USO DE NOVAS TECNOLOGIAS NO ENSINO DE CIÊNCIAS: UM EXEMPLO DA
NEUROCIÊNCIA
Carolina Campelo Soeiro (bolsista UFRN)
Giovanne Rosso Manços (bolsista UFRN)
Bruno Lobão Soares (Departamento de Biofísica e Farmacologia UFRN)
Antonio Pereira Júnior (Instituto do Cérebro UFRN)
George Carlos do Nascimento (Departamento de Engenharia Biomédica UFRN)
Claudio Marcos Teixeira de Queiroz (Instituto do Cérebro UFRN)
Introdução
A institucionalização da educação possibilitou a universalização do acesso ao conhecimento e
um avanço científico e tecnológico considerável. Os países que melhor investiram nas
instituições de ensino são aqueles que desfrutam de melhor qualidade de vida e maior
prosperidade econômica. Diversos mecanismos de transmissão do conhecimento foram
desenvolvidos no último século. Apesar de ter surgido várias linhas de ensino, pode-se
afirmar que a maioria das abordagens educacionais são passivas e unidirecionais (professor aluno), onde o aluno-ouvinte apenas escuta os ensinamentos de um educador. Entretanto, esse
modelo tem-se mostrado ineficiente frente aos desafios da modernidade. De fato, Paulo Freire
afirma que “para se compreender a teoria é preciso experienciá-la” (Freire, 1997)
consolidando assim a importância de abordagens mais ativas para o aluno em sala de aula.
Portanto, o uso de atividades práticas, que possibilitem o engajamento ativo do aluno, é
fundamental para a melhoria do processo de aprendizagem. Sob esse paradigma, o aluno
constrói o seu “corpo de conhecimento” se valendo de saberes pessoais, obtidos em ações de
primeira pessoa.
Diversos autores ressaltam a importância das aulas práticas no ensino de Ciências Naturais
(Reginaldo 2012), sendo esta atividade altamente apreciada pelos alunos (Leite e cols., 2000).
Entretanto, os professores de Ciências apresentam grande resistência na utilização de tais
atividades. Dentre os motivos apresentados, estão (i) a baixa valorização da atividade docente,
(ii) reduzido apoio institucional, (iii) precariedade da infra-estrutura de laboratórios e (iv)
dificuldade em elaborar um material interessante e com qualidade (Reginaldo e cols., 2012).
A Universidade Federal do Rio Grande do Norte tem desempenhado um papel importante na
redução do abismo didático que existe entre a ciência e a prática educacional, entre a teoria
acadêmica e a prática cotidiana, entre o saber especializado e a popularização do
conhecimento. Assim, como forma de contribuir para o desenvolvimento de atividades
práticas em Ciências, desenvolvemos uma Oficina de Neurociências. O projeto propõe o uso
do método científico para resolver perguntas sobre a função do sistema nervoso na expressão
do comportamento animal. A atividade prática utilizou equipamentos de baixo custo,
construídos por graduandos da Escola de Ciência e Tecnologia da UFRN, permitindo uma
comunicação horizontal entre os saberes da universidade e a sociedade.
Metodologia
Nosso trabalho consistiu na realização de uma Oficina em Neurociência que procurou
incentivar a curiosidade de alunos do ensino médio de uma escola pública em Natal RN, por
meio de questionamentos a respeito do comportamento de um inseto: a barata doméstica
(figura 1). Na intenção de estimular indagações acerca do tema, foi apresentado um kit
didático de captura e análise da atividade neuronal (figura 2). Como método avaliativo de
interesse dos alunos pelo projeto, a equipe executora promoveu uma seleção dos alunos. A
divulgação foi realizada através de cartazes espalhados na escola e uma semana após a equipe
ministrou uma palestra de apresentação do projeto para o corpo docente, coordenadores e
diretores da escola. Foi discutida a importância da oficina, os objetivos, as práticas adotadas,
finalizando a explanação com o recrutamento de colaboradores locais. Ao término houve a
distribuição das fichas de inscrição que foram analisadas e o resultado divulgado
posteriormente.
As oficinas iniciavam com uma breve explicação da atividade do dia, seguindo-se pela
formação grupos. As atividades foram acompanhadas pela equipe até o término. Na sessão de
conclusão, enfatizou-se uma metodologia de questões propostas, e alunos e professores
tiveram oportunidade de discutir os resultados do experimento. Ao longo dos encontros, os
alunos foram apresentados ao método científico e desenvolveram idéias e conceitos nas áreas
de física, química, matemática, biologia, português e artes. Dentre eles, destacam-se os
conceitos da anatomia e fisiologia do sistema nervoso dos seres vivos, física de ondas,
potencial elétrico, farmacologia aplicada a sistemas neurais, inclusive com a demonstração da
existência de somatotopia no padrão de atividade das espinhas tibiais, conforme mostrado na
figura 3. Como forma de massificar a prática, foi oferecida material de apoio pedagógico,
incluindo apostilas, bibliografia atualizada em português, fotografias, e vídeos. Com isso, a
equipe acredita ter tornado essa prática mais acessível a todos os professores e alunos
interessados em ciência, tecnologia e inovação.
Resultados
A Oficina de Neurociências teve uma grande procura por parte dos alunos da escola. Duas
professoras se envolveram diretamente na divulgação e orientação dos alunos. Nas aulas
iniciais, os alunos se mostraram bastante motivados e interessados em aprender mais sobre o
cérebro. Considerações teóricas, apresentadas no início de cada encontro, diminuíram a
espontaneidade dos alunos frente a perguntas e questionamentos, sendo, portanto reduzida nos
últimos encontros. Os alunos apresentaram grande dificuldade na quantificação dos resultados
experimentais, que envolveram cálculos de média e variância. Por outro lado, se mostraram
criativos na formulação de hipóteses e explicações sobre os resultados obtidos.
Este trabalho foi um desafio não somente pela tentativa de fazer ciência fora do ambiente
universitário, como também pela dificuldade dos alunos em trabalhar conceitos simples em
situações não previstas dentro de sala de aula. Tal barreira demonstra claramente o quão
importante é estimular o método científico nas escolas para formação de futuros profissionais
criativos e inovadores, capazes de propor soluções ante a um desafio.
A experiência da equipe executora ressalta a importante função dos professores da escola,
fundamental na mobilização dos alunos e organização das atividades dentro da estrutura
escolar. Essa parceria foi imprescindível para diminuir as barreiras de socialização entre
alunos e equipe. Em suma a oficina ofereceu oportunidades de acesso à ciência aos alunos,
conteúdo e prática frequentemente ausentes do dia-a-dia da escola.
Considerações finais
O trabalho propõe um método pedagógico inovador fazendo uso de práticas experimentais de
laboratório em sala de aula, trabalhando conteúdos multidisciplinares, inserindo o saber
acadêmico no saber popular. Admitimos ser um desafio não somente pela tentativa de fazer
ciência fora da universidade, mas também de gerenciar diversas limitações que o aluno da
escola pública apresenta desde a dificuldade em sala de aula até obstáculos sociais fora da
instituição. Por se tratar de um trabalho inovador, a equipe recomenda fortemente sua
implementação nas instituições de ensino, por meio da formação de professores
multiplicadores como importante ferramenta de apoio multidisciplinar na ambição de auxiliar
na melhora dos índices educacionais do Brasil.
Figura 1 – (a) Periplaneta americana (b) Gânglios nervosos. Durante as atividades práticas, o
uso e a manipulação do inseto geraram fortes emoções nos alunos, despertando o interesse
logo nos primeiros encontros.
Figura 2 – Imagens do material utilizado na atividade prática e sua utilização. O kit didático
foi empregado em diversas situações, como na I Semana Nacional do Cérebro da UFRN, em
práticas do Instituto do Cérebro e na escola pública.
Figura 3 – Resultado original obtido pelos participantes da Oficina de Neurociências. (a)
Registro dos potenciais de ação obtidos a partir de eletrodos inseridos na pata isolada da
barata, mostrado em (b). Métodos computacionais foram utilizados para separar os diferentes
potenciais de ação. (c) Localização dos eletrodos é mostrado com círculos brancos. (d)
Potenciais de ação isolados. Note que os potenciais de ação variam de acordo com a espinha
tibial estimulada. (e) Quantificação do número de potenciais de ação por canal e frequência de
disparo
Tabela 1 - Cronograma da Oficina de Neurociências
#
Atividades/Temas
Objetivos
Local
1-5
Encontros pedagógicos
6
Divulgação do projeto
Divulgar a oficina junto aos alunos e decidir sobre o
processo seletivo
Murais da
Escola
7
Palestra informativa
sobre o projeto
Apresentar formalmente a oficina, tirar dúvidas dos
alunos e professores sobre as práticas e distribuir as
fichas de inscrição
Auditório /
Grande sala
de aula
8
Processo
seletivo/resultado
Divulgação do resultado do processo seletivo (cada
turma comporta no máximo 24 alunos)
Murais da
Escola
Apresentação do projeto aos diretores, coordenadores e
Sala dos
professores da escola / Discusssão das práticas e
professores
recrutamento de colaboradores locais
9
Apresentar o objeto de estudo, discutir conceitos de
O Cérebro: sua forma e
Laboratório /
forma e função, anatomia comparada, desenvolvimento
função
Sala de aula
biológico
10
O comportamento e o
cérebro
Apresentar conceitos de comportamento
(condicionamento clássico e operante), bem como
métodos para seu estudo sistemático
Laboratório /
Sala de aula
11
O que são os
biopotenciais?
Apresentar os potenciais de membrana, discutindo
conceitos de eletricidade em seres vivos e métodos
para o seu estudo
Laboratório /
Sala de aula
12
Os ritmos do cérebro
Discutir o funcionamento do cérebro e introduzir
conceitos de ondas, periodicidade, sincronização e
ritmos
Laboratório /
Sala de aula
13
A linguagem do cérebro
Apresentar o potencial de ação como unidade mínima
de informação por meio de experimentos com o KIT
didático
Laboratório /
Sala de aula
14
Informação e
Discutir o conceito de taxa de disparo neuronal e como Laboratório /
comunicação no cérebro
esse fenômeno correga informação
Sala de aula
15
Eletricidade e movimento
Introduzir conceitos de eletricidade e modulação no
controle do comportamento
Laboratório /
Sala de aula
16
As drogas e seus efeitos
no sistema nervoso
Introduzir conceitos de química e farmacologia no
controle do comportamento
Laboratório /
Sala de aula
17
Neurociência e a
sociedade
Discutir os usos e aplicações da neurociência na
atualidade
Laboratório /
Sala de aula
18
Encontro de avaliação do
projeto
Avaliar o projeto com todos os envolvidos, i.e., alunos,
professores, coordenadores, diretores e equipe
executora
Auditório /
Grande sala
de aula
Referências:
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