Sabrina Alves de Souza
TEORIA SISTÊMICA: CONTRIBUIÇÕES PARA
A AÇÃO PEDAGÓGICA FRENTE AOS
PROBLEMAS DE LINGUAGEM
Dissertação apresentada ao curso de Pós-Graduação
em Educação, da Universidade de Passo Fundo, como
requisito para a obtenção do título de Mestre em
Educação, sob a orientação da profª Drª. Tania Maria
Freddo
Passo Fundo, RS
2006
2
À minha mãe Dinalva Agissé Alves de Souza
3
À Professora Drª. Tania Maria Freddo, pela sua
orientação precisa e amiga, pelo incentivo e confiança
demonstradas;
À Professora Drª. Adriana Dickel, Coordenadora
do Curso de Pós-Graduação, Mestrado em Educação da
Universidade de Passo Fundo, pela atenção e importância
dedicadas a esta área;
Aos professores do programa de mestrado, que se
fizeram um marco diferencial no curso;
À Universidade de Passo Fundo – UPF – pela
organização e oferta de Cursos de Pós-Graduação;
Aos colegas de Mestrado, pela amizade, pelo
companheirismo, pela troca de experiências e pela troca
mútua de incentivos;
Aos professores e pais das crianças sujeitos da
pesquisa e à Escola que abriu espaço para a investigação;
À banca de qualificação e defesa;
À minha família pelo incentivo e apoio.
4
RESUMO
A pesquisa Teoria Sistêmica: contribuições para a ação pedagógica dos professores
frente aos problemas de linguagem, constituiu-se como uma análise dos problemas de
linguagem que se refletem no ambiente escolar e que decorrem de fatores emocionais, com o
objetivo de investigar como a Psicologia da Educação pode contribuir, a partir da Teoria
Sistêmica, para a ação pedagógica frente a esse tipo de problema. Esse estudo caracteriza-se
por uma pesquisa de campo, de caráter qualitativo, a partir da observação e análise dos dados
coletados. O universo da pesquisa foi constituído de três crianças, alunas das séries iniciais do
Ensino Fundamental, e que apresentavam dificuldades de linguagem, bem como observada a
ação pedagógica das professoras frente a essa problemática, considerando para isso a
interação entre professor e aluno. De forma a melhor garantir os resultados da pesquisa, foram
realizadas, além das observações, entrevistas com os pais e com as professoras, e atividades
de interação entre os alunos, sujeitos da pesquisa, atividades estas mediadas pela
pesquisadora, para posteriormente proceder ao estudo proposto. A partir da análise individual,
procurou-se chegar a uma análise conclusiva sobre a possibilidade de a Teoria Sistêmica
contribuir para o processo educacional promovendo, por meio da interação, a superação dos
problemas de linguagem oral decorrentes de fatores emocionais, que se manifestam no
ambiente escolar. A Teoria Sistêmica, como uma vertente da Psicologia, tornou-se elementochave para as análises e para as conclusões acerca dessa questão, pois considerou-se que a
proposta de se pensar a ação pedagógica, a partir da circularidade das relações, permite uma
nova abordagem na qual professor, aluno, escola e família interagem como membros de um
sistema. Para obtenção de melhores resultados, foi feito um estudo sobre a Psicologia da
Educação a partir de um referencial teórico para esse fim, contemplando, nesse estudo, a
Teoria Sistêmica, no sentido de mostrar como essa teoria pode contribuir para o processo
5
educacional a partir de novas abordagens pedagógicas que privilegiem a interação e que
considerem os problemas de linguagem oral que se manifestam no ambiente escolar como
responsabilidade, também, da escola.
Palavras-chave: teoria sistêmica, interação, linguagem, educação.
6
ABSTRACT
The research Sistêmica Theory: contributions for the pedagogical action of the
professors front to the language problems, consisted as an analysis of the problems of
language that if they reflect in the pertaining to school environment and that they elapse of
emotional factors, with the objective to investigate as the Psychology of the Education can
contribute, from the Sistêmica Theory, for the pedagogical action front to this type of
problem. This study it is characterized for a field research, of qualitative character, from the
comment and analysis of the collected data. The universe of the research was constituted of
three children, pupils of the initial series of Basic Ensino, and that they presented language
difficulties, as well as observed the pedagogical action of the teachers front to this
problematic one, considering for this the interaction between professor and pupil. Of form
best to guarantee the results of the research, they had been carried through, beyond the
comments, interviews with the parents and the teachers, and activities of interaction between
the pupils, citizens of the research, activities these mediated by the researcher, later to proceed
to the considered study. From the individual analysis, it was looked to arrive at a conclusive
analysis on the possibility of the Sistêmica Theory to contribute for the educational process
promoting, by means of the interaction, the overcoming of the decurrent problems of verbal
language of emotional factors, that if reveal in the pertaining to school environment. The
Sistêmica Theory, as a source of Psychology, became element-key for the analyses and the
conclusions about of this question, therefore it was considered that the proposal of if thinking
the pedagogical action, from the circularidade of the relations, allow a new boarding in the
which professor, pupil, school and family interacts as members of a system. For attainment of
better resulted, a study on the Psychology of the Education from a theoretical referencial for
this end was made, contemplating, in this study, the Sistêmica Theory, in the direction to
show as this theory can contribute for the educational process from new pedagogical
7
boardings that privilege the interaction and that they consider the problems of verbal language
that if reveal in the pertaining to school environment as responsibility, also, of the school.
Word-key: sistêmica theory, interaction, language, education.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................... 09
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS.................................................................................... 12
1.1 Teoria Sistêmica ..................................................................................................... 14
1.2 Teoria Sistêmica e Educação ................................................................................. 19
1.3 A Família à Luz da Teoria Sistêmica.................................................................... 25
1.4 Família e Escola...................................................................................................... 28
2 PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ................................................................................ 33
2.1 Psicologia da Educação e Linguagem .................................................................... 42
3 METODOLOGIA ........................................................................................................ 49
3.1 Tipo de Pesquisa ..................................................................................................... 49
3.2 Sujeitos da Pesquisa ............................................................................................... 50
3.3 Instrumentos da Pesquisa ...................................................................................... 50
3.4 Coleta de Dados ...................................................................................................... 51
4 ANÁLISE DOS DADOS .............................................................................................. 53
4.1 Análise das Entrevistas com as Professoras.......................................................... 53
4.1.1 Análise da entrevista com a professora de SA e SB ......................................... 54
4.1.2 Análise da entrevista com a professora de SC.................................................. 55
4.2 Análise das Entrevistas com os Pais ..................................................................... 56
4.2.1 Análise da Entrevista com a mãe de SA........................................................... 56
4.2.2 Análise da Entrevista com a mãe de SB........................................................... 59
4.2.3 Análise da Entrevista com o pai de SC ............................................................ 62
4.3 Análise das Observações em Sala de Aula ............................................................ 64
4.3.1 Análise das observações de SA........................................................................ 64
4.3.2 Análise das observações de SB........................................................................ 68
4.3.3 Análise das observações de SC........................................................................ 70
4.4 Análise das atividades de interação ....................................................................... 73
5 ANÁLISE CONCLUSIVA........................................................................................... 75
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 84
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 91
ANEXOS.......................................................................................................................... 94
9
INTRODUÇÃO
A educação, ao longo de todo seu percurso, apresenta um conjunto de concepções e de
teorias sobre o ato de ensinar e de aprender, as quais têm norteado o trabalho nas escolas de
acordo com o contexto histórico, geográfico e social. Apesar de muito se ter avançado em
termos de educação, saindo inclusive da centralização sobre como se aprende para como se
ensina (fator que impulsionou uma nova concepção sobre o próprio processo de ensino), a
educação ainda precisa passar por algumas transformações, e uma delas é ser decididamente
tratada como ciência. Para isso, não pode fugir do aprimoramento científico, devendo, no
dizer de Demo (1998, p.17), “abrir espaço adequado à fundamentação técnica, à ocupação de
espaço próprio, a tradições específicas de produtividade e pesquisa”.
Nesse sentido, cabe ressaltar que um dos fundamentos da educação é mobilizar-se em
torno da permanente atualização sem abandonar, obviamente, o classicismo da sistematização
do ensino e os princípios e fins das ações educativas. Para que isso possa ser possível, pela
educação devem perpassar outras ciências como, por exemplo, a Filosofia, a Sociologia, a
Lingüística, a Psicologia, mas no sentido de estabelecer, tão somente, uma interface a favor da
Educação.
Um dos desafios, no atual contexto educacional, é desenvolver a capacidade de
“aprender a aprender”, a qual, segundo Demo (1998, p.213), “indica uma visão didática
composta de dois horizontes entrelaçados, pervadidos pela competência fundamental do ser
humano, que é a competência de construir a competência, em contato com o mundo, com a
sociedade, num processo interativo produtivo”. Como essa proposta de educação subentende a
apropriação de valores éticos e culturais, bem como um conjunto de normas e princípios que
regulam o organismo da vida em sociedade, é indispensável que outras ciências se aliem à
ciência da educação, fundamentando-se, dessa forma, numa proposta educacional voltada à
10
construção de um sujeito social capaz de interagir em diferentes entornos de sua vida em
sociedade.
A Psicologia é uma das ciências que permite uma interação e participação nesse
contexto. Sendo uma ciência que tem como finalidade e objeto de estudo a compreensão dos
processos mentais que envolvem e determinam o comportamento humano, a Psicologia, mais
precisamente a Psicologia da Educação, deve servir como um instrumento a favor da
Educação. Por ser ainda a Psicologia a ciência que permite constatar que as emoções que
geram os comportamentos humanos podem acarretar, no decorrer de sua existência, diferentes
tipos de situações, conflitivas ou não, e que as conflitivas podem ocasionar problemas de
aprendizagem e/ou de interação escolar, a Psicologia da Educação pode contribuir
grandemente para a construção de uma proposta voltada à educação integral do aluno com
vistas ao desenvolvimento de suas habilidades e competências.
Podem ser vários os problemas que afetam o desenvolvimento de uma criança e que
incidem diretamente no seu comportamento e na sua condição de aluno, podendo, inclusive,
agravar-se no ambiente escolar. Um desses problemas diz respeito à linguagem. Muitas são as
causas dos problemas de linguagem e isso inclusive leva à necessidade de investigá-los.
Ao constatar que a origem do problema de linguagem pode estar relacionada a fatores
emocionais, a Psicologia, como ciência que procura entender as emoções e o comportamento
do homem, pode contribuir com relação ao encaminhamento mais adequado e possível,
sugerindo abordagens que podem ser apropriadas pelos professores na sua ação pedagógica
para uma possível solução desse problema. Quando os problemas lingüísticos chegam até o
ambiente escolar e à sala de aula, a Psicologia da Educação pode, em um trabalho conjunto
com a proposta pedagógica da escola, intervir para o tratamento dos problemas, os quais
podem manifestar-se pela indiferença à linguagem, ausência de escuta, ausência de
comunicação, ecolalia, solilóquios, estereotipias verbais, entre outros.
Além disso, não se pode desconsiderar que os problemas de linguagem resultantes de
fatores emocionais tendem a se agravar no ambiente escolar, já que esse envolve e exige
expressivo conjunto de relações interpessoais. A Teoria Sistêmica, como uma das abordagens
da Psicologia, pode aliar-se, em vista disso, à Psicologia da Educação e contribuir para as
abordagens e intervenções necessárias a serem adotadas na ação educativa por parte dos
professores e da equipe diretiva das escolas.
Por tratar das relações entre as pessoas, bem como da influência do comportamento de
umas sobre o comportamento de outras, colocando-as na condição sistêmica de sujeitos, que
tanto influenciam quanto são influenciados a partir das relações interpessoais, é que a Teoria
11
Sistêmica, como uma das vertentes da Psicologia, pode auxiliar na compreensão dos
problemas escolares. Considera-se para isso que é justamente nesse ambiente que a criança
consegue dar vazão a toda a sua conflitiva interior que pode, por sua vez, ser ocasionada pelos
diferentes tipos de sistemas humanos dos quais ela faz parte e que, igualmente, podem ser os
grandes causadores de suas dificuldades escolares, sejam elas de caráter afetivo, emocional,
de aprendizagem, ou um somatório de todos esses fatores.
O presente trabalho tem, pois, a finalidade de analisar como a Psicologia da Educação
pode contribuir no processo educativo, mais especificamente na ação pedagógica, através de
abordagens e intervenções sobre os problemas de linguagem decorrentes de fatores
emocionais, bem como apresentar sugestões de atividades pedagógicas com base na Teoria
Sistêmica, as quais podem transformar-se em instrumento e subsídio para a ação docente
frente a esse tipo de problema que muitas vezes é comum em sua prática profissional.
Sem a pretensão de ser um modelo, atém-se ao nível de sugestões, esperando, de certa
forma, contribuir para a ciência da educação, enquanto ciência que agrega o caráter das
ciências humanas e das ciências sociais aplicadas. Considerando principalmente que ao
processo educacional subjaz um conjunto de relações interpessoais e que a teoria sistêmica
pode contribuir para a compreensão dessas relações e, conseqüentemente, melhor possibilitar
o ensino e a aprendizagem pela interação, é que a presente pesquisa centrou-se na
investigação da linguagem produzida por três crianças com idade de sete a dez anos, alunos
da segunda e terceira séries do Ensino Fundamental de uma escola da rede pública municipal
da cidade de Santo Ângelo, Estado do RS.
Sendo assim, a pesquisa intitulada Teoria Sistêmica: contribuições para a ação
pedagógica frente aos problemas de linguagem apresenta um estudo sobre a contribuição da
Teoria Sistêmica para a prática educativa, tentando mostrar como a Psicologia pode, por meio
dessa teoria, contribuir para o processo educacional.
12
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Consensual é a afirmação de que a educação passa por profundas transformações em
decorrência das mudanças que vêm acontecendo no mundo contemporâneo. O modelo
estático de educação, que por muito tempo perdurou nas escolas brasileiras, hoje, pode-se
dizer, foi substituído por uma nova concepção de educação, pela qual perpassa a função social
da escola e a estreita relação entre o que se ensina no espaço escolar e a vida social além desse
ambiente.
A contemporaneidade exige, em vista disso, que a escola, por meio de seus
professores, se assente em objetivos educacionais representativos da vida em sociedade tendo
por base uma orientação epistemológica, de forma a traduzir, pelo ensino, a complexidade e a
heterogeneidade da realidade brasileira. Nesse sentido, cabe à educação básica o compromisso
de assegurar ao aluno as aprendizagens necessárias para a compreensão do cenário social do
qual faz parte e para o desenvolvimento de suas capacidades. Isso pode ser traduzido, em
outras palavras, como o direito que o aluno tem de desenvolver habilidades e competências,
por meio de uma prática educativa sistematizada pela organização curricular e pelos fins e
princípios da educação básica.
Nesse contexto, o Ensino Fundamental, na sua proposta de educação, tem o
compromisso, entre outros, de alfabetizar as crianças, dotando-as de habilidades que lhes
desenvolvam as competências de ler, escrever, fazer cálculos, resolver problemas, situar-se
histórica e geograficamente, bem como despertar-lhes o gosto pelas artes, pela cultura e pelo
esporte, proporcionando-lhe, ainda, o desenvolvimento de habilidades que lhes permitam
cuidar da sua saúde física e mental. Destaca-se, nesse contexto, a atenção à linguagem, no
sentido de habilitar o aluno à capacidade de ler e escrever e de expressar-se oralmente em
diferentes situações. Esse é, com certeza, um dos maiores compromissos da escola, visto que
13
a comunicação – em seu entorno familiar, escolar, profissional e social – decorre o mais das
vezes da linguagem verbal. Alguns profissionais da educação, especialmente os
alfabetizadores, e mesmo os professores da língua materna, encontram, muitas vezes,
dificuldades em desenvolver essas habilidades devido ao fato de não conhecerem os processos
mentais que acompanham as diferentes aquisições como, por exemplo, da linguagem oral e da
escrita, e também por desconhecerem os fatores que podem influenciar nesse processo e que,
conseqüentemente, podem acarretar sérios problemas, entre eles os que se originam de fatores
emocionais, tais como os atrasos de linguagem e os decorrentes das psicoses infantis.
Na tentativa de compreender melhor os problemas de linguagem que interferem
diretamente na questão educacional, a proposta de pesquisa contemplou, primeiramente, o
estudo das grandes teorias da Psicologia que são decisivas para a compreensão dos processos
educacionais, os quais contemplam, basicamente, questões referentes ao desenvolvimento
humano e as aquisições inerentes a cada fase do desenvolvimento. Igualmente, procurou
mostrar a importância e a grande influência dessas teorias, tanto no campo da Psicologia
quanto no campo da Educação, na tentativa de buscar a devida compreensão dos processos
educacionais (ensino e aprendizagem), considerando-se as particularidades de cada uma
dessas teorias.
Foram contempladas, no presente estudo, a psicanálise, abordando os primórdios dos
estudos de Freud que puderam fazer com que sua teoria pudesse ser utilizada para se
compreender também os processos educacionais; o humanismo com Carl Rogers, situando,
em sua teoria, a busca constante dos indivíduos do seu verdadeiro eu, e a importância dessa
busca para a construção do ser humano e suas influências na relação do professor com o
aluno; a teoria sócio-histórica com Lev Vygotsky, a partir da relação entre desenvolvimento e
aprendizado, considerando-se o nível de desenvolvimento real, o potencial e a zona de
desenvolvimento proximal, o conceito de mediação e suas implicações para a compreensão do
processo educacional; a psicogenética com Henri Wallon, mostrando a intenção do autor em
compreender a construção de um ensino que leve em conta aspectos emocionais, para assim
compreender a construção do caráter da criança, tendo como ponto de partida do estudo as
especificidades de cada etapa do seu desenvolvimento, bem como a contribuição de sua teoria
e a sua tentativa de promover uma reforma pedagógica. Foram essas algumas das teorias que
puderam estar ao lado da Educação no sentido de uma maior compreensão dos problemas
escolares, cabendo ressaltar sua importância para a Educação. Nesta pesquisa, essas teorias
foram utilizadas para referendar o presente estudo, visto que o mesmo procura analisar os
problemas de linguagem decorrentes de fatores emocionais, a partir de uma visão sistêmica,
14
procurando justamente investigar como a Psicologia da Educação, através da Teoria
Sistêmica, pode contribuir para novas abordagens da ação pedagógica dos professores frentes
aos problemas de linguagem.
1.1 Teoria Sistêmica
A Teoria Geral dos Sistemas pode ser vista como uma das teorias que se dedica a
estudar os processos de interações sociais, fazendo com que a noção de sistema passe a
aparecer e a fazer parte da investigação científica. De acordo com essa perspectiva, a ciência
passa, então, a não mais isolar os fenômenos, mas a estudá-los em unidades cada vez maiores.
Segundo Osório & Valle (2002, p. 26):
A teoria geral dos sistemas foi elaborada e sistematizada por Von Bertalanffy a
partir da década de 20. Depois da teoria psicanalítica e da teoria behaviorista, a
teoria geral dos sistemas é considerada como a terceira grande contribuição de uma
teoria unificada do comportamento humano.
Na década de 40, outro aporte teórico veio juntar-se à teoria sistêmica na tentativa de
entender o processo de interação humana, que é a cibernética. A cibernética se ocupa das
transformações de comportamentos dos membros de um sistema e da influência de um
membro sobre outro nessas mudanças de comportamentos. Quanto a isso Vasconcellos (1995,
p.77) afirma:
A simples definição dos componentes do sistema não determina o modo de
acoplamento e só os pormenores deste determinam o comportamento do todo. O
estado de cada parte é função das condições proporcionadas pelas outras partes e
cada parte tem poder de veto sobre os demais estados do todo.
A teoria sistêmica – e dentro dessa a cibernética - parte do ponto de vista de que todo o
ser humano faz parte de um sistema (no caso a família), sendo esse sistema regulado por um
sistema maior (a sociedade). Ao fazer parte de um micro e de um macrossistema, os seres
humanos vão construindo o seu “eu” a partir das interações sociais. A teoria sistêmica parte
15
do pressuposto de que os seres humanos, desde o nascimento, relacionam-se e interagem
socialmente com outras pessoas, e que essas interações determinam o processo de construção
da nossa identidade, bem como determinam, igualmente, toda a construção do psiquismo.
Segundo a teoria sistêmica, não se pode ver a experiência humana e individual separando-as
do relacional e do interacional. Segundo Prado (1996, p.19):
O conceito de inter-relação entre os indivíduos em qualquer campo, desde os
sistemas ecológicos até os familiares, tem modificado profundamente a visão dos
teóricos da psicologia humana... O conceito de interação, que tem obtido um grande
reforço a partir dos estudos objetivos do relacionamento pais-bebês, vem
modificando profundamente o modo de conceituar o desenvolvimento dos
indivíduos, no sentido de considerar cada vez mais o contexto familiar e social como
parte relevante na determinação de sua saúde ou de sua patologia.
A teoria sistêmica vê o homem inserido em vários sistemas, sendo esses marcos
fundamentais para a sua construção tanto individual quanto social. Esses sistemas interagem
uns com os outros, influenciando-se mutuamente e determinando as ações dos indivíduos uns
com os outros. Conforme Osório & Valle (2002, p.44):
Sistema humano é, em nosso entender, todo aquele conjunto de pessoas capazes de
se reconhecerem em sua singularidade e que estão exercendo uma ação interativa
com objetivos compartilhados. Esse conceito hoje para nós confunde-se com a
própria noção do que seja um grupo humano, pois o referencial que o caracteriza é a
interação entre seus membros. Portanto, empregamos, aqui, as expressões grupos e
sistemas humanos como equivalentes.
A partir dessas concepções, fica claro que para a teoria sistêmica os indivíduos são
construídos e constituídos a partir das interações sociais, sendo essas a chave-mestra para se
entender os comportamentos dos membros de um sistema. Analisar, pois, as interações sociais
e suas influências sobre os indivíduos é ponto fundamental para a teoria sistêmica, devido a
esta ter como princípio norteador de sua teoria o fato de que os seres humanos se encontram,
desde o nascimento, inseridos em diferentes contextos e sistemas sociais.
A Psicologia foi pensada a partir de grandes teorias que influenciaram e continuam
influenciando e determinando diferentes formas de atuação e de compreensão dos processos
psíquicos, e a teoria sistêmica pode ser vista como uma dessas teorias que procurou dar a sua
16
contribuição nessa compreensão. De acordo com Vasconcellos (1995), o pensamento
sistêmico passou a ser enfatizado em 1950, como modelo e enfoque teórico para subsidiar a
terapia de famílias. Sua proposta de intervenção terapêutica mudava os rumos das demais
terapias da época, pois desviava o foco do intrapessoal para o relacional, ou seja, para o
interpessoal.
Segundo Vasconcellos (1995), quando Von Bertalanffy criou, em 1950, a teoria geral
dos sistemas, a ciência passou a adotar uma forma de ver o mundo baseada nessa noção de
sistemas. Ainda de acordo com Vasconcellos (1995, p.73):
A noção de sistema apareceu como conceito fundamental na investigação
científica: a ciência tende a não mais isolar os fenômenos de seus contextos,
examinando unidades cada vez maiores. Sob o título comum de investigação dos
sistemas, convergem os avanços de diversas especializações científicas.
Vasconcellos (1995) acredita que essa mudança de foco do intrapessoal para o
interpessoal fez com que a sistêmica se aproximasse da cibernética, teoria que procurava, na
época, compreender os padrões relacionais. De acordo com a autora (1995, p.76): “A
cibernética se ocupa das transformações que de fato ocorrem nos comportamentos do sistema
e não nas hipóteses sobre as possíveis causas dessas mudanças”. Pensar as transformações que
ocorrem nos comportamentos de cada um dos membros de um dado sistema implica, ainda
conforme Vasconcellos (1995), em se determinarem as influências de cada um dos membros
do sistema sobre o todo e, igualmente, a influência dos membros entre si. Nesse sentido,
Vasconcellos (1995, p.82) acredita que a cibernética pode contribuir pois, segundo ela, “A
cibernética, sendo um esforço racional para melhorar o saber-fazer, para melhorar o trabalho
regulado em direção a um objetivo, precisa lidar com um pensamento claro, que seja
reprodutível, comunicável, ensinável”.
Essa perspectiva cibernética de procurar compreender e trabalhar a partir das
mudanças de comportamento dos membros de um determinado sistema, a partir do modelo
relacional, fez com que a teoria sistêmica, a partir das bases cibernéticas, pudesse ser utilizada
para se entender a complexa rede de tramas e relações implícitas nas configurações familiares.
Pensar os membros da família como fortes influenciadores nos padrões de relacionamento e,
conseqüentemente, na manutenção e/ou transformação dos comportamentos leva a crer,
segundo Minuchin (1990), que a identidade individual de cada um dos membros da família irá
17
ser estabelecida e determinada pelo pertencimento a esse grupo, bem como aos demais grupos
sociais dos quais a família faz parte. De acordo com Minuchin (1990, p.53):
No processo inicial de socialização, as famílias modelam e programam o
comportamento e o sentido de identidade da criança. O sentido de pertencimento
aparece com uma acomodação de parte da criança aos grupos familiares e com sua
pressuposição de padrões transacionais, na estrutura familiar, que são consistentes
durante todos os diferentes acontecimentos da vida.
Muito além de modelar a identidade de cada um dos membros da família, o entorno
social e as relações dos membros entre si irão determinar, também, a estrutura familiar, ou
seja, toda a forma de adaptação da família a diferentes circunstâncias. Isso quer dizer que,
ainda conforme Minuchin (1990, p.58), “a estrutura familiar deve ser capaz de se adaptar,
quando as circunstâncias mudam”. Segund o o autor (1990), essa capacidade de adaptação da
família a diferentes situações é que determinará o seu bom funcionamento assim como a boa
estrutura que a família tem condições de oferecer aos seus membros. De acordo com
Minuchin (1990, p.57):
A estrutura familiar é o conjunto invisível de exigências funcionais que organiza as
maneiras pelas quais os membros da família interagem. Uma família é um sistema
que opera através de padrões transacionais. Transações repetidas estabelecem
padrões de como, quando e com quem se relacionar e estes padrões reforçam o
sistema.
Minuchin (1990) acredita que são justamente essas transações que irão regular todos
os comportamentos de cada um dos membros da família e, igualmente, determinarão toda a
capacidade de a família se adaptar às circunstâncias, sem que essa adaptação interfira ou
prejudique o bom andamento da mesma. Esse bom andamento ou não do sistema familiar será
fortemente influenciado por questões inerentes ao ciclo de vida familiar. Carter & Mc
Goldrick (1995, p.8) abordam bem essa questão do ciclo de vida familiar afirmando que:
Nossa opinião é a de que a família é mais do que a soma de suas partes. O ciclo de
vida individual acontece dentro do ciclo de vida familiar, que é o contexto primário
do desenvolvimento humano. Consideramos crucial esta perspectiva para o
entendimento dos problemas emocionais que as pessoas desenvolvem na medida
em que se movimentam juntas através da vida.
18
Segundo as autoras citadas anteriormente (1995), a família pode enfrentar momentos
de dificuldades e de transações, conforme o estágio do ciclo de vida que estão passando.
Carter & Mc Goldrick (1995) acreditam que todas as emoções e comportamentos
manifestados pelas famílias ao longo do ciclo de vida compreendem o sistema emocional de,
pelo menos, três gerações. Ainda de acordo com as autoras (1995), as gerações movimentamse através do tempo influenciando as gerações futuras e, conseqüentemente, determinando
alguns tipos de padrões de comportamentos e de relacionamentos estabelecidos pelos
membros da família entre si e com os demais sistemas dos quais fazem parte.
Cabe ressaltar que todas essas questões referentes às influências das gerações sobre a
família, assim como as dificuldades que essa enfrenta no transcurso do ciclo de vida, serão
fortemente influenciadas pelo tipo de relação que estabelece o casal ao determinarem que
terão uma vida a dois. Conforme Andolfi (2002, p.14): “Em toda cultura, os casais fazem uma
espécie de contrato metafórico no início da relação para determinar não só se haverá ou não o
casamento, mas também para estabelecer as regras da própria relação”. Esse contrato a que se
refere Andolfi (2002) inicia com o casal e perpassará toda a futura família, bem como
influenciará as gerações futuras e os demais membros da família. Com relação a esse aspecto
Andolfi (2002, p.15) afirma que:
A construção dos papéis e das regras de relação é um processo circular de
influência recíproca ao longo do tempo. Nenhum casal inicia uma relação a partir
do zero, cada indivíduo tem um sistema de crenças e de expectativas em relação ao
casamento estruturado a partir da experiência na família de origem e de outras
experiências matrimoniais e de casal, imerso na cultura de uma comunidade e
sociedade específica. Esses valores permeiam os nossos modos de conceber o
casamento e condicionam os nossos modos de ser marido e mulher.
Essas colocações de Andolfi (2002) a respeito do casamento e das influências das
famílias de origem sobre um novo casal e, futuramente, sobre uma nova família, levam a se
pensar na própria capacidade do casal no que diz respeito à resolução dos problemas
enfrentados no dia-a-dia. Andolfi (2002) acredita que se pode perceber o bom funcionamento
do casal a partir dessa capacidade de resolver os problemas. Segundo Andolfi (2002, p.23):
“A grande diferença dos casais que dão certo e os que não dão certo não é a presença ou
ausência de problemas, mas sua capacidade de enfrentar e resolver as dificuldades que surgem
no curso da vida a dois”.
19
A capacidade de resolução dos problemas é, para Andolfi (2002), ponto fundamental a
fim de que se possa compreender o bom funcionamento do casal e, conseqüentemente, da
família, e compreender as relações estabelecidas e os tipos de comportamentos manifestados
pelos membros de um determinado sistema.
Vasconcellos (1995), ao pressupor que a família é um sistema, o faz acreditando na
noção de circularidade que, segundo a autora (1995, p.23), “Significa que cada
comportamento e cada evento no sistema está vinculado, de forma circular, a muitos outros e
que nenhum comportamento ou evento isolado ocasiona outro”. Nesse sentido, Vasconcellos
(1995) apresenta algumas bases da teoria sistêmica, a qual pode ser vista como uma nova
forma de se pensarem as relações que se estabelecem entre os seres humanos, assim como
pode ser vista como uma nova abordagem teórica da Psicologia que, juntamente com as
demais teorias, se ocupa da compreensão do comportamento humano.
1.2 Teoria Sistêmica e Educação
A Teoria Geral dos Sistemas surgiu com Von Bertalanfy e propõe uma nova forma de
se ver as organizações e instituições. A ciência procurava explicar os fenômenos a partir do
isolamento de seus elementos constitutivos e, de acordo com Von Bertalanfy (1975), a ciência
considerada como contemporânea procurou analisar os fenômenos a partir de sua totalidade,
considerando-os como sistemas. Bertalanfy (1975, p.61) acredita que: “A teoria geral dos
sistemas portanto é uma ciência geral da totalidade”. Ao ser vista como uma ciência da
totalidade, a teoria geral dos sistemas, ainda de acordo com Bertalanfy (1975), propõe uma
nova forma de ver as relações e as interações entre os membros de um determinado sistema,
pois avalia essas interações a partir da influência mútua entre esses membros.
Von Bertalanfy (1975), após algumas explicações a respeito dos postulados teóricos da
teoria geral dos sistemas, propõe que essa possa ser utilizada também na educação. O autor
(1975, p.79) salienta que: “Entretanto, se falamos de educação não queremos dizer apenas
valores científicos, isto é, comunicação e integração dos fatos. Queremos nos referir também
aos valores éticos, que contribuem para o desenvolvimento da personalidade”. Nessa
perspectiva de se pensar a influência dos membros de um sistema, como no caso, o sistema
educacional, cabe ressaltar que um sistema, para Gasparian (1997, p.27): “Pode ser visto
como o conjunto de elementos materiais ou não, que dependem reciprocamente uns dos
outros, de maneira a formar um todo organizado”. A teoria geral dos sistemas propõe, então,
20
uma mudança de enfoque, das partes para o todo, levando-se em consideração que as partes só
poderão ser entendidas a partir do todo. Com relação a esse pensamento sistêmico, Gasparian
(1997, p.25) afirma: “Através do Modelo Sistêmico tem -se mais flexibilidade nas ações e uma
aplicação da visão psicopedagógica no que se refere ao ensino e aprendizagem, trabalhandose com alunos e professores individualmente ou em grupo”.
De acordo com essas concepções de Gasparian (1997), de que a teoria sistêmica
oferece uma possibilidade de se trabalhar tanto individualmente quanto em grupo, faz-se
necessário ressaltar um dos elementos-chave da teoria sistêmica que é a noção de globalidade.
A globalidade, segundo Gasparian (1997), diz respeito à noção de totalidade abordada por
Von Bertalanfy (1975). Gasparian (1997, p.27), ao falar da influência que as partes de um
sistema exercem entre si, que levam a pensar na noção de globalidade, afirma que:
A toda e qualquer parte de um sistema está relacionada de tal modo com as demais
partes que a mudança numa delas provocará mudança nas demais e,
conseqüentemente, no sistema total. Isto é, um sistema comporta-se não como
simples conjunto de elementos independentes, mas como um todo coeso,
inseparável e interdependente.
Nesse sentido, a teoria sistêmica aplicada à Educação partirá do pressuposto de que
todos os membros desse sistema específico tanto influenciam quanto são influenciados pelos
outros. Ver a educação, a partir de uma perspectiva sistêmica, segundo Gasparian (1997),
implica em levar em consideração a noção de circularidade e de retroalimentação, que
corresponde à capacidade de analisar as relações e as interações a partir de uma visão circular,
na qual o comportamento de um gera o comportamento de outro, a partir de uma relação
retroalimentar e de influência mútua. Com relação a esse aspecto Gasparian (1997, p.28)
coloca:
A segunda propriedade dos sistemas é o conceito de retroalimentação ou
feedback. As partes de um sistema unem-se através de uma relação circular. A
retroalimentação e a circularidade são o modelo causal para uma teoria de sistemas
interacionais, ao qual pertence o sistema educacional escolar. Ou seja, a escola, do
ponto de vista sistêmico, pode ser encarada como um circuito de retroalimentação,
dado que o comportamento de cada indivíduo afeta e é afetado pelo comportamento
de cada uma das outras pessoas.
21
Gasparian (1997) acredita que o sistema educacional pode ser tanto funcional quanto
disfuncional. Dentro do modelo sistêmico, e conforme a autora, estar funcional significa que a
escola tem condições de englobar todos os elementos de um mesmo problema, a fim de obter
uma verdadeira e eficaz resolução para a solução desses problemas enfrentados no cotidiano
escolar. O sistema escolar pode estar, em um dado momento, disfuncional. Conforme
Gasparian (1997, p.31): “Um sistema escolar disfuncional mantém rigidamente o seu status
quo interacional, mesmo quando uma mudança em suas regras é essencial para o
desenvolvimento de seus membros ou para a adaptação a novas condições escolares”.
Todas essas questões inerentes ao ambiente escolar remetem à própria condição do
aluno e à condição de professor. O aluno, segundo Gasparian (1997), entra na escola e lá se
depara com um meio com o qual não está habituada. Logo, todas as concepções trazidas pela
criança do seu ambiente familiar serão reorganizadas a fim de que possa dar conta das
concepções escolares. Com relação ao professor, caberia analisar e prestar a atenção nas
motivações que o fizeram escolher essa profissão, pois são justamente essas motivações que
determinarão o tipo de vínculo que ele irá estabelecer com o seu aluno. Ao falar da influência
e da importância da relação e do vínculo estabelecido entre o professor e o aluno, Gasparian
(1997, p.56) diz que:
É nas relações entre os indivíduos que se forma o cidadão, é através da
aprendizagem que a pessoa é inserida, de forma mais organizada no mundo cultural
e simbólico, na sociedade. Cabe à escola o papel de mediadora nesse processo de
inserção do organismo no mundo. Cada sujeito têm uma história pessoal, da qual
fazem parte várias histórias: a familiar, a escolar, a social, a religiosa, que
articuladas, atuam na formação do indivíduo.
Ainda conforme Gasparian (1997), os sistemas, tal como o escolar, podem ser abertos
ou fechados. Quanto a isso a autora (1997, p.59) diz: “O sistema escolar é um sistema aberto
que tem por objetivo proporcionar educação”. Ao ser vista como um sistema aberto, a escola
deve possuir clareza com relação aos seus objetivos, assim como também deve ter clareza de
que está inserida num sistema maior que é a sociedade. Com relação a isso, a autora (1997,
p.59) afirma:
A sociedade é um suprassistema onde o sistema escolar está inserido. O sistema
escolar recebe da sociedade uma série de informações e uma multiplicidade de
elementos e devolve a ela os produtos de sua atuação num processo denominado de
realimentação ou feedback. Quando o feedback não atende às necessidades, ocorre
uma disfunção nesse processo evolutivo.
22
Poder ver a escola enquanto parte de um sistema maior constitui outro ponto relevante
da teoria sistêmica, pois essa parte do pressuposto de que os sistemas influenciam-se
mutuamente. Gasparian (1997) acredita que a escola deve contribuir tanto para o crescimento
pessoal e individual de seus membros, quanto para o crescimento da sociedade e de uma
possível melhoria cultural. De acordo com Piletti (1999, p.9):
Além da interdependência entre seus elementos, geralmente o sistema apresenta
uma interdependência com o ambiente. Diz-se por isso que o sistema é aberto, isto
é, apresenta uma comunicação constante com o ambiente, havendo um movimento
de entrada (input) e de saída (output) através de suas fronteiras. O sistema aberto
recebe do ambiente matéria-prima, energia, informações e devolve ao ambiente
seus próprios produtos, que também podem ser matéria, energia ou informações.
A noção de que dentro dos sistemas existem fronteiras é um outro elemento da teoria
sistêmica. Segundo Piletti (1999), pode-se analisar a influência mútua dos membros de um
sistema a partir dessa noção de fronteiras da teoria sistêmica, pois essa noção coloca que a
cada um dos elementos que compõem um determinado sistema cabem determinados papéis, e
que quando esses papéis, de certa forma, passem a se misturar uns com os outros, isso faz
com que essas fronteiras sejam desrespeitadas, o que ocasiona uma desorganização do
sistema. Com relação ao sistema escolar Gasparian (1997, p.60) diz que:
Partindo-se da caracterização da escola e das comunidades, pode-se passar agora a
observar os elementos que a compõem, sua formação profissional e seu papel na
instituição, suas aspirações, desejos e postura frente ao ensino, ao aluno, e a todos
os elementos que compõem a escola.
A Teoria Sistêmica na Educação, ao passar a considerar todos os elementos que fazem
parte desse sistema, deverá, conseqüentemente, observar os padrões de comunicação
existentes entre esses elementos.A finalidade desse processo é para que possa, a partir de uma
análise pragmática, obter a compreensão a respeito de todos os tipos de interações e de
comunicações estabelecidas dentro do sistema escolar.
Watzlawick & Beavin & Jackson (1967) acreditam que as interações humanas, por
estarem envoltas em uma série de processos comunicativos, podem ser vistas como um
sistema, isto é, um conjunto de pessoas que mantém relações através de comportamentos
comunicativos. Ao pensarmos que todo comportamento comunica algo, o importante nesse
23
processo não é o conteúdo da comunicação, mas seu aspecto relacional. Segundo os autores
citados (1967), ao se analisarem as interações entre os sistemas e subsistemas, não se pode
deixar de lado o contexto no qual estão inseridos os sistemas e, conseqüentemente, seus
subsistemas. Ao se incluir o contexto como base para se entenderem as interações, é preciso
compreender como acontece a comunicação humana através da relação existente entre
comportamento e comunicação, sendo que essa relação pode ser entendida a partir da
pragmática.
Ainda de acordo com os autores citados anteriormente (1967), a pragmática, que trata
dos efeitos comportamentais da comunicação, bem como da aquisição do contexto, faz-se
necessária a fim de que se possa entender a comunicação humana num contexto de interações
e relações interpessoais. Dentro da pragmática, todo o comportamento pode ser visto como
uma forma de comunicação, sendo que toda comunicação vai afetar o comportamento. Podese dizer que o comportamento humano pode ser entendido como as manifestações observáveis
da relação, sendo estas manifestadas através da comunicação. Isso mostra, como diz a teoria
sistêmica, que o comportamento de um sempre é influenciado pelo comportamento de outro,
num sistema interacional e relacional, em que a principal forma de manifestação do
comportamento é a comunicação. Para tanto, faz-se necessário, a fim de que se possa
compreender ainda mais a comunicação humana através da pragmática, deter-se no conceito
de metacomunicação, que fala não de uma comunicação para comunicar, mas de uma
comunicação sobre comunicação, isto é, a forma como determinada comunicação deve ser
entendida.
Se para Watzlawick & Beavin & Jackson (1967) todo o tipo de comportamento é uma
forma de comunicação, e toda a comunicação afeta o comportamento, pode-se dizer que toda
a comunicação é linguagem, e toda a forma de linguagem é, por sua vez, comunicação. A
premissa de que toda linguagem é comunicação e que toda comunicação faz parte de uma
interação humana, e que essa interação, por sua vez, faz parte de um sistema, e que essa
mesma comunicação pode ser entendida em termos pragmáticos, é que permite chegar ao
ponto principal. Esse consiste em que a análise pragmática, ou seja, a análise do contexto fazse necessária a fim de que os diferentes tipos de comportamentos, em suas diferentes formas
comunicacionais e de linguagem, possam ser entendidos em sua complexidade, considerandose principalmente a linguagem como a forma de manifestação desses comportamentos e,
conseqüentemente, da comunicação.
Se tanto a teoria sistêmica quanto a pragmática acreditam na influência de uns sobre os
outros, o sistema escolar, como o espaço legítimo do qual seus elementos fazem parte e no
24
qual estão envoltos em diferentes tipos de interações deve, como colocado anteriormente, ao
tentar estabelecer essa relação pragmática, levar em consideração o contexto no qual esse
sistema está inserido. Segundo Piletti (1999, p.10):
O sistema escolar é um subsistema do sistema social. Geralmente, o sistema escolar
reproduz dentro de si as condições da sociedade. Assim, se no sistema social
predominam a desigualdade, o individualismo, a exploração de uns sobre os outros,
essas condições tendem a se reproduzir na escola. Ao professor cabe um papel
importante na luta contra essa reprodução e contra condições sociais injustas.
Piletti (1999) acredita que o sistema escolar pode oferecer muitas coisas à sociedade
como, por exemplo, uma possível melhoria individual e, conseqüentemente, cultural da
população. Nesse sentido é que a teoria sistêmica pode oferecer reais subsídios para se
entender a influência do sistema escolar sobre a sociedade e da sociedade sobre o sistema
escolar. Dessa forma, obter-se-á a devida compreensão a respeito da influência de todos os
elementos de um dado sistema na manutenção ou não de um determinado problema ou de
determinada situação pois, de acordo com Ruas (1980, p.13), “Todo o sistema é definido
pelas suas componentes, isto é, ao mesmo tempo pelos seus elementos constitutivos e pelas
respectivas interações”. Ruas (1980) também parte do mesmo pressuposto de que a escola
pode ser vista como um sistema e, com relação a esse aspecto, o autor (1980, p.34) afirma:
Tratar uma situação, uma instituição, uma atividade educacional, como um sistema
é pôr em evidência dois fenômenos totalmente diferentes, senão contraditórios. É
dizer, por um lado, que essa situação constitui um todo relativamente coerente em
que todos os elementos se encadeiam entre si e se determinam mutuamente. E é
dizer, por outro lado, que uma situação não pode ser analisada em separado e está
relacionada com outras situações de outros níveis.
Com relação a isso, Ruas (1980) acredita que a teoria sistêmica permite uma boa
análise do sistema educacional, a fim de se obterem mudanças concretas que visem à melhoria
do processo de ensino-aprendizagem, e uma também possível mudança a nível institucional.
Pensar essas possíveis mudanças educacionais a partir da teoria sistêmica faz com que essa
possa ser entendida e vista como uma das teorias da Psicologia que pode estar a serviço da
25
Educação e do bom desenvolvimento e relacionamento de todos aqueles que fazem parte
desse grande sistema, que é o escolar.
1.3 A Família à Luz da Teoria Sistêmica
A família, ao longo dos tempos, vem passando por grandes transformações. Essas
transformações dizem respeito a uma mudança na própria estrutura familiar. Se antes o que se
via eram as tradicionais famílias nucleares – pai, mãe e filhos – o que se vê hoje, além dessa
estrutura, são as famílias recasadas, separadas, filhos de pais solteiros, entre outras. Essa nova
configuração do sistema familiar é, para a teoria sistêmica, elemento fundamental a fim de se
obter compreensão a respeito do funcionamento de determinado sistema familiar. A estrutura
social, econômica e cultural da qual faz parte o sistema familiar irá determinar os tipos de
relações que irão ser estabelecidos por cada um de seus membros. De acordo com Richter
(1990, p.23): “A família é o palco onde dramaticamente entram em cena as forças emocionais
de depressão, medo, teimosia defensiva e protesto, acompanhando o encontro e o choque de
gerações”.
Nesse sentido é que a teoria sistêmica aponta as suas suposições a respeito desse
grande sistema, que é o familiar. Um sistema pode ser entendido como um conjunto de
pessoas que exercem influência umas sobre as outras, sendo a família o maior sistema que
influencia os comportamentos de seus membros a partir da circularidade das relações.
Vasconcellos (1995, p.23), ao falar da circularidade, afirma que “cada comportamento e cada
evento no sistema está vinculado, em forma circular, a muitos outros e que nenhum
comportamento ou evento isolado ocasiona outro”. Essa circularidade de que fala a autora
citada acima (1995) diz respeito à influência do comportamento de um membro da família
sobre o comportamento de outro, a qual também enfatiza que essa influência nunca se acaba,
pois os membros de determinada família estão sempre influenciando-se mutuamente, de
forma retroalimentar. Isso significa que o comportamento de um alimenta de certa forma o
comportamento de outro, o que leva a crer que um sistema é muito mais do que a soma de
suas partes, justamente pelo fato de as partes influenciarem-se mutuamente de forma
recursiva. Vasconcellos (1995) acredita que o termo recursividade pode ser entendido a partir
da noção de circularidade, por falar justamente da influência que o comportamento dos
membros da família exercem uns sobre os outros, e que determinarão, conseqüentemente, os
padrões de relacionamentos que irão ser estabelecidos pela família.
26
É justamente nesses padrões de relacionamentos que cada um dos membros da família
vai construindo a sua auto-imagem. Para tanto, a fim de se entender esses padrões de
funcionamento da família, faz-se necessário compreender as relações existentes entre as
fronteiras. As fronteiras, para Minuchin & Fischman (1990), são as linhas norteadoras que
delimitam o papel de cada um dos membros da família. A partir delas, segundo os autores
citados anteriormente (1990), pode-se obter conhecimento a respeito de todo o funcionamento
da família, assim como de todas as alianças, coalizões, de quem está mais próximo de quem,
bem como de todas as díades e tríades estabelecidas dentro do sistema familiar. Minuchim &
Fischman (1990) acreditam que as díades e/ou as tríades oferecem subsídios para avaliar se as
dificuldades enfrentadas pela família estão mais direcionadas à relação mãe-filho, esposoesposa, pai-filho-esposa, entre outras.
O que se vê no sistema familiar, segundo Rosset (2003), são os membros da família
ocupando funções que não são suas como, por exemplo, a criança que é responsável por
algumas tarefas que competem aos pais, ou até mesmo aquelas situações em que os pais não
conseguem, por questões pessoais, ocuparem seu lugar de pais, sendo que quem acaba
ocupando esse lugar dentro da família é o próprio filho.
De acordo com a teoria sistêmica, e conforme as idéias de Minuchin & Fischman
(1990), as fronteiras delimitam também as formas de relações entre os subsistemas existentes
dentro desse grande sistema que é a família. Os subsistemas podem ser: o fraternal, que diz
respeito às relações entre os irmãos; o conjugal, que corresponde à relação entre o casal;
assim como outros subsistemas que podem ser formados dentro desse sistema maior que é a
família. Os autores citados acima (1990) acreditam que essas fronteiras entre os subsistemas
precisam ser respeitadas, pois delimitam o que compete a cada um dos membros desse
subsistema, no sentido de marcar os papéis de cada um dentro do sistema familiar. Minuchin
& Fischmam (1990) acreditam que a partir dessas fronteiras entre os subsistemas é possível
analisar quem está desempenhando o papel de quem e quando fica visível na família essa
inversão de papéis.
Uma das formas de se buscar essa compreensão a respeito do funcionamento da
família é analisar o seu dia-a-dia, a sua rotina e, a partir daí, ter um parâmetro de como a
família vem evoluindo ao longo dos anos. A maior tendência da família, de acordo com a
teoria sistêmica, é manter a homeostase, ou seja, o equilíbrio, sendo que essa muitas vezes o
faz de forma a deixar a família num plano disfuncional. Conforme Whitaker & Bumberry
(1990, p.60):
27
A forma como cada família em particular encena seu mundo simbólico pode
evoluir com o tempo, mas tipicamente retém algumas manifestações centrais que
são mais ou menos consistentes. Uma forma de dar uma olhada em seus modelos
centrais é considerar seus rituais interpessoais. Prestar atenção à forma como eles
operam quando ficam juntos é revelador. A rotina matinal, o ritual do jantar e o
modo como eles funcionam durante os feriados são empreendimentos que contam
como seu mundo é organizado.
Ainda de acordo com Whitaker & Bumberry (1990), os rituais do cotidiano podem
revelar muito sobre a família; por isso a importância dada pela teoria sistêmica para esses
rituais. Muitas vezes, a forma como esses rituais estão organizados demonstra que a família
está um tanto disfuncional, e que está apresentando, naquele momento, uma certa confusão a
respeito de seus padrões de funcionamento. Whitaker & Bumberry (1990, p.65) afirmam que:
“A confusão é, por si só, uma das formas mais potentes para abrir simbolicamente a infra estrutura familiar”. Nesse sentido, os autores citados acima (1990) acreditam que as famílias
estabelecem seus padrões de interação e de relacionamentos a partir das experiências
simbólicas de vida, e que cada família irá determinar, de acordo com esses padrões, a forma
como irão compartilhar essas experiências de vida em comum.
Outra questão apontada pela teoria sistêmica como de extrema relevância a fim de se
compreender o funcionamento familiar é a relação que a própria família estabelece com
relação aos segredos que são passados, muitas vezes, de geração para geração. Segundo
Imber-Black (1994):
Os segredos são fenômenos sistêmicos. Eles estão ligados ao relacionamento,
moldam as díades, formam triângulos, alianças encobertas, divisões, rompimentos,
definem limites de quem está dentro e de quem está fora e calibram a intimidade e o
distanciamento nos relacionamentos.
Imber-Black (1994) acredita que os segredos podem ser, algumas vezes, os grandes
causadores da disfunção familiar, pois em algum momento do ciclo de vida, os pais acabam
fazendo essas díades e triangulações com os filhos, quando colocam um dos filhos contra o
companheiro ou quando coloca a criança como cúmplice em um segredo que exclui o outro
companheiro.
Essa questão que diz respeito a manutenção de segredos na família remete ao
sentimento daquele que carrega o segredo com a lealdade àquele sistema. Ainda de acordo
com Imber-Black (1994): “O próprio significado da lealdade familiar pode estreitar -se na
28
presença de uma solicitação para manter o segredo, de modo que um membro da família vem
a crer que apenas mantendo o segredo ele pode demonstrar lealdade e que sua revelação é um
ato supremo de deslealdade”. Nesse sentido, Imber -Black (1994) pensa que a existência de
segredos que são nocivos ao bom funcionamento da família devem ser revelados a fim de que
essa possa voltar para o curso “normal” de seu desenvolvimento ao longo do ciclo de vida.
Freddo (2003, p.33) acredita que:
É importante salientar que a conceitualização do ciclo vital da família contribui
valiosamente para o estudo da família, ao centrar-se na evolução temporal das
interações entre os membros da família, entre estes e outros não familiares, entre as
famílias e outras estruturas sociais, no sentido de evolução e continuidade.
Todas essas questões trazidas por Freddo (2003) revelam que, para se compreender a
estrutura de determinada família, é necessário entender as etapas do ciclo de vida que foram
passadas pela família, bem como as implicações dessas etapas no desenvolvimento e
funcionamento desse sistema. Tal procedimento permite que tudo aquilo que está encoberto
dentro do sistema familiar possa ser revelado, com o objetivo de fazer com que a família, a
partir de cada um de seus membros, possa voltar a transitar de forma funcional por esse ciclo
de vida. Considera-se para isso o fato de que a própria vida traz implicitamente, em cada uma
de suas etapas, questões conflitivas e momentos em que a família, com certeza, deverá parar e
avaliar o seu funcionamento até o momento presente, para que possa progredir no futuro.
1.4 Família e Escola
Pensar a relação família-escola a partir da teoria sistêmica leva a uma reflexão a
respeito da própria noção de sistemas. Um sistema, de acordo com Palazzoli (1978), pode ser
visto como um conjunto de objetos e das relações entre esses objetos. Tanto a escola quanto a
família podem ser vistas como dois grandes sistemas que irão influenciar o desenvolvimento
do sujeito como um todo. Nesse sentido, é que a compreensão dessa relação estabelecida entre
a família e a escola pode oferecer um forte subsídio para a compreensão de diferentes
problemas e situações.
29
A família, enquanto estabelecedora dos primeiros modelos de vínculos afetivos, irá
determinar todo o tipo de escolhas e de relacionamentos que irão perpassar toda a vida da
pessoa. De acordo com Freddo (2003, p.58):
Apego, família e educação constituem os pilares sobre os quais a criança configura
sua estrutura emocional, bem como características e peculiaridades importantes da
sua personalidade e de seu modo pessoal de estar no mundo. É muito provável que
se dê uma certa continuidade entre o apego, o estilo educativo e as estruturas que
caracterizam as respectivas famílias. Isso quer dizer que o modo como se
configuram as estruturas familiares possivelmente depende do estilo de apego
existente entre pais e filhos e do modo como a criança e o adulto se relacionam.
Nesse sentido, os vínculos e o tipo de apego que a criança vir a estabelecer com os
pais na sua primeira infância irão determinar todos os vínculos futuros, principalmente
aqueles que a criança irá estabelecer na escola. Cabe ressaltar ainda que a primeira imagem
que a criança terá dela mesma e de sua própria capacidade produtiva será aquela que os pais
fizerem dela. Freddo (2003, p.60) acredita que:
Toda criança assimila em sua auto-imagem os rótulos negativos e passa a se ver e a
ver o mundo de acordo com eles. Para os filhos, principalmente no período infantil,
os pais são tão grandes quanto Deus; logo, o que eles dizem a respeito do filho é o
que o filho pensa que é, passando a assumir as idéias que os pais fazem dele.
Todas essas questões fazem com que a criança, ao ingressar na escola, manifeste
perante toda a comunidade educativa essa imagem, muitas vezes distorcida, que os pais fazem
dela. Esse ingresso da criança na escola pode ser visto como um momento bastante delicado
para a família, pois ela estará mostrando a configuração do seu sistema familiar. Esse mostrarse perante às outras pessoas pode ser visto como um dos elementos fundamentais, a fim de
compreender a lógica e o funcionamento de determinada estrutura familiar. Ainda de acordo
com Freddo (2003, p.66):
A ida da criança à escola provoca uma mudança acentuada, iniciando, então, um
novo estágio de desenvolvimento. É um momento ímpar de abertura do sistema
familiar ao mundo extrafamiliar. É o primeiro grande teste à capacidade familiar
relativa ao cumprimento da função externa. Agora, a família tem de se relacionar
com um sistema novo, bem organizado, altamente significativo, como é a escola.
30
O pensamento sistêmico possibilita essa compreensão pois, de acordo com Cañellas
(1982), procura atuar sobre a realidade relacional, a fim de provocar uma mudança nos
padrões de relacionamento até então estabelecidos. De acordo com o autor citado
anteriormente (1982), o sistema escolar está formado por elementos formais (que dizem
respeito a todo o sistema educativo) e informais (que correspondem à outros elementos do
sistema social, como por exemplo a própria família de seus alunos). Com relação às famílias,
cabe ressaltar, ainda, que, conforme Minuchin (1990), a família desempenha um importante
papel no desenvolvimento de seus filhos, pois cabe a ela promover o desenvolvimento
psicossocial de seus membros, assim como favorecer a transmissão da cultura.
Enquanto transmissora de cultura, de valores éticos e princípios morais, a família
procura estabelecer alguns padrões de relacionamentos que determinarão a forma como cada
um de seus membros irá se relacionar com o mundo extrafamiliar. A entrada dos filhos na
escola faz com que todas essas questões fiquem à mostra, o que faz com que esses padrões,
antes apenas vistos pela própria família, fiquem expostos ao julgamento do sistema escolar.
Minuchin (1990, p.54) acredita que: “Muito embora a família seja a matriz do
desenvolvimento psicossocial de seus membros, também deve se acomodar a uma sociedade e
assegurar alguma continuidade para a sua cultura”. É nesse sentido que as crianças saem do
grupo familiar para fazer parte de um outro sistema extrafamiliar, que é o escolar, a fim de
que possam fazer parte dessa nova estrutura, que é a escolar, e que lhes possibilitará uma
troca de idéias, pensamentos, sentimentos e relacionamentos.
Minuchin (1990) pensa que a família está tomando uma nova configuração, na qual os
pais têm pouco tempo para estarem com seus filhos, deixando, a cargo de outras pessoas e
principalmente da escola, a responsabilidade da educação de seus filhos. Com relação a esse
aspecto o autor citado (1990, p.55) afirma que:
A família está abrindo mão da socialização das crianças cada vez mais cedo. A
escola, a comunicação em massa e o grupo de iguais estão assumindo a orientação e
a educação das crianças mais velhas. Mas a sociedade não desenvolveu fontes
extrafamiliares adequadas de socialização e apoio.
Essa nova inversão de papéis, em que o mundo extrafamiliar, principalmente a escola,
torna-se responsável pela educação das crianças, faz com que as relações entre os membros da
família e, igualmente, o desenvolvimento psicossocial de seus membros fiquem a cargo desse
outro sistema. Esse, por maior influência que exerça sobre os seus membros – no caso os
31
alunos –, não conseguirá cumprir com algumas funções e responsabilidades que são
exclusivamente da família.
Pensar toda essa relação família-escola implica, a partir de uma perspectiva sistêmica
e de todas as questões anteriormente abordadas, avalizar a própria relação entre esses dois
grandes sistemas no que diz respeito às suas fronteiras. De acordo com Minuchin (1990,
p.58): “Fronteiras de um subsistema são as regras que definem quem participa e como”. Essas
fronteiras de que fala Minuchin (1990) são os padrões que irão determinar que papéis cada
membro de um dado sistema irá desempenhar. Nesse sentido, Minuchin (1990, p.59) acredita
que, “a função das fronteiras é de proteger a diferenciação do sistema” e de facilitar os
relacionamentos entre os subsistemas desses sistemas, no sentido de oferecer um espaço onde
ambos – o sistema familiar e o escolar – possam ser preservados em alguns aspectos de sua
estrutura. Poder preservar esses aspectos constitutivos de cada um desses dois grandes
sistemas proporcionará que seus membros – filhos e alunos – possam, a partir das concepções
familiares, juntamente com os padrões escolares, adquirir e buscar uma identidade própria que
ao mesmo tempo contemple os sentimentos de pertencimento a uma família e, igualmente, o
pertencimento a uma estrutura escolar e social. Conforme Bronfenbrenner (1996, p.5), “A
capacidade de uma criança de aprender a ler nas séries elementares pode depender tanto de
como ela é ensinada quanto da existência e natureza de laços entre a escola e a família”. Não
só a capacidade de ler, mas todas as aprendizagens da criança poderão ser entendidas a partir
desses laços entre a família e a escola. Bronfenbrenner (1996, p.7) coloca: “O reconhecimento
dessa relação proporciona uma chave para a compreensão das mudanças desenvolvimentais
não apenas nas crianças, mas também nos adultos que servem como cuidadores primários –
mães, pais, avós, professores e assim por diante”.
Bronfenbrenner (1996) chamou de mesossistema a todas essas inter-relações a que
estão expostos os sujeitos ao longo do seu desenvolvimento, incluindo todas as relações das
quais o sujeito participa ativamente, como no caso a relação desse sujeito com a escola, com
sua família, com grupos de iguais, e a relação da própria família com a escola e essas relações
irão determinar todo o desenvolvimento do sujeito. De acordo com Bronfenbrenner (1996,
p.28):
Para demonstrar que o desenvolvimento humano ocorreu, é necessário estabelecer
que uma mudança produzida nas concepções e/ou atividades da pessoa foi
transferida para outros ambientes e outros momentos. Esta demonstração é
conhecida como validade desenvolvimental.
32
Por todas essas questões é que, a fim de que se possam compreender determinadas
situações e/ou problemas escolares, sejam eles da ordem que forem, faz-se necessária a
compreensão da relação família-escola, para que os padrões de relacionamentos estabelecidos
pelos membros, tanto do sistema familiar quanto do sistema escolar, possam ser avaliados.
Esse processo tem como objetivo obter um maior entendimento a respeito da influência desses
relacionamentos na manutenção ou, muitas vezes, no aumento de determinados problemas
escolares. É somente a partir das inter-relações entre esses dois grandes sistemas que muitas
das dificuldades de aprendizagem poderão ser superadas e/ou amenizadas, pois é justamente
nesses sistemas – família e escola – que a criança estabelece seus padrões de relacionamentos
e de significações das aprendizagens, de visão de mundo e de sociedade.
33
2 PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
Sigmund Freud (1856–1939) pensou acerca das emoções e da vida psíquica do
homem. Dentre seus vários objetos de estudo, deteve-se, logo de início, no estudo dos sonhos,
dos atos falhos e das fantasias e, a partir de suas investigações, criou, então, a psicanálise, que
por volta de 1906 tornou-se uma ciência. Em seu trabalho Dois artigos de enciclopédia:
psicanálise e teoria da libido (1923), Freud afirma que a psicanálise pode ser vista como um
método de investigação e de tratamento e, também, como uma disciplina científica. Em um
dos artigos do XXIII volume de suas obras completas (1937-1939, p. 302) afirma: “A
psicanálise constitui uma parte da ciência mental da psicologia. Também é descrita como
‘psicologia profunda’ ”. Ao afirmar isso, remete à própria constituição do aparelho psíquico,
que é considerado por ele elemento-chave da compreensão psicanalítica. De acordo com
Freud (1937-1939, p.302): “Se alguém perguntar o q ue realmente significa o ‘psíquico’, será
fácil responder pela enumeração de seus constituintes: nossas percepções, idéias, lembranças,
sentimentos e atos volitivos – todos fazem parte do que é psíquico”.
Muito além dos sonhos, das fantasias e dos atos falhos, que também constituem a vida
psíquica do homem, a psicanálise, ainda em conformidade com Freud (1913–1914, p.190),
“trouxe à luz os desejos, as estruturas do pensamento e os processos de desenvolvimento da
infância.” Com relação a esse aspecto, uma da s maiores contribuições da psicanálise foi
justamente suas investigações acerca dos processos de desenvolvimento da infância,
principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento psicossexual do homem. Freud, ao
dizer que a sexualidade está presente desde o início da vida, propôs uma nova forma de pensar
todo o crescimento e desenvolvimento do homem, crescimento esse que deve contemplar a
compreensão e orientação a respeito dos aspectos inerentes ao desenvolvimento sexual e
conseqüente estruturação do aparelho psíquico.
34
Freud, interessado no desenvolvimento do psiquismo do homem, já no início de seus
estudos e pesquisas, escreve em suas obras questões importantes das quais a educação pode
se utilizar, no sentido de preparar a criança para uma vida adulta saudável. Em seus artigos de
1906 a 1908 trouxe, mais especificamente no corpo do artigo intitulado O esclarecimento
sexual da criança, a importância de se esclarecerem e orientarem as crianças com relação à
sua própria sexualidade. Nesse artigo, ele diz que o que se vê com relação a esse aspecto,
nada mais é do que a pura repressão e opressão por parte dos adultos com relação ao interesse
e curiosidade das crianças a respeito de sua sexualidade.
Ao acreditar na importância do esclarecimento das questões sexuais às crianças, Freud
deu um importante passo para uma possível reflexão a respeito da educação de crianças a
qual, segundo ele, deveria contemplar a educação sexual. No final desse mesmo artigo O
esclarecimento sexual da criança (1906-1908), ele afirma:
O que realmente importa é que as crianças nunca sejam levadas a pensar que
desejamos fazer um mistério dos fatos da vida sexual do que de qualquer outro
assunto ainda não acessível à sua compreensão; para nos assegurarmos disso, é
necessário que, de início, tudo que se referir à sexualidade seja tratado como os
demais fatos dignos de conhecimento. Acima de tudo, é dever das escolas não
evitar a mensão dos assuntos sexuais.
Essa perspectiva em torno da compreensão da sexualidade fez com que Freud, por
volta de 1925, mostrasse a importância da psicanálise para a compreensão das crianças e,
conseqüentemente, para a sua educação. Convocar a psicanálise para o auxílio na educação de
crianças tornou-se, então, a grande contribuição de Freud para com a Educação, justamente
por ser a psicanálise a ciência que, por excelência, buscou a compreensão dos processos
psíquicos inerentes ao desenvolvimento infantil. No artigo Algumas reflexões sobre
psicologia escolar (1914) Freud diz que: “Como psicanalista, estou destinado a me interessar
mais pelos processos emocionais que pelos intelectuais, mais pela vida mental inconsciente
que pela consciente”.
Mesmo se interessando muito mais pelos processos emocionais, sua teoria deixou
perpassar sua preocupação com a educação. Todas essas contribuições e colocações de Freud
lançaram a psicanálise como uma grande contribuidora para o processo educativo. Através de
suas proposições acerca da vida psíquica e das emoções do homem, bem como de suas
concepções acerca do desenvolvimento infantil, a psicanálise pode, com certeza, ser utilizada
35
e pensada como uma das teorias que influenciaram a educação, assim como também pode ser
vista como mais uma contribuidora no sentido de auxiliar para que a educação possa se dar de
forma mais efetiva e eficaz, considerando-se que, compreendendo os processos do
desenvolvimento infantil e da psique da criança, o professor também terá condições de fazer
uma educação igualmente mais efetiva e eficaz.
Outro autor que pode também trazer a sua contribuição à Educação foi Carl Rogers.
Rogers nasceu em uma família próspera e unida, na qual a religião e a moral faziam parte da
educação dos filhos. Seus pais, bastante preocupados com o seu futuro e de seus irmãos,
proporcionaram um ambiente familiar propício ao bom desenvolvimento e crescimento tanto
pessoal quanto profissional. Segundo Rogers (1997, p.5): “Meus pais tinham por nós um
grande afeto e nosso bem-estar era para eles uma preocupação constante”.
Conforme Rogers (1997), esse clima familiar possibilitou que ele se aventurasse em
diferentes campos do conhecimento. Iniciou a faculdade estudando agricultura, passando
posteriormente à faculdade de história, estudando ainda alguns aspectos da psicologia, sobre
os quais demonstrou grande interesse, o que é facilmente comprovado por suas próprias
palavras quando ele afirma (1997): “...absorvi -me completamente no meu serviço de
psicologia prática, num trabalho de diagnóstico e de planejamento de casos de crianças
delinqüentes e sem recursos...”
Ao se deparar com inúmeros problemas e situações conflitivas de seus pacientes,
Rogers (1997) concluiu em seus estudos que o que as pessoas realmente querem e desejam é
ter consciência sobre quem elas realmente são e sobre como serem pessoas mais autênticas. A
fim de alcançar esse objetivo, Rogers procurou, na sua relação com os pacientes, deixá-los
mais à vontade e livres para exporem seus sentimentos. Quanto a isso ele diz (1997, p.123):
Quando uma pessoa me procura, perturbada por sua combinação única de
dificuldades, constatei ser muito válido tentar criar uma relação com ela na qual
esteja segura e livre. É meu propósito compreender a maneira como se sente em seu
próprio mundo interior, aceitá-la como ela é, criar uma atmosfera de liberdade na
qual ela possa se mover, ao pensar, sentir e ser, em qualquer direção que desejar.
Para Rogers, em todos os relacionamentos e experiências de vida, as pessoas estão
buscando, constantemente, o seu verdadeiro eu, o qual se encontra misturado aos sentimentos,
desejos e ações das outras pessoas. Essa busca e descoberta do próprio eu, para o autor,
36
levaria a atitudes mais autênticas do ser humano e, conseqüentemente, à felicidade. Rogers
(1997, p.124) afirma que:
Nessa tentativa de descobrir seu próprio eu, o cliente tipicamente utiliza a relação
para explorar, examinar os vários aspectos de sua experiência, para reconhecer e
enfrentar as contradições profundas que frequentemente descobre. Aprende quanto
do seu comportamento, até mesmo dos sentimentos que vivencia, não é real, não
sendo algo que flui das relações genuínas de seu organismo, mas sim constitui uma
fachada, uma frente, atrás da qual está se escondendo. Descobre o quanto sua vida é
guiada por aquilo que pensa que deveria ser, e não por aquilo que é.
Freqüentemente descobre que ele só existe em resposta às exigências dos outros, e
que está somente tentando pensar, e sentir e se comportar de acordo com a maneira
que os outros acreditam que deva pensar, e sentir e se comportar.
As concepções de Rogers sobre o ser humano e a busca pelo próprio eu fizeram com
que sua teoria pudesse fornecer um grande subsídio para se compreenderem as questões
educacionais. A busca por aprendizagens mais significativas foi a maior preocupação de
Rogers; para tanto, a autenticidade do professor foi considerada por ele um dos principais
requisitos a fim de se alcançar esse objetivo. De acordo com ele (1997), essa autenticidade
implica em o professor ser congruente naquilo que faz e nas responsabilidades que assume,
bem como em ter consciência de seus sentimentos e sentir-se à vontade para expressá-los
quando possível aos alunos. Para que o professor possa realmente ser uma pessoa autêntica na
sua relação com os alunos, faz-se necessário, também, que ele aceite os sentimentos dos
alunos e não tente impor a sua forma de ver e sentir. Rogers (1997, p.331) afirma ainda que,
“o professor é uma pessoa, não a encarnação abstrata de uma exigência curricular ou um canal
estéril atrás do qual o saber passa de geração em geração”.
Para Rogers (1997), esse “poder se ver como uma pessoa” é que levará à autenticidade
do professor e, conseqüentemente, à aceitação e compreensão do seu aluno também enquanto
ser humano que tem seus próprios sentimentos. Ainda de acordo com esse autor (1997, p.
331): “Um a outra conseqüência para o professor é que a aprendizagem significativa é possível
se o professor for capaz de aceitar o aluno como ele é e de compreender os sentimentos que
ele manifesta”. Essas proposições a respeito da relação do professor com o aluno o levaram a
pensar que o professor precisa ser um facilitador das aprendizagens dos alunos. Quanto a essa
possibilidade, Rogers (1985, p.128) afirma que:
37
Talvez a mais básica dessas atitudes essenciais seja a realidade ou autenticidade.
Quando o facilitador é uma pessoa real, sendo o que é, ingressando num
relacionamento com o estudante sem apresentar-lhe uma máscara ou fachada, ela
tem muito mais probabilidades de ser eficiente. Isto significa que os sentimentos
que está experimentando estão disponíveis para ela, disponíveis à sua consciência,
que ela é capaz de viver esses sentimentos, sê-los, e é capaz de comunicá-los, se for
apropriado. Significa que ela se encontra direta e pessoalmente com o estudante,
encontrando-o numa base de pessoa para pessoa. Significa que está sendo ela
própria, não negando a si.
Além da autenticidade, a fim de que o professor possa realmente se tornar um
facilitador, faz-se necessário, segundo Rogers (1985), a compreensão empática, cuja
implicação consiste na compreensão por parte do professor dos sentimentos, ações e reações
do estudante, assim como a compreensão do que significa para os alunos estar nesse processo
de ensino e aprendizagem. Segundo Rogers (1985), essa compreensão também se torna um
elemento importantíssimo a fim de se conseguirem aprendizagens mais significativas por
parte dos alunos.
Quanto ao professor, o autor (1985) afirma que, para se tornar realmente um
facilitador das aprendizagens dos alunos, deve utilizar os relacionamentos interpessoais nesse
processo de facilitação das aprendizagens. Para tanto, faz-se necessário, também, que o
professor possa fazer uso desses dois elementos – a autenticidade e a compreensão empática considerados por Rogers de extrema relevância para que o professor possa realmente se tornar
um facilitador utilizando, para isso, os relacionamentos interpessoais.
Todas as proposições de Rogers a respeito da pessoa humana fizeram com que sua
teoria pudesse contribuir grandemente com a educação. Pensar a educação numa perspectiva
rogeriana implica, conseqüentemente, poder olhar para esses aspectos e para muitos outros
que envolvem toda a sua teoria e que levam a uma educação centrada na pessoa.
Já Lev Vygotsky foi considerado o grande pensador da teoria sócio-histórica. Nascido
em 1896 em uma família com situação financeira bastante favorável, conseguiu estudar
diferentes áreas do conhecimento, como Direito, Filosofia, Psicologia e Literatura, sendo a
Psicologia a ciência pela qual demonstrou grande interesse de investigação. Juntamente com
Alexander Romanovich Luria e Alexei Nikolaievich Leontiev, seus maiores contribuidores,
Vygotsky procurou compreender ainda mais a Psicologia a partir do estudo sobre as questões
que envolviam o corpo físico e aspectos da vida mental, questões essas muito discutidas na
época pela ciência psicológica. Segundo Oliveira (1997), os estudos de Vygotsky e de seus
colaboradores levaram à criação de uma nova Psicologia, que justamente passou a contemplar
aspectos experimentais da vida mental. De acordo com Oliveira (1997, p.23):
38
Enquanto a psicologia do tipo experimental deixava de abordar as funções
psicológicas mais complexas do ser humano, a psicologia mentalista não chegava a
produzir descrições desses processos complexos em termos aceitáveis para a
ciência. Foi justamente na tentativa de superar essa crise da psicologia que
Vygotsky e seus colaboradores buscaram uma abordagem alternativa, que
possibilitasse uma síntese entre as duas abordagens predominantes naquele
momento.
Foi nesse sentido que todos os estudos de Vygotsky contribuíram grandemente para a
educação, principalmente a partir de suas proposições a respeito da relação entre o
aprendizado e o desenvolvimento. Segundo o próprio Vygotsky (1991, p.89): “Os problemas
encontrados na análise psicológica do ensino não podem ser corretamente resolvidos ou
mesmo formulados sem nos referirmos à relação entre o aprendizado e o desenvolvimento em
crianças em idade escolar”.
Com base nisso, e a fim de chegar a uma posição teórica a respeito dessa relação,
Vygotsky estudou três posições teóricas que abordaram essa relação. Em sua obra A
Formação Social da Mente, Vygotsky (1991, p.89) diz:
A primeira centra-se no pressuposto de que os processos de desenvolvimento da
criança são independentes do aprendizado. O aprendizado é considerado um
processo puramente externo que não está envolvido ativamente no
desenvolvimento. Ele simplesmente se utilizaria dos avanços do desenvolvimento
ao invés de fornecer um impulso para modificar seu curso.
Já a segunda teoria apontada por Vygotsky diz que aprendizado é desenvolvimento.
Quanto a isso, o próprio autor (1991, p.90-91) afirma: “O desenvolvimento é visto como o
domínio dos reflexos condicionados, não importando se o que se considera é o ler, o escrever
ou a aritmética, isto é, o processo de aprendizado está completa e inseparavelmente misturado
com o processo de desenvolvimento”. Somando -se a esses dois pressupostos, de que os
processos de desenvolvimento da criança são independentes do aprendizado e de que o
processo de aprendizado se mistura com o processo de desenvolvimento, Vygotsky
apresentou sua terceira teoria sobre a relação entre aprendizado e desenvolvimento.
respeito disso, ele diz (1991, p.91):
A
39
A terceira posição sobre a relação entre o aprendizado e o desenvolvimento tenta
superar os extremos das outras duas, simplesmente combinando-as. Um exemplo
claro dessa abordagem é a teoria de Koffka, segundo a qual o desenvolvimento se
baseia em dois processos inerentemente diferentes, embora relacionados, em que
cada um influencia o outro – de um lado a maturação, que depende diretamente do
desenvolvimento do sistema nervoso; de outro o aprendizado, que é, em si mesmo,
também um processo de desenvolvimento.
O estudo dessas três teorias, com vistas a explicar a relação entre o aprendizado e o
desenvolvimento, conduziu o autor ao conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal,
considerada por ele (1991, p.94) como “o ponto de partida dessa discussão”, baseada no “fato
que o aprendizado das crianças começa muito antes delas freqüentarem a escola”.
Considerando-se a partir disso que, para Vygotsky, as crianças são seres em aprendizagem
desde a mais tenra infância, fica claro que, segundo a sua teoria, o aprendizado não deve
limitar-se às etapas do desenvolvimento. Conforme o mesmo autor (1991, p.95):
Só recentemente, entretanto, tem-se atentado para o fato de que não podemos
limitar-nos meramente à determinação de níveis de desenvolvimento, se o que
queremos é descobrir as relações reais entre o processo de desenvolvimento e a
capacidade de aprendizado. Temos que determinar pelo menos dois níveis de
desenvolvimento.
Esses dois níveis a que se refere o autor são o nível de desenvolvimento real e o nível
de desenvolvimento potencial. O primeiro diz respeito a todas as informações que a criança já
têm em seu poder, ou seja, a tudo aquilo que ela consegue fazer sozinha, correspondendo aos
estágios do desenvolvimento já completados. O segundo, isto é, o nível de desenvolvimento
potencial refere-se a tudo aquilo que a criança consegue realizar com a ajuda de pessoas mais
experientes. Vygotsky (1991, p.97), com relação à Zona de Desenvolvimento Proximal,
afirma que:
Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar
através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento
potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um
adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.
Todas essas proposições de Vygotsky a fim de entender a relação entre o aprendizado
e o desenvolvimento fizeram com que sua teoria pudesse ser considerada de extrema
40
relevância para a educação, principalmente ao se tratar dos processos de aprendizagem. De
acordo com Leontiev, Vygotsky & Luria (1991, p.15):
Considerada sob este ponto de vista, a aprendizagem não é em si mesma
desenvolvimento, mas uma correta organização da aprendizagem da criança conduz
ao desenvolvimento mental, ativa todo um grupo de processos de desenvolvimento,
e esta atividade não poderia produzir-se se a aprendizagem. Por isso, a
aprendizagem é um momento intrinsicamente necessário e universal para que se
desenvolvam na criança essas características humanas não naturais, mas formadas
historicamente.
A elaboração desses três níveis do desenvolvimento desencadeou, em consonância
com a teoria de Vygotsly, os elementos fundamentais da relação entre a aprendizagem e o
desenvolvimento. Conseqüentemente, forneceu também elementos fundamentais a fim de se
entenderem os processos de aprendizagem, fator que leva a uma maior compreensão dos
processos educacionais.
Por último, Henri Wallon (1879-1962), que nasceu na França e teve uma vida marcada
por grandes produções intelectuais, contribuiu com sua teoria para a educação. Este estudou
filosofia e medicina antes de chegar à Psicologia. Viveu no período das grandes guerras
mundiais, fator que fazia com que essa época fosse marcada por uma grande instabilidade
social e política. Sua atuação como médico e psiquiatra fez com que se interessasse por
questões referentes à Psicologia da criança. Dentre essas questões, Wallon (1995) se
interessou em compreender como se dá o processo de construção do caráter na criança e, para
tanto, buscou entender como ocorre a evolução psicológica da mesma, bem como a origem do
seu pensamento.
Nessa perspectiva de tentar entender a origem do caráter da criança, Wallon (1995)
procurou enfatizar as diferentes etapas do desenvolvimento infantil. Para ele o estudo da
criança e de toda a sua especificidade possibilitaria compreender a construção do caráter.
Wallon (1995, p.30) afirma que:
As situações às quais reage a criança são exatamente aquelas que correspondem aos
seus meios. Não fazem senão seguir o crescimento e a extensão progressiva destes.
A cada idade corresponde um tipo de comportamento e todo comportamento
ordena-se em torno de certas atividades fundamentais, cujas leis aparecem com
muito mais evidência quando ainda estão isoladas e preponderantes do que nas
complicações ulteriores da vida psíquica.
41
Essas colocações de Wallon fizeram com que sua teoria da psicologia infantil pudesse
se diferenciar das demais teorias da época que abordavam essa questão. Wallon (1995, p.37)
propõe que “se estude o desenvolvimento infantil tomando a própria criança como ponto de
partida”. Ao afirmar isso, estabeleceu uma nova forma de se compreender o infantil que não
pela lógica da vida adulta, que era a forma pela qual as outras teorias da psicologia buscavam
entendimento.
Muito além de tentar compreender o infantil, Wallon procurou discutir e participar da
reforma pedagógica da época, a qual tinha a intenção de que a educação pudesse, ao mesmo
tempo que promovesse a autonomia dos alunos, ser também operadora de mudanças sociais e
que realmente formasse homens capazes de atuar e de transformar a sociedade. De acordo
com Werebe & Brulfert (1999, p.24):
Wallon também foi partidário da renovação pedagógica, como atesta sua
importante participação no movimento francês de educação nova. Sua ciência
ofereceu bases para a criação de um movimento não-conformista, em torno da idéia
de que a educação deve propor-se a formar indivíduos autônomos – pensantes e
operantes -, capazes de participar da construção da sociedade, utilizando as
possibilidades que lhes oferece a história.
Para Wallon, uma das formas de se fazer da educação um elemento-chave para a
promoção de mudanças sociais pode ser a própria compreensão da noção de infantil a que ele
se refere em sua teoria. Considerando para isso que a criança, ao entrar na escola, depara-se
com uma realidade bastante diferente da que vivencia no meio familiar e que é na escola que
ela terá uma aprendizagem social e, conseqüentemente, se desenvolverá. O meio social
também foi visto por Wallon como promotor do desenvolvimento das crianças e para a
tomada de consciência de si mesmas no mundo, enquanto seres que têm seus próprios desejos
e pensamentos. Ainda de acordo com Werebe & Brulfert (1999, p. 25):
Para Wallon, o grupo infantil é indispensável à criança não somente para sua
aprendizagem social, mas também para o desenvolvimento da tomada de
consciência de sua própria personalidade. A confrontação com os companheiros
permite-lhe constatar que é uma entre outros e que, ao mesmo tempo, é igual e
diferente delas.
42
Segundo Galvão (1995), essa tomada de consciência de si mesma faz parte do conflito
eu-outro, quando a criança se depara com as diferenças entre ela e as demais crianças. Esse
conflito eu-outro é para Wallon fator essencial para a construção da pessoa e para a
construção do seu eu psíquico. Para tanto, de acordo com Galvão (1995), Wallon acredita em
uma “educação da pessoa completa”, que privilegie tanto o eu psíquico quanto o eu corporal.
De acordo com Galvão (1995), para Wallon a educação não deveria ser apenas intelectual,
mas também emocional. Para atingir esse objetivo, Galvão (1995) aborda a importância dada
por Wallon à própria estruturação do ambiente escolar pois, segundo ele mesmo, é na escola
que as crianças irão experimentar diferentes tipos de relacionamentos, sendo esses de extrema
importância para o seu desenvolvimento e também para a tomada de consciência de si
mesmas, fator que levaria, conseqüentemente, ao desenvolvimento da sua personalidade.
Ainda de acordo com Galvão (1995, p.101/102):
A estruturação do ambiente escolar, fruto do planejamento, deve, enfim, conter uma
reflexão sobre as oportunidades de interações sociais oferecidas, definindo, por
exemplo, se serão realizadas individual ou coletivamente e, neste caso, como serão
compostos os grupos. É bom lembrar que a escola, ao possibilitar uma vivência
social diferente do grupo familiar, desempenha um importante papel na formação
da personalidade da criança. Ao participar de grupos variados a criança assume
papéis diferenciados e obtém uma noção mais objetiva de si própria. Quanto maior
a diversidade de grupos de que participar, mais numerosos serão seus parâmetros de
relações sociais, o que rende a enriquecer sua personalidade.
Pensar as especificidades do infantil, bem como a lógica do crescimento a partir dessa
compreensão e das relações sociais, foi uma das grandes contribuições da teoria de Wallon à
educação, assim como a perspectiva de se poder ver a educação como uma forma de
promover mudanças tanto na personalidade do alunos, quanto mudanças sociais. Essas
mudanças pessoais e sociais propostas por Wallon foram contribuições de grande valia para se
pensar o fazer pedagógico e as práticas sociais no ambiente escolar.
2.1 Psicologia da Educação e Linguagem
A Psicologia, ao tentar trazer as suas contribuições à ciência da Educação, procurou
estudar como se dá a construção dos processos mentais e sucessivo desenvolvimento da
criança. Primeiramente o faz desconsiderando o papel da linguagem e do ato comunicativo
43
como fortes influentes nesse processo. Foram Jean Piaget e Lev Vygotsky que ao fazerem as
suas proposições acerca da relação entre o desenvolvimento e o aprendizado, o fizeram
considerando a importância da linguagem para o desenvolvimento do pensamento e
conseqüente aprendizagem da criança. Conforme Palangana (2001, p. 19):
Apesar de, em seus últimos trabalhos, Piaget ter minimizado o papel da linguagem
na estruturação do pensamento, ela permanece como fator de extrema importância
enquanto via de acesso à reflexão infantil. É por meio da linguagem que a criança
justifica suas ações, afirmações e negociações e, ainda, é através dela que se pode
verificar a existência ou não de reciprocidade entre ação e pensamento e,
conseqüentemente, o estágio do desenvolvimento cognitivo da criança.
Já Lev Vygotsky por sua vez, procurou chegar à compreensão da relação entre o
desenvolvimento e o aprendizado, incluindo, essencialmente o papel da linguagem. Para ele,
segundo Palangana (2001, p.106): “O desenvolvimento do pensamento é determinado pelos
instrumentos lingüísticos e pela experiência sócio-cultural a criança”. Vygotsky, juntamente
com Luria e Leontiv, procurou entender e mostrar a importância da linguagem no
desenvolvimento das crianças e, conseqüentemente, para a sua vida adulta.
Ao se pensar a relação entre psicologia e linguagem, cabe ressaltar, então, a
importância de uma das teorias contemporâneas que procurou entender a relação entre
aprendizado e desenvolvimento, que é a teoria sócio-histórica de Vygotsky. Sua teoria é
considerada interacionista devido ao fato de pressupor que o desenvolvimento dos seres
humanos se dá a partir das suas relações com os objetos, sendo esses objetos sócio-históricos.
Como um interacionista que considera os seres humanos como seres historicamente
produzidos, e conseqüentemente sociais, Vygotsky deixa implícito em sua teoria que os
homens são seres sociais desde o início da sua vida e que a linguagem é fator primordial que
determina os seres humanos enquanto seres sociais. Com relação a esse aspecto e ao
abordarem a importância da linguagem para o desenvolvimento das crianças, Luria &
Yudovich (1985, p.11), em sua obra, afirmam que:
A linguagem, que encerra a experiência de gerações, ou da humanidade, falando
num sentido mais amplo, intervém no processo do desenvolvimento da criança
desde os primeiros meses de vida. Ao nomear os objetos e definir, assim, as suas
associações e relações, o adulto cria novas formas de reflexão da realidade na
criança, incomparavelmente mais profundas e complexas do que as que ela poderia
formar através da experiência individual.
44
As questões abordadas por Luria e Yudovich (1985) levam a algumas proposições a
respeito da linguagem feitas por Vygotsky. Ao falarem que a linguagem influencia o processo
de desenvolvimento, esses autores (1985) se reportam à própria formação de conceitos, que
foi uma das grandes contribuições de Vygotsky no sentido de se compreender a importância
da linguagem para o desenvolvimento dos processos mentais.
Ao pensar as influências sociais, culturais e históricas no desenvolvimento do
pensamento, Vygotsky criou a teoria sócio-histórica que tenta, a partir de suas várias
concepções, mostrar como se desenvolve o pensamento da criança, bem como a importância
de se considerar o contexto sócio-histórico para essa compreensão. De acordo com Palangana
(2001, p.90): “Vygotsky abre fronteiras na área da psicologia, colocando -se como pioneiro na
descrição dos mecanismos pelos quais a cultura torna-se parte da natureza de cada pessoa,
enfatizando as origens sociais da linguagem e do pensamento”.
Essa influência da cultura e do meio social sobre o desenvolvimento das crianças
também foram abordadas por Luria e Yudovich (1985) ao afirmarem que é a nomeação dos
objetos pelo adulto que fará com que a criança faça associações e relações a fim de
compreender a realidade que a cerca. Esse processo remeterá à própria construção e
transmissão do saber, o que levará, conseqüentemente, ao processo de formação de conceitos.
Ainda de acordo com Luria & Yudovich (1985, p. 11):
Todo esse processo da transmissão do saber e da formação de conceitos, que é a
maneira básica com que o adulto influi na criança, constitui o processo central do
desenvolvimento intelectual infantil. Se não se levar em conta, no processo
educativo, esta conformação da atividade mental infantil, não será possível
compreender, nem explicar, a causa de nenhum dos fatos da psicologia da criança.
Nesse sentido, as colocações de Luria e Yudovich (1985) fazem com que a palavra dos
adultos dirigida às crianças possa ser considerada como um elemento regulador de suas
atividades. Ainda de acordo com esses autores (1985, p.13): “Esta subordinação das reações
da criança à palavra de um adulto é o começo de uma longa cadeia de formação de aspectos
complexos da sua atividade consciente e voluntária”. Vygotsky também procurou explicar o
ato voluntário considerando, para isso, os aspectos lingüísticos. Conforme Luria e Yudovich
(1985), Vygotsky foi um dos primeiros a refletir sobre a influência dos aspectos lingüísticos
no desenvolvimento dos processos mentais e da formação das funções psicológicas
superiores.
45
As colocações de Luria e Yudovich (1985), a respeito da teoria de Vygotsky, fizeram
com que se pensasse na premissa de que o meio social e relacional do qual o homem faz parte
determina a origem de todos os processos mentais. Essa premissa também tornou ainda
possível a compreensão do ato de fala de crianças de quatro a cinco anos, a fim de pressupor
como os processos mentais são influenciados pela linguagem. Com relação a isso, Luria &
Yudovich (1985, p.18) fazem algumas colocações:
Já em 1929, Vigotsky demonstrou que, sempre que a criança de quatro a cinco anos
de idade enfrenta um problema que lhe traz algum tipo de dificuldade, produz-se
fala externa não dirigida a seu interlocutor; a criança enuncia a situação colocada,
toma dela uma “cópia verbal” reproduz, depois, aquelas conexões da sua
experiência passada que podem tirá-la de suas dificuldades presentes.
Ao se referir a isso, Luria e Yudovich (1985) falam que Vygotsky procurou
demonstrar o quanto a linguagem pode regular a conduta da criança a partir da resolução de
problemas enfrentados no dia-a-dia. Com relação às afirmações de Vygotsky, Luria &
Yudovich (1985, p. 18) afirmam: “Suas observações mostraram qu e a criança fala primeiro
em voz alta para si mesma, mas que sua fala se enfraquece pouco a pouco, convertendo-se em
sussurro e acaba, afinal, em fala interna”. Quando os pais nomeiam os objetos para a criança
estão regulando e orientando a sua ação sobre o meio social e é essa ação é que, segundo
Luria e Yudovich (1985), irá determinar a atividade humana. Conforme Luria (1986)
“O verdadeiro nascimento da função reguladora da linguagem ocorre significativamente mais
tarde – quando a mãe começa a unir uma palavra a um objeto e quando a reação da criança
adquire um caráter específico”.
As colocações de Luria (1986), a respeito das reações das crianças, dizem respeito à
própria experiência no meio social, a partir das interações com os adultos. Quando os adultos
nomeiam ou solicitam um objeto à criança e esta procura alcançá-los, estão acontecendo as
reações que Luria (1986) denominou de específicas dessa função reguladora da linguagem.
Luria, assim como Vygotsky, procurou compreender como ocorre a construção dos processos
mentais, fator que levou, conseqüentemente, a pensarem questões referentes às aprendizagens
e à influência sobre o desenvolvimento e sobre o processo de aquisição da linguagem.
Ao pressupor, em sua teoria, que a aprendizagem gera desenvolvimento, Vygotsky,
em seu livro A Formação Social da Mente (1991, p.21), diz que: “O fato, no entanto, é que a
maturação per se é um fator secundário no desenvolvimento das formas típicas e mais
46
complexas do comportamento humano”. Nessa perspecti va, e ao falar das funções
psicológicas superiores, Vygotsky cria o conceito de ZDP – Zona de Desenvolvimento
Proximal. De acordo com Palangana (2001, p.152): “Para melhor explicar a importância das
interações sociais no desenvolvimento cognitivo, Vygotsky cria o conceito de zona de
desenvolvimento proximal”. Com isso, pretende entender a formação das funções
psicológicas superiores e, igualmente, a relação entre o nível de desenvolvimento real e o
nível de desenvolvimento potencial em que se encontram as crianças, possibilitando, assim,
uma maior compreensão da importância da ZDP para o desenvolvimento da linguagem em
crianças. Para isso, é preciso primeiramente, ater-se ao conceito de ZDP, tendo como ponto de
partida a conceituação de zona de desenvolvimento real e potencial. Conforme Palangana
(2001, p.128):
De acordo com Vygotsky, pode-se identificar dois níveis de desenvolvimento. O
primeiro, chamado “nível de desenvolvimento real” ou “efetivo”, compreende as
funções mentais da criança que se estabeleceram como resultado de determinados
ciclos de desenvolvimento já completados. Em outras palavras, este nível é
composto pelo conjunto de informações que a criança tem em seu poder... O
segundo é o nível de desenvolvimento potencial, definido pelos problemas que a
criança consegue resolver com o auxílio de pessoas mais experientes.
Na perspectiva de que a criança possui uma zona de desenvolvimento real e uma zona
de desenvolvimento potencial, é que Vygotsky, ao analisar essas duas questões e a relação
entre o desenvolvimento real e o potencial, estabeleceu a zona de desenvolvimento proximal,
como um espaço psicológico entre as zonas de desenvolvimento real e potencial. Com relação
à zona de desenvolvimento proximal, Vygotsky (1991, p.97) diz que:
Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar
através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento
potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um
adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.
A ZDP caracteriza-se, então, como sendo a diferença e/ou o espaço entre aquilo que as
crianças já conseguem realizar por si mesmas e o que elas conseguem realizar com o auxílio
de outras pessoas experientes. Sob esse aspecto, pode-se considerar que a ZDP tornou-se fator
essencial e primordial para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, bem como
47
um fator de extrema relevância para se entender a relação entre desenvolvimento e
aprendizagem e, conseqüentemente, a aquisição da linguagem.
Não se pode desconsiderar que a zona de desenvolvimento proximal não se refere
apenas ao sujeito que está aprendendo ou adquirindo a linguagem, mas a todas as interações
sociais nas quais está envolvido esse sujeito. De acordo com Zanella (2001, p.115):
A ZDP não pode ser caracterizada como sendo meramente do sujeito que aprende ou
do ensino, mas como do sujeito envolvido em atividade colaborativa num contexto
social específico. Caracteriza-se assim como um espaço social de trocas múltiplas e
de diferentes naturezas afetivas, cognitivas, sociais, etc, onde os sujeitos ampliam
suas possibilidades de atuação no contexto social. Nessa perspectiva, o estudo da
ZDP deve pautar-se na análise das significações veiculadas/produzidas/apropriadas
em situações interativas, onde os sujeitos estejam envolvidos em atividades
diversificadas.
Cabe ressaltar que, para Vygotsky, o sujeito é social e está inserido em uma cultura e
precisa, portanto, ser entendido e compreendido sempre sob esse aspecto. O conceito de ZDP
mostra, também, o quanto o meio social e cultural pode interferir na vida dos sujeitos em
processos de aprendizagem e, conseqüentemente, em desenvolvimento da linguagem.
Compreender, conceitualmente, a zona de desenvolvimento proximal possibilita o devido
entendimento acerca dos processos de aprendizagem e de desenvolvimento, pelos quais
perpassam todo o crescimento das crianças, tanto no que diz respeito aos processos de ensinoaprendizagem, quanto ao seu desenvolvimento e, principalmente, quanto ao desenvolvimento
da linguagem. Considerando-se, ainda, que todo sujeito é social e que esse sujeito mantém
relações com um outro, que também é social, e que essa relação é fator primordial e determina
o desenvolvimento da linguagem, é que se faz necessário, então, estudar a ZDP como
possibilitadora desse desenvolvimento da linguagem, e como um dispositivo que irá
possibilitar à criança ver-se como um ser capaz de aprender e de se desenvolver.
Sob esse aspecto, de poder ver na criança a possibilidade de aprender coisas novas e
de progredir enquanto ser humano, é que o conceito de ZDP pode ser visto como de
fundamental importância para essa situação. Uma criança que está adquirindo a linguagem de
seu meio irá precisar que um adulto a veja como um ser capaz de aprender e de um dia fazer
parte do universo falante do meio que a cerca. Para isso, é importante que os pais possam
trabalhar com suas crianças a partir da zona de desenvolvimento proximal, ou seja, que
48
partam do pressuposto de que a sua criança tem plenas condições de aprender e de
futuramente dominar o universo lingüístico.
Os pressupostos teóricos de Vygotsky, segundo Palangana (2001), podem ser
considerados interacionistas, pois ele parte do princípio de que o conhecimento se dá pela
interação dos sujeitos com os objetos, e pelo tipo de relação que o sujeito e o objeto irão
estabelecer entre si. Ainda de acordo com Palangana (2001), os sujeitos tanto são
influenciados quando influenciam as outras pessoas a partir das relações interpessoais Essas
relações, em se tratando de crianças, somente são possíveis de acontecer a partir do momento
em que elas estiverem envoltas em um ambiente lingüístico que favoreça e estimule o
desenvolvimento de todas as funções psicológicas e cognitivas. Ainda de acordo com a autora
(2001, p.141):
Nessa perspectiva, a elaboração das funções psíquicas do indivíduo depende da
apropriação do conteúdo objetivo disponível na cultura. Esse conhecimento
acumulado pelas gerações precedentes e veiculado pelos signos e instrumentos é
passado aos mais jovens através da interação, das trocas sociais. Portanto,
distanciando-se ao postulado piagetiano, Vygotsky acredita que o sistema de
atividade da criança é determinado, especialmente, pelo grau de domínio que esta
apresenta no uso desses mediadores do conhecimento: os instrumentos e os signos.
Porém, para que isso possa ser possível, a linguagem torna-se fator essencial e,
também, faz-se necessário que os pais possam investir a criança de desejo. Esse investir de
desejo, que refere a Psicologia, ao tratar da relação entre pais e filhos, implica em que os pais
acreditem nas potencialidades da criança e a vejam como uma pessoa que tem sua própria
individualidade, seus próprios medos, desejos e sonhos. Igualmente é preciso que os pais
possam, através da percepção dessas questões individuais, investir a criança com esse desejo
que eles têm de que ela cresça como uma pessoa saudável e feliz, e como uma pessoa com
plenas capacidades de aprender tudo aquilo que lhe for proposto, desde as etapas mais
primitivas do seu desenvolvimento, até o aprendizado da linguagem, enquanto fator de
comunicação e interação social. Por isso, é que a ZDP, de que fala Vyotsky, deve ser tratada
como um ponto de referência, a fim de que as crianças possam ter esse aprendizado da língua,
considerando sempre o contexto social no qual estão inseridas.
49
3 METODOLOGIA
3.1 Tipo de Pesquisa
O estudo que trata das contribuições da Teoria Sistêmica para a ação pedagógica frente
aos problemas de linguagem constituiu-se como uma pesquisa de campo, de caráter
qualitativo. A partir da observação e análise dos dados coletados sobre os problemas de
linguagem decorrentes de fatores emocionais e que se manifestam no ambiente escolar,
propôs-se a apresentar sugestões de abordagens para a superação desse tipo de problema. De
acordo com Lüdke & André (1986), na pesquisa qualitativa, os problemas são estudados no
ambiente onde eles ocorrem, o que permite uma melhor e maior exploração dos fatores que
acarretam ou estão interferindo na manutenção de determinado problema. Os autores citados
(1986, p.11) afirmam: “A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta
de dados e o pesquisador como seu principal instrumento”.
Nessa perspectiva, salienta-se que é justamente no ambiente natural que se pode colher
o maior número de elementos da realidade estudada, assim como se pode, igualmente,
perceber o significado que tem para cada um dos envolvidos a situação específica. Ainda de
acordo com Lüdke & André (1986, p.18): “O estudo qualitativo, como já foi visto, é o que se
desenvolve numa situação natural, é rico em dados descritivos, tem um plano aberto e flexível
e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada”. Jung (2004, p.160)) também faz
as suas proposições a respeito da pesquisa de campo afirmando que:
A pesquisa em campo tem por finalidade, em muitos casos, coletar dados que
estejam necessariamente sob ação das variáveis presentes no local. Desta forma, o
pesquisador deve levar em conta, quando realiza uma atividade em campo, a
existência destas variáveis e, no mínimo, identificar e registrar quais as mais
relevantes que poderão estar atuando no experimento.
50
A pesquisa de campo tornou-se, então, principal característica desta pesquisa,
justamente por ter como elemento norteador o ambiente natural onde os fatos aconteceram, no
caso o ambiente escolar, e por ser justamente esse ambiente o foco principal da atenção do
pesquisador.
3.2 Sujeitos da Pesquisa
Para este estudo, constituiu-se um corpus de três crianças, de sete a dez anos de idade,
alunos de uma escola da rede municipal de ensino do município de Santo Ângelo – RS. As
crianças, sujeitos da pesquisa, são do sexo masculino e são identificadas no decorrer da
dissertação pela letra S (sujeito), seguida das letras A, B e C, a saber: SA (10anos), SB
(7anos) e SC (8anos). Cabe ressaltar que a escolha desses alunos deu-se em função da
ocorrência de dificuldades de linguagem oral nas mesmas. A fim de compreender melhor
essas dificuldades de linguagem, com o propósito de atingir os objetivos da pesquisa que é
poder mostrar a contribuição da teoria sistêmica para a ação pedagógica dos professores frente
aos problemas de linguagem, é que os pais e as professoras também foram considerados
sujeitos da pesquisa. A professora de SA e SB têm 23 anos e está com três anos de regência
de classe. Já a professora de SC têm 38 anos e está com quinze anos de regência de classe.
Com relação aos pais dos alunos sujeitos da pesquisa, cabe ressaltar que o pai de SA já
é falecido (faleceu com 47 anos), e estudou até a quarta série do ensino fundamental. Sua mãe
têm 37 anos, é confeiteira e estudou até a oitava série do ensino fundamental. O pai de SB é
garçom, têm 28 anos e estudou até a oitava série do ensino fundamental. Já sua mãe (26 anos),
é garçonete e cursou até o primeiro ano do ensino médio. No que diz respeito ao SC, seu pai
têm 45 anos, estudou até a oitava série do ensino fundamental e é autônomo (profissão). A
mãe de SC está com 40 anos e sua profissão é servente.
3.3 Instrumentos da Pesquisa
Os instrumentos utilizados foram as entrevistas com pais e professoras, observações
em sala de aula e as atividades de interação entre os alunos sujeitos da pesquisa. Para Lüdke
& André (1986, p.26):
51
Tanto quanto a entrevista, a observação ocupa um lugar privilegiado nas novas
abordagens de pesquisa educacional. Usada como principal método de investigação
ou associada a outras técnicas de coleta, a observação possibilita um contato
pessoal e estrito do pesquisador com o fenômeno pesquisado, o que apresenta uma
série de vantagens.
Com relação à entrevista como instrumento de pesquisa, cabe ressaltar que para as
autoras citadas anteriormente (1986), a mesma possibilita uma relação de interação e de
influência mútua entre o pesquisador e o pesquisado. Através dela o pesquisador pode buscar
esclarecimento de alguns elementos trazidos pelo pesquisado que ficaram obscuros para ele.
No que diz respeito à entrevista, Lüdke & André (1986, p.34) afirmam que:
A grande vantagem da entrevista sobre as outras técnicas é que ela permite a
captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente com qualquer
tipo de informante e sobre os mais variados tópicos. Uma entrevista bem-feita pode
permitir o tratamento de assuntos de natureza estritamente pessoal e íntima, assim
como temas de natureza complexa e de escolhas nitidamente individuais.
Nesse sentido é que se fez necessário o uso de entrevistas como um importante
subsídio para a coleta de dados e posterior análise das dificuldades apresentadas pelas
crianças a partir de uma perspectiva sistêmica.
3.4 Coleta de Dados
A coleta de dados obedeceu às seguintes etapas:
1º) Entrevista com as professoras das crianças com o objetivo de investigar quais os
manejos frente aos problemas de linguagem apresentados pelas crianças no
ambiente escolar;
2º) Entrevista com os pais, com questões gerais e específicas que abordem as relações
interpessoais e o desenvolvimento da criança na família. A referida entrevista foi
realizada no ambiente escolar;
3º) Observação das crianças em atividades de sala de aula;
4º) Atividades de interação entre os alunos sujeitos da pesquisa, com o objetivo de
verificar, a partir dos dados já coletados nas outras etapas, como os alunos
interagem entre eles.
52
Após as entrevistas com os pais e as professoras, as observações em sala de aula e as
atividades de interação, os dados foram analisados a fim de atender aos objetivos específicos
da pesquisa e proceder-se a uma análise conclusiva. Com relação à análise, cabe ressaltar que,
segundo Lüdke & André (1986, p.45):
Analisar os dados qualitativos significa “trabalhar” todo o material obtido durante a
pesquisa, ou seja, os relatos de observação, as transcrições de entrevistas, as
análises de documentos e as demais informações disponíveis. A tarefa de análise
implica, num primeiro momento, a organização de todo o material, dividindo-o em
partes, relacionando essas partes e procurando identificar nele tendências e padrões
relevantes. Num segundo momento essas tendências e padrões são reavaliados,
buscando-se relações e inferências num nível de abstração mais elevado.
As análises, ponto alto desta pesquisa, oportunizaram uma maior compreensão e
relação dos dados obtidos durante cada etapa de coleta de dados.
53
4 ANÁLISE DOS DADOS
Na presente pesquisa pretendeu-se analisar a representação das ações do conjunto de
pessoas envolvidas com as crianças que constituíram os sujeitos da pesquisa. Nessa intenção,
fizeram parte desse conjunto os pais e as professoras, por considerar-se que as instituições por
eles representadas – família e escola – são decisivas para a formação da personalidade da
criança e, igualmente, para a aquisição de conceitos e o desenvolvimento de habilidades e
competências. Se cabe à família a educação informal, pela qual perpassam aprendizados
inatos e/ou culturais, como atividades motoras e regras sociais, cabe à escola a educação
formalizada pela sistematização do ensino, na qual se inclui um conjunto de aprendizagens.
Conhecer, portanto, pelo menos em parte, como se estabelecem as relações entre as
crianças e seus pais e entre as crianças e seus professores, possibilitou apontar para algumas
questões decisivas para a pesquisa, de acordo com seus propósitos e intenções.
Primeiramente são apresentadas as análises das entrevistas com as professoras e, a
seguir, a análise das entrevistas com os pais. Ambas foram interpretadas à luz da teoria
sistêmica a qual permite analisar as interações e as relações entre pais/filhos, professor/aluno.
Após são apresentadas as análises das observações de sala de aula e, posteriormente, a análise
das atividades de interação entre os alunos sujeitos da pesquisa.
4.1 Análise das Entrevistas com as Professoras
As entrevistas com as professoras (anexo A) foram realizadas no ambiente escolar, no
mês de outubro de 2005, quando esta pesquisadora foi até a escola (que se tornou local de
investigação) a fim de buscar alunos que pudessem ser os sujeitos da pesquisa. Cabe salientar
que foram duas as professoras entrevistadas, considerando que duas crianças integravam a
54
mesma turma. Assim as professoras passaram a ser denominadas como professora de SA e SB
e professora de SC.
4.1.1 Análise da entrevista com a professora de SA e SB
A professora da primeira série, da qual fazem parte SA e SB, demonstrou ter um bom
conhecimento a respeito da história de vida desses alunos sujeitos da pesquisa com
dificuldades de linguagem. Apesar de ter clareza a respeito dessas dificuldades e de ter
buscado informações com os pais a respeito das mesmas, deixou todas as providências a
serem tomadas a fim de sanar e/ou minimizar as dificuldades a cargo dos pais. Ao colocar, na
entrevista (anexo A) que a mãe de SA não foi procurar ajuda e que os pais de SB procuraram
mas não conseguiram, a professora, eximiu-se de qualquer responsabilidade na ajuda de seus
alunos e, mais uma vez, deixou claro, a partir de sua atitude, que a busca de uma possível
solução deveria ser buscada apenas pelos pais.
Ao se analisar essa situação, percebeu-se que o olhar da professora a respeito das
dificuldades de linguagem de seus alunos vai muito mais no sentido de uma pedagogia
tradicional na qual o professor ensina e o aluno aprende e, se não aprende, é em decorrência
das condições pessoais e familiares nas quais está inserido do que numa visão circular e de
corresponsabilidade como bem coloca a teoria sistêmica. Gasparian (1997, p.59), ao falar que
“o sistema escolar é um sistema aberto que tem por ob jetivo proporcionar educação”, quer
dizer que cabe a ela, à escola, como aos seus professores e demais integrantes, terem
condições de poder avaliar as influências de diferentes sistemas e de diferentes segmentos
desses sistemas na manutenção ou na solução de um problema ou situação específica.
A teoria sistêmica, ainda de acordo com o autor citado (1997), coloca que o sistema
escolar, como um sistema onde circulam e se estabelecem vários tipos de vínculos e de
relacionamentos, pode manter a sua homeostase, isto é, seu equilíbrio, o que é mais cômodo, e
muitas vezes o faz resistindo às mudanças de seus padrões de interação. A partir do momento
em que a professora colocou a responsabilidade das dificuldades de linguagem de seus alunos
somente na família, demonstrou, de certa forma, dificuldade em mudar um padrão de
interação já estabelecido de acordo com os pressupostos mais tradicionais. Assim excluíram a
possibilidade de abarcar em seu fazer pedagógico uma nova forma de ver e analisar os
problemas educacionais de forma a que todos aqueles que fazem parte do universo relacional
da criança possam ser vistos como co-partícipes dessas dificuldades. É justamente a respeito
dessa corresponsabilidade que fala a teoria sistêmica, a qual aponta para o fato de que todos
55
os elementos de um dado sistema tanto influenciam quanto são influenciados e ajudam na
manutenção de um determinado problema ou situação.
4.1.2 Análise da entrevista com a professora de SC
Após a entrevista realizada com a professora da segunda série (anexo A), percebeu-se
que a mesma, na época, tinha clareza a respeito das dificuldades de SC, assim como
conhecimento a respeito de sua história de vida. Apesar disso, não demonstrou preocupação
em relação às dificuldades de SC, pois considerou que as mesmas poderiam ser decorrentes da
forma infantilizada de como os pais tratavam o filho.
Ao colocar a infantilização na forma de os pais tratarem o filho, percebeu-se que a
responsabilidade pela causa, ou até mesmo por uma possível solução das dificuldades de
linguagem de SC, ficou a cargo dos pais, não tomando para si, enquanto educadora, nenhuma
responsabilidade. Nesse processo, formou suas próprias conclusões a respeito das dificuldades
do aluno sem, em nenhum momento, conversar com os pais ou buscar outras alternativas.
A prova dessa transferência de responsabilidade para os pais, por parte da professora,
é o fato de que as atividades que procurou desempenhar em sala de aula, a fim de sanar as
dificuldades, estavam dissociadas de uma efetiva proposta nesse sentido. Como exemplo citase a tentativa de fazer com que o aluno repetisse corretamente as palavras, fato que fez com
que SC se sentisse envergonhado de sua condição, não querendo mais, em vista disso,
participar das atividades. Essa forma de relação que a professora estabeleceu com SC
contribuiu para a introspecção do aluno, o que gerou uma falta de interesse pelas atividades
escolares.
Toda essa situação colocada anteriormente remete à própria relação professor/aluno.
De acordo com Fernàndez (2001), a fim de que o professor possa oportunizar as
aprendizagens de seus alunos precisa, necessariamente, poder vê-los e se ver enquanto sujeito
que tanto ensina quanto aprende. Essa relação professor/aluno estabelecida no ambiente de
sala de aula, conforme a autora (2001), poderá influenciar na eficácia ou não do processo
ensino-aprendizagem. Quando a professora colocou que as dificuldades de SC eram
ocasionadas pela forma de tratamento infantilizada dos pais para com o filho, ela excluiu-se
da relação que estabeleceu com o aluno em sala de aula, assim como exclui, igualmente, toda
a relação do aluno com o próprio processo de aprendizagem.
Poder analisar a relação da professora-aluno pela ótica da teoria sistêmica implica, de
acordo com Gasparian (1997), a construção de um novo profissional da educação, que
56
consegue, a partir de uma visão sistêmica de homem, de mundo e de sociedade, abarcar os
interesses institucionais e os interesses relacionados à própria aprendizagem de seus alunos.
Pensar a relação do professor e do aluno a partir da perspectiva sistêmica, segundo Gasparian
(1997), possibilita ainda que o professor possa ter clareza da influência de todos os segmentos
que fazem parte do sistema escolar, da influência da família e da sociedade como um todo na
corresponsabilidade para a manutenção do problema enfrentado pelo aluno.
4.2 Análise das Entrevistas com os Pais
Considerou-se parte integrada da pesquisa o envolvimento dos pais os quais foram
convidados a participar da mesma através das entrevistas. Participaram, assim: a) somente a
mãe de SA, pois seu pai adotivo já é falecido; b) somente a mãe de SB, devido ao fato de ser
separada do pai de SB, ambos – pai e mãe – não querem manter nenhum contato um com o
outro, nem se tratando de questões referentes ao filho; c) somente o pai de SC, que fica com a
responsabilidade de acompanhar a vida escolar do filho, já que a mãe, devido ao trabalho, não
tem tempo de ir à escola.
4.2.1 Análise da Entrevista com a mãe de SA
A mãe de SA, logo ao chegar à escola para a entrevista e ao ser solicitada a falar um
pouco a respeito da história de vida de seu filho, iniciou colocando que SA não é
biologicamente seu filho, mas que se dispôs a criá-lo. Colocou ainda que o menino é filho de
uma cunhada sua e que o entregou para ela quando ele tinha um ano e nove meses de idade.
Esclareceu que no tempo em que esteve com a mãe biológica, SA foi desprovido de todos os
cuidados básicos de que necessita uma criança nessa faixa etária. Segundo a mãe adotiva, no
tempo em que esteve com a mãe biológica, o filho ficava largado em uma caixa, onde, de vez
em quando, trocavam as suas fraldas e lhe entregavam uma mamadeira de água com açúcar.
Tais cuidados, como alimentação, higiene, estimulação e afeto, por alguma dificuldade dos
pais biológicos, foram negados à criança.
Ao se pensar em toda a privação a que foi exposto SA na sua primeira infância,
referenda-se Winnicott (1985) como grande expoente da psicologia. Ao abordar a questão das
relações afetivas e a importância da primeira infância para o desenvolvimento das crianças, o
fez mostrando a importância da relação da mãe com o bebê, a qual, segundo ele, vai ganhando
57
formas e se estruturando desde a gestação. Para Winnicott (1985), a gestação pode ser vista
como uma preparação da mulher à futura maternidade, e os primeiros contatos da mãe para
com o bebê, assim como o desprendimento da mãe em satisfazer as necessidades de seu bebê,
estabelecem uma relação íntima entre ambos que permite o bom desenvolvimento da
personalidade da criança.
Os primeiros cuidados da mãe para com o seu bebê, a amamentação e o apoio do pai
nesses primeiros cuidados são considerados por Winnicott (1985) fatores de extrema
relevância a fim de que a criança, já em suas primeiras relações afetivas, adquira um modelo
de relacionamento que lhe permita um desenvolvimento sadio.
SA, ao ser deixado de lado pelos pais biológicos, ao ser abandonado no que diz
respeito às necessidades primárias, como por exemplo, a alimentação e as trocas afetivas,
pode ter sofrido sérias conseqüências. Essas privações podem ter feito com que o menino,
dentro do desenvolvimento psicossocial, ficasse impedido de estabelecer uma relação de
confiança e de apego com um adulto o que ocasiona, na maioria das vezes, insegurança.
Pensar a importância das relações afetivas na família foi uma das grandes
contribuições de Winnicott à psicologia. O autor postulou que todas as formas de relações e
de comportamentos estabelecidos pelas famílias são o reflexo da organização social e cultural
da qual fazem parte e que essa organização social e cultural delimitará e demarcará o tipo de
indivíduo que a família está formando.
Valendo-se da compreensão sistêmica, Prado (1996) acredita que a chegada de um
bebê em determinada família inaugura uma série de novos papéis. O marido e a mulher, além
de constituírem um par conjugal, tornar-se-ão pai e mãe. De alguma forma, os pais de SA não
puderam lidar com esse papel que lhes foi dado, e muito menos com o fato de poderem
organizar o seu dia-a-dia a fim de que pudessem incluir na organização familiar aquele novo
membro do sistema que era o seu filho.
Essa decisão tomada pelos pais mostra, segundo o autor citado a sua dificuldade em
estabelecerem novos padrões de relacionamentos a fim de que pudessem incorporar a chegada
desse filho e, a partir daí, estabelecer novas formas de familiaridade. O que fica com relação a
esse casal é pressuposição de que essa nova configuração deve ter trazido muita ansiedade e
angústia, o que ocasionou a entrega do próprio filho a uma outra pessoa. Prado (1996) ainda
aponta que é na vivência e na experiência que o casal aprenderá as funções paternas e
maternas e poderá lidar com os novos papéis que são colocados a cada um, a fim de que
possam prover a criança de suas necessidades primárias, como carinho, afeto, alimentação,
58
estimulação e hábitos de higiene. Prestar atenção nessas necessidades nada mais é do que
poder estar respeitando o bebê em toda a sua singularidade.
Bowlby (1997), ao falar da formação de vínculos, acredita que esse irá se estabelecer
logo após o nascimento do bebê, quando os pais conseguirem abrir mão da satisfação de suas
próprias necessidades em benefício do mesmo. Segundo Bowlby (1997, p.179): “Isto implica,
em primeiro lugar, uma compreensão intuitiva do comportamento de ligação de uma criança e
uma disposição para satisfazê-lo e, no momento adequado, terminá-lo”.
Todas essas questões, tanto referentes à construção do vínculo apontado por Bowlby
quanto a teoria de Winnicott, possibilitam concluir que ambos os autores consideram que as
relações às quais a criança está submetida no primeiro ano de vida no ambiente familiar, a
acompanharão para a vida adulta. Todas as formas de relações, de vínculos afetivos, de
modelos de comportamento que os pais puderem oferecer à criança determinarão as relações e
vínculos afetivos que a criança será capaz de estabelecer no futuro com as demais pessoas.
Corroborando com essas questões, Prado (1996) acredita que essa etapa do ciclo de
vida familiar fará com que os pais se remetam às suas próprias vivências infantis, sendo que
essas vivências passadas, assim como as presentes, irão determinar o psiquismo da criança.
Ao ser entregue para a mãe adotiva, SA já havia estabelecido com os pais biológicos
um tipo de vínculo que era, essencialmente, marcado pelo abandono, pela privação, o que fez
com que esse, diante dessa nova estrutura familiar, pudesse se sentir à vontade e a não
demonstrar maiores sofrimentos no momento de ter sido deixado pela mãe biológica. Nessa
nova estrutura familiar, SA pôde receber dos pais adotivos tudo aquilo de que havia sido
privado na relação com os pais biológicos. E isso se comprova pelo fato de os pais adotivos
terem buscado recursos para fazer com que SA pudesse se desenvolver de forma a que suas
necessidades, principalmente as afetivas, pudessem ser atendidas, e pelo fato de a mãe decidir
se dedicar intensamente ao filho nesses primeiros anos. Os pais adotivos puderam abrir
espaço na sua estrutura familiar para incorporar um novo elemento, a fim de que esse pudesse
se desenvolver de forma saudável, de modo a recuperar pelos menos parte das privações –
tanto físicas quanto emocionais – sofridas. A luta desses novos pais para que o menino, em
primeiro lugar, sobrevivesse e depois se desenvolvesse no que diz respeito às capacidades do
ser humano como, por exemplo, caminhar e falar, foi constante, ficando essa mãe durante
mais de um ano dedicada a essa tarefa com vistas ao bom desenvolvimento de seu filho.
Nessa perspectiva é que os pais de SA investiram, cercando-o de cuidados, carinho e
afeto. Esse padrão de funcionamento do casal permitiu aos pais definirem novos padrões de
relacionamento e de funcionamento a fim de satisfazer as necessidades básicas do filho. Essa
59
postura fez com que, a partir do momento em que entrou para essa família, SA pudesse se
sentir pertencente a um ambiente familiar, passando a agir de acordo com os padrões de
relacionamento estipulados por sua família adotiva.
Some-se a isso o fato de que quando SA estava um pouco maior (5 anos de idade) ele
sofreu uma grande perda que foi a morte do pai, o que lhe ocasionou muito sofrimento devido
ao grande apego que tinha por ele. Essa perda abalou a estrutura de toda a família mas,
mesmo assim, a mãe pôde dar conta do seu sofrimento e do sofrimento dos filhos, oferecendolhes um bom suporte para essa superação. Porém, com a morte do pai, SA viu-se diante de
uma outra situação difícil, pois sua mãe biológica, diante da morte do irmão, quis levá-lo de
volta, o que ocasionou uma grande desestabilidade na mãe adotiva, fazendo com que essa
proibisse a mãe biológica de levar o filho. Verificou-se pela entrevista, que a mãe biológica
mantém contato com SA, mas a referência de família que ele tem é a dos pais adotivos,
principalmente a referência da mãe. O contato da mãe biológica com o filho é bastante
superficial, sendo que essa, por questões pessoais e interiores, não consegue ter uma
aproximação afetiva com o filho, o que faz com que a referência da família adotiva fique cada
vez mais forte dentro dele.
Evidentemente, todas essas questões que fazem parte da história de SA foram
decisivas para o seu desempenho como aluno. Hoje, freqüentando a segunda série do Ensino
Fundamental, apresenta visíveis dificuldades com relação à aprendizagem e à apreensão de
conceitos, retratadas inclusive pela linguagem, através da troca de fonemas e da dificuldade
de leitura.
4.2.2 Análise da Entrevista com a mãe de SB
Ao ser solicitada a falar um pouco a respeito da história de vida de SB, a mãe logo
iniciou colocando que não queria ter tido esse filho pelo fato de já terem uma menina e ter
passado por uma gravidez conturbada. Foram várias as tentativas da mãe de abortar o filho,
todas em vão, justificadas, segundo ela, pelo medo de passar por tudo novamente. O desejo da
mãe de não ter esse bebê contrariava o desejo do pai que era de ter o filho.
Após os primeiros meses de gravidez e das tentativas frustradas de abortar o bebê, a
mãe, após perceber que não tinha mais o que fazer e que teria de ter o filho, passou a aceitálo. De acordo com Carter & McGoldrick (2001, p.42): “Com a transição para a paternidade, a
família se torna um grupo de três, o que transforma em um sistema permanente”. Fechando
60
com essas idéias, o casal já estava imbuído na nova configuração com a vinda da filha mais
velha, quando receberam a notícia de que teriam outro bebê. Essa nova situação fez com que a
mãe, por questões individuais, tivesse dificuldades em dar conta da nova configuração
familiar a fim de incluir nela um outro filho.
O não desejo inicial da mãe em ter o segundo filho fez com que ela, logo após o
nascimento dele, passasse a superprotegê-lo, não permitindo que outra pessoa, além dela,
dispensasse atenção e cuidados ao filho. Ao estabelecer que somente ela cuidaria do menino,
a mãe de SB possibilitou uma dependência do filho com relação a ela, a qual pode ser
comprovada, segundo relato da mãe (anexo B), pela dificuldade de SB em ficar na escola,
pois sentia-se inseguro e desprotegido. A postura da mãe pode levar, igualmente, a uma
dependência do filho com relação a ela. Bowlby (1998, p.260), ao falar da dependência,
afirma que:
Aliás, com respeito a estas, uma dificuldade que não deve ser esquecida é a
ambiguidade da palavra “superdependente”, empregada em dois sentidos: para
abranger crianças que demonstram tipicamente apego com angústia e para abranger
crianças menos hábeis que outras da mesma idade na execução de tarefas comuns –
como se alimentarem ou se vestirem sozinhas – e que, por isso, buscam auxílio
materno.
Rosset (2003) acredita que a superproteção faz com que as crianças se sintam
incapazes de dirigir suas próprias vidas; por isso é necessário que os pais possam prover a
criança de cuidados mais específicos logo no início de sua vida e que, depois, possibilite
condições para a criança gerenciar a sua própria vida. De acordo com Rosset (2003, p.132):
Saber que aquele ser só está sob seus cuidados por um certo espaço de tempo, e que
sua tarefa é capacitá-lo para viver sozinho, são dois requisitos básicos para que os
pais tenham coragem e responsabilidade em diminuir a superproteção e refrear seu
impulso de cuidar em excesso, fazer em excesso, dar em excesso.
SB, até quase os seus seis anos, pôde se desenvolver em uma família considerada pela
teoria sistêmica como nuclear, em que o pai e a mãe participavam da educação e do dia-a-dia
do filho. A mãe inclusive refere que a afetividade sempre esteve muito presente nos
relacionamentos de toda a família e que, na educação dos filhos, prevalecia muito o aspecto
61
lúdico, em que as brincadeiras e as interações entre os membros da família eram muito
valorizadas.
Após esse período, a estrutura familiar foi quebrada com a separação dos pais. SB
tinha um apego muito grande pelo pai, o que fez com que ele sofresse muito quando ele se
separou de sua mãe. As crianças, segundo a mãe, não sabem bem ao certo o motivo da
separação, até porque nem a mãe sabe explicar realmente o que aconteceu. Essa situação de
incerteza a respeito dos reais motivos da separação causam muita ansiedade tanto na mãe
quanto nas crianças, o que pode faz com que essa insegurança de SB possa refletir-se no
ambiente escolar.
Prado (1996) acredita que a separação inaugura uma nova identidade do casal, sendo
que muitos dos casais não conseguem se deparar com essa nova identidade de forma a que
possam levar suas vidas adiante. A mãe de SB parece estar ainda muito ligada a esse
casamento e principalmente à incerteza a respeito dos motivos da separação. Cabe ressaltar
que todas as suas tentativas de procurar esse esclarecimento foram em vão, pois em nenhuma
das vezes o pai mostrou-se disposto a conversar e a discutir com a ex-mulher os motivos de
ter saído de casa.
O forte vínculo que o filho havia estabelecido com o pai foi interrompido por
dificuldades de o pai manter uma aproximação com os filhos, pois essa aproximação e esse
estar presente no dia-a-dia levaria, conseqüentemente, a uma aproximação com a ex-esposa. A
tentativa do pai de não manter mais nenhum contato com a ex-mulher fez com que ele se
distanciasse ainda mais do filho. A dificuldade do casal de conversarem a respeito da própria
separação acarretou muita insegurança para toda a família, sendo que essa insegurança pôde
ser percebida na forma como a mãe traz as suas colocações na entrevista (anexo B).
A insegurança da mãe, conseqüentemente, levou à insegurança do filho, que pode ser
confirmada pelo fato de SB, em sala de aula, não se permitir interagir com os colegas. Toda a
insegurança da mãe, decorrente da separação, além da superproteção dispensada ao filho, a
fim de compensar a rejeição inicial, fizeram com que SB ficasse dependente da mãe, o que
abalou a sua autoconfiança.
O que foi possível perceber no caso de SB é que, apesar de um grande esforço, a mãe
sentia-se insegura com relação às suas responsabilidades, tanto que o filho no seu dia-a-dia
solicitava e se referia ao pai como se estivesse tentando trazê-lo novamente para a sua vida.
Conseqüentemente, isso fez com que a mãe não conseguisse se libertar desse relacionamento,
fator que aumentou ainda mais a sua insegurança. A mãe, apesar de suas dificuldades e de seu
62
sofrimento, é muito presente na vida do filho, demonstrando preocupação com relação ao seu
bom desenvolvimento e desempenho escolar.
4.2.3 Análise da Entrevista com o pai de SC
Ao iniciar a entrevista com o pai (anexo B) e solicitar que ele falasse um pouco do que
se lembrava a respeito da gravidez de SC, esse colocou que foi bastante conturbada em
decorrência das brigas do casal. Segundo o pai, as brigas tinham sempre um mesmo motivo: o
ciúme da mulher. Segundo ele, esse sentimento tornou-se excessivo, assim como se tornou o
motivo de quase todas as brigas e crises do casal. O ciúme excessivo certamente afetou toda a
família uma vez que pela circularidade todos agem e sofrem a ação, assim a dificuldade de SC
também pode estar relacionada à dificuldade do casal.
Os pais de SC estabeleceram um relacionamento baseado na desconfiança de um sobre
o outro, sendo que esse tipo de relacionamento foi estabelecido pelo casal desde o seu
casamento. O que se percebeu, igualmente, no casal, pode ser considerado como uma crise de
estruturação, pois o casal, ao se unir, não conseguiu negociar e organizar as questões que
competem ao casal, assim como as questões que competem à família. Cabe ressaltar que esse
casal veio de outros casamentos, tendo cada um deles filhos com outros parceiros. Ao abordar
a questão do casamento e da estruturação da família, Rosset (2005,p.113) refere-se: “As
tarefas desse momento são as ligadas com a definição de que tipo de casal eles vão ser, de
quais atividades vão desempenhar, de qual contrato vão definir”. Esses contratos podem ser
invisíveis e, por isso, são mais difíceis de se romperem. No caso dos pais de SC, o contrato
estabelecido não possibilitou o acesso de nenhum deles aos filhos que já tinham. A mãe não
permite que o marido se aproxime de seus filhos do primeiro casamento, principalmente no
que diz respeito à educação dos mesmos, o que faz com que, muitas vezes, esses filhos faltem
com o respeito para com o padrasto. As dificuldades da mãe, aqui nesse tipo de contrato,
fazem com que ela não tenha um bom relacionamento com os filhos do marido, que já são
pessoas adultas e que não moram junto com o casal. A dificuldade de aproximação da mãe
impede o bom funcionamento da família no que diz respeito às responsabilidades e aos papéis
que competem a cada um desempenhar dentro desse sistema. De acordo com Whitaker &
Bumberry (1990, p.137):
63
Um dos componentes básicos na estrutura de famílias em bom funcionamento é
uma clara separação de gerações. É claro que os pais e os filhos não são iguais em
termos de autoridade e responsabilidade. Os pais são a espinha dorsal da família,
com as crianças obtendo uma sensação de segurança a partir da liderança e da
solidariedade parentais.
O que se verificou é que esse casal está disfuncional, pois, conforme relato do pai
(anexo B), a mãe tem muita dificuldade em estabelecer limites nos filhos do primeiro
casamento. Por não permitir a interferência do marido nesse sentido, as crianças acabam,
algumas vezes, determinando os procedimentos, sendo a mãe mandada por elas. Essas
questões do casal demonstram uma grande dificuldade de ambos em lidarem com as
diferenças, o que faz com que as brigas entre os mesmos sejam inúmeras. Ainda de acordo
com Whitaker & Bumberry (1990, p.141): “A capacidade de lidar com diferenças é um
desenvolvimento que estabiliza e amplia muito a qualidade de um casamento. Quando as
diferenças são vistas como inerentemente ruins ou como algo a ser eliminado, elas causam
dissociação, evocam defesas e levam ao estranhamento”. Parece que essas diferenças, no caso
dos pais de SC, realmente levaram a um grande impasse, principalmente no que diz respeito
às diferenças de pensamento com relação à educação dos dois filhos em comum. Tais
diferenças, de acordo com o pai, são acentuadamente marcantes, pois o pai não concorda com
a forma como a mulher está educando os filhos do casamento anterior. Igualmente não deseja
que seus filhos venham, no futuro, a apresentar alguns problemas, como os que vem
enfrentando a sua esposa com os seus outros dois filhos, os quais, segundo o pai (anexo B),
são agressivos e não tem limites estabelecidos. Todas essas questões fazem com que o pai
evite uma maior aproximação de SC com os irmãos por parte de mãe, e tente uma maior
aproximação com os seus outros filhos que, para ele, são pessoas adultas, trabalhadoras e
honestas.
Em vista dos desentendimentos entre o pai e a mãe de SC, a mãe acaba colocando o
marido para fora de casa, mas logo permite que ele volte e, assim ficam nesse jogo, onde o pai
vai e volta para casa.. De acordo com o relato do pai (anexo B), foram várias as vezes em que
a mãe tomou a atitude de mandá-lo embora e em todas as vezes SC pediu para ir com o pai.
Essa situação acarretou muito sofrimento e muita insegurança para SC pois, mesmo solidário
ao pai, sentia-se infeliz pelo fato de a mãe sofrer pela situação.
Por todos esses aspectos, foi possível perceber que a grande dificuldade do casal e que
acaba afetando os seus filhos é justamente a dificuldade em determinar quais os papéis de
64
cada um dentro do sistema familiar. Por uma dificuldade de comunicação entre eles, os papéis
ficam misturados, o que perturba o bom funcionamento da estrutura familiar.
Nesse sentido, a fim de que a família de SC pudesse se estruturar e oferecer um
ambiente familiar em que prevalecesse o respeito e a segurança, seria necessário que os pais
percebessem e analisassem as competências de cada um enquanto pai e mãe, madrasta e
padrasto. Essa nova postura que os pais poderiam assumir permitiria com que SC crescesse
mais livre com condições de expressar os seus pensamentos e sentimentos, a fim de que
pudesse viver de acordo com os seus desejos e interesses e não de acordo com o que o pai
considera certo ou melhor para ele, especialmente quando esse certo, para o pai, é excluir a
mãe e seus outros filhos do primeiro casamento, da relação com SC que, por sua vez, fica
entre crescer e aprender na escola, ou continuar criança, pequeno e que não aprende, ficando
dessa forma identificado com a dificuldade dos pais.
Dessa forma, SC parece estar identificado com os pais, mantendo na escola o mesmo
padrão de relacionamento dos mesmos, que é baseado na falta de envolvimento e de
comunicação. Os pais, na ocasião, não conseguiam conversar entre si a respeito de suas
dificuldades enquanto casal, e SC, conseqüentemente, sofria os efeitos desse sistema, os quais
podem manifestar-se por um longo período. Enquanto SC apresentar dificuldades na escola,
os pais terão de olhar para esse fato e não para os seus problemas enquanto casal.
4.3 Análise das Observações em Sala de Aula
As observações feitas em sala de aula foram realizadas quinzenalmente, com a duração
de 40min. cada uma delas, no período de março a julho de 2006.
4.3.1 Análise das observações de SA
SA por estar na segunda série do ensino fundamental apresenta algumas dificuldades
no que diz respeito à linguagem oral, assim como na leitura e na escrita. Essas dificuldades
podem ser agravadas ou mantidas devido ao fato de a turma, da qual SA faz parte, ser bastante
agitada, e pelo fato de a professora apresentar dificuldades em manter os alunos envolvidos
com as tarefas escolares e, conseqüentemente, dificuldade em atender às necessidades
específicas de cada um deles. Percebe-se que a escola como um todo é bastante agitada e isso
se constata pelo fato de os alunos, de diferentes turmas, entrarem e saírem as salas com muita
65
facilidade ou, muitas vezes, saírem para correr pelos corredores da escola. De acordo com
Gasparian (1997, p.73): “Uma escola é funcional quando conta com forte aliança entre a
comunidade, o corpo docente e administrativo, os quais trabalham os seus conflitos através da
colaboração e diálogo”.
O que se percebe na sala de aula de SA é justamente uma falta de colaboração por
parte dos alunos e uma falta de comprometimento com o processo ensino-aprendizagem. Essa
questão remete à organização desse sistema, assim como dos subsistemas que fazem parte,
igualmente, desse sistema. Gasparian (1997, p.72) acredita que:
Cada um desses subsistemas possui tarefas específicas dentro da escola. Por
exemplo, cabe ao subsistema da direção orientar os professores e alunos quanto à
conduta e ao programa a ser desenvolvido, tomar decisões, preencher necessidades,
organizar eventos, etc. O subsistema dos alunos envolve apoio mútuo, adquirir
conhecimentos que, por sua vez, irão interagir com suas famílias. O subsistema dos
professores requer o cumprimento das normas e diretrizes instituídas pela direção.
A autora citada (1997) argumenta que, se cada subsistema puder cumprir com as suas
tarefas, a escola terá condições de funcionar de maneira a promover um espaço onde as trocas
afetivas e as aprendizagens possam acontecer de forma mais efetiva. O que se percebe na sala
de aula de SA é uma certa dificuldade por parte da professora em manter os alunos envolvidos
com as atividades, o que remete, também, a algumas dificuldades dos próprios alunos no que
diz respeito às vivências escolares. Cabe ressaltar que a falta de respeito à figura da professora
é bastante presente na turma, sendo esse um dos maiores entraves ao processo ensinoaprendizagem e, no caso de SA, a sua dificuldade em se responsabilizar pelo seu próprio
aprendizado. Essas questões remetem ao que Pain (1985) considera como sendo as condições
sociais do processo de aprendizagem. Segundo a mesma autora (1985, p.17-18):
No nível social podemos considerar a aprendizagem como um dos pólos do par
ensino-aprendizagem, cuja síntese constitui o processo educativo. Tal processo
compreende todos os comportamentos dedicados à transmissão da cultura, inclusive
os objetivados como instituições que, específica (escola) ou secundariamente
(família), promovem a educação. Através dela o sujeito histórico exercita, assume e
incorpora uma cultura particular, na medida em que fala, cumprimenta, usa
utensílios, fabrica e reza segundo a modalidade própria de seu grupo de
pertencimento.
66
Essa transmissão da cultura a que se refere Pain (1985) pode ser compreendida a partir
de questões externas, que dizem respeito às questões sociais e culturais que perpassam a
educação e, conseqüentemente, o processo ensino-aprendizagem. Igualmente pode ser
compreendida pelas questões internas, que correspondem à própria estruturação do sujeito
enquanto ser pensante, autônomo e capaz de se desenvolver e aprender.
No campo das causas externas, o que impede o bom aprendizado por parte de SA é, de
certa forma, a impossibilidade de a professora dar atenção às suas necessidades específicas.
Isso se verificou pelo fato de que, segundo as observações (anexo C), assim que a professora
deixa as tarefas para eles, não conseguir ir dando uma atenção mais direcionada a fim de
atender às necessidades de cada um de seus alunos. Durante a aula, passa boa parte do tempo
tentando organizar a turma para que os alunos realizem as atividades de forma organizada e
sistematizada. Devido ao grande número de alunos na turma (aproximadamente 30 alunos), a
professora manifesta dificuldades em lidar com essa questão, fator que a leva, muitas vezes, a
elevar a voz durante a aula, o que provoca, contrariamente à proposta de organização, uma
agitação maior nos alunos.
Por causa de todas essas questões, SA não consegue parar para realizar as atividades.
Verificou-se isso no primeiro dia de observação (anexo C), quando SA passou o tempo todo
andando pela sala, perturbando os colegas que estavam tentando trabalhar. Além de não dar
conta de suas tarefas, SA passa a maior parte do tempo interferindo no trabalho dos outros e,
nesse ponto, o que parece estar em questão é o próprio desejo do aluno em aprender. Segundo
Fernàndez (1991) existem algumas condições que são extremamente importantes a fim de se
buscar o real desejo em aprender. Conforme a autora citada (1991, p. 57):
Assim como em todo o processo de aprendizagem estão implicados os quatro níveis
(organismo, corpo, inteligência e desejo), e não se poderia falar de aprendizagem
excluindo algum deles, também no problema de aprendizagem, necessariamente
estarão em jogo os quatro níveis em diferentes graus de compromisso.
No caso de SA, ficam claras as questões trazidas pela autora citada (1991), quando
essa fala a respeito do lugar do corpo no aprender, que pode ser entendido como o lugar
mediador e sistematizador dos comportamentos, e por onde as aprendizagens podem ser
apropriadas pelo sujeito. Fernàndez (1991, p.59) afirma que:
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Desde o princípio até o fim, a aprendizagem passa pelo corpo. Uma aprendizagem
nova vai integrar a aprendizagem anterior, ainda quando aprendemos as equações de
segundo grau, temos o corpo presente no tipo de numeração e não se inclui somente
como ato, mas também como prazer; porque o prazer está no corpo, sua ressonância
não pode deixar de ser corporal, porque sem signo corporal, o prazer, este
desaparece.
O corpo promove, então, boa parte das aprendizagens e o que se percebe na sala de
aula de SA é uma certa coibição nesse sentido, pois há uma grande tentativa da professora de
que os alunos passem o tempo todo sentados realizando, dessa maneira, as atividades
escolares. Outra questão que cabe ser ressaltada, a partir das observações de SA (anexo C), é a
sua grande tentativa de que os outros realizem as tarefas para ele. Sempre que a professora
passa alguma atividade que requer leitura e escrita, recorre aos colegas até que um aceite fazer
as tarefas para ele. Essas questões remetem ao que Fernàndez (2001) traz em sua teoria, ao
abordar a relação entre o aluno e o professor, e a possibilidade de o sujeito se ver enquanto
autor de seu próprio pensamento. Ainda de acordo com Fernàndez (2001, p.54):
Dirigiremos nossa análise para movimentos que chamaremos aprendente e
ensinante – como posições subjetivas – em relação ao conhecimento. Tais
posicionamentos (aprendente-ensinente) podem ser simultâneos e estão presentes
em todo vínculo (pais-filhos, amigo-amigo, aluno-professor...). Assim como não se
poderia ser aluno e professor de seu aluno ao mesmo tempo, ao contrário, só quem
se posiciona como ensinante poderá aprender e quem se posiciona como aprendente
poderá ensinar.
De certa forma, SA não consegue se ver enquanto sujeito que possui autoria de
pensamento, pois não se permite – seja por medo ou comodidade – buscar novas
aprendizagens e ser responsável por aquilo que está produzindo. O que dificulta ainda mais
essa situação é o fato de a professora, por estar tão envolvida em fazer com que os outros
alunos sentem e desenvolvam as atividades, não perceber (ou fazer de conta que não percebe)
que não é SA que desenvolve as tarefas, mas sim um colega. A postura da professora de “não
querer ver” essa situação faz com que a mesma se repita várias vezes, mostrando que, de certa
forma, ela finge que ensina, enquanto SA finge que aprende, pois o que realmente acontece é
uma apropriação por parte do aluno de algo que não foi ele mesmo que produziu.
Apesar de todas essas questões, SA demonstrou bastante interesse nas aulas de artes,
sendo esse um momento em que consegue parar, concentrar-se e empenhar-se nas atividades.
Tudo o que diz respeito a trabalhos artísticos e manuais são bem desenvolvidos por parte do
68
aluno, o que mostra que muitas de suas dificuldades escolares podem estar associadas à
própria forma como essas estão sendo desenvolvidas em sala de aula, e não somente a
questões pessoais e a limitações do próprio aluno. As aulas de artes, por serem bem
aproveitadas pelo aluno, poderiam contribuir inclusive para o melhor desempenho de sua
linguagem, já que nesse espaço ele demonstra segurança e interesse.
4.3.2 Análise das observações de SB
SB está cursando a segunda série do Ensino Fundamental e apresenta dificuldades de
linguagem no que diz respeito à oralidade. As mesmas questões com relação à estrutura de
sala de aula, colocadas na situação de SA, acontecem com SB, pois os mesmos estudam na
mesma turma. Assim como a professora não consegue dar atenção aos alunos, a fim de
atender às suas necessidades específicas, não o faz no caso de SB, deixando que o menino
resolva as tarefas sem o seu auxílio, justamente por ser um aluno que faz todas as atividades
solicitadas pela professora. Segundo ela, SB não apresenta dificuldades no que diz respeito às
aprendizagens, devido ao fato de conseguir dar conta das atividades de sala de aula, fator que
mascara o ato de ensinar e de aprender.
Pain (1985) acredita que as aprendizagens devem proporcionar uma mudança de
comportamento, e que somente quando essa mudança for visível é que se pode falar que as
aprendizagens realmente aconteceram. Ainda para Pain (1985, p.23): “Desde esta perspectiva
geral a aprendizagem é um processo dinâmico que determina uma mudança, com a
particularidade de que o processo supõe um processamento da realidade e de que a mudança
no sujeito é um aumento qualitativo na sua possibilidade de atuar sobre ela”. O fato de SB ter
dificuldades de linguagem oral impede que ele expresse de forma natural e espontânea os seus
pensamentos. SB reconhece, segundo entrevista com a mãe (anexo B), as suas dificuldades de
linguagem, por isso, recusa-se a falar em sala de aula. A única pessoa com quem mantém um
diálogo é com SA, por uma questão de identificação e por terem um grau de parentesco. SB
senta na sala de aula sempre ao lado de SA, o que parece que faz com que ele se sinta mais
seguro no ambiente da sala de aula. Essa confiança e segurança depositadas nessa relação
fazem com que SB oscile no que diz respeito ao andamento das tarefas, ora esperando SA
começar para fazer também, ora iniciando e procurando incentivar para que o colega
desenvolva as atividades.
69
A postura de SB demonstra que ele não apresenta tantas dificuldades no que diz
respeito às posições de aluno e de professor presentes no ambiente de sala de aula. Apesar de
não se manifestar muito, diante de todos os colegas, o faz com relação a SA explicando
muitas vezes o que é para ser feito em aula. Fernàndez (2001) aponta que seria interessante
que a criança pudesse, tanto em casa, quanto na escola, colocar-se nesse lugar de ensinar e
aprender. Conforme a mesma autora (2001, p.105): “A criança pode colocar -se no lugar de
ensinante frente à sua família sobre o acontecido na escola e, por sua vez, como ensinante
frente à escola sobre a história ou experiências familiares”.
SB se permite estar nesse lugar somente com relação a SA e na sua casa. Diante das
demais pessoas, que fazem parte de seu universo relacional, SB mostra-se bastante tímido e
com muita dificuldade em colocar aquilo que está pensando. Isso pode ser comprovado pelo
fato de o menino, em sala de aula, apenas se comunicar com SA e com a professora quando
estritamente necessário. SB realiza todas as atividades propostas pela professora e, assim que
a professora as entrega, ele já começa a fazer e logo termina. Enquanto está tentando se
concentrar para realizar a tarefa, SA passa o tempo todo perturbando-o, e fazendo de tudo
para que SB entre nas brincadeiras. SB, porém, consegue manter-se ligado às atividades que
estão sendo realizadas e, como realiza as atividades, a professora muito pouco intervém ou
pára para ver como ele está indo na realização das tarefas.
A dificuldade de comunicação é a maior dificuldade de SB, pois não é possível saber o
que ele está pensando sobre a aula, se está tendo alguma dificuldade em realizar a tarefa, se
está precisando ou não de ajuda. Tudo isso remete à própria questão da autonomia e da autoria
de pensamento. SB está buscando, e de certa forma já possui, essa autonomia no ambiente
escolar. O que atrapalha a inserção do aluno nesse contexto, é o fato de a professora não
procurar, através de diferentes atividades e metodologias, fazer com que ele procure se
expressar e dizer o que está pensando.
O que se verifica na estrutura dessa sala de aula é uma grande dificuldade da
professora em atender às necessidades individuais de seus alunos no que diz respeito às
aprendizagens e às limitações de cada um. Como SB pouco fala, permanece o tempo todo
sentado, não levanta, não atrapalha e realiza todas as atividades a professora não se preocupa
com as demais aprendizagens, além das ligadas a conteúdos, como a não comunicação. Para
ela, a postura de SB é a mais adequada, pois ele representa um aluno a menos para ela se
preocupar e um modelo de aluno idealizado.
Fernàndez (2001) coloca que cada indivíduo possui a sua própria modalidade de
aprendizagem. De acordo com a autora citada (2001, p.103): “A modalidade de apr endizagem
70
constrói-se em reciprocidade com as modalidades de ensino dos ensinantes com os quais o
sujeito interage, mas não em uma relação causa-efeito e tampouco de complementaridade.
Entre ambos, estabelece-se uma relação de suplementaridade”. A modalida de de ensino da
professora para com SB é, de certa maneira, baseada na indiferença e essa, de acordo com
Fernàndez (2001), pode ser vista pela falta de interesse por parte do professor por aquilo que o
aluno está produzindo. Durante as observações, foi possível notar que a professora, na maioria
das vezes, mostra-se pouco interessada pelo que SB está realizando, justamente pelo fato de o
aluno não incomodar e cumprir com as atividades escolares.
SB, por sua vez, apesar das interferências de SA, consegue realizar bem todas as
atividades, demonstrando bastante interesse por todas as aulas, independentemente do
conteúdo. Durante as aulas, são várias as tentativas de SA para que SB realize as suas tarefas.
Esse sempre se nega a fazer, o que faz com que ele acabe levando respostas agressivas por
parte de SA, tanto verbais como físicas. SB recebe todas essas respostas de forma bastante
passiva, não se permitindo mostrar a sua aversão diante da situação, ou até mesmo em revidar
as agressões de SA. Apesar dessa relação muito próxima com SA, SB não se deixa, nos
momentos de agressividade e de falta de respeito para com a professora e os colegas,
influenciar-se pela postura de SA.
O que se percebe, no caso de SB, é justamente a dificuldade da própria professora em
conseguir dar conta das limitações desse aluno. Esse tipo de relação estabelecida entre a
professora e o aluno, e a relação dele com SA e com o resto da turma, juntamente com
algumas questões metodológicas como, por exemplo, o fato de deixar o aluno conduzir-se por
conta própria, estão entravando o bom desenvolvimento desse aluno. Conseqüentemente,
entravam também uma possível superação de suas dificuldades de linguagem, já que essa
manifesta mais precisamente pela ausência de comunicação.
4.3.3 Análise das observações de SC
Ao se observar SC em atividades de sala de aula (anexo C), percebeu-se que suas
dificuldades estão relacionadas à questão da linguagem oral e escrita, pois SC escreve como
fala e sua fala e escrita são caracterizadas pela troca, respectivamente, de alguns fonemas e de
algumas letras. Cita-se, como exemplo, a escrita paisase quando solicitado e escrever, por
meio de um ditado, a palavra paisagem (anexo C).
71
A professora de SC consegue manter a turma trabalhando e produzindo boa parte do
tempo. Todos os alunos parecem ser bastante tranqüilos, o que facilita o trabalho da
professora. Enquanto estão realizando as atividades, ela circula pela sala para ver como estão
indo e ajudá-los, se necessário.
SC, apesar de sua tranqüilidade e de seu “ bom comportamento”, demonstra pouca
disposição para realizar as tarefas. É sempre o último a realizá-las e dificilmente consegue
terminar até o final da aula, pois passa boa parte do tempo debruçado sobre a classe sendo
inúmeras as vezes em que a professora precisa intervir para que ele comece a fazer as tarefas
enquanto todos os seus colegas já terminaram.
A falta de estímulo em participar ativamente das aulas é visível no aluno, pois esse
somente realiza alguma atividade quando solicitado diretamente pela professora e, mesmo
assim, logo pára e volta a posição anterior. Conforme Fernàndez (2001, p.32): “Na
aprendizagem escolar, reflete-se toda a dinâmica social e familiar. Nosso trabalho será saber
escutar e olhar para além e para aquém daquilo que se percebe”. SC, a partir de seu
comportamento que manifesta um certo desinteresse pelas atividades escolares, e
conseqüentemente, pelas aprendizagens pode estar querendo manifestar algo, que a própria
professora e toda a estrutura educacional não estão podendo ver. Ainda de acordo com
Fernàndez (2001, p.33): “Tanto no fracasso escolar quanto no problema de aprendizagem, o
aluno mostra que não aprende, mas, no primeiro caso, a patologia está instalada nas
modalidades de ensino da escola, e esse é o lugar sob o qual se deve, prioritariamente,
intervir”.
Nesse sentido, Fernàndez (2001) coloca que para que se possa entender o porquê de
determinado problema de aprendizagem, faz-se necessário compreender a própria modalidade
de ensino da escola, bem como as próprias questões internas e familiares sobre as quais o
problema foi instaurado. Segundo Fernàndez (2001, p.34): “Para entender a significação do
problema de aprendizagem, deveremos descobrir a funcionalidade do sintoma dentro da
estrutura familiar e aproximarmo-nos da história singular do sujeito e da análise dos níveis
que operam”.
Fernàndez (2001) postula ainda que, para que se possa entender a dinâmica de um
problema de aprendizagem, é preciso conhecer a relação do sujeito consigo mesmo enquanto
ensinante e aprendente, as modalidades de ensino da escola, e aqui, enquadra-se a
possibilidade de o professor também poder se ver enquanto sujeito aprendente, e a relação que
esse estabelece com os alunos e demais integrantes da comunidade escolar.
72
O que se nota no caso de SC é que todas essas relações que perpassam e que estão
implícitas no processo de aprendizagem estão, de certa forma, disfuncionais, pois ao invés de
a professora utilizar metodologias a fim de que possa estimular o aluno e possibilitar sanar
e/ou amenizar as suas dificuldades, essa o isola dos demais colegas. Isso porque, segundo ela,
o aluno está sempre atrasado e nunca consegue terminar as tarefas. Essa postura da professora
faz com que os colegas enfatizem em sala de aula que ele nunca termina as atividades, que
está sempre atrasado.
SC, mediante a reação de seus colegas, se defende dessas falas, colocando que não é
somente ele que se atrasa (e realmente não é), que outros também apresentam as mesmas
dificuldades que ele. Quando SC se defende é, de certa forma, por estar se sentindo diminuído
diante dos colegas. A professora, por sua vez, não toma nenhuma providência com relação a
essas falas dos colegas a respeito de SC. O aluno, a partir de suas respostas, procura mostrar
que eles são diferentes uns dos outros e que não precisam, necessariamente, estar tendo o
mesmo desempenho. Segundo Fernàndez (2001, p.73): “Assim como a inteligência tende a
objetivar, a buscar generalidades, a classificar, a ordenar, a procurar o que é semelhante, o
comum, ao contrário, o movimento do desejo é subjetivante, tende à individualização, à
diferenciação, ao surgimento do original de cada ser humano único em relação ao outro”.
SC parece ainda não se sentir desconfortável com as colocações dos colegas sobre as
suas dificuldades, e isso remete nível simbólico que permite justamente que o indivíduo possa
se colocar diante das demais pessoas. Fernàndez (1991) coloca que é o nível simbólico que
possibilita às pessoas poderem reconhecer-se enquanto seres individuais, que possuem seus
próprios sonhos, desejos, falhas, e que é esse mesmo nível que determina as marcas
individuais de cada um. Com relação a esse aspecto, Fernàndez (1991, p.74) afirma que: “O
nível simbólico é o que organiza a vida afetiva e a vida das significações. A linguagem, o
gesto e os afetos agem como significados ou como significantes, com os quais o sujeito pode
dizer como sente seu mundo”.
Pelas observações realizadas na sala de aula de SC, constatou-se uma evidente falta de
estímulo da professa diante das atividades que ela própria propõe para a turma realizar. A
maior preocupação da professora é que eles terminem, e essa acaba jogando muito com
relação a esse aspecto, quando coloca para os alunos que eles somente poderão ir para a
educação física, ou aula de informática, ou oficina de dança, se terminarem a atividade, não
demonstrando interesse em ver se os alunos realmente estão se apropriando daquele
conhecimento e, conseqüentemente, aprendendo.
73
Diante dessa circunstância, SC somente faz as tarefas quando a professora coloca esse
tipo de condição para poder sair para outra atividade. Esse foi o tipo de relação e de vínculo
estabelecido entre a professora e os alunos dessa turma, e todas as medidas por parte da
professora para com os alunos reforçam e reafirmam que o modelo de interação professoraluno, está baseado muito mais na punição do que no próprio desejo de aprender. Isso faz com
que as dificuldades de linguagem de SC não sejam trabalhadas em sala de aula, fato de
contribui para o possível aumento ou manutenção do problema.
4.4 Análise das Atividades de Interação
Nas atividades de interação (anexo D), propostas para os alunos sujeitos da pesquisa,
que foram realizadas na escola, com a duração de uma hora cada uma delas pôde-se perceber
muitas das questões que se verificaram em sala de aula, durante as observações. Confirmouse, por exemplo, o fato de SB se sentir seguro perto de SA. SB, nas atividades de interação,
conversava e se dirigia somente a SA, muitas vezes falando em seu ouvido aquilo que gostaria
de dizer. Por mais que fosse solicitado por SC a interagir com ele, SB não aceitava e
permanecia interagindo somente com SA que, por sua vez, percebe a influência que exerce
sobre SB e reforça que esse deve brincar e interagir somente com ele.
Tal postura ficou evidente, pois muitas vezes SA, apenas pelo olhar, consegue fazer
com que SB entenda que é com ele que deve brincar e conversar. SB, em uma das atividades
de interação, somente fazia aquilo que SA fizesse e, quando solicitados a falarem sobre o que
estavam fazendo, SB esperava SA responder, para aí dizer a mesma coisa que SA havia dito.
Assim como no ambiente de sala de aula, SB mantém uma comunicação mais ativa apenas
com SA e, nas atividades de interação, SB manteve o mesmo padrão de relacionamento, que é
o de dependência com relação a SA.
SA e SB se identificam um com o outro, o que se percebe pelo fato de os dois estarem
sempre juntos, se protegerem e se unirem para ficar contra SC. Durante a realização das
atividades, os dois alunos debocham da forma como SC fala, e o fizeram durante boa parte do
tempo. A interação, na verdade, somente acontecem entre SA e SB, pois esses excluíram SC
das atividades, não permitindo que participasse junto com eles. Com relação a SC, SA e SB
parecem estar desempenhando o mesmo padrão de relacionamento estabelecido dentro da sua
sala de aula, que é o da exclusão. Como ambos se sentem excluídos das atividades de sala de
aula, reproduziram a forma como são tratados excluindo SC das tarefas. SC, por sua vez,
74
respondeu a essa exclusão da mesma forma como responde em sala de aula: defendendo-se.
Como mecanismo de defesa, que não é somente ele que fala errado, que eles também falam.
Quando não sabe mais como se defender das agressões verbais e físicas de SA, SC acaba
respondendo da mesma forma, batendo, chutando e dizendo agressões verbais.
Já SA parece precisar ter o controle sobre toda a situação e sobre os colegas, pois se
não o tem fica agressivo. Essa agressividade de SA fica bastante evidente nas atividades de
interação, e dá a impressão de que esse é o momento em que ele se autoriza a se defender e a
mostrar que tem desejos e que gostaria que os outros agissem de acordo com aquilo que ele
espera que os outros façam. Em sala de aula, SA manifesta a vontade de que os outros ajam
de acordo com as suas necessidades, quando solicita que os colegas realizem as atividades
para ele, reagindo, caso esses não o façam, pela agressividade, fica agressivo, mostrando a sua
raiva através agressões verbais.
Os alunos sujeitos da pesquisa mantiveram, nas atividades de interação, o mesmo
padrão de relacionamento estabelecido em sala de aula, cada um deles seguindo os padrões de
comportamento que costumam assumir dentro desse sistema que é o da sala de aula,
mantendo dessa forma os problemas de linguagem.
75
5 ANÁLISE CONCLUSIVA
A partir dos dados coletados através dos instrumentos utilizados na presente pesquisa,
como as entrevistas com pais e professoras, as observações de sala de aula e as atividades de
interação entre os alunos sujeitos da pesquisa, pôde-se constatar que os três alunos apresentam
dificuldades de linguagem oral. Segundo Luria & Yudovich (1985), as dificuldades de
linguagem afetam todo o processo de desenvolvimento, principalmente por ser a linguagem o
fator que determina e que insere os seres humanos no contexto histórico e social.
Pensar a linguagem como fator determinante para o desenvolvimento dos processos
mentais foi, de acordo com Luria & Yudovich (1985), uma das maiores contribuições da
teoria de Vygotsky, pois ela avalia a importância da linguagem sobre todo o desenvolvimento,
tanto dos processos mentais quanto psicológicos das pessoas. No caso dos alunos sujeitos da
pesquisa, as dificuldades, além de parecer serem decorrentes de fatores emocionais, também
representam um entrave ao desenvolvimento mental e psicológico dos mesmos. Percebe-se
esse entrave pelo fato de os alunos não se permitirem participar ativamente das atividades
escolares, e de haver exclusão dessas crianças por parte das professoras.
As dificuldades manifestam-se, então, no ambiente escolar, justamente por esse ser o
local legítimo de apropriação de conhecimentos considerados científicos. Nesse sentido o que
se percebe, na escola, uma certa dificuldade por parte dos professores e demais integrantes da
comunidade escolar em analisar e entender as reais necessidades de seus alunos. Sendo a
linguagem fator essencial para o desenvolvimento psicológico dos educandos, cabe à escola
impulsionar as aprendizagens a fim de se obter um bom desenvolvimento dos mesmos. De
acordo com Oliveira (1997, p.61-62):
76
Se o aprendizado impulsiona o desenvolvimento, então a escola tem um papel
essencial na construção do ser psicológico adulto dos indivíduos que vivem em
sociedades escolarizadas. Mas o desempenho desse papel só se dará adequadamente
quando, conhecendo o nível de desenvolvimento dos alunos, a escola dirigir o
ensino não para etapas intelectuais já alcançadas, mas sim para estágios de
desenvolvimento ainda não incorporados pelos alunos, funcionando realmente como
um motor de novas conquistas psicológicas. Para a criança que freqüenta a escola, o
aprendizado escolar é elemento central no seu desenvolvimento.
Todas essas colocações de Oliveira (1997) permitem perceber uma dificuldade por
parte da escola, a partir das professoras sujeitos da pesquisa, em dar conta das reais
necessidades desses alunos no que diz respeito às aprendizagens, principalmente com relação
aos níveis de desenvolvimento colocados por Vygotsky1 em sua teoria, os quais determinarão
o bom desenvolvimento de crianças em idade escolar. Isso se comprova com relação a esses
três alunos, pois tanto os pais quanto as professoras demonstram ter conhecimento a respeito
das dificuldades de linguagem das crianças, mas acabam transferindo a responsabilidade de
uma possível superação das mesmas uns para os outros. Os pais transferem a responsabilidade
para a escola e os professores, por sua vez, transferem para a família.
Olhar essa situação a partir de uma perspectiva sistêmica implica em tanto por parte
dos membros da escola, quanto dos membros da família, considerarem-se como responsáveis
pelo enfrentamento das dificuldades de linguagem, no sentido de que todos, família e escola,
relacionam-se e estão em interação num processo contínuo e evolutivo. Com relação a esse
aspecto, Gasparian (1997, p.26-27) afirma que:
Com base na teoria de Von Bertalanffy, ampliada por Bateson em terapia familiar,
propõe-se que a escola possa ser considerada como um sistema aberto, devido ao
movimento de seus membros dentro e fora, de uma interação uns com os outros e
com sistemas familiares e extrafamiliares (como o ambiente e a comunidade), num
fluxo recíproco constante de informações, energia e material. A escola, como a
família, tende a funcionar como um sistema total. As ações e comportamentos de
um dos membros influenciam e simultaneamente são influenciados pelos
comportamentos de todos os outros.
Essa transferência de responsabilidade, nos três casos tratados na pesquisa, faz com
que a interação e a relação entre família e escola sejam esquecidas, fazendo com que cada um
desses dois sistemas se veja separado do outro. A teoria sistêmica, segundo as idéias de
Gasparian (1997), coloca que o princípio de globalidade é essencial a fim de que se possa
1
Nível de desenvolvimento real, nível de desenvolvimento potencial e zona de desenvolvimento proximal.
77
compreender a influência dos sistemas uns sobre os outros. De acordo com Gasparian (1997,
p.27-28):
A primeira propriedade é a globalidade, ou seja, toda e qualquer parte de um
sistema está relacionada de tal modo com as demais partes que a mudança numa
delas provocará mudança nas demais e, conseqüentemente, no sistema total. Isto é,
um sistema comporta-se não como simples conjunto de elementos independentes,
mas como um todo coeso, inseparável e interdependente.
Assim como os membros de um dado sistema influenciam-se mutuamente, os sistemas
também o fazem entre si. No caso específico desta pesquisa, tanto a família quanto a escola
não percebem a influência que um sistema pode exercer positivamente sobre o outro. A falta
de interação entre esses dois sistemas – família e escola – contribui, assim, para a manutenção
das dificuldades de linguagem das crianças.
No que diz respeito à ação pedagógica, o que se percebe é que essa não está
contemplando as dificuldades desses alunos, principalmente pelo fato de as atividades de sala
de aula serem planejadas como se todos os alunos tivessem o mesmo desempenho. Cita-se
como exemplo uma aula (anexo C), em que a proposta de atividade era de leitura. Ao iniciar a
aula, foi entregue a cada aluno um livro de historinha infantil. A tarefa consistia em ler duas
vezes e, após, escrever com suas palavras, a narrativa. Ao propor esse tipo de atividade, não
foi levado em consideração o fato de que o aluno SA não tinha domínio de leitura, o que
impossibilitava a tarefa como um todo. Esse fato, além de demonstrar que a ação pedagógica
não estava voltada às necessidades de SA, ainda mostra que igualmente não atendia aos fins e
propósitos da tarefa de educar. Percebeu-se, no decorrer da aula, que outros alunos também
tinham dificuldade para cumprir a tarefa e que, da mesma forma, não foram atendidos pela
professora. As dificuldades apresentadas então por SA e outros alunos e a forma como foi
feita a proposta – trabalho essencialmente individual, como se cada um fosse apenas uma
parte do todo permitiram constatar a falta de interação no contexto de sala de aula.
Se para a teoria sistêmica o todo é muito mais que a soma das partes, e que os
elementos de um dado sistema estão em interação e influência mútua, pensar essas situações
específicas de sala de aula permitiriam com que as professoras pudessem analisar a sala de
aula e os seus alunos, não numa tentativa de torná-los todos iguais, mas sim de poder
compreender as diferenças entre eles e as influências que uns exercem sobre os outros,e o
quanto a interação pode contribuir na superação de problemas, inclusive os de linguagem.
Corroborando com essas questões, Gasparian (1997, p.28) coloca que:
78
O aluno com distúrbios de aprendizagem ou problemas de comportamento, que
tradicionalmente é pensado em termos lineares, históricos e causais, passa a ser
considerado, com base no modelo sistêmico, dentro da concepção de circularidade.
Nessa concepção, todos os elementos de um dado processo, no caso da instituição
escolar, os membros de interação, movem-se juntos. A descrição do processo é,
então, feita em termos de relações, informações e organização entre esses membros.
Nesse sentido, o poder pensar a dinâmica de sala de aula a partir de uma perspectiva
circular possibilitaria que as professoras das crianças pudessem perceber que todos os
membros daquele sistema específico (que é o sistema escolar e, principalmente, os membros
que estão em sala de aula) estão em constante interação. Da mesma forma, perceberiam que o
comportamento de um influencia e é influenciado pelo comportamento de outro. Nessa
influência, além dos colegas, entraria a relação e a interação das professoras com os seus
alunos pois, para a teoria sistêmica, a partir da noção de circularidade, as professoras não
poderiam se ver como uma parte fora dessa relação, que é o que no momento elas estão
fazendo. Com relação a todas essas questões, Gasparian (1997, 28) diz que:
A segunda propriedade dos sistemas é o conceito de retroalimentação ou
feedback. As partes de um sistema unem-se através de uma relação circular. A
retroalimentação e a circularidade são o modelo causal para uma teoria de sistemas
interacionais, ao qual pertence o sistema institucional escolar. Ou seja, a escola, do
ponto de vista sistêmico, pode ser encarada como um circuito de retroalimentação,
dado que o comportamento de cada indivíduo afeta e é afetado pelo comportamento
de cada uma das outras pessoas.
Se no caso específico da aula relatada anteriormente a professora tivesse proposto a
leitura individual, de uma mesma história, com o objetivo de que cada aluno desenvolvesse a
habilidade da leitura, mas a seguir propusesse uma leitura conjunta, estaria promovendo a
inserção dos alunos no ato de ler. Esse processo poderia fazer com que os alunos
reconhecessem com mais facilidade as palavras que não conseguiram identificar na leitura
individual, bem como daria mais condições para a tarefa posterior, que era a de reescrever a
história. Além disso, não houve discussão sobre o assunto, que poderia, num outro tipo de
proposta, oferecer subsídios para que os alunos pudessem beneficiar-se das discussões acerca
da trama das personagens, das ações, fator que permite a necessária interação numa sala de
aula.
79
Se as professoras pudessem analisar todas essas influências através da noção de
circularidade e elaborar atividades escolares a partir de metodologias que possibilitassem a
troca efetiva entre os alunos, deixando de tentar fazer com que todos tenham o mesmo
desempenho escolar, com certeza muitas das dificuldades que hoje estão presentes nos alunos,
como nos casos de SA, SB e SC, poderiam ter sido, pelo menos, amenizadas, principalmente
no que diz respeito às dificuldades de linguagem. Além de esperarem que todos os alunos
respondam da mesma forma às atividades propostas, outra questão que ficou presente, a partir
das observações, foi o fato de nenhum desses três alunos terem reforços ou atividades
específicas a fim de sanar ou amenizar as suas dificuldades de linguagem.
Essa questão leva a pensar na teoria de Vygotsky quando ele aborda os três níveis de
desenvolvimento, e principalmente ao falar da zona de desenvolvimento proximal. As
propostas de sala de aula que são oferecidas aos alunos em questão ficam muito mais no nível
do que eles já conseguem fazer, do que numa tentativa de superar as dificuldades e de que
possam se apropriar de novos conhecimentos e utilizá-los no seu dia-a-dia. Ao falar da teoria
de Vygotsky, Oliveira (1997) coloca que para esse autor o ensino deveria ser pautado na zona
de desenvolvimento proximal, justamente por dizer respeito a tudo aquilo que a criança
conseguirá realizar sozinha. A respeito dessa zona de desenvolvimento, Oliveira (1997, p.60)
afirma que:
A zona de desenvolvimento proximal refere-se, assim, ao caminho que o indivíduo
vai percorrer para desenvolver funções que estão em processo de amadurecimento e
que se tornarão funções consolidadas, estabelecidas no seu nível de
desenvolvimento real. A zona de desenvolvimento proximal é, pois, um domínio
psicológico em constante transformação: aquilo que uma criança é capaz de fazer
com a ajuda de alguém hoje, ela conseguirá fazer sozinha amanhã.
Partindo desse pressuposto, o ensino, as metodologias utilizadas pelas professoras,
assim como as tarefas e atividades de sala de aula, propostas a partir dessas questões
metodológicas, deveriam estar pautadas nas capacidades futuras desses alunos, considerandoos como plenamente capazes de adquirir novos conhecimentos e de superarem as dificuldades
de linguagem. A tentativa das professoras de fazer com que todos os alunos da sala de aula
tenham o mesmo desempenho está muito longe de ser uma proposta de ensino que privilegie
as questões colocadas por Oliveira (1997) a respeito da zona de desenvolvimento proximal.
Ao contrário, essa postura faz com que os alunos, sujeitos da pesquisa, sintam-se excluídos do
80
processo ensino-aprendizagem no qual estão inseridos. Em uma outra aula observada
(anexo C), constatou-se um caso que comprova essa afirmativa, vivenciada pelo aluno SC. A
sala de aula, da turma desse aluno, era organizada normalmente de forma que os alunos
pudessem trabalhar em dupla ou em pequenos grupos. Como o aluno SC era, em sua maioria
das vezes, o último a concluir as tarefas, ou às vezes nem terminava, ele sempre estava
sentado sozinho, o que dificultava para ele, ainda mais, as possibilidades de interação e de
desenvolver suas habilidades, bem como as superações de suas dificuldades de linguagem.
Nas aulas observadas (anexo C), esta pesquisadora, assim que entrava na sala de aula, era
imediatamente convidada por esse aluno para sentar ao seu lado. Tal procedimento permitiu
constatar o quanto ele se sentia excluído do restante da turma. Além disso, o fato de ele sentirse isolado e de a professora aceitar o seu ritmo de desempenho em sala de aula, não o
incentivando para as tarefas e nem incluindo-o junto aos demais alunos, faz com que aumente
o distanciamento, nesse caso, entre o nível de desenvolvimento real e o nível de
desenvolvimento potencial, o que afasta, conseqüentemente, da possibilidade de agir de
acordo com a zona de desenvolvimento proximal. Realizar atividades de sala de aula que
valorizam as interações e que estejam centradas na zona de desenvolvimento proximal
possibilitaria
aprendizagens
mais
significativas
e,
conseqüentemente,
um
melhor
desenvolvimento desses alunos. Em conformidade com essa questão Oliveira (1997, p.62)
coloca:
Como na escola o aprendizado é um resultado desejável, é o próprio objetivo do
processo escolar, a intervenção é um processo pedagógico privilegiado. O professor
tem o papel explícito de interferir na zona de desenvolvimento proximal dos alunos,
provocando avanços que não ocorreriam espontaneamente.
De acordo com essa perspectiva, de se trabalhar a partir da zona de desenvolvimento
proximal, no que diz respeito à ação pedagógica das professoras dos alunos, sujeitos da
pesquisa, verificou-se que a mesma apresenta-se como inadequada, justamente pela tentativa
de torná-los iguais, sem considerar as suas dificuldades. Os alunos, por sua vez, acabaram
respondendo a todas as questões através de posturas bastante distintas, mas que expressaram a
dificuldade que os mesmos enfrentavam para poderem se ver como parte ativa do processo
educacional e, mais especificamente, das atividades de sala de aula. O fato de os alunos
darem-se conta das dificuldades de linguagem e, igualmente, o fato de não se sentirem
81
incluídos no processo ensino-aprendizagem fizeram com que cada um deles apresentasse
respostas diferentes para essa situação, procurando, de alguma forma, ajustar-se às atividades
e ao ambiente de sala de aula. SA procedeu fazendo de conta que estava produzindo e
realizando as atividades de sala de aula, numa tentativa de se igualar aos demais colegas. Por
sua vez, SB manifestou-se através do isolamento em sala de aula, comunicando-se e
interagindo somente com SA. Já SC, da terceira série do ensino fundamental, o fez utilizando
a estratégia de ganhar tempo para não realizar as atividades, evitando, dessa forma,
demonstrar suas dificuldades. Cabe ressaltar que as atividades propostas pela professora de
SC não contemplam as suas necessidades específicas e suas dificuldades de linguagem oral,
as quais se manifestam, conseqüentemente, na escrita.
As dificuldades dos três alunos poderiam ser superadas se as professoras
interpretassem suas respostas como parte de um sistema que está em interação, de forma
circular e retroalimentar, a fim de, a partir daí, montar estratégias e ações pedagógicas que
contemplassem as necessidades e as demandas desse ambiente, que é o da sala de aula.
Corroborando com essa questão, Ruas (1976, p.14) afirma: “As respostas que o docente
recebe dos alunos, as suas reações, bem como as dos pais deles ou das autoridades da cadeia
hierárquica, fornecem-lhe informações que o habilitam a decidir a justeza do seu trabalho e a
modificar a estratégia em caso de necessidade”.
As respostas dadas pelos alunos, sujeitos da pesquisa, podem ser vistas como os
padrões de comportamentos que estão utilizando com o objetivo de comunicar algo. Nesse
sentido, outra questão de extrema relevância, a fim de se compreenderem as suas dificuldades
de linguagem, seria analisar a circularidade dos padrões de comunicação, pois, segundo
Watzlawick & Beavin & Jackson (1967, p.41), “não existe princípio e fim num círculo”. Esse
pressuposto poderia fazer com que as ações pedagógicas colocadas na relação com os alunos
partissem da premissa de que todos, no ambiente de sala de aula, influenciam os
comportamentos uns dos outros, incluindo aqui a própria professora.
Além de interpretar as respostas dadas pelos alunos, em sala de aula, o próprio
conhecimento da história de vida de cada um dos alunos sujeitos da pesquisa, pelas
professoras, poderia oferecer subsídios que, igualmente, as auxiliasse a pensar suas ações
pedagógicas. Isso permitiria contemplar a realidade de cada um dos seus alunos, enquanto
sujeitos que, ao chegarem à escola, trazem consigo conceitos, princípios, valores e crenças,
que foram passados pelas suas famílias e que os acompanharão onde eles estiverem e que
influenciarão a forma como cada um deles irá se relacionar com as outras pessoas e com o
próprio processo ensino-aprendizagem.
82
O conhecimento da teoria sistêmica pela comunidade escolar, pelos pais e,
principalmente, pelas professoras permite compreender as influências de todos aqueles que
fazem parte do universo relacional das crianças no que diz respeito às suas dificuldades de
linguagem, assim como permite que as professoras possam entender a sala de aula e o
ambiente escolar como espaços de circularidade de relações. Essa compreensão da noção de
circularidade e de recursividade permite uma proposta de ensino baseada na interação
professor/aluno e aluno/aluno, uma proposta que permita, igualmente, a inserção de todos os
alunos na dinâmica da sala de aula e na proposta de ensino.
A partir dessa nova visão, a respeito da instituição escolar e do próprio ambiente de
sala de aula, o professor poderá obter uma melhor visão de si mesmo enquanto profissional da
educação, no sentido de que terá condições de pensar as aprendizagens de seus alunos e,
conseqüentemente, as atividades de sala de aula, a partir da análise das influências de todos os
subsistemas que fazem parte desse grande sistema que é a escola. Ao falar da postura do
professor, Gasparian (1997, p.68) afirma que:
O professor é, antes de mais nada, um comprometido com a sociedade; sem esse
envolvimento não há transmissão efetiva do saber. O professor, ao assumir essa
postura, torna-se responsável pelo seu saber e pelo que ensinar para o seu aluno. O
professor através de suas atitudes, é quem transmite o conhecimento. Aprende-se
com palavras e atos. Então é na intersecção entre quem ensina e quem deseja
aprender que ocorre a aprendizagem.
O que se percebe, a partir das questões trazidas por Gasparian (1997) comparadas à
ação pedagógica das professoras aqui enfocadas, é que elas estão muito mais preocupadas
com a realização das atividades do que com as aprendizagens em si. Dessa forma, não
conseguem dar-se conta das estratégias utilizadas por cada um dos três, a fim de cumprir as
atividades e, ao mesmo tempo, de mascararem as suas dificuldades de linguagem perante o
restante da turma. Pain (1985) relaciona essa questão com as condições para que as
aprendizagens aconteçam. Segundo a autora citada (1985, p.25):
Para resumir, lembremos que existem dois tipos de condições para a aprendizagem:
as externas, que definem o campo de estímulo, e as internas que definem o sujeito.
Umas e outras podem estudar-se em seu aspecto dinâmico, como processo, e em seu
aspecto estrutural como sistemas.
83
Adotar os enfoques da teoria sistêmica, recorrendo à questão da circularidade, bem
como considerando as condições – externas e internas – para a promoção da aprendizagem, é
uma abordagem que possibilita uma ação pedagógica que contemple o aluno como sujeito que
se constitui a partir das relações e interações com os outros.
Nessa perspectiva, algumas atividades de sala de aula, que valorizem a interação e a
participação de todos os alunos, poderão fazer com que eles se sintam responsáveis por suas
aprendizagens, assim como obtenham um bom desenvolvimento de todos os alunos e uma
possível superação das dificuldades de linguagem por parte desses alunos sujeitos da
pesquisa.
84
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao se pensar em uma proposta de atividade que tenha como base a Teoria Sistêmica,
pensou-se, sobretudo, numa metodologia cujo princípio é a interação na sala de aula. Buscouse, para isso, centrar as atividades a partir de textos, já que estes permitem ao aluno transitar
mais facilmente pela linguagem. Além de ser um instrumento para desenvolver a habilidade
de leitura e de escrita, o texto propicia aos alunos um trabalho interativo, capaz de envolver
todos num processo de discussão a partir das temáticas abordadas. Acrescente-se a isso o fato
de que as abordagens do e sobre o texto propiciam uma tomada de posição sob diferentes
aspectos, fator este que pode contribuir para a autoafirmação do aluno como sujeito de sua
história e refletir-se, conseqüentemente, na sala de aula.
Entendida a linguagem como um processo pelo qual o ser humano constrói significado
e pelo qual mantém um permanente processo de comunicação, é importante que a escola leve
em conta a fala de seus alunos, no sentido de desenvolver sua capacidade de expressão e,
paralelamente, dotá-los da capacidade de escrever. Para isso devem os professores estar
atentos aos problemas de linguagem que se manifestam no ambiente escolar e, às vezes, mais
intensamente na sala de aula, pois muitos dos problemas estão associados a razões
emocionais. Nesses casos, integrar o aluno na dinâmica de aula, permitindo-lhe interagir com
os demais e refletir sobre a linguagem – a sua e a dos outros – pode ser um subsídio para a
resolução do problema. Certamente, muitas questões voltadas à linguagem, especialmente
quando se caracterizam como distúrbios, devem ser tratadas adequadamente pelos
profissionais de competência para esse fim. Mas como muitos deles têm origem emocional e
se intensificam justamente por isso na sala de aula, é possível que a Psicologia da Educação,
usando os pressupostos da Teoria Sistêmica, possa contribuir para essa questão. Sendo assim,
apresenta-se, a seguir, duas propostas a serem utilizadas em sala de aula com o objetivo de se
85
pensar metodologicamente numa ação pedagógica voltada à interação dos professores e
alunos e dos alunos e alunos, como sujeitos integrantes de um mesmo sistema.
Primeira proposta: Abordagens a partir de histórias em quadrinhos (anexo E)
Ao se utilizar a história em quadrinhos em sala de aula, parte-se do princípio de que o
texto também é visual, fator que estimula a leitura e a discussão em torno do assunto tratado.
Levando-se em conta que toda a narrativa envolve uma ação realizada por personagens, é fácil
envolver os alunos em torno de uma discussão sobre a temática da história, fator que pode
ainda ser facilitado se eles se colocarem no lugar das personagens. As histórias de Chico
Bento, por exemplo, e as que envolvem a personagem Cebolinha podem ser instrumentos para
se trabalhar as questões de linguagem em sala de aula. Como os problemas de linguagem dos
alunos sujeitos da pesquisa os colocavam em uma situação de isolamento na sala de aula,
discutir os fatores que influenciam a fala de Chico Bento (fatores de ordem cultural
determinados, por sua vez, pelos fatores regionais) pode vir a ser uma atitude positiva para a
inserção desses alunos na dinâmica da aula. Como a fala do Chico Bento e das demais
personagens que atuam junto a ele fazem parte de um mesmo contexto, é interessante mostrar
que, para a comunidade da qual eles fazem parte, a linguagem utilizada é a mesma e por isso
tem um valor de identidade de uma comunidade lingüística. Na história “ Cadê a
Professora?” (anexo E), his tória essa que se passa no ambiente da sala de aula, de uma escola
da zona rural, percebe-se que todos os alunos estão integrados numa interrogação sobre a falta
da professora, embora nem todos utilizem a mesma forma de linguagem. Os traços
identitários da fala regional estão fortemente presentes na fala das personagens Chico Bento,
Rosinha, Zé Lelé, enquanto outras personagens como a professora são usuários de outro nível
de linguagem, o que se comprova, por exemplo, em ambos os casos, pela sintaxe de
concordância (“Ora, Chico! Como vamos saber?” e “Nóis num tinha pensado nisso.”).
A abordagem do texto a partir desses aspectos, além de tratar as diferenças, valoriza as
individualidades e as singularidades das personagens e isso pode contribuir grandemente para
a dinâmica da sala de aula. Ao se reconhecerem como pessoas diferentes mas que integram
um mesmo ambiente, é possível que se estabeleça na aula um sistema do qual todos são parte.
Colocando-se uns no lugar dos outros, por meio de um trabalho que contemple as diferenças e
atento às particularidades e, especialmente às dificuldades, os alunos podem entender-se
melhor e, assim, compreender as limitações do outro.
Além disso, as histórias com a personagem Chico Bento apontam para uma outra
questão, a qual diz respeito às atitudes e virtudes das personagens e que estão associadas à
vida das pessoas. Na historinha “Bicho Perigoso” (anexo E), a qual também aborda uma
86
situação de sala de aula, a personagem faz uma severa crítica à relação do homem com o
ambiente natural. Ao apontar o homem como o grande destruidor do patrimônio natural,
através de ações devastadoras como a caça, as queimadas, a poluição, Chico Bento provoca a
reflexão sobre esse tema. Esse trabalho – que tem como ponto de partida uma atividade de
linguagem, através da leitura e da análise do texto – remete a outras áreas, integrando, numa
só proposta, um trabalho interdisciplinar. Importante destacar que, ao final da história, a
professora atribui à redação de Chico Bento a nota dez, abraçando-o carinhosamente perante o
restante da turma e que, para essa nota, a professora valorizou o texto enquanto uma unidade
de sentido, sem prender-se à escrita. Essas duas atitudes da professora – abraçar o aluno,
valorizando-o como sujeito, e atribuir a nota pelas idéias e não pela grafia – permitem ao
aluno inserir-se no ambiente escolar com mais facilidade. Como a escola tem a função
precípua de ensinar os conteúdos para o desenvolvimento de habilidades e aquisição de
competências, e entre essas está a habilidade e a competência de ler e escrever, o aluno,
sentido-se parte de um sistema, terá mais facilidades para enfrentar suas dificuldades,
inclusive as de linguagem.
A personagem Cebolinha, por sua vez, vem contribuir ainda mais nesse sentido. Por
ser uma criança que apresenta um problema de linguagem que se evidencia pela troca do
fonema [r] pelo fonema [l] em posição silábica no início e no meio da palavra, a personagem
pode ser uma referência para a abordagem sobre os problemas de linguagem. Note-se que o
Cebolinha, ao contrário do Chico Bento, é morador da zona urbana, pertencendo a um grupo
usuário do nível coloquial de linguagem. Logo, a troca desse fonema é de caráter individual,
constituindo-se como um problema específico. Certamente que problemas como esses
precisam ser investigados e tratados pelos profissionais de competência para isso. Certo é,
também, que a discussão em torno de problemas desse tipo, com a devida explicação sobre
possíveis fatores que os acarretam, servem para diminuir a discriminação de quem se encaixa
nesse perfil e servem, da mesma forma, para melhor integrar o aluno no contexto da sala de
aula.
Por outro lado, as atitudes da personagem Cebolinha com relação à personagem
Mônica, juntamente com as demais personagens, podem ser usadas na sala de aula para a
discussão de valores e atitudes. Na historinha “Bronzeado Moderno”, assim como na
maioria, o Cebolinha aparece como o vilão, sempre pronto, a partir de diferentes planos, para
derrotar a Mônica. Interessante é fazer com que os alunos discutam as relações entre as
personagens, analisando ações e reações das mesmas. Nessa história, a Mônica, que tem como
característica marcante a força, é facilmente enganada pelo Cebolinha, ajudado pelo
87
personagem Xaveco, vindo somente a descobrir o engano ao final da narrativa, que é sempre
o mesmo: o Cebolinha apanhando da Mônica, fator que reforça a força como a pseudo
identidade dela. Importante é também discutir que a falibilidade dos planos do Cebolinha
reforça a questão das virtudes e traz à tona a questão da amizade.
Já a historinha “Qual é o nome do filme?” (anexo E), além dos aspectos já citados,
permite um trabalho muito rico em termos de linguagem. A analogia entre os nomes dos
filmes (a história se passa numa locadora de filmes) possibilita o jogo e o brinquedo com as
palavras. O uso da expressão “A pequena baleia”, em analogia com o filme “A pequena
sereia”, assim como outras no decorrer da narrativa, propiciam uma atividade lúdica, na qual
todos os alunos podem se envolver. O enriquecimento das analogias pelas rimas (baleiasereia; bela-magrela), propicia, ainda, um trabalho de escrita, em que os alunos poderão criar
outras analogias, observando as rimas possíveis com um expressivo número de palavras.
Nesse trabalho, a proposta deverá integrar todos os alunos, em que um contribui para
enriquecer o trabalho do outro.
Considerando, ainda, que muitas histórias em quadrinho são histórias sem texto,
promover atividades de interpretação, de dramatização e de escrita levarão, certamente, os
alunos a desenvolverem sua capacidade de análise e de escrita. A historinha com o PapaCapim “Usa a lança” permite interação com o texto por meio das imagens e possibilita ao
aluno criar sua própria história, a partir de sua sintaxe e de seu vocabulário, fator que pode
colaborar para o enriquecimento de todos esses aspectos.
Some-se a isso o fato de que essa narrativa apresenta personagens indígenas, os quais
manifestam uma outra cultura, com valores, costumes e tradições diferentes. No momento em
que se analisam essas questões, inclusive a da linguagem, através de um trabalho didático,
promove-se a valorização das diferenças e isso contribui para a aceitação das mesmas entre os
alunos.
Essa proposta, que faz uma interface entre a didática e a abordagem sistêmica, pode
ser adaptada para diferentes níveis do ensino fundamental. Com certeza, não darão conta, por
si sós, de todos os problemas que se manifestam no ambiente escolar, mas permitem uma
maior interação entre professor e aluno e permitem aos alunos, com problemas de linguagem,
desenvolverem suas capacidades de comunicação.
Segunda proposta: Abordagens a partir de histórias infantis (anexo F)
As histórias infantis – contos de fadas ou outros – são instrumentos que podem ser
utilizados pelos professores a fim de promover uma maior interação entre os alunos de forma
a melhor envolvê-los na proposta de sala de aula. A presença de diferentes personagens
88
envolvidos em situações específicas possibilita aos alunos não só interagirem com as próprias
personagens e a trama em si, mas também proporciona a troca de experiências já que, ao
analisar a própria história, a criança estabelece relações com o seu mundo real. As histórias
infantis contribuem para a formação da personalidade, pois através delas as crianças podem
experimentar diferentes formas de agir e estabelecer juízos de valores. A partir da
identificação com as personagens, as crianças têm a oportunidade de manifestar diferentes
sentimentos como medo, tristeza, raiva, alegria, entre outros, e isso pode incluir as
dificuldades de linguagem que uma ou outra criança pode apresentar. Propor, portanto, um
trabalho interativo, a partir de histórias infantis, e que privilegie as relações interpessoais,
pode contribuir para a superação das dificuldades de linguagem. No momento em que o aluno
é convidado a dar sua opinião a respeito das personagens e de suas ações, ele estará
interagindo através da linguagem, quer seja essa oral ou escrita. Esse jogo permite ao aluno
desenvolver sua capacidade comunicativa e isso o leva, mesmo que seja num resultado
posterior, à superação de seus problemas de linguagem.
É importante, para isso, que a sala de aula se transforme num espaço que privilegie a
fala e a escrita. Se aprende a escrever escrevendo, as propostas de atividades devem ser
direcionadas para esse fim, isto é, devem ser planejadas de forma a envolver os alunos no ato
de falar e, junto com esse, o de escrever. Propõe-se como atividade a leitura e análise, por
exemplo, da historinha “Um sapatinho Especial”
2
(anexo F). Através de um trabalho oral e
de um estudo de texto fragmentado, o aluno pode interagir na história, expressando sua
opinião e remetendo-se à continuidade da trama. Esse tipo de proposta envolve os alunos, pois
as respostas que dão às questões a partir de um fragmento conduzem, conseqüentemente, ao
fragmento seguinte e, assim, sucessivamente até o final. Havendo participação de todos, as
propostas que advêm, como continuar a história, criar outro final, descrever as personagens,
envolverão igualmente os alunos na dinâmica da aula. Essa postura pode contribuir para que
os alunos que apresentam dificuldades de linguagem possam participar ativamente da aula,
sem se sentirem excluídos.
Um outro texto que pode contribuir para um trabalho interativo é “Se es sa rua fosse
minha” 3 (anexo F), o qual remete à cantiga de roda de mesmo nome. Como o texto aborda a
intenção do narrador de ter uma nova organização de rua, pode-se propor que após a leitura e
a discussão do texto, cada aluno descreva a sua rua, o que pode ser feito a partir do real (rua
onde mora) ou da idealização de uma outra rua. Após a descrição individual, os alunos podem
2
3
NORONHA, Teresa. Um sapatinho especial. São Paulo: Moderna, 1993.
AMOS, Eduardo. Se essa rua fosse minha. São Paulo: Moderna, 1992.
89
desenvolver um trabalho em grupo, em que cada um apresenta a sua descrição e, em seguida,
apontam as características que consideram mais importantes para uma rua. Na seqüência, os
grupos podem apresentar a sua rua, repetindo o procedimento anterior até se chegar a uma
descrição de rua que não seria de um aluno individualmente ou de um grupo, mas sim uma
rua que fosse da turma toda, fechando com o final do texto que diz: “Muito bonita a sua rua.
Muito bonita a minha também. Mas eu penso que seria mais bonita se, em vez de ser só
minha, ou em vez de ser só sua, essa rua fosse nossa”. Essa dinâmica possibilita a interação
entre todos os alunos, assim como possibilita, igualmente, que todos possam se sentir parte
desse sistema, que é o da sala de aula.
O texto “Amanhã e Jajá” 4 (anexo F) pode ser também uma outra sugestão de acordo
com a noção de que o ambiente de sala de aula é um sistema em interação, em que o
comportamento de uns será influenciado pelo comportamento de outros. Ao apresentar duas
personagens – a preguiça Amanhã e a libélula Jajá – a história propicia trabalhar as diferenças
a partir das características e da singularidade de cada uma. Como o próprio nome já diz, a
preguiça Amanhã tinha como principal característica a lentidão, enquanto que a libélula Jajá,
a pressa. Em toda a história se constata o empreendimento das duas em adaptarem-se uma à
outra. Uma importante reflexão a ser feita, a partir dessa história, é que nenhuma das
personagens precisou mudar suas características pessoais para ser aceita pela outra.
Contrariamente, elas se unem criando um sistema de interação em que as duas conseguem
aproveitar suas diferenças e singularidades para a construção de um sistema maior.
Nesse sentido, as histórias infantis, assim como as histórias em quadrinhos,
possibilitam a elaboração de atividades de sala de aula que valorizem a interação entre os
alunos, fazendo com que todos sintam-se pertencentes a esse sistema – ao da sala de aula – e,
conseqüentemente, responsáveis, também, pelo processo ensino-aprendizagem. Essa nova
possibilidade de ação pedagógica do professor pode oferecer aos seus alunos oportunidades
de enfrentamento de suas dificuldades, como no caso dos alunos sujeitos da pesquisa que
apresentam dificuldades de linguagem, sem que esses sintam-se excluídos da dinâmica de sala
de aula e se vejam enquanto participantes ativos dentro desse sistema.
Certamente, muitas outras histórias – quer de revistas, quer de livros infantis – assim
como outros textos, possibilitam um trabalho interativo em sala de aula. Da mesma forma,
muitas podem ser as metodologias empregadas para esse fim, envolvendo inclusive várias
disciplinas, num projeto multi e interdisciplinar. O importante nesse tipo de proposta é
4
GÓES, Lúcia Pimentel. Amanhã e Jajá. São Paulo: Brasil, 1985.
90
possibilitar que o ambiente de sala de aula e a própria dinâmica da aula atuem como um
sistema, em que os alunos, na sua totalidade, sejam parte integrante desse sistema,
influenciando-se mutuamente e contribuindo, pela interação, para a aprendizagem e para a
superação das dificuldades como, por exemplo, os problemas de linguagem.
91
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94
ANEXOS
95
ANEXO A - FICHA I – PROFESSOR
Nome:
Idade:
Série que leciona:
Endereço:
Quanto tempo de regência de classe:
Quando tempo de regência de classe nessa turma:
Aluno sujeito da pesquisa:
1) Como você descreve o desempenho da criança com relação às aprendizagens escolares?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2) Quais os problemas de linguagem apresentados pela criança no ambiente escolar?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
3) Os pais ou responsáveis têm consciência dessas dificuldades apresentadas pela criança?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
96
4) Desde quando a criança vem apresentando tais dificuldades?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
5) Quais você acredita que sejam as causas desses problemas de linguagem?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
6) Por parte da escola, que alternativas estão sendo buscadas a fim de sanar tais dificuldades?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
7) E em sala de aula?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
8) Qual o envolvimento da família na tentativa de superar os problemas de linguagem
apresentados pela criança?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
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ENTREVISTA COM A PROFESSORA DA SEGUNDA SÉRIE
Nome: L. P. R.
Idade: 38
Série que leciona: 2ª série
Endereço: Antunes Ribas, 3944
Quanto tempo de regência de classe: 15 anos
Quanto tempo de regência de classe nessa turma: 4 anos na 2ª série
Aluno: SC
Idade:
1) Como você descreve o desmepenho da criança com relação às aprendizagens escolares ?
Bastante dificuldade na escrita (como fala ele escreve). Muito lento. Dificuldades
principalmente na língua portuguesa. Tem facilidade na matemática. Conversa muito em
aula. Difiuldade de concentração. Não cuida o material, Não faz os temas.
2) Quais os problemas de linguagem apresentados pela criança no ambiente escolar ?
Troca de letras tanto na escrita quanto na fala. Não gosta de ler porque os colegas
reclamam que não entendem nada. Fala como bebê, meio manhoso. Ex: ceito (certo)/troca
o v pelo f/cachoia.
3) Os pais ou responsáveis têm consciência dessas dificuldades apresentadas pelas crianças ?
Acho que não pois nunca apareceram na escola.
4) Desde quando a criança vem apresentando tais dificuldades ?
Desde a primeira série.
5) Quais você acredita que sejam as causas desses problemas de linguagem ?
Acho que por fatores emocionais e por questões metodológicas da primeira série
(trabalhar mais os sons das letras). A prof. Acha que os pais deveriam tratar ele de forma
bastante infantilizada.
6) Por parte da escola, que alternativas estão sendo buscadas a fim de sanar tais difculdades ?
Solicitaram atendimento fonoaudiológico para o município mas não conseguiram pois o
município está muito carente.
7) E em sala de aula ?
Trava línguas, faz com que ele tenta repetir corretamente as palavras (mas ele não
consegue). Tenta fazer com que ele treine a leitura mas os colegas dão risada e ele para de
ler.
98
8) Qual o envolvimento da família tentativa de superar os problemas de linguagem
apresentados pela criança ?
A prof. acha que eles não estão se importando muito ou desistiram de procurar pois não
têm condições financeiras.
99
ENTREVISTA COM A PROFESSORA DA PRIMEIRA SÉRIE
Nome: M. R. S.
Idade: 23
Série que leciona: 1ª série
Endereço: Rua Universitária, 464
Quanto tempo de regência de classe: 3 anos
Quanto tempo de regência de classe nessa turma: 1 ano na 1ª série
Aluno: SA
Idade: 8 anos (3° ano na 1ª série)
1) Como você descreve o desmepenho da criança com relação às aprendizagens escolares ?
É difícil falar de desempenho pois ele faz quando quer. Percebe que não chama a atenção
dele estudar (pois está 3 anos na 1ª). Quando ele faz o desempenho é bom. Ele já sabe ler
e escrever (cursiva e escript). Não faz porque quer chamar a atenção. Não faz os temas.
2) Quais os problemas de linguagem apresentados pela criança no ambiente escolar ?
Os problemas de linguagem é só na fala. A fala sai meio enrolada. Parece ser muito
dengosa (tudo ele chora) ex: pateu (bateu) tiretor (diretor). Não gosta de ler, se apresentar
porque sabe que fala errado.
3) Os pais ou responsáveis têm consciência dessas dificuldades apresentadas pelas crianças ?
Os pais têm consciência porque a escola chamou os pais e colocou para eles. Vem
raramente na escola. A mão está atenta as dificuldades, cobra dele.
4) Desde quando a criança vem apresentando tais dificuldades ?
Sempre falou errado 9desde pequininho).
5) Quais você acredita que sejam as causas desses problemas de linguagem ?
Penso que é pela própria história de vida dele (foi adotado e a família biológica deixava
ele dentro de uma caixa).
6) Por parte da escola, que alternativas estão sendo buscadas a fim de sanar tais difculdades ?
Pediram para os pais procurarem em pediátra e o médico pediu ofício para escola, aí a
SMED diz que não precisa (ficam jogando de um lado para outro).
7) E em sala de aula ?
Solicito bastante leitura, mas ele não quer ler na frente dos outros, aí ela dá uma atividade
para os outros e ele lê só para ela. As vezes chora que não quer ler.
Os colegas não dão risada.
100
8) Qual o envolvimento da família tentativa de superar os problemas de linguagem
apresentados pela criança ?
Acredita que não foram buscar ajuda. A mãe não é muito presente na vida escolar do
filho.
101
Nome: M. R. S.
Idade: 23
Série que leciona: 1ª série
Endereço:
Quanto tempo de regência de classe: 3 anos
Quanto tempo de regência de classe nessa turma: primeiro ano na 1ª série
Aluno: SB
Idade: 7 anos
1) Como você descreve o desmepenho da criança com relação às aprendizagens escolares ?
Muito bom. Vai bem em tudo. Sempre vem com o tema feito. Está sempre disposto para
as atividades escolares, só é muito quietinho. E muito tímido e muiro carinhoso. Todos os
colegas gostam dele.
2) Quais os problemas de linguagem apresentados pela criança no ambiente escolar ?
Escrita e na fala. Troca letras. Do jeito que ele fala ele escreve. A prof. não acha que é
dificuldade isso (que vai ocasionar problemas de aprendizagem)
3) Os pais ou responsáveis têm consciência dessas dificuldades apresentadas pelas crianças ?
Tem consciência. A escola chamou os pais e eles colocaram que iam procurar ajuda. A
mãe é bem interessada e participativa. (Pais separados).
4) Desde quando a criança vem apresentando tais dificuldades ?
Não sabe desde quando.
5) Quais você acredita que sejam as causas desses problemas de linguagem ?
Pode ser pela timidez dele. A prof. acredita que apesar dos pais separados não devem ter
problemas em casa.
6) Por parte da escola, que alternativas estão sendo buscadas a fim de sanar tais difculdades ?
7) E em sala de aula ?
Trabalha bastante a leitura. Por mais que seja tímido não se recusa a ler. A prof. percebe
que ele tem vergonha pois em uma apresentação ele iria ter que pronunciar uma letra que
ele não conseguia e pediu paraba prof. trocar a letra dele.
8) Qual o envolvimento da família tentativa de superar os problemas de linguagem
apresentados pela criança ?
A mãe buscou ajudou mas não consegiu.
102
ANEXO B - FICHA II – PAIS
Nome do pai:
Idade:
Profissão:
Escolaridade:
Nome da mãe:
Idade:
Profissão:
Escolaridade:
Filhos/idades/escolaridade:
Tempo de casamento dos pais:
Endereço:
Filho sujeito da pesquisa
1 – Aspectos do desenvolvimento e relações afetivas
a) Gravidez;
b) Amamentação;
c) Cuidados diários com o bebê;
d) Doenças na primeira infância;
e) Início dos primeiros paços;
f) Aquisição das primeiras palavras;
g) Crescimento e desenvolvimento físico;
h) Relações afetivas na família;
i) Com quem a criança é mais apegada na família;
j) Problemas enfrentados pela família que interferem no desenvolvimento do filho.
103
2 – Vida escolar
a) Visão dos pais a respeito da educação dos filhos;
b) O que os motivou a colocar o filho na escola;
c) Que expectativas tinham da criança com relação aos estudos;
d) Idade de ingresso na escola;
e) Sentimentos da família com relação à entrada do filho na escola;
f) Sentimentos da criança com relação à escola;
g) Relacionamento da família com a escola;
h) Relacionamento da criança com colegas e professores;
i) Problemas ou dificuldades de aprendizagens demonstradas pela criança;
j) Percepção dos pais a respeito dessas dificuldades;
k) Algum outro filho também apresentou essas dificuldades;
l) Os pais vêm como dificuldade os problemas de linguagem do filho;
m) Envolvimento da família com relação à vida escolar do filho;
n) Visão da criança a respeito de sua própria capacidade produtiva.
104
FICHA II – PAIS
Nome do pai: J.P. da L. (falecido)
Idade: 47 anos
Profissão: mestre de obra
Escolaridade: 4ª série do ensino fundamental
Nome da mãe: E.O. da L.
Idade: 37 anos
Profissão: confeiteira
Escolaridade: 8ª série
Filhos/idades/escolaridade: SA (9 anos, 1ª série), G. (6 anos)
Tempo de casamento dos pais: 13 anos
Endereço: Rua Ipanema 190
Filho sujeito da pesquisa: SA
1 – Aspectos do desenvolvimento e relações afetivas
a) Gravidez;
b) Amamentação;
c) Cuidados diários com o bebê;
d) Doenças na primeira infância;
e) Início dos primeiros paços;
f) Aquisição das primeiras palavras;
g) Crescimento e desenvolvimento físico;
h) Relações afetivas na família;
i) Com quem a criança é mais apegada na família;
j) Problemas enfrentados pela família que interferem no desenvolvimento do filho.
2 – Vida escolar
a) Visão dos pais a respeito da educação dos filhos;
b) O que os motivou a colocar o filho na escola;
105
c) Que expectativas tinham da criança com relação aos estudos;
d) Idade de ingresso na escola;
e) Sentimentos da família com relação à entrada do filho na escola;
f) Sentimentos da criança com relação à escola;
g) Relacionamento da família com a escola;
h) Relacionamento da criança com colegas e professores;
i) Problemas ou dificuldades de aprendizagens demonstradas pela criança;
j) Percepção dos pais a respeito dessas dificuldades;
k) Algum outro filho também apresentou essas dificuldades;
l) Os pais vêm como dificuldade os problemas de linguagem do filho;
m) Envolvimento da família com relação à vida escolar do filho;
n) Visão da criança a respeito de sua própria capacidade produtiva.
Entrevista com a mãe de SA
MÃE: Começou a entrevista colocando SA não é biologicamente filho dela, que pegou ele
para criar.
PESQUISADORA: Como foi que vocês pegaram ele para criar?
MÃE: Ele é filho de uma cunhada minha que dizem que é meio louca. Um dia ela apareceu lá
com o SA e disse que o marido tinha dito para ela sair e dar o filho, que se ela voltasse para
casa com a criança ela iria ver uma coisa. E eu disse, tu que sabe, mas tu não vai me
encomodar depois. Aí ela deixou ele lá todo pestiadinho, mais para lá do que para cá. Ela
deixou e nunca mais voltou.
PESQUISADORA: O que mais especificamente ele tinha?
MÃE: Ele tinha um ano e nove meses, mas o tamanho dele era de uns seis meses. Ele não
caminhava, não mexia as pernas, não falava nada, não movia, nem chorar ele chorava. Só
ficava parado, e a mãe simplesmente deixou ele lá. Nós sabíamos que ela tinha tido um filho,
mas a gente perguntava para ela dizia que não tinha. Ela teve uma outra menina que ela deu
também.
PESQUISADORA: Essa época de um ano e nove meses, tu sabes como eram os cuidados
dela com relação ao filho?
MÃE: O que eu sei é que ela criava ele num baú daqueles de leite sabe? Amarelo. Até uma
agente de saúde foi lá em casa uma vez e me perguntou: a tua cunhada não tem um
106
nenezinho? E eu disse que tinha. Aí ele colocou que a criança estava lá no chão naqueles
tarros de leite sozinha, sem nada, nem um brinquedinho para ele. A mulher disse que nem
leite dava para ele, e ela perguntou se eu não podia ajudar e eu disse: ajudar eu posso. Aí eu
mandei chamar a mãe e disse: olha, veio uma mulher aqui, e se ele for no Conselho Tutelar
vão te tomar o guri. Aí eu disse que ia dar uma cesta básica para ela. Aí eu comprava, na cesta
tinha leite, tinha bolacha, tinha fruta, tinha suco. Só que o que acontecia é que eles comiam
tudo e não davam para a criança. E ela continuava dando água com açúcar para o guri. Até
que chegou um dia que ela foi lá em casa e deixou o guri. Eu levei no médico.
PESQUISADORA: Nessa época que você pegou o SA o teu esposo já era falecido ou não?
MÃE: Não, não era.
PESQUISADORA: E como o teu esposo via essa situação? Da própria irmã não conseguir
cuidar do filho?
MÃE: Ele dizia que achava que ela não regulava bem das idéias, pois criava o guri tipo bicho.
Agora ela tem um outro gurizinho que deve ter um ano, mas está no mesmo estilo de SA. Aí
nós ficamos com o guri, ele não chorou nem um dia, nem sentiu falta dela.
PESQUISADORA: E vocês levaram ele nos médicos?
MÃE: Levamos sim, fizemos tudo, tudo. Ele era todo sujo, virado em ferida, tu não tinha
onde pegar nele. Aquela roupinha e o pano que ele estava quando ele me deixou, ele chegava
estar grudado nele.
PESQUISADORA: Ele não ficou com nenhuma sequela desses maus tratos? Vocês fizeram
exames neurológicos?
MÃE: Fizemos, e não apareceu nada, nada. Mas ele já tinha una dois anos e tanto quando
começou a caminhar, e a falar também foi nessa época.
PESQUISADORA: O teu esposo aceitou bem vocês ficarem com SA?
MÃE: Sim, ele era louco por criança, e nós não podia te, nós tinha tentiado, tentiado e não
tinha dado certo. Eu achava que estava grávida e fazia os exames e só dava negativo, aí eu
desisti. Aí nós tivemos a guria. Eu lembro que SA foi no hospital e ele recém tinha começado
a falar e eu disse que aquela era a maninha dele. Que ele ia Ter que cuidar dela.
PESQUISADORA: E como foi quando ele começou a falar?
MÃE: Desde que ele começou as primeiras palavras, ele já falava errado. Só eu entendia o
que ele falava. Quando ele começou a ir na creche foi a mesma coisa, ninguém entendia o que
ele falava. A mãe dele vai ve ele de vez em quando, mas ele nem dá bola para ela, nem
conversar com ela. Esses dias ela foi lá em casa na hora do almoço com o gurizinho que ela
107
tem e ela almoçou e não quis dar comida para o guri porque ele ia se sujar e ela ia ter que
lavar a roupa dele.
PESQUISADORA: Qual a frequência que ela vem ver ele?
MÃE: Vem lá de vez em quando.
PESQUISADORA: E o SA? Pede por ela? Pergunta dela?
MÃE: Não, não. Eu às vezes levo ele para ver ela, mas eu sinto que ela é uma estranha para
ele. Às vezes ela reclama que ele não chama ela de mãe e eu digo para ela que ela tem que se
interessar mais por ele, conversar com ele. Eu disse para ela: Porque tu não pergunta como ele
tá no colégio? E ela me disse: Ah! O que eu quero saber disso. Aí eu disse: Então, como tu
qué que ele te chame de mãe. Nós sempre falamos para ele que ele tinha duas mães, só pai,
até agora ele não sabe que tem outro pai, pois ele é um borracho. Eu falei com ele e disse que
eu não queria que ele fosse na minha casa, e que muito menos procurasse o guri, porque um
dia ele chegou para o menino e disse que era pai dele, e a mãe dele passa dizendo que o pai
dele não vale nada. Às vezes, ele me pergunta e eu não sei mais o que dizer para ele, porque
se eu disser que ele tem um pai ele vai querer se aproximar dele. Aí eu evito ele falar com o
pai, só que a mãe dele vem e diz que o pai dele não está morto, que está vivo. O pai dele é um
baita de um marginal.
PESQUISADORA: E com o teu esposo, SA era bastante apegado?
MÃE: Sim, ele era mais apegado com ele do que comigo.
PESQUISADORA: Como foi para ele a morte do pai?
MÃE: Foi um baque, ele saiu de manhã e deu tchau para o pai e a noite vê o pai em um
caixão.
PESQUISADORA: De que que ele faleceu?
MÃE: Num acidente de carro. Aí a mãe dele veio no dia do velório e queria levar o guri
embora com ela. Aí eu disse para nós conversarmos depois. No outro dia ele e eu não
deixamos.
PESQUISADORA: Mas vocês tem a guarda dele?
MÃE: Não tenho nada, ela nunca quis assinar nenhum papel. Agora ela já esqueceu, acho que
não vai mais encomodar.
PESQUISADORA: Como é a relação afetiva de vocês?
MÃE: Ele é super afetivo com a gente, ele é mais afetivo que a menina. Eu só não consigo ser
muito firme com ele quando eu quero repreender, não sei porque, eu não consigo. E ele é bem
ativo. Eu digo, para ele que ele pode brincar lá fora, mas na primeira reclamação que tiver
dele ele entra.
108
PESQUISADORA: E com a mana, ele se dá bem?
MÃE: Brigam um pouquinho. Irmãos sempre brigam.
PESQUISADORA: Ele foi para a creche e depois veio direto aqui para a escola?
MÃE: Não, ele estudava antes numa escola perto da rodoviária.
PESQUISADORA: Como foi a adaptação dele na escola?
MÃE: Se acostumou bem, porque desde pequeno ele já ia na creche. Só a outra escola não se
preocupava com ele como aqui.
PESQUISADORA: É o terceiro ano que ele está na primeira série?
MÃE: É.
PESQUISADORA: A professora dele diz que não entende porque fizeram ele repetir de ano,
pois desde o princípio, ele sabe ler e escrever.
MÃE: Quando eu ia na outra escola, tirar informações a respeito dele, me diziam que ele era
mal-educado, que era um magindão. Me diziam que ele não aprendia nada. E eu questionava
o que elas estavam fazendo para que ele aprendesse. A diretora da escola disse que não queria
mais ele lá que não aguentava mais ele. E eu perguntei porque? Ela disse que ele dizia nome.
Tu tem que ver o parecer que elas escreveram dele. E eu disse que ele não era assim como ele
estava sendo, tanto que aqui eles deixaram o Igor e nunca teve reclamação com os que tinha
lá. Aqui, em alguns meses ele aprendeu muito mais do que em dois anos na outra escola.
PESQUISADORA: E como ele é um menino alegre, né?
MÃE: É, e tá sempre conversando.
PESQUISADORA: Que expectativas você tinha quando colocou ele na escola?
MÃE: Eu tive vontade de desistir, onde me diziam para levar ele eu levava. Tanto que fazem
três anos que ele fez terapia.
PESQUISADORA: Como sempre foi o relacionamento da senhora com as escolas?
MÃE: Sempre que me chamam, eu venho. Na outra escola, era todo o dia um bilhete. Eu
cheguei a perguntar para a diretora o que ela queria que eu fizesse e ela disse que eu tinha que
mudar ele de colégio. E aqui nunca precisavam me chamar por ele ter feito alguma coisa.
PESQUISADORA: Tu vê a diferença de relacionamento que SA tinha com o pessoal da outra
escola com a dessa escola.
MÃE: Para ti ter uma idéia, na outra escola chegou um dia que a professora disse para ele que
ele não precisava vir todos os dias na aula.
PESQUISADORA: E com os colegas, como era o relacionamento dele?
MÃE: Não se davam com ele , ele não tinha nunhum amiguinho. Ele brincava sempre sozinho
por que as professoas não deixavam os outros brincar com ele, por que ele era bagunceiro,
109
batia, empurrava. Eu ia de surpresa na escola, chegava lá e ele estava debaixo de uma mesa
brincanco e eu perguntava porque ele não estava fazendo como os outros as tarefas e ele dizia
que a professora falou que ele não precisava fazer.
PESQUISADORA: Tu chegaste a questionar essa postura da escola?
MÃE: Questionava sim e elas diziam que não adiantava falar com ele, que ele não era normal.
Agora a minha guria está com aquela mesma professora e está acontecendo a mesma coisa
que com SA.
PESQUISADORA: Que motivo tu imagina que podem ter causado essas dificuldades de
linguagem em SA.?
MÃE: Acho que foi o tratamento do início da vida dele, falta de carinho e amor.
PESQUISADORA: Quais foram as primeiras palavras dele?
MÃE: mamãe e papai. E desde o início ele falava errado. As vezes eu peço para ele repetir a
palavra, mas aí ele percebe que falou errado e fica quieto.
PESQUISADORA: E quando você pede para ele repetir e ele repete, ele faz de forma correta?
MÃE: Não, errada e aí ele se esconde e não fala.
PESQUISADORA: A tua menina não teve essas dificuldades?
MÃE: Não.
PESQUISADORA: Tu acha que ele tem consciência que fala diferente das outras crianças?
MÃE: Tem sim, e ele se sente envergonhado.
PESQUISADORA: Conversando com ele eu percebi que ele tem atitudes de uma criança
mais nova.
MÃE: Pois é, agora é que descobriram, na terapia e me disseram que eu não posso tratar ele
conforme a idade dele (9 anos) que ele está lá atrás. Ele age como a mana de 6 anos. Eu agora
faço exigência para ele de acordo com a idade de 6 anos.
PESQUISADORA: Tu acha que essa dificuldade de fala dele dificulta as demais
aprendizagens dele?
MÃE: Acho que sim. E eu não exigi tanto dele, está dando certo. E aqui na escola está dando
certo. Na outra escola largaram de mão e eu disse que não ia largar ele de mão.
110
FICHA II – PAIS
Nome do pai: R. de A. P.
Idade: 28 anos
Profissão: Garçom
Escolaridade: 8ª série
Nome da mãe: C. E. P.
Idade: 26 anos
Profissão: Garçonete
Escolaridade: 1º ano do ensino médio
Filhos/idades/escolaridade: L.P (8 anos, 2ª série), SB (6 anos, 1ª série)
Tempo de casamento dos pais: Foram casados durante 10 anos
Endereço: Ouldelmar Stanhaus 1190
Filho sujeito da pesquisa: SB
1 – Aspectos do desenvolvimento e relações afetivas
a) Gravidez;
b) Amamentação;
c) Cuidados diários com o bebê;
d) Doenças na primeira infância;
e) Início dos primeiros paços;
f) Aquisição das primeiras palavras;
g) Crescimento e desenvolvimento físico;
h) Relações afetivas na família;
i) Com quem a criança é mais apegada na família;
j) Problemas enfrentados pela família que interferem no desenvolvimento do filho.
2 – Vida escolar
a) Visão dos pais a respeito da educação dos filhos;
b) O que os motivou a colocar o filho na escola;
111
c) Que expectativas tinham da criança com relação aos estudos;
d) Idade de ingresso na escola;
e) Sentimentos da família com relação à entrada do filho na escola;
f) Sentimentos da criança com relação à escola;
g) Relacionamento da família com a escola;
h) Relacionamento da criança com colegas e professores;
i) Problemas ou dificuldades de aprendizagens demonstradas pela criança;
j) Percepção dos pais a respeito dessas dificuldades;
k) Algum outro filho também apresentou essas dificuldades;
l) Os pais vêm como dificuldade os problemas de linguagem do filho;
m) Envolvimento da família com relação à vida escolar do filho;
n) Visão da criança a respeito de sua própria capacidade produtiva.
Entrevista com a mãe de SB
PESQUISADORA: Apresentação; explicação do trabalho para a mãe.
PESQUISADORA: Como foi a gravidez de SB? Ela foi planejada ou não?
MÃE: Nós tivemos a mais velha e depois eu engravidei dele, mas nós não queríamos. Eu
tomei um monte de chá para tentar tira ele mas não consegui. E eu tinha já com 8 meses e ele
não se mexia e eu perguntei para o médico se era por causa dos chás e ele disse que não. Disse
que ele era preguiçoso.
PESQUISADORA: Era só você que não queria ou o pai queria?
MÃE: Não, ele queria sim.
PESQUISADORA: Você tinha medo de alguma coisa que fez com que você não quisesse ele?
MÃE: Eu tinha medo de passa por tudo aquilo de novo, a outra gravidez foi difícil.
PESQUISADORA: Como foi o parto dele?
MÃE: Foi tudo tranquilo, ele nasceu de parto normal. Depois eu me acostumei com a
gravidez e quis ter ele. O meu medo mesmo era passa por tudo o que eu tinha passado antes.
PESQUISADORA: Ele mamou no peito?
MÃE: Mamou até os dois anos.
PESQUISADORA: E era você que tomava conta dele quando bebê ou você tinha alguém que
te ajudava?
MÃE: Eu não deixava ninguém pegar, ninguém fazer nada, eu que cuidava dele, eu não
deixava ninguém fica com ele. Eu não trabalhava, só ficava com ele.
112
PESQUISADORA: E quando foi que você começou a deixa ele com outras pessoas?
MÃE: Agora.
PESQUISADORA: Mas o teu marido te ajudava nos cuidados com a criança?
MÃE: Ajudava. Eram dois pequenininhos, aí ele tinha que ajudar.
PESQUISADORA: Ele teve alguma doença na infância?
MÃE: Nunca teve nada, mas eu nunca fiz aquele teste do pezinho e agora eu me arrependo.
PESQUISADORA: Como foi o desenvolvimento dele? Tu te lembras com quantos anos ele
começou a caminhar?
MÃE: Ele tinha 1 anos e 2 meses quando começou a caminha. A fala foi com 1 ano e 5
meses. E ele nunca chupou bico.
PESQUISADORA: Tu te lembras quais foram as primeiras palavras dele?
MÃE: Mamá, papá. Ele já falava errado desde pequenininho e a gente corrigia ele. A gente
via diferença na forma dele e dela falar.
PESQUISADORA: E como era o relacionamento de vocês com as crianças? Vocês
brincavam com eles?
MÃE: Passávamos brincando, era o mesmo que ter quatro rianças em casa. Os dois foram
criados muito juntos, e ela sempre queria ajuda ele. Tombo que eu lembre, ele nunca levou. O
que eu me lembro e que uma vez ele botou um feijão no ouvido, aí eu tive que leva no médico
para tira.
PESQUISADORA: E como foi o período de tirar a fralda?
MÃE: Foi fácil, fácil. Ele tinha 1 ano e 5 meses quando eu tirei a fralda.
PESQUISADORA: E como foi que você fez?
MÃE: Eu ensinei ele a fazer xixi primeiro sentado e o pai dele ficava bravo por eu esta
ensinando o guri a fazer xixi sentado, mas eu ensinei assim, primeiro sentado para depois em
pé.
PESQUISADORA: E vocês sempre se relacionaram bem com a família?
MÃE: Sim, éramos bem afetivos, brincalhões.
PESQUISADORA: E agora que vocês estão separados, o pai tem bastante contato com a
criança?
MÃE: Tem sim, ele sempre vê as crianças.
PESQUISADORA: E como é, ele tem dia fixo para pega as crianças?
MÃE: Sim, ele pega eles todos final de semana, às vezes só no Domingo e às vezes Sábado e
Domingo.
PESQUISADORA: Foi o juiz que estipulou assim?
113
MÃE: (concordou com a cabeça e começou a chorar)
PESQUISADORA: É difícil para ti fala sobre isso?
MÃE: (concordou balançando a cabeça).
PESQUISADORA: Vocês se davam bem?
MÃE: Sim.
PESQUISADORA: Foi desejo teu ou dele se separar ou vocês dois chegaram a essa situação?
MÃE: Eu não sei. Eu não me dava bem com a minha sogra, ela reclamava que as crianças
tinham que fica limpas, e eu nunca me importei, sempre deixei que eles brincassem. Ela
reclamava quando nós íamos na casa dela que ia suja a parede.
PESQUISADORA: E como foi para SB quando vocês se separaram?
MÃE: Ah! Ele chorava dia e noite. E a avó ele odeia, não quer nem saber de ir na casa dela.
PESQUISADORA: E como ficou a questão da educação deles agora que vocês estão
separados?
MÃE: Quando eu dou uma palmada neles, eles dizem que no pai não é assim. O pai deixa eles
fazerem de tudo na casa dele.
PESQUISADORA: Então é só você que procura colocar limites neles?
MÃE: Sim.
PESQUISADORA: E vocês conversam a respeito da educação das crianças?
MÃE: Não, nós nunca mais conversamos. Ele não ajuda nada.
PESQUISADORA: Pelas coisas que tu estas me falando, eu tenho a impressão que ele mudou
muito depois da separação.
MÃE: Mudou muito, da água pro vinho. Acho que ele sem qué essa responsabilidade.
PESQUISADORA: E nem sobre a separação vocês chegaram a conversar? Foi só esse
bilhete?
MAE: Ele me mandou um bilhete que não queria mais nada comigo, que não me amava mais
e foi isso. Nós nunca mais nos falamos.
PESQUISADORA: E vocês nunca mais se falaram?
MÃE: Eu fui duas vezes procura ele, mas ele só me dizia que não era mais para eu procura
ele.
PESQUISADORA: E SB, como ele vivenciou tudo isso ? Ele pede pelo pai ?
MÃE: Sim, tudo ele faz referência ao pai. Ele sempre foi mais apegado com o pai dele,
porque dos dois estavam sempre brincando juntos.
PESQUISADORA: E com relação à escola, SB fez a pré-escola ou veio direito para a
promeira série?
114
MAE: Fez pré-escola com 5 anos. O pai dele queria que eu tivesse matriculado ele direto na
primeira, mas eu botei na pré-escola.
PESQUISADORA: E ele chorou para ficar na escola?
MAE: Chorou sim Eu tive que brigar com ele. Eu disse. Caminha fica na escola. E ele nunca
mais chorou.
PESQUISADORA: E foi bastante tempo que ele chorou?
MAE: Umas duas semanas, e eu ficava do lado de fora sentada até terminar a aula. No
primeiro dia eu liquei dentro da sala.
PESQUISADORA: Tu sempre ficava até o final da aula, ou quando tu percebia que ele estava
bem tu ai embora?
MAE: Não eu sempre ficava até o final, até que teve um dia que ele disse para mim que eu
podia ir embora, e nunca mais ele chorou.
PESQUISADORA: Como foi o relacionamento de vocês com a escola?
MAE: Eu sempre venho, sempre estou aqui.
PESQUISADORA: E o pai vem?
MAE: No dia dos pais sim.
PESQUISADORA: Mas se chamam ele vem?
MAE: Mas nunca chamam.
PESQUISADORA: E é você que auxilia ele com as tarefas escolares?
MAE: Sim. Ele adora vir para a escola. Deus o livre se ele chagar atrasado.
PESQUISADORA: E como é o relacionamento dele com os colegas e com a profe?
MAE: Ele é bastante tímido. Mas agora acho que ele já está se defendendo mais, já está
conversando com todo mundo.
PESQUISADORA: Ele sempre foi tímido?
MAE: Sempre foi tímido.
PESQUISADORA: E quando tem alguma atividade na escola?
MAE: Ele paticipa, só se tem que ler não, porque ele não pronuncia o “r” direito e ele me
pede para que eu peça para a profe para ele não participar.
PESQUISADORA: Essa dificuldade é só na linguagem oral?
MAE: Sim, ele vai ocupar bem na matemática, desenha tudo.
PESQUISADORA: E quando ele fala errado qual é o teu procedimento?
MAE: Quando ele era pequenininho eu corrigia, mas agora eu não corrijo mais. Eu dizia mexe
a língua.
PESQUISADORA: E vocês chegaram a fazer uma avaliação?
115
MAE: Sim, ele não tem nada.
PESQUISADORA: E qual você pensa que pode ser a causa dessas dificuldades?
MAE: Não sei.
PESQUISADORA: Ele percebe que ele fala diferente das outras crianças?
MAE: Sim, ele nunca quer ler. Eu acho que a dificuldade de fala aumanta a timidez dele. Ele
uma época só dalava no meu ouvido. Eu digo que ele fala que nem castelhano, como a minha
mãe.
PESQUISADORA: E a tua mão tem sotaque castelhano ?
MAE: Não, ela é descendete de castelhano. E japonez é do meu pai, teve o olho puxado.
PESQUISADORA: Tu não saberia dizer uma palavra que ele fala errado ?
MAE: Não eu não saberia nem dizer.
PESQUISADORA: Você sabe de alguém da tua família que também tinha essas dificudlades?
MAE: Não, ninguém.
PESQUISADORA: E ele escreve certo ?
MAE: Sim, ele não escreve errado, é só na fala. Ele não troca as letras, ele simplesmente não
consegue dizer. E as pessoas davam risada disso.
PESQUISADORA: E acontece muito isso aqui na escola ?
MAE: Agora não porque tem uns quantos que falam errado.
PESQUISADORA: A tua menina nunca teve essas dificuldades como as dele?
MAE: Não, nem quando pequena.
PESQUISADORA: Não sei se teria mais alguma coisa que você gostaria de me dizer ?
MAE: Não, acho que eu falei tudo. Ah ! uma coisa que a minha mãe me disse, como é que
para cantar ela canta bem?
PESQUISADORA: Ele conta direitinho ?
MAE: Sim. Outra coisa, eu tinha uma conhecida que gritava muito, e quando eu estava
grávida eu não podia escutar ela falando. Acho que era isso.
PESQUISADORA: Obrigada pela tua disponibilidade.
116
FICHA II – PAIS
Nome do pai: J. D. B.
Idade: 45 anos
Profissão: autônomo
Escolaridade: 8ª série
Nome da mãe: N. da R.
Idade: 40 anos
Profissão: servente
Escolaridade:
Filhos/idades/escolaridade: SC (8 anos, 2ª série), L. (2 anos)
Tempo de casamento dos pais: 9 anos
Endereço: Dervaugilho de Freitas 762
Filho sujeito da pesquisa: SC
1 – Aspectos do desenvolvimento e relações afetivas
a) Gravidez;
b) Amamentação;
c) Cuidados diários com o bebê;
d) Doenças na primeira infância;
e) Início dos primeiros paços;
f) Aquisição das primeiras palavras;
g) Crescimento e desenvolvimento físico;
h) Relações afetivas na família;
i) Com quem a criança é mais apegada na família;
j) Problemas enfrentados pela família que interferem no desenvolvimento do filho.
2 – Vida escolar
a) Visão dos pais a respeito da educação dos filhos;
b) O que os motivou a colocar o filho na escola;
117
c) Que expectativas tinham da criança com relação aos estudos;
d) Idade de ingresso na escola;
e) Sentimentos da família com relação à entrada do filho na escola;
f) Sentimentos da criança com relação à escola;
g) Relacionamento da família com a escola;
h) Relacionamento da criança com colegas e professores;
i) Problemas ou dificuldades de aprendizagens demonstradas pela criança;
j) Percepção dos pais a respeito dessas dificuldades;
k) Algum outro filho também apresentou essas dificuldades;
l) Os pais vêm como dificuldade os problemas de linguagem do filho;
m) Envolvimento da família com relação à vida escolar do filho;
n) Visão da criança a respeito de sua própria capacidade produtiva.
Entrevista com o pai de SC
PESQUISADORA: Expliquei o porque da entrevista e começei perguntando de ele saberia
me responder algumas coisas a respeito da gravidez do SC.
PAI: Foi conturbada porque nós brigávamos muito.
PESQUISADORA: Chegou a correr algum risco como de aborto, por exemplo ?
PAI: Não, apenas era muito estresse, muito ciumenta. Ela é muito explosiva.
PESQUISADORA: Ele nasceu de parto normal ou cesariana ?
PAI: Parto normal. Ela tinha bastante facilidade de ganhar bebê, afinal foram quatro filhos.
Mas de nós dois é somente SC e a L. Ela teve 2 filhos com outro marido, e eu tenho os meus
filhos também. Amamentou ele 2 meses.
PESQUISADORA: Quando vocês casaram os filhos dela eram pequenos ?
PAI: Tinham perto de 10 anos.
PESQUISADORA: E como era o relacionamento de vocês com os filhos dela e dela com os
teus ?
PAI: Eu sempre me dei bem com os filhos dela, mas ela nunca se deu bem com os meus.
PESQUISADORA: Logo que ele nasceu quem cuidava dele ?
PAI: Era sempre a mãe dela. Com três anos ele foi para a creche.
PESQUISADORA: O senhor saberia me dizer com quantos anos ele começou a caminhar e a
falar ?
PAI: Caminhou com uns dois anos e a fala acgo que também foi na mesma época.
118
PESQUISADORA: O senhor saberia queis foram as peimeiras palavras que ele disse ?
PAI: Mamá, mamãe.
PESQUISADORA: Ele teve alguma doença séria quando pequeno ?
PAI: Não só essas doenças normais de criança. Só ele não era muito de comer e é até hoje, e
foi logo que ele deixou de mamar. Não sei se ele não gosta da comida em casa.
PESQUISADORA: E agora que ele passa o dia na escola, o senhor sabe se ele está comendo ?
PAI: Diz ele que está.
PESQUISADORA: Como sempre foi o teu relacionamento com a sua esposa, vocês se dão
bem, com que é ?
PAI: Não. Até hoje tem brigas.
PESQUISADORA: E como ele vê isso ?
PAI: Ele não gosta de ver, ele fica nervoso. E quando o tempo está meio feio ele tranca as
portas, diz que não é para ninguém sair. Ele se apavora, fica com medo que aconteça algo
com o carro. Ele logo se agita, tem medo de dormir sozinho, no escuro.
PESQUISADORA: E esses medos ele tem desde pequeno ?
PAI: É desde pequeno.
PESQUISADORA: Algum dia ocorreu alguma coisa específica com a casa que fez com que
ele ficasse com medo.
PAI: Não.
PESQUISADORA: E quando pequeno ele era uma criança calma, ou dava um pouco mais de
trabalho ?
PAI: Não era calmo. Ele é um cara clamo, se eu ralho com ele, ele saia quietinho e deitava na
cama dele. Ele é bem obediente, só que tem o irmão dele por parte de mãe, que já é mais de
bater boca e as vezes ele quer fazer igual, mas comigo não, comigo ele é bem obediente.
PESQUISADORA: E quando vocês querem colocar alguns limites nele, ou se fez algo que
vocês não aprovam, qual a atitude de vocês ?
PAI: Eu nunca encostei um dedo nos meus filhos. E isso é bom porque ele me obedece. Eu
nunca bati, nem nos meus mais velhos eu nunca bati neles. Eu estou falando de mim como
pai, agora a mãe dele como é mais esquentadinha de vez em quando baixa o sarrafo.
PESQUISADORA: E com quem ele é mais apegado da família, da pessoa que ele convive ?
PAI: Comigo e com a avó.
PESQUISADORA: É a mãe dela ou do senhor ?
PAI: Mãe dela, ele gosta muito da avó. E ele gsota muito de ficar comigo.
PESQUISADORA: Isso ele me falou que ele gosta de ir trabalhar com o senhor.
119
PAI: É de vez em quando eu levo ele.
PESQUISADORA: Eu percebi na forma como SC coloca que ele tem muito orgulho da
família e de você e dos irmãos por parte de pai.
PAI: Ele é uma criança que dabe dar valor à família é um menino muito carismático.
PESQUISADORA: E vocês alguma vez passaram por alguma situações difíceis mesmo de se
superar e que possam ter influenciado no desenvolvimento do seu filho? Financeiras ou
emocionais?
PAI: Teve de tudo já, muito graves.
PESQUISADORA: Que tipos de situações ?
PAI: Assim brigas mesmo, às vezes por causa dos filhos dela, ou por ciúmes. Mas já teve
situações graves, com polícia e tudo. Tudo entre nós dois. Teve um caso sério. Ela estava em
uma festa lá no serviço dela e eu estava indo lá com ele e o irmão dele, o filho dela. E ela
começou a tomar muito. Ela se recusou a ir embora e as crianças queriam ir, e eu disse como
eu vou tira a tua mãe de lá. Aí fechou o tempo, veio a polícia. Eu só sei que naquela noite as
crianças foram parar no Conselho Tutelar e posaram lá.
PESQUISADORA: E como foi para SC viver isso ?
PAI: Nós procuramos dar carinho. E procuramos, na medida do possível não brigar na frente
deles.
PESQUISADORA: E como é, a sua esposa tem o hábito de beber frequentemente ou foi só
naquele momento ?
PAI: Ela não tem o hábito não, acontece se têm alguma festa no trabalho.
PESQUISADORA: E você sempre vai com ela nas festas ?
PAI: Não ela quase nunca me convida e aí chega em casa daquele jeito.
PESQUISADORA: E quando ela chega assim, ela briga só com você ou com as crianças
também ?
PAI: Com que se atravessa na frente dela, qualquer pessoa.
PESQUISADORA: E com você ela chega a ser agressiva ?
PAI: Sim, e não precisa muita coisa para ela me mandar embora e me bota para fora de casa.
Qualquer coisa ela me bota para fora.
PESQUISADORA: O senhor saberia me dizer o que o senhor sente por ela ?
PAI: É difícil, eu não sei porque eu estou alí, se é porque eu gosto dela, ou pleas crianças, ou
as duas coisas. Ela é uma pessoa muito difícil. Para ti ter uma idéia, eu sou o terceiro marido
dela. O primeiro merido dela era um homem trabalhador e honesto, só que bebia. O segundo
era um bom homem. E eu fico nessa já fui, já voltei, já fui e já voltei.
120
PESQUISADORA: E como ficam as crianças nessas idas e vindas ?
PAI: Por mais que eu saia de casa eu vou lá ou elas ficam durante o dia comigo. Se
dependesse de mim e ela mudasse não teria problema. A questão é que ela é bem
imprevissível, por qualquer detalhe ela muda e para mim isso é difícil. Olha eu estou abrindo
para ti coisas que eu nunca falei para ninguém.
PESQUISADORA: Eu gostraia de voltar um pouco a falar do SC. Depois da creche ele veio
direto para essa escola ou estudou em outra ?
PAI: Veio direto para essa.
PESQUISADORA: Quais as expectativas com relação aos estudos e ao futuro do filho ?
PAI: Ele é um menino que gosta muito de ler. E nós nunca tivemos queixa dele na escola.
PESQUISADORA: E como é a participação de vocês como pais na vida escolar dele?
PAI: Olha eu trabalho o dia inteiro, a mãe dele é que sempre vem nas reuniões.
PESQUISADORA: Alguém ajuda ele nas tarefas escolres ?
PAI: A minha regra é a seguinte, ele faz as tarefas e traz para mim olhar. E quando tu
pergunta com relação ao fututo do Jonathan eu me preocupo com a convivência dele com os
irmão por parte de mãe, porque ele são medonhos. Pata ti ter uma idéia o mais velho está
com 23 anos e já está na terceira mulher e agora o Juís chemou porque ele estava com uma de
15 anos e tem um bebê de 2 meses.
PESQUISADORA: E vocês moram todos juntos ?
PAI: Sim ! E eu fico preocupado com o tipo de exemplo que eles estão dando para os meus
filhos. Esse tipo de educação para os meus filhos não serve. Por que tu acha que eu levo ele
para o trabalho ? Para ter contato com os outros irmãos que trabalham junto comigo.
PESQUISADORA: E aqui na escola alguma vez ele demonstrou ter dificuldade de
aprendizagem ?
PAI: Não.
PESQUISADORA: E as dificuldades de fala, ele tem desde pequeno ?
PAI: Sim.
PESQUISADORA: Você acha que ele tem consciência dessa dificuldade ?
PAI: Sim, porque as vezes a gente pede para ele repetir e ele fica com vergonha.
PESQUISADORA: O senhor saberia me dizer especificamente qual a dificuldade, se é na
troca de algumas letras, como que é ?
PAI: Ele simplesmente tira algumas letras da palavra por exemplo fogão, ele diz fadão.
PESQUISADORA: O senhor se lembra de mais alguma coisa com relação à fala dele ?
PAI: Acho que não.
121
PESQUISADORA: O senhor gostaria de me colocar mais alguma coisa ?
PAI: Não, já falei tudo.
PESQUISADORA: Eu agradeço o senhor ter se disponibilizado a vir aqui conversar comigo.
122
ANEXO C - OBSERVAÇÕES DE SALA DE AULA
Primeira observação SA e SB
Estão em uma aula onde terão que responder a umas perguntas colocadas pela
professora no quadro. Perguntas essas que dizem respeito à identificação da escola, como por
exemplo: Qual o nome da nossa escola? Nossa escola é pública ou privada? Entre outras
questões. Os dois sentam um do lado do outro, passam boa parte do tempo desenhando. O SB
chega um momento que ele copia e SA pede para que SB copie para ele e esse diz que não.
SB tenta parar para prestar atenção na atividade e SA fica o tempo todo desviando a sua
atenção. SB é mais na dele e SA muito pouco consegue parar para se concentrar. A turma
como um todo é bastante agitada, o que dificulta, e muito, a concentração. Os dois passam o
tempo todo se cutucando. SB é um dos poucos que fica sentado. SA passa brincando e dando
palpite no que os outros estão fazendo, mas não faz nada.
SA é bastante agressivo com SB, fica batendo nele e dizendo nomes para ele. A
professora pede para SA terminar de copiar do quadro e ele diz que não consegue fazer. Uma
colega escreve o nome do Igor e ele diz: “Cala a boca pau no cú”. SA escreve bastante o seu
nome na classe. Os dois não se desgrudam, e SB não abre a boca para falar nada diante da
turma, pois tem vergonha por falar errado. Quando a professora vai tomar a leitura dele tem
que fazer com ele sozinho na sala de aula. Ele se abre muito com SA, é com ele que mais
conversa. A professora disse que já tentou colocar os dois separados mas não conseguiu. A
professora entregou umas cruzadinhas e SA foi um dos primeiros a terminar. A professora
perguntou para SA se ele estava fazendo ou copiando de SB e ele disse que estava fazendo.
Logo ele diz para SB que já enjoou de fazer, e começa a pedir que o colega faça para ele e ele
diz que não, aí uma coleguinha começa a fazer para ele. A colega terminou para ele e ele foi
correndo mostrar para a professora que tinha terminado.
123
Primeira observação de SC
A turma parece ser bem tranqüila, todos fazem a tarefa. SC fica bem quietinho na sala,
e quando termina a tarefa deita na classe. A professora entrega uma folha com atividades de
português e ele permanece deitado na classe. A professora pede que ele comece a fazer e ele
permanece por mais alguns minutos deitado na classe. Depois começa a conversar com o
colega de trás e a professora pede que ele faça silêncio e ele deita novamente na classe. A
professora consegue manter um bom controle da turma, conseguindo fazer com que todos
trabalhem. Pediu para a professora para ir no banheiro e ficou uns 15 minutos fora da sala de
aula correndo no corredor. Enquanto todos já estavam fazendo as atividades da folha, ele
ainda estava copiando umas questões do quadro. Se distrai com qualquer coisa, e logo pára
com as tarefas que a professora solicita, e quando está fazendo, o faz deitado na classe.
Percebe-se muito barulho de alunos nos corredores da escola, o que dificulta a concentração
dos alunos. Dá a impressão que SC está sempre pensando em outras coisas. Tenta ir ajudar
dois colegas com as tarefas, mas um deles pede que ele saia, mas ele fica ali e diz que a sala é
de todos. SC passa o resto do tempo em que esta pesquisadora esteve em sala de aula, deitado
na classe.
A professora me coloca que ele é um menino muito tranqüilo e bem comportado, mas
está sempre no “mundo da lua” e quase nunca termina as tarefas . A professora ressalta que ele
escreve como ele fala e me mostra alguns trabalhos.
Exemplo - DITADO:
Paisagem – paisase
Continente – cotimete
Comércio – comesio
Ferramenta – ferrameta
Cerâmica – selameta
Algodão – agonta
Missioneiro – misumeiro
Alimento – alimeto
Máximo – masimo
Descendente – desedete
Herança – erasa
124
Exemplo - Trabalho onde ela pede que ele fale sobre a história da vida dele.
HISTÓRIA DA MINHA VIDA
QUEDO EU TRESE QUERO SE SO GADO DE FUTIBOM QUERO VASE MOTO GOS
VO JOGA GOTIME DE ARASIL QUERO SE O MELO DO MONDO BOM SO GA INRTE
TANBEN QUE SE O MERO DE TODOS QUERO VOCÊ BOU BONITO QUERO SE
GREDE SOJAGADO QUERO VIASA PARA AREMARA QUERO GANHA MUTOS
JOGOS.
125
Segunda observação SA e SB
Estão na aula de Educação Artística, cada um confeccionando uma bandeira do Brasil,
colando papéis amassados. Os dois estão sentados um do lado do outro.
Enquanto os outros conversam entre si, levantam pela sala interagindo com os outros
colegas, os dois ficaram quietinhos um do lado do outro. A professora vem e explica para SB
como era para fazer, e quando a professora saiu ele explicou para SA como se fazia. SA está
bem quietinho hoje, bem diferente de como sempre está. Um colega vem e pergunta para SA
se ele não vai colar papel em uma parte do desenho e ele diz: “Tepois eu vô potá”. SB faz o
trabalho com bastante delicadeza para que fique como a professora solicitou. A professora
passou por ele e disse que o trabalho estava ficando bonito. SB é muito observador, presta
atenção no que os colegas ao seu redor estão falando, mas não conversa com ninguém,
somente com SA. Começou a conversar com outros quando eles começaram a perguntar sobre
quem tinha cachorro em casa e ele demonstrou interesse em saber. Tocou a sineta e SA
começou a bater na classe e gritar de felicidade porque tinha batido. E começou a cantar o
hino do Brasil, e no meio da letra colocava palavrões (“puceta”). A turma é bastante agitada,
não conseguem parar para fazer a atividade, ficam cantando, caminhando na sala, dizendo
nomes uns para os outros. SB e SA estão bem concentrados fazendo a tarefa. SB de vez em
quando se vira para SA e fala alguma coisa bem baixinho no seu ouvido. Acabou o papel
amarelo de SA e ele gritou: “Sora acapou o papel”. Chegou a hora do lanche. A profes sora
solicitou que os alunos fizessem fila primeiro e SA levantou e saiu correndo e começou a
brigar e empurrar os outros para ficar no início da fila.
126
Segunda observação SC
Estão tendo aula de Matemática. A professora estava entregando umas rifas que
conforme a quantia que vendessem estariam concorrendo a uma bicicleta, ele pegou o bloco
dele e veio me mostrar que se ele vendesse tudo poderia ganhar uma bice. Ele sentou do meu
lado e começou a ler o que estava na rifa para mim: “O solteio fai s e dia onsse de agosto”.
Começou a copiar as tarefas do quadro e lia alto do quadro para copiar. Perguntou qual era
todo o meu nome e eu respondi. Disse: “Soussa é o soprenome do meu irmão, do Jaidel”. Uns
meninos de outra sala pararam na porta da sala dele e ele levantou e pediu que eles saíssem
dali. Disse: “Sispa, sispa”.
O diretor começou a explicar como funcionaria a rifa e ele levantou a mão para
perguntar: “Tem que dá esse daqui ou esse?”. A professora explicou que ele destacaria o
grande e entregaria para a pessoa que comprou.
A professora foi apagar o quadro e ele pediu para ela não apagar que ele não tinha
copiado ainda, mas não copiou. Deitou na classe e ficou escutando a professora explicar como
ia funcionar a rifa. Bateu para o recreio e ele saiu correndo da sala. Foi um dos primeiros a
sair.
127
Terceira observação de SA
Estão fazendo a leitura de alguns livrinhos. Alguns ficaram na sala para fazer leitura e
outros foram para a dança. SA ficou brabo que não foi escolhido para ir para a dança e ficou
brabo e disse que não ia fazer nada. Deitou na classe e ficou. A professora perguntou onde
estava o livro dele. Respondeu onde estava e disse que não ia ler. A professora parou do lado
dele e começou a ajudá-lo a ler. A professora colocou que se ele lesse poderia ir para o
esporte e aí começou a ler. Leu umas duas páginas e começou a fingir que estava lendo,
passando as páginas bem rapidamente. Olhou para a professora e disse que já estava
terminando, aí ela colocou que teria que contar a história para ela, e parou novamente do lado
dele para que reiniciasse a ler. A professora ficou boa parte do tempo do lado dele. Ela saía do
lado dele e ele parava de ler, somente continua quando ela voltava a auxiliá-lo. A professora
saiu do lado dele e parou de ler e começou a brincar. Começou a fingir novamente que estava
lendo. A professora parece prestar bem a atenção às necessidade de cada um, assim como
percebeu que ele estava fazendo de conta que estava lendo e parou novamente do lado dele
para ele ler. Quando percebeu que não conseguiria enrolar a professora, começou realmente a
ler. Disse: “Sá teiminei sola”. A professora entregou uma folha para ele escrever a história.
Ele ficou brabo e disse que ela falou que era só ele ler o livro que poderia sair. A professora
falou para ele colocar o título do livro e ele logo disse: “Não sei equeve”. Pegou o livro dele
de volta, sem que a professora visse, para copiar o título, pois não conseguiu escrever. Logo
que copiou o título colocou o livro, escondido, na classe da professora, de volta para ela não
ver que ele tinha copiado. Parou de fazer e deitou na classe.
A professora foi até ele e disse para começar, ele se recusou e ela disse que se não
fizesse iria para a coordenadora. Ele se recusou a sair da sala. A professora deu a opção para
ele escolher uma outra história para ler e fazer o trabalho e ele aceitou. Fez de conta que leu,
pegou um lápis, abriu o livro debaixo da classe sem a professora ver e começou a copiar o
livro. Fazia de conta que estava pensando a respeito da história e quando a professora saía de
perto dele, puxava o livro debaixo da classe para copiar. E ficou assim o resto da aula.
128
Terceira observação SB
Estão em uma aula de leitura. A professora entregou um livrinho de historinha infantil
para cada um dos alunos, e esses após a leitura individual, teriam que reescrever a narrativa
com suas palavras. A professora recolheu os livros após a leitura. SB logo fez a leitura do seu
livro e começou a escrever a história. Ficou sentado em sua classe realizando a tarefa. SB
logo concluiu a atividade e foi liberado pela professora para ir para a aula de dança.
129
Terceira Observação de SC
Estão em uma aula de leitura e escrita. A professora está passando um texto no quadro.
A turma está bastante agitada. SC se levantou e foi de classe em classe para pedir um
apontador. Todos sentam em dupla, menos ele. Pediu que eu sentasse do lado dele. E
começou a copiar o texto do quadro. Começou a me explicar que semana que vem vão estar
de férias. Disse: “sedunda, teiça, tuarta, tinta e seixta, famo tá te férias”. Todos sentam bem
próximos, somente ele senta afastado dos colegas. Parou de copiar e começou a brincar com a
borracha e a caixa de aparelho de dente. Fica observando o que os outros estão fazendo e não
realiza as tarefas. Levantou para conversar com outro colega e a professora veio até a classe
dele e disse para ele copiar e fazer uma letra legível que ela consiga ler depois.
Um coleguinha se virou para mim e disse: “Ele n unca termina as coisas, sempre fica
para traz”. Ele logo respondeu: “Não sô sempre eu, as fezes é o Dapriel, o Eduardo”, e foi
dizendo o nome dos colegas que também se atrasavam.
Parou novamente de copiar e começou a bocejar. Disse que estava com sono pois tinha
acordado às 5h30min da manha. A professora toda hora tem que estar pedindo para ele voltar
a copiar o texto. Todos os que já terminavam estão andando pela sala e conversando. Percebese que a professora está bastante irritada com o comportamento deles e começa a gritar para
que eles sentem. A professora sugeriu que todos ao mesmo tempo fizessem a leitura do texto.
SC não consegue acompanhar junto com os colegas a leitura. A professora começa a pedir
que leiam individualmente. Enquanto os colegas lêem, Jonathan continua a copiar o texto. Se
algum aluno não consegue ler uma palavra ela fica braba e repete de forma bastante dura a
palavra que o aluno não conseguiu ler. Enquanto os colegas lêem ele fica de mão erguida
pedindo para a professora chamar ele. Consegue ler o texto sem cometer muitos erros.
Enquanto os colegas faziam a leitura do texto ele desenhava. A professora repetiu várias vezes
a leitura do texto até que todos lessem. A professora começa a discutir o texto com eles,
alguns se interessam e participam da discussão, outros estão brincando, conversando, lendo
revistinha e SC continuou desenhando. A professora começou a passar umas questões no
quadro. A maioria começou a copiar sem que a professora pedisse. SC olhou para o quadro
para ver o que tinha para fazer. A professora começou a circular pela sala e quando ela
chegou perto dele parou de desenhar e começou a copiar.
130
Quarta observação SA
Nessa aula, a professora fez a leitura de uma historinha infantil chamada A Sabida
Milica. Após a leitura, os alunos teriam que reescrever com suas palavras a narrativa, em no
mínimo dez linhas. SA passou boa parte do tempo enrolando para não fazer a tarefa. A
professora falou para eles que estava na hora do lanche e SA disse que não queria ir, que ia
ficar fazendo a tarefa. Assim que todos saíram, SA puxou o livro, que havia pegado da classe
da professora sem que ela visse, e começou a copiar a história. Me olhou e pediu que eu não
contasse nada para a professora. A professora, logo em seguida, entrou na sala e viu ele
copiando do livro e o recolheu. Sem outra alternativa, SA saiu para o lanche. Quando todos
voltaram, SA ficou rodeando a classe da professora para ver se conseguia pegar o livro. Os
que terminaram ficavam correndo pela sala, enquanto alguns continuavam tentando fazer a
atividade. A professora liberou aqueles que já haviam terminado para irem para a educação
física. SA ficou na sala para terminar a atividade, assim como boa parte da turma. A
professora se retirou da sala para ver alguns alunos que estavam correndo nos corredores e
alguns alunos, incluindo SA foram até a classe dela para copiar do livro. No que a professora
se aproximou de sua classe para ver o que eles estavam fazendo, SA logo respondeu que os
colegas estavam copiando a historinha. Depois disso, ele ficou andando de um lado para outro
enquanto os colegas terminavam a atividade. Logo após, parou e ficou quietinho em pé,
somente observando os colegas. Foi até a colega que estava com o livro para pegá-lo dela para
poder copiar. Tomou o livro da colega e a professora pegou o livro dele, ao que ele reclamou
dizendo que estava apenas lendo o livro. Ficou enrolando até o final da aula e não conseguiu
realizar a atividade solicitada pela professora.
131
Quarta observação de SB
A professora fez a leitura de uma historinha infantil chamada A Sabida Milica. Após a
leitura, os alunos teriam que reescrever com suas palavras a narrativa, em no mínimo dez
linhas. SB, nessa aula, está sentado bem longe de SA. SB logo concluiu a atividade dada pela
professora, sem demonstrar maiores dificuldades. A professora colocou aos alunos que estava
na hora do lanche e todos correram para fazer fila. SB era um dos primeiros da fila. Foram
para o lanche e SB logo voltou para a sala de aula e sentou na sua cadeira. Logo em seguida
todos os outros colegas voltaram para continuar a escrever a história. Como foi um dos
primeiros a terminar ficou sentado na sua classe, por alguns minutos, sem fazer nada. Logo se
levantou e começou a correr dentro da sala junto com outros colegas que também já haviam
terminado. A professora colocou que quem havia terminado poderia sair para a educação
física e SB foi logo liberado. SB parecia, nesse dia, estar bem mais solto e mais comunicativo
com os outros colegas.
132
Quarta observação SC
Estão em uma aula de matemática, resolvendo alguns problemas de adição, subtração,
divisão e multiplicação. SC, como em todas as outras aulas observadas está sentado sozinho,
enquanto os seus colegas estão sentados em duplas. A professora perguntou a resposta de um
problema e ele logo respondeu. SC colocou que só não conseguia resolver uma continha e o
colega que estava sentado à sua frente se virou para ele e disse que ele não sabia nada. SC
olhou para mim e disse: “Sei te t otas tontas”. SC parece gostar da aula de matemática, pois
logo resolveu todos os problemas de cabeça sem ter copiado os mesmos no caderno. Está o
tempo todo conversando com o seu colega da frente. Fica de joelhos na cadeira. A professora
colocou que estava na hora do lanche e eles se colocaram em fila para saírem da sala de aula.
Voltaram do lanche. Todos ficaram em pé, pois inventaram uma brincadeira que
ganhava aquele que fosse o último a sentar. A professora ficou braba e começou a gritar com
eles, mandando que eles sentassem. SC logo sentou e ficou quietinho no seu lugar. SC disser
bem alto que sabia responder todas as contas, mas ficava enrolando para não copiar do
quadro. A professora começou a corrigir os problemas no quadro e SC logo dava as respostas
para a professora.
A professora queria apagar o quadro para passar para a aula de português, mas SC
estava ainda copiando o primeiro exercício. A professora solicitou que ele apurasse e ele se
sentou na cadeira, deitou a cabeça na classe e começou a copiar. A professora está o tempo
todo gritando com eles, pois não param sentados e não param de conversar. SC ficou
conversando e enrolando o tempo todo e a professora esperando para apagar o quadro para
passar para a aula de português. A professora passou boa parte do tempo chamando a atenção
de SC para que ele terminasse de copiar.
133
ANEXO D - ATIVIDADES DE INTERAÇÃO
Primeira atividade de interação
Perguntei sobre o que gostariam de fazer e SC disse que queria escrever um texto a respeito
da copa. SC logo começou a escrever. SA e SB não quiseram fazer. SA disse que não sabia.
Solicitei que desenhassem.
SA falou: “As tles começa o sogo. A copa começa as quatlo.”
Perguntei o que ele estava desenhando.
SA: “Eu só fiz uma moto. Ele tá me imitando ” (apontou para SB).
Solicitou que SA falasse do desenho dele.
SA:“Desenhei: O sogado, a moto e o gol e coloquei o meu nome”.
SC: “Quem ta fassendo dol”.
SA: “Cacá. Mostra o que tu tá ussando no dente”.
SC: “Taqui dois ano eu fo pota o fixo”.
SA: “Eu nunc a quero ussa isso”.
SB: Começou a falar com SA, mas bem baixinho que ninguém entendia.
Pesquisadora: Mostra o que tu desenhou?
SB: Uma nuvem, um alziol e uma moto.
Pesquisadora: Quem estava fazendo o gol?
SB: “Dzonaldinho Gausso”.
SA levantou da cadeira e deitou no chão para olhar uma revista. SB não tira os olhos dele.
SC: “Meu tiu feio da Aizentina num dia te taide. Eie passou um riu de veia.
SB se levantou para ficar perto de SA. SA olhando as revistas cada vez que via uma mulher
ficava faceiro e assobiava. Chamou os outros para ver a mulher.
SA: “ SC tem uma muie pa ti e uma pa mim”.
Os dois se levantaram para ir ver. SC logo voltou para continuar a escrever o texto e SB só
dava risada. Convidei os dois para escutarem a história de SC. SB logo sentou, e SA ficou.
Tive que insistir para vir.
Título da história de SC: “A Topa do Mundo 2006”
SA ficou bem próximo de SB e repetia algumas palavras que ele falava e SB ficava só dando
risadinhas das palhaçadas de SA. SA (ficava perturbando).
134
Pedi para que escrevessem algumas palavras e SA se recusou a fazer. SA quis fazer um ditado
com os colegas. Disse: “Óculos, mão, pé, camisa, cassaco” – óculos, mão, pé, camisa, casaco.
SA começa a dar risada da forma como SC pronunciou as palavras e ele se defendeu dizendo
que tinha um problema no olho, que tinha se batido.
Jogadoi
Taterno
Ivia
Paisazem
SC
Ane
Óculos
Tosaco
Paisaze
Anel
Óculos
SB
Pé
Camiza
Caizado
Eles começaram a dar risadas uns dos outros pelo fato de falarem errado, e logo SC se
justificou de o porque que falava errado. SC diz que fala errado porque tem uma carne solta
no nariz e SA disse que nasceu assim. SB disse que não sabe.
135
Segunda atividade de interação
Foi deixado aos alunos alguns jogos, para que eles pudessem escolher a brincadeira
que gostariam de realizar. SA e SB se dirigiram à um jogo de cartas e SC ao jogo da damas.
SC se dirigiu à SA e SB dizendo: “Esse é uim tem te retoitá tuto”. Colocou que o jogo
escolhido por eles era ruim porque tinha que separar uma carta da outra para poder jogar.
Ao falar do jogo de damas, SC colocou que gostava de jogar e que o pai havia
comprado um para ele. SC contou as peças do jogo e disse: “Ta fautanto um peto”. SA e SB
começaram a arrumar as peças.
SA: É quato pa cata um. Tem que asa dois icual, quato sunto (começou a explicar o
jogo para SB).
SB: Tem que aumá atim.
SA: Não ta deisando nenhum pa mim.
SA: Patemo, eu so pão. Vai se quato pa cata um.
SB: É tinco.
Nesse tempo SC pediu que eu jogasse uma partida com ele. Começamos a jogar.
SC: Eu so bão nesse zogo.
Fiz uma jogada que ele ficou preocupado.
SC: Soia a senhoia me mata do toação.
SC fez a sua jogada.
SC: Te te eu fui fase. A senhoia pote tome os tois, tem rainha.
SA e SB continuaram jogando. SB começou a distribuir novamente as cartas e SA
logo me perguntou: “Tu empesta um lápis e um taterno pa nóis?”. Ao que eu respondi que não
tinha nenhum caderno. SA pegou uma folha e uma caneta para anotar a pontuação. SA e SB
jogaram mais uma partida.
136
SA: Apatemo te nofo te toga. (Empatamos de novo, que droga)
SA: Soa, nós apatemo te nofo.
Sugeri que eles pudessem jogar os três juntos, ao que eles logo aceitaram. SA
começou a falar no ouvido de SB e SC colocou que não valia fazer grupinho.
SC: São tontas taita?
SA: Téis. (dez) Não, é sete pa cata um.
SA e SB se juntaram para ganhar de SC e começaram a inventar regras de forma a que
eles sempre ganhassem. Num primeiro momento SC aceitou essas regras.
SA: Tois a selo pa nóis.
SC retrucou o fato de só eles ganharem.
SA: Fala tileito (se referindo a forma como SC falou)
SA e SB começaram a dar risada de SC.
SC: Tão me iograindo. (estão me logrando).
SA e SB davam risadas por estarem roubando de SC.
SC: Tem que imbaiaiá.
SA começou a dar risadas e a imitar a fala de SC. SB dava risadas junto. SC ficou
brabo deles estarem roubando e decidiu jogar dominó sozinho. SA e SB continuaram jogando
juntos. SA e SB sempre faziam que empatavam o jogo. Logo SA começou a fazer palhaçadas
e a chutar e a brigar com SC. SB somente dava risadas de SA.
SC convidou SB para jogar com ele e esse não quis. SA logo disse que SB ia jogar era
com ele. SA e SB pegaram o jogo de damas e SC foi tentar ajudar eles a jogar e SA disse para
ele sair. SA começou a dizer palavrões para SC. Os dois começaram a se bater e a se chutar e
SB só dava risadas.
SA começou a fazer bagunça com o jogo de damas, atirando as peças para todos os
lados. SB entrou na bagunça, o tempo todo dando risadas de SA. Solicitei que juntassem os
137
jogos, pois teriam que voltar para a sala de aula e SA ficou enrolando para não ir para a sala,
começou a se jogar o sofá e a se atirar no chão. SB dava risadas de suas palhaçadas. SC logo
que solicitei foi para a sala e os outros dois alunos, após algumas tentativas de SA para
ficarem, também retornaram para a sala de aula.
138
ANEXO E - HISTÓRIAS EM QUADRINHOS
139
ANEXO F - HISTÓRIAS INFANTIS
140
FICHA CATALOGRÁFICA
S729t
Souza, Sabrina Alves de
Teoria sistêmica: contribuições para a ação pedagógica
frente aos problemas de linguagem / Sabrina Alves de Souza. –
Passo Fundo: UPF, 2006.
137f.
Dissertação (mestrado) – Universidade de Passo Fundo. –
Programa de Pós Graduação - Mestrado em Educação, 2006
1. Psicologia educacional 2. Problemas de linguagem II.
Título.
CDU: 37.015.3
Responsável pela catalogação:
Bibliotecária – Fernanda Ribeiro Paz CRB 10 / 1720
Download

teoria sistêmica: contribuições para a ação pedagógica frente aos