UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR FUNDAMENTADO NA PRÁTICA DA CAPOEIRA E BASEADO NA EXPERIÊNCIA E VIVÊNCIA DE UM MESTRE DA CAPOEIRAGEM GRADUADO EM EDUCAÇÃO FÍSICA Por: Ricardo Martins Porto Lussac Orientadora Profa. Maria Poppe Rio de Janeiro 2004 2 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR FUNDAMENTADO NA PRÁTICA DA CAPOEIRA E BASEADO NA EXPERIÊNCIA E VIVÊNCIA DE UM MESTRE DA CAPOEIRAGEM GRADUADO EM EDUCAÇÃO FÍSICA Apresentação de monografia à Universidade Candido Mendes como condição prévia para a conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Psicomotricidade. Por: Ricardo Martins Porto Lussac. 3 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente e principalmente a meu DEUS, por tudo que sou e ainda serei, tudo que vivo, vivi e viverei, tudo que sinto e sentirei, tudo que eu tenho, que eu tive e ainda terei...enfim...como a lista é longa, por tudo. Também agradeço a meu DEUS, por tudo que não sou e ainda não serei, tudo que não vivo, não vivi e não viverei, tudo que não sinto e não sentirei, tudo que eu não tenho, que eu não tive e ainda não terei...e como a lista também é longa... novamente meu DEUS... por tudo. Agradeço aos meus GUIAS, meus PROTETORES, meu ANJO DA GUARDA, que iluminam minha vida e meus caminhos e me guardam. Agradeço as ENTIDADES que me ajudam, ajudaram e ajudarão, trazendo e mostrando a luz e a bondade para mim, também me protegendo. Agradeço aos meus ANCESTRAIS por eu estar aqui e por olharem por mim. Agradeço a minha FAMÍLIA, a todos, sem citar o parentesco, aos que me apoiaram e ajudaram, indiretamente e diretamente, seja muito ou pouco, a cada um, mesmo os que não o fizeram. Agradeço as PESSOAS QUE AMO, AMIGOS(AS), NAMORADA etc... por simplesmente existirem e estarem ao meu lado. Agradeço às PESSOAS QUERIDAS QUE SE FORAM e que agora estão em outro plano e dimensão. Agradeço ao CORPO DOCENTE, ORIENTADORA, COORDENAÇÃO, DIREÇÃO e FUNCIONÁRIOS(AS) da UCAM, do PROJETO “A VEZ DO MESTRE” e aos(às) meu(minhas) AMIGOS(AS) da minha TURMA de PÓS-GRADUAÇÃO em PSICOMOTRICIDADE da UCAM. 4 Agradeço a todos(as) que me ensinaram e ensinam a CAPOEIRA, sejam MESTRES(AS), PROFESSOR(AS), ALUNOS(AS) e a TODO(AS) que ensinei. Também agradeço a todos(as) que contribuíram na minha vida acadêmica e profissional na EDUCAÇÃO FÍSICA. Agradeço àqueles(as) que lutam por uma educação, uma sociedade, um país, um mundo e uma vida melhor. Agradeço ao meu cachorro, companheiro fiel; aos pássaros por seus cantos e aos demais animais: esquilos, tucanos, corujas, gaviões, gambás, micos e outros, que vez ou outra, me contemplam com suas visitas em minha casa. Agradeço a NATUREZA a qual integro, também minha família. Agradeço às plantas e árvores de minha casa, que me dão os seus frutos e suas folhas, sua sombra, energia e proteção. Agradeço ao ar que respiro; à terra que piso e nutre indiretamente com o alimento e diretamente com a energia; à água que me sustenta a vida, me refresca e me limpa; ao fogo que me aquece, ilumina e prepara os alimentos; e a todas as energias que sustentam o meu viver. E finalizando, agradeço a todos(as) que tornam o meu dia a dia e minha vida, mais feliz, agradável e próspera. 5 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho a todos que me ajudam e ajudaram durante a minha existência, e participam e participaram somando positivamente a minha vivência; às pessoas que não tiveram a oportunidade de estudar e ou de ter uma vida mais justa; àqueles(as) que lutam por uma educação, uma sociedade, um país, um mundo e uma vida melhor; à Capoeira e aos(às) Capoeiras; à Educação Física e à Psicomotricidade e respectivos(as) profissionais; à minha Comunidade; aos(às) Brasileiros(as) e ao Brasil, minha pátria, minha terra. 6 RESUMO A proposta deste estudo consistiu em investigar o desenvolvimento psicomotor fundamentado na prática da capoeira e baseado na experiência e na vivência de um mestre da capoeiragem graduado em educação física. Para tal, foi realizada uma pesquisa bibliográfica. E sendo constatado pouco material referente ao assunto proposto na pesquisa: Psicomotricidade e Capoeira; foram também aproveitadas as experiências e as vivências do autor da pesquisa, um mestre da capoeiragem graduado em educação física. Após a descrição da história, prática e desenvolvimento da capoeira, do conceito de psicomotricidade e do desenvolvimento psicomotor, baseados em vasta literatura existente, a pesquisa estendeu-se ao desenvolvimento psicomotor fundamentado na prática da capoeira. PALAVRAS CHAVES Brasil, Capoeira, Psicomotricidade, Educação, Educação Física, História. 7 ABSTRACT The proposal of this paper is to investigate the psychomotor development founded on the practice of capoeira and based on the life experiences of a master in this art who is graduated in physical education. For such purpose a bibliographic research was conducted and since very little material was found in relation to the relevant subject proposed at the research (Psychomotricity and Capoeira); the experiences and life accounts of the author were also included, being a master in capoeira and also graduated in physical education. After a description of the history, practice and development of capoeira, of the concept of psychomotricity and of psychomotor development, based on vast literature available, the research was extended to the psychomotor development founded on the practice of capoeira. THEME Psychomotor development based on the practice of capoeira and on the life experiences of a master in this art who is graduated in physical education. KEY WORDS Brazil, Capoeira, Psychomotricity, Education, Physical Education, History. 8 RESUMEN La propuesta de ese estudio ha consistido en investigar el desarrollamento psicomotor fundamentado en la práctica de capoeira y baseado en la experiencia y en la vivencia de un maestro de capoeiragem graduado en educacíon física. Por eso, fue realizada una pesquisa bibliográfica y habiendo sido verificado poco material referente al asunto propuesto en la pesquisa: psicomotricidad y capoeira, fueron también aprovechadas las experiencias y las vivencias del autor de la pesquisa, un maestro de la capoeiragen graduado en educación física. Después de la descripción de la historia, práctica y desarrollamento de la capoeira, del concepto de psicomotricidad y el desarrollamento psicomotor, baseados en una gran variedad literaria existente, la pesquisa se ha alargado al desarrolllamento psicomotor fundamentado en la práctica de la capoeira. TEMA Desarrollamento psicomotor fundamentado en la práctica de la capoeira y baseado en la experiencia y vivencia de un maestro de la capoeiragen graduado en educación física. PALABRAS CLAVES Brasil, Capoeira, Psicomotricidad, Educación, Educación Física, Historia. 9 METODOLOGIA Este estudo foi baseado numa pesquisa bibliográfica e na experiência e vivência do autor da pesquisa, um mestre da capoeiragem graduado em educação física. Em relação à construção do embasamento teórico, esta pesquisa se valeu de diversos autores relacionados a capoeira, sua história, prática e desenvolvimento, pois há amplas referências com diferentes pontos de vista e interpretações sobre o assunto. O desenvolvimento psicomotor já foi devidamente estudado por diversos autores, mas a sua aplicabilidade baseada na prática da capoeira, ainda não. Após uma revisão bibliográfica alguns autores como: Bechara (1985a e 1985b, e 1986), Cunha (2003), Freitas & Freitas (2002), Lussac (1996), Santos (1990), Souza & Oliveira (2001) e Velloso (1998), foram encontrados como referências para o desenvolvimento da psicomotricidade através da capoeira, e mesmo assim, sem um aprofundamento, pois tais obras não tratavam o tema em especial. Esta pesquisa teve como teoria de base, além dos dois autores já mencionados acima, o desenvolvimento psicomotor segundo Oliveira (2001), sendo que, no decorrer do trabalho, alguns autores de importante relevância ao tema foram incluídos. 10 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 11 CAPÍTULO I - A História, a Prática e o Desenvolvimento da Capoeira 14 CAPÍTULO II - A Capoeira atual, a Educação Física e a Psicomotricidade 178 CAPÍTULO III - O Desenvolvimento Psicomotor Fundamentado na Prática da Capoeira 325 CONCLUSÃO 415 ANEXOS 419 BIBLIOGRAFIA 432 ÍNDICE 446 FOLHA DE AVALIAÇÃO 450 11 INTRODUÇÃO A capoeira, cuja certeza de sua origem é duvidosa, segundo Campos (1998), Lopes (1999), Neto (1998), Silva (1995), hoje já se encontra em vários países. Desenvolvida no Brasil, a capoeira neste vasto país, com grandes diferenças regionais, está espalhada por quase todo o território nacional, sendo os grandes centros e metrópoles, os pólos aglomeradores e centralizadores desta arte e cultura. Ela deu a volta ao mundo e hoje é praticada nos cinco continentes, sendo já considerada por alguns uma cultura internacional, ao qual discordamos e chamamos de prática internacional de uma cultura brasileira. Mais que uma simples forma de resistência, a capoeira representou um desafio à ordem dominante no Brasil Império e início da Velha República; traz consigo, junto aos seus praticantes expressos em seus corpos e gestos, onde ganha vida, toda uma carga simbólica e histórico-social do povo brasileiro, em seu mais amplo contexto de formação e desenvolvimento. Ainda um pouco marcada por estigmas negativos do passado, a capoeira vem ganhando espaço na mídia, no meio acadêmico, na política, na educação, no esporte e em vários âmbitos da sociedade, devido ao seu aspecto multifacetado, singulares propriedades e estreitos laços com a sociedade nacional. É verdade que há muito a ser conquistado por esta arteluta, mas se compararmos com o período do início do século passado, quando era proibida por lei e considerada prática de malandros, vadios e desordeiros, constata-se a projeção que atualmente alcançou. Não é à toa que, reunindo várias qualidades como o jogo, o lúdico, sua história, a peculiar maneira de praticar atividade física, arte marcial, música, canto, dança, dentre outras; pessoas a considerem como uma modalidade com várias formas e maneiras de ser praticada, despertando também, diferentes interesses e interpretações. 12 Devido a esta polivalência, vários autores constatam e defendem a capoeira como um excelente método e ou meio de educação, seja nos meios formais, como as escolas, ou não formais, em atividades comunitárias, por exemplo. Para uma melhor inserção e aproveitamento da capoeira no meio educacional, há de se estuda-la e pesquisa-la, não só para conhecermos mais ainda o seu potencial, mas para reafirmar às resistências e entraves a implantação de nossa nobre e singular arte e cultura na educação brasileira, as potencialidades e vantagens que esta pode prover a educação nacional. Uma das áreas do conhecimento que precisa e deveria ser mais pesquisada é a da psicomotricidade, o desenvolvimento psicomotor através da capoeira, seus benefícios. Área ainda pouco ou quase inexplorada e muito útil devido a enorme contribuição que poderá ofertar. O conhecimento da Educação Física e da Psicomotricidade, assim como o de outras áreas do conhecimento científico, muito ainda têm, a contribuir com a capoeira, que precisa ser mais estudada e pesquisada, principalmente devido a sua origem brasileira. Observada tal lacuna no desenvolvimento científico e acadêmico da capoeira, o autor deste trabalho resolveu contribuir com um “pontapé inicial” para novos estudos específicos ao tema surgirem, possibilitando assim, o devido, merecido e verdadeiro crescimento qualitativo de uma das nossas mais ricas artes e culturas nacionais, a capoeira. Este trabalho de monografia visou à capacitação, desenvolvimento e especialização profissional, e o aprimoramento do mestre e praticante da capoeiragem. Esta pesquisa poderá fornecer subsídios para uma ampliação da pesquisa sobre o assunto, além de poder auxiliar os profissionais do 13 ramo de atuação, em sua intervenção, e amadores praticantes da capoeira quanto a um maior conhecimento e utilização desta. Desta forma, no capítulo I, abordamos a história, a prática e o desenvolvimento da capoeira e no capítulo II a capoeira atual, a educação física e a psicomotricidade. Já no capítulo III, abordamos a psicomotricidade, seu conceito e o desenvolvimento psicomotor fundamentado na prática da capoeira. Na conclusão demonstramos os resultados de nossa pesquisa, sua análise e interpretações através de um desenvolvimento crítico e construtivo, e as conclusões baseadas na experiência e vivência do autor, um mestre da capoeiragem graduado em educação física. 14 CAPÍTULO I A HISTÓRIA, A PRÁTICA E O DESENVOLVIMENTO DA CAPOEIRA “Capoeira: Mandinga de escravo em ânsia de liberdade, seu princípio não tem métodos e seu fim é inconcebível ao mais sábio dos mestres.” Mestre Pastinha 15 1. A história, a prática e o desenvolvimento da capoeira Ao pesquisar a capoeira, deve-se conhecer e interpretar a sua história, pois, para entender a prática da capoeira hoje em dia, tem que se conhecer a sua prática antigamente. Portanto no decorrer da revisão sobre a historia e desenvolvimento da capoeira, será enfocada também a sua prática, ampliando então, a abordagem e entendimento de nossa temática. A origem da capoeira tem sido investigada e discutida até hoje por pesquisadores, antropólogos, sociólogos, historiadores, folcloristas e pelos próprios capoeiras. Autores como Silva, O Mestre Gladson, (SILVA, 1993) e o historiador Carlos Eugênio Líbano Soares (SOARES, 1999) afirmam isto. Contanto, constata-se em várias destas pesquisas o equívoco, mesmo que inconsciente, de propagar “O mito da queima dos arquivos.” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p.86), até por que esta informação é encontrada em várias publicações sobre capoeira, excetuando as mais recentes e importantes de bons historiadores. Vale mencionar que os referidos autores, Luiz Renato Vieira, sociólogo e mestre de capoeira, e Matthias Röhrig Assunção, historiador e praticante da arte, entre outros, têm mais acesso e conhecimento a publicações acadêmicas sobre sociologia, antropologia, história e outros, que os praticantes e mestres de capoeira no geral, e até mesmo, que profissionais de educação física, que geralmente têm em suas bibliografias mais referências sobre sua área de conhecimento, do que de história, ciências humanas e sociais. Este fato há de mudar de maneira em que as mais recentes e importantes publicações forem amplamente divulgadas e as informações necessárias para tal desenvolvimento cheguem aos praticantes e demais pesquisadores. Teria muita importância e contribuição, a criação de um sistema de unificação de dados e pesquisas, à nível nacional e internacional, sobre a capoeira e afins, para que não só fosse acessível, mas que 16 chegasse ao próprio conhecimento de todos, pesquisadores ou não, estes dados e pesquisas. O “mito da queima dos arquivos” como dito anteriormente está presente em vários trabalhos sobre capoeira, como podemos observar na citação em seguida: “... sabe-se que, em 15/12/1890, um dos mais renomados políticos, Rui Barbosa, então Ministro da Fazenda do governo de Deodoro da Fonseca, prestou um péssimo serviço à Nação, mandando queimar todos os documentos referentes à escravidão negra no Brasil. Neste contexto, nada mais natural que dúvidas persistam e a desinformação grasse relativamente a muitos aspectos da nossa cultura”. (SILVA, 1995, p. 9 e 10). Apesar da queima de tais arquivos não atingirem as fontes de pesquisa como constataremos logo a seguir, podemos também pensar que Rui Barbosa não era “fã” da capoeiragem, como podemos ver adiante: “Rui Barbosa também não desejou ver o lado nobre do jogo. Capoeirar, repetiu o famoso polígrafo, quer dizer burlar intentos, ladinar. João Lêda recolheu de Páginas Literárias essa conceituação.” (FILHO apud LUSSAC, 2000, p. 8). Para muitos, Rui Barbosa muito contribuiu para com a educação física no país, podemos observar tal fato através da seguinte citação: “Inezil Penna Marinho, em 1980, homenageia Rui Barbosa com uma publicação intitulada Rui Barbosa, paladino da educação física no Brasil, onde revela aspectos particulares, destacando que Rui, mesmo 17 pouco afeiçoado aos exercícios físicos, reconhece a sua importância na educação integral do homem e coloca toda sua sensibilidade, inteligência, talento e cultura na defesa da Educação Física, ao redigir os Pareceres sobre as reformas do Ensino Secundário e Superior e do Ensino Primário e Várias Instituições Complementares em 1882.” (CAMPOS, 2001, p. 59 e 60). Era então desconhecida e ou ignorada as qualidades da capoeira e outros jogos “nacionais” como ginástica nesta época, o que vinha do estrangeiro era considerado superior e mais evoluído, tanto que Rui Barbosa mandou contratar professores de Educação Física, de competência reconhecida na Suécia, Saxônia e Suíça, iniciando assim, a propagação ainda maior dos métodos estrangeiros no país, que perduraram durante décadas, já que antes mesmo, o método Alemão, por exemplo, já era praticado por imigrantes na segunda metade do século XIX. Tais métodos influenciaram muito na educação física brasileira, tanto que o próprio Inezil Penna Marinho criou em uma obra a Ginástica Brasileira, que nada mais era do que a capoeira em outra e nova roupagem. Deixando o “Águia de Haia”, voltamos ao mito da queima dos arquivos. Observando as seguintes citações, comprovamos que tal fato realmente não interferiu no estudo da história do Brasil e conseqüentemente da capoeira: “O mito da queima dos arquivos: É surpreendente o quanto este mito sobrevive entre os praticantes de capoeira. Não queremos negar aqui o fato de que Rui Barbosa mandou queimar documentos referentes à escravidão no ministério da fazenda, que chefiava durante o governo provisório. Mas se tratava somente de documentos de uma repartição, sobretudo das 18 matrículas de escravos criadas pela Lei do Ventre Livre (1871), cuja destruição dificultaria qualquer exigência de indenização por parte dos ex- proprietários de escravos – o que Rui Barbosa temia. Mas todo o estudante de história sabe que, apesar desta queima, existem toneladas de documentos que se referem à escravidão, espalhados por todos os estados brasileiros. 13 Esta informação, conhecida no mundo acadêmico, tem mostrado dificuldade em chegar as rodas de capoeira, onde até hoje é freqüente ouvir comentários equivocados sobre o assunto. Mesmo autores geralmente bem informados”. (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 86 e 87). “13. Para um inventário recente, veja o excelente Guia brasileiro de fontes para a história da África, da escravidão negra e do negro na sociedade atual. Brasília, Ministério da Justiça, Arquivo Nacional, Departamento de Imprensa Nacional, 1988. Ver, também, o Boletim do Centenário (1988), que politiza a questão abordando a crença no desaparecimento completo dos registros como um obstáculo ideológico à reconstrução de uma história de resistência.” (Ibidem, 1998, p. 111). Segundo Vieira & Assunção, a história da capoeira continua sendo veiculada, tanto nas academias como em muitos livros, com uma mistura de mitos e semi-verdades, que se mostra muito reticente a auto-correção. (Ibidem, 1998). Referindo-se aos mitos os mesmos autores assim os definem: 19 “É importante notar, que quando falamos em mitos, estamos falando de concepções vigentes no interior da comunidade dos praticantes da capoeira, veiculadas por diversos meios (tradição oral, cânticos, apostilas e publicações de pequena circulação), e que têm cumprido a função de manter integrada a comunidade em torno de seus valores considerados fundamentais.” (Ibidem, 1998, p. 82). Os referidos autores mencionam níveis de mistificação. Os que não tem nenhuma base científica e em fatos históricos e ou nem nos ensinamentos dos antigos mestres, mas são inventados para reforçar determinadas posições ideológicas. Outros mitos que, insistem sobre alguns aspectos em detrimento de outros, que são omitidos e que surgem num determinado momento oportuno, cuja origem precisa é difícil verificar. Os autores dizem que: “Estas versões parciais têm tido função importante nos enfrentamentos ideológicos” (Ibidem, 1998, p. 82). Segundo Vieira & Assunção, os mitos “permitem a articulação de uma identidade e a legitimação das posições dos grupos dentro do mundo da capoeira como também dentro da sociedade mais abrangente.” (Ibidem, 1998, p. 109). Basicamente a função destes mitos e controvérsias é a seguinte: “Estes mitos fornecem argumentos para uma série de confrontos que, de maneira geral, não são específicos ao mundo da capoeira, mas que existiram ou existem na sociedade brasileira como um todo ou em determinadas regiões ou cidades. Alimentaram e alimentam discursos que contrárias.” (Ibidem, 1998, p. 87). justificam posições 20 Os referidos autores também afirmam que a reconstrução da história da capoeira precisa passar por uma avaliação crítica das fontes conhecidas e das novas fontes, que têm sido desvendadas por pesquisas acadêmicas recentes e ainda pouco divulgadas. Pois como foi relatado anteriormente: “ninguém está isento de projetar a capoeira do presente sobre as escassas fontes do passado, procurando adequá-las às exigências atuais.” (Ibidem, 1998, p. 86). Os autores enfatizam que devemos também distinguir os diferentes níveis de discurso, veiculados pelos distintos agentes. Após esta preliminar, passaremos ao estudo das prováveis origens da capoeira, visto ser fundamental para adentrar aos fatos históricos verídicos. 1.1 - As prováveis origens da capoeira Como dito anteriormente, a origem da capoeira tem sido investigada e discutida até hoje. Vários pesquisadores e capoeiras discordam quanto à origem da capoeira: Africana ou Brasileira; negra escrava, indígena ou mestiça; camponesa, rural ou urbana; de Salvador – BA ou do Rio de Janeiro - RJ. Esta polêmica é visível e notória no mundo da capoeira, persistindo também as referidas dicotomias. Começaremos pelas hipóteses indígenas, ameríndias, revendo algumas citações que especulam tal hipótese: “No livro do padre José Anchieta, A Arte da Gramática da Língua Mais Usada na Costa do Brasil. Editado em 1595, há uma citação de que “os índios tupi-guaranis divertiam-se jogando capoeira”. Guilherme de Almeida, no livro “Música no Brasil”, sustenta serem indígenas as raízes da capoeira. Martim Afonso de Souza, navegador português, teria observado tribos jogando capoeira.” (SILVA, 1995, p. 10). 21 Tanto o Padre Anchieta, como o navegador Martim Afonso de Souza, atestam a capoeira que observaram como um jogo, em que o Padre ainda descreve que, divertiam-se, não sendo citado porem, nenhuma relação destes jogos com música. Já Guilherme de Almeida afirma serem indígenas as raízes da capoeira, provavelmente devido à alguma relação quanto a musicalidade destas. Já o pesquisador Luiz Carlos Krummenauer Rocha nos dá outras pistas relativas à origem indígena da capoeira, descrevendo também, a Maraná, antiga luta e ritual dos índios Potiguara. “No dicionário tupi-guarani, maraná significava “dança de guerra”.” (ROCHA, 2002, p. 12): “Cartas; do jesuíta Antônio Gonçalves para os superiores em Lisboa, em 1735, descreve uma luta em que os índios praticavam antes de qualquer conflito, em forma de dois a dois ao centro usando os braços e as pernas como armas (Convento de Santo Inácio de Loyola, anais das missões no Brasil. Tomo III pág. 128)” (Ibidem, 2002, p. 11). “O jesuíta padre MANOEL DA NÓBREGA descreve em suas cartas ao seu superior na Espanha falando dos costumes indígenas, descrevendo a agilidade dos índios Potiguaras com os pés, mãos e cabeçadas, transformando-se em arma perigosa. O “museu do convento dos Jesuítas de Barcelona – Tomo VII de 1860, em Latim”. CARTAS do padre Jesuíta português ANTONIO GONÇALVES para seus superiores do convento de São Francisco, em Lisboa/Portugal.” (Ibidem, 2002, p. 13). 22 “O escritor holandês Gaspar Barleus descreve no livro “Rerum Per Octennium in Brasília – 1647, a luta dos índios tupis praticadas no litoral brasileiro” chamado de Maraná, luta de guerra, só existem dois exemplares, um nos EUA e outro no Brasil.” (Ibidem, 2002, p. 11). “O cronista alemão Johann Nieuhoff descreve em seu livro “Crônicas do Brasil Holandês” 1670, a luta da Maraná assim como descrevo abaixo: Maraná As cartas do escrivão Francis Patris, que acompanhava o cortejo do príncipe Maurício de Nassau durante a invasão holandesa, descreve entre muitos obstáculos para a ocupação do território brasileiro a resistência dos habitantes do Brasil. Negros comandados por Henrique Dias, portugueses por Vidal de Negreiros, Índios Potiguaras comandados por Felipe Camarão, o “índio Poti”. Estes índios usavam durante o confronto, além de flechas borduna, lanças e tacapes, os pés e as mãos deferindo golpes mortais, destacando-se por sua valentia e ferocidade. Pertencia à cultura potiguara a dança de guerra Maraná, que avaliava o nível de valentia. Em círculo, os guerreiros com perneiras de conchas compunham um compasso ao bater com os pés e as mãos, invocando seus antepassados, acompanhado de atabaques de troncos com pele de anta, chocalhos e marimbas, enquanto que dois guerreiros ao centro com golpes de pernas, cotoveladas e movimento que imitava os animais.” (Ibidem, 2002, p. 11). 23 Apesar das referências citarem a agilidade dos golpes de cabeça, mãos e pés, dois guerreiros em disputa, entre outras características como a semelhança dos movimentos que imitavam animais, não podemos afirmar que a Maraná era a capoeira praticada antigamente. Várias outras lutas e rituais guerreiros eram e ainda hoje o são, praticadas por índios brasileiros, como a Uca-Uca, praticada no alto Xingu, que mais se assemelha a Luta Livre (apesar de muito diferente desta) que a Capoeira. Também foi citada nas referências que a Maraná era uma luta praticada pelos índios tupis no litoral brasileiro, sabemos que o litoral foi o princípio, a porta de entrada para a conquista do território brasileiro, sabe-se que vários sítios arqueológicos foram desde a colonização destruídos, o que logicamente, seria mais um entrave à pesquisa sobre a cultura indígena. Prova disto, é a destruição dos sambaquis, considerados riquíssimas fontes de pesquisa, que queimados, transformavam-se em cal, sendo utilizado em argamassas para construções, entre outros, ainda na época da colônia. Estas são as referências que mais pesam ao lado da origem indígena da capoeira e que raramente são discutidas nos mais importantes trabalhos historiográficos sobre a capoeira. Talvez, num futuro próximo, pesquisas sejam realizadas nesta vertente, ampliando o conhecimento sobre o tema, já que são nos países colonizadores, principalmente Portugal, onde se encontram as principais referências e provavelmente, onde poderão ser encontradas algumas respostas. Há também indícios etimológicos da palavra capoeira, como veremos adiante. O fato da capoeira ter raízes indígenas é difícil comprovar, pois os índios brasileiros sofreram um massacre cultural e genético, sendo várias tribos e culturas extintas, a grande maioria, sem mesmo conhecê-las; a pouco tempo foram descobertas na Amazônia ruínas de uma civilização avançada, o que comprova o grande desconhecimento sobre os povos ameríndios. Assim como vários segmentos da cultura brasileira sofreram influências e contribuições indígenas, pode ser provável que a capoeira 24 tenha também recebido a sua parcela de contribuição. Ao menos, a palavra capoeira, de origem indígena, é comprovadamente a mais certa e concreta contribuição indígena à arte. Plácido de Abreu em sua obra pioneira “Os Capoeiras” de 1886, retrata a origem da capoeira segundo sua visão no final do século XIX, no Rio de Janeiro, como “um trabalho difícil estudar”, idéia que permanece atualizada. Também não atribui tal origem ao “preto africano” e nem ao índio. Podemos pensar que já no final do século XIX, na capital, Rio de Janeiro, não havia índios em número bastante e com seus rituais originais preservados para que Plácido de Abreu pudesse realmente fundamentar o que escreveu, pois mesmo se tivesse, seria mesmo assim, uma pequena parcela da ampla representação dos índios do Brasil, o mesmo corresponderia aos seus conhecimentos sobre o enorme e diferenciado continente africano. O que não tira o mérito e fundamento de sua obra que corresponde justamente à sua época, que vivenciou. Abreu (apud Soares, 1999) nos diz: “É um trabalho difícil estudar a capoeiragem desde a sua raiz primitiva por que não é bem conhecida a sua origem. Uns atribuem-na aos pretos africanos, o que julgo um erro, pelo simples fato que a África não é conhecida a nossa capoeiragem e sim algumas sortes de cabeça. Aos nossos índios também não se pode atribuir porque apesar de possuírem a ligeireza que caracteriza os capoeiras, contudo, não conhecem os meios que estes empregam.” (SOARES, 1999, p. 10). Seria estas “sortes de cabeça”, praticadas na África, as mesmas ou semelhantes descritas nas gravuras de Rugendas? 25 A origem da capoeira e sua prática, remonta aos tempos do Brasil colonial, mas são vagas e imprecisas as referências e informações relevantes, criando assim, mais especulações que certezas. Segundo os autores Vieira & Assunção, sobre a capoeira em tal período: “a existência da capoeira no Brasil colônia, desde o remoto século XVI, é um mito..., apesar de não termos conhecimento de nenhum documento histórico mencionando a capoeira anterior ao século XIX.” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 84). Vieira & Assunção nos contam sobre a possibilidade da origem rural ou nordestina da capoeira: “Infelizmente para os defensores da origem rural e nordestina da capoeira, não é conhecida nenhuma fonte documentando a capoeira no interior, antes do final do século XIX.”. E continuando comentam sobre a cidade capital bahiana, Salvador, evidenciando o Rio de Janeiro como as primeiras fontes fidedignas sobre a capoeira “E, pior, é igualmente difícil provar a sua existência em Salvador antes da mesma época.” (Ibidem, 1998, p. 97). Continuando, segundo os referidos autores: “naõ sabemos da existência, até hoje, de nenhum documento do Brasil Colônia ou Império referindo-se explicitamente à capoeira na Bahia. E não é por falta de procurar. João Reis, reputado especialista da história da Bahia do século XIX e um dos melhores conhecedores dos fundos oitocentistas dos arquivos bahianos, nos garantiu que nunca viu uma referência à capoeira ou mesmo a outra dança marcial nas suas pesquisas sobre a Bahia do século XIX, a não ser a citada gravura de Rugendas. Por isso, aventura a hipótese heterodoxa de que a capoeira teria sido 26 trazida do Rio de Janeiro para a Bahia.” (Ibidem, 1998, p. 97). Isto reflete o pensar de Lopes (2002), que defende em sua obra a tese de que o Rio de janeiro seria o grande pólo irradiador de cultura e atração de valores individuais do Brasil, durante muito tempo, quando esta era capital do Império e posteriormente da República. Rugendas também aponta a capoeira que retratou como um esporte, luta e jogo, mas que pode se tornar violento. Nota-se que a descrição da capoeira por Rugendas, é um pouco diferente, ou seria mais primitiva, da que encontramos em outros períodos, como no Rio Antigo, mas assemelhando-se às “sortes de cabeça” descritas por Plácido de Abreu: “Rugendas (1824) fez dois desenhos e descreveu a capoeira como Dance de la guerre ou jogar capuëra: “Os negros têm um outro jogo guerreiro muito mais violento – capuëra: dois campeões atiram-se um sobre o outro, tentando derrubar o adversário com cabeçadas no peito. O ataque é evitado com saltos laterais e bloqueios igualmente hábeis. Mas acontece, ocasionalmente, acertarem cabeça contra cabeça com grande força, fazendo a brincadeira degenerar em luta, não raro com as facas ensangüentando o esporte”.” (NETO, 1998, p. 36). Estes desenhos que Rugendas descreveu, retratam a presença da capoeira como prática dos negros, apesar de que alguns elementos que conhecemos atualmente, ainda não tinham sido incorporados segundo Neto: “Na descrição de Rugendas estão ausentes os pulos acrobáticos, o “jogo de chão”, as pernadas e as rasteiras, que ainda não haviam sido introduzidos no 27 jogo. Além disso o berimbau também não fazia parte da capoeira, apesar de já existir no Brasil, trazido da África pelos africanos. Com o tempo, a capoeira foi modificando, em parte pela própria ação do tempo”. (NETO, 1998, p. 37). Sobre Rugendas, Vieira & Assunção elaboram alguns apontamentos mais elaborados sobre tais gravuras: “As duas famosas gravuras de Rugendas, sempre citadas, foram também, como já vimos, muitas vezes mal interpretada e têm que ser vistas no contexto de sua obra. A este respeito, parece-nos importante enfatizar o seguinte: as gravuras, sempre associadas, se situam de fato em partes diferentes da obra. A primeira é uma vista de “San Salvador”, aparentemente pintada na península de Itapagipe. Representa no primeiro plano em grupo de negros, dos quais quatro estão se movimentando, enquanto os outros cinco estão olhando ou namorando. Dois se enfrentam diretamente, com passos que efetivamente lembram a ginga. O terceiro, olhando para os dois, se abaixa num movimento que também existe na capoeira atual. O quarto parece estar dançando na ponta dos pés. Não está representado nenhum instrumento musical. Rugendas em nenhum lugar comenta esta gravura e sobretudo não diz que se trata de capoeira. A segunda gravura, intitulada “Jogar Capoëra ou danse de la guerre”, mostra uma cena urbana, com dois negros se enfrentando ou jogando ao som de um tambor. Faz parte dos capítulos sobre os “usos e costumes dos negros”. Nele, Rugendas descreve o que considera os “cantos e danças” típicos dos negros, como o batuque 28 (“Batuca”), o lundu (“Zandu”, em outra ilustração chamada “Landu”), a capoeira e a eleição do Rei do Congo. Passa então a tecer comentários sobre os “feiticeiros” (ou “mandingueiros”), os efeitos do álcool sobre os escravos e as fugas dos mesmos. A inclusão da capoeira neste capítulo é um argumento para a existência mais generalizada da capoeira no Brasil Império, tanto quanto outras manifestações por ele mencionadas. Esta segunda gravura, que explicitamente se refere à capoeira, parece ser situada no Rio de Janeiro, devido à forma do morro no fundo do quadro.” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 97). Podemos pensar que a interpretação de tais gravuras como também de outras, deve levar em conta a obra do autor como um todo, como e o que ele pensava, em que meio e situação tais gravuras foram elaboradas, para quem, e entre outras incógnitas que devemos fazer para não cairmos no erro de falsas ou tendenciosas interpretações, também devemos atentar para as limitações das interpretações. Contudo as obras de Rugendas são grandes fontes de pesquisa para a capoeira e para a história da escravidão e do negro no Brasil. Ainda há outras teorias com relação à origem da capoeira, baseadas na concepção e definição da etimologia do termo, o que, aliás, é de onde surge, grande parte das divergências sobre sua origem e parte do preconceito com relação a esta. De acordo com o sociólogo João Lyra Filho: “ Waldeloir Rego reabriu o assunto no seu erudito ensaio socioetnográfico sobre a capoeira de Angola. 29 Suas pesquisas levaram-no a afirmar que “o vocábulo capoeira foi registrado pela primeira vez em 1712, por Rafael Bluteau, seguido por Moraes em 1813, na segunda e última edição que deu em vida de sua obra”. De então por diante, acrescenta, o vocábulo “entrou no terreno da polêmica e da investigação etimológica”. A primeira contribuição para o deslinde etimológico teria sido a de José de Alencar, no romance Iracema, editado pela primeira vez em 1865; a contribuição ” foi repetida em 1870, em O Gaúcho, e sacramentada em 1878, na terceira edição de Iracema”. O romancista chamou o vocábulo capoeira o tupi caa-apuam-era, que significa ilha de mato já cortado.” (FILHO, 1973, p. 311) Antônio Moraes da Silva, em 1813, em Lisboa, cita a “Luta da Capoeira” praticada por negros, mestiços e índios no Brasil, em seu livro “Dicionário da Língua Portuguesa” Lisboa – Typografhia Lacerdina – 1813 Tomo I pág 343. (Rocha, 2002, p. 12). Continuando, Filho reporta: “Pereira da Costa também inclui no seu vocabulário este verbete: “capoeira, luta ou espécie de exercício ou jogo atlético, praticado por indivíduos de baixa esfera, vadios, desordeiros, e no qual os lutadores esgrimem cacetes e facas, e servindo-se ainda, em passos próprios, que obedecem umas certas regras e preceitos dos pés e da cabeça, valentes, ágeis e ligeiros, vencem os adversários.” Em tais jogos, trazidos pelos africanos – acrescenta o autor citado - , sucumbe um dos lutadores; às vezes, gravemente feridos, ambos perecem. “Vem daí a extensão do termo ao indivíduo que se exercita no jogo 30 da capoeira, que, aliás, é também extensivo hoje a toda a sorte de desordeiros pertencentes à ralé do povo, entes perigosíssimos, por isso que, sempre armados, matam a qualquer pessoa inofensiva, só pelo prazer de matar.” (FILHO, 1973, p. 307). “O Conselheiro Macedo Soares (Antônio Joaquim) publicou em 1943 este extrato então inédito do seu Dicionário da Língua Portuguesa: ”Capoeira, s.m., moleque que toca capoeira, moleque de campo, onde passa vida airada, de vadio, que leva a dormir e brincar, e se diverte tocando capoeira. ”O dicionarista foi adiante: “Moleque da cidade, malandro, que não sai da rua, onde se dá á peraltagem dos capoeiras. ”E ainda: “O criado livre nas mesmas condições. ”Por fim, a peraltagem dos capoeiras, que, à princípio, consistia somente em exercícios de força e agilidade muscular, e depois passou pau e faca, como bem define Beaurepaire Rohan”. E mais: “O vadio, peralta, livre ou escravo, dado ao exercício da capoeira, fazendo ofício da capoeira.” O mesmo dicionarista: “Capoeirada, bando de capoeiras; ação de capoeira. Capoeiragem, exercício da capoeira”.” (Ibidem, 1973, p. 309 e 310). “Bem sei que o jogo foi recriminado até mesmo por homens de formação cultural; mas não lhe dou minha adesão. Silvio Romero chegou ao extremo de impressionar-se com os efeitos distorcidos da luta nacional por excelência, a ponto de referir-se a ela como se constituísse um cancro. O famoso polígrafo e outros expoentes da nossa cultura deixaram-se levar pelas crônicas policiais.” (Ibidem, 1973, p. 308). 31 “Essa imagem perverteu o ânimo daqueles que, por falta de cultura, se valeram da capoeira para o mal. A imagem influenciou o registro de Alberto Bessa no livro dedicado à gíria portuguesa: “capoeira, jogo de mãos, pés e cabeça, praticado por vadios de baixa esfera (gatunos).”” (Ibidem, 1973, p. 316). Finalizando Filho, nos contempla com sua visão sobre a opinião dos autores que citou, com a qual concordamos plenamente: “Sublinho que as conotações dos historiadores, memorialistas e dicionaristas não guardam a precisão vocabular coincidente com a verdade encontrada na ciência dos sociólogos.” (Ibidem, 1973, p. 309). Á semelhança de Filho, Muniz Sodré, na orelha do livro de Carvalho (2002), também tece seu breve comentário sobre o termo capoeira interpretado por dicionaristas, em que na sua visão, deve ser revista após o passar do tempo. De acordo com Sodré: “Por volta de 1901, um dicionário de “gíria portuguesa” definia capoeira como “jogo de mãos, pés e cabeça, praticado por vadios de baixa esfera (gatunos)”. Isto não está inteiramente correto, uma vez que, naquela época, o termo já designava principalmente um tipo social, bastante temido por suas habilidades e tropelias. Por outro lado, não era composta de gatunos a maioria dos grandes capoeiras da época e, ademais, havia alguns “vadios” de alta esfera, pelo menos no Rio de Janeiro, entre os praticantes do jogo. Seja como for, um século depois, a definição tem de ser revista, pois a capoeira entrou nos costumes, virou fato cultural e ganhou o mundo.” (CARVALHO, 2002). 32 Como podemos notar, parte do preconceito que hoje atinge a capoeira, remonta a estas análises etimológicas e definições passadas, que não contribuem muito em relação à discussão da origem da capoeira. Mas nem todos os autores embarcaram nestas definições preconceituosas com relação à capoeira, segundo Campos: “Outro argumento para o vocábulo é a existência, no Brasil, de uma ave chamada Capoeira (Odontophores Capueira-Spix) que se acha espalhada por vários estados brasileiros, além de ser também encontrada no Paraguai. “Essa ave é também chamada de Uru, uma espécie de perdiz pequena que anda em bandos e no chão”. Antenor Nascimento, em 1955, na Revista Brasileira de Filologia, explica que o jogo da Capoeira se liga à ave, informa que o macho da capoeira é muito ciumento e por isso trava lutas tremendas com o rival que ousa entrar em seus domínios. Concluindo que naturalmente os passos de destreza desta luta, as negaças, foram comparados com os destes homens que, na luta simulada para divertimentos, lançavam mão apenas da agilidade. Existe ainda o vocábulo português Capoeyra que significa “ cesto para guardar capões”. “ (CAMPOS, 1998, p. 19). Sobre a ave ”Uru” é desconhecida uma maior abordagem relativa ao estudo da capoeira. Após analisar a obra “Ornitologia Brasileira” de Helmut Sick (1997), umas das maiores referências para os biólogos, médicos veterinários e principalmente ornitólogos, não encontramos nenhuma semelhança com o que Antenor Nascimento citou. Nascimento poderia até ter extraído tais considerações de outra referência e mais antiga, visto que a citada Revista Brasileira de Filologia foi publicada em 1955. Diferentemente, 33 Sick descreve que o território da Uru, era defendido por toda a falange ou bando e não somente pelo macho “ciumento”, sentimento este geralmente iniciado em época de reprodução (a não ser que tal ciúme fosse relativo ao território), o que também não consta, pois como Sick relata, “aparentemente são monógamos”. A única correspondência seria um dos locais de ocorrência da ave “capoeiras sombrias”, em vários estados brasileiros, que provavelmente teria batizado a ave “Uru” e ou “Capoeira” com o nome científico Odontophorus capueira. Como a obra de Helmut Sick é desconhecida da grande maioria dos capoeiristas, não sendo citada em nenhum trabalho pertinente a capoeira e com o intuito de democratizar e ampliar um debate maior, transcrevemos no ANEXO 1 a parte de sua obra que relata o estudo na íntegra da referida ave, que desperta até hoje, certa curiosidade por parte dos capoeiras. Filho, completa e finaliza sua versão da origem do jogo da capoeira e de seu termo. “Em face destes estirões etimológicos exibidos entre tantas jogadas ilustres, sinto-me um simples espectador. Encerro o jogo com esta súmula de Waldeloir Rego: Brasil Gerson, o historiador das ruas do Rio de Janeiro, fazendo a história da rua de D. Manoel, informa que lá ficava o nosso grande mercado de aves e que nele nasceu o jogo da capoeira, em virtude das brincadeiras dos escravos que povoavam toda a rua transportando nas cabeças as suas capoeiras cheias de galinhas. Partindo dessa informação é que o pioneiro de nossos estudos etimológicos, o ilustre Mestre Antenor Nascentes, se escudou para propor novo étimo para o vocábulo capoeira, designando o jogo atlético, assim como praticante do mesmo. Por carta de 22 de fevereiro de 1966, que tive a honra de receber, Nascentes deixa bem claro o seu pensamento: “ A etimologia que eu 34 hoje aceito para capoeira é a que vem no livro de Brasil Gerson sobre as ruas do Rio de Janeiro.” Eis o flagrante que a crônica registra: Como galos de rinha, dois homens defrontam-se em posição de ataque, agachados no meio da roda. De repente, pernas sobem do chão em vôo elástico; entre gingas, negaças e golpes coreográficos, rodopios ao som de chulas como estímulos à agressividade.” (FILHO, 1973, p. 315). E Campos, reafirma quanto ao termo original capoeira, que refere-se à mata, herdado do tupi: “Atualmente, são quase unânimes os tupinólogos em aceitarem o étimo Caá, “mato, floresta virgem”, mais Puëra, pretérito nominal que quer dizer “o que foi, o que não existe mais”.” (CAMPOS, 1998, p. 19). Campos, completa ainda com outras concepções do vocábulo, citando o dicionarista Aurélio Buarque de Holanda Ferreira: “Semanticamente, falando, o vocábulo comporta várias acepções, conforme consta do dicionário de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira: Capoeira 1, s. f. - Gaiola grande ou casinhola onde se criam e alojam capões e outras aves domésticas. Capoeira 2, s. f. - Terreno em que o mato foi roçado ou queimado para cultivo da terra ou para outro fim. Jogo atlético constituído por um sistema de ataque e defesa (...). Capoeiragem, s. f. - Sistema de luta dos capoeiras. Capoeirada, Capoeirano, s. f. - Conjunto de capoeirista. s. f. – Morador de terras de capoeira.” (Ibidem, 1998, p. 19 e 20). 35 Soares, nos conta como origem do termo ligado ao jogo, poderia ter nascido dos carregadores dos cestos chamados “Capú”, carregados pelos “capoeiros”, reforçando o que diz Filho em sua finalização em que cita Waldeloir Rego citando Nascentes, que por sua vez concorda com Brasil Gerson: “Em artigos escritos para o jornal Rio Esportivo entre Julho e Outubro de 1926, o estudioso argentino radicado no Brasil, Adolfo Moralles de Los Rios Filho, fez cuidadosas observações etimológicas.” (SOARES, 1999, p. 22). Sobre as idéias do pesquisador argentino Soares nos conta que este achava muito estranho que escravos fugitivos preferissem as capoeiras, as quais eram e são denominados os campos abertos, do que o alto dos morros ou matas fechadas, para um confronto com os Capitães-do-Mato, bem armados e a cavalo. O autor, como nos conta Soares, via com zombaria a temeridade de usar golpes de capoeira contra jagunços com armas de fogo em terreno aberto. Descartada esta hipótese, Adolfo Moralles parte para a seguinte, que Soares traduz logo abaixo: “Com efeito, os grandes cestos carregados pelos escravos no período colonial para desembarcar e carregar mercadorias eram chamados “Capú”. Esses escravos, como carregadores quase exclusivos dos grandes cestos, muitos colocados ao ganho, se tornariam, segundo a lógica do autor, “capoeiros”, ou aqueles encarregados de carregar o “Capú”, como açougueiros, leiteiros e aguadeiros formariam outros tantos ofícios da escravaria urbana.” (Ibidem, 1999, p. 22 e 23). Adolfo Moralles buscou no “Cá” indígena, que se refere a qualquer material oriundo da mata, da floresta, com o “Pú” referente a cesto, indicando o termo nativo que significa cestos feitos com produtos da mata: “Cá-Pú”. Na citação logo a seguir, percebemos a origem da capoeira em um 36 ambiente urbano. O autor chega a entrar em detalhes sobre onde à gênese teria ocorrido: a praia da Piassava, atual rua Dom Manuel, antigamente fronteira com o morro do Castelo, local predileto de embarque e desembarque do Rio pré-joanino. Local onde, segundo Soares, décadas depois seria marco da fronteira entre Guyamús e Nagôs, as maltas que dividiriam o Rio na segunda metade do século XIX, e local onde mais tarde ainda, sofreria uma ampla reforma pelo Prefeito Pereira Passos, com o desmonte do morro do Castelo, quando provavelmente perdemos muitas informações arqueológicas e histórico-sociais. “Nas hipóteses do estudioso, a capoeira como luta teria nascido nas disputas da estiva, nas horas de lazer, nos “simulacros de combate” entre companheiros de trabalho, que pouco a pouco se tornaram hierarquias de habilidades, onde se duelava pela primazia no grupo. Dessas disputas de perna teria nascido o “jogo da capoeira” ou dança do escravo carregador do “Capú”.” (Ibidem, 1999, p. 23). Sobre os estudos etimológicos podemos concordar com a teoria de Moralles acima, descrita por Soares, como a mais plausível, pois o termo “capoeira” pode parecer distante quanto ao real simbolismo da prática da capoeira, se não levarmos em conta a origem do nome do cesto, o que e quem os carregava. É comum encontrarmos vários autores escrevendo que era nas capoeiras, terreno de mato ralo ou cortado, etc., onde a luta capoeira era treinada, praticada ou mesmo onde aconteciam os combates dos escravos fujões com os Capitães do Mato, etc. Tais autores cometeram o equívoco de propagar mais um mito ou propagar idéias e crenças pessoais, como semiverdades, já discutidas anteriormente, sem nenhum embasamento teórico, ao qual foi até motivo de zombaria por parte de Moralles, como visto anteriormente. 37 Outra hipótese bastante relevante sobre o termo capoeira é a que Vieira & Assunção nos apresentam, pois eles dizem que o uso indiferenciado do termo capoeira tanto para técnicas de combate quanto para grupos à margem da sociedade colonial, sugere que o primeiro significado se tenha criado por extensão do segundo, sugerindo então, curiosamente, um processo de reversão da metonímia “res pro persona”, em virtude das circunstâncias históricas que, de acordo com uma das hipóteses mais difundidas, teria dado origem ao nome da luta. Segundo os referidos autores: “Pode reforçar a hipótese, já antiga, de que o nome capoeira para a arte marcial deriva do vocábulo tupi para designar a mata secundária, na medida em que parece haver algum tipo de associação entre estes grupos e a capoeira-mata. A diferença é que se trataria das capoeiras da periferia urbana do rio de Janeiro, e não, como antes se argumentava, das capoeiras do interior nordestino.” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 98). Considerando e reafirmando este fato, lembramos que um dos significados já vistos da palavra capoeira, corresponde ao mato que já foi cortado, mato baixo, etc; e que as matas aos arredores da cidade do Rio de Janeiro foram devastadas para o cultivo do café, para a exploração do território, consumo de lenha e aproveitamento das madeiras de lei, tanto que após a verificação da falta d’água devido ao desmatamento, o Imperador Dom Pedro II ordenou o reflorestamento de parte do território, onde se encontravam principalmente os mananciais e que hoje conhecemos como Floresta da Tijuca, e a proibição do corte das madeiras de lei (HEYNEMANN, 1995). Vieira & Assunção citam que durante muitos anos, um dos principais debates da historiografia sobre o tema girou em torno da origem da palavra que dá o nome à luta. Referindo-se aos discursos que estruturam o campo 38 de estudo da capoeira, mencionados no artigo deles, os referidos autores não estranham o fato de ter surgido três etimologias diferentes, apontando ora para a origem tupi, ora para a origem portuguesa ou africana da palavra. Continuando, segundo os esses autores: “Mais importante que a origem da palavra é hoje a pergunta: que significado recobre a palavra capoeira a partir do momento em que aparecem nas fontes, no início do século XIX, não para designar os outros significados do termo, (gaiola, cesto, ou terreno com vegetação secundária) mas para designar uma técnica de luta ou pessoas associadas a esta luta? Pode-se, de fato, notar uma tendência comum a muitos estudiosos de minimizar as mudanças semânticas que ocorreram desta época para cá, e que nos devem levar a questionar esta suposta “essência” de uma capoeira atemporal.” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 95). Sobre a origem africana da palavra capoeira os mesmos autores citam Nei Lopes (1996) e Gerhard Kubik (1979): “Para a tese da origem umbundo da palavra kapwila (espancar, bofetada, tabefe) ver Lopes (ca. 1996, p.750. Outra hipótese foi levantada por Kubik (1979, p.29), sugerindo que se tratava de uma espécie de senha entre escravos que se preparavam para a fuga: “I think that Capoeira may well have been a code word by the Angolans in Brazil for their secret training. Perhaps there was really something like an ‘operation capoeira’, in the making. In this case the Portuguese term capoeira, meaning chicken coop, would have been used as a symbol for something much more ‘classified’. This was probably kept secret for a long time. If capoeira is indeed 39 an Angolan word its coincidental phonemical identidy with the Portuguese word meaning ‘chicken coop’ could have been accepted by the freedom fighters with a great laugh. In this case they could speak the word into the White Man’s face and enjoy the fact that he was only able to know the stupid meaning it had in his own language, unable to discover what it meaning to the Angolans in Brazil”.” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 112). Finalizando, os mesmos autores assim se reportam sobre a palavra capoeira: “De fato, a palavra capoeira era usada tanto para designar uma prática, quanto para um grupo de pessoas.”. Continuando, os mesmos autores: “Como já enfatizou Holloway (1989b, p. 649), é importante estar atento para os diversos significados do vocábulo, nesta época, para não incorrer confusões, nem anacronismos.” (Ibidem, 1998, p. 98). Deixando as origens etimológicas, passaremos a outros tópicos sobre as suposições relativas à origem da capoeira. Alguns autores chegam a especular, outros até afirmam, o Quilombo dos Palmares como um lugar onde havia a prática da capoeira, mas como demonstrado anteriormente nada se pode afirmar sobre a capoeira nesta época, sendo a capoeira em Palmares, mais um mito, apesar de concordarmos na fecundidade do lugar, dos personagens, do momento e do meio, que seria propício e oportuno para a origem da capoeira ou outra prática semelhante, pois se encontravam ali, negros, índios e brancos de várias nacionalidades, o que não descarta que, provavelmente, técnicas de luta e guerrilhas tivessem sido criadas e estudadas durante a longa existência do Quilombo. De qualquer forma, atualmente, Palmares e Zumbi são símbolos de resistência e liberdade para vários grupos e segmentos sociais, inclusive para muitos capoeiras. 40 Apontando para as Teorias voltadas à origem africana da capoeira Silva reporta Édison Carneiro, que nos diz serem os angolas, os iniciantes da prática da capoeira: “Édison Carneiro, em Religiões Negras, afirma que o folclore regional está fortemente impregnado de elementos bantos – os cucumbis, o samba, a capoeira, o batuque, os ranchos de boi-alegando ainda que, inicialmente, a capoeira era praticada entre os angolas, não como meio de defesa, mas como dança religiosa. Haja vista que hoje, na Bahia, a luta entre os capoeiras nas “rodas” é precedida de um verdadeiro ritual, cânticos e musicas de berimbau, chocalhos e pandeiros. No seu misticismo religioso, rezando ou esperando o Santo, o angola ia exacerbando os seus movimentos, sua ginga, seus saltos, seu bamboleio, até atingir verdadeiro paroxismo. Essa prática desenvolvia nele uma incrível agilidade.” (SILVA, 1995, p. 11). Vieira & Assunção, nos contam sobre o N’golo, praticada em uma região de Angola, o qual muitos mestres e capoeiristas atribuem, sem nenhuma comprovação científica, a origem da capoeira, na tentativa de reafirmar e reforçar uma identidade original negra: “O N’Golo foi descrito pelo escritor Neves de Souza, na década de 1960, como uma dança de iniciação numa região de Angola, onde se usava o pé para atingir o rosto do adversário. Câmara Cascudo foi o primeiro a atribuir a origem da capoeira ao N’Golo, seguido por muitos outros capoeiristas. No entanto, falta até hoje uma descrição mais detalhada desta “dança das zebras” que continua a inspirar grande número de praticantes da capoeira. Outros possíveis 41 ancestrais seriam uma luta de pescadores chamada de bássula e uma dança de nome umudinhu (cf. Soares, 1995, p.24).” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 111). O Mestre Nestor Capoeira, o Neto (1998), mostra que a camuflagem da luta capoeira em dança não existiu, com a qual concordamos, pois a prática de danças e rituais eram proibidas e raramente aceitas, além de levantar a falta de evidências concretas com relação à origem da capoeira nos quilombos e mencionar outros autores com relação às teorias da origem da capoeira, e também o N’Golo. O fato de a capoeira ser uma luta e um jogo dançado, não corresponde diretamente a uma camuflagem em dança. Continuando, segundo Neto: “Além desta teoria sobre as origens da capoeira – mistura de danças, lutas e rituais africanos, acontecida no Brasil durante o século XIX” – existem várias outras. Uma teoria muito popular afirma que “a capoeira era uma luta que se disfarçou em dança, para escapar à perseguição dos feitores e senhores de engenho”. Coisa pouco provável. As danças africanas também estavam sendo reprimidas, e portanto não havia sentido em disfarçar a capoeira em dança. Outra diz que os jovens guerreiros mucupes, do Sul de Angola, durante a efundula – quando as meninas passavam à condição de mulher -, realizavam o n’golo (a dança das zebras). O guerreiro que mais se destacasse podia escolher uma noiva sem pagar o dote ao pai dela. O n’golo seria a própria capoeira, que seria praticada na África antes de vir para o Brasil. Esta teoria foi apresentada, em 1967, pelo eminente estudioso Luís da Câmara Cascudo. Mas no ano seguinte, Waldeloir Rego, no excelente Capoeira angola, nos alertava 42 contra esta “estranha tese”, que deveria ser encarada com reservas até que fosse devidamente comprovada (o que nunca aconteceu). Se é que n’golo existiu, é provável ter sido uma das danças-lutas que foram absorvidas pela capoeira primitiva descrita por Rugendas em 1824. Outras teorias misturam Zumbi dos Palmares, e os quilombos, com as origens da capoeira, sem nenhuma evidência ou prova além da imaginação de capoeiristas e “estudiosos”.” (NETO, 1998, p. 37 e 38). De acordo com Édison Carneiro citado por Silva (1995) e Câmara Cascudo citado por Neto (1998) a capoeira era praticada como uma dançaritual religioso, com um fundo social e cultural característico. Pierre Dru é um pesquisador conhecedor do N’golo. Lussac recebeu um e-mail em 15/02/2004, onde consta o trecho de uma entrevista deste pesquisador falando sobre o N’golo (ANEXO 2). Neste trecho também consta o site, onde pode ser encontrada a interessante entrevista na íntegra. Campos descarta a origem africana da capoeira: “Convém lembrar que vários pesquisadores que estiveram na África, principalmente em Angola, jamais encontravam vestígio algum de uma luta parecida com a nossa Capoeira. Ainda para reforçar esta hipótese do aparecimento da Capoeira no Brasil, não existem nomes de golpes nem de toques em língua africana, como por exemplo no Candomblé. Uma indagação que pode ser feita é a seguinte: por que os africanos não preservaram a linguagem da capoeira como fizeram com tantas outras manifestações vindas com eles da África.” (CAMPOS, 1998, p. 17 e 18). 43 Concordamos com Campos no que se refere à preservação da linguagem, pois no candomblé esta foi preservada, apesar de ser uma hipótese para esta perda da linguagem, a aculturação sofrida pela capoeira do início ao fim do século XIX, período em que ela deixou de ser praticada somente por negros africanos e passou a ser praticada por vários agentes da classe social, predominantemente da classe baixa, mas não mais africanos como antes, parcela esta cada vez mais reduzida. A hipótese que aqui elaboramos ganha força ao constatar que no Rio Antigo, a capoeira não era praticada com música específica, podia até ser, mas de forma diferenciada da que conhecemos hoje, então, o canto e os instrumentos à que o autor se refere, não poderiam ser culturalmente preservados. Quando colocamos “com música específica”, queremos dizer como a conhecemos hoje e como era praticado no início do século XX na Bahia. No Rio, possivelmente a capoeira poderia ser praticada junto a batucadas. Mesmo assim, a verdade é que não existe nenhum termo lingüístico africano empregado na capoeira. A respeito disto, está o uso do berimbau, que antigamente era utilizado por vendedores e ambulantes, e atualmente é instrumento símbolo da capoeira e que foi incorporado à capoeira aos poucos, até se tornar o principal, pois hoje em dia, há quem diga que: não há roda de capoeira sem berimbau. Silva completa sobre Angola, citando o professor austríaco Gerhard Kubic: “Em trabalho publicado pela Xerox do Brasil, o professor austríaco Gerhard Kubic, antropólogo e membro da Associação Mundial de Folclore, conhecedor de assuntos africanos, diz estranhar “que o 44 brasileiro chame capoeira de Angola, quando ali não existe nada semelhante”. (SILVA, 1995, p. 10). Apesar de Campos colocar que em Angola não foi encontrada nenhuma luta parecida com a capoeira, assim como o pesquisador citado logo acima, que estranha o brasileiro chamar a capoeira de capoeira angola, convém lembrar que Angola assim como toda a África sofreu com guerras e destruições de culturas, artes, entre outras, e que não conhecemos ainda suficientemente este enorme continente e suas variações para fazer afirmações prematuras. É notória porem, a semelhança de danças e práticas culturais com a capoeira e outras existentes no Brasil, sendo, portanto ingênua e precipitada qualquer descarte da contribuição africana à capoeira neste sentido. Podemos pensar que Gerhard Kubic errou ao ligar o nome Capoeira Angola ao país Angola, seria mais correto se voltasse sua análise para o discurso Capoeira Angola versus Capoeira Regional, que veremos adiante. Como observamos, a capoeira não existe na África, pode até ter existido, além de que, a capoeira aqui, não tem elementos africanos com relação à linguagem, salvo a possível exceção da hipótese formulada anteriormente. Segundo o pesquisador Waldeloir Rego, a capoeira seria uma criação dos africanos no Brasil: “... tudo nos leva a crer que seja a capoeira uma invenção dos africanos no Brasil, desenvolvida por seus descendentes Afro-Brasileiros, tendo um vista uma série de fatores colhidos em documentos escritos e sobretudo no convívio e diálogos constantes com os capoeiristas atuais e antigos que ainda vivem na Bahia.” (REGO, 1968, p. 1). 45 Campos complementa, dizendo quando os negros começaram a vir para o Brasil oficialmente, dando-nos uma idéia do começo da diáspora africana no Brasil. “O documento mais antigo legalizando a importação de escravos para o Brasil, inclusive indicando o local de procedência, é o alvará de D. João III, de 29 de março de 1559, que permitia que fossem importados escravos de São Tomé. Porém, um ponto de vista é quase unânime entre os historiadores, no que concerne à hipótese de terem vindo de Angola os primeiros escravos, assim como sendo originária de lá a maior parte de negros importados.” (CAMPOS, 1998, p. 17). Foi comum e ainda se encontram textos sobre a história da capoeira, enfatizando o aprisionamento do africano pelo branco escravizador, que o capturava em suas aldeias e os remetiam para seu destino através dos “tumbeiros” (chamados assim devido ao alto índice de mortalidade durante a viagem), também conhecidos como navios negreiros. Este discurso, estava calcado no anti-branco, em seu sentido amplo, como forma de reforçar ainda mais a “culpa” dos brancos por toda esta negra história, as quais as seqüelas são sentidas e percebidas até os dias atuais; hoje, sabe-se que a grande maioria das capturas de africanos para o trabalho escravo, era realizada por africanos de tribos e ou nações rivais, que os vendiam e ou trocavam por mercadorias, em forma de escambo; o que não diminui em nada, a “culpa” de todos que participaram do ciclo escravo. Rocha nos diz como ocorria o processo de aculturação que os africanos recém chegados por aqui passavam, um método de protecionismo empregado pelos colonizadores escravocratas e como tal, poderia interferir na perda da linguagem discutida anteriormente: 46 “Os negros ao chegarem no Brasil sofriam um processo de desaculturação, oriundo de centenas de tribos onde cada uma possui seu próprio dialeto e cultura, ao aportarem no mercado de escravos havia o cuidado de mesclar os grupos para perderem a identidade étnica começando com a troca do nome,...Desta forma impediam a organização de revoltas, pois os escravos tinham dificuldades em se comunicar, dificultando por seus idiomas manifestarem suas se diferenciarem, culturas. Esta convivência levou a uma nova fusão cultural.” (ROCHA, 2002, p. 10). A capoeira seria parte desta nova fusão cultural. A aculturação e a perda da linguagem devido a sua não utilização, não acarretaria diretamente a perda da cultura gestual, corporal, por onde a capoeira, ou a sua primitiva matriz, poderia estar preservada e seria transmitida. Chegando ao Brasil, depois de destinados aos seus senhores através da venda no mercado de escravos, onde no ato do desembarque era pago à fazenda Real a “sisa” (direitos sobre a mercadoria importada, na qual o Fisco auferia renda apreciável), estes escravos eram submetidos, como sabemos, a trabalhos forçados, sob coação e castigos, tanto no meio urbano como no rural: nas lavouras, na pecuária, minerações e outras infinidades de trabalhos pesados, onde eram alojados nas senzalas, vivenciando o horror e as humilhações deste sistema nefasto. Não sendo a história da escravidão nossa prioridade nesta pesquisa e até porque, se trata de uma ampla, longa e polêmica história, passamos para outro enfoque. Outras lutas se assemelham muito à capoeira, podendo-se até dizer que seriam primas. 47 “Segundo o pesquisador norte-americano Robert Farris Thompson, há duas lutas negras caribenhas que guardam alguma semelhança com a capoeira brasileira: Mani ou Bombosa, de Cuba e Lagya da Ilha de Martinica”. (REIS, 1997, p. 23). O Mestre André Luiz Lace Lopes (1999), nos dá sua visão sobre a origem da capoeira e seu termo, confirmando as várias versões e o grande número de repertórios, tão ricos, como diz, quanto à própria capoeira, citando ao final o saudoso e querido Mestre Pastinha, segundo Lopes: “Sabe-se que os Papuas (Oceania), já no século XVI, praticavam uma modalidade de luta com os pés. É muito provável que eles, nômades que eram, tenham propagado tal luta por quase toda à África. Via navio negreiro é perfeitamente possível que ela tenha desembarcado, mais tarde, no Rio, na Bahia e até em Pernambuco. E aqui chegando, sincretizou-se com as culturas indígenas e a européia. Quanto à origem etimológica, o negro escravo, que fugia para os capões, que fugia para os quilombos, que fugia para as capoeiras, pode ter, até involuntariamente, sugerido o nome CAPOEIRA. São versões, o repertório é grande, rico como a própria capoeira. Vicente Ferreira Pastinha, o famoso e querido Mestre Pastinha, com 74 anos de idade e um dos maiores mestres da Capoeira ANGOLA, não acredita que a capoeira tenha-se formado na África: “Mestre Benedito, que me ensinou a pular, era africano e nunca disse que lá havia capoeira.”” (LOPES, 1999, p. 45). 48 Vários tipos de luta, lutas primitivas, regionais, eram e até hoje são praticadas em várias partes do mundo, desde em tribos indígenas brasileiras, como a Uca Uca e a Maraná ou como na “Ilha da Reunião (França), Oceano Índico, África, onde se pratica o Moringue”. (LOPES, 1999, p. 81). “As mais conhecidas são o maní de Cuba, a ladja da Martinica e o Kalinda de trinidad.” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 113). Isso sem contar com as lutas européias, ocidentais e orientais, mais difundidas e conhecidas por todos nós. Segundo Vieira & Assunção: “existiram e ainda existem lutas/danças/jogos de escravos africanos nas Américas, alguns dos quais continuam existindo até hoje, embora tenham sofrido transformações similares às da capoeira brasileira. 25 Entre elas é importante salientar a ladja, praticada na martinica, cuja semelhança com a capoeira é, de fato, impressionante. Não só do ponto de vista técnico da execução dos movimentos (verifica-se a presença de movimentos como a armada, queixada, meia-lua e diversos outros) como, o que é mais impressionante, o fato de congregar aspectos lúdicos, musicais (praticase ao som de atabaques) e de combate corporal.” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 95). Complementando, Vieira & Assunção, nos fornecem a idéia do quanto de práticas que poderiam ter contribuído para a formação da capoeira já desapareceram: “Mesmo no Brasil, temos notícia de uma série de manifestações negras, isto é, praticadas por escravos, libertos e seus descendentes, que associavam música, dança e alguma forma de luta corporal. Muitas, como o 49 batuque, têm desaparecido, e só nos restam escassas referências em relatos dos viajantes ou outras fontes.” (Ibidem, 1998, p. 95 e 96). Vieira afirma que a bibliografia sobre as lutas de origem africana é considerável, embora pouco divulgada no Brasil, como podemos ver: “Podemos citar entre outros, o Manuel de Lutte Africaine, publicado no Senegal, em 1993, em dois volumes; Techniques et Apprentissage du Moring Réunionnais, editado pelo Comité Réunionnais de Moring de Reunião (ilha da costa oriental da África); Combat Games of Northern Nigeria, de Edward Powe, editado em 1994. ... interessante livro de Josy Michalon, intitulado Le Ladja: Origines et Pratiques sobre a modalidade de luta-dança denominada ladja, praticada na Martinica (Ilha do caribe). Naquele livro encontram-se interessantes informações sobre uma forma de luta praticada no Benim, associada à festa da colheita do inhame, que seria ancestral da ladja. Há, também, um grande número de pequenos artigos abordando modalidades específicas de jogos de combate praticados na África”. (VIEIRA, 2003a, p. 10). As referidas bibliografias citadas por Vieira, são recentes. Convém lembrar que o continente africano sofreu (e sofre) com guerras, foram dizimadas populações, tribos, aldeias, nações, gerações, culturas e muito mais, o que pode ter apagado para sempre, e podemos afirmar com quase certeza, várias práticas culturais de lutas e jogos de combate. Também lembramos que o continente africano ainda é tão pouco conhecido pelos brasileiros como o tanto que este influenciou a nossa cultura. Segundo o referido autor: 50 “constatamos que a África se constitui em um universo cultural riquíssimo, mas que infelizmente, a escola e os meios de comunicação no Brasil negligenciam. Conseqüentemente para nós, brasileiros, embora fortemente ligados por nossas raízes ao continente africano, conhecemos muito pouco da realidade daquele continente.” (Ibidem, 2003a, p. 11). O autor também nos mostra, que há atualmente um número muito grande de modalidades de lutas praticadas em todo o continente africano, sendo muitas sistematizadas, com regulamentos de competição, classificação de golpes e metodologias de treinamento, inclusive com aulas estruturadas em jogos e brincadeiras para trabalhos com crianças e adolescentes e o reconhecimento por organismos internacionais, como a Fédération internationale de Lutte Amateur. Ressalta outro aspecto importante para ele, pois a maior parte das modalidades de luta tradicionais africanas registradas na bibliografia consistem em lutas corpo-a-corpo, o que as diferencia da capoeira, eliminando preliminarmente, algum vínculo distante com a capoeira. (Ibidem, 2003a). Vieira menciona, que a maioria das práticas de luta africana estão relacionadas e mantém estreitos laços com seus aspectos culturais, como observamos abaixo: “Há uma variação muito grande nas técnicas adotadas em cada modalidade específica, mas percebe-se que há um significado que aproxima diversas práticas de lutas africanas: em geral estão associadas a aspectos culturais importantes e não são apenas modalidades esportivas, da forma como encaramos a maioria das atividades físicas no ocidente.” (Ibidem, 2003a, p. 11). 51 Uma preocupação que Vieira ressalta é o processo de institucionalização destas lutas africanas, que se assemelha muito à da capoeira, pois assim como a capoeira, a introdução destas práticas de luta nas escolas, academias e outras instituições, geraram uma deturpação e distanciamento da prática original, principalmente no que tange aos fundamentos e princípios que as regiam. Como exemplo (Ibidem, 2003a), o autor menciona que em Níger, a partir da década de 1980, diversas modalidades de lutas foram incluídas em programas escolares de educação física, passou-se a organizar campeonatos e a luta tradicional, foi eleita o “esporte nacional”. Transformados em esportes competitivos, as lutas nacionais deixaram de cumprir sua função de preservar a cultura das comunidades, submetendo-se a lógica do esporte. A prática da luta estava ligada ao ciclo de festas religiosas e das colheitas, envolvendo toda a comunidade em um calendário cíclico e típico das colheitas, que por sua vez estão ligadas ao clima, época do ano, tipo de alimentação, entre outros fatores geo-sociais. “Assim como boa parte dos países africanos, o Brasil é um país de modernização recente, e muitos aspectos das tradições populares vêm se integrando à cultura urbana e de massa nos últimos quarenta anos. No caso da África, temos o importante fato de que é a partir do início da década de 1960 que ocorre o processo de independência dos países que, até então, figuravam como colônias de metrópoles européias.” (Ibidem, 2003b, p. 11). “É preciso lembrar também que, com o processo de expansão capoeiristas algumas da capoeira brasileiros dessas estabeleceram trocas pelo já mundo, tiveram modalidades culturais diversos contato africanas gerando o com e que poderíamos chamar de “refluxo” das tradições culturais 52 da capoeira em direção à África. Estudiosos africanos do tema já registraram comparações com a nossa capoeira, como a que transcrevemos a seguir: “Como a ‘capoeira’ brasileira, o moringue é então um valor cultural transmitido pelos ancestrais afromalgaches de geração em geração durante vários séculos. Os escravos africanos levados para Madagascar nos barcos árabes ou para as colônias do Oceano Índico pelos navios negreiros ocidentais levaram com eles este valor de sua cultura ancestral(...)”1.” (Ibidem, 2003b, p. 11). Assunção nos apresenta os “Juegos de palo en Lara”, praticados por homens do campo deste local, que fazem parte do universo das artes marciais venezuelanas, conhecidas como: “Garrote”, que servia e serve para fins recreacionais e desportivos e “Juego de Batalla”, que segundo o referido autor, esteve e está relacionada com a devoção a Santo Antonio, onde observamos na citação em seguida. Percebemos assim, como geralmente tais práticas de luta, estão relacionados com a cultura de uma sociedade, desde longas datas de sua formação e como algumas vão se transformando e se adaptando e ou vão sendo cooptadas pelo sistema social vigente: “diferentes modalidades practicadas desde siglo XIX por los hombres del campo em Lara, estado donde se conservo su práctica hasta hoy em dia. Mientras el Juego de Garrote servía y sirve para fines recreativos y desportivos, el Juego de Batalla era y es parte de la devoción a San Antonio. Los procesos criminales muestran como el uso Del garrote premitió la construcción de uma identidad masculina (<<el guapo>>) a través de las frecuentes rinãs entre 53 hombres em el período 1880-1930.” (ASSUNÇÃO, 1999, p. 55). Curiosamente, assim como a capoeira, são os processos criminais que ajudou o pesquisador a pesquisar os “Juegos de Palo”, que podem se assemelhar ao jogo de pau de Portugal, descrito no romance “O Cortiço” de Aloísio Azevedo e também registrado por Mello Morais Filho, relatando o confronto de um português jogador de pau com o capoeira carioca conhecido como Manduca da Praia. Vieira & Assunção afirmam que: “De fato, lutas-danças que usavam esgrimas ou bastões de madeira como arma eram freqüentes nas América, especialmente no Caribe, e os escravos reputados exímios lutadores.”, Continuando, os referidos autores: “No Brasil, sobreviveram estas tradições nos congos nordestinos, no maculelê do Recôncavo baiano, e possivelmente no maneiro-pau do Ceará.” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 96). No Haiti durante a recente convulsão social naquele país, a população (em sua maioria negra) enfrentou a tropa de choque desferindo pancadas com paus nas pernas dos opressores, logo abaixo dos escudos destes. Complementando, ainda os mesmos autores: “Uma outra série de “brincadeiras” consistia em derrubar um adversário com rasteiras, pernadas, ou umbigadas dentro de uma roda, como no batuque, praticado pelo pai de mestre Bimba, na pernada carioca, no samba duro baiano, no tambor de crioula maranhense, etc. Por esta razão é importante considerar a história da capoeira no contexto mais amplo das manifestações culturais afro-brasileiras, ou mesmo afro-americanas, sobretudo aquelas que, como a capoeira atual, associavam dança, luta e jogo. Certamente as influências e os empréstimos recíprocos entre as 54 diferentes manifestações foram importantes ao longo dos séculos, e provavelmente eram bem poucos os que se preocupavam então com a “pureza” delas. Assim, a integração de elementos do batuque na capoeira Regional pelo mestre Bimba pode ser vista não como a “primeira alteração” da capoeira, mas como a última antes da sua definitiva formalização e instituciuonalização.” (Ibidem, 1998, p. 96). Concordamos com as afirmações feitas pelos autores acima, a não ser, quando se referem ao batuque e ao mestre Bimba, onde dizem que tal prática poderia ser a última a ser integrada na capoeira, antes de sua definitiva formalização e institucionalização. Tal afirmação poderia ser considerada, se tratando da capoeira baiana, somente. Como veremos mais adiante, havia no Rio de Janeiro na mesma época, senão mesmo antes, atividades de capoeira em fase de formalização e institucionalização em que poderiam estar sendo incorporados novos elementos a capoeiragem carioca. Já Soares nos apresenta um outro interessante fato, um possível jogo-luta chamado “jogo de pancada”, contemporânea da capoeira do início do século XIX. Tal nomenclatura porem, poderia estar associada com a prática de uma briga comum e não como uma luta, jogo ou método de combate, e por isso ter recebido esta denominação: “Outro dado interessante destes livros de prisão é a menção ao “jogo de pancada”. Aparentemente é uma modalidade marcial de mesma natureza que a capoeira, apesar da menor freqüência com que se dava, e que se perdeu no tempo. Seria um tipo de luta com os punhos, como o boxe? Ou uma versão escrava da luta portuguesa conhecida como pau? O uso do termo “jogo” aponta uma coreografia, um conjunto de passos determinados, disseminados 55 socialmente, não uma simples briga de rua. De qualquer maneira, já na década de 1820 o jogo da pancada desaparece, reinando, soberana, a capoeira como luta escrava por excelência.” (SOARES, 2002, p. 77 e 78). Provavelmente técnicas de luta, de diferentes origens poderiam ter se inserido na capoeira, mas afirmamos que nenhuma das práticas de lutas mencionadas anteriormente, possam ter dado origem ou influenciado a capoeira de algum modo, seria muito prematuro afirmar isto. Aqui no Brasil, é possível que técnicas de luta, de diferentes origens possam ter se inserido na capoeira, ainda mais se imaginarmos que a capoeira se proliferou mais nos portos como no Rio, Bahia e Recife, e sendo os portos naquela época, o canal de saída e entrada de tudo o que vinha de fora e além mar, e justamente onde a capoeiragem mais se desenvolveu e disseminou. Os navegadores, além de ligar diferentes partes do Brasil, poderiam ter trazido desde técnicas de lutas européias à africanas, e também do oriente, considerando que a Índia, além de ser considerada o berço das artes marciais junto com a China (isso por ser o mais divulgado, sem contar o continente africano, como berço das civilizações, também pode ser considerado como berço das lutas), era rota e caminho para estes navegantes, lembrando que passava por boa parte do litoral da África, e também, até por que o termo ginga quer dizer balanço e vem da marinhagem. Os portos e seus arredores seriam, portanto, segundo a maioria das evidências, o berço originário da capoeira e até seu centro irradiador. Poderia a capoeira ser praticada durante algum momento de folga dos trabalhadores do porto, da estiva. Neto, completa nos dizendo sua opinião sobre todas estas teorias sobre a origem da capoeira no imaginário de seus praticantes, com a qual 56 concordamos plenamente, a não ser pela referida data, que achamos ser mais apropriado, nesta referência, o século XVIII, concordando com soares, como veremos logo adiante, sendo o século XIX, o período pelo qual esta “mistura” tenha se concretizado e ganhado uma maior velocidade de evolução, junto a um esboço mais definido do que já seria a capoeira: “No entanto, todas estas teorias têm seu valor. Apesar de não poderem ser aceitas como “verdade histórica” (seja lá o que isto queira dizer), elas nos dão importantes informações sobre o imaginário, os mitos e as lendas que rodeiam a capoeira e que habitam a cabeça de muitos capoeiristas. É também provável que a teoria que apresentamos aqui – “capoeira, mistura de danças, lutas e rituais africanos, acontecida no Brasil durante o século XIX, - se torne ultrapassada no futuro quando tivermos mais melhores informações sobre aquele período.” (NETO, 1998, p. 38). Ricardo Lussac (Mestre Teco – RJ) fornece uma concepção sintetizada sobre o surgimento da capoeira em um artigo seu escrito em 1995 e publicado em 1996. De acordo com sua concepção, descrita logo abaixo, ele nos fala que a liberdade, no entendimento amplo da palavra, foi à motivação principal, devido a necessidade dos negros escravos, para o surgimento da capoeira primitiva ou capoeira “antiga” e que esta surgiu após a condensação, absorção e troca de experiências, conhecimentos e informações da cultura existente no Brasil com as da terra natal dos escravos, a África: “A Capoeira surgiu da necessidade do negro escravo lutar pela sua liberdade. Com os conhecimentos de sua terra natal, a troca e absorção de novas informações, 57 com a cultura aqui existente, surgiu a forma primitiva de luta da capoeira”. (LUSSAC, 1996, p. 36). Já segundo Sérgio Augusto Rosa de Souza & Amauri A. Bássoli de Oliveira: “A capoeira, manifestação esportivo-cultural genuinamente brasileira, nascida como luta da classe dominada contra o regime da escravidão” (SOUZA & OLIVEIRA, 2001, p. 44). Os referidos autores, como visto, atestam a capoeira genuinamente brasileira e nascida da luta da classe dominada contra o regime escravocrata. André da Silva Mello nos dá sua visão sobre o tema, incluindo nele, o universo simbólico e motor, e a base cultural africana sobre a origem da capoeira, conforme acredita. Segundo este autor: “a capoeira constituiu-se numa manifestação de resistência em que o seu universo simbólico e motor era carregado de elementos da sua cultura ancestral africana, como a religiosidade, a musicalidade, movimentos e costumes, etc. Porém, esses elementos não se apresentavam da forma original, e sim readaptados à uma nova contingência social que se impunha. A capoeira foi criada sobre uma base cultural africana.” (SILVA MELLO, 2002, p. 3). Soares nos dá uma visão mais esboçada e ampla sobre a origem da capoeira, não acreditando numa simples “transladação” e sim num emaranhado de fatores mais complexos, enfatizando o legado africano e os caminhos sobre futuros estudos relativos ao tema: “Também não podemos esquecer o legado africano, tão poderoso no esculpir desta prática social. Longe estamos de renegar as raízes africanas da capoeira. Sabemos que as práticas lúdicas e marciais do distante 58 continente tiveram papel decisivo no moldar da capoeira escrava. Mas discordamos de que sua origem possa ser menoscabada, simplificada como uma simples transladação. O tema da origem da capoeira é complexo demais para ser dirimido em poucas palavras. Como outras práticas culturais “africanas” em terras americanas, acreditamos numa raiz marcada por uma convergência de gestualidades e ritmos diferentes, gestados por centenas de povos específicos que tiveram seus filhos jogados nos porões dos navios negreiros. Mas, aportando em terras brasileiras, estas práticas tiveram nova mutação. A experiência da escravidão, a novidade do ambiente urbano, pelo menos para muitos dos africanos, e o encontro com as instituições do opressor criaram um novo amálgama. Este amálgama ainda sofreu os impactos sérios do braço opressor do Estado colonial, principalmente depois de 1808, quando nasceu no Rio uma instituição criada especialmente para controlar a massa escrava urbana: a polícia. Com toda a certeza a capoeira deita raízes mais antigas, nos idos do século XVIII, ainda difuso e obscuro para os pesquisadores. Ou, até ainda mais remota – quem sabe?- perca-se sua gênese na escuridão dos tempos. Isso demanda pesquisas adicionais, e os estudiosos terão de apontar seus holofotes para as savanas africanas, a rica, complexa e remotíssima memória dos povos africanos, em busca de algum vestígio perdido.”.(SOARES, 2002, p. 576 e 577). 59 Finalizando, citamos Vieira que procurou demonstrar que a questão da origem torna-se secundária quando estamos examinando a trajetória de uma instituição cultural exatamente porque, regra geral, as manifestações da cultura surgem de outras anteriores a elas, e servem de base para o surgimento de outras tantas. O referido autor também menciona que como a diversidade de práticas e crenças dos africanos trazidos para o Brasil era enorme, torna-se muito complexa a questão de se identificar o momento do surgimento da capoeira, se a entendermos como uma prática cultural complexa, e não como desporto (VIEIRA, 2003). Após esta rápida explanação sobre as possíveis origens da capoeira, da qual não temos a certeza, podemos imaginar que a capoeira, mesmo que tenha tido uma matriz, originou-se realmente no Brasil, mesclando os vários elementos culturais aqui existentes e sendo moldada e transformada ao longo do tempo, de acordo com os momentos e situações por que passava, podemos acreditar até que, a capoeira seria a síntese de várias lutas, jogos e práticas guerreiras, que se fundiram numa cultura só, conhecida como capoeira, que serviu aos oprimidos para combater os opressores, para se divertirem como um jogo lúdico e para delimitar hierarquias dentro de determinados grupos sociais, visto que era um jogo de combate e seus praticantes eram testados a avaliados de acordo com os aspectos considerados de importância por tais grupos, atentando para o fato de estes grupos eram oprimidos também pela força. Como pudemos observar a origem da capoeira ainda está por ser desvendada ou pelo menos, melhor especulada. Foram apresentadas aqui várias hipóteses sobre suas possíveis origens. Todas estas hipóteses podem ter influenciado de uma maneira ou de outra, a formação do capoeira na qual o conhecemos, e conseqüentemente, também definido as bases da memória cultural e sócio-psicomotora destes. Passaremos agora a estudar os fatos verídicos da história da capoeira, que têm seu início no Rio de Janeiro. 60 1.2 - Capoeira: Fatos e História 1.2.1 – A capoeiragem carioca: do começo dos fatos históricos ao desmantelamento das maltas No intuito de ilustrar o momento histórico e o cotidiano da época, inicialmente transcrevemos uma crônica de Nireu Oliveira Cavalcanti, sobre o Rio Colonial, quando ele aborda a capoeira, falando de um escravo e seu senhor, num fato corriqueiro da época, século XVIII: “O Capoeira A ESCRAVIDÃO E SUAS CONTRADIÇÕES O mulato Adão, escravo de Manoel Cardoso Fontes, comprado ainda moleque, tornou-se um tipo robusto, trabalhador e muito obediente ao seu senhor, servindo-lhe nas tarefas de casa. Manoel resolveu explorá-lo alugando-o a terceiros, como servente de obras, carregador ou outro qualquer serviço braçal. Tornou-se Adão, deste modo, uma boa fonte de renda para seu senhor. Com o passar do tempo o tímido escravo, que antes vivera sempre caseiro, tornou-se mais desenvolto, independente e começou a chegar tarde em casa, muito tempo depois do término do serviço. Manoel questionova-o: o que levava à mudança de conduta? As desculpas eram as mais inconsistentes para o senhor. Até ocorrer o que já o preocupava: Adão não mais voltou para casa. Certamente fugira para algum quilombo do subúrbio da cidade. Para sua surpresa, Manoel foi encontrar Adão por trás das grades da cadeia da Relação. Havia sido preso junto a outros desordeiros que praticavam a capoeira. 61 Naquele dia ocorrera uma briga entre capoeiras e um deles fora morto. Eram crimes gravíssimos para as leis do reino: a pratica da capoeiragem, ainda resultando em morte. No decorrer do processo constatou-se que Adão era inocente quanto ao assassinato, mas foi confirmada sua condição de capoeira, sendo por isso condenado a levar 500 “açoites” e a trabalhar “dois anos nas obras públicas”. Seu senhor, após Adão cumprir alguns meses de trabalho e ter sido castigado no pelourinho, solicitou ao rei, em nome da Paixão de Cristo, perdão de resto da pena, argumentando ser um homem pobre e, portanto, muito dependente da renda que seu escravo lhe dava. Comprometeu-se a cuidar para Adão não mais voltasse a conviver com os capoeiras, tornando-se um deles. Teve o pedido homologado pelo Tribunal em 25.4.1789.” (ANRJ – Tribunal da Relação – cód. 24, livro 10)” (CAVALCANTI, 2004, p. 201 e 202). A origem da capoeira é uma dúvida, apesar de termos uma idéia de sua formação. A trilha mais extensa e aberta ao passado da capoeira é encontrada na capoeiragem carioca, e mesmo assim, de acordo com Soares: “O legado da capoeira escrava no Rio de Janeiro ainda está para ser levantado” (SOARES, 2002, p. 575). Contudo, temos a certeza que sua prática antigamente, estava voltada para as concepções de luta e jogo (divertimento e disputa). O que não difere dos seus fundamentos básicos de hoje em dia. Como podemos constatar segundo Soares: “Mas a capoeira escrava tinha várias faces. Ela era também o lúdico, a brincadeira, o jogo, embora a natureza da documentação produzida sobre o 62 fenômeno pouco revele a respeito deste ângulo. Por outro lado, ela era também um jogo de posições estabelecido no interior da comunidade negra-escrava da cidade, expresso no controle dos chafarizes – ponto de encontro inevitável dos cativos da cidade – e, depois, das praças públicas. Um jogo mortal, que, nas décadas de 1830 e 1840, era decidido principalmente à noite, quando grande parte dos habitantes e senhores da cidade estavam em suas casas e apenas as patrulhas policiais interfiriam no silêncio noturno, de quando em vez interrompido pelo dobre dos sinos do “Aragão”.” (Ibidem, 2002, p. 575 e 576). Os registros policiais e os processos jurídicos são as principais fontes para a pesquisa do passado da capoeira carioca. Soares nos revela informações de como o caráter lúdico da prática da capoeira, já existente na época, foi omitido pelo aparato policial, influenciando na conformação do indivíduo, tipo social, o capoeira: “No início da década de 1810, era comum o escrivão relatar que o indivíduo estava “jogando” a capoeira, algo que demonstra a presença do lúdico, do exercício. Curiosamente, no decorrer dos anos, este detalhe passa a ser mais omitido e os negros são presos simplesmente por “capoeira”. Acreditamos que isso esteja ligado a usos e costumes do aparato policial, que abandona certos detalhes em função de rotinas e hábitos já arraigados. Este uso pode ter influenciado na conformação do termo capoeira para identificar o indivíduo, o tipo social, e não, como antes, a prática, a dança.” (Ibidem, 2002, p. 76). 63 Vieira & Assunção nos revelam sua visão sobre as características e os contextos em que a capoeira era documentada e praticada nesta época, verificando assim, como o jogo da capoeira era pouco documentado em relação à capoeira luta: “é plausível que os capoeiras praticassem as duas vertentes, uma sendo o jogo entre eles, a outra a aplicação das destrezas desenvolvidas nestes jogos em situações de conflitos reais. Tendo em vista que a preocupação principal dos agentes do Estado era apenas com a subversão da ordem pública, não seria de estranhar que não tenham documentado com mais detalhes a primeira vertente, a capoeira/jogo. Um problema com esta interpretação é que a capoeira como jogo tampouco aparece na documentação dos períodos subseqüentes.” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 98 e 99). No entanto, segundo Soares, a dicotomia entre o lúdico e a violência era uma constante nesta época no Rio: “o lúdico se somava ao político, e a capoeira retinha os dois significados – a festa, a brincadeira – e a violência. Violência esta que, ao contrário do que uma longa literatura da vida escrava cristalizou, não se dirigia somente contra os representantes da ordem escravista, fossem senhores ou membros do aparato repressivo do Estado, mas também contra seus iguais, escravos, negros livres, brancos pobres, participantes de outras maltas. Estes seriam, na realidade, as grandes vítimas das maltas – outros capoeiras.” (SOARES, 1999, p. 73). 64 A capoeira foi considerada um flagelo social, como podemos ver nas referências a seguir. Segundo Neto: “A capoeira no Rio do século passado pode ser vista como grupos de negros e homens pobres de todas as cores, portando facas, navalhas, atravessando as ruas em correrias; ou indivíduos isolados, igualmente temidos, conhecedores de hábeis golpes de corpo. Junto com prostitutas, vagabundos, estivadores, malandros, aristocratas, boêmios e policiais, faziam parte da buliçosa fauna das ruas.” (NETO, 1998, p. 39). “Nesta primeira metade de século XIX, a capoeira estava ligada à condição escrava e à origem africana. Todas as nações africanas tiveram representantes presos como capoeiras. O constante movimento das maltas (grupos de capoeiristas) pela cidade, mesmo quando defendiam áreas fixas – “estratégia sinuosa” -, foi uma dor de cabeça permanente para os donos do poder.” (Ibidem, 1998, p. 41). Soares a este respeito nos diz: “As primeiras décadas do século XIX foram marcadas na cidade do Rio de Janeiro pelo terror da capoeira. Geralmente identificados como escravos portadores de facas, estoques, ou qualquer instrumento perfurante, ou então formando “maltas”, grupos armados que percorriam as ruas da cidade, os capoeiras mantiveram em permanente vigilância a capital da colônia e depois império.” (SOARES, 1999, p. 24 e 25). 65 O autor, continuando, apresenta uma ampla visão desta resistência social e constrói rapidamente sua evolução histórico-social, relativo a certos grupos étnicos e o impacto social da inclusão destes na capoeira e na cidade do Rio de Janeiro, onde “deitou profundas raízes”: “Flagelo da ordem policial, terror das “boas famílias” da capital do império, a capoeira, no Rio de Janeiro da primeira metade do século XIX, representou um desafio permanente para a ordem Entretanto, longe de uma escravista simples urbana. forma de “resistência”, ela teve um peso significativo nos conflitos dentro da própria comunidade escrava, expressos na divisão da cidade colonial em maltas que se digladiavam pelo controle das áreas determinadas em ferozes batalhas noturnas, que forjaram um verdadeiro poder paralelo, ameaçador da ordem social dominante. Formada em sua maioria por jovens escravos nascidos na África Centro-Ocidental, a capoeira, a partir de 1821, entrou numa fase de extrema politização, processo que culminou com as rebeliões de 1828 e 1831. Na vaga repressiva que seguiu, o Arsenal de Marinha teve papel saliente como pólo central de prisão e castigo. A chegada ao Rio dos minas-nagôs vindos da Bahia redundou em sensíveis mudanças políticas e culturais naquela que era a mais importante tradição rebelde dos escravos urbanos do Rio de Janeiro imperial. Nos anos de 1840 os capoeiras, tal como o conjunto de cativos e libertos da cidade, estavam em busca de novos aliados, mesmo dentro dos estreitos limites dos grupos dominantes, e este complexo catalizou o nascimento do mito do imperador Pedro II como “protetor dos escravos”. 66 Esta fascinante saga da capoeira escrava deitou profundas raízes na cultura popular na cidade do Rio e imprimiu marcas indeléveis na nossa identidade como nação.” (Ibidem, 2002, p. 618). Complementando Vieira & Assunção nos dizem que neste período, os capoeiras constituíam um real contrapoder que ameaçava o controle do espaço urbano pelo poder escravista e seus representantes, o que justifica a interpretação da capoeira como prática de resistência escrava – mesmo que fora do quilombo (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998). Resistência esta, justamente no epicentro do poder, gerando uma constante, desafiadora e persistente oposição à ordem dominante. Devido à prática da capoeira ir contra o sistema vigente, sua perseguição torna-se imprescindível pelo poder. Segundo Soares: “os escravos sobre os quais o braço repressor caiu de forma mais selvagem foram exatamente os capoeiras.” (SOARES, 2002, p. 575). De acordo com Neto: “No Brasil, por volta de 1814, a capoeira e outras expressões culturais negras começaram a ser reprimidas e perseguidas pelos senhores brancos. Até essa época, as manifestações culturais negras eram permitidas, e mesmo encorajadas. Por um lado, funcionavam como válvula de escape no sistema de escravidão, por outro, punham em evidência as diferenças entre os diversos grupos africanos – era “dividir para reinar”.” (NETO, 1998, p. 34). “Entre a chegada da família real (1808) e a abdicação de Pedro I (1831), a capoeira era o flagelo das autoridades. Canal expressivo da resistência escrava, foi vítima permanente da violência senhorial e policial.” (Ibidem, 1998, p. 40). 67 Neto, ainda nos fala do porquê que a capoeira era praticada e também perseguida: “D. João VI e os nobres e intelectuais de sua corte tinham razão (do ponto de vista deles) em perseguir a capoeira: - ela dava aos africanos, e seus descendentes, um sentimento de “nacionalidade” diferente da nacionalidade dos senhores brancos; - dava autoconfiança a cada capoeirista; - solidificava a união dentro de pequenos grupos; - formava lutadores ágeis, perigosos e insolentes; - às vezes, no jogo, os escravos se machucavam, o que era economicamente indesejável. Talvez estes motivos não o fossem conscientes na mente de D. João VI e dos nobres de sua corte. Mas intuitivamente – aquela intuição típica a qualquer classe dominante – percebiam que algo, ali na capoeira, não cheirava bem.” (Ibidem, 1998, p. 36). Observa-se que a capoeira não era somente uma luta ou jogo de escravos e africanos, mas também uma forma de resistência, conduta e organização social antigamente. A capoeira era aprendida e utilizada não só pelo povo, mas nota-se que até pelos próprios agentes da repressão, pessoas da alta classe e também para demarcar hierarquias em seu meio social: “Já em 1821, o temido major Vidigal foi nomeado comandante da Guarda Real de Polícia, levando o terror aos candomblés e instituindo uma sessão de torturas para os capoeiristas – a chamada “Ceia dos Camarões”. O major Miguel Nunes Vidigal” era um 68 homem alto, gordo, do calibre de um granadeiro, moleirão, de fala abemolada, mas um capoeira habilidoso, de um sangue-frio e de uma agilidade a toda prova, respeitado pelos mais temíveis capangas de sua época. Jogava maravilhosamente o pau, a faca, o murro e a navalha, sendo que nos golpes de cabeça e de pés era um todo inexcedível.” A partir de 1824 a punição para escravos capoeiras se torna mais brutal: além das trezentas chibatadas (em alguns casos, mortais), eram enviados por três meses para trabalhos forçados no dique da Ilha das Cobras, ou na Estrada da Tijuca. No entanto, a capoeira não era usada somente contra policiais, mas também para acertar diferenças e marcar hierarquias dentro da própria massa escrava”. (Ibidem, 1998, p. 40 e 41). Filho nos mostra como a perseguição e a repressão à capoeira, era preconceituosa e violenta. “O termo já era vulgar, na acepção bastarda, pelos idos de 1824, pouco tempo após a declaração da nossa Independência. Então, em 28 de Maio, certo Aviso do Ministério da Justiça ordenou ao comandante geral da polícia da Corte o castigo imediato dos capoeiras, “a fim de cessarem as desordens e distúrbios por eles praticados, e no que cumpria agir com a maior energia.” O trecho posto entre aspas revela o juízo das autoridades a respeito daqueles que se davam às provas atléticas do jogo malsinado”.” (FILHO, 1973, p. 308). “As distorções do jogo resultaram de causas sociais e culturais cujos efeitos o converteram em cancro, ou caso 69 de polícia. Tratar-se-ia de uma excrescência abandonada pela Criminologia, ou de um tipo de fraude à espera de correção penal.” (Ibidem, 1973, p. 310). Dias atesta que “a ação policial na capital foi, no momento histórico considerado, muito mais uma prática da violência da ordem do que um exercício da sua garantia.” (DIAS, 2001, p. 73), fato este que podemos transportar aos dias de hoje e repensar os motivos da violência também empregada pelos capoeiras. Segundo Dias: “observe-se este trecho de um artigo do Correio da Manhã, de junho de 1891, a respeito da polícia do Rio de Janeiro: (...) Em toda a parte ela se instituiu para garantir a propriedade, a vida; e manter a ordem. Entre nós ela é a mais permanente e perigosa ameaça a tudo isso. Em toda parte ela previne ou reprime, poupando males ou corrigindo-os. Entre nós ela agrava tudo quanto toca; envenena tudo quanto intenta; irrita tudo quanto assiste, agita e desordena tudo quanto deveria acalmar; não previne, açula; não reprime, provoca, indigna, mata. (Apud NEDER et. al., 1981, p. 253.)” (Ibidem, 2001, p. 73). Continuando, Dias afirmando sobre características da capoeiragem: “Ela não possuía nenhum antecedente conhecido pelas autoridades: a ordem e a lei não haviam enfrentado nada igual, nenhum movimento que tivesse tanta rapidez e sinuosidade em aparecer, agir e sumir.” (Ibidem, 2001, p. 49). De acordo co Vieira e Assunção a prática da capoeira consistia em: “exercícios de destreza física nos largos e nas praças da cidade pelos 70 integrantes das maltas, as organizações de base da capoeiragem carioca (Soares, 1995, p. 73).”. Continuando: “Ganhavam maior visibilidade, porém, durante as festas públicas, ou seja, as procissões, as paradas militares e o carnaval.” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 99). Os mesmos autores complementam citando Soares, analisando a capoeira desta época com a de hoje: “O que chama a atenção neste quadro é que esta prática da capoeiragem difere fundamentalmente daquilo que hoje é reconhecido como capoeira. Então, não havia roda, não havia música e nem “jogo” entre dois praticantes nas aparições públicas da capoeiragem. Poder-se-ia dizer que o tipo de fontes mais usadas nestas pesquisas, sendo oriunda dos órgãos de repressão, apenas permitem uma visão muito parcial e policial da capoeiragem. No entanto as outras fontes (literárias e jornalísticas) tampouco mencionam algo que se pareça mais com o jogo da capoeira atual, a não ser a utilização de determinados golpes, e a ginga (Soares, 1995, p.276).” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 99 e 100). Vargens e Monte confirmam a resistência cultural, tanto no campo como na cidade durante o tempo da escravidão, dos negros e afrodescendentes, e como esta, assegurada, permaneceu até hoje incorporadas em diversas manifestações artísticas tipicamente brasileiras: “Durante todo o período de escravidão, os negros e os afro-descendentes haviam mantido viva a sua identidade cultural. Ainda que clandestinamente, os atabaques nunca deixaram de ressoar em suas festas profanas ou religiosas, tanto no campo como na cidade. A alegria e o prazer manifestados na dança e 71 no canto, no ritmo e na melodia foram se incorporando como sua marca particular às diversas manifestações hoje tipicamente brasileiras.” (VARGENS & MONTE, 2001, p. 29). “Cada vez mais ecoavam, nas senzalas e nos locais de trabalho, nas matas e nas cachoeiras, os sons dos atabaques e de seus primos, o candongueiro e o caxambu, regendo os batuques nos cultos e nas comemorações.” (Ibidem, 2001, p. 31). Soares nos fornece uma visão do cotidiano e prática da capoeira no Rio Antigo: “A noite de domingo e dos dias de santos eram ocasiões preferidas para resolver contendas, por dois motivos básicos: não apenas era um dos raros momentos de folga da escravaria urbana – folga muitas vezes esta entendida pelos escravos como direito entre os costumes peculiares da vivência urbana – mas também pelo fato da hora noturna ser particularmente importante tecer relações com outros cativos, sair um pouco da vigilância policial diurna, aproveitando as sombras, numa cidade escura e mal iluminada, vulneráveis. para Não reunir grupos, podemos de outra esquecer forma que a capoeiragem na segunda metade do século, mesmo com a presença esmagadora de homens livres, retinha muito da cultura escrava forjada pelos africanos no ambiente urbano dos primeiros decênios do século XIX.” (SOARES, 1999, p. 73). 72 Enfim, Soares menciona o legado dos capoeiras do início do século XIX: “Qual o legado dos capoeiras escravos da primeira metade do século passado? Geralmente, pensamos em heranças como algo palpável, material, mas, no nosso caso, o legado deixado para as gerações seguintes de negros e homens pobres da cidade do Rio de Janeiro foi uma estratégia social, uma forma de lidar com os agressores, uma comunhão da solidariedade grupal – importante para muitos que deixaram parentes e amigos do outro lado do atlântico -, como autodefesa frente aos inimigos, fossem eles da mesma extração social, ou envergassem os trajes de defensores da ordem. Não há dúvida de que essa combinação da solidariedade no trabalho (mesmo que seja o ofício rude de pegar água nas fontes públicas) com a habilidade marcial e o manejo das lâminas foi um sucesso, que superou as repetidas vagas de repressão que se sucederem por quase 40 anos. Nos 50 anos finais do século XIX, este legado seria fundamental para negros livres, crioulos, pardos, brancos pobres, imigrantes estrangeiros, toda a vasta variedade de excluídos que dariam à capoeira o colorido que afinal, caracteriza-a ainda em fins do século XX.” (SOARES, 2002, p. 576). Concordamos com Silva Mello, quando diz: “A adesão de outros segmentos sociais à prática da capoeira fez com que esta ganhasse maior penetração na sociedade, apesar da constante repressão e perseguição.” Continuando, Silva Mello, refere-se às contribuições desta ampliação social: “Esta adesão trouxe inúmeras transformações no universo simbólico e motor da capoeira. Um exemplo ... é o uso da navalha no jogo da capoeira, fruto da 73 influência de estrangeiros portugueses, os “fadistas lusitanos”.” (SILVA MELLO, 2002, p. 4). Mas, comentando sobre a principal arma dos capoeiras, Noronha, assim nos diz: “Mas, de todas as armas, a mais importante na capoeira é o olhar, uma esgrima sutil em que a retina é o florete, voltada sempre para pegar o adversário na intenção do movimento, na ameaça.” (NORONHA, 2003, p. 113). O autor continua dizendo que “No fim havia o verbo”: a capoeira antiga não era praticada em silêncio, o lutador embalava seus movimentos com uma gíria própria, chula, com frases canalhas disparadas entre golpes para exasperar, ridicularizar e desviar a atenção do adversário. “Ao longo do Segundo Império as maltas foram se agrupando até formarem dois grandes grupos inimigos, os Guiamus e os Nagoas.” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 99). Os Guiamus eram ligados ao partido liberal e representavam uma tradição mais nativa ou mestiça, baseando-se como ocorrência de localidade, o porto e as áreas centrais da cidade; e os Nagoas, eram ligados ao partido conservador, representavam a tradição africana e seu local dominante eram as freguesias periféricas da cidade. Noronha nos diz que: “Cada lugar tinha a sua malta, com nomes que faziam referência à região ou à rua de sua origem” (NORONHA, 2003, p. 113). O mesmo autor continuando, nos mostra certas “regras” que as maltas seguiam e sua estruturação e que, conseqüentemente evidenciava a modo de ser e o comportamento dos capoeiras em geral: “Finalmente, já perto da virada do século, as diversas maltas se fundiram em duas grandes falanges, praticamente organizações para-militares do submundo urbano, os Nagoas e os Guaimus ou Guias. A capoeira assumia aí um caráter profissional, com sistema de recrutamento, hierarquia e normas disciplinares, incluindo um organograma de chefias e sub-chefias que ia até os chamados carrapetas, os 74 aprendizes, que desde os 12 anos já tinham funções definidas no grupo. As regras das milícias incluíam: 1) nunca usar arma de fogo, só sendo permitidas a navalha o cacete e de pau; 2) nunca trabalhar nas segundas-feiras, sacrificando qualquer negócio para preservar esse princípio; 3) manter a identidade do grupo na forma de se vestir, usando calça larga de boca fina (a chamada calça boquinha, com bolso muito fundo, no qual cabiam fumo, dinheiro, cartas e a navalha), paletó sempre aberto, botina de bico bem fino e lenço no pescoço. Este lenço, ou mesmo a camisa, devia ser de seda, já que, segundo corria nas ruas, o tecido cegava o fio da navalha. A roupa sempre branca, porque traria marcadas as quedas no chão sujo da rua; 4) andar sempre gingado, em postura de combate, apoiando-se numa perna e flexionando a outra, alternadamente; 5) nunca falar de perto de ninguém, exceção feita às mulheres; e 6) usar o chapéu como arma de defesa, dobrando-o e mantendo-o na mão esquerda quando estiver em combate. O chapéu, de abas largas, deve trazer presa uma fita com a cor característica de sua malta, vermelho para Nagoas, branco para Guaiamus.” (Ibidem, 2000, p. 114). Não concordamos com o autor quanto ao item 2, pois como já foi constatado em pesquisas a maioria dos capoeiras eram trabalhadores, e quanto ao item 3, relativo ao uso da roupa branca. O autor provavelmente “folclorizou” e misturou o tipo social dos capoeiras das maltas com os malandros do início do século XX. 75 O capoeira dos dias atuais é bem diferente do capoeira de antigamente, assim também como a própria capoeira. Filho nos dá uma visão do tipo capoeira, como nós podemos ver. De acordo com Filho: “O primitivo perfil físico do jogador foi retratado por Melo Morais Filho: “Calças largas, paletó saco desabotoado, camisa de cor, gravata de manta, anel escorregadio, colete sem gola, botinas de bico estreito e revirado o chapéu de feltro. O olhar é oscilante, gingado. Na conversa com os companheiros ou estranhos guardas distância como se em posição de defesa. Esguio e ágil, o capoeira demonstra em sua compleição de aço uma atividade circulatória verdadeiramente tropical; seu olhar como que mergulha no ânimo do adversário e surpreende-lhe as emoções mais súbitas, as lembranças mais rápidas. Se acontece ser acometido, quando desarmado, machuca o pé ao cumprimento e nas, evoluções contínuas, desvia com ele golpes certeiros.” Mas este não é o tipo do capoeira que transpôs as distâncias coloniais para conduzir o jogo à altura de uma instituição. Realço esta ressalva do memorialista: “O capoeira é incapaz de traição ou deslealdade na estima com que se dedica a alguém. Um bom capoeira, entregando-se à luta vestido de branco, saía dela tão limpo e engomado como entrara; só o chapéu se ressentia. Ao tempo em que mais se difundiu no país, sobretudo na Bahia, em Pernambuco e no Rio, a capoeira atraía a infância dos dez aos doze anos”. (FILHO, 1973, p. 315 e 316). Observamos que a capoeira atraía e atrai, todo o tipo de gente, desde menores, a maiores instruídos ou não. Este fato ultrapassou permaneceu no tempo e é verificado ainda nos dias atuais. Assim como Noronha, Filho nos 76 mostra que a capoeira atraia crianças de 10 ou 12 anos e ainda outros tipos sociais: “A arenga não foi efêmera, chegando a atrair pelos tempos afora o bedelho até mesmo de curiosos, iniciados ou noviços. Mas também mobilizou gente instruída.” (Ibidem, 1973, p. 311). Vieira & Assunção, citando Soares, nos falam sobre a permeação das instituições repressoras pelos capoeiras e sua conseqüência direta na relação social da época: “A extensão da prática da capoeira à população livre durante o Segundo Império significa que vamos encontrar capoeiras não somente ocupados nos setores produtivos, mas também nas instituições repressivas, ou seja, a polícia, a Guarda Nacional e o exército. Se a Guerra do Paraguai serviu, num primeiro momento, como expediente fácil para “limpar” a cidade dos vadios e capoeiras, o fim do conflito resultou no retorno dos soldados sobreviventes, agora cobertos com a glória de defensores da pátria. Significava que soldados ou guardas nacionais estavam mais dispostos do que nunca a defender a sua prática da capoeira. Destarte, na década de 1870, longe de constituir dois mundos separados, onde os primeiros apenas reprimiam os segundos, se constituiu o costume da “constante solidariedade entre soldados e capoeiras” (Soares, 1995, p. 273).” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 100 e 101). A esse respeito, Noronha comenta que vários policiais, tanto da Polícia Militar quanto da Guarda Nacional, “eram recrutados entre os capoeiras, o que reforça a impressão de que pouca coisa, fora o uniforme, diferenciava bandido de polícia nas ruas do Rio da virada do século.” (NORONHA, 2003, 115 e 116). 77 Continuando os referidos autores nos relatam que as ambigüidades das relações dos capoeiras com os representantes do Estado não paravam por aí: “É conhecido o envolvimento das maltas com os políticos do Império.” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 101), sendo estas relações um complexo jogo político e de poder: “Os capoeiras intervinham com freqüência nas eleições primárias, tentando inverter com violência e ameaças uma situação desfavorável para o seu “patrão”.” (Ibidem, 1998, p. 101), executando todas as tarefas e capangas eleitorais. Complementando e citando Soares, Vieira & Assunção assim nos contam: “Os estudiosos têm interpretado estes vínculos como prova da manipulação dos capoeiras pelos políticos, independentemente da sua afiliação ideológica e partidária. O trabalho de Soares, pelo contrário, tente mostrar que os capoeiras não eram apenas “instrumentos dóceis” nas mãos dos políticos, mas que “o papel exercido pelos grupos era fruto de uma opção política” (1995, p. 186), chegando a constituir uma política autônoma. Este “Partido Capoeira” corresponderia a uma forma própria de fazer política, usando o espaço da rua (1995, p. 219). De fato, Soares mostra que os capoeira se associaram de maneira mais duradoura a uma ala do partido conservador, e que não se contentavam em vender a sua disposição a práticas violentas a quem estivesse no poder.” (Ibidem, 1998, p. 101). Continuando, os referidos autores finalizam sua análise político-social e repercutidos acontecimentos: “Assim, durante os governos liberais houve uma radicalização do conflito entre liberais e membro das 78 maltas. A “estranha simbiose” com a polí-cia, evidente também através da presença dos capoeiras na polícia política clandes-tina, o chamado “Corpo de Secretas” que chegou ao auge na década de 1880, no governo do conservador Cotegipe. Somente com a vitória dos republicanos houve uma mudança radical: pela primeira vez, a repressão contra os capoeiras não foi mais seletiva, isto é, apenas dirigida contra as maltas associadas ao partido excluído do governo, mas contra todos os capoeiras.” (Ibidem, 1998, p. 101). Um fato curioso e marcante da história do Rio de Janeiro nos mostra um outro lado da relação opressor (estado) x oprimidos (capoeiras). No reinado de D. Pedro I, a 11 de junho de 1828, nas imediações do Largo do Rocio Pequeno, posteriormente (e coincidentemente) Praça Onze de Junho, os capoeiras cariocas, foram chamados por seu perseguidor, o militar major Miguel Vidigal Nunes, que combatia os capoeiras com seu inseparável chicote e que posteriormente seria retratado por Manuel Antônio de Almeida no romance Memórias de um sargento de milícias, para enfrentar os batalhões estrangeiros mercenários sublevados, aquartelados na Praia Vermelha, no Campo de Santana e em São Cristóvão. Os capoeiras destroçaram os estrangeiros que aterrorizavam a população indefesa. Abordando agora a Guarda Negra, segundo Soares (1999), foi o episódio da política dos capoeiras que mais foi enfocado pelos historiadores. A Guarda Negra teria uma relação direta com a “Flor da Gente” e com os capoeiras do Partido Conservador, uma história que teria dominado a vida política da Corte por pelo o menos 20 anos. Soares nos conta que, segundos muitos contemporâneos e cronistas, a Guarda Negra surgiu à sombra do Gabinete João Alfredo, e seu objetivo teria sido arrebanhar os libertos pelo 13 de maio e criar uma milícia que formasse em defesa do regime monárquico, simbolizado na pessoa da Princesa Isabel, “A Redentora”. A política empregada era a mesma utilizada por Rio Branco e 79 Cotegipe, contra o velho inimigo republicano, “formar um braço armado clandestino que espalhasse o terror entre seus adversários, e incorporasse parte representativa da camada popular ao seu anel de influência“ (SOARES, 1999, p. 260), apesar de que, primeiramente, o projeto inicial representado por Emílio Roudé, era compor uma força institucional nos moldes das organizações representativas da “sociedade branca”, o qual não vingou. Sobre a criação da Guarda Negra, Soares assim nos conta: “Reza a tradição que a fundação da Guarda Negra teria se dado na redação do Cidade do Rio, na data comemorativa da Lei do Ventre-Livre, quando esta completava 17 anos. A Guarda Negra, segundo esta versão, surge para o mundo sob os auspícios de José do Patrocínio, seu patrono e líder natural. De acordo com o que levantamos até agora, a primeira menção à Guarda Negra foi registrada em julho de 1888, sobre a batuta do abolicionista Emílio Roudé, e quando ainda se festejava a decretação da Lei Áurea” (Ibidem, 1999, p. 257). Noronha relata um interessante depoimento colhido por Gilberto Freire, sobre um acontecimento que teria dizimado negros libertos pela Lei Áurea, pertencentes à Guarda Negra, numa “revanche” e contra-ataque de brancos republicanos, conforme observamos logo abaixo: “O tratamento que recebeu por parte dos brancos republicanos é indicativo da forma como a gente fina da época recebia os capoeiras: segundo relato de Gilberto Freire baseado no depoimento de uma testemunha, numa certa noite os militantes republicanos se prepararam para enfrentá-los. Cada um se armou com um rifle Smith & Wesson e duas caixas de balas. Colocaram-se em posição nas janelas 80 do Clube Republicano e, no momento da passagem dos negros pela rua, pelas frestas, sem sequer olhar para fora, descarregaram o barrilete, para recarregar e descarregar as armas até acabarem as balas. A Guarda Negra foi dizimada ao dobrar uma esquina.” (NORONHA, 2003, p. 116). No mesmo ano da primeira menção à Guarda Negra, o ano da abolição da escravatura no Brasil, 1888, já havia registros de desordens geradas por capoeiras na cidade de São Paulo. Segundo Vieira: “Há também registros de desordens aprontadas por capoeiras em São Paulo, como foi noticiado pelo jornal Província de São Paulo de 23 de maio de 1888: “Fizeram mais uma vítima na corte dos terríveis capoeiras (...) É necessário extirpar essa cáfila de vagabundos e assasssinos denominados capoeiras. (...) “Ante-hontem às 7 e meia da noite, no pátio de S. Bento deu-se o assassinato” de um preto liberto de nome Innocêncio. Ao que consta os dous actores do triste drama estando a JOGAR CAPOEIRA por mero gracejo azedaram-se sendo Innocêncio inesperadamente assassinado” (apud Schwarcz, 1987:230, ênfases no original).” (VIEIRA, 1995, p. 97). Nota-se também em São Paulo o tom da indignação da imprensa perante os capoeiras, que lá, já aprontavam desordens e violência. Sabe-se que durante a repressão de Sampaio Ferraz, vários capoeiras fugiram da perseguição. Há relatos da presença de capoeiras em toda a extensão dos 81 trilhos, para São Paulo e outros lugares, onde possivelmente o trem seria um dos meios de transporte de fuga, assim como a via marítima, onde são encontrados a presença de capoeiras cariocas em Salvador, Bahia, conforme já citado anteriormente por Reis, e também em Recife, Pernambuco. César Barbieri, baseado na obra de Valdemar de Oliveira, Frevo, Capoeira e “Passo”, diz ser a capoeira no Recife, semelhante a do Rio de Janeiro, no que tange a existência dos ditos “brabos” e valentões, e também quanto às maltas (BARBIERI, 1993, p. 73). Contudo, a capoeira no Recife existiu em bem menor escala e por um tempo também menor que no Rio. Segundo Barbieri: “Na obra de Valdemar, fica-nos claro o gosto do Capoeira pela música, que os atraia e os concentrava onde quer que ela estivesse. “Não havia festa sem banda de música. E não havia banda de música sem capoeira”, nos diz o autor. A música era um elemento constante na vida do Capoeira do Recife” (Ibidem, 1993, p. 74). Barbieri nos diz que no Recife, na década de 1850, duas bandas de música eram notáveis: a do Quarto Batalhão de Artilharia, conhecido por “o Quarto” e a do Corpo da Guarda Nacional, conhecido como “o Espanha”. Rivalidades surgiram entre os componentes dessas duas bandas e também de seus simpatizantes, entre eles os capoeiras. Além da violência, mais uma vez encontramos o lado lúdico ligado à capoeira. De acordo com o autor, a capoeira no Recife não sucumbiu à repressão policial permanecendo durante anos como prática marginal, assim como no Rio de Janeiro. Segundo Barbieri, os capoeiras que saíam á frente destas bandas faziam-se de “abre alas”, nos remetendo aos abre alas dos blocos antigos e das comissões de frente dos dias atuais (Ibidem, 1993). Barbieri cita que na obra de Valdemar de Oliveira, consta que o Passo do Frevo advém da capoeira. 82 Assim como é comentado no Rio de Janeiro, que os passos do Mestre-Sala, também advém do capoeira e do “malandro”, do “bamba”, pois este tinha que ter a habilidade devida para proteger a bandeira da escola ou bloco, e a gentileza e galanteio para com a Porta-Bandeira. A relação entre Capoeira e Carnaval é muito antiga e está entranhada na formação e evolução destas. Enfocando a oposição ao entrudo, prática do carnaval considerada anti-civilizatória, perseguida e proibida do século XVII ao XX (FERNANDES, 2001), o modelo de carnaval representado pelas grandes sociedades, com um caráter “formador e pedagógico” de seus desfiles, baseado em um ideal de civilidade especialmente caro aos literatos, fazia a crítica à capoeira e a outros segmentos e acontecimentos da sociedade, como podemos ver, de acordo com Pereira: “Os carros de crítica, que na maior parte das vezes faziam alusões aos principais acontecimentos políticos do período, ironizando acidamente a polícia da Corte e as grandes figuras dos gabinetes imperiais, tinham ainda outros alvos – trazendo também as mensagens “civilizadoras” que os membros destas sociedades muitas vezes compartilhavam com os poetas e romancistas do período. O teor deste tipo de crítica é claro: elas invariavelmente dizem respeito a práticas e costumes difundidos entre os grupos de iletrados da Corte, que são condenados e satirizados nos préstitos das grandes sociedades 53.” (PEREIRA, 1994, p. 82). “53 – É o caso, por exemplo, do combate aos capoeiras – alvos da crítica de um carro do desfile de 1885 dos Progressistas, que trazia uma alusão condenando sua atuação. Três anos depois, um puff publicago pelos Fenianos anunciava um baile “com flores, sem batalhas, sem navalhas, com amores”. Cf 83 GAZETA DE NOTÍCIAS, 18 de fevereiro de 1885, e Gazeta de Notícias, 3 de fevereiro de 1889.” (Ibidem, 1994, p. 108). Com a proclamação da República, a busca por civilizar a cidade do Rio estendeu o combate não só aos capoeiras, que com certeza foram os mais combatidos, violentamente, mas de várias práticas populares como veremos adiante, como por exemplo, o Carnaval e práticas religiosas praticadas por negros e africanos, que eram consideradas pelos governantes como anti-sociais e se opunham a “nova ordem”. Neste contexto a defesa por um carnaval “civilizado” torna-se mais enfatizado. De acordo com Fernandes: “Nos vinte anos que se estenderam de 1890 a 1910, identifica-se o aparecimento de quatro novas manifestações carnavalescas: os cordões, ranchos e blocos na década de 1890, e o corso em 1907. Enquanto os cordões, ranchos e blocos descendem de festas religiosas do mundo colonial escravista, com forte presença de negros e africanos, o corso era, como os automóveis, uma novidade absoluta e deleite da elite moderna da cidade, dando continuidade e reforçando propósitos das grandes sociedades em busca de um carnaval civilizado. Neste período a civilização carioca cresceu mais de 50%, passando de quinhentos mil para oitocentos mil habitantes” (FERNANDES, 2001, p. 23). A perseguição e repressão, cada vez mais intensa e violenta, assim como a própria capoeira culminou com a proibição da capoeira por lei no Código Penal da República em 1890 considerando assim a prática da capoeira como crime. De acordo com Lopes, após o Código Penal de 1890, a capoeira sofreu diferentes transformações e adaptações em seus 84 principais centros de práticas: Rio, Recife e Salvador. O autor, ainda transcreveu na íntegra este Código Penal: “Um Código Penal muito preconceituoso, a injustiça social, o brigador de capoeira, uma polícia implacável, a falta festiva de berimbaus na maioria das rodas e o excesso de navalhas e porretes, fizeram a Capoeira quase desaparecer do Rio antigo. Segundo alguns estudiosos, em Pernambuco, o “passo” do frevo foi substituindo o passo da capoeira (para detalhes recomendado a leitura do livro “Frevo, Capoeira e Passo”, de Valdemar de Oliveira). E por aí vai, até chegarmos à Bahia, onde, mercê de seus encantos naturais e culturais, vamos encontrar a capoeira matreiramente adaptando-se e resistindo ao tempo, ao preconceito social, às perseguições policiais e até à alienação cultural. Capítulo XIII – Dos Vadios e Capoeiras Art. 339. Deixar de exercitar profissão, ofício ou qualquer mister em que ganhe a vida, não possuindo meio de subsistência e domicílio certo em que habite: prover a subsistência por meio de ocupação proibida por lei, ou manifestamente ofensiva da moral e dos bons costumes. Pena – De prisão celular por 15 a 30 dias. Parágrafo Primeiro. Pela mesma sentença que condenar o infrator como vadio ou vagabundo, será ele obrigado a assinar termos de tomar ocupação dentro de 15 dias, contados do cumprimento da pena. Parágrafo Segundo. Os menores de 14 anos serão recolhidos a estabelecimentos industriais, poderão ser conservados até a idade de 21 anos. onde 85 Art. 400. Se o termo for quebrado, o importará reincidência, o infrator será recolhido, por um a três anos, a colônias penais do território nacional, podendo para esse fim ser aproveitados os presídios militares existentes. Parágrafo único. Se o infrator for estrangeiro será deportado. Art. 401. A pena imposta aos infratores, a que se referem os artigos precedentes ficará extinta se o condenado provar superveniente aquisição de renda bastante para sua subsistência, e suspensa, se apresentar fiador idôneo que por ele se obrigue. Parágrafo único. A sentença que, a requerimento do fiador, julgar quebrada a fiança, tornará efetiva a condenação suspensa por virtude dela. Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade e destreza corporal, conhecidos pela denominação de capoeiragem, andar em correrias, com armas ou instrumentos capazes de produzir uma lesão corporal, provocando tumulto ou desordem, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal: Pena – de prisão celular de dois a seis meses. Parágrafo único. É considerada circunstância agravante pertencer o capoeira a algum bando ou malta. Aos chefes ou cabeças se imporá a pena em dobro. Art. 403. No caso de reincidência será aplicado ao capoeira, no grau máximo, a pena do art. 400. Parágrafo único. Se for estrangeiro será deportado depois de cumprida a pena. Art. 404. Se nesses exercícios de capoeiragem perpetrar homicídio, praticar lesão corporal, ultrajar o 86 pudor público e particular, e perturbar a ordem, a tranqüilidade e a segurança pública ou for encontrado com armas, incorrerá cumulativamente nas pernas cominadas para tais crimes. DECRETO nº 487, DE 11 DE OUTUBRO DE 1890 (Código Penal Brasileiro)” (LOPES, 1999, p. 45 e 46). Gardel (1996), citando Rosa Maria Barboza de Araújo (1993), nos mostra como se encontrava a capital no ano da decretação do referido código penal. De acordo com Gardel: “A carência de mão-de-obra adequada, o descaso do poder público com a situação criada por ele mesmo e o surgimento das camadas médias mudam a fisionomia da cidade. Em 1890, mais de cem mil pessoas não tinham ocupação definidas, sustentavam-se prestando serviços irregulares ou viviam na fronteira da legalidade, como malandros, ambulantes ocorria ladrões, e com desertores, jogadores. Essa prostitutas, ciganos, massa de deserdados em 1906 crescera, superando a faixa de duzentas mil pessoas. A estes, somar-se-ia um contingente de trabalhadores regulares, porém mal remunerados, ou por vezes trabalhando me troca de moradia e alimentação: empregados domésticos, auxiliares de comércio (caixeiros), imigrantes recém-chegados, aprendizes etc. O total constituía, sem dúvida, a maioria da população. Os empregados em serviços domésticos, por exemplo, 87 constituíam 25% da população, em 1900.” (GARDEL, 1996, p. 120). Após tomar o conhecimento do código penal, temos agora uma vaga idéia de como a capoeira era entendida e tratada naquele tempo, tempo onde havia uma grande população tensa devida à pobreza numa cidade inchada, como vimos. Agora, devido à mudança na esfera do poder e também nas regras do jogo político, se inicia outro momento da capoeiragem, a perseguição implacável, no Rio de Janeiro, de Sampaio Ferraz, um antigo e jurado inimigo dos capoeiras e também praticante da arte. Nomeado pelo Marechal Deodoro, recebeu deste, carta branca para acabar com os capoeiras. Segundo Silva: “Deodoro desejava extinguir a capoeiragem no Rio de Janeiro e Sampaio Ferraz prontificou-se a levar a termo a incumbência, desde que lhe dessem carta branca para agir e, de modo algum, interferissem nas suas diligências. “A capoeiragem só podia ser exterminada no dia em que o governo resolvesse nivelar os capoeiras e tratá-los da mesma maneira e da mesma maneira punir tanto os de pé-rapado como os de gravata”. A campanha se iniciou feroz; os desordeiros presos pela polícia eram metidos no xadrez e, a seguir, sumariamente enviados para a Ilha de Fernando de Noronha, onde os submetiam a trabalhos forçados. Rara era a família importante que não tivesse um parente preso. Logo a gritaria começou pelos jornais, pelas tribunas, nos círculos militares e políticos, no clero, etc., contra a desumana campanha de Sampaio Ferraz, que se mantinha inabalável e cada vez mais decidido. Conta-se que ele se fizera cercar de alguns bons capoeiras, com os quais realizava a prisão dos 88 outros, usando um estratagema que consistia, quando desconfiava de um tipo, em fazer que um dos camaradas realizasse uma figuração na frente do parceiro visado; se este saltasse peneirando ou caísse em guarda, estava condenado. O reflexo de defesa do capoeira era tão forte que dificilmente o poderia dominar, sobretudo se fosse tomado de surpresa. Sampaio Ferraz deportou grande números de capoeiras que existiam no Rio de Janeiro, mas como bem afirma Luiz Edmundo “deportou capoeiras, mas não extinguiu a capoeiragem”. Esta resistiu, fugindo para os morros, deixando as ruas da cidade, tornandose mais civilizada.” (SILVA, 1995, p. 18 e 19). Silva Mello reforça, como foi dito acima, um dos métodos de reconhecer e efetuar a prisão de um capoeira, que consistia basicamente em: “simular movimentos de ataque contra os suspeitos, caso eles saltassem reproduzindo um movimento de capoeira ou caíssem em guarda, estavam condenados.” (SILVA MELLO, 2002, p. 5). Também era conhecido, jogar uma fruta ou objeto no elemento suspeito para testar sua habilidade, destreza e rapidez. A primeira crise ministerial da história da república no Brasil se deu por conta da perseguição de Sampaio Ferraz, o “Cavanhaque de Aço”, aos capoeiras, ao prender o capoeira Juca Reis, um desordeiro conhecido, proveniente de família importante. Juca Reis era filho do Conde de Matosinhos, titular português, dono do jornal O País, veículo da campanha republicana no Rio de janeiro e dirigido por Quintino Bocaiúva. Como nos conta Marcos Bretas: “Juca é chamado da Europa pelo irmão, que assume o jornal, para acertar questões de herança. Mal chega à cidade, é detido por Sampaio Ferraz na rua do Ouvidor. 89 Gestões são feitas junto ao governo por Quintino, agora ministro das Relações Exteriores, que ameaça se demitir, e pela família, sem resultado. Juca Reis segue para Fernando de Noronha.” (BRETAS, 1989, p. 64). De acordo com Silva, “novos interesses políticos começam a interagir com a capoeira.”: “O início do Século XX assinalou como que o recrudescimento da capoeiragem; os novos interesses políticos em jogo muito concorreram para que os principais capoeiras se tornassem cabos eleitorais, capangas ou secretários de grandes figurões. Nas próprias unidades militares havia interesse dos comandantes em contar com os melhores capoeiras. No Recife, por exemplo, 0 14o era a unidade militar que reuniu as preferências da população, enquanto o soldado de polícia era malquisto.” (SILVA, 1995, p. 19). “Muitos capoeiras foram para a Marinha, onde lhes foi permitido continuar o jogo da capoeira, sob forma desportiva.” (ibidem, 1995, p. 20). A maioria dos detidos por capoeiragem na República Velha não eram vadios ou malandros, conforme nos mostra a tese de Pires (1996) (apud VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998), mas pelo contrário, de trabalhadores. Sendo o mesmo corroborado por outras pesquisas, segundo os autores: “Destarte, temos que ver a capoeiragem carioca como parte da cultura das classes trabalhadoras.” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 100); continuando: “É justamente porque portugueses e brasileiros, negros e brancos executavam as mesmas tarefas e viviam nos mesmos cortiços que a capoeira pôde difundir-se para além do seu grupo original negro escravo.” (Ibidem, 1998, p. 100). 90 Após a infame e implacável repressão ou poderíamos colocar como um quase extermínio, do modo como se impôs, concordamos com Vieira e Assunção quando dizem: “Sem dúvida, desmantelada a complexa rede de relações entre políticos, polícia e capoeiras, a capoeiragem carioca nunca mais chegaria a ter a projeção que teve na política do Império.” (Ibidem, 1998, p. 101). “A relativamente bem pesquisada história da capoeiragem carioca nos ensina que a história da capoeira é mais complexa.” (Ibidem, 1998, p. 109). Mas o importante ao remontar este histórico da capoeiragem é conhecer as raízes sócio-culturais que interagiram através dos tempos, formando, não só os capoeiras, mas o povo brasileiro na sua totalidade. Todos esses referenciais iriam compor uma memória gesto-corporal e social que definiriam futuramente as bases culturais sócio-psicomotoras dos capoeiras da atualidade. 1.2.2 – A capoeiragem carioca: de Sampaio Ferraz a Filinto Müler – capoeiras e malandros “A noite estava estrelada Quando o samba se formou A lua veio atrasada E o samba começou Entretanto, ali bem perto, Morria de um tiro certo Um valente muito sério, Professor dos desacatos. Ensinava aos pacatos O rumo certo do cemitério. Chegou alguém apressado 91 Naquele samba animado Que, cantando, assim dizia: No século progresso O revólver teve ingresso Para acabar com a valentia” (NOEL ROSA). Após a onda repressiva de Sampaio Ferraz, como vimos, capoeiragem carioca não seria mais a mesma. Desmantelada as maltas os capoeiras, agora sozinhos sem uma identidade de grupo como havia antes, pelo menos em tal escala, seguiriam outros caminhos e outras formas de sobrevivência. Vários capoeiras foram aliciados como cabos eleitorais, capangas, ajudantes de polícia e também como militares, se refugiaram mantendo laços, como antes, com o estado e o poder; outros seguiram como salteadores e também compondo a nata da malandragem, bem diversificada, continuando assim a prática da capoeiragem, mas de modo diferenciado. Há ainda uma outra vertente, que tentaria criar uma capoeira desportiva, numa prática de ginástica corporal e ou defesa pessoal, como veremos posteriormente. É neste momento que o capoeira carioca se recolhe, se recata, ficando escondido e fazendo a fama que tanto conhecemos do Malandro de terno branco que nunca se suja e que não gosta de estar em evidência na maioria das vezes. Segundo Noronha, a figura do malandro tal como o conhecemos, só podia ter aparecido no Rio, “na verdade existiu num certo Rio”, numa época que vai do nascimento da metrópole moderna brasileira, do fim do século XIX aos primeiros anos do século XX, até o Brasil do estado Novo, no mundo da Segunda Grande Guerra. Existindo numa geografia específica. (NORONHA, 2003, p. 35). Dias analisa a figura, tipo social, do “malandro”, do “bamba” e sua ligação com o antigo capoeira: 92 “compreende-se que colocar o malandro como uma figura constituída e com identidade própria no alvorecer do século XX e, ao mesmo tempo num momento em que a principiavam a ser delineadas as normas reguladoras das relações capital-trabalho, seria, no mínimo, colocar os “carros adiante dos bois”. Poder-se-ia afirmar que existia a malandragem, a vagabundagem, mas não existia o malandro enquanto verdadeiro “tipo ideal”, uma quase caricatura da concepção weberiana7 que, mais tarde, foi apropriada intelectualmente e, em alguns casos, veiculada como um tipo específico brasileiro numa generalização perigosa.” (DIAS, 2001, p. 162). Dias, também comenta sobre o interessante estudo de Roberto Goto, que resume a idéia citada anteriormente, dizendo que na versão mais comum e característica, o malandro tem sido apresentado como aquele que habita os “intervalos” da estrutura social; existindo “entre classes sociais”, não seria burguês nem proletário e, não se enquadraria na ordem legal nem se extraviaria fora dela, estando situado entre o cidadão comum e o bandido. Continuando, de acordo com Dias: “Considerando, enfim, todo o esforço empreendido pelos agentes sociais da nova ordem que se impunha, reconhece-se a valorização dos princípios éticos necessários à normatização de uma sociedade de classes baseada na economia de mercado, enfrentava resistências na existência da malandragem. No entanto, a figura do malandro só poderia ser reconhecida como modelo dessa resistência, como afirma Neder (1987, p. 353): “quando a resistência à ordem é definitivamente individualizada na figura 93 temida, repudiada e mitificada e até heróica do malandro.” Essa individualização, no entanto, não poderia ser articulada à figura do antigo capoeira. A sua imagem, ao contrário deste, não ficou retratada, como no passado, nem nos jornais, nem os relatórios de polícia ou da Justiça; entre outras razões, pelo fato de que o malandro, na vida real, evita aparecer, cultivando justamente a prática da ocultação voluntária (GOTO, 1988, p.98). assim algumas tentativas de identificação imediata entre o antigo capoeira e o malandro como aquela, por exemplo, tentada por Luís Edmundo (1939, p.381-9), com o Manduca da Praia, acabam por esgotar-se no trato exótico. A partir de todas essas considerações e reafirmando a desarticulação da capoeiragem – a sua “morte” - , cabe ao “bamba” o papel de remanescente desta prática, desempenhando-a dentro das circunstâncias permitidas pela conjuntura histórica do Rio de Janeiro no início da Primeira República. Segundo Morales de Los Rios (1976, p. 59) “geralmente cafajestes, chamados de valentões da zona ou “bambas”, curiosamente apelidados de ‘Camisa Preta’, ‘Juca da Praia’, ‘Zé do Senado’ ”.” (Ibidem, 2001, p. 163 e 164). Bruhns nos diz que: “A malandragem, a malícia e a manha representam qualidades valorizadas por muitos e rejeitadas por poucos.” (BRUHNS, 2000, p. 144). Continuando o autor sobre os malandros: “Representam a “façanha dos fracos” e, dessa forma, o malandro é admirado pelos desfavorecidos: por demonstrar o “poder dos fracos” em sua condição inferior, surpreendendo os “fortes”.” (Ibidem, 2000). Fazendo uma referência sobre a malandragem e os malandros como uma estratégia de 94 sobrevivência e de oposição ao sistema opressor e dominador vigente. Bruhns, retratando o malandro, seu mundo e maneira de ser, ainda comenta: “O “malandro brasileiro” introduz uma possibilidade de relativização no mundo fechado da moralidade. No mundo burguês-individualista, a ordenação se dá através de eixos únicos, como a economia e a política; o malandro, porém, vem mostrar a existência de outros eixos e outras dimensões: “Sou pobre, mas tenho cabrocha (mulher), o luar e o violão”. Sendo intersticial o seu mundo, constitui-se por um universo em que se pode ler e ordenar a realidade, utilizandose de múltiplos códigos e eixos” (Ibidem, 2000, p. 146). “O mundo do malandro não significa necessariamente um mundo sem trabalho ou sem patrões, porém uma aversão a determinadas formas de trabalho (ao trabalho disciplinado e à vigilância que roubam do sujeito a possibilidade de conduzir-se de acordo com seus horários, suas aptidões, necessidades, hábitos e tradições); significa estabelecer relações sociais em que a valentia e o respeito são mais determinantes que o dinheiro... Surgem outras formas de dominação, como as sustentadas pelo carisma, pela valentia pessoal e pelo mundo, resultando em conflitos microscópicos, no interior da sociedade. Capoeiras e malandros muitas vezes se confundiam, pois compartilhavam os mesmos valores, bem como um “jeito de corpo” específico, ou seja, um andar gingado e uma grande agilidade movimentos.” (Ibidem, 2000, p. 139 e 140). de 95 O referido autor, permeando uma inter-relação do malandro com o capoeira, assim como já foi inicialmente citado acima, nos diz: “Os capoeiras, na época da escravidão, haviam desenvolvido o horror à disciplina do trabalho, bem como a negação de uma vigilância hierárquica sob o comando do patrão, ambos relacionados à história das lutas negras pela liberdade. Nesse panorama, mostra salvadori (op. cit., p. 13), “preservaram uma tradição de luta pela autonomia e pelo ‘viver em si’ que eram os principais sentidos dados pelo ex-escravo à liberdade”. Estabelecer uma relação entre a capoeira e os malandros implica falar da alteração nas relações de trabalho, da tentativa em controlar os pobres urbanos através de diferentes estratégias disciplinares, das tentativas de transformação do escravo em operário, em “cidadão”, bem como das propostas de “civilização” e “modernização” da cidade, as quais buscavam legitimar a tentativa ineficiente da repressão do gesto pela discipliona (cf. salvadori, op. cit..).” (Ibidem, 2000, p. 139). Na tentativa de apagar os registros de capoeiras e malandros presentes no espaço público carioca, Bruhns nos diz que, falas diversas uniram-se. A polícia os identificou como contraventores e criminosos potenciais, razão da pobreza e da falta de vontade para trabalhar (não levaram em conta ou não quiseram levar, a grande população da época e a pouca oferta e dificuldades para conquistar um trabalho); a psiquiatria, por meio de critérios considerados científicos naquele momento, associando a saúde à aceitação das regras do trabalho, rotulava-os de doentes; os higienistas e arquitetos impuseram limpezas às suas moradias e corpos, baseados na noção positivista de que o meio ambiente e a hereditariedade são responsáveis pelo caráter do indivíduo. Bruhns diz que, porém, foram 96 utilizados como símbolos de nacionalidade, por diferentes “propostas de folclorização, “estampando-os como fragmentos de identidade coletiva da cidade, ao lado do samba, do Carnaval e do futebol” (cf. Soares, op. cit., p.16).” (BRUHNS, 2000, p. 143). Segundo Noronha: “o malandro com seu deboche com os ditames do modo de produção contemporâneo e seu abraço à marginalidade significando um acintoso desprezo pela nova ordem, reinventa a modernidade a sua maneira e se transforma numa espécie de herói e mártir desta resistência.” (NORONHA, 2003, p. 103). Entre muitos dos malandros e capoeiras conhecidos, está o Manduca da Praia, “malandro e capoeirista que realmente existiu, famoso na área da Saúde nos anos 10 e personagem dos conflitos de rua da Revolta da Vacina” (Ibidem, 2003, p. 70). Manduca teve o perfil traçado por Luiz Edmundo no capítulo “Vida do cortiço” de “O Rio de Janeiro do meu tempo”, segundo o cronista, Manduca da Praia “trepa na goiabeira”, ou seja, joga capoeira. O salteador Sete Coroas, famoso nas crônicas policiais da época e que foi presenteado com um samba de Sinhô, seu amigo, foi outro perigosíssimo malandro do morro da Favela (GARDEL, 1996). Camisa Preta e Madame Satã (João Francisco) são outros de muitos capoeiras que fizeram a fama na malandragem, este último, é considerado um dos “sobreviventes” daquele tempo, talvez, por ter ficado preso por vários anos no presídio de Dois Rios, Instituto Penal Cândido Mendes, Ilha Grande. Há relatos de que estes dois capoeiras eram os melhores de sua área e seu tempo e se respeitavam devido as suas habilidades. Moradores da Vila do Abraão na Ilha Grande contam que, Madame Satã, depois de liberto, no período em que morou na vila, treinava golpes, principalmente com os pés, de navalha em árvores na ilha, riscando-as todo o seu tronco. Também mencionam que um filho seu de criação, além de, como o “pai” Satã, ser homossexual, tinha extrema habilidade com instrumentos de corte, principalmente com a gilete, a qual escondia na boca. Outra curiosidade 97 sobre Madame Satã, no tempo em que morou na vila, era a de que seu cachorro ia todo dia de manhã à padaria e sozinho, trazia o pão e outros produtos, numa pequena sacola presa ao seu pescoço. Madame Satã até hoje desperta em muitos, a curiosidade por seus feitos, como enfrentar vários policiais, e por seu lado exótico, por ser um homossexual diferente. Segundo Rocha: “O estereótipo do homossexual frágil, efeminado, foi derrubado, pois era mais macho do que muitos homens de sua época.” (ROCHA, 2002, p. 11). Em 1994, numa roda de capoeira na Central do Brasil, Rio de Janeiro, um senhor de idade, transeunte, ao observar o jogo, proseou com Ricardo Lussac (Mestre Teco) sobre a capoeiragem de seu tempo e comentou sobre um dos melhores capoeiras, um malandro chamado “Castelo”, seu amigo e que ficou sabendo de sua morte quando chegou no Rio de janeiro, retornando da Segunda Guerra Mundial, onde combateu. Este senhor disse que observou do navio onde estava regressando da guerra, uma imensa fogueira feita de pneus de carro, onde depois ficou sabendo que ali, estava sendo queimado o corpo de Castelo. Sobre tempos mais recentes, há relatos de capoeiras e aprendizes (meninos, que às vezes cometiam pequenos furtos e até assaltos em grupos) na Tijuca, nas proximidades do morro do Salgueiro e também em Niterói, nas proximidades das barcas, dentre os quais mais se destaca um sujeito conhecido como Miguelzinho. Dentre tantos outros e em diferentes épocas, um malandro que teve o seu reinado foi “Joãozinho da Lapa”, o qual transcrevemos um pedaço de sua história logo abaixo: “veio o reinado de Joãozinho da Lapa, que, tendo passado pelo Colégio Militar da Praia Vermelha, seria membro da família de um coronel do Exército com alto posto no Governo Vargas. Mestre em capoeira e no manejo da navalha, Joãozinho entrou para a crônica do bairro por ter assassinado um mulato malandro chamado Bexiga. Morreu logo depois, com um tiro na 98 cabeça dado por um malandro branco conhecido como Bexiguinha.” (NORONHA, 2003, p. 83). Fonseca Júnior homenageia em seu livro e reverencia seus amigos e ídolos capoeiras, malandros e guerreiros de um passado recente, sugerindo uma inspiração aos capoeiras atuais: “Aos 4 maiores Guerreiros Negros do Século XX – Madame Satã, Agnaldo Timóteo, Oswaldo Nunes e Roberto Silva, detentores das “brigas” mais “indigestas” do Rio de Janeiro. Que todos os capoeiristas aprendam a lição ensinada por vocês e conheçam a origem espiritual da “banda”, “rasteira” e “pernada”.” (FONSECA JÚNIOR, 2000, p. 14). Rudolf Hermanny relembra os malandros e episódios de sua área e de seu tempo, décadas de 1940 e 1950, retratando e nos contando um pouco sobre a malandragem da zona sul da cidade: “Isso vem da malandragem também, o camarada aqui era considerado bom porque lutava capoeira. Em Ipanema, na saída do morro do Cantagalo, havia um malandro chamado Bagdá, que enfrentava policiais que ousavam subir o morro. Pegava o bonde em alta velocidade, sem usar as mãos, e saltava em movimento, de frente e de costas, com uma destreza admirável. Ganhava a vida “puxando carrinho”, os famosos “burros-sem-rabo”, e tinha um físico de atleta que chamava a atenção de todos. Mas o autêntico malandro que tínhamos em Ipanema era o Malvadeza, que resolvia tudo com navalha. Numa ocasião, eu saía de casa e ele estava lá com a 99 navalha na mão e perto uma mulher jogada no chão. Ela levantou e correu, ele a derrubou novamente e foi uma coisa horrorosa, em plena rua Teixeira de Melo, até a esquina da praça General Osório. Aqueles cafés nos dois lados da rua, e um monte de gente assistindo toda a cena sem fazer nada. Até que um cidadão lá pegou uma cadeira e foi em cima dele, que fugiu para o morro. Naquele tempo, tinha o socorro urgente e veio aquela caminhonete, tipo lotação, cheia daqueles caras da Polícia Especial, de roupa cáqui e chapéu vermelho. Foram buscá-lo lá em cima e o troxeram sem os dentes, porque havia apanhado para valer.” (HERMANNY, 2003, p. 51 e 52). Segundo Hermanny, não era só na zona norte onde era encontrado samba e outras práticas culturais populares, na zona sul, também o era, apesar de com o tempo terem se extinguido: “Aquela esquina da rua Teixeira de Melo com a Praça General Osório era sempre muito movimentada e reunia uma roda de samba constante, com os caras batucando, um plantando, os outros tentando derrubar. Até as moças jogavam. Nunca mais vi aquilo. O jogo é esse: o cara planta e não pode tirar o pé do chão, o outro então tem que derrubá-lo. Aí, o sujeitovem, dá aquele baú, aquela barrigada e come ele por baixo.” (Ibidem, 2003, p. 52). Antonio Cláudio Lezan, padrinho de batismo de Ricardo Lussac (Mestre Teco), conta que aprendeu capoeira com um malandro chamado Orlando Sapo, por volta da segunda metade de 1950 e início de 1960. Segundo Lezan, Orlando Sapo viveu na zona do mangue, conhecia golpes muito violentos, além das armas brancas de corte, como faca e navalha e 100 era uma pessoa que vivia em muitas confusões, tanto que morreu neste período. Era uma capoeira muito violenta e de pancadas, baseada nesta vivência cotidiana da malandragem própria deste “submundo”. Segundo Rocha (2002) o Estado Novo foi mais tolerante que a República ou mesmo o Império, até porque, as maltas estavam desmanteladas e a figura do malandro, sozinho, não representava uma grande ameaça. Ainda Rocha: “A figura do capoeirista vadio, malandro, que foi imortalizado pelos sambas da época: “Meu chapéu de lado, tamanco arrastado, como trote de cavalo, lenço de seda no pescoço, navalha alemã no bolso, com caminhar gingado, tomou conta do carioca provocador, e, eu tenho orgulho de ser vadio.” O novo vadio andava sozinho, não mais em gangues, mas temido por sua valentia e violência sutil, zanzando pelos bares da boêmia portuária e morando em cortiços. Com esta nova postura, o vadio não demonstrava ser uma ameaça, como nos tempos das maltas.” (ROCHA, 2002, p. 10). Gardel nos mostra como os filhos dos pobres, em sua maneira de viver e brincar no cotidiano da cidade nesta época, representavam o microcosmo dos “bambas” da malandragem, parecendo assim, ser um estágio para a formação de futuros bambas, neste contexto social, se assemelhando à “formação” dos caxinguelês ou carrapetas, crianças que também compunham as maltas de capoeira: “Todos os filhos de pobres da região, seus divertimentos são caçar passarinhos, soltar pipas, jogar futebol ou bola de gude, fazer arruaça quebrando janelas ou riscando portas. Microcosmo dos bambas 101 da malandragem, eles reproduzem em miniatura a realidade urbana de brigas entre galeras de ruas diferentes, que no Rio da época se dava entre adultos no cruzamento de cordões carnavalescos de lugares inimigos. Os apelidos já dizem tudo: Piru Maluco, Tatuí de Areia, Zeca Mulato, Encarnadinho, Culó, e por aí vai.” (GARDEL, 1996, p. 88). O autor também nos mostra uma interessante comparação com as galeras ou grupos do passado e seus confrontos, com as da atualidade: “No princípio “uma continuidade negra do antigo entrudo”, os sujos e cordões da Cidade Nova de “alegria desenfreada se juntando a extrema violência principalmente no encontro com grupos rivais, com que invariavelmente se atracariam em formidáveis brigas”7 (qualquer semelhança entre esses grupos do Carnaval primitivo carioca formados por malandros, desocupados, trabalhadores irregulares, pequenos funcionários, molecada esperta, e as atuais galeras funk que se matam por rivalidade festiva, não será mera coincidência), cantavam e dançavam jongo, os cucumbis e os afoxés baianos, “lembrando as procissões religiosas agora profanizadas para brincar” (ibidem, 1996, p.121). Podemos encontrar na referência acima características dos capoeiras de outrora, como a briga entre galeras que lembram os embates entre maltas de capoeiras de freguesias inimigas. Também encontramos semelhanças com o tipo de vida das crianças, que até pouco tempo perdurou no Rio de Janeiro do século XX, ainda encontrando-se certos lugares no subúrbio carioca, onde mantém-se tais comportamentos e atividades, mesmo que um pouco diferenciadas. 102 Podemos perceber sempre a concordância do passado com o presente, como visto anteriormente. Prova disto é a semelhança da antiga divisão no Rio de janeiro entre as maltas de capoeiras, que dominavam certas áreas e mantinham estreitas relações com os agentes de repressão. Hoje observamos “Comandos”, o poder paralelo, com agentes da repressão interagindo com estes. Continua a violência, a corrupção policial e nas esferas do Estado. Gírias, apelidos e “gritos de guerra” utilizados pelas maltas, onde cada uma tinha sua própria característica e “senhas” de identidade, também se assemelham com as utilizadas hoje em dia. A Navalha foi substituída por pistolas, fuzis, escopetas, granadas e outros armamentos. A rapidez de comunicação, característica das maltas do Rio antigo, hoje se encontra nos celulares. Se antigamente houve uma séria campanha contra os capoeiras e suas navalhas, atualmente percebemos uma mobilização contra os bandidos e seus respectivos mortíferos armamentos. Assim como os capoeiras foram presos aleatoriamente, quando na repressão de Sampaio Ferraz, onde era só especular a prática da capoeira, que o sujeito era preso e até deportado, na mesma cidade, no Rio de Janeiro, atualmente, quando a polícia invade morros e favelas e, mata pessoas inocentes, trabalhadores e jovens, afirma serem estes traficantes, que estavam armados e reagiram, quando na verdade, em vários casos as armas são “plantadas” nestas vítimas para justificar a violência e a repressão abusiva, que causam mortes de inocentes. Outra coincidência é a justiça e a manutenção paralela da ordem, como hoje é verificado por lugares dominados pelo tráfico. Antigamente certos capoeiras também retinham este papel, conforme nos mostra Noronha: “justiceiros das ruas de seus bairros , os capoeiras mais fortes tinham um código de honra segundo o qual a navalha podia cantar por motivos como vingar a honra de uma mulher assediada por alguém de outra vizinhança ou defender uma criança de maus-tratos, o 103 que fazia boa parte da população apóia-los” (NORONHA, 2003, p. 116). É interessante notar que a população apoiava os capoeiras, pois mostra que estes eram representantes de suas localidades “eleitos” por defenderem esta. Mostra também outro lado do capoeira, o de servir sua comunidade, denotando aí uma compensação de afetividade sentidas por ele. Atualmente também notamos esta proteção que certas comunidades dão aos traficantes, não só por estes pertencerem e serem oriundos da comunidade, mas por imporem ordem onde o estado é omisso e até mesmo repressivo de forma violenta a crianças e trabalhadores inocentes. Observamos o mesmo fato na crônica de Coelho Netto, onde retrata a liderança dos capoeiras, além de outras importantes informações. A crônica, escrita em 1923 e publicada em 1928, consta integralmente no ANEXO 3: “Nos morros do Vintém e do Néco reuniam-se, às vezes, conselhos nos quais eram severamente julgados crimes e culpas imputados a algum dos das farandulas. Ladrões confessos eram logo excluídos e assassinos que não justificassem com a legitima defesa o crime de que fossem denunciados eram expulsos e às vezes, até, entregues a policias pelos seus próprios chefes. Havia disciplina em tais pandilhas.” (ANEXO 3). Mas, segundo Vieira & Assunção, “O malandro é por definição mais um anti-herói e a sua ambigüidade não presta a visões épicas de um herói puro, sem nenhum compromisso com o “sistema”.” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 109). Continuando, Gardel nos fala sobre os aspectos sócio-culturais do Rio de Janeiro na Primeira República. Visto a violência e a dificuldade pela qual 104 o povo passava, práticas lúdicas como o Carnaval eram mais que necessárias como uma válvula de escape e também como uma afirmação de uma identidade sócio-cultural: “O que salta aos olhos numa visão global dos aspectos sócio-culturais do Rio de Janeiro na Primeira República, “quando uma rápida e profunda transformação do meio urbano induz a novos padrões de comportamento social”, é a manutenção do espírito lúdico-festivo por todos os quatro cantos da cidade entre colonial e moderna, entre miserável e abastada, vivendo basicamente, ideologicamente, nos limites, “produzindo uma esfera cosmopolita pluricultural, marcada por uma vocação singular para o culto do prazer e da alegria, características reconhecidas da cultura urbana carioca”3. Como um espírito fundamente arraigado na cultura cômica popular se espalha pela cidade, uma cidade planejada pelas elites no poder para ser o exemplo positivista de um modelo normatizador civilizatório estético e moral do país, a sua capital federal, e produz, por meio de infindáveis perversões e misturas sócio-políticas, numa cultura urbana moderna capitalista periférica, um estado festivo que engloba toda uma sociedade citadina numa identidade coletiva simbolizada pelo Carnaval. A explicação mais insinuante parece ser a de que este espírito lúdico-festivo da cidade cosmopolita seja o espraiar-se de seu símbolo máximo, o Carnaval, pelos corações e mentes da população. E como no Carnaval carioca de origens afro-européia a “influência dos traços africanos traduziu-se numa vitória cultural e étnica dos pobres, 105 englobando agentes de todas as camadas sociais””. (Ibidem, 1996, p. 118 e 119). O Rio de janeiro sofreria mudanças consecutivas após a proclamação da república. Segundo Noronha, o projeto de reforma do Rio, que começa no fim do século XIX, com a geração de 1870, chega ao auge no governo de Rodrigues Alves e Pereira Passos e reflete nas administrações subseqüentes, até o advento da Revolução de 30 e o Estado Novo. As elites progressistas, colocando as camadas populares em segundo plano, julgavam o saber popular como arcaico, o velho, o primitivo, o folclórico, aquilo que deveria ser extirpado de uma sociedade cujo futuro apontava para o moderno e o dinâmico (NORONHA, 2003). O crescimento populacional provocou escassez de moradias, aumento de seu custo e a conseqüente deterioração das condições das habitações populares. Segundo dados do censo realizado em 1890, cerca de um quarto da população carioca vivia em cortiços concentrados nas áreas centrais, porque os baixos salários e as despesas com transporte impediam a moradia distante do local de trabalho e ou do centro de circulação do dinheiro, onde a populares poderiam obter sua sobrevivência (AGCRJ, 2002). Depois da promulgação da Lei Orgânica, em 1892, foi nomeado o primeiro prefeito, Barata Ribeiro (1892-1893). Um dos problemas enfrentados nessa administração foi à proliferação das habitações coletivas, como cortiços, estalagens e casa de cômodos. O péssimo estado de conservação das edificações, a superlotação e as condições insalubres em que viviam adultos e crianças constituíam padrões negativos a serem eliminados. Os cortiços eram o pesadelo: a cidade burguesa, afrancesada, o sonho dos progressistas. A realidade era conflituosa (ibidem, 2002). A chegada da luz elétrica ao centro da cidade não seria mais um dos golpes finais dados a capoeiragem e aos capoeiras. O Prefeito Pereira 106 Passos, que: “instituiu praticamente uma ditadura na Prefeitura, com a capital num permanente estado de sítio extra-oficial, literalmente passando por cima dos que se opunham ao seu projeto reformador” (NORONHA, 2003, p. 42), que era, mais especificamente, a população de baixa renda dos cortiços do Centro. Nomeado pelo Presidente Rodrigues Alves com plenos poderes, na administração do Rio de 1903 a 1906, Pereira Passos, chamado de “Bota-Abaixo” e também apelidado de “Haussmann Tropical” pela semelhança de seus planos com os da remodelação de Paris no século XIX, com sua reforma no centro da cidade, poria abaixo construções, localidades marcadas pela história dos capoeiras e conseqüentemente, ocasionando significativas transformações sociais na cidade: “como prefeito do Rio de Janeiro, Pereira Passos empreendeu grandes reformas na cidade. Durante sua gestão, iniciou-se a remodelação do centro do Rio de Janeiro, que pôs abaixo as velhas construções habitadas pelas populações mais humilde e abriu a Avenida Central, hoje Avenida Rio Branco. Nessa ocasião, as numerosas famílias pobres, que foram despejadas quando se demoliram suas residências para dar lugar à Avenida Central, tiveram de procurar novos locais de moradia acessíveis. Inicialmente, fixaram-se nos morros próximos à estação Central do Brasil – Favela, Providência, Livramento, Formiga e Pinto – e, depois, em zonas um pouco mais afastadas do centro da cidade, sendo a primeira delas a região do Estácio. Mais tarde, outros seguiram para São Cristóvão, Mangueira e para os morros da Tijuca, espalhando-se depois por toda a região suburbana.” (VARGENS & MONTE, 2001, p. 32). 107 De acordo com Bruhns, com a reforma de Pereira Passos na cidade do Rio de Janeiro em 1904, a região central foi cortada por grandes avenidas. Muitos moradores seguiram para a “cidade nova”, passando a Praça Onze, menos conhecida como Praça Onze de Junho, em referência à vitoriosa Batalha do Riachuelo, na Guerra do Paraguai, a servir como ponto de encontro, sede do carnaval carioca e local de reunião de capoeiristas, operários, “malandros”, músicos e blocos carnavalescos. “Ali os negros recriaram, elucida Salvadori (1990, p. 19), “seu universo cultural e a música os acompanhou constantemente. Ela estava na capoeiragem, nas diversas manifestações da religiosidade, nas festas, acompanhando o trabalho das lavadeiras e mantendo oralmente uma série de tradições”.(BRUHNS, 2000, p. 136 e 137). De acordo com Noronha, sobre os morros, lugar onde “a polícia se negava a subir... alegando ser impossível o policiamento num lugar sem ruas; ao invés disso, cercava as favelas de tempos em tempos” (NORONHA, 2003, p. 122), as favelas e sua comunidade no início do século, o autor assim se refere: “Segundo as raras estatísticas disponíveis sobre o processo de favelização do Centro no início do século, havia no Rio algo como mil barracos em 1904. Em 1909, numa reportagem sobre a crise de moradia na cidade, o jornal Correio da Manhã assinalava que as comunidades dos morros da Favela e de Santo Antônio turbulento abrigavam e trabalhadores, não facínoras” na sua só mas “vadios, também maioria marítimos”.” (Ibidem, 2003, p. 62 e 63). ratoneiros, “homens estivadores e 108 O que é interessante nesta citação de Noronha, é a diversidade da composição dos moradores e a presença maciça de estivadores e marítimos, tipos freqüentadores comuns dos portos que, como vimos anteriormente, eram na sua maioria conhecedores da capoeiragem. O morro de Santo Antônio, o qual seu desmonte só se iniciaria em 1952, seria o lugar onde provavelmente o grande Mestre Sinhozinho teria aprendido a capoeiragem, pois morou neste lugar. Lopes citando Rui Castro: “Sinhozinho foi morar no morro de Santo Antônio, tornou-se mestre da capoeira” (LOPES, 2002, p. 111). Pereira Passos, como podemos ver, deu continuidade à repressão das práticas culturais populares e mandou vários capoeiras que participaram da Revolta da Vacina para o Acre, revivendo a deportação para Fernando de Noronha; assim como a Igreja perseguiu as práticas religiosas, como podemos ver, de acordo com Fernandes: “A satanização dos cordões faz parte daquela ofensiva desencadeada contra as classes populares, da modernização que atinge seu clímax coma Reforma de Passos, que depois de ter prendido e deportado para o Acre populares envolvidos com a Revolta da Vacina, expulsando centenas de famílias dos bairros centrais que moravam em cortiços condenados a demolição para dar lugar aos bulevares, passaram a perseguir de forma mais sistemática as festas, crenças e manifestações das classes populares. Em 1904 Passos investiu fortemente contra o entrudo. De forma geral, o violão e a modinha foram transformados em símbolos de vadiagem. A simples posse de um pandeiro poderia ser interpretada como indício suficiente de vadiagem que justificava prisão. A Igreja passou a seguir a doutrina da romanização e promoveu sérios cerceamentos à religiosidade 109 popular, como ocorreu com negros que participavam da Festa da Penha, e a polícia cultivava uma rotina de provocações e arbitrariedades que potencializava a extensão dos conflitos. Contra os pais-de-santo e as seitas religiosas afro-brasileiras, foi desencadeada uma verdadeira inquisição” (FERNANDES, 2001, p. 31). Sobre a Festa da Penha, onde nos dias atuais há rodas tradicionais de capoeira, principalmente nos dias de festa, Noronha faz valiosas ponderações em que podemos perceber a rivalidade entre negros e portugueses, a dinâmica social de tal evento, verificar como ocorria a violência e a respectiva repressão e também como a Festa da Penha decaiu diante das circunstâncias e acontecimentos naquela época: “O conflito entre as facções, que já eram rivais na disputa pelo mesmo mercado de trabalho (como nos sangrentos confrontos entre trabalhadores no Cais do Porto) virou marca do evento. A malandragem carioca comparecia em peso, com personagens como Buldog do Rancho dos Amores, Galeguinho, Zé Moleque, Sapateirinho, Zé do Senado e Gabiroba, entre outros nomes lendários, usando sua melhor roupa de festa. A roda de capoeira era aberta logo depois das rezas, e nela entrava qualquer um que tivesse peito para tanto. Seja pela rivalidade entre negros e portugueses, seja pela presença ostensiva da polícia ou pelas rixas entre malandros, o fato é que a Festa da Penha muitas vezes terminava num quebra-pau generalizado, com pernadas e golpes de navalha sobrando para todos os lados. A imprensa, predominante,ente conservadora, fazia seu papel, detonando uma impiedosa campanha 110 contra a festa, com a comunidade portuguesa, descrita como pacata e ordeira, sendo exibida como vítima e a malandragem e os sambistas, apresentados como vilões.” (NORONHA, 2003, p. 106). “A polícia contribuía apreendendo os instrumentos musicais, cercando e detendo os malandros. A pressão foi tal que, em 1920, o então chefe de polícia, Germiniano de França, proibiu a presença de blocos, cordões, Zé-pereiras, batucadas e rodas de samba na festa, recrudescendo a perseguição à malandragem. Com a repressão sistemática pela polícia, pela imprensa e pela Igreja, a predominância do rádio como instrumento de divulgação da música e com a morte de Tia Ciata, em 1924, a Festa da Penha foi se esvaziando.” (Ibidem, 2003, p. 107). Sobre a atuação de capoeiras na Revolta da Vacina, onde estes foram os principais personagens de resistência, Noronha é mais específico, como podemos constatar a seguir: “Em diversas ocasiões o nome dos capoeiras mais conhecidos ou a simples menção à luta aparecia associada ao crime ou à subvenção. Durante o levante da Revolta da Vacina, por exemplo, que durou quatro dias e teve vários combates travados com a polícia, os bombeiros e o exército pelas ruas do Rio... mas o que apareceu nos jornais foi o nome de mestres como o Manduca e Capa Preta, entre outros malandros da Saúde, como líderes de barricadas.” (NORONHA, 2003, p. 118). 111 Teria sido este “Manduca” do início do século XX, o mesmo “Manduca da Praia” da segunda metade do século XIX? Se, era a mesma pessoa, o “Manduca” no episódio da Revolta da Vacina, estaria com mais alguns anos de vida. O referido autor comenta sobre o projeto político de modernização do Rio, sua característica e implicações do combate do Estado aos signos do mundo do malandro carioca: “autoritário e completamente distante da realidade das ruas, o projeto político de modernização do Rio vai pôr o aparelho do Estado inteiro voltado para o combate às manifestações organizadas pelas classes baixas, desistindo de incorporá-las para investir no isolamento. Assim, ao mesmo tempo que disciplina o comércio ambulante e tira os cães vadios das ruas, o governo vai rezar pela cartilha do darwinismo social, eliminar casas populares no Centro e perseguir o candomblé, a capoeira, o maxixe das gafieiras, os violões e os seresteiros, o jogo e a prostituição... o mundo oficial moveu uma guerra surda contra o universo de signos que compunha o mundo do malandro carioca.” (Ibidem, 2003, p. 102). Mais tarde, o Prefeito Carlos Sampaio daria continuidade a esta ampla reforma da cidade, que já vinha sendo feita por outros prefeitos anteriores como o arrasamento do morro do Senado e do morro do Castelo, iniciada em 1920, a abertura da avenida Rio Branco e a demolição do “Cabeça de Porco” (KESSEL, 2001), o que ocasionou em mais desapropriações. A demolição (a mais polêmica e que num só dia tudo foi arrasado) do mais famoso cortiço, que abrigava cerca de duas mil pessoas, conhecido como “Cabeça de Porco” devido a figura ornamental existente em sua entrada, situado à Rua Barão de São Felix, 154, ocasionou o despejo de 112 muitas pessoas, que não sendo alojadas pelo governo, construíram barracos com as sobras da demolição no vizinho morro da Providência, contribuindo ainda mais para o processo de favelização do Rio. A Lapa teve seu apogeu nos anos 20 e 30. “Na malha desordenada de cabarés, prostíbulos e antros de jogo, a Lapa desta época reunia os dois mundos de uma cidade que começava a se partir.” (NORONHA, 2003, p. 82). Lá era o ponto de encontro de todo o tipo de gente, de diferentes classes sociais e ramos de atividade, que conviviam e dividiam o mesmo espaço. “O período de apogeu do bairro começou por volta de 1915, mas vai ser a partir dos anos 20 que ele vai se afirmar como o epicentro de um Rio hedonista, voraz, rápido, embriagado, falante.” (Ibidem, 2003, p. 83). A partir da segunda metade dos anos 30, começa a decadência, acentuada dos anos 40 em diante. Há como veremos, uma convergência ao mesmo tempo, de vários fatores determinantes durante esta decadência da Lapa, inclusive a mudança no aparelho repressivo, a polícia, devido a uma mudança política. Antigamente, no início do século XX, “O Exército, a Marinha e a Guarda Nacional se envolviam na atividade policial, às vezes fiscalizando, outras vezes intermediando ou mesmo reprimindo.” (Ibidem, 2003, p. 122). Como já vimos, estas instituições sempre foram permeadas pelos capoeiras, que corporativistamente, se ajudavam, desde que não fossem inimigos. A população se aproveitava da confusão, jogando uns contra os outros, e apoiando o Exército, na maioria dos casos, contra a polícia. São inúmeros os registros de queixas, nos anais de uma determinada força, contra falhas de uma outra, assim como são comuns os casos de um sujeito ser preso por um para ser solto por outro (Ibidem, 2003). É cada vez mais curioso notarmos como a história se repete, pois atualmente verificamos desentendimentos entre as instituições de segurança pública. “O policial do Rio, muitas vezes, era uma espécie de primo/amigo/quase irmão do malandro que arrumou emprego com um 113 político.” (Ibidem, 2003, p. 121). A corrupção no aparato policial era uma constante. Esta situação só iria mudar com a “progressiva politização da polícia e a necessidade de treinamento e doutrinação, a partir de meados dos anos 30, sob Getúlio Vargas.” (Ibidem, 2003, p. 121). Podemos notar que o nepotismo e a corrupção no Estado e na polícia, mais especificamente, são práticas antigas que permanecem até os nossos dias atuais. De acordo com Noronha esta mudança na política repressiva no Rio se deu da seguinte forma: “Em 1933, o decreto 22332 de Vargas vai criar a chamada Polícia Especial, que ao lado da Polícia de Vigilância vai ser encarregada de conter distúrbios, quase como um braço armado do DOPS, que tinha um caráter mais investigativo. Na processo de gestação do Estado Novo, militares gaúchos como João Alberto ou o temido Filinto Müler passariam a ocupar a chefia da polícia política do Rio, dando peso ainda maior ao caráter de polícia política que as forças de repressão do Estado assumiriam. Müler tinha experiência na área... foi nomeado delegado especial de Segurança Política e Social do Distrito Federal, chefe de polícia interino e, em 1933, foi oficializado no cargo, que ocupou até 1942. Apoiado na primeira Lei de Segurança Nacional Brasileira, promulgada em 1935, e com carta branca de Vargas para garantir a ordem pública em meio a tempos de intensa convulsão política, Filinto Müler sugeriu, entre outras medidas de um relatório enviado ao governo logo depois da Intentona, “o descongestionamento, nos centros urbanos, da massa de desocupados, rumo ao interior, sob assistência e localização do Estado”, o que é praticamente propor a criação de campos de concentração. Adepto da tortura 114 como método, tratava-se de um chefe de polícia de inspiração nazi-facista que, curiosamente, mantinha estreita ligação com o FBI. Sua passagem pelo poder policial no Rio marca o auge do processo de quebra do elo de identidade que, nas ruas, de certa forma, havia se estabelecido há décadas entre o policial e o malandro. Era o fim de uma era.” (Ibidem, 2003, p. 124 e 125). Vieira diz que: “Na realidade, a Polícia Especial foi uma espécie de “Gestapo Tupiniquim”, uma polícia de choque encarregada de dissolver manifestações públicas contrárias à política de Getúlio Vargas.” (VIEIRA, 1995, p. 68). Ainda de acordo com Vieira: “Como afirmou o autor de Memórias de um ex-polícia especial (1981), “(...)a Polícia Especial fora organizada com os maiores expoentes do esporte carioca, nacional como também continental. Daí a facilidade para a criação do Departamento de Educação Física, dirigido pelos próprios policiais, os mais destacados”... Segundo afirmou Olyntho Vieira Scaramuzzi sobre a preparação diária da Polícia Especial: “Em se tratando de uma polícia de choque, que só saía para intervenções rápidas, a instrução preparatória mais especializada era a de defesa pessoal: Box, luta livre, jiu-jitsu e capoeiragem”” (VIEIRA, 1995, p. 69). Sintetizando a trajetória do malandro carioca, Noronha assim nos diz: 115 “A trajetória do malandro na cena carioca tinha entrado no crepúsculo há muitos anos: o ambiente aparentemente permissivo e animado do Rio dos anos 10 aos 30 escondia, no fundo, uma cidade dura, sangrenta, discriminatória e contraditória dentro de uma série de ambigüidades mal resolvidas. A destruição da Praça Onze e as transformações da Lapa, com a evolução da indústria do entretenimento na direção da comunicação de massa (com o domínio do rádio e, depois, da TV) e com a vida noturna se deslocando para opções mais sofisticadas na Zona Sul (primeiros os grandes cassinos, depois as boates de Copacabana) foram deteriorando o ambiente em que se criou o malandro. Esse jogo de circunstâncias, que uma vez serviu para dar a vida ao personagem na cena do submundo carioca, acabou determinando seu fim, num processo de extermínio lento e silencioso.” (NORONHA, 2003, p. 129 e 130). O malandro virou um símbolo nacional. Hoje em dia, malandragem é um termo empregado para denotar esperteza e não necessariamente referirse a um malandro, como um tipo social moderno, da atualidade. A “malandragem” atual não compreende na totalidade o tipo social do malandro de antigamente. A malandragem contida na capoeira de outrora está arraigada no subconsciente e memória corporal de grande parte dos cariocas, mentalmente, gestualmente e socialmente; onde podemos encontrá-los em alguns capoeiras, que preservam o jeito carioca e malandro, do “bom malandro” de outrora, de ser na capoeira que praticam. “Homenagem ao malandro 116 Eu fui fazer um samba em homenagem À nata da malandragem Que conheço de outros carnavais Eu fui à Lapa e perdi a viagem Que aquela tal malandragem Não existe mais Agora já não é normal O que dá de malandro regular, profissional Malandro com aparato de malandro oficial Malandro candidato a malandro federal Malandro com retrato na coluna social Malandro com contrato, com gravata e capital Que nunca se dá mal Mas o malandro pra valer - não espalha Aposentou a navalha Tem mulher e filho e tralha e tal Dizem as más línguas que ele até trabalha Mora lá longe e chacoalha Num trem da Central” (CHICO BUARQUE, 19771978). Abordaremos agora um outro caminho de sobrevivência da capoeira no Rio de Janeiro, após a repressão de Sampaio Ferraz: A capoeira como “gymnastica” e método de defesa pessoal. 117 1.2.3 – A capoeiragem carioca: na primeira metade do século XX - a capoeira como gymnastica brazileira e defesa pessoal, e os vale-tudo Rio de Janeiro, 1º de maio de 1909, Avenida Central, Pavilhão Internacional Paschoal Secreto. Francisco da Silva Ciríaco, mais conhecido pelos capoeiras atuais por seu último nome ou por “Macaco Velho”, venceu com um “rabo-de-arraia”, o campeão mundial de jiu-jitsu, o japonês Sada Miako, professor contratado para lecionar na Marinha Brasileira. “com o povo, especialmente acadêmicos de medicina, admiradores de Ciríaco – cantando pelas ruas “a Ásia curvou-se ante o Brasil” (LOPES, 1999, p. 102), após o combate. No dia seguinte, a capoeira foi notícia em quase todos os jornais. Este sentimento de brasilidade evidenciado em tal entoação popular, seria colocado também nas obras que tratariam do “resgate da capoeiragem”, a “gymnastica brazileira” ou “gymnastica nacional”, como citado por Reis logo abaixo e que veremos logo a seguir. “por volta de princípios do século XX, alguns intelectuais e militares, preocupados com a própria viabilidade da nação brasileira e informados pelos princípios da medicina higienista que propugnava a ginástica como meio profilático para a “regeneração” da raça... , verão na capoeira uma “lucta nacional” e uma excelente “gymnastica”, cujo ensino deveria ser ministrado “nos colégios, quartéis e navios” de todo o país.” (REIS, 1997, p. 24). Mas, contudo, nem todos os intelectuais estavam afinados com os princípios mencionados por Reis logo acima. Coelho Netto, era um entusiasta da capoeirae de suas qualidades, e também um futurista, ao pensar nas mulheres praticando a capoeiragem, observaremos isto mais nitidamente em sua crônica escrita em 1923 e publicada em 1928, transcrita na integra, no ANEXO 3, como escreveu Coelho Netto: 118 “Em 1910, Germano Haslocjer, Luiz Murat e quem escreve estas linhas pensaram em mandar um projeto a Mesa da Câmara dos Deputados tornando obrigatório o ensino da capoeiragem nos institutos oficias e nos quartéis. Desistiram, porém, da idéia porque houve quem a achasse ridícula, simplesmente, por tal jogo era...brasileiro. Viesse-nos ele com rótulo estrangeiro e tê-lo-íamos aqui, impando importância em todos os clubes esportivos, ensinado por mestres de fama mundial que, talvez, não valessem um dos nossos pés rapados de outrora que, em dois tempos, mandariam um Firpo ou um Dempsey ver vovó, com alguns dentes a menos algumas bossas de mais. Enfim...Vamos aprender a dar murros – é esporte elegante, porque a gente o pratica de luvas, rende dólares e chama-se Box, nome inglês. Capoeira é coisa de galinha, que o digam os que dele saem com galos empoleirados no alto da sinagoga. É pena que não haja um brasileiro patriota que leva a capoeiragem a Paris, batisando-a, com outro nome, nas águas do Sena, como fez o Duque com o Maxixe. Estou certo de que, se o nosso patriotismo lograsse tal vitória até as senhoras haviam de querer fazer letras, E que linda seriam as escritas! acontecesse, sei lá ! Mas, se tal muitas cabeçadas dariam os homens ao verem o jogo gracioso das mulheres” (ANEXO 3). Voltando ao episódio ocorrido no Pavilhão Internacional, este seria o início de muitos outros combates e desafios de vale-tudo na capoeira. Não queremos dizer que não houvesse desafios e combates antes deste na 119 capoeira, pois como sabemos aconteceram outros, como a vitória do Capitão Nabuco (que provavelmente sabia alguma coisa de capoeira pela amizade com praticantes, tipo de vida e vivência no Rio de Janeiro) sobre o francês Mr. Charles, e de Manduca da Praia contra o Jogador de Pau, o português Sant’Ana, descritos na obra de Morais Filho, mas certamente, nestes moldes e com esta dimensão de divulgação, claramente, a luta de Ciríaco foi a primeira de muitas que viriam, no Rio de Janeiro, Bahia, São Paulo e após, para quase todo o Brasil e para o mundo. A capoeira como luta, foi representada nos ringues, inicialmente pelo Ciríaco, como vimos; por André Jansen, Rudolf Hermanny e Cirandinha, discípulos da capoeiragem carioca do Mestre Sinhozinho (Agenor Sampaio); Artur Emídio, baiano de Itabuna, capoeirista do tipo de capoeira praticada na Bahia, radicado no Rio de Janeiro, que perdeu uma luta para Rudolf Hermanny (Rio) e também para Robson Gracie (Rio), venceu outra contra Edgard Duro (especialista em luta livre, com algumas vitórias sobre alunos de mestre Bimba) e ainda enfrentou Carlos Coutinho (Bahia, Fonte Nova) e Carbono (Rio), (LOPES, 1999); entre outros, como o Mestre Hulk, que venceu, em 1995, o campeão de jiu-jitsu Amauri Bitetti, no molde dos valetudo atuais. É mérito de Artur Emídio ser o capoeirista, vencendo ou perdendo, que mais aceitou os desafios, façanha até hoje incomparável, ainda mais se levarmos em conta, as adversidades e limitações enfrentadas por ele. Mas antes de abordarmos esta vertente da capoeira, devemos revisar os projetos de construção de uma nova roupagem para a capoeira no início do século XX, aos quais se inicia no Rio de Janeiro com a obra de ODC, Guia do Capoeira ou Gymnastica Brazileira, ODC, à distincta mocidade. Alguns dizem que ODC, não seria as iniciais do autor, um oficial do exército, segundo o Mestre Sinhozinho, que devido à proibição e o preconceito para com a capoeira, preferiu se ocultar, mas sim, as iniciais de: Ofereço, Dedico e Consagro. 120 Percebemos que a censura, que de acordo com a obra de Carneiro (2002) sempre existiu no Brasil desde a sua descoberta, e o preconceito provavelmente não deixaram o autor da obra “O Guia da Capoeira ou Ginástica Brasileira do oculto ODC”, se identificar. Curiosamente, a obra de ODC foi extraviada da Biblioteca Nacional. Um pesquisador carioca, diz acreditar que, uma certa “máfia do dendê”, teria levado tal obra, a fim de esconder valiosas informações e subsídios sobre a capoeiragem carioca, que poderiam por em cheque, alguns dos discursos da capoeira bahiana, principalmente a Regional. Mas boa parte da obra encontra-se em outra de 1928, também do Rio de Janeiro, de Annibal Burlamaqui, o Zuma. Foi através da obra de Zuma que o Departamento Cultural da Associação de Capoeira Barravento, tentou um resgate da obra de ODC, refazendo o folheto, inclusive adaptando a grafia à época em que ela foi escrita. Nesta, consta que “Zuma”, com máquina de datilografia, copiou do que estava escrito. Sem, contudo, poder copiar as figuras que ilustravam este guia. Na valorosa contribuição da reedição deste folheto, tentou-se refazer as figuras, seguindo o que foi descrito e copiado por autores que sabidamente tiveram conhecimento do original. Mas após a nossa rápida análise, observamos que tais figuras, aparentemente, não correspondem às descrições, mesmo se forem iguais às do original. Outra transcrição da obra de ODC foi feita por Mestre Itapoan, Raimundo César Alves de Almeida, conforme Campos escreve: “O exemplar a que eu tive acesso é uma transcrição (digit.) feita por Mestre Itapoan e pertencente ao arquivo da Ginga Associação de Capoeira.” (CAMPOS, 2001, p. 112). Campos, no entanto, não comenta a fonte da transcrição de mestre Itapoan. Após a análise das obras de ODC e de Zuma: “Gymnastica Nacional (capoeiragem) Methodisada e Regrada”, observamos que a segunda é uma continuação da idéia da primeira, onde estão presentes o sentimento de nacionalidade, exaltação e defesa do que é brasileiro e as qualidades 121 superiores da capoeiragem perante outros métodos de luta. A obra de Zuma é mais apurada e com outras novidades, como a inserção de regras e metodização, já com a intenção de tentar regrar a capoeira, como outros esportes e as outras lutas que já estavam regradas, como o Box; com dicas de exercícios e até conselhos de asseio corporal e treinamento, onde já podemos encontrar a influência da filosofia da educação física da época, até porque o próprio Zuma identifica-se como um atleta. Este resgate visa evidenciar o lado positivo da capoeiragem em termos de um método de ginástica e de defesa pessoal, deixando de lado e ou omitindo as outras faces da capoeiragem como a malandragem, a navalha, a falta de “ética” em combate, etc. Analisando as fotos de Zuma, poderíamos precipitadamente arriscar que ele não seria um “bamba” da capoeiragem. Assim como na obra de ODC, Zuma poderia ter-se valido da “acessoria” de um capoeira mais experiente. Mas não adentraremos nesta discussão, que seria uma análise mais profunda da obra e vida de Zuma. A contribuição destas duas obras é de enorme valia para a capoeira atual, não só do lado do ponto de vista histórico-social da capoeira, mas sobre tudo, de sua própria prática no Rio de Janeiro. Com uma abordagem da sociologia, Filho nos diz que o jogo da capoeira deveria sofrer algumas transformações de modo a se tornar mais esportivo e menos violento, e devido a este fator a capoeira deveria se institucionalizar. Este fato provavelmente teria sido observado anteriormente por Zuma e o motivado na tentativa de regrar a capoeira. Segundo Filho: “Como o pugilismo, embora com bem mais ampla e intensa versatilidade, a capoeira exige dos seus militantes a educação dos instintos. Sem esta educação. Por agredir e desafrontar, numa sucessão de movimentos ritmados entre pausas, os instintos primários da capoeira sujeitam-se tanto mais ao 122 autocontrole necessário ao cumprimento das regras quanto maior a substância da cultura desportiva. O descumprimento das regras do jogo arrasta os lutadores a golpes inadmissíveis, que põem em risco a inteireza física de um ou outro. Então, se isto ocorre, a luta degenera-se na torpeza. Daí haver Rugendas reparado: “Os negros têm outro folguedo guerreiro muito violento”. (FILHO, 1973, p. 316). “Ao jogo de capoeira falta a institucionalização indispensável a qualquer desporto, através da qual seriam punidos os autores dos golpes ilícitos, conforme o grau de sua veemência e a intensidade dos seus efeitos.” (Ibidem, 1973, p. 319). Mas este processo de institucionalização preconizado como necessário por Filho, não tardaria acontecer, já na década de 1930, como veremos logo adiante. Uma reportagem intitulada “Escola typica de aggressão e defeza”, sobre o resgate da pratica da capoeiragem no Rio de Janeiro, saiu no A Noite Illustrada, número 64 (quarta-feira), de 24 de junho de 1931. Aulas de capoeira ministradas por Jayme Martins Ferreira (que seria alguns anos depois, juiz da luta entre Rudolf Hermanny e Artur Emídio) e os mestres do seu “curso”, os soldados da Marinha de Guerra: Oséas, Manoel e Coronel. Curiosamente na reportagem, além das várias fotos com movimentos de golpes e contra-glopes com as devidas descrições, logo abaixo de cada foto, muito valiosas por sinal, há uma foto dos quatro mencionados acima em que aparecem um pandeiro e um berimbau. Abaixo da referida foto consta: “Jayme Martins Ferreira e os mestres do seu “curso”, os soldados da Marinha de Guerra: Oséas, Manoel e Coronel, munidos do pandeiro e do birimbáo, instrumentos adoptados pelos capoeiras bahianos.”. Nota-se claramente: “adoptados pelos capoeiras bahianos”, diferindo claramente da 123 carioca. Mas demonstra a ligação da capoeiragem carioca com a bahiana feita através dos portos e navegação marítima, devido aos marujos estarem portando os instrumentos. Contudo na reportagem não há referência à parte lúdica do jogo, nem de “roda”, prevalecendo o lado de defesa pessoal. O que é importante mostrar é a menção que, já em 1931 e possivelmente bem antes disto, havia pessoas tentando na prática a revitalização da capoeiragem no Rio de Janeiro, extirpando o lado “malandro” da arte e valorizando-a como eficiente exercício físico e defesa pessoal originalmente brasileira. É importante relembrar o contexto da época em que prevalecia o grande preconceito em relação a capoeiragem e seus praticantes, portanto o meio mais fácil e até único, seria por brancos da elite e ou representantes das forças armadas e instituições policiais que precisavam de “técnicas de defesa e combate” e de professores de educação física e ginástica, e atletas que preconizavam os benefícios do esporte. Estes seriam os caminhos tomados para o resgate da capoeiragem, no Rio de Janeiro, dentro do contexto da época. Há outros trechos na reportagem, como o relato de uma “competição” na Itália entre marujos de várias nacionalidades, onde prevaleceu a capoeiragem. Por ser de extrema importância para pesquisas e desconhecida da maioria dos pesquisadores e capoeiras, vamos transcrever a reportagem no ANEXO 4, para disponibilizar e democratizar tais informações. Em 1945, Inezil Penna Marinho, considerado atualmente como o Mestre dos Mestres na Educação Física Brasileira, publica no Rio Subsídios para o estudo da metodologia do treinamento da capoeiragem. Este trabalho teria o mesmo cunho do de Zuma, o de defender a prática nacional da capoeira e resgatá-la. Mais apurado, Inezil avançou na parte sobre a história da capoeira, a relação desta entre as obras literárias e sobre sugestões de treinamento. Utilizou grande parte da obra de Zuma, inclusive sobre as regras para a capoeiragem. Este autor, mais tarde, escreveria uma obra que revitalizaria, mas sem sucesso, apesar da boa intenção, a idéia da capoeira como “Ginástica Brasileira”. 124 Em 1951, no Rio de Janeiro, o Capitão do Exército, Waldemar de Lima e Silva, com a colaboração de Alberto Latorre de Faria (que foi o juiz da luta entre Waldemar Santana e Hélio Gracie), publica DEFESA PESSOAL (Método eclético – Box – Jiu-jitsu – Capoeiragem – Luta livre) Contendo os regulamentos de Box internacional, Jiu-jitsu, Luta romana, Box francês e Capoeiragem. Ilustrado com 201 gravuras. Apesar de publicada em 1951, esta obra recebeu “opiniões valiosas” e foi prefaciada em 1937, o que nos leva a crer que o autor, instrutor de “Ataque e Defesa” da Escola de Educação Física do Exército, elaborou esta obra desde o início dos anos 30. Novamente as regras feitas por Zuma para a Capoeiragem são tomadas como referência. Mas o objetivo da obra é ofertar um método de defesa pessoal brasileiro, onde predomina ligeiramente o Jiu-jitsu na “defensiva” e o “Vale Tudo” na ofensiva. Ampla, esta obra mostra vários golpes da capoeiragem, os quais deduzimos terem sido retiradas da obra de Zuma. Devido a isto não podemos dizer serem os autores conhecedores da prática da capoeiragem em sua essência. Em sua maior parte, não identifica os golpes como próprios da capoeiragem, com exceção da rasteira, que o autor diz ser próprio da desta. Talvez até, pelo autor ter ou só se interessar pelo conhecimento corporal e gestual dos movimentos, ou não utilizar as nomenclaturas ou termos da capoeiragem por achá-los chulos ou devido ao preconceito, ou mesmo por desconhecê-los. Mas há vários termos que podemos identificar como próprios da capoeiragem, além da rasteira, como: ponta-pés, cabeçadas, tesouras, desequilibrantes e quedas, à baiana, o “corta-capim”, o facão, o balão e o passa pé. Há também a “escala” (LIMA e SILVA, 1951, p. 105), igual à “escala de mão” conhecida dos capoeiras atuais. Outro golpe é o “utilizando a cadeira” (Ibidem, 1951, p. 77 e 78), o qual segundo Muniz Sodré (SODRÉ, 2002), era um dos conhecidos por Sinhozinho. Existem outros como o vôo do morcego, cujo autor não se refere com esta nomenclatura, também dedo nos olhos, etc. 125 Analisando esta obra, a julgamos atualizada e de extrema e avançada aplicabilidade, e como o início das publicações e referências do método “Vale Tudo”, hoje também denominado “Mistura de Artes Marciais”. Tal obra nos pode mostrar o que aconteceu com a capoeiragem carioca como técnica de luta, se permeou em outras modalidades combativas, exaltando somente as técnicas utilitárias da luta, já que seu projeto regrado, de Zuma, não saiu do papel. A capoeiragem carioca teria se dissolvido, ou melhor, sido assimilada, tanto na malandragem e em figuras isoladas do povo, como em atletas praticantes de outras lutas, como no caso do próprio Sinhozinho, que apesar de ensinar a capoeiragem (enfatizada como luta, a “Capoeira Utilitária de Sinhozinho”), ensinava também várias outras modalidades. Mas devemos alertar que a verdadeira defesa pessoal da capoeiragem não estava e não está somente em técnicas e golpes, ela sempre esteve na antecipação ao perigo e ou na esperteza de “se safar” utilizando os mais variados recursos e não somente o saber corporal. Esta estratégia de defesa é a que realmente era a prática de defesa dos oprimidos e que, se observarmos bem, ainda encontramos presente até hoje na “manha” do povo brasileiro. Obras deste tipo, somente iriam aparecer mais tarde, com a publicação de Capoeira sem Mestre, em 1962, de Lamartine Pereira da Costa. O autor mesmo conhecendo as obras de ODC, Zuma, Inezil Penna Marinho e talvez até a do Capitão Lima e Silva, as quais Lamartine Pereira da Costa, seu aluno, possuía e também conhecia os referidos autores, exceto ODC (Quanto ao Capitão Lima e Silva ou o colaborador da mesma obra, Alberto Latorre de Faria, não sabemos se Lamartine os conheciam pessoalmente), teve sua obra influenciada em grande parte pelo Mestre Artur Emídio, cuja origem de sua capoeira era bahiana. A possibilidade de Lamartine, por ser militar e da área da Educação Física, conhecer a obra do Capitão Lima e Silva, também não é descartada. Devido a isto, determinamos a obra do Capitão Lima e Silva, como a provável última contribuição publicada sobre movimentos e gestos da capoeiragem carioca, 126 somente carioca, mesmo que não especificamente, pois a obra Capoeira sem Mestre, de Lamartine, mesmo tendo elementos da capoeiragem carioca, mesclava a capoeira bahiana de Mestre Artur. Constata-se assim, um outro meio por onde a capoeiragem carioca teria sobrevivido, a capoeira musicada e jogada advinda da Bahia. Por isso mesmo, além de outros fatores complexos, achava-se que a capoeiragem do Rio havia se extinguido e a da Bahia seria atualmente a predominante. Mas o fato é que predominou a da Bahia, foi o seu tipo de jogo, os rituais e a forma musicada e lúdica de praticar a capoeira, substituindo a prática mais violenta de combate de jogo-luta do carioca. Pois as duas formas não coexistem, não é possível jogar a capoeira ludicamente e nem mesmo, um “jogo duro”, quando existe a violência e a máxima da objetividade. Uma breve, interessante e curiosa passagem sobre a capoeira como defesa pessoal encontra-se na obra Jiu-jitsu sem Mestre, de Luiz Fuki e modificado e ampliado por B. Peixoto, da mesma editora e coleção de Capoeira sem Mestre. Trata-se de um trabalho direcionado à defesa pessoal. O autor, na quarta e última parte do livro, ensina a não ficar parado quando for atacado, movimentando-se como os lutadores de capoeira, que neste caso são mestres. E ainda afirma: “A utilização, aliás, dos meios de defesa que oferece a Capoeira, esporte admirávelmente adaptável às condições físico-espirituais do brasileiro, para defesa pessoal, seria o ideal. Cheia de mobilidade, rítmica como o samba, coreográfica: apresenta-se excelente para o nosso povo porque descende do seu próprio espírito. A atenção, entretanto, para ela é pequena, como acontece com a nossa atenção para o que é nosso. O que é alienígena, parece, nos atrai mais. Devíamos ver, no entanto, que as criações de um povo refletem 127 sempre os seus costumes, as suas tendências, o seu meio, as suas necessidades, o seu espírito, e, até, o momento que está vivendo. Podemos, não há dúvida, utilizarmo-nos das criações de outros povos, mas sem descurar das necessárias adaptações. O contrário, às vezes, é o que ocorre: sendo nossa a adaptação ao estranho ao nosso espírito; podendo levar-nos a despersonalização como povo. Com o que possuímos, podíamos realizar algo de importante e dar a nossa contribuição ao meio desportivo mundial de luta, mas preferimos ficar nas cópias, nos simples carbonos. Dentre os meios de defesa que a natureza proporcionou ao homem, destacam-se os punhos e os pés. São eles, talvez, os mais seguros e eficientes. Não se esqueça disso.” (FUKI, 1963, p. 129 e 130). É até estranho encontrar tal referência à capoeira num livro de Jiujitsu, atualmente seria praticamente impossível de verificar fato igual ou semelhante. O autor certamente enxergou as qualidades da capoeira, defendendo inclusive o valor da capoeira como arte original nacional, que faz parte da cultura, costumes e espírito do povo brasileiro. Não abordamos outras obras que tratam a capoeira e que existem pelo o menos desde 1886, como o clássico Os Capoeiras, de Plácido de Abreu; O Cortiço, de Aluísio Azevedo, de 1890; A alma encantadora das ruas, de João do Rio, de 1908; Scenas da Vida Carioca – caricaturas, de João do Rio, de 1924; O Rio de Janeiro no tempo dos vice-reis, de Luiz Edmundo, de 1932; O Rio de Janeiro do meu tempo, de uma coletânea de autores, dentre eles: Luiz Edmundo, J. Carlos, Calixto, Armando Pacheco, Raul Pederneiras e vários outros, de 1938. Ainda há também a excelente crônica de Coelho Netto, Nosso Jogo, escrita em 1923 e publicada em 1928 na coletânea Bazar, onde consta, como mencionado anteriormente, no 128 ANEXO 3. Todas estas obras foram originadas e lançadas no Rio de Janeiro. O motivo de não as abordar, é por não serem tão específicas quanto aos gestos e movimentos da capoeiragem e para extrair tais informações sobre o assunto destas, deveria ser feita uma análise pormenorizada. Falando agora sobre a prática das lutas e combate entre capoeiras cariocas e bahianos, e entre capoeiras e praticantes de outras modalidades de luta, nos moldes do vale tudo. Como já vimos, o capoeira Ciríaco daria início à trajetória da capoeira nos ringues. Logo após o japonês Elisei Maeda, conhecido como Conde Koma, e sua equipe, os quais foram os introdutores da primeira arte marcial oriental no Brasil, o Jiu-jitsu em 1910, segundo o Almanaque dos Esportes (1975), alguns autores divergem quanto à data, que teria sido em 1914 (VIEIRA, 1995). Conde Koma e sua equipe fizeram demonstrações e lançaram desafios em Belém do Pará. Segundo Vieira: “um dos diversos combates travados em ringues entre a equipe do Conde Koma e lutadores brasileiros – principalmente os “mais fortes e temíveis estivadores da Zona Portuária de Belém” – teria sido uma luta contra um “conhecido capoeirista” da época, cujo nome não é citado. Segundo a publicação, a luta teria sido brevíssima: “(...) houve tempo apenas para o aperto de mão, pois, assim que o juiz deu ordem para a luta ser iniciada, Koma derrubou o capoeirista, que se viu obrigado a desistir, para não ter a sua perna quebrada” (Almanaque dos esportes, 1975:510)” (Ibidem, 1995, p. 155). Provavelmente Koma não gostaria de cometer o mesmo erro de seu conterrâneo Sada Miako, que perdeu para o Ciríaco. Já devia conhecer os recursos da capoeira e ainda levar vantagem por sua provável experiência 129 neste tipo de evento, o que conta muito. Nota-se que a capoeira já se encontrava espalhada para o Brasil, sempre e principalmente nos portos, tanto que na década de 1910, já era verificada a presença de capoeiristas em Belém do Pará. Mas, contudo, devemos levar em conta que na época, Belém não era um dos centros mais adiantados de capoeira e conseqüentemente, o capoeirista que Koma derrotou por lá, não devia ter a mesma experiência dos cariocas. Podemos também deduzir que a prática de desafios empregada pelos Gracie deve ter tido sua origem no costume de Koma. Depois do “Macaco Velho” e as demonstrações e desafios do Conde Koma, encontramos um movimento de apresentação de lutas na Bahia, de 1935 em diante, onde André Jansen, goleiro do Botafogo do RJ e campeão carioca de luta nacional (capoeiragem), aluno e representante da “escola” de capoeiragem do Mestre Sinhozinho, do Rio de Janeiro, lutou em 30/10/35, contra o campeão carioca de jiu-jitsu e catch-as-catch can na Bahia, Ricardo Nibbon, aluno de George Gracie. A luta, principal da programação, ocorrida no Parque Boa Vista, resultou em empate. Houve lutas preliminares de demonstração realizadas por alunos do Mestre Bimba. Em nenhum momento os jornais referiram-se à capoeira de Mestre Bimba, como Luta Regional Bahiana, e sim, à capoeira, no geral como Luta Nacional (capoeiragem), (ABREU, 1999). Ainda Abreu: “Sendo Jansen campeão de capoeiragem no Rio de Janeiro supõe-se que neste Estado, havia competições de capoeira.” (Ibidem, 1999, p. 48). O acontecimento empolgou os capoeiras, principalmente Mestre Bimba, que pode ter visto ali uma possibilidade de impulsionar a sua capoeira. No ano seguinte, 1936, o Parque Odeon, que era o Parque Boa Vista, agora reformado, seria palco de várias lutas entre capoeiristas da Bahia. Superficialmente podemos constatar que a grande maioria destes capoeiristas não detinha os conhecimentos inerentes à prática de luta no ringue, que é bem diferente de um jogo de capoeira ou um combate de rua. Mais tarde, em 1949, Bimba e seus alunos vão a São Paulo fazer lutas de 130 exibição e posteriormente dois alunos, ao Rio de Janeiro, para lutar “a véra”, sem “marmelada”, quando perdem para alunos de Sinhozinho, do Rio. Em 1930 no Rio de Janeiro, foi fundada a 1ª Federação de pugilismo no Brasil que ficou subordinada, a partir de 1933, à Confederação Brasileira de Pugilismo, fundada neste ano. Segundo Abreu: “No artigo 3 do capítulo único da citada Confederação lia-se: “Entendem-se por pugilismo todos os desportos praticados em ringues, tais como Box, Jiu-jitsu, Catch-as-catch-can. Lutas: livre, romana, brasileira (capoeiragem) etc”(47) Assim sendo, deve-se registrar que na década de 30, no Rio de Janeiro, se processou um movimento de “oficialização da capoeira” pela via do pugilismo, já estando neste Estado, na ocasião, solidificada a expressão capoeiragem: luta nacional.” (Ibidem, 1999, p. 49). Em 1934, Getúlio Vargas, por edição do Decreto Presidencial no. 1.202, revogou a lei que criminalizava tanto o candomblé como a capoeira. Mas isto não quis dizer que, a capoeira “malandra” estava liberada, pelo contrário, a perseguição ao tipo social do malandro continuou como vimos no sub-capítulo anterior e continuaria mais tarde, de outra maneira, na época do regime militar, pós 1964, como veremos adiante. Podemos registrar então na década de 30, no Rio de Janeiro, comprovadamente um movimento de resgate da capoeiragem, como dito anteriormente na reportagem de A Noite Ilustrada, de 1931. Observamos este fato em uma entrevista do Mestre Sinhozinho concedida ao Diário de Notícia, também em 1931. Segundo Lopes: 131 “1. “Agenor Sampaio (Sinhozinho) o grande animador da mocidade brasileira sportiva, fala ao DIARIO DE NOTÍCIA – Club Nacional de Gymnastica (Capoeira): uma grande promessa. Rio, 01 de setembro de 1931” --- “É tamanho o prestígio de Agenor Sampaio na roda de veteranos e tão grande a sua ascendência sobre uma grande parte de nossos actuaes ahletas, que já correm as histórias mais curiosas a respeito do consagrado campeão”. --- “Há muito tempo que ensino a capoeiragem ou luta brasileira. Fazia-o, gratuitamente, a um regular número de rapazes, numa grande área da minha residência. A benéfica campanha desenvolvida pelo DIÁRIO DE NOTÍCIAS em favor do reerguimento daquella luta, animou-me. Os meus alunos argumentaram, de maneira que me vi forçado a obter um local onde me fosse possível atender a todos. Daí minha decisão de criar o Club Nacional de Gymnastica... Com o apoio da Imprensa, espero ver a luta brasileira bastante disseminada nesta capital, dentro de pouco tempo. Vou organizar um torneio entre todos os meus discípulos, cujas as bases se encontram em elaboração”.” (LOPES, 1999, p. 168). Nota-se o nome Club Nacional de Gymnastica, lembra a uma referência à idéia de nomenclatura proposta por Zuma, apesar do nome do clube ser genérico, A palavra “Nacional” se refere certamente a capoeiragem, como na época podia ser praticada, com uma nomenclatura diferente de “capoeiragem”. Também é verificada a organização de um torneio, cujas bases estariam sendo elaboradas, o que demonstra a não utilização ou o desconhecimento das propostas de regras de Zuma. Em todo o caso, através da entrevista podemos deduzir que Sinhozinho já mantinha, pelo o menos desde a década de 20, o ensino regular da capoeiragem, 132 como ele chamava, a rapazes, e que provavelmente o Club Nacional de Gymnastica do Mestre Sinhozinho, foi a primeira escola de capoeira do país (pelo o menos desde 1931), oficializada e criada antes mesmo que o Centro de Cultural Física Regional, fundado em 1932 e reconhecido oficialmente em 1937, quando A Secretaria de Educação e Assistência Pública do Estado da Bahia reconheceu oficialmente a academia de Bimba, outorgando-lhe um certificado de Instrutor de Educação Física. Não podemos esquecer que Sinhozinho não precisava de tal certificação, pois já era reconhecido Instrutor de Educação Física. Jayme Ferreira também tinha uma escola da arte (ANEXO 4), mas não há menção do nome e local desta, diferentemente da de Sinhozinho. Teria sido de extrema importância, se o Mestre Sinhozinho, estudioso de práticas esportivas, inclusive por tratados e publicações internacionais, tivesse escrito sobre seus conhecimentos da capoeiragem, mas parece-nos que ele preferiu dar toda a ênfase de seu tempo de trabalho às práticas, propriamente ditas. Uma grande e importante peculiaridade de Sinhozinho foram os aparelhos que, criativamente inventou e utilizava. Talvez o treinamento nestes aparelhos tenha sido o diferencial que deu a vantagem aos alunos de Sinhozinho perante aos outros capoeiras e também os tenha preparado para enfrentar grandes lutadores de outras lutas. Após a “primeira safra” de alunos de Sinhozinho, aos quais pertencia André Jansen, veio a segunda, na qual faziam parte Luiz Aguiar, o “Cirandinha”, que venceu (em 1949), Jurandir, aluno de Mestre Bimba e perdeu (em 1953) para Carlson Gracie, e Rudolf Hermanny, que além de ter vencido Artur Emídio (em 1953), venceu (em 1949) também Fernando Perez, aluno de Mestre Bimba, e empatou (em 1953) com Guanair Gomes, da Academia Gracie. Nota: Hermanny tinha apenas 17 anos quando venceu Perez e na luta com Guanair, o público o considerou vencedor. Os alunos de Bimba foram vencidos com grande margem pelos de Sinhozinho. Tal fato deve ter ocorrido pela própria ênfase de combate dados no treinamento na capoeiragem de Sinhozinho. 133 Só por curiosidade e para ilustrar um maior conhecimento ao leitor, foi Tom Jobim, que era aluno de Sinhozinho, que levou Rudolf Hermanny a conhecer Sinhozinho (HERMANNY, 2003). Hermanny dedicou-se ao Judô a partir de seus 22 anos de idade. Apesar de começas tarde sagrou-se campeão brasileiro, e dentre várias vitórias, consta inclusive um Panamericano por equipes. Na luta contra Guanair Vial da Academia Gracie aconteceu o seguinte: “fiz a luta com Guanair Vial, e esse combate durou quase hora e meia, terminando empatado. A polícia suspendeu a luta. Era uma época em que vivíamos sob um racionamento rigoroso de energia elétrica, o que sempre significava a necessidade de autorização especial para qualquer espetáculo noturno. Como minha luta durou muito, a polícia, através do comissário Sílvio Araújo, interveio para poupar energia destinada á iluminação da grande final.” (Ibidem, 2003, p. 19). O comissário Sílvio Araújo era ligado à Academia Gracie, seu filho Sílvio Sahione, era um grande lutador desta academia. Teria o comissário mandado desligar as luzes por Guanair estar levando a pior e conseqüentemente forçar um empate? Sílvio Sahione, conhecido como Ney, seria o mestre de Jiu-jitsu de dois capoeiras cariocas no final dos anos de 1980 e anos 1990, Ricardo M. P. Lussac, hoje, Mestre Teco, e Getúlio Carlos Duarte Silva, o Cabeção, que faleceu no ano de 2000. Deve-se aos Gracie o crescimento do vale-tudo, tanto em termos quantitativos e qualitativos. Para adentrar neste assunto, seria necessário analisar a trajetória dos Gracie e suas implicações no âmbito das artes marciais cariocas, nacionais e internacionais. O fato é que o vale-tudo ganhou o mundo e hoje é um fenômeno mundial, que influenciou diretamente as artes marciais e sua evolução, incluindo aí a capoeira e até 134 parte de suas “rodas”, onde, por falta de “fundamentos” e distanciamento das tradições, encontra-se em alguns lugares e eventos hoje: violência, agarrões e até luta de chão com finalização em um jogo de capoeira. Só poderia ter sido no “caldeirão cultural” que era o Rio de Janeiro, onde teria nascido o Brazilian Jiu-jitsu. Com certeza a capoeiragem também teve sua contribuição indireta na evolução deste. Mas devemos atentar ao fato dito anteriormente de que, a capoeira não é uma luta concebida para o ringue. Pois nenhuma luta é. A prática de vale-tudo atual requer um amplo conhecimento das mais variadas artes marciais: o Box, lutas de chão, lutas em pé, etc. Para um contexto próprio que é o vale-tudo. Opinião também compartilhada por Hermanny (HERMANNY, 2003). A própria capoeira não evoluiu como luta de chão devido ao amplo uso das armas brancas, principalmente a navalha, que utilizada como arma por um perito, como um bom capoeira ou “malandro bamba”, seria mortal num combate corpo a corpo. Várias artes marciais se espalharam pelo Rio de Janeiro e pelo Brasil, vivenciando diferentes fases. A capoeiragem do Rio de Janeiro, com esta concepção de luta, ligada ao lado pugillístico, não vingou e não vingaria mais tarde, em outra tentativa diferenciada na década de 1970, durante o regime militar. Sinhozinho morreu em 1960 e com ele, boa parte do restante da capoeiragem carioca, pois nenhum de seus alunos continuou seu trabalho em prol da capoeiragem de Sinhô. O fato é que a capoeira vingou como forma lúdica de jogo e prática cultural, onde a Bahia surgiu como precursora deste movimento. A capoeiragem carioca e as obras lançadas no Rio de Janeiro, principalmente Zuma, tiveram papel decisivo para o surgimento deste movimento na Bahia, como veremos adiante. Os capoeiristas bahianos levaram a capoeira, jogada e musicada, para o resto país. A capoeiragem do Rio, como dito anteriormente, ficou arraigada no corpo e no subconsciente de grande parte dos cariocas, mentalmente, gestualmente e 135 socialmente; onde podemos encontrá-los em alguns capoeiras, que preservam o jeito carioca de ser na capoeira que praticam e em estórias de muitos que vivenciaram este passado. Como foi também dito anteriormente, e por ser preciso reafirmar, repetimos: Um outro meio por onde a capoeiragem carioca teria sobrevivido, seria através da capoeira musicada e jogada advinda da Bahia. Por isso e mais outros fatores complexos, achavase que a capoeiragem do Rio havia se extinguido e a da Bahia seria atualmente a predominante. Mas o fato é que o que predominou, da Bahia, foram o jogo, os rituais e a forma musicada e lúdica de praticar a capoeira, substituindo a prática mais violenta de combate de jogo-luta do carioca. Pois as duas formas não coexistem, não é possível jogar a capoeira ludicamente e nem mesmo, um “jogo duro”, quando existe a violência e a máxima da objetividade. A capoeira carioca ainda está por ser mais bem estudada e as pesquisas neste sentido tendem ao aprofundamento e a abordagem de outros momentos pouco estudados, como o período da primeira metade do século XX, onde possivelmente, em processos criminais, jornais e outros documentos do Estado e Município, como registro de atividades e etc. Obras ainda pouco exploradas e discutidas são ótimas fontes de informação. Sem contar, o período, como afirmado anteriormente, anterior ao século XVIII. 1.2.4 – A capoeiragem bahiana: início do Século XX Já foi afirmado anteriormente neste trabalho que, não foram encontradas até o momento, fontes que se refiram e sustentem a existência da capoeira ou mesmo, outra forma de luta, antes do final do século XIX, com a exceção discutível da gravura de Rugendas. Segundo Vieira & Assunção, “o primeiro e importante texto de que se tem notícia é de autoria de Manuel Querino (1851-1923), e consta do livro A Bahia de outrora, publicado pela primeira vez em 1916.” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 101). Ainda de acordo com os autores, Querino 136 descreve a capoeira baiana como se tivesse existido desde longa data e opõe “a capoeira de hoje, ritmada, estilizada, verdadeira capoeira de salão” à “capoeira antiga”, que passa a descrever como “jogo atlético”, mas também luta, similar aos capoeiras e maltas do Rio de Janeiro na época do Império. Vieira & Assunção, continuando, complementam, nos dizendo que, “as outras fontes sobre a capoeira baiana antes de 1945 são bastante escassas, existindo além de algumas reportagens nos jornais da época, os escritos de Édison Carneiro (1937).” (Ibidem, 1998, p. 102), e que por este motivo, o depoimento dos velhos mestres da Bahia são de grande significação, por serem os maiores portadores de uma memória histórica. Entre 1989 e 1992, o Ministério da Educação coordenou um levantamento sistemático dentro do Programa Nacional de Capoeira, PNC, no Projeto Caa-Puéra, entrevistando, numa primeira etapa, dez dos mais conhecidos e respeitados mestres da capoeira baiana, principalmente ligados à Capoeira Angola. “A partir destes depoimentos, é possível tentar uma reconstrução da chamada vadiação baiana da primeira metade do século XX.” (Ibidem, 1998, p. 102). Segundo Vieira & Assunção: “O uso da memória oral, em contraste com as fontes usadas para os períodos anteriores, implica em fundamentais diferenças quanto ao método e aos resultados. Os mestres, como qualquer pessoa idosa, geralmente tendem a ver sua juventude de maneira muito mais positiva, como uma idade de ouro, quando a capoeira não continha as “deformações” do presente. O conhecimento do passado também é fonte da sua autoridade no presente, daquilo que é considerado certo ou errado. Assim, precisam adequar a sua visão do passado às necessidades do presente. Não obstante estas limitações, acreditamos que a quantidade de depoimentos permite comparar as 137 informações e chegar a algumas conclusões, que passamos a resumir.” (Ibidem, 1998, p. 102). O caso do INDESP gerou o primeiro escândalo do governo FHC, envolvendo o PNC, que era uma ONG, e conseqüentemente, extinguindo o programa. A esse respeito Lopes comentou: “abro os jornais e constato que o assunto, embutido num quadro técnico-burocrático mais complexo, assumiu proporções de escândalo. Ao ponto do próprio Ministro Extraordinário de Esportes não ter outra alternativa senão a de mandar abrir um inquérito, afastando de imediato 12 funcionários com forte suspeita de estarem ligados à malversação do dinheiro público. Checando os nomes, confirmo a presença de (pelo menos) dois conselheiros do intrigante Programa Nacional de Capoeira.” (LOPES, 1999, p. 152). Além da pouca transparência do PNC, como emprego das verbas públicas e quesitos para destinação destas, tal acontecimento ocasionou um fato ainda não esclarecido até hoje. Onde estariam todos os resultados das pesquisas e entrevistas resultantes do PNC? Alguns pesquisadores e entrevistadores, como Luiz Renato, tiveram acesso a estes, onde resultaram até em artigos e publicações, como verificado no final da citação em bloco anterior. A falta, obscura, da disposição democrática de todas estas informações geradas com dinheiro público é gravíssima e atrasa em muito o desenvolvimento do conhecimento sobre a capoeira. Luiz Renato Vieira, em conversa informal com Ricardo Lussac, afirmou que a Fundação Palmares seria a possuidora de todo o material resultante do PNC, mas até hoje não encontramos este material em Universidades e Centros de pesquisa, os locais apropriados para tal. 138 “Em função da participação no Projeto Caa-Puéra foime possível o acesso aos capoeiristas mais idosos do Brasil, certamente os últimos vínculos com a capoeira do passado, possuidores de uma memória muito rica no tocante às tradições do jogo. O Projeto Caa-Puéra consistiu em uma série de atividades que objetivam o resgate da memória histórica da capoeira tradicional de Salvador. Este projeto fez parte do Programa Nacional de Capoeira (PNC), lançado em 1987 pelo Ministério da Educação, através da Secretaria de Educação Física e Desportos (Portaria no. 40 de 19/10/87). A etapa do projeto da qual tivemos a oportunidade de participar consistiu na gravação de entrevistas em vídeo com os dez mais representativos “velhos mestres” da capoeira baiana. Filmaram-se, também, situações típicas da capoeira em Salvador e Santo Amaro da Purificação, como rodas de capoeira e execução de instrumentos e cânticos. Infelizmente, por razões que desconhecemos, por motivos burocráticos ou de outra ordem, os riquíssimos resultados desta iniciativa de resgate de nossa cultura ainda não se tornaram acessíveis a inúmeros capoeiristas e pesquisadores interessados.” (VIEIRA, 1995, p. 18). Esperamos então, que providências possam ser tomadas, a fim de resgatar, divulgar e democratizar todo este riquíssimo material e também esclarecer e apurar as irregularidades que assolaram esta história. Voltemos agora a retratar a capoeira baiana. Segundo Vieira & Assunção, até o início dos anos 30, o jogo da capoeira estaria ligado às práticas cotidianas das classes populares de 139 maneira semelhante à “pelada”, o jogo de futebol informal de final de semana. O iniciante aprendia com os jogadores mais experimentados, informalmente, no exercício prático do jogo. Havia pontos tradicionais de reunião dos capoeiristas, principalmente nos domingos à tarde, mas era comum o encontro em qualquer ocasião em que fosse propícia a realização, mesmo que inesperado, do jogo, em bares, praças, feiras e mercados, por exemplo. “Em muitos casos, a polícia outorgava permissões para estas rodas (Moura, 1991; Decânio, 1996).” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 102). De acordo com Vieira & Assunção: “nem sempre a vadiação baiana assumia este caráter pacífico e predominantemente lúdico. Havia violência entre grupos rivais, violência contra terceiros e enfrentamentos com a polícia.” (Ibidem, 1998, p. 103). Apesar desta violência e repressão sofrida não se equiparar em dimensão à carioca. O período mais intenso da repressão à capoeira na Bahia ocorreu na década de 1920, durante a gestão de Pedro Gordilho como delegado auxiliar em Salvador. Os referidos autores afirmam que as rodas de capoeira eram formas e momentos de uma ruptura social características de seus sujeitos: “o uso da capoeira fora das rodas nos remetem a um universo social dotado de regras próprias e de uma ética muito peculiar, da qual é possível ter uma idéia muito melhor do que da capoeiragem carioca, já que os depoimentos dos velhos mestres baianos nos permitem ter uma visão a partir de dentro. Tudo indica que o ambiente em que se realizavam as rodas de capoeira Angola era marcado por uma certa ruptura das normas sociais, um espaço de contestação em que quase nunca uma atitude seria julgada como “traição”. Ao contrário, o termo “traiçoeiro” é comumente utilizado pelos velhos mestres com conotação bastante positiva, designando hábil 140 capoeirista que é capaz de iludir o adversário” (Ibidem, 1998, p. 103). Vieira & Assunção afirmam ser esta a verdadeira malícia ou mandinga do capoeirista, a sagacidade e capacidade de aproveitar-se dos exatos momentos precisos sem, no entanto, partir para um confronto aberto ou direto. “Os extremos são igualmente condenados, tanto o jogo da capoeira que vira mera “acrobacia” quanto as situações em que se parte para a “pancadaria”, prevalecendo a força física sobre a malícia.” (Ibidem, 1998, p. 103). “O universo social em que se inseria esta antiga vadiação assemelha-se ao que Antônio Cândido chamou de “mundo sem culpa”, um ethos que não distingue o bem do mal, criando acomodações que em outras situações hipocrisias seriam (Cândido, simplesmente caracterizadas 1982). “brincava”, Quem “ como vadiava” independentemente da acomodação de virtudes. As rodas de capoeira do passado integravam-se a uma concepção de devir permanente, uma visão de mundo circular e integralizadora em que os rituais são elementos de uma relação do homem com o cosmos incompleta e dinâmica da natureza. De acordo com o depoimento dos velhos, o capoerista “guardava” um golpe recebido para “cobrar” depois, o que subentende uma visão cíclica do tempo, envolvendo a certeza do aparecimento de situações semelhantes no futuro. Cada roda de capoeira era uma continuação da anterior, independentemente do tempo que as separasse. A circularidade na idéia de tempo no ambiente da antiga malandragem não fragmentava a 141 realidade, compartimentalizando o conhecimento que dela se faz.” (Ibidem, 1998, p. 103). Os autores afirmam que essa noção de circularidade na idéia de tempo se opõe frontalmente ao racionalismo típico da cosmovisão ocidental, em seu esforça de previsibilidade e de construção de regras de validade geral. Esta noção e abordagem cíclica do tempo presentes no universo social da capoeira, adotada inconscientemente pelos capoeiristas, estão presentes em vários momentos da vida do ser humano e da história, mas na visão de uma roda de capoeira e seus sujeitos, ela é muito mais fechada, em termos de grupo e direta em relação à “cobrança” do golpe “guardado”. Obtivemos uma visão geral da capoeira bahiana, a chamada “vadiação”, no início do século XX, mais precisamente até os anos 30, quando e onde determinados acontecimentos mudaram o rumo e história da capoeira. 1.2.5 – A capoeiragem bahiana: após 1930 Em 1932, Mestre Bimba, Manoel dos Reis Machado, fundando o Centro de Cultura Física Regional, cria a Capoeira Regional, que já vinha sendo moldada desde 1930, aproximadamente, quando Cisnando, um cearense praticante de lutas, entra para a academia de Bimba, trazendo novidades, como a obra de Zuma, apesar de alguns alunos deste mestre afirmarem que tal criação estaria pronta desde 1928, fato não comprovado. O Centro de Cultura Física Regional, o C.C.F.R., foi reconhecido oficialmente em 1937, quando A Secretaria de Educação e Assistência Pública do Estado da Bahia reconheceu oficialmente a academia de Bimba, outorgando-lhe um certificado de Instrutor de Educação Física, como dito anteriormente. O C.C.F.R. foi a primeira academia de capoeira reconhecida na Bahia e em todo o nordeste. Tal nome, Centro de Cultura Física Regional, onde não 142 constava à palavra “capoeira”, foi para ludibriar as autoridades, seguindo a mesma estratégia utilizada na Capital Federal, Rio de Janeiro, o próprio nome “Regional” se opunha claramente ao “Nacional” da Gymnástica Nacional, que já havia no Rio de Janeiro. Até porque, a capoeira de Bimba e da Bahia como um todo, tinha suas peculiaridades, diferindo, portanto, da carioca naquele período. Ricardo Lussac, o Mestre Teco do Rio de Janeiro, escreveu um trabalho no início de 1995, ainda no cursando o segundo período do curso de graduação em Educação Física, que foi publicado em 1996 na Revista Sprint Magazine. Nesta, Lussac menciona: “Mestre Bimba após observar, no Rio de Janeiro..., as idéias de Anníbal Burlamaqui, Mestre Zuma, de metodizar seu ensino e colocar regras, pontuações, dando caráter desportivo e de combate, criou... a “Luta Regional Baiana”, mais tarde chamada de “Capoeira Regional”, enfocando seu lado de combate e esportivo.” (LUSSAC, 1996, p. 36). Há uma polêmica sobre a possível visita de Bimba ao Rio de Janeiro, mas de acordo com o pesquisador e Mestre André Luiz Lace Lopes, na primeira edição, de 1944, do livro A Bahia de Todos os Santos, de Jorge Amado, encontra-se a seguinte passagem: “reforça uma outra versão sobre a criação da Regional: “Há alguns anosos arraias da capoeira, na Bahia, foram palco de uma grande e apaixonante discussão. Acontece que mestre Bimba foi ao Rio de Janeiro mostrar aos cariocas da Lapa como é que se joga capoeira. E lá aprendeu golpes de catch-ascatch-can, de jiu-jitsu, de Box. Misturou tudo isso à capoeira de Angola, aquela que nasceu 143 de uma dança dos negros, e voltou à sua cidade falando numa nova capoeira, a capoeira regional. Dez capoeiristas dos mais cotados me afirmaram, num amplo e democrático debate que travamos sobre a nova escola de mestre Bimba, que etc etc”...” (LOPES, 1999, p. 251). Curiosamente, esta parte do livro de Jorge Amado foi suprimida nas edições posteriores, mais precisamente após a vigésima segunda edição. Talvez, pelo “policiamento” bahiano sobre tal informação, a qual poderia por em cheque alguns discursos da Capoeira Regional. Alguns afirmam ser fictício este trecho da obra de Jorge Amado, mas se assim fosse, toda a obra então o seria, o que não procede. Sodré afirma: “Contato, houve, é certo, entre discípulos de Bimba e o manual de Annibal Burlamaqui.” (SODRÈ, 2002, p. 64), concordando com Lussac (1996) e Lopes (1999 e 2002), que nos dá outros indícios desta teoria em suas obras. A criação da Luta Regional Baiana, hoje conhecida como Capoeira Regional, causou e causa polêmica até hoje, Lopes nos dá a sua visão, sobre esta criação de Mestre Bimba, enfatizando a discussão acima: “Como decorrência natural desta pujança sem sombra de dúvida potencializada pela experiência carioca (visitas ao Rio, leitura dos livros pioneiros de Zuma, ODC, etc.) surge, em Salvador, um novo estilo de capoeira chamado, modestamente, de Regional. Na minha visão, e no entendimento de vários estudiosos (citados e comentados ao longo deste livro), a Regional não foi criada pelo Sr. Manuel dos Reis Machado, o famoso Mestre Bimba, e sim por seus fascinados alunos, especialmente aqueles oriundos da 144 classe média baiana, alguns acadêmicos de medicina, certamente familiarizados com o Rio de Janeiro, então, capital federal, centro cultural do país (incluam-se aí os preciosos livros sobre capoeira escritos no início do século). O que não lhe tira o mérito, da mesma forma que é impossível negar o carisma e o talento do Mestre Bimba, não apenas como extraordinário capoeirista, mas também, como mestre de batuque e de luta livre.” (LOPES, 1999, p. 47). O fato de Mestre Bimba ter sido influenciado pelas obras cariocas, com certeza a obra de Zuma, não tira o mérito, concordando com Lopes, de sua criação e estratégia de prática da capoeira, que seria imprescindível para a arte-luta traçar novos caminhos. Mesmo Bimba tendo sido influenciado, absorvido e colocando em prática algumas idéias retiradas da obra de Zuma, sua capoeira e sua criação, não deixou de ter predominantemente seus traços e conhecimentos. Faz parte da evolução humana absorver e aprender novos conhecimentos para aperfeiçoar e desenvolver os conhecimentos existentes. Alguns alunos de Bimba, atualmente, tentam manter e resguardar discursos antigos, que se formataram ao longo dos anos, justificando suas afirmações. Exemplo disto é um documento datado de abril de 2002, escrito por Esdras Magalhães dos Santos, o Mestre Damião, que foi aluno de Bimba. Tomamos conhecimento deste documento via Internet. Neste, Mestre Damião, após algumas exposições e contestando a tese de mestrado de Sérgio Luiz de Souza Vieira, Presidente da Confederação Brasileira de Capoeira, afirma que a Capoeira Regional não sofreu qualquer influência da obra de Zuma. Após a leitura deste, não encontramos justificativas convincentes para a afirmação de Mestre Esdras. A nossa posição da influência da obra de Zuma sobre a Capoeira Regional não foi baseada na tese de mestrado contestada, e sim, da análise de outras referências e deduções lógicas. 145 Mestre Bimba criou uma metodologia de ensino, prática e ritual para a sua Capoeira Regional, de maneira “formal”, diferenciando-a da prática da “vadiação” da capoeira naquele momento, na Bahia, onde esta era “informal”, influenciando muitos capoeiristas, além de seus próprios alunos, que depois a propagaram pelo país. Indiretamente também influenciou a capoeira tradicional da Bahia. Os representantes desta, liderados por Mestre Pastinha, criaram em 1941, o CECA, Centro Esportivo de Capoeira Angola, em contraponto à proposta de Bimba e também como forma de organização, defesa e atualização destes capoeiristas, aos novos tempos e transformações pela qual a capoeira estava passando. As duas capoeiras, “Angola” e “Regional”, foram meios de modernização que os capoeiristas da Bahia na época encontraram. Enquanto a Capoeira Regional rompeu com a “vadiação” tradicional da capoeira bahiana, a Capoeira Angola, optou por um discurso tradicionalista, da manutenção dos “fundamentos”, apesar de também clamar a Capoeira Angola como esporte, na intenção de distanciá-la da marginalidade e tentar mudar o conceito negativo que a capoeira ainda carregava. Mesmo com um discurso tradicionalista e de manutenção dos “fundamentos”, esta também se diferenciou da “vadiação” praticada no início do século XX. Mestre Pastinha introduziu várias mudanças e curiosamente estas mudanças, hoje em dia, são consideradas como tradicionais e “fundamentos” da capoeira, mesmo com pouco mais de 50 anos, acontecendo então, uma contradição da tradição, pois tais mudanças não representavam e nem existiam na “vadiação” bahiana no início do século XX. Contudo, tais mudanças foram e continuam sendo importantes para uma organização e norteamento da capoeira de uma maneira geral. Uma evidência desta contradição da tradição é apresentada a nós pelo historiador Antônio Liberac C. S. Pires, onde consta em sua obra, uma entrevista com Ernesto Ferreira da Silva, que era conhecido na cidade de Santo Amaro-BA, por Noca de Jacó. Jacó, nascido em 1899, teria conhecido 146 e aprendido capoeira com Besouro, um dos capoeiras mais cantados e vida recheada de mitos. Pires estudou a história e vida de Besouro, trazendo verdades, onde só havia mitos em grande parte. Jacó, no trabalho de Pires, nos traz valiosas informações sobre a capoeira de Santo Amaro do início do século XX, as quais entram em contraste com várias afirmativas de tradição dos mais “puristas” dos angoleiros. Angoleiros são os praticantes da Capoeira Angola ou também os jogadores do Jogo de Angola. Muitas das afirmações, hoje ditas como “fundamentos tradicionais”, como o ritual, os instrumentos utilizados, procedimentos de ritual e outros citados em discursos de diversos angoleiros: “Noca de Jacó acabou descortinando o meio social da capoeira na época e mencionou que eles faziam reuniões, matavam uma galinha para comer e convidavam os capoeiras.” (PIRES, 2002, p. 20). Ainda Pires, citando a entrevista com Jacó: “Segundo ele, a parte lúdica da capoeira estava presente, pois tinha festa: “tinha demonstração, não usava golpe para acertar, faz brincar e não brigar. Recebia convite, matava galinha, fazia aquela galinhada, ia brinca. O mestre ia administrando alteração. O mesmo que o Batuque. Batuque era o samba de forma grosseira, pandeiro viola ou cavaquinho, dava aquela sapatiada, dava um rabo de arraia”.” (Ibidem, 2002, p. 20). Jacó continua, na entrevista cedida a Pires, contando que a capoeira havia mudado: “Besouro jogava outro jogo, depois a gente foi falando assim, vamos jogar angola, outro jogo (...) 147 jogava por esse mundo todo, quando era convidado agente ia, tem berimbau, cavaquinho ou viola” (Ibidem, 2002, p. 22). De acordo com Pires, vários instrumentos de corda faziam parte da prática da capoeira, onde o lúdico era uma constante nestas ocasiões. Tal afirmação nos remete ao Rio de janeiro, onde a capoeira era encontrada junto ao samba, mas pela perseguição, afastou-se deste: “O caráter lúdico da capoeira de Santo Amaro apresentou alguns aspectos peculiares à época, pois envolviam instrumentos musicais de uma forma mais ampla. A sua prática se estabelecia também com viola e cavaquinho, instrumentos de cordas comuns na prática do samba. Com a chegada dos modelos desportivos da capoeira, esse leque musical se transforma, uma vez que foram retirados os instrumentos de várias cordas. Permaneceu apenas o berimbau, instrumento de uma corda. O depoimento de Noca de Jacó esclarece principalmente, a demarcação de algumas diferenças entre a capoeira do século passado e do início do XX. Como ele mesmo afirmou, a capoeira do Besouro era diferente. Acredito que ela tenha sido mais ampla, apresentando o lado lúdico e a luta também em suas formas mais extremas.” (Ibidem, 2002, p. 22). Podemos até imaginar, como seria a capoeira hoje em dia, se fosse praticada junto ao samba. A prática da capoeira como esporte, afastou esta possibilidade, também na Bahia. Tanto a capoeira Regional, como a Angola, optaram pela a esportivização como forma de modernização, mas de modos diferenciados. 148 A Angola se definiu em oposição à Regional para justificar sua existência, como nos diz Vieira & Assunção: “Como a capoeira Regional conseguiu muito maior projeção no período 1950-1970, a Angola teve que se definir largamente em oposição a esta para justificar a sua existência. Assim, investiu em todos os aspectos que estavam perdendo importância na Regional, ou seja, a teatralidade, a espiritualidade, o ritual e a tradição. Acreditamos que mesmo os movimentos foram estilizados numa determinada direção com o intuito de se distanciar nitidamente do estilo Regional. Por exemplo, os golpes altos, considerados parte da “descaracterização” da Regional, existiam também na capoeira baiana antiga” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 108). Mestre Bola Sete, Oliveira (1997), nos passa a sua visão sobre algumas das diferenças entre a Capoeira Regional, de Bimba, e a Capoeira Angola, representada por vários mestres e liderada por Mestre Pastinha no movimento do CECA: “Atualmente, tenho presenciado capoeiristas rotularem outros de angoleiros ou regionais, pelo simples fato de levantarem a perna em demasia ou aplicarem determinados golpes. Posso afirmar que o que menos diferencia a angola da regional são os golpes usados durante o jogo, pois o introduzidos pelo Mestre Bimba na capoeira angola, que até então, praticava, como é o caso da cintura desprezada, dos balões, das gravatas e do asfixiante (murro direto) que faziam parte das seqüências criadas pelo Mestre, só eram aplicados nos treinamentos realizados no C.C.F.R. e pelos demais 149 praticantes da capoeira regional entre si, em suas respectivas Academias e jamais utilizados no jogo contra capoeiristas de outras escolas, que não utilizassem método de Bimba. Afinal, alguns desses golpes para serem utilizados necessitariam do apoio do companheiro, como é o caso de “balão de lado”, e também por se tratarem de golpes de outras lutas que o mestre introduziu na capoeira com o objetivo de dotar os seus discípulos de mais elementos de ataque, para serem utilizados caso sofressem uma agressão na rua. Portanto, o que difere realmente a angola da regional é, principalmente, a filosofia empregada nas duas escolas. O mestre angoleiro procura passar o seu discípulo o culto aos rituais e preceitos existentes na capoeira angola. Ao mesmo tempo, procura prepará-lo para defender-se, sem interferir no seu potencial de criatividade, dotando-o de uma grande dose de malícia, baseada na calma e na velocidade de impulso, em que o capoeirista só deve atacar no momento oportuno; o mestre regional prepara o seu discípulo visando principalmente ao ataque, tornando-o mais agressivo do que o angoleiro, pois o seu objetivo maior, além da defesa pessoal, é torná-lo um eficiente desportista, pronto para competir. Para as competições a técnica é mais importante do que a individualização dos movimentos e os rituais e os preceitos, pouco ou nada significam”. (OLIVEIRA, 1997, p. 188 e 189). Oliveira (1997), ainda menciona algumas as deturpações na capoeira, que de acordo com ele, não fazem parte da Regional e nem da Angola: “Quanto aos saltos mirabolantes, os agarrões e as agressões citados anteriormente, em que prevalece a 150 força física, utilizados por alguns capoeiristas desavisados ou com más intenções, posso garantir que não pertencem nem à capoeira angola e nem à capoeira regional.” (Ibidem, 1997, p. 190). Até hoje várias pessoas criticam os caminhos seguidos por Mestre Bimba, mas analisando a capoeira junto ao carnaval carioca, observamos que estes caminhos percorridos, foram uma estratégia de sobrevivência. “A escola de samba nasceu de uma estratégia defensiva que permitisse brincar o Carnaval.” (PEREIRA, 2001, p. 6). Como podemos observar logo abaixo: “O próprio samba e os rituais afro-brasileiros têm suas páginas de perseguição policial. E como testemunhou Ismael Silva, um dos criadores da primeira escola de samba, a Deixa Falar: “nós fizemos a escola de samba para não tomar porrada da polícia” (cf. Soares: 1985).” (Ibidem, 2001, p. 6). Continuando, Pereira reforça esta estratégia das escolas de samba e respectivos sambistas, para preservar e assegurar o samba e o direito de sua prática cultural: “Assim, podemos concluir que as escolas de samba não são prisioneiras incondicionais dos estratagemas da dominação político-ideológica, e que também não são herdeiras de uma tradição africana fossilizada, porque fundamentalmente são criações e tradições modernas, datadas, frutos de esforços admiráveis de parte do povo carioca, de competências manifestas especialmente em suas lideranças, seus heróis, poetas e anciãos que viveram em certas localidades de cidade do Rio de Janeiro da primeira metade do século XX.” (Ibidem, 2001, p. 146). 151 “No final dos anos 20 não existia uma escola de samba pronta acabada no Rio de Janeiro para receber o reconhecimento nacional; no máximo ela jazia em “depósitos folclóricos”. estratégia defensiva A princípio pensada por ela foi certos uma grupos populares que queriam participar do Carnaval sem serem constrangidos pela polícia, mas que paralelamente procuravam inovar o que existia e se distinguir das manifestações carnavalescas então dominantes.” (Ibidem, 2001, p. 146 e 147). Claramente é notada uma estratégia parecida com a que Bimba utilizou na Bahia, e até por Pastinha também, mas que no mesmo período foi diferentemente utilizada por um segmento da capoeira carioca, que optou pelo lado esportivo da luta, somente como luta e defesa pessoal, abandonando e se afastando dos elementos sócio-culturais inerentes a esta, que provavelmente ficaram enraizadas em outro segmento, os “bambas da malandragem”. A Capoeira Regional espalhou-se não só pela Bahia, mas pelo Brasil e depois para o mundo, através dos alunos de Bimba (1900-1974), principalmente após a sua morte, sofrendo algumas descaracterizações de sua prática original fundamentada por Bimba. Atualmente é verificado uma tentativa de aproximação das origens e dos fundamentos da Regional pelos seus praticantes. A Capoeira Angola ganhou força após a morte de Pastinha (18891981), na década de 1980, através de uma nova geração de “angoleiros”, como são chamados os praticantes da Capoeira Angola. Convergindo inicialmente com o movimento negro, mas se expandindo de tal maneira, que não ficaria atrelada a tal, por várias questões sociais inerentes ao país e pelo momento pelo qual passava, e mesmo, pela não identificação de vários 152 praticantes com os ideais e discursos deste movimento, onde eram e são encontrados alas mais radicais. Segundo Vieira & Assunção, a Angola ganharia mais espaço devido a vários motivos: “Para isto contribuíram mudanças de paradigmas na sociedade brasileira, como a revalorização da herança africana, a própria evolução da Regional para estilos cada vez mais violentos e o paciente trabalho dos mestres angoleiros” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 108). Segundo Silva Mello, a capoeira é uma só. O autor sobre isto afirma, citando o Mestre Falcão: “Devemos compreender essas diferenças entre Angola e Regional como conseqüência de um período histórico em que o contexto e as influências sociais determinantes para que elas ocorressem, uma vertente não anula a outra nem tão pouco a ela se sobrepõe, ambas se complementam, formando o universo simbólico e motor da capoeira. As “descaracterizações” da capoeira original, não podem ser analisadas somente à luz de configurações técnicas e estéticas, mas, principalmente, a partir de seus condicionantes sócios-políticos (Falcão, 97).” (SILVA MELLO, 2002, p. 6). Vieira afirma que as categorias Capoeira Angola e Capoeira Regional estão fortemente impregnadas de um conteúdo histórico, e que muito dificilmente poderiam ser utilizadas para definir estilos atuais de capoeira, no sentido de um conjunto de princípios técnicos, estéticos e rituais que orientam o jogo. “Na realidade, pudemos observar que em Salvador a classificação da academia em termos de Regional ou Angola define muito 153 mais a “linha de filiação” do que um modo de se jogar capoeira.” (VIEIRA, 1995, p. 92). A Capoeira Regional do Mestre Bimba e, posteriormente, a Capoeira Angola de Pastinha e outros, começaram a caminhar e se alastrar por todo o Brasil, começaria a hegemonia Baiana, mas segundo Reis: “Embora, hoje em dia, a capoeira baiana seja considerada como a “mais tradicional ”do Brasil, sendo inclusive alguns capoeiristas baianos, migrantes da década de 1960, tidos como os introdutores da “capoeira legítima”no Rio de Janeiro, os dados relativos à origem dos capoeiras que atuaram nas ruas desta cidade nas últimas décadas do século passado, atestam a larga predominância de cariocas.” (REIS, 1997, p. 30). O que mostra que a deportação dos capoeiras para as Colônias Penais e Presídios Militares, geraram uma exportação da capoeira carioca no século XX, para Recife e Bahia e provavelmente outros lugares. Mas fugindo da discussão sobre as origens e primazias regionalistas sobre a capoeira, podemos dizer que após todos estes movimentos dentro do mundo da capoeira, tanto no Rio de Janeiro, como na Bahia, a capoeira começou a proliferar e galgar um novo caminho, conquistando novos espaços, traçando novos rumos e se alastrando por todo o país e mundo afora. No Rio de Janeiro, além de Artur Emídio, que veio de Itabuna-BA, como dito anteriormente, outros mestres chegariam na década de 1950: Mucungê, Paraná, Onça-Preta e outros. Existia ainda, no Rio, o conhecido Mestre Leopoldina e um hábil pernambucano conhecido como Marcelino, da Praça Mauá, e outros “animadores da capoeira”, como nos conta Lopes: 154 “Sr. Antenor dos Santos, mineiro, vice-presidente da Portela e um “animador da capoeira”. Nas décadas de 40/50 o Sr. Santos coordenava um grupo de bons angoleiros, na prática, comandados por Joel Lourenço do Espírito Santo.” (LOPES, 2002, p. 285). Segundo conversa informal com Carlos Monte, autor de A Velha Guarda da Portela (VARGENS & MONTE, 2001), em 04/02/2004, obtivemos a seguinte informação: Carlos Monte conversou, em 04/02/2004, com Monarco (Hildemar Diniz), que entrou para Ala dos compositores da Portela em 1951 e antes, foi da Ala do amigo Urso. Monarco informou que o Sr. Antenor dos Santos foi Presidente da Portela naquele período mencionado por Lopes (2002). Apesar de Presidente da Escola, sofria grande influência de Natal, pois este não veio a ocupar o cargo, devido à repressão pouco tolerar o bicho. O Sr. Antenor dos Santos não era carioca e nem bahiano. Era um sujeito gordo, de idade, tinha as pernas arqueadas e um defeito em uma delas. Monarco disse que havia sim, apresentações de capoeira na Portela naquela época, mas não soube dizer, por não conhecer tais diferenças, se a capoeira e os capoeiras à que nos referimos eram cariocas (capoeiragem de origem carioca), bahianos ou se eram angoleiros, como sugestionou Lopes (2002). Monarco desconhecia o paradeiro de Joel. No final da noite de 05/02/2004, na Cantareira, em Niterói-RJ, Lussac encontrou David do Pandeiro (David de Araújo), integrante da Velha Guarda da Portela desde 1951. Lussac, em conversa informal, perguntou a David do Pandeiro sobre Antenor dos Santos e Joel. David respondeu que desconhecia os nomes de Antenor dos Santos e Joel, e aconselhou procurar o Jair, integrante mais velho da Velha Guarda da Portela, devido à pergunta estar relacionada a informações sobre fatos muito antigos. Mas, David contou a Lussac que, em mais ou menos 1962, entre 61 e 63, apareceu no 155 Império Serrano, onde David estava na época, o melhor tocador de berimbau de todos os tempos (segundo David), chamado Mucungê. David contou que Mucungê ficou um tempo em sua casa, e que nesta época estavam sendo feitas apresentações e aulas de capoeira no Império Serrano. Lussac citou outros nomes como Paraná, Onça Preta e Artur Emídio, e David disse achar que estes também faziam parte do grupo, mas não tinha certeza sobre isso. Em um e-mail enviado por Lopes a Lussac em 06/02/2004, Lopes mencionou que Antenor dos Santos era, ou ainda seria atualmente, genro de Joel. No anexo do referido e-mail que Lopes enviou, continha um folhetim quinzenal, intitulado “Rinha de Capoeira” e datado de 28 de junho de 1962, este informava sobre atividades de capoeira nas zonas Norte e Sul do Rio de Janeiro-RJ. Neste Constava que Joel Lourenço do Espírito Santo chefiava um grupo de “Capoeira de Angola”, contando com os seguintes elementos: Mariano Castro Pereira, Ismar Bonfim dos Santos, Martinez, Oswaldo Lisbôa dos Santos, Floriswaldo dos Santos, Elins dos Santos, “Onça Preta”, “Cadu”, Antenor dos Santos, “Dois de Ouro”, Neves, “Padre Antônio” e Waldeniro. Tais informações nos levam a crer que este grupo chefiado por Joel, realmente se tratava de “Capoeira de Angola”, visto que alguns de seus elementos são bahianos conhecidos da capoeira, como Onça Preta e Oswaldo Lisbôa dos Santos, o Mestre Paraná. Os nomes: Ismar Bonfim dos Santos, Floriswaldo dos Santos, e Elins dos Santos, sugerem que hipoteticamente, estes poderiam ser parentes de Oswaldo Lisbôa dos Santos, o Mestre Paraná, ou mesmo de Antenor dos Santos. Podemos até especular uma relação de parentesco entre todos estes, devido ao sobrenome “dos Santos”, apesar deste ser comum. Num estudo realizado por Lussac (2000), foram feitas várias entrevistas: “O Grão-Mestre Silas, 56 anos de idade e 48 de prática na 156 Capoeira, nos concedeu esta entrevista no dia 17 de maio de 2000, nos fundos do quintal de sua casa, em Belford Roxo.” (LUSSAC, 2000, p. 40). Na entrevista com o Grão-Mestre Silas, encontramos o seguinte: “Pergunta 1 – Como você conheceu a capoeira ? Resposta da Pergunta 1: Segundo o Grão-Mestre Silas: “ Eu conheci a capoeira aos oito anos de idade na Escola de Samba Unidos da Capela, em Parada de Lucas, Rio de Janeiro. Vi a capoeira lá e me apaixonei, foi um lance rápido, os caras fizeram a apresentação, foram aplaudidos e foram embora”. SILAS (2000). Pergunta 2 – O que o levou a praticar a capoeira? Resposta da Pergunta 2: Grão-Mestre Silas: “ Foi justamente essa exibição desses dois caras, que fizeram ao ritmo da bateria da escola de samba, e dali eu comecei a praticar com meus colegas, sem mestre, por intuição e vendo a maneira de fazer, gravando alguma coisa na cabeça, isso na rua.” SILAS (2000).” (LUSSAC, 2000, p. 40 e 41). Seriam estes dois capoeiras, parte dos mesmos comandados por Joel Lourenço do Espírito Santo? Visto que se calcularmos a idade do GrãoMestre Silas, isto seria perfeitamente possível. Seriam oriundos de outros 157 Estados? Da Bahia? Estariam somente de passagem? Ou seriam capoeiras cariocas jogando ao som do samba? Mestres como “Paraná”, “Onça Preta” e “Mucungê”, divulgaram a capoeira no Rio de Janeiro. Mas existiram outros além de Artur Emídio, como Djalma Bandeira, que atuou junto com Artur nesta mesma época. Artur não utilizava nenhuma denominação para a capoeira que ensinava e que aprendeu com o Mestre Paizinho, nem Regional, nem Angola, somente e simplesmente a palavra original Capoeira. A capoeira bahiana de Artur Emídio, com certeza, também sofreu influência da capoeira carioca, além de outras lutas e artes marciais; não só pela simples vivência na cidade, mas principalmente, pela experiência em combates como o que teve com Rudolf Hermanny, aluno de Sinhozinho; e das obras de ODC, Zuma, Inezil Penna Marinho e talvez até a do Capitão Lima e Silva, as quais Lamartine Pereira da Costa, seu aluno, possuía e também conhecia os referidos autores, exceto ODC (Quanto ao Capitão Lima e Silva ou o colaborador da mesma obra, Alberto Latorre de Faria, não sabemos se Lamartine os conheciam pessoalmente). Além destes já citados, no início da década de 1960, no Rio de Janeiro, estavam em atividade alunos de Sinhozinho, como: Rudolf Hermanny, que ministrava aulas para mais de vinte aprendizes na Praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema; “João Claudio”, o João Fontes, atualmente conhecido como “Imperador do Leblon”, somando este “título” ao cargo de presidente da associação deste bairro, que ministrava aulas na Academia Romana, na Rua Voluntários da Pátria 180, onde tinha pelo menos sete alunos regulares; Ney da Silva, o Neyder, com ao menos quatro alunos regulares no Ginásio Brasileiro de Cultura Física, Praia de Botafogo 462; o “Grupo 120”, orientado por André Luiz Lace Lopes, com cinco alunos regulares, no mínimo, à Rua Voluntários da Pátria 126, e também na Academia Signo de Força, em Copacabana, na Rua Francisco de Sá 35, e na Academia Apolo, no Centro, Rua Uruguaiana 22. 158 Na mesma época Lamartine Pereira da Costa ministrava aulas de capoeira no Centro de Esportes da Marinha; Roland da Silva junto ao professor Fachada, na Polícia de Vigilância; e Fábio, na Academia Fabio Rudge Maia, Grajaú, Travessa Araxá 53. Ainda havia aulas de capoeira na Polícia Feminina; na Academia de Capoeira Campo Grande, em Campo Grande; na Academia de Capoeira de Nilópolis; e o Grupo de capoeira Associação Afonso Pena, em Irajá (LOPES, 1963). 1.2.6 – A capoeira ganhando o Brasil e dando a volta ao mundo A capoeira começou a ganhar espaço, conforme foi sendo propagada pelo Brasil. Para isto, os capoeiras bahianos contribuíram muito, pois a levaram para as principais partes do país. A capoeira lúdica, jogada, cantada e musicada, tendo como o seu símbolo máximo o berimbau, foi a que vingou. O berimbau hoje é o maior referencial da capoeira, apesar deste, não estar presente na capoeira desde os seus princípios primitivos. O berimbau era usado por ambulantes para atrair fregueses e aos poucos, foi sendo inserido na capoeira da Bahia. O berimbau também estava presente no Rio de Janeiro, utilizado pelos vendedores ambulantes. Provavelmente, a repressão às manifestações culturais e a não utilização deste instrumento nos batuques, como na Bahia, tenham o feito cair em desuso. A capoeira hoje não é homogênea. A capoeira atual é diferente da antiga. O Mestre Nestor Capoeira, o Neto, também concorda com esta diferença. “A capoeira daquela época era muito diferente da de hoje”. (NETO, 1998, p. 36). Nestor, ainda nos o contraste entre os momentos histórico-sociais, nos dizendo como era praticada e aprendida a capoeira no passado e hoje em dia. Segundo Neto: “Nos bons tempos – que provavelmente não era tão bons assim – aprendia-se capoeira de forma natural e intuitiva: observam-se os movimentos dos jogadores na roda e tentava-se imitá-los, sozinho ou com algum 159 companheiro, fora da roda. Com sorte arranjava-se um Mestre; e aonde ele ia, lá iam também os dois ou três aprendizes. Vez por outra, o Mestre, ou algum jogador mais experiente, dava uma “dica”, ensinava alguma coisa. Hoje, os tempos são outros. Quase todos têm pouco tempo disponível; os Mestres não andam perambulando por aí; não há muitas rodas de rua de gabarito onde se possa aprender por observação. Hoje, a capoeira é ensinada em academias – cada instrutor pertencendo a um grupo ou Associação - , dirigidas por um Mestre com seu método próprio.” (Ibidem, 1998, p. 95). “Os treinos estruturados servem apenas para aperfeiçoar os movimentos ... Mas é na roda que um jogador aprende com o outro – não somente golpes e quedas, mas estratégias que são usadas no jogo propriamente dito, e também no Jogo Maior que praticamos diariamente na vida real.” (Ibidem, 1998, p. 95). “Os jogadores aprendem uns com os outros, e os capoeiristas que estão observando também aprendem. Estas experiências de jogo e esta observação de outros jogando – diferentes personalidades interagindo – constituem um saber importante e especial sobre os seres humanos. Este saber é um dos fundamentos da capoeira.” (Ibidem, 1998, p. 96). Nestor, nas palavras acima, nos mostrou a riqueza da capoeira, da interação entre os sujeitos praticantes para o aprendizado de um Jogo Maior, que praticamos na vida real. 160 A capoeira foi ganhando espaço, vencendo os estigmas do passado e os preconceitos existentes. Hoje é praticada em vários lugares e por várias e diferentes pessoas, mas para isso, ela passou por outros acontecimentos e momentos histórico-sociais importantes. Hoje, a capoeira é um Desporto de criação nacional, e prolifera tanto no Brasil quanto no exterior, passando por um “processo inexorável e inevitável de institucionalização”, segundo Lopes (1999). A propagação da capoeira pelo Brasil e posteriormente, de uma segunda geração de mestres, pelo mundo, ocorreu concomitante a alguns acontecimentos. Em 26/12/1972, a capoeira foi homologada pelo Ministério da Educação e Cultura, e reconhecida como modalidade desportiva pelo antigo CND, Conselho Nacional de Desportos. Seu reconhecimento se deu pela Confederação Brasileira de Pugilismo em 01/01/1973. Após foram fundadas várias federações estaduais no país. Mas nem todos permaneceram nestas federações, por divergências ideológicas e paralelamente figuraram movimentos diferentes. Por este motivo, por diferenças filosóficas, técnicas e outros princípios, a capoeira encontra-se dividida em várias vertentes, sendo a hegemonia e também a união política, quase uma utopia. “Na época da ditadura militar em 64, a Capoeira sofreu, principalmente os adeptos da Capoeira Regional, que quiseram impor uma Federação e Regulamentação, coagindo-a para longe das ruas, levando-a para as academias e campeonatos, o que não tem nada a haver com a sua cultura e filosofia, deturpando-a ainda mais, apesar da “boa idéia”, ela não foi implantada de acordo com os moldes e 161 características da Capoeira. “O pedreiro quis ser padeiro”.” (LUSSAC, 1996, p. 36). O sistema de campeonatos adotado, com normas e regras próprias deste tipo de evento, não se encaixava com os fundamentos e práticas tradicionais da capoeira. Lussac nos diz: “aí está um fato, não se pode colocar a Capoeira numa “camisa-de-força”, quanto mais sistematizá-la, “mecanizá-la”, ela perde seu caráter de improvisação e respeito ao biótipo” (Ibidem, 1996, p. 36). Assim como a proposta de luta e defesa pessoal, adotada no Início do século XX no Rio, esta proposta não vingou. Hoje em dia há experimentos de campeonatos, levando em conta os aspectos próprios da capoeira, como ludicidade e espontaneidade, mas, contudo, sem conseguir uma unanimidade. Castellani Filho apud Facão faz uma importante observação quanto a transformar a capoeira em somente uma manifestação esportiva: “A Capoeira não é – como nos desejam fazer crer – uma técnica de luta apenas, nem tão somente outra manifestação esportiva. Ela, enquanto técnica, enquanto forma de luta, vista de forma restrita a esses dois elementos, acaba por matar tudo o que a fez nascer, crescer e sobreviver ao longo de toda uma época (...) Ao separarmos a capoeira de sua história, nós a destruímos enquanto elemento de cultura brasileira e a transformamos em mais um momento de alienação através da prática esportiva (p. 13).” (FALCÃO, 1996, p. 46). Em 23/10/1992, foi fundada a Confederação Brasileira de Capoeira, CBC, e posteriormente, a FICA, Federação Internacional de Capoeira. Incrementando os ideais desportivos e mantendo uma política que não atrai 162 os capoeiras, como um todo, a grande maioria dos capoeiras, os principais e mais importantes não se encontram filiados e ligados a tal órgão. Como um órgão não conseguiu satisfazer os diferentes desejos e anseios dos diversos grupos de capoeira, e por uma brecha na lei que trata das organizações desportivas, foram formadas várias federações e ligas num mesmo estado. Atualmente, somente no Rio de Janeiro, há quatro federações estaduais, e muitos capoeiras não estão filiados ou ligados a estes órgãos. Os capoeiras encontraram em grupos ou associações a forma de se organizar e mesmo assim, muitos até hoje, preferem se abster de qualquer forma de organização e formação formal, preferindo, por vários fatores, a informalidade. É normal a divisão dos grupos, como uma metástase celular. Desde a década de 1970 este modelo foi amplamente adotado, pois já era utilizado anteriormente e atualmente, é o mais difundido e conhecido, sendo uns registrados como pessoa jurídica e outros não, alguns se associaram em ligas, federações estaduais, nacionais e internacionais, uns transformaram-se em mega-grupos, e outros se mantêm fechados em relação aos demais grupos. Tanto esta forma de associação, como a de fechamento e isolamento, não só formam uma estratégia de existência e de mercado, mas nos remete a lembrança de composição parecida a das antigas maltas de capoeira do Rio de Janeiro, diferentes claro, em vários sentidos, devido à época e momento histórico-social. Segundo Lussac, a Capoeira “ainda está longe de ser homogênea e unificada, devido à divergência de idéias e filosofias diferentes sobre o que é Capoeira dos mais variados grupos que a praticam” (LUSSAC, 1996, p. 38). Lussac prossegue: “Hoje cada grupo segue uma metodologia e ensina uma filosofia diferente, sem nenhum controle ou supervisão de uma entidade (Federação ou algo 163 semelhante), quando há um bom e consciente Mestre “ainda vá lá”, até existem algumas Federações e Confederações, mas elas aglomeram “grupos” que formam uma “Panelinha”. Enquanto não houver uma conscientização geral, será difícil criar uma “Liga” que controle, supervisione e aglomere todos os grupos. O que se pode explicar essa não integração, é que a Capoeira é uma tradição e cultura popular e se expressa de diversas formas e maneiras, sendo ela uma prática essencialmente de rua, não de academia; e também, sua grande variação regional. Devido a esse descontrole e desconhecimento das práticas de diversos grupos (até porque cada Mestre e grupo têm seus segredos, e não há troca de conhecimentos entre ele. Só durante a Roda e no “olho”, é que se vê a diferença). O ensino da Capoeira está entregue nas “mãos” dos Mestres responsáveis por cada grupo, havendo assim uma grande diversidade com relação à: ritual, filosofia, emprego e nomenclatura dos golpes e fundamentos.”” (Ibidem, 1996, p. 38). “cada grupo tem sua filosofia e, sua prática é ensinada, aleatoriamente, sem um controle e organização. A divergência das idéias sobre a Capoeira e a intenção dos que “estão por cima” de deixar como está a situação são os maiores obstáculos para se criar uma Liga, Federação ou algo parecido que aglomere e represente todas as Facções 164 de Capoeira independente de idéias divergentes.” (Ibidem, 1996, 37). Como dito anteriormente: há perdas em toda a cultura, quando esta sofre um processo de institucionalização. Então, o melhor seria, a capoeira seguir seu caminho natural, “livre como o vento”, pois como qualquer cultura, merece liberdade de expressão, bastando a já vigente fiscalização do exercício profissional na área de prestação de serviços, que está intimamente ligada à defesa do consumidor, visto que hoje, a cultura é “consumida”. Isto não que dizer que a capoeira deva ser desorganizada. Os capoeiras devem se organizar, não só para conhecer melhor a própria capoeira através do intercâmbio cultural, ampliando horizontes, mas para defender e divulgar a capoeira, como manifestação cultural e artística. Esta não unificação entre os capoeiras ocasionou uma falta de força político-social para reivindicar certos direitos aos capoeiras e à Capoeira. A capoeira está amparada e protegida, e a sua prática é garantida por Lei, constando nos Art. 215 e Art. 217 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: “Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. § 1.º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.” (BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988). Apesar disso, sabemos que esta obrigação do Estado não tem sido cumprida conforme gostaríamos e necessitamos. A escassez de recursos e 165 a falta de empenho das autoridades, somada a preferência por culturas eruditas, deixa a desejar quanto ao cumprimento de nossa Constituição Federal. No final da década de 1990, mais precisamente em 1997-98, foi realizado o primeiro curso de pós-graduação em capoeira, pela Unb, em Brasília-DF, iniciativa pioneira, mas que não foi seguida por outras turmas. No Rio de Janeiro também houve uma proposta de pós-graduação em capoeira pela UGF em 2002, mas não ocorreu por falta de alunos. Provavelmente pelo alto valor da mensalidade. A UGF desenvolveu o primeiro curso superior em capoeira também no final da década de 1990, formando duas turmas, mas com a regulamentação da Educação Física este curso acabou, ficando acertado entre a UGF e o Conselho de Educação Física que os alunos formados poderiam se registrar neste como provisionados, sem a necessidade de cursar o curso de instrução para provisionados. Em 01/09/1998, foi regulamentada a profissão de Educação Física. Esta lei entra em colisão direta com a prática da capoeira como estava sendo feita até então. Colocamos na íntegra esta Lei: “Lei Nº 9.696, de 1º de setembro de 1998 Ementa: Dispõe sobre a regulamentação da Profissão de Educação Física e cria os respectivos Conselho Federal e Conselhos Regionais de Educação Física. Lei: D.O.U. - QUARTA-FEIRA, 02 DE SETEMBRO DE 1998 Dispõe sobre a regulamentação da Profissão de Educação Física e cria os respectivos Conselho 166 Federal e Conselhos Regionais de Educação Física. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA: Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei : Art. 1º O exercício das atividades de Educação Física e a designação de Profissional de Educação Física é prerrogativa dos profissionais regularmente registrados nos Conselhos Regionais de Educação Física. Art. 2º Apenas serão inscritos nos quadros dos Conselhos Regionais de Educação seguintes Física os profissionais: I - os possuidores de diploma obtido em curso de Educação Física, oficialmente autorizado ou reconhecido; II - os possuidores de diploma em Educação Física expedido por instituição de ensino superior estrangeira, revalidado na forma da legislação em vigor; III - os que, até a data do início da vigência desta Lei, tenham comprovadamente exercido atividades próprias dos Profissionais de Educação Física, nos termos a serem estabelecidos pelo Conselho Federal de Educação Física. Art. 3º Compete ao Profissional de Educação Física coordenar, planejar, programar, supervisionar, dinamizar, dirigir, organizar, avaliar e executar trabalhos, programas, planos e projetos, bem como prestar serviços assessoria, realizar de auditoria, treinamentos consultoria e especializados, 167 participar de interdisciplinares equipes e multidisciplinares elaborar informes e técnicos, científicos e pedagógicos, todos nas áreas de atividades físicas e do desporto. Art. 4º São criados o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Educação Física. Art. 5º Os primeiros membros efetivos e suplentes do Conselho Federal de Educação Física serão eleitos para um mandato tampão de dois anos, em reunião das associações representativas de Profissionais de Educação Física, criadas nos termos da Constituição Federal, com personalidade jurídica própria, e das instituições superiores de ensino de Educação Física, oficialmente autorizadas ou reconhecidas, que serão convocadas pela Federação Brasileira das Associações dos Profissionais de Educação Física FBAPEF, no prazo de até 90 (noventa) dias após a promulgação desta lei. Art. 6º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília 1º de setembro de 1998; 177º da independência e 110º da República. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO” (CONFEF, 2003). Pela Lei, todas as atividades físicas, incluindo a Capoeira, devem ser ministradas por um profissional de educação física. Os graduados em educação física e os que não são, por determinação do CONFEF, Conselho Federal de Educação Física, deverão se inscrever no Conselho Regional de 168 sua região. Os não graduados em educação física, mesmo os graduados em outra área, teriam que cursar um curso de instrução que garantiria o exercício profissional como um Profissional Provisionado. Vários segmentos da Capoeira e outros, principalmente de Artes Marciais, Danças e Yoga, e inclusive professores de educação física são contra esta lei. Movimentos neste sentido surgiram, como o MNCREF, Movimento Nacional Contra a Regulamentação da Educação Física, originado inicialmente por professores da rede de ensino escolar, mas até agora não surtiram efeito. A principal arma usada pelos contrários à lei é o boicote à inscrição nos Conselhos e o desprezo pela lei. Esta posição tornase arriscada no momento em que, legalmente, muitos passam a exercer a profissão ilegalmente. Muitos que assumem esta posição defendem que a capoeira, por ser uma cultura que “nasceu e estaria sempre resguardada nos guetos”, não se enquadraria nesta lei. Mas observamos várias destas pessoas dando aulas em academias e ganhando dinheiro através da “cultura”, que os mesmos defendem. É fato que vários destes “profissionais” continuam querendo ensinar a capoeira sem ter noções básicas e necessárias de estudos imprescindíveis para o desenvolvimento humano, como por exemplo, só para citar um, a psicomotricidade. Na verdade preferem a facilidade de não estudar e não se atualizar visando à melhoria da prestação de seus serviços remunerados, não se dando conta de que a época em que só era preciso aprender e praticar a capoeira com seu mestre para ensiná-la, passou. Hoje é preciso mais, visto a própria evolução do conhecimento humano. Estas pessoas que defendem a capoeira nos “guetos”, onde a fiscalização e o poder público geralmente na chegam, deveriam ficar nestes, e não contradizer seus próprios discursos. Contanto, lembramos enfaticamente que os “guetos” merecem qualidade igual, ou até superior devido a sua carência generalizada, da que é oferecida em academias e outros locais de ensino mais bem amparados. 169 Não queremos, neste trabalho, analisar as contradições deste fato. Mas sim, colocar o impacto que acarretará sobre a capoeira. Antes da referida lei, qualquer um poderia ministrar atividades físicas. O mestre de capoeira e seus discípulos davam aula livremente. Agora, mesmo que uma pessoa seja formada por um mestre não poderá dar aula, se não cursar a graduação em educação física. Mas é fato que os cursos superiores de educação física não ensinam capoeira com o conteúdo e tempo suficiente para tal. Então, o mestre ainda tem o seu valor, visto que mesmo com um diploma na mão, ninguém vai querer aprender a arte com uma pessoa que não sabe. Os futuros profissionais de educação física que quiserem dar aula de capoeira terão que aprender com quem sabe. Há a possibilidade deste aluno, abandonar o mestre em um determinado momento, mas o mercado e a sociedade restrita da capoeira o aceitará ou não, dependendo de sua capacidade e conhecimento. De acordo com Lussac: “nem todo professor de Educação Física tem o gabarito para transmitir a Arte e Cultura da Capoeira, pois ela não se aprende em Faculdade.” (LUSSAC, 1996, p. 36). Talvez num futuro próximo, será criado um curso superior de capoeira. Esperamos que este, caso venha a acontecer, esteja realmente embasado e compromissado com as necessidades e anseios da capoeira e dos capoeiras, contribuindo para o desenvolvimento integral desta arte e cultura em todos os amplos sentidos, mesmo que atrelado à área da educação física. A própria Educação Física deveria reconhecer o caráter multi-facetado e polivalente da capoeira, protegendo-a e incentivando-a, pois sendo sua origem brasileira, merece atenção especial. Contudo, há de ser questionado o sistema vigente do ensino superior em relação à própria capoeira. Será justo que, se um curso superior desta natureza surgir, venha a fornecer oportunidade para os futuros mestres da capoeira, levando em conta todas as problemáticas mencionadas acima. 170 Outro fator seria unir ao curso, o desenvolvimento prático de projetos em conjunto entre as instituições de ensino superior e as associações, grupos, federações e mestres da capoeira e, sobretudo, salientando o valor da sabedoria popular, aproximando-a destes projetos e interagindo com as comunidades e a sociedade. Lembramos que há perdas em toda a cultura, quando esta sofre um processo de institucionalização. Estudos de impacto devem ser feitos crítica, minuciosa e seriamente. O fato positivo da lei 9696/98 é que, teoricamente, esta bloqueou o crescente despejo no mercado de novos professores, às vezes alunos, de capoeira, que tomavam o lugar de mestres que poderiam ter mais espaço para ensinar. Outro ponto é a melhoria na exigência da prestação de serviços na área das atividades físicas. Atualmente, com a vasta evolução dos conhecimentos pertinentes à atividade física, seria imprescindível exigir destes profissionais a qualificação desejada. Apontamos também, que é imprescindível às qualificações necessárias, relativas ao lado cultural, para o ensino da capoeira. Mas outro fato negativo é, segundo nós sabemos, o percentual de pessoas que ingressam no ensino superior é muito baixo e menor ainda, é o percentual daqueles que se formam, sem contar que o sistema atual de vestibular para as universidades públicas favorece àqueles que aprenderam em escolas particulares, em geral, que têm melhores condições sócioeconômicas e que provavelmente teriam maiores condições de pagar um ensino superior particular. Lussac já alertava: “A exigência do Curso de Educação Física para o ensinamento da Capoeira só a elitizará ainda mais” (LUSSAC, 1996, p. 36). Este fato acarretará um afunilamento das pessoas que poderiam ensinar a capoeira no futuro, após cursar a educação física e conseqüentemente, terá sérios impactos na transmissão desta arte e cultura. Lussac, visando esta problemática, sugestionava, preconizando os atuais cursos de instrução para provisionados dos Conselhos de Educação Física: 171 “Então, o que deveria se fazer para melhor gabaritar esses Mestres que não tiveram a oportunidade justa de um ensino secundário e superior? Criar cursos de aperfeiçoamento (Didático, Técnico, Científico, etc...), seria uma solução, fazendo junto um recadastramento.” (Ibidem, 1996, p. 36). Além da Lei Federal que regulamenta o profissional de educação física, no Rio de Janeiro há a Lei Estadual 3.008, a qual diz no seu primeiro artigo, referindo-se às pessoas que ensinam de artes marciais o seguinte: “Fica obrigatório o registro em Entidade de Administração Estadual de Desporto, tipificada como Federação Desportiva, de todo o praticante de atividade desportiva conceituada como arte marcial que se dedique à ministração de aulas ou treinamento de alunos.” (Lei Estadual no. 3008 – R.J.). Vale lembrar que de acordo com resoluções Conselhos Regionais de Educação Física, as Pessoas Jurídicas da área das atividades físicas, também devem estar inscritos nestes, o mesmo valendo para o quadro de profissionais atuantes nestas instituições e estabelecimentos. Secretarias Municipais, como a de Esportes e Lazer do Rio de Janeiro, também obrigam este registro, sendo o Alvará emitido, somente se cumpridas tais determinações. Outra polêmica resolução é a obrigatoriedade de um graduado em educação física como responsável nestes estabelecimentos. Achamos válida esta obrigatoriedade em academias e clubes onde há várias modalidades e atividades sendo praticadas, mas não concordamos no caso de uma associação, grupo ou centro de capoeira onde só tenha esta modalidade, num estabelecimento de ensino especificamente da capoeira. Supondo que o profissional da capoeira seja um provisionado já registrado no Conselho de sua região, seria inviável pagar um graduado somente para cumprir tal resolução. 172 Outra resolução que norteia a Educação Física atual se encontra no documento Intervenção do Profissional de Educação Física, neste encontramos alguns segmentos mais ligados e ou específicos à capoeira, apesar de todo o documento, direto ou indiretamente ser pertinente a qualquer prática de atividade física. Comecemos pela própria definição de “Atividade Física”: “Atividade física é todo movimento corporal voluntário humano, que resulta num gasto energético acima dos níveis de repouso, caracterizado pela atividade do cotidiano e pelos exercícios físicos. Trata-se de comportamento inerente ao ser humano com característcas biológicas e sócio-culturais.” (CONFEF, 2002). A definição dada a “Exercício Físico” é: “Seqüência sistematizada de movimentos de diferentes segmentos corporais, executados de forma planejada, segundo um determinado objetivo a atingir. Uma das formas de atividade física planejada, estruturada, repetitiva, que objetiva o desenvolvimento da aptidão física, do condicionamento físico, de habilidades motoras ou reabilitação orgânico-funcional, definido de acordo com diagnóstico de necessidade ou carências específicas de seus praticantes, contextos sociais diferenciados.” (Ibidem, 2002). Ao “Desporto / Esporte” a definição é a seguinte: em 173 “Atividade competitiva, institucionalizado, realizado conforme técnicas, habilidades e objetivos definidos pelas modalidades desportivas, determinado por regras preestabelecidas que lhe dá forma, significado e identidade, podendo também, ser praticado com liberdade e finalidade lúdica estabelecida por seus praticantes, realizado em ambiente diferenciado, inclusive na natureza (jogos: da natureza, radicais, orientação, aventura e outros). A atividade esportiva aplica-se, ainda, na promoção da saúde e em âmbito educacional de acordo com diagnóstico e/ou conhecimento especializado, em complementação a interesses voluntários e/ou organização comunitária de indivíduos e grupos não especializados.” (Ibidem, 2002). Segundo este documento sobre Intervenção Profissional, o Profissional de Educação Física é especialista em atividades físicas, nas suas diversas manifestações: “ginásticas, exercícios físicos, desportos, jogos, lutas, capoeira, artes marciais, danças, atividades rítmicas, expressivas e acrobáticas...” (Ibidem, 2002), e ainda, sobre os meios da intervenção profissional: “...servindo-se de instalações, equipamentos e materiais, música e instrumentos musicais, tecnicamente apropriados.” (Ibidem, 2002). Na parte da Capacitação Profissional, o documento cita que considera as exigências de qualidade e de ética profissional nas intervenções, que o Profissional de Educação Física esteja capacitado, entre outras considerações feitas, para: “Compreender, analisar, estudar, pesquisar (profissional e academicamente), esclarecer, transmitir e aplicar os conhecimentos biopsicossociais e pedagógicos da atividade física e desportiva nas suas 174 diversas manifestações, levando em conta o contexto histórico cultural;” (Ibidem, 2002). Como observamos a Educação Física está bem organizada e estruturada, principalmente, politicamente, para conseguir que seus ideais sejam sacramentados, mesmo que estes não configurem a maioria desta classe, esta foi uma vitória que foi ganha após anos de batalhas pelas APEFs de todo o Brasil, em que não se deixaram abater por projetos de lei não aprovados e voltaram a se organizar e esperar o momento certo para conseguir a regulamentação. Vitórias foram conseguidas, à volta da obrigatoriedade da educação física escolar, como componente curricular obrigatório da Educação Básica, sendo facultativas no ensino noturno, incluída na Lei 9.394/96, após a Lei 10.328/01; e a inclusão na nova Classificação Brasileira de Ocupações – CBO. Na CBO, o profissional de capoeira registrado no Conselho de Educação Física, encontrará um limitado e destrinchado enquadramento que não reflete à sua multi-facetada função, como: Ludomotricista (2241-10); que também valeria para os profissionais de psicomotricidade, Preparador de atleta (2241-15); Preparador físico – Personal treanning, Preparador fisiocorporal (2241-20); Técnico de desporto individual e coletivo (exceto futebol), Treinador assistente de modalidade esportiva, Treinador auxiliar de modalidade esportiva, Treinador esportivo (2241-25); entre outros. O que não entendemos é o tratamento diferenciado dado aos técnicos de futebol, em relação às outras modalidades desportivas, o porque deste, provavelmente se deve as grandes somas de dinheiro que circulam por este esporte. A força da “cartolagem” deve ter tirado o técnico de futebol das famílias que compreendem o Profissional de Educação Física. À Capoeira, resta dois caminhos. Um junto ao Conselho de Educação Física, reivindicando seu espaço e seu valor como prática de “atividade física” diferenciada, por ter origem brasileira e conter vários traços peculiares, pois se trata de uma cultura muito rica e diversificada. Outro, oposto a esta regulamentação, se estruturando e se organizando, unindo 175 forças e esperando o momento político certo para conseguir a vitória de seus anseios. Atualmente, enquanto alguns seguem a lei, a grande maioria da capoeira preferiu a negativa por esta opção. Só o futuro nos dirá o resultado deste jogo de forças. O Profissional de Capoeira é bem diversificado. Além da própria atividade física da capoeira, ele é um artesão, pois confecciona instrumentos e outros artefatos; ele é músico, pois trabalha com música, instrumentos, composição e canto; é um artista, um bailarino ou dançarino, quando faz shows e apresentações; é um escritor, um “intelectual do saber popular”, ao escrever livros, músicas, palestrar; e outras atividades tão criativas, qualidade inerente aos brasileiros. Sobretudo o capoeira profissional, atualmente, deve ser visto, principalmente, como o elo de transmissão de uma arte e cultura das mais ricas do planeta. Toda esta diversificação profissional não é atendida e entendida pelos órgãos e autoridades competentes. Tanto no Código Nacional de Atividades Econômicas – CONAE, estabelecido pela Comissão Nacional de Classificação - CONCLA, como nos códigos de atividades dos municípios, pelo o menos o do Rio de Janeiro, onde acreditamos, não ser diferente do restante do país, as atividades estão separadas, geralmente como cursos livres, como: Artesanato; Ensino de Música e Instrumentos Musicais; Ensino de Esportes, de Artes Marciais ou de Defesa Pessoal; Ensino de Dança, Bailados e Coreografias; Shows e Espetáculos; Atividades Folclóricas; Associações Desportivas; etc. Todas estas atividades e outras estão presentes na Capoeira. Em geral colocam-na como Esporte, assim, como visto anteriormente, retirando dela todo uma gama de vasto potencial e existência sócio-cultural. Um ponto interessante verificado é a diferença entre os códigos dos municípios e o no Código Nacional de Atividades Econômicas – CONAE. 176 Achamos que seria necessária uma revisão total e uma simplificação destes, de maneira que atendessem todas as atividades e seus potenciais, respeitando-as, inclusive as suas diversidades regionais e contextos sócioeconômicos, onde as mesmas estão inseridas. Atualmente, no Rio de Janeiro, há um movimento de união entre os capoeiras, que estará resultando numa Sociedade, uma ONG. Este movimento democrático está conseguindo reunir, até o momento grandes representações da capoeira, inclusive três das quatro federações do Estado do Rio. 1.2.7 – A importância histórica da história da capoeira “como elemento ativo da dinâmica cultural, a capoeira hoje em dia, apresenta contornos bem diferentes daqueles que a originaram. Sua crescente desportivização, sua inserção no contexto educacional e a grande investigação acadêmica, têm levado esta manifestação a ganhar, cada vez mais, espaços institucionais, sendo considerada um importante instrumento de análise de aspectos relacionados à população e à cultura brasileira.” (SILVA MELLO, 2002, p. 01 e 02). A história da capoeira é o setor acadêmico que mais tem avançado, mais que a educação física, música e outras, resgatando fatos e reconstruindo a história desta arte-luta, e conseqüentemente, ajudando a resgatar e reconstruir a própria história do Brasil, pois como vimos, está intrinsecamente relacionada à formação e história do país e do povo brasileiro. Uma história de resistência social e cultural, que vem atravessando épocas e situações diferentes. Tal conteúdo é muito vasto para abordarmos e discutirmos em uma só obra. Apesar de não ser o cerne deste trabalho, pudemos observar esta importância ao longo destas páginas. Esta 177 breve exposição será útil para adentrarmos em outros tópicos deste trabalho, pois como já dito anteriormente, é preciso conhecer a história da capoeira para abordar esta, em qualquer contexto e temática. Analisando e discutindo as referências citadas ao longo do capítulo I, onde traçamos brevemente a longa e complexa história, desenvolvimento e prática, nós conseguimos observar que a capoeira manteve suas concepções básicas de jogo, ludicidade e luta, mesmo com as diversas variações entre grupos e regiões, só que hoje mais civilizada e reelaborada, acrescida de novas tendências modernizadas. O jogo e a luta da capoeira tornaram-se mais esportivizadas, mesmo com uma roupagem de resistência cultural, e as escolas e seus centros de ensino mais institucionalizados, apesar de muitas ainda insistirem numa prática mais informal. A capoeira e o capoeira ganharam e estão ganhando cada vez mais os seus espaços na sociedade e na mídia. O capoeira antes marginal passou a um desportista, um atleta, um artista e até um profissional. Antes se o Capoeira aprendia nas escondidas, hoje se vê capoeira em vários lugares. A capoeira continua dando a volta ao mundo, ganhando o globo terrestre, hoje está internacionalizada, com sua característica multifacetada, atraindo cada vez mais, e mais adeptos, seja pelo seu aspecto de jogo ou luta, como pelo aspecto lúdico, cultural, musical, acrobático, histórico e do convívio social, oferecendo ao praticante toda a diversidade desta arte genuinamente brasileira. Agora, passaremos ao capítulo II, onde abordaremos a prática da capoeira atualmente e introduzindo a abordagem sobre a capoeira, a educação física e a psicomotricidade. 178 CAPÍTULO II A CAPOEIRA ATUAL, A EDUCAÇÃO FÍSICA E A PSICOMOTRICIDADE Urucungo “O Urucungo, Berimbau, dos ambulantes ao Samba de Roda, Capoeira e Ritual, invenção genial, instrumento musical que dos muitos arcos, és único e especial. Ganhou nacionalidade brasileira como símbolo, companheiro e mensageiro do Capoeira; Enobrece a Arte-Luta, em Roda festeira, nas chulas da cadência melódica do lamento ou no hipnótico e acelerado ritmo do momento. Tens personalidade tanto no silêncio da forma, quanto ao som; O arco, jovem árvore revivida, escolhida aos olhos do facão; Corda que foi couro, tripa e fibra, hoje aço e barbante, cabaça se é de barriga e boca se é de boca. A vareta que quando bate, vibra o som à dobra do dobrão, o caxixi que chacoalha na mão de quem tudo fez e dá o tom.” Ricardo Martins Porto Lussac ( Mestre Teco ). ( Rio de Janeiro, 15 de agosto de 1999 ). 179 2. A Capoeira atual, a Educação Física e a Psicomotricidade Após a breve abordagem sobre a extensa e complexa história, desenvolvimento e prática da capoeira no capítulo anterior, abordaremos a capoeira atual, a educação física e a psicomotricidade. Inicialmente, serão analisados os determinantes da escolha pela prática da capoeira. Veremos também a característica polivalente e multifacetada da capoeira, suas várias concepções e abordagens, dentre as quais a educação, esporte / desporto, terapia e reeducação. Após tecer alguns comentários sobre os aspectos lúdicos e musicais do Jogo da Capoeira, enfocando este como uma prática cultural em sua plenitude, abordaremos a prática da capoeira por diferentes faixas etárias e suas peculiaridades. Ao final deste capítulo, abordaremos os três domínios: cognitivo, afetivo e psicomotor, o treinamento desportivo e seus princípios e, as qualidades físicas. 2.1 - Os determinantes da escolha pela prática da capoeira Desenvolvida no Brasil, a capoeira neste vasto país, com grandes diferenças regionais, está espalhada por quase todo o território nacional, sendo os grandes centros e metrópoles, os pólos aglomeradores e centralizadores desta arte e cultura. Segundo Lopes (1999), “Um universo estimado em cerca de 5 milhões de praticantes,” em todo o mundo. “Hoje, a Capoeira é praticada por todo o Brasil, ao contrário de antigamente, que, junto com o Carnaval e o Candomblé, foi duramente reprimida.” (LUSSAC, 1996, p. 37). Atualmente, muitas pessoas procuram a capoeira para praticá-la. Praticar algo que um dia já foi ilegal, proibida pelo Código Penal de 1890, e mesmo antes disso, perseguida e considerada prática de vadios, malandros e arruaceiros, e que atualmente encanta a todos com sua polivalência, além de ser protegida e incentivada por lei. Mas antes, até a década de 30 quando a capoeira deixou de ser ilegal através da 180 política nacionalista, paternalista e popular do Presidente Getúlio Vargas, a prática da capoeira era crime, e os indivíduos que a praticavam, o faziam pelas razões sociais e culturais da época e do momento e situação por que passavam, pois necessitavam de exercê-la. Segundo Neto (1998), conhecido como Mestre Nestor Capoeira: - “ela dava aos africanos, e seus descendentes, um sentimento de “nacionalidade” diferente da nacionalidade dos senhores brancos; - dava autoconfiança a cada capoeirista; - solidificava a união dentro de pequenos grupos; - formava lutadores ágeis, perigosos e insolentes; - às vezes, no jogo, os escravos se machucavam, o que era economicamente indesejável.” (NETO, 1998, p.38). Acrescenta-se que, além das lesões, era também indesejável, a possibilidade de detenção de um escravo, o que traria prejuízos ao seu dono. Os motivos que determinavam a prática da capoeira no passado são bem diferentes dos de hoje em dia. Certamente esta “escolha” era feita por uma necessidade básica, a liberdade. Os capoeiras do passado tinham na arte-luta, a possibilidade de resistir ao sistema opressor vigente na época. Bem diferente de antigamente, atualmente as pessoas escolhem por praticar a capoeira por diferentes razões. Lussac (2000), pesquisou os Determinantes da escolha pela prática da capoeira, neste estudo se chegou à conclusão de que: “vários são os fatores que determinam a escolha da prática da capoeira” (LUSSAC, 2000, p. i). Apesar deste estudo ser focado no município do Rio de Janeiro e delimitado a um grupo de capoeira, a Associação Cultural de Capoeira Kapoart, nós podemos extrapolar este resultado para o restante da capoeira 181 de uma maneira geral. Segundo Lussac, os principais fatores determinantes da escolha pela prática da capoeira são: “a prática como lazer e recreação, como luta – arte marcial, a influência de um praticante ou de outra pessoa, a musicalidade da capoeira e também a curiosidade.” (Ibidem, 2000, p. i). O autor menciona outros como: a busca da qualidade de vida - saúde através da capoeira, O jogo da capoeira e os seus aspectos cultural e folclórico, As amizades e o convívio social, A influência de uma propaganda ou meio de comunicação, A história e as raízes africanas da capoeira, A beleza plástica da capoeira, sua plasticidade, Porque gostou, A prática de um esporte. (Ibidem, 2000). Lussac, ainda teceu alguns comentários sobre a influência de uma pessoa nesta escolha: “Então concluímos que vários são os fatores que determinam a escolha da prática da capoeira na Associação Cultural de Capoeira Kapoart, no Município do Rio de Janeiro, mas podemos ressaltar que a influência de um praticante, uma pessoa que mostra, demonstra ou fala da capoeira, a musicalidade da capoeira e sua prática como lazer e recreação (sua característica lúdica e de brinquedo) e também a curiosidade, são os principais fatores determinantes da prática da capoeira... . Até por que, se observarmos bem, podemos concluir que estes fatores são intrínsecos e se interrelacionam, pois alguém que fala, mostra ou demonstra a capoeira para alguém, geralmente é um praticante, que está influenciando esta pessoa. Mesmo que a pessoa esteja conhecendo a capoeira vendo em algum lugar, é uma influência indireta de um praticante. Este contato gera a amizade (convívio social) e a curiosidade de conhecer a capoeira, que acaba por ser praticada como lazer e 182 recreação, embalada pelo axé de sua musicalidade e o aprendizado da arte marcial. Após isso a pessoa passa a gostar ainda mais de quando gostou em seu primeiro contato, passando agora a conhecer os vários outros aspectos da capoeira como seu jogo, sua história e sua cultura por exemplo.” (Ibidem, 2000, p. 58 e 59). Lussac apontou também um fato curioso em sua pesquisa. Ele constatou que a maioria dos pesquisados na referida associação, não foram atraídos a praticar a capoeira por uma propaganda específica, este fato também é verificado informalmente na capoeira, pois o que geralmente leva uma pessoa a praticar a capoeira é a própria vontade de praticar e não uma propaganda. Segundo Lussac: “Concluímos que a maioria dos praticantes de capoeira do Município do Rio de Janeiro, filiados à Associação Cultural de Capoeira Kapoart, conheceram a capoeira através de alguém que falou, mostrou ou demonstrou a capoeira para eles, outra parte, conheceu vendo e observando em algum lugar, e uma minoria, conheceu através dos meios de comunicação, como rádio, TV, Jornal e Revistas. Foi também constatado conheceu que a nenhum capoeira filiado da Associação, através de propaganda específica, como anúncios, placas, folders, cartazes, panfletos e faixas, o que demonstra que a Associação, poderia melhorar a sua divulgação, trazendo talvez com isso, bom resultados.” (Ibidem, 2000, p. 57 e 58). Lussac também mostrou em seu estudo as muitas concepções e formas de prática da capoeira, mostrando a sua polivalência e característica multi-facetada (Ibidem, 2000). 183 2.2 - A polivalência da multi-facetada capoeira A Saga da capoeira, desde o período colonial e do Império até os nossos dias, foi permeada de acontecimentos históricos e sociais e está intimamente ligada a história do Brasil e das cidades onde sua atividade era uma constante; mesmo não sendo o objetivo deste trabalho a inserção minuciosa destes fatos, procuramos expor uma visão atual desta, baseado em experiências, conhecimento empírico e científico da arte: A capoeira se manifesta de diversas maneiras e em diferentes grupos sociais e culturais, mas não diferindo no geral dos seus conceitos e fundamentos básicos, que por nem sempre serem corretamente aplicados e difundidos, acabam deturpando a sua prática. Isso porque, vê-se a capoeira sendo praticada por diferentes faixas etárias, desde a universidade em cursos de extensão e graduação: “As principais universidades brasileiras (UFBa, UFRJ, UERJ, UnB, USP, UNICAMP, PUC-SP e muitas outras) já incluíram a capoeira nos currículos dos cursos de educação física.” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p.111); e em cursos de pós-graduação, como já mencionado anteriormente: “Na faculdade de educação física da UnB, em 1997-98, realizou-se o primeiro curso de pós-graduação voltado especificamente para o estudo da capoeira” (ibidem, 1998, p.111); até às escolas, “Atualmente, como se sabe, é comum a capoeira ser adotada como prática desportiva em escolas de primeiro e segundo graus ao lado de atividades como futebol, basquete e voleibol” (ibidem, 1998, p.111), às favelas e guetos em diferentes locais e partes do país e do mundo, por doutores, modelos, atletas, crianças carentes e de classe média alta, o povo em geral e até estrangeiros, seja nos Estados Unidos ou Canadá, Austrália, Japão e em várias partes da Europa (ocidental e oriental) e América Latina, inclusive na África, uma das matrizes culturais da capoeira. 184 Como dito anteriormente, a capoeira se manifesta de diversas maneiras, mas não diferindo muito quanto aos seus aspectos básicos como a ginga, golpes e movimentos, chulas e instrumentos musicais, sendo praticada de diversas maneiras como Capoeira Regional, Capoeira Angola ou apenas por seu nome original: Capoeira, diferindo, portanto, no seu ritual, uma das bases da capoeira, cujo aprendizado incorreto, provoca seqüelas na transmissão e ensino da arte, como é o caso do “Mestre Varig”, Lopes (1999), que é aquele “camarada” que chega no exterior e se diz Mestre de capoeira, só porque sabe alguma coisa onde não sabem nada, ou o mestre “formado pelas gráficas”, Lopes (1999), que se auto intitula Mestre, fazendo o seu próprio cartão de apresentação. A capoeira assume várias concepções, o que amplia o seu leque de intervenção e utilização. Para muitos a capoeira é dança, jogo, luta, defesa pessoal, arte, educação, cultura, lazer, terapia, folclore, ginástica, desporto, história, filosofia (de vida) e até religião. A capoeira é tudo isso somado, não em separado, e mais, o que demonstra as multifaces desta. Vários autores compartilham desta temática. Segundo Izabel Cristina de Araújo Cordeiro: “a capoeira hoje, vem sendo utilizada tanto como conteúdo de aulas de Educação Física, Lazer, quanto como formação de atores, terapia, entre outros”. (CORDEIRO, 1992, p.2). De acordo com Luíz Silva Santos: “Outros fatores que também estão inerentes no jogo da capoeira são os aspectos folclóricos, defesa pessoal, arte, dança, esporte e cultura. Estes aspectos devem ser respeitados e valorizados, tanto pelo seu teor educativo, como por caracterizarem a capoeira como atividade genuinamente brasileira.” (SANTOS,1990, p. 13) 185 Hélio Campos, o Mestre Xaréu, nos diz que a riqueza da capoeira está nas suas várias formas: “A riqueza está nas várias formas de ser contemplada, onde o aluno poderá assimilar e atuar nas linhas com as quais mais se identifica: capoeira, luta, dança e arte, folclore, esporte, educação, como lazer e filosofia de vida”. (CAMPOS, 1998, p.21 e 22). SILVA MELLO ressalta a pluralidade da capoeira em seu universo simbólico e motor: “Em seu universo simbólico e motor encontramos elementos, tais como a musicalidade, a religiosidade, movimentos acrobáticos, dentre outros, que a tornam bastante peculiar. A capoeira é plural, e nela o lúdico e o combativo interpenetram-se, caracterizando-a como jogo, luta e dança.” (SILA MELLO, 2002, p. 01). Fica constatado o rico universo da capoeira e as amplas possibilidades de desenvolvimento de quem praticam, de acordo com a concepção que desejar, e a importância da capoeira na formação do praticante, pois realça e reforça a identidade brasileira. Nota-se também estas várias concepções sobre a capoeira nos enfoques dos temas literários referentes ao assunto: Capoeira História: Soares (1999) e (2002), Dias (2001); Capoeira Educação: Campos (1998) e (2001), Santos (1990); Capoeira Terapia: Ribeiro (1992); Capoeira Esporte: Lopes e Pinto (1997); Capoeira Educação Física, Saúde e Qualidade de vida: Reis (2001); Capoeira para portadores do vírus HIV: Cunha (2003); Capoeira Música: Anunciação (1990); Capoeira Luta-Arte Marcial: Abreu (1999), Lopes (2002). Já descritas por Lussac (2000). 186 Nota: Apesar do enfoque ampliado sobre a capoeira, não há nenhuma obra específica abordando a capoeira e a psicomotricidade. A psicomotricidade é abordada por alguns autores, em partes de obras sobre a capoeira. Podemos pensar que a capoeira pode ser pesquisada, praticada, aprendida, ensinada e utilizada de diversas formas e maneiras, sugerindo então, uma ampla possibilidade de intervenção do profissional que utiliza esta arte, variando, conforme os objetivos propostos por este profissional e ou pela instituição onde é praticada. Uma destas formas e poderíamos dizer que seria a principal, por estar levando todos os seus conteúdos e cultura para dentro deste contexto, seria a educacional. A capoeira tem um potencial educacional inestimável e inquestionável, e seria falta de bom senso e crítica, não a olharmos por este prisma, como também, deixar de aproveitá-la, na formação educacional do povo brasileiro. 2.3 - Capoeira e educação Ouvimos muito falar que a educação é a solução e que ela é a melhor arma para reverter o processo geral de degradação social, cultural, econômica e etc. Com o atual processo irreversível de globalização sóciocultural e econômica, onde culturas estão ameaçadas pelos vários fatores intervenientes deste processo, faz-se necessária adotar estratégias de resistência cultural e social, principalmente através da educação, onde a arte e a cultura têm papéis essenciais, para criar uma identidade nacional com soberania. Uma das vertentes mais atacadas por este processo, são as artes a as culturas, justamente, umas das melhores maneiras para resistir ao processo de globalização. Segundo Augusto Boal: 187 “No mundo globalizador, a cultura e a arte, por serem tão poderosas, nos são roubadas e passam a servir ao mesmo propósito do comércio: o lucro.” (BOAL, 2003, p. 86). “A globalização do lucro impõe a uniformização dos seres humanos: todos devem ser iguais e consumir igual, vestir igual e comer o mesmo hambúrguer de vaca louca! A globalização impões normas de comportamento, valores, ideologias e gosto estético. Quando se diz que os últimos governos brasileiros nunca deram a importância devida à Cultura, eu penso diferente: sempre deram enorme importância à cultura estrangeira e aceitaram passivamente que ela invadisse nossas telas, telinhas e telões. Servilismo infantil, complexo de inferioridade.” (Ibidem, 2003, p. 86 e 87). Augusto Boal diz que, quando a França exigiu a exceção cultural – isto é, que o cinema e outras artes ficassem de fora da liberdade de invasão de uma potência por outra, num grande acordo comercial – não era o valor intrínseco das suas obras de arte que estava protegendo: pensava no perigo que a arte norte-americana traria no seu bojo, a propaganda do seu país e seus costumes, e também o vestuário, a indústria automobilística, os eletrodomésticos e etc. (Ibidem, 2003). O que demonstra que o Estado tem papel importantíssimo e próprio para criar sistemas de resistência ao processo de globalização de maneira geral. Para Boal, “É importante para os globalizantes destruir as culturas nacionais, locais, onde pretendem impor o seu comércio; é importante dizimá-las, pois a cultura é identidade” (Ibidem, 2003, p. 87), pois, “os globalizantes precisam destruir identidades para melhor venderem os seus produtos.” (Ibidem, 2003, p. 87), “Quando ouvimos música brasileira, bossa nova ou tradicional, chorinho ou samba de carnaval, vemos a nossa cara... 188 Hoje é proibido ver-nos em nossa arte.” (Ibidem, 2003, p. 87), pois para Boal a globalização impõe a todos a mesma língua. Isto quer dizer que nos é imposto ouvir, assistir e prestigiar as culturas estrangeiras, “alienígenas”, e o pior, a parte ruim desta, esquecendo a nossa rica cultura. Isto não quer dizer que devamos ficar isolados em nossa cultura. Devemos trocar experiências e promover intercâmbios, pois faz parte da própria evolução e desenvolvimento humano. Mas devemos ter o cuidado com os efeitos de invasões culturais, a fim de proteger nossa cultura, fincando esta em suas próprias raízes. Segundo Boal, “A globalização é a morte do artista!” (Ibidem, 2003, p. 88). “Hoje, é quase impossível ser artista e permanecer no mercado cultural – poucos conseguem. Se quisermos, com nossa arte, ajudar a mudar o mundo – nosso país, nosso estado, nossa rua! – é imperativo trabalhar onde a arte não se compra nem se vende, onde a arte se vive. Onde todos somos artistas – lá, onde vive o povo: nas ruas, favelas, nos acampamentos do MST, nos sindicatos, igrejas. Lá estão aqueles que necessitam da sua própria identidade para se libertarem da opressão, mesmo quando dominados pelas idéias dominantes, mesmo quando alienados: devemos ter esperanças, mas não ilusões.” (Ibidem, 2003, p. 88). “A Arte faz parte da Cultura, porque a cultura é o ser humano, é o que há de humano no ser: é o que nos distingue de quem é bicho. Para fazer cultura, para inventar, o artista tem que ser livre e fazer o que quiser. Se ele se submete ao mercado, se aceita suas 189 leis e deixa de ser criador, deixa de ser artista.” (Ibidem, 2003, p. 85). Boal deixa claro que atualmente para ser um artista plenamente, nestas circunstâncias onde a cultura é vendida e se tornou uma mercadoria, é muito difícil, e ainda complementa, dizendo que a arte e a cultura devem ir de encontro ao povo, de modo que estas, consigam realmente suas finalidades e propósitos, a busca de um ser humano crítico, emancipado e evoluído, em constante desenvolvimento no processo infinito da criação. “A Cultura, porém, não se limita às obras expostas em museus ou aos espetáculos com entrada paga: cultura é o como fazer, o quê, para quê e para quem. Temos que assumir a nossa condição humana, criadora.” (Ibidem, 2003, p. 85). Finalizando, segundo Boal: “Teatro é arte e sempre foi arma. Hoje, mais do que nunca, lutando pela nossa sobrevivência cultural, o teatro é arte que revela nossa identidade e arma que a preserva. Para resistir, não basta dizer não: desejar é preciso! É preciso sonhar. Não o sonho tecnicolorido da televisão que substitui a dura realidade em preto e branco, mas o sonho que prepara uma nova realidade. Uma nova realidade em que se busque unificar a humanidade, mas não uniformizar os seres humanos. Hoje o teatro é uma arte marcial!” (Ibidem, 2003, p. 91). Ao pensar que hoje, o teatro é uma arte marcial, Boal nos repassa o verdadeiro papel das artes e culturas, o de estar sempre resistindo aos ataques que corroem os seus princípios. Este discurso vai de encontro com muitos pensadores da capoeira, quanto à verdadeira finalidade desta e ao mesmo tempo, derrota a conotação da capoeira como arte marcial, como um 190 simples método de esporte, luta e defesa pessoal, pois o conceito de “Arte” “Marcial”, vai muito além destes. Freitas & Freitas, nos dizem que a escola tem importante papel neste processo de resistência, quando abordamos a cultura nacional: “Quando falamos de uma cultura nacional, não podemos deixar de nos lembrar da instituição que ainda é (ou deveria ser) o veículo de disseminação cultural pó excelência, que é a escola, apesar do domínio cultural imposto pela mídia, que chega a ultrapassar os estados nacionais, na disseminação de valores.” (FREITAS & FREITAS, 2002, p. 11). SILVA MELLO aborda uma das propostas para a educação física, a da Cultura Corporal: “Dentre as novas propostas para a educação física, a da Cultura Corporal (Coletivo de Autores, 1992), tem encontrado grande ressonância no cenário nacional. Nesta, o movimento humano é tratado na dimensão da cultura, compreendido enquanto construção histórica e social e objetiva a emancipação social dos alunos. Porém, como afirma Bracht (1999), um dos desafios das propostas emergentes refere-se aos aspectos metodológicos, o “como fazer” na prática pedagógica.” (SILVA MELLO, 2002, p. 01). Continuando SILVA MELLO: “No caso da Cultura Corporal, que utiliza como conteúdos as manifestações da cultura corporal humana, um dos pressupostos básicos para a 191 concretização desta proposta é a historicização destes conteúdos, ou seja, compreendê-los como construções históricas e sociais, determinadas pelos contextos de diferentes épocas. Como apontam os autores “É fundamental para essa perspectiva da prática pedagógica da Educação Física o desenvolvimento da noção de historicidade da cultura corporal...Todas essas atividades corporais foram construídas históricas, como em determinadas respostas a épocas determinados estímulos, desafios ou necessidades humanas” (Coletivo de Autores, 1992, pg.39).” (Ibidem, 2002, p. 01). Segundo Freitas & Freitas, a implantação da capoeira na escola não só dá o ponto de vista físico, mas na apropriação de toda a corporeidade, transmitindo a capoeira de forma lúdica possibilitando a auto-descoberta e desenvolvimento da cultura corporal aliados a valorização das relações interpessoais e sócio-educacionais (FREITAS & FREITAS, 2002). Portanto esta proposta vai de encontro a uma proposta da capoeira como educação e educação física, e também, como resgate e resistência cultural, visto ser ela, uma Cultura Corporal Brasileira e estar permeada de contextos sócio-históricos. E Santos complementa, exaltando o potencial da capoeira: “Por ser, portanto, a capoeira uma atividade genuinamente brasileira e por se constituir um enorme potencial que pode ser explorado para o alcance de uma vasta gama de objetivos educacionais”. (Santos, 1990, p. 13). Souza & Oliveira destacam alguns pontos importantes sobre a origem e desenvolvimento da capoeira, “pois os mesmos auxiliam na justificativa da sua inclusão e estruturação como conteúdo da Educação Física escolar. São eles” (SOUZA & OLIVEIRA, 2001, p. 44): 192 “- a capoeira tem origem afro-brasileira – diferentemente das modalidades inseridas nas escolas que trazem expressões das culturas européia e americana; - é oriunda de movimentos comunitários e lutas de classe; - a capoeira transgrediu, por muitos anos, os códigos das culturas dominantes; - é rica em conteúdos significativos histórico-sociais.” (Ibidem, 2001, p. 44). Segundo Souza & Oliveira (Ibidem, 2001), a prática da capoeira na escola possibilita o desenvolvimento de conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, como: “autonomia, cooperação e participação social, postura não preconceituosa, entendimento do cotidiano pelo exercício da cidadania, historicidade etc.” (Ibidem, 2001, p. 44). De acordo com os autores, a aprendizagem da capoeira não deverá ter somente o aspecto técnico de aprender uma luta ou esporte, e sim, acompanhar a transmissão de todos os elementos que envolvem sua cultura, história, origem e evolução, ao mesmo tempo que deverá ser estimulada a integração com outras disciplinas do contexto escolar, a fim de que o educando tenha uma participação efetiva no contexto da capoeira como um todo (Ibidem, 2001). Ana Paula Santos, ressalta a importância dos elementos e aspectos educacionais da capoeira: “Deve-se ressaltar que a Capoeira tem apresentado uma série de benefícios e conhecimentos que torna impossível não considerar sua importância, tanto nos seus aspectos de luta, quanto nos seus elementos de cultura, cheios expressão. de Mostra-se conhecimento nesse e sentido, formas como de uma 193 atividade educativa capaz de formar sujeitos como um todo.” (SANTOS, 1996, p. 5). “Tendo em vista a importância do movimento e da ludicidade para o desenvolvimento, educação e formação humana, não apenas da dimensão motora, como também das dimensões afetiva, cognitiva e social, observamos que a Capoeira por suas dimensões de dança, jogo, folclore, brinquedo, luta, música, etc., é um conhecimento fundamental que precisa estar presente na escola e no trabalho do profissional de Educação Física.” (Ibidem, 1996, p.8). Ana Paula Santos, enfatiza a interdisciplinaridade, característica que a capoeira pode assumir na escola, devido ao seu aspecto “multi-facetado“ (Lopes, 1999), logo podemos realmente crer nesta aplicabilidade: “Na escola, a Capoeira precisa também impulsionar um trabalho interdisciplinar, reunindo os aspectos históricos, geográficos, artísticos, musicais, culturais, entre outros.” (SANTOS, 1996, p. 9). Ainda segundo Santos, a capoeira pode desenvolver o aspecto psicomotor, entre outros: “a prática da educação física infantil através dos movimentos expressos pela capoeira, deve ocupar um lugar determinado nos programas escolares... por envolver uma série de outros aspectos, sendo um deles o desenvolvimento psicomotor” (Ibidem, 1990, p. 37). “Se considerarmos a prática da capoeira como uma atividade psicomotora, devemos buscar o espaço dela no contexto escolar, porque ela tem muito o que contribuir na educação global das crianças, pela sua 194 expressividade em todos os seus aspectos educativos. Movimentar as crianças através de uma atividade como essa é oportuniza-las a conhecer as noções de como ela é formada, quais as suas possibilidades de alcançar seus objetivos internos e externos” (Ibidem, 1990, p. 39). Para Santos a capoeira sistematizada no ensino de primeiro grau, se for baseada numa filosofia voltada para a liberdade individual das crianças, na escolha de suas atividades histórico-sócio-recreativas, favorecerá, de maneira significativa, aprendizagens psicomotoras, servindo de alicerces para qualquer nova situação de ensino (Ibidem, 1990). De acordo com o autor, a capoeira pode se integrar aos currículos escolares, sem a conotação de um simples passatempo; pelo contrário, pode integrar-se como uma atividade que tem um lugar de destaque, porque é um dos jogos que pode desenvolver a criança em seu todo, em virtude de sua riqueza de expressão e musicalização e principalmente do seu aspecto de ludicidade. (Ibidem, 1990). “a capoeira como educação psicomotora está em jogo com uma multiplicidade de aspectos, em que todos são responsáveis pela aquisição de conhecimento das crianças. Estes aspectos são indispensáveis e têm que ser levados em conta no planejamento educacional de qualquer educador” (Ibidem, 1990, p. 40). De acordo com Santos, “A capoeira como recreação aparece com um papel importante, por ser uma atividade que visa a ludicidade infantil e também por não objetivar o treinamento impositivo.” (Ibidem, 1990, 45), e também, “A capoeira como recreação estabelece um ambiente crítico e pensado, onde o educador e o educando buscam juntos, “o quê” aprender, “por quê” aprender e “como” aprender.” (Ibidem, 1990, 45), e finalizando: “A 195 capoeira como recreação também visa considerar a criança como um todo, inserindo-a em sua cultura original.” (Ibidem, 1990, 45). Sobre o folclore e a capoeira, este autor assim pensa: “Se o folclore são os hábitos, costumes e tradições de um povo, transformados no decorrer do tempo, a capoeira tem fortes características de um fato folclórico, por estar totalmente vinculada neste processo de transformação, como também, por fazer parte da formação do espírito de um povo que iniciou a nossa história” (Ibidem, 1990, p. 50). Para Santos a capoeira deve ser “valorizada e reconhecida por seus benefícios folclóricos no processo educacional enquanto atividade psicofísica que tem suas raízes fundamentadas na história do povo brasileiro”. (Ibidem, 1990, p. 50). “Além da capoeira servir como elemento de compreensão de conteúdos de outras disciplinas, sua prática interfere na formação da personalidade da criança enquanto instrumento de seu desenvolvimento físico e sua inteligência, através da evolução de sua psicomotricidade.” (Ibidem, 1990, p. 50). “A prática da capoeira como folclore oferece condições para a criação artística, que não se esgota somente em seus movimentos corporais expressivos. O seu meio artístico vai mais longe, permanecendo seus cantos, seus instrumentos musicais, que no seu conjunto dão a harmonia das músicas existentes no jogo da capoeira” (Ibidem, 1990, p. 51). 196 Finalizamos as referências deste autor, com os resultados de sua pesquisa, onde demonstrou, ser a capoeira, uma excelente iniciativa e proposta para o desenvolvimento de crianças do primeiro grau escolar, principalmente, relativo ao desenvolvimento psicomotor, o que ficou comprovado em sua pesquisa: “a educação escolar tem como obrigação principal no ensino do primeiro grau a alfabetização das crianças juntamente como seu processo evolutivo do desenvolvimento psicomotor, sendo ela a grande responsável pelas deficiências que os educandos apresentam no seu comportamento das habilidades psicomotoras. A capoeira, provavelmente, fazendo parte do ensino do primeiro grau no programa de educação física infantil pode contribuir na solução de alguns problemas que muitas vezes ocorrem no ensino-aprendizagem, quando aparecem as dificuldades dos alunos assimilarem a leitura, a escrita, o ditado e as próprias atividades psico-físicas. Mas, para que isto ocorra, se faz necessário que o professor ou professora que vai ministrar as aulas, baseando-se nos elementos básicos da capoeira, considere as diferenças individuais e ritmos próprios dos educandos, já que ficou provado nesta pesquisa que os alunos aprendem em níveis diferentes” (Ibidem, 1990, p. 66). “Levando em consideração os resultados obtidos, a análise e discussão feita a te aqui, fica evidenciado que os movimentos básicos, os cantos, os instrumentos musicais e a simbologia da capoeira, como o seu próprio jogo, pode contribuir de maneira significativa no crescimento do físico e das suas 197 habilidades psicomotoras, conseqüentemente na própria inteligência das crianças no período escolar. Acredita-se que se forem utilizados estes aspectos como um meio e não como um fim, poderão trazer sérias conseqüências no ensino-aprendizagem dos educandos. Conclui-se então, que um programa de educação física infantil baseado no jogo da capoeira deve ser introduzido no ensino de primeiro grau, já que ficou evidenciado nesta pesquisa que a capoeira tem forte influência na bivalência psique-motricidade, que são fatores determinantes para qualquer educação das crianças” (Ibidem, 1990, p. 67). Para Santos: “A capoeira deve fazer parte do currículo de ensino de primeiro grau porque pode prevenir, eliminar ou servir de meio de compensação de algumas deficiências psicomotoras” (Ibidem, 1990, p. 68). Santos afirma isto baseado na conclusão de sua pesquisa: “Crianças submetidas a um programa de educação infantil baseado capoeira, nos tiveram principais um ótimo movimentos da desenvolvimento psicomotor comparando-as com crianças submetidas a nenhum programa de educação física baseado nos métodos tradicionais. A aplicação de um programa de educação infantil baseado nos influenciou no elementos básicos desenvolvimento da capoeira psicomotor das crianças de forma diversificada por motivo de cada criança ter um ritmo próprio de aprendizagem” (Ibidem, 1990, p. 67). 198 Hélio Campos, conforme já citado anteriormente, afirma que a riqueza da capoeira está nas suas várias formas: “A riqueza está nas várias formas de ser contemplada, onde o aluno poderá assimilar e atuar nas linhas com as quais mais se identifica: capoeira, luta, dança e arte, folclore, esporte, educação, como lazer e filosofia de vida”. (CAMPOS, 1998, p. 21 e 22). Mas Campos, alerta que apesar da capoeira ter várias concepções, estas não devem ser ensinadas separadamente. “Apesar de termos enumerada algumas concepções e práticas de capoeira na escola, antevemos que deverá ser ensinada globalizadamente, deixando que o educando busque a sua identificação em qualquer destas formas”. (Ibidem, 1998, p. 22). É notória a ampla possibilidade de desenvolvimento da capoeira para fins educacionais, da maneira e intervenção que desejar, pois estaremos reforçando a identidade e cultura brasileira, combatendo e resistindo a fagia do processo de globalização. Também devemos ressaltar que a capoeira, por não necessitar de materiais e instalações específicas, que encareceriam financeiramente sua inclusão neste sentido, é plenamente viável, visto as dificuldades por falta de recursos, que assola as escolas públicas e também as particulares com menos recursos financeiros. Souza & Oliveira, baseados nos Parâmetros Curriculares Nacionais – Educação Física, pensam que: A capoeira é repleta de significações socioculturais diferentes das classes dominantes, possuindo um vasto patrimônio cultural que deve ser conhecido, valorizado e desfrutado pela Educação Física escolar, o que poderá contribuir para a adoção de uma postura não preconceituosa e discriminatória diante das manifestações e 199 expressões dos diferentes grupos étnicos e sociais e às pessoas que delem fazem parte (BRASIL apud SOUZA & OLIVEIRA, 2001). Lussac sugere e enfatiza a importância da inclusão da capoeira e outros temas relacionados no currículo escolar, devido a sua ligação com a História do Brasil e por ser uma manifestação cultural com amplo e grande potencial: “A Capoeira deveria fazer parte do currículo escolar, junto com a História do Negro, porque ela representa junto com toda uma cultura, a História do Brasil, por isso seria importante seu ensinamento, pois, dessa forma o nosso povo teria oportunidade de conhecer e praticar a nossa cultura e aprender os folguedos populares de seu país, e assim, buscar a sua própria identidade. Além de despertar a curiosidade do aluno para o folclore de seu país, a Capoeira é um folguedo que pode ser muito bem usado, assim como outras manifestações culturais de origem brasileira, para fins educacionais e como um método educativo que englobe a Educação Física, História e Música simultaneamente!” (LUSSAC, 1996, p. 37). Poderíamos também ressaltar, junto a Educação Física, História e Música, mencionados por Lussac, o Artesanato, que faria uma integração interdisciplinar com a Educação Artística, assim como as outras, a fariam com suas respectivas áreas de atuação e conhecimento. “o aluno aprende também o artesanato, confeccionando Berimbaus, Reco-Recos e peças de enfeite, como Bijuterias e até a confecção de camisas” (Ibidem, 1996, p. 37). A confecção de peças de enfeite, como Bijuterias e a confecção de camisas, apesar de não específica da capoeira, é conhecida e feita por vários mestres e alunos da capoeira, este aprendizado é de grande valia, quando se trata de comunidades carentes, para poderem aplicar tal aprendizado em uma 200 ajuda financeira em suas famílias. Lussac ainda tece alguns comentários sobre a parte musical (rítmica) e de história da capoeira: “A parte musical (rítmica) O aluno ganha uma afinidade musical, aprendendo a cantar e compor músicas, conhecendo os seus significados, abusando da improvisação, aprende também a tocar os diversos instrumentos utilizados na Roda de Capoeira (berimbau, atabaque, pandeiro, agogô, reco-reco, afoxé e xequerê), e também outros ligados aos diversos folguedos e ritmos aprendidos (Samba, Samba-Reggae, Reggae, Frevo, Maracatu, Marcha, Pagodes, Choros e outros).” (Ibidem, 1996, p. 37). “A parte Histórica O aluno tem o aprendizado da parte da História da Capoeira (passado, presente e futuro, por que não? Já que ele tem de tomar conhecimento da situação atual para acompanhar a Capoeira) e sua relação com a História do Brasil desde antes de sua descoberta, conhecendo seus fundamentos e sua verdadeira essência. O aluno também passa a ter contato com outros folguedos populares, como o Maculelê, Puxadade-rede (a pesca do xaréu), o Samba-de-Roda, o samba-Duro, Fandango, Bate-Coxa, Pernada Carioca, Bumba-meu-Boi, Jongo e outros;” (Ibidem, 1996, p. 37). A possibilidade de conhecer outros folguedos populares, como Lussac mencionou, traz um rico universo cultural ao aluno, além de possibilitar o conhecimento de vários ritmos. É importante que as culturas regionais possam ser preservadas e difundidas. A capoeira vem através dos anos 201 contribuindo em parte com isso, quando são feitas apresentações folclóricas, pelos próprios capoeiristas, em conjunto com a da capoeira. De acordo com Freitas & Freitas, pode-se afirmar que a aula de capoeira na escola feita para a escola é uma nova atividade didáticopedagógica que além de alcançar os objetivos a que se dispôs, transforma a criança em melhor conhecedora de seu próprio corpo fazendo da aula uma grande brincadeira dirigida e transdisciplinar (FREITAS & FREITAS, 2002): “justifica-se a oferta deliberada e institucionalizada da capoeira nas escolas... não somente enquanto conteúdo de um componente curricular (Educação Física), ministrado em prol das práticas preconizadoras para o mesmo, mas também enquanto componente curricular paralelo à Educação Física” (Ibidem, 2002, p. 11). Mas segundo Freitas & Freitas, ainda é fraco o olhar de reconhecimento oficial da capoeira como manifestação de riqueza multifacetada, passível de incentivo deliberado de sua disseminação pelo país, traduzido em práticas que conduzem à efetivação de sua escolarização (Ibidem, 2002). Os autores complementam dizendo que, se levarmos em conta a manifesta incapacidade que as escolas têm demonstrado em garantir a oferta dessa vasta gama de atividades motoras na sentido de garantir um desenvolvimento motor global, mais certos ficaremos da pertinência da valorização e do incentivo à prática generalizada da capoeira por parte das instituições (Ibidem, 2002). Para Souza & Oliveira, a capoeira deve ser reconhecida como uma alternativa rica para o desenvolvimento das estruturas da criança, em relação ao seu aspecto motor: 202 “esse desenvolvimento ocorrerá na medida em que a modalidade for oferecida aos alunos como conteúdo da Educação Física escolar, professores da modalidade, fundamentados crescimento, área com ministrada conhecimentos nos desenvolvimento e processos por da de aprendizagem motora.” (SOUZA & OLIVEIRA, 2001, p. 46). Souza & Oliveira pensam que o professor não precisa ser um mestre de capoeira, mas um observador, estudioso e que minimamente consiga, de forma tecnicamente correta, as possibilidades de movimento da capoeira e, com isso, explorar toda a sua riqueza motora (Ibidem, 2001). Os autores ainda comentam sobre a questão de gênero, onde não é preciso a separação de meninos e meninas, possibilitando a integração entre os gêneros, para que possam observar-se e descobrirem-se, podendo assim, serem mais tolerantes, compreendendo as diferenças e não reproduzindo relações autoritárias, machistas e estereotipadas (Ibidem, 2001). Velloso cita Barbieri quanto a sua visão sobre a capoeira como educação: “Para Barbieri, a capoeira como educação permite ao desenvolvimento da relação entre a unidade e a totalidade, “relação entre a unidade do Homem e a totalidade é um caminho para se observar a capoeira diacronicamente e nele se dá o encontro entre vários elementos tais como o exercício físico, a música, a poesia, o canto, o ritmo e a criatividade, a determinação à coragem, a liderança, o diálogo, a comunicação e outros elementos não menos importantes, contribuindo para o desenvolvimento do auto-conhecimento e (VELLOSO, 1998, p. 29). da auto-estima” (1993).” 203 Como demonstramos o potencial e as qualidades da capoeira, somadas ao seu vasto repertório e brasilidade, a tornam um excelente meio de promover uma educação, de acordo com a nossa identidade cultural. Não bastando unir o universo popular ao escolar, a capoeira, atualmente, se dispõe como alternativa de resistência artística e cultural ao domínio e devastação da globalização. Conforme demonstrado por vários autores, a capacidade de desenvolvimento psicomotor que a capoeira oferece é de grande valia para o meio educacional. Portanto a capoeira e a educação devem estar de mãos dadas nesta caminhada por resultados positivos para o Brasil, no Século XXI. Seja na educação formal, em escolas, universidades, etc; ou informal, em centros culturais, esportivos e comunitários, a capoeira pode ser uma de nossas artes e culturas, que mais tem a oferecer para estes fins. 2.4 - Capoeira: esporte / desporto Poderíamos pensar e afirmar que a capoeira, em sua essência, está mais para uma “pelada” de futebol, do que para um jogo de campeonato no maracanã. Queremos dizer com esta afirmativa que uma “pelada”, onde o futebol é jogado por prazer, como esporte de forma lúdica e quando as regras são mais flexíveis, o jogo pode sofrer adaptações e variações, e é condicionado ao grupo de sujeitos da atividade coletiva; está mais próximo a uma roda de capoeira feita na rua, numa praça ou local semelhante. Ao contrário, como em um jogo de futebol entre grandes clubes, onde vários outros fatores entram neste contexto, como a cartolagem, tabelas de campeonatos e principalmente altas quantias de dinheiro, também estaria um campeonato de capoeira semelhante a estes padrões. Já vimos que a forma desportiva, de campeonatos da capoeira, trouxe perdas culturais e de identidade desta arte-luta. Ainda é prematura a forma de campeonatos de capoeira, disputas formalizadas, onde a capoeira não perderia suas características principais e fundamentais, apesar da evolução destas que, estão longe do ideal. 204 Mesmo assim, há grupos que defendem a capoeira desportiva e formal, fomentando até a inclusão dela nas olimpíadas. Achamos precipitada a ambição olímpica para esta modalidade, tanto na forma que atualmente é feita e da velocidade de sua evolução e desenvolvimento, quanto à parcela pequena e pouco representativa da capoeira em geral, envolvida na discussão e aprimoramento deste assunto, assim como a própria desenvoltura desportiva no cenário nacional. Achamos que primeiramente, a capoeira desportiva deveria ser muito mais desenvolvida no Brasil, seu local de origem, para posteriormente ganhar o cenário internacional. A informalidade da prática de esportes encontra na capoeira sua máxima, contrapondo aos valores formais e desportivos, em voga atualmente. Talvez a informalidade de praticar esporte esteja mais apropriada para a realidade não só da capoeira, mas até, da sociedade brasileira atual, atuando na vertente da qualidade de vida e bem estar. Podemos até pensar que a vertente desportiva e formal da capoeira tem muito a aprender com o modo informal desta e extrapolando este limite, até outras modalidades também o têm, pois na capoeira informal o importante é participar, ao contrário de competir. Através dos anos do século XX, principalmente na segunda metade deste, como vimos, a capoeira sofreu e vem sofrendo um processo de institucionalização e esportivização constante. Ela foi enquadrada especificamente como esporte e sua organização gira toda em torno deste meio. Há grupos que enfatizam o seu lado cultural e informal, não só no aspecto prático, mas também no organizacional, contrapondo ao desportivo e formal. Contudo a grande maioria na capoeira adota padrões desportivos em sua forma de organização. Esta afirmativa é notória quando observamos a própria graduação e hierarquia utilizada na capoeira em sua grande maioria, que claramente foi apropriada da forma desportiva das artes marciais orientais. Lussac fez algumas considerações sobre o sistema de graduação mais difundido na capoeira: 205 “Vários grupos adotam um sistema de graduação (com “faixas”, cordas ou cordéis), mas como o que faz um capoeira é a sua vivência e maturidade, e não só o treino e a técnica, isso não pode ser avaliado apenas com uma graduação. O Mestre sabe o valor, a capacidade e o estágio de cada discípulo. Além disso, esse sistema incita à competição, filosofia que não tem afinidade com os ideais de igualdade da Capoeira. A hierarquia é natural, assim como a vida; o certo seria separa por fases de aprendizado em que o aluno tomaria conhecimento do seu biótipo e possibilidades, sendo um aprendizado gradativo, mas não “taxativo”.” (LUSSAC, 1996, p. 37). A forma de avaliação dos alunos quanto à graduação na hierarquia ainda é restrita a cada grupo e de maneira centralizada no mestre deste aluno, porém, de maneira geral, subjetiva. Achamos que tanto esse sistema mais difundido, quanto ao utilizado na Capoeira Angola, deveria ser mais bem estudado e desenvolvido, para que os conteúdos fossem melhor ministrados e este processo fosse mais democrático e levasse em conta a polivalência e a característica multifacetada da capoeira, respeitando também a individualidade dos alunos, assim como seus anseios. O processo de ensino-aprendizagem e transmissão dos conhecimentos da capoeira não pode ficar “atolado” no tempo, acreditamos que estes podem se apropriar de processos pedagógicos mais desenvolvidos e evoluídos para a própria capoeira se desenvolver e evoluir. Aos docentes cabe a responsabilidade por buscar os caminhos para isso, só assim estaremos em sintonia com o verdadeiro propósito humano, a evolução, mas com consciência e domínio deste processo. Deixá-lo exposto a fatores externos e interiorizá-lo, isolando-o do contexto macro social, seria alijá-lo de suas reais possibilidades de desenvolvimento dos seus potenciais. 206 Neste sentido faz-se necessária uma ampla discussão sobre a prática da capoeira, no sentido geral, desportivo, esportivo, etc. Outro fator que deve ser levado em conta na forma desportiva da capoeira é o pouco desenvolvimento científico na área do treinamento. A grande variedade de executar seus gestos, golpes e movimentos e a assimetria destes, são bem diferentes de movimentos bem estudados em outras modalidades, como a corrida e a ginástica olímpica, onde seus componentes já foram amplamente estudados e aprimorados dentro de seus padrões retilíneos e limitados quanto à criatividade. Lussac conta que certa vez, ao final de seu curso de graduação em educação física, propôs ao professor Valmir Bastos da UNESA, doutorando em treinamento desportivo e que faleceu poucos anos depois, escrever um livro em conjunto sobre treinamento desportivo na capoeira. O professor Valmir aceitou e respondeu a Lussac que, este primeiramente teria que catalogar e analisar todos os movimentos da capoeira. Lussac disse a Valmir que só isso, seria uma tarefa muito ampla e complicada e que por si só geraria um livro e despenderia muito tempo e pesquisa. Devido ao falecimento do professor Valmir este projeto não foi adiante. Cremos que o modo formal e desportivo da capoeira ainda têm um longo caminho de desenvolvimento e o informal, como fenômeno, deveria ser melhor analisado e compreendido para de forma livre, continuar perpetuando a arte e a cultura da capoeira. 2.5 - Capoeira como terapia e reeducação “Quanto valor da cultura, a capoeira com todos os seus caracteres representa um fator de comunhão histórico-cultural, transmitindo idéias, sentimentos e costumes de uma geração a outra. Seus episódios históricos podem despertar a análise crítica e sua 207 prática também tem valor terapêutico, diminui a tensão nervosa, influindo na formação de crianças problema para o caminho de crianças mais relaxadas, tranqüilas e normais, fazendo com que sejam aceitas no âmbito escolar sem tantas dificuldades” (SANTOS, 1990, p. 51 e 52). A terapia e a reeducação são áreas geralmente mais exploradas por Psicomotricistas e ainda pouco por Profissionais de Educação Física e de Capoeira. Contudo, a capoeira para este fim pode ser de grande valor e utilidade, se empregada corretamente e de maneira apropriada para tais finalidades. Vastos são os recursos e qualidades desta arte que podem ser utilizados para este fim. Para ser um profissional desta área, além de estar capacitado e preparado, este deverá nutrir um afeto especial por este tipo de trabalho, que requer muita sensibilidade, amor, carinho, respeito e outras tantas atribuições, como as próprias férias, em determinados casos, devido ao nível de envolvimento entre o profissional e o paciente, aluno ou “cliente”. Segundo Silveira Costa, a capoeira tem alto valor terapêutico: “Como potencial, além da prática normal, existe um grande acervo de possibilidades de aplicar esses recursos da Capoeira, tais como para ajudar na terapia de excepcionais, ou pessoas com dificuldades físicas – deficientes ou pessoas traumatizadas.” (SILVEIRA COSTA, 1993, p. 80). Silveira Costa pensa que, por todas as suas qualidades, a Capoeira pode ser dirigida, como uma importante alternativa, para o combate ao estresse da vida atual (Ibidem, 1993). 208 De acordo com Ribeiro, através da capoeira despertamos o espírito de solidariedade, compreensão, amizade e socialização (RIBEIRO, 1992). Para este autor: “Capoeira-terapia é para o deficiente uma fase onde a maior técnica á a perfeição de todos os movimentos realizados, e o desafio é a superação e, sobretudo, a realização da atividade. A adaptação é o desenvolvimento e a perfeição de aprendizagem, e, ambos são fatores relacionados com o adequamento físico através das tarefas distribuídas, evidenciando o domínio e o despenho de cada um. Como no deficiente há um déficit de uma, ou algumas habilidades, é útil a Adaptação e socialização desta clientela.” (Ibidem, 1992, p. 19). Segundo Ribeiro, para que o deficiente participe das atividades gerais e, mais especificamente, das atividades esportivas é necessário que apresente o mínimo de condição, que lhe possibilite tal participação. Para Ribeiro, a “Estimulação Essencial” é o desenvolvimento de todos os estímulos para suprir as necessidades através dos sentidos bem apurados. Esta estimulação deverá acontecer no momento certo e adequado, respeitando a(s) etapa(s) de desenvolvimento do sujeito. A importância da capoeira na Estimulação Essencial está na integração do sujeito e o seu meio e na relação motora, a partir do desenvolvimento dos aspectos funcionais básicos. Para Ribeiro, conhecimento é domínio do corpo. O estímulo de todas as partes do corpo seria um exemplo para o praticante entender que a própria natureza possibilitou ao ser humano condições, qualidades e recursos. Tudo tem sua utilidade, e pode ser utilizado, desde que haja pleno estado de consciência, pois o potencial humano deve ser testado a cada momento em diferentes situações (Ibidem, 1992). 209 Ainda na obra de Ribeiro, Capoeira Terapia (1992), há o depoimento do Dr. Érico Guanais M. Neto, Psiquiatra Infantil, onde registra que, durante o período em que a capoeira era praticada com crianças deficientes mentais, crianças portadoras de problemas neurológicos, distúrbios de locomoção e epiléticas com comportamento psíquico, no Pavilhão “Artur Ramos”, do Hospital-Colônia Lopes Rodrigues, foi notado que o índice de melhoria das crianças crescia bem mais, do que antes do início do trabalho terapêutico. Neste período, foi constatada a diminuição da agressividade e das agitações psicomotoras presentes, pois antes, estes comportamentos eram freqüentes, nessas crianças, por falta de uma atividade específica. Notamos ainda um melhor desenvolvimento físico, um amadurecimento psíquico mais rápido e, também, que elas adaptavam-se mais facilmente à sociedade. Dr. Érico reafirma a importância da capoeira como terapia alternativa para esta clientela, e, reitera que a partir deste trabalho houve diminuição da quantidade de medicação utilizada por cada um naquele período (neurolépticos e tranqüilizantes), assim como a diminuição do período de permanência dessas crianças nestes serviços, uma vez que obtinham alta antes do tempo previsto, sendo rapidamente integradas no convívio social, participando de atividades com crianças consideradas normais. (Ibidem, 1992). Nesta mesma obra, também há o depoimento de Mary Diva Silva Portugal, Fisioterapeuta-Clínica “Neofisio” e Diretora Geral da APAE de Feira de Santana. Neste, Mary diz que o esporte exerce um papel fundamental no desenvolvimento somático e funcional de todo o indivíduo, e que para o portador de deficiência, respeitando-se as suas limitações e capacidades, o esporte tem importância inquestionável. A capoeira vem tendo destaque muito grande, não só como esporte, mas, no caso dos portadores de deficiência, ela atua, verdadeiramente, como terapia. Considerando sempre a etapa mental, cronológica e motora do indivíduo, propicia um desenvolvimento orgânico mais satisfatório, melhora o tônus muscular, permite maior agilidade, flexibilidade e ampliação dos movimentos. Auxilia o ajuste postural, bem como o esquema corporal, a coordenação dinâmica e, 210 ainda, desenvolve agilidade e força. Mary pensa que outro ponto fundamental, é que a capoeira não promove riscos, tais como fadiga muscular e alterações articulares ósseas, que podem ocorrer em outras práticas. As contrações musculares, provocadas por seus movimentos, são precisas em relação à força, velocidade e ritmicidade. Mary ressalta que, a capoeira proporciona a liberdade de sentimentos como agressividade e medo, levando o portador de deficiência a adquirir uma condição física mais satisfatória e um comportamento mais socializado (Ibidem, 1992). Ribeiro ainda nos diz que o deficiente é capaz de responder a qualquer estímulo que lhe seja endereçado, desde que haja paciência, carinho e muito amor para realizar qualquer atividade proposta, e que, a preocupação maior será com os objetivos a serem alcançados e com o que o aluno pode espontaneidade conseguir. e O autor descontração complementa são fatores dizendo que que a possibilitam o relacionamento adequado para as atividades propostas, sendo o diálogo a forma de acesso à personalidade de cada um (Ibidem, 1992). A capoeira como terapia e reeducação, hoje em dia, deve ser encarada como uma ótima alternativa para a recuperação, tratamento e desenvolvimento, nestes sentidos; pois como já visto anteriormente, a capoeira tem um universo amplo e rico, que pode ser aproveitado. Basta o profissional envolvido, realmente conhecer a capoeira, para poder perceber e retirar desta, toda a gama de potencialidade a ser usada para este fim, além de estar atento para as peculiaridades deste tipo de trabalho. 2.6 - Capoeira: lúdico, prazer e musicalidade – O Jogo da Capoeira, quando a cultura acontece em sua plenitude Segundo o Glossário da SBP, a Sociedade Brasileira de Psicomotricidade: “Lúdico: Referente ao que tem o caráter de jogos, divertimentos e brinquedos.” (SBP, 2003). Brincar é oriundo do Latim Vinculum, e significa vínculo, laço, união. 211 Baseados nestas concepções, o Jogo da Capoeira apresenta o caráter lúdico, de brinquedo, onde a espontaneidade e o divertimento estão presentes neste jogo musicado. A disputa que por vezes pode insurgir a violência, também tem o seu aspecto positivo, quando dentro dos limites do prazer do jogo. A violência física que anos atrás era uma constante em rodas de capoeira, atualmente é na maioria das vezes reprimida e rejeitada, voltando assim, como descrito no capítulo I, a vadiação da capoeira, a capoeira como brinquedo. Por estarem somados ao jogo os aspectos de canto e música, cresce ainda mais as potencialidades de ludicidade deste. A música como linguagem e comunicação sempre esteve presente, ligada a vida e evolução dos seres humanos. Para Adriana Simões de Araújo: “A música e o movimento se desenvolvem paralelamente, pois a cada movimento a música terá uma vibração diferente.” (ARAÚJO, 1998, p. 11). Neste sentido podemos pensar que em uma roda de capoeira, há uma ampla e complexa interligação entre música e movimentos, e mais, entre: canto, coro, bateria ou charanga (pessoas dos instrumentos), jogadores e meio ambiente, além do próprio contexto do momento e outros fatores que possam intervir ou influenciar a roda. Araújo abordando a música e o movimento cita Camargo: “Em Camargo ( 1994 ), encontramos o que a música integrada ao movimento pode proporcionar: - contribuir para a educação dos sistemas psicomotor e neuromuscular, desenvolvendo ainda o sentido e a direção; - indica, automaticamente, o ritmo, desobrigando o professor e aluno dessa tarefa, que não raras vezes dificulta a liberdade de movimento; -afasta o clima de monotonia que se instala pelo marcar exclusivo do ARAÚJO, 1998, p. 11). ritmo.” (CAMARGO apud 212 “não basta que a atividade muscular reproduza as linhas melódicas ou formas musicais, é necessário que a música seja a medida certa para o movimento, adequando-se aos seus princípios básicos e aos objetivos que se almeja atingir. Da qualidade da música depende a qualidade do movimento” (CAMARGO apud ARAÚJO, 1998, p. 11). Concordamos com Camargo quando diz que da qualidade da música depende a qualidade do movimento, é fato que em uma roda de capoeira bem formada e com um ritmo impecável e contagiante, é aonde se encontram os melhores jogos de capoeira. A música na capoeira, principalmente na roda, é o principal fator lúdico, característico da capoeira e justamente, o que a faz diferir de outras modalidades. Segundo Campos: “vários são os fatores que influenciam na aprendizagem do ritmo e movimento com relação ao resultado final, uma vez que o ritmo > facilita: - movimentos belos e harmoniosos; - melhor incorporação técnica; - economia de movimentos; - liberdade de movimentos; - expressão natural e autêntica; - reconhecimento e consciência da mecânica do movimento; - percepção sincrética da forma; - consciência dos níveis e qualidade do movimento; - coordenação psicomotriz; > reforça: - a memória motriz; > estimula: 213 - o trabalho físico e mental econômico, diminuindo a fadiga e, conseqüentemente, melhorando o rendimento resultado. A Capoeira é uma atividade física riquíssima em movimento e ritmo.” (CAMPOS, 1998, p. 123 e 124). O Jogo da Capoeira acontece em sua plenitude quando este é realizado de maneira informal e seus agentes estão livres para exercer a liberdade de expressão e criatividade, próprias da cultura e arte popular, longe de regras de mercado, formalizações desportivas, policiamento e cerceamento das atitudes comuns à prática da capoeira. Portanto, a capoeira acontece em sua máxima, nas ruas, praças, praias e tantos outros lugares, onde a capoeira e os capoeiras podem realmente exercer seus conhecimentos e práticas em sua real plenitude e com prazer, sem serem amputados em qualquer instância ou modo. 2.7 - A Capoeira é para todas as faixas etárias “a capoeira é um jogo, e entende-se por jogo psicomotor um tipo de atividade que alia o princípio do movimento, inerente ao ser humano, à características lúdicas. O jogo, normalmente, é para recrear e não para testar capacidades, e o jogo de capoeira como todos os jogos, também tem suas regras, que devem variar de acordo com a faixa etária de quem o pratica. O jogo também deve respeitar o princípio da individualidade Biológica” (BECHARA, 1985a). “Conhecer as características básicas das diversas faixas etárias se torna importante, para que tenhamos um ponto de partida para a práxis da motricidade na capoeira”. (Ibidem, 1986, p. 25). 214 De acordo com Bechara, como dito acima, conhecer as características de cada faixa etária é importante para o trabalho de capoeira e também para sua prática e jogo, pois como disse o autor, o jogo deve estar de acordo e respeitar a faixa etária do praticante e o princípio da individualidade biológica. Apesar disso, o jogo da capoeira é bem flexível quanto a este aspecto, pois observamos rodas de capoeiras compostas por pessoas de diferentes faixas etárias. Portanto podemos afirmar que a capoeira pode ser proporcionada a todas as faixas etárias, respeitando suas características e peculiaridades. 2.7.1 - Crianças e Pré-adolescentes Como observamos anteriormente, a capoeira como educação tem um valor e potencial inestimável, também vimos que nesse contexto, mais especificamente, está incluída a criança, onde o universo educacional é o meio para seu desenvolvimento integral, desse modo, a capoeira tem reais chances de fazer parte deste universo, pois o jogo da capoeira, traz amplas possibilidades de desenvolvimento para a criança, inclusive o psicomotor. Para Santos: “O jogo é uma das principais características da capoeira, e o seu papel na vida da criança serve como um estimulante do desenvolvimento e crescimento das potencialidades da mesma,” (SANTOS, 1990, p. 45), e ainda, “pode-se concluir que a capoeira como jogo recreativo é uma atividade que contribui no desenvolvimento psicomotor de crianças em idade escolar” (Ibidem, 1990, p. 67). “Não podemos esquecer que além dos problemas individuais de cada criança os aspectos psicomotores estão correlacionados com outros fatores como os afetivos, sócio-culturais, econômicos, pedagógicos e institucionais” (Ibidem, 1990, p. 68). Quando Santos diz que estes fatores devem ser levados em conta, ele leva em conta a inter-relação entre todos estes para um real e completo desenvolvimento psicomotor, visto estarem todos estes interligados. Segundo Santos, a educação psicomotora, baseada no 215 movimento, cuja capoeira é rica e variada, para a aprendizagem, é primordial para o desenvolvimento da criança: “Várias ciências têm demonstrado através de estudos científicos, aprovados também pelos críticos da educação, que a educação psicomotora serve de base para o desenvolvimento integral da criança, por este basear-se no movimento como suporte para a aprendizagem”. (Ibidem, 1990, p. 37). De acordo com Freitas & Freitas, a capoeira oferece muitas experiências motoras, primordiais para o desenvolvimento da criança: “se poderá facilmente concluir que quanto mais experiências motoras tiver uma criança, melhor e mais sólido será o seu desenvolvimento. Sendo assim, uma manifestação que tal como a capoeira ofereça uma enorme variedade de experiências motoras (e no caso aliada a vivências rítmicas, criativas e expressivas) será auxiliar inequívoco de uma programação educativa desenvolvimentista.” (FREITAS & FREITAS, 2002, p. 11). Bechara propôs estágios de aprendizado para a capoeira de acordo com cada faixa etária, esta preocupação do autor, deveria ser levada em conta por todos os profissionais da capoeira, que ministram aulas para crianças, devido às particularidades das mesmas, e também, para um pleno aprendizado e desenvolvimento da criança: “Estágio I – crianças de 6 e 7 anos: O ensino de capoeira nesse estágio deve acontecer de uma forma bem recreativa, buscando-se a satisfação e não a técnica e perfeição dos movimentos. Deve-se também 216 evitar o aspecto competitivo, pois pode gerar um grau de ansiedade muito grande e também possíveis frustrações. Estágio II – crianças de 8 e 9 anos: Nesse estágio a criança já tem relativamente uma boa discriminação cinestésica que deve ser reforçada e desenvolve suas capacidades de coordenação. O ensino da capoeira neste estágio, também deve visar a satisfação, porém já pode-se explorar um pouco da técnica dos movimentos, pois nesta fase a criança compreende melhor sua capacidade de rendimento. Estágio III – crianças de 10 e 11 anos: Nesse estágio a criança encontra-se aperfeiçoando suas habilidades. Já se consegue trabalhar anível de destreza motora. Estágio IV – crianças de 11 a 14 anos: Nesse estágio a criança, normalmente, já domina bem suas habilidades e pode-se trabalhar no sentido amplo da aquisição das destrezas motoras. Muitos autores consideram como a fase de melhor capacidade de aprendizagem motora na infância; porém existem crianças que nessa fase tornam-se extremamente preguiçosas e cansadas, por seu grande impulso de crescimento e início de puberdade. Estágio V – crianças de 14 anos em diante: Nesse estágio inicia-se a 2a fase da puberdade e o educando está apto para o aperfeiçoamento de suas destrezas motoras (neste estágio incluem-se também os adultos, pois a metodologia de Ensino, pouco difere dos demais jovens). Esta divisão também facilita a seleção de atividades psicomotoras de acordo com as necessidades das respectivas faixas etárias” (BECHARA, 1986, p. 24 e 25). 217 Não queremos dizer que estes estágios sejam levados como referências, mas sim, ressaltamos a importância da existência e utilização deles como parâmetros pedagógicos de aprendizado e treinamento. Bechara faz ainda importantes ponderações sobre características semelhantes de certas faixas etárias e a interposição destas, que podem aparecer, devido às individualidades dos alunos e seus diferentes processos maturacionais: “é possível que certas características que estão relacionadas, por exemplo, no estágio IV, apareçam no estágio II, e assim sucessivamente. A idade Biológica nem sempre corresponde a idade cronológica, em conseqüência surgem crianças de mesma idade cronológica com vários níveis maturacionais bem diferentes; O aparecimento dessas características tem como variáveis o relacionamento social do mundo que cerca o educando e como as suas percepções se interrelacionam com este processo” (Ibidem, 1986, p. 25). A capoeira ministrada para crianças deve realmente levar em conta as características desta faixa etária, visto todas as afirmações feitas anteriormente e por ser esta fase da vida, primordial para o desenvolvimento do ser humano. Também reafirmamos o enorme potencial da capoeira para o desenvolvimento integral da criança. 2.7.2 - Adolescentes, Jovens e Adultos No geral, os adolescentes aprendem capoeira junto a adultos, por ser o aprendizado da capoeira pautado no desenvolvimento da coordenação motora específica dos gestos da capoeira, uma das principais qualidades físicas a serem desenvolvidas nesta faixa etária. O adolescente está em constante reestruturação afetiva, emocional e corporal, portanto cuidados 218 especiais devem ser levados em conta ao desenvolver atividades com adolescentes na capoeira, como a prescrição de certos exercícios físicos. Adolescentes não são adultos, com já dizia Mestre Caiçara da capoeira: “Roupa de homem não dá em menino”. Os exercícios propostos para esta faixa etária devem estar de acordo com suas condições, potencialidades e limites. Também devem ser levados em conta os aspectos de socialização, aspectos importantes nesta faixa etária, visto ser a capoeira, no geral, praticada em grupos. A prática da capoeira não só beneficia a inclusão social, mas também os afasta dos descaminhos da vida, como o uso de drogas e desrespeito aos familiares. Várias pessoas aprendem a capoeira quando criança ou na juventude e a continuam praticando durante a vida inteira. Nos dias atuais, é difícil manter a continuidade da prática de atividades físicas, devido a vários fatores da sociedade moderna. Contudo, é extremamente necessária para a saúde e qualidade de vida a continuação desta prática, principalmente a da capoeira, por envolver tantos outros aspectos, além da atividade física. Mesmo as pessoas que nunca praticaram capoeira ou qualquer outra atividade física e ou cultural, encontram nela quando já adultos, a prática que traz imensos benefícios para a vida de maneira geral. A capoeira é uma verdadeira arma de contra-ataque às mazelas da sociedade moderna e um caminho saudável para chegar à terceira idade em condições de viver a vida com qualidade. 2.7.3 - Terceira Idade Podemos afirmar que futuramente haverá muitos praticantes e admiradores desta arte já na terceira idade, e ao mesmo tempo mais profissionais trabalhando neste setor; mas será que estes estarão preparados para isso? Será que as instituições do ramo o estarão? Haverá políticas públicas e sociais adequadas? Afinal, as aposentadorias de 219 diversos idosos sustentam muitas famílias no Brasil. Eles merecem a devida atenção. Segundo Acosta: “Um agravante soma-se esses dados. Em 1980, 48% da população idosa do planeta estavam nos chamados países em desenvolvimento, América Central e do Sul, África e Ásia, atingindo algo em torno de 300 milhões de pessoas. No ano 2000, este percentual aumentará para 60%, perfazendo um número de 600 milhões de idosos, dobrando, portanto, sua participação na população total. A previsão para 2025 é assustadora, pois 72% da população idosa estarão nos países em desenvolvimento, atingindo a cifra de 1bilhão e 120 milhões de pessoas. Digo assustadora porque conhecemos a realidade social brasileira, bem como a dos outros países que se encontram no mesmo estágio de desenvolvimento, totalmente despreparados para lidar com sua realidade e com a inexistência de políticas públicas.” (ACOSTA, 2000, p. 46). “As estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam para o fato de que o Brasil terá em 2005 a sexta população mais idosa do mundo, representando 14% do total da população brasileira. De acordo com o senso de 1991, os idosos somam atualmente 10 milhões e 700 mil brasileiros.” (Ibidem, 2000, p. 46). Segundo Acosta a definição da condição de terceira idade é a seguinte: “São consideradas pessoas na terceira idade aquele segmento da sociedade referenciado principalmente na 220 chamada Política Nacional do Idoso, definida pela lei federal n. 8842, de 4 de janeiro de 1994, que em seu artigo 2o reza: “Considera-se o idoso, para todos os efeitos desta lei, a pessoa maior de sessenta anos de idade”. Trabalhamos com esta classificação, embora a Onu considere idosas as pessoas a partir de 65 anos de vida.” (Ibidem, 2000, p. 45). Complementando, Acosta ainda faz algumas considerações e observações quanto a esta definição: “Além das característica pessoas que cronológica, se enquadram sabemos também nesta que algumas outras tantas pessoas, ainda que não tenham chegado lá, possuem dificuldades comuns à faixa etária mencionada, como problemas de saúde, isolamento, baixa auto-estima, limitações em sua autonomia de movimento, etc.” (Ibidem, 2000, p. 45). Verifica-se então, que num trabalho com a terceira idade, as três maneiras de intervenção psicomotora (MELLO, 2002): Reeducação Psicomotora, Terapia Psicomotora e Educação Psicomotora podem estar sendo empregadas em separado e/ou ao mesmo tempo, devido às peculiaridades desta fase da vida. No caso da terceira idade, além de mestres antigos que praticam a capoeira com toda a sua jovialidade e de praticantes que só a descobriram a pouco tempo, há também aqueles que têm o prazer e paixão em admirar uma boa roda de capoeira, podendo participar até junto ao coro da roda ou pesquisar esta fascinante e multifacetada arte. Cabe ressaltar que a atividade de capoeira direcionada ao idoso deve respeitar este público alvo, atendendo suas necessidades e anseios. 221 Há pouquíssimas pesquisas sobre a capoeira e a terceira idade. É necessário ampliar as pesquisas e temáticas vinculadas a esta faixa etária, para um maior conhecimento das potencialidades de utilização da capoeira direcionada ao desenvolvimento psicomotor de seus praticantes da terceira idade. O aspecto lúdico é um dos grandes responsáveis atualmente pela procura e prática da capoeira, este então deve ser o principal aspecto a ser trabalhado, sendo um canal para se conseguir os objetivos almejados em um trabalho com a terceira idade. Segundo Acosta: “Penso, no entanto, que, independentemente da idade, cada cidadão deve ter respeitado o seu espaço de participação social e contribuir a partir de suas possibilidades. No trabalho com os idosos somos levados a refletir sobre quais são essas novas maneiras de participação, e o envolvimento lúdico é, sem dúvida alguma, a maior de todas.” (ACOSTA, 2000, p. 45 e 46). “Para quem gosta de definições, no Dicionário Escolar da Língua Portuguesa, editado pelo Ministério da Educação, encontramos o seguinte: “Lúdico: relativo a brinquedos, jogos, sem mira de resultados materiais”. (Ibidem, 2000, p. 46). Continuando, Acosta faz uma reflexão sobre o lúdico: “Primeiramente gostaria de salientar que para mim o lúdico não é definível, não é possível dizer ou precisar o que seja o lúdico, apenas fazer aproximações sobre seu valor e funções. Creio que seja mais um daqueles casos de conceito que todo mundo entende e aceita, mas ninguém delimita, assim como educação cultura, etc. Portanto, o lúdico seria fundamentalmente experienciável, vivido, e depende de como cada indivíduo o experiência para ser isso ou aquilo. Este é 222 um objetivo possível do trabalho com a terceira idade: aumentar a autonomia dos idosos através do trabalho com o movimento humano, enfocado a partir da perspectiva lúdica.” (Ibidem, 2000, p. 47 e 48). Acosta, quando pensa que o lúdico deve ser experiênciado e vivido, nos faz pensar que o lúdico não está em assistir um programa de TV aos domingos, e sim, nas vivências concretas do homem. Uma destas vivências pode ser a capoeira. Finalizando, Acosta aborda a atitude como fator crucial para a concretização do lúdico: “a meu ver a descoberta de que não existem brinquedos ou atividades que “magicamente” carreguem consigo uma ludicidade embutida. Existem sim atitudes lúdicas, atitudes brincalhonas, fundamentalmente porque o lúdico se dá em cima de valores que são construídos por quem livremente adere às propostas.” (Ibidem, 2000, p. 45). O que nos leva a crer que se tratando de lazer uma das “moradas” do lúdico, tudo se resume em: Tempo e Atitude. Além destes, a descoberta e o resgate são atraentes e motivantes fatores ao idoso. Neste sentido, Acosta nos diz: “na terceira idade “se resgata” a ludicidade dessas pessoas ou então “se apresenta” o lúdico a elas. Nossos velhos perderam a capacidade de criar, de transformar as situações em momentos de prazer, de alegria, exatamente por sua construção vida afora sob o preceito da seriedade, do trabalho, da maximização de seu tempo; tudo enraizado num processo de endoculturação, legitimado por uma pressão de ordem 223 social muito grande e imensamente maior que o indivíduo.” (Ibidem, 2000, p. 53). A capoeira como jogo que reúne sua empolgante história de sobrevivência e sua música, cantos e instrumentos, é sem dúvida um excelente meio para o desenvolvimento psicomotor na terceira idade (ou a manutenção, no caso dos velhos mestres e antigos praticantes), utilizando sua característica lúdica, isso no decorrer das linhas anteriores é conclusivo, mas há ponderações que devem ser ressaltadas, se tratando da terceira idade. Ao trabalhar com o idoso, deve-se conhecer as características desta fase da vida e também a do próprio idoso com o qual se trabalha, para efetivar uma intervenção profissional com ética, responsabilidade, respeito e competência. Como dito anteriormente, quando citamos Bechara: “É de fundamental importância que a pedagogia da capoeira tenha como alicerces o diagnóstico de quem é o aluno, e em que nível de motricidade ele se encontra”. (BECHARA, 1986, p. 24), e ainda Bechara: “Conhecer as características básicas das diversas faixas etárias se torna importante, para que tenhamos um ponto de partida para a práxis da motricidade na capoeira”. (Ibidem, 1986, p. 25). Isto porque, nesta fase da vida há certas peculiaridades: a redução da força e tônus muscular; atrofia dos grandes grupos musculares; redução da flexibilidade; surgimento ou acentuação de problemas posturais; possibilidade do aparecimento de osteoporose; mudanças emocionais e no auto-conceito; dificuldades na comunicação e na aprendizagem de informações novas em certos casos; além de vários outros problemas e doenças próprias do envelhecimento, fase em que a fadiga do ser, acumulada durante toda a vida, começa a externar todas as suas mazelas, deficiências e vivências como sentimentos de perda, abandono, decepções e etc. Deve-se então respeitar suas manias, suas regras, normas e horários, 224 e estimular a sua autonomia e seus bons sentimentos como o amor, e por que não, o sexo na melhor idade? A atividade física beneficia a terceira idade em vários fatores: melhora o convívio social; provoca maior abertura para adquirir novos conhecimentos; melhora o estado de humor; melhora a aceitação diante da idéia de envelhecer, sabendo contornar melhor os problemas que resultam naturalmente da velhice; além de propiciar o bem estar. Podemos também citar alguns fatores importantes para o bem estar: atividade(s) física(s) adequada(s); boa saúde; bom nível sócio-econômico; alimentação apropriada; grau de interação social; estado conjugal, familiar e afetivo; moradia; disponibilidade de transportes, de bom atendimento e serviço de saúde, com profissionais, exames e remédios. Há a necessidade de cuidados especiais para este grupo especial que é a terceira idade, como: anamnese; avaliação física, médica, psicológica e outras se necessárias; além de um programa de atividades muito bem elaborado. Imagine trabalhar com um idoso com osteoporose sem os devidos cuidados médicos e de assistência no decorrer das atividades, deixar de levar este idoso para pegar o sol necessário à fixação do cálcio em seu organismo, tomar cuidados com quedas e exercícios de impacto. E no caso de um diabético, o que fazer num quadro hipoglicêmico? Quais os tipos e características das diabetes? Vê-se então a clara necessidade da interdisciplinaridade e preparação dos profissionais envolvidos, por exemplo: há medicamentos que podem mascarar a real freqüência cardíaca de uma pessoa e quando não há um trabalho conjunto com o médico responsável, algumas atividades físicas propostas, podem comprometer a integridade e saúde deste “cliente”, ou melhor, desta pessoa poderá estar sofrendo sérios riscos. O idoso, apesar de todas as dificuldades que enfrenta, deve procurar viver, viver melhor e bem. Utilizando a frase: “Se você não aprender hoje, 225 não terá o que ensinar amanhã”, podemos tirar proveito e converter a idéia assim: “Se você não ajudar o(s) idoso(s) hoje, não terá quem o ajude no futuro.” 2.8 – Os três domínios na capoeira Segundo a Taxionomia de Bloom, os três domínios são: psicomotor, cognitivo e afetivo. Para Gislene de Campos Oliveira, devem ser estimuladas todas as áreas: “Um educador, a partir de um bom conhecimento do desenvolvimento do aluno, poderá estimulá-lo de maneira que todas as áreas como psicomotricidade, cognição, afetividade e linguagem estejam interligadas.” (OLIVEIRA, 2001, p. 37). Oliveira reforça esta interligação com uma das correntes em voga na capoeira, que aborda uma desmecanização da capoeira, amplamente, tornando-a mais orgânica, biológica e humana, mais próxima de sua própria gênese cultural: “Os exercícios psicomotores, através do movimento e dos gestos, não devem ser realizados de forma mecânica, devem ser associados com as estruturas cognitivas e afetivas.” (Ibidem, 2001, p. 37). Segundo Lussac: “Através da capoeira, podem ser desenvolvidas várias valências psicomotoras, cognitivas e afetivas”. (LUSSAC, 1996, p. 37). Bechara também afirma isto, devido aos movimentos da capoeira trabalharem as qualidades físicas, a criatividade e o lado socializante da capoeira: “A capoeira devido aos seus movimentos de grande agilidade, flexibilidade, destreza, etc, devido ao respeito e camaradagem que é imposta durante o jogo e devido a necessidade de criatividade durante toda a 226 sua atividade, desenvolve de forma integrada os 3(três) domínios de aprendizagem do ser humano: Psicomotor, Afetivo e Cognitivo”. (BECHARA, 1985a). Segundo Souza & Oliveira: “As atividades propostas de capoeira devem estar voltadas para atuarem de maneira direta e indireta sobre os aspectos cognitivo, afetivo, social e motor dos alunos.” (SOUZA & OLIVEIRA, 2001, p. 44). Para Santos: “Nesta visão, o jogo da capoeira como forma recreativa e sistematizada dentro dos programas escolares, torna-se necessário à criança, pois o seu princípio ginástico desencadeia uma série de estímulos que vão ao encontro de suas necessidades de crescimento físico, mental, social, espiritual e educacional” (SANTOS, 1990, p. 48). E de acordo com Freitas & Freitas: “A capoeira pela sua movimentação e ritmicidade, não só harmoniza estruturalmente o corpo infantil como também, devido á sua extrema variabilidade praxiológica, estimula e propicia a aquisição de um autocontrole fantástico, que pela interação óbvia com os fatores mentais, vai propiciar aquilo que PIAGET (apud LE BOULCH, 1983) chama de “descentralização”, ou seja, a criança deixa de centrarse em si mesma para descentralizar sua praxiologia (ainda predominantemente egocêntrica) para o plano intelectual (pois variadíssimas as sinapses modulações formadas operadas pelas pela 227 movimentação rica da capoeira fizeram aumentar a capacidade de raciocínio adaptativo e reflexo mental, fundamentais à aprendizagem geral) e também para o plano social onde também sofreu influências positivas da capoeira por esta propiciar uma interação individual no seio de uma coletividade, onde a criança aprende seus limites e suas possibilidades em confrontação com isto em cada outro e do todo em si.” (FREITAS & FREITAS, 2002, p. 12). 2.8.1 - O Domínio Cognitivo “o Domínio Cognitivo inclui os objetivos vinculados à memória ou recognição e ao desenvolvimento das capacidades intelectuais” (FARIA JUNIOR apud GOMES da COSTA, 1996, p. 146). Segundo Gomes da Costa: “A tomada de consciência por parte do aluno/atleta e seu conseqüente envolvimento, cada vez maior, com o desenvolvimento informações e do novos treinamento, através conhecimentos das adquiridos, atuarão de forma bem positiva no aproveitamento e melhoria da performance (rendimento). A título de maior esclarecimento, aconselhamos um estudo mais detalhado, todavia, a Taxionomia de Bloom e seus colaboradores prevê seis categorias fundamentais: 1.0 - Conhecimento; 2.0 - Compreensão; 3.0 - Aplicação; 4.0 - Análise; 5.0 - Síntese; 6.0 - Avaliação.” (Ibidem, 1996, p. 146). 228 Este domínio está ligado à inteligência, ao desenvolvimento das capacidades intelectuais e mentais, como a memória e a criatividade, por exemplo. De acordo com Lussac, a capoeira desenvolve a potencialidade cognitiva em conjunto com a coordenação motora: “Da parte cognitiva, podemos ver a busca da harmonia do corpo com a mente, através do aprendizado dos instrumentos e de movimentos em que sua percepção se dá, às vezes, de última hora, atiçando a criatividade e a improvisação com o corpo, melhorando a coordenação motora. O aluno toma parte da evolução, funcionamento e limites de seu corpo, descobrindo-o e disciplinando-o.” (LUSSAC, 1996, p. 37). É de extrema importância o que foi citado por Lussac, pois o aluno só terá uma evolução e desenvolvimento concreto, se ele fizer parte deste processo, sendo vital, que ele conheça e descubra o seu corpo e suas potencialidades. Com relação a isto, Santos complementa esta idéia, quando se refere à mentalização do movimento: “A psicomotricidade evolui com a capoeira a partir do momento em que o indivíduo mentaliza o movimento para em seguida executá-lo, seja numa situação ativa ou passiva”. (SANTOS, 1990, p. 12), colocando assim a interligação entre o aspecto cognitivo e psicomotor. Prova disto é o desenvolvimento da criatividade nos movimentos. Bechara, assim como Lussac, afirma que a criatividade é uma das principais qualidades da capoeira. A criatividade é de suma importância para o desenvolvimento Cognitivo, assim como também para o aspecto Psicomotor: “A maior validade no aprendizado da capoeira, reside no fato do desenvolvimento da CRIATIVIDADE; onde o capoeirista cria, recria e recreia-se, com a seqüência que é propiciada durante o seu desenrolar”. (BECHARA, 1985a). Santos afirma que “A capoeira como folclore prepara a criança em muitos aspectos para a vida, tornando-a mais criativa” (SANTOS, 229 1990, p. 50). Souza & Oliveira também reforçam o potencial criativo da capoeira na criação de movimentos e músicas (SOUZA & OLIVEIRA, 2001). A capoeira tem o potencial necessário para desenvolver e estimular o conceito das Múltiplas Inteligências, em seus praticantes, devido a vastidão e amplas possibilidades de sua utilização e, suas características de polivalência e seu aspecto multifacetado, como já visto. O conceito de autopoiese no aspecto cognitivo deve ser trabalhado, estimulado e reforçado, pois com este, o ser humano encontra seu desenvolvimento sustentável individual. Autopoiese significa: auto-produção, auto-conhecimento, autonomia, auto-gerenciamento, significa produzir-se. O desenvolvimento do aspecto cognitivo voltado para este conceito biológico faz-se necessário para um real desenvolvimento do homem como um todo e sua perfeita interação e harmonia com o meio ambiente. “A capoeira como democracia, pode representar a escolha livre de situações, oferecendo às crianças oportunidade para satisfação, expressão criadora e desenvolvimento de suas próprias potencialidades.” (SANTOS, 1990, p. 45). A democracia é um fator essencial que deve estar presente no ambiente da capoeira. O ambiente também é primordial para o pleno desenvolvimento do aspecto cognitivo. Segundo Rappaport: “Ambientes empobrecidos, com pouca estimulação e poucas oportunidades manipulação, discriminar podem e para levar solucionar a exploração e a dificuldades para problemas, a a pouca capacidade intelectual e a uma tendência reduzida para relacionar eventos (RAPPAPORT, 1982, p. 94). e tirar conclusões.” 230 Neste sentido o ambiente que a capoeira pode proporcionar ao praticante é rico e variado, oferecendo uma ampla potencialidade de desenvolvimento ao praticante. Cabe ao docente saber aproveitar e oportunizar o ambiente ao praticante para este pleno desenvolvimento. A academia de capoeira, como ambiente, é um local propício ao desenvolvimento cognitivo, nela, através de murais, folhetos informativos e comunicativos internos, exibição de vídeos, palestras, entre outros, o aspecto cognitivo pode ser trabalhado com amplas possibilidades. A própria aula, como ambiente, é favorável a esta iniciativa, seja no início, durante ou ao final desta. No ambiente favorável os aspectos de socialização e, conseqüentemente, o afetivo também podem ser positivamente desenvolvidos. 2.8.2 - O Domínio Afetivo “A personalidade está ligada ao ajustamento total do indivíduo ao seu meio ambiente. O indivíduo bem ajustado se dá bem com os outros e tem um sentimento interno de bem-estar, contentamento e satisfação” (MATHEWS apud GOMES da COSTA, 1996, p. 148). Segundo Gomes da Costa, esse ajustamento ao meio ambiente, essa socialização, se dá quando o indivíduo assimila a “maneira de ser” do grupo, agindo de acordo com os padrões e regras existentes, tornando-se assim membro ativo deste, fazendo com que em contrapartida seja aceito por esse grupo (GOMES da COSTA, 1996). Sobre o domínio afetivo, Marcelo Gomes da Costa cita Faria Junior: “Este domínio mudanças interesse, do inclui comportamento atitudes, desenvolvimento objetivos de que descrevem relacionadas preferências apreciações e e valores com e o ajustamentos adequados. Estes objetivos enfatizam uma tonalidade do sentimento, um grau de aceitação ou de rejeição ou uma emoção, e variam desde uma atenção simples, 231 até as qualidades de caráter e de consciência complexas internamente consistentes” (FARIA JUNIOR apud GOMES da COSTA, 1996, p. 148). “Faria Junior apresenta a Taxionomia de Krathwohl e colaboradores para este domínio, assim subdividida: 1.0 - Acolhimento; 2.0 - Resposta; 3.0 - Valorização; 4.0 - Organização; 5.0 - Caracterização por um Valor ou Complexo de Valores” (GOMES da COSTA, 1996, p. 148). Domínio sentimentos, ligado atitudes, ao comportamento, prazer e relacionamento, satisfação. Afeto vem emoções, de afetar, positivamente ou negativamente. O lado social está intimamente ligado a este domínio, assim como o meio ambiente como um todo. Neste aspecto o desenvolvimento de valores é básico para o convívio social, ajustamento, aceitação e rejeição ligados aos atos e procedimentos da vida, que se interpõe nas relações, passando do micro, o sujeito e a família, para o macro, a escola, clube, trabalho e a sociedade. O aspecto afetivo é de grande importância para o desenvolvimento e bem estar do ser humano. “Segundo De Meur (1984, p. 32), excetuando-se os casos referentes a problemas motores ou intelectuais, todas as perturbações na definição do esquema corporal são de origem afetiva.” (OLIVEIRA, 2001, p. 61). A capoeira tem a característica, como atividade artística e cultural, de desinibir seus praticantes, deixando-os mais “soltos”, desenvolvendo a sua expressão, o que é importante para o desenvolvimento do aspecto afetivo. Para Oliveira um bom desenvolvimento da afetividade é essencial para um 232 tônus muscular adequado e relaxado, e também para melhorar a capacidade de experimentar as oportunidades para o desenvolvimento: “A boa evolução da afetividade é expressa através da postura, das atividades e do comportamento. Uma criança muito fechada em si mesma possui falta de espontaneidade e tem a tendência de “fechar” também seu corpo, isto é, tende a encolher-se e a trabalhar com um tônus muito tenso, muito esticado.” (ibidem, 2001, p. 37). “O aluno sentir-se-á bem na medida em que desenvolver integralmente através de suas próprias experiências, da manipulação adequada e constante dos materiais que o cercam e também das oportunidades de descobrir-se. E isto será mais fácil de se conseguir necessidades se afetivas, estiverem sem satisfeitas bloqueios e suas sem desequilíbrios tônico-emocionais.” (ibidem, 2001, p. 37). Marco Antonio Bechara nos diz que: “A capoeira favorece o equilíbrio físico e psico-afetivo daqueles que a praticam”. (BECHARA, 1985a). Já Lussac, afirma que a capoeira pode desenvolver e ajudar no campo afetivo de várias maneiras: “No campo afetivo, é importante a participação, a solidariedade e o respeito com as pessoas. Trabalhase o lado emocional e comunicativo (inter e intrapessoal); através do extravasamento no canto e no gasto de energia contida dentro de nós, que soltamos quando dançamos e batucamos, lembramos da nossa História e Cultura, louvamos Deuses e 233 lembramos de personalidades e amigos. Através da música a alma se aflora no corpo, tornando-nos mais sensíveis e clareando nossa mente, dispersando os males, como o stress, a infidelidade, etc...; deixandonos mais “leves”, felizes e calmos após cada aula.” (LUSSAC, 1996, p. 37). Um relevante aspecto é ressaltado por Souza & Oliveira, quando estes ao abordarem a roda de capoeira, destacam a importância da cooperação e participação social de todos, necessária para o pleno desenvolvimento desta. A roda de capoeira traz consigo vários aspectos para o desenvolvimento afetivo e social: “A cooperação e participação social são despertadas na medida em que os alunos forem tomando ciência de que, na roda, todos são importantes. Para uma roda de capoeira ter um desenvolvimento satisfatório, todos precisam participar; apenas dois jogam de cada vez, mas são necessários os tocadores, os cantadores e os que batem palma e respondem ao coro. Este conjunto sincronizado e atuante é que faz a roda ter um bom desenvolvimento.” (SOUZA & OLIVEIRA, 2001, p. 45). Segundo Santos, a capoeira traz consigo justificativas de ordem social, porque trabalha em grupo, assim como destacado por Souza & Oliveira, onde todos estão envolvidos e precisam da cooperação mútua. De acordo com Santos: “A capoeira também traz consigo justificativas de ordem social, porque trabalha em grupo e é um jogo; por isso envolve os aspectos afetivos emocionais”. (SANTOS, 1990, p. 68) e “A capoeira como recreação deve existir nas escolas... os exercícios de qualquer atividade de caráter recreativo, são de grande utilidade para o convívio grupal das crianças.” (Ibidem, 1990, p. 45). 234 Para Santos, a capoeira como uma atividade recreativa no currículo do ensino primário tem como objetivo principal o prazer dos educandos, podendo servir como um meio de eliminar os conflitos internos e externos nas crianças (Ibidem, 1990), e ainda: “Contribui para a saúde, quando promove bem-estar físico e mental de forma significativa; influi no desenvolvimento do caráter quando favorece oportunidades para a correção de maus hábitos, desenvolvendo aptidões individuais e conseqüentemente influenciando no aparecimento de atitudes sociais das crianças.” (Ibidem, 1990, p. 45). “A criança, mantendo um relacionamento com o mundo dos outros através do jogo da capoeira, dará expansão aos instintos morais e sociais, passando do princípio do prazer ao da realidade, proporcionando um relaxamento quanto a tensões e conflitos, partindo daí, muitas vezes, o desfecho das pressões colocadas pelo cotidiano.” (Ibidem, 1990, p. 47). Continuando, Santos pensa que o jogo da capoeira, com seus fundamentos, “é regido por um conjunto de princípios pré-estabelecidos, que formam suas regras, ditando as normas do jogo propriamente dito. Isto significa para a criança auto-disciplina, respeito pelo colega” (Ibidem, 1990, p. 47), “Portanto o jogo da capoeira é um fato social que tem suas múltiplas funções na educação da criança, destacando-se como um desses aspectos todos os elementos essenciais de interação” (Ibidem, 1990, p. 48), e Santos complementa: “O jogo da capoeira significa confronto e colaboração, antagonismo e cooperação mútua.” (Ibidem, 1990, p. 48), e “Durante este processo é oportunizado à criança a afetividade, porque ela está em constante diálogo com o professor e seus colegas.” (Ibidem, 1990, p. 48). 235 Finalizando: “A atividade lúdica, através da capoeira, pode ser fator decisivo para a saúde da criança” (Ibidem, 1990, p. 48), e “em virtude do prazer que integra a criança no seu todo à socialização com os elementos que representam a capoeira na sua totalidade.” (Ibidem, 1990, p. 48). “O jogo tem seu valor de sociabilização quando este se desenvolve em grupo com um caráter lúdico (Le Boulch, 1983a). O jogo da capoeira é uma atividade grupal em que a sociabilização acontece espontaneamente entre as crianças.” (Ibidem, 1990, p. 48). Para simplesmente Rappaport pela “muitas observação respostas e sociais reprodução de são aprendidas comportamentos observados em outras pessoas” (RAPPAPORT, 1982, p. 92). “A imitação irá depender do relacionamento modelo-observador e do reforço que se segue à emissão do comportamento observado.” (Ibidem, 1982, p. 92). Portanto, o comportamento do docente na capoeira e também dos alunos mais antigos é um ponto de referência para os alunos mais novos que devem ter consciência de seus comportamentos e atitudes. Não é a toa que “bons exemplos” são sempre mencionados como parâmetro de comportamentos e atitudes, principalmente para crianças e jovens em formação. Segundo Rappaport: “A identificação para os teóricos da aprendizagem social (Bronfenbrenner, 1960; Bandura e Huston, 1961) é um conceito muito próximo ao de imitação. Trata-se mais de um processo de reprodução de atitudes dos pais, ou de outros modelos, que não foram intencionalmente ensinados às crianças, através de recompensas ou punições diretas.” (Ibidem, 1982, p. 92). 236 Segundo Rappaport o processo de socialização é contínuo e integrado. Os aspectos da personalidade que se desenvolveram no contato com os pais na infância inicial servirão de substrato para uma interação social adequada no grupo de companheiros, durante a idade escolar, e terão uma influência duradoura em toda a interação social posterior (Ibidem, 1982). Para Rappaport os grupos informais de crianças geralmente são formados na vizinhança, nas escolas, nos clubes, etc., e o sentimento de pertinência, de identificação com os objetivos e normas do grupo são bastante significativos para o bem estar psicológico. Algumas crianças preferem fazer papéis desagradáveis, como “palhaço” ou “bobo” da turma, mas é melhor sentir-se participando de alguma forma do grupo do que se manter em isolamento. Rappaport diz que esses grupos são bastante homogêneos quanto à idade, ao sexo, à religião, à classe social etc., repetindo, de certa forma, padrões transmitidos pela família. Ocorre que a criança muitas vezes discorde dos pais, em relação a um assunto qualquer, como regra de conduta ou valor moral, mas o defenda no grupo de companheiros. De acordo com a autora, a solidariedade, a possibilidade de realizar coisas em comum, de desenvolver atividades em grupos, são uma fonte de muita satisfação para a criança e a preparam para um convívio social saudável na idade adulta. Sentimentos de rejeição podem conduzir a frustrações duradouras para o indivíduo (Ibidem, 1982). Rappaport pensa que a criança poderá sentir-se rejeitada pelos companheiros e isolar-se do grupo, ou manter-se ligada a ele, porém com padrões de comportamentos inadequados (excessivamente agressivos ou autoritários ou mesmo submissos). Nestes casos de dificuldades de entrosamento social com o grupo informal, pode-se recomendar à família que faça a criança participar de grupos formais sob a liderança de um adulto que possa facilitar esse entrosamento (Ibidem, 1982). Neste caso, a capoeira seria uma boa opção para este entrosamento, mas somente, se o responsável pelo grupo de capoeira souber inserir este praticante, 237 reconhecendo as suas dificuldades para se entrosar e se relacionar com o grupo. Segundo Rappaport: “Inúmeros estudos focalizaram a importância do estilo de liderança adotado pelo adulto sobre o comportamento das crianças no grupo.” (Ibidem, 1982, p. 99). “São clássicos os trabalhos de Lippitt e Whitte, demonstrando que o líder autoritário desenvolve alta tensão, agressividade ou apatia, além da tendência para o “bode expiatório”, baixo sentimento de pertinência e baixa motivação para a realização de tarefas e apresentação de sugestões. A liderança do tipo laissez-faire determina instabilidade e agressividade em relação aos companheiros. Já o líder democrático consegue um sentimento de pertinência e participação mais elevado e um padrão de relação interpessoal mais satisfatório e menos agressivo.” (Ibidem, 1982, p. 99). Um líder democrático como dito acima é mais satisfatório. Como já dito antes, o ambiente democrático é essencial para o pleno desenvolvimento dos praticantes, assim como, também é necessário um líder democrático. De acordo com rappaport, é preciso tomar um certo cuidado ao indicar um grupo formal para uma criança, no sentido de verificar se o modo como o grupo é constituído tende a facilitar a resolução de suas dificuldades ou acentuá-las. Uma criança excessivamente submissa ou excessivamente agressiva, participando de um grupo com liderança autoritária, poderá ter estes sentimentos e comportamentos reforçados e, portanto, exacerbados. Já uma atitude cooperativa, acompanhada de comportamentos positivos, como diálogos amistosos ou ajuda ao próximo, contribui para a consolidação de um padrão de interação mais adequado (Ibidem, 1982). De acordo com a autora: “Além dos fatores de personalidade 238 e inteligência que facilitam ou dificultam o entrosamento da criança no grupo, existem outros de ordem social ou cultural que também podem interferir.” (Ibidem, 1982, p. 99). Ainda Rappaport: “Não há dúvida, portanto, de que o estudo da formação dos grupos de crianças, dos fatores determinantes do ajustamento ou não de cada elemento, é bastante complexo, envolvendo desde habilidades específicas da criança (como nível de inteligência, por exemplo), passando por fatores de personalidade ou de relacionamento familiar, até chegar a influências culturais e sociais. Desta complexidade de fatores decorre a dificuldade de se chegar a um melhor entendimento de influência que a pertinência ao grupo exerce na formação da personalidade.” (Ibidem, 1982, p. 100). Podemos observar que vários fatores compõem a formação do aspecto afetivo e de socialização da pessoa, desde a família e companheiros até os grupos onde estão inseridos e convivem. Também vimos a importância do grupo e seu líder neste desenvolvimento. A capoeira como atividade em grupo e que tem o mestre como líder pode ser uma atividade, devido as suas várias características já comentadas, para o pleno desenvolvimento da afetividade e sociabilidade de seu praticante, mas devemos estar atentos, como em toda a atividade, aos profissionais e pessoas envolvidas. 2.8.3 - O Domínio Psicomotor Este domínio está ligado, como o próprio nome já diz, às habilidades motoras, coordenação neuro-muscular, ligadas estreitamente ao psicológico e mental. Desde os movimentos reflexos simples às capacidades manipulativas e modos de comunicação não-verbal. 239 Lussac afirma que a capoeira pode desenvolver o aspecto psicomotor e as qualidades físicas de quem a pratica, de modo amplo: “Da parte psicomotora, pode-se falar que a Capoeira desenvolve a coordenação motora, explorando a sua lateralidade, a percepção do próprio corpo e o seu relacionamento com outros corpos (pessoas); desenvolve também o equilíbrio estático e dinâmico e a percepção espaço-temporal, conjugado com o ritmo (instrumental e canto) que também cadencia a velocidade e a intensidade dos movimentos a serem desenvolvidos. Junto com a respiração diafragmática que é aperfeiçoada com o canto, por exemplo, o perfeito controle da respiração (educando-a inconscientemente) entre em harmonia através da motivação contínua, com movimentos diferentes e alternados. A resistência muscular, força, capacidade aeróbia e anaeróbia, agilidade, equilíbrio, impulsão e flexibilidade são amplamente trabalhados com um grande número de variações, através dos movimentos, tanto que nesta Arte a criatividade e a expressão corporal são fundamentais.” (LUSSAC, 1996, p. 37). Santos concorda com Lussac, quando diz que “o adequado desenvolvimento psicomotor da criança inclui a estimulação e o desenvolvimento das habilidades físicas”. (SANTOS, 1990, p. 13). Ainda sobre estas habilidades, onde considera a capoeira completa, Santos diz ser justificável para o desenvolvimento global da criança em idade escolar: “Sendo a capoeira um jogo também psicomotor, ela tem sua expressão fundamentada na flexibilidade, equilíbrio, destreza, ritmo próprio, música, 240 coordenação, reflexo, agilidade e muitas outras habilidades psicofísicas. Como expressão de movimento é completa, o que a justificativa para o desenvolvimento global da criança em idade escolar”. (Ibidem, 1990, p. 12). Santos pensa nos benefícios psicomotores que a capoeira traz consigo: “Verifica-se que por sua riqueza natural de movimentos corporais e simbologia, a capoeira traz em si a justificativa para fazer parte da formação da criança brasileira...Traz ainda benefícios psicomotores e fisiológicos.” (Ibidem, 1990, p. 55). Segundo Santos, o jogo da capoeira servindo como processo educacional “possui inestimáveis valores; quando bem orientado, desempenha grandes funções como a formação de caráter, da condição física e da psicomotricidade”. (Ibidem, 1990, p. 47). Ainda Santos: “A Capoeira pode ser oportunizada de várias maneiras... que não deixa de ser também psicomotor”. (Ibidem, 1990, p. 12). Finalizando Santos: “pode-se resumir dizendo que a psicomotricidade como educação pelo movimento, tem seus aspectos específicos todos envolvidos no jogo da capoeira”. (Ibidem, 1990, p. 44). “A capoeira como uma educação psicomotora tem como objetivo principal o desenvolvimento da criança em todas as suas dimensões psicológicas, neurológicas, sociais e espirituais...a capoeira se propõe a refazer as fases mal sucedidas do desenvolvimento psicomotor das crianças e com a possibilidade de reabilitar e normalizar o comportamento geral das mesmas, favorecendo prérequisitos para a sua aprendizagem formal e não formal no seu contexto social” (Ibidem, 1990, p. 37 e 38). 241 É raro uma atividade de capoeira onde o profissional utilize esta arte somente com o objetivo de evolução e desenvolvimento psicomotor. Alguns trabalhos podem ter este enfoque fosse mais desenvolvido, mas nunca priorizado. O objetivo maior quase sempre é o aprendizado da capoeira propriamente dita. Segundo Lussac, durante toda a sua experiência profissional ele nunca obteve o conhecimento de nenhuma atividade de capoeira onde o profissional utilizasse esta arte somente com o objetivo de evolução e desenvolvimento psicomotor. Observou alguns trabalhos em que este enfoque fosse mais desenvolvido, mas nunca priorizado. De acordo com Lussac, o objetivo maior quase sempre é o aprendizado da capoeira propriamente dito. Para Santos: “Hoje, a capoeira como atividade psicomotora deve ser reconhecida como sendo uma alternativa para o desenvolvimento das estruturas da criança, mais especificamente no período escolar primário”. (SANTOS, 1990, p. 12), “A Capoeira é uma forte atividade também para o desenvolvimento psicomotor das crianças por despertar nelas muitos interesses”. (Ibidem, 1990, p. 41) e “a capoeira ... expressada através do corpo, é mais do que um ato folclórico”. (Ibidem, 1990, p. 51). Continuando, Santos afirmou através de sua pesquisa que a capoeira também serve para a prevenção de algumas dificuldades de aprendizagem psicomotora, podendo ser utilizada na educação infantil: “A educação psicomotora pretendida para a educação e desenvolvimento harmônico do corpo das crianças, pode usar o jogo da capoeira como um meio para atingir estes parâmetros, o que contribuiria para uma aprendizagem mais rápida, como também, para a prevenção de aprendizagem. algumas dificuldades dessa 242 Desta forma, presume-se que o programa de educação física infantil baseado no jogo da capoeira, além de contribuir no desenvolvimento psicomotor das crianças do grupo experimental, provou também que serve como prevenção de algumas dificuldades de aprendizagens, compensação das deficiências psicomotoras, isto é, o programa compensou as diferenças anteriores pré-existentes no grupo experimental comparando-o com os dois grupos de controle”. (Ibidem, 1990, p. 66). Para Bechara, a capoeira pode ser um meio de auto-conhecimento, de maneira prazerosa e rica no aspecto cultural, e que tem alta importância na formação psicomotora do ser humano, principalmente nas crianças: “”A capoeira pode ser um veículo do conhecimento de si mesmo. Uma exteriorização de expressões nãoverbais, através de uma consciência própria de quem a pratica”. “Se há prazer em descobrir os movimentos do nosso corpo, porque não fazê-lo conhecendo a nossa própria cultura”. Com esses dois pensamentos citados em linhas anteriores o autor deste ensaio tenta passar a importância que a capoeira pode ter na formação psicomotora e cultural do ser humano, em particular: as crianças brasileiras”. (BECHARA, 1986, p. 24). Para Freitas & Freitas, a capoeira é uma manifestação com implicações múltiplas e por isso, deve ser explorada para o desenvolvimento das experiências motoras do ser humano: “A capoeira é uma manifestação com implicações múltiplas, sendo que todas as suas vertentes (mística, 243 revolucionária, gestuais de devidamente expressiva) variedade redundam estonteante, relacionado com em o ações que afirmações se quase consensuais dos estudiosos desenvolvimentistas, que revelam sobremaneira o papel da experiências motoras (gestos) no desenvolvimento do ser humano, nos levará a conclusão do quanto útil a sua prática poderá ser para o referido desenvolvimento.” (FREITAS & FREITAS, 2001, p. 11). O ensino tradicional de capoeira, deixamos claro não estar citando nenhum “estilo” como tradicional, requer uma progressão de aprendizado motor cada vez mais difícil e especializado para o aluno, este fato não confere com um automático desenvolvimento psicomotor global destes praticantes, pois as vivências e atividades propostas podem não atender as necessidades e potencialidades dos aprendizes. Entre os vários fatores interventores no ensino-aprendizagem da capoeira, os objetivos e métodos empregados pelo profissional responsável, serão os que realmente irão interferir diretamente no desenvolvimento psicomotor destes alunos. Segundo Acosta: “penso, a certeza de que, fundamentalmente, o importante, o que distingue e, em última instância, qualifica nosso trabalho é o conjunto de valores que incorporamos e defendemos. Pois são muito mais decisivas as atitudes que assumimos do que as palavras por nós pronunciadas, e que definem realmente qual é a nossa perspectiva de trabalho: se com uma visão que privilegia a apreensão lúdica dos fenômenos ou, ao contrário, uma visão mecânica, 244 fechada, de conteúdos a serem assimilados.” (ACOSTA, 2000, p. 54 e 55): Como foi relatado anteriormente, há vários enfoques e maneiras das atividades de capoeira serem realizadas, devido à sua ampliada concepção e característica multi-facetada, como: dança, jogo, luta, defesa pessoal, arte, educação, cultura, lazer, terapia, folclore, ginástica, desporto, história, filosofia (de vida) e até com um aspecto religioso. Devido a este fator, podese deduzir que, assim como as atividades são desenvolvidas de modo e com objetivos diferentes, os aspectos psicomotores também o serão. A própria intervenção psicomotora, pode ser diversificada, de acordo com Mello: “Nos estudos dos pesquisadores recentes, são apontados três principais campos de atuação ou formas de abordagem da Psicomotricidade: 1. Reeducação Psicomotora; 2. Terapia Psicomotora; e 3. Educação Psicomotora. Embora em certos trabalhos esses três níveis de atuação cheguem a confundir-se, existem características próprias em cada um deles.” (MELLO, 2002, p. 33). A Capoeira tem o privilégio de reunir um meio de educação, reeducação, terapia e profilaxia psicomotora, ao mesmo tempo em que é ensinada uma arte caracteristicamente brasileira de acordo com nossa identidade cultural e social. Levando em consideração esta constatação, somando ao fator mencionado sobre os objetivos e métodos empregados pelo profissional, podemos pensar que o desenvolvimento e evolução psicomotora dos aprendizes de capoeira podem variar bastante e mais ainda se contarmos com outros fatores como: individualidade biológica, aspectos sócio-culturais 245 e fenealógicos, condições gerais do ensino da capoeira (propriamente dito), instituição e local onde é ministrada a atividade, e mais tantos outros fatores não mencionados. Após estes breves apontamentos, podemos observar que a psicomotricidade pode ser amplamente desenvolvida de diversas formas utilizando a capoeira e suas características multifacetadas como meio e fim, pois mesmo não sendo o desenvolvimento psicomotor o principal objetivo num trabalho de capoeira, este pode ser amplamente desenvolvido, aliando sua grande peculiaridade que é o lúdico, e ainda a criatividade, junto ao prazer e a motivação, fatores determinantes no desenvolvimento humano, pois: “A maior validade no aprendizado da capoeira, reside no fato do desenvolvimento da CRIATIVIDADE; onde o capoeirista cria, recria e recreia-se, com a seqüência que é propiciada durante o seu desenrolar”. (BECHARA, 1985a). Conforme já citado anteriormente, no aspecto cognitivo. “As pessoas são mais dadas a repetir experiências agradáveis e que, por outro lado, as satisfaçam. A satisfação traz um reforço da associação entre estímulo e reação”. (Ibidem, 1985b, p. 44), e: “Pode-se dizer que: a motivação é o fator mais importante na aquisição da destreza motora”. (ibidem, 1985b, p. 44). Como já citado anteriormente, quando abordamos o prazer e o lúdico no jogo da capoeira. Segundo Souza & Oliveira: “No aspecto motor, especificamente, a capoeira deve ser reconhecida como uma alternativa rica para o desenvolvimento das estruturas da criança, como esquema corporal, lateralidade, equilíbrio, orientação espaço-temporal, coordenação motora etc.” (SOUZA & OLIVEIRA, 2001, p. 44). 246 Segundo Silveira Costa, a eficiência corporal na capoeira, quanto à coordenação motora é a seguinte: “Na criança e no adulto que pratica, a Capoeira desenvolve um excelente senso de equilíbrio, de domínio espacial e de coordenação motora, chegando a tingir movimentos bem complexos, onde mesmo sem notar, vai desempenhando toda uma seqüência de aprendizado corporal e motor. Isso é possível particularmente pelo fato de a prática dessa arte ir exigindo progressivamente mais e mais movimentos coordenados do corpo, superando a simples repetição, comum à grande maioria das modalidades esportivas, e exigindo, sempre mais do adepto, do ponto de vista criativo e coordenativo. O fato de reunir ritmo, domínio de espaço, sincronismo (com o adversário e consigo mesmo) e uma certa dose acrobática... torna a Capoeira algo que evolui no sentido da melhoria da coordenação motora.” (SILVEIRA COSTA, 1993, p. 79 e 80). De acordo com Santos a capoeira como educação psicomotora tem características fundamentais para este desenvolvimento: “Pode-se então dizer, que a capoeira como educação psicomotora tem características fundamentais, O movimento é um dos fatores principais nesta concepção, o que faz com que o desenvolvimento geral da criança tenha uma íntima relação com os elementos psicomotores descritos por Ferreira (1984b), os quais tomamos como base para este estudo, estando assim distribuídos: 247 Esquema corporal: conhecimento do próprio corpo, proprioceptividade, lateralidade e expressão; Motricidade ampla: coordenação dinâmica geral, equilíbrio (estático, dinâmico e recuperado, freio inibitório e relaxação); Motricidade fina: lingual, ocular, manual digital; Percepção sensorial: visual, auditiva e termo-tátil; Percepção espacial: posição, adequação espacial, direção relação e espacial, constância de percepção; Percepção temporal: noções básicas, seqüências de ações, velocidade, duração e ritmo; Percepção de análise-síntese: semelhança, diferença, composição, recomposição e reprodução; Percepção de figura-fundo: visual, auditiva e tátil”. (SANTOS, 1990, p. 40). Para finalizar este tópico, colocaremos alguns fatores que influenciam o processo de aprendizagem psicomotor, enumerados por Weineck apud Gomes da Costa: “- Ritmo de Aprendizagem individual; - Motivação; - Controle de Aprendizagem como Estímulo da Aprendizagem; - Intensidade de Exercícios; - “Super-Aprendizagem” (Aprofundamento Aprendizagem); - Efeito da Aprendizagem Colateral; - Experiência do Movimento; - Reaprender; - Pausa de exercícios – Desaprender; - Fase de Aprendizagem. da 248 Poderiam ser tradizidos por: - “Capacidade de Síntese” de cada indivíduo; - Melhor Reforço da Aprendizagem – aumento da atenção e prontidão como também aumento e aceleração dos processos cognitivos; - Constante Informação da aprendizagem; - Maior Intensidade ou Número de Repetições – porém sem produzir fadiga; - Fixação da Aprendizagem; - Trabalhos Unilaterais produzem efeitos positivos bilaterais, porém com predominância do membro exercitado – lado estimulado; - Conhecimento motor prévio; - Imagem do Movimento; - Reestruturação Planejada e Consciente dos Esquemas de Coordenação; - Perda dos Padrões Motores Reflexos condicionados (estereótipos motores); - O Iniciante aprende principalmente através do analisador óptico, e o adiantado, através do cinestésico. Uma maior “atenção” e “otimização das condições limites levam a melhores resultados da aprendizagem motora e, com isto, a um melhor nível das capacidades coordenativas” (WEINECK apud GOMES da COSTA, 1996, p. 136 e 137). A coordenação motora é a qualidade física mais próxima do aspecto psicomotor, mas todas estão interligadas no desenvolvimento deste aspecto e têm extrema importância. Há várias qualidades físicas ou valências físicas, como também são conhecidas, e estas são mais estudadas no campo do treinamento desportivo. 249 2.9 – Algumas considerações sobre o treinamento esportivo Inicialmente devemos dizer que o campo do Treinamento Desportivo é muito extenso e complexo, portanto, só abordaremos superficialmente, uma pequena parte que interessa a essa pesquisa. Benda & Greco, sobre o treinamento esportivo, nos dizem que, a capacidade física é um dos tópicos da estrutura dos conteúdos ou estrutura substantiva. Esta estrutura é composta pelas seguintes capacidades ligadas aos Componentes do Rendimento Esportivo: Capacidades Psíquicas (Capacidades: Volitivas, Cognitivas e, Emocionais), Capacidade Técnica (Capacidade Coordenativa e Gestual), Capacidade Socioambiental (Capacidade de Interação, exemplo: meio familiar, meio social; e Capacidade de Adaptação, exemplo: meio familiar, meio social), Capacidade Biotipológica (Capacidade constitucional: Fenótipo e Genótipo), Capacidade Tática (Capacidade: (Capacidade Motora: Sensorial força, e Cognitiva) resistência; e, Capacidade Capacidade Física Coordenativa; Capacidades Mistas: Flexibilidade e Velocidade). Todas estas Capacidades estão submetidas às Condições Marginais e às Condições Climáticas, Público, Material e Altitude (BENDA & GRECO, 2001). Apesar da moderna e interessante abordagem de Benda & Greco, nós abordaremos o Treinamento Desportivo e as qualidades físicas segundo Tubino, por ser mais conhecido e difundido. Para Tubino os cinco princípios do Treinamento Desportivo são: O Princípio da Individualidade Biológica, O Princípio da Adaptação, O Princípio da Sobrecarga, O Princípio da Continuidade, O Princípio da Interdependência Volume-Intensidade (TUBINO, 1984). Segundo Tubino: “Antes de passar ao estudo de cada pricípio, é importante enfatizar que os 5 princípios se interrelacionam em todas as suas aplicações.” (Ibidem, 1984, p. 99). 250 Dantas atualizando o elenco dos cinco princípios preconizados por Tubino, incluiu mais um: O Princípio da Especificidade (DANTAS, 1995), que veremos após a abordagem dos cinco primeiros, e após estes seis veremos mais dois princípios abordados por Gomes da Costa: O Princípio da Variabilidade e O Princípio da Saúde. 2.9.1 – O Princípio da Individualidade Biológica De acordo com Tubino, “chama-se individualidade biológica o fenômeno que explica a variabilidade entre elementos da mesma espécie, o que faz que com que não existam pessoas iguais entre si.” (TUBINO, 1984, p. 100). Cada ser humano possui uma estrutura e formação física e psíquica própria, neste sentido, o treinamento individual tem melhores resultados, pois obedeceria as características e necessidades do indivíduo. Grupos homogêneos também facilitam o treinamento desportivo. Cabe ao treinador verificar as potencialidades, necessidades e fraquezas de seu atleta para o treinamento ter um real desenvolvimento. Há vários meios para isso, além da experiência do treinador, que conta muito, os testes específicos são primordiais. Segundo Benda & Greco, como visto anteriormente, uma das Capacidades do Rendimento Esportivo é a Capacidade Biotipológica, que está dividida em Capacidade constitucional Fenótipo e Capacidade constitucional Genótipo. “O genótipo é o responsável pelo potencial do atleta. Isso inclui fatores como composição corporal, biótipo, altura máxima esperada, força máxima possível e percentual de fibras musculares dos diferentes tipos, dentre outros. O fenótipo é responsável pelo potencial ou pela evolução das capacidades envolvidas no genótipo. Neste se inclui tanto o desenvolvimento da capacidade de adaptação ao esforço e das habilidades 251 esportivas como também a extensão da capacidade de aprendizagem do indivíduo.” (BENDA & GRECO, 2001, p. 34). Segundo Dantas: “O indivíduo deverá ser sempre considerado como a junção do genótipo e do fenótipo, dando origem ao somatório das especificidades que o caracterizarão.” (DANTAS, 1995, p. 39), “deve-se entender o genótipo como a carga genética transmitida à pessoa e que determinará preponderantemente diversos fatores” (Ibidem, 1995, p. 39) e, “os potenciais são determinados geneticamente, e que as capacidades ou habilidades expressas são decorrentes do fenótipo.” (Ibidem, 1995, p. 39). Para este autor, o campeão seria aquele que nasceu com um “dom da natureza” e que, aproveitando totalmente esse dom, o desenvolve através de um perfeito treinamento (Ibidem, 1995, p. 40). 2.9.2 – O Princípio da Adaptação De acordo com Weineck, a adaptação é a lei mais universal e importante da vida. Adaptações biológicas apresentam-se como mudanças funcionais e estruturais em quase todos os sistemas. Sob “adaptações biológicas no esporte”, entendem-se as alterações dos órgãos e sistemas funcionais, que aparecem em decorrência das atividades psicofísicas e esportivas (WEINECK, 1991). “Na biologia, compreende-se “adaptação” fundalmentalmente como uma reorganização orgânica e funcional do organismo, frente a exigências internas e externas; adaptação é a reflexão orgânica, adoção interna de exigências. Ela ocorre regularmente e está dirigida à melhor realização das sobrecargas que induz. Ela representa a condição interna de uma capacidade melhorada de funcionamento e é existente em todos os níveis hierárquicos do corpo. Adaptação e 252 capacidade de adaptação pertencem à evolução e são uma característica importante da vida. Adaptações são reversíveis e precisam constantemente ser revalidadas (Israel 1983, 141).” (Ibidem, 1991, p. 22). Weineck diz que, no esporte, devido aos múltiplos fatores de influência, raramente o genótipo é completamente transformado em fenótipo, mesmo com o treinamento mais duro. Para este autor, fases de maior adaptabilidade, encontram-se em diferentes períodos para os fatores de desempenho de coordenação e condicionados, são designadas “fases sensitivas”. A zona limite destas fases sensitivas, isto é, o período em que justamente ainda é possível uma melhor expressão das características, geralmente é chamada de “período crítico” (Ibidem, 1991). ““Capacidade de adaptação” ou “adaptabilidade” é o nome que se dá à diferente assimilação dos estímulos, frente à mesma qualidade e quantidade de exercícios ou carga de treinamento. Ela pode ser atribuída à correlação organismo/ambiente, sob o ponto de vista da predisposição hereditária e sua expressão (genética) (Gürtler 1982, 35).” (Ibidem, 1991, p. 23). Para Tubino, este princípio do Treinamento Desportivo está intimamente ligado ao fenômeno do stress. As investigações sobre o stress tiveram início em 1920 com Cânon e Hussay, tendo uma grande ênfase no período entre 1950 e 1970, onde praticamente surgiu uma literatura científica básica sobre este fenômeno (TUBINO, 1984). Segundo Tubino: “Definindo-se Homeostase, de acordo com CANNON, como o equilíbrio estável do organismo humano em relação ao meio ambiente, e sabendo-se que esta estabilidade modifica-se por qualquer alteração ambiental, isto é, para cada estímulo há uma 253 resposta, e, ainda, entendendo-se por estímulos o calor, os exercícios físicos, as emoções, as infecções, etc., conclui-se, com base num grande número de experiências e observações de diversos autores, que em relação ao organismo humano: a) estímulos débeis => não acarretam conseqüências; b) estímulos médios => apenas excitam; c) estímulos médios para fortes => provocam adaptações; d) estímulos muito fortes => causam danos.” (Ibidem, 1984, p. 101). Segundo Dantas, o conceito de Homeostase, que é necessário para compreender este princípio, é: “Homeostase é o estado de equilíbrio instável mantido entre os sistemas constitutivos do organismo vivo, e o existente entre este e o meio ambiente.” (DANTAS, 1995, p. 40). Para este autor, a homeostase pode ser rompida por fatores internos, geralmente oriundos do córtex cerebral, ou externos, como: calor, frio, situações inusitadas, provocando emoções e, variação da pressão, esforço físico, traumatismo, etc. Dantas diz que, sempre que a homeostase é perturbada, o organismo dispara um mecanismo compensatório que procura restabelecer o equilíbrio, quer dizer, todo estímulo provoca reação no organismo acarretando uma resposta adequada (Ibidem, 1995). Neste sentido, o organismo, buscando o equilíbrio constante, estaria sempre em um estado constante de equilíbração. Tubino pensa que, quando o organismo é estimulado, imediatamente aparecem mecanismos de compensação para responder a um aumento de necessidades fisiológicas. Assim, constata-se que existe uma relação entre a adaptação de estímulos de treinamento e o fenômeno de stress, o que é explicado pelo princípio científico da adaptação. A definição dada ao stress por Tubino é a seguinte: 254 “Stress ou Síndrome de Adaptação Geral (SAG), segundo SELYE (1956) é a reação do organismo aos estímulos que provocam adaptações ou danos ao mesmo, sendo que esses estímulos são denominados agentes stressores ou stressantes.” (TUBINO, 1984, p. 102). A síndrome de adaptação geral (SAG) é dividida em três fases, até que o agente stressante na sua ação atinja o limite da capacidade fisiológica de compensação do organismo: 1ª Fase: Reação de alarme; 2ª Fase: Fase da resistência (adaptação) e; 3ª Fase: Fase da exaustão (Ibidem, 1984). Para este autor, na fase de reação de alarme, os mecanismos auxiliares são mobilizados para manter ávida, a fim de que a reação não se dissemine. É caracterizada pelo desconforto, e está dividida em duas partes choque e contrachoque (Ibidem, 1984): “sendo o choque a resposta inicial do organismo a estímulos aos quais não está adaptado, provocando a diminuição da pressão sanguínea, enquanto o contrachoque ocasiona uma inversão de situação, isto é, ocorre um aumento da pressão sanguínea.” (Ibidem, 1984, p. 102). A fase da resistência é a fase da adaptação, a qual é obtida pelo desenvolvimento adequado dos canais específicos de defesa, sendo esta etapa caracterizada pela dor e pela ação do organismo resistindo ao agente stressante inicial, sendo a fase que realmente mais interessa ao treinamento desportivo (Ibidem, 1984). A fase da exaustão é aquela em que as reações se disseminam, em conseqüência da saturação dos canais apropriados de defesa, apresentando 255 como característica a presença do colapso, podendo chegar até a morte (Ibidem, 1984). Tubino ainda menciona que, “EÜLER observou 3 tipos de stress, de acordo com a origem dos estímulos stressantes” (Ibidem, 1984, p. 103), são eles: o stress físico, o stress bioquímico e, o stress mental (Ibidem, 1984). De acordo com Tubino, é importante a utilização correta do princípio de adaptação, onde deve-se haver cuidado na aplicação das cargas de treinamento, agentes stressantes (Ibidem, 1984). 2.9.3 – O Princípio da Sobrecarga Para Dantas: “Imediatamente após a aplicação de uma carga de trabalho, há uma recuperação do organismo, visando restabelecer a homeostase.” (DANTAS, 1995, p. 43). “O aproveitamento do fenômeno da assimilação compensatória ou supercompensação, que permite a aplicação progressiva do princípio da sobrecarga, pode, ainda, ser severamente comprometido por uma incorreta disposição do tempo de aplicação das cargas. O equilíbrio entre carga aplicada e tempo de recuperação é que garantirá a existência da supercompensação de forma permanente.” (Ibidem, 1995, p. 44). Segundo Tubino, o momento exato em que se produz à adaptação aos agentes stressantes (estímulos), é, sem dúvida, um dos pontos mais discutíveis do Treinamento desportivo. Existem pontos de vista que estabelecem a adaptação durante intervalos intermediários dos treinos, 256 enquanto que outras pesquisas defendem a tese da adaptação após o último intervalo da sessão de treino (TUBINO, 1984). Tubino comenta que: “Segundo HEGEDUS (1969), os diferentes estímulos produzem diversos desgastes, que são repostos após o término do trabalho, e nisso podemos reconhecer a primeira reação de adaptação, pois o organismo é capaz de restituir sozinho as energias perdidas pelos diversos desgastes, e ainda preparar-se para uma carga de trabalho mais forte, chamando-se este fenômeno de assimilação compensatória. Assim, sabe-se que não só são reconduzidas as energias perdidas como também são criadas maiores reservas de energia de trabalho. A primeira fase, isto é, a que recompões as energias perdidas, chama-se período de restauração, o qual permite a chegada a um mesmo nível de energia anterior ao estímulo. A segunda fase é chamada de período de restauração ampliada, após o qual o organismo possuirá uma maior fonte de enrgia para novos estímulos.” (Ibidem, 1984, p. 105 e 106). Para Tubino, estímulos mais fortes devem sempre ser aplicados por ocasião do final da assimilação compensatória, justamente na maior amplitude do período de restauração ampliada para que seja elevado o limite de adaptação do atleta. Este é o princípio da sobrecarga, também chamado princípio da progressão gradual, e será sempre fundamental para qualquer processo de evolução desportiva (Ibidem, 1984). Tubino cita algumas indicações de aplicação do Princípio da sobrecarga, referenciado nas variáveis: Volume (Quantidade) e Intensidade (Qualidade); em vários Tipos de Treinamento, como: Contínuo, Intervalado, 257 em Circuito, de Musculação, de Flexibilidade e Agilidade e, Técnico (Ibidem, 1984). 2.9.4 – O Princípio da Continuidade Este princípio está ligado ao da adaptação, pois a continuidade ao longo do tempo é primordial para o organismo, progressivamente, se adaptar. Segundo Tubino, a condição atlética só pode ser conseguida após alguns anos seguidos de treinamento e, existe uma influência bastante significativa das preparações anteriores em qualquer esquema de treinamento em andamento. Para ele estas duas premissas explicam o chamado Princípio da Continuidade (TUBINO, 1984). “Pode-se acrescentar que este princípio compreenderá sempre no treinamento em curso uma sistematização de trabalho que não permita uma quebra de continuidade, isto é, que o mesmo apresente uma intervenção compacta de todas as variáveis interatuantes. Em outras palavras, considerando um tempo maior, o princípio da continuidade é aquela diretriiz que não permite interrupções durante esse período.” (Ibidem, 1984, p. 110). A continuidade de treinamento evita que o treinador subtraia etapas importantes na formação atlética de um desportista. No geral um atleta que tem um alto desempenho, com certeza teve uma continuidade ao longo de sua preparação, treinamento e também do aprendizado do desporto praticado. 258 2.9.5 – O Princípio da Interdependência Volume-Intensidade Este princípio está intimamente ligado ao da sobrecarga, pois o aumento das cargas de trabalho é um dos fatores que melhora a performance. Este aumento ocorrerá por conta do volume e devido a intensidade. Para Tubino, pode-se afirmar que os êxitos de atletas de alto rendimento, independente da especialização desportiva, estão referenciados a uma grande quantidade (volume) e uma alta qualificação (intensidade) no trabalho, sendo que, estas duas variáveis (volume e intensidade) deverão sempre estar adequadas as fases de treinamento, seguindo uma orientação de interdependência entre si (TUBINO, 1984). Ainda segundo Tubino: “Na maioria das vezes, o aumento dos estímulos de uma dessas duas variáveis é acompanhado da diminuição da abordagem em treinamento da outra.” (Ibidem, 1984, 110). 2.9.6 – O Princípio da Especificidade De acordo com Dantas, a partir do conceito de treinamento total, quando todo o trabalho de preparação passou a ser feito de forma sistêmica, integrada e voltada para objetivos claramente enunciados, a orientação do treinamento por meio de métodos de trabalho veio, paulatinamente, perdendo a razão de ser. Hoje em dia, nos grandes centros desportivos, esta forma de orientação do treinamento foi totalmente abandonada em proveito da designação da forma de trabalho pela qualidade física que se pretende atingir. Associando-se este conceito à preocupação em adequar o treinamento do segmento corporal ao do sistema energético e ao gesto desportivo, utilizados na performance, ter-se-á o surgimento de um sexto princípio desportivo: o princípio da especificidade, que vem se somar aos já existentes (DANTAS, 1995). 259 “O princípio da especificidade é aquele que impõe, como ponto essencial, que o treinamento deve ser montado sobre os requisitos específicos da performance desportiva, em termos de qualidade física interveniente, sistema energético preponderante, segmento corporal e coordenações psicomotoras utilizados.” (Ibidem, 1995, p. 50). Segundo Dantas, ao se estudar o princípio da especificidade, de imediato avulta um fator determinante, que é o princípio da individualidade biológica, estabelecendo limites individuais a esta capacidade de transferência. O princípio da especificidade irá se refletir em duas amplas categorias de fundamentos fisiológicos: os aspectos metabólicos e os aspectos neuromusculares (Ibidem, 1995). Dantas ainda nos diz que: “O princípio da especificidade preconiza, ... que se deve, além de treinar o sistema energético e o cárdio-respiratório dentro dos parâmetros da prova que se irá realizar, fazê-lo com o mesmo tipo de atividade de performance.” (Ibidem , 1995, p. 50). Para este autor: “Isto serve, cada vez mais, para firmar na consciência do treinador que o treino, principalmente na fase próxima à competição, deve ser estritamente específico, e que a realização de atividades diferentes das executadas durante a performance coma finalidade de preparação física, s´se justifica se for feita para evitar a inibição reativa (ou saturação de aprendizagem).” (Ibidem, 1995, p. 50). De acordo com Dantas, o segundo componente dos aspectos neuromusculares é controlado, principalmente pelo sistema nervoso central ao nível de cérebro, bulbo e medula espinhal e pressupõe que todos os gestos desportivos, realizados durante a performance, já estejam perfeitamente “aprendidos” de forma a permitir que, durante a performance, 260 não se tenha que criar coordenações neuromusculares novas, mas tão somente “lembrar-se” de um movimento já assimilado e executá-lo. A psicologia da aprendizagem ensina que o conhecimento, ou movimento, uma vez aprendido fica armazenado no neocórtex sob forma de engrama, que consiste num determinado padrão de ligação entre os neurônios. O engrama, que é sempre utilizado, fica cada vez mais “nítido” e “forte” ao passo que aquele que não é utilizado se enfraquece e pode até se extinguir (Ibidem, 1995). Segundo Dantas, se um gesto desportivo for repetido com constância, seu engrama ficará tão forte a ponto de permitir a execução do gesto de forma reflexa, através de uma rápida comparação, pelo bulbo, entre as reações neuromusculares e o engrama (Ibidem, 1995). Compreendendo este fato, podemos dizer que uma esquiva difícil e rápida no jogo de capoeira, dependeria tão-somente de um comando disparado pelo córtex e se o movimento estiver bem treinado e repisado, seu desenvolvimento acontecerá de forma rápida e perfeita, coordenado pelo bulbo. A esse respeito, de forma empírica, Mestre Pastinha já cantava na capoeira, evidenciando a sabedoria popular: “Se p’ra jogar você imagina, eu jogo sem imaginar...”. Finalizando, Dantas nos diz que, o aprimoramento da habilidade técnica e a execução de todos os movimentos possíveis durante o treinamento, visando a aquisição e reforço dos engramas requeridos pelo desporto considerado, tomarão tanto mais tempo quanto mais complexo ele for em termos neuromotores (Ibidem, 1995). 2.9.7 – O Princípio da Variabilidade Também denominado de Princípio da Generalidade, encontra-se fundamentado na idéia do Treinamento Total, ou seja, no desenvolvimento global, o mais completo possível, do indivíduo. Para isso deve-se utilizar das 261 mais variadas formas de treinamento (GOMES da COSTA, 1996). Segundo Gomes da Costa: “Quanto maior for a diversificação desses estímulos – é obvio que estes devem estar em conformidade com todos os conceitos de segurança e eficiência que regem a atividade – maiores serão as possibilidades de se atingir uma melhor performance.” (Ibidem, 1996, p. 357). 2.9.8 – O Princípio da Saúde Segundo Gomes da Costa, esse princípio encontra-se diretamente ligado ao próprio objetivo maior de uma atividade física utilitária que vise a saúde do indivíduo (GOMES da COSTA, 1996). Ainda este autor: “Assim, não só a Ginástica Localizada em si e suas atividades complementares possuem grande importância. Também os setores de apoio da Academia, como o Departamento Médico, a Avaliação Funcional e o Departamento Nutricional assumem relevante função no sentido de orientar todo o trabalho, visando a aquisição e a manutenção dessa Saúde.” (Ibidem, 1996, p. 358). 2.9.9 – A Interrelação dos Princípios De acordo com Gomes da Costa, se faz lógico e transparente que essas leis não existem apenas por existir. Cada princípio, considerado individualmente, possui seu valor e função próprios, entretanto, a integração entre esses princípios adquire inestimável importância (GOMES da COSTA, 1996). “Aqui acontece aquela “historinha” de que o todo é sempre maior do que a soma de suas partes.” (Ibidem, 1996, p. 358). Assim cada Princípio 262 assume uma importância maior, um papel mais destacado quando associado aos outros princípios, segundo este autor, que ainda comenta: “Apesar dessa importante correlação, os Princípios da Adaptação, da Sobrecarga, da Continuidade e da Interdependência Volume-Intensidade é que vão não só dar corpo como orientar toda a aplicação prática do treinamento, ou seja, são os verdadeiros responsáveis pela “arrumação” de todo o processo de treinamento, traduzida na forma dos micro, meso e macro-ciclos de trabalho.” (Ibidem, 1996, p. 358). 2.10 – As qualidades físicas Como dito anteriormente, apesar da moderna e interessante abordagem de Benda & Greco sobre as capacidades físicas, nós abordaremos as qualidades físicas, segundo Tubino, utilizando ainda, alguns outros autores como referência, onde mesmo assim, não aprofundaremos quanto a este tema, que é muito vasto. De acordo com Tubino: “Quando se abordou o desenvolvimento de uma preparação física, verificou-se que a identificação das qualidades físicas do desporto em treinamento é o primeiro passo a ser feito” (TUBINO, 1984, p. 180). Tubino diz que este é um ponto fundamental para o êxito desejado, visto estarem ligadas intimamente aos objetivos de treinamento., pois só após esta etapa, se pode elaborar um programa de treinamento para qualquer modalidade. Umas destas etapas, a Avaliação Técnica da Qualidade Física, é um procedimento metodológico e específico, que procura identificar as deficiências e virtudes de um atleta. Um dos métodos é codificar gestos e movimentos, e condicionar o atleta a vários estímulos diferentes, como também a diferentes tipos de treinamentos. Na capoeira esta prática não é difundida e pouquíssima utilizada, portanto, verifica-se o potencial de desenvolvimento da capoeira neste campo. Segundo Cunha: 263 “A Capoeira é uma arte brasileira que possui múltiplas linguagens, das atividades físicas é a única que oferece às pessoas o maior número de experiências motoras, desenvolvendo algumas com mais e outras com menos intensidade, porém todas as qualidades físicas são trabalhadas” (CUNHA, 2003, p. 65). Concordamos com Cunha, mas podemos afirmar que todas as qualidades físicas podem ser muito desenvolvidas na capoeira dependendo dos objetivos e procedimentos relativos ao programa de treinamento, pois, com a prática da capoeira na água, também conhecida como Hidrocapoeira ou Capoeira Molhada, pode-se ampliar as possibilidades do treinamento e desenvolvimento, no meio aquático. Dantas, abordando os desportos terrestres de confronto de movimentos acíclicos, nos diz que, no Karatê e no Kung-Fu, a força explosiva de extensão de braços e membros inferiores merece destaque, embora a potência muscular ainda resulte mais da velocidade do que da força, a força dinâmica cresce de importância passando a essencial. Quanto aos objetivos principais na preparação física, na Fase básica, estas modalidades devem obter resistência aeróbica, RML (Resistência Muscular Localizada) e flexibilidade; na Fase específica, devem atingir níveis altos de condicionamento da resistência anaeróbica, da força explosiva e de velocidade de movimento. No Período de competição: deve-se zelar pela manutenção dos níveis atingidos nas diversas qualidades físicas e, No Período de transição: o repouso ativo com manutenção de algumas qualidades, tais como a flexibilidade e a resistência aeróbica, são importantes (DANTAS, 1995). Podemos então aproveitar a semelhança destas modalidades com a capoeira, para pensar em um treinamento específico. 264 Para Dantas, nos desportos de confronto como o judô, o jiu-jitsu, o wrestlin e as lutas olímpicas e romanas dependem muito mais da força dinâmica e da força estática em substituição da força explosiva (Ibidem, 1995). Segundo Dantas, as qualidades físicas treináveis são: A Velocidade de Movimentos, Força Dinâmica, Força Explosiva, Força Estática, Resistência Muscular Localizada e, Flexibilidade (Ibidem, 1995). Para Tubino, as qualidades físicas são: velocidade, força, equilíbrio, coordenação, ritmo, agilidade, resistência, flexibilidade e, descontração. Algumas destas qualidades também apresentam divisões em tipos especiais devido a sua grande especificidade (TUBINO, 1984), estas divisões serão apresentadas na abordagem específica de cada valência física. 2.10.1 – A coordenação motora Segundo Tubino, a definição de coordenação é: “É a qualidade física que permite ao homem assumir a consciência e a execução, levando-o a uma integração progressiva de aquisições, favorecendo-o a uma ótima dos diversos grupos musculares na realização de uma seqüência de movimentos com um máximo de eficiência e economia.” (Ibidem, 1984, p. 180). E ainda Tubino, citado por Campos: “Qualidade de sinergia que permite combinar a ação de diversos grupos musculares para a realização de uma série de movimentos com um máximo de eficiência e economia” (TUBINO apud CAMPOS, 1998, p. 118). Tubino ressalta as seguintes considerações sobre a coordenação: 265 “1º) A coordenação é uma qualidade física considerada pré-requisito para que qualquer atleta atinja o alto nível; 2º) O desenvolvimento da coordenação ocorres desde os primeiros anos de vida e essa valência física estará sempre implícita nas destrezas específicas de qualquer desporto; 3º) A coordenação não deve ser objetivada especificamente em programas de preparação física de alto nível,... 4º) O sistema nervoso é a variável condicionante da cooredenação” (TUBINO, 1984, p. 193). Para Dantas (apud GOMES da COSTA), a coordenação: “Expressa a característica observada a partir da aprendizagem do movimento que, através da consciência corporal, vai paulatinamente integrando mente e corpo, propiciando a combinação motora que permitirá a realização de uma série de movimentos com o máximo de ciência e economia”. (GOMES da COSTA, 1996, P. 134). A definição de coordenação de acordo com Weineck é a seguinte: “As capacidades de coordenação – sinônimo: destreza – são primeiramente coordenativas, isto é, detreminadas pelos processos de orientação e de regulação de movimentos (Hirtz, 1881, 348). Elas habilitam o atleta em condições de dominar segura e econômicamente ações motoras nas situações previsíveis (estereótipos) e imprevisíveis (adaptação) e a aprender, relativamente depressa, movimentos 266 esportivos (Frey, 1977, 356).” (WEINECK, 1989, p. 170). Weineck ainda diz que, as capacidades de coordenação pertencem, desde que haja uma aprendizagem em tempo hábil, certamente às formas de exigência motora mais treináveis (Ibidem, 1991). De acordo com Zakharov: “A coordenação como capacidade física representa a capacidade de dirigir os movimentos de acordo com as condições de soluções de tarefas motoras.” (ZAKHAROV, 1992, p. 168). Para ele, as capacidades de coordenação são diversificadas, sendo diversificadas as tarefas motoras que o homem se vê obrigado a resolver. O nível de revelação destas capacidades é determinedo, em grande medida, por diversos sistemas sensoriais. Segundo Zakharov, a idade infantil apresenta-se como a mais favorável para o treino das capacidades de coordenação (Ibidem, 1992). Segundo Winter (apud WEINECK, 1991): “Capacidades coordenativas deficientes geralmente não são devidas à predisposição insuficiente, mas antes a pouca estimulação nos primeiros anos de vida”. Weineck nos diz que: “o controle e regulação neuromuscular ou senso-motor, pertencem evidentemente àquelas regiões funcionais elementares, cuja aquisição e desenvolvimento ocorrem bem cedo.” (Ibidem, 1991, p. 278). Este autor também menciona que as capacidades coordenativas são desenvolvidas da mesma forma nos dois sexos, valendo o mesmo para sua treinabilidade (Ibidem, 1991). Quanto à idade avançada, Gomes da Costa cita Israel: “Na idade avançada, a coordenação motora apresenta as seguintes características (Israel et al. 1982): - Redução na necessidade de movimentação 267 - Diminuição da velocidade dos movimentos - Diminuição da capacidade de combinar movimentos - negligência na qualidade de execução de atos motores” (GOMES da COSTA, 1996, 138). Weineck (1991) aponta a Coordenação Intra e Intermuscular (Força – capacidade coordenativa do músculo e, R.M.L. – coordenação intra e intermuscular); a Condição Funcional dos Analisadores (capacidade dos órgãos dos sentidos em receber, analisar e codificar, preparando as informações necessárias para o desenvolvimento motor); a Capacidade de Aprendizagem Motora; o Repertório de Movimentos – Experiência Motora; a Capacidade de Adaptação e Reorganização Motora; Idade e Sexo, Fadiga e outros fatores, como Fatores Determinantes da Coordenação Motora. Weineck aponta que as capacidades de coordenação distinguem-se em gerais e especiais. As capacidades de coordenação gerais são o resultado de uma instrução de movimento polivalente nos diferentes esportes. Elas manifestam-se, portanto, nos diferentes campos da vida cotidiana e do esporte. As capacidades de coordenação especiais desenvolvem-se mais no quadro da modalidade esportiva considerada com as variações técnicas próprias e específicas da modalidade, onde diversas combinações de componentes nas dosagens infra-estruturais específicas recebem uma posição nitidamente prioritária (Ibidem, 1989). Para Weineck, as capacidades de coordenação são importantes, visto que, são a base de uma boa capacidade de aprendizagem sensório-motora; quanto mais elevado for seu nível, mais depressa e mais seguramente poderão ser aprendidos movimentos novos ou difíceis e, a economia inerente a uma destreza altamente desenvolvida, condicionada pela precisão da orientação do movimento, permite executar movimentos idênticos com um menor consumo de força muscular e acarreta, assim, uma economia de energia (Ibidem, 1989). Ainda Weineck, sobre as capacidades de coordenação, tomando como referência Shanabel: 268 “Entre a multiplicidade das diversas capacidades de coordenação, podem se destacar três capacidades gerais de base (cf. Shanabel, 1974, 627): - A capacidade de controle motor. - A capacidade de adaptação e readaptação motoras. - A capacidade de aprendizagem motora.” (Ibidem, 1989, p. 171). Conforme Weineck, as capacidades de coordenação num enfoque da performance, são impensáveis sem a inter-relação e ligação direta com outras qualidades físicas como força, velocidade, resistência, mobilidade e sua complexa engrenagem na realização do movimento, sendo o mesmo o inverso, para com as outras qualidades física e a coordenação, pois esta permite a aquisição de habilidades esportivas necessárias no processo de educação e formação corporais (Ibidem, 1989), e poderíamos complementar com a formação e desenvolvimento, também, dos aspectos afetivos e cognitivos, principalmente, se pensarmos em performance. Weineck nos diz que A informação óptica e A informação verbal, como métodos e conteúdos da instrução das capacidades coordenação, são métodos e medidas que tendem a criar uma representação motora (Ibidem, 1989), como já visto, na capoeira, mesmo que empiricamente, estes métodos sempre foram utilizados como forma de transmissão do saber corporal, pois tanto de forma verbal, como “no olho” (óptica), esta aprendizagem ocorria e ainda ocorre nos dias atuais. Este autor, nos métodos e conteúdos da instrução das capacidades de coordenação, também menciona como métodos por variação e combinação de exercícios para acentuar as capacidades coordenativas, são eles: Variação da posição inicial, Variação da execução do exercício, Variação da dinâmica motora, Variação da estrutura espacial, Variação das condições externas, Variação da tomada de informação, Combinação de habilidades motoras e, Exercício em aceleração forçada (Ibidem, 1989). Na capoeira, podemos utilizá-los da seguinte forma: 269 a) Variação da posição inicial: mudando a posição inicial de algum movimento, golpe ou gesto, de maneira que a nova dificuldade imposta, possa ajudar a prevenir quanto a futuras condições imprevistas numa luta ou jogo de capoeira; b) Variação da execução do exercício: executar um exercício em simetria lateralmente oposta ou com alguma variação pré-estabelecida; c) Variação da dinâmica motora: executar um exercício mais rápido ou mais lentamente ou mesclar estas duas variantes de velocidade num mesmo movimento, propiciando o acordo com diferentes situações; d) Variação da estrutura espacial: diminuir ou aumentar o espaço da roda ou do jogo, procurar diferentes ambientes, que tenham uma maior dificuldade como pilastras, árvores, pedras; e) Variação das condições externas: procurar diferentes ambientes, como pisos diferenciados, piso molhado e ou escorregadio (vários capoeiras em estágio avançado treinam em piso molhado e com sabão e também em piso encerado com sapatos de sola lisa), leito rasos de rios, podendo este conter pedras com seixos rolados, utilizar-se de objetos como mesas, cadeiras, carros, ou ainda, a parede, barras, pilastras árvores, pedras e etc (deve-se estar atento para as dificuldades impostas no treinamento, para que estas estejam adequadas ao praticante, visto também, principalmente, o fator segurança), também relativo ao ambiente como: chuva, vento forte, calor, frio, sol forte, etc; f) Variação da tomada de informação: considerando que a tomada de informação óptica, acústica, estático-dinâmica, tátil e cinestésica e sua elaboração são importantes para o controle motor, pode-se influenciar esse último por uma redução ou aumento informação apresentada (WEINECK, 1989), um exemplo deste tipo de exercício é o empregado com “raquetes” ou 270 chinelos, em que você coloca este(s) em um ponto para o aluno golpear, variando o ponto de colocação e a velocidade desta colocação; g) Combinação de habilidades motoras: todas as habilidades motoras solicitadas devem ser dominadas e aperfeiçoadas, senão as combinações não serão bem sucedidas, isto é, as seqüências de movimentos e golpes da capoeira, pré-determinadas ou não, só serão bem realizadas se estes estiverem dominados e forem bem realizados para após, no somatório que é a seqüência, estarem e propiciarem uma perfeita combinação, de modo harmônico; h) Exercício em aceleração forçada: depende do fator externo, geralmente de outro jogador, onde por meio de pressão o praticante se vê obrigado a mudar a execução de um movimento (acelerando-o, diminuindo a velocidade, aumentando a força explosiva, etc.), a fim de não ser prejudicado. “Os conteúdos adequados para o funcionamento das capacidades de coordenação são inferidos da modalidade esportiva considerada.” (WEINECK, 1989, p. 178). Quanto aos Esportes de oposição, a dois, Weineck, relativos aos conteúdos da instrução das capacidades motoras, assim pensa: “Essas modalidades são também excelentes para a instrução geral e destreza. A oposição direta de um adversário pouco previsível exige não só um máximo de capacidade de coordenação, mas ainda a capacidade física de “performance”. No domínio das capacidades de análise, eles melhoram principalmente os analisadores cinestésico, tátil e óptico.” (Ibidem, 1989, p. 178). 271 Weineck citou os seguintes Princípios metódicos quanto as capacidades de coordenação: “- Ao contrário das outras formas principais de exigência motora, que podem ser desenvolvidas por métodos unilaterais de treinamento, as capacidades de coordenação podem se melhoradas em seu complexo. - Um bom desenvolvimento da destreza não pode ser obtido, a não ser de acordo com o princípio de uma variação e combinação constantes dos métodos e dos meios de exercícios. - A aquisição e a execução de habilidades esportivas aperfeiçoam paralelamente as funções psicofísicas (por exemplo as funções de análise) e as funções de coordenação – portanto as premissas de uma aprendizagem motora contínua – com vistas à aquisição de novas habilidades esportivas (Hirtz, 1976, 384). - As capacidades de coordenação devem ser ensinadas em tempo útil, pois a evolução fisiológica da idade deteriora os processos de tomada e de tratamento da informação, daí uma diminuição da eficácia do treinamento. - O treinamento da destreza não deve ser efetuado em estado de fadiga, pois o momento não é ótimo para a instrução dos processos de controle.” (Ibidem, 1989, p. 179). Para Zakharov, as capacidades de dirigir os movimentos se baseiam predominantemente na precisão das percepções motoras (cinestésicas), que se apresentam em combinação com as percepções visuais e auditivas. Com pequena experiência motora, as percepções e sensações do homem não 272 permitem diferenciar nitidamente os parâmetros do espaço, tempo e de força do movimento. Por isso as capacidades de coordenação se formam, antes de tudo, no processo de treinamento de diversificadas ações técnicas e táticas. Com a execução racional dos movimentos, só ficam em estado excitado (tenso) os grupos musculares que participam diretamente destes movimentos, permanecendo os outros grupos musculares em estado relaxado. A concordância e correspondência da tensão e do relaxamento dos músculos se caracterizam pela coordenação nervoso-muscular (ZAKHAROV, 1992). Continuando, Zakharov nos diz que, na realização, pela primeira vez ou em condições insólitas, de uma ação motora, a tensão involuntária dos músculos se eleva, o relaxamento completo destes inexiste e sua coordenação se pertuba. A excessiva tensão muscular aparece geralmente na etapa inicial do treino, assim como sob a influência da fadiga, da sensação de dor, do estresse psicológico, por exemplo, devido à participação nas competições. A pertubação da coordenação nervosomuscular se reflete negativamente na capacidade dos resultados da realização dos exercícios. Na atividade que exige a revelação da resistência, a tensão muscular elevada leva ao aumento de gastos energéticos e à fadiga rápida; nos exercícios de velocidade se limita a velocidade máxima, nos exercícios de força se reduz a grandeza de força aplicada. Na primeira execução de um movimento, os músculos antagonistas intervêm ativamente neste, freiam-no, o que permite introduzir as correções necessárias no processo de sua execução. À medida que se eleva a capacidade de direção do movimento, opera-se passo a passo a eliminação da tensão excessiva dos músculos (Ibidem, 1992). Para Barbanti, a definição de coordenação é a seguiente: “”É a função do Sistema Nervoso Central e da musculatura exigida em uma seqüência cinética dirigida” (HOLLMANN). Uma grande quantidade de 273 repetições converte, pouco a pouco, um movimento conscientemente realizado em um “estereótipo dinâmico motriz”, quer dizer, um processo cinético de desenvolvimento automático, dirigido inconscientemente. A coordenação determina a beleza dos movimentos.” (BARBANTI, 1979, p. 10). E ainda Barbanti, cita Hollmann, o que Campos concorda e aproveita em sua obra: “Segundo Holmann, “coordenação é função do sistema nervoso central e da musculatura esquelética exigida em uma seqüência cinética dirigida” (apud Barbanti 3).” (CAMPOS, 1998, p. 118). Barbanti (1979) escreveu um capítulo sobre a habilidade e destreza, no item dos conceitos ele diz que a terminologia esportiva oferece várias possibilidades de interpretações quanto a estes dois termos. Segundo ele, muitos estudiosos do assunto, concordam em vários aspectos, diferem em outros e ainda não se sabe exatamente quem está mais correto, dependendo sempre de “pontos de vista”. Normalmente, quando se tem de realizar um movimento que exige uma alta coordenação, portanto, uma atuação precisa do sistema nervoso central, fala-se em habilidade e destreza. Isto quer dizer que ambas as qualidades são graus exponenciais da coordenação. De acordo com Barbanti: “Vários autores entre os quais HARRE, MATWEYEW, RITTER, não fazem diferenciação entre ambas. Para eles, tanto a habilidade como a destreza são elevadas coordenações dos segmentos corporais, como cada um deles em particular são dirigidos por um mesmo sistema nervoso central. Segundo esses autores quem é “hábil” também é “destro”. Já outros estudiosos 274 como MEINEL, HIRTZ, diferenciam claramente essas duas qualidades motrizes. Para MEINEL, a destreza se caracteriza por “um elevado trabalho de coordenação neuromuscular no qual se combinam entre si a atividade de vários segmentos corporais”. Assim existe uma elevada coordenação entre os movimentos do tronco, da cabeça e das extremidades. E a habilidade, segundo o mesmo autor, seria uma característica motriz de elevado grau de coordenação isolada e independente, da cabeça, pés, mãos. Então um atleta seria um “destro” e o pianista um “hábil”.” (Ibidem, 1979, p. 205). Complementamos transcrevendo a definição de destreza por Barbanti: “É a capacidade de dominar movimentos complicados, aprender rapidamente novos movimentos específicos e adaptar-se, rapidamente, a várias situações. É uma coordenação superior, mais elevada, de movimentos complexos e específicos.” (Ibidem, 1979, p. 14). Cunha nos diz que “a ginga da Capoeira, requer uma capacidade de coordenação motora a ser realizada, desenvolvida e aperfeiçoada.” (CUNHA, 2003, p. 67). Campos pensa que com a prática da capoeira, pode-se melhorar e desenvolver a coordenação, principalmente por ser um jogo onde os oponentes se utilizam de destreza e criatividade sem uma seqüência determinada, exigindo sobremaneira reflexos aprimorados e movimentos coordenados. Os capoeiristas aprendem, pela vivência e intuição, a importância de dosar o gasto energético em função de uma melhor técnica 275 (CAMPOS, 1998). “Dizemos que uma pessoa executou um movimento coordenado, quando existe leveza e economia para se chegar ao objetivo desejado.” (Ibidem, 1998, p. 118). De acordo com Campos, “Normalmente o movimento é realizado com ritmo, amplitude soltura e estilo” (Ibidem, 1998, p. 118), para Campos, durante a execução do movimento, somente músculos necessários àquele trabalho se contraem enquanto o antagônico permanece relaxado. Ainda segundo Campos: “Sabe-se que fatores físicos da performance têm significativa influência no movimento coordenado como: força, velocidade, mobilidade e resistência que, em função do treinamento, podem conseguir os seguintes efeitos: 1 – melhoria técnica; 2 – menor gasto energético; 3 – melhoria da performance; 4 – maior eficiência; 5 – melhor recuperação durante o período de repouso.” (Ibidem, 1998, p. 118). Podemos dizer então que, o aperfeiçoamento da coordenação motora é o aperfeiçoamento da capacidade de realizar movimentos, de forma ótima, com o máximo de eficácia e de economia de esforços quando aperfeiçoada. Mente e corpo propiciando a combinação motora que proporcionará a realização de uma série de movimentos com o máximo de eficiência, economia energética e psíquica e, o mínimo de fadiga. Uma ótima coordenação motora permite a realização de gestos difíceis e caracteristicamente complicados, e uma boa eficiência mecânica, com precisão. Quando mais se apura a coordenação, proporcionalmente, diminui o gasto e aumenta a economia energética na execução do movimento. A coordenação é específica do gesto esportivo da modalidade, do desporto / esporte, atividade ou movimento. 276 A coordenação motora é uma qualidade física de natureza bem específica, isto é, um bom capoeira, que tenha a coordenação motora bem desenvolvida nesta modalidade, pode não ser um bom jogador de basquete, por exemplo. Está ligada a fatores socioculturais, e à habilidade, às experiências motoras e ao princípio da adaptação. Está também estreitamente ligada ao aspecto cognitivo, ao aspecto afetivo-social, tendo ligação direta e estando vinculada ao aspecto psicomotor. Primordial é o aprendizado correto, mas de modo espontâneo, gradativo, natural e orgânico, e não mecânico, dos movimentos e gestos característicos e específicos da capoeira, em um processo de autodescobrimento, auto-conhecimento corporal, assim como a sua percepção pelo capoeirista, conforme suas potencialidades e dificuldades individuais, sejam de ordem interna e ou externa. Melhora-se cada vez mais esta qualidade física na arte da capoeiragem, é o que faz a diferença na luta ou jogo de capoeira, dos movimentos e gestos do capoeirista, influenciando sensitivamente o modo individual de “ser capoeirista”, e no seu comportamento de forma geral. A coordenação específica da capoeira está ligada à inteligência e à sabedoria corporal, à didática e ao conhecimento popular, à tradição dos gestos específicos, característicos e comuns da capoeira, que estão enraizadas nas entranhas históricas e socioculturais do povo brasileiro, especificamente em determinadas regiões e localizações, onde o determinismo cultural afeta a cultura da capoeira de modo regionalista, apesar da capoeira estar se alastrando de modo muito intenso e abrangente por todo o mundo e também sofrer os impactos da globalização. Este determinismo cultural também está atrelado a um tempo, um momento específico de cada local. Há diversas “escolas”, “linhagens” e “estilos”, e 277 concepções variadas destes, várias filosofias, pensamentos e interpretações diferentes da capoeira; que variam de acordo com a região e grupo social, e à época ou momento histórico social. Por isso, além de toda confusão com relação à capoeira, para quem não leva em conta todos os fatores relacionados ao desenvolvimento e evolução da capoeira por toda a sua história, observamos uma grande diversidade encontrada nos gestos e movimentos dos capoeiristas, em seus treinamentos que estão em constante evolução. A coordenação e sua relação com a capoeiragem precisa ser melhor estudada, pesquisada e trabalhada, pois a capoeiragem é uma arte recente em comparação à certas artes orientais. E está em fase de formação e evolução, sob influência maciça da mídia, da globalização e da institucionalização. A evolução de estudos neste campo seria de enorme benefício para o desenvolvimento da capoeira, como também a capoeira, por toda a sua característica diferenciada, complexa e peculiar, teria muito a contribuir para este campo do saber. A grande propagação da capoeira no passado, época em que era crime e resistia na ilegalidade, se deu de maneira rápida e “assustadora”. Portanto, verifica-se a fácil transmissão e aprendizado dos gestos e movimentos da capoeira, e a grande amplitude de desenvolvimento individual e coletivo. Este treinamento era baseado no experimento e conhecimento corporal, portanto, a qualidade física coordenação, é primordial para o aprendizado da capoeira. 2.10.2 – A velocidade Para Fernandes, no Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa – O Globo, a definição de velocidade é: “VELOCIDADE, s. f. Movimento ligeiro; rapidez; qualidade do que é veloz; celeridade; (fig.) relação entre o espaço 278 percorrido e a unidade de tempo (Do lat. velocitate.)” (FERNANDES, 1993, p. 699). Segundo Tubino, a definição de velocidade é: “É a qualidade física particular do músculo e das coordenações neuromusculares que permite e execução de uma sucessão rápida de gestos que, em seu encadeamento, constituem uma só e mesma ação, de uma intensidade máxima e de uma duração breve ou muito breve (FAUCONNIER / 1978).” (TUBINO, 1984, p. 180). Weineck se apóia em Frey, para definir a velocidade: “Segundo Frey (1977, 349), a velocidade é a capacidade, sobre a base da mobilidade dos processos do sistema neuromuscular e da faculdade inerente à musculatura, de desenvolver a força, de executar ações motoras em um mpinimo de tempo, colocado sob condições mínimas.” (WEINECK, 1989, p. 137). Segundo Dantas, a velocidade de movimento é uma habilidade motora e como tal, preponderantemente depende do determinismo genético. Para este autor, pode-se considerar a velocidade de movimentp dependendo de três fatores: Amplitude do movimento, Força do grupo muscular empregado e, Eficiência do sistema neuromotor – fator básico. As duas primeiras são fatores coadjuvantes. Cada um destes fatores, ao preponderar sobre os demais, fará com que esta qualidade física se expresse de uma maneira na prática esportiva (DANTAS, 1995). 279 De acordo com Dantas, ao preponderar a amplitude do movimento ter-se-á a velocidade produzindo deslocamento através da repetição de movimentos cíclicos de membros como observado na natação ou nas corridas. Já o predomínio do aspecto força poderá ser observado nas “performances” que exigem força explosiva como chutes de futebol, socos do boxe, cortadas do vôlei, etc. Por fim, o sistema nervoso será mais importante nas expressões da velocidade em que se observa previamente a velocidade de reação e nas quais os outros aspectos são secundáriosem relação à rapidez de execução, como pode ser observado nas paradas de esgrima, nas defesas do karatê ou na colocação das mãos para a recpção de um saque de vôlei. Para Dantas, a eficiência do sistema neuromotor, desde a velocidade de condução do motoneurônio, passando por sua preponderância fásica, até a existência de um alto percentual de fibras glicolíticas rápidas, dependerá, fundamentalmente da predisposição genética da pessoa, o que torna muito difícil conferir a velocidade a quem não a possua de forma inata. No entanto, há uma hipertrofia seletiva das fibras musculares devido à especificidade do treinamento. Ela também provoca um aumento da freqüência da descarga neuronal, bem como uma adaptação das fibras glicolíticas lentas, tornando-as de comportamento semelhante às rápidas (Ibidem, 1995). Para Weineck, quanto as Modalidades da velocidade, esta, se distingue em uma Velocidade Cíclica, adequada a uma sucessão de ações motores, como, por exemplo, corrida; e uma Velocidade Acíclica, adequada a uma ação motora isolada, como, por exemplo, lançamento. Weineck, em sua obra, preferiu abordar a Velocidade Acíclica no capítulo sobre Força de Explosão. Segundo este autor: “Entende-se por velocidade de base a velocidade máxima que pode ser atingida no plano de um movimento motor cíclico.” (Weineck, 1989, p. 137). Sobre a Treinabilidade da Velocidade, Weineck nos diz que, o fator físico da “performance” denominado “velocidade” é, de acordo com a concepção geral, condicionado por uma diátese inata e pode ser treinado menos que a força ou a resistência (Ibidem, 1989), e ainda: 280 “Um adulto não treinado (v. p. 18) pode, por intermédio de um treinemento apropriado, melhorar seu melhor tempo em 100m de 15-20% no máximo; os outros casos são a exceção (cf. Hollmann-Hettinger, 1980, 288). Isso é devido ao fato de que as diferenças na distribuição das fibras musculares e, conseqüentemente, o modelo de inervação são geneticamente fixados e o treinamento pode apenas modificar o volume (por aumento da seção transversal) ou a capacidade de coordenação, mas não a distribuição percentual das fibras. A velocidade é o fator físico da “performance” que diminui mais cedo e mais fortemente, com a idade crescente” (Ibidem, 1989, p. 137). Segundo Weineck, a velocidade, fator físico complexo da performance, em que, sobretudo, desempenham um papel determinante os componentes de coordenação e de condicionamento, depende de diversas premissas anátomo-fisiológicas (Ibidem, 1989), que abordaremos superficialmente, são elas: a) Tipos de musculatura: “A velocidade de contração de um músculo depende em alto grau do tipo de suas fibras” (Ibidem, 1989, p. 137). Dantas nos diz que, a relação entre fibras musculares rápidas (FT) e lentas (ST) é relevante para o rendimento e determinada geneticamente, sendo que, o treinamento da condição física não pode converter as fibras ST em FT (DANTAS, 1995). b) Força da musculatura: A capacidade diferencial de “performance” no domínio da velocidade – isso vale em particular para seu componente parcial: a fase de aceleração – baseia-se em um nível inicial diferente das 281 faculdades de coordenação e de força. Uma melhora da força é sempre acompanhada de uma elevação da velocidade motora. O impulso dinâmico, em conexão com as qualidades de coordenação, determina a “performance” da velocidade, como, por exemplo, em uma corrida, onde influencia sensivelmente o comprimento e a freqüência da passada, mostrando assim, a importância da força, como também, por exemplo, para a elevação da “performance” de “sprint” (WEINECK, 1989). c) Parâmetros antropométricos: A variação do comprimento e da freqüência da passada é tão grande que a influência do tamanho do corpo e das relações de alavanca sobre esses parâmetros poderia ser julgada não decisiva (Ibidem, 1989). Para Dantas, as Características Antropométricas exercem uma influência não pouco importante para a amplitude e freqüência do movimento. Apesar do treinamento não poder modificá-las, a necessitaremos nos diagnósticos biomecânicos (DANTAS, 1995). d) Bioquímica da musculatura: A velocidade máxima do indivíduo depende largamente das reservas de energia da musculatura e da sua velocidade possível de mobilização. A velocidade está em estreita correlaçãocom o tipo de fornecimento de energia. “Por um treinamento especial, as reservas de fosfatos energéticos, em particular KP” (PANSOLD apud WEINECK, 1989, p. 138) e as de glicogênio, que ocorre amplamente na glicólise anaeróbica, localizadas no músculo, podem ser aumentadas. Paralelamente, é aumentada a atividade de enzimas empenhadas no deslocamento desses aubstratos energéticos (WEINECK, 1989, 138). Para Dantas, as reservas de ATP, PC e a ação das enzimas encarregadas da degradação e ressintetização do fosfato, têm sua importância decisiva para a velocidade. O rendimento máximo da velocidade é devido, nos primeiros segundos, à degredação do fosfato, em seguida se recorre a glicólise anaeróbica como forma de aporte energético até alcançar seu teto a 18 seg., por efeito do freio do lactato acumulado. A regeneração do fosfato requer de 1 ½ a 2 min. Para eliminar aproximadamente 50% do lactato, necessita-se de uns 15 minutos. Desse processo energético podem-se derivar os tempos 282 específicos para cargas e descansos do treinamento da velocidade (DANTAS, 1995). Segundo Weineck: “Seja pelo aumento das reservas de energia, seja pelo aumento das atividades enzimáticas, a velocidade de contração do músculo eleva-se (cf. Barany, citado a partir de Piehl, 1979, 34, 38).” (WEINECK, 1989, p. 139). e) Cooperação neuromuscular, contratilidade do músculo: Para Harre, “Uma freqüência motora elevada não pode ser obtida sem uma alternância ultra-rápida de excitação e de inibição e as regulações correspondentes do sistema neuromuscular em conexão com um esforço ótimo.” (apud WEINECK, 1989, p. 139). Só uma coordenação motora intra e inter-muscular ótima permite melhorar a cooperação dos agonistas e dos antagonistas, assim como o número das unidades motoras ao mesmo tempo ativadas, daí a elevação de força de aceleração da musculatura. A velocidade de inervação, isto é, a velocidade de reação dirigida pelo sistema nervoso central da musculatura é, em geral, denominada velocidade de base (Ibidem, 1989). Seu desenvolvimento varia conforme os indivíduos, por causa das variedades que afetam o funcionamento do sistema nervoso “e repousa, conforme Lorentz (citado a partir de Nett, 1969, 12), no tamanho da carga (elétrica) das células ganglionárias motoras” (apud WEINECK, 1989, p. 139). Segundo Dantas, a Coordenação Intramuscular, Intermuscular e a Automatização do Movimento são fatores de influência nervosa, que alcançam e mantém suas propriedades, apenas quando os tempos destinados a atividade e repouso sejam ótimos (DANTAS, 1995). f) Elasticidade, estirabilidade e capacidade de descontração da musculatura: “Se a elasticidade, a estirabilidade e a capacidade de descontração dos músculos são insuficientes, processa-se uma redução da amplitude motora” (HARRE apud WEINECK, 1989, p. 140), e uma deterioração da cooperação neuromuscular e de coordenação, pois a musculatura que trabalha (agonista) durante o movimento deve superar uma resistência maior dos antagonistas. Esses desenvolvimentos motores, 283 inibidos pelo atrito interno e pelo tono muscular aumentado, exigem não somente uma eficácia menor de uma energia aumentada, mas ainda induzem, mesmo em pouco tempo, uma redução da velocidade (WEINECK, 1989). g) Influências psíquicas: Weineck afirma que, se a capacidade de coordenação não for suficientemente desenvolvida, certas circunstâncias podem condicionaruma perturbação da regulação nervosa central. A tentativa de influenciar voluntariamente um controle dos movimentos executados por automatismo acarreta uma deterioração da coordenação. Uma desautomatização acontec, e isso tanto mais depressa do que em um movimento seja menos bem consolidado, aprendido (Ibidem, 1989). “Além disso, um esforço máximo de vontade – Grosser (1976, 28) fala também de “puch” voluntário – é decisivo para a obtenção da velocidade máxima possível (cf. Harre, 1976, 164). De resto, esse esforço de vontade não diz rspeito ao desenvolvimento motor, mas à capacidade interna de mobilização.” (Ibidem, 1989, p. 140). Para Dantas, após a melhora dos fatores coadjuvantes da velocidade de movimento, quando deverá iniciar o treinamento da velocidade propriamente dito, consistindo na execução do movimento considerado com o máximo de rapidez possível, alternado com as pausas que permitam a recuperação metabólica, a influência psíquica é de grande importância, podendo o atleta ser auxiliado por influências externas visando “aprender” a realizar o gesto com mais velocidade. Por exemplo, um corredor pode correr afavor do vento, ou numa pista em ligeiro declive para ver se aumenta a freqüência de suas passadas; um ginasta pode receber o impulso extra de um trampolim para facilitar a execução de um movimento da ginástica de solo (DANTAS, 1995). 284 h) Estado de aquecimento da musculatura: Uma freqüência motora elevada supõe um estado ótimo de aquecimento; considerando-se que o aquecimento da musculatura por um lado, abaixa a viscosidade, fricção interna, reforça a elasticidade e a estirabilidade, mas por outro lado aumenta a capacidade de reação do sistema nervoso e melhora o processo de controle, todas as reações bioquímicas processam-se mais depressa e a temperatura for ótima, um aquecimento suficiente é necessário para a obtenção da velocidade máxima individual (WEINECK, 1989). “Segundo Jonath (1973, 26), a elevação da temperatura corporal pode aumentar cerca de 20% a velocidade de contração.” (JONATH apud WEINECK, 1989, p. 140). Para Dantas, a viscosidade do músculo influi em sua velocidade de contração. A viscosidade, por sua vez, depende de sua reserva de ATP, função ressintetizadora do ATP, da hiperacidez e do calor. Assim de entendem os enrigecimentos do músculo depois de grandes esforços de velocidade e a temperatura muscular baixa (DANTAS, 1995). i) Fadiga: É impossível atingir uma velocidade máxima em estado de fadiga, pois os processos de controle do sistema nervoso central são afetados e, reduzida no seu rendimento, a alta capacidade de coordenação necessária para o desenvolvimento da velocidade (WEINECK, 1989). “Na fadiga ocorre uma acidez metabólica mais ou menos acentuada (superacidificação condicionada pelo metabolismo) que, pelos canais sensíveis aferentes, é transmitida centriptamente para o córtex cerebral. Esses impulsos aferentes desencadeiam, nos centros responsáveis pelo controle motor, uma inibição que provoca uma redução do número e da freqüência das descargas dos neurônios motores (Reindell et al., citados de Koitzsch, 1972, 629).” (Ibidem, 1989, p. 140). 285 De acordo com Dantas, o treinador pode, e deve, preocupar-se, basicamente, antes de realizar o treinamento da velocidade propriamente dito, com o treino de quatro componentes: “- Sistema de transferência energética anaeróbicoalática – como foi visto na preparação cardiopulmonar - Amplitude do movimento - Diminuição da resistência mecânica – por meio de exercícios de alongamento - Força muscular – através de procedimentos da preparação neuromuscular.” (DANTAS, 1995, p. 163). Para Weineck, são Fatores Determinantes da Velocidade: a) Velocidade de reação: O tempo de reação obedece a regularidades de fisiologia sensorial, que de acordo com toda a verossimilhança na permite descer abaixo de um valor-limite determinado, cerca de 0,10 s (WEINECK, 1989). Segundo Zaciorskij apud Weineck: “O tempo de reação e o tempo intrínseco de latência reduzem-se, conforme Zaciorskij (1972, 52), a cinco componentes: - aparecimento de uma excitação no receptor (sinal); - transmissão da excitação para o sistema nervoso central; - passagem do estímulo nas redes nervosas e formação do sinal de operação (é então como nas reações complexas que necessitam mais tempo); - chegada do sinal emitido pelo sistema nervoso central ao músculo; - excitação do músculo com desencadeamento uma atividade mecânica.” WEINECK, 1989, p. 140 e 141). (ZACIORSKIJ de apud 286 Segundo Weineck, o tempo de reação nos estímulo óticos, acústicos e táteis é diferenciado, sendo também diferenciado, esta reação ao longo da vida do indivíduo e entre as pessoas. Este autor afirma que, não há relações entre Tempo de Reação e Velocidade Motora, uma pessoa pode ter um bom tempo de reação e uma medíocre velocidade motora e que, a velocidade de reação é influenciada diretamente pela “Tensão Prévia” (WEINECK, 1989). De acordo com Dantas, a velocidade do estímulo no sistema nervoso está fixada geneticamente, fibras nervosas motoras via eferente: 30120 m/s, fibras nervosas sensoriais das vias aferentes 1-120 m/s, e determina, por isso, o tempo mínimo de reação. Segundo Dantas, existem várias pesquisas sobre a velocidade e também sobre os tempos de reação a partir de sinais acústicos e óticos. Um treinamento consegue uma melhora de 10-15% para reações acústicas simples e de 30-40% para as reações discriminadas, porém mais no sentido de uma maior estabilidade nas repetições do rendimento ótico do que de uma melhora da velocidade (DANTAS, 1995). b) Faculdade de aceleração: “A faculdade de aceleração constitui a capacidade mais importante do corredor de “sprint”: os melhores corredores de “sprint” têm também um melhor tempo de partida.” (WEINECK, 1989, p 141). Weineck nos diz que, a estreita interdependência entre a Faculdade de Aceleração e a Força das Pernas resulta dos elevados coeficientes de correlação que existem para os saltos horizontais e os verticais (0,64 e 0, 50); os grupos, dotados de uma “performance” de “sprint” significamente melhor, dispõem de uma força superior de salto horizontal e vertical (Ibidem, 1989), que são extremamente necessárioas para a prática da capoeira, pois vários movimentos e golpes precisam deste fator. b) Velocidade de ação: É função privilegiada das capacidades de coordenação, de inervação e de resposta imediata dos músculos 287 empenhados, portanto, do valor funcional do sistema neuro-muscular (Ibidem, 1989). c) Velocidade de resistência: Segundo Gundlach, “os músculos robustos e rápidos podem possuir simultaneamente uma faculdade de resistência boa ou má” (GUNDLACH apud WEINECK, 1989, p. 143). Essa capacidade é mais fácil de ser treinada do que, por exemplo, a velocidade de inervação ou a contratilidade do músculo. A elevação da velocidade de resistência torna o atleta capaz de manter, por uma duração de tempo mais longa, a fase de velocidade de ordenação ou a velocidade máxima (WEINECK, 1989). Sobre os Métodos e conteúdos para melhorar os fatopes da velocidade. Zuhlow apud Weineck pensa que, para escolher os exercícios tecnomotores e de condicionamento aplicados ao treinamento, é importante analisar e avaliar o nível da influência exercida pelas componentes que determinam a “performance” e são independentes umas das outras, no rendimento complexo da motricidade esportiva (ZUHLOW apud WEINECK, 1989, p. 143). Para Ballreich apud Weineck, a análise funcional das componentes da velocidade que determinam a “performance” mostrou que, a velocidade de reação e a velocidade de resistência são indiferentes para a “performance”, enquanto a faculdade de aceleração e a velocidade máxima (rapidez de ação, velocidade de coordenação) condicionam-na amplamente (BALLREICH apud WEINECK, 1989, P. 143). Considerando que segundo Ballreich, a velocidade de reação, a aceleração de “sprint” e a resistência de “sprint” não se influenciam reciprocamente (BALLREICH apud WEINECK, 1989, P. 143), “cada componente exige meios especiais de treinamento (cf. Zaciorskij, 1972 74).” (WEINECK, 1989, 143). Colocamos alguns Princípios Metódicos do Treinamento de velocidade, citados por Weineck: “- A intensidade dos exercícios deve ser escolhida de tal modo que atija os níveis elevados, necessários para o desenvolvimento da velocidade. 288 - A duração do exercício deve ser escolhida de tal modo que a velocidade não diminua, em conseqüência da fadiga que ocorrer no fim do exercício (Zaciorskij, 1972, 58). - Considerando-se que, quando se observam pausas ótimas de recuperação, o efeito cumulativo do treinamento causa fenômenos de fadiga, relativamente cedo, devendo ser limitado a 5-10 repetições por unidade de treinamento o volume do exercício (cf. Zaciorskij, 1972, 59; harre, 1976, 166). Nenhum treinamento de velocidade para uma pessoa fatigada! Interrupção do trabalho de velocidade quando a cadência diminui! - Todo treinamento de velocidade deve processar-se em um estado de aquecimento ótimo.” (Ibidem, 1989, p. 146). Para Weineck, a mulher é inferior ao homem tanto na velocidade cíclica quanto na acíclica. A menor capacidade de desempenho absoluta da mulher não é devida a componentes psicomotores coordenativos da velocidade, o tempo de reação e a freqüência de movimentos, como expressão atuação neuromuscular são semelhantes nos homens e mulheres, mas sim às medidas que dependem da força (Ibidem, 1991, p. 368). A velocidade, assim como a força da mulher, é limitada principalmente pela sua reduzida taxa de testosterona. Sob exigências de velocidade, que se referem exclusivamente à velocidade como característica coordenativa e não a formas de manifestações dependentes da força, não se póde observar diferenças específicas entre os sexos (Ibidem, 1991). Sobre o treinamento da velocidade na infância e na adolescência, Weineck enfatiza sua instrução tão precoce quanto possível desse fator físico da “performance”, pois a velocidade máxima parece, geneticamente, limitada em um quadro relativamente estreito (Ibidem, 1989). 289 “Israel (1977, 992) admite a possibilidade de que o perfil definitivo das bases biológicas da velocidade seja estabelecido muito cedo. O que não foi desenvolvido em tempo útil não pode ser recuperado depois (cf. também Blaser, 1978, 445).” (Ibidem, 1989, p. 149). Segundo Meinel apud weineck, na idade pré-escolar, um considerável aperfeiçoamento dos movimentos de corrida ocorre dos 5 aos 7 anos, revelado por um aumento extraordinário da velocidade de corrida (MEINEL aoud WEINECK, 1989, p. 149). Weineck recomenda uma oferta aumentada de exercícios de velocidade é recomendada nesse lapso de tempo (WEINECK, 1989). Na primeira idade escolar, a freqüência e a velocidade dos movimentos passam por sua mais forte impulsão na primeira idade escolar, sendo também considerável, o aumento acentuado da velocidade de reação e a diminuição do tempo de latência que a condiciona (Ibidem, 1989). “conforme Markosjan-Wasjutina - 1965, 330 – ele passa de 0,5-0,6 s aos 6-7 anos e para 0,25-0,40s aos 10 anos” (Ibidem, 1989, 149). Conforme Koinser apud Weineck, nesse período de gradientes máximos de aumento das capacidades de velocidade, um papel importante cabe não somente às condições favoráveis que os processos nervosos oferecem para a mobilidade, mas ainda às condições das alavancas, sendo preciso então, levar em conta o desenvolvimento geral dos fatores físicos da “performance”, recorrendo mais a exercícios que empreguem a velocidade (KOINSER apud WEINECK, 1989). Observamos então que, a velocidade nos praticantes de capoeira deve ser desenvolvida o quanto antes, de preferência neste período da primeira idade escolar, onde pode trazer benefícios para uma futura performance na capoeira. 290 Sobre a primeira segunda escolar, Markosjan-Wasjutina apud Weineck, afirmam que, os tempos de latência e de reação continuam a reduzir-se rapidamente até o final desse período, para atingir quase os valores do adulto (MARKOSJAN-WASJUTINA apud WEINECK, 1989). Como nesta fase a freqüência e a velocidade dos movimentos de corrida aumentam consideravelmente, assim como na primeira idade escolar, uma intensificação do trabalho sobre as capacidades de velocidade deve ser realizada. Abordando o treinamento da velocidade na pubescência, MarkosjanWasjutina apud Weineck, nos dizem que, os tempos de latência e de reação atingem os valores adultos no final da pubescência (MARKOSJANWASJUTINA apud WEINECK, 1989) e, “a freqüência do movimento, que mal será modificada depois, tem seu ponto máximo situado dos 13 aos 15 anos (farfel, 1959, 17, citado de Meinel, 1976, 371).” (WEINECK, 1989, p. 149). De acordo com Koinzer apud Weineck, os coeficientes elevados condicionados de crescimento devido aos hormônios, elevação de testosterona nos meninos, em matéria de força e velocidade máximas, assim como o aumento da capacidade anaeróbica, visível na resistência de velocidade e da força de resistência, produzem nesta fase ganhos importantes em velocidade; além disso, ao contrário das idades anteriores, pode-se recorrer mais aos meios de treinamento anaeróbico para estimular o aumento. Esse fato deve ser explorado com um treinamento reforçado do componente de condicionamentoda velocidade, portanto da força de explosão (Ibidem, 1989). Segundo Weineck, é possível um treinamento ilimitado e sem restrição dos aspectos condicionados e coordenativos da velocidade na adolescência. Os métodos e conteúdos de treinamento correspondem mais ou menos aos dos adultos, só apresentando diferenças do ponto de vista quantitativo (Ibidem, 1989; 1991). 291 Weineck sobre os conteúdos de treinamento para as crianças nos diz que, os treinamento de velociodade para as crianças devem ser lúdicos e adaptados a faixa etária, em quantidade e qualidade, respeitando os dados fisiológicos delas, como a menor capacidade alactática e lactática. Este autor comenta que, aumentando a idade, as formas puramente lúdicas são substituídas pelos treinamentos emprestados dos adultos, pricipalmente, após a puberdade, no início da adolescência (Ibidem, 1989). Como o lúdico é um fator presente e constante na capoeira, as possibilidades de intervenção no treinamento da velocidade nas crianças com a prática da capoeira é vasta, como também é vasta, as possibilidades de treinamento desta qualidade física após a puberdade, no início da adolescência e na fase adulta. Weineck apresenta ainda, alguns Princípios Metódicos do treinamento de velocidade para as crianças e adolescentes: “- O treinamento de velocidade deve ser conduzido nas diferentes idades por meios apropriados a cada idade. - É preciso estar atento para utilizar os setores sensitivos do desenvolvimento (época dos maiores índices de crescimento). - A velocidade e as capacidades, que a condicioam, devem ser desenvolvidas de maneira diferenciada (instrução da freqüência de movimento dos 7 aos 13 anos; treinamento de força de explosão, sobretudo na puberdade e no início da adolescência). - A velocidade deve ser treinada cedo, a fim de que o espaço geneticamente restrito, colocado antes da conclusão completa do sistema nervoso central, possa ser ampliado.” (Ibidem, 1989, p. 151). Para Campos, na capoeira o fator velocidade é muito importante, principalmente para ser usado nos golpes, esquivas ataques e defesas, 292 sendo que a velocidade de reação, através do estímulo visual, é a mais intensamente desenvolvida (CAMPOS, 1998). Segundo Campos: “A rapidez dos golpes, na Capoeira, exige também do oponente uma velocidade de relação bastante eficaz, aprimorando desta forma o reflexo. Sendo a Capoeira uma atividade eminentemente de movimentos acíclicos, torna-se deveras interessante uma vez que solicita de seu praticante movimentos variados dos segmentos em todas as direções, acompanhados de um alto grau de coordenação.” (Ibidem, 1998, p. 109 e 110). A velocidade como uma qualidade física que permite o indivíduo realizar uma ação no menor tempo possível, é importantíssima na capoeira, todo bom capoeira é veloz é veloz. Movimentos rápidos e velozes fazem parte da arte-luta e joga da capoeira. A velocidade é importante para se obter potência no golpe e para ter força explosiva, sendo imprescindível para a realização de determinados movimentos. A velocidade está ligada a fatores genéticos, ligada ao percentual e tipo das fibras musculares. Tubino diz que a velocidade está dividida em três tipos: Velocidade de reação, Velocidade de deslocamento e, Velocidade de membros (Ibidem, 1984). Outros autores ainda colocam um quarto tipo, a Velocidade de movimento, que seria expressa pela rapidez de execução de uma contração muscular. a) Velocidade de deslocamento: É ir de um ponto a outro, no menor tempo possível. b) Velocidade de reação: Observada entre um estímulo, que pode ser acústico, óptico ou tátil, e a resposta correspondente. É reger um estímulo no menor tempo possível. É uma ação consciente, não é um “reflexo”, como 293 geralmente conhecido de modo popular, é uma resposta à nível medular. Este tipo de velocidade é extremamente necessária para a realização de defesas, esquivas e negaças que possuam um alto nível de dificuldade de execução. c) Velocidade de membros: É a capacidade de movimentar um membro o mais rápido possível. Campos coloca que, as variáveis da velocidade são quatro (CAMPOS, 1998): a) Velocidade de reação ou Tempo de reação: já descrita anteriormente. b) Velocidade de movimentos acíclicos: esta qualidade se caracteriza por vários movimentos sem uniformidade e com acelerações diferentes. Apresentam-se, esses movimentos, nos esportes de arremessos, saltos, tênis, Box, capoeira, etc (Ibidem, 1998). c) Velocidade de movimentos cíclicos: é caracterizada por movimentos uniformes, precisos e com repetições de fases. Exemplo: corrida, natação, remo, ciclismo, etc (Ibidem, 1998). Na capoeira encontramos esta variante da velocidade somente em um movimento, a ginga, e mesmo assim, se ela for feita de forma marcada e igual, com um padrão regular de movimentação, sem variações de movimentos. Este tipo de ginga, não é a mais adequada para a capoeira, pelo contrário, seria a própria desaprendizagem da ginga. Ela sé tem serventia para uma finalidade, para o treinamento da resistência específica, devido a sua constância de movimento. Estudos e protocolos de avaliação e de treinamento poderiam até ser preconizados, mas ainda há muito para ser pesquisado com a ginga da capoeira. O próprio treinamento da ginga na Zona Alvo da Freqüência Cardíaca, pode ser trabalhada com uma inconstância da ginga, apesar de mais trabalhoso, se assim for feito este treinamento. 294 d) Velocidade de segmentos: é a capacidade de mover os segmentos do corpo, braços, pernas, cabeça e tronco, o mais rapidamente possível, permitindo a sucessão rápida de gestos com intensidade máxima e duração breve ou muito breve (Ibidem, 1998). Esta variável seria a Velocidade de membros, mencionada por Tubino, mas este autor, ao colocar esta nomenclatura, deixa de fora o tronco e a cabeça, especificando somente os membros. A Velocidade de movimentos acíclicos e a Velocidade de movimentos cíclicos estão dentro da divisão de Tubino, na Velocidade de deslocamentos, mas de forma interpretativa diferenciada. De acordo com Dantas, o treino técnico é muito importante para o desenvolvimento da velocidade (DANTAS, 1995), pois uma ótima coordenação é eseencial para uma boa performance da velocidade. Para Dantas: “O gesto desportivo deve ser repetido exaustivamente procurandose obter o máximo de precisão e coordenação, consumindo o menor tempo possível.” (Ibidem, 1995, p. 163). Ainda segundo este autor: “Outro fator que auxilia o desenvolvimento da velocidade é o treinamento com colete lastrado que , por sobrecarregar o atleta durante os treinamentos, permite que ele tenha melhor resultado ao retirá-lo durante as performances. No entanto, sempre que o uso do colete interferir com as características técnicas do desporto, convém ser evitado seu uso, pois poderá se tornar contraprudente.” (Ibidem, 1995, p. 163). Como é sabido no meio da capoeiragem, alguns capoeiras costumam treinar com caneleiras, no intuito de desenvolver a velocidade dos golpes executados com os membros inferiores. Ainda não há estudos sobre esta prática. Empiramente é notório algum desenvolvimento, mas não é possível 295 afirmar se o treinamento com caneleiras é mais eficiente, adequado e indicado, do que o tradicional, sem o uso destas. Também é sabido, empiracamente, que o uso abusivo ou a má utilização das caneleiras podem provocar lesões, principalmente articulares e, mais especificamente, nos joelhos. Contudo, seu uso ainda é bastante utilizado por capoeiras com poucos anos de prática, quando desejam ampliar a velocidade de seus golpes com os membros inferiores. Estudos desta qualidade física aplicada à capoeira têm um campo vasto e ainda inesplorado, podendo muito contribuir para conhecermos mais sobre a velocidade na capoeira. Não devemos esquecer, ao trabalhar a qualidade física velocidade, das Leis da Física, em que trata a velocidade, conhecendo, por exemplo, a velocidade escalar média, a velocidade escalar instantânea, a velocidade vetorial média e a velocidade vetorial instantânea. Estes conceitos e conhecimentos são fundamentais para uma compreensão desta qualidade física perante a Ciência da Física, e assim, poder trabalhar com um total domínio e conhecimento da velocidade como um todo. 2.10.3 – A força Inicialmente iremos abordar um pouco de Física, uma breve e superficial revisão, que irá nos ajudar a compreender melhor alguns fatores. Os Princípios da Dinâmica, também chamados de Leis de Newton. Em Dinâmica, forças causam variações na velocidade de um corpo, isto é aceleração. “Forças são interações entre corpos, causando variações no seu estado de movimento ou uma deformação” (BONJORNO, 1988, p. 92). Princípio da Inércia ou 1ª Lei de Newton: Se a força resultante sobre um ponto material é nula, este permanece em repouso ou em movimento retilíneo e uniforme. Princípio Fundamental da Dinâmica ou 2ª Lei de Newton: A resultante das forças aplicada a um ponto material é igual ao produto de sua massa pela aceleração adquirida (Ibidem, 1998, p. 95). Peso de um Corpo: Peso é a força de atração gravitacional que a Terra exerce 296 num corpo (Ibidem, 1988, p. 98). Deformação elástica – Lei de Hooke: A intensidade da força deformadora é proporcional à deformação (Ibidem, 1988, p. 99). O Quilograma-Força (Kgf): 1 Kgf é o peso de um corpo de massa 1 Kg num local onde a gravidade é normal (g= 9,8 m/s²) (Ibidem, 1988, p. 100). O Princípio da Ação e Reação ou 3ª Lei de Newton: A toda ação corresponde uma reação, com a mesma intensidade, mesma direção e sentidos contrários (Ibidem, 1988, p. 102). “Define-se como potência média o quociente do trabalho desenvolvido por uma força e o tempo gasto em realizá-lo.” (Ibidem, 1988, p. 136). Teorema da Energia Cinética: O trabalho realizado pela força resultante que atua em um corpo é igual à variação da energia cinética desse corpo (Ibidem, 1988, p. 143). Conservação da Energia: A energia não se cria nem se destrói, só se transforma de um tipo em outro, em quantidade iguais (Ibidem, 1988, p. 150). Teorema do Impulso: Para o mesmo intervalo de tempo, o impulso da força resultante é igual à variação da quantidade de movimento (Ibidem, 1988, p. 157). Princípio da Transmissibilidade das Forças: O efeito de uma força sobre um corpo não se altera quando deslocamos seu ponto de aplicação ao longo de sua linha de ação (Ibidem, 1988, p. 171). Centro de Gravidade: Centro de gravidade de um corpo é o ponto de aplicação da força de peso (Ibidem, 1988, p. 173). Primeiro Princípio da Termodinâmica: A variação da energia interna de um sistema é igual à diferença entre o calor e o trabalho trocados pelo sistema com o meio exterior (Ibidem, 1988, p. 255). Após esta breve explanação e revisão sobre alguns conceitos de Física, abordaremos a qualidade física Força, sob o enfoque do treinamento desportivo. Weineck nos diz o seguinte, quando se tenta definir Força, quando abordada como uma qualidade física pelo treinamento desportivo: “Formular com precisão uma definição de “força”, que compreenda ao mesmo tempo seus aspectos físicos e psíquicos, ao contrário da definição dos físicos, 297 apresenta consideráveis dificuldades, pois as modalidades da força, do trabalho muscular, da contração muscular, etc... são extremamente complexas e dependem de uma multiplicidade de fatores.” (WEINECK, 1989, p. 97). A Força é uma terça parte da tríade das necessidades básicas de aptidão física do homem, composta pela Força, Resistência Aeróbica e Flexibilidade (GOMES da COSTA, 1996). Segundo Tubino, força é: “a qualidade física que permite um músculo ou um grupo de músculos produzir uma tensão, e vencer uma resistência na ação de empurrar, tracionar ou elevar.” (TUBINO, 1984, p. 180). De acordo com Peckering apud Gomes da Costa: “Força é definida como “a capacidade (PECKERING apud de exercer GOMES da tensão contra uma COSTA, 1996, p. resistência”” 57) e ainda: “Força muscular pode ser definida como a força ou a tensão que um músculo ou, mais corretamente, um grupo muscular consegue exercer contra uma resistência, em um esforço máximo.” (FOX, BOWES, FOSS apud GOMES da COSTA, 1996, p. 57). “Numa conceituação mais abrangente, podemos dizer que força representa a capacidade do indivíduo impor tensão contra uma resistência e que depende principalmente de fatores mecânicos, fisiológicos e psicológicos” (BITTENCOURT apud GOMES da COSTA, 1996, p. 57). “Farinatti / Monteiro (1992, 53/54) alertam para o fato de que “não se pode simplesmente transpor o conceito mecânico de força para o âmbito das tarefas motoras”. 298 Citam que “muitas vezes a força aplicada não dependerá apenas da aceleração, mas também de fatores como o grau de estiramento inicial da musculatura (Hollman, Hettinger, 1983), ou da sincronização neuro-muscular (Komi e col. 1978; Coyle e col., 1981)”. Destacam os exemplos de definição de força propostos por Zatsiorski (1968) – “Habilidade de superar uma resist~encia externa, ou suportá-la, por esforço muscular” – e Atha (1982) – “Habilidade de desenvolver força contra uma resistência em uma contração de duração restrita” -, ressaltando que ambos revelam a força enquanto uma habilidade; implicitamente, isto representa que “a capacidade de produzirmos tensão muscular controlada escapa à esfera puramente químicofisiológica, estando coordenativos e também ligada treináveis a aspectos motoricamente. Acreditamos ser isso de especial interesse ao profissional que lida com a força combinada a movimentos específicos – caso claro do professor de Academia”.” (GOMES da COSTA, 1996, p. 57). De acordo com Campos, hoje está comprovado, através de pesquisas e resultados, a grande importância da força nos esportes, de um modo geral. Segundo este autor, quando cita Barbanti, podemos defini-la dentro do conceito americano, “como sendo a capacidade de exercer tensão muscular contra uma resistência, envolvendo fatores mecânicos e fisiológicos, os quais determinam a força em algum movimento particular” (BARBANTI apud CAMPOS, 1998, p. 100). Gomes da Costa, quanto a Força, apontou Fatores Determinantes, são eles: 299 a) Área de secção transversa do músculo: esta que, por sua vez, é influenciada pelas seguintes características: a.1) Diâmetro da fibra muscular: das secções transversais das diversas unidades motoras (GOMES da COSTA, 1996); a.2) Voleme muscular: resulta do produto do diâmetro multiplicado pelo comprimento do músculo (Ibidem, 1996); a.3) Estrutura do músculo: secção transversal fisiológica, que é determinada automaticamente e não pode ser influenciada pelo treinamento (Ibidem, 1996), “ordenação paralela das fibras, emplumamento simples ou duplo (Weineck 1986, 50)” (WEINECK apud GOMES da COSTA, 1996, p. 58); a.4) Tipo de fibra muscular: quanto maior a quota de fibras FT (Fast Twitch Fibers, ou fibras de contração rápida – C.R.), melhor o músculo pode ser treinado em força e maior é sua força máxima (GOMES da COSTA, 1996). b) Fosfatos ricos em energia (ATP, CP): a força depende diretamente deste, visto que, o espaço de tempo do desenvolvimento do trabalho de força máxima dura poucos segundos, uma carga máxima executada até o esgotamento leva rapidamente a uma superacidez intracelular, aumento do lactato, e, com isto, há uma queda do desempenho, anível submáximo (Ibidem, 1996). c) Fatores biomecânicos: como a Eficiência Mecânica do Gesto Treinado, o Comprimento da Fibra Muscular, seu Ponto de Inserção e seu Ângulo de Tração, influenciam no aproveitamento da força muscular. A força, como também seu desenvolvimento, não estão relacionados de forma linear com a evolução dos ângulos articulares nos movimentos, e sim, em função, principalmente, das relações de alavanca, em constante mudança, e 300 pelo fato, de que nos diferentes ângulos são acionados diferentes partes do músculo ou mesmo diferentes músculos (Ibidem, 1996). d) A capacidade coordenativa do músculo: diz respeito ao Número de Unidades Motoras Ativadas, “quanto maior for o número de unidades motoras colocadas em funcionamento maior será a força gerada” (RODRIGUES / CARNAVAL apud GOMES da COSTA, 1996, p. 59); assim como da Freqüência e da Sincronização dos Impulsos Nervosos, que ativam estas unidades motoras, como também da qualidade física, que será abordada posteriormente, Descontração Diferencial e, a Perfeita Técnica Específica da Modalidade Esportiva, “como expressão de uma coordenação ótima, corresponde às regularidades biomecânicas – influencia, portanto, de forma decisiva, o grau de desenvolvimento de força potencial possível” (WEINECK apud GOMES da COSTA, 1996, p. 59). e) Fatores emocionais: o Estado de Espírito em que se apresenta o indivíduo tem relação direta com o resultado da força muscular. A Emoção repercurte no sistema nervoso e endócrino; pode aumentar a descarga nervosa e também a liberação de adrenalina, aumentando assim a força muscular. Segundo experiências já feitas, comprovou-se que a Motivação pode levar uma pessoa a manifestação de força superior à habitual (GOMES da COSTA, 1996). Já de acordo com o Dr. Theodoro Hettiger, todos nós temos uma “força muscular reserva”, que só se manifesta em situações especiais, tais como: grande motivação, alterações mentais, perigo, loucura, etc. (RODRIGUES / CARNAVAL apud GOMES da COSTA, 1996, p. 59). f) Sexo e Idade: são fatores cdeterminates para a delimitação dos níveis de força. Com relação ao Sexo, “devido à menor massa muscular e à menor seccção transversal do músculo da mulher, sua força equivale em média a cerca de 70% da do homem” (WEINECK apud GOMES da COSTA, 1996, p. 60). No homem o tecido muscular é mais desenvolvido, hipertrofiado, devido à Testosterona. O rendimento e treinabilidade entre meninos e meninas é praticamente igual até a puberdade, fato este que 301 após esta fase é modificado, devido à ação dos hormônios, dando maior vantagem aos homens, quanto a este aspecto. Outros fatores são a maior quantidade de tecido adiposo entre as fibras musculares, menor contratilidade, maior fadigabilidade, menor tônus e sistema ligamentar e articular mais débeis. Qunato à idade, em qualquer etapa da vida pode-se conseguir tanto o aumento de força como o volume muscular, poré há períodos em que se alcançam os maiores valores neste aspecto, ainda há outros fatores, como o sedentarismo, que podem determinar estes aspectos (GOMES da COSTA, 1996). g) O alongamento prévio do músculo e a flexibilidade (amplitude articular): São fatores consideráveis para a otimização dos trabalhos de força (Ibidem, 1996). h) Velocidade de movimento x Força máxima empregada: tanto maior será a velocidade empregada para o movimebto quanto menor for o seu potencial de força máxima, inversamente proporcionais (Ibidem, 1996). i) Tipo de Força: A grande za da força máxima dinâmica que pode ser alcançada dependerá diretemente do tipo de força desenvolvida no treinamento (Ibidem, 1996). j) Grau de fadiga muscular: dependendo do tipo de força desenvolvida, pode ser fator de interferência tanto positivo quanto negativo. Sintetizando, positivo, pois protege o músculo, não deixando ele se romper e, negativo quanto ao rendimento (Ibidem, 1996). k) Estado de teinamento: uma musculatura ativa tem mais potencial do que uma inativa, como também, são fatores importantes que devemos levar em consideração segundo Bittencourt “temperaturas ambiente e corporal, em graus extremos, ambas prejudicam a performance” (BITTENCOURT apud GOMES da COSTA, 1996, p. 65). 302 l) Hora do dia: este fator depende da individualidade da pessoa, seus hábitos diários. “o progresso desta curva do ritmo diário é a resultante do desempenho de todas as funções corporais (WEINECK apu GOMES da COSTA, 1996, p. 65). m) Formas de apresentação da força: apresenta-se de duas formas: Estática e Dinâmica, que se divide em Dinâmica Concêntrica e Dinâmica Excêntrica. A Concêntrica subdivide-se em: Força Pura ou Força Máxima, Força Dinâmica, Força Explosiva ou Força Rápida ou Potência ou Força de Velocidade e, Resistência da Força ou Força Resistente ou Endurance de Força ou Resistência Muscular Localizada (R.M.L.). Já a Força Estática, pode ser trabalhada metodogicamente de duas maneiras: Força Estática Máxima e Resistência da Força Estática (GOMES da COSTA, 1996, p. 73). De acordo com Tubino a força está dividida em três tipos: Força dinâmica, Força estática e, Força explosiva (TUBINO, 1984). Força Dinâmica: Segundo Dantas, chamam-se utilizações da força dinâmica aquelas em que havendo movimento, a intensidade da resistência a ser vencida e não a velocidade de execução é o fator determinante. A força dinâmica manifestar-se-á de duas maneiras: Força absoluta, valor máximo de força realizada num determinado momento, que não corresponde à força máxima e; Força relativa: quociente entre a força absoluta e o peso corporal de uma pessoa (DANTAS, 1995). Na capoeira pode ser trabalhada amplamente em várias situaçãoes com o próprio peso corporal, onde o esta qualidade física seja mais preponderante. Força estática: acontece sem que se produza movimento (Ibidem, 1995). Encontramos na capoeira algumas posições e ou parada de movimentos que requerem esta qualidade. Na aplicação de alguns golpes, o desenvolvimento da força estática pode ajudar muito, para um melhor efeito na execução destes. Contudo devemos ter uma preocupação com o 303 aumento da pressão arterial durante este tipo de exercício, que não deve ser ministrado à pessoas cujo este aumento possa ser prejudicial. Força explosiva: também conhecido como Potência, este parâmetro é função da velocidade de execução do movimento e da força desenvolvida pelo músculo considerado, sua fórmula seria: Força Explosiva = Força Dinâmica x Velocidade (Ibidem, 1995). Muito utilizada na capoeira, além de saltos, é muito necessária nos contra-ataques onde é necessária para sair rapidamente de uma posição de defesa e ou esquiva, como: cocorinha, negativa, etc. Também é extremamente utilizada na aplicação de golpes. Weineck fez algumas considerações sobre a respiração no treinamento de força: Nos exercícios de força que permitem um grande número de repetições, a respiração não deveria ser retida. No treinamento dinâmico, tomemos aqui como exemplo o desenvolvimento em decúbito dorsal, é preciso expirar no momento em que a carga entra em contato com o peito e inspirar por ocasião do levantamento até a extensão vertical. No treinamento isométrico, é recomendado o arquejamento. No treinamento por cargas elevadas, muitas vezes não se pode evitar um breve bloqueio temporário, pois ele permite obter a fixação torácica necessária para o levantamento vertical (WEINECK, 1989). Como a qualidade física força pode ser amplamente estudada e abordada perante a capoeira, só o fizemos de forma superficial, na intensão de ampliar um pouco as noções sobre esta qualidade física. Finalizando, Campos teceu alguns comentários sobre a qualidade física força e a capoeira: “Na Capoeira, o emprego da força rápida (potência) é bastante utilizado nos golpes de ataque e contraataque, saltos e esquivas. A resistência de força tem um emprego puramente anaeróbico e a força máxima 304 praticamente não existe, uma vez que não é necessária. Para escolares, o importante é o emprego da força geral, para atuar no desenvolvimento integral e multilateral, utilizando-se o peso do próprio corpo, as atividades naturais e as bolas de medicinebol. Pode-se adquirir força através da prática sistemática da Capoeira, devido aos inúmeros saltos e saltitos, e também em decorrência da movimentação entre o jogo do chão e o jogo alto, onde o praticante trabalha a força, saindo do plano baixo para o alto, em movimentos rápidos e potentes.” (CAMPOS, 1998, p. 100). 2.10.4 – O equilíbrio Segundo Tubino, equilíbrio é: “a qualidade física conseguida por uma combinação de ações musculares com o propósito de assumir e sustentar o corpo sobre uma base, contra a lei da gravidade.” (TUBINO, 1984, p. 180). Para Rasch/Burke, “um objeto está em estado de equilíbrio estável ou em repouso, quando a resultante de todas as forças que atuam sobre ele for igual a zero” (RASCH/BURKE apud GOMES da COSTA, 1996, p. 143). Para Fernandes, no Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa – O Globo, a definição de equilíbrio é: “EQUILÍBRIO, s. m. Estado de um corpo solicitado por duas ou mais forças que se anulam entre si; harmonia; justa medida. (Do lat. aequilibriu.)” (FERNANDES, 1993, p. 324). Para Fátima Alves, “não pode haver coordenação de movimento sem um bom equilíbrio, permitindo o ajustamento do homem ao meio. ... o equilíbrio é a base primordial de toda a coordenação geral” (ALVES, 2003, p. 60). Aurélio apud Alves, define o equilíbrio como: “a manutenção dum corpo 305 na posição normal, sem oscilações ou desvios. Igualmente entre forças opostas. Estabilidade mental e emocional” (ALVES, 2003, p. 60). A Física, de acordo com as suas Leis, relativo ao Equilíbrio, diz que, um corpo pode estar em equilíbrio nas formas de Equilíbrio Estático e Equilíbrio Dinâmico (BONJORNO, 1988). O Equilíbrio Estático “É aquele no qual o corpo está em repouso, isto é, sua velocidade é nula no decorrer do tempo.” (Ibidem, 1988, p. 174) e “Para que um ponto material esteja em equilíbrio estático é necessário e suficiente que a resultante de todas as forças que nele agem seja nula.” (Ibidem, 1988, p. 174), e Equilíbrio Dinâmico: “É aquele no qual o corpo está em movimento retilíneo uniforme, isto é, sua velocidade é constante em módulo (v = cte. ≠ 0 ), direção e sentido.” (Ibidem, 1988, p. 174). Tubino diz que o equilíbrio está dividido em três tipos: Equilíbrio dinâmico, Equilíbrio estático e, Equilíbrio recuperado (TUBINO, 1984). a) Equilíbrio Estático: como a própria nomenclatura define, seria o perfeito equilíbrio do corpo em uma determinada posição. Para Mônica Nicola, o Equilíbrio Estático “É o equilíbrio no estado de repouso em que se acham os corpos solicitados por forças, encontrando-se firmes, imóveis ou parados.” (NICOLA, 2004, p. 79). De acordo com Gomes da Costa que cita Dantas e Rasch/Burke: “segundo Dantas (1985, 71) “é o observado em repouso”. Convém hipotética de ressaltar equilíbrio que uma totalmente situação estático é praticamente impossível de ser concebida e mantida, quando da prática corporal. “Mesmo a chamada “atitude ereta estática” tem mostrado ser impossível; existe sempre uma oscilação, que traduz uma situação dinâmica com indispensáveis e contínuos ajustes e reajustes da posição destinados a manter o equilíbrio”, 306 cita Rasch/Burke (Pág. 123).” (GOMES da COSTA, 1996, p. 143). Neste sentido, poderíamos afirmar e definir o Equilíbrio Estático, como a capacidade de utilizar o menos possível do processo de equilibração. O processo de equilibração seria constante e poderia ser usado em maior ou menor grau, deste modo, supondo um Equilíbrio Estático perfeito não haveria equilibração. b) Equilíbrio Dinâmico: de acordo com Tubino, “é o tipo de equilíbrio conseguido em movimento” (TUBINO, 1984, 192). Para Nicola, o Equilíbrio Dinâmico é “O equilíbrio relativo ao movimento, equilíbrio das forças ou organismo em atividade, ativo.” (NICOLA, 2004, p. 79). Segundo Gomes da Costa, “É aquele em que, a cada momento, ocorrem constantes modificações em sua situação que requerem novos “ajustes e compensações” (GOMES da COSTA, 1996, 143). Este autor cita Rasch/Burke e Hay/Reid: “A própria marcha tem sido definida como “uma série de cat´strofes evitadas por muito pouco” (mais uma vez Rasch/Burke (Pág. 122). Hay/Reid (1985, 117) afirmam: “Quando um corpo está-se movendo com velocidades linear e angular constantes-o que apenas pode ocorrer se a soma das forças e a soma dos torques que atuam sobre ele forem iguais a zero-, é dito que o corpo está em equilíbrio dinâmico”.” (GOMES da COSTA, 1996, p. 143). Em geral, este equilíbrio é o mais utilizado no dia a dia do homem, em seus vários movimentos executados durante toda a sua vida. O Equilíbrio está intrinsicamente relacionado ao desenvolvimento, estado e estruturação do Tônus Muscular, e conseqüentemente com todos os sistemas orgânicos 307 envolvidos com este, como o neuro-ósteo-muscular e a postura, por exemplo. c) Equilíbrio Recuperado: segundo Tubino, “É a qualidade física que explica a recuperação do equilíbrio numa posição qualquer” (TUBINO, 1984, p. 192). Ainda este autor: “O sistema nervoso é a variável principal para o sucesso nessa qualidade física” (Ibidem, 1984, 192). Alguns autores desconsideram esta divisão do equilíbrio, pois acreditam que o Equilíbrio Recuperado estaria compreendido entre o Estático e o Dinâmico. De acordo com o entendimento de Gomes da Costa: “Poderíamos considerá-lo como fase de transição entre equilíbrios – entre o Estático e o Dinâmico e vice-versa -, onde atua para restabelecer movimentos e atitudes.” (GOMES da COSTA, 1996, p. 143). Este autor nos diz que, de uma forma geral, encontra-se relacionado à capacidade sensorial do indivíduo – analisadores cinestésicos (Ibidem, 1996). Este autor ainda faz o seguinte comentário sobre o Equilíbrio, de modo geral: “Como o centro de gravidade do corpo humano, na posição anatômica (em pé), encontra-se localizado na altura do quadril, próximo à cicatriz umbilical, quanto mais baixo for o movimento realizado mais próximo do solo o centro de gravidade ficará, aumentando, desta forma, as possibilidades de se conseguir um movimento mais estável e equilibrado.” (Ibidem, 1996, p. 144). Devemos ressaltar e lembrar que, em cada ser humano o centro de gravidade é diferente, ou seja, o centro de gravidade não é padrão. Este centro é alterado toda vez que o homem se movimenta ou muda de posição. Como dito na citação acima, quanto mais próximo ao chão, maior a possibilidade e facilidade de se estabilizar e se equilibrar. Deste modo, os exercícios no chão com os iniciantes praticantes de capoeira, não só trazem 308 segurança, mas ajudam a ganha-lá, imitando a evolução humana, que começa no rolar, engatinhar, para após, andar. Para Cunha, “O equilíbrio é definido como a capacidade de assumir e sustentar o corpo contra a lei da gravidade.” (CUNHA, 2003, p. 67), sendo uma das qualidades físicas que podem ser trabalhadas e aperfeiçoadas na capoeira: “através do equilíbrio dinâmico, com os movimentos aú, bananeira, golpes em geral, pois para realizá-los é necessário ficar equilibrado em uma das pernas, em determinado tempo, realizando o movimento.” (Ibidem, 2003, p. 67). Segundo Campos a capoeira desenvolve o equilíbrio dinâmico (que é o equilíbrio em movimento, segundo este autor), o estático (pois é utilizado como forma de treinamento) e principalmente o recuperado, pois na capoeira, esta valência é por demais usada, devido à grande movimentação dos saltos e aos momentos de destreza, pois para Campos, o equilíbrio recuperado é a recuperação do equilíbrio em uma posição qualquer depois de estar durante um tempo fora do solo (CAMPOS, 1998). De acordo com Campos, o equilíbrio é muito trabalhado na capoeira, tanto no treinamento como na prática propriamente dita, pois a sua prática é muito rica, “principalmente por ser, na maioria das vezes, de equilíbrio recuperado, partindo das mais variadas posições e planos: alto, médio e baixo. Proporciona, desta maneira, equilíbrio e segurança ao praticante.” (Ibidem, 1998, p. 115). Finalizando, para Souza & Oliveira: “Na prática da capoeira, o equilíbrio é uma das qualidades mais trabalhadas. Vários autores classificam o equilíbrio em estático, dinâmico e recuperado. O estático refere-se à habilidade de manter o equilíbrio enquanto parado, na capoeira “é bastante evidenciado nas paradas de mão, cabeça e até mesmo nas esquivas por poucas frações de segundos. O equilíbrio dinâmico é a habilidade de 309 manter o equilíbrio em movimento, na capoeira podemos evidenciá-lo quando há deslocamentos em posições invertidas e na própria ginga. O equilíbrio recuperado é evidenciado em posições invertidas, combinações de movimentos em um, dois, ou três apoios e golpes giratórios.” (SOUZA & OLIVEIRA, 2001, p. 46). 2.10.5 – O ritmo O Homem, seu corpo, se manifesta através de movimentos em um tempo e espaço, caracterizando o ritmo que é uma qualidade física e coordenativa para o funcionamento e performance do ser humano. O ritmo está presente nas diferentes manifestações e funções orgânicas. O ritmo do ser humano é natural, cada ser possui o seu, individualmente com o tempo e também com a capacidade de captação rítmica para o desenvolvimento individual. Segundo Le Boulch (1983), o ritmo deve ser considerado como uma estruturação de fenômenos que se desenrolam no tempo, ou seja, é a organização de fenômenos temporais. Segundo Tubino, a definição de ritmo é: “É a qualidade física explicada por um encadeamento de tempo, um encadeamento dinâmico-energético, uma mudança de tensão e de repouso, enfim, uma variação regular com repetições periódicas.” (TUBINO, 1984, p. 180). Este autor nos diz que: “O ritmo é outra valência física, intimamente ligada ao sistema nervoso, e que está presente em todas as modalidades esportivas” (Ibidem, 1984, p. 193). Já Campos, se utiliza da definição de ritmo por López e Kant, que é generalizada, diferente da interpretação do ritmo como qualidade física: 310 “Para Mário A. Lopez, É a força criadora e a energia vital. Preside todas as manifestações do universo e inclui as humanas. É a forma funcional de todo o vivente. Parece ser a expressão de uma lei fundamental do universo, que condiciona a eficácia, equilíbrio e harmonia de todo processo e forma. Ainda segundo Mário A. López, para Kant: O ritmo é um elemento constitutivo permanente, tanto da natureza considerada como totalidade, como objetos e fenômenos que a determinam. Simultaneamente é um elemento apriorístico da mesma forma que o espaço.” (CAMPOS, 1998, p. 123). Para Fernandes, no Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa – O Globo, a definição de ritmo, também de forma generalizada, encontrada no dicionário, é: “Sucessão regular de sílabas acentuadas, de que resulta impressão agradável ao ouvido; (mús.) combinação simétrica de sons, sob o ponto de vista da intensidade e do tempo; cadência; movimento regular e medido; (méd.) proporção de intensidade entre as pulsações arteriais; correlação harmoniosa entre as partes de uma composição literária ou artística. (Do gr. Rhythmos.)” (FERNANDES, 1993, p. 610). Fernandes, no mesmo dicionário, também faz as seguintes definições: “Rítmica, s. f. Ciência do ritmo; (mús.) estudo da expressão musical em suas relações com o tempo.” (Ibidem, 1993, p. 610) e, “Ritmopéia, s. f. Arte do ritmo. (Do gr. rhythmopoia.)” (Ibidem, 1993, p. 610). 311 Sobre a busca de uma definição de ritmo, Gomes da Costa cita o Dicionário Aurélio: “1 – movimento ou ruído que se repete, no tempo, a intervalos regulares, com acentos fortes e fracos; 2 – No curso de qualquer processo, variação que ocorre periodicamente de forma regular” (GOMES da COSTA, 1996, p. 140). “Alguns profissionais defendem o Ritmo como qualidade física, já outros não o consideram como tal devido à dificuldade de definição da mesma, em nomenclatura, bases e estratégias de trabalho.” (Ibidem, 1996, p. 140). Ainda este autor, quanto ao ritmo como qualidade física: “Rasch/Burke (1977, 537) descrevem: “O ritmo pode ser um importante fator de influência no rendimento dos movimentos que são realizados... A facilidade e a eficiência do movimento pode aumentar, se este for realizado num ritmo definido”.” (Ibidem, 1996, p. 140). Gomes da Costa também cita Marinho, que nos diz: “Marinho (1980, 343/344), em suas considerações acerca da Ginástica Feminina Moderna, por Margareth Froelich, caracteriza o ritmo como fator que dá característica própria a ginástica: “O movimento rítmico caracteriza a nossa ginástica. Compreendemos com isto o fluir de um movimento em suas variedades dinâmicas. Nesse sentido o ritmo é uma característica do movimento total, expressivo, natural, que não pode ser interrompido em seu desenvolvimento... A ginástica tem sido 312 acompanhada, com grande êxito, de processos acústicos. É acompanhamento importante, acústico, porém, que juntamente este com o movimento, estabeleça uma relação íntima. Por isso, a batida de palmas, os comandos, os instrumentos de percussão ou a música têm de corresponder ao desenvolvimento rítmico”.” (Ibidem, 1996, p. 140). De acordo com Gomes da Costa, a Ginástica Localizada, se manifesta através dos denominados BPM(s) musicais, ou seja, dos batimentos por minuto da música, ritmo musical, utilizada (Ibidem, 1996). Segundo este autor, assim teríamos: “- NO Aquecimento: - Orgânico-Geral = Aeróbica e suas variações => 145 à 160 BPM; - Músculo-Articular = Exercícios Localizados => 130 à 140 BPM; - Na Parte Específica: - R.M.L. => 120 à 130 BPM; - Força = Força Dinâmica, predominantemente => +- 120 BPM; - No Relaxamento => +- 110 BPM.” (Ibidem, 1996, p. 141). Esta explanação de como o ritmo na Ginástica Localizada se manifesta é interessante, se comparamos com a capoeira. Ainda não foi feita uma análise dos BPM musicais de ritmos da capoeira e suas variações e, conseqüentemente, suas implicações no jogo e no treinamento. Se isto acontecer no futuro, poderemos evoluir quanto ao treinamento desta qualidade física na capoeira. 313 Podemos então pensar e definir que esta qualidade física permite realizar o movimento com um padrão cíclico regular, padrão de tempo e cadência. Aperfeiçoando o nosso pensamento, podemos dizer que o ritmo pode ter duas variáveis, interno e externo, como também já foi dito por Schinca (1991): a) Ritmo interno: Faz parte do extrato da individualidade humana, característico das capacidades psicossomáticas que irão depender de fatores como hereditariedade, constituição física, idade, entre outros. O ritmo interno está presente em cada um dos atos motores, em especial na dinâmica muscular, como nas mudanças entre contração e relaxamento, que também acontecem dentro da relação espaço-tempo. O tempo se relaciona ao andamento e o espaço à amplitude do movimento. É o ritmo “interno” dos jogadores, este ritmo pode ser “estável” ou “instável” dependendo das características e momento do jogo ou treino e do jogador, praticante. O ritmo do capoeirista pode ser “estável” se apresentar um padrão cíclico regular e “instável” se apresentar um padrão irregular de tempo e cadência, podendo, ainda, ele utilizar um ritmo de padrão “alternado”, com momentos de instabilidade e estabilidade de rítmica. b) Ritmo externo: Seria o estímulo externo. Este ritmo resulta da percepção através dos órgãos dos sentidos, sendo elaborado através do sistema nervoso central. A percepção de sons tem a possibilidade de ordenar o corpo no espaço e no tempo. O ritmo da orquestra, bateria e instrumental, canto e palmas de uma roda de capoeira, por mais simples que seja ou em diferentes situações, podendo ser também, estes estímulos externos, um som de CD ou cassete por exemplo, como até outro tipo de música como o samba, ou outro estímulo qualquer, mesmo que seja uma marcação rítmica rudimentar e simples. O ritmo externo, musical ou não, deve ter de preferência a característica de um ritmo estável, e se possível, o mais próximo da realidade e verdadeira prática da capoeira. O outro jogador, 314 seu oponente ou companheiro no jogo, também pode imprimir um ritmo externo ao jogador. Segundo Cunha, um fator primordial para se jogar Capoeira é o de jogar de acordo com o ritmo determinado pelo berimbau, pois sem o ritmo adequado o jogo da Capoeira torna-se “desarmonioso” e o capoeirista não corresponde ao que o ritmo determinado que o berimbau está pedindo (CUNHA, 2003). Quando não há um ritmo externo, o ritmo de um jogo de capoeira é definido pelos dois jogadores, do mesmo modo que definem o tipo de jogo. Para nós, ritmo da capoeira, tanto interno, quanto externo, poderia ser assim definido conforme a intensidade: Ritmo Lento: Caracteristicamente bem vagarosa, muito lenta, geralmente jogado e tocado em uma “angolinha”, toque de berimbau e jogo de capoeira. Ritmo Devagar: Como o próprio nome diz, devagar, mas não tanto quanto o lento. Geralmente jogado e tocado no toque de Angola, mas outros podem ser utilizados. Ritmo Moderado: Característica média. Possibilita a movimentação com graça e maior perfeição. Vários toques de capoeira podem ser jogados e utilizados nesta intensidade de padrão rítmico, mas o que mais corresponde a esta característica é o toque São Bento Pequeno ou São Bento Pequeno de Angola e na Luta Regional Baiana ou Capoeira Regional, o toque Benguela é o utilizado. Ritmo Rápido: Característica ligeira. Também vários toques de capoeira podem ser jogados e utilizados nesta intensidade de padrão rítmico. Geralmente jogado e tocado no toque São Bento Grande ou São 315 Bento Grande de Angola e no toque da Luta Regional Baiana ou Capoeira Regional, São Bento Grande de Bimba ou São Bento Grande da Regional. Ritmo Acelerado: Característica muito veloz podendo atingir o máximo de velocidade dos movimentos. Os jogos e os toques utilizados nestes padrões de ritmos podem variar de acordo com as escolas e linhagens, estilos de capoeira. É imprescindível um certo teor de estabilidade, harmonia dos ritmos interno e externo, sendo neste sentido, extremamente importante para a plena realização e concretização do ritual da roda de capoeira e dos capoeiras. 2.10.6 – A agilidade Segundo Tubino, agilidade é: “a qualidade física que permite mudar a posição do corpo no menor tempo possível.” (TUBINO, 1984, p. 181). Campos define a agilidade como a qualidade de “mudar rápida e efetivamente a direção de um movimento executado com destreza e velocidade” (CAMPOS, 1998, 106). Este autor nos diz que os exercícios de agilidade têm relação direta com a flexibilidade, potência muscular, equilíbrio, desenvoltura e poder de decisão, sendo o seu treinamento recomendado para todas as faixas etárias e que, para os jovens escolares, deve ser ministrado com ênfase nos jogos. Campos chama a atenção para o fato de que esta atividade é assimilada facilmente, devido à sua dinâmica, motivação e desafios que oferece, sendo também de grande valia para o futuro atlético (Ibidem, 1998). Então, agilidade significa, ter a capacidade de mudar a posição ou sentido do corpo ou parte dele, mudar a direção do movimento o mais rápido ou no menor tempo possível, com velocidade, habilidade e destreza. 316 Para Cunha esta valência física é muito requisitada na Capoeira, principalmente para os mais avançados e/ou graduados (CUNHA, 2003). Segundo a autora: “através da agilidade desenvolvida na arte-luta, o indivíduo ganha facilidade para se locomover de forma rápida e eficiente, podendo surpreender o capoeirista com quem joga e aqueles que observam o jogo na roda.” (Ibidem, 2003, p. 68). Campos nos diz que esta qualidade física está presente na maioria dos esportes e, na capoeira, é uma valência que merece destaque, pois durante o jogo, através dos variados movimentos, os capoeiristas mostram, desenvolvem e criam situações sui generis de agilidade, para se defender, atacar, esquivar, fintar e gingar. Para Campos, a capoeira, por si só, é uma atividade de agilidade, considerando-se sua história, mandinga e filosofia, na qual estão intrínsecos os movimentos com liberdade (CAMPOS, 1998). A agilidade é uma das qualidades físicas dos bons capoeiristas, todo o exímio capoeira tem extrema agilidade, pois faz parte da característica e dinâmica da arte-luta e seu jogo. Tanto no ritmo rápido ou acelerado, onde é mais notória a agilidade, quanto em ritmos mais lentos, a agilidade é necessária. A agilidade está ligada a velocidade, em especial a velocidade de reação. Pode estar ligada a fatores genéticos, como o percentual e tipo das fibras musculares. Bons exercícios de agilidade na capoeira seriam as movimentações no chão, na ginga e em seqüências previamente elaboradas para este fim. Estes exercícios podem ser pré-determinados, como nas seqüências ditas anteriormente, mas a liberdade de movimentos pode ser usada para esta finalidade. Lembramos que o treinamento da agilidade da capoeira deve ser feito com movimentos específicos da capoeira. Contudo, o melhor 317 treinamento desta qualidade física acontece durante o jogo da capoeira, seja no treino ou na roda de capoeira, onde o fator surpresa é constante, e as vivências, emprego e necessidades das qualidades físicas acontecem na plenitude desta modalidade. Podemos sugerir uma divisão da agilidade em: geral; de deslocamento ou de movimentação e; parcial: membros, tronco e cabeça. 2.10.7 – A resistência Segundo Tubino, resistência é: “a qualidade física que permite um continuado esforço, proveniente de exercícios prolongados, durante um determinado tempo.” (TUBINO, 1984, p. 181). De acordo com Weineck: “Geralmente entende-se por resistência a capacidade psicofísica do esportista em suportar a fadiga.” (WEINECK, 1989, p. 52). De acordo com Tubino a resistência está dividida em três tipos: Resistência aeróbica, Resistência anaeróbica e, Resistência muscular localizada (TUBINO, 1984). Qunato aos tipos de resistência, Weineck nos diz que, emsuas formas de manifestação, a resistência pode se dividir em diversas modalidades, conforme o ponto de vista escolhido. Quanto à participação da musculatura, distinguem-se: resistências geral e local; quanto à especificidade do esporte: resistências geral e especial; quanto à mobilização de energia muscular: resistências aeróbica e anaeróbica; quanto à duração: resistências de curta, média e longa duração; e, finalmente, quanto às principais formas de solicitação motora envolvidas: resistências de força, de explosão e de velocidade. Contudo, este autor menciona que, a resistência pura e simples não existe; de acordo com o metabolismo, ocorrem formas mistas, gradualmente escalonadas, de tipo aeróbico-anaeróbico, específicas de 318 cada esporte, e que ocupam o espaço intermediário entre a produção puramente aeróbica ou anaeróbica de energia (WEINECK, 1989). Segundo Hollmann-Hettinger (apud Weineck, 1989), a resistêcia muscular local aeróbica dinâmica representa, porcentualmente, a forma de solicitação motora mais claramente passível de treinamento: seu valor inicial, encontrado em indivíduos não treinados, pode aumentar em várias vezes, cem e até mesmo mil por cento. De acordo com Cunha, a resistência “no jogo da Capoeira é utilizada quando o capoeirista joga durante um período relativamente longo sem interrupções.” (CUNHA, 2003, p. 69), contudo, esta resistência varia de acordo com o tipo de jogo, sua intensidade imprimida e características próprias de cada jogo de capoeira. Cada jogo é único, mesmo se os jogadores, o ritmo e o tipo de jogo for o mesmo, um jogo não será igual ao outro. A resistência em um jogo de Angola, não é a mesma de um jogo de São Bento Grande. Do mesmo modo, diferentes métodos de treinamento da resistência podem ser desenvolvidos na capoeira, a fim de apurar performances específicas em cada praticante. 2.10.8 – A flexibilidade Segundo Tubino, flexibilidade é: “a qualidade física que condiciona a capacidade funcional das articulações a movimentarem-se dentro dos limites ideais de determinadas ações.” (TUBINO, 1984, p. 181), e ainda: “A flexibilidade é uma qualidade física que pode ser evidenciada pela amplitude dos movimentos das diferentes partes do corpo num determinado sentido. É dependente da mobilidade articular e da elasticidade muscular. A mobilidade articular é expressa pelas propriedades anatômicas das articulações e a elasticidade muscular é projetada pelo grau de 319 estiramento dos músculos envolvidos.” (Ibidem, 1984, p. 210). Outros autores, como Harre e Dantas, ambos citados por Campos, definem a flexibilidade: “Segundo Harre (1969): Tanto na Educação Física como nos esportes, falase da flexibilidade mais no sentido de mobilidade articular, como a capacidade de utilizar completamente a extensão do movimento em uma articulação – a chamada amplitude pendular.4 Dantas a define como: Qualidade física responsável pela execução voluntária de um movimento de amplitude angular máxima, por uma articulação ou conjunto de articulações, dentro dos limites morfológicos, sem os riscos de provocar lesão. 12” (CAMPOS, 1998, p. 95). Segundo Campos, os dois componentes realmente importantes na flexibilidade são a elasticidade muscular e a mobilidade articular, sendo que estes não trabalham separadamente e dependem um do outro (CAMPOS, 1998). A elasticidade muscular está ligada ao alongamento do músculo e, a mobilidade articular ao movimento da articulação. Para Campos: “Na Capoeira, a flexibilidade e o alongamento tornam-se imprescindíveis porque estão presentes praticamente em todos os movimentos e golpes.” (Ibidem, 1998, p. 95), sendo que este autor, chama a atenção que, as qualidades físicas devem ser treinadas e desenvolvidas principalmentenas crianças, o que possibilitará um melhor aprendizado, a noção de limites do próprio corpo e uma melhor consciência corporal, evitando possíveis acidentes musculares 320 e articulares (Ibidem, 1998). Sobre a capoeira e a flexibilidade citamos Campos e posteriormente Cunha: “A Capoeira é um excelente meio para adquirir e desenvolver tanto o alongamento quanto a flexibilidade, haja vista que, em sua movimentação constante, possibilita, através dos golpes, esquivas, golpes e contragolpes, que o praticante adquira uma boa elasticidade muscular acompanhada de mobilidade articular. Por isso, podemos afirmar a importância e a contribuição da Capoeira como uma atividade capaz de desenvolver a flexibilidade de maneira eficaz e de uma forma bastante natural e até espontânea.” (Ibidem, 1998, p. 95). “Os golpes da Capoeira como a armada, queixada, meia-lua-de-compasso, golpes de linha em geral (martelo, benção, gancho, entre outros), se utilizam da flexibilidade para a realização destes movimentos, em diferentes níveis de exigência; outros movimentos como floreios (movimentos acrobáticos) requerem um grau maior de flexibilidade. Na Capoeira Infantil é preciso observar o potencial da cada criança para poder realizar movimentos que exijam flexibilidade o mais importante neste contexto é preservar a qualidade de vida desta criança.” (CUNHA, 2003, p. 68). O alongamento pode ser de baixa intensidade e, de alta intensidade, estático e dinâmico. Existem métodos de treinamento da flexibilidade: Método Dinâmico (Ativo e Passivo), Método Estático (Ativo e Passivo) e, Método de Facilitação Muscular Neuro-Proprioceptiva (FNP). Uma das 321 variantes mais conhecidas do método FNP, é o 3S (Scientific Stretching for Spots). Todos este podem ser aplicados na capoeira, mas de modo diferenciado, atendendo às peculiaridades de cada método e sua especificidade junto às posições e movimentos da capoeira. 2.10.9 – A descontração Segundo Tubino, descontração é: “a qualidade física compreendida como fenômeno neuromuscular resultante de uma redução de tensão na musculatura esquelética.” (TUBINO, 1984, p. 181). Gomes da Costa cita Dantas e também Pereira quando aborda esta qualidade física: ““Qualidade física eminetemente neuromuscular oriunda da redução da tonicidade da musculatura esquelética” (Dantas 1985, 71). “Como elemento a ser treinado pela proposta dialética de abordagem de todos os fenômenos referentes à cultura física, no treinamento físico-desportivo, ao par de desenvolver-se a força, de se preocupar com a contração muscular, é necessária também a preocupação com o relaxamento, o seu oposto. A descontração muscular, e mesmo corporal geral, inclusive mental, também pode ser treinada. É usual o treinamento da descontração como meio de melhorar a eficiência mecânica e para economizar energia”, descreve Pereira (1988, 173).” (GOMES da COSTA, 1996, p. 141). Tubino diz que a descontração está dividida em dois tipos: Descontração total e Descontração diferencial (TUBINO, 1984). 322 a) Descontração Total ou Relaxamento Total está intimamente ligada a processos psicológicos, onde a mente é a variável principal de qualquer tentativa de desenvolvimento dessa qualidade física, segundo Tubino (Ibidem, 1984). Consoante Dantas: “descontração total – quando o relaxamento da musculatura esquelética acontece a nível global” (DANTAS apud GOMES da COSTA, 1996, 141). Podemos dizer então que, a descontração total pode ser trabalhada durante a volta à calma, ao final de uma aula de capoeira. b) Descontração Diferencial: “Encontra-se diretamente correlacionada à capacidade de relaxamento da musculatura esquelética.” (GOMES da COSTA, 1996, p. 142). Subdivide-se em dois tipos básicos: b.1) Descontração Diferencial Ativa: De acordo com Tubino: “É a qualidade física que permite a descontração dos grupos musculares que são necessários à execução de ato motor específico... É uma valência física que colabora para a eficiência mecânica dos gestos desportivos, ou seja, capacita os atletas a executarem suas técnicas desportivas específicas da modalidade eleita, com um máximo de economia energética” (TUBINO, 1996, p. 214). Gomes da Costa concorda com Dantas, que a denomina a Descontração Diferencial Ativa apenas de Descontração Diferencial, quando este diz: “Quando o relaxamento da musculatura ocorre durante o movimento. Nesta situação pode-se observar o músculo agonista realizando trabalho, ao passo que o antagônico se encontra descontraído. Esta qualidade física é basicamente uma qualidade de 323 conscientização motórica” (DANTAS apud GOMES da COSTA, 1996, p. 142). Observamos que a Descontração Diferencial Ativa depende da perfeita relação, consciente, entre a contração do músculo agonista e o relaxamento do músculo antagonista. b.2) Descontração Diferencial Passiva: De acordo com Gomes da Costa: “É a qualidade física que visa a descontração dos grupos musculares que foram solicitados durante a atividade física desenvolvida. Sua aplicação na se faz durante o movimento e sim após este, estando, desta forma, sua manifestação, associada às estratégias de recuperação músculoesqueléticas.” (GOMES da COSTA, 1996, p. 143). Segundo Gomes da Costa, na Gin´stica Localizada ela pode ser desenvolvida intensamente na etapa do relaxamento, mas também pode ser utilizada na parte específica, nos intervalos de recuperação entre dois estímulos. Este autor ainda nos diz que é “representada mais especificamente pelas estratégias de alongamento muscular.” (Ibidem, 1996, p. 143). Ainda este autor: “Concluindo, o trabalho da descontração – total, diferencial ativa e diferencial passiva – tem como principal objetivo, representar a necessidade de compensar corpo e mente dos esforços que foram induzidos a realizar, proporcionando um equilíbrio harmônico entre esforço e recuperação, não só otimizando a performance como, principalmente, protegendo, no mínimo minimizando, o aluno/atleta 324 da possível ocorrência de cesões.” (Ibidem, 1996, p. 143). Portanto há a necessidade de se “incluir exercícios de flexibilidade e descontração muscular, para ensinar o corpo a relaxar, descansar” (PEREIRA apud GOMES da COSTA, 1996, p. 143). A prática da capoeira, neste sentido, desenvolve a Descontração, visto que o lúdico é uma constante nesta atividade, sendo assim, amplas as possibilidades de desenvolver e trabalhar esta qualidade física através da capoeira. Para Cunha, esta é “uma valência física ligada ao sistema nervoso, importante de ser utilizada em exercícios de relaxamento ou descontração, serve como meio preventivo para o estresse da vida moderna.” (CUNHA, 2003, p. 69). Segundo Cunha: “Esta valência pode ser trabalhada de forma muito produtiva na Capoeira” (Ibidem, 2003, p. 69). Ao longo do capítulo II, no decorrer desta exposição, pode ser verificada o aspecto multifacetado e a polivalência da capoeira, a ampla possibilidade de utilização da capoeira como meio educacional, reeducacional, terapêutico e esportivo-cultural para o desenvolvimento psicomotor, e dos aspectos cognitivo e afetivo, para todas as faixas etárias. Foi visto também, os princípios do treinamento desportivo e das qualidades físicas. Observados todos os apontamentos feitos anteriormente, foi formulada a problemática para esta pesquisa, simplificada e abrangente, devido aos aspectos já citados, característicos da capoeira e devido à necessidade de um maior aprofundamento em pesquisas relativas a propostas de desenvolvimento psicomotor baseadas na prática da capoeira. Agora, passaremos ao capítulo III, onde conheceremos a psicomotricidade seu conceito e estruturas, abordando o desenvolvimento psicomotor fundamentado na prática da capoeira. 325 CAPÍTULO III O DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR FUNDAMENTADO NA PRÁTICA DA CAPOEIRA Jogo de Capoeira “Dois corpos no espaço e tempo conversam; Tentam chegar a um acordo, discutem, silenciam-se, concordam e discordam; Percebem-se e descobrem-se, desfrutam da prosa em movimento; Encaixam-se e transformam, desafiam e celebram; Aprendem no Jogo de Corpos que dialogam e interpretam com perguntas e respostas, interagem-se, somam-se, transcendem.” Ricardo Martins Porto Lussac ( Mestre Teco ). ( Rio de Janeiro, 16 de agosto de 1999 ). 326 3 - O desenvolvimento psicomotor fundamentado na prática da capoeira Neste capítulo, inicialmente, abordaremos a psicomotricidade, seu histórico, definição, conceito e desenvolvimento, a Sociedade Brasileira de Psicomotricidade, conhecida pela sigla “SBP” e ainda outros aspectos, como: a definição de psicomotricista segundo a SBP, suas áeras de trabalho e intervenção, clientela e mercado de trabalho. Posteriormente abordaremos as estruturas psicomotoras: a coordenação motora global, fina e óculo manual; o esquema corporal; a lateralidade; a estruturação espacial; a estruturação temporal; segundo Oliveira (2001), e as percepções, sendo que, no decorrer desta abordagem, onde abordaremos paralelamente o desenvolvimentop psicomotor fundamentado na capoeira, alguns autores de importante relevância ao tema foram incluídos. 3.1 - Psicomotricidade: histórico, conceito, desenvolvimento, a SBP e outros aspectos Segundo a SBP, historicamente termo "psicomotricidade" aparece a partir do discurso médico, mais precisamente neurológico, quando foi necessário, no início do século XIX, nomear as zonas do córtex cerebral situadas mais além das regiões motoras. Com o desenvolvimento e as descobertas da neurofisiologia, começa a constartar-se que há diferentes disfunções graves sem que o cérebro esteja lesionado ou sem que a lesão esteja claramente localizada. São descobertos distúrbios da atividade gestual, da atividade práxica. Portanto, o "esquema anátomo-clínico" que determinava para cada sintoma sua correspondente lesão focal já não podia explicar alguns fenômenos patológicos. É, justamente, a partir da necessidade médica de encontrar uma área que explique certos fenômenos clínicos que se nomeia, pela primeira vez, a palavra PSICOMOTRICIDADE, no ano de 1870. As primeiras pesquisas que dão origem ao campo psicomotor correspondem a um enfoque eminentemente neurológico (SBP, 2003). 327 A figura de Dupré, neuropsiquiatra, em 1909, é de fundamental importância para o âmbito psicomotor, já que é ele quem afirma a independência da debilidade motora, antecedente do sintoma psicomotor, de um possível correlato neurológico. Em 1925, Henry Wallon, médico psicólogo, ocupa-se do movimento humano dando-lhe uma categoria fundante como instrumento na construção do psiquismo. Esta diferença permite a Wallon relacionar o movimento ao afeto, à emoção, ao meio ambiente e aos hábitos do indivíduo. Em 1935, Edouard Guilmain, neurologista, desenvolve um exame psicomotor para fins de diagnóstico, de indicação da terapêutica e de prognóstico.Em 1947, Julian de Ajuriaguerra, psiquiatra, redefine o conceito de debilidade motora, considerando-a como uma síndrome com suas próprias particularidades. É ele quem delimita com clareza os transtornos psicomotores que oscilam entre o neurológico e o psiquiátrico.Com estas novas contribuições, a psicomotricidade diferencia-se de outras disciplinas, adquirindo sua própria especifidade e autonomia. Na década de 70, diferentes autores definem a psicomotricidade como uma motricidade de relação. Começa então, a ser delimitada uma diferença entre postura reeducativa e uma terapêutica que, ao despreocupar-se da técnica instrumentalista e ao ocupar-se do corpo em sua globalidade, vai dando progressivamente, maior importância à relação, à afetividade e ao emocional. No entanto, a psicomotricidade não é a soma da psicologia com a motricidade, ela tem valor em si. Para o psicomotricista, o conceito de unidade ultrapassa a ligação entre psico e soma. O indivíduo é visto dentro de uma globalidade, e não num conjunto de suas inclinações (Ibidem, 2003). A definição de psicomotricidade segundo SBP é a seguinte: “É a ciência que tem como objeto de estudo o homem através do seu corpo em movimento e em relação ao seu mundo interno e externo, bem como suas possibilidades de perceber, atuar, agir com o outro, com os objetos e consigo mesmo. Está relacionada ao 328 processo de maturação, onde o corpo é a origem das aquisições cognitivas, afetivas e orgânicas. (S.B.P.1999) Psicomotricidade portanto, é um termo empregado para uma concepção de movimento organizado e integrado, em função dasexperiências vividas pelo sujeito cuja ação é resultante de sua individualidade,sua linguagem e sua socialização.” (Ibidem, 2003). Segundo Defontaine: “La Psychomotricité est le désir de faire, du vouloir faire; lê savoir faire et le pouvoir faire” (DEFONTAINE apud OLIVEIRA, 2001, p. 28). Defontaine declara que só poderemos entender a psicomotricidade através de uma triangulação corpo, espaço e tempo. Ainda segundo este autor, “A psicomtricidade é um caminho, é o desejo de fazer, de querer fazer; o saber fazer e o poder fazer” (DEFONTAINE apud OLIVEIRA, 2001, p. 34). Defontaine define os dois componentes da palavra; psico significando os elementos do espírito sensitivo, e motricidade traduzindo-se pelo movimento, pela mudança no espaço em função do tempo e em relação a um sistema de referência (DEFONTAINE apud OLIVEIRA, 2001, p. 35). Já Fonseca afirma que se deve tentar evitar uma análise desse tipo para não cair no erro de enxergar dois componentes distintos: o psíquico e o motor, pois ambos são o mesmo (FONSECA apud OLIVEIRA, 2001). A psicomotricidade para Fonseca não é exclusiva de um novo método ou de uma “escola” ou de uma “corrente” de pensamento, nem constitui uma técnica, um processo, mas visa fins educativos pelo emprego do movimento humano (FONSECA apud OLIVEIRA, 2001). Para Nicola, uma conceituação atual de psicomotricidade é que, esta ciência nova, cujo objeto de estudo é o homem nas suas relações com o 329 corpo em movimento, encontra sua aplicação prática em formas de atuação que configuram uma nova especialidade. A psicomotricidade estuda o homem na sua unidade como pessoa (NICOLA, 2004, p. 5). Nicola ainda fornece outros conceitos básicos: “Motricidade: por definição conceitual é a propriedade que têm certas células nervosas de determinar a contração muscular. Psico (Gr Psyquê): vem representar a alma, espírito, intelecto. Psicomotricidade: condição de um estado de coisas corpo / mente. Visão global de um indivíduo, onde a base de atuação está no conhecimento desta fusão.” (Ibidem, 2004, p. 5). No geral, os psicomotricistas não gostam do termo motricidade, pois enxergam a motricidade indissociável da psique humana, mas este termo, motricidade, mais utilizado pela área da educação física e do treinamento desportivo, é mal interpretado visto que, quando se aborda a motricidade humana, a psique humana não é deixada de fora. Observamos esta polêmica na própria definição e abordagem desta área da ciência. Manuel Sérgio, abordou vastamente a Teoria da Ciência da motricidade humana – Cinantropologia, de sua autoria, onde Tojal confirma a busca de uma identidade da educação física relativa para esta área (MANUEL SÉRGIO apud TOJAL, 1994). Para Neto: “A motricidade é a interação de diversas funções motoras (perceptivomotora, neuromotora, psicomotora, neuropsicomotora, etc.)” (NETO, 2002, p. 12). Segundo uma definição considerada por Jacques Chazaud, citada por Alves, “a psicomotricidade consiste na unidade dinâmica das atividades, dos gestos, das atitudes e posturas, enquanto sistema expressivo, realizador e 330 representativo do “ser-em-ação” e da “coexistência” com outrem” (CHAZAUD apud ALVES, 2003, p. 15). Para Lapierre e para Le Boulch apud Oliveira, a educação psicomotora deve ser uma formação de base indispensável a toda criança (OLIVEIRA, 2001). Para Oliveira, o movimento é um suporte que ajuda a criança adquirir o conhecimento do mundo que a rodeia através de seu corpo, de suas percepções e sensações (Ibidem, 2001). Para esta autora, a psicomotricidade se propõe a permitir ao homem “sentir-se bem na sua pele”, permitir que se assuma como realidade corporal, possibilitando-lhe a livre expressão de seu ser; pois de acordo com a autora, o indivíduo não é feito de uma só vez, mas se constrói, paulatinamente, através da interação com o meio e de suas próprias realizações e a psicomotricidade desempenhe aí um papel fundamental (Ibidem, 2001). Segundo De Meur & Staes “a psicomotricidade quer justamente destacar a relação existente entre a motricidade, a mente e a afetividade e facilitar a abordagem global da criança por meio de uma técnica.” (DE MEUR & STAES, 1991, p. 5). Le Boulch aponta correntes distintas na psicomotricidade. Enquanto uma aponta para a educação psicomotora, outra, para a terapia e reeducação psicomotora (LE BOULCH, 1982). Fonseca nos diz que, a psicomotricidade tende atualmente a ser reconceitualizada, não só pela “intrusão” de fatores antropológicos, filogenéticos, ontogenéticos, paralingüísticos, como essencialmente cibernéticos e psiconeurológicos. È na integração transdisciplinar destas áreas do saber que provavelmente se colocará no futuro a evolução e atualização do conceito de psicomotricidade (FONSECA, 1995). Para Lorenzon, em relação à definição da psicomotricidade convém referir que seu estudo é recente, pois ainda no início deste século era 331 tratada excepcionalmente. Pouco a pouco, a psicomotricidade afirma-se em diversas orientações que atualmente tentem agrupar-se (LORENZON, 1995). Psicomotricista, segundo a SBP, é o profissional da área de saúde e educação que pesquisa, ajuda, previne e cuida do Homem na aquisição, no desenvolvimento e nos distúrbios da integração somapsíquica (SBP, 2003). Suas áreas de atuação segundo a SBP são: “Educação, Clínica (Reeducação, Terapia), Consultoria e Supervisão.” (Ibidem, 2003). A intervenção psicomotora pode ser diversificada, como já citado anteriormente. De acordo com Mello: “Nos estudos dos pesquisadores recentes, são apontados três principais campos de atuação ou formas de abordagem da Psicomotricidade: 1. Reeducação Psicomotora; 2. Terapia Psicomotora; e 3. Educação Psicomotora. Embora em certos trabalhos esses três níveis de atuação cheguem a confundir-se, existem características próprias em cada um deles.” (MELLO, 2002, p. 33). De acordo com Neto, na atualidade, existe um grande número de profissionais de áreas diversas que se utilizam da motricidade ou da psicomotricidade em diferentes contextos e em diferentes faixas etárias, como em escolas, clínicas de reabilitação, academias, hospitais e outros (NETO, 2002). Segundo Neto: “profissionais de medicina (pediatria, psiquiatria, neurologia e reabilitação infantil); psicologia (psicologia evolutiva, do esporte e especial); educação física e pedagogia (ensino regular e fundamental); fisioterapia e fonoaudiologia. A análise dessa realidade leva à 332 busca de critérios claros que justifiquem tal situação de heterogeneidade – tanto no âmbito da interpretação de aspectos teóricos fundamentais como nas decisões relativas à sua aplicação.” (Ibidem, 2002, p. 12). A clientela atendida pelo psicomotricista segundo a SBP é a seguinte: “Crianças em fase de desenvolvimento; bebês de alto risco; crianças com desenvolvimento global; necessidades motoras, especiais: mentais e dificuldades/atrasos no pessoas de portadoras deficiências psíquicas; sensoriais, pessoas que apresentam distúrbios sensoriais, perceptivos, motores e relacionais em conseqüência de lesões neurológicas; família e a 3ª idade.” (SBP, 2003). E o mercado de trabalho do psicomotricista segundo a SBP consiste em creches; escolas; escolas especiais; clínicas multidisciplinares; consultórios; clínicas geriátricas; postos de saúde; hospitais; empresas (Ibidem, 2003). Visto ser importante para a história da psicomotricidade no Brasil, colocamos o histórico da SBP, segundo a própria: “A SOCIEDADE: CARTA DA DIRETORIA: 21 ANOS de S.B.P. No Brasil, há 30 (trinta) anos aproximadamente, deuse início à formação de profissionais nesta área, por meio do convite de profissionais estrangeiros, que durante muitos anos vinham habilitando, especializando e capacitando os brasileiros para um 333 mercado latente no país, como resposta às inadequações e inadaptações escolares e sociais. Atualmente, o Brasil já possui seu curso de Graduação em Psicomotricidade, reconhecido pelo MEC, que, há dez anos vem formando psicomotricistas. A Sociedade Brasileira de Psicomotricidadefoi é uma entidade de carater científico-cultural, sem fins lucrativos, fundada em 19 (dezenove) de abril de 1980 pela necessidade de se agregar os profissionais que vinham se formando e trabalhando na área e, hoje, tem como objetivo maior a busca pela legalização do projeto que regulamenta a profissão. A S.B.P. tem por objetivo contribuir para o progresso da ciência, promovendo encontros científicos como conferências, cursos, fóruns, seminários teóricospráticos entre outros. Nesses 21 anos, a S.B.P. já promoveu a realização de oito congressos, sendo que o último realizou-se na cidade do Rio de Janeiro, em setembro passado.” (Ibidem, 2003). Harrow (apud OLIVEIRA, 2001) faz uma análise sobre o homem primitivo ressaltando como o desafio de sua sobrevivência estava ligado ao desenvolvimento psicomotor. As atividades básicas consistiam em caça, pesca e colheita de alimentos e, para isto, os objetivos psicomotores eram essenciais para a continuação da existência em grupo. Necessitavam de agilidade, força, velocidade, coordenação. A recreação, os ritos cerimoniais e as danças em exaltação aos deuses, a criação de objetos de arte também eram outras atividades desenvolvidas por eles. Tiveram que estruturar suas experiências de movimentos em formas utilitárias mais precisas. Hoje, o homem também necessita destas habilidades embora tenha se aperfeiçoado 334 mais para uma melhor adaptação ao meio em que vive. Necessita ter um bom domínio corporal, boa percepção auditiva e visual, uma lateralização bem definida, faculdade de simbolização, orientação espaço-temporal, poder de concentração, percepção de forma, tamanho, número, domínio dos diferentes comandos psicomotores como coordenação fina, global, equilíbrio. Harrow cita ainda os sete movimentos ou modelos de movimentos básicos inerentes ao homem que são: correr, saltar, escalar, levantar peso, carregar (sentido de transportar), pendurar e arremessar. Finalizando, Araújo (1998), cita o Laboratório de Currículos da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro (1981), que define a educação psicomotora como a educação da criança através de seu própro corpo e de seu movimento. A criança é vista em sua totalidade e nas possibilidades que apresenta em relação ao meio ambiente, isto é, a educação deve ser feita em função da idade e dos interesses das crianças. Desta forma, a passagem de uma fase para outra será gradativa e dentro do tempo próprio de cada criança. O professor deve acompanhar este tempo sem tentar forçar uma antecipação. Por isso, a psicomotricidade tem como ponto de partida o desenvolvimento psicológico da criança, na medida em que acompanha as leis do amadurecimento do sistema nervoso através da mielinização. Uma das suas finalidades é preparar a base para a educação daquelas capacidades indispensáveis à aprendizagem escolar, evitando dificuldades tão comuns à alfabetização. 3.2 - Sistema nervoso Segundo Oliveira, o sistema nervoso é muito especial, dele dependem o movimento, as ações, a integração do homem às condições do meio ambiente. O sistema nervoso coordena e controla todas as atividades do organismo, desde as contrações musculares, o funcionamento dos órgãos e até mesmo a velocidade de secreção das glândulas endócrinas. Integra sensações e idéias, opera os fenômenos de consciência, interpreta os estímulos advindos da superfície do corpo, das víceras e de todas as 335 funções orgânicas e é responsável pelas respostas adequadas a cada um destes estímulos. Muitas dessas informações são selecionadas e às vezes eliminadas pelo cérebro como não significativas (OLIVEIRA, 2001). Uma das funções do sistema nervoso é selecionar e processar as informações, canalizá-las para as regiões motoras correspondentes do cérebro para depois emitir respostas adequadas, de acordo com a vivência e experiência de cada indivíduo. (Ibidem, 2001). Ao nascer, o ser humano apresenta algumas estruturas já prontas, definidas, como, por exemplo, a cor dos olhos, dos cabelos, o sexo. Outras ainda estão por desenvolver. Neste último caso encontra-se parte do sistema nervoso, que precisa de condições favoráveis para o seu pleno funcionamento e desenvolvimento. O córtex cerebral, substância cinzenta que reveste o cérebro e onde estão localizadas as funções superiores, está presente no nascimento de forma ainda muito rudimentar (Ibidem, 2001). As células do sistema nervoso são chamadas de neurônios. Um indivíduo adulto possui aproximadamente cem bilhões de neurônios. O neurômio é uma célula diferenciada e tem as funções de receber e conduzir os estímulos (Ibidem, 2001). O córtex cerebral é o centro onde são avaliadas as informações e são processadas as instruções ao organismo. Para que haja uma transmissão de informações, o córtex cerebral necessita de impulsos que lhe chegam dos receptores exteroceptivos, como: a pele, retina, ouvido interno, olfato, paladar; proprioceptivos, como: músculos, tendões e articulações; e interoceptivos: víceras (Ibidem, 2001). A condução dos implulsos advindos desses recptores aos centros nervosos se faz através das fibras nervosas sensitivas ou aferentes e a transmissão aos músculos do comando dos centros nervosos é efetuada pelas fibras eferentes ou motoras. A velocidade dos impulsos nervososo se 336 faz através do revestimento da bainha de mielina encontrada nas fibras nervosas e que é composta por colesterol, fosfatídeos e açucares. Esta bainha possui a função não só de condução como também isolante (Ibidem, 2001). Fonseca e Mendes, estudando a mielinização das fibras nervosas, afirmam que a criança nasce e chega ao mundo com a sua mielinização por fazer, isto é, com o seu sistema nervoso por e para acabar. Melhor ainda, com o seu sistema nervoso por e para aprender. Fonseca e Mendes criticam a posição de alguns educadores que ignoram a função dos gestos e dos movimentos como meios de mielinização das fibras nervosas. (FONSECA e MENDES apud OLIVEIRA, 2001). A bainha de mielina desempenha um papel importante na transmissão de informações. Existe maior velocidade nas fibras mielínicas do que nas amielínicas (OLIVEIRA, 2001). O período mais crítico para a mielinização e o desenvolvimento neuronal se dá entre o 6º mês de gestação até mais ou menos os seis anos de idade da criança (Ibidem, 2001). Nesta fase, as células nervosas vão se desenvolver bastante e para que isto ocorra necessitam de enrgia, que são os açúcares e gorduras, e de proteínas. Das proteínas que vêm pelo sangue da mãe para alimentar o feto, 80% vão para o cérebro. Uma gestante com condições nutricionais baixas vai influir bastante nos neurônios da criança. Uma desnutrição ocorrida nesta fase leva a criança, portanto, a ter prejuízo enorme em seus neurônios. Terá menos neurônios e não chegará mais a ter este número adequado de células nervosas, mesmo que seja depois bem alimentada, o que também é essencial, mas não só a limentação é essencial à criança, a estimulação do meio ambiente também, pois, quanto mais estimularmos uma criança , mais provocamos nela reações e respostas que se traduzem em um número maior de sinapses (Ibidem, 2001). A sinapse é uma conexão entre os neurônios na qual um neurônio estimula o seguinte através da liberação de uma substância chamada 337 neurotransmissor, propagando-se assim os impulsos nervosos etransmitindo informações (Ibidem, 2001). Aprender, neurologicamente falando, significa usar sinapses normalmente não usadas. O uso, portanto, de maior ou menor número de sinapses é o que condiciona uma prendizagem no sentido neurológico (Ibidem, 2001). Brandão ressalta a importância da maturidade para o dsesenvolvimento da aprendizagem: “A aprendizagem desenvolvimento não poderá superior à proporcionar um capacidade de organização das estruturas do sistema nervoso do indivíduo; uma criança não poderá aprender das experiências vividas, conhecimentos para os quias não tenha adquirido, ainda, uma suficiente maturidade. A maturidade é, no entanto, dependente, em parte, do que foi herdado, e, em parte, do que foi adquirido pelas experiências vividas.” (BRANDÂO apud OLIVEIRA, 2001, p. 21). Este conceito de maturidade pode ser aplicado não só a criança, mas também a vários momentos da vida, quando é preciso maturidade, vivência e experiência para a pessoa poder entrar numa nova fase de sua vida, com plenitude, para vivenciar plenamente e satisfatóriamente esta fase. Um bom exemplo na capoeira seria um praticante receber uma graduação numa hierarquia superior, sem ter experiência e vivência, sem estra preparado para obter esta graduação e responder pelas necessidades atribuídas a tal grau. Portanto as experiências motoras são essenciais para a maturidade e desenvolvimento do ser humano e de seu sistema nervoso. 338 3.3 - Tipos de movimentos De acordo com Oliveira, na escola exige-se que uma criança adaptese às exigências impostas e que tenha um controle sobre si mesma. Sabese que muitos comportamentos dependem da nossa vontade e outros aparecem automaticamente. Algumas funções do sistema nervoso se relacionam aos movimentos. Podemos classificar os movimentos em três grandes grupos: voluntário, reflexo e automático (OLIVEIRA, 2001). a) Movimento voluntário: Como já diz o próprio nome, o movimento voluntário depende de nossa vontade. Movimentos como andar em direção a um objeto (Ibidem, 2001) e a ginga da capoeira, são movimentos voluntários. Neste ato supõe-se que houve uma intensão, um desejo ou uma necessidade e finalmente o desenvolvimento do movimento. No movimento voluntário, portanto, há primeiramente uma representação mental e global do movimento, uma intenção, um desejo ou uma necessidade e, por último, a execução do movimento propriamente dito. O ato voluntário é sempre aprendido e é constituído por diversas ações encadeadas (Ibidem, 2001). b) Movimento reflexo: O movimento reflexo é independente de nossa vontade e normalmente só depois de executado é que tomamos conhecimento dele. È uma reação orgânica sucedendo-se a uma excitação sensorial. O estímulo é captado pelos receptores sensoriais do organismo e levado ao sistema nervoso. De lá provoca direta e imediatamente uma resposta motora (Ibidem, 2001). Pavlov (apud OLIVEIRA, 2001), dividiu os reflexos em inatos e adquiridos: b.1) inatos: São independentes da aprendizagem e são determinados pela bagagem biológica. São, portanto, hereditários, quase sempre permanentes e comuns a uma mesma espécie animal. Exemplos: uma luz forte incidindo sobre os olhos provoca uma resposta imediata de contração pupilar. Este é um movimento inato, pois não implica em aprendizagem para 339 a sua produção. Outro exemplo: uma gota de limão na boca provoca, como resposta, a salivação, preparando o organismo para a ingestão do elemento ácido (OLIVEIRA, 2001). b.2) adquiridos: São reflexos aprendidos ou condicionados. Sua ocorrência depende de uma história de associação entre estímulos inatos, que produzem resposta reflexa a outros estímulos. No 2º exemplo acima, a simples palavra ou visão do limão pode eliciar uma resposta condicionada de salivação (Ibidem, 2001). O reflexo adquirido é muito utilizado na capoeira e desenvolvido através desta. Pode-se executar uma esquiva ou outro movimento baseado neste reflexo. Podemos até afirmar que os movimentos de defesa são os mais desenvolvidos neste aspecto, devido a necessidade de auto-preservação e defesa do ser. c) Movimento automático: o movimento automático depende da aprendizagem, da história de vida e de experiências próprias de cada um. Depende, portanto, do treino, da prática e da repetição. A aquisição de automatismos é importante porque propicia formas de adptação ao meio em que vivemos com uma economia de tempo e esforço, pois não se exige muito trabalho mental (Ibidem, 2001). Campos apud Oliveira define muito bem este movimento. De acordo com Campos (1973): “Os automatismos tanto podem ser mentais quanto motores e até sociais como, por exemplo, a cortesia, o cavalheirismo, a cooperação, etc. A observação, a retenção mnemônica, a leitura rápida, a indução etc., constituem exemplos de hábitos mentais. A eficiente realização de atividades dessa natureza depende de um bom desenvolvimento dos hábitos, das habilidadesmentais e motoras; através da experiência e do treino, o homem torna-se capaz de realizar esses atos com o mínimo de rendimento, em tempo e em qualidade, sem mesmo necessitar concentrar a sua 340 atenção para executá-los.” (CAMPOS apud OLIVEIRA, 2001, p. 25). Normalmente o movimento se inicia de forma voluntária e, uma vez iniciado, pode-se interrompê-lo a qualquer momento, de acoprdo com a nossa vontade. Exemplo: quando andamos, não pensamos no balançar de nossos braços. Temos a intensão de andar (voluntário), mas a execução desse movimento torna-se automática. (OLIVEIRA, 2001). Este movimento nem sempreé iniciado pela vontade. Alguns são iniciados sem que se tenha conhecimento, como por exemplo, a manutenção do equilíbrio e da postura. Existem automatismos que são desenvolvidos através do processo ensinoaprendizagem. Passam do plano voluntário para o plano automático (Ibidem, 2001). Na capoeira observamos claramente isto, quando o praticante domina plenamente os movimentos, seus conceitos e fundamentos. Como Mestre Pastinha já dizia e como já citamos: “Se pr’a jogar você imagina ... eu jogo sem imaginar ...”. Segundo Oliveira, a vontade do educando é essencial para se educar ou reeducar, sem esta não se consegue este objetivo. O movimento “pelo movimento” não leva a nenhuma aprendizagem. É necessário e fundamental que o aluno deseje, reflita e analise seus movimentos, interiorizando-os. Só assim conseguirá atingir uma aprendizagem mais significativa de si mesmo e de suas potencialidades (Ibidem, 2001). De acordo com Oliveira, não podemos deixar de dar valor aos movimentos automáticos, que são indispensáveis para uma melhor adaptação ao meio, mas não devemos esquecer que eles tiveram sua origem na participação voluntária do sujeito (Ibidem, 2001). Segundo Nicola, com uma definição clássica, movimento seria o deslocamento do corpo no espaço. De acordo com a autora, o movimento é um termo genérico que abrange indistintamente os reflexos os atos motores conscientes ou não, normais ou patológicos, significantes ou desprovidos de 341 significado. Os movimentos corporais como gestos, podem ser definidos como um movimento determinado por uma intenção. O gesto tem finalidades conscientes ou inconscientes, chegando às vezes a ser uma redundância da comunicação. Para Nicola, assim como o movimento corporal pode estar diretamente ligado a comunicação em algumas situações, o deslocamento do corpo no espaço assumirá significados internos e externos, sem apoio de nenhum outro recurso que não seja o próprio corpo em estado de comunicação (NICOLA, 2004). Nicola nos diz que os movimentos apresentam algumas características que são independentes entre si, como: “- Movimentos reflexos: sustos. - Movimentos adquiridos: andar. - Movimentos com reações condicionadas: queimadura. - Gestos conscientes: redundância. - Atos falhos: sincinesias.” (Ibidem, 2004). 3.4 - Tônus muscular “O tono muscular é a atividade primitiva e permanente do músculo; além de traduzir a vivência emocional do organismo, é o alicerce das atividades práxicas.” (LE BOULCH, 1992, p. 55). Os movimentos (voluntários, reflexos e automáticos) não aparecem por acaso. Eles são controlados pelo sistema nervoso através de contrações musculares. Quando nos movimentamos, uns músculos estão se contraindo e outros relaxando-se (OLIVEIRA, 2001). Para cada grupo muscular que se contrai e se movimenta (agonista), existe, do lado oposto, outro grupo muscular que age em sentido contrário (antagonista). O músculo, mesmo em repouso, possui um estado permanente de tensão que é conhecido como tono ou tônus muscular. O tônus muscular está presente em todas as funções motrizes do organismo como o equilíbrio, 342 a coordenação, o movimento, etc. (Ibidem, 2001). Para Le Boulch: “o tônus muscular é o alicerce das atividades práticas” (LE BOULCH apud OLIVEIRA, 2001, p. 27). Para Oliveira, todo o movimento se realiza sobre um fundo tônico e um dos aspectos fundamentais é sua ligação com as emoções. A boa evolução da afetividade é expressa através da postura, de atitudes e do comportamento. Podemos transmitir, sem palavras, através de uma linguagem corporal, todo o nosso estado interior. Transmitimos a dor, o medo, a alegria, a tristeza e até nosso conceito de nós mesmos (OLIVEIRA, 2001). Os movimentos podem ser comprometidos devidos à estados de hipertonia, com os músculos contraídos em excesso, ou hipotonia, com os músculos muito relaxados. Em se tratando de casos não muito sérios, que não precisem de uma intervenção médica, o educador pode auxiliar esta pessoa a desenvolver e ou ajustar o seu tônus muscular. O tônus muscular depende muito da estimulação do meio (Ibidem, 2001). Para Nicola, a função tônica é fundamental na abordagem psicomotora do indivíduo em virtude dos diversos aspectos que ela atinge (NICOLA, 2004), como define a autora: “- O tono seria um fenômeno nervoso muito complexo, sendo a trama de todos os movimentos sem desaparecer na inação. - O tono investe-se em todos os níveis da personalidade psicomotora e participa das funções motrizes como equilíbrio e coordenação. - Tono atua diretamente nalinguagem corporal.” (Ibidem, 2004). 343 Segundo Nicola, a função do tono se expressa pela contração permanente da musculatura. Os neurofisiologistas evidenciaram o processo que atua em contração permanente e atua de forma modulada, permitindo atividades posturais, sustentação de membros, a estática e o equilíbrio do corpo. Neste conjunto a atuação é medular, porém existe controle das estruturas nervosas superiores. Um tono harmonioso permite gestos com qualidade e bem regulados. Edifica os esquemas sensoriomotores para as representações mentais do gestual e postural. De acordo com Nicola, podemos dividi-lo em víveis do seu próprio desenvolvimento: Hipertonia: aumento do tono que pode ocorrer em determinado ou em vários grupos musculares. Hipotonia: diminuição do tono que pode ocorrer em determinado ou em vários grupos musculares. Rigidez: acomete vários grupos musculares. Espasticidade: aumento de tono muscular em determinado grupo muscular. Espasmo: modificação rápida do tono. Distonia: tono flutuante. Contração tônica: resistência do músculo diante de uma mobilização passiva. Reflexo miotático: quanto maior o alongamento muscular maior a tensão. Laço gama: o mecanismo do laço gama (Sherrington, 1916) explica o processo da contração muscular independente da influência do sistema nervoso central (Ibidem, 2004). De acordo com Nicola, o tono muscular é um fenômeno de natureza reflexa que tem sua origem no músculo, mas cuja regulação está submetida ao cerebelo. Existe ao nível do fuso neuromuscular, que está presente em todos os músculos estriados, uma estrutura sensorial muito complexa que dá ao músculo este sistema de regulação autônoma, que é o laço gama (o sistema). Nicola lembra que para Wallon, a função tônica também é influenciada pelo psiquismo (Ibidem, 2004). A autora diz que as características do laço gama são: “- O reforço antes da execução dos atos motores, preparando-os. - Existe um limiar, por um lado, para o estiramento passivo e, por outro, para atividade gama a fim de que 344 a resposta tônica do músculo se produza de maneira adequada. - A excitação nocioceptiva (estado doloroso) aumenta a atividade gama (estado de alerta).” (Ibidem, 2004). Segundo Nicola, a atividade tônica e tônico-postural são consideradas suporte de comunicações pré-verbais. São as atividades tônicas de mímicas, gestos faciais, corporais, acrescidas de significações afetivas e sociais adquiridas. Para Nicola, o movimento humano, sob todas as suas formas, inclusive a de sua ausência (relaxamento), elabora-se sobre fundo tônico, que é simultaneamente o seu abstrato e a sua matéria. Indiferenciado no começo e mal definido na criança pequena, que não concluiu sua maturação, ele ganha características precisas, refina-se e afirma-se progressivamente. Especifica-se em cada um dos nossos movimentos voluntários ou não, em cada uma de nossas atitudes, posturas e até mesmo em nosso repouso (Ibidem, 2004). Nicola ainda diz que o sono e o repouso em geral não são paralisações da atividade, pois na distenção mais profunda a inatividade muscular é apenas relativa e muito variável. O total relaxamento muscular é passageiro e acompanha o início rápido e profundo do sono; passado este momento, o relaxamento do sono passa a sofrer influências tônicas (Ibidem, 2004). Concordamos com Neto, quando este autor diz que a atividade tônica refere-se às atitudes e às posturas, e a atividade cinética está orientada para o mundo exterior. Essas duas orientações da atividade motriz (tônica e cinética), com a incessante reciprocidade das atitudes, da sensibilidade e da acomodação perceptiva e mental, correspondem aos aspectos fundamentais da função muscular, a qual deve assegurar a relação com o mundo exterior graças aos deslocamentos e aos movimentos do corpo, mobilidade, e assegurar a conservação do equilíbrio, a infra-estrutura de toda a ação diferenciada, tono, (NETO, 2002). 345 “No diálogo corporal que o indivíduo estabelece com o mundo, o tônus integra toda a história dialética das informações exteriores, e interrelaciona-as para dar origem à fenomenologia do comportamento humano.” (FONSECA, 1998, p. 233). 3.5 - O desenvolvimento psicomotor fundamentado na prática da capoeira – as estruturas psicomotoras Paralelamente a abordagem das estruturas psicomotoras, como já dito anteriormente, também abordaremos o desenvolvimento psicomotor e de suas estruturas, fundamentado na prática da capoeira. Mas antes, vamos citar Andréa C. A. da Cunha, a Instrutora Maestrinha, que fez um interessante trabalho sobre a prática da capoeira para crianças portadoras do vírus HIV. Segundo Cunha, no trabalho da capoeira para crianças HIV positivas a psicomotricidade é fator importante a ser trabalhado, pois através do grau de inteligência mental e ou corporal; da adaptação, através dos processos de assimilação, processo de incorporação dos objetos e informações às estruturas mentais já existentes, e da acomodação, transformação das estruturas mentais a partir das informações sobre os objetos, a criança vai tomando conhecimento de seu próprio corpo, da lateralidade, de como se situar no espaço, dominar seu tempo, adquirir habilmente a coordenação de seus gestos e movimentos. Com isto uma educação psicomotora trabalhada juntamente com a capoeira pode ser praticada por crianças HIV positivas ou não, logo nos primeiros passos; trabalhada com consistência e perseverança, a psicomotricidade pode prevenir inadaptações difíceis de corrigir quando já estruturadas em um indivíduo (CUNHA, 2003). Cunha ainda nos diz que, alguns elementos da psicomotricidade, como: a estruturação do esquema temporal, a lateralidade, a estruturação espacial e, a estruturação temporal, podem ser trabalhadas com a capoeira. 346 3.5.1 - Coodenação global, fina e óculo-manual e, facial Já abordamos a coordenação motora como qualidade física sob o enfoque do treinamento desportivo. Agora abordaremos sob o prisma da psicomotricidade. É preciso certas habilidades, que são essenciais, para uma pessoa manipular objetos da cultura em que vive. Ela precisa saber se movimentar no espaço com desenvoltura, habilidade e equilíbrio, e ter o domnínio do gesto e do instrumento (coordenação fina). Os movimentos dependem da maturação do sistema nervoso (OLIVEIRA, 2001). Para Neto, deve-se respeitar o ritmo individual da criança, pois cada um tem um ritmo próprio não só pela sua originalidade, mas também pela maturação dos centros nervosos que não é idêntica (NETO, 2002). Segundo Brandão, “Esses movimentos, desde o mais simples ao mais complexo, são determinados pelas contrações musculares e controlados pelo sistema nervoso” (BRANDÃO apud OLIVEIRA, 2001, p. 41). Para Alves, a capacidade de coordenação incorpora as atividades que incluem duas ou mais capacidades e padrões motores. O desenvolvimento de todas as capacidades perceptivas é essencial para a evolução das potencialidades do indivíduo na aprendizagem cognitiva, psicomotora e afetiva (ALVES, 2003). a) Coordenação global: Também conhecida como coordenação geral, coordenação motoraampla ou motricidade ampla. Segundo o Glossário da SBP: “Motricidade: [Do fr.motricité.] – Propiedade que têm certas célulaas nervosas de determinar a contração muscular.” (SBP, 2003). Segundo Alves, coordenação motora-ampla é a coordenação existente entre os grandes grupamentos musculares. Para a criança, é mais 347 fácil fazer movimentos simétricos e simultâneos, pois só numa segunda etapa é que ela movimentará os membros separadamente. Para uma criança, interromper subitamente um movimento é difícil, mas esse controle muscular é indispensável para, futuramente, facilitar a sua caligrafia e concentração necessária à aprendizagem escolar (ALVES, 2003). A coordenação global diz respeito à atividade dos grandes músculos. Depende da capacidade de equilíbrio postural do indivúduo. Este equilíbrio está subordinado às sensações proprioceptivas cinestésicas e labirínticas. Através da movimentação e da experimentação, o indivíduo procura seu eixo corporal, vai se adaptando e buscando um equilíbrio cada vez melhor. Conseqüentemente, vai cooredenando seus movimentos, vai se conscientizando de seu corpo e das suas posturas. Quanto maior o equilíbrio, mais econômica será a atividade do sujeito e mais coordenadas serão as suas ações (OLIVEIRA, 2001). Para Alves, “não pode haver coordenação de movimento sem um bom equilíbrio... o equilíbrio é a base primordial de toda a coordenação geral” (ALVES, 2003, p. 60). Para Neto: “O equilíbrio é a base primordial de toda ação diferenciada dos segmentos corporais” (NETO, 2002, p. 17). “A perfeição progressiva do ato motor implica um funcionamento global dos mecanismos reguladores do equilíbrio e da atitude” (Ibidem, 2002, p. 16). Segundo Alves: “A tomada de consciência do corpo é necessária para a execução e o controle dos movimentos precisos que vão ser executados.” (ALVES, 2003, p. 56). De acordo com Neto, quando a criança está capacitada este funcionamento global, certas condições de execução permitem reforçar certos fatores de ação, como: vivacidade, força muscular, resistência, etc. Estes fatores desenvolvem também um certo controle da motricidade espontânea, à medida que a situação-problema exige o respeito a certas consignas que definem as condições de espaço e de tempo em que se deve desenvolver a tarefa. Durante as brincadeiras livres, o meio é que fornece à criança o material para a sua atividade de exploração, ou seja, a imaginação da criança cria suas próprias experiências. É através da brincadeira 348 espontânea que ela descobre os ajustes diversos, complexos e progressivos da atividade motriz, resultando em um conjunto de movimentos coordenados em função de um fim a ser alcançado (NETO, 2002). Para Neto, o movimento motor global, seja ele mais simples, é um movimento sinestésico, tátil, labiríntico, visual, espacial, temporal, e assim por diante. Os movimentos dinâmicos corporais desempenham um importante papel na melhora dos comandos nervosos e no afinamento das sensações e das percepções. O que é educativo na atividade motora não é a quantidade de trabalho efetuado nem o registro, um valor numérico, alcançado, mas sim o controle de si mesmo, obtido pela qualidade do movimento executado, isto é, da precisão e da maneira de execução (Ibidem, 2002). Segundo Alves, é preciso alcançar a plena dissociação de movimento, dissociação esta que implica um certo grau de maturação neuromotora e que passa por diversos estágios. Os movimentos têm uma evolução fisiológica que se traduz pela diminuição progressiva dos movimentos associados e como conseqüência dela pela independência no aumento dos grupos musculares. É esta independência que produz a dissociação dos movimentos (ALVES, 2003). A coordenação global e a experimentação levam a criança a adquirir a dissociação de movimentos. Isto significa que ela deve ter condições de realizar múltiplos movimentos ao mesmo tempo, cada membro realizando uma atividade diderente, havendo uma conservação de unidade do gesto (OLIVEIRA, 2001). Quando uma pessoa toca berimbau, por exemplo, em geral, quando destra, a mão direita segura a vareta e o caxixi, que ao tocar bate no arame e, a mão esquerda, segura o berimbau, afastando-o ou trazendo-o à barriga, e o dobrão, que apertando-o ou encostando-o no arame, “dobra” o som. São movimentos diferentes que trabalham juntos para conseguir uma mesma tarefa, també, havendo nesta, a implicação da coordenação fina e óculo-manual. 349 Para Oliveira, diversas atividades levam à conscientização global do corpo (Ibidem, 2001), como andar ou gingar, que são atos neuromusculares que requerem equilíbrio e coordenação; outras como: correr, saltar, rolar, pular, arrastar-se, nadar lançar-pegar, sentar, executar golpes e movimentos da capoeira que, precisam de resistência, força muscular e outras qualidades físicas para a realização destes. De acordo com Neto, quando a crianças brincando vivenciam vários movimentos, isso tudo é o relaxamento corporal, o bem estar da liberação física (NETO, 2002). Segundo Alves a coordenação geral necessita de uma perfeita harmonia de jogos musculares em repouso e em movimento (ALVES, 2003): “Coordenação estática - Quando se realiza em repouso. È dada pelo equilíbrio entre a ação dos grupos musculares antagonistas, estabelece-se em função do tônus e permite a conservação voluntária das atitudes. Coordenação dinâmica - Quando a coordenação se realiza em movimento, põe em ação simultâneos grupos musculares diferentes, tendo em vista a execução de movimentos voluntários mais ou menos complexos.” (Ibidem, 2003, p. 57). Para Alves, este movimento se realiza numa relação entre uma imagem, Gnosia, e um conjunto de deslocamentos segmentares que se associam com vistas a um determinado fim, isto é, uma relação entre um plano de ação e a respectiva concretização, praxia (Ibidem, 2003). Uma criança ou até mesmo um adulto, quando começam a praticar a capoeira, já possuem uma coordenação global de seus movimentos, que 350 varia conforme suas experiências e vivências. Alguns praticantes iniciantes, podem apresentar dificuldades, pois durante o desenvolvimento na infância e também, posteriormente, houve uma deficiência de movimentos e de oferta de vivência destes, que provavelmente pode ter contribuido para possíveis falhas na coordenação motora, e o mestre de capoeira deve, pacientemente, avaliar as aquisições anteriores para poder agir com o conhecimento necessário para uma correta intervenção psicomotora, corrigindo as posturas inadequadas, a relação entre a postura e controle do corpo, sua resistência e deficiência na realização de um movimento, agindo e transmitindo uma segurança necessária para o desenvolvimento de uma coordenação mais satisfatória. Esta experimentação do corpo leva ao desenvolvimento do esquema corporal, que será abordado adiante. Quanto à avaliação motora Bechara nos diz que: “É de fundamental importância que a pedagogia da capoeira tenha como alicerces o diagnóstico de quem é o aluno, e em que nível de motricidade ele se encontra” (BECHARA, 1986, p. 24), e ainda: “Conhecer as características básicas das diversas faixas etárias se torna importante, para que tenhamos um ponto de partida para a práxis da motricidade na capoeira” (Ibidem, 1986, p. 25). De acordo com Santos: “a motricidade ampla, pode ser desenvolvida na criança através do jogo da capoeira, por motivo do mesmo desenvolver a coordenação dinâmica ou estática geral, através das ações simultâneas dos grandes grupos musculares, as quais exigem das crianças a perfeita harmonia na sincronização de seus movimentos”. (SANTOS, 1990, p. 42). Para Souza & Oliveira, a coordenação motora também pode ser desenvolvida através da capoeira: “A coordenação motora é outra qualidade física que pode ser desenvolvida no praticante de capoeira. A 351 mesma é essencial ao praticante e é trabalhada desde o movimento básico e fundamental da capoeira que é a ginga, até aos demais movimentos e suas combinações. Outra oportunidade da criança desenvolver a coordenação motora oferecida pela prática da capoeira é através dos cantos, pois além de cantar aprenderá a tocar os instrumentos ou bater palmas simultaneamente. Desenvolvendo também desde o aprendizado da capoeira até o jogo, e o seu próprio ritmo.” (SOUZA & OLIVEIRA, 2001, p. 46). Segundo Bechara: “Destreza motora na capoeira é a capacidade adquirida, por aprendizagem, de executar os movimentos de capoeira com grande habilidade em função do jogo” (BECHARA, 1985b, p. 42), o autor continua: “A aquisição das destrezas motoras é favorecida pela satisfação sentida quando os movimentos corretos são efetuados e prejudicada pela ausência de prazer sentida quando os movimentos são incorretos”. (Ibidem, 1985b, p. 44). “As destrezas motoras não podem ser aprendidas sem treinamento, e na aprendizagem da CAPOEIRA esse treinamento exige numerosas repetições dos movimentos e uma teorização da prática, para que a relação Ensino-Aprendizagem, seja além de tudo um processo consciente”. (Ibidem, 1985b, p.42). “A prática da capoeira sem motivação é totalmente ineficaz, porque as destrezas motoras complexas não são aprendidas senão com um esforço e uma atenção intensas por parte do aluno” (Ibidem, 1985b, p. 44), e ainda, “Pode-se dizer que: a motivação é o fator mais importante na aquisição da destreza motora” (Ibidem, 1985b, p. 44), “O prazer e a contrariedade são igualmente funções da motivação do aluno” (Ibidem, 1985b, p. 44), “A partir de bases sólidas (movimentos básicos) que as atividades podem progredir e 352 que um prazer progressivo pode ser tirado delas” (Ibidem, 1985b, p. 44), “O professor deve contribuir para criar sentimentos de satisfação no aluno, quando um movimento correto é executado” (Ibidem, 1985b, p. 44) e mais, “As pessoas são mais dadas a repetir experiências agradáveis e que, por outro lado, as satisfaçam. A satisfação traz um reforço da associação entre estímulo e reação” (Ibidem, 1985b, p. 44). Segundo Santos, o prazer, o entretenimento e a liberdade corporal, fazem a criança se entregar ao jogo da capoeira: “A capoeira é um jogo sério que se identifica como um entretenimento, ao qual a criança se entrega com liberdade corporal; procura este jogo apenas pelo princípio do prazer de jogá-lo. Daí a capoeira torna-se primordial à criança.” (SANTOS, 1990, p. 47). Para Santos a prática da capoeira é importante, pois provoca um estímulo de interesses por todos os conteúdos, não precisando, por este motivo, serem constantemente alterados e ou modificados: “A prática da capoeira para a criança, torna-se importante, porque a faz obter prazer por todos os conteúdos oferecidos, por serem os mesmos provocadores de estímulos de interesse. Isto faz com que o professor não fique preocupado em estar constantemente modificando seus conteúdos em função do desagrado dos educandos” (Ibidem, 1990, p. 39). Bechara diz que: “Um plateau pode aparecer quando uma destreza motora não é totalmente automatizada e o aluno é demasiado seguro de si; ele pensa que a tarefa é fácil e, assim, não se concentra tanto como deveria” (BECHARA, 1985b, p. 44). 353 “Um plateau é um período durante o qual não há modificações sensíveis das performances medidas. É um período estacionário, onde o indivíduo, por mais que se esforce não consegue melhorar seu rendimento. É um período muito desencorajador” (Ibidem, 1985b, p. 44). Bechara ainda enumera várias causas possíveis para o aparecimento do plateu, mas não iremos abordá-las neste momento. Contudo o mestre de capoeira precisa estar atento ao aparecimento deste plateau e tentar compreender as causas e efeitos de seu surgimento, buscando os melhores caminhos para a volta do desenvolvimento do praticante estimulando-o e encorajando-o, fazendo-o estar consciente deste processo e oferecendo meios para que o praticante não perca o estímulo e a satisfação, fatores importantes para o desenvolvimento do praticante. b) Coordenação fina e óculo-manual: Também chamadas de coordenação motora-fina ou motricidade fina e, coordenação visomotora ou visuomanual e ainda, coordenação audiomotora. Segundo Alves, coordenação motora-fina é uma coordenação segmentar com a utilização das mãos exigindo precisão nos movimentos para a realização das tarefas complexas, utilizando também os pequenos grupos musculares (ALVES, 2003). Para Alves, coordenação visomotora é a habilidade de coordenar a visão com movimentos do corpo. Na ausência de uma adequada coordenação visomotora, a criança se mostra desajeitada em todas as suas ações, apresentando dificuldades na escola. O desenvolvimento de uma boa coordenação geral é indispensável como pré-requisito (Ibidem, 2003). 354 De acordo com Alves, coordenação audiomotora é a capacidade de transformar em movimentos comando sensibilizado pelo aparelho auditivo (Ibidem, 2003). Segundo Oliveira, a coordenação fina diz respeito à habilidade e destreza manual e constitui um aspecto particular da coordenação global. De acordo com esta autora, temos que ter condições de desenvolver formas diversas de pegar os diferentes objetos. Uma coordenação elaborada dos dedos da mão facilita a aquisição de novos conhecimentos. Atravé do ato de preensão, é que uma criança vai descobrindo pouco a pouco os objetos de seu meio ambiente (OLIVEIRA, 2001). Brandão (apud OLIVEIRA, 2001), analisa a mão como um dos instrumentos mais úteis para a descoberta do mundo, afirmando que ela é um instrumento de ação a serviço da inteligência. Só possuir uma coordenação fina não é suficiente. É necessário que haja também um controle ocular, isto é, a visão acompanhando os gestos da mão, o que chamamos de coordenação óculo-manual ou viso-motora. A coordenação óculo-manual se efetua com precisão sobre a base de um domínio visual previamente estabelecido ligado aos gestos executados, facilitando, assim, uma maior harmonia do movimento. Esta coordenação é essencial para a escrita. Um dos aspectos que a experimentação do corpo todo favorece é a interdependência do braço em relação ao ombro, e a interdependência da mão e dos desdos, fatores decisivos de precisão da coordenação visomotora. Tanto a escrita, como por exemplo, a utilização dos instrumentos musicais e das armas brancas da capoeira, necessitam desta independência dos membros para se processar de maneira econômica, sem cansaço, e para que o indivíduo consiga controlar a pressão sobre os dedos (tônus muscular). Neste sentido experiências dinâmicas como lançar-pegar são muitos importantes para isto, pois facilitam a fixação da atividade entre o campo visual e a motricidade fina da mão e dos dedos, provocando uma maior coordenação óculo-manual (Ibidem, 2001). 355 O ensino da escrita e também de alguns instrumentos musicais da capoeira exigem também uma certa coordenação global, como o ato de sentar, onde precisa-se adquirir uma postura correta para realizar os movimentos determinados, no sentido de torná-los mais cômodos, facilitados, relaxados e menos cansativos. Além disso, é preciso adquirir uma dissociação e controle dos movimentos, como também, ter uma lateralidade bem definida facilita tais procedimentos (Ibidem, 2001, p. 44). Condemarín e Chadwick apud Oliveira, ressaltam também a importância do desenvolvimento do freio dos movimentos (inibição voluntária), para responder às exigências de precisão, onde são encontradas no toque dos instrumentos musicais da capoeira, na utilização das armas brancas, principalmente as de corte, como a faca e a navalha e em pequenos gestos: “estes componentes do controle são resultantes de interações cinestésicas e visuais. O freio e a interrupção parecem depender mais da cinestesia. O manter ou retomar a direção dependem mais da visão.” (CONDEMARÍN E CHADWICK apud OLIVEIRA, 2001, p. 44). Segundo Neto, para a coordenação destes atos, é necessária a participação de diferentes centros nervosos motores e sensoriais que se traduzem pela organização de programas motores e pela intervenção de diversas sensações oriundas dos receptores sensoriais, articulares e cutâneos do membro requerido. A maneira pela qual o encéfalo utiliza as informações visuoespaciais, das quais se extraem também parâmetros temporais para gerar movimentos guiados pela visão, fica, todavia, desconhecida (NETO, 2002). Para Neto, a fixação visual necessita sucessivamente da visão periférica; em seguida, das sacudidas oculares que restabelecem o olho em uma visão central que os movimentos de perseguição tendem a manter quando o alvo se movimenta. Esse “agarre ocular” envolve a montagem de um programa motor de transporte da mão e de sua disposição para agarrar o objeto que, apóps a manipulação, pode ser evitado. O êxito dessa 356 atividade em cada uma de suas etapas varia na criança conforme o nível de aprendizado e conforme a evolução de seu desenvolvimento motor (Ibidem, 2002). De acordo com Neto, o córtex pré-central corresponde à motricidade fina tem um papel fundamental no controle dos movimentos isolados das mãos e dos dedos. A importância das áreas cortiço-sensomotoras das mãos e dos dedos faz ressaltar a fineza extrema dos controles táteis e motores. As explorações táctil e palmatória permitem o reconhecimento das formas sem a intervenção da visão. As informações cutâneas e articulares associadas à motricidade digital proporcionam as indicações a partir das quais as formas podem ser reconstituídas (Ibidem, 2002). Segundo Neto, a coordenação visuomotora é um processo de ação em que existe coincidência entre o ato motor e uma estimulação visual percebida. Esse tipo de dinamismo somente pode dar-se em indivíduos videntes. Os não-videntes transferem as percepções visuais por outros meios de informação: guias sonoros outorgados pela explicação verbal, pelas percepções táteis, entre outros, os quais lhes outorgam dados sobre os quais elaboram a coordenação dinâmica necessária. Essas percepções iniciais de exploração e de tato preparam a execução sob a forma de ensaio; logo, a repetição do mesmo movimento afirma o modelo práxico elaborado e, finalmente, permite a interiorização do gesto por meio da representação mental da ação que, precedendo ao movimento, possibilita a execução com grande eficácia e segurança. Portanto, nessa situação, não existe coordenação oculomanual ou visuomotora, há apenas um dinamismo manual conjunto (Ibidem, 2002). A perfeição dos atos visomotores depende também da possibilidade de uma realização interiorizada, precedendo a execução e logo dirigindo-a (OLIVEIRA, 2001). Isto significa que quanto melhor a capacidade de realização interior, que é facilitada por uma melhor a memória, também 357 corporal e experiência de um aprendizado concreto, maior a probabilidade otimizada da perfeição dos atos visomotores. Segundo Oliveira, para que uma criança atinja a etapa de coordenar seus movimentos finos de forma precisa e com uma certa velocidade necessita realizar um trabalho bem intenso de exercitação. A mão tem uma importância enorme para o recém-nascido na exploração do mundo exterior. Inicialmente, por não possuir maturidade neurológica suficiente para conseguir pegar os objetos, sua característica principal de pega é inteiramente reflexa. Pouco a pouco vai desenvolvendo mecanismos necessários à realização da mesma, mas só após os doze meses de vida é que a preensão se adapta à forma e ao uso dos objetos, aquisição esta desenvolvida ou por imitação, ou por acaso, ou por experimentação ativa (OLIVEIRA, 2001). Para Neto, a coordenação visuomanual se elabora de modo progressivo com a evolução motriz da criança e do aprendizado. Visão e feedback perceptivo-motor estão estruturados e coordenados visando produzir um comportamento motor adaptado em qualquer situação (NETO, 2002). Santos aborda a motricidade fina na criança e a capoeira: “A motricidade fina, só poderá se efetivar na criança a partir do momento em que se oportunizar a ela atividades que além de envolver os grandes músculos, possam mais especificamente atuar nos pequenos grupos musculares. A capoeira como uma atividade completa em elementos psicomotores, pode através de seus cantos, musicalização e instrumentação, além dos seus movimentos expressivos corporais, oportunizar às crianças um desenvolvimento fidedigno da motricidade fina, contribuindo de forma satisfatória 358 na coordenação motora fina”. (SANTOS, 1990, p. 42 e 43). c) Coordenação facial: Alves ainda menciona a coordenação facial. Para Rill (apud ALVES, 2003), a coordenação facial é o primeiro e mais importante modo de comunicação interpessoal. Para Alves, efetivamente, são os olhos a fonte mais usada, mais fascinante, mais rica, mais ativa e rápida de comunicação (ALVES, 2003). Não é a toa que os olhos são considerados a “janela da alma”. As expressões faciais são fontes inesgotáveis de comunicação não verbal (CNV). Olhos, sobrancelhas, pestanas, testa, cabeça, queixo, nariz, lábios e boca são os ingredientes da comunicação primeiramente integrados no bebê, muito antes da fala. A motricidade facial, expressiva e singular de primatas e humanos são potentes sistemas de transmissão de mensagens não verbais (Ibidem, 2003). A contração voluntária da musculatura facial tem muita importância, pois é o começo da expressão de estados mais abstratos (medo, negação, ansiedade). Com o enriquecimento da mímica, aparecem os primeiros rudimentos de uma comunicação ao nível simbólico (Ibidem, 2003). A linguagem falada é uma aquisição da espécie humana, desenvolvida desde o homem primitivo, através de gestos, da mímica e dos sons inarticulados até a linguagem articulada. De acordo com Alves, muitos autores, conhecendo os pré-requisitos fisiológicos, têm assinalado a necessidade de exercitar os movimentos primários pré-linguísticos de sucção, mastigação e deglutição como precursores da fala: “- Sucção: 359 é um movimento, em princípio reflexo, instalado ainda antes do nascimento, o ato normal de sugar é um ato voluntário, que se inicia, segundo alguns autores, aos cinco meses de vida. É a sucção o primeiro exercício dos órgãos articulatórios. - Mastigação: é o ato de triturar e dividir os alimentos na cavidade bucal, pela ação combinada da mandíbula e dos destes, dos músculos mastigadores, da língua e das bochechas, seguido pelo ato de deglutir. - Deglutição: é a passagem dos alimentos desde a boca até o estômago.” (Ibidem, 2003, p. 59). Na capoeira a coordenação facial é de suma importância para os jogadores, através da expressão facial, pode-se observar as emoções, sentimentos e até pensamentos do jogador. O controle da expressão facial é importante para o jogador não “entregar” o jogo, jogar com sabedoria, ao omitir expressões que podem comprometer o jogo e o jogador. Parece-nos que nesse campo, tecnicamente, os atores, principalmente do teatro, são os mais desenvolvidos. É treinável, na medida em que se exercita esta “dramatização” do “teatro” da capoeira. Isto não significa ser falso ou algo que possa comprometer sua personalidade como sujeito, faz parte do jogo da capoeira. Esta qualidade pode ser útil, de maneira que, saber controlar as expressões faciais e também corporais, pode ajudar ao praticante de capoeira no seu dia a dia, em diversas situações, tanto positivas, quanto negativas. Finalizando, de modo geral, podemos dizer que a capoeira desenvolve a coordenação motora global através dos seus inúmeros e variados movimentos e gestos, onde estes, quanto mais desenvolvidos, 360 fazem a diferença da performance na prática da arte-luta; a coordenação fina e óculo manual é aprimorada principalmente através da utilização dos instrumentos musicais, pequenos gestos e alguns golpes com os membros superiores, e também, para os praticantes mais adiantados, através dos exercícios com as armas brancas; já a coordenação facial é bastante desenvolvida devido ao aspecto de teatralidade do jogo da capoeira, onde as expressões faciais são fundamentais neste, o que também, pode e deve ser aproveitado pelo praticante em seu dia a dia. 3.5.2 - Esquema corporal “O esquema corporal não é um conceito inicial ou uma entidade biológica ou física, mas o resultado e a condição da justa relação entre o indivíduo e o próprio ambiente.” (WALLON apud ALVES, 2003, p. 47). “Esquema corporal é a integração das sensações relativas ao próprio corpo, em relação aos dados do mundo exterior.” (VAYER apud ALVES, 2003, p. 48). Alves ainda cita outros autores, buscando uma definição de esquema corporal, impotante para, inicialmente, tratar-mos o tema: “Esquema corporal é a representação que cada um faz de si mesmo e que lhe permite orientar-se no espaço. Baseada em vários dados sensoriais proprioceptivos e exteroceptivos, esta representação esquematizada é necessária à vida normal e fica prejudicada por lesões do lobo parietal.” (PIERON apud ALVES, 2003, p. 47). “O esquema corporal pode ser considerado como uma intuição de conjunto ou um conhecimento imediato que temos de nosso próprio corpo, seja em posição estática ou em movimento, em relação às diversas partes entre si e, sobretudo, nas relações com o 361 espaço e os objetos que o circundam.” (LE BOULCH apud ALVES, 2003, p. 48). Para Alves, a noção de esquema corporal é como uma noção de âmbito fisiológico. Ela representa a experiência que cada um tem de seu corpo, quando em movimento ou em posição estática, em relação ao meio. É consciente, um simples movimento depende de seu esquema corporal. O desenvolvimento do esquema corporal é a representação que cada pessoa tem de seu corpo, permitindo-lhe situar-se na realidade que o cerca. Esta representação forma-se a partir de dados sensoriais múltiplos proprioceptivos, exteroceptivos e interceptivos (ALVES, 2003). Segundo Nicola, a descoberta do esquema corporal é uma conquista gradativa da criança e sua utilização deste esquema vai lhe permitir ganhar certezas no seu próprio corpo. Conhecer seu esquema corporal é ter consciência do próprio corpo, das partes que o compõem, das suas possibilidades de movimentos, posturas e atitudes. Toda alteração no sistema motor está acompanhada de alterações do esquema corporal; sendo a soma de todos, os eventos que ocorrem nas funções sensitivomotoras, afetivas e intelectuais e que levam a consciência do próprio corpo. Nicola nos diz que por muitos anos esta noção ficou escondida pelo desconhecimento, desinteresse e até mesmo pela repressão da sociedade (NICOLA, 2004). Para Staes e De Meur, a própria criança percebe-se e percebe os seres e as coisas que a cercam, em função de sua pessoa. Sua personalidade se desenvolverá graças a uma progressiva tomada de consciência de seu corpo, de seu ser, de suas potencialidades de agir e transformar o mundo à sua volta. A criança se sentirá bem na medida em que seu corpo lhe obedece, em que o conhece bem, em que pode utilizá-lo não somente para movimentar-se, mas também para agir. Segundo os autores, uma criança que se sinta bem disposta em seu corpo e capaz de situar seus membros uns em relação aos outros fará uma transposição de 362 suas descobertas. Progressivamente localizará os objetos, as pessoas, os acontecimentos em relação a si, depois entre eles (DE MEUR & STAES, 1991). Segundo Neto, os primeiros contatos corporais que a criança percebe, manipula e com as quais joga são de seu próprio corpo. Satisfação e dor, choro e alegria, mobilizações e deslocamentos, sensações visuais e auditivas e esse corpo é o meio da ação, do conhecimento e da relação. Para Neto, a construção do esquema corporal, isto é, a organização das sensações relativas a seu próprio corpo em associação com os dados do mundo exterior exerce um papel fundamental no desenvolvimento da criança, já que essa organização é o ponto de partida de suas diversas possibilidades de ação. O esquema corporal é a organização das sensações relativas a seu próprio em associação com os dados do mundo exterior. Neto ainda diz que, o esquema corporal pode ser definido no plano educativo como a chave de toda a organização da personalidade. A elaboração do esquema corporal segue as leis da maturidade céfalo-caudal e próximo-distal (NETO, 2002). De acordo com Oliveira, o importante papel do educador: “pode auxiliar seu aluno a tomar consciência de seus próprios bloqueios e procurar suas origens e, principalmente, realizar exercícios adequados para um bom desempenho de seu esquema corporal.” (OLIVEIRA, 2001, 37). De acordo com esta autora, o corpo é uma forma de expressão as individualidade. A criança percebe-se e percebe as coisas que a cercam em função de seu corpo. Quanto mais ela conhecer o seu corpo, maior a habilidade para se diferenciar e sentir diferenças, pasando a distinguir seu corpo em relação aos objetos circundantes, observando-os e manejando-os. O desenvolvimento de uma criança é o resultado da interação de seu corpo com os objetos de seu meio, com as pessoas com quem convive e com o mundo onde estabelece ligações afetivas e emocionais. O corpo, portanto, é sua maneira de ser. È através dele que estabelece contato e se engaja no 363 mundo, que se compreende os outros, pois todo ser tem seu mundo construído a partir de suas próprias experiências corporais (Ibidem, 2001). Segundo Oliveira, “para uma criança agir através de seus aspectos psicológicos, psicomotores, emocionais, cognitivos e sociais, precisa ter um corpo “organizado”.” (Ibidem, 2001, p. 48). Esta organização de si mesma é o ponto de partida para que descubra suas diversas possibilidades de ação e, portanto, precisa levar em consideração os aspectos neurofisiológicos, mecânicos, anatômicos e locomotores (Ibidem, 2001). Picq e Vayer apud Oliveira, afirmam que “esta organização de si envolve uma percepção e controle do próprio corpo através da interiorização das sensações.” (PICQ e VAYER apud OLIVEIRA, 2001, p. 48). O conceito de imagem corporal, que seria uma representação mental de nosso corpo, é extremamente importante para o esquema corporal. A imagem do corpo é uma impressão que se tem de si mesmo, subjetivamente, baseada em percepções internas e externas e, no confronto com outras pessoas do próprio meio social, envolvendo um conhecimento intelectual e consciente do corpo e também da função de seus órgãos (Ibidem, 2001). Este conceito é aprendido e desenvolvido desde cedo quando as crianças vão aprendendo a conhecer os diferentes segmentos do corpo, suas funções e suas nomenclaturas, assim, o conceito de esquema corporal vai sendo constituído. A nominação das partes do corpo, de acordo com Ajuriaguerra apud Oliveira, “confirma o que é percebido, reafirma o que é conhecido e permite verbalizar (por um mecanismo de redução) aquilo que é vivenciado.” (AJURIAGUERRA apud OLIVEIRA, 2001, p. 49). A criança tem uma representação gráfica de si. Inferindo esta imagem através de seu desenho da figura humana, podemos conhecer a visão da criança sobre si mesmo (Ibidem, 2001). 364 Para Oliveira, uma grande preocupação para todos aqueles que lidam com crianças deveria ser ajudá-las a usar seu corpo para apreender os elementos do mundo que as envolve e estabelecer relações entre eles, isto é, auxiliar a desenvolver a inteligência (Ibidem, 2001). Segundo Le Boulch apud Oliveira, a interiorização do corpo, torna possível uma dissociação de movimentos que permite um maior controle das praxias, sendo que, no plano gnosiológico, percebemos que a interiorização garante uma representação mental do seu corpo, dos objetos e do mundo em que vive (Ibidem, 2001). Esta representação mental é responsável pelo aparecimento do membro fantasma. O membro fantasma é a ilusão de que um membro amputado ainda está presente com suas sensações de presença, de volume e de movimento. No lugar do membro a pessoa sente dor, frio, sentindo sua ligação com o resto do corpo (Ibidem, 2001). Ajuriaguerra apud Oliveira, diz que “isto se deve a um resíduo cinestésico do membro (ou parte do corpo) fisicamente ausente. È uma experiência subjetiva que nem uma mutilação corporal consegue mudar.” (AJURIAGUERRA apud OLIVEIRA, 2001, p. 51). Um esquema corporal organizado permite a uma criança se sentir bem, na medida em que seu corpo lhe obedece, em que tem domínio sobre ele, em que o conhece bem, em que pode utilizá-lo para alcançar um maior poder cognitivo. O corpo é o ponto de referência que o ser humano possui para conhecer e interagir com o mundo. Este ponto de referência servirá de base para o desenvolvimento cognitivo e outros conceitos importantes, como uma boa alfabetização, os conceitos de espaço: em baixo, em cima, ao lado, atrás, direita, esquerda, etc. Primeira mente a criança visualiza estes conceitos atrvés de seu corpo e só depois consegue visualizá-los nos objetos entre si. O esquema corporal não é um conceito aprendido, que se possa ensinar, pois não depende de treinamento. Ele se organiza pela experimentação do corpo da criança, onde é revelado pouco a pouco a ela (Ibidem, 2001). 365 Sobre a imagem especular, Oliveira diz se tratar da descoberta pela criança de sua imagem no espelho, o que se dá por volta dos seis meses de idade. Aos poucos ela vai percebendo que o reflexo no espelho é uma representação dela também e passa a se ver de forma global como um ser único, percebendo que o corpo que ela sente é o mesmo que ela observa no espelho (Ibidem, 2001). “Ela deve compreender que está onde se sente e não onde se vê.” (WALLON apud OLIVEIRA, 2001, p. 54). Posteriormente, com dois anos e meio, três anos, ela tem condições de entender que o espaço que ela sente é o mesmo que ela vê no espelho (OLIVEIRA, 2001). Wallon mostra que o eu exteroceptivo fornecido pelo espelho vem se juntar ao eu proprioceptivo, num processo tônico-postural (WALLON apud OLIVEIRA, 2001, p. 54). Gradualmente ela apreende sua imagem especular como um reflexo, uma imagem, uma representação, um símbolo. Ao contrário dos animais, a criança usa o espelho como fator de conhecimento de si, raciocina, descobre seu eu, desenvolve seu esquema corporal, passando de um processo inicial de maturação, para um de conscientização progressiva do próprio corpo como uma realidade distinta do meio circundante, remodelando e individualizando a imagem inconsciente de seu corpo (OLIVEIRA, 2001). Dolto apud Oliveira, lembra que a criança cega não tem a oportunidade de se confrontar com sua imagem visual, o que levaria supor que teria dificuldade em assimilar o esquema corporal. Segundo Dolto, a criança cega conserva uma imagem inconsciente do corpo mais rica, no entanto, esta permaneceria inconsciente mais tempo do que nas crianças que enxergam (DOLTO apud OLIVEIRA, 2001). Para Nasio apud Oliveira, é necessária a presença crítica de um adulto junto à uma criança que se olha no espelho, pois para Nasio, a imagem especular tanto pode integrar quanto abolir a imagem inconsciente do corpo (NASIO apud OLIVEIRA, 2001). 366 O espelho é um fator de conscientização de si, mas a experiência no espelho confronta a criança com a sua identidade, portanto, possui um papel decisivo da intersubjetividade na construção do esquema corporal. A experiência no espelho constitui uma fase muito importante na confrontação da criança consigo mesma e como parte do processo de identificação, pois o corpo é um meio de comunicação, portanto, de interação e, conseqüentemente, de desenvolvimento da criança (OLIVEIRA, 2001). Oliveira diz que, para muitas pessoas a experiência do espelho não termina neste período. É sempre um fator de conhecimento de si, não somente na infância, quando possibilita uma maior integração das imagens proprioceptivas, como também na puberdade, como um auxiliar na formação da auto-imagem e da visão de si mesmo, da qual a imagem corporal é parte integrante. Na adolescência, com a emergência das mudanças físicas, o jovem, muitas vezes, se sente desorientado. Um corpo que se modifica rapidamente acaba por abalar sua estrutura de eu, pode abalar seu esquema corporal, pois seu corpo serve como ponto de referência no espaço (Ibidem, 2001). Como o corpo humano está em constante mudança, podemos afirmar que o esquema corporal també está em constante processo de reestruturação. Este processo pode ocorrer com maturidade ou não, dependendo da pessoa e dos vários fatores intervenientes em sua vida. Neste sentido, o espelho faz parte da constante reestruturação do esquema corporal. O espelho é importante para o praticante da capoeira, pois através dele, os gestos e movimentos específicos realizados, são incorporados visualmente no inconsciente, reestruturando o esquema corporal do praticante. Assistir vídeos com imagens de gestos e movimentos específicos realizados pelo próprio praticante, também ajuda neste processo, mas de modo diferenciado, pois na imagem que é assistida e o movimento já foi realizado. Neste caso podemos presumir que um processo cognitivo diferente é realizado. O espelho deve ser encarado como grande alternativa para o aprendizado da capoeira, contudo, deve-se conhecer o momento 367 propício para a sua utilização, pois o espelho ou mesmo uma imagem de vídeo podem ser aliados ou inimigos, dependendo do contexto de sua utilização. Le Boulch apud Oliveira, propôs três etapas para o esquema corporal: 1ª etapa, o corpo vivido, até três anos de idade; 2ª etapa, o corpo percebido ou “descoberto”, três a sete anos e; 3ª etapa, o corpo representado, sete a doze anos (LE BOULCH apud OLIVEIRA, 2001). A 1ª etapa, o corpo vivido, corresponde à fase da inteligência sensório-motorade Jean Piaget. Um bebê sente o meio ambiente como fazendo parte dele mesmo. Não tem a consciência do “eu” e se confunde com o espaço em que vive.Com o amadurecimento de seu sistema nervoso, vai ampliando suas experiências, se diferenciando deseu meio ambiente.Nesse período a criança tem uma necessidade muito grande de movimentação e através desta vai enriquecendo a experiência subjetiva de seu corpo e ampliando a sua experiência motora. Suas atividades iniciais são espontâneas, não pensadas, desenvolvendo a “função do ajustamento”, adquirindo uma memória corporal, responsável pela eficácia dos ajustamentos posteriores. No final desta fase pode-se falar em imagem corporal, pois o “eu” se torna unificado e individualizado (OLIVEIRA, 2001). A 2ª etapa, o corpo percebido ou “descoberto”, corresponde à organização do esquema corporal devido à maturação da “função de interiorização”, aquisição importante, pois auxilia a criança a desenvolver uma percepção centrada em seu próprio corpo. A função de interiorização permite também a passagem do ajustamento espontâneo, que ocorre na primeira fase, a um ajustamento controlado que, propicia um maior domínio do corpo e, conseqüentemente, uma maior dissociação dos movimentos voluntários, aperfeiçoando e refinando seus movimentos, adquirindo uma melhor coordenação. Ela percebe as tomadas de posições e associa seu corpo aos objetos da vida quotidiana, chegando à “representação mental” dos elementos do espaço. Ela descobre a dominância e com ela o seu eixo 368 corporal, passando a ver o seu “eu” como um ponto de referência para se situar e situar os objetos em seu espaço e tempo, descobrindo formas e dimensões. Este é o primeiro passo, para mais tarde, chegar à estruturação espaço-temporal (Ibidem, 2001). Neste momento a criança assimila conceitos como embaixo, acima, direita, esquerda; adquirindo também noções temporais como a duração dos intervalos de tempo, de ordem e sucessão, ou seja, o que vem antes, depois, primeiro e último. Ao final desta fase o comportamento motor e o nível intelectual pode ser caracterizado como pré-operatório, pois está submetido à percepção num espaço em parte representado, mas ainda centralizado sobre o próprio corpo (Ibidem, 2001). A 3ª etapa, o corpo representado: Nesta etapa observa-se a estruturação do esquema corporal, onde a criança já adquiriu as noções do todo e das partes do seu corpo; conhece as posições e consegue movimentar-se corretamente no meio ambiente com um controle e domínio corporal maior, ampliando e organizando cada vez mais o seu esquema corporal. No início desta fase a representação mental da imagem do corpo consiste numa simples imagem reprodutora. É uma imagem de corpo estática e é feita da associação estreita entre os dados visuais e cinestésicos. A criança só dispõe de uma imagem mental do corpo em movimento a partir dos dez, doze anos, significando que atingiu “uma representação mental de uma sucessão motora”, com a introdução do fator temporal. Sua imagem de corpo passa a ser “antecipatória”, e não mais somente reprodutora, revelando um verdadeiro trabalho mental devido à evolução das funções cognitivas correspondentes ao estágio preconizado por Piaget de “operações concretas”, tornando-se capaz de organizar e de combinar as diversas orientações, efetuando e programando mentalmente suas ações em pensamento. Seus pontos de referência não estão mais centrados no próprio corpo, mas são exteriores ao sujeito, podendo ele mesmo criar os pontos de referência que irão orient-lo (Ibidem, 2001). 369 O esquema corporal de uma pessoa pode sofrer perturbações. Existem algumas crianças que não têm consciência de seu próprio corpo, apresentando deficiências quanto à coordenação, equilíbrio, percepção, nominação das diferentes partes do corpo, dificuldades de locomoção, de orientação espaço-temporal, entre outras; apresentando uma certa lentidão que dificulta a realização de gestos harmoniosos simples, como abotoar uma roupa, andar de bicicleta, jogar bola, por falta de domínio de seu corpo em ação. Estas crianças, às vezes, conseguem realizar alguns movimentos, mas, como não planejam seus gestos ao agir, desprendem tanto esforço nessas ações, que logo acabam desestimulando-se (Ibidem, 2001). Oliveira nos diz que, outro sintoma de esquema corporal mal estabelecido pode ser visto quando a criança se confunde em relação às diversas coordenadas de espaço, como em cima, embaixo, ao lado, linhas horizontais, verticais; e também não adquire o sentido de direção devido a confusões entre direita e esquerda. Pertubações no esquema corporal, podem levar a uma impossibilidade de se adquirirem os esquemas dinâmicos que correspondem ao hábito visomotor e também intervém na leitura escrita, podendo até levar a uma séria dificuldade de contato com as pessoas que a rodeiam e com o seu correspondente meio ambiente e, um mau desenvolvimento da linguagem (Ibidem, 2001). Santos teceu alguns comentários sobre a implicação da prática da capoeira no esquema corporal. Segundo Santos: “O esquema corporal tem forte relação com a prática da capoeira, favorecendo às crianças que a praticam um ponto de partida para diversas possibilidade de atuação, implicando no desenvolvimento das percepções do controle do próprio corpo, do equilíbrio postural econômico de uma lateralidade bem definida, da independência dos segmentos corporais, do 370 domínio das inibições e controle da respiração, entre outros. A Capoeira é uma forte atividade também para o desenvolvimento psicomotor das crianças por despertar nelas muitos interesses, tanto pelos cantos, pelos instrumentos musicais, pelas músicas ou mesmo pela expressividade dos seus movimentos corporais que envolvem grandes e pequenos grupos musculares e várias percepções. Portanto a capoeira desenvolve as funções do esquema corporal da criança, contribuindo para a composição geral do seu EU, através dos objetivos de uma educação não formal”. (SANTOS, 1990, p. 41). Cunha nos diz que na capoeira os movimentos são realizados utilizando todas as partes do corpo, os membros superiores são utilizados, a cabeçada, os braços são uma forma de sustentação nos movimentos acrobáticos e também de defesa, pois devem estar sempre posicionados de modo a proteger o rosto. Membros inferiores são utilizados para a realização dos movimentos como golpes, movimentação de chão, base de sustentação para realização dos mais variados movimentos característicos da capoeira. Membros superiores e inferiores encontram-se em perfeita harmonia no jogar da capoeira, pois não podemos separar a função de cada um, ambos encontram-se interligados e interagindo o próprio corpo com o outro com quem está jogando capoeira (CUNHA, 2003). De acordo com Cunha, é necessário que o educador de capoeira auxilie seus alunos no sentido de fazê-los centrarem sua atenção sobre si mesmos para um reconhecimento e interiorização do próprio corpo. A interiorização é um fator muito importante para que a criança possa tomar consciência de seu esquema corporal. Assim a criança volta-se para si mesma, possibilitando uma automatização das primeiras aquisições motoras através dos movimentos da capoeira (Ibidem, 2003). 371 Para Souza & Oliveira, concordando com Cunha neste sentido, na prática da capoeira todas as partes do corpo são utilizadas, contribuindo para o desenvolvimento do esquema corporal: “É importante que a criança tenha um conhecimento das partes do corpo e um esquema corporal bem estruturado para que o seu desenvolvimento seja completo. Na prática da capoeira, seja nas aulas ou na roda, os movimentos são executados usando praticamente todas as partes do corpo. Alguns levam o nome de segmentos do corpo ou formas de objetos, como cotovelada, cabeçada, meia-lua, aú, esporão, martelo e outros, que facilitam o desenvolvimento do esquema corporal.” (SOUZA & OLIVEIRA, 2001, p. 46). Outra notória característica dos movimentos da capoeira são as nomenclaturas ligadas à fauna, como macaco, beija-flor e outros, que podem ajudar de maneira lúdica e criativa em um trabalho psicomotor através da capoeira, ajudando a diferenciar, por método comparativo, a diferença das partes do corpo destes animais e como eles se movimentam, citados na nomenclatura de movimentos e golpes de capoeira, com as partes do corpo da criança praticante de capoeira, desenvolvendo o esquema corporal. O esquema corporal pode ser desenvolvido na capoeira devido a grande variedade de movimentos e experimentações corporais proporcionadas aos praticantes, trabalhando todos os segmentos corporais, auxiliando o praticante a descobrir, através de um processo de interiorização, o seu corpo e este, em relação ao meio ambiente, ajustando o desenvolvimento de seu “eu”, à medida que a criança passa a comandar e descobrir o seu corpo. 372 3.5.3 – Lateralidade Segundo Nicola, a lateralidade é parte importante para toda a formação do indivíduo, pelo aspecto motor. A lateralidade não se define rapidamente na criança. A dualidade dos movimentos é perfeitamente normal, sempre, mesmo depois de ter sido feita a escolha da lateralidade predominante, pois as facilidades encontradas anteriormente não se desaprendem e as dificuldades nos forçam a escolher mais rápido um meio mais cômodo de adaptação ao uso da lateralidade (definição precoce). De acordo com Nicola, a lateralidade participa em todos os níveis da vida da criança, mas só se instalará definitiva e eficazmente à medida que a criança tiver passado por todas as etapas do seu próprio desenvolvimento (NICOLA, 2004). Ainda a autora: “- Destralidade verdadeira: dm cerebral está à esquerda, portanto todas as realidades motrizes estão à direita. - Sinistralidade verdadeira: dm cerebral está à direita, portanto todas as realizações motrizes são determinadas à esquerda. Pontos fundamentais na lateralização da criança: - Dm lateral: a partir do momento em que os movimentos se combinam e se organizam na intenção de um lado predominante. - Dm óculo-manual: geralmente é similar, serve também para pé.” (Ibidem, 2004). Alves nos diz que o termo “dominância” tende cada vez mais a ser substituído por “hemisfério maio” porque se considera que o critério de dominância implica o controle das funções de um hemisfério por outro. Entretanto, segundo Alves, o termo continua sendo usado para referir-se ao 373 hemisfério cerebral esquerdo, que está comprometido com as funções da linguagem na maioria dos seres humanos (ALVES, 2003). Para Neto, o corpo humano está caracterizado pela presença de partes anatômicas pares e globalmente simétricas. Essa simetria anatômica se redobra, não obstante, por uma assimetria funcional no sentido de que certas atividades só intervêm em uma das partes. A lateralidade é a preferência da utilização de uma das partes simétricas do corpo: mão, olho, ouvido, perna; a lateralização cortical é a especialidade de um dos dois hemisférios quanto ao tratamento da informação sensorial ou quanto ao controle de certas funções. De acordo com Neto, a lateralidade está em funçãode um predomínio que outorga a um dos dois hemisférios a iniciativa da organização do ato motor, o qual desembocará na aprendizagem e na consolidação das praxias. Essa atitude funcional, que é suporte da intencionalidade, se desenvolve de forma fundamental no momento da atividade de investigação, ao longo da qual a criança vai deparar-se com seu meio. A ação educativa fundamental para colocar a criança nas melhores condições para aceder a uma lateralidade definida, respeitando fatores genéticos e ambientais, é a que lhe permita organizar suas atividades motoras (NETO, 2002). Segundo Fonseca, muitas diferenças entre a motricidade animal e a motricidade humana, psicomotricidade, emergem do papel da lateralização na organização e na hierarquização funcional dos dois hemisférios cerebrais. A lateralização como o resultado da integração bilateral postural do corpo é peculiar no ser humano e está implicitamente relacionada com a evolução e utilização dos instrumentos, motricidade instrumental-psicomotricidade, isto é, com integrações sensoriais complexas e com aquisições motoras unilaterais muito especvializadas, dinâmicas e de origem social. De acordo com Fonseca, a lateralização traduz a capacidade de integração sensóriomotora dos dois lados do corpo, transformando-se numa espécie de radar endopsíquico de relação e de orientação com e no mundo exterior. Em termos de motricidade, retrata uma competência operacional, que preside a 374 todas as formas de orientação do indivíduo. Compreende uma conscientização integrada da experiência sensorial e motora, um mecanismo de orientação intracorporal, proprioceptiva, e extracorporal, exteroceptiva. Vários componentes integram a lateralização: motora, sensorial, perceptiva, conceitual, simbólica, social, etc (FONSECA, 1995). A lateralização como função complexa subentende diferentes níveis de complexidade: identificação das partes do corpo, identificação dupla homolateral, identificação dupla contralateral, identificação de partes do corpo no outro e identificação de partes do corpo no outro e no próprio (BENTON apud FONSECA, 1995). De acordo com Oliveira, a lateralidade é a propensão que o ser humano possui de utilizar preferencialmente mais um lado do corpo do que o outro em três níveis: olho, mão e pé, existindo um predomínio motor, uma dominância de um dos lados. O lado dominante apresenta maior força muscular, mais precisão e mais rapidez. É ele que inicia e executa a ação principal, sendo que, o outro lado o auxilia nesta ação e é igualmente importante. Os dois lados não funcionam isoladamente, mas de forma complementar (OLIVEIRA, 2001). Um bom exemplo de dominância dos membros superiores é a utilização dos instrumentos musicais da capoeira. Quando tocamos um berimbau o membro dominante executa os movimentos da vareta e caxixi ao qual segura e, o outro segura o berimbau e o dobrão. Ao tocar um agogô ou um reco-reco, o membro dominante é o que segura as peças responsáveis para o toque destes instrumentos, enquanto o não-dominante segura os referidos instrumentos. O membro dominante é o que executa as batidas com a mão no pandeiro, enquanto o outro o segura, mas mesmo assim, há recursos musicais, como a utilização de partes do corpo na batida do pandeiro, nas quais o membro não-dominante atua com precisão. Quando se toca o atabaque, apesar da mão do membro dominante ter uma maior participação, o outro tem uma fundamental participação no aspecto auxiliar nos toques. Quando pedimos a uma criança para tocar um destes 375 instrumentos citados, podemos, observando, perceber seu lado dominante dos membros superiores. Podemos observar a dominância dos membros inferiores, quando pedimos à criança para gingar e verificamos qual o membro que ela utilizou para executar o primeiro movimento, ao qual teve mais facilidade, mais precisão, mais força, equilíbrio e rapidez, fazendo a primeira base. Este seria o membro dominante, mas é preciso verificar por mais vezes esta constatação, pois, pode ocorrer de a criança, inicialmente, não utilizar o membro dominante, principalmente, se ela executar o movimento por imitando o mestre ou a um colega. Também podemos observar a dominância dos membros inferiores de uma criança, quando pedimos para ela executar um golpe de linha da capoeira, como uma benção, por exemplo. É importante que o modo como pedimos não interfira neste processo. Um meio eficaz de proceder este modo é pedir à criança que “empurre” a parede com uma benção, demostrando com as duas pernas e oferecendo a ela estas duas opções. A dominância ocular é utilizada na mira, ao mirar para utilizar uma atiradeira ou atirar com uma arma de fogo, utilizamos o olho dominante, chamado de olho mestre. Oliveira nos diz que a dominância ocular pode ser percebida quando perfuramos um cartão e pedimos para a criança observar um objeto qualquer à sua frente através do buraco, quando pedimos que olhe por um caleidoscópio ou um buraco de fechadura, contudo, Oliveira menciona que é preciso tomar muito cuidado ao afirmarmos qual é a dominância ocular, pois, às vezes, um problema na vista pode mascarar essa percepção (OLIVEIRA, 2001). Oliveira menciona ainda que os dentistas afirmam que se pode ver, também, a lateralidade do indivíduo pela observação de seus dentes, pela mastigação. O lado dominante fica mais gasto. Mas Oliveira, afirma que para leigos no assunto, é muito difícil constatar essa dominância (Ibidem, 2001). 376 Guillarme apud Oliveira, introduz o conceito de “prevalência” e faz uma distinção entre este termo, que para ele significa a freqüência de utilização de um lado, com suas implicação psicológicas e sociais, e o termo “domínância”, com implicações orgânicas e significando a relação existente entre esta utilização preferencial e o predomínio de um hemisfério cerebral (GUILLARME apud OLIVEIRA, 2001). Segundo Oliveira, se uma pessoa tiver a mesma dominância nos três níveis, mão, olho e pé, do lado direito, diremos que é “destra homogênea”; e “canhota ou sinistra homogênea”, se for o lado esquerdo. Se ela possuir dominância espontânea nos dois lados do corpo, isto é, executar os mesmos movimentos tanto com um lado como o outro , o que não é muito comum, é chamado de “ambidestra”. Dizemos que a pessoa tem “lateralidade cruzada”, quando usa, por exemplo, a mão direira, o olho e o pé esquerdos ou qualquer outra combinação. Desta maneira, a pessoa pode apresentar “destralidade contrariada”, um destro usando a mão esquerda, e “sinistralidade contrariada”, um sinistro usando a mão direita (OLIVEIRA, 2001). De acordo com Oliveira, são diversos os motivos que ocasionam um desvio da lateralidade. Por exemplo: um acidente que provoque uma amputação ou uma paralisia no lado dominante faz com que a pessoa passe a usar o outro lado. É chamado de “falsa sinistralidade” ou “falsa destralidade”, conforme o caso (Ibidem, 2001). Segundo Oliveira, o assunto de lateralidade, desvio de esolha de mão, mudança de prevalência remete-nos a um outro que tem causado muita polêmica entre os diversos pesquisadores do assunto. É o prolblema das teorias e hipóteses que explicam o porquê da preferência, pelo indivíduo, de um lado do corpo em relação ao outro (Ibidem, 2001). Há várias hipóteses sobre a prevalência manual, uma delas é a visão histórica, de que foi na idade do bronze onde começou a surgir uma 377 prevalência pelo lado direito, sendo isto explicado pelo fato de que os camponeses tiveram que se adaptar a ferramentas que não eram mais feitas por eles, mas por pessoas específicas. Outra explicação sobre a supremacia da destralidade aponta para as técnicas guerreiras, pelas quais se ensinavam os homens a pegar a espada ou lança com a mão direita enquanto a esquerda protegia o coração com o escudo. Também há alguns anos, a concepção religiosa e moral associava o lado direita à verdade, bondade, coisas boas, sacras, preciosas: e o lado esquerdo, ou sinistro, ao profano, ruim, caráter mal formado. Vale ressaltar que o termo “sinistro” vem do latim “sinistrum”, cujo significado é anormal, funesto, terrível; sentido este, ainda hoje, muitas vezes empregado. Oliveira menciona que há outras explicações que tentam mostrar a preferência pela destralidade, mas, apenas, com valor histórico (Ibidem, 2001). Umas das hipóteses sobre a prevalência manual, que tenta esclarecela com fundamentação científica é a da Hereditariedade. Esta teoria, que tenta explicar a preferência lateral pela transmissão hereditária, não foi comprovada. Oliveira nos diz que para muitos pesquisadores como Ajuriaguerra e Guillarme, o fator hereditário não deve ser rejeitado, mas também não se pode considerá-lo como desempenhando um papel único. Outros fatores são necessários para explicar o desenvolvimento da lateralidade (Ibidem, 2001). Outra hipótese é a da dominância cerebral. Existe uma dominância em um dos lados do cérebro, e que funciona de forma cruzada. Isto quer dizer que, no destro, encontramos uma dominância do córtex cerebral esquerdo; e canhoto, o hemisfério cerebral direito controla e coordena as atividades do lado esquerdo (Ibidem, 2001). Existiria, portanto, uma correlação entre a preferência lateral e domínio hemisférico, mas Brandão apud Oliveira nos alerta sobre o cuidado que devemos ter com esta afirmação, pois nas funções simbólicas, abstratas, intelectivas, não existe esta relação. Brandão cita ainda outra hipótese que é a “organização estrutural adquirida do cérebro”. Segundo esta teoria, a posição do embrião 378 no útero pode provocar uma diferença na irrigação sanguínea, o que favoreceria mais um hemisfério do que outro (BRANDÃO apud OLIVEIRA, 2001). Uma última vertente de hipóteses seria a da Influência do meio psicosocial-afetivo e educacional. Segundo esta hipótese, a preferência por uma determinada lateralidade se dá através do aprendizado. Aprendemos a escrever com a mão direita ou esquerda, de acordo com o nosso meio, seja por imposição, por imitação, por questão afetiva, etc. De acordo com este raciocínio, então, não deveria haver problema algum oriundo da escolha da mão preferencial, o que não se verifica (OLIVEIRA, 2001). Contudo, “nenhuma dessas teorias sozinhas são suficientes para explicar o fenômeno da lateralização. Ela é o resultado da associação de diversos fatores, posição esta, com a qual também concordamos” (Ibidem, 2001, p. 67). Até um ano de idade não é verificada nehuma preferência pelo uso de uma das mãos e só a partir daí uma se torna mais hábil, apresenta mais facilidade e começa a dominar mais. Contudo, apesar da lateralidade começar a se evidenciar neste período, só poderemos falar em dominância entre os cinco e sete anos de idade (Ibidem, 2001). Oliveira concorda com Brandão, quando este diz que, a lateralidade deve surgir naturalmente, da própria criança, e não ser imposta. “Deve surgir dela mesma, graças à imagem proprioceptiva que ela tem de seu corpo e às suas preferências naturais pelo uso de uma das mãos.” (BRANDÃO apud OLIVEIRA, 2001, p. 69). Para Oliveira, a criança precisa experienciar os dois lados sem interferências. Ela precisa se descobrir. Os pais têm que ter muito cuidado para não direcioná-la, como por exemplo: não dar a colher na mão direita da 379 criança, esim, proceder corretamente, deixando a colher ao centro para que a criança pegue com a mão que desejar (OLIVEIRA, 2001). Oliveira comenta que a proporção de destros é, sem dúvida, muito maior do que a de canhotos, existindo diversos autores que comprovam isto. O meio ambiente em que vivemos foi feito para o destro, desde os objetos mais simples como, tesoura, régua, cartas de baralho, algumas carteiras de sala em aula, até a nossa escrita, que é realizada da esquerda para a direita e de cima para baixo, favorecendo o destro (Ibidem, 2001). As dificuldades encontradas pelos canhotos neste meio ambiente propício ao destro, a pressão exercida por este meio e, mais as dificuldades afetivas advindas destes problemas, pode fazer com que muitos canhotos se vêem como diferentes, como anormais, acabando por contrariar sua lateralidade. O que ocorre também, quando imitam pessoas com lateralidade diferenteda sua, e com a qual possuem grande identificação, ou quando imitam os gestos de seus pais, por exemplo (Ibidem, 2001). Oliveira pensa que, na realidade, o canhoto homogêneo ou puro tem as mesmas possibilidades que o destro puro, bastando para isto que se programe, organize a si mesmo e a sua escrita na orientação correta. Ele pode ser tão rápido e executar as mesmas tarefas com a mesma precisão do destro (Ibidem, 2001). Neto discorda desta visão, descrita anteriormente, quando diz que o mundo não foi projetado mais para os destros do que para os sinistros, e os objetos e as outras utilidades não são assimétricos para que sejam inutilizados pelos sinistros. Segundo este autor, nos países em que a condução do automóvel se faz pela esquerda, com o volante à direita, as marchas são executadas com a mão esquerda, e os destros se acomodam a isso muito bem. A escrita, que podia representar um ponto culminante de uma simetria, não constitui um argumento decisivo na dialética sinistrodestro: nas culturas árabes e hebraicas escreve-se da direita para a 380 esquerda, e o percentual de destros é tão elevado como é nas culturas em que a escrita se faz da esquerda à direita. Até a Idade Média, de outra parte, havia tantos sistemas de escrita em um sentido como no outro – os chineses, por sua vez, escrevem de cima para baixo. Entre os diferentes estudos realizados pelos antropólogos sobre os povos que vivem nos lugares mais inacessíveis do planeta, nenhum menciona a existência de um predomínio destro. Em geral, nesses ambientes, é considerado o domínio motor lateral das mãos. A mão não é somente um órgão efetor, mas prioritariamente por uma das mãos, mas estão repartidas entre ambas as mãos (NETO, 2002). Para Oliveira a “ambidestria” é outro fator que tem merecido vários estudos. Algumas atividades como a dança e a educação física têm incentivado bastante o domínio dos dois lados (OLIVEIRA, 2001). Brandão apud Oliveira afirma que a ambidestria não pode ser tolerada, pois prejudica o desenvolvimento da criança e acarreta várias conseqüências como a diminuição da habilidade e velocidade manuais, aparecimento de sincesias de imitação, influência no desenvolvimento das funções intelectivas, no ajustamento emocional e afetivo da criança, um atraso inicial da linguagem e alterações da escrita (BRADÃO apud OLIVEIRA, 2001). Concordamos com Brandão, em que a criança precisa de uma especialização, uma dominância, entre a mão esquerda e a direita, para se tornar mais hábil e veloz neste sentido. Mas isto não quer dizer que a dança e a educação física, como mencionado por Oliveira, ao trabalhar os dois lados da criança, provoque uma ambidestria. Na verdade quando se trabalha estes dois lados nestas atividades, combate-se uma prevalência prejudicial ao corpo. Ao se constatar um quadro de ambidestria, deve-se propiciar meios para desenvolver a predominância lateral. Segundo Oliveira, em certas pertubações da lateralização, o problema reside quando uma pessoa apresenta uma lateralidade cruzada ou é mal lateralizada, o que pode resultar em muitos efeitos negativos tais como: 381 dificuldade em aprender a direção gráfica; dificuldade em aprender os conceitos esquerda e direita, geralmente interiorizado por volta dos seis anos de idade, que é diferente e sucedida, após a criança perceber o seu eixo corporal, do conceito de dominância lateral; comprometimento na leitura escrita; má postura; dificuldade de coordenação fina; dificuldade de discriminação visual; perturbações afetivas; distúrbios da linguagem e do sono; dificuldades de estruturação espacial, pois esta faz parte integrante da lateralização, que é a base da estruturação espacial; aparecimento de maior número de sincinesias, que é o comprometimento de alguns músculos que participam e se movem, sem necessidade, durante a execução de outros movimentos envolvidos em determinada ação, sendo involuntária e geralmente inconsciente e, relacionada com o estado de fundo tônico, podendo distinguir-se em sincinesias de imitação e sincinesias axiais (OLIVEIRA, 2001). Abordando a capoeira e a lateralidade, Souza & Oliveira nos dizem que: “A lateralidade deve ser trabalhada na prática da capoeira sem prevalência de lados. Os movimentos devem ser executados para ambos os lados. Os praticantes não só reconhecem os dois lados, como também aprendem a usá-los de forma individual e independente, descobrindo naturalmente que um pode ou não sobrepor ao outro.” (SOUZA & OLIVEIRA, 2001, p. 46). Para Cunha, nas aulas de capoeira, os movimentos são constantemente executados usando os lados esquerdo e direito. No trabalho de capoeira com crianças a lateralidade é descoberta pelo aluno na medida em que aprendem a usá-las individualmente, descobrindo de modo natural que um lado domina o outro. È importante que nos movimentos 382 concretizados a tentativa de ação seja realizada para ambos os lados, diminuindo assim esta difereça da performance dos lados (CUNHA, 2003). Já de acordo com Brito apud Souza & Oliveira: “O bom capoeirista é aquele que diminui as diferenças de habilidade entre os lados destro e sinistro. É aquele que, através da surpresa, criatividade e domínio do corpo engana seu oponente com golpes variando os lados ou combinando-os para dificultar as defesas de seu oponente e facilitar as suas (BRITO, [199-] , P. 9).” (BRITO apud SOUZA & OLIVEIRA, 2001, p. 46). Observado este comentário, logo podemos pensar que, a lateralidade não só é importante para desferir os golpes, mas para também se defender satisfatoriamente. Muitos praticantes iniciantes na capoeira, numa ingênua vontade de dominar rapidamente alguns golpes, na tentativa de um rápido aprendizado, tendem a repetir mais vezes estes golpes com um membro escolhido, geralmente o do lado dominante. Tal procedimento deve ser observado e corrigido o quanto antes pelo profissional responsável, afim de não gerar seqüelas e vícios gestuais e posturais, que possam comprometer o aluno. Quanto a isto, Bechara nos diz: “Como todo esporte, a capoeira requer certas atenções de seus praticantes, que devem ser constantemente observados, entre elas estão: a predominância da lateralidade e a compensação da coluna lombar. Ou seja, um aluno que só efetua movimentos em uma mesma direção, ou só usa um dos lados do corpo nos seus movimentos, tende a fortalecer mais a musculatura desse lado usado: por isso a bilateralidade é de suma importância, para que não acarrete qualquer deformidade na coluna 383 vertebral. E, o outro fato a ser observado é que o movimento de “ginga” sobrecarrega em muito a coluna lombar, e por isso durante uma aula deve-se incluir exercícios abdominais, funcionando como exercícios compensatórios”. (BECHARA, 1985a). A capoeira pode ajudar a criança no desenvolvimento de sua lateralidade, sem utilizar de um direcionamento, e na absorção do conceito esquerda-direita, na execução de movimentos em que a criança vá conquistando gradativamente um conceito espacial. Um bom exercício neste sentido é pedir à criança que faça um aú, movimento parecido com uma estrela, em direção à uma referência ao seu lado, que pode ser uma parede, uma porta, depois para o outro utilizando outra referência, após algumas vezes, aos poucos, o conceito esquerda-direita, vai sendo inserido, quando pedimos para fazer o aú para àquele mesmo ponto de referência, ao qual já o norteamos com a definição lateral de esquerda ou direita, como a porta que fica à esquerda ou à janela que está à direita. 3.5.4 - Estruturação espacial Segundo Tasset (apud DE MEUR & STAES, 1991, p. 13), a estruturação espacial é “a orientação, a estruturação do mundo exterior referindo-se primeiro ao eu referencial, depois a outros objetos ou pessoas em posição estática ou em movimento”. Para Poppovic, orientar-se no espaço é: “ver-se e ver as coisas no espaço em relação a si próprio, é dirigir-se, é avaliar os movimentos e adaptálos ao espaço. È, principalmente, estabilizar o espaço vivido e desta forma poder situar-se e agir correspondentemente.” (POPPOVIC apud ALVES, 2003, p. 69). 384 Alves nos diz que nos situamos através do espaço e das relações espaciais para vivermos no meio estabelecendo relações entre as coisas, fazendo observações, comparando-as, combinando-as, vendo as semelhanças e diferenças entre elas. Nesta comparação entre os objetos, constatamos as características comuns a eles, e as não comuns também. Segundo Alves, primeiro a criança percebe a posição de seu próprio corpo no espaço. Depois a posição dos objetos em relação a si mesma e, por fim, aprende a notar as relações das posições dos objetos entre si. Para a criança assimilar os conceitos espaciais, precisa ter uma lateralidade bem definida. A lateralização é a base da estruturação espacial e é através dela que uma criança se orienta no mundo que a rodeia. As noções de orientação direita-esquerda e laterais constituem as primeiras aquisições no domínio da estruturação espacial, promovendo uma boa adaptação escolar no momento do aprendizado da leitura e da escrita, que depende, em parte, da orientação espaço-temporal (ALVES, 2003). Para Le Boulch (apud ALVES, 2003), a representação do espaço e a imagem corporal evoluem paralelamente e suas etapas de evolução são correlativas. Segundo Giacomim (apud ALVES, 2003), a exploração do espaço começa no momento em que a criança consegue os primeiros movimentos voluntários e os vai ampliando com a aquisição do engatinhar, da marcha e da verbalização. O espaço humano é todo orientado no sentido esquerdo, direito, acima, abaixo, longe e perto. De acordo com Piaget (apud ALVES, 2003), até os três anos de idade, o espaço da criança se orienta em função das suas necessidades afetivas, que se caracterizam pelas relações de proximidade com a mãe. É um espaço sem formas e dimensão. Alves diz que a partir dos quatro anos, a criança é levada a tomar consciência das referências espaciais, tomando como base o seu próprio corpo (ALVES, 2003). De acordo com Alves, a criança começa a organizar as suas relações espaciais de forma progressiva. Consegue reproduzir as formas geométricas utilizando o grafismo, diferencia o longe perto, acima-abaixo e, assim, 385 associa uma série de referências espaciais. A criança tem necessidade de um espaço para se mover. A partir da percepção do próprio corpo, é que pode ser percebido o espaço exterior. Segundo Alves, este espaço exterior é explorado, no início, por uma dupla em simultânea percepção: percepção exteroceptiva – a visão de um objeto, se faz através de estímulos exteriores, vem de fora para dentro; percepção proprioceptiva – os gestos que são necessários para apanhá-lo, análise de dentro para fora (Ibidem, 2003). Para Neto, a noção do espaço é ambivalente, pois, ao mesmo tempo, é concreta e abstrata, finita e infinita. Ela envolve tanto o espaço do corpo, diretamente acessível, como o espaço que nos rodeia, finito enquanto nos é familiar, mas que se estende ao infinito, ao universo, e desvanece-se no tempo. Neto indaga se a idéia do espaço está incluída em nossas sensações, resulta de nossas experiências e aprendizagens ou constitui uma intuição imediata? Ele diz que há de buscar a origem, talvez, nessas três direções de uma só vez. O espaço físico absoluto existe independentemente de seu conteúdo e de nós, enquanto o espaço psicológico, associado à nossa atividade mental, revela-se, de modo direto, em nosso nível de consciência. Na vida cotidiana, utilizamos constantemente os dados sensoriais e perceptivos relativos ao espaço que nos rodeia. Esses dados sensoriais contêm as informações sobre as relações entre os objetos que ocupam o espaço; porèm, é nossa atividade perceptiva, baseada na experiência do aprendizado, a que lhe dá um significado. A organização espacial depende, ao mesmo tempo, da estrutura de nosso próprio corpo (estrutura anatômica, biomecânica, fisiológica, etc.), da natureza do meio que nos rodeia e de suas características. Adquirimos pouco a pouco a atitude de avaliar nossa relação com o espaço que nos rodeia e de ter em consideração as modificações dessa relação no curso dos deslocamentos que condicionam nossa orientação espacial. A percepção que temos do espaço que nos rodeia e das relações entre os elementos que compõem evolui e modifica-se com a idade e com a experiência. Essas relações chegam a ser, progressivamente, objetivas e independentes (NETO, 2002). 386 De acordo com Neto, todas as modalidades sensoriais participam em certa medida na percepção espacial: a visão, a audição, o tato, a propriocepção e o olfato. As informações recebidas não estão sempre em acordo e implicam, inclusive, percepções contraditórias, em particular na determinação da verticalidade. A orientação espacial designa nossa habilidade para avaliar com precisão a relação física entre nosso corpo e o ambiente, e para efetuar as modificações no curso de nossos deslocamentos. As primeiras experiências espaciais estão estreitamente associadas ao funcionamento dos diferentes receptores sensoriais, sem os quais a percepção subjetiva do espaço não poderia existir; a integração contínua das informações recebidas compõem a sua estruturação e a sua ação eficaz sobre o meio externo (Ibidem, 2002). Segundo Neto, a evolução da noção espacial destaca a existência de duas etapas: uma ligada à percepção imediata do ambiente, caracterizada pelo espaço perceptivo ou sensório-motor; outra baseada nas operações mentais que saem do espaço representativo e intelectual. Essa evolução segue a do estabelecimento das relações objetivas em que a criança dominada a princípio pelo seu egocentrismo se descentraliza de modo gradual para examinar as relações com outro ponto de vista diferente do seu. A partir das reações topológicas, a criança elabora pouco a pouco as reações projetivas e euclidianas. Essa evolução se aplica igualmente à aquisição de uma dimensão da orientação (direita e esquerda). Assim, se estabelece de forma progressiva com a evolução mental da criança a aquisição e a conservação das noções de distância, superfície, volume, perspectivas e coordenadas que determinam suas possibilidades de orientação e de estruturação do espaço em que vive (Ibidem, 2002). A estruturação espacial, segundo De Meur & Staes, é: “- a tomada de consciência da situação de seu próprio corpo em um meio ambiente, isto é, do lugar e da 387 orientação que pode ter em relação às pessoas e coisas; - a tomada de consciência da situação das coisas entre si; - a possibilidade, para o sujeito, de organizar-se perante o mundo que o cerca, de organizar as coisas entre si, de colocá-las em um lugar, de movimentálas.” (DE MEUR & STAES, 1991, p. 13). De acordo com De Meur & Staes, a todo instante, a criança encontrase em um espaço bem preciso onde lhe é solicitado: “- que se situe (está sentada em uma cadeira, diante de uma mesa etc.); - que situe os objetos um em relação ao outro (a vasilha de tinta encontra-se ao lado de sua folha, o pincel está dentro da vasilha de tinta); - que se organize em função do espaço de que dispõe (espontaneamente a criança desenha um sol no canto superior da folha, uma casa no meio e uma árvore à direita da casa).” (Ibidem, 1991, p. 13). Para De Meur & Staes, o esquema corporal é a tomada de consciência, pela criança, de possibilidades motoras e de suas possibilidades de agir e expressar-se. De acordo com estes autores, a estruturação espacial é parte integrante de nossa vida, sendo difícil dissociar os três elementos fundamentais da psicomotricidade: corpo – espaço – tempo, e quando operamos com toda essa dissociação, limitando-nos a um aspecto bem preciso e restrito da realidade. Entretanto, segundo De Meur & Staes, a clareza obriga-nos a tratar desses aspectos separadamente, mas é evidente que nossa abordagem sobre a criança deve considerar o conjunto. Assim, quando desejamos que adquira uma noção espacial, não podemos deixar de levar em conta suas possibilidades e conhecimentos corporais, 388 sua emotividade, diante do educador e das outras crianças, o tempo de que dispõe, seu próprio ritmo. De acordo com De Meur & Staes, as etapas da estruturação espacial são: conhecimento das noções, orientação espacial, organização espacial e, compreensão das relações espaciais (Ibidem, 1991). De acordo com Fonseca, a estruturação espacial é um conceito desenvolvido no próprio cérebro atrvés de atividades neuro, tônico, sensório, perceptivo e psicomotoras. A criança constrói a noção de espaço através da interpretação de uma constelação de dados sensoriais que não têm relação direta com o espaço. A capacidade para estruturar e organizar o espaço é essencial para qualquer aprendizagem. Para este autor, “a noção do espaço não é inata, ela resulta de uma construção onde o corpo assume o papel do arquiteto” (FONSECA, 1995, p. 204). Segundo Oliveira, a estruturação espacial é essencial para que vivamos em sociedade. É através do espaço e das relações espaciais que nos situamos no meio em que vivemos, em que estabelecemos relações entre as coisas, em que fazemos observações, comparamdo-as, combinando-as, vendo as semelhanças e diferenças entre elas, sendo que, nesta comparação entre os objetos constatamos as características comuns e não comuns a eles. Através de um verdadeiro trabalho mental, selecionamos, comparamos os diferentes objetos, extraímos, agrupamos, classificamos seus fatores comuns e chegamos aos conceitos destes objetos e categorizações (OLIVEIRA, 2001). “É esta formação de categorias que leva à generalização e à abstração” (KEPHART apud OLIVEIRA, 2001, p. 74). A aritmética lida com o fenômeno do agrupamento e para isto é necessário que tenha sido desenvolvida a noção espacial, visto que os objetos só existem dentro de um espaço determinado. Para a ecrita, a estruturação espacial também tem grande importância (OLIVEIRA, 2001). 389 A estruturação espacial é desenvolvida através da constante reinterpretação do espaço e do meio ambiente, e a organização e construção do conceito de espaço pelo cérebro, através das percepções e sentidos, principalmente a visão. Silveira Costa pensa que a capoeira afeta positivamente todos os sentidos, como a audição, que desenvolvida através da música (SILVEIRA COSTA, 1993, p. 82). Quanto à visão, este autor diz: “a visão se aprefeiçoa em função do domínio do espaço promovido pela prática do jogo, havendo, inclusive uma tese de que a Capoeira desenvolve uma ampliação da visão periférica 11. Ou seja, o capoeirista consegue, se devidamente desenvolvido, enxergar cada vez mais para além da visão do que está na frente dos olhos, passando a perceber fora do ângulo da visão frontal. Nesse sentido o capoeirista poderia ver atrás de si mesmo! Naturalmente, caricaturando essa seria a maior eficiência que poderia ser atingida pela visão do capoeirista. 11 Innezil Penna Marinho, in A Ginástica Brasileira.” (Ibidem, 1993, p. 82). Então, de acordo com Silveira da Costa, podemos pensar que a capoeira, por desenvolver a percepção visual e a visão periférica, tem um grande potencial de desenvolver também a estruturação espacial. A estruturação espacial não nasce com a pessoa. Ela é uma elaboração e uma construção mental que se opera através de seus movimentos em relação aos objetos que estão em seu meio (OLIVEIRA, 2001). 390 A exploração do espaço e do meio começa desde o nascimento e aumenta gradualmente, conforme a criança vai conquistando o seu espaço, também vai descobrindo e nomeando os objetos, com seu aumento e melhora da capacidade de locomoção. Segundo Santos, com liberdade de movimento, a criança explora melhor o seu corpo, o seu espaço, o espaço dos outros, desenvolve sua psicomotricidade, vivencia novas situações que a fazem amadurecer, e em função de suas experiências, ela vai se firmando como pessoa. (SANTOS, 1990). De acordo com Freitas & Freitas: “A psicomotricidade tem entre os seus princípios fundamentais a relevância que é dada ao processo de maturação e ás experiências do meio, como estimuladores de uma maturação flutuante e ativa, sendo que o desenvolvimento é atribuído á troca realizada entre as estruturas orgânicas em crescimento e o meio envolvente. Tudo isso é baseado em conhecimentos neurofisiológicos e na convicção da ligação estreita do desenvolvimento psicomotor com o desenvolvimento mental e com a socialização (LE BOULCH, 1983).” (FREITAS & FREITAS, 2002, p. 12). De acordo com Oliveira, para que uma criança perceba a posição dos objetos no espaço, precisa, primeiramente, ter uma boa “imagem corporal”, pois usa seu corpo como ponto de referência. Para a criança assimilar os conceitos espaciais precisa, também, ter uma “lateralidade” bem definida, o que só ocorre por volta dos seis anos de idade. A criança torna-se capaz de diferenciar os dois lados de seu eixo corporal e consegue verbalizar este conhecimento, sem o que fica difícil distinguir as diferentes posições que os objetos ocupam no espaço, sendo que, através da experimentação pessoal, os conceitos de direita e esquerda irão passar a ter um sentido e um valor para ela, que ao assimilá-los, estará preparada para perceber, compara e 391 assimilar os conceitos relacionados com outras posições como à frente, atrás, acima, abaixo, onde a verbalização é fundamental para vivenciar melhor o domínio das noções de orientação (OLIVEIRA, 2001). Deste modo, a criança aprende as noções de “situações”, através de conceitos como dentro, fora, no alto, abaixo, longe, perto; de “tamanho”, através dos conceitos de grosso, fino, grande, médio, pequeno, estreito, largo; de “posição”, por meio das noções de em pé, deitado, sentado, ajoelhado, agachado, inclinado; de “movimento”, através dos conceitos de levantar, abaixar, empurrar, puxar, dobrar, estender, girar, rolar, cair, levantar-se, subir, descer; de “formas”, conceitos de círculos, quadrado, triângulo, retângulo; de “qualidade”, conceitos de cheio, vazio, pouco, muito, inteiro, metade; de “superfícies e de volumes”. Aprendendo estes conceitos, a criança atinge a etapa da “orientação espacial” (Ibidem, 2001). Se o conceito de esquerda e direita pode sofrer uma ambigüidade de interpretação por parte da criança, já o conceito cujo os pontos de referência são do tipo alto/baixo são absolutos, pois acima sempre se subentende o teto, e embaixo o solo. Os conceitos direita/esquerda e adiante/ atrás dependem, para muitas crianças, da posição de seu corpo no espaço. Uma pessoa que já possua uma orientação espacial bem definida dará a ela mesma as coordenadas para que saibamos quais são seus pontos de referência (Ibidem, 2001). Segundo Oliveira, depois que o indivíduo aprende a orientar os objetos ele passa a “organizá-los”, a combinar as diversas orientações, não tomando mais o seu próprio corpo como ponto de referência, mas eescolhe ele mesmo outros pontos de referência, e os colocará segundo diversas orientações, chegando, então, às noções de distância, de direção; passando a prever, antecipar e transpor. Após a conquista das diferentes direções pelo indivíduo, a transposição sobre o outro e sobre os objetos é possível. Ele também desenvolve a “memória espacial”, o que lhe possibilita descobrir os objetos que estão faltando em determinado lugar e reproduzir um desenho 392 previamente observado, com a memória espacial bem desenvolvida, o indivíduo não “se esquecerá” dos símbolos gráficos e nem das direções a seguir (Ibidem, 2001). A partir desta organização espacial a criança chega, desenvolvendo através do raciocínio, à compreensão das “relações espaciais”, tão importante para que se situe e se movimente em seu meio ambiente. De acordo com Oliveira, estas relações espaciais são obtidas graças a uma estrutura de espaço, sem a qual não conseguiríamos manter relações estáveis entre os objetos que não estão ao nosso redor (Ibidem, 2001). Para Oliveira, é necessário que a criança tenha condições de questionar seu meio, que experiencie as situações de seu corpo em relação ao espaço e que realize um trabalho mental que lhe permitirá organizar-se, organizar e representar seu espaço. A orientação e a estruturação espaciais são importantes porque possibilitam à criança organizar-se perante o mundo que a cerca, prevendo e antecipando situações em seu meio espacial (Ibidem, 2001). Oliveira menciona dificuldades que podem advir de uma má integração da orientação espacial, podendo ser diversos os motivos que impedem ou retardam o pleno desenvolvimento na estruturação espacial da criança, como por exemplo: limitação de seu desenvolvimento mental e psicomotor; crianças tolhidas em suas experiências corporais e espaciais e que não têm oportunidades de manipular os objetos ao seu redor; as que não desenvolveram a noção de esquema corporal, acarretando prejuízo na função de interiorização; as que não consegiram ainda estabelecer a dominância lateral e nem assimilaram as noções de direita e esquerda através da internalização de seu eixo corporal; dificuldades de representação mental das diversas noções; e ainda de acordo com Le Boulch apud Oliveira, “insuficiência ou déficit da função simbólica. A criança é incapaz de associar termos abstratos como direita e esquerda, puramente 393 convencionais, ao que sente ao nível proprioceptivo” (LE BOULCH apud OLIVEIRA, 2001, p. 83). De acordo com Oliveira, as causas não se encerram nestas apresentadas e as conseqüências são às vezes desastrosas nas aprendizagens escolares e no próprio dia a dia, pois: muitas crianças não conseguem assimilar os termos espaciais confundem-se quando se exige uma noção de lugar, de orientação; às vezes, conhecem os termos espaciais mas não percebem as posições, sendo que, esta dificuldade coloca em risco sua própria aprendizagem, pois não discriminão as direções de letras, como “b” e “d”, por exemplo; crianças que, embora percebam o espaço que as circundam, não têm memória espacial, podendo “esquecer” ou confundir os significados dos símbolos representados pelas letras gráficas; se chocar ou esbarrar nos objetos significa falta de organização espacial, fator muito encontrado até em adultos, como também, não conseguir prever a trajetória de uma bola ou objeto quando é atirado em determinado alvo, ou ainda, não conseguir ordenar ou organizar objetos pessoais dentro de um armário ou de uma gaveta; dificuldade em reversibilidade e transposição, geralmente conseguida a partir de oito anos de idade, o que possibilita, pouco a pouco, a compreensão de igualdades, como em operações de contas de somar; dificuldades para compreender relações espaciais, que fazem parte da lógica matemática, a criança não percebe o que muda de uma figura para outra nas representações espaciais, não percebendo as relações como a simetria, inversão, transposição, elementos adicionados e subtraídos, não conseguindo realizar desde progressões mais simples como tamanho, quantidade, ritmos e cores, como progressões mais complexas, como a variação de dois ou mais elementos numa ordem de sucessão e simultaneidade, ou mesmo compreensão das relações existentes entre as diversas orientações juntas (Ibidem, 2001). Para Santos, relacionando a capoeira à percepção espacial, ele diz que, a percepção da dimensão relacional a tudo aquilo que nos cerca, refere-se à “percepção espacial”, indiscutivelmente presente no jogo da 394 capoeira, pois as crianças ao praticá-la estarão limitadas por um círculo e um parceiro, os quais estão constantemente relacionados com o jogo propriamente dito (SANTOS, 1990). A percepção espacial é explorada e desenvolvida na capoeira, até porque, ela é extremamente necessária para a sua prática. Se o praticante não possuir esta percepção desenvolvida junto com sua estruturação espacial, provavelmente, terá dificuldades na prática da capoeira, em seu jogo e treinamento. Contudo, acreditamos que a prática da capoeira pode diminuir muito as deficiências neste sentido, devendo para isto acontecer plenamente, o mestre de capoeira avaliar e conhecer as dificuldades e os meios para transpor estas e desenvolver tais capacidades. De acordo com Santos, a capoeira como atividade psicomotora está diretamente relacionada com os aspectos histórico-sócio-culturais; as emoções, sentimentos e percepções, fazendo com que quem a pratica perceba todas as coisas no seu meio e no meio dos outros (SANTOS, 1990). Perceber as “coisas” no seu meio, perceber o meio, é fator fundamental para o desenvolvimento da estruturação espacial. A capoeira, neste sentido, tem este potencial. Portanto, o mestre de capoeira deve saber aproveitar e utilizar adequadamente tais potencialidades, valendo-se também de uma boa dose de criatividade para poder até criar e recriar um meio propício. Neste sentido, podemos citar Santos, quando este diz que: “O desenvolvimento da evolução psicomotora na criança através da prática da capoeira, só será possível, a partir do momento em que o professor levar em conta a maturação de sua aprendizagem, suas condição internas e externas. O quando e como a criança é capaz de realizar alguns movimentos de 395 capoeira estão relacionados, com o ambiente material, social e emocional. Estes oferecem grande contribuição, por serem uma fonte de estímulos de experiências que influem no desenvolvimento adequado da criança” (SANTOS, 1990, p. 38 e 39). De acordo com Cunha, a estruturação espaço-temporal utilizada na capoeira acontece das mais variadas maneiras, a começar pelo espaço onde é ministrada a aula, podendo ser em salas de formas retangulares, quadradas, redondas, terrenos ao ar livre, entre outros. Os movimentos se expressam em todos os planos e direções, e o jogo pode ser realizado sempre o mais próximo entre os capoeiristas, para ocorrer a coerência dos movimentos. Segundo Cunha, a capoeira promove a todo o jogador de qualquer idade e condição física, uma rica estrutura espaço-temporal, pois nesta arte a pessoa deve ter noção de espaço e de tempo para a realização dos mais variados movimentos e improvisá-los de imediato de acordo com a necessidade e o tipo de jogo que pode ser Angola, Benguela e/ou São Bento Grande, entre outros em que se variam o ritmo e a característica de cada jogo, de cordo com o comando do berimbau (CUNHA, 2003). A capoeira pode proporcionar ao seu praticante, desde tenra idade, a possibilidade do desenvolvimento da estrutura espacial, pois sua prática, com a sua variedade de movimentos e utilização de objetos, como seus instrumentos musicais, e a atividade em grupo, faz com esta modalidade tenha um grande potencial para a exploração dos objetos e do meio ambiente como um todo. O mestre de capoeira tem um papel importante, quando ele serve como um ponto de referência para o desenvolvimento desta estrutura, pois geralmente, o mestre é o centro das atenções, é de onde parte as consignas, as ordens, os exercícios, etc., então, o mestre é um ponto central de referência, até mesmo espacial. A roda de capoeira e o local de treinamento devem ser aproveitados pelo mestre para que o aluno possa explorar estes e desenvolver sua 396 estrutura espacial. Por exemplo: quando o praticante joga numa roda de capoeira, em que o círculo é demasiadamente grande, pode-se “fechar” a roda, diminuindo o diâmetro desta, a fim de, reduzindo o espaço do jogo, da roda, o aluno possa jogar, sabendo aproveitar e explorar este espaço, e assim, ampliar sua vivência espacial e corporal em espaços diferentes. Espaços, lugares diferentes, com tipo de pisos, altura do pé direito, etc., são interessantes para a vivência espacial da criança no treinamento da capoeira. Os exercícios da capoeira podem ser ministrados para as crianças, de forma que a estrutura espacial seja desenvolvida. O mestre de capoeira pode aproveitar os diferentes movimentos e gestos da arte-luta neste sentido. Os conceitos esquerda/direita, frente/atrás, para cima/ para baixo, podem ser amplamente trabalhados com movimentos da capoeira. Como, por exemplo, nas seguintes direções de exercícios: “Esquive para a esquerda!” ou “Bote a mão deste lado”, “Abaixe na cocorinha, pois o pé(golpe) está passando!”, “Caindo para trás, na queda de quatro!”. São muitas as possibilidades, bastando o mestre saber aproveitá-las e também, principalmente, estar preparado e qualificado para saber como interagir com crianças, pois elas estão em fase de pleno desenvolvimento de vários aspectos e estruturas. Sabendo desenvolver estas, provavelmente serão grandes capoiras, senão, ao menos, pessoas bem desenvolvidas. O espaço sempre esteve presente como um fator importante para o capoeira. No Rio de Janeiro Imperial cada malta de capoeira detinha um espaço determinado, as freguesias, locais dominados pelas maltas, onde uma outra rival não podia adentrar, sendo que, quando isto ocorria, havia combates sangrentos em defesa de seu território. Dominar o seu território significava ter seu espaço. O significado de ter seu espaço é de uma simbologia importante para o ser humano, onde neste, ele é conhecido e as outras pessoas o conhecem, é onde ele faz seus primeiros e principais contatos para obter seu relacionamento com o mundo. Também é aonde ele obtém segurança e é ocolhido, onde repousa e junto ao seu grupo é 397 compreendido e apoiado nos momentos em que precisa. Atualmente é comum os capoeiras dizerem: “Visitei o espaço do mestre fulano!”. A interpretação de espaço, neste contexto, significa mais que um simples local de treino. Isto é percedido quando um capoeira diz que um mestre “tomou” o espaço de outro. Hoje em dia, a disputa pelo mercado da capoeira é transposta pela disputa de seus respectivos espaços. No aprendizado da capoeira a questão do espaço está sempre presente. Aprende-se a conhecer o espaço e os objetos que estão nele. Isto é uma pré-estratégia de defesa pessoal. Quando o capoeira entra em um espaço, seja um bar, restaurante, boate, etc., ele adota um comportamento de cautela e prevenção. Não fica de costas e nem na entrada do estabelecimento, no máximo, próximo à esta; observa todas as possíveis saídas no caso de uma emergência de fuga; observa as pessoas, seus comportamentos e características e respectivamente seus companheiros e as posições de todos; nunca conversa muito próximo à uma pessoa, assim como os capoeiras e malandros de antigamente, a proximidade só vale para as mulheres e em determinados casos à sua vontade; também analisa os objetos e móveis, que podem ser utilizados em caso de precisar numa briga; extrapolando o espaço, o capoeira procura saber o meio mais rápido e eficiente de escapar e se distanciar de um determinado local, como também, os possíveis locais de esconderijo, que por ventura, possa precisar. Não é à toa, que muitos mestres colocam a capoeira como uma arte-marcial, onde é ensinada táticas e estratégias de guerrilha, de emboscadas e tantas outras. No jogo de capoeira joga-se com o parceiro e não contra, procurando, o mais próximo possível, neste diálogo de corpos, preencher os espaços vazios ou desocupados ou que o outro jogadpr possa ocupar, numa constante estratégia reelaborada. O espaço deve ser conquistado e doado para o jogo acontecer e, inteligentemente, para o jogador obter sua vantagem no jogo. A roda de capoeira é o espaço sagrado do capoeira e da capoeira. 398 A orientação espacial, que a criança adquire quando se interage com o meio, está intimamente ligada à orientação temporal, pois uma pessoa só se movimenta em um espaço e tempo determinado, não podendo assim, abordar um sem falar no outro. A estruturação temporal só ocorrerá efetivamente com uma boa estruturação espacial. 3.5.5 - Estruturação temporal “Orientar-se no tempo é avaliar o movimento no tempo, distinguir o rápido do lento, o sucessivo do simultâneo. É saber situar os movimentos do tempo, uns em relação aos outros.” (POPPOVIC apud ALVES, 2003, p. 74). De acordo com Neto, percebemos o transcurso do tempo a partir das mudanças que se produzem durante um período estabelecido e da sucessão que transforma progressivamente o futuro em presente e, depois, em passado. O tempo é, antes de tudo, memória. Segundo o autor, assim aparecem os dois grandes componentes da organização temporal: a ordem e a duração que o ritmo reúne. A primeira define a sucessão que existe entre os acontecimentos que se produzem, uns sendo a continuação de outros, em uma ordem física irreversível; a segunda permite a variação do intervalo que separa dois pontos, ou seja, o princípio e o fim de um acontecimento. A noção de duração resulta de uma elaboração ativa do ser humano de informações sensoriais. A consciência do tempo se estrutura sobre as mudanças percebidas, independente de ser sucessão ou duração, sua retenção está vinculada à memória e à codificação da informação contida nos acontecimentos. Os aspectos relacionados à percepção do tempo evoluem e amadurecem com a idade. No tempo psicológico, organizamos a ordem dos acontecimentos e estimamos a duração, construindo, assim, nosso próprio tempo. A percepção da ordem nos leva a distinguir o simultâneo do sucesivo, variando o umbral de acordo com os receptores utilizados (NETO, 2002). 399 Segundo Alves, a estruturação temporal garantirá experiências de localização dos acontecimentos passados e uma capacidade de projetar-se para o futuro, fazendo planos e decidindo sobre sua vida. A estruturação temporal insere o homem no tempo, onde ele nasce, cresce e morre, e sua atividade é uma seqüência de mudanças condicionadas pelas atividades diárias. Desde o nascimento, os ritmos corporais devem ajustar-se às condições temporais impostas pelo ambiente, levando a uma organização de ritmicidade na sintonização. Depois do nascimento, a repetição rítmica reforça o movimento, acentua os tempos fortes e provoca uma euforia mediante uma espécie de auto-satisfação de sentir, de forma harmoniosa, o jogo das sensações proprioceptivas. A experiência rítmica vivida com seus próprios movimentos ajusta-se aos dados do espaço e deve ser mantida através do trabalho de percepção temporal (ALVES, 2003). Para Fonseca, a estruturação temporal é mais elaborada em si que a estruturação espacial, uma vez que transcende a estimulação sensorial imediata. De acordo com este autor, é segundo essa variável fulcral que o cérebro desenvolveu as suas memórias, com as quais responde ao presente e ao futuro através das múltiplas combinações das experiências anteriores. O cérebro elabora sistemas funcionais de acordo com a dimensão do tempo, pois joga com as experiências anteriores, adapta-se às condições presentes e prediz e antecipa o futuro. A estruturação temporal condiciona toda a integração sensorial anterior, pois preside a todas as formas de análise de estímulos, decodificando-os segundo uma ordem, sem a qual significação não é atingida. A estruturação temporal de base intuitiva tende a transformar-se num dispositivo operacional de enorme importância para as funções de recepção, associação, armazenamento, programação e expressão (FONSECA, 1995). Não é possível conceber a idéia de espaço sem abordar a noção de tempo. Eles são indissociáveis. “O espaço é um instantâneo tomado sobre o curso do tempo e o tempo é o espaço em movimento.” (PIAGET apud OLIVEIRA, 2001, p. 85). Jean Piaget ainda declara que: 400 “O tempo é a coordenação dos movimentos: quer se trate dos deslocamentos físicos ou movimentos no espaço, quer se trate destes movimentos internos que são as ações simplesmente esboçadas, antecipadas ou reconstituídas pela memória mas cujo desfecho e objetivo final é também espacial...” (PIAGET apud OLIVEIRA, 2001, p. 85). De acordo com Oliveira, as noções de corpo, espaço e tempo têm que estar intimamente ligadas se quisermos entender o movimento humano. O corpo coordena-se, movimenta-se continuamente dentro de um espaço determinado, em função do tempo, em relação a um sistema de referência, sendo por esta razão, quando se refere à orientação espaço-temporal, de forma integrada (OLIVEIRA, 2001). Kephart apud Oliveira, discute dois tipos de tempo: estático e dinâmico. Quando um autor de um romance histórico fixa como presente uma seqüência de eventos em um determinado tempo na história, está trabalhando o tempo estático. Todos os acontecimentos terão relação de precedência e subseqüência com este presente estático e é este o final do tempo histórico relatado por ele (Ibidem, 2001). Segundo Cunha, quando se conta a história da capoeira, ocorre também este fato (CUNHA, 2003). Segundo Oliveira, nós vivemos no tempo dinâmico, também chamado de tempo experiencial, onde o “fluxo” do tempo perpassa pelas noções de passado, presente e futuro. Este fluxo do tempo significa que os acontecimentos do passado são conhecidos, os do futuro, desconhecidos ou então podem ser previstos, e os do presente podem ser experimentados diretamente. Este fluxo é contínuo no qual os acontecimentos do futuro passam pelo presente e se tornam passado (OLIVEIRA, 2001). De acordo com Oliveira, possuímos o que Defontaine chama de “um horizonte temporal” (DEFONTAINE apud OLIVEIRA, 2001, p. 86). 401 Piaget apud Oliveira, afirma que em nossa noção de tempo nos defrontamos com três situações: “o tempo está ligado à memória ou a um processo causal complexo, ou a um movimento bem delimitado.” (PIAGET apud Oliveira, 2001, p. 86). De acordo com Oliveira, Piaget explica que, pela memória, existe uma reconstituição do passado, uma narrativa, e esta faz apelo à “causalidade” quando se relaciona um acontecimento ligado a outro anterior a ele. Quando existem dois acontecimentos independentes entre si, e que são ligados somente ao acaso, eles se tornam difíceis de rememorar, e uma das soluções é conseguir um arranjo entre a ordem temporal destes acontecimentos e a causalidade anterior a eles (OLIVEIRA, 2001). Para captar o tempo, portanto, é preciso dirigir-se às operações de ordem causal, que na opinião de Piaget: “(...) estabelecem um liame de sucessão entre as causas e os efetios pelo próprio fato de que os segundos se explicam pelos primeiros. O tempo é, pois, inerente à causalidade: ele está para as operações explicativas como a ordem lógica o está para as operações implicativas.” (PIAGET apud Oliveira, 2001, p. 87). Da mesma forma que os movimentos, a palavra escrita e a palavra falada exigem uma forma ordenada e sucessiva, obedecendo um ritmo, dentro de um tempo determinado, pedindo um número de atitudes ao nível da percepção temporal. Para Oliveira, uma pessoa deve ter a capacidade para lidar com os conceitos de ontem, hoje e amanhã. Uma criança pequena não consegue extrapolar suas ações para o passado ou o futuro. O seu presente é o que está vivenciando. Segundo Oliveira, os acontecimentos passados 402 normalmente se encontram enevoados e entrelaçados com as noções de presente. Ela não percebe as seqüências dos acontecimentos. È a orientação temporal que lhe garantirá uma experiência de localização dos acontecimentos passados, e uma capacidade de projetar-se para o futuro, fazendo planos e decidindo sobre sua vida (OLIVEIRA, 2001). Como diz Kephart apud Oliveira: A dimensão temporal “não só deve auxiliar na localização de um acontecimento no tempo, como também proporcionar a preservação das relações entre os fatos no tempo” (KEPHART apud OLIVEIRA, 2001, p. 88). De acordo com Oliveira, a palavra “tempo” é empregada para indicar os momentos de mudança. O homem se insere no tempo. Ele nasce, cresce e morre e sua atividade é uma seqüência de mudanças (OLIVEIRA, 2001). O seu organismo vive em função de um certo “relógio interno”, como diz Defontaine (DEFONTAINE apud OLIVEIRA, 2001, p. 88), condicionado pelas suas atividades diárias, seus hábitos. Segundo Oliveira, tanto quanto a estruturação espacial, a estruturação temporal também não é um conceito inato. Tem que ser construído e exige um esforço, um trabalho mental da criança que ela só conseguirá realizar quando tiver um desenvolvimento cognitivo mais avançado. De início a criança vivencia seu corpo, tentando conseguir harmonia em seus movimentos. Mas este corpo não existe isolado no espaço e tempo e a criança vai, pouco a pouco, captando essas noções. Esta etapa é caracterizada pela “aquisição dos elementos básicos”. Seus gestos e seus elementos vão se ajustando ao tempo e ao espaços exteriores. Após esta fase, vai assimilando também os conceitos que lhe permitirão se movimentar livremente neste espaço-tempo, assimilando noções de velocidade e duração próprias a seu dia a dia (OLIVEIRA, 2001). Numa etapa posterior, ela passa a tomar “consciência das relações no tempo”, como diz Oliveira. Irá trabalhar as noções e relações de ordem, 403 sucessão, duração e alternância entre objetos e ações. Irá perceber as noções dos momentos de tempo, como por exemplo, o instante, o momento exato, a simultaneidade e a sucessão. A partir desta fase ela começa a “organizar e coordenar relações temporais”. Pela “representação mental” dos momentos de tempo e suas relações, ela atinge uma maior “orientação temporal” e adquire a capacidade de trabalhar ao nível simbólico. Ela terá, então, maiores condições de realizar as associações e transposições necessárias aos ensinamentos escolares, principalmente em relação à leitura, à escrita e à matemática (Ibidem, 2001). Oliveira nos diz que, os principais conceitos que as crianças devem adquirir são: simultaneidade, ordem e seqüência, duração dos intervalos, renovação cíclica de certos períodos e ritmo. A simultaneidade é vivenciada inicialmente através do movimento, de forma motora. Muitas de nossas atividades requerem atividades simultâneas. São movimentos que, para serem realizados, têm que aparecer juntos (Ibidem, 2001). A simultaneidade requer, para sua realização, uma boa coordenação motora, para sincronizar e seqüenciar os movimentos. A simultaneidade pode ser percebida na ginga da capoeira, ao executar uma negativa, etc., é necessária para a execução dos movimentos da capoeira e a combinação seqüenciada destes. Ordem e seqüência: Kephart apud Oliveira, denomina a seqüência como a “disposição dos acontecimentos em uma escala temporal, de modo que as relações de tempo e a ordem dos acontecimentos evidenciem-se.” (KEPHART apud OLIVEIRA, 2001, p. 90). Oliveira nos diz que, para uma criança conseguir colocar em ordem cronológica suas ações do dia a dia precisa ter noção de antes e depois, da ordem em que seus gestos podem ser realizados (OLIVEIRA, 2001). Como por exemplo: “Primeiro eu agacho ao pé do berimbau, e depois eu saio para o jogo!”. Segundo Oliveira, uma criança tem condições de perceber a ordem e a seqüência de acontecimentos, mas só aos cinco anos adquire a noção de seqüência 404 lógica. Uma pessoa precisa adquirir a noção de escala temporal para assimilar as noções de seqüência (Ibidem, 2001). Duração dos intervalos: de acordo com Oliveira, os fenômenos que acontecem no tempo apresentam uma certa duração, “tempo curto e tempo longo”, e envolvem as noções de hora, minuto e segundo, isto é, o tempo decorrido (Ibidem, 2001). Para De meur apud Oliveira, e também, Bucher apud Oliveira, uma criança pequena vive o que chamam de “tempo subjetivo”. Isto significa que o tempo é determinado pela sua própria impressão e emotividade. Uma atividade que lhe dá prazer terá um tempo menor e passará mais rapidamente, pois ela não vê o tempo passar, do que uma que lhe seja desagradável, que transcorrerá lentamente e terá um caráter interminável. Os adultos também vivem este tempo subjetivo, quando, por exemplo, assistem uma palestra monótona e desinteressante. Entretanto, os adultos não perdem de vista o tempo objetivo, fixo e matemático, contado pelas horas, minutos e segundos, o qual é fundamental para uma orientação e maior organização do mundo em que vivemos, pois a maioria de nossas atividades e compromissos são controladas por ele. A criança caminha para esta noção, e o educador deve auxiliá-la nisto (Ibidem, 2001). Renovação cíclica de certos períodos: De acordo com Oliveira é a percepção de que o tempo é determinado por dias, manhã, tarde, noite, semanas, estações. De início, podemos apenas fazer junto com a criança associações (Ibidem, 2001). Por exemplo: “segunda e quarta feira é dia de treino, sexta feira há roda de capoeira!”. Ritmo: É um dos mais importantes conceitos da orientação temporal. O ritmo não envolve, porém, somente as noções de tempo, mas está ligado ao espaço também. A combinação dos dois dá origem ao movimento. O ritmo deve ser vivido corporalmente (Ibidem, 2001). “O ritmo não é movimento, mas o movimento é meio de expressão do ritmo” (DEFONTAINE apud OLIVEIRA, 2001, p. 92). 405 Toda a criança tem um ritmo natural, espontâneo. A vida moderna impede-nos de aflorar o nosso ritmo natural. Estamos constantemente sendo cobrados através do relógio, do tempo, a realizar tarefas em determinados prazos. Mesmo assim, muito de nosso ritmo natural se conserva conosco. Oliveira ainda nos diz que, cada um tem um ritmo de trabalho, uns são mais rápidos do que outros (OLIVEIRA, 2001). Para Defontaine apud Oliveira, o homem se insere no tempo segundo sua “realidade psicossomática” (DEFONTAINE apud OLIVEIRA, 2001, p. 92). Isto significa dizer que os fenômenos auditivos, táteis, visuais, biológicos, cinestésicos estão constantemente interferindo em sua percepção de tempo, seguindo um relógio corporal, biológico. As células e as substãncias químicas de nosso organismo trabalham com precisão, dentro de um determinado ritmo. Possuímos um ritmo endógeno, interno, automantido pelo organismo e que é influenciado pelo ritmo exógeno, ou externo. O ritmo pode ocorrer em várias áreas de nosso comportamento. Ele traduz uma igualdade de intervalos de tempo (OLIVEIRA, 2001). Kephart apud Oliveira distingue três tipos de ritmos: motor, auditivo e visual. O ritmo motor está ligado ao movimento do organismo que se realiza em um intervalo de tempo constante. É uma condição necessária que a criança possua anteriormente uma coordenação global dos movimentos para que estes se tornem ritmados (Ibidem, 2001). Gingar é um exemplo de ritmo motor. O ritmo auditivo normalmente é trabalhado em associação com algum movimento. Muitas crianças não percebem os ritmos auditivos a não ser que estejam realmente unidos ao componente motor (Ibidem, 2001). A capoeira, neste sentido, tem ampla possibilidade e potencial para desenvolver o ritmo auditivo em conjunto com o motor, pois joga-se com música e toca-se 406 instrumentos musicais. O ritmo auditivo é de vital importância, como parâmetro, para praticantes com deficiência visual. O ritmo visual envolve a exploração sistemática de um ambiente visual muito amplo para ser incluído no campo visual em uma só fixação. A criança precisa desenvolver uma transferência espaço-temporal. Só o movimento espacial não é suficiente. É necessário que possua uma certa organização de ritmo também (Ibidem, 2001). O ritmo visual também pode ser desenvolvido através da capoeira durante o jogo, ou no treino com um parceiro. O praticante o desenvolve na medida em que percebe visualmente o ritmo motor do outro jogador. O iniciante na capoeira precisa, ao aprender a tocar um instrumento, observar o ritmo motor de um tocador mais experiente, para conseguir acompanhar a execução do toque do instrumento. O ritmo visual é de vital importância, como parâmetro, para praticantes com deficiência auditiva. Para De Meur e Staes apud Oliveira, o ritmo envolve, pois, “a noção de ordem, de sucessão, de duração e de alternância” (DE MEUR e STAES apud OLIVEIRA, 2001, p. 94). Fonseca apud Oliveira analisa a diferença que existe entre uma agnosia e uma praxia do ritmo: “A agnosia do ritmo é a capacidade de interiorização da sucessão de sons a a assimilação dos fatores temporais elementares. (...) A praxia do ritmo é a capacidade de reproduzir estruturas rítmicas através de uma noção da evolução dos fenômenos temporais com domínio da sucessão dos elementos constituintes de uma estrutura rítmica homogênea.” (FONSECA apud OLIVEIRA, 2001, p. 94). A praxia do ritmo para Fonseca tem por objetivo “obter dados sobre a capacidade de reprodução dos símbolos rítmicos.” (OLIVEIRA, 2001, p. 94). 407 Para Oliveira, a educação psicomotora tem muito interesse em trabalhar com movimentos ritmados, uma das características mais ricas da capoeira, pois, além de ser um dos elementos de expressão do homem , de seus sentimentos, ainda favorece a eliminação das sincinesias devidas a uma atividade voluntária mal controlada, provocando assim uma independência das partes necessárias ao domínio psicomotor. Além disso, habitua o corpo a responder prontamente às situações imprevistas (Ibidem, 2001). De acordo com Oliveira, o ritmo permite, também, uma maior flexibilidade de movimentos, um maior poder de atenção e concentração, na medida em que obriga a criança a seguir uma cadência determinada. Um outro fator fundamental é a aquisição de autonomismos elementares. A percepção da alternância de tempos fortes e fracos leva à percepção do relaxamento e das pausas (Ibidem, 2001). A própria ginga leva à materialização da sucessão temporal e suas variações, mas esta consciência rítmica depende do desenvolvimento cognitivo. Le Boulch apud Oliveira afirma que “a associação do canto e do movimento permite à criança sentir a identidade rítmica, ligando os movimentos do corpo aos sons musicais.” (LE BOULCH apud OLIVEIRA, 2001. p. 95). Segundo Oliveira, estes sons musicais cantados são ligados à própria respiração da criança (OLIVEIRA, 2001). Le Boulch apud Oliveira também declara que não se pode confundir esta educação rítmica pois “a atividade psicomotora não tem por objetivo fazer a criança adquirir os ritmos, senão favorecer a expressão de sua motricidade natural, cuja característica essencial é a ritmicidade.” (LE BOULCH apud OLIVEIRA, 2001. p. 95). Finalmente, segundo Oliveira, devem-se introduzir nas manifestações rítmicas das crianças as “estruturas rítmicas”. Elas representam uma ruptura na igualdade de cadência, sempre constante, através da introdução de intervalos diferentes de tempo. A criança começa a perceber o tempo 408 sucessivo (OLIVEIRA, 2001). Na capoeira há uma grande variedade de padrões rítmicos que podem ser utilizados neste sentido. Um bom exercício para as crianças poderem acompanhar um certo ritmo é pedir a elas para reproduzirem as estruturas rítmicas batendo mãos e pés. A palma e o coquinho são essenciais como iniciação nesta reprodução, pois facilitam esta reprodução. O coquinho pode ser incluído na orquestra de instrumentos musicais da capoeira, quando se trabalha com crianças, principalmente no período pré-escolar, pois além da facilidade já mencionada anteriormente, detém uma função importante, que é marcar o ritmo da roda. Este ritmo ao ser marcado pelo coquinho tocado por um aluno iniciante, apesar de não ser o instrumento responsável, “tradicionalmente”, por esta marcação, gera uma grande satisfação e prazer para esta criança, e conseqüentemente, um melhor aproveitamento no aprendizado. Portanto, o coquinho é uma alternativa de prática pedagógica interessante neste sentido. Bechara nos diz que “a educação do ritmo no aprendiz é fundamental, pois desde o início da aprendizagem ele tem que se educar no sentido de ouvir e conseguir exteriorizar esse ritmo” (BECHARA, 1986, p. 27). A capoeira tem uma incrível riqueza rítmica que somada as suas outras, a torna indispensável na educação das crianças brasileiras. Como diz Santos: “Associam-se às músicas da capoeira, a expressão de ritmo, de lúdico, os atributos de resistência cardio-respiratória, neuro-muscular, sociais e morais”. (SANTOS, 1990, p. 51). Le Boulch apud oliveira analisa a importância educativa da percepção das estruturas rítmicas: “Da mesma forma que a percepção mental das formas que correspondem às figuras geométricas constituem uma base indispensável namemorização das posições relativas dos objetos no espaço, a percepção das estruturas rítmicas é o suporte de memorização do sucessivo imediato.” (LE BOULCH apud OLIVEIRA, 2001. p. 95). 409 Oliveira citou algumas dificuldades em estruturação temporal, advindas de uma má orientação temporal, analisadas por vários autores, como: De Meur, Santos, Morais, Kephart e outros tantos: Uma criança com problemas de orientação temporal pode não perceber os “intervalos de tempo”, não percebendo o espaço entre as palavras, e o que vai mais depressa e mais devagar. A criança também pode apresentar “confusão na ordenação e sucessão” dos elementos de uma sílaba, não percebendo o que é primeiro e o que é último, não se situa “antes e depois”. Estas noções são importantes poeque sem elas a criança tem dificuldade em iniciar seu gesto no lugar certo. Este problema diz respeito ao tempo e ao espaço concomitantemente. A criança não se organiza, também, na direção esquerda-direita (OLIVEIRA, 2001). A criança pode ter um problema de “falta de padrão rítmico constante”. A falta de ritmo motor ocasiona uma falta de coordenação na realização de movimentos, que acabam por serem executados num intervalo de tempo inconstante (Ibidem, 2001). A criança não coordena muito bem o ritmo dos braços em relação às pernas, podendo dificultar na realização da ginga, por exemplo. Oliveira nos diz que a deficiência do ritmo auditivo é mais difícil de detectar, e que, uma deficiência do ritmo visual pode comprometer a boa leitura (Ibidem, 2001). Com a “dificuldade na organização do tempo” a criança não prevê suas atividades. Demora muito em uma tarefa e não consegue acabar as outras por “falta de tempo”, pois muitas vezes, a criança não tem noções de horas e minutos. Uma “organização espaço-temporal inadequada” pode provocar também um fracasso em matemática, pois os alunos precisam ter noção de fileira e de coluna para organizar os elementos de uma soma, também podendo apresentar uma má utilização dos termos verbais. “Dificuldades em representação sonora, faz as crianças se “esquecerem” da 410 correspondência dos sons com as respectivas letras que os representam, especialmente, quando se trata de realizar ditados (Ibidem, 2001). Kephat apud Oliveira ressalta ainda outras dificuldades que uma criança pode apresentar quando tem desenvolvida só a orientação espacial ou só a orientação temporal (Ibidem, 2001), mas que não abordaremos neste trabalho. Abordando a orientação espaço temporal quanto à prática da capoeira, Souza & Oliveira assim nos dizem: “A orientação espaço-temporal é possibilitada pela prática da capoeira na medida em que as aulas podem ser ministradas em salas retangulares, quadradas, redondas, em quadras, terrenos ou similares, e o jogo propriamente dito é feito em rodas formadas por pessoas sentadas ou em pé. Outro aspecto é que os movimentos são executados em todos os planos do corpo humano: sagital, frontal, horizontal, e em todas as direções: para frente, para trás, para os lados, diagonal, em círculo, em parábola, com corpo rente ao solo ou solto no ar. Temos ainda a compreensão das dimensões do tempo em relação ao passado, presente e futuro, oportunizada pelas profundas significações dos acontecimentos que compões as músicas e cantos da capoeira.” (SOUZA & OLIVEIRA, 2001, p. 46). A noção de tempo pode ser amplamente trabalhada na capoeira. Assim como dito por Souza & Oliveira, onde o passado, presente e futuro, oportunizada pelas profundas significações dos acontecimentos que compões as músicas e cantos da capoeira, pode compor esta estrutura temporal. A roda de capoeira também deve oportunizar este conceito de 411 passado, presente e futuro; ou começo, meio e fim, onde o canto de músicas apropriadas para cada momento refletem à memória temporal dos praticantes, como “Vamos começar a brincadeira, brincadeira de capoeira...” e “Adeus, adeus... / Boa viagem... (coro) / Eu vou-me embora...”. Esta memória temporal também pode estar ligada, individualmente, a uma música durante um fato ocorrido na roda, perfazendo esta trajetória temporal pela vivência pessoal do praticante. Para Santos, a compreensão das dimensões do tempo em relação a acontecimentos do passado, presente e futuro, relaciona-se com a percepção temporal. Na prática da capoeira, a criança pode desenvolvê-la, pois oferece oportunidades através das músicas e cantos que têm profundas significações quanto a acontecimentos que envolvam os três tempos: passado, presente e futuro (SANTOS, 1990). Sobre as músicas de capoeira, Santos complementa: “A contribuição das músicas da capoeira enquanto folclore, no ensino de primeiro grau tem como objetivo fundamental educar a manifestação rítmica da criança, promovendo o controle associado da ação neuromotora e a sociabilização, favorecendo-lhe a aquisição de hábitos e atitudes disciplinares, despertando a criança para a iniciação artística. As músicas de capoeira não são um fim em si mesmas, mas um meio e via por excelência de obter fins precisos e definidos como, por exemplo, a coordenação e concentração. Tudo isso em profunda aliança com o ritmo cadenciado em toda a sua expressão, que vincula uma progressão ascendente no comportamento da criança pelo sentido específico do gesto executado no jogo da capoeira propriamente dito.”. (SANTOS, 1990, p. 51). 412 Cunha, sobre a estruturação temporal na capoeira, nos diz que, a capoeira, seja ela praticada por crianças ou adultos, em especial pelas crianças portadoras do HIV; a capoeira promove na criança uma orientação corporal, através da musicalidade, do ritmo e do canto, e de uma maneira natural a criança vai percebendo no tempo obedecendo ao ritmo do canto e do jogo da capoeira, além dos movimentos que o outro faz, interagindo entre si a expressão corporal, atrvés do ritmo, do som, do corpo e da visão (CUNHA, 2003). Como vimos, a capoeira tem um grande potencial para desenvolver a estrutura temporal e a orientação espaço-temporal. Sua relação com o tempo, sua história, seus movimentos ritmados, a música, o canto e tantas outras características, tornam a capoeira, com sua polivalência e aspecto multifacetado, uma grande aliada na educação e desenvolvimento da criança. Contudo, é necessário o mestre de capoeira saber aproveitar este potencial, para o colocar a serviço destes objetivos. 3.6 – As percepções Segundo Bechara, a capoeira difere de todas as outras lutas, iniciando pelo acompanhamento musical, onde o ritmo dá a cadência dos movimentos; não existe uma seqüência obrigatória de movimentos, pois de qualquer movimento pode-se desenvolver outro movimento, tudo dependerá dos movimentos do opositor, com o qual se está jogando, e tudo isso faz com que o capoeirista aguce em muito as suas percepções e sentidos, exercitando o seu cérebro (BECHARA, 1985a). Santos, a respeito das percepções, baseou-se nas afirmações de Ferreira. Para Santos, as percepções consistem na aquisição de conhecimento por meio de impressões sensoriais do mundo exterior e do próprio corpo, abrangendo os fenômenos de captar, distinguir, associar e interpretar as sensações. Estas são caracterizadas como percepções sensoriais. Assim vemos na prática da capoeira um meio das crianças 413 distinguirem, associarem e interpretarem os seus fundamentos, seja nos movimentos corporais, nos cantos, nas músicas ou nos instrumentos musicais. Desta forma, estarão aperfeiçoando ou desenvolvendo suas percepções (SANTOS, 1990). A percepção espacial e a percepção temporal, já foram abordadas anteriormente. Segundo Santos, a compreensão de que um todo pode se decompor em partes refere-se à percepção de análise e o procedimento da recomposição dessas partes, para formar um todo, refere-se à percepção de síntese. A prática da capoeira pode oportunizar à criança, através dos seus movimentos individualizados e posteriormente através do uso desses movimentos em seqüências no jogo da capoeira propriamente dito, o desenvolvimento da percepção da análise, como também da síntese, por estar envolvendo um todo, a decomposição desse todo e a sua recomposição, conforme os preceitos da capoeira (Ibidem, 1990). De acordo com Santos, capacidade de detectar a figura de um conjunto, a qual é o foco de atenção, representando o objeto principal e o fundo funcionando como segundo plano, denomina-se de percepção figurafundo. O jogo da capoeira oportuniza à criança estes aspectos, chamando a atenção da mesma para o jogo em si, como segundo plano os ritmos imprimidos pelos instrumentos musicais, podendo ser estes representados através da expressão oral nas respostas dos refrões exigidos pelas músicas ou pela expressão corporal exigida pelos movimentos do corpo (Ibidem, 1990). Santos entende que a prática da capoeira é uma atividade significativa para o desenvolvimento das percepções: visual, pela observação dos instrumentos musicais, das suas formas, tamanho, cores e espessura, como também por perceber seus colegas no seu relacionamento no jogo e movimentos que são direcionados ao objetivo de atingir o seu 414 adversário ou parceiro; auditiva pela identificação dos sons, ruídos e ritmos com suas tonalidades e freqüências que os instrumentos musicais oportunizam; olfativa pela identificação através do olfato, de diferentes odores ou cheiros característicos de cada colega no relacionamento durante a prática da capoeira propriamente dita; termo-tátil, pela interpretação das sensações táteis-térmicas relacionadas com as formas, tamanho, textura, peso dos elementos que envolvem a capoeira em si e a temperatura dos mesmos, de seu corpo ou de seus colegas (Ibidem, 1990). Para Santos, essas percepções são importantíssimas e têm a sua contribuição no processo do desenvolvimento psicomotor das crianças; elas são responsáveis pela aprendizagem nas primeiras aquisições de leitura, da escrita e também pelo bom funcionamento, no relacionamento com o grupo a que as crianças pertencem (Ibidem, 1990). Portanto, a criança precisa ter um bom desenvolvimento das percepções no seu período de alfabetização, pois esta, só será desenvolvida ou assimilada, assim como outras aprendizagens necessárias ao desenvolvimento pleno do ser humano, se a criança tiver boas percepções. Através da prática da capoeira as percepções podem ser trabalhadas e desenvolvidas. Exercícios e jogos podem ser elaborados com este objetivo. O mestre de capoeira tem na sua arte-luta uma grande ferramenta para desenvolver e potencializar os sentidos e percepções de seus alunos. Vale ressaltar que o conhecimento do assunto e uma boa dose de criatividade são necessários para conseguir tais finalidades. Os sentidos e percepções devem ser aperfeiçoados no praticante de capoeira, não só por melhorar o rendimento e performance do capoeira, mas, principalmente, por serem essenciais ao desenvolvimento e vivência humana. 415 CONCLUSÃO Para a realização desta pesquisa, em que desejamos estudar o desenvolvimento psicomotor fundamentado na prática da capoeira, inicialmente partimos da premissa que, para abordar a capoeira deve-se, primeiro, conhecer a sua extensa e complexa história, a sua prática e o seu desenvolvimento. Podemos dizer que a capoeira desenvolve a coordenação motora global através dos seus inúmeros e variados movimentos e gestos, onde estes, quanto mais desenvolvidos, fazem a diferença da performance na prática da arte-luta; a coordenação fina e óculo manual é aprimorada principalmente através da utilização dos instrumentos musicais, pequenos gestos e alguns golpes com os membros superiores, e também, para os praticantes mais adiantados, através dos exercícios com as armas brancas; já a coordenação facial é bastante desenvolvida devido ao aspecto de teatralidade do jogo da capoeira, onde as expressões faciais são fundamentais, o que também, pode e deve ser aproveitado pelo praticante. O esquema corporal pode ser desenvolvido na capoeira devido a grande variedade de movimentos e experimentações corporais proporcionadas aos praticantes, trabalhando todos os segmentos corporais, auxiliando o praticante a descobrir, através de um processo de interiorização, o seu corpo e este, em relação ao meio ambiente, ajustando o desenvolvimento de seu “eu”, à medida que a criança, ou mesmo o praticante com mais idade, passa a comandar e descobrir o seu corpo. A capoeira pode ajudar a criança no desenvolvimento de sua lateralidade, sem utilizar de um direcionamento, e na absorção do conceito esquerda-direita, na execução de movimentos em que a criança gradativamente conquiste um conceito espacial. A lateralidade não só é importante para desferir os golpes, mas também para se defender 416 satisfatoriamente. Os instrumentos musicais da capoeira são uma potencial ferramenta para o desenvolvimento da dominância lateral. A estruturação espacial é desenvolvida através da constante reinterpretação do espaço e do meio ambiente, e a organização e construção do conceito de espaço pelo cérebro, através das percepções e sentidos, principalmente a visão. A capoeira, por desenvolver a percepção visual e a visão periférica, tem um grande potencial de desenvolver também a estruturação espacial. A percepção espacial é explorada e desenvolvida na capoeira, até porque, ela é extremamente necessária para a sua prática. Se o praticante não possuir esta percepção desenvolvida junto com sua estruturação espacial, provavelmente, terá dificuldades na prática da capoeira, em seu jogo e treinamento. Contudo, acreditamos que a prática da capoeira pode diminuir muito as deficiências neste sentido. A capoeira pode proporcionar ao seu praticante, desde tenra idade, a possibilidade do desenvolvimento da estrutura espacial, pois sua prática, com a sua variedade de movimentos e utilização de objetos, como seus instrumentos musicais, e a atividade em grupo, faz com esta modalidade tenha um grande potencial para a exploração dos objetos e do meio ambiente como um todo. O mestre de capoeira tem um papel importante, quando ele serve como um ponto de referência para o desenvolvimento desta estrutura. A roda de capoeira e o local de treinamento devem ser aproveitados pelo mestre para que o aluno possa explorar estes e desenvolver sua estrutura espacial. Os exercícios da capoeira podem ser ministrados para as crianças, de forma que a estrutura espacial seja desenvolvida. O mestre de capoeira pode aproveitar os diferentes movimentos e gestos da arte-luta neste sentido. Sobre a estruturação temporal, a capoeira tem um grande potencial para desenvolvê-la, e também, a orientação espaço-temporal, 417 desenvolvendo os principais conceitos que as crianças devem adquirir: simultaneidade, ordem e seqüência, duração dos intervalos, renovação cíclica de certos períodos e ritmo. Sua relação com o tempo, sua história, seus movimentos ritmados, a música, o canto e tantas outras características, tornam a capoeira, com sua polivalência e aspecto multifacetado, uma grande aliada na educação e desenvolvimento da criança. Contudo, é necessário o mestre de capoeira saber aproveitar este potencial, para o colocar a serviço destes objetivos. A noção de tempo pode ser amplamente trabalhada na capoeira, onde o passado, presente e futuro, oportunizada pelas profundas significações dos acontecimentos que compões as músicas e cantos da capoeira, pode compor esta estrutura temporal. A roda de capoeira também deve oportunizar este conceito de passado, presente e futuro; ou começo, meio e fim, onde o canto de músicas apropriadas para cada momento refletem à memória temporal dos praticantes, como “Vamos começar a brincadeira, brincadeira de capoeira...” e “Adeus, adeus... / Boa viagem... (coro) / Eu vou-me embora...”. Esta memória temporal também pode estar ligada, individualmente, a uma música durante um fato ocorrido na roda, perfazendo esta trajetória temporal pela vivência pessoal do praticante. A capoeira, neste sentido, tem ampla possibilidade e potencial para desenvolver o ritmo auditivo em conjunto com o motor, pois joga-se com música e toca-se instrumentos musicais, sendo que, o ritmo auditivo é de vital importância, como parâmetro, para praticantes com deficiência visual. A prática da capoeira pode aguçar em muito as percepções e sentidos do praticante, principalmente, na criança, exercitando o seu cérebro. As percepções consistem na aquisição de conhecimento por meio de impressões sensoriais do mundo exterior e do próprio corpo, abrangendo os fenômenos de captar, distinguir, associar e interpretar as sensações. Estas são caracterizadas como “percepções sensoriais”. A capoeira tem um grande potencial para o desenvolvimento de todas as percepções, que são: percepção espacial e percepção temporal, que fazem parte e são 418 desenvolvidas no contexto das estruturas espacial e temporal, respectivamente; percepção de análise; percepção figura-fundo; percepções: visual, auditiva, olfativa e termo-tátil. É importante lembrar que o desenvolvimento de todas as percepções não ocorrem separadamente, e sim, em paralelo ou conjunto, em um contínuo processo de maturação na criança e também de reestruturação no desenvolvimento do praticante de capoeira com mais idade. Essas percepções são importantíssimas e têm a sua contribuição no processo do desenvolvimento psicomotor das crianças; elas são responsáveis pela aprendizagem e também em sua relação com o meio ambiente. Portanto, a criança precisa ter um bom desenvolvimento das percepções, o que a capoeira pode proporcionar. Concluímos que, a capoeira tem amplas possibilidades e potencialidades de desenvolver a psicomotricidade e todos os seus aspectos e estruturas psicomotoras nos praticantes desta arte-luta. Podemos dizer que há uma necessidade de maior aprofundamento em pesquisas relativas a propostas de desenvolvimento psicomotor baseadas na prática da capoeira. Também podemos dizer isto quanto a área da avaliação, relativa à psicomotricidade, as qualidades físicas e outros quesitos. Esperamos que este trabalho possa ajudar na capacitação, desenvolvimento e especialização profissional, e o aprimoramento do mestre e praticante da capoeiragem e que, esta pesquisa possa fornecer subsídios para uma ampliação da pesquisa sobre o assunto, além de poder auxiliar os profissionais do ramo de atuação, em sua intervenção, e amadores praticantes da capoeira quanto a um maior conhecimento e utilização desta. Recomendamos, portanto, que sejam aprofundadas as pesquisas relativas ao tema. 419 ANEXO 1 SICK, Helmut. Ornitologia Brasileira. Rio de Janeiro: Editora nova Fronteira, 1997. “Uru, Capoeira, Odontophorus capueira Pr. 10, 8 24cm. É um pequeno galináceo florestal topetudo e comum; sexos semelhantes, macho algo mais robusto; imaturo de bico avermelhado e partes inferiores manchadas de esbranquiçado e não uniformemente cinzentas como no adulto. Voz: o canto é uma vigorosa e sonora seqüência de pios bissilábicos, “urú-urú-urú” que chega a alongar-se por alguns minutos sendo ligeiramente ondulada e às vezes tão desacelerada que parece quase parar; é emitida durante a época da reprodução, mormente ao crepúsculo (e mesmo em noites enluaradas), pela ave empoleirada para dormir. O casal canta em dueto; em casos controlados verificamos que o macho inicia a cantoria e logo a fêmea a ele se une, emitindo contraponto semelhante de pios monossilábicos, “kló-kló-kló”, como se percebe distintamente, ocasionalmente, quando a fêmea canta isoladamente. O restante do bando não se intromete nas vocalizações do casal; assim que o primeiro se cala outro começa as manifestações vocais por seu turno. Há outras vozes, sobretudo pios fracos e trêmulos, “bü-bü-bü...”, que lembram o pipilar de pintos e servem para contactar os componentes do bando que vagueiam pelo solo e são proferidos antes de empoleirar para dormir; assobios mais fortes, “uit, uit, uit ... (alarme). Pintos pertos dos pais soltam uma seqüência de rápidas “píe...”. Hábitos, alimentação, mansidão: Andam em grupos pelo solo de matas e capoeiras sombrias, podendo ser o mesmo composto, por exemplo, por alguns casais ou famílias (pais e filhotes crescidos da última ninhada). Tais falanges, que defendem seus territórios de outras vizinhas, continuam unidas mesmo quando uma fêmea choca. Preferem escapar correndo, evitam voar; conforme a situação deitam-se no solo para se esconder. Quando pousam 420 juntinhos esquentam-se e arrumam mutuamente as penas. Têm especial predileção por suculentas bagas do caruru, Phytolacca decandra. No século passado, segundo relatos de Fritz Muller, era possível apanhar os urus com o laço. Em Itatiaia, bicando pinhões caídos ao solo da mata, os urus voltavam sempre ao mesmo local mesmo quando espantados repetidas vezes (L. P. Gonzaga). Reprodução: Aparentemente são monógamos, segundo observações de campo e de cativeiro, quando se reproduzem, o que, no sudeste, ocorre de agosto a novembro. Nidificam no solo, às vezes dentro de um buraco (p. ex. de tatu), confeccionando, em todo o caso, uma construção de folhas secas que se apresenta como uma toca de entrada lateral de sólido teto. Observamos, em cativeiro, um macho construir seu ninho: no solo coberto de folhas secas, a ave jogou as folhas para atrás de si e depois empurrou a massa empilhada, fixando-a, sem trazer material. Uma fêmea não estava presente. McDonald & Winnet-Murray (1989), que acharam na Costa Rica um ninho acabado de O. leucolaemus observaram exatamente a mesma técnica registrada por nós. Os ovos são brancos que se tornam logo amarelados ou até avermelhados em conseqüência da sujeira; parece acontecer que mais de uma fêmea deposita ovos no mesmo ninho, há posturas de mais de 12 unidades. Para a incubação constam aproximadamente 26 dias para O. gujanensis na Costa Rica e apenas 18-19 dias para O. capueira; apenas a fêmea choca e encarrega-se da ninhada, cujo colorido é, de maneira geral, anegrado e de difícil definição; os filhotes são nidífugos, escondem-se em cavidades e até em buracos no solo. Ocorre do Ceará ao Rio Grande do Sul e sudeste de Mato Grosso do Sul; Paraguai e Argentina (Misiones). “Uru” nome dado como onomatopaico, significa “ave” em guarani, e mais especificamente “pequeno galináceo”.” (SICK, 1997, p. 284). 421 ANEXO 2 Lussac recebeu este e-mail no dia 15/02/2004 de Jerônimo Capoeira, o JC, um mestre brasileiro de capoeira radicado na Austrália, que vem ao longo dos anos repassando e-mails e liderando uma “roda virtual” de capoeira, na tentativa de um canal de comunicação construtivo para a capoeira e áreas afins. “Data: 15/02/2004 23:38 Assunto: n`golo, ladja... fundamento de a Axe' N'agolo texto em frances... vou dar uma traducao rapidinha em portugues pra From: vc/s André comprarem Luis o Oliveira jogo... To: texto original abaixo... [email protected] Subject: Re: [infocapoeira] n`golo de angoleiro, Me. braga, sem fundamento Posso comprar este jogo? Só pra acrescentar: o tal n'golo, que ao que me consta é qualquer tipo de confronto, luta, luta entre os animais, etc, e não uma luta específica, deu origem também ao Danmyé da Martinica. Veja o trexo da entrevista de Pierre Dru, pesquisador e conhecedor da tal luta. P.V.P. : Pierre vc eh um cara por dentro do que se passa dentro deste assnto que envolve o n'golo e o pasado da luta tradicao da Martinique. Sao frutos de tua pesquisa pessoal o que vc nos conta? P.D. : O que enho feito eh um estudo dentro do que existe nas linguas e na cultura do povo creole. Eh muito rico este terreno de investigacao e para me 422 fazer melhor entender no que diz respeito a cultura e tradicoes africanas eu gostaria de me referir ao trabalho de Cheik Anta Diop, e tambem de egiptologistas como Alain Anselin que vive em martinique. No Ladja, tradicao da Martinica, tem muita atitude de danca, de movimentos que se aproximar da Capoeira do BR. Dizem que a Capoeira eh originaria do N'golo original de Angola. Mas de fato, as pesquisa mais profundas no assunto nos mostram que nao tem nada a ver Capoeira com N'golo. Ja que foram descobertos no Egito em 1890-95 nas tombas dos faraos representacoes de imagens de varis tipos de esportes. Na Martinica nos praticamos muitos destes esportes do tempo dos faraos, por exemplo, corridas, etc etc. Foi descoberto dentro das tombas dos faraos a pratica do box, ginastica, acrobacia, da luta, etc. E tambem a luta africana, e luta livre. Isso tudo a 3 mil anos antes da era crista. No fim deste periodo antes de J.C. por intermedio de cidades como Alexandria, os gregos teriam uma ligacao com o povo. Sera entao estudada a luta africana e praticada pelos gregos, tambem o box africano. Os gregos transformaram entao estas lutas numa forma mais totalizada de luta : o Pancrace que vem da Grecia v ai voltar a Africa, ou vai se tornar um dos esportes mais populares dentro dos palacios dos faraoes e na tradicao africana. Para quem quiser a entrevista completa http://tmtm.homelinux.org/www.lesperipheriques.org/anciensite/journal/13/fr1318.html tô no pé do André berimbau Luis P.V.P. : Tu es formateur et en même temps engagé dans la pratique, la pédagogie et les recherches sur le passé du danmyé. Les explications que tu nous donnes sont le fruit de tes recherches personnelles ? P.D. : C'est une recherche que j'ai faite dans le cadre d'un DEA de Langues 423 et Cultures Créoles. Le terrain d'investigation est très riche, et pour comprendre les cultures africaines, j'ai du me référer aux travaux de Cheik Anta Diop, mais aussi des égyptologues de renom tel Alain Anselin qui réside en Martinique. Dans le ladja, le danmyé de la Martinique, il ya beaucoup d'attitudes de danse, de coups, qui sont proches de la capoeira brésilienne. La capoeira se dit originaire du ngolo venu d'Angola. En fait, des recherches approfondies nous montrent qu'il n'y avait aucun rapport avec le ngolo. Lors de fouilles en Égypte en 1890-95 on a découvert des tombeaux de pharaons égyptiens représentant des images de plusieurs types de sports. Nous avons pratiqué en Martinique beaucoup de ces sports : des courses de canots, le canot à la pagaie, la course aux avirons. On découvrira dans ces tombeaux de pharaons égyptiens la pratique de la boxe, de la lutte, de la gymnastique, de l'acrobatie. On va aussi découvrir la lutte africaine, la lutte libre. Tout cela trois mille ans avant ].C. Au dernier millénaire avant ].C., par l'intermédiaire de villes comme Alexandrie, les Grecs seront en liaison avec ce peuple. La lutte africaine sera étudiée et apprise par les Grecs, la boxe africaine aussi. Chez eux, ils la transformeront pour en faire une lutte totale : le Pancrace, qui va sortir de Grèce pour revenir en Afrique, où il deviendra un des sports les plus prisés dans le palais des pharaons et dans la tradition africaine.” 424 ANEXO 3 Esta crônica de Coelho Netto titulada “Nosso Jogo”, escrita em 1923 e publicada em 1928 na coletânea “Bazar”, foi transcrita por André Luiz Lacé Lopes , que ao final da transcrição teceu alguns breves comentários sobre Coelho Netto e sua vida. “Transcrevendo-o do Correio do Povo, de Porto Alegre, publicou O Paiz em seu número de 22 do corrente, um artigo com o título: “Cultivemos o jogo de capoeira e tenhamos asco pelo do Box”, firmado pelo correspondente do jornal gaúcho nesta cidade, Dr. Gomes Carmo. Concordamos in limini com o que diz o articulista, valho-me da oportunidade que me abre tal escrito para tornar a um assunto sobre o qual já me manifestei e que também já teve por ele a pena diamantina de Luiz Murat. A capoeiragem devia ser ensinada em todos os colégios, quartéis e navios, não só porque é excelente ginástica, na qual se desenvolve, harmoniosamente, todo o corpo e ainda se apuram os sentidos, como também porque constitui um meio de defesa pessoal superior a todos quantos são preconizados pelo estrangeiro e que nós, por tal motivo apenas, não nos envergonhamos de praticar. Todos os povos orgulham-se dos seus esportes nacionais, procurando, cada qual dar primazia ao que cultiva. O francês tem a savate, tem o inglês o boxe; o português desafia valentes com o sarilho do varapau; o espanhol maneja com orgulho a navalha catalã, também usada pelo “fadista” português; o japonês julga-se invencível com o seu jiu-jitsu e não falo de outros esportes clássicos em que se treinam, indistintamente, todos os povos, como a luta, o pugilato a mão livre, a funda e os jogos d`armas. Nós, que possuímos os segredos de um dos exercícios mais ágeis e elegantes, vexamo-nos de o exibir e, o que mais é, deixamo-nos esmurraçar em ringues por machacazes balordos que, com uma quebra de corpo e um passe baixo, de um “ciscador” dos nossos, iriam mais longe das cordas do que foi Dempsey à repulsa do punho de Firpo. 425 O que matou a capoeiragem entre nós foi...a navalha. Essa arma, entretanto, sutil e covarde, raramente aparecia na mão de um chefe de malta, de um verdadeiro capoeira, que se teria por desonrado se, para derrotar um adversário, se houvesse de servir do ferro. Os grandes condutores de malta – guaymús e nagôs, orgulhavam-se dos seus golpes rápidos e decisivos e eram eles, na gíria do tempo: a cocada, que desmandibulava o camarada ou, quando atirada ao estomago, o deixava em síncope, estabelecido no meio da rua, de boca aberta e olhos em alvo; o grampeamento, lanço de mão aos olhos, com o indicador e o anular em forquilha, que fazia o mano ver estrelas; o cotovelo em ariete ao peito ou ao flanco; a joelhada; o rabo de raia, risco com que Cyriaco derrotou em dois tempos, deixando-o sem sentidos, ao famoso campeão japonês de jiu-jitsu; e eram as rasteiras, desde a de arranque, ou tesoura, até a baixa, ou bahiana; as caneladas, e os pontapés em que alguns eram tão ágeis que chegavam com o bico quadrado das botinas ao queixo do antagonista; e, ainda, as bolachas, desde a tapa-olho, que fulminava, até a de beiço arriba, que esborcinava a boca ao puaia. E os ademanes de engano, os refugos de corpo, as negaças, os saltos de banda, à maneira felina, toda uma ginástica em que o atleta parecia elástico, fugindo ao contrário como a evitá-lo para, a súbitas, cair-lhe em cima, desarmando-o fazendo-o mergulhar num “banho de fumaça”. Era tal a valentia desses homens que, se fechava o tempo, como então se dizia, e no tumulto alguém bradava um nome conhecido como:Boca-queimada, Manduca da Praia, Trinca-espinha ou Trindade, a debandada começava por parte da polícia e viam-se urbanos e permanentes valendo-se das pernas para não entregarem o chanfalho e os queixos aos famanazes que andavam com eles sempre de candeias às avessas. Dessa geração celebérrima fizeram parte vultos eminentes na política, no professorado, no exército, na marinha como – Duque Estrada Teixeira, cabeça cutuba tanto na tribuna da oposição como no mastigante de algum paróla que se atrevesse a enfrenta-lo à beira da urna: capitão Ataliba Nogueira; os tenentes Lapa e Leite Ribeiro, dois barras; Antonico Sampaio, então aspirante da marinha e por que não citar também Juca Paranhos, que 426 engrandeceu o título de Rio Branco na grande obra patriótica realizada no Itamaraty, que, na mocidade, foi bonzão e disso se orgulhava nas palestras íntimas em que era tão pitoresco. A tais heróis sucederam outros: Augusto Mello, o cabeça de ferro; Zé Caetano, Braga Doutor, Caixeirinho, Ali Babá e, sobre todos o mais valente, Plácido de Abreu, poeta comediógrafo e jornalista, amigo de Lopes Trovão, companheiro de Pardal Mallet e Bilac no O COMBATE, que morreu, com heroicidade de amouco, fuzilado no túnel de Copacabana, e só não dispersou a treda escolta, apesar de enfraquecido, como se achava , com os longos tratos na prisão, porque recebeu a descarga pelas costas quando caminhava na treva, fiado na palavra de um oficial de nome romano. Caindo de encontro às arestas da parede áspera ainda soergue-se, rilhando os dentes, para despedir-se com uma vilta dos que o haviam covardemente atraiçoado. Eram assim os capoeiras de então. Como os leões são sempre acompanhados de chacais, nas maltas de tais valentes imiscuíam-se assassinos cujo prazer sanguinário consistia em experimentar sardinhas em barrigas do próximo, deventrando-as. O capoeira digno não usava navalha: timbrava em mostrar as mãos limpas quando saia de um turumbamba. Generoso, se trambolhava o adversário, esperava que ele se levantasse para continuar a luta porque: “Não batia em homem deitado”; outros diziam com mais desprezo: “em defunto”. Nos terríveis recontros de guaiamus e nagôs, se os chefes decidiam que uma questão fosse resolvida em combate singular, enquanto os dois representantes da cores vermelha e branca se batiam as duas maltas conservam-se à distância e, fosse qual fosse o resultado do duelo, de ambos os lados rompiam aclamações ao triunfador. Dado, porém, que, em tais momentos, estrilassem apitos e surgissem policiais, as duas maltas confraternizavam solidárias na defesa da classe e era uma vez a Força Pública, que deixava em campo, além do prestigio, bonés em banda e chanfalhos à ufa. 427 O capoeira que se prezava tinha oficio ou emprego, vestia com apuro e. se defendia uma causa, como aconteceu com do abolicionismo, não o fazia como mercenário. O capanga, em geral, era um perrengue, nem carrapeta, ao menos , porque os carrapetas, que formavam a linha avançada, com função de escoteiros, eram rapazolas de coragem e destreza provadas e sempre da confiança dos chefes. Nos morros do Vintém e do Néco reuniam-se, às vezes, conselhos nos quais eram severamente julgados crimes e culpas imputados a algum dos das farandulas. Ladrões confessos eram logo excluídos e assassinos que não justificassem com a legitima defesa o crime de que fossem denunciados eram expulsos e às vezes, até, entregues a policias pelos seus próprios chefes. Havia disciplina em tais pandilhas. Quanto às provas de superioridade da capoeiragem sobre os demais esportes de agilidade e força são tantas que seria prolixa a enumeração. Além dos feitos dos contemporâneos de Boca queimada e Manduca da Praia, heróis do período áureo do nosso desestimado esporte, citarei, entre outros, a derrota de famosos jogador de pau, guapo rapagão minhoto, que Augusto Mello duas vezes atirou de catrambias no pomar da sua chacarinha em Vila Isabel onde, depois da luta e dos abraços de cordialidade, foi servida vasta feijoada. Outro: a tunda infligida um grupo de marinheiros franceses de uma corveta Pallas, por Zé Caetano e dois cabras destorcidos. A maruja não esteve com muita delonga e, vendo que a coisa não lhe cheirava bem em terra, atirou-se ao mar salvando-se, a nado, da agilidade dos três turunas, que a não deixavam tomar pé. A última demonstração da superioridade da capoeiragem sobre um dos mais celebrados jogos de destreza deu-nos o negro Cyriaco no antigo Pavilhão Paschoal Segreto fazendo afocinhar, com toda a sua ciência, o jactancioso japonês, campeão do jiu-jitsu. Em 1910, Germano Haslocjer, Luiz Murat e quem escreve estas linhas pensaram em mandar um projeto a Mesa da Câmara dos Deputados tornando obrigatório o ensino da capoeiragem nos institutos oficias e nos 428 quartéis. Desistiram, porém, da idéia porque houve quem a achasse ridícula, simplesmente, por tal jogo era...brasileiro. Viesse-nos ele com rótulo estrangeiro e tê-lo-íamos aqui, impando importância em todos os clubes esportivos, ensinado por mestres de fama mundial que, talvez, não valessem um dos nossos pés rapados de outrora que, em dois tempos, mandariam um Firpo ou um Dempsey ver vovó, com alguns dentes a menos algumas bossas de mais. Enfim...Vamos aprender a dar murros – é esporte elegante, porque a gente o pratica de luvas, rende dólares e chama-se Box, nome inglês. Capoeira é coisa de galinha, que o digam os que dele saem com galos empoleirados no alto da sinagoga. É pena que não haja um brasileiro patriota que leva a capoeiragem a Paris, batisando-a, com outro nome, nas águas do Sena, como fez o Duque com o Maxixe. Estou certo de que, se o nosso patriotismo lograsse tal vitória até as senhoras haviam de querer fazer letras, E que linda seriam as escritas! Mas, se tal acontecesse, sei lá ! muitas cabeçadas dariam os homens ao verem o jogo gracioso das mulheres”. (*) Henrique Maximiano COELHO NETTO - Escritor brasileiro, nasceu em Caxias, Maranhão no dia 20 de fevereiro de 1864 faleceu no Rio de Janeiro no dia 28 de novembro de 1934. Veio para o Rio de Janeiro com dois anos de idade; estudou Medicina e Direito mas não concluiu nenhum dos cursos. Em 1885 relacionou-se com José do Patrocínio, que o introduziu na relação da Gazeta da Tarde; nesse jornal deu início à sua Lista Abolicionista e Republicana. Em 1891, foi publicado sua primeira obra “Rapsódias”, um livro de contos. Dedicou-se a literatura com entusiasmo, publicando obras atrás de obras. Escreveu algumas peças teatrais, mais de cem livros e cerca de 650 contos. Foi também um orador de grande recursos; em 1909 catedrático da mesma matéria. Foi deputado na Legislatura da 1909 a 1911; esteve em Buenos Aires como Ministro Plenipotenciário, em Missão Especial. Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. Em 1928, foi consagrado 429 como “Príncipe dos Prosadores Brasileiros”. De sua extensa obra literária, destacam-se: “A Capital Federal”, “Fruto Proibido”, “O Rei Fantasma”, “Contos Pátrios”, “O Paraíso”, “Mano”, “As Estações”, “Sertão”, “Mistério do Natal”, “Fogo Fátuo” e “A Cidade Maravilhosa”. Também poeta, escreveu um soneto que se tornaria famoso: “Ser Mãe”; Coelho Neto é o exemplo de fidelidade e dedicação às letras. Grande capoeira e escritor Mestre Coelho Netto! André Luiz Lacé Lopes 430 ANEXO 4 Revista “A Noite Illustrada”. Escola typica de aggressão e defeza. Número 64 (quarta-feira). 24 de junho de 1931. “A Capoeiragem teve no Rio, o seu período áureo. Foi quando, praticada no “batuque”, apenas pelos chamados “malandros”, se irradiou pela cidade toda, descida da Favella, e de outros morros mais ou menos celebres, na pessoa do “capoeira” que se servia della para levar o bom termo as suas proezas de certo modo arriscadas. Embora exigindo requisitos especiaes, taes como agilidade, golpe de vista e, sobretudo, muita coragem, não demorou que as camadas da elite se interessassem pela capoeiragem, não raro se presenciando um homem de fino trato e maneiras fidalgas exhibindo-se quando se tornava necessário, como um perfeito conhecedor dos golpes diffíceis porém decisivos do capoeira. Depois... depois surgiram a picareta renovadora e as exigências inherentes ao progresso cuidando a polícia de acabar com o typico processo de defesa e com os seus praticantes... E caiu no olvido o melhor e mais efficiente meio de defesa do mundo. Todos o relegaram para um plano inferior, seno até desairoso qualquer indivíduo dizer-se delle conhecedor. Emquanto os brasileiros abandonaram a brasileiríssima capoeiragem, os estrangeiros por ella se interessavam, reconhecendo-lhe o valor que realmente tem. Sobre isso há um facto positivo que se verificou na Itália. Em uma festa, ao ar livre, fez-se uma competição entre marujos de várias nacionalidades. Os ingleses e americanos a todos superavam com o Box e aluta livre até que um marinheiro italiano pediu permissão aos seus superiores para exhibir um “jogo que elle conhecia”. E o italiano a todos venceu em segundos, ante o olhar perplexo da assistência numerosa. 431 E o “jogo que elle conhecia” outro não era senão a capoeiragem que aprendeu em São Paulo, de onde era filho. Presentemente, como um sopro de seiva viva anima os praticantes da capoeiragem. E o esforço de um punhado, peque no mas enthusiasta, de brasileiros patriotas, que pretendem collocar em seu justo logar o mais efficaz de todos os meios de defesa, aquelle que suplanta o Box, o “jiu-jitsu” e a luta livre, merece todos os incentivos e encômios porque, com a ascensão da capoeiragem teremos demonstrado, á evidencia, que sabemos aproveitar as aptidões innatas da nossa raça. Os clichês que estampamos são flagrantes das aulas ministradas pelo athleta Jayme Martins Ferreira, em que intervem os soldados da nossa Marinha de Guerra, Manoel e Coronel.” 432 BIBLIOGRAFIA Revista “A Noite Illustrada”. Escola typica de aggressão e defeza. Número 64 (quarta-feira). Rio de Janeiro: 24 de junho de 1931. ABERASTURY, Arminda. A criança e seus jogos. 2ª edição. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. ABREU, Frederico José de. Bimba é Bamba: A Capoeira no Ringue. 1ª edição, Salvador: Instituto Jair Moura, 1999. ACOSTA, Marco Aurélio de Figueredo. A ludicidade na terceira idade. IN: SANTOS, Santa Marli Pires dos (org.). Brinquedoteca: A criança, o adulto e o lúdico. 3ª edição, Petrópolis: Editora Vozes, 2000. AGCRJ. Memória da Destruição: Rio – Uma História que se perdeu (18891965). Rio de Janeiro. Secretaria Municipal de Culturas, Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, 2002. 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Rio de Janeiro: Imago, 1975. ZAKHAROV, Andrei. Ciência do Treinamento desportivo. Adaptação científica Antonio Carlos Gomes. 1ª edição. Rio de Janeiro: Grupo Palestra Sport, 1992. 446 ÍNDICE FOLHA DE ROSTO 2 AGRADECIMENTO 3 DEDICATÓRIA 5 RESUMO E PALAVRAS CHAVES 6 ABSTRACT, THEME AND KEY WORDS 7 RESUMEN, TEMA Y PALABRAS CLAVES 8 METODOLOGIA 9 SUMÁRIO 10 INTRODUÇÃO 11 CAPÍTULO I A HISTÓRIA, A PRÁTICA E O DESENVOLVIMENTO DA CAPOEIRA 14 1. A história, a prática e o desenvolvimento da capoeira 15 1.1 - As prováveis origens da capoeira 20 1.2 - Capoeira: Fatos e História 60 1.2.1 – A capoeiragem carioca: do começo dos fatos históricos ao desmantelamento das maltas 60 1.2.2 – A capoeiragem carioca: de Sampaio Ferraz a Filinto Müler – capoeiras e malandros 90 1.2.3 – A capoeiragem carioca: na primeira metade do século XX - a capoeira como gymnastica brazileira e defesa pessoal, e os vale-tudo 1.2.4 – A capoeiragem bahiana: início do Século XX 117 135 447 1.2.5 – A capoeiragem bahiana: após 1930 141 1.2.6 – A capoeira ganhando o Brasil e dando a volta ao mundo 1.2.7 – A importância histórica da história da capoeira 158 176 CAPÍTULO II A CAPOEIRA ATUAL, A EDUCAÇÃO FÍSICA E A PSICOMOTRICIDADE 178 2. A Capoeira atual, a Educação Física e a Psicomotricidade 179 2.1 - Os determinantes da escolha pela prática da capoeira 179 2.2 - A polivalência da multi-facetada capoeira 183 2.3 - Capoeira e educação 186 2.4 - Capoeira: esporte / desporto 203 2.5 - Capoeira como terapia e reeducação 206 2.6 - Capoeira: lúdico, prazer e musicalidade – O Jogo da Capoeira, quando a cultura acontece em sua plenitude 2.7 - A Capoeira é para todas as faixas etárias 210 213 2.7.1 - Crianças e Pré-adolescentes 214 2.7.2 - Adolescentes, Jovens e Adultos 217 2.7.3 - Terceira Idade 218 2.8 - Os três domínios na capoeira 225 2.8.1 - O Domínio Cognitivo 227 2.8.2 - O Domínio Afetivo 230 2.8.3 - O Domínio Psicomotor 239 2.9 – Algumas considerações sobre o treinamento esportivo 249 2.9.1 – O Princípio da Individualidade Biológica 250 2.9.2 – O Princípio da Adaptação 251 2.9.3 – O Princípio da Sobrecarga 255 2.9.4 – O Princípio da Continuidade 257 2.9.5 – O Princípio da Interdependência Volume-Intensidade 258 2.9.6 – O Princípio da Especificidade 258 2.9.7 – O Princípio da Variabilidade 261 448 2.9.8 – O Princípio da Saúde 261 2.9.9 – A Interrelação dos Princípios 262 2.10 – As qualidades físicas 262 2.10.1 – A coordenação motora 264 2.10.2 – A velocidade 278 2.10.3 – A força 296 2.10.4 – O equilíbrio 305 2.10.5 – O ritmo 310 2.10.6 – A agilidade 316 2.10.7 – A resistência 318 2.10.8 – A flexibilidade 319 2.10.9 – A descontração 322 CAPÍTULO III O DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR FUNDAMENTADO NA PRÁTICA DA CAPOEIRA 325 3. O desenvolvimento psicomotor fundamentado na prática da capoeira 326 3.1 – Psicomotricidade: histórico, conceito, desenvolvimento, a SBP e outros aspectos 326 3.2 – Sistema nervoso 334 3.3 – Tipos de movimentos 338 3.4 – Tônus muscular 341 3.5 – O desenvolvimento psicomotor fundamentado na prática da capoeira – as estruturas psicomotoras 345 3.5.1 - Coodenação global, fina e óculo-manual e, facial 346 3.5.2 - Esquema corporal 360 3.5.3 - Lateralidade 372 3.5.4 - Estruturação espacial 383 3.5.5 - Estruturação temporal 398 3.6 – As percepções CONCLUSÃO 412 415 449 ANEXOS 419 BIBLIOGRAFIA 432 ÍNDICE 446 450 FOLHA DE AVALIAÇÃO Nome da Instituição: Universidade Candido Mendes. Título da Monografia: DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR FUNDAMENTADO NA PRÁTICA DA CAPOEIRA E BASEADO NA EXPERIÊNCIA E VIVÊNCIA DE UM MESTRE DA CAPOEIRAGEM GRADUADO EM EDUCAÇÃO FÍSICA. Autor: Ricardo Martins Porto Lussac Data da entrega: março de 2004 Avaliado por: Conceito: Avaliado por: Conceito: Avaliado por: Conceito: Conceito Final: