ABENO Associação Brasileira de Ensino Odontológico Copyright © Associação Brasileira de Ensino Odontológico, 2005 Todos os direitos reservados . Proibida a reprodução no todo ou em parte, por qualquer meio, sem autorização da ABENO . Catalogação-na-publicação (Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo) Revista da ABENO/Associação Brasileira de Ensino Odontológico . – Vol . 1, n . 1, (jan .-dez . 2001) . – São Paulo : ABENO, 2001Quadrimestral (a partir do Vol . 7, n . 1) ISSN# 1679-5954 1 . Odontologia (Periódicos) I . Associação Brasileira de Ensino Superior (São Paulo) II . ABENO CDD 617 .6 BLACK D05 ABENO Associação Brasileira de Ensino Odontológico Presidente Alfredo Júlio Fernandes Neto Universidade Católica de Brasília - Curso de Odontologia Nova Sede QS 07 Lote 01 - CEP 72030-170 Águas Claras - Brasília - DF Tel .: (61) 3356-9611 E-mail: [email protected] Editor Científico José Luiz Lage-Marques iC - imprensa Científica Editora Ltda. Rua Alice Macuco Alves, 148, cj . 2 - CEP 05453-010 São Paulo - SP Tel .: (11) 3021-0163 Fax: (11) 3023-3165 www.ic.com.br Produção editorial Ricardo Borges Costa Apoio para esta edição: Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic Sumário v. 7, n. 1, janeiro/abril - 2007 A Revista da ABENO é uma publicação oficial da Associação Brasileira de Ensino Odontológico Presidente de Honra: Edrízio Barbosa Pinto (PE) Presidente: Alfredo Júlio Fernandes Neto Vice-presidente: Orlando Ayrton de Toledo Editor Científico: José Luiz Lage-Marques (FO-USP) ([email protected]) Editores Adjuntos: Cléo Nunes de Souza (UFSC) Luísa Isabel Taveira Rocha (UFG) Nelson Rubens Mendes Loretto (UPE) Vera Lúcia Silva Resende (UFMG) Conselho Editorial: Álvaro Della Bona (UPFundo) Antonio Carlos Bombana (FO-USP) Carlos de Paula Eduardo (FO-USP) Carlos Eduardo Francischone (FOB-USP) Carlos Estrela (FO-UFG) Célia Marisa Rizzatti Barbosa (UNICAMP) Cinthia Pereira M. Tabchoury (UNICAMP) Cláudio Luiz Sendyk (FO-USP) Denise Tostes Oliveira (FOB-USP) Eduardo Batista Franco (FOB-USP) Esther Goldenberg Birman (FO-USP) Eduardo Dias de Andrade (FOP-UNICAMP) Eduardo Saba Chujfi (UNICASTELO) Elaine Bauer Veeck (PUC-RS) Élito Araújo (UFSC) Euloir Passanezi (FOB-USP) Fernando Ricardo Xavier da Silveira (FO-USP) Francisco José de Souza Filho (FOP-UNICAMP) Izabel Cristina Froner (FORP-USP) Jaime Aparecido Cury (FOP-UNICAMP) Jesus Djalma Pécora (FORP-USP) João Humberto Antoniazzi (FO-USP) Jorge Abrão (FO-USP) José Eduardo de Oliveira Lima (FOB-USP) José Ranali (FOP-UNICAMP) Liliane Soares Yurgel (PUC-RS) Luiz Carlos Pardini (FORP-USP) Luiz Clovis Cardoso Vieira (UFSC) Manuel Damião de Sousa Neto (UNAERP) Márcia Martins Marques (FO-USP) Marcio Fernando de Moraes Grisi (FORP-USP) Marco Antonio Bottino (FOSJC-UNESP) Marco Antonio Campagnoni (FOAR) Maria Aparecida de A. M. Machado (FOB-USP) Maria Celeste Morita (UEL) Maria da Graça Kfouri Lopes (UNICENP) Maria José de Carvalho Rocha (UFSC) Maria Regina Sposto (FOA-UNESP) Neusa de Lima Moro (UFPar) Nilza Pereira da Costa (PUC-RS) Roberto Brandão Garcia (FOB-USP) Roberto Miranda Esberard (FOAR-UNESP) Rodney Garcia Rocha (FO-USP) Rosemary Sadami Arai Shinkai Simone Tetu Moysés (UFPar) Sylvio Monteiro Júnior (UFSC) Vania Ditzel Westphallen (PUC-PR) Indexação A Revista da ABENO - Associação Brasileira de Ensino Odontológico está indexada nas seguintes bases de dados: BBO - Bibliografia Brasileira de Odontologia; LILACS - Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde. Artigos Dentes humanos no ensino odontológico: procedência, utilização, descontaminação e armazenamento pelos acadêmicos da UNIMONTES Human teeth for dental education: origin, use, disinfection and preservation by students at UNIMONTES University Simone de Melo Costa, Soraya Mameluque, Eduardo Lima Brandão, Ana Elizabeth Martins Antunes Melo, Cássia Pérola dos Anjos Braga Pires, Edson José Carpintero Rezende, Kaissy Mendes Alves. . . . . . . . 6 O estudante de odontologia e a questão dos estágios The dental student and the internship issue Ricardo Henrique Alves Silva, Arsenio Sales-Peres, Carina Thaís de Almeida, Sílvia Helena de Carvalho Sales-Peres. . . . . . . . . . 13 Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire Knowledge and learning – the ageless Paulo Freire Pedro Demo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 Análise das dificuldades dos alunos de graduação durante as manobras de odontometria Analysis of the difficulties faced by undergraduate students while determining tooth length João Marcelo Ferreira de Medeiros, Sandra Marcia Habitante, Nivaldo André Zöllner, Pedro Luiz de Carvalho, Claudia Auxiliadora Pinto, José Luiz Lage-Marques. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 Formulação de questões clínicas estruturadas para pesquisa: uma abordagem prática Making structured clinical questions for research purposes: a practical approach Cláudio Rodrigues Leles, Lorena Batista de Oliveira, William José Morandini, Erica Tatiane da Silva. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 A formação do dentista no contexto do século XXI: a pesquisa como princípio pedagógico The training of the dentist in the XXIst century: research as a pedagogical principle Sônia Maria Vicente Cardoso. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 A preocupação social nos currículos de odontologia Social concern in the dentistry curriculum Rafael Gomes Ditterich, Priscila Paiva Portero, Leide Mara Schmidt . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58 Revista da ABENO • 7(1):3-4 Internet – um recurso didático The Internet – a teaching resource Elaine Manso Oliveira Franco de Carvalho, José Luiz Lage-Marques. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 Endodontia na graduação com ensino presencial e suporte a distância: estratégia motivacional ao estudo individual Endodontics at the undergraduate level with presence teaching and distance support: a motivational strategy for individual study Mary Caroline Skelton-Macedo, Cristiany Castro Basilio, Nilden Carlos Cardoso Alves, Viviane Pereira Marques, Moacyr Ely Menéndez-Castillero, Rielson José Cardoso Alves . . . . . . 68 Tecnologias de informação e comunicação no ensino da odontologia Information and communication technologies in dental education Vania Fontanella, Márcia Schardosim, Maria Cristina Lara. . . . . . . . 76 Conhecimento dos professores e alunos da UNIMONTES sobre protocolo e condutas recomendadas frente a acidentes com risco de contaminação Knowledge held by professors and students from Unimontes University on the protocol and recommended conducts in case of accidents with the risk of contamination Adriana Benquerer Oliveira Palma, José Mendes da Silva, Mania de Quadros Coelho, Mauro Henrique Nogueira Guimarães de Abreu, Vera Lúcia Silva Resende, Victor Fernandes Tavares. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82 A graduação em Odontologia na visão de egressos: propostas de mudanças The Dentistry undergraduation course from the perspective of graduates: proposed changes Otavio Fernando Genta Cordioli, Nildo Alves Batista. . . . . . . . . . . . . 88 Apêndice Normas para apresentação de originais. . Revista da ABENO • 7(1):3-4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96 Associação Brasileira de Ensino Odontológico DIRETORIA (2006 a 2010) Presidente de Honra Edrízio Barbosa Pinto Presidente Alfredo Júlio Fernandes Neto Vice-Presidente Orlando Ayrton de Toledo Reinaldo Brito e Dias José Galba de Meneses Gomes Elen Marise de Oliveira Oleto Oscar Faciola Pessoa Luiza Isabel Taveira da Rocha José Thadeu Pinheiro Horácio Faig Leite Ricardo Prates Macedo Mario Uriarte Neto Comissão de Ensino Vanderlei Luiz Gomes Elaine Bauer Veeck (Presidente) Léo Kriger Cresus Vinícius Depes de Gouveia Rui Vicente Oppermann Nilce Emy Tomita Efigenia Ferreira e Ferreira Tesoureiro Geral Comissão de Pós-Graduação Secretário Geral Odorico Coelho da Costa Neto 1o Secretário Ricardo Alves Prado 1o Tesoureiro Sérgio de Freitas Pedrosa Conselho Fiscal Eduardo Gomes Seabra (Presidente) Luiz Alberto Plácido Penna Omar Zina Maria da Glória Chiarello Matos Rita de Cássia Martins Moraes Assessores do Presidente Antonio Cesar Perri de Carvalho José Dilson Vasconcelos de Menezes Sigmar de Mello Rode (Presidente) Ana Cristina Barreto Bezerra Hilda Maria Montes R. de Souza Célio Percinoto Lino João da Costa Isabela Almeida Pordeus Antônio de Lisboa Lopes Costa Adair Luis Stefanello Busato Samuel Jorge Moyses José Carlos Pereira Nilza Pereira da Costa Comissão de Comunicação Vera Lúcia Silva Resende (Presidente) Angelo Giuseppe Roncalli C. Oliveira Nelson Rubens Mendes Loretto Dentes humanos no ensino odontológico: procedência, utilização, descontaminação e armazenamento pelos acadêmicos da UNIMONTES Com a atual legislação do Brasil, a exigência de dentes no ensino trouxe à tona questionamentos éticos em torno do comércio ilegal de dentes humanos. Outra preocupação é a questão da biossegurança no manuseio e armazenamento dos dentes extraídos. Simone de Melo Costa*, Soraya Mameluque*, Eduardo Lima Brandão*, Ana Elizabeth Martins Antunes Melo*, Cássia Pérola dos Anjos Braga Pires*, Edson José Carpintero Rezende*, Kaissy Mendes Alves** *Professores do Departamento de Odontologia da Universidade Estadual de Montes Claros. E-mail: [email protected], [email protected], [email protected], [email protected]. **Acadêmica do Curso de Odontologia da Universidade Estadual de Montes Claros. RESUMO O dente é um órgão humano utilizado no processo ensino-aprendizagem dos cursos de Odontologia. O objetivo do trabalho foi avaliar a procedência, utilização, descontaminação e o armazenamento dos dentes humanos pelos acadêmicos da Unimontes. Após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa e estudo piloto, a coleta de dados foi realizada através de questionário, em 2004. Foram excluídos alunos ausentes no dia da aplicação do questionário e acadêmica participante do trabalho. Utilizou-se o programa EPI-INFO 2000 para tabulação e estatística. Participaram 198 alunos; 99,5% acham importante o uso de dentes na graduação e 88,9% declaram que foram solicitados dentes no curso, com maior uso para treinamento laboratorial. O número de dentes adquiridos, por aluno, variou de 4 a 500 (moda 50, média 49, desvio padrão 52, mediana 38) perfazendo um total de 8.457. A forma de aquisição mais relatada foi a doação (98,3%), no entanto, 1,2% dos acadêmicos relataram ter comprado dentes, cujo preço variou de R$ 1,00 a R$ 10,00. A descontaminação dos dentes é realizada por 89,8%, e destes, 91,14% descreveram o procedimento. Foram descritos 30 procedimentos, de lavagem com água até esterilização em autoclave. O hipoclorito de sódio, em diferentes concentrações, foi o mais citado para descontaminação (63,20%). A maioria armazena em frasco fechado (96,6%), com líquido (68,0%), sendo soluções de hipoclorito de sódio as mais utilizadas. Conclui-se que a Unimontes solicita dentes na graduação, que o maior uso ocorre em laboratório, a maioria dos dentes é adquirida por doação e não há consenso para sua descontaminação e seu armazenamento, levando ao risco de infecção cruzada. DESCRITORES Dente. Educação em odontologia. Ética. Biossegurança. A utilização dos elementos dentários é de extrema importância para o processo ensino-aprendizagem nos cursos de Odontologia. O elemento dental pode ser utilizado em treinamento laboratorial, em pesquisas e para colagem de fragmentos dentários a fim de recompor um dente destruído por cárie, subs- Revista da ABENO • 7(1):6-12 Dentes humanos no ensino odontológico: procedência, utilização, descontaminação e armazenamento pelos acadêmicos da UNIMONTES • Costa SM, Mameluque S, Brandão EL, Melo AEMA, Pires CPAB, Rezende EJC, Alves KM tituindo o uso de materiais como amálgama, resina ou porcelana, conseguindo-se melhor estética e melhor estabilidade de cor. Em 1997, com a formulação da Lei de Transplante no Brasil, os dentes passaram a ser reconhecidos como órgãos. Sendo assim, torna-se necessária a autorização do doador para a utilização de dentes.17 Com a atual legislação do Brasil, a exigência de dentes no ensino trouxe à tona questionamentos éticos em torno do comércio ilegal de dentes humanos, tais como compra de dentes em cemitérios e em clínicas particulares. Além da importância de se saber a procedência e as formas de utilização dos dentes humanos extraídos, no processo ensino-aprendizagem, outra questão relevante é saber quais os procedimentos de descontaminação e de armazenamento estão sendo empregados. Sabe-se que o dente, como todo órgão do corpo humano, é fonte de patógenos para o homem.17 Os microorganismos encontrados nos dentes, extraídos ou não, podem causar doenças infecciosas, tais como gripe comum, pneumonia, herpes, tuberculose, hepatites, AIDS e até mesmo a Peste Negra. Alguns patógenos podem sobreviver por longo tempo em dentes extraídos, possibilitando contaminação cruzada e diversas infecções.19 A forma de armazenamento dos dentes também é um fator preocupante, já que a utilização de algumas substâncias pode alterar a estrutura histológica dentária, impedindo a utilização em alguns tipos de estudos científicos. Este artigo tem como objetivo avaliar a procedência, as formas de utilização, os procedimentos de descontaminação e de armazenamento dos dentes humanos extraídos, junto aos acadêmicos do curso de Odontologia da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). REVISÃO DA LITERATURA Nos cursos de Odontologia, dentes humanos extraídos são utilizados para vários fins: didáticos, de pesquisa e clínico-terapêuticos. Estudo sobre o uso de dentes nas pesquisas das 17ª e 18ª Reuniões Anuais da Sociedade Brasileira de Pesquisa Odontológica (SBPqO) demonstra que, de 2.569 trabalhos apresentados, 834 (32,5%) utilizaram dentes naturais, resultando em uma média de 34 dentes por pesquisa. Há uma enorme incidência de dentes humanos nas pesquisas, realçando a necessidade de uma padronização quanto à sua obtenção. Os dentes utilizados em pesquisas deveriam ser obtidos em bancos de dentes, os quais deveriam ser citados nos respectivos trabalhos.11 Uma outra utilização dos dentes extraídos é o reaproveitamento como material restaurador através de colagem com cimento resinoso (restauração biológica). Essa restauração possibilita acabamento mais estético, superfície mais lisa e desgaste semelhante ao dos outros dentes. Não existe dor nem rejeição nesse transplante. A colagem de fragmento de dente fraturado foi executada pela primeira vez em 1964, pelos americanos Chosck e Eildman.17 Desde 1780 existem relatos na literatura da confecção de próteses com dentes naturais.23 O uso de pequenos fragmentos de esmalte e o uso da coroa dental por completo foi relatado por Iorio14 (1993) e Hayward13 (1968). A técnica de reposição de coroas totais e fragmentos dentários em dentes temporários é um método de restauração que preserva a estrutura dentária, através de preparação conservadora; permite resultado estético de ótimo nível; recupera a anatomia dental perdida com uma textura superficial incomparável; mantém a função oclusal e o desgaste fisiológico normais; e oferece uma relação custo-benefício favorável em relação ao material dentário artificial. Os dentes extraídos também podem ser aproveitados para confecção de mantenedores de espaço, para crianças que perderam precocemente seus dentes por cárie ou trauma.22 No entanto, apesar de todos os benefícios alcançados pela utilização de dentes humanos, a exigência destes nos cursos de Odontologia fez com que alunos adotassem procedimentos ilegais e não-éticos para sua aquisição. A exigência de dentes beneficia o comércio ilegal dos mesmos.25 O dente é considerado um órgão humano e, como tal, deve respeitar a Lei de Transplantes Brasileira formulada em 1997. Segundo o Código de Ética Odontológica, o não-cumprimento das legislações que regulam o uso do cadáver para o estudo ou exercício de técnicas cirúrgicas e os transplantes de órgãos é considerado infração ética, podendo determinar penalidades que vão desde a simples advertência confidencial à cassação do exercício profissional. Sendo assim, o funcionamento do banco de dentes deve ser como o de um banco de órgãos. Daí a necessidade da autorização do doador para a utilização dos seus dentes.16,24,27 Portanto, o dente como qualquer outro órgão do corpo humano somente poderá ser doado com o consentimento do paciente ou/e responsável. O consentimento deverá ser expresso através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.17 Revista da ABENO • 7(1):6-12 Dentes humanos no ensino odontológico: procedência, utilização, descontaminação e armazenamento pelos acadêmicos da UNIMONTES • Costa SM, Mameluque S, Brandão EL, Melo AEMA, Pires CPAB, Rezende EJC, Alves KM São três circunstâncias possíveis de doação de dentes humanos: dentes decíduos exfoliados, dentes decíduos ou permanentes extraídos e dentes decíduos ou permanentes de cadáveres. Esses dentes poderiam ser usados para fins científicos, didáticos e reabilitadores. E, para garantir um tratamento respeitoso ao doador de órgãos, ao órgão dental a ser doado, bem como ao sujeito receptor do órgão doado, faz-se necessária a obtenção do consentimento livre e esclarecido do doador.28 Portanto, a criação de um Banco de Dentes nas Universidades e em todas as Instituições de Ensino é fundamental para orientar a utilização ética do órgão dental. Outro ponto preocupante com relação ao uso de dentes humanos extraídos, além da procedência, é a questão da biossegurança no manuseio e armazenamento desses dentes. Cientistas franceses demonstram preocupação quanto à possibilidade de contaminação cruzada por meio do tecido pulpar de dentes. Estudos realizados em esqueletos no sul da França demonstraram presença de microorganismos no DNA da polpa. Foi encontrada a bactéria Yersinia pestis ou bacilo de Yersin, que é transmitida por ratos e pulgas e causadora da Peste Negra, doença responsável pela morte de 90% das pessoas no sul da França, no período de 1347 a 1351. A análise do tecido pulpar dos dentes dos esqueletos provou que a causa do óbito foi septicemia bacteriana.17 Diante do potencial de contaminação do dente extraído, a partir de 1990, algumas organizações, como: OSHA – Occupational Safety and Health Administration, CDCs – Centers for Disease Control and Prevention/Division of Oral Health e AADS – American Association of Dental Schools, regulamentaram a utilização de dentes extraídos.17 Para evitar ou diminuir a contaminação cruzada no manuseio de dentes extraídos, diretrizes são desenvolvidas para biossegurança: necessidade de uso de Equipamentos de Proteção Individuais (EPIs), vacina contra Hepatite B e protocolo específico para o uso de dentes extraídos em instituições de ensino.2,10 A transmissão de patógenos pode acometer o cirurgião-dentista, o acadêmico, o pesquisador ou qualquer pessoa que leve um dente extraído para casa.5 Sendo assim, o controle de infecção deve ser utilizado no treinamento laboratorial e nas pesquisas científicas com o objetivo de diminuir ou eliminar o risco de transmissão de doenças.7,8,26,29 Um outro problema na utilização de dentes humanos está na forma que eles são armazenados. A forma de armazenamento dos dentes extraídos é capaz de interferir principalmente na dentina, alterando as propriedades físicas e ópticas da mesma. Pode alterar a permeabilidade e a resistência adesiva da dentina, interferindo nos estudos de microinfiltração, adesão, tração, cisalhamento, endodontia, dentre outros.17 METODOLOGIA Para a coleta de dados, foi utilizada a técnica de entrevista estruturada, na qual o entrevistador segue um roteiro previamente estabelecido através de um formulário padronizado. O motivo da padronização do formulário é obter respostas às mesmas perguntas, permitindo que todas elas sejam comparadas, devendo as variações nas respostas refletirem diferenças entre os respondentes e não diferenças entre as perguntas.15 O formulário foi aplicado aos acadêmicos do curso de graduação em Odontologia da UNIMONTES. Tendo em vista a variabilidade de respostas possíveis, foi aberta a opção “outros”, para a maioria das questões. O trabalho foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNIMONTES, antes do início da coleta de dados. O sujeito pesquisado autorizou a sua participação na pesquisa através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foi realizado um teste piloto com vinte alunos para adequação do instrumento de coleta de dados. Foram excluídos da pesquisa os acadêmicos que participaram do teste piloto, os ausentes no dia da coleta de dados, aqueles que não aceitaram participar deste estudo e a acadêmica vinculada ao projeto. Participaram acadêmicos do 1º ao 10º período, sendo a coleta de dados realizada em 2004. Os dados foram tabulados e analisados estatisticamente utilizando-se o programa EPI-INFO 2000. RESULTADOS E DISCUSSÃO Participaram 198 alunos, do 1º ao 10º período do curso de graduação em Odontologia da Unimontes (Gráfico 1). Dos acadêmicos pesquisados, 62,0% eram do sexo feminino. A maioria dos alunos (99,5%) acha importante o uso de dentes humanos extraídos, no curso. Com relação à solicitação de dentes, 88,9% declararam que foram solicitados dentes por alguma disciplina no decorrer do curso (a partir do 2º período) (Gráfico 2). Carvalho6 (2001) afirma que Imparato, professor da Universidade de São Paulo (USP), calculou o número de dentes utilizados nos cursos de Odontologia: uma faculdade gasta de três a quatro mil dentes por Revista da ABENO • 7(1):6-12 Dentes humanos no ensino odontológico: procedência, utilização, descontaminação e armazenamento pelos acadêmicos da UNIMONTES • Costa SM, Mameluque S, Brandão EL, Melo AEMA, Pires CPAB, Rezende EJC, Alves KM semestre. Como existem cerca de 150 faculdades de Odontologia no Brasil, 450 mil dentes seriam necessários para suprir a demanda.6 O número de dentes adquiridos, por aluno, durante a vida acadêmica variou de 4 a 500 (moda 50, média 49, desvio padrão 52, mediana 38) perfazendo um total de 8.457 dentes. A análise dos percentis demonstra que 25% dos acadêmicos obtiveram até 20 dentes, 50% obtiveram até 38 dentes e 75% obtiveram até 50 dentes. A maioria dos alunos (79,9%) utilizou dentes para treinamento laboratorial, sendo apontadas outras formas de uso (Gráfico 3). Os resultados estão de acordo com a literatura consultada, em que dentes humanos são utilizados para vários fins nos cursos de Odontologia. Os dentes humanos podem ser utilizados para fins didáticos, de pesquisa e clínicoterapêuticos.17 Noventa e oito alunos (49,5%) encontraram dificuldades para aquisição dos dentes e 40% dos acadêmicos obtiveram-nos em consultórios particulares, sendo relatadas outras formas de obtenção como: postos de saúde (PS), escolas e outros (Gráfico 4). A maioria adquiriu os dentes em Montes Claros (50,6%) e cidades do Norte de Minas (40,4%). A forma de aquisição mais relatada foi a doação (98,3%), no entanto, 1,2% dos acadêmicos relataram ter comprado dentes, cujo valor variou de R$ 1,00 a R$ 10,00. A comercialização de dentes humanos também foi constatada em pesquisa no estado de São Paulo, onde 47% dos entrevistados afirmaram ter comprado dentes para uso laboratorial ou para pesquisa,12 outros estudos também confirmaram esse ato ilícito.21 A descontaminação anterior ao manuseio dos dentes é realizada por 89,8% dos acadêmicos pesquisados, e destes, 91,14% descreveram o procedimento (%) Pesquisa 90 Treinamento laboratorial 80% 80 Treinamento por interesse próprio 70 Treinamento laboratorial e treinamento próprio 60 Treinamento próprio e clínico-terapêutico (restauração biológica) 50 (%) 40 18 16,0% 16 30 20 14 12 10 10% 12,0% 10 10,5% 9,5% 9,0% 9,0% 8,0% 8 8,5% 8,5% 9,0% 5% 3% 2% 0 Atividades Gráfico 3 - Distribuição dos acadêmicos segundo a ativi- 6 dade de uso dos dentes. 4 2 0 (%) 1º 2º 3º 4º 5º 6º Período 7º 8º 9º 10º Gráfico 1 - Distribuição dos acadêmicos segundo o pe- ríodo matriculado. A - Posto de saúde (PS) 45 B - Consultório particular 40% C - Posto de saúde e 40 consultório particular 35 D - Posto de saúde e escola 30 25 Não Sim 11,1% 23% E - Escola e consultório 23% particular F - Outros* 20 12% 15 10 88,9% 5 0 1% A B C D 1% E F Localacadêmicos segundo o local Gráfico 4 - Distribuição dos Gráfico 2 - Distribuição dos acadêmicos segundo solicitação de dentes durante a vida acadêmica. de obtenção dos dentes. *Obtenção através de colegas do curso e em clínicas de universidades. Revista da ABENO • 7(1):6-12 Dentes humanos no ensino odontológico: procedência, utilização, descontaminação e armazenamento pelos acadêmicos da UNIMONTES • Costa SM, Mameluque S, Brandão EL, Melo AEMA, Pires CPAB, Rezende EJC, Alves KM executado para descontaminação dos elementos dentários. Foram descritos 30 procedimentos diferenciados, tais como: apenas lavagem com água, uso de soluções de hipoclorito, formaldeído, ácido acético, sabão, água oxigenada, clorexidina, formol e esterilização na autoclave. O hipoclorito de sódio foi o mais citado (63,20%), sendo utilizado em diferentes concentrações, que variaram de 1 a 10%, e em diferentes intervalos de tempo, de 1 hora a 1 semana. Dos alunos pesquisados, 20,9% relataram realizar esterilização dos dentes em autoclave. No entanto, eles não descreveram o tempo e a temperatura utilizados. Dentes extraídos são sujeitos à contaminação por patógenos, sendo necessário fazer um alerta aos acadêmicos sobre os riscos a que estão expostos. Devese alertar para biopericulosidade na manipulação de dentes extraídos contaminados.18 São poucos os pesquisadores ou alunos que utilizam dentes esterilizados nos estudos pré-clínicos, fato que se deve à falta de informação ou de condições de realizar tal procedimento.17 O hipoclorito de sódio (1,3%, 2,6% e 5,25%) por uma semana não foi capaz de impedir o crescimento de esporos de B. stearothermophilus.9 Hipoclorito de sódio a 1% desinfeta 8% da superfície externa e 4% da interna dental após uma semana de armazenamento.29 A esterilização em autoclave é o método selecionado para fins educacionais.20 Em uma temperatura de 121°C por 15 minutos há perda mineral não significativa.1 Dentes restaurados com amálgama apresentam riscos à saúde na esterilização na autoclave devido à liberação de vapores de mercúrio.4 A maior parte dos acadêmicos (96,6%) armazena os dentes humanos extraídos em frasco fechado, e 68,0% utilizam líquido dentro do frasco de armazenamento, sendo descrito o líquido por 83% dos acadêmicos pesquisados. A distribuição dos acadêmicos conforme o líquido utilizado para armazenamento dos dentes humanos foi: soluções de hipoclorito de sódio (34%), água oxigenada (5%), glicerina (18%), soro fisiológico (6%), formol (15%), álcool (20%) e glutaraldeído (2%). A forma de armazenamento dos dentes extraídos é capaz de interferir principalmente na dentina. Produtos como formol, hipoclorito de sódio, etanol e glutaraldeído podem alterar a permeabilidade e a resistência adesiva da dentina. O armazenamento a seco apresenta problemas para dentes permanentes, sendo viável aos decíduos (no período de 30 a 90 dias). O protocolo de armazenamento recomendado pelo Banco de Dentes da Faculdade de Odontologia 10 da Universidade de São Paulo tanto para dentes decíduos quanto para permanentes é o uso de água destilada sob refrigeração.3 CONCLUSÕES Diante dos resultados expostos, pode-se concluir que: • O curso de graduação em Odontologia da Unimontes solicita dentes aos acadêmicos, a partir do 2º período. • Existem dificuldades na aquisição dos dentes. • A maior utilização é em treinamento laboratorial pré-clínico. • A maioria adquiriu dentes em Montes Claros, na forma de doação. • O estudo confirma comércio ilegal de dentes entre acadêmicos da Unimontes. • A descontaminação anterior ao manuseio dos dentes é realizada por 89,8% dos acadêmicos pesquisados, apesar de muitos dos métodos relatados serem insuficientes para garantir a prevenção do risco de infecção cruzada. Foram descritos 30 procedimentos diferentes, desde lavagem com água até esterilização em autoclave, sendo o hipoclorito de sódio, em diferentes tempos e concentrações, o mais citado (63,20%). • A maioria armazena os dentes em frasco fechado (96,6%), contendo líquido (68,0%), sendo as soluções de hipoclorito de sódio as mais utilizadas. • Não há consenso para o método de descontaminação e de armazenamento dos dentes. Os dados demonstram a relevância da implantação do Banco de Dentes Humanos, com o papel de fornecimento de dentes a acadêmicos, professores e pesquisadores de forma ética, legal e nos padrões de biossegurança, propiciando menor risco de contaminação cruzada. ABSTRACT Human teeth for dental education: origin, use, disinfection and preservation by students at UNIMONTES University Human teeth are organs usually required during the teaching/learning process in dental courses. This study aimed at evaluating their origin, use, and the disinfection and preservation methods adopted by dental students at UNIMONTES University (Universidade Estadual de Montes Claros, Brazil) for the handling of human teeth. After approval by the committee for ethics in research, a pilot questionnaire was applied for adjustments. Data were col- Revista da ABENO • 7(1):6-12 Dentes humanos no ensino odontológico: procedência, utilização, descontaminação e armazenamento pelos acadêmicos da UNIMONTES • Costa SM, Mameluque S, Brandão EL, Melo AEMA, Pires CPAB, Rezende EJC, Alves KM lected along the year of 2004. Students who were absent on the day of questionnaire application were excluded, as was the student taking part in the study. The EPI-INFO 2000 program was used for descriptive statistics analysis. One hundred and ninety eight students participated in this project. Most students (99.5%) considered the use of human teeth during undergraduation to be important, and 88.9% mentioned that they were asked to provide human teeth, mostly for use in laboratorial training. Each student provided 4 to 500 human teeth during the whole course (mode 50, average 49, standard deviation 52, median 38), totaling 8,457 teeth. Students acquired the teeth mostly by receiving donations (98.3%), but 1.2% of the students reported having to buy them at prices ranging from R$1.00 to R$10.00. Disinfection of teeth was performed by 89.8% of students, of which 91.14% described the disinfection procedure. A total of 30 procedures were described, from rinsing in water to sterilization in autoclave. Most students (63.20%) related the use of sodium hypochlorite in different concentrations for disinfection. The majority stored teeth in a closed flask (96.6%), in a liquid (68.0%), which was mostly sodium hypochlorite as well. We concluded that UNIMONTES required teeth during its undergraduation course, that most teeth were used during laboratory activities, that they were mostly acquired through donation and that there was no consensus as to the procedures of disinfection and preservation of teeth, leading to the risk of cross infection. 3. Ana PA, Botta SB, Nassif ACS, Imparato JCP. Armazenamento DESCRIPTORS Tooth. Education, dental. Ethics. Biosafety. 12. Gabrielli Filho PA, Imparato JCP, Guedes-Pinto AC. Comércio de dentes humanos. In: Nassif ACS, Ramos DLP, Tieri F, Matsumoto IT, Franchim GH, Marin G et al.; Imparato JCP, organizador. Banco de Dentes Humanos. Curitiba: Editora Maio; 2003. cap. 9. p. 131-42. 4. Botta SB, Ana PA, Imparato JCP. Desinfecção e Esterilização de dentes humanos. In: Nassif ACS, Ramos DLP, Tieri F, Matsumoto IT, Franchim GH, Marin G et al.; Imparato JCP, organizador. Banco de Dentes Humanos. Curitiba: Editora Maio; 2003. cap. 8. p. 115-29. 5. Brasil SA, Ana PA, Botta SB, Franchim GH, Imparato JCP. Uso de dentes humanos no ensino laboratorial, meios de aquisição e desinfecção pelos alunos de graduação da FOUSP. Pesqui Odontol Bras 2002;16 Supl:31. 6. Carvalho C. Dentes na mira da ética. Rev Bras Odontol 2001;58(2):108-11. 7. Catalan AC. Análise da esterilização de dentes humanos extraídos para colagens dentárias [Monografia de Conclusão de Curso]. Pelotas: Faculdade de Odontologia da Universidade Estadual de Pelotas; 1997. 8. DeWald JP. The use of extracted teeth for in vitro bonding studies: a review of infection control considerations. Dent Mater 1997;13(2):74-81. 9. Dominici JT, Eleazer PD, Clark SJ, Staat RH, Scheetz JP. Disinfection/sterilization of extracted teeth for dental student use. J Dent Educ 2001;65(11):1278-80. 10. Estados Unidos – CDCP. Backflow prevention and the dental unit (1996) apud Guimarães JR. Biossegurança e controle da infecção cruzada. São Paulo: Santos; 2001. p. 118. 11. Franchim GH, Brasil SA, Ana PA, Botta SB, Tieri F, Matsumoto IT et al. Uso de dentes nas pesquisas das 17ª e 18ª Reuniões Anuais da SBPqO: análises quantitativa e qualitativa. Pesqui Odontol Bras 2002;16 Supl:31. de dentes humanos nas faculdades de Odontologia do Estado de São Paulo (resultados parciais) [resumo]. RPG Rev Pós Grad Agradecimentos À Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo, FOUSP, nas pessoas de José Carlos Pettorossi Imparato e Sandra Alves Brasil, pelo apoio e incentivo no projeto de criação do Banco de Dentes Humanos da Unimontes. E, aos funcionários da Unimontes que tornaram possível a implantação do mesmo, nosso muito obrigado. § 1999;6(3):292. 13. Hayward DE. Use of natural upper anterior teeth in complete dentures. J Prosthet Dent 1968;19(4):359-63. 14. Iorio PAC. Inlays de resina composta. Seu emprego reforçado com fragmentos de esmalte reconstituindo a crista marginal. Rev Bras Odontol 1993;50(6):3-7. 15. Marconi MA, Lakatos EM. 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Pantera EA, Schuster GS. Sterilization of extracted human teeth. Dent Mater 1990;11:321-3. 25. Seixas L. Banco de Dentes revê práticas acadêmicas [acesso 29 dez 2002]. Disponível em: http://www.foa.org.br. 20. Parsell DE, Stewart BM, Barker JR, Nick TG, Karns L, Johnson 26. Shaffer SE, Barkmeier WW, Gwinnett AJ. Effect of disinfec- RB. The effect of steam sterilization on the physical properties tion/sterilization on in vitro enamel bonding. J Dent Educ and perceived cutting characteristics of extracted teeth. J Dent 1985;49(9):658-9. Educ 1998;62(3):260-3. 27. Silva M. Compêndio de Odontologia Legal. Rio de Janeiro: 21. Paula S, Bittencourt LP, Pimentel E, Gabrieli Filho PA, Imparato JCP. Comercialização de Dentes nas Universidades. Pesq Bras Odontoped Clin Integr 2001;1(3):38-41. Medsi; 1997. 490 p. 28. Silva MR, Ramos DLP. Considerações bioéticas sobre a doação do órgão dental. Anais Forenses; 2000. p. 01 [acesso 26 out 22. Pereira DV, Giora MLG, Graner ROM, Pettorossi JCI, Navarro NP. Banco de dientes: una alternativa para la rehabilitación de dientes temporales anterosuperiores. Rev Cubana Estomatol 1997;34(2):103-9. 2002]. Disponível em: http://www.direitoodontologico.com.br/forense2000/04/.asp. 29. Tate WH, White RR. Disinfection of human teeth for educational purposes. J Dent Educ 1991;55(9):583-5. 23. Ring ME. História de la Odontologia. Madrid: Harry N. Abrams; 1995. 319 p. 24. Samico AHR, Menezes JDV, Silva M. Aspectos Éticos e Legais Recebido para publicação em 11/10/2005 do exercício da Odontologia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Conselho Aceito para publicação em 24/11/2005 12 Revista da ABENO • 7(1):6-12 O estudante de odontologia e a questão dos estágios O desconhecimento das normas de regulamentação dos estágios faz com que os profissionais, ao permitirem o trabalho de estudantes de Odontologia, tolerem situações de exercício ilegal da profissão, que têm penas previstas pela lei. Ricardo Henrique Alves Silva*, Arsenio Sales-Peres**, Carina Thaís de Almeida***, Sílvia Helena de Carvalho Sales-Peres**** *Professor Assistente da Disciplina de Odontologia Legal e Medicina Legal da Universidade Paulista, Doutorando em Odontologia Social da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo. **Professor Doutor da Disciplina de Deontologia e Odontologia Legal da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]. ***Acadêmica da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo. ****Professora Doutora da Disciplina de Orientação Profissional da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo. RESUMO A inter-relação envolvendo a Odontologia e o Direito é conhecida por poucos e relegada a segundo plano, tanto por acadêmicos quanto profissionais. O objetivo deste artigo é trabalhar o tema do exercício ilegal da profissão e fazer uma reflexão desse ponto no que se refere aos estágios executados pelos acadêmicos de Odontologia. A questão dos estágios realizados por estudantes de Odontologia é regida pelo Decreto nº 87.497,4 que regulamentou a Lei nº 6.494,7 de 07 de dezembro de 1977, além de apresentar regulamentação pelo CFO através da Decisão nº 25/84.12 Dessa forma, é notório ressaltar que o estágio curricular, como procedimento didáticopedagógico, é de inteira responsabilidade das instituições de ensino, podendo haver interações (convênios) entre os sistemas de ensino e os diferentes setores da sociedade. Ressaltamos, contudo, a importância da fiscalização pertinente ao exercício da Odontologia a fim de zelar pela honra da profissão odontológica. DESCRITORES Estudantes de odontologia. Estágio clínico. Odontologia legal. A atividade ilícita profissional em Odontologia trata-se de assunto assaz discutido, mas que necessita de uma amplificação de debates, haja vista o reduzido número de publicações que tramitam pelos corredores acadêmicos. Além disso, nota-se uma aparente falta de vontade, por parte dos profissionais, em compreender os objetivos mais específicos da inter-relação envolvendo a Odontologia e o Direito.28 Dessa maneira, utilizando as palavras de Calvielli9 (1993), temos que: “(...) os tratadistas do Direito Penal reservam poucas linhas de seus comentários para o exercício ilegal da Medicina, Odontologia e Farmácia, e o fazem sem considerar, principalmente, a evolução e as transformações sofridas por essas profissões nos últimos anos. Por sua vez, os cirurgiões- Revista da ABENO • 7(1):13-9 13 O estudante de odontologia e a questão dos estágios • Silva RHA, Sales-Peres A, Almeida CT, Sales-Peres SHC dentistas agem como se o exercício de sua profissão só a eles dissesse respeito, desconhecendo, com raras exceções, que inúmeras conseqüências de suas atividades se encontram previstas como infrações penais.” Assim sendo, esperamos estar contribuindo para o entendimento de tão vasto assunto, possibilitando um crescimento para a classe odontológica e, conseqüentemente, para toda a sociedade brasileira, na busca por uma Odontologia exemplar, conforme relata Phillips23, em 1960: Assim, conforme observado, o princípio constitucional de pleno exercício de uma profissão não é garantia para que qualquer um possa entregar-se livremente a uma atividade profissional, mas assegura o direito de exercê-la desde que se atenda ao estabelecido na lei, ou seja, possuir autorização, competência e legitimidade.17 A partir dessa colocação, é necessário o estabelecimento de penas para os casos de infração das leis que regulamentam as profissões. No caso da Odontologia, o exercício ilegal é previsto no Código Penal Brasileiro,5 em seu artigo 282: “Para cumprir suas responsabilidades com a sociedade e sobreviver como profissão, a Odontologia necessita dos “Art. 282 – Exercer, ainda que a título gratuito, a profissão seguintes requisitos: honestidade, integridade, indepen- de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização le- dência profissional, alta qualidade de prestação de servi- gal ou excedendo-lhe os limites. ços, estudo continuado, expansão das pesquisas odontoló- Pena – detenção, de seis meses a dois anos. gicas, aplicação clínica das pesquisas e observação do Parágrafo único – Se o crime é praticado com o fim de código de ética.” lucro, aplica-se também multa.” O QUE É ATIVIDADE ILÍCITA PROFISSIONAL EM ODONTOLOGIA? Juntamente com a Lei nº 5.081,6 de 24 de agosto de 1966, que regulamenta o exercício da profissão odontológica, prevêem-se condutas e ações contra o cirurgião-dentista brasileiro, que pode ser julgado em duas esferas de responsabilidade: a administrativa e a judicial (envolvendo ações penais e civis).16 Daruge, Massini14 (1978) declaram em seu trabalho os ensinamentos do consagrado civilista Washington de Barros Monteiro: “A violação de um direito pode configurar ofensa à sociedade pelo dano pessoal e pelo dano material. No primeiro caso, existe o delito penal, consistente na violação de uma lei penal, o que induz responsabilidade penal; no segundo caso existe o delito civil, consistente na violação de um direito subjetivo privado, o que induz responsabilidade civil. Pode suceder ainda que o fato atentatório da lei penal viole também um direito privado. Nesse caso, subsistirão concomitantemente as duas responsabilidades, a penal e a civil.” Inicialmente, o direito a exercer uma determinada profissão é estabelecido pela Constituição da República Federativa do Brasil,3 proclamada em 1988 e que estatui, em seu artigo 5º, inciso XIII: “É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.” 14 Conforme cita Calvielli9 (1993), a proibição do exercício das profissões da saúde por indivíduo sem autorização para fazê-lo é das mais antigas nas legislações e acompanha, de certa forma, as etapas de evolução pelas quais passaram essas profissões. Segundo a autora, a infração do artigo 282 comporta duas modalidades, na primeira o sujeito ativo pratica atos próprios de profissional, porém sem autorização legal; na segunda, embora capacitado legalmente, excede os limites da própria profissão. Menezes19 (1990) discorre que, em se tratando de um cirurgião-dentista, podemos enumerar as seguintes condições em que é considerado ilegal o exercício da profissão: 1. Após ter concluído o curso sem, todavia, ter recebido o diploma. 2. Após ter recebido o diploma sem, contudo, proceder aos registros exigidos por lei. 3. Quando diplomado por escola estrangeira, exerce a sua atividade profissional no Brasil sem, entretanto, proceder à revalidação do diploma e aos registros que se fizerem necessários. 4. Tendo sido apenado com suspensão do exercício profissional, continuar exercendo sua atividade odontológica durante o período de suspensão. 5. Tendo se transferido para outro Estado sem providenciar, dentro do prazo de 90 dias, a transferência de sua inscrição para o Conselho Regional sob cuja jurisdição passou a atuar. 6. Praticar intervenção fora da área de atuação de competência do cirurgião-dentista. De acordo com França17 (2004), o que se procura Revista da ABENO • 7(1):13-9 O estudante de odontologia e a questão dos estágios • Silva RHA, Sales-Peres A, Almeida CT, Sales-Peres SHC punir, pela sanção penal, no exercício ilegal, é possibilidade de a saúde pública ser ameaçada por pessoas não-qualificadas e incompetentes, sendo suficiente apenas o perigo para se configurar o crime, não exigindo a lei que venha a se consumar qualquer lesão ou malefício. Sendo assim, no que tange ao artigo 282 do Código Penal Brasileiro,5 a falta de autorização legal pode ser configurada por algumas situações, tais como o pessoal auxiliar em Odontologia atuando, no caso do Técnico em Prótese Dentária (TPD), sem a prescrição, supervisão e fiscalização do cirurgião-dentista. E, no caso de Técnico em Higiene Dental (THD) e Auxiliar de Consultório Dentário (ACD), sem a supervisão direta do cirurgião-dentista. Também é importante ressaltar que o acadêmico de Odontologia não pode praticar seu aprendizado, a não ser em ambulatórios ou clínicas da faculdade, e sempre sob a supervisão do pessoal docente.9 E, para finalizar os aspectos referentes ao artigo 282 do Código Penal Brasileiro, Calvielli8 (1997) relata que, quanto à condição referida como “exceder os limites da profissão”, essa só pode ser considerada quando o farmacêutico ou o médico realizam atos exclusivos da Odontologia, ou inversamente, quando o cirurgião-dentista passa a realizar atos que são de competência da Farmácia ou da Medicina. Com referência, ainda, ao Código Penal Brasileiro, dois outros aspectos são enquadrados como atividade ilícita.19 Em primeiro lugar, o charlatanismo, regido pelo artigo 283 do Código Penal Brasileiro:5 “Art. 283 – Inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível: Pena – detenção de três meses a um ano, e multa.” Graça Leite18 (1962) explana que inculcar é informar sobre alguma coisa, recomendar; anunciar é dar notícia de, publicar. Sendo assim, se o profissional torna públicos, por qualquer meio de divulgação em massa ou através de pequenos grupos de conversa, tratamentos secretos ou infalíveis, estará incidindo em crime de charlatanismo. Em suma, o autor expõe que: viria favorecer a redução, senão a extinção, do terrível mal do exercício charlatanesco da profissão.” Segundo Menezes19 (1990), charlatão não é aquele que se aventura ao exercício de uma profissão de saúde sem habilitação profissional, não é sinônimo de empírico ou falso profissional, mas sim aquele que usa de mentira, de falsidade, agindo de maneira inescrupulosa para enganar seus pacientes. De acordo com Ferreira15 (1995), charlatão é o explorador da boa-fé do povo, ou ainda, o impostor ou trapaceiro. Exemplificando, o charlatanismo pode configurar-se pelas seguintes situações: diagnóstico falso ou exagerado, realização de intervenções desnecessárias, garantia de cura, exploração mercantilista da publicidade, dentre outras.19 O outro aspecto da atividade ilícita refere-se ao curandeirismo, no artigo 284 do Código Penal Brasileiro:5 “Art. 284 – Exercer o curandeirismo: I – Prescrevendo, administrando ou aplicando habitualmente qualquer substância. II – Usando gestos, palavras ou qualquer outro meio. III – Fazendo diagnósticos. Pena: detenção de seis meses a dois anos. Parágrafo único: se o crime é praticado mediante remuneração, o agente também fica sujeito a multa.” Nesse caso, conforme Menezes19 (1990), o exercício da atividade odontológica é realizado por quem não possui habilitação profissional. Trata-se do empírico ou falso dentista. E, apenas para finalizar, além das normativas já observadas, Bernaba2 (1979) cita em seu trabalho os aspectos penais quanto ao exercício ilegal, a Lei das Contravenções Penais, no que concerne à organização da atividade laborativa: “Art. 47 – Exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício. Pena: prisão simples, de quinze dias a três meses, ou “O fator econômico, encontrando um terreno predisposto multa.” (fragilidade moral), determina, comumente, o surto de uma doença profissional que se chama charlatanismo, de profunda e desastrosa repercussão social. Por outro lado, compete ao Estado, um dos maiores responsáveis pela crise que asfixia a Odontologia, criar novas condições de trabalho e de assistência para o cirurgião-dentista, o que ESTÁGIOS E ATIVIDADE ILÍCITA PROFISSIONAL – UM TÊNUE LIMITE Frente à questão dos estágios realizados por estudantes de Odontologia que buscam seu aperfeiçoamento profissional, Campos 10 (1986) afirma Revista da ABENO • 7(1):13-9 15 O estudante de odontologia e a questão dos estágios • Silva RHA, Sales-Peres A, Almeida CT, Sales-Peres SHC que tal situação é regida pelo Decreto nº 87.497,4 que regulamenta a Lei nº 6.494,7 de 07 de dezembro de 1977: “Art. 2º - Considera-se estágio curricular, para os efeitos deste Decreto, as atividades de aprendizagem social, profissional e cultural, proporcionadas ao estudante pela participação em situações reais de vida e trabalho de seu meio, sendo realizada na comunidade em geral ou junto a pessoas jurídicas de direito público ou privado, sob responsabilidade e coordenação de instituição de ensino. Art. 3º - O estágio curricular, como procedimento didáticopedagógico, é atividade de competência da instituição de ensino a quem cabe a decisão sobre a matéria, e dele participam pessoas jurídicas de direito público e privado, oferecendo oportunidade e campos de estágio, outras formas de ajuda, e colaborando no processo educativo.” ATENDIMENTO EM CLÍNICAS PARTICULARES POR ACADÊMICOS VERSUS ESTÁGIOS EM CLÍNICAS PARTICULARES Nobre22 (2002) salienta, em seu artigo sobre o 2º Fórum Nacional de Fiscalização do Exercício Profissional da Odontologia, ocorrido no mês de maio de 2002, uma atuação firme dos Conselhos Regionais sobre os acadêmicos que atuam ilegalmente. O atendimento a pacientes pelos estudantes em clínicas particulares, mesmo que gratuitamente, não é permitido, tendo em vista o fato de não possuírem habilitação legal. Samico26 (1990) salienta que, se se praticar a Odontologia ainda como acadêmico, estar-se-á cometendo o ilícito penal de exercício ilegal da profissão de dentista. Nesse sentido, analisando ambas as situações, é possível perceber que elas se opõem, haja vista que, conforme defende Samico26 (1990), no decorrer do curso de graduação, no ciclo profissional, o estudante é submetido a treinamento prático no vivo, que somente pode ser feito sob a supervisão de professores, sendo o exercício de tais atividades nas clínicas das faculdades, em hospitais universitários ou hospitais-escola lícito e obrigatório. A prática de “estágio” em clínicas particulares pode ser verificada através de estudo de Silva27 (2005) em que observa, analisando acadêmicos (n = 106) cursando o último mês de graduação em Odontologia no município de Bauru-SP, que 8,49% dos sujeitos da 16 pesquisa alegam ter realizado tal prática no transcorrer do curso. Porém, Samico26 (1990) ainda relata que, a partir do momento que o estudante começa a lidar com pacientes, é necessário que esteja dominando a técnica odontológica para cada caso específico e também já tenha uma razoável formação ética, o que lhe permite agir sempre com maior acerto. Abrindo um espaço, pois a questão ética se faz muito presente nesse tópico, Chaves11 (2000) apresenta quatro componentes no processo de julgamento moral que devem estar presentes desde o início da prática clínica pelos acadêmicos de Odontologia: I)Interpretar a situação (para agir eticamente, primeiramente se deve reconhecer que a situação a ser confrontada tem uma dimensão moral ou ética, em que qualquer coisa que se faça pode afetar, direta ou indiretamente, o bem-estar de outros). II)Interpretar o curso da ação com base em um ideal moral (é necessária uma estratégia para determinar o melhor curso da ação, levando-se em consideração as necessidades de todos os indivíduos envolvidos, incluindo-se as do profissional, bem como suas expectativas, compromissos prévios ou práticas institucionais). III)Decidir quais os valores mais importantes (resolver dilemas éticos envolve distinguir entre valores que competem – moral e imoral – e compromissos individuais frente aos valores morais). IV)Executar e implementar um curso de ação pretendido (perseverança, competência e caráter são importantes elementos dentro deste componente). Conforme Rosenblum24 (2001), a competência mais importante na Odontologia, nos negócios e na vida é a Ética, pois proporciona uma linguagem comum que permite aos seres humanos interagirem com entendimento mútuo. Entretanto, a Ética é preocupante frente à questão de estágios, pois como relatam Morris, Sherlock20 (1971), em pesquisa realizada com 270 estudantes de Odontologia de três faculdades na Califórnia, Estados Unidos, a Ética profissional declina firmemente enquanto o cinismo aumenta, especialmente durante anos de ensinamento clínico. E, na opinião de Nash21 (1994), o conhecimento é poder, e as profissões historicamente reconhecidas do Direito, da Medicina (incluindo a Odontologia como uma especialidade da medicina) e o Clero são grupos que retêm poder sobre outros e suas necessi- Revista da ABENO • 7(1):13-9 O estudante de odontologia e a questão dos estágios • Silva RHA, Sales-Peres A, Almeida CT, Sales-Peres SHC dades humanas básicas. Retornando, portanto, às questões legais do estágio de estudantes, Rosenthal25 (2001) apresenta que o mesmo é definido pelo Decreto nº 87.497,4 de 18 de agosto de 1982, que regulamenta a Lei nº 6.494,7 de 7 de dezembro de 1977 e a Decisão CFO 25/84,12 como estágio curricular, procedimento didático-pedagógico, de competência das instituições de ensino, as quais podem recorrer a serviços de integração entre instituições públicas ou privadas, entre o sistema de ensino e os setores de produção, serviços, comunidade e governo, mediante convênios devidamente acordados em instrumentos jurídicos. Calvielli9 (1993) salienta que a questão relativa aos estágios, e não só aos da Odontologia, é delicada, na medida em que se reconhece o desejo de aperfeiçoamento, natural nos jovens que pretendem melhorar o seu desempenho escolar, e ao mesmo tempo é necessário que redobrados cuidados sejam tomados para que a saúde do paciente não venha a sofrer danos. O Decreto nº 87.497,4 de 18 de agosto de 1982, que regulamenta a Lei nº 6.494,7 de 7 de dezembro de 1977, apresenta alguns pontos interessantes de serem citados para esclarecer a questão dos estágios: “Art. 2º – Consideram-se estágio curricular, para os efeitos deste Decreto, as atividades de aprendizagem social, profissional e cultural, proporcionadas ao estudante pela participação em situações reais de vida e trabalho em seu meio, realizadas na comunidade em geral ou junto a pessoas jurídicas de direito público ou privado, sob responsabilidade e coordenação de instituições de ensino. d)sistemática de organização, orientação, supervisão e avaliação de estágio curricular. Art. 5º – Para caracterização e definição do estágio curricular é necessária, entre a instituição de ensino e pessoas jurídicas de direito público e privado, a existência de instrumento jurídico, periodicamente reexaminado, no qual estarão acordadas todas as condições de realização daquele estágio, inclusive transferência de recursos à instituição de ensino, quando for o caso.” Na Decisão CFO – 25/8412 é possível observar a preocupação do Conselho Federal de Odontologia acerca do estágio estudantil: “O Presidente do Conselho Federal de Odontologia, cumprindo deliberação da Diretoria, em sua reunião ordinária, realizada no dia 26 de agosto de 1984; (...) Considerando que o exercício da Odontologia por pessoa sem habilitação legal configura ilícito capitulado no Código Penal; (...) Considerando que é infração ética de manifesta gravidade acobertar ou ensejar o exercício ilegal da profissão e exercer a atividade odontológica em entidade ilegal ou irregular; (...) Considerando que, trabalhando desvinculado da Faculdade, o estudante estará na ilegalidade, não recebendo orientação, acompanhamento, supervisão e avaliação de estágio; DECIDE: Art. 3º – O estágio curricular, como procedimento didático-pedagógico, é atividade de competência da instituição de ensino a quem cabe decisão sobre a matéria, e dele Art. 1º – É lícito o trabalho de estudante de Odontologia, obedecida a legislação de ensino e, como estagiário, quando observados, integralmente, os dispositivos constantes participam pessoas jurídicas de direito público e privado, na Lei nº 6.494,7 de 7 de dezembro de 1977, no Decreto oferecendo oportunidade e campos de estágio, outras for- nº 87.497,4 de 18 de agosto de 1982, e nestas normas. mas de ajuda, e colaborando no processo educativo. Art. 2º – O exercício de atividades odontológicas por parArt. 4º – As instituições de ensino regularão a matéria con- te de estudantes de Odontologia, em desacordo com as tida neste Decreto e disporão sobre: disposições referidas no artigo anterior, configura exercí- a)inserção do estágio curricular na programação didático- cio ilegal da Odontologia, sendo passíveis de implicações éticas os cirurgiões-dentistas que permitirem ou tolerarem pedagógica; b)carga horária, duração e jornada de estágio curricular, tais situações. que não poderá ser inferior a um semestre letivo; c)condições imprescindíveis para caracterização e defini- Art. 6º – Somente poderá exercer atividade, como estagi- ção dos campos de estágios curriculares, referidas nos ário, o aluno que esteja apto a praticar os atos a serem parágrafos 1º e 2º, do Artigo 1º, da Lei nº 6.494, de 7 executados, e, no mínimo, cursando regularmente o 5º de dezembro de 1977; semestre letivo de curso de Odontologia. 7 Revista da ABENO • 7(1):13-9 17 O estudante de odontologia e a questão dos estágios • Silva RHA, Sales-Peres A, Almeida CT, Sales-Peres SHC Art. 7º – A delegação de tarefas ao estagiário somente poderá ser levada a efeito através do responsável pelo estágio perante a instituição de ensino. Art. 8º – Para efeito de controle e fiscalização do exercício profissional com referência aos estagiários de Odontologia, as instituições de ensino deverão comunicar, ao Conselho Regional da jurisdição, os nomes dos alunos aptos a estagiarem, de conformidade com estas normas.” A Resolução CFO-185/9313 também dedica um espaço à questão do estágio estudantil: “Art. 28 – É lícito o trabalho de estudante de Odontologia, obedecida a legislação de ensino e, como estagiário, quando observados, integralmente, os dispositivos constantes na Lei 6.494,7 de 07 de dezembro de 1977, no Decre- seus alunos, tanto nas atividades internas quanto no seu comportamento profissional nas atividades extracurriculares. CONSIDERAÇÕES FINAIS É possível observar que a questão referente aos estágios em Odontologia necessita de um posicionamento firme das instituições de ensino, bem como dos profissionais, para que possamos, dessa forma, engrandecer cada vez mais a profissão odontológica e zelar pela sua honra, permitindo o acesso da população a serviços confiáveis e de qualidade. Torna-se necessária uma correta orientação do aluno, por parte dos docentes das instituições de ensino odontológico, através da abordagem do assunto em sala de aula, tanto nas matérias básicas quanto nas profissionalizantes. to 87.497,4 de 18 de agosto de 1982, e nestas normas. Art. 29 – O exercício de atividades odontológicas por parte de estudantes de Odontologia, em desacordo com as disposições referidas no artigo anterior, configura exercício ilegal da Odontologia, sendo passíveis de implicações éticas os cirurgiões-dentistas que permitirem ou tolerarem tais situações.” SOBRE A FISCALIZAÇÃO Daruge, Massini14 (1978) observam que, frente à Deontologia específica da profissão odontológica, os Conselhos funcionam como verdadeiros tribunais, responsáveis por disciplinar a classe, competindo-lhes entre outras prerrogativas a de aplicar penalidades aos cirurgiões-dentistas faltosos. Nobre22 (2002), em acordo com os autores acima, salienta que, da mesma forma que a evolução da Odontologia vem sendo impulsionada pelos avanços técnico-científicos e tecnológicos, o amadurecimento de sua fiscalização profissional está relacionado, de uma forma geral, ao próprio amadurecimento da democracia nacional e da categoria odontológica como segmento político organizado. Porém, os Conselhos Regionais foram instituídos para defender a sociedade dos maus profissionais, apenas dispondo, para tal missão, de mecanismos legais, pois não têm poder para apreender instrumental, fechar consultórios clandestinos ou efetuar prisões, cabendo essas tarefas à Vigilância Sanitária e à Força Policial.1 Sendo assim, torna-se de extrema importância o despertar das instituições de ensino na orientação de 18 ABSTRACT The dental student and the internship issue The relationship between Dentistry and Law is known by few and considered unimportant both by students and by professionals. The aim of this article was to broach the subject of the unlawful practice of Dentistry and to reflect about this issue regarding the internship periods of dental students. The matter of dental internships is regulated by Decree n. 87,497,4 which regulated Law n. 6,494,7 of December 7, 1977. The matter is also regulated by Decision n. 25/8412 issued by the Federal Council of Dentistry (CFO). It is important to point out that the educational institutions are entirely responsible for their curricular internship period, a pedagogical and didactic procedure. Interactions are allowed in the form of agreements between the institutions and the different sectors of society. We stress, however, the importance of inspecting the dental practice in these programs in order to protect the honor of the profession. DESCRIPTORS Students, dental. Clinical clerkship. Forensic dentistry. § REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Andrade M. Charlatanismo. Rev Assoc Bras Odontol Nac 2000;8(3):143-5. 2. Bernaba JM. Aspectos penais quanto ao exercício ilegal da odontologia. Rev Assoc Paul Cir Dent 1979;33(5):364-9. 3. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988 [acesso 02 jun 2006]. Disponível em: http:// www.presidenciadarepublica.gov.br/ccivil/Constituicao. Revista da ABENO • 7(1):13-9 O estudante de odontologia e a questão dos estágios • Silva RHA, Sales-Peres A, Almeida CT, Sales-Peres SHC 4. Brasil. Decreto nº 87.497, de 18 de agosto de 1982: regulamen- 1995;49(4):258-67. ta a lei nº 6.494, de 07 de dezembro de 1977 [acesso 02 jun 17. França GV. Deontologia médica. In: França GV. Medicina le- 2006]. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/ gal. 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2004. p. 43379. D87497.htm. 5. Brasil. Decreto-Lei nº 2.848: Código Penal Brasileiro, de 07 de dezembro de 1940 [acesso 02 jun 2006]. Disponível em: www. 18. Graça Leite V. Odontologia legal. Salvador: Era Nova; 1962. 19. Menezes JDV. Normas para o exercício legal. In: Samico AHR, Menezes JDV, Silva M. Aspectos éticos e legais do exercício da presidencia.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm. 6. Brasil. Lei nº 5081, de 24 de agosto de 1966: regula o exercício da odontologia. Brasília: Diário Oficial da União. Odontologia. 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Rev Assoc Paul Cir Dent Revista da ABENO • 7(1):13-9 Aceito para publicação em 18/05/2006 19 Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire† Uma abordagem sobre o pensamento de Paulo Freire em relação ao conhecimento e à aprendizagem. Pedro Demo* *Professor Titular do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília. RESUMO Este texto buscou desenhar alguns traços da polêmica em torno do conhecimento e da aprendizagem, com o objetivo de ressaltar seu sentido reconstrutivo político e com isto recuperar a tradição mais consolidada de Paulo Freire, em termos do sentido emancipatório de sua proposta: desfazer a condição de massa de manobra vivida pela grande maioria da população por causa de sua ignorância. O autor, apoiado na literatura relevante da área da educação e na análise que faz desta, discute o que é o conhecimento e os métodos e recursos de transmissão deste, condenando a didática reprodutiva instrucionista. Afirma que as medidas principais da aprendizagem devem ser o saber pensar e o aprender a aprender, que farão da escola o centro da mudança que levará a sociedade à era do conhecimento. Pondera ainda que não é tarefa fácil colocar as energias decisivas do conhecimento a serviço dos excluídos, mas que essa é a função principal da educação de teor político. Conclui que a pobreza política é fenômeno ainda mais grave do que a carência material, pois revela as entranhas da contradição dialética na história concreta, feita de minorias privilegiadas que exploram maiorias ignorantes. DESCRITORES Educação. Aprendizagem. Ensino. Conhecimento. Q uando hoje se fala, cada vez mais, de que o centro da pobreza é menos carência material do que exclusão de cariz político, colocando na berlinda o que estamos chamando de “pobreza política”, esquecemos facilmente que esta sempre foi a tese central da “pedagogia do oprimido” e da “pedagogia da esperança”. Apesar de apostar na potencialidade emancipatória da educação, nunca relegou o lado crítico, pois na contraluz do conhecimento sempre se arrasta a ignorância. Pobreza política é sobretudo o cultivo da ignorância, feito não pelos assim ditos analfabetos, mas pelos que tiveram a chance de freqüentar espaços mais privilegiados da educação formal. Para realizar esta caminhada breve, vamos, primeiro, analisar o reconhecimento confluente da marca reconstrutiva do conhecimento e da aprendizagem, para, em seguida, caracterizar a educação como estratégia central do combate à pobreza política. Afinal, ler a realidade não inclui apenas a capacidade formal do manejo do conhecimento, mas sobretudo a habilidade de nela intervir como sujeito capaz de história própria. CARIZ RECONSTRUTIVO DO CONHECIMENTO E DA APRENDIZAGEM Piaget tinha muita razão Apesar de todas as críticas que Piaget possa merecer, sobretudo a de excessivo estruturalismo, certo positivismo, exagerada confiança construtiva e cognitivismo extremado, não se pode retirar o mérito de que sua tese construtivista está cada vez mais vitoriosa.18 Com o tempo mudam as teorias, também as piagetianas, porque a pesquisa continua e o questionamento se encarrega de torná-las todas provisórias. Sua ânsia de descobrir leis universais, válidas para qual- †Adaptação do texto publicado no livro: Torres AC, compilador. Paulo Freire y la agenda de la educación latinoamericana en el siglo XXI. Buenos Aires: CLACSO; 2001. p. 295-322. 20 Revista da ABENO • 7(1):20-37 Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire • Demo P quer circunstância, como a da equilibração construtiva, lhe valeu sempre a suspeita de estruturalismo, sobretudo após a crítica pós-moderna do conhecimento que abomina, entre outras coisas, tiradas transcendentais. Por sua origem biológica, cultivou fortemente os ideais da pesquisa estritamente controlada, buscando colocar à luz somente o que teria base suficiente. Embora nisso não haja qualquer defeito para pesquisador talentoso e honesto, surge naturalmente a suspeita de desprestígio das ciências sociais, mais afeitas a métodos qualitativos. Talvez seja o caso apontar que as idéias construtivistas tendem a obscurecer o pano de fundo hermenêutico da aprendizagem, à medida que descortina poder excessivo de criação. Na prática, aprendemos do que já tínhamos aprendido e conhecemos a partir do que já conhecíamos. Por isso mesmo, não usamos a terminologia construtivista e ficamos apenas com a idéia reconstrutiva. Por fim, em sua época não se dava importância maior à emoção, o que pode transmitir a idéia encurtada de que aprendizagem se reduz à cognição. Na prática, porém, é pouco útil inventar dicotomias piagetianas, em particular contra Vygotsky, porque certamente Piaget foi autor suficientemente inteligente para reconhecer, dentre outras coisas e na própria lei da equilibração, que o novo não sai do nada, mas de condições anteriores culturalmente plantadas. Certamente, hoje vemos um pouco mais longe, sobretudo reconhecemos que essa marca reconstrutiva, além de sua base biológica cada vez mais ressaltada, é sobretudo política, porque se trata da formação do sujeito autônomo. A aprendizagem é jogo de sujeitos, troca bilateral de teor dialético, contraponto entre conhecimento e ignorância, autonomia e coerção. Oferece campo de potencialidades, oportunidades que se abrem se o sujeito souber conquistar e a história lhe for complacente em termos de condicionamentos positivos. Oportunidades dependem das circunstâncias e sobretudo da iniciativa do sujeito. Podem também ser obstaculizadas, até mesmo destruídas. Paulo Freire não foi um pesquisador como Piaget, mas viu essa parte melhor, porque, como diria Harding21 (1998) sobre a localização cultural do conhecimento, postou-se no ponto de vista do marginalizado, donde se pode descortinar o cenário com amplidão maior e possivelmente mais correta.2 Todavia, apesar de todos esses resultados, continuamos profundamente instrucionistas em nossa educação formal, como podemos observar nas escolas e universidades, que continuam reproduzindo conhecimento com a maior tranqüilidade. Ainda acreditamos que o fator mais central da aprendizagem é a freqüência às aulas, tanto que na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) se tornou ordem expressa os 200 dias de aula por ano.13 Não se preocupou propriamente com a reconstrução do conhecimento e com a aprendizagem de teor político, mas com a absorção reprodutiva, permanecendo, na prática, uma lei do ensino, não da aprendizagem. Esse debate, porém, é candente em outros países mais avançados, onde se toma a sério, em particular na escola pública, que é mister refazer a educação a partir da sala de aula, sobretudo da aprendizagem do aluno. Kerchner et al.23 (1997), reportando-se à sociedade do conhecimento nos Estados Unidos, falam enfaticamente desse repto, em particular para os sindicatos. Referindo-se ao papel dos sindicatos dos professores públicos, aventam que “(...) a barganha coletiva legitimou os interesses econômicos dos professores, mas nunca os reconheceu como peritos em aprendizagem; a idéia de trabalhadores do conhecimento, que criam, sintetizam e interpretam informação, domina a literatura em postos modernos de trabalho, mas o ensino ainda está organizado em torno dos pressupostos da era industrial, que via os professores essencialmente como trabalhadores manuais, derramando currículo em mentes passivas(...)”.23 Parece claro que os professores não estão sabendo acompanhar as mudanças centrais da sociedade intensiva de conhecimento, que dirá postar-se à frente dela. Falam, por isso, de “trabalhadores unidos da mente” (“united mind workers”), para indicar a importância desse segmento social dos trabalhadores que lidam com o conhecimento. Torna-se relevante organizar a educação a partir da sala de aula, ou da necessidade de aprendizagem dos alunos, colocando padrões diferentes da hierarquia industrial. O projeto pedagógico encontra aí seu ponto de partida e sua chegada, real razão de ser. Se o fenômeno da aprendizagem dos alunos, que depende em grande parte da aprendizagem dos professores, não ocorrer na qualidade esperada e pleiteada, nada ocorreu de importante na escola, mesmo que funcione gerencialmente bem, tenha todos os instrumentos didáticos, inclusive computadores e parabólica. A medida principal da aprendizagem não poderia ser a freqüência às aulas, como ainda imaginam sistemas eivadamente instrucionistas, mas o saber pensar e o aprender a aprender, que processos avaliativos severos e criticamente profundos deveriam saber resguar- Revista da ABENO • 7(1):20-37 21 Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire • Demo P dar. O sindicato precisa mudar de desafio: passar da mentalidade de ocupação, para a visão de transformação. Ocupar a escola pública já não basta, mesmo que seja em nome do projeto essencial de preservar o espaço público gratuito. Encontramo-nos hoje perplexos com a dificuldade extrema de mudar a escola pública. “Estamos argumentando que a tarefa do sindicato está não simplesmente em sustentar a instituição existente através de políticas de proteção ou de relações públicas destinadas a criar confiança, mas em construir sucessora para a educação da era industrial(...)”.23 Será mister construir instituição a partir da sala de aula, tendo em vista a sociedade do conhecimento, para fazer da escola centro da mudança. Sua função principal será reorganizar a aprendizagem: o que é aprender, quem é capaz de aprender e qual a responsabilidade dos professores em criar aprendizagem. “A nova economia do tardio século XX é mais exigente e menos complacente que a anterior. Não cria bons empregos para os desqualificados – na prática há árduo debate sobre se está criando empregos suficientes para os qualificados e educados – mas está claro que o prêmio posto sobre o desempenho educativo está crescendo. Mais que mais longo e outros talvez em período nenhum. A lógica do período de seis ou sete dias, com aulas de 50 minutos e trinta alunos por classe, desaparece. Do mesmo modo ocorre com a autoridade existente e as estruturas de responsabilidade. Quando as estruturas básicas da escola não garantem os padrões de que precisamos, tudo o mais não interessa, inclusive as regras do sindicato.”23 A escola que tem como didática central a aula expositiva de teor reprodutivo está condenada a desaparecer como resquício de era que já passou. A nova sociedade precisa aprender, não copiar, como diria enfaticamente Tapscott, referindo-se à geração digital. Ofertas de estilo instrucional nada lhe acrescentam. E se a escola falhar, essa nova geração digital tomará a dianteira e decretará o sepultamento desse tipo de escola. Embora os autores, por vezes, deixem a impressão de certo cognitivismo, acentuam sempre o compromisso com a aprendizagem e reconhecem que repensar o trabalho de ensinar é a mudança mais dura de todas, pois ensinar se torna mais complexo (menos rotina; confronto com comportamentos novos; mais personalizado; mais papéis interdisciplinares); ensinar se torna menos isolado; ensinar se torna explicitamente conectado com a geração de conhecimento: isso, a dependência da economia sobre recursos humanos educados está também crescendo.”23 “Trabalho pós-industrial é vastamente definido ‘em ter- Os autores destacam o lado dúbio dessa revolução: para inserir-se nessa economia, educar-se melhor é termo-chave, talvez o termo mais chave; entretanto, a melhoria da educação eleva constantemente os padrões de exigência, dentro da lógica da mais-valia relativa; o que poderia ser nova chance para o ser humano reverte-se no capitalismo em fator a mais de exclusão, que passa a abarcar não apenas os desqualificados, mas igualmente os qualificados. Urgem mudanças profundas: mos de coletar informação, resolver problemas e de produzir idéias criativas’. Para ensinar, o trabalho pós-industrial significa fazer relação explícita entre o que os professores fazem e a criação de conhecimento. O papel aumentado da pesquisa e desenvolvimento e das instituições universitárias é explicitamente reconhecido como parte da revolução da era do conhecimento, mas o papel da escola elementar e secundária é menos reconhecido. Todavia, se ensinar é a criação de construções cognitivas nos estudantes – trabalho mental – é explicitamente criação de conhecimento, tanto quanto o trabalho de um físico teórico (...) Reconhecer que ensinar cria conhecimen- “Para criar as reformas que necessitamos na virada do sé- to tem três importantes implicações para o professor culo XXI, o trabalho dos professores mudará de modo sindicalizado. Primeiro, requer que os professores cons- significativo. A fim de saltar das atuais aulas para a apren- cientemente se tornem parte da organização de aprendi- dizagem processualmente diagnosticada, os professores zagem. Segundo, requer que estejam às voltas com ques- precisam de muito mais informação sobre a aprendizagem tões de produtividade. Terceiro, requer que recriem o do aluno e sobre caminhos que gestam respostas úteis. ensino como trabalho de conhecimento.”23 Como as escolas que tentaram mudar seu ensino bem sabem, as práticas de alocação convencional de recursos rapidamente se tornam insatisfatórias diante de novas expectativas. Professores precisam de tempo. Precisam de flexibilidade para ensinar a alguns estudantes por período 22 O realce dado à face da produtividade refere-se ao ambiente tipicamente norte-americano dos autores, sem falar que a crise da economia intensiva de conhecimento é ainda pouco visualizada. Para eles, Revista da ABENO • 7(1):20-37 Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire • Demo P na sociedade do conhecimento, a produtividade avançou em três caminhos: invenção (desenvolvimento de idéias e processos criativos), exploração (adaptação de conhecimento gerado em outro lugar), aperfeiçoamento contínuo, criando mudança a partir de dentro. Segue que é mister “recriar ensino como trabalho que cria conhecimento.”23 Torna-se briga inútil postar-se sempre contra avaliação: “Enquanto existe muito de errado com os atuais testes, e os sindicatos precisam postar-se como vanguarda para os corrigir, uma política rasa de oposição coloca os professores organizados no lado errado da história.”23 O adequado desenvolvimento profissional supõe processos honestos de avaliação e recapacitação, bem como aprimoramento do desempenho profissional. Ao final das contas, precisamos nos organizar para a era do conhecimento, e isso significa concretamente organizar a educação para a era do conhecimento. Debate sobre a mente incorporada Parte do debate se prende à polêmica própria da Inteligência Artificial e do cognitivismo da primeira geração, que propugnam ser conhecimento nada mais que a representação da realidade através de símbolos heurísticos. A mente espelha a realidade assim como ela é, supondo-se coincidência não-problemática. De certa maneira, continua a visão aristotélica da realidade externa que se impõe, permanecendo a mente como espécie de receptor mais ou menos passivo. Rorty31 (1994) contraditou fortemente essa tese, ao tentar mostrar que, tendo em vista sermos seres interpretativos, a realidade não entra simplesmente na mente, mas é interpretada, ou seja, entra de acordo com os parâmetros da mente. Alguns autores são mais deterministas, como Maturana, Varela26 (1994) que, assumindo a epistemologia do ponto de vista do observador e a condição do ser vivo de máquina já formatada, assinalam que a mente “constrói” a realidade externa, partindo de dentro para fora, mas sempre de maneira determinada. A tese da construção da realidade foi muito ressaltada por Searle34 (1998), que manteve forte polêmica com os representacionistas, bem analisada por Sfez35 (1994), em sua obra de crítica da comunicação.13,35 Searle34 (1998) tem consciência clara de que essa tese pode ser exagerada, como assevera Harding21 (1998), que evita deliberadamente o uso do termo construtivismo.34 Uma proposta equilibrada, ainda que surpreendente por outros motivos, é a de Varela et al.38 (1997), com sua teoria da enação, na qual defendem um interacionismo mútuo entre mente e realidade, com base também em epistemologias orientais budistas.36,37 Referindo-se às novas ciências da mente, advertem que precisam incorporar “a experiência humana vivida e as possibilidades de transformação que são inerentes à experiência humana”; a experiência do dia-a-dia também precisa alargar seu horizonte tomando em conta as ciências da mente; trata-se de analisar essa “circulação entre as ciências da mente (ciência cognitiva) e a experiência humana”.38 O ponto de partida é a circularidade fundamental: estamos num mundo que parece estar lá antes que a reflexão começa, mas o mundo não é separado de nós. Não existe o observador dotado de olho descorporificado olhando objetivamente para o jogo dos fenômenos, como queria a Física do século XIX. À idéia errada de cognição como “representação mental” apresentam-se alternativas como a emergência,9,22 que aposta no conexionismo: “muitas tarefas cognitivas parecem poder ser manejadas melhor por sistemas feitos de muitos componentes simples, que, quando conectados por regras apropriadas, geram comportamento global correspondendo à tarefa desejada”.38 O processamento simbólico de estilo representativo é localizado, usando apenas a forma física dos símbolos, não seu significado. Rebate três suposições do representacionismo: a)habitamos o mundo com propriedades particulares, tais como comprimento, cor, movimento, som etc.; b)apanhamos ou recuperamos tais propriedades representando-as internamente; c)existe um “nós” separado que faz essas coisas. Oferece a proposta da posição enativa: “cognição não é a representação de mundo pré-dado por mente pré-dada, mas antes é o enativamento de um mundo e de uma mente na base de uma história da variedade de ações que o ser humano exerce no mundo”.38 Essa circularidade é necessidade epistemológica para a visão enativa, pois somos animais auto-interpretativos. Nosso auto-entendimento pressupõe noções como crença, desejo, conhecimento, mas que não as pode explicar, advindo a tensão entre ciência e experiência. Afasta o realismo ingênuo, segundo o qual as coisas são como aparecem. Na proposta budista da “mindfulness/awareness” (consciência plena), os meditadores Revista da ABENO • 7(1):20-37 23 Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire • Demo P descobrem que mente e corpo não estão coordenados, como sucede quando estamos corporalmente presentes em algum lugar (num anfiteatro escutando um conferencista), mas com a mente longe daí (pensando, por exemplo, em algo que nos preocupa). “Estamos sugerindo mudança na natureza da reflexão de uma atividade abstrata, descorporificada para outra reflexão corporificada (consciente), aberta (“open-ended”) (...) Por ‘corporificado’, significamos reflexão na qual corpo e mente são trazidos juntos. O que essa formulação pretende expressar é que a reflexão não se dá sobre a experiência, mas que a reflexão é uma forma de experiência – e que a forma reflexiva de experiência pode ser feita com presença consciente (“mindfulness/awareness”)”.38 Podemos coordenar mente e corpo, dentro da idéia do esforço sem esforço, deixando as coisas acontecerem. Na hipótese cognitivista clássica, mente aparece tendencialmente como cálculo lógico: “a intuição central por trás do cognitivismo é que inteligência – incluída também a humana – assemelha-se de tal modo à computação que cognição pode atualmente ser definida como computações de representações simbólicas”. Mas As vantagens das “teorias conexionistas” podem ser vistas em explicar melhor certas capacidades cognitivas: reconhecimento rápido, memória associativa e generalização categorial. O entusiasmo por elas se explica: a)a Inteligência Artificial e neurociência não alcançaram grandes resultados; b)estão mais próximas da Biologia; c)retornam a certas marcas behavioristas que driblam o excesso de teorização, ainda que o behaviorismo não seja proposta científica em si sustentável; d)os modelos são suficientemente gerais para serem aplicados, com pequenas modificações, a vários âmbitos. Nessa visão poderíamos nos dar conta da emergência de estados globais numa rede de componentes simples; funciona através de regras para operação individual e regras para mudança no emaranhado conectivo dos elementos; símbolo não é mais central, pois “os itens significativos não são símbolos, mas os padrões complexos de atividade entre as numerosas unidades que perfazem a rede”;38 símbolos são físicos e significativos, não podem ser reduzidos ao físico como faz o computador. À pergunta como é que os símbolos adquirem significado, tenta responder: “Na abordagem conexionista, o significado não está localizado em símbolos particulares; é função do estado “é controversa a pretensão cognitivista de que o único modo global do sistema e está ligado ao desempenho generali- para chegar à inteligência e à intencionalidade é manejar a zado em certo domínio, como reconhecimento e apren- hipótese de que cognição consiste em agir na base de repre- dizagem. Tendo em vista que esse estado global emerge sentações que são fisicamente realizadas na forma de um da rede de unidades que são arquitetadas com maior fi- código simbólico no cérebro ou na máquina”.38 neza que os símbolos, alguns pesquisadores se referem ao conexionismo como o ‘paradigma subsimbólico’. Ar- Entretanto, “embora o nível simbólico seja fisicamente realizado, não pode ser reduzido ao nível físico.”38 As duas deficiências principais do cognitivismo seriam: assumir que o processamento da informação simbólica esteja baseado em regras seqüenciais; e não perceber que esse procedimento é localizado. Nas abordagens mais novas, “as teorias e modelos já não começam com descrições simbólicas abstratas, mas com exército inteiro de componentes semelhantes aos neurônios, simples, não inteligentes, que, se conectados apropriadamente, detêm propriedades globais interessantes. Tais propriedades globais incorporam e expressam as capacidades cognitivas que estão sendo procuradas (...). A passagem de regras locais para coerência global é o cerne do que costumou se chamar auto-organização durante os anos cibernéticos (...). Uma rede dá origem a novas propriedades”.38 24 gumentam que os princípios formais do conhecimento jazem nesse terreno subsimbólico, um nível acima e mais próximo do biológico do que do nível simbólico do cognitivismo. No nível subsimbólico, as descrições cognitivas são construídas de constituintes que em nível mais elevado seriam os símbolos discretos. O significado, porém, não está nesses constituintes em si; está nos padrões complexos de atividade que emergem das interações de muitos desses constituintes.”38 O sistema se assemelharia a colcha de retalhos de sub-redes armadas por processo complexo de arranjos, mais do que o sistema que resulta de desenho limpo e unificado; a mente surge de uma espécie de sociedade e não é entidade unificada, homogênea, nem mesmo coleção de unidades; antes, é coleção desunificada, heterogênea de redes de processos. Se não temos “self”, como é que existe coerência em Revista da ABENO • 7(1):20-37 Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire • Demo P nossas vidas? Recorre, então, à “emergência codependente”, ou seja, à idéia, familiar no contexto das sociedades da mente, de propriedades transitórias, embora recorrentes, de elementos agregados, como seria a “samsara”: roda perpetuamente girando, tocada por causação implacável e pervadida pela insatisfação; estamos familiarizados com a idéia de que coerência e desenvolvimento no tempo não precisam envolver qualquer substância subjacente – formas transitórias que nelas mesmas não possuem substância. Quando fazemos análise básica de elementos, não supomos que exista substância ontológica neles. Assim, uma coisa é a falta de “ego-self”, outra é a ânsia por um “ego-self”. De certa forma, retoma Nietszche: estamos condenados a crer numa coisa que não pode ser verdadeira. No fundo, é problema da ansiedade cartesiana, que não reconhece serem as representações também construídas. A percepção precisa ser entendida como processo ativo de formação de hipótese, não como simples espelhamento de ambiente pré-dado. Porquanto, as atividades principais do cérebro são de fazer mudanças em si mesmos – é mister “deixar a idéia de que o mundo é independente e extrínseco e assumir que é inseparável da estrutura dos processos de automodificação”,38 dentro do que chama de “fechamento operacional”. “Um sistema que tem fechamento operacional é aquele no qual os resultados de seus processos são esses processos mesmos. A noção de fechamento operacional é, assim, modo de especificar classes de processos que, em sua própria operação, voltam sobre si mesmos para formar redes autônomas. Tais redes não caem na classe de sistemas definidos por mecanismos externos de controle (heteronomia), mas antes na classe de sistemas definidos por mecanismos internos de auto-organização (autonomia). O ponto-chave é que tais sistemas não operam por representação. Em vez de representar mundo independente, eles enativam mundo como campo de distinções que é inseparável da estrutura incorporificada pelo sistema cognitivo.”38 Será fundamental superar a ansiedade cartesiana da certeza final — “esse sentimento de ansiedade emerge da ânsia por um fundamento absoluto”.38 Todos os fenômenos são livres de fundamento absoluto — “groundlessness”; essa falta de fundamento é a própria condição para o mundo ricamente tecido e independente da experiência humana. Parte, então, para definir o que seria enação como conhecimento incorporado. Designa suposições er- rôneas as que tomam o conhecimento como tática linear de resolver problemas, e que deve, para ser exitoso, respeitar os elementos, as propriedades e relações entre regiões pré-dadas. Essa visão é pouco produtiva para níveis menos circunscritos e menos bem definidos, onde seja mister dar conta da ambigüidade imanejável do senso comum por trás. “Para recuperar o senso comum, é mister inverter a atitude representacionista tratando o saber comum não como artefato residual que pode progressivamente ser eliminado pela descoberta de regras mais sofisticadas, mas, ao contrário, como a verdadeira essência da cognição criativa.”38 Daí a importância da hermenêutica, capaz de dar conta do fenômeno da interpretação, entendido como a enativação ou gestação de significado a partir de um “background” da compreensão — conhecimento depende de estar no mundo que é inseparável de nossos corpos, nossa linguagem e de nossa história social; em poucas palavras, de nossa incorporação. “A percepção central dessa orientação não-objetivista é a visão de que conhecimento é o resultado da interpretação em andamento que emerge de nossas capacidades de compreender. Tais capacidades estão enraizadas nas estruturas de nossa incorporação biológica, mas são vividas e experimentadas dentro do terreno da ação consensual e da história cultural. Nos capacitam a dar sentido a nosso mundo, ou, em linguagem mais fenomenológica, são estruturas pelas quais existimos na maneira de ‘ter um mundo’.”38 Por “acoplamento estrutural” entende a capacidade de um sistema complexo enativar um mundo, percebendo significação e relevância, interpretando, no sentido de que seleciona ou gesta domínio de significação a partir do “background” de seu meio. A rede neuronal não funciona como caminho de mão única da percepção para a ação; percepção e ação, sensório e “motório”, estão ligados juntos como padrões sucessivamente emergentes e mutuamente seletivos. Assim, fica a meio caminho entre posição da galinha ou do ovo (galinha – de fora para dentro, objetivismo; ovo – de dentro para fora, subjetivismo). Existe, na verdade, especificação mútua. Segue que ação incorporada (“embodied action”) implica: a)cognição depende das espécies de experiência que provêm de termos um corpo dotado de várias capacidades sensoriomotoras; b)tais capacidades individuais sensoriomotoras estão encaixadas em contexto mais abrangente biológi- Revista da ABENO • 7(1):20-37 25 Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire • Demo P co, psicológico e cultural; trata-se de ação — percepção e ação são inseparáveis. ídos de chão (“groundless”); mesmo assim, a experiência se sente dada, inabalável e imutável. Enação significa, pois: a)percepção consiste em ação perceptualmente guiada e b)estruturas cognitivas emergem de padrões sensoriomotores recorrentes que possibilitam que a ação possa ser guiada perceptualmente. Reaparece a capacidade auto-organizativa circular da ação perceptualmente guiada: “Essa estrutura — a maneira na qual o percebedor é incorporado — mais do que algum mundo pré-dado determina “A filosofia ocidental esteve sempre mais preocupada com o entendimento racional da vida e da mente, mais do que com a relevância de um método pragmático para transformar a experiência humana.”38 Eis o desafio da aprendizagem: aprender a viver num mundo sem chão; ciência sozinha não sabe fazer isso; ciência é apta para destruir respostas metafísicas, mas não coloca nada no lugar — a própria ciência nos leva a viver sem fundamento. como o percebedor pode agir e ser modulado pelos even“Vamos tentar o argumento de que o vidente e a visão tos ambientais.”38 surgem simultaneamente. Neste caso, são tanto uma quan- O comportamento é resultado e causador de estímulos; o organismo ao mesmo tempo inicia e é formatado pelo ambiente. Com essa visão, Varela tenta oferecer à teoria evolucionista moldura mais flexível, usando o conceito de “moção natural” (“natural drift”). Seria o caso de mudar o contexto prescritivo da evolução, para o proscritivo: o que não é proibido, é permitido. A seleção descarta o que não é compatível com a sobrevivência e a reprodução, e busca solução satisfatória (não a do mais forte). Em vez do ótimo, o viável, por conta da especificação mútua e co-determinação e da construção de ambientes. Seria este o caminho do meio, marcado pela falta de fundamento último (“groundlessness”). “Começamos com nosso senso comum como cientistas cognitivos e descobrimos que nossa cognição emerge do pano de fundo de mundo que se estende atrás de nós, mas que não pode ser encontrado separado de nossa to a mesma coisa, ou são coisas diferentes.”38 Não há vidente, visão ou vista independentes; as coisas são originadas de modo co-dependente e são completamente sem chão; nada é encontrado que não tenha surgido de modo dependente — por isso, nada é encontrado que não seja vazio; todas as coisas são vazias de qualquer natureza intrínseca independente. Por isso, cabe fazer o caminho ao caminhar, sem cair no niilismo por si. A fonte atual do niilismo é o objetivismo, porque este é que acentua a ânsia por fundamentos inabaláveis e que não existem. Outra obra importante nessa rota é a de Lakoff, Johnson24 (1999), do ponto de vista da filosofia, enquanto Varela et al.38 (1997) privilegia o olhar da Biologia. Também para eles a mente é inerentemente incorporada. O pensamento, predominantemente inconsciente. Conceitos abstratos, largamente metafóricos. Rejeitam a visão da razão como “característica definidora dos seres humanos”,24 porquanto a incorporação. Quando voltamos nossa atenção para além dessa circularidade fundamental, com vistas a seguir o “razão inclui não só nossa capacidade de inferência lógica, movimento da cognição apenas, descobrimos que não mas igualmente nossa habilidade de conduzir a investiga- podemos discernir chão subjetivo, um ‘ego-self’ perma- ção, resolver problemas, avaliar, criticar, deliberar sobre nente e persistente. Quando tentamos descobrir o chão como deveríamos agir, e atingir compreensão de nós mes- objetivo que pensávamos deveria estar presente, desco- mos, outras pessoas e do mundo. Mudança radical em brimos mundo enativado por nossa história de acopla- nossa compreensão da razão é, pois, mudança radical no mento estrutural. Finalmente, vimos que essas várias entendimento de nós mesmos. É surpreendente descobrir, formas de falta de chão (‘groundlessness’) são realmente na base de pesquisa empírica, que a racionalidade humana uma só: organismo e ambiente envolvem-se um no outro não é, de modo algum, o que a filosofia ocidental assumiu e desdobram-se de um para o outro na circularidade fun- ser. Mas é chocante descobrir que somos muito diferentes damental que é a própria vida.”38 do que nossa tradição filosófica assumiu que éramos”.24 Os mundos enativados podem ser estudados cientificamente, mas não têm substrato fixo, permanente ou fundamentação, e são, ao final das contas, destitu26 Tais mudanças apontam para: a)a razão não é desincorporada; b)a própria estrutura da razão provém dos detalhes Revista da ABENO • 7(1):20-37 Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire • Demo P de nossa incorporação; c)a razão é evolucionária: mesmo em suas formas mais abstratas, usa, mais do que transcende, nossa natureza animal; d)a razão não é universal no sentido transcendente; e)é predominantemente inconsciente; f)não é puramente literal, mas vastamente metafórica e imaginativa; g)não é desapaixonada. Ponto forte de seu argumento está no apelo ao estudo empírico, para além da mera auto-reflexão, estando aí sua contribuição mais original. Possivelmente confia-se demais em evidências empíricas, que, ao final, só dizem o que os pressupostos teóricos e ideológicos permitem. De todos os modos, afirmam que “a mente é inerentemente incorporada, a razão é modelada pelo corpo, e já que a maior parte do pensamento é inconsciente, a mente não pode ser conhecida simplesmente por auto-reflexão. Estudo empírico é necessário”.24 Em vista disso, não há pessoa kantiana radicalmente autônoma; “a razão, surgindo do corpo, não transcende o corpo”; não é radicalmente livre, porque a razão é limitada, não pensa qualquer coisa; não existe a racionalidade econômica; “as pessoas raramente se engajam sob a forma da razão econômica que poderia maximizar as vantagens”(id., ib.). Essa última afirmação parece apressada, seja porque pode esconder visão empirista (nega-se o que não aparece empiricamente), ou liberal, supondo o mercado como campo natural de interação social. Ademais, seria ficção a pessoa fenomenológica, que poderia, através da introspeção fenomenológica, descobrir qualquer coisa que se poderia conhecer; não existe a pessoa pós-estruturalista — completamente descentrada e arbitrária. Também não há a pessoa fregeana — o pensamento teria sido expulso do corpo, e a clássica teoria da correspondência da verdade é falsa. Não há a pessoa computacional — que deriva significado de símbolos sem significado. Por fim, não há a pessoa chomskyana — dotada de linguagem como pura sintaxe. Por conta do inconsciente cognitivo, andamos por aí armados com multidão de pressuposições acerca do que é real, do que conta como conhecimento, de como funciona a mente, quem somos e como deveríamos agir. Admite a mão escondida que modela o pensamento consciente; não há como devassar o inconsciente — talvez 95% de nossa vida seja inconsciente. Revelam certo determinismo, que relembram Maturana, Varela26 (1994) com sua tese das máquinas e seres vivos e, do ponto de vista do observador,26 a arquitetura dada do cérebro determina os conceitos. Achados da ciência cognitiva são intrigantes em dois sentidos: “primeiro, nos dizem que a razão humana é forma de razão animal, razão inseparavelmente atada a nossos corpos e peculiaridades de nossos cérebros; segundo, tais resultados nos dizem que nossos corpos, cérebros e interações com o ambiente provêm mais que tudo a base inconsciente de nossa metafísica diária, ou seja, nosso senso pelo que é real”.24 Todo ser vivo categoriza, como necessidade vital de estruturar sua forma de vida no contexto da realidade, mas não apenas como movimento racionalista. Antes, a atividade categorizante é sempre incorporada. Daí o reconhecimento da inseparabilidade das categorias, conceitos e experiência.24 Sistemas viventes precisam categorizar — categorias são parte de nossa experiência; conceitos são estruturas neuroniais que nos permitem mentalmente caracterizar nossas categorias e a razão acerca delas. “Um conceito incorporado é estrutura neuronal que é atualmente parte de, ou faz uso do sistema sensório-motor de nossos cérebros. Muito da inferência conceitual é, pois, inferência sensório-motora.”24 Por isso as cores são criadas — “dados o mundo, nossos corpos e nossos cérebros evoluímos para criar cor”.24 Ao lado da apelação empírica, os autores ressaltam o argumento da metáfora, pretendendo mostrar que, mesmo no pensamento mais abstrato, aparece sempre sua relação com a incorporação concreta. Adquirimos vasto sistema de metáforas primárias automaticamente e inconscientemente simplesmente funcionando nos modos mais ordinários no mundo do dia-a-dia desde os primeiros anos; não temos escapatória nisso. Embora seja visível o reconhecimento do pano de fundo hermenêutico do conhecimento, pode aparecer aí alguma contradição, já que seria incongruente imaginar que “adquirimos” as metáforas (latente tendência instrucionista), vindo logo a seguir que “metáforas conceituais universais são aprendidas; são universais que não são inatas”.24 Afastam-se da ciência cognitiva e filosofia a priori tradicionais, embora combatam também o relativismo pós- Revista da ABENO • 7(1):20-37 27 Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire • Demo P moderno. Apesar de não ser possível chegar a fundamento último, defendem a ciência cognitiva de segunda geração (a primeira era a clássica desincorporada), que busca superar pressuposições determinantes sem o devido teste empírico. Acabam aceitando “pressuposições que não determinam resultados”,24 apostando na evidência convergente e aceitando a discussão de Kuhn — não há observação sem supostos teóricos. Trata-se, assim, de realismo incorporado, não metafísico, valorizando a metáfora e rebatendo a crítica formalista da metáfora. Pois “somos animais filosóficos. Somos os únicos animais conhecidos que podem perguntar, e por vezes até explicar, por que as coisas acontecem do modo como acontecem. Somos os únicos animais que ponderam sobre o significado da existência e se preocupam com amor, sexo, trabalho, morte e moralidade. E parecemos ser os únicos animais que podem refletir criticamente sobre suas vidas de modo a fazer mudanças sobre como elas se comportam”.24 A concepção tradicional ocidental da pessoa está equivocada, porque supõe razão desincorporada, razão literal, liberdade radical, moral objetiva. Já a concepção da pessoa incorporada sinaliza outros pressupostos que receberiam ademais apoio de testes empíricos e se coadunam com a análise da metáfora: • razão incorporada; • razão metafórica; • liberdade limitada; • moralidade incorporada; • natureza humana para além do essencialismo. DIALÉTICA CONHECIMENTO-IGNORÂNCIA Perspectivas a partir da mente incorporada A polêmica sobre a mente humana está longe de revelar algum desfecho, embora ofereça alternativas cuja potencialidade talvez sequer possamos ainda antever. Estamos imersos na sociedade intensiva de conhecimento, mas o que menos conhecemos é o que seria, afinal, conhecimento. As premissas modernas foram abaladas definitivamente, não só pelo fracasso do projeto de emancipação, vituperado severamente por autores como Harding21 (1998), mas igualmente por razões internas da própria razão moderna. Epistemologicamente falando é impraticável oferecer fundamento último para qualquer proposta científica. Mais: é próprio do conhecimento desfazer a idéia 28 de fundamento último, porque sua energia é retirada do questionamento, ou seja, mais de seu caráter desconstrutivo, do que reconstrutivo. É inconsistente questionar sem permitir ser questionado. O conhecimento moderno caiu nessa arapuca, até que a proposta pós-moderna, apesar de suas diatribes irresponsáveis também, destrinchou as entranhas das narrativas circulares, incapazes de oferecer razão final para qualquer proposta que se imagina científica. Seu caráter científico não está na expectativa de resultados comprovados, mas na habilidade de argumentar e contra-argumentar, dentro de aproximações sucessivas e nunca completas. E isso também decretou a percepção de que conhecimento é, no fundo, processo infindo de aprendizagem, à medida que expressa dinâmica tipicamente reconstrutiva. Pelo menos esta coerência o conhecimento dito pós-moderno mantém: o que o conhecimento primeiro se põe a questionar é o próprio conhecimento, para não incidir na contradição performativa à la Habermas/Apel. Interessante é notar que esse abalo ocorreu tanto nas Ciências Exatas, quanto nas ditas Sociais. Naquelas, o impacto maior veio do teorema de Gödel, que buscou mostrar, para decepção da maioria dos colegas, que mesmo na Matemática, desde que se usem níveis mais sofisticados de análise, torna-se impossível fazer prova final de seus axiomas. Esse teorema, também chamado de teorema da incompletude, é visto, ademais, como horizonte próprio da aprendizagem reconstrutiva, já que esta, intrinsecamente criativa, tem sua dinâmica alimentada pela flexibilidade dialética de seus processos, não por parâmetros rígidos e definitivos, como aponta Penrose28 (1994): o computador ainda não aprende, porque ainda não sabe “errar”. Para aprender é mister saber sacar significados dos silêncios, vazios, lacunas, lusco-fuscos, sombras, entrelinhas e contextos, não apenas de símbolos lineares mecanicamente processados. Nas Ciências Sociais, a discussão é bem mais antiga, porque a Filosofia, sobretudo aquela ligada às preocupações epistemológicas, já havia apontado para a circularidade hermenêutica do discurso científico. Tendo sido desbancada a autoridade externa, resta para a ciência buscar fundamento interno, o que a leva a argumentar a partir de si mesma. Toda argumentação contém componentes naturalmente ainda não argumentados, como toda definição inclui elementos ainda não definidos. Não podemos sair da linguagem para fundar a linguagem. Estamos cercados de pressupostos teóricos e ideológicos, que demarcam os dados, os fatos, as teorias e os métodos, Revista da ABENO • 7(1):20-37 Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire • Demo P porque é impossível partir de um ponto zero. Partimos do que já conhecemos e a isso voltamos. Assim, o que a ciência produz de melhor não são “evidências”, mas argumentações bem tramadas, sobretudo críticas e tanto mais autocríticas. Porque a coerência da crítica está na autocrítica. Habermas pode ser considerado um dos autores mais perspicazes quanto a essa discussão, também pela polêmica pertinente de negar caráter absoluto ao fundo hermenêutico do discurso. Se o contexto hermenêutico fosse definitivo, todo discurso deixaria de ter qualquer pretensão mais universal. É claro que esse intento pode desandar no transcendentalismo kantiano, que Sfez 35 (1994) imagina poder assacar (fala de “mofo kantiano” nas propostas habermasianas), bem como Bourdieu5,6 (1996a,b), porque a validade do discurso seria sobretudo social, nunca a priori. Seja como for, Habermas19,20 (1997a,b) também está preocupado com algum fundamento mais consistente da moral, para poder combinar validade e facticidade e salvar noções essenciais para a vida em sociedade como os direitos humanos. Essa briga entre pretensões universalistas e a localização cultural do discurso mostra a face talvez mais arriscada da polêmica pós-moderna, porque ainda busca meio-termo muito complicado entre relativismo e transcendentalismo. Conhecimento tem base físico-orgânica no cérebro. Como diria Searle34 (1998), essa base “causa” o conhecimento, porque sem ela é impossível comparecer esse fenômeno. Entretanto, conhecimento não é “massa cinzenta”, assim como emoção não é adrenalina. Existe no processo de formação do conhecimento dinâmica transformativa, que a Biologia tende a creditar ao conexionismo, no sentido de que a complexidade dos neurônios auto-organizados de forma peculiar produziria esse salto da quantidade para a qualidade, que tem sido chamado de “emergência”, para indicar que na situação B comparecem propriedades que não eram visíveis na situação A. Por mais que tenha sido relevante esse reconhecimento da pesquisa, de certa forma destruindo a linearidade computacional de estilo heurístico passo a passo, por processamento cumulativo, no fundo a questão está mais adiada, do que contornada. Porquanto, termos como complexidade, emergência, enação, descrevem certo tipo de propriedade dos fenômenos, mas não sua constituição interna, nem as regras de sua dinâmica. São ainda termos mais descritivos, que explicativos. Por isso mesmo, a pesquisa da complexidade de Morin27 (2002) representa sobretudo projeto de busca, não ainda algum porto seguro, que, em ciência, a rigor não pode existir. A questão da auto-organização, que Maturana, Varela26 (1994) chamaram de autopoiese, também possui problemas similares, que aparecem na própria obra desse autor: ou auto-organização é vista como propriedade determinada da realidade, ao estilo da máquina que funciona dentro de certa dinâmica fechada, ou é vista como capacidade criativa que, para produzir o novo, precisa também se desorganizar. Varela et al.37 (1997), percebendo essa contradição, buscaram outros caminhos, que encontraram no conceito de enação, que pretendem combinar a circularidade com o salto, sobretudo quando postulam a potencialidade contida na idéia de “falta de fundamento” (“groundlessness”). Não seria por acaso que na sociologia sistêmica, em particular de Luhmann, o conceito de autopoiese de Maturana, Varela 26 (1994) foi recepcionado de modo conservador, como propriedade de auto-recuperação dos sistemas, com veemência criticado por Habermas. Para complicar ainda mais as coisas, um dos rasgos mais interessantes de Maturana, Varela26 (1994) é sua crítica ao instrucionismo, permitindo que se conceba sua proposta como aprendizagem reconstrutiva, como quer Capra8 (1997) em sua “teia da vida”. De longe a visão mais dinâmica é a de Varela atualmente, com todos os riscos, porque acentua a capacidade do ser vivo ao mesmo tempo circular e reconstrutiva de aprender. Lakoff, Johnson24 (1999), por sua vez, tendem a ser mais deterministas, quer pela valorização excessiva da base empírica, quer pela visão mecanicista do funcionamento da mente, mesmo incorporada. Apesar da polêmica até ao momento irreconciliável, muitas coisas começam a tornar-se mais claras, dentre elas: a)aprendizagem não é fenômeno apenas racional, consciente, ou destacado de nossa corporeidade; ao contrário, envolve a complexidade humana naturalmente, e seu aprofundamento implica sempre também envolvência emocional; por mais que possa utilizar esquemas abstratos, é naturalmente metafórico, quer dizer, plantado na experiência humana histórica e cultural; o aporte mais incisivo talvez seja o de Varela com sua teoria da enação, que estabelece a percepção como ação conceitualmente guiada, sendo as estruturas cognitivas gestadas por padrões sensório-motores recorrentes na vida real; auto-organizam-se de modo circular Revista da ABENO • 7(1):20-37 29 Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire • Demo P e emergente, dentro da influência mútua entre quem conhece e a realidade conhecida; trata-se sempre de fenômeno hermeneuticamente plantado, culturalmente inserido, em grande parte inconsciente, mas sempre de caráter reconstrutivo; b)um dos achados mais fundamentais, com efeito, é o estabelecimento do caráter reconstrutivo político da aprendizagem, tornando-se tais teorias e perspectivas fortes argumentos contra o instrucionismo, ainda dominante na esfera escolar e também universitária; mesmo quando queremos imitar, copiar, reproduzir, o fazemos de modo interpretativo inevitavelmente, porque essa atividade jamais pode ser neutra; embora as explicações sejam ainda toscas, idéias em torno da emergência sobretudo sinalizam que a auto-organização não se restringe à circularidade repetida, mas que, através do acoplamento estrutural, também salta; aprendizagem é sempre salto, porque, em vez de repetir a situação, a reconstrói; essa atividade de reconstrução não é apenas biologicamente marcada, mas igualmente politicamente contextuada, porque se trata de sujeitos históricos capazes de história própria; um dos rasgos mais potentes do conhecimento é precisamente o desenvolvimento da capacidade de fazer história própria, de interferir com originalidade, demarcando espaços alternativos; Prigogine estaria disposto até mesmo a reconhecer essa dinâmica política na própria natureza, por ser esta dialética também; eis um dos resultados mais interessantes: não há aprendizagem adequada sem relação autônoma de sujeitos; c) trava-se, assim, confluência extraordinariamente rica entre bases biológicas da aprendizagem e sua tessitura política, muito bem captada pela idéia da mente incorporada; retomando a abordagem de Harding21 (1998) sobre a localização cultural do conhecimento, torna-se fundamental relacionar conhecimento também com ignorância, porque, dentro de sua tessitura política, não comparece como meio neutro de pesquisa, mas como arma dúbia, ambivalente, dialética; aprender ultrapassa, assim, vastamente a esfera da escolaridade institucional, para inserir-se na vida como um todo e lhe definir grande parte do que seria seu sentido histórico; ao mesmo tempo que aprender representa a capacidade de mudar, sobretudo de se mudar, do ponto de vista da iniciativa do sujeito, assinala igualmente, por outra, o ambiente natural da dinâmica da realidade sempre em movimento 30 dialético; não pensamos apenas quando “paramos para pensar” ou quando vamos à escola, mas sempre, como condição natural, porque, como diriam Lakoff, Johnson24 (1999), indefinidamente estamos a categorizar dentro do mundo metaforicamente contextuado de hipóteses dinâmicas e cambiantes; d)na prática, significa que todo processo de aprendizagem, também aqueles instrucionistas à revelia, age de modo reconstrutivo e político, mas em direção negativa, porque, em vez de abrir potencialidades para o sujeito, as coíbe; dito de outra maneira, cultiva a ignorância; temos aqui outro conceito de ignorância, não como situação dada — culturalmente impossível por razões hermenêuticas e biológicas —, mas como fenômeno produzido, imposto; no instrucionismo, o professor, em vez de fomentar a autonomia criativa, reduz o aluno a ouvinte passivo, reprodutor de mensagens alheias, subalterno a outros projetos históricos; mesmo aí, o aluno se reconstrói de alguma maneira, embora “para trás”, porque também na situação de escravo o ser humano não deixa de ser sujeito; sob essa ótica, torna-se tanto mais claro como didáticas reprodutivas instrucionistas obstaculizam a cidadania popular, à medida que preformam as cabeças para a subalternidade histórica; e)as idéias da mente incorporada favorecem, ademais, o reconhecimento de que a aprendizagem pode ser mais bem sucedida em ambientes humanos mais flexíveis e atraentes, emocionalmente mais dinâmicos; daí não segue que aprendemos apenas o que nos dá prazer, mas segue certamente que aprendemos melhor o que nos dá prazer; parte importante do processo de aprendizagem pode ser vista como estratégia motivadora para que coisas difíceis, penosas, cansativas possam ser visualizadas como algo que vale a pena, cujo sofrimento pode, ao final das contas, reverter-se em alegria do bom combate; esse horizonte valoriza sumamente a percepção comum, segundo a qual fazemos melhor nosso trabalho quando gostamos dele; triste é todo dia fazer o que detestamos; talvez já seja verdade que a maioria das crianças detesta a escola, também e sobretudo quando são bons estudantes; f)ao mesmo tempo, essa discussão revela o quanto o processo de formação dos professores, em todos os níveis, é deficiente, ou porque ignora esse tipo de interdisciplinaridade complexa, ou Revista da ABENO • 7(1):20-37 Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire • Demo P porque se distancia dos padrões reconstrutivos da aprendizagem; de uma parte, para dar conta da aprendizagem é mister dedicação muito mais ampla e recorrente, do que os cursos de Pedagogia e similares supõem, e, de outra, é preciso fazer do professor o lídimo profissional da aprendizagem, para não incidir na contradição performativa; a maior pecha do professor é não saber aprender, porque, com isso, pode constituir-se no fator mais comprometedor em termos de coibir a aprendizagem do aluno; por outra, o aluno terá sua melhor chance se puder desenvolver-se sob os olhos atentos de um professor que é a própria imagem de quem sabe pensar e aprende a aprender, em particular quando se conjuga adequadamente qualidade formal e política; g)como todo ser vivo se auto-organiza para aprender, ou seja, desenvolve-se diante dos desafios que a realidade e sua constituição própria apresentam, o ser humano tem diante de si um mundo aberto de potencialidades, que precisa desbravar; é ou pode tornar-se oportunidade, histórico-politicamente contextuada, dependendo das portas que se abrem e fecham, e igualmente de como participa para abrir ou fechar as portas; aprender é esforço, por vezes muito penoso, mas representa o caminho central do desenvolvimento, tipicamente reconstrutivo, conquistado de modo sempre ambivalente; no ser humano, esse esforço pode ser indigitado, na educação formal, nas atividades de pesquisa e elaboração própria, e, na vida em geral, como capacidade de iniciativa e participação, através da qual reconstrói todo dia suas potencialidades no caminho da autonomia possível. dar conta da ordem da natureza, além de postar-se como conhecimento universal e possivelmente único verdadeiro. Esse projeto moderno teria morrido. Conhecimento e ignorância A controvérsia em torno do conhecimento apresenta hoje inúmeras faces, mas pode-se dizer que uma das mais ostensivas é aquela levada pela postura chamada pós-colonialista, muitas vezes também inserida no feminismo. Exemplo vigoroso é a análise de Harding21 (1998) sobre o caráter multicultural e a inserção cultural local do conhecimento. Sua crítica se torna tanto mais aguda, porque adota também posicionamento epistemológico, mirando o conhecimento igualmente a partir de suas entranhas metodológicas. Combate a epistemologia “internalista”, essencialmente positivista e que acredita ser capaz de captar diretamente a realidade externa e refleti-la como se fosse espelho, repassando a expectativa fútil de poder tizar como a busca de conhecimento sistemático é sempre “Os estudos sociais pós-kuhnianos dos projetos sociais desafiam essa epistemologia internalista que atribui todos os desempenhos das ciências à ordem da natureza mais aos processos internos das ciências – especialmente ao método científico, entendido como agudamente demarcado frente a outros métodos para obter conhecimento. Ainda assim, não aceitam que a posição ‘externalista’ de que a sociedade é inteiramente responsável pelos resultados e pelas falências da ciência – de que é simplesmente ‘enganação’ das sociedades e suas políticas e de que a natureza não faz qualquer contribuição para as expectativas científicas. Em vez disso, assumem o que foi chamado, um pouco mal posto, de abordagem construtivista, mapeando como as ciências (no plural) e suas culturas co-evoluem, cada uma desempenhando papel maior na constituição da outra, trazendo-as à existência em primeiro plano e mantendo-as numa base contínua, limitandoas sob diversos aspectos pela ordem da natureza. Os modos distintivos pelos quais as culturas obtêm conhecimento contribuem para serem as culturas que são; e o caráter distintivo das culturas contribui para os padrões distintivamente ‘locais’ de seu conhecimento sistemático e de sua ignorância sistemática. ‘Construtivismo’ – com sua sugestão mal posta de que as ‘sociedades’ preexistentes, totalmente formadas montam (‘constróem’) as representações da natureza que bem entendem, ao arrepio de como o mundo à volta está ordenado – é como essa tese inovadora dos estudos da ciência pós-kuhniana foi chamada pelos que a interpretaram nesse modo mal posto, e é esse nome que ficou no pensamento popular. Todavia, essa abordagem poderia ser melhor referenciada como ‘co-construtivismo’, ‘co-evolucionismo’, ou mesmo ‘co-constitucionismo’, para enfaapenas um elemento em toda cultura, sociedade, ou formação social em seu ambiente local, elevando e transformando outros elementos – sistemas educacionais, sistemas legais, relações econômicas, crenças e práticas religiosas, projetos estatais (tais como fazer guerra), relações de gênero – tanto quanto, por sua vez, é transformada por estas.”21 Harding21 (1998) propõe outro tipo de epistemologia (“standpoint epistemology”), marcada pela perspectiva cultural do outro, dando espaço para o olhar do marginalizado, o que, ademais, a tornaria mais objetiva. A objetividade ligada à neutralidade representa um dos golpes mais comprometedores da ciência européia, porque possibilita instalar a ciência Revista da ABENO • 7(1):20-37 31 Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire • Demo P com autoridade imbatível e, como conseqüência, sacralizar a visão européia da vida. Ao mesmo tempo, essa perspectiva inovadora não pode cair – como diria Habermas – na contradição performativa de sucumbir em seu próprio discurso. Chama a esse desafio de “reflexividade robusta”, através da qual busca manterse vigilante contra as arapucas epistemológicas e culturais. Não reconhece o “milagre europeu”, como se tivesse sido criação absolutamente pessoal, fora do contexto circundante, e particularmente devido à capacidade de manejar conhecimento. Leva em conta o colonialismo europeu e chega a aceitar a idéia de que a América não foi tanto descoberta, quanto infectada (alusão ao caráter destrutivo da colonização, inclusive dizimação das populações pela doenças transmitidas). Ao lado da produção do conhecimento, produziu-se sistematicamente também a ignorância. As culturas tanto podem ser prisões para a ciência, quanto podem também ser “caixas de ferramenta”. “Sob muitos aspectos, as ciências modernas obviamente são muito mais poderosas cognitiva e politicamente do que sistemas mais antigos europeus de conhecimento ou de sistemas de outras culturas. Todavia, os outros sistemas foram capazes de aprender muito sobre o mundo natural antes das ciências modernas, e que mesmo essa ciência moderna ainda não aprendeu; todos os desempenhos imagináveis não são das ciências modernas exclusivamente.”21 Afinal, epistemologia e filosofia da ciência deveriam sempre ser reconhecidas como tendo dimensões políticas também. teorias permanecem subdeterminadas por toda coleta possível de evidência para elas. Há sempre muitas outras hipóteses adicionais possivelmente plausíveis sobre qualquer assunto que ainda não foi proposto, ou que foi considerado mas talvez prematuramente descartado, e por isso fica não testado em qualquer momento na história da ciência. Alguma parte menor delas poderia indubitavelmente compatibilizar-se aos dados existentes tão bem quanto outros favorecidos no presente. Ao final das contas, as ciências produzem novas teorias continuamente. (…) Muitas teorias científicas podem ser consistentes com a ordem da natureza, mas nenhuma delas pode ser unicamente congruente.”21 É ainda interessante sua posição de defesa da “objetividade forte”, embora nunca neutra, no sentido do compromisso de analisar a realidade da maneira mais adequada possível, dentro das limitações locais, culturais, pessoais e ideológicas. Significa procurar com afinco o tipo de ciência que possa merecer a atenção dos outros, ser refeita por quem duvide, permaneça aberta às críticas e sobretudo saiba tomar em conta os pontos de vista contrários. Por isso começa “de fora”, ouvindo os marginalizados, os excluídos, não para os fazer, à revelia, referências inescapáveis, mas como proposta de visão mais larga e real. Afinal, nenhuma observação empírica faz uma hipótese tornar-se verdadeira, “já que fatos – observações empíricas aceitas – são coletados como relevantes pela teoria que eles supostamente estão testando (incluindo todo pano de fundo de crenças que os suportam) e pelo métodos que são relativamente “As velhas teorias insistiram na possibilidade e desejabili- inseparáveis das teorias que levam à sua seleção, e por isso dade da ciência culturalmente neutra, que seria garantida dificilmente poderiam comparecer como testes indepen- pelo seu método distintivo; que seria exercida no contex- dentes, neutros quanto a valor, interesse, discurso e méto- to unicamente da justificação; que produziria reflexão da do da adequação empírica da teoria”.21 ordem da natureza universalmente única válida e perfeita; que seria descoberta por comunidades de especialistas que poderiam ser isolados em seu trabalho científico do fluxo social corrente em sua vida pública (e ‘privada’). Esse sonho de um modelo de conhecimento único e perfeito perdeu-se para sempre sob a mirada rigorosa das várias escolas da ciência pós-Segunda Guerra Mundial.”21 Aproveita, em seguida, para calcar ainda mais a perspectiva também epistemológica dessa argumentação. “Como os estudos de ciência e tecnologia das últimas cinco décadas clarificaram, as observações estão carregadas de teoria; nossas crenças formam rede de tal sorte que ninguém está em princípio imune de revisão; e as 32 Harding21 (1998) procede, na prática, na mesma direção de Foucault, ao tentar desvendar as artimanhas do conhecimento em seus compadrios com o poder.16,17,29 Enquanto o segundo argumenta pela via da arqueologia do saber (arqueologia como conceito epistemológico para o que seria o subsolo do saber), para desvendar que usa a conversa sobre verdade para escamotear sua submissão ao poder, a primeira lança mão de argumentos culturais e epistemológicos para decifrar a relação forte que a ciência moderna tem com a produção da ignorância. Trata-se, como se vê, de discussão arriscada, porque podemos sempre responder a um exagero com outro. Entretanto, é notável a busca de equilíbrio e elegância na argumenta- Revista da ABENO • 7(1):20-37 Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire • Demo P ção, reforçada pela vigilância constante de não recair na mesma crítica. As pretensões universalistas precisam ser tomadas com alguma parcimônia, porque a realidade está inserida em contínuo local-global. Para vivermos em sociedade é mister termos coisas em comum, válidas para todos, mas todas elas são culturalmente marcadas. O manejo comum das diferenças é o que mais temos de comum. Dentro dessa visão crítica, Harding21 (1998) restabelece a discussão em torno do desenvolvimento como colonialismo sob outros meios, relembrando a teoria da dependência, geralmente considerada superada pelos neoliberais adeptos da globalização sempre olhada apenas em seus ângulos possivelmente positivos. Fala de “des-desenvolvimento” e “maldesenvolvimento”, como resultado da interferência colonialista européia. Aponta quatro escolas de pensamento acerca do desenvolvimento sustentável que partilham da crença de que o crescimento econômico causa destruição do ambiente e das relações sociais no contexto capitalista: a)os “economistas da vida real” centram-se no ambiente, mas continuam eurocêntricos, quando, por exemplo, definem a liberdade de escolha como se fosse algo neutro com respeito a gênero; b)os “economistas centrados nas pessoas” preocupam-se com a erradição da pobreza, não com o crescimento em primeiro lugar; ao realçarem o desenvolvimento em pequena escala, podem contribuir para as oportunidades das mulheres e outras categorias excluídas; permanecem, porém, ainda eurocêntricos, sobretudo com respeito à expectativa universal do desenvolvimento; c)as análises do desenvolvimento do ponto de vista poder/conhecimento conseguem captar o olhar das mulheres, mas tendem a colocar-se fora dos discursos do desenvolvimento, perdendo, por certo extremismo, a capacidade de negociação; d)os teóricos da cultura, economia e modernização parecem melhor postados, porque reavaliam tudo criticamente, agregando ainda a valorização do conhecimento incorporado, sempre contextuado em perspectiva também local e cultural. Conhecimento não é apenas iluminismo. É também obscurecimento, porque se move no espaço do poder, não só da verdade. Na sociedade intensiva de conhecimento, isto se torna tanto mais ostensivo: disputa-se conhecimento como se disputa poder, porque ambos os termos tendem a coincidir cada vez mais. Os que produzem informação querem ser donos dela. Os que dominam os meios de comunicação não aceitam qualquer monitoramento pela sociedade, como se fossem donos únicos. Grande parte do conhecimento se transforma em tática de coerção.32 A informação já disponível poderia tornar a sociedade mais transparente, desde que a informação estivesse nas mãos dos cidadãos. Como isso é muito difícil, o domínio do conhecimento pode tornar-se ameaça maior do que oportunidade para todos. Os entusiastas apostam na democratização do conhecimento, porque também confiam no mercado liberal tendente, esperando dele acesso aberto, o que, no capitalismo, é fenômeno desconhecido. Mas uma coisa é certa: não há como voltar. Precisamos conviver com a sociedade do conhecimento e da informação.7 A ATUALIDADE DE PAULO FREIRE Parece ser regra em educação que todas as idéias tidas por novas e brilhantes um dia já foram ditas, por vezes, por pessoas que à época eram ainda mais novas e brilhantes. É o caso de Paulo Freire, como poderia ser também de Sócrates com sua maiêutica. Não tinham maiores conhecimentos de biologia, emergência quântica, enação, mas tinham a “standpoint epistemology”, através da qual sabiam ver a realidade a partir também do outro lado33. Sobretudo não incidiam na contradição performativa: sabiam que sabiam pouco. Vamos aqui realçar apenas a discussão em torno da pobreza política, para mostrar que os aportes freireanos representam contribuição das mais notáveis e se encaixam dentro da expectativa reconstrutiva política do conhecimento e da aprendizagem. Ao lado das carências materiais, acentua-se com ímpeto ainda mais forte a exclusão de cunho político. A carência material, de si, não precisa indicar exclusão, se for fenômeno natural e comum, como é a falta de chuva, por exemplo. Quando ocorre a seca, temos carência de chuva, igual para todos. A “indústria da seca” surge quando entra em cena a dinâmica política ambivalente, permitindo que simples carência material se transforme em fonte de privilégios, ou seja, em motivo de exclusão de cunho tipicamente político. Geralmente, quando falamos de pobreza, olhamos apenas para a carência material, indicada pela falta de emprego, renda, moradia, saúde etc. Trata-se da crosta externa do fenômeno, porque em seu âmago sucede sobretudo processo de exclusão política, alimentado mormente pela ignorância por parte do excluído. Com efeito, privilégio é fenômeno sempre consentâneo à ignorância: do ponto de vista do desprivilegiado, precisa consentir de modo subal- Revista da ABENO • 7(1):20-37 33 Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire • Demo P terno/imposto ou inconsciente; do ponto de vista do privilegiado, precisa da subalternidade do desprivilegiado e da competência de se impor. Aparecem duas formas principais de ignorância no desprivilegiado: aquela inconsciente — o pobre sequer consegue saber e é coibido de saber que é pobre; aquela imposta — o pobre é coibido de poder lutar, num processo de obstaculização sistemática das oportunidades. Não se trata, assim, de ignorância cultural, que a Pedagogia facilmente mostra inexistir, porque todos somos dotados histórica e culturalmente de saberes localizados, patrimônios comuns, mundos permutados de vida. Trata-se da ignorância histórica e culturalmente produzida para fins de submissão de maiorias. O privilegiado também é ignorante, no sentido de que passa por cima ou destrói a consciência crítica dos outros, repassando a idéia de que se trata de mérito, não de privilégio. Essa submissão pode ser inconsciente, quando o pobre não chega a tomar consciência, acreditando que pobreza é fenômeno natural, divino, casual. Caberia apenas aceitar com resignação os desígnios do destino. Não se consegue perscrutar as razões históricas e sociais da pobreza, predominando sempre interesses da elite em manter tal situação. Tais interesses não se incorporam em projetos explícitos — ostensivamente satânicos —, mas nas próprias condições históricas da dialética do poder. A educação básica universal e obrigatória teria sido inventada para contrapor-se a tal situação, abrindo para todos um mínimo de consciência crítica frente à realidade. Analfabeto é tipicamente o ignorante produzido, não aquele que nada sabe, porque essa condição inexiste histórica e culturalmente falando. Por outra, essa submissão pode ser relativamente consciente e mantida através de estratégias de fomento tipicamente clientelistas, que embotam a capacidade crítica do oprimido ou não permitem reação adequada. Particularmente efetivas são táticas assistencialistas que induzem o pobre a esperar a solução de seus algozes. Nesse caso, o pobre já tem alguma noção do fenômeno político da exclusão, mas não consegue organizar-se de modo suficiente para confrontar-se com o sistema. Percebe com maior ou menor clareza o processo de produção da exclusão, mas não alcança colocar em marcha nível satisfatório de cidadania capaz de tomar as rédeas do destino para transformá-lo em oportunidade.12,14 O processo de produção da ignorância pode ser fomentado por inúmeras iniciativas do sistema, tais como: 34 a)obstaculização das políticas educacionais, de tal sorte que o acesso universal e gratuito à educação básica não ocorra, pelo menos com a qualidade devida; por vezes acontece o acesso quantitativo — quase todas as crianças em idade escolar chegam à escola —, mas tolhe-se o acesso qualitativo — nem todos concluem o ensino fundamental e com adequada proficiência; admite-se que seja mister atingir escolaridade média superior aos oitos anos obrigatórios para que a população possa minimamente “saber pensar”; parte central da obstaculização se refere a maus-tratos impostos aos docentes, tanto no sentido de formação precária, insuficiente para sustentar níveis mínimos de aprendizagem própria e dos alunos, quanto no de desvalorização profissional, que os reduz a excluídos também; b)manipulação das assistências sociais, particularmente próprias para manter a atitude de beneficiário, em vez da de cidadão capaz de reivindicar; apaga-se facilmente a iniciativa crítica do pobre, fazendo-o esperar por benefícios geralmente mínimos e residuais e que o colocam na mão da elite e dos governantes; o “welfare state” pode ter incidido nessa cilada, desarmando a cidadania em favor de soluções vindas de fora e de cima, mostrando ser fátua a tese do estado socialmente vocacionado, em particular no capitalismo; assim, a assistência, de si direito radical da cidadania em termos de sobrevivência, quando mal posta e conduzida, pode atrelar o pobre a esquemas tipicamente empobrecedores, marcando ainda mais sua condição de desprivilegiado e excluído; c)manipulação dos meios de comunicação, na medida em que são mantidos como gigantesco “advertising” do sistema, seja na produção insistente de “pão e circo”, ou no sustento de representações sociais atreladas e subalternas, ou no controle e filtragem elegante da informação, ou na gestação de formas ostensivas ou subliminares de adesismo, de tal sorte a provocar o convencimento público de que os privilégios são mérito natural ou histórico; não deveriam, pois, ser desfeitos ou atacados, convindo à população permanecer ao lado dos governantes e detentores da riqueza; embora facilmente se exagere a força performativa dos meios de comunicação, como se o público apenas se submetesse a eles, cabe reconhecer sua capacidade manipulativa, o que já se evidencia no fato de que as elites sempre buscam dominá-los e de que a propaganda comercial sustenta e perpassa os programas;15 Revista da ABENO • 7(1):20-37 Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire • Demo P d)manipulação cultural, em particular de identida- des propensas a manter valores e representações conservadoras, insistindo sempre na docilidade histórica da população; podem ter papel decisivo fatores como patrimônios históricos marcados pela subalternidade, apegos a manifestações religiosas que sacralizam a ordem vigente, cultivo de informalidades produtivas que atrelam a criatividade cultural à pobreza, ufanismos vazios que apenas olham para trás na história, morais e cívicas ideologicamente desmobilizadoras; no fundo, consegue-se com isso que a consciência crítica e a competência humana de confrontarse com a exclusão sejam vistas e sentidas como transgressão social, mau comportamento, perda de bom senso; e)atrelamento das energias associativas, desde sua vinculação jurídica excessiva a trâmites públicos, até a sua redução a entidades engolidas pelo sistema, sobretudo pela via dos governos; a competência para se emancipar poder ser coarctada sobretudo por dois golpes eficientes por parte do sistema: pelo cultivo da inconsciência história, e pela obstaculização do associativismo agressivo; população ignorante e desorganizada é o que mais pode convir ao sistema, pelo que sempre se procura ingerência nas associações sindicais, partidárias, comunitárias, profissionais etc.; visase sistematicamente a implantar a idéia de que à população basta confiar no sistema, porquanto a maior ignorância imaginável é esperar a solução dos outros, ou seja, não chegar a fazer-se sujeito capaz de história própria.4,10 É nesse sentido que a política social, cada vez mais, se preocupa com a pobreza política, sem com isso desmerecer a questão social material. Esta, entretanto, não se resolve apenas materialmente. Para superar a fome, por exemplo, não basta ter acesso à comida. É mister, antes de tudo, ter consciência crítica de que a fome é imposta e inventada, e de que o pobre não pode prescindir da oportunidade de prover, por ele mesmo, sua comida. Daí já segue que emprego é sempre muito mais relevante que assistência, devendo ser visto, ademais, não apenas como decorrência livre do mercado, mas como direito humano em primeiro lugar. É claro que a solução política não dispensa solução material, donde segue que a acentuação da pobreza política não poderia ser feita desconhecendo as carências físicas, pois não faria sentido substituir um extremo pelo outro. Diz-se apenas que pobreza política é mais central que pobreza material, colocando questão mais profun- da e decisiva em termos emancipatórios. Com efeito, o sistema não teme pobre com fome. Mas teme pobre que sabe pensar. A política social mais decisiva no futuro será “política social do conhecimento”, através da qual se pretende, principalmente pela via da aprendizagem reconstrutiva permanente, estabelecer rota contínua de gestação das oportunidades, conjugando necessariamente educação e conhecimento.14 Torna-se estratégico que o pobre tenha acesso ao manejo do conhecimento, principalmente em termos reconstrutivos e políticos. Na prática ocorre o contrário, porque as escolas reservadas aos excluídos são aquelas que menos oportunidades garantem, geralmente as públicas. Nelas sucede — tipicamente — mera reprodução do conhecimento, seja porque os docentes detêm formação extremamente precária e são desvalorizados socioeconomicamente, seja porque se pratica a Pedagogia da reprodução, seja porque se imagina que aos pobres cabe escola pobre. O que mais se esperaria dessa escola é que fosse capaz de gestar as condições necessárias para o confronto com a pobreza política. Aprender a “ler, escrever e contar” significa aprender a “ler” a realidade, como dizia Paulo Freire, em sentido lidimamente político, para desvendar a condição de oprimido e fazê-lo capaz de confronto articulado e efetivo. A escola se liga menos no combate à pobreza material, ainda que possa ser valorizada também nessa rota, tendo em vista que a sociedade do conhecimento está intensivamente inserida na economia competitiva globalizada. A escola é fundamental também para a competitividade de cada sociedade. Entretanto, os níveis iniciais são, no fundo, apenas pressuposto. O que de mais importante pode ocorrer aí é a constituição de cidadãos críticos e criativos, que conjugam da maneira mais eficaz possível educação e conhecimento para saber pensar e intervir de modo alternativo na realidade. Precisam de educação para poderem realizar sua cidadania dentro da ética histórica. Necessitam buscar história alternativa, da qual sejam o sujeito central. Mas precisam igualmente de conhecimento, para dispor dos meios mais efetivos. Na sociedade do conhecimento, ser excluído é sobretudo estar excluído do conhecimento. Certamente, o analfabeto atual não é só quem não sabe ler, mas sobretudo quem não maneja minimamente conhecimento em termos reconstrutivos. O pobre não pode apenas reproduzir conhecimento. Carece reconstruí-lo como sujeito capaz. A idéia da “reconstrução de cunho político”, além de apanhar o que de melhor sucedeu na história da Pedagogia em termos emancipatórios, conjuga com ele- Revista da ABENO • 7(1):20-37 35 Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire • Demo P gância educação e conhecimento no mesmo todo. Ambos os termos são inerentemente políticos, pois constituem o nódulo mais central da dinâmica de ocupação de espaço próprio, elaborando o cerne do que se poderia chamar de competência humana. Entretanto, conhecimento aponta para o horizonte do domínio técnico-formal, as habilidades propedêuticas de estilo instrumental, a capacidade de saber pensar, enquanto educação aponta para a competência ética, estabelecendo a relação adequada entre meios e fins. A sociedade aprendente1 se alimenta, por sua vez, de ambos os lados, revelando nisso, ademais, sua tessitura dialética contraditória: ocupar espaço próprio significa, em termos realistas, redistribuir poder, ou seja, retirar de quem tem em excesso, ou frear e fazer recuar a usurpação, o que leva a incluir na competência humana a capacidade de confronto; eticamente falando, todavia, a sociedade desejável deve ser aquela solidária, onde todos poderiam ter chances equalizadas. Usando a metáfora de Boff3 (1999), ao lado de ocupar espaço, é mister recuperar os horizontes do “saber cuidar”, que identifica como “ética do humano”. É bem difícil articular na história concreta a dialética da solidariedade, seja porque geralmente é discurso dos privilegiados para desmobilizar os desprivilegiados, seja porque decai rapidamente no funcionalismo útil que deixa tudo como está. Seria o caso, precisamente, falar de “dialética da solidariedade” para indicar sua intrínseca ambivalência, como todo fenômeno histórico, no qual os encontros são constituídos por desencontros, podendo predominar os encontros somente quando árdua e permanentemente conquistados e refeitos.30 Solidariedade não é coisa dada, mas projeto comum sempre precário, que encontra sua beleza e profundidade na dinâmica política de sua gestação, definhamento e reconstrução. Não é tarefa fácil colocar as energias decisivas do conhecimento a serviço dos excluídos, até porque é próprio de gente formalmente bem-educada “imbecilizar” as massas, manipular a consciência alheia com competência refinada, desinformar pela via da informação tanto mais atraente. Por isso mesmo, a maior indignidade humana é a ignorância produzida, porque destrói a condição de sujeito político. Pobreza política é fenômeno ainda mais grave do que carência material, pois revela as entranhas da contradição dialética na história concreta, feita de minorias privilegiadas que exploram maiorias ignorantes. Qualidade formal pode crescer em direção inversa da qualidade política, ou seja, conhecimento pode facilmente distanciar-se de educação. 36 PARA CONCLUIR O sistema não teme o pobre que tem fome. Teme o pobre que sabe pensar. O que mais favorece o neoliberalismo não é a miséria material das massas, mas sua ignorância. Essa ignorância as conduz a esperar a solução do próprio sistema, consolidando sua condição de massa de manobra. A função central da educação de teor reconstrutivo político é desfazer a condição de massa de manobra, como bem queria Paulo Freire. ABSTRACT Knowledge and learning – the ageless Paulo Freire The aim of this paper was to outline some of the controversial aspects of knowledge and learning in order to point out their political reconstructive meaning, thus restoring the consolidated tradition of Paulo Freire, namely the emancipative meaning of its proposal: to undo the condition of maneuvering mass of the great majority of the population on account of their ignorance. Based on the literature relevant to the field of education and on an analysis of it, the author discusses the meaning of knowledge and the methods and resources of conveying it, while condemning reproductive, intructionist didactics. The author also states that the main measures of learning should be to know how to think and to learn how to learn, which will eventually turn schools into centers of change that will lead society to the knowledge era. In addition, the author considers that it is difficult to direct knowledge’s decisive energy in favor of the excluded population, even though he considers it to be the main function of a political education. In conclusion, the author states that political poverty is even more serious than material poverty as it reveals the inner functioning of the dialectical contradiction in real history, made of privileged minorities that exploit ignorant majorities. DESCRIPTORS Education. Learning. Teaching. Knowledge. § REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Assmann H. Reencantar a educação – rumo à sociedade aprendente. Petrópolis: Vozes; 1998. 2. Becker F. Da ação à operação: o caminho da aprendizagem em J. Piaget e P. Freire. 2ª ed. Rio de Janeiro: DP&A Editora e Palmarinca; 1997. 3. Boff L. Saber cuidar – ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis: Vozes; 1999. Revista da ABENO • 7(1):20-37 Conhecimento e aprendizagem – a atualidade de Paulo Freire • Demo P 4. Boschi RR. 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San Francisco: Revista da ABENO • 7(1):20-37 Aceito para publicação em 11/05/2004 37 Análise das dificuldades dos alunos de graduação durante as manobras de odontometria No início das atividades em Endodontia, os alunos apresentam dificuldades que, quando identificadas, podem ser trabalhadas a fim de melhorar o aprendizado. João Marcelo Ferreira de Medeiros*, Sandra Marcia Habitante*, Nivaldo André Zöllner**, Pedro Luiz de Carvalho***, Claudia Auxiliadora Pinto****, José Luiz Lage-Marques***** *Professores do Programa de Mestrado em Odontologia, Subárea Endodontia, da Universidade de Taubaté. E-mail: [email protected]. **Professor Assistente Doutor da Disciplina de Endodontia e Clínica Integrada do Departamento de Odontologia da Universidade de Taubaté. ***Professor Assistente Doutor da Disciplina de Imaginologia Dentomaxilofacial do Departamento de Odontologia da Universidade de Taubaté. ****Professora Assistente da Disciplina de Endodontia e Clínica Integrada do Departamento de Odontologia da Universidade de Taubaté. *****Professor Titular da Universidade de Taubaté e da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo. RESUMO O propósito do presente trabalho foi identificar e avaliar, valendo-se de um questionário, as dificuldades dos alunos durante as atividades laboratoriais da Disciplina de Endodontia realizadas em dentes humanos extraídos montados em manequim. Para isso, foram analisados os resultados das tomadas radiográficas periapicais durante o procedimento odontométrico em função da quantidade de películas radiográficas e suas perdas, do desperdício ou não do tempo de trabalho e do tempo de trabalho. Foram selecionados 50 alunos do terceiro ano cursando a Disciplina de Endodontia do Departamento de Odontologia da Universidade de Taubaté no primeiro semestre de 2005. Ao término de suas atividades laboratoriais, procuravam-se alunos, que foram avaliados por meio de uma entrevista com tempo mínimo estimado de 10 minutos. Nessa entrevista, os professores explicavam e mostravam o conteúdo do questionário aos 38 alunos, tendo sido pedidos a estes, inicialmente, o preenchimento e a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido; após isso, os professores distribuíam para cada aluno seis a sete fichas com o referido questionário, sendo uma ficha destinada para cada dente em que já tinha sido executado o procedimento odontométrico, pedindo a ele que se manifestasse e identificasse nesse questionário previamente elaborado a presença ou não das referidas dificuldades. Concluiu-se que, na maioria das vezes, os molares foram os dentes que apresentaram as maiores freqüências em número e porcentagens de dificuldades, seguindo-se os pré-molares e por último os incisivos. Houve diferença estatisticamente significante (p = 0,01) em relação à quantidade de películas radiográficas utilizadas, ao desperdício de tempo de trabalho e ao tempo de trabalho durante os procedimentos odontométricos entre os três grupos dentários avaliados. Revista da ABENO • 7(1):38-46 Análise das dificuldades dos alunos de graduação durante as manobras de odontometria • Medeiros JMF, Habitante SM, Zöllner NA, Carvalho PL, Pinto CA, Lage-Marques JL DESCRITORES Radiografia dentária. Odontometria. Molar. Prémolar. Incisivo. A Endodontia, sem sombra de dúvida, é uma disciplina que requer riqueza de dados e pormenores anatômicos do elemento dentário e das estruturas circunvizinhas, os quais são obtidos na imensa maioria das vezes pela imagem radiográfica. Desse modo, o dentista que se propõe a executar um tratamento do canal radicular, seja especialista em Endodontia ou não, deve ser dono de conhecimentos técnicos próprios da intervenção, além de possuir uma bagagem cognitiva das matérias básicas, o que denota substrato do conhecimento biológico. Aliás, faz parte do saber, o qual é adquirido na formação do profissional, não só o completo domínio de interpretação radiográfica, tanto das estruturas dentárias como das anexas, mas também, principalmente, a capacidade na aplicação das técnicas radiográficas. Cabem ao dentista o conhecimento, a experiência, a habilidade e o bom senso para efetuar corretamente o exame radiográfico, a fim de chegar à conclusão mais acertada a respeito das manobras subseqüentes ao tratamento endodôntico. Por outro lado, a instrução tanto na educação como na saúde concebe todos os ensejos experimentais bem como seu rendimento, de maneira a propiciar uma influência nos conhecimentos, nas atitudes e práticas do aluno. Abreu, Masetto1 (1989) evidenciam que o educador de uma maneira geral se prende a três categorias de aprendizagem: a de conhecimentos, a de atitudes e a de habilidades. A aprendizagem de conhecimento depara-se com as informações de que o aluno dispõe, a generalização dessas informações para situações diferentes, os conceitos e seus inter-relacionamentos, e as soluções para problemas em níveis cada vez mais complexos e criativos. Já a aprendizagem de atitudes estabelece que o aluno deve conhecer as variáveis presentes numa situação grupal, adequando seu comportamento de forma ética, principalmente na sua relação pessoal com outros indivíduos e a comunidade. A aprendizagem de habilidades denominadas também de intelectuais e psicomotoras importa o desenvolvimento da habilidade manual para executar um determinado procedimento clínico. Os professores, ao questionarem o processo de ensino-aprendizagem, esforçam-se para que o aluno ob- tenha conhecimentos, seja capaz de pleitear mudanças de atitudes e desenvolva sua capacidade motora. Nérici8, em 1992, declara que, dentre as metas que asseguram a realização de um plano didático, destacase a avaliação que procura tanto expressar o que decididamente é executado em termos de ensino-aprendizagem como também investigar os valores e as imperfeições do método de ensino em prática com o intuito de assegurar melhoria. Fisher4 (1960) comenta que a prática clínica prestigia de uma maneira eficaz a formação do aluno independentemente do que foi previamente ensinado. Mais ainda, durante as atividades clínicas, este inicia a formação de julgamentos mais maduros e também estima o conteúdo prático de conhecimentos e ideais que tinham sido previamente recebidos como de valor aparente. Essas apreciações refletem-se em atitudes do corpo docente quando da determinação de normas, ambientes e nível intelectual da prática clínica. Wittrock14 (1971) destacou que o aluno se obriga a cumprir seus afazeres clínicos de modo competente a fim de prever e suprimir fatores causadores de falhas no plano de tratamento, o que o capacita a trabalhar independentemente do auxílio do professor completando as condutas clínicas em um espaço razoável de tempo. Nessa ordem de idéias, Mackenzie7 (1974) salientou quatro razões para medir a eficiência clínica: verificar competência, manter o cumprimento no cuidado à saúde, fornecer “feedback” ao estudante e melhorar o processo de aprendizagem. Com vistas a analisar o trabalho pré-clínico de alunos de graduação, Weinfeld13 (1996) valeu-se de dentes extraídos e adaptados em manequim e notou que, além do dente pré-molar inferior representar aquele de menor dificuldade em todas as etapas avaliadas, a fase de maior insucesso da terapia endodôntica foi, em ordem decrescente: obturação, acesso e preparo da câmara pulpar, preparo do canal radicular e por último odontometria. Arruda2 (1997) julgou as variáveis que influenciam a produtividade clínica de 186 fichas de alunos de graduação do Curso de Clínica Integrada da Universidade de São Paulo. O mencionado autor admite que, para um ensino clínico eficiente, os professores devem estar atentos para obter informações a respeito das dificuldades de aprendizado de cada estudante e da sua competência aliada a seu desempenho clínico. Simi Jr. et al.11 (1998) recomendaram a identificação e análise de dificuldades nas diversas etapas do tratamento endodôntico no transcurso das atividades Revista da ABENO • 7(1):38-46 39 Análise das dificuldades dos alunos de graduação durante as manobras de odontometria • Medeiros JMF, Habitante SM, Zöllner NA, Carvalho PL, Pinto CA, Lage-Marques JL clínicas da Disciplina de Endodontia. Para tal, selecionaram 740 planos de tratamentos endodônticos. Os alunos foram entrevistados anotando-se as suas dificuldades em um questionário idealizado pelos professores. Em seus resultados consta que um dos maiores obstáculos encontrados por 100 alunos nas diversas etapas do tratamento endodôntico foi, entre outros, a odontometria, sendo que os maiores erros para esse procedimento foram a escolha do primeiro instrumento, seguindo-se a tomada radiográfica e o cálculo matemático. Kamaura et al.5 (2003) estudaram alguns quesitos da prática endodôntica realizada na clínica e no laboratório, valendo-se de alunos da Disciplina de Endodontia. Os referidos autores analisaram radiografias finais dos tratamentos endodônticos realizados considerando, entre outros critérios de qualidade, a qualidade radiográfica no tocante à forma – adequada ou inadequada. Quando comparados os tratamentos realizados em laboratório e clínica, ocorreram diferenças significativas nos critérios acidentes e qualidade radiográfica, evidenciando-se diminuição da qualidade radiográfica ao longo do período de exercício da especialidade. Os autores perceberam que a evolução seqüenciada da habilidade exige do corpo docente um estreito acompanhamento para não se permitir a queda na performance. A experiência do laboratório, relatam os autores, deverá ser imediatamente colocada à prova na clínica de modo a aproveitar os conhecimentos recentes e aplicá-los em pacientes. Com vistas a avaliar a qualidade de ensino na Disciplina de Endodontia da Universidade Federal do Ceará, Vale12 (2005) valeu-se de questionário, com 16 perguntas, o qual foi aplicado aos alunos de graduação do primeiro e segundo semestres de 2004. Observou-se que, dos 69 alunos matriculados na Disciplina de Endodontia, apenas 59,42% devolveram o questionário com as respostas, totalizando 41 alunos – sendo 20 alunos da turma do primeiro semestre e 21, do segundo. O referido autor localizou várias dificuldades operatórias, sendo necessário o reconhecimento de atenção e treinamento maiores para as fases de acesso e preparo da câmara pulpar e obturação do canal; todavia, porcentagens significativas dos respondentes das duas turmas cometeram erros ou falhas, também de procedimento, em outras etapas do tratamento endodôntico menos significativas do ponto de vista percentual, sendo a tomada radiográfica e a odontometria assinaladas tanto nos primeiros tratamentos in vitro e in vivo como no último tratamento. Por razões didáticas podemos seqüenciar os pas40 sos do tratamento endodôntico laboratorial da seguinte forma: fase de acesso à câmara pulpar e à entrada do canal radicular, odontometria, preparo químico-cirúrgico dos canais radiculares e obturação dos canais radiculares. A seqüência dos passos é transmitida mediante aula expositiva em sala. Portanto, posteriormente, torna-se indispensável a presença dos acadêmicos no laboratório ou na clínica para o exercício prático de suas atividades, as quais foram orientadas em sala de aula sob a supervisão do professor. Aliás, observa-se que as execuções dessas tarefas práticas, em parte, nem sempre são cumpridas integralmente, haja vista as dificuldades dos passos operatórios que exigem certos cuidados no seu desenvolvimento. Nesse particular, Paiva, Antoniazzi9 (1991) e LageMarques, Antoniazzi6 (2002) referindo-se à tomada radiográfica esclarecem que, em presença do isolamento absoluto do campo operatório, as dificuldades encontradas nessa fase se justificam em razão da presença do grampo e do lençol de borracha, os quais exigem vigilância durante o estabelecimento das angulações verticais e horizontais. Por esse motivo, assegura-se a ocorrência de um número elevado de perda de tomadas radiográficas. Considerando todas as ponderações aqui despendidas, visamos destacar os erros que mais acometem o procedimento de odontometria e para tanto estamos propondo um questionário para verificar de maneira pormenorizada os obstáculos para a realização desse procedimento. O propósito do presente trabalho foi avaliar e identificar, valendo-se de questionário, as dificuldades encontradas durante as atividades laboratoriais da Disciplina de Endodontia realizadas em dentes humanos extraídos montados em manequim, analisando-se os resultados das tomadas radiográficas periapicais durante o procedimento odontométrico em função da quantidade de perdas de películas radiográficas, do desperdício do tempo de trabalho e do tempo de trabalho. MATERIAL E MÉTODO Foram selecionados 50 alunos do terceiro ano cursando a Disciplina de Endodontia do Departamento de Odontologia da Universidade de Taubaté no primeiro semestre de 2005. Ao término de suas atividades laboratoriais, procuravam-se alunos que tinham efetuado a fase de tratamento endodôntico denominada odontometria para serem avaliados por meio de uma entrevista com tempo mínimo estimado Revista da ABENO • 7(1):38-46 Análise das dificuldades dos alunos de graduação durante as manobras de odontometria • Medeiros JMF, Habitante SM, Zöllner NA, Carvalho PL, Pinto CA, Lage-Marques JL de 10 minutos. Nessa entrevista, os professores explicavam e mostravam o conteúdo do questionário (Quadro 1) aos alunos, tendo sido pedidos a estes, inicialmente, o preenchimento e a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido; após isso, os professores distribuíam para cada aluno seis a sete fichas com o referido questionário, sendo uma ficha destinada para cada dente em que já tinha sido executado o procedimento odontométrico, pedindo a ele que se manifestasse e identificasse nesse questionário previamente elaborado a presença ou não das referidas dificuldades. A finalidade do processo era a manifestação do aluno e a identificação por parte deste, em um questionário previamente preparado, da presença ou não de dificuldades no transcurso da odontometria, ordenando-se os erros possíveis desse tempo operatório segundo o Quadro 1. De posse dos resultados obtidos, foram confeccionadas tabelas com números e seus respectivos percentuais e foi feita análise estatística pelo teste do Quiquadrado (χ2). RESULTADOS Os resultados desta avaliação estão dispostos nas Tabelas 1 a 4. Constatou-se que, dos 50 alunos matriculados na Disciplina de Endodontia no ano de 2005, apenas 45 responderam e devolveram o questionário, perfazendo-se um total de 90% de alunos entrevistados e de 271 fichas respondidas, as quais foram recolhidas para análise obtendo-se assim uma representação do nível de acertos e erros durante a odontometria. DISCUSSÃO Os erros que ocorrem durante o tratamento endodôntico podem resultar em posterior perda do dente. Assim, menor ocorrência de erros significa ampliação dos índices de sucesso, o que torna necessária a descoberta de qual a causa mais significativa dos erros cometidos e se esses sobrevêm por falta de habilidade, por deficiência no aprendizado ou por imprudência ou negligência do aluno. Verifica-se durante o treinamento pré-clínico a experiência de erros, sobretudo quando se trata de tomadas radiográficas. Como o resultado desse exame é de importância fundamental para a continuação das fases subseqüentes da terapia endodôntica, as dificuldades dessas tomadas são, sem sombra de dúvida, achados que na prática importunam e preocupam os Quadro 1 - Questionário para o preenchimento das questões formuladas. Universidade de Taubaté Departamento de Odontologia Curso de Pós-graduação em Odontologia Ficha nº________ Dente_____ Data ___/___/___ A)Assinale as dificuldades abaixo relacionadas que você acredita ter encontrado durante os procedimentos odontométricos: 1. Enquadramento do filme [ ] 2. Manutenção do filme [ ] 3. Afinidade com o aparelho de raios X [ ] 4. Interferência do grampo [ ] 5. Interferência do lençol de borracha [ ] 6. Dificuldade de posicionar o ângulo vertical [ ] 7. Dificuldade de posicionar o ângulo horizontal [ ] 8. Dificuldade de localizar a área de incidência [ ] 9. Tempo de exposição [ ] 10. Revelação [ ] 11. Fixação [ ] 12. Técnica utilizada [ ] 13. Escolha do primeiro instrumento [ ] 14. Cálculo matemático [ ] 15. Erro ou falha técnica no processamento [ ] B)Quantas películas radiográficas foram utilizadas durante o procedimento odontométrico (não deve constar a radiografia inicial)? 1. Duas películas [ ] 2. Três películas [ ] 3. Quatro películas [ ] 4. Cinco películas [ ] 5. Seis películas ou mais [ ] C)Houve desperdício de tempo de trabalho? 1. Sim [ ] 2. Não [ ] D)Tempo de trabalho para a realização da odontometria (para resposta sim à questão anterior) 1. Até quinze minutos [ ] 2. Até trinta minutos [ ] 3. Até quarenta minutos ou mais [ ] professores e orientadores. O professor em sua exposição teórica de situações da prática odontológica tenta transmitir ao aluno o aprendizado dos exercícios que enfrentará durante todo o semestre no laboratório, e este em sala de aula vê, ouve e escreve o que o professor pondera. No laboratório, ao realizar o seu treinamento, percebe-se que no início há dificuldades na consecução dos exercícios práticos, pois, na realidade, o aluno necessita de criar hábitos cada vez mais intensos no laboratório a fim de exercer com convicção as suas tarefas do dia-a-dia e desenvolver práticas que o faz avançar; sem Revista da ABENO • 7(1):38-46 41 Análise das dificuldades dos alunos de graduação durante as manobras de odontometria • Medeiros JMF, Habitante SM, Zöllner NA, Carvalho PL, Pinto CA, Lage-Marques JL Tabela 1 - Freqüências, em valores absolutos e porcentagens, das dificuldades encontradas durante os procedimentos odontométricos nos três grupos dentários. Grupo dentário Incisivos Dificuldade Pré-molares Molares Total Enquadramento do filme 8(19,51%) 11(26,83%) 22 (53,66%) 41 Manutenção do filme 4(33,33%) 5(41,67%) 3 (25,00%) 12 Afinidade com o aparelho de raios X 14(31,82%) 16(36,36%) 14 (31,82%) 44 Interferência do grampo 18(34,61%) 12(23,08%) 22 (42,31%) 52 Interferência do lençol de borracha 17(29,31%) 20(34,48%) 21 (36,21%) 58 Dificuldade de posicionar o ângulo vertical 14(20,89%) 19(28,36%) 34 (50,75%) 67 Dificuldade de posicionar o ângulo horizontal 11(15,28%) 23(31,94%) 38 (52,78%) 72 Dificuldade de localizar a área de incidência 10(18,18%) 13(23,64%) 32 (58,18%) 55 Tempo de exposição 1(14,28%) 3(42,86%) 3 (42,86%) 7 Revelação 10(29,41%) 11(32,35%) 13 (38,24%) 34 Fixação 10(37,04%) 12(44,44%) 5 (18,52%) 27 Técnica utilizada 5(25,00%) 4(20,00%) 11 (55,00%) 20 Escolha do primeiro instrumento 18(29,03%) 20(32,26%) 24 (38,71%) 62 Cálculo matemático 19(31,67%) 17(28,33%) 24 (40,00%) 60 Erro ou falha técnica no processamento 12(36,36%) 13(39,39%) 8 (24,25%) 33 Total de dificuldades 171(26,55%) esquecer, é claro, as suas consultas em livros-textos e trabalhos de pesquisa, e não só o estudo do assunto que o professor pondera em sala de aula. Os alunos apresentam níveis diferentes de dificuldades no decorrer de seu treinamento, o que contraria a idéia de clareza, harmonia e adequação da fase que está se propondo realizar com eficiência. Isso repercute no plano de ensino proposto pela disciplina. As dificuldades, quando identificadas, poderão ser trabalhadas a fim de melhorar o aprendizado dos alunos. Com esse objetivo, moveu-nos a intenção de analisar, em vários procedimentos odontométricos, os erros que mais se destacam. Os achados em nossa pesquisa (Tabela 1) apontam alto índice percentual de dificuldades em se estabelecer o ângulo horizontal do cone do aparelho de raios X no manequim – 72 ocorrências, sendo 38 em elementos molares (52,78%), os de maior destaque, seguidos dos pré-molares – 23 casos (31,94%) e finalmente dos incisivos – 11 situações (15,28%). Do mesmo modo, o estabelecimento das angulações verticais também apresentou dificuldades em 67 ocasiões e, mais uma vez, os dentes molares foram aqueles de maior índice de erro – 34 circunstâncias (50,75%), seguindo-se 19 pré-molares (28,36%) e, por último, 14 incisivos (20,89%). 42 199(30,90%) 274 (42,55%) 644 Esses dados identificam-se com as declarações de Paiva, Antoniazzi9 (1991) e Lage-Marques, Antoniazzi6 (2002), que, ao se referirem à tomada radiográfica diante do isolamento absoluto do campo operatório, esclareceram que as dificuldades encontradas nessa fase se justificam em razão da presença do grampo e do lençol de borracha, os quais exigem vigilância durante o estabelecimento das angulações verticais e horizontais, assegurando-se número elevado de perda de tomadas radiográficas, que além de dispendiosa gasta tempo de trabalho. Além disso, Vale12 (2005) observou erros na tomada radiográfica e na odontometria no primeiro tratamento in vitro, enquanto no último tratamento in vitro constatou erro na tomada radiográfica. Ao atentar para o primeiro tratamento in vivo, verificou erros durante a radiografia, a secagem da radiografia e a odontometria, entre outros. Para os erros observados no último tratamento in vivo constatou falha na radiografia. A qualidade radiográfica observada com padrão de processamento (revelação e fixação), ratifica Vale12 (2005), foi adequada em 87 radiografias e em 13 situações estava inadequada em avaliações no laboratório de dentes unirradiculares. Considerando-se dentes birradiculares tratados em laboratório, a qualidade radiográfica foi adequada em 83 condições e inadequada em 17 casos. Para os dentes multirradi- Revista da ABENO • 7(1):38-46 Análise das dificuldades dos alunos de graduação durante as manobras de odontometria • Medeiros JMF, Habitante SM, Zöllner NA, Carvalho PL, Pinto CA, Lage-Marques JL Tabela 2 - Freqüência, em valores absolutos e porcentagens, da quantidade de películas radiográficas utilizadas durante os procedimentos odontométricos. Grupo dentário Incisivos Quantidade de películas radiográficas Pré-molares Molares Duas películas 43 (47,2%) 22 (24,5%) 4 (4,4%) Três películas 31 (34,1%) 36 (40,0%) 22 (24,5%) Quatro películas 11 (12,1%) 20 (22,2%) 38 (42,2%) Cinco películas 2 (2,2%) 11 (12,2%) Seis películas ou mais 4 (4,4%) Total 91 (100,0%) 17 (18,9%) (1,1%) 9 (10,0%) 90 (100,0%) 90 (100,0%) 1 χ = 71,28 (significante ao nível de 1%) (α = 0,01). 2 Tabela 3 - Freqüência, em valores absolutos e porcentagens, de desperdício ou não de tempo de trabalho durante os procedimentos odontométricos. Grupo dentário Desperdício de tempo de trabalho Incisivos Pré-molares Molares Sim 63 (69,2%) 72 (80,0%) Não 28 (30,8%) 18 (20,0%) Total 91(100,0%) 90 (100,0%) 87 (96,6%) 3 (3,4%) 90 (100,0%) χ = 23,33 (significante ao nível de 1%) (α = 0,01). 2 Tabela 4 - Freqüência, em valores absolutos e porcentagens, de tempo de trabalho para realização da odontometria. Grupo dentário Tempo para realização da odontometria Incisivos Pré-molares Molares Até quinze minutos 17 (27,0%) 14 (19,4%) 16 (18,4%) Até trinta minutos 39 (62,0%) 47 (65,3%) 30 (34,5%) Até quarenta minutos ou mais 7 (11,0%) 11 (15,3%) 41 (47,1%) Total 63(100,0%) 72(100,0%) 87(100,0%) χ2 = 33,10 (significante ao nível de 1%) (α = 0,01). culares, as avaliações realizadas no laboratório indicam que a qualidade radiográfica foi menor, sendo 64 casos adequados e 36 inadequados. Concordamos com Kamaura et al.5 (2003) que os alunos de graduação no início de suas atividades na Disciplina de Endodontia estão ainda despreparados e apresentam baixíssima habilidade específica, o que sem sombra de dúvida representa alto grau de dificuldade. Além disso, constatamos ainda, na aludida Tabela 1, 62 ocorrências de dificuldades durante a escolha do primeiro instrumento, que ocorreram em 24 molares (38,71%), 20 pré-molares (32,26%) e em 18 casos (29,03%) nos dentes incisivos. Com relação à escolha do primeiro instrumento, cumpre ressaltar que os resultados acima encontrados se apresentam, do ponto de vista percentual, próximos aos achados por Simi Jr. et al.11 (1998), que se depararam com 40% de dificuldades nesse item (para os molares). Acresça-se, porém, que os referidos autores valeram-se de 740 planos de tratamento e nós tão somente de 271 fichas. Considerando-se o cálculo matemático, obtivemos em 60 dentes dificuldades na resolução odontométrica, assinaladas em 24 molares (40,00%), 17 prémolares (28,33%) e em 19 incisivos (31,67%). Talvez esse número elevado de erros no cálculo matemático se fundamente nas observações de Paiva et al.10 (1991), que ressaltam que o cálculo matemático utilizado durante a manobra de odontometria é Revista da ABENO • 7(1):38-46 43 Análise das dificuldades dos alunos de graduação durante as manobras de odontometria • Medeiros JMF, Habitante SM, Zöllner NA, Carvalho PL, Pinto CA, Lage-Marques JL cercado de dificuldades, já que se trata de um ato relativo, fruto da comparação e sujeito a erros. Aliás, Simi Jr. et al.11 (1998) ressaltam que uma das maiores dificuldades encontradas pelos alunos de graduação durante o procedimento odontométrico é o cálculo matemático, que teve especial destaque com percentual de 30%. Observou-se também interferência do lençol de borracha, fato esse que dificultou o procedimento odontométrico em 58 ocorrências, seguindo-se a interferência do grampo, em 52 situações. Para os fatores acima citados, constataram-se 21 dificuldades para os molares (36,21%), 20 para os prémolares (34,48%) e 17 para os incisivos (29,31%) quando considerada a interferência do lençol de borracha; e constataram-se 22 casos para os molares (42,31%), 12 ocorrências para os pré-molares (23,08%) e 18 erros para os incisivos (34,61%) quando analisamos a interferência do grampo. Encontramos percentual significativo no item dificuldade de localizar a área de incidência (55 ocasiões), constituído em ordem decrescente de 32 dentes molares (58,18%), 13 pré-molares (23,64%) e 10 incisivos (18,18%). De fato, além de atentarmos para as angulações verticais e horizontais dos diversos grupos dentários, as áreas de incidência do feixe de raios X, especialmente a região apical dos dentes, devem ser bem localizadas na face e radiografadas. Desse modo, presumimos que, dependendo da região a ser radiografada, deve-se evitar a superposição valendo-se para isso da técnica da bissetriz com incidência excêntrica ou até mesmo da técnica do paralelismo, o que propicia isomorfismo da imagem, principalmente da região apical; sugerimos ainda deslocamento do cilindro para região apical. Assim, a falta de uma apurada técnica radiográfica com vistas a localizar corretamente a área de incidência dos raios X determinou a ocorrência de dificuldades em dentes molares – 58,18%, seguindo-se os prémolares – 23,64%, e os incisivos – 18,18%, como visto na Tabela 1. Constatamos 44 dificuldades por parte dos alunos no item afinidade com o aparelho de raios X, sendo que ocorreram em 14 situações com os dentes molares, seguindo-se os pré-molares (16) e, em 14 momentos, os incisivos. Esse acontecimento deve-se à falta de prática, uma vez que o aluno do terceiro ano de curso está iniciando o desenvolvimento de habilidades na Disciplina de Endodontia se valendo do aparelho de raios X. 44 Em relação ao enquadramento do filme durante as tomadas radiográficas, averiguamos que, das 41 dificuldades, 22 eram de enquadramento do filme em dentes molares, 11, em dentes pré-molares e apenas 8, em dentes incisivos. Com respeito à revelação e fixação, notamos 34 e 27 dificuldades encontradas, respectivamente, para revelação e fixação da película radiográfica. Assim sendo, películas de 13 molares, 11 pré-molares e 10 incisivos sofreram falhas durante a revelação, enquanto nas de 5 molares, 12 pré-molares e 10 incisivos ocorreu fracasso na fixação. No que tange a erro ou falha técnica no processamento, localizamos 33 dificuldades, sendo 8 ocorrências em molares, 13 em pré-molares e 12 em incisivos. Mais uma vez, destacam-se as observações de Vale12 (2005), ao afirmar que o padrão de processamento – na revelação e fixação –, para garantir a qualidade radiográfica, deve ser cuidadosamente observado a fim de que o profissional tire maior proveito em menor tempo possível, e destacam-se as considerações de Bombana, Capriglione3 (1991), que chamam a atenção para obtenção de boas radiografias do ponto de vista técnico. Assim, deve-se estabelecer uma padronização da metodologia de processamento, por exemplo, tempo constante de revelação e utilização de solução em uma temperatura fixa, ou seja, entre 16°C e 24°C, tomando-se o cuidado de renovação freqüente das soluções. Dado interessante diz respeito às dificuldades relacionadas à técnica utilizada, uma vez que atentamos para 20 ocasiões, das quais 11 pertenciam aos molares, 4, aos pré-molares e 5, aos incisivos. Muito embora tenhamos encontrado número reduzido de dentes com esse tipo de erro, nunca é demais lembrar que o emprego de técnica apropriada (paralelismo ou bissetriz com incidência excêntrica) é sempre aconselhável; recomendamos ao aluno em sala de aula preferencialmente o uso de aparelho de raios X com cone longo – dispositivo esse encontrado na clínica de graduação do Departamento de Odontologia. Na sua ausência, devemos nos valer de posicionador de filme periapical para tomadas radiográficas sob isolamento absoluto ou de adaptador exigido para técnica do paralelismo. Detalhe importante diz respeito às dificuldades encontradas pelos alunos no tocante ao item manutenção do filme. Deparamo-nos com 12 ocorrências, das quais 3 pertenciam aos molares, 5, aos pré-molares e 4, aos incisivos. Nesse particular convém esclarecer Revista da ABENO • 7(1):38-46 Análise das dificuldades dos alunos de graduação durante as manobras de odontometria • Medeiros JMF, Habitante SM, Zöllner NA, Carvalho PL, Pinto CA, Lage-Marques JL que o manequim odontológico utilizado pelos alunos de graduação possui dispositivo, como uma lingüeta móvel, que permite a introdução do filme tornando fácil a fixação da película radiográfica na região a ser radiografada. Finalmente, em 7 situações houve dificuldades por parte do aluno em determinar o tempo de exposição. Isso ocorreu em 3 casos de tomadas radiográficas em molares, 3 em pré-molares e apenas um caso em incisivo. De fato, o que se constata durante o treinamento é a ocorrência de perdas de películas radiográficas que são tomadas durante a odontometria, o que aumenta o desperdício de tempo de trabalho em decorrência dos erros cometidos. Calculamos, após o levantamento, que cerca de 450 películas foram perdidas. Essa perda equivale a três caixas de filme, o que não nos parece natural para um procedimento tão simples, já que apenas duas películas radiográficas no máximo são suficientes para execução da odontometria por dente. Aliás, a perda de tempo diz respeito ainda a uma série de fatores, tais como a espera em uma fila para realização tanto da tomada radiográfica como do processamento da película radiográfica, o tempo de revelação e fixação, o preenchimento dos valores odontométricos na ficha – o que inclui o cálculo matemático –, a espera pela aprovação do professor para continuidade do processo e a compreensão do processo de odontometria pelo iniciante. No que concerne à quantidade de películas radiográficas usadas no procedimento nos três grupos dentários, expressa na Tabela 2, observou-se que houve diferença estatisticamente significante entre a quantidade de películas utilizadas durante os procedimentos odontométricos entre os grupos dentários. Para esses indicadores, os resultados frente ao teste Qui-quadrado (χ2) para um nível de probabilidade de 1% nos asseguram que, quando comparado o número de películas para tomada radiográfica dos incisivos com o para tomada dos pré-molares e molares, ficaram evidentes diferenças significantes. Por outro lado, para o desperdício ou não de tempo de trabalho durante a tomada radiográfica nos três grupos dentários avaliados, a Tabela 3 informa em valores absolutos e porcentagens que ocorreu diferença estatisticamente significante. Os resultados, confrontados por meio do teste estatístico para um nível de probabilidade de 1%, indicam que, quando analisado o desperdício ou não de tempo de trabalho frente às análises radiográficas dos incisivos, pré-molares e molares, houve desigualdades nas freqüências de desperdício ou não de tempo de trabalho. A Tabela 4 apresenta em valores absolutos e porcentagens o tempo de trabalho obtido para tomadas radiográficas dos três grupos dentários analisados, apontando-se diferença estatisticamente significante. Os dados comparados nessa avaliação, quando da execução do teste estatístico para um nível de probabilidade de 1%, permitem demonstrar que, quando pesquisado o tempo de trabalho frente às tomadas radiográficas e quando comparados os resultados dos dentes incisivos, pré-molares e molares, os comportamentos foram diferentes. Não obstante Weinfeld13 (1996) ter encontrado na sua pesquisa como última dificuldade a odontometria, julgamos que o nosso projeto alcançou os objetivos, ou seja, esclareceu e apontou erros e dificuldades em vários itens, os quais mostraram que as tomadas radiográficas durante o procedimento odontométrico são tarefa que, cada dia mais, exige treinamento continuado, de modo que o aluno ao realizar posteriormente essa prática em pacientes se utilize de cada vez menos tomadas radiográficas. CONCLUSÕES De posse dos resultados obtidos nesta pesquisa, parece-nos adequado deduzir que: • Na maioria das vezes, os molares foram os dentes que apresentaram as maiores freqüências em valores absolutos e porcentagens de dificuldades, seguindo-se os pré-molares e por último os incisivos. • Houve diferença em relação à quantidade de películas radiográficas utilizadas durante os procedimentos odontométricos entre os três grupos dentários avaliados. • Ocorreu diferença para os três grupos dentários analisados durante os procedimentos odontométricos no tocante ao desperdício de tempo de trabalho. • Houve diferença em relação ao tempo de trabalho para realização da odontometria entre os três grupos dentários examinados. ABSTRACT Analysis of the difficulties faced by undergraduate students while determining tooth length The aim of this study was to identify and to evaluate, by means of a questionnaire, the difficulties faced by students during laboratorial activities in extracted Revista da ABENO • 7(1):38-46 45 Análise das dificuldades dos alunos de graduação durante as manobras de odontometria • Medeiros JMF, Habitante SM, Zöllner NA, Carvalho PL, Pinto CA, Lage-Marques JL human teeth mounted on a mannequin in the discipline of Endodontics. Thus, the periapical radiographs taken during tooth-length determination procedures were analysed as to the factors quantity of dental intraoral films and their loss, waste of work time and work time. Fifty 3rd year students were selected which were taking the discipline of Endodontics of the Department of Dentistry, University of Taubaté, SP, Brazil, in the first semester of 2005. After their lab activities, students were evaluated by means of an interview during an estimated minimum time of 10 minutes. The professors explained and showed the contents of the questionnaire to the students, and these were asked, initially, to fill out and sign a free and informed consent form. The professor then handed out six to seven cards to each student with the questionnaire, one card for each tooth for which the student had already concluded the tooth-length determination procedure. For each card, the student was asked to express and identify in the previously created questionnaire the presence or absence of any difficulty. It was concluded that the molars presented the highest frequencies in number and percentages of difficulties, followed by the premolars and lastly by the incisors. There was significant statistical difference (p = 0.01) in relation to the factors quantity of dental intraoral films used, waste of work time and work time during the tooth-length determination procedures among the three evaluated dental groups. da Universidade de São Paulo. Contribuição ao estudo [Dissertação de Mestrado]. São Paulo: Faculdade de Odontologia da USP; 1997. 3. Bombana AC, Capriglione M. O arranjo do consultório. In: Paiva JG, Antoniazzi JH. Endodontia: Bases para a prática clínica. 2ª ed. São Paulo: Artes Médicas; 1991. p. 174. 4. Fisher AR. The indoctrination of dental students with a professional attitude. J Dent Educ 1960;24(1):38-41. 5. Kamaura D, Carvalho DL, Lage-Marques JL, Antoniazzi JH. Avaliação do desempenho dos alunos de graduação durante a prática da técnica endodôntica. Revista da ABENO 2003;3(1): 33-40. 6. Lage-Marques JL, Antoniazzi JH. Técnica endodôntica. Versão Eletrônica da Técnica de Endodontia da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo [livro em CD-ROM]. São Paulo: NovoDisc-Ajna Interactive Ltda.; 2002. 7. Mackenzie RS. Factors essential to evaluation of clinical performance. J Dent Educ 1974;38(4):214-23. 8. Nérici IG. Didática geral dinâmica. 11ª ed. Rio de Janeiro: Científica; 1992. 9. Paiva JG, Antoniazzi JH. Endodontia: Bases para a prática clínica. 2ª ed. São Paulo: Artes Médicas; 1991. 10. Paiva JG, Antoniazzi JH, Pesce HF. Odontometria. In: Paiva JG, Antoniazzi JH. Endodontia: Bases para a prática clínica. 2ª ed. São Paulo: Artes Médicas; 1991. p. 348. 11. Simi Jr J, Medeiros JMF, Risso VA, Albetman CS. Análise das dificuldades clínicas identificadas por acadêmicos do curso de graduação em relação as diversas etapas do tratamento endodôntico. Odontol USF 1998;16:11-8. 12. Vale MS. Avaliação da qualidade de ensino em Endodontia do DESCRIPTORS Radiography, dental. Odontometry. Molar. Premolar. 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Variáveis intercorrentes que influenciam a produtividade clínica no curso de graduação na disciplina de clínica integrada (terapêutica clínica) da Faculdade de Odontologia 46 Revista da ABENO • 7(1):38-46 Recebido para publicação em 16/01/2006 Formulação de questões clínicas estruturadas para pesquisa: uma abordagem prática O exercício da formulação de questões clínicas estruturadas é um passo importante para o aprendizado clínico, o desenvolvimento da capacidade crítica do aluno e o direcionamento de tópicos e questões de pesquisa clínica. Cláudio Rodrigues Leles*, Lorena Batista de Oliveira**, William José Morandini***, Erica Tatiane da Silva**** *Professor Doutor da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Goiás. E-mail: [email protected]. **Cirurgiã-Dentista. ***Aluno de Pós-Graduação (Mestrado) da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Goiás. ****Aluna de Graduação da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Goiás. RESUMO A etapa inicial do processo de elaboração de um protocolo de pesquisa clínica é a formulação de uma questão de pesquisa clara e específica. Durante a abordagem prática com os pacientes, um tópico de interesse clínico é determinado e uma dúvida ou lacuna no conhecimento deve ser expressa na forma de uma questão clínica não estruturada. Esta deve passar por um processo de estruturação para que seja passível de resposta através de uma busca sistematizada de informações científicas, da avaliação crítica, interpretação das informações e avaliação dos possíveis desfechos clínicos. O objetivo do trabalho foi desenvolver a aplicação prática da elaboração de questões clínicas, por meio da discussão em grupo de cenários clínicos originários de atividades clínicas de Prótese Dentária. Inicialmente, realizou-se a coleta de dados, em formulários específicos, de 31 cenários clínicos durante 40 sessões de atendimento de pacientes da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Goiás (UFG). Em um segundo momento, grupos de discussão formados por 3 ou 4 alunos, com a presença de um professor tutor para orientação das discussões dos cenários descritos, reuniam-se para a elaboração das questões clínicas de interesse; perfez-se um total de 16 reuniões, com 26 horas de discussão, e produziramse 53 questões clínicas estruturadas. Componentes específicos de cada questão foram identificados (paciente, intervenção, comparação, desfecho). Concluiu-se que o exercício da formulação de questões clínicas estruturadas é um passo importante para o aprendizado clínico, o desenvolvimento da capacidade crítica do aluno e no direcionamento de tópicos e questões de pesquisa clínica. DESCRITORES Educação em Odontologia. Ensino. Pesquisa em odontologia. U ma abordagem inovadora para a adoção de condutas clínicas na área de saúde foi proposta a partir do início da década de 1990, fundamentada no modelo de práticas clínicas baseadas em evidências científicas.11 Essa proposta busca efeitos diretos no aperfeiçoamento do processo de tomada de decisões em odontologia: (1) tornar os serviços de prestação Revista da ABENO • 7(1):47-53 47 Formulação de questões clínicas estruturadas para pesquisa: uma abordagem prática • Leles CR, Oliveira LB, Morandini WJ, Silva ET de saúde mais efetivos, (2) controlar custos na aplicação de recursos sem comprometimento da qualidade dos benefícios e (3) aliar os avanços tecnológicos às mudanças sociais e à evolução das expectativas dos usuários dos serviços.9 Além das metas de melhoria na relação de custo-efetividade dos serviços de atenção à saúde, uma atenção à diminuição da lacuna entre a pesquisa e a prática clínica merece enfoque especial, sobretudo na área clínica, em que a conduta motivada por opiniões pessoais empíricas muitas vezes se sobrepõe à adoção da evidência científica e da ênfase no julgamento crítico consciente, comumente resultando na simples adesão irrestrita a regras e conjuntos de normas técnicas.13 Como conseqüência, o ensino e a prática odontológica em muitos casos acabam por promover apenas a ênfase no treinamento clínico, na observação de resultados imediatos de intervenções clínicas, em decisões intuitivas e na padronização de técnicas.1 Há uma desvalorização do ensino como produção de conhecimento, ficando este e suas formas de apropriação e produção restritos apenas à pesquisa.2 Ao contrário, uma relação indissociável entre ensino e pesquisa deveria ser estabelecida. A arte do ensino e da pesquisa odontológica deve ser constantemente refletida, a ponto de prestigiar um ensino baseado em evidências científicas, discutido e passível de mudanças em todo momento.6 Nesse contexto, a etapa inicial do processo de elaboração de um protocolo de pesquisa clínica é a formulação de uma questão de pesquisa. Inicialmente, a partir da abordagem do paciente na atividade clínica prática, um tópico de interesse clínico é determinado, e uma dúvida clínica, expressa como uma questão clínica não estruturada, é estabelecida. Nesse ponto, uma questão clínica deve passar por um processo de estruturação para que seja passível de resposta através de uma busca sistematizada de informações científicas relevantes disponíveis, seguindo-se a avaliação crítica e interpretação das informações no contexto do problema clínico apresentado e, finalmente, sua aplicação clínica e a avaliação do desfecho clínico do problema10 (Figura 1). A questão de pesquisa aborda aquilo que o investigador deseja conhecer, partindo de uma preocupação geral que precisa então ser reduzida a um tópico concreto e viável de ser estudado. Existem características gerais de uma boa questão de pesquisa: deve ser factível, interessante, inovadora, ética e relevante. Entretanto, a relevância, em particular, constitui a característica mais importante da questão clínica, vis48 to que tem o potencial de influenciar as decisões ou diretrizes clínicas e de saúde pública.4 Um modelo prático para formulação de questões de pesquisa clínica bem elaboradas foi proposto por Miller, Forrest,8 em 2001. Consiste em um processo sistemático de conversão das informações em questões clínicas. Uma questão clínica de pesquisa deve, assim, conter os seguintes elementos: (1) o paciente, a população, o problema, (2) a intervenção, (3) a comparação, se houver, e (4) o resultado ou desfecho. Essa estratégia foi denominada de questões PICO – do inglês: “Patient”, “Intervention”, “Comparison” e “Outcome” –, para questões que envolvem tratamento, e PIPO – do inglês: “Patient”, “Intervention”, “Prediction” e “Out come” – para questões que envolvem predição. O objetivo do presente estudo é elaborar questões clínicas estruturadas a partir da discussão de cenários clínicos práticos e identificar componentes das questões que direcionem enfoques para pesquisa clínica. 1. DEFINIÇÃO DE PROBLEMAS CLÍNICOS Cenário clínico (paciente/problema) Cenário clínico (paciente/problema) Tópico de interesse Dúvida clínica Questão clínica não estruturada 2. BUSCA SISTEMÁTICA DE EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS Determinação das fontes de informação e de estratégias de busca Seleção das referências relevantes 3. AVALIAÇÃO CRÍTICA DAS EVIDÊNCIAS DISPONÍVEIS Análise e interpretação das referências relevantes Avaliação das informações no contexto clínico 4. USO DA EVIDÊNCIA NO TRATAMENTO DO PACIENTE 5. AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS Figura 1 - Método baseado em evidência para tomada das decisões clínicas. Revista da ABENO • 7(1):47-53 Formulação de questões clínicas estruturadas para pesquisa: uma abordagem prática • Leles CR, Oliveira LB, Morandini WJ, Silva ET MATERIAL E MÉTODO A metodologia proposta foi dividida em duas partes distintas. Inicialmente, foram realizadas a seleção de pacientes e a coleta de dados, e, em um segundo momento, procedeu-se à discussão em grupo do caso descrito para elaboração das questões clínicas de interesse. A coleta de dados para formulação de questões clínicas estruturadas foi realizada em formulários específicos no transcorrer das atividades clínicas, durante e após o atendimento de pacientes, na unidade de atendimento da Clínica Integrada I e II, e na Clínica de Especialização em Prótese Dentária da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Goiás. Seleção de pacientes e coleta de dados A seleção de pacientes foi realizada de forma aleatória, em dias de atendimento clínico pré-determinados, com base no interesse despertado no aprofundamento da discussão do cenário clínico do paciente. Outro critério adotado para delimitação do contexto de interesse para escolha dos pacientes foi a seleção restrita àqueles submetidos a tratamento protético para reposição de dentes ausentes. A coleta de dados relacionados à identificação do paciente e aos aspectos clínicos relevantes da história médica e história odontológica foi realizada a partir do prontuário clínico do paciente. Com o objetivo de descrever o cenário clínico detalhado do paciente e do problema clínico em questão (paciente-problema), foi realizada uma entrevista semi-estruturada com o paciente e o aluno responsável pelo atendimento. Discussão do caso clínico e elaboração da questão clínica Com base nas informações obtidas na etapa anterior, foi estabelecida uma abordagem para discussões em grupo com enfoque na problemática descrita nos casos clínicos. O grupo de discussão era formado por 4 a 5 pessoas, estudantes de graduação e de pós-graduação, acompanhadas por um professor-tutor com a função de direcionar e estimular a discussão, apresentar problemas e fornecer informações pertinentes ao tópico em questão. A discussão do cenário clínico do paciente-problema fornecia questionamentos, traduzidos em questões clínicas não estruturadas, as quais eram transcritas por um dos membros do grupo. O próprio grupo estabeleceu critérios para a seleção das questões clínicas. Aquelas questões que não eram relevantes não faziam parte da seleção, somente as questões de enfoque clínico com desfecho significativo sob o ponto de vista da atenção à saúde do paciente eram consideradas e permaneciam como tema de discussão. Após as sessões de discussão, passava-se à estruturação das questões clínicas relevantes elaboradas pelo grupo. Essas questões foram formuladas de acordo com o modelo proposto por Miller, Forrest,8 em 2001 (questões PICO), contendo os seguintes itens: população/paciente/problema, intervenção, comparação e desfecho. Aquelas questões que envolviam predição eram consideradas na seguinte estrutura (PIPO): população/paciente/problema, intervenção, predição e desfecho. Adicionalmente, foi estabelecido o contexto de interesse da questão, de acordo com seis categorias: educação, prevenção, diagnóstico, etiologia, prognóstico e tratamento. A determinação do tipo de questão abordada serve como base para a sugestão do tipo de estudo mais adequado para a resolução da questão clínica formulada, de acordo com os níveis de hierarquia de evidência. Durante o processo de discussões, os seguintes critérios foram estabelecidos como necessários para o encerramento de cada questão clínica: 1. ser passível de resposta: a questão clínica deve se referir a fatos concretos e sugerir abordagens factíveis para respondê-la; deve ser suficientemente clara para que seja possível sua resposta de forma objetiva; 2. ser específica: ter como enfoque o problema de maior interesse, com um escopo (alvo) bem definido; a elaboração de questões demasiadamente amplas pode dar origem a questionamentos secundários, os quais enfraquecem o potencial de resolução da questão clínica principal; 3. ter significado prático para o paciente: o problema clínico em questão deve ser significativo, a ponto de refletir um problema clínico real para o paciente; sua reflexão deve fazer sentido sob o ponto de vista do paciente; 4. ser relevante: a resposta à questão deveria resultar em implicações diretas em termos de benefícios reais para o paciente, ter o potencial de influenciar tomadas de decisão clínica, interferir no manejo clínico ou em políticas de saúde, contribuir para o avanço científico da profissão e/ou sugerir futuros direcionamentos de pesquisa na área clínica,4 RESULTADOS Foram selecionados 31 casos de pacientes que foram acompanhados em um total de 40 sessões clínicas. Os dados dos pacientes foram coletados entre março e junho de 2004, durante atividades clínicas relacionadas à Prótese Dentária. Revista da ABENO • 7(1):47-53 49 Formulação de questões clínicas estruturadas para pesquisa: uma abordagem prática • Leles CR, Oliveira LB, Morandini WJ, Silva ET Esses casos geraram discussões que foram realizadas em salas da Faculdade de Odontologia da UFG, perfazendo-se 16 reuniões com a duração total de aproximadamente 26 horas de discussão. Em cada uma das reuniões participavam em torno de quatro pessoas, sendo obrigatória a presença de um orientador-tutor (um investigador experiente e com prática clínica, responsável pela estimulação das discussões), um aluno do mestrado e acadêmicos dos últimos anos de graduação, todos originários da Faculdade de Odontologia da UFG. Como resultado dessas reuniões, foi elaborado um grande número de questões clínicas, as quais foram resumidas num total de 53 questões clínicas estruturadas. Um exemplo de questão clínica estruturada a partir da discussão dos cenários clínicos dos pacientes é descrito a seguir. Cenário clínico apresentado • Paciente: sexo feminino, 47 anos, desdentada total superior e inferior. • Queixa principal: “A dentadura está incomodando”. • História odontológica resumida: desdentada total há aproximadamente 14 anos, usuária de próteses totais convencionais superior e inferior, as quais nunca foram substituídas; paciente insatisfeita com a condição das próteses. • História médica resumida: saúde geral satisfatória; apresenta hipertensão controlada (freqüenta regularmente o cardiologista). • Condição clínica: extrema reabsorção do rebordo inferior, fluxo salivar normal e ausência de lesões na mucosa; próteses com estética insatisfatória; prótese total inferior com retenção e estabilidade deficientes, causando desconforto e função mastigatória prejudicada; a paciente requer melhora da condição geral das próteses, principalmente em relação aos problemas relacionados à prótese inferior. Estruturação da questão clínica a partir da discussão do cenário clínico • Paciente/problema: Paciente desdentado total inferior com reabsorção acentuada do rebordo residual, usuário de prótese total convencional com retenção e estabilidade deficientes. • Intervenção: tratamento com prótese total implanto-suportada (“overdenture”) retida por dois implantes na região intermentoniana. 50 • Comparação: tratamento com prótese total convencional. • Resultado (desfecho): maiores benefícios funcionais, conforto e satisfação do paciente, melhor qualidade de vida e relação custo-benefício favorável. Questão clínica estruturada “Em paciente desdentado total inferior com re absorção acentuada do rebordo residual, usuário de prótese total convencional com retenção e estabilidade deficientes, o tratamento com prótese total implanto-suportada (“overdenture”) retida por dois implantes na região intermentoniana, em comparação com o tratamento com prótese total convencional, resulta em melhor prognóstico do tratamento?” (O prognóstico se relaciona a fatores como desempenho funcional, conforto, satisfação do paciente, melhoria na qualidade de vida e maiores benefícios com custos aceitáveis.) As 53 questões clínicas finalizadas foram, então, tomadas como elementos de discussão para agrupamento dos componentes da questão clínica (paciente/problema, comparação, intervenção e resultado) em tópicos considerados para o desenvolvimento de questões de pesquisa clínica em Prótese Dentária. Os tópicos resultantes são descritos nos Quadros 1 a 3. As questões clínicas foram classificadas de acordo com o contexto de interesse e também de acordo com os vários problemas e tipos de tratamento realizados: oclusão, prótese total, prótese parcial fixa, implante, prótese parcial removível, periodontia e outros. DISCUSSÃO O exercício da clínica odontológica deveria se basear fundamentalmente em condutas práticas baseadas em evidências científicas confiáveis. Pesquisas clínicas bem conduzidas e de elevada relevância científica, como ensaios clínicos controlados, estudos coorte e caso-controle, os quais apresentam hierarquia de evidência superior em relação a outros tipos de estudo,3,12 são necessárias para fornecer informações aplicáveis à prática clínica. Pesquisas relevantes, entretanto, iniciam-se com a elaboração de hipóteses e formulação de questões clínicas bem estruturadas.4,8 O processo de formulação de questões clínicas sempre se inicia com o paciente-problema. Portanto, uma questão de pesquisa clínica deve, necessariamente, originar-se na prática clínica. Além disso, elaborar uma questão clínica adequada exige uma percepção diferenciada a ser incorporada ao conhecimento do Revista da ABENO • 7(1):47-53 Formulação de questões clínicas estruturadas para pesquisa: uma abordagem prática • Leles CR, Oliveira LB, Morandini WJ, Silva ET Quadro 1 - Componente “P” (Paciente/Problema) con- siderado na elaboração de questões clínicas em Prótese Dentária. Pacientes adultos Com dentição completa • Com alterações oclusais • Com disfunção temporomandibular • Com atrição dentária acentuada • Com dentes individuais com comprometimento estrutural extenso • Com dentes com problemas clínicos significativos e prognóstico questionável • Com ausência do remanescente coronário • Com acentuada perda de inserção e mobilidade dentária • Com necessidade de restaurações individuais • Com necessidade de retenção intra-radicular - Com remanescente radicular curto - Com quantidade reduzida de dentina radicular - Com núcleo intra-radicular curto, sem problema clínico significativo Desdentado parcial • Usuário de prótese removível • Com indicação de prótese removível • Usuário de prótese fixa • Com indicação de prótese fixa • Com poucos dentes remanescentes com prognóstico desfavorável • Com insucesso repetido de intervenções anteriores • Com disfunção temporomandibular • Com restrição financeira • Com espaço protético curto - Posterior - Anterior • Com perda dentária unitária - Anterior e/ou posterior - Superior e/ou inferior • Com perdas dentárias múltiplas - Anterior e/ou posterior - Superior e/ou inferior Desdentado total • Usuário de próteses totais convencionais - Superior e/ou inferior - Com retenção e estabilidades deficientes • Com necessidade de tratamento protético - Superior e/ou inferior • Com insucesso repetido de intervenções anteriores • Com restrição financeira • Com fluxo salivar reduzido • Com disfunção temporomandibular • Com acentuada reabsorção do rebordo residual Pacientes jovens Com necessidades protéticas Com disfunção temporomandibular pesquisador. O treinamento dessa habilidade é essencial na formação do pesquisador e pode ser desenvolvido através do estímulo ao questionamento crítico e reflexivo das práticas clínicas usuais. É preciso entender que questões relevantes são difíceis de ser elaboradas, e, nesse sentido, estar atento para identificar, durante o encontro com os pacientes, lacunas importantes no conhecimento que podem influenciar a conduta clínica bem como definir, da forma mais precisa possível, sobre quem esta questão está sendo feita são passos importantes nesse processo. Portanto, é fundamental que se conheçam, desde o início, os limites e problemas práticos ao se formular uma questão antes de se despender muito tempo e esforço sem resultado. O domínio do assunto, adquirido com uma revisão ampliada e continuada de trabalhos de pesquisa, e a experiência compartilhada por pesquisadores experientes com aqueles iniciantes são ingredientes importantes para o desenvolvimento de habilidades.8 A questão de pesquisa deve ser voltada para desfechos clínicos relevantes. A relevância é capaz de influenciar as diretrizes clínicas e de saúde e de direcionar o conhecimento científico e o futuro da pesquisa. As incertezas existem, mas encontrar uma questão importante que possa ser válida é um desafio. É necessário domínio da literatura, estar alerta a novas idéias e técnicas, ser criativo e persistente. A evidência é considerada no rigor da metodologia, e o nível de evidência é descrito direcionandose para os tipos de questões formuladas, como aquelas derivadas de problemas sobre terapia/prevenção, diagnóstico, etiologia e prognóstico. Por exemplo, o mais alto nível de evidência associado com questões sobre terapia ou prevenção será de revisões sistemáticas com base em estudos-controle randomizados. 5 Contudo, o mais alto nível de evidência associado com questões sobre prognóstico será de revisões sistemáticas de estudo coorte. O conhecimento de cada segmento da literatura é apropriado para a tomada de decisão clínica, e a busca rápida dessa informação é importante para a prática baseada em evidência.7 Para se obter prática baseada em evidências é necessário trabalhar em conjunto à primeira discussão, com enfoque na tomada de decisão baseada em evidências, e então incorporar o método PICO na equipe. Inicia-se pela lista de pacientes-problema, por questões ou tópicos para os quais não se tem resposta, por informações completas ou que se gostaria que tivessem evidência relevante. Deve-se estabelecer para Revista da ABENO • 7(1):47-53 51 Formulação de questões clínicas estruturadas para pesquisa: uma abordagem prática • Leles CR, Oliveira LB, Morandini WJ, Silva ET Quadro 2 - Componentes “I” e “C” (Intervenção e Com- Quadro 3 - Componente “O” (Resultado/Desfecho) con- paração) constituintes das questões clínicas em Prótese Dentária. siderado na elaboração de questões clínicas em Prótese Dentária. Tratamento protético (paciente dentado) • Risco de DTM • Restauração direta versus indireta • Risco de alterações oclusais • Coroa total metalocerâmica versus sem metal • Adesão a critérios de diagnóstico • Restauração parcial versus restauração total • Alteração da dimensão vertical de oclusão • Substituição da restauração versus reparo da restauração • Benefícios funcionais • Retenção intra-radicular com núcleo metálico fundido versus núcleo direto • Satisfação pelo paciente • Substituição versus não-substituição do núcleo - Longevidade do tratamento • Substituição versus não-substituição da restauração - Durabilidade da prótese • Procedimentos clínicos complexos para a manutenção do dente versus procedimentos clínicos voltados para a substituição do dente • Prognóstico clínico • Desempenho clínico - Satisfação do paciente - Estética satisfatória - Biomecânica satisfatória (retenção/estabilidade) - Conforto - Melhor qualidade de vida - Menor risco de falhas técnicas • Técnica de confecção de prótese total tradicional versus simplificada - Menor risco de cárie - Menor risco de envolvimento periodontal Tratamento protético (desdentado parcial) - Menor risco de envolvimento pulpar Tratamento protético (desdentado total) • Prótese total convencional versus “overdenture” implantosuportada • Prótese total convencional versus prótese total fixa implanto-suportada • Prótese parcial fixa convencional versus adesiva - Menor risco de complicações pós-operatórias • Prótese parcial fixa convencional versus sem metal - Menor risco de comprometimento futuro • Prótese parcial fixa dento-suportada versus implantosuportada • Aceitação do plano de tratamento pelo paciente • Prótese parcial removível com a confecção de planosguia versus sem a confecção de planos-guia - Número de consultas - Duração do tratamento - Número de retornos - Necessidade de reembasamento da prótese - Necessidade de ajustes • Exodontia seguida por implante versus implante tardio • Prótese sobre implante imediata versus prótese tardia • Substituir o dente ausente versus não substituir o dente ausente • Planejamento complexo versus planejamento simplificado • Mínima intervenção versus intervenção completa • Critérios clínicos e biomecânicos versus critérios subjetivos • Critérios normativos de avaliação de tratamento versus critérios de avaliação centrados no paciente • Necessidade normativa versus necessidades percebidas • Resultado clínico • Restabelecimento funcional e estético • Prognóstico da retenção intra-radicular - Risco de fratura da raiz - Risco de falha na retenção • Relação custo-benefício • Relação custo-efetividade • Efetividade no restabelecimento funcional e estético • Estabilidade para a prótese cada caso, individualmente, o que se considera ser o problema, a intervenção, a comparação (se houver) e o resultado, e então, comparar suas respostas com aquelas de outros membros do grupo. Inicialmente, esse processo acaba exigindo muito esforço e pode acabar por desencorajar os membros do grupo, mas com a prática, o esforço se tornará natural e aumentará a habilidade em estabelecer problemas e criar direcionamentos para solucioná-los.8 Essas mesmas recomendações asseguram a autenticidade para o cenário educacional. Segundo Miller, 52 • Capacidade de tolerar uma prótese removível • Preferência do paciente/profissional pela manutenção do dente Forrest8 (2001), faculdades podem incorporar esse processo e integrá-lo às suas atividades de ensino e pesquisa. Cenários clínicos reais podem ser usados em sala de aula para o estabelecimento de problemas específicos e de soluções clínicas seguras e eficazes. Esse processo também pode ser implementado na clínica. Revista da ABENO • 7(1):47-53 Formulação de questões clínicas estruturadas para pesquisa: uma abordagem prática • Leles CR, Oliveira LB, Morandini WJ, Silva ET Quando confrontados com o paciente-problema ou com a necessidade de informação, estudantes podem aplicar e desenvolver suas habilidades na construção de boas questões e na aplicação de métodos de tomada de decisão baseada em evidência. Esses são passos importantes para uma postura crítica e reflexiva com maiores benefícios para o paciente e melhor eficiência na prestação de serviços de saúde. the improvement of critical skills and for identification of topics and questions for research purposes. CONCLUSÕES O exercício da formulação de questões clínicas estruturadas é um passo importante para o aprendizado clínico, para o desenvolvimento da capacidade crítica do aluno e para o direcionamento de tópicos de pesquisa. Esse processo deve ser estimulado em atividades clínicas e incorporado à prática de ensino em odontologia. 2. Busato ALS, Fernandes C, Gonzales PAH, Macedo RP. O ensi- DESCRIPTORS Education, dental. Teaching. Dental research. § REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Brunette D. Critical thinking. Understanding and evaluating dental research. Chicago: Quintessence; 1996. no, a pesquisa e a extensão na odontologia. In: Estrela C. Metodologia científica: ensino e pesquisa em odontologia. São Paulo: Artes Médicas; 2001. p. 339-46. 3. Coulter ID. Observational studies and evidence-based practice; can’t live with them, can’t live without them. J Evid Base Dent Pract 2003;1:1-4. 4. Cummings SR, Browner WS, Hulley SB. Elaborando a Questão de Pesquisa. In: Hulley SB, Cummings SR, Browner WS, Grady ABSTRACT Making structured clinical questions for research purposes: a practical approach The first stage of a clinical research protocol is the formulation of a clear and specific research question. The research that emanates from clinical practice is related to a topic of interest about which a doubt or lack of knowledge is identified and translated into a non-structured clinical question. This initial question must be properly structured in order to be answerable after systematic literature review, critical appraisal, interpretation of the available evidence, and evalu ation of the possible clinical outcomes when the evidence is transferred into practice. The aim of this study was to develop a practical exercise of formu lation of clinical questions in prosthodontics. Data was collected in specific forms from 31 clinical scenarios during 40 appointments with patients at the School of Dentistry, Federal University of Goiás (UFG). Clinical scenarios were presented and discussed by groups that included 3 to 4 dental students and a tutor, where clinical questions were formulated during a total of 16 meetings and aproximately 26 hours. A total of 53 structured clinical questions were formulated and the specific components of the questions were identified (patient, intervention, comparison, outcome). It was concluded that exercising the formulation of clinical questions is an important step in clinical learning, for D, Hearst N, Newman TB. Delineando a pesquisa clínica: uma abordagem epidemiológica. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2003. p. 35-42. 5. Elphick HE, Tan A, Ashby D, Smyth RL. Systematic reviews and lifelong diseases. BMJ 2002;325:381-4. 6. Estrela C. A arte do ensino e da pesquisa odontológica. ROBRAC 2002;11(31):54-6. 7. Forrest JL, Miller SA. Enhancing your practice through evidence-based decision making: Finding the best clinical evidence. J Evid Base Dent Pract 2001;1:227-36. 8. Miller SA, Forrest JL. Enhancing your practice through evidence-based decision making: PICO, learning how to ask good questions. J Evid Base Dent Pract 2001;1:136-41. 9. Richards D, Lawrence A. Evidence-based dentistry. 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Sônia Maria Vicente Cardoso* *Pós-Doutora em Educação pela Universidade São Paulo, Professora do Programa de Mestrado em Educação da Universidade do Oeste Paulista. E-mail: [email protected]. Resumo Estamos vivendo um momento de transição paradigmática. O profissional do século XXI deve ser preparado para enfrentar essas novas mudanças. Ele deve saber fazer e refazer soluções. O processo educativo vivenciado em nossas universidades, muitas vezes, tem se sustentado numa prática docente tradicional, concebendo o aluno como receptor de conteúdos prontos e acabados. Essa prática dificulta o autêntico pensar, priorizando a reprodução em detrimento das idéias. Em contrapartida, o processo educativo que ultrapassa os limites de reprodução fundamenta-se na criatividade e estimula a ação-reflexão, formando, assim como apresenta Schön12 (2000), o profissional reflexivo. Nessa concepção de educação o estudante sente-se desafiado a explorar e aprofundar seu conhecimento, a questionar e a reconstruir o conhecimento já difundido. A pesquisa como princípio pedagógico, proposta por Demo2 (1998), é uma das formas para que se concretize tal pressuposto. Este artigo pretende analisar as diretrizes que podem ser assumidas como referenciais para a formação de um profissional de odontologia do século XXI, identificar exigências que se colocam para um profissional dessa área e analisar a pesquisa como princípio pedagógico na formação dos futuros odontólogos. Os teóricos escolhidos para fundamentar este artigo foram: Edgar Morin, Paulo Freire, Pedro Demo e Donald Schön. Descritores Pesquisa. Ensino/métodos. Competência profissional. Ensino superior. 54 V ivemos num momento de intensas mudanças. O profissional do século XXI necessita saber pensar estrategicamente, com criatividade, e ter capacidade de tomar decisões. Ele também necessita saber pensar e aprender a aprender. Esse novo profissional deve saber fazer e refazer soluções, sendo necessário para isso um ensino que integre efetivamente a pesquisa. Partindo do pressuposto de que a universidade está relacionada com a tríade ensino-pesquisa-extensão, presume-se lógica a inseparabilidade das três funções, mas, na prática cotidiana, estão desarticuladas. O que encontramos são docentes e pesquisadores realizando trabalhos isolados, cada qual procurando valorizar o seu trabalho separadamente. Revisão de literatura Lembrando as palavras de Demo3 (1991): “Quem ensina carece pesquisar, quem pesquisa carece ensinar. Professor que apenas ensina jamais o foi. Pesquisador que só pesquisa é elitista, privilegiado e acomodado”, e resguardando-me da polêmica que a afirmação do autor pode gerar, tenho tido a oportunidade de observar em alguns dos meus trabalhos desenvolvidos na área da saúde, em especial Medicina e Odontologia, durante esses últimos dez anos que muitos pesquisadores se encontram fechados em seus laboratórios, apenas pesquisando, totalmente desvinculados do ensino. Necessitamos de uma integração das ativi- Revista da ABENO • 7(1):54-7 A formação do dentista no contexto do século XXI: a pesquisa como princípio pedagógico • Cardoso SMV dades de pesquisa com as atividades de ensino, na prática formativa da graduação. É indispensável que os cursos de graduação desenvolvam um projeto pedagógico, no qual ensino, pesquisa e extensão estejam indissociavelmente integrados. Não pode existir ensino de qualidade sem pesquisa. Justificando a necessidade da pesquisa para os futuros cirurgiões-dentistas, vamos aqui utilizar as afirmações de Demo2 (1998), que nos demonstram a importância de a universidade formar não somente o profissional competente, mas também o cidadão competente, aquele que constrói e reconstrói uma intervenção adequada a partir das idéias, técnicas e dos instrumentos utilizados anteriormente, formando assim, como nos apresenta Schön12 (2000), o profissional reflexivo, aquele que consegue, diante de um novo problema, resolvê-lo através de experiências anteriores. Quanto ao cidadão competente, Greco6 (2004) afirma que a cidadania começa na escola, desde os primeiros anos da educação infantil e se estende à educação superior, nas universidades. Começa, segundo ele, com o fim do medo de perguntar, de inquirir o professor, de cogitar outras possibilidades do fazer, enfim, quando o aluno aprende a fazer fazendo e a construir um espaço para sua utopia e um clima de paz e bem-estar social, político e econômico no meio social. Em relação ao profissional competente, é pela pesquisa que o aluno se habitua a ter iniciativa, em termos de procurar livros, textos e novas informações, superando a regra comum de receber conteúdos prontos através de aulas copiadas e dos métodos tradicionais da reprodução de textos, os quais decora para as provas. Estaríamos, assim, como nos apresenta Freire 4 (1996), dando passos significativos para construir a “educação libertadora” no lugar da educação bancária. Segundo Demo2 (1998): em conhecimento, de transformar o conhecimento em sapiência, como afirma Morin7 (2000a). Podemos, assim, formar o cidadão competente e o profissional competente caracterizados por Demo2 (1998). A dinâmica da pesquisa nos cursos de graduação pode colaborar para a formação do profissional competente, que sabe fazer e refazer soluções. Não podemos esquecer que, para que aconteça uma educação pela pesquisa, é condição fundamental que o professor seja pesquisador, não um profissional da pesquisa, mas um pesquisador como profissional da educação,3 sendo necessário, então, um questionamento dos professores. Faz, portanto, parte deste artigo ressaltar algumas questões para o preparo dos professores de Odontologia. Discussão Há uma necessidade urgente de rejuntarmos, religarmos homos e nature e, segundo Morin8 (1999), a educação do futuro exige um esforço transdisciplinar que seja capaz de assumir esse papel. Para compreender isso, Morin10 (1995) propõe a teoria do pensamento complexo, que nos permite conhecer a complexidade na qual estamos envolvidos e que somos, já que a busca pela clareza e simplificação levou a modernidade a se distanciar da complexidade inerente à condição humana. O pensamento complexo se fundamenta na interdependência do todo e das partes. Segundo Morin11 (2000c): “[...] Complexus significa o que foi tecido junto: de fato há complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo), e há um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto de conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si. Por isso, a complexidade é a união entre unidade e multiplicidade.” “[...] A pesquisa, na universidade, faz parte da profissionalização também, não sendo, pois, apenas opção ou vocação, mas componente crucial do processo de formação e recuperação da competência; é, por isso, a maneira decisiva de substituir treinamento por educação, ou seja, o mero fazer, pelo saber fazer e sempre refazer; tratando-se de formação da competência, o aspecto formativo deve predominar sobre o transmissivo.” A pesquisa motiva os alunos a participarem mais de sua formação, e a se envolverem mais em seu processo educacional. Trata-se de transformar as informações Morin9 (2000b) vem nos propor a reformar o pensamento, combater o reducionismo instalado em nossa sociedade e valorizar o complexo. No paradigma da complexidade temos de levar em conta o todo e as partes. Ele vem nos propor uma nova ciência, com consciência de sua complexidade. Precisamos trabalhar a condição humana. O ser humano foi fragmentado ao longo desses anos nos cursos universitários: estuda-se o corpo humano, esquece-se do psíquico, do espiritual. Torna-se também necessário ensinar a compreensão humana e a solidariedade: Revista da ABENO • 7(1):54-7 55 A formação do dentista no contexto do século XXI: a pesquisa como princípio pedagógico • Cardoso SMV “[...] A educação do futuro deverá ser primeiramente universal, centrada na condição humana. Estamos na era planetária; uma aventura comum conduz os seres humanos, onde quer que se encontrem. Esses devem reconhecer-se em sua humanidade comum e ao mesmo tempo reconhecer a diversidade cultural inerente a tudo o que é humano. Conhecer o humano é, antes de mais nada, situá-lo no universo, e não o separar dele.” No reconhecimento de crise planetária, Morin8 (1999) nos apresenta a educação como possibilidade de religar os saberes de acordo com as exigências da humanidade e de romper com a oposição entre natureza e cultura, sendo necessário que o homem saiba se reconhecer como ser complexo que é, e reconhecer o outro como também complexo, respeitando a condição humana dentro da diversidade cultural, religiosa, étnica, e outras. O professor precisa resgatar nos seus alunos o ser humano como um todo. A partir da modernidade, fomos nos limitando a uma compreensão cientificista, racionalista e mecanicista do mundo. O homem é razão, mas também é alma. Torna-se um desafio aos professores orientar seus alunos, que são seres complexos, para a construção de uma sociedade mais feliz e solidária. Morin7 (2000a) nos mostra que precisamos evoluir da informação para o conhecimento, e do conhecimento para a sapiência, passando esse conhecimento a se vincular à existência do indivíduo. Dessa maneira a Educação estaria formando o profissional competente e cidadão competente, colocado por Demo3 (1991), ou seja, um profissional competente em sua profissão e também capaz de interferir, com o saber, na sociedade em que vive, no sentido de construí-la como uma sociedade capaz de ser solidária, pois: “[...] Ensinar a viver necessita não só dos conhecimentos, mas também da transformação, em seu próprio ser mental, do conhecimento adquirido em sapiência, e da incorporação dessa sapiência por toda a vida.”11 “[...] A liberdade pode ser instituída e garantida pela Constituição, a igualdade pode ser, em certa medida, imposta pelas leis ou pelo acesso à escolaridade, mas a fraternidade, ninguém pode impô-la do exterior. A fraternidade deve ser vivida. É uma necessidade fundamental. A solidariedade é aquilo que religa. É a solidariedade que permite que a liberdade não seja criminosa, que cada um não se entregue livremente à agressão, à dominação do outro.”11 56 O ensino e a prática dos profissionais da saúde acompanharam o desenvolvimento ocorrido nas demais áreas do conhecimento. Houve um grande desenvolvimento técnico-científico, mas que se tornou cada vez mais fragmentado, proporcionando uma grande valorização das especialidades em detrimento da visão da totalidade do paciente. Ocorre a mesma coisa na Odontologia: a maioria dos professores é especialista, as disciplinas são dadas umas independentemente das outras, e o aluno passa a ter uma visão fragmentada do paciente. A formação do cirurgião-dentista, assim delineada, por um lado não consegue dar conta da preparação técnica-científica necessária frente aos avanços do conhecimento e, por outro lado, não prepara esse profissional para atuar nos demais aspectos, inclusive docência, ou seja, para atuar além do biológico. Se não considerarmos a saúde como um completo bem-estar físico, mental e social, estaremos nos preocupando apenas com o físico, em detrimento do mental e do social. Tendo conhecimento, como educadores, da complexidade humana e das suas contradições, nós professores precisamos auxiliar os nossos estudantes a orientarem toda essa complexidade para a construção de um mundo mais humano, mais solidário. Nossos alunos, além do conhecimento técnico-científico, inquestionavelmente necessário, também precisam de uma formação humanista que considere a inteireza do ser humano e que o comprometa com a sociedade. Esse mesmo profissional deve ter habilidades e capacidade de integrar conhecimentos vividos em áreas diversas, autonomia de pensamento e ação, flexibilidade e articulação, além de saber trabalhar em equipe, ser criativo e ter capacidade de refazer respostas. O profissional atual necessita ser reflexivo. É importante que esse saiba refletir sobre sua prática. Como nos apresenta Schön12 (2000), o profissional reflexivo é aquele que consegue, diante de um novo problema, resolvê -lo através de experiências anteriores, ser criativo e solidário, capaz de compreender e modificar a realidade. Conclusão Para que os profissionais sejam formados não somente como profissionais competentes, mas também cidadãos competentes é necessário repensarmos nossas práticas docentes. Precisamos de profissionais generalistas e humanistas, que saibam lidar com a complexidade e com a especialização, conhecendo os riscos de uma hiperespecialização. Garavatti5 (2002) afirma que: Revista da ABENO • 7(1):54-7 A formação do dentista no contexto do século XXI: a pesquisa como princípio pedagógico • Cardoso SMV “[...] Não podemos deixar de reconhecer o momento de transição por que passa a Odontologia, e os professores e cirurgiões-dentistas devem estar preparados para atuar nesse novo contexto, em que estão inseridos os fenômenos de globalização e socialização dos cuidados da saúde, que devem ser compreendidos em toda a sua complexidade. Vivemos um período de grandes transformações de toda a interatividade das relações humanas, e essas ocorrem numa velocidade alucinante, causando a desestabilização de vários conceitos, valores e estruturas.” knowledge. In order to make this assumption real, research should be adopted as a pedagogical principle, as proposed by Demo2 (1998). This article intended to analyze the guidelines which could be adopted as a reference for the training of a dentist in the context of the XXIst century, to identify the requirements faced by such a professional, and to analyze research as a pedagogical principle in the training of the next-generation dentists. The theorists chosen to substantiate this article were Edgar Morin, Paulo Freire, Pedro Demo and Donald Schön. Buarque1 (2003) deixa um apelo aos professores: “[...] Por favor, aceitem o risco de serem professores num tempo em que o conhecimento muda a cada instante, Descriptors Research. Teaching/methods. Professional competence. Education, higher. § exigindo dedicação para acompanhar as mudanças contínuas. Aceitem com audácia esse desafio, e sigam rumo à criação de novas maneiras de conhecer, por mais efêmeras que sejam.” Referências BIBLIOGRÁFICAS 1. Buarque C. A universidade numa encruzilhada. Brasília: UNESCO; 2003. 2. Demo P. Educar pela pesquisa. 3ª ed. Campinas: Autores As- E para finalizar, Morin8 (1999) enfatiza ser necessário que o professor tenha amor à matéria que ensina, assim como para com os alunos a quem ensina. O professor ainda precisa sentir-se comprometido com os profissionais que estará formando. sociados; 1998. 3. Demo P. Pesquisa: princípio educativo. 2ª ed. São Paulo: Cortez: Autores Associados; 1991. 4. Freire P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 20ª ed. São Paulo: Paz e Terra; 1996. 5. Garavatti F. O professor de Odontologia: histórias de vida. São Abstract The training of the dentist in the XXIst century: research as a pedagogical principle We are living a paradigmatic transitional moment. The professional of the XXIst century must be prepared to face these new changes. He or she should be able to create and recreate solutions. The educational process experienced in our Universities has often been based on a traditional teaching practice that conceives students as mere recipients of readyto-use and finished contents. As a result, the authentic act of thinking is undermined, as reproductive thoughts prevail over innovative ideas. On the other hand, there is another kind of teaching practice that exceeds the limits of reproduction and is based on creativity and stimulates action-reflection, thus preparing a reflective professional, as presented by Schön12 (2000). Under this conception of education, students feel challenged to explore and deepen their knowledge, to question and rethink the current Bernardo do Campo: UMESP; 2002. 6. Greco M. Educação Superior para a construção para projetos de vida. São Paulo: Salesiana; 2004. 7. Morin E. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2000a. 8. Morin E. Ciência com consciência. 3ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 1999. 9. Morin E. Complexidade e transdisciplinariedade - a reforma da universidade e do ensino fundamental. Natal: EDFRN; 2000b. 10. Morin E. Introdução ao pensamento complexo. 2ª ed. Lisboa: Instituto Piaget; 1995. 11. Morin E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2ª ed. São Paulo: Cortez; 2000c. 12. Schön D. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas; 2000. Revista da ABENO • 7(1):54-7 Recebido para publicação em 12/02/2006 Aceito para publicação em 17/05/2006 57 A preocupação social nos currículos de odontologia A graduação em Odontologia deve formar não apenas profissionais competentes, mas também pessoas aptas a interagir eticamente no contexto social. Rafael Gomes Ditterich*, Priscila Paiva Portero*, Leide Mara Schmidt** *Mestres em Odontologia (Clínica Integrada) pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. E-mail: [email protected]. **Doutora em Educação (Supervisão e Currículo) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Professora de Didática Aplicada ao Ensino Superior do Programa de Mestrado em Odontologia da Universidade Estadual de Ponta Grossa. RESUMO Atualmente, os cursos de graduação em Odontologia estão à frente de um grande desafio na proposta de ensino, que é sair de um modelo centrado no diagnóstico, tratamento e na recuperação de doenças, que foi praticado durante anos, para outro centrado na promoção de saúde, prevenção e cura de pessoas. O presente artigo de revisão faz uma reflexão sobre a importância da preocupação social nos currículos das universidades e faculdades de Odontologia na formação dos futuros cirurgiões-dentistas. Os cursos de graduação tendem a apresentar a condição de ensino fragmentado dentro de ambientes da própria instituição, cabendo ao acadêmico a integração dos conteúdos, o que leva este futuro profissional a um distanciamento da realidade da população. A preocupação social é uma realidade que deve estar presente nos currículos de Odontologia, só assim as universidades e faculdades conseguirão formar um profissional com uma visão integral da saúde. Também existe a necessidade de resgatar a importância e a validade dos estágios extramuros como ambiente essencialmente necessário para a aprendizagem dos alunos. DESCRITORES Faculdades de odontologia. Educação em odontologia. Odontologia comunitária. Currículo. Meio social. A odontologia como profissão tem sido objeto de críticas em torno de se determinar a capacidade 58 do impacto social que tem tido até o presente, principalmente por sua atuação na modificação dos problemas de saúde na população, especificamente no campo da saúde bucal. As Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação em Odontologia5 propõem que o formando egresso deva apresentar um perfil de: “[...] um profissional generalista, humanista, crítico e reflexivo, para atuar em todos os níveis de atenção em saúde, com base no rigor técnico e científico. Capacitado ao exercício de atividades referentes à saúde bucal da população, pautado nos princípios éticos, legais e na compreensão da realidade social, cultural e econômica do seu meio, dirigindo sua atuação para a transformação da realidade em benefício da sociedade.” Porém, Masetto12 (1998), ao analisar o modelo de ensino superior brasileiro, afirma que a formação superior está voltada para o mercado de trabalho, centrada na formação técnica e dependente do conhecimento externo, com dificuldade para criar e universalizar soluções adequadas à realidade social. Essa dificuldade também é identificada nos cursos de graduação em Odontologia, pois as faculdades brasileiras apresentam padrões curriculares com grande enfoque nas ciências básicas e técnicas operatórias, mas enfoque limitado nos aspectos preventivos e de saúde pública.21 Revista da ABENO • 7(1):58-62 A preocupação social nos currículos de odontologia • Ditterich RG, Portero PP, Schmidt LM Segundo Bernal Alvarez3 (2000), a prática odontológica deve proporcionar a construção, a reafirmação e a confrontação com a teoria. A teoria e a prática devem se inter-relacionar permanentemente, para proporcionar espaços de criação, de integração e de reflexão crítica. A prática educativa humanizada na área da saúde coloca o homem como centro do processo de construção da cidadania, é comprometida e integrada à realidade social e epidemiológica e às políticas sociais e de saúde, oportunizando a formação contextualizada e transformada.17 Pois é óbvio que uma profissão só se faz reconhecida moral e eticamente na mesma medida em que se beneficia o conjunto da sociedade, e não apenas parcelas privilegiadas no contexto do país, as quais dispõem de recursos financeiros para custear o benefício.18 As faculdades e universidades não devem limitar o aprendizado ao espaço físico da sala de aula, pois o aluno precisa ser inserido no contexto profissional e social.7 Desse ponto de vista, a graduação em Odontologia não deve apenas cuidar dos interesses científicos ou didáticos, mas deve preocupar-se também com a formação profissional de pessoas comprometidas com o bem-estar e a melhoria da sociedade. Em outras palavras, devem formar não apenas profissionais competentes, mas pessoas aptas a interagir eticamente no contexto social.1,15 O artigo é uma revisão da literatura sobre a preocupação social nos currículos das faculdades de Odontologia e das universidades que possuem o curso para formação de futuros cirurgiões-dentistas. DISCUSSÃO Os currículos em geral são pautados pela divisão das disciplinas, tratadas como se fossem especialidades inseridas na formação da graduação.22 Dos alunos, exige-se que reúnam as partes na tentativa de alcançar e entender o todo. Verifica-se que, ao final, resulta a construção de uma clínica de aplicação prática do conjunto de conhecimentos, mesmo no que diz respeito àqueles currículos que julgam integrar a formação. Na realidade, os conhecimentos permanecem fragmentados. A simples aplicação em conjunto não resulta em integração. Essa é uma das questões cruciais a serem superadas na aplicação dos conceitos de interdisciplinaridade.18 Dentro dos currículos do curso de Odontologia geralmente a preocupação com a realidade social está vinculada a dois momentos da formação do cirurgiãodentista, que seriam: nas disciplinas de Odontologia em Saúde Coletiva e Estágio Supervisionado. Isso demonstra o descaso das faculdades com os currículos, já que outras disciplinas somente se preocupam com o indivíduo, ou, mais especificamente, somente com a boca. É cada vez mais inadmissível desvincular saúde bucal de saúde geral. A Odontologia em Saúde Coletiva, entre outras atribuições, é responsável pelo desenvolvimento da teoria e da prática do estudo das doenças bucais mais prevalentes numa população, dos principais fatores associados a essas doenças e das medidas de intervenção mais adequadas para reduzir e controlá-las, mantendo-as em níveis aceitáveis do ponto de vista social e econômico da comunidade.6 A área da Saúde Coletiva tem um papel de grande importância na formação do futuro cirurgião-dentista com o perfil exigido pelas Diretrizes Curriculares e pela sociedade, ou seja, com formação generalista, socialmente sensível e principalmente disposto a aprender.20 Paula, Bezerra18 (2003) avaliaram 89 currículos de graduação em Odontologia no Brasil e verificaram que, para a área da Odontologia em Saúde Coletiva, a carga horária variou de 30 a 840 horas, com média de 257 horas. Já Rodrigues et al.20 (2006), ao analisarem 50 currículos de graduação, encontraram uma carga horária que variou de 75 a 699 horas para a mesma disciplina. Nos dois estudos, não se encontrou correlação entre a carga horária total do curso e o que era destinado para a área da Saúde Coletiva, isto é, não necessariamente os cursos que apresentam maior carga horária eram aqueles que possuíam maior concentração para Saúde Coletiva. O que demonstra que a maioria dos cursos não incorporou a disciplina em seus currículos de maneira efetiva, o que demonstra a despreocupação com o papel e a real importância da saúde pública.18 A outra disciplina que tem como obrigatoriedade o atendimento integral, individual e coletivo na atenção em saúde bucal é o Estágio Supervisionado. De acordo com o Parecer CNE/CES 329/2004,4 o curso de Odontologia deve apresentar uma carga horária mínima de 4.000 horas, sendo que, dessa carga horária, 20% deverá ser destinada ao Estágio Supervisionado, conforme determina a Resolução CNE/CES 3/2002.5 Também segundo as Diretrizes da Associação Brasileira de Ensino Odontológico – ABENO2 (2002), o Estágio Supervisionado: “[...] é o instrumento de integração dos conhecimentos do aluno com a realidade social e econômica de sua região Revista da ABENO • 7(1):58-62 59 A preocupação social nos currículos de odontologia • Ditterich RG, Portero PP, Schmidt LM e do trabalho de sua área. Ele deve também ser entendido como o atendimento integral do paciente que o aluno de odontologia presta à comunidade, intra e extramuros. O aluno pode cumpri-lo em atendimentos multidisciplinares e em serviços assistenciais públicos e privados.” “[...] deve fomentar a relação ensino-serviços e ampliar as relações da universidade com a sociedade. Ele deve colocar o futuro profissional em contato com as diversas realidades sociais (locais, regionais e nacionais), incluindo-se as práticas e políticas de saúde pública e a realidade do mercado de trabalho, possibilitando ao aluno ser um agente transformador dessas realidades.” “[...] tanto o intra como o extramuros caracterizam-se pela atenção integral ao paciente. Sugere-se a criação de clínicas integradas de atenção básica, com complexidade crescente, com os alunos executando competências já adquiridas, trabalhando desde a educação e promoção de saúde até a reversão do dano. O foco dessas clínicas integradas é o paciente como um todo [...]” Segundo Ringel et al.19 (2000), a formação exclusiva do currículo ou do estágio supervisionado no âmbito intramuro desde sempre vem apresentando carências sob o ponto de vista conceitual: 1. Encarar o paciente fora de seu contexto social muitas vezes gera uma contradição entre seu plano de tratamento e as reais necessidades de atenção da pessoa para chegar ao estado de saúde biopsicossocial. 2. Existe uma falta de integração do estudante a programas de saúde bucal dirigidos ao âmbito da vida ou de trabalho da pessoa, impossibilitando sua participação nos programas de saúde multiprofissionais. 3. Os serviços e procedimentos técnicos propostos pelos docentes obedecem geralmente a critérios pré-estabelecidos e não a uma situação do paciente no contexto que permita adequar as propostas terapêuticas à realidade socioeconômica e cultural das pessoas. As atividades extramuros abrem à convivência e à interação das universidades com as comunidades, e familiarizam e capacitam os estudantes a trabalhar na realidade que enfrentarão no mercado de trabalho.13,14 Também possibilitam aos alunos o conhecimento das estruturas organizacional, administrativa, gerencial e funcional dos serviços públicos de saúde; a participação no atendimento à população; a compreensão das políticas de saúde bucal, do papel do Cirurgião-Dentista; o conhecimento das bases epidemiológicas do método 60 clínico e de suas aplicações práticas nos programas de saúde bucal, além do conhecimento dos parâmetros e/ou instrumentos de planejamento utilizados nos projetos de saúde e programas de saúde bucal.21 Bernal Alvarez3 (2000) propõe que a prática odontológica fora dos muros da universidade deva iniciarse desde o primeiro ano, para situar o estudante na realidade e criar um sentimento de compromisso social, fazendo com que o estudante participe de sua dinâmica cultural, política e democrática, identificando as necessidades sociais e potencializando sua criatividade e autonomia nas propostas de soluções. Com base nisso, o estudante se vinculará a diferentes cenários, com uma participação que pode adotar diversas modalidades: observação, acompanhamento ou execução, segundo o nível acadêmico. Esse objetivo alcança-se à medida que diferentes disciplinas se unem para trabalhar em equipe, uma vez que a complexidade do processo saúde-doença requer uma integração coordenada entre as ciências básicas e sociais, e que dê suporte permanente na existência, no desenvolvimento e na operação do sistema de saúde sob o ponto de vista legal, formativo, investigativo, financeiro e de comunicação. As atividades extramuros inseridas nos currículos de graduação, como metodologia de ensino e como forma de prestar assistência odontológica à comunidade, vêm sendo adotadas por muitas instituições de ensino. É possível, no entanto, que o desconhecimento ou a subestimação do valor pedagógico dos estágios extramuros não tenham permitido seu uso generalizado, mantendo-se, muitas vezes, o modelo tradicional de ensino. Esse modelo por sua vez levou às seguintes conseqüências: mecanicismo, biologicismo, assistência individual, especialização precoce, tecnificação do ato odontológico, ênfase na odontologia curativa e formação elitista alienada da realidade social.10,16 Os cursos de graduação, ao promoverem atividades fora de seu ambiente físico, integram a comunidade com os acadêmicos, realizando um esforço para mudar o modelo de atenção em saúde bucal de individual para coletivo, de curativo para preventivo e de ambiente isolado para a realidade social. Também propiciam o conhecimento das características epidemiológicas da sociedade, conforme suas condições de vida e dimensões de trabalho e educação, proporcionando um estágio voltado à promoção de saúde e elaboração de estratégias para resolução de problemas. O real papel da universidade seria o de identificar corretamente os problemas de saúde de cada município ou região e dizer como pode resolvê-los, ou seja, Revista da ABENO • 7(1):58-62 A preocupação social nos currículos de odontologia • Ditterich RG, Portero PP, Schmidt LM o ensino e a pesquisa devem ser direcionados para ações de impactos sociais que possibilitem melhores condições de vida para a população. Assim, os egressos estarão preparados para o mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, cientes do seu compromisso de devolver à sociedade tudo que lhes foi ensinado.8 Porém, Segura et al.21 (1995) afirmam que os estágios extramuros se caracterizam pela pouca integração entre as diversas disciplinas e pelo planejamento em curto prazo, sem avaliações sistemáticas. As dificuldades encontradas com maior freqüência pelas instituições são: a escassez de recursos econômicos, assim como a falta de motivação dos docentes e o desconhecimento do valor pedagógico para esse tipo de prática. Nas faculdades e universidades, o curso de Odontologia deve buscar parcerias com entidades privadas e instituições governamentais, principalmente prefeituras, já que a atenção à saúde é de responsabilidade dos municípios. A ABENO2 (2002) recomenda para a realização do estágio supervisionado: rede de serviços públicos, Programa Saúde da Família, Odontologia de Grupo, internato rural, estágio metropolitano e unidades de extensão conveniadas ou da própria universidade. Segundo Ringel et al.19 (2000), o modelo curricular deveria ser baseado na aprendizagem em condições reais. Esse modelo constitui: 1. Um ensino orientado para a comunidade – O conhecimento da saúde bucal dos grupos humanos através do reconhecimento do contexto social e de sua realidade epidemiológica, vinculando-a com a clínica. 2. Um ensino centrado no paciente – Um ensino em que os planos de tratamento se realizam em função das necessidades do paciente e não pela docência em si mesma. 3. Um ensino centrado no estudante – Uma formação integradora do conhecimento da realidade e dos recursos que se oferecem à Odontologia, com os objetivos da docência. Deve permitir formar acadêmicos mediante um ensino automotivado, resolvendo problemas surgidos da realidade clínica no tratamento das patologias bucais. Há necessidade de resgatar a importância e a validade do estágio como ambiente essencialmente necessário para a aprendizagem dos alunos.11 Muitas instituições devem ainda desenvolver – por meio de estágios extracurriculares, do próprio Estágio Supervisionado, da disciplina de Odontologia em Saúde Coletiva – ou mesmo criar uma integração entre as disciplinas no decorrer do curso de graduação, demonstrando assim sua preocupação com a realidade social, para que os futuros profissionais se sintam motivados e, assim, possamos sonhar com mudanças na condição bucal da população brasileira. ABSTRACT Social concern in the dentistry curriculum Currently, the undergraduation courses in Dentistry face a great educational challenge, namely, to leave behind a model centered on the diagnosis and treatment of illnesses and recovery from them, which was practised for years, and adopt one centered on health promotion, prevention and cure. The present literature review reflects on the importance of social concern in the curriculum of dental schools and universities and in the training of future dentists. Undergraduation courses tend to suffer with the problem of fragmented education inside the very institution, leaving the student with the burden of having to integrate the several subjects by himself, leading this future professional to become apart from the reality of the population. Social concern is a reality that must be present in the Dentistry curriculum, only thus will universities and dental schools be able to train a professional with a holistic view of health. There is also the need to redeem the importance and validity of extramural training as an environment that favours learning. DESCRIPTORS Schools, dental. Education, dental. Community dentistry. Curriculum. Social environment. § REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Angeletti P, Abramowicz M. Subsídios para a obtenção dos CONSIDERAÇÕES FINAIS A preocupação social é uma realidade que deve estar presente nos currículos de Odontologia, só assim as universidades estarão formando, como afirma Landín et al.9 (1993), um profissional com um conceito integral da saúde, baseado no caráter inseparável do biológico e do social, do preventivo e do curativo, e do homem e do meio em que vive. serviços da clínica de odontologia da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo – Aspectos éticos e legais. Rev Cons Reg Odontol Pernambuco 2001;4(1):13-36. 2. Associação Brasileira de Ensino Odontológico. Diretrizes da ABENO para a definição do estágio supervisionado nos cursos de Odontologia. 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Elaine Manso Oliveira Franco de Carvalho*, José Luiz Lage-Marques** *Doutora em Endodontia pela Universidade de São Paulo. Professora da Universidade Federal de Alfenas. E-mail: [email protected]. **Professor Titular da Universidade de Taubaté e da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo. RESUMO O mundo passa por constantes transformações, e a Internet está sendo utilizada como um recurso didático de grande importância. Do giz ao computador, a tecnologia esteve presente na escola servindo de mediação entre a ação e a aprendizagem de professores e alunos. Cada vez mais, é mais freqüente o uso de ferramentas tecnológicas nas salas de aula: o computador, juntamente com seu principal recurso, a Internet, tem suscitado debates acerca de sua eficácia ou não para a educação escolar. O uso da Internet, em experiências com projetos educativos, revela que tal recurso origina ambientes de aprendizagem diferentes dos das tradicionais aulas presenciais, no que se referem aos papéis dos professores e alunos, ao fluxo das informações, ao grau de autonomia e de participação dos alunos e, também, ao desenvol vimento de competências complexas como as que envolvem a resolução de problemas. Contudo, tais experiências revelam que esses resultados só são proveitosos e eficazes quando os professores possuem preparação técnica pedagógica para esse fim. Educar com novas tecnologias é um desafio que não foi enfrentado com profundidade. As tecnologias podem ajudar, mas, fundamentalmente, educar é aprender a gerenciar um conjunto de informações e torná-las algo significativo para cada um, o conhecimento. A introdução da Internet na escola funciona como catalisadora de mudanças, portanto, é pertinente considerar essa nova ferramenta como um precioso auxílio na aprendizagem. DESCRITORES Educação baseada em competências. Internet. Atitude frente aos computadores. O escritor Monteiro Lobato escreveu que “um país se faz com homens e livros”, e, provavelmente, o autor do Sítio do Pica-Pau Amarelo incluísse a Internet e o computador como ferramentas indispensáveis de construção de cidadania. Ter acesso à tecnologia é essencial para combater a exclusão social e abrir oportunidades iguais para todos os cidadãos. O acesso universal à informação traduz um mecanismo fundamental de mudanças do modo como a sociedade interage entre si. Nesse processo, o computador tem a sua influência e a Internet explode como a mídia mais promissora desde a implantação da televisão no acesso à informação.8,10,12 É a mídia mais aberta, descentralizada e, por isso mesmo, mais ameaçadora para os grupos políticos e econômicos hegemônicos. Aumenta o número de pessoas ou grupos que criam na Internet suas próprias revistas, emissoras de rádio ou de televisão, sem pedir licença ao Estado ou estar vinculados a setores econômicos tradicionais. Cada um pode dizer nela o que quiser, conversar com quem desejar, oferecer os serviços que considerar convenientes.12,14 Estas novas ferramentas de comunicação e de informação – Internet, computador, telefone celular –, atualmente acessíveis a camadas da população que antes não as tinham, passaram a permitir que mais gente conheça as necessidades da sociedade e possa Revista da ABENO • 7(1):63-7 63 Internet – um recurso didático • Carvalho EMOF, Lage-Marques JL participar das soluções. Mas, como sempre acontece com as novidades, nem sempre a aceitação se faz harmoniosa e livre de ambigüidades. Será a Internet um auxiliar didático de um processo de ensino-aprendizagem de qualidade? Esse novo instrumento tecnológico está suportando o aprimoramento do ensino-aprendizagem, estimulando o aluno a trabalhar com um conjunto variado de informações, selecionando as mais relevantes, avaliando-as e assim gerando novos conhecimentos? O analfabetismo digital, na nova economia, é tão grave quanto não saber ler e escrever era na velha economia.2,13,14 A preocupação central deste estudo reside em como essa nova tecnologia está sendo recebida na Educação e ela se fundamenta no receio de que o uso desta tecnologia esteja descompromissado com os objetivos pedagógicos das Instituições de Ensino. Revisão de literatura e Discussão Há cerca de duas décadas, vários autores4,7 têm vindo anunciar que as transformações em curso conduzirão a uma nova sociedade: a sociedade da informação. Esse conjunto de transformações econômicas e sociais surge com a generalização da introdução das novas tecnologias, as quais estão a mudar a forma de trabalho, de relacionamentos e de divertimento. Em longo prazo, a forma de pensar está, também, a ser subtilmente transformada. A transformação, que se opera a uma velocidade vertiginosa, é o resultado de um longo ciclo de mudanças iniciado com o aparecimento da linguagem, que iniciou um processo de desenvolvimento das capacidades cognitivas do homem. O aparecimento do alfabeto, na Grécia, provocou a emergência de um novo discurso conceitual e, logo, de um novo estado mental, que seria alvo de uma nova configuração com o aparecimento da imprensa. A revolução do acesso à informação e a reelaboração da estrutura do livro provocadas pela imprensa culminaram em grandes transformações nas esferas políticas, religiosas, econômicas e sociais. Dessa forma, para elucidar e contribuir para a construção de conceitos, alguns aspectos serão abordados, tendo em vista que novas tecnologias, ao se disseminarem pela sociedade, levam à experiência nova e a novas formas de relação com o outro, com o conhecimento e com o processo de ensino-aprendizagem. Foi assim no passado, com a disseminação 64 da escrita. A própria origem da Educação e da Escola, tal como concebidas, depende fundamentalmente desta tecnologia de registro e recuperação de informação que é a escrita. O desenvolvimento dessa tecnologia promoveu grandes transformações na prática educativa.7,8,15 É praticamente inconcebível ensinar e aprender sem livros, objetos que somente começaram a ser usados em larga escala com o advento da máquina de imprimir e da técnica de corte de papel, que permitiu que os livros se tornassem portáteis. As novas tecnologias, especialmente as que estão ligadas às chamadas “mídias interativas”, estão promovendo mudanças na Educação, num processo que parece estar apenas começando. Para a maioria dos educadores elas são absolutamente desconhecidas. Uma parcela muito pequena teve algum contato ou usa com alguma freqüência essas tecnologias. E, mesmo para estes, elas representam uma imensa novidade.15 A Exclusão Digital está relacionada à falta de inclusão social, com um agravante: a revolução tecnológica tende a aprofundar o fosso que separa quem domina a nova linguagem e quem não a sabe usar; estes estão praticamente condenados a não sair do lugar em que se encontram. A exclusão socioeconômica desencadeia a exclusão digital, ao mesmo tempo em que a exclusão digital aprofunda a exclusão socioeconômica. A inclusão digital deveria ser fruto de uma política pública com destinação orçamentária, a fim de que ações promovam a inclusão e equiparação de oportunidades a todos os cidadãos. Nesse contexto, é preciso levar em conta indivíduos com baixa escolaridade, baixa renda, com limitações físicas e idosos. Uma ação prioritária deveria ser voltada às crianças e aos jovens, pois constituem a próxima geração.3,10,13,14 Um parceiro importante à inclusão digital é a educação. A inclusão digital deve ser parte do processo de ensino de forma a promover a educação continuada. Note que educação é um processo e a inclusão digital é elemento essencial desse processo. Embora a ação governamental seja de suma importância, ela deve ter a participação de toda a sociedade face à necessidade premente que se tem de acesso à educação e redistribuição de renda, permitindo assim acesso às Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC’s). A Internet, rede de informações, está repleta de vários tipos de aplicações educacionais, de divulgação, de pesquisa, de apoio ao ensino, que contribuem Revista da ABENO • 7(1):63-7 Internet – um recurso didático • Carvalho EMOF, Lage-Marques JL para a construção do conhecimento autônomo. A educação presencial pode modificar-se significativamente com as redes eletrônicas. As paredes das escolas e das universidades se abrem, as pessoas se intercomunicam, trocam informações, dados, pesquisas. A educação continuada é potencializada pela possibilidade de integração de várias mídias, acessando-as tanto em tempo real como assíncrono, isto é, no horário favorável a cada indivíduo, e é facilitada também pela praticidade de pôr em contato educadores e educandos.4 As mídias digitais permitem que se estabeleçam relações descentralizadas e horizontalizadas entre os produtores e consumidores de conhecimento. Isto porque tais mídias possibilitam maior interação entre tais agentes. Assim, o seu interior permite ser ora produtores, ora consumidores dos conteúdos e dos processos possíveis de circularem na rede. Portanto, se tais mídias digitais não explorarem esse potencial interativo e as possibilidades de relações mais horizontais, serão apropriadas como as velhas mídias, em que a grande massa de receptores recebe de modo pouco participativo o que lhes é ofertado por um número mínimo de produtores, como é o caso, por exemplo, do modelo da televisão.3,4,8 Wolton16 (2000) define a Internet como a “rede constituída por diferentes redes interconectadas à escala mundial. É a percursora das auto-estradas da informação”. A educação, por meio da Internet, terá que ser responsável por uma ruptura paradigmática a partir da mudança de tecnologia. A aposta da Internet na educação é de que a tecnologia introduza um paradigma e interfira na produção de conhecimento.3 Colocam-se desafios para a educação, a respeito dos currículos e dos paradigmas que irão se construir a partir dessa nova realidade. A Internet não pode ser apenas apresentada como uma grande fonte de dados sobre os mais diversos assuntos, sem que se perceba que se transformou também o modo de produzir conhecimento. É a partir dessa clareza que se devem estabelecer os paradigmas e conteúdos da educação do futuro. Enquanto não se parte para descobrir os verdadeiros potenciais da Grande Rede e que benefícios esta pode trazer para a educação, há o risco da condenação da transposição de uma pedagogia retrógrada para a Internet. Não há evidências da perda da autoridade do professor como porta-voz do saber, pois outra será sua importância e sua legitimidade se dará a partir daí. A capacidade de aprendizado e de assimilação poderá ser bastante elevada e estimulada, a partir de exemplos concretos, mas virtuais; a Internet será o palco de intercâmbio entre escolas (alunos e professores) de todo o mundo, onde qualquer História poderá ser comparada com depoimentos de quem a viveu sem intermediações de historiadores oficiais ou da imprensa. Sendo assim, novas perspectivas quanto à maneira de “ensinar” podem ser pensadas. A Educação à Distância recebeu notável impulso a partir da aplicação de novas tecnologias, notadamente aquelas que envolvem a Internet. A aprendizagem com a Internet pode tornar-se colaborativa dando a oportunidade da responsabilidade da própria aprendizagem, e assim colaborando para a construção de um pensamento crítico.6,9,10 As redes eletrônicas não apresentaram a solução mágica para modificar profundamente a relação pedagógica, mas vão facilitar como nunca antes a pesquisa individual e grupal, o intercâmbio de professores com professores, de alunos com alunos, de professores com alunos. Segundo Moran et al.11, em 2003, o professor pode iniciar um assunto em sala de aula sensibilizando, criando impacto, chamando a atenção para novos dados, novos desafios. Depois, convidar os alunos a fazer suas próprias pesquisas, individualmente e em grupo, para que procurem chegar a suas próprias sínteses. Enquanto os alunos fazem pesquisa, o professor pode ser localizado eletronicamente, para consultas ou dúvidas. O professor se transforma num assessor próximo do aluno, mesmo quando não está fisicamente presente. Pensar sobre como dar aula, diante das tecnologias e de alunos familiarizados e competentes na sua utilização técnica, é desafiador. Não é um modismo, não é algo voluntário e que só alguns professores fanáticos irão fazer. Cada um vai, de alguma forma, confrontar-se com essa necessidade de reorganizar o processo de ensinar.1,7,9 É enorme a responsabilidade do docente, na perspectiva de que a qualidade do processo educativo está essencialmente relacionada à qualidade de formação do professor e à competência deste profissional na sua relação com o conhecimento de que se professa detentor. Revista da ABENO • 7(1):63-7 65 Internet – um recurso didático • Carvalho EMOF, Lage-Marques JL Não há como conceber, por exemplo, um professor que somente exerça o ensino, embora isso possa acontecer com relativa freqüência na escola e na universidade. Da mesma maneira, é muito difícil acreditar que alguém somente pesquise sem socializar os resultados de sua busca, apesar de, freqüentemente, existirem comentários ou críticas sobre o isolamento ou distanciamento de cientistas da realidade. Acreditar que há um nexo entre as duas esferas (ensino e pesquisa) é justamente acreditar na possibilidade da produtividade do docente. O perfil professor-pesquisador ou o pesquisador-professor é o que concretiza essa produtividade, cada vez mais necessária numa sociedade em transformação e cujo ambiente se mostra nebuloso e incerto.5,6 A pesquisa é condição indispensável da prática docente, e tem como conseqüência, tanto para o docente quanto para o discente, um princípio educativo referencial, uma vez que o professor não educa apenas por meio de palavras, mas também pela postura revelada em suas atitudes ou no conjunto de suas ações. Isso repercutirá no aluno que, por sua vez, se questionará a respeito de querer ou não se tornar um sujeito crítico, criativo e conquistar sua autonomia intelectual.6 Nunca houve tanto conhecimento, tantas respostas prontas, fáceis e acessíveis sobre as questões que nos afligem, nunca houve tanta alienação, ingenuidade e apatia. O professor tem de aprender a lidar com o fato de que os alunos terão mais facilidade que ele com as novas tecnologias. A melhor maneira de encarar isso é reconhecer essa limitação e deixar que os alunos mais desenvoltos tecnologicamente se tornem monitores nos momentos de dificuldades técnicas. Isso ajuda o professor a admitir que ele não é mais o detentor de todo o conhecimento que os alunos devem adquirir. Os professores deverão ser preparados para trabalhar como facilitadores e, até mesmo, provocadores de participação. O professor não tem mais a missão de “transmitir conhecimento” e, sim, de orientar o aluno e ajudá-lo na busca do conhecimento. Essas são as novas tarefas do professor: estipular metas, planejar e estar atento para que os recursos estejam disponíveis. mente, educar é aprender a gerenciar um conjunto de informações e torná-las algo significativo para cada um de nós, isto é, o conhecimento. O desafio do uso da Internet como recurso didático é motivar os alunos a continuar aprendendo quando não estão em sala de aula. Motivá-los a realizar troca e não somente repasse de informação. Estimular o aluno a aprender em ambientes virtuais é um grande desafio pedagógico. CONCLUSÕES Educar com novas tecnologias é um desafio que até agora não foi enfrentado com profundidade. As novas tecnologias poderão proporcionar um aprendizado contínuo e flexível. As tecnologias podem ajudar, mas, fundamental- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 66 ABSTRACT The Internet – a teaching resource The world is constantly undergoing changes, and the Internet is being used as an important teaching resource. From the chalk piece to the computer, technology has been present in school as a link between action and learning for professors and students. Technological tools are more and more frequent in the class room: the computer along with its chief resource – the Internet – have raised a debate about their effectiveness in school education. The use of the Internet in educational programs has revealed that this resource gives rise to educational environments which are different from that of the traditional attendance classes regarding the roles of teachers and students, the flow of information, the degree of autonomy and participation of students, and the development of complex competencies such as those involving the resolution of problems. Nevertheless, experience shows that these results are useful and effective only when teachers are technically prepared for them. To educate using new technology is a challenge which has not yet been thoroughly tackled. Technology may help, but to educate is fundamentally to learn how to manage a set of information and turn it into something significant to the individual, namely knowledge. The introduction of the Internet into school programs acts as a catalyst for change. Therefore it is appropriate to consider this new tool as a precious aid to learning. DESCRIPTORS Competency-based education. Internet. Attitude to computers. § 1. Almeida LP. O uso pedagógico da internet na educação superior de graduação presencial no estado do Paraná: o caso do Unicentro [Dissertação de Mestrado]. Paraná: Instituto de Tecnologia do Paraná; 2001 [acesso 26 jul 2004]. Disponível em: http://teses.eps.ufsc.br//Resumo.asp?2770. Revista da ABENO • 7(1):63-7 Internet – um recurso didático • Carvalho EMOF, Lage-Marques JL 2 . Azevedo W . Muito além do Jardim da Infância: o desafio do preparo de alunos e professores on-line; 1999 [acesso 15 fev 2005] . 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Disponível 1999 . em: http://www.federativo.bndes.gov.br/bf_bancos/estudos/ 5 . Demo P . Metodologia da Investigação em Educação . Curitiba: e0002091.pdf . 14 . Revista Época . Inclusão digital – Informe Publicitário nº 320; Editora IBPEX; 2003 . 6 . Freire P . Pedagogia da Autonomia . São Paulo: Paz e Terra; 5 jul 2004 . 15 . Rondelli E . Sete pontos para concretizar a sociedade do co- 1999 . 7 . Lévy P . As tecnologias da inteligência – o futuro do pensamento na era da informática . Lisboa: Instituto Piaget; 1994 . 8 . Moran JM . Interferência dos meios de comunicação em nosso conhecimento . Revista INTERCOM jul/dez 1994;XVII(2) [acesso 30 mai 2005] . Disponível em: http://www.eca.usp.br/ nhecimento – Quatro Passos para a Inclusão Digital; jul 2003 [acesso 13 fev 2005] . Disponível em: http://www.comunicacao. pro.br/setepontos/5/4passos.htm . 16 . Wolton D . E depois da Internet? Lisboa: Editora Difel; 2000 . p .10 . prof/moran/interf.htm . 9 . Moran JM . Mudanças na Comunicação Pessoal . 2ª ed . São Recebido para publicação em 18/02/2006 Paulo: Paulinas;, 2000 . p . 90-1 . 10 . Moran JM . Novos desafios na educação – a internet na educa- Aceito para publicação em 17/05/2006 Conheça toda a trajetória da cinqüentenária Revista da ABENO • 7(1):63-7 6 Endodontia na graduação com ensino presencial e suporte a distância: estratégia motivacional ao estudo individual O material didático disponibilizado via web motiva o estudo individual e auxilia no ensino presencial, quando desenvolvido sob os conceitos de usabilidade e “design” instrucional apropriados. Mary Caroline Skelton-Macedo*, Cristiany Castro Basilio**, Nilden Carlos Cardoso Alves***, Viviane Pereira Marques****, Moacyr Ely Menéndez-Castillero*****, Rielson José Cardoso Alves****** *Doutora em Endodontia pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]. **Mestranda em Endodontia da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo. ***Mestre em Endodontia pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo. ****Especialista em Endodontia pela Escola de Aperfeiçoamento Profissional da Associação dos Cirurgiões Dentistas de Campinas. *****Doutor em Prótese Dental pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo. ******Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Endodontia do Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic. RESUMO Este trabalho avaliou o desempenho dos 29 alunos da primeira turma de Endodontia do curso de Graduação em Odontologia da Faculdade São Leopoldo Mandic, Campinas – São Paulo, que contou com o ensino presencial suportado pela disponibilização de conteúdos em plataforma educacional TelEduc. A sala de aula foi projetada para que cada aluno tivesse acesso a um computador desktop. O material de apoio desenvolvido somou “slides” do professor, apostilas, links para sites de conteúdos aprovados, perguntas freqüentes, diretrizes para o desenvolvimento de trabalhos, avaliações e tutoriais animados projetados de maneira interativa e sob aspectos educacionais adequados à mídia proposta. O resultado apresentado no desempenho dos alunos foi comparado com o 68 número de acessos ao material de apoio. O sugerido no início do curso foi de, pelo menos, 2 acessos semanais, totalizando 40 acessos ao final das 20 semanas da disciplina. Os alunos aprovados alcançaram a média de 91,5 acessos, significando 128,75% além do número de acessos mínimos exigidos. DESCRITORES Educação a distância. Educação em Odontologia. O Ensino a Distância (EaD) gradativamente vem sendo aplicado nos cursos de conteúdos que permitam o desenvolvimento do aspecto cognitivo sem a presença física de um tutor. A grande discussão para a não-aplicação na área da saúde fundamenta-se na necessidade da checagem principalmente do desenvolvi- Revista da ABENO • 7(1):68-75 Endodontia na graduação com ensino presencial e suporte a distância: estratégia motivacional ao estudo individual • Skelton-Macedo MC, Basilio CC, Alves NCC, Marques VP, Menéndez-Castillero ME, Alves RJC mento de habilidades próprias e absolutamente necessárias, assim como das atitudes pertinentes e que são fundamentais no momento da determinação do diagnóstico e da aplicação de uma determinada técnica na condição patológica apresentada. Levando-se em consideração os fatos discutidos, alguns cursos têm iniciado um processo de desenvolvimento da parte cognitiva utilizando-se do suporte a distância, no qual o material utilizado em sala de aula fica disponível ao aluno para que este o acompanhe quantas vezes necessitar, podendo também consultar sites indicados pelos professores, apostilas preparadas adequadamente, tutoriais de procedimentos para acompanhamento em trabalhos laboratoriais e clínicos, diretrizes para desenvolvimento de trabalhos complementares e até avaliações. A plataforma educacional TelEduc permite a disponibilização do material de apoio com as vantagens do gerenciamento do curso, fornecendo dados importantes quanto a número de acessos por aluno, páginas mais visitadas, tempo de permanência nas páginas, repositório de material do próprio aluno e avaliações de conhecimento. Essa plataforma é gratuita e neste trabalho foi aplicada com base em servidor particular instalado em São Paulo. Este trabalho, portanto, observou o desempenho dos alunos da primeira turma do curso de Graduação em Odontologia da Faculdade São Leopoldo Mandic – disciplina de Endodontia – comparado ao número de acessos que foram motivados a realizar ao material de apoio desenvolvido e disponibilizado sob a égide da interatividade e do conceito de “design” instrucional. MATERIAL E MÉTODOS A equipe de tutores/professores contou com 4 membros: 2 mestres doutores, 1 mestre e 1 especialista, além de um estagiário mestrando. Foram feitas reuniões prévias ao início do curso para se adequar o preparo do material de apoio para a disponibilização na web. Foram desenvolvidas aulas em PowerPoint, apostilas ilustradas, tutoriais para preenchimento de apostilas de estudo, diretrizes para a realização de trabalhos complementares e avaliações de retenção do conhecimento diário. Criou-se um personagem para ser associado à figura de professor virtual, desenvolvido sob critérios que comunicassem conceitos endodônticos relevantes. Algumas animações com este personagem permitiram informar ou reforçar conceitos e explicações da sala de aula. Todo o material de apoio foi ricamente ilustrado e colorido para tornar a leitura agradável e auto-explicativa. Os arquivos de extensão doc (arquivo padrão do aplicativo MS Word®) e ppt (arquivo gerado pelo aplicativo MS PowerPoint®) foram gravados em extensão pdf (arquivo do tipo “Portable Document Format”, gerado pelo aplicativo Adobe Acrobat®) não permitindo a edição posterior (o cuidado com a segurança do material de apoio foi estudado e aplicado de maneira a disponibilizar conteúdos sempre com o logotipo da equipe que o desenvolveu e de forma não editável). Outro cuidado com relação à segurança do material foi montar páginas em html para a disponibilização dos conteúdos. Obedecendo às áreas oferecidas pela plataforma, na Dinâmica do Curso fez-se a apresentação formal do corpo docente, do desenvolvimento das atividades, das normas da escola e da disciplina, assim como de todo o processo avaliativo durante o decorrer do curso. A primeira Agenda constou de mensagens de encorajamento, sempre privilegiando a importância do estudo individual. Na área de Atividades estavam disponíveis Estudos Dirigidos sobre cada assunto a ser abordado, diretrizes para Trabalhos Complementares, Avaliações e Gabaritos e diretrizes para os Seminários propostos. A área correspondente ao Material de Apoio teve todas as aulas em “slides” disponibilizadas em arquivos pdf com os respectivos objetivos a serem alcançados em cada assunto. Sendo a sala de aula montada com um computador por aluno, o acesso ao material do tutor/professor podia ser feito durante a aula, acom- Figura 1 - Exemplo de aula de Anatomia Interna Dental desenvolvida em PowerPoint Microsoft® e disponibilizada como arquivo swf (Shockwave File – gerado pelo aplicativo Flash® MX Professional – Macromedia®) para o curso de Endodontia. Revista da ABENO • 7(1):68-75 69 Endodontia na graduação com ensino presencial e suporte a distância: estratégia motivacional ao estudo individual • Skelton-Macedo MC, Basilio CC, Alves NCC, Marques VP, Menéndez-Castillero ME, Alves RJC panhando os “slides” sem desvio de atenção. Observam-se nas Figuras 1 e 2 os exemplos das telas de Aula de Anatomia Interna Dental e do tutorial de Esvaziamento e Odontometria. No primeiro dia de aula presencial, os alunos foram instruídos a preencher seu Perfil – área destinada à apresentação para os demais atores do processo, composta por informações pessoais e foto de cada um, inclusive dos professores. O desenvolvimento do curso foi apresentado e também as metas e a aplicação da plataforma edu- cacional. Durante as aulas presenciais os “slides” do professor seriam seguidos por acompanhamento na plataforma e durante a semana seria necessário ao menos 1 acesso para consulta da agenda e desenvolvimento das tarefas propostas através de tutoriais e explicações. O número de acessos foi acompanhado sem que se constrangesse nenhum aluno a visitar a plataforma. Apenas foram instruídos a buscar as informações do curso ali depositadas. Os resultados de acessos comparados ao desempenho dos alunos ao final do curso constam a seguir sob forma de números puros e porcentagens de acesso. Número de alunos 20 17 15 10 10 5 0 2 Abaixo do mínimo sugerido O dobro do sugerido ou mais Do mínimo sugerido ao dobro Número de acessos Figura 2 - Exemplo de tutorial de Esvaziamento e Odon- Gráfico 1 - Acessos gerais dos alunos à plataforma edu- tometria desenvolvido em Flash MX Pro Macromedia® para o curso de Endodontia. cacional TelEduc. 200 Acessos totais à plataforma durante o curso 182 150 143 150 115 108 104 100 88 84 75 60 50 49 73 59 50 45 51 73 66 58 56 85 84 49 63 68 54 42 32 12 0 A01 A02 A03 A04 A05 A06 A07 A08 A09 A10 A11 A12 A13 A14 A15 A16 A17 A18 A19 A20 A21 A22 A23 A24 A25 A26 A27 A28 A29 Alunos Gráfico 2 - Número de acessos realizados por aluno durante a disciplina de Endodontia (média: 75,11 acessos). 70 Revista da ABENO • 7(1):68-75 Endodontia na graduação com ensino presencial e suporte a distância: estratégia motivacional ao estudo individual • Skelton-Macedo MC, Basilio CC, Alves NCC, Marques VP, Menéndez-Castillero ME, Alves RJC 120 182 150 143 150 108 100 50 73 73 56 50 68 Número de acessos Número de acessos 200 ou preferiu imprimi-la para leitura “off-line”. Esses dados constam no Gráfico 3, e a média foi de 91,5 acessos para os alunos aprovados na disciplina, portanto 128,75% a mais do que o mínimo de acessos sugeridos. O número de acessos de alunos não aptos à aprovação, mas que realizaram exames finais complementares, atingiu uma média de 67,57 acessos, totalizando 68,92% mais acessos do que o mínimo sugerido inicialmente. O Gráfico 4 ilustra a distribuição dos acessos desses alunos. Os alunos não aptos à aprovação na disciplina de Endodontia, após realizado o exame complementar, realizaram mais acessos ao conteúdo disponibilizado se comparados com a média dos que realizaram o exame – 67,57 acessos. A média dos primeiros foi de 73,22 acessos, alcançando-se 83,05% mais acessos do que o mínimo sugerido de 40 acessos, 19,98% menos do que os acessos dos aprovados inicialmente – 91,50 acessos – e 2,52% menos do que a média de acessos totais da turma – 75,11 acessos. O Gráfico 5 ilustra 104 100 84 66 60 49 45 0 A12 A16 A24 A26 A27 A29 A01 A02 A05 A06 A09 A14 A15 A17 A19 A21 A22 A23 A25 A28 Alunos aprovados Alunos em exame final Gráfico 3 - Número de acessos realizados pelos alunos aprovados (10 alunos aprovados - média: 91,5 acessos). 100 200 162 85 84 80 66 60 45 51 49 40 20 A02 A05 A09 A14 A15 A17 aprovação, porém aptos à realização de exame complementar (14 alunos necessitaram de exame complementar - média: 67,57 acessos). 115 104 Gráfico 4 - Acessos realizados pelos alunos não aptos à A22 A25 A28 Número de acessos 120 Número de acessos 42 40 0 A03 A07 A10 A11 0 58 54 51 49 20 12 60 85 84 80 60 115 RESULTADOS O Gráfico 1 mostra o número de acessos ocorridos durante o decorrer das 20 semanas da aplicação da Disciplina de Endodontia no curso de Odontologia. Dos 29 alunos matriculados, 17 acessaram a plataforma e estiveram expostos aos seus conteúdos entre o mínimo de acessos sugerido e o dobro e 10 alunos acessaram a plataforma o dobro do sugerido ou mais vezes. Já o Gráfico 2 mostra o número de acessos por aluno, envolvendo os 29 alunos matriculados na disciplina de Endodontia. A média da turma foi de 75,11 acessos, ou seja, 87,77% acima do mínimo sugerido no início do desenvolvimento da disciplina. Com respeito ao desempenho alcançado pelos alunos, observa-se que os que mais acessos fizeram ao material didático disponibilizado obtiveram melhor desempenho geral. Não foram computadas as horas de estudo nas páginas da plataforma por esse constituir um dado passível de erro: o tempo de estudo na página não avalia se o aluno leu o conteúdo “on-line” 150 99 100 50 0 Alunos não aptos 17 P1 P2 P3 Professores Gráfico 5 - Número de acessos dos alunos não aptos à aprovação na disciplina (09 alunos não aptos à aprovação média: 73,22 acessos). Gráfico 6 - Número de acessos por professor (média: 92,66 acessos). Revista da ABENO • 7(1):68-75 71 Endodontia na graduação com ensino presencial e suporte a distância: estratégia motivacional ao estudo individual • Skelton-Macedo MC, Basilio CC, Alves NCC, Marques VP, Menéndez-Castillero ME, Alves RJC esse alcance. Outro dado levantado e interessante foi o número de acessos por parte do corpo docente. Excluindo-se aqui o professor responsável pela manutenção da plataforma, por acessar inúmeras vezes a fim de depositar material, verificar acessos e levantar dados gerais, observou-se que entre os professores houve em média 92,66 acessos (portanto 131,65% a mais do que o mínimo sugerido aos alunos), como apresentado no Gráfico 6. DISCUSSÃO O EaD puro sofre muitas críticas quanto à motivação do aluno inserido em seu contexto, principalmente dirigidas à ausência do professor. Na realidade, quando se desenvolvem cursos em EaD, observa-se que o aprendizado pode ocorrer à distância, desde que o professor esteja completamente presente, ainda que virtualmente, ou seja, o contato do professor com seus alunos deve ser constante dentro das ferramentas que assim o permitam. Óbvio está que a complementação do ensino presencial com suporte a distância soma vantagens de ambos os aspectos educacionais, porém ainda necessita de um material desenvolvido com o intuito de motivar o aluno ao estudo individual para que ocorra o desempenho almejado. Os estudos de interatividade e “design” instrucional, além da usabilidade das ferramentas propostas, devem ser levados em consideração no momento da adequação do material a ser disponibilizado pelo corpo docente. A linguagem visual terá imensa vantagem em comparação à leitura pura e simples; os textos devem estar bem ilustrados e coloridos a fim de proporcionar ambiente de leitura agradável e prazeroso. As animações entram com grande força no EaD e na adequação de material para suporte a distância, tornando facilitados as explicações tutoriais e o encaminhamento do raciocínio na construção do mesmo. Stefanelli9 (2006) comenta que a criação da identidade visual nos projetos multimídia está conduzindo o EaD a um novo padrão estético na transmissão de mensagens complexas por meio de imagens gráficas. Considerando-se a necessidade visual no ensino da Odontologia, deve-se empreender cuidados na preparação de imagens e vídeos.2,3,6 Segundo Lemos et al.5 (2002), um escâner de boa qualidade óptica pode produzir imagens de boa qualidade até mesmo de peças anatômicas, podendo ser empregadas como material didático. 72 Ainda assim é necessário cuidado na escolha da estratégia com que se aplicam esses conceitos. Deve estar bem estruturada do ponto de vista da escola pedagógica que se quer aplicar para que não se construam materiais inadequados, aplicando-se em ordem e relevância que vão simplesmente colocar a perder horas de trabalho de adequação e desenvolvimento do material de apoio. Quanto à utilização do hipertexto no ensino mediado por computador, Portugal8 (2005) sugere que essa modalidade de apresentação eletrônica de conteúdos se assemelha ao processo do pensar, estruturado numa rede que conecta conhecimentos adquiridos em épocas distintas, permitindo a reconstrução do conhecimento a cada novo aprendizado. A grande preocupação em disponibilizar conteúdos está na forma em que a estrutura do hipertexto deve ser apresentada, devendo-se configurar ambientes educacionais de forma a não limitar a exploração e a criatividade do aluno, garantindo que os objetivos de aprendizagem sejam assim alcançados.8 O conceito de usabilidade e “design” instrucional são aqui apresentados como relevantes na disponibilização do material didático, seja no EaD puro ou no suporte a distância. A escolha da plataforma educacional, portanto, deve se adequar a esses critérios de forma a ambientar o aprendizado ordenado, ainda que permitindo o navegar não linear de suas páginas. O TelEduc como plataforma educacional é bastante simples em sua utilização, exigindo pouco tempo de adaptação do corpo docente e do discente. Sua linguagem é clara e as áreas do ambiente podem ser ocultadas desde que não se privilegie sua utilização durante o curso. Não é necessário que se produzam páginas em html para inserção do material de apoio. Esta sugestão visa dificultar ainda mais a alteração ou utilização inadequada. Quanto à humanização desta modalidade de ensino, no caso deste trabalho, a mescla com o ensino presencial fez substancial diferença: o contato direto com os alunos assegurou lembrar-lhes de que era necessário acessar as tarefas via TelEduc durante as aulas presenciais. Sobre as aulas, os alunos que foram condicionados a utilizar o computador para fazer anotações em sala de aula passaram a utilizá-lo para acessar os “slides” do professor, podendo comandar seus arquivos de forma a retornar informações não assimiladas ou que causassem dúvidas. As anotações puderam ser deixadas de lado, fixando-se a atenção do corpo discente na fala do professor e em seu material de apoio. Revista da ABENO • 7(1):68-75 Endodontia na graduação com ensino presencial e suporte a distância: estratégia motivacional ao estudo individual • Skelton-Macedo MC, Basilio CC, Alves NCC, Marques VP, Menéndez-Castillero ME, Alves RJC Um aspecto muito importante no EaD é a publicação do material de apoio na plataforma. Para tal, é necessário que todo o material de um mês, pelo menos (totalizando 4 aulas), esteja pronto e publicado para aplicação. O TelEduc permite que o material seja publicado com acesso permitido somente aos professores e, à medida que o curso assim o exigir, seja disponibilizado aos alunos. De qualquer forma, a produção do material deve andar à frente da publicação, permitindo ajustes necessários, gravações dos arquivos de forma segura e disposição adequada às necessidades do curso. Outra questão a ser discutida é o receio por parte do corpo docente no aplicar das novas tecnologias. O Gráfico 6 mostra a média de acessos realizada pelos professores do curso e dá a clara visão de que ainda há elementos não afeitos às tecnologias educacionais, o que pode comprometer o contato entre professores e alunos. É realidade supor que muitos dos alunos estão mais afeitos às modernas tecnologias e utilizações da Internet do que a maior parte dos professores, mas deve-se ressaltar que não podem se formar sozinhos baseados neste fato. O professor ainda detém o conhecimento para a construção do ambiente educacional para que o processo de ensino-aprendizagem se desenvolva de maneira asseguradamente eficaz, seja por que meio educacional for. Portanto, baseado nisso, o professor pode e deve se associar ao “designer” instrucional para que o material de apoio didático seja desenvolvido em parceria, porém com a real possibilidade de adequação às necessidades do aprendizado. O medo a ser tratado é o de que o aluno ficará independente em seu processo de aprendizado na medida em que navegar por um ambiente bem estruturado, interativo, interessante e eficaz em sua meta de ensino. Vale salientar a afirmação de Freire4 (1997): “A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, vir a ser. Não ocorre em data marcada. É nesse sentido que uma pedagogia da autonomia tem de ser centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas da liberdade.” O estudo da OECD7 (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) traz informações relevantes quanto ao desempenho dos alunos do Ensino Médio sob aplicação de ferramentas digitais. Os autores relatam que os computadores são um recurso poderoso ainda subutilizado na maior parte dos países. Esse estudo faz parte do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), que sugeriu que é função educacional mostrar aos alunos como fazer uso produtivo do computador. A informática faz diferença quando incorporada à pedagogia, seja como ferramenta de pesquisa, seja por meio de jogos, seja por softwares educativos. Os resultados obtidos nessa análise mostraram que os alunos que fizeram acessos de pelo menos uma vez na semana obtiveram maior desempenho em matemática, porém alunos com maior número de acessos tiveram redução na performance. Em contraponto aos resultados obtidos no presente trabalho, no qual os alunos do Ensino Superior obtiveram melhor rendimento quando o número de acessos à plataforma educacional foi maior, pode-se observar não somente a diferente faixa etária, mas também relevar a importância de se adequar o material didático à exigência da mídia em questão, sob o ponto de vista pedagógico, e de forma que alcance interesse aos olhos do corpo discente. A plataforma educacional TelEduc ainda se preocupa em criar um ambiente de humanização do ensino, permitindo aos alunos que gerem seu próprio perfil, com foto e informações pessoais, assim como os professores também podem criar os seus próprios. Isso gera um ambiente mais amigável e menos virtual, podendo-se conhecer anseios, receios e necessidades além do mero acessar de informações, constituindo um ambiente facilitador da relação professor/aluno assim como do processo de ensino-aprendizagem, concordando com as observações de Amorim et al.1 (2005). Os alunos também podem depositar arquivos preparados por eles ou encontrados na medida em que estudam, oferecendo aos colegas e professores o fruto de sua própria pesquisa. Nesse ambiente de ensino agradável e interativo, criado com foco na necessidade de interatividade e aplicação dos conceitos de usabilidade e “design” instrucional, pôde-se observar que os alunos foram além no número de acessos que se havia sugerido inicialmente no curso. O Gráfico 1 mostra que a maior parte dos alunos (17) acessou do mínimo (duas vezes por semana) ao dobro dos acessos sugeridos, enquanto 10 alunos acessaram o dobro do mínimo ou mais vezes. O Gráfico 2 apresenta a distribuição dos acessos realizados por todos os alunos. Os Gráficos 3, 4 e 5 disponibilizam a distribuição dos acessos realizados por alunos que alcançaram a aprovação na disciplina, que não alcançaram a aprovação antes do exame final e que não obtiveram ap- Revista da ABENO • 7(1):68-75 73 Endodontia na graduação com ensino presencial e suporte a distância: estratégia motivacional ao estudo individual • Skelton-Macedo MC, Basilio CC, Alves NCC, Marques VP, Menéndez-Castillero ME, Alves RJC tidão após o exame final, respectivamente. Considerando-se o número médio de acessos dos alunos aprovados superior em 128,75% ao mínimo sugerido, observa-se que quanto mais tempo exposto ao material didático disponibilizado, mais aproveitamento de aprendizado foi alcançado, em função das características de desenvolvimento do material e da facilidade oferecida pela interface educacional. Uma das alunas começou o curso atrasada em 2 meses em função de gravidez e parto durante o período da disciplina. Comunicada do acesso aos conteúdos, propôs-se a estudar sozinha e realizar tarefas e avaliações em particular, alcançando os objetivos propostos pela disciplina, tornando-se apta à aprovação. Outro caso foi o de um aluno que só podia fazer acessos noturnos, já que trabalhava nesse horário e era exigido que se mantivesse acordado. De todos os alunos, foi o de maior tempo de conexão ao material de apoio disponibilizado, alcançando a aprovação sem exame complementar. Já os dados dos Gráficos 4 e 5 mostram números médios de acessos próximos (67,57 e 73,22) por envolverem a mesma população, apenas aproximadamente 70% superiores ao mínimo de acessos exigido, em que catorze alunos passaram pelo exame complementar (Gráfico 4); destes, nove não obtiveram aprovação final (Gráfico 5). Os alunos reprovados que não obtiveram desempenho suficiente para a realização do exame complementar (A4, A8, A13, A18 e A20) alcançaram uma média de acessos de 63,4, apenas 58,5% acima do mínimo sugerido no início do curso. Considerando-se o mínimo de acessos sugerido suficiente apenas para que os alunos acompanhassem o professor em sala de aula e obtivessem as tarefas para a aula seguinte, o número de acessos total da turma ao material disponibilizado surpreendeu o corpo docente. Ainda são necessárias novas mensurações de aprendizado a distância como suporte do ensino presencial, considerando-se um futuro bastante promissor quando o material didático for desenvolvido sob princípios de interatividade, usabilidade e “design” instrucional, podendo ser desenvolvido por profissionais de artes gráficas associados ao corpo docente em questão. CONCLUSÕES 1.O acesso ao material didático disponibilizado via web motiva o estudo individual suportando sua utilização no ensino presencial. 2.Quanto mais tempo o aluno for exposto ao mate74 rial disponibilizado, maior será seu rendimento no desempenho global. 3.A motivação ao estudo individual está diretamente relacionada à qualidade do material didático disponibilizado. ABSTRACT Endodontics at the undergraduate level with presence teaching and distance support: a motivational strategy for individual study This study evaluated the performances of 29 students from the first Endodontics class that was given through presence teaching and distance support, based on the TelEduc educational platform, at the São Leopoldo Mandic Dentistry College, Campinas, São Paulo, SP, Brazil. The college offered a desktop computer for each student. The developed didactic material included the professor’s slides, printed summaries of lessons, links to sites with approved contents, frequently asked questions, guidelines for developing papers, tests and interactive animated tutorials de veloped for the proposed medium. The students’ performance results were compared to the number of times they accessed the didactic material. In the beginning of the course, students were recommended to access the didactic material at least 2 times weekly, totalling 40 acccess instances at the end of the 20 weeks of the subject. The approved students reached an average of 91.5 access instances, representing an access count 128.75% greater than the minimum required. DESCRIPTORS Distance learning. Education, dental. § REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Amorim JA, Armentano VA, Miskulin MS, Miskulin RGS. Uso do TelEduc como um recurso complementar no ensino presencial. 03 jan 2005 [acesso 06 abr 2006]. Disponível em: http:// www.abed.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?UserActive Template=1por&infoid=1071&sid=48. 2. Bueno MR. Informática na montagem e apresentação de material didático. In: Estrela C. Metodologia Científica: Ciência, Ensino, Pesquisa. 2ª ed. São Paulo: Artes Médicas; 2005. p. 61178. 3. Cardoso RJA, Skelton-Macedo MC. Importância e evolução dos recursos didáticos. In: Estrela C. Importância e Evolução dos Recursos Didáticos - Metodologia Científica: Ciência, Ensino, Pesquisa. 2ª ed. São Paulo: Artes Médicas; 2005. p. 557-609. 4. Freire P. Pedagogia da autonomia - Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra; 1997. 5. Lemos EM, Caldeira CL, Aun CE, Gavini G, Skelton-Macedo Revista da ABENO • 7(1):68-75 Endodontia na graduação com ensino presencial e suporte a distância: estratégia motivacional ao estudo individual • Skelton-Macedo MC, Basilio CC, Alves NCC, Marques VP, Menéndez-Castillero ME, Alves RJC MC . Método de captura e utilização de imagem digital direta de informações em ambiente de aprendizado mediado pela (IDD) com finalidade didática em Odontologia . Revista do Internet . 02 jan 2005 [acesso 06 abr 2006] . Disponível em: Instituto de Ciências da Saúde: Odontologia, Farmácia, Bio- http://www.abed.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?User química e Veterinária 2002;9(3):199-206 . ActiveTemplate=1por&infoid=1061&sid=69. 6 . Menéndez Castillero ME . ABC da Informática Odontológica . São Paulo: Santos; 1999 . 9 . Stefanelli EJ . A Importância do Profissional de Comunicação Gráfica na Produção de Material em EAD [acesso 07 abr 2006] . 7 . Pisa Governing Board - OECD . Are students ready for a technology-rich world? What PISA studies tell us . 24 Jan 2006 [ac- Disponível em: http://www2.abed.org.br/visualizaDocumento. asp?Documento_ID=11 . cessed 2006 Apr 24] . Available from: http://www.pisa.oecd.org/ document/21/0,2340,en_32252351_32236173_36161109_1_1_ Recebido para publicação em 27/04/2006 1_1,00.html . 8 . Portugal C . Hipertexto como instrumento para apresentação Aceito para publicação em 18/05/2006 A Revista da ABENO – Associação Brasileira de Ensino Odontológico – tem como missão primordial: • produzir benefícios diretamente voltados para a coletividade; 9-5 ISSN 167 • assegurar o contínuo progresso da formação profissional; 954 • contribuir para a obtenção de indicadores de qualidade do ensino odontológico respeitando os desejos de formação discente e capacitação docente; ação Associ • produzir junto aos especialistas a reflexão e análise crítica dos assuntos da área em nível local, regional, nacional e internacional. Revista da ABENO • 7(1):68-75 DA O ABEN REVISTA ira de Brasile o ológic Odont Ensino 6 volume 2 número zembro julho/de 06 20 O o ABirEa deNEnsino Odontológic asile ão Br sociaç As 5 Tecnologias de informação e comunicação no ensino da odontologia As tecnologias de informação e comunicação propiciam aos alunos o exercício da capacidade de procurar e selecionar informações, aprender de forma independente e solucionar problemas. Vania Fontanella*, Márcia Schardosim**, Maria Cristina Lara** *Professora Adjunta da Faculdade de Odontologia da Universidade Luterana do Brasil. E-mail: [email protected]. **Alunas do Curso de Especialização em Radiologia Odontológica da Sobracursos. RESUMO Na Odontologia, assim como em outras áreas do conhecimento, tecnologias de informação e comunicação (TIC) constituem ferramentas de crescente importância, permitindo o uso de novas mídias educacionais que proporcionam aos estudantes o exercício da capacidade de procurar e selecionar informações, aprender de forma independente e solucionar problemas. O cirurgião-dentista, independentemente de seus interesses, deve estar apto a utilizá-las para seu desenvolvimento profissional. As autoras revisam a literatura especializada sobre as potencialidades do uso de TIC no ensino da odontologia. DESCRITORES Educação em Odontologia. Ensino superior. Informática em saúde. C om a rápida evolução da tecnologia, passou-se a ter acesso a informações instantâneas oriundas de qualquer parte do mundo, o que se reflete de maneira marcante sobre o processo de ensino-aprendizagem. Na Odontologia, assim como em outras áreas do conhecimento, tecnologias de informação e comunicação (TIC) constituem ferramentas de crescente importância, pois propiciam o uso de novas mídias educacionais que proporcionam aos estudantes o exercício da capacidade de procurar e selecionar informações, aprender de forma independente e solucionar problemas. O cirurgião-dentista interessado em pesquisa, saúde pública, ensino ou prática clínica deve estar apto a utilizá-las para o seu desenvolvimento pessoal e profissional.20 76 É comum que educadores julguem que os estudantes são hábeis no uso de computadores com finalidades educativas.19 O fato de alguém utilizar o computador para jogos ou correio eletrônico não implica em habilidades mais complexas, como as envolvidas em TIC. Um fator crítico na implementação de TIC em escolas de odontologia é a grande variabilidade na competência de professores e alunos para o uso de computadores,16 o que pode não só prejudicar mesmo os projetos mais bem elaborados como, futuramente, acentuar as iniqüidades entre profissionais de diversos países. Assim sendo, as escolas de odontologia devem abordar essas diferenças tão cedo quanto possível, contemplando em seu curriculum atividades que envolvam o uso de TIC. Dessa forma, as autoras buscam revisar a literatura especializada sobre as potencialidades do uso de tecnologias de informação e comunicação no ensino da odontologia. REVISÃO DA LITERATURA Através de um questionário postado em meio eletrônico e respondido por 825 indivíduos (profissionais e estudantes da área odontológica) de 52 países, Schleyer et al.22 (1998) procuraram traçar o perfil de usuários da Internet na área da odontologia. Os resultados obtidos mostraram que, para estes, o uso da Internet visa principalmente à discussão de casos clínicos, busca de informações diagnósticas e terapêuticas, compra de produtos odontológicos, comunicação com pacientes e ao acompanhamento de cursos de educação continuada. Revista da ABENO • 7(1):76-81 Tecnologias de informação e comunicação no ensino da odontologia • Fontanella V, Schardosim M, Lara MC Verificando as características dos cursos “on-line” de educação continuada em odontologia, Schleyer21 (1999) compilou da Internet endereço eletrônico, título do curso, tópicos abordados, quantidade de telas, equivalência em créditos, custo e tipo de instituição. Foram encontrados 157 cursos, oferecidos por 32 instituições, com custo médio de U$ 25 por crédito equivalente. Os cursos mais encontrados foram nas áreas de periodontia, diagnóstico e patologia. O autor afirma que os cursos “on-line” constituem uma alternativa importante para a educação continuada, contudo são difíceis de localizar, estando acessíveis apenas àqueles que são bem treinados na recuperação de informações na “web”. Um curso foi desenvolvido visando ensinar periodontia para um grupo de 28 estudantes de 12 diferentes países, combinando PBL (“problem-based learning” – aprendizado baseado em problemas) com ensino à distância. O curso foi iniciado durante um “workshop”, quando os alunos foram divididos em 4 grupos e a cada grupo foi atribuído um tutor. Posteriormente, utilizou recursos “web” e incluiu comunicação simultânea ou não entre os integrantes do grupo. Os resultados do estudo indicaram que o efeito mais positivo observado pelos estudantes foi a familiarização com o uso do computador. Os alunos também avaliaram positivamente o uso de recursos multimídia para o aprendizado de procedimentos clínicos. O uso de correio eletrônico foi considerado muito lento para a troca de informações, e programas para comunicação em tempo real mostraram ser mais eficazes na discussão de problemas e formulação de hipóteses. Além disso, foi considerado que o contato pessoal prévio ao desenvolvimento do curso facilitou o aprendizado. Os autores sugerem que o ensino à distância deve ser organizado de forma a utilizar diferentes mídias, permitindo ampla interação entre estudantes e professores.14 Uma pesquisa através de questionário foi realizada com estudantes de 16 cursos de odontologia de 9 países europeus. Os resultados mostraram que 60% deles utilizam o computador em seus estudos e que 72% têm acesso à internet. Os recursos mais utilizados foram editores de texto (69%), internet (59%), ferramentas de busca como o Medline (45%) e apresentações multimídia (22%). Diferenças foram observadas entre os estudantes do Norte e Oeste Europeus, que têm acesso a computadores na escola, e os de países como Grécia e Espanha, nos quais os computadores não são disponíveis. Menos da metade dos alunos recebeu alguma forma de treinamento quanto ao uso de computadores para a educação na universidade. Tendo em vista as diferenças regionais, os autores recomendam estreita colaboração entre as universidades, de forma a compartilhar conhecimentos e experiências com as TIC.15 Na área de radiologia odontológica foi realizado um estudo para determinar se a exposição a um programa interativo determina diferença na qualidade de levantamentos periapicais realizados por estudantes do primeiro ano. Foram aleatoriamente selecionados 59 alunos divididos em dois grupos, sendo que apenas os do grupo I fizeram o treinamento prévio com o programa. Todos os alunos realizaram os levantamentos em manequins, e foram atribuídos escores de qualidade a esses levantamentos. Não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos, contudo os alunos julgaram que o uso do programa facilitou a execução das radiografias.9 Eynon et al.8 (2003) realizaram estudo com um grupo de estudantes da Universidade de Birmingham/Inglaterra durante um curso virtual sobre prótese removível com duração de 6 meses. Um questionário foi distribuído antes de se iniciar o curso, avaliando a experiência no uso da internet e as expectativas quanto ao curso. Um segundo questionário foi distribuído ao final, com questões acerca do curso. A maior preocupação dos estudantes antes de começar o curso foi em relação ao acesso ao computador, ao grau de conhecimento de informática necessário, ao tempo envolvido no curso e à idéia de que este seria mais um “fardo”. Os maiores benefícios apontados ao final do curso foram a conveniência e a disponibilidade das informações, bem como a possibilidade de recuperação de conteúdos perdidos ou mal compreendidos. O principal problema relatado pelos estudantes foi o acesso a equipamentos (computadores e impressoras). Os autores concluíram que o curso foi considerado útil como recurso adicional, mas que a indisponibilidade de equipamentos em um curso de odontologia pode interferir negativamente no aproveitamento dos alunos. Em estudo proposto para testar se um simulador de realidade virtual pode prever a performance de estudantes em curso tradicional de dentística operatória em manequim, Imber et al.10 (2003) avaliaram uma amostra de 26 estudantes do terceiro ano do curso de odontologia da Universidade de Tel Aviv. Todos fizeram pré-teste no simulador de realidade virtual, cujo resultado foi comparado ao da avaliação após o curso tradicional em manequim. Os resultados Revista da ABENO • 7(1):76-81 77 Tecnologias de informação e comunicação no ensino da odontologia • Fontanella V, Schardosim M, Lara MC do estudo mostraram a correlação no desempenho dos alunos quando avaliados pelos dois métodos (r = 0,49; p = 0,012). Aqueles estudantes que obtiveram uma média baixa no simulador de realidade virtual também não tiveram bom desempenho no curso tradicional com manequim. A recíproca também foi verdadeira, pois aqueles que desempenharam bem no simulador de realidade virtual, desempenharam bem no curso tradicional. Como vantagens de um simulador de procedimentos clínicos, os autores citam a possibilidade de avaliação consistente e reproduzível, não-susceptível a variações que ocorrem em avaliações humanas, além da possibilidade de identificação precoce de alunos que possam vir a ter baixo desempenho clínico. Aly et al.2 (2003) apresentaram o desenvolvimento e a avaliação de um curso multimídia na área de ortodontia para alunos de graduação e pós-graduação da Universidade Católica de Leuven/Bélgica, os quais foram divididos em quatro grupos (n = 25) assim constituídos: Grupo 1: 3º ano; Grupo 2: 4º ano; Grupo 3: 5º ano de graduação e Grupo 4: pós-graduação. O conteúdo do curso abrangeu introdução à ortodontia, avaliação clínica e radiográfica, classificação de Angle, diagnósticos e aparelhos ortodônticos, maloclusões, biomecânica, fissuras palatinas e implantes. Vários casos clínicos foram discutidos. A avaliação foi realizada com 24 questões e seis possíveis respostas. A maioria dos estudantes ficou muito entusiasmada e interessada com essa nova possibilidade educacional, contudo foram encontradas diferenças significativas entre os grupos 1, 2/3 e 4, evidenciando-se que alunos mais experientes aceitaram melhor o curso. Segundo os autores, a facilidade da informática em combinar imagens, sons e informação de forma interativa resulta em uma ferramenta importante na educação. De acordo com Littlefield et al.12 (2003), a simulação de procedimentos endodônticos, além de outras tantas vantagens, permite a identificação e correção de erros com repetição de procedimentos que tenham sido insatisfatórios. Os autores descrevem um sistema desenvolvido com essa finalidade, o SimEndo I, no qual os alunos interagem. O estudo piloto com 74 alunos identificou as necessidades de aperfeiçoamento do programa e, posteriormente, um estudo interinstitucional resultou em escore médio de 8,1 para o sistema, em escala de 0 a 10. Um curso de cirurgia foi criado no Laboratório de Informática da USP, sendo dividido em 3 módulos 78 básicos: materiais e teoria básica (nomenclatura e funções dos instrumentos cirúrgicos, anatomia, psicologia, radiologia e fisiologia); apresentação do ambiente cirúrgico e biossegurança; procedimentos laboratoriais de sutura realizados pelo aluno. Participaram 22 estudantes do 2º e 3º semestres, cada um com acesso individual ao computador. Obteve-se um bom resultado apesar de os professores estarem ausentes na maior parte do tempo, ajudando somente em algumas dificuldades através de circuito fechado de televisão. Imagens eram usadas para corrigir todos os estudantes simultaneamente. As dificuldades individuais eram observadas através de um sistema de microcâmera. A idade dos alunos variou de 18 a 35 anos e 59% eram mulheres. Todos relataram suas experiências com o computador e a freqüência com que o usavam. Essas informações foram confirmadas pelos registros do sistema. Foram encontradas dificuldades no uso do “mouse” e teclado simultaneamente ao uso de instrumentos cirúrgicos.7 Aly et al.1 (2004) avaliaram dois métodos de ensino na Universidade Católica de Leuven/Bélgica: aulas teóricas tradicionais e o uso de programas multimídia (CAL – “Computer Assisted Learning”). Alunos da disciplina de ortodontia foram separados em dois grupos, sendo que o grupo A (n = 15) recebeu aulas apresentadas na forma de CAL, com recursos multimídia de interatividade, e o grupo B (n = 11) recebeu igual conteúdo, porém através de aulas teóricas tradicionais, com uso de quadro-negro e projeção de diapositivos. Na avaliação não foram encontradas diferenças significativas entre os dois grupos, exceto para uma questão de caráter multidisciplinar, na qual os alunos do grupo A tiveram melhor desempenho. Segundo os autores, recursos de CAL podem melhorar o desempenho do estudante; entretanto, não substituem o ensino tradicional, em que dúvidas são esclarecidas e atitudes reforçadas na presença do professor. Mattheos et al.13 (2004) verificaram o efeito de um “software” interativo aplicado com o intuito de auxiliar estudantes de odontologia da Universidade de Malmö/Suécia a desenvolver habilidades de auto-avaliação. Os estudantes foram sorteados para constituir dois grupos de 26 indivíduos. Os alunos do grupo teste receberam material referente a quatro casos clínicos de periodontia através do programa interativo, que apresentava uma auto-avaliação final, enquanto os do grupo controle receberam o mesmo material através de páginas da “web” sem interatividade. Ao final de um mês, todos os alunos foram avaliados por Revista da ABENO • 7(1):76-81 Tecnologias de informação e comunicação no ensino da odontologia • Fontanella V, Schardosim M, Lara MC dois professores, cegados para a constituição dos grupos. Não foram encontradas diferenças significativas entre o desempenho dos alunos dos dois grupos. Segundo os autores, dois fatores parecem estar relacionados a esse resultado: os estudantes não reconheceram os benefícios do uso do “software”, julgando terem precisado muito mais tempo que os colegas que não utilizaram o programa para estudar o mesmo conteúdo. Além disso, alguns dos alunos que utilizaram o programa afirmaram não ter explorado todos os seus recursos, preferindo imprimir todas as páginas para leitura. Na área de radiologia odontológica, foi desenvolvido um programa para treinar o diagnóstico de cárie em radiografias interproximais digitalizadas.17 Podendo interagir com o programa, o usuário avalia sua habilidade para o diagnóstico de cárie proximal, já que o programa mostra cortes histológicos dos mesmos dentes avaliados radiograficamente e gera um gráfico relativo aos acertos e erros. Esse programa foi utilizado por 22 professores da área clínica, tendo sido registrado seu desempenho no diagnóstico de cárie. Após o registro, os professores responderam um questionário avaliando o programa. De modo geral, este foi considerado útil e adequado, entretanto uma minoria de professores mostrou-se descrente quanto à sua capacidade de melhorar o diagnóstico. Além disso, aqueles professores menos preparados para o diagnóstico de cárie em dentina em radiografias interproximais, ou seja, os professores que apresentaram baixa sensibilidade para o diagnóstico, foram os que atribuíram melhores avaliações para o programa. Boberick4 (2004) descreve o desenvolvimento e a resposta de estudantes a um curso interativo “on-line” de dentística pré-clínica, criado com o objetivo de substituir a experiência baseada no professor (aulas tradicionais) pela experiência conduzida pelo aluno. Dos alunos participantes (n = 123), 95% responderam a um questionário anonimamente ao final do curso. Destes, 99% julgaram a secção de vídeos excelente e 73% consideraram que as mesmas podem substituir as sessões de demonstração; contudo, ficou evidente e influência do tipo de conexão à internet (discada ou a cabo) na facilidade de visualização dos vídeos. Os estudantes também responderam favoravelmente em relação à galeria de imagens, na qual casos clínicos “ideais” e “não-ideais” foram apresentados, acompanhados de comentários sobre as causas de insucesso, medidas preventivas e soluções. Buchanan6 (2004) relata a vasta experiência do curso de Odontologia da Universidade da Pensilvânia com o uso da tecnologia de realidade virtual para ensino pré-clínico. Utilizando-se a unidade DentSim, são apresentados casos clínicos para diagnóstico e decisão terapêutica, bem como realizado o treinamento de procedimentos técnicos através de “instrumentos virtuais”. Os resultados de vários estudos realizados em diferentes áreas sugerem que, dessa forma, os alunos aprendem mais rapidamente, atingindo níveis satisfatórios e padronizados de habilidades. Jasinevicius et al.11 (2004) avaliaram dois sistemas de simulação para treinamento pré-clínico em dentística. Um grupo de alunos foi treinado de forma tradicional em manequins (T: n = 13) e outro utilizou um sistema de realidade virtual (RV: n = 15). Comparando os grupos, os autores não encontraram diferenças significativas quanto ao desempenho, contudo, o tempo médio utilizado pelos alunos para solucionar dúvidas com os professores foi significativamente menor no grupo RV (30 minutos) do que no grupo T (2,8 horas). Bogacki et al.5 (2004) desenvolveram um programa para ensino de anatomia dental a estudantes do 1º ano do curso de odontologia e o compararam ao ensino tradicional. Os alunos foram aleatoriamente designados a dois grupos: I - os que utilizaram o programa (n = 23) e II - os que freqüentaram as aulas tradicionais (n = 22). Os escores médios do exame final foram: Grupo I: 90,0 ± 5,2 e Grupo II: 90,9 ± 5,3, não havendo diferenças estatísticas entre eles. Os autores concluíram que o método com uso do programa para ensino de anatomia dental pode substituir satisfatoriamente o método tradicional. Ávila 3 (2004) desenvolveu um programa tutorial multimídia interativo para estudo da anatomia em radiografias panorâmicas. O programa é estruturado em módulos, compostos dos seguintes temas: formação da imagem na técnica panorâmica, seqüência para interpretação radiográfica, anatomia radiográfica em panorâmicas, jogos e avaliação. A seguir, 10 professores doutores em Radiologia, denominados peritos, e 46 alunos de graduação do 2º, 3º e 4º anos de graduação da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Goiás responderam a um questionário, avaliando o “software” como método de ensino-aprendizado. Foi verificado que 100% dos avaliadores não fariam qualquer modificação no “layout”, na navegação e no conteúdo do Revista da ABENO • 7(1):76-81 79 Tecnologias de informação e comunicação no ensino da odontologia • Fontanella V, Schardosim M, Lara MC módulo de anatomia radiográfica, e que 98% dos alunos e 60% dos peritos aprovaram as imagens desse mesmo módulo. Todos os entrevistados gostariam de ter mais acesso a “softwares” educacionais e afirmaram que o programa se apresentou explicativo e de fácil entendimento. Todos os peritos declararam que o programa atingiu plenamente os objetivos propostos e se constitui um método de ensino-aprendizado válido. Mattheos et al.16 (2005) avaliaram a habilidade para o uso da tecnologia em educação entre professores e estudantes de odontologia. Um questionário abordando habilidades e competências relacionadas ao uso do computador na educação (escore máximo = 49) foi aplicado durante um congresso internacional de educadores em odontologia (n = 149) e para os alunos do 1º ano do curso de odontologia da Universidade de Malmö/Suécia (n = 58). Não foram encontradas diferenças significativas entre os escores médios dos professores (20,7 ± 9,9) e dos alunos (18,1 ± 8,5). Observou-se correlação positiva significativa (r = 0,395; p < 0,0001) entre o escore obtido e o ano de graduação no grupo de professores. Os resultados demonstraram que, tanto para o grupo de professores quanto para os alunos, existe uma ampla variabilidade na competência para o uso do computador em educação. Além disso, as habilidades que os alunos julgaram ter quando se auto-avaliaram foram inferiores às aferidas pelo questionário. CONSIDERAÇÕES FINAIS O crescimento da informática nas próximas décadas deve ser exponencial. Novas tecnologias oferecem grandes oportunidades para aqueles que desejam e que estão aptos para ultrapassar as barreiras iniciais que são a competência e familiaridade com os poderosos instrumentos de TIC, com profundo impacto na educação. O número de documentos resultantes da busca por “educação odontologia” no site Alta Vista cresceu de 7.480 em agosto de 1999 para 15.800 em agosto de 2000 e para 85.016 em outubro de 2001.18 Em março de 2006, essa mesma busca no Google resultou em mais de 775.000 documentos. Esse crescimento reflete o interesse e a confiança depositada na “web” como instrumento de transferência de conhecimento para todos os envolvidos com a Odontologia. Contudo, grande parte dos documentos recuperados é propaganda de produtos e/ou serviços. Espera-se que, no futuro, a “web” possa funcionar como uma escola virtual baseada no conhecimento sem fronteiras. 80 Durante o processo de ensino-aprendizagem utilizando a “web”, entre os aspectos que devem ser medidos e avaliados, estão o comportamento dos alunos e a efetiva transferência do conteúdo trabalhado para situações clínicas. Para que evidências suficientemente fortes sejam obtidas, é necessário que se continue pesquisando sobre o assunto. Diante do exposto, fica evidente a oportunidade de utilização e avaliação de recursos de TIC no ensino da odontologia. ABSTRACT Information and communication technologies in dental education In Dentistry, as well as in other areas of knowledge, information and communication technologies (ICT) constitute tools of increasing importance, allowing the use of new educational media that enable students to exercise their capacity of searching and selecting information, learning independently and solving problems. Dentists, regardless of their areas of interest, must be able to use those technologies for their professional development. The authors review the specialized literature on the potentialities of the use of ICT in dental education. DESCRIPTORS Education, dental. Education, higher. Medical informatics. § REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Aly M, Elen J, Willems G. Instructional multimedia program versus standard lecture: a comparison of two methods for teaching the undergraduate orthodontic curriculum. Eur J Dent Educ 2004;8(1):43-6. 2. Aly M, Willems G, Carels C, Elen J. Instructional multimedia programs for self-directed learning in undergraduate and postgraduate training in orthodontics. Eur J Dent Educ 2003; 7(1):20-6. 3. Ávila MAG. Software anatomia em radiografias panorâmicas: avaliação do método de ensino-aprendizado em Odontologia [Tese de Doutorado]. São Paulo: Faculdade de Odontologia da USP; 2004. 4. Boberick KG. Creating a web-enhanced interactive preclinic technique manual: case report and student response. J Dent Educ 2004;68(12):1245-57. 5. Bogacki RE, Best A, Abbey LM. Equivalence study of a dental anatomy computer-assisted learning program. J Dent Educ 2004;68(8):867-71. 6. Buchanan JA. Experience with virtual reality-based technology in teaching restorative dental procedures. J Dent Educ Revista da ABENO • 7(1):76-81 Tecnologias de informação e comunicação no ensino da odontologia • Fontanella V, Schardosim M, Lara MC 2004;68(12):1258-65 . Eur J Dent Educ 2001;5(4):139-47 . 7 . Corrêa L, Campos AC, Souza SCOM, Novelli MD . Teaching 15 . Mattheos N, Nattestad A, Schittek M, Attström R . Computer oral surgery to undergraduate students: a pilot study using a literacy and attitudes among students in 16 European dental web-based practical course . Eur J Dent Educ 2003;7(3):111-5 . schools: current aspects, regional differences and future 8 . Eynon R, Perryer G, Walmsley AD . 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Aceito para publicação em 17/05/2006 Submeta seu artigo para a Revista da ABENO através de nosso site! sin O ológ br de En sin ontol ógico ro 1679-5 4 -595 ISSN 4 1679 -595 volume 6 númvol eroume julho vol2um 6 núm /dez embe ro ero núm 200julh 6 6julh o/dero2 2 200 o/dezembr 6 ezembo 2006 ro 1679 Od o/d 2 2006 ezemb o Od tológ de En sino asile ISSN leira Br on vo nú lum jul me e 6 20 ho/dero 2 06 zem 1679 -59 54 ico ico N nt AB EN O ira do vol núm ume julh ero 6 20 o/deze2 06 mb ISS o socia ção En ISSN de 4 ira 4 As ile AsAssocia Associsociaç ção ação ão Br Bras Brasile asileir irailede airade deEnEn Ens ino sinsin Od o oOd ont Od onoló gico on vol tolto óg lógico núm ume 6 ico julh ero -595 as Brasi -595 Br ciação o 1679 o TAT T ABIES T A D A AAA DAAAD AD A NO BBBEEENN NO O O Asso AD A ISSN çã IST 1679 REV cia ISSN ABR E V IS T A D A EN O so 954 R E RV EIRSVEIVSI S REV As ro As so cia çã o Br asi AB EN ra de O lei En sin o Od on As to soc lóg ico iaç ão Br AB E a de NO En Ass asi leir ociaçã o Br ABE NO a de En asileir sin o Od on tol óg ico sino Od ont oló gico AABBE AB ENNO EN OO Ass ociaçã Ass ociaçã o AssoBr asileir o Br ciaç asilBra ão aeirde asilei Enra de sin Ensode Ens ino OdOd onino ontOdo tol ntol ógoló icogico ógico www.abeno.org.br/revista/trabalho Revista da ABENO • 7(1):76-81 1 Conhecimento dos professores e alunos da UNIMONTES sobre protocolo e condutas recomendadas frente a acidentes com risco de contaminação Embora a maior parte dos cirurgiões-dentistas conheça os riscos a que está sujeita durante a prática profissional, poucos sabem como agir quando os acidentes acontecem, e as universidades têm papel fundamental na mudança desse quadro. Adriana Benquerer Oliveira Palma*, José Mendes da Silva**, Mania de Quadros Coelho**, Mauro Henrique Nogueira Guimarães de Abreu***, Vera Lúcia Silva Resende****, Victor Fernandes Tavares***** *Professora do Departamento de Odontologia da Universidade Estadual de Montes Claros. Mestranda em Odontopediatria. **Professores do Departamento de Odontologia da Universidade Estadual de Montes Claros. Especialistas em Saúde Pública. ***Professor do Centro Universitário Newton Paiva. Doutor em Epidemiologia pela Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: [email protected]. ****Professora da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais. Doutoranda em Odontologia pela Universidade Federal de Minas Gerais. *****Cirurgião-Dentista graduado pela Universidade Estadual de Montes Claros. RESUMO Durante o atendimento odontológico, o profissional está sujeito a sofrer acidentes com risco de contaminação e adquirir doenças infectocontagiosas, devido ao constante contato com sangue e outros fluidos e tecidos possivelmente contaminados. O objetivo deste trabalho foi analisar o conhecimento dos professores e alunos do curso de odontologia da UNIMONTES (Montes Claros, MG, Brasil) sobre condutas frente a acidentes com risco de contaminação durante o atendimento odontológico. A coleta de dados foi realizada por meio de um questionário produzido pelos pesquisadores. Participaram da pesquisa 23 professores e 88 alunos que estão em disciplinas de atendimento clínico. A hepatite foi relacionada 82 como a doença de maior probabilidade de contaminação durante atendimento odontológico por 100% dos professores e 97,73% dos alunos participantes. Quando foram questionados sobre a conduta correta em caso de acidente com risco de contaminação, 21,74% dos professores obtiveram acerto completo e nenhum aluno respondeu corretamente. Responderam de forma parcialmente correta 52,17% dos professores e 52,27% dos alunos. Não responderam corretamente 47,73% dos alunos e 26,09% dos professores. Concluiu-se que a grande maioria dos participantes conhece os riscos, mas desconhece a conduta correta a ser adotada. Faz-se necessário um programa de treinamento e acompanhamento durante todas as atividades clínicas. Revista da ABENO • 7(1):82-7 Conhecimento dos professores e alunos da UNIMONTES sobre protocolo e condutas recomendadas frente a acidentes com risco de contaminação • Palma ABO, Silva JM, Coelho MQ, Abreu MHNG, Resende VLS, Tavares VF DESCRITORES Controle de risco. Ferimentos penetrantes produzidos por agulha. Odontologia. D urante a prática diária, os cirurgiões-dentistas, como outros trabalhadores na área de saúde, encontram-se em ambiente propício à disseminação de agentes que podem causar diversos tipos de infecção.26,30 Muitos microrganismos podem estar presentes no sangue ou na saliva, como as bactérias causadoras da sífilis e tuberculose, e os vírus causadores do sarampo, do herpes, das hepatites e da imunodeficiência adquirida ou HIV.3,5,6,9,25,30,38 Com o advento da AIDS ou SIDA, no início da década de 80, os profissionais da área de saúde passaram a se preocupar mais com o controle de infecção.30,34 Entretanto, a maior preocupação dos cirurgiões-dentistas deve ser com os vírus causadores das hepatites,30 principalmente as causadas pelo vírus B, devido à sua alta prevalência e letalidade, e as causadas pelo vírus C, pela sua alta morbidade e letalidade.19,32,36 Segundo o Ministério da Saúde, em um consultório odontológico com atendimento diário de vinte pacientes, em uma semana, pelo menos um paciente com vírus da hepatite B (VHB) entrará em contato com o profissional e sua equipe.5 A probabilidade de infecção após exposição percutânea pelo vírus da hepatite B é significativamente maior do que a pelo HIV, podendo chegar a 40%. Para o vírus da hepatite C, o risco médio varia de 1% a 10%.5,6 Outros vírus relacionados a outras hepatites foram recentemente descritos, denominados vírus G, TT e SEN, mas faltam estudos mais profundos sobre os riscos reais de transmissão para o profissional da Odontologia.21,35,37 A transmissão de microrganismos para o profissional pode se dar por diferentes vias: contato direto com lesões infecciosas ou com sangue e saliva contaminados; contato indireto, mediante transferência de microrganismos presentes em um objeto contaminado; respingos de sangue, saliva ou líquido de origem nasofaríngea, diretamente em feridas de pele e mucosa; através de acidentes com instrumentos perfurocortantes ou pela dispersão de microrganismos por aerossóis.14,19, 20,31,34,36,38 Assim, é recomendada aos profissionais a utilização de medidas para proteção individual, bem como a proteção do meio no qual trabalham e dos pacientes. Essas medidas, denominadas “Medidas de Precaução-Padrão”, buscam evitar toda e qualquer forma de contaminação cruzada no ambiente de trabalho.5,6,9,30,37 Diante dessa realidade, as questões relativas ao controle de infecção e às normas de biossegurança passaram a ter um novo enfoque, uma vez que não eram vistas de forma tão crítica como são agora. Pequenos procedimentos, como pegar materiais das gavetas, antes considerados inofensivos, devem hoje antes ser revistos e corrigidos. Os novos conhecimentos sobre a necessidade de controle de infecção exigem adequação e mudança de hábitos.33 Alguns recursos para evitar a ocorrência de infecção cruzada em consultórios odontológicos têm sido recomendados. Qualquer negligência pode intensificar a incidência dessas infecções. Deve-se observar rigorosamente as normas de biossegurança e utilizar todos os recursos disponíveis de modo a proporcionar segurança a toda a equipe de saúde e aos pacientes.30,33 Organizações de saúde como o Centers for Disease Control and Prevention (CDC)7,8 e a American Dental Association (ADA)1 e o Ministério da Saúde do Brasil5,6 têm desenvolvido normas de assepsia, desinfecção e esterilização, preconizando protocolos de controle de infecção. Essas normas devem ser aplicadas a todos os tipos de procedimentos clínicos odontológicos e para todos os instrumentos e equipamentos. O Ministério da Saúde orienta que o trabalhador acidentado, com risco de infecção, seja acompanhado clínica e sorologicamente pelo setor de Medicina do Trabalho ou por um Serviço de Controle de Infecção por 6 meses.5,6 Os serviços de saúde devem ter sempre à disposição dos seus funcionários um sistema que inclua: a)protocolos escritos para que se possa reportar o fato; b)avaliação do acidente; c)aconselhamento; d)tratamento e acompanhamento do profissional de saúde em risco de adquirir qualquer infecção. Por outro lado, o profissional de saúde deve reportar o acidente imediatamente ao seu superior, particularmente porque as medidas profiláticas, quando recomendadas, devem ser implementadas imediatamente após o acidente.6 Considerando-se que os profissionais devem estar cada vez mais capacitados para o mercado de trabalho,28 também na área da saúde, suas condutas devem estar pautadas no conhecimento científico. O Ministério da Saúde, as instituições de saúde, os cirurgiões-dentistas e as Universidades têm a responsabilidade de desenvolver e implementar medidas (protocolos) para o manejo das situações de acidentes e a assistência aos profissionais da equipe.6 Revista da ABENO • 7(1):82-7 83 Conhecimento dos professores e alunos da UNIMONTES sobre protocolo e condutas recomendadas frente a acidentes com risco de contaminação • Palma ABO, Silva JM, Coelho MQ, Abreu MHNG, Resende VLS, Tavares VF Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Odontologia, o profissional deve ter um perfil generalista, com compreensão da realidade social e capacidade para o exercício de atividades referentes à saúde bucal da população, pautado em princípios éticos. Sendo a Universidade a grande formadora de recursos humanos, deve se preocupar em formar profissionais competentes, comprometidos com a transformação da realidade em benefício da sociedade.2,11,13,15 Como o professor tem papel importante na formação do perfil do profissional a ser colocado no mercado, é importante que ele tenha um conhecimento consolidado sobre as normas de controle de infecção para que possa transmitir aos seus alunos, através de palavras e atitudes, princípios corretos de controle de infecção.15,22 Por isso, é de grande relevância avaliar o conhecimento dos professores e alunos, futuros profissionais de saúde, sobre a conduta frente à exposição a material biológico infectante, com risco de contaminação iminente. A inclusão do conteúdo de Biossegurança como conteúdo nos cursos de Odontologia vem reforçar essa disposição, sensibilizando os alunos a utilizarem normas de controle de infecção. Assim, este estudo teve como objetivo principal investigar o conhecimento dos professores e alunos do curso de Odontologia da UNIMONTES sobre condutas frente a acidentes com risco de contaminação durante o atendimento odontológico. MATERIAL E MÉTODO Trata-se de um estudo epidemiológico, descritivo, de corte transversal. O curso de Odontologia da UNIMONTES é constituído de 10 períodos letivos (semestres), e os alunos iniciam as atividades práticas, de atendimento a pacientes, no 4º período. Participaram do presente trabalho alunos do 4º, 5º, 6º, 8º e 9º períodos e professores que ministravam aulas práticas nas clínicas do curso de Odontologia da UNIMONTES, no 1º semestre de 2002. Foram excluídos os alunos do 7º período, uma vez que os mesmos participaram de seminário da disciplina de Clínica Restauradora I, quando esse assunto foi amplamente discutido. Além disso, os alunos do 10º período não participaram porque estavam em atividades extramuros, dificultando a coleta dos dados. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UNIMONTES (Processo número: 056/2002). Os alunos e professores que aceitaram participar da pesquisa assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.12 84 Os pesquisadores, previamente calibrados, aplicaram um questionário pré-testado ao grupo pesquisado. Em relação às respostas, foram consideradas corretas aquelas que estavam de acordo as orientações do Ministério da Saúde.6 Com relação à pergunta sobre a doença que consideravam ser de maior risco de contaminação durante o exercício da Odontologia, considerou-se acerto quem respondeu Hepatite B.19,30,32 Os acidentes considerados com risco de contaminação foram aqueles com instrumental perfurocortante em contato com sangue-saliva. Em relação às condutas frente a acidente com risco de contaminação, considerou-se acerto completo quem respondeu de acordo com as normas do Ministério da Saúde:6 “Interromper o procedimento, retirar o EPI (Equipamento de Proteção Individual), lavar abundantemente a área afetada, preencher o CAT (Comunicado de Acidente de Trabalho), encaminhar ao médico para avaliar necessidade de quimioprofilaxia para HIV.” Os dados coletados foram codificados e digitados utilizando-se o programa Microsoft Excel. Através da estatística descritiva eles foram apresentados em tabelas de freqüência. RESULTADOS E DISCUSSÃO Do total de 127 alunos elegíveis para o estudo, 88 (69,29%) aceitaram participar da pesquisa, respondendo ao questionário, sendo 49 (55,68%) do sexo feminino e 28 (31,82%) do sexo masculino; não identificaram o gênero 11 discentes (12,5%). Em relação à distribuição dos alunos respondentes por período, 26 (29,55%) alunos eram do 4º período, 18 (20,45%) do 5º período, 10 (11,36%) do 6º período, 15 (17,05%) do 8º período, 19 (21,59%) do 9º período. Do total de 39 professores elegíveis, 23 (58,97%) concordaram em participar e responderam ao questionário; destes, quatro respondentes (17,4%) não revelaram o gênero, 7 (30,43%) eram homens e 12 (52,17%), mulheres. Quanto área de atuação, 8 (34,78%) ministravam o conteúdo de Clínica Integrada, 1 (4,35%) de Estomatologia, 2 (8,70%) de Endodontia, 3 (13,04%) de Clínica Infantil, 1 (4,35%) de Prótese, 2 (8,70%) de Periodontia, 4 (17,39%) de Estudo da Saúde Coletiva II, 1(4,35%) de Cirurgia e 1 (4,35%) não respondeu qual era a disciplina que ministrava. Avaliando-se a doença que os sujeitos da pesquisa consideram de maior risco de contaminação, 100,00% dos professores e 97,73% dos alunos responderam ser Revista da ABENO • 7(1):82-7 Conhecimento dos professores e alunos da UNIMONTES sobre protocolo e condutas recomendadas frente a acidentes com risco de contaminação • Palma ABO, Silva JM, Coelho MQ, Abreu MHNG, Resende VLS, Tavares VF a hepatite, e 2,27% dos alunos responderam ser a hepatite/aids as doenças de maiores riscos de contaminação durante o atendimento odontológico (Tabela 1). Em relação aos resultados anteriores, a literatura aponta que o vírus da hepatite B e C são mais infecciosos do que o HIV e provocam alta morbidade e mortalidade.6,19,27,30,32,36 Quando os professores foram questionados sobre o que consideram como acidente com risco de contaminação, 47,82% responderam ser o acidente perfurocortante o acidente de maior risco de contaminação. Alguns autores descrevem que ocorre alta porcentagem de acidentes com instrumentos perfurocortantes durante o atendimento odontológico e que isso representa um grande risco de contaminação para o profissional.17,24,29,30,32,36 Outros autores relatam também que o risco com agulhas ocas é maior pela quantidade de sangue transferido por esse tipo de agulha.6 A literatura descreve que o maior número de acidentes ocorre nas especialidades em que os profissionais atuam em áreas cruentas. Esse fato é esperado, pois ocorre maior exposição a situações de risco.10,23 Autores relatam que o risco de soroconversão ao HIV em acompanhamento de um acidente perfurocortante com agulha que esteja contaminada pelo HIV tem sido estimado em 0,3%.6,16,18 Lo Re, Kotsman20 (2005) afirmam que a incidência de soroconversão de hepatite C após um acidente varia de 3% a 4%. Esses autores relatam ainda que o risco de contaminação por contato de sangue contaminado com as mucosas deve ser considerado. Tabela 1 - Respostas dos alunos quanto à doença de maior risco de contaminação (Montes Claros, 2002). Doença com risco de contaminação Hepatite B Hepatite B / Aids Total Freqüência absoluta Freqüência relativa 86 2 88 97,73% 2,27% 100,00% Em relação às respostas dos alunos referentes ao acidente com risco de contaminação, os seguintes resultados foram obtidos: 37,5% responderam ser o acidente com instrumento perfurocortante e 52,27% responderam ser o acidente perfurocortante e a contaminação por saliva e sangue os acidentes de maiores riscos. Quando os sujeitos da pesquisa foram questionados quanto à conduta em casos de acidentes com risco de contaminação, 21,74% dos professores obtiveram acerto completo e nenhum aluno respondeu corretamente. Responderam de forma parcialmente correta 52,17% dos professores e 52,27% dos alunos. As respostas foram consideradas completamente incorretas para 47,73% dos alunos e 26,09% dos professores (Tabelas 2 e 3). Segundo as recomendações do Ministério da Saúde,6 em princípio, qualquer acidente deve ser tratado da mesma forma, independentemente das características do paciente ou ambiente onde o acidente se deu. Uma cuidadosa avaliação é necessária para determinar a necessidade da implementação das medidas de profilaxia pós-exposição recomendadas pelo Ministério da Saúde. 6 Além disso, a análise criteriosa das circunstâncias relacionadas ao acidente pode contribuir para a prevenção de ocorrências. É importante salientar que a Universidade é a responsável primeira pela formação do profissional, e a estruturação do currículo dos cursos de Odontologia deve visar a formação de profissionais que voltem sua práxis para as necessidades requeridas pelo quadro epidemiológico, em meio à historicidade do processo saúde-doença-cuidado.4,13 A informação científica, a partir do momento em que é produzida, leva algum tempo para ser difundida entre os profissionais que a utilizarão. Apesar de a maioria dos respondentes ter acertado essa questão, tem-se ainda uma preocupante porção que ainda não detém esse conhecimento. Tabela 2 - Conhecimento dos alunos quanto ao protoco- Tabela 3 - Conhecimento dos professores quanto ao pro- lo de conduta frente ao risco de contaminação (Montes Claros, 2002). tocolo de conduta frente ao risco de contaminação (Montes Claros, 2002). Conhecimento do protocolo Conhecimento do protocolo Freqüência absoluta Freqüência relativa 5 21,74% 12 52,17% Erro 6 26,09% Total 23 100,00% Freqüência absoluta Freqüência relativa 0 00,00% Acerto completo Acerto parcial 46 52,27% Acerto parcial Erro 42 47,73% Total 88 100,00% Acerto completo Revista da ABENO • 7(1):82-7 85 Conhecimento dos professores e alunos da UNIMONTES sobre protocolo e condutas recomendadas frente a acidentes com risco de contaminação • Palma ABO, Silva JM, Coelho MQ, Abreu MHNG, Resende VLS, Tavares VF O papel do professor como educador é muito importante na formação do profissional, pois ele é quem irá ajudar o aluno a se apropriar do conhecimento construído, de lhe dar significado, de gerir diferenças, de problematizar, de motivar, de provocar e de dar ao indivíduo condições de desenvolver um pensamento e um discurso próprios.22 Assim, os cursos de odontologia devem promover atividades que difundam esse conhecimento entre os corpos docente e discente. CONCLUSÃO Os resultados mostraram que a maioria dos professores e alunos conhecem os riscos de ocorrência de acidentes durante a prática profissional, porém está despreparada para atuar quando da ocorrência dos acidentes profissionais. A ocorrência de acidente com instrumento perfurocortante constitui sério problema em relação ao controle da infecção cruzada, e medidas preventivas devem ser reforçadas para sua redução. Faz-se necessário um programa de treinamento constante em relação a questões de conduta frente a acidentes com risco de contaminação para os corpos docente e discente. fessors and 52.27% of students. Answers considered completely wrong were given by 47.73% of students and 26.09% of professors. It was concluded that most of the participants are aware of the risks of contamination during their work, but that they are unaware of the correct protocol to be followed in case of needlestick injuries. A training program and follow-up are thus required during all clinical activities. DESCRIPTORS Risk management. Needlestick injuries. Dentistry. § REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. American Dental Association. Infection control for the dental office and dental laboratory. J Am Dent Assoc 1992;123:1-8. 2. Análise sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Graduação em Odontologia. Revista da ABENO 2002;2:35-8. 3. Andrade LM, Horta HGP. A progressão da tuberculose: um alerta para os profissionais de saúde oral. Rev CROMG 2000;6:113-7. 4. Aquilante AG, Tomita NE. O estudante de Odontologia e a educação. Revista da ABENO 2005;5:6-11. 5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de assistência à saúde. ABSTRACT Knowledge held by professors and students from Unimontes University on the protocol and recommended conducts in case of accidents with the risk of contamination Dental professionals are subject to suffering needlestick injuries during their work, with the risk of being contaminated and contract infecto-contagious diseases due to the fact that they are in constant contact with possibly contaminated blood, other fluids and human tissues. The objective of this study was to analyze the knowledge held by professors and students from the Dentistry course given at Unimontes University (Montes Claros, Minas Gerais, Brazil) on the recommended conducts in case of accidents with the risk of contamination during dental care procedures. Data were collected using a questionnaire elaborated by the researchers. A total of 23 professors and 88 students working in clinical disciplines participated in this research. Hepatitis was reported as the disease with the highest probability of contamination during dental attendance by 100% of professors and 97.73% of students. When questioned about the correct conduct in case of accident with risk of contamination, 21.74% of the professors and none of the students answered completely correctly. Answers considered partially correct were given by 52.17% of pro86 Programa Nacional de DST/AIDS. Hepatites, Aids e Herpes na prática Odontológica. Brasília: Líttera Maciel Ltda; 1996. 6. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde, Coordenação Nacional de DST e AIDS. Controle de infecções na prática odontológica em tempos de AIDS: manual de condutas. Brasília: Ministério da Saúde; 2000. 7. Centers for Disease Control (CDC). Measles on college campuses -- United States, 1985. MMWR Morb Mortal Wkly Rep 1985;34(29):445-9. 8. Centers for Disease Control (CDC). Guidelines for infection control in dental health-care settings -- 2003. 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Revista da ABENO • 7(1):82-7 Conhecimento dos professores e alunos da UNIMONTES sobre protocolo e condutas recomendadas frente a acidentes com risco de contaminação • Palma ABO, Silva JM, Coelho MQ, Abreu MHNG, Resende VLS, Tavares VF 13. Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Odontologia. Revista da ABENO 2002;2:31-4. 27. Palmer GD, Fleming GJ. The management of occupational exposures to blood and saliva in dental practice. Dent Update 14. Discacciati JAC, Sander HH, Castilho LS, Resende VLS. Verificação da dispersão de respingos durante o trabalho do cirurgião-dentista. Pan Am J Public Health 1998;3:84-7. 15. Garbin CAS, Saliba NA, Moinaz SAS, Santos KT. O papel das universidades na formação de profissionais na área de saúde. Revista da ABENO 2006;6(1):6-10. 2000;27:18-24. 28. Pelissari LD, Bassing, RT, Florio FM. Vivência da realidade: o rumo da saúde para a Odontologia. Revista da ABENO 2005;5:22-39. 29. Pereira RWL. 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E-mail: [email protected]. **Professor Adjunto da Universidade Federal de São Paulo e LivreDocente em Educação Médica. E-mail: [email protected]. RESUMO Este trabalho procurou investigar o processo de formação em Odontologia, a partir de egressos formados há até cinco anos e em movimento de busca por pós-graduação lato sensu, no exercício de uma prática generalista da profissão. Optou-se por uma pesquisa exploratória, com abordagens quantitativa e qualitativa. Os dados foram obtidos por meio de questionário com assertivas relacionadas com a temática pesquisada e da análise do grau de concordância e/ou discordância. Utilizou-se, também, de entrevistas semi-estruturadas cujo material foi submetido a uma Análise Temática. Os principais achados evidenciam aspectos essenciais que ainda dificultam a concretização do perfil de egresso preconizado pelas Diretrizes Curriculares, especialmente no tocante ao preparo para uma prática generalista da profissão. Salientam-se a falta de articulação da teoria com a prática, uma visão da Odontologia descontextualizada da realidade com conseqüente despreparo para atuação no mercado de trabalho, uma formação inadequada para o trabalho no contexto do SUS, um preparo inadequado para ações ligadas à administração e ao gerenciamento da própria prática e pouco preparo para o relacionamento com o paciente e com os outros profissionais da área. Esse panorama aponta para a necessidade de mudanças dessas falhas, incorporando também ampliação de cenários de aprendizagem com aprimoramento da proposta de ensino da clínica integrada, flexibilização curricular com maior integração de conteúdos/ disciplinas e implantação de práticas interdisciplina88 res, uma proposta de melhor preparo do aluno para o estudo independente e para a pesquisa por meio do incentivo à iniciação científica e um investimento no corpo docente do curso. DESCRITORES Educação em odontologia. Assistência integral à saúde. Formulação de políticas. A s Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Odontologia preconizam que o egresso esteja em condição de desenvolver uma prática generalista da profissão, a partir do perfil de um: “Cirurgião-dentista com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, para atuar em todos os níveis de atenção à saúde, com base no rigor técnico e científico. Capacitado ao exercício de atividades referentes à saúde bucal da população, pautado em princípios éticos, legais e na compreensão da realidade social, cultural e econômica do seu meio, dirigindo sua atuação para a transformação da realidade em benefício da sociedade” (p. 8).5 Antecedendo-se essas recomendações, Costa et al.8 (1992) avaliaram a qualidade da formação acadêmica em Odontologia relacionando-a à atividade profissional posterior em um estudo com os cirurgiões-dentistas na Grande São Paulo, no ano de 1987, que apontou para o fato de que a Universidade não estava atingindo com eficiência o seu papel de formação profissional. Revista da ABENO • 7(1):88-95 A graduação em Odontologia na visão de egressos: propostas de mudanças • Cordioli OFG, Batista NA Entre os resultados mais relevantes, encontraramse: o treinamento na faculdade era divorciado da realidade profissional; o ensino era teoricamente satisfatório, porém com necessidade de complementação prática adquirida com a experiência clínica pós-formação; o treinamento clínico deveria ser incrementado; o preparo em cirurgia periodontal, diagnóstico de doenças com manifestação oral, prótese fixa, oclusão e ortodontia era insuficiente ou inexistente; havia um despreparo básico no manuseio clínico do paciente; a carga horária destinada ao treinamento prático deveria ser aumentada; deveria ser incrementado o ensino da administração do consultório. As Diretrizes Curriculares também enfatizam que o perfil acadêmico a ser construído deve ser compatível com uma atuação de qualidade, eficiência e resolutividade no Sistema Único de Saúde (SUS), considerando-se o processo de Reforma Sanitária Nacional Brasileira, e trazem em seu artigo 5º, parágrafo único, que “(...) a formação do cirurgião-dentista deverá contemplar o sistema de saúde vigente no país, a atenção integral da saúde num sistema regionalizado e hierarquizado de referência e contra-referência e o trabalho em equipe.” (p. 2).4 Moysés16 (2003, p. 93) comenta que Feuerwerker11 (2003), falando sobre os princípios para o desenvolvimento curricular a partir das diretrizes, propõe uma correção desse apontamento ao afirmar que a educação profissional deve enfocar os problemas mais relevantes da sociedade e o programa do curso deve ser baseado nos critérios epidemiológicos e nas necessidades de saúde. Wotman et al.22 (2003) propõem uma mudança filosófica do ensino odontológico referente ao papel da responsabilidade profissional, com ênfase na proteção e melhoria da saúde bucal e geral da comunidade. O modelo visa incorporar ao currículo os conteúdos que capacitem o futuro profissional a promover a saúde e o bem-estar da população, avaliando longitudinalmente as mudanças na percepção da responsabilidade profissional e nas atitudes dos alunos, assim como acompanhando paralelamente a evolução do estado de saúde da comunidade. Com base nesses pressupostos, questiona-se: Como tem ocorrido o processo de formação do cirurgião-dentista para o exercício de uma prática generalista da profissão? Quais as mudanças sugeridas pelos egressos visando um melhor preparo para essa prática? Este artigo explora, na perspectiva da vivência da prática generalista da profissão, sugestões de aprimoramento da graduação em Odontologia. “(...) o ensino, predominantemente exercido por especialistas, estimula a especialização precoce dos educandos e a fragmentação do conhecimento e do ato odontológico”, e indica uma tendência contrária a esse perfil delineado. Secco, Pereira21 (2004, p. 119) citam que “o desafio a ser enfrentado parece passar pela superação da dicotomia entre formação geral versus formação específica”, mediante uma nova racionalidade capaz de incorporar a diversidade, as contradições e as tensões que constroem o cotidiano nas instituições de ensino superior. Nesse sentido, Garbelini et al.14 (2003) apontam para a necessidade do desdobramento e da adequação dos conteúdos e das atividades curriculares para se construir um perfil generalista. Cristino9 (2005) comenta que: “convivemos numa realidade paradoxal e numa conseqüente crise paradigmática na qual somos especialistas tendo que formar generalistas” (p. 13). METODOLOGIA Esta é uma pesquisa de caráter exploratório, construída a partir de abordagens quantitativa e qualitativa. Partimos do pressuposto de que os métodos podem ser complementares na busca de explicações para o objeto de análise. Os sujeitos da pesquisa são cirurgiões-dentistas formados há até cinco anos, que exercem em seus consultórios a prática generalista da profissão e que estão cursando um programa de pós-graduação lato sensu na Clínica Odontológica do Senac-SP. Os dados foram coletados a partir de um questionário composto de dezesseis questões fechadas desenvolvidas com base nas principais recomendações das Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Odontologia. Ao final do questionário, foi aplicada uma entrevista de aprofundamento, cujo roteiro contou com três questões abertas. Os dados obtidos com as questões fechadas foram quantificados, tabulados e dispostos em gráficos. O material qualitativo adquirido com as entrevistas foi tratado por uma das técnicas de Análise de Conteúdo, denominada Análise Temática. Revista da ABENO • 7(1):88-95 89 A graduação em Odontologia na visão de egressos: propostas de mudanças • Cordioli OFG, Batista NA 20 Número de respostas 18 18 16 14 12 10 8 6 3 4 2 0 0 0 CT C I D 0 DT Gráfico 1 - Indicações de mudanças em sendo coorde- nador de curso. CT: concordo totalmente, C: concordo, I: indiferente, D: discordo, DT: discordo totalmente. 12,5% 35,5% 25% 27% Ambiente físico (clínica, laboratório, salas de aula) Carga horária teórica Carga horária prática Metodologia de ensino-aprendizagem com visão integral do paciente, considerando-o como um todo biopsicossocial e somático. Aquilante, Tomita3 (2005) também citam a necessidade de reestruturação do currículo odontológico para que os egressos possam estar preparados para o atendimento das necessidades da população. Os autores propõem repensar o processo ensino-aprendizagem, tanto em relação aos conteúdos programáticos (o que ensinar) quanto às metodologias de ensino (como ensinar). Para Feuerwerker, Almeida12 (2004, p. 15), as Diretrizes Curriculares Nacionais sugerem a superação das abordagens metodológicas tradicionais de ensino-aprendizagem, e convidam à formação por competência, ou seja, uma formação com “(...) experiências e oportunidades de ensino-aprendizagem para além do campo cognitivo”. Na análise qualitativa das entrevistas, encontramos cento e quarenta e uma unidades de registro, divididas em treze categorias de análise. A categoria mais citada é a necessidade de “melhor articulação da teoria com a prática”, com trinta e duas citações, sendo o aumento do tempo de treinamento clínico a proposta mais apontada pelos entrevistados: “(...) para melhorar a faculdade, a graduação, eu apostaria Gráfico 2 - Sugestões de mudanças. mais na clínica integrada... dar um tempo maior dentro da integrada. Uma visão mais geral. Você poderia pegar o RESULTADOS e DISCUSSÃO Quando se questionou sobre indicação de mudanças na graduação, caso fossem os coordenadores do curso de Odontologia da faculdade onde estudaram, 100% dos profissionais responderam que fariam mudanças, visando melhorar a graduação (Gráfico 1). Foram sugeridas quarenta e oito mudanças; dezessete ligadas à metodologia de ensino/aprendizagem; treze relacionadas à carga horária de prática clínica e laboratorial; doze, à carga horária de teoria; e seis, aos espaços físicos, como laboratório, clínica e sala de aula (Gráfico 2). Com a implantação das Diretrizes, os cursos de Odontologia percebem-se pressionados pelas orientações propostas e pelo debate em torno da qualidade e da avaliação no cenário nacional e internacional, iniciando uma busca por novos caminhos para atenderem a esses desafios de construção do projeto pedagógico e das mudanças curriculares.21 Segundo Carvalho et al.6 (2005), muitas discussões têm ocorrido, abordando-se principalmente o perfil do profissional a ser formado no curso de graduação em Odontologia. Dessa forma, sugere-se a necessidade de mudanças curriculares, buscando-se o preparo 90 paciente e trabalhar o geral dele, todos os procedimentos, como funciona no consultório.” A integração propriamente dita foi também muito enfatizada nesta articulação: “Eu estenderia primeiro na carga horária, principalmente de clínica para a gente trabalhar, e principalmente de clínica integrada, não daquela coisa separadamente... só aula de canal, hoje, só aula de... não, aquela coisa integrada que você chega, você pega o paciente e você faz do princípio ao fim e você vai da oclusão, da restauração até reabilitação e estar trabalhando como um todo. Eu estenderia a grade horária clínica, principalmente clínica integrada.” Para a melhoria da articulação foi também sugerida alteração de grade curricular: “colocar algumas matérias que poderiam ter sido colocadas, em anos anteriores. Às vezes, a carga horária, joga essa matéria pro oitavo semestre, poderia ter sido dada no segundo, antes de entrar na clínica pra você estar mais preparado até pra, é, atender mais rapidamente e com uma ergonomia melhor, que isso daí não foi aplicado né?” Revista da ABENO • 7(1):88-95 A graduação em Odontologia na visão de egressos: propostas de mudanças • Cordioli OFG, Batista NA Pesquisa realizada por Costa et al.7 (2002), com 636 alunos de Odontologia, apontou que 68,82% dos estudantes consideram a discussão de casos clínicos como a atividade que mais contribui para o aprendizado e para a maior integração entre teoria e prática profissional. Para o autor, as atividades teóricas de ensino eram satisfatórias, porém, o maior problema encontrava-se no preparo insuficiente para a prática, havendo desequilíbrios entre as cargas horárias dedicadas a essas modalidades de ensino. Figueiredo et al.13 (2005), em um estudo realizado com pessoas ligadas à rede SUS, mostram que os professores e acadêmicos percebem claramente um distanciamento entre a teoria e a prática. Os autores concordam que apenas as reformas curriculares implementarão mudanças para melhorar a integração entre o que se ensina e o que se pratica, assim como a qualidade dos profissionais formados. Como segunda maior categoria de análise nas propostas de mudança, os entrevistados propõem um “ensino mais contextualizado com a realidade”: “(...) é o que eu mudaria assim... é mostrar para o graduando como que funciona a odontologia fora da faculdade, que eu saí só com essa idéia, como funciona lá dentro. Saí de lá e não conhecia. É isso.” As Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Odontologia, ao definirem o perfil profissional do egresso, recomendam que sua atuação esteja pautada “(...) na compreensão da realidade social, cultural e econômica do seu meio, dirigindo sua atuação para a transformação da realidade em benefício da sociedade” (p. 4). 5 Nesse sentido, a atuação no SUS é realçada pelos egressos: “A questão também do Sistema Único de Saúde, eu acho que a universidade também não mostrou a realidade de como funciona um posto de saúde, numa prefeitura (...)” “Então, de repente, fazer com que o aluno vá, conheça a realidade, as dificuldades das pessoas.” de o sistema de ensino superior não estar cumprindo o seu papel na formação de profissionais comprometidos com o SUS e com o Controle Social. Um dos temas debatidos na conferência foi “Formação e Desenvolvimento em Saúde Bucal”, que abordou a problemática da não-compreensão crítica das necessidades sociais por parte das universidades públicas e privadas e a falta de gestão do Ministério da Educação em integrar o ensino a essas questões. Dessa forma, os profissionais formados continuam inadequados para o trabalho no SUS, com dificuldades para execução das práticas integrais de atenção.1 A “melhoria do ensino de administração/gerenciamento de consultório” foi a terceira categoria mais citada: “Até eu acho interessante também fazer... no caso, o profissional fazer uma gerência mesmo, fazer simulações de compra de material, o que vai se utilizar e o que não vai, e fazer um levantamento... Isso eu acho que seria interessante, na graduação já, voltando àquela parte de administração do consultório e tudo mais.” As Diretrizes Curriculares Nacionais descrevem nas competências gerais dos egressos que esses devem estar aptos a “(...) fazer o gerenciamento e a administração da força de trabalho, dos recursos físicos e materiais e de informação, da mesma forma que devem estar aptos a ser empreendedores, gestores, empregadores ou lideranças na equipe de saúde” (p. 4).5 A “integração do ensino” é apontada como sugestão de mudança na graduação em dezesseis citações. Além dela, o estímulo à interdisciplinaridade no atendimento clínico (integração das competências docentes na prática clínica geral) é também citada: “Deveria ter sido integrado melhor as disciplinas. Então, de repente, para que você pudesse mudar isso, você monta uma equipe com 4 professores de dentística mas, um desses professores, de repente, está ali e não é um professor de dentística, é um professor de periodontia. Então você tem uma dúvida num caso, você chama o professor A 3ª Conferência Nacional de Saúde Bucal, realizada em agosto de 2004, apontou a dissociação entre o modelo formador e a realidade brasileira e o não-comprometimento desse modelo com as necessidades da população como as principais causas de dentística, mas chama o de perio também e aí, ele vai dar uma sugestão melhor... Não digo que todas as disciplinas tivessem um professor de outra área, mas um professor que tivesse uma capacidade de gerenciar o pensamento lógico dos outros profissionais daquela disciplina.” Revista da ABENO • 7(1):88-95 91 A graduação em Odontologia na visão de egressos: propostas de mudanças • Cordioli OFG, Batista NA A “ampliação de cenários de treinamento clínico” foi muito sugerida pelos egressos, enfatizando a necessidade dos estágios extramuros: “(...) Realmente criar um trabalho em escolas, criar consultórios, para disponibilizar, já que está no meio acadêmico, sobre coordenação de como é feita uma clínica integrada.” Pelissari et al. (2005) propõem mudança para uma prática pedagógica mais humanizada, que fuja do modelo mecanicista da prática profissional, empenhado em atender as demandas de mercado, e propõem o desenvolvimento da competência ética e social da futura profissão, com enfoques multiprofissionais de trabalho em equipe e com a ampliação dos cenários de ensino-aprendizagem para os serviços de saúde do SUS. Outra sugestão de mudança é o melhor “preparo para a pesquisa/iniciação científica” durante o curso: 19 “A área de metodologia deveria ter sido muito mais, apesar de ser chata, honestamente falando, eu acho que deveria ter sido muito mais abordada e não, nunca no começo como eles colocam, no primeiro e no segundo semestre, mas sim nos últimos, quando é o momento da gente fazer a monografia.” Diegoli et al.10 (2005) comentam que a estratégia da pesquisa na graduação propicia a formação de um profissional mais crítico e atuante, além de melhorar o atendimento e a inserção na realidade social, na medida em que funciona como um fator propulsor da integração de conteúdos e disciplinas, contribuindo assim para a segurança no exercício de sua atividade profissional. A melhoria do ensino das “relações interpessoais” foi também apontada: “Os professores deveriam, não sei de que forma, isso é bastante difícil, bastante complicado... se eu formasse o curso de odontologia eu iria priorizar muito o bom relacionamento entre os colegas, que falta muito. Pela concorrência, um quer massacrar o outro e isso é triste, é triste, é horrível e eu acho que deveria ser completamente diferente... uma relação de um não querer massacrar o outro, de um querer ajudar o outro, querer fazer crescer a Odontologia no nosso país. Eu acho que isso que deveria ser visado (...)” “Investimentos no quadro docente” envolvendo melhoria na remuneração, na competência didáticopedagógica e na qualificação acadêmica dos professores foram citados, bem como a “melhoria do processo 92 seletivo para ingresso” e a “melhoria do processo avaliativo” estiveram presentes. Cinco unidades de registro, classificadas na categoria das “mudanças gerais”, propõem o trabalho com turmas pequenas, aumento da carga horária do curso, controle da abertura de faculdades e melhoria da formação humanística do aluno. CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta pesquisa, como o que já vem sendo apontado em outros estudos, mostra alguns aspectos essenciais que ainda dificultam a concretização do perfil de egresso preconizado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Odontologia, especialmente no tocante ao preparo para uma prática generalista da profissão. Dentre esses aspectos, salientamos a falta de articulação da teoria com a prática, uma visão da Odontologia descontextualizada da realidade com conseqüente despreparo para atuação no mercado de trabalho, uma ênfase intraprofissional com pouca integração com as outras áreas da saúde, uma formação inadequada para o trabalho na equipe de saúde no contexto do SUS, um preparo inadequado para ações ligadas à administração e ao gerenciamento da própria prática e pouco preparo para o relacionamento com o paciente e com os outros profissionais da área. Esse panorama aponta, na visão dos egressos, para a necessidade de mudanças dessas falhas, incorporando também a necessidade de ampliação de cenários de aprendizagem com um aprimoramento da proposta de ensino da clínica integrada, uma flexibilização curricular com maior integração de conteúdos/disciplinas e implantação de práticas interdisciplinares, uma proposta de melhor preparo do aluno para o estudo independente e para a pesquisa por meio do incentivo à iniciação científica e um investimento no corpo docente do curso. Observamos hoje um movimento, praticamente em todos os cursos de graduação em Odontologia, de busca por melhorias/adequações de seus projetos pedagógicos. Para Perri de Carvalho20 (2004, p. 9), a condição de ensino do curso está diretamente vinculada à proposta do Projeto Pedagógico, considerado nas Diretrizes Nacionais como um dos itens principais no processo de avaliação dos programas de graduação e, também, como precursor da integração entre os “(...) segmentos docente, discente e administrativo; ele visa a eficiência do processo e a qualidade da formação plena do aluno em termos científico-culturais, profissionais e de cidadania”. Revista da ABENO • 7(1):88-95 A graduação em Odontologia na visão de egressos: propostas de mudanças • Cordioli OFG, Batista NA Moysés17 (2004) cita o perfil do egresso, as competências, aptidões e habilidades, os conteúdos curriculares, os estágios e as atividades complementares, a organização do curso, o acompanhamento e a avaliação como os aspectos cruciais para o ensino odontológico na graduação e sua contextualização na pósmodernidade. Além disso, salienta que os cursos de Odontologia deverão pensar seus projetos pedagógicos de maneira coletiva, alinhando-os às Diretrizes Curriculares Nacionais, e deverão focar o aluno como facilitador do processo ensino-aprendizagem. Outro aspecto muito enfatizado é a necessidade de adequação do projeto pedagógico dos cursos para a formação de profissionais mais preparados para o trabalho no sistema de saúde vigente. Nesse sentido, a 3ª Conferência Nacional de Saúde Bucal preconiza para o ensino superior odontológico: • redefinição do modelo de formação com a inclusão de habilidades necessárias ao trabalho no SUS; • estruturação dos mecanismos de acompanhamento e monitoramento; • reformulação periódica dos currículos acadêmicos, direcionando-os para a melhora da qualidade da atenção básica, com ênfase no modelo de promoção da saúde, no trabalho em equipe multiprofissional e interdisciplinar, na perspectiva da humanização da atenção à saúde bucal; • reestruturação e valorização de conteúdos que tratem de saúde pública e coletiva, oferecendo uma atenção especial na formação em saúde da família; • adequação do modelo formador à realidade brasileira, comprometendo-o com as necessidades da população; • celebração de convênios entre as Instituições de Ensino Superior (IES) e os serviços de saúde dos municípios, ampliando a oferta de estágios na rede do SUS.1 Em nível internacional, o ensino da Odontologia também passa por transformações. A American Dental Education Association (ADEA), em 2002, aponta diversas recomendações para orientação desse ensino: • preparar egressos com competência e conhecimento para um sistema de saúde integrado e adequado às necessidades da população; • ensinar focando valores que preparem o aluno a ingressar na profissão com responsabilidade social e como integrante moral da classe odontológica; • orientar quanto ao número, tipo e à educação do efetivo profissional visando o equilíbrio entre a disponibilidade e o acesso aos tratamentos odontológicos; • contribuir para uma formação que respeite a diversidade étnica e racial do país; • desenvolver competências culturais em seus egressos, assim como apreço pelo seu papel na saúde pública; • servir como fornecedores efetivos, definidores de papéis e inovadores na entrega de cuidados odontológicos para a população; • enfocar a assistência, a prevenção e a saúde pública, visando diminuir as diferenças de saúde nas camadas sociais menos favorecidas.15 Entre as políticas adotadas pela American Dental Association,2 destacam-se: • o desenvolvimento conjunto de modelos inovadores de ensino clínico, construídos pelas comunidades educacionais e profissionais; • o estímulo às mudanças curriculares no sentido de fortalecer a Odontologia como uma ciência; • a pesquisa e o atendimento ao paciente como fatores fundamentais na missão do ensino odontológico; • a melhoria do ensino de competências interpessoais, estratégias de “marketing” pessoal e técnicas de gerenciamento. Paula, Bezerra18 (2003, p. 7) comentam que “a era da Odontologia como arte, obra de artesão, está ficando no passado. Profissionais com habilidades técnicas são necessários e o serão sempre. Contudo, o novo profissional que se avizinha há que apresentar iguais competências científicas em conhecimento básico das ciências da saúde, problemas de saúde populacionais e dos caminhos a serem trilhados no futuro próximo”. Nesse sentido, acreditamos que o diagnóstico e a discussão contínua de alternativas para a solução de problemas vigentes possam gerar projetos que busquem novos caminhos para o processo ensino-aprendizagem na graduação em Odontologia. ABSTRACT The Dentistry undergraduation course from the perspective of graduates: proposed changes This work is an investigative approach to the training process in Dentistry, from the perspective of students, up to five years after graduating from dental school, who had engaged in lato sensu graduate courses while experiencing a generalist practice of the profession. An exploratory research was chosen for this work, making quantitative and qualitative approaches. The data were collected through questionnaires Revista da ABENO • 7(1):88-95 93 A graduação em Odontologia na visão de egressos: propostas de mudanças • Cordioli OFG, Batista NA related to the theme researched and analysis of the degrees of concordance and discordance. Semi-structured interviews were also used and their results were submitted to a Thematic Analysis. The main findings reveal the essential aspects that still prevent the achievement of the graduate profile proposed by the Brazilian Curricular Guidelines, especially those related to the training for a generalist practice of the profession. The lack of interaction between theory and practice is highlighted, as well as a vision of Dentistry disconnected with reality and consequent lack of preparation to function in the labor marketplace. An inadequate training to work in the context of the Brazilian public health system (SUS), an inadequate preparation for managing a private practice and selfdevelopment, and no preparation for social interaction with other professionals and patients also stand out. This landscape indicates the necessity of changing these shortcomings by incorporating the improvement of learning scenarios with a focus on an integrated clinical teaching proposal and on a flexible curriculum, with greater contents/discipline integration. Other actions should also be considered such as the implementation of interdisciplinary practices, a better preparation of undergraduate students in order to lead them to independent studies and research through incentives to engage in the scientific initiation program, and, finally, more investment in the development of professors. p. 25 [acesso 04 abr 2005]. Disponível em: http://portal.mec.gov. br/sesu. 6. Carvalho DR, Franco EJ, Pedrosa SF. Avaliação de clínicas odontológicas na Universidade Católica de Brasília. Revista da Abeno 2005;5(2):109-14. 7. Costa AMDD, Costa JRV, Costa MD, Costa RD, Botrel TEA. Contribuição do perfil do aluno de graduação em odontologia para a redefinição dos recursos usados pelo professor no processo ensino-aprendizagem. Rev Fac Odontol Lins 2002; 14(1):30-4. 8. Costa AMDD, Stegun RC, Todescan R. Do Ensino à Prática Odontológica: Um levantamento da realidade na grande São Paulo. Rev Assoc Paul Cir Dent 1992;46(6):909-13. 9. Cristino PS. 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Ciênc Aceito para publicação em 17/05/2006 Atenção, autores! Revista da ABENO • 7(1):88-95 95 Normas para apresentação de originais I.Missão - A Revista da ABENO - Associação Brasileira de Ensino Odontológico é uma publicação quadrimestral que tem como missão primordial contribuir para a obtenção de indicadores de qualidade do ensino Odontológico, respeitando os desejos de formação discente e capacitação docente, com vistas a assegurar o contínuo progresso da formação profissional e produzir benefícios diretamente voltados para a coletividade. Visa também produzir junto aos especialistas a reflexão e análise crítica dos assuntos da área em nível local, regional, nacional e internacional. II.Originais - Os originais deverão ser redigidos em português ou inglês e digitados na fonte Arial tamanho 12, em página tamanho A4, com espaço 1,5 e margem de 3 cm de cada um dos lados, perfazendo o total de no máximo 17 páginas, incluindo quadros, tabelas e ilustrações (gráficos, desenhos, esquemas, fotografias etc.) ou no máximo 25.000 caracteres contando os espaços. III.Ilustrações - As ilustrações (gráficos, desenhos, esquemas, fotografias etc.) deverão ser limitadas ao mínimo indispensável, apresentadas em páginas separadas e numeradas consecutivamente em algarismos arábicos. As respectivas legendas deverão ser concisas e localizadas abaixo e precedidas da numeração correspondente. Nas tabelas e nos quadros a legenda deverá ser colocada na parte superior. As fotografias deverão ser fornecidas em mídia digital, em formato tif ou jpg, tamanho 10 x 15 cm, em no mínimo 300 dpi. Não serão aceitas fotografias em Word ou Power Point. Deverão ser indicados os locais no texto para inserção das ilustrações e de suas citações. IV.Encaminhamento de originais - Solicita-se o encaminhamento dos originais de acordo com as especificações descritas no item II para o endereço eletrônico www.abeno. org.br. A submissão “on-line” é simples e segura pelo padrão informatizado disponível no site, no ícone “Revista Online”. Somente opte pelo encaminhamento pelo correio diante da necessidade de publicação de ilustrações em formato tif/jpg e alta resolução (veja especificações no item III). Endereço: REVISTA DA ABENO - Associação Brasileira de Ensino Odontológico - Universidade Católica de Brasília - Curso de Odontologia - Nova Sede QS 07 Lote 01 - Bairro Águas Claras CEP: 72030-170 - Brasília - DF. V. A estrutura do original 1. Cabeçalho: Quando os artigos forem em português, colocar título e subtítulo em português e inglês; quando os artigos forem em inglês, colocar título e subtítulo em inglês e português. O título deve ser breve e indicativo da exata finalidade do trabalho e o subtítulo deve contemplar um aspecto importante do trabalho. 2. Autores: Indicação de apenas um título universitário e/ou uma vinculação à instituição de ensino ou pesquisa que indique a sua autoridade em relação ao assunto. 3.Resumo: Representa a condensação do conteúdo, expondo metodologia, resultados e conclusões, não excedendo 250 palavras e em um único parágrafo. 4. Descritores: Palavras ou expressões que identifiquem o conteúdo do artigo. Para sua determinação, consultar a lista de “Descritores em Ciências da Saúde - DeCS” (http://decs.bvs.br) (no máximo 5). 96 5.Texto: Deverá seguir, dentro do possível, a seguinte estrutura: a)Introdução: deve apresentar com clareza o objetivo do trabalho e sua relação com os outros trabalhos na mesma linha ou área. Extensas revisões de literatura devem ser evitadas e quando possível substituídas por referências aos trabalhos bibliográficos mais recentes, onde certos aspectos e revisões já tenham sido apresentados. Lembre-se que trabalhos e resumos de teses devem sofrer modificações de forma a se apresentarem adequadamente para a publicação na Revista, seguindose rigorosamente as normas aqui publicadas. b)Material e métodos: a descrição dos métodos usados deve ser suficientemente clara para possibilitar a perfeita compreensão e repetição do trabalho, não sendo extensa. Técnicas já publicadas, a menos que tenham sido modificadas, devem ser apenas citadas (obrigatoriamente). c)Resultados: deverão ser apresentados com o mínimo possível de discussão ou interpretação pessoal, acompanhados de tabelas e/ou material ilustrativo adequado, quando necessário. Dados estatísticos devem ser submetidos a análises apropriadas. d)Discussão: deve ser restrita ao significado dos dados obtidos, resultados alcançados, relação do conhecimento já existente, sendo evitadas hipóteses não fundamentadas nos resultados. e)Conclusões: devem estar baseadas no próprio texto. f)Agradecimentos (quando houver). 6. Abstract: Resumo do texto em inglês. Sua redação deve ser paralela à do resumo em português. 7. Descriptors: Versão dos descritores para o inglês. Para sua determinação, consultar a lista de “Descritores em Ciências da Saúde - DeCS” (http://decs.bvs.br) (no máximo 5). 8.Referências bibliográficas: Devem ser ordenadas alfabeticamente, numeradas e normatizadas de acordo com o Estilo Vancouver, conforme orientações publicadas no site da “National Library of Medicine” (http://www. nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html). Para as citações no corpo do texto deve-se utilizar o sistema numérico, no qual são indicados no texto somente os números-índices na forma sobrescrita. A citação de nomes de autores só é permitida quando estritamente necessária e deve ser acompanhada de número-índice e ano de publicação entre parênteses. Todas as citações devem ser acompanhadas de sua referência bibliográfica completa e todas as referências devem estar citadas no corpo do texto. As abreviaturas dos títulos dos periódicos deverão estar de acordo com o “List of Journals Indexed in Index Medicus” (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/ query.fcgi?db=journals). A exatidão das referências bibliográficas é de responsabilidade dos autores. VI. Endereço - E-mail, telefone e fax de todos os autores. Obs.: Qualquer alteração de endereço, telefone ou e-mail deve ser imediatamente comunicada à Revista. § Revista da ABENO • 7(1):96