RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO NOS CASOS DE
CIRURGIA PLÁSTICA EMBELEZADORA1
Maria Clara Vergara Marques2
RESUMO
A sociedade atual vive uma realidade totalmente consumista. As pessoas
dão muito valor à beleza física e buscam cada vez uma aparência semelhante a
seus artistas e ídolos da televisão. A cirurgia plástica embelezadora deixou de ser
um luxo para poucos, pois agora a classe média tem fácil acesso a este tipo de
procedimento, que deixou de ser considerado mero capricho e já é reconhecido
como um tratamento dispensado ao paciente, em certos casos. Com freqüência, as
pessoas buscam a cirurgia plástica estética com o objetivo de por fim, ou mesmo de
melhorar um defeito físico que agride o seu íntimo e lhe causa constrangimento e
insegurança. Desse modo, a responsabilidade do cirurgião plástico vai além daquela
estabelecida pela lei, pois ele assume um dever moral de cuidado e respeito. O
profissional da área médica tem a obrigação de cuidar, aconselhar e informar o seu
paciente das vantagens e dos riscos do procedimento cirúrgico pretendido pelo
cliente. Portanto, não se trata apenas de uma relação de consumo. A cirurgia
plástica embelezadora se mostra cada vez mais evoluída, uma vez que a cada dia
que passa surge novos procedimentos e novas técnicas cirúrgicas. Assim, o médico
tem o dever de aplicar todo o seu conhecimento científico e utilizar a técnica mais
adequada para cada caso.
Palavras-chave:
Responsabilidade
Civil.
Médico.
Dano.
Cirurgia
Plástica Estética.
1
Artigo extraído do trabalho de conclusão apresentado à banca examinadora, composta pelo
Orientador, Professor Plínio Saraiva Melgaré, pelo Professor Wremyr Scliar e pelo Professor
Francisco José Moesch, como requisito à obtenção do grau de Bacharel em Ciências Jurídicas e
Sociais na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Aprovado
com grau máximo em 20 de junho de 2011.
2
Acadêmica no curso de Ciências Jurídicas e Sociais – Faculdade de Direito – da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Contato: [email protected]
2
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como propósito de analisar o tema da
responsabilidade civil do médico na cirurgia plástica embelezadora. Justifica-se o
trabalho visto que o ramo da medicina estética é cada vez mais explorado, havendo
um crescimento considerável de demandas a respeito do erro deste profissional.
Busca-se analisar a conduta do médico em relação a seu paciente, incluindo
os deveres de informação, sigilo e ética profissional. Além disso, examina-se
também o comportamento do paciente, já que este muitas vezes não segue todas as
recomendações do médico e, por isso, acaba não atingindo o resultado desejado.
Dentro da cirurgia plástica, o ramo estético é uma especialidade muito
delicada, pois a pessoa que se submete a esse tipo de cirurgia se encontra saudável
e apenas quer alterar algo em seu corpo que considera deformado fisicamente.
Entretanto, o resultado nem sempre é o esperado e, muitas vezes, resulta em
transtornos psicológicos.
O tema apresentado nesta pesquisa é de grande importância, já que é cada
vez maior a procura por padrões de beleza impostos pela sociedade atual, e os
erros profissionais têm aumenta de maneira significativa.
1 RESPONSABILIDADE CIVIL
1.1 CONCEITO
A responsabilidade civil está baseada na prática de uma atividade ilícita, ou
seja, contrária à ordem jurídica. Assim, quando alguém fere um dever imposto pelo
direito (dever jurídico primário), causando dano a outrem, surge a obrigação de
reparar o prejuízo sofrido por um terceiro (dever jurídico secundário ou
responsabilidade civil). Portanto, aquele que age ilicitamente assume a sanção de
responder por seus atos.
Silvio Rodrigues entende a responsabilidade civil como sendo “a obrigação
que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato
3
próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam.”
3
Desse modo, a
responsabilidade civil surge como um dever de reparar o dano causado a terceiro,
ou seja, trata-se de uma conseqüência em razão de um mau comportamento.
1.2 CLASSIFICAÇÕES
1.2.1 Responsabilidade Penal e Responsabilidade Civil
A responsabilidade pode ser classificada como civil ou como penal. Em
ambas as situações há a infração de uma norma. Porém, na penal o sujeito
desrespeita um dever de direito público, atingindo a ordem social como um todo e a
reação da sociedade é revelada através da pena. Já na civil, o interesse ofendido é
o privado e, não o público. O comportamento do sujeito pode não ter violado uma
norma de ordem pública, porém, já que sua atitude produziu dano a alguém, o autor
do dano tem a obrigação de repará-lo.
1.2.2 Responsabilidade Civil Objetiva e Subjetiva
Além disso, a responsabilidade civil pode ser subjetiva ou objetiva. A
primeira é baseada na teoria da culpa, que considera a culpa como principal
fundamento da responsabilidade civil. Se não há culpa, não há responsabilidade.
Desse modo, a prova da culpa é essencial para que o dano seja indenizável.
Portanto, a vítima somente terá direito à reparação do dano se provar a culpa do
agente. Já a segunda é aquela que não leva em consideração o fator culpa para
determinar a responsabilidade civil. Já a segunda (responsabilidade objetiva)
independe de culpa, pois se satisfaz com o dano e o nexo de causalidade. Essa
responsabilidade tem como base a teoria do risco que pressupõe que todo dano é
indenizável, independentemente de culpa. Sendo assim, a culpa do agente não
precisa ser provada para que ele tenha que reparar o dano causado.
3
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Volume IV. Responsabilidade Civil. 20ª edição. São Paulo:
Editora Saraiva, 2007. p. 6.
4
1.2.2 Responsabilidade Contratual e Extracontratual
A responsabilidade civil será contratual quando o dever jurídico violado
estiver assentado num contrato ou numa convenção. A responsabilidade civil, por
outro lado, será extracontratual quando o dever desrespeitado não tiver por base
uma relação preexistente, mas sim uma norma imposta pelo Direito.
1.3 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL
A responsabilidade civil nasce a partir dos seguintes elementos: ação ou
omissão, dano e nexo causal. Na ausência de qualquer um desses pressupostos, a
obrigação de indenizar torna-se inexigível, exceto no caso da responsabilidade
objetivo, onde não se analisa o fator culpa.
1.3.1 Ação ou Omissão
A responsabilidade civil surge da conduta humana voluntária contrária à
ordem jurídica. A essência da conduta humana está na voluntariedade, isto é, a
liberdade de escolha do agente inimputável, com o discernimento necessário para
ter consciência daquilo que faz. Assim, se o sujeito for coagido por outrem para
praticar tal ato, este não pode ser considerado uma conduta humana.
Essa ação humana pode ser positiva (fazer) ou negativa (não fazer). Além
disso, a responsabilidade civil pode resultar de ato próprio, de ato de terceiro que
esteja sob os cuidados do agente, e ainda de danos causados por animais e coisas
que lhe pertençam.
1.3.2 Imputabilidade
A imputabilidade é um fator muito importante para determinar a
responsabilidade do agente. Segundo Sérgio Cavalieri Filho, “imputar é atribuir a
5
alguém a responsabilidade por alguma coisa.”
4
Portanto, a imputabilidade é o
conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para poder
responder pelas conseqüências de seus próprios atos. “Imputável é aquele que
podia e devia ter agido de outro modo.” 5Desse modo, não há como responsabilizar
alguém pela prática de um ato danoso, se no momento da prática do ato, o agente
tem não capacidade para compreender o caráter reprovável de sua ação.
Assim, percebe-se que o agente imputável é aquele mentalmente são e
capaz de entender o caráter de sua conduta. Os menores de 16 anos e os que por
alguma doença são considerados incapazes não podem responder por seus
próprios atos.
1.3.3 Dolo e Culpa
Haverá dolo quando o agente agir intencionalmente, com o intuito de causar
dano, e haverá culpa quando o comportamento do agente originar o dano sem que
este tenha a intenção de provocá-lo.
1.3.4 Nexo causal
O nexo de causalidade é um dos elementos principais da responsabilidade
civil. É a relação existente entre o fato praticado pelo agente e o prejuízo
experimentado pela vítima.
1.3.5 Dano
É fundamental a existência de dano para que haja a configuração da
responsabilidade civil. Na ausência deste requisito, não há o que indenizar e,
portanto, não há responsabilidade. Desse modo, seja qual for a natureza da
4
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 5ª edição. São Paulo: Malheiros
Editores Ltda., 2003. p. 44.
5
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 5ª edição. São Paulo: Malheiros
Editores Ltda., 2003. p. 44.
6
responsabilidade (contratual ou extracontratual, subjetiva ou objetiva), o dano
elemento indispensável para a sua configuração. Assim, dano é o prejuízo sofrido
pela vítima em razão de uma ação ou omissão por parte do agente.
A doutrina estabelece as seguintes espécies de dano: o dano patrimonial, o
moral e o estético. O dano patrimonial é traduzido pela lesão aos bens de ordem
econômica. O dano moral é a lesão dos valores internos do ser humano (direito à
honra, à imagem, ao nome e à privacidade). Já o dano estético é a lesão a beleza
física da pessoa, causando uma deformação duradoura ou definitiva na vítima.
1.4 EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE
Entretanto, existem fatos que podem excluir a responsabilidade do agente.
Esses fatos estão previstos no art.188 do Código Civil: estado de necessidade,
legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular de direito, caso
fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima e fato de terceiro.
2
RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO
2.1 O MÉDICO
O médico é aquele profissional que possui habilitação universitária para o
exercício da medicina, obtida em uma faculdade médica reconhecida pelo Ministério
da Educação e Cultura. Desse modo, a medicina não pode ser exercida por
qualquer ser humano, o indivíduo precisa ser formado, diplomado e ainda obter o
registro desse diploma no Conselho Regional de Medicina.
Durante o século XIX, o médico era visto como um profissional amigo e
conselheiro da família. Desse modo, a relação existente entre ele e seu paciente era
de total confiança. No entanto, as circunstâncias mudaram. As relações sociais se
padronizaram, distanciando o médico de seu paciente. Assim, o médico que antes
era considerado amigo da família, é agora visto como prestador de serviços, tudo
7
baseado a partir de uma sociedade de consumo, cada vez mais informada de seus
direitos, e mais exigente quanto aos resultados obtidos pelos serviços contratados.
2.2 RELAÇÃO MÉDICO – PACIENTE
Quando um paciente entra em um consultório e senta à frente de seu
médico para realizar uma consulta, estamos diante de um contrato estabelecido
entre o médico e o paciente. A mesma coisa ocorre quando uma pessoa vai ao
hospital e é atendido por um médico. “Nesta relação, não há necessidade da
formalização do contrato, pois a lei só faz a exigência quanto à forma escrita em
alguns casos específicos, como, por exemplo, a compra e venda de bens e
imóveis.”6 Sobre o ponto de vista do ordenamento jurídico, não resta dúvida de que
a relação existente entre o médico e seu paciente é de natureza contratual. Este
contrato médico é classificado como um contrato de prestação de serviço, pois o
médico se apresenta como o prestador de serviços e o paciente é o destinatário final
destes serviços. De acordo com a lei, portanto, o médico é um prestador de serviço
que está subordinado aos ditames do Código de Defesa do Consumidor.
A relação médico-paciente, entretanto, não pode ser vista apenas como uma
relação comercial. O médico, ao exercer sua atividade, cumpre uma grande função
social, buscando o bem-estar do paciente através de seus conhecimentos técnicos.
O médico tem o dever de aconselhar, isto é, a obrigação de informar o paciente a
respeito de seu estado de saúde. A transparência e a confiança são fundamentais
nessa relação. Além disso, o médico deve realizar seus procedimentos com a devida
cautela, para evitar, por exemplo, o esquecimento de materiais ou instrumentos
cirúrgicos no corpo do paciente. Por outro lado, o paciente deve seguir corretamente
as orientações prescritas por seu médico, sem complementar a medicação por
influência de outras pessoas que se mostram leigas do assunto.
Por muito tempo houve discussão a respeito da natureza jurídica da
responsabilidade do médico: se era contratual ou extracontratual. Hoje, não resta
dúvida de que a responsabilidade médica é contratual e subjetiva. Contratual porque
6
Lessa; ESTEFAN, Paulo Assed. Iª Jornada de Direito Médico, Anais. Campos dos Goytacazes:
Editora Faculdade de Direito de Campos, 2007. p. 9.
8
há uma relação de consumo entre o médico e seu paciente, ou seja, o médico é um
prestador de serviços e o paciente é o destinatário final desses serviços. E trata-se
de responsabilidade subjetiva porque exige prova de culpa por parte do paciente e
de seus familiares no caso de negligência, imprudência ou imperícia do médico. “O
fato de se considerar como contratual a responsabilidade médica não tem, ao
contrário do que poderia parecer, o resultado de presumir a culpa.” 7
A responsabilidade médica é extremamente delicada, pois, diferentemente
de qualquer outra profissão, o médico tem em suas mãos a vida de alguém. A
função do médico de tratar e curar doenças envolve bens juridicamente protegidos,
como a vida, a honra e a integridade física.
Segundo Luiza Chaves Vieira, a medicina enquanto “profissão que penetra
na intimidade da vida do indivíduo e se estende à coletividade, necessita de um
grande apoio jurídico que lhe dê segurança e garantia no exercício de sua
atividade.”
8
De acordo com a autora, “não existe no momento, no mundo inteiro,
outra profissão mais visada pela lei que a medicina, chegando a ser uma das mais
difíceis de exercer sob o ponto de vista legal.”
9
O Código de Defesa do Consumidor, em seu art.14, §4º prevê a verificação
de culpa como pressuposto da responsabilidade no caso dos profissionais liberais,
como é o caso dos médicos. Desse modo, a responsabilidade dos profissionais
liberais, dentre eles os médicos, configura uma exceção ao princípio da
responsabilização objetiva nas relações de consumo. Entretanto, essa exceção não
envolve as pessoas jurídicas. “Se o médico trabalha para um hospital, responderá
ele apenas, por culpa, enquanto a responsabilidade civil do hospital será apurada
objetivamente.” 10
Art.951CC: O disposto nos arts.948, 949 e 950 aplica-se no caso
de indenização devida por aquele que, no exercício de sua atividade
profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar morte
do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão ou inabilitá-lo para o
trabalho.
7
DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 4ª edição.
1997. p. 296.
8
VIEIRA, Luiza Chaves. Responsabilidade Civil – Erro Médico.
Processual Civil, nº3, jan./fev. 2000. p. 148
9
VIEIRA, Luiza Chaves. Responsabilidade Civil – Erro Médico.
Processual Civil, nº3, jan./fev. 2000. p. 152
10
BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcellos. Comentários
Consumidor. São Paulo: Saraiva. pp. 79-80.
Rio de Janeiro: Editora Forense,
Revista Síntese de Direito Civil e
Revista Síntese de Direito Civil e
ao Código de Proteção ao
9
Para que a responsabilidade por dano causado a paciente em razão de
atuação profissional seja configurada, deve haver provas que demonstrem que o
evento danoso se deu em função de imprudência, negligência ou imperícia,
resultando num erro grosseiro por parte do médico. Portanto, em casos de danos e
seqüelas decorrentes da má atuação do médico, é imprescindível a prova de culpa
do profissional.
A culpa do médico pela natureza do contrato que firma com o
cliente somente será configurada quando os seus serviços tiverem
sido prestados fora dos padrões técnicos. Por isso, o fato constitutivo
do direito de quem pede indenização por erro médico se assenta no
desvio de conduta técnica cometido pelo prestador de serviços...
Como esse desvio é uma situação anormal dentro do relacionamento
contratual, não há como presumi-lo. Cumprirá ao autor da ação proválo adequadamente (CPC, art.333,I). 11
Além disso, o prontuário médico é um documento de grande importância,
pois, quando se discuti um erro médico, o prontuário se mostra como peça
fundamental para que se possa esclarecer a verdade. De acordo com o art.69 do
Código de Ética Médica, o médico tem o dever de elaborar o prontuário do paciente,
sendo direito do doente consultá-lo. Na ausência do prontuário o médico pode ser
considerado responsável.
Segundo o art.27 do Código de Defesa do Consumidor, o prazo para o
paciente, vítima de erro médico, ingressar com uma ação indenizatória contra o
médico responsável por danos decorrentes da prestação de serviços é de cinco
anos a contar da ciência do fato danoso.
A responsabilidade é afastada quando os médicos utilizam todos os meios
disponíveis e adotam as técnicas recomendadas pela ciência médica no caso
tratado. Desse modo, quando o médico segue os métodos científicos indicados,
agindo com atenção, cautela, prudência e empregando corretamente o seu
conhecimento, não se pode falar em culpa.
Ademais, o contrato de prestação de serviços médicos, segundo Tepedino, 12
depende apenas do consenso entre as partes, ou seja, depende da troca de
informações entre o médico e seu paciente. Desse modo, o contrato médico não
11
12
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Responsabilidade Civil por Erro Médico: Aspectos
Processuais da Ação. Porto Alegre. nº 4, 2000.
TEPEDIDNO, Gustavo. A responsabilidade médica na experiência brasileira contemporânea.
Revista Jurídica n.311 p. 18-43, set. 2003 p. 19
10
pode ser considerado um contrato de adesão (Art. 54 CDC), definido por Orlando
Gomes como:
Contrato de adesão é o negócio jurídico no qual a participação de um
dos sujeitos sucede pela aceitação em bloco de uma série de cláusulas
formuladas antecipadamente, de modo geral e abstrato, pela outra parte,
para constituir o conteúdo normativo e obrigacional de futuras relações
concretas. 13
O contrato médico estabelecido entre este e seu paciente pode originar
obrigações de meio ou obrigações de resultado. É no caso inobservância dessas
obrigações que surge a responsabilização do médico. Assim, se o médico falhar no
cumprimento dessas obrigações, ele poderá ser responsabilizado.
2.3 OBRIGAÇÕES DE MEIO E DE RESULTADO
Segundo Arnaldo Rizzardo, “considera-se de meio aquela obrigação que
impõe de quem a exerce ou executa o emprego de determinados meios propícios e
adaptados para o fim visado. Já de resultado classifica-se a que visa um fim
específico, que deve ser alcançado.”
14
A obrigação assumida pelo médico, como
regra geral, é de meio, pois ele não se compromete a curar o doente, e sim, de
prestar os seus serviços da melhor maneira possível, usando todo o conhecimento
técnico disponível pela medicina. Se o tratamento não produziu o resultado
esperado, não se pode cogitar a idéia de inadimplemento contratual. Ainda que
ocorra a morte do paciente, não havendo negligência médica, não há como
responsabilizar o profissional pelo ocorrido. Portanto, se o médico observou as
normas técnicas para determinado caso, atuando com cautela e fazendo tudo que
estava ao seu alcance, o insucesso do tratamento, por si só, não pode desencadear
na sua responsabilização, já que a responsabilidade civil do médico é baseada na
sua conduta, e não no resultado desejado.
Entretanto, há casos em que o médico não se limita ao acompanhamento do
paciente com todos os deveres de cautela e se compromete a chega a um certo
13
14
GOMES, Contrato de adesão: condições gerais dos contratos. São Paulo: Revista dos
Tribunais. 1972. p. 3
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 4ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009.
p. 330.
11
objetivo. Nessa situação, a obrigação do médico será de resultado. Na ausência do
resultado pretendido fica caracterizado o descumprimento contratual por parte do
médico. A cirurgia plástica estética é um exemplo em que o médico atua com a
obrigação de resultado, sendo este responsabilizado caso ocorra o inadimplemento
contratual, ou seja, caso o paciente não obtenha o resultado anteriormente acertado.
2.4 DEVERES DO MÉDICO
Entre os principais deveres do médico estão: o dever de fornecer ampla
informação quanto ao diagnóstico e prognóstico, o dever de sigilo e o dever de
aplicar as melhores técnicas em favor de seu paciente.
Além do dever de sigilo, o médico ainda deve comunicar o paciente dos
riscos e dos possíveis resultados da cirurgia indicada para o seu caso, sendo
indispensável o seu consentimento. O dever de informação é fundamental.
O capítulo de direitos humanos do Código de Ética Médica (arts.46, 48 e 53)
destacam a questão relativa ao esclarecimento do paciente e o consentimento
prévio dele ou de seu representante legal. O texto reforça a idéia de autonomia do
enfermo, visto que proíbe o médico de exercer sua função, decidindo livremente
sobre o bem estar de seu paciente.
Segundo Ruy Rosado de Aguiar Jr., “cabe unicamente ao paciente decidir
sobre sua saúde, avaliar o risco a que estará submetido com o tratamento ou a
cirurgia, e aceitar ou não a solução preconizada pelo médico.”
15
A única exceção é
nas situações emergenciais, pois neste caso o consentimento é dispensável de
acordo com o art. 46 do Código de Ética Médica:
É vedado ao médico:
Art. 46 - Efetuar qualquer procedimento médico sem o
esclarecimento e consentimento prévios do paciente ou de seu
responsável legal, salvo iminente perigo de vida.
O fundamento jurídico da obrigação de informar está baseado no direito da
pessoa de dispor de seu próprio corpo (Declaração dos Direitos do Homem).
15
AGUIAR JR., Ruy Rosado de. Responsabilidade Civil dos Médicos. Editora Revista dos
Tribunais. p. 36.
12
Em relação à religião Testemunhas de Jeová, em que não se permite
transfusão de sangue, Genival França afirma que nos casos de iminente risco de
morte, de acordo com o princípio da beneficência, o médico deve realizar a
transfusão. Segundo o autor, “o médico, nesses casos poderá decidir o que é melhor
e mais razoável para seu paciente.”
16
De acordo com Georges Boyer Chamard e Paul Monzein, “quando os
prognósticos são graves, é preciso conciliar esse dever de informar com a
necessidade de manter a esperança do paciente, para não levá-lo à angústia ou ao
desespero.”
17
Além disso, cada palavra dita por um médico ao seu paciente é vista como
um veredicto. Portanto, ele deve avaliar e medir cada palavra para saber usá-la de
maneira a não prejudicar o estado de seu paciente.
Conforme Rui Stoco, “se a perspectiva é de desenlace fatal, a comunicação
deve ser feita ao responsável nos termos do art.59 do Código de Ética Médica.”
18
Art. 59 - Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o
prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a
comunicação direta ao mesmo possa provocar-lhe dano, devendo,
nesse caso, a comunicação ser feita ao seu responsável legal.
De acordo com o art.57 do Código de ética Médica, além dos deveres acima,
uma das principais obrigações do médico é a de aplicar todo o seu conhecimento
técnico e utilizar todos os meios disponíveis pela medicina em favor de seu paciente.
É vedado ao médico:
Art. 57 - Deixar de utilizar todos os meios disponíveis de
diagnóstico e tratamento a seu alcance em favor do paciente.”
Assim, percebe-se que a responsabilidade do médico não é a de obter a
cura de seu paciente, mas sim de aplicar as melhores técnicas disponíveis, agindo
com prudência e cautela.
16
17
18
FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico. 9ª edição, revista, atualizada e ampliada. Rio de
Janeiro: Forense, 2007. p. 194
CHAMARD, Georges Boyer; e MONZEIN, Paul. La Responsabilité Médicale Presses
Universitaires. 1974. p. 132.
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 7ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2007. p. 553.
13
2.5 A EQUIPE MÉDICA E O HOSPITAL
Os hospitais são estabelecimentos responsáveis pela internação e pelo
tratamento de doentes, envolvendo uma série de serviços, como o atendimento
médico e o fornecimento de hospedagem.
De acordo com Ruy Rosado de Aguiar Júnior, “hospital é uma universidade
de fato, formada por um conjunto de instalações, aparelhos e instrumentos médicos
e cirúrgicos destinados ao tratamento da saúde vinculada a uma pessoa jurídica,
sua mentora, mas que não realiza ato médico.” 19
O hospital é visto como uma pessoa jurídica. O contrato estabelecido entre o
hospital e o paciente envolve obrigações de meio, pois o hospital se compromete em
fornecer hospedagem, incluindo alimentação, e de prestar serviços paramédicos,
como medicamentos e exames.
O princípio da responsabilidade objetiva do prestador de serviços, previsto
no Código de Defesa do Consumidor, determina uma única exceção, no § 4º do art.
14, o qual diz:
“A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada
mediante a verificação de culpa.”
Entende-se como profissional liberal o prestador de serviço, e, portanto, a
exceção se aplica somente às pessoas físicas. Desse modo, “se o médico trabalhar
para um hospital, responderá ele apenas por culpa, enquanto a responsabilidade
civil do hospital será apurada objetivamente.”
20
Segundo Sergio Cavalieri Filho, “os estabelecimentos hospitalares são
fornecedores de serviços, e, como tais, respondem objetivamente pelos danos seus
causados aos pacientes.” 21
Se o médico tem vínculo empregatício com o hospital,
integrando a sua equipe médica, responde objetivamente a casa de
saúde, como prestadora de serviços, nos termos do art.14, caput do
Código de Defesa do Consumidor. No entanto, se o profissional
19
20
21
AGUIAR JÚNIOR, Rui Rosado de. A Responsabilidade Civil do Estado pelo exercício
jurisdicional no Brasil em Responsabilidade Civil. Revista AJURIS, nº 78. p. 33.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 10ª edição. São Paulo: Editora Saraiva,
2008. p. 410.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 5ª edição. São Paulo:
Malheiros Editora Ltda., 2003. p. 382.
14
apenas utiliza o hospital para internar os seus pacientes particulares,
responde com exclusividade pelos seus erros, afastada a
responsabilidade do estabelecimento. 22
Portanto, não se fala em responsabilidade do hospital se o médico não é seu
empregado, ou seja, se ele não possui uma relação de subordinação e dependência
para com aquele.
Além disso, em relação à equipe médica, a súmula 341 do Supremo Tribunal
Federal dispõe: “É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do
empregado ou preposto.” Segundo a súmula, em regra, o chefe da equipe médica
responderia pelos atos praticados pelos profissionais que compõe a sua equipe.
Desse modo, na ocorrência de dano ao paciente em determinado procedimento, a
culpa do cirurgião-chefe seria presumida, salvo no caso de ser possível a
individualização da responsabilidade de cada profissional envolvido, como na
hipótese do anestesista. Portanto, se o dano for oriundo da atuação de determinado
membro da equipe, a este apenas será atribuído o dever de reparar, dispensando-se
o médico que estiver no comando da operação.
2.6 A RESPONSABILIDADE DO ANESTESISTA
A anestesiologia é considerada uma especialidade dentro do ramo da
medicina. Atualmente, não mais se admite a prática de uma cirurgia extensa sem a
presença de um médico anestesista.
A sua atuação começa antes mesmo do ato cirúrgico, pois cabe a ele fazer
uma anamnese, ou seja, uma pesquisa prévia sobre as condições do paciente,
fazendo uma análise nos exames solicitados pelo cirurgião e pelo próprio
anestesista para ver se o paciente possui alergia de algum medicamento ou se ele
sofre de alguma doença grave, como hipertensão e diabetes. Desse modo, percebese que o anestesista deve agir com cautela durante o pré-operatório, operatório e
pós-operatório. Portanto, a responsabilidade do anestesista não se limita apenas ao
momento do procedimento cirúrgico.
22
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 10ª edição. São Paulo: Editora Saraiva,
2008. p. 410.
15
“O monitoramento deve ser constante. O profissional deve permanecer junto
ao paciente durante todo o tempo de duração do procedimento.”
23
O pensamento mais razoável é o de que a responsabilidade pelo erro do
anestesista incida naquele que chamou ou contratou o anestesista. Desse modo, é
sobre esta pessoa que recai o ônus da boa ou má escolha, desde que se verifique
que a conduta do profissional foi culposa.
Se o anestesista não faz parte da equipe do médico-cirurgião, a
responsabilidade do anestesista é tratada de maneira isolada. Ele tem a mesma
responsabilidade de um médico comum.
Entretanto Sergio Cavalieri Filho afirma:
Essa concepção unitária da operação cirúrgica, entretanto, não
é mais absoluta em face da moderna ciência médica. As múltiplas
especialidades da medicina e o aprimoramento das técnicas cirúrgicas
permitem fazer nítida divisão de tarefas entre os vários médicos que
atuam em uma mesma cirurgia. Em outras palavras: embora a equipe
atue em conjunto, não há, só por isso, solidariedade entre todos os
que integram. Será preciso apurar que tipo de relação jurídica na entre
eles. Se atuam como profissionais autônomos, cada qual com sua
especialidade, a responsabilidade será daquele que deu causa ao erro.
24
Além disso, de acordo com Humberto Junior:
“O anestesista não tem responsabilidade maior nem menor que o médico em
geral. Responde, portanto, por erro culposo ou doloso, mas o resultado adverso não
se presume provocado por culpa, razão pela qual incumbe à vítima demonstrar
concretamente a imperícia, imprudência ou negligência do anestesista.” 25
Desse modo, o médico anestesista responde civilmente como qualquer outro
profissional liberal, ou seja, mediante a demonstração de culpa em sentido lado
(dolo ou culpa), conforme o art.14,§4º do Código de Defesa do Consumidor e o
art.951 do atual Código Civil.
23
24
25
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 7ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2007. p. 560.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros Editores
Ltda., 1996. p. 255.
THEODORO JUNIOR, Humberto. Responsabilidade civil por erro médico: aspectos
processuais da ação. Trabalho Citado, Porto Alegre, 2000. p. 160.
16
2.7 ÔNUS DA PROVA
Em relação ao ônus da prova, a princípio, cabe à vítima provar a
responsabilidade do médico. Porém, sendo o médico um prestador de serviços,
pode o juiz, em face da complexidade técnica da prova de culpa, inverter o ônus da
prova em favor do consumidor, de acordo com o art.6º, VIII do Código de Defesa do
Consumidor.
Art. 6º - São direitos básicos do consumidor:
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a
inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a
critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele
hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;
A hipossuficiência que se refere o artigo acima não é apenas econômica,
mas também técnica. Portanto, no caso de o consumidor não possuir condições
econômicas ou técnicas para produzir a prova dos fatos constitutivos de seu direito,
o juiz pode inverter o ônus da prova em seu favor. Assim, a inversão do ônus da
prova não se faz de maneira automática, pois cabe ao juiz analisar as circunstâncias
concretas do caso e decidir.
3 CIRURGIA PLÁSTICA
A cirurgia plástica como ramo da cirurgia geral surgiu logo após a primeira
guerra, com o objetivo de readaptar funcionalmente os feridos e traumatizados. Foi,
portanto a primeira guerra mundial que deu origem ao surgimento dessa
especialidade. No final do século XIX, com as primeiras próteses nasais, seus
conhecimentos adquirem dimensões principiantes, dando origem ao que atualmente
se conhece por rinoplastia. Em 1930 é criada a Sociedade Científica Francesa de
Cirurgia Reparadora, Plástica e Estética, conforme menciona Rui Stoco.26
Nos dias de hoje, a cirurgia plástica é bastante divulgada pelos meios de
comunicação em geral. As revistas e, principalmente, a televisão vive estimulando a
26
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: Doutrina e Jurisprudência. 7ª edição. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.
17
vaidade e, transforma certos padrões de estética como artigos de primeira
necessidade.
Nesse sentido, a cirurgião plástica “busca reparar e corrigir um defeito
corporal, com a finalidade de recuperar ou melhorar a aparência do corpo
humano.”27
“ Na cirurgia plástica, busca-se reparar ou corrigir um defeito corporal, com
a finalidade de recuperar ou melhorar a aparência do corpo humano.”
28
A cirurgia plástica é classificada em dois tipos: cirurgias plásticas
reparadoras e cirurgias plásticas embelezadoras.
3.1 CIRURGIA PLÁSTICA REPARADORA
A primeira delas, como o próprio nome já diz, serve para “corrigir uma
deformidade física congênita ou traumática, que nasceu com a pessoa ou surgiu no
curso da vida.”
29
A eliminação de uma cicatriz causada pela retirada de um tumor é
um exemplo desse tipo de cirurgia. Além disso, a obrigação do médico, nesse caso,
é de meio, pois ele não se compromete a curar o paciente, e sim, a fazer tudo que
está ao seu alcance para melhorar a aparência física de seu paciente, aplicando as
técnicas disponíveis pela medicina e o conhecimento necessário.
Fabrício Zamprogna Matielo exemplifica essa espécie de cirurgia plástica:
quando utilizada para a recuperação de queimados de todos os
graus, na restauração de membros lacerados por acidentes de
automóveis, na constituição de partes do corpo suprimidas por
cirurgias de controle de doenças como o câncer, como mecanismo de
reparação de males congênitos e em tantos outros casos
assemelhados, a cirurgia plástica recebe a denominação de
terapêutica, exatamente porque se destina a corrigir uma falha
orgânica ou funcional provocada por fatores exógenos, ainda que com
origem endógena.30
27
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 4ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009. p.
345.
28
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 4ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009. p.
345.
29
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 4ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009. p.
345.
30
MATIELO, Fabrício Zamprogna. Responsabilidade Civil do Médico. 2ª edição. Porto Alegre:
Editora Sagra Luzzato, 2001. p. 66.
18
3.2 CIRURGIA PLÁSTICA ESTÉTICA
Já cirurgia plástica estética “é praticada para melhorar a aparência ou
atenuar as imperfeições do corpo.”
31
A eliminação de gorduras localizadas na área
do abdômen e a colocação de próteses de silicone são alguns exemplos de cirurgia
plástica embelezadora.
Como enfatiza Teresa Ancona Lopez, essa modalidade de cirurgia plástica é
considerada:
“ramo da medicina hoje em dia em franco desenvolvimento é o
que diz respeito às operações que visam melhorar a aparência externa
de alguém, isto é, tem por objetivo o embelezamento da pessoa
humana. São as operações estéticas ou cosméticas. Tais intervenções
foram muito combatidas no passado e, hoje, apesar de aceitas, a
responsabilidade pelos danos produzidos por elas é vista com muito
maior rigor que nas operações necessárias à saúde ou à vida do
doente.” 32
A cirurgia plástica meramente estética não possui caráter emergencial, já
que o paciente se encontra sadio e bem boa saúde e procura o médico para apenas
melhorar algum “defeito físico”.
Na verdade, quando alguém, que está, muito bem de saúde,
procura um médico somente para melhorar algum aspecto seu, que
considera desagradável, quer exatamente esse resultado, não apenas
que aquele profissional desempenhe seu trabalho com diligência e
conhecimento científico. Caso contrário, não adiantaria arriscar-se a
gastar dinheiro por nada. Em outras palavras, ninguém se submete a
uma operação plástica se não for para obter um determinado
resultado, isto é, a melhoria de uma situação que pode ser, até aquele
momento, motivo de tristezas.33
Nesse tipo de cirurgia plástica a obrigação assumida pelo médico é de
resultado, pois ele se compromete a chegar ao resultado acertado anteriormente em
seu consultório. Além disso, para que o médico não corra o risco de ser facilmente
responsabilizado, tem ele o dever de agir da forma mais cautelosa possível, visto
que o procedimento é feito em pessoa sã. Ele tem a obrigação de informar seu
cliente dos riscos que este possivelmente vai passar, pesando as vantagens e as
31
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 4ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009. p.
345.
32
LOPEZ, Teresa Ancona. O Dano Estético. 3ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2004. pp. 118-119.
33
LOPEZ, Teresa Ancona. O Dano Estético. 3ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2004. pp. 119-120.
19
desvantagens da intervenção cirúrgica. Se os perigos forem maiores que as
vantagens, o médico tem a obrigação de se negar a fazer a operação.
Na hipótese de o resultado não ser o pretendido pelo paciente, presume-se
a culpa do cirurgião até que ele prove que não teve culpa (inversão dos ônus de
prova), cabendo à vítima a obrigação de provar que o resultado que deveria ter sido
alcançado pelo médico não o foi.
A indenização deve abranger além dos danos materiais suportados pelo
paciente (despesas realizadas e as decorrentes da nova cirurgia realizada para
corrigir os prejuízos causados pela anterior), os danos morais decorrentes da
frustração provocada.
De acordo com Rui Stoco:
São, portanto, lícitas as intervenções cirúrgicas com a finalidade
meramente estética ou embelezadora, se assim desejar o paciente e
expressamente manifestar a sua vontade, quando necessárias ou
quando o eventual defeito a ser removido ou atenuado seja fator de
desajustamento psíquico ou social.34
O atual Código de ética Médica dispõe no seu art. 6º que: “O médico deve
guardar absoluto respeito pela vida humana, atuando sempre em benefício do
paciente.” Desse modo, conclui-se que as intervenções cirúrgicas com o objetivo de
embelezamento ou de rejuvenescimento não podem ser impedidas em pessoas
consideradas sadias e hígidas sob o ponto de vista físico e mental, desde que
aplicadas as técnicas aceitas pela medicina.
É lógico que o médico não pode fiscalizar todas as circunstâncias a influírem
na cirurgia estética. Cita-se o exemplo do quelóide, caracterizada como uma
calosidade cicatricial que pode surgir no local da cirurgia. Atualmente, a medicina
desconhece o motivo pelo qual ocorre o quelóide em certas pessoas, ao passo que
não se apresenta em outras. Por isso, ao realizar um procedimento cirúrgico
estético, o médico não tem condições de afirmar ao paciente que não haverá
formação de quelóide no momento da cicatrização.
Como causas conhecidas e já identificadas que podem ajudar no
aparecimento de quelóides pode-se citar:
34
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: Doutrina e Jurisprudência. 7ª edição. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 563.
20
a) Raça de origem: Os indivíduos de raça negra ou amarela são mais
propensos no aparecimento de cicatrizes hipertróficas;
b) Hereditariedade;
c) Idade: Em um mesmo indivíduo, a tendência para o aparecimento de
quelóide se mostra mais freqüente em certa idade e, posteriormente,
pode desaparecer;
d) Fatores locais: As regiões mais fáceis de se encontrar hipertrofia
cicatricial são as peitorais, deltóides e face (rosto), sendo comum
também nas perfurações das orelhas;
e) Ocorrência de infecção local;
f) Descumprimento dos cuidados exigidos durante o período pósoperatório.
Essas complicações podem ocorrer tanto em cirurgias tradicionais quanto
em cirurgias meramente estéticas, sendo assim não podem constituir fundamento
para a exclusão incondicional da responsabilidade assumida pelo médico em
contrato celebrado com o paciente, no qual esteja introduzida uma promessa de
resultado.
Em relação às cirurgias plásticas com o objetivo meramente estético, é
imprescindível fazer a distinção entre a cirurgia em que o médico apenas não obteve
o resultado prometido e contratado, daquela na qual o procedimento cirúrgico além
de não atingir o resultado pretendido, causou um agravamento ou uma lesão
estética ao paciente.
No primeiro caso, se o resultado prometido não foi alcançado pelo médico,
mas ele não agravou a situação da vítima, ou seja, mantido o statu quo ante, o
médico terá a obrigação de apenas restituir-lhe aquilo que ele pagou pelo serviço.
Já na hipótese de a cirurgia, além de não atingir o resultado querido e
acertado anteriormente no contrato, agravar o estado do paciente, criando dano
estético ou agravando o “defeito físico” existente, além do médico devolver o valor
pago pelo serviço contratado, deverá submeter o paciente a uma nova cirurgia, com
o objetivo de corrigir dano que causou. Entretanto, o cliente tem o direito de pedir
para outro profissional de sua confiança para realizar a cirurgia reparadora, custeada
pelo médico causador da anomalia.
21
Contudo, no caso de o defeito não for passível de correção e se tornar
definitivo, o médico responsável, além de devolver o que recebeu, tem a obrigação
de indenizar a vítima pelo prejuízo estético e moral que ocasionou, levando em
consideração tudo que esse defeito possa vir a causar no seu portador, sob o
aspecto moral, psicológico, social e profissional.
De acordo com Rui Stoco, “há casos, porém, que o cirurgião, embora
aplicando corretamente as técnicas que sempre utilizou em outros pacientes com
absoluto sucesso, não obtém o resultado esperado.”
35
Se o insucesso, seja ele total
ou parcial, decorrer de uma circunstância peculiar do próprio paciente e se não for
possível de ser detectada antes do procedimento, poderá ser considerada causa
excludente de responsabilidade.
O cirurgião Paulo Jatene observa “que o princípio básico de uma cirurgia
plástica estética é o respeito às dobras e linhas naturais do corpo humano, cuja
preservação se impõe.”
36
Para ele, não existe cirurgia plástica sem cicatriz. Portanto
o paciente no momento que procura um médico para fazer uma intervenção
cirúrgica, deve saber que está buscando um certo resultado acompanhado de uma
cicatriz, mesmo que esta esteja escondida nas axilas ou na parte inferior do seio.
O período pré-operatório é de grande importância para que tudo corra como
planejado no momento da intervenção cirúrgica. É neste período que o médico
conversa com o paciente para saber o que ele efetivamente procura. Além disso,
este é o momento que o médico pede todos os exames necessários para poder
proceder com a cirurgia. O médico precisa saber se seu paciente sofre de
hipertensão, diabetes ou obesidade ou, ainda, se ele usa algum tipo de
medicamento diário. Todas essas informações são de extrema importância, pois
fazem com que o médico tome os devidos cuidados durante a cirurgia.
Além disso, seguir os limites impostos no pós-operatório também faz parte
da cirurgia e é de fundamental importância para o sucesso de qualquer tratamento
médico. Comparecer ao consultório para uma consulta após alguns dias da cirurgia
para ver como está a cicatrização, fazer os curativos da madeira indicada, não
carregar peso por pelo menos um mês depois da intervenção cirúrgica, permanecer
35
36
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 7ª edição. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2004. p. 573.
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 7ª edição. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2004. p. 573.
22
em repouso durante alguns dias são algumas das recomendações gerais que os
médicos dão a seus pacientes para que eles se recuperem rápido e para que o
resultado saia como desejado.
CONCLUSÃO
A medicina é uma profissão que requer muito cuidado e cautela, tanto por
parte do profissional, quanto por parte do paciente, pois envolve o bem de maior
importância que é a vida. Enquanto o médico tem o dever de aconselhar, cuidar e
aplicar as melhores técnicas disponíveis e todo o seu conhecimento científico para
chegar à cura, o paciente tem a obrigação de seguir corretamente as prescrições
médicas.
A relação existente entre o médico e seu paciente não pode ser considerada
apenas como uma relação comercial. O médico além de executar a cirurgia com a
devida cautela, tem o dever de aconselhar e cuidar de seu paciente nos períodos
pré e pós operatórios. Nesse sentido, pode-se afirmar que a execução da cirurgia é
a obrigação principal do médico plástico e os deveres de cuidar, aconselhar e
informar sobre os riscos da intervenção cirúrgica são obrigações acessórias desse
profissional.
A cirurgia plástica está cada vez mais freqüente na vida das pessoas, e, por
conseqüência cresce o número de demandas em relação à responsabilidade do
médico na cirurgia plástica estética. A pessoa que se submete a uma cirurgia
embelezadora se encontra em pleno estado de saúde, e busca apenas melhorar a
sua aparência física. Diferentemente do que ocorre na cirurgia plástica reparadora,
onde a responsabilidade do médico é de meio, pois ele não se compromete a curar
o paciente, mas sim de chegar ao resultado acertado previamente em seu
consultório, prestando os seus serviços conforme as regras consagradas pela
medicina. Portanto a obrigação existente entre o médico e seu paciente, nesses
casos, é de resultado, visto que o paciente vai ao consultório de um cirurgião
plástico em busca de um resultado específico.
Caso o resultado anteriormente acertado no consultório não seja o
alcançado pelo profissional, deve-se analisar o caso concreto e observar se houve
23
culpa por parte do médico, ou seja, se ele agiu com imprudência, negligência ou
imperícia. Quanto ao ônus da prova, pertence ao paciente o ônus de provar a culpa
do profissional, entretanto, há casos em que se autoriza a inversão desse ônus, ou
seja, ao invés de o paciente provar a culpa do médico em tal procedimento, caberá
ao próprio profissional o ônus de demonstrar que agiu com prudência e zelo.
Quanto à eventualidade de questões alheias ao controle médico, como o
quelóide, considerado por alguns como excludente de responsabilidade, há a
necessidade de se analisar a possibilidade de ocorrência desse fator determinante
para o fracasso da cirurgia plástica estética. No caso de o profissional não ter
realmente qualquer possibilidade de prever a ocorrência do quelóide, pode-se
considerar esta uma verdade causa excludente de responsabilidade, rompendo,
assim, o nexo causal existente entre a conduta e o dano. Porém, se o médico tinha
chance de prever a ocorrência desse fator e não o fez por falha sua, pode-se
considerar sua conduta como culposa.
Portanto, percebe-se que a responsabilidade do médico na cirurgia plástica
é subjetiva, pois depende da comprovação de culpa. Entretanto, há casos em que
ele responde de forma objetiva, como é o caso do médico chefe de uma equipe
médica. Além disso, quando se trata de um médico que trabalha para um certo
hospital, sendo subordinado a este e mantendo um vínculo empregatício, o médico
responderá por seus erros mediante culpa, e o hospital terá responsabilidade
objetiva quanto aos danos causados aos pacientes em relação a seus serviços.
24
REFERÊNCIAS
AGUIAR JÚNIOR, Rui Rosado de. A Responsabilidade civil do Estado pelo
exercício jurisdicional no Brasil em Responsabilidade Civil. Revista AJURIS nº
78.
BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcellos. Comentários ao Código de Proteção
ao Consumidor. São Paulo.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo:
Malheiros Editores Ltda., 1996.
CHAMARD, Georges Boyer; e MONZEIN, Paul. La Responsabilité Médicale Presses
Universitaires. 1974.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 10ª edição. São Paulo:
Editora Saraiva. 2008.
LESSA; ESTEFAN, Paulo Assed. Iª Jornada de Direito Médico, Anais. Campos
dos Goytacazes: Editora Faculdade de Direito de Campos, 2007.
LOPEZ, Teresa Ancona. O Dano Estético. 3ª edição. São Paulo: Revista dos
Tribunais. 2004.
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 4ª edição. Rio de Janeiro: Editora
Forense, 2009.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 20ª edição. São Paulo:
Editora Saraiva, 2007.
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: Doutrina e Jurisprudência. 7ª
edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2004.
THEODORO JUNIOR, Humberto. Responsabilidade civil por erro médico:
aspectos processuais da ação. Trabalho Citado. Porto Alegre, 2000.
VIEIRA, Luiza Chaves. Responsabilidade Civil – Erro Médico. Revista Síntese de
Direito Civil e Processual Civil, nº3, jan./fev. 2000.
Download

responsabilidade civil do médico nos casos de cirurgia plástica