INDÍCIOS DE TENSÃO ENTRE A FORMAÇÃO DO PREMEN E AS AULAS DOS
PROFESSORES DE MATEMÁTICA NO CENTRO INTEGRADO LUIZ NAVARRO
DE BRITO, EM ALAGOINHAS – BA (1969-1979)
Ivanise Gomes Arcanjo Diniz
Mestranda pelo Programa de Ensino, Filosofia e História das Ciências – UFBA/UEFS
[email protected]
Este trabalho pretende apresentar uma análise histórica acerca das tensões entre a formação de
Professores do Programa de Expansão e Melhorias do Ensino (PREMEN) a qual os
professores do Centro Integrado Luiz Navarro de Brito (CILNB) participaram, e as suas aulas
de matemática nos cursos técnicos desse Centro. A criação do CILNB ocorreu na cidade de
Alagoinhas-Ba em 1969. Nesse mesmo período ocorreram as reformas de ensino e a expansão
das escolas públicas na Bahia. As relações entre os propósitos do PREMEN e as aulas de
matemática dos professores de matemática do CILNB estão relacionadas com as reformas de
ensino apresentadas pelo Plano Integrado de Educação e Cultura (PIE) na Bahia, ocorrido no
período de 1968/1970. No período analisado entre 1969 a 1979, o propósito do PREMEN era
“capacitar e treinar” professores para atuarem em Escola Polivalente cujo ensino seria
técnico-profissionalizante, porém, na Bahia, o mesmo programa foi proposto também para
formar professores que iriam atuar no Centro Integrado (CI), este que foi implantado nas
cidades da Bahia consideradas polos industriais, a exemplo de Alagoinhas que instituiu o
CILNB. O CI possuía como filosofia de ensino uma tendência humanista moderna na
concepção de Anísio Teixeira, conforme apresentado em documentos oficias. Com isso,
justificamos essa pesquisa por um lado pelas pretensões de ensino propostas na formação do
PREMEN e por outro pela construção da memoria do ensino de matemática, apresentada a
partir das análises das fontes escritas e fontes orais dos professores do CILNB. Para
apresentar a construção dessa história, foram utilizadas, como procedimentos de pesquisas,
entrevistas com dois ex-professores do CILNB que fizeram o PREMEN em diálogo com as
fontes escritas obtidas no acervo escolar do CILNB, como: os diários de classe e cadastro de
matrícula, além dos livros didáticos, jornais e documentos oficiais, encontrados no acervo
pessoal de um dos professores entrevistados e arquivos públicos. A revisão de literatura estará
respaldada na produção literária do Grupo de Pesquisa de História da Educação Matemática
(GHEMAT), coordenado por Wagner Valente e do Grupo de Pesquisa em HistóriaMatemática-Educação (GHAME), coordenado por André L. M. Dias. Outros textos acerca
dos aportes teórico-metodológicos serão considerados importantes, como Chartier (1990),
Julia (2001) e Faria Filho (2004), pois esses autores dialogam com aspectos focados nas
representações, apropriações e na cultura escolar. A análise acerca das tensões entre a
formação oferecidas no PREMEN e as aulas dos professores de matemática dos cursos
técnicos no CILNB em Alagoinhas-Ba será o ponto discutido nesse trabalho, sobretudo, para
o entendimento da institucionalização dos padrões de ensino de matemática em seu processo
de interiorização no estado da Bahia. Tomando como referência os conteúdos e os métodos de
ensino dos professores de matemática do CILNB.
Palavra chave: Centro Integrado Luiz Navarro de Brito, PREMEN, Ensino de Matemático.
INTRODUÇÃO
O Centro Integrado Luiz Navarro de Brito (CILNB) foi um dos oito Centros
Integrados (CIs) considerados como uma iniciativa inovadora para o sistema de ensino a
ofertar ensino de segundo grau profissionalizante. A sua criação ocorreu a partir da Lei
Orgânica Estadual n. 2.463. O projeto dos CIs foi idealizado pelo então Secretário de
Educação Luiz Navarro de Britto (1967-1970) e concretizado pelo governo do estado do
estado da Bahia, tendo como objetivo “a formação do adolescente pela cultura geral e
formação profissional” 1.
Em Alagoinhas a criação do CILNB ocorreu em junho de 1969, por força do DecretoLei nº 21.2942, funcionava com os Cursos de primário, ginasial, Colegial e os cursos técnicos
em Administração, Enfermagem e Desenho. Assim, os cursos técnicos ofereciam disciplinas
no núcleo comum e profissionalizantes.
O recorte temporal entre 1969 a 1979 permite analisarmos desde a criação desse
Centro na cidade de Alagoinhas até as práticas dos professores que tiveram sua formação no
PREMEN. Este período demarcou um momento da história da educação na Bahia e em
particular Alagoinhas, por uma série de mudanças no âmbito educacional, político, econômico
e social. Estava sendo criando em algumas cidades do interior baiano, as primeiras
instituições públicas educacionais de 2º grau, o crescimento de polos industriais e a
implantação de mudanças de Leis de Diretrizes e Bases da Educação.
De que modo ocorria o funcionamento desse Centro? Quais as propostas pedagógicas
a serem implantadas? Quais possíveis tensões poderiam ocorrer entre o que se constituía no
social e o que se fazia na prática da cultura escolar? Esses questionamentos emergiram a partir
dos rastros de informações localizadas nas fontes orais e escritas. O tratamento dessas
informações ocorreu a partir dos aspectos metodológicos da história oral.
Se tratando de fontes orais, a análise das narrativas será respaldada na proposta de
Garnica, Silva e Ferreira (GARNICA, SILVA E FERREIRA, 2010, p. 9) que afirmam “não
cabe ao pesquisador julgar as narrativas orais já que estas funcionam como suportes para a
história contada pelo pesquisador sobre o fenômeno pesquisado”, portanto, ao analisar as
narrativas não será nosso propósito confrontá-las com as fontes documentais oficias e
escolares, mas trazer um possível diálogo entre as fontes como um processo de
“amarramento” das informações, sendo que este processo terá como foco o objeto histórico
aqui proposto.
O propósito desse trabalho, portanto, será apresentar uma discussão histórica acerca
das tensões entre a formação de Professores do Programa de Expansão e Melhorias do Ensino
(PREMEN) programa este que os professores do CILNB participaram e as suas aulas de
matemática nos cursos técnicos desse Centro.
NAS TRILHAS DA CRIAÇÃO DO CILNB
Em Alagoinhas, o Centro Integrado foi a primeira escola pública estadual a oferecer o
ensino médio (pós-primário) 3 4. A oferta dos cursos técnicos no CILNB perdurou até 1996 e
além de atender a todo o município, estendia-se também a todas as cidades circunvizinhas5.
Esse Centro passou por várias denominações e mudanças de ensino e hoje é chamado de
Centro Territorial de Educação Profissional do Agreste de Alagoinhas/ Litoral Norte
(CETEP/LN) 6.
A procura pelos cursos e pela oportunidade de concluir o 1º e 2º graus era evidente, ao
tomar como referencia a quantidade de alunos registrados nos diários de classe encontrados
no arquivo escolar do Centro Territorial de Educação Profissional do Agreste de Alagoinhas
entre o período de 1970 a 1979. Nos primeiros anos da criação do curso, foram mais de seis
mil alunos matriculados, como afirma o professor Jamim Nascimento Santos7:
[...] O CILNB foi uma escola de grande porte e tinha mais de 6 mil alunos.
[...] Os professores foram adquirindo amadurecendo quanto a consciência
política e pedagógica junto com o desenvolvimento da escola. O professor
para ser bom em Alagoinhas ele precisava passar pelo Centro Integrado [...].
De acordo com as lembranças do professor Jamim, ao afirmar que “os professores
foram adquirindo amadurecendo quanto a consciência política e pedagógica junto com o
desenvolvimento da escola” percebe-se o CILNB foi um espaço de interação e representações
para o desenvolvimento de práticas sociais e experiências de sala de aula. Em tempos de
regime militar e mudanças no sistema educacional, podemos nos perguntar quem eram os
professores de matemática no Centro Integrado? Como ocorriam suas práticas pedagógicas?
As representações as quais mencionamos referem-se aos significados dos professores
acerca do modo de pensar e de interpretar os conteúdos matemáticos nos cursos técnicos do
CILNB, no período da década de 1970 e como os mesmos expressaram esses significados nas
suas práticas pedagógicas. Ou seja, “as práticas e representações são sempre resultados de
determinadas motivações e necessidades sociais” (BARROS, 2011).
A partir das representações e práticas que Chartier (1990) considera importante o
entendimento da apropriação como a terceira noção dos aspectos culturais os quais
possibilitam a “compreender as práticas que constroem o mundo como representações”
(CHARTIER, op.cit.,p.27-28). Buscaremos desse modo, construir e interpretar as práticas e
intenções dos professores no âmbito da sala de aula.
A partir das análises das fontes históricas, podemos compreender que no período em
que foi criado o CILNB em Alagoinhas, a cidade não dispunha de universidades que
ofertassem cursos de licenciatura na área de exatas, desse modo o corpo docente que
lecionava as disciplinas da área de exatas, eram na sua maioria engenheiros que atuavam na
empresa ferroviária Leste e na escola profissional da Leste Brasileira. A escola preparatória
para as atividades profissionalizantes. Além dos engenheiros, os outros professores tinham
formação na área de medicina ou eram normalistas e tinham experiências nas escolas
particulares da cidade.
Portanto, o número de professores licenciados na área de ciências e matemática era
insuficiente para atuar nos cursos técnicos e ginasial os quais demandavam a procura de um
número estipulado em seis mil alunos. Como atender a grande quantidade de alunos que
foram matriculados neste Centro Integrado?
A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS PROFESSORES E O PREMEN
A carência de professores licenciados na área de matemática, física e química, era
significativa no período da década de 1970. E, com a criação dos CIs na Bahia, o governo
federal em convênio com a Universidade Federal da Bahia (UFBA), ofereceu cursos de
licenciatura parcelada, no período de um ano, para atender a demanda de professores que
ainda não dispunham de cursos a nível superior, em particular nas áreas de letras e
matemática. Essas licenciaturas foram financiadas pelo Programa de Expansão e Melhoria do
Ensino (PREMEN) (ARAPIRACA, 1982) e aplicados pelo PROTAP.
No período de 1960 e 1970, ainda eram poucas as universidades as quais ofertavam
cursos de licenciatura em matemática, antes da reforma universitária ocorrida em 1968,
apenas a Faculdade de Filosofia (FF) na Bahia ofertava curso de Licenciatura em Matemática,
após a reforma com o desmembramento do Instituto de Matemática e Física (IMF), a FF deixa
de ofertar cursos de licenciatura em matemática e o Instituto de Matemática (IM) da UFBA,
junto com a Faculdade de Educação passaram a se responsabilizar por isso (DIAS, 2012,
p.23-24).
A partir da análise documental do Plano Integral de Educação e Cultura (PIEC), em
1969, que apresenta a criação dos Centros Integrados na Bahia, compreendemos que a
concepção de ensino e de modelo escolar dos Centros em Alagoinhas e outras cidades baianas
apresentavam evidências de ideias norte-americanas no que tange os interesses técnicos e
financeiros de políticas internacionais como Agência dos Estados Unidos para o
Desenvolvimento Internacional (USAID), Ministério da Educação e Cultura (MEC) e peritos
da Organização das Nações Unidas para a Educação (UNESCO) 8.
Os acordos MEC/USAID foram firmados entre o governo brasileiro
via Ministério da Educação e Cultura (MEC) e o governo norteamericano, através da USAID, com o objetivo anunciado de
estabelecer uma cooperação entre os dois países, com vistas à
modernização do sistema educacional brasileiro (MEDINA, 2008).
Segundo Araújo (2005), no Brasil, com a ajuda técnica e financeira da USAID foi
colocado em prática com total conivência da elite brasileira que, utilizando o estado como
aparelho de classe, reproduziu-a com a mesma finalidade com que era aplicado este modelo
de educação nos EUA com uma preocupação de oportunizar um “ensino útil e prático para a
ciência e para a economia moderna.” (BÚRIGO 1990, p.259, apud. DOBROWOLSKI e
PINTO, 2009, p. 2).
O PREMEN foi um dos financiamentos do USAID e, portanto, apresentava em sua
estrutura conteúdos, propostas de ensino e representações as quais convergiam para a política
educacional dos EUA no tocante ao empreendimento de um ensino cientificista e tecnológico,
em tempos de expansão do capitalismo. O que era compreendido pelos EUA como ensino
cientificista e tecnológico, era na verdade mudanças e aperfeiçoamento para melhorar e
qualificar a mão de obra que iria atender ao crescimento das indústrias e polos petroquímicos
que começavam a aparecer no Brasil, em particular na Bahia.
A iniciativa de criar as faculdades parceladas em convênio MEC/USAID trazia como
propostas formar professores para que pudessem atuar no 1º grau. No entanto, o que ocorria
na realidade do CILNB era que esses mesmos professores atuavam, no 2º grau, em um
contexto o qual ofertava um ensino profissionalizante. O que trouxe certa estranheza foi saber
que pela Lei n. 5692/71, isso seria ilegal. Mas, essa realidade não ocorreu apenas no CILNB,
em outras cidades do interior baiano como Vitória da Conquista e Tanquinho os professores
de matemática eram estudantes secundaristas ou indivíduos recém-formados em cursos
técnicos (SANTANA, 2011). A que se deu esse fato? O que foi feita de modo que o
funcionamento da escola pudesse dar seguimento sem ferir as normas da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (LDB)?
Em virtude da demanda de falta de professores licenciados na área, os professores que
fizeram a faculdade, atuavam nas turmas do 1º ano dos cursos técnicos de enfermagem,
desenho de arquitetura, administração e secretariado, o 1º ano era chamado de cursos básicos,
segundo depoimentos de alguns professores, o curso básico referia-se a uma revisão ginasial.
No CILNB entre o ano de 1969 a 1973 ainda não havia na primeira série do 2º grau a
denominação de curso básico, esta denominação passou a ocorrer no ano seguinte, ano este
que marcou também a primeira turma de professores formados entre outros cursos, em
matemática, pelo PREMEN.
Complementando as informações acerca do 1º ano básico, Catunda e et al (1971),
aborda que o programa de matemática para essa série é parte de um plano para o ensino
atualizado da Matemática, já executado no ginasial no período de 1970, ano que se inicia o
programa do PREMEN. Portanto, a preparação dos professores que iriam atuar nesse 1º ano
básico, tinha por propósito adquirir um pleno domínio dos novos princípios da matemática
que estavam divulgados por todo o país.
Temos aqui um exemplo do que Thompson (1987) chamaria de relação entre social e
cultural, isto é, de modo a não infligir o que determina a lei 5692/71, que determina que todo
o professor para atuar no ensino do 2º necessita ser licenciado e como não havia professores
licenciados em número suficiente para atender a demanda de turmas do 2º grau dos cursos
técnicos no CILNB. Então, com a formação do PREMEN torna-se oportuna para minimizar
um problema que emergia em torno da concepção curricular que o país apresentava, esta
poderia ser uma hipótese para o que as primeiras séries dos cursos técnicos tornassem 1º ano
básico.
Compreender como ocorria o processo de apropriação acerca dos conteúdos e
propostas pedagógicas a serem implantadas pelos professores de matemática no interior da
sala de aula no período aqui proposto será o um desafio a ser apresentado nesse trabalho.
TENSÕES ENTRE A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES E A ATUAÇÃO EM
SALA DE AULA
Começa aqui a problematização do objetivo desse trabalho, como ocorreu o processo
de apropriação dos conteúdos e prática dos professores de matemática que fizeram o
PREMEN e lidavam com um ensino técnica e propedêutica? Os conteúdos que foram
abordados pelos cursos PREMEN foram de fato trabalhados por esses professores? Dos livros
que eram trabalhados pelo PREMEN ou que aparecem no programa oficial dos cursos do
ginásio foram mencionados ou registrados pelos professores nas suas falas ou no registro do
diário de classe? Essas questões foram algumas das perguntas às quais emergiram ao longo
das leituras e interpretações das fontes orais e escritas até aqui analisadas.
Fazendo um comparativo dos conteúdos de matemática abordados pelo programa
ginasial no CILNB, pelo curso PREMEN e pelos professores em sala de aula, através dos
registros de diários de classe entre 1974 a 1979, podemos destacar:
Quadro 1: relação de conteúdos de matemática estudados pelos professores e alunos
do CILNB nas 1ª séries dos cursos técnicos.
Programa curricular
PREMEN
Registro do diário de
classe
Noções de conjunto;
Conjunto;
Conjuntos;
Relação;
Relação;
Função do 1º grau;
Lógica;
Álgebra;
Função do 2º grau;
Álgebra;
Estruturas algébricas;
Transformação
geométrica.
Conjuntos
numéricos;
Geometria afim;
Geometria
euclidiana.
Função exponencial;
Função logarítmica;
Fonte: tabela construída a partir da análise dos documentos do PREMEN, programa oficial ginasial do
CILNB e dos diários de classe dos professores do CILNB que fizeram o PREMEN.
Ao traçar o quadro acima, foi possível identificarmos que dos conteúdos apresentados
houve uma maior aproximação entre o programa curricular oficial e o PREMEN do que em
relação aos conteúdos registrado nos diários de classe. Salientamos que a construção do
processo histórico é baseada em registros culturais cercados de intencionalidade e interesses
políticos que permeiam o âmbito do contexto escolar.
No entanto, algumas hipóteses acerca dos registros de conteúdos nos diários de classe
foram construídas a partir das narrativas de alguns professores que se formaram pelo
PREMEN, como o depoimento dos professores Ednólia Batista de Souza Machado e
Aristóteles Teles Júnior, respectivamente.
Eu seguia os conteúdos do livro didático e complementava por outros livros
também, depois foram dados aos alunos e nós fazíamos o possível para
seguir para se organizar e ia fazendo algumas complementações com outros.
A gente procurava estudar, a gente procurava ver, onde que estava
oferecendo livros, oferecendo algum material, a gente procurava nas
editoras, entre um intervalo e outro do curso, saíamos assim uma
turminha, sem experiências (rsrsrsr) as tabaroas na capital (....) e dava
tudo certo.
[...]
É, a gente sempre se procurava em dar conta dos novos conteúdos, eu nunca
entrava na sala de aula, sem estar segurança daquele conteúdo, nunca,nunca
nunca nunca. Eu mesma, Deus me livre, passava noites e noites estudando,
tinha dias que a gente amanhecia o dia estudando para que quando chegasse
o outro dia estivesse tudo pronta9.
Eu achei mais fácil me basear nos livros porque pelo menos pra eu preparar
um planejamento que no colégio a divisão que agente fazia era assim:
primeiro, segundo e terceiro volume, então no primeiro volume eu coloquei
tudo isso como no primeiro ano, o segundo volume conteúdo para o segundo
ano. (...) Como eu morava perto da editora que era da FTD, que tinha, a
editora FTD era ali na, no Campo da Pólvora em Salvador, então como eu
morava ali perto sempre no mês de janeiro eu ia lá procurar novidade, aí eles
me deram o livro de Bonjorno, e diziam assim: Aqui professor, esse livro é
um livro excelente. E eu acho que o conteúdo dele era realmente excelente 10.
Das narrativas dos professores podemos observar que as escolhas dos conteúdos por
parte dos professores ocorreu devido ao que estava registrado nos livros didáticos da época.
Neste período da década de 1970, os livros de matemática tinham como conteúdos a ênfase a
matemática moderna, movimento este possibilitou mudanças no currículo de matemática com
a inserção de teoria dos conjuntos, função, matrizes, probabilidade e outros. Alguns desses
conteúdos como função, não foram abordados nos cursos de formação dos professores que
fizeram o PREMEN e, portanto, umas das formas de apropriação dos novos conteúdos de
matemática foram adquiridas a partir dos usos e contatos com livros didáticos.
Nas falas do professor Aristóteles, o mesmo deixa transparecer que o “costume”(o
costume, que aqui nos referimos será pautado no que Chartier (1990) considera como práticas
culturais) de seguir os livros didáticos era mais fácil para ele conseguir dar conta dos
conteúdos abordados na primeira série dos cursos básicos, mas nos questionamos porque era
mais fácil? De que forma esses novos conteúdos eram abordados nesses livros? O fato de
virar a noite estudando como se referiu a professora Ednólia, pode demonstrar algumas das
tensões ocorridas entre o lhes foi ensinado e o que os professores escolheram para ensinar nas
suas salas de aula.
Entre os livros mencionados pelos professores, muitos deles eram de autores paulistas,
que foram defensores e protagonistas da expansão do movimento da matemática moderna no
Brasil, como Benedito Castrucci e Osvaldo Sangiorge.
Esses livros na linguagem dos
professores aqui entrevistados eram, mais fáceis e traziam a divisão dos conteúdos a serem
abordados nas séries do 2º grau. A essas escolhas dos livros de autores paulistas em
detrimento de livros trabalhados e estudados nos cursos do PREMEN mostram exemplos de
possíveis representações as quais levaram as práticas anteriormente mencionadas. Segundo
Barros (2011):
Um livro é um objeto cultural bem conhecido no nosso tipo de sociedade.
Para a sua produção, são movimentadas determinadas práticas culturais e
também representações, sem contar que o próprio livro, depois de produzido,
irá difundir novas representações e contribuir para a produção de novas
práticas (p.80).
O curioso é que não houve menção de autores baianos de livros didáticos, seja por
parte dos professores entrevistados, ou por parte dos registros dos diários de classe. No
entanto, nos programas apresentados no curso do PREMEN e no programa curricular oficial
havia o registro de autores de livros didáticos baianos como Omar Catunda e Marta Dantas os
quais também foram precursores da matemática moderna no Brasil. Em particular, Marta
Dantas fez parte da formação do PREMEN e desenvolveu os estudos da geometria das
transformações.
As escolhas pelos livros didáticos das editoras da época seria uma maneira de
compreender os conteúdos de matemática a serem inseridos nos cursos técnicos ou na
preparação do vestibular? Essa não parece uma pergunta simples, pois para os professores
formados pelo PREMEN e que atuaram no CILNB enfrentaram de um lado conteúdos do
livro didático que não condiziam com a sua formação acadêmica e de outro o desafio de
enfrentar uma proposta de ensino que tinha como interesse formar indivíduos tanto para uma
formação humanista quanto para uma formação técnica-profissionalizante.
Portanto, dar conta de um currículo de matemática que contemplasse esses dois
aspectos não séria tarefa fácil e foi no interior da sala de aula que os professores decidiram o
destino das políticas públicas e optaram ao que parece por um currículo que pudesse
apresentar um padrão de trabalho vigente (FARIA FILHO, Luciano Mendes de.,
GONÇALVES, Irlen A., et.al., 2004).
A escolha dos conteúdos perpassou, portanto, pelos significados dos professores
acerca do seu entendimento sobre a formação dos cursos técnicos no CILNB. Essas
representações podem estar inseridas nos reflexos de um período em que a matemática
moderna era o conteúdo mais abordado nos currículos escolares, sendo aquele que iria
contribuir para a preparação dos estudantes que iriam atuar nos grandes polos industriais,
estes que na época eram os responsáveis pelo crescimento econômico no país.
Corroborando com as ideias de Sahlins (1990), quando se refere ao propósito cultural
como sendo o aspecto estrutural acerca das ações humanas em um determinado período
histórico e suas relações com o lado histórico enquanto processo dinâmico em que
abordaremos questões ainda não esclarecidas, o objeto histórico aqui apresentado buscou
trazer aspectos de uma cultura escolar que transcendem questões as quais perpassam por
“normas e práticas estabelecidas e redirecionadas na prática por conta de um corpo
profissional encarregados de facilitar sua aplicação, a saber, os professores” (Julia 1993, p.
15).
De modo que seguir os conteúdos abordados nos livros didáticos os quais eram
oferecidos pelas editoras poderia ser uma forma de garantir a “qualidade” de um ensino
moderno e preparatório tanto para o vestibular quanto para a formação técnica-profissional.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
Aqui abordando em síntese um dos aspectos os quais puderam trazer uma relação de
tensão entre a formação dos professores do CILNB pelo PREMEN e as escolhas de suas
práticas e conteúdos abordados em sala de aula. Contudo, deixamos em aberto que outras
questões podem ter contribuído para fomentar essa tensão, mas deixaremos para abordar em
outra oportunidade em virtude deste trabalho representar apenas uma das análises até então
pesquisada.
O diálogo entre as narrativas dos professores entrevistados neste trabalho possibilitou
à construção de uma parte da memória do ensino de matemática no CILNB. O campo
cultural, como categoria a cultura escolar, fala sobre como esse dialogo pode contribuir para o
processo de construção histórica, bem como possibilita um recorte temático sobre as tensões
ocorridas em relação a formação social e cultural dos professores de matemática no contexto
dos cursos técnicos do CILNB.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1
(item VI, artigo 2º, Lei de Diretrizes e Bases nº 5.692/71).
Diário oficial de 07/01/1972, resolução nº 167, registrado também no livro de Barros (1979, p.69).
3
O termo ensino primário e médio foi uma denominação dada ao ensino escolar quando vigorava a Lei de
Diretrizes e Bases 4024/61.
4
Informações retiradas do relatório do município de Alagoinhas, 1973 e do portfólio sobre a história do Centro
encontrado no acervo escolar.
5
Informações adquiridas em entrevistas com a professora Íris Maia Muller.
6
Grande parte do arquivo escolar do CILNB encontra-se preservado e arquivado no acervo do CETEP/LN, Em
alguns momentos iremos utilizar o termo CETEP/LN, trata-se da mesma instituição, contudo quando foi o
CINLB foi dividido em duas escolas, uma delas em 2006 passou ser chamada de CETEP/LN...
7
Formação de Bacharel em Filosofia e Teologia e Conteúdos e métodos do ensino superior pela Universidade
federal da Bahia, na década de 60.
8
Essas informações foram identificadas no final do livro BAHIA/SEC. Plano Integral de Educação e Cultura.
Salvador, SEC, 1969. 153p. Este que apresenta Plano integral dos Centros Integrados a serem implantados na
Bahia.
2
9
MACHADO, Ednólia Batista de Souza, 2012.
JUNIOR, Aristóteles Telles, 2012.
10
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INDICIOS DE TENSAO ENTRE A FORMACAO DO PREMEN E AS