Sabrina Alves de Souza TEORIA SISTÊMICA: CONTRIBUIÇÕES PARA A AÇÃO PEDAGÓGICA FRENTE AOS PROBLEMAS DE LINGUAGEM Dissertação apresentada ao curso de Pós-Graduação em Educação, da Universidade de Passo Fundo, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Educação, sob a orientação da profª Drª. Tania Maria Freddo Passo Fundo, RS 2006 2 À minha mãe Dinalva Agissé Alves de Souza 3 À Professora Drª. Tania Maria Freddo, pela sua orientação precisa e amiga, pelo incentivo e confiança demonstradas; À Professora Drª. Adriana Dickel, Coordenadora do Curso de Pós-Graduação, Mestrado em Educação da Universidade de Passo Fundo, pela atenção e importância dedicadas a esta área; Aos professores do programa de mestrado, que se fizeram um marco diferencial no curso; À Universidade de Passo Fundo – UPF – pela organização e oferta de Cursos de Pós-Graduação; Aos colegas de Mestrado, pela amizade, pelo companheirismo, pela troca de experiências e pela troca mútua de incentivos; Aos professores e pais das crianças sujeitos da pesquisa e à Escola que abriu espaço para a investigação; À banca de qualificação e defesa; À minha família pelo incentivo e apoio. 4 RESUMO A pesquisa Teoria Sistêmica: contribuições para a ação pedagógica dos professores frente aos problemas de linguagem, constituiu-se como uma análise dos problemas de linguagem que se refletem no ambiente escolar e que decorrem de fatores emocionais, com o objetivo de investigar como a Psicologia da Educação pode contribuir, a partir da Teoria Sistêmica, para a ação pedagógica frente a esse tipo de problema. Esse estudo caracteriza-se por uma pesquisa de campo, de caráter qualitativo, a partir da observação e análise dos dados coletados. O universo da pesquisa foi constituído de três crianças, alunas das séries iniciais do Ensino Fundamental, e que apresentavam dificuldades de linguagem, bem como observada a ação pedagógica das professoras frente a essa problemática, considerando para isso a interação entre professor e aluno. De forma a melhor garantir os resultados da pesquisa, foram realizadas, além das observações, entrevistas com os pais e com as professoras, e atividades de interação entre os alunos, sujeitos da pesquisa, atividades estas mediadas pela pesquisadora, para posteriormente proceder ao estudo proposto. A partir da análise individual, procurou-se chegar a uma análise conclusiva sobre a possibilidade de a Teoria Sistêmica contribuir para o processo educacional promovendo, por meio da interação, a superação dos problemas de linguagem oral decorrentes de fatores emocionais, que se manifestam no ambiente escolar. A Teoria Sistêmica, como uma vertente da Psicologia, tornou-se elementochave para as análises e para as conclusões acerca dessa questão, pois considerou-se que a proposta de se pensar a ação pedagógica, a partir da circularidade das relações, permite uma nova abordagem na qual professor, aluno, escola e família interagem como membros de um sistema. Para obtenção de melhores resultados, foi feito um estudo sobre a Psicologia da Educação a partir de um referencial teórico para esse fim, contemplando, nesse estudo, a Teoria Sistêmica, no sentido de mostrar como essa teoria pode contribuir para o processo 5 educacional a partir de novas abordagens pedagógicas que privilegiem a interação e que considerem os problemas de linguagem oral que se manifestam no ambiente escolar como responsabilidade, também, da escola. Palavras-chave: teoria sistêmica, interação, linguagem, educação. 6 ABSTRACT The research Sistêmica Theory: contributions for the pedagogical action of the professors front to the language problems, consisted as an analysis of the problems of language that if they reflect in the pertaining to school environment and that they elapse of emotional factors, with the objective to investigate as the Psychology of the Education can contribute, from the Sistêmica Theory, for the pedagogical action front to this type of problem. This study it is characterized for a field research, of qualitative character, from the comment and analysis of the collected data. The universe of the research was constituted of three children, pupils of the initial series of Basic Ensino, and that they presented language difficulties, as well as observed the pedagogical action of the teachers front to this problematic one, considering for this the interaction between professor and pupil. Of form best to guarantee the results of the research, they had been carried through, beyond the comments, interviews with the parents and the teachers, and activities of interaction between the pupils, citizens of the research, activities these mediated by the researcher, later to proceed to the considered study. From the individual analysis, it was looked to arrive at a conclusive analysis on the possibility of the Sistêmica Theory to contribute for the educational process promoting, by means of the interaction, the overcoming of the decurrent problems of verbal language of emotional factors, that if reveal in the pertaining to school environment. The Sistêmica Theory, as a source of Psychology, became element-key for the analyses and the conclusions about of this question, therefore it was considered that the proposal of if thinking the pedagogical action, from the circularidade of the relations, allow a new boarding in the which professor, pupil, school and family interacts as members of a system. For attainment of better resulted, a study on the Psychology of the Education from a theoretical referencial for this end was made, contemplating, in this study, the Sistêmica Theory, in the direction to show as this theory can contribute for the educational process from new pedagogical 7 boardings that privilege the interaction and that they consider the problems of verbal language that if reveal in the pertaining to school environment as responsibility, also, of the school. Word-key: sistêmica theory, interaction, language, education. 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO............................................................................................................... 09 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS.................................................................................... 12 1.1 Teoria Sistêmica ..................................................................................................... 14 1.2 Teoria Sistêmica e Educação ................................................................................. 19 1.3 A Família à Luz da Teoria Sistêmica.................................................................... 25 1.4 Família e Escola...................................................................................................... 28 2 PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ................................................................................ 33 2.1 Psicologia da Educação e Linguagem .................................................................... 42 3 METODOLOGIA ........................................................................................................ 49 3.1 Tipo de Pesquisa ..................................................................................................... 49 3.2 Sujeitos da Pesquisa ............................................................................................... 50 3.3 Instrumentos da Pesquisa ...................................................................................... 50 3.4 Coleta de Dados ...................................................................................................... 51 4 ANÁLISE DOS DADOS .............................................................................................. 53 4.1 Análise das Entrevistas com as Professoras.......................................................... 53 4.1.1 Análise da entrevista com a professora de SA e SB ......................................... 54 4.1.2 Análise da entrevista com a professora de SC.................................................. 55 4.2 Análise das Entrevistas com os Pais ..................................................................... 56 4.2.1 Análise da Entrevista com a mãe de SA........................................................... 56 4.2.2 Análise da Entrevista com a mãe de SB........................................................... 59 4.2.3 Análise da Entrevista com o pai de SC ............................................................ 62 4.3 Análise das Observações em Sala de Aula ............................................................ 64 4.3.1 Análise das observações de SA........................................................................ 64 4.3.2 Análise das observações de SB........................................................................ 68 4.3.3 Análise das observações de SC........................................................................ 70 4.4 Análise das atividades de interação ....................................................................... 73 5 ANÁLISE CONCLUSIVA........................................................................................... 75 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 84 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 91 ANEXOS.......................................................................................................................... 94 9 INTRODUÇÃO A educação, ao longo de todo seu percurso, apresenta um conjunto de concepções e de teorias sobre o ato de ensinar e de aprender, as quais têm norteado o trabalho nas escolas de acordo com o contexto histórico, geográfico e social. Apesar de muito se ter avançado em termos de educação, saindo inclusive da centralização sobre como se aprende para como se ensina (fator que impulsionou uma nova concepção sobre o próprio processo de ensino), a educação ainda precisa passar por algumas transformações, e uma delas é ser decididamente tratada como ciência. Para isso, não pode fugir do aprimoramento científico, devendo, no dizer de Demo (1998, p.17), “abrir espaço adequado à fundamentação técnica, à ocupação de espaço próprio, a tradições específicas de produtividade e pesquisa”. Nesse sentido, cabe ressaltar que um dos fundamentos da educação é mobilizar-se em torno da permanente atualização sem abandonar, obviamente, o classicismo da sistematização do ensino e os princípios e fins das ações educativas. Para que isso possa ser possível, pela educação devem perpassar outras ciências como, por exemplo, a Filosofia, a Sociologia, a Lingüística, a Psicologia, mas no sentido de estabelecer, tão somente, uma interface a favor da Educação. Um dos desafios, no atual contexto educacional, é desenvolver a capacidade de “aprender a aprender”, a qual, segundo Demo (1998, p.213), “indica uma visão didática composta de dois horizontes entrelaçados, pervadidos pela competência fundamental do ser humano, que é a competência de construir a competência, em contato com o mundo, com a sociedade, num processo interativo produtivo”. Como essa proposta de educação subentende a apropriação de valores éticos e culturais, bem como um conjunto de normas e princípios que regulam o organismo da vida em sociedade, é indispensável que outras ciências se aliem à ciência da educação, fundamentando-se, dessa forma, numa proposta educacional voltada à 10 construção de um sujeito social capaz de interagir em diferentes entornos de sua vida em sociedade. A Psicologia é uma das ciências que permite uma interação e participação nesse contexto. Sendo uma ciência que tem como finalidade e objeto de estudo a compreensão dos processos mentais que envolvem e determinam o comportamento humano, a Psicologia, mais precisamente a Psicologia da Educação, deve servir como um instrumento a favor da Educação. Por ser ainda a Psicologia a ciência que permite constatar que as emoções que geram os comportamentos humanos podem acarretar, no decorrer de sua existência, diferentes tipos de situações, conflitivas ou não, e que as conflitivas podem ocasionar problemas de aprendizagem e/ou de interação escolar, a Psicologia da Educação pode contribuir grandemente para a construção de uma proposta voltada à educação integral do aluno com vistas ao desenvolvimento de suas habilidades e competências. Podem ser vários os problemas que afetam o desenvolvimento de uma criança e que incidem diretamente no seu comportamento e na sua condição de aluno, podendo, inclusive, agravar-se no ambiente escolar. Um desses problemas diz respeito à linguagem. Muitas são as causas dos problemas de linguagem e isso inclusive leva à necessidade de investigá-los. Ao constatar que a origem do problema de linguagem pode estar relacionada a fatores emocionais, a Psicologia, como ciência que procura entender as emoções e o comportamento do homem, pode contribuir com relação ao encaminhamento mais adequado e possível, sugerindo abordagens que podem ser apropriadas pelos professores na sua ação pedagógica para uma possível solução desse problema. Quando os problemas lingüísticos chegam até o ambiente escolar e à sala de aula, a Psicologia da Educação pode, em um trabalho conjunto com a proposta pedagógica da escola, intervir para o tratamento dos problemas, os quais podem manifestar-se pela indiferença à linguagem, ausência de escuta, ausência de comunicação, ecolalia, solilóquios, estereotipias verbais, entre outros. Além disso, não se pode desconsiderar que os problemas de linguagem resultantes de fatores emocionais tendem a se agravar no ambiente escolar, já que esse envolve e exige expressivo conjunto de relações interpessoais. A Teoria Sistêmica, como uma das abordagens da Psicologia, pode aliar-se, em vista disso, à Psicologia da Educação e contribuir para as abordagens e intervenções necessárias a serem adotadas na ação educativa por parte dos professores e da equipe diretiva das escolas. Por tratar das relações entre as pessoas, bem como da influência do comportamento de umas sobre o comportamento de outras, colocando-as na condição sistêmica de sujeitos, que tanto influenciam quanto são influenciados a partir das relações interpessoais, é que a Teoria 11 Sistêmica, como uma das vertentes da Psicologia, pode auxiliar na compreensão dos problemas escolares. Considera-se para isso que é justamente nesse ambiente que a criança consegue dar vazão a toda a sua conflitiva interior que pode, por sua vez, ser ocasionada pelos diferentes tipos de sistemas humanos dos quais ela faz parte e que, igualmente, podem ser os grandes causadores de suas dificuldades escolares, sejam elas de caráter afetivo, emocional, de aprendizagem, ou um somatório de todos esses fatores. O presente trabalho tem, pois, a finalidade de analisar como a Psicologia da Educação pode contribuir no processo educativo, mais especificamente na ação pedagógica, através de abordagens e intervenções sobre os problemas de linguagem decorrentes de fatores emocionais, bem como apresentar sugestões de atividades pedagógicas com base na Teoria Sistêmica, as quais podem transformar-se em instrumento e subsídio para a ação docente frente a esse tipo de problema que muitas vezes é comum em sua prática profissional. Sem a pretensão de ser um modelo, atém-se ao nível de sugestões, esperando, de certa forma, contribuir para a ciência da educação, enquanto ciência que agrega o caráter das ciências humanas e das ciências sociais aplicadas. Considerando principalmente que ao processo educacional subjaz um conjunto de relações interpessoais e que a teoria sistêmica pode contribuir para a compreensão dessas relações e, conseqüentemente, melhor possibilitar o ensino e a aprendizagem pela interação, é que a presente pesquisa centrou-se na investigação da linguagem produzida por três crianças com idade de sete a dez anos, alunos da segunda e terceira séries do Ensino Fundamental de uma escola da rede pública municipal da cidade de Santo Ângelo, Estado do RS. Sendo assim, a pesquisa intitulada Teoria Sistêmica: contribuições para a ação pedagógica frente aos problemas de linguagem apresenta um estudo sobre a contribuição da Teoria Sistêmica para a prática educativa, tentando mostrar como a Psicologia pode, por meio dessa teoria, contribuir para o processo educacional. 12 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Consensual é a afirmação de que a educação passa por profundas transformações em decorrência das mudanças que vêm acontecendo no mundo contemporâneo. O modelo estático de educação, que por muito tempo perdurou nas escolas brasileiras, hoje, pode-se dizer, foi substituído por uma nova concepção de educação, pela qual perpassa a função social da escola e a estreita relação entre o que se ensina no espaço escolar e a vida social além desse ambiente. A contemporaneidade exige, em vista disso, que a escola, por meio de seus professores, se assente em objetivos educacionais representativos da vida em sociedade tendo por base uma orientação epistemológica, de forma a traduzir, pelo ensino, a complexidade e a heterogeneidade da realidade brasileira. Nesse sentido, cabe à educação básica o compromisso de assegurar ao aluno as aprendizagens necessárias para a compreensão do cenário social do qual faz parte e para o desenvolvimento de suas capacidades. Isso pode ser traduzido, em outras palavras, como o direito que o aluno tem de desenvolver habilidades e competências, por meio de uma prática educativa sistematizada pela organização curricular e pelos fins e princípios da educação básica. Nesse contexto, o Ensino Fundamental, na sua proposta de educação, tem o compromisso, entre outros, de alfabetizar as crianças, dotando-as de habilidades que lhes desenvolvam as competências de ler, escrever, fazer cálculos, resolver problemas, situar-se histórica e geograficamente, bem como despertar-lhes o gosto pelas artes, pela cultura e pelo esporte, proporcionando-lhe, ainda, o desenvolvimento de habilidades que lhes permitam cuidar da sua saúde física e mental. Destaca-se, nesse contexto, a atenção à linguagem, no sentido de habilitar o aluno à capacidade de ler e escrever e de expressar-se oralmente em diferentes situações. Esse é, com certeza, um dos maiores compromissos da escola, visto que 13 a comunicação – em seu entorno familiar, escolar, profissional e social – decorre o mais das vezes da linguagem verbal. Alguns profissionais da educação, especialmente os alfabetizadores, e mesmo os professores da língua materna, encontram, muitas vezes, dificuldades em desenvolver essas habilidades devido ao fato de não conhecerem os processos mentais que acompanham as diferentes aquisições como, por exemplo, da linguagem oral e da escrita, e também por desconhecerem os fatores que podem influenciar nesse processo e que, conseqüentemente, podem acarretar sérios problemas, entre eles os que se originam de fatores emocionais, tais como os atrasos de linguagem e os decorrentes das psicoses infantis. Na tentativa de compreender melhor os problemas de linguagem que interferem diretamente na questão educacional, a proposta de pesquisa contemplou, primeiramente, o estudo das grandes teorias da Psicologia que são decisivas para a compreensão dos processos educacionais, os quais contemplam, basicamente, questões referentes ao desenvolvimento humano e as aquisições inerentes a cada fase do desenvolvimento. Igualmente, procurou mostrar a importância e a grande influência dessas teorias, tanto no campo da Psicologia quanto no campo da Educação, na tentativa de buscar a devida compreensão dos processos educacionais (ensino e aprendizagem), considerando-se as particularidades de cada uma dessas teorias. Foram contempladas, no presente estudo, a psicanálise, abordando os primórdios dos estudos de Freud que puderam fazer com que sua teoria pudesse ser utilizada para se compreender também os processos educacionais; o humanismo com Carl Rogers, situando, em sua teoria, a busca constante dos indivíduos do seu verdadeiro eu, e a importância dessa busca para a construção do ser humano e suas influências na relação do professor com o aluno; a teoria sócio-histórica com Lev Vygotsky, a partir da relação entre desenvolvimento e aprendizado, considerando-se o nível de desenvolvimento real, o potencial e a zona de desenvolvimento proximal, o conceito de mediação e suas implicações para a compreensão do processo educacional; a psicogenética com Henri Wallon, mostrando a intenção do autor em compreender a construção de um ensino que leve em conta aspectos emocionais, para assim compreender a construção do caráter da criança, tendo como ponto de partida do estudo as especificidades de cada etapa do seu desenvolvimento, bem como a contribuição de sua teoria e a sua tentativa de promover uma reforma pedagógica. Foram essas algumas das teorias que puderam estar ao lado da Educação no sentido de uma maior compreensão dos problemas escolares, cabendo ressaltar sua importância para a Educação. Nesta pesquisa, essas teorias foram utilizadas para referendar o presente estudo, visto que o mesmo procura analisar os problemas de linguagem decorrentes de fatores emocionais, a partir de uma visão sistêmica, 14 procurando justamente investigar como a Psicologia da Educação, através da Teoria Sistêmica, pode contribuir para novas abordagens da ação pedagógica dos professores frentes aos problemas de linguagem. 1.1 Teoria Sistêmica A Teoria Geral dos Sistemas pode ser vista como uma das teorias que se dedica a estudar os processos de interações sociais, fazendo com que a noção de sistema passe a aparecer e a fazer parte da investigação científica. De acordo com essa perspectiva, a ciência passa, então, a não mais isolar os fenômenos, mas a estudá-los em unidades cada vez maiores. Segundo Osório & Valle (2002, p. 26): A teoria geral dos sistemas foi elaborada e sistematizada por Von Bertalanffy a partir da década de 20. Depois da teoria psicanalítica e da teoria behaviorista, a teoria geral dos sistemas é considerada como a terceira grande contribuição de uma teoria unificada do comportamento humano. Na década de 40, outro aporte teórico veio juntar-se à teoria sistêmica na tentativa de entender o processo de interação humana, que é a cibernética. A cibernética se ocupa das transformações de comportamentos dos membros de um sistema e da influência de um membro sobre outro nessas mudanças de comportamentos. Quanto a isso Vasconcellos (1995, p.77) afirma: A simples definição dos componentes do sistema não determina o modo de acoplamento e só os pormenores deste determinam o comportamento do todo. O estado de cada parte é função das condições proporcionadas pelas outras partes e cada parte tem poder de veto sobre os demais estados do todo. A teoria sistêmica – e dentro dessa a cibernética - parte do ponto de vista de que todo o ser humano faz parte de um sistema (no caso a família), sendo esse sistema regulado por um sistema maior (a sociedade). Ao fazer parte de um micro e de um macrossistema, os seres humanos vão construindo o seu “eu” a partir das interações sociais. A teoria sistêmica parte 15 do pressuposto de que os seres humanos, desde o nascimento, relacionam-se e interagem socialmente com outras pessoas, e que essas interações determinam o processo de construção da nossa identidade, bem como determinam, igualmente, toda a construção do psiquismo. Segundo a teoria sistêmica, não se pode ver a experiência humana e individual separando-as do relacional e do interacional. Segundo Prado (1996, p.19): O conceito de inter-relação entre os indivíduos em qualquer campo, desde os sistemas ecológicos até os familiares, tem modificado profundamente a visão dos teóricos da psicologia humana... O conceito de interação, que tem obtido um grande reforço a partir dos estudos objetivos do relacionamento pais-bebês, vem modificando profundamente o modo de conceituar o desenvolvimento dos indivíduos, no sentido de considerar cada vez mais o contexto familiar e social como parte relevante na determinação de sua saúde ou de sua patologia. A teoria sistêmica vê o homem inserido em vários sistemas, sendo esses marcos fundamentais para a sua construção tanto individual quanto social. Esses sistemas interagem uns com os outros, influenciando-se mutuamente e determinando as ações dos indivíduos uns com os outros. Conforme Osório & Valle (2002, p.44): Sistema humano é, em nosso entender, todo aquele conjunto de pessoas capazes de se reconhecerem em sua singularidade e que estão exercendo uma ação interativa com objetivos compartilhados. Esse conceito hoje para nós confunde-se com a própria noção do que seja um grupo humano, pois o referencial que o caracteriza é a interação entre seus membros. Portanto, empregamos, aqui, as expressões grupos e sistemas humanos como equivalentes. A partir dessas concepções, fica claro que para a teoria sistêmica os indivíduos são construídos e constituídos a partir das interações sociais, sendo essas a chave-mestra para se entender os comportamentos dos membros de um sistema. Analisar, pois, as interações sociais e suas influências sobre os indivíduos é ponto fundamental para a teoria sistêmica, devido a esta ter como princípio norteador de sua teoria o fato de que os seres humanos se encontram, desde o nascimento, inseridos em diferentes contextos e sistemas sociais. A Psicologia foi pensada a partir de grandes teorias que influenciaram e continuam influenciando e determinando diferentes formas de atuação e de compreensão dos processos psíquicos, e a teoria sistêmica pode ser vista como uma dessas teorias que procurou dar a sua 16 contribuição nessa compreensão. De acordo com Vasconcellos (1995), o pensamento sistêmico passou a ser enfatizado em 1950, como modelo e enfoque teórico para subsidiar a terapia de famílias. Sua proposta de intervenção terapêutica mudava os rumos das demais terapias da época, pois desviava o foco do intrapessoal para o relacional, ou seja, para o interpessoal. Segundo Vasconcellos (1995), quando Von Bertalanffy criou, em 1950, a teoria geral dos sistemas, a ciência passou a adotar uma forma de ver o mundo baseada nessa noção de sistemas. Ainda de acordo com Vasconcellos (1995, p.73): A noção de sistema apareceu como conceito fundamental na investigação científica: a ciência tende a não mais isolar os fenômenos de seus contextos, examinando unidades cada vez maiores. Sob o título comum de investigação dos sistemas, convergem os avanços de diversas especializações científicas. Vasconcellos (1995) acredita que essa mudança de foco do intrapessoal para o interpessoal fez com que a sistêmica se aproximasse da cibernética, teoria que procurava, na época, compreender os padrões relacionais. De acordo com a autora (1995, p.76): “A cibernética se ocupa das transformações que de fato ocorrem nos comportamentos do sistema e não nas hipóteses sobre as possíveis causas dessas mudanças”. Pensar as transformações que ocorrem nos comportamentos de cada um dos membros de um dado sistema implica, ainda conforme Vasconcellos (1995), em se determinarem as influências de cada um dos membros do sistema sobre o todo e, igualmente, a influência dos membros entre si. Nesse sentido, Vasconcellos (1995, p.82) acredita que a cibernética pode contribuir pois, segundo ela, “A cibernética, sendo um esforço racional para melhorar o saber-fazer, para melhorar o trabalho regulado em direção a um objetivo, precisa lidar com um pensamento claro, que seja reprodutível, comunicável, ensinável”. Essa perspectiva cibernética de procurar compreender e trabalhar a partir das mudanças de comportamento dos membros de um determinado sistema, a partir do modelo relacional, fez com que a teoria sistêmica, a partir das bases cibernéticas, pudesse ser utilizada para se entender a complexa rede de tramas e relações implícitas nas configurações familiares. Pensar os membros da família como fortes influenciadores nos padrões de relacionamento e, conseqüentemente, na manutenção e/ou transformação dos comportamentos leva a crer, segundo Minuchin (1990), que a identidade individual de cada um dos membros da família irá 17 ser estabelecida e determinada pelo pertencimento a esse grupo, bem como aos demais grupos sociais dos quais a família faz parte. De acordo com Minuchin (1990, p.53): No processo inicial de socialização, as famílias modelam e programam o comportamento e o sentido de identidade da criança. O sentido de pertencimento aparece com uma acomodação de parte da criança aos grupos familiares e com sua pressuposição de padrões transacionais, na estrutura familiar, que são consistentes durante todos os diferentes acontecimentos da vida. Muito além de modelar a identidade de cada um dos membros da família, o entorno social e as relações dos membros entre si irão determinar, também, a estrutura familiar, ou seja, toda a forma de adaptação da família a diferentes circunstâncias. Isso quer dizer que, ainda conforme Minuchin (1990, p.58), “a estrutura familiar deve ser capaz de se adaptar, quando as circunstâncias mudam”. Segund o o autor (1990), essa capacidade de adaptação da família a diferentes situações é que determinará o seu bom funcionamento assim como a boa estrutura que a família tem condições de oferecer aos seus membros. De acordo com Minuchin (1990, p.57): A estrutura familiar é o conjunto invisível de exigências funcionais que organiza as maneiras pelas quais os membros da família interagem. Uma família é um sistema que opera através de padrões transacionais. Transações repetidas estabelecem padrões de como, quando e com quem se relacionar e estes padrões reforçam o sistema. Minuchin (1990) acredita que são justamente essas transações que irão regular todos os comportamentos de cada um dos membros da família e, igualmente, determinarão toda a capacidade de a família se adaptar às circunstâncias, sem que essa adaptação interfira ou prejudique o bom andamento da mesma. Esse bom andamento ou não do sistema familiar será fortemente influenciado por questões inerentes ao ciclo de vida familiar. Carter & Mc Goldrick (1995, p.8) abordam bem essa questão do ciclo de vida familiar afirmando que: Nossa opinião é a de que a família é mais do que a soma de suas partes. O ciclo de vida individual acontece dentro do ciclo de vida familiar, que é o contexto primário do desenvolvimento humano. Consideramos crucial esta perspectiva para o entendimento dos problemas emocionais que as pessoas desenvolvem na medida em que se movimentam juntas através da vida. 18 Segundo as autoras citadas anteriormente (1995), a família pode enfrentar momentos de dificuldades e de transações, conforme o estágio do ciclo de vida que estão passando. Carter & Mc Goldrick (1995) acreditam que todas as emoções e comportamentos manifestados pelas famílias ao longo do ciclo de vida compreendem o sistema emocional de, pelo menos, três gerações. Ainda de acordo com as autoras (1995), as gerações movimentamse através do tempo influenciando as gerações futuras e, conseqüentemente, determinando alguns tipos de padrões de comportamentos e de relacionamentos estabelecidos pelos membros da família entre si e com os demais sistemas dos quais fazem parte. Cabe ressaltar que todas essas questões referentes às influências das gerações sobre a família, assim como as dificuldades que essa enfrenta no transcurso do ciclo de vida, serão fortemente influenciadas pelo tipo de relação que estabelece o casal ao determinarem que terão uma vida a dois. Conforme Andolfi (2002, p.14): “Em toda cultura, os casais fazem uma espécie de contrato metafórico no início da relação para determinar não só se haverá ou não o casamento, mas também para estabelecer as regras da própria relação”. Esse contrato a que se refere Andolfi (2002) inicia com o casal e perpassará toda a futura família, bem como influenciará as gerações futuras e os demais membros da família. Com relação a esse aspecto Andolfi (2002, p.15) afirma que: A construção dos papéis e das regras de relação é um processo circular de influência recíproca ao longo do tempo. Nenhum casal inicia uma relação a partir do zero, cada indivíduo tem um sistema de crenças e de expectativas em relação ao casamento estruturado a partir da experiência na família de origem e de outras experiências matrimoniais e de casal, imerso na cultura de uma comunidade e sociedade específica. Esses valores permeiam os nossos modos de conceber o casamento e condicionam os nossos modos de ser marido e mulher. Essas colocações de Andolfi (2002) a respeito do casamento e das influências das famílias de origem sobre um novo casal e, futuramente, sobre uma nova família, levam a se pensar na própria capacidade do casal no que diz respeito à resolução dos problemas enfrentados no dia-a-dia. Andolfi (2002) acredita que se pode perceber o bom funcionamento do casal a partir dessa capacidade de resolver os problemas. Segundo Andolfi (2002, p.23): “A grande diferença dos casais que dão certo e os que não dão certo não é a presença ou ausência de problemas, mas sua capacidade de enfrentar e resolver as dificuldades que surgem no curso da vida a dois”. 19 A capacidade de resolução dos problemas é, para Andolfi (2002), ponto fundamental a fim de que se possa compreender o bom funcionamento do casal e, conseqüentemente, da família, e compreender as relações estabelecidas e os tipos de comportamentos manifestados pelos membros de um determinado sistema. Vasconcellos (1995), ao pressupor que a família é um sistema, o faz acreditando na noção de circularidade que, segundo a autora (1995, p.23), “Significa que cada comportamento e cada evento no sistema está vinculado, de forma circular, a muitos outros e que nenhum comportamento ou evento isolado ocasiona outro”. Nesse sentido, Vasconcellos (1995) apresenta algumas bases da teoria sistêmica, a qual pode ser vista como uma nova forma de se pensarem as relações que se estabelecem entre os seres humanos, assim como pode ser vista como uma nova abordagem teórica da Psicologia que, juntamente com as demais teorias, se ocupa da compreensão do comportamento humano. 1.2 Teoria Sistêmica e Educação A Teoria Geral dos Sistemas surgiu com Von Bertalanfy e propõe uma nova forma de se ver as organizações e instituições. A ciência procurava explicar os fenômenos a partir do isolamento de seus elementos constitutivos e, de acordo com Von Bertalanfy (1975), a ciência considerada como contemporânea procurou analisar os fenômenos a partir de sua totalidade, considerando-os como sistemas. Bertalanfy (1975, p.61) acredita que: “A teoria geral dos sistemas portanto é uma ciência geral da totalidade”. Ao ser vista como uma ciência da totalidade, a teoria geral dos sistemas, ainda de acordo com Bertalanfy (1975), propõe uma nova forma de ver as relações e as interações entre os membros de um determinado sistema, pois avalia essas interações a partir da influência mútua entre esses membros. Von Bertalanfy (1975), após algumas explicações a respeito dos postulados teóricos da teoria geral dos sistemas, propõe que essa possa ser utilizada também na educação. O autor (1975, p.79) salienta que: “Entretanto, se falamos de educação não queremos dizer apenas valores científicos, isto é, comunicação e integração dos fatos. Queremos nos referir também aos valores éticos, que contribuem para o desenvolvimento da personalidade”. Nessa perspectiva de se pensar a influência dos membros de um sistema, como no caso, o sistema educacional, cabe ressaltar que um sistema, para Gasparian (1997, p.27): “Pode ser visto como o conjunto de elementos materiais ou não, que dependem reciprocamente uns dos outros, de maneira a formar um todo organizado”. A teoria geral dos sistemas propõe, então, 20 uma mudança de enfoque, das partes para o todo, levando-se em consideração que as partes só poderão ser entendidas a partir do todo. Com relação a esse pensamento sistêmico, Gasparian (1997, p.25) afirma: “Através do Modelo Sistêmico tem -se mais flexibilidade nas ações e uma aplicação da visão psicopedagógica no que se refere ao ensino e aprendizagem, trabalhandose com alunos e professores individualmente ou em grupo”. De acordo com essas concepções de Gasparian (1997), de que a teoria sistêmica oferece uma possibilidade de se trabalhar tanto individualmente quanto em grupo, faz-se necessário ressaltar um dos elementos-chave da teoria sistêmica que é a noção de globalidade. A globalidade, segundo Gasparian (1997), diz respeito à noção de totalidade abordada por Von Bertalanfy (1975). Gasparian (1997, p.27), ao falar da influência que as partes de um sistema exercem entre si, que levam a pensar na noção de globalidade, afirma que: A toda e qualquer parte de um sistema está relacionada de tal modo com as demais partes que a mudança numa delas provocará mudança nas demais e, conseqüentemente, no sistema total. Isto é, um sistema comporta-se não como simples conjunto de elementos independentes, mas como um todo coeso, inseparável e interdependente. Nesse sentido, a teoria sistêmica aplicada à Educação partirá do pressuposto de que todos os membros desse sistema específico tanto influenciam quanto são influenciados pelos outros. Ver a educação, a partir de uma perspectiva sistêmica, segundo Gasparian (1997), implica em levar em consideração a noção de circularidade e de retroalimentação, que corresponde à capacidade de analisar as relações e as interações a partir de uma visão circular, na qual o comportamento de um gera o comportamento de outro, a partir de uma relação retroalimentar e de influência mútua. Com relação a esse aspecto Gasparian (1997, p.28) coloca: A segunda propriedade dos sistemas é o conceito de retroalimentação ou feedback. As partes de um sistema unem-se através de uma relação circular. A retroalimentação e a circularidade são o modelo causal para uma teoria de sistemas interacionais, ao qual pertence o sistema educacional escolar. Ou seja, a escola, do ponto de vista sistêmico, pode ser encarada como um circuito de retroalimentação, dado que o comportamento de cada indivíduo afeta e é afetado pelo comportamento de cada uma das outras pessoas. 21 Gasparian (1997) acredita que o sistema educacional pode ser tanto funcional quanto disfuncional. Dentro do modelo sistêmico, e conforme a autora, estar funcional significa que a escola tem condições de englobar todos os elementos de um mesmo problema, a fim de obter uma verdadeira e eficaz resolução para a solução desses problemas enfrentados no cotidiano escolar. O sistema escolar pode estar, em um dado momento, disfuncional. Conforme Gasparian (1997, p.31): “Um sistema escolar disfuncional mantém rigidamente o seu status quo interacional, mesmo quando uma mudança em suas regras é essencial para o desenvolvimento de seus membros ou para a adaptação a novas condições escolares”. Todas essas questões inerentes ao ambiente escolar remetem à própria condição do aluno e à condição de professor. O aluno, segundo Gasparian (1997), entra na escola e lá se depara com um meio com o qual não está habituada. Logo, todas as concepções trazidas pela criança do seu ambiente familiar serão reorganizadas a fim de que possa dar conta das concepções escolares. Com relação ao professor, caberia analisar e prestar a atenção nas motivações que o fizeram escolher essa profissão, pois são justamente essas motivações que determinarão o tipo de vínculo que ele irá estabelecer com o seu aluno. Ao falar da influência e da importância da relação e do vínculo estabelecido entre o professor e o aluno, Gasparian (1997, p.56) diz que: É nas relações entre os indivíduos que se forma o cidadão, é através da aprendizagem que a pessoa é inserida, de forma mais organizada no mundo cultural e simbólico, na sociedade. Cabe à escola o papel de mediadora nesse processo de inserção do organismo no mundo. Cada sujeito têm uma história pessoal, da qual fazem parte várias histórias: a familiar, a escolar, a social, a religiosa, que articuladas, atuam na formação do indivíduo. Ainda conforme Gasparian (1997), os sistemas, tal como o escolar, podem ser abertos ou fechados. Quanto a isso a autora (1997, p.59) diz: “O sistema escolar é um sistema aberto que tem por objetivo proporcionar educação”. Ao ser vista como um sistema aberto, a escola deve possuir clareza com relação aos seus objetivos, assim como também deve ter clareza de que está inserida num sistema maior que é a sociedade. Com relação a isso, a autora (1997, p.59) afirma: A sociedade é um suprassistema onde o sistema escolar está inserido. O sistema escolar recebe da sociedade uma série de informações e uma multiplicidade de elementos e devolve a ela os produtos de sua atuação num processo denominado de realimentação ou feedback. Quando o feedback não atende às necessidades, ocorre uma disfunção nesse processo evolutivo. 22 Poder ver a escola enquanto parte de um sistema maior constitui outro ponto relevante da teoria sistêmica, pois essa parte do pressuposto de que os sistemas influenciam-se mutuamente. Gasparian (1997) acredita que a escola deve contribuir tanto para o crescimento pessoal e individual de seus membros, quanto para o crescimento da sociedade e de uma possível melhoria cultural. De acordo com Piletti (1999, p.9): Além da interdependência entre seus elementos, geralmente o sistema apresenta uma interdependência com o ambiente. Diz-se por isso que o sistema é aberto, isto é, apresenta uma comunicação constante com o ambiente, havendo um movimento de entrada (input) e de saída (output) através de suas fronteiras. O sistema aberto recebe do ambiente matéria-prima, energia, informações e devolve ao ambiente seus próprios produtos, que também podem ser matéria, energia ou informações. A noção de que dentro dos sistemas existem fronteiras é um outro elemento da teoria sistêmica. Segundo Piletti (1999), pode-se analisar a influência mútua dos membros de um sistema a partir dessa noção de fronteiras da teoria sistêmica, pois essa noção coloca que a cada um dos elementos que compõem um determinado sistema cabem determinados papéis, e que quando esses papéis, de certa forma, passem a se misturar uns com os outros, isso faz com que essas fronteiras sejam desrespeitadas, o que ocasiona uma desorganização do sistema. Com relação ao sistema escolar Gasparian (1997, p.60) diz que: Partindo-se da caracterização da escola e das comunidades, pode-se passar agora a observar os elementos que a compõem, sua formação profissional e seu papel na instituição, suas aspirações, desejos e postura frente ao ensino, ao aluno, e a todos os elementos que compõem a escola. A Teoria Sistêmica na Educação, ao passar a considerar todos os elementos que fazem parte desse sistema, deverá, conseqüentemente, observar os padrões de comunicação existentes entre esses elementos.A finalidade desse processo é para que possa, a partir de uma análise pragmática, obter a compreensão a respeito de todos os tipos de interações e de comunicações estabelecidas dentro do sistema escolar. Watzlawick & Beavin & Jackson (1967) acreditam que as interações humanas, por estarem envoltas em uma série de processos comunicativos, podem ser vistas como um sistema, isto é, um conjunto de pessoas que mantém relações através de comportamentos comunicativos. Ao pensarmos que todo comportamento comunica algo, o importante nesse 23 processo não é o conteúdo da comunicação, mas seu aspecto relacional. Segundo os autores citados (1967), ao se analisarem as interações entre os sistemas e subsistemas, não se pode deixar de lado o contexto no qual estão inseridos os sistemas e, conseqüentemente, seus subsistemas. Ao se incluir o contexto como base para se entenderem as interações, é preciso compreender como acontece a comunicação humana através da relação existente entre comportamento e comunicação, sendo que essa relação pode ser entendida a partir da pragmática. Ainda de acordo com os autores citados anteriormente (1967), a pragmática, que trata dos efeitos comportamentais da comunicação, bem como da aquisição do contexto, faz-se necessária a fim de que se possa entender a comunicação humana num contexto de interações e relações interpessoais. Dentro da pragmática, todo o comportamento pode ser visto como uma forma de comunicação, sendo que toda comunicação vai afetar o comportamento. Podese dizer que o comportamento humano pode ser entendido como as manifestações observáveis da relação, sendo estas manifestadas através da comunicação. Isso mostra, como diz a teoria sistêmica, que o comportamento de um sempre é influenciado pelo comportamento de outro, num sistema interacional e relacional, em que a principal forma de manifestação do comportamento é a comunicação. Para tanto, faz-se necessário, a fim de que se possa compreender ainda mais a comunicação humana através da pragmática, deter-se no conceito de metacomunicação, que fala não de uma comunicação para comunicar, mas de uma comunicação sobre comunicação, isto é, a forma como determinada comunicação deve ser entendida. Se para Watzlawick & Beavin & Jackson (1967) todo o tipo de comportamento é uma forma de comunicação, e toda a comunicação afeta o comportamento, pode-se dizer que toda a comunicação é linguagem, e toda a forma de linguagem é, por sua vez, comunicação. A premissa de que toda linguagem é comunicação e que toda comunicação faz parte de uma interação humana, e que essa interação, por sua vez, faz parte de um sistema, e que essa mesma comunicação pode ser entendida em termos pragmáticos, é que permite chegar ao ponto principal. Esse consiste em que a análise pragmática, ou seja, a análise do contexto fazse necessária a fim de que os diferentes tipos de comportamentos, em suas diferentes formas comunicacionais e de linguagem, possam ser entendidos em sua complexidade, considerandose principalmente a linguagem como a forma de manifestação desses comportamentos e, conseqüentemente, da comunicação. Se tanto a teoria sistêmica quanto a pragmática acreditam na influência de uns sobre os outros, o sistema escolar, como o espaço legítimo do qual seus elementos fazem parte e no 24 qual estão envoltos em diferentes tipos de interações deve, como colocado anteriormente, ao tentar estabelecer essa relação pragmática, levar em consideração o contexto no qual esse sistema está inserido. Segundo Piletti (1999, p.10): O sistema escolar é um subsistema do sistema social. Geralmente, o sistema escolar reproduz dentro de si as condições da sociedade. Assim, se no sistema social predominam a desigualdade, o individualismo, a exploração de uns sobre os outros, essas condições tendem a se reproduzir na escola. Ao professor cabe um papel importante na luta contra essa reprodução e contra condições sociais injustas. Piletti (1999) acredita que o sistema escolar pode oferecer muitas coisas à sociedade como, por exemplo, uma possível melhoria individual e, conseqüentemente, cultural da população. Nesse sentido é que a teoria sistêmica pode oferecer reais subsídios para se entender a influência do sistema escolar sobre a sociedade e da sociedade sobre o sistema escolar. Dessa forma, obter-se-á a devida compreensão a respeito da influência de todos os elementos de um dado sistema na manutenção ou não de um determinado problema ou de determinada situação pois, de acordo com Ruas (1980, p.13), “Todo o sistema é definido pelas suas componentes, isto é, ao mesmo tempo pelos seus elementos constitutivos e pelas respectivas interações”. Ruas (1980) também parte do mesmo pressuposto de que a escola pode ser vista como um sistema e, com relação a esse aspecto, o autor (1980, p.34) afirma: Tratar uma situação, uma instituição, uma atividade educacional, como um sistema é pôr em evidência dois fenômenos totalmente diferentes, senão contraditórios. É dizer, por um lado, que essa situação constitui um todo relativamente coerente em que todos os elementos se encadeiam entre si e se determinam mutuamente. E é dizer, por outro lado, que uma situação não pode ser analisada em separado e está relacionada com outras situações de outros níveis. Com relação a isso, Ruas (1980) acredita que a teoria sistêmica permite uma boa análise do sistema educacional, a fim de se obterem mudanças concretas que visem à melhoria do processo de ensino-aprendizagem, e uma também possível mudança a nível institucional. Pensar essas possíveis mudanças educacionais a partir da teoria sistêmica faz com que essa possa ser entendida e vista como uma das teorias da Psicologia que pode estar a serviço da 25 Educação e do bom desenvolvimento e relacionamento de todos aqueles que fazem parte desse grande sistema, que é o escolar. 1.3 A Família à Luz da Teoria Sistêmica A família, ao longo dos tempos, vem passando por grandes transformações. Essas transformações dizem respeito a uma mudança na própria estrutura familiar. Se antes o que se via eram as tradicionais famílias nucleares – pai, mãe e filhos – o que se vê hoje, além dessa estrutura, são as famílias recasadas, separadas, filhos de pais solteiros, entre outras. Essa nova configuração do sistema familiar é, para a teoria sistêmica, elemento fundamental a fim de se obter compreensão a respeito do funcionamento de determinado sistema familiar. A estrutura social, econômica e cultural da qual faz parte o sistema familiar irá determinar os tipos de relações que irão ser estabelecidos por cada um de seus membros. De acordo com Richter (1990, p.23): “A família é o palco onde dramaticamente entram em cena as forças emocionais de depressão, medo, teimosia defensiva e protesto, acompanhando o encontro e o choque de gerações”. Nesse sentido é que a teoria sistêmica aponta as suas suposições a respeito desse grande sistema, que é o familiar. Um sistema pode ser entendido como um conjunto de pessoas que exercem influência umas sobre as outras, sendo a família o maior sistema que influencia os comportamentos de seus membros a partir da circularidade das relações. Vasconcellos (1995, p.23), ao falar da circularidade, afirma que “cada comportamento e cada evento no sistema está vinculado, em forma circular, a muitos outros e que nenhum comportamento ou evento isolado ocasiona outro”. Essa circularidade de que fala a autora citada acima (1995) diz respeito à influência do comportamento de um membro da família sobre o comportamento de outro, a qual também enfatiza que essa influência nunca se acaba, pois os membros de determinada família estão sempre influenciando-se mutuamente, de forma retroalimentar. Isso significa que o comportamento de um alimenta de certa forma o comportamento de outro, o que leva a crer que um sistema é muito mais do que a soma de suas partes, justamente pelo fato de as partes influenciarem-se mutuamente de forma recursiva. Vasconcellos (1995) acredita que o termo recursividade pode ser entendido a partir da noção de circularidade, por falar justamente da influência que o comportamento dos membros da família exercem uns sobre os outros, e que determinarão, conseqüentemente, os padrões de relacionamentos que irão ser estabelecidos pela família. 26 É justamente nesses padrões de relacionamentos que cada um dos membros da família vai construindo a sua auto-imagem. Para tanto, a fim de se entender esses padrões de funcionamento da família, faz-se necessário compreender as relações existentes entre as fronteiras. As fronteiras, para Minuchin & Fischman (1990), são as linhas norteadoras que delimitam o papel de cada um dos membros da família. A partir delas, segundo os autores citados anteriormente (1990), pode-se obter conhecimento a respeito de todo o funcionamento da família, assim como de todas as alianças, coalizões, de quem está mais próximo de quem, bem como de todas as díades e tríades estabelecidas dentro do sistema familiar. Minuchim & Fischman (1990) acreditam que as díades e/ou as tríades oferecem subsídios para avaliar se as dificuldades enfrentadas pela família estão mais direcionadas à relação mãe-filho, esposoesposa, pai-filho-esposa, entre outras. O que se vê no sistema familiar, segundo Rosset (2003), são os membros da família ocupando funções que não são suas como, por exemplo, a criança que é responsável por algumas tarefas que competem aos pais, ou até mesmo aquelas situações em que os pais não conseguem, por questões pessoais, ocuparem seu lugar de pais, sendo que quem acaba ocupando esse lugar dentro da família é o próprio filho. De acordo com a teoria sistêmica, e conforme as idéias de Minuchin & Fischman (1990), as fronteiras delimitam também as formas de relações entre os subsistemas existentes dentro desse grande sistema que é a família. Os subsistemas podem ser: o fraternal, que diz respeito às relações entre os irmãos; o conjugal, que corresponde à relação entre o casal; assim como outros subsistemas que podem ser formados dentro desse sistema maior que é a família. Os autores citados acima (1990) acreditam que essas fronteiras entre os subsistemas precisam ser respeitadas, pois delimitam o que compete a cada um dos membros desse subsistema, no sentido de marcar os papéis de cada um dentro do sistema familiar. Minuchin & Fischmam (1990) acreditam que a partir dessas fronteiras entre os subsistemas é possível analisar quem está desempenhando o papel de quem e quando fica visível na família essa inversão de papéis. Uma das formas de se buscar essa compreensão a respeito do funcionamento da família é analisar o seu dia-a-dia, a sua rotina e, a partir daí, ter um parâmetro de como a família vem evoluindo ao longo dos anos. A maior tendência da família, de acordo com a teoria sistêmica, é manter a homeostase, ou seja, o equilíbrio, sendo que essa muitas vezes o faz de forma a deixar a família num plano disfuncional. Conforme Whitaker & Bumberry (1990, p.60): 27 A forma como cada família em particular encena seu mundo simbólico pode evoluir com o tempo, mas tipicamente retém algumas manifestações centrais que são mais ou menos consistentes. Uma forma de dar uma olhada em seus modelos centrais é considerar seus rituais interpessoais. Prestar atenção à forma como eles operam quando ficam juntos é revelador. A rotina matinal, o ritual do jantar e o modo como eles funcionam durante os feriados são empreendimentos que contam como seu mundo é organizado. Ainda de acordo com Whitaker & Bumberry (1990), os rituais do cotidiano podem revelar muito sobre a família; por isso a importância dada pela teoria sistêmica para esses rituais. Muitas vezes, a forma como esses rituais estão organizados demonstra que a família está um tanto disfuncional, e que está apresentando, naquele momento, uma certa confusão a respeito de seus padrões de funcionamento. Whitaker & Bumberry (1990, p.65) afirmam que: “A confusão é, por si só, uma das formas mais potentes para abrir simbolicamente a infra estrutura familiar”. Nesse sentido, os autores citados acima (1990) acreditam que as famílias estabelecem seus padrões de interação e de relacionamentos a partir das experiências simbólicas de vida, e que cada família irá determinar, de acordo com esses padrões, a forma como irão compartilhar essas experiências de vida em comum. Outra questão apontada pela teoria sistêmica como de extrema relevância a fim de se compreender o funcionamento familiar é a relação que a própria família estabelece com relação aos segredos que são passados, muitas vezes, de geração para geração. Segundo Imber-Black (1994): Os segredos são fenômenos sistêmicos. Eles estão ligados ao relacionamento, moldam as díades, formam triângulos, alianças encobertas, divisões, rompimentos, definem limites de quem está dentro e de quem está fora e calibram a intimidade e o distanciamento nos relacionamentos. Imber-Black (1994) acredita que os segredos podem ser, algumas vezes, os grandes causadores da disfunção familiar, pois em algum momento do ciclo de vida, os pais acabam fazendo essas díades e triangulações com os filhos, quando colocam um dos filhos contra o companheiro ou quando coloca a criança como cúmplice em um segredo que exclui o outro companheiro. Essa questão que diz respeito a manutenção de segredos na família remete ao sentimento daquele que carrega o segredo com a lealdade àquele sistema. Ainda de acordo com Imber-Black (1994): “O próprio significado da lealdade familiar pode estreitar -se na 28 presença de uma solicitação para manter o segredo, de modo que um membro da família vem a crer que apenas mantendo o segredo ele pode demonstrar lealdade e que sua revelação é um ato supremo de deslealdade”. Nesse sentido, Imber -Black (1994) pensa que a existência de segredos que são nocivos ao bom funcionamento da família devem ser revelados a fim de que essa possa voltar para o curso “normal” de seu desenvolvimento ao longo do ciclo de vida. Freddo (2003, p.33) acredita que: É importante salientar que a conceitualização do ciclo vital da família contribui valiosamente para o estudo da família, ao centrar-se na evolução temporal das interações entre os membros da família, entre estes e outros não familiares, entre as famílias e outras estruturas sociais, no sentido de evolução e continuidade. Todas essas questões trazidas por Freddo (2003) revelam que, para se compreender a estrutura de determinada família, é necessário entender as etapas do ciclo de vida que foram passadas pela família, bem como as implicações dessas etapas no desenvolvimento e funcionamento desse sistema. Tal procedimento permite que tudo aquilo que está encoberto dentro do sistema familiar possa ser revelado, com o objetivo de fazer com que a família, a partir de cada um de seus membros, possa voltar a transitar de forma funcional por esse ciclo de vida. Considera-se para isso o fato de que a própria vida traz implicitamente, em cada uma de suas etapas, questões conflitivas e momentos em que a família, com certeza, deverá parar e avaliar o seu funcionamento até o momento presente, para que possa progredir no futuro. 1.4 Família e Escola Pensar a relação família-escola a partir da teoria sistêmica leva a uma reflexão a respeito da própria noção de sistemas. Um sistema, de acordo com Palazzoli (1978), pode ser visto como um conjunto de objetos e das relações entre esses objetos. Tanto a escola quanto a família podem ser vistas como dois grandes sistemas que irão influenciar o desenvolvimento do sujeito como um todo. Nesse sentido, é que a compreensão dessa relação estabelecida entre a família e a escola pode oferecer um forte subsídio para a compreensão de diferentes problemas e situações. 29 A família, enquanto estabelecedora dos primeiros modelos de vínculos afetivos, irá determinar todo o tipo de escolhas e de relacionamentos que irão perpassar toda a vida da pessoa. De acordo com Freddo (2003, p.58): Apego, família e educação constituem os pilares sobre os quais a criança configura sua estrutura emocional, bem como características e peculiaridades importantes da sua personalidade e de seu modo pessoal de estar no mundo. É muito provável que se dê uma certa continuidade entre o apego, o estilo educativo e as estruturas que caracterizam as respectivas famílias. Isso quer dizer que o modo como se configuram as estruturas familiares possivelmente depende do estilo de apego existente entre pais e filhos e do modo como a criança e o adulto se relacionam. Nesse sentido, os vínculos e o tipo de apego que a criança vir a estabelecer com os pais na sua primeira infância irão determinar todos os vínculos futuros, principalmente aqueles que a criança irá estabelecer na escola. Cabe ressaltar ainda que a primeira imagem que a criança terá dela mesma e de sua própria capacidade produtiva será aquela que os pais fizerem dela. Freddo (2003, p.60) acredita que: Toda criança assimila em sua auto-imagem os rótulos negativos e passa a se ver e a ver o mundo de acordo com eles. Para os filhos, principalmente no período infantil, os pais são tão grandes quanto Deus; logo, o que eles dizem a respeito do filho é o que o filho pensa que é, passando a assumir as idéias que os pais fazem dele. Todas essas questões fazem com que a criança, ao ingressar na escola, manifeste perante toda a comunidade educativa essa imagem, muitas vezes distorcida, que os pais fazem dela. Esse ingresso da criança na escola pode ser visto como um momento bastante delicado para a família, pois ela estará mostrando a configuração do seu sistema familiar. Esse mostrarse perante às outras pessoas pode ser visto como um dos elementos fundamentais, a fim de compreender a lógica e o funcionamento de determinada estrutura familiar. Ainda de acordo com Freddo (2003, p.66): A ida da criança à escola provoca uma mudança acentuada, iniciando, então, um novo estágio de desenvolvimento. É um momento ímpar de abertura do sistema familiar ao mundo extrafamiliar. É o primeiro grande teste à capacidade familiar relativa ao cumprimento da função externa. Agora, a família tem de se relacionar com um sistema novo, bem organizado, altamente significativo, como é a escola. 30 O pensamento sistêmico possibilita essa compreensão pois, de acordo com Cañellas (1982), procura atuar sobre a realidade relacional, a fim de provocar uma mudança nos padrões de relacionamento até então estabelecidos. De acordo com o autor citado anteriormente (1982), o sistema escolar está formado por elementos formais (que dizem respeito a todo o sistema educativo) e informais (que correspondem à outros elementos do sistema social, como por exemplo a própria família de seus alunos). Com relação às famílias, cabe ressaltar, ainda, que, conforme Minuchin (1990), a família desempenha um importante papel no desenvolvimento de seus filhos, pois cabe a ela promover o desenvolvimento psicossocial de seus membros, assim como favorecer a transmissão da cultura. Enquanto transmissora de cultura, de valores éticos e princípios morais, a família procura estabelecer alguns padrões de relacionamentos que determinarão a forma como cada um de seus membros irá se relacionar com o mundo extrafamiliar. A entrada dos filhos na escola faz com que todas essas questões fiquem à mostra, o que faz com que esses padrões, antes apenas vistos pela própria família, fiquem expostos ao julgamento do sistema escolar. Minuchin (1990, p.54) acredita que: “Muito embora a família seja a matriz do desenvolvimento psicossocial de seus membros, também deve se acomodar a uma sociedade e assegurar alguma continuidade para a sua cultura”. É nesse sentido que as crianças saem do grupo familiar para fazer parte de um outro sistema extrafamiliar, que é o escolar, a fim de que possam fazer parte dessa nova estrutura, que é a escolar, e que lhes possibilitará uma troca de idéias, pensamentos, sentimentos e relacionamentos. Minuchin (1990) pensa que a família está tomando uma nova configuração, na qual os pais têm pouco tempo para estarem com seus filhos, deixando, a cargo de outras pessoas e principalmente da escola, a responsabilidade da educação de seus filhos. Com relação a esse aspecto o autor citado (1990, p.55) afirma que: A família está abrindo mão da socialização das crianças cada vez mais cedo. A escola, a comunicação em massa e o grupo de iguais estão assumindo a orientação e a educação das crianças mais velhas. Mas a sociedade não desenvolveu fontes extrafamiliares adequadas de socialização e apoio. Essa nova inversão de papéis, em que o mundo extrafamiliar, principalmente a escola, torna-se responsável pela educação das crianças, faz com que as relações entre os membros da família e, igualmente, o desenvolvimento psicossocial de seus membros fiquem a cargo desse outro sistema. Esse, por maior influência que exerça sobre os seus membros – no caso os 31 alunos –, não conseguirá cumprir com algumas funções e responsabilidades que são exclusivamente da família. Pensar toda essa relação família-escola implica, a partir de uma perspectiva sistêmica e de todas as questões anteriormente abordadas, avalizar a própria relação entre esses dois grandes sistemas no que diz respeito às suas fronteiras. De acordo com Minuchin (1990, p.58): “Fronteiras de um subsistema são as regras que definem quem participa e como”. Essas fronteiras de que fala Minuchin (1990) são os padrões que irão determinar que papéis cada membro de um dado sistema irá desempenhar. Nesse sentido, Minuchin (1990, p.59) acredita que, “a função das fronteiras é de proteger a diferenciação do sistema” e de facilitar os relacionamentos entre os subsistemas desses sistemas, no sentido de oferecer um espaço onde ambos – o sistema familiar e o escolar – possam ser preservados em alguns aspectos de sua estrutura. Poder preservar esses aspectos constitutivos de cada um desses dois grandes sistemas proporcionará que seus membros – filhos e alunos – possam, a partir das concepções familiares, juntamente com os padrões escolares, adquirir e buscar uma identidade própria que ao mesmo tempo contemple os sentimentos de pertencimento a uma família e, igualmente, o pertencimento a uma estrutura escolar e social. Conforme Bronfenbrenner (1996, p.5), “A capacidade de uma criança de aprender a ler nas séries elementares pode depender tanto de como ela é ensinada quanto da existência e natureza de laços entre a escola e a família”. Não só a capacidade de ler, mas todas as aprendizagens da criança poderão ser entendidas a partir desses laços entre a família e a escola. Bronfenbrenner (1996, p.7) coloca: “O reconhecimento dessa relação proporciona uma chave para a compreensão das mudanças desenvolvimentais não apenas nas crianças, mas também nos adultos que servem como cuidadores primários – mães, pais, avós, professores e assim por diante”. Bronfenbrenner (1996) chamou de mesossistema a todas essas inter-relações a que estão expostos os sujeitos ao longo do seu desenvolvimento, incluindo todas as relações das quais o sujeito participa ativamente, como no caso a relação desse sujeito com a escola, com sua família, com grupos de iguais, e a relação da própria família com a escola e essas relações irão determinar todo o desenvolvimento do sujeito. De acordo com Bronfenbrenner (1996, p.28): Para demonstrar que o desenvolvimento humano ocorreu, é necessário estabelecer que uma mudança produzida nas concepções e/ou atividades da pessoa foi transferida para outros ambientes e outros momentos. Esta demonstração é conhecida como validade desenvolvimental. 32 Por todas essas questões é que, a fim de que se possam compreender determinadas situações e/ou problemas escolares, sejam eles da ordem que forem, faz-se necessária a compreensão da relação família-escola, para que os padrões de relacionamentos estabelecidos pelos membros, tanto do sistema familiar quanto do sistema escolar, possam ser avaliados. Esse processo tem como objetivo obter um maior entendimento a respeito da influência desses relacionamentos na manutenção ou, muitas vezes, no aumento de determinados problemas escolares. É somente a partir das inter-relações entre esses dois grandes sistemas que muitas das dificuldades de aprendizagem poderão ser superadas e/ou amenizadas, pois é justamente nesses sistemas – família e escola – que a criança estabelece seus padrões de relacionamentos e de significações das aprendizagens, de visão de mundo e de sociedade. 33 2 PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO Sigmund Freud (1856–1939) pensou acerca das emoções e da vida psíquica do homem. Dentre seus vários objetos de estudo, deteve-se, logo de início, no estudo dos sonhos, dos atos falhos e das fantasias e, a partir de suas investigações, criou, então, a psicanálise, que por volta de 1906 tornou-se uma ciência. Em seu trabalho Dois artigos de enciclopédia: psicanálise e teoria da libido (1923), Freud afirma que a psicanálise pode ser vista como um método de investigação e de tratamento e, também, como uma disciplina científica. Em um dos artigos do XXIII volume de suas obras completas (1937-1939, p. 302) afirma: “A psicanálise constitui uma parte da ciência mental da psicologia. Também é descrita como ‘psicologia profunda’ ”. Ao afirmar isso, remete à própria constituição do aparelho psíquico, que é considerado por ele elemento-chave da compreensão psicanalítica. De acordo com Freud (1937-1939, p.302): “Se alguém perguntar o q ue realmente significa o ‘psíquico’, será fácil responder pela enumeração de seus constituintes: nossas percepções, idéias, lembranças, sentimentos e atos volitivos – todos fazem parte do que é psíquico”. Muito além dos sonhos, das fantasias e dos atos falhos, que também constituem a vida psíquica do homem, a psicanálise, ainda em conformidade com Freud (1913–1914, p.190), “trouxe à luz os desejos, as estruturas do pensamento e os processos de desenvolvimento da infância.” Com relação a esse aspecto, uma da s maiores contribuições da psicanálise foi justamente suas investigações acerca dos processos de desenvolvimento da infância, principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento psicossexual do homem. Freud, ao dizer que a sexualidade está presente desde o início da vida, propôs uma nova forma de pensar todo o crescimento e desenvolvimento do homem, crescimento esse que deve contemplar a compreensão e orientação a respeito dos aspectos inerentes ao desenvolvimento sexual e conseqüente estruturação do aparelho psíquico. 34 Freud, interessado no desenvolvimento do psiquismo do homem, já no início de seus estudos e pesquisas, escreve em suas obras questões importantes das quais a educação pode se utilizar, no sentido de preparar a criança para uma vida adulta saudável. Em seus artigos de 1906 a 1908 trouxe, mais especificamente no corpo do artigo intitulado O esclarecimento sexual da criança, a importância de se esclarecerem e orientarem as crianças com relação à sua própria sexualidade. Nesse artigo, ele diz que o que se vê com relação a esse aspecto, nada mais é do que a pura repressão e opressão por parte dos adultos com relação ao interesse e curiosidade das crianças a respeito de sua sexualidade. Ao acreditar na importância do esclarecimento das questões sexuais às crianças, Freud deu um importante passo para uma possível reflexão a respeito da educação de crianças a qual, segundo ele, deveria contemplar a educação sexual. No final desse mesmo artigo O esclarecimento sexual da criança (1906-1908), ele afirma: O que realmente importa é que as crianças nunca sejam levadas a pensar que desejamos fazer um mistério dos fatos da vida sexual do que de qualquer outro assunto ainda não acessível à sua compreensão; para nos assegurarmos disso, é necessário que, de início, tudo que se referir à sexualidade seja tratado como os demais fatos dignos de conhecimento. Acima de tudo, é dever das escolas não evitar a mensão dos assuntos sexuais. Essa perspectiva em torno da compreensão da sexualidade fez com que Freud, por volta de 1925, mostrasse a importância da psicanálise para a compreensão das crianças e, conseqüentemente, para a sua educação. Convocar a psicanálise para o auxílio na educação de crianças tornou-se, então, a grande contribuição de Freud para com a Educação, justamente por ser a psicanálise a ciência que, por excelência, buscou a compreensão dos processos psíquicos inerentes ao desenvolvimento infantil. No artigo Algumas reflexões sobre psicologia escolar (1914) Freud diz que: “Como psicanalista, estou destinado a me interessar mais pelos processos emocionais que pelos intelectuais, mais pela vida mental inconsciente que pela consciente”. Mesmo se interessando muito mais pelos processos emocionais, sua teoria deixou perpassar sua preocupação com a educação. Todas essas contribuições e colocações de Freud lançaram a psicanálise como uma grande contribuidora para o processo educativo. Através de suas proposições acerca da vida psíquica e das emoções do homem, bem como de suas concepções acerca do desenvolvimento infantil, a psicanálise pode, com certeza, ser utilizada 35 e pensada como uma das teorias que influenciaram a educação, assim como também pode ser vista como mais uma contribuidora no sentido de auxiliar para que a educação possa se dar de forma mais efetiva e eficaz, considerando-se que, compreendendo os processos do desenvolvimento infantil e da psique da criança, o professor também terá condições de fazer uma educação igualmente mais efetiva e eficaz. Outro autor que pode também trazer a sua contribuição à Educação foi Carl Rogers. Rogers nasceu em uma família próspera e unida, na qual a religião e a moral faziam parte da educação dos filhos. Seus pais, bastante preocupados com o seu futuro e de seus irmãos, proporcionaram um ambiente familiar propício ao bom desenvolvimento e crescimento tanto pessoal quanto profissional. Segundo Rogers (1997, p.5): “Meus pais tinham por nós um grande afeto e nosso bem-estar era para eles uma preocupação constante”. Conforme Rogers (1997), esse clima familiar possibilitou que ele se aventurasse em diferentes campos do conhecimento. Iniciou a faculdade estudando agricultura, passando posteriormente à faculdade de história, estudando ainda alguns aspectos da psicologia, sobre os quais demonstrou grande interesse, o que é facilmente comprovado por suas próprias palavras quando ele afirma (1997): “...absorvi -me completamente no meu serviço de psicologia prática, num trabalho de diagnóstico e de planejamento de casos de crianças delinqüentes e sem recursos...” Ao se deparar com inúmeros problemas e situações conflitivas de seus pacientes, Rogers (1997) concluiu em seus estudos que o que as pessoas realmente querem e desejam é ter consciência sobre quem elas realmente são e sobre como serem pessoas mais autênticas. A fim de alcançar esse objetivo, Rogers procurou, na sua relação com os pacientes, deixá-los mais à vontade e livres para exporem seus sentimentos. Quanto a isso ele diz (1997, p.123): Quando uma pessoa me procura, perturbada por sua combinação única de dificuldades, constatei ser muito válido tentar criar uma relação com ela na qual esteja segura e livre. É meu propósito compreender a maneira como se sente em seu próprio mundo interior, aceitá-la como ela é, criar uma atmosfera de liberdade na qual ela possa se mover, ao pensar, sentir e ser, em qualquer direção que desejar. Para Rogers, em todos os relacionamentos e experiências de vida, as pessoas estão buscando, constantemente, o seu verdadeiro eu, o qual se encontra misturado aos sentimentos, desejos e ações das outras pessoas. Essa busca e descoberta do próprio eu, para o autor, 36 levaria a atitudes mais autênticas do ser humano e, conseqüentemente, à felicidade. Rogers (1997, p.124) afirma que: Nessa tentativa de descobrir seu próprio eu, o cliente tipicamente utiliza a relação para explorar, examinar os vários aspectos de sua experiência, para reconhecer e enfrentar as contradições profundas que frequentemente descobre. Aprende quanto do seu comportamento, até mesmo dos sentimentos que vivencia, não é real, não sendo algo que flui das relações genuínas de seu organismo, mas sim constitui uma fachada, uma frente, atrás da qual está se escondendo. Descobre o quanto sua vida é guiada por aquilo que pensa que deveria ser, e não por aquilo que é. Freqüentemente descobre que ele só existe em resposta às exigências dos outros, e que está somente tentando pensar, e sentir e se comportar de acordo com a maneira que os outros acreditam que deva pensar, e sentir e se comportar. As concepções de Rogers sobre o ser humano e a busca pelo próprio eu fizeram com que sua teoria pudesse fornecer um grande subsídio para se compreenderem as questões educacionais. A busca por aprendizagens mais significativas foi a maior preocupação de Rogers; para tanto, a autenticidade do professor foi considerada por ele um dos principais requisitos a fim de se alcançar esse objetivo. De acordo com ele (1997), essa autenticidade implica em o professor ser congruente naquilo que faz e nas responsabilidades que assume, bem como em ter consciência de seus sentimentos e sentir-se à vontade para expressá-los quando possível aos alunos. Para que o professor possa realmente ser uma pessoa autêntica na sua relação com os alunos, faz-se necessário, também, que ele aceite os sentimentos dos alunos e não tente impor a sua forma de ver e sentir. Rogers (1997, p.331) afirma ainda que, “o professor é uma pessoa, não a encarnação abstrata de uma exigência curricular ou um canal estéril atrás do qual o saber passa de geração em geração”. Para Rogers (1997), esse “poder se ver como uma pessoa” é que levará à autenticidade do professor e, conseqüentemente, à aceitação e compreensão do seu aluno também enquanto ser humano que tem seus próprios sentimentos. Ainda de acordo com esse autor (1997, p. 331): “Um a outra conseqüência para o professor é que a aprendizagem significativa é possível se o professor for capaz de aceitar o aluno como ele é e de compreender os sentimentos que ele manifesta”. Essas proposições a respeito da relação do professor com o aluno o levaram a pensar que o professor precisa ser um facilitador das aprendizagens dos alunos. Quanto a essa possibilidade, Rogers (1985, p.128) afirma que: 37 Talvez a mais básica dessas atitudes essenciais seja a realidade ou autenticidade. Quando o facilitador é uma pessoa real, sendo o que é, ingressando num relacionamento com o estudante sem apresentar-lhe uma máscara ou fachada, ela tem muito mais probabilidades de ser eficiente. Isto significa que os sentimentos que está experimentando estão disponíveis para ela, disponíveis à sua consciência, que ela é capaz de viver esses sentimentos, sê-los, e é capaz de comunicá-los, se for apropriado. Significa que ela se encontra direta e pessoalmente com o estudante, encontrando-o numa base de pessoa para pessoa. Significa que está sendo ela própria, não negando a si. Além da autenticidade, a fim de que o professor possa realmente se tornar um facilitador, faz-se necessário, segundo Rogers (1985), a compreensão empática, cuja implicação consiste na compreensão por parte do professor dos sentimentos, ações e reações do estudante, assim como a compreensão do que significa para os alunos estar nesse processo de ensino e aprendizagem. Segundo Rogers (1985), essa compreensão também se torna um elemento importantíssimo a fim de se conseguirem aprendizagens mais significativas por parte dos alunos. Quanto ao professor, o autor (1985) afirma que, para se tornar realmente um facilitador das aprendizagens dos alunos, deve utilizar os relacionamentos interpessoais nesse processo de facilitação das aprendizagens. Para tanto, faz-se necessário, também, que o professor possa fazer uso desses dois elementos – a autenticidade e a compreensão empática considerados por Rogers de extrema relevância para que o professor possa realmente se tornar um facilitador utilizando, para isso, os relacionamentos interpessoais. Todas as proposições de Rogers a respeito da pessoa humana fizeram com que sua teoria pudesse contribuir grandemente com a educação. Pensar a educação numa perspectiva rogeriana implica, conseqüentemente, poder olhar para esses aspectos e para muitos outros que envolvem toda a sua teoria e que levam a uma educação centrada na pessoa. Já Lev Vygotsky foi considerado o grande pensador da teoria sócio-histórica. Nascido em 1896 em uma família com situação financeira bastante favorável, conseguiu estudar diferentes áreas do conhecimento, como Direito, Filosofia, Psicologia e Literatura, sendo a Psicologia a ciência pela qual demonstrou grande interesse de investigação. Juntamente com Alexander Romanovich Luria e Alexei Nikolaievich Leontiev, seus maiores contribuidores, Vygotsky procurou compreender ainda mais a Psicologia a partir do estudo sobre as questões que envolviam o corpo físico e aspectos da vida mental, questões essas muito discutidas na época pela ciência psicológica. Segundo Oliveira (1997), os estudos de Vygotsky e de seus colaboradores levaram à criação de uma nova Psicologia, que justamente passou a contemplar aspectos experimentais da vida mental. De acordo com Oliveira (1997, p.23): 38 Enquanto a psicologia do tipo experimental deixava de abordar as funções psicológicas mais complexas do ser humano, a psicologia mentalista não chegava a produzir descrições desses processos complexos em termos aceitáveis para a ciência. Foi justamente na tentativa de superar essa crise da psicologia que Vygotsky e seus colaboradores buscaram uma abordagem alternativa, que possibilitasse uma síntese entre as duas abordagens predominantes naquele momento. Foi nesse sentido que todos os estudos de Vygotsky contribuíram grandemente para a educação, principalmente a partir de suas proposições a respeito da relação entre o aprendizado e o desenvolvimento. Segundo o próprio Vygotsky (1991, p.89): “Os problemas encontrados na análise psicológica do ensino não podem ser corretamente resolvidos ou mesmo formulados sem nos referirmos à relação entre o aprendizado e o desenvolvimento em crianças em idade escolar”. Com base nisso, e a fim de chegar a uma posição teórica a respeito dessa relação, Vygotsky estudou três posições teóricas que abordaram essa relação. Em sua obra A Formação Social da Mente, Vygotsky (1991, p.89) diz: A primeira centra-se no pressuposto de que os processos de desenvolvimento da criança são independentes do aprendizado. O aprendizado é considerado um processo puramente externo que não está envolvido ativamente no desenvolvimento. Ele simplesmente se utilizaria dos avanços do desenvolvimento ao invés de fornecer um impulso para modificar seu curso. Já a segunda teoria apontada por Vygotsky diz que aprendizado é desenvolvimento. Quanto a isso, o próprio autor (1991, p.90-91) afirma: “O desenvolvimento é visto como o domínio dos reflexos condicionados, não importando se o que se considera é o ler, o escrever ou a aritmética, isto é, o processo de aprendizado está completa e inseparavelmente misturado com o processo de desenvolvimento”. Somando -se a esses dois pressupostos, de que os processos de desenvolvimento da criança são independentes do aprendizado e de que o processo de aprendizado se mistura com o processo de desenvolvimento, Vygotsky apresentou sua terceira teoria sobre a relação entre aprendizado e desenvolvimento. respeito disso, ele diz (1991, p.91): A 39 A terceira posição sobre a relação entre o aprendizado e o desenvolvimento tenta superar os extremos das outras duas, simplesmente combinando-as. Um exemplo claro dessa abordagem é a teoria de Koffka, segundo a qual o desenvolvimento se baseia em dois processos inerentemente diferentes, embora relacionados, em que cada um influencia o outro – de um lado a maturação, que depende diretamente do desenvolvimento do sistema nervoso; de outro o aprendizado, que é, em si mesmo, também um processo de desenvolvimento. O estudo dessas três teorias, com vistas a explicar a relação entre o aprendizado e o desenvolvimento, conduziu o autor ao conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal, considerada por ele (1991, p.94) como “o ponto de partida dessa discussão”, baseada no “fato que o aprendizado das crianças começa muito antes delas freqüentarem a escola”. Considerando-se a partir disso que, para Vygotsky, as crianças são seres em aprendizagem desde a mais tenra infância, fica claro que, segundo a sua teoria, o aprendizado não deve limitar-se às etapas do desenvolvimento. Conforme o mesmo autor (1991, p.95): Só recentemente, entretanto, tem-se atentado para o fato de que não podemos limitar-nos meramente à determinação de níveis de desenvolvimento, se o que queremos é descobrir as relações reais entre o processo de desenvolvimento e a capacidade de aprendizado. Temos que determinar pelo menos dois níveis de desenvolvimento. Esses dois níveis a que se refere o autor são o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial. O primeiro diz respeito a todas as informações que a criança já têm em seu poder, ou seja, a tudo aquilo que ela consegue fazer sozinha, correspondendo aos estágios do desenvolvimento já completados. O segundo, isto é, o nível de desenvolvimento potencial refere-se a tudo aquilo que a criança consegue realizar com a ajuda de pessoas mais experientes. Vygotsky (1991, p.97), com relação à Zona de Desenvolvimento Proximal, afirma que: Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. Todas essas proposições de Vygotsky a fim de entender a relação entre o aprendizado e o desenvolvimento fizeram com que sua teoria pudesse ser considerada de extrema 40 relevância para a educação, principalmente ao se tratar dos processos de aprendizagem. De acordo com Leontiev, Vygotsky & Luria (1991, p.15): Considerada sob este ponto de vista, a aprendizagem não é em si mesma desenvolvimento, mas uma correta organização da aprendizagem da criança conduz ao desenvolvimento mental, ativa todo um grupo de processos de desenvolvimento, e esta atividade não poderia produzir-se se a aprendizagem. Por isso, a aprendizagem é um momento intrinsicamente necessário e universal para que se desenvolvam na criança essas características humanas não naturais, mas formadas historicamente. A elaboração desses três níveis do desenvolvimento desencadeou, em consonância com a teoria de Vygotsly, os elementos fundamentais da relação entre a aprendizagem e o desenvolvimento. Conseqüentemente, forneceu também elementos fundamentais a fim de se entenderem os processos de aprendizagem, fator que leva a uma maior compreensão dos processos educacionais. Por último, Henri Wallon (1879-1962), que nasceu na França e teve uma vida marcada por grandes produções intelectuais, contribuiu com sua teoria para a educação. Este estudou filosofia e medicina antes de chegar à Psicologia. Viveu no período das grandes guerras mundiais, fator que fazia com que essa época fosse marcada por uma grande instabilidade social e política. Sua atuação como médico e psiquiatra fez com que se interessasse por questões referentes à Psicologia da criança. Dentre essas questões, Wallon (1995) se interessou em compreender como se dá o processo de construção do caráter na criança e, para tanto, buscou entender como ocorre a evolução psicológica da mesma, bem como a origem do seu pensamento. Nessa perspectiva de tentar entender a origem do caráter da criança, Wallon (1995) procurou enfatizar as diferentes etapas do desenvolvimento infantil. Para ele o estudo da criança e de toda a sua especificidade possibilitaria compreender a construção do caráter. Wallon (1995, p.30) afirma que: As situações às quais reage a criança são exatamente aquelas que correspondem aos seus meios. Não fazem senão seguir o crescimento e a extensão progressiva destes. A cada idade corresponde um tipo de comportamento e todo comportamento ordena-se em torno de certas atividades fundamentais, cujas leis aparecem com muito mais evidência quando ainda estão isoladas e preponderantes do que nas complicações ulteriores da vida psíquica. 41 Essas colocações de Wallon fizeram com que sua teoria da psicologia infantil pudesse se diferenciar das demais teorias da época que abordavam essa questão. Wallon (1995, p.37) propõe que “se estude o desenvolvimento infantil tomando a própria criança como ponto de partida”. Ao afirmar isso, estabeleceu uma nova forma de se compreender o infantil que não pela lógica da vida adulta, que era a forma pela qual as outras teorias da psicologia buscavam entendimento. Muito além de tentar compreender o infantil, Wallon procurou discutir e participar da reforma pedagógica da época, a qual tinha a intenção de que a educação pudesse, ao mesmo tempo que promovesse a autonomia dos alunos, ser também operadora de mudanças sociais e que realmente formasse homens capazes de atuar e de transformar a sociedade. De acordo com Werebe & Brulfert (1999, p.24): Wallon também foi partidário da renovação pedagógica, como atesta sua importante participação no movimento francês de educação nova. Sua ciência ofereceu bases para a criação de um movimento não-conformista, em torno da idéia de que a educação deve propor-se a formar indivíduos autônomos – pensantes e operantes -, capazes de participar da construção da sociedade, utilizando as possibilidades que lhes oferece a história. Para Wallon, uma das formas de se fazer da educação um elemento-chave para a promoção de mudanças sociais pode ser a própria compreensão da noção de infantil a que ele se refere em sua teoria. Considerando para isso que a criança, ao entrar na escola, depara-se com uma realidade bastante diferente da que vivencia no meio familiar e que é na escola que ela terá uma aprendizagem social e, conseqüentemente, se desenvolverá. O meio social também foi visto por Wallon como promotor do desenvolvimento das crianças e para a tomada de consciência de si mesmas no mundo, enquanto seres que têm seus próprios desejos e pensamentos. Ainda de acordo com Werebe & Brulfert (1999, p. 25): Para Wallon, o grupo infantil é indispensável à criança não somente para sua aprendizagem social, mas também para o desenvolvimento da tomada de consciência de sua própria personalidade. A confrontação com os companheiros permite-lhe constatar que é uma entre outros e que, ao mesmo tempo, é igual e diferente delas. 42 Segundo Galvão (1995), essa tomada de consciência de si mesma faz parte do conflito eu-outro, quando a criança se depara com as diferenças entre ela e as demais crianças. Esse conflito eu-outro é para Wallon fator essencial para a construção da pessoa e para a construção do seu eu psíquico. Para tanto, de acordo com Galvão (1995), Wallon acredita em uma “educação da pessoa completa”, que privilegie tanto o eu psíquico quanto o eu corporal. De acordo com Galvão (1995), para Wallon a educação não deveria ser apenas intelectual, mas também emocional. Para atingir esse objetivo, Galvão (1995) aborda a importância dada por Wallon à própria estruturação do ambiente escolar pois, segundo ele mesmo, é na escola que as crianças irão experimentar diferentes tipos de relacionamentos, sendo esses de extrema importância para o seu desenvolvimento e também para a tomada de consciência de si mesmas, fator que levaria, conseqüentemente, ao desenvolvimento da sua personalidade. Ainda de acordo com Galvão (1995, p.101/102): A estruturação do ambiente escolar, fruto do planejamento, deve, enfim, conter uma reflexão sobre as oportunidades de interações sociais oferecidas, definindo, por exemplo, se serão realizadas individual ou coletivamente e, neste caso, como serão compostos os grupos. É bom lembrar que a escola, ao possibilitar uma vivência social diferente do grupo familiar, desempenha um importante papel na formação da personalidade da criança. Ao participar de grupos variados a criança assume papéis diferenciados e obtém uma noção mais objetiva de si própria. Quanto maior a diversidade de grupos de que participar, mais numerosos serão seus parâmetros de relações sociais, o que rende a enriquecer sua personalidade. Pensar as especificidades do infantil, bem como a lógica do crescimento a partir dessa compreensão e das relações sociais, foi uma das grandes contribuições da teoria de Wallon à educação, assim como a perspectiva de se poder ver a educação como uma forma de promover mudanças tanto na personalidade do alunos, quanto mudanças sociais. Essas mudanças pessoais e sociais propostas por Wallon foram contribuições de grande valia para se pensar o fazer pedagógico e as práticas sociais no ambiente escolar. 2.1 Psicologia da Educação e Linguagem A Psicologia, ao tentar trazer as suas contribuições à ciência da Educação, procurou estudar como se dá a construção dos processos mentais e sucessivo desenvolvimento da criança. Primeiramente o faz desconsiderando o papel da linguagem e do ato comunicativo 43 como fortes influentes nesse processo. Foram Jean Piaget e Lev Vygotsky que ao fazerem as suas proposições acerca da relação entre o desenvolvimento e o aprendizado, o fizeram considerando a importância da linguagem para o desenvolvimento do pensamento e conseqüente aprendizagem da criança. Conforme Palangana (2001, p. 19): Apesar de, em seus últimos trabalhos, Piaget ter minimizado o papel da linguagem na estruturação do pensamento, ela permanece como fator de extrema importância enquanto via de acesso à reflexão infantil. É por meio da linguagem que a criança justifica suas ações, afirmações e negociações e, ainda, é através dela que se pode verificar a existência ou não de reciprocidade entre ação e pensamento e, conseqüentemente, o estágio do desenvolvimento cognitivo da criança. Já Lev Vygotsky por sua vez, procurou chegar à compreensão da relação entre o desenvolvimento e o aprendizado, incluindo, essencialmente o papel da linguagem. Para ele, segundo Palangana (2001, p.106): “O desenvolvimento do pensamento é determinado pelos instrumentos lingüísticos e pela experiência sócio-cultural a criança”. Vygotsky, juntamente com Luria e Leontiv, procurou entender e mostrar a importância da linguagem no desenvolvimento das crianças e, conseqüentemente, para a sua vida adulta. Ao se pensar a relação entre psicologia e linguagem, cabe ressaltar, então, a importância de uma das teorias contemporâneas que procurou entender a relação entre aprendizado e desenvolvimento, que é a teoria sócio-histórica de Vygotsky. Sua teoria é considerada interacionista devido ao fato de pressupor que o desenvolvimento dos seres humanos se dá a partir das suas relações com os objetos, sendo esses objetos sócio-históricos. Como um interacionista que considera os seres humanos como seres historicamente produzidos, e conseqüentemente sociais, Vygotsky deixa implícito em sua teoria que os homens são seres sociais desde o início da sua vida e que a linguagem é fator primordial que determina os seres humanos enquanto seres sociais. Com relação a esse aspecto e ao abordarem a importância da linguagem para o desenvolvimento das crianças, Luria & Yudovich (1985, p.11), em sua obra, afirmam que: A linguagem, que encerra a experiência de gerações, ou da humanidade, falando num sentido mais amplo, intervém no processo do desenvolvimento da criança desde os primeiros meses de vida. Ao nomear os objetos e definir, assim, as suas associações e relações, o adulto cria novas formas de reflexão da realidade na criança, incomparavelmente mais profundas e complexas do que as que ela poderia formar através da experiência individual. 44 As questões abordadas por Luria e Yudovich (1985) levam a algumas proposições a respeito da linguagem feitas por Vygotsky. Ao falarem que a linguagem influencia o processo de desenvolvimento, esses autores (1985) se reportam à própria formação de conceitos, que foi uma das grandes contribuições de Vygotsky no sentido de se compreender a importância da linguagem para o desenvolvimento dos processos mentais. Ao pensar as influências sociais, culturais e históricas no desenvolvimento do pensamento, Vygotsky criou a teoria sócio-histórica que tenta, a partir de suas várias concepções, mostrar como se desenvolve o pensamento da criança, bem como a importância de se considerar o contexto sócio-histórico para essa compreensão. De acordo com Palangana (2001, p.90): “Vygotsky abre fronteiras na área da psicologia, colocando -se como pioneiro na descrição dos mecanismos pelos quais a cultura torna-se parte da natureza de cada pessoa, enfatizando as origens sociais da linguagem e do pensamento”. Essa influência da cultura e do meio social sobre o desenvolvimento das crianças também foram abordadas por Luria e Yudovich (1985) ao afirmarem que é a nomeação dos objetos pelo adulto que fará com que a criança faça associações e relações a fim de compreender a realidade que a cerca. Esse processo remeterá à própria construção e transmissão do saber, o que levará, conseqüentemente, ao processo de formação de conceitos. Ainda de acordo com Luria & Yudovich (1985, p. 11): Todo esse processo da transmissão do saber e da formação de conceitos, que é a maneira básica com que o adulto influi na criança, constitui o processo central do desenvolvimento intelectual infantil. Se não se levar em conta, no processo educativo, esta conformação da atividade mental infantil, não será possível compreender, nem explicar, a causa de nenhum dos fatos da psicologia da criança. Nesse sentido, as colocações de Luria e Yudovich (1985) fazem com que a palavra dos adultos dirigida às crianças possa ser considerada como um elemento regulador de suas atividades. Ainda de acordo com esses autores (1985, p.13): “Esta subordinação das reações da criança à palavra de um adulto é o começo de uma longa cadeia de formação de aspectos complexos da sua atividade consciente e voluntária”. Vygotsky também procurou explicar o ato voluntário considerando, para isso, os aspectos lingüísticos. Conforme Luria e Yudovich (1985), Vygotsky foi um dos primeiros a refletir sobre a influência dos aspectos lingüísticos no desenvolvimento dos processos mentais e da formação das funções psicológicas superiores. 45 As colocações de Luria e Yudovich (1985), a respeito da teoria de Vygotsky, fizeram com que se pensasse na premissa de que o meio social e relacional do qual o homem faz parte determina a origem de todos os processos mentais. Essa premissa também tornou ainda possível a compreensão do ato de fala de crianças de quatro a cinco anos, a fim de pressupor como os processos mentais são influenciados pela linguagem. Com relação a isso, Luria & Yudovich (1985, p.18) fazem algumas colocações: Já em 1929, Vigotsky demonstrou que, sempre que a criança de quatro a cinco anos de idade enfrenta um problema que lhe traz algum tipo de dificuldade, produz-se fala externa não dirigida a seu interlocutor; a criança enuncia a situação colocada, toma dela uma “cópia verbal” reproduz, depois, aquelas conexões da sua experiência passada que podem tirá-la de suas dificuldades presentes. Ao se referir a isso, Luria e Yudovich (1985) falam que Vygotsky procurou demonstrar o quanto a linguagem pode regular a conduta da criança a partir da resolução de problemas enfrentados no dia-a-dia. Com relação às afirmações de Vygotsky, Luria & Yudovich (1985, p. 18) afirmam: “Suas observações mostraram qu e a criança fala primeiro em voz alta para si mesma, mas que sua fala se enfraquece pouco a pouco, convertendo-se em sussurro e acaba, afinal, em fala interna”. Quando os pais nomeiam os objetos para a criança estão regulando e orientando a sua ação sobre o meio social e é essa ação é que, segundo Luria e Yudovich (1985), irá determinar a atividade humana. Conforme Luria (1986) “O verdadeiro nascimento da função reguladora da linguagem ocorre significativamente mais tarde – quando a mãe começa a unir uma palavra a um objeto e quando a reação da criança adquire um caráter específico”. As colocações de Luria (1986), a respeito das reações das crianças, dizem respeito à própria experiência no meio social, a partir das interações com os adultos. Quando os adultos nomeiam ou solicitam um objeto à criança e esta procura alcançá-los, estão acontecendo as reações que Luria (1986) denominou de específicas dessa função reguladora da linguagem. Luria, assim como Vygotsky, procurou compreender como ocorre a construção dos processos mentais, fator que levou, conseqüentemente, a pensarem questões referentes às aprendizagens e à influência sobre o desenvolvimento e sobre o processo de aquisição da linguagem. Ao pressupor, em sua teoria, que a aprendizagem gera desenvolvimento, Vygotsky, em seu livro A Formação Social da Mente (1991, p.21), diz que: “O fato, no entanto, é que a maturação per se é um fator secundário no desenvolvimento das formas típicas e mais 46 complexas do comportamento humano”. Nessa perspecti va, e ao falar das funções psicológicas superiores, Vygotsky cria o conceito de ZDP – Zona de Desenvolvimento Proximal. De acordo com Palangana (2001, p.152): “Para melhor explicar a importância das interações sociais no desenvolvimento cognitivo, Vygotsky cria o conceito de zona de desenvolvimento proximal”. Com isso, pretende entender a formação das funções psicológicas superiores e, igualmente, a relação entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial em que se encontram as crianças, possibilitando, assim, uma maior compreensão da importância da ZDP para o desenvolvimento da linguagem em crianças. Para isso, é preciso primeiramente, ater-se ao conceito de ZDP, tendo como ponto de partida a conceituação de zona de desenvolvimento real e potencial. Conforme Palangana (2001, p.128): De acordo com Vygotsky, pode-se identificar dois níveis de desenvolvimento. O primeiro, chamado “nível de desenvolvimento real” ou “efetivo”, compreende as funções mentais da criança que se estabeleceram como resultado de determinados ciclos de desenvolvimento já completados. Em outras palavras, este nível é composto pelo conjunto de informações que a criança tem em seu poder... O segundo é o nível de desenvolvimento potencial, definido pelos problemas que a criança consegue resolver com o auxílio de pessoas mais experientes. Na perspectiva de que a criança possui uma zona de desenvolvimento real e uma zona de desenvolvimento potencial, é que Vygotsky, ao analisar essas duas questões e a relação entre o desenvolvimento real e o potencial, estabeleceu a zona de desenvolvimento proximal, como um espaço psicológico entre as zonas de desenvolvimento real e potencial. Com relação à zona de desenvolvimento proximal, Vygotsky (1991, p.97) diz que: Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. A ZDP caracteriza-se, então, como sendo a diferença e/ou o espaço entre aquilo que as crianças já conseguem realizar por si mesmas e o que elas conseguem realizar com o auxílio de outras pessoas experientes. Sob esse aspecto, pode-se considerar que a ZDP tornou-se fator essencial e primordial para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, bem como 47 um fator de extrema relevância para se entender a relação entre desenvolvimento e aprendizagem e, conseqüentemente, a aquisição da linguagem. Não se pode desconsiderar que a zona de desenvolvimento proximal não se refere apenas ao sujeito que está aprendendo ou adquirindo a linguagem, mas a todas as interações sociais nas quais está envolvido esse sujeito. De acordo com Zanella (2001, p.115): A ZDP não pode ser caracterizada como sendo meramente do sujeito que aprende ou do ensino, mas como do sujeito envolvido em atividade colaborativa num contexto social específico. Caracteriza-se assim como um espaço social de trocas múltiplas e de diferentes naturezas afetivas, cognitivas, sociais, etc, onde os sujeitos ampliam suas possibilidades de atuação no contexto social. Nessa perspectiva, o estudo da ZDP deve pautar-se na análise das significações veiculadas/produzidas/apropriadas em situações interativas, onde os sujeitos estejam envolvidos em atividades diversificadas. Cabe ressaltar que, para Vygotsky, o sujeito é social e está inserido em uma cultura e precisa, portanto, ser entendido e compreendido sempre sob esse aspecto. O conceito de ZDP mostra, também, o quanto o meio social e cultural pode interferir na vida dos sujeitos em processos de aprendizagem e, conseqüentemente, em desenvolvimento da linguagem. Compreender, conceitualmente, a zona de desenvolvimento proximal possibilita o devido entendimento acerca dos processos de aprendizagem e de desenvolvimento, pelos quais perpassam todo o crescimento das crianças, tanto no que diz respeito aos processos de ensinoaprendizagem, quanto ao seu desenvolvimento e, principalmente, quanto ao desenvolvimento da linguagem. Considerando-se, ainda, que todo sujeito é social e que esse sujeito mantém relações com um outro, que também é social, e que essa relação é fator primordial e determina o desenvolvimento da linguagem, é que se faz necessário, então, estudar a ZDP como possibilitadora desse desenvolvimento da linguagem, e como um dispositivo que irá possibilitar à criança ver-se como um ser capaz de aprender e de se desenvolver. Sob esse aspecto, de poder ver na criança a possibilidade de aprender coisas novas e de progredir enquanto ser humano, é que o conceito de ZDP pode ser visto como de fundamental importância para essa situação. Uma criança que está adquirindo a linguagem de seu meio irá precisar que um adulto a veja como um ser capaz de aprender e de um dia fazer parte do universo falante do meio que a cerca. Para isso, é importante que os pais possam trabalhar com suas crianças a partir da zona de desenvolvimento proximal, ou seja, que 48 partam do pressuposto de que a sua criança tem plenas condições de aprender e de futuramente dominar o universo lingüístico. Os pressupostos teóricos de Vygotsky, segundo Palangana (2001), podem ser considerados interacionistas, pois ele parte do princípio de que o conhecimento se dá pela interação dos sujeitos com os objetos, e pelo tipo de relação que o sujeito e o objeto irão estabelecer entre si. Ainda de acordo com Palangana (2001), os sujeitos tanto são influenciados quando influenciam as outras pessoas a partir das relações interpessoais Essas relações, em se tratando de crianças, somente são possíveis de acontecer a partir do momento em que elas estiverem envoltas em um ambiente lingüístico que favoreça e estimule o desenvolvimento de todas as funções psicológicas e cognitivas. Ainda de acordo com a autora (2001, p.141): Nessa perspectiva, a elaboração das funções psíquicas do indivíduo depende da apropriação do conteúdo objetivo disponível na cultura. Esse conhecimento acumulado pelas gerações precedentes e veiculado pelos signos e instrumentos é passado aos mais jovens através da interação, das trocas sociais. Portanto, distanciando-se ao postulado piagetiano, Vygotsky acredita que o sistema de atividade da criança é determinado, especialmente, pelo grau de domínio que esta apresenta no uso desses mediadores do conhecimento: os instrumentos e os signos. Porém, para que isso possa ser possível, a linguagem torna-se fator essencial e, também, faz-se necessário que os pais possam investir a criança de desejo. Esse investir de desejo, que refere a Psicologia, ao tratar da relação entre pais e filhos, implica em que os pais acreditem nas potencialidades da criança e a vejam como uma pessoa que tem sua própria individualidade, seus próprios medos, desejos e sonhos. Igualmente é preciso que os pais possam, através da percepção dessas questões individuais, investir a criança com esse desejo que eles têm de que ela cresça como uma pessoa saudável e feliz, e como uma pessoa com plenas capacidades de aprender tudo aquilo que lhe for proposto, desde as etapas mais primitivas do seu desenvolvimento, até o aprendizado da linguagem, enquanto fator de comunicação e interação social. Por isso, é que a ZDP, de que fala Vyotsky, deve ser tratada como um ponto de referência, a fim de que as crianças possam ter esse aprendizado da língua, considerando sempre o contexto social no qual estão inseridas. 49 3 METODOLOGIA 3.1 Tipo de Pesquisa O estudo que trata das contribuições da Teoria Sistêmica para a ação pedagógica frente aos problemas de linguagem constituiu-se como uma pesquisa de campo, de caráter qualitativo. A partir da observação e análise dos dados coletados sobre os problemas de linguagem decorrentes de fatores emocionais e que se manifestam no ambiente escolar, propôs-se a apresentar sugestões de abordagens para a superação desse tipo de problema. De acordo com Lüdke & André (1986), na pesquisa qualitativa, os problemas são estudados no ambiente onde eles ocorrem, o que permite uma melhor e maior exploração dos fatores que acarretam ou estão interferindo na manutenção de determinado problema. Os autores citados (1986, p.11) afirmam: “A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento”. Nessa perspectiva, salienta-se que é justamente no ambiente natural que se pode colher o maior número de elementos da realidade estudada, assim como se pode, igualmente, perceber o significado que tem para cada um dos envolvidos a situação específica. Ainda de acordo com Lüdke & André (1986, p.18): “O estudo qualitativo, como já foi visto, é o que se desenvolve numa situação natural, é rico em dados descritivos, tem um plano aberto e flexível e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada”. Jung (2004, p.160)) também faz as suas proposições a respeito da pesquisa de campo afirmando que: A pesquisa em campo tem por finalidade, em muitos casos, coletar dados que estejam necessariamente sob ação das variáveis presentes no local. Desta forma, o pesquisador deve levar em conta, quando realiza uma atividade em campo, a existência destas variáveis e, no mínimo, identificar e registrar quais as mais relevantes que poderão estar atuando no experimento. 50 A pesquisa de campo tornou-se, então, principal característica desta pesquisa, justamente por ter como elemento norteador o ambiente natural onde os fatos aconteceram, no caso o ambiente escolar, e por ser justamente esse ambiente o foco principal da atenção do pesquisador. 3.2 Sujeitos da Pesquisa Para este estudo, constituiu-se um corpus de três crianças, de sete a dez anos de idade, alunos de uma escola da rede municipal de ensino do município de Santo Ângelo – RS. As crianças, sujeitos da pesquisa, são do sexo masculino e são identificadas no decorrer da dissertação pela letra S (sujeito), seguida das letras A, B e C, a saber: SA (10anos), SB (7anos) e SC (8anos). Cabe ressaltar que a escolha desses alunos deu-se em função da ocorrência de dificuldades de linguagem oral nas mesmas. A fim de compreender melhor essas dificuldades de linguagem, com o propósito de atingir os objetivos da pesquisa que é poder mostrar a contribuição da teoria sistêmica para a ação pedagógica dos professores frente aos problemas de linguagem, é que os pais e as professoras também foram considerados sujeitos da pesquisa. A professora de SA e SB têm 23 anos e está com três anos de regência de classe. Já a professora de SC têm 38 anos e está com quinze anos de regência de classe. Com relação aos pais dos alunos sujeitos da pesquisa, cabe ressaltar que o pai de SA já é falecido (faleceu com 47 anos), e estudou até a quarta série do ensino fundamental. Sua mãe têm 37 anos, é confeiteira e estudou até a oitava série do ensino fundamental. O pai de SB é garçom, têm 28 anos e estudou até a oitava série do ensino fundamental. Já sua mãe (26 anos), é garçonete e cursou até o primeiro ano do ensino médio. No que diz respeito ao SC, seu pai têm 45 anos, estudou até a oitava série do ensino fundamental e é autônomo (profissão). A mãe de SC está com 40 anos e sua profissão é servente. 3.3 Instrumentos da Pesquisa Os instrumentos utilizados foram as entrevistas com pais e professoras, observações em sala de aula e as atividades de interação entre os alunos sujeitos da pesquisa. Para Lüdke & André (1986, p.26): 51 Tanto quanto a entrevista, a observação ocupa um lugar privilegiado nas novas abordagens de pesquisa educacional. Usada como principal método de investigação ou associada a outras técnicas de coleta, a observação possibilita um contato pessoal e estrito do pesquisador com o fenômeno pesquisado, o que apresenta uma série de vantagens. Com relação à entrevista como instrumento de pesquisa, cabe ressaltar que para as autoras citadas anteriormente (1986), a mesma possibilita uma relação de interação e de influência mútua entre o pesquisador e o pesquisado. Através dela o pesquisador pode buscar esclarecimento de alguns elementos trazidos pelo pesquisado que ficaram obscuros para ele. No que diz respeito à entrevista, Lüdke & André (1986, p.34) afirmam que: A grande vantagem da entrevista sobre as outras técnicas é que ela permite a captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos. Uma entrevista bem-feita pode permitir o tratamento de assuntos de natureza estritamente pessoal e íntima, assim como temas de natureza complexa e de escolhas nitidamente individuais. Nesse sentido é que se fez necessário o uso de entrevistas como um importante subsídio para a coleta de dados e posterior análise das dificuldades apresentadas pelas crianças a partir de uma perspectiva sistêmica. 3.4 Coleta de Dados A coleta de dados obedeceu às seguintes etapas: 1º) Entrevista com as professoras das crianças com o objetivo de investigar quais os manejos frente aos problemas de linguagem apresentados pelas crianças no ambiente escolar; 2º) Entrevista com os pais, com questões gerais e específicas que abordem as relações interpessoais e o desenvolvimento da criança na família. A referida entrevista foi realizada no ambiente escolar; 3º) Observação das crianças em atividades de sala de aula; 4º) Atividades de interação entre os alunos sujeitos da pesquisa, com o objetivo de verificar, a partir dos dados já coletados nas outras etapas, como os alunos interagem entre eles. 52 Após as entrevistas com os pais e as professoras, as observações em sala de aula e as atividades de interação, os dados foram analisados a fim de atender aos objetivos específicos da pesquisa e proceder-se a uma análise conclusiva. Com relação à análise, cabe ressaltar que, segundo Lüdke & André (1986, p.45): Analisar os dados qualitativos significa “trabalhar” todo o material obtido durante a pesquisa, ou seja, os relatos de observação, as transcrições de entrevistas, as análises de documentos e as demais informações disponíveis. A tarefa de análise implica, num primeiro momento, a organização de todo o material, dividindo-o em partes, relacionando essas partes e procurando identificar nele tendências e padrões relevantes. Num segundo momento essas tendências e padrões são reavaliados, buscando-se relações e inferências num nível de abstração mais elevado. As análises, ponto alto desta pesquisa, oportunizaram uma maior compreensão e relação dos dados obtidos durante cada etapa de coleta de dados. 53 4 ANÁLISE DOS DADOS Na presente pesquisa pretendeu-se analisar a representação das ações do conjunto de pessoas envolvidas com as crianças que constituíram os sujeitos da pesquisa. Nessa intenção, fizeram parte desse conjunto os pais e as professoras, por considerar-se que as instituições por eles representadas – família e escola – são decisivas para a formação da personalidade da criança e, igualmente, para a aquisição de conceitos e o desenvolvimento de habilidades e competências. Se cabe à família a educação informal, pela qual perpassam aprendizados inatos e/ou culturais, como atividades motoras e regras sociais, cabe à escola a educação formalizada pela sistematização do ensino, na qual se inclui um conjunto de aprendizagens. Conhecer, portanto, pelo menos em parte, como se estabelecem as relações entre as crianças e seus pais e entre as crianças e seus professores, possibilitou apontar para algumas questões decisivas para a pesquisa, de acordo com seus propósitos e intenções. Primeiramente são apresentadas as análises das entrevistas com as professoras e, a seguir, a análise das entrevistas com os pais. Ambas foram interpretadas à luz da teoria sistêmica a qual permite analisar as interações e as relações entre pais/filhos, professor/aluno. Após são apresentadas as análises das observações de sala de aula e, posteriormente, a análise das atividades de interação entre os alunos sujeitos da pesquisa. 4.1 Análise das Entrevistas com as Professoras As entrevistas com as professoras (anexo A) foram realizadas no ambiente escolar, no mês de outubro de 2005, quando esta pesquisadora foi até a escola (que se tornou local de investigação) a fim de buscar alunos que pudessem ser os sujeitos da pesquisa. Cabe salientar que foram duas as professoras entrevistadas, considerando que duas crianças integravam a 54 mesma turma. Assim as professoras passaram a ser denominadas como professora de SA e SB e professora de SC. 4.1.1 Análise da entrevista com a professora de SA e SB A professora da primeira série, da qual fazem parte SA e SB, demonstrou ter um bom conhecimento a respeito da história de vida desses alunos sujeitos da pesquisa com dificuldades de linguagem. Apesar de ter clareza a respeito dessas dificuldades e de ter buscado informações com os pais a respeito das mesmas, deixou todas as providências a serem tomadas a fim de sanar e/ou minimizar as dificuldades a cargo dos pais. Ao colocar, na entrevista (anexo A) que a mãe de SA não foi procurar ajuda e que os pais de SB procuraram mas não conseguiram, a professora, eximiu-se de qualquer responsabilidade na ajuda de seus alunos e, mais uma vez, deixou claro, a partir de sua atitude, que a busca de uma possível solução deveria ser buscada apenas pelos pais. Ao se analisar essa situação, percebeu-se que o olhar da professora a respeito das dificuldades de linguagem de seus alunos vai muito mais no sentido de uma pedagogia tradicional na qual o professor ensina e o aluno aprende e, se não aprende, é em decorrência das condições pessoais e familiares nas quais está inserido do que numa visão circular e de corresponsabilidade como bem coloca a teoria sistêmica. Gasparian (1997, p.59), ao falar que “o sistema escolar é um sistema aberto que tem por ob jetivo proporcionar educação”, quer dizer que cabe a ela, à escola, como aos seus professores e demais integrantes, terem condições de poder avaliar as influências de diferentes sistemas e de diferentes segmentos desses sistemas na manutenção ou na solução de um problema ou situação específica. A teoria sistêmica, ainda de acordo com o autor citado (1997), coloca que o sistema escolar, como um sistema onde circulam e se estabelecem vários tipos de vínculos e de relacionamentos, pode manter a sua homeostase, isto é, seu equilíbrio, o que é mais cômodo, e muitas vezes o faz resistindo às mudanças de seus padrões de interação. A partir do momento em que a professora colocou a responsabilidade das dificuldades de linguagem de seus alunos somente na família, demonstrou, de certa forma, dificuldade em mudar um padrão de interação já estabelecido de acordo com os pressupostos mais tradicionais. Assim excluíram a possibilidade de abarcar em seu fazer pedagógico uma nova forma de ver e analisar os problemas educacionais de forma a que todos aqueles que fazem parte do universo relacional da criança possam ser vistos como co-partícipes dessas dificuldades. É justamente a respeito dessa corresponsabilidade que fala a teoria sistêmica, a qual aponta para o fato de que todos 55 os elementos de um dado sistema tanto influenciam quanto são influenciados e ajudam na manutenção de um determinado problema ou situação. 4.1.2 Análise da entrevista com a professora de SC Após a entrevista realizada com a professora da segunda série (anexo A), percebeu-se que a mesma, na época, tinha clareza a respeito das dificuldades de SC, assim como conhecimento a respeito de sua história de vida. Apesar disso, não demonstrou preocupação em relação às dificuldades de SC, pois considerou que as mesmas poderiam ser decorrentes da forma infantilizada de como os pais tratavam o filho. Ao colocar a infantilização na forma de os pais tratarem o filho, percebeu-se que a responsabilidade pela causa, ou até mesmo por uma possível solução das dificuldades de linguagem de SC, ficou a cargo dos pais, não tomando para si, enquanto educadora, nenhuma responsabilidade. Nesse processo, formou suas próprias conclusões a respeito das dificuldades do aluno sem, em nenhum momento, conversar com os pais ou buscar outras alternativas. A prova dessa transferência de responsabilidade para os pais, por parte da professora, é o fato de que as atividades que procurou desempenhar em sala de aula, a fim de sanar as dificuldades, estavam dissociadas de uma efetiva proposta nesse sentido. Como exemplo citase a tentativa de fazer com que o aluno repetisse corretamente as palavras, fato que fez com que SC se sentisse envergonhado de sua condição, não querendo mais, em vista disso, participar das atividades. Essa forma de relação que a professora estabeleceu com SC contribuiu para a introspecção do aluno, o que gerou uma falta de interesse pelas atividades escolares. Toda essa situação colocada anteriormente remete à própria relação professor/aluno. De acordo com Fernàndez (2001), a fim de que o professor possa oportunizar as aprendizagens de seus alunos precisa, necessariamente, poder vê-los e se ver enquanto sujeito que tanto ensina quanto aprende. Essa relação professor/aluno estabelecida no ambiente de sala de aula, conforme a autora (2001), poderá influenciar na eficácia ou não do processo ensino-aprendizagem. Quando a professora colocou que as dificuldades de SC eram ocasionadas pela forma de tratamento infantilizada dos pais para com o filho, ela excluiu-se da relação que estabeleceu com o aluno em sala de aula, assim como exclui, igualmente, toda a relação do aluno com o próprio processo de aprendizagem. Poder analisar a relação da professora-aluno pela ótica da teoria sistêmica implica, de acordo com Gasparian (1997), a construção de um novo profissional da educação, que 56 consegue, a partir de uma visão sistêmica de homem, de mundo e de sociedade, abarcar os interesses institucionais e os interesses relacionados à própria aprendizagem de seus alunos. Pensar a relação do professor e do aluno a partir da perspectiva sistêmica, segundo Gasparian (1997), possibilita ainda que o professor possa ter clareza da influência de todos os segmentos que fazem parte do sistema escolar, da influência da família e da sociedade como um todo na corresponsabilidade para a manutenção do problema enfrentado pelo aluno. 4.2 Análise das Entrevistas com os Pais Considerou-se parte integrada da pesquisa o envolvimento dos pais os quais foram convidados a participar da mesma através das entrevistas. Participaram, assim: a) somente a mãe de SA, pois seu pai adotivo já é falecido; b) somente a mãe de SB, devido ao fato de ser separada do pai de SB, ambos – pai e mãe – não querem manter nenhum contato um com o outro, nem se tratando de questões referentes ao filho; c) somente o pai de SC, que fica com a responsabilidade de acompanhar a vida escolar do filho, já que a mãe, devido ao trabalho, não tem tempo de ir à escola. 4.2.1 Análise da Entrevista com a mãe de SA A mãe de SA, logo ao chegar à escola para a entrevista e ao ser solicitada a falar um pouco a respeito da história de vida de seu filho, iniciou colocando que SA não é biologicamente seu filho, mas que se dispôs a criá-lo. Colocou ainda que o menino é filho de uma cunhada sua e que o entregou para ela quando ele tinha um ano e nove meses de idade. Esclareceu que no tempo em que esteve com a mãe biológica, SA foi desprovido de todos os cuidados básicos de que necessita uma criança nessa faixa etária. Segundo a mãe adotiva, no tempo em que esteve com a mãe biológica, o filho ficava largado em uma caixa, onde, de vez em quando, trocavam as suas fraldas e lhe entregavam uma mamadeira de água com açúcar. Tais cuidados, como alimentação, higiene, estimulação e afeto, por alguma dificuldade dos pais biológicos, foram negados à criança. Ao se pensar em toda a privação a que foi exposto SA na sua primeira infância, referenda-se Winnicott (1985) como grande expoente da psicologia. Ao abordar a questão das relações afetivas e a importância da primeira infância para o desenvolvimento das crianças, o fez mostrando a importância da relação da mãe com o bebê, a qual, segundo ele, vai ganhando 57 formas e se estruturando desde a gestação. Para Winnicott (1985), a gestação pode ser vista como uma preparação da mulher à futura maternidade, e os primeiros contatos da mãe para com o bebê, assim como o desprendimento da mãe em satisfazer as necessidades de seu bebê, estabelecem uma relação íntima entre ambos que permite o bom desenvolvimento da personalidade da criança. Os primeiros cuidados da mãe para com o seu bebê, a amamentação e o apoio do pai nesses primeiros cuidados são considerados por Winnicott (1985) fatores de extrema relevância a fim de que a criança, já em suas primeiras relações afetivas, adquira um modelo de relacionamento que lhe permita um desenvolvimento sadio. SA, ao ser deixado de lado pelos pais biológicos, ao ser abandonado no que diz respeito às necessidades primárias, como por exemplo, a alimentação e as trocas afetivas, pode ter sofrido sérias conseqüências. Essas privações podem ter feito com que o menino, dentro do desenvolvimento psicossocial, ficasse impedido de estabelecer uma relação de confiança e de apego com um adulto o que ocasiona, na maioria das vezes, insegurança. Pensar a importância das relações afetivas na família foi uma das grandes contribuições de Winnicott à psicologia. O autor postulou que todas as formas de relações e de comportamentos estabelecidos pelas famílias são o reflexo da organização social e cultural da qual fazem parte e que essa organização social e cultural delimitará e demarcará o tipo de indivíduo que a família está formando. Valendo-se da compreensão sistêmica, Prado (1996) acredita que a chegada de um bebê em determinada família inaugura uma série de novos papéis. O marido e a mulher, além de constituírem um par conjugal, tornar-se-ão pai e mãe. De alguma forma, os pais de SA não puderam lidar com esse papel que lhes foi dado, e muito menos com o fato de poderem organizar o seu dia-a-dia a fim de que pudessem incluir na organização familiar aquele novo membro do sistema que era o seu filho. Essa decisão tomada pelos pais mostra, segundo o autor citado a sua dificuldade em estabelecerem novos padrões de relacionamentos a fim de que pudessem incorporar a chegada desse filho e, a partir daí, estabelecer novas formas de familiaridade. O que fica com relação a esse casal é pressuposição de que essa nova configuração deve ter trazido muita ansiedade e angústia, o que ocasionou a entrega do próprio filho a uma outra pessoa. Prado (1996) ainda aponta que é na vivência e na experiência que o casal aprenderá as funções paternas e maternas e poderá lidar com os novos papéis que são colocados a cada um, a fim de que possam prover a criança de suas necessidades primárias, como carinho, afeto, alimentação, 58 estimulação e hábitos de higiene. Prestar atenção nessas necessidades nada mais é do que poder estar respeitando o bebê em toda a sua singularidade. Bowlby (1997), ao falar da formação de vínculos, acredita que esse irá se estabelecer logo após o nascimento do bebê, quando os pais conseguirem abrir mão da satisfação de suas próprias necessidades em benefício do mesmo. Segundo Bowlby (1997, p.179): “Isto implica, em primeiro lugar, uma compreensão intuitiva do comportamento de ligação de uma criança e uma disposição para satisfazê-lo e, no momento adequado, terminá-lo”. Todas essas questões, tanto referentes à construção do vínculo apontado por Bowlby quanto a teoria de Winnicott, possibilitam concluir que ambos os autores consideram que as relações às quais a criança está submetida no primeiro ano de vida no ambiente familiar, a acompanharão para a vida adulta. Todas as formas de relações, de vínculos afetivos, de modelos de comportamento que os pais puderem oferecer à criança determinarão as relações e vínculos afetivos que a criança será capaz de estabelecer no futuro com as demais pessoas. Corroborando com essas questões, Prado (1996) acredita que essa etapa do ciclo de vida familiar fará com que os pais se remetam às suas próprias vivências infantis, sendo que essas vivências passadas, assim como as presentes, irão determinar o psiquismo da criança. Ao ser entregue para a mãe adotiva, SA já havia estabelecido com os pais biológicos um tipo de vínculo que era, essencialmente, marcado pelo abandono, pela privação, o que fez com que esse, diante dessa nova estrutura familiar, pudesse se sentir à vontade e a não demonstrar maiores sofrimentos no momento de ter sido deixado pela mãe biológica. Nessa nova estrutura familiar, SA pôde receber dos pais adotivos tudo aquilo de que havia sido privado na relação com os pais biológicos. E isso se comprova pelo fato de os pais adotivos terem buscado recursos para fazer com que SA pudesse se desenvolver de forma a que suas necessidades, principalmente as afetivas, pudessem ser atendidas, e pelo fato de a mãe decidir se dedicar intensamente ao filho nesses primeiros anos. Os pais adotivos puderam abrir espaço na sua estrutura familiar para incorporar um novo elemento, a fim de que esse pudesse se desenvolver de forma saudável, de modo a recuperar pelos menos parte das privações – tanto físicas quanto emocionais – sofridas. A luta desses novos pais para que o menino, em primeiro lugar, sobrevivesse e depois se desenvolvesse no que diz respeito às capacidades do ser humano como, por exemplo, caminhar e falar, foi constante, ficando essa mãe durante mais de um ano dedicada a essa tarefa com vistas ao bom desenvolvimento de seu filho. Nessa perspectiva é que os pais de SA investiram, cercando-o de cuidados, carinho e afeto. Esse padrão de funcionamento do casal permitiu aos pais definirem novos padrões de relacionamento e de funcionamento a fim de satisfazer as necessidades básicas do filho. Essa 59 postura fez com que, a partir do momento em que entrou para essa família, SA pudesse se sentir pertencente a um ambiente familiar, passando a agir de acordo com os padrões de relacionamento estipulados por sua família adotiva. Some-se a isso o fato de que quando SA estava um pouco maior (5 anos de idade) ele sofreu uma grande perda que foi a morte do pai, o que lhe ocasionou muito sofrimento devido ao grande apego que tinha por ele. Essa perda abalou a estrutura de toda a família mas, mesmo assim, a mãe pôde dar conta do seu sofrimento e do sofrimento dos filhos, oferecendolhes um bom suporte para essa superação. Porém, com a morte do pai, SA viu-se diante de uma outra situação difícil, pois sua mãe biológica, diante da morte do irmão, quis levá-lo de volta, o que ocasionou uma grande desestabilidade na mãe adotiva, fazendo com que essa proibisse a mãe biológica de levar o filho. Verificou-se pela entrevista, que a mãe biológica mantém contato com SA, mas a referência de família que ele tem é a dos pais adotivos, principalmente a referência da mãe. O contato da mãe biológica com o filho é bastante superficial, sendo que essa, por questões pessoais e interiores, não consegue ter uma aproximação afetiva com o filho, o que faz com que a referência da família adotiva fique cada vez mais forte dentro dele. Evidentemente, todas essas questões que fazem parte da história de SA foram decisivas para o seu desempenho como aluno. Hoje, freqüentando a segunda série do Ensino Fundamental, apresenta visíveis dificuldades com relação à aprendizagem e à apreensão de conceitos, retratadas inclusive pela linguagem, através da troca de fonemas e da dificuldade de leitura. 4.2.2 Análise da Entrevista com a mãe de SB Ao ser solicitada a falar um pouco a respeito da história de vida de SB, a mãe logo iniciou colocando que não queria ter tido esse filho pelo fato de já terem uma menina e ter passado por uma gravidez conturbada. Foram várias as tentativas da mãe de abortar o filho, todas em vão, justificadas, segundo ela, pelo medo de passar por tudo novamente. O desejo da mãe de não ter esse bebê contrariava o desejo do pai que era de ter o filho. Após os primeiros meses de gravidez e das tentativas frustradas de abortar o bebê, a mãe, após perceber que não tinha mais o que fazer e que teria de ter o filho, passou a aceitálo. De acordo com Carter & McGoldrick (2001, p.42): “Com a transição para a paternidade, a família se torna um grupo de três, o que transforma em um sistema permanente”. Fechando 60 com essas idéias, o casal já estava imbuído na nova configuração com a vinda da filha mais velha, quando receberam a notícia de que teriam outro bebê. Essa nova situação fez com que a mãe, por questões individuais, tivesse dificuldades em dar conta da nova configuração familiar a fim de incluir nela um outro filho. O não desejo inicial da mãe em ter o segundo filho fez com que ela, logo após o nascimento dele, passasse a superprotegê-lo, não permitindo que outra pessoa, além dela, dispensasse atenção e cuidados ao filho. Ao estabelecer que somente ela cuidaria do menino, a mãe de SB possibilitou uma dependência do filho com relação a ela, a qual pode ser comprovada, segundo relato da mãe (anexo B), pela dificuldade de SB em ficar na escola, pois sentia-se inseguro e desprotegido. A postura da mãe pode levar, igualmente, a uma dependência do filho com relação a ela. Bowlby (1998, p.260), ao falar da dependência, afirma que: Aliás, com respeito a estas, uma dificuldade que não deve ser esquecida é a ambiguidade da palavra “superdependente”, empregada em dois sentidos: para abranger crianças que demonstram tipicamente apego com angústia e para abranger crianças menos hábeis que outras da mesma idade na execução de tarefas comuns – como se alimentarem ou se vestirem sozinhas – e que, por isso, buscam auxílio materno. Rosset (2003) acredita que a superproteção faz com que as crianças se sintam incapazes de dirigir suas próprias vidas; por isso é necessário que os pais possam prover a criança de cuidados mais específicos logo no início de sua vida e que, depois, possibilite condições para a criança gerenciar a sua própria vida. De acordo com Rosset (2003, p.132): Saber que aquele ser só está sob seus cuidados por um certo espaço de tempo, e que sua tarefa é capacitá-lo para viver sozinho, são dois requisitos básicos para que os pais tenham coragem e responsabilidade em diminuir a superproteção e refrear seu impulso de cuidar em excesso, fazer em excesso, dar em excesso. SB, até quase os seus seis anos, pôde se desenvolver em uma família considerada pela teoria sistêmica como nuclear, em que o pai e a mãe participavam da educação e do dia-a-dia do filho. A mãe inclusive refere que a afetividade sempre esteve muito presente nos relacionamentos de toda a família e que, na educação dos filhos, prevalecia muito o aspecto 61 lúdico, em que as brincadeiras e as interações entre os membros da família eram muito valorizadas. Após esse período, a estrutura familiar foi quebrada com a separação dos pais. SB tinha um apego muito grande pelo pai, o que fez com que ele sofresse muito quando ele se separou de sua mãe. As crianças, segundo a mãe, não sabem bem ao certo o motivo da separação, até porque nem a mãe sabe explicar realmente o que aconteceu. Essa situação de incerteza a respeito dos reais motivos da separação causam muita ansiedade tanto na mãe quanto nas crianças, o que pode faz com que essa insegurança de SB possa refletir-se no ambiente escolar. Prado (1996) acredita que a separação inaugura uma nova identidade do casal, sendo que muitos dos casais não conseguem se deparar com essa nova identidade de forma a que possam levar suas vidas adiante. A mãe de SB parece estar ainda muito ligada a esse casamento e principalmente à incerteza a respeito dos motivos da separação. Cabe ressaltar que todas as suas tentativas de procurar esse esclarecimento foram em vão, pois em nenhuma das vezes o pai mostrou-se disposto a conversar e a discutir com a ex-mulher os motivos de ter saído de casa. O forte vínculo que o filho havia estabelecido com o pai foi interrompido por dificuldades de o pai manter uma aproximação com os filhos, pois essa aproximação e esse estar presente no dia-a-dia levaria, conseqüentemente, a uma aproximação com a ex-esposa. A tentativa do pai de não manter mais nenhum contato com a ex-mulher fez com que ele se distanciasse ainda mais do filho. A dificuldade do casal de conversarem a respeito da própria separação acarretou muita insegurança para toda a família, sendo que essa insegurança pôde ser percebida na forma como a mãe traz as suas colocações na entrevista (anexo B). A insegurança da mãe, conseqüentemente, levou à insegurança do filho, que pode ser confirmada pelo fato de SB, em sala de aula, não se permitir interagir com os colegas. Toda a insegurança da mãe, decorrente da separação, além da superproteção dispensada ao filho, a fim de compensar a rejeição inicial, fizeram com que SB ficasse dependente da mãe, o que abalou a sua autoconfiança. O que foi possível perceber no caso de SB é que, apesar de um grande esforço, a mãe sentia-se insegura com relação às suas responsabilidades, tanto que o filho no seu dia-a-dia solicitava e se referia ao pai como se estivesse tentando trazê-lo novamente para a sua vida. Conseqüentemente, isso fez com que a mãe não conseguisse se libertar desse relacionamento, fator que aumentou ainda mais a sua insegurança. A mãe, apesar de suas dificuldades e de seu 62 sofrimento, é muito presente na vida do filho, demonstrando preocupação com relação ao seu bom desenvolvimento e desempenho escolar. 4.2.3 Análise da Entrevista com o pai de SC Ao iniciar a entrevista com o pai (anexo B) e solicitar que ele falasse um pouco do que se lembrava a respeito da gravidez de SC, esse colocou que foi bastante conturbada em decorrência das brigas do casal. Segundo o pai, as brigas tinham sempre um mesmo motivo: o ciúme da mulher. Segundo ele, esse sentimento tornou-se excessivo, assim como se tornou o motivo de quase todas as brigas e crises do casal. O ciúme excessivo certamente afetou toda a família uma vez que pela circularidade todos agem e sofrem a ação, assim a dificuldade de SC também pode estar relacionada à dificuldade do casal. Os pais de SC estabeleceram um relacionamento baseado na desconfiança de um sobre o outro, sendo que esse tipo de relacionamento foi estabelecido pelo casal desde o seu casamento. O que se percebeu, igualmente, no casal, pode ser considerado como uma crise de estruturação, pois o casal, ao se unir, não conseguiu negociar e organizar as questões que competem ao casal, assim como as questões que competem à família. Cabe ressaltar que esse casal veio de outros casamentos, tendo cada um deles filhos com outros parceiros. Ao abordar a questão do casamento e da estruturação da família, Rosset (2005,p.113) refere-se: “As tarefas desse momento são as ligadas com a definição de que tipo de casal eles vão ser, de quais atividades vão desempenhar, de qual contrato vão definir”. Esses contratos podem ser invisíveis e, por isso, são mais difíceis de se romperem. No caso dos pais de SC, o contrato estabelecido não possibilitou o acesso de nenhum deles aos filhos que já tinham. A mãe não permite que o marido se aproxime de seus filhos do primeiro casamento, principalmente no que diz respeito à educação dos mesmos, o que faz com que, muitas vezes, esses filhos faltem com o respeito para com o padrasto. As dificuldades da mãe, aqui nesse tipo de contrato, fazem com que ela não tenha um bom relacionamento com os filhos do marido, que já são pessoas adultas e que não moram junto com o casal. A dificuldade de aproximação da mãe impede o bom funcionamento da família no que diz respeito às responsabilidades e aos papéis que competem a cada um desempenhar dentro desse sistema. De acordo com Whitaker & Bumberry (1990, p.137): 63 Um dos componentes básicos na estrutura de famílias em bom funcionamento é uma clara separação de gerações. É claro que os pais e os filhos não são iguais em termos de autoridade e responsabilidade. Os pais são a espinha dorsal da família, com as crianças obtendo uma sensação de segurança a partir da liderança e da solidariedade parentais. O que se verificou é que esse casal está disfuncional, pois, conforme relato do pai (anexo B), a mãe tem muita dificuldade em estabelecer limites nos filhos do primeiro casamento. Por não permitir a interferência do marido nesse sentido, as crianças acabam, algumas vezes, determinando os procedimentos, sendo a mãe mandada por elas. Essas questões do casal demonstram uma grande dificuldade de ambos em lidarem com as diferenças, o que faz com que as brigas entre os mesmos sejam inúmeras. Ainda de acordo com Whitaker & Bumberry (1990, p.141): “A capacidade de lidar com diferenças é um desenvolvimento que estabiliza e amplia muito a qualidade de um casamento. Quando as diferenças são vistas como inerentemente ruins ou como algo a ser eliminado, elas causam dissociação, evocam defesas e levam ao estranhamento”. Parece que essas diferenças, no caso dos pais de SC, realmente levaram a um grande impasse, principalmente no que diz respeito às diferenças de pensamento com relação à educação dos dois filhos em comum. Tais diferenças, de acordo com o pai, são acentuadamente marcantes, pois o pai não concorda com a forma como a mulher está educando os filhos do casamento anterior. Igualmente não deseja que seus filhos venham, no futuro, a apresentar alguns problemas, como os que vem enfrentando a sua esposa com os seus outros dois filhos, os quais, segundo o pai (anexo B), são agressivos e não tem limites estabelecidos. Todas essas questões fazem com que o pai evite uma maior aproximação de SC com os irmãos por parte de mãe, e tente uma maior aproximação com os seus outros filhos que, para ele, são pessoas adultas, trabalhadoras e honestas. Em vista dos desentendimentos entre o pai e a mãe de SC, a mãe acaba colocando o marido para fora de casa, mas logo permite que ele volte e, assim ficam nesse jogo, onde o pai vai e volta para casa.. De acordo com o relato do pai (anexo B), foram várias as vezes em que a mãe tomou a atitude de mandá-lo embora e em todas as vezes SC pediu para ir com o pai. Essa situação acarretou muito sofrimento e muita insegurança para SC pois, mesmo solidário ao pai, sentia-se infeliz pelo fato de a mãe sofrer pela situação. Por todos esses aspectos, foi possível perceber que a grande dificuldade do casal e que acaba afetando os seus filhos é justamente a dificuldade em determinar quais os papéis de 64 cada um dentro do sistema familiar. Por uma dificuldade de comunicação entre eles, os papéis ficam misturados, o que perturba o bom funcionamento da estrutura familiar. Nesse sentido, a fim de que a família de SC pudesse se estruturar e oferecer um ambiente familiar em que prevalecesse o respeito e a segurança, seria necessário que os pais percebessem e analisassem as competências de cada um enquanto pai e mãe, madrasta e padrasto. Essa nova postura que os pais poderiam assumir permitiria com que SC crescesse mais livre com condições de expressar os seus pensamentos e sentimentos, a fim de que pudesse viver de acordo com os seus desejos e interesses e não de acordo com o que o pai considera certo ou melhor para ele, especialmente quando esse certo, para o pai, é excluir a mãe e seus outros filhos do primeiro casamento, da relação com SC que, por sua vez, fica entre crescer e aprender na escola, ou continuar criança, pequeno e que não aprende, ficando dessa forma identificado com a dificuldade dos pais. Dessa forma, SC parece estar identificado com os pais, mantendo na escola o mesmo padrão de relacionamento dos mesmos, que é baseado na falta de envolvimento e de comunicação. Os pais, na ocasião, não conseguiam conversar entre si a respeito de suas dificuldades enquanto casal, e SC, conseqüentemente, sofria os efeitos desse sistema, os quais podem manifestar-se por um longo período. Enquanto SC apresentar dificuldades na escola, os pais terão de olhar para esse fato e não para os seus problemas enquanto casal. 4.3 Análise das Observações em Sala de Aula As observações feitas em sala de aula foram realizadas quinzenalmente, com a duração de 40min. cada uma delas, no período de março a julho de 2006. 4.3.1 Análise das observações de SA SA por estar na segunda série do ensino fundamental apresenta algumas dificuldades no que diz respeito à linguagem oral, assim como na leitura e na escrita. Essas dificuldades podem ser agravadas ou mantidas devido ao fato de a turma, da qual SA faz parte, ser bastante agitada, e pelo fato de a professora apresentar dificuldades em manter os alunos envolvidos com as tarefas escolares e, conseqüentemente, dificuldade em atender às necessidades específicas de cada um deles. Percebe-se que a escola como um todo é bastante agitada e isso se constata pelo fato de os alunos, de diferentes turmas, entrarem e saírem as salas com muita 65 facilidade ou, muitas vezes, saírem para correr pelos corredores da escola. De acordo com Gasparian (1997, p.73): “Uma escola é funcional quando conta com forte aliança entre a comunidade, o corpo docente e administrativo, os quais trabalham os seus conflitos através da colaboração e diálogo”. O que se percebe na sala de aula de SA é justamente uma falta de colaboração por parte dos alunos e uma falta de comprometimento com o processo ensino-aprendizagem. Essa questão remete à organização desse sistema, assim como dos subsistemas que fazem parte, igualmente, desse sistema. Gasparian (1997, p.72) acredita que: Cada um desses subsistemas possui tarefas específicas dentro da escola. Por exemplo, cabe ao subsistema da direção orientar os professores e alunos quanto à conduta e ao programa a ser desenvolvido, tomar decisões, preencher necessidades, organizar eventos, etc. O subsistema dos alunos envolve apoio mútuo, adquirir conhecimentos que, por sua vez, irão interagir com suas famílias. O subsistema dos professores requer o cumprimento das normas e diretrizes instituídas pela direção. A autora citada (1997) argumenta que, se cada subsistema puder cumprir com as suas tarefas, a escola terá condições de funcionar de maneira a promover um espaço onde as trocas afetivas e as aprendizagens possam acontecer de forma mais efetiva. O que se percebe na sala de aula de SA é uma certa dificuldade por parte da professora em manter os alunos envolvidos com as atividades, o que remete, também, a algumas dificuldades dos próprios alunos no que diz respeito às vivências escolares. Cabe ressaltar que a falta de respeito à figura da professora é bastante presente na turma, sendo esse um dos maiores entraves ao processo ensinoaprendizagem e, no caso de SA, a sua dificuldade em se responsabilizar pelo seu próprio aprendizado. Essas questões remetem ao que Pain (1985) considera como sendo as condições sociais do processo de aprendizagem. Segundo a mesma autora (1985, p.17-18): No nível social podemos considerar a aprendizagem como um dos pólos do par ensino-aprendizagem, cuja síntese constitui o processo educativo. Tal processo compreende todos os comportamentos dedicados à transmissão da cultura, inclusive os objetivados como instituições que, específica (escola) ou secundariamente (família), promovem a educação. Através dela o sujeito histórico exercita, assume e incorpora uma cultura particular, na medida em que fala, cumprimenta, usa utensílios, fabrica e reza segundo a modalidade própria de seu grupo de pertencimento. 66 Essa transmissão da cultura a que se refere Pain (1985) pode ser compreendida a partir de questões externas, que dizem respeito às questões sociais e culturais que perpassam a educação e, conseqüentemente, o processo ensino-aprendizagem. Igualmente pode ser compreendida pelas questões internas, que correspondem à própria estruturação do sujeito enquanto ser pensante, autônomo e capaz de se desenvolver e aprender. No campo das causas externas, o que impede o bom aprendizado por parte de SA é, de certa forma, a impossibilidade de a professora dar atenção às suas necessidades específicas. Isso se verificou pelo fato de que, segundo as observações (anexo C), assim que a professora deixa as tarefas para eles, não conseguir ir dando uma atenção mais direcionada a fim de atender às necessidades de cada um de seus alunos. Durante a aula, passa boa parte do tempo tentando organizar a turma para que os alunos realizem as atividades de forma organizada e sistematizada. Devido ao grande número de alunos na turma (aproximadamente 30 alunos), a professora manifesta dificuldades em lidar com essa questão, fator que a leva, muitas vezes, a elevar a voz durante a aula, o que provoca, contrariamente à proposta de organização, uma agitação maior nos alunos. Por causa de todas essas questões, SA não consegue parar para realizar as atividades. Verificou-se isso no primeiro dia de observação (anexo C), quando SA passou o tempo todo andando pela sala, perturbando os colegas que estavam tentando trabalhar. Além de não dar conta de suas tarefas, SA passa a maior parte do tempo interferindo no trabalho dos outros e, nesse ponto, o que parece estar em questão é o próprio desejo do aluno em aprender. Segundo Fernàndez (1991) existem algumas condições que são extremamente importantes a fim de se buscar o real desejo em aprender. Conforme a autora citada (1991, p. 57): Assim como em todo o processo de aprendizagem estão implicados os quatro níveis (organismo, corpo, inteligência e desejo), e não se poderia falar de aprendizagem excluindo algum deles, também no problema de aprendizagem, necessariamente estarão em jogo os quatro níveis em diferentes graus de compromisso. No caso de SA, ficam claras as questões trazidas pela autora citada (1991), quando essa fala a respeito do lugar do corpo no aprender, que pode ser entendido como o lugar mediador e sistematizador dos comportamentos, e por onde as aprendizagens podem ser apropriadas pelo sujeito. Fernàndez (1991, p.59) afirma que: 67 Desde o princípio até o fim, a aprendizagem passa pelo corpo. Uma aprendizagem nova vai integrar a aprendizagem anterior, ainda quando aprendemos as equações de segundo grau, temos o corpo presente no tipo de numeração e não se inclui somente como ato, mas também como prazer; porque o prazer está no corpo, sua ressonância não pode deixar de ser corporal, porque sem signo corporal, o prazer, este desaparece. O corpo promove, então, boa parte das aprendizagens e o que se percebe na sala de aula de SA é uma certa coibição nesse sentido, pois há uma grande tentativa da professora de que os alunos passem o tempo todo sentados realizando, dessa maneira, as atividades escolares. Outra questão que cabe ser ressaltada, a partir das observações de SA (anexo C), é a sua grande tentativa de que os outros realizem as tarefas para ele. Sempre que a professora passa alguma atividade que requer leitura e escrita, recorre aos colegas até que um aceite fazer as tarefas para ele. Essas questões remetem ao que Fernàndez (2001) traz em sua teoria, ao abordar a relação entre o aluno e o professor, e a possibilidade de o sujeito se ver enquanto autor de seu próprio pensamento. Ainda de acordo com Fernàndez (2001, p.54): Dirigiremos nossa análise para movimentos que chamaremos aprendente e ensinante – como posições subjetivas – em relação ao conhecimento. Tais posicionamentos (aprendente-ensinente) podem ser simultâneos e estão presentes em todo vínculo (pais-filhos, amigo-amigo, aluno-professor...). Assim como não se poderia ser aluno e professor de seu aluno ao mesmo tempo, ao contrário, só quem se posiciona como ensinante poderá aprender e quem se posiciona como aprendente poderá ensinar. De certa forma, SA não consegue se ver enquanto sujeito que possui autoria de pensamento, pois não se permite – seja por medo ou comodidade – buscar novas aprendizagens e ser responsável por aquilo que está produzindo. O que dificulta ainda mais essa situação é o fato de a professora, por estar tão envolvida em fazer com que os outros alunos sentem e desenvolvam as atividades, não perceber (ou fazer de conta que não percebe) que não é SA que desenvolve as tarefas, mas sim um colega. A postura da professora de “não querer ver” essa situação faz com que a mesma se repita várias vezes, mostrando que, de certa forma, ela finge que ensina, enquanto SA finge que aprende, pois o que realmente acontece é uma apropriação por parte do aluno de algo que não foi ele mesmo que produziu. Apesar de todas essas questões, SA demonstrou bastante interesse nas aulas de artes, sendo esse um momento em que consegue parar, concentrar-se e empenhar-se nas atividades. Tudo o que diz respeito a trabalhos artísticos e manuais são bem desenvolvidos por parte do 68 aluno, o que mostra que muitas de suas dificuldades escolares podem estar associadas à própria forma como essas estão sendo desenvolvidas em sala de aula, e não somente a questões pessoais e a limitações do próprio aluno. As aulas de artes, por serem bem aproveitadas pelo aluno, poderiam contribuir inclusive para o melhor desempenho de sua linguagem, já que nesse espaço ele demonstra segurança e interesse. 4.3.2 Análise das observações de SB SB está cursando a segunda série do Ensino Fundamental e apresenta dificuldades de linguagem no que diz respeito à oralidade. As mesmas questões com relação à estrutura de sala de aula, colocadas na situação de SA, acontecem com SB, pois os mesmos estudam na mesma turma. Assim como a professora não consegue dar atenção aos alunos, a fim de atender às suas necessidades específicas, não o faz no caso de SB, deixando que o menino resolva as tarefas sem o seu auxílio, justamente por ser um aluno que faz todas as atividades solicitadas pela professora. Segundo ela, SB não apresenta dificuldades no que diz respeito às aprendizagens, devido ao fato de conseguir dar conta das atividades de sala de aula, fator que mascara o ato de ensinar e de aprender. Pain (1985) acredita que as aprendizagens devem proporcionar uma mudança de comportamento, e que somente quando essa mudança for visível é que se pode falar que as aprendizagens realmente aconteceram. Ainda para Pain (1985, p.23): “Desde esta perspectiva geral a aprendizagem é um processo dinâmico que determina uma mudança, com a particularidade de que o processo supõe um processamento da realidade e de que a mudança no sujeito é um aumento qualitativo na sua possibilidade de atuar sobre ela”. O fato de SB ter dificuldades de linguagem oral impede que ele expresse de forma natural e espontânea os seus pensamentos. SB reconhece, segundo entrevista com a mãe (anexo B), as suas dificuldades de linguagem, por isso, recusa-se a falar em sala de aula. A única pessoa com quem mantém um diálogo é com SA, por uma questão de identificação e por terem um grau de parentesco. SB senta na sala de aula sempre ao lado de SA, o que parece que faz com que ele se sinta mais seguro no ambiente da sala de aula. Essa confiança e segurança depositadas nessa relação fazem com que SB oscile no que diz respeito ao andamento das tarefas, ora esperando SA começar para fazer também, ora iniciando e procurando incentivar para que o colega desenvolva as atividades. 69 A postura de SB demonstra que ele não apresenta tantas dificuldades no que diz respeito às posições de aluno e de professor presentes no ambiente de sala de aula. Apesar de não se manifestar muito, diante de todos os colegas, o faz com relação a SA explicando muitas vezes o que é para ser feito em aula. Fernàndez (2001) aponta que seria interessante que a criança pudesse, tanto em casa, quanto na escola, colocar-se nesse lugar de ensinar e aprender. Conforme a mesma autora (2001, p.105): “A criança pode colocar -se no lugar de ensinante frente à sua família sobre o acontecido na escola e, por sua vez, como ensinante frente à escola sobre a história ou experiências familiares”. SB se permite estar nesse lugar somente com relação a SA e na sua casa. Diante das demais pessoas, que fazem parte de seu universo relacional, SB mostra-se bastante tímido e com muita dificuldade em colocar aquilo que está pensando. Isso pode ser comprovado pelo fato de o menino, em sala de aula, apenas se comunicar com SA e com a professora quando estritamente necessário. SB realiza todas as atividades propostas pela professora e, assim que a professora as entrega, ele já começa a fazer e logo termina. Enquanto está tentando se concentrar para realizar a tarefa, SA passa o tempo todo perturbando-o, e fazendo de tudo para que SB entre nas brincadeiras. SB, porém, consegue manter-se ligado às atividades que estão sendo realizadas e, como realiza as atividades, a professora muito pouco intervém ou pára para ver como ele está indo na realização das tarefas. A dificuldade de comunicação é a maior dificuldade de SB, pois não é possível saber o que ele está pensando sobre a aula, se está tendo alguma dificuldade em realizar a tarefa, se está precisando ou não de ajuda. Tudo isso remete à própria questão da autonomia e da autoria de pensamento. SB está buscando, e de certa forma já possui, essa autonomia no ambiente escolar. O que atrapalha a inserção do aluno nesse contexto, é o fato de a professora não procurar, através de diferentes atividades e metodologias, fazer com que ele procure se expressar e dizer o que está pensando. O que se verifica na estrutura dessa sala de aula é uma grande dificuldade da professora em atender às necessidades individuais de seus alunos no que diz respeito às aprendizagens e às limitações de cada um. Como SB pouco fala, permanece o tempo todo sentado, não levanta, não atrapalha e realiza todas as atividades a professora não se preocupa com as demais aprendizagens, além das ligadas a conteúdos, como a não comunicação. Para ela, a postura de SB é a mais adequada, pois ele representa um aluno a menos para ela se preocupar e um modelo de aluno idealizado. Fernàndez (2001) coloca que cada indivíduo possui a sua própria modalidade de aprendizagem. De acordo com a autora citada (2001, p.103): “A modalidade de apr endizagem 70 constrói-se em reciprocidade com as modalidades de ensino dos ensinantes com os quais o sujeito interage, mas não em uma relação causa-efeito e tampouco de complementaridade. Entre ambos, estabelece-se uma relação de suplementaridade”. A modalida de de ensino da professora para com SB é, de certa maneira, baseada na indiferença e essa, de acordo com Fernàndez (2001), pode ser vista pela falta de interesse por parte do professor por aquilo que o aluno está produzindo. Durante as observações, foi possível notar que a professora, na maioria das vezes, mostra-se pouco interessada pelo que SB está realizando, justamente pelo fato de o aluno não incomodar e cumprir com as atividades escolares. SB, por sua vez, apesar das interferências de SA, consegue realizar bem todas as atividades, demonstrando bastante interesse por todas as aulas, independentemente do conteúdo. Durante as aulas, são várias as tentativas de SA para que SB realize as suas tarefas. Esse sempre se nega a fazer, o que faz com que ele acabe levando respostas agressivas por parte de SA, tanto verbais como físicas. SB recebe todas essas respostas de forma bastante passiva, não se permitindo mostrar a sua aversão diante da situação, ou até mesmo em revidar as agressões de SA. Apesar dessa relação muito próxima com SA, SB não se deixa, nos momentos de agressividade e de falta de respeito para com a professora e os colegas, influenciar-se pela postura de SA. O que se percebe, no caso de SB, é justamente a dificuldade da própria professora em conseguir dar conta das limitações desse aluno. Esse tipo de relação estabelecida entre a professora e o aluno, e a relação dele com SA e com o resto da turma, juntamente com algumas questões metodológicas como, por exemplo, o fato de deixar o aluno conduzir-se por conta própria, estão entravando o bom desenvolvimento desse aluno. Conseqüentemente, entravam também uma possível superação de suas dificuldades de linguagem, já que essa manifesta mais precisamente pela ausência de comunicação. 4.3.3 Análise das observações de SC Ao se observar SC em atividades de sala de aula (anexo C), percebeu-se que suas dificuldades estão relacionadas à questão da linguagem oral e escrita, pois SC escreve como fala e sua fala e escrita são caracterizadas pela troca, respectivamente, de alguns fonemas e de algumas letras. Cita-se, como exemplo, a escrita paisase quando solicitado e escrever, por meio de um ditado, a palavra paisagem (anexo C). 71 A professora de SC consegue manter a turma trabalhando e produzindo boa parte do tempo. Todos os alunos parecem ser bastante tranqüilos, o que facilita o trabalho da professora. Enquanto estão realizando as atividades, ela circula pela sala para ver como estão indo e ajudá-los, se necessário. SC, apesar de sua tranqüilidade e de seu “ bom comportamento”, demonstra pouca disposição para realizar as tarefas. É sempre o último a realizá-las e dificilmente consegue terminar até o final da aula, pois passa boa parte do tempo debruçado sobre a classe sendo inúmeras as vezes em que a professora precisa intervir para que ele comece a fazer as tarefas enquanto todos os seus colegas já terminaram. A falta de estímulo em participar ativamente das aulas é visível no aluno, pois esse somente realiza alguma atividade quando solicitado diretamente pela professora e, mesmo assim, logo pára e volta a posição anterior. Conforme Fernàndez (2001, p.32): “Na aprendizagem escolar, reflete-se toda a dinâmica social e familiar. Nosso trabalho será saber escutar e olhar para além e para aquém daquilo que se percebe”. SC, a partir de seu comportamento que manifesta um certo desinteresse pelas atividades escolares, e conseqüentemente, pelas aprendizagens pode estar querendo manifestar algo, que a própria professora e toda a estrutura educacional não estão podendo ver. Ainda de acordo com Fernàndez (2001, p.33): “Tanto no fracasso escolar quanto no problema de aprendizagem, o aluno mostra que não aprende, mas, no primeiro caso, a patologia está instalada nas modalidades de ensino da escola, e esse é o lugar sob o qual se deve, prioritariamente, intervir”. Nesse sentido, Fernàndez (2001) coloca que para que se possa entender o porquê de determinado problema de aprendizagem, faz-se necessário compreender a própria modalidade de ensino da escola, bem como as próprias questões internas e familiares sobre as quais o problema foi instaurado. Segundo Fernàndez (2001, p.34): “Para entender a significação do problema de aprendizagem, deveremos descobrir a funcionalidade do sintoma dentro da estrutura familiar e aproximarmo-nos da história singular do sujeito e da análise dos níveis que operam”. Fernàndez (2001) postula ainda que, para que se possa entender a dinâmica de um problema de aprendizagem, é preciso conhecer a relação do sujeito consigo mesmo enquanto ensinante e aprendente, as modalidades de ensino da escola, e aqui, enquadra-se a possibilidade de o professor também poder se ver enquanto sujeito aprendente, e a relação que esse estabelece com os alunos e demais integrantes da comunidade escolar. 72 O que se nota no caso de SC é que todas essas relações que perpassam e que estão implícitas no processo de aprendizagem estão, de certa forma, disfuncionais, pois ao invés de a professora utilizar metodologias a fim de que possa estimular o aluno e possibilitar sanar e/ou amenizar as suas dificuldades, essa o isola dos demais colegas. Isso porque, segundo ela, o aluno está sempre atrasado e nunca consegue terminar as tarefas. Essa postura da professora faz com que os colegas enfatizem em sala de aula que ele nunca termina as atividades, que está sempre atrasado. SC, mediante a reação de seus colegas, se defende dessas falas, colocando que não é somente ele que se atrasa (e realmente não é), que outros também apresentam as mesmas dificuldades que ele. Quando SC se defende é, de certa forma, por estar se sentindo diminuído diante dos colegas. A professora, por sua vez, não toma nenhuma providência com relação a essas falas dos colegas a respeito de SC. O aluno, a partir de suas respostas, procura mostrar que eles são diferentes uns dos outros e que não precisam, necessariamente, estar tendo o mesmo desempenho. Segundo Fernàndez (2001, p.73): “Assim como a inteligência tende a objetivar, a buscar generalidades, a classificar, a ordenar, a procurar o que é semelhante, o comum, ao contrário, o movimento do desejo é subjetivante, tende à individualização, à diferenciação, ao surgimento do original de cada ser humano único em relação ao outro”. SC parece ainda não se sentir desconfortável com as colocações dos colegas sobre as suas dificuldades, e isso remete nível simbólico que permite justamente que o indivíduo possa se colocar diante das demais pessoas. Fernàndez (1991) coloca que é o nível simbólico que possibilita às pessoas poderem reconhecer-se enquanto seres individuais, que possuem seus próprios sonhos, desejos, falhas, e que é esse mesmo nível que determina as marcas individuais de cada um. Com relação a esse aspecto, Fernàndez (1991, p.74) afirma que: “O nível simbólico é o que organiza a vida afetiva e a vida das significações. A linguagem, o gesto e os afetos agem como significados ou como significantes, com os quais o sujeito pode dizer como sente seu mundo”. Pelas observações realizadas na sala de aula de SC, constatou-se uma evidente falta de estímulo da professa diante das atividades que ela própria propõe para a turma realizar. A maior preocupação da professora é que eles terminem, e essa acaba jogando muito com relação a esse aspecto, quando coloca para os alunos que eles somente poderão ir para a educação física, ou aula de informática, ou oficina de dança, se terminarem a atividade, não demonstrando interesse em ver se os alunos realmente estão se apropriando daquele conhecimento e, conseqüentemente, aprendendo. 73 Diante dessa circunstância, SC somente faz as tarefas quando a professora coloca esse tipo de condição para poder sair para outra atividade. Esse foi o tipo de relação e de vínculo estabelecido entre a professora e os alunos dessa turma, e todas as medidas por parte da professora para com os alunos reforçam e reafirmam que o modelo de interação professoraluno, está baseado muito mais na punição do que no próprio desejo de aprender. Isso faz com que as dificuldades de linguagem de SC não sejam trabalhadas em sala de aula, fato de contribui para o possível aumento ou manutenção do problema. 4.4 Análise das Atividades de Interação Nas atividades de interação (anexo D), propostas para os alunos sujeitos da pesquisa, que foram realizadas na escola, com a duração de uma hora cada uma delas pôde-se perceber muitas das questões que se verificaram em sala de aula, durante as observações. Confirmouse, por exemplo, o fato de SB se sentir seguro perto de SA. SB, nas atividades de interação, conversava e se dirigia somente a SA, muitas vezes falando em seu ouvido aquilo que gostaria de dizer. Por mais que fosse solicitado por SC a interagir com ele, SB não aceitava e permanecia interagindo somente com SA que, por sua vez, percebe a influência que exerce sobre SB e reforça que esse deve brincar e interagir somente com ele. Tal postura ficou evidente, pois muitas vezes SA, apenas pelo olhar, consegue fazer com que SB entenda que é com ele que deve brincar e conversar. SB, em uma das atividades de interação, somente fazia aquilo que SA fizesse e, quando solicitados a falarem sobre o que estavam fazendo, SB esperava SA responder, para aí dizer a mesma coisa que SA havia dito. Assim como no ambiente de sala de aula, SB mantém uma comunicação mais ativa apenas com SA e, nas atividades de interação, SB manteve o mesmo padrão de relacionamento, que é o de dependência com relação a SA. SA e SB se identificam um com o outro, o que se percebe pelo fato de os dois estarem sempre juntos, se protegerem e se unirem para ficar contra SC. Durante a realização das atividades, os dois alunos debocham da forma como SC fala, e o fizeram durante boa parte do tempo. A interação, na verdade, somente acontecem entre SA e SB, pois esses excluíram SC das atividades, não permitindo que participasse junto com eles. Com relação a SC, SA e SB parecem estar desempenhando o mesmo padrão de relacionamento estabelecido dentro da sua sala de aula, que é o da exclusão. Como ambos se sentem excluídos das atividades de sala de aula, reproduziram a forma como são tratados excluindo SC das tarefas. SC, por sua vez, 74 respondeu a essa exclusão da mesma forma como responde em sala de aula: defendendo-se. Como mecanismo de defesa, que não é somente ele que fala errado, que eles também falam. Quando não sabe mais como se defender das agressões verbais e físicas de SA, SC acaba respondendo da mesma forma, batendo, chutando e dizendo agressões verbais. Já SA parece precisar ter o controle sobre toda a situação e sobre os colegas, pois se não o tem fica agressivo. Essa agressividade de SA fica bastante evidente nas atividades de interação, e dá a impressão de que esse é o momento em que ele se autoriza a se defender e a mostrar que tem desejos e que gostaria que os outros agissem de acordo com aquilo que ele espera que os outros façam. Em sala de aula, SA manifesta a vontade de que os outros ajam de acordo com as suas necessidades, quando solicita que os colegas realizem as atividades para ele, reagindo, caso esses não o façam, pela agressividade, fica agressivo, mostrando a sua raiva através agressões verbais. Os alunos sujeitos da pesquisa mantiveram, nas atividades de interação, o mesmo padrão de relacionamento estabelecido em sala de aula, cada um deles seguindo os padrões de comportamento que costumam assumir dentro desse sistema que é o da sala de aula, mantendo dessa forma os problemas de linguagem. 75 5 ANÁLISE CONCLUSIVA A partir dos dados coletados através dos instrumentos utilizados na presente pesquisa, como as entrevistas com pais e professoras, as observações de sala de aula e as atividades de interação entre os alunos sujeitos da pesquisa, pôde-se constatar que os três alunos apresentam dificuldades de linguagem oral. Segundo Luria & Yudovich (1985), as dificuldades de linguagem afetam todo o processo de desenvolvimento, principalmente por ser a linguagem o fator que determina e que insere os seres humanos no contexto histórico e social. Pensar a linguagem como fator determinante para o desenvolvimento dos processos mentais foi, de acordo com Luria & Yudovich (1985), uma das maiores contribuições da teoria de Vygotsky, pois ela avalia a importância da linguagem sobre todo o desenvolvimento, tanto dos processos mentais quanto psicológicos das pessoas. No caso dos alunos sujeitos da pesquisa, as dificuldades, além de parecer serem decorrentes de fatores emocionais, também representam um entrave ao desenvolvimento mental e psicológico dos mesmos. Percebe-se esse entrave pelo fato de os alunos não se permitirem participar ativamente das atividades escolares, e de haver exclusão dessas crianças por parte das professoras. As dificuldades manifestam-se, então, no ambiente escolar, justamente por esse ser o local legítimo de apropriação de conhecimentos considerados científicos. Nesse sentido o que se percebe, na escola, uma certa dificuldade por parte dos professores e demais integrantes da comunidade escolar em analisar e entender as reais necessidades de seus alunos. Sendo a linguagem fator essencial para o desenvolvimento psicológico dos educandos, cabe à escola impulsionar as aprendizagens a fim de se obter um bom desenvolvimento dos mesmos. De acordo com Oliveira (1997, p.61-62): 76 Se o aprendizado impulsiona o desenvolvimento, então a escola tem um papel essencial na construção do ser psicológico adulto dos indivíduos que vivem em sociedades escolarizadas. Mas o desempenho desse papel só se dará adequadamente quando, conhecendo o nível de desenvolvimento dos alunos, a escola dirigir o ensino não para etapas intelectuais já alcançadas, mas sim para estágios de desenvolvimento ainda não incorporados pelos alunos, funcionando realmente como um motor de novas conquistas psicológicas. Para a criança que freqüenta a escola, o aprendizado escolar é elemento central no seu desenvolvimento. Todas essas colocações de Oliveira (1997) permitem perceber uma dificuldade por parte da escola, a partir das professoras sujeitos da pesquisa, em dar conta das reais necessidades desses alunos no que diz respeito às aprendizagens, principalmente com relação aos níveis de desenvolvimento colocados por Vygotsky1 em sua teoria, os quais determinarão o bom desenvolvimento de crianças em idade escolar. Isso se comprova com relação a esses três alunos, pois tanto os pais quanto as professoras demonstram ter conhecimento a respeito das dificuldades de linguagem das crianças, mas acabam transferindo a responsabilidade de uma possível superação das mesmas uns para os outros. Os pais transferem a responsabilidade para a escola e os professores, por sua vez, transferem para a família. Olhar essa situação a partir de uma perspectiva sistêmica implica em tanto por parte dos membros da escola, quanto dos membros da família, considerarem-se como responsáveis pelo enfrentamento das dificuldades de linguagem, no sentido de que todos, família e escola, relacionam-se e estão em interação num processo contínuo e evolutivo. Com relação a esse aspecto, Gasparian (1997, p.26-27) afirma que: Com base na teoria de Von Bertalanffy, ampliada por Bateson em terapia familiar, propõe-se que a escola possa ser considerada como um sistema aberto, devido ao movimento de seus membros dentro e fora, de uma interação uns com os outros e com sistemas familiares e extrafamiliares (como o ambiente e a comunidade), num fluxo recíproco constante de informações, energia e material. A escola, como a família, tende a funcionar como um sistema total. As ações e comportamentos de um dos membros influenciam e simultaneamente são influenciados pelos comportamentos de todos os outros. Essa transferência de responsabilidade, nos três casos tratados na pesquisa, faz com que a interação e a relação entre família e escola sejam esquecidas, fazendo com que cada um desses dois sistemas se veja separado do outro. A teoria sistêmica, segundo as idéias de Gasparian (1997), coloca que o princípio de globalidade é essencial a fim de que se possa 1 Nível de desenvolvimento real, nível de desenvolvimento potencial e zona de desenvolvimento proximal. 77 compreender a influência dos sistemas uns sobre os outros. De acordo com Gasparian (1997, p.27-28): A primeira propriedade é a globalidade, ou seja, toda e qualquer parte de um sistema está relacionada de tal modo com as demais partes que a mudança numa delas provocará mudança nas demais e, conseqüentemente, no sistema total. Isto é, um sistema comporta-se não como simples conjunto de elementos independentes, mas como um todo coeso, inseparável e interdependente. Assim como os membros de um dado sistema influenciam-se mutuamente, os sistemas também o fazem entre si. No caso específico desta pesquisa, tanto a família quanto a escola não percebem a influência que um sistema pode exercer positivamente sobre o outro. A falta de interação entre esses dois sistemas – família e escola – contribui, assim, para a manutenção das dificuldades de linguagem das crianças. No que diz respeito à ação pedagógica, o que se percebe é que essa não está contemplando as dificuldades desses alunos, principalmente pelo fato de as atividades de sala de aula serem planejadas como se todos os alunos tivessem o mesmo desempenho. Cita-se como exemplo uma aula (anexo C), em que a proposta de atividade era de leitura. Ao iniciar a aula, foi entregue a cada aluno um livro de historinha infantil. A tarefa consistia em ler duas vezes e, após, escrever com suas palavras, a narrativa. Ao propor esse tipo de atividade, não foi levado em consideração o fato de que o aluno SA não tinha domínio de leitura, o que impossibilitava a tarefa como um todo. Esse fato, além de demonstrar que a ação pedagógica não estava voltada às necessidades de SA, ainda mostra que igualmente não atendia aos fins e propósitos da tarefa de educar. Percebeu-se, no decorrer da aula, que outros alunos também tinham dificuldade para cumprir a tarefa e que, da mesma forma, não foram atendidos pela professora. As dificuldades apresentadas então por SA e outros alunos e a forma como foi feita a proposta – trabalho essencialmente individual, como se cada um fosse apenas uma parte do todo permitiram constatar a falta de interação no contexto de sala de aula. Se para a teoria sistêmica o todo é muito mais que a soma das partes, e que os elementos de um dado sistema estão em interação e influência mútua, pensar essas situações específicas de sala de aula permitiriam com que as professoras pudessem analisar a sala de aula e os seus alunos, não numa tentativa de torná-los todos iguais, mas sim de poder compreender as diferenças entre eles e as influências que uns exercem sobre os outros,e o quanto a interação pode contribuir na superação de problemas, inclusive os de linguagem. Corroborando com essas questões, Gasparian (1997, p.28) coloca que: 78 O aluno com distúrbios de aprendizagem ou problemas de comportamento, que tradicionalmente é pensado em termos lineares, históricos e causais, passa a ser considerado, com base no modelo sistêmico, dentro da concepção de circularidade. Nessa concepção, todos os elementos de um dado processo, no caso da instituição escolar, os membros de interação, movem-se juntos. A descrição do processo é, então, feita em termos de relações, informações e organização entre esses membros. Nesse sentido, o poder pensar a dinâmica de sala de aula a partir de uma perspectiva circular possibilitaria que as professoras das crianças pudessem perceber que todos os membros daquele sistema específico (que é o sistema escolar e, principalmente, os membros que estão em sala de aula) estão em constante interação. Da mesma forma, perceberiam que o comportamento de um influencia e é influenciado pelo comportamento de outro. Nessa influência, além dos colegas, entraria a relação e a interação das professoras com os seus alunos pois, para a teoria sistêmica, a partir da noção de circularidade, as professoras não poderiam se ver como uma parte fora dessa relação, que é o que no momento elas estão fazendo. Com relação a todas essas questões, Gasparian (1997, 28) diz que: A segunda propriedade dos sistemas é o conceito de retroalimentação ou feedback. As partes de um sistema unem-se através de uma relação circular. A retroalimentação e a circularidade são o modelo causal para uma teoria de sistemas interacionais, ao qual pertence o sistema institucional escolar. Ou seja, a escola, do ponto de vista sistêmico, pode ser encarada como um circuito de retroalimentação, dado que o comportamento de cada indivíduo afeta e é afetado pelo comportamento de cada uma das outras pessoas. Se no caso específico da aula relatada anteriormente a professora tivesse proposto a leitura individual, de uma mesma história, com o objetivo de que cada aluno desenvolvesse a habilidade da leitura, mas a seguir propusesse uma leitura conjunta, estaria promovendo a inserção dos alunos no ato de ler. Esse processo poderia fazer com que os alunos reconhecessem com mais facilidade as palavras que não conseguiram identificar na leitura individual, bem como daria mais condições para a tarefa posterior, que era a de reescrever a história. Além disso, não houve discussão sobre o assunto, que poderia, num outro tipo de proposta, oferecer subsídios para que os alunos pudessem beneficiar-se das discussões acerca da trama das personagens, das ações, fator que permite a necessária interação numa sala de aula. 79 Se as professoras pudessem analisar todas essas influências através da noção de circularidade e elaborar atividades escolares a partir de metodologias que possibilitassem a troca efetiva entre os alunos, deixando de tentar fazer com que todos tenham o mesmo desempenho escolar, com certeza muitas das dificuldades que hoje estão presentes nos alunos, como nos casos de SA, SB e SC, poderiam ter sido, pelo menos, amenizadas, principalmente no que diz respeito às dificuldades de linguagem. Além de esperarem que todos os alunos respondam da mesma forma às atividades propostas, outra questão que ficou presente, a partir das observações, foi o fato de nenhum desses três alunos terem reforços ou atividades específicas a fim de sanar ou amenizar as suas dificuldades de linguagem. Essa questão leva a pensar na teoria de Vygotsky quando ele aborda os três níveis de desenvolvimento, e principalmente ao falar da zona de desenvolvimento proximal. As propostas de sala de aula que são oferecidas aos alunos em questão ficam muito mais no nível do que eles já conseguem fazer, do que numa tentativa de superar as dificuldades e de que possam se apropriar de novos conhecimentos e utilizá-los no seu dia-a-dia. Ao falar da teoria de Vygotsky, Oliveira (1997) coloca que para esse autor o ensino deveria ser pautado na zona de desenvolvimento proximal, justamente por dizer respeito a tudo aquilo que a criança conseguirá realizar sozinha. A respeito dessa zona de desenvolvimento, Oliveira (1997, p.60) afirma que: A zona de desenvolvimento proximal refere-se, assim, ao caminho que o indivíduo vai percorrer para desenvolver funções que estão em processo de amadurecimento e que se tornarão funções consolidadas, estabelecidas no seu nível de desenvolvimento real. A zona de desenvolvimento proximal é, pois, um domínio psicológico em constante transformação: aquilo que uma criança é capaz de fazer com a ajuda de alguém hoje, ela conseguirá fazer sozinha amanhã. Partindo desse pressuposto, o ensino, as metodologias utilizadas pelas professoras, assim como as tarefas e atividades de sala de aula, propostas a partir dessas questões metodológicas, deveriam estar pautadas nas capacidades futuras desses alunos, considerandoos como plenamente capazes de adquirir novos conhecimentos e de superarem as dificuldades de linguagem. A tentativa das professoras de fazer com que todos os alunos da sala de aula tenham o mesmo desempenho está muito longe de ser uma proposta de ensino que privilegie as questões colocadas por Oliveira (1997) a respeito da zona de desenvolvimento proximal. Ao contrário, essa postura faz com que os alunos, sujeitos da pesquisa, sintam-se excluídos do 80 processo ensino-aprendizagem no qual estão inseridos. Em uma outra aula observada (anexo C), constatou-se um caso que comprova essa afirmativa, vivenciada pelo aluno SC. A sala de aula, da turma desse aluno, era organizada normalmente de forma que os alunos pudessem trabalhar em dupla ou em pequenos grupos. Como o aluno SC era, em sua maioria das vezes, o último a concluir as tarefas, ou às vezes nem terminava, ele sempre estava sentado sozinho, o que dificultava para ele, ainda mais, as possibilidades de interação e de desenvolver suas habilidades, bem como as superações de suas dificuldades de linguagem. Nas aulas observadas (anexo C), esta pesquisadora, assim que entrava na sala de aula, era imediatamente convidada por esse aluno para sentar ao seu lado. Tal procedimento permitiu constatar o quanto ele se sentia excluído do restante da turma. Além disso, o fato de ele sentirse isolado e de a professora aceitar o seu ritmo de desempenho em sala de aula, não o incentivando para as tarefas e nem incluindo-o junto aos demais alunos, faz com que aumente o distanciamento, nesse caso, entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial, o que afasta, conseqüentemente, da possibilidade de agir de acordo com a zona de desenvolvimento proximal. Realizar atividades de sala de aula que valorizam as interações e que estejam centradas na zona de desenvolvimento proximal possibilitaria aprendizagens mais significativas e, conseqüentemente, um melhor desenvolvimento desses alunos. Em conformidade com essa questão Oliveira (1997, p.62) coloca: Como na escola o aprendizado é um resultado desejável, é o próprio objetivo do processo escolar, a intervenção é um processo pedagógico privilegiado. O professor tem o papel explícito de interferir na zona de desenvolvimento proximal dos alunos, provocando avanços que não ocorreriam espontaneamente. De acordo com essa perspectiva, de se trabalhar a partir da zona de desenvolvimento proximal, no que diz respeito à ação pedagógica das professoras dos alunos, sujeitos da pesquisa, verificou-se que a mesma apresenta-se como inadequada, justamente pela tentativa de torná-los iguais, sem considerar as suas dificuldades. Os alunos, por sua vez, acabaram respondendo a todas as questões através de posturas bastante distintas, mas que expressaram a dificuldade que os mesmos enfrentavam para poderem se ver como parte ativa do processo educacional e, mais especificamente, das atividades de sala de aula. O fato de os alunos darem-se conta das dificuldades de linguagem e, igualmente, o fato de não se sentirem 81 incluídos no processo ensino-aprendizagem fizeram com que cada um deles apresentasse respostas diferentes para essa situação, procurando, de alguma forma, ajustar-se às atividades e ao ambiente de sala de aula. SA procedeu fazendo de conta que estava produzindo e realizando as atividades de sala de aula, numa tentativa de se igualar aos demais colegas. Por sua vez, SB manifestou-se através do isolamento em sala de aula, comunicando-se e interagindo somente com SA. Já SC, da terceira série do ensino fundamental, o fez utilizando a estratégia de ganhar tempo para não realizar as atividades, evitando, dessa forma, demonstrar suas dificuldades. Cabe ressaltar que as atividades propostas pela professora de SC não contemplam as suas necessidades específicas e suas dificuldades de linguagem oral, as quais se manifestam, conseqüentemente, na escrita. As dificuldades dos três alunos poderiam ser superadas se as professoras interpretassem suas respostas como parte de um sistema que está em interação, de forma circular e retroalimentar, a fim de, a partir daí, montar estratégias e ações pedagógicas que contemplassem as necessidades e as demandas desse ambiente, que é o da sala de aula. Corroborando com essa questão, Ruas (1976, p.14) afirma: “As respostas que o docente recebe dos alunos, as suas reações, bem como as dos pais deles ou das autoridades da cadeia hierárquica, fornecem-lhe informações que o habilitam a decidir a justeza do seu trabalho e a modificar a estratégia em caso de necessidade”. As respostas dadas pelos alunos, sujeitos da pesquisa, podem ser vistas como os padrões de comportamentos que estão utilizando com o objetivo de comunicar algo. Nesse sentido, outra questão de extrema relevância, a fim de se compreenderem as suas dificuldades de linguagem, seria analisar a circularidade dos padrões de comunicação, pois, segundo Watzlawick & Beavin & Jackson (1967, p.41), “não existe princípio e fim num círculo”. Esse pressuposto poderia fazer com que as ações pedagógicas colocadas na relação com os alunos partissem da premissa de que todos, no ambiente de sala de aula, influenciam os comportamentos uns dos outros, incluindo aqui a própria professora. Além de interpretar as respostas dadas pelos alunos, em sala de aula, o próprio conhecimento da história de vida de cada um dos alunos sujeitos da pesquisa, pelas professoras, poderia oferecer subsídios que, igualmente, as auxiliasse a pensar suas ações pedagógicas. Isso permitiria contemplar a realidade de cada um dos seus alunos, enquanto sujeitos que, ao chegarem à escola, trazem consigo conceitos, princípios, valores e crenças, que foram passados pelas suas famílias e que os acompanharão onde eles estiverem e que influenciarão a forma como cada um deles irá se relacionar com as outras pessoas e com o próprio processo ensino-aprendizagem. 82 O conhecimento da teoria sistêmica pela comunidade escolar, pelos pais e, principalmente, pelas professoras permite compreender as influências de todos aqueles que fazem parte do universo relacional das crianças no que diz respeito às suas dificuldades de linguagem, assim como permite que as professoras possam entender a sala de aula e o ambiente escolar como espaços de circularidade de relações. Essa compreensão da noção de circularidade e de recursividade permite uma proposta de ensino baseada na interação professor/aluno e aluno/aluno, uma proposta que permita, igualmente, a inserção de todos os alunos na dinâmica da sala de aula e na proposta de ensino. A partir dessa nova visão, a respeito da instituição escolar e do próprio ambiente de sala de aula, o professor poderá obter uma melhor visão de si mesmo enquanto profissional da educação, no sentido de que terá condições de pensar as aprendizagens de seus alunos e, conseqüentemente, as atividades de sala de aula, a partir da análise das influências de todos os subsistemas que fazem parte desse grande sistema que é a escola. Ao falar da postura do professor, Gasparian (1997, p.68) afirma que: O professor é, antes de mais nada, um comprometido com a sociedade; sem esse envolvimento não há transmissão efetiva do saber. O professor, ao assumir essa postura, torna-se responsável pelo seu saber e pelo que ensinar para o seu aluno. O professor através de suas atitudes, é quem transmite o conhecimento. Aprende-se com palavras e atos. Então é na intersecção entre quem ensina e quem deseja aprender que ocorre a aprendizagem. O que se percebe, a partir das questões trazidas por Gasparian (1997) comparadas à ação pedagógica das professoras aqui enfocadas, é que elas estão muito mais preocupadas com a realização das atividades do que com as aprendizagens em si. Dessa forma, não conseguem dar-se conta das estratégias utilizadas por cada um dos três, a fim de cumprir as atividades e, ao mesmo tempo, de mascararem as suas dificuldades de linguagem perante o restante da turma. Pain (1985) relaciona essa questão com as condições para que as aprendizagens aconteçam. Segundo a autora citada (1985, p.25): Para resumir, lembremos que existem dois tipos de condições para a aprendizagem: as externas, que definem o campo de estímulo, e as internas que definem o sujeito. Umas e outras podem estudar-se em seu aspecto dinâmico, como processo, e em seu aspecto estrutural como sistemas. 83 Adotar os enfoques da teoria sistêmica, recorrendo à questão da circularidade, bem como considerando as condições – externas e internas – para a promoção da aprendizagem, é uma abordagem que possibilita uma ação pedagógica que contemple o aluno como sujeito que se constitui a partir das relações e interações com os outros. Nessa perspectiva, algumas atividades de sala de aula, que valorizem a interação e a participação de todos os alunos, poderão fazer com que eles se sintam responsáveis por suas aprendizagens, assim como obtenham um bom desenvolvimento de todos os alunos e uma possível superação das dificuldades de linguagem por parte desses alunos sujeitos da pesquisa. 84 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao se pensar em uma proposta de atividade que tenha como base a Teoria Sistêmica, pensou-se, sobretudo, numa metodologia cujo princípio é a interação na sala de aula. Buscouse, para isso, centrar as atividades a partir de textos, já que estes permitem ao aluno transitar mais facilmente pela linguagem. Além de ser um instrumento para desenvolver a habilidade de leitura e de escrita, o texto propicia aos alunos um trabalho interativo, capaz de envolver todos num processo de discussão a partir das temáticas abordadas. Acrescente-se a isso o fato de que as abordagens do e sobre o texto propiciam uma tomada de posição sob diferentes aspectos, fator este que pode contribuir para a autoafirmação do aluno como sujeito de sua história e refletir-se, conseqüentemente, na sala de aula. Entendida a linguagem como um processo pelo qual o ser humano constrói significado e pelo qual mantém um permanente processo de comunicação, é importante que a escola leve em conta a fala de seus alunos, no sentido de desenvolver sua capacidade de expressão e, paralelamente, dotá-los da capacidade de escrever. Para isso devem os professores estar atentos aos problemas de linguagem que se manifestam no ambiente escolar e, às vezes, mais intensamente na sala de aula, pois muitos dos problemas estão associados a razões emocionais. Nesses casos, integrar o aluno na dinâmica de aula, permitindo-lhe interagir com os demais e refletir sobre a linguagem – a sua e a dos outros – pode ser um subsídio para a resolução do problema. Certamente, muitas questões voltadas à linguagem, especialmente quando se caracterizam como distúrbios, devem ser tratadas adequadamente pelos profissionais de competência para esse fim. Mas como muitos deles têm origem emocional e se intensificam justamente por isso na sala de aula, é possível que a Psicologia da Educação, usando os pressupostos da Teoria Sistêmica, possa contribuir para essa questão. Sendo assim, apresenta-se, a seguir, duas propostas a serem utilizadas em sala de aula com o objetivo de se 85 pensar metodologicamente numa ação pedagógica voltada à interação dos professores e alunos e dos alunos e alunos, como sujeitos integrantes de um mesmo sistema. Primeira proposta: Abordagens a partir de histórias em quadrinhos (anexo E) Ao se utilizar a história em quadrinhos em sala de aula, parte-se do princípio de que o texto também é visual, fator que estimula a leitura e a discussão em torno do assunto tratado. Levando-se em conta que toda a narrativa envolve uma ação realizada por personagens, é fácil envolver os alunos em torno de uma discussão sobre a temática da história, fator que pode ainda ser facilitado se eles se colocarem no lugar das personagens. As histórias de Chico Bento, por exemplo, e as que envolvem a personagem Cebolinha podem ser instrumentos para se trabalhar as questões de linguagem em sala de aula. Como os problemas de linguagem dos alunos sujeitos da pesquisa os colocavam em uma situação de isolamento na sala de aula, discutir os fatores que influenciam a fala de Chico Bento (fatores de ordem cultural determinados, por sua vez, pelos fatores regionais) pode vir a ser uma atitude positiva para a inserção desses alunos na dinâmica da aula. Como a fala do Chico Bento e das demais personagens que atuam junto a ele fazem parte de um mesmo contexto, é interessante mostrar que, para a comunidade da qual eles fazem parte, a linguagem utilizada é a mesma e por isso tem um valor de identidade de uma comunidade lingüística. Na história “ Cadê a Professora?” (anexo E), his tória essa que se passa no ambiente da sala de aula, de uma escola da zona rural, percebe-se que todos os alunos estão integrados numa interrogação sobre a falta da professora, embora nem todos utilizem a mesma forma de linguagem. Os traços identitários da fala regional estão fortemente presentes na fala das personagens Chico Bento, Rosinha, Zé Lelé, enquanto outras personagens como a professora são usuários de outro nível de linguagem, o que se comprova, por exemplo, em ambos os casos, pela sintaxe de concordância (“Ora, Chico! Como vamos saber?” e “Nóis num tinha pensado nisso.”). A abordagem do texto a partir desses aspectos, além de tratar as diferenças, valoriza as individualidades e as singularidades das personagens e isso pode contribuir grandemente para a dinâmica da sala de aula. Ao se reconhecerem como pessoas diferentes mas que integram um mesmo ambiente, é possível que se estabeleça na aula um sistema do qual todos são parte. Colocando-se uns no lugar dos outros, por meio de um trabalho que contemple as diferenças e atento às particularidades e, especialmente às dificuldades, os alunos podem entender-se melhor e, assim, compreender as limitações do outro. Além disso, as histórias com a personagem Chico Bento apontam para uma outra questão, a qual diz respeito às atitudes e virtudes das personagens e que estão associadas à vida das pessoas. Na historinha “Bicho Perigoso” (anexo E), a qual também aborda uma 86 situação de sala de aula, a personagem faz uma severa crítica à relação do homem com o ambiente natural. Ao apontar o homem como o grande destruidor do patrimônio natural, através de ações devastadoras como a caça, as queimadas, a poluição, Chico Bento provoca a reflexão sobre esse tema. Esse trabalho – que tem como ponto de partida uma atividade de linguagem, através da leitura e da análise do texto – remete a outras áreas, integrando, numa só proposta, um trabalho interdisciplinar. Importante destacar que, ao final da história, a professora atribui à redação de Chico Bento a nota dez, abraçando-o carinhosamente perante o restante da turma e que, para essa nota, a professora valorizou o texto enquanto uma unidade de sentido, sem prender-se à escrita. Essas duas atitudes da professora – abraçar o aluno, valorizando-o como sujeito, e atribuir a nota pelas idéias e não pela grafia – permitem ao aluno inserir-se no ambiente escolar com mais facilidade. Como a escola tem a função precípua de ensinar os conteúdos para o desenvolvimento de habilidades e aquisição de competências, e entre essas está a habilidade e a competência de ler e escrever, o aluno, sentido-se parte de um sistema, terá mais facilidades para enfrentar suas dificuldades, inclusive as de linguagem. A personagem Cebolinha, por sua vez, vem contribuir ainda mais nesse sentido. Por ser uma criança que apresenta um problema de linguagem que se evidencia pela troca do fonema [r] pelo fonema [l] em posição silábica no início e no meio da palavra, a personagem pode ser uma referência para a abordagem sobre os problemas de linguagem. Note-se que o Cebolinha, ao contrário do Chico Bento, é morador da zona urbana, pertencendo a um grupo usuário do nível coloquial de linguagem. Logo, a troca desse fonema é de caráter individual, constituindo-se como um problema específico. Certamente que problemas como esses precisam ser investigados e tratados pelos profissionais de competência para isso. Certo é, também, que a discussão em torno de problemas desse tipo, com a devida explicação sobre possíveis fatores que os acarretam, servem para diminuir a discriminação de quem se encaixa nesse perfil e servem, da mesma forma, para melhor integrar o aluno no contexto da sala de aula. Por outro lado, as atitudes da personagem Cebolinha com relação à personagem Mônica, juntamente com as demais personagens, podem ser usadas na sala de aula para a discussão de valores e atitudes. Na historinha “Bronzeado Moderno”, assim como na maioria, o Cebolinha aparece como o vilão, sempre pronto, a partir de diferentes planos, para derrotar a Mônica. Interessante é fazer com que os alunos discutam as relações entre as personagens, analisando ações e reações das mesmas. Nessa história, a Mônica, que tem como característica marcante a força, é facilmente enganada pelo Cebolinha, ajudado pelo 87 personagem Xaveco, vindo somente a descobrir o engano ao final da narrativa, que é sempre o mesmo: o Cebolinha apanhando da Mônica, fator que reforça a força como a pseudo identidade dela. Importante é também discutir que a falibilidade dos planos do Cebolinha reforça a questão das virtudes e traz à tona a questão da amizade. Já a historinha “Qual é o nome do filme?” (anexo E), além dos aspectos já citados, permite um trabalho muito rico em termos de linguagem. A analogia entre os nomes dos filmes (a história se passa numa locadora de filmes) possibilita o jogo e o brinquedo com as palavras. O uso da expressão “A pequena baleia”, em analogia com o filme “A pequena sereia”, assim como outras no decorrer da narrativa, propiciam uma atividade lúdica, na qual todos os alunos podem se envolver. O enriquecimento das analogias pelas rimas (baleiasereia; bela-magrela), propicia, ainda, um trabalho de escrita, em que os alunos poderão criar outras analogias, observando as rimas possíveis com um expressivo número de palavras. Nesse trabalho, a proposta deverá integrar todos os alunos, em que um contribui para enriquecer o trabalho do outro. Considerando, ainda, que muitas histórias em quadrinho são histórias sem texto, promover atividades de interpretação, de dramatização e de escrita levarão, certamente, os alunos a desenvolverem sua capacidade de análise e de escrita. A historinha com o PapaCapim “Usa a lança” permite interação com o texto por meio das imagens e possibilita ao aluno criar sua própria história, a partir de sua sintaxe e de seu vocabulário, fator que pode colaborar para o enriquecimento de todos esses aspectos. Some-se a isso o fato de que essa narrativa apresenta personagens indígenas, os quais manifestam uma outra cultura, com valores, costumes e tradições diferentes. No momento em que se analisam essas questões, inclusive a da linguagem, através de um trabalho didático, promove-se a valorização das diferenças e isso contribui para a aceitação das mesmas entre os alunos. Essa proposta, que faz uma interface entre a didática e a abordagem sistêmica, pode ser adaptada para diferentes níveis do ensino fundamental. Com certeza, não darão conta, por si sós, de todos os problemas que se manifestam no ambiente escolar, mas permitem uma maior interação entre professor e aluno e permitem aos alunos, com problemas de linguagem, desenvolverem suas capacidades de comunicação. Segunda proposta: Abordagens a partir de histórias infantis (anexo F) As histórias infantis – contos de fadas ou outros – são instrumentos que podem ser utilizados pelos professores a fim de promover uma maior interação entre os alunos de forma a melhor envolvê-los na proposta de sala de aula. A presença de diferentes personagens 88 envolvidos em situações específicas possibilita aos alunos não só interagirem com as próprias personagens e a trama em si, mas também proporciona a troca de experiências já que, ao analisar a própria história, a criança estabelece relações com o seu mundo real. As histórias infantis contribuem para a formação da personalidade, pois através delas as crianças podem experimentar diferentes formas de agir e estabelecer juízos de valores. A partir da identificação com as personagens, as crianças têm a oportunidade de manifestar diferentes sentimentos como medo, tristeza, raiva, alegria, entre outros, e isso pode incluir as dificuldades de linguagem que uma ou outra criança pode apresentar. Propor, portanto, um trabalho interativo, a partir de histórias infantis, e que privilegie as relações interpessoais, pode contribuir para a superação das dificuldades de linguagem. No momento em que o aluno é convidado a dar sua opinião a respeito das personagens e de suas ações, ele estará interagindo através da linguagem, quer seja essa oral ou escrita. Esse jogo permite ao aluno desenvolver sua capacidade comunicativa e isso o leva, mesmo que seja num resultado posterior, à superação de seus problemas de linguagem. É importante, para isso, que a sala de aula se transforme num espaço que privilegie a fala e a escrita. Se aprende a escrever escrevendo, as propostas de atividades devem ser direcionadas para esse fim, isto é, devem ser planejadas de forma a envolver os alunos no ato de falar e, junto com esse, o de escrever. Propõe-se como atividade a leitura e análise, por exemplo, da historinha “Um sapatinho Especial” 2 (anexo F). Através de um trabalho oral e de um estudo de texto fragmentado, o aluno pode interagir na história, expressando sua opinião e remetendo-se à continuidade da trama. Esse tipo de proposta envolve os alunos, pois as respostas que dão às questões a partir de um fragmento conduzem, conseqüentemente, ao fragmento seguinte e, assim, sucessivamente até o final. Havendo participação de todos, as propostas que advêm, como continuar a história, criar outro final, descrever as personagens, envolverão igualmente os alunos na dinâmica da aula. Essa postura pode contribuir para que os alunos que apresentam dificuldades de linguagem possam participar ativamente da aula, sem se sentirem excluídos. Um outro texto que pode contribuir para um trabalho interativo é “Se es sa rua fosse minha” 3 (anexo F), o qual remete à cantiga de roda de mesmo nome. Como o texto aborda a intenção do narrador de ter uma nova organização de rua, pode-se propor que após a leitura e a discussão do texto, cada aluno descreva a sua rua, o que pode ser feito a partir do real (rua onde mora) ou da idealização de uma outra rua. Após a descrição individual, os alunos podem 2 3 NORONHA, Teresa. Um sapatinho especial. São Paulo: Moderna, 1993. AMOS, Eduardo. Se essa rua fosse minha. São Paulo: Moderna, 1992. 89 desenvolver um trabalho em grupo, em que cada um apresenta a sua descrição e, em seguida, apontam as características que consideram mais importantes para uma rua. Na seqüência, os grupos podem apresentar a sua rua, repetindo o procedimento anterior até se chegar a uma descrição de rua que não seria de um aluno individualmente ou de um grupo, mas sim uma rua que fosse da turma toda, fechando com o final do texto que diz: “Muito bonita a sua rua. Muito bonita a minha também. Mas eu penso que seria mais bonita se, em vez de ser só minha, ou em vez de ser só sua, essa rua fosse nossa”. Essa dinâmica possibilita a interação entre todos os alunos, assim como possibilita, igualmente, que todos possam se sentir parte desse sistema, que é o da sala de aula. O texto “Amanhã e Jajá” 4 (anexo F) pode ser também uma outra sugestão de acordo com a noção de que o ambiente de sala de aula é um sistema em interação, em que o comportamento de uns será influenciado pelo comportamento de outros. Ao apresentar duas personagens – a preguiça Amanhã e a libélula Jajá – a história propicia trabalhar as diferenças a partir das características e da singularidade de cada uma. Como o próprio nome já diz, a preguiça Amanhã tinha como principal característica a lentidão, enquanto que a libélula Jajá, a pressa. Em toda a história se constata o empreendimento das duas em adaptarem-se uma à outra. Uma importante reflexão a ser feita, a partir dessa história, é que nenhuma das personagens precisou mudar suas características pessoais para ser aceita pela outra. Contrariamente, elas se unem criando um sistema de interação em que as duas conseguem aproveitar suas diferenças e singularidades para a construção de um sistema maior. Nesse sentido, as histórias infantis, assim como as histórias em quadrinhos, possibilitam a elaboração de atividades de sala de aula que valorizem a interação entre os alunos, fazendo com que todos sintam-se pertencentes a esse sistema – ao da sala de aula – e, conseqüentemente, responsáveis, também, pelo processo ensino-aprendizagem. Essa nova possibilidade de ação pedagógica do professor pode oferecer aos seus alunos oportunidades de enfrentamento de suas dificuldades, como no caso dos alunos sujeitos da pesquisa que apresentam dificuldades de linguagem, sem que esses sintam-se excluídos da dinâmica de sala de aula e se vejam enquanto participantes ativos dentro desse sistema. Certamente, muitas outras histórias – quer de revistas, quer de livros infantis – assim como outros textos, possibilitam um trabalho interativo em sala de aula. Da mesma forma, muitas podem ser as metodologias empregadas para esse fim, envolvendo inclusive várias disciplinas, num projeto multi e interdisciplinar. O importante nesse tipo de proposta é 4 GÓES, Lúcia Pimentel. Amanhã e Jajá. São Paulo: Brasil, 1985. 90 possibilitar que o ambiente de sala de aula e a própria dinâmica da aula atuem como um sistema, em que os alunos, na sua totalidade, sejam parte integrante desse sistema, influenciando-se mutuamente e contribuindo, pela interação, para a aprendizagem e para a superação das dificuldades como, por exemplo, os problemas de linguagem. 91 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDOLFI, Maurizio. A crise do casal. Uma perspectiva sistêmico-relacional. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002. BERTALANFY, Ludwig Von. Teoria Geral dos Sistemas. Petrópolis: Vozes, 1975. BOWLBY, John. Formação e rompimento dos laços afetivos. (Tradução Álvaro Cabral). São Paulo: Martins Fontes, 1997. BOWLBY, John. Separação: angústia e raiva. (Tradução Leônidas H. B. 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P. R. Idade: 38 Série que leciona: 2ª série Endereço: Antunes Ribas, 3944 Quanto tempo de regência de classe: 15 anos Quanto tempo de regência de classe nessa turma: 4 anos na 2ª série Aluno: SC Idade: 1) Como você descreve o desmepenho da criança com relação às aprendizagens escolares ? Bastante dificuldade na escrita (como fala ele escreve). Muito lento. Dificuldades principalmente na língua portuguesa. Tem facilidade na matemática. Conversa muito em aula. Difiuldade de concentração. Não cuida o material, Não faz os temas. 2) Quais os problemas de linguagem apresentados pela criança no ambiente escolar ? Troca de letras tanto na escrita quanto na fala. Não gosta de ler porque os colegas reclamam que não entendem nada. Fala como bebê, meio manhoso. Ex: ceito (certo)/troca o v pelo f/cachoia. 3) Os pais ou responsáveis têm consciência dessas dificuldades apresentadas pelas crianças ? Acho que não pois nunca apareceram na escola. 4) Desde quando a criança vem apresentando tais dificuldades ? Desde a primeira série. 5) Quais você acredita que sejam as causas desses problemas de linguagem ? Acho que por fatores emocionais e por questões metodológicas da primeira série (trabalhar mais os sons das letras). A prof. Acha que os pais deveriam tratar ele de forma bastante infantilizada. 6) Por parte da escola, que alternativas estão sendo buscadas a fim de sanar tais difculdades ? Solicitaram atendimento fonoaudiológico para o município mas não conseguiram pois o município está muito carente. 7) E em sala de aula ? Trava línguas, faz com que ele tenta repetir corretamente as palavras (mas ele não consegue). Tenta fazer com que ele treine a leitura mas os colegas dão risada e ele para de ler. 98 8) Qual o envolvimento da família tentativa de superar os problemas de linguagem apresentados pela criança ? A prof. acha que eles não estão se importando muito ou desistiram de procurar pois não têm condições financeiras. 99 ENTREVISTA COM A PROFESSORA DA PRIMEIRA SÉRIE Nome: M. R. S. Idade: 23 Série que leciona: 1ª série Endereço: Rua Universitária, 464 Quanto tempo de regência de classe: 3 anos Quanto tempo de regência de classe nessa turma: 1 ano na 1ª série Aluno: SA Idade: 8 anos (3° ano na 1ª série) 1) Como você descreve o desmepenho da criança com relação às aprendizagens escolares ? É difícil falar de desempenho pois ele faz quando quer. Percebe que não chama a atenção dele estudar (pois está 3 anos na 1ª). Quando ele faz o desempenho é bom. Ele já sabe ler e escrever (cursiva e escript). Não faz porque quer chamar a atenção. Não faz os temas. 2) Quais os problemas de linguagem apresentados pela criança no ambiente escolar ? Os problemas de linguagem é só na fala. A fala sai meio enrolada. Parece ser muito dengosa (tudo ele chora) ex: pateu (bateu) tiretor (diretor). Não gosta de ler, se apresentar porque sabe que fala errado. 3) Os pais ou responsáveis têm consciência dessas dificuldades apresentadas pelas crianças ? Os pais têm consciência porque a escola chamou os pais e colocou para eles. Vem raramente na escola. A mão está atenta as dificuldades, cobra dele. 4) Desde quando a criança vem apresentando tais dificuldades ? Sempre falou errado 9desde pequininho). 5) Quais você acredita que sejam as causas desses problemas de linguagem ? Penso que é pela própria história de vida dele (foi adotado e a família biológica deixava ele dentro de uma caixa). 6) Por parte da escola, que alternativas estão sendo buscadas a fim de sanar tais difculdades ? Pediram para os pais procurarem em pediátra e o médico pediu ofício para escola, aí a SMED diz que não precisa (ficam jogando de um lado para outro). 7) E em sala de aula ? Solicito bastante leitura, mas ele não quer ler na frente dos outros, aí ela dá uma atividade para os outros e ele lê só para ela. As vezes chora que não quer ler. Os colegas não dão risada. 100 8) Qual o envolvimento da família tentativa de superar os problemas de linguagem apresentados pela criança ? Acredita que não foram buscar ajuda. A mãe não é muito presente na vida escolar do filho. 101 Nome: M. R. S. Idade: 23 Série que leciona: 1ª série Endereço: Quanto tempo de regência de classe: 3 anos Quanto tempo de regência de classe nessa turma: primeiro ano na 1ª série Aluno: SB Idade: 7 anos 1) Como você descreve o desmepenho da criança com relação às aprendizagens escolares ? Muito bom. Vai bem em tudo. Sempre vem com o tema feito. Está sempre disposto para as atividades escolares, só é muito quietinho. E muito tímido e muiro carinhoso. Todos os colegas gostam dele. 2) Quais os problemas de linguagem apresentados pela criança no ambiente escolar ? Escrita e na fala. Troca letras. Do jeito que ele fala ele escreve. A prof. não acha que é dificuldade isso (que vai ocasionar problemas de aprendizagem) 3) Os pais ou responsáveis têm consciência dessas dificuldades apresentadas pelas crianças ? Tem consciência. A escola chamou os pais e eles colocaram que iam procurar ajuda. A mãe é bem interessada e participativa. (Pais separados). 4) Desde quando a criança vem apresentando tais dificuldades ? Não sabe desde quando. 5) Quais você acredita que sejam as causas desses problemas de linguagem ? Pode ser pela timidez dele. A prof. acredita que apesar dos pais separados não devem ter problemas em casa. 6) Por parte da escola, que alternativas estão sendo buscadas a fim de sanar tais difculdades ? 7) E em sala de aula ? Trabalha bastante a leitura. Por mais que seja tímido não se recusa a ler. A prof. percebe que ele tem vergonha pois em uma apresentação ele iria ter que pronunciar uma letra que ele não conseguia e pediu paraba prof. trocar a letra dele. 8) Qual o envolvimento da família tentativa de superar os problemas de linguagem apresentados pela criança ? A mãe buscou ajudou mas não consegiu. 102 ANEXO B - FICHA II – PAIS Nome do pai: Idade: Profissão: Escolaridade: Nome da mãe: Idade: Profissão: Escolaridade: Filhos/idades/escolaridade: Tempo de casamento dos pais: Endereço: Filho sujeito da pesquisa 1 – Aspectos do desenvolvimento e relações afetivas a) Gravidez; b) Amamentação; c) Cuidados diários com o bebê; d) Doenças na primeira infância; e) Início dos primeiros paços; f) Aquisição das primeiras palavras; g) Crescimento e desenvolvimento físico; h) Relações afetivas na família; i) Com quem a criança é mais apegada na família; j) Problemas enfrentados pela família que interferem no desenvolvimento do filho. 103 2 – Vida escolar a) Visão dos pais a respeito da educação dos filhos; b) O que os motivou a colocar o filho na escola; c) Que expectativas tinham da criança com relação aos estudos; d) Idade de ingresso na escola; e) Sentimentos da família com relação à entrada do filho na escola; f) Sentimentos da criança com relação à escola; g) Relacionamento da família com a escola; h) Relacionamento da criança com colegas e professores; i) Problemas ou dificuldades de aprendizagens demonstradas pela criança; j) Percepção dos pais a respeito dessas dificuldades; k) Algum outro filho também apresentou essas dificuldades; l) Os pais vêm como dificuldade os problemas de linguagem do filho; m) Envolvimento da família com relação à vida escolar do filho; n) Visão da criança a respeito de sua própria capacidade produtiva. 104 FICHA II – PAIS Nome do pai: J.P. da L. (falecido) Idade: 47 anos Profissão: mestre de obra Escolaridade: 4ª série do ensino fundamental Nome da mãe: E.O. da L. Idade: 37 anos Profissão: confeiteira Escolaridade: 8ª série Filhos/idades/escolaridade: SA (9 anos, 1ª série), G. (6 anos) Tempo de casamento dos pais: 13 anos Endereço: Rua Ipanema 190 Filho sujeito da pesquisa: SA 1 – Aspectos do desenvolvimento e relações afetivas a) Gravidez; b) Amamentação; c) Cuidados diários com o bebê; d) Doenças na primeira infância; e) Início dos primeiros paços; f) Aquisição das primeiras palavras; g) Crescimento e desenvolvimento físico; h) Relações afetivas na família; i) Com quem a criança é mais apegada na família; j) Problemas enfrentados pela família que interferem no desenvolvimento do filho. 2 – Vida escolar a) Visão dos pais a respeito da educação dos filhos; b) O que os motivou a colocar o filho na escola; 105 c) Que expectativas tinham da criança com relação aos estudos; d) Idade de ingresso na escola; e) Sentimentos da família com relação à entrada do filho na escola; f) Sentimentos da criança com relação à escola; g) Relacionamento da família com a escola; h) Relacionamento da criança com colegas e professores; i) Problemas ou dificuldades de aprendizagens demonstradas pela criança; j) Percepção dos pais a respeito dessas dificuldades; k) Algum outro filho também apresentou essas dificuldades; l) Os pais vêm como dificuldade os problemas de linguagem do filho; m) Envolvimento da família com relação à vida escolar do filho; n) Visão da criança a respeito de sua própria capacidade produtiva. Entrevista com a mãe de SA MÃE: Começou a entrevista colocando SA não é biologicamente filho dela, que pegou ele para criar. PESQUISADORA: Como foi que vocês pegaram ele para criar? MÃE: Ele é filho de uma cunhada minha que dizem que é meio louca. Um dia ela apareceu lá com o SA e disse que o marido tinha dito para ela sair e dar o filho, que se ela voltasse para casa com a criança ela iria ver uma coisa. E eu disse, tu que sabe, mas tu não vai me encomodar depois. Aí ela deixou ele lá todo pestiadinho, mais para lá do que para cá. Ela deixou e nunca mais voltou. PESQUISADORA: O que mais especificamente ele tinha? MÃE: Ele tinha um ano e nove meses, mas o tamanho dele era de uns seis meses. Ele não caminhava, não mexia as pernas, não falava nada, não movia, nem chorar ele chorava. Só ficava parado, e a mãe simplesmente deixou ele lá. Nós sabíamos que ela tinha tido um filho, mas a gente perguntava para ela dizia que não tinha. Ela teve uma outra menina que ela deu também. PESQUISADORA: Essa época de um ano e nove meses, tu sabes como eram os cuidados dela com relação ao filho? MÃE: O que eu sei é que ela criava ele num baú daqueles de leite sabe? Amarelo. Até uma agente de saúde foi lá em casa uma vez e me perguntou: a tua cunhada não tem um 106 nenezinho? E eu disse que tinha. Aí ele colocou que a criança estava lá no chão naqueles tarros de leite sozinha, sem nada, nem um brinquedinho para ele. A mulher disse que nem leite dava para ele, e ela perguntou se eu não podia ajudar e eu disse: ajudar eu posso. Aí eu mandei chamar a mãe e disse: olha, veio uma mulher aqui, e se ele for no Conselho Tutelar vão te tomar o guri. Aí eu disse que ia dar uma cesta básica para ela. Aí eu comprava, na cesta tinha leite, tinha bolacha, tinha fruta, tinha suco. Só que o que acontecia é que eles comiam tudo e não davam para a criança. E ela continuava dando água com açúcar para o guri. Até que chegou um dia que ela foi lá em casa e deixou o guri. Eu levei no médico. PESQUISADORA: Nessa época que você pegou o SA o teu esposo já era falecido ou não? MÃE: Não, não era. PESQUISADORA: E como o teu esposo via essa situação? Da própria irmã não conseguir cuidar do filho? MÃE: Ele dizia que achava que ela não regulava bem das idéias, pois criava o guri tipo bicho. Agora ela tem um outro gurizinho que deve ter um ano, mas está no mesmo estilo de SA. Aí nós ficamos com o guri, ele não chorou nem um dia, nem sentiu falta dela. PESQUISADORA: E vocês levaram ele nos médicos? MÃE: Levamos sim, fizemos tudo, tudo. Ele era todo sujo, virado em ferida, tu não tinha onde pegar nele. Aquela roupinha e o pano que ele estava quando ele me deixou, ele chegava estar grudado nele. PESQUISADORA: Ele não ficou com nenhuma sequela desses maus tratos? Vocês fizeram exames neurológicos? MÃE: Fizemos, e não apareceu nada, nada. Mas ele já tinha una dois anos e tanto quando começou a caminhar, e a falar também foi nessa época. PESQUISADORA: O teu esposo aceitou bem vocês ficarem com SA? MÃE: Sim, ele era louco por criança, e nós não podia te, nós tinha tentiado, tentiado e não tinha dado certo. Eu achava que estava grávida e fazia os exames e só dava negativo, aí eu desisti. Aí nós tivemos a guria. Eu lembro que SA foi no hospital e ele recém tinha começado a falar e eu disse que aquela era a maninha dele. Que ele ia Ter que cuidar dela. PESQUISADORA: E como foi quando ele começou a falar? MÃE: Desde que ele começou as primeiras palavras, ele já falava errado. Só eu entendia o que ele falava. Quando ele começou a ir na creche foi a mesma coisa, ninguém entendia o que ele falava. A mãe dele vai ve ele de vez em quando, mas ele nem dá bola para ela, nem conversar com ela. Esses dias ela foi lá em casa na hora do almoço com o gurizinho que ela 107 tem e ela almoçou e não quis dar comida para o guri porque ele ia se sujar e ela ia ter que lavar a roupa dele. PESQUISADORA: Qual a frequência que ela vem ver ele? MÃE: Vem lá de vez em quando. PESQUISADORA: E o SA? Pede por ela? Pergunta dela? MÃE: Não, não. Eu às vezes levo ele para ver ela, mas eu sinto que ela é uma estranha para ele. Às vezes ela reclama que ele não chama ela de mãe e eu digo para ela que ela tem que se interessar mais por ele, conversar com ele. Eu disse para ela: Porque tu não pergunta como ele tá no colégio? E ela me disse: Ah! O que eu quero saber disso. Aí eu disse: Então, como tu qué que ele te chame de mãe. Nós sempre falamos para ele que ele tinha duas mães, só pai, até agora ele não sabe que tem outro pai, pois ele é um borracho. Eu falei com ele e disse que eu não queria que ele fosse na minha casa, e que muito menos procurasse o guri, porque um dia ele chegou para o menino e disse que era pai dele, e a mãe dele passa dizendo que o pai dele não vale nada. Às vezes, ele me pergunta e eu não sei mais o que dizer para ele, porque se eu disser que ele tem um pai ele vai querer se aproximar dele. Aí eu evito ele falar com o pai, só que a mãe dele vem e diz que o pai dele não está morto, que está vivo. O pai dele é um baita de um marginal. PESQUISADORA: E com o teu esposo, SA era bastante apegado? MÃE: Sim, ele era mais apegado com ele do que comigo. PESQUISADORA: Como foi para ele a morte do pai? MÃE: Foi um baque, ele saiu de manhã e deu tchau para o pai e a noite vê o pai em um caixão. PESQUISADORA: De que que ele faleceu? MÃE: Num acidente de carro. Aí a mãe dele veio no dia do velório e queria levar o guri embora com ela. Aí eu disse para nós conversarmos depois. No outro dia ele e eu não deixamos. PESQUISADORA: Mas vocês tem a guarda dele? MÃE: Não tenho nada, ela nunca quis assinar nenhum papel. Agora ela já esqueceu, acho que não vai mais encomodar. PESQUISADORA: Como é a relação afetiva de vocês? MÃE: Ele é super afetivo com a gente, ele é mais afetivo que a menina. Eu só não consigo ser muito firme com ele quando eu quero repreender, não sei porque, eu não consigo. E ele é bem ativo. Eu digo, para ele que ele pode brincar lá fora, mas na primeira reclamação que tiver dele ele entra. 108 PESQUISADORA: E com a mana, ele se dá bem? MÃE: Brigam um pouquinho. Irmãos sempre brigam. PESQUISADORA: Ele foi para a creche e depois veio direto aqui para a escola? MÃE: Não, ele estudava antes numa escola perto da rodoviária. PESQUISADORA: Como foi a adaptação dele na escola? MÃE: Se acostumou bem, porque desde pequeno ele já ia na creche. Só a outra escola não se preocupava com ele como aqui. PESQUISADORA: É o terceiro ano que ele está na primeira série? MÃE: É. PESQUISADORA: A professora dele diz que não entende porque fizeram ele repetir de ano, pois desde o princípio, ele sabe ler e escrever. MÃE: Quando eu ia na outra escola, tirar informações a respeito dele, me diziam que ele era mal-educado, que era um magindão. Me diziam que ele não aprendia nada. E eu questionava o que elas estavam fazendo para que ele aprendesse. A diretora da escola disse que não queria mais ele lá que não aguentava mais ele. E eu perguntei porque? Ela disse que ele dizia nome. Tu tem que ver o parecer que elas escreveram dele. E eu disse que ele não era assim como ele estava sendo, tanto que aqui eles deixaram o Igor e nunca teve reclamação com os que tinha lá. Aqui, em alguns meses ele aprendeu muito mais do que em dois anos na outra escola. PESQUISADORA: E como ele é um menino alegre, né? MÃE: É, e tá sempre conversando. PESQUISADORA: Que expectativas você tinha quando colocou ele na escola? MÃE: Eu tive vontade de desistir, onde me diziam para levar ele eu levava. Tanto que fazem três anos que ele fez terapia. PESQUISADORA: Como sempre foi o relacionamento da senhora com as escolas? MÃE: Sempre que me chamam, eu venho. Na outra escola, era todo o dia um bilhete. Eu cheguei a perguntar para a diretora o que ela queria que eu fizesse e ela disse que eu tinha que mudar ele de colégio. E aqui nunca precisavam me chamar por ele ter feito alguma coisa. PESQUISADORA: Tu vê a diferença de relacionamento que SA tinha com o pessoal da outra escola com a dessa escola. MÃE: Para ti ter uma idéia, na outra escola chegou um dia que a professora disse para ele que ele não precisava vir todos os dias na aula. PESQUISADORA: E com os colegas, como era o relacionamento dele? MÃE: Não se davam com ele , ele não tinha nunhum amiguinho. Ele brincava sempre sozinho por que as professoas não deixavam os outros brincar com ele, por que ele era bagunceiro, 109 batia, empurrava. Eu ia de surpresa na escola, chegava lá e ele estava debaixo de uma mesa brincanco e eu perguntava porque ele não estava fazendo como os outros as tarefas e ele dizia que a professora falou que ele não precisava fazer. PESQUISADORA: Tu chegaste a questionar essa postura da escola? MÃE: Questionava sim e elas diziam que não adiantava falar com ele, que ele não era normal. Agora a minha guria está com aquela mesma professora e está acontecendo a mesma coisa que com SA. PESQUISADORA: Que motivo tu imagina que podem ter causado essas dificuldades de linguagem em SA.? MÃE: Acho que foi o tratamento do início da vida dele, falta de carinho e amor. PESQUISADORA: Quais foram as primeiras palavras dele? MÃE: mamãe e papai. E desde o início ele falava errado. As vezes eu peço para ele repetir a palavra, mas aí ele percebe que falou errado e fica quieto. PESQUISADORA: E quando você pede para ele repetir e ele repete, ele faz de forma correta? MÃE: Não, errada e aí ele se esconde e não fala. PESQUISADORA: A tua menina não teve essas dificuldades? MÃE: Não. PESQUISADORA: Tu acha que ele tem consciência que fala diferente das outras crianças? MÃE: Tem sim, e ele se sente envergonhado. PESQUISADORA: Conversando com ele eu percebi que ele tem atitudes de uma criança mais nova. MÃE: Pois é, agora é que descobriram, na terapia e me disseram que eu não posso tratar ele conforme a idade dele (9 anos) que ele está lá atrás. Ele age como a mana de 6 anos. Eu agora faço exigência para ele de acordo com a idade de 6 anos. PESQUISADORA: Tu acha que essa dificuldade de fala dele dificulta as demais aprendizagens dele? MÃE: Acho que sim. E eu não exigi tanto dele, está dando certo. E aqui na escola está dando certo. Na outra escola largaram de mão e eu disse que não ia largar ele de mão. 110 FICHA II – PAIS Nome do pai: R. de A. P. Idade: 28 anos Profissão: Garçom Escolaridade: 8ª série Nome da mãe: C. E. P. Idade: 26 anos Profissão: Garçonete Escolaridade: 1º ano do ensino médio Filhos/idades/escolaridade: L.P (8 anos, 2ª série), SB (6 anos, 1ª série) Tempo de casamento dos pais: Foram casados durante 10 anos Endereço: Ouldelmar Stanhaus 1190 Filho sujeito da pesquisa: SB 1 – Aspectos do desenvolvimento e relações afetivas a) Gravidez; b) Amamentação; c) Cuidados diários com o bebê; d) Doenças na primeira infância; e) Início dos primeiros paços; f) Aquisição das primeiras palavras; g) Crescimento e desenvolvimento físico; h) Relações afetivas na família; i) Com quem a criança é mais apegada na família; j) Problemas enfrentados pela família que interferem no desenvolvimento do filho. 2 – Vida escolar a) Visão dos pais a respeito da educação dos filhos; b) O que os motivou a colocar o filho na escola; 111 c) Que expectativas tinham da criança com relação aos estudos; d) Idade de ingresso na escola; e) Sentimentos da família com relação à entrada do filho na escola; f) Sentimentos da criança com relação à escola; g) Relacionamento da família com a escola; h) Relacionamento da criança com colegas e professores; i) Problemas ou dificuldades de aprendizagens demonstradas pela criança; j) Percepção dos pais a respeito dessas dificuldades; k) Algum outro filho também apresentou essas dificuldades; l) Os pais vêm como dificuldade os problemas de linguagem do filho; m) Envolvimento da família com relação à vida escolar do filho; n) Visão da criança a respeito de sua própria capacidade produtiva. Entrevista com a mãe de SB PESQUISADORA: Apresentação; explicação do trabalho para a mãe. PESQUISADORA: Como foi a gravidez de SB? Ela foi planejada ou não? MÃE: Nós tivemos a mais velha e depois eu engravidei dele, mas nós não queríamos. Eu tomei um monte de chá para tentar tira ele mas não consegui. E eu tinha já com 8 meses e ele não se mexia e eu perguntei para o médico se era por causa dos chás e ele disse que não. Disse que ele era preguiçoso. PESQUISADORA: Era só você que não queria ou o pai queria? MÃE: Não, ele queria sim. PESQUISADORA: Você tinha medo de alguma coisa que fez com que você não quisesse ele? MÃE: Eu tinha medo de passa por tudo aquilo de novo, a outra gravidez foi difícil. PESQUISADORA: Como foi o parto dele? MÃE: Foi tudo tranquilo, ele nasceu de parto normal. Depois eu me acostumei com a gravidez e quis ter ele. O meu medo mesmo era passa por tudo o que eu tinha passado antes. PESQUISADORA: Ele mamou no peito? MÃE: Mamou até os dois anos. PESQUISADORA: E era você que tomava conta dele quando bebê ou você tinha alguém que te ajudava? MÃE: Eu não deixava ninguém pegar, ninguém fazer nada, eu que cuidava dele, eu não deixava ninguém fica com ele. Eu não trabalhava, só ficava com ele. 112 PESQUISADORA: E quando foi que você começou a deixa ele com outras pessoas? MÃE: Agora. PESQUISADORA: Mas o teu marido te ajudava nos cuidados com a criança? MÃE: Ajudava. Eram dois pequenininhos, aí ele tinha que ajudar. PESQUISADORA: Ele teve alguma doença na infância? MÃE: Nunca teve nada, mas eu nunca fiz aquele teste do pezinho e agora eu me arrependo. PESQUISADORA: Como foi o desenvolvimento dele? Tu te lembras com quantos anos ele começou a caminhar? MÃE: Ele tinha 1 anos e 2 meses quando começou a caminha. A fala foi com 1 ano e 5 meses. E ele nunca chupou bico. PESQUISADORA: Tu te lembras quais foram as primeiras palavras dele? MÃE: Mamá, papá. Ele já falava errado desde pequenininho e a gente corrigia ele. A gente via diferença na forma dele e dela falar. PESQUISADORA: E como era o relacionamento de vocês com as crianças? Vocês brincavam com eles? MÃE: Passávamos brincando, era o mesmo que ter quatro rianças em casa. Os dois foram criados muito juntos, e ela sempre queria ajuda ele. Tombo que eu lembre, ele nunca levou. O que eu me lembro e que uma vez ele botou um feijão no ouvido, aí eu tive que leva no médico para tira. PESQUISADORA: E como foi o período de tirar a fralda? MÃE: Foi fácil, fácil. Ele tinha 1 ano e 5 meses quando eu tirei a fralda. PESQUISADORA: E como foi que você fez? MÃE: Eu ensinei ele a fazer xixi primeiro sentado e o pai dele ficava bravo por eu esta ensinando o guri a fazer xixi sentado, mas eu ensinei assim, primeiro sentado para depois em pé. PESQUISADORA: E vocês sempre se relacionaram bem com a família? MÃE: Sim, éramos bem afetivos, brincalhões. PESQUISADORA: E agora que vocês estão separados, o pai tem bastante contato com a criança? MÃE: Tem sim, ele sempre vê as crianças. PESQUISADORA: E como é, ele tem dia fixo para pega as crianças? MÃE: Sim, ele pega eles todos final de semana, às vezes só no Domingo e às vezes Sábado e Domingo. PESQUISADORA: Foi o juiz que estipulou assim? 113 MÃE: (concordou com a cabeça e começou a chorar) PESQUISADORA: É difícil para ti fala sobre isso? MÃE: (concordou balançando a cabeça). PESQUISADORA: Vocês se davam bem? MÃE: Sim. PESQUISADORA: Foi desejo teu ou dele se separar ou vocês dois chegaram a essa situação? MÃE: Eu não sei. Eu não me dava bem com a minha sogra, ela reclamava que as crianças tinham que fica limpas, e eu nunca me importei, sempre deixei que eles brincassem. Ela reclamava quando nós íamos na casa dela que ia suja a parede. PESQUISADORA: E como foi para SB quando vocês se separaram? MÃE: Ah! Ele chorava dia e noite. E a avó ele odeia, não quer nem saber de ir na casa dela. PESQUISADORA: E como ficou a questão da educação deles agora que vocês estão separados? MÃE: Quando eu dou uma palmada neles, eles dizem que no pai não é assim. O pai deixa eles fazerem de tudo na casa dele. PESQUISADORA: Então é só você que procura colocar limites neles? MÃE: Sim. PESQUISADORA: E vocês conversam a respeito da educação das crianças? MÃE: Não, nós nunca mais conversamos. Ele não ajuda nada. PESQUISADORA: Pelas coisas que tu estas me falando, eu tenho a impressão que ele mudou muito depois da separação. MÃE: Mudou muito, da água pro vinho. Acho que ele sem qué essa responsabilidade. PESQUISADORA: E nem sobre a separação vocês chegaram a conversar? Foi só esse bilhete? MAE: Ele me mandou um bilhete que não queria mais nada comigo, que não me amava mais e foi isso. Nós nunca mais nos falamos. PESQUISADORA: E vocês nunca mais se falaram? MÃE: Eu fui duas vezes procura ele, mas ele só me dizia que não era mais para eu procura ele. PESQUISADORA: E SB, como ele vivenciou tudo isso ? Ele pede pelo pai ? MÃE: Sim, tudo ele faz referência ao pai. Ele sempre foi mais apegado com o pai dele, porque dos dois estavam sempre brincando juntos. PESQUISADORA: E com relação à escola, SB fez a pré-escola ou veio direito para a promeira série? 114 MAE: Fez pré-escola com 5 anos. O pai dele queria que eu tivesse matriculado ele direto na primeira, mas eu botei na pré-escola. PESQUISADORA: E ele chorou para ficar na escola? MAE: Chorou sim Eu tive que brigar com ele. Eu disse. Caminha fica na escola. E ele nunca mais chorou. PESQUISADORA: E foi bastante tempo que ele chorou? MAE: Umas duas semanas, e eu ficava do lado de fora sentada até terminar a aula. No primeiro dia eu liquei dentro da sala. PESQUISADORA: Tu sempre ficava até o final da aula, ou quando tu percebia que ele estava bem tu ai embora? MAE: Não eu sempre ficava até o final, até que teve um dia que ele disse para mim que eu podia ir embora, e nunca mais ele chorou. PESQUISADORA: Como foi o relacionamento de vocês com a escola? MAE: Eu sempre venho, sempre estou aqui. PESQUISADORA: E o pai vem? MAE: No dia dos pais sim. PESQUISADORA: Mas se chamam ele vem? MAE: Mas nunca chamam. PESQUISADORA: E é você que auxilia ele com as tarefas escolares? MAE: Sim. Ele adora vir para a escola. Deus o livre se ele chagar atrasado. PESQUISADORA: E como é o relacionamento dele com os colegas e com a profe? MAE: Ele é bastante tímido. Mas agora acho que ele já está se defendendo mais, já está conversando com todo mundo. PESQUISADORA: Ele sempre foi tímido? MAE: Sempre foi tímido. PESQUISADORA: E quando tem alguma atividade na escola? MAE: Ele paticipa, só se tem que ler não, porque ele não pronuncia o “r” direito e ele me pede para que eu peça para a profe para ele não participar. PESQUISADORA: Essa dificuldade é só na linguagem oral? MAE: Sim, ele vai ocupar bem na matemática, desenha tudo. PESQUISADORA: E quando ele fala errado qual é o teu procedimento? MAE: Quando ele era pequenininho eu corrigia, mas agora eu não corrijo mais. Eu dizia mexe a língua. PESQUISADORA: E vocês chegaram a fazer uma avaliação? 115 MAE: Sim, ele não tem nada. PESQUISADORA: E qual você pensa que pode ser a causa dessas dificuldades? MAE: Não sei. PESQUISADORA: Ele percebe que ele fala diferente das outras crianças? MAE: Sim, ele nunca quer ler. Eu acho que a dificuldade de fala aumanta a timidez dele. Ele uma época só dalava no meu ouvido. Eu digo que ele fala que nem castelhano, como a minha mãe. PESQUISADORA: E a tua mão tem sotaque castelhano ? MAE: Não, ela é descendete de castelhano. E japonez é do meu pai, teve o olho puxado. PESQUISADORA: Tu não saberia dizer uma palavra que ele fala errado ? MAE: Não eu não saberia nem dizer. PESQUISADORA: Você sabe de alguém da tua família que também tinha essas dificudlades? MAE: Não, ninguém. PESQUISADORA: E ele escreve certo ? MAE: Sim, ele não escreve errado, é só na fala. Ele não troca as letras, ele simplesmente não consegue dizer. E as pessoas davam risada disso. PESQUISADORA: E acontece muito isso aqui na escola ? MAE: Agora não porque tem uns quantos que falam errado. PESQUISADORA: A tua menina nunca teve essas dificuldades como as dele? MAE: Não, nem quando pequena. PESQUISADORA: Não sei se teria mais alguma coisa que você gostaria de me dizer ? MAE: Não, acho que eu falei tudo. Ah ! uma coisa que a minha mãe me disse, como é que para cantar ela canta bem? PESQUISADORA: Ele conta direitinho ? MAE: Sim. Outra coisa, eu tinha uma conhecida que gritava muito, e quando eu estava grávida eu não podia escutar ela falando. Acho que era isso. PESQUISADORA: Obrigada pela tua disponibilidade. 116 FICHA II – PAIS Nome do pai: J. D. B. Idade: 45 anos Profissão: autônomo Escolaridade: 8ª série Nome da mãe: N. da R. Idade: 40 anos Profissão: servente Escolaridade: Filhos/idades/escolaridade: SC (8 anos, 2ª série), L. (2 anos) Tempo de casamento dos pais: 9 anos Endereço: Dervaugilho de Freitas 762 Filho sujeito da pesquisa: SC 1 – Aspectos do desenvolvimento e relações afetivas a) Gravidez; b) Amamentação; c) Cuidados diários com o bebê; d) Doenças na primeira infância; e) Início dos primeiros paços; f) Aquisição das primeiras palavras; g) Crescimento e desenvolvimento físico; h) Relações afetivas na família; i) Com quem a criança é mais apegada na família; j) Problemas enfrentados pela família que interferem no desenvolvimento do filho. 2 – Vida escolar a) Visão dos pais a respeito da educação dos filhos; b) O que os motivou a colocar o filho na escola; 117 c) Que expectativas tinham da criança com relação aos estudos; d) Idade de ingresso na escola; e) Sentimentos da família com relação à entrada do filho na escola; f) Sentimentos da criança com relação à escola; g) Relacionamento da família com a escola; h) Relacionamento da criança com colegas e professores; i) Problemas ou dificuldades de aprendizagens demonstradas pela criança; j) Percepção dos pais a respeito dessas dificuldades; k) Algum outro filho também apresentou essas dificuldades; l) Os pais vêm como dificuldade os problemas de linguagem do filho; m) Envolvimento da família com relação à vida escolar do filho; n) Visão da criança a respeito de sua própria capacidade produtiva. Entrevista com o pai de SC PESQUISADORA: Expliquei o porque da entrevista e começei perguntando de ele saberia me responder algumas coisas a respeito da gravidez do SC. PAI: Foi conturbada porque nós brigávamos muito. PESQUISADORA: Chegou a correr algum risco como de aborto, por exemplo ? PAI: Não, apenas era muito estresse, muito ciumenta. Ela é muito explosiva. PESQUISADORA: Ele nasceu de parto normal ou cesariana ? PAI: Parto normal. Ela tinha bastante facilidade de ganhar bebê, afinal foram quatro filhos. Mas de nós dois é somente SC e a L. Ela teve 2 filhos com outro marido, e eu tenho os meus filhos também. Amamentou ele 2 meses. PESQUISADORA: Quando vocês casaram os filhos dela eram pequenos ? PAI: Tinham perto de 10 anos. PESQUISADORA: E como era o relacionamento de vocês com os filhos dela e dela com os teus ? PAI: Eu sempre me dei bem com os filhos dela, mas ela nunca se deu bem com os meus. PESQUISADORA: Logo que ele nasceu quem cuidava dele ? PAI: Era sempre a mãe dela. Com três anos ele foi para a creche. PESQUISADORA: O senhor saberia me dizer com quantos anos ele começou a caminhar e a falar ? PAI: Caminhou com uns dois anos e a fala acgo que também foi na mesma época. 118 PESQUISADORA: O senhor saberia queis foram as peimeiras palavras que ele disse ? PAI: Mamá, mamãe. PESQUISADORA: Ele teve alguma doença séria quando pequeno ? PAI: Não só essas doenças normais de criança. Só ele não era muito de comer e é até hoje, e foi logo que ele deixou de mamar. Não sei se ele não gosta da comida em casa. PESQUISADORA: E agora que ele passa o dia na escola, o senhor sabe se ele está comendo ? PAI: Diz ele que está. PESQUISADORA: Como sempre foi o teu relacionamento com a sua esposa, vocês se dão bem, com que é ? PAI: Não. Até hoje tem brigas. PESQUISADORA: E como ele vê isso ? PAI: Ele não gosta de ver, ele fica nervoso. E quando o tempo está meio feio ele tranca as portas, diz que não é para ninguém sair. Ele se apavora, fica com medo que aconteça algo com o carro. Ele logo se agita, tem medo de dormir sozinho, no escuro. PESQUISADORA: E esses medos ele tem desde pequeno ? PAI: É desde pequeno. PESQUISADORA: Algum dia ocorreu alguma coisa específica com a casa que fez com que ele ficasse com medo. PAI: Não. PESQUISADORA: E quando pequeno ele era uma criança calma, ou dava um pouco mais de trabalho ? PAI: Não era calmo. Ele é um cara clamo, se eu ralho com ele, ele saia quietinho e deitava na cama dele. Ele é bem obediente, só que tem o irmão dele por parte de mãe, que já é mais de bater boca e as vezes ele quer fazer igual, mas comigo não, comigo ele é bem obediente. PESQUISADORA: E quando vocês querem colocar alguns limites nele, ou se fez algo que vocês não aprovam, qual a atitude de vocês ? PAI: Eu nunca encostei um dedo nos meus filhos. E isso é bom porque ele me obedece. Eu nunca bati, nem nos meus mais velhos eu nunca bati neles. Eu estou falando de mim como pai, agora a mãe dele como é mais esquentadinha de vez em quando baixa o sarrafo. PESQUISADORA: E com quem ele é mais apegado da família, da pessoa que ele convive ? PAI: Comigo e com a avó. PESQUISADORA: É a mãe dela ou do senhor ? PAI: Mãe dela, ele gosta muito da avó. E ele gsota muito de ficar comigo. PESQUISADORA: Isso ele me falou que ele gosta de ir trabalhar com o senhor. 119 PAI: É de vez em quando eu levo ele. PESQUISADORA: Eu percebi na forma como SC coloca que ele tem muito orgulho da família e de você e dos irmãos por parte de pai. PAI: Ele é uma criança que dabe dar valor à família é um menino muito carismático. PESQUISADORA: E vocês alguma vez passaram por alguma situações difíceis mesmo de se superar e que possam ter influenciado no desenvolvimento do seu filho? Financeiras ou emocionais? PAI: Teve de tudo já, muito graves. PESQUISADORA: Que tipos de situações ? PAI: Assim brigas mesmo, às vezes por causa dos filhos dela, ou por ciúmes. Mas já teve situações graves, com polícia e tudo. Tudo entre nós dois. Teve um caso sério. Ela estava em uma festa lá no serviço dela e eu estava indo lá com ele e o irmão dele, o filho dela. E ela começou a tomar muito. Ela se recusou a ir embora e as crianças queriam ir, e eu disse como eu vou tira a tua mãe de lá. Aí fechou o tempo, veio a polícia. Eu só sei que naquela noite as crianças foram parar no Conselho Tutelar e posaram lá. PESQUISADORA: E como foi para SC viver isso ? PAI: Nós procuramos dar carinho. E procuramos, na medida do possível não brigar na frente deles. PESQUISADORA: E como é, a sua esposa tem o hábito de beber frequentemente ou foi só naquele momento ? PAI: Ela não tem o hábito não, acontece se têm alguma festa no trabalho. PESQUISADORA: E você sempre vai com ela nas festas ? PAI: Não ela quase nunca me convida e aí chega em casa daquele jeito. PESQUISADORA: E quando ela chega assim, ela briga só com você ou com as crianças também ? PAI: Com que se atravessa na frente dela, qualquer pessoa. PESQUISADORA: E com você ela chega a ser agressiva ? PAI: Sim, e não precisa muita coisa para ela me mandar embora e me bota para fora de casa. Qualquer coisa ela me bota para fora. PESQUISADORA: O senhor saberia me dizer o que o senhor sente por ela ? PAI: É difícil, eu não sei porque eu estou alí, se é porque eu gosto dela, ou pleas crianças, ou as duas coisas. Ela é uma pessoa muito difícil. Para ti ter uma idéia, eu sou o terceiro marido dela. O primeiro merido dela era um homem trabalhador e honesto, só que bebia. O segundo era um bom homem. E eu fico nessa já fui, já voltei, já fui e já voltei. 120 PESQUISADORA: E como ficam as crianças nessas idas e vindas ? PAI: Por mais que eu saia de casa eu vou lá ou elas ficam durante o dia comigo. Se dependesse de mim e ela mudasse não teria problema. A questão é que ela é bem imprevissível, por qualquer detalhe ela muda e para mim isso é difícil. Olha eu estou abrindo para ti coisas que eu nunca falei para ninguém. PESQUISADORA: Eu gostraia de voltar um pouco a falar do SC. Depois da creche ele veio direto para essa escola ou estudou em outra ? PAI: Veio direto para essa. PESQUISADORA: Quais as expectativas com relação aos estudos e ao futuro do filho ? PAI: Ele é um menino que gosta muito de ler. E nós nunca tivemos queixa dele na escola. PESQUISADORA: E como é a participação de vocês como pais na vida escolar dele? PAI: Olha eu trabalho o dia inteiro, a mãe dele é que sempre vem nas reuniões. PESQUISADORA: Alguém ajuda ele nas tarefas escolres ? PAI: A minha regra é a seguinte, ele faz as tarefas e traz para mim olhar. E quando tu pergunta com relação ao fututo do Jonathan eu me preocupo com a convivência dele com os irmão por parte de mãe, porque ele são medonhos. Pata ti ter uma idéia o mais velho está com 23 anos e já está na terceira mulher e agora o Juís chemou porque ele estava com uma de 15 anos e tem um bebê de 2 meses. PESQUISADORA: E vocês moram todos juntos ? PAI: Sim ! E eu fico preocupado com o tipo de exemplo que eles estão dando para os meus filhos. Esse tipo de educação para os meus filhos não serve. Por que tu acha que eu levo ele para o trabalho ? Para ter contato com os outros irmãos que trabalham junto comigo. PESQUISADORA: E aqui na escola alguma vez ele demonstrou ter dificuldade de aprendizagem ? PAI: Não. PESQUISADORA: E as dificuldades de fala, ele tem desde pequeno ? PAI: Sim. PESQUISADORA: Você acha que ele tem consciência dessa dificuldade ? PAI: Sim, porque as vezes a gente pede para ele repetir e ele fica com vergonha. PESQUISADORA: O senhor saberia me dizer especificamente qual a dificuldade, se é na troca de algumas letras, como que é ? PAI: Ele simplesmente tira algumas letras da palavra por exemplo fogão, ele diz fadão. PESQUISADORA: O senhor se lembra de mais alguma coisa com relação à fala dele ? PAI: Acho que não. 121 PESQUISADORA: O senhor gostaria de me colocar mais alguma coisa ? PAI: Não, já falei tudo. PESQUISADORA: Eu agradeço o senhor ter se disponibilizado a vir aqui conversar comigo. 122 ANEXO C - OBSERVAÇÕES DE SALA DE AULA Primeira observação SA e SB Estão em uma aula onde terão que responder a umas perguntas colocadas pela professora no quadro. Perguntas essas que dizem respeito à identificação da escola, como por exemplo: Qual o nome da nossa escola? Nossa escola é pública ou privada? Entre outras questões. Os dois sentam um do lado do outro, passam boa parte do tempo desenhando. O SB chega um momento que ele copia e SA pede para que SB copie para ele e esse diz que não. SB tenta parar para prestar atenção na atividade e SA fica o tempo todo desviando a sua atenção. SB é mais na dele e SA muito pouco consegue parar para se concentrar. A turma como um todo é bastante agitada, o que dificulta, e muito, a concentração. Os dois passam o tempo todo se cutucando. SB é um dos poucos que fica sentado. SA passa brincando e dando palpite no que os outros estão fazendo, mas não faz nada. SA é bastante agressivo com SB, fica batendo nele e dizendo nomes para ele. A professora pede para SA terminar de copiar do quadro e ele diz que não consegue fazer. Uma colega escreve o nome do Igor e ele diz: “Cala a boca pau no cú”. SA escreve bastante o seu nome na classe. Os dois não se desgrudam, e SB não abre a boca para falar nada diante da turma, pois tem vergonha por falar errado. Quando a professora vai tomar a leitura dele tem que fazer com ele sozinho na sala de aula. Ele se abre muito com SA, é com ele que mais conversa. A professora disse que já tentou colocar os dois separados mas não conseguiu. A professora entregou umas cruzadinhas e SA foi um dos primeiros a terminar. A professora perguntou para SA se ele estava fazendo ou copiando de SB e ele disse que estava fazendo. Logo ele diz para SB que já enjoou de fazer, e começa a pedir que o colega faça para ele e ele diz que não, aí uma coleguinha começa a fazer para ele. A colega terminou para ele e ele foi correndo mostrar para a professora que tinha terminado. 123 Primeira observação de SC A turma parece ser bem tranqüila, todos fazem a tarefa. SC fica bem quietinho na sala, e quando termina a tarefa deita na classe. A professora entrega uma folha com atividades de português e ele permanece deitado na classe. A professora pede que ele comece a fazer e ele permanece por mais alguns minutos deitado na classe. Depois começa a conversar com o colega de trás e a professora pede que ele faça silêncio e ele deita novamente na classe. A professora consegue manter um bom controle da turma, conseguindo fazer com que todos trabalhem. Pediu para a professora para ir no banheiro e ficou uns 15 minutos fora da sala de aula correndo no corredor. Enquanto todos já estavam fazendo as atividades da folha, ele ainda estava copiando umas questões do quadro. Se distrai com qualquer coisa, e logo pára com as tarefas que a professora solicita, e quando está fazendo, o faz deitado na classe. Percebe-se muito barulho de alunos nos corredores da escola, o que dificulta a concentração dos alunos. Dá a impressão que SC está sempre pensando em outras coisas. Tenta ir ajudar dois colegas com as tarefas, mas um deles pede que ele saia, mas ele fica ali e diz que a sala é de todos. SC passa o resto do tempo em que esta pesquisadora esteve em sala de aula, deitado na classe. A professora me coloca que ele é um menino muito tranqüilo e bem comportado, mas está sempre no “mundo da lua” e quase nunca termina as tarefas . A professora ressalta que ele escreve como ele fala e me mostra alguns trabalhos. Exemplo - DITADO: Paisagem – paisase Continente – cotimete Comércio – comesio Ferramenta – ferrameta Cerâmica – selameta Algodão – agonta Missioneiro – misumeiro Alimento – alimeto Máximo – masimo Descendente – desedete Herança – erasa 124 Exemplo - Trabalho onde ela pede que ele fale sobre a história da vida dele. HISTÓRIA DA MINHA VIDA QUEDO EU TRESE QUERO SE SO GADO DE FUTIBOM QUERO VASE MOTO GOS VO JOGA GOTIME DE ARASIL QUERO SE O MELO DO MONDO BOM SO GA INRTE TANBEN QUE SE O MERO DE TODOS QUERO VOCÊ BOU BONITO QUERO SE GREDE SOJAGADO QUERO VIASA PARA AREMARA QUERO GANHA MUTOS JOGOS. 125 Segunda observação SA e SB Estão na aula de Educação Artística, cada um confeccionando uma bandeira do Brasil, colando papéis amassados. Os dois estão sentados um do lado do outro. Enquanto os outros conversam entre si, levantam pela sala interagindo com os outros colegas, os dois ficaram quietinhos um do lado do outro. A professora vem e explica para SB como era para fazer, e quando a professora saiu ele explicou para SA como se fazia. SA está bem quietinho hoje, bem diferente de como sempre está. Um colega vem e pergunta para SA se ele não vai colar papel em uma parte do desenho e ele diz: “Tepois eu vô potá”. SB faz o trabalho com bastante delicadeza para que fique como a professora solicitou. A professora passou por ele e disse que o trabalho estava ficando bonito. SB é muito observador, presta atenção no que os colegas ao seu redor estão falando, mas não conversa com ninguém, somente com SA. Começou a conversar com outros quando eles começaram a perguntar sobre quem tinha cachorro em casa e ele demonstrou interesse em saber. Tocou a sineta e SA começou a bater na classe e gritar de felicidade porque tinha batido. E começou a cantar o hino do Brasil, e no meio da letra colocava palavrões (“puceta”). A turma é bastante agitada, não conseguem parar para fazer a atividade, ficam cantando, caminhando na sala, dizendo nomes uns para os outros. SB e SA estão bem concentrados fazendo a tarefa. SB de vez em quando se vira para SA e fala alguma coisa bem baixinho no seu ouvido. Acabou o papel amarelo de SA e ele gritou: “Sora acapou o papel”. Chegou a hora do lanche. A profes sora solicitou que os alunos fizessem fila primeiro e SA levantou e saiu correndo e começou a brigar e empurrar os outros para ficar no início da fila. 126 Segunda observação SC Estão tendo aula de Matemática. A professora estava entregando umas rifas que conforme a quantia que vendessem estariam concorrendo a uma bicicleta, ele pegou o bloco dele e veio me mostrar que se ele vendesse tudo poderia ganhar uma bice. Ele sentou do meu lado e começou a ler o que estava na rifa para mim: “O solteio fai s e dia onsse de agosto”. Começou a copiar as tarefas do quadro e lia alto do quadro para copiar. Perguntou qual era todo o meu nome e eu respondi. Disse: “Soussa é o soprenome do meu irmão, do Jaidel”. Uns meninos de outra sala pararam na porta da sala dele e ele levantou e pediu que eles saíssem dali. Disse: “Sispa, sispa”. O diretor começou a explicar como funcionaria a rifa e ele levantou a mão para perguntar: “Tem que dá esse daqui ou esse?”. A professora explicou que ele destacaria o grande e entregaria para a pessoa que comprou. A professora foi apagar o quadro e ele pediu para ela não apagar que ele não tinha copiado ainda, mas não copiou. Deitou na classe e ficou escutando a professora explicar como ia funcionar a rifa. Bateu para o recreio e ele saiu correndo da sala. Foi um dos primeiros a sair. 127 Terceira observação de SA Estão fazendo a leitura de alguns livrinhos. Alguns ficaram na sala para fazer leitura e outros foram para a dança. SA ficou brabo que não foi escolhido para ir para a dança e ficou brabo e disse que não ia fazer nada. Deitou na classe e ficou. A professora perguntou onde estava o livro dele. Respondeu onde estava e disse que não ia ler. A professora parou do lado dele e começou a ajudá-lo a ler. A professora colocou que se ele lesse poderia ir para o esporte e aí começou a ler. Leu umas duas páginas e começou a fingir que estava lendo, passando as páginas bem rapidamente. Olhou para a professora e disse que já estava terminando, aí ela colocou que teria que contar a história para ela, e parou novamente do lado dele para que reiniciasse a ler. A professora ficou boa parte do tempo do lado dele. Ela saía do lado dele e ele parava de ler, somente continua quando ela voltava a auxiliá-lo. A professora saiu do lado dele e parou de ler e começou a brincar. Começou a fingir novamente que estava lendo. A professora parece prestar bem a atenção às necessidade de cada um, assim como percebeu que ele estava fazendo de conta que estava lendo e parou novamente do lado dele para ele ler. Quando percebeu que não conseguiria enrolar a professora, começou realmente a ler. Disse: “Sá teiminei sola”. A professora entregou uma folha para ele escrever a história. Ele ficou brabo e disse que ela falou que era só ele ler o livro que poderia sair. A professora falou para ele colocar o título do livro e ele logo disse: “Não sei equeve”. Pegou o livro dele de volta, sem que a professora visse, para copiar o título, pois não conseguiu escrever. Logo que copiou o título colocou o livro, escondido, na classe da professora, de volta para ela não ver que ele tinha copiado. Parou de fazer e deitou na classe. A professora foi até ele e disse para começar, ele se recusou e ela disse que se não fizesse iria para a coordenadora. Ele se recusou a sair da sala. A professora deu a opção para ele escolher uma outra história para ler e fazer o trabalho e ele aceitou. Fez de conta que leu, pegou um lápis, abriu o livro debaixo da classe sem a professora ver e começou a copiar o livro. Fazia de conta que estava pensando a respeito da história e quando a professora saía de perto dele, puxava o livro debaixo da classe para copiar. E ficou assim o resto da aula. 128 Terceira observação SB Estão em uma aula de leitura. A professora entregou um livrinho de historinha infantil para cada um dos alunos, e esses após a leitura individual, teriam que reescrever a narrativa com suas palavras. A professora recolheu os livros após a leitura. SB logo fez a leitura do seu livro e começou a escrever a história. Ficou sentado em sua classe realizando a tarefa. SB logo concluiu a atividade e foi liberado pela professora para ir para a aula de dança. 129 Terceira Observação de SC Estão em uma aula de leitura e escrita. A professora está passando um texto no quadro. A turma está bastante agitada. SC se levantou e foi de classe em classe para pedir um apontador. Todos sentam em dupla, menos ele. Pediu que eu sentasse do lado dele. E começou a copiar o texto do quadro. Começou a me explicar que semana que vem vão estar de férias. Disse: “sedunda, teiça, tuarta, tinta e seixta, famo tá te férias”. Todos sentam bem próximos, somente ele senta afastado dos colegas. Parou de copiar e começou a brincar com a borracha e a caixa de aparelho de dente. Fica observando o que os outros estão fazendo e não realiza as tarefas. Levantou para conversar com outro colega e a professora veio até a classe dele e disse para ele copiar e fazer uma letra legível que ela consiga ler depois. Um coleguinha se virou para mim e disse: “Ele n unca termina as coisas, sempre fica para traz”. Ele logo respondeu: “Não sô sempre eu, as fezes é o Dapriel, o Eduardo”, e foi dizendo o nome dos colegas que também se atrasavam. Parou novamente de copiar e começou a bocejar. Disse que estava com sono pois tinha acordado às 5h30min da manha. A professora toda hora tem que estar pedindo para ele voltar a copiar o texto. Todos os que já terminavam estão andando pela sala e conversando. Percebese que a professora está bastante irritada com o comportamento deles e começa a gritar para que eles sentem. A professora sugeriu que todos ao mesmo tempo fizessem a leitura do texto. SC não consegue acompanhar junto com os colegas a leitura. A professora começa a pedir que leiam individualmente. Enquanto os colegas lêem, Jonathan continua a copiar o texto. Se algum aluno não consegue ler uma palavra ela fica braba e repete de forma bastante dura a palavra que o aluno não conseguiu ler. Enquanto os colegas lêem ele fica de mão erguida pedindo para a professora chamar ele. Consegue ler o texto sem cometer muitos erros. Enquanto os colegas faziam a leitura do texto ele desenhava. A professora repetiu várias vezes a leitura do texto até que todos lessem. A professora começa a discutir o texto com eles, alguns se interessam e participam da discussão, outros estão brincando, conversando, lendo revistinha e SC continuou desenhando. A professora começou a passar umas questões no quadro. A maioria começou a copiar sem que a professora pedisse. SC olhou para o quadro para ver o que tinha para fazer. A professora começou a circular pela sala e quando ela chegou perto dele parou de desenhar e começou a copiar. 130 Quarta observação SA Nessa aula, a professora fez a leitura de uma historinha infantil chamada A Sabida Milica. Após a leitura, os alunos teriam que reescrever com suas palavras a narrativa, em no mínimo dez linhas. SA passou boa parte do tempo enrolando para não fazer a tarefa. A professora falou para eles que estava na hora do lanche e SA disse que não queria ir, que ia ficar fazendo a tarefa. Assim que todos saíram, SA puxou o livro, que havia pegado da classe da professora sem que ela visse, e começou a copiar a história. Me olhou e pediu que eu não contasse nada para a professora. A professora, logo em seguida, entrou na sala e viu ele copiando do livro e o recolheu. Sem outra alternativa, SA saiu para o lanche. Quando todos voltaram, SA ficou rodeando a classe da professora para ver se conseguia pegar o livro. Os que terminaram ficavam correndo pela sala, enquanto alguns continuavam tentando fazer a atividade. A professora liberou aqueles que já haviam terminado para irem para a educação física. SA ficou na sala para terminar a atividade, assim como boa parte da turma. A professora se retirou da sala para ver alguns alunos que estavam correndo nos corredores e alguns alunos, incluindo SA foram até a classe dela para copiar do livro. No que a professora se aproximou de sua classe para ver o que eles estavam fazendo, SA logo respondeu que os colegas estavam copiando a historinha. Depois disso, ele ficou andando de um lado para outro enquanto os colegas terminavam a atividade. Logo após, parou e ficou quietinho em pé, somente observando os colegas. Foi até a colega que estava com o livro para pegá-lo dela para poder copiar. Tomou o livro da colega e a professora pegou o livro dele, ao que ele reclamou dizendo que estava apenas lendo o livro. Ficou enrolando até o final da aula e não conseguiu realizar a atividade solicitada pela professora. 131 Quarta observação de SB A professora fez a leitura de uma historinha infantil chamada A Sabida Milica. Após a leitura, os alunos teriam que reescrever com suas palavras a narrativa, em no mínimo dez linhas. SB, nessa aula, está sentado bem longe de SA. SB logo concluiu a atividade dada pela professora, sem demonstrar maiores dificuldades. A professora colocou aos alunos que estava na hora do lanche e todos correram para fazer fila. SB era um dos primeiros da fila. Foram para o lanche e SB logo voltou para a sala de aula e sentou na sua cadeira. Logo em seguida todos os outros colegas voltaram para continuar a escrever a história. Como foi um dos primeiros a terminar ficou sentado na sua classe, por alguns minutos, sem fazer nada. Logo se levantou e começou a correr dentro da sala junto com outros colegas que também já haviam terminado. A professora colocou que quem havia terminado poderia sair para a educação física e SB foi logo liberado. SB parecia, nesse dia, estar bem mais solto e mais comunicativo com os outros colegas. 132 Quarta observação SC Estão em uma aula de matemática, resolvendo alguns problemas de adição, subtração, divisão e multiplicação. SC, como em todas as outras aulas observadas está sentado sozinho, enquanto os seus colegas estão sentados em duplas. A professora perguntou a resposta de um problema e ele logo respondeu. SC colocou que só não conseguia resolver uma continha e o colega que estava sentado à sua frente se virou para ele e disse que ele não sabia nada. SC olhou para mim e disse: “Sei te t otas tontas”. SC parece gostar da aula de matemática, pois logo resolveu todos os problemas de cabeça sem ter copiado os mesmos no caderno. Está o tempo todo conversando com o seu colega da frente. Fica de joelhos na cadeira. A professora colocou que estava na hora do lanche e eles se colocaram em fila para saírem da sala de aula. Voltaram do lanche. Todos ficaram em pé, pois inventaram uma brincadeira que ganhava aquele que fosse o último a sentar. A professora ficou braba e começou a gritar com eles, mandando que eles sentassem. SC logo sentou e ficou quietinho no seu lugar. SC disser bem alto que sabia responder todas as contas, mas ficava enrolando para não copiar do quadro. A professora começou a corrigir os problemas no quadro e SC logo dava as respostas para a professora. A professora queria apagar o quadro para passar para a aula de português, mas SC estava ainda copiando o primeiro exercício. A professora solicitou que ele apurasse e ele se sentou na cadeira, deitou a cabeça na classe e começou a copiar. A professora está o tempo todo gritando com eles, pois não param sentados e não param de conversar. SC ficou conversando e enrolando o tempo todo e a professora esperando para apagar o quadro para passar para a aula de português. A professora passou boa parte do tempo chamando a atenção de SC para que ele terminasse de copiar. 133 ANEXO D - ATIVIDADES DE INTERAÇÃO Primeira atividade de interação Perguntei sobre o que gostariam de fazer e SC disse que queria escrever um texto a respeito da copa. SC logo começou a escrever. SA e SB não quiseram fazer. SA disse que não sabia. Solicitei que desenhassem. SA falou: “As tles começa o sogo. A copa começa as quatlo.” Perguntei o que ele estava desenhando. SA: “Eu só fiz uma moto. Ele tá me imitando ” (apontou para SB). Solicitou que SA falasse do desenho dele. SA:“Desenhei: O sogado, a moto e o gol e coloquei o meu nome”. SC: “Quem ta fassendo dol”. SA: “Cacá. Mostra o que tu tá ussando no dente”. SC: “Taqui dois ano eu fo pota o fixo”. SA: “Eu nunc a quero ussa isso”. SB: Começou a falar com SA, mas bem baixinho que ninguém entendia. Pesquisadora: Mostra o que tu desenhou? SB: Uma nuvem, um alziol e uma moto. Pesquisadora: Quem estava fazendo o gol? SB: “Dzonaldinho Gausso”. SA levantou da cadeira e deitou no chão para olhar uma revista. SB não tira os olhos dele. SC: “Meu tiu feio da Aizentina num dia te taide. Eie passou um riu de veia. SB se levantou para ficar perto de SA. SA olhando as revistas cada vez que via uma mulher ficava faceiro e assobiava. Chamou os outros para ver a mulher. SA: “ SC tem uma muie pa ti e uma pa mim”. Os dois se levantaram para ir ver. SC logo voltou para continuar a escrever o texto e SB só dava risada. Convidei os dois para escutarem a história de SC. SB logo sentou, e SA ficou. Tive que insistir para vir. Título da história de SC: “A Topa do Mundo 2006” SA ficou bem próximo de SB e repetia algumas palavras que ele falava e SB ficava só dando risadinhas das palhaçadas de SA. SA (ficava perturbando). 134 Pedi para que escrevessem algumas palavras e SA se recusou a fazer. SA quis fazer um ditado com os colegas. Disse: “Óculos, mão, pé, camisa, cassaco” – óculos, mão, pé, camisa, casaco. SA começa a dar risada da forma como SC pronunciou as palavras e ele se defendeu dizendo que tinha um problema no olho, que tinha se batido. Jogadoi Taterno Ivia Paisazem SC Ane Óculos Tosaco Paisaze Anel Óculos SB Pé Camiza Caizado Eles começaram a dar risadas uns dos outros pelo fato de falarem errado, e logo SC se justificou de o porque que falava errado. SC diz que fala errado porque tem uma carne solta no nariz e SA disse que nasceu assim. SB disse que não sabe. 135 Segunda atividade de interação Foi deixado aos alunos alguns jogos, para que eles pudessem escolher a brincadeira que gostariam de realizar. SA e SB se dirigiram à um jogo de cartas e SC ao jogo da damas. SC se dirigiu à SA e SB dizendo: “Esse é uim tem te retoitá tuto”. Colocou que o jogo escolhido por eles era ruim porque tinha que separar uma carta da outra para poder jogar. Ao falar do jogo de damas, SC colocou que gostava de jogar e que o pai havia comprado um para ele. SC contou as peças do jogo e disse: “Ta fautanto um peto”. SA e SB começaram a arrumar as peças. SA: É quato pa cata um. Tem que asa dois icual, quato sunto (começou a explicar o jogo para SB). SB: Tem que aumá atim. SA: Não ta deisando nenhum pa mim. SA: Patemo, eu so pão. Vai se quato pa cata um. SB: É tinco. Nesse tempo SC pediu que eu jogasse uma partida com ele. Começamos a jogar. SC: Eu so bão nesse zogo. Fiz uma jogada que ele ficou preocupado. SC: Soia a senhoia me mata do toação. SC fez a sua jogada. SC: Te te eu fui fase. A senhoia pote tome os tois, tem rainha. SA e SB continuaram jogando. SB começou a distribuir novamente as cartas e SA logo me perguntou: “Tu empesta um lápis e um taterno pa nóis?”. Ao que eu respondi que não tinha nenhum caderno. SA pegou uma folha e uma caneta para anotar a pontuação. SA e SB jogaram mais uma partida. 136 SA: Apatemo te nofo te toga. (Empatamos de novo, que droga) SA: Soa, nós apatemo te nofo. Sugeri que eles pudessem jogar os três juntos, ao que eles logo aceitaram. SA começou a falar no ouvido de SB e SC colocou que não valia fazer grupinho. SC: São tontas taita? SA: Téis. (dez) Não, é sete pa cata um. SA e SB se juntaram para ganhar de SC e começaram a inventar regras de forma a que eles sempre ganhassem. Num primeiro momento SC aceitou essas regras. SA: Tois a selo pa nóis. SC retrucou o fato de só eles ganharem. SA: Fala tileito (se referindo a forma como SC falou) SA e SB começaram a dar risada de SC. SC: Tão me iograindo. (estão me logrando). SA e SB davam risadas por estarem roubando de SC. SC: Tem que imbaiaiá. SA começou a dar risadas e a imitar a fala de SC. SB dava risadas junto. SC ficou brabo deles estarem roubando e decidiu jogar dominó sozinho. SA e SB continuaram jogando juntos. SA e SB sempre faziam que empatavam o jogo. Logo SA começou a fazer palhaçadas e a chutar e a brigar com SC. SB somente dava risadas de SA. SC convidou SB para jogar com ele e esse não quis. SA logo disse que SB ia jogar era com ele. SA e SB pegaram o jogo de damas e SC foi tentar ajudar eles a jogar e SA disse para ele sair. SA começou a dizer palavrões para SC. Os dois começaram a se bater e a se chutar e SB só dava risadas. SA começou a fazer bagunça com o jogo de damas, atirando as peças para todos os lados. SB entrou na bagunça, o tempo todo dando risadas de SA. Solicitei que juntassem os 137 jogos, pois teriam que voltar para a sala de aula e SA ficou enrolando para não ir para a sala, começou a se jogar o sofá e a se atirar no chão. SB dava risadas de suas palhaçadas. SC logo que solicitei foi para a sala e os outros dois alunos, após algumas tentativas de SA para ficarem, também retornaram para a sala de aula. 138 ANEXO E - HISTÓRIAS EM QUADRINHOS 139 ANEXO F - HISTÓRIAS INFANTIS 140 FICHA CATALOGRÁFICA S729t Souza, Sabrina Alves de Teoria sistêmica: contribuições para a ação pedagógica frente aos problemas de linguagem / Sabrina Alves de Souza. – Passo Fundo: UPF, 2006. 137f. Dissertação (mestrado) – Universidade de Passo Fundo. – Programa de Pós Graduação - Mestrado em Educação, 2006 1. Psicologia educacional 2. Problemas de linguagem II. Título. CDU: 37.015.3 Responsável pela catalogação: Bibliotecária – Fernanda Ribeiro Paz CRB 10 / 1720