RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO NOS CASOS DE CIRURGIA PLÁSTICA EMBELEZADORA1 Maria Clara Vergara Marques2 RESUMO A sociedade atual vive uma realidade totalmente consumista. As pessoas dão muito valor à beleza física e buscam cada vez uma aparência semelhante a seus artistas e ídolos da televisão. A cirurgia plástica embelezadora deixou de ser um luxo para poucos, pois agora a classe média tem fácil acesso a este tipo de procedimento, que deixou de ser considerado mero capricho e já é reconhecido como um tratamento dispensado ao paciente, em certos casos. Com freqüência, as pessoas buscam a cirurgia plástica estética com o objetivo de por fim, ou mesmo de melhorar um defeito físico que agride o seu íntimo e lhe causa constrangimento e insegurança. Desse modo, a responsabilidade do cirurgião plástico vai além daquela estabelecida pela lei, pois ele assume um dever moral de cuidado e respeito. O profissional da área médica tem a obrigação de cuidar, aconselhar e informar o seu paciente das vantagens e dos riscos do procedimento cirúrgico pretendido pelo cliente. Portanto, não se trata apenas de uma relação de consumo. A cirurgia plástica embelezadora se mostra cada vez mais evoluída, uma vez que a cada dia que passa surge novos procedimentos e novas técnicas cirúrgicas. Assim, o médico tem o dever de aplicar todo o seu conhecimento científico e utilizar a técnica mais adequada para cada caso. Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Médico. Dano. Cirurgia Plástica Estética. 1 Artigo extraído do trabalho de conclusão apresentado à banca examinadora, composta pelo Orientador, Professor Plínio Saraiva Melgaré, pelo Professor Wremyr Scliar e pelo Professor Francisco José Moesch, como requisito à obtenção do grau de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Aprovado com grau máximo em 20 de junho de 2011. 2 Acadêmica no curso de Ciências Jurídicas e Sociais – Faculdade de Direito – da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Contato: [email protected] 2 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como propósito de analisar o tema da responsabilidade civil do médico na cirurgia plástica embelezadora. Justifica-se o trabalho visto que o ramo da medicina estética é cada vez mais explorado, havendo um crescimento considerável de demandas a respeito do erro deste profissional. Busca-se analisar a conduta do médico em relação a seu paciente, incluindo os deveres de informação, sigilo e ética profissional. Além disso, examina-se também o comportamento do paciente, já que este muitas vezes não segue todas as recomendações do médico e, por isso, acaba não atingindo o resultado desejado. Dentro da cirurgia plástica, o ramo estético é uma especialidade muito delicada, pois a pessoa que se submete a esse tipo de cirurgia se encontra saudável e apenas quer alterar algo em seu corpo que considera deformado fisicamente. Entretanto, o resultado nem sempre é o esperado e, muitas vezes, resulta em transtornos psicológicos. O tema apresentado nesta pesquisa é de grande importância, já que é cada vez maior a procura por padrões de beleza impostos pela sociedade atual, e os erros profissionais têm aumenta de maneira significativa. 1 RESPONSABILIDADE CIVIL 1.1 CONCEITO A responsabilidade civil está baseada na prática de uma atividade ilícita, ou seja, contrária à ordem jurídica. Assim, quando alguém fere um dever imposto pelo direito (dever jurídico primário), causando dano a outrem, surge a obrigação de reparar o prejuízo sofrido por um terceiro (dever jurídico secundário ou responsabilidade civil). Portanto, aquele que age ilicitamente assume a sanção de responder por seus atos. Silvio Rodrigues entende a responsabilidade civil como sendo “a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato 3 próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam.” 3 Desse modo, a responsabilidade civil surge como um dever de reparar o dano causado a terceiro, ou seja, trata-se de uma conseqüência em razão de um mau comportamento. 1.2 CLASSIFICAÇÕES 1.2.1 Responsabilidade Penal e Responsabilidade Civil A responsabilidade pode ser classificada como civil ou como penal. Em ambas as situações há a infração de uma norma. Porém, na penal o sujeito desrespeita um dever de direito público, atingindo a ordem social como um todo e a reação da sociedade é revelada através da pena. Já na civil, o interesse ofendido é o privado e, não o público. O comportamento do sujeito pode não ter violado uma norma de ordem pública, porém, já que sua atitude produziu dano a alguém, o autor do dano tem a obrigação de repará-lo. 1.2.2 Responsabilidade Civil Objetiva e Subjetiva Além disso, a responsabilidade civil pode ser subjetiva ou objetiva. A primeira é baseada na teoria da culpa, que considera a culpa como principal fundamento da responsabilidade civil. Se não há culpa, não há responsabilidade. Desse modo, a prova da culpa é essencial para que o dano seja indenizável. Portanto, a vítima somente terá direito à reparação do dano se provar a culpa do agente. Já a segunda é aquela que não leva em consideração o fator culpa para determinar a responsabilidade civil. Já a segunda (responsabilidade objetiva) independe de culpa, pois se satisfaz com o dano e o nexo de causalidade. Essa responsabilidade tem como base a teoria do risco que pressupõe que todo dano é indenizável, independentemente de culpa. Sendo assim, a culpa do agente não precisa ser provada para que ele tenha que reparar o dano causado. 3 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Volume IV. Responsabilidade Civil. 20ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2007. p. 6. 4 1.2.2 Responsabilidade Contratual e Extracontratual A responsabilidade civil será contratual quando o dever jurídico violado estiver assentado num contrato ou numa convenção. A responsabilidade civil, por outro lado, será extracontratual quando o dever desrespeitado não tiver por base uma relação preexistente, mas sim uma norma imposta pelo Direito. 1.3 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL A responsabilidade civil nasce a partir dos seguintes elementos: ação ou omissão, dano e nexo causal. Na ausência de qualquer um desses pressupostos, a obrigação de indenizar torna-se inexigível, exceto no caso da responsabilidade objetivo, onde não se analisa o fator culpa. 1.3.1 Ação ou Omissão A responsabilidade civil surge da conduta humana voluntária contrária à ordem jurídica. A essência da conduta humana está na voluntariedade, isto é, a liberdade de escolha do agente inimputável, com o discernimento necessário para ter consciência daquilo que faz. Assim, se o sujeito for coagido por outrem para praticar tal ato, este não pode ser considerado uma conduta humana. Essa ação humana pode ser positiva (fazer) ou negativa (não fazer). Além disso, a responsabilidade civil pode resultar de ato próprio, de ato de terceiro que esteja sob os cuidados do agente, e ainda de danos causados por animais e coisas que lhe pertençam. 1.3.2 Imputabilidade A imputabilidade é um fator muito importante para determinar a responsabilidade do agente. Segundo Sérgio Cavalieri Filho, “imputar é atribuir a 5 alguém a responsabilidade por alguma coisa.” 4 Portanto, a imputabilidade é o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para poder responder pelas conseqüências de seus próprios atos. “Imputável é aquele que podia e devia ter agido de outro modo.” 5Desse modo, não há como responsabilizar alguém pela prática de um ato danoso, se no momento da prática do ato, o agente tem não capacidade para compreender o caráter reprovável de sua ação. Assim, percebe-se que o agente imputável é aquele mentalmente são e capaz de entender o caráter de sua conduta. Os menores de 16 anos e os que por alguma doença são considerados incapazes não podem responder por seus próprios atos. 1.3.3 Dolo e Culpa Haverá dolo quando o agente agir intencionalmente, com o intuito de causar dano, e haverá culpa quando o comportamento do agente originar o dano sem que este tenha a intenção de provocá-lo. 1.3.4 Nexo causal O nexo de causalidade é um dos elementos principais da responsabilidade civil. É a relação existente entre o fato praticado pelo agente e o prejuízo experimentado pela vítima. 1.3.5 Dano É fundamental a existência de dano para que haja a configuração da responsabilidade civil. Na ausência deste requisito, não há o que indenizar e, portanto, não há responsabilidade. Desse modo, seja qual for a natureza da 4 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 5ª edição. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2003. p. 44. 5 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 5ª edição. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2003. p. 44. 6 responsabilidade (contratual ou extracontratual, subjetiva ou objetiva), o dano elemento indispensável para a sua configuração. Assim, dano é o prejuízo sofrido pela vítima em razão de uma ação ou omissão por parte do agente. A doutrina estabelece as seguintes espécies de dano: o dano patrimonial, o moral e o estético. O dano patrimonial é traduzido pela lesão aos bens de ordem econômica. O dano moral é a lesão dos valores internos do ser humano (direito à honra, à imagem, ao nome e à privacidade). Já o dano estético é a lesão a beleza física da pessoa, causando uma deformação duradoura ou definitiva na vítima. 1.4 EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE Entretanto, existem fatos que podem excluir a responsabilidade do agente. Esses fatos estão previstos no art.188 do Código Civil: estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular de direito, caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima e fato de terceiro. 2 RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO 2.1 O MÉDICO O médico é aquele profissional que possui habilitação universitária para o exercício da medicina, obtida em uma faculdade médica reconhecida pelo Ministério da Educação e Cultura. Desse modo, a medicina não pode ser exercida por qualquer ser humano, o indivíduo precisa ser formado, diplomado e ainda obter o registro desse diploma no Conselho Regional de Medicina. Durante o século XIX, o médico era visto como um profissional amigo e conselheiro da família. Desse modo, a relação existente entre ele e seu paciente era de total confiança. No entanto, as circunstâncias mudaram. As relações sociais se padronizaram, distanciando o médico de seu paciente. Assim, o médico que antes era considerado amigo da família, é agora visto como prestador de serviços, tudo 7 baseado a partir de uma sociedade de consumo, cada vez mais informada de seus direitos, e mais exigente quanto aos resultados obtidos pelos serviços contratados. 2.2 RELAÇÃO MÉDICO – PACIENTE Quando um paciente entra em um consultório e senta à frente de seu médico para realizar uma consulta, estamos diante de um contrato estabelecido entre o médico e o paciente. A mesma coisa ocorre quando uma pessoa vai ao hospital e é atendido por um médico. “Nesta relação, não há necessidade da formalização do contrato, pois a lei só faz a exigência quanto à forma escrita em alguns casos específicos, como, por exemplo, a compra e venda de bens e imóveis.”6 Sobre o ponto de vista do ordenamento jurídico, não resta dúvida de que a relação existente entre o médico e seu paciente é de natureza contratual. Este contrato médico é classificado como um contrato de prestação de serviço, pois o médico se apresenta como o prestador de serviços e o paciente é o destinatário final destes serviços. De acordo com a lei, portanto, o médico é um prestador de serviço que está subordinado aos ditames do Código de Defesa do Consumidor. A relação médico-paciente, entretanto, não pode ser vista apenas como uma relação comercial. O médico, ao exercer sua atividade, cumpre uma grande função social, buscando o bem-estar do paciente através de seus conhecimentos técnicos. O médico tem o dever de aconselhar, isto é, a obrigação de informar o paciente a respeito de seu estado de saúde. A transparência e a confiança são fundamentais nessa relação. Além disso, o médico deve realizar seus procedimentos com a devida cautela, para evitar, por exemplo, o esquecimento de materiais ou instrumentos cirúrgicos no corpo do paciente. Por outro lado, o paciente deve seguir corretamente as orientações prescritas por seu médico, sem complementar a medicação por influência de outras pessoas que se mostram leigas do assunto. Por muito tempo houve discussão a respeito da natureza jurídica da responsabilidade do médico: se era contratual ou extracontratual. Hoje, não resta dúvida de que a responsabilidade médica é contratual e subjetiva. Contratual porque 6 Lessa; ESTEFAN, Paulo Assed. Iª Jornada de Direito Médico, Anais. Campos dos Goytacazes: Editora Faculdade de Direito de Campos, 2007. p. 9. 8 há uma relação de consumo entre o médico e seu paciente, ou seja, o médico é um prestador de serviços e o paciente é o destinatário final desses serviços. E trata-se de responsabilidade subjetiva porque exige prova de culpa por parte do paciente e de seus familiares no caso de negligência, imprudência ou imperícia do médico. “O fato de se considerar como contratual a responsabilidade médica não tem, ao contrário do que poderia parecer, o resultado de presumir a culpa.” 7 A responsabilidade médica é extremamente delicada, pois, diferentemente de qualquer outra profissão, o médico tem em suas mãos a vida de alguém. A função do médico de tratar e curar doenças envolve bens juridicamente protegidos, como a vida, a honra e a integridade física. Segundo Luiza Chaves Vieira, a medicina enquanto “profissão que penetra na intimidade da vida do indivíduo e se estende à coletividade, necessita de um grande apoio jurídico que lhe dê segurança e garantia no exercício de sua atividade.” 8 De acordo com a autora, “não existe no momento, no mundo inteiro, outra profissão mais visada pela lei que a medicina, chegando a ser uma das mais difíceis de exercer sob o ponto de vista legal.” 9 O Código de Defesa do Consumidor, em seu art.14, §4º prevê a verificação de culpa como pressuposto da responsabilidade no caso dos profissionais liberais, como é o caso dos médicos. Desse modo, a responsabilidade dos profissionais liberais, dentre eles os médicos, configura uma exceção ao princípio da responsabilização objetiva nas relações de consumo. Entretanto, essa exceção não envolve as pessoas jurídicas. “Se o médico trabalha para um hospital, responderá ele apenas, por culpa, enquanto a responsabilidade civil do hospital será apurada objetivamente.” 10 Art.951CC: O disposto nos arts.948, 949 e 950 aplica-se no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de sua atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão ou inabilitá-lo para o trabalho. 7 DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 4ª edição. 1997. p. 296. 8 VIEIRA, Luiza Chaves. Responsabilidade Civil – Erro Médico. Processual Civil, nº3, jan./fev. 2000. p. 148 9 VIEIRA, Luiza Chaves. Responsabilidade Civil – Erro Médico. Processual Civil, nº3, jan./fev. 2000. p. 152 10 BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcellos. Comentários Consumidor. São Paulo: Saraiva. pp. 79-80. Rio de Janeiro: Editora Forense, Revista Síntese de Direito Civil e Revista Síntese de Direito Civil e ao Código de Proteção ao 9 Para que a responsabilidade por dano causado a paciente em razão de atuação profissional seja configurada, deve haver provas que demonstrem que o evento danoso se deu em função de imprudência, negligência ou imperícia, resultando num erro grosseiro por parte do médico. Portanto, em casos de danos e seqüelas decorrentes da má atuação do médico, é imprescindível a prova de culpa do profissional. A culpa do médico pela natureza do contrato que firma com o cliente somente será configurada quando os seus serviços tiverem sido prestados fora dos padrões técnicos. Por isso, o fato constitutivo do direito de quem pede indenização por erro médico se assenta no desvio de conduta técnica cometido pelo prestador de serviços... Como esse desvio é uma situação anormal dentro do relacionamento contratual, não há como presumi-lo. Cumprirá ao autor da ação proválo adequadamente (CPC, art.333,I). 11 Além disso, o prontuário médico é um documento de grande importância, pois, quando se discuti um erro médico, o prontuário se mostra como peça fundamental para que se possa esclarecer a verdade. De acordo com o art.69 do Código de Ética Médica, o médico tem o dever de elaborar o prontuário do paciente, sendo direito do doente consultá-lo. Na ausência do prontuário o médico pode ser considerado responsável. Segundo o art.27 do Código de Defesa do Consumidor, o prazo para o paciente, vítima de erro médico, ingressar com uma ação indenizatória contra o médico responsável por danos decorrentes da prestação de serviços é de cinco anos a contar da ciência do fato danoso. A responsabilidade é afastada quando os médicos utilizam todos os meios disponíveis e adotam as técnicas recomendadas pela ciência médica no caso tratado. Desse modo, quando o médico segue os métodos científicos indicados, agindo com atenção, cautela, prudência e empregando corretamente o seu conhecimento, não se pode falar em culpa. Ademais, o contrato de prestação de serviços médicos, segundo Tepedino, 12 depende apenas do consenso entre as partes, ou seja, depende da troca de informações entre o médico e seu paciente. Desse modo, o contrato médico não 11 12 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Responsabilidade Civil por Erro Médico: Aspectos Processuais da Ação. Porto Alegre. nº 4, 2000. TEPEDIDNO, Gustavo. A responsabilidade médica na experiência brasileira contemporânea. Revista Jurídica n.311 p. 18-43, set. 2003 p. 19 10 pode ser considerado um contrato de adesão (Art. 54 CDC), definido por Orlando Gomes como: Contrato de adesão é o negócio jurídico no qual a participação de um dos sujeitos sucede pela aceitação em bloco de uma série de cláusulas formuladas antecipadamente, de modo geral e abstrato, pela outra parte, para constituir o conteúdo normativo e obrigacional de futuras relações concretas. 13 O contrato médico estabelecido entre este e seu paciente pode originar obrigações de meio ou obrigações de resultado. É no caso inobservância dessas obrigações que surge a responsabilização do médico. Assim, se o médico falhar no cumprimento dessas obrigações, ele poderá ser responsabilizado. 2.3 OBRIGAÇÕES DE MEIO E DE RESULTADO Segundo Arnaldo Rizzardo, “considera-se de meio aquela obrigação que impõe de quem a exerce ou executa o emprego de determinados meios propícios e adaptados para o fim visado. Já de resultado classifica-se a que visa um fim específico, que deve ser alcançado.” 14 A obrigação assumida pelo médico, como regra geral, é de meio, pois ele não se compromete a curar o doente, e sim, de prestar os seus serviços da melhor maneira possível, usando todo o conhecimento técnico disponível pela medicina. Se o tratamento não produziu o resultado esperado, não se pode cogitar a idéia de inadimplemento contratual. Ainda que ocorra a morte do paciente, não havendo negligência médica, não há como responsabilizar o profissional pelo ocorrido. Portanto, se o médico observou as normas técnicas para determinado caso, atuando com cautela e fazendo tudo que estava ao seu alcance, o insucesso do tratamento, por si só, não pode desencadear na sua responsabilização, já que a responsabilidade civil do médico é baseada na sua conduta, e não no resultado desejado. Entretanto, há casos em que o médico não se limita ao acompanhamento do paciente com todos os deveres de cautela e se compromete a chega a um certo 13 14 GOMES, Contrato de adesão: condições gerais dos contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1972. p. 3 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 4ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009. p. 330. 11 objetivo. Nessa situação, a obrigação do médico será de resultado. Na ausência do resultado pretendido fica caracterizado o descumprimento contratual por parte do médico. A cirurgia plástica estética é um exemplo em que o médico atua com a obrigação de resultado, sendo este responsabilizado caso ocorra o inadimplemento contratual, ou seja, caso o paciente não obtenha o resultado anteriormente acertado. 2.4 DEVERES DO MÉDICO Entre os principais deveres do médico estão: o dever de fornecer ampla informação quanto ao diagnóstico e prognóstico, o dever de sigilo e o dever de aplicar as melhores técnicas em favor de seu paciente. Além do dever de sigilo, o médico ainda deve comunicar o paciente dos riscos e dos possíveis resultados da cirurgia indicada para o seu caso, sendo indispensável o seu consentimento. O dever de informação é fundamental. O capítulo de direitos humanos do Código de Ética Médica (arts.46, 48 e 53) destacam a questão relativa ao esclarecimento do paciente e o consentimento prévio dele ou de seu representante legal. O texto reforça a idéia de autonomia do enfermo, visto que proíbe o médico de exercer sua função, decidindo livremente sobre o bem estar de seu paciente. Segundo Ruy Rosado de Aguiar Jr., “cabe unicamente ao paciente decidir sobre sua saúde, avaliar o risco a que estará submetido com o tratamento ou a cirurgia, e aceitar ou não a solução preconizada pelo médico.” 15 A única exceção é nas situações emergenciais, pois neste caso o consentimento é dispensável de acordo com o art. 46 do Código de Ética Médica: É vedado ao médico: Art. 46 - Efetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e consentimento prévios do paciente ou de seu responsável legal, salvo iminente perigo de vida. O fundamento jurídico da obrigação de informar está baseado no direito da pessoa de dispor de seu próprio corpo (Declaração dos Direitos do Homem). 15 AGUIAR JR., Ruy Rosado de. Responsabilidade Civil dos Médicos. Editora Revista dos Tribunais. p. 36. 12 Em relação à religião Testemunhas de Jeová, em que não se permite transfusão de sangue, Genival França afirma que nos casos de iminente risco de morte, de acordo com o princípio da beneficência, o médico deve realizar a transfusão. Segundo o autor, “o médico, nesses casos poderá decidir o que é melhor e mais razoável para seu paciente.” 16 De acordo com Georges Boyer Chamard e Paul Monzein, “quando os prognósticos são graves, é preciso conciliar esse dever de informar com a necessidade de manter a esperança do paciente, para não levá-lo à angústia ou ao desespero.” 17 Além disso, cada palavra dita por um médico ao seu paciente é vista como um veredicto. Portanto, ele deve avaliar e medir cada palavra para saber usá-la de maneira a não prejudicar o estado de seu paciente. Conforme Rui Stoco, “se a perspectiva é de desenlace fatal, a comunicação deve ser feita ao responsável nos termos do art.59 do Código de Ética Médica.” 18 Art. 59 - Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta ao mesmo possa provocar-lhe dano, devendo, nesse caso, a comunicação ser feita ao seu responsável legal. De acordo com o art.57 do Código de ética Médica, além dos deveres acima, uma das principais obrigações do médico é a de aplicar todo o seu conhecimento técnico e utilizar todos os meios disponíveis pela medicina em favor de seu paciente. É vedado ao médico: Art. 57 - Deixar de utilizar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento a seu alcance em favor do paciente.” Assim, percebe-se que a responsabilidade do médico não é a de obter a cura de seu paciente, mas sim de aplicar as melhores técnicas disponíveis, agindo com prudência e cautela. 16 17 18 FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico. 9ª edição, revista, atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 194 CHAMARD, Georges Boyer; e MONZEIN, Paul. La Responsabilité Médicale Presses Universitaires. 1974. p. 132. STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 7ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 553. 13 2.5 A EQUIPE MÉDICA E O HOSPITAL Os hospitais são estabelecimentos responsáveis pela internação e pelo tratamento de doentes, envolvendo uma série de serviços, como o atendimento médico e o fornecimento de hospedagem. De acordo com Ruy Rosado de Aguiar Júnior, “hospital é uma universidade de fato, formada por um conjunto de instalações, aparelhos e instrumentos médicos e cirúrgicos destinados ao tratamento da saúde vinculada a uma pessoa jurídica, sua mentora, mas que não realiza ato médico.” 19 O hospital é visto como uma pessoa jurídica. O contrato estabelecido entre o hospital e o paciente envolve obrigações de meio, pois o hospital se compromete em fornecer hospedagem, incluindo alimentação, e de prestar serviços paramédicos, como medicamentos e exames. O princípio da responsabilidade objetiva do prestador de serviços, previsto no Código de Defesa do Consumidor, determina uma única exceção, no § 4º do art. 14, o qual diz: “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.” Entende-se como profissional liberal o prestador de serviço, e, portanto, a exceção se aplica somente às pessoas físicas. Desse modo, “se o médico trabalhar para um hospital, responderá ele apenas por culpa, enquanto a responsabilidade civil do hospital será apurada objetivamente.” 20 Segundo Sergio Cavalieri Filho, “os estabelecimentos hospitalares são fornecedores de serviços, e, como tais, respondem objetivamente pelos danos seus causados aos pacientes.” 21 Se o médico tem vínculo empregatício com o hospital, integrando a sua equipe médica, responde objetivamente a casa de saúde, como prestadora de serviços, nos termos do art.14, caput do Código de Defesa do Consumidor. No entanto, se o profissional 19 20 21 AGUIAR JÚNIOR, Rui Rosado de. A Responsabilidade Civil do Estado pelo exercício jurisdicional no Brasil em Responsabilidade Civil. Revista AJURIS, nº 78. p. 33. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 10ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2008. p. 410. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 5ª edição. São Paulo: Malheiros Editora Ltda., 2003. p. 382. 14 apenas utiliza o hospital para internar os seus pacientes particulares, responde com exclusividade pelos seus erros, afastada a responsabilidade do estabelecimento. 22 Portanto, não se fala em responsabilidade do hospital se o médico não é seu empregado, ou seja, se ele não possui uma relação de subordinação e dependência para com aquele. Além disso, em relação à equipe médica, a súmula 341 do Supremo Tribunal Federal dispõe: “É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto.” Segundo a súmula, em regra, o chefe da equipe médica responderia pelos atos praticados pelos profissionais que compõe a sua equipe. Desse modo, na ocorrência de dano ao paciente em determinado procedimento, a culpa do cirurgião-chefe seria presumida, salvo no caso de ser possível a individualização da responsabilidade de cada profissional envolvido, como na hipótese do anestesista. Portanto, se o dano for oriundo da atuação de determinado membro da equipe, a este apenas será atribuído o dever de reparar, dispensando-se o médico que estiver no comando da operação. 2.6 A RESPONSABILIDADE DO ANESTESISTA A anestesiologia é considerada uma especialidade dentro do ramo da medicina. Atualmente, não mais se admite a prática de uma cirurgia extensa sem a presença de um médico anestesista. A sua atuação começa antes mesmo do ato cirúrgico, pois cabe a ele fazer uma anamnese, ou seja, uma pesquisa prévia sobre as condições do paciente, fazendo uma análise nos exames solicitados pelo cirurgião e pelo próprio anestesista para ver se o paciente possui alergia de algum medicamento ou se ele sofre de alguma doença grave, como hipertensão e diabetes. Desse modo, percebese que o anestesista deve agir com cautela durante o pré-operatório, operatório e pós-operatório. Portanto, a responsabilidade do anestesista não se limita apenas ao momento do procedimento cirúrgico. 22 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 10ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2008. p. 410. 15 “O monitoramento deve ser constante. O profissional deve permanecer junto ao paciente durante todo o tempo de duração do procedimento.” 23 O pensamento mais razoável é o de que a responsabilidade pelo erro do anestesista incida naquele que chamou ou contratou o anestesista. Desse modo, é sobre esta pessoa que recai o ônus da boa ou má escolha, desde que se verifique que a conduta do profissional foi culposa. Se o anestesista não faz parte da equipe do médico-cirurgião, a responsabilidade do anestesista é tratada de maneira isolada. Ele tem a mesma responsabilidade de um médico comum. Entretanto Sergio Cavalieri Filho afirma: Essa concepção unitária da operação cirúrgica, entretanto, não é mais absoluta em face da moderna ciência médica. As múltiplas especialidades da medicina e o aprimoramento das técnicas cirúrgicas permitem fazer nítida divisão de tarefas entre os vários médicos que atuam em uma mesma cirurgia. Em outras palavras: embora a equipe atue em conjunto, não há, só por isso, solidariedade entre todos os que integram. Será preciso apurar que tipo de relação jurídica na entre eles. Se atuam como profissionais autônomos, cada qual com sua especialidade, a responsabilidade será daquele que deu causa ao erro. 24 Além disso, de acordo com Humberto Junior: “O anestesista não tem responsabilidade maior nem menor que o médico em geral. Responde, portanto, por erro culposo ou doloso, mas o resultado adverso não se presume provocado por culpa, razão pela qual incumbe à vítima demonstrar concretamente a imperícia, imprudência ou negligência do anestesista.” 25 Desse modo, o médico anestesista responde civilmente como qualquer outro profissional liberal, ou seja, mediante a demonstração de culpa em sentido lado (dolo ou culpa), conforme o art.14,§4º do Código de Defesa do Consumidor e o art.951 do atual Código Civil. 23 24 25 STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 7ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 560. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 1996. p. 255. THEODORO JUNIOR, Humberto. Responsabilidade civil por erro médico: aspectos processuais da ação. Trabalho Citado, Porto Alegre, 2000. p. 160. 16 2.7 ÔNUS DA PROVA Em relação ao ônus da prova, a princípio, cabe à vítima provar a responsabilidade do médico. Porém, sendo o médico um prestador de serviços, pode o juiz, em face da complexidade técnica da prova de culpa, inverter o ônus da prova em favor do consumidor, de acordo com o art.6º, VIII do Código de Defesa do Consumidor. Art. 6º - São direitos básicos do consumidor: VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; A hipossuficiência que se refere o artigo acima não é apenas econômica, mas também técnica. Portanto, no caso de o consumidor não possuir condições econômicas ou técnicas para produzir a prova dos fatos constitutivos de seu direito, o juiz pode inverter o ônus da prova em seu favor. Assim, a inversão do ônus da prova não se faz de maneira automática, pois cabe ao juiz analisar as circunstâncias concretas do caso e decidir. 3 CIRURGIA PLÁSTICA A cirurgia plástica como ramo da cirurgia geral surgiu logo após a primeira guerra, com o objetivo de readaptar funcionalmente os feridos e traumatizados. Foi, portanto a primeira guerra mundial que deu origem ao surgimento dessa especialidade. No final do século XIX, com as primeiras próteses nasais, seus conhecimentos adquirem dimensões principiantes, dando origem ao que atualmente se conhece por rinoplastia. Em 1930 é criada a Sociedade Científica Francesa de Cirurgia Reparadora, Plástica e Estética, conforme menciona Rui Stoco.26 Nos dias de hoje, a cirurgia plástica é bastante divulgada pelos meios de comunicação em geral. As revistas e, principalmente, a televisão vive estimulando a 26 STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: Doutrina e Jurisprudência. 7ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. 17 vaidade e, transforma certos padrões de estética como artigos de primeira necessidade. Nesse sentido, a cirurgião plástica “busca reparar e corrigir um defeito corporal, com a finalidade de recuperar ou melhorar a aparência do corpo humano.”27 “ Na cirurgia plástica, busca-se reparar ou corrigir um defeito corporal, com a finalidade de recuperar ou melhorar a aparência do corpo humano.” 28 A cirurgia plástica é classificada em dois tipos: cirurgias plásticas reparadoras e cirurgias plásticas embelezadoras. 3.1 CIRURGIA PLÁSTICA REPARADORA A primeira delas, como o próprio nome já diz, serve para “corrigir uma deformidade física congênita ou traumática, que nasceu com a pessoa ou surgiu no curso da vida.” 29 A eliminação de uma cicatriz causada pela retirada de um tumor é um exemplo desse tipo de cirurgia. Além disso, a obrigação do médico, nesse caso, é de meio, pois ele não se compromete a curar o paciente, e sim, a fazer tudo que está ao seu alcance para melhorar a aparência física de seu paciente, aplicando as técnicas disponíveis pela medicina e o conhecimento necessário. Fabrício Zamprogna Matielo exemplifica essa espécie de cirurgia plástica: quando utilizada para a recuperação de queimados de todos os graus, na restauração de membros lacerados por acidentes de automóveis, na constituição de partes do corpo suprimidas por cirurgias de controle de doenças como o câncer, como mecanismo de reparação de males congênitos e em tantos outros casos assemelhados, a cirurgia plástica recebe a denominação de terapêutica, exatamente porque se destina a corrigir uma falha orgânica ou funcional provocada por fatores exógenos, ainda que com origem endógena.30 27 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 4ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009. p. 345. 28 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 4ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009. p. 345. 29 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 4ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009. p. 345. 30 MATIELO, Fabrício Zamprogna. Responsabilidade Civil do Médico. 2ª edição. Porto Alegre: Editora Sagra Luzzato, 2001. p. 66. 18 3.2 CIRURGIA PLÁSTICA ESTÉTICA Já cirurgia plástica estética “é praticada para melhorar a aparência ou atenuar as imperfeições do corpo.” 31 A eliminação de gorduras localizadas na área do abdômen e a colocação de próteses de silicone são alguns exemplos de cirurgia plástica embelezadora. Como enfatiza Teresa Ancona Lopez, essa modalidade de cirurgia plástica é considerada: “ramo da medicina hoje em dia em franco desenvolvimento é o que diz respeito às operações que visam melhorar a aparência externa de alguém, isto é, tem por objetivo o embelezamento da pessoa humana. São as operações estéticas ou cosméticas. Tais intervenções foram muito combatidas no passado e, hoje, apesar de aceitas, a responsabilidade pelos danos produzidos por elas é vista com muito maior rigor que nas operações necessárias à saúde ou à vida do doente.” 32 A cirurgia plástica meramente estética não possui caráter emergencial, já que o paciente se encontra sadio e bem boa saúde e procura o médico para apenas melhorar algum “defeito físico”. Na verdade, quando alguém, que está, muito bem de saúde, procura um médico somente para melhorar algum aspecto seu, que considera desagradável, quer exatamente esse resultado, não apenas que aquele profissional desempenhe seu trabalho com diligência e conhecimento científico. Caso contrário, não adiantaria arriscar-se a gastar dinheiro por nada. Em outras palavras, ninguém se submete a uma operação plástica se não for para obter um determinado resultado, isto é, a melhoria de uma situação que pode ser, até aquele momento, motivo de tristezas.33 Nesse tipo de cirurgia plástica a obrigação assumida pelo médico é de resultado, pois ele se compromete a chegar ao resultado acertado anteriormente em seu consultório. Além disso, para que o médico não corra o risco de ser facilmente responsabilizado, tem ele o dever de agir da forma mais cautelosa possível, visto que o procedimento é feito em pessoa sã. Ele tem a obrigação de informar seu cliente dos riscos que este possivelmente vai passar, pesando as vantagens e as 31 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 4ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009. p. 345. 32 LOPEZ, Teresa Ancona. O Dano Estético. 3ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. pp. 118-119. 33 LOPEZ, Teresa Ancona. O Dano Estético. 3ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. pp. 119-120. 19 desvantagens da intervenção cirúrgica. Se os perigos forem maiores que as vantagens, o médico tem a obrigação de se negar a fazer a operação. Na hipótese de o resultado não ser o pretendido pelo paciente, presume-se a culpa do cirurgião até que ele prove que não teve culpa (inversão dos ônus de prova), cabendo à vítima a obrigação de provar que o resultado que deveria ter sido alcançado pelo médico não o foi. A indenização deve abranger além dos danos materiais suportados pelo paciente (despesas realizadas e as decorrentes da nova cirurgia realizada para corrigir os prejuízos causados pela anterior), os danos morais decorrentes da frustração provocada. De acordo com Rui Stoco: São, portanto, lícitas as intervenções cirúrgicas com a finalidade meramente estética ou embelezadora, se assim desejar o paciente e expressamente manifestar a sua vontade, quando necessárias ou quando o eventual defeito a ser removido ou atenuado seja fator de desajustamento psíquico ou social.34 O atual Código de ética Médica dispõe no seu art. 6º que: “O médico deve guardar absoluto respeito pela vida humana, atuando sempre em benefício do paciente.” Desse modo, conclui-se que as intervenções cirúrgicas com o objetivo de embelezamento ou de rejuvenescimento não podem ser impedidas em pessoas consideradas sadias e hígidas sob o ponto de vista físico e mental, desde que aplicadas as técnicas aceitas pela medicina. É lógico que o médico não pode fiscalizar todas as circunstâncias a influírem na cirurgia estética. Cita-se o exemplo do quelóide, caracterizada como uma calosidade cicatricial que pode surgir no local da cirurgia. Atualmente, a medicina desconhece o motivo pelo qual ocorre o quelóide em certas pessoas, ao passo que não se apresenta em outras. Por isso, ao realizar um procedimento cirúrgico estético, o médico não tem condições de afirmar ao paciente que não haverá formação de quelóide no momento da cicatrização. Como causas conhecidas e já identificadas que podem ajudar no aparecimento de quelóides pode-se citar: 34 STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: Doutrina e Jurisprudência. 7ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 563. 20 a) Raça de origem: Os indivíduos de raça negra ou amarela são mais propensos no aparecimento de cicatrizes hipertróficas; b) Hereditariedade; c) Idade: Em um mesmo indivíduo, a tendência para o aparecimento de quelóide se mostra mais freqüente em certa idade e, posteriormente, pode desaparecer; d) Fatores locais: As regiões mais fáceis de se encontrar hipertrofia cicatricial são as peitorais, deltóides e face (rosto), sendo comum também nas perfurações das orelhas; e) Ocorrência de infecção local; f) Descumprimento dos cuidados exigidos durante o período pósoperatório. Essas complicações podem ocorrer tanto em cirurgias tradicionais quanto em cirurgias meramente estéticas, sendo assim não podem constituir fundamento para a exclusão incondicional da responsabilidade assumida pelo médico em contrato celebrado com o paciente, no qual esteja introduzida uma promessa de resultado. Em relação às cirurgias plásticas com o objetivo meramente estético, é imprescindível fazer a distinção entre a cirurgia em que o médico apenas não obteve o resultado prometido e contratado, daquela na qual o procedimento cirúrgico além de não atingir o resultado pretendido, causou um agravamento ou uma lesão estética ao paciente. No primeiro caso, se o resultado prometido não foi alcançado pelo médico, mas ele não agravou a situação da vítima, ou seja, mantido o statu quo ante, o médico terá a obrigação de apenas restituir-lhe aquilo que ele pagou pelo serviço. Já na hipótese de a cirurgia, além de não atingir o resultado querido e acertado anteriormente no contrato, agravar o estado do paciente, criando dano estético ou agravando o “defeito físico” existente, além do médico devolver o valor pago pelo serviço contratado, deverá submeter o paciente a uma nova cirurgia, com o objetivo de corrigir dano que causou. Entretanto, o cliente tem o direito de pedir para outro profissional de sua confiança para realizar a cirurgia reparadora, custeada pelo médico causador da anomalia. 21 Contudo, no caso de o defeito não for passível de correção e se tornar definitivo, o médico responsável, além de devolver o que recebeu, tem a obrigação de indenizar a vítima pelo prejuízo estético e moral que ocasionou, levando em consideração tudo que esse defeito possa vir a causar no seu portador, sob o aspecto moral, psicológico, social e profissional. De acordo com Rui Stoco, “há casos, porém, que o cirurgião, embora aplicando corretamente as técnicas que sempre utilizou em outros pacientes com absoluto sucesso, não obtém o resultado esperado.” 35 Se o insucesso, seja ele total ou parcial, decorrer de uma circunstância peculiar do próprio paciente e se não for possível de ser detectada antes do procedimento, poderá ser considerada causa excludente de responsabilidade. O cirurgião Paulo Jatene observa “que o princípio básico de uma cirurgia plástica estética é o respeito às dobras e linhas naturais do corpo humano, cuja preservação se impõe.” 36 Para ele, não existe cirurgia plástica sem cicatriz. Portanto o paciente no momento que procura um médico para fazer uma intervenção cirúrgica, deve saber que está buscando um certo resultado acompanhado de uma cicatriz, mesmo que esta esteja escondida nas axilas ou na parte inferior do seio. O período pré-operatório é de grande importância para que tudo corra como planejado no momento da intervenção cirúrgica. É neste período que o médico conversa com o paciente para saber o que ele efetivamente procura. Além disso, este é o momento que o médico pede todos os exames necessários para poder proceder com a cirurgia. O médico precisa saber se seu paciente sofre de hipertensão, diabetes ou obesidade ou, ainda, se ele usa algum tipo de medicamento diário. Todas essas informações são de extrema importância, pois fazem com que o médico tome os devidos cuidados durante a cirurgia. Além disso, seguir os limites impostos no pós-operatório também faz parte da cirurgia e é de fundamental importância para o sucesso de qualquer tratamento médico. Comparecer ao consultório para uma consulta após alguns dias da cirurgia para ver como está a cicatrização, fazer os curativos da madeira indicada, não carregar peso por pelo menos um mês depois da intervenção cirúrgica, permanecer 35 36 STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 7ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 573. STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 7ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 573. 22 em repouso durante alguns dias são algumas das recomendações gerais que os médicos dão a seus pacientes para que eles se recuperem rápido e para que o resultado saia como desejado. CONCLUSÃO A medicina é uma profissão que requer muito cuidado e cautela, tanto por parte do profissional, quanto por parte do paciente, pois envolve o bem de maior importância que é a vida. Enquanto o médico tem o dever de aconselhar, cuidar e aplicar as melhores técnicas disponíveis e todo o seu conhecimento científico para chegar à cura, o paciente tem a obrigação de seguir corretamente as prescrições médicas. A relação existente entre o médico e seu paciente não pode ser considerada apenas como uma relação comercial. O médico além de executar a cirurgia com a devida cautela, tem o dever de aconselhar e cuidar de seu paciente nos períodos pré e pós operatórios. Nesse sentido, pode-se afirmar que a execução da cirurgia é a obrigação principal do médico plástico e os deveres de cuidar, aconselhar e informar sobre os riscos da intervenção cirúrgica são obrigações acessórias desse profissional. A cirurgia plástica está cada vez mais freqüente na vida das pessoas, e, por conseqüência cresce o número de demandas em relação à responsabilidade do médico na cirurgia plástica estética. A pessoa que se submete a uma cirurgia embelezadora se encontra em pleno estado de saúde, e busca apenas melhorar a sua aparência física. Diferentemente do que ocorre na cirurgia plástica reparadora, onde a responsabilidade do médico é de meio, pois ele não se compromete a curar o paciente, mas sim de chegar ao resultado acertado previamente em seu consultório, prestando os seus serviços conforme as regras consagradas pela medicina. Portanto a obrigação existente entre o médico e seu paciente, nesses casos, é de resultado, visto que o paciente vai ao consultório de um cirurgião plástico em busca de um resultado específico. Caso o resultado anteriormente acertado no consultório não seja o alcançado pelo profissional, deve-se analisar o caso concreto e observar se houve 23 culpa por parte do médico, ou seja, se ele agiu com imprudência, negligência ou imperícia. Quanto ao ônus da prova, pertence ao paciente o ônus de provar a culpa do profissional, entretanto, há casos em que se autoriza a inversão desse ônus, ou seja, ao invés de o paciente provar a culpa do médico em tal procedimento, caberá ao próprio profissional o ônus de demonstrar que agiu com prudência e zelo. Quanto à eventualidade de questões alheias ao controle médico, como o quelóide, considerado por alguns como excludente de responsabilidade, há a necessidade de se analisar a possibilidade de ocorrência desse fator determinante para o fracasso da cirurgia plástica estética. No caso de o profissional não ter realmente qualquer possibilidade de prever a ocorrência do quelóide, pode-se considerar esta uma verdade causa excludente de responsabilidade, rompendo, assim, o nexo causal existente entre a conduta e o dano. Porém, se o médico tinha chance de prever a ocorrência desse fator e não o fez por falha sua, pode-se considerar sua conduta como culposa. Portanto, percebe-se que a responsabilidade do médico na cirurgia plástica é subjetiva, pois depende da comprovação de culpa. Entretanto, há casos em que ele responde de forma objetiva, como é o caso do médico chefe de uma equipe médica. Além disso, quando se trata de um médico que trabalha para um certo hospital, sendo subordinado a este e mantendo um vínculo empregatício, o médico responderá por seus erros mediante culpa, e o hospital terá responsabilidade objetiva quanto aos danos causados aos pacientes em relação a seus serviços. 24 REFERÊNCIAS AGUIAR JÚNIOR, Rui Rosado de. A Responsabilidade civil do Estado pelo exercício jurisdicional no Brasil em Responsabilidade Civil. Revista AJURIS nº 78. BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcellos. Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor. São Paulo. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 1996. CHAMARD, Georges Boyer; e MONZEIN, Paul. La Responsabilité Médicale Presses Universitaires. 1974. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 10ª edição. São Paulo: Editora Saraiva. 2008. LESSA; ESTEFAN, Paulo Assed. Iª Jornada de Direito Médico, Anais. Campos dos Goytacazes: Editora Faculdade de Direito de Campos, 2007. LOPEZ, Teresa Ancona. O Dano Estético. 3ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2004. RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 4ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 20ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2007. STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: Doutrina e Jurisprudência. 7ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2004. THEODORO JUNIOR, Humberto. Responsabilidade civil por erro médico: aspectos processuais da ação. Trabalho Citado. Porto Alegre, 2000. VIEIRA, Luiza Chaves. Responsabilidade Civil – Erro Médico. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, nº3, jan./fev. 2000.