ABENO
Associação Brasileira de Ensino Odontológico
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da ABENO .
Catalogação-na-publicação
(Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo)
Revista da ABENO/Associação Brasileira de Ensino Odontológico . – Vol . 1, n . 1, (jan .-dez . 2001) .
– São Paulo : ABENO, 2001Quadrimestral (a partir do Vol . 7, n . 1)
ISSN# 1679-5954
1 . Odontologia (Periódicos) I . Associação Brasileira de Ensino Superior (São Paulo)
II . ABENO
CDD 617 .6
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ABENO
Associação Brasileira de
Ensino Odontológico
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Apoio para esta edição:
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Sumário
v. 7, n. 1, janeiro/abril - 2007
A Revista da ABENO é uma
publicação oficial da
Associação Brasileira de Ensino
Odontológico
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Rodney Garcia Rocha (FO-USP)
Rosemary Sadami Arai Shinkai
Simone Tetu Moysés (UFPar)
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Indexação
A Revista da ABENO - Associação Brasileira de
Ensino Odontológico está indexada nas seguintes
bases de dados:
BBO - Bibliografia Brasileira de Odontologia;
LILACS - Literatura Latino-Americana e do Caribe
em Ciências da Saúde.
Artigos
Dentes humanos no ensino odontológico: procedência,
utilização, descontaminação e armazenamento pelos
acadêmicos da UNIMONTES
Human teeth for dental education: origin, use,
disinfection and preservation by students at
UNIMONTES University
Simone de Melo Costa, Soraya Mameluque, Eduardo Lima Brandão,
Ana Elizabeth Martins Antunes Melo, Cássia Pérola dos Anjos Braga
Pires, Edson José Carpintero Rezende, Kaissy Mendes Alves. . . . . . . . 6
O estudante de odontologia e a questão dos estágios
The dental student and the internship issue
Ricardo Henrique Alves Silva, Arsenio Sales-Peres, Carina
Thaís de Almeida, Sílvia Helena de Carvalho Sales-Peres. . . . . . . . . . 13
Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire
Knowledge and learning – the ageless Paulo Freire
Pedro Demo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
Análise das dificuldades dos alunos de graduação durante
as manobras de odontometria
Analysis of the difficulties faced by undergraduate students
while determining tooth length
João Marcelo Ferreira de Medeiros, Sandra Marcia Habitante,
Nivaldo André Zöllner, Pedro Luiz de Carvalho, Claudia
Auxiliadora Pinto, José Luiz Lage-Marques. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
Formulação de questões clínicas estruturadas para
pesquisa: uma abordagem prática
Making structured clinical questions for research purposes:
a practical approach
Cláudio Rodrigues Leles, Lorena Batista de Oliveira, William
José Morandini, Erica Tatiane da Silva. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
A formação do dentista no contexto do século
XXI: a pesquisa como princípio pedagógico
The training of the dentist in the XXIst century: research
as a pedagogical principle
Sônia Maria Vicente Cardoso. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
A preocupação social nos currículos de odontologia
Social concern in the dentistry curriculum
Rafael Gomes Ditterich, Priscila Paiva Portero,
Leide Mara Schmidt . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
Revista da ABENO • 7(1):3-4
Internet – um recurso didático
The Internet – a teaching resource
Elaine Manso Oliveira Franco de Carvalho, José Luiz
Lage-Marques. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
Endodontia na graduação com ensino presencial e suporte
a distância: estratégia motivacional ao estudo individual
Endodontics at the undergraduate level with
presence teaching and distance support: a motivational
strategy for individual study
Mary Caroline Skelton-Macedo, Cristiany Castro Basilio,
Nilden Carlos Cardoso Alves, Viviane Pereira Marques,
Moacyr Ely Menéndez-Castillero, Rielson José Cardoso Alves . . . . . . 68
Tecnologias de informação e comunicação no ensino
da odontologia
Information and communication technologies in
dental education
Vania Fontanella, Márcia Schardosim, Maria Cristina Lara. . . . . . . . 76
Conhecimento dos professores e alunos da
UNIMONTES sobre protocolo e condutas recomendadas
frente a acidentes com risco de contaminação
Knowledge held by professors and students from Unimontes
University on the protocol and recommended conducts in case
of accidents with the risk of contamination
Adriana Benquerer Oliveira Palma, José Mendes da Silva,
Mania de Quadros Coelho, Mauro Henrique Nogueira
Guimarães de Abreu, Vera Lúcia Silva Resende, Victor
Fernandes Tavares. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
A graduação em Odontologia na visão de
egressos: propostas de mudanças
The Dentistry undergraduation course from the
perspective of graduates: proposed changes
Otavio Fernando Genta Cordioli, Nildo Alves Batista. . . . . . . . . . . . . 88
Apêndice
Normas para apresentação de originais. .
Revista da ABENO • 7(1):3-4
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
Associação Brasileira
de Ensino Odontológico
DIRETORIA (2006 a 2010)
Presidente de Honra
Edrízio Barbosa Pinto
Presidente
Alfredo Júlio Fernandes Neto
Vice-Presidente
Orlando Ayrton de Toledo
Reinaldo Brito e Dias
José Galba de Meneses Gomes
Elen Marise de Oliveira Oleto
Oscar Faciola Pessoa
Luiza Isabel Taveira da Rocha
José Thadeu Pinheiro
Horácio Faig Leite
Ricardo Prates Macedo
Mario Uriarte Neto
Comissão de Ensino
Vanderlei Luiz Gomes
Elaine Bauer Veeck (Presidente)
Léo Kriger
Cresus Vinícius Depes de Gouveia
Rui Vicente Oppermann
Nilce Emy Tomita
Efigenia Ferreira e Ferreira
Tesoureiro Geral
Comissão de Pós-Graduação
Secretário Geral
Odorico Coelho da Costa Neto
1o Secretário
Ricardo Alves Prado
1o Tesoureiro
Sérgio de Freitas Pedrosa
Conselho Fiscal
Eduardo Gomes Seabra (Presidente)
Luiz Alberto Plácido Penna
Omar Zina
Maria da Glória Chiarello Matos
Rita de Cássia Martins Moraes
Assessores do Presidente
Antonio Cesar Perri de Carvalho
José Dilson Vasconcelos de Menezes
Sigmar de Mello Rode (Presidente)
Ana Cristina Barreto Bezerra
Hilda Maria Montes R. de Souza
Célio Percinoto
Lino João da Costa
Isabela Almeida Pordeus
Antônio de Lisboa Lopes Costa
Adair Luis Stefanello Busato
Samuel Jorge Moyses
José Carlos Pereira
Nilza Pereira da Costa
Comissão de Comunicação
Vera Lúcia Silva Resende (Presidente)
Angelo Giuseppe Roncalli C. Oliveira
Nelson Rubens Mendes Loretto
Dentes humanos no ensino
odontológico: procedência, utilização,
descontaminação e armazenamento
pelos acadêmicos da UNIMONTES
Com a atual legislação do Brasil, a exigência de dentes no ensino
trouxe à tona questionamentos éticos em torno do comércio ilegal de
dentes humanos. Outra preocupação é a questão da biossegurança
no manuseio e armazenamento dos dentes extraídos.
Simone de Melo Costa*, Soraya Mameluque*, Eduardo Lima Brandão*, Ana Elizabeth
Martins Antunes Melo*, Cássia Pérola dos Anjos Braga Pires*, Edson José Carpintero
Rezende*, Kaissy Mendes Alves**
*Professores do Departamento de Odontologia da Universidade
Estadual de Montes Claros. E-mail: [email protected],
[email protected], [email protected], [email protected].
**Acadêmica do Curso de Odontologia da Universidade Estadual de
Montes Claros.
RESUMO
O dente é um órgão humano utilizado no processo ensino-aprendizagem dos cursos de Odontologia.
O objetivo do trabalho foi avaliar a procedência, utilização, descontaminação e o armazenamento dos
dentes humanos pelos acadêmicos da Unimontes.
Após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa e
estudo piloto, a coleta de dados foi realizada através
de questionário, em 2004. Foram excluídos alunos
ausentes no dia da aplicação do questionário e acadêmica participante do trabalho. Utilizou-se o programa EPI-INFO 2000 para tabulação e estatística.
Participaram 198 alunos; 99,5% acham importante o
uso de dentes na graduação e 88,9% declaram que
foram solicitados dentes no curso, com maior uso
para treinamento laboratorial. O número de dentes
adquiridos, por aluno, variou de 4 a 500 (moda 50,
média 49, desvio padrão 52, mediana 38) perfazendo
um total de 8.457. A forma de aquisição mais relatada
foi a doação (98,3%), no entanto, 1,2% dos acadêmicos relataram ter comprado dentes, cujo preço variou
de R$ 1,00 a R$ 10,00. A descontaminação dos dentes
é realizada por 89,8%, e destes, 91,14% descreveram
o procedimento. Foram descritos 30 procedimentos,
de lavagem com água até esterilização em autoclave.
O hipoclorito de sódio, em diferentes concentrações,
foi o mais citado para descontaminação (63,20%). A
maioria armazena em frasco fechado (96,6%), com
líquido (68,0%), sendo soluções de hipoclorito de
sódio as mais utilizadas. Conclui-se que a Unimontes
solicita dentes na graduação, que o maior uso ocorre
em laboratório, a maioria dos dentes é adquirida por
doação e não há consenso para sua descontaminação
e seu armazenamento, levando ao risco de infecção
cruzada.
DESCRITORES
Dente. Educação em odontologia. Ética. Biossegurança.
A
utilização dos elementos dentários é de extrema
importância para o processo ensino-aprendizagem nos cursos de Odontologia. O elemento dental
pode ser utilizado em treinamento laboratorial, em
pesquisas e para colagem de fragmentos dentários a
fim de recompor um dente destruído por cárie, subs-
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Dentes humanos no ensino odontológico: procedência, utilização, descontaminação e armazenamento pelos acadêmicos da
UNIMONTES • Costa SM, Mameluque S, Brandão EL, Melo AEMA, Pires CPAB, Rezende EJC, Alves KM
tituindo o uso de materiais como amálgama, resina
ou porcelana, conseguindo-se melhor estética e melhor estabilidade de cor.
Em 1997, com a formulação da Lei de Transplante no Brasil, os dentes passaram a ser reconhecidos
como órgãos. Sendo assim, torna-se necessária a autorização do doador para a utilização de dentes.17
Com a atual legislação do Brasil, a exigência de dentes no ensino trouxe à tona questionamentos éticos
em torno do comércio ilegal de dentes humanos,
tais como compra de dentes em cemitérios e em
clínicas particulares.
Além da importância de se saber a procedência
e as formas de utilização dos dentes humanos extraídos, no processo ensino-aprendizagem, outra
questão relevante é saber quais os procedimentos
de descontaminação e de armazenamento estão
sendo empregados.
Sabe-se que o dente, como todo órgão do corpo
humano, é fonte de patógenos para o homem.17 Os
microorganismos encontrados nos dentes, extraídos
ou não, podem causar doenças infecciosas, tais como
gripe comum, pneumonia, herpes, tuberculose, hepatites, AIDS e até mesmo a Peste Negra. Alguns patógenos podem sobreviver por longo tempo em dentes extraídos, possibilitando contaminação cruzada e
diversas infecções.19 A forma de armazenamento dos
dentes também é um fator preocupante, já que a utilização de algumas substâncias pode alterar a estrutura histológica dentária, impedindo a utilização em
alguns tipos de estudos científicos.
Este artigo tem como objetivo avaliar a procedência, as formas de utilização, os procedimentos de descontaminação e de armazenamento dos dentes humanos extraídos, junto aos acadêmicos do curso de
Odontologia da Universidade Estadual de Montes
Claros (Unimontes).
REVISÃO DA LITERATURA
Nos cursos de Odontologia, dentes humanos extraídos são utilizados para vários fins: didáticos, de
pesquisa e clínico-terapêuticos.
Estudo sobre o uso de dentes nas pesquisas das
17ª e 18ª Reuniões Anuais da Sociedade Brasileira de
Pesquisa Odontológica (SBPqO) demonstra que, de
2.569 trabalhos apresentados, 834 (32,5%) utilizaram
dentes naturais, resultando em uma média de 34 dentes por pesquisa. Há uma enorme incidência de dentes humanos nas pesquisas, realçando a necessidade
de uma padronização quanto à sua obtenção. Os dentes utilizados em pesquisas deveriam ser obtidos em
bancos de dentes, os quais deveriam ser citados nos
respectivos trabalhos.11
Uma outra utilização dos dentes extraídos é o
reaproveitamento como material restaurador através
de colagem com cimento resinoso (restauração biológica). Essa restauração possibilita acabamento
mais estético, superfície mais lisa e desgaste semelhante ao dos outros dentes. Não existe dor nem rejeição nesse transplante. A colagem de fragmento de
dente fraturado foi executada pela primeira vez em
1964, pelos americanos Chosck e Eildman.17 Desde
1780 existem relatos na literatura da confecção de
próteses com dentes naturais.23 O uso de pequenos
fragmentos de esmalte e o uso da coroa dental por
completo foi relatado por Iorio14 (1993) e Hayward13
(1968). A técnica de reposição de coroas totais e fragmentos dentários em dentes temporários é um método de restauração que preserva a estrutura dentária, através de preparação conservadora; permite
resultado estético de ótimo nível; recupera a anatomia dental perdida com uma textura superficial incomparável; mantém a função oclusal e o desgaste
fisiológico normais; e oferece uma relação custo-benefício favorável em relação ao material dentário
artificial. Os dentes extraídos também podem ser
aproveitados para confecção de mantenedores de
espaço, para crianças que perderam precocemente
seus dentes por cárie ou trauma.22
No entanto, apesar de todos os benefícios alcançados pela utilização de dentes humanos, a exigência
destes nos cursos de Odontologia fez com que alunos
adotassem procedimentos ilegais e não-éticos para
sua aquisição. A exigência de dentes beneficia o comércio ilegal dos mesmos.25 O dente é considerado
um órgão humano e, como tal, deve respeitar a Lei
de Transplantes Brasileira formulada em 1997. Segundo o Código de Ética Odontológica, o não-cumprimento das legislações que regulam o uso do cadáver para o estudo ou exercício de técnicas cirúrgicas
e os transplantes de órgãos é considerado infração
ética, podendo determinar penalidades que vão desde a simples advertência confidencial à cassação do
exercício profissional. Sendo assim, o funcionamento
do banco de dentes deve ser como o de um banco de
órgãos. Daí a necessidade da autorização do doador
para a utilização dos seus dentes.16,24,27
Portanto, o dente como qualquer outro órgão do
corpo humano somente poderá ser doado com o consentimento do paciente ou/e responsável. O consentimento deverá ser expresso através do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido.17
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Dentes humanos no ensino odontológico: procedência, utilização, descontaminação e armazenamento pelos acadêmicos da
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São três circunstâncias possíveis de doação de dentes humanos: dentes decíduos exfoliados, dentes decíduos ou permanentes extraídos e dentes decíduos
ou permanentes de cadáveres. Esses dentes poderiam
ser usados para fins científicos, didáticos e reabilitadores. E, para garantir um tratamento respeitoso ao
doador de órgãos, ao órgão dental a ser doado, bem
como ao sujeito receptor do órgão doado, faz-se necessária a obtenção do consentimento livre e esclarecido do doador.28 Portanto, a criação de um Banco de
Dentes nas Universidades e em todas as Instituições
de Ensino é fundamental para orientar a utilização
ética do órgão dental.
Outro ponto preocupante com relação ao uso de
dentes humanos extraídos, além da procedência, é a
questão da biossegurança no manuseio e armazenamento desses dentes.
Cientistas franceses demonstram preocupação
quanto à possibilidade de contaminação cruzada
por meio do tecido pulpar de dentes. Estudos realizados em esqueletos no sul da França demonstraram
presença de microorganismos no DNA da polpa. Foi
encontrada a bactéria Yersinia pestis ou bacilo de Yersin, que é transmitida por ratos e pulgas e causadora
da Peste Negra, doença responsável pela morte de
90% das pessoas no sul da França, no período de
1347 a 1351. A análise do tecido pulpar dos dentes
dos esqueletos provou que a causa do óbito foi septicemia bacteriana.17
Diante do potencial de contaminação do dente
extraído, a partir de 1990, algumas organizações,
como: OSHA – Occupational Safety and Health Administration, CDCs – Centers for Disease Control and
Prevention/Division of Oral Health e AADS – American Association of Dental Schools, regulamentaram a
utilização de dentes extraídos.17 Para evitar ou diminuir a contaminação cruzada no manuseio de dentes
extraídos, diretrizes são desenvolvidas para biossegurança: necessidade de uso de Equipamentos de Proteção Individuais (EPIs), vacina contra Hepatite B e
protocolo específico para o uso de dentes extraídos
em instituições de ensino.2,10 A transmissão de patógenos pode acometer o cirurgião-dentista, o acadêmico,
o pesquisador ou qualquer pessoa que leve um dente
extraído para casa.5 Sendo assim, o controle de infecção deve ser utilizado no treinamento laboratorial e
nas pesquisas científicas com o objetivo de diminuir
ou eliminar o risco de transmissão de doenças.7,8,26,29
Um outro problema na utilização de dentes humanos está na forma que eles são armazenados. A
forma de armazenamento dos dentes extraídos é
capaz de interferir principalmente na dentina, alterando as propriedades físicas e ópticas da mesma.
Pode alterar a permeabilidade e a resistência adesiva da dentina, interferindo nos estudos de microinfiltração, adesão, tração, cisalhamento, endodontia,
dentre outros.17
METODOLOGIA
Para a coleta de dados, foi utilizada a técnica de
entrevista estruturada, na qual o entrevistador segue
um roteiro previamente estabelecido através de um
formulário padronizado.
O motivo da padronização do formulário é obter
respostas às mesmas perguntas, permitindo que todas
elas sejam comparadas, devendo as variações nas respostas refletirem diferenças entre os respondentes e
não diferenças entre as perguntas.15 O formulário foi
aplicado aos acadêmicos do curso de graduação em
Odontologia da UNIMONTES. Tendo em vista a variabilidade de respostas possíveis, foi aberta a opção
“outros”, para a maioria das questões.
O trabalho foi avaliado e aprovado pelo Comitê
de Ética em Pesquisa da UNIMONTES, antes do início da coleta de dados. O sujeito pesquisado autorizou a sua participação na pesquisa através do Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido. Foi realizado
um teste piloto com vinte alunos para adequação do
instrumento de coleta de dados. Foram excluídos da
pesquisa os acadêmicos que participaram do teste
piloto, os ausentes no dia da coleta de dados, aqueles que não aceitaram participar deste estudo e a
acadêmica vinculada ao projeto. Participaram acadêmicos do 1º ao 10º período, sendo a coleta de
dados realizada em 2004. Os dados foram tabulados
e analisados estatisticamente utilizando-se o programa EPI-INFO 2000.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Participaram 198 alunos, do 1º ao 10º período do
curso de graduação em Odontologia da Unimontes
(Gráfico 1). Dos acadêmicos pesquisados, 62,0%
eram do sexo feminino. A maioria dos alunos (99,5%)
acha importante o uso de dentes humanos extraídos,
no curso. Com relação à solicitação de dentes, 88,9%
declararam que foram solicitados dentes por alguma
disciplina no decorrer do curso (a partir do 2º período) (Gráfico 2).
Carvalho6 (2001) afirma que Imparato, professor
da Universidade de São Paulo (USP), calculou o número de dentes utilizados nos cursos de Odontologia:
uma faculdade gasta de três a quatro mil dentes por
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Dentes humanos no ensino odontológico: procedência, utilização, descontaminação e armazenamento pelos acadêmicos da
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semestre. Como existem cerca de 150 faculdades de
Odontologia no Brasil, 450 mil dentes seriam necessários para suprir a demanda.6
O número de dentes adquiridos, por aluno, durante a vida acadêmica variou de 4 a 500 (moda 50,
média 49, desvio padrão 52, mediana 38) perfazendo
um total de 8.457 dentes. A análise dos percentis demonstra que 25% dos acadêmicos obtiveram até 20
dentes, 50% obtiveram até 38 dentes e 75% obtiveram
até 50 dentes.
A maioria dos alunos (79,9%) utilizou dentes
para treinamento laboratorial, sendo apontadas outras formas de uso (Gráfico 3). Os resultados estão
de acordo com a literatura consultada, em que dentes humanos são utilizados para vários fins nos cursos de Odontologia. Os dentes humanos podem ser
utilizados para fins didáticos, de pesquisa e clínicoterapêuticos.17
Noventa e oito alunos (49,5%) encontraram dificuldades para aquisição dos dentes e 40% dos acadêmicos obtiveram-nos em consultórios particulares,
sendo relatadas outras formas de obtenção como:
postos de saúde (PS), escolas e outros (Gráfico 4). A
maioria adquiriu os dentes em Montes Claros (50,6%)
e cidades do Norte de Minas (40,4%). A forma de
aquisição mais relatada foi a doação (98,3%), no entanto, 1,2% dos acadêmicos relataram ter comprado
dentes, cujo valor variou de R$ 1,00 a R$ 10,00. A
comercialização de dentes humanos também foi
constatada em pesquisa no estado de São Paulo, onde
47% dos entrevistados afirmaram ter comprado dentes para uso laboratorial ou para pesquisa,12 outros
estudos também confirmaram esse ato ilícito.21
A descontaminação anterior ao manuseio dos
dentes é realizada por 89,8% dos acadêmicos pesquisados, e destes, 91,14% descreveram o procedimento
(%)
Pesquisa
90
Treinamento laboratorial
80%
80
Treinamento por
interesse próprio
70
Treinamento laboratorial
e treinamento próprio
60
Treinamento próprio
e clínico-terapêutico
(restauração biológica)
50
(%)
40
18
16,0%
16
30
20
14
12
10
10%
12,0%
10
10,5%
9,5%
9,0% 9,0%
8,0%
8
8,5% 8,5%
9,0%
5%
3%
2%
0
Atividades
Gráfico 3 - Distribuição dos acadêmicos segundo a ativi-
6
dade de uso dos dentes.
4
2
0
(%)
1º
2º
3º
4º
5º
6º
Período
7º
8º
9º
10º
Gráfico 1 - Distribuição dos acadêmicos segundo o pe-
ríodo matriculado.
A - Posto de saúde (PS)
45
B - Consultório particular
40%
C - Posto de saúde e
40
consultório particular
35
D - Posto de saúde e escola
30
25
Não
Sim
11,1%
23%
E - Escola e consultório
23%
particular
F - Outros*
20
12%
15
10
88,9%
5
0
1%
A
B
C
D
1%
E
F
Localacadêmicos segundo o local
Gráfico 4 - Distribuição dos
Gráfico 2 - Distribuição dos acadêmicos segundo solicitação de dentes durante a vida acadêmica.
de obtenção dos dentes. *Obtenção através de colegas do
curso e em clínicas de universidades.
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Dentes humanos no ensino odontológico: procedência, utilização, descontaminação e armazenamento pelos acadêmicos da
UNIMONTES • Costa SM, Mameluque S, Brandão EL, Melo AEMA, Pires CPAB, Rezende EJC, Alves KM
executado para descontaminação dos elementos dentários. Foram descritos 30 procedimentos diferenciados, tais como: apenas lavagem com água, uso de
soluções de hipoclorito, formaldeído, ácido acético,
sabão, água oxigenada, clorexidina, formol e esterilização na autoclave. O hipoclorito de sódio foi o mais
citado (63,20%), sendo utilizado em diferentes concentrações, que variaram de 1 a 10%, e em diferentes
intervalos de tempo, de 1 hora a 1 semana. Dos alunos
pesquisados, 20,9% relataram realizar esterilização
dos dentes em autoclave. No entanto, eles não descreveram o tempo e a temperatura utilizados.
Dentes extraídos são sujeitos à contaminação por
patógenos, sendo necessário fazer um alerta aos acadêmicos sobre os riscos a que estão expostos. Devese alertar para biopericulosidade na manipulação
de dentes extraídos contaminados.18 São poucos os
pesquisadores ou alunos que utilizam dentes esterilizados nos estudos pré-clínicos, fato que se deve à
falta de informação ou de condições de realizar tal
procedimento.17
O hipoclorito de sódio (1,3%, 2,6% e 5,25%) por
uma semana não foi capaz de impedir o crescimento
de esporos de B. stearothermophilus.9 Hipoclorito de
sódio a 1% desinfeta 8% da superfície externa e 4%
da interna dental após uma semana de armazenamento.29 A esterilização em autoclave é o método selecionado para fins educacionais.20 Em uma temperatura
de 121°C por 15 minutos há perda mineral não significativa.1 Dentes restaurados com amálgama apresentam riscos à saúde na esterilização na autoclave
devido à liberação de vapores de mercúrio.4
A maior parte dos acadêmicos (96,6%) armazena
os dentes humanos extraídos em frasco fechado, e
68,0% utilizam líquido dentro do frasco de armazenamento, sendo descrito o líquido por 83% dos acadêmicos pesquisados. A distribuição dos acadêmicos
conforme o líquido utilizado para armazenamento
dos dentes humanos foi: soluções de hipoclorito de
sódio (34%), água oxigenada (5%), glicerina (18%),
soro fisiológico (6%), formol (15%), álcool (20%) e
glutaraldeído (2%).
A forma de armazenamento dos dentes extraídos
é capaz de interferir principalmente na dentina. Produtos como formol, hipoclorito de sódio, etanol e
glutaraldeído podem alterar a permeabilidade e a
resistência adesiva da dentina. O armazenamento a
seco apresenta problemas para dentes permanentes,
sendo viável aos decíduos (no período de 30 a 90
dias). O protocolo de armazenamento recomendado
pelo Banco de Dentes da Faculdade de Odontologia
10
da Universidade de São Paulo tanto para dentes decíduos quanto para permanentes é o uso de água
destilada sob refrigeração.3
CONCLUSÕES
Diante dos resultados expostos, pode-se concluir
que:
• O curso de graduação em Odontologia da Unimontes solicita dentes aos acadêmicos, a partir do
2º período.
• Existem dificuldades na aquisição dos dentes.
• A maior utilização é em treinamento laboratorial
pré-clínico.
• A maioria adquiriu dentes em Montes Claros, na
forma de doação.
• O estudo confirma comércio ilegal de dentes entre acadêmicos da Unimontes.
• A descontaminação anterior ao manuseio dos
dentes é realizada por 89,8% dos acadêmicos pesquisados, apesar de muitos dos métodos relatados
serem insuficientes para garantir a prevenção do
risco de infecção cruzada. Foram descritos 30 procedimentos diferentes, desde lavagem com água
até esterilização em autoclave, sendo o hipoclorito de sódio, em diferentes tempos e concentrações, o mais citado (63,20%).
• A maioria armazena os dentes em frasco fechado
(96,6%), contendo líquido (68,0%), sendo as soluções de hipoclorito de sódio as mais utilizadas.
• Não há consenso para o método de descontaminação e de armazenamento dos dentes.
Os dados demonstram a relevância da implantação do Banco de Dentes Humanos, com o papel de
fornecimento de dentes a acadêmicos, professores e
pesquisadores de forma ética, legal e nos padrões de
biossegurança, propiciando menor risco de contaminação cruzada.
ABSTRACT
Human teeth for dental education: origin, use,
disinfection and preservation by students at
UNIMONTES University
Human teeth are organs usually required during
the teaching/learning process in dental courses.
This study aimed at evaluating their origin, use, and
the disinfection and preservation methods adopted
by dental students at UNIMONTES University (Universidade Estadual de Montes Claros, Brazil) for the
handling of human teeth. After approval by the
committee for ethics in research, a pilot questionnaire was applied for adjustments. Data were col-
Revista da ABENO • 7(1):6-12
Dentes humanos no ensino odontológico: procedência, utilização, descontaminação e armazenamento pelos acadêmicos da
UNIMONTES • Costa SM, Mameluque S, Brandão EL, Melo AEMA, Pires CPAB, Rezende EJC, Alves KM
lected along the year of 2004. Students who were
absent on the day of questionnaire application were
excluded, as was the student taking part in the
study. The EPI-INFO 2000 program was used for
descriptive statistics analysis. One hundred and
ninety eight students participated in this project.
Most students (99.5%) considered the use of human teeth during undergraduation to be important, and 88.9% mentioned that they were asked to
provide human teeth, mostly for use in laboratorial
training. Each student provided 4 to 500 human
teeth during the whole course (mode 50, average
49, standard deviation 52, median 38), totaling
8,457 teeth. Students acquired the teeth mostly by
receiving donations (98.3%), but 1.2% of the students reported having to buy them at prices ranging
from R$1.00 to R$10.00. Disinfection of teeth was
performed by 89.8% of students, of which 91.14%
described the disinfection procedure. A total of 30
procedures were described, from rinsing in water
to sterilization in autoclave. Most students (63.20%)
related the use of sodium hypochlorite in different
concentrations for disinfection. The majority stored
teeth in a closed flask (96.6%), in a liquid (68.0%),
which was mostly sodium hypochlorite as well. We
concluded that UNIMONTES required teeth during its undergraduation course, that most teeth
were used during laboratory activities, that they
were mostly acquired through donation and that
there was no consensus as to the procedures of disinfection and preservation of teeth, leading to the
risk of cross infection.
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de dentes humanos nas faculdades de Odontologia do Estado
de São Paulo (resultados parciais) [resumo]. RPG Rev Pós Grad
Agradecimentos
À Faculdade de Odontologia da Universidade de
São Paulo, FOUSP, nas pessoas de José Carlos Pettorossi Imparato e Sandra Alves Brasil, pelo apoio e
incentivo no projeto de criação do Banco de Dentes
Humanos da Unimontes. E, aos funcionários da Unimontes que tornaram possível a implantação do mesmo, nosso muito obrigado. §
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Aceito para publicação em 24/11/2005
12
Revista da ABENO • 7(1):6-12
O estudante de odontologia e a
questão dos estágios
O desconhecimento das normas de regulamentação dos estágios faz
com que os profissionais, ao permitirem o trabalho de estudantes de
Odontologia, tolerem situações de exercício ilegal da profissão, que
têm penas previstas pela lei.
Ricardo Henrique Alves Silva*, Arsenio Sales-Peres**, Carina Thaís de Almeida***, Sílvia
Helena de Carvalho Sales-Peres****
*Professor Assistente da Disciplina de Odontologia Legal e Medicina
Legal da Universidade Paulista, Doutorando em Odontologia
Social da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo.
**Professor Doutor da Disciplina de Deontologia e Odontologia
Legal da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de
São Paulo. E-mail: [email protected].
***Acadêmica da Faculdade de Odontologia de Bauru da
Universidade de São Paulo.
****Professora Doutora da Disciplina de Orientação Profissional da
Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo.
RESUMO
A inter-relação envolvendo a Odontologia e o
Direito é conhecida por poucos e relegada a segundo plano, tanto por acadêmicos quanto profissionais. O objetivo deste artigo é trabalhar o tema do
exercício ilegal da profissão e fazer uma reflexão
desse ponto no que se refere aos estágios executados
pelos acadêmicos de Odontologia. A questão dos
estágios realizados por estudantes de Odontologia é
regida pelo Decreto nº 87.497,4 que regulamentou
a Lei nº 6.494,7 de 07 de dezembro de 1977, além de
apresentar regulamentação pelo CFO através da Decisão nº 25/84.12 Dessa forma, é notório ressaltar que
o estágio curricular, como procedimento didáticopedagógico, é de inteira responsabilidade das instituições de ensino, podendo haver interações (convênios) entre os sistemas de ensino e os diferentes
setores da sociedade. Ressaltamos, contudo, a importância da fiscalização pertinente ao exercício da
Odontologia a fim de zelar pela honra da profissão
odontológica.
DESCRITORES
Estudantes de odontologia. Estágio clínico. Odontologia legal.
A
atividade ilícita profissional em Odontologia
trata-se de assunto assaz discutido, mas que necessita de uma amplificação de debates, haja vista o
reduzido número de publicações que tramitam pelos
corredores acadêmicos.
Além disso, nota-se uma aparente falta de vontade,
por parte dos profissionais, em compreender os objetivos mais específicos da inter-relação envolvendo a
Odontologia e o Direito.28
Dessa maneira, utilizando as palavras de Calvielli9
(1993), temos que:
“(...) os tratadistas do Direito Penal reservam poucas linhas
de seus comentários para o exercício ilegal da Medicina,
Odontologia e Farmácia, e o fazem sem considerar, principalmente, a evolução e as transformações sofridas por
essas profissões nos últimos anos. Por sua vez, os cirurgiões-
Revista da ABENO • 7(1):13-9
13
O estudante de odontologia e a questão dos estágios • Silva RHA, Sales-Peres A, Almeida CT, Sales-Peres SHC
dentistas agem como se o exercício de sua profissão só a
eles dissesse respeito, desconhecendo, com raras exceções,
que inúmeras conseqüências de suas atividades se encontram previstas como infrações penais.”
Assim sendo, esperamos estar contribuindo para
o entendimento de tão vasto assunto, possibilitando
um crescimento para a classe odontológica e, conseqüentemente, para toda a sociedade brasileira, na
busca por uma Odontologia exemplar, conforme relata Phillips23, em 1960:
Assim, conforme observado, o princípio constitucional de pleno exercício de uma profissão não é
garantia para que qualquer um possa entregar-se livremente a uma atividade profissional, mas assegura
o direito de exercê-la desde que se atenda ao estabelecido na lei, ou seja, possuir autorização, competência e legitimidade.17
A partir dessa colocação, é necessário o estabelecimento de penas para os casos de infração das leis
que regulamentam as profissões.
No caso da Odontologia, o exercício ilegal é previsto no Código Penal Brasileiro,5 em seu artigo 282:
“Para cumprir suas responsabilidades com a sociedade e
sobreviver como profissão, a Odontologia necessita dos
“Art. 282 – Exercer, ainda que a título gratuito, a profissão
seguintes requisitos: honestidade, integridade, indepen-
de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização le-
dência profissional, alta qualidade de prestação de servi-
gal ou excedendo-lhe os limites.
ços, estudo continuado, expansão das pesquisas odontoló-
Pena – detenção, de seis meses a dois anos.
gicas, aplicação clínica das pesquisas e observação do
Parágrafo único – Se o crime é praticado com o fim de
código de ética.”
lucro, aplica-se também multa.”
O QUE É ATIVIDADE ILÍCITA
PROFISSIONAL EM ODONTOLOGIA?
Juntamente com a Lei nº 5.081,6 de 24 de agosto
de 1966, que regulamenta o exercício da profissão
odontológica, prevêem-se condutas e ações contra o
cirurgião-dentista brasileiro, que pode ser julgado em
duas esferas de responsabilidade: a administrativa e
a judicial (envolvendo ações penais e civis).16
Daruge, Massini14 (1978) declaram em seu trabalho os ensinamentos do consagrado civilista Washington de Barros Monteiro:
“A violação de um direito pode configurar ofensa à sociedade pelo dano pessoal e pelo dano material. No primeiro
caso, existe o delito penal, consistente na violação de uma
lei penal, o que induz responsabilidade penal; no segundo
caso existe o delito civil, consistente na violação de um direito subjetivo privado, o que induz responsabilidade civil.
Pode suceder ainda que o fato atentatório da lei penal viole
também um direito privado. Nesse caso, subsistirão concomitantemente as duas responsabilidades, a penal e a civil.”
Inicialmente, o direito a exercer uma determinada profissão é estabelecido pela Constituição da República Federativa do Brasil,3 proclamada em 1988 e
que estatui, em seu artigo 5º, inciso XIII:
“É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.”
14
Conforme cita Calvielli9 (1993), a proibição do
exercício das profissões da saúde por indivíduo sem
autorização para fazê-lo é das mais antigas nas legislações e acompanha, de certa forma, as etapas de
evolução pelas quais passaram essas profissões.
Segundo a autora, a infração do artigo 282 comporta duas modalidades, na primeira o sujeito ativo
pratica atos próprios de profissional, porém sem autorização legal; na segunda, embora capacitado legalmente, excede os limites da própria profissão.
Menezes19 (1990) discorre que, em se tratando de
um cirurgião-dentista, podemos enumerar as seguintes condições em que é considerado ilegal o exercício
da profissão:
1. Após ter concluído o curso sem, todavia, ter recebido o diploma.
2. Após ter recebido o diploma sem, contudo, proceder aos registros exigidos por lei.
3. Quando diplomado por escola estrangeira, exerce
a sua atividade profissional no Brasil sem, entretanto, proceder à revalidação do diploma e aos
registros que se fizerem necessários.
4. Tendo sido apenado com suspensão do exercício
profissional, continuar exercendo sua atividade
odontológica durante o período de suspensão.
5. Tendo se transferido para outro Estado sem providenciar, dentro do prazo de 90 dias, a transferência de sua inscrição para o Conselho Regional
sob cuja jurisdição passou a atuar.
6. Praticar intervenção fora da área de atuação de
competência do cirurgião-dentista.
De acordo com França17 (2004), o que se procura
Revista da ABENO • 7(1):13-9
O estudante de odontologia e a questão dos estágios • Silva RHA, Sales-Peres A, Almeida CT, Sales-Peres SHC
punir, pela sanção penal, no exercício ilegal, é possibilidade de a saúde pública ser ameaçada por pessoas
não-qualificadas e incompetentes, sendo suficiente
apenas o perigo para se configurar o crime, não exigindo a lei que venha a se consumar qualquer lesão
ou malefício.
Sendo assim, no que tange ao artigo 282 do Código Penal Brasileiro,5 a falta de autorização legal pode
ser configurada por algumas situações, tais como o
pessoal auxiliar em Odontologia atuando, no caso do
Técnico em Prótese Dentária (TPD), sem a prescrição, supervisão e fiscalização do cirurgião-dentista. E,
no caso de Técnico em Higiene Dental (THD) e Auxiliar de Consultório Dentário (ACD), sem a supervisão direta do cirurgião-dentista.
Também é importante ressaltar que o acadêmico
de Odontologia não pode praticar seu aprendizado,
a não ser em ambulatórios ou clínicas da faculdade,
e sempre sob a supervisão do pessoal docente.9
E, para finalizar os aspectos referentes ao artigo 282 do Código Penal Brasileiro, Calvielli8 (1997)
relata que, quanto à condição referida como “exceder
os limites da profissão”, essa só pode ser considerada
quando o farmacêutico ou o médico realizam atos
exclusivos da Odontologia, ou inversamente, quando
o cirurgião-dentista passa a realizar atos que são de
competência da Farmácia ou da Medicina.
Com referência, ainda, ao Código Penal Brasileiro, dois outros aspectos são enquadrados como atividade ilícita.19 Em primeiro lugar, o charlatanismo,
regido pelo artigo 283 do Código Penal Brasileiro:5
“Art. 283 – Inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou
infalível:
Pena – detenção de três meses a um ano, e multa.”
Graça Leite18 (1962) explana que inculcar é informar sobre alguma coisa, recomendar; anunciar é dar
notícia de, publicar. Sendo assim, se o profissional torna públicos, por qualquer meio de divulgação em massa ou através de pequenos grupos de conversa, tratamentos secretos ou infalíveis, estará incidindo em crime
de charlatanismo. Em suma, o autor expõe que:
viria favorecer a redução, senão a extinção, do terrível mal
do exercício charlatanesco da profissão.”
Segundo Menezes19 (1990), charlatão não é aquele que se aventura ao exercício de uma profissão de
saúde sem habilitação profissional, não é sinônimo
de empírico ou falso profissional, mas sim aquele que
usa de mentira, de falsidade, agindo de maneira inescrupulosa para enganar seus pacientes.
De acordo com Ferreira15 (1995), charlatão é o explorador da boa-fé do povo, ou ainda, o impostor ou
trapaceiro.
Exemplificando, o charlatanismo pode configurar-se pelas seguintes situações: diagnóstico falso ou
exagerado, realização de intervenções desnecessárias, garantia de cura, exploração mercantilista da
publicidade, dentre outras.19
O outro aspecto da atividade ilícita refere-se ao
curandeirismo, no artigo 284 do Código Penal Brasileiro:5
“Art. 284 – Exercer o curandeirismo:
I – Prescrevendo, administrando ou aplicando habitualmente qualquer substância.
II – Usando gestos, palavras ou qualquer outro meio.
III – Fazendo diagnósticos.
Pena: detenção de seis meses a dois anos.
Parágrafo único: se o crime é praticado mediante remuneração, o agente também fica sujeito a multa.”
Nesse caso, conforme Menezes19 (1990), o exercício da atividade odontológica é realizado por quem
não possui habilitação profissional. Trata-se do empírico ou falso dentista.
E, apenas para finalizar, além das normativas já
observadas, Bernaba2 (1979) cita em seu trabalho os
aspectos penais quanto ao exercício ilegal, a Lei das
Contravenções Penais, no que concerne à organização da atividade laborativa:
“Art. 47 – Exercer profissão ou atividade econômica ou
anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que
por lei está subordinado o seu exercício.
Pena: prisão simples, de quinze dias a três meses, ou
“O fator econômico, encontrando um terreno predisposto
multa.”
(fragilidade moral), determina, comumente, o surto de
uma doença profissional que se chama charlatanismo, de
profunda e desastrosa repercussão social. Por outro lado,
compete ao Estado, um dos maiores responsáveis pela crise que asfixia a Odontologia, criar novas condições de
trabalho e de assistência para o cirurgião-dentista, o que
ESTÁGIOS E ATIVIDADE ILÍCITA
PROFISSIONAL – UM TÊNUE LIMITE
Frente à questão dos estágios realizados por estudantes de Odontologia que buscam seu aperfeiçoamento profissional, Campos 10 (1986) afirma
Revista da ABENO • 7(1):13-9
15
O estudante de odontologia e a questão dos estágios • Silva RHA, Sales-Peres A, Almeida CT, Sales-Peres SHC
que tal situação é regida pelo Decreto nº 87.497,4
que regulamenta a Lei nº 6.494,7 de 07 de dezembro
de 1977:
“Art. 2º - Considera-se estágio curricular, para os efeitos
deste Decreto, as atividades de aprendizagem social, profissional e cultural, proporcionadas ao estudante pela participação em situações reais de vida e trabalho de seu meio,
sendo realizada na comunidade em geral ou junto a pessoas jurídicas de direito público ou privado, sob responsabilidade e coordenação de instituição de ensino.
Art. 3º - O estágio curricular, como procedimento didáticopedagógico, é atividade de competência da instituição de
ensino a quem cabe a decisão sobre a matéria, e dele participam pessoas jurídicas de direito público e privado,
oferecendo oportunidade e campos de estágio, outras formas de ajuda, e colaborando no processo educativo.”
ATENDIMENTO EM CLÍNICAS
PARTICULARES POR ACADÊMICOS
VERSUS ESTÁGIOS EM CLÍNICAS
PARTICULARES
Nobre22 (2002) salienta, em seu artigo sobre o
2º Fórum Nacional de Fiscalização do Exercício Profissional da Odontologia, ocorrido no mês de maio
de 2002, uma atuação firme dos Conselhos Regionais
sobre os acadêmicos que atuam ilegalmente.
O atendimento a pacientes pelos estudantes em
clínicas particulares, mesmo que gratuitamente, não
é permitido, tendo em vista o fato de não possuírem
habilitação legal.
Samico26 (1990) salienta que, se se praticar a
Odontologia ainda como acadêmico, estar-se-á cometendo o ilícito penal de exercício ilegal da profissão
de dentista.
Nesse sentido, analisando ambas as situações, é
possível perceber que elas se opõem, haja vista que,
conforme defende Samico26 (1990), no decorrer do
curso de graduação, no ciclo profissional, o estudante é submetido a treinamento prático no vivo, que
somente pode ser feito sob a supervisão de professores, sendo o exercício de tais atividades nas clínicas
das faculdades, em hospitais universitários ou hospitais-escola lícito e obrigatório.
A prática de “estágio” em clínicas particulares
pode ser verificada através de estudo de Silva27 (2005)
em que observa, analisando acadêmicos (n = 106)
cursando o último mês de graduação em Odontologia
no município de Bauru-SP, que 8,49% dos sujeitos da
16
pesquisa alegam ter realizado tal prática no transcorrer do curso.
Porém, Samico26 (1990) ainda relata que, a partir
do momento que o estudante começa a lidar com
pacientes, é necessário que esteja dominando a técnica odontológica para cada caso específico e também já tenha uma razoável formação ética, o que lhe
permite agir sempre com maior acerto.
Abrindo um espaço, pois a questão ética se faz
muito presente nesse tópico, Chaves11 (2000) apresenta quatro componentes no processo de julgamento moral que devem estar presentes desde o início da
prática clínica pelos acadêmicos de Odontologia:
I)Interpretar a situação (para agir eticamente, primeiramente se deve reconhecer que a situação
a ser confrontada tem uma dimensão moral ou
ética, em que qualquer coisa que se faça pode
afetar, direta ou indiretamente, o bem-estar de
outros).
II)Interpretar o curso da ação com base em um
ideal moral (é necessária uma estratégia para
determinar o melhor curso da ação, levando-se
em consideração as necessidades de todos os indivíduos envolvidos, incluindo-se as do profissional, bem como suas expectativas, compromissos
prévios ou práticas institucionais).
III)Decidir quais os valores mais importantes (resolver dilemas éticos envolve distinguir entre valores que competem – moral e imoral – e compromissos individuais frente aos valores morais).
IV)Executar e implementar um curso de ação pretendido (perseverança, competência e caráter
são importantes elementos dentro deste componente).
Conforme Rosenblum24 (2001), a competência
mais importante na Odontologia, nos negócios e na
vida é a Ética, pois proporciona uma linguagem comum que permite aos seres humanos interagirem
com entendimento mútuo.
Entretanto, a Ética é preocupante frente à questão
de estágios, pois como relatam Morris, Sherlock20
(1971), em pesquisa realizada com 270 estudantes de
Odontologia de três faculdades na Califórnia, Estados
Unidos, a Ética profissional declina firmemente enquanto o cinismo aumenta, especialmente durante
anos de ensinamento clínico.
E, na opinião de Nash21 (1994), o conhecimento
é poder, e as profissões historicamente reconhecidas
do Direito, da Medicina (incluindo a Odontologia
como uma especialidade da medicina) e o Clero são
grupos que retêm poder sobre outros e suas necessi-
Revista da ABENO • 7(1):13-9
O estudante de odontologia e a questão dos estágios • Silva RHA, Sales-Peres A, Almeida CT, Sales-Peres SHC
dades humanas básicas.
Retornando, portanto, às questões legais do estágio de estudantes, Rosenthal25 (2001) apresenta que
o mesmo é definido pelo Decreto nº 87.497,4 de 18 de
agosto de 1982, que regulamenta a Lei nº 6.494,7 de
7 de dezembro de 1977 e a Decisão CFO 25/84,12
como estágio curricular, procedimento didático-pedagógico, de competência das instituições de ensino,
as quais podem recorrer a serviços de integração entre instituições públicas ou privadas, entre o sistema
de ensino e os setores de produção, serviços, comunidade e governo, mediante convênios devidamente
acordados em instrumentos jurídicos.
Calvielli9 (1993) salienta que a questão relativa aos
estágios, e não só aos da Odontologia, é delicada, na
medida em que se reconhece o desejo de aperfeiçoamento, natural nos jovens que pretendem melhorar
o seu desempenho escolar, e ao mesmo tempo é necessário que redobrados cuidados sejam tomados
para que a saúde do paciente não venha a sofrer danos.
O Decreto nº 87.497,4 de 18 de agosto de 1982, que
regulamenta a Lei nº 6.494,7 de 7 de dezembro de 1977,
apresenta alguns pontos interessantes de serem citados
para esclarecer a questão dos estágios:
“Art. 2º – Consideram-se estágio curricular, para os efeitos
deste Decreto, as atividades de aprendizagem social, profissional e cultural, proporcionadas ao estudante pela participação em situações reais de vida e trabalho em seu meio,
realizadas na comunidade em geral ou junto a pessoas
jurídicas de direito público ou privado, sob responsabilidade e coordenação de instituições de ensino.
d)sistemática de organização, orientação, supervisão e
avaliação de estágio curricular.
Art. 5º – Para caracterização e definição do estágio curricular é necessária, entre a instituição de ensino e pessoas
jurídicas de direito público e privado, a existência de instrumento jurídico, periodicamente reexaminado, no qual
estarão acordadas todas as condições de realização daquele estágio, inclusive transferência de recursos à instituição
de ensino, quando for o caso.”
Na Decisão CFO – 25/8412 é possível observar a
preocupação do Conselho Federal de Odontologia
acerca do estágio estudantil:
“O Presidente do Conselho Federal de Odontologia, cumprindo deliberação da Diretoria, em sua reunião ordinária,
realizada no dia 26 de agosto de 1984;
(...)
Considerando que o exercício da Odontologia por pessoa
sem habilitação legal configura ilícito capitulado no Código Penal;
(...)
Considerando que é infração ética de manifesta gravidade
acobertar ou ensejar o exercício ilegal da profissão e exercer
a atividade odontológica em entidade ilegal ou irregular;
(...)
Considerando que, trabalhando desvinculado da Faculdade, o estudante estará na ilegalidade, não recebendo
orientação, acompanhamento, supervisão e avaliação de
estágio;
DECIDE:
Art. 3º – O estágio curricular, como procedimento didático-pedagógico, é atividade de competência da instituição
de ensino a quem cabe decisão sobre a matéria, e dele
Art. 1º – É lícito o trabalho de estudante de Odontologia,
obedecida a legislação de ensino e, como estagiário, quando observados, integralmente, os dispositivos constantes
participam pessoas jurídicas de direito público e privado,
na Lei nº 6.494,7 de 7 de dezembro de 1977, no Decreto
oferecendo oportunidade e campos de estágio, outras for-
nº 87.497,4 de 18 de agosto de 1982, e nestas normas.
mas de ajuda, e colaborando no processo educativo.
Art. 2º – O exercício de atividades odontológicas por parArt. 4º – As instituições de ensino regularão a matéria con-
te de estudantes de Odontologia, em desacordo com as
tida neste Decreto e disporão sobre:
disposições referidas no artigo anterior, configura exercí-
a)inserção do estágio curricular na programação didático-
cio ilegal da Odontologia, sendo passíveis de implicações
éticas os cirurgiões-dentistas que permitirem ou tolerarem
pedagógica;
b)carga horária, duração e jornada de estágio curricular,
tais situações.
que não poderá ser inferior a um semestre letivo;
c)condições imprescindíveis para caracterização e defini-
Art. 6º – Somente poderá exercer atividade, como estagi-
ção dos campos de estágios curriculares, referidas nos
ário, o aluno que esteja apto a praticar os atos a serem
parágrafos 1º e 2º, do Artigo 1º, da Lei nº 6.494, de 7
executados, e, no mínimo, cursando regularmente o 5º
de dezembro de 1977;
semestre letivo de curso de Odontologia.
7
Revista da ABENO • 7(1):13-9
17
O estudante de odontologia e a questão dos estágios • Silva RHA, Sales-Peres A, Almeida CT, Sales-Peres SHC
Art. 7º – A delegação de tarefas ao estagiário somente poderá ser levada a efeito através do responsável pelo estágio
perante a instituição de ensino.
Art. 8º – Para efeito de controle e fiscalização do exercício
profissional com referência aos estagiários de Odontologia, as instituições de ensino deverão comunicar, ao Conselho Regional da jurisdição, os nomes dos alunos aptos a
estagiarem, de conformidade com estas normas.”
A Resolução CFO-185/9313 também dedica um
espaço à questão do estágio estudantil:
“Art. 28 – É lícito o trabalho de estudante de Odontologia,
obedecida a legislação de ensino e, como estagiário, quando observados, integralmente, os dispositivos constantes
na Lei 6.494,7 de 07 de dezembro de 1977, no Decre-
seus alunos, tanto nas atividades internas quanto no
seu comportamento profissional nas atividades extracurriculares.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É possível observar que a questão referente aos
estágios em Odontologia necessita de um posicionamento firme das instituições de ensino, bem como
dos profissionais, para que possamos, dessa forma,
engrandecer cada vez mais a profissão odontológica
e zelar pela sua honra, permitindo o acesso da população a serviços confiáveis e de qualidade.
Torna-se necessária uma correta orientação do
aluno, por parte dos docentes das instituições de ensino odontológico, através da abordagem do assunto
em sala de aula, tanto nas matérias básicas quanto nas
profissionalizantes.
to 87.497,4 de 18 de agosto de 1982, e nestas normas.
Art. 29 – O exercício de atividades odontológicas por parte de estudantes de Odontologia, em desacordo com as
disposições referidas no artigo anterior, configura exercício ilegal da Odontologia, sendo passíveis de implicações
éticas os cirurgiões-dentistas que permitirem ou tolerarem
tais situações.”
SOBRE A FISCALIZAÇÃO
Daruge, Massini14 (1978) observam que, frente à
Deontologia específica da profissão odontológica, os
Conselhos funcionam como verdadeiros tribunais,
responsáveis por disciplinar a classe, competindo-lhes
entre outras prerrogativas a de aplicar penalidades
aos cirurgiões-dentistas faltosos.
Nobre22 (2002), em acordo com os autores acima,
salienta que, da mesma forma que a evolução da
Odontologia vem sendo impulsionada pelos avanços
técnico-científicos e tecnológicos, o amadurecimento
de sua fiscalização profissional está relacionado, de
uma forma geral, ao próprio amadurecimento da democracia nacional e da categoria odontológica como
segmento político organizado.
Porém, os Conselhos Regionais foram instituídos
para defender a sociedade dos maus profissionais,
apenas dispondo, para tal missão, de mecanismos legais, pois não têm poder para apreender instrumental, fechar consultórios clandestinos ou efetuar prisões, cabendo essas tarefas à Vigilância Sanitária e à
Força Policial.1
Sendo assim, torna-se de extrema importância o
despertar das instituições de ensino na orientação de
18
ABSTRACT
The dental student and the internship issue
The relationship between Dentistry and Law is
known by few and considered unimportant both by
students and by professionals. The aim of this article
was to broach the subject of the unlawful practice of
Dentistry and to reflect about this issue regarding the
internship periods of dental students. The matter of
dental internships is regulated by Decree n. 87,497,4
which regulated Law n. 6,494,7 of December 7, 1977.
The matter is also regulated by Decision n. 25/8412
issued by the Federal Council of Dentistry (CFO). It
is important to point out that the educational institutions are entirely responsible for their curricular internship period, a pedagogical and didactic procedure. Interactions are allowed in the form of
agreements between the institutions and the different
sectors of society. We stress, however, the importance
of inspecting the dental practice in these programs
in order to protect the honor of the profession.
DESCRIPTORS
Students, dental. Clinical clerkship. Forensic dentistry. §
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Revista da ABENO • 7(1):13-9
Aceito para publicação em 18/05/2006
19
Conhecimento e aprendizagem –
a atualidade de Paulo Freire†
Uma abordagem sobre o pensamento de Paulo Freire em relação ao
conhecimento e à aprendizagem.
Pedro Demo*
*Professor Titular do Departamento de Sociologia da Universidade
de Brasília.
RESUMO
Este texto buscou desenhar alguns traços da polêmica em torno do conhecimento e da aprendizagem, com o objetivo de ressaltar seu sentido reconstrutivo político e com isto recuperar a tradição mais
consolidada de Paulo Freire, em termos do sentido
emancipatório de sua proposta: desfazer a condição
de massa de manobra vivida pela grande maioria da
população por causa de sua ignorância. O autor,
apoiado na literatura relevante da área da educação
e na análise que faz desta, discute o que é o conhecimento e os métodos e recursos de transmissão deste,
condenando a didática reprodutiva instrucionista.
Afirma que as medidas principais da aprendizagem
devem ser o saber pensar e o aprender a aprender,
que farão da escola o centro da mudança que levará
a sociedade à era do conhecimento. Pondera ainda
que não é tarefa fácil colocar as energias decisivas do
conhecimento a serviço dos excluídos, mas que essa
é a função principal da educação de teor político.
Conclui que a pobreza política é fenômeno ainda
mais grave do que a carência material, pois revela as
entranhas da contradição dialética na história concreta, feita de minorias privilegiadas que exploram
maiorias ignorantes.
DESCRITORES
Educação. Aprendizagem. Ensino. Conhecimento.
Q
uando hoje se fala, cada vez mais, de que o centro da pobreza é menos carência material do que
exclusão de cariz político, colocando na berlinda o
que estamos chamando de “pobreza política”, esquecemos facilmente que esta sempre foi a tese central
da “pedagogia do oprimido” e da “pedagogia da esperança”. Apesar de apostar na potencialidade emancipatória da educação, nunca relegou o lado crítico,
pois na contraluz do conhecimento sempre se arrasta
a ignorância. Pobreza política é sobretudo o cultivo
da ignorância, feito não pelos assim ditos analfabetos,
mas pelos que tiveram a chance de freqüentar espaços
mais privilegiados da educação formal.
Para realizar esta caminhada breve, vamos, primeiro, analisar o reconhecimento confluente da marca
reconstrutiva do conhecimento e da aprendizagem,
para, em seguida, caracterizar a educação como estratégia central do combate à pobreza política. Afinal,
ler a realidade não inclui apenas a capacidade formal
do manejo do conhecimento, mas sobretudo a habilidade de nela intervir como sujeito capaz de história
própria.
CARIZ RECONSTRUTIVO DO
CONHECIMENTO E DA APRENDIZAGEM
Piaget tinha muita razão
Apesar de todas as críticas que Piaget possa merecer, sobretudo a de excessivo estruturalismo, certo
positivismo, exagerada confiança construtiva e cognitivismo extremado, não se pode retirar o mérito de
que sua tese construtivista está cada vez mais vitoriosa.18 Com o tempo mudam as teorias, também as piagetianas, porque a pesquisa continua e o questionamento se encarrega de torná-las todas provisórias. Sua
ânsia de descobrir leis universais, válidas para qual-
†Adaptação do texto publicado no livro: Torres AC, compilador. Paulo Freire y la agenda de la educación latinoamericana en el siglo
XXI. Buenos Aires: CLACSO; 2001. p. 295-322.
20
Revista da ABENO • 7(1):20-37
Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire • Demo P
quer circunstância, como a da equilibração construtiva, lhe valeu sempre a suspeita de estruturalismo,
sobretudo após a crítica pós-moderna do conhecimento que abomina, entre outras coisas, tiradas transcendentais. Por sua origem biológica, cultivou fortemente os ideais da pesquisa estritamente controlada,
buscando colocar à luz somente o que teria base suficiente. Embora nisso não haja qualquer defeito para
pesquisador talentoso e honesto, surge naturalmente
a suspeita de desprestígio das ciências sociais, mais
afeitas a métodos qualitativos. Talvez seja o caso apontar que as idéias construtivistas tendem a obscurecer
o pano de fundo hermenêutico da aprendizagem, à
medida que descortina poder excessivo de criação.
Na prática, aprendemos do que já tínhamos aprendido e conhecemos a partir do que já conhecíamos. Por
isso mesmo, não usamos a terminologia construtivista e ficamos apenas com a idéia reconstrutiva. Por
fim, em sua época não se dava importância maior à
emoção, o que pode transmitir a idéia encurtada de
que aprendizagem se reduz à cognição. Na prática,
porém, é pouco útil inventar dicotomias piagetianas,
em particular contra Vygotsky, porque certamente
Piaget foi autor suficientemente inteligente para reconhecer, dentre outras coisas e na própria lei da
equilibração, que o novo não sai do nada, mas de
condições anteriores culturalmente plantadas.
Certamente, hoje vemos um pouco mais longe,
sobretudo reconhecemos que essa marca reconstrutiva, além de sua base biológica cada vez mais ressaltada, é sobretudo política, porque se trata da formação do sujeito autônomo. A aprendizagem é jogo de
sujeitos, troca bilateral de teor dialético, contraponto
entre conhecimento e ignorância, autonomia e coerção. Oferece campo de potencialidades, oportunidades que se abrem se o sujeito souber conquistar e a
história lhe for complacente em termos de condicionamentos positivos. Oportunidades dependem das
circunstâncias e sobretudo da iniciativa do sujeito.
Podem também ser obstaculizadas, até mesmo destruídas. Paulo Freire não foi um pesquisador como
Piaget, mas viu essa parte melhor, porque, como diria
Harding21 (1998) sobre a localização cultural do conhecimento, postou-se no ponto de vista do marginalizado, donde se pode descortinar o cenário com
amplidão maior e possivelmente mais correta.2
Todavia, apesar de todos esses resultados, continuamos profundamente instrucionistas em nossa
educação formal, como podemos observar nas escolas e universidades, que continuam reproduzindo
conhecimento com a maior tranqüilidade. Ainda
acreditamos que o fator mais central da aprendizagem é a freqüência às aulas, tanto que na Lei de
Diretrizes e Bases (LDB) se tornou ordem expressa
os 200 dias de aula por ano.13 Não se preocupou
propriamente com a reconstrução do conhecimento
e com a aprendizagem de teor político, mas com a
absorção reprodutiva, permanecendo, na prática,
uma lei do ensino, não da aprendizagem. Esse debate, porém, é candente em outros países mais avançados, onde se toma a sério, em particular na escola
pública, que é mister refazer a educação a partir da
sala de aula, sobretudo da aprendizagem do aluno.
Kerchner et al.23 (1997), reportando-se à sociedade
do conhecimento nos Estados Unidos, falam enfaticamente desse repto, em particular para os sindicatos. Referindo-se ao papel dos sindicatos dos professores públicos, aventam que
“(...) a barganha coletiva legitimou os interesses econômicos dos professores, mas nunca os reconheceu como peritos em aprendizagem; a idéia de trabalhadores do conhecimento, que criam, sintetizam e interpretam informação,
domina a literatura em postos modernos de trabalho, mas
o ensino ainda está organizado em torno dos pressupostos
da era industrial, que via os professores essencialmente
como trabalhadores manuais, derramando currículo em
mentes passivas(...)”.23
Parece claro que os professores não estão sabendo
acompanhar as mudanças centrais da sociedade intensiva de conhecimento, que dirá postar-se à frente
dela. Falam, por isso, de “trabalhadores unidos da
mente” (“united mind workers”), para indicar a importância desse segmento social dos trabalhadores
que lidam com o conhecimento.
Torna-se relevante organizar a educação a partir
da sala de aula, ou da necessidade de aprendizagem
dos alunos, colocando padrões diferentes da hierarquia industrial. O projeto pedagógico encontra aí seu
ponto de partida e sua chegada, real razão de ser. Se
o fenômeno da aprendizagem dos alunos, que depende em grande parte da aprendizagem dos professores,
não ocorrer na qualidade esperada e pleiteada, nada
ocorreu de importante na escola, mesmo que funcione gerencialmente bem, tenha todos os instrumentos
didáticos, inclusive computadores e parabólica. A medida principal da aprendizagem não poderia ser a
freqüência às aulas, como ainda imaginam sistemas
eivadamente instrucionistas, mas o saber pensar e o
aprender a aprender, que processos avaliativos severos e criticamente profundos deveriam saber resguar-
Revista da ABENO • 7(1):20-37
21
Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire • Demo P
dar. O sindicato precisa mudar de desafio: passar da
mentalidade de ocupação, para a visão de transformação. Ocupar a escola pública já não basta, mesmo
que seja em nome do projeto essencial de preservar
o espaço público gratuito. Encontramo-nos hoje perplexos com a dificuldade extrema de mudar a escola
pública.
“Estamos argumentando que a tarefa do sindicato está não
simplesmente em sustentar a instituição existente através
de políticas de proteção ou de relações públicas destinadas
a criar confiança, mas em construir sucessora para a educação da era industrial(...)”.23
Será mister construir instituição a partir da sala
de aula, tendo em vista a sociedade do conhecimento,
para fazer da escola centro da mudança. Sua função
principal será reorganizar a aprendizagem: o que é
aprender, quem é capaz de aprender e qual a responsabilidade dos professores em criar aprendizagem.
“A nova economia do tardio século XX é mais exigente e
menos complacente que a anterior. Não cria bons empregos para os desqualificados – na prática há árduo debate
sobre se está criando empregos suficientes para os qualificados e educados – mas está claro que o prêmio posto
sobre o desempenho educativo está crescendo. Mais que
mais longo e outros talvez em período nenhum. A lógica
do período de seis ou sete dias, com aulas de 50 minutos
e trinta alunos por classe, desaparece. Do mesmo modo
ocorre com a autoridade existente e as estruturas de responsabilidade. Quando as estruturas básicas da escola não
garantem os padrões de que precisamos, tudo o mais não
interessa, inclusive as regras do sindicato.”23
A escola que tem como didática central a aula
expositiva de teor reprodutivo está condenada a desaparecer como resquício de era que já passou. A nova
sociedade precisa aprender, não copiar, como diria
enfaticamente Tapscott, referindo-se à geração digital. Ofertas de estilo instrucional nada lhe acrescentam. E se a escola falhar, essa nova geração digital
tomará a dianteira e decretará o sepultamento desse
tipo de escola.
Embora os autores, por vezes, deixem a impressão de certo cognitivismo, acentuam sempre o compromisso com a aprendizagem e reconhecem que
repensar o trabalho de ensinar é a mudança mais
dura de todas, pois ensinar se torna mais complexo
(menos rotina; confronto com comportamentos novos; mais personalizado; mais papéis interdisciplinares); ensinar se torna menos isolado; ensinar se torna explicitamente conectado com a geração de
conhecimento:
isso, a dependência da economia sobre recursos humanos
educados está também crescendo.”23
“Trabalho pós-industrial é vastamente definido ‘em ter-
Os autores destacam o lado dúbio dessa revolução:
para inserir-se nessa economia, educar-se melhor é
termo-chave, talvez o termo mais chave; entretanto,
a melhoria da educação eleva constantemente os padrões de exigência, dentro da lógica da mais-valia
relativa; o que poderia ser nova chance para o ser
humano reverte-se no capitalismo em fator a mais de
exclusão, que passa a abarcar não apenas os desqualificados, mas igualmente os qualificados. Urgem mudanças profundas:
mos de coletar informação, resolver problemas e de produzir idéias criativas’. Para ensinar, o trabalho pós-industrial significa fazer relação explícita entre o que os
professores fazem e a criação de conhecimento. O papel
aumentado da pesquisa e desenvolvimento e das instituições universitárias é explicitamente reconhecido como
parte da revolução da era do conhecimento, mas o papel
da escola elementar e secundária é menos reconhecido.
Todavia, se ensinar é a criação de construções cognitivas
nos estudantes – trabalho mental – é explicitamente criação de conhecimento, tanto quanto o trabalho de um físico teórico (...) Reconhecer que ensinar cria conhecimen-
“Para criar as reformas que necessitamos na virada do sé-
to tem três importantes implicações para o professor
culo XXI, o trabalho dos professores mudará de modo
sindicalizado. Primeiro, requer que os professores cons-
significativo. A fim de saltar das atuais aulas para a apren-
cientemente se tornem parte da organização de aprendi-
dizagem processualmente diagnosticada, os professores
zagem. Segundo, requer que estejam às voltas com ques-
precisam de muito mais informação sobre a aprendizagem
tões de produtividade. Terceiro, requer que recriem o
do aluno e sobre caminhos que gestam respostas úteis.
ensino como trabalho de conhecimento.”23
Como as escolas que tentaram mudar seu ensino bem sabem, as práticas de alocação convencional de recursos
rapidamente se tornam insatisfatórias diante de novas expectativas. Professores precisam de tempo. Precisam de
flexibilidade para ensinar a alguns estudantes por período
22
O realce dado à face da produtividade refere-se
ao ambiente tipicamente norte-americano dos autores, sem falar que a crise da economia intensiva de
conhecimento é ainda pouco visualizada. Para eles,
Revista da ABENO • 7(1):20-37
Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire • Demo P
na sociedade do conhecimento, a produtividade
avançou em três caminhos: invenção (desenvolvimento de idéias e processos criativos), exploração
(adaptação de conhecimento gerado em outro lugar), aperfeiçoamento contínuo, criando mudança a
partir de dentro. Segue que é mister “recriar ensino
como trabalho que cria conhecimento.”23 Torna-se
briga inútil postar-se sempre contra avaliação:
“Enquanto existe muito de errado com os atuais testes, e
os sindicatos precisam postar-se como vanguarda para os
corrigir, uma política rasa de oposição coloca os professores organizados no lado errado da história.”23
O adequado desenvolvimento profissional supõe
processos honestos de avaliação e recapacitação, bem
como aprimoramento do desempenho profissional.
Ao final das contas, precisamos nos organizar para a
era do conhecimento, e isso significa concretamente
organizar a educação para a era do conhecimento.
Debate sobre a mente incorporada
Parte do debate se prende à polêmica própria da
Inteligência Artificial e do cognitivismo da primeira
geração, que propugnam ser conhecimento nada
mais que a representação da realidade através de símbolos heurísticos. A mente espelha a realidade assim
como ela é, supondo-se coincidência não-problemática. De certa maneira, continua a visão aristotélica
da realidade externa que se impõe, permanecendo a
mente como espécie de receptor mais ou menos passivo. Rorty31 (1994) contraditou fortemente essa tese,
ao tentar mostrar que, tendo em vista sermos seres
interpretativos, a realidade não entra simplesmente
na mente, mas é interpretada, ou seja, entra de acordo com os parâmetros da mente. Alguns autores são
mais deterministas, como Maturana, Varela26 (1994)
que, assumindo a epistemologia do ponto de vista do
observador e a condição do ser vivo de máquina já
formatada, assinalam que a mente “constrói” a realidade externa, partindo de dentro para fora, mas sempre de maneira determinada.
A tese da construção da realidade foi muito ressaltada por Searle34 (1998), que manteve forte polêmica com os representacionistas, bem analisada por
Sfez35 (1994), em sua obra de crítica da comunicação.13,35 Searle34 (1998) tem consciência clara de que
essa tese pode ser exagerada, como assevera Harding21 (1998), que evita deliberadamente o uso do
termo construtivismo.34 Uma proposta equilibrada,
ainda que surpreendente por outros motivos, é a de
Varela et al.38 (1997), com sua teoria da enação, na
qual defendem um interacionismo mútuo entre mente e realidade, com base também em epistemologias
orientais budistas.36,37 Referindo-se às novas ciências
da mente, advertem que precisam incorporar “a experiência humana vivida e as possibilidades de transformação que são inerentes à experiência humana”;
a experiência do dia-a-dia também precisa alargar seu
horizonte tomando em conta as ciências da mente;
trata-se de analisar essa “circulação entre as ciências
da mente (ciência cognitiva) e a experiência humana”.38 O ponto de partida é a circularidade fundamental: estamos num mundo que parece estar lá antes que
a reflexão começa, mas o mundo não é separado de
nós. Não existe o observador dotado de olho descorporificado olhando objetivamente para o jogo dos
fenômenos, como queria a Física do século XIX.
À idéia errada de cognição como “representação
mental” apresentam-se alternativas como a emergência,9,22 que aposta no conexionismo:
“muitas tarefas cognitivas parecem poder ser manejadas melhor por sistemas feitos de muitos componentes simples, que,
quando conectados por regras apropriadas, geram comportamento global correspondendo à tarefa desejada”.38
O processamento simbólico de estilo representativo é localizado, usando apenas a forma física dos
símbolos, não seu significado. Rebate três suposições
do representacionismo:
a)habitamos o mundo com propriedades particulares,
tais como comprimento, cor, movimento, som etc.;
b)apanhamos ou recuperamos tais propriedades representando-as internamente;
c)existe um “nós” separado que faz essas coisas. Oferece a proposta da posição enativa:
“cognição não é a representação de mundo pré-dado por
mente pré-dada, mas antes é o enativamento de um mundo e de uma mente na base de uma história da variedade
de ações que o ser humano exerce no mundo”.38
Essa circularidade é necessidade epistemológica
para a visão enativa, pois somos animais auto-interpretativos. Nosso auto-entendimento pressupõe noções como crença, desejo, conhecimento, mas que
não as pode explicar, advindo a tensão entre ciência
e experiência.
Afasta o realismo ingênuo, segundo o qual as coisas
são como aparecem. Na proposta budista da “mindfulness/awareness” (consciência plena), os meditadores
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descobrem que mente e corpo não estão coordenados,
como sucede quando estamos corporalmente presentes em algum lugar (num anfiteatro escutando um
conferencista), mas com a mente longe daí (pensando,
por exemplo, em algo que nos preocupa).
“Estamos sugerindo mudança na natureza da reflexão de
uma atividade abstrata, descorporificada para outra reflexão corporificada (consciente), aberta (“open-ended”)
(...) Por ‘corporificado’, significamos reflexão na qual corpo e mente são trazidos juntos. O que essa formulação
pretende expressar é que a reflexão não se dá sobre a experiência, mas que a reflexão é uma forma de experiência – e que a forma reflexiva de experiência pode ser feita
com presença consciente (“mindfulness/awareness”)”.38
Podemos coordenar mente e corpo, dentro da
idéia do esforço sem esforço, deixando as coisas acontecerem. Na hipótese cognitivista clássica, mente aparece tendencialmente como cálculo lógico:
“a intuição central por trás do cognitivismo é que inteligência – incluída também a humana – assemelha-se de tal modo
à computação que cognição pode atualmente ser definida
como computações de representações simbólicas”.
Mas
As vantagens das “teorias conexionistas” podem
ser vistas em explicar melhor certas capacidades cognitivas: reconhecimento rápido, memória associativa
e generalização categorial. O entusiasmo por elas se
explica:
a)a Inteligência Artificial e neurociência não alcançaram grandes resultados;
b)estão mais próximas da Biologia;
c)retornam a certas marcas behavioristas que driblam
o excesso de teorização, ainda que o behaviorismo
não seja proposta científica em si sustentável;
d)os modelos são suficientemente gerais para serem
aplicados, com pequenas modificações, a vários
âmbitos. Nessa visão poderíamos nos dar conta
da emergência de estados globais numa rede de
componentes simples; funciona através de regras
para operação individual e regras para mudança
no emaranhado conectivo dos elementos; símbolo
não é mais central, pois “os itens significativos não
são símbolos, mas os padrões complexos de atividade entre as numerosas unidades que perfazem
a rede”;38 símbolos são físicos e significativos, não
podem ser reduzidos ao físico como faz o computador. À pergunta como é que os símbolos adquirem significado, tenta responder:
“Na abordagem conexionista, o significado não está localizado em símbolos particulares; é função do estado
“é controversa a pretensão cognitivista de que o único modo
global do sistema e está ligado ao desempenho generali-
para chegar à inteligência e à intencionalidade é manejar a
zado em certo domínio, como reconhecimento e apren-
hipótese de que cognição consiste em agir na base de repre-
dizagem. Tendo em vista que esse estado global emerge
sentações que são fisicamente realizadas na forma de um
da rede de unidades que são arquitetadas com maior fi-
código simbólico no cérebro ou na máquina”.38
neza que os símbolos, alguns pesquisadores se referem
ao conexionismo como o ‘paradigma subsimbólico’. Ar-
Entretanto, “embora o nível simbólico seja fisicamente realizado, não pode ser reduzido ao nível físico.”38 As duas deficiências principais do cognitivismo
seriam: assumir que o processamento da informação
simbólica esteja baseado em regras seqüenciais; e não
perceber que esse procedimento é localizado. Nas
abordagens mais novas,
“as teorias e modelos já não começam com descrições simbólicas abstratas, mas com exército inteiro de componentes semelhantes aos neurônios, simples, não inteligentes,
que, se conectados apropriadamente, detêm propriedades
globais interessantes. Tais propriedades globais incorporam e expressam as capacidades cognitivas que estão sendo
procuradas (...). A passagem de regras locais para coerência global é o cerne do que costumou se chamar auto-organização durante os anos cibernéticos (...). Uma rede dá
origem a novas propriedades”.38
24
gumentam que os princípios formais do conhecimento
jazem nesse terreno subsimbólico, um nível acima e mais
próximo do biológico do que do nível simbólico do cognitivismo. No nível subsimbólico, as descrições cognitivas
são construídas de constituintes que em nível mais elevado seriam os símbolos discretos. O significado, porém,
não está nesses constituintes em si; está nos padrões complexos de atividade que emergem das interações de muitos desses constituintes.”38
O sistema se assemelharia a colcha de retalhos de
sub-redes armadas por processo complexo de arranjos, mais do que o sistema que resulta de desenho
limpo e unificado; a mente surge de uma espécie de
sociedade e não é entidade unificada, homogênea,
nem mesmo coleção de unidades; antes, é coleção
desunificada, heterogênea de redes de processos. Se
não temos “self”, como é que existe coerência em
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nossas vidas? Recorre, então, à “emergência codependente”, ou seja, à idéia, familiar no contexto das sociedades da mente, de propriedades transitórias, embora recorrentes, de elementos agregados, como
seria a “samsara”: roda perpetuamente girando, tocada por causação implacável e pervadida pela insatisfação; estamos familiarizados com a idéia de que coerência e desenvolvimento no tempo não precisam
envolver qualquer substância subjacente – formas
transitórias que nelas mesmas não possuem substância. Quando fazemos análise básica de elementos, não
supomos que exista substância ontológica neles. Assim, uma coisa é a falta de “ego-self”, outra é a ânsia
por um “ego-self”. De certa forma, retoma Nietszche:
estamos condenados a crer numa coisa que não pode
ser verdadeira.
No fundo, é problema da ansiedade cartesiana,
que não reconhece serem as representações também
construídas. A percepção precisa ser entendida como
processo ativo de formação de hipótese, não como
simples espelhamento de ambiente pré-dado. Porquanto, as atividades principais do cérebro são de
fazer mudanças em si mesmos – é mister “deixar a
idéia de que o mundo é independente e extrínseco
e assumir que é inseparável da estrutura dos processos
de automodificação”,38 dentro do que chama de “fechamento operacional”.
“Um sistema que tem fechamento operacional é aquele
no qual os resultados de seus processos são esses processos mesmos. A noção de fechamento operacional é, assim,
modo de especificar classes de processos que, em sua
própria operação, voltam sobre si mesmos para formar
redes autônomas. Tais redes não caem na classe de sistemas definidos por mecanismos externos de controle (heteronomia), mas antes na classe de sistemas definidos por
mecanismos internos de auto-organização (autonomia).
O ponto-chave é que tais sistemas não operam por representação. Em vez de representar mundo independente,
eles enativam mundo como campo de distinções que é
inseparável da estrutura incorporificada pelo sistema
cognitivo.”38
Será fundamental superar a ansiedade cartesiana
da certeza final — “esse sentimento de ansiedade
emerge da ânsia por um fundamento absoluto”.38 Todos os fenômenos são livres de fundamento absoluto — “groundlessness”; essa falta de fundamento é a
própria condição para o mundo ricamente tecido e
independente da experiência humana.
Parte, então, para definir o que seria enação como
conhecimento incorporado. Designa suposições er-
rôneas as que tomam o conhecimento como tática
linear de resolver problemas, e que deve, para ser
exitoso, respeitar os elementos, as propriedades e
relações entre regiões pré-dadas. Essa visão é pouco
produtiva para níveis menos circunscritos e menos
bem definidos, onde seja mister dar conta da ambigüidade imanejável do senso comum por trás.
“Para recuperar o senso comum, é mister inverter a atitude representacionista tratando o saber comum não
como artefato residual que pode progressivamente ser
eliminado pela descoberta de regras mais sofisticadas,
mas, ao contrário, como a verdadeira essência da cognição criativa.”38
Daí a importância da hermenêutica, capaz de dar
conta do fenômeno da interpretação, entendido
como a enativação ou gestação de significado a partir
de um “background” da compreensão — conhecimento depende de estar no mundo que é inseparável
de nossos corpos, nossa linguagem e de nossa história
social; em poucas palavras, de nossa incorporação.
“A percepção central dessa orientação não-objetivista é a
visão de que conhecimento é o resultado da interpretação
em andamento que emerge de nossas capacidades de compreender. Tais capacidades estão enraizadas nas estruturas
de nossa incorporação biológica, mas são vividas e experimentadas dentro do terreno da ação consensual e da história cultural. Nos capacitam a dar sentido a nosso mundo,
ou, em linguagem mais fenomenológica, são estruturas
pelas quais existimos na maneira de ‘ter um mundo’.”38
Por “acoplamento estrutural” entende a capacidade de um sistema complexo enativar um mundo, percebendo significação e relevância, interpretando, no
sentido de que seleciona ou gesta domínio de significação a partir do “background” de seu meio. A rede
neuronal não funciona como caminho de mão única
da percepção para a ação; percepção e ação, sensório
e “motório”, estão ligados juntos como padrões sucessivamente emergentes e mutuamente seletivos. Assim, fica a meio caminho entre posição da galinha ou
do ovo (galinha – de fora para dentro, objetivismo;
ovo – de dentro para fora, subjetivismo). Existe, na
verdade, especificação mútua. Segue que ação incorporada (“embodied action”) implica:
a)cognição depende das espécies de experiência
que provêm de termos um corpo dotado de várias
capacidades sensoriomotoras;
b)tais capacidades individuais sensoriomotoras estão
encaixadas em contexto mais abrangente biológi-
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co, psicológico e cultural; trata-se de ação — percepção e ação são inseparáveis.
ídos de chão (“groundless”); mesmo assim, a experiência se sente dada, inabalável e imutável.
Enação significa, pois:
a)percepção consiste em ação perceptualmente
guiada e
b)estruturas cognitivas emergem de padrões sensoriomotores recorrentes que possibilitam que a
ação possa ser guiada perceptualmente. Reaparece
a capacidade auto-organizativa circular da ação
perceptualmente guiada:
“Essa estrutura — a maneira na qual o percebedor é incorporado — mais do que algum mundo pré-dado determina
“A filosofia ocidental esteve sempre mais preocupada com
o entendimento racional da vida e da mente, mais do que
com a relevância de um método pragmático para transformar a experiência humana.”38
Eis o desafio da aprendizagem: aprender a viver
num mundo sem chão; ciência sozinha não sabe fazer
isso; ciência é apta para destruir respostas metafísicas,
mas não coloca nada no lugar — a própria ciência
nos leva a viver sem fundamento.
como o percebedor pode agir e ser modulado pelos even“Vamos tentar o argumento de que o vidente e a visão
tos ambientais.”38
surgem simultaneamente. Neste caso, são tanto uma quan-
O comportamento é resultado e causador de estímulos; o organismo ao mesmo tempo inicia e é formatado pelo ambiente.
Com essa visão, Varela tenta oferecer à teoria
evolucionista moldura mais flexível, usando o conceito de “moção natural” (“natural drift”). Seria o
caso de mudar o contexto prescritivo da evolução,
para o proscritivo: o que não é proibido, é permitido.
A seleção descarta o que não é compatível com a
sobrevivência e a reprodução, e busca solução satisfatória (não a do mais forte). Em vez do ótimo, o
viável, por conta da especificação mútua e co-determinação e da construção de ambientes. Seria este o
caminho do meio, marcado pela falta de fundamento último (“groundlessness”).
“Começamos com nosso senso comum como cientistas
cognitivos e descobrimos que nossa cognição emerge do
pano de fundo de mundo que se estende atrás de nós,
mas que não pode ser encontrado separado de nossa
to a mesma coisa, ou são coisas diferentes.”38
Não há vidente, visão ou vista independentes; as coisas
são originadas de modo co-dependente e são completamente sem chão; nada é encontrado que não tenha
surgido de modo dependente — por isso, nada é encontrado que não seja vazio; todas as coisas são vazias
de qualquer natureza intrínseca independente. Por
isso, cabe fazer o caminho ao caminhar, sem cair no
niilismo por si. A fonte atual do niilismo é o objetivismo, porque este é que acentua a ânsia por fundamentos inabaláveis e que não existem.
Outra obra importante nessa rota é a de Lakoff,
Johnson24 (1999), do ponto de vista da filosofia, enquanto Varela et al.38 (1997) privilegia o olhar da Biologia. Também para eles a mente é inerentemente
incorporada. O pensamento, predominantemente
inconsciente. Conceitos abstratos, largamente metafóricos. Rejeitam a visão da razão como “característica definidora dos seres humanos”,24 porquanto a
incorporação. Quando voltamos nossa atenção para além
dessa circularidade fundamental, com vistas a seguir o
“razão inclui não só nossa capacidade de inferência lógica,
movimento da cognição apenas, descobrimos que não
mas igualmente nossa habilidade de conduzir a investiga-
podemos discernir chão subjetivo, um ‘ego-self’ perma-
ção, resolver problemas, avaliar, criticar, deliberar sobre
nente e persistente. Quando tentamos descobrir o chão
como deveríamos agir, e atingir compreensão de nós mes-
objetivo que pensávamos deveria estar presente, desco-
mos, outras pessoas e do mundo. Mudança radical em
brimos mundo enativado por nossa história de acopla-
nossa compreensão da razão é, pois, mudança radical no
mento estrutural. Finalmente, vimos que essas várias
entendimento de nós mesmos. É surpreendente descobrir,
formas de falta de chão (‘groundlessness’) são realmente
na base de pesquisa empírica, que a racionalidade humana
uma só: organismo e ambiente envolvem-se um no outro
não é, de modo algum, o que a filosofia ocidental assumiu
e desdobram-se de um para o outro na circularidade fun-
ser. Mas é chocante descobrir que somos muito diferentes
damental que é a própria vida.”38
do que nossa tradição filosófica assumiu que éramos”.24
Os mundos enativados podem ser estudados cientificamente, mas não têm substrato fixo, permanente
ou fundamentação, e são, ao final das contas, destitu26
Tais mudanças apontam para:
a)a razão não é desincorporada;
b)a própria estrutura da razão provém dos detalhes
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de nossa incorporação;
c)a razão é evolucionária: mesmo em suas formas
mais abstratas, usa, mais do que transcende, nossa
natureza animal;
d)a razão não é universal no sentido transcendente;
e)é predominantemente inconsciente;
f)não é puramente literal, mas vastamente metafórica e imaginativa;
g)não é desapaixonada.
Ponto forte de seu argumento está no apelo ao
estudo empírico, para além da mera auto-reflexão,
estando aí sua contribuição mais original. Possivelmente confia-se demais em evidências empíricas,
que, ao final, só dizem o que os pressupostos teóricos e ideológicos permitem. De todos os modos,
afirmam que
“a mente é inerentemente incorporada, a razão é modelada
pelo corpo, e já que a maior parte do pensamento é inconsciente, a mente não pode ser conhecida simplesmente por
auto-reflexão. Estudo empírico é necessário”.24
Em vista disso, não há pessoa kantiana radicalmente autônoma; “a razão, surgindo do corpo, não
transcende o corpo”; não é radicalmente livre, porque a razão é limitada, não pensa qualquer coisa;
não existe a racionalidade econômica; “as pessoas
raramente se engajam sob a forma da razão econômica que poderia maximizar as vantagens”(id., ib.).
Essa última afirmação parece apressada, seja porque
pode esconder visão empirista (nega-se o que não
aparece empiricamente), ou liberal, supondo o mercado como campo natural de interação social. Ademais, seria ficção a pessoa fenomenológica, que poderia, através da introspeção fenomenológica,
descobrir qualquer coisa que se poderia conhecer;
não existe a pessoa pós-estruturalista — completamente descentrada e arbitrária. Também não há a
pessoa fregeana — o pensamento teria sido expulso
do corpo, e a clássica teoria da correspondência da
verdade é falsa. Não há a pessoa computacional —
que deriva significado de símbolos sem significado.
Por fim, não há a pessoa chomskyana — dotada de
linguagem como pura sintaxe. Por conta do inconsciente cognitivo, andamos por aí armados com multidão de pressuposições acerca do que é real, do que
conta como conhecimento, de como funciona a
mente, quem somos e como deveríamos agir. Admite a mão escondida que modela o pensamento consciente; não há como devassar o inconsciente — talvez 95% de nossa vida seja inconsciente.
Revelam certo determinismo, que relembram Maturana, Varela26 (1994) com sua tese das máquinas e
seres vivos e, do ponto de vista do observador,26 a arquitetura dada do cérebro determina os conceitos.
Achados da ciência cognitiva são intrigantes em dois
sentidos:
“primeiro, nos dizem que a razão humana é forma de razão
animal, razão inseparavelmente atada a nossos corpos e
peculiaridades de nossos cérebros; segundo, tais resultados nos dizem que nossos corpos, cérebros e interações
com o ambiente provêm mais que tudo a base inconsciente de nossa metafísica diária, ou seja, nosso senso pelo que
é real”.24
Todo ser vivo categoriza, como necessidade vital
de estruturar sua forma de vida no contexto da realidade, mas não apenas como movimento racionalista.
Antes, a atividade categorizante é sempre incorporada. Daí o reconhecimento da inseparabilidade das
categorias, conceitos e experiência.24 Sistemas viventes precisam categorizar — categorias são parte de
nossa experiência; conceitos são estruturas neuroniais que nos permitem mentalmente caracterizar
nossas categorias e a razão acerca delas.
“Um conceito incorporado é estrutura neuronal que é
atualmente parte de, ou faz uso do sistema sensório-motor
de nossos cérebros. Muito da inferência conceitual é, pois,
inferência sensório-motora.”24
Por isso as cores são criadas — “dados o mundo,
nossos corpos e nossos cérebros evoluímos para criar
cor”.24
Ao lado da apelação empírica, os autores ressaltam o argumento da metáfora, pretendendo mostrar
que, mesmo no pensamento mais abstrato, aparece
sempre sua relação com a incorporação concreta.
Adquirimos vasto sistema de metáforas primárias automaticamente e inconscientemente simplesmente
funcionando nos modos mais ordinários no mundo
do dia-a-dia desde os primeiros anos; não temos escapatória nisso. Embora seja visível o reconhecimento
do pano de fundo hermenêutico do conhecimento,
pode aparecer aí alguma contradição, já que seria
incongruente imaginar que “adquirimos” as metáforas (latente tendência instrucionista), vindo logo a
seguir que “metáforas conceituais universais são
aprendidas; são universais que não são inatas”.24 Afastam-se da ciência cognitiva e filosofia a priori tradicionais, embora combatam também o relativismo pós-
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moderno. Apesar de não ser possível chegar a
fundamento último, defendem a ciência cognitiva de
segunda geração (a primeira era a clássica desincorporada), que busca superar pressuposições determinantes sem o devido teste empírico. Acabam aceitando “pressuposições que não determinam resultados”,24
apostando na evidência convergente e aceitando a
discussão de Kuhn — não há observação sem supostos
teóricos.
Trata-se, assim, de realismo incorporado, não metafísico, valorizando a metáfora e rebatendo a crítica
formalista da metáfora. Pois
“somos animais filosóficos. Somos os únicos animais conhecidos que podem perguntar, e por vezes até explicar,
por que as coisas acontecem do modo como acontecem.
Somos os únicos animais que ponderam sobre o significado da existência e se preocupam com amor, sexo, trabalho,
morte e moralidade. E parecemos ser os únicos animais
que podem refletir criticamente sobre suas vidas de modo
a fazer mudanças sobre como elas se comportam”.24
A concepção tradicional ocidental da pessoa
está equivocada, porque supõe razão desincorporada, razão literal, liberdade radical, moral objetiva. Já a concepção da pessoa incorporada sinaliza
outros pressupostos que receberiam ademais apoio
de testes empíricos e se coadunam com a análise
da metáfora:
• razão incorporada;
• razão metafórica;
• liberdade limitada;
• moralidade incorporada;
• natureza humana para além do essencialismo.
DIALÉTICA CONHECIMENTO-IGNORÂNCIA
Perspectivas a partir da mente
incorporada
A polêmica sobre a mente humana está longe de
revelar algum desfecho, embora ofereça alternativas
cuja potencialidade talvez sequer possamos ainda antever. Estamos imersos na sociedade intensiva de conhecimento, mas o que menos conhecemos é o que
seria, afinal, conhecimento. As premissas modernas
foram abaladas definitivamente, não só pelo fracasso
do projeto de emancipação, vituperado severamente
por autores como Harding21 (1998), mas igualmente
por razões internas da própria razão moderna. Epistemologicamente falando é impraticável oferecer
fundamento último para qualquer proposta científica. Mais: é próprio do conhecimento desfazer a idéia
28
de fundamento último, porque sua energia é retirada
do questionamento, ou seja, mais de seu caráter desconstrutivo, do que reconstrutivo. É inconsistente
questionar sem permitir ser questionado. O conhecimento moderno caiu nessa arapuca, até que a proposta pós-moderna, apesar de suas diatribes irresponsáveis também, destrinchou as entranhas das
narrativas circulares, incapazes de oferecer razão final
para qualquer proposta que se imagina científica. Seu
caráter científico não está na expectativa de resultados comprovados, mas na habilidade de argumentar
e contra-argumentar, dentro de aproximações sucessivas e nunca completas. E isso também decretou a
percepção de que conhecimento é, no fundo, processo infindo de aprendizagem, à medida que expressa
dinâmica tipicamente reconstrutiva.
Pelo menos esta coerência o conhecimento dito
pós-moderno mantém: o que o conhecimento primeiro se põe a questionar é o próprio conhecimento,
para não incidir na contradição performativa à la Habermas/Apel. Interessante é notar que esse abalo
ocorreu tanto nas Ciências Exatas, quanto nas ditas
Sociais. Naquelas, o impacto maior veio do teorema
de Gödel, que buscou mostrar, para decepção da
maioria dos colegas, que mesmo na Matemática, desde que se usem níveis mais sofisticados de análise,
torna-se impossível fazer prova final de seus axiomas.
Esse teorema, também chamado de teorema da incompletude, é visto, ademais, como horizonte próprio da aprendizagem reconstrutiva, já que esta, intrinsecamente criativa, tem sua dinâmica alimentada
pela flexibilidade dialética de seus processos, não por
parâmetros rígidos e definitivos, como aponta Penrose28 (1994): o computador ainda não aprende, porque ainda não sabe “errar”. Para aprender é mister
saber sacar significados dos silêncios, vazios, lacunas,
lusco-fuscos, sombras, entrelinhas e contextos, não
apenas de símbolos lineares mecanicamente processados. Nas Ciências Sociais, a discussão é bem mais
antiga, porque a Filosofia, sobretudo aquela ligada às
preocupações epistemológicas, já havia apontado
para a circularidade hermenêutica do discurso científico. Tendo sido desbancada a autoridade externa,
resta para a ciência buscar fundamento interno, o que
a leva a argumentar a partir de si mesma. Toda argumentação contém componentes naturalmente ainda
não argumentados, como toda definição inclui elementos ainda não definidos. Não podemos sair da
linguagem para fundar a linguagem. Estamos cercados de pressupostos teóricos e ideológicos, que demarcam os dados, os fatos, as teorias e os métodos,
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porque é impossível partir de um ponto zero. Partimos do que já conhecemos e a isso voltamos. Assim,
o que a ciência produz de melhor não são “evidências”, mas argumentações bem tramadas, sobretudo
críticas e tanto mais autocríticas. Porque a coerência
da crítica está na autocrítica.
Habermas pode ser considerado um dos autores
mais perspicazes quanto a essa discussão, também
pela polêmica pertinente de negar caráter absoluto
ao fundo hermenêutico do discurso. Se o contexto
hermenêutico fosse definitivo, todo discurso deixaria de ter qualquer pretensão mais universal. É claro
que esse intento pode desandar no transcendentalismo kantiano, que Sfez 35 (1994) imagina poder
assacar (fala de “mofo kantiano” nas propostas habermasianas), bem como Bourdieu5,6 (1996a,b), porque a validade do discurso seria sobretudo social,
nunca a priori. Seja como for, Habermas19,20 (1997a,b)
também está preocupado com algum fundamento
mais consistente da moral, para poder combinar validade e facticidade e salvar noções essenciais para
a vida em sociedade como os direitos humanos. Essa
briga entre pretensões universalistas e a localização
cultural do discurso mostra a face talvez mais arriscada da polêmica pós-moderna, porque ainda busca
meio-termo muito complicado entre relativismo e
transcendentalismo.
Conhecimento tem base físico-orgânica no cérebro. Como diria Searle34 (1998), essa base “causa” o
conhecimento, porque sem ela é impossível comparecer esse fenômeno. Entretanto, conhecimento
não é “massa cinzenta”, assim como emoção não é
adrenalina. Existe no processo de formação do conhecimento dinâmica transformativa, que a Biologia tende a creditar ao conexionismo, no sentido de
que a complexidade dos neurônios auto-organizados de forma peculiar produziria esse salto da quantidade para a qualidade, que tem sido chamado de
“emergência”, para indicar que na situação B comparecem propriedades que não eram visíveis na situação A. Por mais que tenha sido relevante esse
reconhecimento da pesquisa, de certa forma destruindo a linearidade computacional de estilo heurístico passo a passo, por processamento cumulativo,
no fundo a questão está mais adiada, do que contornada. Porquanto, termos como complexidade,
emergência, enação, descrevem certo tipo de propriedade dos fenômenos, mas não sua constituição
interna, nem as regras de sua dinâmica. São ainda
termos mais descritivos, que explicativos. Por isso
mesmo, a pesquisa da complexidade de Morin27
(2002) representa sobretudo projeto de busca, não
ainda algum porto seguro, que, em ciência, a rigor
não pode existir.
A questão da auto-organização, que Maturana,
Varela26 (1994) chamaram de autopoiese, também
possui problemas similares, que aparecem na própria obra desse autor: ou auto-organização é vista
como propriedade determinada da realidade, ao
estilo da máquina que funciona dentro de certa dinâmica fechada, ou é vista como capacidade criativa
que, para produzir o novo, precisa também se desorganizar. Varela et al.37 (1997), percebendo essa
contradição, buscaram outros caminhos, que encontraram no conceito de enação, que pretendem
combinar a circularidade com o salto, sobretudo
quando postulam a potencialidade contida na idéia
de “falta de fundamento” (“groundlessness”). Não
seria por acaso que na sociologia sistêmica, em particular de Luhmann, o conceito de autopoiese de
Maturana, Varela 26 (1994) foi recepcionado de
modo conservador, como propriedade de auto-recuperação dos sistemas, com veemência criticado
por Habermas. Para complicar ainda mais as coisas,
um dos rasgos mais interessantes de Maturana, Varela26 (1994) é sua crítica ao instrucionismo, permitindo que se conceba sua proposta como aprendizagem reconstrutiva, como quer Capra8 (1997) em
sua “teia da vida”. De longe a visão mais dinâmica é
a de Varela atualmente, com todos os riscos, porque
acentua a capacidade do ser vivo ao mesmo tempo
circular e reconstrutiva de aprender. Lakoff, Johnson24 (1999), por sua vez, tendem a ser mais deterministas, quer pela valorização excessiva da base
empírica, quer pela visão mecanicista do funcionamento da mente, mesmo incorporada.
Apesar da polêmica até ao momento irreconciliável, muitas coisas começam a tornar-se mais claras,
dentre elas:
a)aprendizagem não é fenômeno apenas racional,
consciente, ou destacado de nossa corporeidade;
ao contrário, envolve a complexidade humana naturalmente, e seu aprofundamento implica sempre também envolvência emocional; por mais que
possa utilizar esquemas abstratos, é naturalmente
metafórico, quer dizer, plantado na experiência
humana histórica e cultural; o aporte mais incisivo
talvez seja o de Varela com sua teoria da enação,
que estabelece a percepção como ação conceitualmente guiada, sendo as estruturas cognitivas
gestadas por padrões sensório-motores recorrentes
na vida real; auto-organizam-se de modo circular
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e emergente, dentro da influência mútua entre
quem conhece e a realidade conhecida; trata-se
sempre de fenômeno hermeneuticamente plantado, culturalmente inserido, em grande parte inconsciente, mas sempre de caráter reconstrutivo;
b)um dos achados mais fundamentais, com efeito,
é o estabelecimento do caráter reconstrutivo político da aprendizagem, tornando-se tais teorias
e perspectivas fortes argumentos contra o instrucionismo, ainda dominante na esfera escolar e
também universitária; mesmo quando queremos
imitar, copiar, reproduzir, o fazemos de modo interpretativo inevitavelmente, porque essa atividade jamais pode ser neutra; embora as explicações
sejam ainda toscas, idéias em torno da emergência
sobretudo sinalizam que a auto-organização não
se restringe à circularidade repetida, mas que,
através do acoplamento estrutural, também salta;
aprendizagem é sempre salto, porque, em vez de
repetir a situação, a reconstrói; essa atividade de
reconstrução não é apenas biologicamente marcada, mas igualmente politicamente contextuada,
porque se trata de sujeitos históricos capazes de
história própria; um dos rasgos mais potentes
do conhecimento é precisamente o desenvolvimento da capacidade de fazer história própria,
de interferir com originalidade, demarcando espaços alternativos; Prigogine estaria disposto até
mesmo a reconhecer essa dinâmica política na
própria natureza, por ser esta dialética também;
eis um dos resultados mais interessantes: não há
aprendizagem adequada sem relação autônoma
de sujeitos;
c) trava-se, assim, confluência extraordinariamente
rica entre bases biológicas da aprendizagem e sua
tessitura política, muito bem captada pela idéia da
mente incorporada; retomando a abordagem de
Harding21 (1998) sobre a localização cultural do
conhecimento, torna-se fundamental relacionar
conhecimento também com ignorância, porque,
dentro de sua tessitura política, não comparece
como meio neutro de pesquisa, mas como arma
dúbia, ambivalente, dialética; aprender ultrapassa,
assim, vastamente a esfera da escolaridade institucional, para inserir-se na vida como um todo e
lhe definir grande parte do que seria seu sentido
histórico; ao mesmo tempo que aprender representa a capacidade de mudar, sobretudo de se
mudar, do ponto de vista da iniciativa do sujeito,
assinala igualmente, por outra, o ambiente natural
da dinâmica da realidade sempre em movimento
30
dialético; não pensamos apenas quando “paramos para pensar” ou quando vamos à escola, mas
sempre, como condição natural, porque, como
diriam Lakoff, Johnson24 (1999), indefinidamente
estamos a categorizar dentro do mundo metaforicamente contextuado de hipóteses dinâmicas e
cambiantes;
d)na prática, significa que todo processo de aprendizagem, também aqueles instrucionistas à revelia, age de modo reconstrutivo e político, mas
em direção negativa, porque, em vez de abrir
potencialidades para o sujeito, as coíbe; dito de
outra maneira, cultiva a ignorância; temos aqui
outro conceito de ignorância, não como situação
dada — culturalmente impossível por razões hermenêuticas e biológicas —, mas como fenômeno
produzido, imposto; no instrucionismo, o professor, em vez de fomentar a autonomia criativa,
reduz o aluno a ouvinte passivo, reprodutor de
mensagens alheias, subalterno a outros projetos
históricos; mesmo aí, o aluno se reconstrói de
alguma maneira, embora “para trás”, porque também na situação de escravo o ser humano não
deixa de ser sujeito; sob essa ótica, torna-se tanto
mais claro como didáticas reprodutivas instrucionistas obstaculizam a cidadania popular, à medida
que preformam as cabeças para a subalternidade
histórica;
e)as idéias da mente incorporada favorecem, ademais, o reconhecimento de que a aprendizagem
pode ser mais bem sucedida em ambientes humanos mais flexíveis e atraentes, emocionalmente
mais dinâmicos; daí não segue que aprendemos
apenas o que nos dá prazer, mas segue certamente que aprendemos melhor o que nos dá prazer;
parte importante do processo de aprendizagem
pode ser vista como estratégia motivadora para
que coisas difíceis, penosas, cansativas possam ser
visualizadas como algo que vale a pena, cujo sofrimento pode, ao final das contas, reverter-se em
alegria do bom combate; esse horizonte valoriza
sumamente a percepção comum, segundo a qual
fazemos melhor nosso trabalho quando gostamos
dele; triste é todo dia fazer o que detestamos;
talvez já seja verdade que a maioria das crianças
detesta a escola, também e sobretudo quando são
bons estudantes;
f)ao mesmo tempo, essa discussão revela o quanto o processo de formação dos professores, em
todos os níveis, é deficiente, ou porque ignora
esse tipo de interdisciplinaridade complexa, ou
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Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire • Demo P
porque se distancia dos padrões reconstrutivos
da aprendizagem; de uma parte, para dar conta
da aprendizagem é mister dedicação muito mais
ampla e recorrente, do que os cursos de Pedagogia
e similares supõem, e, de outra, é preciso fazer do
professor o lídimo profissional da aprendizagem,
para não incidir na contradição performativa; a
maior pecha do professor é não saber aprender,
porque, com isso, pode constituir-se no fator mais
comprometedor em termos de coibir a aprendizagem do aluno; por outra, o aluno terá sua melhor chance se puder desenvolver-se sob os olhos
atentos de um professor que é a própria imagem
de quem sabe pensar e aprende a aprender, em
particular quando se conjuga adequadamente qualidade formal e política;
g)como todo ser vivo se auto-organiza para aprender, ou seja, desenvolve-se diante dos desafios
que a realidade e sua constituição própria
apresentam, o ser humano tem diante de si um
mundo aberto de potencialidades, que precisa
desbravar; é ou pode tornar-se oportunidade,
histórico-politicamente contextuada, dependendo das portas que se abrem e fecham, e igualmente de como participa para abrir ou fechar
as portas; aprender é esforço, por vezes muito
penoso, mas representa o caminho central do
desenvolvimento, tipicamente reconstrutivo,
conquistado de modo sempre ambivalente; no
ser humano, esse esforço pode ser indigitado,
na educação formal, nas atividades de pesquisa
e elaboração própria, e, na vida em geral, como
capacidade de iniciativa e participação, através
da qual reconstrói todo dia suas potencialidades
no caminho da autonomia possível.
dar conta da ordem da natureza, além de postar-se
como conhecimento universal e possivelmente único
verdadeiro. Esse projeto moderno teria morrido.
Conhecimento e ignorância
A controvérsia em torno do conhecimento apresenta hoje inúmeras faces, mas pode-se dizer que uma
das mais ostensivas é aquela levada pela postura chamada pós-colonialista, muitas vezes também inserida
no feminismo. Exemplo vigoroso é a análise de Harding21 (1998) sobre o caráter multicultural e a inserção
cultural local do conhecimento. Sua crítica se torna
tanto mais aguda, porque adota também posicionamento epistemológico, mirando o conhecimento
igualmente a partir de suas entranhas metodológicas.
Combate a epistemologia “internalista”, essencialmente positivista e que acredita ser capaz de captar
diretamente a realidade externa e refleti-la como se
fosse espelho, repassando a expectativa fútil de poder
tizar como a busca de conhecimento sistemático é sempre
“Os estudos sociais pós-kuhnianos dos projetos sociais
desafiam essa epistemologia internalista que atribui todos
os desempenhos das ciências à ordem da natureza mais
aos processos internos das ciências – especialmente ao
método científico, entendido como agudamente demarcado frente a outros métodos para obter conhecimento.
Ainda assim, não aceitam que a posição ‘externalista’ de
que a sociedade é inteiramente responsável pelos resultados e pelas falências da ciência – de que é simplesmente ‘enganação’ das sociedades e suas políticas e de que a
natureza não faz qualquer contribuição para as expectativas científicas. Em vez disso, assumem o que foi chamado, um pouco mal posto, de abordagem construtivista,
mapeando como as ciências (no plural) e suas culturas
co-evoluem, cada uma desempenhando papel maior na
constituição da outra, trazendo-as à existência em primeiro plano e mantendo-as numa base contínua, limitandoas sob diversos aspectos pela ordem da natureza. Os modos distintivos pelos quais as culturas obtêm
conhecimento contribuem para serem as culturas que
são; e o caráter distintivo das culturas contribui para os
padrões distintivamente ‘locais’ de seu conhecimento
sistemático e de sua ignorância sistemática. ‘Construtivismo’ – com sua sugestão mal posta de que as ‘sociedades’
preexistentes, totalmente formadas montam (‘constróem’) as representações da natureza que bem entendem, ao arrepio de como o mundo à volta está ordenado – é como essa tese inovadora dos estudos da ciência
pós-kuhniana foi chamada pelos que a interpretaram
nesse modo mal posto, e é esse nome que ficou no pensamento popular. Todavia, essa abordagem poderia ser
melhor referenciada como ‘co-construtivismo’, ‘co-evolucionismo’, ou mesmo ‘co-constitucionismo’, para enfaapenas um elemento em toda cultura, sociedade, ou formação social em seu ambiente local, elevando e transformando outros elementos – sistemas educacionais, sistemas legais, relações econômicas, crenças e práticas
religiosas, projetos estatais (tais como fazer guerra), relações de gênero – tanto quanto, por sua vez, é transformada por estas.”21
Harding21 (1998) propõe outro tipo de epistemologia (“standpoint epistemology”), marcada pela
perspectiva cultural do outro, dando espaço para o
olhar do marginalizado, o que, ademais, a tornaria
mais objetiva. A objetividade ligada à neutralidade
representa um dos golpes mais comprometedores da
ciência européia, porque possibilita instalar a ciência
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Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire • Demo P
com autoridade imbatível e, como conseqüência, sacralizar a visão européia da vida. Ao mesmo tempo,
essa perspectiva inovadora não pode cair – como diria
Habermas – na contradição performativa de sucumbir em seu próprio discurso. Chama a esse desafio de
“reflexividade robusta”, através da qual busca manterse vigilante contra as arapucas epistemológicas e culturais. Não reconhece o “milagre europeu”, como se
tivesse sido criação absolutamente pessoal, fora do
contexto circundante, e particularmente devido à
capacidade de manejar conhecimento. Leva em conta o colonialismo europeu e chega a aceitar a idéia
de que a América não foi tanto descoberta, quanto
infectada (alusão ao caráter destrutivo da colonização, inclusive dizimação das populações pela doenças
transmitidas). Ao lado da produção do conhecimento, produziu-se sistematicamente também a ignorância. As culturas tanto podem ser prisões para a ciência,
quanto podem também ser “caixas de ferramenta”.
“Sob muitos aspectos, as ciências modernas obviamente
são muito mais poderosas cognitiva e politicamente do
que sistemas mais antigos europeus de conhecimento
ou de sistemas de outras culturas. Todavia, os outros
sistemas foram capazes de aprender muito sobre o mundo natural antes das ciências modernas, e que mesmo
essa ciência moderna ainda não aprendeu; todos os desempenhos imagináveis não são das ciências modernas
exclusivamente.”21
Afinal, epistemologia e filosofia da ciência deveriam sempre ser reconhecidas como tendo dimensões
políticas também.
teorias permanecem subdeterminadas por toda coleta
possível de evidência para elas. Há sempre muitas outras
hipóteses adicionais possivelmente plausíveis sobre qualquer assunto que ainda não foi proposto, ou que foi considerado mas talvez prematuramente descartado, e por
isso fica não testado em qualquer momento na história
da ciência. Alguma parte menor delas poderia indubitavelmente compatibilizar-se aos dados existentes tão bem
quanto outros favorecidos no presente. Ao final das contas, as ciências produzem novas teorias continuamente.
(…) Muitas teorias científicas podem ser consistentes
com a ordem da natureza, mas nenhuma delas pode ser
unicamente congruente.”21
É ainda interessante sua posição de defesa da “objetividade forte”, embora nunca neutra, no sentido
do compromisso de analisar a realidade da maneira
mais adequada possível, dentro das limitações locais,
culturais, pessoais e ideológicas. Significa procurar
com afinco o tipo de ciência que possa merecer a
atenção dos outros, ser refeita por quem duvide, permaneça aberta às críticas e sobretudo saiba tomar em
conta os pontos de vista contrários. Por isso começa
“de fora”, ouvindo os marginalizados, os excluídos,
não para os fazer, à revelia, referências inescapáveis,
mas como proposta de visão mais larga e real. Afinal,
nenhuma observação empírica faz uma hipótese tornar-se verdadeira,
“já que fatos – observações empíricas aceitas – são coletados como relevantes pela teoria que eles supostamente
estão testando (incluindo todo pano de fundo de crenças
que os suportam) e pelo métodos que são relativamente
“As velhas teorias insistiram na possibilidade e desejabili-
inseparáveis das teorias que levam à sua seleção, e por isso
dade da ciência culturalmente neutra, que seria garantida
dificilmente poderiam comparecer como testes indepen-
pelo seu método distintivo; que seria exercida no contex-
dentes, neutros quanto a valor, interesse, discurso e méto-
to unicamente da justificação; que produziria reflexão da
do da adequação empírica da teoria”.21
ordem da natureza universalmente única válida e perfeita;
que seria descoberta por comunidades de especialistas que
poderiam ser isolados em seu trabalho científico do fluxo
social corrente em sua vida pública (e ‘privada’). Esse sonho de um modelo de conhecimento único e perfeito
perdeu-se para sempre sob a mirada rigorosa das várias
escolas da ciência pós-Segunda Guerra Mundial.”21
Aproveita, em seguida, para calcar ainda mais a perspectiva também epistemológica dessa argumentação.
“Como os estudos de ciência e tecnologia das últimas
cinco décadas clarificaram, as observações estão carregadas de teoria; nossas crenças formam rede de tal sorte
que ninguém está em princípio imune de revisão; e as
32
Harding21 (1998) procede, na prática, na mesma
direção de Foucault, ao tentar desvendar as artimanhas do conhecimento em seus compadrios com o
poder.16,17,29 Enquanto o segundo argumenta pela via
da arqueologia do saber (arqueologia como conceito
epistemológico para o que seria o subsolo do saber),
para desvendar que usa a conversa sobre verdade para
escamotear sua submissão ao poder, a primeira lança
mão de argumentos culturais e epistemológicos para
decifrar a relação forte que a ciência moderna tem
com a produção da ignorância. Trata-se, como se vê,
de discussão arriscada, porque podemos sempre responder a um exagero com outro. Entretanto, é notável a busca de equilíbrio e elegância na argumenta-
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Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire • Demo P
ção, reforçada pela vigilância constante de não recair
na mesma crítica. As pretensões universalistas precisam ser tomadas com alguma parcimônia, porque a
realidade está inserida em contínuo local-global. Para
vivermos em sociedade é mister termos coisas em comum, válidas para todos, mas todas elas são culturalmente marcadas. O manejo comum das diferenças é
o que mais temos de comum.
Dentro dessa visão crítica, Harding21 (1998) restabelece a discussão em torno do desenvolvimento
como colonialismo sob outros meios, relembrando a
teoria da dependência, geralmente considerada superada pelos neoliberais adeptos da globalização sempre olhada apenas em seus ângulos possivelmente
positivos. Fala de “des-desenvolvimento” e “maldesenvolvimento”, como resultado da interferência colonialista européia. Aponta quatro escolas de pensamento acerca do desenvolvimento sustentável que
partilham da crença de que o crescimento econômico causa destruição do ambiente e das relações sociais
no contexto capitalista:
a)os “economistas da vida real” centram-se no ambiente, mas continuam eurocêntricos, quando, por
exemplo, definem a liberdade de escolha como se
fosse algo neutro com respeito a gênero;
b)os “economistas centrados nas pessoas” preocupam-se com a erradição da pobreza, não com o
crescimento em primeiro lugar; ao realçarem
o desenvolvimento em pequena escala, podem
contribuir para as oportunidades das mulheres e
outras categorias excluídas; permanecem, porém,
ainda eurocêntricos, sobretudo com respeito à
expectativa universal do desenvolvimento;
c)as análises do desenvolvimento do ponto de vista
poder/conhecimento conseguem captar o olhar
das mulheres, mas tendem a colocar-se fora dos
discursos do desenvolvimento, perdendo, por certo extremismo, a capacidade de negociação;
d)os teóricos da cultura, economia e modernização
parecem melhor postados, porque reavaliam tudo
criticamente, agregando ainda a valorização do
conhecimento incorporado, sempre contextuado
em perspectiva também local e cultural.
Conhecimento não é apenas iluminismo. É também obscurecimento, porque se move no espaço do
poder, não só da verdade. Na sociedade intensiva de
conhecimento, isto se torna tanto mais ostensivo: disputa-se conhecimento como se disputa poder, porque ambos os termos tendem a coincidir cada vez
mais. Os que produzem informação querem ser donos dela. Os que dominam os meios de comunicação
não aceitam qualquer monitoramento pela sociedade, como se fossem donos únicos. Grande parte do
conhecimento se transforma em tática de coerção.32
A informação já disponível poderia tornar a sociedade mais transparente, desde que a informação estivesse nas mãos dos cidadãos. Como isso é muito difícil,
o domínio do conhecimento pode tornar-se ameaça
maior do que oportunidade para todos. Os entusiastas apostam na democratização do conhecimento,
porque também confiam no mercado liberal tendente, esperando dele acesso aberto, o que, no capitalismo, é fenômeno desconhecido. Mas uma coisa é certa: não há como voltar. Precisamos conviver com a
sociedade do conhecimento e da informação.7
A ATUALIDADE DE PAULO FREIRE
Parece ser regra em educação que todas as idéias
tidas por novas e brilhantes um dia já foram ditas,
por vezes, por pessoas que à época eram ainda mais
novas e brilhantes. É o caso de Paulo Freire, como
poderia ser também de Sócrates com sua maiêutica.
Não tinham maiores conhecimentos de biologia,
emergência quântica, enação, mas tinham a “standpoint epistemology”, através da qual sabiam ver a
realidade a partir também do outro lado33. Sobretudo não incidiam na contradição performativa: sabiam que sabiam pouco. Vamos aqui realçar apenas
a discussão em torno da pobreza política, para mostrar que os aportes freireanos representam contribuição das mais notáveis e se encaixam dentro da expectativa reconstrutiva política do conhecimento e da
aprendizagem.
Ao lado das carências materiais, acentua-se com
ímpeto ainda mais forte a exclusão de cunho político.
A carência material, de si, não precisa indicar exclusão, se for fenômeno natural e comum, como é a
falta de chuva, por exemplo. Quando ocorre a seca,
temos carência de chuva, igual para todos. A “indústria da seca” surge quando entra em cena a dinâmica
política ambivalente, permitindo que simples carência material se transforme em fonte de privilégios, ou
seja, em motivo de exclusão de cunho tipicamente
político. Geralmente, quando falamos de pobreza,
olhamos apenas para a carência material, indicada
pela falta de emprego, renda, moradia, saúde etc.
Trata-se da crosta externa do fenômeno, porque em
seu âmago sucede sobretudo processo de exclusão
política, alimentado mormente pela ignorância por
parte do excluído. Com efeito, privilégio é fenômeno
sempre consentâneo à ignorância: do ponto de vista
do desprivilegiado, precisa consentir de modo subal-
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Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire • Demo P
terno/imposto ou inconsciente; do ponto de vista do
privilegiado, precisa da subalternidade do desprivilegiado e da competência de se impor. Aparecem duas
formas principais de ignorância no desprivilegiado:
aquela inconsciente — o pobre sequer consegue saber e é coibido de saber que é pobre; aquela imposta — o pobre é coibido de poder lutar, num processo
de obstaculização sistemática das oportunidades. Não
se trata, assim, de ignorância cultural, que a Pedagogia facilmente mostra inexistir, porque todos somos
dotados histórica e culturalmente de saberes localizados, patrimônios comuns, mundos permutados de
vida. Trata-se da ignorância histórica e culturalmente
produzida para fins de submissão de maiorias. O privilegiado também é ignorante, no sentido de que
passa por cima ou destrói a consciência crítica dos
outros, repassando a idéia de que se trata de mérito,
não de privilégio.
Essa submissão pode ser inconsciente, quando o
pobre não chega a tomar consciência, acreditando
que pobreza é fenômeno natural, divino, casual. Caberia apenas aceitar com resignação os desígnios do
destino. Não se consegue perscrutar as razões históricas e sociais da pobreza, predominando sempre
interesses da elite em manter tal situação. Tais interesses não se incorporam em projetos explícitos —
ostensivamente satânicos —, mas nas próprias condições históricas da dialética do poder. A educação
básica universal e obrigatória teria sido inventada
para contrapor-se a tal situação, abrindo para todos
um mínimo de consciência crítica frente à realidade.
Analfabeto é tipicamente o ignorante produzido,
não aquele que nada sabe, porque essa condição
inexiste histórica e culturalmente falando. Por outra, essa submissão pode ser relativamente consciente e mantida através de estratégias de fomento tipicamente clientelistas, que embotam a capacidade
crítica do oprimido ou não permitem reação adequada. Particularmente efetivas são táticas assistencialistas que induzem o pobre a esperar a solução de
seus algozes. Nesse caso, o pobre já tem alguma noção do fenômeno político da exclusão, mas não consegue organizar-se de modo suficiente para confrontar-se com o sistema. Percebe com maior ou menor
clareza o processo de produção da exclusão, mas não
alcança colocar em marcha nível satisfatório de cidadania capaz de tomar as rédeas do destino para
transformá-lo em oportunidade.12,14
O processo de produção da ignorância pode ser
fomentado por inúmeras iniciativas do sistema, tais
como:
34
a)obstaculização das políticas educacionais, de tal
sorte que o acesso universal e gratuito à educação
básica não ocorra, pelo menos com a qualidade
devida; por vezes acontece o acesso quantitativo — quase todas as crianças em idade escolar
chegam à escola —, mas tolhe-se o acesso qualitativo — nem todos concluem o ensino fundamental e com adequada proficiência; admite-se que
seja mister atingir escolaridade média superior
aos oitos anos obrigatórios para que a população
possa minimamente “saber pensar”; parte central
da obstaculização se refere a maus-tratos impostos
aos docentes, tanto no sentido de formação precária, insuficiente para sustentar níveis mínimos
de aprendizagem própria e dos alunos, quanto
no de desvalorização profissional, que os reduz a
excluídos também;
b)manipulação das assistências sociais, particularmente próprias para manter a atitude de beneficiário, em vez da de cidadão capaz de reivindicar;
apaga-se facilmente a iniciativa crítica do pobre,
fazendo-o esperar por benefícios geralmente mínimos e residuais e que o colocam na mão da elite e
dos governantes; o “welfare state” pode ter incidido nessa cilada, desarmando a cidadania em favor
de soluções vindas de fora e de cima, mostrando
ser fátua a tese do estado socialmente vocacionado, em particular no capitalismo; assim, a assistência, de si direito radical da cidadania em termos
de sobrevivência, quando mal posta e conduzida,
pode atrelar o pobre a esquemas tipicamente empobrecedores, marcando ainda mais sua condição
de desprivilegiado e excluído;
c)manipulação dos meios de comunicação, na medida em que são mantidos como gigantesco “advertising” do sistema, seja na produção insistente de
“pão e circo”, ou no sustento de representações
sociais atreladas e subalternas, ou no controle e
filtragem elegante da informação, ou na gestação
de formas ostensivas ou subliminares de adesismo,
de tal sorte a provocar o convencimento público de
que os privilégios são mérito natural ou histórico;
não deveriam, pois, ser desfeitos ou atacados, convindo à população permanecer ao lado dos governantes e detentores da riqueza; embora facilmente
se exagere a força performativa dos meios de comunicação, como se o público apenas se submetesse a
eles, cabe reconhecer sua capacidade manipulativa,
o que já se evidencia no fato de que as elites sempre
buscam dominá-los e de que a propaganda comercial sustenta e perpassa os programas;15
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Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire • Demo P
d)manipulação cultural, em particular de identida-
des propensas a manter valores e representações
conservadoras, insistindo sempre na docilidade
histórica da população; podem ter papel decisivo
fatores como patrimônios históricos marcados
pela subalternidade, apegos a manifestações religiosas que sacralizam a ordem vigente, cultivo de informalidades produtivas que atrelam a
criatividade cultural à pobreza, ufanismos vazios
que apenas olham para trás na história, morais
e cívicas ideologicamente desmobilizadoras; no
fundo, consegue-se com isso que a consciência
crítica e a competência humana de confrontarse com a exclusão sejam vistas e sentidas como
transgressão social, mau comportamento, perda
de bom senso;
e)atrelamento das energias associativas, desde sua
vinculação jurídica excessiva a trâmites públicos,
até a sua redução a entidades engolidas pelo sistema, sobretudo pela via dos governos; a competência para se emancipar poder ser coarctada
sobretudo por dois golpes eficientes por parte do
sistema: pelo cultivo da inconsciência história, e
pela obstaculização do associativismo agressivo;
população ignorante e desorganizada é o que
mais pode convir ao sistema, pelo que sempre
se procura ingerência nas associações sindicais,
partidárias, comunitárias, profissionais etc.; visase sistematicamente a implantar a idéia de que à
população basta confiar no sistema, porquanto a
maior ignorância imaginável é esperar a solução
dos outros, ou seja, não chegar a fazer-se sujeito
capaz de história própria.4,10
É nesse sentido que a política social, cada vez mais,
se preocupa com a pobreza política, sem com isso desmerecer a questão social material. Esta, entretanto, não
se resolve apenas materialmente. Para superar a fome,
por exemplo, não basta ter acesso à comida. É mister,
antes de tudo, ter consciência crítica de que a fome é
imposta e inventada, e de que o pobre não pode prescindir da oportunidade de prover, por ele mesmo, sua
comida. Daí já segue que emprego é sempre muito
mais relevante que assistência, devendo ser visto, ademais, não apenas como decorrência livre do mercado,
mas como direito humano em primeiro lugar. É claro
que a solução política não dispensa solução material,
donde segue que a acentuação da pobreza política não
poderia ser feita desconhecendo as carências físicas,
pois não faria sentido substituir um extremo pelo outro. Diz-se apenas que pobreza política é mais central
que pobreza material, colocando questão mais profun-
da e decisiva em termos emancipatórios. Com efeito,
o sistema não teme pobre com fome. Mas teme pobre
que sabe pensar. A política social mais decisiva no futuro será “política social do conhecimento”, através da
qual se pretende, principalmente pela via da aprendizagem reconstrutiva permanente, estabelecer rota contínua de gestação das oportunidades, conjugando necessariamente educação e conhecimento.14
Torna-se estratégico que o pobre tenha acesso ao
manejo do conhecimento, principalmente em termos
reconstrutivos e políticos. Na prática ocorre o contrário, porque as escolas reservadas aos excluídos são
aquelas que menos oportunidades garantem, geralmente as públicas. Nelas sucede — tipicamente —
mera reprodução do conhecimento, seja porque os
docentes detêm formação extremamente precária e
são desvalorizados socioeconomicamente, seja porque se pratica a Pedagogia da reprodução, seja porque
se imagina que aos pobres cabe escola pobre. O que
mais se esperaria dessa escola é que fosse capaz de
gestar as condições necessárias para o confronto com
a pobreza política. Aprender a “ler, escrever e contar”
significa aprender a “ler” a realidade, como dizia Paulo Freire, em sentido lidimamente político, para desvendar a condição de oprimido e fazê-lo capaz de
confronto articulado e efetivo. A escola se liga menos
no combate à pobreza material, ainda que possa ser
valorizada também nessa rota, tendo em vista que a
sociedade do conhecimento está intensivamente inserida na economia competitiva globalizada. A escola
é fundamental também para a competitividade de
cada sociedade. Entretanto, os níveis iniciais são, no
fundo, apenas pressuposto. O que de mais importante pode ocorrer aí é a constituição de cidadãos críticos
e criativos, que conjugam da maneira mais eficaz possível educação e conhecimento para saber pensar e
intervir de modo alternativo na realidade.
Precisam de educação para poderem realizar sua
cidadania dentro da ética histórica. Necessitam buscar
história alternativa, da qual sejam o sujeito central. Mas
precisam igualmente de conhecimento, para dispor
dos meios mais efetivos. Na sociedade do conhecimento, ser excluído é sobretudo estar excluído do conhecimento. Certamente, o analfabeto atual não é só
quem não sabe ler, mas sobretudo quem não maneja
minimamente conhecimento em termos reconstrutivos. O pobre não pode apenas reproduzir conhecimento. Carece reconstruí-lo como sujeito capaz. A
idéia da “reconstrução de cunho político”, além de
apanhar o que de melhor sucedeu na história da Pedagogia em termos emancipatórios, conjuga com ele-
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gância educação e conhecimento no mesmo todo.
Ambos os termos são inerentemente políticos, pois
constituem o nódulo mais central da dinâmica de ocupação de espaço próprio, elaborando o cerne do que
se poderia chamar de competência humana. Entretanto, conhecimento aponta para o horizonte do domínio
técnico-formal, as habilidades propedêuticas de estilo
instrumental, a capacidade de saber pensar, enquanto
educação aponta para a competência ética, estabelecendo a relação adequada entre meios e fins.
A sociedade aprendente1 se alimenta, por sua vez,
de ambos os lados, revelando nisso, ademais, sua tessitura dialética contraditória: ocupar espaço próprio
significa, em termos realistas, redistribuir poder, ou
seja, retirar de quem tem em excesso, ou frear e fazer
recuar a usurpação, o que leva a incluir na competência humana a capacidade de confronto; eticamente
falando, todavia, a sociedade desejável deve ser aquela solidária, onde todos poderiam ter chances equalizadas. Usando a metáfora de Boff3 (1999), ao lado
de ocupar espaço, é mister recuperar os horizontes
do “saber cuidar”, que identifica como “ética do humano”. É bem difícil articular na história concreta a
dialética da solidariedade, seja porque geralmente é
discurso dos privilegiados para desmobilizar os desprivilegiados, seja porque decai rapidamente no funcionalismo útil que deixa tudo como está. Seria o caso,
precisamente, falar de “dialética da solidariedade”
para indicar sua intrínseca ambivalência, como todo
fenômeno histórico, no qual os encontros são constituídos por desencontros, podendo predominar os
encontros somente quando árdua e permanentemente conquistados e refeitos.30 Solidariedade não é coisa
dada, mas projeto comum sempre precário, que encontra sua beleza e profundidade na dinâmica política de sua gestação, definhamento e reconstrução.
Não é tarefa fácil colocar as energias decisivas do
conhecimento a serviço dos excluídos, até porque é
próprio de gente formalmente bem-educada “imbecilizar” as massas, manipular a consciência alheia com
competência refinada, desinformar pela via da informação tanto mais atraente. Por isso mesmo, a maior
indignidade humana é a ignorância produzida, porque destrói a condição de sujeito político. Pobreza
política é fenômeno ainda mais grave do que carência
material, pois revela as entranhas da contradição dialética na história concreta, feita de minorias privilegiadas que exploram maiorias ignorantes. Qualidade
formal pode crescer em direção inversa da qualidade
política, ou seja, conhecimento pode facilmente distanciar-se de educação.
36
PARA CONCLUIR
O sistema não teme o pobre que tem fome. Teme
o pobre que sabe pensar. O que mais favorece o neoliberalismo não é a miséria material das massas, mas sua
ignorância. Essa ignorância as conduz a esperar a solução do próprio sistema, consolidando sua condição
de massa de manobra. A função central da educação
de teor reconstrutivo político é desfazer a condição de
massa de manobra, como bem queria Paulo Freire.
ABSTRACT
Knowledge and learning – the ageless
Paulo Freire
The aim of this paper was to outline some of the
controversial aspects of knowledge and learning in
order to point out their political reconstructive meaning, thus restoring the consolidated tradition of Paulo Freire, namely the emancipative meaning of its
proposal: to undo the condition of maneuvering mass
of the great majority of the population on account of
their ignorance. Based on the literature relevant to
the field of education and on an analysis of it, the
author discusses the meaning of knowledge and the
methods and resources of conveying it, while condemning reproductive, intructionist didactics. The
author also states that the main measures of learning
should be to know how to think and to learn how to
learn, which will eventually turn schools into centers
of change that will lead society to the knowledge era.
In addition, the author considers that it is difficult to
direct knowledge’s decisive energy in favor of the excluded population, even though he considers it to be
the main function of a political education. In conclusion, the author states that political poverty is even
more serious than material poverty as it reveals the
inner functioning of the dialectical contradiction in
real history, made of privileged minorities that exploit
ignorant majorities.
DESCRIPTORS
Education. Learning. Teaching. Knowledge. §
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Revista da ABENO • 7(1):20-37
Aceito para publicação em 11/05/2004
37
Análise das dificuldades dos alunos
de graduação durante as manobras de
odontometria
No início das atividades em Endodontia, os alunos apresentam
dificuldades que, quando identificadas, podem ser trabalhadas a fim
de melhorar o aprendizado.
João Marcelo Ferreira de Medeiros*, Sandra Marcia Habitante*, Nivaldo André Zöllner**,
Pedro Luiz de Carvalho***, Claudia Auxiliadora Pinto****, José Luiz Lage-Marques*****
*Professores do Programa de Mestrado em Odontologia, Subárea
Endodontia, da Universidade de Taubaté. E-mail: [email protected].
**Professor Assistente Doutor da Disciplina de Endodontia e Clínica
Integrada do Departamento de Odontologia da Universidade de
Taubaté.
***Professor Assistente Doutor da Disciplina de Imaginologia
Dentomaxilofacial do Departamento de Odontologia da
Universidade de Taubaté.
****Professora Assistente da Disciplina de Endodontia e Clínica
Integrada do Departamento de Odontologia da Universidade de
Taubaté.
*****Professor Titular da Universidade de Taubaté e da Faculdade de
Odontologia da Universidade de São Paulo.
RESUMO
O propósito do presente trabalho foi identificar
e avaliar, valendo-se de um questionário, as dificuldades dos alunos durante as atividades laboratoriais da
Disciplina de Endodontia realizadas em dentes humanos extraídos montados em manequim. Para isso,
foram analisados os resultados das tomadas radiográficas periapicais durante o procedimento odontométrico em função da quantidade de películas radiográficas e suas perdas, do desperdício ou não do tempo
de trabalho e do tempo de trabalho. Foram selecionados 50 alunos do terceiro ano cursando a Disciplina de Endodontia do Departamento de Odontologia
da Universidade de Taubaté no primeiro semestre de
2005. Ao término de suas atividades laboratoriais,
procuravam-se alunos, que foram avaliados por meio
de uma entrevista com tempo mínimo estimado de
10 minutos. Nessa entrevista, os professores explicavam e mostravam o conteúdo do questionário aos
38
alunos, tendo sido pedidos a estes, inicialmente, o
preenchimento e a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido; após isso, os professores
distribuíam para cada aluno seis a sete fichas com o
referido questionário, sendo uma ficha destinada
para cada dente em que já tinha sido executado o
procedimento odontométrico, pedindo a ele que se
manifestasse e identificasse nesse questionário previamente elaborado a presença ou não das referidas
dificuldades. Concluiu-se que, na maioria das vezes,
os molares foram os dentes que apresentaram as maiores freqüências em número e porcentagens de dificuldades, seguindo-se os pré-molares e por último os
incisivos. Houve diferença estatisticamente significante (p = 0,01) em relação à quantidade de películas
radiográficas utilizadas, ao desperdício de tempo de
trabalho e ao tempo de trabalho durante os procedimentos odontométricos entre os três grupos dentários avaliados.
Revista da ABENO • 7(1):38-46
Análise das dificuldades dos alunos de graduação durante as manobras de odontometria • Medeiros JMF, Habitante SM, Zöllner NA,
Carvalho PL, Pinto CA, Lage-Marques JL
DESCRITORES
Radiografia dentária. Odontometria. Molar. Prémolar. Incisivo.
A
Endodontia, sem sombra de dúvida, é uma disciplina que requer riqueza de dados e pormenores anatômicos do elemento dentário e das estruturas
circunvizinhas, os quais são obtidos na imensa maioria das vezes pela imagem radiográfica.
Desse modo, o dentista que se propõe a executar
um tratamento do canal radicular, seja especialista em
Endodontia ou não, deve ser dono de conhecimentos
técnicos próprios da intervenção, além de possuir
uma bagagem cognitiva das matérias básicas, o que
denota substrato do conhecimento biológico. Aliás,
faz parte do saber, o qual é adquirido na formação do
profissional, não só o completo domínio de interpretação radiográfica, tanto das estruturas dentárias
como das anexas, mas também, principalmente, a capacidade na aplicação das técnicas radiográficas.
Cabem ao dentista o conhecimento, a experiência, a habilidade e o bom senso para efetuar corretamente o exame radiográfico, a fim de chegar à conclusão mais acertada a respeito das manobras
subseqüentes ao tratamento endodôntico.
Por outro lado, a instrução tanto na educação
como na saúde concebe todos os ensejos experimentais bem como seu rendimento, de maneira a propiciar uma influência nos conhecimentos, nas atitudes
e práticas do aluno.
Abreu, Masetto1 (1989) evidenciam que o educador de uma maneira geral se prende a três categorias
de aprendizagem: a de conhecimentos, a de atitudes
e a de habilidades.
A aprendizagem de conhecimento depara-se
com as informações de que o aluno dispõe, a generalização dessas informações para situações diferentes, os conceitos e seus inter-relacionamentos, e as
soluções para problemas em níveis cada vez mais
complexos e criativos.
Já a aprendizagem de atitudes estabelece que o
aluno deve conhecer as variáveis presentes numa situação grupal, adequando seu comportamento de
forma ética, principalmente na sua relação pessoal
com outros indivíduos e a comunidade.
A aprendizagem de habilidades denominadas
também de intelectuais e psicomotoras importa o desenvolvimento da habilidade manual para executar
um determinado procedimento clínico.
Os professores, ao questionarem o processo de ensino-aprendizagem, esforçam-se para que o aluno ob-
tenha conhecimentos, seja capaz de pleitear mudanças
de atitudes e desenvolva sua capacidade motora.
Nérici8, em 1992, declara que, dentre as metas que
asseguram a realização de um plano didático, destacase a avaliação que procura tanto expressar o que decididamente é executado em termos de ensino-aprendizagem como também investigar os valores e as
imperfeições do método de ensino em prática com o
intuito de assegurar melhoria.
Fisher4 (1960) comenta que a prática clínica prestigia de uma maneira eficaz a formação do aluno independentemente do que foi previamente ensinado.
Mais ainda, durante as atividades clínicas, este inicia a
formação de julgamentos mais maduros e também estima o conteúdo prático de conhecimentos e ideais
que tinham sido previamente recebidos como de valor
aparente. Essas apreciações refletem-se em atitudes do
corpo docente quando da determinação de normas,
ambientes e nível intelectual da prática clínica.
Wittrock14 (1971) destacou que o aluno se obriga
a cumprir seus afazeres clínicos de modo competente a fim de prever e suprimir fatores causadores de
falhas no plano de tratamento, o que o capacita a
trabalhar independentemente do auxílio do professor completando as condutas clínicas em um espaço
razoável de tempo.
Nessa ordem de idéias, Mackenzie7 (1974) salientou quatro razões para medir a eficiência clínica: verificar competência, manter o cumprimento no cuidado à saúde, fornecer “feedback” ao estudante e
melhorar o processo de aprendizagem.
Com vistas a analisar o trabalho pré-clínico de alunos de graduação, Weinfeld13 (1996) valeu-se de dentes extraídos e adaptados em manequim e notou que,
além do dente pré-molar inferior representar aquele
de menor dificuldade em todas as etapas avaliadas, a
fase de maior insucesso da terapia endodôntica foi,
em ordem decrescente: obturação, acesso e preparo
da câmara pulpar, preparo do canal radicular e por
último odontometria.
Arruda2 (1997) julgou as variáveis que influenciam
a produtividade clínica de 186 fichas de alunos de graduação do Curso de Clínica Integrada da Universidade
de São Paulo. O mencionado autor admite que, para
um ensino clínico eficiente, os professores devem estar
atentos para obter informações a respeito das dificuldades de aprendizado de cada estudante e da sua competência aliada a seu desempenho clínico.
Simi Jr. et al.11 (1998) recomendaram a identificação e análise de dificuldades nas diversas etapas do
tratamento endodôntico no transcurso das atividades
Revista da ABENO • 7(1):38-46
39
Análise das dificuldades dos alunos de graduação durante as manobras de odontometria • Medeiros JMF, Habitante SM, Zöllner NA,
Carvalho PL, Pinto CA, Lage-Marques JL
clínicas da Disciplina de Endodontia. Para tal, selecionaram 740 planos de tratamentos endodônticos.
Os alunos foram entrevistados anotando-se as suas
dificuldades em um questionário idealizado pelos
professores. Em seus resultados consta que um dos
maiores obstáculos encontrados por 100 alunos nas
diversas etapas do tratamento endodôntico foi, entre
outros, a odontometria, sendo que os maiores erros
para esse procedimento foram a escolha do primeiro
instrumento, seguindo-se a tomada radiográfica e o
cálculo matemático.
Kamaura et al.5 (2003) estudaram alguns quesitos
da prática endodôntica realizada na clínica e no laboratório, valendo-se de alunos da Disciplina de Endodontia. Os referidos autores analisaram radiografias
finais dos tratamentos endodônticos realizados considerando, entre outros critérios de qualidade, a qualidade radiográfica no tocante à forma – adequada ou
inadequada. Quando comparados os tratamentos realizados em laboratório e clínica, ocorreram diferenças
significativas nos critérios acidentes e qualidade radiográfica, evidenciando-se diminuição da qualidade radiográfica ao longo do período de exercício da especialidade. Os autores perceberam que a evolução
seqüenciada da habilidade exige do corpo docente um
estreito acompanhamento para não se permitir a queda na performance. A experiência do laboratório, relatam os autores, deverá ser imediatamente colocada
à prova na clínica de modo a aproveitar os conhecimentos recentes e aplicá-los em pacientes.
Com vistas a avaliar a qualidade de ensino na Disciplina de Endodontia da Universidade Federal do
Ceará, Vale12 (2005) valeu-se de questionário, com 16
perguntas, o qual foi aplicado aos alunos de graduação
do primeiro e segundo semestres de 2004. Observou-se
que, dos 69 alunos matriculados na Disciplina de Endodontia, apenas 59,42% devolveram o questionário
com as respostas, totalizando 41 alunos – sendo 20 alunos da turma do primeiro semestre e 21, do segundo.
O referido autor localizou várias dificuldades operatórias, sendo necessário o reconhecimento de atenção e treinamento maiores para as fases de acesso e
preparo da câmara pulpar e obturação do canal; todavia, porcentagens significativas dos respondentes
das duas turmas cometeram erros ou falhas, também
de procedimento, em outras etapas do tratamento
endodôntico menos significativas do ponto de vista
percentual, sendo a tomada radiográfica e a odontometria assinaladas tanto nos primeiros tratamentos in
vitro e in vivo como no último tratamento.
Por razões didáticas podemos seqüenciar os pas40
sos do tratamento endodôntico laboratorial da seguinte forma: fase de acesso à câmara pulpar e à
entrada do canal radicular, odontometria, preparo
químico-cirúrgico dos canais radiculares e obturação
dos canais radiculares. A seqüência dos passos é
transmitida mediante aula expositiva em sala. Portanto, posteriormente, torna-se indispensável a presença dos acadêmicos no laboratório ou na clínica
para o exercício prático de suas atividades, as quais
foram orientadas em sala de aula sob a supervisão do
professor.
Aliás, observa-se que as execuções dessas tarefas
práticas, em parte, nem sempre são cumpridas integralmente, haja vista as dificuldades dos passos operatórios
que exigem certos cuidados no seu desenvolvimento.
Nesse particular, Paiva, Antoniazzi9 (1991) e LageMarques, Antoniazzi6 (2002) referindo-se à tomada
radiográfica esclarecem que, em presença do isolamento absoluto do campo operatório, as dificuldades
encontradas nessa fase se justificam em razão da presença do grampo e do lençol de borracha, os quais
exigem vigilância durante o estabelecimento das angulações verticais e horizontais. Por esse motivo, assegura-se a ocorrência de um número elevado de
perda de tomadas radiográficas.
Considerando todas as ponderações aqui despendidas, visamos destacar os erros que mais acometem
o procedimento de odontometria e para tanto estamos propondo um questionário para verificar de maneira pormenorizada os obstáculos para a realização
desse procedimento.
O propósito do presente trabalho foi avaliar e
identificar, valendo-se de questionário, as dificuldades encontradas durante as atividades laboratoriais
da Disciplina de Endodontia realizadas em dentes
humanos extraídos montados em manequim, analisando-se os resultados das tomadas radiográficas periapicais durante o procedimento odontométrico em
função da quantidade de perdas de películas radiográficas, do desperdício do tempo de trabalho e do
tempo de trabalho.
MATERIAL E MÉTODO
Foram selecionados 50 alunos do terceiro ano
cursando a Disciplina de Endodontia do Departamento de Odontologia da Universidade de Taubaté
no primeiro semestre de 2005. Ao término de suas
atividades laboratoriais, procuravam-se alunos que
tinham efetuado a fase de tratamento endodôntico
denominada odontometria para serem avaliados por
meio de uma entrevista com tempo mínimo estimado
Revista da ABENO • 7(1):38-46
Análise das dificuldades dos alunos de graduação durante as manobras de odontometria • Medeiros JMF, Habitante SM, Zöllner NA,
Carvalho PL, Pinto CA, Lage-Marques JL
de 10 minutos.
Nessa entrevista, os professores explicavam e mostravam o conteúdo do questionário (Quadro 1) aos
alunos, tendo sido pedidos a estes, inicialmente, o
preenchimento e a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido; após isso, os professores
distribuíam para cada aluno seis a sete fichas com o
referido questionário, sendo uma ficha destinada
para cada dente em que já tinha sido executado o
procedimento odontométrico, pedindo a ele que se
manifestasse e identificasse nesse questionário previamente elaborado a presença ou não das referidas
dificuldades.
A finalidade do processo era a manifestação do
aluno e a identificação por parte deste, em um questionário previamente preparado, da presença ou não
de dificuldades no transcurso da odontometria, ordenando-se os erros possíveis desse tempo operatório
segundo o Quadro 1.
De posse dos resultados obtidos, foram confeccionadas tabelas com números e seus respectivos percentuais e foi feita análise estatística pelo teste do Quiquadrado (χ2).
RESULTADOS
Os resultados desta avaliação estão dispostos nas
Tabelas 1 a 4.
Constatou-se que, dos 50 alunos matriculados na
Disciplina de Endodontia no ano de 2005, apenas 45
responderam e devolveram o questionário, perfazendo-se um total de 90% de alunos entrevistados e de
271 fichas respondidas, as quais foram recolhidas para
análise obtendo-se assim uma representação do nível
de acertos e erros durante a odontometria.
DISCUSSÃO
Os erros que ocorrem durante o tratamento endodôntico podem resultar em posterior perda do
dente. Assim, menor ocorrência de erros significa
ampliação dos índices de sucesso, o que torna necessária a descoberta de qual a causa mais significativa
dos erros cometidos e se esses sobrevêm por falta de
habilidade, por deficiência no aprendizado ou por
imprudência ou negligência do aluno.
Verifica-se durante o treinamento pré-clínico a
experiência de erros, sobretudo quando se trata de
tomadas radiográficas. Como o resultado desse exame é de importância fundamental para a continuação
das fases subseqüentes da terapia endodôntica, as dificuldades dessas tomadas são, sem sombra de dúvida,
achados que na prática importunam e preocupam os
Quadro 1 - Questionário para o preenchimento das questões formuladas.
Universidade de Taubaté
Departamento de Odontologia
Curso de Pós-graduação em Odontologia
Ficha nº________
Dente_____
Data ___/___/___
A)Assinale as dificuldades abaixo relacionadas que você
acredita ter encontrado durante os procedimentos
odontométricos:
1. Enquadramento do filme [ ]
2. Manutenção do filme [ ]
3. Afinidade com o aparelho de raios X [ ]
4. Interferência do grampo [ ]
5. Interferência do lençol de borracha [ ]
6. Dificuldade de posicionar o ângulo vertical [ ]
7. Dificuldade de posicionar o ângulo horizontal [ ]
8. Dificuldade de localizar a área de incidência [ ]
9. Tempo de exposição [ ]
10. Revelação [ ]
11. Fixação [ ]
12. Técnica utilizada [ ]
13. Escolha do primeiro instrumento [ ]
14. Cálculo matemático [ ]
15. Erro ou falha técnica no processamento [ ]
B)Quantas películas radiográficas foram utilizadas durante
o procedimento odontométrico (não deve constar a
radiografia inicial)?
1. Duas películas [ ]
2. Três películas [ ]
3. Quatro películas [ ]
4. Cinco películas [ ]
5. Seis películas ou mais [ ]
C)Houve desperdício de tempo de trabalho?
1. Sim [ ]
2. Não [ ]
D)Tempo de trabalho para a realização da odontometria
(para resposta sim à questão anterior)
1. Até quinze minutos [ ]
2. Até trinta minutos [ ]
3. Até quarenta minutos ou mais [ ]
professores e orientadores.
O professor em sua exposição teórica de situações
da prática odontológica tenta transmitir ao aluno o
aprendizado dos exercícios que enfrentará durante
todo o semestre no laboratório, e este em sala de aula
vê, ouve e escreve o que o professor pondera. No laboratório, ao realizar o seu treinamento, percebe-se
que no início há dificuldades na consecução dos exercícios práticos, pois, na realidade, o aluno necessita
de criar hábitos cada vez mais intensos no laboratório
a fim de exercer com convicção as suas tarefas do
dia-a-dia e desenvolver práticas que o faz avançar; sem
Revista da ABENO • 7(1):38-46
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Análise das dificuldades dos alunos de graduação durante as manobras de odontometria • Medeiros JMF, Habitante SM, Zöllner NA,
Carvalho PL, Pinto CA, Lage-Marques JL
Tabela 1 - Freqüências, em valores absolutos e porcentagens, das dificuldades encontradas durante os procedimentos
odontométricos nos três grupos dentários.
Grupo dentário
Incisivos
Dificuldade
Pré-molares
Molares
Total
Enquadramento do filme
8(19,51%)
11(26,83%)
22 (53,66%)
41
Manutenção do filme
4(33,33%)
5(41,67%)
3 (25,00%)
12
Afinidade com o aparelho de raios X
14(31,82%)
16(36,36%)
14 (31,82%)
44
Interferência do grampo
18(34,61%)
12(23,08%)
22 (42,31%)
52
Interferência do lençol de borracha
17(29,31%)
20(34,48%)
21 (36,21%)
58
Dificuldade de posicionar o ângulo vertical
14(20,89%)
19(28,36%)
34 (50,75%)
67
Dificuldade de posicionar o ângulo horizontal
11(15,28%)
23(31,94%)
38 (52,78%)
72
Dificuldade de localizar a área de incidência
10(18,18%)
13(23,64%)
32 (58,18%)
55
Tempo de exposição
1(14,28%)
3(42,86%)
3 (42,86%)
7
Revelação
10(29,41%)
11(32,35%)
13 (38,24%)
34
Fixação
10(37,04%)
12(44,44%)
5 (18,52%)
27
Técnica utilizada
5(25,00%)
4(20,00%)
11 (55,00%)
20
Escolha do primeiro instrumento
18(29,03%)
20(32,26%)
24 (38,71%)
62
Cálculo matemático
19(31,67%)
17(28,33%)
24 (40,00%)
60
Erro ou falha técnica no processamento
12(36,36%)
13(39,39%)
8 (24,25%)
33
Total de dificuldades
171(26,55%)
esquecer, é claro, as suas consultas em livros-textos e
trabalhos de pesquisa, e não só o estudo do assunto
que o professor pondera em sala de aula.
Os alunos apresentam níveis diferentes de dificuldades no decorrer de seu treinamento, o que
contraria a idéia de clareza, harmonia e adequação
da fase que está se propondo realizar com eficiência.
Isso repercute no plano de ensino proposto pela
disciplina. As dificuldades, quando identificadas,
poderão ser trabalhadas a fim de melhorar o aprendizado dos alunos.
Com esse objetivo, moveu-nos a intenção de analisar, em vários procedimentos odontométricos, os
erros que mais se destacam.
Os achados em nossa pesquisa (Tabela 1) apontam alto índice percentual de dificuldades em se estabelecer o ângulo horizontal do cone do aparelho
de raios X no manequim – 72 ocorrências, sendo 38
em elementos molares (52,78%), os de maior destaque, seguidos dos pré-molares – 23 casos (31,94%) e
finalmente dos incisivos – 11 situações (15,28%).
Do mesmo modo, o estabelecimento das angulações verticais também apresentou dificuldades em 67
ocasiões e, mais uma vez, os dentes molares foram
aqueles de maior índice de erro – 34 circunstâncias
(50,75%), seguindo-se 19 pré-molares (28,36%) e,
por último, 14 incisivos (20,89%).
42
199(30,90%)
274 (42,55%)
644
Esses dados identificam-se com as declarações de
Paiva, Antoniazzi9 (1991) e Lage-Marques, Antoniazzi6
(2002), que, ao se referirem à tomada radiográfica
diante do isolamento absoluto do campo operatório,
esclareceram que as dificuldades encontradas nessa
fase se justificam em razão da presença do grampo e
do lençol de borracha, os quais exigem vigilância durante o estabelecimento das angulações verticais e horizontais, assegurando-se número elevado de perda de
tomadas radiográficas, que além de dispendiosa gasta
tempo de trabalho.
Além disso, Vale12 (2005) observou erros na tomada radiográfica e na odontometria no primeiro tratamento in vitro, enquanto no último tratamento in vitro
constatou erro na tomada radiográfica. Ao atentar para
o primeiro tratamento in vivo, verificou erros durante
a radiografia, a secagem da radiografia e a odontometria, entre outros. Para os erros observados no último
tratamento in vivo constatou falha na radiografia.
A qualidade radiográfica observada com padrão
de processamento (revelação e fixação), ratifica Vale12
(2005), foi adequada em 87 radiografias e em 13 situações estava inadequada em avaliações no laboratório de dentes unirradiculares. Considerando-se
dentes birradiculares tratados em laboratório, a qualidade radiográfica foi adequada em 83 condições e
inadequada em 17 casos. Para os dentes multirradi-
Revista da ABENO • 7(1):38-46
Análise das dificuldades dos alunos de graduação durante as manobras de odontometria • Medeiros JMF, Habitante SM, Zöllner NA,
Carvalho PL, Pinto CA, Lage-Marques JL
Tabela 2 - Freqüência, em valores absolutos e porcentagens, da quantidade de películas radiográficas utilizadas durante
os procedimentos odontométricos.
Grupo dentário
Incisivos
Quantidade de
películas radiográficas
Pré-molares
Molares
Duas películas
43 (47,2%)
22 (24,5%)
4
(4,4%)
Três películas
31 (34,1%)
36 (40,0%)
22 (24,5%)
Quatro películas
11 (12,1%)
20 (22,2%)
38 (42,2%)
Cinco películas
2
(2,2%)
11 (12,2%)
Seis películas ou mais
4
(4,4%)
Total
91 (100,0%)
17 (18,9%)
(1,1%)
9 (10,0%)
90 (100,0%)
90 (100,0%)
1
χ = 71,28 (significante ao nível de 1%) (α = 0,01).
2
Tabela 3 - Freqüência, em valores absolutos e porcentagens, de desperdício ou não de tempo de trabalho durante os
procedimentos odontométricos.
Grupo dentário
Desperdício de
tempo de trabalho
Incisivos
Pré-molares
Molares
Sim
63 (69,2%)
72 (80,0%)
Não
28 (30,8%)
18 (20,0%)
Total
91(100,0%)
90 (100,0%)
87 (96,6%)
3
(3,4%)
90 (100,0%)
χ = 23,33 (significante ao nível de 1%) (α = 0,01).
2
Tabela 4 - Freqüência, em valores absolutos e porcentagens, de tempo de trabalho para realização da odontometria.
Grupo dentário
Tempo para
realização da odontometria
Incisivos
Pré-molares
Molares
Até quinze minutos
17 (27,0%)
14 (19,4%)
16 (18,4%)
Até trinta minutos
39 (62,0%)
47 (65,3%)
30 (34,5%)
Até quarenta minutos ou mais
7 (11,0%)
11 (15,3%)
41 (47,1%)
Total
63(100,0%)
72(100,0%)
87(100,0%)
χ2 = 33,10 (significante ao nível de 1%) (α = 0,01).
culares, as avaliações realizadas no laboratório indicam que a qualidade radiográfica foi menor, sendo
64 casos adequados e 36 inadequados.
Concordamos com Kamaura et al.5 (2003) que os
alunos de graduação no início de suas atividades na
Disciplina de Endodontia estão ainda despreparados e apresentam baixíssima habilidade específica,
o que sem sombra de dúvida representa alto grau de
dificuldade.
Além disso, constatamos ainda, na aludida Tabela 1, 62 ocorrências de dificuldades durante a escolha
do primeiro instrumento, que ocorreram em 24 molares (38,71%), 20 pré-molares (32,26%) e em 18
casos (29,03%) nos dentes incisivos.
Com relação à escolha do primeiro instrumento,
cumpre ressaltar que os resultados acima encontrados se apresentam, do ponto de vista percentual, próximos aos achados por Simi Jr. et al.11 (1998), que se
depararam com 40% de dificuldades nesse item (para
os molares). Acresça-se, porém, que os referidos autores valeram-se de 740 planos de tratamento e nós
tão somente de 271 fichas.
Considerando-se o cálculo matemático, obtivemos em 60 dentes dificuldades na resolução odontométrica, assinaladas em 24 molares (40,00%), 17 prémolares (28,33%) e em 19 incisivos (31,67%).
Talvez esse número elevado de erros no cálculo
matemático se fundamente nas observações de Paiva
et al.10 (1991), que ressaltam que o cálculo matemático utilizado durante a manobra de odontometria é
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43
Análise das dificuldades dos alunos de graduação durante as manobras de odontometria • Medeiros JMF, Habitante SM, Zöllner NA,
Carvalho PL, Pinto CA, Lage-Marques JL
cercado de dificuldades, já que se trata de um ato
relativo, fruto da comparação e sujeito a erros.
Aliás, Simi Jr. et al.11 (1998) ressaltam que uma das
maiores dificuldades encontradas pelos alunos de
graduação durante o procedimento odontométrico
é o cálculo matemático, que teve especial destaque
com percentual de 30%. Observou-se também interferência do lençol de borracha, fato esse que dificultou o procedimento odontométrico em 58 ocorrências, seguindo-se a interferência do grampo, em 52
situações.
Para os fatores acima citados, constataram-se 21
dificuldades para os molares (36,21%), 20 para os prémolares (34,48%) e 17 para os incisivos (29,31%) quando considerada a interferência do lençol de borracha;
e constataram-se 22 casos para os molares (42,31%),
12 ocorrências para os pré-molares (23,08%) e 18 erros
para os incisivos (34,61%) quando analisamos a interferência do grampo.
Encontramos percentual significativo no item dificuldade de localizar a área de incidência (55 ocasiões),
constituído em ordem decrescente de 32 dentes molares (58,18%), 13 pré-molares (23,64%) e 10 incisivos
(18,18%).
De fato, além de atentarmos para as angulações
verticais e horizontais dos diversos grupos dentários,
as áreas de incidência do feixe de raios X, especialmente a região apical dos dentes, devem ser bem localizadas na face e radiografadas.
Desse modo, presumimos que, dependendo da
região a ser radiografada, deve-se evitar a superposição valendo-se para isso da técnica da bissetriz com
incidência excêntrica ou até mesmo da técnica do
paralelismo, o que propicia isomorfismo da imagem,
principalmente da região apical; sugerimos ainda deslocamento do cilindro para região apical.
Assim, a falta de uma apurada técnica radiográfica
com vistas a localizar corretamente a área de incidência dos raios X determinou a ocorrência de dificuldades em dentes molares – 58,18%, seguindo-se os prémolares – 23,64%, e os incisivos – 18,18%, como visto
na Tabela 1.
Constatamos 44 dificuldades por parte dos alunos
no item afinidade com o aparelho de raios X, sendo
que ocorreram em 14 situações com os dentes molares, seguindo-se os pré-molares (16) e, em 14 momentos, os incisivos.
Esse acontecimento deve-se à falta de prática, uma
vez que o aluno do terceiro ano de curso está iniciando o desenvolvimento de habilidades na Disciplina
de Endodontia se valendo do aparelho de raios X.
44
Em relação ao enquadramento do filme durante
as tomadas radiográficas, averiguamos que, das 41
dificuldades, 22 eram de enquadramento do filme em
dentes molares, 11, em dentes pré-molares e apenas
8, em dentes incisivos.
Com respeito à revelação e fixação, notamos 34 e
27 dificuldades encontradas, respectivamente, para
revelação e fixação da película radiográfica. Assim
sendo, películas de 13 molares, 11 pré-molares e 10
incisivos sofreram falhas durante a revelação, enquanto nas de 5 molares, 12 pré-molares e 10 incisivos
ocorreu fracasso na fixação.
No que tange a erro ou falha técnica no processamento, localizamos 33 dificuldades, sendo 8 ocorrências em molares, 13 em pré-molares e 12 em
incisivos.
Mais uma vez, destacam-se as observações de Vale12
(2005), ao afirmar que o padrão de processamento – na revelação e fixação –, para garantir a qualidade radiográfica, deve ser cuidadosamente observado
a fim de que o profissional tire maior proveito em
menor tempo possível, e destacam-se as considerações de Bombana, Capriglione3 (1991), que chamam
a atenção para obtenção de boas radiografias do ponto de vista técnico. Assim, deve-se estabelecer uma
padronização da metodologia de processamento, por
exemplo, tempo constante de revelação e utilização
de solução em uma temperatura fixa, ou seja, entre
16°C e 24°C, tomando-se o cuidado de renovação
freqüente das soluções.
Dado interessante diz respeito às dificuldades relacionadas à técnica utilizada, uma vez que atentamos
para 20 ocasiões, das quais 11 pertenciam aos molares,
4, aos pré-molares e 5, aos incisivos.
Muito embora tenhamos encontrado número reduzido de dentes com esse tipo de erro, nunca é demais lembrar que o emprego de técnica apropriada
(paralelismo ou bissetriz com incidência excêntrica)
é sempre aconselhável; recomendamos ao aluno em
sala de aula preferencialmente o uso de aparelho de
raios X com cone longo – dispositivo esse encontrado
na clínica de graduação do Departamento de Odontologia. Na sua ausência, devemos nos valer de posicionador de filme periapical para tomadas radiográficas sob isolamento absoluto ou de adaptador
exigido para técnica do paralelismo.
Detalhe importante diz respeito às dificuldades
encontradas pelos alunos no tocante ao item manutenção do filme. Deparamo-nos com 12 ocorrências,
das quais 3 pertenciam aos molares, 5, aos pré-molares
e 4, aos incisivos. Nesse particular convém esclarecer
Revista da ABENO • 7(1):38-46
Análise das dificuldades dos alunos de graduação durante as manobras de odontometria • Medeiros JMF, Habitante SM, Zöllner NA,
Carvalho PL, Pinto CA, Lage-Marques JL
que o manequim odontológico utilizado pelos alunos
de graduação possui dispositivo, como uma lingüeta
móvel, que permite a introdução do filme tornando
fácil a fixação da película radiográfica na região a ser
radiografada.
Finalmente, em 7 situações houve dificuldades
por parte do aluno em determinar o tempo de exposição. Isso ocorreu em 3 casos de tomadas radiográficas em molares, 3 em pré-molares e apenas um caso
em incisivo.
De fato, o que se constata durante o treinamento
é a ocorrência de perdas de películas radiográficas
que são tomadas durante a odontometria, o que aumenta o desperdício de tempo de trabalho em decorrência dos erros cometidos. Calculamos, após o levantamento, que cerca de 450 películas foram perdidas.
Essa perda equivale a três caixas de filme, o que não
nos parece natural para um procedimento tão simples, já que apenas duas películas radiográficas no
máximo são suficientes para execução da odontometria por dente.
Aliás, a perda de tempo diz respeito ainda a uma
série de fatores, tais como a espera em uma fila para
realização tanto da tomada radiográfica como do processamento da película radiográfica, o tempo de revelação e fixação, o preenchimento dos valores odontométricos na ficha – o que inclui o cálculo matemático –, a
espera pela aprovação do professor para continuidade
do processo e a compreensão do processo de odontometria pelo iniciante.
No que concerne à quantidade de películas radiográficas usadas no procedimento nos três grupos dentários, expressa na Tabela 2, observou-se
que houve diferença estatisticamente significante
entre a quantidade de películas utilizadas durante
os procedimentos odontométricos entre os grupos
dentários.
Para esses indicadores, os resultados frente ao teste Qui-quadrado (χ2) para um nível de probabilidade
de 1% nos asseguram que, quando comparado o número de películas para tomada radiográfica dos incisivos com o para tomada dos pré-molares e molares,
ficaram evidentes diferenças significantes.
Por outro lado, para o desperdício ou não de tempo de trabalho durante a tomada radiográfica nos três
grupos dentários avaliados, a Tabela 3 informa em
valores absolutos e porcentagens que ocorreu diferença estatisticamente significante.
Os resultados, confrontados por meio do teste
estatístico para um nível de probabilidade de 1%,
indicam que, quando analisado o desperdício ou não
de tempo de trabalho frente às análises radiográficas
dos incisivos, pré-molares e molares, houve desigualdades nas freqüências de desperdício ou não de tempo de trabalho.
A Tabela 4 apresenta em valores absolutos e porcentagens o tempo de trabalho obtido para tomadas
radiográficas dos três grupos dentários analisados,
apontando-se diferença estatisticamente significante.
Os dados comparados nessa avaliação, quando da
execução do teste estatístico para um nível de probabilidade de 1%, permitem demonstrar que, quando
pesquisado o tempo de trabalho frente às tomadas
radiográficas e quando comparados os resultados dos
dentes incisivos, pré-molares e molares, os comportamentos foram diferentes.
Não obstante Weinfeld13 (1996) ter encontrado
na sua pesquisa como última dificuldade a odontometria, julgamos que o nosso projeto alcançou os
objetivos, ou seja, esclareceu e apontou erros e dificuldades em vários itens, os quais mostraram que as
tomadas radiográficas durante o procedimento odontométrico são tarefa que, cada dia mais, exige treinamento continuado, de modo que o aluno ao realizar
posteriormente essa prática em pacientes se utilize de
cada vez menos tomadas radiográficas.
CONCLUSÕES
De posse dos resultados obtidos nesta pesquisa,
parece-nos adequado deduzir que:
• Na maioria das vezes, os molares foram os dentes
que apresentaram as maiores freqüências em valores absolutos e porcentagens de dificuldades, seguindo-se os pré-molares e por último os incisivos.
• Houve diferença em relação à quantidade de películas radiográficas utilizadas durante os procedimentos odontométricos entre os três grupos
dentários avaliados.
• Ocorreu diferença para os três grupos dentários
analisados durante os procedimentos odontométricos no tocante ao desperdício de tempo de
trabalho.
• Houve diferença em relação ao tempo de trabalho
para realização da odontometria entre os três grupos dentários examinados.
ABSTRACT
Analysis of the difficulties faced by undergraduate
students while determining tooth length
The aim of this study was to identify and to evaluate, by means of a questionnaire, the difficulties faced
by students during laboratorial activities in extracted
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Análise das dificuldades dos alunos de graduação durante as manobras de odontometria • Medeiros JMF, Habitante SM, Zöllner NA,
Carvalho PL, Pinto CA, Lage-Marques JL
human teeth mounted on a mannequin in the discipline of Endodontics. Thus, the periapical radiographs taken during tooth-length determination procedures were analysed as to the factors quantity of
dental intraoral films and their loss, waste of work time
and work time. Fifty 3rd year students were selected
which were taking the discipline of Endodontics of the
Department of Dentistry, University of Taubaté, SP,
Brazil, in the first semester of 2005. After their lab
activities, students were evaluated by means of an interview during an estimated minimum time of 10 minutes. The professors explained and showed the contents of the questionnaire to the students, and these
were asked, initially, to fill out and sign a free and
informed consent form. The professor then handed
out six to seven cards to each student with the questionnaire, one card for each tooth for which the student had already concluded the tooth-length determination procedure. For each card, the student was
asked to express and identify in the previously created
questionnaire the presence or absence of any difficulty. It was concluded that the molars presented the
highest frequencies in number and percentages of
difficulties, followed by the premolars and lastly by the
incisors. There was significant statistical difference
(p = 0.01) in relation to the factors quantity of dental
intraoral films used, waste of work time and work time
during the tooth-length determination procedures
among the three evaluated dental groups.
da Universidade de São Paulo. Contribuição ao estudo [Dissertação de Mestrado]. São Paulo: Faculdade de Odontologia
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46
Revista da ABENO • 7(1):38-46
Recebido para publicação em 16/01/2006
Formulação de questões clínicas
estruturadas para pesquisa: uma
abordagem prática
O exercício da formulação de questões clínicas estruturadas é um
passo importante para o aprendizado clínico, o desenvolvimento da
capacidade crítica do aluno e o direcionamento de tópicos e questões
de pesquisa clínica.
Cláudio Rodrigues Leles*, Lorena Batista de Oliveira**, William José Morandini***, Erica
Tatiane da Silva****
*Professor Doutor da Faculdade de Odontologia da Universidade
Federal de Goiás. E-mail: [email protected].
**Cirurgiã-Dentista.
***Aluno de Pós-Graduação (Mestrado) da Faculdade de Odontologia
da Universidade Federal de Goiás.
****Aluna de Graduação da Faculdade de Odontologia da
Universidade Federal de Goiás.
RESUMO
A etapa inicial do processo de elaboração de um
protocolo de pesquisa clínica é a formulação de uma
questão de pesquisa clara e específica. Durante a abordagem prática com os pacientes, um tópico de interesse clínico é determinado e uma dúvida ou lacuna
no conhecimento deve ser expressa na forma de uma
questão clínica não estruturada. Esta deve passar por
um processo de estruturação para que seja passível
de resposta através de uma busca sistematizada de
informações científicas, da avaliação crítica, interpretação das informações e avaliação dos possíveis desfechos clínicos. O objetivo do trabalho foi desenvolver
a aplicação prática da elaboração de questões clínicas,
por meio da discussão em grupo de cenários clínicos
originários de atividades clínicas de Prótese Dentária.
Inicialmente, realizou-se a coleta de dados, em formulários específicos, de 31 cenários clínicos durante
40 sessões de atendimento de pacientes da Faculdade
de Odontologia da Universidade Federal de Goiás
(UFG). Em um segundo momento, grupos de discussão formados por 3 ou 4 alunos, com a presença de
um professor tutor para orientação das discussões dos
cenários descritos, reuniam-se para a elaboração das
questões clínicas de interesse; perfez-se um total de
16 reuniões, com 26 horas de discussão, e produziramse 53 questões clínicas estruturadas. Componentes
específicos de cada questão foram identificados (paciente, intervenção, comparação, desfecho). Concluiu-se que o exercício da formulação de questões
clínicas estruturadas é um passo importante para o
aprendizado clínico, o desenvolvimento da capacidade crítica do aluno e no direcionamento de tópicos
e questões de pesquisa clínica.
DESCRITORES
Educação em Odontologia. Ensino. Pesquisa em
odontologia.
U
ma abordagem inovadora para a adoção de condutas clínicas na área de saúde foi proposta a
partir do início da década de 1990, fundamentada no
modelo de práticas clínicas baseadas em evidências
científicas.11 Essa proposta busca efeitos diretos no
aperfeiçoamento do processo de tomada de decisões
em odontologia: (1) tornar os serviços de prestação
Revista da ABENO • 7(1):47-53
47
Formulação de questões clínicas estruturadas para pesquisa: uma abordagem prática • Leles CR, Oliveira LB, Morandini WJ, Silva ET
de saúde mais efetivos, (2) controlar custos na aplicação de recursos sem comprometimento da qualidade
dos benefícios e (3) aliar os avanços tecnológicos às
mudanças sociais e à evolução das expectativas dos
usuários dos serviços.9 Além das metas de melhoria
na relação de custo-efetividade dos serviços de atenção à saúde, uma atenção à diminuição da lacuna
entre a pesquisa e a prática clínica merece enfoque
especial, sobretudo na área clínica, em que a conduta motivada por opiniões pessoais empíricas muitas
vezes se sobrepõe à adoção da evidência científica e
da ênfase no julgamento crítico consciente, comumente resultando na simples adesão irrestrita a regras
e conjuntos de normas técnicas.13
Como conseqüência, o ensino e a prática odontológica em muitos casos acabam por promover apenas
a ênfase no treinamento clínico, na observação de
resultados imediatos de intervenções clínicas, em decisões intuitivas e na padronização de técnicas.1 Há
uma desvalorização do ensino como produção de conhecimento, ficando este e suas formas de apropriação e produção restritos apenas à pesquisa.2 Ao contrário, uma relação indissociável entre ensino e
pesquisa deveria ser estabelecida. A arte do ensino e
da pesquisa odontológica deve ser constantemente
refletida, a ponto de prestigiar um ensino baseado
em evidências científicas, discutido e passível de mudanças em todo momento.6
Nesse contexto, a etapa inicial do processo de elaboração de um protocolo de pesquisa clínica é a formulação de uma questão de pesquisa. Inicialmente,
a partir da abordagem do paciente na atividade clínica prática, um tópico de interesse clínico é determinado, e uma dúvida clínica, expressa como uma questão clínica não estruturada, é estabelecida. Nesse
ponto, uma questão clínica deve passar por um processo de estruturação para que seja passível de resposta através de uma busca sistematizada de informações
científicas relevantes disponíveis, seguindo-se a avaliação crítica e interpretação das informações no contexto do problema clínico apresentado e, finalmente,
sua aplicação clínica e a avaliação do desfecho clínico
do problema10 (Figura 1).
A questão de pesquisa aborda aquilo que o investigador deseja conhecer, partindo de uma preocupação geral que precisa então ser reduzida a um tópico
concreto e viável de ser estudado. Existem características gerais de uma boa questão de pesquisa: deve ser
factível, interessante, inovadora, ética e relevante.
Entretanto, a relevância, em particular, constitui a
característica mais importante da questão clínica, vis48
to que tem o potencial de influenciar as decisões ou
diretrizes clínicas e de saúde pública.4
Um modelo prático para formulação de questões
de pesquisa clínica bem elaboradas foi proposto por
Miller, Forrest,8 em 2001. Consiste em um processo
sistemático de conversão das informações em questões
clínicas. Uma questão clínica de pesquisa deve, assim,
conter os seguintes elementos: (1) o paciente, a população, o problema, (2) a intervenção, (3) a comparação,
se houver, e (4) o resultado ou desfecho. Essa estratégia
foi denominada de questões PICO – do inglês: “Patient”, “Intervention”, “Comparison” e “Outcome” –,
para questões que envolvem tratamento, e PIPO – do
inglês: “Patient”, “Intervention”, “Prediction” e “Out­
come” – para questões que envolvem predição.
O objetivo do presente estudo é elaborar questões
clínicas estruturadas a partir da discussão de cenários
clínicos práticos e identificar componentes das questões que direcionem enfoques para pesquisa clínica.
1. DEFINIÇÃO DE PROBLEMAS CLÍNICOS
Cenário clínico
(paciente/problema)
Cenário clínico
(paciente/problema)
Tópico de
interesse
Dúvida clínica
Questão clínica
não estruturada
2. BUSCA SISTEMÁTICA DE EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS
Determinação das
fontes de informação
e de estratégias
de busca
Seleção das
referências
relevantes
3. AVALIAÇÃO CRÍTICA DAS EVIDÊNCIAS DISPONÍVEIS
Análise e
interpretação
das referências
relevantes
Avaliação das
informações no
contexto clínico
4. USO DA EVIDÊNCIA NO TRATAMENTO DO PACIENTE
5. AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS
Figura 1 - Método baseado em evidência para tomada
das decisões clínicas.
Revista da ABENO • 7(1):47-53
Formulação de questões clínicas estruturadas para pesquisa: uma abordagem prática • Leles CR, Oliveira LB, Morandini WJ, Silva ET
MATERIAL E MÉTODO
A metodologia proposta foi dividida em duas partes distintas. Inicialmente, foram realizadas a seleção
de pacientes e a coleta de dados, e, em um segundo
momento, procedeu-se à discussão em grupo do caso
descrito para elaboração das questões clínicas de interesse. A coleta de dados para formulação de questões
clínicas estruturadas foi realizada em formulários específicos no transcorrer das atividades clínicas, durante e após o atendimento de pacientes, na unidade de
atendimento da Clínica Integrada I e II, e na Clínica
de Especialização em Prótese Dentária da Faculdade
de Odontologia da Universidade Federal de Goiás.
Seleção de pacientes e coleta de dados
A seleção de pacientes foi realizada de forma aleatória, em dias de atendimento clínico pré-determinados, com base no interesse despertado no aprofundamento da discussão do cenário clínico do paciente.
Outro critério adotado para delimitação do contexto
de interesse para escolha dos pacientes foi a seleção
restrita àqueles submetidos a tratamento protético
para reposição de dentes ausentes.
A coleta de dados relacionados à identificação do
paciente e aos aspectos clínicos relevantes da história
médica e história odontológica foi realizada a partir
do prontuário clínico do paciente. Com o objetivo de
descrever o cenário clínico detalhado do paciente e
do problema clínico em questão (paciente-problema),
foi realizada uma entrevista semi-estruturada com o
paciente e o aluno responsável pelo atendimento.
Discussão do caso clínico e elaboração
da questão clínica
Com base nas informações obtidas na etapa anterior, foi estabelecida uma abordagem para discussões
em grupo com enfoque na problemática descrita nos
casos clínicos. O grupo de discussão era formado por
4 a 5 pessoas, estudantes de graduação e de pós-graduação, acompanhadas por um professor-tutor com
a função de direcionar e estimular a discussão, apresentar problemas e fornecer informações pertinentes
ao tópico em questão.
A discussão do cenário clínico do paciente-problema fornecia questionamentos, traduzidos em questões clínicas não estruturadas, as quais eram transcritas por um dos membros do grupo. O próprio grupo
estabeleceu critérios para a seleção das questões clínicas. Aquelas questões que não eram relevantes não
faziam parte da seleção, somente as questões de enfoque clínico com desfecho significativo sob o ponto
de vista da atenção à saúde do paciente eram consideradas e permaneciam como tema de discussão.
Após as sessões de discussão, passava-se à estruturação das questões clínicas relevantes elaboradas pelo
grupo. Essas questões foram formuladas de acordo
com o modelo proposto por Miller, Forrest,8 em 2001
(questões PICO), contendo os seguintes itens: população/paciente/problema, intervenção, comparação
e desfecho. Aquelas questões que envolviam predição
eram consideradas na seguinte estrutura (PIPO): população/paciente/problema, intervenção, predição
e desfecho.
Adicionalmente, foi estabelecido o contexto de
interesse da questão, de acordo com seis categorias:
educação, prevenção, diagnóstico, etiologia, prognóstico e tratamento. A determinação do tipo de
questão abordada serve como base para a sugestão do
tipo de estudo mais adequado para a resolução da
questão clínica formulada, de acordo com os níveis
de hierarquia de evidência.
Durante o processo de discussões, os seguintes
critérios foram estabelecidos como necessários para
o encerramento de cada questão clínica:
1. ser passível de resposta: a questão clínica deve se
referir a fatos concretos e sugerir abordagens factíveis para respondê-la; deve ser suficientemente
clara para que seja possível sua resposta de forma
objetiva;
2. ser específica: ter como enfoque o problema de
maior interesse, com um escopo (alvo) bem definido; a elaboração de questões demasiadamente
amplas pode dar origem a questionamentos secundários, os quais enfraquecem o potencial de
resolução da questão clínica principal;
3. ter significado prático para o paciente: o problema
clínico em questão deve ser significativo, a ponto
de refletir um problema clínico real para o paciente; sua reflexão deve fazer sentido sob o ponto de
vista do paciente;
4. ser relevante: a resposta à questão deveria resultar
em implicações diretas em termos de benefícios
reais para o paciente, ter o potencial de influenciar
tomadas de decisão clínica, interferir no manejo
clínico ou em políticas de saúde, contribuir para o
avanço científico da profissão e/ou sugerir futuros
direcionamentos de pesquisa na área clínica,4
RESULTADOS
Foram selecionados 31 casos de pacientes que foram acompanhados em um total de 40 sessões clínicas. Os dados dos pacientes foram coletados entre
março e junho de 2004, durante atividades clínicas
relacionadas à Prótese Dentária.
Revista da ABENO • 7(1):47-53
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Formulação de questões clínicas estruturadas para pesquisa: uma abordagem prática • Leles CR, Oliveira LB, Morandini WJ, Silva ET
Esses casos geraram discussões que foram realizadas em salas da Faculdade de Odontologia da UFG,
perfazendo-se 16 reuniões com a duração total de
aproximadamente 26 horas de discussão. Em cada
uma das reuniões participavam em torno de quatro
pessoas, sendo obrigatória a presença de um orientador-tutor (um investigador experiente e com prática
clínica, responsável pela estimulação das discussões),
um aluno do mestrado e acadêmicos dos últimos anos
de graduação, todos originários da Faculdade de
Odontologia da UFG.
Como resultado dessas reuniões, foi elaborado
um grande número de questões clínicas, as quais
foram resumidas num total de 53 questões clínicas
estruturadas.
Um exemplo de questão clínica estruturada a partir da discussão dos cenários clínicos dos pacientes é
descrito a seguir.
Cenário clínico apresentado
• Paciente: sexo feminino, 47 anos, desdentada total superior e inferior.
• Queixa principal: “A dentadura está incomodando”.
• História odontológica resumida: desdentada total
há aproximadamente 14 anos, usuária de próteses
totais convencionais superior e inferior, as quais
nunca foram substituídas; paciente insatisfeita
com a condição das próteses.
• História médica resumida: saúde geral satisfatória; apresenta hipertensão controlada (freqüenta
regularmente o cardiologista).
• Condição clínica: extrema reabsorção do rebordo
inferior, fluxo salivar normal e ausência de lesões
na mucosa; próteses com estética insatisfatória;
prótese total inferior com retenção e estabilidade
deficientes, causando desconforto e função mastigatória prejudicada; a paciente requer melhora
da condição geral das próteses, principalmente
em relação aos problemas relacionados à prótese
inferior.
Estruturação da questão clínica a partir
da discussão do cenário clínico
• Paciente/problema: Paciente desdentado total
inferior com reabsorção acentuada do rebordo
residual, usuário de prótese total convencional
com retenção e estabilidade deficientes.
• Intervenção: tratamento com prótese total implanto-suportada (“overdenture”) retida por dois
implantes na região intermentoniana.
50
• Comparação: tratamento com prótese total convencional.
• Resultado (desfecho): maiores benefícios funcionais, conforto e satisfação do paciente, melhor qualidade de vida e relação custo-benefício
favorável.
Questão clínica estruturada
“Em paciente desdentado total inferior com re­
absorção acentuada do rebordo residual, usuário de
prótese total convencional com retenção e estabilidade deficientes, o tratamento com prótese total implanto-suportada (“overdenture”) retida por dois
implantes na região intermentoniana, em comparação com o tratamento com prótese total convencional, resulta em melhor prognóstico do tratamento?”
(O prognóstico se relaciona a fatores como desempenho funcional, conforto, satisfação do paciente, melhoria na qualidade de vida e maiores benefícios com
custos aceitáveis.)
As 53 questões clínicas finalizadas foram, então,
tomadas como elementos de discussão para agrupamento dos componentes da questão clínica (paciente/problema, comparação, intervenção e resultado)
em tópicos considerados para o desenvolvimento de
questões de pesquisa clínica em Prótese Dentária. Os
tópicos resultantes são descritos nos Quadros 1 a 3.
As questões clínicas foram classificadas de acordo
com o contexto de interesse e também de acordo com
os vários problemas e tipos de tratamento realizados:
oclusão, prótese total, prótese parcial fixa, implante,
prótese parcial removível, periodontia e outros.
DISCUSSÃO
O exercício da clínica odontológica deveria se
basear fundamentalmente em condutas práticas baseadas em evidências científicas confiáveis. Pesquisas
clínicas bem conduzidas e de elevada relevância científica, como ensaios clínicos controlados, estudos coorte e caso-controle, os quais apresentam hierarquia
de evidência superior em relação a outros tipos de
estudo,3,12 são necessárias para fornecer informações
aplicáveis à prática clínica. Pesquisas relevantes, entretanto, iniciam-se com a elaboração de hipóteses e
formulação de questões clínicas bem estruturadas.4,8
O processo de formulação de questões clínicas
sempre se inicia com o paciente-problema. Portanto,
uma questão de pesquisa clínica deve, necessariamente, originar-se na prática clínica. Além disso, elaborar
uma questão clínica adequada exige uma percepção
diferenciada a ser incorporada ao conhecimento do
Revista da ABENO • 7(1):47-53
Formulação de questões clínicas estruturadas para pesquisa: uma abordagem prática • Leles CR, Oliveira LB, Morandini WJ, Silva ET
Quadro 1 - Componente “P” (Paciente/Problema) con-
siderado na elaboração de questões clínicas em Prótese
Dentária.
Pacientes adultos
Com dentição completa
• Com alterações oclusais
• Com disfunção temporomandibular
• Com atrição dentária acentuada
• Com dentes individuais com comprometimento estrutural extenso
• Com dentes com problemas clínicos significativos e
prognóstico questionável
• Com ausência do remanescente coronário
• Com acentuada perda de inserção e mobilidade dentária
• Com necessidade de restaurações individuais
• Com necessidade de retenção intra-radicular
- Com remanescente radicular curto
- Com quantidade reduzida de dentina radicular
- Com núcleo intra-radicular curto, sem problema clínico
significativo
Desdentado parcial
• Usuário de prótese removível
• Com indicação de prótese removível
• Usuário de prótese fixa
• Com indicação de prótese fixa
• Com poucos dentes remanescentes com prognóstico
desfavorável
• Com insucesso repetido de intervenções anteriores
• Com disfunção temporomandibular
• Com restrição financeira
• Com espaço protético curto
- Posterior
- Anterior
• Com perda dentária unitária
- Anterior e/ou posterior
- Superior e/ou inferior
• Com perdas dentárias múltiplas
- Anterior e/ou posterior
- Superior e/ou inferior
Desdentado total
• Usuário de próteses totais convencionais
- Superior e/ou inferior
- Com retenção e estabilidades deficientes
• Com necessidade de tratamento protético
- Superior e/ou inferior
• Com insucesso repetido de intervenções anteriores
• Com restrição financeira
• Com fluxo salivar reduzido
• Com disfunção temporomandibular
• Com acentuada reabsorção do rebordo residual
Pacientes jovens
Com necessidades protéticas
Com disfunção temporomandibular
pesquisador. O treinamento dessa habilidade é essencial na formação do pesquisador e pode ser desenvolvido através do estímulo ao questionamento crítico e
reflexivo das práticas clínicas usuais.
É preciso entender que questões relevantes são
difíceis de ser elaboradas, e, nesse sentido, estar atento para identificar, durante o encontro com os pacientes, lacunas importantes no conhecimento que
podem influenciar a conduta clínica bem como definir, da forma mais precisa possível, sobre quem esta
questão está sendo feita são passos importantes nesse
processo. Portanto, é fundamental que se conheçam,
desde o início, os limites e problemas práticos ao se
formular uma questão antes de se despender muito
tempo e esforço sem resultado. O domínio do assunto, adquirido com uma revisão ampliada e continuada de trabalhos de pesquisa, e a experiência compartilhada por pesquisadores experientes com aqueles
iniciantes são ingredientes importantes para o desenvolvimento de habilidades.8
A questão de pesquisa deve ser voltada para desfechos clínicos relevantes. A relevância é capaz de
influenciar as diretrizes clínicas e de saúde e de direcionar o conhecimento científico e o futuro da pesquisa. As incertezas existem, mas encontrar uma questão importante que possa ser válida é um desafio. É
necessário domínio da literatura, estar alerta a novas
idéias e técnicas, ser criativo e persistente.
A evidência é considerada no rigor da metodologia, e o nível de evidência é descrito direcionandose para os tipos de questões formuladas, como aquelas derivadas de problemas sobre terapia/prevenção,
diagnóstico, etiologia e prognóstico. Por exemplo,
o mais alto nível de evidência associado com questões sobre terapia ou prevenção será de revisões sistemáticas com base em estudos-controle randomizados. 5 Contudo, o mais alto nível de evidência
associado com questões sobre prognóstico será de
revisões sistemáticas de estudo coorte. O conhecimento de cada segmento da literatura é apropriado
para a tomada de decisão clínica, e a busca rápida
dessa informação é importante para a prática baseada em evidência.7
Para se obter prática baseada em evidências é necessário trabalhar em conjunto à primeira discussão,
com enfoque na tomada de decisão baseada em evidências, e então incorporar o método PICO na equipe. Inicia-se pela lista de pacientes-problema, por
questões ou tópicos para os quais não se tem resposta,
por informações completas ou que se gostaria que
tivessem evidência relevante. Deve-se estabelecer para
Revista da ABENO • 7(1):47-53
51
Formulação de questões clínicas estruturadas para pesquisa: uma abordagem prática • Leles CR, Oliveira LB, Morandini WJ, Silva ET
Quadro 2 - Componentes “I” e “C” (Intervenção e Com-
Quadro 3 - Componente “O” (Resultado/Desfecho) con-
paração) constituintes das questões clínicas em Prótese
Dentária.
siderado na elaboração de questões clínicas em Prótese
Dentária.
Tratamento protético (paciente dentado)
• Risco de DTM
• Restauração direta versus indireta
• Risco de alterações oclusais
• Coroa total metalocerâmica versus sem metal
• Adesão a critérios de diagnóstico
• Restauração parcial versus restauração total
• Alteração da dimensão vertical de oclusão
• Substituição da restauração versus reparo da restauração
• Benefícios funcionais
• Retenção intra-radicular com núcleo metálico fundido
versus núcleo direto
• Satisfação pelo paciente
• Substituição versus não-substituição do núcleo
- Longevidade do tratamento
• Substituição versus não-substituição da restauração
- Durabilidade da prótese
• Procedimentos clínicos complexos para a manutenção
do dente versus procedimentos clínicos voltados para a
substituição do dente
• Prognóstico clínico
• Desempenho clínico
- Satisfação do paciente
- Estética satisfatória
- Biomecânica satisfatória (retenção/estabilidade)
- Conforto
- Melhor qualidade de vida
- Menor risco de falhas técnicas
• Técnica de confecção de prótese total tradicional versus
simplificada
- Menor risco de cárie
- Menor risco de envolvimento periodontal
Tratamento protético (desdentado parcial)
- Menor risco de envolvimento pulpar
Tratamento protético (desdentado total)
• Prótese total convencional versus “overdenture” implantosuportada
• Prótese total convencional versus prótese total fixa
implanto-suportada
• Prótese parcial fixa convencional versus adesiva
- Menor risco de complicações pós-operatórias
• Prótese parcial fixa convencional versus sem metal
- Menor risco de comprometimento futuro
• Prótese parcial fixa dento-suportada versus implantosuportada
• Aceitação do plano de tratamento pelo paciente
• Prótese parcial removível com a confecção de planosguia versus sem a confecção de planos-guia
- Número de consultas
- Duração do tratamento
- Número de retornos
- Necessidade de reembasamento da prótese
- Necessidade de ajustes
• Exodontia seguida por implante versus implante tardio
• Prótese sobre implante imediata versus prótese tardia
• Substituir o dente ausente versus não substituir o dente
ausente
• Planejamento complexo versus planejamento simplificado
• Mínima intervenção versus intervenção completa
• Critérios clínicos e biomecânicos versus critérios subjetivos
• Critérios normativos de avaliação de tratamento versus
critérios de avaliação centrados no paciente
• Necessidade normativa versus necessidades percebidas
• Resultado clínico
• Restabelecimento funcional e estético
• Prognóstico da retenção intra-radicular
- Risco de fratura da raiz
- Risco de falha na retenção
• Relação custo-benefício
• Relação custo-efetividade
• Efetividade no restabelecimento funcional e estético
• Estabilidade para a prótese
cada caso, individualmente, o que se considera ser o
problema, a intervenção, a comparação (se houver)
e o resultado, e então, comparar suas respostas com
aquelas de outros membros do grupo. Inicialmente,
esse processo acaba exigindo muito esforço e pode
acabar por desencorajar os membros do grupo, mas
com a prática, o esforço se tornará natural e aumentará a habilidade em estabelecer problemas e criar
direcionamentos para solucioná-los.8
Essas mesmas recomendações asseguram a autenticidade para o cenário educacional. Segundo Miller,
52
• Capacidade de tolerar uma prótese removível
• Preferência do paciente/profissional pela manutenção do
dente
Forrest8 (2001), faculdades podem incorporar esse
processo e integrá-lo às suas atividades de ensino e
pesquisa. Cenários clínicos reais podem ser usados em
sala de aula para o estabelecimento de problemas específicos e de soluções clínicas seguras e eficazes. Esse
processo também pode ser implementado na clínica.
Revista da ABENO • 7(1):47-53
Formulação de questões clínicas estruturadas para pesquisa: uma abordagem prática • Leles CR, Oliveira LB, Morandini WJ, Silva ET
Quando confrontados com o paciente-problema
ou com a necessidade de informação, estudantes podem aplicar e desenvolver suas habilidades na construção de boas questões e na aplicação de métodos
de tomada de decisão baseada em evidência. Esses são
passos importantes para uma postura crítica e reflexiva com maiores benefícios para o paciente e melhor
eficiência na prestação de serviços de saúde.
the improvement of critical skills and for identification of topics and questions for research purposes.
CONCLUSÕES
O exercício da formulação de questões clínicas
estruturadas é um passo importante para o aprendizado clínico, para o desenvolvimento da capacidade
crítica do aluno e para o direcionamento de tópicos
de pesquisa. Esse processo deve ser estimulado em
atividades clínicas e incorporado à prática de ensino
em odontologia.
2. Busato ALS, Fernandes C, Gonzales PAH, Macedo RP. O ensi-
DESCRIPTORS
Education, dental. Teaching. Dental research. §
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de Pesquisa. In: Hulley SB, Cummings SR, Browner WS, Grady
ABSTRACT
Making structured clinical questions for research
purposes: a practical approach
The first stage of a clinical research protocol is the
formulation of a clear and specific research question.
The research that emanates from clinical practice is
related to a topic of interest about which a doubt or
lack of knowledge is identified and translated into a
non-structured clinical question. This initial question
must be properly structured in order to be answerable
after systematic literature review, critical appraisal,
interpretation of the available evidence, and evalu­
ation of the possible clinical outcomes when the evidence is transferred into practice. The aim of this
study was to develop a practical exercise of formu­
lation of clinical questions in prosthodontics. Data was
collected in specific forms from 31 clinical scenarios
during 40 appointments with patients at the School
of Dentistry, Federal University of Goiás (UFG). Clinical scenarios were presented and discussed by groups
that included 3 to 4 dental students and a tutor, where
clinical questions were formulated during a total of
16 meetings and aproximately 26 hours. A total of 53
structured clinical questions were formulated and the
specific components of the questions were identified
(patient, intervention, comparison, outcome). It was
concluded that exercising the formulation of clinical
questions is an important step in clinical learning, for
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abordagem epidemiológica. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2003.
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Revista da ABENO • 7(1):47-53
Recebido para publicação em 13/03/2006
Aceito para publicação em 18/05/2006
53
A formação do dentista no contexto do
século XXI: a pesquisa como princípio
pedagógico
A pesquisa fundamenta-se na criatividade e na ação-reflexão e pode
contribuir para a formação de um profissional reflexivo e competente,
que sabe fazer e refazer soluções.
Sônia Maria Vicente Cardoso*
*Pós-Doutora em Educação pela Universidade São Paulo, Professora
do Programa de Mestrado em Educação da Universidade do Oeste
Paulista. E-mail: [email protected].
Resumo
Estamos vivendo um momento de transição paradigmática. O profissional do século XXI deve ser preparado
para enfrentar essas novas mudanças. Ele deve saber
fazer e refazer soluções. O processo educativo vivenciado em nossas universidades, muitas vezes, tem se sustentado numa prática docente tradicional, concebendo o
aluno como receptor de conteúdos prontos e acabados.
Essa prática dificulta o autêntico pensar, priorizando a
reprodução em detrimento das idéias. Em contrapartida, o processo educativo que ultrapassa os limites de
reprodução fundamenta-se na criatividade e estimula a
ação-reflexão, formando, assim como apresenta Schön12
(2000), o profissional reflexivo. Nessa concepção de
educação o estudante sente-se desafiado a explorar e
aprofundar seu conhecimento, a questionar e a reconstruir o conhecimento já difundido. A pesquisa como
princípio pedagógico, proposta por Demo2 (1998), é
uma das formas para que se concretize tal pressuposto.
Este artigo pretende analisar as diretrizes que podem
ser assumidas como referenciais para a formação de um
profissional de odontologia do século XXI, identificar
exigências que se colocam para um profissional dessa
área e analisar a pesquisa como princípio pedagógico
na formação dos futuros odontólogos. Os teóricos escolhidos para fundamentar este artigo foram: Edgar Morin, Paulo Freire, Pedro Demo e Donald Schön.
Descritores
Pesquisa. Ensino/métodos. Competência profissional. Ensino superior.
54
V
ivemos num momento de intensas mudanças. O
profissional do século XXI necessita saber pensar estrategicamente, com criatividade, e ter capacidade de tomar decisões. Ele também necessita saber
pensar e aprender a aprender.
Esse novo profissional deve saber fazer e refazer
soluções, sendo necessário para isso um ensino que
integre efetivamente a pesquisa. Partindo do pressuposto de que a universidade está relacionada com a
tríade ensino-pesquisa-extensão, presume-se lógica a
inseparabilidade das três funções, mas, na prática cotidiana, estão desarticuladas. O que encontramos são
docentes e pesquisadores realizando trabalhos isolados, cada qual procurando valorizar o seu trabalho
separadamente.
Revisão de literatura
Lembrando as palavras de Demo3 (1991):
“Quem ensina carece pesquisar, quem pesquisa carece ensinar. Professor que apenas ensina jamais o foi. Pesquisador
que só pesquisa é elitista, privilegiado e acomodado”,
e resguardando-me da polêmica que a afirmação do
autor pode gerar, tenho tido a oportunidade de observar em alguns dos meus trabalhos desenvolvidos
na área da saúde, em especial Medicina e Odontologia, durante esses últimos dez anos que muitos pesquisadores se encontram fechados em seus laboratórios, apenas pesquisando, totalmente desvinculados
do ensino. Necessitamos de uma integração das ativi-
Revista da ABENO • 7(1):54-7
A formação do dentista no contexto do século XXI: a pesquisa como princípio pedagógico • Cardoso SMV
dades de pesquisa com as atividades de ensino, na
prática formativa da graduação.
É indispensável que os cursos de graduação desenvolvam um projeto pedagógico, no qual ensino, pesquisa e extensão estejam indissociavelmente integrados.
Não pode existir ensino de qualidade sem pesquisa.
Justificando a necessidade da pesquisa para os futuros cirurgiões-dentistas, vamos aqui utilizar as afirmações de Demo2 (1998), que nos demonstram a importância de a universidade formar não somente o
profissional competente, mas também o cidadão competente, aquele que constrói e reconstrói uma intervenção adequada a partir das idéias, técnicas e dos instrumentos utilizados anteriormente, formando assim,
como nos apresenta Schön12 (2000), o profissional reflexivo, aquele que consegue, diante de um novo problema, resolvê-lo através de experiências anteriores.
Quanto ao cidadão competente, Greco6 (2004)
afirma que a cidadania começa na escola, desde os
primeiros anos da educação infantil e se estende à
educação superior, nas universidades. Começa, segundo ele, com o fim do medo de perguntar, de inquirir o professor, de cogitar outras possibilidades do
fazer, enfim, quando o aluno aprende a fazer fazendo
e a construir um espaço para sua utopia e um clima
de paz e bem-estar social, político e econômico no
meio social.
Em relação ao profissional competente, é pela
pesquisa que o aluno se habitua a ter iniciativa, em
termos de procurar livros, textos e novas informações, superando a regra comum de receber conteúdos prontos através de aulas copiadas e dos métodos
tradicionais da reprodução de textos, os quais decora para as provas. Estaríamos, assim, como nos apresenta Freire 4 (1996), dando passos significativos
para construir a “educação libertadora” no lugar da
educação bancária.
Segundo Demo2 (1998):
em conhecimento, de transformar o conhecimento
em sapiência, como afirma Morin7 (2000a). Podemos,
assim, formar o cidadão competente e o profissional
competente caracterizados por Demo2 (1998).
A dinâmica da pesquisa nos cursos de graduação
pode colaborar para a formação do profissional competente, que sabe fazer e refazer soluções. Não podemos esquecer que, para que aconteça uma educação pela pesquisa, é condição fundamental que o
professor seja pesquisador, não um profissional da
pesquisa, mas um pesquisador como profissional da
educação,3 sendo necessário, então, um questionamento dos professores. Faz, portanto, parte deste
artigo ressaltar algumas questões para o preparo dos
professores de Odontologia.
Discussão
Há uma necessidade urgente de rejuntarmos,
religarmos homos e nature e, segundo Morin8 (1999),
a educação do futuro exige um esforço transdisciplinar que seja capaz de assumir esse papel. Para compreender isso, Morin10 (1995) propõe a teoria do
pensamento complexo, que nos permite conhecer
a complexidade na qual estamos envolvidos e que
somos, já que a busca pela clareza e simplificação
levou a modernidade a se distanciar da complexidade inerente à condição humana. O pensamento
complexo se fundamenta na interdependência do
todo e das partes.
Segundo Morin11 (2000c):
“[...] Complexus significa o que foi tecido junto: de fato há
complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico, o político,
o sociológico, o psicológico, o afetivo), e há um tecido
interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto de conhecimento e seu contexto, as partes e o todo,
o todo e as partes, as partes entre si. Por isso, a complexidade é a união entre unidade e multiplicidade.”
“[...] A pesquisa, na universidade, faz parte da profissionalização também, não sendo, pois, apenas opção ou vocação, mas componente crucial do processo de formação e
recuperação da competência; é, por isso, a maneira decisiva de substituir treinamento por educação, ou seja, o
mero fazer, pelo saber fazer e sempre refazer; tratando-se
de formação da competência, o aspecto formativo deve
predominar sobre o transmissivo.”
A pesquisa motiva os alunos a participarem mais de
sua formação, e a se envolverem mais em seu processo
educacional. Trata-se de transformar as informações
Morin9 (2000b) vem nos propor a reformar o pensamento, combater o reducionismo instalado em nossa sociedade e valorizar o complexo. No paradigma
da complexidade temos de levar em conta o todo e
as partes. Ele vem nos propor uma nova ciência, com
consciência de sua complexidade. Precisamos trabalhar a condição humana. O ser humano foi fragmentado ao longo desses anos nos cursos universitários:
estuda-se o corpo humano, esquece-se do psíquico,
do espiritual. Torna-se também necessário ensinar a
compreensão humana e a solidariedade:
Revista da ABENO • 7(1):54-7
55
A formação do dentista no contexto do século XXI: a pesquisa como princípio pedagógico • Cardoso SMV
“[...] A educação do futuro deverá ser primeiramente universal, centrada na condição humana. Estamos na era planetária; uma aventura comum conduz os seres humanos,
onde quer que se encontrem. Esses devem reconhecer-se
em sua humanidade comum e ao mesmo tempo reconhecer a diversidade cultural inerente a tudo o que é humano.
Conhecer o humano é, antes de mais nada, situá-lo no
universo, e não o separar dele.”
No reconhecimento de crise planetária, Morin8
(1999) nos apresenta a educação como possibilidade
de religar os saberes de acordo com as exigências da
humanidade e de romper com a oposição entre natureza e cultura, sendo necessário que o homem saiba se reconhecer como ser complexo que é, e reconhecer o outro como também complexo, respeitando
a condição humana dentro da diversidade cultural,
religiosa, étnica, e outras.
O professor precisa resgatar nos seus alunos o ser
humano como um todo. A partir da modernidade,
fomos nos limitando a uma compreensão cientificista,
racionalista e mecanicista do mundo. O homem é
razão, mas também é alma. Torna-se um desafio aos
professores orientar seus alunos, que são seres complexos, para a construção de uma sociedade mais
feliz e solidária.
Morin7 (2000a) nos mostra que precisamos evoluir da informação para o conhecimento, e do conhecimento para a sapiência, passando esse conhecimento a se vincular à existência do indivíduo.
Dessa maneira a Educação estaria formando o profissional competente e cidadão competente, colocado por Demo3 (1991), ou seja, um profissional competente em sua profissão e também capaz de
interferir, com o saber, na sociedade em que vive, no
sentido de construí-la como uma sociedade capaz de
ser solidária, pois:
“[...] Ensinar a viver necessita não só dos conhecimentos,
mas também da transformação, em seu próprio ser mental,
do conhecimento adquirido em sapiência, e da incorporação dessa sapiência por toda a vida.”11
“[...] A liberdade pode ser instituída e garantida pela Constituição, a igualdade pode ser, em certa medida, imposta
pelas leis ou pelo acesso à escolaridade, mas a fraternidade,
ninguém pode impô-la do exterior. A fraternidade deve
ser vivida. É uma necessidade fundamental. A solidariedade é aquilo que religa. É a solidariedade que permite que
a liberdade não seja criminosa, que cada um não se entregue livremente à agressão, à dominação do outro.”11
56
O ensino e a prática dos profissionais da saúde
acompanharam o desenvolvimento ocorrido nas demais áreas do conhecimento. Houve um grande desenvolvimento técnico-científico, mas que se tornou
cada vez mais fragmentado, proporcionando uma
grande valorização das especialidades em detrimento
da visão da totalidade do paciente.
Ocorre a mesma coisa na Odontologia: a maioria
dos professores é especialista, as disciplinas são dadas
umas independentemente das outras, e o aluno passa
a ter uma visão fragmentada do paciente. A formação
do cirurgião-dentista, assim delineada, por um lado
não consegue dar conta da preparação técnica-científica necessária frente aos avanços do conhecimento
e, por outro lado, não prepara esse profissional para
atuar nos demais aspectos, inclusive docência, ou seja,
para atuar além do biológico. Se não considerarmos
a saúde como um completo bem-estar físico, mental
e social, estaremos nos preocupando apenas com o
físico, em detrimento do mental e do social.
Tendo conhecimento, como educadores, da complexidade humana e das suas contradições, nós professores precisamos auxiliar os nossos estudantes a
orientarem toda essa complexidade para a construção
de um mundo mais humano, mais solidário. Nossos
alunos, além do conhecimento técnico-científico, inquestionavelmente necessário, também precisam de
uma formação humanista que considere a inteireza do
ser humano e que o comprometa com a sociedade.
Esse mesmo profissional deve ter habilidades e
capacidade de integrar conhecimentos vividos em áreas diversas, autonomia de pensamento e ação, flexibilidade e articulação, além de saber trabalhar em equipe, ser criativo e ter capacidade de refazer respostas.
O profissional atual necessita ser reflexivo. É importante que esse saiba refletir sobre sua prática.
Como nos apresenta Schön12 (2000), o profissional
reflexivo é aquele que consegue, diante de um novo
problema, resolvê -lo através de experiências anteriores, ser criativo e solidário, capaz de compreender e
modificar a realidade.
Conclusão
Para que os profissionais sejam formados não somente como profissionais competentes, mas também
cidadãos competentes é necessário repensarmos nossas práticas docentes. Precisamos de profissionais generalistas e humanistas, que saibam lidar com a complexidade e com a especialização, conhecendo os
riscos de uma hiperespecialização. Garavatti5 (2002)
afirma que:
Revista da ABENO • 7(1):54-7
A formação do dentista no contexto do século XXI: a pesquisa como princípio pedagógico • Cardoso SMV
“[...] Não podemos deixar de reconhecer o momento de
transição por que passa a Odontologia, e os professores e
cirurgiões-dentistas devem estar preparados para atuar
nesse novo contexto, em que estão inseridos os fenômenos
de globalização e socialização dos cuidados da saúde, que
devem ser compreendidos em toda a sua complexidade.
Vivemos um período de grandes transformações de toda
a interatividade das relações humanas, e essas ocorrem
numa velocidade alucinante, causando a desestabilização
de vários conceitos, valores e estruturas.”
knowledge. In order to make this assumption real,
research should be adopted as a pedagogical principle, as proposed by Demo2 (1998). This article intended to analyze the guidelines which could be
adopted as a reference for the training of a dentist in
the context of the XXIst century, to identify the requirements faced by such a professional, and to analyze research as a pedagogical principle in the training
of the next-generation dentists. The theorists chosen
to substantiate this article were Edgar Morin, Paulo
Freire, Pedro Demo and Donald Schön.
Buarque1 (2003) deixa um apelo aos professores:
“[...] Por favor, aceitem o risco de serem professores num
tempo em que o conhecimento muda a cada instante,
Descriptors
Research. Teaching/methods. Professional competence. Education, higher. §
exigindo dedicação para acompanhar as mudanças contínuas. Aceitem com audácia esse desafio, e sigam rumo à
criação de novas maneiras de conhecer, por mais efêmeras
que sejam.”
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professor ainda precisa sentir-se comprometido com
os profissionais que estará formando.
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Abstract
The training of the dentist in the XXIst century:
research as a pedagogical principle
We are living a paradigmatic transitional moment.
The professional of the XXIst century must be prepared to face these new changes. He or she should
be able to create and recreate solutions. The educational process experienced in our Universities has
often been based on a traditional teaching practice
that conceives students as mere recipients of readyto-use and finished contents. As a result, the authentic act of thinking is undermined, as reproductive
thoughts prevail over innovative ideas. On the other
hand, there is another kind of teaching practice that
exceeds the limits of reproduction and is based on
creativity and stimulates action-reflection, thus preparing a reflective professional, as presented by
Schön12 (2000). Under this conception of education,
students feel challenged to explore and deepen their
knowledge, to question and rethink the current
Bernardo do Campo: UMESP; 2002.
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Revista da ABENO • 7(1):54-7
Recebido para publicação em 12/02/2006
Aceito para publicação em 17/05/2006
57
A preocupação social nos currículos de
odontologia
A graduação em Odontologia deve formar não apenas profissionais
competentes, mas também pessoas aptas a interagir eticamente no
contexto social.
Rafael Gomes Ditterich*, Priscila Paiva Portero*, Leide Mara Schmidt**
*Mestres em Odontologia (Clínica Integrada) pela Universidade
Estadual de Ponta Grossa. E-mail: [email protected].
**Doutora em Educação (Supervisão e Currículo) pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, Professora de Didática
Aplicada ao Ensino Superior do Programa de Mestrado em
Odontologia da Universidade Estadual de Ponta Grossa.
RESUMO
Atualmente, os cursos de graduação em Odontologia estão à frente de um grande desafio na proposta de
ensino, que é sair de um modelo centrado no diagnóstico, tratamento e na recuperação de doenças, que foi
praticado durante anos, para outro centrado na promoção de saúde, prevenção e cura de pessoas. O presente
artigo de revisão faz uma reflexão sobre a importância
da preocupação social nos currículos das universidades
e faculdades de Odontologia na formação dos futuros
cirurgiões-dentistas. Os cursos de graduação tendem a
apresentar a condição de ensino fragmentado dentro
de ambientes da própria instituição, cabendo ao acadêmico a integração dos conteúdos, o que leva este futuro
profissional a um distanciamento da realidade da população. A preocupação social é uma realidade que deve
estar presente nos currículos de Odontologia, só assim
as universidades e faculdades conseguirão formar um
profissional com uma visão integral da saúde. Também
existe a necessidade de resgatar a importância e a validade dos estágios extramuros como ambiente essencialmente necessário para a aprendizagem dos alunos.
DESCRITORES
Faculdades de odontologia. Educação em odontologia. Odontologia comunitária. Currículo. Meio
social.
A
odontologia como profissão tem sido objeto de
críticas em torno de se determinar a capacidade
58
do impacto social que tem tido até o presente, principalmente por sua atuação na modificação dos problemas de saúde na população, especificamente no
campo da saúde bucal.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso
de graduação em Odontologia5 propõem que o formando egresso deva apresentar um perfil de:
“[...] um profissional generalista, humanista, crítico e reflexivo, para atuar em todos os níveis de atenção em saúde,
com base no rigor técnico e científico. Capacitado ao exercício de atividades referentes à saúde bucal da população,
pautado nos princípios éticos, legais e na compreensão da
realidade social, cultural e econômica do seu meio, dirigindo sua atuação para a transformação da realidade em
benefício da sociedade.”
Porém, Masetto12 (1998), ao analisar o modelo
de ensino superior brasileiro, afirma que a formação superior está voltada para o mercado de trabalho, centrada na formação técnica e dependente
do conhecimento externo, com dificuldade para
criar e universalizar soluções adequadas à realidade
social.
Essa dificuldade também é identificada nos cursos
de graduação em Odontologia, pois as faculdades
brasileiras apresentam padrões curriculares com
grande enfoque nas ciências básicas e técnicas operatórias, mas enfoque limitado nos aspectos preventivos
e de saúde pública.21
Revista da ABENO • 7(1):58-62
A preocupação social nos currículos de odontologia • Ditterich RG, Portero PP, Schmidt LM
Segundo Bernal Alvarez3 (2000), a prática odontológica deve proporcionar a construção, a reafirmação e a confrontação com a teoria. A teoria e a prática devem se inter-relacionar permanentemente, para
proporcionar espaços de criação, de integração e de
reflexão crítica.
A prática educativa humanizada na área da saúde
coloca o homem como centro do processo de construção da cidadania, é comprometida e integrada à
realidade social e epidemiológica e às políticas sociais
e de saúde, oportunizando a formação contextualizada e transformada.17 Pois é óbvio que uma profissão
só se faz reconhecida moral e eticamente na mesma
medida em que se beneficia o conjunto da sociedade,
e não apenas parcelas privilegiadas no contexto do
país, as quais dispõem de recursos financeiros para
custear o benefício.18
As faculdades e universidades não devem limitar
o aprendizado ao espaço físico da sala de aula, pois o
aluno precisa ser inserido no contexto profissional e
social.7 Desse ponto de vista, a graduação em Odontologia não deve apenas cuidar dos interesses científicos ou didáticos, mas deve preocupar-se também
com a formação profissional de pessoas comprometidas com o bem-estar e a melhoria da sociedade. Em
outras palavras, devem formar não apenas profissionais competentes, mas pessoas aptas a interagir eticamente no contexto social.1,15
O artigo é uma revisão da literatura sobre a preocupação social nos currículos das faculdades de
Odontologia e das universidades que possuem o curso para formação de futuros cirurgiões-dentistas.
DISCUSSÃO
Os currículos em geral são pautados pela divisão
das disciplinas, tratadas como se fossem especialidades inseridas na formação da graduação.22 Dos alunos,
exige-se que reúnam as partes na tentativa de alcançar
e entender o todo. Verifica-se que, ao final, resulta a
construção de uma clínica de aplicação prática do
conjunto de conhecimentos, mesmo no que diz respeito àqueles currículos que julgam integrar a formação. Na realidade, os conhecimentos permanecem
fragmentados. A simples aplicação em conjunto não
resulta em integração. Essa é uma das questões cruciais a serem superadas na aplicação dos conceitos de
interdisciplinaridade.18
Dentro dos currículos do curso de Odontologia
geralmente a preocupação com a realidade social está
vinculada a dois momentos da formação do cirurgiãodentista, que seriam: nas disciplinas de Odontologia
em Saúde Coletiva e Estágio Supervisionado. Isso demonstra o descaso das faculdades com os currículos,
já que outras disciplinas somente se preocupam com
o indivíduo, ou, mais especificamente, somente com
a boca. É cada vez mais inadmissível desvincular saúde bucal de saúde geral.
A Odontologia em Saúde Coletiva, entre outras
atribuições, é responsável pelo desenvolvimento da
teoria e da prática do estudo das doenças bucais mais
prevalentes numa população, dos principais fatores
associados a essas doenças e das medidas de intervenção mais adequadas para reduzir e controlá-las, mantendo-as em níveis aceitáveis do ponto de vista social
e econômico da comunidade.6
A área da Saúde Coletiva tem um papel de grande
importância na formação do futuro cirurgião-dentista com o perfil exigido pelas Diretrizes Curriculares
e pela sociedade, ou seja, com formação generalista,
socialmente sensível e principalmente disposto a
aprender.20
Paula, Bezerra18 (2003) avaliaram 89 currículos de
graduação em Odontologia no Brasil e verificaram
que, para a área da Odontologia em Saúde Coletiva,
a carga horária variou de 30 a 840 horas, com média
de 257 horas. Já Rodrigues et al.20 (2006), ao analisarem 50 currículos de graduação, encontraram uma
carga horária que variou de 75 a 699 horas para a
mesma disciplina. Nos dois estudos, não se encontrou
correlação entre a carga horária total do curso e o
que era destinado para a área da Saúde Coletiva, isto
é, não necessariamente os cursos que apresentam
maior carga horária eram aqueles que possuíam
maior concentração para Saúde Coletiva. O que demonstra que a maioria dos cursos não incorporou a
disciplina em seus currículos de maneira efetiva, o
que demonstra a despreocupação com o papel e a
real importância da saúde pública.18
A outra disciplina que tem como obrigatoriedade
o atendimento integral, individual e coletivo na atenção em saúde bucal é o Estágio Supervisionado. De
acordo com o Parecer CNE/CES 329/2004,4 o curso
de Odontologia deve apresentar uma carga horária
mínima de 4.000 horas, sendo que, dessa carga horária, 20% deverá ser destinada ao Estágio Supervisionado, conforme determina a Resolução CNE/CES
3/2002.5 Também segundo as Diretrizes da Associação Brasileira de Ensino Odontológico – ABENO2
(2002), o Estágio Supervisionado:
“[...] é o instrumento de integração dos conhecimentos
do aluno com a realidade social e econômica de sua região
Revista da ABENO • 7(1):58-62
59
A preocupação social nos currículos de odontologia • Ditterich RG, Portero PP, Schmidt LM
e do trabalho de sua área. Ele deve também ser entendido
como o atendimento integral do paciente que o aluno de
odontologia presta à comunidade, intra e extramuros. O
aluno pode cumpri-lo em atendimentos multidisciplinares
e em serviços assistenciais públicos e privados.”
“[...] deve fomentar a relação ensino-serviços e ampliar as
relações da universidade com a sociedade. Ele deve colocar
o futuro profissional em contato com as diversas realidades
sociais (locais, regionais e nacionais), incluindo-se as práticas e políticas de saúde pública e a realidade do mercado
de trabalho, possibilitando ao aluno ser um agente transformador dessas realidades.”
“[...] tanto o intra como o extramuros caracterizam-se pela
atenção integral ao paciente. Sugere-se a criação de clínicas integradas de atenção básica, com complexidade crescente, com os alunos executando competências já adquiridas, trabalhando desde a educação e promoção de saúde
até a reversão do dano. O foco dessas clínicas integradas
é o paciente como um todo [...]”
Segundo Ringel et al.19 (2000), a formação exclusiva do currículo ou do estágio supervisionado no
âmbito intramuro desde sempre vem apresentando
carências sob o ponto de vista conceitual:
1. Encarar o paciente fora de seu contexto social
muitas vezes gera uma contradição entre seu plano
de tratamento e as reais necessidades de atenção
da pessoa para chegar ao estado de saúde biopsicossocial.
2. Existe uma falta de integração do estudante a programas de saúde bucal dirigidos ao âmbito da vida
ou de trabalho da pessoa, impossibilitando sua
participação nos programas de saúde multiprofissionais.
3. Os serviços e procedimentos técnicos propostos
pelos docentes obedecem geralmente a critérios
pré-estabelecidos e não a uma situação do paciente
no contexto que permita adequar as propostas
terapêuticas à realidade socioeconômica e cultural
das pessoas.
As atividades extramuros abrem à convivência e à
interação das universidades com as comunidades, e familiarizam e capacitam os estudantes a trabalhar na
realidade que enfrentarão no mercado de trabalho.13,14
Também possibilitam aos alunos o conhecimento das
estruturas organizacional, administrativa, gerencial e
funcional dos serviços públicos de saúde; a participação
no atendimento à população; a compreensão das políticas de saúde bucal, do papel do Cirurgião-Dentista; o
conhecimento das bases epidemiológicas do método
60
clínico e de suas aplicações práticas nos programas de
saúde bucal, além do conhecimento dos parâmetros
e/ou instrumentos de planejamento utilizados nos projetos de saúde e programas de saúde bucal.21
Bernal Alvarez3 (2000) propõe que a prática odontológica fora dos muros da universidade deva iniciarse desde o primeiro ano, para situar o estudante na
realidade e criar um sentimento de compromisso social, fazendo com que o estudante participe de sua
dinâmica cultural, política e democrática, identificando as necessidades sociais e potencializando sua criatividade e autonomia nas propostas de soluções. Com
base nisso, o estudante se vinculará a diferentes cenários, com uma participação que pode adotar diversas
modalidades: observação, acompanhamento ou execução, segundo o nível acadêmico. Esse objetivo alcança-se à medida que diferentes disciplinas se unem
para trabalhar em equipe, uma vez que a complexidade do processo saúde-doença requer uma integração coordenada entre as ciências básicas e sociais, e
que dê suporte permanente na existência, no desenvolvimento e na operação do sistema de saúde sob o
ponto de vista legal, formativo, investigativo, financeiro e de comunicação.
As atividades extramuros inseridas nos currículos
de graduação, como metodologia de ensino e como
forma de prestar assistência odontológica à comunidade, vêm sendo adotadas por muitas instituições de ensino. É possível, no entanto, que o desconhecimento
ou a subestimação do valor pedagógico dos estágios
extramuros não tenham permitido seu uso generalizado, mantendo-se, muitas vezes, o modelo tradicional
de ensino. Esse modelo por sua vez levou às seguintes
conseqüências: mecanicismo, biologicismo, assistência individual, especialização precoce, tecnificação do
ato odontológico, ênfase na odontologia curativa e
formação elitista alienada da realidade social.10,16
Os cursos de graduação, ao promoverem atividades
fora de seu ambiente físico, integram a comunidade
com os acadêmicos, realizando um esforço para mudar
o modelo de atenção em saúde bucal de individual
para coletivo, de curativo para preventivo e de ambiente isolado para a realidade social. Também propiciam
o conhecimento das características epidemiológicas da
sociedade, conforme suas condições de vida e dimensões de trabalho e educação, proporcionando um estágio voltado à promoção de saúde e elaboração de
estratégias para resolução de problemas.
O real papel da universidade seria o de identificar
corretamente os problemas de saúde de cada município ou região e dizer como pode resolvê-los, ou seja,
Revista da ABENO • 7(1):58-62
A preocupação social nos currículos de odontologia • Ditterich RG, Portero PP, Schmidt LM
o ensino e a pesquisa devem ser direcionados para
ações de impactos sociais que possibilitem melhores
condições de vida para a população. Assim, os egressos estarão preparados para o mercado de trabalho
e, ao mesmo tempo, cientes do seu compromisso de
devolver à sociedade tudo que lhes foi ensinado.8
Porém, Segura et al.21 (1995) afirmam que os estágios extramuros se caracterizam pela pouca integração
entre as diversas disciplinas e pelo planejamento em
curto prazo, sem avaliações sistemáticas. As dificuldades
encontradas com maior freqüência pelas instituições
são: a escassez de recursos econômicos, assim como a
falta de motivação dos docentes e o desconhecimento
do valor pedagógico para esse tipo de prática.
Nas faculdades e universidades, o curso de Odontologia deve buscar parcerias com entidades privadas
e instituições governamentais, principalmente prefeituras, já que a atenção à saúde é de responsabilidade
dos municípios. A ABENO2 (2002) recomenda para
a realização do estágio supervisionado: rede de serviços públicos, Programa Saúde da Família, Odontologia de Grupo, internato rural, estágio metropolitano
e unidades de extensão conveniadas ou da própria
universidade.
Segundo Ringel et al.19 (2000), o modelo curricular deveria ser baseado na aprendizagem em condições reais. Esse modelo constitui:
1. Um ensino orientado para a comunidade – O conhecimento da saúde bucal dos grupos humanos
através do reconhecimento do contexto social e de
sua realidade epidemiológica, vinculando-a com a
clínica.
2. Um ensino centrado no paciente – Um ensino
em que os planos de tratamento se realizam em
função das necessidades do paciente e não pela
docência em si mesma.
3. Um ensino centrado no estudante – Uma formação integradora do conhecimento da realidade e
dos recursos que se oferecem à Odontologia, com
os objetivos da docência. Deve permitir formar
acadêmicos mediante um ensino automotivado,
resolvendo problemas surgidos da realidade clínica no tratamento das patologias bucais.
Há necessidade de resgatar a importância e a validade do estágio como ambiente essencialmente necessário para a aprendizagem dos alunos.11
Muitas instituições devem ainda desenvolver – por
meio de estágios extracurriculares, do próprio Estágio Supervisionado, da disciplina de Odontologia em
Saúde Coletiva – ou mesmo criar uma integração entre as disciplinas no decorrer do curso de graduação,
demonstrando assim sua preocupação com a realidade social, para que os futuros profissionais se sintam
motivados e, assim, possamos sonhar com mudanças
na condição bucal da população brasileira.
ABSTRACT
Social concern in the dentistry curriculum
Currently, the undergraduation courses in Dentistry face a great educational challenge, namely, to
leave behind a model centered on the diagnosis and
treatment of illnesses and recovery from them, which
was practised for years, and adopt one centered on
health promotion, prevention and cure. The present
literature review reflects on the importance of social
concern in the curriculum of dental schools and universities and in the training of future dentists. Undergraduation courses tend to suffer with the problem
of fragmented education inside the very institution,
leaving the student with the burden of having to integrate the several subjects by himself, leading this
future professional to become apart from the reality
of the population. Social concern is a reality that must
be present in the Dentistry curriculum, only thus will
universities and dental schools be able to train a professional with a holistic view of health. There is also
the need to redeem the importance and validity of
extramural training as an environment that favours
learning.
DESCRIPTORS
Schools, dental. Education, dental. Community
dentistry. Curriculum. Social environment. §
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A preocupação social é uma realidade que deve
estar presente nos currículos de Odontologia, só assim as universidades estarão formando, como afirma
Landín et al.9 (1993), um profissional com um conceito integral da saúde, baseado no caráter inseparável
do biológico e do social, do preventivo e do curativo,
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Recebido para publicação em 05/03/2006
UFPI para a formação humanística, social e integrada . Revista
Aceito para publicação em 17/05/2006
Para anunciar na Revista da
ABENO, envie um e-mail para
62
Revista da ABENO • 7(1):58-62
Internet – um recurso didático
A Internet explode como a mais promissora mídia de comunicação
e acesso à informação desde a televisão. Mas será que essa nova
ferramenta está pronta para contribuir de maneira efetiva com o
processo ensino-aprendizagem de qualidade?
Elaine Manso Oliveira Franco de Carvalho*, José Luiz Lage-Marques**
*Doutora em Endodontia pela Universidade de São Paulo. Professora
da Universidade Federal de Alfenas. E-mail: [email protected].
**Professor Titular da Universidade de Taubaté e da Faculdade
de Odontologia da Universidade de São Paulo.
RESUMO
O mundo passa por constantes transformações, e
a Internet está sendo utilizada como um recurso didático de grande importância. Do giz ao computador,
a tecnologia esteve presente na escola servindo de
mediação entre a ação e a aprendizagem de professores e alunos. Cada vez mais, é mais freqüente o uso
de ferramentas tecnológicas nas salas de aula: o computador, juntamente com seu principal recurso, a
Internet, tem suscitado debates acerca de sua eficácia
ou não para a educação escolar. O uso da Internet,
em experiências com projetos educativos, revela que
tal recurso origina ambientes de aprendizagem diferentes dos das tradicionais aulas presenciais, no que
se referem aos papéis dos professores e alunos, ao
fluxo das informações, ao grau de autonomia e de
participação dos alunos e, também, ao desenvol­
vimento de competências complexas como as que
envolvem a resolução de problemas. Contudo, tais
experiências revelam que esses resultados só são proveitosos e eficazes quando os professores possuem
preparação técnica pedagógica para esse fim. Educar
com novas tecnologias é um desafio que não foi enfrentado com profundidade. As tecnologias podem
ajudar, mas, fundamentalmente, educar é aprender
a gerenciar um conjunto de informações e torná-las
algo significativo para cada um, o conhecimento. A
introdução da Internet na escola funciona como catalisadora de mudanças, portanto, é pertinente considerar essa nova ferramenta como um precioso auxílio na aprendizagem.
DESCRITORES
Educação baseada em competências. Internet.
Atitude frente aos computadores.
O
escritor Monteiro Lobato escreveu que “um país
se faz com homens e livros”, e, provavelmente,
o autor do Sítio do Pica-Pau Amarelo incluísse a Internet e o computador como ferramentas indispensáveis de construção de cidadania.
Ter acesso à tecnologia é essencial para combater
a exclusão social e abrir oportunidades iguais para
todos os cidadãos. O acesso universal à informação
traduz um mecanismo fundamental de mudanças do
modo como a sociedade interage entre si. Nesse processo, o computador tem a sua influência e a Internet
explode como a mídia mais promissora desde a implantação da televisão no acesso à informação.8,10,12 É
a mídia mais aberta, descentralizada e, por isso mesmo, mais ameaçadora para os grupos políticos e econômicos hegemônicos.
Aumenta o número de pessoas ou grupos que
criam na Internet suas próprias revistas, emissoras de
rádio ou de televisão, sem pedir licença ao Estado ou
estar vinculados a setores econômicos tradicionais.
Cada um pode dizer nela o que quiser, conversar com
quem desejar, oferecer os serviços que considerar
convenientes.12,14
Estas novas ferramentas de comunicação e de informação – Internet, computador, telefone celular –,
atualmente acessíveis a camadas da população que
antes não as tinham, passaram a permitir que mais
gente conheça as necessidades da sociedade e possa
Revista da ABENO • 7(1):63-7
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Internet – um recurso didático • Carvalho EMOF, Lage-Marques JL
participar das soluções.
Mas, como sempre acontece com as novidades,
nem sempre a aceitação se faz harmoniosa e livre
de ambigüidades. Será a Internet um auxiliar didático de um processo de ensino-aprendizagem de
qualidade? Esse novo instrumento tecnológico está
suportando o aprimoramento do ensino-aprendizagem, estimulando o aluno a trabalhar com um
conjunto variado de informações, selecionando as
mais relevantes, avaliando-as e assim gerando novos
conhecimentos?
O analfabetismo digital, na nova economia, é tão
grave quanto não saber ler e escrever era na velha
economia.2,13,14
A preocupação central deste estudo reside em
como essa nova tecnologia está sendo recebida na
Educação e ela se fundamenta no receio de que o uso
desta tecnologia esteja descompromissado com os
objetivos pedagógicos das Instituições de Ensino.
Revisão de literatura e Discussão
Há cerca de duas décadas, vários autores4,7 têm
vindo anunciar que as transformações em curso conduzirão a uma nova sociedade: a sociedade da informação. Esse conjunto de transformações econômicas
e sociais surge com a generalização da introdução das
novas tecnologias, as quais estão a mudar a forma de
trabalho, de relacionamentos e de divertimento. Em
longo prazo, a forma de pensar está, também, a ser
subtilmente transformada.
A transformação, que se opera a uma velocidade
vertiginosa, é o resultado de um longo ciclo de mudanças iniciado com o aparecimento da linguagem,
que iniciou um processo de desenvolvimento das capacidades cognitivas do homem. O aparecimento do
alfabeto, na Grécia, provocou a emergência de um
novo discurso conceitual e, logo, de um novo estado
mental, que seria alvo de uma nova configuração com
o aparecimento da imprensa. A revolução do acesso
à informação e a reelaboração da estrutura do livro
provocadas pela imprensa culminaram em grandes
transformações nas esferas políticas, religiosas, econômicas e sociais.
Dessa forma, para elucidar e contribuir para a
construção de conceitos, alguns aspectos serão abordados, tendo em vista que novas tecnologias, ao se
disseminarem pela sociedade, levam à experiência
nova e a novas formas de relação com o outro, com
o conhecimento e com o processo de ensino-aprendizagem. Foi assim no passado, com a disseminação
64
da escrita. A própria origem da Educação e da Escola,
tal como concebidas, depende fundamentalmente
desta tecnologia de registro e recuperação de informação que é a escrita. O desenvolvimento dessa tecnologia promoveu grandes transformações na prática
educativa.7,8,15
É praticamente inconcebível ensinar e aprender
sem livros, objetos que somente começaram a ser usados em larga escala com o advento da máquina de
imprimir e da técnica de corte de papel, que permitiu
que os livros se tornassem portáteis.
As novas tecnologias, especialmente as que estão
ligadas às chamadas “mídias interativas”, estão promovendo mudanças na Educação, num processo que parece estar apenas começando. Para a maioria dos educadores elas são absolutamente desconhecidas. Uma
parcela muito pequena teve algum contato ou usa com
alguma freqüência essas tecnologias. E, mesmo para
estes, elas representam uma imensa novidade.15
A Exclusão Digital está relacionada à falta de inclusão social, com um agravante: a revolução tecnológica tende a aprofundar o fosso que separa quem
domina a nova linguagem e quem não a sabe usar;
estes estão praticamente condenados a não sair do
lugar em que se encontram.
A exclusão socioeconômica desencadeia a exclusão digital, ao mesmo tempo em que a exclusão digital aprofunda a exclusão socioeconômica. A inclusão
digital deveria ser fruto de uma política pública com
destinação orçamentária, a fim de que ações promovam a inclusão e equiparação de oportunidades a
todos os cidadãos. Nesse contexto, é preciso levar em
conta indivíduos com baixa escolaridade, baixa renda, com limitações físicas e idosos. Uma ação prioritária deveria ser voltada às crianças e aos jovens, pois
constituem a próxima geração.3,10,13,14
Um parceiro importante à inclusão digital é a educação. A inclusão digital deve ser parte do processo
de ensino de forma a promover a educação continuada. Note que educação é um processo e a inclusão
digital é elemento essencial desse processo.
Embora a ação governamental seja de suma importância, ela deve ter a participação de toda a sociedade face à necessidade premente que se tem de
acesso à educação e redistribuição de renda, permitindo assim acesso às Tecnologias de Informação e
Comunicação (TIC’s).
A Internet, rede de informações, está repleta de
vários tipos de aplicações educacionais, de divulgação, de pesquisa, de apoio ao ensino, que contribuem
Revista da ABENO • 7(1):63-7
Internet – um recurso didático • Carvalho EMOF, Lage-Marques JL
para a construção do conhecimento autônomo.
A educação presencial pode modificar-se significativamente com as redes eletrônicas. As paredes das
escolas e das universidades se abrem, as pessoas se
intercomunicam, trocam informações, dados, pesquisas. A educação continuada é potencializada pela
possibilidade de integração de várias mídias, acessando-as tanto em tempo real como assíncrono, isto é,
no horário favorável a cada indivíduo, e é facilitada
também pela praticidade de pôr em contato educadores e educandos.4
As mídias digitais permitem que se estabeleçam
relações descentralizadas e horizontalizadas entre os
produtores e consumidores de conhecimento. Isto
porque tais mídias possibilitam maior interação entre
tais agentes. Assim, o seu interior permite ser ora produtores, ora consumidores dos conteúdos e dos processos possíveis de circularem na rede.
Portanto, se tais mídias digitais não explorarem
esse potencial interativo e as possibilidades de relações mais horizontais, serão apropriadas como as velhas mídias, em que a grande massa de receptores
recebe de modo pouco participativo o que lhes é ofertado por um número mínimo de produtores, como
é o caso, por exemplo, do modelo da televisão.3,4,8
Wolton16 (2000) define a Internet como a
“rede constituída por diferentes redes interconectadas à
escala mundial. É a percursora das auto-estradas da informação”.
A educação, por meio da Internet, terá que ser
responsável por uma ruptura paradigmática a partir
da mudança de tecnologia. A aposta da Internet na
educação é de que a tecnologia introduza um paradigma e interfira na produção de conhecimento.3
Colocam-se desafios para a educação, a respeito
dos currículos e dos paradigmas que irão se construir
a partir dessa nova realidade.
A Internet não pode ser apenas apresentada como
uma grande fonte de dados sobre os mais diversos
assuntos, sem que se perceba que se transformou também o modo de produzir conhecimento. É a partir
dessa clareza que se devem estabelecer os paradigmas
e conteúdos da educação do futuro.
Enquanto não se parte para descobrir os verdadeiros potenciais da Grande Rede e que benefícios
esta pode trazer para a educação, há o risco da condenação da transposição de uma pedagogia retrógrada para a Internet. Não há evidências da perda da
autoridade do professor como porta-voz do saber,
pois outra será sua importância e sua legitimidade se
dará a partir daí.
A capacidade de aprendizado e de assimilação
poderá ser bastante elevada e estimulada, a partir de
exemplos concretos, mas virtuais; a Internet será o
palco de intercâmbio entre escolas (alunos e professores) de todo o mundo, onde qualquer História poderá ser comparada com depoimentos de quem a
viveu sem intermediações de historiadores oficiais ou
da imprensa.
Sendo assim, novas perspectivas quanto à maneira
de “ensinar” podem ser pensadas. A Educação à Distância recebeu notável impulso a partir da aplicação
de novas tecnologias, notadamente aquelas que envolvem a Internet.
A aprendizagem com a Internet pode tornar-se
colaborativa dando a oportunidade da responsabilidade da própria aprendizagem, e assim colaborando
para a construção de um pensamento crítico.6,9,10
As redes eletrônicas não apresentaram a solução
mágica para modificar profundamente a relação pedagógica, mas vão facilitar como nunca antes a pesquisa individual e grupal, o intercâmbio de professores com professores, de alunos com alunos, de
professores com alunos.
Segundo Moran et al.11, em 2003, o professor pode
iniciar um assunto em sala de aula sensibilizando,
criando impacto, chamando a atenção para novos
dados, novos desafios. Depois, convidar os alunos a
fazer suas próprias pesquisas, individualmente e em
grupo, para que procurem chegar a suas próprias
sínteses. Enquanto os alunos fazem pesquisa, o professor pode ser localizado eletronicamente, para consultas ou dúvidas. O professor se transforma num
assessor próximo do aluno, mesmo quando não está
fisicamente presente.
Pensar sobre como dar aula, diante das tecnologias e de alunos familiarizados e competentes na sua
utilização técnica, é desafiador. Não é um modismo,
não é algo voluntário e que só alguns professores fanáticos irão fazer. Cada um vai, de alguma forma,
confrontar-se com essa necessidade de reorganizar o
processo de ensinar.1,7,9
É enorme a responsabilidade do docente, na perspectiva de que a qualidade do processo educativo está
essencialmente relacionada à qualidade de formação
do professor e à competência deste profissional na
sua relação com o conhecimento de que se professa
detentor.
Revista da ABENO • 7(1):63-7
65
Internet – um recurso didático • Carvalho EMOF, Lage-Marques JL
Não há como conceber, por exemplo, um professor que somente exerça o ensino, embora isso possa
acontecer com relativa freqüência na escola e na universidade. Da mesma maneira, é muito difícil acreditar que alguém somente pesquise sem socializar os
resultados de sua busca, apesar de, freqüentemente,
existirem comentários ou críticas sobre o isolamento
ou distanciamento de cientistas da realidade.
Acreditar que há um nexo entre as duas esferas
(ensino e pesquisa) é justamente acreditar na possibilidade da produtividade do docente. O perfil professor-pesquisador ou o pesquisador-professor é o
que concretiza essa produtividade, cada vez mais necessária numa sociedade em transformação e cujo
ambiente se mostra nebuloso e incerto.5,6
A pesquisa é condição indispensável da prática docente, e tem como conseqüência, tanto para o docente
quanto para o discente, um princípio educativo referencial, uma vez que o professor não educa apenas por
meio de palavras, mas também pela postura revelada
em suas atitudes ou no conjunto de suas ações. Isso
repercutirá no aluno que, por sua vez, se questionará a
respeito de querer ou não se tornar um sujeito crítico,
criativo e conquistar sua autonomia intelectual.6
Nunca houve tanto conhecimento, tantas respostas prontas, fáceis e acessíveis sobre as questões que
nos afligem, nunca houve tanta alienação, ingenuidade e apatia.
O professor tem de aprender a lidar com o fato de
que os alunos terão mais facilidade que ele com as
novas tecnologias. A melhor maneira de encarar isso
é reconhecer essa limitação e deixar que os alunos mais
desenvoltos tecnologicamente se tornem monitores
nos momentos de dificuldades técnicas. Isso ajuda o
professor a admitir que ele não é mais o detentor de
todo o conhecimento que os alunos devem adquirir.
Os professores deverão ser preparados para trabalhar como facilitadores e, até mesmo, provocadores de
participação. O professor não tem mais a missão de
“transmitir conhecimento” e, sim, de orientar o aluno
e ajudá-lo na busca do conhecimento. Essas são as novas tarefas do professor: estipular metas, planejar e
estar atento para que os recursos estejam disponíveis.
mente, educar é aprender a gerenciar um conjunto
de informações e torná-las algo significativo para cada
um de nós, isto é, o conhecimento.
O desafio do uso da Internet como recurso didático é motivar os alunos a continuar aprendendo
quando não estão em sala de aula. Motivá-los a realizar troca e não somente repasse de informação.
Estimular o aluno a aprender em ambientes virtuais é um grande desafio pedagógico.
CONCLUSÕES
Educar com novas tecnologias é um desafio que
até agora não foi enfrentado com profundidade. As
novas tecnologias poderão proporcionar um aprendizado contínuo e flexível.
As tecnologias podem ajudar, mas, fundamental-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
66
ABSTRACT
The Internet – a teaching resource
The world is constantly undergoing changes, and
the Internet is being used as an important teaching
resource. From the chalk piece to the computer, technology has been present in school as a link between
action and learning for professors and students.
Technological tools are more and more frequent in
the class room: the computer along with its chief resource – the Internet – have raised a debate about
their effectiveness in school education. The use of
the Internet in educational programs has revealed
that this resource gives rise to educational environments which are different from that of the traditional attendance classes regarding the roles of teachers
and students, the flow of information, the degree of
autonomy and participation of students, and the development of complex competencies such as those
involving the resolution of problems. Nevertheless,
experience shows that these results are useful and
effective only when teachers are technically prepared
for them. To educate using new technology is a challenge which has not yet been thoroughly tackled.
Technology may help, but to educate is fundamentally to learn how to manage a set of information and
turn it into something significant to the individual,
namely knowledge. The introduction of the Internet
into school programs acts as a catalyst for change.
Therefore it is appropriate to consider this new tool
as a precious aid to learning.
DESCRIPTORS
Competency-based education. Internet. Attitude
to computers. §
1. Almeida LP. O uso pedagógico da internet na educação superior de graduação presencial no estado do Paraná: o caso do
Unicentro [Dissertação de Mestrado]. Paraná: Instituto de
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Revista da ABENO • 7(1):63-7
Internet – um recurso didático • Carvalho EMOF, Lage-Marques JL
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FGV/IBRE, CPS; 2003 . 143 p . [acesso 30 mai 2005] . Disponível
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14 . Revista Época . Inclusão digital – Informe Publicitário nº 320;
Editora IBPEX; 2003 .
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[acesso 30 mai 2005] . Disponível em: http://www.eca.usp.br/
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[acesso 13 fev 2005] . Disponível em: http://www.comunicacao.
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Recebido para publicação em 18/02/2006
Paulo: Paulinas;, 2000 . p . 90-1 .
10 . Moran JM . Novos desafios na educação – a internet na educa-
Aceito para publicação em 17/05/2006
Conheça toda a trajetória
da cinqüentenária
Revista da ABENO • 7(1):63-7
6
Endodontia na graduação com ensino
presencial e suporte a distância:
estratégia motivacional ao estudo
individual
O material didático disponibilizado via web motiva o estudo
individual e auxilia no ensino presencial, quando desenvolvido sob
os conceitos de usabilidade e “design” instrucional apropriados.
Mary Caroline Skelton-Macedo*, Cristiany Castro Basilio**, Nilden Carlos Cardoso
Alves***, Viviane Pereira Marques****, Moacyr Ely Menéndez-Castillero*****, Rielson José
Cardoso Alves******
*Doutora em Endodontia pela Faculdade de Odontologia da
Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected].
**Mestranda em Endodontia da Faculdade de Odontologia da
Universidade de São Paulo.
***Mestre em Endodontia pela Faculdade de Odontologia da
Universidade de São Paulo.
****Especialista em Endodontia pela Escola de Aperfeiçoamento
Profissional da Associação dos Cirurgiões Dentistas de Campinas.
*****Doutor em Prótese Dental pela Faculdade de Odontologia da
Universidade de São Paulo.
******Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Endodontia do
Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic.
RESUMO
Este trabalho avaliou o desempenho dos 29 alunos
da primeira turma de Endodontia do curso de Graduação em Odontologia da Faculdade São Leopoldo
Mandic, Campinas – São Paulo, que contou com o
ensino presencial suportado pela disponibilização de
conteúdos em plataforma educacional TelEduc. A
sala de aula foi projetada para que cada aluno tivesse
acesso a um computador desktop. O material de
apoio desenvolvido somou “slides” do professor, apostilas, links para sites de conteúdos aprovados, perguntas freqüentes, diretrizes para o desenvolvimento de
trabalhos, avaliações e tutoriais animados projetados
de maneira interativa e sob aspectos educacionais
adequados à mídia proposta. O resultado apresentado no desempenho dos alunos foi comparado com o
68
número de acessos ao material de apoio. O sugerido
no início do curso foi de, pelo menos, 2 acessos semanais, totalizando 40 acessos ao final das 20 semanas
da disciplina. Os alunos aprovados alcançaram a média de 91,5 acessos, significando 128,75% além do
número de acessos mínimos exigidos.
DESCRITORES
Educação a distância. Educação em Odontologia.
O
Ensino a Distância (EaD) gradativamente vem
sendo aplicado nos cursos de conteúdos que permitam o desenvolvimento do aspecto cognitivo sem a
presença física de um tutor. A grande discussão para a
não-aplicação na área da saúde fundamenta-se na necessidade da checagem principalmente do desenvolvi-
Revista da ABENO • 7(1):68-75
Endodontia na graduação com ensino presencial e suporte a distância: estratégia motivacional ao estudo individual •
Skelton-Macedo MC, Basilio CC, Alves NCC, Marques VP, Menéndez-Castillero ME, Alves RJC
mento de habilidades próprias e absolutamente necessárias, assim como das atitudes pertinentes e que
são fundamentais no momento da determinação do
diagnóstico e da aplicação de uma determinada técnica na condição patológica apresentada.
Levando-se em consideração os fatos discutidos,
alguns cursos têm iniciado um processo de desenvolvimento da parte cognitiva utilizando-se do suporte a
distância, no qual o material utilizado em sala de aula
fica disponível ao aluno para que este o acompanhe
quantas vezes necessitar, podendo também consultar
sites indicados pelos professores, apostilas preparadas
adequadamente, tutoriais de procedimentos para
acompanhamento em trabalhos laboratoriais e clínicos, diretrizes para desenvolvimento de trabalhos
complementares e até avaliações.
A plataforma educacional TelEduc permite a disponibilização do material de apoio com as vantagens
do gerenciamento do curso, fornecendo dados importantes quanto a número de acessos por aluno,
páginas mais visitadas, tempo de permanência nas
páginas, repositório de material do próprio aluno e
avaliações de conhecimento. Essa plataforma é gratuita e neste trabalho foi aplicada com base em servidor particular instalado em São Paulo.
Este trabalho, portanto, observou o desempenho
dos alunos da primeira turma do curso de Graduação
em Odontologia da Faculdade São Leopoldo Mandic – disciplina de Endodontia – comparado ao número de acessos que foram motivados a realizar ao
material de apoio desenvolvido e disponibilizado sob
a égide da interatividade e do conceito de “design”
instrucional.
MATERIAL E MÉTODOS
A equipe de tutores/professores contou com 4
membros: 2 mestres doutores, 1 mestre e 1 especialista, além de um estagiário mestrando. Foram feitas
reuniões prévias ao início do curso para se adequar
o preparo do material de apoio para a disponibilização na web. Foram desenvolvidas aulas em PowerPoint, apostilas ilustradas, tutoriais para preenchimento de apostilas de estudo, diretrizes para a
realização de trabalhos complementares e avaliações
de retenção do conhecimento diário. Criou-se um
personagem para ser associado à figura de professor
virtual, desenvolvido sob critérios que comunicassem
conceitos endodônticos relevantes. Algumas animações com este personagem permitiram informar ou
reforçar conceitos e explicações da sala de aula.
Todo o material de apoio foi ricamente ilustrado
e colorido para tornar a leitura agradável e auto-explicativa. Os arquivos de extensão doc (arquivo padrão do aplicativo MS Word®) e ppt (arquivo gerado
pelo aplicativo MS PowerPoint®) foram gravados em
extensão pdf (arquivo do tipo “Portable Document
Format”, gerado pelo aplicativo Adobe Acrobat®) não
permitindo a edição posterior (o cuidado com a segurança do material de apoio foi estudado e aplicado
de maneira a disponibilizar conteúdos sempre com o
logotipo da equipe que o desenvolveu e de forma não
editável). Outro cuidado com relação à segurança do
material foi montar páginas em html para a disponibilização dos conteúdos.
Obedecendo às áreas oferecidas pela plataforma,
na Dinâmica do Curso fez-se a apresentação formal
do corpo docente, do desenvolvimento das atividades, das normas da escola e da disciplina, assim como
de todo o processo avaliativo durante o decorrer do
curso. A primeira Agenda constou de mensagens de
encorajamento, sempre privilegiando a importância
do estudo individual.
Na área de Atividades estavam disponíveis Estudos
Dirigidos sobre cada assunto a ser abordado, diretrizes para Trabalhos Complementares, Avaliações e
Gabaritos e diretrizes para os Seminários propostos.
A área correspondente ao Material de Apoio teve todas as aulas em “slides” disponibilizadas em arquivos
pdf com os respectivos objetivos a serem alcançados
em cada assunto. Sendo a sala de aula montada com
um computador por aluno, o acesso ao material do
tutor/professor podia ser feito durante a aula, acom-
Figura 1 - Exemplo de aula de Anatomia Interna Dental
desenvolvida em PowerPoint Microsoft® e disponibilizada
como arquivo swf (Shockwave File – gerado pelo aplicativo Flash® MX Professional – Macromedia®) para o curso
de Endodontia.
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69
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Skelton-Macedo MC, Basilio CC, Alves NCC, Marques VP, Menéndez-Castillero ME, Alves RJC
panhando os “slides” sem desvio de atenção. Observam-se nas Figuras 1 e 2 os exemplos das telas de Aula
de Anatomia Interna Dental e do tutorial de Esvaziamento e Odontometria.
No primeiro dia de aula presencial, os alunos foram instruídos a preencher seu Perfil – área destinada à apresentação para os demais atores do processo,
composta por informações pessoais e foto de cada
um, inclusive dos professores.
O desenvolvimento do curso foi apresentado e
também as metas e a aplicação da plataforma edu-
cacional. Durante as aulas presenciais os “slides” do
professor seriam seguidos por acompanhamento na
plataforma e durante a semana seria necessário ao
menos 1 acesso para consulta da agenda e desenvolvimento das tarefas propostas através de tutoriais e
explicações.
O número de acessos foi acompanhado sem que
se constrangesse nenhum aluno a visitar a plataforma.
Apenas foram instruídos a buscar as informações do
curso ali depositadas.
Os resultados de acessos comparados ao desempenho dos alunos ao final do curso constam a seguir
sob forma de números puros e porcentagens de
acesso.
Número de alunos
20
17
15
10
10
5
0
2
Abaixo do mínimo
sugerido
O dobro do sugerido
ou mais
Do mínimo sugerido
ao dobro
Número de acessos
Figura 2 - Exemplo de tutorial de Esvaziamento e Odon-
Gráfico 1 - Acessos gerais dos alunos à plataforma edu-
tometria desenvolvido em Flash MX Pro Macromedia®
para o curso de Endodontia.
cacional TelEduc.
200
Acessos totais à plataforma durante o curso
182
150
143
150
115
108
104
100
88
84
75
60
50
49
73
59
50
45
51
73
66
58
56
85
84
49
63
68
54
42
32
12
0
A01 A02 A03 A04 A05 A06 A07 A08 A09 A10 A11 A12 A13 A14 A15 A16 A17 A18 A19 A20 A21 A22 A23 A24 A25 A26 A27 A28 A29
Alunos
Gráfico 2 - Número de acessos realizados por aluno durante a disciplina de Endodontia (média: 75,11 acessos).
70
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120
182
150
143
150
108
100
50
73
73
56
50
68
Número de acessos
Número de acessos
200
ou preferiu imprimi-la para leitura “off-line”. Esses
dados constam no Gráfico 3, e a média foi de 91,5
acessos para os alunos aprovados na disciplina, portanto 128,75% a mais do que o mínimo de acessos
sugeridos.
O número de acessos de alunos não aptos à aprovação, mas que realizaram exames finais complementares, atingiu uma média de 67,57 acessos, totalizando
68,92% mais acessos do que o mínimo sugerido inicialmente. O Gráfico 4 ilustra a distribuição dos acessos desses alunos.
Os alunos não aptos à aprovação na disciplina de
Endodontia, após realizado o exame complementar,
realizaram mais acessos ao conteúdo disponibilizado
se comparados com a média dos que realizaram o
exame – 67,57 acessos. A média dos primeiros foi de
73,22 acessos, alcançando-se 83,05% mais acessos do
que o mínimo sugerido de 40 acessos, 19,98% menos
do que os acessos dos aprovados inicialmente – 91,50
acessos – e 2,52% menos do que a média de acessos
totais da turma – 75,11 acessos. O Gráfico 5 ilustra
104
100
84
66
60
49
45
0
A12 A16 A24 A26 A27 A29
A01 A02 A05 A06 A09 A14 A15 A17 A19 A21 A22 A23 A25 A28
Alunos aprovados
Alunos em exame final
Gráfico 3 - Número de acessos realizados pelos alunos
aprovados (10 alunos aprovados - média: 91,5 acessos).
100
200
162
85
84
80
66
60
45
51
49
40
20
A02
A05
A09
A14
A15
A17
aprovação, porém aptos à realização de exame complementar (14 alunos necessitaram de exame complementar - média: 67,57 acessos).
115
104
Gráfico 4 - Acessos realizados pelos alunos não aptos à
A22
A25
A28
Número de acessos
120
Número de acessos
42
40
0
A03 A07 A10 A11
0
58 54
51 49
20
12
60
85
84
80
60
115
RESULTADOS
O Gráfico 1 mostra o número de acessos ocorridos durante o decorrer das 20 semanas da aplicação
da Disciplina de Endodontia no curso de Odontologia. Dos 29 alunos matriculados, 17 acessaram a plataforma e estiveram expostos aos seus conteúdos
entre o mínimo de acessos sugerido e o dobro e 10
alunos acessaram a plataforma o dobro do sugerido
ou mais vezes.
Já o Gráfico 2 mostra o número de acessos por
aluno, envolvendo os 29 alunos matriculados na disciplina de Endodontia. A média da turma foi de 75,11
acessos, ou seja, 87,77% acima do mínimo sugerido
no início do desenvolvimento da disciplina.
Com respeito ao desempenho alcançado pelos
alunos, observa-se que os que mais acessos fizeram ao
material didático disponibilizado obtiveram melhor
desempenho geral. Não foram computadas as horas
de estudo nas páginas da plataforma por esse constituir um dado passível de erro: o tempo de estudo na
página não avalia se o aluno leu o conteúdo “on-line”
150
99
100
50
0
Alunos não aptos
17
P1
P2
P3
Professores
Gráfico 5 - Número de acessos dos alunos não aptos à
aprovação na disciplina (09 alunos não aptos à aprovação média: 73,22 acessos).
Gráfico 6 - Número de acessos por professor (média:
92,66 acessos).
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Skelton-Macedo MC, Basilio CC, Alves NCC, Marques VP, Menéndez-Castillero ME, Alves RJC
esse alcance.
Outro dado levantado e interessante foi o número
de acessos por parte do corpo docente. Excluindo-se
aqui o professor responsável pela manutenção da plataforma, por acessar inúmeras vezes a fim de depositar material, verificar acessos e levantar dados gerais,
observou-se que entre os professores houve em média
92,66 acessos (portanto 131,65% a mais do que o mínimo sugerido aos alunos), como apresentado no
Gráfico 6.
DISCUSSÃO
O EaD puro sofre muitas críticas quanto à motivação do aluno inserido em seu contexto, principalmente dirigidas à ausência do professor. Na realidade, quando se desenvolvem cursos em EaD, observa-se
que o aprendizado pode ocorrer à distância, desde
que o professor esteja completamente presente, ainda que virtualmente, ou seja, o contato do professor
com seus alunos deve ser constante dentro das ferramentas que assim o permitam.
Óbvio está que a complementação do ensino presencial com suporte a distância soma vantagens de
ambos os aspectos educacionais, porém ainda necessita de um material desenvolvido com o intuito de
motivar o aluno ao estudo individual para que ocorra
o desempenho almejado. Os estudos de interatividade e “design” instrucional, além da usabilidade das
ferramentas propostas, devem ser levados em consideração no momento da adequação do material a ser
disponibilizado pelo corpo docente. A linguagem visual terá imensa vantagem em comparação à leitura
pura e simples; os textos devem estar bem ilustrados
e coloridos a fim de proporcionar ambiente de leitura agradável e prazeroso.
As animações entram com grande força no EaD
e na adequação de material para suporte a distância,
tornando facilitados as explicações tutoriais e o encaminhamento do raciocínio na construção do mesmo. Stefanelli9 (2006) comenta que a criação da
identidade visual nos projetos multimídia está conduzindo o EaD a um novo padrão estético na transmissão de mensagens complexas por meio de imagens gráficas.
Considerando-se a necessidade visual no ensino
da Odontologia, deve-se empreender cuidados na
preparação de imagens e vídeos.2,3,6 Segundo Lemos
et al.5 (2002), um escâner de boa qualidade óptica
pode produzir imagens de boa qualidade até mesmo
de peças anatômicas, podendo ser empregadas como
material didático.
72
Ainda assim é necessário cuidado na escolha da
estratégia com que se aplicam esses conceitos. Deve
estar bem estruturada do ponto de vista da escola
pedagógica que se quer aplicar para que não se construam materiais inadequados, aplicando-se em ordem e relevância que vão simplesmente colocar a
perder horas de trabalho de adequação e desenvolvimento do material de apoio.
Quanto à utilização do hipertexto no ensino mediado por computador, Portugal8 (2005) sugere que
essa modalidade de apresentação eletrônica de conteúdos se assemelha ao processo do pensar, estruturado numa rede que conecta conhecimentos adquiridos em épocas distintas, permitindo a reconstrução
do conhecimento a cada novo aprendizado. A grande
preocupação em disponibilizar conteúdos está na forma em que a estrutura do hipertexto deve ser apresentada, devendo-se configurar ambientes educacionais de forma a não limitar a exploração e a
criatividade do aluno, garantindo que os objetivos de
aprendizagem sejam assim alcançados.8 O conceito
de usabilidade e “design” instrucional são aqui apresentados como relevantes na disponibilização do material didático, seja no EaD puro ou no suporte a
distância. A escolha da plataforma educacional, portanto, deve se adequar a esses critérios de forma a
ambientar o aprendizado ordenado, ainda que permitindo o navegar não linear de suas páginas.
O TelEduc como plataforma educacional é bastante simples em sua utilização, exigindo pouco tempo de adaptação do corpo docente e do discente. Sua
linguagem é clara e as áreas do ambiente podem ser
ocultadas desde que não se privilegie sua utilização
durante o curso. Não é necessário que se produzam
páginas em html para inserção do material de apoio.
Esta sugestão visa dificultar ainda mais a alteração ou
utilização inadequada.
Quanto à humanização desta modalidade de ensino, no caso deste trabalho, a mescla com o ensino
presencial fez substancial diferença: o contato direto
com os alunos assegurou lembrar-lhes de que era
necessário acessar as tarefas via TelEduc durante as
aulas presenciais. Sobre as aulas, os alunos que foram
condicionados a utilizar o computador para fazer
anotações em sala de aula passaram a utilizá-lo para
acessar os “slides” do professor, podendo comandar
seus arquivos de forma a retornar informações não
assimiladas ou que causassem dúvidas. As anotações
puderam ser deixadas de lado, fixando-se a atenção
do corpo discente na fala do professor e em seu material de apoio.
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Endodontia na graduação com ensino presencial e suporte a distância: estratégia motivacional ao estudo individual •
Skelton-Macedo MC, Basilio CC, Alves NCC, Marques VP, Menéndez-Castillero ME, Alves RJC
Um aspecto muito importante no EaD é a publicação do material de apoio na plataforma. Para tal, é
necessário que todo o material de um mês, pelo menos (totalizando 4 aulas), esteja pronto e publicado
para aplicação. O TelEduc permite que o material
seja publicado com acesso permitido somente aos
professores e, à medida que o curso assim o exigir,
seja disponibilizado aos alunos. De qualquer forma,
a produção do material deve andar à frente da publicação, permitindo ajustes necessários, gravações dos
arquivos de forma segura e disposição adequada às
necessidades do curso.
Outra questão a ser discutida é o receio por parte
do corpo docente no aplicar das novas tecnologias.
O Gráfico 6 mostra a média de acessos realizada pelos
professores do curso e dá a clara visão de que ainda
há elementos não afeitos às tecnologias educacionais,
o que pode comprometer o contato entre professores
e alunos. É realidade supor que muitos dos alunos
estão mais afeitos às modernas tecnologias e utilizações da Internet do que a maior parte dos professores,
mas deve-se ressaltar que não podem se formar sozinhos baseados neste fato. O professor ainda detém o
conhecimento para a construção do ambiente educacional para que o processo de ensino-aprendizagem
se desenvolva de maneira asseguradamente eficaz,
seja por que meio educacional for. Portanto, baseado
nisso, o professor pode e deve se associar ao “designer” instrucional para que o material de apoio didático seja desenvolvido em parceria, porém com a
real possibilidade de adequação às necessidades do
aprendizado. O medo a ser tratado é o de que o aluno ficará independente em seu processo de aprendizado na medida em que navegar por um ambiente
bem estruturado, interativo, interessante e eficaz em
sua meta de ensino.
Vale salientar a afirmação de Freire4 (1997):
“A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si,
é processo, vir a ser. Não ocorre em data marcada. É nesse
sentido que uma pedagogia da autonomia tem de ser centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas da
liberdade.”
O estudo da OECD7 (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) traz informações relevantes quanto ao desempenho dos alunos
do Ensino Médio sob aplicação de ferramentas digitais. Os autores relatam que os computadores são um
recurso poderoso ainda subutilizado na maior parte
dos países. Esse estudo faz parte do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), que sugeriu
que é função educacional mostrar aos alunos como
fazer uso produtivo do computador. A informática
faz diferença quando incorporada à pedagogia, seja
como ferramenta de pesquisa, seja por meio de jogos,
seja por softwares educativos. Os resultados obtidos
nessa análise mostraram que os alunos que fizeram
acessos de pelo menos uma vez na semana obtiveram
maior desempenho em matemática, porém alunos
com maior número de acessos tiveram redução na
performance.
Em contraponto aos resultados obtidos no presente trabalho, no qual os alunos do Ensino Superior
obtiveram melhor rendimento quando o número de
acessos à plataforma educacional foi maior, pode-se
observar não somente a diferente faixa etária, mas
também relevar a importância de se adequar o material didático à exigência da mídia em questão, sob o
ponto de vista pedagógico, e de forma que alcance
interesse aos olhos do corpo discente.
A plataforma educacional TelEduc ainda se preocupa em criar um ambiente de humanização do
ensino, permitindo aos alunos que gerem seu próprio
perfil, com foto e informações pessoais, assim como
os professores também podem criar os seus próprios.
Isso gera um ambiente mais amigável e menos virtual,
podendo-se conhecer anseios, receios e necessidades
além do mero acessar de informações, constituindo
um ambiente facilitador da relação professor/aluno
assim como do processo de ensino-aprendizagem,
concordando com as observações de Amorim et al.1
(2005). Os alunos também podem depositar arquivos
preparados por eles ou encontrados na medida em
que estudam, oferecendo aos colegas e professores o
fruto de sua própria pesquisa.
Nesse ambiente de ensino agradável e interativo,
criado com foco na necessidade de interatividade e
aplicação dos conceitos de usabilidade e “design” instrucional, pôde-se observar que os alunos foram além
no número de acessos que se havia sugerido inicialmente no curso. O Gráfico 1 mostra que a maior parte dos alunos (17) acessou do mínimo (duas vezes por
semana) ao dobro dos acessos sugeridos, enquanto
10 alunos acessaram o dobro do mínimo ou mais vezes. O Gráfico 2 apresenta a distribuição dos acessos
realizados por todos os alunos.
Os Gráficos 3, 4 e 5 disponibilizam a distribuição
dos acessos realizados por alunos que alcançaram a
aprovação na disciplina, que não alcançaram a aprovação antes do exame final e que não obtiveram ap-
Revista da ABENO • 7(1):68-75
73
Endodontia na graduação com ensino presencial e suporte a distância: estratégia motivacional ao estudo individual •
Skelton-Macedo MC, Basilio CC, Alves NCC, Marques VP, Menéndez-Castillero ME, Alves RJC
tidão após o exame final, respectivamente. Considerando-se o número médio de acessos dos alunos
aprovados superior em 128,75% ao mínimo sugerido,
observa-se que quanto mais tempo exposto ao material didático disponibilizado, mais aproveitamento
de aprendizado foi alcançado, em função das características de desenvolvimento do material e da facilidade oferecida pela interface educacional. Uma das
alunas começou o curso atrasada em 2 meses em
função de gravidez e parto durante o período da
disciplina. Comunicada do acesso aos conteúdos,
propôs-se a estudar sozinha e realizar tarefas e avaliações em particular, alcançando os objetivos propostos pela disciplina, tornando-se apta à aprovação.
Outro caso foi o de um aluno que só podia fazer
acessos noturnos, já que trabalhava nesse horário e
era exigido que se mantivesse acordado. De todos os
alunos, foi o de maior tempo de conexão ao material
de apoio disponibilizado, alcançando a aprovação
sem exame complementar.
Já os dados dos Gráficos 4 e 5 mostram números
médios de acessos próximos (67,57 e 73,22) por envolverem a mesma população, apenas aproximadamente
70% superiores ao mínimo de acessos exigido, em que
catorze alunos passaram pelo exame complementar
(Gráfico 4); destes, nove não obtiveram aprovação final (Gráfico 5). Os alunos reprovados que não obtiveram desempenho suficiente para a realização do exame complementar (A4, A8, A13, A18 e A20) alcançaram
uma média de acessos de 63,4, apenas 58,5% acima
do mínimo sugerido no início do curso.
Considerando-se o mínimo de acessos sugerido
suficiente apenas para que os alunos acompanhassem
o professor em sala de aula e obtivessem as tarefas
para a aula seguinte, o número de acessos total da
turma ao material disponibilizado surpreendeu o corpo docente.
Ainda são necessárias novas mensurações de
aprendizado a distância como suporte do ensino presencial, considerando-se um futuro bastante promissor quando o material didático for desenvolvido sob
princípios de interatividade, usabilidade e “design”
instrucional, podendo ser desenvolvido por profissionais de artes gráficas associados ao corpo docente em
questão.
CONCLUSÕES
1.O acesso ao material didático disponibilizado via
web motiva o estudo individual suportando sua
utilização no ensino presencial.
2.Quanto mais tempo o aluno for exposto ao mate74
rial disponibilizado, maior será seu rendimento
no desempenho global.
3.A motivação ao estudo individual está diretamente relacionada à qualidade do material didático
disponibilizado.
ABSTRACT
Endodontics at the undergraduate level with
presence teaching and distance support: a
motivational strategy for individual study
This study evaluated the performances of 29 students from the first Endodontics class that was given
through presence teaching and distance support,
based on the TelEduc educational platform, at the São
Leopoldo Mandic Dentistry College, Campinas, São
Paulo, SP, Brazil. The college offered a desktop computer for each student. The developed didactic material included the professor’s slides, printed summaries
of lessons, links to sites with approved contents, frequently asked questions, guidelines for developing
papers, tests and interactive animated tutorials de
veloped for the proposed medium. The students’ performance results were compared to the number of
times they accessed the didactic material. In the beginning of the course, students were recommended to
access the didactic material at least 2 times weekly, totalling 40 acccess instances at the end of the 20 weeks of
the subject. The approved students reached an average
of 91.5 access instances, representing an access count
128.75% greater than the minimum required.
DESCRIPTORS
Distance learning. Education, dental. §
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Recebido para publicação em 27/04/2006
1_1,00.html .
8 . Portugal C . Hipertexto como instrumento para apresentação
Aceito para publicação em 18/05/2006
A Revista da ABENO – Associação Brasileira de
Ensino Odontológico – tem como missão primordial:
• produzir benefícios
diretamente voltados
para a coletividade;
9-5
ISSN 167
• assegurar o contínuo
progresso da formação
profissional;
954
• contribuir para a obtenção de indicadores de
qualidade do ensino odontológico respeitando
os desejos de formação discente e
capacitação docente;
ação
Associ
• produzir junto aos
especialistas a reflexão e
análise crítica dos assuntos da
área em nível local, regional,
nacional e internacional.
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volume 2
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5
Tecnologias de informação e
comunicação no ensino da odontologia
As tecnologias de informação e comunicação propiciam aos alunos
o exercício da capacidade de procurar e selecionar informações,
aprender de forma independente e solucionar problemas.
Vania Fontanella*, Márcia Schardosim**, Maria Cristina Lara**
*Professora Adjunta da Faculdade de Odontologia da Universidade
Luterana do Brasil. E-mail: [email protected].
**Alunas do Curso de Especialização em Radiologia Odontológica da
Sobracursos.
RESUMO
Na Odontologia, assim como em outras áreas do
conhecimento, tecnologias de informação e comunicação (TIC) constituem ferramentas de crescente
importância, permitindo o uso de novas mídias educacionais que proporcionam aos estudantes o exercício da capacidade de procurar e selecionar informações, aprender de forma independente e solucionar
problemas. O cirurgião-dentista, independentemente de seus interesses, deve estar apto a utilizá-las para
seu desenvolvimento profissional. As autoras revisam
a literatura especializada sobre as potencialidades do
uso de TIC no ensino da odontologia.
DESCRITORES
Educação em Odontologia. Ensino superior. Informática em saúde.
C
om a rápida evolução da tecnologia, passou-se a
ter acesso a informações instantâneas oriundas de
qualquer parte do mundo, o que se reflete de maneira
marcante sobre o processo de ensino-aprendizagem.
Na Odontologia, assim como em outras áreas do conhecimento, tecnologias de informação e comunicação
(TIC) constituem ferramentas de crescente importância, pois propiciam o uso de novas mídias educacionais
que proporcionam aos estudantes o exercício da capacidade de procurar e selecionar informações, aprender
de forma independente e solucionar problemas. O cirurgião-dentista interessado em pesquisa, saúde pública, ensino ou prática clínica deve estar apto a utilizá-las
para o seu desenvolvimento pessoal e profissional.20
76
É comum que educadores julguem que os estudantes são hábeis no uso de computadores com finalidades educativas.19 O fato de alguém utilizar o computador para jogos ou correio eletrônico não implica
em habilidades mais complexas, como as envolvidas
em TIC. Um fator crítico na implementação de TIC
em escolas de odontologia é a grande variabilidade
na competência de professores e alunos para o uso
de computadores,16 o que pode não só prejudicar
mesmo os projetos mais bem elaborados como, futuramente, acentuar as iniqüidades entre profissionais
de diversos países. Assim sendo, as escolas de odontologia devem abordar essas diferenças tão cedo
quanto possível, contemplando em seu curriculum atividades que envolvam o uso de TIC.
Dessa forma, as autoras buscam revisar a literatura
especializada sobre as potencialidades do uso de tecnologias de informação e comunicação no ensino da
odontologia.
REVISÃO DA LITERATURA
Através de um questionário postado em meio eletrônico e respondido por 825 indivíduos (profissionais e
estudantes da área odontológica) de 52 países, Schleyer
et al.22 (1998) procuraram traçar o perfil de usuários da
Internet na área da odontologia. Os resultados obtidos
mostraram que, para estes, o uso da Internet visa principalmente à discussão de casos clínicos, busca de informações diagnósticas e terapêuticas, compra de produtos
odontológicos, comunicação com pacientes e ao acompanhamento de cursos de educação continuada.
Revista da ABENO • 7(1):76-81
Tecnologias de informação e comunicação no ensino da odontologia • Fontanella V, Schardosim M, Lara MC
Verificando as características dos cursos “on-line”
de educação continuada em odontologia, Schleyer21
(1999) compilou da Internet endereço eletrônico,
título do curso, tópicos abordados, quantidade de
telas, equivalência em créditos, custo e tipo de instituição. Foram encontrados 157 cursos, oferecidos por
32 instituições, com custo médio de U$ 25 por crédito equivalente. Os cursos mais encontrados foram nas
áreas de periodontia, diagnóstico e patologia. O autor
afirma que os cursos “on-line” constituem uma alternativa importante para a educação continuada, contudo são difíceis de localizar, estando acessíveis apenas àqueles que são bem treinados na recuperação
de informações na “web”.
Um curso foi desenvolvido visando ensinar periodontia para um grupo de 28 estudantes de 12 diferentes países, combinando PBL (“problem-based
learning” – aprendizado baseado em problemas)
com ensino à distância. O curso foi iniciado durante
um “workshop”, quando os alunos foram divididos
em 4 grupos e a cada grupo foi atribuído um tutor.
Posteriormente, utilizou recursos “web” e incluiu comunicação simultânea ou não entre os integrantes do
grupo. Os resultados do estudo indicaram que o efeito mais positivo observado pelos estudantes foi a familiarização com o uso do computador. Os alunos
também avaliaram positivamente o uso de recursos
multimídia para o aprendizado de procedimentos
clínicos. O uso de correio eletrônico foi considerado
muito lento para a troca de informações, e programas
para comunicação em tempo real mostraram ser mais
eficazes na discussão de problemas e formulação de
hipóteses. Além disso, foi considerado que o contato
pessoal prévio ao desenvolvimento do curso facilitou
o aprendizado. Os autores sugerem que o ensino à
distância deve ser organizado de forma a utilizar diferentes mídias, permitindo ampla interação entre
estudantes e professores.14
Uma pesquisa através de questionário foi realizada
com estudantes de 16 cursos de odontologia de 9
países europeus. Os resultados mostraram que 60%
deles utilizam o computador em seus estudos e que
72% têm acesso à internet. Os recursos mais utilizados
foram editores de texto (69%), internet (59%), ferramentas de busca como o Medline (45%) e apresentações multimídia (22%). Diferenças foram observadas entre os estudantes do Norte e Oeste Europeus,
que têm acesso a computadores na escola, e os de
países como Grécia e Espanha, nos quais os computadores não são disponíveis. Menos da metade dos
alunos recebeu alguma forma de treinamento quanto ao uso de computadores para a educação na universidade. Tendo em vista as diferenças regionais, os
autores recomendam estreita colaboração entre as
universidades, de forma a compartilhar conhecimentos e experiências com as TIC.15
Na área de radiologia odontológica foi realizado
um estudo para determinar se a exposição a um programa interativo determina diferença na qualidade
de levantamentos periapicais realizados por estudantes do primeiro ano. Foram aleatoriamente selecionados 59 alunos divididos em dois grupos, sendo que
apenas os do grupo I fizeram o treinamento prévio
com o programa. Todos os alunos realizaram os levantamentos em manequins, e foram atribuídos escores de qualidade a esses levantamentos. Não foram
encontradas diferenças significativas entre os grupos,
contudo os alunos julgaram que o uso do programa
facilitou a execução das radiografias.9
Eynon et al.8 (2003) realizaram estudo com um grupo de estudantes da Universidade de Birmingham/Inglaterra durante um curso virtual sobre prótese removível com duração de 6 meses. Um questionário foi
distribuído antes de se iniciar o curso, avaliando a experiência no uso da internet e as expectativas quanto
ao curso. Um segundo questionário foi distribuído ao
final, com questões acerca do curso. A maior preocupação dos estudantes antes de começar o curso foi em
relação ao acesso ao computador, ao grau de conhecimento de informática necessário, ao tempo envolvido
no curso e à idéia de que este seria mais um “fardo”.
Os maiores benefícios apontados ao final do curso foram a conveniência e a disponibilidade das informações, bem como a possibilidade de recuperação de
conteúdos perdidos ou mal compreendidos. O principal problema relatado pelos estudantes foi o acesso a
equipamentos (computadores e impressoras). Os autores concluíram que o curso foi considerado útil como
recurso adicional, mas que a indisponibilidade de equipamentos em um curso de odontologia pode interferir
negativamente no aproveitamento dos alunos.
Em estudo proposto para testar se um simulador
de realidade virtual pode prever a performance de
estudantes em curso tradicional de dentística operatória em manequim, Imber et al.10 (2003) avaliaram
uma amostra de 26 estudantes do terceiro ano do
curso de odontologia da Universidade de Tel Aviv.
Todos fizeram pré-teste no simulador de realidade
virtual, cujo resultado foi comparado ao da avaliação
após o curso tradicional em manequim. Os resultados
Revista da ABENO • 7(1):76-81
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Tecnologias de informação e comunicação no ensino da odontologia • Fontanella V, Schardosim M, Lara MC
do estudo mostraram a correlação no desempenho
dos alunos quando avaliados pelos dois métodos
(r = 0,49; p = 0,012). Aqueles estudantes que obtiveram uma média baixa no simulador de realidade virtual também não tiveram bom desempenho no curso
tradicional com manequim. A recíproca também foi
verdadeira, pois aqueles que desempenharam bem
no simulador de realidade virtual, desempenharam
bem no curso tradicional. Como vantagens de um
simulador de procedimentos clínicos, os autores citam a possibilidade de avaliação consistente e reproduzível, não-susceptível a variações que ocorrem em
avaliações humanas, além da possibilidade de identificação precoce de alunos que possam vir a ter baixo
desempenho clínico.
Aly et al.2 (2003) apresentaram o desenvolvimento e a avaliação de um curso multimídia na área de
ortodontia para alunos de graduação e pós-graduação da Universidade Católica de Leuven/Bélgica, os
quais foram divididos em quatro grupos (n = 25) assim constituídos: Grupo 1: 3º ano; Grupo 2: 4º ano;
Grupo 3: 5º ano de graduação e Grupo 4: pós-graduação. O conteúdo do curso abrangeu introdução à
ortodontia, avaliação clínica e radiográfica, classificação de Angle, diagnósticos e aparelhos ortodônticos, maloclusões, biomecânica, fissuras palatinas e
implantes. Vários casos clínicos foram discutidos. A
avaliação foi realizada com 24 questões e seis possíveis
respostas. A maioria dos estudantes ficou muito entusiasmada e interessada com essa nova possibilidade
educacional, contudo foram encontradas diferenças
significativas entre os grupos 1, 2/3 e 4, evidenciando-se que alunos mais experientes aceitaram melhor
o curso. Segundo os autores, a facilidade da informática em combinar imagens, sons e informação de
forma interativa resulta em uma ferramenta importante na educação.
De acordo com Littlefield et al.12 (2003), a simulação de procedimentos endodônticos, além de outras
tantas vantagens, permite a identificação e correção
de erros com repetição de procedimentos que tenham sido insatisfatórios. Os autores descrevem um
sistema desenvolvido com essa finalidade, o SimEndo I, no qual os alunos interagem. O estudo piloto
com 74 alunos identificou as necessidades de aperfeiçoamento do programa e, posteriormente, um estudo
interinstitucional resultou em escore médio de 8,1
para o sistema, em escala de 0 a 10.
Um curso de cirurgia foi criado no Laboratório de
Informática da USP, sendo dividido em 3 módulos
78
básicos: materiais e teoria básica (nomenclatura e funções dos instrumentos cirúrgicos, anatomia, psicologia, radiologia e fisiologia); apresentação do ambiente
cirúrgico e biossegurança; procedimentos laboratoriais de sutura realizados pelo aluno. Participaram 22
estudantes do 2º e 3º semestres, cada um com acesso
individual ao computador. Obteve-se um bom resultado apesar de os professores estarem ausentes na maior
parte do tempo, ajudando somente em algumas dificuldades através de circuito fechado de televisão. Imagens eram usadas para corrigir todos os estudantes simultaneamente. As dificuldades individuais eram
observadas através de um sistema de microcâmera. A
idade dos alunos variou de 18 a 35 anos e 59% eram
mulheres. Todos relataram suas experiências com o
computador e a freqüência com que o usavam. Essas
informações foram confirmadas pelos registros do sistema. Foram encontradas dificuldades no uso do
“mouse” e teclado simultaneamente ao uso de instrumentos cirúrgicos.7
Aly et al.1 (2004) avaliaram dois métodos de ensino
na Universidade Católica de Leuven/Bélgica: aulas
teóricas tradicionais e o uso de programas multimídia
(CAL – “Computer Assisted Learning”). Alunos da
disciplina de ortodontia foram separados em dois grupos, sendo que o grupo A (n = 15) recebeu aulas apresentadas na forma de CAL, com recursos multimídia
de interatividade, e o grupo B (n = 11) recebeu igual
conteúdo, porém através de aulas teóricas tradicionais, com uso de quadro-negro e projeção de diapositivos. Na avaliação não foram encontradas diferenças significativas entre os dois grupos, exceto para uma
questão de caráter multidisciplinar, na qual os alunos
do grupo A tiveram melhor desempenho. Segundo
os autores, recursos de CAL podem melhorar o desempenho do estudante; entretanto, não substituem
o ensino tradicional, em que dúvidas são esclarecidas
e atitudes reforçadas na presença do professor.
Mattheos et al.13 (2004) verificaram o efeito de um
“software” interativo aplicado com o intuito de auxiliar estudantes de odontologia da Universidade de
Malmö/Suécia a desenvolver habilidades de auto-avaliação. Os estudantes foram sorteados para constituir
dois grupos de 26 indivíduos. Os alunos do grupo
teste receberam material referente a quatro casos clínicos de periodontia através do programa interativo,
que apresentava uma auto-avaliação final, enquanto
os do grupo controle receberam o mesmo material
através de páginas da “web” sem interatividade. Ao
final de um mês, todos os alunos foram avaliados por
Revista da ABENO • 7(1):76-81
Tecnologias de informação e comunicação no ensino da odontologia • Fontanella V, Schardosim M, Lara MC
dois professores, cegados para a constituição dos grupos. Não foram encontradas diferenças significativas
entre o desempenho dos alunos dos dois grupos. Segundo os autores, dois fatores parecem estar relacionados a esse resultado: os estudantes não reconheceram os benefícios do uso do “software”, julgando
terem precisado muito mais tempo que os colegas que
não utilizaram o programa para estudar o mesmo
conteúdo. Além disso, alguns dos alunos que utilizaram o programa afirmaram não ter explorado todos
os seus recursos, preferindo imprimir todas as páginas
para leitura.
Na área de radiologia odontológica, foi desenvolvido um programa para treinar o diagnóstico de cárie
em radiografias interproximais digitalizadas.17 Podendo interagir com o programa, o usuário avalia sua
habilidade para o diagnóstico de cárie proximal, já
que o programa mostra cortes histológicos dos mesmos dentes avaliados radiograficamente e gera um
gráfico relativo aos acertos e erros. Esse programa foi
utilizado por 22 professores da área clínica, tendo
sido registrado seu desempenho no diagnóstico de
cárie. Após o registro, os professores responderam
um questionário avaliando o programa. De modo
geral, este foi considerado útil e adequado, entretanto uma minoria de professores mostrou-se descrente
quanto à sua capacidade de melhorar o diagnóstico.
Além disso, aqueles professores menos preparados
para o diagnóstico de cárie em dentina em radiografias interproximais, ou seja, os professores que apresentaram baixa sensibilidade para o diagnóstico, foram os que atribuíram melhores avaliações para o
programa.
Boberick4 (2004) descreve o desenvolvimento e a
resposta de estudantes a um curso interativo “on-line”
de dentística pré-clínica, criado com o objetivo de
substituir a experiência baseada no professor (aulas
tradicionais) pela experiência conduzida pelo aluno.
Dos alunos participantes (n = 123), 95% responderam a um questionário anonimamente ao final do
curso. Destes, 99% julgaram a secção de vídeos excelente e 73% consideraram que as mesmas podem
substituir as sessões de demonstração; contudo, ficou
evidente e influência do tipo de conexão à internet
(discada ou a cabo) na facilidade de visualização dos
vídeos. Os estudantes também responderam favoravelmente em relação à galeria de imagens, na qual
casos clínicos “ideais” e “não-ideais” foram apresentados, acompanhados de comentários sobre as causas
de insucesso, medidas preventivas e soluções.
Buchanan6 (2004) relata a vasta experiência do
curso de Odontologia da Universidade da Pensilvânia com o uso da tecnologia de realidade virtual
para ensino pré-clínico. Utilizando-se a unidade
DentSim, são apresentados casos clínicos para diagnóstico e decisão terapêutica, bem como realizado
o treinamento de procedimentos técnicos através
de “instrumentos virtuais”. Os resultados de vários
estudos realizados em diferentes áreas sugerem que,
dessa forma, os alunos aprendem mais rapidamente, atingindo níveis satisfatórios e padronizados de
habilidades.
Jasinevicius et al.11 (2004) avaliaram dois sistemas
de simulação para treinamento pré-clínico em dentística. Um grupo de alunos foi treinado de forma
tradicional em manequins (T: n = 13) e outro utilizou
um sistema de realidade virtual (RV: n = 15). Comparando os grupos, os autores não encontraram diferenças significativas quanto ao desempenho, contudo, o tempo médio utilizado pelos alunos para
solucionar dúvidas com os professores foi significativamente menor no grupo RV (30 minutos) do que
no grupo T (2,8 horas).
Bogacki et al.5 (2004) desenvolveram um programa para ensino de anatomia dental a estudantes do
1º ano do curso de odontologia e o compararam ao
ensino tradicional. Os alunos foram aleatoriamente
designados a dois grupos: I - os que utilizaram o programa (n = 23) e II - os que freqüentaram as aulas
tradicionais (n = 22). Os escores médios do exame
final foram: Grupo I: 90,0 ± 5,2 e Grupo II: 90,9 ± 5,3,
não havendo diferenças estatísticas entre eles. Os autores concluíram que o método com uso do programa
para ensino de anatomia dental pode substituir satisfatoriamente o método tradicional.
Ávila 3 (2004) desenvolveu um programa tutorial
multimídia interativo para estudo da anatomia em
radiografias panorâmicas. O programa é estruturado em módulos, compostos dos seguintes temas:
formação da imagem na técnica panorâmica, seqüência para interpretação radiográfica, anatomia
radiográfica em panorâmicas, jogos e avaliação. A
seguir, 10 professores doutores em Radiologia, denominados peritos, e 46 alunos de graduação do 2º,
3º e 4º anos de graduação da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Goiás responderam a um questionário, avaliando o “software” como
método de ensino-aprendizado. Foi verificado que
100% dos avaliadores não fariam qualquer modificação no “layout”, na navegação e no conteúdo do
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Tecnologias de informação e comunicação no ensino da odontologia • Fontanella V, Schardosim M, Lara MC
módulo de anatomia radiográfica, e que 98% dos
alunos e 60% dos peritos aprovaram as imagens desse mesmo módulo. Todos os entrevistados gostariam
de ter mais acesso a “softwares” educacionais e afirmaram que o programa se apresentou explicativo e
de fácil entendimento. Todos os peritos declararam
que o programa atingiu plenamente os objetivos
propostos e se constitui um método de ensino-aprendizado válido.
Mattheos et al.16 (2005) avaliaram a habilidade
para o uso da tecnologia em educação entre professores e estudantes de odontologia. Um questionário
abordando habilidades e competências relacionadas
ao uso do computador na educação (escore máximo = 49) foi aplicado durante um congresso internacional de educadores em odontologia (n = 149) e
para os alunos do 1º ano do curso de odontologia da
Universidade de Malmö/Suécia (n = 58). Não foram
encontradas diferenças significativas entre os escores
médios dos professores (20,7 ± 9,9) e dos alunos
(18,1 ± 8,5). Observou-se correlação positiva significativa (r = 0,395; p < 0,0001) entre o escore obtido e
o ano de graduação no grupo de professores. Os resultados demonstraram que, tanto para o grupo de
professores quanto para os alunos, existe uma ampla
variabilidade na competência para o uso do computador em educação. Além disso, as habilidades que os
alunos julgaram ter quando se auto-avaliaram foram
inferiores às aferidas pelo questionário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O crescimento da informática nas próximas décadas deve ser exponencial. Novas tecnologias oferecem
grandes oportunidades para aqueles que desejam e que
estão aptos para ultrapassar as barreiras iniciais que são
a competência e familiaridade com os poderosos instrumentos de TIC, com profundo impacto na educação. O número de documentos resultantes da busca
por “educação odontologia” no site Alta Vista cresceu
de 7.480 em agosto de 1999 para 15.800 em agosto de
2000 e para 85.016 em outubro de 2001.18 Em março
de 2006, essa mesma busca no Google resultou em mais
de 775.000 documentos. Esse crescimento reflete o
interesse e a confiança depositada na “web” como instrumento de transferência de conhecimento para todos os envolvidos com a Odontologia. Contudo, grande parte dos documentos recuperados é propaganda
de produtos e/ou serviços. Espera-se que, no futuro, a
“web” possa funcionar como uma escola virtual baseada no conhecimento sem fronteiras.
80
Durante o processo de ensino-aprendizagem utilizando a “web”, entre os aspectos que devem ser medidos e avaliados, estão o comportamento dos alunos
e a efetiva transferência do conteúdo trabalhado para
situações clínicas. Para que evidências suficientemente fortes sejam obtidas, é necessário que se continue
pesquisando sobre o assunto.
Diante do exposto, fica evidente a oportunidade
de utilização e avaliação de recursos de TIC no ensino
da odontologia.
ABSTRACT
Information and communication technologies in
dental education
In Dentistry, as well as in other areas of knowledge,
information and communication technologies (ICT)
constitute tools of increasing importance, allowing
the use of new educational media that enable students
to exercise their capacity of searching and selecting
information, learning independently and solving
problems. Dentists, regardless of their areas of interest, must be able to use those technologies for their
professional development. The authors review the
specialized literature on the potentialities of the use
of ICT in dental education.
DESCRIPTORS
Education, dental. Education, higher. Medical
informatics. §
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Recebido para publicação em 14/03/2006
classroom for undergraduate periodontology: a pilot study .
Aceito para publicação em 17/05/2006
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Revista da ABENO • 7(1):76-81
1
Conhecimento dos professores e
alunos da UNIMONTES sobre protocolo
e condutas recomendadas frente a
acidentes com risco de contaminação
Embora a maior parte dos cirurgiões-dentistas conheça os riscos a
que está sujeita durante a prática profissional, poucos sabem como
agir quando os acidentes acontecem, e as universidades têm papel
fundamental na mudança desse quadro.
Adriana Benquerer Oliveira Palma*, José Mendes da Silva**, Mania de Quadros Coelho**,
Mauro Henrique Nogueira Guimarães de Abreu***, Vera Lúcia Silva Resende****, Victor
Fernandes Tavares*****
*Professora do Departamento de Odontologia da Universidade
Estadual de Montes Claros. Mestranda em Odontopediatria.
**Professores do Departamento de Odontologia da Universidade
Estadual de Montes Claros. Especialistas em Saúde Pública.
***Professor do Centro Universitário Newton Paiva. Doutor em
Epidemiologia pela Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail:
[email protected].
****Professora da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal
de Minas Gerais. Doutoranda em Odontologia pela Universidade
Federal de Minas Gerais.
*****Cirurgião-Dentista graduado pela Universidade Estadual de
Montes Claros.
RESUMO
Durante o atendimento odontológico, o profissional está sujeito a sofrer acidentes com risco de contaminação e adquirir doenças infectocontagiosas, devido ao constante contato com sangue e outros fluidos
e tecidos possivelmente contaminados. O objetivo
deste trabalho foi analisar o conhecimento dos professores e alunos do curso de odontologia da UNIMONTES (Montes Claros, MG, Brasil) sobre condutas frente a acidentes com risco de contaminação
durante o atendimento odontológico. A coleta de
dados foi realizada por meio de um questionário produzido pelos pesquisadores. Participaram da pesquisa 23 professores e 88 alunos que estão em disciplinas
de atendimento clínico. A hepatite foi relacionada
82
como a doença de maior probabilidade de contaminação durante atendimento odontológico por 100%
dos professores e 97,73% dos alunos participantes.
Quando foram questionados sobre a conduta correta
em caso de acidente com risco de contaminação,
21,74% dos professores obtiveram acerto completo
e nenhum aluno respondeu corretamente. Responderam de forma parcialmente correta 52,17% dos
professores e 52,27% dos alunos. Não responderam
corretamente 47,73% dos alunos e 26,09% dos professores. Concluiu-se que a grande maioria dos participantes conhece os riscos, mas desconhece a conduta correta a ser adotada. Faz-se necessário um
programa de treinamento e acompanhamento durante todas as atividades clínicas.
Revista da ABENO • 7(1):82-7
Conhecimento dos professores e alunos da UNIMONTES sobre protocolo e condutas recomendadas frente a acidentes com risco de
contaminação • Palma ABO, Silva JM, Coelho MQ, Abreu MHNG, Resende VLS, Tavares VF
DESCRITORES
Controle de risco. Ferimentos penetrantes produzidos por agulha. Odontologia.
D
urante a prática diária, os cirurgiões-dentistas,
como outros trabalhadores na área de saúde,
encontram-se em ambiente propício à disseminação
de agentes que podem causar diversos tipos de infecção.26,30 Muitos microrganismos podem estar presentes no sangue ou na saliva, como as bactérias causadoras da sífilis e tuberculose, e os vírus causadores do
sarampo, do herpes, das hepatites e da imunodeficiência adquirida ou HIV.3,5,6,9,25,30,38 Com o advento da
AIDS ou SIDA, no início da década de 80, os profissionais da área de saúde passaram a se preocupar mais
com o controle de infecção.30,34 Entretanto, a maior
preocupação dos cirurgiões-dentistas deve ser com os
vírus causadores das hepatites,30 principalmente as
causadas pelo vírus B, devido à sua alta prevalência e
letalidade, e as causadas pelo vírus C, pela sua alta
morbidade e letalidade.19,32,36
Segundo o Ministério da Saúde, em um consultório odontológico com atendimento diário de vinte
pacientes, em uma semana, pelo menos um paciente
com vírus da hepatite B (VHB) entrará em contato
com o profissional e sua equipe.5 A probabilidade de
infecção após exposição percutânea pelo vírus da
hepatite B é significativamente maior do que a pelo
HIV, podendo chegar a 40%. Para o vírus da hepatite C, o risco médio varia de 1% a 10%.5,6
Outros vírus relacionados a outras hepatites foram
recentemente descritos, denominados vírus G, TT e
SEN, mas faltam estudos mais profundos sobre os
riscos reais de transmissão para o profissional da
Odontologia.21,35,37
A transmissão de microrganismos para o profissional pode se dar por diferentes vias: contato direto
com lesões infecciosas ou com sangue e saliva contaminados; contato indireto, mediante transferência de
microrganismos presentes em um objeto contaminado; respingos de sangue, saliva ou líquido de origem
nasofaríngea, diretamente em feridas de pele e mucosa; através de acidentes com instrumentos perfurocortantes ou pela dispersão de microrganismos por
aerossóis.14,19, 20,31,34,36,38
Assim, é recomendada aos profissionais a utilização
de medidas para proteção individual, bem como a proteção do meio no qual trabalham e dos pacientes. Essas
medidas, denominadas “Medidas de Precaução-Padrão”, buscam evitar toda e qualquer forma de contaminação cruzada no ambiente de trabalho.5,6,9,30,37
Diante dessa realidade, as questões relativas ao
controle de infecção e às normas de biossegurança
passaram a ter um novo enfoque, uma vez que não
eram vistas de forma tão crítica como são agora. Pequenos procedimentos, como pegar materiais das
gavetas, antes considerados inofensivos, devem hoje
antes ser revistos e corrigidos. Os novos conhecimentos sobre a necessidade de controle de infecção exigem adequação e mudança de hábitos.33
Alguns recursos para evitar a ocorrência de infecção
cruzada em consultórios odontológicos têm sido recomendados. Qualquer negligência pode intensificar a
incidência dessas infecções. Deve-se observar rigorosamente as normas de biossegurança e utilizar todos os
recursos disponíveis de modo a proporcionar segurança a toda a equipe de saúde e aos pacientes.30,33
Organizações de saúde como o Centers for Disease
Control and Prevention (CDC)7,8 e a American Dental
Association (ADA)1 e o Ministério da Saúde do Brasil5,6
têm desenvolvido normas de assepsia, desinfecção e
esterilização, preconizando protocolos de controle de
infecção. Essas normas devem ser aplicadas a todos os
tipos de procedimentos clínicos odontológicos e para
todos os instrumentos e equipamentos.
O Ministério da Saúde orienta que o trabalhador
acidentado, com risco de infecção, seja acompanhado
clínica e sorologicamente pelo setor de Medicina do
Trabalho ou por um Serviço de Controle de Infecção
por 6 meses.5,6
Os serviços de saúde devem ter sempre à disposição dos seus funcionários um sistema que inclua:
a)protocolos escritos para que se possa reportar o
fato;
b)avaliação do acidente;
c)aconselhamento;
d)tratamento e acompanhamento do profissional de
saúde em risco de adquirir qualquer infecção.
Por outro lado, o profissional de saúde deve reportar o acidente imediatamente ao seu superior,
particularmente porque as medidas profiláticas,
quando recomendadas, devem ser implementadas
imediatamente após o acidente.6
Considerando-se que os profissionais devem estar
cada vez mais capacitados para o mercado de trabalho,28 também na área da saúde, suas condutas devem
estar pautadas no conhecimento científico.
O Ministério da Saúde, as instituições de saúde,
os cirurgiões-dentistas e as Universidades têm a responsabilidade de desenvolver e implementar medidas (protocolos) para o manejo das situações de acidentes e a assistência aos profissionais da equipe.6
Revista da ABENO • 7(1):82-7
83
Conhecimento dos professores e alunos da UNIMONTES sobre protocolo e condutas recomendadas frente a acidentes com risco de
contaminação • Palma ABO, Silva JM, Coelho MQ, Abreu MHNG, Resende VLS, Tavares VF
Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para
os cursos de Odontologia, o profissional deve ter um
perfil generalista, com compreensão da realidade social e capacidade para o exercício de atividades referentes à saúde bucal da população, pautado em princípios éticos. Sendo a Universidade a grande formadora
de recursos humanos, deve se preocupar em formar
profissionais competentes, comprometidos com a
transformação da realidade em benefício da sociedade.2,11,13,15 Como o professor tem papel importante na
formação do perfil do profissional a ser colocado no
mercado, é importante que ele tenha um conhecimento consolidado sobre as normas de controle de infecção para que possa transmitir aos seus alunos, através
de palavras e atitudes, princípios corretos de controle de infecção.15,22
Por isso, é de grande relevância avaliar o conhecimento dos professores e alunos, futuros profissionais de saúde, sobre a conduta frente à exposição a
material biológico infectante, com risco de contaminação iminente. A inclusão do conteúdo de Biossegurança como conteúdo nos cursos de Odontologia
vem reforçar essa disposição, sensibilizando os alunos
a utilizarem normas de controle de infecção.
Assim, este estudo teve como objetivo principal
investigar o conhecimento dos professores e alunos
do curso de Odontologia da UNIMONTES sobre condutas frente a acidentes com risco de contaminação
durante o atendimento odontológico.
MATERIAL E MÉTODO
Trata-se de um estudo epidemiológico, descritivo,
de corte transversal. O curso de Odontologia da UNIMONTES é constituído de 10 períodos letivos (semestres), e os alunos iniciam as atividades práticas, de
atendimento a pacientes, no 4º período. Participaram do presente trabalho alunos do 4º, 5º, 6º, 8º e
9º períodos e professores que ministravam aulas práticas nas clínicas do curso de Odontologia da UNIMONTES, no 1º semestre de 2002. Foram excluídos
os alunos do 7º período, uma vez que os mesmos participaram de seminário da disciplina de Clínica Restauradora I, quando esse assunto foi amplamente
discutido. Além disso, os alunos do 10º período não
participaram porque estavam em atividades extramuros, dificultando a coleta dos dados.
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê
de Ética em Pesquisa (CEP) da UNIMONTES (Processo número: 056/2002). Os alunos e professores
que aceitaram participar da pesquisa assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.12
84
Os pesquisadores, previamente calibrados, aplicaram um questionário pré-testado ao grupo pesquisado. Em relação às respostas, foram consideradas corretas aquelas que estavam de acordo as
orientações do Ministério da Saúde.6 Com relação
à pergunta sobre a doença que consideravam ser de
maior risco de contaminação durante o exercício
da Odontologia, considerou-se acerto quem respondeu Hepatite B.19,30,32
Os acidentes considerados com risco de contaminação foram aqueles com instrumental perfurocortante em contato com sangue-saliva. Em relação às
condutas frente a acidente com risco de contaminação, considerou-se acerto completo quem respondeu
de acordo com as normas do Ministério da Saúde:6
“Interromper o procedimento, retirar o EPI (Equipamento de Proteção Individual), lavar abundantemente a área
afetada, preencher o CAT (Comunicado de Acidente de
Trabalho), encaminhar ao médico para avaliar necessidade de quimioprofilaxia para HIV.”
Os dados coletados foram codificados e digitados
utilizando-se o programa Microsoft Excel. Através da
estatística descritiva eles foram apresentados em tabelas de freqüência.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Do total de 127 alunos elegíveis para o estudo, 88
(69,29%) aceitaram participar da pesquisa, respondendo ao questionário, sendo 49 (55,68%) do sexo
feminino e 28 (31,82%) do sexo masculino; não identificaram o gênero 11 discentes (12,5%). Em relação
à distribuição dos alunos respondentes por período,
26 (29,55%) alunos eram do 4º período, 18 (20,45%)
do 5º período, 10 (11,36%) do 6º período, 15 (17,05%)
do 8º período, 19 (21,59%) do 9º período.
Do total de 39 professores elegíveis, 23 (58,97%)
concordaram em participar e responderam ao questionário; destes, quatro respondentes (17,4%) não revelaram o gênero, 7 (30,43%) eram homens e 12 (52,17%),
mulheres. Quanto área de atuação, 8 (34,78%) ministravam o conteúdo de Clínica Integrada, 1 (4,35%) de
Estomatologia, 2 (8,70%) de Endodontia, 3 (13,04%)
de Clínica Infantil, 1 (4,35%) de Prótese, 2 (8,70%) de
Periodontia, 4 (17,39%) de Estudo da Saúde Coletiva II,
1(4,35%) de Cirurgia e 1 (4,35%) não respondeu qual
era a disciplina que ministrava.
Avaliando-se a doença que os sujeitos da pesquisa
consideram de maior risco de contaminação, 100,00%
dos professores e 97,73% dos alunos responderam ser
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Conhecimento dos professores e alunos da UNIMONTES sobre protocolo e condutas recomendadas frente a acidentes com risco de
contaminação • Palma ABO, Silva JM, Coelho MQ, Abreu MHNG, Resende VLS, Tavares VF
a hepatite, e 2,27% dos alunos responderam ser a
hepatite/aids as doenças de maiores riscos de contaminação durante o atendimento odontológico (Tabela 1). Em relação aos resultados anteriores, a literatura aponta que o vírus da hepatite B e C são mais
infecciosos do que o HIV e provocam alta morbidade
e mortalidade.6,19,27,30,32,36
Quando os professores foram questionados sobre
o que consideram como acidente com risco de contaminação, 47,82% responderam ser o acidente perfurocortante o acidente de maior risco de contaminação.
Alguns autores descrevem que ocorre alta porcentagem de acidentes com instrumentos perfurocortantes durante o atendimento odontológico e que isso
representa um grande risco de contaminação para o
profissional.17,24,29,30,32,36 Outros autores relatam também que o risco com agulhas ocas é maior pela quantidade de sangue transferido por esse tipo de agulha.6
A literatura descreve que o maior número de acidentes ocorre nas especialidades em que os profissionais atuam em áreas cruentas. Esse fato é esperado,
pois ocorre maior exposição a situações de risco.10,23
Autores relatam que o risco de soroconversão ao
HIV em acompanhamento de um acidente perfurocortante com agulha que esteja contaminada pelo
HIV tem sido estimado em 0,3%.6,16,18 Lo Re, Kotsman20 (2005) afirmam que a incidência de soroconversão de hepatite C após um acidente varia de 3% a
4%. Esses autores relatam ainda que o risco de contaminação por contato de sangue contaminado com
as mucosas deve ser considerado.
Tabela 1 - Respostas dos alunos quanto à doença de maior
risco de contaminação (Montes Claros, 2002).
Doença com risco
de contaminação
Hepatite B
Hepatite B / Aids
Total
Freqüência
absoluta
Freqüência
relativa
86
2
88
97,73%
2,27%
100,00%
Em relação às respostas dos alunos referentes ao
acidente com risco de contaminação, os seguintes
resultados foram obtidos: 37,5% responderam ser o
acidente com instrumento perfurocortante e
52,27% responderam ser o acidente perfurocortante e a contaminação por saliva e sangue os acidentes
de maiores riscos.
Quando os sujeitos da pesquisa foram questionados quanto à conduta em casos de acidentes com
risco de contaminação, 21,74% dos professores obtiveram acerto completo e nenhum aluno respondeu
corretamente. Responderam de forma parcialmente
correta 52,17% dos professores e 52,27% dos alunos.
As respostas foram consideradas completamente incorretas para 47,73% dos alunos e 26,09% dos professores (Tabelas 2 e 3).
Segundo as recomendações do Ministério da
Saúde,6 em princípio, qualquer acidente deve ser
tratado da mesma forma, independentemente das
características do paciente ou ambiente onde o
acidente se deu. Uma cuidadosa avaliação é necessária para determinar a necessidade da implementação das medidas de profilaxia pós-exposição
recomendadas pelo Ministério da Saúde. 6 Além
disso, a análise criteriosa das circunstâncias relacionadas ao acidente pode contribuir para a prevenção de ocorrências.
É importante salientar que a Universidade é a
responsável primeira pela formação do profissional,
e a estruturação do currículo dos cursos de Odontologia deve visar a formação de profissionais que voltem sua práxis para as necessidades requeridas pelo
quadro epidemiológico, em meio à historicidade do
processo saúde-doença-cuidado.4,13 A informação
científica, a partir do momento em que é produzida,
leva algum tempo para ser difundida entre os profissionais que a utilizarão. Apesar de a maioria dos respondentes ter acertado essa questão, tem-se ainda
uma preocupante porção que ainda não detém esse
conhecimento.
Tabela 2 - Conhecimento dos alunos quanto ao protoco-
Tabela 3 - Conhecimento dos professores quanto ao pro-
lo de conduta frente ao risco de contaminação (Montes
Claros, 2002).
tocolo de conduta frente ao risco de contaminação (Montes Claros, 2002).
Conhecimento do
protocolo
Conhecimento do
protocolo
Freqüência
absoluta
Freqüência
relativa
5
21,74%
12
52,17%
Erro
6
26,09%
Total
23
100,00%
Freqüência
absoluta
Freqüência
relativa
0
00,00%
Acerto completo
Acerto parcial
46
52,27%
Acerto parcial
Erro
42
47,73%
Total
88
100,00%
Acerto completo
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85
Conhecimento dos professores e alunos da UNIMONTES sobre protocolo e condutas recomendadas frente a acidentes com risco de
contaminação • Palma ABO, Silva JM, Coelho MQ, Abreu MHNG, Resende VLS, Tavares VF
O papel do professor como educador é muito importante na formação do profissional, pois ele é quem
irá ajudar o aluno a se apropriar do conhecimento
construído, de lhe dar significado, de gerir diferenças,
de problematizar, de motivar, de provocar e de dar ao
indivíduo condições de desenvolver um pensamento
e um discurso próprios.22 Assim, os cursos de odontologia devem promover atividades que difundam esse
conhecimento entre os corpos docente e discente.
CONCLUSÃO
Os resultados mostraram que a maioria dos professores e alunos conhecem os riscos de ocorrência
de acidentes durante a prática profissional, porém
está despreparada para atuar quando da ocorrência
dos acidentes profissionais. A ocorrência de acidente
com instrumento perfurocortante constitui sério problema em relação ao controle da infecção cruzada, e
medidas preventivas devem ser reforçadas para sua
redução. Faz-se necessário um programa de treinamento constante em relação a questões de conduta
frente a acidentes com risco de contaminação para
os corpos docente e discente.
fessors and 52.27% of students. Answers considered
completely wrong were given by 47.73% of students
and 26.09% of professors. It was concluded that most
of the participants are aware of the risks of contamination during their work, but that they are unaware of
the correct protocol to be followed in case of needlestick injuries. A training program and follow-up are
thus required during all clinical activities.
DESCRIPTORS
Risk management. Needlestick injuries. Dentistry. §
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ABSTRACT
Knowledge held by professors and students
from Unimontes University on the protocol and
recommended conducts in case of accidents with
the risk of contamination
Dental professionals are subject to suffering
needlestick injuries during their work, with the risk
of being contaminated and contract infecto-contagious diseases due to the fact that they are in constant
contact with possibly contaminated blood, other fluids and human tissues. The objective of this study was
to analyze the knowledge held by professors and students from the Dentistry course given at Unimontes
University (Montes Claros, Minas Gerais, Brazil) on
the recommended conducts in case of accidents with
the risk of contamination during dental care procedures. Data were collected using a questionnaire
elaborated by the researchers. A total of 23 professors
and 88 students working in clinical disciplines participated in this research. Hepatitis was reported as
the disease with the highest probability of contamination during dental attendance by 100% of professors
and 97.73% of students. When questioned about the
correct conduct in case of accident with risk of contamination, 21.74% of the professors and none of the
students answered completely correctly. Answers considered partially correct were given by 52.17% of pro86
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Revista da ABENO • 7(1):82-7
Recebido para publicação em 31/03/2006
Aceito para publicação em 18/05/2006
87
A graduação em Odontologia na visão
de egressos: propostas de mudanças
Evidenciou-se a dificuldade de concretização do perfil de egresso
preconizado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais, especialmente
no tocante ao preparo para uma prática generalista da profissão.
Otavio Fernando Genta Cordioli*, Nildo Alves Batista**
*Mestre em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo e
Gerente de Desenvolvimento Educacional do Senac-SP. E-mail:
[email protected].
**Professor Adjunto da Universidade Federal de São Paulo e LivreDocente em Educação Médica. E-mail: [email protected].
RESUMO
Este trabalho procurou investigar o processo de
formação em Odontologia, a partir de egressos formados há até cinco anos e em movimento de busca
por pós-graduação lato sensu, no exercício de uma
prática generalista da profissão. Optou-se por uma
pesquisa exploratória, com abordagens quantitativa
e qualitativa. Os dados foram obtidos por meio de
questionário com assertivas relacionadas com a temática pesquisada e da análise do grau de concordância e/ou discordância. Utilizou-se, também, de
entrevistas semi-estruturadas cujo material foi submetido a uma Análise Temática. Os principais achados evidenciam aspectos essenciais que ainda dificultam a concretização do perfil de egresso preconizado
pelas Diretrizes Curriculares, especialmente no tocante ao preparo para uma prática generalista da
profissão. Salientam-se a falta de articulação da teoria com a prática, uma visão da Odontologia descontextualizada da realidade com conseqüente despreparo para atuação no mercado de trabalho, uma
formação inadequada para o trabalho no contexto
do SUS, um preparo inadequado para ações ligadas
à administração e ao gerenciamento da própria prática e pouco preparo para o relacionamento com o
paciente e com os outros profissionais da área. Esse
panorama aponta para a necessidade de mudanças
dessas falhas, incorporando também ampliação de
cenários de aprendizagem com aprimoramento da
proposta de ensino da clínica integrada, flexibilização curricular com maior integração de conteúdos/
disciplinas e implantação de práticas interdisciplina88
res, uma proposta de melhor preparo do aluno para
o estudo independente e para a pesquisa por meio
do incentivo à iniciação científica e um investimento
no corpo docente do curso.
DESCRITORES
Educação em odontologia. Assistência integral à
saúde. Formulação de políticas.
A
s Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de
Graduação em Odontologia preconizam que o
egresso esteja em condição de desenvolver uma prática generalista da profissão, a partir do perfil de um:
“Cirurgião-dentista com formação generalista, humanista,
crítica e reflexiva, para atuar em todos os níveis de atenção
à saúde, com base no rigor técnico e científico. Capacitado
ao exercício de atividades referentes à saúde bucal da população, pautado em princípios éticos, legais e na compreensão da realidade social, cultural e econômica do seu
meio, dirigindo sua atuação para a transformação da realidade em benefício da sociedade” (p. 8).5
Antecedendo-se essas recomendações, Costa et al.8
(1992) avaliaram a qualidade da formação acadêmica
em Odontologia relacionando-a à atividade profissional posterior em um estudo com os cirurgiões-dentistas na Grande São Paulo, no ano de 1987, que apontou para o fato de que a Universidade não estava
atingindo com eficiência o seu papel de formação
profissional.
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A graduação em Odontologia na visão de egressos: propostas de mudanças • Cordioli OFG, Batista NA
Entre os resultados mais relevantes, encontraramse: o treinamento na faculdade era divorciado da realidade profissional; o ensino era teoricamente satisfatório, porém com necessidade de complementação
prática adquirida com a experiência clínica pós-formação; o treinamento clínico deveria ser incrementado; o preparo em cirurgia periodontal, diagnóstico
de doenças com manifestação oral, prótese fixa, oclusão e ortodontia era insuficiente ou inexistente; havia
um despreparo básico no manuseio clínico do paciente; a carga horária destinada ao treinamento prático
deveria ser aumentada; deveria ser incrementado o
ensino da administração do consultório.
As Diretrizes Curriculares também enfatizam que
o perfil acadêmico a ser construído deve ser compatível com uma atuação de qualidade, eficiência e resolutividade no Sistema Único de Saúde (SUS), considerando-se o processo de Reforma Sanitária
Nacional Brasileira, e trazem em seu artigo 5º, parágrafo único, que
“(...) a formação do cirurgião-dentista deverá contemplar o
sistema de saúde vigente no país, a atenção integral da saúde num sistema regionalizado e hierarquizado de referência
e contra-referência e o trabalho em equipe.” (p. 2).4
Moysés16 (2003, p. 93) comenta que
Feuerwerker11 (2003), falando sobre os princípios
para o desenvolvimento curricular a partir das diretrizes, propõe uma correção desse apontamento ao
afirmar que a educação profissional deve enfocar os
problemas mais relevantes da sociedade e o programa
do curso deve ser baseado nos critérios epidemiológicos e nas necessidades de saúde.
Wotman et al.22 (2003) propõem uma mudança
filosófica do ensino odontológico referente ao papel da responsabilidade profissional, com ênfase
na proteção e melhoria da saúde bucal e geral da
comunidade. O modelo visa incorporar ao currículo os conteúdos que capacitem o futuro profissional
a promover a saúde e o bem-estar da população,
avaliando longitudinalmente as mudanças na percepção da responsabilidade profissional e nas atitudes dos alunos, assim como acompanhando paralelamente a evolução do estado de saúde da
comunidade.
Com base nesses pressupostos, questiona-se:
Como tem ocorrido o processo de formação do cirurgião-dentista para o exercício de uma prática generalista da profissão? Quais as mudanças sugeridas
pelos egressos visando um melhor preparo para essa
prática?
Este artigo explora, na perspectiva da vivência da
prática generalista da profissão, sugestões de aprimoramento da graduação em Odontologia.
“(...) o ensino, predominantemente exercido por especialistas, estimula a especialização precoce dos educandos e a
fragmentação do conhecimento e do ato odontológico”,
e indica uma tendência contrária a esse perfil delineado.
Secco, Pereira21 (2004, p. 119) citam que
“o desafio a ser enfrentado parece passar pela superação
da dicotomia entre formação geral versus formação específica”,
mediante uma nova racionalidade capaz de incorporar a diversidade, as contradições e as tensões que
constroem o cotidiano nas instituições de ensino superior. Nesse sentido, Garbelini et al.14 (2003) apontam para a necessidade do desdobramento e da adequação dos conteúdos e das atividades curriculares
para se construir um perfil generalista.
Cristino9 (2005) comenta que:
“convivemos numa realidade paradoxal e numa conseqüente crise paradigmática na qual somos especialistas
tendo que formar generalistas” (p. 13).
METODOLOGIA
Esta é uma pesquisa de caráter exploratório,
construída a partir de abordagens quantitativa e
qualitativa. Partimos do pressuposto de que os métodos podem ser complementares na busca de explicações para o objeto de análise. Os sujeitos da
pesquisa são cirurgiões-dentistas formados há até
cinco anos, que exercem em seus consultórios a prática generalista da profissão e que estão cursando
um programa de pós-graduação lato sensu na Clínica Odontológica do Senac-SP. Os dados foram coletados a partir de um questionário composto de dezesseis questões fechadas desenvolvidas com base
nas principais recomendações das Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Odontologia. Ao final do questionário, foi aplicada uma
entrevista de aprofundamento, cujo roteiro contou
com três questões abertas.
Os dados obtidos com as questões fechadas foram
quantificados, tabulados e dispostos em gráficos. O
material qualitativo adquirido com as entrevistas foi
tratado por uma das técnicas de Análise de Conteúdo,
denominada Análise Temática.
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20
Número de respostas
18
18
16
14
12
10
8
6
3
4
2
0
0
0
CT
C
I
D
0
DT
Gráfico 1 - Indicações de mudanças em sendo coorde-
nador de curso. CT: concordo totalmente, C: concordo, I:
indiferente, D: discordo, DT: discordo totalmente.
12,5%
35,5%
25%
27%
Ambiente físico (clínica,
laboratório, salas de aula)
Carga horária teórica
Carga horária prática
Metodologia de
ensino-aprendizagem
com visão integral do paciente, considerando-o como
um todo biopsicossocial e somático.
Aquilante, Tomita3 (2005) também citam a necessidade de reestruturação do currículo odontológico
para que os egressos possam estar preparados para o
atendimento das necessidades da população. Os autores propõem repensar o processo ensino-aprendizagem, tanto em relação aos conteúdos programáticos (o que ensinar) quanto às metodologias de ensino
(como ensinar).
Para Feuerwerker, Almeida12 (2004, p. 15), as Diretrizes Curriculares Nacionais sugerem a superação
das abordagens metodológicas tradicionais de ensino-aprendizagem, e convidam à formação por competência, ou seja, uma formação com “(...) experiências e oportunidades de ensino-aprendizagem para
além do campo cognitivo”.
Na análise qualitativa das entrevistas, encontramos cento e quarenta e uma unidades de registro,
divididas em treze categorias de análise.
A categoria mais citada é a necessidade de “melhor
articulação da teoria com a prática”, com trinta e duas
citações, sendo o aumento do tempo de treinamento
clínico a proposta mais apontada pelos entrevistados:
“(...) para melhorar a faculdade, a graduação, eu apostaria
Gráfico 2 - Sugestões de mudanças.
mais na clínica integrada... dar um tempo maior dentro
da integrada. Uma visão mais geral. Você poderia pegar o
RESULTADOS e DISCUSSÃO
Quando se questionou sobre indicação de mudanças na graduação, caso fossem os coordenadores do
curso de Odontologia da faculdade onde estudaram,
100% dos profissionais responderam que fariam mudanças, visando melhorar a graduação (Gráfico 1).
Foram sugeridas quarenta e oito mudanças; dezessete ligadas à metodologia de ensino/aprendizagem; treze relacionadas à carga horária de prática
clínica e laboratorial; doze, à carga horária de teoria;
e seis, aos espaços físicos, como laboratório, clínica e
sala de aula (Gráfico 2).
Com a implantação das Diretrizes, os cursos de
Odontologia percebem-se pressionados pelas orientações propostas e pelo debate em torno da qualidade
e da avaliação no cenário nacional e internacional,
iniciando uma busca por novos caminhos para atenderem a esses desafios de construção do projeto pedagógico e das mudanças curriculares.21
Segundo Carvalho et al.6 (2005), muitas discussões
têm ocorrido, abordando-se principalmente o perfil
do profissional a ser formado no curso de graduação
em Odontologia. Dessa forma, sugere-se a necessidade de mudanças curriculares, buscando-se o preparo
90
paciente e trabalhar o geral dele, todos os procedimentos,
como funciona no consultório.”
A integração propriamente dita foi também muito enfatizada nesta articulação:
“Eu estenderia primeiro na carga horária, principalmente
de clínica para a gente trabalhar, e principalmente de clínica integrada, não daquela coisa separadamente... só aula
de canal, hoje, só aula de... não, aquela coisa integrada que
você chega, você pega o paciente e você faz do princípio
ao fim e você vai da oclusão, da restauração até reabilitação
e estar trabalhando como um todo. Eu estenderia a grade
horária clínica, principalmente clínica integrada.”
Para a melhoria da articulação foi também sugerida alteração de grade curricular:
“colocar algumas matérias que poderiam ter sido colocadas, em anos anteriores. Às vezes, a carga horária, joga essa
matéria pro oitavo semestre, poderia ter sido dada no segundo, antes de entrar na clínica pra você estar mais preparado até pra, é, atender mais rapidamente e com uma
ergonomia melhor, que isso daí não foi aplicado né?”
Revista da ABENO • 7(1):88-95
A graduação em Odontologia na visão de egressos: propostas de mudanças • Cordioli OFG, Batista NA
Pesquisa realizada por Costa et al.7 (2002), com
636 alunos de Odontologia, apontou que 68,82%
dos estudantes consideram a discussão de casos clínicos como a atividade que mais contribui para o
aprendizado e para a maior integração entre teoria
e prática profissional. Para o autor, as atividades
teóricas de ensino eram satisfatórias, porém, o
maior problema encontrava-se no preparo insuficiente para a prática, havendo desequilíbrios entre
as cargas horárias dedicadas a essas modalidades
de ensino.
Figueiredo et al.13 (2005), em um estudo realizado
com pessoas ligadas à rede SUS, mostram que os professores e acadêmicos percebem claramente um distanciamento entre a teoria e a prática. Os autores
concordam que apenas as reformas curriculares implementarão mudanças para melhorar a integração
entre o que se ensina e o que se pratica, assim como
a qualidade dos profissionais formados.
Como segunda maior categoria de análise nas propostas de mudança, os entrevistados propõem um
“ensino mais contextualizado com a realidade”:
“(...) é o que eu mudaria assim... é mostrar para o graduando como que funciona a odontologia fora da faculdade,
que eu saí só com essa idéia, como funciona lá dentro. Saí
de lá e não conhecia. É isso.”
As Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de
Graduação em Odontologia, ao definirem o perfil
profissional do egresso, recomendam que sua atuação
esteja pautada
“(...) na compreensão da realidade social, cultural e econômica do seu meio, dirigindo sua atuação para a transformação da realidade em benefício da sociedade”
(p. 4). 5
Nesse sentido, a atuação no SUS é realçada pelos
egressos:
“A questão também do Sistema Único de Saúde, eu acho
que a universidade também não mostrou a realidade de
como funciona um posto de saúde, numa prefeitura (...)”
“Então, de repente, fazer com que o aluno vá, conheça a
realidade, as dificuldades das pessoas.”
de o sistema de ensino superior não estar cumprindo o seu papel na formação de profissionais comprometidos com o SUS e com o Controle Social.
Um dos temas debatidos na conferência foi “Formação e Desenvolvimento em Saúde Bucal”, que
abordou a problemática da não-compreensão crítica das necessidades sociais por parte das universidades públicas e privadas e a falta de gestão do
Ministério da Educação em integrar o ensino a essas questões. Dessa forma, os profissionais formados continuam inadequados para o trabalho no
SUS, com dificuldades para execução das práticas
integrais de atenção.1
A “melhoria do ensino de administração/gerenciamento de consultório” foi a terceira categoria mais
citada:
“Até eu acho interessante também fazer... no caso, o profissional fazer uma gerência mesmo, fazer simulações de
compra de material, o que vai se utilizar e o que não vai,
e fazer um levantamento... Isso eu acho que seria interessante, na graduação já, voltando àquela parte de administração do consultório e tudo mais.”
As Diretrizes Curriculares Nacionais descrevem
nas competências gerais dos egressos que esses devem
estar aptos a
“(...) fazer o gerenciamento e a administração da força de
trabalho, dos recursos físicos e materiais e de informação,
da mesma forma que devem estar aptos a ser empreendedores, gestores, empregadores ou lideranças na equipe de
saúde” (p. 4).5
A “integração do ensino” é apontada como sugestão de mudança na graduação em dezesseis citações.
Além dela, o estímulo à interdisciplinaridade no atendimento clínico (integração das competências docentes na prática clínica geral) é também citada:
“Deveria ter sido integrado melhor as disciplinas. Então,
de repente, para que você pudesse mudar isso, você monta uma equipe com 4 professores de dentística mas, um
desses professores, de repente, está ali e não é um professor de dentística, é um professor de periodontia. Então
você tem uma dúvida num caso, você chama o professor
A 3ª Conferência Nacional de Saúde Bucal, realizada em agosto de 2004, apontou a dissociação
entre o modelo formador e a realidade brasileira e
o não-comprometimento desse modelo com as necessidades da população como as principais causas
de dentística, mas chama o de perio também e aí, ele vai
dar uma sugestão melhor... Não digo que todas as disciplinas tivessem um professor de outra área, mas um professor
que tivesse uma capacidade de gerenciar o pensamento
lógico dos outros profissionais daquela disciplina.”
Revista da ABENO • 7(1):88-95
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A graduação em Odontologia na visão de egressos: propostas de mudanças • Cordioli OFG, Batista NA
A “ampliação de cenários de treinamento clínico”
foi muito sugerida pelos egressos, enfatizando a necessidade dos estágios extramuros:
“(...) Realmente criar um trabalho em escolas, criar consultórios, para disponibilizar, já que está no meio acadêmico, sobre coordenação de como é feita uma clínica integrada.”
Pelissari et al. (2005) propõem mudança para uma
prática pedagógica mais humanizada, que fuja do modelo mecanicista da prática profissional, em­penhado
em atender as demandas de mercado, e propõem o
desenvolvimento da competência ética e social da futura profissão, com enfoques multiprofissionais de trabalho em equipe e com a ampliação dos cenários de ensino-aprendizagem para os serviços de saúde do SUS.
Outra sugestão de mudança é o melhor “preparo
para a pesquisa/iniciação científica” durante o curso:
19
“A área de metodologia deveria ter sido muito mais, apesar
de ser chata, honestamente falando, eu acho que deveria
ter sido muito mais abordada e não, nunca no começo
como eles colocam, no primeiro e no segundo semestre,
mas sim nos últimos, quando é o momento da gente fazer
a monografia.”
Diegoli et al.10 (2005) comentam que a estratégia
da pesquisa na graduação propicia a formação de um
profissional mais crítico e atuante, além de melhorar
o atendimento e a inserção na realidade social, na
medida em que funciona como um fator propulsor
da integração de conteúdos e disciplinas, contribuindo assim para a segurança no exercício de sua atividade profissional.
A melhoria do ensino das “relações interpessoais”
foi também apontada:
“Os professores deveriam, não sei de que forma, isso é bastante difícil, bastante complicado... se eu formasse o curso
de odontologia eu iria priorizar muito o bom relacionamento entre os colegas, que falta muito. Pela concorrência,
um quer massacrar o outro e isso é triste, é triste, é horrível
e eu acho que deveria ser completamente diferente... uma
relação de um não querer massacrar o outro, de um querer
ajudar o outro, querer fazer crescer a Odontologia no nosso país. Eu acho que isso que deveria ser visado (...)”
“Investimentos no quadro docente” envolvendo
melhoria na remuneração, na competência didáticopedagógica e na qualificação acadêmica dos professores foram citados, bem como a “melhoria do processo
92
seletivo para ingresso” e a “melhoria do processo avaliativo” estiveram presentes.
Cinco unidades de registro, classificadas na categoria das “mudanças gerais”, propõem o trabalho
com turmas pequenas, aumento da carga horária do
curso, controle da abertura de faculdades e melhoria
da formação humanística do aluno.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa, como o que já vem sendo apontado
em outros estudos, mostra alguns aspectos essenciais
que ainda dificultam a concretização do perfil de
egresso preconizado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Odontologia,
especialmente no tocante ao preparo para uma prática generalista da profissão.
Dentre esses aspectos, salientamos a falta de articulação da teoria com a prática, uma visão da Odontologia descontextualizada da realidade com conseqüente despreparo para atuação no mercado de
trabalho, uma ênfase intraprofissional com pouca integração com as outras áreas da saúde, uma formação
inadequada para o trabalho na equipe de saúde no
contexto do SUS, um preparo inadequado para ações
ligadas à administração e ao gerenciamento da própria
prática e pouco preparo para o relacionamento com
o paciente e com os outros profissionais da área.
Esse panorama aponta, na visão dos egressos, para
a necessidade de mudanças dessas falhas, incorporando também a necessidade de ampliação de cenários
de aprendizagem com um aprimoramento da proposta de ensino da clínica integrada, uma flexibilização
curricular com maior integração de conteúdos/disciplinas e implantação de práticas interdisciplinares,
uma proposta de melhor preparo do aluno para o
estudo independente e para a pesquisa por meio do
incentivo à iniciação científica e um investimento no
corpo docente do curso.
Observamos hoje um movimento, praticamente
em todos os cursos de graduação em Odontologia, de
busca por melhorias/adequações de seus projetos
pedagógicos.
Para Perri de Carvalho20 (2004, p. 9), a condição
de ensino do curso está diretamente vinculada à proposta do Projeto Pedagógico, considerado nas Diretrizes Nacionais como um dos itens principais no
processo de avaliação dos programas de graduação e,
também, como precursor da integração entre os
“(...) segmentos docente, discente e administrativo; ele visa
a eficiência do processo e a qualidade da formação plena
do aluno em termos científico-culturais, profissionais e de
cidadania”.
Revista da ABENO • 7(1):88-95
A graduação em Odontologia na visão de egressos: propostas de mudanças • Cordioli OFG, Batista NA
Moysés17 (2004) cita o perfil do egresso, as competências, aptidões e habilidades, os conteúdos curriculares, os estágios e as atividades complementares,
a organização do curso, o acompanhamento e a avaliação como os aspectos cruciais para o ensino odontológico na graduação e sua contextualização na pósmodernidade. Além disso, salienta que os cursos de
Odontologia deverão pensar seus projetos pedagógicos de maneira coletiva, alinhando-os às Diretrizes
Curriculares Nacionais, e deverão focar o aluno como
facilitador do processo ensino-aprendizagem.
Outro aspecto muito enfatizado é a necessidade
de adequação do projeto pedagógico dos cursos para
a formação de profissionais mais preparados para o
trabalho no sistema de saúde vigente.
Nesse sentido, a 3ª Conferência Nacional de Saúde
Bucal preconiza para o ensino superior odontológico:
• redefinição do modelo de formação com a inclusão
de habilidades necessárias ao trabalho no SUS;
• estruturação dos mecanismos de acompanhamento e monitoramento;
• reformulação periódica dos currículos acadêmicos, direcionando-os para a melhora da qualidade
da atenção básica, com ênfase no modelo de promoção da saúde, no trabalho em equipe multiprofissional e interdisciplinar, na perspectiva da humanização da atenção à saúde bucal;
• reestruturação e valorização de conteúdos que
tratem de saúde pública e coletiva, oferecendo
uma atenção especial na formação em saúde da
família;
• adequação do modelo formador à realidade brasileira, comprometendo-o com as necessidades da
população;
• celebração de convênios entre as Instituições de
Ensino Superior (IES) e os serviços de saúde dos
municípios, ampliando a oferta de estágios na
rede do SUS.1
Em nível internacional, o ensino da Odontologia
também passa por transformações. A American Dental
Education Association (ADEA), em 2002, aponta diversas recomendações para orientação desse ensino:
• preparar egressos com competência e conhecimento para um sistema de saúde integrado e adequado às necessidades da população;
• ensinar focando valores que preparem o aluno a
ingressar na profissão com responsabilidade social
e como integrante moral da classe odontológica;
• orientar quanto ao número, tipo e à educação do
efetivo profissional visando o equilíbrio entre a
disponibilidade e o acesso aos tratamentos odontológicos;
• contribuir para uma formação que respeite a diversidade étnica e racial do país;
• desenvolver competências culturais em seus
egressos, assim como apreço pelo seu papel na
saúde pública;
• servir como fornecedores efetivos, definidores de
papéis e inovadores na entrega de cuidados odontológicos para a população;
• enfocar a assistência, a prevenção e a saúde pública, visando diminuir as diferenças de saúde nas
camadas sociais menos favorecidas.15
Entre as políticas adotadas pela American Dental
Association,2 destacam-se:
• o desenvolvimento conjunto de modelos inovadores de ensino clínico, construídos pelas comunidades educacionais e profissionais;
• o estímulo às mudanças curriculares no sentido
de fortalecer a Odontologia como uma ciência;
• a pesquisa e o atendimento ao paciente como fatores fundamentais na missão do ensino odontológico;
• a melhoria do ensino de competências interpessoais, estratégias de “marketing” pessoal e técnicas
de gerenciamento.
Paula, Bezerra18 (2003, p. 7) comentam que
“a era da Odontologia como arte, obra de artesão, está
ficando no passado. Profissionais com habilidades técnicas
são necessários e o serão sempre. Contudo, o novo profissional que se avizinha há que apresentar iguais competências científicas em conhecimento básico das ciências da
saúde, problemas de saúde populacionais e dos caminhos
a serem trilhados no futuro próximo”.
Nesse sentido, acreditamos que o diagnóstico e a
discussão contínua de alternativas para a solução de
problemas vigentes possam gerar projetos que busquem novos caminhos para o processo ensino-aprendizagem na graduação em Odontologia.
ABSTRACT
The Dentistry undergraduation course from the
perspective of graduates: proposed changes
This work is an investigative approach to the training process in Dentistry, from the perspective of students, up to five years after graduating from dental
school, who had engaged in lato sensu graduate courses
while experiencing a generalist practice of the profession. An exploratory research was chosen for this
work, making quantitative and qualitative approaches. The data were collected through questionnaires
Revista da ABENO • 7(1):88-95
93
A graduação em Odontologia na visão de egressos: propostas de mudanças • Cordioli OFG, Batista NA
related to the theme researched and analysis of the
degrees of concordance and discordance. Semi-structured interviews were also used and their results were
submitted to a Thematic Analysis. The main findings
reveal the essential aspects that still prevent the
achievement of the graduate profile proposed by the
Brazilian Curricular Guidelines, especially those related to the training for a generalist practice of the
profession. The lack of interaction between theory
and practice is highlighted, as well as a vision of Dentistry disconnected with reality and consequent lack
of preparation to function in the labor marketplace.
An inadequate training to work in the context of the
Brazilian public health system (SUS), an inadequate
preparation for managing a private practice and selfdevelopment, and no preparation for social interaction with other professionals and patients also stand
out. This landscape indicates the necessity of changing these shortcomings by incorporating the improvement of learning scenarios with a focus on an integrated clinical teaching proposal and on a flexible
curriculum, with greater contents/discipline integration. Other actions should also be considered such as
the implementation of interdisciplinary practices, a
better preparation of undergraduate students in order to lead them to independent studies and research
through incentives to engage in the scientific initiation program, and, finally, more investment in the
development of professors.
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Recebido para publicação em 05/04/2006
sionalização docente e desafios político-estruturais. Ciênc
Aceito para publicação em 17/05/2006
Atenção,
autores!
Revista da ABENO • 7(1):88-95
95
Normas para apresentação
de originais
I.Missão - A Revista da ABENO - Associação Brasileira
de Ensino Odontológico é uma publicação quadrimestral que
tem como missão primordial contribuir para a obtenção de
indicadores de qualidade do ensino Odontológico, respeitando
os desejos de formação discente e capacitação docente, com
vistas a assegurar o contínuo progresso da formação profissional
e produzir benefícios diretamente voltados para a coletividade.
Visa também produzir junto aos especialistas a reflexão e análise
crítica dos assuntos da área em nível local, regional, nacional e
internacional.
II.Originais - Os originais deverão ser redigidos em
português ou inglês e digitados na fonte Arial tamanho 12, em
página tamanho A4, com espaço 1,5 e margem de 3 cm de cada
um dos lados, perfazendo o total de no máximo 17 páginas,
incluindo quadros, tabelas e ilustrações (gráficos, desenhos,
esquemas, fotografias etc.) ou no máximo 25.000 caracteres
contando os espaços.
III.Ilustrações - As ilustrações (gráficos, desenhos,
esquemas, fotografias etc.) deverão ser limitadas ao mínimo
indispensável, apresentadas em páginas separadas e numeradas
consecutivamente em algarismos arábicos. As respectivas
legendas deverão ser concisas e localizadas abaixo e precedidas
da numeração correspondente. Nas tabelas e nos quadros a
legenda deverá ser colocada na parte superior. As fotografias
deverão ser fornecidas em mídia digital, em formato tif ou jpg,
tamanho 10 x 15 cm, em no mínimo 300 dpi. Não serão aceitas
fotografias em Word ou Power Point. Deverão ser indicados os
locais no texto para inserção das ilustrações e de suas citações.
IV.Encaminhamento de originais - Solicita-se o
encaminhamento dos originais de acordo com as especificações
descritas no item II para o endereço eletrônico www.abeno.
org.br. A submissão “on-line” é simples e segura pelo padrão
informatizado disponível no site, no ícone “Revista Online”.
Somente opte pelo encaminhamento pelo correio diante da
necessidade de publicação de ilustrações em formato tif/jpg
e alta resolução (veja especificações no item III). Endereço:
REVISTA DA ABENO - Associação Brasileira de Ensino
Odontológico - Universidade Católica de Brasília - Curso de
Odontologia - Nova Sede QS 07 Lote 01 - Bairro Águas Claras CEP: 72030-170 - Brasília - DF.
V. A estrutura do original
1. Cabeçalho: Quando os artigos forem em português,
colocar título e subtítulo em português e inglês; quando
os artigos forem em inglês, colocar título e subtítulo em
inglês e português. O título deve ser breve e indicativo
da exata finalidade do trabalho e o subtítulo deve
contemplar um aspecto importante do trabalho.
2. Autores: Indicação de apenas um título universitário
e/ou uma vinculação à instituição de ensino ou pesquisa
que indique a sua autoridade em relação ao assunto.
3.Resumo: Representa a condensação do conteúdo,
expondo metodologia, resultados e conclusões, não
excedendo 250 palavras e em um único parágrafo.
4. Descritores: Palavras ou expressões que identifiquem
o conteúdo do artigo. Para sua determinação, consultar
a lista de “Descritores em Ciências da Saúde - DeCS”
(http://decs.bvs.br) (no máximo 5).
96
5.Texto: Deverá seguir, dentro do possível, a seguinte
estrutura:
a)Introdução: deve apresentar com clareza o objetivo do
trabalho e sua relação com os outros trabalhos na mesma
linha ou área. Extensas revisões de literatura devem ser
evitadas e quando possível substituídas por referências
aos trabalhos bibliográficos mais recentes, onde certos
aspectos e revisões já tenham sido apresentados.
Lembre-se que trabalhos e resumos de teses devem
sofrer modificações de forma a se apresentarem
adequadamente para a publicação na Revista, seguindose rigorosamente as normas aqui publicadas.
b)Material e métodos: a descrição dos métodos usados
deve ser suficientemente clara para possibilitar a
perfeita compreensão e repetição do trabalho, não
sendo extensa. Técnicas já publicadas, a menos que
tenham sido modificadas, devem ser apenas citadas
(obrigatoriamente).
c)Resultados: deverão ser apresentados com o mínimo
possível de discussão ou interpretação pessoal,
acompanhados de tabelas e/ou material ilustrativo
adequado, quando necessário. Dados estatísticos devem
ser submetidos a análises apropriadas.
d)Discussão: deve ser restrita ao significado dos
dados obtidos, resultados alcançados, relação do
conhecimento já existente, sendo evitadas hipóteses
não fundamentadas nos resultados.
e)Conclusões: devem estar baseadas no próprio texto.
f)Agradecimentos (quando houver).
6. Abstract: Resumo do texto em inglês. Sua redação
deve ser paralela à do resumo em português.
7. Descriptors: Versão dos descritores para o inglês.
Para sua determinação, consultar a lista de “Descritores
em Ciências da Saúde - DeCS” (http://decs.bvs.br) (no
máximo 5).
8.Referências bibliográficas: Devem ser ordenadas
alfabeticamente, numeradas e normatizadas de acordo
com o Estilo Vancouver, conforme orientações publicadas
no site da “National Library of Medicine” (http://www.
nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html). Para as
citações no corpo do texto deve-se utilizar o sistema
numérico, no qual são indicados no texto somente os
números-índices na forma sobrescrita. A citação de
nomes de autores só é permitida quando estritamente
necessária e deve ser acompanhada de número-índice
e ano de publicação entre parênteses. Todas as citações
devem ser acompanhadas de sua referência bibliográfica
completa e todas as referências devem estar citadas no
corpo do texto. As abreviaturas dos títulos dos periódicos
deverão estar de acordo com o “List of Journals Indexed
in Index Medicus” (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/
query.fcgi?db=journals). A exatidão das referências
bibliográficas é de responsabilidade dos autores.
VI. Endereço - E-mail, telefone e fax de todos os autores.
Obs.: Qualquer alteração de endereço, telefone ou e-mail deve
ser imediatamente comunicada à Revista. §
Revista da ABENO • 7(1):96
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O estudante de odontologia e a questão dos estágios