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Universidade Federal do Rio de Janeiro
DISCURSIVIDADES EM CONTATO NO JOGO DE INTERAÇÃO FILMEESPECTADOR EM AULAS DE ESPANHOL LÍNGUA ESTRANGEIRA
Julia Caldara Pelajo
RIO DE JANEIRO
2015
2
Julia Caldara Pelajo
DISCURSIVIDADES EM CONTATO NO JOGO DE INTERAÇÃO FILMEESPECTADOR EM AULAS DE ESPANHOL LÍNGUA ESTRANGEIRA
Dissertação
Programa
de
de
Mestrado
apresentada
Pós-Graduação
em
ao
Letras
Neolatinas da Universidade Federal do Rio de
Janeiro como quesito para a obtenção do Título
de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos
Linguísticos Neolatinos)
Orientador: Prof. Doutor Antonio Francisco de Andrade Júnior
Rio de Janeiro
2015
3
PELAJO, Julia Caldara
Discursividades em contato no jogo de interação filme-espectador em
aulas de Espanhol Língua Estrangeira/ Julia Caldara Pelajo. –Rio de
Janeiro: UFRJ/ CLA, 2015.
vii,241f.:
Orientador: Antonio Francisco de Andrade Júnior
Dissertação (mestrado) – UFRJ/ CLA/ Programa de Pós-graduação
em Letras Neolatinas, 2015.
Referências bibliográficas: f. 152-154
1. Discurso. 2. Interação 3. Ensino/Aprendizagem de Espanhol/LE 4.
Cinema 5. Argentina/Brasil. I. Andrade Júnior, Antonio Francisco de. II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Letras, Programa de
Pós-graduação em Letras Neolatinas. III. Discursividades em contato no
jogo de interação filme-espectador em aulas de Espanhol Língua
Estrangeira.
4
Julia Caldara Pelajo
DISCURSIVIDADES EM CONTATO NO JOGO DE INTERAÇÃO FILMEESPECTADOR EM AULAS DE ESPANHOL LÍNGUA ESTRANGEIRA
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como
um dos requisitos necessários à obtenção do Título de Mestre em
Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos – Opção: Língua
Espanhola)
Aprovada em 9 de março de 2015.
_______________________________
Prof. Dr. Antonio Francisco de Andrade Júnior (UFRJ)
_______________________________
Prof. Dr. Antonio Ferreira da Silva Júnior (UFRJ)
_______________________________
Prof. Dra. Vera Lucia de Albuquerque Sant’Anna (UERJ)
Rio de Janeiro
2015
5
RESUMO
DISCURSIVIDADES EM CONTATO NO JOGO DE INTERAÇÃO FILMEESPECTADOR EM AULAS DE ESPANHOL LÍNGUA ESTRANGEIRA
Julia Caldara Pelajo
Resumo da Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos
necessários à obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos
Neolatinos)
Esta dissertação pretende apresentar resultados de uma pesquisa de campo que objetiva
analisar, em aulas de Espanhol LE, as interações discursivas entre enunciadores situados em
diferentes contextos socioculturais. Utilizando a metodologia da pesquisação (Moita Lopes,
1996), em uma instituição escolar federal, localizada no Estado do Rio de Janeiro, são
apresentados os filmes “Un cuento chino” e “El hombre de al lado”, ambos argentinos, aos
alunos de duas turmas do 1° ano do Ensino Médio. A partir da perspectiva da Análise do
Discurso, com ênfase especial para as noções de formações discursivas (Foucault, 2008) e
ressonâncias discursivas (Serrani, 2010), são examinados os sentidos construídos na interação
filme-espectador e os movimentos de aproximação e distanciamento dos estudantes em
relação às práticas enunciativas que se realizam nos filmes, a fim de compreender como os
alunos brasileiros interagem com uma discursividade em língua estrangeira e, mais
especificamente, com as discursividades próprias do contexto argentino. Para tal exame, são
analisados questionários, transcrições das gravações em áudio e debates travados em sala de
aula a partir dos filmes, produções resultantes das atividades desenvolvidas neste âmbito,
além de entrevistas com estudantes.
Palavras-chave: Discurso, Interação, Ensino/Aprendizagem de Espanhol/LE, Cinema,
Argentina/Brasil.
Rio de Janeiro
2015
6
ABSTRACT
DISCOURSES IN CONTACT WITH THE INTERACTION BETWEEN MOVIE AND
SPECTATOR IN SPANISH FOREIGN LANGUAGE CLASSES
Julia Caldara Pelajo
Abstract da Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requesitos
necessários à obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos
Neolatinos)
This paper intends to present the results of a field study that aimed to analyze in
Spanish classes the discursive interactions between enunciators located in different sociocultural contexts. Using the methodology of participatory action research (Moita Lopes,
1996), in a federal educational institution located in the State of Rio de Janeiro, Argetinian
films were presented to students from two classes in the 1st year of high school. From the
perspective of discourse analysis, with particular emphasis on the notions of discursive
formations (Foucault, 2008) and discursive resonances (Serrani, 2010), the meanings
constructed in the movie-viewer interaction and the students’ movements of approach and
distancing in relation to the enunciative practices that take place in the movies are examined
in order to understand how Brazilian students interact with a discourse in a foreign language
and, more specifically, with the discourses found within the Argentinian context. For this
examination, questionnaires, transcripts of audio recordings and debates from the classrooms
about the films, productions resulting from activities under this heading, as well as interviews
with students, were analyzed.
Kew-words: Discourse, Interaction, Spanish Education, Movies, Argentina/Brazil
Rio de Janeiro
2015
7
SUMÁRIO
Introdução - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 10
I. As formações discursivas enquanto sistemas de dispersão - - - - - - - - - - - - - - - 14
1. Operando com a noção de formações discursivas em aulas de línguas - - - - - - - - -14
2. A ordem do discurso - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -15
2.1. Os procedimentos de controle do discurso - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 16
2.2. Procedimentos de sujeição do discurso - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 16
3. A Arqueologia do Saber - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 18
3.1. Regras de formação - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 21
3.2. A formação dos objetos discursivos- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 22
3.3. Formação das modalidades enunciativas - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 26
3.4. A formação dos conceitos- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -27
3.5. A formação das estratégias- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -29
3.6. Sistema de dispersão- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -30
II. Ressonâncias discursivas no Ensino do Espanhol no Brasil- - - - - - - - - - - - - - 34
1. O privilégio do aspecto lexical no ensino de ELE - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 34
2. Gêneros do discurso em sala de aula: contradições entre a prática e a teoria- - - - - 36
3. Leitura: paráfrase e polissemia - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -40
4. Ressonâncias discursivas e alteridade - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 42
III. Brasil e Argentina: comunidades imaginadas- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 46
1. Discurso fundador e espaços de identidade- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 46
2. A nação imaginada- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 47
3. O surgimento das ficções-diretrizes na Argentina- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -48
3.1. Criollos: uma disputa entre elitistas e localistas na América espanhola - - - - - 49
3.2. O desenvolvimento das cidades argentinas - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 49
3.3. Buenos Aires e a formação da burguesia portenha - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 50
3.4. O paternalismo e a liberdade de discordância - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -52
3.5. Discordâncias intelectuais: Federalistas e Unitários - - - - - - - - - - - - - - - - - - 53
8
3.6. O surgimento do populismo argentino - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 54
3.7. O elitismo e as instituições sociais na Argentina - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 55
4. O surgimento das ficções-diretrizes no Brasil - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 56
4.1. Ausência de uma hierarquia organizada e desordem social - - - - - - - - - - - - - -57
4.2. A identificação dos portugueses com o Brasil - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 58
4.3. O ruralismo e o desenvolvimento das cidades coloniais - - - - - - - - - - - - - - - -58
4.4. A família patriarcal e o nascimento do homem cordial - - - - - - - - - - - - - - - - 60
4.5. Hipóteses explicativas - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 61
IV. Filmes: realidade-ficção e memórias discursivas - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 66
1. Realidade-ficção e memória pública - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 66
2. A cinematografia e suas texturas - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 69
2.1. Cinema e montagem - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 69
2.2. A montagem no roteiro - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 70
2.3. Montagem na realização - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 71
2.4. A montagem propriamente dita - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 74
3. O eu, o outro e a interação discursiva através dos filmes - - - - - - - - - - - - - - - - - - 74
3.1. O enunciado e a alternância dos sujeitos do discurso - - - - - - - - - - - - - - - - - 75
3.2. Ecos, ressonâncias e assimilações da palavra do outro - - - - - - - - - - - - - - - - 76
4. Fabricando realidades nos filmes “Un cuento chino” e “El hombre de al lado” - - - 77
V. Em sala de aula: analisando os dados - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 88
1. A pesquisa-(em)-ação - - - - - - - - -- - - - - - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -88
2. Perfil sociocultural dos alunos - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 89
3. O processo em sala de aula - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 90
3.1. Motivação - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 91
3.2. Introdução - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 92
3.3. Visualização - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 94
3.4. Interpretação - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 95
3.5. Debate - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 95
4. Análise das atividades escritas desenvolvidas na etapa da interpretação - - - - - - - 96
5. Análise dos debates orais desenvolvidos em sala de aula - - - - - - - - - - - - - - - - 122
6. Análise das entrevistas realizadas com os alunos - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -140
9
Considerações finais - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 148
Referências Bibliográficas - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -152
Anexos - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 156

Anexo1: Modelo do questionário - - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 158

Anexo 2: Modelo do termo de consentimento - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -162

Anexo 3: Reportagens utilizadas na motivação do filme “Un cuento chino” - - - 166

Anexo 4: Reportagem utilizada na introdução do filme “Un cuento chino” - - - - 182

Anexo 5: Atividades Didáticas de Interpretação - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 186

Anexo 6: Convenções das transcrições - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 200

Anexo 7: Transcrições de entrevistas - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 204
10
Introdução
Esta pesquisa tem como objetivo analisar os processos de interação discursiva
motivados por atividades relacionadas à utilização de filmes argentinos em contexto escolar
de ensino/aprendizagem de Espanhol Língua Estrangeira (ELE), a partir da perspectiva da
Análise do Discurso, com ênfase especial para a noção de formações discursivas,
desenvolvida por Michel Foucault (2008), e para a noção de ressonâncias discursivas,
desenvolvida por Silvana Serrani (2010). Para tal, foi realizada, ao longo de seis meses, uma
pesquisa em uma instituição escolar federal, localizada no Estado do Rio de Janeiro (RJ), nas
aulas de Espanhol ministradas pela própria pesquisadora. Tendo em vista essa condição, foi
utilizada a metodologia da pesquisação, que pode ser definida pela atuação do pesquisador
não somente enquanto aquele que olha com determinado distanciamento, ou seja, que
observa, mas, também, enquanto aquele que conduz às ações, refletindo constantemente sobre
elas.
A presente pesquisação consistiu na apresentação dos filmes “Un cuento chino”
(2011) e “El hombre de al lado” (2009) aos alunos de duas turmas do 1° ano do Ensino
Médio. Partindo do princípio de que quem vê um filme está em atividade de compreensão de
um texto que mistura modalidade oral e escrita, linguagem verbal e não verbal, buscou-se,
então, examinar, através de atividades realizadas a partir dos filmes, os sentidos construídos
na interação filme-espectador em contexto pedagógico e os conflitos entre os diferentes gestos
de leitura perceptíveis a partir do posicionamento dos alunos. Além disso, tendo em vista que
quando lemos (ou interagimos com qualquer texto, seja ele impresso ou audiovisual) em uma
língua estrangeira, entramos em contato com outras formas de estruturar as significações do
mundo, e, portanto, com outras formações discursivas (Serrani, 2010), através da análise dos
movimentos de aproximação e distanciamento dos estudantes em relação às práticas
enunciativas que se realizam nos filmes argentinos, buscou-se avaliar o processo de interação
dos alunos com as discursividades próprias da segunda língua e encontrar os possíveis fatores
envolvidos no processo de adesão e/ou resistência em relação ao discurso do outro. Para tal
exame, foram analisadas as transcrições das gravações em áudio dos debates travados em sala
de aula a partir dos filmes, as produções resultantes das atividades desenvolvidas neste
âmbito, as entrevistas feitas com os alunos e questionários respondidos por eles.
Para dar sustentação a esta análise, tornou-se necessário percorrer alguns caminhos
teóricos. Deste modo, no primeiro capítulo, objetivou-se fazer uma exposição acerca da noção
11
de formação discursiva, proposta por Foucault, devido à importância que sua concepção de
discurso possui nesta pesquisa. O autor compreende o discurso enquanto práticas que
obedecem a determinadas regras, como um conjunto de enunciados que se apoia em um
mesmo sistema de formação, o qual é entendido sempre como contingente e variável. Esta
concepção implica jamais admitir qualquer discurso fora do sistema de relações materiais que
o estruturam e o constituem. Trata-se da existência de sistemas de procedimentos ordenados
que têm por fim produzir, distribuir, fazer circular e regular enunciados, e se ocupa em isolar
o nível das práticas discursivas e formular as regras de produção e transformação dessas
práticas.
No segundo capítulo, levando em consideração que o ensino do Espanhol no Brasil,
desde a década de 90 (quando, então, começou a ocupar um espaço significativo no país) vem
sofrendo mudanças, buscou-se observar, através do olhar de alguns pesquisadores da área,
como Fanjul e Celada & González, algumas concepções de língua e de ensino predominantes
ao longo das últimas duas décadas. Verificou-se, então, a existência de práticas que não levam
em consideração as dimensões culturais, sociais e discursivas envolvidos no processo de
ensino/aprendizagem de LE. Deste modo, buscamos expor a relevância destas dimensões nas
propostas de trabalho com a leitura em sala de aula e no processo de construção/produção dos
sentidos. Além disso, também foi exposta a noção de ressonância discursiva, desenvolvida
por Silvana Serrani (2010), com a qual trabalharemos nesta análise das interações dos alunos
brasileiros com os filmes argentinos. Serrani, a partir de pesquisas que vem desenvolvendo
em torno das tendências discursivas do Espanhol rioplatense e do Português do Brasil, afirma
que, no contexto brasileiro, predominam formações discursivas de transição, caracterizadas
por um modo de enunciar através de mecanismos implícitos, ao passo que, no contexto
argentino, predominam formações discursivas de abrupção, caracterizadas por um modo de
enunciar explícito. De acordo com a autora, essas ressonâncias discursivas são atravessadas
por fatores sócio-históricos de formação de ambos os países, constituindo-se como memórias
discursivas.
No terceiro capítulo, a fim de estabelecer uma análise comparativa entre as
discursividades próprias do contexto argentino e brasileiro, foi realizado um exame das
semelhanças e diferenças histórico-culturais e sociais de ambos os países. Para colaborar com
a reflexão acerca do surgimento de uma nação, foram abordadas as noções de discurso
fundador (Eni Orlandi), comunidades imaginadas (Anderson Benedict) e ficções-diretrizes
(Shumway). Posteriormente, a partir de uma pesquisa desenvolvida por Shumway sobre o
processo de formação da Argentina, pôde-se observar, nesta sociedade, a presença de diversos
12
conflitos, dentre os quais destacamos a rivalidade entre a cidade de Buenos Aires e as demais
províncias do país, visto que estas últimas almejavam conquistar sua independência frente ao
domínio e soberania dos portenhos. Já no Brasil, a partir das pesquisas desenvolvidas por
Sérgio Buarque sobre as raízes do Brasil, verificou-se que há uma tendência por parte dos
brasileiros em evitar o conflito nas relações interpessoais e estabelecer laços afetivos, devido
ao modo de convívio rural e patriarcal, regido pelos valores da família, dominante na história
do país. Ao final, levando em consideração esses fatores, foram estabelecidas hipóteses
explicativas em torno da predominância das formações discursivas em cada um dos contextos
socioculturais analisados.
No quarto capítulo, partir da noção de realidade-ficção, desenvolvida por Josefina
Ludmer, discutiu-se acerca dos limites entre a realidade e a ficção, com o objetivo de
compreender de que forma as discursividades produzidas nos filmes utilizados nesta pesquisa
estão atravessadas por formações discursivas próprias do contexto argentino atual. De acordo
com a autora, as obra literárias, assim como as cinematográficas, produzidas a partir do século
XX, possuem uma memória pública e atual, denominada fábrica de realidade, que ordena
tanto as ficções como a realidade, desfazendo as fronteiras estabelecidas, ao longo dos
séculos, entre essas duas esferas. Além disso, foi feita uma exposição acerca das
características próprias dos textos cinematográficos, uma vez que a compreensão de sua
estrutura é fundamental para o trabalho didático com este material. Buscou-se, também, fazer
uma breve demonstração da concepção dialógica da linguagem, proposta por Bakhtin, a fim
de contribuir para a reflexão acerca dos papéis ocupados pelos sujeitos na interação
discursiva. Ao final, foi feita uma descrição dos filmes utilizados nesta pesquisa para que o
leitor possa se situar em relação às realidades argentinas produzidas nos filmes, aos temas
abordados e ao contexto em que se desenvolvem as ações.
No quinto e último capítulo, primeiramente, buscou-se fazer um detalhamento das
etapas percorridas ao longo do processo didático de trabalho com os filmes em sala de aula, o
qual foi dividido em quatro etapas: motivação, introdução, visualização e interpretação. Em
um segundo momento, foi empreendida a análise das interações dos alunos brasileiros com os
filmes argentinos, a partir dos dados coletados ao longo da pesquisação, tais como
questionários, entrevistas, atividades escritas produzidas pelos alunos e transcrições das
gravações em áudio das aulas ministradas. Por fim, foi concluído que os estudantes brasileiros
apresentaram maior resistência às formações discursivas que se realizam nos filmes com
ressonâncias discursivas de abrupção e apresentaram maior adesão às formações discursivas
com ressonâncias de transição, confirmando a noção de predominância desse modo de
13
construção/produção do sentido no português do Brasil, como afirma Serrani, embora tenha
havido complexos movimentos de dissenso ao longo da interação e da negociação de sentidos
em sala de aula que, por vezes, chegavam a tensionar o posicionamento regular dos sujeitos
dentro dessas tendências.
14
I
As formações discursivas enquanto sistemas de dispersão
Antes de dar início à análise das interações ocorridas em aulas de ELE, a partir da
utilização de filmes argentinos, cabe elucidar algumas noções do âmbito teórico pelo qual
permeia esta pesquisa que estarão aqui continuamente presentes. Primeiramente, serão
abordadas as noções de discurso e de formações discursivas, desenvolvidas pelo filósofo
francês Michel Foucault. Observaremos, então, que, em cada contexto sociocultural,
predominam determinadas formações discursivas que atravessam os enunciados proferidos
pelos sujeitos de determinado campo discursivo. Assim, no espaço de ensino/aprendizagem
de LE, não somente há o contato entre duas línguas e duas culturas, mas também entre
diferentes formações discursivas. Compreende-se que criar a consciência do aluno em relação
à condição de produção de discurso é importante para que ele possa pensar, através do contato
com o outro, o seu próprio entorno social e o seu lugar de enunciação. Perceber que todo
comentário, por exemplo, está submetido a um conjunto de regras anteriores a ele, dará
oportunidade ao aluno de se posicionar em sala de aula em uma condição não mais alienante.
1. Operando com a noção de formações discursivas em aulas de línguas
Silvana Serrani, ao trabalhar com a noção de formações discursivas em suas pesquisas
acerca do ensino de leitura nas aulas de línguas, define-a enquanto um “sistema de valores”
(1997) que estão impregnados na língua; enquanto “condensações de regularidades
enunciativas no processo – constitutivamente heterogêneo e contraditório – da produção de
sentidos no e pelo discurso em diferentes domínios do saber” (Ibidem). Para a autora,
operar com a noção de formação discursiva permite melhor descrever e explicar o
funcionamento de um dos dois momentos cruciais para observar como a língua
estrangeira vem incidir na relação amplamente inconsciente que mantemos com a
língua fundadora, a saber: os modos diferentes de construir as significações em
línguas distintas. (Serrani, 1997, p.3)
Deste modo, nesta análise, a partir desta concepção, buscaremos traçar os diferentes
sentidos construídos na interação dos alunos brasileiros com as discursividades próprias do
contexto argentino, a partir dos seus movimentos de adesão ou resistência em relação ao
15
discurso do outro, e relacioná-los aos processos sócio-históricos de formação das
regularidades enunciativas, a fim de depreender o funcionamento dos sistemas de valores
próprios de cada língua-cultura.
2. A ordem do discurso
Na conferência A ordem do discurso (1970), Foucault centra a discussão em torno dos
variados procedimentos que regulam, controlam, selecionam, organizam e distribuem o que
pode e o que não pode ser dito. Tais procedimentos irão estabelecer aquilo que é verdadeiro e
aquilo que é falso, pois, segundo o autor, os discursos, em si mesmos, não são nem
verdadeiros nem falsos. Assim, são os enunciados dentro de cada discurso que estabelecem
um regime de verdade, num tempo e espaço determinados. Cabe dizer que, para Foucault, um
enunciado não é qualquer coisa dita: ele é um tipo especial de um ato discursivo, uma vez que
constitui um campo de sentidos que devem ser aceitos numa rede discursiva, segundo uma
ordem. Assim, tendo em vista que, desde o momento em que o sujeito pratica o discurso, ele
está submetido a certas regras que determinam tudo aquilo que pode ser dito e relembrado em
um dado período histórico e em uma dada sociedade; tendo em vista que os sujeitos que
discursam fazem parte de um campo discursivo; tendo em vista que aquele que enuncia um
discurso traz em si uma instituição e manifesta uma ordem anterior a ele, na qual ele próprio
está imerso; esta pesquisa compreende que aquele que enuncia um discurso no campo da sala
de aula manifesta uma ordem, ou seja, conjunto de regras anteriores.
Consideramos este tema importante para a formação e prática do professor, uma vez
que ele nos propõe enxergar que por detrás de todo discurso, por detrás de toda instituição,
existe uma vontade de verdade que se impõe a nós há bastante tempo. Compreendendo isto, o
professor se torna ainda mais capaz de refletir sobre suas ações e sobre as ações dos alunos
em sala de aula, sobre o que está sendo dito (e não-dito) por ele e pelos alunos, sobre os
regimes de verdade que são estabelecidos nos enunciados, sobre as regras a que o sujeito que
pratica o discurso está submetido, sobre os poderes que os enunciados ativam e colocam em
circulação, sobre as práticas discursivas que os enunciados descrevem. Enfim,
compreendendo que somos sujeitos assujeitados, se conquista a possibilidade de não se
assujeitar (pelo menos por algum instante), de se tornar um sujeito crítico e “contornar essa
vontade de verdade e recolocá-la em questão contra a verdade”. (Foucault, 2009, p.20)
16
2.1. Os procedimentos de controle do discurso
Segundo Foucault, os três grandes sistemas de exclusão que atingem o discurso são: a
palavra proibida (interdição), a segregação da loucura (oposição razão e loucura) e a vontade
de verdade (oposição do verdadeiro e do falso). Todas essas separações “são arbitrárias, ou ao
menos se organizam em torno de contingências históricas; que [...] estão em perpétuo
deslocamento; que são sustentadas por todo um sistema de instituições que as impõem e
reconduzem; enfim, que não se exercem sem pressão” (Foucault, 2009, p.13-14).
Além dos procedimentos de controle do discurso que se exercem do exterior, existem
outros procedimentos internos em que os discursos exercem seu próprio controle. São eles: o
comentário, o autor e a organização das disciplinas. Por estarmos diante de práticas
discursivas reveladas nos discursos que circulam nas aulas da disciplina Língua Espanhola,
abordaremos, apenas, a organização das disciplinas. Segundo Foucault, “uma disciplina se
define por um domínio de objetos, um conjunto de métodos, um corpus de proposições
consideradas verdadeiras, um jogo de regras e de definições, de técnicas e de instrumentos.”
(Idem, p. 30). Cabe dizer que, para o filósofo, uma disciplina não é tudo o que pode ser dito
de verdadeiro sobre alguma coisa: uma proposição deve preencher exigências complexas para
pertencer ao conjunto de uma disciplina; deve encontrar-se “no verdadeiro” do discurso de
sua época. Porém, “não nos encontramos no verdadeiro senão obedecendo às regras de uma
‘política discursiva’ que devemos reativar em cada um de nossos discursos” (Idem, p. 35).
A disciplina LE presente na grade curricular atual das escolas comportou, durante
muito tempo, somente as proposições sugeridas pela gramática normativa e repele as demais
proposições sugeridas pelos alunos e por outros pesquisadores da área. Assim, somente eram
aceitas como verdadeiras as proposições que obedecem a determinadas regras. Ao longo da
nossa história, muitos pensadores rechaçados em sua época somente tiveram seus discursos
reconhecidos como verdadeiros posteriormente, quando mudaram as regras que se
constituíam os objetos e os conceitos. Em sala de aula, observamos que o mesmo se dá:
muitas proposições formuladas pelos alunos são repelidas e invalidadas pela disciplina.
2.2. Procedimentos de sujeição do discurso
Trata-se de procedimentos que determinam as condições de funcionamento do
discurso, que impõem aos indivíduos que os pronunciam certo número de regras, não
permitindo que todo mundo tenha acesso a eles: “ninguém entrará na ordem do discurso se
17
não satisfazer a certas exigências ou se não for, de início, qualificado para fazê-lo.” (Foucault,
2009, p.37). Segundo Foucault, a troca e a comunicação são figuras positivas que atuam no
interior de sistemas complexos de restrição. A forma mais superficial desses sistemas é
constituída pelo ritual. O ritual define a qualificação que devem possuir os indivíduos que
falam, a posição que eles devem ocupar no jogo de um diálogo, o tipo de enunciado que deve
ser formulado por eles; define os gestos, os comportamentos, as circunstâncias e todo o
conjunto de signos que devem acompanhar o discurso; e fixa, enfim, o efeito das palavras
sobre aqueles aos quais se dirigem e os limites de seu valor de coerção.
Além desta forma de restrição, há também as “sociedades de discurso”, os grupos
doutrinários e as apropriações sociais do discurso. Na maior parte do tempo, todos
esses sistemas de restrição se ligam uns aos outros e constituem espécies de grandes
edifícios que garantem a distribuição dos sujeitos que falam nos diferentes tipos de
discursos e a apropriação dos discursos por certas categorias de sujeitos. Digamos,
em uma palavra, que esses são os grandes procedimentos de sujeição do discurso.
(Idem, p.44)
No espaço da sala de aula, o professor ocupa uma posição no diálogo diferente da
posição que ocupa o aluno. Por isso, o tipo de enunciado que deve ser formulado pelo
professor também é diferente do tipo de enunciado que o aluno formulará. A palavra do
professor tem um valor diferente da palavra do aluno. O professor manda (e “obedece quem
tem juízo”), o professor diz e ninguém pode questioná-lo. Para que o aluno tenha o direito à
palavra, é preciso obedecer e aceitar certas regras do jogo. Tudo o que se diz é controlado.
Assim, nesta pesquisa, pude constatar que o discurso do sistema de ensino (assim como os
discursos religiosos, terapêuticos e políticos) não pode ser dissociado da prática do ritual, que
determina para os sujeitos que falam propriedades singulares e papéis preestabelecidos.
O que é afinal um sistema de ensino senão uma ritualização da palavra; senão uma
qualificação e uma fixação dos papéis para os sujeitos que falam; senão a
constituição de um grupo doutrinário ao menos difuso; senão uma distribuição e
uma atribuição do discurso com seus poderes e seus saberes? (Idem, p. 44).
Nesta ritualização da palavra é necessário, para nós professores, estarmos atentos.
Pois, conscientes de todos esses procedimentos que delimitam e controlam o discurso, já não
se pode mais ser ingênuo. As coisas e as palavras já estão circulando na sociedade antes
mesmo de nós nascermos: nós não somos simplesmente sujeitos produtores de saberes, nós
18
somos também, e principalmente, um produto dos saberes. É uma voz anterior que nos abriga,
como vozes antepassadas afirmando sua força, sua presença entre nós. É o rito, é a ordem do
discurso.
3. A Arqueologia do Saber
Em A Arqueologia do Saber, Foucault empreende uma análise do campo discursivo,
na qual questiona os agrupamentos pelos quais se organizam os discursos, como por exemplo,
a psicopatologia, a medicina, a economia política, a biologia, a gramática, buscando
encontrar relações entre os enunciados que se apresentam como referentes a cada uma dessas
unidades. Partindo do princípio de que essas formas prévias não constituem conjuntos
discursivos homogêneos e que elas, em realidade, “são sempre o efeito de uma construção
cujas regras devem ser conhecidas e cujas justificativas devem ser controladas” (Foucault,
2012, p.31), o autor elabora, para a realização de sua pesquisa, uma teoria que leva em
consideração o campo dos acontecimentos discursivos a partir do qual essas unidades são
construídas. Começa, então, um projeto de investigação e descrição de um domínio imenso,
constituído pelo conjunto de todos os enunciados efetivos (escritos ou falados) pertencentes a
cada um desses agrupamentos. Assim, segundo o autor, para a realização desta tarefa, é
preciso:
[...] estar pronto para acolher cada momento do discurso em sua irrupção de
acontecimentos, nessa pontualidade em que aparece e nessa dispersão temporal que
lhe permite ser repetido, sabido, esquecido, transformado, apagado até nos menores
traços, escondido bem longe de todos os olhares, na poeira dos livros. Não é preciso
remeter o discurso à longínqua presença da origem: é preciso tratá-lo no jogo da sua
instância. (Ibidem)
Tratar o discurso no jogo da sua instância é, portanto, libertar-se de todos os
grupamentos considerados universais e buscar outras unidades; fazer aparecer o espaço em
que se desenvolvem os acontecimentos discursivos; apreender o momento de existência e as
regras de aparecimento dos enunciados, descrever seus encadeamentos; buscar outros tipos de
relações: relações entre enunciados, relações entre grupos de enunciados assim estabelecidos,
relações entre enunciados ou grupos de enunciados e acontecimentos de uma ordem
inteiramente diferente (técnica, econômica, social, política). Porém, esta análise não pretende
descrever todas as relações que possam aparecer – é necessário aceitar recortes provisórios.
19
Mas, diante desta tarefa desafiante, Foucault pergunta: “Que espécie de laços reconhecer
validamente entre todos esses enunciados que formam, de um modo ao mesmo tempo familiar
e insistente, uma massa enigmática?” (Foucault, 2012, p.39). A fim de explicar as formas
unitárias sob as quais eles se apresentam, são formuladas, então, quatro hipóteses a respeito
desses laços.
A primeira hipótese tem como objetivo verificar se a unidade de um discurso se forma
quando os enunciados, diferentes em sua forma e dispersos no tempo, se referem a um único e
mesmo objeto. Analisando os enunciados pertencentes à psicopatologia, Foucault logo
percebe que a unidade de um objeto não nos permite individualizar um conjunto de
enunciados e estabelecer entre eles uma relação ao mesmo tempo descritível e constante.
Deste modo, a unidade dos discursos sobre a loucura, por exemplo, não está fundada na
existência do objeto “loucura”, uma vez que este objeto foi constituído pelo conjunto do que
foi dito no grupo de todos os enunciados que a nomeavam e a descreviam. Além disso, esse
conjunto de enunciados, denominado psicopatologia, não se relaciona somente com um único
objeto, formado de maneira definitiva (por exemplo, a forma como a loucura é descrita pelos
enunciados médicos dos séculos XVII ou XVIII não é idêntica à forma como a loucura é
delineada através das sentenças jurídicas ou das medidas policiais). A partir dessa
multiplicidade de objetos, o autor conclui que a unidade de um discurso não é feita pela
permanência e singularidade de um objeto, mas sim pelo espaço onde diversos objetos se
desenham (são nomeados, descritos, analisados, apreciados ou julgados) e continuamente se
transformam. Assim, nesta teoria, paradoxalmente, definir um conjunto de enunciados é
justamente descrever a “dispersão desses objetos”; formular sua “lei de repartição”; encontrar
a “regra de emergência simultânea ou sucessiva dos objetos” que aí podem aparecer e
desaparecer.
A segunda hipótese se dirige à investigação da existência de um “grupo de relações
entre enunciados: sua forma e seu tipo de encadeamento” (Foucault, 2012, p.41). Utilizando
como exemplo o caso da ciência médica a partir do século XIX, o autor mostra que a unidade
de um discurso não consiste na existência de uma forma determinada de enunciado, mas, sim,
no conjunto das regras que tornaram possível a coexistência de diversos enunciados dispersos
e heterogêneos. Deste modo, pode-se dizer que o discurso médico, naquela época, não era,
como se poderia pensar a princípio, somente um conjunto de descrições, mas também um
conjunto de hipóteses sobre a vida e a morte, de escolhas éticas, de decisões terapêuticas, de
regulamentações institucionais, de modelos de ensino etc. Além disso, o autor reconhece que
esse modo de descrição não parou de se deslocar devido a diversas alterações (como, por
20
exemplo, modificação no sistema de informação a partir do uso do microscópio e dos testes
biológicos). Essas alterações foram depositando-se lentamente no discurso médico. Portanto,
de acordo com esta análise aqui proposta, para encontrar a unidade de um discurso, é preciso
caracterizar e descrever o sistema de repartição dos enunciados, “como se apoiam uns nos
outros, a maneira pela qual se supõem ou se excluem, a transformação que sofrem, o jogo de
seu revezamento, de sua posição e de sua substituição.” (Foucault, 2012, p.42). A terceira
hipótese diz respeito ao sistema de conceitos permanentes e coerentes que se encontram em
jogo nos grupos de enunciados. Utilizando como exemplo a análise da linguagem e dos fatos
gramaticais, Foucault observa que não seria possível reconstituir uma arquitetura conceitual
da gramática clássica (desde Lancelot1 até o fim do século XVIII), pois, além dos conceitos
traçados nas análises feitas pelos autores de Port-Royal, é possível ver surgir novos conceitos:
alguns derivam do primeiro, outros lhes são heterogêneos e alguns incompatíveis. Verifica-se,
assim, um aparecimento simultâneo ou sucessivo dos conceitos. A partir deste exemplo citado
pelo autor, também podemos pensar, aqui, nesta pesquisa sobre ensino de línguas, a gramática
atual e seu lugar nas práticas de ensino de ELE. Observaremos a presença de diversas formas
de conceituar este objeto: desde uma perspectiva mais normativa até uma perspectiva mais
descritiva. Deste modo, diante desta heterogeneidade, essa figura coerente que é a gramática
seria uma unidade falsa? – pergunta o filósofo. Mas conclui que talvez seja possível encontrar
uma unidade discursiva justamente na emergência dos conceitos, em seu afastamento, na
distância que os separa e em sua eventual incompatibilidade. Assim, nesta análise, “Não
buscaríamos mais, então, uma arquitetura de conceitos suficientemente gerais e abstratos para
explicar todos os outros e introduzi-los no mesmo edifício dedutivo; tentaríamos analisar o
jogo de seus aparecimentos e de sua dispersão” (Idem, p.43). A quarta hipótese se refere à
questão da identidade e persistência dos temas nos diferentes grupos de enunciados. Ao
analisar disciplinas como a economia e a biologia, Foucault pergunta se há, nelas, alguma
temática que permite unificar um conjunto discursivo: “Será que não se poderia, por exemplo,
constituir uma unidade tudo o que, de Buffon a Darwin, constituiu o tema evolucionista? [...].
Será que não se poderia falar, da mesma forma, do tema fisiocrático?” (Idem, p.44). Mas logo
o autor constata que seria um equívoco buscar na existência dos temas o princípio de
individualização de um discurso. Por exemplo, no caso da ideia evolucionista, se trata de tipos
diferentes de discursos sobre o mesmo tema; ou seja, essa mesma temática se articula a partir
1
Lancelot é um dos autores da gramática de Port –Royal , escrita em 1660. Um dos seus argumentos centrais
consiste em defender a ideia de que a gramática é universal, pois trata-se de um conjunto de processos
mentais.
21
de diferentes jogos de conceitos, tipos de análise e campos de objetos. No caso da fisiocracia
se dá diferente: a análise da riqueza compreendia um jogo de conceitos relativamente
limitados e que era admitido por todos (mesma explicação da moeda, mesma explicação sobre
os preços etc.). A partir desse mesmo sistema de conceitos, havia duas maneiras de explicar a
formação do valor: analisando-o como troca ou como remuneração. Assim, através dos
mesmos elementos, essas duas possibilidades deram lugar a duas opções diferentes2. Contudo,
o autor conclui que, ao invés de buscar a permanência dos temas através do tempo e “traçar a
dialética dos seus conflitos para individualizar conjuntos enunciativos” (Foucault, 2012,
p.45), seria mais interessante “demarcar a dispersão dos pontos de escolha e definir [...] um
campo de possibilidades estratégicas” (Ibidem).
3.1. Regras de formação
De acordo com o que foi exposto, podemos perceber que, após formular as hipóteses
sobre as quais poderiam se fundar as unidades dessas grandes famílias de enunciados
designadas como a medicina, a economia, a gramática etc., Foucault deparou-se diante de um
“sistema de dispersão” dos elementos discursivos. Sua análise se baseia, então, na descrição
dessas “formas de repartição”, com o objetivo de detectar uma regularidade entre esses
elementos. Segundo o autor,
No caso em que se puder descrever, entre um certo número de enunciados,
semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre os objetos, os tipos de
enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade
(uma ordem, correlações, posições e funcionamentos, transformações), diremos, por
convenção, que se trata de uma formação discursiva. (Foucault, 2012, p.47)
Finalmente, para evitar o uso de palavras como “ciência”, “ideologia”, “teoria” ou
“domínio de objetividade”, Foucault utiliza a noção de formação discursiva. E as regras dessa
formação, o autor define como sendo
[...] as condições a que estão submetidos os elementos dessa repartição (objetos,
modalidade de enunciação, conceitos, escolhas temáticas). As regras de formação
2
Estabelecendo um diálogo com a temática do ensino/aprendizagem do Espanhol no Brasil, podemos observar
duas opções: de um lado, a concepção de ensino de ELE para fluência, e de outro, a concepção de ensino de
ELE para formação da cidadania.
22
são condições de existência (mas também de coexistência, de manutenção, de
modificação e de desaparecimento) em uma dada repartição discursiva. (Ibidem)
3.2. A formação dos objetos discursivos
A fim de verificar as noções de “formação discursiva” e de “regras de formação”,
Foucault empreende sua análise. Primeiramente, observa a formação dos objetos. Tomando
como exemplo o discurso da psicopatologia do século XIX, o autor pergunta se é possível
determinar um sistema segundo o qual os objetos puderam se justapor e se suceder para
formar esse campo discursivo. De acordo com sua teoria, para descobrir o regime de
existência dos objetos do discurso, seria preciso, inicialmente, “demarcar as superfícies
primeiras de emergência” (Foucault, 2012, p.50), ou seja, onde eles podem surgir. Porém,
essas superfícies “não são as mesmas nas diferentes sociedades, em diferentes épocas e nas
diferentes formas de discurso” (Ibidem). Na psicopatologia do século XIX, elas eram
constituídas pela família, pelo grupo social próximo, o meio de trabalho, a comunidade
religiosa, e também por outras novas superfícies que começaram a funcionar nessa época (a
arte, a sexualidade, a penalidade). Assim, nesses “campos de diferenciação”, o discurso
psiquiátrico encontra a possibilidade de fazer aparecer seu objeto, torná-lo nomeável e
descritível. Além disso, seria necessário descrever as “instâncias de delimitação”. Por
exemplo, no século XIX, ainda que a medicina fosse a instância superior que instaura a
loucura como objeto, havia outras que também representavam esse papel: a justiça penal, a
autoridade religiosa, a crítica literária e artística. Por fim, seria preciso também analisar as
“grades de especificação” (ou de “diferenciação”), ou seja, “os sistemas segundo os quais
separamos, opomos, associamos, reagrupamos, classificamos, derivamos, umas das outras, as
diferentes ‘loucuras’ como objetos do discurso psiquiátrico.” (Idem, p.51).
Porém, Foucault percebe que, para descrever um sistema de formação, ainda é
insuficiente essa demarcação dos “planos de emergência”, das “instâncias de delimitação” e
das “formas de especificação”. Primeiro, porque eles não fornecem objetos constituídos que
determinado discurso só deveria classificar e nomear, visto que o discurso “é algo
inteiramente diferente do lugar em que vêm se depositar e se superpor, como em uma simples
superfície de inscrição, objetos que teriam sido instaurados anteriormente.” (Idem, p.52). Por
exemplo, no caso da psicopatologia, não são as famílias, enquanto “plano de emergência”,
que determinam os loucos e propõem doentes para a análise dos psiquiatras. Segundo, porque
não foi estabelecida nenhuma espécie de relação existente entre os planos de diferenciação
23
descritos e não seria possível circunscrever um conjunto definido a partir de uma série de
determinações heterogêneas, sem relações entre si. No entanto, estas duas questões colocadas
remetem a um mesmo ponto. Para compreender este ponto, Foucault traz como exemplo o
campo da psicopatologia do século XIX, no qual apareceu uma série de objetos pertencentes
ao registro de delinquência (homicídios, crimes passionais, delitos sexuais etc). O problema
aqui, então, é saber o que tornou possível o aparecimento desses objetos e como eles puderam
ser seguidos de outros que os retomaram, corrigiram, modificaram e eventualmente anularam.
Não seria pertinente atribuir o aparecimento desses objetos às normas características da
sociedade burguesa do século XIX, a um sistema policial e penal reforçado, ao aumento da
criminalidade; pois embora tenham ocorrido todos esses processos, eles não puderam, por si
próprios, formar objetos para o discurso psiquiátrico. Deste modo,
Se, em nossa sociedade, em uma época determinada, o delinquente foi psicologizado
e patologizado, se a conduta transgressora pôde dar lugar a toda uma série de objetos
de saber, deve-se ao fato de que, no discurso psiquiátrico, foi empregado um
conjunto de relações determinadas. (Foucault, 2012, p.53)
Como exemplo destas relações, Foucault aponta: relações entre planos de
especificação como as categorias penais e os graus de responsabilidade diminuída, e planos
psicológicos de caracterização (faculdades, aptidões etc.); relação entre a instância de relação
médica e a instância de relação judiciária; relação entre o filtro constituído pela interrogação
judiciária, as informações policiais, a investigação e todo aparelho de investigação jurídica, e
o filtro constituído pelo questionário médico, os exames clínicos, as pesquisas dos
antecedentes e as narrações; relação entre as normas familiares, sexuais, penais, do
comportamento dos indivíduos, e o quadro dos sintomas patológicos e doenças de que eles
são sinais; relação entre a restrição terapêutica no meio hospitalar e a restrição punitiva na
prisão. Assim, a formação de todo um conjunto de objetos é assegurada por essas relações
estabelecidas entre instâncias de “emergência”, de “delimitação” e “especificação” que atuam
no discurso:
Diremos, pois, que uma formação discursiva se define (pelo menos quanto a seus
objetos) se se puder estabelecer um conjunto semelhante; se se puder mostrar como
qualquer objeto do discurso em questão aí encontra seu lugar e sua lei de
aparecimento; se se puder mostrar que ele pode dar origem, simultânea ou
24
sucessivamente, a objetos que se excluem, sem que ele próprio tenha de se
modificar. (Foucault, 2012, p.54)
Em relação a essa definição, Foucault faz algumas observações. A primeira delas diz
respeito à importância das condições históricas para que apareça um objeto de discurso: “o
objeto existe sob as condições positivas de um feixe complexo de relações” (Idem, p.55). A
segunda afirma que essas relações são estabelecidas entre instituições, processos
econômicos e sociais, formas de comportamentos, sistemas de normas, técnicas, tipos de
classificação, modos de caracterização. Assim, elas “não definem a constituição interna do
objeto, mas o que lhe permite aparecer, justapor-se a outros objetos, situar-se em relação a
eles, definir sua diferença, sua irredutibilidade e, eventualmente, sua heterogeneidade;
enfim, ser colocado em um campo de exterioridade.” (Idem, p.55). Por este motivo, por
exemplo, será possível observar as interações entre diferentes formações discursivas a partir
dos filmes, visto que se trata de um campo de exterioridade, que permite fazer aparecer os
objetos. Na terceira observação, o autor faz uma distinção entre essas relações, que ele
chama de “relações discursivas”, e as que poderiam ser chamadas de “primárias ou reais”
(relações que, independentemente do discurso ou objeto de discurso, podem ser descritas
entre instituições, técnicas, formas sociais, etc; como, por exemplo: relações entre a família
burguesa e o funcionamento das instâncias e das categorias judiciárias do século XIX) e
“secundárias ou reflexivas” (relações que podem estar formuladas no próprio discurso;
como, por exemplo: relações entre a família e a criminalidade formuladas no discurso dos
psiquiatras). A quarta observação diz respeito, exclusivamente, às relações discursivas.
Segundo o autor, elas não são nem internas ao discurso, pois não ligam entre si os conceitos
e as palavras; nem são exteriores ao discurso, pois não o limitam nem o impõem certas
formas. Elas estão no limite do discurso: “oferecem-lhe objetos de que ele pode falar, ou
antes [...] determinam o feixe de relações que o discurso deve efetuar para poder falar de tais
ou tais objetos, para poder abordá-los, nomeá-los, classificá-los, explicá-los etc.” (Idem,
p.56). Por fim, essas relações caracterizam o próprio discurso enquanto prática, enquanto
lugar onde uma pluralidade de objetos se forma ou se deforma, aparece e se apaga.
Após procurar essa unidade do discurso junto aos objetos, o autor, então, descobriu
“um conjunto de regras que são imanentes a uma prática e a definem em sua especificidade”
(Idem, p.57).
Assim, em um sistema de formação estável, como, por exemplo, a
psicopatologia enquanto disciplina,
25
não são os objetos que permanecem constantes, nem o domínio que formam; nem
mesmo seu ponto de emergência ou seu modo de caracterização; mas o
estabelecimento de relação entre as superfícies em que podem aparecer, em que
podem ser delimitados, analisados e especificados. (Idem, p.57)
Deste modo, em sua proposta, não se pretende interpretar o discurso para fazer uma
história dos objetos; não se deseja buscar as coisas anteriores ao discurso; mas, sim, busca-se
ficar no nível do próprio discurso e, assim, definir os objetos relacionando-os ao conjunto de
regras que constituem suas condições de aparecimento histórico, a fim de fazer uma história
dos objetos que “desenvolva o nexo das regularidades que regem sua dispersão” (Foucault,
2008, p.58), ou seja, que regem o aparecimento, desaparecimento e transformação dos
elementos discursivos. Além disso, identificar os relacionamentos que caracterizam uma
prática discursiva ao tentar descrever um objeto não significa necessariamente remeter à
análise dos conteúdos léxicos. Por exemplo, não se trata de questionar o sentido dado, em sua
época, às palavras “melancolia” ou “loucura sem delírio”, nem a oposição de conteúdo entre
“psicose” e “neurose”. Mas, sim, de saber como a criminalidade pôde tornar-se objeto de
parecer médico, ou como o desvio sexual pôde delinear-se como um objeto do discurso
psiquiátrico. Por exemplo, na prática discursiva da disciplina escolar, observa-se o
aparecimento de objetos pertencentes a outros campos e que são redefinidos neste contexto,
como, por exemplo, questões relacionadas às políticas públicas de segurança3. Por fim, em
seu trabalho, Foucault não pretende tratar os discursos enquanto conjunto de signos que são
utilizados para designar coisas, mas como práticas que formam os objetos de que falam:
direi que, em todas essas pesquisas que avancei ainda tão pouco, gostaria de mostrar
que os ‘discursos’, tais como podemos ouvi-los, tais como podemos lê-los, sob a
forma de um texto não são, como se poderia esperar, um entrecruzamento de coisas
e de palavras [...]; gostaria de mostrar que o discurso não é uma estreita superfície de
contato, ou de confronto, entre uma realidade e uma língua, o intrincamento entre o
léxico e uma experiência; gostaria de mostrar, por meio de exemplos precisos, que,
analisando os próprios discursos, vemos desfazerem-se os laços aparentemente tão
fortes entre as palavras e as coisas, e destacar-se um conjunto de regras, próprias da
prática discursiva. Essas regras definem [...] o regime dos objetos. (Foucault, 2012,
p.59-60)
3
Como exemplo podemos citar o Programa Escolas do Amanhã, da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro,
nitidamente relacionado ao projeto das UPPs.
26
Partindo do princípio, então, de que os sujeitos são formados a partir do processo de
interação com os discursos e saberes em circulação na sociedade, nesta pesquisa,
observaremos que os modos como os alunos interpretam os filmes e os sentidos atribuídos por
eles estão atravessados por formações discursivas predominantes em seu contexto
sociocultural.
3.3. Formação das modalidades enunciativas
Definido as regras de formação dos objetos, o autor avança, então, para a segunda
parte de sua análise: a descrição das regras de formação das modalidades enunciativas.
Tomando como exemplo, o discurso dos médicos, no século XIX, questiona que
encadeamento há entre as muitas formas de enunciados que nele se pode encontrar (descrições
qualitativas, narrações biográficas, dedução, verificações experimentais etc.). Como ponto de
partida, para encontrar a lei que as rege e o lugar de onde elas vêm, a primeira pergunta que se
deve fazer é: “quem fala? [...] Qual é o status dos indivíduos que têm – e apenas eles – o
direito regulamentar ou tradicional, juridicamente definido ou espontaneamente aceito, de
proferir semelhante discurso?” (Foucault, 2012, p.61). O status do médico, por exemplo, é
bastante singular em todas as formas de sociedade. Assim, a fala médica não pode vir de
quem quer que seja: ela está associada a um personagem, que é definido por seu status.
Porém, esse status também pode ser profundamente modificado. A segunda questão diz
respeito aos lugares institucionais de onde os indivíduos obtêm seu discurso, e onde este
encontra sua origem legítima e seu ponto de aplicação (seus objetos específicos e seus
instrumentos de verificação). No caso dos professores, por exemplo, esses lugares são, para
nossa sociedade, a escola, a universidade, o laboratório, a biblioteca etc. Porém, esses
diversos lugares nem sempre são os mesmos. A terceira questão se refere às posições do
sujeito, que se definem pela situação que podem ocupar em relação aos diversos domínios ou
grupos de objetos. No caso do aluno, por exemplo, ele pode ocupar a posição de sujeito que
questiona e de sujeito que observa. Ainda existem as posições que o sujeito pode ocupar na
rede de informações. Porém, essas diversas situações podem ser redefinidas.
Assim, segundo o autor, se, no caso do discurso clínico, o médico pode ocupar
sucessivamente diversas funções, é porque “todo um jogo de relações se encontra em jogo”
(Foucault, 2012, p.64), como, por exemplo, relações entre o campo das observações imediatas
e o domínio das informações já adquiridas; relações entre o papel do médico como terapeuta,
27
pedagogo, transmissor do saber médico etc. Desta maneira, o discurso clínico deve ser
entendido como o “relacionamento, no discurso médico, de um certo número de elementos
distintos, dos quais uns se referiam ao status dos médicos, outros ao lugar institucional e
técnico de onde falavam, outros à sua posição como sujeitos que percebem, observam,
descrevem, ensinam etc.” (Ibidem). É ele quem instaura, enquanto prática discursiva, esse
sistema de relações. Contudo, tendo em vista a disparidade dos tipos de enunciação no
discurso clínico, a medicina clínica, então, deve ser entendida como renovação das
modalidades de enunciação (como, por exemplo, renovação dos pontos de vista, conteúdos,
formas e do próprio estilo da descrição). As diversas modalidades da enunciação não estão
relacionadas à unidade de um sujeito, mas, sim, “manifestam sua dispersão: nos diversos
status, nos diversos lugares, nas diversas posições que pode ocupar ou receber quando exerce
um discurso, na descontinuidade dos planos de onde fala.” (Idem, p.65-66). Deste modo, o
discurso, segundo o autor,
[...] não é a manifestação [...] de um sujeito que pensa, que conhece, e que o diz: é,
ao contrário, um conjunto em que podem ser determinadas a dispersão do sujeito e
sua descontinuidade em relação a si mesmo. É um espaço de exterioridade em que
se desenvolve uma rede de lugares distintos. (Foucault, op.cit., p.66)
Observa-se, então, que o discurso é definido enquanto um lugar de dispersão do
sujeito. Essa questão é importante para esta pesquisa, visto que, ao analisar os processos de
interação dos alunos com as formações discursivas próprias do contexto argentino, podemos
verificar uma pluralidade de vozes a partir de movimentos de consenso e dissenso entre as
interpretações dos discentes, assim como a partir de movimentos de adesão e distanciamento
em relação ao discurso do outro.
3.4. A formação dos conceitos
Após definir o regime das enunciações características de uma formação discursiva,
Foucault empreende sua terceira análise, referente às regras de formação dos conceitos.
Tomando como exemplo disciplinas como a gramática, a economia, ou o estudo dos seres
vivos, o autor observa o aparecimento de conceitos que não constroem, rigorosamente, um
conjunto coerente; e questiona se não haveria uma lei que desse conta da emergência
sucessiva ou simultânea dos efeitos discordantes. Porém, para se chegar a tal resposta, de
28
acordo com sua teoria, antes é necessário descrever a organização do campo de enunciados
em que esses conceitos aparecem e circulam. A configuração do campo enunciativo
compreende: formas de sucessão (e, entre elas: as diversas disposições das séries
enunciativas; os diversos tipos de correlação dos enunciados; os diversos esquemas retóricos
segundo os quais se podem combinar grupos de enunciados), formas de coexistência (elas
delineiam um campo de presença; um campo de concomitância e um campo de memória) e
procedimentos de intervenção (tais procedimentos podem aparecer nas técnicas de reescrita,
em métodos de transcrição dos enunciados, os modos de tradução, os meios utilizados para
aumentar a aproximação dos enunciados, a maneira pela qual se transfere um tipo de
enunciado de um campo de aplicação a outro etc.). Assim, diante dessa heterogeneidade de
elementos, o que permite delimitar o grupo de conceitos que são específicos de uma formação
discursiva é a “maneira pela qual esses diversos elementos estão relacionados uns aos outros:
a maneira, por exemplo, pela qual a disposição das descrições ou das narrações está ligada às
técnicas de reescrita [...]” (Foucault, 2012, p.70). O sistema de formação conceitual é
constituído, então, por este feixe de relações:
tentamos determinar segundo que esquemas (de seriação, de grupamentos
simultâneos, de modificação linear ou recíproca) os enunciados podem estar ligados
uns aos outros em um tipo de discurso; tentamos estabelecer, assim, como os
elementos recortantes dos enunciados podem reaparecer, se dissociar, se recompor,
ganhar em extensão ou em determinação, ser retomado no interior de novas
estruturas lógicas, adquirir, em compensação, novos conteúdos semânticos,
constituir entre si organizações parciais (Idem, p.71)
Contudo, o que esses esquemas permitem descrever é a dispersão dos conceitos
através de textos, livros e obras – dispersão que caracteriza um tipo de discurso. Deste modo,
tal análise refere-se ao campo em que os conceitos podem coexistir e às regras às quais esse
campo está submetido. Esse campo “pré-conceitual”, é, pois, o conjunto das regras que se
encontram em jogo. A descrição desse campo permite que apareçam as regularidades
discursivas que tornaram possível a multiplicidade heterogênea dos conceitos. O discurso,
aqui, é compreendido, então, como lugar de emergência dos conceitos. A respeito de sua
proposta, Foucault afirma:
Na análise que aqui se propõe, as regras de formação têm seu lugar não na
mentalidade ou na consciência de um indivíduo, mas no próprio discurso; elas se
29
impõem, por conseguinte, segundo um tipo de anonimato uniforme, a todos os
indivíduos que tentam falar nesse campo discursivo. Por outro lado, não são
consideradas universalmente válidas em todos os domínios indiscriminadamente;
são sempre descritas em campos discursivos determinados, e suas possibilidades
indefinidas de extensão não são reconhecidas antecipadamente. Podem-se, no
máximo, por uma comparação sistemática, confrontar, de uma região a outras, as
regras de formação dos conceitos. (Foucault, op.cit., p.74)
3.5. A formação das estratégias
Após descrever a rede conceitual a partir das regularidades intrínsecas do discurso,
Foucault empreende sua última descrição: as regras de formação das estratégias. As
estratégias se referem aos temas ou teorias que os tipos de enunciação formam, segundo seu
grau de coerência, de rigor e de estabilidade. A questão, neste tópico, é saber como esses
temas ou teorias são distribuídos na história. Para definir este sistema comum, faz-se
necessário percorrer alguns caminhos. É preciso, primeiramente, determinar os possíveis
pontos de difração (ou seja, dispersão) do discurso. São eles: pontos de incompatibilidade, ou
seja, quando dois objetos, ou dois tipos de enunciação, ou dois tipos de conceitos aparecem na
mesma formação discursiva; pontos de equivalência, ou seja, quando dois elementos
incompatíveis são formados a partir das mesmas regras; pontos de ligação de uma
sistematização, ou seja, quando uma série coerente de objetos, formas enunciativas e
conceitos são derivados a partir desses elementos equivalentes e incompatíveis ao mesmo
tempo. Além disso, para dar conta das escolhas que foram realizadas (entre todas as que
poderiam ter sido), é preciso determinar as instâncias específicas de decisão. Assim, cabe
verificar o papel desempenhado pelo discurso estudado em relação aos que lhe são
contemporâneos e verificar a constelação discursiva à qual ele pertence, uma vez que as
escolhas dependem dessas constelações. Por exemplo, tal discurso pode estar em uma relação
de analogia, de oposição, ou de complementaridade com alguns outros discursos. Pode-se
também descrever, entre diversos discursos, “relações de delimitação recíproca, cada um
deles apresentando as marcas distintivas de sua singularidade pela diferenciação de seu
domínio, seus métodos, seus instrumentos, seu domínio de aplicação” (Foucault, 2012, p.79).
Todo esse jogo de relações constitui um princípio de determinação que admite ou
exclui, no interior de um dado discurso, um certo número de enunciados: há
sistematizações conceituais, encadeamentos enunciativos, grupos e organizações de
objetos que teriam sido possíveis (e cuja ausência não pode ser justificada no nível
30
de suas regras próprias de formação), mas que são excluídos por uma constelação
discursiva de um nível mais elevado e de maior extensão. Uma formação discursiva,
não ocupa, assim, todo o volume possível que lhe abrem por direito os sistemas de
formação de seus objetos, de suas enunciações, de seus conceitos; ela é
essencialmente lacunar, em virtude do sistema de formação das suas escolhas
estratégicas. (Ibidem)
Além disso, é preciso, também, determinar as escolhas teóricas (ou seja, as estratégias)
que foram efetuadas. Porém essa determinação depende de outra instância, que se caracteriza:
pela função que deve exercer o discurso estudado em um campo de práticas não discursivas;
pelo regime e pelos processos de apropriação do discurso (visto que a propriedade do discurso
está reservada a um grupo determinado de indivíduos); e pelas posições do desejo em relação
ao discurso. De acordo com o autor, a análise dessa instância mostra que “nem a relação do
discurso com o desejo, nem os processos de sua apropriação, nem seu papel entre as práticas
não discursivas são extrínsecos à sua unidade, à sua caracterização, e às leis de formação.”
(Foucault, op.cit., p.80). Esses elementos não são perturbadores, não mascaram o discurso:
são elementos formadores. Assim, pode-se dizer que se trata de uma formação discursiva
quando se puder definir o sistema de formação das diferentes estratégias que nelas se
desenrolam e mostrar como todas derivam de um mesmo jogo de relações.
3.6. Sistema de dispersão
Após finalizar a descrição do sistema de formação dos discursos, Foucault se depara,
então, diante de um sistema de dispersão dos elementos discursivos. Essa dispersão, segundo
o autor, pode ser descrita, em sua singularidade se forem determinadas as regras específicas
segundo às quais foram formados objetos, enunciações, conceitos, opções teóricas. Assim, a
unidade de um discurso, como o da medicina clínica ou da economia política, reside no
sistema que rege e torna possível a aparição desses elementos. Como foi dito ao longo das
análises feitas pelo autor,
quando se fala de um sistema de formação, não se compreende somente a
justaposição, a coexistência ou a interação de elementos heterogêneos (instituições,
técnicas, grupos sociais, organizações perceptivas, relações entre discursos
diversos), mas seu relacionamento – sob uma forma bem determinada – estabelecido
pela prática discursiva. (Foucault, 2012, p.86)
31
Foucault descreveu quatro feixes de relação e definiu, assim, para todos eles um
sistema único de formação, mostrando que eles não são independentes um dos outros: por
exemplo, as escolhas estratégicas são determinadas por pontos de divergência dos conceitos;
assim como as modalidades de enunciação são descritas a partir da posição que o sujeito
ocupa em relação ao domínio dos objetos de que fala. Cada nível não se desenvolve de forma
autônoma: “da diferenciação primária dos objetos à formação das estratégias discursivas
existe toda uma hierarquia de relações.” (Foucault, 2012, p.87). Deste modo, as escolhas
teóricas excluem ou implicam, nos enunciados que as efetuam, a formação de certos
conceitos. No entanto, segundo o autor, “não foi a escolha teórica que regulou a formação do
conceito, mas ela o produziu por intermédio das regras específicas de formação dos conceitos
e pelo jogo das relações que mantém com esse nível”. (Ibidem)
Além disso, em sua análise, foi observado que os sistemas de formação residem no
próprio discurso. Assim, definir um sistema de formação é caracterizar um discurso (ou um
grupo de enunciados) pela regularidade de uma prática discursiva. “Por esse sistema de
formação é preciso, pois, compreender um feixe complexo de relações que funcionam como
regra” (Idem, p.88): através das mesmas leis de formação, novos objetos aparecem, novas
modalidades de enunciação são empregadas, novos conceitos são delineados e novos edifícios
teóricos são construídos.
É importante lembrar que:
Uma formação discursiva não desempenha, pois, o papel de uma figura que para o
tempo e o congela por décadas ou séculos: ela determina uma regularidade própria
de processos temporais; coloca o princípio de articulação entre uma série de
acontecimentos discursivos e outras séries de acontecimentos, transformações,
mutações e processos. Não se trata de uma forma intemporal, mas de um esquema
de correspondência entre diversas séries temporais. (Foucault, op.cit., p.88-89)
Por fim, o que se descreve como sistemas de formação não constitui a etapa final dos
discursos, ou seja, sua construção acabada (os textos escritos e as falas com seu vocabulário,
sintaxe, estrutura lógica ou organização retórica). A análise proposta por Foucault permanece
aquém desse estado terminal e analisa “os sistemas que tornam possíveis as formas
sistemáticas últimas”. Esses sistemas são considerados como “regularidades pré-terminais em
relação às quais o estado final, longe de constituir o lugar de nascimento do sistema, se define,
antes, por suas variantes.” (Idem, p.90). Assim, nesta análise das formações discursivas, o
32
autor descobre um conjunto de sistematicidades e relações múltiplas. E é justamente neste
ponto que se delineia sua análise:
Não procuramos, pois, passar do texto ao pensamento, da conversa ao silêncio, do
exterior ao interior, da dispersão espacial ao puro recolhimento do instante, da
multiplicidade superficial à unidade profunda. Permaneceremos na dimensão do
discurso. (Foucault, 2012, p.91)
33
34
II
Ressonâncias discursivas no ensino do Espanhol no Brasil
Antes de compreendermos as concepções teóricas, tanto de língua como de ensino e
leitura, adotadas nesta pesquisa, cabe ressaltar algumas tendências predominantes no caminho
desenvolvido pelos estudos do Espanhol no Brasil. Veremos que essas tendências se
configuram como “gestos fundadores” de uma imagem sobre o ensino desta língua que ainda
perdura no país. Neste sentido, podemos dizer que os vários discursos em torno desse idioma
no Brasil se ligam a uma certa perspectiva comum – ainda que eles sejam dissidentes uns dos
outros; ainda que eles não reafirmem o senso-comum (mas continuam em diálogo com esta
primeira imagem, na tentativa de rompê-la). Ou seja, os discursos em torno da língua
espanhola obedecem a uma certa formação discursiva que, ao longo da história, determinou
regras para sua existência e transformações neste contexto. Neles, é possível observar uma
predominância da concepção de sujeito unívoco e da compreensão da língua enquanto um
sistema estático e homogêneo.
1. O privilégio do aspecto lexical no ensino de ELE
Até os anos 1990, no âmbito acadêmico, a reflexão linguística sobre a língua
espanhola era quase inexistente. As pesquisas em torno dessa língua no país possuíam um
caráter instrumental, voltadas para um ensino com objetivos turísticos ou econômicos, que
seria realizado, principalmente, em escolas de idiomas ou em alguns colégios privados.
Somente a partir dessa década, o espanhol passou a ocupar novos lugares e a se tornar objeto
de pesquisa nas universidades brasileiras. De acordo com Celada & González (2000), alguns
fatores, como, por exemplo, a condição periférica do país, o acesso tardio aos modelos
teóricos da linguística e a relação de desconhecimento mútuo que se estabeleceu entre o Brasil
e os países hispânicos foram responsáveis pelo lugar ocupado pela língua espanhola,
irrefletidamente, ao longo de muitos anos. Essa falta de reflexão ocasionou uma espécie de
“cristalização” de determinadas crenças que, somente recentemente, estão sendo
questionadas.
A principal dessas crenças tem como pressuposto a ideia de que o espanhol e o
português são línguas muito parecidas e, por este motivo, falar espanhol passou a ser, então,
considerado “fácil”. Tal concepção começou a ser difundida nos anos 30 do século XX,
35
através da primeira Gramática da língua espanhola para uso dos brasileiros, de Antenor
Nascentes, e estava presente no primeiro manual de ensino que surgiu no Brasil em 1945, de
Idel Becker. Neste panorama, o foco das atenções passou a ser a busca pelas diferenças entre
essas duas línguas tão semelhantes, uma vez que essas eram consideradas a fonte de todas as
dificuldades. Esse pressuposto que se instalou no Brasil acerca do espanhol abriu espaço para
que as análises contrastivas se desenvolvessem e se expandissem no país. Esses estudos
tinham como fundamento a teoria de Lado (1957), na qual o autor afirmava que os aprendizes
possuem uma tendência a transferir os conhecimentos da sua língua materna para a língua
estrangeira. Cabe ressaltar que os estudos linguísticos reprodutores dessa visão possuíam uma
concepção cartesiana do sujeito e compreendiam a língua como um sistema semanticamente
estabilizado e homogêneo, acreditando que seu domínio se dava através do conhecimento
lexical, reduzindo-a a um estoque de palavras. Defendiam, portanto, que o espanhol e o
português eram semelhantes, pois somente 10% das palavras não possuiriam equivalentes
idênticos nos dois idiomas. Passou-se, então, a privilegiar esses vocabulários distintos,
conhecidos como “falsos amigos”, pois estes poderiam gerar mal-entendidos. Porém, o
equívoco deste modelo se encontra, fundamentalmente, no fato de pensar que somente tendo
acesso às palavras seria possível controlar todas as ambiguidades – como veremos mais
adiante, as diferenças lexicais tornam-se superficiais e insuficientes ao levarmos em conta
outros níveis de análise.
A prática didática do ensino de espanhol, por sua vez, é afetada diretamente por esta
falta de reflexão. É possível perceber que os professores se referem, constantemente, a
algumas dificuldades vivenciadas pelos estudantes brasileiros, tais como, dificuldades para
aprender o uso dos pronomes diretos e indiretos, dificuldades para aprender o uso das
preposições, dificuldades para aprender a conjugação do verbo gustar, dificuldades no uso de
imperativos, dificuldade para conjugar os verbos irregulares etc. De acordo com González &
Celada (2000, p.43), todas essas questões apontam que a problemática está relacionada ao
funcionamento da sintaxe da língua espanhola:
Si consideramos que la sintaxis [...] mobiliza los diferentes planos de la lengua –
desde el fonológico al discursivo–, las preocupaciones u observaciones de los
profesores pueden verse como indicios de que lo que está produciendo esa serie de
dificultades tiene que ver con el funcionamiento de la lengua española en el nivel
discursivo, mucho más que con el nivel lexical […]
De acordo com Fanjul (2012), a partir da década de 1990, começa, então, um processo
de mudança deste panorama no país. O aparecimento das diversas novas tendências que
36
passam a se desenhar no cenário acadêmico brasileiro em torno dessa língua estão
relacionadas a alguns fatores externos à academia, como, por exemplo, os processos de
integração regional (MERCOSUL), que se iniciam nos campos econômico e político, dando
lugar a inúmeros intercâmbios de bens culturais que determinam uma circulação diferente
para as línguas na região, fazendo com que o interesse pelas relações entre as línguas
espanhola e portuguesa aumente consideravelmente.
Especificamente nos estudos linguísticos, essa relação começa a ser abordada a
partir de vertentes de forte desenvolvimento na universidade brasileira e de alguns
países vizinhos: teoria sobre a aquisição de inspiração gerativista, aplicações de
diversas perspectivas nos estudos discursivos e enunciativos e, em menor medida,
mas também marcando uma crescente presença, estudos de gramática descritiva. São
produzidos e divulgados, dentre outros, trabalhos de pesquisa sobre a aquisição do
espanhol por brasileiros (GONZÁLEZ, 1994), sobre comparações entre o
funcionamento do português brasileiro e do espanhol (GROPPI, 1997), comparações
entre as discursividades relacionadas a ambas as línguas (SERRANI, 1994;
SANTANNA, 200; FANJUL, 2002), ou sobre aspectos da subjetividade do
brasileiro mobilizado pelo contato com o funcionamento do espanhol (CELADA,
2002), todos abrindo caminhos de interrogação que, graças a contribuições de novos
pesquisadores, se mostram produtivos até hoje. (Fanjul, 2012, p.48)
Paralelamente a esta nova relação entre línguas e saberes no Brasil, neste mesmo
período, aumenta a presença da língua espanhola no campo educacional brasileiro e sua
inclusão nos currículos escolares. Neste processo, surge, em 2005, a lei federal 11.161, que dá
um prazo de cinco anos para que todas as escolas do ensino médio tenham o Espanhol como
disciplina de oferta obrigatória. Devido à necessidade de formação de professores, começa
uma interação entre o campo educacional e as pesquisas em desenvolvimento nos últimos
anos no campo acadêmico. Porém, mesmo com todos os avanços nos estudos linguísticos
apontando para outros caminhos de análise, mesmo com a introdução de novos modelos
teóricos para o estudo da linguagem e a realização de novas pesquisas, a manutenção da visão
estereotipada do processo de aquisição do espanhol ainda pode ser facilmente detectada no
Brasil, principalmente se observamos as práticas didáticas do ensino de línguas das escolas
públicas e os materiais didáticos que nelas circulam – em grande parte reforçando ainda os
lugares-comuns dos quais precisamos sair.
2. Gêneros do discurso em sala de aula: contradições entre a prática e a teoria
Simultaneamente a esta tendência do ensino do espanhol no Brasil, é possível destacar
a ocorrência de uma outra tendência, que pode ser relacionada ao surgimento, em 1998, dos
37
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN): trata-se dos trabalhos dedicados aos “gêneros do
discurso” nas pesquisas acadêmicas e, consequentemente, em sala de aula. Após pesquisa de
produções acadêmicas relativas a essa problemática, Fanjul observa que, embora nestas
elaborações possam ser percebidos os avanços na compreensão das complexas relações entre
linguagem, história e sociedade, muitos trabalhos negligenciam as dimensões textual e
discursiva. A partir do levantamento nos anais de dois eventos de significativo impacto para a
área, realizados em 2010, o autor selecionou 14 comunicações que abordavam esse tema,
apresentadas por pesquisadores em formação, de iniciação científica, mestrado ou doutorado
e/ou de professores já atuantes nas universidades, a fim de detectar grandes variáveis. O
corpus analisado era composto, em sua maioria, por trabalhos que se propunham a contribuir
com as práticas de ensino. Os quatro aspectos analisados nos trabalhos foram: a delimitação
do referencial teórico; a atenção às relações dialógicas e interdiscursivas para os enunciados
considerados ou ainda para a caracterização de determinados gêneros; a atenção a aspectos da
configuração textual; e a consideração da especificidade de ter-se um universo linguísticocultural estrangeiro como espaço de trabalho.
A primeira constatação foi que nos referenciais teóricos são mencionados dois acervos
diferentes: por um lado, tem-se o conjunto de estudiosos da “escola de Genebra” e, por outro
lado, os autores do “Círculo de Bakhtin”. Porém, no desenvolvimento de grande parte dos
trabalhos, percebe-e um afastamento do tratamento proposto para o discurso por qualquer um
dos acervos. Termos como “dialogismo”, “polifonia” e “heterogeneidade”, ritualmente
repetidos nos parágrafos de referencial teórico, são completamente ignorados na prática.
Segundo Fanjul (2012, p.57), a forte presença destes termos é um sinal “de uma filiação
dominante, no campo acadêmico, a concepções sobre a relação entre linguagem, sujeitos e
sociedades que, de diferentes maneiras, questionam a unicidade do sujeito falante e a
imanência do texto”. Mas, por outro lado, o autor sinaliza que “sua repetição é também sinal
de uma certa automatização, de que começam a transformar-se em meras fórmulas de
inscrição em uma discursividade, com escassa relação com as práticas efetivas que
acompanham (Ibidem). Por exemplo, nas comunicações que assumem um enunciado como
objeto, não são estabelecidas relações interdiscursivas4, ou seja, diálogos com “discursos
alheios” que estão contidos nos enunciados. Além disso, em grande parte dos trabalhos, esses
termos ganham um novo significado ao serem transportados para o campo educacional e
4
De acordo com Pêcheux (1975), o interdiscurso diz respeito ao conjunto estruturado das formações
discursivas. Nele, “se constituem os objetos e as relações entre esses objetos que o sujeito assume no fio do
discurso” (Charaudeau & Maingueneau, 2014, p.287). Por outro lado, está o intradiscurso, que diz respeito à
dimensão linguística dos enunciados. Cabe lembrar que o intradiscurso está atravessado pelo interdiscurso.
38
passam a estar relacionados com a possibilidade de o aluno expressar-se criticamente e
conhecer diferentes perspectivas em torno de algum assunto. Deste modo, a “heterogeneidade
do discurso deixa de ser constitutiva de todo enunciado para passar a ser vista como um traço
distintivo de certas práticas que precisariam ser estimuladas em prol de um modelo de ensino
ou, inclusive, de formação cidadã.” (Ibidem). Outro aspecto analisado foi que alguns
trabalhos utilizavam os termos “enunciado” ou “gênero” indistintamente, enquanto outros
faziam uma distinção entre enunciados que podem ser considerados gêneros, ou não. De
acordo com Fanjul (2012, p.58), esses equívocos que o corpus insinua revelam a
descaracterização conceitual do tipo de abordagem do enunciado que vem sendo desenvolvida
para a análise e/ou para o ensino:
Levar um enunciado para o ensino ou incluí-lo em um levantamento para o
planejamento didático, de modo que toda a prática com ele se reduza a comentar os
“fatos” e “realidades” que ele registra ou poderia registrar, é obliterar, dentre outras
coisas, aquilo que se relaciona a um gênero, é precisamente “desgenerizá-lo”, por
mais que lhe seja atribuída “autenticidade”. Para perceber o enunciado na sua
dimensão genérica, que constitui sua inserção na realidade, é imprescindível analisálo, como explica BAJTÍN (...), “no seu nexo com outros enunciados relacionados a
ele”. E é oportuna [...] a observação que o pensador faz em um parêntese que segue
imediatamente essa afirmação (...): “é costume analisar esses nexos unicamente no
plano temático e não no discursivo, isto é, composicional e estilístico”.
Quanto a este ponto, Fanjul observa que, embora em praticamente todos os trabalhos
analisados sejam mencionados fatores composicionais e de estilo, somente três realizam uma
efetiva abordagem analítica dos enunciados no que diz respeito a esses aspectos. Outros
comentam características estilísticas dos gêneros, relacionadas ao lugar social do destinatário,
mas reduzem à observação dos pronomes de tratamento. E os demais não fazem menção
alguma a nenhuma dessas dimensões. A dimensão composicional, quando abordada, não parte
de nenhum modelo de análise, embora não faltem, entre os referenciais teóricos mencionados
nas comunicações, propostas aplicadas em muitos trabalhos no Brasil.
Outra recorrência encontrada pelo autor no corpus analisado diz respeito a um modo
de enunciar caracterizado pelo contraste: em praticamente toda a amostra, estão presentes
formulações como, por exemplo, “não regras gramaticais, mas uma prática social” (Fanjul,
2012, p. 60); “não apenas tipos textuais ou marcadores discursivos, mas o sentido produzido
em contextos reais” (Ibidem). Tendo em vista as dificuldades de associação entre teoria e
prática e de adoção de concepções sobre língua e ensino que não se restrinjam somente às
regras prescritivas gramaticais e ao estudo das frases isoladas de seu contexto, em prol de uma
compreensão da linguagem como prática social e da relação dos sujeitos com o processo de
39
produção do sentido, Fanjul (2012, p.60-61) questiona acerca da necessidade dessa “repetição
quase ritual”:
não evidenciariam essas repetições, no seu excesso, a grande dificuldade que ainda
se encontra para que o ensino de línguas possa ser alguma outra coisa diferente
dessa formalização repetitiva? E a fuga da materialidade em direção a um “social”
que não se indaga precisamente nos enunciados com os quais se trabalha, não terá
haver com essa carência?
Nessa fuga, o estudo da gramática, muitas vezes, é rejeitado no ensino de línguas,
acarretando algumas complicações para as pesquisas nesta área. Instaura-se um
“distanciamento crescente da materialidade linguística e das regularidades em todos os planos
do seu funcionamento, tanto a sintaxe quanto a produção de referência, bem como a trama
textual, a configuração enunciativa e o dialogismo” (Fanjul, 2012, p. 61). Na amostra
analisada por ele, por exemplo, percebe-se que os fatos de linguagem continuam sendo
tratados de modo descontextualizado e que não há tentativa alguma de tentar estabelecer uma
vinculação entre os níveis do funcionamento discursivo e linguístico.
Por fim, o autor observa que a maioria dos trabalhos que tratam do ensino de línguas
estrangeiras não se indaga a respeito da problemática dos gêneros dos discursos em
alteridades linguístico-culturais. Ainda que os estudos discursivos e a própria reflexão
bakhtiniana sobre “expressividade” deem algumas pistas para abordar a questão dos gêneros
em línguas diversas, a abordagem da complexidade do contato linguístico-cultural é reduzida
à problemática de tal gênero existir ou não na outra língua/cultura. Segundo Bakhtin (2003),
cada gênero possui uma expressividade própria que ressoa na palavra, que ganha, assim, uma
“expressividade típica”. Concordando com esse pensamento, Fanjul acredita, então, que esse
processo funciona de um modo diferente na percepção de um falante de uma segunda língua:
“o eco pode ser ouvido de modos inesperados ou dispersar-se e, juntamente a palavra, de
algum modo, redireciona-se para a língua, porque devido ao estranhamento, para o estrangeiro
se atualiza de modo premente a vinculação da palavra com o corpo da língua outra” (Fanjul,
2012, p. 63). Contudo, o autor não acredita que a “expressividade típica se anule”, ainda mais
quando se trata do caso do português e do espanhol na atualidade, visto que essas duas
línguas, segundo ele, “protagonizam um tipo de proximidade interessante para o estudo do
funcionamento discursivo”, não somente por se tratar de línguas tipologicamente próximas,
mas, principalmente, pelos “efeitos de uma historicidade que tem em comum processos de
40
colonização5” (Idem, p. 63). Por este motivo, pesquisas divulgadas na área de estudos
linguísticos passam a considerar a memória discursiva como um lugar para indagar sobre as
atuais relações entre essas línguas e os deslocamentos das subjetividades. Para dar conta dessa
relação entre o português e o espanhol no plano discursivo, Fanjul (2009) propõe a
possibilidade de “espaços de memória compartilhados” entre as sequências discursivas em
ambas as línguas e de “um funcionamento parafrástico6 entre elas”. Assim, entendendo a
“expressividade típica” como uma “memória do gênero na materialidade da língua”, torna-se
produtivo observar as aproximações e distanciamentos entre o português e o espanhol em
gêneros discursivos que se manifestam tanto em espaços abrangentes quanto em espaços
delimitados por uma das línguas. Porém, isto requer uma interrogação e uma descrição da
materialidade linguística.
Contudo, Fanjul conclui que há uma crescente desatenção para o estudo do
funcionamento linguístico, textual e discursivo. Geralmente, os objetivos deste aspecto da
educação são relacionados à necessidade de contribuir para desenvolver um “senso de
cidadania” – discurso que circula insistentemente nos espaços voltados para o
ensino/aprendizagem de línguas. Porém, o afastamento da metalinguagem não favorece o
senso de cidadania. É necessário, então, “promover o conhecimento crítico acerca das
metalinguagens em uma perspectiva transformadora” (Fanjul, 2012, p. 64). E, assim, passar a
considerar não a memorização de regras prescritivas gramaticais, mas a descrição de
regularidades no plano do intradiscurso e nas suas relações interdiscursivas, desenvolvendo
práticas de leitura em sala de aula que valorizem a materialidade dos processos de
significação.
3. Leitura: paráfrase e polissemia
Neste mesmo sentido, Eni Orlandi, no livro Discurso e Leitura, afirma que o
fundamento para as metodologias de leitura que são propostas atualmente tem sido a imagem
de um sujeito-leitor que se relaciona somente com a linguagem verbal e no interior da escola.
Segundo a autora, na idade média, a interpretação era entendida como única (dada pelo
mestre) e não podia ser reivindicada pelos indivíduos. No entanto, devido à intervenção cada
vez maior do jurídico sobre o religioso, começa a aparecer explicitamente um sujeito. Assim,
5
Embora Fanjul aborde a questão dos processos semelhantes de colonização vivenciados na América, nesta
pesquisa também serão considerados os processos marcados por diferenças.
6
O processo parafrástico de produção de sentido, de acordo com Pechêux (1988), diz respeito à “construção
das representações de sentidos predominantes em um discurso determinado” (Serrani, 2010, p.90). A polifonia
da linguagem se refere à construção de sentidos variados.
41
a subordinação explícita do homem religioso dá lugar a uma subordinação menos explícita do
homem jurídico, que insiste na ideia de um sujeito livre. O sujeito moderno, então, é ao
mesmo tempo submisso e autônomo. Após observar a formação desse sujeito, a autora propõe
uma reflexão sobre a formação do sujeito-leitor e afirma que os modos de assujeitamento em
relação ao texto mudam profundamente no curso da história. Deste modo, pode-se falar hoje
de um sujeito-leitor que se apresenta como um sujeito capaz da livre determinação dos
sentidos ao mesmo tempo em que é um sujeito submetido às regras das instituições. A autora,
então, se pergunta: como agir na escola em relação à formação do sujeito-leitor? Como
trabalhar com a relação entre leitura parafrástica e leitura polissêmica?
A autora também faz uma distinção entre leitura parafrástica e polissêmica que é
pertinente para nossa discussão. O processo parafrástico é o que permite a produção do
mesmo sentido sob várias de suas formas e o processo polissêmico é o responsável pelo fato
de que são sempre possíveis sentidos diferentes. Em certas condições de produção do
discurso, há de fato dominância de um sentido, porém a relação com os outros sentidos não
pode ser perdida de vista. Deste modo, é necessário, na formação do sujeito-leitor, romper
com o processo de produção dominante de sentidos e reconhecer que a multiplicidade de
sentidos é inerente à linguagem. Tendo em vista a pergunta feita pela autora, percebe-se que é
preciso uma conscientização maior, por parte dos docentes, das condições de produção de
discurso, pois somente assim se poderá formar sujeitos-leitores capazes de ir além da
literalidade do texto. Porém, como já vimos, sempre haverá um sentido predominante. Este
sentido deve ser questionado para que outros sentidos possam emergir. As vozes devem ser
escutadas e movimentadas, compreendendo-se, assim, que os sentidos não são lugares fixos,
mas construídos na interação com o texto, em circunstâncias sócio-históricas particulares.
Como se pôde ver ao longo deste segundo capítulo, a materialidade linguística (ou
seja, o sistema morfológico, fonológico e sintático da língua) sempre foi o enfoque
predominante no ensino de línguas estrangeiras nas escolas do Brasil. Porém os documentos
nacionais vigentes da educação nacional apontam para um ensino de línguas estrangeiras nas
escolas que leve também em consideração os fatores socioculturais e discursivos. A
conscientização destes aspectos da língua permite uma maior compreensão da complexidade
social em que vivemos, uma vez que, ao sensibilizar os alunos em relação às variações dos
processos de produção/compreensão do sentido, leva-os a perceber que o uso da linguagem é
heterogêneo e que as formas de cada língua variam de acordo com os usuários, com o
contexto e com a finalidade em que essas línguas são usadas, de acordo com a idade, o sexo, a
região de origem e a classe social de seus usuários. De acordo com os documentos nacionais
42
da educação vigentes (PCN e OCEM), a disciplina Língua Estrangeira7 deve propiciar a
ampliação do domínio discursivo dos alunos em diferentes comunidades e situações,
entendendo o uso da língua como uma prática social entre sujeitos que ocupam papéis
historicamente marcados. Deste modo, o objetivo principal não é somente ensinar a se
comunicar, mas, sobretudo, ensinar a interagir com outras vozes em contextos determinados.
4. Ressonâncias discursivas e alteridade
Segundo Serrani (1997, p.5),
um dos processos fundamentais que acontece quando o sujeito desenvolve uma
“aquisição” bem sucedida de segunda língua [...] é a inscrição do sujeito em relações
de preponderância na discursividade nova da segunda língua. A relação contraditória
do sujeito com ressonâncias discursivas novas, que a segunda língua introduz,
possibilita essa alteração na preponderância de suas formações discursivas
fundamentais?
Deste modo, as aulas de língua estrangeira podem, assim, ser um espaço de interação
com novas discursividades e com outros modos de estruturar as significações do mundo. Essa
inscrição do sujeito em outras formações discursivas que a segunda língua introduz possibilita
que o sujeito estruture novas formas de significar e significar-se, através de um processo de
(re)negociação de sentidos e concepções de verdade em torno da vida social, em que
estereótipos e preconceitos sobre as culturas estrangeiras podem ser desconstruídos. A partir
da noção de formações discursivas, desenvolvida por Foucault, a autora desenvolve a noção
de ressonâncias discursivas para referir-se às formulações que se repetem em determinados
conjuntos de textos relacionados: “existe ressonância discursiva quando determinadas marcas
linguístico-discursivas se repetem, a fim de construir a representação de um sentido
predominante” (Serrani, 2010, p. 90).
Deste modo, tendo em vista que, através de uma língua estrangeira, entramos em
contato com outras formas de estruturar as significações do mundo, e, portanto, com outras
formações discursivas, Silvana Serrani (2010) realizou uma pesquisa sobre cartas
argumentativas escritas por brasileiros e argentinos. Em sua análise, é realizado um exame das
formulações que se repetem em ambos os textos, a fim de estabelecer uma comparação entre
as ressonâncias discursivas predominantes nos textos brasileiros e argentinos. Segundo a
7
Atualmente há uma discussão em relação a esta denominação. Alguns autores preferem utilizar o termo
“Línguas Adicionais”. Sobre este assunto, ver Garcez (2009).
43
autora, há recorrências expressivas que podem ser observadas em determinados conjuntos de
textos discursivamente relacionados. Para a realização deste exame, foi verificada a repetição
de: itens lexicais de uma mesma família de palavras ou de itens de diferentes raízes lexicais
apresentados no discurso como semanticamente equivalentes; construções que funcionam
parafrasticamente e modos de enunciar presentes no discurso. A autora, então, identificou
que, no corpus em português, predominaram formações discursivas com ressonâncias de
transição; e no corpus em espanhol, predominaram formações discursivas com ressonâncias
de abrupção. Serrani ressalta que esses dois tipos de formação discursiva fazem parte de
ambas as línguas e que as predominâncias variam de acordo com determinadas condições de
produção. Segue, abaixo, as ressonâncias identificadas nos textos argumentativos analisados
pela autora que tendem à construção de sentido por transições e abrupções:
•
Ressonâncias que tendem à construção de sentido por transições:
-
Ressonância do modo de enunciar indeterminado.
-
Ressonância da construção do sentido por enunciações marcadamente afirmativas.
-
Ressonância da estruturação textual com expressões de queixa em parágrafos situados no
final do texto.
-
Ressonâncias de enunciações amenizadoras.
•
Ressonâncias que tendem à construção de sentido por abrupções:
-
Ressonâncias de modo de enunciar determinado.
-
Ressonâncias de modo de enunciar negativo.
-
Ressonâncias de enunciados que expressam queixas e questionamentos situados no
começo do texto.
-
Ausência de expressões amenizadoras ou elogiosas para o destinatário.
Contudo, podemos dizer que há, em nosso mundo, uma diversidade enunciativa, que
pode ser percebida, por exemplo, em uma análise comparativa da enunciação em idiomas
distintos. Dentro desta necessidade de revisar os pressupostos dos “gestos fundadores” aqui
expostos, Celada & Gonzalez (2000) apontam as pesquisas desenvolvidas por Silvana Serrani,
que se realizam a partir de uma análise comparativa das discusividades próprias de cada
língua. As autoras observam que, ao estudar os fatores que incidem na produção de LE, se
podem considerar dois níveis de análise: o da diversidade ou da dimensão constitutiva da
alteridade. Segundo elas, a linha de investigação e estudo da língua espanhola no Brasil
44
durante muito tempo se limitou a trabalhar no primeiro nível: o da diversidade,
desconhecendo a possibilidade de fazê-lo à luz da dimensão constitutiva da alteridade. Nesta
dimensão, leva-se em consideração o modo que cada língua produz seu equívoco (por
exemplo, na interação discursiva, podemos observar a produção de mal-entendidos e
ambiguidades) e o modo como outras concepções de mundo e valores se evidenciam no plano
da enunciação. Os avanços dessa abordagem que leva em consideração a diferença discursiva
estão menos desenvolvidos, embora haja muitos estudos atualmente sobre este tema. Se
levarmos em consideração somente o plano da diferença morfológica, perceberemos que a
diferença entre o espanhol e o português não é, de fato, tão grande. Porém, o plano discursivo
mostra que mesmo línguas tipologicamente próxima possuem modos distintos de construir os
significados e, consequentemente, modos distintos de projeção do imaginário do sujeito da
linguagem. É o que podemos constatar na pesquisa realizada por Serrani, ao identificar a
predominância de formações discursivas de abrupção no contexto Argentino e de formações
discursivas de transição no Brasil, revelando sua estreita relação com os modos de
produção/construção de sentidos.
45
46
III
Argentina e Brasil: processos sócio-históricos da formação de
discursividades
Tendo em vista que nesta pesquisa será realizada uma análise das formações
discursivas (e suas ressonâncias) próprias dos contextos brasileiro e argentino, a partir da
interação de alunos brasileiros, em aulas de Espanhol LE, com filmes produzidos na
Argentina; e considerando que uma prática discursiva pode ser definida como “um conjunto
de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em
uma época dada, e para uma determinada área social, econômica, geográfica ou linguística, as
condições de exercício da função enunciativa.” (Foucault, 2012, p.144), torna-se fundamental
a compreensão dos processos sócio-históricos envolvidos na formação de ambos os países.
1. Discurso fundador e espaços de identidade
De acordo com Eni Orlandi (1993, p.18), a formação de um país está ligada à
“formação de uma ordem de discurso que lhe dá identidade”. Para referir-se a esta ordem
discursiva, a autora desenvolve a noção de ‘discurso fundador’, uma vez que se trata de uma
fala que funda sentidos (onde não havia nenhum sentido ou até mesmo onde outros sentidos já
se haviam se instalado) e se estabiliza na memória nacional, funcionando como referência no
imaginário de um país. O discurso fundador, desse modo, busca “a possibilidade de criar um
lugar na história, um lugar particular. Lugar que rompe no fio da história para reorganizar os
gestos de interpretação” (Orlandi, op.cit., p.16). Para Orlandi, uma das características
fundamentais deste discurso é
a sua relação particular com a ‘filiação’. Cria tradição de sentidos projetando-se para
a frente e para trás, trazendo o novo para o efeito do permanente. Instala-se
irrevogavelmente. É talvez esse efeito que o identifica como fundador: a eficácia em
produzir o efeito do novo que se arraiga na memória permanente (sem limite).
Produz desse modo o efeito do familiar, do evidente, do que só pode ser assim.
(Idem, p.13-14)
Quando e como, então, essas memórias permanentes foram fundadas? Embora não se
possa determinar uma data exata para o nascimento de nenhuma nação, é possível pensar
47
alguns fatores que contribuíram para o seu surgimento. No caso do encontro dos europeus
com o Novo Mundo – caso que aqui muito nos interessa –, como, diante do sem-sentido,
diante da nova terra onde nada lhes era familiar, foram surgindo os sentidos? Como o semsentido se deixou “construir com a aparência do sentido estável, coerente e homogêneo”
(Idem, p.11)? Neste movimento de significação, quais “espaços de identidade histórica”
(Idem, p.13) foram construídos aqui na América Latina e se apresentam ainda hoje como
espaços legítimos e institucionais? Acerca dos discursos fundadores do Brasil, Eni Orlandi
utiliza como exemplo o enunciado Em se plantando tudo dá, que ficou formulado para sempre
na nossa História. Segundo a autora, esse “enunciado ressoa em muitos outros, repercutindo
sentidos variados no sentimento de brasilidade. Terra pródiga. Gigante pela própria natureza.
Mas mal administrada [...] e que embora seja explorada continuamente não se esgota” (Idem,
p. 14). Assim, a partir desse enunciado fundador, se produziu um discurso sobre o Brasil.
Sobre a instauração dos sentidos na América, a autora utiliza como exemplo a busca do
ElDorado, em que os espanhóis, diante do desconhecido, sentiram a necessidade de
domesticar esse Novo Mundo, a fim de “tornar familiar a paisagem hostil” (Idem, p.15).
Neste percurso,
nomes eram dados arbitrariamente, assim como eram arbitrários os limites que
impunham ao acaso para ter um país configurado [...]. Arbitrário, mas necessário.
Porque dar sentidos é construir limites, é desenvolver domínios, é descobrir sítios de
significância, é tornar possíveis gestos de interpretação. (Orlandi, op.cit., p.15)
2. A nação imaginada
Antes de começarmos a adentrar no processo de formação das nações e dos discursos
que se estabilizaram tanto no Brasil quanto na Argentina, cabe fazer algumas considerações
acerca do conceito de nação. O nacionalismo surgiu no século XVIII na Europa, quando cada
país começou a exaltar suas características particulares:
Tradições folclóricas, vida campesina, festividades religiosas, história e heróis
nacionais, idiossincrasias étnicas, mitologias tribais e paisagens locais em pouco
tempo permearam todas as artes [...]. As mitologias nacionais foram criadas ou
revividas e divulgadas com entusiasmo evangélico, sempre com o objetivo de criar
um sentido de nacionalidade e de destino nacional. Essas mitologias tornaram-se
ficções-diretrizes das nações e estimulavam os franceses a ser franceses; os ingleses
a ser ingleses; os alemães, alemães. (Shumway, 2008, p. 23-24)
48
O aparecimento do nacionalismo nesse continente está relacionado aos grandes
sistemas culturais que o precederam. São eles: a comunidade religiosa e o reino dinástico,
“pois ambos no seu apogeu foram figuras de referência incontestes, como ocorre atualmente
com a nacionalidade” (Anderson, 2008, p.39). Deste modo, a possibilidade de imaginar a
nação surge quando essas concepções culturais fundamentais entram em declínio, “sob o
impacto da transformação econômica, das ‘descobertas’ (sociais e científicas) e do
desenvolvimento de meios de comunicação cada vez mais velozes” (Idem, p.69-70).
Embora esse seja um conceito de forte influência no mundo moderno, é difícil elaborar
uma definição precisa do termo. Tomaremos, então, como base a concepção teórica proposta
por Benedict Anderson (2008). De acordo com o autor, tanto a nacionalidade quanto o
nacionalismo são “produtos culturais específicos” (Idem, p.30). Anderson define a nação
como “uma comunidade política e imaginada – e imaginada como sendo intrinsecamente
limitada e, ao mesmo tempo, soberana” (Idem, p.32). E ainda acrescenta: “Ela é imaginada
porque mesmo os membros da mais minúscula nação jamais conhecerão, encontrarão ou nem
sequer ouvirão falar da maioria de seus companheiros, embora todos tenham em mente a
imagem viva da comunhão entre eles” (Idem). Assim, as comunidades se distinguem pela
forma como são imaginadas. Neste mesmo sentido, Nicolas Shumway (2008) desenvolve a
noção de ficções-diretrizes para se referir a esse processo imaginário:
As ficções que orientam as nações não podem ser comprovadas, são de fato produtos
tão artificiais quanto as ficções literárias. No entanto, são necessárias para dar aos
indivíduos um sentido de nação, de povo, uma identidade coletiva e um objetivo
nacional. (Shumway, 2008, p.17)
3. O surgimento das ficções-diretrizes na Argentina
De acordo com Shumway (2008), as ficções-diretrizes tiveram mais dificuldades para
surgir nos países da América espanhola, visto que essas áreas, durante todo o período
colonial, eram extensões dependentes do Império, não existia, em nenhuma delas, “um mito
de identidade nacional que unisse seus habitantes sob uma ideologia comum” (Idem, p. 26).
Assim, as ideias de nacionalidade nestas regiões só começaram a se desenvolver no final do
século XVIII, quando, após o colapso político da Espanha na época das invasões
napoleônicas, as colônias tornaram-se independentes e passaram a se constituir, forçosamente,
enquanto nações autônomas e a improvisar suas ficções-diretrizes.
49
3.1. Criollos: uma disputa entre elitistas e localistas na América espanhola
Embora não houvesse ideologias nacionais antes da independência, cada região
desenvolveu uma característica cultural própria, pois, devido à aproximação dos
colonizadores com os nativos, novas identidades (diferentes da Espanha) foram produzidas
pelos criollos, descendentes dos espanhóis:
Por causa dessa mistura de culturas, os criollos desenvolveram características prénacionais representadas na alimentação, na música, em suas vestimentas, no dialeto,
em tradições folclóricas e em festivais religiosos. Além disso, dados os diferentes
graus de miscigenação de espanhóis, africanos e vários grupos indígenas, cada
região do império colonial produziu um fenótipo particular [...]. (Shumway, op.cit.,
p.27)
Segundo Shumway, os criollos, no período colonial, pertenciam a duas vertentes
opostas: elitistas e localistas. Esta divergência foi responsável por grande parte dos conflitos
que ocorreram após a independência.
Durante muito tempo, as elites, preocupadas em copiar a cultura europeia, governaram
as colônias. Porém, quando esta elite enfraqueceu, surgiu um novo sistema de governo,
representado pelo caudillo, que, em oposição, valorizava as tradições folclóricas, formas
populares de religião e mitologias pré-nacionais, dando origem, assim, a um “forte sentimento
de localismo” (Idem, p. 28) na América espanhola. Iniciou-se, então, uma disputa entre os
caudillos e a elite centralista. Logo após o movimento de independência de 1810, explodiu a
guerra civil entre criollos e o continente foi se fragmentando regionalmente e socialmente.
Finalizado esse período caótico, “os intelectuais de todo o continente se dedicaram à tarefa
crucial de criar ficções-diretrizes, mitos de identidade nacional, que pudessem sanar a
desarticulação desses países e reduzir talvez a tendência para uma maior fragmentação”
(Idem, p. 30).
3.2. O desenvolvimento das cidades Argentinas
Quanto ao desenvolvimento da Argentina, especificamente, Shumway explica que a
exploração colonial no Cone Sul da América espanhola foi lenta e, por isso, essa região, até a
independência, não era “nem sequer a ideia de um país” (Idem, p.31). Como ali não havia
ouro nem prata, seu potencial como unidade autônoma não era reconhecido pelos espanhóis.
50
Assim, na prática, a metrópole manteve pouco contato com esta região. Como consequência,
no fim do período colonial, a Argentina era um território praticamente vazio. O autor
caracteriza a Argentina do século XVIII da seguinte forma:
[...] uma terra de povoados dispersos, cidadãos urbanos autonomistas, gaúchos
nômades, empregados relativamente dóceis dos fazendeiros, índios selvagens, um
desenvolvimento econômico e político mínimo, sem um sentido de destino nacional.
(Shumway, op.cit., p.37)
Porém, a cidade de Buenos Aires se desenvolveu de modo diferenciado das demais
províncias do país. Devido a sua localização privilegiada no estuário do Rio da Prata, essa
região, no final deste mesmo século, se tornou um centro comercial importante. “Em razão
desses contatos, Buenos Aires prosperou no fim dos anos 1700, assumindo uma aura europeia
que ao mesmo tempo excitava e perturbava tanto a elite conservadora representante da
monarquia quanto os criollos tradicionalistas” (Shumway, op.cit., p. 33).
Outra característica importante ressaltada pelo autor diz respeito à forma isolada como
as cidades argentinas se desenvolveram no período colonial, e ao modo como cada uma delas,
consequentemente, criou seu próprio sentimento localista. Durante muito tempo, o governo
local de cada província do país era representado por cabildos (conselhos municipais) que,
embora estivessem sob o controle da elite, defendiam as tradições locais e compreendiam as
necessidades do povo. Em razão disso, os monarcas passaram a ver essas instâncias como
obstáculos e, no século XVIII, limitaram seu poder. Porém, mesmo com o fim dos cabildos, a
busca por um governo autônomo e voltado para os interesses locais não cessou: surgiram,
então, os caudillos, que adotaram a cultura campesina (dos gauchos) como base de
sustentação de seu governo. Porém, enquanto os “nacionalistas” valorizavam essa cultura,
pois acreditavam que ela representava os valores argentinos, os “liberais” desprezavam-na.
Assim, podemos compreender que um conflito entre nacionalistas e liberais estava instaurado
em cada uma dessas regiões – conflito este que se perduraria por muito tempo ao longo da
história.
3.3. Buenos Aires e a formação da burguesia portenha
No final do século XVIII, a monarquia espanhola, que somente tinha estabelecido, até
então, vice-reinados no México e no Peru, criou, por fim, um vice-reinado no Rio da Prata. A
51
região escolhida para sua sede foi Buenos Aires. Para Shumway (op.cit., p.37), esse novo
vice-reinado “representou o primeiro passo para criar uma nova nação, embora na época
ninguém pensasse nisso”. Devido à autoridade atribuída pelo rei, a cidade portuária passou a
ter privilégios em relação às demais províncias, que “passaram a temer a nova hegemonia dos
portenhos [...] temor que teria como resultado quase cinquenta anos de guerras civis,
começando logo depois das Guerras da Independência” (Idem, p.37-38).
A falta de confiança na cidade portuária cresceu à medida que Buenos Aires,
refletindo o próprio localismo, alimentava a aspiração de controlar o interior. Sob o
novo vice-rei, os cabildos provinciais sofriam uma pressão cada vez maior para
seguir a orientação recebida de Buenos Aires, muitas vezes às custas de suas
prerrogativas locais. Além disso, mediante o controle de normas alfandegárias,
Buenos Aires interferia de forma crescente na vida financeira do interior. (Ibidem).
A burguesia de Buenos Aires, neste momento, estava dividida em dois grupos: os
“agentes intermediários”, camada da sociedade mais conservadora e preocupada em defender
seus próprios interesses econômicos, e os “comerciantes independentes”, que se opunham aos
conservadores. Esses opositores possuíam uma posição radical contra o monopólio comercial
espanhol e, inspirados pelo liberalismo de Adam Smith, defendiam o livre comércio, a
privatização de terras públicas e a formação de uma marinha mercante local. Em 1808,
quando a Corte Espanhola se desintegrou e o vice-rei se ausentou do novo vice-reinado criado
no Rio da Prata, a estrutura do governo colonial nesta região sofreu modificações. Assim, o
cabildo de Buenos Aires, dominado por ricos portenhos comerciantes e proprietários de terra,
assumiu todo o poder da região. Preocupados em defender os interesses da elite e proteger os
privilégios de Buenos Aires, impediam qualquer ação que beneficiasse as províncias ou
classes inferiores. Deste modo, embora a cidade portuária e as províncias estivessem unidas
na luta contra o domínio dos espanhóis no movimento da independência, os diversos conflitos
entre portenhos e caudillos de outras províncias, devido ao poder que Buenos Aires tinha
sobre as demais regiões da Argentina, e as divergências entre as próprias elites de Buenos
Aires não podem ser desconsiderados.
De acordo com Shumway, foi justamente a partir dessas separações que o protótipo da
política argentina surgiu, bem como as primeiras ficções-diretrizes argentinas, traçadas por
intelectuais no século XIX, entre 1808 e 1880. Assim, em lugar de uma união nacional, uma
mentalidade divisória foi criada, formando uma sociedade “tão interessada em humilhar o
outro como em desenvolver uma nação viável pelo acordo e consenso” (Idem, p.17). Embora
52
as realizações econômicas, sociais e políticas da Argentina mais importantes tenham ocorrido
após esta data, o autor afirma que as ficções-diretrizes do país já estavam “estabelecidas bem
antes de 1880, e que essas ficções continuaram a modelar e a informar as ações e o conceito
de identidade da nação” (Idem, p.18). Deste modo, acredita-se que o sentido de identidade
que surgiu na Argentina ao longo deste século, “marca em certa medida qualquer diálogo que
os argentinos de hoje têm sobre si mesmos e seu país” (Idem, p.20).
3.4. O paternalismo e a liberdade de discordância
O primeiro8 intelectual a criar ficções-diretrizes da Argentina foi Mariano Moreno.
Influenciado por escritores do Iluminismo, participou do movimento de maio de 1810,
defendendo os interesses dos comerciantes e latifundiários e advogando pelo livre-comércio.
Quando a Argentina conquistou a independência da Espanha, Moreno foi nomeado como
secretário da Primera Junta9. Embora em sua política levasse em consideração as ideias
liberais e se preocupasse com a justiça, por outro lado, por possuir uma educação escolástica e
tradicional, era um governante devoto e autoritário. Para Moreno, “a democracia era um belo
ideal, desde que não incluísse todos” (Shumway, op.cit., p.54). Figura típica do localismo de
Buenos Aires, ele valorizava a elite portenha em detrimento de outras províncias e defendia o
domínio de Buenos Aires sobre toda a nação. Porém, os cabildos e habitantes das demais
regiões, insatisfeitos com esse poder atribuído a Buenos Aires, começaram a questionar o
sistema vigente. Mas, como o mundo de Moreno é “povoado de forma clara por patriotas que
concordam com suas ideias e por traidores que discordam delas” (Idem, p.70), todos aqueles
que não concordassem com ele eram considerados seus inimigos. Combatendo-os com
violência, Moreno instaurou uma guerra que durou sessenta anos, gerando, assim, um
ressentimento na sociedade argentina que persiste até os dias atuais.
De acordo com Shumway, Moreno assumiu uma “posição contraditória de firmar a
paz por meio do terror, a democracia por meio da repressão, a liberdade por meio da coerção”
(Idem, p. 65). Porém, por outro lado, “introduziu no discurso argentino os conceitos da
igualdade universal, liberdade de expressão e de discordância, liberdade individual, governo
representativo, domínio institucional sobre a lei” (Idem, p.74). Deste modo, este primeiro
8
Ao longo do livro, nota-se que Shwmway apresenta uma tendência a detectar marcos iniciais de processos
historiográficos. Embora possamos questionar esse ponto de vista, aproveitaremos suas análises sobre
Mariano Moreno e as ficções-diretrizes criadas por ele.
9
La Primera Junta foi o primeiro órgão de governo argentino independente da Espanha.
53
intelectual representa o paradigma das atitudes contraditórias que estão presentes no
pensamento argentino.
Após o exílio de Moreno e a desintegração da Junta devido a divergências internas,
duas correntes emergiram na sociedade argentina: o “morenismo” e o “saavedrismo” 10. Esta
primeira era formada por liberais defensores do livre-comércio, portenhos, elitistas,
cosmopolitas, institucionalistas e unitários. A segunda era formada por conservadores,
protecionistas, provinciais, populistas, nacionalistas, personalistas e federalistas. Esses
conflitos entre esses dois interesses permaneceram durante muito tempo, mudando apenas o
nome das alianças. No século XX, uma “elite cosmopolita, nutrida pela oligarquia da terra e
centralizada em Buenos Aires” (Ibidem), assumiu o lugar dos “morenistas”. De acordo com
Shumway, o localismo presente no discurso dos argentinos desde o século XIX até os dias
atuais é reflexo dessas políticas econômicas protecionistas e dessa visão do mundo insular.
Assim, “fascistas, comunistas e populistas terceiro-mundistas seriam os novos paternalistas”
(Idem, p.78) da sociedade Argentina a partir do século XX. Perón e Eva são exemplos desses
líderes que surgiram posteriormente.
3.5. Discordâncias intelectuais: Federalistas e Unitários
Após a morte de Mariano Moreno, os Argentinos enfrentaram um período de grande
instabilidade, pois, além da ameaça da intervenção dos espanhóis para recuperar as colônias
perdidas, as disputas internas entre partidos políticos divergentes, não cessavam. Segundo
Shumway (2008, p.84),
expulsar os espanhóis foi simples em comparação com a tarefa de construir uma
nova nação, reunindo sob um governo institucional todas as províncias
remanescentes. Os dois partidos políticos que emergiam no país, o Unitário e o
Federalista, tinham concepções opostas de governo.
Esse conflito entre os unitários e os federalistas é considerado, pelo autor, “um
paradigma para a compreensão das discordâncias intelectuais subjacentes às ficções-diretrizes
da Argentina” (Idem, p.85-86). Os adeptos do Partido Unitário, inspirados nas noções
centralista e elitista de governo dos “morenistas”, eram, em sua maioria, portenhos que
apoiavam uma democracia exclusivista, na qual um pequeno grupo de homens governaria o
10
A denominação “morenismo” se referia aos seguidores de Mariano Moreno. E o “saavedrismo” agrupava os
seguidores de Cornelio Saavedra, presidente da Primera Junta e rival de Moreno.
54
país. O Partido Federalista, em oposição, buscava uma maior autonomia para as províncias.
Porém, enquanto os federalistas portenhos pretendiam preservar a receita aduaneira da cidade
portuária, os federalistas das províncias do interior resistiam às tentativas de concentrar o
poder em Buenos Aires. Porém, apesar das diferenças, “as duas versões do federalismo
geraram ficções-diretrizes para justificar sua pretensão ao poder” (Idem, p.80): algumas
dessas ficções serão chamadas pelo autor de “populistas”.
3.6. O surgimento do populismo argentino
O populismo argentino do século XIX envolve três conceitos principais: o primeiro é
uma noção de democracia radical. O segundo é o ideal federalista, que considerava as
províncias como unidades autônomas. Por último, boa parte do populismo argentino, tanto
passado quanto presente, tenta definir a Argentina a partir da sua cultura popular,
particularmente a cultura dos gauchos e dos mais humildes. As raízes do populismo argentino
encontram-se na obra de dois homens: José Artigas e Bartolomé Hidalgo.
José Artigas era um caudilho uruguaio e também líder político, considerado o herói da
independência. Segundo Shumway (op.cit., p.102), Artigas “incorporava ficções-diretrizes
antiliberais, protecionistas, populistas, nativistas e personalistas que ainda definem elementos
presentes na nação argentina”. A principal forma de conservação e transmissão dessas
ficções-diretrizes populistas derivadas do federalismo de Artigas se deu através da peculiar
literatura produzida no Rio da Prata, conhecida como gênero gauchesco. O criador desse
gênero foi Bartolomé Hidalgo, o primeiro rio-platense a promover o gaucho como um tipo
nacional. Assim, “o que em Artigas eram principalmente teorias, em Hidalgo era o arquétipo
do gaucho, imagem que representa ao mesmo tempo o camponês argentino do fim dos anos
1810 e um repertório mítico do genuíno espírito argentino” (Idem, p.103). Para o autor, ao
anunciar esse novo significante social, o populismo gauchesco de Hidalgo ganha grande
importância na formação das ficções-diretrizes traçadas na Argentina.
Porém, ainda que a literatura gauchesca e o gesto revolucionário de Hidalgo tivessem
encontrado ressonâncias no espírito argentino (assim como outros versos patrióticos escritos
no período da independência), segundo Shumway, em 1820,
a divisão subjacente à sociedade e à história da Argentina era claramente visível. De
um lado estavam os liberais, especialmente os unitários de Buenos Aires que viviam
olhando para a Europa [...]. Nesse esquema, Buenos Aires seria exemplo e tutor das
55
províncias, e talvez de toda a América Latina. De outro lado estavam os federalistas,
caudilhos das províncias e populistas de vários tipos. [...] eles tinham por meta um
sistema político mais inclusivo, com lugar para o camponês, o indígena, o mestiço e
os gauchos. [...]. Os dois lados dessa sociedade dividida se uniram inicialmente pelo
desejo de expulsar os espanhóis. No entanto, uma vez concluída essa tarefa,
dirigiram sua inimizade um contra o outro, fazendo o país mergulhar em sessenta
anos de lutas civis e derramamento de sangue. Os dois lados desenvolveram ficçõesdiretrizes para definir a apoiar os seus pontos de vista. [...] essas ficções e os
conflitos que elas refletem, evoluíram independentemente, legando à moderna
civilização argentina um divisor ideológico que de modo estranho ainda
compromete o consenso e a estabilidade do país. (Shumway, op.cit., 2008, p.117)
3.7. O elitismo e as instituições sociais na Argentina
Em 1820, no cenário caótico de disputas entre unitários e federalistas, surge no poder
Bernardino Rivadavia, um líder que realizou diversas reformas políticas e econômicas na
Argentina, investiu na educação (inclusive no interior) e introduziu várias instituições no país.
Tratava-se de uma política “obcecada por manter a Argentina atualizada intelectual e
artisticamente com a Europa, que representava o posto mais avançado da cultura ocidental. O
pressuposto básico era que a cultura constituía um produto que devia ser importado”
(Shumway, op.cit., p.124). Rivadavia desejava, assim, organizar uma sociedade que seria um
exemplo da cultura europeia na América. De acordo com Shumway (op.cit., p.119),
Rivadavia “deixou uma concepção de instituições sociais, de aspirações culturais e de estilo
de governo que ainda ocupa um lugar importante entre as ficções-diretrizes do liberalismo
argentino”.
O período de 1821 a 1827 é considerado, por alguns historiadores, como La Feliz
Experiencia, pois a Argentina estava economicamente bem-sucedida. Bernardino Rivadavia,
em sua severa dedicação aos novos empreendimentos do país, atuou como um “catalisador
para fundir na ‘Feliz experiência’ os ingredientes de paz, prosperidade e alta cultura” (Idem,
p.122). Porém, de acordo com Shumway, há também um lado obscuro dessa experiência, que
foi significativo para a formação de ficções-diretrizes da Argentina:
O lado obscuro da Feliz Experiência foi seu legado de endividamento, concentração
de riqueza, exclusivismo, sentimento antipopular e dependência cultural. Esses
elementos também limitariam os esforços feitos mais tarde pelos argentinos para
erigir uma sociedade viável e inclusiva. (Shumway, op.cit., p.155)
56
Neste período, originou-se, na sociedade argentina, os “rivadavianos”, que consistia
em um grupo formado por unitários portenhos, seguidores de Bernardino. Elitistas assumidos,
estes eram indiferentes em relação à cultura popular, excluindo as províncias, os gauchos e as
classes humildes dos seus projetos de governo. Shumway afirma que, no liberalismo proposto
por Rivadavia, pode ser constatado um distanciamento em relação ao paternalismo protetor
próprio dos governos coloniais.
Assim, no governo Rivadavia, houve uma exaltação da cidade de Buenos Aires que
excedia os limites: seu poder frente às demais províncias era afirmado constantemente. Em
1822 foi criado, por intelectuais da elite portenha, o periódico El Argos, que tinha como
objetivo divulgar notícias internacionais. Porém, esse jornal nunca escondeu a marca do seu
localismo portenho. Buenos Aires, ali, era sempre descrita como “exemplo, fonte civilizadora
e preceptora do continente” (Idem, p.128). Essa ficção, de acordo com Shumway, “sobrevive
na altivez portenha e continua ofendendo argentinos provincianos, assim como cidadãos de
outras nações latino-americanas” (Ibidem). A partir da ideia de ofensa, contida nesta citação,
nota-se uma heterogeneidade na cultura argentina, visto que determinados comportamentos e
modos de se relacionar próprios dos argentinos provenientes da cidade de Buenos Aires
podem ser interpretados como descortesia pelos oriundos das províncias. Assim, conclui-se
que os modos de produção e construção dos sentidos variam e os padrões de cortesia não são
os mesmos em todo o país, comprovando a ideia de predominância e não de dominância das
formações discursivas, na qual essa pesquisa está baseada.
4. O surgimento das ficções-diretrizes no Brasil
Quanto aos processos sócio-históricos envolvidos na formação do Brasil e às ficçõesdiretrizes traçadas nesta região, será feita uma análise a partir do livro Raízes do Brasil, de
Sérgio Buarque de Holanda. Segundo o autor, a “tentativa de implantação da cultura europeia
em extenso território, dotado de condições naturais, senão adversas, largamente estranhas à
sua tradição milenar, é, nas origens da sociedade brasileira, o fato dominante e mais rico em
consequência [...] somos ainda hoje uns desterrados em nossa própria terra” (Holanda, 1995,
p. 31). Assim, o autor analisa até que ponto os brasileiros representam as formas de convívio,
instituições e ideias herdadas dos portugueses.
57
No caso brasileiro, a verdade [...] é que ainda nos associa à península Ibérica, a
Portugal especialmente, uma tradição longa e viva, bastante viva para nutrir, até
hoje, uma alma comum, a despeito de tudo que nos separa. Podemos dizer que de lá
nos veio a forma atual de nossa cultura; o resto foi matéria que se sujeitou mal ou
bem a essa forma. (Holanda, op.cit., p.40)
4.1. Ausência de uma hierarquia organizada e desordem social
Um dos pontos ressaltados por Buarque de Holanda, diz respeito à falta de coesão na
vida social, que caracteriza a sociedade brasileira. Essa característica é resultado, segundo ele,
de uma considerável ausência de uma hierarquia organizada ao longo do período da
colonização. No Brasil, a nobreza lusitana “nunca chegou a ser rigorosa e impermeável”
(Idem, p.36): as diferentes classes sociais conviviam regularmente e estabeleciam contínuas
relações de intimidade. Além disso, o autor aponta que os portugueses, assim como os
espanhóis, preferiam o ócio ao negócio: “ambos admiram como ideal [...] uma vida de grande
senhor, exclusiva de qualquer esforço, de qualquer preocupação” (Idem, p.38). Esse princípio,
existente desde os tempos mais remotos da colonização, nortearam toda a criação de riqueza
do país. Na produção agrária, por exemplo, todos “queriam extrair do solo excessivos
benefícios sem grandes sacrifícios” (Idem, p.52).
Essas duas características, a desordem social e a carência de uma moral do trabalho, se
relacionam, pois dificilmente faltaria ordem onde prevalecesse uma forma qualquer de moral
do trabalho, pois “são necessárias, uma e outra, à harmonia dos interesses” (Idem, p.39). Por
esta razão, a ideia de solidariedade nesta sociedade era precária nas relações de interesse (ou
seja, econômicas) e somente existia onde havia vinculação de sentimentos. Assim, no período
colonial, a obediência passou a ser o único modo de manter a disciplina. Nota-se, então, que a
as relações interpessoais disciplina, na sociedade brasileira, foi construída a partir de dois
elementos: de um lado, através da solidariedade, e por outro, na falta desta, através da
obediência. Porém, segundo o autor, atualmente,
a simples obediência como princípio de disciplina parece uma fórmula caduca e
impraticável e daí, sobretudo, a instabilidade constante de nossa vida social.
Desaparecida a possibilidade desse freio, é em vão que temos procurado importar
dos sistemas de outros povos modernos, ou criar por conta própria, um sucedâneo
adequado, capaz de superar os efeitos de nosso natural inquieto e desordenado
(Holanda, op.cit., p.40)
58
4.2. A identificação dos portugueses com o Brasil
Outra característica apontada pelo autor é a forte identificação dos portugueses com o
Brasil e seus habitantes, “sem cuidar de impor-lhes normas fixas e indeléveis” (Idem, p.52).
Os espanhóis, ao contrário, nesse encontro com o Novo Mundo, raramente se identificava:
apenas se superpunha a uma e a outra região. Assim, “entre nós o domínio europeu foi, em
geral, brando e mole [...]. A vida parece ter sido aqui incomparavelmente mais suave, mais
acolhedora das dissonâncias sociais, raciais e morais” (Ibidem). Buarque de Holanda observa
também que não havia, entre os colonizadores portugueses, qualquer orgulho de raça. No
século XVIII, por exemplo, já era escasso o sentimento de distância entre os dominadores e a
massa trabalhadora constituída por homens de cor:
O escravo das plantações e das minas não era um simples manancial de energia [...].
Com frequência, as suas relações com os donos oscilavam da situação de
dependente para a de protegido, e até de solidário e afim. Sua influência penetrava
sinuosamente o recesso doméstico, agindo como dissolvente de qualquer ideia de
separação de castas ou raças, de qualquer disciplina fundada em tal separação.
(Holanda, op.cit., p.55)
Nessa época, a vida brasileira podia ser definida por “uma acentuação singularmente
energética do afetivo, do irracional, do passional, e uma estagnação ou antes uma atrofia
correspondente das qualidades ordenadoras, disciplinadoras, racionalizadoras” (Idem, p.61).
Isto se deve ao fato de a sociedade possuir uma origem personalista, em que “os simples
vínculos de pessoa a pessoa, independentes e até exclusivos de qualquer tendência para a
cooperação autêntica entre os indivíduos” são os mais decisivos (Ibidem). Dessas relações
pessoais e afetivas, surgiu o protótipo do “homem cordial”, sobre o qual falaremos mais
adiante. Antes, cabe compreender as raízes de sua conformação.
4.3. O ruralismo e o desenvolvimento das cidades coloniais
De acordo com Sérgio Buarque, os portugueses instauraram no Brasil uma civilização
de raízes rurais. Assim, mesmo após o crescimento dos núcleos urbanos, havia um
“predomínio esmagador do ruralismo”, fazendo com que as cidades se encontrassem em
situação de dependência dos domínios agrários. Nas cidades coloniais, os senhores de terras
(fazendeiros escravocratas e seus filhos, profissionais liberais) monopolizavam a política,
59
ocupando as funções mais elevadas. Por esta razão, toda a ordem administrativa do país, não
somente durante o Império como também no regime republicano, está estreitamente vinculada
ao velho sistema senhorial. Para o autor,
Um dos efeitos da improvisação quase forçada de uma espécie de burguesia urbana
no Brasil está em que certas atitudes peculiares, até então, ao patriciado rural logo se
tornaram comuns a todas as classes como norma ideal de conduta. Estereotipada por
longos anos de vida rural, a mentalidade de casa-grande invadiu assim as cidades e
conquistou todas as profissões, sem exclusão das mais humildes. (Holanda, op.cit.,
p.87)
Diferentemente de muitas nações conquistadoras, os portugueses não fizeram da
construção de cidades seu principal instrumento de dominação do território brasileiro. Assim,
os centros urbanos foram construídos pelos portugueses sem nenhum rigor. Este fato, segundo
o autor, difere fortemente a colonização no Brasil da colonização realizada pelos espanhóis na
América, uma vez que a formação das cidades espanholas caracterizou-se
por uma aplicação insistente em assegurar o predomínio militar, econômico e
político da metrópole sobre as terras conquistadas, mediante a criação de grandes
núcleos de povoação estáveis e bem ordenados. (Idem, p.95-96)
Esta diferença se deu devido a uma distinção fundamental no caráter dessas
conquistas: os portugueses tinham como objetivo realizar uma exploração de tipo comercial,
ao passo que os castelhanos pretendiam fazer da colônia uma extensão do seu país. Assim, “a
obra realizada no Brasil pelos portugueses teve um caráter mais acentuado de feitorização do
que de colonização” (Idem, p.107). Por este motivo, a colonização portuguesa se deu, a
princípio, através de um “sistema de povoação litorânea ao alcance dos portos de embarque”
(Idem, p.106). No século XVI, o interior era escassamente povoado. Somente no terceiro
século do domínio português, com a descoberta do ouro em Minas Gerais, é que essas terras
começaram a ser povoadas. Já na colonização castelhana se deu o contrário: os espanhóis
preferiram a paisagem agreste, a fim de fugir da marinha. Por exemplo, na Argentina, a cidade
portuária de Buenos Aires somente passou a ser ocupada pelos Espanhóis tardiamente, no
século XVIII. Deste modo, para o autor, tanto essa colonização litorânea, exercida pelos
portugueses, quanto o “desequilíbrio entre o esplendor rural e a miséria urbana” (Idem, p.107)
60
são manifestações que expressam o caráter mercantil dessa colonização e causam fortes
impactos nas fases posteriores do desenvolvimento social do Brasil.
Tendo em vista este pensamento de negociante dos portugueses e seus interesses
comerciais no Brasil, a administração realizada por eles no país, em comparação com a dos
espanhóis na América11, possuía um caráter mais liberal12. Aqui, os colonizadores não
buscaram traçar planos e metas, preferindo, assim, agir e trilhar novos rumos de acordo com a
experiência. Embora essa liberdade possa representar uma atitude negativa, Buarque de
Holanda acrescenta que ela não está relacionada a um desprezo dos portugueses, mas, sim, a
um “realismo fundamental [...]. Que aceita a vida, em suma, como a vida é, sem cerimônias,
sem alusões, sem impaciências, sem malícia e, muitas vezes, sem alegria” (Idem, p.110).
4.4. A família patriarcal e o nascimento do homem cordial
Após o desenvolvimento da urbanização no Brasil, no século XIX, o novo sistema
industrial, que se implantava em substituição das velhas corporações, trouxe algumas
mudanças no que diz respeito às relações sociais estabelecidas no país até aquele momento.
Com a separação dos empregadores e empregados nos processos de produção, houve pressão
para que as relações íntimas, pessoais e diretas, sem autoridades intermediárias, fossem
substituídas por um antagonismo entre as classes. Com isto, também a velha ordem familiar
se viu abalada: os laços afetivos e de sangue tinham sua importância questionada. Como, ao
longo da história da colonização do Brasil, contudo, sempre imperou o tipo de família
patriarcal, esse novo mecanismo social, no qual há o predomínio de ideias antifamiliares,
provocou uma crise de adaptação dos indivíduos, acarretando “um desequilíbrio social, cujos
efeitos permanecem vivos ainda hoje” (Holanda, op.cit., p.145).
Os detentores das posições públicas, formados no meio rural, em que predominam os
velhos laços caseiros, tinham dificuldades em distinguir os domínios do privado e do público.
Deste modo, com a inserção mesmo no contexto cotidiano dos padrões patriarcais de convívio
humano, formou-se uma sociedade brasileira pautada no núcleo familiar. Segundo Buarque
(op.cit., p.146), “um dos efeitos decisivos da supremacia incontestável, absorvente, do núcleo
familiar [...] está em que as relações que se criam na vida doméstica sempre forneceram o
modelo obrigatório de qualquer composição social entre nós”.
11
Nota-se que, em alguns momentos, Sérgio Buarque concebe, equivocadamente, a América Hispânica como
um bloco homogêneo.
12
Sérgio Buarque utiliza o adjetivo “liberal” referindo-se à falta de controle e de imposição de regras rígidas por
parte dos portugueses no processo de colonização do Brasil.
61
Nasce, assim, na sociedade brasileira, o “homem cordial”, caracterizado pela “lhaneza
no trato”, “hospitalidade” e “generosidade” (Idem, p.147). Porém, para o Antonio Candido,
em prefácio escrito sobre a obra de Sérgio Buarque,
O ‘homem cordial’ não pressupõe bondade, mas somente o predomínio dos
comportamentos de aparência afetiva, inclusive suas manifestações externas, não
necessariamente sinceras nem profundas, que se opõem ao ritualismo da polidez. O
‘homem cordial’ é visceralmente inadequado às relações impessoais que decorrem
da posição e da função do indivíduo, e não da sua marca pessoal e familiar, das
afinidades nascidas na intimidade dos grupos primários. (Candido, in Holanda,
op.cit., p.17)
Essa maneira de ser tão típica dos brasileiros pode ser definida, então, como uma
exaltação da simpatia e da concórdia; um estabelecimento do respeito através da intimidade;
uma forma de convívio regida pelo emotivo. Por este motivo, a vida em sociedade, para nós, é
o que mais importa. Nossa maneira de viver é, antes de tudo, “um viver nos outros” (Idem,
p.147). Assim, a aversão às relações estabelecidas com distanciamentos ou ritualismos
constitui um dos traços mais específicos do nosso espírito. Essa cordialidade também se
reflete no uso da língua, em que há um emprego constante do diminutivo -inho. Segundo
Buarque de Holanda (op.cit., p.148), por exemplo,
A terminação ‘inho’ [...] serve para nos familiarizar mais com as pessoas ou os
objetos e, ao mesmo tempo, para lhes dar relevo. É a maneira de fazê-los mais
acessíveis aos sentidos e também de aproximá-los do coração. [...] À mesma ordem
de manifestações pertence certamente a tendência para a omissão do nome de
família no tratamento social. Em regra é o nome individual, de batismo, que
prevalece.
5. Hipóteses explicativas
Após essas considerações históricas, podemos concluir que, embora, devido à
condição de colônia, tanto da Argentina quanto do Brasil, se possa estabelecer proximidades
entre a formação de ambos os países, as ficções-diretrizes que funcionam como referências no
imaginário dos brasileiros e argentinos se distinguem em alguns pontos fundamentais, devido
aos diferentes caminhos traçados por seus colonizadores ao longo do período colonial e suas
respectivas consequências nos períodos posteriores. Assim, à luz dessas proximidades e
62
diferenças entre o Brasil e a Argentina, poderemos, por fim, começar o empreendimento da
análise das ressonâncias discursivas predominantes em ambos os contextos.
Como afirma Serrani (2010, p.95), “as ressonâncias discursivas não acontecem de
modo fortuito. A noção de formação discursiva possibilita relacionar essas ressonâncias aos
processos de produção do discurso, podendo assim elaborar hipóteses explicativas”. Como
vimos no capítulo 2, a autora aponta que, no contexto argentino, predominam formações
discursivas com ressonâncias de abrupção, enquanto no contexto brasileiro, predominam
formações discursivas com ressonâncias de transição. Porém, onde estariam as raízes dessa
diferença? Quais ficções-diretrizes, em cada um desses países, são determinantes para o
surgimento dessas formações discursivas?
Sobre a relação entre produção/compreensão verbal e os processos sócio-históricos,
Serrani realiza um estudo contrastivo das sociedades argentina e brasileira, a partir de
trabalhos de outros autores pertencentes à área da Antropologia Social, que também servirá de
base para a elaboração de hipóteses explicativas. Segundo a autora, “os protagonistas da
política argentina tem sido principalmente corporações: forças armadas, associações
empresariais rurais, associações empresariais urbanas, sindicatos, etc. e que a reiteração de
golpes militares e a repetição de seus fracassos têm sido cíclica” (Ibidem). É possível
relacionar esta afirmação ao processo de formação da Argentina descrito por Shumway
(2008), em que se observa, desde o início do desenvolvimento dessa região, a forte presença
de variadas organizações governamentais, tais como Cabildos, Caudillos e Juntas, que tinham
como objetivo defender os interesses diversos tanto das províncias como da cidade de Buenos
Aires. Essas organizações surgiram devido aos conflitos existentes naquela sociedade, dentre
os quais se destacam: os conflitos entre a cidade portuária e as províncias, conflito entre
“liberais” e “nacionais”, entre “federalistas” e “unitários” etc. Deste modo, na hipótese
formulada por Serrani, devido ao surgimento dessas diversas organizações (e alternâncias das
mesmas), “foi construindo-se [na Argentina] uma sociedade mais igualitária, mas não por isso
mais democrática” (Ibidem). Por outro lado, em relação ao Brasil, a autora observa que se
trata de um país “menos igualitário, com uma sociedade marcada pela escassez efetiva da
presença das classes populares” (Ibidem), ou seja, pela exclusão dessa camada social e
privação de seus direitos. A partir dessa comparação, podemos interpretar que os brasileiros
tendem a amenizar os conflitos na sua produção discursiva para ocultar, de certo modo, a
desigualdade social, a fim de torná-la menos evidente. Por exemplo, é o caso das relações
estabelecidas entre os escravos e os seus donos, descritas por Sérgio Buarque (1995), que
estavam atravessadas pelo afetivo, havendo, entre ambos, um escasso sentimento de distância
63
ou de separação de raças. Deste modo, compreende-se que, através do estabelecimento dessa
proximidade, os dominadores conseguiam amenizar os conflitos e, de certo modo, estabelecer
a disciplina, fazendo com que grande parte dos escravos aceitasse sua condição. A tendência
dos brasileiros em enunciar de modo transitório advém desta memória coletiva, enraizada nas
formações discursivas predominantes do país, em que se prevalece, nos padrões de cortesia, a
cordialidade, em oposição aos ritualismos de polidez. Já na Argentina, essa estratégia de
amenização da desigualdade não é predominante, uma vez que, em seu processo de formação,
após anos de reivindicações e conflitos entre portenhos e provincianos, foi possível uma
relativa conquista de igualdade entre os povos.
Além disso, a partir das considerações sócio-históricas traçadas neste capítulo,
podemos também estabelecer outras comparações entre ambas as sociedades, a fim de
compreender os possíveis fatores responsáveis pelos modos de construir significações
distintos no português brasileiro e no espanhol rio-platense. A história da sociedade argentina
foi marcada por conflitos que se estenderam desde o período colonial até os dias atuais:
conflitos entre criollos elitistas e localistas, conflitos entre a cidade de Buenos Aires e as
demais províncias, entre “morenistas” e “saavedristas”, entre unitários e federalistas, e assim
por diante. Essas discordâncias intelectuais tornaram-se, assim, parte das ficções-diretrizes da
Argentina. Inclusive, no período liderado por Mariano Moreno, foi introduzido no país alguns
conceitos, entre eles está a liberdade de expressão e de discordância. Deste modo, é possível
compreender porque os argentinos, em geral, nas situações em que realizam uma queixa,
tendem a não amenizar o conflito, pois para eles, o conflito é inerente. Não há fuga, mas, sim,
enfrentamento. Além disso, por haver, nesta sociedade, um domínio das instituições, os
modos de convivência e de relacionamento estabelecidos nesses contextos permeiam a
sociedade como um todo, gerando, assim, um convívio pautado no modelo institucional, e não
patriarcal, como é o caso do Brasil.
No Brasil, as estratégias argumentativas para evitar conflitos na interlocução derivam
do modo como os portugueses estabeleceram sua relação com a colônia. Aqui, por mais que
houvesse desigualdades sociais, a ausência de uma hierarquia organizada resultou em uma
desordem social, a tal ponto que as diferenças não eram sentidas desde uma perspectiva da
fragmentação, pois todos conviviam e circulavam nos mesmos ambientes. A separação não
era imposta pelos colonizadores. Além disso, devido à identificação dos portugueses com o
Brasil, o distanciamento entre as raças e povos, entre os escravos e os fazendeiros, foi
amenizado por um sentimento afetivo. Esse sentimento, proveniente de uma sociedade rural e
patriarcal, onde sempre predominaram os valores da família, resultou no nascimento do
64
“homem cordial”: aquele que é emotivo, que tem aversão aos distanciamentos sociais e às
relações impessoais. Esse indivíduo está nas raízes da nossa história, e sua voz ecoa e ressoa
nos mais distintos contextos sociais e está refletido nas formações discursivas predominantes
do país.
65
66
IV
Filmes: realidade-ficção e memória discursiva
É possível observar, atualmente, nas escolas brasileiras, uma frequente utilização de
filmes em aulas de língua estrangeira. Este material didático merece uma especial atenção,
devido a sua estreita relação com as manifestações culturais e identitárias das sociedades que
ali se expressam e que, se levadas em consideração, podem contribuir para um processo de
ensino/aprendizagem preocupado com a interação entre indivíduos em um mundo marcado
pela heterogeneidade, onde o reconhecimento da diversidade e o respeito pelo outro se tornam
a chave para a formação de um cidadão crítico capaz de transformar a si mesmo e ao mundo
ao seu redor.
Nesta pesquisa, através de um viés discursivo, almejou-se compreender, através da
utilização de filmes, os processos de interação entre diferentes formações discursivas, que,
como vimos, são construídas ao longo da história e estão presentes na memória de cada nação.
Embora se trate de filmes com narrativas ficcionais, considera-se, aqui, que as produções
discursivas que se realizam ali são atravessadas por discursividades que possuem prevalência
social no contexto argentino atual. Partindo, então, do princípio de que, atualmente, ficção e
realidade não são mais objetos em estado de oposição, será utilizado, nesta pesquisa, para dar
sustentação à perspectiva adotada, o conceito de realidade-ficção, desenvolvido por Josefina
Ludmer.
1. Realidade-ficção e memória pública
A noção de realidade-ficção é desenvolvida por Josefina Ludmer em seu livro
intitulado Aqui América Latina. Partindo do princípio de que “o mundo mudou e estamos em
outra etapa da nação” (LUDMER, 2013, p.9), a autora busca entender (especular, pensar,
teorizar) esse novo mundo. Imersa na cidade de Buenos Aires dos anos 2000, descreve sua
experiência do tempo presente da seguinte forma:
Minha experiência do presente é um conjunto e justaposição de temporalidades em
movimento, carregadas de símbolos, signos e afetos. Em Buenos Aires anos 2000
estou no salto modernizador, na aceleração temporal do neoliberalismo, no presente
eterno do império (que não se define como um período histórico, mas como a
culminação da história), na lacuna temporal do sul, na recessão e na repressão, no
67
chamado à resistência civil e nas primeiras implosões do Estado. Sinto também
viver em uma espécie de déjà-vu, em que o presente se duplica no espetáculo do
presente. (Idem, p.29)
Em sua especulação do presente, do tempo-aqui, Ludmer, se vê diante da necessidade
de recorrer a novas palavras e conceitos para poder encontrá-lo. Deste modo, inventa “um
mundo diferente do conhecido, um universo sem exterior [...], que flui num movimento
perpétuo e efêmero” (Id., p.9). Esse movimento é chamado, então, de imaginação pública (ou
fábrica de realidade), que “seria um trabalho social, anônimo e coletivo de construção da
realidade (Ibidem)”. A fim de entrar nessa imaginação pública e perceber seu funcionamento,
a autora faz uso da literatura latino-americana e dos regimes temporais e territoriais instalados
por elas no espaço público.
Ao explorar as temporalidades de alguns romances escritos na Argentina nos anos
2000, Ludmer descobre a existência de um tempo nacional, de uma memória pública que está
presente no “ar que se respira em Buenos Aires” (Id., p.38):
Imaginei que nesses romances [...] deveria estar o trajeto temporal e significante da
memória pública, colocada em algum sujeito; que ali deveria estar a memória
pública e, portanto, suprapessoal e comum [...]. Ali, nas ficções noturnas, deveria
estar a gramática e o movimento da memória atual, a constelação e o desenho no
tapete, porque ali estavam os sujeitos públicos com seus tempos e seus movimentos
temporais. E somente então, com os sujeitos, poderia sentir as fissuras, repetições e
retornos da memória pública do 2000 em Buenos Aires.” (Id., p.52-53)
Por estarem configuradas dentro de um passado nacional e por pensarem o presente
sempre em relação a um acontecimento anterior que se mantém vivo no curso do tempo, a
autora chama essas narrativas de “gêneros da memória” (ou “romances sobre a memória”), de
uma memória que é pública e atual. As temporalidades nacionais, que coexistem nos anos
2000 (como, por exemplo, a memória da ditadura, nos anos de 1970) ordenam as ficções e
também os escritores, os cineastas e os demais produtores artísticos, que são, portanto, a
própria realidade: o “personagem real que a temporalidade precisa para se deslocar” (Id.,
p.78). Assim, nessas narrativas, “cada temporalidade é um trajeto [...] e um deslocamento
com sujeitos e afetos. Cada temporalidade traça uma ordem possível, um diagrama,
articulando realidade e ficção; é uma forma de realidade-ficção” (Id., p.38).
De acordo com Ludmer, a memória, tanto na ficção quanto na realidade, possui a
mesma estrutura temporal: “com a memória, estou na realidade-ficção”, diz a autora. Assim,
68
esse modo de reflexão temporal dos romances, em forma de realidade-ficção, também está na
realidade, no presente, na imaginação pública da Buenos Aires dos anos 2000, constituindo o
seu regime: “A memória está nas ficções noturnas, no mercado universitário, na política e
também no Estado” (Id., p.52). A memória da nação dessa Buenos Aires assume a forma de
déjà-vu: vive-se a “impressão de que o presente carece de direção e o futuro está bloqueado”
(Id., p.51). Nesse declínio do futuro, a memória atual, avançando para trás, constrói um
presente que “se historiciza a si mesmo”, deslocando-o e duplicando-o. Assim, a memória não
é somente lembrança do passado, mas “um instrumento presentista, um modo de tornar o
presente presente a si mesmo” (Ibidem). De acordo com Ludmer, além desta reprodução
perpétua do presente e dessa mudança de temporalidade, em que “desaparece qualquer
concepção progressista do movimento histórico” (Id., p. 51), na América latina, a memória é
também política, uma forma de justiça, visto que as temporalidades fundadoras estão
relacionadas a tragédias. Essa memória, com seus cortes temporais, “satura e altera o tempo
dos 2000 em Buenos Aires” (Id., p.52).
Elaborada, então, sua especulação do tempo presente, em um segundo momento,
Ludmer vai em busca das territorialidades do presente, através da análise de textos atuais que
narram a realidade cotidiana da cidade de Buenos Aires. Nessas narrativas, os sujeitos,
instalados localmente, “definem sua identidade por seu pertencimento a certos territórios”
(Id., p.127). A autora chama essas literaturas de pós-autônomas, uma vez que podem ser
entendidas como “práticas literárias territoriais do cotidiano” (Id., p.128). Não tendo outro
propósito senão o de produzir presente com a realidade cotidiana, esses textos “atravessam a
fronteira da literatura e da ficção, permanecendo fora-e-dentro das duas fronteiras” (Id.,
p.129). Por se distanciarem da ficção clássica e moderna, não podem ser lidos com categorias
literárias. Os romances latino-americanos dos séculos XIX e XX traçavam nítidas fronteiras
entre a realidade histórica e a literária. Atualmente, a experiência da realidade cotidiana dos
textos “absorve todos os realismos do passado” (Id., p.130) alterando a noção de ficção. Ali,
realidade (histórica) é ficção e ficção é realidade:
A realidade cotidiana dos textos pós-autonomia exibe, como em uma exposição
universal ou uma mostra global da web, todos os realismos históricos, sociais,
mágicos, os costumbrismos, os surrealismos e os naturalismos. Absorve e funde toda
a mimese do passado, a fim de constituir a ficção ou as ficções do presente. Uma
ficção que é “a realidade”. (Id., p.129)
69
É, segundo a autora, o fim de uma era, em que a autonomia da arte se dissolve, assim
como todos os campos relativamente autônomos. Atravessando, então, as fronteiras, as artes
pós-autônomas do presente, incluído aí o cinema, entram na realidade, sendo que esta
realidade não é a realidade histórica do pensamento realista, mas, sim, uma realidade
construída. Entram, portanto, na imaginação pública, em “tudo o que se produz e circula e nos
invade e é social e privado e público e real” (Id., p.133). E narram histórias cotidianas, a fim
de “imaginar identidades de sujeitos que se definem fora e dentro de certos territórios”
(Ibidem).
2. A cinematografia e suas texturas
Durante muito tempo, o ensino da leitura em aulas de língua se dava, prioritariamente,
através de textos escritos. A fim de refletir acerca das possibilidades de trabalho com outras
modalidades textuais, esta pesquisa busca propor atividades didáticas em torno de produções
cinematográficas. Assim, tendo em vista que quando vemos um filme entramos em atividade
de compreensão de um texto híbrido, que mistura modalidade oral e escrita, linguagem verbal
e não verbal, cabe fazer algumas considerações acerca desta modalidade textual para um
melhor conhecimento de sua estrutura e forma.
2.1. Cinema e montagem
No livro Cinema e Montagem, Eduardo Leone e Maria Dora Mourão refletem acerca
do universo cinematográfico a partir da montagem, considerando-a não somente como uma
etapa final do processo, mas como uma “modalidade articulatória que participa do conjunto,
indo do roteiro até o resultado/produto” (LEONE/MOURÃO, 1987, p.15). Segundo os
autores,
O filme, enquanto discurso, tem como característica fundamental sua natureza
heterogênea. Ele se constrói pela incidência de várias texturas, cujas unidades,
previamente selecionadas, vão-se concatenando através da montagem e abrindo
espaço para a manifestação da narrativa. (Id., p.13)
Considerando que “a montagem é o processo em que essas texturas são manipuladas”
(Ibidem), para entender essas várias texturas do cinema e “enxergar a complexidade de
fatores que concorrem para o espetáculo fílmico: a gestualidade, a cenografia, a marcação dos
70
atores, os diálogos, os cromatismos, a trilha sonora etc.” (Ibid.), é necessário entender a
montagem em seus diferentes momentos.
Partindo do princípio de que “o cinema é uma arte narrativa” (Id., p.10), os autores
utilizam a teoria dos gêneros, proposta por Rosenfeld, e estabelecem uma aproximação entre
o gênero dramático e o cinema ficcional e falado. Na definição de Rosenfeld, uma obra
dramática é um texto que está constituído basicamente por diálogos e se destina “a ser levado
à cena por pessoas que atuam por meios de gestos e discursos” (ROSENFELD, apud
LEONE/MOURÃO, op. cit., p. 10). O cinema, por conter todas essas características, é
considerado, então, uma expressão dramática. Para dar conta dessa dramaturgia, que se dá
não somente no âmbito do texto escrito, mas também no da encenação e seleção de cenas, os
autores separam a montagem do texto fílmico em três etapas distintas e interdependentes:
para se construir um objeto fílmico, devemos sempre considerar o processo. O
resultado artístico como um todo deve ser entendido como a interdependência de
três etapas: roteiro, realização e montagem – respectivamente, a peça
cinematográfica, a encenação através dos planos e seleção dramática desses planos,
que irão remeter novamente à primeira etapa do processo: o roteiro. (Id., p.21)
2.2. A montagem no roteiro
De acordo com Eduardo Leone e Maria Dora Mourão, todo roteiro “estará sujeito a
certas normas da dramaturgia, no que se refere à construção da trama e sua evolução:
despertar e sustentar a tensão através da expectativa, do interesse e do suspense” (Id., p.24).
Nessa construção e evolução dessa trama, quatro aspectos próprios dos textos dramatúrgicos
estão presentes nas peças cinematográficas: a ação, o espaço, o tempo e o ritmo.
Foi somente com o surgimento do cinema falado e a introdução da ação dialógica que
o roteiro, aproximando-se da dramaturgia, passou a ser considerado como peça
cinematográfica. Diferentemente do cinema mudo, em que “o diálogo não passava de um
texto escrito intermediando as cenas, e, portanto, um discurso visual que paralisava o tempo
da ação, no cinema falado o elemento acústico/sincrônico criou o contínuo das ações.” (Id.,
p.19). Nessa ação dramática, os acontecimentos não são mediados por um escritor ou um
narrador: eles “se apresentam diante de nós por si mesmos, como na realidade”. (Id., p.18),
através dos atores, que objetivam as ações e permitem que os espectadores percebam a fábula
no momento da exibição do filme. Deste modo, o roteiro deve ser pensado “como uma peça
71
de uma expressão em que a montagem nos fornece possibilidades de objetivação pelo
espetáculo fílmico.” (Id., p.19)
Além desse contínuo de ações, a peça cinematográfica também possui um cenário,
uma geografia na qual se desenrolarão as ações. Assim, além de contar uma história, o roteiro
também tem como função indicar a espacialidade através de algumas marcas, como as
rubricas, a fim de estruturar os personagens no espaço. Criam-se, assim, “relações virtuais,
isto é, relações que poderão ser atualizadas através de imagens e sons” (Id., p.24). Contudo,
todas essas marcações, “deverão desaparecer no espaço da tela. As relações armadas pelo
roteiro pertencerão às personagens e à textura dramática do espetáculo fílmico” (Ibidem).
Também cabe ao roteiro a organização e indicação do tempo que será representado
nesse texto fílmico: tanto o tempo interior das sequências como o tempo do conjunto de
sequências que farão parte do filme. Este tempo narrativo é conhecido como tempo diegético
e “está ligado à articulação sequencial do espetáculo fílmico. Se considerarmos que cada
sequência é um elemento dramático, contendo nele uma relação de causa e efeito, fica simples
compreender esse importante aspecto da montagem na peça cinematográfica” (Id., p.28).
Por fim, a peça cinematográfica, assim como todo texto pertencente ao gênero
dramático, por trabalhar com ações/movimentos, além do espaço e do tempo, indica também
um ritmo, uma cadência, “uma espécie de andamento da ação” (Id., p.29). Essas marcas
rítmicas são construídas na escrita – primeiramente, encontram-se no texto e são resultados,
por exemplo, “da construção dos diálogos, das pausas, das relações entre personagens no
quadro” (Ibidem) e, posteriormente, serão transformados, ao longo do processo de montagem,
em texto fílmico:
As camadas vão sendo sobrepostas e criando determinações e interdependências
necessárias, para que no final desse processo possamos ter como resultado um
objeto artístico. Qualquer ideia, antes de se transformar em filme, passa
obrigatoriamente pela montagem. E na montagem final, propriamente dita, o ritmo
do espetáculo surgirá da obediência a essa dinâmica interna do texto fílmico através
dos cortes. (Id., p.31)
2.3. Montagem na realização
Na exibição do filme “Un cuento chino”, observou-se que os alunos se
impressionaram ao ver a cena em que uma vaca cai, inesperadamente, do céu, pois a sensação
transmitida era a de que ela cairia em cima dos próprios espectadores. Do mesmo modo, em
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“El hombre de al lado”, logo na primeira cena do filme, há uma focalização excessiva em uma
parede sendo quebrada, dando a impressão de que a própria tela estava sendo perfurada. De
acordo com Leone e Mourão (1987), essa relação que é estabelecida entre as imagens e o
espectador, é possível devido à descoberta do recorte:
Hoje, quando um diretor enquadra, buscando uma equivalência com a peça
cinematográfica, ele não está muito distante dos pioneiros que descobriram que o
recorte poderia propiciar um universo imenso de emoções e ilusões. Os diretores de
hoje, não muito diferentes dos de ontem, ainda procuram o susto e, portanto, a
reação da plateia. (Leone & Mourão, op. cit., p. 33)
Embora a plateia saiba que se trata de uma representação, diante do filme, ela é capaz
de se deixar envolver nessa sequência de planos montados. Esse envolvimento emocional e
intelectual “só é possível através do trabalho artesanal e artístico dessa figura chamada
diretor; aquele que, partindo de um texto, faz as suas escolhas fabricando imagens e nos
devolvendo esse texto em imagens articuladas” (Ibidem).
Tendo em vista esse processo de fabricação de imagens a partir de textos escritos, a
montagem interna do cinema, ou seja, a montagem das ações dentro do plano, que consiste no
“tratamento dado ao espaço da cena e ao enquadramento” (Id., p.39), torna-se uma das
atividades mais importantes para o sucesso plástico do filme. A geografia cinematográfica,
considerada enquanto processo metonímico, que cria “através de contiguidades, um espaço
necessário para a representação”, é, então, o resultado da “combinação de planos em
estruturas sinedóquicas” (Id., p.35). A terminologia técnica, que determina o espaço dos
planos, dividindo-os em primeiro plano, plano médio e plano geral, revela essa sinédoque.
De acordo com os autores, a “ideia de espacialidade surge com a distância que a
câmera ocupa do objeto ou objetos. Partindo do texto, o diretor irá armar o espetáculo,
valendo-se da fragmentação dos planos, isto é, da decupagem, para num trabalho posterior,
montá-los” (Ibidem). O inventor da montagem foi Griffith, fazendo aparecer a figura do
encenador cinematográfico. Nesse momento, “outras portas se abriram, e as direcionalidades,
movimentos dos atores no quadro, jogos de olhares, gestos indicativos, passaram a ser a base
das indicações das ações” (Id., p.36). Assim, através da interferência da câmera, que “mostra,
objetivamente, pela montagem, quem vê e o que é visto”, são criadas as contiguidades
espaciais. Nelas “conseguimos interpor personagens, desenvolver ações dialogadas e construir
a geografia cinematográfica, desconstruindo-a em planos que, na etapa terceira, serão
cortados para a reconstrução dessa geografia” (Ibidem). Deste modo, compreende-se que, por
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ser o espaço plástico um dos elementos dramáticos da narrativa, a preocupação plástica com a
construção desse espaço é de suma importância.
Em relação à temporalidade na realização, de acordo com os autores, a diferença
existente entre o tempo mecânico dos planos (ou seja, o tempo da câmera filmando uma
determinada ação) e o tempo narrativo dos planos (que diz respeito às ações e à montagem,
realizada pelo diretor) deve ser superada. Se a “decupagem nos leva a um conjunto de planos
nos quais existe uma intencionalidade temporal” (Id., p.39), existe, então, em função da
narrativa, um tempo dramático, que é diferente do “tempo real”. O diretor, “na fabricação dos
planos nos quais serão embutidas as ações”, retarda e apressa o tempo, a fim de tornar
equivalentes o roteiro e o discurso fílmico.
Os autores também estabelecem uma distinção entre tempo sequencial e o tempo
intersequencial. O primeiro é “desenvolvido no interior de uma sequência através de planos
montados que delimitam um começo, um meio e um fim para a ação proposta” (Id., p.42-43).
O segundo é produzido na montagem, na transição de uma ação para a outra. Deste modo, o
trabalho do diretor se organiza da seguinte forma:
[...] começará pelo tempo interno dos planos; passará para o tempo de um conjunto
de planos que formarão as futuras sequências; e, posteriormente, para um conjunto
de sequências que formarão o filme com seu tempo total, aquele que encontramos
virtualmente no roteiro. O que chamamos de tempo diegético é o imbricamento
desses três tempos que estão harmonizados na estória. (Ibidem)
O tempo narrativo é, então, construído nessa fabricação “desordenada” de planos. O
diretor precisa estar atento na hora da filmagem, pois qualquer erro pode prejudicar a
montagem. Assim, no tempo narrativo como um todo, “um alongamento de uma reação, um
olhar mais demorado, um gesto mais contido ou menos contido” (Id., p.45) serão de suma
importância.
Em relação ao ritmo na realização, cabe considerar que cada uma das modalidades
narrativas do cinema (aventura, ficção científica, drama, terror, musical etc.) possui uma
concepção de ritmo própria. Diferentemente do trabalho do escritor de roteiro, que desenvolve
a escrita de forma linear, o processo de fabricação de imagens do diretor é fragmentário, e a
visão do todo é virtual. Para fabricar os planos e articulá-los na montagem, o diretor recorre à
totalidade do roteiro. Assim, o tempo de duração de um plano está “implicado com a narrativa
e com a sua evolução no espaço da tela” (Id., p.46).
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Segundo os autores, a ideia de ritmo no texto fílmico advém da harmonia de alguns
recursos utilizados pelo diretor no processo da filmagem, tais como: enquadramentos,
movimentos de câmera, aproximação, afastamento, travelling, grua, câmera na mão etc. Além
disso, não se pode estabelecer uma aproximação entre tamanhos dos planos e ritmo: não é
certo que planos mais curtos estabeleçam um ritmo maior ou que planos mais longos, um
ritmo menor. Deste modo, “a questão não parece estar somente nas contiguidades entre os
planos, mas também nas determinações da montagem interna nessas contiguidades” (Ibidem).
2.4. A montagem propriamente dita
A montagem possui um papel relevante na expressão fílmica. O corte, realizado na
montagem, além de concatenar os planos, também intensifica as significações e as relações.
Assim, o corte deve ser realizado considerando as necessidades da história. De acordo com os
autores, “de um lado, a montagem afeta diretamente as capacidades emocionais do espectador
e, de outro, interfere também na significação do discurso, pois torna relativos os possíveis
sentidos absolutos que têm os planos isoladamente” (Id., p.49).
No filme, a imagem, devido às transformações do corte, deixa de ter um significado
isolado. As relações entre os diversos planos, definidas pelo corte, nos remete, então, à ideia
de montagem. O plano passa a ser entendido, então, como unidade de montagem: por um lado
temos o “plano cinematográfico, ou seja, o plano bruto, resultado da câmera ao imprimir a
cena, e , por outro, o plano fílmico, resultado da manipulação do plano cinematográfico na
mesa de montagem” (Id., p.61). Ao lado dessa montagem que articula planos, há também o
plano-sequência, no qual a ação se desenvolve sem a interferência do corte. Porém, ainda
assim, esse tipo de plano também é derivado de um trabalho de montagem. O recurso de
mobilidade da câmera para acompanhar a ação, neste caso, substitui o corte.
3. O eu, o outro e a interação discursiva através dos filmes
Considerando que os sentidos não preexistem ao texto, mas, sim, são construídos na
interação do leitor com o texto e buscando evitar que as práticas de leitura nas aulas de
Espanhol/LE se reduzam a uma mera decodificação de textos escritos por parte dos alunos,
esta pesquisa tem como objetivo analisar, a partir da utilização de textos fílmicos, os sentidos
construídos na interação filme-espectador no contexto de ensino/aprendizagem de
75
Espanhol/LE de uma escola pública federal do Estado do Rio de Janeiro e os conflitos entre
os diferentes gestos de leitura perceptíveis a partir do posicionamento dos alunos.
Sendo esses filmes produzidos na Argentina, cabe ressaltar que nesta interação se dá o
contato entre, pelo menos, duas culturas, dois universos discursivos e, consequentemente,
entre duas formações discursivas. Segundo Foucault, em A ordem do discurso, os sujeitos que
discursam fazem parte de um campo discursivo e desde o momento em que o sujeito pratica o
discurso, ele está submetido a certas regras que determinam tudo aquilo que pode ser dito e
relembrado em um dado período histórico e em uma dada sociedade (procedimentos que
delimitam e controlam o discurso). Deste modo, nesta análise, será observado o modo como
os alunos brasileiros interagem com uma discursividade em língua estrangeira (e, mais
especificamente, própria do contexto argentino), levando em consideração os movimentos de
aproximação e distanciamento dos estudantes em relação às atividades enunciativas que se
realizam nos filmes.
3.1. O enunciado e a alternância dos sujeitos do discurso
De acordo com Bakhtin, em Estética da criação verbal, “o discurso só pode existir de
fato na forma de enunciações concretas de determinados falantes, sujeitos do discurso”
(BAKHTIN, 2003, p.275). Em todos os campos da atividade humana são produzidos tipos
relativamente estáveis de enunciados, orais e escritos (como, por exemplo, diálogos
cotidianos, cartas, romances, pesquisas científicas etc.) que refletem, “não só por seu
conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais,
fraseológicos e gramaticais da língua mas, acima de tudo, por sua construção composicional”
(Id., p.262), as condições e as funções específicas desses campos. Por este motivo, esses tipos
de enunciados, também chamados de gêneros discursivos, “são correias de transmissão entre
a história da sociedade e a história da linguagem” (Id., p.268).
Diferentemente dos esquemas propostos pelas linguísticas gerais, em que o ouvinte
ocupa uma posição passiva em relação ao falante, na concepção de Bakhtin, o outro (o
ouvinte), no processo da comunicação discursiva, ocupa uma posição ativa responsiva,
tornando-se, assim, na compreensão do enunciado, um falante: “concorda ou discorda dele,
(total ou parcialmente), completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo, etc.” (Id., p.271). Essa
compreensão pode se dar das seguintes formas:
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a compreensão ativamente responsiva do ouvido (por exemplo, de uma ordem
militar) pode realizar-se imediatamente na ação (o cumprimento da ordem ou
comando entendidos e aceitos para execução), pode permanecer de quando em
quando como compreensão responsiva silenciosa (alguns gêneros discursivos foram
concebidos apenas para tal compreensão, por exemplo, os gêneros líricos), mas isto,
por assim dizer, é uma compreensão de efeito retardado: cedo ou tarde o que foi
ouvido e ativamente entendido responde nos discursos subsequentes ou no
comportamento do ouvinte. Os gêneros da complexa comunicação cultural, na
maioria dos casos, foram concebidos precisamente para essa compreensão
ativamente responsiva de efeito retardado. (Id., p.271-272)
Além disso, segundo o autor, o próprio falante, sujeito do discurso, é também um
respondente: “pressupõe a existência de alguns enunciados antecedentes – dos seus e alheios
– com os quais o seu enunciado entra nessas ou naquelas orações (baseia-se neles, polemiza
com eles, simplesmente os pressupõe já conhecidos do ouvinte)” (Ibidem). Assim, cada
enunciado passa a ser entendido como um “elo na corrente complexamente organizada de
outros enunciados” (Ibid.): além de ele ser uma resposta a enunciados anteriores, ele é
também um “gerador/provocador” de respostas dos outros, ou seja, de novos enunciados
responsivos.
Todos os enunciados, por mais diferentes que sejam em seu conteúdo, volume e
estrutura composicional, possuem algumas características estruturais em comum. Uma delas
diz respeito a essa alternância dos sujeitos do discurso, na qual o falante, ao terminar seu
enunciado, transmite a palavra ao outro e determina os limites precisos dos enunciados. Essa
alternância se dá de formas distintas, dependendo dos diversos campos da atividade humana
em que o enunciado for produzido. De acordo com Bakhtin, o diálogo real, devido a sua
simplicidade, é a forma mais clássica de comunicação discursiva. Nele, cada réplica “possui
uma conclusibilidade específica ao exprimir certa posição do falante que suscita resposta, em
relação à qual se pode assumir uma posição responsiva” (Id., p.275). Deste modo, elas
encontram-se interligadas e estabelecem relações – “relações de pergunta-resposta, afirmaçãoobjeção, afirmação-concordância, proposta-aceitação, ordem-execução, etc.” (Ibidem). Os
limites dos enunciados em outros campos da comunicação discursiva são os mesmos que os
encontrados no diálogo. Todos eles pressupõem diferentes sujeitos do discurso e esperam a
resposta ativa dos outros.
3.2. Ecos, ressonâncias e assimilações da palavra do outro
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Bakhtin afirma que o processo de assimilação da língua materna ocorre a partir de
“enunciações concretas que nós mesmos ouvimos e nós mesmos reproduzimos na
comunicação discursiva viva com as pessoas que nos rodeiam” (Id., p.283). Assim, aprender
uma língua não significa aprender simplesmente seus vocabulários e estruturas gramaticais,
mas, sim, significa aprender a construir enunciados, ou seja, aprender a “moldar o nosso
discurso em formas de gênero” (Ibidem), uma vez que o conhecimento dessas formas é
fundamental para a comunicação discursiva. Deste modo, para o autor, um enunciado não
pode ser considerado uma “combinação absolutamente livre de formas da língua” (Id., p.285),
uma vez que cada enunciado é uma resposta a enunciados que o precedem. Trata-se de “ecos
e ressonâncias” (Id., p.297) de outras vozes, que se presentificam nos enunciados individuais:
a experiência discursiva individual de qualquer pessoa se forma e se desenvolve em
uma interação constante e contínua com os enunciados individuais dos outros. Em
certo sentido, essa experiência pode ser caracterizada como processo de assimilação
– mais ou menos criador – da palavra do outro (e não das palavras da língua). Nosso
discurso, isto é, todos os nossos enunciados (inclusive as obras criadas) é pleno de
palavras dos outros, de um grau vário de alteridade ou de assimilabilidade, de um
grau vário de aperceptibilidade e de relevância. Essas palavras dos outros trazem
consigo a sua expressão, o seu tom valorativo que assimilamos, reelaboramos, e
reacentuamos. (Id., p.294-295)
Deste modo, devido ao fato de o enunciado estar ligado tanto aos elos precedentes
como também subsequentes da comunicação discursiva, o enunciado possui tonalidades
dialógicas. Essa concepção dialógica da linguagem, proposta por Bakhtin, é fundamental para
esta análise, pois a partir dela podemos entender que o aluno, no processo de interação com os
filmes, ocupa uma posição ativa responsiva: a partir dos filmes e dos enunciados ali
proferidos, ele, no seu movimento de compreensão, produz uma resposta. Será observado,
então, o modo como os alunos dialogam com essas “vozes” produzidas no filme, levando em
consideração que tanto as “vozes dos filmes” como as “vozes dos alunos”, ecoam e ressoam
as “vozes das sociedades” em que ambos estão inseridos.
4. Fabricando realidades nos filmes “Un cuento chino” e “El hombre de al lado”
Silvana Serrani, em seu exame das discursividades predominantes nos contextos
brasileiro e argentino (ver capítulo 2), utiliza um procedimento de simulação, no qual os
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enunciadores devem situar-se “imaginariamente em papéis sociais que podem ser previsíveis
para eles em um futuro próximo, como, por exemplo, atividades profissionais para as quais,
no momento, estão se formando” (SERRANI, 2010, p.86). Em uma das pesquisas, publicada
no livro Discurso e Cultura na Aula de Língua, observa-se que a autora analisa as formações
discursivas predominantes no Brasil e na Argentina, a partir de um contexto no qual se
verifica o estabelecimento de um conflito entre duas empresas que deve ser resolvido por
meio de alguma carta. De modo paralelo, na escolha dos filmes utilizados nessa pesquisa, um
dos critérios utilizados foi a busca por histórias que tivessem, como tema principal, a presença
de um conflito entre duas (ou mais) pessoas que deveria ser resolvido ao longo do enredo.
Após algumas análises, foram selecionados os filmes “Un cuento chino” (2011) e “El hombre
de al lado” (2009). No filme “Un cuento chino”, há, desde o início até o fim, a presença de um
conflito entre um argentino e um chinês, ou seja, há um conflito entre o nacional e o
estrangeiro. E no filme “El hombre de al lado”, o conflito se dá entre dois vizinhos: um deles
é um proprietário de uma casa famosa e luxuosa e possui características próprias do homem
burguês. Já o outro é proprietário de uma casa pequena, que possui poucas janelas. Seu
personagem é caracterizado como proveniente de um meio rural. Deste modo, além desse
conflito entre vizinhos, o filme está representando um conflito, próprio da Argentina, entre
cidade e província. Esses conflitos serão analisados a partir dos diálogos produzidos em
diversas cenas do filme, levando em consideração que, em todo enunciado, há marca de outras
vozes – há um diálogo constante com enunciados que nós, de alguma forma, deixamos ecoar
em nosso dizer: são memórias discursivas, próprias do contexto em que estamos inseridos,
presentes em todo ato enunciativo. Assim, acredita-se que os diálogos, ali presentes, são
atravessados por formações discursivas próprios do contexto argentino atual.
O filme “Un cuento chino” se passa no contexto argentino contemporâneo, na cidade
de Buenos Aires. O personagem Roberto, o argentino, é descrito como um ser solitário,
rotineiro e intolerante, que vive trancado em seu próprio mundo, fazendo diariamente as
mesmas coisas. Essas suas características podem ser percebidas logo no início do filme, na
primeira cena em que o personagem aparece. A câmera começa filmando, de longe, a entrada
de uma “Ferretería” (loja de materiais de construção), indicando que ali é um dos espaços em
que se desenvolverá a história, e, pouco a pouco, vai se aproximando. Trata-se de uma
pequena loja, situada em uma rua tranquila, dando a impressão de estarmos prestes a entrar
em uma caverna – um mundo à parte: o mundo de Roberto. A câmera, então, subitamente,
adentra o espaço. Roberto está atrás do balcão, contando parafusos, um por um: a cena
começa com a contagem em torno do número 305 (mostrando que ele já se encontra fazendo
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aquela ação e aqueles mesmos movimentos, repetitivamente, há algum tempo) e segue
mostrando o personagem contando até chegar ao número 323. Neste momento, Roberto se
irrita, pois percebe que vieram parafusos a menos na caixa, que diz conter 350 parafusos, e
diz: “Y otra vez me cagó, la reputa que le parió”. Roberto liga para o fornecedor de
mercadorias para reclamar e começa a discutir com ele pelo telefone, em tom elevado e com
palavrões. Essas características da personalidade de Roberto, que observamos logo na
apresentação do filme, também são definidas por meio de outras ações no decorrer da história.
Em relação ao aspecto rotineiro de Roberto, o percebemos através da repetição de
algumas cenas de ações cotidianas realizadas pelo personagem, tais como: dormir todos os
dias pontualmente no mesmo horário, tomar café e comer pão (tirando o miolo) todos os dias
de manhã, ler e colecionar reportagens absurdas etc. Em relação ao aspecto solitário, ele é
evidente, não somente no seu “isolamento” dentro da ferretería, mas também no fato de o
personagem morar sozinho (em uma casa que fica no andar de cima da sua loja) e passar a
maior parte do tempo – quando não está no trabalho – dentro desse espaço, sem receber
ninguém. Inclusive, há cenas em que o personagem fala sozinho: na ausência de um outro, ele
estabelece diálogos consigo mesmo.
Porém, é justamente através deste mundo isolado da ferretería em que trabalha
Roberto que ele interage com as pessoas, embora essas relações não se deem em um nível
muito profundo. Ali, ele estabelece diálogos com Leonel, o entregador de jornal; com o
entregador de mercadorias para a loja; com Mari, uma antiga namorada que vive no campo, e
com alguns poucos clientes. Nesses diálogos, Roberto é apresentado como uma pessoa
impaciente, que conversa pouco e não estabelece muitos vínculos afetivos com os outros. Por
exemplo, em uma cena, Leonel tenta estabelecer uma conversa com Roberto, fazendo-lhe
muitas perguntas e comentários (alguns bem pessoais). Porém, Roberto, ao longo de todo o
diálogo, praticamente não olha para Leonel (segue fazendo suas coisas enquanto conversa) e
responde com frases curtas e, muitas vezes, fica em silêncio. Vemos também esta
característica de Roberto através da sua relação com Mari – ele está sempre a evitando,
usando como desculpa o trabalho. As cartas que ela mandava, ele nunca respondia. No jantar
que ela o convida para ir, na casa de sua irmã, Roberto quase não conversa, estabelecendo
sempre distâncias. É como se ela nunca pudesse acessá-lo em seu mundo isolado. Nos
diálogos entre Roberto e os clientes além do estabelecimento de um distanciamento,
percebemos também a sua intolerância e impaciência com as pessoas, já citada anteriormente.
Há um cliente específico, que frequentemente aparece em sua loja e que, por fazer muitas
perguntas, irrita profundamente a Roberto. No primeiro diálogo entre os dois, observamos
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essa intolerância não somente pelo excesso de frases curtas, mas também pelo seu tom de voz
e gestos faciais. No segundo diálogo com o cliente, ele reafirma esse caráter ainda mais:
expulsa o cliente da loja, com gritos e palavrões. Essa característica do Roberto vai tomando
uma proporção maior ao longo do filme, pouco a pouco, conforme os problemas vão surgindo
e se complicando em sua vida, seu comportamento intolerante vai se tornando mais explosivo.
Além disso, Roberto também é apresentado como um personagem apegado ao seu
(trágico) passado. Ao longo da história, paulatinamente, esse passado é revelado: Roberto não
conheceu sua mãe, pois ela morreu no parto. E quando seu pai faleceu, Roberto estava na
Guerra das Malvinas. Somente quando retornou da guerra, soube do ocorrido. E, segundo ele,
seu pai morreu de desgosto, após ver uma foto dele no jornal participando da guerra. Esses
fardos o personagem carrega consigo. O filme revela esse apego a sua mãe através da
apresentação de cenas em que o personagem dá presentes a sua falecida mãe no seu
aniversário: ele deposita esses presentes em uma cristaleira antiga que há em sua casa. Este
móvel, além de presentes, contém também, dentro dele, uma fotografia dela. Assim, este
espaço tem como função, no filme, a representação de sua mãe. É através dele que o
personagem interage e conversa com ela. O seu apego ao pai é revelado não somente através
da profissão que exerce (ele trabalha na loja que era do pai), mas também nas cenas em que é
revelada a manutenção da organização do espaço da casa: desde que seu pai morreu, ele não
alterou nada de lugar. Inclusive, ele segue dormindo, em uma cama de solteiro, no mesmo
quarto que dormia em sua adolescência. O quarto do seu pai, que possui uma cama grande e
espaçosa, ele não utiliza – é o espaço intocável da casa que representa a figura e permanência
desse pai em sua vida.
Certo dia, a rotina de Roberto é atravessada por um elemento inesperado: ele se
depara, no meio da rua, com um chinês (Jun) que, recém-chegado à cidade de Buenos Aires,
acabou de ser assaltado pelos motoristas do táxi em que vinha do aeroporto. Ele está perdido
em Buenos Aires e não sabe falar uma só palavra em espanhol. Roberto, diante da situação,
decide ajudar o chinês, levando-o para morar em sua casa alguns dias até que ele encontre seu
tio (parente por quem diz buscar). A comunicação entre os dois ao longo do filme está sempre
atravessada por obstáculos e impossibilidades. No início, os diálogos são entrecortados por
gestos que tentam transmitir os significados daquilo que está sendo dito por ambos. Depois,
eles decidem chamar um chinês, entregador de comidas de um restaurante, que domina os
dois idiomas, para traduzir a conversa. Este artifício, além de permitir que Roberto, assim
como o espectador, compreendam melhor os motivos que levaram o chinês a estar naquele
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país, permite também que os dois personagens, junto com o espectador, conheçam melhor o
passado de cada um.
Porém, além das dificuldades idiomáticas, o filme apresenta algumas outras barreiras
enfrentadas pelos personagens, tais como: dificuldades de ambos os personagens por serem
estranhos, mas estarem vivendo em uma mesma casa, dificuldades devido às diferenças
culturais entre ambos e dificuldades encontradas por Jun, devido a sua condição de
estrangeiro no país. As dificuldades de Roberto nesta convivência são evidentes diante das
características que compõem esse personagem. Acostumado a viver sozinho há muito tempo,
sente-se incomodado com a presença de outra pessoa em sua casa interferindo no seu
cotidiano e entrando em seu espaço – espaço este extremamente privado, que contêm toda a
sua intimidade, sua história e suas regras. Roberto, então decide estabelecer um prazo com
ele: na mesa do café da manhã, com um calendário em mãos, explica que Jun somente poderá
ficar em sua casa por mais uma semana. Os dias se passam e, apesar das diversas tentativas
(eles vão à embaixada chinesa, procuram ajuda em um bairro chinês que há na cidade, vão até
a delegacia), Jun não encontra seu tio. Começa, então, um conflito entre os dois. A situação é
de tensão. E esse clima vai aumentando ao longo do filme. E todos os diálogos que Roberto
estabelece com os outros personagens encontram-se atravessados por esses conflitos: conflitos
interiores do próprio personagem, que com a chegada do estrangeiro, do outro em sua vida, se
vê obrigado a lidar com questões que ele, ao longo da sua vida, evitou. E também conflitos
próprios da situação e das dificuldades encontradas para solucionar os problemas.
Por fim, em relação às realidades próprias do contexto argentino que estão sendo
produzidas no filme, estão presentes os conflitos existentes, nessa sociedade cosmopolita com
dezenas de imigrantes, entre o nacional e o estrangeiro. A cultura do outro em choque com a
cultura própria de um país, na medida em que novas formas de ver o mundo, novas formas de
atribuição de significado entram em cena no contexto nacional. A homogeneidade da nação é,
então, abalada, e esse outro, ao mesmo tempo que é um estrangeiro (e isso será sempre), passa
a constituir a identidade nacional do país. A presença de chineses na Argentina,
especificamente, devido ao seu intenso fluxo migratório, na década de 1990 (e ainda nos dias
atuais), em direção a esse país, é um fator histórico relevante nesta sociedade. Através da
chegada do personagem imigrante chinês à procura de seu tio (que também era um imigrante
chinês que vivia na Argentina), o filme apresenta, em diversas cenas, a forte presença dos
chineses no país e o lugar ocupado por esses imigrantes na sociedade portenha. Percebemos
que a maioria deles, no filme, trabalha na área comercial: aparecem como entregadores de
comida de restaurantes ou como caixas de supermercados. Além disso, vê-se que as
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dificuldades enfrentadas por esse imigrante, nesse país estrangeiro, são muitas. A própria
embaixada chinesa é pouco efetiva no que diz respeito ao amparo do imigrante chinês.
Também observamos que o tratamento policial, nesta sociedade, em relação aos imigrantes
não é nada acolhedor: devido, muitas vezes, à sua condição de ilegal, a lei não lhe favorece.
No filme, por exemplo, quando Roberto vai até a delegacia para pedir ajuda com o caso de
Jun, o policial diz que irá prender o chinês até que ele comprove que não está ilegalmente no
país.
Em relação ao filme “El hombre de al lado”, a história se passa na Argentina atual, na
cidade de La Plata. O filme começa com a imagem de uma parede sendo quebrada. Este
momento marca o início de um conflito que se apresenta como o tema principal do filme.
Trata-se de um embate entre dois vizinhos, no qual um deles quer abrir uma janela em sua
casa, porém, o outro vizinho quer proibi-lo de fazer isso, pois a janela tem vista para a sua
casa. Através desta “pequena” abertura, o filme aborda algumas questões próprias do contexto
argentino atual. A primeira delas é a apresentação de um fenômeno próprio das cidades do
terceiro mundo que vivenciaram um processo de desenvolvimento urbano sem planejamento.
No início do curta-metragem “Medianeras” (2004), de Gustavo Taretto, encontramos, por
exemplo, uma descrição da cidade de Buenos Aires que parece ilustrar bem esse problema:
Buenos aires crece descontrolada e imperfecta, es una ciudad superpoblada en un
país desierto, una ciudad en la que se yerguen miles y miles y miles y miles de
edificios sin ningún criterio. Al lado de uno muy alto hay uno muy bajo, al lado de
uno racionalista, uno irracional, al lado de un estilo francés hay otro sin ningún
estilo.
Probablemente
estas
irregularidades
nos
reflejen
perfectamente,
irregularidades estéticas y éticas. Estos edificios que se suceden sin ninguna lógica
demuestran una falta total de planificación. (Medianeras, 2004)
Por possuir esse caráter que é próprio do crescimento urbano desorganizado, essa
mesma definição pode ser estendida para a cidade de La Plata, onde se passa o filme “El
hombre de al lado”: também uma cidade imperfeita e superpovoada. Em uma das cenas
iniciais, Leonardo (um dos personagens centrais da história) ao observar, ao lado de sua
mulher, a vista da janela de sua casa, diz: “Que país feo, la puta madre.”. A câmera não
mostra o que eles estão vendo, mas podemos supor que eles estão diante da mesma paisagem
descrita na passagem acima, em que milhares de edifícios são construídos sem nenhum
critério. Além disso, de acordo com o narrador de “Medianeras”, essas irregularidades, além
83
de revelarem a desordem urbana, também marcam/revelam a desigualdade social e econômica
da Argentina, uma vez que existem ambientes mais privilegiados que outros:
Los edificios son cada vez más chicos, para darle lugar a nuevos edificios, más
chicos aún. Los departamentos se miden en ambientes, y van desde los
excepcionales 5 ambientes con balcón terraza, playroom, dependencia de servicio,
baulera, hasta el mono ambiente, o caja de zapatos. Los edificios como casi todas
las cosas pensadas por el hombre están hechas para que nos diferenciemos, los
unos de los otros. Existe un frente y un contrafrente, están los pisos bajos y los
altos. Los privilegiados son identificados con la letra A, o excepcionalmente la B,
cuanto más progresa el abecedario menos categoría tiene la vivienda. Las vistas y
la luminosidad son promesas que rara vez coinciden con la realidad. (Medianeras,
2004)
No filme “El hombre de al lado”, tanto a problemática da falta de planejamento urbano
quanto a desigualdade social (e seus reflexos nas edificações) estão presentes como elementos
centrais e norteadores – são, digamos, as causas principais do conflito entre os personagens.
Víctor, um dos vizinhos, vive em uma casa que não tem muita luminosidade e, por isso,
deseja construir uma janela na parede lateral de sua casa. Porém, Leonardo, o vizinho que
mora ao lado, quando percebe o que está acontecendo, tenta impedir Víctor, alegando que
aquilo que ele está fazendo, além de tirar sua privacidade, é ilegal. Mas Víctor responde:
“Bueno, pero me parece que al barrio no llegó la noticia. ¿Y aquellos edificios que están ahí,
aquél y aquel otro?”. Neste momento, o filme está fazendo referência a um fenômeno próprio
da realidade argentina atual: a abertura de janelas nas partes laterais dos prédios, conhecidas
no país como “Medianeras”:
Todos los edificios, absolutamente todos tienen una cara inútil, inservible, que no
da ni al frente ni al contrafrente, la medianera. Superficies enormes, que nos
dividen y nos recuerdan el paso del tiempo, el smog y la mugre de la ciudad. Las
medianeras muestran nuestro costado más miserable, reflejan la inconstancia, las
grietas, las soluciones provisorias. […] Contra toda la opresión que significa vivir
en estas cajas de zapatos, existe una salida, una vía de escape, ilegal, como todas
las vías de escape. En clara contravención al código de planificación urbana, se
abren unas minúsculas, irregulares e irresponsables ventanas que permiten que
unos milagrosos rayos de luz iluminen la oscuridad en la que vivimos. (Medianeras,
2004)
84
Essa abertura da janela, em “El hombre de al lado”, provoca o encontro entre duas
realidades sociais, entres dois universos culturais que se encontram em estado de oposição,
representados pelos vizinhos Leonardo e Víctor. Cabe, então, fazer aqui uma descrição de
cada um desses personagens. Leonardo é um designer bem-sucedido que carrega consigo
todas as características de um rico burguês (produto das sociedades modernas), sempre
preocupado com as aparências e com o status. Estabelece uma oposição entre o mundo
privado (íntimo) e o público. Seu ideal de perfeição está pautado nos princípios modernos, em
que há a exacerbação de mundo plástico e virtual – porém, neste mundo, as relações
familiares e interpessoais se veem abaladas. Deste modo, a relação entre Leonardo e seus
familiares (sua mulher e sua filha) se vê perpassada por uma crise. Talvez uma crise própria
do modo como algumas sociedades se desenvolveram.
De acordo com o narrador do filme “Medianeras”, que mais uma vez nos oferece
pistas para compreender essa questão, a desordem e o caos urbano das grandes cidades
superpovoadas, como Buenos Aires, por exemplo, são responsáveis pelo aparecimento de
alguns problemas, tais como: “los divorcios, la violencia familiar, el exceso de canales de
cable, la incomunicación, la falta de deseo, la abulia, la depresión, los suicidios, las neurosis,
los ataques de pánico, la obesidad, las contracturas, la inseguridad, el estrés y el
sedentarismo” (Medianeras, 2004). No mundo “perfeito” criado por Leonardo, alguns desses
“males” estão presentes, e podemos destacar três: a falta de comunicação, a insegurança e o
estresse. Quanto à falta de comunicação, podemos percebê-la, principalmente, na relação
problemática e na falta de diálogo de Leonardo com sua filha adolescente. Quanto à
insegurança, ela se manifesta na constante preocupação de Leonardo com os sistemas de
alarme da casa. O estresse é evidente na relação entre Leonardo e sua mulher: desde o começo
do filme, devido ao problema que estão vivendo com o vizinho, os dois estão sempre
discutindo, insatisfeitos. No que diz respeito ao espaço habitado por Leonardo e sua família,
trata-se de uma famosa mansão, construída pelo reconhecido arquiteto francês Le Corbusier.
Por seguir os princípios básicos da arquitetura moderna, no seu planejamento, visou-se
integrar o ambiente interno ao externo. Deste modo, a casa em que vive Leonardo,
diferentemente da maioria dos edifícios da cidade, além de espaçosa, possui uma grande
variedade de janelas de vidro. Ali, o que não falta é luz e conforto.
Do outro lado, em uma casa menor, vive Víctor, um personagem que parece ser o
oposto de Leonardo: ao invés de características próprias das camadas burguesas da sociedade,
possui traços que o aproximam do mundo rural das províncias argentinas. É como se ele, de
certo modo, fosse a representação do gaucho, figura do campo exaltada por muitos
85
intelectuais e artistas ao longo da história do país. De acordo com Shumway (2008, p. 36), os
gauchos
tinham três raízes étnicas: espanhola, indígena e africana. Corriam livremente pelos
pampas, vivendo com facilidade em uma terra generosa; capturavam e montavam
cavalos selvagens, bebiam muito, jogavam, praticavam o contrabando; roubavam,
lutavam, perseguiam o gado selvagem, vendiam couro para comprar os poucos
produtos de que precisavam; comiam sobretudo carne bovina, cantavam baladas
improvisadas celebrando seus amores e atos heroicos; e mantinham uniões livres,
raramente consagradas pelo casamento matrimonial. Em suma, eram supersticiosos,
sujos, analfabetos e felizes.
Algumas dessas características descritas pelo autor podem ser percebidas na
construção do personagem de Víctor: ele não é casado, não tem mulheres, nem filhos; usa
botas e jaquetas de couro; tem relações livres e relaciona-se sexualmente com muitas
mulheres; está sempre celebrando os prazeres da vida; caça javalis; vende carros usados;
participa das obras em sua casa; usa códigos linguísticos mais vulgares e informais. Ao
contrário de Leonardo, ele não está preocupado com o mundo das aparências da sociedade do
espetáculo13. Estabelecendo um diálogo com o texto O narrador, de Walter Benjamin,
podemos dizer que Víctor representa o arcaico, o artesanal, em oposição ao moderno e
industrial.
Deste modo, podemos perceber que, no conflito entre os vizinhos, não é somente a
invasão de privacidade que está em jogo. Trata-se da apresentação de um conflito que está nas
ficções-diretrizes da Argentina, analisadas no capítulo 3: a luta entre a elite portenha (de
Buenos Aires), que queria obter prestígio e poder sobre as demais regiões do país, e os povos
das províncias, que não aceitavam essa condição e exigiam autonomia. Podemos dizer que,
mais do que o problema de uma janela que se abriu, o filme aborda uma tensão que é própria
do contexto histórico argentino. E todos os diálogos ali produzidos pelos personagens, na
tentativa de resolver o problema, estão perpassados por esta tensão. O problema não é tão
simples como parece e não será resolvido com tanta facilidade – eis a sua força: ele está nas
raízes.
Por fim, conclui-se que os conflitos abordados em ambos os filmes refletem algumas
tensões presentes na sociedade argentina atual, como por exemplo: conflitos entre nacionais e
13
De acordo com Guy Debord (1973), o espetáculo é a “afirmação da aparência de toda vida humana, isto é,
social, como simples aparência”. Constituindo-se, então, como uma “negação visível da vida”. Obs: citações
extraídas do filme “A sociedade do espetáculo”, produzido pelo próprio Guy Debord.
86
estrangeiros, entre federalistas e ruralistas, entre campo e cidade, entre público e privado,
entre classes econômicas distintas etc. Além disso, os discursos preponderantes nos diálogos,
que visam à resolução desses conflitos, também representam as formações discursivas
próprias da realidade argentina atual, uma vez que, em todo enunciado, seja ele “real” ou
“fictício”, ecoam vozes que estão presentes nas memórias discursivas das sociedades. Deste
modo, a partir das situações de conflito apresentadas nos filmes, serão analisadas as interações
ocorridas em sala de aula entre os alunos brasileiros e as discursividades próprias do contexto
argentino atual, retratadas nos textos fílmicos aqui selecionados e abordados.
87
88
V
Em sala de aula: analisando os dados
1. A pesquisa-(em)-ação
Nesta pesquisa foi utilizada a metodologia da pesquisação. Segundo Moita Lopes,
trata-se de “um tipo de investigação realizado por pessoas em ação em uma determinada
prática social sobre esta mesma prática, em que os resultados são continuamente incorporados
ao processo de pesquisa, constituindo novo tópico de investigação, de modo que os
professores-pesquisadores, no caso em questão, estejam sempre atuando na produção de
conhecimento sobre a sua prática” (Moita Lopes, 1996, p. 185). Assim, ao longo de dois
semestres, a pesquisadora realizou um trabalho, com duas turmas do 1° ano do Ensino Médio,
nas aulas de Espanhol/LE que ministrava em uma instituição escolar federal localizada no
Estado do Rio de Janeiro. A fim de analisar os processos de interação discursiva, foram
apresentados aos alunos filmes em língua espanhola produzidos na Argentina recentemente.
Cabe ressaltar, que por se tratar de uma pesquisação, buscou-se realizar a pesquisa levando
em consideração os planejamentos da escola e a ementa de curso organizada pelos
coordenadores da instituição.
Antes de dar início à investigação em sala de aula, foi realizado pela professorapesquisadora um planejamento, a fim de organizar as atividades que seriam desenvolvidas em
sala de aula. Após essa organização, foi realizada uma pesquisa de campo piloto. A partir
dessa pesquisa-piloto foi possível rever alguns planos iniciais e aprimorar as reflexões14.
Quando iniciada a pesquisa de campo, buscou-se analisar as interações discursivas motivadas
pelos filmes e outras formas de texto (como, por exemplo, críticas de cinema, reportagens,
entrevistas etc.) ocorridas nas aulas de Espanhol/LE, a partir da triangulação dos seguintes
dados:
14
Dentre as principais mudanças realizadas após a pesquisa-piloto, destacam-se: divisão do trabalho didático
com os filmes em quatro etapas (assim, além das etapas básicas de pré-leitura, leitura e pós-leitura, foi inserida
uma etapa inicial, denominada motivação); mudança das legendas dos filmes (inicialmente, as legendas
estavam em português e passaram a ser em espanhol) e mudanças na metodologia das questões propostas nas
atividades escritas: observou-se que as questões utilizadas na pesquisa-piloto não davam conta dos objetivos
da pesquisa. Assim, as questões foram elaboradas levando em consideração a metodologia utilizada por
Serrani (2010) em suas análises. Além disso, para um maior contato com a materialidade linguística e discursiva
dos filmes, optou-se por trabalhar, nas atividades escritas, com diálogos transcritos.
89
 gravações de aulas, de debates ou atividades relacionadas aos filmes argentinos
apresentados para os alunos;
 questionários e entrevistas semiestruturadas com os alunos de ELE envolvidos no
processo;
 análise de textos audiovisuais e escritos utilizados pela professora-pesquisadora
durante as aulas.
Todos os instrumentos de coleta de dados (juntamente às notas de campo) ajudaram a
compor um perfil sociocultural dos alunos pesquisados, a compreender concepções relativas à
leitura/recepção e à ação pedagógica nas aulas de ELE e a investigar os possíveis fatores
ligados aos movimentos de aproximação e/ou distanciamento dos espectadores/leitores em
relação aos discursos colocados em circulação pelos filmes argentinos trazidos para a sala de
aula, além de outras formas de texto ligadas às atividades que envolvem a apresentação desses
filmes.
Esta pesquisa não tem intenção quantitativa, e sim qualitativa, pois se trata da análise de
apenas um espaço escolar de interação discursiva, com vistas a elaborar reflexões que possam
servir de embasamento e estímulo ao desenvolvimento de diferentes práticas significativas no
ensino de Espanhol/LE.
2. Perfil sociocultural dos alunos
A fim de compor o perfil sociocultural dos alunos, foi elaborado, pela professorapesquisadora, um questionário para ser passado em ambas as turmas (anexo 1). Na turma X,
do total de 24 alunos, 13 responderam. Na turma Y, do total de 19 alunos, 15 responderam.
Deste modo, no total, 43 alunos participaram da pesquisa, porém, somente 28 participaram
dessa etapa. Ao analisar os questionários dos alunos de ambas as turmas, verificou-se que os
estudantes tinham entre 14 e 18 anos de idade e que a maioria morava em Nova Iguaçu (RJ)
ou nas proximidades dessa região. Notou-se que a maioria dos estudantes tinha hábitos
frequentes de leitura. Os tipos de textos mais citados foram: mitologia, mangá, ficções,
histórias de detetive, histórias de ação e aventura, comédias, terror, drama, notícias e artigos
científicos, textos bíblicos. Também se pode observar que a maioria dos alunos gostava de
assistir filmes estrangeiros, principalmente os provenientes dos Estados Unidos ou Europa.
Alguns preferiam ver os filmes dublados e outros legendados. Os hobbies citados pelos alunos
foram: praticar esportes (50%); tocar instrumento/cantar (28%); jogar videogame (18%);
90
assistir filmes (18%); ler (18%); usar o computador/navegar na internet (14%); sair com os
amigos (11%); passear/viajar (11%); fazer curso de inglês (11%); estudar (11%); desenhar
(7%); assistir televisão (7%); ir ao shopping (7%); fazer curso de informática (7%); fumar e
beber álcool (3,5%), participar de reuniões religiosas (3,5%), escutar música (3%); dormir
(3%). Em relação ao contato com a Língua Espanhola, uma parte dos alunos (54%) nunca
tinha tido nenhum contato. A outra parte (47%) teve contato através de aulas de espanhol em
outras escolas, internet, videogame, filmes, novelas, músicas e livros.
3. O processo em sala de aula
O processo pedagógico das atividades realizadas em sala de aula teve como referência
uma sequência didática, baseada no modelo proposto por Rildo Cosson (2014). O autor,
refletindo acerca do trabalho com textos literários nas escolas brasileiras, afirma que a “leitura
demanda uma preparação, uma antecipação” (Cosson, op. cit., p.54). Deste modo, divide esse
processo em quatro etapas: motivação, introdução, leitura e interpretação.
A motivação consiste na aproximação do aluno com o texto que será lido. É uma
preparação para seu encontro com a obra, exercendo influências sobre suas expectativas,
porém, sem determinar sua leitura. Ela pode ser, por exemplo, de ordem temática. A
introdução é a apresentação do autor e da obra, a fim de tornar positiva a recepção do texto
por parte do aluno. Por este motivo, é importante que, nesta etapa, o professor esteja atento à
seleção dos elementos que serão explorados e aos aspectos dos paratextos que serão
enfatizados. A terceira etapa, chamada de “leitura” por Cosson, diz respeito ao ato de
interação direta com as obras, isto é, o encontro do aluno com a materialidade textual –
chamaremos esta etapa aqui de “Visualização”, por se tratar de um trabalho com textos
fílmicos. A interpretação possui dois momentos: um interior, de caráter individual, que ocorre
no encontro do leitor com o texto, e um exterior, em que a interpretação é compartilhada.
Segundo o autor, no momento interior, alguns fatores como, por exemplo, “a história de leitor
do aluno, as relações familiares e tudo o mais que constitui o contexto da leitura” (Id., p.65)
vão contribuir para a interpretação subjetiva. No momento exterior, é importante que “o aluno
tenha a oportunidade de fazer uma reflexão sobre a obra lida e externalizar essa reflexão de
uma forma explícita” (Id., p.68). Esta etapa de externalização interpretativa será desdobrada
em dois momentos neste trabalho, um denominado como “Interpretação” e outro como
“Debate”, os quais serão mais bem explicados adiante.
91
Abaixo veremos como foi desenvolvida cada etapa do trabalho com os filmes “Un
cuento chino” e “El hombre de al lado” nas aulas de Espanhol/LE ministradas pela
professora-pesquisadora.
3.1. Motivação
No início da pesquisação, foi explicado aos alunos que eles participariam de uma
pesquisa que estava sendo desenvolvida pela professora-pesquisadora em seu curso de
mestrado e que tinha como objetivo observar o modo como os alunos interagiam com as
propostas oferecidas nas aulas de Espanhol que ministrava na escola, a fim de fazer reflexões
acerca do espaço de ensino/aprendizagem de Espanhol/LE. Também foi solicitado que os
alunos (ou seus responsáveis) assinassem um termo autorizando a utilização das gravações em
áudio das falas espontâneas ocorridas em sala de aula e das entrevistas, assim como o uso dos
registros escritos produzidos pelos alunos (anexo 2). Além disso, foi exposto que
trabalharíamos com filmes argentinos e que, antes de cada exibição, seriam feitas algumas
“sensibilizações” e introduções que auxiliariam na interação dos alunos com os filmes.
Na etapa da motivação referente ao filme “Un cuento chino”, devido ao fato de um dos
personagens principais colecionar “notícias absurdas”, buscou-se motivar a turma em relação
aos acontecimentos absurdos que podem estar presentes no nosso cotidiano. Foi proposto,
então, que os alunos lessem algumas notícias publicadas recentemente em jornais hispânicos
(anexo 3), selecionadas pela professora-pesquisadora, e expusessem oralmente o assunto da
notícia lida. Após essa exposição, através de um debate, para contribuir com a reflexão, foi
solicitado que os alunos dessem sua opinião acerca do que eles consideram ser um
acontecimento absurdo. A partir da análise dos áudios das gravações das aulas dedicadas a
esta etapa, observa-se que, na turma X, as respostas mais frequentes foram: “algo que não é
considerado normal”, “coisas completamente sem nexo”, “absurdo não é só, por exemplo,
morreu uma pessoa, mas o jeito que a pessoa morre”, “uma ocasião inusitada”15. Na turma Y,
as respostas foram: “uma coisa que não acontece diariamente”, “algo fora do normal”, “uma
coisa que te surpreende”, “absurdo é algo que não acontece sempre”. A partir dessas
respostas, os alunos avaliaram se os acontecimentos narrados nas notícias eram absurdos. Em
ambas as turmas, as notícias que os alunos já estavam acostumados a ler não eram
15
Serão utilizados, no corpo do texto, alguns fragmentos de transcrições das falas dos estudantes, gravadas ao
longo do processo de pesquisação.
92
consideradas absurdas, como, por exemplo, a notícia de um assalto ou a notícia sobre a morte
de pessoas em um protesto. De acordo com os alunos, isso ocorre, pois esses acontecimentos
“se tornam uma rotina que você fica acostumado” e “acabamos ficando um pouco insensíveis
de tanto ver absurdos nos jornais”. Por outro lado, as notícias que não faziam parte do seu
cotidiano, como, por exemplo, a morte de uma pessoa ao tentar salvar alguém, eram
consideradas absurdas. Deste modo, foi possível também discutir acerca do gênero textual
“notícia”, sua função na sociedade e seu “ato” de banalização dos acontecimentos, a partir do
momento em que apresenta determinados fatos “absurdos” como “normais”.
Já a motivação referente ao filme “El hombre de al lado” foi dividida em duas partes.
Em um primeiro momento, tendo em vista que o filme possui um final atípico, ou seja, que
não corresponde ao padrão hollywoodiano predominante no cinema atualmente, foi proposto
que os alunos contassem o final de algum filme que eles tenham gostado bastante, com o
objetivo de saber o que eles esperavam de um final de um filme. De acordo com eles, um final
deve ser surpreendente, inusitado ou comovente e algo positivo deve acontecer. Na turma X,
foram citados pelos alunos os finais dos seguintes filmes: “Karatê Kid”, “Se beber, não case”,
“Toy Story”, “V de vingança”, “O menino de pijama listrado”, “Os branquelos”, “Procurado”,
“Sherlock Homes”, “A invenção de Hugo Cabret”, “Batman” etc. Na turma Y, os filmes
citados foram: “O impossível”, “TED”, “Sempre ao seu lado”, “Homem Aranha”, “Capitão
América”, “Toy Story”, “Jurassic Park”, “Coração Valente”, “A origem”, “Implacável”, “A
busca da felicidade”, “Projeto X” etc. Após essa conversa, em um segundo momento, devido
ao fato de o filme “El hombre de al lado” narrar um conflito entre vizinhos que se origina a
partir da abertura de uma janela na lateral de uma das casas, buscou-se conscientizar os alunos
em relação ao fenômeno vivido atualmente em Buenos Aires, em que janelas são abertas,
ilegalmente, nas fachadas laterais dos edifícios. Para contribuir com tal reflexão, foi
apresentado o curta-metragem “Medianeras” (Gustavo Taretto, 2004). Através deste filme, a
turma pôde observar a organização arquitetônica desta cidade, sua desordem, sua falta de
planejamento urbano e suas desigualdades sociais. Além disso, foram feitas comparações
entre os problemas presentes na cidade de Buenos Aires e do Rio de Janeiro. Também se
discutiu a relação entre o público e o privado nas metrópoles contemporâneas, onde há uma
vontade explícita de separação entre esses dois universos.
3.2. Introdução
93
Tendo em vista que o filme “Un cuento chino” narra a chegada de um chinês na
Argentina, em sua introdução, objetivou-se trabalhar com os alunos o tema da imigração
chinesa nesse país. Para tal, foi feita uma leitura de uma reportagem, divulgada recentemente
no jornal eletrônico Clarín, que tratava deste assunto, intitulada “Los chinos en Argentina:
mas allá de los supermercados” (anexo 4). Nela, além de informações a respeito do modo de
vida desses imigrantes no país e de seus “dotes” comerciais, também havia uma entrevista
com um imigrante chinês, dono de um supermercado na cidade de Buenos Aires, narrando sua
“saga” desde a chegada na cidade, na década de 1990, até os dias atuais. Após esse momento,
discutiu-se acerca dos estereótipos culturais construídos naquele texto jornalístico e dos
preconceitos sofridos por muitos estrangeiros no país. Além disso, foram feitas comparações
com o Brasil, lugar onde também pode se presenciar um forte movimento imigratório dos
chineses. Assim, através dessa etapa de ampliação de conhecimentos prévios, os alunos
puderam compreender por que o filme abordava o encontro entre um argentino e um chinês.
Na introdução do filme “El hombre de al lado”, devido ao fato de um dos personagens
principais viver em uma casa construída na Argentina pelo famoso arquiteto Le Corbusier,
objetivou-se fazer uma apresentação dessa casa, a fim de torná-la familiar aos alunos.
Considerou-se importante desenvolver esse conhecimento prévio, pois, além de se tratar do
elemento geográfico principal em que se desenvolve a história, ele também contribui para a
compreensão das características que compõem o personagem que habita este espaço. Para tal,
foram exibidas partes do documentário “La máquina de habitar” (Bruno Garritano, 2013), em
que os alunos puderam observar tanto a estrutura dessa casa como também os conceitos nos
quais Le Corbusier se baseou ao projetá-la. Além disso, tendo em vista que se trata de uma
arquitetura moderna, foi feita uma breve explicação sobre esse movimento no mundo e no
Brasil. Como auxílio, foram selecionadas duas notícias retiradas da internet sobre esse tema e
dois vídeos sobre Oscar Niemeyer e sua concepção de arquitetura16. Também foi possível
fazer uma comparação entre esse projeto arquitetônico e o filme “Medianeras”, trabalhado na
etapa anterior, visto que a arquitetura moderna está preocupada não só com a mudança
estrutural dos edifícios, como também com o bem-estar do homem nas sociedades através da
organização das cidades, propondo, assim, que os espaços habitados pelos seres humanos
devam ser amplos, arejados e iluminados, além de integrados com o ambiente exterior. A casa
retratada no filme, por exemplo, possui gigantescas janelas de vidro que contribuem para essa
16
Endereços eletrônicos dos vídeos utilizados:
Vídeo 1: https://www.youtube.com/watch?v=zh6TofLB9as.
Vídeo 2: https://www.youtube.com/watch?v=SVVvQUM_zgs
94
integração. Porém, o ambiente externo desta casa, por estar em meio à cidade de La Plata, é
composto por ruas em que muitas pessoas transitam diariamente e por muitos outros edifícios.
Deste modo, foi explicado aos alunos que o conflito do filme se dava justamente neste ponto:
na relação entre o público e o privado. Essa problemática, própria das metrópoles atuais, foi,
então, discutida com a turma. Para finalizar essa etapa, a professora-pesquisadora perguntou
se os alunos gostariam de viver em uma casa como aquela. Muitos responderam que não
gostariam, pois está “muito exposto” e “tira muito a privacidade”. Outros responderam que
acharam “maneiro o modelo da casa” e que sentiriam “uma sensação de liberdade” vivendo
nela (mas teria que “ser na Suíça, pois no Brasil não rola”, disse um dos alunos da turma Y).
Alguns poucos acharam que “tinha os dois pontos de vista”, mas que “não incomodava tanto”.
3.3. Visualização
Na etapa da visualização, os filmes foram exibidos na própria sala de aula, ocupando
dois tempos de aula cada um (em torno de 1h e 40 min.). Na pesquisa-piloto realizada no ano
anterior com outras duas turmas, foram utilizadas legendas em português, visto que os DVD’s
não disponibilizavam legendas em espanhol. Porém, esta questão foi entendida como um
problema, visto que, uma vez que a pesquisa tem como objetivo observar a interação dos
alunos com as formações discursivas próprias do contexto argentino atual, a tradução em
português interferiria no processo e, possivelmente, invalidaria os resultados da análise.
Assim na pesquisa-oficial, os filmes foram exibidos com legendas em espanhol. Em relação
ao filme “Un cuento chino”, foi selecionada uma legenda que estava disponível na internet.
Quanto ao filme “El hombre de al lado”, não havia legendas em espanhol disponíveis na
internet. Foi solicitado, então, que um profissional da área de Letras, especializado em
traduções, fizesse esse trabalho. Ambas as legendas foram analisadas pela professora e
correspondiam com o que estava sendo dito oralmente nos diálogos dos filmes.
Os filmes foram recebidos com bastante entusiasmo pelos alunos. Enquanto assistiam,
todos se mostraram motivados e interessados. Após a exibição, observou-se que a maioria dos
alunos gostou dos filmes, embora também tenham apresentado alguma resistência ou
estranhamento em relação ao seu “estilo” ou à sua “trama”, principalmente em “El hombre de
al lado”. Na experiência de visualização, no início, houve também uma pequena resistência
devido ao fato de a legenda estar em espanhol, porém a maioria dos alunos não teve
dificuldades em acompanhar os filmes. Somente alguns poucos apresentaram certa
dificuldade em acompanhá-los, tanto por causa do idioma quanto pelo “estilo” dos filmes, que
95
é diferente do que eles estão acostumados. Por exemplo, na entrevista, a aluna (G) relatou que
“os filmes são às vezes bem difíceis de interpretar então fica meio difícil de você expressar a
sua opinião num filme em outra língua que você não conhece”. Mas esta dificuldade, ao longo
do processo, foi sendo superada e não prejudicou a recepção e interação dos alunos com os
filmes. É o que podemos observar no depoimento desta mesma aluna (G): “no começo eu
achei meio chato o primeiro filme (.) mas aí depois com o tempo quando a gente foi fazendo
os exercícios deu pra (.) entender melhor porque ver filme em espanhol pra quem não sabe
espanhol é bem (.) complicado (.) mas (.) eu gostei bastante dos dois filmes até mais do
segundo filme”.
3.4. Interpretação
Na etapa da interpretação referente a ambos os filmes, foram propostas atividades
escritas para serem desenvolvidas em sala de aula com o objetivo de compreender os sentidos
construídos na interação filme-espectador. As atividades foram elaboradas levando em
consideração a metodologia de análise utilizada por Silvana Serrani (2010) ao pesquisar as
ressonâncias discursivas predominantes na Argentina e no Brasil e os resultados por ela
obtidos. As atividades giravam em torno de alguma cena específica, selecionada previamente
pela professora-pesquisadora (ver anexo 5). Como nas situações analisadas por Serrani há
sempre a presença de algum conflito na interação entre os sujeitos do discurso, buscou-se
trabalhar com diálogos em que também houvesse o estabelecimento de algum conflito (como,
por exemplo, uma cena do filme “El hombre de al lado” em que os dois vizinhos discutem
sobre a construção da janela). Esses diálogos foram transcritos para que, no dia da realização
da atividade de interpretação de cada filme, os alunos pudessem lê-los individualmente. Após
a leitura, as cenas eram exibidas novamente para a turma. Ao terminar de assistir cada uma
delas, os alunos, então, respondiam às perguntas individualmente. A professora-pesquisadora
estava em sala de aula todo o tempo retirando as possíveis dúvidas dos alunos, tanto em
relação às estruturas e aos vocabulários desconhecidos, como também em relação à
compreensão do que estava sendo solicitado na atividade.
3.5. Debate
96
Além das quatro etapas propostas por Rildo Cosson (2014), nesta pesquisa, foi
acrescentada uma nova etapa (funcionando como um desdobramento da etapa anterior), que
consistia na realização de um debate entre a professora-pesquisadora e os alunos de cada
turma, com o objetivo de que as interpretações dos estudantes interagissem entre si,
possibilitando a construção de novos sentidos, num processo coletivo de negociação. Nesses
debates, além da observação dos movimentos de aproximação e distanciamento dos discentes
em relação às formações discursivas de abrupção e transição, buscou-se também compreender
a recepção dos alunos em relação aos filmes exibidos em sala de aula.
4. Análise das atividades escritas desenvolvidas na etapa da interpretação
Passaremos a seguir para a análise da etapa de “Interpretação”, visto que as três
primeiras etapas – “Motivação”, “Introdução” e “Visualização” – já foram descritas, embora
sinteticamente, na seção anterior.
Considerando que, no contexto analisado por Silvana Serrani, no Brasil, predominam
ressonâncias discursivas por transição e, na Argentina, predominam ressonâncias por
abrupção, buscou-se desenvolver, nas atividades de interpretação, questões que permitissem
compreender a relação que os alunos brasileiros estabelecem com as formações discursivas
que caracterizam cada língua-cultura (Português do Brasil e Espanhol da Argentina). Cabe
ressaltar, que, Serrani (2010, p.90), ao estabelecer uma comparação entre essas
discursividades, verificou a repetição de recorrências expressivas, ou seja, as formulações que
se repetem no discurso, tais como:
a) Itens lexicais de uma mesma família de palavras ou de itens de diferentes raízes lexicais,
apresentados no discurso como semanticamente equivalentes;
b) Construções que funcionam parafrasticamente;
c) Modos de enunciar presentes no discurso (tais como o modo determinado e o modo
indeterminado de enunciar; o modo de definir por negações ou por afirmações -categóricas
ou modalizadas –; o modo de referir por incisas de tom casual etc.).
Assim, utilizando as categorias enunciativas desenvolvidas pela autora, nesta análise
das atividades escritas desenvolvidas em sala de aula, buscou-se observar as formulações que
se repetem nas respostas dos alunos. Para a realização deste exame, foram selecionadas duas
questões de cada atividade de interpretação. Este recorte foi realizado tendo em vista a
97
produtividade das questões no que diz respeito aos objetivos a serem alcançados, ou seja, os
sentidos construídos na interação dos alunos com as formações discursivas predominantes no
contexto argentino atual. Ao todo foram analisadas 40 atividades referentes ao filme “Un
cuento chino” (19 da turma X e 21 da turma Y) e 43 atividades referentes ao filme “El
hombre de al lado” (19 da turma X e 24 da turma Y).

Análise dos sentidos atribuídos ao modo de enunciar do personagem Roberto
Em uma das questões da atividade de interpretação (anexo 4) referente ao filme “Un
cuento chino”, solicitou-se que os alunos descrevessem a impressão que tiveram do modo
como o personagem Roberto (o argentino) estabelece um prazo para Jun (o chinês) ir embora
de sua casa. Este diálogo foi selecionado, pois, ao analisar o modo de construção do discurso
de Roberto, observou-se que ele contém marcas da formação discursiva de abrupção, tais
como modo de enunciar determinado (“vos te vas”) e presença de enunciados que expressam
queixas e questionamentos no início do texto (“vamos a poner un plazo, si no yo voy a
explotar”). Assim, buscou-se compreender os sentidos produzidos na leitura deste diálogo, a
fim de avaliar os movimentos de aproximação e distanciamento dos alunos em relação a essa
formação discursiva. Abaixo, segue a transcrição:
ROBERTO: SENTATE. MIRA, ESTO ES ASÍ. VAMOS A PONER UN PLAZO. SI NO, YO
VOY A EXPLOTAR. “BOOM”, ¿HUN? HOY ES UNO. MAÑANA ES DOS. PASADO, TRES.
Y ASÍ, CUATRO, CINCO, SEIS, SIETE. SI EL SIETE, TU TÍO NO APARECE, VOS TE VAS.
HOY, UNO.
JUN: (SILENCIO)
A partir da análise das respostas produzidas pelos alunos da turma Y, observa-se, na
compreensão do modo de construção de discurso de Roberto, ressonâncias discursivas do
sentido de “grosseria”, “ignorância”, “ordem”, “pressão”, evidenciando uma limitada
afabilidade de Roberto. Segue alguns exemplos:
(G) “Acho que ele foi um pouco grosseiro17 no modo como abordou Jun para mandá-lo
embora. Acho que ele poderia ter sido um pouco mais delicado na hora de falar.”
17
Cabe ressaltar que os grifos em negrito foram feitos pela professora-pesquisadora para destacar os
elementos que evidenciam a análise.
98
(F) “Há uma impressão um pouco ignorante, na qual expressa que ele não queria um
estranho em sua casa. Ao estabelecer um prazo o chino se sente constrangido.”
(L) “Como Roberto é um homem solitário, acostumado a ficar sozinho, a presença de Jun na
sua casa o incomoda, então ele quer se livrar de Jun, por isso que sua fala é bem grosseira,
como se fosse uma ordem, uma sentença.”
(N) “Na cena notamos uma emoção e que com suas palavras Roberto impôs uma ordem que
era necessária. Usou palavras diretas e claras. ”
(AC) “Roberto fala de modo firme, de maneira que ele expressa uma ordem.”
Por outro lado, alguns alunos interpretaram que Roberto estava “nervoso”, “cansado”,
“tenso”, “estressado”, “desesperado” e “não aguenta mais” a situação do inquilino morando
em sua casa. Nota-se, então, que, nessas respostas, os alunos levaram em consideração não
somente o diálogo entre os dois personagens, mas também o conflito apresentado pelo filme,
utilizando-o como argumento para justificar o modo (abrupto) de Roberto estabelecer o prazo
com Jun. Exemplos:
(BRA) “A impressão que tive foi de que Roberto estava estressado e desesperado.”
(ML) “Que ele não está mais aguentando um estranho na sua casa.”
(ADR) “Pois ele estava nervoso. [...]. Vejo que ele queria privacidade e outras coisas
também.”
(DS) “De que Roberto está cansado de ter que tomar conta de Jun e procurar seu tio.
Quando Roberto diz que vai explotar.”
(JE) “Parece que Roberto não está confortado18 com a presença de Jun em sua casa. Ele usa
expressões curtas como: ‘Sentate, mira, si no yo voy a explotar’.”
Nesta última resposta, observa-se que o sentido de “desconforto” foi atribuído devido
à utilização de “expressões curtas” por parte do personagem. E o sentido de “cansaço”,
“desespero” e “estresse” está associado à palavra “explotar”.
Também foi possível observar, em algumas poucas sentenças, ressonâncias discursivas
relacionadas ao sentimento de “piedade”, atribuído pelos alunos ao personagem, devido à
18
Na transcrição das respostas dos alunos, optou-se por manter a ortografia original de suas respostas.
99
aparente vontade de Roberto em ajudar Jun. Tal sentimento, contudo, não eliminaria, na visão
destes alunos, outros fatores que o estariam incomodando.
(BRO): “Eu tive a impressão de que Roberto não estava se sentindo seguro com um
estrangeiro desconhecido em sua casa, mas, ao mesmo tempo, com pena do menino chinês.”
(MI) “O senti meio renegante, ou seja, querendo que o chinês fosse, mas com medo do que
ele poderia sofrer sozinho lá fora.”
(HO) “Que ele queria ajudar, mas não queria mudar seu jeito de viver.”
Além disso, observamos ressonâncias discursivas relacionadas à noção de “bondade”:
(VI) “Ele foi bom para Jun, já que ele dá um prazo grande e tenta explicar mesmo sem
entender Jun. [...]. Roberto parece perder a paciência em aguentar e orientar Jun. Por isso
estabelece um prazo.”
(PCK) “Roberto já chegou ao limite da sua bondade, não aguenta mais ter um inquilino
vivendo em sua casa e está disposto a colocá-lo para fora para reaver a paz.”
Somente um aluno da turma Y compreendeu que, no início do diálogo, Roberto estava
paciente no modo de falar, porém depois começa a perder a paciência.
(AY) “Por ser o primeiro dia do prazo, Roberto ainda com paciência no modo de falar, diz
que em sete dias Jun precisaria ir embora. O modo como Roberto já estava começando a se
estressar fica explícito quando ele diz: ‘Vamos a poner un plazo, si no, yo voy a explotar’.”
Ao analisar as respostas da turma X, observou-se que somente dois alunos
compreenderam que Roberto estivesse sendo “arrogante” e “grosseiro”:
(NI) “Eu tive uma impressão de arrogância da parte de Roberto, do modo como ele falou
parecia que ele queria que Jun fosse embora o mais rápido possível.”
(GI) “Roberto aparenta atingir um limite, não aguentar mais o Jun em sua casa, grosseiro e
direto, dá um prazo de sete dias para o tio de Jun chegar, ou ele resolver seus problemas.”
Na maioria das respostas, foram observadas ressonâncias do sentido de “nervosismo”,
“estresse” e “irritação”, devido ao fato de Roberto estar vivendo com um estranho em sua
100
casa. Nota-se, então, que nessas sentenças, o conflito apresentado pelo filme foi utilizado
como justificativa para o modo como Roberto estabelece o prazo. Exemplos:
(DV) “Que Roberto está nervoso, pois está com um estranho em sua casa, e estabelece um
prazo para esse estranho ir embora de sua casa, e o quanto mais rápido ele ir embora
melhor.”
(JS) “Que Roberto não queria mais abrigar Jun por motivo de estresse”
(CO) “A impressão foi que Roberto estabelece um prazo por conta do stress e da irritação
que é gerado nele desde a chegada de Jun.”
(RY) “Roberto não estava aguentando mais aquela situação e queria que Jun fosse
embora.”
Além disso, foram observadas ressonâncias discursivas do sentido de “incômodo” e
“desconforto” por parte de Roberto, já que ele estava vivendo com um estranho em sua casa:
(R) “Que de alguma forma o estrangeiro estava incomodando Roberto e que é
desconfortável ficar com um estranho em sua casa.”
(JY) “[impressão] de incomodo”
(RB) “Ele deseja que Jun vá logo embora, ele não se sente a vontade com a presença dele
em sua casa.”
Alguns alunos compreenderam que Roberto estava “impaciente”:
(LF) “Ele na verdade está impaciente, ele quer ajudar Jun, mas não está acostumado com
pessoas vivendo em casa com ele. No momento em que se passa, Roberto não deseja um
estranho em sua casa.”
(JN) “impressão de uma certa impaciência, incômodo, nervoso com a situação”
Somente dois alunos compreenderam que Roberto queria “ajudar” o chinês:
(E) “Seria uma forma de ajuda-lo, porém fazendo com que Jun entendesse que ele precisava
resolver o seu problema”
101
(LF) “Ele na verdade está impaciente, ele quer ajudar Jun, mas não está acostumado com
pessoas vivendo em casa com ele. No momento em que se passa, Roberto não deseja um
estranho em sua casa.”

Análise do modo como os alunos estabeleceriam o prazo com o chinês
Em um momento seguinte, a fim de perceber as semelhanças e diferenças entre os
modos de enunciar dos brasileiros e argentinos, foi proposto aos alunos que realizassem a
seguinte tarefa:
Imagine que você se encontra na mesma situação que Roberto: um estrangeiro desconhecido
está vivendo em sua casa. Porém, você precisa estabelecer um prazo para ele ir embora.
Como você diria isso para ele?
Após analisar as sentenças produzidas pelos alunos da turma X, observou-se que a
maioria delas continha marcas da formação discursiva de transição, tais como, ressonância de
enunciações amenizadoras e estruturação textual com expressões de queixa em parágrafos
situados no final do texto. Nos exemplos abaixo, é possível notar uma preocupação dos alunos
em construir o seu discurso utilizando uma forma mais “sutil”, “suave”, “confortadora” e
“pacífica”, em comparação com o modo de Roberto e de acordo com padrões
sociodiscursivos predominantes no Português Brasileiro. Veja:
(C) “Eu o chamaria e diria de uma maneira bem leve e sutil, mas de forma que desse a
entender os meus motivos, razões”
(JN) “Eu diria de uma forma não tão grosseira como Roberto”
(DV) “Eu faria igual Roberto na questão dos gestos, tentaria desenhar para ele tentar
entender o que eu queria falar, mas de uma forma mais ‘confortadora’ e suave que
Roberto.”
(E) “Tentaria encontrar uma solução rápida, porém seria mais pacífico, dizendo: sei que
você está perdido e estou disposta a lhe ajudar, porém precisamos resolver essa situação
logo.”
Além disso, foram mencionados alguns gestos que indicaram afabilidade em relação
ao personagem chinês e uma preocupação com seu bem-estar. Na primeira sentença (abaixo),
102
nota-se que, além da estratégia de “falar com calma” na hora de estabelecer um prazo, o aluno
(DR), para amenizar o conflito, estabeleceria a conversa em um ambiente familiar, acolhedor
e agradável, a fim de explicar calmamente a situação em que se encontrava. Além disso,
observa-se em sua resposta a possibilidade de aproximação afetiva com o estrangeiro e de
ajuda financeira. Na segunda sentença (abaixo), o aluno (LH) diz que utilizaria um calendário
e explicaria por meio da linguagem gestual, manifestando sua disponibilidade e generosidade
em fazer com que o estrangeiro o entenda. Observe:
(DR) “Bem, eu procuraria falar com ele na hora do jantar, com uma comida boa, tentaria
explicar da melhor forma possível para que ele entenda o meu lado na historia, falaria com
calma e estabeleceria um prazo para ele ir, claro, ajudaria ele financeiramente se me
apegasse a pessoa.”
(LH) “Fazendo um calendário para ele e explicar fazendo sinais, gestos e faria de tudo para
a pessoa entender.”
Outros alunos, responderam a questão utilizando o discurso direto, como se estivessem
participando de um diálogo. Observou-se que, na maioria das sentenças, ressonâncias
discursivas relativas à queixa, perceptíveis no ato de estabelecimento do prazo, estão situadas
preferencialmente ao final. Além disso, notou-se, no início de cada resposta, ressonâncias de
frases explicativas, a fim de fazer com que o chinês entendesse os motivos pelos quais não
poderia ficar na casa de Roberto, como, por exemplo, “não tenho condições financeiras”, “não
estou acostumado a ter outras pessoas comigo”, “preciso voltar a minha vida normal”, etc.
Também foram utilizadas expressões modalizadoras como “me desculpe”, “infelizmente”,
“sinto muito”. Ainda se pode observar, em uma das sentenças, a disponibilidade do estudante
(MA) em “ajudar” o estrangeiro a procurar outro lugar para morar. Por fim, também
observamos em algumas dessas sequências o prolongamento do prazo (mais do que uma
semana). Entende-se que essas foram algumas estratégias utilizadas pelos alunos para
amenizar o conflito estabelecido, o que evidencia a predominância de ressonâncias que
tendem à construção do sentido por transição nos textos produzidos pelos discentes. Seguem
abaixo as sentenças:
(I) “Não tenho condições financeiras para manter uma pessoa estranha dentro de minha
casa e nem tempo suficiente pata lhe dar assistência, então, temos que estabelecer um
prazo.”
103
(RS) “Embora eu não me importe em te ajudar, não tenho condições de o fazer para
sempre infelizmente. Se em sete dias seu tio não aparecer, me desculpe, mas você terá de ir
embora.”
(TY) “Olha, eu gostaria muito de poder ajudar você, porém não estou acostumado a ter
outras pessoas morando comigo, assim para não deixar você na rua, vou impor um prazo.”
(JLY) “Então Jun temos que conversar... Você já está aqui faz bastante tempo, eu tenho
meus trabalhos, minhas manias, bem ou mal eu não te conheço e preciso voltar com a
minha vida normal, você pode ficar mais uma ou duas semanas aqui até encontrar outro
lugar”
(G) “Olha, sinto muito, mas infelizmente não posso deixar você se acomodar. Vamos
estabelecer um prazo de um mês pra você encontrar emprego e, caso consiga, te dou mais
duas semanas para achar onde ficar. Se não conseguir, em um mês seu prazo acaba.”
(MA) “Quando ele acordasse, eu o chamaria para tomar café e diria: - Infelizmente, não
tenho mais condições de acudir você aqui na minha casa, então, estou te dando um prazo de
7 dias para que você possa arrumar outro lugar para ficar, e se você precisar, eu posso te
ajudar a encontrar esse outro lugar.”
(RO) “Eu não posso te manter aqui para sempre, precisarei criar um prazo, desculpe.”
Em algumas outras sentenças, notaram-se ressonâncias discursivas do modo de
enunciar por abrupção, tais como a presença de queixas situadas no início do texto, como, por
exemplo, “esta situação está me incomodando”, “não posso te manter aqui para sempre”, “não
tenho nenhuma obrigação contigo” etc. Algumas delas, ainda estão introduzidas por
expressões populares como “vou te mandar a real” e “é o seguinte”, responsáveis pela
instauração do conflito logo no início do diálogo. Em uma das sentenças, o aluno ainda
ameaça chamar a polícia, caso o prazo não seja cumprido. Porém, ainda assim, na maioria
delas, pode-se observar a presença de expressões amenizadoras para o destinatário, tais como,
“perdão, “sinto muito”, “desculpe”, “te ajudarei a procurar o seu tio” etc., as quais evidenciam
a tensão entre certa intenção abruptiva dos enunciados e resquícios de modos de enunciar
transitivos predominantes neste contexto pragmático:
104
(JO) “Olha eu vou te mandar a real eu to ficando super incomodada com você eu vou te dar
sete dias para seu tio vim te buscar se ele não vier você vai ter que achar outro lugar perdão
mas eu não posso sinto muito.”
(RYN) “Esta situação está me incomodando e para evitar maiores conflitos acho melhor
estabecer-mos (sic) um prazo para que você vá embora e até lá te ajudarei a procurar o seu
tio.”
(CRL) “Diria algo como: Se em sete dias, seu tio não aparecer, você deverá ir, pois não
posso mantê-lo em minha casa. Porém, enquanto isso, irá me ajudar em algumas coisas.”
(RE) “Olha, não tenho nenhuma obrigação contigo, mas por caridade vou deixar você ficar
em minha casa somente 7 dias, passando do prazo chamo a polícia.”
(JS) “-É o seguinte: você ficará um tempo aqui, mas terá que trabalhar fora, quando tiver
dinheiro para alugar uma casa, adeus.”
Na análise das sentenças produzidas pelos alunos da turma Y, observou-se que, de um
total de 18 sequências, metade (9) continha ressonâncias discursivas do modo de enunciar por
transição e a outra metade (9) continha ressonâncias do modo de enunciar por abrupção.
Nas sequências com ressonâncias de abrupção, notaram-se ressonâncias de enunciados
que expressam queixas, questionamentos situados no começo do texto e ausência de
expressões amenizadoras para o destinatário. Na segunda sequência, observou-se que o aluno
(DM) reproduziu a fala do personagem Roberto (via tradução), revelando, assim, uma
identificação com este outro modo de enunciar. Exemplos:
(NT) “Falaria: Você tem duas semanas para achar o seu tio, caso não o encontre nessas
duas semanas terá que encontrar outro lugar para ficar.”
(DM) “Você não pode ficar aqui, tem que ir, vou lhe dar sete dias para procurar para onde
ir, sete dias! Hoje é o dia 1! Amanhã 2 e assim segue, só tem sete dias para ir embora.”
Em algumas sequências, inclusive, foram encontradas menções ao incômodo e aos
problemas causados pelo chinês. Observe:
(MO) “- Ei, eu não te conheço, não sei o seu nome, seu passado e isso está me
incomodando. Te dou uma semana para achar seus conhecidos ou um lugar para ficar. Hoje
será o primeiro dia da contagem.”
105
(VI) “Meu amigo, esta situação está insustentável precisamos de um acordo, um prazo para
você ir embora, tenho coisas para fazer e você me incomoda e me atrapalha em minhas
tarefas, vamos organizar um limite máximo para você ficar aqui em casa.”
Por outro lado, algumas sequências, ainda que com as queixas situadas no início do
texto, continham expressões amenizadoras, como, por exemplo, “não me leve a mal”, “sinto
muito” e frases explicativas, tais como, “nunca te vi, não tive nenhum contato ou coisa do
tipo”, “não tenho condições” etc. Na quinta sequência, abaixo, observou-se uma estratégia de
amenização do conflito através de uma ajuda financeira. Notou-se também, novamente, na
terceira sequência, uma reprodução do que foi dito por Roberto, evidenciando a identificação
do aluno brasileiro com o modo de enunciar do personagem por abrupção.
(AC) “Não me leve a mal, mas eu preciso estabelecer um prazo pra você ir embora. Então
você pode ficar aqui por uma semana. Se seu tio não aparecer você vai ter que ir embora.”
(ML) “Sinto muito mas daqui a uma semana se ninguém te encontrar você tem de ir
embora”
(BR) “Eu diria para ele desta forma: sente-se, olhe, é necessário por (sic) um prazo para
você ficar aqui, não tenho condições. Pense em uma semana, sete dias se seu tio não chegar
nesses sete dias, você terá que ir, hoje é um dia.”
(JE) “- Se você quiser pode sentar. Olha, eu não sei o que fazer contigo, pois nunca te vi
não tive nenhum contato ou coisa do tipo, não tem como eu te manter em minha casa então
irei te dar uma semana para algum parente ou amigo seu aparecer se ocorrer eu não terei de
enviá-lo para a embaixada.”
(FA) “O mesmo que o Roberto fez eu daria um prazo para ele ficar na minha casa e depois
mandaria ir embora ou dava um dinheiro para ele se abrigar em outro lugar”
Nas sequências predominantemente transitivas produzidas pelos alunos, notaram-se
ressonâncias de enunciações elogiosas ou amenizadoras empregadas na interlocução com o
coenunciador. Na primeira sequência, observou-se, inclusive, um envolvimento emocional
por parte do aluno com o estrangeiro, como se ele estivesse terminando um relacionamento de
cunho afetivo:
106
(AY) “Tá sendo muito bom ter sua presença aqui em casa, mas eu também tenho minha
própria vida, e você, a sua, isso vai acabar fazendo mal pra nós dois. É melhor você ir
embora, precisamos seguir nossas vidas sozinhos.”
(RU) “Diria: Observe. Te ajudarei no máximo possível em tudo que precisares19, porém
essa ajuda será realizada em um prazo de sete dias começando agora. Depois terás que ir!”
(F) “Eu diria assim: Vou te dar um tempo para que encontre seu tio, eu irei te ajudar nessa
busca, mas se caso você não achar seu tio, você terá que voltar para sua casa, pois não tem
como você ficar aqui por muito tempo, e eu nem te conheço direito para te deixar aqui.”
Observou-se também a presença de frases explicativas no início do texto, com o
intuito de amenizar o conflito:
(ADR) “Poxa já deixei você ficar um tempo na minha residência, sou muito bom pois
coloquei um estrangeiro que não conhecia em minha residência, pois agora você terá que
se retirar, seguir a sua vida.”
Além disso, pode-se notar a presença de enunciações amenizadoras no final do texto.
Na sequência abaixo, verifica-se uma preocupação, por parte da aluna, em ser cortês, uma vez
que ela explicita não querer ser interpretada como “grosseira” por seu coenunciador.
(LH) “Olhe, amigo. Não tem como você passar todo esse tempo na minha casa esperando seu
tio. Vamos estabelecer um prazo de uma semana para esperar teu tio aparecer, ou para
conseguir uma casa ou apartamento para você. Talvez você possa ficar até duas semanas,
mas não mais que isso, ok? Espero não estar sendo grosseira com você.”
Também foi possível observar sequências em que os alunos mencionavam a utilização
de algumas ferramentas para auxiliar no diálogo, tais como “calendários” e “dicionários”, a
fim de tornar a situação um pouco menos conflituosa. Além disso, notou-se que, em algumas,
havia o estabelecimento de “um prazo maior” do que o estabelecido por Roberto:
19
Ainda que o aparecimento da 2ª p. sing. possa ser resultado de uma construção interlinguística, devido ao
contato com o espanhol, essa desinência, nesta sequência produzida pela aluno (RU), também pode ser
considerada como um aspecto que revela a intenção do aluno em amenizar o conflito (aspecto próprio das
formações discursivas por transição), uma vez que a segunda pessoa do singular, em geral, no Rio de Janeiro,
só aparece, por ex., em textos (escritos) antigos, formais e/ou fortemente marcados pela cortesia. É
importante notar também, que, nas respostas produzidas pelos alunos, alguns se aproximam mais da
linguagem oral – apropriando-se das características do gênero “roteiro” de cinema – e outros, não, como no
caso do aluno (RU).
107
(TH) “Pegaria um calendário e diria que até o final do mês, apontando o dia, ele teria que ir
embora.”
(HG) “Eu diria com a ajuda de desenhos, desenharia mãos no lugar de números, também
teria comprado um dicionário. E teria colocado um prazo maior.”
(PCK) “Usaria um calendário, que é uma ferramenta universal e um dicionário da língua do
estrangeiro para lhe dizer da melhor forma possível que não posso mais o manter em minha
casa.”
(BRA) “Eu compraria um dicionário e formaria uma frase que diria para ele ir embora, e
não me causar mais problemas.”
Ao analisar a incidência da imagem do dicionário nas sequências, notou-se que, na
visão dos estudantes, essa ferramenta seria capaz de resolver os problemas de comunicação
oral entre línguas de ramos linguísticos tão diferenciados. Embora haja na visão desses alunos
um senso comum, equivocado, em relação à comunicação em língua estrangeira, é possível
também considerar a presença do dicionário como uma metáfora que indicia uma abertura ao
diálogo e uma aproximação em relação ao outro através da língua – uma língua, no caso, não
majoritária em nosso contexto geopolítico.

Análise dos sentidos atribuídos ao modo de enunciar de Leonardo
Em uma das questões da atividade de interpretação (anexo 3) referente ao filme “El
hombre de al lado”, solicitou-se que os alunos descrevessem a impressão que tiveram do
modo como o personagem Leonardo abordou seu vizinho, Víctor, para tentar solucionar o
problema da janela. Este diálogo foi selecionado, pois, ao analisar o modo de construção do
discurso de Leonardo, observou-se que ele contém marcas da formação discursiva de
abrupção, tais como, modo de enunciar negativo (“No, no. Pero eso no tiene nada que ver”) e
presença de enunciados que expressam queixas e questionamentos no início do texto (“Ey.
Hola. Ey. ¿Está el dueño? Ah, ¿qué tal? Escúchame, no, no. No puede hacer ese agujero”).
Assim, buscou-se compreender os sentidos produzidos na leitura deste diálogo, a fim de
avaliar os movimentos de aproximação e distanciamento dos alunos em relação a essa
formação discursiva. Abaixo, segue a transcrição:
108
Leonardo: Ey. Ey. Hola. Ey. ¿Está el dueño? Ah, ¿qué tal? Escúchame, no, no. No puede
hacer ese agujero, yo, yo, lo hablé hoy con sus albañiles. ¿No ves que da directamente a mi
casa? Además es ilegal. Está prohibido
Víctor: Vamos por partes. Buenas tardes, yo soy Víctor. ¿Con quién tengo el gusto?
Leonardo: Leonardo, vivo acá.
Víctor: Ah, Leonardo. Ah, es que te lo iba a avisar ayer pero no pude pasar.
Leonardo: ¿Han?
Víctor: Nada, el tema es que no tengo luz por este lado y todo el sol viene de allá y necesito
atrapar unos rayitos de sol. Nada. Por eso estoy haciendo esta reforma, pero ya que estás
acá te pido permiso. ¿Me das permiso? ¿Por qué no te venís acá si te explico bien?
Leonardo: No, es que estoy laburando ahora. No, no, no te entiendo. No se puede hacer una,
una, una ventana en la medianera con vista a mi casa.
Víctor: Bueno, pero me parece que al barrio no llegó la noticia. ¿Y estos edificios que están
ahí? Aquél y aquel otro…
Leonardo: No, no. Pero eso no tiene nada que ver. Lo tuyo es ilegal. Está vulnerando mi
intimidad y la de mi familia.
Víctor: Pero si te miran de todas esas ventanas, ¿qué te jode una ventana más? Estoy
tratando de atrapar unos rayitos de sol.
Leonardo: Sí. Perdón, repítame su nombre, por favor.
Víctor: Víctor.
Leonardo: Y su apellido, por favor.
Víctor: Víctor Chubello.
Após a análise das respostas dos alunos para expressar o sentido construído na leitura
do diálogo em relação ao modo de enunciar do personagem Leonardo, observaram-se, em
algumas sentenças, ressonâncias discursivas do sentido de “raiva”, “revolta”, “irritação”,
“incômodo”, “nervosismo” e “impaciência”. Os motivos que levaram os alunos a atribuir esse
sentido foram: o fato de Leonardo proibir Víctor de construir a janela, sem escutar seus
motivos, e também utilizar um tom de voz alto. Exemplos:
(RE) “A impressão que Leonardo passa é de raiva, revolta por ter uma janela virada para
sua casa, tirando a privacidade dele e da família. Pelo fato dele gritar e proibir Victor de
construir a janela. ‘Está prohibido’.”
(DV) “Leonardo estava meio nervoso”
(JO) “Tive a impressão de que ele estava irritado pelo modo e o tom em que ele fala com
Víctor. No ves que da diretamente a mi casa?.”
(RM) “Ele passou a impressão de que tal atitude não agradou Leonardo.”
(MA) “Leonardo parecia estar muito irritado e incomodado com o buraco de frente a sua
casa, ele dizia que era uma invasão de privacidade.”
109
(RYA) “O modo o qual Leonardo aborda o seu vizinho me dá a impressão que ele estava
muito incomodado com aquela janela e que ele não queria ouvir os motivos de Victor abrir
uma janela.”
Alguns estudantes chegaram a considerar, mais explicitamente, o modo de enunciar do
personagem Leonardo como um sinal de descortesia, ou “falta de educação”. Para alguns,
esse sentido foi atribuído devido ao fato de Leonardo ter feito a queixa logo no início de sua
conversa com seu vizinho. Para outros, o que gerou esse sentido foi o “nervosismo”, “a falta
de calma”, a “impaciência”, os “gritos” e a forma “autoritária” de Leonardo falar.
(JS) “Ele não teve educação quando foi falar com Victor, tanto que Victor logo em seguida
usa expressões amenizadoras como “Bom dia”. As palavras de Leonardo que mostraram a
falta de educação foi o fato de Leonardo já chegar falando para o Victor que ele não tinha
permissão para construir uma janela ali.”
(LRN) “A impressão que tive foi que Leonardo abordou Victor com muita autoridade,
nervosismo e sem educação, pois ele deveria ter mais calma, ou seja, ir à casa de seu vizinho
para conversar civilizadamente, sem gritos. Assim mostraram as expressões ‘está prohibido’,
‘escúchame’ e ‘no puede hacer ese agujero’.”
(D) “Ele estava farto e não foi tão educado mas foi preciso para defender sua família da
falta de privacidade. ‘además es ilegal. Está prohibido’.”
(CRL) “Pelo que podemos ver, Leonardo estava impaciente e até mesmo um pouco irritado
com a situação. As palavras que ele utilizou (‘Ey, Ey, Escúchame’, ‘No pode (sic) hacer’),
acompanhados de sua forma de falar, que não fora muito educada (gritando e de forma
autoritária).”
Seguindo a esteira dessas colocações, outros alunos também compreenderam que o
modo de Leonardo abordar seu vizinho foi “grosseiro”, “agressivo” e “arrogante”,
“autoritário”, “raivoso”, “rude”, “impaciente”, “intolerante”. Na segunda sequência,
observou-se que um dos motivos que levou a aluna (JLE) a atribuir esse sentido foi a ausência
de uma cordialidade. Deste modo, a “cordialidade”, definida por Sérgio Buarque de Holanda
(1995) como uma exaltação da simpatia e uma forma de convívio regida pelo emotivo, em
que o estabelecimento do respeito se dá através da intimidade, pode ser entendida como uma
estratégia argumentativa utilizada pelos brasileiros para evitar conflitos na interlocução,
constituindo-se, assim, como memória discursiva. Como foi observado em capítulo anterior,
110
essa maneira de ser está nas raízes da cultura brasileira, é produto da formação históricosocial do país e está refletida nas formações discursivas predominantes neste contexto. Na
quarta sequência, notou-se que a aluna (I) fez uma associação entre “forma direta” de falar e
agressividade, revelando que o seu padrão de cortesia e de manutenção do pacto enunciativo
se dá, predominantemente, por meio de “formas transitivas”. Além disso, ao utilizar a
formulação “foi logo pedindo” como uma das justificativas para o sentido de grosseria
construído, a aluna (I) sinalizou um distanciamento em relação à formações discursivas por
abrupção, uma vez que ela é caracterizada por um modo de construção da estrutura textual em
que a queixa está situada no início do enunciado. Leiam-se os seguintes exemplos:
(G) “Leonardo aparentou estar impaciente e insatisfeito, abordou Victor de forma direta e
grosseira. [...]. A utilização das expressões com exclamações e diversos “no” contribuem
para perceber a força e exaltação da sua voz com Víctor.”
(JLE) “Abordou o vizinho de uma forma autoritária e um tanto grosseira. Pois não
procurou saber o que estava acontecendo antes e sem nenhuma cordialidade. ‘Não pode’,
‘está proibido’.”
(JN) “Minha impressão foi que ele estava com impaciência, com raiva diante de tal situação.
Porque o modo como ele falou e tratou o vizinho foi, primeiramente, arrogante. ‘Escuchame,
no, no.’ ‘No puede hacer este agujero...’. ‘Está prohibido’.”
(I) “Leonardo foi agressivo para com seu vizinho, pois ele chegou de forma direta, já
acusando o vizinho de estar invadindo sua privacidade e foi logo pedindo para tampar a
ventana sem dar muito diálogo ao Victor.”
(ELA) “Leonardo passa a impressão de estar sendo rude e intolerante com seu vizinho
Victor”
Porém, alguns alunos, embora também tenham compreendido que Leonardo abordou
seu vizinho de forma grosseira, defenderam sua atitude levando em consideração a situação e
o contexto em que se encontrava o personagem. Observe:
(LH) “Leonardo estava muito estressado e abordou seu vizinho de uma forma grosseira, mas
ele tinha razão para falar desta maneira, pois seu vizinho não foi pedir permissão, porque
em ‘medianeras’ é proibido e ilegal quando esta de frente a casa de uma pessoa.”
111
(FR) “Tive a impressão de que Leonardo não queria de jeito nenhum que Víctor construísse
aquela janela ali, por isso chegou até ele com tom de ‘agressividade’ para deixar claro o
que queria. Por causa da forma e das expressões de Leonardo, ele foi direto e profissional.
‘¿Está el dueño? Ah, ¿qué tal? Escúchame, no, no. ¿No ves que da diretamente (sic) a mi
casa?’.”
Também foi observado, nas sequências analisadas, que os discentes tiveram atenção às
ressonâncias discursivas ligadas aos sentidos de “exigência” e “imposição”, por parte de
Leonardo, de sua própria vontade, “sem se preocupar em agradar Victor”. Esse modo
“exigente” foi visto como negativo para alguns alunos, que o definiram como “ruim”,
“impulsivo”, “extremamente grosseiro” e “mal educado”, pois Leonardo “nem sequer
cumprimenta” e também “não tenta conversar com o vizinho”, “jogando em sua cara que está
errado”.
(CA) “Que ele agiu de maneira impulsiva já cobrando soluções, porque ele nem ao menos
cumprimentou Victor, já foi lhe exigindo que ele não fizesse a janela.”
(RB) “Ele foi extremamente grosseiro, mal educado, pois sem nem sequer cumprimentar e
tentar conversar a respeito do assunto, querendo impor sua vontade independente da
opinião de seu vizinho.”
(NI) “A impressão que eu tive foi que Leonardo agiu de forma ruim, no caso, ele deveria ter
falado com Victor o mais rápido possível, porém, ele não foi e tratou Victor de uma forma
não muito legal entre vizinhos, pois quis jogar na cara dele que estava errado, o que
contribuiu foi a negação que ele utilizou de forma exagerada.”
(RH) “Leonardo não tentou chegar a uma conclusão que agradasse ambos (Victor e
Leonardo), ele simplesmente pensou em uma resolução que agradasse a ele mesmo. As
expressões foram: ‘no puedes hacer ese agujero’ e ‘Además es ilegal. Está prohibido’, pois
ele não deu chance a Victor de propor uma solução ao problema. Ele queria do jeito dele,
nada diferente
Por fim, notou-se a presença de uma sentença em que o aluno reprimia a forma
“exaltada” de Leonardo abordar seu vizinho, dizendo que ele não deveria se pronunciar de tal
modo. Leia-se:
112
(LS) Ele agiu de uma maneira exaltada com Victor, mesmo que Victor estivesse errado de
abrir a janela virada para a casa de Leonardo, ele não deveria falar assim com ele.”)
Em algumas poucas sequências, podem-se observar ressonâncias discursivas
relacionadas ao sentido de “educação” e “respeito”. Na primeira sequência, a aluna (TY)
atribui o sentido de educado devido ao fato de Leonardo utilizar “palavras amenizadoras”.
Neste momento, notou-se um dialogismo da voz da professora na voz dos alunos, uma vez
que essa palavra foi usada frequentemente tanto nas aulas ministradas como nas atividades de
interpretação. Nas demais sequências, notou-se que foi feita uma relação entre falar
“calmo”/“tranquilo” e ser educado. Além disso, cabe ressaltar que os alunos, ao analisar os
enunciados dos filmes, se dão conta não somente do atravessamento de diferentes formações
discursivas, como também da sobreposição de traços linguísticos (como uso lexical e
entoação) – os quais muitas vezes imprimem sentidos não coincidentes à enunciação. Por
exemplo: a aluna (JY) compreendeu que Leonardo tinha sido educado, porém seu “tom de voz
soou grosseiro”. A aluna (TY) afirma que o uso de formas lexicais como “perdón” ou “por
favor”, embora imprimam o sentido de “educação”, não necessariamente irão imprimir o
sentido de “simpatia”, revelando, assim, que o sentido de “simpatia” é construído, na cultura
brasileira, a partir de outras estratégias. Percebe-se, então, a partir da observação dessas
sequências, que ambas as alunas demonstraram certa consciência em relação ao fenômeno de
não-coincidência do dizer20:
(TY) “Acho que o Leonardo foi educado e também ele não queria causar transtornos em
ambas as partes usando palavras amenizadoras como ‘Perdón’ e ‘Por favor’. Porém a
educação nem sempre faz de você uma pessoa simpática.”
(LF) “Ele tentou ser o mais educado possível [...] então, para mim, Leonardo tentou se
mostrar um cara tranquilo. Em nenhum momento se mostrou agressivo e explicou sua
situação. ‘No, no te enitendo’; ‘Lo tuyo es ilegal’. Leonardo poderia ter tomado decisões
mais radicais.”
(JY) “Leonardo além de muito educado e calmo mostrou certo incomodo ao ver sua
privacidade sendo invadida, mas sempre calmo, sem faltar com respeito. As expressões são:
‘por favor’, ‘¿No ves que da directamente a mi casa? Además es ilegal’, mas o tom de voz
soou grosseiro”
20
Sobre esse tema ver Jacqueline Authier-Revuz (1998).
113
Ao analisar as respostas dos alunos da turma Y, notou-se que, na maioria das
sentenças, predominaram formações discursivas com ressonâncias do sentido de “irritação”,
“estresse”, “nervosismo”. Na quinta sequência, observou-se que o aluno construiu esse
sentido devido ao fato de Leonardo “falar muito rápido, fazendo gestos”. É importante
ressaltar que esta associação entre o falar rápido e os gestos, estabelecida pelo aluno,
demonstra a importância de que a análise do discurso e o ensino/aprendizagem de línguas vão
além da concentração exclusiva sobre a forma (estrutura), pois no processo de co-construção
dos sentidos em textos multissemióticos (como os filmes) os coenunciadores estão sempre
atentos à relação entre linguagem e corpo. Na quarta sequência, observou-se que o motivo que
levou o aluno (PK) a essa compreensão foi o fato de o personagem utilizar “muitas negações”.
Verifica-se, então, que o aluno não aderiu ao modo de enunciar negativo, próprio das
formações discursivas por abrupção neste contexto. Por outro lado, na primeira e na nona
sequências, observou-se que alguns alunos associaram esse nervosismo aos conflitos
vivenciados pelo personagem após o início da obra da janela, uma vez que ela estava
invadindo a sua privacidade, justificando assim seu modo de abordar o vizinho. Pode-se
observar, então, nestas sequências, uma certa adesão ao modo de enunciar por abrupção,
evidenciando que, esse tipo de formação discursiva, ainda que não predominantemente,
também existe no contexto brasileiro e pode ser utilizada em determinadas situações.
(VN) “Ele parecia um pouco irritado e insatisfeito, pois a obra é bem ‘sem noção’ e
prejudicaria a intimidade dele e de sua família”
(FR) “O Leonardo já estava estressado com a obra”
(ML) “Ele estava nervoso então de vez em quando gaguejava; pois ele era todo forte e o
Leonardo era tímido com relação a brigar com o vizinho”
(PK) “Leonardo o abordou bastante assustado e nervoso [...] ele usa muitas negações.”
(LH) “Tive a impressão de que Leonardo estava nervoso e um pouco afobado. Pois ele
falava muito rápido, fazendo gestos como se tentasse passar algo que não conseguia explicar
por meio de palavras, e nervoso, pois ele repetia muitas vezes a mesma palavra não porque
queria dar ênfase na palavra, mas talvez porque estava tão nervoso que não conseguia
formular uma frase rapidamente.”
(GC) “de que ele estava estressado”
114
(AY) “Ele diz que é ilegal e se estressa um pouco com Victor”
(BR) “Eu tive a impressão de que Leonardo estava extremamente irritado com a situação,
pois ele acha que Víctor vai olhar a intimidade de sua família. Eu tive essa impressão, pois
ele gaguejava e falava muito rápido.”
Além disso, observa-se a construção dos sentidos de “afobação” e “indignação”.
Novamente, um dos motivos que levou os alunos a construir esse sentido foi o “tom de voz”
utilizado pelo personagem, evidenciando a forte interferência de fatores relacionados à
entonação na produção de sentidos dos alunos a partir da interação com os filmes. Observe:
(NH) “A impressão que tive foi que Leonardo estava muito afobado ao falar com Victor, foi
pelo tom da voz de Leonardo que tive essa impressão”
(BN) “Eu tive a impressão de que ele estava surpreso e indignado”
Também podem-se observar, em alguns momentos, ressonâncias mais diretamente
ligadas à ideia de falta de cortesia:
(TH) “Com muita ignorância e surpresa por ele estar fazendo uma janela com vista para a
casa dele”
(FL) “Eu tive a impressão de que Leonardo foi um pouco grosseiro pelo modo em que ele
falou. Porque ele falou em um tom muito alto, eu acho que ele poderia ter sido um pouco
mais gentil, pois o Victor estava conversando com ele calmamente.”
(ADR) “As palavras que Leonardo disse eram com um tom de grosseria.”
Além disso, alguns poucos alunos compreenderam que Leonardo não foi educado,
pois ignora o uso de saudações no diálogo com o vizinho – uso este identificado por um
discente como marca de cortesia necessária à interlocução – e, no dizer dos alunos, vai “direto
ao ponto”. No caso, o aluno está se referindo ao fato de Leonardo fazer a queixa ao vizinho
logo no início do enunciado, traço característico das formações discursivas por abrupção,
revelando, assim, um distanciamento em relação a esse modo de enunciar.
(DM) “Que Leonardo estava realmente irritado com a janela que seu novo vizinho abriu.
Deixou um pouco de sua educação e foi direto ao ponto.”
115
(JE) “Leonardo primeiramente aborda seu vizinho com um pouco de grosseria, pois
Leonardo não lhe dá bom dia, nem usa de educação.”
(HG) “Ele abordou de forma direta. Porque não o cumprimentou nem, perguntou seu
nome, só reclamou do problema.”
Por outro lado, também foi possível encontrar em algumas poucas sentenças
ressonâncias do sentido de “educação”.
(AC) “Ele abordou seu vizinho de maneira educada, explicando que aquilo era ilegal. Não
usou palavras de baixo calão nem expressões grosseiras. Por exemplo, perguntou se o
vizinho estava bem, mas deixou claro que não estava feliz e não manteve uma relação
afetiva.”
(MS) “Tive a impressão que Leonardo estava tentando abordar o vizinho com autoridade,
mostrando que não havia nenhuma forma de construir a janela, porém utilizando também a
educação. Demonstra-se isso com a repetição de ‘nãos’ e a fala apressada.”
(RF) “Que Leonardo é um cara calmo e educado, porém abordou seu vizinho com sua voz
em tom elevado.”

Análise do modo de enunciar do personagem Víctor
Em outra questão referente ao filme “El hombre de al lado”, solicitou-se que os alunos
descrevessem a impressão que tiveram em relação ao modo como o personagem Víctor
abordou seu vizinho, em uma outra cena do filme. Esta cena foi selecionada, pois verificou-se
que ela continha, predominantemente, ressonâncias discursivas de transição, tais como,
ressonâncias de enunciações amenizadoras e elogiosas para o destinatário (como, por
exemplo, “yo te quiero y te respeto como persona”) e estruturação textual com expressões de
queixa em parágrafos situados no final do texto. Segue abaixo o diálogo transcrito:
Víctor: Leonardo, Leonardo, Leonardo. ¿Tenés un segundo? Quiero charlar sobre la
reformita.
Leonardo: Ah. Sí. Decime.
Víctor: No. Pero acá, no. Mejor vamos a un bar y charlamos tranquilos de amigo a amigo.
Leonardo: ¿Sabe qué pasa? Estoy laburando ahora.
Víctor: Pero si hace media hora que estás cabeceando ahí frente a la computadora. Deja de
joder, Leonardo. Bajá.
116
Leonardo: Tá. Tá. Cinco minutos no más. Vamos al bar de la esquina.
Víctor: Ese bar está lleno de negros. Vení, bajá.
Leonardo: Sí… Estoy medio ocupado, en serio. ¿Por qué no me decís acá?
Víctor: Leonardo, ¿podés bajar?
Leonardo: Tá, perá, perá.
Leonardo: ¿Qué hacés? ¿Cómo te vas?
Víctor: ¿Que hacés, Leonardo? ¿Cómo andás?
Leonardo: Bien, bien, che, acá, laburando. Es que, che, tengo que volver enseguida. Dime,
¿qué pasa?
Víctor: No, pero acá, no charlemos tan incómodos. ¿Por qué no vamos a la camioneta?
Prendo la calefacción y charlamos ahí.
Leonardo: Uh, mira, es un mundo esto. Permiso.
Víctor: ¿Ves? Tiene un cablecito acá doce voltios para mantener el agua caliente. Eso sí
tengo que perfeccionarlo porque se me está saliendo recaliente
Leonardo: Claro, está buenísimo. Che, contame que tengo que ir y todo más.
Víctor: Bueno, mira, Leonardo, yo te quiero y te respeto como vecino y como persona. Pero
la ventana se hace sí o sí. Porque si no toda la reforma que vengo haciendo hace tres meses
me queda horrible, todo oscuro. Y toda la guita que gasté se va al reverendísimo peo. Pero no
te quiero joder. Voy a hacer una ventana al estilo modernoso de tu casa. Yo pensé en un “ojo
de buey”, como los barcos. Pero no voy a hacer una ventana rectangular. Quédate tranquilo,
Leonardo. Va a ser la ventana más canchera y más linda de tu casa.
Leonardo: Tá, tá, pero, yo te agradezco, pero no, no va a poder ser, Víctor. Digo, aparte de
todo lo que hablamos que legalmente no se puede, acá el otro problema real es mi mujer, es
una mina súper obsesiva, es inflexible. A mí de hecho la ventana, que sé yo, no me jode tanto,
no me parece tan grave, pero ella no va a aceptar nunca.
Víctor: ¿Y le ponemos una plantita? De hecho que a las mujeres les encantan las plantas.
Leonardo: No, qué plantas. No le va a gustar.
Víctor: Tomate el matecito.
Leonardo: Ah, puta, me quemé!
Víctor: Disculpa. ¿Está ella ahora? Vamos y le explicamos.
Leonardo: No, no, es para peor. Aparte no está.
Víctor: Entonces, dame el teléfono, yo la llamo. Soy irresistible con las mujeres.
Leonardo: Ah, pará, Víctor. ¿Cómo vas a llamar a mi mujer? No va a funcionar.
Víctor: Leonardo, no soy ningún psicópata y estoy poniendo toda mi buena onda. ¿Cómo se
llama?
Leonardo: ¿Mi mujer? Ana.
Víctor: Yo la llamo, yo la convenzo.
Leonardo: No, pará, pará. Dejame que eso voy a hablar con ella, a ver se le puedo explicar
lo que quieres hacer. No le prometo nada. Yo más iba pensando en un no.
Ao analisar as respostas produzidas pelos alunos da turma X para caracterizar o modo
de Víctor abordar Leonardo nesta cena, notou-se, na maioria das sentenças, ressonâncias
discursivas do sentido de “amistoso”, “amigável”, “amigo”, “amizade”. De acordo com os
117
alunos, Leonardo utilizou essa estratégia para “convencer Leonardo”. Os motivos que levaram
os alunos a construírem esse sentido foram: o fato de Víctor chamar seu vizinho “para sair” e
“beber”, “perguntar pela mulher dele” e “envolver [no assunto] coisas que o Leonardo gosta”.
(RE) “A impressão que passa é de que Victor quer se aproximar de Leonardo ser amigo
dele. Pelo fato dele chamar para sair, perguntar pela mulher dele, etc.”
(RS) “Ele se comportou de forma mais amistosa, com a intenção de convencer Leonardo a
conversar com ele.”
(NI) “Eu tive a impressão que Víctor queria conquistar a amizade de Leonardo, o chamando
para ir beber, conversar com sua esposa, ele queria de toda forma conseguir acabar sua
reforma ou até mesmo igualando sua janela ao plano arquitetônico encontrado na casa de
Leonardo.”
(ELA) “A impressão de que ele tenta forçar uma amizade com Leonardo para tentar
convencê-lo a permitir e aceitar a construção de uma janela menor.”
(RY) “O modo como Víctor argumenta com Leonardo me passa a impressão de que ele
(Victor) queria resolver essa situação de forma amigável”
(FR) “Victor tentou ser o mais amigável possível e tentou envolver as coisas que Leonardo
gosta para continuar com a reforma. Porque envolvendo algo que Leonardo gosta, ajuda a
convencê-lo”
Também notou-se a presença de sequências com ressonâncias discursivas do sentido
de “tranquilidade”, “calma” e “paciência”.
(JN) “A impressão de que ele estava querendo uma boa conversa, com tranquilidade e
paciência.”
(MC) “Ele parece estar bem tranquilo, bem calmo e disposto a resolver o problema da obra
de uma forma pacífica e que os dois lados fiquem felizes.”
Em outras sentenças, observou-se que os alunos compreenderam que Víctor foi
“educado” no seu modo de abordar o vizinho, pois “falando assim com mais calma e mais
educação”, ele teria mais chance de convencer Leonardo. Foi possível notar também que, em
118
algumas respostas, o sentido de “educado” estava associado ao fato de Víctor ter sido
“calmo”, “paciente”, “simpático” e “amistoso”.
(DV) “Ele foi muito educado e paciente com Leonardo. Porque ele não é bobo, e falando
assim com mais calma e com mais educação, com certeza ele teria mais chance do
Leonardo deixar ele fazer a janela. ‘yo te agradezco’, ‘yo te quiero y te respeto como vecino
y como persona’, ‘Disculpa’.”
(IS) “Ele se portou como uma pessoa simpática e educada, tratando-o de forma amistosa
para convencê-lo do seu intuito de pôr a janela.”
(LO) “A impressão que tive sobre Víctor ao convencer Leonardo foi que Víctor teve calma,
educação e além de tudo, agiu como amigo (na conversa) e sem autenticidade21, pois foi
chamá-lo em casa, adiantou o assunto que seria abordado, estava calmo, com intenção de
ser amigável e conversar em outro lugar para acabar com o clima tenso.”
(JNU) “De uma maneira bem convincente e educada apresentando os seus argumentos que
propõe até mesmo um benefício a Leonardo.”
Além disso, observou-se que os alunos compreenderam o modo de Víctor abordar seu
vizinho como “persuasivo”, utilizando diversas estratégias para convencê-lo, tais como o
modo de falar “bastante calmo”, sem fazer uso de “nenhuma expressão rígida”, levando-o
“para tomar mate”, sendo, de certo modo, “carinhoso e puxa-saco”, na visão de alguns
discentes.
(LF) “Ao início, tive a impressão de que Víctor estava fazendo de tudo para que Leonardo
descesse. Ele chamou o vizinho para dentro da van com o intuito de agradá-lo, criou o
ambiente perfeito para persuadir seu pedido de fazer a ventana.”
(CRO) “Ele pareceu bastante persuasivo, de uma forma bastante calma e pouco intimativa.
Porque ele não utilizou nenhuma expressão rígida, ele até mesmo foi bastante
amenizador.” (JS) “Victor usou estratégias como levar ele para tomar mate, oferecer dar
flores para a mulher de Leonardo, dizer que respeita Leonardo. Tudo para convencer da
colocação da janela. Expressões como ‘de amigo a amigo’ e também ‘te quiero’.”
21
Pode-se deduzir, pelo contexto, que a aluna utilizou equivocadamente a expressão “sem autenticidade”.
Provavelmente, ela quis atribuir o sentido de “sem autoridade”.
119
(JY) “Ele foi pedir desculpas, mas com a intenção que Leonardo ficasse com ‘pena’ e
deixasse ser feita a janela. Porque ele foi carinhoso e ‘puxa saco’, falando que a casa era
moderna.”
(CIO) “Argumentou de forma que fosse deixar Leonardo mais confortável perante o fato de
Víctor colocar uma janela em direção a uma parte visível da de Leonardo.
‘voy
hacer
una ventana al estilo modernoso de tu casa’, ‘le ponemos una plantita”.”
Outros alunos compreenderam que aquela era a “maneira certa” para conseguir
convencer o vizinho, julgando seu modo de abordar Leonardo “bastante razoável”, pois
“procurou conversar e argumentar”.
(LSA) “Ele tentou convencer ele de deixar a janela lá. Falou da maneira certa.”
(RB) “Víctor foi bastante razoável, procurou conversar e argumentar para resolver
qualquer problema que surgisse.”
Em um menor número de sequências, notou-se que os alunos tiveram uma “má
impressão de Víctor” e compreenderam que ele estava “intimidando” seu vizinho, sendo
“insistente” e “grosseiro”. Além disso, um dos alunos teve a impressão de que ele “faria
alguma besteira”.
(JO) “Tive a impressão de [que] Victor estava intimidando e deixando Leonardo sem saída
para fugir da conversa. Pelo modo como ele aborda Leonardo. Pero si hace media hora que
estás cabeceando ahí frente a la computadora. Dejá de joder, Leonardo. Bajá.”
(THY) “Achei Víctor insistente, pois ele fica afirmando o tempo todo que terá a janela e que
precisa mesmo sendo proibido e sempre dando ideias para Leonardo não poder recusar
como: Y si le ponemos una plantita?”
(DO) “Tive a impressão que ele faria alguma besteira pois ele poderia falar ali mesmo mas
ficou enrolando como se quisesse leva-lo (sic) para algum lugar.”
(G) “Victor foi insistente e grosseiro usando palavras um pouco mais fortes, causando em si
uma má impressão e depois ele tentou amenizar com palavras mais tranquilas por assim
dizer, porém não obteve sucesso, apenas uma incerteza de Leonardo.”
No que diz respeito às respostas produzidas pelos alunos da turma Y, observaram-se,
na maioria das sequências, ressonâncias do sentido de “educação” e “respeito”, devido ao fato
120
de ele ter “falado bem calmamente”, ter utilizado “elogios” e tê-lo tratado “com carinho”. De
acordo com os alunos, abordar seu vizinho desse modo “educado” foi uma estratégia utilizada
por Víctor para poder convencê-lo. Na primeira sequência, observa-se uma duplicidade na
construção do sentido do modo de Víctor enunciar: o aluno (GO) percebe que ele foi educado
e invasivo ao mesmo tempo. Na quinta sequência, a aluna (AC) apresenta a afetividade
enquanto um código que representa cortesia. Novamente, neste caso, notou-se a presença da
“cordialidade”, ou seja, do tratamento interpessoal perpassado pelo emotivo e pela intimidade
(Holanda, 1995), enquanto traço característico das formações discursivas preponderantes no
contexto brasileiro. Na sexta sequência, verificou-se uma percepção, por parte do aluno, do
uso de palavras no diminutivo, no discurso de Víctor. De acordo com Holanda (1995), o
emprego de palavras no diminutivo constitui um dos traços mais específicos da cultura
brasileira. Trata-se de um reflexo da “cordialidade” no uso da língua, uma vez que ele tem a
função de aproximar os coenunciadores afetivamente. Por esse emprego representar um pacto
de cortesia, nas formações discursivas preponderantes no contexto brasileiro, o aluno, a partir
da presença do diminutivo, atribuiu o sentido de educação.
(GO) “Ele se manteve educado, mas também fez elogios. Ele utilizou uma argumentação de
baixo nível, quando utilizou palavras de duplo sentido dirigidas à mulher de Leonardo. Yo la
llamo, yo la convenzo. Soy irresistible con las mujeres.”
(MIS) “Ele usou o respeito e falou bem calmamente utilizando elogios e outras expressões,
como ‘yo te quiero y te respeto’. Isso para convencê-lo a pôr a janela.”
(ML) “Ele foi muito educado e tentou favorecer Leonardo para que ele deixasse colocar a
janela pois ele queria colocar a janela e a boa educação era o melhor caminho”
(VI) “Ele tentou de todas as formas convencer Leonardo, deu várias opções de soluções de
problemas a ele e tentou usar da educação para convencê-lo. Oferecer a van para um
encontro, ele fez isso pois a realização da obra era importante para o Victor.”
(AC) “Tratou-o de maneira carinhosa e com respeito, com intenção de convencer o vizinho a
deixar-lo (sic) fazer a janela. Usou expressões como ‘yo te quiero’ ‘yo te respeto’.”
(TH) “Com educação e com calma. Porque ele quer convencer o Leonardo a deixar ele fazer
a janela com vista para a casa do Leonardo. Palavras no diminutivo e a insistência dele.”
121
Também foi possível encontrar sequências com ressonâncias do sentido de
“amigável”, “compreensivo” e “gentil”, “simpático”. Dentre os motivos que levaram os
alunos a construir esse sentido, destaca-se: o fato de ele dizer que fará uma janela linda e o
fato de ele chamar o vizinho para beber. Na segunda sequência, nota-se que a aluna percebeu
a estratégia utilizada por Víctor, qual seja, ser “amistoso” antes de tentar convencer o seu
vizinho, ou seja, utilizar palavras amenizadoras (no caso, afetivas) antes de introduzir a
queixa. Esse traço, característico das formações discursivas de transição, é positivvado, então,
pela aluna, uma vez que lhe é familiar. Na quarta sequência, notou-se que, para o aluno (PK),
Leonardo foi “cordial”, embora esse modo tenha manifestado somente nas suas palavras, pois
sua “expressão era de impaciência”. Novamente, observou-se que a cordialidade, traço
característico da cultura brasileira, foi identificada pelos alunos, no discurso de Víctor. Cabe
ressaltar, que esse personagem, no filme, representa a cultura argentina mais ligada ao campo.
Como no Brasil, a cordialidade advém das relações estabelecidas nas áreas rurais (Holanda,
1995), pode-se concluir que esse traço também pode ser observado nas províncias da
Argentina, confirmando a ideia defendida por Serrani (2010) de preponderância (e não de
dominância) das formações discursivas.
(RF) “Victor tentou ser amigável e compreensivo, utilizou argumentos de forma que
Leonardo se convencesse a deixar a janela, pois convidou ele para sua van para terem uma
conversa amigável, utilizou diversas palavras e expressões de modo que Leonardo se
convencesse, como ‘va a ser la ventana más canchera y más linda de tu casa’.”
(D) “Victor tentou ser amistoso e ganhar a amizade de Leonardo, para depois convencer
ele, que a janela não será tão ruim como pensa.”
(BR) “A impressão que tive foi que Víctor está tentando ser gentil com Leonardo, pois ele
quer muito fazer a janela. Eu tive essa impressão pois ele chama Leonardo para beber com
ele.”
(PK) “Víctor aparenta estar bastante cordial, simpático em suas palavras, porém a sua
expressão era de impaciência com a relutância de Leonardo.”
Em algumas sequências, observou-se que os alunos compreenderam que Víctor tinha
sido “convincente”. Um deles, inclusive, disse que teve uma “impressão muito boa” dele,
devido ao fato de ele ter utilizado uma “argumentação convencedora”.
122
(AY) “Ele tentou ser calmo e convincente, mostrando para Leonardo que a janela ficaria
boa.”
(LH) “Ele tentou usar todas as formas possíveis para tentar convencer Leonardo a deixá-lo
a fazer a janela, dizendo que vai falar com a esposa de Leonardo para pedir permissão, que
não vai prejudicar Leonardo e que vai fazer uma janela bem linda para agradar Leonardo.”
(NT) “Tive uma impressão muito boa em relação ao Víctor, pois ele usou uma
argumentação convencedora. Usou palavras que me levou a esse pensamento como,
‘Bueno’, ‘yo te quiero y te respeto como vecino y como persona’ e ‘Porque si no toda la
reforma que vengo haciendo hace tres meses me queda horrible’.”
Outros alunos compreenderam que Víctor queria “bajular” e “persuadir” o vizinho ao
tratá-lo “como amigo”, a fim de “mudar seu pensamento”:
(FL) “Eu tive a impressão de que Victor quis bajular o Leonardo para que ele convencesse a
esposa para que ela deixasse ele pôr uma janela em sua casa. Porque se ele conseguisse
mudar o pensamento de Leonardo, ele iria conseguir abrir uma janela na medianeira. A
expressão foi: Leonardo, no soy ningún psicópata y estoy poniendo toda mi buena onda.”
(JR) “Víctor tenta persuadir Leonardo, tratando-o como amigo usando as seguintes
palavras: mi amigo no quiero te joder, ele também lhe oferece algumas coisas assim como
bebidas, etc.”
Por fim, encontrou-se somente uma sentença em que o aluno compreendeu que Víctor
não tinha sido convincente no que diz respeito a sua proposta, uma vez que ela não foi aceita
por Leonardo:
(GC) “Que não foi muito convincente, pois Leonardo não estava aceitando a proposta de
Víctor”
5. Análise dos debates orais desenvolvidos em sala de aula
A partir da análise dos debates22 ocorridos em sala de aula, além de verificar os
movimentos de aproximação e distanciamento dos alunos em relação às formações
22
Nesta pesquisa, somente foram analisados os debates ocorridos na turma X, devido à qualidade do debate e
os dados fornecidos por eles, que foram majoritariamente mais produtivos para esta análise. Além disso,
123
discursivas de abrupção e transição, também foi possível observar os movimentos de
identificação/não-identificação dos alunos com os personagens principais e com os filmes
assistidos e capturar alguns fatores envolvidos nesse processo. São eles: fatores discursivos,
fatores culturais e fatores relacionados à estética cinematográfica. Cabe destacar a existência
de movimentos de consenso e dissenso entre os alunos em relação às questões trazidas para o
debate sobre os filmes e sobre os aspectos linguísticos-discursivos e culturais que os filmes
trazem à baila.

Aproximação e distanciamento dos alunos em relação às formações discursivas
No debate sobre o filme “Un cuento chino” ocorrido na turma X, ao longo de dois
tempos de aula, do qual participaram em torno de 18 alunos, a professora-pesquisadora pediu
que os estudantes trocassem as suas impressões em relação ao modo de enunciar de Roberto
no diálogo em que estabelece um prazo para Jun ficar em sua casa, a fim de possibilitar a
negociação entre os sentidos produzidos, assim como, a construção de novos sentidos. O
aluno (E) respondeu, então, que o personagem estava em seu “limite”. O aluno (M),
concordando com (G), justificou que “ele tinha a vida dele” e que “não dava para ele ficar
completamente voltado” para aquele problema. O aluno (S) complementou, dizendo que “ele
estava boladão”. Verifica-se, então, neste momento, que, embora os alunos tenham
compreendido que havia uma rispidez na fala de Roberto, há um movimento de identificação
com os problemas vividos pelo personagem, uma vez que estes são utilizados como
justificativa para seu modo de falar. Observe a transcrição23 do debate abaixo:
Prof.: Como que vocês recebem essa fala dele né esse esse enunciado?
Alunos: (silêncio e vozes baixas)
Prof.: Hã?
(E): Era o limite dele
Prof.: Oi?
Alunos: (falam ao mesmo tempo)
(M): Ele tem a vida dele, né professora, num dá pra ficar completamente voltado pra::
Alunos: (falam ao mesmo tempo)
(S): Ele tava boladão
Ao ouvir essas respostas, a professora-pesquisadora constatou que os alunos estavam
caracterizando o modo de Roberto enunciar baseado nos conflitos vivenciados por ele. Assim,
também cabe ressaltar esse recorte como uma estratégia utilizada pela professora-pesquisadora tendo em
vista a grande quantidade dos dados obtidos.
23
As convenções das transcrições utilizadas nesta análise encontram-se no anexo 6.
124
a impressão de “boladão” que eles tiveram estava sendo justificada não pelos elementos
linguísticos e estruturais do diálogo, mas pela própria trama do filme. Então, logo interrompeu
e pediu para que os alunos “imaginassem” que eles não sabiam que o personagem estava
passando por aqueles conflitos e que levassem em consideração somente a “forma dele falar”
(ou seja, o modo de construção do seu discurso) e as marcas que, para eles, transmitiam
aquele sentido. Para ajudar na compreensão do que estava sendo solicitado, a professorapesquisadora disse que a sua forma de falar estava “carregada de alguma coisa” que
contribuía para a construção daquele sentido de “boladão” e solicitou que os alunos dissessem
que “coisa” era aquela. O aluno (E) afirmou que ela “não estava carregada”, mas, sim, que
“faltava alguma coisa”. A aluna (SS), em seguida, afirmou que ele estava de “saco cheio”. Ao
serem questionados acerca desta “coisa que faltava”, o aluno (E) e o aluno (N), ao mesmo
tempo, responderam que faltava “paciência”, pois Roberto fala de um jeito “grosseiro” e
“direto”. Segundo eles, o fato de Roberto dizer que “vai explodir” e o fato de ele “estabelecer
um prazo” com o chinês, demonstrando que, após esse prazo, “ele tem que se virar”,
evidencia esta impaciência.
Nota-se, através da análise deste momento do debate, um movimento de
distanciamento dos alunos em relação à formação discursiva por abrupção. Uma vez que a
formação discursiva por abrupção é caracterizada, entre outras coisas, pela ausência de
“expressões amenizadoras ou elogiosas para o destinatário” (Serrani, 2010, p.96) (enquanto a
formação discursiva por transição é caracterizada pela presença destas), ao dizer que, no
discurso do personagem, “falta alguma coisa”, o aluno revela (e confirma) a tendência dos
brasileiros em construir o discurso por transição. Nota-se, então, que a ausência dessas
expressões e, por outro lado, a presença de expressões de queixa como voy a explotar e vamos
a poner un plazo, fez com que os alunos caracterizassem o modo de Roberto enunciar como
“direto”. E, a partir desse modo “direto”, foi produzido o sentido de grosseria e impaciência.
Observe:
Prof.: Não, sim, a gente justifica, a gente entende que ele tava bolado etc., mas independente imagina
que você nem sabe se ele tá bolado se não tá se ele não tava no caso ((interrompe)) no caso a gente
sa- sabe que ele tava chateado e tudo, mas assim que forma é essa? você, por que que você diz "ele
tava chateado"? porque essa forma ela tá carregada de alguma coisa... como é (.) que é essa forma
dele falar, entendeu?
(E): Num tá carregada de alguma coisa. Falta alguma coisa.
(SS): Tá saco cheio
Prof.: Falta o quê?
(E): Paciência
(N): Paciência
125
Prof.: Por quê?
(N): Isso é óbvio
(E): Porque ele fala de um jeito grosseiro, ele fala de um jeito direto
(N): Ele fala que vai explodir!
(E): Ele fala que vai explodir. Ele fala que ele vai dar um prazo pra ele
Logo em seguida, ainda sobre o modo de enunciar de Roberto, o aluno (E) diz que
somente pela fala podia perceber que ele era “estressado”, pois, segundo ele, neste tipo de
situação em que é necessário estabelecer um prazo para alguém sair de sua casa, a pessoa
deveria falar com “mais calma”, como, por exemplo, “cara (.) chegou a hora e tudo mais vai
você já tá aqui há muito tempo e tal entendeu”. Para ele, esse modo de falar seria “mais
calmo”. A aluna (E) concorda afirmando que Roberto deveria conversar com o chinês e dizer
que “queria ajudá-lo”, porém alertando-o que ele deveria buscar uma solução para “resolver o
problema”. Observa-se, então, na fala de ambos os alunos ressonâncias do modo de
construção do discurso por transição. Na fala de ambos os alunos notamos a presença de um
modo de enunciar com expressões amenizadoras (no caso do aluno (E), essas expressões
seriam as próprias explicações dos motivos; no caso da aluna (L), trata-se de dizer que quer
“ajudar” a pessoa). Esse modo de enunciar transitório, para o aluno (E), produz o sentido de
“calma”, em contraposição ao modo de enunciar por abrupção, utilizado por Roberto, que
produziu o sentido de “estressado”. Observe:
(E): e tchau ele tem que se virar porque mesmo se a gente não sabi- se a gente não soubesse não
tivesse a a informação de que ele tava estressado a gente ia poder ver pela fala assim (pela fala)
sozinha que é uma pessoa estressada porque se você tem alguém colocou na sua casa e você deixou se
você deixou (.) você tem que pelo menos quando você for tirar a pessoa de lá falar tipo cara (.)
chegou a hora e tudo mais vai você já tá aqui há muito tempo e tal entendeu
Prof.: mas é o que o que seria esse jeitinho? isso que eu tô
(TY): É mais
(E): Se ele falar de um jeito mais calmo entendeu
(L): Que ele queria ajudar, mas não queria que ele se que ele se acomodasse. Entendeu? Não achasse
que aquilo ali ia () chegar e poder ficar aqui assim. Foi uma forma dele conversar com ele de
chegar e falar, olha ()
Prof.: é
(L): você tem que resolver a situação ou você fica um tempo e tenta esperar o seu tio, senão
Prof.: é
(L): de uma outra forma.
Após ouvir essas afirmações, a professora-pesquisadora perguntou aos alunos o que
seria, para eles, uma “forma que não demonstra muito paciência”. O aluno (E) retorna a dizer
que é falar de uma maneira “grosseira” e “direta”. A aluna (L) disse que ele demonstra
126
impaciência pelo fato de o personagem estabelecer um tempo limite para Jun ficar em sua
casa. Segundo ela, Roberto poderia, antes de impor um prazo, perguntar para o chinês se ele
tinha alguma outra “solução”. Novamente, nota-se, na fala da aluna, uma ressonância do
modo de enunciar por transição, uma vez que a queixa se encontra situada no final do texto.
Observe:
Prof.: por que, aí o que eu quero saber, o que é uma forma que não demonstra muito paciência pra
vocês e aí ele já disse (.) uma das coisas né que é... falar no caso
(E): grosseira, direta
(L): talvez se ele chegasse e perguntasse "'olha se a gente não conseguir resolver dessa forma, como
a gente pode fazer?"'
(...)
(L): ( ) ele tava com vontade de ajudar, mas ele falou ó tem tem tempo também tem limite”
Prof.: ãh-hã
(L): agora se ele chegasse e falasse olha como você quer fazer isso, antes de chegar, qual outra
alternativa você tem aí tenta::r, perguntar mais pra ele outra solução
Prof.: ãh-hã
Neste momento, a aluna (B) interferiu dizendo que, para Roberto, “seria muito difícil
fazer isso, porque ele era muito rígido”. Observa-se que, neste momento, a aluna (B) revelou
que compreendeu que havia uma rigidez no modo de enunciar de Roberto (porém justificou
como sendo algo próprio da sua personalidade), demonstrando um distanciamento em relação
à formação de abrupção. Em seguida, o aluno (M) disse que o jeito como o personagem fala,
demonstra que quer “despachar a pessoa” e que ela está “sendo inconveniente” para ele. O
motivo que levou o aluno a construir esse sentido foi o fato de Roberto não ter “demonstrado
bom-dia” e ter sido “curto e grosso querendo expulsar”. Nota-se, então, que a ausência de
marcadores de cortesia (como, por exemplo, a presença da saudação formal “Buenos
días/Buen día”) na fala de Roberto fez com que o aluno (M) compreendesse que o
personagem tinha sido “curto e grosso”, para usar novamente a expressão brasileira
selecionada pelo aluno para defini-lo, revelando também um distanciamento em relação ao
modo de enunciar por abrupção. Observe:
(B): professora eu acho que pra ele seria muito difícil fazer isso porque ele é muito... rígido
Aluno: ( ) o jeito dele
(RE): então pra ele seria
Prof.: sim o jeito dele
(M): é mas não conhecendo não sabendo que ele seja uma pessoa assim eu acho que o jeito que ele
colo- pra pra ao nosso ver ele parece que tá querendo despachar a pessoa a pessoa tá sendo
inconveniente porque pelo momento que eu acho que foi assim que ele acordou ele não eh mesmo
que não seja ele não nem demonstrou bom dia mesmo que não fale a mesma língua
127
Prof.: sei
(M): mas ele foi curto e grosso querendo expulsar é o que ele passa pra gente
No debate sobre o filme “El hombre de al lado”, a professora-pesquisadora perguntou
aos alunos da turma X com qual dos dois personagens principais do filme (Leonardo e Víctor)
eles tinham se identificado mais. O aluno (J) respondeu que não se identificou com “nenhum”
deles, pois ambos foram grossos. Segundo ele, enquanto Leonardo foi “extremamente
grosso”, Víctor “misturou um pouco de educação” e foi “irônico” em suas falas. Nota-se,
então, um distanciamento em relação à formação discursiva de abrupção, uma vez que esta é
compreendida pelo aluno como extremamente grosseira. Já a fala de Víctor, por conter um
modo de enunciar “indireto”, é considerada mais “educada”, o que expressa uma adesão do
aluno em relação à formação discursiva por transição. A professora-pesquisadora pergunta,
então, se alguém mais teve essa mesma impressão do Leonardo. O aluno (NI) diz que “todo
mundo”, evidenciando, assim, um distanciamento majoritário dos alunos brasileiros em
relação ao modo de enunciar por abrupção. Observe:
Prof.: Eh, Rafael, você se:: se identificou mais com o Victor ou com o:: com o:: Leonardo?
Leonardo é o da casa:: grande e o Victor... Você teve identificação com algum, ou com nenhum,
também, né, na verdade pode não ter tido
(J): Sinceramente acho que nenhum.
Prof.: Com nenhum. Por quê?
(J): não me vejo nem sendo grosso, nenhum dos modos, os dois de certa forma, eh:: o Leonardo::
Victor ele também de certa forma foi grosso, mas ele procurou ser um grosso mais ( ) ele misturou
um pouco da educação, usou um modo indireto né digamos assim
((A professora estala os dedos para chamar a atenção dos alunos))
(J): ele:: falava uma coisa que aparentemente é:: normal, mas quando você vê tinha uma ironia
atrás, o:: o Leonardo então foi extremamente grosso
Prof.: Sei
(J): Então eu não me identifico muito, não.
Prof.: Ãh-hã. Você achou que o Leonardo foi extremamente grosso?
(J): Isso.
Prof.: Tá vendo, vamo vendo. Eh, quem aqui achou também
(NI): todo mundo ( )
Neste momento, o aluno (C) se manifestou, dizendo que achava “Victor muito
debochado”. Nota-se, então, que a estratégia de construção do discurso por meio de
“indiretas” utilizada por Víctor para amenizar o conflito, não produziu para o aluno (C) o
sentido de “educação”, mas, sim, de “deboche”. Ou seja, embora ele estivesse utilizando
estratégias próprias do modo de enunciar por transição, a cortesia não foi identificada pelo
aluno, visto que este modo indireto foi percebido pelo aluno como “irônico”. A aluna (W)
128
afirma que “gostou dele”. Tendo em vista o movimento de identificação da aluna (W) com o
personagem, a professora-pesquisadora diz, então, que “talvez os alunos se identifiquem mais
com o Víctor”. A aluna (Y), discordando, afirma que Victor “também é grosseiro”, mas “não
demonstrava muito”. Nota-se, então, que, embora a aluna reconheça as estratégias utilizadas
pelo personagem para amenizar o seu discurso (revelando, assim, uma aproximação em
relação à formação discursiva por transição), o modo de Víctor enunciar ainda é caracterizado
como pouco cortês, uma vez que o modo transitório utilizado por ele estava perpassado por
uma ironia. Ao se dar conta disso, a aluna percebe, então, a presença de um modo de enunciar
abrupto e revela um distanciamento em relação a esta outra formação discursiva. Observe:
(C): É que o Victor na minha opinião assim ele é muito debochado. Ele foi [debochado
Prof.: ( ) cínico, como a gente ( ), né
(C): É, ele ( ) tipo assim] chegava assim, falava uma coisa irônica pro, tipo dando uma indireta
pro:: Leonardo
Prof.: Sei
Prof.: ele era mais indireto o Victor, então
(W): (Ah, eu gostei dele) ( ) É]
Prof.: De repente, talvez a gente se identifique mais com o Victor, ( ) não sei, [vamo ver
(Y): Mas o Victor era grosseiro também ( )]
Prof.: Ele também era grosseiro
(Y): Ele só não mostrava muito
Após esse momento do debate, a professora-pesquisadora disse que tinha percebido
que nem todos os alunos concordavam que Leonardo tinha sido “grosso” e pediu para que
esses alunos expusessem suas impressões. A aluna (R) respondeu ele foi “direto” e “falou o
que achava da situação”. Segundo ela, “ser direto não é ser grosso”, mas é, sim, “falar o que
quer”. Nota-se, neste momento, um movimento de aproximação da aluna em relação ao modo
de enunciar por abrupção, uma vez que esta formação discursiva não produz, para ela, o
sentido de grosseria. A aluna (Z) discorda, dizendo que ele foi “grosso”, pois ele foi “direto
demais”. Observa-se, na fala da aluna (Z) um movimento de distanciamento em relação ao
modo de enunciar por abrupção, uma vez que ele pode produzir o sentido de grosseria. A
aluna (R) diz que “ser grosso é uma coisa muito subjetiva”, uma vez que Roberto poderia ter
sido grosso para ela, mas para outra pessoa não. A aluna, então, evidencia em sua fala que o
sentido é construído na interação e pode variar.
Prof.: Então, deixa só eu perguntar a vocês, e aí, vo-, o que vocês têm a dizer, por que que ele não foi
grosso?
(R): Ele não foi grosso porque ele falou o que ele achava da situação e "cabou", ele não ( )
Prof.: Em momento nenhum ele foi grosso, da [de todo:: filme, por exemplo
129
(R): Não, ele foi direto e ser direto não é ser grosso, é falar o que quer e "cabou"
Prof.: Sei
(E): Exatamente isso que aconteceu ( )
Alunos: hh
Prof.: Sei, você, [pra você ser direto
((alunos falam ao mesmo tempo))
(Z): Então ele foi direto mas ele também foi grosso, ser direto demais às vezes
(F): Ah, então, eu não sei se ( ) ser grosso é uma coisa muito subjetiva, porque pra mim pode (ter
sido grosso) e:: pra você não

Movimentos de identificação/não-identificação dos alunos com os personagens
No que diz respeito à identificação/não-identificação com os personagens, pode-se
constatar, através do depoimento de um aluno da turma X, que esses movimentos estavam
presentes ao longo do processo e foram estimulados através das atividades de interpretação.
Após a professora-pesquisadora perguntar aos alunos da turma X “o que eles achavam” das
perguntas que estavam sendo feitas nas atividades de interpretação sobre os filmes, o aluno
(G) respondeu que as achava “interessantes”, pois, segundo ele, através dessas questões, o
discente pode se colocar “do lado do personagem” e pensar como agiria na situação em que
aquele personagem está, respondendo como se fosse o personagem, em alguns casos.
Observe:
Prof.: O que que vocês têm achado] dessas perguntas que eu tô fazendo pra vocês aqui no...
vocês tão entendendo [por que
(G): interessantes
Prof.: Bem interessantes? Por quê?
(G): Porque] você traz um trecho do filme... e::, [além
(R): ( ) o que que significa
(G): você mostra a cena] e aí a gente vê, a gente analisa e a gente pensa, a gente se coloca
do lado do personagem e pensa como a gente agiria na situação que aquele personagem tá
Prof.:: Ãh-hã
(G): (Entendeu) E tipo a gente responde como se fosse o personagem (.) então além de ser
uma pergunta que traz um pouco ( ), traz um pouco do entendimento do aluno do que ele viu
do filme
Prof.: Sei...
(G): do da cena e tudo mais
No debate sobre o filme “Un cuento chino”, realizado na turma X, observou-se que
alguns alunos se identificaram com os problemas vividos pelo personagem Roberto e outros
não. Em um momento do debate, após a professora-pesquisadora perguntar como os alunos
130
caracterizariam esse personagem, o aluno (K) compreendeu que Roberto, embora fosse uma
“pessoa nervosa” e estivesse “sempre estressado” com as pessoas, ele tinha uma “boa-índole”
e um “bom coração”, revelando um movimento de identificação. Já o aluno (N) diz que ele
era daquele jeito porque era “solitário” e “mal-amado”, revelando um movimento de nãoidentificação. Observe:
(K): O Roberto ele era uma pessoa nervosa, assim, ele não é, [mesmo assim ele
(N): é porque ele era solitário]
(K): ( ) ele tinha um bom coração, ele era
(N): é porque ele era solitário
(K): ( ) ele era uma boa pessoa, ele assim ( ) ele tava sempre estressado com as pessoas que
iam lá falar com ele
(N): [é porque ele era um homem sem amor
(K): ( ) com os clientes ( ) mas ele por dentro ele tem uma boa índole
(N): UM HOMEM MAL-AMADO
Em um outro momento, a professora-pesquisadora, então, aponta que, em algumas
passagens do filme é possível detectar um distanciamento do Roberto em relação ao chinês. O
aluno (G), então, justifica, dizendo que “não tem como ele ser cem por cento afetivo”, visto
que ele “não tinha motivos pra ter o chinês morando na casa dele”. A aluna (F) diz que é
“normal” não ser sempre afetiva, mesmo com “pessoas que a gente conhece”. O aluno (G) diz
que o ser humano tem uma limitação: a “impaciência”. Segundo ele, em toda convivência,
mesmo com “alguém que você conhece”, em algum momento, aquela pessoa “vai acabar te
irritando”. Por este motivo, “esses momentos de diferença são compreensíveis”. O aluno (DR)
acrescenta que Roberto “ainda colocou a vida dele em risco”. O aluno (RB) justifica as
dificuldades vividas pelo personagem, pois ele “não estava acostumado a estar com as
pessoas” e diz que ele acolheu o chinês mesmo sem conhecê-lo. Nota-se, então, um
movimento de identificação dos alunos com os problemas vividos pelo personagem após a
chegada do estrangeiro em sua casa, uma vez que eles expressam compreender a situação em
que se encontra Roberto. Observe:
Prof.: tem momentos] que a gente pode identificar também ali no Roberto não só uma re- só
uma abertura ao chino, tem momentos também... que a gente pode perceber uma:: um um
fechamento mesmo, né, uma:: uma não, uma vontade de não tá compartilhando um pouco (.)
eu acho que tem momentos assim que:: a forma do Roberto tratar o chinês, por mais que o
chinês tivesse na casa dele (.) né, daqui a pouco a gente vai ver isso, assim, essa forma dele
tratar (.) nem sempre é sem, hmm, só recepti- né? Só mi- só amistosa
(G): Mas também nem tem como [ser, né
131
Prof.: daqui a pouco]
(G): porque do pouco que eu consegui eh entender do filme, acompanhar24, eh... ele não tinha
motivo pra te::r o chinês morando na casa dele, entã::o não tem como ser cem por cento
afetivo com uma pessoa que não tem ( ) de tá ali
Prof.: Ãh-hã
(F): E até quando é:: quando a gente conhece assim ( ) até com a gente é normal... a gente
nun- nunca vai receber alguém assim sempre
(G): O ser humano ele tem uma limitação, ele não tem muita paciência, por mais que você
goste de uma pessoa, existe um certo momento, existe uma, um certo de tipo de convivência
que aquela pessoa vai acabar (.) te irritando.
Prof.: Ãh-hã
(G): Isso com uma pessoa que te conhece, imagina com uma pessoa que não te conhece, que
tipo, é do nada, entendeu? Então toda, toda essa esses momentos de diferença são
compreensíveis.
Prof.:: Claro, claro, entendi, na convivência, né?
(G): SiProf.: Que
(G): Não
Prof.: a convivência com o outro, seja ele estrangeiro ou não, ( ) ser do mesmo país, essa
convivência com o outro ela vai ter sempre um desgaste, né
Aluno: Querendo ou não
(DR): Querendo ou não ele ainda colocou a vida dele em risco, tanto que no primeiro dia ele
até trancou a porta do quarto pro chinês não
Prof.: Ah, é verdade
(B): ameaçar nem nada
Prof.: depois é que ele passou a não ( ) trancar, né
(RB): Principalmente no caso dele que não tava acostumado nem a tá com as pessoas, né, e
ele assim quando ele tinha contato com as pessoas ele era bem curto e grosso, ( ) acolher
logo uma pessoa na casa dele que ele não conhecia, ele não sabia se era bom ou mau, aliás,
ele não falava nem o idioma dele, né
Prof.: Ãh-hã
(RB): ( ) difícil pra ele, por isso que ele teve também aqueles momentos difíceis
Após a professora-pesquisadora perguntar para os alunos sobre o modo como eles
caracterizariam o personagem da Mari, notou-se em suas respostas a construção dos seguintes
sentidos: “saidinha”, “tiazinha que é toda toda”, “safadinha”25. Além disso, alguns alunos
compreenderam que ela “demonstrava tudo”, “era o oposto dele” (de Roberto), estava “de
peito aberto”. Desse modo, foi possível observar, por parte de alguns alunos, um movimento
24
Nota-se na fala do aluno (G), que ele teve dificuldade em entender/acompanhar o filme. Essa dificuldade se
deu devido ao fato de o aluno não ter visto o filme todo, uma vez que a exibição se deu em duas aulas
distintas, e o aluno havia faltado a uma delas.
25
Cabe ressaltar que, através desses comentários, os estudantes evidenciaram um preconceito de gênero.
132
de não-identificação com essa personagem. A aluna (F), ao contrário, demonstrando um
movimento de identificação, diz que isso aconteceu porque as mulheres, em geral, “sentem
mais, expõem mais e mostram mais” que os homens. Observe:
Prof.: claro... legal e sobre então agora assim a gente já falou de dois personagens né super
centrais né que é ( ) os dois protagonistas do filme e tem mais um tem um outro personagem
que aparece bastante no filme que a gente acabou de ver a cena dela
(RO): a vaca?
Prof.: quem?
(RO): a vaca?
(C): vaca hh
Prof.: nã::o
(D): o motoboy?
(C): ( ) motoboy
(LF): aquela mulher lá
Prof.: tem ele também tem mas ela é mais
(B): o carinha do parafuso
Prof.: a mulher
(LF): a mulher
Prof.: não o cara do parafuso também mas ele
(LF): a saidinha
Prof.: não é
(LF): saidinha
Prof.: personagem que tá muito fre- presente ele tá assim uma vez ou outra que ele coloca ali
(JS): a tiazinha que é toda
Prof.: i::sso que é toda o quê? ( ) queria saber
Alunos: hh
(JN): safadenha
(JS): toda toda
Prof.: safadenha hh
(LF): não professora ela ela tentava chegar assim no
Prof.: mas ela era toda o que nesse modo dela ( )
(L): demonstrava tudo pra ele e ele ficava fechado
Prof.: ãh-hã
(RE): ela era o oposto dele
Prof.: ela é o oposto dele por que (.) o que que seria o oposto do Roberto?
(RE): não mas só em relação a a isso porque ela também teve compaixão por Jun ( )
Prof.: ãh-hã sim
(RE): ela teve mas só em relação a ele ser mais fechado e ela ser mais
Prof.: aberta
(DR): aberta... mais aberta... de peito aberto... para ele
((Os alunos falam ao mesmo tempo))
Prof.: calma aí gente ( ) não ouvi fala que a mulher é mais o quê?
133
(F): já é da mulher já ser mai::s ah... não sei
Prof.: fala (.) mais o quê? pode falar
(F): não sei... mais
Prof.: mais fofa assim mais
(F): é ah
Prof.: sei da mulher ser... ter uma forma aí de de repente
(F): é por mais que ela seja também curta e grossa ela sente mais que ele, que o homem
Prof.: ela é curta e grossa?
(F): não
Prof.: não ah tá
(F): por mais que::
(RE): A mulher em geral
(F): é existe
Prof.: ãh-hã... sei
(F): ela ela eh expõe mais não só claro assim até o jeito dela ela já::
Prof.: (você) é ótima hh
(F): ela ela mostra (mais)
Prof.: sei... fala, pode falar, porque
((Os alunos falam ao mesmo tempo))
Prof.: não então mas é isso mesmo ela ( ) é mulher às vezes é a visão dela mas vocês também
concordam vocês acham que é porque a mulher é que fala mais em geral ou não essa é uma
opinião mais dela?
A professora-pesquisadora pediu, então, para que os alunos explicassem melhor a
impressão que tiveram de que ela era “safadinha”. O (LF), ironicamente, disse que, na
verdade, tinha usado “outro termo”. Leia-se a transcrição deste trecho do debate:
Prof.: eh mas então aí ele usou a palavra safade::nha
(CA): hh
(LF): eu usei outro termo professora eu acho que ela é mais amorosa
(CA): ãh-hã hh
Alunos: hh
(DR): tá cheia de amor pra dá
Alunos: hh
Prof.: nã::o
(DR): e outras coisas também
A professora-pesquisadora questiona, perguntando por que eles acham que a mulher é
“saidinha” quando ela “fala o que sente”. O aluno (LF) diz que “não falou nada disso” e
coloca a responsabilidade no amigo (“quem disse foi ele”). Os alunos começam a falar ao
mesmo tempo, quando, então, a aluna (C) diz que, se o homem quiser ter relações sexuais
134
com a mulher, “ninguém vai falar nada”. O aluno (DR), ao ouvir essas expressões, repreende
a aluna (C), avisando que o que ela está falando está sendo “gravado”.
Prof.: mas e por que assim por que que uma mulher quando ela fala
(JS): ãh
Prof.: o que ela sente, ou seja(.) quando ela é cheia de amor pra dar (.) por que que ela é
safadinha?
(LF): eu não disse nada disso (.) quem disse foi ele
Prof.: por que que a mulher
((Alunos falam ao mesmo tempo))
(C): se o homem pegar comer ninguém vai falar nada
(DR): ãh?! hh
(JN): que isso?!
(DR): só pra avisar isso aí tá gravando
((alunos falam ao mesmo tempo))
Para evitar que os alunos ficassem inibidos em dizer suas interpretações, a professorapesquisadora disse que não estava “recriminando os alunos” pelo fato de eles externarem suas
opiniões a respeito da personagem. E diz que só está propondo uma “reflexão”, pois, ao
dizermos determinadas coisas, estamos evidenciando uma maneira de enxergar o lugar da
mulher que é próprio da nossa sociedade, ou seja, trata-se de uma performatividade de gênero
que é também discursiva, histórica e cultural. O aluno (G) concorda, dizendo que, embora nos
dias de hoje a conversa de sexo já tenha deixado de ser “tabu”, ainda se sente uma
“estranheza” quando a mulher atua desse jeito, demonstrando o seu desejo. Observe:
Prof.: não gente a gente então assim eh vocês podem eu não tô nem recriminando o fato de
terem falado que ela era safadinha não ele até reflete sobre isso no sentido por que que a
mulher quando se expressa ela é considerada safadinha mas é na nossa cultura é mesmo eu
não tô eh julgando o que vocês tão também falando num sentido tão né não falem isso
(JN): tá abrindo as nossas mentes hh
Prof.: né não não é falem falem o que vocês pensam mesmo como vocês né... enxergam não é
pra disfarçar não sabe eh mas é porque na nossa sociedade
(JN): é
Prof.: isso na mulher ela se colocar... o homem não se fosse o homem que falasse ai como
você é linda hmm que gostosa
(G): ( ) que homem é ( ) sempre quer ( ) (realizar desejos)
Prof.: o que, gente?
(G): mas a gente não tem mesma visão da da mulher
Prof.: ah sei
135
(G): aí quando a gente acaba tendo isso até mesmo nos dias de hoje onde conversas de sexo
já deixou de ser tabu (.) a gente acaba tendo uma estranheza porque a gente não tem essa ( )
da mulher
O aluno (L), então, observou que “a gente tava levando muito pro modo de ver do
nosso país”, que “o filme é argentino” e que não sabemos “se na cultura deles aquilo tem um
significado diferente”. Neste comentário, nota-se que a abordagem pedagógica estava
contribuindo positivamente no processo de diálogo dos alunos com os filmes, uma vez que
estava revertendo as tendências de manutenção de estereótipos culturais e fazendo com que os
alunos entendessem que há outras formas de ver e perceber o mundo e construir significados.
(L): Professora ( ) porque o filme é argentino você não sabe se na cultura deles aquilo tem
alguma forma diferente (.) a gente
Prof.: atenção legal isso
((A professora estala os dedos para chamar a atenção dos alunos))
(LM): a gente tá levando muito pro nosso modo de ver aqui no nosso país... a gente tem esse
ponto de vista (.) a gente não sabe se o filme se pro público alvo daquele filme teve um
sentido diferente ( ) eles lá
Prof.: ãh-hã é isso mesmo exatamente
Após este momento, para finalizar o debate e aproveitando o comentário do aluno (L)
sobre o comportamento da Mari, a professora-pesquisadora conversou com os alunos acerca
dos diferentes modos de produção do sentido e sua relação com fatores culturais e sociais.
Observe:
Prof.: não é e aí o (aluno L) falou uma coisa né talvez as mulheres aqui no Brasil sejam não
sejam não tenham tanta assim bom a gente tá generalizando tá mas talvez a gente tenha uma
tendência no Brasil às mulheres não terem tanta a tomar tanta atitude na hora né talvez por
uma força do machismo né que a ( ) tinha falado fora e aí na Argentina talvez não talvez
pode ser a gente não sabe mas essa questão dela é o que o (aluno L) falou foi bem
significativo talvez na cultura né ali do da Argentina talvez tenha uma forma da mulher agir
diante do homem dentro da cultura que tenda a ser diferente da nossa forma né as culturas
elas vão ter também quando a gente falou em diferenças culturais também tem isso né a
forma como a mulher se comporta como a gente tá acostumado a forma como o homem se
comporta isso tudo também tem a ver com essa relação cultural né por isso que a gente
nunca assim quando a gente interpreta uma coisa por isso que é legal a interpretação ela
nunca é fechada a gente interpretou dessa forma aqui mas o outro lá já pode ser ter um
construir de uma outra forma aquele gesto assim como por exemplo às vezes a mulher
brasileira brasileira pode ser muito educada assim ah e sorridente falar e no estrangeiro
136
pode achar que ela já tá querendo eh porque de repente em outros países as mulheres talvez
não
Prof.: é ou seja mais fechadas aí o Brasil aí a mulher conversa dá informação dá um sorriso
aí o outro já acha o estrangeiro de repente que a que a mulher tá querendo::
(A): professora mas não tem como não ver diferença das culturas (vê que) no início lá no
barquinho o Jun ia pedir a a
(A): a mulher dele
(A): a namorada dele em noivado
Prof.: ãh-hã
(A): e ele ia né
Prof.: é
(A): ( ) mas lá o outro não quem pedia era a mulher
Prof.: i::sso é que são as tendências né culturais claro que não não há uma generalização
mas as culturas elas que elas que a gente acaba que tende a fazer aquilo que o nosso:: né o
nosso (entorno) né tá fazendo deixa eu pegar aqui só um negocinho aí pessoal vocês sabem
cês sabem quem tem horas só pra eu saber
(U): dez e cinquenta e três
Prof.: dez e cinquenta e três
(U): isso
Prof.: tá então só pra gente finalizar aqui mais um pouquinho aí eu queria falar né a respeito
questões também interpretando um pouco o comportamento que que tem a ver porque quando
a gente tá lidando com uma língua estrangeira a gente também tá lidando com com formas de
você construir às vezes a organizar no texto o que era diferente que pra gente aquilo soa de
uma forma estranha mas que pro outro já é mais comum né então a gente tá vendo tentando
entender como é que é essa recepção desse texto que é produzido que é construído nesse
outro país que é a Argentina né como que esse texto ele é recebido por vocês como vocês
interpretam o comportamento dos personagens tá ou seja como então o comportamento de
argentinos por exemplo são interpretado por vocês por exemplo né uma das não o
comportamento mas as formas de construir mesmo o discurso assim né de você as relações a
as relações interpessoais interpessoais é entre pessoas né

Movimentos de identificação/não-identificação dos alunos com os filmes
Para dar início ao debate sobre o filme “El hombre de al lado”, a professora-
pesquisadora perguntou aos alunos da turma X se eles tinham “gostado” do filme. Logo
alguns se pronunciaram dizendo que “não”. O aluno (N) afirmou que “poderia ter sido
melhor”. O aluno (CH) achou o filme “muito sem lógica”, porque, no final, Víctor “toma um
tiro e não acontece nada”. O aluno (NI) disse que a história era “repetitiva”, devido ao fato de
Leonardo ficar “reclamando da janela”. Segundo ele, Leonardo deveria ter “chamado a
polícia” para resolver “aquela palhaçada” logo na “primeira vez”. Para o aluno (U), o filme
137
“não tem pé nem cabeça”. A professora-pesquisadora perguntou por que ele achava aquilo. O
aluno (U), então, respondeu que o filme “podia ter acrescentado” mais acontecimentos.
Prof.: vocês gostaram do filme?
(S): Não.
(CH): Nã::o.
(...)
(N): Poderia ser melhor.
(CH): Ah, professora, achei um filme muito sem lógica porque no final dá (.) não acontece
nada praticamente, o cara toma um tiro
(S): Não, não, o cara toma tiro e não acontece nada
(CO): Ele é gay! Ele é gay?26
Aluno: [Ãh? Ele é gay hh
(CH) Marcelo: não sabe o que acontece com a filha
Prof.: (Quero te ouvir)
(JS): ( ) acha que ele é gay!
(CH): ah, a filha é sequestrada, o cara morreu] não sei o que aconteceu com a garota, se ela
foi estuprada ou (alguma) coisa assimVários alunos: hh
(CH): O cara tomou tiro e ficou por isso mesmo
(S): É↑
Alunos: hh
(S): Aconteceu nada, aconteceu nada, o cara só tomando tiro.
Prof.: Você achou sem lógica
(CH): É.
Prof.: Calma, a gente já vai falar dessa parte, primeiro vamo falar do filme, o que que a
gente gostou e o que a gente não gostou. Quem então aí não gostou?
(N): Poderia ter sido melhor.
Prof.: Tá.
(N): Eu entrego mesmo.
Prof.: Já quero te ouvir no "poderia ter sido melhor".
(CA): (Desde o início)
Prof.: Então, já vai aí, vo- você não gostou por quê?
(NI): ( ) filme sem lógica, ele... a maior parte do tempo foi muito repetitiva, aquela coisa dele
ficar reclamando da janela e depois (.) ele chama o cara na casa dele e viram amigos mas...
Prof.: é
(NI): e aí?
Prof.: Não entendi muita coisa.
(NI): ( ) Era pra ( ) ter resolvido na primeira vez, chamava a polícia e acabava com a
palhaçada toda
(S): Mete bala nesse fi::27
26
Novamente, nesta formulação do aluno observa-se um indício de preconceito de gênero.
138
Prof.: Sei. E vocês (vem mais agora aqui)
(U): Professora
Prof.: Pera.
(U): Um filme sem pé e sem cabeça.
Prof.: Por quê?
(U): Porque...
(...)
(U): Porque (.) um filme assim, ele
Prof.: Por que,( L), né?
(U): É. Porque (.) começa uma coisa, tipo assim, como se não terminasse... A- Acontece uma
coisa com a pessoa (.) e tipo, fica por aí mesmo, nã- não tem um::
(CH): Um nexo.
(U): É, não tem um::, uma lógica pro filme.
Prof.: Uma lógica como?
(N): Não tem fim.
Prof.: O que que é uma lógica?
(U): É, um filme, tipo assim... O filme poderia ser (.) eh ( ), podia acrescentar mais coisas.
Mais adiante, a aluna (Y) perguntou se a professora-pesquisadora “também não tinha
gostado” do filme. A professora-pesquisadora respondeu que “amava”. O aluno (U) diz que o
filme quis mostrar “a forma de convivência entre os vizinhos”, porém o vizinho era uma
“confusão”. Para o aluno (J) o vizinho (Leonardo) estava sendo “hipócrita”, pois ele “podia
ter uma janela naquela posição e o vizinho não”. O aluno (NI) concorda dizendo que “ele
tinha a casa toda aberta, mas reclamava” do vizinho (Víctor). O aluno (S) diz que eles
deveriam ter chegado a um “acordo” para “construir a janela em outro lugar”. Após ouvir as
opiniões dos alunos, a professora-pesquisadora observou que, devido ao fato de os alunos
estarem acostumados com uma lógica de filme baseada no “cinema hollywoodiano”, eles
estavam buscando essa mesma lógica no filme “El hombre de al lado” e que, por isso, o filme
proposto os “desconcertava”. A aluna (Y), então, afirmou que se tratava de um “filme
abstrato”.
(Y): A senhora também não gostou, não?
Prof.: Não, eu amo esse filme.
(...)
27
As frases “chamava a polícia e acabava com a palhaçada todo” e “mete bala” indiciam um tipo de relação
com a polícia e com a violência bastante característica da organização social do Rio e do Grande Rio (baixada
fluminense, inclusive).
139
(U): Porque, tipo assim, o filme ele quis demonstrar tipo assim um, a... tipo, a forma de
vivência entre os vizinhos mas só que o vizinho ( ) é "mó" confusão, porque lá é proibido, né,
essas coisa assim
Prof.: I::sso.
(...)
(J): ( ) ele tinha uma janela na mesma posição mas o vizinho não podia ter.
Prof.: Ãh-hã::
(J): Por que que ele podia ter uma janela naquela posição e o vizinho dele não podia ter, é
hipocrisia ( ) ali
Prof.: Sei, entendi
(...)
(NI): ( ) porque a casa dele é praticamente toda aberta↑e ele reclama do cara
Prof.: Ah::mas então gente, mas é isso, é aí que tá o interesse do filme
(S): ( ) sei lá, chegar a um acordo (com o outro) ( ) botar a janela em outro canto
Prof.: Por que é que (diz) então, gente, olha só... vocês estão tocando num ponto muito legal
(.) eh, pessoal ( ). É o seguinte: vocês até (tão) tocando num ponto muito interessante, a
partir do momento em que vocês estão me perguntando (.) né, me indagando, mas qual o
sentido (.) disso
(D): Daquilo
Prof.: Mas é justamente aí que tá o lado legal do filme porque esse filme
(D): legal ( )
Prof.: ele é o lado interessante
(D): hh
Prof.: da história do >filme< ou se- porque esse filme ele não é um filme realmente, ele não
tem a história toda ali como a gente na verdade estaria acostumados a ver no estilo
hollywoodiano da coisa, ou seja, que todo, tudo leva a algum lugar, ou seja, toda história
algo de diferente vai acontecer (.) né, não fica preso num problema só (.) ou seja, essa lógica
do essa lógica do cinema americano é uma lógica que, que ela tá muito, assim, na nossa:: no
nosso cotidiano mesmo, né, no nosso dia a dia, a gente lida mais com essa lógica, então
quando vem uma lógica de um um filme que apresenta uma outra lógica, um uma outra
reflexão... eh, a gente fica um pouco, né, não não cabe muito, peraí isso é um filme, mas isso
é filme, não, o que eu aprendi de filme (.) não é isso, né, é meio isso que vocês tão me dizendo
(.) até (ontem) o que eu aprendi de filme não é isso. Pra mim um filme tem que ter lógica, tem
que ter pé e cabeça, pra mim um filme tem que ter (.) então esse é um filme que que
[desconcerta
Alunos: ºhhº
Prof.: né] no sentido que ele traz uma uma outra lógica de filme.
(Y): É um filme abstrato.
Por fim, observou-se que, embora os alunos tenham tido certo estranhamento em
relação ao filme “El hombre de al lado”, devido aos diversos fatores já apontados aqui, a
interação deles com o filme não foi prejudicada. Eles se mostraram empenhados ao longo do
140
debate em discutir todas as questões que surgiram, a fim de buscar um entendimento maior
acerca deste “novo” modo de produção cinematográfica.
6. Análise das entrevistas realizadas com os alunos
Finalizado o processo de trabalho com os filmes, a professora-pesquisadora realizou as
entrevistas semiestruturadas28, a fim de verificar como os alunos avaliavam a metodologia de
ensino utilizada ao longo da pesquisação. No total, foram entrevistados, individualmente,
quatro alunos. O critério utilizado para a seleção dos alunos foi o seguinte: escolher, em cada
uma das turmas, um aluno que tenha revelado, em suas respostas escritas (referente às
atividades de interpretação), movimentos de adesão em relação às formações discursivas por
abrupção, e um aluno que tenha revelado movimentos de resistência em relação ao discurso
do outro. As perguntas tinham como objetivo aprofundar a observação tanto dos movimentos
de adesão ou de resistência dos estudantes (devido a sua relação com pré-concepções ligadas
às suas formações discursivas), quanto dos movimentos de mudança e/ou reposicionamento
decorrentes do processo didático experienciado ao longo do ano letivo. Segue abaixo o roteiro
das perguntas29:
1. Como você avalia as atividades propostas ao longo do processo de interação com os
filmes?
2. Você percebeu alguma diferença entre o seu modo de falar e o do estrangeiro do mundo
hispânico?
Na análise das entrevistas desta pesquisa foi utilizado como suporte teóricometodológico a perspectiva discursiva proposta por Rocha, Daher e Santa’Anna (2004) no
texto “A entrevista em situação de pesquisa acadêmica: reflexões numa perspectiva
discursiva”. Os autores compreendem a entrevista como “produção situada sóciohistoricamente, como prática linguageira que se define por uma dada configuração
enunciativa que a singulariza” (Rocha, Daher, Sant’Anna, 2004, p.2), negando, assim, a ideia
de que a situação da entrevista revela uma verdade ou uma realidade do sujeito que deve ser
acatada pelo pesquisador. Deste modo, compreende-se que, no texto produzido pelo
entrevistado, além da sua própria voz, percebe-se a presença de outros dizeres e saberes.
28
As transcrições das entrevistas se encontram no anexo 7.
Além destas duas perguntas específicas, utilizadas com os quatro entrevistados, a professora-pesquisadora
também fez perguntas referentes a cada uma das respostas produzidas pelos alunos, individualmente, nas
atividades de interpretação realizadas ao longo do processo de trabalho com os filmes.
29
141
Trata-se da existência de uma “massa de textos” construída anteriormente ao momento da
entrevista. Porém, isso não indica que a entrevista seja uma reprodução desses textos. De
acordo com os autores, trata-se de
uma nova situação de enunciação que reúne entrevistador e entrevistado, situada
num certo tempo, num espaço determinado, revestida de um certo ethos, com
objetivos e expectativas particulares, etc. Tudo isto que caracteriza a entrevista como
situação de enunciação é suficiente para justificar que algo de novo – e de
irrepetível, como o pressupõe o próprio conceito de enunciação – se produza aí, por
ocasião de sua realização. Diremos, deste modo, que a entrevista não é mera
ferramenta de apropriação de saberes, representando, antes, um dispositivo de
produção / captação de textos, isto é, um dispositivo que permite retomar/condensar
várias situações de enunciação ocorridas em momentos anteriores. (Idem, p.14)
Por este motivo, os entrevistados são sempre pessoas que participaram do processo ou
que conhecem determinado tópico abordado na entrevista. Esse saber é, então, atualizado no
momento da entrevista. Além disso, nesta perspectiva, o material produzido nas entrevistas
não é considerado o próprio corpus de análise, visto que sempre haverá informações,
digressões, retificações e informações excedentes. Por isso, caberá ao pesquisador circular
neste campo em que se entrecruzam determinados discursos e executar um recorte, de acordo
com os critérios e objetivos da pesquisa.
De acordo com os objetivos desta pesquisa, foram analisados os movimentos de
resistência dos alunos revelados nas entrevistas. Foi possível observá-los nas falas dos quatro
entrevistados. A primeira resistência diz respeito aos filmes utilizados. Por exemplo, a aluna
(G) diz que, no início, achou o primeiro filme chato e o aluno (RB) diz que não gosta dos
filmes. Nota-se que um dos motivos que fez com que a aluna (G) resistisse ao primeiro filme
foi o fato de ela ter achado complicado ver um filme em espanhol. O aluno (RB) resistiu
porque ele não está acostumado a ver esse tipo de filmes que, segundo ele, “conta muito a
vida do personagem”. Porém, pode-se observar que, devido ao processo didático, ocorreu um
reposicionamento dos alunos em relação aos filmes. A aluna (G) diz, então, que, com o
tempo, devido aos exercícios que eram feitos ao longo do processo, foi entendendo melhor e
passou a gostar dos dois filmes. O aluno (RB) diz que, embora não tenha gostado do filme em
si, ele achou bastante interessante tudo o que aprendeu com ele (tanto em relação à cultura
quanto à própria língua). Observe:
142
(G): Eu gostei bastante assim no começo eu achei meio chato o primeiro filme (.) mas aí
depois com o tempo quando a gente foi fazendo os exercícios deu pra (.) entender melhor
porque ver filme em espanhol pra quem não sabe espanhol é bem (.) complicado (.) mas (.) eu
gostei bastante dos dois filmes até mais do segundo filme
(RB) Dos filmes eu admito que não são do meu gosto, assim, filmes, às vezes que conta muito
a vida do personagem, mas eu achei ele bastante interessante não o filme em si, mas o que a
gente aprendeu do filme, o que que tinha por trás do filme, a proposta do filme, o que a gente
acabou aprendendo por trás do filme, tanto da cultura quanto do:: da própria língua. Eu
acho que esse aprendizado que a gente teve bastante interessante.
Cabe ressaltar que as entrevistas revelam que, para todos os alunos, esse tipo de
proposta era algo novo. Observe:
(DR): Eu nunca tinha presenciado uma aula de espanhol nesse sentido,
(RB): É a primeira vez que eu trabalho com, assim, né na escola, aprendendo espanhol, a
proposta vendo filmes
(G): É uma forma diferente de você aprender
(RU): É que quando eu pensei que era aula de espanhol, você tinha que memorizar verbo no
espanhol, isso é muito chato, então isso melhorou muito, é um aspecto positivo para a
disciplina.
Deste modo, pode-se notar, em algumas entrevistas, um movimento de resistência
inicial em relação a esta nova proposta didática, devido à adesão dos alunos a pré-concepções
acerca do ensino de língua estrangeira. O aluno (DR), por exemplo, diz que estava
acostumado com aquela “coisa bem clássica de você aprender verbinhos e livros didáticos,
fazer exercícios em casa”. O aluno (RU) diz que “foi bem diferente da expectativa” que ele
tinha de uma aula de espanhol. Porém, em ambos os casos, eles afirmam ter sido positiva a
experiência vivenciada ao longo do processo didático. Assim, foi possível observar um
reposicionamento das suas opiniões. O aluno (DR) diz que achou muito interessante e eficaz
esse novo método de ensino, embora os alunos possam ficar um pouco “ressentidos”. Embora
esse “ressentimento” revele certa permanência do movimento de resistência, é possível
também observar uma adesão a essa nova proposta. Deste modo, o aluno (DR) afirma que “o
ideal seria dividir [as aulas] em duas partes”. Por sua vez, o aluno (RU), após o contato com
esse tipo de aula de espanhol, passou a considerar “chato” o ensino de LE voltado para a
memorização. De acordo com ele, neste tipo de proposta, o aluno aprende “porque gostou de
aprender”. Observe:
143
(DR): Eu nunca tinha presenciado uma aula de espanhol nesse sentido, sempre era aquela
coisa bem clássica de você aprender por verbinhos e livros didáticos, fazer exercícios em
casa, essas coisas e:: esse ano eu passei por uma situação muito diferente né, um novo
modelo de ensino que tá aí agora nessa nova era né de ensino de outros idiomas e eu achei
muito interessante esse método de ensino, por mais que às vezes a gente possa ficar um pouco
ressentido, com o pé atrás, ah não tem verbo, ah num sei o quê, a gente num pratica verbos.
Mas eu acho que isso a gente vai se acostumando a partir do momento que a gente tem um
acesso melhor ao diálogo dos filmes em si, ainda mais que são filmes argentinos em sua
maioria e eu acho que é uma forma interessante de se aprender. Por exemplo, eu não acho
que seria um negócio cem por cento isso, eu acho que o ideal seria saber dividir em duas
partes, claro, ressaltando esse novo método de ensino, porque é eficaz. E a partir do
momento que você aprende uma cultura e todas as formas verbais que eles têm de se
comunicar acho que facilita muito mais o ensino do que é comumente visto em vários cursos
de língua estrangeira.
(RU): Foi bem diferente da expectativa né () de uma aula de espanhol mas foi bem legal
aprender espanhol de outro jeito. Foi bem legal. Tipo assim, não aquele espanhol chato,
memorizado, mas aquele que você aprende porque gostou de aprender. Muito bom isso.
Ambos os filmes foram filmes excelentes, a maioria de humor, que eu nunca tinha visto.
Os alunos (RB) e (G), embora estivessem vivenciando pela primeira vez aquela
proposta, não manifestaram movimentos de resistência relacionados às suas pré-concepções.
Pelo contrário, desde o início mostraram aderir à proposta, sem nem mesmo mencionar suas
expectativas. O aluno (RB) disse que foi interessante porque o estudante “acaba conhecendo
outra cultura”. A aluna (G), por sua vez, disse que foi “mais fácil” e “mais intrigante”
aprender vendo filmes. Observe:
(RB): Logo de início eu achei a proposta bem interessante, que é a primeira vez que eu
trabalho com, assim, né na escola, aprendendo espanhol, a proposta vendo filmes, eu achei
interessante. Tanto a, como que você conhecer os filmes antes né, tanto lendo as reportagens
absurdas quanto saber que tinha a questão dos chineses na argentina, é bo pra entender o
contexto do filme né, que () pra entender o texto tem que saber o contexto né, então foi
interessante, porque sem essa análise antes talvez a gente não fosse entender todo o contexto
que tava por trás do filme. E foi bom no sentido de que culturalmente contribui porque você
acaba conhecendo uma outra cultura e, como você disse também durante o ano, você acaba
se conhecendo, faz refletir sobre como as pessoas pensam em outros lugares e ver até que
ponto bate com o que você pensa, de que forma... É uma construção cultural bastante
interessante.
(G): Mais fácil do que:: por exemplo (.) aprender a a:: gramática (.) literatura tudo assim
bem certinho que nem a gente aprender no português (.) que a gente pega tem isso aquilo
144
matemática também (.) tem isso aquilo tem que aprender aquilo (.) aí:: aprender desse jeito
vendo filme texto é uma forma mais como é que se diz intrigante de aprender que te interessa
mais (.) do que se você fosse fazer aquilo certinho (.) toda a gramá::tica eh (.) aprender
assim mesmo a:: que nem aprende em curso essas coisas.
Por fim, pode-se observar um movimento de adesão à proposta, haja vista o fato de o
aluno (RU) ter considerado que ela provoca uma “interação” e uma união entre a turma.
Observe:
(RU): Com certeza me aproximou mais da matéria, porque traz aquela interação do aluno
enquanto a professora enquanto a turma toda né tipo nas rodas quando a gente se reunia pra
poder discutir sobre os filmes, sobre algum fato de aulas anteriores ou da mesma. Traz uma
boa interação e um inturmamento né. Ajuda. Muito bom. Tirando que é divertido né.
Além disso, as entrevistas revelam que há, em alguns casos, um movimento de
resistência em relação às discursividades preponderantes no contexto argentino atual. Por
exemplo, a aluna (G) diz que parece que eles falam de um modo “grosso” e “colocam um
pouco de raiva” quando conversam. Observa-se também, em sua fala, uma adesão à formação
discursiva por transição, uma vez que, segundo ela, no Brasil, as pessoas tem um jeito “mais
simpático”, pois falam de um “jeito muito espontâneo”. Porém, a aluna revelou, também, que
reconhece que pode ser somente uma “impressão” da sua parte e que a pessoa pode não estar
sendo grosseira. Este reconhecimento foi propiciado pelas reflexões ocorridas em sala de aula.
Nota-se, então, que a abordagem pedagógica pode intervir produtivamente (revertendo
tendências ao distanciamento) no processo de diálogo de alunos brasileiros com filmes
hispânicos.
(G): às vezes] (às vezes) pode ser o natural deles mas de vez em quan- mesmo que fale assim
natural conversando às vezes eles parece que colocam um pouco de de raiva essas coisa fala
tipo grosso
Prof.: sei hh
(G): aí hh dá impressão mesmo que a pessoa não esteja sendo grossa (.) às vezes dá
impressão que ela é grossa pelo jeito que ela fala
Prof.: e você achou que isso tava em em todos os filmes nos dois filmes?
(G): Em todos os dois eu achei que tava evidente isso mesmo que a pessoa tivesse falando
com naturalidade mas
Prof.: ãh-hã::
(G): ela fala como se ela fosse rude grossa mesmo que não fosse mas dava a entender que ela
era
Prof.: ãh-hã:: ah:: e e você que isso é diferente do da por exemplo do do Brasil
145
(G): acho
Prof.: isso isso te dá
(G): acho
Prof.: por que, como é que
(G): acho porque eh os brasileiros eu acho que eles têm um jeito mais simpático de falar
assim (.) nem todo mundo fala grosso mas tem muita gente que fala muito espontâneo essas
coisa então às vezes não dá a entender que a pessoa é grossa mas nos filmes deu bem a
entender mesmo que a pessoa não seja parecia muito que ela era pelo jeito que ela falava
Também notou-se, nas entrevistas, um movimento de adesão em relação ao discurso
do outro. O aluno (RB), por exemplo, embora reconheça que há diferença no que diz respeito
ao modo de enunciar dos brasileiros e argentinos, não exclui a possibilidade de ocorrência das
duas formações discursivas em ambos os países. Segundo o estudante, a maioria dos
brasileiros, quando querem conseguir algo, utilizam um modo de construção do discurso
amistoso. Trata-se, nas palavras do aluno, de um “desenrolar” e de dar “jeitinho” – traço este
característico das formações discursivas por transição. Porém, para ele, também existe, no
contexto brasileiro, ainda que em menor quantidade, formações discursivas de abrupção. O
aluno (RB) também estabelece uma relação entre o modo de enunciar de Víctor e o modo de
enunciar dos brasileiros, apontando que, no contexto Argentino, também há a ocorrência de
formações discursivas por transição. Por fim, observou-se que o estudante, a partir da
proposta didática vivenciada por ele ao longo da pesquisação e das suas próprias experiências
de mundo, reconheceu a preponderância dos diferentes modos de produção do discurso em
cada uma das línguas/culturas trabalhadas, assim como se conscientizou de que a diferença é
constitutiva do nosso mundo e pode ser percebida não somente quando nos deparamos com o
outro (o estrangeiro), mas também dentro cada cultura. Observe:
Prof.: hmm legal (.) legal brigada (.) e bom por fim então queria saber o que que você achou
do modo de enunciar se você percebeu alguma diferença por exemplo (.) entre o modo (.) de
interação né (.) interação com o outro por exemplo nas sociedades né o modo de convivência
por exemplo (.) de eu (.) me interagir com você né como professora (.) por exemplo é
diferente nas socieda- no Brasil é diferente o professor talvez eh nos Estados Unidos né
talvez tenha uma outra um outro modo de tratamento por exemplo (.) e eu queria saber o que
que você se você sentiu alguma diferença entre o modo (.) de interagir né o modo de enunciar
(.) do dos hispano-americanos que a gente viu no filme né dos estrangeiros no caso eram os
argentinos né (.) se você (vê) se você sentiu
(RB): hmm
Prof.: alguma diferença entre o modo
146
(RB): é indiscutível que há diferenças né (.) mas assim eu não gosto muito de pega::r (.) eu
gosto assim de estudar sociologia de (.) psicologia e eu vejo assim que eu não gosto de
estereotipar por exemplo ah os argentinos se tratam dessa forma os brasileiros se tratam
dessa forma claro que há como uma maioria (.) né (.) isso que eu respondi (.) mas eu não
senti muita diferença eu particularmente não senti diferença porque assim essa diferença que
a gente encontra (.) entre a maioria dos brasileiros e a maioria dos argentinos
Prof.: ãh-hã
(RB): a gente também encontra aqui dentro só que numa minoria
Prof.: é
(RB): então assim assim como tinha pessoas como o Roberto tratava as pessoas também
conheço pessoas que tra- que se tratam os outros assim mesmo que não seja a maioria (.) tem
essa pequena minoria que nem é tão pequena assim mas não é a grande maioria (.) né
Prof.: a grande maioria que seria como?
(RB): ( ) as pesso- assim que a correspondem a (.) matematicamente mais de cinquenta por
cento das pessoas se trata dessa forma mas também a outra minoria (.) não é tão pequena
assim você encontra muita gente que trata os outros como o Roberto trata como o Leonardo
trata como o Victor trata tenta (.) conversar tenta desenrolar o Victor por exemplo ele a
princípio não quis (.) eh parar a obra porque aí é uma coisa que ia (beneficiar) ele aí tenta
conversa::r tenta dar um jeiti::nho não vamo na minha van deixa eu te mostrar minhas coisas
que eu faço né
Prof.: ãh-hã::
(RB): pra conhecer pra tornar amigo tudo assim negócio de um pouco de:: como eu posso
dizer... tenta desenrolar com ele pra po- pra ver se acabava fazendo ele ceder não vou
mostrar que não tenho más intenções né só
Prof.: sei sei
(RB): ele tentou um pouco desenrolar pra conseguir também o objetivo dele brasileiro
também tem um pouquinho disso [né
Prof.: ãh-hã
(RB): não só] no geral mas a maioria né tenta não sempre que ele sabe que ele tá errado mas
ainda assim ele quer alguma coisa ele não não desiste logo de início ele tenta ir
conversa::ndo (.) [(dar) um jeiti::nho
Prof.: (dar um) jeiti::nho] ãh-hã::
(RB): pra poder eh atender os dois lados né então não senti muita diferença sabe por que
essas diferenças ( ) na Argentina tem de pessoas e pessoas também dentro [de cada país
Prof.: dentro de cada país] né
(RB): a gente acaba convivendo com pessoas diferentes né as pessoas (.) não são iguais a
gente acaba se acostumando com a diferença (.) até eu ( ) também com bastante pessoas eu
não vejo muita diferença eu conheço muitos tipos de [pessoas
147
148
Considerações finais
Após a análise das interações dos estudantes brasileiros com os filmes argentinos
exibidos ao longo desta pesquisa, podemos concluir que os alunos apresentaram maior adesão
às formações discursivas com ressonâncias de transição, visto que estas, por serem
predominantes no português do Brasil, como aponta Serrani, lhes são mais familiares. Por
outro lado, observou-se que os estudantes apresentaram maior resistência às formações
discursivas que se realizam nos filmes com ressonâncias discursivas de abrupção. Por
exemplo, a partir das respostas dos alunos referentes às atividades escritas de interpretação, o
modo de enunciar por transição, muitas vezes, é interpretado pelos alunos como “mais
educado”, assim como o modo de enunciar por abrupção é interpretado, em diversos
momentos, como “pouco educado”, “grosso” e “rude”. Também observamos uma associação,
estabelecida por grande parte dos alunos, entre “forma direta” de falar e intolerância ou
irritação, levando-nos à conclusão de que o padrão de cortesia se dá, predominantemente, no
contexto brasileiro, por meio de “formas transitivas”. É possível, por fim, relacionar o
surgimento dessa formação discursiva aos processos sócio-históricos de formação do país.
Assim, visto que o estabelecimento de laços afetivos e a demonstração de respeito através da
intimidade
caracteriza
o
modo
de
se
relacionar
dos
brasileiros
(tornando-nos,
imaginadamente, uma comunidade), devido à herança de uma sociedade patriarcal, presente
nas raízes de sua constituição, na qual reinavam os valores da família, a manutenção do pacto
enunciativo tende a se dar por meio da cordialidade, em oposição aos ritualismos de polidez
(ou seja, aos padrões de cortesia). Já no contexto argentino, observa-se que prevalecem os
modos de enunciar que caracterizam as formações discursivas por abrupção, como, por
exemplo, uma tendência discursiva em afirmar o conflito, uma vez que o processo de
formação do país é marcado por sangrentas guerras, devido à discórdia entre portenhos e as
demais províncias da região. Por fim, cabe ressaltar que esse posicionamento em relação ao
discurso do outro, além de estar atravessado por memórias discursivas decorrentes de
processos sócio-históricos, é também relativizado pelo atravessamento de outros fatores, tal
como a identificação subjetiva com o problema vivido pelos personagens.
Após a observação de todo o processo através dos diversos instrumentos analíticos
utilizados (questionários, atividades escritas, debates e entrevistas), dentre os momentos mais
marcantes da pesquisação, podemos destacar:
149
1. o aprofundamento da interação dos alunos com os textos, a partir da divisão do processo
em quatro etapas distintas (motivação, introdução, visualização, interpretação);
2. a experiência, por parte dos alunos, de poder viver um processo de aprendizagem diferente
do que eles estão acostumados na escola;
3. o estabelecimento de uma relação entre teoria e prática, no sentido da verificação do
acontecimento teórico na prática em sala de aula.
Além disso, observou-se que a ação didática serviu para sensibilizar e conscientizar os
alunos em relação às diferenças culturais, linguísticas e discursivas, devido ao fato de buscar
um viés não-dicotômico das formações discursivas de abrupção e transição, formuladas por
Serrani, e de revelar que, embora haja determinadas predominâncias de produção e construção
do sentido, ambas estão presentes, simultaneamente em ambas as sociedades. Por exemplo,
nos debates foi possível perceber a interação entre diferentes interpretações: enquanto uns
estabeleciam um distanciamento em relação às formações discursivas de abrupção, outros –
embora minoritários – demonstravam adesão. Observou-se, então, uma pluralidade de vozes
que se entrecruzam em um movimento de consenso e dissenso, gerando novas vozes e novos
sentidos. Através deste movimento, os alunos puderam perceber que a construção do sentido
varia (pois são construções socioculturais), tanto na interação entre pessoas situadas em um
mesmo contexto ou entre pessoas situadas em distintos contextos, e que a predominância de
determinados modos de interpretação dos sentidos se relaciona com fatores históricos de
formação dos países. Deste modo, constatou-se que a proposta didática desenvolvida nesta
pesquisa é produtiva para o ensino de ELE nas escolas, visto que esta abordagem, ao reverter
tendências ao distanciamento no processo de diálogo dos alunos com os filmes hispânicos,
propicia movimentos de mudança e reposicionamentos por parte dos alunos brasileiros em
relação ao discurso do outro e em relação aos diversos modos de produção do sentido,
revertendo tendências a estereótipos e preconceitos culturais e ampliando as formas de leitura
do mundo ao nosso redor.
Por fim, consideramos que esta proposta de análise contribui com o enriquecimento
das propostas de pesquisa na área de ensino/aprendizagem de língua estrangeira, pois, através
da articulação dos princípios teórico-metodológicos da Análise do Discurso ao campo
pedagógico, oferece perspectivas de reflexão acerca das práticas do ensino de ELE (setor em
que há ainda o predomínio da dimensão gramatical deslocada do seu contexto de uso) e das
práticas de leitura em sala de aula (não somente de textos escritos, como também leitura e
compreensão de outras textualidades que circulam na esfera social), criando situações para
150
que o aluno vivencie a pluralidade de sentidos de um texto (seja ele exclusivamente escrito ou
sincrético). Além disso, esta pesquisa, por buscar um viés mais complexo de entendimento
dos sinais de proximidade e distanciamento manifestados no processo de interação discursiva,
considerando os processos sócio-históricos de construção de sentidos, desenvolveu nas aulas
de língua estrangeira interações que propiciaram o engajamento enunciativo do aprendiz nas
práticas discursivas.
151
152
Referências
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2012. DVD.
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A SOCIEDADE DO ESPETÁCULO. Guy Debord. Paris, 1973.
155
156
ANEXOS

Anexo1: Modelo do questionário

Anexo 2: Modelo do termo de consentimento

Anexo 3: Reportagens utilizadas na motivação do filme “Un cuento chino”

Anexo 4: Reportagem utilizada na introdução do filme “Un cuento chino”

Anexo 5: Atividades Didáticas de Interpretação

Anexo 6: Convenções das transcrições

Anexo 7: Transcrições das entrevistas
157
158
 ANEXO 1 – MODELO DO QUESTIONÁRIO
159
160
QUESTIONÁRIO
Nome completo:_________________________________________________________
Curso:______________________________ Idade: _______
1. Onde você mora? Há quanto tempo?
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
2. Já morou em outros lugares? Quais? Por quanto tempo?
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
3. Em quais escolas você estudou? Especifique as séries cursadas em cada instituição.
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
4. Você costuma ler textos fora do contexto escolar? Em caso afirmativo, a que gêneros
pertencem esses textos? E quais temáticas o atraem mais?
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
5. Você costuma ver filmes? Em geral, os filmes que você assiste são produzidos em que
país? Você assiste mais dublado ou legendado?
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
6. Quais são suas atividades e/ou hobbies fora da escola?
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
7. Além do contato com a Língua Espanhola em sala de aula, que outros contatos com
este idioma você tem/teve?
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
161
162
 ANEXO 2 – MODELO DO TERMO DE CONSENTIMENTO
163
164
AUTORIZAÇÃO PARA USO DE FALAS E REGISTROS ESCRITOS
(alunos menores de 18 anos)
Por meio deste documento autorizo a professora Julia Caldara Pelajo, docente de
Espanhol da presente instituição e mestranda do Programa de Pós Graduação em Letras
Neolatinas da UFRJ, a gravar as falas espontâneas, ocorridas em sala de aula, de resposta a
questionários
ou
em
entrevistas
do(a)
aluno(a)
___________________________________________________________________________
e a utilizá-las para fins de pesquisa, informação ou divulgação, nas área de educação e ensino
de línguas estrangeiras.
Autorizo ainda que tais falas sejam transcritas e citadas total ou parcialmente em
trabalhos apresentados em congressos, artigos publicados em periódicos ou em outros meios
de divulgação científica.
Autorizo também que registros escritos produzidos pelo(a) aluno(a) sejam utilizados
com finalidade científica em trabalhos de pesquisa em educação e em ensino de línguas
estrangeiras, de forma total ou parcial.
Em todos os casos supracitados, abro mão de qualquer direito de pré-inspeção e préaprovação do material utilizado, assim como de qualquer compensação financeira pelo seu
uso. Além disso, qualquer publicação deverá preservar o nome do(a) aluno(a) supracitado(a) e
manter sigilo quanto à sua identidade. Também deverá ser garantido o direito do aluno desistir
de participar da pesquisa em qualquer momento.
Declaro ser maior de idade, tendo todo o direito de autorizar os termos acima
expressos, em nome do(a) aluno(a) supracitado(a), estando plenamente ciente do inteiro teor
desta autorização.
Nome completo:___________________________________________________________
Assinatura:______________________________________Identidade: _______________
Endereço Residencial: _____________________________________________________
Data: ___/___/_____
165
166
 ANEXO 3 – REPORTAGENS UTILIZADAS NA MOTIVAÇÃO DO
FILME “UM CUENTO CHINO”
167
168
 REPORTAGEM 1
CLARÍN (Marzo, 2014)
Se fue a la India a meditar y desapareció en el río Ganges. Es Héctor Rolotti, dueño de la
cadena de restaurantes Novecento. Estaba con su esposa cuando vio que una mujer se ahogaba
en un remolino. Se tiró al agua para rescatarla y se lo llevó la corriente. El empresario
gastronómico cordobés Héctor Rolotti, socio fundador de la cadena de restaurantes 900
(Novecento), desapareció el lunes en aguas del río Ganges, en la India, cuando se arrojó al
agua para rescatar a una mujer que se ahogaba. Un comunicado de la empresa Novecento
detalló que Rolotti se encontraba junto a su mujer y un grupo de personas en la ciudad de
Rishikesh, en la zona norte del río Ganges, cuando vieron que una mujer era absorbida por un
remolino. Fue entonces que el empresario y otras personas se arrojaron al agua para intentar
rescatar a la mujer. Lo lograron, pero Rolotti no pudo salir del agua y fue arrastrado por la
correntada. Ayer por la mañana no estaban claras las circunstancias de su desaparición. En un
primer momento se difundió la versión de que Rolotti había sido arrastrado por las aguas del
Ganges mientras participaba de un ritual, lo que fue más tarde desmentido por el grupo
Novecento. El empresario había viajado a la India junto a su mujer y amigos para practicar
meditación y descansar. Rolotti tiene 46 años, es padre de cuatro hijos y está radicado desde
hace varios años en Estados Unidos. Hoy vive en Miami, pero sus comienzos fueron en
Nueva York, donde arrancó con un pequeño café en el Soho que se transformaría en el punto
de partida de una cadena internacional de restaurantes que hoy tiene tres locales en los
Estados Unidos, uno en Punta del Este, uno en México, dos en Buenos Aires y uno en
Córdoba, que son visitados por celebridades del espectáculo y deportistas. Héctor Rolotti
nació en la provincia de Córdoba y se crió en La Cumbre. Fue pupilo del tradicional colegio
inglés San Pablo, del que le quedó un recuerdo “espectacular”, según dijo al diario La Voz en
2007. “Se hacen amistades muy fuertes en ese tipo de colegios. Con mis ex compañeros
podemos andar por cualquier parte del mundo y no vernos por años, pero nos juntamos y
parece que fuera ayer”, dijo entonces con una sonrisa. En 1988, Rolotti viajó a los Estados
Unidos por un asunto comercial y le ofrecieron trabajo en una agencia de viajes de Nueva
York. Trabajó un año en turismo, después se cansó y salió a vender películas en video, tenía
entonces solo 23 años. “Después, viví en el Soho y encontré el local donde abrimos el primer
Novecento”, le contó a La Voz ya hace más de seis años. Así, en el 343 de West Broadway de
Nueva York nació la que hoy es una cadena internacional de restaurantes. Fue en 1991. El
nombre de la cadena está inspirado en la película llamada así de Bernardo Bertolucci.
“Arrancó como un cafecito, un delirio. Abrimos con dos pesos”, recordó. El secreto del rápido
éxito del entonces café Novecento, contó Rolotti, era el café. Servían expreso y capuchino en
una zona donde solo se conseguía café americano de filtro, “jugo de paraguas”, según lo
llamaba con humor Rolotti. “El nuestro se convirtió en el café del barrio, hasta que empezaron
a aparecer todos los argentinos que andaban de viaje”, repasó. Después, un amigo argentino
que vivía en Nueva York se volvió a Buenos Aires y con él se asoció para abrir el primer
Novecento en Argentina. Fue en Las Cañitas, cuando el barrio estaba lejos del boom
gastronómico que surgió después. Mientras, en el Soho neoyorquino creció la competencia y
Rolotti recibió una oferta de 250 mil dólares por su negocio; la rechazó. Consiguió
169
inversiones y en 1996 abrió un local en Punta del Este, en 1999, otro en Córdoba y en 2000,
uno en Martínez. Allegados al empresario dijeron a Clarín que Rolotti es una persona muy
sana, con buena preparación física y con una gran fuerza interior, y que por eso abrigan la
esperanza de encontrarlo a salvo.
170
 REPORTAGEM 2
CLARÍN (Marzo, 2014)
El empresario brasileño se tiró por la borda del crucero Estaba de vacaciones con su esposa en
un barco de lujo. Su cuerpo apareció en Punta Lara. Las cámaras del buque fueron clave.
Odair Marcos Faría, el empresario brasileño que fue hallado muerto en las costas de Punta
Lara, habría saltado del crucero en el que viajaba, según se desprende de las primeras
conclusiones a las que llegaron los investigadores que llevan adelante la causa. Odair iba a
bordo de un crucero de lujo, el Costa Fascinosa, junto a su mujer, María Cristina Florio
Bonafín Faría, donde fue visto por última vez el miércoles pasado. Según revelaron las
cámaras del barco, Odair se acercó a una de las barandas de la cubierta y se arrojó al mar.
Además, María Cristina reveló que el viaje había sido un regalo de los hijos de ambos, luego
de que pocos días antes la pareja se hubiera enterado de que uno de los dos (no trascendió
cuál) tenía una enfermedad terminal, según declaró a la justicia. El cuerpo de Odair fue
hallado por Prefectura de Punta Lara el jueves 13, enganchado a unos juncos a 50 metros de la
costa sobre el Río de la Plata entre el camping C.E.C.O y el club Universitario. Faría tenía el
torso desnudo y vestia solamente un traje de baño de color amarillo. Recién el lunes 17 se
confirmó que se trataba del empresario desaparecido, luego de que su hermano reconociese el
cuerpo en la morgue. La pareja viajaba a bordo del Costa Fascinosa, un barco que cuenta con
1.500 camarotes, cinco restaurantes, casinos y cines. Había salido el día 8 de la costa de
Santos, en Brasil, y estaba a 19 kilómetros de Buenos Aires cuando Odair desapareció.
Actualmente está en viaje de regreso a Brasil.
171
 REPORTAGEM 3
CLARÍN (Marzo, 2014)
Dos nuevas muertes en Venezuela: son 31 las víctimas en las protestas En Táchira, un
estudiante recibió un disparo desde una moto y en Caracas, un ho mbre que limpiaba una
barricada. Un estudiante y un trabajador murieron a balazos en medio de los desórdenes en
Venezuela, lo que aumentó a 31 el número de víctimas mortales tras cinco semanas seguidas
de protestas contra el gobierno, dijeron las autoridades. El estudiante perdió la vida en la
región suroccidental de Táchira, donde comenzó el movimiento universitario de protestas, y
un trabajador municipal murió cuando aparentemente limpiaba una barricada opositora en
Caracas. Las protestas han continuado pese a la militarización de las calles en las zonas de
mayor conflictividad. Es verdad que las barricadas han bajado de intensidad, pero las
manifestaciones han cambiado de método, siendo más creativas, artísticas y sociales. Por
ejemplo ha nacido el grupo de las “Madres de la Plaza Altamira”, la mayoría de la tercera
edad, que enfrentan con flores a los uniformados, y también los músicos callejeros. Al saldo
de 31 muertes por las protestas se han sumado dos nuevos baleados por motociclistas:
Anthony Rojas, un estudiante de 18 años de Ingeniería mecánica de la Universidad Nacional
Experimental del Táchira en San Cristóbal, y Francisco Madrid, un trabajador de limpieza en
la urbanización Montalbán en Caracas. El alcalde de Caracas y dirigente oficialista, Jorge
Rodríguez, señaló en su cuenta de Twitter que el trabajador Madrid fue asesinado por
“terroristas” cuando despejaba una vía obstaculizada por una barricada. Paralelamente, el
presidente Nicolás Maduro alertó sobre una “crisis económica y social” en la región si fuese
derrocado. Lo sorprendente de su declaración es la seguridad con que lo dijo ayer en su
programa radial semanal “En contacto con Maduro”, donde afirmó que ha salido “fortalecido”
después de 36 días de protestas. Advirtió que si la “revolución bolivariana” fuera derrocada
“Estados Unidos debe saber que vendría un período de desestabilización, de crisis económica
y social, de violencia en todo el continente”. El mandatario venezolano añadió que “tendría
que prepararse Estados Unidos para que lleguen allá desde el Caribe, irían los pobres a tocar
las puertas, a buscar una oportunidad para su vida”. Señaló que EE.UU. sería el más
perjudicado en caso de aplicar sanciones a Venezuela y si decide no comprar más su petróleo
venezolano. “Este se venderá en otro lado”, dijo. “El más perjudicado en una escalada de
sanciones va a ser EE.UU., su sociedad, sus empresarios, su pueblo, es el más perjudicado,
ojalá no nos metan por ese camino para demostrar lo que no queremos demostrar, que serían
ellos los más perjudicados. Es una estupidez de la ultraderecha, del lobby de la ultraderecha
del Senado de Estados Unidos pensar en leyes contra Venezuela; nos resbalan sus sanciones”,
enfatizó. Aseguró que el golpe de Estado que supuestamente estaba detrás de las protestas ya
fue derrotado, pero reconoció que aún continúan los focos de violencia. “Esta arremetida
brutal lo que ha hecho es fortalecernos. Si la oposición hubiera aceptado venir a dialogar, a
hablar, nos hubiéramos ahorrado todo esto. No tendríamos ni un herido, ni un enfermo
producto de la humareda por la basura quemada que ha habido”. “La contrarrevolución
venezolana ha levantado un proyecto de extrema derecha neofascista y todo lo que han hecho
estas cinco semanas es desnudar cuáles son sus intenciones, su desprecio a la vida, a sus
propios partidarios. Estos grupos han sido neutralizados. Pensaban que podían tomar el poder
172
por la fuerza, hacerle daño a la sociedad democrática”, subrayó. También atacó al gobernador
Henrique Capriles comparándolo con Chucky, el muñeco diabólico de la película, por negarse
a aceptar la invitación al diálogo. “He insistido en llamarlo y sigo haciéndolo. Cinco veces lo
he llamado, pero me tiene miedo, le tiene miedo a la cara del pueblo”, dijo.
173
 REPORTAGEM 4
CLARÍN (Marzo, 2014)
Una empleada del Banco Central robaba dinero en desuso y lo cambiaba en bingos Sacaba
billetes que debían ser destruidos, los ponía en máquinas tragamonedas y , sin jugar, se
llevaba el ticket del depósito para cambiarlo en las cajas por plata en vigencia. Una empleada
del Banco Central de la República Argentina (BCRA) fue detenida ante la sospecha de que
robaba dinero en desuso -por antigüedad o deterioro y que debe ser destruido-, y lo cambiaba
en Bingos del sur del conurbano bonaerense. Las investigaciones se iniciaron semanas atrás,
cuando personal de la Superintendencia de Investigaciones Federales de la Policía Federal
detectó que en Bingos del conurbano bonaerense se utilizaba dinero que había sido anulado y
debía estar depositado en las arcas del BCRA. Mediante una exhaustiva investigación se logró
determinar que una empleada de esa institución sustraía los billetes de 100 pesos en desuso y
los introducía en máquinas tragamonedas de los Bingos de Berazategui y Florencio Varela.
Luego retiraba el ticket con el monto depositado y, sin realizar ningún movimiento en las
casas de juegos, lo intercambiaba en las cajas de atención al público por billetes de
circulación vigente. En el marco de las investigaciones, la Justicia interviniente ordenó un
allanamiento en el domicilio de la empleada, en Berazategui, donde se detuvo a la mujer y se
secuestraron 90.000 pesos pertenecientes al BCRA, que tenían por destino su destrucción.
Fuentes policiales destacaron que esos billetes en desuso, que salen de circulación, son
atesorados en el Banco Central y luego enviados al Tesoro Regional de Santiago del Estero,
donde son destruidos.
174
 REPORTAGEM 5
EL PAÍS (Marzo, 2014)
Investigado un periodista argentino por crímenes durante la dictadura El director del diario
'La Nueva Provincia', acusado de colaborar con el asesinato de dos empleados y delitos de
lesa humanidad Unas 370 personas han sido condenadas ya por crímenes de la última
dictadura militar de Argentina (1976-1983), pero nunca un periodista. Por eso ha sido noticia
que este martes fuera indagado por presuntos delitos del terrorismo de Estado Vicente Massot,
el director y dueño del periódico conservador La Nueva Provincia, de Bahía Blanca, una de
las ciudades más importantes de la provincia de Buenos Aires, con 300.000 habitantes, a 573
kilómetros al sur de la capital argentina. Massot debió responder en los tribunales de su
ciudad porque está imputador por la fiscalía de integrar una asociación ilícita con los
militares, de ser el coautor de los asesinatos de dos de sus obreros de la imprenta, porque
supuestamente instigó el crímen, colaboró con él y lo encubrió, y de ocultamiento de la
verdad en los secuestros, torturas y homicidios de otras 35 víctimas del régimen. La Nueva
Provincia, al igual que la mayoría de los periódicos de Argentina, apoyaron en su momento a
la dictadura. Pero se diferencia de casi todos ellos en que siguió justificando con algún matiz
el accionar del régimen incluso después del regreso de la democracia al país. Massot, que
durante la dictadura actuaba como periodista mientras su madre dirigía el periódico, llegó a
calificar algunos delitos de lesa humanidad como “excesos inevitables”. Cuando el año
pasado murió el exdictador argentino Jorge Videla (1976-1981), La Nueva Provincia se
distinguió del resto de la prensa de su país al llamarlo “expresidente”. Pero no es de eso de lo
que se acusa a Massot en los tribunales. Los fiscales lo imputaron en 2013 por varios delitos
porque consideraron que el actual director de La Nueva Provincia no solo escribía artículos en
tiempos de la dictadura sino también se encargaba de la política de recursos humanos del
periódico. Los dos obreros desaparecidos, Enrique Heinrich y Miguel Ángel Loyola, era
delegados sindicales y habían organizado varias huelgas. Los fiscales también acusan a
Massot de narrar en su periódico que supuestos terroristas de izquierdas habían muerto en
enfrentamientos cuando en realidad habían sido fusilados por las fuerzas armadas. La agencia
de noticias Infojus citó una investigación de una historiadora argentina, Ana Belén Zapata,
que lo entrevistó por estas acusaciones y que recibió como respuesta una negación de la
responsabilidad en los crímenes. Massot le dijo que por aquellos años viajaba mucho a
Buenos Aires y también cumplió con el entonces obligatorio servicio militar. Massot también
incursionó en la arena política y fue viceministro de Defensa del Gobierno del peronista
neoliberal Carlos Menem (1989-1999), el mismo que indultó a los jerarcas de la dictadura
condenados por el terrorismo de Estado y a los guerrilleros sentenciados por crímenes de los
70. Massot debió renunciar a aquel cargo después de reivindicar públicamente la tortura. "No
hay un solo caso en el mundo de un Ejército, de un Estado, que entre ganar violando leyes o
perder por no violarlas, haya preferido no hacerlo”, dijo Massot en una conferencia en 2012.
“Esto parece brutal, y en el razonamiento hay que llegar hasta las últimas consecuencias,
como cuando Churchill dijo que estaba dispuesto a bajar al infierno y pactar con el diablo
para ganarle a Hitler. ¿De qué fin y de qué medios estaba hablando? Esa idea de que el fin no
175
justifica los medios es importante decirla, a condición de que se explique que en la práctica no
se puede cumplir", sentenció el ahora imputado.
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 REPORTAGEM 6:
EL PAÍS (Marzo, 2014)
Varios manifestantes tiran a un motorista por un puente en Buenos Aires El hombre resultó
herido cuando quiso circular para llevar a su esposa al hospital, embarazada en situación de
riesgo Era una más de las seiscientas manifestaciones con cortes de calle que se vienen
registrando en Buenos Aires cada año. Miembros del Sindicato Unidos Portuarios Argentinos
(SUPA) denunciaban presiones por parte del Sindicato de Guincheros y Maquinistas de Grúas
Móviles hacia 11 trabajadores que se acaban de afiliar a la SUPA. En resumen, los portuarios
protestaban porque los maquinistas -supuestamente- no dejaban trabajar a 11 compañeros que
habían decidido afiliarse a un gremio rival. Los portuarios no encontraron una forma más
civilizadade resolver la injusticia que cortar el miércoles por la mañana el puente de
Avellaneda, una vía importante de acceso a Buenos Aires. Un motorista que viajaba con una
mujer intentó cruzar la vía. Pero recibió un puñetazo y cayó desde el puente a una distancia de
1,5 metros hasta la rampa de acceso, según indicaron fuentes policiales a la agencia oficial
Télam. Después se supo que el motorista es Antonio Raúl Lezcano, que tiene 27 años y que
quiso atravesar entre los manifestantes porque a su esposa se le había complicado el embarazo
de cuatro meses. Lezcano tiene una pierna ortopédica que quedó destruida a causa de las
agresiones. Un portavoz de la policía señaló que Lezcano se trasladó por sus propios medios
hasta el Hospital Cosme Argerich, en el barrio porteño de La Boca, “donde fue atendido por
un corte en el cuero cabelludo”. Walter, tío de Lezcano, declaró al canal Todo Noticias: “Le
robaron lo que tenía: campera (prenda de abrigo), plata, teléfono… Le quisieron bajar los
pantalones para sacarle la pierna ortopédica, ¿hasta dónde puede llegar la humillación? (…)
Nadie se vino a acercar de los portuarios a preguntar cómo estaba. Se le destrozó la pierna
ortopédica de caer unos 8 o 10 metros. Cuesta 40.000 pesos (unos 400 dólares), porque es con
articulación. Es mucho dinero para nosotros”. Horas después, el secretario general de los
portuarios, Juan Corvalán, declaró en una emisora que pensaba dimitir: “No quiero saber más
nada con esto. Renuncio como secretario general. No quiero hacer otro corte mañana y
lastimar gente para recuperar lo que Ministerio de Trabajo nos saca”.
177
 REPORTAGEM 7:
CLARÍN (Marzo, 2014)
Terror de cuatro argentinos en un viaje en globo Pagaron 150 euros cada uno para un paseo
soñado en Capadocia. Pero la experiencia salió mal. Habían organizado el viaje de sus vidas.
Cuatro amigos de La Plata se lanzaron a la aventura de recorrer Turquía pero no se
imaginaban que iban a vivir un momento de terror. En Ürgüp, una ciudad en la región de
Capadocia, decidieron hacer un paseo en globo, una excursión típica que ofrecen a los turistas
en esa región, pagando 150 euros cada uno para admirar las bellezas de la zona desde el aire.
“Subimos unas 24 personas al globo, éramos los únicos argentinos,” cuenta a Clarín Miriam
Blanco, una bioquímica acostumbrada a viajar por el mundo. Con ella iban Laura
Gorostordoy, traductora; Ricardo López, también bioquímico, y Alejandra Sibistrelli, técnica
de laboratorio. “Comenzamos a volar y todo iba bien hasta que vimos que el globo se
acercaba demasiado a una colina. Primero pensamos que el conductor hacía esa maniobra
como una gracia, pero de repente la colina estaba más cerca y casi de inmediato chocamos,
nos estrellamos contra el piso”, cuenta Miriam. “Nos quedamos duros por el miedo”, recuerda
y explica que todos se agacharon dentro del canasto para protegerse. “Enseguida el canasto
amagó con enderezarse, volvió a caer, pero luego empezó a subir. Luego, no sé bien cómo, se
enderezó y siguió volando”, relata. Milagrosamente, nadie resultó herido, salvó una italiana
que se golpeó la nariz. La empresa ni siquiera les devolvió la plata del viaje. “Lo único que
hicieron fue recuperar el iPad de una peruana, (Jimena Cayo, viajaba sus dos hijos) que había
salido volando por el golpe”.
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 REPORTAGEM 8:
CLARÍN (Marzo, 2014)
Fue a abrirle al médico y se topó con ladrones: lo balearon y está grave La víctima se llama
José Ferri (63) y está internado en terapia intensiva en el Hospital Eva Perón, de San Martín.
La llamada a un médico terminó en tragedia para una familia de Villa Ballester, partido de
San Martín. Un hombre fue herido de un tiro en el pecho que le atravesó uno de los pulmones
luego de que se negara a abrirle la puerta de su casa a asaltantes que habían sorprendido a un
doctor cuando llegó a atenderlo a su domicilio. La víctima se llama José Ferri (63) y ahora se
encuentra internado en terapia intensiva en el Hospital Eva Perón, de San Martín. La familia,
que espera novedades en el centro médico, todavía no puede entender lo que pasó: “Fue todo
muy rápido. Mi hermana se sentía mal y pedimos un doctor. Cuando llegó, a eso de las 22,
salimos a abrirle, pero justo en ese momento bajaron dos personas de un auto Gol color negro
y, mientras nos apuntaban con armas, gritaban que querían entrar. Ahí salió mi papá con un
palo y cuando los hombres lo vieron, dispararon, se subieron al auto y se fueron”, contó muy
angustiado Adrián Ferri, hijo de José. En la calle Combet al 5100, lugar donde sucedió el
hecho, había un silencio de misa. Algunos vecinos prefirieron ni siquiera abrir la puerta para
contar lo que vieron o escucharon, pero otros, como Rosa, hablaron sobre la inseguridad
diaria que vive el barrio: “A ellos ya les robaron dos veces. Y justo en frente, el año pasado
también les hicieron una entradera. Está todo muy inseguro por acá, lo que pasa es que a 10
cuadras tenemos a la villa La Rana, y muchos vienen a robar por acá. Lo que le pasó a esta
familia es un desastre, hace muchísimos años que viven acá y son muy queridos por todos”,
dijo y se fue, a paso rápido y mirando para los costados.
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 REPORTAGEM 9:
EL PAÍS (Marzo, 2014)
Un argentino quiere que lo maten Víctor Saldaño espera a ser ajusticiado en el corredor de la
muerte, en Texas, desde hace más de 10 años. Su madre ha pedido al Papa que interceda por
él Días atrás su madre y su abogado consiguieron acercarse al papa Bergoglio para pedirle que
le salvara la vida. Mientras tanto, en su celda de aislamiento de Polunsky, Texas, Víctor
Saldaño lleva años pidiendo que lo maten. Ya lo pedía cuando lo fui a ver. Víctor Saldaño
tenía el pelo negro al ras, los ojos negros como tajos, el uniforme grande y blanco con dos
letras negras en la espalda: DR, decían, Death Row; a veces una o dos letras alcanzan para
decirlo todo. Saldaño hablaba desde detrás de un vidrio hiperblindado: me decía que ya no
soportaba, que llevaba cuatro años encerrado y que no daba más. Fue hace más de diez años;
ahora Saldaño tiene 42 y sigue ahí, esperando el momento. –¿A veces pensás cómo sería? –
Bueno, yo sé cómo va a ser. Te meten a la cámara de la muerte y te matan. Me dijo aquella
vez, y se quedó mirándome, los labios apretados, su mezcla de espanto y desafío. Me miraba
como quien subraya con bruto lápiz rojo: claro que sé, huevón, ¿qué te creés, que se puede
vivir acá sin saber? ¿Qué te creés, que necesito engañarme para soportar? Saldaño es
argentino y cordobés; joven, se fue de su país a conocer el mundo, se perdió. El 25 de
noviembre de 1995 llevaba un par de días de borrachera con su amigo mexicano Jorge Chávez
en un suburbio de Dallas. Su crimen fue de una torpeza casi ingenua: testigos los vieron entrar
a aquel negocio, testigos los vieron salir encañonando a Paul Ray King, un vendedor de
computadoras de 46 años. Testigos los vieron empujarlo hacia un bosque cercano; testigos los
vieron volver solos. En el bosque, King estaba muerto, con cinco balas en el cuerpo. Cuando
la policía lo detuvo, horas más tarde, Saldaño tenía su reloj en la muñeca y el arma en el
bolsillo. El botín andaba por los 50 dólares. –¿A veces te acordás de King, pensás en él? –¿De
quién? Me dijo entonces Saldaño, distraído. De todas las respuestas posibles, era la más
inesperada. –¿Para qué te voy a echar mentiras, no? Lo condenaron a muerte en 1996. En el
juicio un perito de la acusación dijo que, como hispano, Saldaño era naturalmente más
violento. Años después un abogado consiguió la anulación; volvieron a juzgarlo, a
condenarlo. –Me van a poner a dormir con una inyección y después me ponen otra inyección
con el veneno, viste. Pero eso no es muy traumático para mí. Lo que es traumático son ellos;
me rompen tanto las pelotas, ellos, me rompen demasiado las pelotas. Me dijo entonces: ellos
eran los otros presos, los demás condenados. Saldaño no soportaba su vida en la cárcel; no
soportaba las agresiones, los años sin ver la luz del día, sin abrazar a un familiar. –A veces me
pregunto si no es mejor que me maten ahora… La vida acá es tan dura que vos decís pa’ qué
chingada… Yo quiero vivir, como todo el mundo. Pero lo veo todo oscuro, todo negro.
Entonces a veces me digo mejor la paramos aquí y que me maten… –¿No le tenés miedo a la
muerte? –No. No, yo veo a mucha gente morir, acá, jovencitos, y… Qué sé yo. Yo creo que
después de la muerte vamos a descansar en paz. –¿Creés en Dios? –No, yo siempre he sido
ateo, desde chico. Pero igual pienso que cuando me muera por fin voy a descansar en paz.
Saldaño hablaba con el desdén de los muy tímidos; su sonrisa era una mezcla de nervios y
despecho y ruego. Cuando nos despedimos puso su mano contra la mía contra el vidrio y me
deseó suerte; yo no supe cómo contestarle. Desde entonces presentó cantidad de papeles
180
pidiendo que lo maten. Su familia –y ahora el Papa– se oponen: piden que viva. Bergoglio
tiene todo por ganar: si no lo ejecutan será algo así como un milagro, si lo ejecutan habrá
hecho todo lo posible –y, por alguna razón que se me escapa, nadie dirá que si no puede
siquiera salvar a un cordobés perdido, su dios no debe de ser gran cosa.
181
182
 ANEXO
4
–
REPORTAGEM
UTILIZADA
INTRODUÇÃO DO FILME “UN CUENTO CHINO”
NA
ETAPA
DA
183
184
http://www.lanacion.com.ar/1413378-los-chinos-en-la-argentina-mas-alla-del-supermercado
En la provincia china de Fujián prácticamente sólo hay niños y viejos. El resto vive en
el exterior, y una buena parte de ellos, en la Argentina. Lejos de la superpotencia cuyo
desarrollo asombra al mundo y que, según los expertos económicos, será la dueña del siglo
XXI, la aventura argentina que emprendieron más de 100.000 chinos continentales - el 80%,
originarios de Fujián - encierra mitos y prejuicios, una cultura milenaria, mucho sacrificio y
supersticiones. Una dura vida de inmigrantes, con privaciones y sueños modestos, entre
góndolas de supermercados "argenchinos" - abren a razón de 20 por mes y ya son más de
10.000 - y exóticas cocinas humeantes.
LA NACION se sumergió en la vida cotidiana de esta particular colectividad que, más
allá de las dificultades idiomáticas, prefiere el silencio, y, tras vencer no pocas reticencias,
logró desvelar códigos y secretos de un grupo inmigratorio que sólo en el último año
desaceleró su crecimiento.
La ciudad de Buenos Aires y el conurbano son la meca de esa inmigración. Hay un
súper chino cada cuatro cuadras, en promedio. Y en ellos no se habla nada o casi nada de
español ("sí" o "no", como mucho). La proeza comercial demuele, de todos modos, la enorme
muralla idiomática. "Nosotros nos movemos bien en el ámbito comercial, pero cuando
pasamos de ese espacio, fuimos..., nos cuesta mucho", cuenta Zheng Jicong, aquí llamado
"Oscar", que aprendió el idioma luego de dos años de tomar clases. Llegó al país en 1992. Su
padre y su madre lo trajeron a la Argentina, junto con sus hermanos, para probar suerte y abrir
un restaurante en Once.
Zheng miraba la televisión en su nuevo hogar porteño. Justo daban la entrega de los
premios Oscar. Decidió entonces llamarse Oscar, a secas. Simple y complejo a la vez. Es que
lo primero que hace un inmigrante chino cuando llega al país es "bautizarse". Muchos eligen
llamarse Juan (similar a Huang) o Martín (por el "tín", similar al "chin"), y entre las mujeres,
Luisa (por Liu).
En la provincia de Fujián, explica, tradicionalmente las familias emigran hacia algún
lugar del planeta que facilite documentación. Estados Unidos fue el horizonte por muchos
años. Pero se agotó. La Argentina apareció como opción hace unos 20 años. Al principio de
2000, los chinos conseguían un documento argentino (que les permitía obtener el visado para
185
viajar por el mundo) en tres o seis meses como máximo. Pero eso cambió: hoy demoran entre
seis y dos años, lo cual provocó un desaceleración de la inmigración.
"Las grandes oleadas de inmigrantes chinos a la Argentina fueron en la década del 90.
Hoy como China está dando más posibilidades a su gente podemos hablar de una
desaceleración de esta inmigración desde 2009 hacia adelante. Y al crecer el mercado interno
de consumo en China necesitan que el extranjero provea servicios allá que ellos no tienen. Por
eso ahora latinoamericanos, europeos y hasta africanos se están radicando allá", dijo a LA
NACION el director de la Cámara Argentino China de la Producción, la Industria y el
Comercio, Miguel Angel Calvete. "¿Si nos da plata el gobierno chino para venir acá? ¡Ojalá!
Eso es un mito. Cualquier negocio fuera de china es considerado extranjero", explica Oscar.
Un supermercado de 200 o 300 metros cuadrados se trabaja entre varias familias. Los
ciudadanos chinos que acaban de llegar son adoptados en el negocio "familiar", primero como
repositores; luego, ascienden a la caja y, si juntan dinero, abren su propio emprendimiento.
Los que apenas bajaron del avión, en general, viven discretamente en el mismo lugar donde
trabajan: en el piso de arriba o en el sótano de un supermercado, a veces, hacinados. "Los
chinos acá nos ganamos la vida con sudor y sangre [por la inseguridad]; la jornada de trabajo
es de ocho horas, pero nosotros no paramos porque siempre hay más por hacer", cuenta Oscar.
Aquí hay que explicar ciertas cosas. La comunidad china no comulga con los valores
universales individuales de Occidente. La concepción de la vida es absolutamente colectiva.
Trabajo y ahorro son la base cultural. El resto (diversión, vacaciones) no está en el menú de
un trabajador chino medio. Sólo el casino, de a ratos, los congrega, y allí también tienen sus
propios códigos. El 6, el 8 y el 9 son sus números predilectos; en cambio, jamás apostarán por
el 4, cuya pronunciación en chino coincide con la palabra "muerte".
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 ANEXO 5 – ATIVIDADES DIDIÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO
1. Atividade filme “Un cuento chino”
2. Atividade filme “El hombre de al lado”
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188
ACTIVIDAD PELÍCULA “UN CUENTO CHINO”
Nombre: ___________________________________________________ Clase: ________
1. DIÁLOGO ENTRE ROBERTO Y JUN
ROBERTO: SENTATE. MIRA, ESTO ES ASÍ. VAMOS A PONER UN PLAZO. SI NO, YO VOY A
EXPLOTAR. “BOOM”, ¿HUN? HOY ES UNO. MAÑANA ES DOS. PASADO, TRES. Y ASÍ,
CUATRO, CINCO, SEIS, SIETE. SI EL SIETE, TU TÍO NO APARECE, VOS TE VAS. HOY, UNO.
JUN: (SILÊNCIO)
a) Ao ler o diálogo acima, qual a impressão que você teve em relação ao modo como Roberto
estabelece um prazo para Jun ir embora de sua casa? Quais palavras e expressões contribuíram
para produzir essa compreensão/impressão?
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b) Através da leitura da transcrição da fala de Roberto, podemos observar que não há expressões que
amenizem o conflito estabelecido. Reescreva essa fala, EM ESPANHOL, acrescentando
expressões/construções amenizadoras.
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c) Imagine que você se encontra na mesma situação que Roberto: um estrangeiro desconhecido está
vivendo em sua casa. Porém, você precisa estabelecer um prazo para ele ir embora. Como e o que
você diria isso para ele?
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d) Imagine que você está vivendo de favor na casa de um desconhecido que resolve estabelecer um
prazo para você ir embora e te diz, na mesa do café da manhã, exatamente a mesma coisa que
Roberto disse para o chinês. Como você receberia essa imposição do dono da casa? Ou seja, como
você interpretaria esse recado e a atitude do dono da casa?
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2. DIÁLOGO ENTRE ROBERTO Y LEONEL
LEONEL: HOLA, ROBERTO.
ROBERTO: ¿QUÉ HACÉS?
LEONEL: LLEGÓ LO QUE ME PEDISTE POR INTERNET.
ROBERTO: (SILENCIO)
LEONEL: ¿POR QUÉ NO TE COMPRÁS UNA COMPU?
ROBERTO: NO. POR UNA VEZ POR AÑO QUE LA NECESITO, USO LA TUYA.
LEONEL: LA REVISTA DE LOS VIERNES, CON LA PELÍCULA.
ROBERTO: (BREVE SILENCIO)
LEONEL: VINO MI CUÑADA, MARI, POR UNOS DÍAS, COMO LA OTRA VEZ.
ROBERTO: (SILENCIO)
LEONEL: ESTUVE PENSANDO, ME PARECE QUE A VOS TE VENDRÍA BIEN TENER UNA…
ROBERTO: (SILENCIO)
LEONEL: CHAU.
ROBERTO: CHAU.
a) Ao longo do diálogo acima, percebemos que, enquanto Leonel fala de diversos assuntos, Roberto
fica em silêncio, responde com frases curtas (“¿Qué hacés?”; “Chau”) e com negações (“No. Por
una vez por año...”). Qual impressão você teve da forma como Roberto interagiu com Leonel? Por
quê?
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b) Se você fosse “puxar uma conversa” com um conhecido e ele respondesse da mesma forma que
Roberto respondeu a Leonel, como você reagiria/responderia? Por quê?
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c) Qual a impressão que você teria se um conhecido seu te fizesse as mesmas perguntas e
comentários que Leonel faz a Roberto (“¿Por qué no te comprás una compu?”; “Estuve pensando,
me parece que a vos te vendría bien tener una...”)? Por quê?
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d) Como você reagiria/o que você responderia se um conhecido lhe fizesse as mesmas perguntas e
comentários que Leonel faz a Roberto?
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3. DIÁLOGO ENTRE ROBERTO Y EL REPARTIDOR DE LAS MERCANCÍAS
ENTREGADOR: BUENO, ROBERTITO, ACÁ (…) CLAVOS DE MEDIA, DE UNA Y UNA Y
MEDIA; HOJAS PARA SIERRA; CANDADOS CHICOS COMO ME PEDISTE Y UNA DE
CANDADOS GRANDES. Y ESTA CAJA DE TORNILLOS PHILIPS VA DE REGALO, POR LO
FALTANTE.
ROBERTO: SÍ, DE REGALO.
ENTREGADOR: Y ESO TAMBIÉN ES PARA VOS, PERO MANDA EL JEFE.
ROBERTO: A VER.
ENTREGADOR: ESO ES UN JUEGO DE MECHAS PARA TALADROS. SON INGLESAS.
ROBERTO: NO, GRACIAS.
ENTREGADOR: PERO VAN DE REGALO...
ROBERTO: ¡NO! GRACIAS.
a) Qual a impressão que você teve da forma como Roberto responde ao entregador ao longo do
diálogo? Quais palavras e expressões contribuíram para produzir essa impressão?
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b) No diálogo acima, podemos perceber que o entregador de mercadorias utiliza
expressões/construções que amenizam o conflito estabelecido anteriormente pelo fato de Roberto
ter reclamado da falta de parafusos. Quais expressões são essas?
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c) A partir dessa mesma situação, monte uma cena, EM PORTUGUÊS, em que o entregador quer
refazer o conflito estabelecido. Reformule somente a primeira fala do diálogo.
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d) Em sua opinião, por que Roberto aceita o primeiro brinde e nega o segundo? Justifique.
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e) Se um entregador de mercadorias te oferecesse um brinde, você negaria? Por quê?
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f) Ao negar o brinde, Roberto não se preocupa em utilizar expressões que amenizem a negação (“No.
Gracias.”). Se você fosse negar um brinde em uma situação do seu cotidiano, como você o faria?
Utiliza alguma expressão/construção amenizadora? Exemplifique.
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4. DIÁLOGO ENTRE ROBERTO Y EL CLIENTE
CLIENTE: BUENAS. CENTO Y CINCUENTA GRAMOS DE (...), ¿TIENE?
ROBERTO: ¡TOMÁTELAS! ¿NO ME ESCUCHASTE, PELOTUDO? ¡TOMÁTELAS! ESTOY
HARTO DE LOS ESTÚPIDOS COMO VOS QUE SOLO EXISTEN PARA CAGARME LA VIDA.
¡TOMÁTELAS! ¡PELOTUDO DE MIERDA! ¡LA REPUTÍSIMA MADRE QUE LOS PARIÓ A
TODOS LOS PELOTUDOS! ¡HIJO DE MIL PUTAS DE ESTE MUNDO!
a) Que impressão que você teve da forma como Roberto se dirigiu ao cliente? Quais palavras e
expressões contribuíram para produzir essa impressão?
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b) No contexto do espaço em que você vive, em quais situações pode ser possível que as pessoas
utilizem tanto s palavrões como fez Roberto na cena acima? Por quê?
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5. ROBERTO EN LA EMBAJADA CHINA
ROBERTO: PERDÓN, PERDÓN. BUEN DÍA. EH… YO SÉ QUE USTEDES TIENEN MÁS DE
CINCO MIL AÑOS DE HISTORIA Y TODA PACIENCIA DEL MUNDO. PERO YO TENGO QUE
ABRIR MI FERRETERIA PARA COMER Y PARA DARLE DE COMIDA AL CHINO QUE ESTÁ
CASUALMENTE VIVIENDO EN MI CASA. TENGO EL NUMERO CUARENTA Y SEIS Y QUIERO
SABER DÓNDE ESTÁN LOS OTROS CUARENTA Y CINCO PORQUE EN LA SALA DE ESPERA
NO HAY NADIE. ¿NO ME PUEDEN ATENDER A MÍ AHORA, POR FAVOR, SI SON TAN
AMABLES?
CHINÊS: A LAS DOZE EMPEZAMOS A ATENDER.
ROBERTO: ¿A LAS DOCE? FALTA UNA HORA PARA ESO. MUCHO TIEMPO. NECESITO
HABLAR CON EL SEÑOR PINGAJIÓN.
CHINÊS: ¿PINJAJIÓN? EN CHINA. POR DOS MESES.
ROBERTO: BUENO. ¿PUEDO VER AL SEÑOR QUE ESTÁ OCUPANDO SU LUGAR,
ENTONCES?
CHINÊS: NADIE EN SU LUGAR. NO TENEMOS GENTE.
ROBERTO: ¿NO TENEMOS GENTE? MIL TRECIENTOS MILLONES DE CHINOS EN TODO EL
MUNDO Y ME DECÍS QUE NO TIENE GENTE, CARA DURA. ¿PORQUÉ NO INVENTÁS ALGUNA
OTRA ESCUSA SI NO QUERÉS AYUDARME? EN DOS MESES YO PUEDO ESTAR MUERTO. YO
NECESITO UNA SOLUCIÓN YA. TENGO UN CHINO VIVIENDO EN MI CASA QUE NO HABLA
UNA SOLA PALABRA DE ESPAÑOL. ESTOY DESESPERADO, YA NO SÉ QUE HACER. ESTOY
SOLO. NADIE ME AYUDA. ¿ME ENTENDÉS O NO ME ENTENDÉS, PEDAZO DE ÑOC? ¿ES TAN
DIFICIL?
a) No diálogo acima, observe e descreva a diferença que existe entre a primeira e a última fala de
Roberto. Identifique os elementos que fazem você perceber essa diferença.
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ACTIVIDAD PELÍCULA “EL HOMBRE DE AL LADO”
Nombre: ___________________________________________________ Clase: ________
I)
PRIMERO DIÁLOGO ENTRE LOS VECINOS (EN LA VENTANA)
Leonardo: Ey. Ey. Hola. Ey. ¿Está el dueño? Ah, ¿qué tal? Escúchame, no, no. No puede
hacer ese agujero, yo, yo, lo hablé hoy con sus albañiles. ¿No ves que da directamente a mi
casa? Además es ilegal. Está prohibido
Víctor: Vamos por partes. Buenas tardes, yo soy Víctor. ¿Con quién tengo el gusto?
Leonardo: Leonardo, vivo acá.
Víctor: Ah, Leonardo. Ah, es que te lo iba a avisar ayer pero no pude pasar.
Leonardo: ¿Han?
Víctor: Nada, el tema es que no tengo luz por este lado y todo el sol viene de allá y necesito
atrapar unos rayitos de sol. Nada. Por eso estoy haciendo esta reforma, pero ya que estás
acá te pido permiso. ¿Me das permiso? ¿Por qué no te venís acá si te explico bien?
Leonardo: No, es que estoy laburando ahora. No, no, no te entiendo. No se puede hacer una,
una, una ventana en la medianera con vista a mi casa.
Víctor: Bueno, pero me parece que al barrio no llegó la noticia. ¿Y estos edificios que están
ahí? Aquél y aquel otro…
Leonardo: No, no. Pero eso no tiene nada que ver. Lo tuyo es ilegal. Está vulnerando mi
intimidad y la de mi familia.
Víctor: Pero si te miran de todas esas ventanas, ¿qué te jode una ventana más? Estoy
tratando de atrapar unos rayitos de sol.
Leonardo: Sí. Perdón, repítame su nombre, por favor.
Víctor: Víctor.
Leonardo: Y su apellido, por favor.
Víctor: Víctor Chubello.
a) Qual a impressão que você teve do modo como Leonardo abordou seu vizinho, Víctor, para tentar
solucionar o problema da janela? Por quê? Quais palavras e expressões contribuíram para que
você tivesse essa impressão?
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b) Ao observar a fala abaixo, podemos perceber que Leonardo, ao se dirigir a Víctor, não utiliza
expressões/construções que amenizam o conflito. Reescreva, EM ESPANHOL, a fala de
Leonardo, acrescentando expressões/construções amenizadoras.
Leonardo: Ei. Ei. Hola. Ei. ¿Está el dueño? Ah, ¿qué tal? Escúchame, no, no. No puede hacer ese
agujero, yo, yo, lo hablé hoy con sus albañiles. ¿No ves que da directamente a mi casa? Además
es ilegal. Está prohibido.
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c) Se você estivesse na mesma situação que Leonardo e quisesse solucionar o problema, o que você
diria para seu vizinho?
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II)
SEGUNDO DIÁLOGO ENTRE LOS VECINOS (EN LA CAMIONETA)
Víctor: Leonardo, Leonardo, Leonardo. ¿Tenés un segundo? Quiero charlar sobre la
reformita.
Leonardo: Ah. Sí. Decime.
Víctor: No. Pero acá, no. Mejor vamos a un bar y charlamos tranquilos de amigo a amigo.
Leonardo: ¿Sabe qué pasa? Estoy laburando ahora.
Víctor: Pero si hace media hora que estás cabeceando ahí frente a la computadora. Deja de
joder, Leonardo. Bajá.
Leonardo: Tá. Tá. Cinco minutos no más. Vamos al bar de la esquina.
Víctor: Ese bar está lleno de negros. Vení, bajá.
Leonardo: Sí… Estoy medio ocupado, en serio. ¿Por qué no me decís acá?
Víctor: Leonardo, ¿podés bajar?
Leonardo: Tá, perá, perá.
Leonardo: ¿Qué hacés? ¿Cómo te vas?
Víctor: ¿Que hacés, Leonardo? ¿Cómo andás?
Leonardo: Bien, bien, che, acá, laburando. Es que, che, tengo que volver enseguida. Dime,
¿qué pasa?
Víctor: No, pero acá, no charlemos tan incómodos. ¿Por qué no vamos a la camioneta?
Prendo la calefacción y charlamos ahí.
Leonardo: Uh, mira, es un mundo esto. Permiso.
Víctor: ¿Ves? Tiene un cablecito acá doce voltios para mantener el agua caliente. Eso sí
tengo que perfeccionarlo porque se me está saliendo recaliente
Leonardo: Claro, está buenísimo. Che, contame que tengo que ir y todo más.
Víctor: Bueno, mira, Leonardo, yo te quiero y te respeto como vecino y como persona. Pero
la ventana se hace sí o sí. Porque si no toda la reforma que vengo haciendo hace tres meses
me queda horrible, todo oscuro. Y toda la guita que gasté se va al reverendísimo peo. Pero no
te quiero joder. Voy a hacer una ventana al estilo modernoso de tu casa. Yo pensé en un “ojo
de buey”, como los barcos. Pero no voy a hacer una ventana rectangular. Quédate tranquilo,
Leonardo. Va a ser la ventana más canchera y más linda de tu casa.
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Leonardo: Tá, tá, pero, yo te agradezco, pero no, no va a poder ser, Víctor. Digo, aparte de
todo lo que hablamos que legalmente no se puede, acá el otro problema real es mi mujer, es
una mina súper obsesiva, es inflexible. A mí de hecho la ventana, que sé yo, no me jode tanto,
no me parece tan grave, pero ella no va a aceptar nunca.
Víctor: ¿Y le ponemos una plantita? De hecho que a las mujeres les encantan las plantas.
Leonardo: No, qué plantas. No le va a gustar.
Víctor: Tomate el matecito.
Leonardo: Ah, puta, me quemé.
Víctor: Disculpa. ¿Está ella ahora? Vamos y le explicamos.
Leonardo: No, no, es para peor. Aparte no está.
Víctor: Entonces, dame el teléfono, yo la llamo. Soy irresistible con las mujeres.
Leonardo: Ah, pará, Víctor. ¿Cómo vas a llamar a mi mujer? No va a funcionar.
Víctor: Leonardo, no soy ningún psicópata y estoy poniendo toda mi buena onda. ¿Cómo se
llama?
Leonardo: ¿Mi mujer? Ana.
Víctor: Yo la llamo, yo la convenzo.
Leonardo: No, pará, pará. Dejame que eso voy a hablar con ella, a ver se le puedo explicar
lo que quieres hacer. No le prometo nada. Yo más iba pensando en un no.
a) Qual a impressão que você teve do modo como Víctor argumentou para convencer Leonardo? Por
quê? Quais palavras e expressões contribuíram para que você tivesse essa impressão?
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b) Observe e descreva a diferença entre o modo como Leonardo se dirige a Víctor no primeiro
diálogo (“EN LA VENTANA”) e no segundo diálogo (“EN LA CAMIONETA”). Aponte os
elementos (verbais e/ou visuais) que fazem você perceber essa diferença.
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c) Víctor chama Leonardo para conversar de “amigo a amigo”? Se você estivesse vivendo um
conflito com um vizinho, também iria propor uma conversa de “amigo a amigo” para tentar
resolver o problema? Por quê? Em caso negativo, o que você proporia?
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197
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III)
DIÁLOGO ENTRE LEONARDO Y SUS ALUMNOS (DISPIDIÉNDOSE):
Leonardo: Perdón que los hice venir a mi casa, pero yo no estoy yendo a la facul. Ojo, yo les hablé
de los puntos más flojos, porque, bueno, lo bueno me parece que es evidente y que ustedes lo saben
bien. También no me tienen que dar mucha bola a todo lo que digo porque por allí hay caminos que
yo no puedo ver por propia deformación profesional o por ya tener mi propia concepción un poco
más definida. Pero las buenas y nuevas ideas realmente están a un paso del ridículo, ¿no?
a) Leonardo, no diálogo acima, diz aos alunos que seus trabalhos têm pontos positivos que são
evidentes e lhes explica porque anteriormente estava somente falando dos pontos mais fracos.
Deste modo, podemos dizer que Leonardo optou, na sua avaliação das maquetes, por começar com
as queixas para, depois, finalizar com elogios.
Quando você quer fazer uma queixa a alguém, em geral, você prefere começar pelos pontos
negativos ou positivos? Ou seja, prefere começar pela queixa ou pelo elogio? Por quê?
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b) Se você fosse um professor e tivesse que apontar os pontos positivos (elogios) e negativos
(queixas) do trabalho de um aluno, como você começaria e como finalizaria seu discurso? Escreva
o que você diria para seu aluno. EM PORTUGUÊS.
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IV)
DIÁLOGO ENTRE LEONARDO Y SU ALUMNA (JULIA):
Leonardo: Julia, estoy solo en casa por unos días. ¿Hun? Quedáte. Cocino algo rico, una pasta. Te
puedes quedar. Hey, que te quedes a dormir conmigo.
Julia: ¿Qué decís?
Leonardo: ¿Qué digo? ¿No me escuchás? Che, ¿qué tiene de malo la propuesta? Correrse un poco
de la rutina, dormir juntos, pasarla bien. Ah, no sea sonsa.
Julia: Qué estás diciendo. Todo bien, pero ¿qué te pensás que soy?
198
Leonardo: No pienso nada malo, por el contrario. ¿Qué tiene de malo de pronto ser directo, decir lo
que me pasa por la cabeza? ¿Está mal invitar una chica linda a coger, a divertirse, a pasarla bien?
¿Hay un protocolo que tengo que cumplir? ¿Cuáles son las normas?
Julia: Tú eres un desubicado.
Leonardo: Julia, se te nota todo. Que no te gusta demasiado lo que hacías, que te aburrís con tu
novio, que estás un poco incómoda con tu diaria y que te morís de ganas de coger conmigo, pero
antes me querés hacer pasar por una histeria bobísima
Julia: Nada que ver. No me pasa nada de lo que decís. Listo. Fin.
Leonardo: Seguramente es la propuesta más interesante que te hicieron en toda tu vida.
Julia: Ah, ¿sí? No me digas, che.
a) Qual a sua opinião em relação ao modo como Leonardo faz a proposta para sua aluna. Por quê?
Que palavras e expressões contribuíram para essa impressão?
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_
b) No diálogo acima, após a reação negativa de Julia, Leonardo a questiona, perguntando: “¿Qué
tiene de malo de pronto ser directo?”, “¿Hay un protocolo que tengo que cumplir?”, “¿Cuáles son
las normas?”. Segundo a sua opinião, há “algo de malo” em ser direto em determinadas ocasiões?
Em quais? Por quê?
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c) Há ocasiões, em seu cotidiano, em que você costuma ser mais direto? Quais por exemplo?
Justifique.
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199
200
 ANEXO 6 – CONVENÇÕES DAS TRANSCRIÇÕES
201
202
CONVENÇÕES DE TRANSCRIÇÃO
Símbolos:
…
Pausa não medida
(.)
Micropausa
.
Entoação descendente
?
Entoação ascendente
,
Entoação contínua, sinalizando que mais fala virá
-
Corte abrupto da fala
:::
Duração mais longa do alongamento da vogal
↑
Subida de entonação
↓
Descida de entonação
Sublinhado
Acento ou ênfase de volume
MAIÚSCULA
Fala alta ou ênfase acentuada
>palavra<
Fala acelerada
<palavra>
Fala desacelerada
-----
Silabação
°palavra°
Trecho falado mais alto
()
Palabra/fala não compreendida – transcrição impossível
(palavra)
Transcrição duvidosa
(( ))
Comentário do analista, descrição de atividade não verbal
hh
Aspirações audíveis ou riso
.hh
Inspiração durante a fala
/.../
Indicação de transcrição parcial ou de eliminação
[]
Fala sobreposta
In: BASTOS&SANTOS, 2013, p.203.
203
204
 ANEXO 7 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
1. Entrevista com (G)
2. Entrevista com (R)
3. Entrevista com (RF)
4. Entrevista com (D)
205
206
1. Entrevista com (G)
Julia: Oi::
G: Oi::
Julia: Eh:: então eu queria te fazer algumas pergu::ntas (.) em relação ao processo de trabalho que a
gente teve com os filmes no início do:: do ano, né, foram os filmes Un cuento chino e El hombre de al
lado. E aí eu queria o que que saber o que que você achou (.) né do modo como:: né dessa proposta
que a gente teve didática (.) né desde o iní::cio da introdução que por exemplo (.) no filme Un cuento
chino né (.) eu mostrei (.) as reportagens absu::rdas depois a gente viu (.) os chineses que vivem na
Argentina (.) depois a gente viu o filme depois a gente fez uma atividade com as cenas transcritas (.)
eh:: e isso se repetiu também no El hombre de al lado né que eu apresentei pra vocês também a:: eh:: a
cidade de Buenos A::ires as mediane::ras (.) lembra aquela casa também em La Plata (.) enfim todo
esse processo que que você achou dele?
G: Eu gostei bastante assim no começo eu achei meio chato o primeiro filme (.) mas aí depois com o
tempo quando a gente foi fazendo os exercícios deu pra (.) entender melhor porque ver filme em
espanhol pra quem não sabe espanhol é bem (.) complicado (.) mas (.) eu gostei bastante dos dois
filmes até mais do segundo filme
Julia: ãh-hã
[
]
G: eh:: do vizinho
Julia: sei
G: do que do primeiro
[
]
Julia: por quê?
G: ah aquele... aquela coisa da casa abe::rta (.) da árvore essas coisa assim eu achei bem interessente
também a relação que ele (.) tinha a relação até que ele não tinha (.) com com a filha dele eu [acho
Julia: ãh-hã::
G: ( ) (na)] casa dele que ele era é pai dela mas eles (.) não se falavam direito (.) mesmo morando na
mesma casa a menina muito fecha::da (.) e isso (.) eu (.) esse filme me atraiu até mais do que o do:: o
do chinês que:: (.) que vai pra Argenti::na e mostra como é que é a vida dos chineses na Argentina.
Julia: Esse você não gostou muito?
G: Eu gostei mas o outro me atraiu mais chamou mais a minha atenção do que (.) o do chinês.
207
Julia: Sei, sei. Mas então mas o processo de trabalho você (.) no início só não tinha gostado por causa
do filme, que você estranhou?
G: Foi (.) foi por causa do filme foi mais por causa disso mesmo mas aí depois com o passar do tempo
eu me acostumei eu gostei bastante porque é uma forma diferente de você aprender (.) até dos textos
que você passou que a gente:: interpretou eles depois traduziu cada um leu um pedaço (.) então eu
gostei bastante do processo desde o início desde o iní::cio início mesmo eu não tinha (.) me
identificado muito mas aí depois eu gostei bastante foi até (.) bem mais fácil de:: aprender.
Julia: Sei. Ah que bom. Mais fácil do que o que, que você diz?
G: Mais fácil do que:: por exemplo (.) aprender a a:: gramática (.) literatura tudo assim bem certinho
que nem a gente aprender no português (.) que a gente pega tem isso aquilo matemática também (.)
tem isso aquilo tem que aprender aquilo (.) aí:: aprender desse jeito vendo filme (a entrevistada bate as
mãos) texto é uma forma mais como é que se diz intrigante de aprender que te interessa mais (.) do
que se você fosse fazer aquilo certinho (.) toda a gramá::tica eh (.) aprender assim mesmo a:: que nem
aprende em curso essas coisas.
Julia: Sei sei (.) ah legal hh
G: hh
Julia: E:: em relação ao (.) modo assim de de de interagir (.) dos dos argentinos né dos filmes ou seja
dos estrangeiros (.) né o que o que você achou dessa desse modo dele de se deles de se relacionar entre
si (.) de dizer né o modo de de falar deles?
G: Achei diferente né porque quando a gen- como a gente tá acostumado com esse aqui (.) não tão
diferente porque até porque as culturas às vezes não são tão distintas daqui do Brasil tem coisas que
são muito parecidas ma::s (.) eu vejo que eles são bem estressados alguns hh
Julia: é? hh
G: muito estressados assim (.) mas também eu gostei bastante da cul- até da cultura mesmo da dança
que eu se- eu gosto bastante de dança então me atraiu bastante
[
]
Julia: Qual dança?
G: Tem ai eu esqueci o nome eu pesquisei eu fiquei até de falar contigo mas a gente ficou tanto tempo
sem aula
Julia: ãh-hã
G: que eu esqueci (.) mas eu fiz uma pesquisa a respeito de das danças (.) que tem na:: na Argentina eu
esqueci o nome e agora (.) mas eu [( )
Julia: chacarera] não
G: não [porque
208
Julia: tango?]
G: ela é parecida com a dança de salão
Julia: não é o tango não?
G: Não, não é o tango... não (.) se fosse eu teria lembrado
[
]
Julia: ãh-hã
G: porque a minha mãe ela dança então ela::
Julia: ah::
G: ela até pesquisou pra mim me ensinou hh depois que ela aprendeu a dançar é tipo uma dança de
salão tem um nome diferente não tô me recordando agora mas tipo dança de salão tipo um bolero
Julia: ãh-hã
G: é assim ma::s eu achei bem interessante a cultura argentina até porque eu já tinha viajado pra lá (.)
eu fui pra Buenos Aires
Julia: ah:: que legal
G: foi em dois mil e (.) doze e:: ah eu amei aquela cidade
Julia: é?
[
]
G: bastante foi
Julia: ah então [foi
G: só] que eu fiquei por ali mesmo só em Buenos Aires
Julia: se::i
G: só comida também que eu gostei bastante eu comi de tudo e um pouco e:: ai amei muito bom
Julia: ãh-hã
G: eu gosto até mais do espanhol do que do do inglês (.) que é mais fácil de aprende::r também
(porque) assim mais fácil entre aspas
[
]
Julia: é porque se parece
209
G: é
Julia: tem uma semelhança também né
G: aí:: como minha minha avó é espanhola então ti- tem
[
]
Julia: ah a sua avó é espanhola?
G: é minha avó [é
Julia: ixi:: que má::ximo
G: ( )
Julia: ãh-hã]
G: então a gente:: sempre teve um pouquinho disso em casa porque ela (.) veio não tem muito tempo
então a gente sempre teve eu cresci com ela (.) cantando hh música em espanho::l
[
]
Julia: isso em espanhol hh
G: então fica bem mais (.) por isso que me atrai (.) tanto
Julia: olha que li::ndo e aí você achou então que que esse ano você teve um contato com o espanhol
que também te
[
]
G: tive
Julia: que te ajudou
G: ãh-hã
Julia: te aproximou você sentiu
[
]
G: tanto que eu no começo do ano eu escolhi espanhol
[
]
210
Julia: ãh-hã::
G: eu escolhi falei assim não quero fazer espanhol por inglês não não me atrai tanto quanto entendeu
Julia: Você já tinha estudado espanhol?
G: Não.
Julia: E a experiência foi positiva
G: [Foi
Julia: esse] primeiro contato?
G: foi gostei bastante até (porque) no dia da Hispanidade que (.) amei de paixão (.) aquele dia eu tava
até comentando semana passada com o pessoal que foi ótimo (.) a gente recordando vendo as fotos que
a gente tirou (.) que que a gente ( ) poder perguntar então foi o dia da Hispanidade foi a melhor coisa
que [aconteceu
Julia: hh olha::
G: esse ano foi muito bom hh
Julia: que linda:: hh] legal
G: [( )
Julia: ah] que bom
G: ( )
Julia: então foi um processo você gostou desse processo todo [né
G: bastante
Julia: de (.)] de aprendizagem. Tá, então e agora em relação... a:: a também às pergun- ao modo de
perguntas que eu fazia assim, né, porque quando eu fazia as perguntas sobre o filme (.) a gente:: né
perguntava assim, por exemplo, qual a impressão que você teve (.) né do modo de falar do do tal (.)
vo- que que você achou desse tipo de atividade?
G: Eu às vezes eu me perdia bastante com esse negócio de expressar uma opinião a respeito de uma
certa coisa (.) então às vezes me confundia porque eu poderia ter interpretado de forma errada porque
(.) às vezes é muita contradição num na numa pergunta que aí eu não consigo responder e tal e os
filmes são às vezes são bem difíceis de interpretar hh então fica meio difícil de você expressar a sua
opinião num filme em outra língua que você não conhece (.) você tem que ficar vendo ali mesmo
prestando atenção pra você responder pra colocar a sua opinião depois então pra mim foi bem difícil
essa essa questão de responder essas perguntas pessoais sobre (.) qual a impressão que eu tive, qual a
minha opinião a respeito disso eh como que eu:: interpretei tal (.) por exemplo quando o (.) o:: esqueci
o nome daquele que falou que
Julia: ah o Leonardo?
[
211
]
G: Isso. Como é que ele:: expre- se expressou naquilo se ele foi rude se ele foi educado ( ) ou se é
uma:: característica dele essas coisa então eu me embolei bastante nessa parte.
[
]
Julia: Sei hh mas por que exatamente, cê sabe?
G: Não sei não [sei
Julia: o que que te
G: ( )] não sei eu sou muito ruim em interpretação, então quando pede pra expressar a minha opinião
eu me embolo mais ainda hh (.) mas a parte mais complicada pra mim foi essa parte de interpretar o
filme mesmo
Julia: sei
G: foi a mais difícil [e ver o filme e depois
Julia: e depois ter que dizer a sua impressão né
G: fa- é impressão sobre ele
Julia: ãh-hã]
G: então pra mim foi a parte mais difícil
[
]
Julia: ah::
G: desse processo
Julia: Ah legal brigada. E bom, então vamo pra próxima pergunta. Eh:: em relação ao:: ao modo né
assim que a gente falou aqui um pouco a gente falou sobre isso mas acho que a gente eh voltou (.)
daqui a pouco eu venho pra cá mas (.) em relação ao modo de:: de falar que nem a gente tava aqui né
falando de se expressar (.) né tanto dos argentinos dos hispano-americanos você tava falando que eles
têm um jeito meio estressado... não foi que você [falou?
G: foi
Julia: por que, o que que
G: às vezes] (às vezes) pode ser o natural deles mas de vez em quan- mesmo que fale assim natural
conversando às vezes eles parece que colocam um pouco de de raiva essas coisa fala tipo grosso
Julia: sei hh
212
G: aí hh dá impressão mesmo que a pessoa não esteja sendo grossa (.) às vezes dá impressão que ela é
grossa pelo jeito que ela fala
Julia: e você achou que isso tava em em em em todos os filmes nos dois filmes?
[
]
G: Em todos os dois eu achei que tava evidente isso mesmo que a pessoa tivesse falando com
naturalidade mas
Julia: ãh-hã::
G: ela fala como se ela fosse rude grossa mesmo que não fosse mas dava a entender que ela era
Julia: ãh-hã:: ah:: e e você que isso é diferente do do do da por exemplo do do do Brasil
G: acho
Julia: isso isso te dá
G: acho
Julia: por que, como é que
G: acho porque eh os brasileiros eu acho que eles têm um jeito mais simpático de falar assim (.) nem
todo mundo fala grosso mas tem muita gente que fala muito espontâneo essas coisa então às vezes não
dá a entender que a pessoa é grossa mas nos filmes deu bem a entender mesmo que a pessoa não seja
parecia muito que ela era pelo jeito que ela falava
Julia: sei (.) e não tinha nenhum momento onde:: onde:: onde ela tinha um modo mais parecido com o
nosso com esse jeito que você tá falando?
(G fica em silêncio por alguns segundos)
G: Não me recordo porque [( )
Julia: ( )
G: ( ) jeito
Julia: mas em que que
G: ( )]
Julia: por exemplo né aqui na no você fala que o o Roberto foi um pouco grosseiro né você vai falar
também que:: que o:: Leonardo tava estressado (.) sabe quando ele vai mandar o:: o Jun embora da
casa dele lembra
G: hmm
Julia: que ele mostra até o:: calendário aí você fala que achava que ele foi um pouco grosseiro (.) no
modo como ele abordou o Jun pra mandar ele embora né que ele podia ter sido um pouco mais
delicado
213
[
]
G: foi
Julia: na hora de falar e o que que é isso, que que é ser mais delicado, que que é ser grosseiro só pra eu
entender melhor
G: não porque do modo que ele eu poderia ter sido menos direta ao falar com ele (.) por exemplo ( )
falado mais calmo porque do jeito que eu falei que ele falou eu achei que ele foi bastante grosseiro (.)
não que fosse a intenção dele mas do jeito que ele falou que ele tinha de ir embora porque isso que
aquilo falou meio assim né agitado
Julia: ãh-hã hh
G: acho que poderia ter sido um pouco mais calmo
Julia: você falaria como?
G: ah falaria assim eh
(G fica em silêncio por alguns segundos)
G: não sei como assim
(G abaixa o volume da voz)
G: ah você tem ( ) tempo tem que ir embo::ra (.) isso aquilo
(G volta ao volume normal da voz)
G: porque ele falou não você tem que ir embora que isso que aquilo tipo assim quase empurrando ele
hh
Julia: hh sei
G: hh eu achei que ele foi
Julia: você já falaria de um jeito mais acariciando
G: isso
Julia: como se fosse isso assim
G: ( ) pra não magoar muito a pessoa hh porque ele foi bastante grosseiro falou não você tem que sair
que isso que aquilo entendeu ele falou bem grosso na minha opinião
Julia: ãh-hã
G: eu como eu ( ) com qualquer coisa eu achei que ele foi grosso poderia ter sido um pouco mais
delicado ao falar com ele poderia ter explicado melhor a situação com mais calma
Julia: E você acha essa mesma coisa você acha também do Leonardo quando o Leonardo foi falar com
o Victor sobre a janela?
214
G: acho hh porque ele poderia ter conversado melhor antes explicado um pouco mais a situação
falando assim
(G abaixa o volume da voz)
G: não porque tá me incomodando (.) janela aqui isso vai eh invadir a minha privacidade (tal)
(G volta ao volume normal da voz)
G: ele chegou falando não porque você vai ser obrigado a tirar como se ele fosse (.) ter que tirar
naquele momento a janela eu achei que ele poderia ter sido um pouco mais sutil ao falar com ele
Julia: ãh-hã (.) e essa sutileza seria o que seria não
G: não gritar muito com ele só explicar assim não porque realmente tá me incomodando tá tirando um
pouco da minha privacidade eh por gentileza você poderia (.) se não fosse muito incômodo
Julia: sei
G: tirar (.) ou pelo menos tampar um pouco a janela colocar em outro lugar se você quiser eu te ajudo
(.) e isso entendeu (.) ao invés de ele pegar e falar não porque você tem que tirar aqui como se ele
fosse ele foi bem grosseiro também
Julia: ãh-hã
G: porque tem várias formas de você [falar com uma pessoa
Julia: claro várias formas
G: negociação ( )
Julia: e cada forma a gente vai sentir] vai uma impressão de uma coisa diferen- né se fala grita::ndo
isso vai causar (.) um con- conflito maior talvez né
[
]
G: é um conflito maior se ele tivesse sido um pou- se ele tivesse sido um pouco mais gentil assim não
po- não talvez não tivesse sido esse estrondo todo essa coisa toda uma raiva ter pego uma raiva um
pelo outro entendeu
Julia: [ãh-hã
G: poderia ter sido] poderia ter se resolvido melhor a situação
Julia: ah tá ótimo... perfeito então muito obrigada
G: brigada você
Julia: até logo
G: até logo
215
2. Entrevista com (R)
Julia: Oi:: bom dia
R: Bom dia
Julia: Eh (.) bom eu queria saber (.) eh o que que você achou do nosso processo de trabalho (.) com os
filmes né tanto o filme Un cuento chino (.) e El hombre de al lado (.) o processo de::sde a
apresentação né do do contexto do do filme por exemplo né Un cuento chino (.) eu apresentava (.) eh
as reportagens absurdas depois a gente apresentou (.) eh os chineses vivendo na Argentina (.) aí depois
a gente viu o filme depois a gente (.) via as cenas (.) dizia o que a gente interpretava ou seja todo esse
modo de trabalho do início ao fim de cada filme né (.) o que que você achou desse processo?
R: ãh logo de início eu achei a proposta (.) bem interessante que é a primeira vez que:: eu trabalho
com (.) assim né na escola aprendendo espanhol (.) a proposta vendo filmes acho interessante eh tanto
a:: como que você conhecer os filmes antes né (.) tanto lendo as reportagens absurdas quanto (.) saber
(.) que (.) né tinha a questão dos chineses na Argentina é bom pra entender o contexto do filme né que
(.) tem um ditado comum que (.) pra entender o texto tem que saber o contexto né então ( ) foi
interessante porque sem (.) essa análise antes talvez a gente não fosse entender todo o contexto que
tava por trás do filme (.) e:: foi bom no sentido de:: (.) que (.) culturalmente contribui porque você
acaba conhecendo uma outra cultura e você (dizem) também durante anos você acaba se conhecendo
(você) vai se refletir sobre (.) como que as pessoas pensam em outros lugares eh aí (tu vê) até que
ponto bate com o que você pensa de que forma é uma:: construção cultural bastante interessante
Julia: ãh-hã (.) então você (.) pra você você achou legal esse processo ( )
R: assim dos filmes eu (.) admito que não sã::o do meu gosto assim filmes às vezes eh que conta assim
muito a vi::da (.) do personagem mas achei bastante interessante essa:: não (.) o filme em si mas o (.) o
que a gente aprendeu do filme a (.) o que que a gente (.) por trás do filme a proposta do filme que a
gente acabou (.) aprendendo por trás do filme tanto a cultura quanto:: eh da lín- da própria língua eu
achei essa esse aprendizado (eu achei) bastante interessante eu gostei
Julia: sei e que tipo de filme você vê (.) que você disse que
R: eu gosto de filme assim mais eh... ( ) gosto de filme assim que desenvolva mais eh raciocí::nio
coisa assim (.) filmes mais (.) não de suspense exatamente mas um filme:: às vezes por exemplo
Sherlock Holmes que tem toda uma história que você tem que entender um contexto também
Julia: ãh-hã::
[
]
R: nesse sentido eu também gostei desse o (.) por exemplo do Un cuento chino que você tinha que
conhecer o contexto (.) cultural e isso eu achei interessante (.) tanto que por exemplo nesse filme do
Sherlock Holmes se você não conhecer o contexto cultural da Inglaterra na é::poca
[
]
216
Julia: sei
R: eh do porquê que (.) você não entende certas coisas (.) e isso eu achei interessante (.) mas eu gosto
assim né
((Alguém bate na porta))
R: no meu gosto pessoal mais de:: filmes de ação que também envolvam raciocínio lógico
Julia: sei
R: acho essa ( ) também bastante interessante
[
]
Julia: ah tá onde você tem que tá descobrindo ali (.) pequenos mistérios [né
R: isso prestar] atenção nos detalhes
Julia: tá só deixa eu avisar que eu já tô aqui
((Julia conversa conversa com a pessoa que bateu na porta))
Julia: desculpa
R: tudo bem
Julia: eh bom e:: então (.) eh o processo mas o processo em si didático você gostou assim a forma
[
]
R: sim eu também gosto de ensinar e eu achei eh esse método de ensinar bastante interessante (.) eu
gostei acho interessante principalmente pela construção cultural (do homem) muito (.) muito
interessante e é uma ferramenta muito (.) boa
Julia: sei
[
]
R: a gente acaba de forma direta e indireta aprendendo muito a respeito de outras culturas e isso é
muito bom eu particularmente gosto bastante
Julia: ah que bom (.) que bom /.../ e pronto (.) então agora eu queria eh saber algumas coisas da sua
resposta a gente vai lendo aqui junto tá (.) eh você (.) no:: na parte nas suas respostas sobre o filme Un
cuento chino (.) você:: você coloca que o Leonel que o:: Roberto (.) sabe o o argentino (.) no momento
que ele tá falando com o:: com o Leonel que é aquele entregador sabe de:: que ele vai lá fala assim
“hola Roberto qué haces (.) llegó lo que me pediste por Internet” que é o entregador de jornais que vai
lá falar com o Roberto
217
R: ãh-hã
Julia: só que o Roberto ele:: responde pouco né com poucas palavras (.) e você:: diz que (.) por ele ter
respondido com frases curtas (.) você entendeu que ele foi ríspido né (.) e indelicado (.) né por que que
eh você te deu essa impressão (.) só porque (.) ele (.) que que fez exatamente que você sentisse essa
rispidez nele você assim você lembra?
R: bom assim (.) pelo contexto do filme né conhecendo o Roberto como (.) sendo muito reserva::do
então ali quando o Leonel ele (.) tenta de uma forma:: aparentemente amigável né tenta::r (.) fazer algo
que (.) por mais que né do ponto de vista do Roberto não tenha sido:: uma coisa boa ele tava com a
melhor das intenções (.) e quando:: você (.) tem uma pessoa que se importa com você (.) mesmo que
se- talvez você não queira fazer uma atividade específica que a pessoa sugere (.) é bom você valorizar
alguém que (.) se preocupa com você ali o Roberto morava sozinho trabalhava sozinho vivia sozinho
(.) e um amigo que (.) mesmo eh com tudo isso (.) mesmo sabendo de (.) todos os problemas que ele
passou ainda assim tenta ajudar (.) mesmo sabendo que ele era (.) casca grossa por assim dizer ainda
assim tenta ajudar (.) é um amigo que merece↑ (.) atenção porque ele tá ele (.) mesmo sabendo de
todas as dificuldades coisas que às vezes (.) suas características (afastar a pessoa) ele tá mesmo assim
querendo te ajudar (.) é uma coisa (.) que você deve valorizar porque (.) é uma coisa difícil de ser
encontrada e é uma coisa muito boa (.) e ele então ele por ( ) por tratar uma pessoa que tá se
importando tanto com ele ele viu mas (.) ele:: mesmo assim hesitou e (.) deixou pra lá e procura
mesmo ele querendo desenvolver um diálogo conversar com ele ele (.) só dá respostas rápidas e curtas
e grossas e eu achei que ele foi ríspido por essa razão porque (.) ele:: não soube valorizar alguém que
tava realmente se importando com o bem estar dele
[
]
Julia: sei
R: por mais que ele não tive- ele não se sentisse ru- mal (.) ele não sentisse (.) triste (.) o amigo dele
não sabia exatamente o que ele tava sentindo mas de qualquer forma ele tentou ajudar
Julia: ãh-hã::
R: uma coisa (.) positiva mas ele (.) não encarou dessa forma e (.) foi ríspido com [ele
Julia: claro] eh você até diz que se fosse na sua no seu caso você:: você demonstraria né (.) eh eh
empatia
R: sim
[
]
Julia: né apesar da rispidez né
[
]
R: o que aconteceu
218
[
]
Julia: do:: você você agiria como o Leonel né↑
R: meu caso às vezes né mesmo às vezes não tô me sentindo bem ou que (.) aí chega alguém em casa
eu não tô me sentindo bem ou então gos- queria tá dormindo aí chega alguém eu mesmo que gostaria
de tá dormindo ou desde que não não não esteja me sentindo bem pra receber visita (.) eu não mostro
de forma alguma eh
Julia: esse
[
]
R: rispidez com a pessoa porque é uma pessoa que se importa comigo ela se deu o trabalho de se
locomover da casa dela pra vir na minha pra vir falar comigo pra ver como eu estou então (.) ela::
[
]
Julia: você não diria olha não posso::
R: pois é não pelo menos nem que eu tivesse que:: sacrificar alguma coisa de menor importância mas é
dada a atenção àquela pessoa porque se ela tá (.) se importando comigo se ela é um amigo que tá se
importando comigo ela também (.) merece ser tratada bem
Julia: ah-hã claro (.) você até chama isso de você fala que são seus princí- é uma questão de educação
e princípios bíblicos
R: sim porque como:: eu sou testemunha de Jeová e que nós aprendemos com base na Bíblia (.) é que (
) conforme até Jesus ensinou (.) que nós deveríamos tratar os outros como gostaríamos de ser tratados
não tratar os outros (.) como os outros nos tratam que às vezes se alguém te trata mal você vai acabar
tratando mal aquela pessoa e não é correto (.) Jesus falou que deveríamos amar até↑ os nossos
inimigos ou seja
Julia: ãh-hã
R: quanto mais amigos né
Julia: é
R: então a gente deveria tratar todo mundo e eu procuro fazer isso na medida do possível (.) como eu
gostaria de ser tratado e eu de forma alguma gostaria de ser tratado mal de ser tratado de forma ríspida
gostaria de ser tratado bem sempre que possível (.) né
Julia: bem é como pra você
R: [bom
219
Julia: que que é ser tratado bem]
R: quando as pessoas me tratam de forma educada se eu tiver algum defeito a pessoa com jeito (.) me
dizer o que ela acha que tá errado pra até me ajudar a melhorar (.) assim como eu tento falar com as
pessoas com jeito falar pra sempre procurar ajudar as pessoas a melhorar também (.) né tanto às vezes
num aspecto da vida quanto num aspecto da personalidade é sempre bom porque (.) amigo também tá
perto quando você precisa de correção (.) né nenhuma correção parece boa de início mas
Julia: é claro
R: ela acaba sempre contribuindo de uma forma (.) positiva (.) mesmo que às vezes a gente não gosta
da pessoa que dá a correção né que às vezes parece uma coisa ruim (.) é bom pra gente crescer
Julia: ãh-hã
R: tanto como caráter como melhorar aspectos da nossa vida então por isso que eu não trataria por
exemplo o Leonel que tentou ajudar da forma ruim porque ele tá se importando comigo e eu (.) com
base nesses princípios bíblicos eu também procura- procuraria tratar ele como eu gostaria de ser
tratado (.) bem
Julia: ah tá (.) claro (.) sei com atenção né é dar atenção pro outro é responder o outro
R: de forma boa assim como se eu fosse visitar um (.) um amigo meu porque eu estou preocupado com
ele (.) eu não gostaria de chegar lá e ser tratado de ser recebido de uma forma ríspida (.) como eu ia
acabar ficando (.) magoado com a pessoa (.) né (.) de uma forma ou de outra porque se eu tô me
preocupando com a pessoa me dei o trabalho de ir lá ver principalmente sabendo como é o Roberto né
que é (.) uma pessoa fechada ainda assim me dei o trabalho de ir lá (.) o mínimo que ele pode fazer é
me receber bem (.) né (.) mesmo se ele não me receber eu não ficaria magoado mas ainda assim (.) eh::
não ficaria admi- não ficaria feliz né de ser tratado mal
Julia: ãh-hã:: claro
R: ninguém gosta de ser tratado mal
Julia: é (.) e e pra você ser tratado mal é ser tratado as- dessa forma
R: de uma forma mal-educada ou então a pessoa usando de ofensa isso tudo não é um tratamento (.)
bom
Julia: sei (.) e:: e outra coi- por exemplo no filme agora El hombre de al lado você fala que o LeoLeonardo que morava naquela casa grande que naquele momento que ele foi falar com o Victor sobre
a janela (.) você fala que ele foi “extremamente grosseiro (.) mal-educado (.) eh pois nem sequer
cumprimentar e tentar conversar a respeito do assunto” né e:: mas por que assim por que que você
acha que uma pessoa pra ser educada (.) ela tem que:: eh conversa::r eh como é que como é que é o
que que pra você representaria (.) essa má (.) educação (.) por que que ele foi mal-educado aqui o que
foi exatamente que te
R: então novamente [eh ( )
Julia: você lembra daquela cena
220
R: ãh-hã] eu procuro:: sempre assim (até quando a gente) também devido à educação e ensinos
bíblicos (.) tentar entender o lado do outro né antes de:: de (.) aliás eu tento no máximo não criar (.)
problemas eu tento resolver os que tem e não criar mais
[
]
Julia: ãh-hã
R: então (.) se ali tava sendo criado um problema que ele tava abrindo uma janela pra dentro do meu
quintal que não é uma coisa boa (.) eu primeiro em vez de logo mandar parar a obra:: já chegar
querendo botar razão querendo (.) chamar meus direitos
[
]
Julia: ãh-hã
R: eu seria razoável tentaria primeiro conversar (.) entender por que que ele tá fazendo aquilo falar que
(.) realmente ia ficar ruim explicar o porquê (.) o diálogo é o primeiro passo pra gente conseguir eh a
comuni- a não a comunicação eh
Julia: [um entendimento
R: um ACORDO]
Julia: um acordo
[
]
R: é o primeiro passo se você começar mal acaba que depois também vai ficar ruim (.) ele foi
grosseiro porque ( ) também entender por que que ele tá abrindo porque (.) afinal de contas o Victor
não tinha más intenções por exemplo de um vizinho fofoqueiro quer olhar dentro da sua casa e saber o
que passa na sua vida (.) ele só tava querendo um pouco de ar porque a casa dele era (.) toda fechada
ele só queria uma janela pra poder (.)arejar a casa dele não é (.) nada de mais (.) claro (.) ele (.) taria
infringindo leis de (.) municipais de construção taria aí invadindo a privacidade dele (.) do::
Julia: [Leonardo
R: Leonardo] mas mesmo assim (.) o Leonardo também quando tratar ele (.) ele deveria tratar ele
como ele gostaria de ser tratado se ele não fo- se ele abrisse por exemplo a janela só pra conseguir ao
menos respirar na casa dele ele não ia querer eh ser tratado desse jeito (.) conversa primeiro que que a
gente pode fazer talvez uma janela menor que não que não dá ( ) dê pra ver a minha casa pra ver a
minha família né
Julia: ah-hã::
R: que foi no final até o que eles acabaram fazendo seria mais eh (.) eh (.) seria ao mesmo tempo
assim teoricamente ele taria ainda com uma janela dentro da sua casa (.) mas não é pra ele ficar
221
observando é só mesmo pra arejar a casa dele (.) aí entra a ( ) né (.) a pessoa ser razoável pra poder (.)
ceder (.) pra manter a paz
Julia: ãh-hã::
[
]
R: né por isso que de início o Leonardo não foi tão eh educado porque ele logo quis botar razão botar
os direitos não eu posso isso eu posso aquilo você não pode fazer isso ( ) em vez de conversar primeiro
tentar entender (.) o diálogo é o primeiro passo pra gente conseguir uma:: comunicação pacífica
Julia: hmm legal (.) legal brigada (.) e bom por fim então queria saber o que que você achou do modo
de enunciar se você percebeu alguma diferença por exemplo (.) entre o modo (.) de interação né (.)
interação com o outro por exemplo nas sociedades né o modo de convivência por exemplo (.) de eu (.)
me interagir com você né como professora (.) por exemplo é diferente nas socieda- no Brasil é
diferente o professor talvez eh nos Estados Unidos né talvez tenha uma outra um outro modo de
tratamento por exemplo (.) e eu queria saber o que que você se você sentiu alguma diferença entre o
modo (.) de interagir né o modo de enunciar (.) do dos hispano-americanos que a gente viu no filme né
dos estrangeiros no caso eram os argentinos né (.) se você (vê) se você sentiu
R: hmm
Julia: alguma diferença entre o modo
R: [é indiscutível
Julia: de
R: que há] diferenças né (.) mas assim eu não gosto muito de pega::r (.) eu gosto assim de estudar
sociologia de (.) psicologia e eu vejo assim que eu não gosto de estereotipar por exemplo ah os
argentinos se tratam dessa forma os brasileiros se tratam dessa forma claro que há como uma maioria
(.) né (.) isso que eu respondi (.) mas eu não senti muita diferença eu particularmente não senti
diferença porque assim essa diferença que a gente encontra (.) entre a maioria dos brasileiros e a
maioria dos argentinos
Julia: ãh-hã
R: a gente também encontra aqui dentro só que numa minoria
Julia: é
R: então assim assim como tinha pessoas como o Roberto tratava as pessoas também conheço pessoas
que tra- que se tratam os outros assim mesmo que não seja a maioria (.) tem essa pequena minoria que
nem é tão pequena assim mas não é a grande maioria (.) né
[
]
Julia: a grande maioria que seria como?
222
R: ( ) as pesso- assim que a correspondem a (.) matematicamente mais de cinquenta por cento das
pessoas se trata dessa forma mas também a outra minoria (.) não é tão pequena assim você encontra
muita gente que trata os outros como o Roberto trata como o Leonardo trata como o Victor trata tenta
(.) conversar tenta desenrolar o Victor por exemplo ele a princípio não quis (.) eh parar a obra porque
aí é uma coisa que ia (beneficiar) ele aí tenta conversa::r tenta dar um jeiti::nho não vamo na minha
van deixa eu te mostrar minhas coisas que eu faço né
Julia: ãh-hã::
R: pra conhecer pra tornar amigo tudo assim negócio de um pouco de:: como eu posso dizer... tenta
desenrolar com ele pra po- pra ver se acabava fazendo ele ceder não vou mostrar que não tenho más
intenções né só
Julia: sei sei
R: ele tentou um pouco desenrolar pra conseguir também o objetivo dele brasileiro também tem um
pouquinho disso [né
Julia: ãh-hã
R: não só] no geral mas a maioria né tenta não sempre que ele sabe que ele tá errado mas ainda assim
ele quer alguma coisa ele não não desiste logo de início ele tenta ir conversa::ndo (.) [(dar) um
jeiti::nho
Julia: (dar um) jeiti::nho] ãh-hã::
R: pra poder eh atender os dois lados né então não senti muita diferença sabe por que essas diferenças
( ) na Argentina tem de pessoas e pessoas também dentro [de cada país
Julia: dentro de cada país] né
R: a gente acaba convivendo com pessoas diferentes né as pessoas (.) não são iguais a gente acaba se
acostumando com a diferença (.) até eu ( ) também com bastante pessoas eu não vejo muita diferença
eu conheço muitos tipos de [pessoas
Julia: tipos] ãh-hã::
R: então eu particularmente não senti muita diferença eh dizer os brasileiros são dessa forma os
argentinos são dessa forma porque eu lido com muitas pessoas [e::
Julia: você ( )]
R: eu tô acostumado com diferentes tipos de personalidade diferentes tipos de de humores e::
Julia: ãh-hã
R: eu tô acostumado mesmo que a pessoa seja ríspida e ( ) tratá-la bem mesmo que a pessoa seja::
boazinha e também tratá-la bem tratar todos iguais e então não senti muita diferença de início
Julia: ah:: legal (.) muito bom muito bom Rafael muito obrigada tá
R: nada
Julia: pela entrevista (.) até log
223
3. Entrevista com (RF)
Julia: (.) boa tarde querido
Rf: boa tarde professora
Julia: eh eu queria saber (.) o que que você qual sua opinião (.) né em relação ao nosso processo de
trabalho com os filmes (.) né tanto Un cuento chino como El hombre de al lado (.) eu não sei se você
lembra mas (.) no nosso processo a gente (.) cada aula antes de ver o filme a gente primeiro fazia uma
sensibilização (.) por exemplo no (.) Un cuento chino né eu mostrei pra vocês umas reportagens
absurdas porque o personagem li::a (.) depois eu mostrei (.) eh uma reportagem sobre os chineses que
viviam na Argenti::na (.) aí depois a gente viu o filme (.) depois a gente fez aquelas atividades (.) né
que a gente:: tran- que eu transcrevia as cenas e perguntava qual a opinião (.) de você::s em relação ao
modo eh da do qual qual a impressão que vocês tinham né do modo de enunciar dos persona::gens (.)
depois a gente fez um debate então assim era um processo longo né que demorava cinco aulas (.) mais
ou menos (.) todo esse processo e foi a mesma coisa tanto com Un cuento chino e El hombre de al
lado (.) e aí eu queria saber o que que você achou desse processo (.) das atividades que foram feitas (.)
eh pode dizer a sua opinião com sinceridade né porque é muito importante tá ter esse retorno saber se
foi positivo ou negativo (.) pode falar mesmo se for negativo é importante falar também tá
Rf: ah professora eu achei que a dinâmica foi muito boa né foi diferente trazer tipo um pouco do (.)
lado de fo::ra explicar cada um até mesmo e preparo ( ) a senhora me ensinou aqui agora (.) foi bem
diferente da expectativa né que eu pensava uma aula de espanhol (.) mas foi bem legal deu pra
aprender espanhol de outro jeito
Julia: ãh-hã
[
]
Rf: foi bem legal deu pra tipo assim (.) não aquele espanhol chato memorizado mas aquele que você
aprende e ( ) você gostou de aprender (.) muito bom isso ambos os filmes foram filmes excelentes (.) a
maioria era de humor (.) e que eu nunca tinha visto eu não me interessava muito por espanhol né só
via muitos jogos em espanhol
Julia: ah via jogos de quê?
Rf: ah jogos geralmente de ação esses jogos assim normais (.) que só tinha (duas) legendas né então
uma era inglês a outra é espanhol e como o espanhol é mais semelhante do português (.) é sempre a
opção né que cê seleciona mas (.) eu achei excelente (.) não tenho (tirando essas) desa- desavenças aí
que eu falei não tenho nada de
Julia: tirando o quê?
Rf: essas aí desavenças né que
[
]
Julia: qual?
224
Rf: é que:: quando (.) quando eu pensei (que era) espanhol pensei que era que você tinha que
memorizar verbo em espanhol e isso é muito chato então isso (.) melhorou muito e trouxe um aspecto
positivo pra disciplina
Julia: você acha que você se passou a se interessar mais?
Rf: (assim) eu escolhi espanhol porque inglês é muito ruim (.) aí eu prefiro espanhol (.) mas eu achei
bem legal (.) bem
[
]
Julia: hh inglês é muito ruim?
Rf: é eu sou péssimo em inglês
Julia: mas esse esse modo como eu (.) como a gen- como como foi feito né esse processo (.) você acha
que te aproximou mais (.) você gos[
]
Rf: não (.) com certeza me aproximou mais da matéria porque (.) traz aquela interação do aluno (com)
a professora (com) a turma toda né (.) tipo na nas rodas quando a gente se reunia pra poder discutir
sobre os filmes ou sobre algum fato de aulas anteriores ou da mesma (.) traz (.) traz uma boa interação
( ) ajuda (.) é muito bom
Julia: claro
Rf: tirando que é divertido né (.) ter um tempo aí fora da (.) da do (.) como é que é a palavra... não sei
usar aquela palavra (.) um tempo fora daquela necessidade de você tá lá (.) no... tá com aquele intuito
só aprender só aprender (.) poder levar um pouco mais o exterio::r explicar um pouco (.) não só aquele
momento aula também aquele momento (.) melhor um pouco
Julia: mais descontraído [assim que você acha
Rf: é mais descontraído ( )] aquele momento mais descontraído mais legal
Julia: você acha que teve aqui
[
]
Rf: teve teve sempre tem
Julia: que bom
[
]
Rf: sempre tem
225
Julia: ah que bom então foi positivo pra você
[
]
Rf: foi foi um (.) uma experiência positiva
Julia: ai que bom (.) pra mim também foi (.) [com vocês
Rf: ( )
Julia: uma experiência] muito positiva (.) eh agora em relação assim né lembra que eu sempre
perguntava pra vocês por exemplo (.) eh qual a impressão que você teve do modo como o Leonardo eh
(.) abordou o seu vizinho né então assim eu sem- eu me preocupei ao longo desse tempo eh em saber
qual a impressão que vocês tinham do modo (.) né de falar (.) dos personagens eh estrangeiros né ou
seja de do do do (.) hispano-americanos argentinos (.) né e aí eu queria saber se você viu alguma
diferença assim nesse modo de falar né de interagir socialmente (.) dos argentinos (.) e dos brasileiros
qual foi se você viu alguma diferença entre esse modo (.) [deles de ser
Rf: ah diferenças ( )] sempre tem porque são culturas diferentes e distintas (.) mas o alguma que se
destaca acho que nenhuma (.) nenhuma se destaca muito (.) é (.) nenhuma ( )
[
]
Julia: mas tem alguma alguma algum comportamento deles que você acharia diferente dessa cultura da
nossa cultura (.) o modo de lidar com as pessoas ou com os conflitos até né porque por exemplo
tinham conflitos né como o conflito do chinês vivendo lá na casa do Roberto como o conflito da janela
(.) e cada perso- ali os personagens agiram de um uma forma né nos conflitos (.) aqui no Brasil
também seria assim nosso modo (.) né de de de interagir de interaçã::o (.) ou você percebeu alguma
diferença
[
]
Rf: é ( ) assim os relatos que hispano-ameri- (.) his- his[
]
Julia: hispano-americanos
Rf: eu ia falar hispano-americanos mas eu pensei que fosse outra palavra
Julia: hh lindo hh
Rf: hh que hispano-ameri- ( ) eles têm um ato mais direto de chegar na situação né (.) eles falam logo
(.) já os brasileiros ia enrolar um pouco (.) que é aquele jeitinho brasileiro né sempre
[
226
]
Julia: como?
Rf: sempre empurrando ah quando tem uma situação você nunca fala direto o que cê quer (.) você vai
empurrando vai embromando um pouquinho
Julia: ãh-hã
[
]
Rf: tem essa situação de embromar (.) já eles não eles são mais diretos e chegam logo no assunto (.)
(poderia ser) até que eles são um pou- um pouco:: (.) (vamos) dizer que (a gente) não tenha vergonha
né de como o brasileiro tem que ser direto eles (.) são mais claros do que querem e
Julia: você acha que o brasileiro tem mais vergonha de ser direto?
[
]
Rf: é poderia ser isso não nem todos né mas a maioria dos brasileiros eles (.) nunca são diretos no que
eles no que eles querem eles sempre expressam de outra maneira de outra forma (.) sendo ela qual for
Julia: ãh-hã (.) claro sem generalizar né
[
]
Rf: é
Julia: mas falando de uma maioria né de uma [tendência
Rf: ( )
Julia: né que tem]
Rf: e o brasileiro ser mais descontraído né de usar mais gírias pra poder falar
Julia: ãh-hã:: (.) falar de de uma forma:: (.) menos qual foi você usou
[
]
Rf: descontraída
Julia: descontraída e o outro os argentinos a maioria teria uma [tendência
Rf: mais direta
Julia: ao filme]
227
Rf: mais direta mais certa
Julia: ãh-hã (.) e qual e (.) você acha que isso teria um porquê? Por que será que os brasileiros teriam
essa tendência maio::r (.) e os argentinos, o que que faz você perceber isso?
Rf: isso deve ser devido a (.) ao estilo de vida né que os hispano-americanos levam (.) (eles são) meio
tristes né (.) de acordo com os filmes eles não fazem quase nada de legal né (.) poucos poucos fazem
alguma coisa (.) é tipo acho que é Roberto o dono daquela lo- ele tem uma loja de ferraria né?
Julia: ãh-hã
[
]
Rf: aí não deve ser muito legal né não deve ser muito:: (.) não deve ser ele não deve ter muita
convivência lá naquela loja deve ser meio chato né (.) (além dele) ao longo do filme ele se estressa
muito com a própria loja (.) então deve ser isso que faz ele ser direto né deve ser tipo (.) uma tristeza
que ele [tem
Julia: ãh-hã uma insatisfação que você diz
Rf: é uma insatisfação]
Julia: ah tá... ah legal (.) e bom vamos então agora dar (.) aqui (.) eh (.) eh uma olhada aqui no seu nas
suas atividades (.) em relação ao filme El hombre de al lado você fala lembra aquele momento da::
que ele aborda o vizinho na janela?
Rf: lembro
Julia: eh e aí você vai falar que “o Leonardo é um cara calmo e educado (.) porém abordou o seu
vizinho com a sua voz em tom elevado” (.) né (.) o que que faz você achar que ele é um cara o
Leonardo ser um cara calmi e educado? Foi aqui foi na forma como ele di::sse
Rf: é bem foi bem nas expressões faciais dele é porque se fosse outra pessoa ele não chegaria do forma
que ele chegou (.) ele chegou mal-humorado mas porém não (.) não foi grosseiro (.) somente elevou a
voz porque estava irritado com aquela situação porque um homem botar uma janela (.) com vista pra
sua casa tira (meio) a intimidade dele né
Julia: ãh-hã
Rf: os valores dele a é- a própria ética dele não deixa não permite que ele fosse a- (.) que a situação
fosse passada adiante né (.) então é só isso né... expressões faciais dele porque eu não posso falar que
foi a:: (.) como ele falou
Julia: porque você achou educada a forma como ele falou
Rf: é a abordagem dele foi bem educada
Julia: “hey hey hola (.) está el dueño” (.) você lembra?
Rf: eu lembro lembro ( ) dele foi bem educada (.) pra situação ( )
[
228
]
Julia: mas por que o que que faz você achar que foi educado (.) você lembra?
Rf: ah (.) eh bem se fosse uma situação diferente a pessoa não chegaria (.) vamo botar que fosse um
brasileiro né ele não chegaria falando assim ele já ia chegar tentando quebrar a janela (.) tentando dar
um jeito naquilo
Julia: hh como?
Rf: ah quebrando a janela como às vezes (.) pô brasileiro é bem irritado né (.) também faz muita (.)
coisa errada a maioria né (.) ele já taria quebrando a janela tacando pedra naquela janela ou (.)
ofendendo o cara né através de palavras ofensivas (.) sei lá o que for (.) mas ele não foi calmo (.)
tentou ( ) da melhor forma possível (.) só depois ao longo do filme que ele (.) começou a se estressar
tinha até algumas cenas que ele teve até medo né (.) do seu próprio vizinho
Julia: ãh-hã
Rf: aquela cena lá que ele tá com uma van né (.) acho que (ele entrou em crise) naquela van porque ele
pensou que fosse alguma coisa (.) mas porém né ele entrou acabou entrando na van e descobriu que
não tinha nada que o cara era (.) uma pessoa boa (.) só tinha esses problemas né
Julia: o Victor?
Rf: é o Victor (.) só tinha esses problemas mesmo
Julia: quais problemas?
Rf: eu só achei ele um pouco maluco
Julia: por quê?
Rf: pelo jeito dele (.) meio largado (.) é um pouco diferente né do que tá acostumado
Julia: como?
Rf: é o jeito dele falar né ele fala (.) sempre que ele fala ( ) dele ser direto ele fala como se fosse
(falando gritando)
Julia: ãh-hã
Rf: e a expressão dele né (.) que ele tipo meio que abaixa as sobrancelhas pra falar (.) algumas coisas
assim
Julia: tipo assim hh?
Rf: é hh
Julia: hh
Rf: tem algumas cenas que ele fez isso só que é meio estranho né aí ( )
Julia: hh
Rf: ( ) problemática
229
Julia: hh muito bom Rudolf (.) e o Leonardo não então você (.) você teve mais afinidade com o Victor
por ele ser mais estranho pra você
Rf: é por ele ser um pouco diferente né
[
]
Julia: e aquele mas ele não tinha um jeito também mais (.) como pode dizer (.) mais descontraído não
como você tava falando que seriam (.) os brasileiros (.) como seriam os brasileiros tipo lembra que
você falou que ele que os brasileiros são mais descontraídos
Rf: é podia até ser naquela cena que ele (.) ele leva o (.) esqueci o nome dele (.) Roberto (.) não não é
Roberto não Roberto é o do outro filme é do chino
Julia: eh o Leonardo
Rf: Leonardo (.) por exemplo ele leva o Leonardo pra van tenta se comunicar (.) tipo assim se abrir né
com o Leonardo pra ver se o Leonardo ajudava (.) acho que foi a parte que ele se colocou mais
sensível no filme
Julia: ãh-hã
Rf: seria essa
Julia: sei porque fora isso você achou ele muito
Rf: é muito grosseiro um pouco diferente né (.) tipo quando ele faz aqueles teatrinho dele é um pouco
esquisito meio bizarro né
Julia: ãh-hã
Rf: ( ) o material né que ele usa também né comestível na maioria
Julia: é banana hh
Rf: é mortadela ( ) um pouco esquisito ( ) uma pessoa né (.) tendo uma janela (.) com vista pra sua
casa ainda fazendo teatrinho naquela janela é um pouco maníaco né parece que o cara é meio ( )
[
]
Julia: ãh-hã sei sei
Rf: dá essa visão negativa dele (.) é
Julia: e o Leonardo já não [você achou
Rf: o Leonardo não
Julia: ele já
Rf: é um ca-
230
Julia: calmo]
Rf: um cara calmo ( ) o emprego que ele tem né tem que ser calmo estilista de cadeira né (.) é um
emprego chato mas tem que ( )
[
]
Julia: você achou que em momento nenhum ele foi foi grosseiro com o Victor
[
]
Rf: não não teve um momento em que ele foi grosseiro quando ele eh fala com o tio do Victor (.) aí
naquele momento ele passou dos limites né por isso até que o Victor foi na casa querendo descobrir né
por que ele fez isso o tio do Victor tem um problema né tem lá os problemas dele
Julia: é
Rf: que eu não lembro qual é né
Julia: [é eu acho que era
Rf: mas também no filme não menciona]
Julia: não menciona não
Rf: só ele é meio (.) é diferente né (.) ele fica calmo aguenta todos os desaforos do (.) Leonardo e fica
(.) olhando pra frente
Julia: é
Rf: então já é um problema né porque outra pessoa (.) não aguentaria
Julia: não aguentaria mesmo (.) tá então interessante você ter falado isso do (.) que você achou ele
educado porque muita gente (.) às vezes achou que o Leonardo nessa primeira cena (.) achou que
faltou que ele tivesse sido mais educado
Rf: [ele poderia ter sido mais
Julia: às vezes falado
Rf: né mas na situação não condiz ser mais educado ainda
Julia: da situação também] você seria como que você falaria seria numa situação como essa?
Rf: ah não sei né nunca passei por uma situação como essa
Julia: é
Rf: (eu não posso saber porque é) uma coisa meio diferente né
231
Julia: mas você logo vai querer já estabelecer o conflito sair jogando pedra (.) ou você vai ter que ou
você acha
Rf: ah tem que conversar com a pessoa ter que levar ( ) na conversa (.) porque a violência nunca ia
levar a lugar nenhum né (.) só ia piorar porque o cara ainda ia continuar fazendo a janela lá né ia ser
pior
Julia: é (.) é como houve né só piorou né
[
]
Rf: é só piorou
Julia: na verdade a situação foi piorando né
Rf: é porque o Leonardo ao longo do filme começou a ficar um pouco grosseiro também né
Julia: é
Rf: começou a não querer mais aquilo (.) se bem que ( ) por causa da mulher dele que não queria a
janela e fez com que ele não quisesse também
Julia: pois é tinha uma pressão
[
]
Rf: ( ) uma parte do filme ele quis (.) que a janela ficasse lá pra poder acabar os problemas como ela
não podia sair tinha que ficar né (.) só que a esposa dele não quis (.) então acabou fazendo ele não
querer (.) e aí começou o conflito do finalzinho né
Julia: ãh-hã
Rf: aquela parte onde ele obriga o (.) esqueci o nome do outro
Julia: o Victor
Rf: o Victor ( ) faz um tempo
Julia: é lógico
[
]
Rf: ele obriga o Victor a tirar a janela de qualquer jeito (.) até quando o Victor também né (.) tenta
esconder o que ele tá fazendo colocando aquele aquela manta aquele saco né preto
Julia: ãh-hã
Rf: é (.) mas é isso
232
Julia: sei
[
]
Rf: º( ) o que mais dá pra mesmo pra (evidenciar aí)º
Julia: nada pra evidenciar tá
Rf: ( )
Julia: oi?
Rf: nada nada
Julia: não mas já evidenciou bastante (.) né várias (.) várias percepções também bem interessante
porque você teve me pareceu que você se identificou mais com o Leonardo
Rf: é poderia [dizer que sim
Julia: do que com o Victor] né po- poderia dizer que sim né
Rf: é podia
Julia: porque o Leonardo pra você trouxe uma carga ma- o Victor pra você trouxe um aspecto você
enigmático você não conseguiu entender muito bem
[
]
Rf: é um pouco negativo e contraditório também
Julia: é o primeiro não por mais que ele tivesse sido (.) grosseiro em alguns momentos você entendi::a
Rf: é
Julia: o porquê né (.) e contraditório era o Victor que você falou
Rf: é o Victor é meio contraditório porque tipo assim ele tem tudo pra ser aquele personagem (.) que é
tipo o cara mau da história (.) só que no final ele que acaba salvando a família dele
Julia: é
Rf: naquele momento quando a casa é assaltada (.) e você pensa o que que ele o Victor que ia assaltar
a casa (.) que é mais provável né o cara construiu uma janela pra observar (.) só que é o contrário ele
que salva a casa
Julia: é
Rf: acaba morrendo né ou não porque acaba o filme antes de acontecer alguma coisa (.) até mesmo
antes da ambulância chegar né que ele nem chama a ambulância
233
Julia: nem chama pois é o assassino acaba que quem entre aspas é o assassino entre aspas acaba que é
o [Leonardo
Rf: é o Leonardo porque ele não chama ( ) ele fica do lado
Julia: ( ) morrer na frente dele]
Rf: ele espera parece que a solução os problemas dele é seria a morte do Victor pode até se dizer que o
Leo- o próprio Leonardo fez aqueles bandidos entrarem na casa dele (.) ( ) o Leonardo saiu deixou a
filha dele lá né que era mais uma coadjuvante não falava nada (.) pra ver o que acontecia né tipo ir lá
pensou (.) o Leonardo pudesse o Victor pudesse fazer alguma coisa (.) vai ver que é que é isso né (.)
poderia ser uma interpretação do filme válida
Julia: poderia (.) com certeza (.) que foi armado mas eu acho [que
Rf: (provavelmente) não né porque
Julia: é aí é interpretação
Rf: ele não ia querer né]
Julia: ele ia também botar a filha dele em risco assim né meio complicado né
Rf: não sei ele parece que não tem amor pela filha dele
[
]
Julia: é também tem isso
Rf: porque a garota não fala nada é meio coadjuvante no filme né
Julia: ãh-hã (.) tá e (.) deixa eu ver mais o que então (.) e:: em relação ao Roberto (.) você falou que
quando o Roberto no filme Un cuento chino (.) vai estabelecer um prazo com o Ju (.) pra ele ir embora
(.) você diz que parece que:: o Roberto não gosta do Ju (.) por que↑ (.) que ele que ele estressa o
Roberto (.) que “o Ju estressa o Roberto”'
Rf: é porque tipo o Rober- o Ju (.) ele é chinês já o Roberto (.) sendo hispano-americano ele não
entende o que o Ju fala (.) então tudo que o Ju fala é como se fosse nada ele não entende
absolutamente nada do que ele fala (.) então (.) traz uma noção de (não sei) raiva seria um pouco
comprime né o Ju na história porque ninguém entende o que ele fala a não ser os próprios né (.) os
próprios chineses (não sei) se ele é chinês
Julia: ãh-hã
Rf: os próprios então não tem comunicação entre eles a não ser por gestos (.) aí nesse momento que a
senhora falou quando ele estabelece um prazo (.) aí como não tem aquela (.) aquele diálogo entre eles
eles não podem se conhecer (.) então dá um meio uma tristeza ( ) eles mesmo morando na mesma casa
eles são estranhos
Julia: sei
Rf: porque não tem aquele diálogo porque é o diálogo que traz né
234
Julia: claro
Rf: o aquele conhecimento
Julia: o conví- é
Rf: ( ) convívio sem o diálogo não tem muito valor (.) é como se fosse dois estranhos morando na
mesma casa (.) dois estranhos morando na mesma casa então
Julia: mas assim pelo modo como o Roberto falou (.) o que que nesse modo como ele falou faz com
que você ache que ele não gosta do Ju (.) o que que que que ele fez aqui que que ele falou que te deu a
impressão que ele não gosta
[
]
Rf: ah ele estabelece um prazo (no caso)
[
]
Julia: ele fala assim ó sentate ( )
[
]
Rf: já começa aí falando pra o cara sentar é porque é uma notícia difícil né (.) às vezes até pro próprio
Roberto é muito difícil pra ele dar (.) estabelecer um prazo pra alguém ficar na (.) na residência é um
pouco ruim né (.) um pouco trágico (.) o fato dele não gostar é pelo modo o próprio modo dele
estabelecer um prazo (.) porque se ele até esse momento ele não gosta né mas depois ao longo do filme
ele acaba se entendendo com o Ju (.) esse próprio prazo que ele estabelece (.) um pouco é um pouco
contraditório né com o próprio desfecho do filme (.) é que parece que ele (.) não sei usar as palavras (.)
certas que ele não gosta porque ele não tenta ajudar até um certo momento (.) ele quer que o cara fique
lá porque o cara não tem onde ficar (.) mas também não quer que ele fique sempre lá (.) ele quer que
em algum momento ele saia (.) nesse momento que ele saia é quando os problemas dele (.) do próprio
Roberto iriam se resolver com ( ) Ju né (.) então (.) ( ) ºfatoº não sei a palavra certa que eu poderia usar
(.) ele quer se livrar do peso que seria o Ju né pra ele
Julia: é mas esse modo que ele diz você acha que parece que ele quer se livrar?
Rf: as palavras né que ele usa né (.) ele é bem direto bem claro ele quer que ele saia quando chega sete
dias (.) daqui a sete dias você vai ter que sair não importa pra onde você vá (.) mas da porta pra fora
não é mais problema meu
Julia: sei
[
]
Rf: é como se fosse assim
235
Julia: você fazi- fala- falaria diferente?
Rf: é (.) eu poderia (fazer) diferente (poderia deixar) o cara ficar mais um tempo ou até mesmo tentar
ajudar o cara (.) no caso o próprio Roberto tem uma loja (.) ( ) deixar o cara trabalhar e morar na casa
dele como pagamento
Julia: sei
[
]
Rf: podia ser
Julia: e buscar outras alternativas
[
]
Rf: buscar outras alternativas (em vez) de expulsar o cara ou tentar emprestar um dinheiro ou até
mesmo doar um dinheiro né pra ele poder voltar pra família dele
Julia: claro
Rf: ele até tentou né levar o tio mas o tio não é não tinha tio
Julia: é tentou
Rf: mas não era o tio né era uma pessoa diferente estranha
Julia: hh
Rf: é um pouco diferente isso né (.) esquisito ( ) ajuda melhor né
Julia: [sim (.) na
Rf: até ( )] embaixada né quando ele leva pra embaixada meio que ele critica a embaixada (.) como se
ele tivesse um problema com os chineses ou os próprios chineses têm um problema com ele né (.) é
meio ruim mas tudo isso é ( ) diálogo
[
]
Julia: é parece que tem um problema ali né um conflito entre ele e os chineses
Rf: é porque todos os chineses ali não tem aquela comunicação exata entre eles (.) são feitas através
por gestos ou até no mesmo momento né que o (.) Ju só se comunica com o Roberto através do (.)
daquele cara que entrega comida chinesa
Julia: ãh-hã
Rf: só assim que a gente pode ter um contato aí uma fala né um pouco de diálogo mesmo assim não
seria aquela fala que poderia estabelecer uma intimidade entre eles porque tem alguém lá né
236
Julia: é
Rf: não poderia (ajudar) até poderia né porque não seria um casal né então ( ) intimidade
Julia: mas fica ali sempre uma tensão né sempre um desconhecido
Rf: é sempre tem um desconhecido no meio (.) quando não são os dois tem um terceiro que é o
entregador
Julia: ãh-hã
Rf: também né tem a (.) aquela moça que entra na história (.) que acho que foi também ex-esposa né
dele
Julia: é a Mari
Rf: a Mari (.) ela também ( ) uma situação né porque parece que ela quer ajudar o china (.) só que:: (.)
o Roberto tenta ajudar mas não quer ele tenta mais por uma obrigação (.) tipo uma ética dele
Julia: ãh-hã::
[
]
Rf: sempre ajudar o próximo mas não quer (.) ele segue a ética mesmo não querendo
Julia: ãh-hã::
Rf: ( ) princípio dele né os princípios dele né
Julia: quais princípios?
Rf: ah seguir a sua ética (.) seria aquilo que ele acha certo porém não não gosta daquilo que ele acha
certo
Julia: aí demonstra que ele não
Rf: é que ele não gosta mas é o certo então ele faz o certo (.) seria até um ponto positivo né mesmo
sabendo que ele mesmo ele não gostando ele faz porque é o certo
Julia: é
Rf: é um ponto positivo olhando o coletivo mas pra ele não é
((Julia responde a pergunta de outra pessoa))
Julia: ah legal (.) legal então ma- eh (.) muito legal viu muito obrigada pela sua
Rf: tá
Julia: participação pela su- por ceder essa entrevista
Rf: tá brigado professora
Julia: até logo boa tarde
237
4. Entrevista com (D)
Julia: Eh:: eu queria saber o que que você:: achou do nosso processo de trabalho com os filmes (.)
tanto Un cuento chino como El hombre de al lado
D: ãh-hã
[
]
Julia: né todo o processo desde o da da apresentação né do contexto do filme até o nosso trabalho com
as cenas... queria saber como que você (.) como que você vê esse tipo de trabalho
D: então eu nunca tinha presenciado um tipo de aula de espanhol nesse sentido sempre era aquela
coisa bem clássica de você aprender (.) por verbinhos e:: livros didáticos fazer exercício de casa essas
coisa e esse ano (.) eu passei uma si- eh uma situação muito diferente né uma:: um novo modelo né de
ensino que (.) tá aí agora né no (.) nessa nova era né (.) de ensino de outros idiomas (.) e eu achei
muito interessante esse método de ensino por mais que às vezes a gente (.) possa ficar um pouco
ressenti- às vezes com o pé atrás de ah não tem verbo ah não sei o que (.) a gente não pratica verbos
mas acho que isso aí com o tempo acho que a gente vai se acostumando a partir do momento que a
gente tem um acesso melhor ao diálogo (.) dos filmes em si ainda mais que são filmes eh argentinos eh
em sua maioria (.) e:: eu acho que é uma forma interessante de se aprender não acho que seria (.) por
exem- um negócio cem por cento somente isso acho que o ideal seria (.) saber dividir em duas partes
né (.) claro (.) ressaltando essa esse novo método de ensino porque:: é eficaz (.) que a partir do
momento que:: você aprende uma cultura e todas as formas eh verbais que eles têm de se comunicar
eu acho que facilita muito mais o ensino do que (.) o que é comumente visto em vários cursos de
língua estrangeira.
Julia: Ah:: legal (.) brigada (.) e:: e agora eu queria saber em relação ao modo de (.) de falar dos
personagens né (.) ao modo de enunciar discursivamente dos personagens (.) né (.) eu sempre
perguntei pra você né (.) em relação né nas questões eu perguntava (.) né qual a sua opinião em rela- a
sua impressão em relação ao modo (.) de:: de enunciar né do Roberto ou do Victor (.) ou ou do::
Leonardo (.) né dos filmes né El hombre de al lado
[
]
D: hmm
Julia: e Un cuento chino (.) e assim nessa sua:: relação né na sua interação (.) com os filmes qual foi a
impressão que você teve desse modo (.) de:: de enunciar do estrangeiro (.) do hispano-americano?
D: então eh acho que:: existe uma diferença muito clara dos filmes hispano-americanos e dos filmes (.)
hollywoodianos ou bollywoodianos como nós temos (.) hoje né que:: (.) é uma:: uma:: de certa forma é
uma indústria de filmes que vai (.) crescer (.) obviamente (.) e acho que tem tudo↑ pra prosperar (.)
eh:: ele foca bastante em diálogos be::m informais palavras que a gente usa hoje em dia (.) né
situações bem↑ eh atuais como no próprio filme lá do Un cuento chino lá que o cara é um estrangeiro
que está (.) eh sofrendo com (.) essa xenofobia existente no (.) no mundo e:: eu acho que é foi muito
238
interessante essa fórmula de diálogo verbal deles né foi uma coisa eu acho bem natural até eu não (.)
não achava que seria tão bom quanto fosse.
Julia: Sei. Mas e e eh e assim (.) em relação ao modo deles (.) na no no no tratamento com o outro (.)
no modo deles interagirem (.) entre si eh você achou que tem alguma diferença em relação ao modo
como os brasileiros (.) intera::gem entre si
[
]
D: claro são duas culturas bem diferentes com origens diferentes né (.) eh nós somos (.) fazemos parte
de uma co- ex-colônia portuguesas mas (com) espanhola que são (.) duas tradições bem diferentes
então acho que a gente herda um pouquinho assim da dessas diferenciações tanto que:: eh por exemplo
assim argentinos assim geralmente são mais agressivos eles falam as coisas mais (.) na cara assim
acho que o brasileiro é bem↑ relaxado até (.) nesse sentido assim nessa forma de tratamento (.)
interpessoal com entre as pessoas assim acho que essa é a principal diferença assim
Julia: ãh-hã::
[
]
D: que eu percebi
Julia: ah:: legal legal brigada (.) e (.) então agora em relação a às suas questões (.) por último né (.)
eh:: eu eu queria entender um pouquinho melhor assim só algumas (.) eh:: respostas suas (.) só que
você me explicasse né não pra eu entender só explicasse um pouco mais (.) eh aqui que você fala que
você teve a impressão (.) de arrogância né da parte do Roberto quando ele vai falar com o chino (.)
com o chinês né com o Ju (.) com o Ju (.) Jun (.) por que que você:: teve essa impressão de arrogância
(.) o que que fez com que
[
]
D: eu acho que é uma marca do próprio personagem (.) tanto que ele não visava eh amenizar o diálogo
com palavras mais dóceis ou atitudes mais dóceis em si (.) acho que eu não↑ vou considerar se ele foi
certo ou errado porque eu acho que isso vai de pessoa pra pessoa mas era uma característica do
próprio:: personagem ser arrogante então da mesma forma que tratou outra pessoa eu acho que tratou o
chinês também de uma forma (.) arrogante
Julia: sei mas você sabe exatamente o que que faz com que você ache (.) o que que te (.) o que faz com
que você interprete aqui que que fa- o que que tem de arrogante aqui que que tem de arrogante aqui
por exemplo (.) só pra eu entender não que não
D: acho que:: o fato eh na hora do diálogo ele falar extremamente rápido (.) e:: com palavras be::m
diretas assim acho que mostra (.) uma certa arrogância em... co::m o próximo
[
]
239
Julia: sei
D: acho que poderia ter sido mais (.) educado assim (.) podemos dizer dessa forma
[
]
Julia: é você até propõe né que quando você fa- se você fosse falar você diz que (.) ia ser na hora do
jantar com uma comida bo::a
D: é (.) claro
Julia: né hh co::m... tentaria explicar da melhor forma possível pra que ele entenda o meu la::do
D: e com calma ob- obviamente é coisa que o Roberto demonstrou ao longo do filme que ele é uma
pessoa bem (.) impaciente ( ) tanto é que tan- teve um atraso lá no:: produto dele e ele foi receber um
presente e também foi (.) muito arrogante com o (.) com o
Julia: [com o
D: moço
Julia: com o Leonel né
D: é] com o Leonel (.) entendeu acho que↑ isso aí é do próprio personagem a fal- eh:: essa falta de
educação é bem marcante nele
Julia: sei porque você acha que ele não explica mas o que que (.) por exemplo né mas o que que faz
com que você:: ache ele mal-educa::do (.) o que que é exatamente o que que falta nele faltaria isso por
exemplo?
(D não responde)
Julia: faltaria isso por exemplo explicar melhor né porque você fala
[
]
D: sim com certeza
Julia: explicar da melhor forma possível mas o que é explicar da melhor forma possível?
D: acho que é de uma forma calma de uma forma complacente com o próximo (.) te::r (.) pelo menos
um pouco de compaixão por mais que você (.) não conheça o seu próximo eu acho que:: eu parto
daquele princípio que nós devemos tratar o próximo como a gente gostaria de ser tratado
Julia: ah-hã::
[
]
D: então eu imagino que (.) se fosse ele indo pra China ele não gostaria de se- de ser tratado assim
240
Julia: ah-hã::
D: eu imagino desse jeito
Julia: sei
D: entendeu aí eu acho que ele deveria ter
[
]
Julia: você queria um pouquinho [mais de afeto
D: é claro
Julia: assim né
D: sim
Julia: delicadeza]
D: ãh-hã
Julia: tá (.) e bom (.) hh agora por último só em relação a (.) El hombre de al lado né que você vai
falar que (.) o Leonardo quando ele tá naquela situação da janela o Leonardo que é o personagem (.)
[
]
D: ãh-hã
Julia: que mora na casa grande (.) aí você fala que ele:: deveria ter falado co::m (.) você (.) agiu de
uma forma ruim pelo menos uma forma que não muito legal entre vizinhos
[
]
Julia: né por que que que
D: porque a partir do momento que a gente passa a ter um convívio né e isso mostra aquela janela lá
mostrava que:: acho que nós podemos sim ter (.) um convívio melhor com os nossos vizinhos (.)
aquela janela eu acho que partia do princípio de você de certa forma incluir o vizinho dentro da sua
família (.) eh acho que é tipo isso (.) que:: ele não ( )
[
]
Julia: mas você incluiria?
(D fica em silêncio por alguns segundos)
241
D: olha eu acho que depende (.) acho que depende muito os meus vizinhos por exemplo não são
pessoas legais mas (.) nada muito né (.) certo assim (.) mas acho que no caso do filme acho que foi
essa ideia que ele quis passar que eu acho que o vizinho acho que deixa de ser uma pessoa qualquer e
pode ser uma pessoa boa uma pessoa que pode (.) sim ser um amigo e não somente um vizinho um
qualquer (.) uma pessoa que você vai olhar todos os dias na cara dela e você não vai ter nenhum
sentimento acho que ele quer valorizar o vizinho assim
Julia: ãh-hã:: e:: eh mas ao mesmo tempo aqui em outras questões você também coloca (.) que você::
chamaria a polícia nessa situação (.) o que eu achei um pouco contraditório em relação ao que você
tinha dito antes (.) não contraditório né mas antes você diz (.) da relação entre vizinhos↑
D: ãh-hã
Julia: e aí mas depois você diz também que chamaria a polícia
D: sim só que (.) acho que é uma questão mais pessoal (.) acho que:: naquela lá eu (.) porque↑ faz um
pouquinho de tempo também que eu não vejo essa prova
Julia: [lógico
D: então
Julia: é]
D: eh:: acho que no sentido do filme em si (.) é uma relação pra (mim) é um filme que mostra que
pode sim dar uma melhorada nessa relação entre vizinhos mas eu acho que hh em minha opinião (.) eu
não agiria mais (.) dessa forma porque acho que do nada o vizinho vai e:: quebra o seu muro pra fazer
uma janela (.) pelo menos que pedisse a sua permissão
Julia: [sei
D: aí nesse caso eu teria chamado a polícia se não pedisse
Julia: entendi é o modo como ele fez né né
D: é obviamente]
Julia: não que ele não pudesse ter aberto a [janela
D: sim
Julia: mas daquele jeito
D: é
Julia: sem conversar aí você
D: sim aí foi inconveniente
Julia: teria] uma (.) tá (.) ah perfeito brigada
D: nada
Julia: até logo (.) pronto
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