un delirio. Abrimos con dos pesos”, recordó. El secreto del rápido éxito del entonces café Novecento, contó Rolotti, era el café. Servían expreso y capuchino en una zona donde solo se conseguía café americano de filtro, “jugo de paraguas”, según lo llamaba con humor Rolotti. “El nuestro se convirtió en el café del barrio, hasta que empezaron a aparecer todos los argentinos que andaban de viaje”, repasó. Después, un amigo argentino que vivía en Nueva York se volvió a Buenos Aires y con él se asoció para abrir el primer Novecento en Argentina. Fue en Las Cañitas, cuando el barrio estaba lejos del boom gastronómico que surgió después. Mientras, en el Soho neoyorquino creció la competencia y Rolotti recibió una oferta de 250 mil dólares por su negocio; la rechazó. Consiguió 169 inversiones y en 1996 abrió un local en Punta del Este, en 1999, otro en Córdoba y en 2000, uno en Martínez. Allegados al empresario dijeron a Clarín que Rolotti es una persona muy sana, con buena preparación física y con una gran fuerza interior, y que por eso abrigan la esperanza de encontrarlo a salvo. 170 REPORTAGEM 2 CLARÍN (Marzo, 2014) El empresario brasileño se tiró por la borda del crucero Estaba de vacaciones con su esposa en un barco de lujo. Su cuerpo apareció en Punta Lara. Las cámaras del buque fueron clave. Odair Marcos Faría, el empresario brasileño que fue hallado muerto en las costas de Punta Lara, habría saltado del crucero en el que viajaba, según se desprende de las primeras conclusiones a las que llegaron los investigadores que llevan adelante la causa. Odair iba a bordo de un crucero de lujo, el Costa Fascinosa, junto a su mujer, María Cristina Florio Bonafín Faría, donde fue visto por última vez el miércoles pasado. Según revelaron las cámaras del barco, Odair se acercó a una de las barandas de la cubierta y se arrojó al mar. Además, María Cristina reveló que el viaje había sido un regalo de los hijos de ambos, luego de que pocos días antes la pareja se hubiera enterado de que uno de los dos (no trascendió cuál) tenía una enfermedad terminal, según declaró a la justicia. El cuerpo de Odair fue hallado por Prefectura de Punta Lara el jueves 13, enganchado a unos juncos a 50 metros de la costa sobre el Río de la Plata entre el camping C.E.C.O y el club Universitario. Faría tenía el torso desnudo y vestia solamente un traje de baño de color amarillo. Recién el lunes 17 se confirmó que se trataba del empresario desaparecido, luego de que su hermano reconociese el cuerpo en la morgue. La pareja viajaba a bordo del Costa Fascinosa, un barco que cuenta con 1.500 camarotes, cinco restaurantes, casinos y cines. Había salido el día 8 de la costa de Santos, en Brasil, y estaba a 19 kilómetros de Buenos Aires cuando Odair desapareció. Actualmente está en viaje de regreso a Brasil. 171 REPORTAGEM 3 CLARÍN (Marzo, 2014) Dos nuevas muertes en Venezuela: son 31 las víctimas en las protestas En Táchira, un estudiante recibió un disparo desde una moto y en Caracas, un ho mbre que limpiaba una barricada. Un estudiante y un trabajador murieron a balazos en medio de los desórdenes en Venezuela, lo que aumentó a 31 el número de víctimas mortales tras cinco semanas seguidas de protestas contra el gobierno, dijeron las autoridades. El estudiante perdió la vida en la región suroccidental de Táchira, donde comenzó el movimiento universitario de protestas, y un trabajador municipal murió cuando aparentemente limpiaba una barricada opositora en Caracas. Las protestas han continuado pese a la militarización de las calles en las zonas de mayor conflictividad. Es verdad que las barricadas han bajado de intensidad, pero las manifestaciones han cambiado de método, siendo más creativas, artísticas y sociales. Por ejemplo ha nacido el grupo de las “Madres de la Plaza Altamira”, la mayoría de la tercera edad, que enfrentan con flores a los uniformados, y también los músicos callejeros. Al saldo de 31 muertes por las protestas se han sumado dos nuevos baleados por motociclistas: Anthony Rojas, un estudiante de 18 años de Ingeniería mecánica de la Universidad Nacional Experimental del Táchira en San Cristóbal, y Francisco Madrid, un trabajador de limpieza en la urbanización Montalbán en Caracas. El alcalde de Caracas y dirigente oficialista, Jorge Rodríguez, señaló en su cuenta de Twitter que el trabajador Madrid fue asesinado por “terroristas” cuando despejaba una vía obstaculizada por una barricada. Paralelamente, el presidente Nicolás Maduro alertó sobre una “crisis económica y social” en la región si fuese derrocado. Lo sorprendente de su declaración es la seguridad con que lo dijo ayer en su programa radial semanal “En contacto con Maduro”, donde afirmó que ha salido “fortalecido” después de 36 días de protestas. Advirtió que si la “revolución bolivariana” fuera derrocada “Estados Unidos debe saber que vendría un período de desestabilización, de crisis económica y social, de violencia en todo el continente”. El mandatario venezolano añadió que “tendría que prepararse Estados Unidos para que lleguen allá desde el Caribe, irían los pobres a tocar las puertas, a buscar una oportunidad para su vida”. Señaló que EE.UU. sería el más perjudicado en caso de aplicar sanciones a Venezuela y si decide no comprar más su petróleo venezolano. “Este se venderá en otro lado”, dijo. “El más perjudicado en una escalada de sanciones va a ser EE.UU., su sociedad, sus empresarios, su pueblo, es el más perjudicado, ojalá no nos metan por ese camino para demostrar lo que no queremos demostrar, que serían ellos los más perjudicados. Es una estupidez de la ultraderecha, del lobby de la ultraderecha del Senado de Estados Unidos pensar en leyes contra Venezuela; nos resbalan sus sanciones”, enfatizó. Aseguró que el golpe de Estado que supuestamente estaba detrás de las protestas ya fue derrotado, pero reconoció que aún continúan los focos de violencia. “Esta arremetida brutal lo que ha hecho es fortalecernos. Si la oposición hubiera aceptado venir a dialogar, a hablar, nos hubiéramos ahorrado todo esto. No tendríamos ni un herido, ni un enfermo producto de la humareda por la basura quemada que ha habido”. “La contrarrevolución venezolana ha levantado un proyecto de extrema derecha neofascista y todo lo que han hecho estas cinco semanas es desnudar cuáles son sus intenciones, su desprecio a la vida, a sus propios partidarios. Estos grupos han sido neutralizados. Pensaban que podían tomar el poder 172 por la fuerza, hacerle daño a la sociedad democrática”, subrayó. También atacó al gobernador Henrique Capriles comparándolo con Chucky, el muñeco diabólico de la película, por negarse a aceptar la invitación al diálogo. “He insistido en llamarlo y sigo haciéndolo. Cinco veces lo he llamado, pero me tiene miedo, le tiene miedo a la cara del pueblo”, dijo. 173 REPORTAGEM 4 CLARÍN (Marzo, 2014) Una empleada del Banco Central robaba dinero en desuso y lo cambiaba en bingos Sacaba billetes que debían ser destruidos, los ponía en máquinas tragamonedas y , sin jugar, se llevaba el ticket del depósito para cambiarlo en las cajas por plata en vigencia. Una empleada del Banco Central de la República Argentina (BCRA) fue detenida ante la sospecha de que robaba dinero en desuso -por antigüedad o deterioro y que debe ser destruido-, y lo cambiaba en Bingos del sur del conurbano bonaerense. Las investigaciones se iniciaron semanas atrás, cuando personal de la Superintendencia de Investigaciones Federales de la Policía Federal detectó que en Bingos del conurbano bonaerense se utilizaba dinero que había sido anulado y debía estar depositado en las arcas del BCRA. Mediante una exhaustiva investigación se logró determinar que una empleada de esa institución sustraía los billetes de 100 pesos en desuso y los introducía en máquinas tragamonedas de los Bingos de Berazategui y Florencio Varela. Luego retiraba el ticket con el monto depositado y, sin realizar ningún movimiento en las casas de juegos, lo intercambiaba en las cajas de atención al público por billetes de circulación vigente. En el marco de las investigaciones, la Justicia interviniente ordenó un allanamiento en el domicilio de la empleada, en Berazategui, donde se detuvo a la mujer y se secuestraron 90.000 pesos pertenecientes al BCRA, que tenían por destino su destrucción. Fuentes policiales destacaron que esos billetes en desuso, que salen de circulación, son atesorados en el Banco Central y luego enviados al Tesoro Regional de Santiago del Estero, donde son destruidos. 174 REPORTAGEM 5 EL PAÍS (Marzo, 2014) Investigado un periodista argentino por crímenes durante la dictadura El director del diario 'La Nueva Provincia', acusado de colaborar con el asesinato de dos empleados y delitos de lesa humanidad Unas 370 personas han sido condenadas ya por crímenes de la última dictadura militar de Argentina (1976-1983), pero nunca un periodista. Por eso ha sido noticia que este martes fuera indagado por presuntos delitos del terrorismo de Estado Vicente Massot, el director y dueño del periódico conservador La Nueva Provincia, de Bahía Blanca, una de las ciudades más importantes de la provincia de Buenos Aires, con 300.000 habitantes, a 573 kilómetros al sur de la capital argentina. Massot debió responder en los tribunales de su ciudad porque está imputador por la fiscalía de integrar una asociación ilícita con los militares, de ser el coautor de los asesinatos de dos de sus obreros de la imprenta, porque supuestamente instigó el crímen, colaboró con él y lo encubrió, y de ocultamiento de la verdad en los secuestros, torturas y homicidios de otras 35 víctimas del régimen. La Nueva Provincia, al igual que la mayoría de los periódicos de Argentina, apoyaron en su momento a la dictadura. Pero se diferencia de casi todos ellos en que siguió justificando con algún matiz el accionar del régimen incluso después del regreso de la democracia al país. Massot, que durante la dictadura actuaba como periodista mientras su madre dirigía el periódico, llegó a calificar algunos delitos de lesa humanidad como “excesos inevitables”. Cuando el año pasado murió el exdictador argentino Jorge Videla (1976-1981), La Nueva Provincia se distinguió del resto de la prensa de su país al llamarlo “expresidente”. Pero no es de eso de lo que se acusa a Massot en los tribunales. Los fiscales lo imputaron en 2013 por varios delitos porque consideraron que el actual director de La Nueva Provincia no solo escribía artículos en tiempos de la dictadura sino también se encargaba de la política de recursos humanos del periódico. Los dos obreros desaparecidos, Enrique Heinrich y Miguel Ángel Loyola, era delegados sindicales y habían organizado varias huelgas. Los fiscales también acusan a Massot de narrar en su periódico que supuestos terroristas de izquierdas habían muerto en enfrentamientos cuando en realidad habían sido fusilados por las fuerzas armadas. La agencia de noticias Infojus citó una investigación de una historiadora argentina, Ana Belén Zapata, que lo entrevistó por estas acusaciones y que recibió como respuesta una negación de la responsabilidad en los crímenes. Massot le dijo que por aquellos años viajaba mucho a Buenos Aires y también cumplió con el entonces obligatorio servicio militar. Massot también incursionó en la arena política y fue viceministro de Defensa del Gobierno del peronista neoliberal Carlos Menem (1989-1999), el mismo que indultó a los jerarcas de la dictadura condenados por el terrorismo de Estado y a los guerrilleros sentenciados por crímenes de los 70. Massot debió renunciar a aquel cargo después de reivindicar públicamente la tortura. "No hay un solo caso en el mundo de un Ejército, de un Estado, que entre ganar violando leyes o perder por no violarlas, haya preferido no hacerlo”, dijo Massot en una conferencia en 2012. “Esto parece brutal, y en el razonamiento hay que llegar hasta las últimas consecuencias, como cuando Churchill dijo que estaba dispuesto a bajar al infierno y pactar con el diablo para ganarle a Hitler. ¿De qué fin y de qué medios estaba hablando? Esa idea de que el fin no 175 justifica los medios es importante decirla, a condición de que se explique que en la práctica no se puede cumplir", sentenció el ahora imputado. 176 REPORTAGEM 6: EL PAÍS (Marzo, 2014) Varios manifestantes tiran a un motorista por un puente en Buenos Aires El hombre resultó herido cuando quiso circular para llevar a su esposa al hospital, embarazada en situación de riesgo Era una más de las seiscientas manifestaciones con cortes de calle que se vienen registrando en Buenos Aires cada año. Miembros del Sindicato Unidos Portuarios Argentinos (SUPA) denunciaban presiones por parte del Sindicato de Guincheros y Maquinistas de Grúas Móviles hacia 11 trabajadores que se acaban de afiliar a la SUPA. En resumen, los portuarios protestaban porque los maquinistas -supuestamente- no dejaban trabajar a 11 compañeros que habían decidido afiliarse a un gremio rival. Los portuarios no encontraron una forma más civilizadade resolver la injusticia que cortar el miércoles por la mañana el puente de Avellaneda, una vía importante de acceso a Buenos Aires. Un motorista que viajaba con una mujer intentó cruzar la vía. Pero recibió un puñetazo y cayó desde el puente a una distancia de 1,5 metros hasta la rampa de acceso, según indicaron fuentes policiales a la agencia oficial Télam. Después se supo que el motorista es Antonio Raúl Lezcano, que tiene 27 años y que quiso atravesar entre los manifestantes porque a su esposa se le había complicado el embarazo de cuatro meses. Lezcano tiene una pierna ortopédica que quedó destruida a causa de las agresiones. Un portavoz de la policía señaló que Lezcano se trasladó por sus propios medios hasta el Hospital Cosme Argerich, en el barrio porteño de La Boca, “donde fue atendido por un corte en el cuero cabelludo”. Walter, tío de Lezcano, declaró al canal Todo Noticias: “Le robaron lo que tenía: campera (prenda de abrigo), plata, teléfono… Le quisieron bajar los pantalones para sacarle la pierna ortopédica, ¿hasta dónde puede llegar la humillación? (…) Nadie se vino a acercar de los portuarios a preguntar cómo estaba. Se le destrozó la pierna ortopédica de caer unos 8 o 10 metros. Cuesta 40.000 pesos (unos 400 dólares), porque es con articulación. Es mucho dinero para nosotros”. Horas después, el secretario general de los portuarios, Juan Corvalán, declaró en una emisora que pensaba dimitir: “No quiero saber más nada con esto. Renuncio como secretario general. No quiero hacer otro corte mañana y lastimar gente para recuperar lo que Ministerio de Trabajo nos saca”. 177 REPORTAGEM 7: CLARÍN (Marzo, 2014) Terror de cuatro argentinos en un viaje en globo Pagaron 150 euros cada uno para un paseo soñado en Capadocia. Pero la experiencia salió mal. Habían organizado el viaje de sus vidas. Cuatro amigos de La Plata se lanzaron a la aventura de recorrer Turquía pero no se imaginaban que iban a vivir un momento de terror. En Ürgüp, una ciudad en la región de Capadocia, decidieron hacer un paseo en globo, una excursión típica que ofrecen a los turistas en esa región, pagando 150 euros cada uno para admirar las bellezas de la zona desde el aire. “Subimos unas 24 personas al globo, éramos los únicos argentinos,” cuenta a Clarín Miriam Blanco, una bioquímica acostumbrada a viajar por el mundo. Con ella iban Laura Gorostordoy, traductora; Ricardo López, también bioquímico, y Alejandra Sibistrelli, técnica de laboratorio. “Comenzamos a volar y todo iba bien hasta que vimos que el globo se acercaba demasiado a una colina. Primero pensamos que el conductor hacía esa maniobra como una gracia, pero de repente la colina estaba más cerca y casi de inmediato chocamos, nos estrellamos contra el piso”, cuenta Miriam. “Nos quedamos duros por el miedo”, recuerda y explica que todos se agacharon dentro del canasto para protegerse. “Enseguida el canasto amagó con enderezarse, volvió a caer, pero luego empezó a subir. Luego, no sé bien cómo, se enderezó y siguió volando”, relata. Milagrosamente, nadie resultó herido, salvó una italiana que se golpeó la nariz. La empresa ni siquiera les devolvió la plata del viaje. “Lo único que hicieron fue recuperar el iPad de una peruana, (Jimena Cayo, viajaba sus dos hijos) que había salido volando por el golpe”. 178 REPORTAGEM 8: CLARÍN (Marzo, 2014) Fue a abrirle al médico y se topó con ladrones: lo balearon y está grave La víctima se llama José Ferri (63) y está internado en terapia intensiva en el Hospital Eva Perón, de San Martín. La llamada a un médico terminó en tragedia para una familia de Villa Ballester, partido de San Martín. Un hombre fue herido de un tiro en el pecho que le atravesó uno de los pulmones luego de que se negara a abrirle la puerta de su casa a asaltantes que habían sorprendido a un doctor cuando llegó a atenderlo a su domicilio. La víctima se llama José Ferri (63) y ahora se encuentra internado en terapia intensiva en el Hospital Eva Perón, de San Martín. La familia, que espera novedades en el centro médico, todavía no puede entender lo que pasó: “Fue todo muy rápido. Mi hermana se sentía mal y pedimos un doctor. Cuando llegó, a eso de las 22, salimos a abrirle, pero justo en ese momento bajaron dos personas de un auto Gol color negro y, mientras nos apuntaban con armas, gritaban que querían entrar. Ahí salió mi papá con un palo y cuando los hombres lo vieron, dispararon, se subieron al auto y se fueron”, contó muy angustiado Adrián Ferri, hijo de José. En la calle Combet al 5100, lugar donde sucedió el hecho, había un silencio de misa. Algunos vecinos prefirieron ni siquiera abrir la puerta para contar lo que vieron o escucharon, pero otros, como Rosa, hablaron sobre la inseguridad diaria que vive el barrio: “A ellos ya les robaron dos veces. Y justo en frente, el año pasado también les hicieron una entradera. Está todo muy inseguro por acá, lo que pasa es que a 10 cuadras tenemos a la villa La Rana, y muchos vienen a robar por acá. Lo que le pasó a esta familia es un desastre, hace muchísimos años que viven acá y son muy queridos por todos”, dijo y se fue, a paso rápido y mirando para los costados. 179 REPORTAGEM 9: EL PAÍS (Marzo, 2014) Un argentino quiere que lo maten Víctor Saldaño espera a ser ajusticiado en el corredor de la muerte, en Texas, desde hace más de 10 años. Su madre ha pedido al Papa que interceda por él Días atrás su madre y su abogado consiguieron acercarse al papa Bergoglio para pedirle que le salvara la vida. Mientras tanto, en su celda de aislamiento de Polunsky, Texas, Víctor Saldaño lleva años pidiendo que lo maten. Ya lo pedía cuando lo fui a ver. Víctor Saldaño tenía el pelo negro al ras, los ojos negros como tajos, el uniforme grande y blanco con dos letras negras en la espalda: DR, decían, Death Row; a veces una o dos letras alcanzan para decirlo todo. Saldaño hablaba desde detrás de un vidrio hiperblindado: me decía que ya no soportaba, que llevaba cuatro años encerrado y que no daba más. Fue hace más de diez años; ahora Saldaño tiene 42 y sigue ahí, esperando el momento. –¿A veces pensás cómo sería? – Bueno, yo sé cómo va a ser. Te meten a la cámara de la muerte y te matan. Me dijo aquella vez, y se quedó mirándome, los labios apretados, su mezcla de espanto y desafío. Me miraba como quien subraya con bruto lápiz rojo: claro que sé, huevón, ¿qué te creés, que se puede vivir acá sin saber? ¿Qué te creés, que necesito engañarme para soportar? Saldaño es argentino y cordobés; joven, se fue de su país a conocer el mundo, se perdió. El 25 de noviembre de 1995 llevaba un par de días de borrachera con su amigo mexicano Jorge Chávez en un suburbio de Dallas. Su crimen fue de una torpeza casi ingenua: testigos los vieron entrar a aquel negocio, testigos los vieron salir encañonando a Paul Ray King, un vendedor de computadoras de 46 años. Testigos los vieron empujarlo hacia un bosque cercano; testigos los vieron volver solos. En el bosque, King estaba muerto, con cinco balas en el cuerpo. Cuando la policía lo detuvo, horas más tarde, Saldaño tenía su reloj en la muñeca y el arma en el bolsillo. El botín andaba por los 50 dólares. –¿A veces te acordás de King, pensás en él? –¿De quién? Me dijo entonces Saldaño, distraído. De todas las respuestas posibles, era la más inesperada. –¿Para qué te voy a echar mentiras, no? Lo condenaron a muerte en 1996. En el juicio un perito de la acusación dijo que, como hispano, Saldaño era naturalmente más violento. Años después un abogado consiguió la anulación; volvieron a juzgarlo, a condenarlo. –Me van a poner a dormir con una inyección y después me ponen otra inyección con el veneno, viste. Pero eso no es muy traumático para mí. Lo que es traumático son ellos; me rompen tanto las pelotas, ellos, me rompen demasiado las pelotas. Me dijo entonces: ellos eran los otros presos, los demás condenados. Saldaño no soportaba su vida en la cárcel; no soportaba las agresiones, los años sin ver la luz del día, sin abrazar a un familiar. –A veces me pregunto si no es mejor que me maten ahora… La vida acá es tan dura que vos decís pa’ qué chingada… Yo quiero vivir, como todo el mundo. Pero lo veo todo oscuro, todo negro. Entonces a veces me digo mejor la paramos aquí y que me maten… –¿No le tenés miedo a la muerte? –No. No, yo veo a mucha gente morir, acá, jovencitos, y… Qué sé yo. Yo creo que después de la muerte vamos a descansar en paz. –¿Creés en Dios? –No, yo siempre he sido ateo, desde chico. Pero igual pienso que cuando me muera por fin voy a descansar en paz. Saldaño hablaba con el desdén de los muy tímidos; su sonrisa era una mezcla de nervios y despecho y ruego. Cuando nos despedimos puso su mano contra la mía contra el vidrio y me deseó suerte; yo no supe cómo contestarle. Desde entonces presentó cantidad de papeles 180 pidiendo que lo maten. Su familia –y ahora el Papa– se oponen: piden que viva. Bergoglio tiene todo por ganar: si no lo ejecutan será algo así como un milagro, si lo ejecutan habrá hecho todo lo posible –y, por alguna razón que se me escapa, nadie dirá que si no puede siquiera salvar a un cordobés perdido, su dios no debe de ser gran cosa. 181 182 ANEXO 4 – REPORTAGEM UTILIZADA INTRODUÇÃO DO FILME “UN CUENTO CHINO” NA ETAPA DA 183 184 http://www.lanacion.com.ar/1413378-los-chinos-en-la-argentina-mas-alla-del-supermercado En la provincia china de Fujián prácticamente sólo hay niños y viejos. El resto vive en el exterior, y una buena parte de ellos, en la Argentina. Lejos de la superpotencia cuyo desarrollo asombra al mundo y que, según los expertos económicos, será la dueña del siglo XXI, la aventura argentina que emprendieron más de 100.000 chinos continentales - el 80%, originarios de Fujián - encierra mitos y prejuicios, una cultura milenaria, mucho sacrificio y supersticiones. Una dura vida de inmigrantes, con privaciones y sueños modestos, entre góndolas de supermercados "argenchinos" - abren a razón de 20 por mes y ya son más de 10.000 - y exóticas cocinas humeantes. LA NACION se sumergió en la vida cotidiana de esta particular colectividad que, más allá de las dificultades idiomáticas, prefiere el silencio, y, tras vencer no pocas reticencias, logró desvelar códigos y secretos de un grupo inmigratorio que sólo en el último año desaceleró su crecimiento. La ciudad de Buenos Aires y el conurbano son la meca de esa inmigración. Hay un súper chino cada cuatro cuadras, en promedio. Y en ellos no se habla nada o casi nada de español ("sí" o "no", como mucho). La proeza comercial demuele, de todos modos, la enorme muralla idiomática. "Nosotros nos movemos bien en el ámbito comercial, pero cuando pasamos de ese espacio, fuimos..., nos cuesta mucho", cuenta Zheng Jicong, aquí llamado "Oscar", que aprendió el idioma luego de dos años de tomar clases. Llegó al país en 1992. Su padre y su madre lo trajeron a la Argentina, junto con sus hermanos, para probar suerte y abrir un restaurante en Once. Zheng miraba la televisión en su nuevo hogar porteño. Justo daban la entrega de los premios Oscar. Decidió entonces llamarse Oscar, a secas. Simple y complejo a la vez. Es que lo primero que hace un inmigrante chino cuando llega al país es "bautizarse". Muchos eligen llamarse Juan (similar a Huang) o Martín (por el "tín", similar al "chin"), y entre las mujeres, Luisa (por Liu). En la provincia de Fujián, explica, tradicionalmente las familias emigran hacia algún lugar del planeta que facilite documentación. Estados Unidos fue el horizonte por muchos años. Pero se agotó. La Argentina apareció como opción hace unos 20 años. Al principio de 2000, los chinos conseguían un documento argentino (que les permitía obtener el visado para 185 viajar por el mundo) en tres o seis meses como máximo. Pero eso cambió: hoy demoran entre seis y dos años, lo cual provocó un desaceleración de la inmigración. "Las grandes oleadas de inmigrantes chinos a la Argentina fueron en la década del 90. Hoy como China está dando más posibilidades a su gente podemos hablar de una desaceleración de esta inmigración desde 2009 hacia adelante. Y al crecer el mercado interno de consumo en China necesitan que el extranjero provea servicios allá que ellos no tienen. Por eso ahora latinoamericanos, europeos y hasta africanos se están radicando allá", dijo a LA NACION el director de la Cámara Argentino China de la Producción, la Industria y el Comercio, Miguel Angel Calvete. "¿Si nos da plata el gobierno chino para venir acá? ¡Ojalá! Eso es un mito. Cualquier negocio fuera de china es considerado extranjero", explica Oscar. Un supermercado de 200 o 300 metros cuadrados se trabaja entre varias familias. Los ciudadanos chinos que acaban de llegar son adoptados en el negocio "familiar", primero como repositores; luego, ascienden a la caja y, si juntan dinero, abren su propio emprendimiento. Los que apenas bajaron del avión, en general, viven discretamente en el mismo lugar donde trabajan: en el piso de arriba o en el sótano de un supermercado, a veces, hacinados. "Los chinos acá nos ganamos la vida con sudor y sangre [por la inseguridad]; la jornada de trabajo es de ocho horas, pero nosotros no paramos porque siempre hay más por hacer", cuenta Oscar. Aquí hay que explicar ciertas cosas. La comunidad china no comulga con los valores universales individuales de Occidente. La concepción de la vida es absolutamente colectiva. Trabajo y ahorro son la base cultural. El resto (diversión, vacaciones) no está en el menú de un trabajador chino medio. Sólo el casino, de a ratos, los congrega, y allí también tienen sus propios códigos. El 6, el 8 y el 9 son sus números predilectos; en cambio, jamás apostarán por el 4, cuya pronunciación en chino coincide con la palabra "muerte". 186 ANEXO 5 – ATIVIDADES DIDIÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO 1. Atividade filme “Un cuento chino” 2. Atividade filme “El hombre de al lado” 187 188 ACTIVIDAD PELÍCULA “UN CUENTO CHINO” Nombre: ___________________________________________________ Clase: ________ 1. DIÁLOGO ENTRE ROBERTO Y JUN ROBERTO: SENTATE. MIRA, ESTO ES ASÍ. VAMOS A PONER UN PLAZO. SI NO, YO VOY A EXPLOTAR. “BOOM”, ¿HUN? HOY ES UNO. MAÑANA ES DOS. PASADO, TRES. Y ASÍ, CUATRO, CINCO, SEIS, SIETE. SI EL SIETE, TU TÍO NO APARECE, VOS TE VAS. HOY, UNO. JUN: (SILÊNCIO) a) Ao ler o diálogo acima, qual a impressão que você teve em relação ao modo como Roberto estabelece um prazo para Jun ir embora de sua casa? Quais palavras e expressões contribuíram para produzir essa compreensão/impressão? __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ b) Através da leitura da transcrição da fala de Roberto, podemos observar que não há expressões que amenizem o conflito estabelecido. Reescreva essa fala, EM ESPANHOL, acrescentando expressões/construções amenizadoras. __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ c) Imagine que você se encontra na mesma situação que Roberto: um estrangeiro desconhecido está vivendo em sua casa. Porém, você precisa estabelecer um prazo para ele ir embora. Como e o que você diria isso para ele? __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ d) Imagine que você está vivendo de favor na casa de um desconhecido que resolve estabelecer um prazo para você ir embora e te diz, na mesa do café da manhã, exatamente a mesma coisa que Roberto disse para o chinês. Como você receberia essa imposição do dono da casa? Ou seja, como você interpretaria esse recado e a atitude do dono da casa? __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ 189 __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ 2. DIÁLOGO ENTRE ROBERTO Y LEONEL LEONEL: HOLA, ROBERTO. ROBERTO: ¿QUÉ HACÉS? LEONEL: LLEGÓ LO QUE ME PEDISTE POR INTERNET. ROBERTO: (SILENCIO) LEONEL: ¿POR QUÉ NO TE COMPRÁS UNA COMPU? ROBERTO: NO. POR UNA VEZ POR AÑO QUE LA NECESITO, USO LA TUYA. LEONEL: LA REVISTA DE LOS VIERNES, CON LA PELÍCULA. ROBERTO: (BREVE SILENCIO) LEONEL: VINO MI CUÑADA, MARI, POR UNOS DÍAS, COMO LA OTRA VEZ. ROBERTO: (SILENCIO) LEONEL: ESTUVE PENSANDO, ME PARECE QUE A VOS TE VENDRÍA BIEN TENER UNA… ROBERTO: (SILENCIO) LEONEL: CHAU. ROBERTO: CHAU. a) Ao longo do diálogo acima, percebemos que, enquanto Leonel fala de diversos assuntos, Roberto fica em silêncio, responde com frases curtas (“¿Qué hacés?”; “Chau”) e com negações (“No. Por una vez por año...”). Qual impressão você teve da forma como Roberto interagiu com Leonel? Por quê? __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ b) Se você fosse “puxar uma conversa” com um conhecido e ele respondesse da mesma forma que Roberto respondeu a Leonel, como você reagiria/responderia? Por quê? __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ c) Qual a impressão que você teria se um conhecido seu te fizesse as mesmas perguntas e comentários que Leonel faz a Roberto (“¿Por qué no te comprás una compu?”; “Estuve pensando, me parece que a vos te vendría bien tener una...”)? Por quê? __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ d) Como você reagiria/o que você responderia se um conhecido lhe fizesse as mesmas perguntas e comentários que Leonel faz a Roberto? 190 __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ 3. DIÁLOGO ENTRE ROBERTO Y EL REPARTIDOR DE LAS MERCANCÍAS ENTREGADOR: BUENO, ROBERTITO, ACÁ (…) CLAVOS DE MEDIA, DE UNA Y UNA Y MEDIA; HOJAS PARA SIERRA; CANDADOS CHICOS COMO ME PEDISTE Y UNA DE CANDADOS GRANDES. Y ESTA CAJA DE TORNILLOS PHILIPS VA DE REGALO, POR LO FALTANTE. ROBERTO: SÍ, DE REGALO. ENTREGADOR: Y ESO TAMBIÉN ES PARA VOS, PERO MANDA EL JEFE. ROBERTO: A VER. ENTREGADOR: ESO ES UN JUEGO DE MECHAS PARA TALADROS. SON INGLESAS. ROBERTO: NO, GRACIAS. ENTREGADOR: PERO VAN DE REGALO... ROBERTO: ¡NO! GRACIAS. a) Qual a impressão que você teve da forma como Roberto responde ao entregador ao longo do diálogo? Quais palavras e expressões contribuíram para produzir essa impressão? __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ b) No diálogo acima, podemos perceber que o entregador de mercadorias utiliza expressões/construções que amenizam o conflito estabelecido anteriormente pelo fato de Roberto ter reclamado da falta de parafusos. Quais expressões são essas? __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ c) A partir dessa mesma situação, monte uma cena, EM PORTUGUÊS, em que o entregador quer refazer o conflito estabelecido. Reformule somente a primeira fala do diálogo. __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ d) Em sua opinião, por que Roberto aceita o primeiro brinde e nega o segundo? Justifique. __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ 191 __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ e) Se um entregador de mercadorias te oferecesse um brinde, você negaria? Por quê? __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ f) Ao negar o brinde, Roberto não se preocupa em utilizar expressões que amenizem a negação (“No. Gracias.”). Se você fosse negar um brinde em uma situação do seu cotidiano, como você o faria? Utiliza alguma expressão/construção amenizadora? Exemplifique. __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ 4. DIÁLOGO ENTRE ROBERTO Y EL CLIENTE CLIENTE: BUENAS. CENTO Y CINCUENTA GRAMOS DE (...), ¿TIENE? ROBERTO: ¡TOMÁTELAS! ¿NO ME ESCUCHASTE, PELOTUDO? ¡TOMÁTELAS! ESTOY HARTO DE LOS ESTÚPIDOS COMO VOS QUE SOLO EXISTEN PARA CAGARME LA VIDA. ¡TOMÁTELAS! ¡PELOTUDO DE MIERDA! ¡LA REPUTÍSIMA MADRE QUE LOS PARIÓ A TODOS LOS PELOTUDOS! ¡HIJO DE MIL PUTAS DE ESTE MUNDO! a) Que impressão que você teve da forma como Roberto se dirigiu ao cliente? Quais palavras e expressões contribuíram para produzir essa impressão? __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ b) No contexto do espaço em que você vive, em quais situações pode ser possível que as pessoas utilizem tanto s palavrões como fez Roberto na cena acima? Por quê? __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ 192 5. ROBERTO EN LA EMBAJADA CHINA ROBERTO: PERDÓN, PERDÓN. BUEN DÍA. EH… YO SÉ QUE USTEDES TIENEN MÁS DE CINCO MIL AÑOS DE HISTORIA Y TODA PACIENCIA DEL MUNDO. PERO YO TENGO QUE ABRIR MI FERRETERIA PARA COMER Y PARA DARLE DE COMIDA AL CHINO QUE ESTÁ CASUALMENTE VIVIENDO EN MI CASA. TENGO EL NUMERO CUARENTA Y SEIS Y QUIERO SABER DÓNDE ESTÁN LOS OTROS CUARENTA Y CINCO PORQUE EN LA SALA DE ESPERA NO HAY NADIE. ¿NO ME PUEDEN ATENDER A MÍ AHORA, POR FAVOR, SI SON TAN AMABLES? CHINÊS: A LAS DOZE EMPEZAMOS A ATENDER. ROBERTO: ¿A LAS DOCE? FALTA UNA HORA PARA ESO. MUCHO TIEMPO. NECESITO HABLAR CON EL SEÑOR PINGAJIÓN. CHINÊS: ¿PINJAJIÓN? EN CHINA. POR DOS MESES. ROBERTO: BUENO. ¿PUEDO VER AL SEÑOR QUE ESTÁ OCUPANDO SU LUGAR, ENTONCES? CHINÊS: NADIE EN SU LUGAR. NO TENEMOS GENTE. ROBERTO: ¿NO TENEMOS GENTE? MIL TRECIENTOS MILLONES DE CHINOS EN TODO EL MUNDO Y ME DECÍS QUE NO TIENE GENTE, CARA DURA. ¿PORQUÉ NO INVENTÁS ALGUNA OTRA ESCUSA SI NO QUERÉS AYUDARME? EN DOS MESES YO PUEDO ESTAR MUERTO. YO NECESITO UNA SOLUCIÓN YA. TENGO UN CHINO VIVIENDO EN MI CASA QUE NO HABLA UNA SOLA PALABRA DE ESPAÑOL. ESTOY DESESPERADO, YA NO SÉ QUE HACER. ESTOY SOLO. NADIE ME AYUDA. ¿ME ENTENDÉS O NO ME ENTENDÉS, PEDAZO DE ÑOC? ¿ES TAN DIFICIL? a) No diálogo acima, observe e descreva a diferença que existe entre a primeira e a última fala de Roberto. Identifique os elementos que fazem você perceber essa diferença. __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ 193 194 ACTIVIDAD PELÍCULA “EL HOMBRE DE AL LADO” Nombre: ___________________________________________________ Clase: ________ I) PRIMERO DIÁLOGO ENTRE LOS VECINOS (EN LA VENTANA) Leonardo: Ey. Ey. Hola. Ey. ¿Está el dueño? Ah, ¿qué tal? Escúchame, no, no. No puede hacer ese agujero, yo, yo, lo hablé hoy con sus albañiles. ¿No ves que da directamente a mi casa? Además es ilegal. Está prohibido Víctor: Vamos por partes. Buenas tardes, yo soy Víctor. ¿Con quién tengo el gusto? Leonardo: Leonardo, vivo acá. Víctor: Ah, Leonardo. Ah, es que te lo iba a avisar ayer pero no pude pasar. Leonardo: ¿Han? Víctor: Nada, el tema es que no tengo luz por este lado y todo el sol viene de allá y necesito atrapar unos rayitos de sol. Nada. Por eso estoy haciendo esta reforma, pero ya que estás acá te pido permiso. ¿Me das permiso? ¿Por qué no te venís acá si te explico bien? Leonardo: No, es que estoy laburando ahora. No, no, no te entiendo. No se puede hacer una, una, una ventana en la medianera con vista a mi casa. Víctor: Bueno, pero me parece que al barrio no llegó la noticia. ¿Y estos edificios que están ahí? Aquél y aquel otro… Leonardo: No, no. Pero eso no tiene nada que ver. Lo tuyo es ilegal. Está vulnerando mi intimidad y la de mi familia. Víctor: Pero si te miran de todas esas ventanas, ¿qué te jode una ventana más? Estoy tratando de atrapar unos rayitos de sol. Leonardo: Sí. Perdón, repítame su nombre, por favor. Víctor: Víctor. Leonardo: Y su apellido, por favor. Víctor: Víctor Chubello. a) Qual a impressão que você teve do modo como Leonardo abordou seu vizinho, Víctor, para tentar solucionar o problema da janela? Por quê? Quais palavras e expressões contribuíram para que você tivesse essa impressão? _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ b) Ao observar a fala abaixo, podemos perceber que Leonardo, ao se dirigir a Víctor, não utiliza expressões/construções que amenizam o conflito. Reescreva, EM ESPANHOL, a fala de Leonardo, acrescentando expressões/construções amenizadoras. Leonardo: Ei. Ei. Hola. Ei. ¿Está el dueño? Ah, ¿qué tal? Escúchame, no, no. No puede hacer ese agujero, yo, yo, lo hablé hoy con sus albañiles. ¿No ves que da directamente a mi casa? Además es ilegal. Está prohibido. _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ 195 _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ c) Se você estivesse na mesma situação que Leonardo e quisesse solucionar o problema, o que você diria para seu vizinho? _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ II) SEGUNDO DIÁLOGO ENTRE LOS VECINOS (EN LA CAMIONETA) Víctor: Leonardo, Leonardo, Leonardo. ¿Tenés un segundo? Quiero charlar sobre la reformita. Leonardo: Ah. Sí. Decime. Víctor: No. Pero acá, no. Mejor vamos a un bar y charlamos tranquilos de amigo a amigo. Leonardo: ¿Sabe qué pasa? Estoy laburando ahora. Víctor: Pero si hace media hora que estás cabeceando ahí frente a la computadora. Deja de joder, Leonardo. Bajá. Leonardo: Tá. Tá. Cinco minutos no más. Vamos al bar de la esquina. Víctor: Ese bar está lleno de negros. Vení, bajá. Leonardo: Sí… Estoy medio ocupado, en serio. ¿Por qué no me decís acá? Víctor: Leonardo, ¿podés bajar? Leonardo: Tá, perá, perá. Leonardo: ¿Qué hacés? ¿Cómo te vas? Víctor: ¿Que hacés, Leonardo? ¿Cómo andás? Leonardo: Bien, bien, che, acá, laburando. Es que, che, tengo que volver enseguida. Dime, ¿qué pasa? Víctor: No, pero acá, no charlemos tan incómodos. ¿Por qué no vamos a la camioneta? Prendo la calefacción y charlamos ahí. Leonardo: Uh, mira, es un mundo esto. Permiso. Víctor: ¿Ves? Tiene un cablecito acá doce voltios para mantener el agua caliente. Eso sí tengo que perfeccionarlo porque se me está saliendo recaliente Leonardo: Claro, está buenísimo. Che, contame que tengo que ir y todo más. Víctor: Bueno, mira, Leonardo, yo te quiero y te respeto como vecino y como persona. Pero la ventana se hace sí o sí. Porque si no toda la reforma que vengo haciendo hace tres meses me queda horrible, todo oscuro. Y toda la guita que gasté se va al reverendísimo peo. Pero no te quiero joder. Voy a hacer una ventana al estilo modernoso de tu casa. Yo pensé en un “ojo de buey”, como los barcos. Pero no voy a hacer una ventana rectangular. Quédate tranquilo, Leonardo. Va a ser la ventana más canchera y más linda de tu casa. 196 Leonardo: Tá, tá, pero, yo te agradezco, pero no, no va a poder ser, Víctor. Digo, aparte de todo lo que hablamos que legalmente no se puede, acá el otro problema real es mi mujer, es una mina súper obsesiva, es inflexible. A mí de hecho la ventana, que sé yo, no me jode tanto, no me parece tan grave, pero ella no va a aceptar nunca. Víctor: ¿Y le ponemos una plantita? De hecho que a las mujeres les encantan las plantas. Leonardo: No, qué plantas. No le va a gustar. Víctor: Tomate el matecito. Leonardo: Ah, puta, me quemé. Víctor: Disculpa. ¿Está ella ahora? Vamos y le explicamos. Leonardo: No, no, es para peor. Aparte no está. Víctor: Entonces, dame el teléfono, yo la llamo. Soy irresistible con las mujeres. Leonardo: Ah, pará, Víctor. ¿Cómo vas a llamar a mi mujer? No va a funcionar. Víctor: Leonardo, no soy ningún psicópata y estoy poniendo toda mi buena onda. ¿Cómo se llama? Leonardo: ¿Mi mujer? Ana. Víctor: Yo la llamo, yo la convenzo. Leonardo: No, pará, pará. Dejame que eso voy a hablar con ella, a ver se le puedo explicar lo que quieres hacer. No le prometo nada. Yo más iba pensando en un no. a) Qual a impressão que você teve do modo como Víctor argumentou para convencer Leonardo? Por quê? Quais palavras e expressões contribuíram para que você tivesse essa impressão? _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ b) Observe e descreva a diferença entre o modo como Leonardo se dirige a Víctor no primeiro diálogo (“EN LA VENTANA”) e no segundo diálogo (“EN LA CAMIONETA”). Aponte os elementos (verbais e/ou visuais) que fazem você perceber essa diferença. _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ c) Víctor chama Leonardo para conversar de “amigo a amigo”? Se você estivesse vivendo um conflito com um vizinho, também iria propor uma conversa de “amigo a amigo” para tentar resolver o problema? Por quê? Em caso negativo, o que você proporia? _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ 197 _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ III) DIÁLOGO ENTRE LEONARDO Y SUS ALUMNOS (DISPIDIÉNDOSE): Leonardo: Perdón que los hice venir a mi casa, pero yo no estoy yendo a la facul. Ojo, yo les hablé de los puntos más flojos, porque, bueno, lo bueno me parece que es evidente y que ustedes lo saben bien. También no me tienen que dar mucha bola a todo lo que digo porque por allí hay caminos que yo no puedo ver por propia deformación profesional o por ya tener mi propia concepción un poco más definida. Pero las buenas y nuevas ideas realmente están a un paso del ridículo, ¿no? a) Leonardo, no diálogo acima, diz aos alunos que seus trabalhos têm pontos positivos que são evidentes e lhes explica porque anteriormente estava somente falando dos pontos mais fracos. Deste modo, podemos dizer que Leonardo optou, na sua avaliação das maquetes, por começar com as queixas para, depois, finalizar com elogios. Quando você quer fazer uma queixa a alguém, em geral, você prefere começar pelos pontos negativos ou positivos? Ou seja, prefere começar pela queixa ou pelo elogio? Por quê? _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ b) Se você fosse um professor e tivesse que apontar os pontos positivos (elogios) e negativos (queixas) do trabalho de um aluno, como você começaria e como finalizaria seu discurso? Escreva o que você diria para seu aluno. EM PORTUGUÊS. _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ IV) DIÁLOGO ENTRE LEONARDO Y SU ALUMNA (JULIA): Leonardo: Julia, estoy solo en casa por unos días. ¿Hun? Quedáte. Cocino algo rico, una pasta. Te puedes quedar. Hey, que te quedes a dormir conmigo. Julia: ¿Qué decís? Leonardo: ¿Qué digo? ¿No me escuchás? Che, ¿qué tiene de malo la propuesta? Correrse un poco de la rutina, dormir juntos, pasarla bien. Ah, no sea sonsa. Julia: Qué estás diciendo. Todo bien, pero ¿qué te pensás que soy? 198 Leonardo: No pienso nada malo, por el contrario. ¿Qué tiene de malo de pronto ser directo, decir lo que me pasa por la cabeza? ¿Está mal invitar una chica linda a coger, a divertirse, a pasarla bien? ¿Hay un protocolo que tengo que cumplir? ¿Cuáles son las normas? Julia: Tú eres un desubicado. Leonardo: Julia, se te nota todo. Que no te gusta demasiado lo que hacías, que te aburrís con tu novio, que estás un poco incómoda con tu diaria y que te morís de ganas de coger conmigo, pero antes me querés hacer pasar por una histeria bobísima Julia: Nada que ver. No me pasa nada de lo que decís. Listo. Fin. Leonardo: Seguramente es la propuesta más interesante que te hicieron en toda tu vida. Julia: Ah, ¿sí? No me digas, che. a) Qual a sua opinião em relação ao modo como Leonardo faz a proposta para sua aluna. Por quê? Que palavras e expressões contribuíram para essa impressão? _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _ b) No diálogo acima, após a reação negativa de Julia, Leonardo a questiona, perguntando: “¿Qué tiene de malo de pronto ser directo?”, “¿Hay un protocolo que tengo que cumplir?”, “¿Cuáles son las normas?”. Segundo a sua opinião, há “algo de malo” em ser direto em determinadas ocasiões? Em quais? Por quê? _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ c) Há ocasiões, em seu cotidiano, em que você costuma ser mais direto? Quais por exemplo? Justifique. _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ 199 200 ANEXO 6 – CONVENÇÕES DAS TRANSCRIÇÕES 201 202 CONVENÇÕES DE TRANSCRIÇÃO Símbolos: … Pausa não medida (.) Micropausa . Entoação descendente ? Entoação ascendente , Entoação contínua, sinalizando que mais fala virá - Corte abrupto da fala ::: Duração mais longa do alongamento da vogal ↑ Subida de entonação ↓ Descida de entonação Sublinhado Acento ou ênfase de volume MAIÚSCULA Fala alta ou ênfase acentuada >palavra< Fala acelerada <palavra> Fala desacelerada ----- Silabação °palavra° Trecho falado mais alto () Palabra/fala não compreendida – transcrição impossível (palavra) Transcrição duvidosa (( )) Comentário do analista, descrição de atividade não verbal hh Aspirações audíveis ou riso .hh Inspiração durante a fala /.../ Indicação de transcrição parcial ou de eliminação [] Fala sobreposta In: BASTOS&SANTOS, 2013, p.203. 203 204 ANEXO 7 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS 1. Entrevista com (G) 2. Entrevista com (R) 3. Entrevista com (RF) 4. Entrevista com (D) 205 206 1. Entrevista com (G) Julia: Oi:: G: Oi:: Julia: Eh:: então eu queria te fazer algumas pergu::ntas (.) em relação ao processo de trabalho que a gente teve com os filmes no início do:: do ano, né, foram os filmes Un cuento chino e El hombre de al lado. E aí eu queria o que que saber o que que você achou (.) né do modo como:: né dessa proposta que a gente teve didática (.) né desde o iní::cio da introdução que por exemplo (.) no filme Un cuento chino né (.) eu mostrei (.) as reportagens absu::rdas depois a gente viu (.) os chineses que vivem na Argentina (.) depois a gente viu o filme depois a gente fez uma atividade com as cenas transcritas (.) eh:: e isso se repetiu também no El hombre de al lado né que eu apresentei pra vocês também a:: eh:: a cidade de Buenos A::ires as mediane::ras (.) lembra aquela casa também em La Plata (.) enfim todo esse processo que que você achou dele? G: Eu gostei bastante assim no começo eu achei meio chato o primeiro filme (.) mas aí depois com o tempo quando a gente foi fazendo os exercícios deu pra (.) entender melhor porque ver filme em espanhol pra quem não sabe espanhol é bem (.) complicado (.) mas (.) eu gostei bastante dos dois filmes até mais do segundo filme Julia: ãh-hã [ ] G: eh:: do vizinho Julia: sei G: do que do primeiro [ ] Julia: por quê? G: ah aquele... aquela coisa da casa abe::rta (.) da árvore essas coisa assim eu achei bem interessente também a relação que ele (.) tinha a relação até que ele não tinha (.) com com a filha dele eu [acho Julia: ãh-hã:: G: ( ) (na)] casa dele que ele era é pai dela mas eles (.) não se falavam direito (.) mesmo morando na mesma casa a menina muito fecha::da (.) e isso (.) eu (.) esse filme me atraiu até mais do que o do:: o do chinês que:: (.) que vai pra Argenti::na e mostra como é que é a vida dos chineses na Argentina. Julia: Esse você não gostou muito? G: Eu gostei mas o outro me atraiu mais chamou mais a minha atenção do que (.) o do chinês. 207 Julia: Sei, sei. Mas então mas o processo de trabalho você (.) no início só não tinha gostado por causa do filme, que você estranhou? G: Foi (.) foi por causa do filme foi mais por causa disso mesmo mas aí depois com o passar do tempo eu me acostumei eu gostei bastante porque é uma forma diferente de você aprender (.) até dos textos que você passou que a gente:: interpretou eles depois traduziu cada um leu um pedaço (.) então eu gostei bastante do processo desde o início desde o iní::cio início mesmo eu não tinha (.) me identificado muito mas aí depois eu gostei bastante foi até (.) bem mais fácil de:: aprender. Julia: Sei. Ah que bom. Mais fácil do que o que, que você diz? G: Mais fácil do que:: por exemplo (.) aprender a a:: gramática (.) literatura tudo assim bem certinho que nem a gente aprender no português (.) que a gente pega tem isso aquilo matemática também (.) tem isso aquilo tem que aprender aquilo (.) aí:: aprender desse jeito vendo filme (a entrevistada bate as mãos) texto é uma forma mais como é que se diz intrigante de aprender que te interessa mais (.) do que se você fosse fazer aquilo certinho (.) toda a gramá::tica eh (.) aprender assim mesmo a:: que nem aprende em curso essas coisas. Julia: Sei sei (.) ah legal hh G: hh Julia: E:: em relação ao (.) modo assim de de de interagir (.) dos dos argentinos né dos filmes ou seja dos estrangeiros (.) né o que o que você achou dessa desse modo dele de se deles de se relacionar entre si (.) de dizer né o modo de de falar deles? G: Achei diferente né porque quando a gen- como a gente tá acostumado com esse aqui (.) não tão diferente porque até porque as culturas às vezes não são tão distintas daqui do Brasil tem coisas que são muito parecidas ma::s (.) eu vejo que eles são bem estressados alguns hh Julia: é? hh G: muito estressados assim (.) mas também eu gostei bastante da cul- até da cultura mesmo da dança que eu se- eu gosto bastante de dança então me atraiu bastante [ ] Julia: Qual dança? G: Tem ai eu esqueci o nome eu pesquisei eu fiquei até de falar contigo mas a gente ficou tanto tempo sem aula Julia: ãh-hã G: que eu esqueci (.) mas eu fiz uma pesquisa a respeito de das danças (.) que tem na:: na Argentina eu esqueci o nome e agora (.) mas eu [( ) Julia: chacarera] não G: não [porque 208 Julia: tango?] G: ela é parecida com a dança de salão Julia: não é o tango não? G: Não, não é o tango... não (.) se fosse eu teria lembrado [ ] Julia: ãh-hã G: porque a minha mãe ela dança então ela:: Julia: ah:: G: ela até pesquisou pra mim me ensinou hh depois que ela aprendeu a dançar é tipo uma dança de salão tem um nome diferente não tô me recordando agora mas tipo dança de salão tipo um bolero Julia: ãh-hã G: é assim ma::s eu achei bem interessante a cultura argentina até porque eu já tinha viajado pra lá (.) eu fui pra Buenos Aires Julia: ah:: que legal G: foi em dois mil e (.) doze e:: ah eu amei aquela cidade Julia: é? [ ] G: bastante foi Julia: ah então [foi G: só] que eu fiquei por ali mesmo só em Buenos Aires Julia: se::i G: só comida também que eu gostei bastante eu comi de tudo e um pouco e:: ai amei muito bom Julia: ãh-hã G: eu gosto até mais do espanhol do que do do inglês (.) que é mais fácil de aprende::r também (porque) assim mais fácil entre aspas [ ] Julia: é porque se parece 209 G: é Julia: tem uma semelhança também né G: aí:: como minha minha avó é espanhola então ti- tem [ ] Julia: ah a sua avó é espanhola? G: é minha avó [é Julia: ixi:: que má::ximo G: ( ) Julia: ãh-hã] G: então a gente:: sempre teve um pouquinho disso em casa porque ela (.) veio não tem muito tempo então a gente sempre teve eu cresci com ela (.) cantando hh música em espanho::l [ ] Julia: isso em espanhol hh G: então fica bem mais (.) por isso que me atrai (.) tanto Julia: olha que li::ndo e aí você achou então que que esse ano você teve um contato com o espanhol que também te [ ] G: tive Julia: que te ajudou G: ãh-hã Julia: te aproximou você sentiu [ ] G: tanto que eu no começo do ano eu escolhi espanhol [ ] 210 Julia: ãh-hã:: G: eu escolhi falei assim não quero fazer espanhol por inglês não não me atrai tanto quanto entendeu Julia: Você já tinha estudado espanhol? G: Não. Julia: E a experiência foi positiva G: [Foi Julia: esse] primeiro contato? G: foi gostei bastante até (porque) no dia da Hispanidade que (.) amei de paixão (.) aquele dia eu tava até comentando semana passada com o pessoal que foi ótimo (.) a gente recordando vendo as fotos que a gente tirou (.) que que a gente ( ) poder perguntar então foi o dia da Hispanidade foi a melhor coisa que [aconteceu Julia: hh olha:: G: esse ano foi muito bom hh Julia: que linda:: hh] legal G: [( ) Julia: ah] que bom G: ( ) Julia: então foi um processo você gostou desse processo todo [né G: bastante Julia: de (.)] de aprendizagem. Tá, então e agora em relação... a:: a também às pergun- ao modo de perguntas que eu fazia assim, né, porque quando eu fazia as perguntas sobre o filme (.) a gente:: né perguntava assim, por exemplo, qual a impressão que você teve (.) né do modo de falar do do tal (.) vo- que que você achou desse tipo de atividade? G: Eu às vezes eu me perdia bastante com esse negócio de expressar uma opinião a respeito de uma certa coisa (.) então às vezes me confundia porque eu poderia ter interpretado de forma errada porque (.) às vezes é muita contradição num na numa pergunta que aí eu não consigo responder e tal e os filmes são às vezes são bem difíceis de interpretar hh então fica meio difícil de você expressar a sua opinião num filme em outra língua que você não conhece (.) você tem que ficar vendo ali mesmo prestando atenção pra você responder pra colocar a sua opinião depois então pra mim foi bem difícil essa essa questão de responder essas perguntas pessoais sobre (.) qual a impressão que eu tive, qual a minha opinião a respeito disso eh como que eu:: interpretei tal (.) por exemplo quando o (.) o:: esqueci o nome daquele que falou que Julia: ah o Leonardo? [ 211 ] G: Isso. Como é que ele:: expre- se expressou naquilo se ele foi rude se ele foi educado ( ) ou se é uma:: característica dele essas coisa então eu me embolei bastante nessa parte. [ ] Julia: Sei hh mas por que exatamente, cê sabe? G: Não sei não [sei Julia: o que que te G: ( )] não sei eu sou muito ruim em interpretação, então quando pede pra expressar a minha opinião eu me embolo mais ainda hh (.) mas a parte mais complicada pra mim foi essa parte de interpretar o filme mesmo Julia: sei G: foi a mais difícil [e ver o filme e depois Julia: e depois ter que dizer a sua impressão né G: fa- é impressão sobre ele Julia: ãh-hã] G: então pra mim foi a parte mais difícil [ ] Julia: ah:: G: desse processo Julia: Ah legal brigada. E bom, então vamo pra próxima pergunta. Eh:: em relação ao:: ao modo né assim que a gente falou aqui um pouco a gente falou sobre isso mas acho que a gente eh voltou (.) daqui a pouco eu venho pra cá mas (.) em relação ao modo de:: de falar que nem a gente tava aqui né falando de se expressar (.) né tanto dos argentinos dos hispano-americanos você tava falando que eles têm um jeito meio estressado... não foi que você [falou? G: foi Julia: por que, o que que G: às vezes] (às vezes) pode ser o natural deles mas de vez em quan- mesmo que fale assim natural conversando às vezes eles parece que colocam um pouco de de raiva essas coisa fala tipo grosso Julia: sei hh 212 G: aí hh dá impressão mesmo que a pessoa não esteja sendo grossa (.) às vezes dá impressão que ela é grossa pelo jeito que ela fala Julia: e você achou que isso tava em em em em todos os filmes nos dois filmes? [ ] G: Em todos os dois eu achei que tava evidente isso mesmo que a pessoa tivesse falando com naturalidade mas Julia: ãh-hã:: G: ela fala como se ela fosse rude grossa mesmo que não fosse mas dava a entender que ela era Julia: ãh-hã:: ah:: e e você que isso é diferente do do do da por exemplo do do do Brasil G: acho Julia: isso isso te dá G: acho Julia: por que, como é que G: acho porque eh os brasileiros eu acho que eles têm um jeito mais simpático de falar assim (.) nem todo mundo fala grosso mas tem muita gente que fala muito espontâneo essas coisa então às vezes não dá a entender que a pessoa é grossa mas nos filmes deu bem a entender mesmo que a pessoa não seja parecia muito que ela era pelo jeito que ela falava Julia: sei (.) e não tinha nenhum momento onde:: onde:: onde ela tinha um modo mais parecido com o nosso com esse jeito que você tá falando? (G fica em silêncio por alguns segundos) G: Não me recordo porque [( ) Julia: ( ) G: ( ) jeito Julia: mas em que que G: ( )] Julia: por exemplo né aqui na no você fala que o o Roberto foi um pouco grosseiro né você vai falar também que:: que o:: Leonardo tava estressado (.) sabe quando ele vai mandar o:: o Jun embora da casa dele lembra G: hmm Julia: que ele mostra até o:: calendário aí você fala que achava que ele foi um pouco grosseiro (.) no modo como ele abordou o Jun pra mandar ele embora né que ele podia ter sido um pouco mais delicado 213 [ ] G: foi Julia: na hora de falar e o que que é isso, que que é ser mais delicado, que que é ser grosseiro só pra eu entender melhor G: não porque do modo que ele eu poderia ter sido menos direta ao falar com ele (.) por exemplo ( ) falado mais calmo porque do jeito que eu falei que ele falou eu achei que ele foi bastante grosseiro (.) não que fosse a intenção dele mas do jeito que ele falou que ele tinha de ir embora porque isso que aquilo falou meio assim né agitado Julia: ãh-hã hh G: acho que poderia ter sido um pouco mais calmo Julia: você falaria como? G: ah falaria assim eh (G fica em silêncio por alguns segundos) G: não sei como assim (G abaixa o volume da voz) G: ah você tem ( ) tempo tem que ir embo::ra (.) isso aquilo (G volta ao volume normal da voz) G: porque ele falou não você tem que ir embora que isso que aquilo tipo assim quase empurrando ele hh Julia: hh sei G: hh eu achei que ele foi Julia: você já falaria de um jeito mais acariciando G: isso Julia: como se fosse isso assim G: ( ) pra não magoar muito a pessoa hh porque ele foi bastante grosseiro falou não você tem que sair que isso que aquilo entendeu ele falou bem grosso na minha opinião Julia: ãh-hã G: eu como eu ( ) com qualquer coisa eu achei que ele foi grosso poderia ter sido um pouco mais delicado ao falar com ele poderia ter explicado melhor a situação com mais calma Julia: E você acha essa mesma coisa você acha também do Leonardo quando o Leonardo foi falar com o Victor sobre a janela? 214 G: acho hh porque ele poderia ter conversado melhor antes explicado um pouco mais a situação falando assim (G abaixa o volume da voz) G: não porque tá me incomodando (.) janela aqui isso vai eh invadir a minha privacidade (tal) (G volta ao volume normal da voz) G: ele chegou falando não porque você vai ser obrigado a tirar como se ele fosse (.) ter que tirar naquele momento a janela eu achei que ele poderia ter sido um pouco mais sutil ao falar com ele Julia: ãh-hã (.) e essa sutileza seria o que seria não G: não gritar muito com ele só explicar assim não porque realmente tá me incomodando tá tirando um pouco da minha privacidade eh por gentileza você poderia (.) se não fosse muito incômodo Julia: sei G: tirar (.) ou pelo menos tampar um pouco a janela colocar em outro lugar se você quiser eu te ajudo (.) e isso entendeu (.) ao invés de ele pegar e falar não porque você tem que tirar aqui como se ele fosse ele foi bem grosseiro também Julia: ãh-hã G: porque tem várias formas de você [falar com uma pessoa Julia: claro várias formas G: negociação ( ) Julia: e cada forma a gente vai sentir] vai uma impressão de uma coisa diferen- né se fala grita::ndo isso vai causar (.) um con- conflito maior talvez né [ ] G: é um conflito maior se ele tivesse sido um pou- se ele tivesse sido um pouco mais gentil assim não po- não talvez não tivesse sido esse estrondo todo essa coisa toda uma raiva ter pego uma raiva um pelo outro entendeu Julia: [ãh-hã G: poderia ter sido] poderia ter se resolvido melhor a situação Julia: ah tá ótimo... perfeito então muito obrigada G: brigada você Julia: até logo G: até logo 215 2. Entrevista com (R) Julia: Oi:: bom dia R: Bom dia Julia: Eh (.) bom eu queria saber (.) eh o que que você achou do nosso processo de trabalho (.) com os filmes né tanto o filme Un cuento chino (.) e El hombre de al lado (.) o processo de::sde a apresentação né do do contexto do do filme por exemplo né Un cuento chino (.) eu apresentava (.) eh as reportagens absurdas depois a gente apresentou (.) eh os chineses vivendo na Argentina (.) aí depois a gente viu o filme depois a gente (.) via as cenas (.) dizia o que a gente interpretava ou seja todo esse modo de trabalho do início ao fim de cada filme né (.) o que que você achou desse processo? R: ãh logo de início eu achei a proposta (.) bem interessante que é a primeira vez que:: eu trabalho com (.) assim né na escola aprendendo espanhol (.) a proposta vendo filmes acho interessante eh tanto a:: como que você conhecer os filmes antes né (.) tanto lendo as reportagens absurdas quanto (.) saber (.) que (.) né tinha a questão dos chineses na Argentina é bom pra entender o contexto do filme né que (.) tem um ditado comum que (.) pra entender o texto tem que saber o contexto né então ( ) foi interessante porque sem (.) essa análise antes talvez a gente não fosse entender todo o contexto que tava por trás do filme (.) e:: foi bom no sentido de:: (.) que (.) culturalmente contribui porque você acaba conhecendo uma outra cultura e você (dizem) também durante anos você acaba se conhecendo (você) vai se refletir sobre (.) como que as pessoas pensam em outros lugares eh aí (tu vê) até que ponto bate com o que você pensa de que forma é uma:: construção cultural bastante interessante Julia: ãh-hã (.) então você (.) pra você você achou legal esse processo ( ) R: assim dos filmes eu (.) admito que não sã::o do meu gosto assim filmes às vezes eh que conta assim muito a vi::da (.) do personagem mas achei bastante interessante essa:: não (.) o filme em si mas o (.) o que a gente aprendeu do filme a (.) o que que a gente (.) por trás do filme a proposta do filme que a gente acabou (.) aprendendo por trás do filme tanto a cultura quanto:: eh da lín- da própria língua eu achei essa esse aprendizado (eu achei) bastante interessante eu gostei Julia: sei e que tipo de filme você vê (.) que você disse que R: eu gosto de filme assim mais eh... ( ) gosto de filme assim que desenvolva mais eh raciocí::nio coisa assim (.) filmes mais (.) não de suspense exatamente mas um filme:: às vezes por exemplo Sherlock Holmes que tem toda uma história que você tem que entender um contexto também Julia: ãh-hã:: [ ] R: nesse sentido eu também gostei desse o (.) por exemplo do Un cuento chino que você tinha que conhecer o contexto (.) cultural e isso eu achei interessante (.) tanto que por exemplo nesse filme do Sherlock Holmes se você não conhecer o contexto cultural da Inglaterra na é::poca [ ] 216 Julia: sei R: eh do porquê que (.) você não entende certas coisas (.) e isso eu achei interessante (.) mas eu gosto assim né ((Alguém bate na porta)) R: no meu gosto pessoal mais de:: filmes de ação que também envolvam raciocínio lógico Julia: sei R: acho essa ( ) também bastante interessante [ ] Julia: ah tá onde você tem que tá descobrindo ali (.) pequenos mistérios [né R: isso prestar] atenção nos detalhes Julia: tá só deixa eu avisar que eu já tô aqui ((Julia conversa conversa com a pessoa que bateu na porta)) Julia: desculpa R: tudo bem Julia: eh bom e:: então (.) eh o processo mas o processo em si didático você gostou assim a forma [ ] R: sim eu também gosto de ensinar e eu achei eh esse método de ensinar bastante interessante (.) eu gostei acho interessante principalmente pela construção cultural (do homem) muito (.) muito interessante e é uma ferramenta muito (.) boa Julia: sei [ ] R: a gente acaba de forma direta e indireta aprendendo muito a respeito de outras culturas e isso é muito bom eu particularmente gosto bastante Julia: ah que bom (.) que bom /.../ e pronto (.) então agora eu queria eh saber algumas coisas da sua resposta a gente vai lendo aqui junto tá (.) eh você (.) no:: na parte nas suas respostas sobre o filme Un cuento chino (.) você:: você coloca que o Leonel que o:: Roberto (.) sabe o o argentino (.) no momento que ele tá falando com o:: com o Leonel que é aquele entregador sabe de:: que ele vai lá fala assim “hola Roberto qué haces (.) llegó lo que me pediste por Internet” que é o entregador de jornais que vai lá falar com o Roberto 217 R: ãh-hã Julia: só que o Roberto ele:: responde pouco né com poucas palavras (.) e você:: diz que (.) por ele ter respondido com frases curtas (.) você entendeu que ele foi ríspido né (.) e indelicado (.) né por que que eh você te deu essa impressão (.) só porque (.) ele (.) que que fez exatamente que você sentisse essa rispidez nele você assim você lembra? R: bom assim (.) pelo contexto do filme né conhecendo o Roberto como (.) sendo muito reserva::do então ali quando o Leonel ele (.) tenta de uma forma:: aparentemente amigável né tenta::r (.) fazer algo que (.) por mais que né do ponto de vista do Roberto não tenha sido:: uma coisa boa ele tava com a melhor das intenções (.) e quando:: você (.) tem uma pessoa que se importa com você (.) mesmo que se- talvez você não queira fazer uma atividade específica que a pessoa sugere (.) é bom você valorizar alguém que (.) se preocupa com você ali o Roberto morava sozinho trabalhava sozinho vivia sozinho (.) e um amigo que (.) mesmo eh com tudo isso (.) mesmo sabendo de (.) todos os problemas que ele passou ainda assim tenta ajudar (.) mesmo sabendo que ele era (.) casca grossa por assim dizer ainda assim tenta ajudar (.) é um amigo que merece↑ (.) atenção porque ele tá ele (.) mesmo sabendo de todas as dificuldades coisas que às vezes (.) suas características (afastar a pessoa) ele tá mesmo assim querendo te ajudar (.) é uma coisa (.) que você deve valorizar porque (.) é uma coisa difícil de ser encontrada e é uma coisa muito boa (.) e ele então ele por ( ) por tratar uma pessoa que tá se importando tanto com ele ele viu mas (.) ele:: mesmo assim hesitou e (.) deixou pra lá e procura mesmo ele querendo desenvolver um diálogo conversar com ele ele (.) só dá respostas rápidas e curtas e grossas e eu achei que ele foi ríspido por essa razão porque (.) ele:: não soube valorizar alguém que tava realmente se importando com o bem estar dele [ ] Julia: sei R: por mais que ele não tive- ele não se sentisse ru- mal (.) ele não sentisse (.) triste (.) o amigo dele não sabia exatamente o que ele tava sentindo mas de qualquer forma ele tentou ajudar Julia: ãh-hã:: R: uma coisa (.) positiva mas ele (.) não encarou dessa forma e (.) foi ríspido com [ele Julia: claro] eh você até diz que se fosse na sua no seu caso você:: você demonstraria né (.) eh eh empatia R: sim [ ] Julia: né apesar da rispidez né [ ] R: o que aconteceu 218 [ ] Julia: do:: você você agiria como o Leonel né↑ R: meu caso às vezes né mesmo às vezes não tô me sentindo bem ou que (.) aí chega alguém em casa eu não tô me sentindo bem ou então gos- queria tá dormindo aí chega alguém eu mesmo que gostaria de tá dormindo ou desde que não não não esteja me sentindo bem pra receber visita (.) eu não mostro de forma alguma eh Julia: esse [ ] R: rispidez com a pessoa porque é uma pessoa que se importa comigo ela se deu o trabalho de se locomover da casa dela pra vir na minha pra vir falar comigo pra ver como eu estou então (.) ela:: [ ] Julia: você não diria olha não posso:: R: pois é não pelo menos nem que eu tivesse que:: sacrificar alguma coisa de menor importância mas é dada a atenção àquela pessoa porque se ela tá (.) se importando comigo se ela é um amigo que tá se importando comigo ela também (.) merece ser tratada bem Julia: ah-hã claro (.) você até chama isso de você fala que são seus princí- é uma questão de educação e princípios bíblicos R: sim porque como:: eu sou testemunha de Jeová e que nós aprendemos com base na Bíblia (.) é que ( ) conforme até Jesus ensinou (.) que nós deveríamos tratar os outros como gostaríamos de ser tratados não tratar os outros (.) como os outros nos tratam que às vezes se alguém te trata mal você vai acabar tratando mal aquela pessoa e não é correto (.) Jesus falou que deveríamos amar até↑ os nossos inimigos ou seja Julia: ãh-hã R: quanto mais amigos né Julia: é R: então a gente deveria tratar todo mundo e eu procuro fazer isso na medida do possível (.) como eu gostaria de ser tratado e eu de forma alguma gostaria de ser tratado mal de ser tratado de forma ríspida gostaria de ser tratado bem sempre que possível (.) né Julia: bem é como pra você R: [bom 219 Julia: que que é ser tratado bem] R: quando as pessoas me tratam de forma educada se eu tiver algum defeito a pessoa com jeito (.) me dizer o que ela acha que tá errado pra até me ajudar a melhorar (.) assim como eu tento falar com as pessoas com jeito falar pra sempre procurar ajudar as pessoas a melhorar também (.) né tanto às vezes num aspecto da vida quanto num aspecto da personalidade é sempre bom porque (.) amigo também tá perto quando você precisa de correção (.) né nenhuma correção parece boa de início mas Julia: é claro R: ela acaba sempre contribuindo de uma forma (.) positiva (.) mesmo que às vezes a gente não gosta da pessoa que dá a correção né que às vezes parece uma coisa ruim (.) é bom pra gente crescer Julia: ãh-hã R: tanto como caráter como melhorar aspectos da nossa vida então por isso que eu não trataria por exemplo o Leonel que tentou ajudar da forma ruim porque ele tá se importando comigo e eu (.) com base nesses princípios bíblicos eu também procura- procuraria tratar ele como eu gostaria de ser tratado (.) bem Julia: ah tá (.) claro (.) sei com atenção né é dar atenção pro outro é responder o outro R: de forma boa assim como se eu fosse visitar um (.) um amigo meu porque eu estou preocupado com ele (.) eu não gostaria de chegar lá e ser tratado de ser recebido de uma forma ríspida (.) como eu ia acabar ficando (.) magoado com a pessoa (.) né (.) de uma forma ou de outra porque se eu tô me preocupando com a pessoa me dei o trabalho de ir lá ver principalmente sabendo como é o Roberto né que é (.) uma pessoa fechada ainda assim me dei o trabalho de ir lá (.) o mínimo que ele pode fazer é me receber bem (.) né (.) mesmo se ele não me receber eu não ficaria magoado mas ainda assim (.) eh:: não ficaria admi- não ficaria feliz né de ser tratado mal Julia: ãh-hã:: claro R: ninguém gosta de ser tratado mal Julia: é (.) e e pra você ser tratado mal é ser tratado as- dessa forma R: de uma forma mal-educada ou então a pessoa usando de ofensa isso tudo não é um tratamento (.) bom Julia: sei (.) e:: e outra coi- por exemplo no filme agora El hombre de al lado você fala que o LeoLeonardo que morava naquela casa grande que naquele momento que ele foi falar com o Victor sobre a janela (.) você fala que ele foi “extremamente grosseiro (.) mal-educado (.) eh pois nem sequer cumprimentar e tentar conversar a respeito do assunto” né e:: mas por que assim por que que você acha que uma pessoa pra ser educada (.) ela tem que:: eh conversa::r eh como é que como é que é o que que pra você representaria (.) essa má (.) educação (.) por que que ele foi mal-educado aqui o que foi exatamente que te R: então novamente [eh ( ) Julia: você lembra daquela cena 220 R: ãh-hã] eu procuro:: sempre assim (até quando a gente) também devido à educação e ensinos bíblicos (.) tentar entender o lado do outro né antes de:: de (.) aliás eu tento no máximo não criar (.) problemas eu tento resolver os que tem e não criar mais [ ] Julia: ãh-hã R: então (.) se ali tava sendo criado um problema que ele tava abrindo uma janela pra dentro do meu quintal que não é uma coisa boa (.) eu primeiro em vez de logo mandar parar a obra:: já chegar querendo botar razão querendo (.) chamar meus direitos [ ] Julia: ãh-hã R: eu seria razoável tentaria primeiro conversar (.) entender por que que ele tá fazendo aquilo falar que (.) realmente ia ficar ruim explicar o porquê (.) o diálogo é o primeiro passo pra gente conseguir eh a comuni- a não a comunicação eh Julia: [um entendimento R: um ACORDO] Julia: um acordo [ ] R: é o primeiro passo se você começar mal acaba que depois também vai ficar ruim (.) ele foi grosseiro porque ( ) também entender por que que ele tá abrindo porque (.) afinal de contas o Victor não tinha más intenções por exemplo de um vizinho fofoqueiro quer olhar dentro da sua casa e saber o que passa na sua vida (.) ele só tava querendo um pouco de ar porque a casa dele era (.) toda fechada ele só queria uma janela pra poder (.)arejar a casa dele não é (.) nada de mais (.) claro (.) ele (.) taria infringindo leis de (.) municipais de construção taria aí invadindo a privacidade dele (.) do:: Julia: [Leonardo R: Leonardo] mas mesmo assim (.) o Leonardo também quando tratar ele (.) ele deveria tratar ele como ele gostaria de ser tratado se ele não fo- se ele abrisse por exemplo a janela só pra conseguir ao menos respirar na casa dele ele não ia querer eh ser tratado desse jeito (.) conversa primeiro que que a gente pode fazer talvez uma janela menor que não que não dá ( ) dê pra ver a minha casa pra ver a minha família né Julia: ah-hã:: R: que foi no final até o que eles acabaram fazendo seria mais eh (.) eh (.) seria ao mesmo tempo assim teoricamente ele taria ainda com uma janela dentro da sua casa (.) mas não é pra ele ficar 221 observando é só mesmo pra arejar a casa dele (.) aí entra a ( ) né (.) a pessoa ser razoável pra poder (.) ceder (.) pra manter a paz Julia: ãh-hã:: [ ] R: né por isso que de início o Leonardo não foi tão eh educado porque ele logo quis botar razão botar os direitos não eu posso isso eu posso aquilo você não pode fazer isso ( ) em vez de conversar primeiro tentar entender (.) o diálogo é o primeiro passo pra gente conseguir uma:: comunicação pacífica Julia: hmm legal (.) legal brigada (.) e bom por fim então queria saber o que que você achou do modo de enunciar se você percebeu alguma diferença por exemplo (.) entre o modo (.) de interação né (.) interação com o outro por exemplo nas sociedades né o modo de convivência por exemplo (.) de eu (.) me interagir com você né como professora (.) por exemplo é diferente nas socieda- no Brasil é diferente o professor talvez eh nos Estados Unidos né talvez tenha uma outra um outro modo de tratamento por exemplo (.) e eu queria saber o que que você se você sentiu alguma diferença entre o modo (.) de interagir né o modo de enunciar (.) do dos hispano-americanos que a gente viu no filme né dos estrangeiros no caso eram os argentinos né (.) se você (vê) se você sentiu R: hmm Julia: alguma diferença entre o modo R: [é indiscutível Julia: de R: que há] diferenças né (.) mas assim eu não gosto muito de pega::r (.) eu gosto assim de estudar sociologia de (.) psicologia e eu vejo assim que eu não gosto de estereotipar por exemplo ah os argentinos se tratam dessa forma os brasileiros se tratam dessa forma claro que há como uma maioria (.) né (.) isso que eu respondi (.) mas eu não senti muita diferença eu particularmente não senti diferença porque assim essa diferença que a gente encontra (.) entre a maioria dos brasileiros e a maioria dos argentinos Julia: ãh-hã R: a gente também encontra aqui dentro só que numa minoria Julia: é R: então assim assim como tinha pessoas como o Roberto tratava as pessoas também conheço pessoas que tra- que se tratam os outros assim mesmo que não seja a maioria (.) tem essa pequena minoria que nem é tão pequena assim mas não é a grande maioria (.) né [ ] Julia: a grande maioria que seria como? 222 R: ( ) as pesso- assim que a correspondem a (.) matematicamente mais de cinquenta por cento das pessoas se trata dessa forma mas também a outra minoria (.) não é tão pequena assim você encontra muita gente que trata os outros como o Roberto trata como o Leonardo trata como o Victor trata tenta (.) conversar tenta desenrolar o Victor por exemplo ele a princípio não quis (.) eh parar a obra porque aí é uma coisa que ia (beneficiar) ele aí tenta conversa::r tenta dar um jeiti::nho não vamo na minha van deixa eu te mostrar minhas coisas que eu faço né Julia: ãh-hã:: R: pra conhecer pra tornar amigo tudo assim negócio de um pouco de:: como eu posso dizer... tenta desenrolar com ele pra po- pra ver se acabava fazendo ele ceder não vou mostrar que não tenho más intenções né só Julia: sei sei R: ele tentou um pouco desenrolar pra conseguir também o objetivo dele brasileiro também tem um pouquinho disso [né Julia: ãh-hã R: não só] no geral mas a maioria né tenta não sempre que ele sabe que ele tá errado mas ainda assim ele quer alguma coisa ele não não desiste logo de início ele tenta ir conversa::ndo (.) [(dar) um jeiti::nho Julia: (dar um) jeiti::nho] ãh-hã:: R: pra poder eh atender os dois lados né então não senti muita diferença sabe por que essas diferenças ( ) na Argentina tem de pessoas e pessoas também dentro [de cada país Julia: dentro de cada país] né R: a gente acaba convivendo com pessoas diferentes né as pessoas (.) não são iguais a gente acaba se acostumando com a diferença (.) até eu ( ) também com bastante pessoas eu não vejo muita diferença eu conheço muitos tipos de [pessoas Julia: tipos] ãh-hã:: R: então eu particularmente não senti muita diferença eh dizer os brasileiros são dessa forma os argentinos são dessa forma porque eu lido com muitas pessoas [e:: Julia: você ( )] R: eu tô acostumado com diferentes tipos de personalidade diferentes tipos de de humores e:: Julia: ãh-hã R: eu tô acostumado mesmo que a pessoa seja ríspida e ( ) tratá-la bem mesmo que a pessoa seja:: boazinha e também tratá-la bem tratar todos iguais e então não senti muita diferença de início Julia: ah:: legal (.) muito bom muito bom Rafael muito obrigada tá R: nada Julia: pela entrevista (.) até log 223 3. Entrevista com (RF) Julia: (.) boa tarde querido Rf: boa tarde professora Julia: eh eu queria saber (.) o que que você qual sua opinião (.) né em relação ao nosso processo de trabalho com os filmes (.) né tanto Un cuento chino como El hombre de al lado (.) eu não sei se você lembra mas (.) no nosso processo a gente (.) cada aula antes de ver o filme a gente primeiro fazia uma sensibilização (.) por exemplo no (.) Un cuento chino né eu mostrei pra vocês umas reportagens absurdas porque o personagem li::a (.) depois eu mostrei (.) eh uma reportagem sobre os chineses que viviam na Argenti::na (.) aí depois a gente viu o filme (.) depois a gente fez aquelas atividades (.) né que a gente:: tran- que eu transcrevia as cenas e perguntava qual a opinião (.) de você::s em relação ao modo eh da do qual qual a impressão que vocês tinham né do modo de enunciar dos persona::gens (.) depois a gente fez um debate então assim era um processo longo né que demorava cinco aulas (.) mais ou menos (.) todo esse processo e foi a mesma coisa tanto com Un cuento chino e El hombre de al lado (.) e aí eu queria saber o que que você achou desse processo (.) das atividades que foram feitas (.) eh pode dizer a sua opinião com sinceridade né porque é muito importante tá ter esse retorno saber se foi positivo ou negativo (.) pode falar mesmo se for negativo é importante falar também tá Rf: ah professora eu achei que a dinâmica foi muito boa né foi diferente trazer tipo um pouco do (.) lado de fo::ra explicar cada um até mesmo e preparo ( ) a senhora me ensinou aqui agora (.) foi bem diferente da expectativa né que eu pensava uma aula de espanhol (.) mas foi bem legal deu pra aprender espanhol de outro jeito Julia: ãh-hã [ ] Rf: foi bem legal deu pra tipo assim (.) não aquele espanhol chato memorizado mas aquele que você aprende e ( ) você gostou de aprender (.) muito bom isso ambos os filmes foram filmes excelentes (.) a maioria era de humor (.) e que eu nunca tinha visto eu não me interessava muito por espanhol né só via muitos jogos em espanhol Julia: ah via jogos de quê? Rf: ah jogos geralmente de ação esses jogos assim normais (.) que só tinha (duas) legendas né então uma era inglês a outra é espanhol e como o espanhol é mais semelhante do português (.) é sempre a opção né que cê seleciona mas (.) eu achei excelente (.) não tenho (tirando essas) desa- desavenças aí que eu falei não tenho nada de Julia: tirando o quê? Rf: essas aí desavenças né que [ ] Julia: qual? 224 Rf: é que:: quando (.) quando eu pensei (que era) espanhol pensei que era que você tinha que memorizar verbo em espanhol e isso é muito chato então isso (.) melhorou muito e trouxe um aspecto positivo pra disciplina Julia: você acha que você se passou a se interessar mais? Rf: (assim) eu escolhi espanhol porque inglês é muito ruim (.) aí eu prefiro espanhol (.) mas eu achei bem legal (.) bem [ ] Julia: hh inglês é muito ruim? Rf: é eu sou péssimo em inglês Julia: mas esse esse modo como eu (.) como a gen- como como foi feito né esse processo (.) você acha que te aproximou mais (.) você gos[ ] Rf: não (.) com certeza me aproximou mais da matéria porque (.) traz aquela interação do aluno (com) a professora (com) a turma toda né (.) tipo na nas rodas quando a gente se reunia pra poder discutir sobre os filmes ou sobre algum fato de aulas anteriores ou da mesma (.) traz (.) traz uma boa interação ( ) ajuda (.) é muito bom Julia: claro Rf: tirando que é divertido né (.) ter um tempo aí fora da (.) da do (.) como é que é a palavra... não sei usar aquela palavra (.) um tempo fora daquela necessidade de você tá lá (.) no... tá com aquele intuito só aprender só aprender (.) poder levar um pouco mais o exterio::r explicar um pouco (.) não só aquele momento aula também aquele momento (.) melhor um pouco Julia: mais descontraído [assim que você acha Rf: é mais descontraído ( )] aquele momento mais descontraído mais legal Julia: você acha que teve aqui [ ] Rf: teve teve sempre tem Julia: que bom [ ] Rf: sempre tem 225 Julia: ah que bom então foi positivo pra você [ ] Rf: foi foi um (.) uma experiência positiva Julia: ai que bom (.) pra mim também foi (.) [com vocês Rf: ( ) Julia: uma experiência] muito positiva (.) eh agora em relação assim né lembra que eu sempre perguntava pra vocês por exemplo (.) eh qual a impressão que você teve do modo como o Leonardo eh (.) abordou o seu vizinho né então assim eu sem- eu me preocupei ao longo desse tempo eh em saber qual a impressão que vocês tinham do modo (.) né de falar (.) dos personagens eh estrangeiros né ou seja de do do do (.) hispano-americanos argentinos (.) né e aí eu queria saber se você viu alguma diferença assim nesse modo de falar né de interagir socialmente (.) dos argentinos (.) e dos brasileiros qual foi se você viu alguma diferença entre esse modo (.) [deles de ser Rf: ah diferenças ( )] sempre tem porque são culturas diferentes e distintas (.) mas o alguma que se destaca acho que nenhuma (.) nenhuma se destaca muito (.) é (.) nenhuma ( ) [ ] Julia: mas tem alguma alguma algum comportamento deles que você acharia diferente dessa cultura da nossa cultura (.) o modo de lidar com as pessoas ou com os conflitos até né porque por exemplo tinham conflitos né como o conflito do chinês vivendo lá na casa do Roberto como o conflito da janela (.) e cada perso- ali os personagens agiram de um uma forma né nos conflitos (.) aqui no Brasil também seria assim nosso modo (.) né de de de interagir de interaçã::o (.) ou você percebeu alguma diferença [ ] Rf: é ( ) assim os relatos que hispano-ameri- (.) his- his[ ] Julia: hispano-americanos Rf: eu ia falar hispano-americanos mas eu pensei que fosse outra palavra Julia: hh lindo hh Rf: hh que hispano-ameri- ( ) eles têm um ato mais direto de chegar na situação né (.) eles falam logo (.) já os brasileiros ia enrolar um pouco (.) que é aquele jeitinho brasileiro né sempre [ 226 ] Julia: como? Rf: sempre empurrando ah quando tem uma situação você nunca fala direto o que cê quer (.) você vai empurrando vai embromando um pouquinho Julia: ãh-hã [ ] Rf: tem essa situação de embromar (.) já eles não eles são mais diretos e chegam logo no assunto (.) (poderia ser) até que eles são um pou- um pouco:: (.) (vamos) dizer que (a gente) não tenha vergonha né de como o brasileiro tem que ser direto eles (.) são mais claros do que querem e Julia: você acha que o brasileiro tem mais vergonha de ser direto? [ ] Rf: é poderia ser isso não nem todos né mas a maioria dos brasileiros eles (.) nunca são diretos no que eles no que eles querem eles sempre expressam de outra maneira de outra forma (.) sendo ela qual for Julia: ãh-hã (.) claro sem generalizar né [ ] Rf: é Julia: mas falando de uma maioria né de uma [tendência Rf: ( ) Julia: né que tem] Rf: e o brasileiro ser mais descontraído né de usar mais gírias pra poder falar Julia: ãh-hã:: (.) falar de de uma forma:: (.) menos qual foi você usou [ ] Rf: descontraída Julia: descontraída e o outro os argentinos a maioria teria uma [tendência Rf: mais direta Julia: ao filme] 227 Rf: mais direta mais certa Julia: ãh-hã (.) e qual e (.) você acha que isso teria um porquê? Por que será que os brasileiros teriam essa tendência maio::r (.) e os argentinos, o que que faz você perceber isso? Rf: isso deve ser devido a (.) ao estilo de vida né que os hispano-americanos levam (.) (eles são) meio tristes né (.) de acordo com os filmes eles não fazem quase nada de legal né (.) poucos poucos fazem alguma coisa (.) é tipo acho que é Roberto o dono daquela lo- ele tem uma loja de ferraria né? Julia: ãh-hã [ ] Rf: aí não deve ser muito legal né não deve ser muito:: (.) não deve ser ele não deve ter muita convivência lá naquela loja deve ser meio chato né (.) (além dele) ao longo do filme ele se estressa muito com a própria loja (.) então deve ser isso que faz ele ser direto né deve ser tipo (.) uma tristeza que ele [tem Julia: ãh-hã uma insatisfação que você diz Rf: é uma insatisfação] Julia: ah tá... ah legal (.) e bom vamos então agora dar (.) aqui (.) eh (.) eh uma olhada aqui no seu nas suas atividades (.) em relação ao filme El hombre de al lado você fala lembra aquele momento da:: que ele aborda o vizinho na janela? Rf: lembro Julia: eh e aí você vai falar que “o Leonardo é um cara calmo e educado (.) porém abordou o seu vizinho com a sua voz em tom elevado” (.) né (.) o que que faz você achar que ele é um cara o Leonardo ser um cara calmi e educado? Foi aqui foi na forma como ele di::sse Rf: é bem foi bem nas expressões faciais dele é porque se fosse outra pessoa ele não chegaria do forma que ele chegou (.) ele chegou mal-humorado mas porém não (.) não foi grosseiro (.) somente elevou a voz porque estava irritado com aquela situação porque um homem botar uma janela (.) com vista pra sua casa tira (meio) a intimidade dele né Julia: ãh-hã Rf: os valores dele a é- a própria ética dele não deixa não permite que ele fosse a- (.) que a situação fosse passada adiante né (.) então é só isso né... expressões faciais dele porque eu não posso falar que foi a:: (.) como ele falou Julia: porque você achou educada a forma como ele falou Rf: é a abordagem dele foi bem educada Julia: “hey hey hola (.) está el dueño” (.) você lembra? Rf: eu lembro lembro ( ) dele foi bem educada (.) pra situação ( ) [ 228 ] Julia: mas por que o que que faz você achar que foi educado (.) você lembra? Rf: ah (.) eh bem se fosse uma situação diferente a pessoa não chegaria (.) vamo botar que fosse um brasileiro né ele não chegaria falando assim ele já ia chegar tentando quebrar a janela (.) tentando dar um jeito naquilo Julia: hh como? Rf: ah quebrando a janela como às vezes (.) pô brasileiro é bem irritado né (.) também faz muita (.) coisa errada a maioria né (.) ele já taria quebrando a janela tacando pedra naquela janela ou (.) ofendendo o cara né através de palavras ofensivas (.) sei lá o que for (.) mas ele não foi calmo (.) tentou ( ) da melhor forma possível (.) só depois ao longo do filme que ele (.) começou a se estressar tinha até algumas cenas que ele teve até medo né (.) do seu próprio vizinho Julia: ãh-hã Rf: aquela cena lá que ele tá com uma van né (.) acho que (ele entrou em crise) naquela van porque ele pensou que fosse alguma coisa (.) mas porém né ele entrou acabou entrando na van e descobriu que não tinha nada que o cara era (.) uma pessoa boa (.) só tinha esses problemas né Julia: o Victor? Rf: é o Victor (.) só tinha esses problemas mesmo Julia: quais problemas? Rf: eu só achei ele um pouco maluco Julia: por quê? Rf: pelo jeito dele (.) meio largado (.) é um pouco diferente né do que tá acostumado Julia: como? Rf: é o jeito dele falar né ele fala (.) sempre que ele fala ( ) dele ser direto ele fala como se fosse (falando gritando) Julia: ãh-hã Rf: e a expressão dele né (.) que ele tipo meio que abaixa as sobrancelhas pra falar (.) algumas coisas assim Julia: tipo assim hh? Rf: é hh Julia: hh Rf: tem algumas cenas que ele fez isso só que é meio estranho né aí ( ) Julia: hh Rf: ( ) problemática 229 Julia: hh muito bom Rudolf (.) e o Leonardo não então você (.) você teve mais afinidade com o Victor por ele ser mais estranho pra você Rf: é por ele ser um pouco diferente né [ ] Julia: e aquele mas ele não tinha um jeito também mais (.) como pode dizer (.) mais descontraído não como você tava falando que seriam (.) os brasileiros (.) como seriam os brasileiros tipo lembra que você falou que ele que os brasileiros são mais descontraídos Rf: é podia até ser naquela cena que ele (.) ele leva o (.) esqueci o nome dele (.) Roberto (.) não não é Roberto não Roberto é o do outro filme é do chino Julia: eh o Leonardo Rf: Leonardo (.) por exemplo ele leva o Leonardo pra van tenta se comunicar (.) tipo assim se abrir né com o Leonardo pra ver se o Leonardo ajudava (.) acho que foi a parte que ele se colocou mais sensível no filme Julia: ãh-hã Rf: seria essa Julia: sei porque fora isso você achou ele muito Rf: é muito grosseiro um pouco diferente né (.) tipo quando ele faz aqueles teatrinho dele é um pouco esquisito meio bizarro né Julia: ãh-hã Rf: ( ) o material né que ele usa também né comestível na maioria Julia: é banana hh Rf: é mortadela ( ) um pouco esquisito ( ) uma pessoa né (.) tendo uma janela (.) com vista pra sua casa ainda fazendo teatrinho naquela janela é um pouco maníaco né parece que o cara é meio ( ) [ ] Julia: ãh-hã sei sei Rf: dá essa visão negativa dele (.) é Julia: e o Leonardo já não [você achou Rf: o Leonardo não Julia: ele já Rf: é um ca- 230 Julia: calmo] Rf: um cara calmo ( ) o emprego que ele tem né tem que ser calmo estilista de cadeira né (.) é um emprego chato mas tem que ( ) [ ] Julia: você achou que em momento nenhum ele foi foi grosseiro com o Victor [ ] Rf: não não teve um momento em que ele foi grosseiro quando ele eh fala com o tio do Victor (.) aí naquele momento ele passou dos limites né por isso até que o Victor foi na casa querendo descobrir né por que ele fez isso o tio do Victor tem um problema né tem lá os problemas dele Julia: é Rf: que eu não lembro qual é né Julia: [é eu acho que era Rf: mas também no filme não menciona] Julia: não menciona não Rf: só ele é meio (.) é diferente né (.) ele fica calmo aguenta todos os desaforos do (.) Leonardo e fica (.) olhando pra frente Julia: é Rf: então já é um problema né porque outra pessoa (.) não aguentaria Julia: não aguentaria mesmo (.) tá então interessante você ter falado isso do (.) que você achou ele educado porque muita gente (.) às vezes achou que o Leonardo nessa primeira cena (.) achou que faltou que ele tivesse sido mais educado Rf: [ele poderia ter sido mais Julia: às vezes falado Rf: né mas na situação não condiz ser mais educado ainda Julia: da situação também] você seria como que você falaria seria numa situação como essa? Rf: ah não sei né nunca passei por uma situação como essa Julia: é Rf: (eu não posso saber porque é) uma coisa meio diferente né 231 Julia: mas você logo vai querer já estabelecer o conflito sair jogando pedra (.) ou você vai ter que ou você acha Rf: ah tem que conversar com a pessoa ter que levar ( ) na conversa (.) porque a violência nunca ia levar a lugar nenhum né (.) só ia piorar porque o cara ainda ia continuar fazendo a janela lá né ia ser pior Julia: é (.) é como houve né só piorou né [ ] Rf: é só piorou Julia: na verdade a situação foi piorando né Rf: é porque o Leonardo ao longo do filme começou a ficar um pouco grosseiro também né Julia: é Rf: começou a não querer mais aquilo (.) se bem que ( ) por causa da mulher dele que não queria a janela e fez com que ele não quisesse também Julia: pois é tinha uma pressão [ ] Rf: ( ) uma parte do filme ele quis (.) que a janela ficasse lá pra poder acabar os problemas como ela não podia sair tinha que ficar né (.) só que a esposa dele não quis (.) então acabou fazendo ele não querer (.) e aí começou o conflito do finalzinho né Julia: ãh-hã Rf: aquela parte onde ele obriga o (.) esqueci o nome do outro Julia: o Victor Rf: o Victor ( ) faz um tempo Julia: é lógico [ ] Rf: ele obriga o Victor a tirar a janela de qualquer jeito (.) até quando o Victor também né (.) tenta esconder o que ele tá fazendo colocando aquele aquela manta aquele saco né preto Julia: ãh-hã Rf: é (.) mas é isso 232 Julia: sei [ ] Rf: º( ) o que mais dá pra mesmo pra (evidenciar aí)º Julia: nada pra evidenciar tá Rf: ( ) Julia: oi? Rf: nada nada Julia: não mas já evidenciou bastante (.) né várias (.) várias percepções também bem interessante porque você teve me pareceu que você se identificou mais com o Leonardo Rf: é poderia [dizer que sim Julia: do que com o Victor] né po- poderia dizer que sim né Rf: é podia Julia: porque o Leonardo pra você trouxe uma carga ma- o Victor pra você trouxe um aspecto você enigmático você não conseguiu entender muito bem [ ] Rf: é um pouco negativo e contraditório também Julia: é o primeiro não por mais que ele tivesse sido (.) grosseiro em alguns momentos você entendi::a Rf: é Julia: o porquê né (.) e contraditório era o Victor que você falou Rf: é o Victor é meio contraditório porque tipo assim ele tem tudo pra ser aquele personagem (.) que é tipo o cara mau da história (.) só que no final ele que acaba salvando a família dele Julia: é Rf: naquele momento quando a casa é assaltada (.) e você pensa o que que ele o Victor que ia assaltar a casa (.) que é mais provável né o cara construiu uma janela pra observar (.) só que é o contrário ele que salva a casa Julia: é Rf: acaba morrendo né ou não porque acaba o filme antes de acontecer alguma coisa (.) até mesmo antes da ambulância chegar né que ele nem chama a ambulância 233 Julia: nem chama pois é o assassino acaba que quem entre aspas é o assassino entre aspas acaba que é o [Leonardo Rf: é o Leonardo porque ele não chama ( ) ele fica do lado Julia: ( ) morrer na frente dele] Rf: ele espera parece que a solução os problemas dele é seria a morte do Victor pode até se dizer que o Leo- o próprio Leonardo fez aqueles bandidos entrarem na casa dele (.) ( ) o Leonardo saiu deixou a filha dele lá né que era mais uma coadjuvante não falava nada (.) pra ver o que acontecia né tipo ir lá pensou (.) o Leonardo pudesse o Victor pudesse fazer alguma coisa (.) vai ver que é que é isso né (.) poderia ser uma interpretação do filme válida Julia: poderia (.) com certeza (.) que foi armado mas eu acho [que Rf: (provavelmente) não né porque Julia: é aí é interpretação Rf: ele não ia querer né] Julia: ele ia também botar a filha dele em risco assim né meio complicado né Rf: não sei ele parece que não tem amor pela filha dele [ ] Julia: é também tem isso Rf: porque a garota não fala nada é meio coadjuvante no filme né Julia: ãh-hã (.) tá e (.) deixa eu ver mais o que então (.) e:: em relação ao Roberto (.) você falou que quando o Roberto no filme Un cuento chino (.) vai estabelecer um prazo com o Ju (.) pra ele ir embora (.) você diz que parece que:: o Roberto não gosta do Ju (.) por que↑ (.) que ele que ele estressa o Roberto (.) que “o Ju estressa o Roberto”' Rf: é porque tipo o Rober- o Ju (.) ele é chinês já o Roberto (.) sendo hispano-americano ele não entende o que o Ju fala (.) então tudo que o Ju fala é como se fosse nada ele não entende absolutamente nada do que ele fala (.) então (.) traz uma noção de (não sei) raiva seria um pouco comprime né o Ju na história porque ninguém entende o que ele fala a não ser os próprios né (.) os próprios chineses (não sei) se ele é chinês Julia: ãh-hã Rf: os próprios então não tem comunicação entre eles a não ser por gestos (.) aí nesse momento que a senhora falou quando ele estabelece um prazo (.) aí como não tem aquela (.) aquele diálogo entre eles eles não podem se conhecer (.) então dá um meio uma tristeza ( ) eles mesmo morando na mesma casa eles são estranhos Julia: sei Rf: porque não tem aquele diálogo porque é o diálogo que traz né 234 Julia: claro Rf: o aquele conhecimento Julia: o conví- é Rf: ( ) convívio sem o diálogo não tem muito valor (.) é como se fosse dois estranhos morando na mesma casa (.) dois estranhos morando na mesma casa então Julia: mas assim pelo modo como o Roberto falou (.) o que que nesse modo como ele falou faz com que você ache que ele não gosta do Ju (.) o que que que que ele fez aqui que que ele falou que te deu a impressão que ele não gosta [ ] Rf: ah ele estabelece um prazo (no caso) [ ] Julia: ele fala assim ó sentate ( ) [ ] Rf: já começa aí falando pra o cara sentar é porque é uma notícia difícil né (.) às vezes até pro próprio Roberto é muito difícil pra ele dar (.) estabelecer um prazo pra alguém ficar na (.) na residência é um pouco ruim né (.) um pouco trágico (.) o fato dele não gostar é pelo modo o próprio modo dele estabelecer um prazo (.) porque se ele até esse momento ele não gosta né mas depois ao longo do filme ele acaba se entendendo com o Ju (.) esse próprio prazo que ele estabelece (.) um pouco é um pouco contraditório né com o próprio desfecho do filme (.) é que parece que ele (.) não sei usar as palavras (.) certas que ele não gosta porque ele não tenta ajudar até um certo momento (.) ele quer que o cara fique lá porque o cara não tem onde ficar (.) mas também não quer que ele fique sempre lá (.) ele quer que em algum momento ele saia (.) nesse momento que ele saia é quando os problemas dele (.) do próprio Roberto iriam se resolver com ( ) Ju né (.) então (.) ( ) ºfatoº não sei a palavra certa que eu poderia usar (.) ele quer se livrar do peso que seria o Ju né pra ele Julia: é mas esse modo que ele diz você acha que parece que ele quer se livrar? Rf: as palavras né que ele usa né (.) ele é bem direto bem claro ele quer que ele saia quando chega sete dias (.) daqui a sete dias você vai ter que sair não importa pra onde você vá (.) mas da porta pra fora não é mais problema meu Julia: sei [ ] Rf: é como se fosse assim 235 Julia: você fazi- fala- falaria diferente? Rf: é (.) eu poderia (fazer) diferente (poderia deixar) o cara ficar mais um tempo ou até mesmo tentar ajudar o cara (.) no caso o próprio Roberto tem uma loja (.) ( ) deixar o cara trabalhar e morar na casa dele como pagamento Julia: sei [ ] Rf: podia ser Julia: e buscar outras alternativas [ ] Rf: buscar outras alternativas (em vez) de expulsar o cara ou tentar emprestar um dinheiro ou até mesmo doar um dinheiro né pra ele poder voltar pra família dele Julia: claro Rf: ele até tentou né levar o tio mas o tio não é não tinha tio Julia: é tentou Rf: mas não era o tio né era uma pessoa diferente estranha Julia: hh Rf: é um pouco diferente isso né (.) esquisito ( ) ajuda melhor né Julia: [sim (.) na Rf: até ( )] embaixada né quando ele leva pra embaixada meio que ele critica a embaixada (.) como se ele tivesse um problema com os chineses ou os próprios chineses têm um problema com ele né (.) é meio ruim mas tudo isso é ( ) diálogo [ ] Julia: é parece que tem um problema ali né um conflito entre ele e os chineses Rf: é porque todos os chineses ali não tem aquela comunicação exata entre eles (.) são feitas através por gestos ou até no mesmo momento né que o (.) Ju só se comunica com o Roberto através do (.) daquele cara que entrega comida chinesa Julia: ãh-hã Rf: só assim que a gente pode ter um contato aí uma fala né um pouco de diálogo mesmo assim não seria aquela fala que poderia estabelecer uma intimidade entre eles porque tem alguém lá né 236 Julia: é Rf: não poderia (ajudar) até poderia né porque não seria um casal né então ( ) intimidade Julia: mas fica ali sempre uma tensão né sempre um desconhecido Rf: é sempre tem um desconhecido no meio (.) quando não são os dois tem um terceiro que é o entregador Julia: ãh-hã Rf: também né tem a (.) aquela moça que entra na história (.) que acho que foi também ex-esposa né dele Julia: é a Mari Rf: a Mari (.) ela também ( ) uma situação né porque parece que ela quer ajudar o china (.) só que:: (.) o Roberto tenta ajudar mas não quer ele tenta mais por uma obrigação (.) tipo uma ética dele Julia: ãh-hã:: [ ] Rf: sempre ajudar o próximo mas não quer (.) ele segue a ética mesmo não querendo Julia: ãh-hã:: Rf: ( ) princípio dele né os princípios dele né Julia: quais princípios? Rf: ah seguir a sua ética (.) seria aquilo que ele acha certo porém não não gosta daquilo que ele acha certo Julia: aí demonstra que ele não Rf: é que ele não gosta mas é o certo então ele faz o certo (.) seria até um ponto positivo né mesmo sabendo que ele mesmo ele não gostando ele faz porque é o certo Julia: é Rf: é um ponto positivo olhando o coletivo mas pra ele não é ((Julia responde a pergunta de outra pessoa)) Julia: ah legal (.) legal então ma- eh (.) muito legal viu muito obrigada pela sua Rf: tá Julia: participação pela su- por ceder essa entrevista Rf: tá brigado professora Julia: até logo boa tarde 237 4. Entrevista com (D) Julia: Eh:: eu queria saber o que que você:: achou do nosso processo de trabalho com os filmes (.) tanto Un cuento chino como El hombre de al lado D: ãh-hã [ ] Julia: né todo o processo desde o da da apresentação né do contexto do filme até o nosso trabalho com as cenas... queria saber como que você (.) como que você vê esse tipo de trabalho D: então eu nunca tinha presenciado um tipo de aula de espanhol nesse sentido sempre era aquela coisa bem clássica de você aprender (.) por verbinhos e:: livros didáticos fazer exercício de casa essas coisa e esse ano (.) eu passei uma si- eh uma situação muito diferente né uma:: um novo modelo né de ensino que (.) tá aí agora né no (.) nessa nova era né (.) de ensino de outros idiomas (.) e eu achei muito interessante esse método de ensino por mais que às vezes a gente (.) possa ficar um pouco ressenti- às vezes com o pé atrás de ah não tem verbo ah não sei o que (.) a gente não pratica verbos mas acho que isso aí com o tempo acho que a gente vai se acostumando a partir do momento que a gente tem um acesso melhor ao diálogo (.) dos filmes em si ainda mais que são filmes eh argentinos eh em sua maioria (.) e:: eu acho que é uma forma interessante de se aprender não acho que seria (.) por exem- um negócio cem por cento somente isso acho que o ideal seria (.) saber dividir em duas partes né (.) claro (.) ressaltando essa esse novo método de ensino porque:: é eficaz (.) que a partir do momento que:: você aprende uma cultura e todas as formas eh verbais que eles têm de se comunicar eu acho que facilita muito mais o ensino do que (.) o que é comumente visto em vários cursos de língua estrangeira. Julia: Ah:: legal (.) brigada (.) e:: e agora eu queria saber em relação ao modo de (.) de falar dos personagens né (.) ao modo de enunciar discursivamente dos personagens (.) né (.) eu sempre perguntei pra você né (.) em relação né nas questões eu perguntava (.) né qual a sua opinião em rela- a sua impressão em relação ao modo (.) de:: de enunciar né do Roberto ou do Victor (.) ou ou do:: Leonardo (.) né dos filmes né El hombre de al lado [ ] D: hmm Julia: e Un cuento chino (.) e assim nessa sua:: relação né na sua interação (.) com os filmes qual foi a impressão que você teve desse modo (.) de:: de enunciar do estrangeiro (.) do hispano-americano? D: então eh acho que:: existe uma diferença muito clara dos filmes hispano-americanos e dos filmes (.) hollywoodianos ou bollywoodianos como nós temos (.) hoje né que:: (.) é uma:: uma:: de certa forma é uma indústria de filmes que vai (.) crescer (.) obviamente (.) e acho que tem tudo↑ pra prosperar (.) eh:: ele foca bastante em diálogos be::m informais palavras que a gente usa hoje em dia (.) né situações bem↑ eh atuais como no próprio filme lá do Un cuento chino lá que o cara é um estrangeiro que está (.) eh sofrendo com (.) essa xenofobia existente no (.) no mundo e:: eu acho que é foi muito 238 interessante essa fórmula de diálogo verbal deles né foi uma coisa eu acho bem natural até eu não (.) não achava que seria tão bom quanto fosse. Julia: Sei. Mas e e eh e assim (.) em relação ao modo deles (.) na no no no tratamento com o outro (.) no modo deles interagirem (.) entre si eh você achou que tem alguma diferença em relação ao modo como os brasileiros (.) intera::gem entre si [ ] D: claro são duas culturas bem diferentes com origens diferentes né (.) eh nós somos (.) fazemos parte de uma co- ex-colônia portuguesas mas (com) espanhola que são (.) duas tradições bem diferentes então acho que a gente herda um pouquinho assim da dessas diferenciações tanto que:: eh por exemplo assim argentinos assim geralmente são mais agressivos eles falam as coisas mais (.) na cara assim acho que o brasileiro é bem↑ relaxado até (.) nesse sentido assim nessa forma de tratamento (.) interpessoal com entre as pessoas assim acho que essa é a principal diferença assim Julia: ãh-hã:: [ ] D: que eu percebi Julia: ah:: legal legal brigada (.) e (.) então agora em relação a às suas questões (.) por último né (.) eh:: eu eu queria entender um pouquinho melhor assim só algumas (.) eh:: respostas suas (.) só que você me explicasse né não pra eu entender só explicasse um pouco mais (.) eh aqui que você fala que você teve a impressão (.) de arrogância né da parte do Roberto quando ele vai falar com o chino (.) com o chinês né com o Ju (.) com o Ju (.) Jun (.) por que que você:: teve essa impressão de arrogância (.) o que que fez com que [ ] D: eu acho que é uma marca do próprio personagem (.) tanto que ele não visava eh amenizar o diálogo com palavras mais dóceis ou atitudes mais dóceis em si (.) acho que eu não↑ vou considerar se ele foi certo ou errado porque eu acho que isso vai de pessoa pra pessoa mas era uma característica do próprio:: personagem ser arrogante então da mesma forma que tratou outra pessoa eu acho que tratou o chinês também de uma forma (.) arrogante Julia: sei mas você sabe exatamente o que que faz com que você ache (.) o que que te (.) o que faz com que você interprete aqui que que fa- o que que tem de arrogante aqui que que tem de arrogante aqui por exemplo (.) só pra eu entender não que não D: acho que:: o fato eh na hora do diálogo ele falar extremamente rápido (.) e:: com palavras be::m diretas assim acho que mostra (.) uma certa arrogância em... co::m o próximo [ ] 239 Julia: sei D: acho que poderia ter sido mais (.) educado assim (.) podemos dizer dessa forma [ ] Julia: é você até propõe né que quando você fa- se você fosse falar você diz que (.) ia ser na hora do jantar com uma comida bo::a D: é (.) claro Julia: né hh co::m... tentaria explicar da melhor forma possível pra que ele entenda o meu la::do D: e com calma ob- obviamente é coisa que o Roberto demonstrou ao longo do filme que ele é uma pessoa bem (.) impaciente ( ) tanto é que tan- teve um atraso lá no:: produto dele e ele foi receber um presente e também foi (.) muito arrogante com o (.) com o Julia: [com o D: moço Julia: com o Leonel né D: é] com o Leonel (.) entendeu acho que↑ isso aí é do próprio personagem a fal- eh:: essa falta de educação é bem marcante nele Julia: sei porque você acha que ele não explica mas o que que (.) por exemplo né mas o que que faz com que você:: ache ele mal-educa::do (.) o que que é exatamente o que que falta nele faltaria isso por exemplo? (D não responde) Julia: faltaria isso por exemplo explicar melhor né porque você fala [ ] D: sim com certeza Julia: explicar da melhor forma possível mas o que é explicar da melhor forma possível? D: acho que é de uma forma calma de uma forma complacente com o próximo (.) te::r (.) pelo menos um pouco de compaixão por mais que você (.) não conheça o seu próximo eu acho que:: eu parto daquele princípio que nós devemos tratar o próximo como a gente gostaria de ser tratado Julia: ah-hã:: [ ] D: então eu imagino que (.) se fosse ele indo pra China ele não gostaria de se- de ser tratado assim 240 Julia: ah-hã:: D: eu imagino desse jeito Julia: sei D: entendeu aí eu acho que ele deveria ter [ ] Julia: você queria um pouquinho [mais de afeto D: é claro Julia: assim né D: sim Julia: delicadeza] D: ãh-hã Julia: tá (.) e bom (.) hh agora por último só em relação a (.) El hombre de al lado né que você vai falar que (.) o Leonardo quando ele tá naquela situação da janela o Leonardo que é o personagem (.) [ ] D: ãh-hã Julia: que mora na casa grande (.) aí você fala que ele:: deveria ter falado co::m (.) você (.) agiu de uma forma ruim pelo menos uma forma que não muito legal entre vizinhos [ ] Julia: né por que que que D: porque a partir do momento que a gente passa a ter um convívio né e isso mostra aquela janela lá mostrava que:: acho que nós podemos sim ter (.) um convívio melhor com os nossos vizinhos (.) aquela janela eu acho que partia do princípio de você de certa forma incluir o vizinho dentro da sua família (.) eh acho que é tipo isso (.) que:: ele não ( ) [ ] Julia: mas você incluiria? (D fica em silêncio por alguns segundos) 241 D: olha eu acho que depende (.) acho que depende muito os meus vizinhos por exemplo não são pessoas legais mas (.) nada muito né (.) certo assim (.) mas acho que no caso do filme acho que foi essa ideia que ele quis passar que eu acho que o vizinho acho que deixa de ser uma pessoa qualquer e pode ser uma pessoa boa uma pessoa que pode (.) sim ser um amigo e não somente um vizinho um qualquer (.) uma pessoa que você vai olhar todos os dias na cara dela e você não vai ter nenhum sentimento acho que ele quer valorizar o vizinho assim Julia: ãh-hã:: e:: eh mas ao mesmo tempo aqui em outras questões você também coloca (.) que você:: chamaria a polícia nessa situação (.) o que eu achei um pouco contraditório em relação ao que você tinha dito antes (.) não contraditório né mas antes você diz (.) da relação entre vizinhos↑ D: ãh-hã Julia: e aí mas depois você diz também que chamaria a polícia D: sim só que (.) acho que é uma questão mais pessoal (.) acho que:: naquela lá eu (.) porque↑ faz um pouquinho de tempo também que eu não vejo essa prova Julia: [lógico D: então Julia: é] D: eh:: acho que no sentido do filme em si (.) é uma relação pra (mim) é um filme que mostra que pode sim dar uma melhorada nessa relação entre vizinhos mas eu acho que hh em minha opinião (.) eu não agiria mais (.) dessa forma porque acho que do nada o vizinho vai e:: quebra o seu muro pra fazer uma janela (.) pelo menos que pedisse a sua permissão Julia: [sei D: aí nesse caso eu teria chamado a polícia se não pedisse Julia: entendi é o modo como ele fez né né D: é obviamente] Julia: não que ele não pudesse ter aberto a [janela D: sim Julia: mas daquele jeito D: é Julia: sem conversar aí você D: sim aí foi inconveniente Julia: teria] uma (.) tá (.) ah perfeito brigada D: nada Julia: até logo (.) pronto