Capítulo 14 Cirurgia plástica periodontal Recobrimento radicular com enxerto de tecido conjuntivo Sérgio Matos, Isabel Poiares Baptista, Orlando Martins, Tony Rolo Cirurgia plástica periodontal Introdução – perspectiva histórica 214 mento periodontal e osso. Todavia, este objectivo deve ser entendido como um propósito ideal, porque até à data não está provado que os resultados clínicos de sucesso estejam obrigatoriamente associados a regeneração. O recobrimento clínico completo ou parcial pode ser acompanhado de uma cicatrização através de um epitélio juncional longo ou de uma adesão de tecido conjuntivo, devendo considerar-se ambas as situações como objectivos práticos realistas. O tratamento das recessões gengivais preconiza-se nas seguintes indicações clínicas:5, 6 – desconforto durante a escovagem dentária e/ou mastigação, devido a interferência da mucosa de recobrimento; – risco de indução de recessões durante tratamento ortodôntico; – restaurações subgengivais num periodonto marginal com um biotipo fino; – hipersensibilidade dentária; – cáries/restaurações cervicais; – desgaste ou abrasão cervical e defeitos em cunha; – defeitos mucogengivais recorrentes (ex. fenda de Stillman, erosões da mucosa); – comprometimento estético. Ao longo da última década a estética transformouse numa preocupação da maior relevância na Medicina Dentária e, em particular, nos tratamentos de Periodontologia. As recessões gengivais, com a consequente desnudação das superfícies radiculares e alteração morfológica dos tecidos periodontais, podem constituir sequelas estéticas importantes com elevada valorização por parte dos doentes. Antes dos anos 80, existia um cepticismo enraizado na generalidade da comunidade clínica em relação aos tratamentos cirúrgicos de recobrimento das recessões gengivais. Esta percepção derivava não só das limitações das técnicas de então, que determinavam uma probabilidade residual de sobrevivência de enxertos numa superfície radicular avascular,1 mas também da filosofia da prática clínica vigente, que atribuía uma preponderância quase exclusiva para critérios funcionais em detrimento de critérios estéticos. Com o advento das solicitações estéticas dos doentes verificou-se uma evolução de paradigmas e conceitos. A definição original de cirurgia mucogengival,2 que colocava a ênfase no tratamento tradicional dos problemas associados com a quantidade de gengiva aderida, evoluiu para o conceito de cirurgia plástica periodontal que passou a colocar o enfoque também na estética dos tecidos moles.3 Actualmente, existem múltiplas técnicas de “cirurgia estética” propostas para o recobrimento das recessões gengivais e que permitem responder às elevadas exigências da maioria dos doentes. Este capítulo tem como objectivo principal caracterizar a aplicação de enxerto de tecido conjuntivo, como uma das técnicas de eleição para a resolução eficaz e previsível de problemas associados às recessões gengivais. O tipo de defeito passível de ser corrigido por tratamento cirúrgico foi definido por Miller4 através da sua classificação, que tipifica as várias formas de recessões gengivais e interrelaciona o grau de previsibilidade terapêutica com a disponibilidade do tecido ósseo interproximal e os níveis de tecidos moles. Assim, é expectável um recobrimento total nos defeitos de Classe I (Fig. 1) e II, apenas parcial na Classe III (Fig. 2) e não é considerado executável qualquer recobrimento na Classe IV. Objectivos e indicações para recobrimento radicular Bases lógicas para a aplicação clínica de ETC O objectivo geral dos procedimentos de recobrimento radicular visa a reconstrução das estruturas anatómicas da área da recessão e pode ser interpretado através de uma perspectiva clínica e histológica. Do ponto de vista clínico, o sucesso terapêutico pode ser traduzido pelos seguintes objectivos específicos:4 recobrimento até à junção amelocementária (JAC), profundidade de sondagem inferior a 2 mm, ausência de hemorragia à sondagem, banda adequada de gengiva queratinizada (≥ 3 mm), diferença mínima de coloração com a gengiva local adjacente, morfologia fisiológica da gengiva. Do ponto de vista histológico, pretende-se alcançar uma adesão através de uma verdadeira regeneração periodontal, com a formação de novo cemento, liga- Técnicas de recobrimento radicular Existem numerosas técnicas/materiais para tratamento das recessões gengivais (Quadro 1), utilizando vários tipos de retalho simples ou combinações destes com enxertos, materiais ou factores biológicos e que podem ser classificados genericamente em: (1) retalhos pediculados,7-11 (2) enxertos de tecido mole autógeno,1,12 (3) enxertos de tecido mole alógeno,13 (4) regeneração guiada de tecidos,14 (5) moduladores biológicos [ex.: proteínas derivadas da matriz do esmalte (PDME), plasma enriquecido em plaquetas (PRP)].15 Destacamos, entre as várias técnicas disponíveis, o grupo dos enxertos de tecido mole autógeno (provenientes do próprio indivíduo), que pode ser divi- Capítulo 14 Figura 1a Recessões gengivais médias classe I nos dentes 23, 24 e 25. Figura 1b Recobrimento completo aos 12 meses, após aplicação de um ETC associado a um retalho de posicionamento coronário. Figura 2a Recessões gengivais profundas classe III nos dentes 31 e 41. Fig. 1a Fig. 1b Figura 2b Recobrimento parcial aos 2 anos do pósoperatório, com um ETC associado a um retalho de dupla papila (31) e de deslizamento lateral (41). Note-se a alteração morfológica substancial com um ganho significativo estético e de tecido queratinizado. Fig. 2b Fig. 2a 1 Retalhos pediculados Retalhos rodados – deslizamento lateral (Grupe & Warren, 1956) – dupla papila (Cohen & Ross, 1968) – rotação (Patur, 1997) Retalhos posicionados – posicionamento coronário (Bernimoulin et al., 1975) – semilunar (Tarnow, 1986) 7 8 9 10 11 2 Enxerto de tecido mole autógeno Enxerto gengival livre epitélio-conjuntivo (Sullivan & Atkins, 1968) Enxerto de tecido conjuntivo sub-epitelial (Langer & Calagna, 1982) 1 3 Enxerto de tecido mole alógeno 4 Regeneração guiada de tecidos 12 (Harris, 1998)13 (Pini Prato et al., 1992)14 5 Moduladores biológicos (PDME, PRP) (Modica et al., 2000)15 Quadro 1 215 Cirurgia plástica periodontal dido em enxertos gengivais livres epitélio-conjuntivo (EGL) e enxertos de tecido conjuntivo sub-epitelial (ETC). Os locais possíveis de recolha dos enxertos localizam-se na mucosa de recobrimento de uma crista edêntula, na face interna de um retalho, na região da tuberosidade maxilar ou, mais frequentemente, na região do palato. O ETC é por nós advogado como a técnica de eleição para a resolução da maioria dos desafios clínicos suscitados pelas recessões gengivais e que passaremos a descrever mais pormenorizadamente adiante. Esta técnica, do tipo “bilaminada” ou “dupla-camada”, caracteriza-se pela interposição de um enxerto conjuntivo entre um retalho de espessura parcial e um leito receptor formado por uma superfície radicular e por osso alveolar com manutenção do periósteo. Desta forma, há uma melhor revascularização (comparativamente com o EGL), devido ao duplo aporte vascular proveniente do periósteo e do retalho de recobrimento, e um aumento da estabilidade da ferida operatória (comparativamente com as técnicas de retalhos pediculados simples), pois protege-se a adesão da rede de fibrina à raiz dos efeitos nocivos das forças mecânicas exercidas no retalho no início da cicatrização. Justificação biológica A utilização do ETC num amplo espectro de indicações clínicas baseia-se na sua excelente capacidade biomimética, da qual se destaca o potencial de indução de duas características primordiais: a queratinização da mucosa gengival e uma nova adesão de tecido conjuntivo periodontal. A indução de queratinização do ETC de uma forma previsível16 constitui uma característica fundamental do ponto de vista funcional. Esta diferenciação fenotípica do epitélio de recobrimento é determinada por estímulos morfogenéticos provenientes do tecido conjuntivo do enxerto, que mantém as suas características quando transplantado.17 Além disso, o ETC submergido por um retalho vai proporcionar uma replicação cromática e de textura da gengiva original, permitindo alcançar óptimos resultados estéticos. Em relação ao tipo de adesão que se estabelece com a superfície radicular, a literatura evidencia-nos que o ETC tem a capacidade de estabelecer uma nova adesão através de tecido conjuntivo periodontal18 e, inclusivamente, alguma regeneração periodontal, mesmo que numa extensão parcial,19, 20 ao contrário dos retalhos pediculados simples que estabelecem apenas uma adesão através de um epitélio juncional longo.21, 22 Todavia, a maioria dos estudos histológicos disponíveis, compostos por séries de casos clínicos, 216 ainda não permite estabelecer conclusões robustas sobre a previsibilidade e o grau de extensão dos vários tipos de adesão que se estabelecem com este procedimento.23 Evidência científica clínica A evidência actual indica-nos que os procedimentos com ETC apresentam uma elevada eficácia no recobrimento das recessões gengivais, como é atestado pelas recentes revisões da literatura.23-28 A revisão descritiva de Borghetti & Monnet-Corti23 determinou um recobrimento variável de 69 a 97% para uma altura média inicial de recessão de 3 a 5,6 mm, com um recobrimento médio de 85%. A outra revisão descritiva resultou de um relatório da Academia Americana de Periodontologia24 e estabeleceu, entre a generalidade dos ensaios clínicos disponíveis, um recobrimento na ordem dos 57% aos 98% com um valor médio de 84%. Adicionalmente, os seus dados de previsibilidade indicaram um recobrimento ≥ 90% em 68% dos casos. Foram ainda efectuadas duas revisões sistemáticas com meta-análise, que determinaram uma melhoria significativa na recessão gengival e no nível de inserção clínica produzidas pelo ETC.25, 26 A revisão de Roccuzzo et al.25 calculou percentagens médias de recobrimento radicular (RR) e de recobrimento radicular total (RRT) para as seguintes técnicas: retalho de posicionamento coronal (RR – 72%, RRT – 35%), enxerto gengival livre (RR – 61%, RRT – 21%), enxerto de tecido conjuntivo (RR – 84%, RRT – 51%), RGT com membranas reabsorvíveis (RR – 72%, RRT – 28%) e RGT com membranas não-reabsorvíveis (RR – 74%, RRT – 26%). Além disso, foi também concluído que os procedimentos com ETC, comparativamente com a RGT, permitiram a obtenção significativamente superior de maior recobrimento radicular26 e de recobrimento radicular total.27 Vantagens e desvantagens do ETC As vantagens e desvantagens do ETC no recobrimento das recessões gengivais são enunciadas no Quadro 2. Recolha cirúrgica de ETC Anatomia da zona dadora e riscos inerentes O palato é considerado como a zona dadora principal, pelo que a consideraremos exclusivamente a título descritivo. É importante um conhecimento aprofundado da anatomia do palato de maneira a controlar os riscos cirúrgicos inerentes à técnica ope- Capítulo 14 ratória da remoção do enxerto. A região da abóbada palatina a considerar corresponde à porção anterior, dura e firme, do palato duro, composta pelas apófises palatinas do osso maxilar, à frente, e pela lâmina horizontal dos ossos palatinos atrás. É recoberta por uma mucosa mastigatória queratinizada de cor branca rosada, particularmente espessa e resistente. A porção que se estende da JAC dos dentes posteriores até 4 mm para apical é constituída por um córion fibroso e denso, a que corresponde o tecido dador de melhor qualidade. O tecido conjuntivo que se prolonga sobre a linha mediana contém elementos glandulares e adiposos dispersos na sua massa. Este plano profundo, é constituído por uma porção glandular na região posterior dos molares (ao nível da fosseta glandular de Verga) e por uma porção adiposa na região anterior ao nível dos pré-molares e caninos. Consoante as características dimensionais do enxerto, assim deveremos considerar as exigências anatomo-morfológicas locais. O ETC deve ter uma espessura de 1,5 mm (recentemente foi demonstrado que os enxertos mais finos são preferíveis em termos de integração biológica)29 e, dependendo das dimensões dos defeitos, pode apresentar uma altura de 5 a 7 mm e um comprimento variável (recessões unitárias ou múltiplas). Assim, deveremos ter estas referências em perspectiva, uma vez que o tecido que podemos remover varia consoante a configuração anatómica e as dimensões da abóbada palatina. Uma abóbada profunda ou alta em U proporcionará uma maior altura (direcção infero-superior), enquanto que um palato largo terá, geralmente, um maior comprimento (direcção antero-posterior). Por sua vez, o tecido mais espesso encontra-se entre a face mesial da raiz pala- tina do 1º molar e a face distal da raiz do canino.30 Observa-se ainda, frequentemente na região molar,31 a presença de processos alveolares espessos ou exostoses que limitam a espessura e comprimento do tecido dador. Antes da remoção do enxerto deve-se sondar a mucosa da zona dadora, cuja espessura deve ter no mínimo 3 mm, uma vez que após a remoção do enxerto o retalho deverá ficar com 1,5 mm para se evitar o risco de necrose. Outra limitação anatómica a ter em consideração refere-se á localização do rolo vasculo-nervoso, composto pelo nervo e artéria palatina maior, que emerge do canal palatino posterior (localizado geralmente a nível apical do 3º molar, na junção da porção vertical com a porção horizontal do osso palatino). Segue um trajecto no sentido anterior numa forma ligeiramente descendente, próximo á superfície óssea pela fenda palatina, terminando na porção anterior e formando anastomoses com o nervo e a artéria nasopalatina. Reiser et al.32 identificaram 3 possíveis variações anatómicas entre a posição da artéria palatina e a forma do palato. Assim, a localização previsível da artéria, a partir da JAC dos pré-molares e molares, pode calcular-se da seguinte forma: a) a 7 mm num palato curto (ou plano); b) a 12 mm num palato normal; c) a 17 mm num palato alto. Em suma, tendo em conta as considerações anatomo-morfológicas anteriormente enunciadas, a área dadora capaz de proporcionar a melhor qualidade e quantidade de tecido, bem como garantias de segurança cirúrgica, localiza-se entre o canino e a raiz mesial do 1º molar, a uma distância de 2 a 3 mm do rebordo gengival até à fenda palatina (com uma margem adequada de segurança). VANTAGENS – – – – excelente resultado estético (cor e textura); gama alargada de indicações clínicas; elevada eficácia clínica e boa previsibilidade de recobrimento; alta taxa de sobrevivência do enxerto, devido à melhor revascularização (comparativamente com EGL e enxerto alógeno); – aumento de tecido queratinizado em altura e espessura; – potencial de indução de nova adesão periodontal; – melhor cicatrização do local dador, com menor dor e desconforto (comparativamente com EGL). DESVANTAGENS – necessidade de um local dador cirúrgico; – dificuldade técnica e curva de aprendizagem. Quadro 2 217 Cirurgia plástica periodontal Técnica cirúrgica A remoção do enxerto pode ser efectuada de acordo com várias técnicas, caracterizadas por diferentes tipos de incisão que permitem ganhar acesso ao tecido conjuntivo sub-epitelial. A técnica do alçapão, assim denominada por Nelson,33 foi inicialmente utilizada por Edel34 e mais tarde modificada por Langer e Langer.35 Consiste em realizar uma incisão paralela a 3 mm do contorno gengival palatino da área pré-molar, acompanhada por uma segunda incisão paralela a cerca de 2 mm de distância num sentido mais apical. Nas suas extremidades efectuam-se incisões perpendiculares, possibilitando um acesso visual directo para a dissecção do alçapão e remoção do enxerto. O inconveniente desta técnica reside nas incisões de descarga que podem comprometer a vascularização do retalho palatino e potenciar zonas de necrose e dificuldades acrescidas de cicatrização. Com o intuito de superar esta desvantagem foram desenvolvidas modificações posteriores. Bruno36 propôs a técnica modificada (Fig. 3), em que é efectuada uma primeira incisão perpendicular ao longo eixo dos dentes, até ao contacto ósseo, situada a 2 ou 3 mm do rebordo gengival. Uma segunda incisão é estabelecida a cerca de 1 ou 2 mm da antecedente, em direcção apical e paralela ao longo eixo dos dentes até ao contacto com o osso. O enxerto é descolado do periósteo e removido em espessura total. O colar de epitélio remanescente pode ser removido ou não de acordo com a indicação pretendida. Todavia, na maioria das situações o epitélio é eliminado porque, ao contrário do que se pensava nos trabalhos científicos originais, esta banda epitelial não proporciona uma melhor transição para o rebordo gengival do retalho de recobrimento.37 Sabe-se actualmente, que os bons resultados estéticos são influenciados pelo facto do tecido conjuntivo do enxerto não necrosar na superfície radicular.38 De facto, se o epitélio for mantido acaba invariavelmente por necrosar após 5 dias39 e é o tecido conjuntivo subjacente que vai determinar a natureza, forma e cor da camada epitelial que se forma de novo.17 Esta técnica modificada de Bruno tem como vantagens possibilitar uma melhor vascularização da zona dadora, ao evitar incisões de descarga, e permitir a obtenção de toda a espessura disponível na parte mais coronária do enxerto. Abordagens mais recentes têm favorecido técnicas de incisão única.40 Este procedimento inicia-se com uma incisão colocada a 2 ou 3 mm da margem gengival e prolonga-se em profundidade, paralela ao longo eixo dos dentes, separando o retalho palatino, com uma espessura de 1,5 mm, do tecido conjuntivo adjacente. 218 Após a preparação deste leito, o tecido conjuntivo profundo é separado do seu “envelope” com incisões até ao osso e destacado da sua adesão ao periósteo. Variações na técnica cirúrgica com retalhos associados ao ETC Várias técnicas cirúrgicas com diversos tipos de desenho do retalho podem ser associadas ao ETC, das quais se destacam variações de retalhos posicionados coronalmente, posicionados lateralmente, a técnica do envelope e em túnel. O grupo de retalhos de posicionamento coronário constitui um conjunto de técnicas diversificadas e das mais utilizadas nos diversos tipos de defeitos gengivais. A aplicação de ETC foi inicialmente descrita por Edel34 para o aumento de gengiva queratinizada, todavia a primeira aplicação no recobrimento de recessões gengivais foi estabelecida por Langer e Calagna12 e depois, pormenorizadamente, descrita por Langer e Langer35 como a técnica precursora. Envolve a mobilização de um retalho de espessura parcial com incisões verticais e a preservação das papilas. O enxerto é imobilizado com suturas no leito receptor e o retalho é posicionado para permitir o maior recobrimento possível do enxerto. A partir desta técnica desenvolveram-se uma série de modificações, entre as quais a associação de um retalho posicionado coronalmente,10 para possibilitar um recobrimento total do enxerto (Fig. 4). Desta forma, pretendia-se melhorar a vascularização do enxerto na sua porção coronária e tornar a cicatrização mais estética. A utilização desta técnica está, todavia, condicionada à presença de tecido queratinizado apicalmente à recessão (classe I de Miller) e vestíbulos profundos. Está particularmente indicada para o tratamento de recessões unitárias, pois as incisões verticais permitem uma mobilização facilitada do retalho. Não obstante, no caso de recessões múltiplas foram descritas variações sem incisões verticais, apenas com incisões intra-sulculares aos dentes proximais.41, 42 Bruno36 propôs uma outra modificação à técnica original de Langer, sem incisões de descarga, descrita na Fig. 5, especialmente indicada no tratamento de recessões múltiplas contíguas independentemente da gengiva aderente remanescente. Este autor justifica a ausência de incisões verticais para prevenir cicatrizes na mucosa alveolar, por um lado, e evitar comprometer a vascularização do retalho, por outro, potenciando uma cicatrização mais rápida. Nesta técnica, a vascularização do enxerto no leito receptor deve ser assegurada lateral e apicalmente, já que o enxerto pode não ficar totalmente recoberto pelo retalho de espessura parcial. Capítulo 14 Fig. 3a Fig. 3b Fig. 3c Fig. 3d Fig. 3e Fig. 3f Figura 3 Figura 3c Figura 3a Descolamento do enxerto de espessura total, sendo separado do palato de uma forma atraumática com o auxilio de um descolador. Primeira incisão, efectuada com uma lâmina de bisturi nº 15, a 2 ou 3 mm do bordo gengival dos pré-molares, realizada perpendicularmente ao longo eixo dos dentes até ao contacto ósseo. Remoção do enxerto com o periósteo incluído na sua face interna, que irá ficar em contacto com o periósteo do osso alveolar e a superfície radicular no leito receptor. Técnica modificada de recolha de ETC. Figura 3b Segunda incisão a cerca de 1 ou 2 mm da incisão precedente, de acordo com a espessura desejada do enxerto, em direcção apical e paralela ao longo eixo dos dentes até ao contacto com o osso. Esta incisão estende-se de uma forma convergente até às extremidades mesial e distal para libertar o enxerto lateralmente. Figura 3d Figura 3e Aspecto e forma do enxerto. Preferencialmente, é removido o colarinho epitelial e, se necessário, algum tecido adiposo superficial na face externa para melhorar a adesão com a face interna do retalho no leito receptor. Figura 3f A ferida cirúrgica é encerrada através de suturas suspensoras cruzadas com fio 4-0. 219 Cirurgia plástica periodontal Figura 4 Descrição da técnica de recobrimento radicular com ETC associado a um retalho de posicionamento coronário. Figura 4a Recessão média tipo classe I de Miller no dente 24, associada a hipersensibilidade. Figura 4b Incisão intra-sulcular e horizontal em ambos os lados da JAC, estendendo-se lateralmente o mais possível sem lesar a inserção dos dentes vizinhos e preservando as papilas. Fig. 4a Fig. 4b Fig. 4c Fig. 4d Figura 4c Nas extremidades da incisão antecedente efectuam-se duas incisões verticais (ou oblíquas), para delinear um retalho trapezoidal de base pediculada larga que se estende além da linha mucogengival. Figura 4d Dissecção do retalho em espessura parcial. Este é levantado em extensão apical de forma a ser posicionado coronalmente sem tensões. A fonte vascular do leito receptor é constituída pelo periósteo do osso alveolar (contacta a face interna do enxerto) e pelo retalho (contacta a face externa do enxerto). Figura 4e Imobilização do enxerto através de suturas ao tecido conjuntivo subjacente interproximal com fio reabsorvível 6-0. Evitar o excesso de suturas nas áreas de contacto das margens, para não prejudicar a revascularização. O enxerto é recolhido com uma altura suficiente para ultrapassar apicalmente a raiz desnudada em 3 mm, de forma a garantir um suprimento vascular adequado. Figura 4f Fig. 4f Posicionamento coronário do retalho, recobrindo por completo o ETC e as papilas desepitelizadas, através de uma sutura suspensora nos bordos cervicocoronários e suturas simples nas descargas verticais com fio 6-0. Figura 4g Aspecto do pós-operatório aos 4 meses. Fig. 4e 220 Fig. 4g Capítulo 14 Figura 5 Descrição da técnica modificada de Bruno para recobrimento radicular com ETC. Figura 5a Recessões médias classe I nos dentes 22 e 23 e classe II no 24. Figura 5b Incisão horizontal intra-sulcular e em ângulo recto (but-joint) nas papilas interdentárias a nível da JAC. Fig. 5a Fig. 5b Figura 5c Levantamento do retalho de espessura parcial no sentido apical, ultrapassando largamente a junção mucogengival. Cria-se uma espécie de bolsa supraperióstica para expor de uma forma ampla as recessões. Figura 5d Fig. 5c Fig. 5d O enxerto é deslizado para este tipo de bolsa e imobilizado a nível da JAC através de pontos interproximais com fios 6-0. Observe-se no enxerto a marca da remoção da banda epitelial. Figura 5e Fig. 5e Fig. 5f O retalho é posicionado de forma a maximizar o recobrimento do ETC, com suturas descontínuas interproximais, sem no entanto possibilitar o recobrimento total (ligeira exposição cervical a nível do 22). No espaço interdentário há uma dupla espessura (enxerto mais retalho) na incisão apical das papilas. Estes degraus podem ficar perceptíveis por algum tempo, mas atenuam-se com a maturação dos tecidos. Figura 5f Cicatrização aos 3 meses. Figura 5g Aspecto da cicatrização aos 8 meses. Recobrimento estético das recessões com ganho de tecido queratinizado em altura e espessura. Fig. 5g 221 Cirurgia plástica periodontal De acordo com os mesmos princípios, foi desenvolvida a técnica do envelope43 para o tratamento de recessões unitárias de dimensões reduzidas. O enxerto é deslizado para uma bolsa supra-perióstica realizada em redor da recessão sem incisões de descarga. Posteriormente, Allen44 retomou as bases desta técnica e adaptou-a ao revestimento de recessões múltiplas, desenvolvendo a técnica em túnel. É realizado um verdadeiro túnel em espessura parcial que abrange a dissecção num mesmo plano das várias recessões contíguas, mas preservando a integridade das papilas interdentárias e, consequentemente, minimizando a retracção pós-operatória do retalho. Além destes procedimentos, têm-se desenvolvido técnicas híbridas que combinam vários elementos das técnicas descritas anteriormente, alargando o leque de aplicações na cirurgia plástica periodontal.45-48 222 Conclusão O enxerto de tecido conjuntivo constitui um tratamento previsível e versátil na área da cirurgia plástica periodontal para o recobrimento de recessões gengivais. As técnicas disponíveis possibilitam, a nível da recolha do enxerto, minorar o trauma cirúrgico e maximizar o volume removido e, a nível do recobrimento, a sua aplicação numa ampla gama de indicações clínicas com elevada eficácia de resultados clínicos e estéticos. Capítulo 14 Bibliografia 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. Sullivan HC, Atkins JH. Free autogenous gingival grafts. I. Principles of successful grafting. Periodontics 1968;6(3):121-9. Friedman N. Mucogingival surgery. Texas Dental Journal 1957;75:358-62. Miller PD, Jr. Root coverage grafting for regeneration and aesthetics. Periodontol 2000 1993;1:118-27. Miller PD, Jr. A classification of marginal tissue recession. Int J Periodontics Restorative Dent 1985;5(2):8-13. Proceedings of the 1996 World Workshop in Periodontics. Lansdowne, Virginia, July 13-17, 1996. Ann Periodontol 1996;1(1):1-947. Erpenstein H, Borchard R. 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