FRANCISCO ADOLFO VARNHAGEN
HISTÓRIA GERAL DO BRASIL
LEITURA BÁSICA
Antonio Paim (organizador)
CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO DO
PENSAMENTO BRASILEIRO (CDPB)
2011
1
SUMÁRIO
Introdução: Varnhagen e os alicerces da historiografia
brasileira – Antonio Paim
Indicações sobre a transcrição –Antonio Paim
PRIMEIRO SÉCULO (século XVI)
Texto de Varnhagen
SEGUNDO SÉCULO (século XVII)
Nota introdutória - Antonio Paim
Texto de Varnhagen
TERCEIRO SÉCULO (século XVIII)
Texto de Varnhagen
INDEPENDÊNCIA DO BRASIL
Texto de Varnhagen
2
FRANCISCO ADOLFO DE
VARNHAGEN
HISTÓRIA GERAL DO BRASIL
LEITURA BÁSICA
Antonio Paim (organizador)
3
CENTRO DE COCUMENTAÇÃO
DO PENSAMENTO BRASILEIRO
CDPB
–
2011
INTRODUÇÃO: Varnhagen e os
alicerces da historiografia brasileira
Antonio Paim
Francisco Adolfo de Varnhagen (1816/1878) era filho de
Frederico Guilherme de Varnhagen (1782/1842), alemão de
nascimento. Seu pai veio para o Brasil contratado como diretor da
fundição organizada em São João de Ipanema, São Paulo, com a
denominação de Fábrica de Ferro de Ipanema. Tratava-se de
iniciativa de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, chefe do primeiro
governo organizado no Brasil pelo futuro D. João VI. D. Rodrigo
buscava ciosamente alternativas econômicas. Criou ainda uma outra
fundição em Minas Gerais.
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Embora a de Ipanema funcionasse desde 1810, considera-se
que somente na gestão de Varnhagen (1815 a 1821) é que ocorreria
a superação da precariedade do material ali produzido.
Francisco Adolfo de Varnhagen nasceria no segundo ano
(1816) de permanência do seu pai no Brasil. Presentemente a
localidade
de São João de Ipanema denomina-se Iperó,
municipalidade resultante dos desmembramentos de Sorocaba.
Tradicionalmente Varnhagen é dado como tendo nascido nesta
última cidade. Ele próprio tinha-se nessa conta. Como nutria a
aspiração de que seus restos mortais viessem a ser enterrados no
local de seu nascimento, a consumação dessa aspiração teve lugar em
Sorocaba, como parte das comemorações do primeiro centenário de
sua morte, ocorrido em 1978.
Frederico Guilherme de Varnhagen demitiu-se da fundição
em 1821. Acredita-se que esse gesto deveu-se a desentendimento
com as autoridades a que se achava subordinado. Formalmente
anunciou que pretendia assegurar a boa educação do filho, então com
cinco anos, razão pela qual regressaria à Europa. Radicou-se em
Portugal, certamente pelo fato de que se casara com portuguesa ( D.
Maria Flávia de Sá Magalhães) e esta, é de presumir-se, desejaria
viver junto de sua família. Assinala-se este fato na medida em que
explica a afeição que o jovem Francisco Adolfo iria revelar pela
pátria de origem de um dos ramos de seus ancestrais.
Francisco Adolfo de Varnhagen estudou no Real Colégio
Militar da Luz, em Lisboa. Quando se dá a transferência de seu pai
para Portugal (1821), ali recém iniciara, com a Revolução do Porto,
a transição da monarquia absoluta para a constitucional. Esse
processo acabaria paralisando o país e levando-o, por fim, à guerra
civil, que durou de 1828 a 1834.
Como se sabe, esses acontecimentos tiveram amplo reflexo
no Brasil, notadamente pelo fato de que, durante o seu transcurso, em
1826, ocorre o falecimento de D. João VI o que torna D. Pedro I
herdeiro do trono da nação de que nos dissociaramos, reabrindo a
discussão em torno da Independência. Acontece que o falecimento
5
do Rei explicita a divergência entre os dois filhos, D. Miguel
disposto a preservar a monarquia absoluta e D. Pedro a monarquia
constitucional. Agastado com a emergência de setores hostis à sua
permanência no trono, D. Pedro opta, em 1831, por assumir a
liderança anti-miguelista na guerra civil a que nos referimos,
abdicando da condição de Imperador do Brasil. Talvez essa
circunstância haja decidido o jovem Varnhagen a participar da luta,
na tropa liderada por D. Pedro. Em 1834, quando se dá o seu
desfecho, tinha 18 anos de idade. Como parte dessa carreira militar
então iniciada, Varnhagen freqüentou a Real Academia de
Fortificação, concluindo o curso de engenharia militar em 1939, aos
23 anos de idade.
Ainda naquela década revelaria a sua verdadeira vocação e o
tema a que se dedicaria. Entre 1835 e 1838, ocupa-se do texto que
submeteu à Academia das Ciências de Lisboa, dedicado a Gabriel
Soares de Sousa, que se tornaria o principal documento relativo ao
primeiro século da colonização portuguesa no Brasil, cuja autoria
seria justamente estabelecida por nosso autor. Graças a essa primeira
contribuição à nossa historiografia, tornou-se sócio correspondente
da instituição. Para que se tenha, desde logo, idéia da relevância da
iniciativa, basta por agora indicar que a própria Academia o havia
publicado, em 1825, sem qualquer alusão ao autor. Por sua
relevância, voltaremos a considera-lo da forma pormenorizada que
merece.
Justamente essa vocação é que o levaria a regressar ao Brasil,
em 1840. Logo ingressa no Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, criado em 1838, passando a integrar o seu núcleo
dirigente ao assumir o cargo de primeiro secretário. Em 1844, obtém
a nacionalidade brasileira, sendo admitido no corpo diplomático.
Como diplomata, serviu em Lisboa e Madrid, nas décadas de
quarenta e cinquenta, condição de que se valeu para institucionalizar
o levantamento sistemático da documentação apta a orientar a
reconstituição de nossa história, atividade que se coroa com a
primeira versão da História geral do Brasil (1854/57). Em tópico
6
autônomo, iremos considerar mais detidamente como atuou para
sedimentar tais procedimentos, essenciais à constituição da
historiografia brasileira, verificada ainda no século XIX.
Entre 1858 e 1867, Varnhagen serviu em alguns países da
América do Sul, ocupando-se basicamente da questão dos limites do
Brasil com seus vizinhos. Atuou, respectivamente, no Paraguai
(1858/1861), seguindo-se uma curta estada na Venezuela (agosto a
dezembro, 1861); Equador (dezembro, 1861/abril, 1863); Venezuela
(abril-setembro, 1863); Peru (outubro-dezembro, 1863); breve estada
no Chile, entre janeiro e maio de 1864, ocasião em que contrai
matrimônio com a chilena Carmen Ovalle; volta breve ao Peru
(junho-setembro, 1864); retorno ao Chile (outubro a dezembro,
1865) e, por fim, nova e prolongada estada no Peru (dezembro, 1865
a agosto, 1867).
Os relatórios que encaminhou ao Itamaraty, dando conta da
atividade desenvolvida nesses países foram tornados públicos no
livro Francisco Adolfo Varnhagen. Correspondência ativa,
coligida e anotada por Clado Ribeiro de Lessa (Rio de Janeiro,
Instituto Nacional do Livro, 1961, págs. 424-503). Notícia do seu
conteúdo consta da obra Varnhagen. Subsídios para uma
bibliografia (São Paulo: Editoras Reunidas, 1982, págs. 364-413)
da autoria de Hans Juerguem Wilhelm Horsh.
Encerrou a carreira diplomática como nosso representante em
Viena, Áustria, onde faleceu (1878), aos 62 anos de idade.
O sentido que deu à sua investigação
No livro que de certa forma coroa os diversos estudos que
mereceram a obra de Varnhagen --Estado, História, Memória;
Varnhagen e a construção da identidade nacional (1999)-- Arno
Wehling indica que a influência intelectual mais importante nas
origens do Instituto Histórico seria o historicismo. Naturalmente
essa vertente teórica tem uma longa trajetória em que revelaria as
suas sucessivas facetas. Não caberia, nesta oportunidade, cuidar de
7
sua reconstituição, sobretudo tendo em vista que o próprio Arno
Wehling desincumbiu-se dessa tarefa em outros de seus livros, em
especial em A invenção da história. Estudos sobre o historicismo
(1994)
Creio que não seria simplificação grosseira, assinalar que o
eixo central da nova visão da história, conhecida com a indicada
denominação, seria superar a visão escatológica, segundo a qual
obedeceria a um desígnio da providência, sendo ademais passível de
previsão. A superação em apreço deu origem à importante linhagem
que remonta a Giambatista Vico (1668/1744), apropriada pelos
alemães, a partir de Johann Gottfried Herder (1744/1803). Sua obra
básica --Idéias para a filosofia da história humana--, publicada em
quatro volumes entre 1784 e 1791-- iria influenciar grandemente a
historiografia do ciclo subseqüente, marcado pelo apogeu dos
grandes filósofos Kant e Hegel. A estrela que despontaria sobretudo
na década de trinta, quando Varnhagen forma o seu espírito, seria
Leopold Von Ranke (1796/1886), a quem coube a tarefa de difundir
a idéia de que era preciso documentar as afirmações acerca dos
acontecimentos históricos.
A medida em que esse ambiente marcou o espírito de
Varnhagen pode ser aquilatado a partir da verdadeira fixação com
que cuida de demonstrar a seus pares, a partir de exemplos práticos,
que a reconstituição da história do Brasil passa obrigatoriamente pela
busca obsessiva do documento.
O trabalho que desenvolveu para estabelecer a autoria do
relato sobre o Brasil, em fins do primeiro século, de Gabriel Soares
de Sousa serviu para fixar-lhe não só o estilo de investigação que
adotaria como, igualmente, apontando as lacunas a preencher. Nesse
documento, a que deu o título Tratado Descritivo do Brasil em
1587, seu autor está mais voltado para os aspectos físico-geográficos,
bem como em fixar os contornos do litoral desde a foz do Amazonas.
Saltava às vistas a necessidade de reconstituir os aspectos
institucionais, isto é, formas de organização governamental adotadas,
procedimentos para a ocupação do território, disputas com potencias
8
estrangeiras. Enfim, o que pesava na história da nação independente
recém constituída era precisamente os três séculos da colonização
portuguesa. No estabelecimento daqueles marcos que iriam,
progressivamente, facultar-nos uma visão de conjunto, o papel de
Varnhagen seria decisivo. Neste tópico vamos nos limitar ao que nos
pareceu essencial na fase que precedeu o aparecimento dos dois
volumes da História Geral do Brasil, publicados, respectivamente,
em 1854 e 1857.
O próprio Varnhagen limitou este período inicial ao ano de
1850, ao fazer uma relação de suas publicações que colocaria à venda
e que
Hans Horch considera como uma autêntica bibliografia.
Tomando isoladamente os de cunho estritamente historiográfico
(nesse período ocupou-se também da poesia brasileira e da
arquitetura portuguesa) mereceriam maior destaque aqueles referidos
a seguir.
“Diário da navegação da armada que foi à terra do Brasil em
1530, sob a capitania mor de Martim Afonso de Sousa, escrita por
seu irmão Pero Lopes de Sousa” (Lisboa, 1839). Coube a Varnhagen
estabelecer o significado da estada no Brasil, entre 1530 e 1532, do
fidalgo português Martim Afonso de Sousa (1500/1564). Compunhase sua frota de cinco navios, transportando cerca de 400 pessoas,
tripulantes e passageiros. Entre os últimos muitos nobre ilustres que
tiveram participação no povoamento do país. O objeto do relato,
tornado público por Varnhagen, corresponde às atividades
desenvolvidas pela expedição.
Martim Afonso percorreu toda a costa, desde a foz do
Amazonas até a bacia do Prata e concebeu uma estratégia de
ocupação que posteriormente seria generalizada, com a fundação de
São Vicente. Consistia na escolha de um local abrigado para
construir vila e erigir fortificações, disseminando atividade agrícola
nas proximidades, mediante doação de terras (denominadas
sesmarias) a pessoas capazes de explorá-las. Em seguida ao regresso
de Martim Afonso a Portugal foi o país dividido em capitanias
hereditárias, entregues a nobres portugueses que deveriam mobilizar
9
os recursos exigidos por sua exploração. Esse sistema durou mais ou
menos vinte anos, sendo em parte revogado ao criar-se um governo
geral no Brasil e capitanias reais (1549).
No seu primeiro ano de estada no Brasil (1840), editou em
livro --pela Tipografia J. Villeperva, do Rio de Janeiro-- a serie de
artigos publicados em Panorama, que se editava na capital
portuguesa, dedicados ao Descobrimento do Brasil.
Em Lisboa, no ano de 1847, saiu pela Imprensa Nacional “A
narrativa epistolar de uma viagem e missão jesuítica pela Bahia,
Ilhéus, Porto Seguro, Pernambuco, Espírito Santo, Rio de Janeiro, S.
Vicente (São Paulo), etc., desde o ano de 1583 ao de 1590, indo por
visitador o padre Cristovam de Gouveia”. Escrita em duas cartas ao
Provincial em Portugal pelo padre Fernão Cardim, ministro do
Colégio da Companhia em Évora. Segundo indicação de Varnhagen,
o manuscrito (“defeituoso”) encontrava-se na Biblioteca de Évora,
em Portugal. Além das atividades da companhia, fornece
informações que complementam o texto anterior, relativas ao
primeiro século.
Nesse mesmo ano (1847), no Rio de Janeiro foram editadas
as Memórias para a história da Capitania de São Vicente (1797),
de Frei Gaspar da Madre de Deus, prefaciada por Varnhagen.
Completa-se a enumeração pelas “Vidas, elogios ou
biografias de grandes e várias personagens que muito avultam na
história do Brasil.” Esses artigos apareceram sobretudo na revista
portuguesa Panorama, no período indicado, sendo intenção do autor
reuni-las numa publicação autônoma, pretensão que não chegou a
efetivar-se.
Praticamente em todos os números da Revista do Instituto
Histórico, da década de quarenta e início da seguinte, consta
colaboração de Varnhagen. Com exceção da lista de brasileiros ou
colonos estabelecidos no Brasil, condenados pela Inquisição nas
primeiras décadas do século XVIII, e de algumas das biografias antes
referidas, consistem de documentos com os quais se foi deparando e
entendeu que devia copiá-los para guarda da instituição. São de teor
10
muito variado. No número do primeiro trimestre de 1850, por
exemplo, figura aquele que foi denominado de “Compêndio histórico
cronológico das notícias da capitania de Mato Grosso”, entre 1778 e
1817.
Pelas indicações precedentes acredito haver demonstrado que
Varnhagen achava-se empenhado em convencer o grupo que assumiu
o encargo de estruturar o Instituto Histórico que todos os esforços
deveriam ser direcionados para a pesquisa das fontes documentais
disponíveis. Naturalmente esse trabalho deveria complementar-se por
sua sistematização, de que daria exemplo com a publicação da
História geral do Brasil.
O estilo de trabalho de Varnhagen
Ao dar conta, ao Instituto Histórico, do trabalho que
desenvolvera em busca do original de Gabriel Soares de Sousa,
datado de março de 1851, e das razões que o levava a tê-lo por
acabado, vê-se como atuou de modo obstinado no estabelecimento
das fontes documentais imprescindíveis à estruturação de nossa
historiografia.
Começa por indicar que “que foi o desejo de ver o exemplar
da Biblioteca de Paris o que mais me levou a essa Capital do mundo
literário em 1847. Não há dúvida de que, além deste códice, tive eu
ocasião de examinar uns vinte mais. Vi três na Biblioteca Eborense,
mais três na Portuense e outro na das Necessidades em Lisboa. Vi
mais de dois exemplares existentes em Madrid; outro mais que
pertenceu ao convento da Congregação das Missões e três da
Academia de Lisboa, um dos quais serviu para o prelo, outro se
guarda no seu arquivo e, o terceiro na Livraria Conventual de Jesus.
Igualmente vi três cópias de menos valor que há no Rio de Janeiro
(uma das quais chegou a estar licenciada para impressão); a avulsa da
coleção de Pinheiro na Torre do Tombo, e uma que em Neuwied me
mostrou o velho príncipe Maximiliano, a quem na Bahia fora dado
de presente. Na Inglaterra deve seguramente existir, pelo menos o
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códice que possui Southey, mas foram inúteis as buscas que aí fiz
após ele, e no Museu Britânico nem sequer encontrei notícia de
algum exemplar.” Conclui: “nenhum daqueles códices porém é --a
meu ver-- o original e baldados foram todos os meus esforços para
descobrir este, seguindo indicações de Nicolau Antonio, de Barbosa,
de Leon Pinelo e de seu adicionador Barcia.”
Diz ainda que “algumas dessas cópias foram tão mal tiradas
que disso proveio que o nome do autor ficasse esgarrado, o título se
trocasse e até na data se cometessem enganos”
A existência de tantas cópias não deixa de ser expressivo
indicador do sucesso que alcançou em seu tempo e também da
curiosidade e falta de informação sobre o Brasil.
Comparando essas diversas cópias, Varnhagen pode
estabelecer qual delas conteria menos omissões. Na cuidadosa edição
que preparou do mencionado Tratado Descritivo, numerou as
diversas seções, de modo a introduzir as correções, em forma de
apêndice, muitas das quais dizem respeito a denominações que
caíram em desuso.
O texto de Gabriel Soares de Sousa registra a descoberta do
Brasil por Pedro Álvares Cabral mas não refere documentos. Comete
aqui muitos erros históricos, a exemplo da suposição de que o
Tratado de Tordesilhas (1494) tivesse sido negociado por D. João III,
cujo reinado inicia-se em 1521. Varnhagen os corrige no Apêndice
(intitulado Breves Comentários) mas soube valorizar as preciosas
informações sobre o estado da civilização ao longo do litoral, que
conhecia por ter visitado. Sobretudo esse texto há de ter-lhe indicado
as lacunas a preencher.
A descrição em apreço seciona-se do seguinte modo: parte do
rio Amazonas --dando notícia do que sabia sobre incursões que se
tenham efetivado em seu leito-- e segue até o Maranhão. São
registros sucintos, assinalando distâncias percorridas (em léguas),
entre os cursos d´água existentes, e ainda as respectivas coordenadas
geográficas. O trecho seguinte, partindo desse ponto, vai até o Rio
Jaguaribe (Ceará). E assim, por diante, até o extremo Sul
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É interessante destacar que onde o sistema das capitanias
logrou avanços no processo de colonização, Gabriel Soares de Sousa
detém-se na sua descrição. Tomo o exemplo do Espírito Santo.
Assinala que o donatário, Vasco Fernandes Coutinho, “a foi povoar
em pessoa”. Apresenta as informações que pode recolher de sua
biografia, registra os embates com os indígenas, etc. Enfim, busca
estabelecer a sua história.
A essa parcela da obra denominou de Primeira Parte. A
segunda é certamente mais interessante. Começa com o que chamou
de “História da Colonização da Bahia”, a que se segue minuciosa
descrição dos acidentes geográficos, da flora e da fauna. Igualmente
detalhada é a intitulada “notícia etnográfica do gentio Tupinambá
que povoava a Bahia”. Em complemento apresenta informações
“acerca de outras nações vizinhas da Bahia, como Tupinarés,
Aimorés, Amoipiras, Ubirajaras, etc.”
Deste modo, inclusive pelas omissões, o Tratado descritivo
do Brasil em 1587 insere um primeiro esboço do caminho a
percorrer em matéria historiográfica. Varnhagen saberá valoriza-lo
devidamente, na medida em que há de ter-lhe permitido atuar a partir
do que se poderia chamar de “plano de trabalho”. A averiguação de
como se deu a opção por determinado modelo de colonização o terá
levado a localizar o material que permitiu estabelecer o papel
desempenhado pela missão de Martim Afonso de Sousa, entre 1530 e
1532. E, também, de dar-se conta de que os relatórios do Governo
Geral seriam a fonte privilegiada para a reconstituição da história das
diversas capitanias.
Louvo-me das indicações deixadas pelo próprio Varnhagen
acerca do valor que atribuía ao trabalho dos que o precederam. A
propósito da edição do livro de Gabriel Soares de Sousa, pela
Academia de Ciências de Lisboa, escreveria o seguinte: “Em 1825
realizou a tarefa da primeira edição completa a Academia de Lisboa;
mas o códice de que teve de valer-se foi infelizmente pouco fiel, e o
revisor não entendido na nomenclatura das coisas de nossa terra.
Ainda assim muito devemos a essa primeira edição; ela deu
13
publicamente importância ao trabalho de Soares, e sem ela não
teríamos tido ocasião de fazer sobre a obra os estudos que hoje nos
fornecem a edição que proponho, a qual, mais que a mim, a deveis à
corporação vossa irmã, a Academia Real das Ciências de Lisboa”.
Esse trecho consta do documento que encaminhou ao Instituto
Histórico em 1851
A correspondência de Varnhagen, que se preservou e foi
publicada, fornece outras elementos para definir o que batizamos de
seu “estilo de trabalho”, servindo de exemplo o que se refere a
seguir.
Na década de quarenta, como foi referido, serviu na
embaixada de Portugal. Em 1846, foi-lhe dada, pelo governo
imperial, a incumbência de verificar na Espanha a existência de
documentação relacionada aos limites do Brasil com as Guianas.
Aliás, no decênio em que serviu em embaixadas da América do Sul
(1858/1867) também tinha por encargo documentar as bases para a
definitiva fixação de nossas fronteiras com os vizinhos (contribuição
que seria assinalada pelo Barão de Rio Branco, a quem coube a tarefa
de levá-la a bom termo).
Veja-se como, sem embargo no zelo no cumprimento das
mencionadas disposições, não o abandonava a preocupação com o
preenchimento de outras lacunas documentais relacionadas à história
do país. Escreve nessa carta (de dezembro de 1846), endereçada ao
Embaixador do Brasil em Portugal (Antonio Vasconcelos Drumond):
“Partindo desta capital (Lisboa) pelo primeiro paquete imediato
àquela data, aproveitei da minha estada em Cadiz para me
desenganar de não existirem ali papeis manuscritos que nos
interessassem. Percorri também as lojas de livros, em geral nessa
cidade mais abastecidas do que nas outras de Espanha, de obras
sobre a América, e disso resultou a compra do Dicionário
geográfico da América, do Coronel Salcedo, feita com
recomendação minha e autorização de V. Excia., por D. José Esteves
Gómez.” E, prossegue: “Em Sevilha, para onde prossegui no
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primeiro vapor, tive mais de dois meses de persistência examinando
o Arquivo das Índias, que era o principal fim de minha missão.”
Como se vê, dedicou toda a existência adulta ao que caberia
referir como a constituição de sólidos fundamentos para a
historiografia brasileira.
A responsabilidade com que encarava essa tarefa explica que,
ao publicar, dois anos antes de falecer, em 1876, a segunda edição
da História Geral do Brasil não a considerava obra acabada, tendo
deixado as indicações da forma pela qual deveria ser
complementada. Encontraria na pessoa de Rodolfo Garcia
(1873/1949) a pessoa que dedicou àquele mister vários anos de sua
vida.
Depois da publicação da primeira versão da História geral
do Brasil, nos meados da década de cinqüenta, ocupou-se dos temas
de que dá conta nas edições adiante relacionadas.
A continuidade da pesquisa
Em 1858, publica em Paris indicações iniciais sobre Américo
Vespuci --navegador considerado adventício que, entretanto, daria
nome à América--, texto que retomaria em outra ocasião, isto é, em
1864, quando se encontrava em Lima, e o amplia. Em Viena, em
1878 (último ano de vida), edita e comenta as cartas em que esse
personagem descreve suas três viagens ao Brasil.
Ainda em 1858, aparece em Madrid, pelas “Ediciones Cultura
Hispânica”, a tradução ao espanhol da obra de Gabriel Soares de
Sousa.
Em 1863, em Berlim, tem lugar a edição em francês de sua
História da literatura brasileira, iniciativa que se supõe fizesse
parte de seu empenho de tornar conhecido o Brasil nos meios cultos
da Europa.
Em 1871, publica-se em Viena a História das lutas com os
holandeses no Brasil (desde 1624 a 1654). No ano seguinte teria
lugar a impressão desse texto em Portugal (Tipografia de Castro
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Irmão, Lisboa), com reedição em 1874. A edição brasileira somente
se daria em 1945.
Em 1872, em Viena, publica estudo bibliográfico dos autores
que contribuíram para tornar usual a denominação de América.
Nesse mesmo ano, no Rio de Janeiro, o Arquivo Nacional publica
textos de sua autoria sobre a Prosopopéia, de Bento Teixeira Pinto e
sobre o livro Peregrino da América, de Nuno Marques Pereira
(1652/1753), sucessivamente reeditado no século XVIII; e, em
Lisboa, pela Tipografia de Castro Irmão, Estudo biográfico de
Salvador Corrêa de Sá e Benevides.
Em 1874, em Viena, texto descritivo do Maranhão.
Em 1878, aparece no Rio de Janeiro, a Biografia de Santa
Rita Durão, como introdução ao seu poema épico “Caramuru”.
No período indicado, preparou a História da Independência
do Brasil, somente publicada em 1916, na Revista do Instituo
Histórico, sendo editada pela Imprensa Nacional, no ano seguinte.
Em que pese essa edição autônoma, na verdade se constitui no tópico
final da História geral, como bem entendeu Rodolfo Garcia.
Merece os comentários que se seguem na medida em que
comprova como era escrupuloso, no tocante às responsabilidades do
historiador.
Na correspondência de Varnhagen com o Imperador Pedro II,
comentada por Hélio Viana (1908/1972) --na apresentação da obra
antes mencionada--, em começos da década de cinqüenta, quando
ultimava a publicação da História geral do Brasil,
explica as
razões pelas quais estava em dúvida quanto aos eventos com os quais
a concluiria. Segundo indica, imaginava que seria o ano de 1825,
para “compreender a Constituição; o reconhecimento da Mãe-Pátria
e o nascimento de V.M.I, mas não me foi possível. Tão espinhosa é
por enquanto a tarefa de imparcial marcação desse período,
sobretudo para um nacional. Daqui a anos não será” (No texto
publicado está “não o serei”, que não concorda com o teor da
oração).
Pelo que foi indicado, optou finalmente por 1822.
16
Compreende-se a dificuldade de Varnhagen, quando se vivia
pouco mais de uma década na busca dos caminhos para estabelecer o
que foi batizado de “conciliação nacional” e não se sabia se, desta
vez, o país iria alcançar o normal funcionamento das instituições
governamentais. No ciclo em apreço, não devia haver o necessário
distanciamento para escolher os documentos que pudessem dar uma
idéia do que Octávio Tarquínio chamou de “lutas tão ásperas” para
caracterizar os dois decênios que se seguiram à Independência. É
fácil dar-se conta da consistência de seus argumentos se tivermos
presente a incapacidade dos republicanos de valorizar a nossa
primeira experiência de governo representativo, vale dizer do
Segundo Reinado, persistindo no tom planfetário do período em que
se tratava de popularizar a idéia do novo regime, o que até hoje
dificulta conceber instituições capazes de reproduzir o meio século
de estabilidade política que nos proporcionou aquela primeira
experiência.
A opção por levar a História Geral até a Independência terá
tardado tanto muito provavelmente porque se tratava, como era de
seu parecer, empreendimento de “grande responsabilidade não só
com o Brasil como para com Portugal”. A decisão de enfrentá-lo, é
ainda Varnhagen quem esclarece, prende-se a “fatos novos e novas
apreciações (que) se nos apresentaram em vista de novos documentos
e informações fidedignas por nós recolhidas, às vezes inteiramente
em oposição às que se encontram admitidas pelos escritores que nos
têm precedido...”
Aproveita o ensejo para explicitar um dos princípios que,
entende, devem nortear a ação de quem se proponha dedicar-se a
esse tipo de estudo. Escreve: “O historiógrafo não pode adivinhar a
existência de documentos que não são de domínio público e não
encontra, e cumpre com o seu dever quando, com critério e boa fé e
imparcialidade, dá, como em um jurado, mui conscienciosamente o
seu veredictum, cotejando os documentos e as informações orais
apuradas com o maior escrúpulo que, à custa do seu ardor em
investigar a verdade, conseguiu ajuntar”.
17
A História da Independência corresponde a um verdadeiro
primor em matéria de utilização da documentação disponível. Assim,
por exemplo, a convicção (ou talvez sobretudo a esperança) da
entourrage de D. João VI, diante da Revolução do Porto, era a de que
não conseguiria sustentar-se. Essa evidência, contudo, é transmitida
através de sucessivos documentos e acaba por saltar às vistas do
leitor pela simples apresentação da correspondência daquelas
autoridades --e do próprio Rei-- com as Cortes de Lisboa, que
acabaram sendo divulgadas. O Ministério da época --ao qual um
partidário da monarquia constitucional como Palmella não conseguiu
ajustar-se, terminando por pedir demissão--, com a anuência de D.
João VI, obviamente tratava de ganhar tempo. Conclui-se que
estavam empenhados na preservação da monarquia absoluta, sem que
essa tese seja alardeada.
Deste modo, a ascensão de Silvestre Pinheiro Ferreira ao
governo sugere que D. João VI convencera-se de que seria obrigado
a negociar. Sua escolha para chefiar o governo correspondia a
acontecimento inusitado no contexto, a ponto de que o próprio, não
tendo tomado conhecimento de dois chamados anteriores do Rei,
acabou sendo conduzido preso a palácio. Silvestre Pinheiro Ferreira
tivera oportunidade de indicar ao Rei a necessidade de antecipar-se à
transição, de modo a trilhá-la de forma pacífica.
Diante da intransigência das Cortes, fracassada a tentativa de
negociação empreendida por Silvestre Pinheiro Ferreira, tornando
impossível a convivência tanto com o Rei como com a nova
liderança emergente no Brasil, não lhe restava outro caminho senão o
de exilar-se na França.
Cito estes fatos para mostrar como o tratamento escrupuloso,
do material histórico disponível, pode facultar nova luz na
compreensão do processo em seu conjunto.
Do que precede acredito ter tornado patente que Varnhagen
estava imbuído dos princípios que, no século XIX, lançaram as bases
das novas regras de estabelecimento da objetividade histórica.
18
Indique-se, adicionalmente, que na História geral do Brasil
menciona expressamente cada um dos historiadores que o
antecederam, prestando-lhes o devido tributo.
No tópico subseqüente tentaremos destacar as regras que
Varnhagen procurou estabelecer para a história geral do país, regras
essas que, preservadas sem revestir-se de tom dogmático ou
impositivo, permitiram a gerações posteriores de historiadores
revisitar muitos dos temas então abordados, aprimorando o seu
conhecimento, sem embargo do que se indicará acerca do quadro
atual.
A concepção do formato adequado
ao caráter geral da obra
Como se sabe, quando os instituidores do Instituto Histórico
discutiam o formato de que deveria revestir-se uma História do
Brasil, tinha-se dúvida inclusive de onde começar, cogitando-se
mesmo da hipótese de fazê-lo a partir de 1808. É nesse ambiente que
sobressai a contribuição de Varnhagen, estabelecido o consenso de
que se partiria do descobrimento.
Na época, a questão das fronteiras ainda era sensível, na
medida em que faltava acertar detalhes onde as divergências eram, a
bem dizer, inevitáveis, cabendo soluciona-las de forma a não deixar
seqüelas, feito notável alcançado pelo Barão do Rio Branco.
Prudentemente, não cita as coordenadas geográficas,
passando diretamente às razões prováveis da escolha do nome,
acidentes geográficos, clima, fauna, etc. Tudo indica que o fez
deliberadamente, na medida em que se ocupara especificamente do
tema quando do exercício de funções diplomáticas nos países
vizinhos. Com o passar do tempo, a lacuna seria preenchida, cabendo
registrar, na matéria, a dedicação com que Max Guedes reconstituiu
a história da cartografia dedicada ao país. Os outros aspectos físicos
também vieram a ser fartamente ilustrados, mencionados em nota por
Rodolfo Garcia.
19
Seguem-se a reunião das informações que se preservaram
sobre os aborígines e do contexto histórico em que se dá o
descobrimento.
Quanto aos indígenas, considero que a informação reunida
por Varnhagen deve ser preferida à dos jesuítas que se ocuparam dos
primeiros passos da catequese. Sem embargo do papel que
desempenharam no estabelecimento das bases de um dos elementoschave da unidade nacional --a religião cristã--, deram preferência
àqueles aspectos da cultura aborígine que poderiam facilitar a
transmissão de sua mensagem. Outras fontes a que recorreu
Varnhagen, a exemplo de Gabriel Soares de Sousa, a descreveram
sem segundas intenções sendo talvez mais fidedignas. A verdade é
que o convívio com os portugueses tornou cada vez mais difícil
apreendê-la em sua pureza original, como se pode comprovar dos
percalços experimentados por Couto de Magalhães (1837/1898),
nesse mister, conforme se pode ver dos resultados de suas pesquisas,
sistematizadas em O selvagem (1876).
No caso, à historiografia competiria dar conta dos seus
valores originários, incumbência que não abrange avaliações. Não se
trata também de evitar que sejam efetivadas mas apenas de precisar
que tal deve dar-se em lugar próprio.
Ainda quanto a esse aspecto, na época de Varnhagen
acreditava-se ser possível estabelecer, em bases científicas, a sua
origem. Embora se haja detido nesse aspecto em outro lugar -L´origine touraniene des Americans Tupi-Caribes et des anciens
Egyptiens indiqueée par la Philologie comparée et notice d`une
emigration em Amerique effetuée à través l´Atlantique siécles
avant notre era.Vienne, 1876--, tudo indica que o interesse por esse
tipo de especulação haja desaparecido. De todos os modos, não faz
muito sentido, na História do Brasil, deter-se na reconstituição desse
debate.
No que respeita ao descobrimento, Varnhagen procurou
escrupulosamente registrar não só o contexto da época como as
conquistas da navegação portuguesa e o fato de que, no período em
20
que Cabral aporta a Porto Seguro, outros navegadores registraram a
existência dessa parte do continente.
Entendo que a abordagem clássica e definitiva sobre o tema
coube a Capistrano de Abreu (1853/1927) no ensaio com esse título
que, acrescido de “O Brasil no século XVI”, constitui a tese de
concurso a que se submeteu no Pedro II (1881). Desde então tornouse praxe publicá-los em conjunto. Publicação autônoma do primeiro
ensaio pode ser acessado em www.cdpb.org.br/leiturabasica
Começa deste modo: “Três nações da Europa disputaram a
glória de ter descoberto o Brasil: a França, a Espanha e Portugal.
Vejamos em que se assentam essas pretensões”. Consegui dar à
pendência solução magistral.
O elemento unificador dos três primeiros séculos corresponde
ao estabelecimento e efetivação da política portuguesa de
colonização. Parece tautológico mas assim não foi entendido pelos
desbravadores de nossa historiografia. Tenha-se presente o exemplo
de Southey, que fixou como a chave da compreensão do processo a
disputa entre potências estrangeiras e a comunidade de destino
histórico entre o Brasil e os países limítrofes.
Varnhagen, por sua vez, foi logo ao ponto. Reconstitui
minuciosamente os percalços da definição da mencionada política e
enfatiza o papel de Martim Afonso de Sousa. A expedição desse
nobre português mereceria o devido destaque, não só descrevendo-a
como detendo-se no que colheu da própria expedição bem como o
sumário de seus resultados imediatos. Tais aspectos mereceram nada
menos que três capítulos.
Seguindo o alvitre de Gabriel Soares de Sousa trata, em
seguida, das “seis capitanias, cuja colonização vingou”. Nesse
particular, vale transcrever a referência ao açúcar.
Escreve: “Foi igualmente essa capitania (São Vicente) a
primeira que apresentou um engenho de açúcar moente e corrente,
havendo para esse fim o donatário feito sociedade com alguns
estrangeiros entendidos nesse ramo, como os Venistes, Erasmos e
Adornos, sem dúvida no Brasil mestres e propagadores de tal
21
indústria, que primeiro permitiu que o país se pudesse reger e pagar
seus funcionários, sem sobrecarregar o tesouro da metrópole. Se
alguns destes não eram já vindos das ilhas da Madeira e São Tomé,
não há dúvida que muitos dos principais operários daí vieram, não só
para o Brasil, como para as colônias tropicais da América espanhola,
onde ainda são portugueses muitos nomes nos engenhos, como
safra, chumaceira, etc.”
É interessante frisar o fato de que tivesse desde logo
assinalado qual o significado do que, mais tarde, seria batizado de
“modelo agro-exportador”. Este é que permitiu ao Brasil, naquele
tempo, “pagar as contas”, como de resto tem ocorrido ao longo do
tempo, embora contestado em toda a nossa história, mesmo em
momentos de grandes riscos para a nossa sobrevivência como na
transição do trabalho escravo para o livre, até hoje satanizada por
expressivos segmentos da intelectualidade.
Varnhagen dedica capítulo autônomo à vida dos primeiros
colonos e suas relações com os índios, logo consignando que
começaram por adotar muitos de seus usos habituais, enumerandoos. Dizem respeito basicamente a espécies vegetais incorporadas à
alimentação, palavras, etc. Parece-lhe contudo que, no tocante ao
trabalho --que se revelou uma questão essencial, cabe enfatizar-deixaram de atentar para o hábito que tinham de trabalhar poucas
horas, evitando fazê-lo na parte mais quente do dia. Vista à distância,
mais parece uma ilusão, certamente acalentada pelo desconforto que
revela, no capítulo seguinte, em relação à alternativa adotada
(trabalho escravo). A exemplo do comum dos conservadores
brasileiros da época, tinha presente os riscos que enfrentava o país
no imperativo da transição para o trabalho livre. Se não fosse
encontrada uma saída --como veio a ocorrer com a invenção do
original sistema de parceria (que combinava trabalho remunerado
com atividade empresarial autônoma)-- iríamos enfrentar uma crise
da qual ninguém sabe qual seria o desfecho.
Duas inferências podem ser efetivadas da circunstância
descrita. Primeira: mesmo um historiador escrupuloso como
22
Varnhagen pode deixar-se influir, na análise de determinado evento,
por uma preocupação ocasional. Segunda: a importância para a
normal sobrevivência do país de que se revestia, na segunda metade
do século XIX, a eliminação do trabalho escravo de modo a
assegurar a manutenção do modelo agro-exportador. O mínimo que
se pode dizer dos que, ainda hoje, nutrem a convicção de que a
pequena propriedade, conduzida por colonos estrangeiros, poderia
desempenhar tal papel é que não sabem fazer contas.
Depois de descrever os aspectos enumerados --que, sem
dúvida proporcionam uma idéia (estática) do Brasil como um todo,
no ciclo subseqüente à descoberta--, no formato idealizado por
Varnhagen a fim de reconstituir a sua história, chega-se ao
estabelecimento do governo geral (Capítulo XV). Completa o que, na
sua visão, seria o essencial: a política portuguesa de colonização,
elemento constitutivo daquilo que viemos a ser nos três primeiros
séculos.
A organização do governo geral deu-se em 1549,
praticamente meio século após a descoberta. No período
transcorrido, evidenciaram-se duas questões prioritárias: a defesa e a
organização de uma atividade produtiva que pudesse, como foi
referido, “pagar as contas”, sem embargo de que teria
prosseguimento a pesquisa de riqueza mineral, basicamente ouro e
diamantes. No registro do evento, Varnhagen chama a atenção para
um outro aspecto.
Eis como o assinala: “Resolvido o governo da metrópole a
delegar parte de sua autoridade em todo o Estado do Brasil num
governador geral, que pudesse coibir os abusos e desmandos dos
capitães-mores donatários, ou de seus locotenentes ouvidores, que
acudisse às capitanias apartadas em casos de guerras dos inimigos ou
de quaisquer arbítrios, autorizando que fiscalizasse enfim os direitos
da coroa, conciliando ao mesmo tempo os dos capitães e os dos
colonos, determinou fixar a sede do governo geral na Bahia, por ser o
ponto mais central, com respeito a todas as capitanias.”
23
A questão nova para a qual chama a atenção --a necessidade
de assegurar-se a Lei e a Ordem-- viria a merecer aprofundamento na
obra de Oliveira Viana (1883/1951), sobretudo em Populações
meridionais do Brasil (1920). O aprofundamento em causa repousa
na análise da forma de que se revestiu a organização da atividade
produtiva central (grandes fazendas e engenhos), assumindo ao fim
dos três primeiros séculos a feição de autênticos clãs. O país corria o
risco da anarquia que certamente resultaria se diante dos chefes
desses clãs não se tivesse erguido a autoridade do que denomina de
capitães gerais (autoridades fixadas nas capitanias onde as
populações foram se deslocando para o interior ou somente neste se
localizassem, a exemplo de São Paulo e Minas Gerais) para
distinguir dos capitães-mores, denominação que lhe parecia deveria
ser usada por referência a esse tipo de autoridade que logo foi
instituída nos núcleos populacionais do litoral.
A tese de Oliveira Viana, que nos parece bastante consistente,
tem o mérito de bem precisar o papel da aristocracia rural no
povoamento do país, sem idealizá-la, ao mesmo tempo em que fixa
com propriedade o papel do Estado. Enterra a simplificação que seria
popularizada, segundo a qual o país “não tinha povo, só Estado”.
Ainda no que respeita ao tema da colonização, cumpre
consignar a contribuição definitiva de Capistrano de Abreu ao
detalhar devidamente o que chamou de “caminhos antigos e
povoamento”. Embora Hélio Viana, na qualidade de um dos
principais estudiosos de sua obra, considere que os Capítulos de
História Colonial formam um todo que deve ser lido (ou estudado)
em conjunto, o próprio Capistrano reuniu outros ensaios dando-lhe o
título antes referido, que é justamente uma síntese extraordinária do
papel da iniciativa privada na ocupação do interior do país.
Enfim, bem fixadas as características da política portuguesa
de colonização, para Varnhagen os acontecimentos passariam a ser
descritos em períodos históricos com certa homogeneidade. No
primeiro século, toma por base, exclusivamente, os governos gerais -talvez para fazer sobressair o seu entendimento de que, com a sua
24
criação ganhamos fonte documental primorosa--, detendo-se na
década de oitenta para a introdução de uma espécie de balanço geral,
data escolhida mais para homenagear os estudiosos precedentes
como Cardim, Gandavo ou Gabriel Soares de Souza do que registrar
o início do período filipino. Nas centúrias subseqüentes, com tantos
eventos extraordinários como as guerras holandesas, no segundo, e o
Tratado de Madrid e a mudança radical da coroa portuguesa de
subserviência à Igreja Católica, com a ascensão de Pombal, a
subdivisão teria que refletir a nova realidade.
Rodolfo Garcia assinala que “a História do Brasil relativa ao
século XVIII...é obra exclusiva de Varnhagen, o primeiro a escrevêla integralmente, como bem observou Capistrano de Abreu. Para o
tempo em que foi escrita, pode considerar-se completa ou quase
completa”. Faz em seguida uma ponderação que pode ser
considerada como adequada formulação de outro princípio que rege a
historiografia, enriquecendo o legado de Varnhagen nessa matéria.
Vejamos de que se trata.
Escreve: “Mas a verdade é que aquele período histórico, que
abarca os descobrimentos das minas, os movimentos
emancipacionistas, as lutas com os espanhóis no Sul, que testemunha
o povoamento insólito do Brasil, sua maior expansão territorial, sua
mais acentuada importância política e administrativa: aquele período
tem sido, depois de Varnhagen, objeto de pesquisas mais acuradas,
de estudos mais aprofundados, à medida que os depósitos de
documentos se tornam mais acessíveis, e à medida também que
forem surgido monografias especiais elucidativas de fatos nele
enquadrados.”
Esse precisamente o entendimento que cabe preservar do
significado do trabalho desenvolvido pelos que criaram a
historiografia nacional, entre os quais Varnhagen ocupa lugar dos
mais proeminentes.
A esse propósito não poderia deixar de registrar aqui a visão
renovada que tem sido proporcionada do mencionado século XVIII,
justamente seguindo uma das pistas abertas pelo insigne mestre.
25
Como antes se referiu, Varnhagen registra a atuação da
Inquisição no Rio de Janeiro, na primeira metade do século XVIII, a
fim de destacar o caráter odioso da instituição.
O significado da presença do Santo Ofício, em nossa história,
corresponde a um dos aspectos mais enriquecidos pela investigação
subseqüente. Assinalo o que me parece essencial.
Omer Mont´Alegre (1913/1989) havia correlacionado a
intensificação da atividade inquisitorial, no período mencionado, isto
é, primeira metade do século XVIII, ao desmantelamento do
empreendimento açucareiro --na obra Açúcar e capital (Rio de
Janeiro, Instituto do Açucar e do Álcool (IAA), 1974). De fornecedor
praticamente monopolista no século XVII e início do seguinte, chega
à condição de participante marginal, nesse mercado, no fim da
centúria (13,7% das exportações mundiais em 1796).
Louva-se da freqüência com que se encontram senhores de
engenho e outros ligados àquela atividade, nos dados então
conhecidos sobre os autos-de-fé, bem como na denúncia efetivada,
nesse sentido, por D. Luís da Cunha (1662/1749) em documentos
dirigidos ao Rei e outras autoridades que, ainda que tudo indique
tivessem sido do conhecimento de setores da elite, quando de sua
elaboração, somente no início da transição para a monarquia
constitucional, devida à Revolução do Porto (1820), vieram a ser
divulgados com o título de Testamento político, obra posteriormente
reeditada em diversas oportunidades, a partir de sua inclusão nas
Obras inéditas de D. Luís da Cunha (Lisboa, Imprensa nacional,
1821). Nas indicações apresentadas ao Rei encarece a necessidade de
ser proibido o confisco dos bens dos senhores de engenho, a que se
dedicava a Inquisição, nada indicando que haja sido atendido.
A confirmação definitiva dessa hipótese resultaria do
extraordinário trabalho de pesquisa desenvolvido pela professora da
USP, Anita Novinski. Conseguiu identificar a profissão de parcela
representativa dos processados pela Inquisição no mencionado
período, permitindo concluir que cerca de 70% eram pessoas
abastadas, entre estes senhores de engenho e outros personagens
26
ligados ao açúcar. A sistematização desses estudos constam de Rol
dos culpados. Fontes para a história do Brasil --século XVIII (Rio
de Janeiro, Expressão e Cultura) e Inquisição.prisioneiros do
Brasil. Séculos XVI a XIX (São Paulo, Perspectiva, 2009).
A intensificação da atividade do Santo Ofício, na primeira
metade do século XVIII, no governo de D. João V, sendo inquisidor
o cardeal D. Nuno da Cunha, acha-se igualmente documentada por
Francisco Bethencourt (História das Inquisições --Portugal,
Espanha e Itália, Lisboa, 1987).
De minha parte, efetivei a periodização da Inquisição em
Portugal (Momentos decisivos da história do Brasil --Martins
Fontes, 2000).
Tivemos oportunidade de referir os escrúpulos de Varnhagen
no tocante à abrangência da História Geral do Brasil, optando por
encerrá-la ordenando a vasta documentação que conseguiu reunir
acerca da Independência.
O imperativo de preservarmos a
herança cultural de nossos antepassados
Com a capacidade ordenadora do real (para usar uma
expressão kantiana) que sempre tem demonstrado, Arno Wehling
conseguiu bem situar tanto o papel formativo da obra de Varnhagen
como os aspectos de que se ocuparam os que a consideraram desse
ângulo. Seriam os seguintes: a) estudos biobibliográficos
(incompletos os do século XIX e parciais os do século XX); b) a
crítica cientificista (Capistrano, Silvio Romero e Pedro Lessa,
reivindicando uma visão sociológica da história); c) crítica erudita,
apologéticos ou buscando defeitos, embora proclamando qualidades;
e d) reavaliações contemporâneas.
A crítica cientificista era parte de movimento renovador da
cultura brasileira, que teve desdobramentos positivos e negativos do
ponto de vista de nossas tradições culturais. Abriu novos caminhos -a exemplo do culturalismo de Tobias Barreto-- mas também reforçou
27
o cientificismo com efeitos catastróficos para a historiografia,
presentes sobretudo no que Arno Wehling denomina de
“reavaliações contemporâneas” e iremos referir.
A tradição historiográfica digna do nome, mesmo quando não
registra especificamente a Varnhagen, soube preservar os princípios
que, de fato, eram consensuais aos criadores da historiografia
brasileira. Arno Wehling refere o caso de Oliveira Viana que, como
diz “implicitamente condenou a visão de Varnhagen através de um
eloqüente silêncio”, não obstante o que, muitas das “teses por ele
defendidas já se encontravam em Varnhagen”. Outros historiadores,
que enumera, “se identificaram com o seu espírito”.
A reavaliação contemporânea, desde as décadas de sessenta e
setenta, notadamente por influência francesa, consiste, como diz,
“num assalto às posições de Varnhagen... sobretudo com base em
posições marxistas e naquelas vinculadas ao movimento dos Annales
e da Nouvelle Histoire.” Essas posições, assinala, refletiram-se sobre
o ensino de primeiro e segundo graus, adiantando que, “no ensino
universitário e na pesquisa, inspiradores do ensino primário e
secundário, a rejeição foi completa”.
De minha parte, entendo que a rejeição não atinge apenas
Varnhagen mas o conjunto da historiografia e às diversas linhas de
pesquisa dedicadas á cultura brasileira, de um modo geral.
Essa avassaladora ocupação da praça representa
empobrecimento cultural de tal magnitude que exige uma reação à
altura.
O Brasil jamais ultrapassará o subdesenvolvimento --que
longe está de limitar-se à economia-- se não for capaz de avaliar com
propriedade as contribuições daqueles que nos precederam. Graças à
simples comemoração dos quinhentos anos --que parece ter sido
esquecida quando transcorreu apenas uma década-- perdemos o
direito de continuarmos nos conformando com o atraso, reconhecido
em análise isenta de qualquer domínio do conhecimento, a pretexto
de que seríamos “um país jovem”.
28
Encontrar as formas de permitir que as novas gerações
tenham acesso às mencionadas contribuições é um dever de que não
podemos nos furtar.
ANEXOS
Nota sobre o modelo historiográfico de Southey
Justifico nesta nota a afirmativa de que o trabalho pioneiro de
crítica à obra de Gabriel Soares de Sousa é que terá inspirado
Varnhagen na concepção do modelo que adotou na sua História
Geral do Brasil. Como a edição da mencionada obra, ocorrida em
1825, havia sido precedida pela publicação da História do Brasil de
Robert Southey (1774/1843), três volumes em inglês, efetivada em
Londres entre 1810 e 1819 (a tradução portuguesa somente ocorreria
em 1862, a cargo da Livraria Garnier, Rio de Janeiro), o mais
plausível seria admitir que adviria desta o modelo em causa,
notadamente por abranger o período colonial em sua quase totalidade
enquanto o livro de Gabriel Soares de Souza apenas o primeiro
século. Lembro aqui que traça as características físico-geográficas,
descreve os aborígenes, destaca o significado da Expedição de
Martim Afonso, em matéria de fixação da política colonial
portuguesa e, talvez o que seria mais relevante, estabelece distinção
entre as capitanias, ocupando-se das que considerava bem sucedidas
por tê-las visto de perto. Essa distinção é que iria permitir reconhecer
que, nesta fase inicial lançam-se as bases da próspera civilização
implantada na Zona da Mata de Pernambuco e no Recôncavo Baiano,
anteriores ao surto minerador. Naturalmente insere omissões e erros,
conforme foi assinalado.
A questão magna que interessa a Southey corresponde à
disputa pela posse do Brasil. Registra a presença francesa mas de
fato ocupou-se mais vivamente daquela que atribui à Espanha.
Numa primeira aproximação, esse tipo de preocupação decorreria da
existência do período filipino, quando de fato se estabelece o
29
domínio espanhol (que batiza de “usurpação”). Mas a razão talvez
tivesse sido outra e até a insinua, como iremos referir. O certo
entretanto é que não há um texto contínuo sobre o Brasil mas
entremeado pela história de países vizinhos. Vejamos alguns
exemplos.
No primeiro volume, depois de indicar as viagens ao Brasil e
registrar a de Cabral, embora a detalhe, logo a mistura com as de
Américo Vespuci e passa ao capítulo II onde o tema é a descoberta
do Rio da Prata. Embora neste figure a referência à subdivisão do
Brasil em capitanias, não dá qualquer indicação de seu significado,
em termos de política portuguesa de colonização. Nem parece ter-se
dado conta de que proviria da Expedição de Martim Afonso de
Sousa. A par disto, o relato acha-se entremeado por indicações
relativas à disputa entre europeus pela posse do território. Cito: “Por
estes mesmos tempos se formou outra capitania, a de Pernambuco.
Um navio de Marselha ali havia estabelecido uma feitoria, deixando
nela setenta homens, pensando em manter a possessão. Mas o navio
foi apresado na volta, e sabendo-se assim em Lisboa do ocorrido
imediatamente se tomam medidas, para reaver o lugar.”
Não satisfeito com esta forma de apresentar a sua História do
Brasil, o capítulo III está dedicado à fundação de Buenos Aires. No
capítulo IV, que se segue, supostamente volta ao Brasil, desta vez
dedicando-se ao Maranhão. Mas o projeto de ocupação de que se
trata diz respeito a súdito de Espanha e explicita tratar-se do
“privilégio de conservar as suas possessões na Nova Espanha”.
Somente na parte final alude-se ao fracasso desta tentativa espanhola
de colonização mas à portuguesa, que a sucedeu, dedica umas poucas
linhas à presença do donatário, acrescentando “do qual não se teve
mais notícia”.
No capítulo seguinte (V) o tema é o Prata, com ênfase no
Paraguai passando a ênfase, no capítulo VI, ao Peru. No VII, volta ao
Brasil mas para se ocupar de Hans Staden.
Estamos num terço do volume I, quando se chega ao governo
geral.
30
Qual a imagem que nos transmite da área descoberta há
poucos séculos? Primeiro, no que se refere especificamente à
América do Sul, não haveria distinções a assinalar entre as partes
componentes. A potência que destaca não é Portugal mas a Espanha.
No que respeita propriamente ao Brasil, sobressaem as disputas por
sua posse enquanto o domínio na parcela restante (Nova Espanha)
parece inconteste. Não se apercebeu da mudança estabelecida na
política portuguesa de colonização em decorrência da expedição de
Martim Afonso de Sousa.
No restante deste primeiro volume, como de resto nos dois
subseqüentes (o último, terceiro, chega a Pombal, à expulsão dos
jesuítas e ao que chama de “progresso no correr do século XVIII e
seu estado ao tempo de passar ali a sede do governo”), a tônica não é
diversa: disputa pela posse e integração ao conjunto. Em relação ao
seu propósito há uma indicação esclarecedora no III volume (pág.
1428 da edição do Senado). Transcrevo-a: “Se os ministros ingleses
tivessem previsto quão depressa iam ver-se envolvidos, numa guerra
com a Espanha, teriam logo tomado parte na justa contenda do Rei
de Portugal, a respeito de Nova Guiana, em vez de lhe excitarem
ressentimento e a má vontade, intervindo unicamente para emplastar
a desavença teriam encontrado na América poderoso aliado”.
Cumpre esclarecer que estas indicações dizem respeito
apenas à questão do modelo adotado por Southey --contrastando-o
com o que preside à História geral do Brasil-- e nem de longe por
em causa os méritos de sua obra. Prestou-nos enorme serviço, dando
a conhecer aos ingleses algo acerca do Brasil. Há de ter contribuído
para torná-los nosso aliado, quando passamos a carecer do
reconhecimento internacional à vista da Independência.
Nota sobre o livro História da Colonização Portuguesa do
Brasil
Em sucessivas oportunidades o nome de Varnhagen tem sido
associado à obra em epígrafe. Levando em conta esse fato, pareceu31
me que seria adequado proporcionar ao leitor uma breve notícia de
seu conteúdo. Ver-se-á que a associação em apreço prende-se
sobretudo ao fato de que, tratando-se de documentar o feito
considerado, a grande autoridade que os autores invocam é a do
fundador da nossa historiografia. Com efeito, os documentos que
permitiram fazer-nos uma idéia dos percalços experimentados por
aquela maravilhosa aventura, praticamente em sua totalidade,
tornaram-se acessíveis graças à dedicação daquele mestre, como tem
sido apontado e pode-se ver do seu livro básico.
A referência é a seguinte: História da Colonização
Portuguesa do Brasil. Edição comemorativa do primeiro centenário
da Independência do Brasil. Coordenação de Carlos Malheiros Dias.
Porto: Litografia Nacional, 1921-1924, 3 vols. A obra acha-se
fartamente ilustrada e tem estas dimensões: 37 x 28 cm.
Indique-se que a publicação intitula-se, merecidamente, sem
qualquer dúvida, de “monumental”.
Na ilustração de abertura constam estas notas: Planisfério de
Jerônimo Marini (1511), onde pela primeira vez aparece a América
do Sul com a denominação de Brasil. O volume I inclui a carta de
Pero Vaz de Caminha a El-Rei D. Manuel, versão em linguagem
atual, com anotações da doutora D. Carolina Michaelis de
Vasconcelos, professora de Filologia, na Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra, v. 2., p. 86-99.
Os documentos inseridos nos diversos volumes, geralmente
localizados por Varnhagen, são transcritos em fac-símile e, por
vezes, acompanhados da impressão do seu conteúdo com a ortografia
da data da edição. A presença de Varnhagen é assinalada logo no
início ao ser transcrito o fac-simile das recomendações que levaram
Cabral a afastar-se da costa. A esse propósito teria oportunidade de
esclarecer na História geral do Brasil: “Nas instruçõesescritas que
recebeu e das quais chegaram providencialmente às nossas mãos
alguns fragmentos da maior importância, foi-lhe recomendado que na
altura de Guiné se afastasse quanto pudesse da África, para evitar
suas morosas e doentias calmas.Obediente a essas instruções, que
32
haviam sido redigidas pelas insinuações de Gama, Cabral se foi
amarando da África, e naturalmente ajudado a levar pelas correntes
oceânicas ou pelágicas, quando se achava com mais de quarenta dias
de viagem, aos 22 de abril, avistou a Oeste terra desconhecida” Em
nota indica que “o fac-simile ou borrão da primeira folha do
rascunho ou borrão dessas instruções, por nós encontrada e mandada
gravar” foi oferecido à Torre do Tombo.
A atribuição a Vasco da Gama --de responsabilidade de
Varnhagen-- veio a ser confirmada pelos eruditos portugueses que
prepararam a obra que estamos considerando, apenas com a precisão,
efetivada por Antonio Baião, de que seriam notas tomadas pelo
secretário de Estado Alcaçova Carneiro, ouvido o parecer de Vasco
da Gama como perito na viagem”
O primeiro volume está intitulado “Os precursores de Cabral”
e inicia-se, como foi indicado, pelo fac-simile das instruções
recebidas por Pedro Álvares Cabral. Tem como propósito atestar que,
“a partir de certo ponto abandonou-se a circunavegação costa a costa,
aventurando-se em alto mar.” A tese pretende justificar a transcrição
de documentos que, no entender dos compiladores, permitiram
deduzir da intencionalidade da descoberta. É apresentado o inteiro
teor do Tratado de Tordesilhas.
Além dos documentos --todos antecedidos por longas
introduções--, este primeiro volume contém a caracterização da Era
Manuelina, devida a Júlio Dantas ( capítulo I); da “arte de navegação
dos portugueses” --Prof. Luciano Pereira da Silva ( capítulo II); “Dos
falsos precursores de Álvares Cabral” --Prof. Duarte Leite (capítulo
III); e de Duarte Pacheco Pereira, intitulado “Precursores de Cabral”
(capítulo IV). Ao todo o volume tem 226 páginas, em grande número
ocupadas por ilustrações.
O volume II intitula-se “A epopéia dos litorais”, achando-se
composto apenas por ensaios de eruditos portugueses, a saber: A
expedição de Cabral --Jaime Cortezão (capítulo V); De Restelo a
Vera Cruz --H. Lopes Mendonça (capítulo VI); A semana de Vera
Cruz --C. Malheiro Dias (capítulo VII); A expedição de 1501 --C.
33
Malheiro Dias (capítulo VIII); O mais antigo mapa do Brasil --Prof.
Duarte Leite (capítulo IX); A expedição de 1503 --C. Malheiro Dias
(capítulo X); O comércio do Pau Brasil --Antonio Baião (capítulo
XI); e O descobrimento do Rio da Prata --F. Esteves Pereira
(capítulo XII). O volume abrange das páginas 227 a 458.
O terceiro e último volume saiu a lume em 1924 e intitula-se
“A Idade Média Brasileira” (1521-1580). Quer marcar a mudança de
orientação, em seguida à morte de D. Manuel I (fins de 1521). Na
Introdução, escreve Malheiro Dias: “A Índia dos esplendores
inesperadamente aparecia transformada em sugadouro de cabedais e
de vidas.” A seu ver, iria dar lugar “à reação do organismo nacional
contra os males de um aparente gigantismo, que produziu a obra
criadora de colonização do Brasil.”
O volume III segue o modelo do antecedente, isto é, compõese de ensaios eruditos (desta vez com a participação brasileira),
adiante relacionados. Assinale-se que o livro obedeceu a numeração
autônoma das páginas, o mesmo acontecendo com os capítulos.
Segue-se a enumeração:
Capítulo I --A Metrópole e suas conquistas nos reinados de
D. João III, D. Sebastião e
Cardeal Henrique –C. Malheiro Dias (p. 2-58)
Capítulo II --A expedição de Cristovam Jacques –Antonio
Baião e C. Malheiro Dias .
(p.59-96)
Capítulo III –A expedição de Martim Afonso de Sousa -Jordão de Freitas (p.97-166)
Capítulo IV –A solução tradicional da colonização do Brasil -Prof. Paulo Meréa
(p. 167-193)
Capítulo V --Os primeiros donatários --Pedro Azevedo (p.
194-220)
Capítulo VI --O regime feudal das donatarias --C. Malheiro
Dias (p. 221-258)
Apêndice de documentos ( p. 259-286)
34
Capítulo VII --A nova Lusitânia --Oliveira Lima ( p. 287326)
Capítulo VIII --A instituição do governo geral --Pedro
Azevedo p. 327-344
Apêndice de documentos ( p. 350-383)
Indicações sobre a transcrição
Antonio Paim
Consta da História Geral do Brasil este subtítulo: “Antes de
sua separação e Independência do Brasil”.
Subdivide-se em cinco tomos, que totalizam 1.795 páginas,
aos quais foi acrescida a História da Independência do Brasil (365
p.). Essa separação prende-se ao fato de que Varnhagen a publicou
depois de dar ao prelo os cinco tomos precedentes. Acertadamente,
entendeu Rodolfo Garcia que corresponde à parte final da História
Geral. De sorte que, o comum das reedições mantém esse formato,
sem embargo de que em nada prejudica o conjunto sua publicação
em separado.
Varnhagen adotou a denominação de secção, ao invés de
capítulo.
Por razões que transcendem o objetivo central da transcrição
(dar uma idéia do conjunto da obra), optamos por inserir de forma
35
autônoma --e logo no início-- a informação de que dispunha da
atuação da Inquisição, no Rio de Janeiro, no século XVIII, razões
essas que aponto na breve nota introdutória que a antecede..
No tomo primeiro, não chega a completar-se o relato
dedicado ao primeiro século, a que se refere a transcrição
subsequente, merecendo entretanto breves comentários.
Na transcrição em causa, cujo propósito consiste em facilitar
o conhecimento do magistral trabalho desenvolvido por Varnhagen,
no estabelecimento dos marcos essenciais, a limitamos aos capítulos
que fixam os rumos que seriam seguidos para assegurar a ocupação
do território, dada a circunstância de não ter sido localizada riqueza
mineral, de imediato, ao tempo em que a posse era disputada por
potências européias concorrentes.
Pareceu-nos que o mencionado objetivo seria alcançado pela
apresentação das secções VII; VIII e IX, dedicadas à expedição de
Martim Afonso (1530) e seus resultados imediatos. Para definir o
caminho a seguir, incumbiu seu irmão de fazer uma viagem
exploratória, de que deu conta em documento localizado por
Varnhagen. Concebeu uma estratégia de ocupação que depois seria
generalizada. Segue-se a secção XV, em que aborda a criação do
governo central na Bahia (1549). Por fim, no que respeita ainda ao
século XVI, transcreve-se a Secção XIII (com que se inicia o Tomo
Segundo) que insere uma espécie de balanço. Intitula-se “O Brasil
em 1584”, e tem o propósito de render homenagem a Gabriel Soares
de Sousa, autor do Tratado Descritivo do Brasil. A publicação do
que chamaríamos de “edição crítica” desse texto seria o primeiro
trabalho historiográfico desenvolvido por Varnhagen e muito
influenciaria no rumo que adotou e empreendeu. Não conseguiu
determinar a data em que teria sido escrito (na edição de que se
incumbiu havia adotado 1587), questão a que Rodolfo Garcia
dedicou uma de suas notas.
A parte restante desse tomo segundo contém indicações sobre
a colonização do Norte e
36
as guerras holandesas. A estas acham-se dedicadas as últimas
secções, a saber:
XVII -Perda e recuperação da Bahia, acrescida de
notícia da marcha da
colonização
XVIII –Desde a invasão de Pernambuco até chegar
Nassau
XXIX –Governo de Nassau até levantar o sítio da Bahia
XXX –Desde o sítio da Bahia até a partida de Nassau
O assunto tem seguimento no tomo terceiro, deste modo:
XXXI –Revolução de Pernambuco até a primeira ação
dos Guararapes
XXXII –Desde a recuperação de Angola até o fim da
guerra
Varnhagen reuniu ampla documentação sobre o assunto
indicado que, subsequentemente, tem sido muito estudado. Não nos
pareceu que fosse o caso de transcrevê-los em parte, não tendo
cabimento fazê-lo no todo.
A parte restante do tomo terceiro compreende o fim do
período filipino, com a aclamação de D. João IV rei de Portugal.
Conforme declara Varnhagen, tem agora as atenções voltadas para o
novo ordenamento institucional do pais, com a divisão em dois
Estados. No tocante ao recente Estado do Maranhão, dá grande
importância aos atritos com os jesuítas, a propósito de sua utilização
dos índios como mão de obra, vetada ao comum dos colonos. Como
conduziu ao desfecho dado por Pombal --a sua expulsão--e talvez por
isto escreve que “os padres jesuítas não se conduziram, nesse assunto
melindroso, com a prudência que as circunstâncias recomendavam.”
A esse propósito transcreve trecho de uma representação
encaminhada aos governantes, transcrita na Revista do Instituto
37
Histórico, onde se diz o seguinte: “Os verdadeiros missionários
foram os Apóstolos de Cristo e são aqueles que não têm terras, nem
rendas, nem propriedades, nem outros bens, alguns aonde assistem, e
não aqueles que, com título de serviço de Deus e bem das almas,
andam procurando terras e mais terras, com o pretexto de que são
para os índios. O título é santo: o intuito é diabólico: porque com o
seu nome se procuram as terras e os índios, para se servirem deles
como escravos, para todas as suas lavouras, comércios, negócios e
granjeiros.”
A situação descrita provocou atritos dos mais sérios na região
abrangida pelo Estado do Maranhão, notadamente no Pará, onde os
moradores chegaram a levantar-se em armas para expulsar os
jesuítas, consumada em sucessivas oportunidades e em várias
localidades. Manifestações contra a Ordem tiveram lugar mesmo em
São Luís, tendo se mobilizado em, favor dos colonos portugueses, os
órgãos que então eram os autênticos institutos da representação
popular, as Câmaras Municipais.
Varnhagen tinha conhecimento da Crônica da Missão dos
Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão, de
autoria do padre jesuíta João Filipe Bettendorff, considerado como o
depoimento mais confiável do mencionado conflito. Nessa obra há
mais de um “livro” (partes em que o autor a subdividiu) com o título
de “Levantamento do povo do Maranhão e do Pará contra os padres
da Companhia de Jesus”. O período abrangido pela Crônica
compreende a segunda metade do século XVII (o segundo da
colonização). O Senado Federal editou, em 2010, a versão integral
desse documento, que tem nada menos que 803 páginas.
As razões do conflito eram claras. Varnhagen refere que os
jesuítas dispunham de “22 grandes fazendas de gado e engenhos de
açúcar” na mencionada região. Posteriormente passou-se a dispor de
levantamentos circunstanciados desse patrimônio, com base nos
registros efetivados quando se deu a sua expulsão, decretada por
Pombal. Ficou estabelecido, por exemplo, que as fazendas que
haviam criado na ilha de Marajó contavam com mais de cem mil
38
cabeças de gado. A fazenda de Santa Cruz (no Rio de Janeiro) era
considerada a maior em todo o Centro-Sul. Sendo os índios a mão de
obra empregada, qual a natureza desse vínculo? Varnhagen formulou
essa questão que não foi respondida pelos que saíram em defesa dos
jesuítas, argumentando com o papel que desempenharam na
disseminação da religião, que ninguém contesta, nem tampouco a
importância de que se revestiu na preservação da unidade nacional.
Entendo ser suficiente o que se referiu, sendo desnecessária a
transcrição de textos do autor, dando preferência a outros eventos.
Entre estes, aqueles em que chama a atenção para a ação do
Santo Ofício na primeira metade do século XVIII. Antecedo-a de
uma nota em que destaco ter resultado na desorganização do
empreendimento açucareiro, de onde proveio a maior parcela da
receita de nossas exportações nos três primeiros séculos.
Varnhagen referiu mas não deu maior desenvolvimento às
bandeiras, que desempenharam papel destacado na disseminação do
povoamento. Capistrano é que feriu o tema, inclusive mostrando
como a pecuária resultou de sua atuação. Contudo, é fora de dúvida
que o bandeirantismo nunca recebeu de nossa parte a atenção e
destaque que merecia. Seria um grande tema para o cinema, a
exemplo da exploração que Hollywood deu à Marcha para o Oeste
nos Estados Unidos.
Em compensação, deteve-se nos incidentes que seriam a
origem da disputa, que se tornaria secular, em torno do controle do
acesso à bacia do Prata. Como era de seu estilo, mobilizou a
documentação disponível. Teria amplos desdobramentos, a exemplo
do Tratado de Madrid, nesse terceiro século; a opção pela separação
do Uruguai, logo no início da Independência –e mesmo o desfecho
colossal que seria a Guerra do Paraguai--, não pareceu-nos essencial
quando nos propomos apenas a manter viva a presença de Varnhagen
e assegurar a possibilidade de que as novas gerações tenham dela
notícia.
No que respeita ao tomo quarto, dão uma idéia do
desenvolvimento da obra as seções XLV –D. José I e Pombal.
39
Administração Josefina. Letras; e, XLVII -Idéias e conluios em
favor da Independência em Minas. Adicionalmente, permitem situar
a espécie de conservadorismo da elite que logrou facultar-nos uma
experiência bem sucedida de governo representativo, a que pertencia
Varnhagen.
A transcrição se conclui com textos da parte dedicada à
Independência. O propósito é dar uma idéia do volume da
documentação que mobilizou para concluí-los.
PRIMEIRO SÉCULO (século XVI)
SECÇÃO VII
(III da I edição)
ATENDE-SE MAIS AO BRASIL. PENSAMENTO
DE COLONIZÁ-LO EM MAIOR ESCALA
Os Portugueses na Ásia. Os Franceses no Brasil,
Recursos do foro e da diplomacia. Ango. Roger. Jacques.
Igaraçu e Pernambuco. Diego Garcia e Cabot. D. Rodrigo de
Acuña. Porto de D. Rodrigo. Baixos de D. Rodrigo. Suas
peregrinações. D. Rodrigo em Pernambuco. Cristóvão Jacques
e os Franceses. Antônio Ribeiro. Idéia de colonização. Diogo
de Gouveia. Méritos de Gouveia. Resolve-se a colonização do
40
Brasil. Henrique Montes. Martim Afonso de Sousa. Poderes
que trazia. Pero Lopes de Sousa. Reclamações de França.
Negociações diplomáticas importantes.
Vimos na secção precedente como já no reinado de D.
Manuel e pelo menos desde 1516, haviam sido dadas algumas
providências em favor da colonização e cultura do Brasil.
Sabemos, além disso, que depois o mesmo rei, ou pelo menos
o seu sucessor apenas começou a reinar, criou no Brasil
algumas pequenas capitanias; e que de uma delas foi capitão
um Pero Capico, o qual chegou a juntar algum cabedal.
Igualmente sabemos que os produtos, que iam então do Brasil
ao reino, pagavam de direitos, na casa da Índia, o quarto e
vintena dos respectivos valores, e que, no número desses
produtos entravam não só alguns escravos, como, em 1526,
algum açúcar “de Pernambuco e Tamaracá”.
Decorriam, porém, os anos, e o Brasil seguia com o seu
imenso litoral à mercê de qualquer navio que o procurava. –
Não há por que fazer censuras. Os esforços e os capitais
empregados na Ásia produziam maior e mais imediato
interesse, nessa época de crise comercial, em que se efetuava
em favor da Europa um grande saque das riquezas empatadas
no Oriente. Além de que, ainda sem considerar a questão sob
miras econômicas, é certo que Portugal, forçando os turcos a
levar a guerra à Ásia, aliviou por algum tempo a Europa do
seu peso ameaçador, e sustentando o comércio da especiaria
por mar, consumou o pensamento de Lull de empobrecer
bastante o Egito. Ora, não fora possível durante essa luta
distrair muitos navios e forças para outro continente. Os
adustos campos das então recentes glórias portuguesas, a
própria África, onde filhos de reis iam armar-se cavaleiros,
começou a ser descuidada. E ainda supondo que já então
tivesse ocorrido a idéia que depois (nesse mesmo século)
ocorreu (1), de que no Brasil poderia vir a organizar -se um
41
grande império, a metrópole aguardava acaso para isso melhor
ocasião. A glória que Portugal adquiriu na Ásia custou-lhe,
entretanto, a perda de muita da sua população, e o perverter
em parte a índole dos seus habitantes, com tantas piratarias e
crueldades. Em virtude delas, o têm coberto de baldões, como
se as crueldades e as piratarias não tivessem em todos os
tempos sido apanágio das conquistas. Esses heróis da
antiguidade, que, em geral, só contemplamos pelo aspecto
maravilhoso, também praticaram muitas crueldades e muitas
injustiças; porém como aos panegiristas, que nos transmitiram
seus feitos, não faltou manhoso artifício para no-lo contarem a
seu modo, ocultando tudo quanto lhes não servia ao
panegírico, e nem todos os que lêem são pensadores, sucede
que muitos, inconseqüentemente, louvam e admiram na
história como heroicidades feitos idênticos aos que em outra
época, ou em outro país, condenam como misérias e
pequenezas desta ou daquela geração. Se de todas as
conquistas dos Gregos e dos Romanos tivéssemos histórias
escritas pelos seus inimigos ou rivais, talvez que não
admirasse o mundo tantas proezas, nem tantos heróis.
Enquanto, porém, Portugal se via a braços com grande
número de inimigos no litoral e mares da Ásia, onde, em 1521,
a sua armada constava nada menos que de uns oitenta e tantos
vasos (Doc. da Torre do Tombo), muitos armadores da
Bretanha e Normandia, já avezados à navegação das costas de
Guiné e da Malagueta, passavam não só a alguns excessos de
pirataria com os galeões que vinham da Índia, como a traficar
nas terras do Brasil; onde adquiriam quase de graça gêneros,
que nos mercados europeus obtinham grandes valores, e os
quais lhes deviam produzir maiores vantagens do que aos
contratadores portugueses; por isso mesmo que não tinham,
como estes, de indenizar a coroa pela faculdade de
comerciarem. – Debalde havia Portugal proibido com duras
penas aos seus “mestres de cartas de marear’ o fazerem pomas
42
ou esferas terrestres, e o marcarem nos mapas as terras ao
suldo rio de Manicongo e das ilhas de São Tomé e Príncipe
(Alov. de 13 de Nov. de 1504, na Torre do Tombo). Debal de
proibia que aceitassem seus pilotos e marinheiros (Ordenações
Manuelinas, liv. V, tít. 98, § 2; tít. 88, § 11) o serviço de mar
de outras nações, pensando talvez com isso obstar à propagação
dos conhecimentos náuticos pela Europa. Os ousados
navegadores de Honfleur e de Dieppe freqüentavam cada dia
Mais os portos do Brasil. As guerras da França não faziam
diminuir o ardor e a atividade dos seus homens do mar,
estimulados por tantos lucros. Em 1516 haviam chegado a
Portugal tais notícias de suas navegações no Brasil, que el-rei D.
Manuel mandava por seus agentes representar contra elas à corte
de França (2). E digamos desde já que tão poderosos se tinham
feito alguns armadores, que nem o mesmo governo francês podia
sujeitá-los, e que Portugal, depois de haver exaurido na França,
perante os tribunais, os parlamentos e a própria coroa, todos os
recursos do foro e da diplomacia, se viu obrigado a transigir e a
negociar com os mais notáveis corsários, que eram João Afonso e
o célebre João Ango, ao depois visconde de Dieppe (3). Todos
estes acontecimentos merecem uma história especial que não
duvidamos se escreverá algum dia; pois sobram para ela os
documentos, dos quais somente aproveitaremos agora o que mais
de perto nos interesse. Sabemos que, já em vida de el-rei D.
Manuel, fora o seu subdito Jácome Monteiro nomeado
embaixador junto a Francisco I, com instruções para representar
acerca das tomadias e das invasões nas suas conquistas,
efetuadas umas e outras por franceses. A Monteiro sucedeu João
da Silveira mandado por D. João III, apenas subiu ao trono, com
especial recomendação para que ponderasse quão triste era que
se estivessem hostilizando no mar os súditos, de dois reis e de
duas nações que se diziam amigos (4). Apesar das reclamações
que faziam, como levamos dito, os agentes portugueses,
empreendera Hugues Roger com felicidade em 1521 uma viagem
43
à nossa costa, e havia notícia de que se preparavam outros
navios. Por fim, em 11 de Fevereiro de 1526, escrevia o
embaixador João da Silveira, como em França se armavam dez
navios para virem apoderar-se das embarcações que
encontrassem.
Tal aviso, a nosso ver, decidiu Portugal a mandar ao
Brasil de guarda-costa, neste mesmo ano, uma esquadrilha
composta de uma nau e cinco caravelas, a qual findo certo
prazo devia ser rendida por outra. Vinha por capitão-mor
Cristóvão Jaques(I), e trazia de chefes subalternos Diogo
Leite, com seu irmão Gonçalo Leite, e Gaspar Correia. O
mesmo Jaques era portador de um alvará, passado em
Almeirim por Jorge Rodrigues, a 5 de Julho de 1526,
autorizando a Pero Capico a retirar-se. Esse alvará era
concedido nos seguintes termos: “Eu Elrei Faço saber a vós
Christovão Jacques, que ora envio por Governador às partes do
Brasil, que Pero Capico, Capitan de uma das capitanias (5) do
dito Brasil, me enviou dizer que lhe era acabado o tempo da
sua capitania, e que queria vir para este Reyno, e trazer
comsigo todas as peças de escravos e mais fazendas que
tivesse, Hey por bem e me praz que, na primeira caravela ou
navio que vier das ditas partes, o deixeis vir, com todas as suas
peças de escravos e mais fazendas; comtanto que virão
diretamente à casa da India, para nella pagarem os direitos de
quarto e vintena, e o mais que a isso forem obrigados, na
fórma que costumam pagar todas as fazendas que vêm das
sobreditas partes” (6).
Jaques alcançou a costa do Brasil no fim do dito ano; e
fundeando no canal que separa do continente a ilha de
Itamaracá, deu ali princípio a uma casa da feitoria no sítio, que
se chamou “dos Marcos”, em virtude dos que aí depois se
colocaram para termos de demarcação, no próprio continente,
quase em frente da entrada do sul do mesmo canal, e da antiga
vila da Conceição, situada a cavaleiro, na própria ilha. Esta
44
feitoria, ou outra a par desta, passou ao que parece a ser
estabelecida pelo mesmo Jaques no porto de Pernambuco ou
antes Paranámbuko, nome que significa furo do mar, segundo
alguns; mas que parece antes dever derivar-se de duas palavras
equivalentes a “mar largo”; visto haver no litoral mais algum
Paranambuco, sem nenhum furo ou ria (7).
Deixando fundada essa feitoria, passou Jaques a correr
a costa até o Rio da Prata, onde pouco tempo se demorou,
regressando outra vez para o norte, a cometer feitos que não
tardaremos em comemorar. Primeiro, nos cumpre dizer como
por este mesmo tempo estacionavam ou navegavam nas águas
do nosso litoral duas frotas, ambas de Castela. De uma, que
constava de três naus, era chefe Diego Garcia (8). Mandava a
outra, com igual número de redondos e mais uma caravela,
Sebastião Cabot, filho do navegador de igual apelido, que
descobrira por Inglaterra as costas do Norte deste grande
continente. Estas duas frotas haviam deixado a Europa um
pouco antes que Jaques. Diego Garcia, que partira primeiro,
aportou em São Vicente; e tantos meses aí se demorou que
parecia se esquecer do seu destino, que era subir o Rio da
Prata. Por meio da relação que de sua viagem nos transmitiu,
não se nos recomenda como homem verdadeiro, nem polido,
nem superior à mesquinha inveja, e deve ler-se com precaução.
Cabot era mandato às Molucas por este lado, reforçando outra
armada maior que havia partido um ano antes, e da qual em
breve daremos notícia. Aportou Cabot em Pernambuco(II),
onde já encontrou a feitoria portuguesa, e seguindo a
navegação para o sul, só avistou de novo terra nas alturas da
ilha, a que então pôs o nome de Santa Catarina. Aí fundeou
Cabot, e logo de um porto vizinho da parte do sul vieram
visitá-lo muitos castelhanos, dos quais uns ali viviam desde
muitos anos (9), e outros desde mui pouco tempo, não ha vendo
querido seguir a D. Rodrigo, de quem passaremos a tratar.
Era D. Rodrigo de Acuña o comandante da nau São
45
Gabriel pertencente a uma armada (10) que, às ordens do
comendador Fr. Garcia Jofre de Loaysa, partira, antes de
Cabot e de Diego Garcia, com direção às Molucas, seguindo
derrota pelo ocidente. Essa armada, largando da Corunha em
24 de Julho de 1525, avistara em princípios de Dezembro a
costa do Brasil, ao sul do cabo de São Tomé, e fora, pela
maior parte, desbaratar-se junto ao Estreito de Magalhães. Não
é de nosso propósito contar esse desbarato, ao qual pouco
depois se seguiu a morte de Loaysa e do seu imediato Del
Cano; e contentemo-nos de saber que D. Rodrigo achou
refúgio em um porto, ao sul da ilha de Santa Catarina, e
encontrou vários companheiros de Solis que, abastecendo-o de
água, lenha e mantimentos, deram da terra tais informes que
muitos da tripulação, alborotando-se, se determinaram a ficar
nela, em vez de exporem-se a novos perigos de mar. As
exortações de D. Rodrigo apenas puderam atrair-lhe alguns
poucos dos alborotadores.
Daqui proveio a este porto o nome de Porto de D.
Rodrigo, com que por muito tempo foi conhecido nos mapas e
roteiros. Acaso seria o mesmo a que Solis, dez anos antes,
chamara Baía dos Perdidos, talvez em virtude dos
mencionados seus companheiros que aí lhe fugiram ou se
perderam; se é que esses indivíduos não houvessem
efetivamente ficado por aí, voluntariamente ou desgarrados, já
desde alguns anos antes.
Com trinta e dois homens menos de tripulação, fez -se
por fim D. Rodrigo de vela para o Rio de Janeiro. Neste porto
convocou a sua gente a conselho: e nele foi resolvido que a
nau em vez de seguir para as Molucas, voltasse à Espanha,
com alguma carregação de pau-brasil. Dirigiu, pois, D.
Rodrigo o rumo para o norte e entrou na Bahia. – Aí a
tripulação se lhe diminuiu de nove homens que, indo à terra, lá
ficaram devorados pelos selvagens, segundo se julgou.
Saindo da Bahia para o norte, pela muita água que fazia
46
a nau, tratou de arribar, e deu-se a casualidade de que, meado
Outubro, fosse entrar justamente num porto próximo do rio de
São Francisco, no qual se achavam carregando de brasil suas
naus e um galeão de França (11). Os capitães franceses ao
princípio ofereceram proteção a D. Rodrigo, mandando-lhe até
dois calafetes; e quando, passados oito dias, se achava a nau
espanhola virada de crena, e impossibilitada de navegar,
caíram na fraqueza de ir acometê-la, intimando a D. Rodrigo
que se rendesse. Vendo este que a resistência era impossível,
meteu-se no batel, foi ter com os franceses, e conseguiu deles
tréguas, ficando de lhes dar vinhos e azeite que diziam
carecer. Enquanto, porém, se negociavam estas tréguas, e os
franceses tendo o capitão castelhano em refém, se
descuidavam da nau agredida, ela conseguia, não só surgir
boiante, como picar as amarras, e fazer-se de vela. Quando os
franceses despertaram do seu descuido, já a nau espanhola ia
barra fora, sem o capitão, nem os marinheiros que o haviam
acompanhado. Em vão D. Rodrigo lhes bradava e fazia sinais,
em vão os seguia em um batel à vela. A nau São Gabriel já
nem nas promessas do seu próprio capitão confiava, que tanta
desconfiança levam os desenganos das promessas não
cumpridas.
Seguiu D. Rodrigo no batel todo aquele dia e parte do
imediato. Porém... baldados esforços! a nau tinha desaparecido
no horizonte, e o seu legítimo comandante e fiéis romeiros,
exaustos de forças, emproavam para terra e iam varar à costa,
a umas dez léguas para o norte do porto donde haviam partido:
- naturalmente na paragem que se ficou até hoje chamando os
Baisios de D. Rodrigo, quase defronte do rio Cururipe. Daí se
dirigiram por terra, bastante expostos aos selvagens, ao porto
que acabavam de deixar.
Já tinham dele partido as duas naus francesas, e só
ficara o galeão. Neste se alojaram os tristes por mais de um
mês; mas acabando o mesmo galeão de carregar, fez -se de
47
vela, desamparando os míseros em um batel, sem mantimento
algum!
Não havia, porém, soado a hora final aos pobres
desamparados. Entregues à providência, seguiram pelos mares
durante vinte dias, nutrindo-se apenas de algum marisco e de
pouca fruta que acertavam de colher pela costa, até que na ilha
de Santo Aleixo lhes deparou Deus porto, onde puderam
refazer-se. Nessa ilha tiveram a fortuna de encontrar alguma
farinha de trigo, uma pipa de bolacha molhada, um forno, e
anzóis com que apanharam muito peixe (12). De Santo Aleixo
passaram à feitoria de Pernambuco (13).
Cristóvão Jaques se negou a dar-lhes passagem para a
Europa, primeiro em uma nau que enviava carregada de brasi l,
e na qual mui provavelmente se embarcou, com seus haveres
Pero Capico, e depois numa caravela que igualmente mandou
regressar ao reino. Pela primeira escreveu D. Rodrigo ao bispo
d’Osma; porém a carta, em vez de seguir ao seu destino, foi
apreendida, e ainda hoje se guarda no arquivo público em
Portugal (14). Dez meses depois escreve3u outras, uma das
quais para el-rei D. João III; e estas chegaram a Lisboa, pela
mencionada caravela, ao mando do capitão Gonçalo Leite. As
que eram para Castela foram remetidas pelo embaixador em
Lisboa (15) Lope Hurtado. Os da nau São Gabriel, depois de
eleger por capitão ao piloto Juan de Pilola, não podendo
montar o Cabo de santo Agostinho, retrocederam à Bahia, para
querenar; porém, inquietados aí por outra nau francesa,
passaram ao Cabo Frio e, deste, a um porto mais ao sul, do
qual se fizeram afinal de vela para a Europa, chegando a
Bayona de Galiza aos 28 de Maio de 1527 (16).
Quando a nau espanhola São Gabriel, ao querenar,
sofria as bombardadas dos três navios franceses, navegava elos
mares brasílicos, por aquela altura, a armada de Sebastião
Cabot, que deixara Pernambuco no mês anterior. – E ai dos
aleivosos, se nessa ocasião se aproximara da costa a esquadra
48
espanhola! – Porém Cabot seguia de largo, e só foi de novo
avistar terra na ilha de Santa Catarina, como antes dissemos.
As informações que a Cabot deram os castelhanos, que
nesta ilha encontrou, das riquezas do rio da Prata, o induziram,
a pretexto de não poder empreender maior viagem por se haver
perdido a capitânia, a subir pelo mesmo rio da Prata, em vez
de prosseguir para as Molucas (17).
Deixando, porém, os mais sucessos desta armada, bem
como os outros da sua contemporânea castelhana ao mando de
Diego Garcia (18), e que não pertencem à nossa história,
sigamos a Cristóvão Jaques em seus feitos. Vimos como,
julgando que lhe bastava ter consigo as cinco caravelas latinas,
mandara para o reino a nau, com carga de brasil. Logo depois,
andando a correr a costa, com quatro das ditas caravelas,
travou peleja com três navios de mercadores bretões, dois
deles de cento e quarenta toneladas. Combateu um dia inteiro,
e, saindo vencedor, levou para Pernambuco os prisioneiros em
número de trezentos. Segundo nos consta por tradição, este
combate teve lugar num recôncavo, pelo rio Paraguaçu acima,
junto à ilha ainda chamada dos Franceses. Sabendo, porém,
positivamente, por outro lado, que as hostilidades começaram
de parte dos navios franceses contra uma das caravelas, pelos
tempos contrários esgarrada das outras, que depois a cudiram,
só teria o combate lugar nessa paragem, se acaso a ela se
foram refugiar os mesmos navios, depois de começadas as
hostilidades. As queixas do atribulado D. Rodrigo de Acuña,
os informes de Gonçalo Leite, que se nos denuncia como
pouco afeiçoado ao chefe, e uma carta de Diogo Leite, em que
parece censurar quanto no Brasil se fazia, decidiram o governo
em apressar-se a dar por acabada a comissão de Jaques. Para
lhe suceder foi escolhido Antônio Ribeiro. E Jaques recolheu
ao Reino, com os trezentos prisioneiros estrangeiros que tinha
consigo na feitoria. Neste número entrou talvez Acuña, em
favor de quem se empenharia o mencionado embaixador
49
espanhol Lope Furtado (19).
Quanto a Ribeiro, nenhuma notícia encontramos dos
seus feitos em nossos mares (20). Naturalmente abandonou
pouco depois a costa com a esquadrilha, chamada talvez a
outro serviço. O certo é que, ficando a feitoria desprotegida,
caiu sobre ela um galeão de França, que a saqueou,
conseguindo apenas o feitor Diogo Dias escapar-se em uma
caravela, que ali então passava com destino para Sofala.
Cristóvão Jaques, que havia tido ocasião de estudar o
país e de avaliar a sua riqueza, e que conhecia o estado
florescente a que já nesse tempo tinham chegado as colônias
portuguesas da Madeira, dos Açores e de São Tomé, onde
possuíam importantes solares vários senhores donatários, cujos
avós apenas eram conhecidos, propôs-se a ser também
donatário no Brasil, oferecendo-se a levar consigo mil
colonos.
Achava-se então em Lisboa Diogo de Gouveia, um dos
portugueses mais ilustrados daqueles tempos, estabelecido em
Paris, onde dirigia o colégio de Santa Bárbara, do qual saíram
para o mundo literário não poucos alunos, que lhe deram
glória. Gouveia, que desde 1513 prestava em França nos
negócios das tomadias valiosos serviços, empenhou-se com elrei D. João III para que levasse avante os intentos de Cristóvão
Jaques (III). Parece, porém, que ainda então não estava a corte
resolvida a seguir o seu parecer, como depois seguiu, apenas o
tempo começou a deixar que se principiassem a realizar as
previsões do profundo pensador, porventura antes tratado,
como sucede ordinariamente, de sonhador e de utopista, pelos
que não pensam, ou pelos que não chegam a lobrigar o que ele
vê às claras. Digamos desde já que o de que tratamos é o
mesmo doutor (ou mestre) Diogo de Gouveia, que depois
(1537) foi eleito regente da Universidade de Bordéus e, nesta,
lente de teologia, enquanto não passou a Coimbra com muitos
outros professores que foi encarregado de ajustar (21).
50
Antes de prosseguir, cumpre-nos dizer que os
interessados (22) nos três navios apresados por Cristóvão
Jaques, requereram a Francisco I, por intermédio do conde de
Laval, governador de Bretanha, cartas de marca que se
indenizarem de suas perdas, que orçavam em sessenta mil
cruzados. mandou Francisco I a Portugal para agenciar essas
indenizações o rei d’armas Helice Alesge de Angoulême.
Chegou este a Lisboa em Janeiro de 1529; deu conta da
missão, porém, não sendo despachado durante mais de dois
meses, regressou a França; e poucos dias depois assinava
Francisco I uma carta patente de corso, em favor do célebre
Ango, contra Portugal. Vendo-se, porém, mui necessitado de
dinheiro, inclusivamente para pagar o resgate de seus filhos ao
vencedor Carlos V, mandou o mestre Pedro de la Garde de
embaixador a D. João III, oferecendo-se a cassar as cartas de
corso, e pedindo-lhe trezentos mil cruzados emprestados.
Respondeu o monarca português (com muitas desculpas e
incumbindo de encarecê-las em França o seu embaixador João
da Silveira) que por obsequiá-lo lhe emprestaria cem mil
cruzados em dinheiro; e que o mais, que passava e muito de
trezentos mil cruzados, lhe cedia também de empréstimo, se
ele quisesse fazer justiça, obrigando muitos dos seus vassalos
a restituir as tomadias ilegitimamente feitas. João da Silveira
era autorizado, inclusivamente, a agenciar estes negócios,
concedendo aos indivíduos que assentassem “algum proveito
secreto” (23). A este mesmo intento foram de embaixada os
desembargadores Lourenço Garcez e Gaspar Vaz.
Entretanto, reconhecera-se que eram insuficientes as
pequenas capitanias, antes fundadas no Brasil, e que as
simples armadas de guarda-costa, além de muito dispendiosas,
não prometiam toda a segurança; sem uma forte colônia
nalgum porto vizinho, a que elas se pudessem recolher para
refazer-se, não só de mantimento, como de gente, em caso de
necessidade. Ao mesmo tempo a colônia, desenvolvendo -se e
51
crescendo, poderia com seus próprios recursos sustentar tal
armada, sem sobrecarregar o tesouro da mãe-pátria.
A idéia de fundar, pois, no Brasil uma colônia vigorosa
começava a triunfar, quando se recebia em Lisboa uma carta
escrita (IV) de Sevilha por um Dr. Simão Afonso, dizendo
como acabando Sebastião Cabot de chegar mui derrotado do
rio Paraná, o haviam mandado ali prender, e de como pensava
ele doutor que Espanha não tentaria para aquelas bandas novas
empresas.
O plano vago da fundação de uma povoação forte no
aquém-mar se fixou então justamente sobre essa paragem de
clima temperado, e de tantas apregoadas riquezas, que os
castelhanos escarmentados iam porventura desamparar de
todo: sobre as margens do rio da Prata. Aprontou-se com mais
rapidez a frota composta de duas naus, um galeão e duas
caravelas. Além das competentes guarnições e tripulações,
embarcaram-se nela famílias inteiras... “Vão para o rio da
Prata!”... E bastava esta voz para não faltar quem quisesse
alistar-se... Ao todo contam-se nas cinco velas (24),
quatrocentas pessoas. Muitas destas diziam adeus à pátria, no
momento em que porventura sonhavam que dentro de pouco
volveriam a ela com grossos cabedais – com rios de prata.
Henrique Montes, que estivera com Cabot e que tinha passado
a Portugal, regressava na armada (V) feito cavaleiro da casa, e
agraciado com o ofício de provedor dos mantimentos, assim na
viagem, como ao depois, “em terra, em qualquer lugar onde
assentassem” os que iam na armada, uns por obediência às
soberanas ordens, outros por curiosidade, ou por ambição ou
sede de riquezas, e alguns até por sua infelicidade – seus
vícios e crimes.
Para comandante fora escolhido Martim Afonso de
Sousa, que ao depois se fez célebre na Ásia, obrando prodígios
de valor (VI). Contava então apenas trinta anos; mas já, por
seu bom juízo, havia merecido a honra de fazer parte dos
52
conselhos do rei. A amizade e o parentesco que com ele tinha
o vedor da Fazenda D. Antônio de Ataíde, depois conde de
Castanheira, deviam contribuir muito para a escolha; mas
quem, como nós, teve ocasião de conhecer tão cabalmente o
dito castanheira, por toda a sua correspondência privada e de
ofício, incluindo a que ao depois por anos entreteve com o
mesmo Martim Afonso, no serviço na Ásia, não pode por um
só instante suspeitar que, no animo do conde, a amizade
preponderasse ao zelo pelo Estado, tratando-se de um
empregado deste, além de que: não era o conde da Castanheira
exclusivo no conselho – e não se atreveria a fazer ao soberano
qualquer recomendação, quando não tivesse o apoio de
Antônio Carneiro, que era também secretário, mui influente na
governação do estado. Demais: o êxito desta expedição e a
sucessiva carreira de serviços de Martim Afonso justificam
cabalmente a proposta que dele fez o seu primo e amigo a Sua
Alteza – que tal era o tratamento que se dava ainda ao rei.
Vinha Martim Afonso munido de poderes extraordinários, tanto para o mar, como para reger a colônia que
fundasse; e até autorizado com alçada e com mero e misto
império no cível e no crime, até morte natural inclusive;
exceto quanto aos fidalgos que, se delinqüissem, deveria
enviar para Portugal. Trazia autorização para tomar posse de
todo o território situado até à linha meridiana demarcadora;
para fazer lavrar autos, e pôr os marcos necessários; para dar
terras de sesmaria a quem as pedisse, e até para criar tabeliães,
oficiais de justiça e outros cargos. As sesmarias (25), deviam
ser dadas em uma só vida, o que não parece coerente com o
pensamento de ligar a terra à geração perpetuada de pais a
filhos. Não sabemos que a política ou que miras envolvia esta
disposição, que logo depois se modificou, com m elhor
conselho.
Com Martim Afonso vinha também nesta armada seu
irmão Pero Lopes de Sousa, moço honrado e de grandes brios
53
e valor, e igualmente muito bem conceituado perante o mesmo
conde da Castanheira (26). À pena de Pero Lopes devemos
hoje tudo quanto de mais averiguado sabemos dessa
expedição, que se apresentou diante do Cabo de Santo
Agostinho no último de Janeiro de 1531, depois de haver tido
alguns dias de demora, para se refazer de mais mantimentos,
na Ribeira Grande, porto da cidade capital do arq uipélago de
Cabo Verde.
Para não interrompermos dentro de pouco a narração
que vai seguir-se digamos já que, complicando-se as
negociações em França, e havendo probabilidade de que mais
se complicariam com alguns feitos da nova armada, foi lá de
embaixador, em Maio de 1531, o próprio vedor da Fazenda D.
Antônio d’Ataíde. E à presença nesse reino, durante poucos
meses, deste prudente estadista, a quem por certo não se faz
geralmente a devida justiça, atribuímos não só as capitulações
celebradas com Ango, mas também as boas disposições da
parte do almirante de França (VII) e outros, para os acordos
depois tomados, em virtude dos quais, em 1537, se instalaram
em Irun e Fuenterrábia comissões mistas de Portugal e França,
para atenderem às reclamações de presas e tomadias, dos
queixosos duma e outra parte. O próprio João Afonso, de
apelido Francês, prático do Brasil (27) (e que antes de fugir de
Portugal fora mestre de um navio de Duarte de Paz), recebeu
del-rei carta de seguro de que não seria demandado, nem
perseguido (28), por incurso nas penas dos naturais que
aceitavam serviço do mar das outras nações, ou iam às
conquistas sem licença (VIII).
NOTAS EM NUMEROS ARÁBICOS
(1) A D. Pedro da Cunha, quando Portugal passou a domínio da
Espanha, como se verá adiante, na secção XXI. Nos Diálogos das grandezas
do Brasil, diál. 1º, lê-se que, ao chegar a notícia do descobrimento a
54
Portugal, um astrólogo “levantara uma figura e achara que a terra descoberta
havia de ser uma opulenta província, refúgio e abrigo de gente p ortuguesa”. –
(C.).
(2) C. de P. Correia, de Bruxelas, em 5 de Fev. 1517, na Torre do
Tombo Corp. Cron. I, 21, 24. – (A.).
(3) Ferdinand Denis, Génie de la Navigation, págs. 113-115. – (A.).
– Equívoco do Autor. F. Denis declara não dar crédito a essa ab surda tradição
de Dieppe. (Nota do Barão do Rio-Branco, no exemplar da 1ª ed. desta
História, que se conserva na Biblioteca do Itamarati). – (G.)
(4) As instruções dadas a João da Silveira acerca de tomadias de
naus feitas pelos franceses, têm a data de 5 de Fevereiro de 1522. – Alguns
documentos da Torre do Tombo, p. 459. – João da Silveira faleceu em 1530;
Palha, A carta de marca de João Ango. 13. – (C.).
(5) Prova que havia mais de uma. – (A.). – Haveria mais de uma
capitania, sem dúvida; é, porém, duvidoso se a capitania era de terra ou de
navio. Esta última hipótese parece a mais aceitável, sem embarco da carta de
D. João III, extratada na secção seguinte. Pero Capico, ou outro de igual
nome, apareceu depois na capitania de São Vicente como escrivão, sob o
governo de Martim Afonso de Sousa. – Azevedo Marques, Apontamentos
históricos, 2, 169, Rio 1879. – (C.).
(6) Liv. das Reformações da Casa da Índia, fls. 25. Pública-forma de
uma certidão em 23 de Janeiro de 1755. – (A.).
(7) Pará-ná, rio tantas vezes, ou mar, e bog furo; ou antes pucu,
largo, transformado em mbuku para a composição, segundo Montoya, Arte,
cap. 22. – (A.).
Nos Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 8, 1880-1881,
págs. 215-219, Baptista Caetano e Vale Cabral colecionaram as diversas
etimologias de Pernambuco, que se encontram nos autores. Acham-se aí nada
menos de onze interpretações, inclusive a de Varnhagen; mas Baptista
Caetano opina por paraná-puka, arrebentação do mar ou rio grande, alusão
quiçá ao recife. – (G.).
(8) Diego Garcia era português, e fora ao rio da Prata em companhia
de Solis, no ano de 1516. Tornando pela terceira vez a esse r io em companhia
de D. Pedro de Mendonça, faleceu na ilha de Gomera nos últimos dias de
55
Setembro de 1535. Medina, J. D. de Solis, CCCXXXI. Não é, portanto, o
mesmo Diego Garcia que em 1538 comandou um navio da expedição de
Hernando Soto e descobriu a ilha de Diego Garcia nos mares índios. Harisse,
com razão, defende sua memória contra os entusiastas de Sebastião Caboto,
que a deprimem. – (C.).
(9) Talvez em virtude de algum naufrágio, na ponta da barra do Sul,
que ainda hoje se chama dos “Naufragados”. – (A.).
Eram os companheiros restantes de Solis; deles já faz menção a carta
de Çuñiga de 27 de Julho de 1524, citada na nota I no final desta secção.
(C.).
(10) Veja Herrera, Dec. III; 7º,; 5, 6 e 7. – Veja também Gav. 2, 10,
20, a C. de Antônio Ribeiro, de 28 de Fev. 1525, da Corunha, e a relação da
viagem de Fr. Garcia de Mendoza, Tom. 5º. – (A.).
(11) Eram “el galeon de Mosliense y Lomaria de la dicha villa, é otro
navio de Normandia del rio de la Sena”. – Navarrete, Colección de los viajes,
5, 321. – (C.).
(12) Segundo Oviedo houve, por esse tempo aproximadamente, uma
feitoria de franceses em Santo Aleixo, o que repete La Roncière.
Os companheiros de D. Rodrigo, que ainda em 2 de Novembro de
1728 existiam na feitoria de Pernambuco, chamavam-se Jorge de Catan (ou
Catorico), Marchin Vizcaino, Bartholomé Vizcaino, Geronimo Ginovez,
Alfonso de Napoles, Pascual de Negro (ou Negron) e Esteban Gomez. –
Navarrete, Col. cit., 5,314,321 – (C.).
(13) Em 30 de Abril de 1528 diz D. Rodrigo que havia 18 meses que
ali estava, e em 15 de Junho de 1527 diz que havia 7 meses. – (A.).
(14) G. 18, 5, 20; Navarrete, 5, 238; Varn. Prim. Neg. Diplomáticas,
pag. 128. [Revista do Instituto, 65, 432]. (A.).
(15) Of. do dito embaixador (em Simancas) M. 368. fol. 5. – Torre
do Tombo, P. 1, 39, 133 e G. 15, 10, 30. – (A.).
(16) Nav., 5, 173 e 233: quanto ao dito porto ao sul de Cabo Frio, ao
qual na relação se chama Rio do Extremo, pode supor-se que fora a Angra
dos Reis ou a baía de Guaratiba, em vista do lugar que lhe assina a carta de
Diogo Ribeiro (1529). – (A.).
56
(17) Henrique Montes e Melchior Ramirez apenas confirmaram as
notícias colhidas na feitoria de Pernambuco. Como evidencia Harisse no livro
citado supra, Caboto já levava desde então a idéia de ir ao Prata. – (C.). –
Conf. Henry Harisse, John Caboto, the discoverer of North America, and
Sebastian his son, pág. 205, London, 1896. – As notícias teriam sido levadas
a Pernambuco por Cristóvão Jaques. No Islario de Alonso de Santa Cruz lêse: “Al austro de estas ay otras islas dichas de Christoval Jaques, que era un
Portuguez llamado asi, que las descubrio veniendo a este rio por captan de
una caravale desde la costa del Brasil a fama del oro, que se dezia aver en
el”. – Franz R. von Wieser, Die Karten von America in dem Islario General
de Alonso de Santa Cruz, pág. 56, Innsbruck, 1908. – (G.).
(18) Conf. J. Toribio Medina, Juan Diaz de Solis, II págs. 186-188,
Santiago de Chile, 1897. – (G.).
(19) De muitos fatos narrados aquí pelo autor sao desconhecidas as
fontes: no que vagamente chama tradição parece referir-se a Gabriel Soares,
Tratado descritivo do Brasil. 16. – (C.).
(20) Antônio Ribeiro, capitão-mor da armada, estava em Pernambuco
em Novembro de 1528, quando despachava a petição de D. Rodrigo de
Acuña. – Conf. Navarrete, Colección de los viages y descubrimientos, V,
págs. 313-314, Madrid, 1837. – (G.).
(21) Barbosa e Mariz enganam-se, atribuindo alguns de seus atos a
André de Gouveia. Diogo faleceu, com mais de 90 anos, de cônego em
Lisboa, em 1557. – (A.).
(22) Yvon de Coctugar, François Guerret, Mathurin de
Tournemouche, Jean Burcau e Jean Jamet. A tradução portuguesa da carta de
Francisco I, de 6 de Setembro de 1528, ao rei d’armas de Angoulême, para
que reclamasse justiça de D. João III pelos atentados sofridos, existe na Torre
do Tombo, Corpo Cronológico, I, 43, 25, e está publicaa na História da
Colonização Porruguesa do Brasil, vol. III, págs. 74-76. – A um “monseor
Qualcougar”, por certo o mesmo Coctugar, refere-se a uma carta de D. João
III ao Conde de Castanheira, de 21 de Setembro de 1533, sobre o concerto
que com ele fizera, por intermédio de Guilherme Camier, bretão; recomenda
que se lavre escritura pública do concerto para ficar muito seguro, que se dê
30 cruzados ao procurador para o caminho, com todas as boas palavras para
que vá contente, e um pode de vinho ao seu serviço. – J. D. M. Ford, Letters
57
of Joh III, King of Portugal – 1521-1557, págs. 135-136, Cambridge
(Massachusetts), 1931. – (G.).
(23) C. R. a João da Silveira, de 16 de Janeiro de 1530; e sup. ao
Arm. 26, m. 2º, n. 31. – (A.). – Navarrete, Col. de viajes, 5, 236. – (C.).
(24) Em uma destas voltava ao Brasil o mesmo Diogo Leite, que
estivera às ordens de Cristóvão Jaques. – (A.). – A armada, como se vê do
Diário de Pero Lopes, constava da nau maior capitânia, de dois galeões: um
chamado São Miguel, comandado por Heitor de Sousa, outro São Vicente,
comandado por Pero Lobo Pinheiro, e duas caravelas: Princesa, comandada
por Baltasar Gonçalves, e Rosa, comandada por Diogo Leite. – Fr. Luís de
Sousa, An. de D. João III, 283, dá a armada como composta de três naus e
quatro caravelas. – (C.).
(25) “Sesmarias são as dadas de terras... que foram ou são de alguns
senhorios”, etc. Ord. Man. IV, 67; e Filip. IV 43. – (A.).
(26) A Martin Afonso escrevia de Pero Lopes o C. da Castanheira,
em 1538: “Pêro Lopes, vosso irmão, está feito um homem muito honrado, e
outra vez vos afirmo muito honrado. E digo vô-lo assim porque pode ser que
por sua pouca idade vos pareça que terá bons princípios, mas que não será
ainda de todo bem assentado nisso, como vô-lo eu aqui digo que é ainda
menos do que o que dele cuido”. – (A.).
A data 1538 não deve estar certa, pois não combina com o fato de
Pero Lopes já ser então pai de família e donatário de uma capitania de juro e
herdade. Será 1528? Em todo caso, será posterior a 1521, reinado de D. João
III. – (C.).
O Dr. Jordão de Freitas, História da Colonização Portuguesa do
Brasil, vol. III, pág. 120, nota 161, diz que não parece aceitável a data de
1528, tanto mais que nessa época Martim Afonso de Sousa estava na corte,
com o futuro conte da Castanheira. Se há erro de algarismo – acrescenta –
possível será que em vez de 1538 deva ler-se 1335, ano em que Martim
Afonso de Sousa já se achava na Índia, como capitão-mor do mar. Martim
Afonso era parente do Conde da Castanheira. Em carta a este, do primeiro de
Fevereiro de 1533, D. João III escreve: - “Vy a carta que me escrevestes
sobre a vynda de Pero Lopes de Sousa, e o muyto prazer e cõtentamento que
tendes das boas novas que elle trouxe. Vos agradeço muito, porque allem da
Rezam que tendes de folgar tanto pelo parentesco que tendes com Martinho
Afonso e Pero Lopes, também sam [sou] certo que a principall parte he por
serem cousas tanto de meu serviço”. – J. D. M. Ford, Letters of John III,
58
citadas, pág. 81. – (G.).
(27) “Joannis Alfonsi Francez, qui erat expertus in viagiis ad
brasiliarias insulas”. – (A.). – O documento citado, escreve Sousa Viterbo, se
acha no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, num maço de libelos
apresentados pelo Dr. Jorge Nunes aos juízes comissários, delegados para a
divisão das presas feitas no mar entre Portugueses e Franceses (Gav. 15,
maço 24, doc. 3, libelo 16). No segundo libelo, logo em princípio, também se
fez referências a João Afonso: “adversus Rogerium Bansa Magistrum unius
navigiis qui erant de conserva Joannis Alfonsi Francez cognomento et contra
Giles Philippes capitaneum navis aut navium dictae Joannis Alfonsi et contra
Joannem Ango vicinos de Anna Frol...” – (C.).
(28) Casa da Coroa, Arm. 26, 3, 10. – (A.). – Publicado pelo autor
em Amerigo Vespucci, 115-116, Lima, 1865, e reproduzido por Sousa
Viterbo, Trabalhos náuticos dos Portugueses nos séculos XVI e XVII, 1, 1617, Lisboa, 1898. – (C.).
59
NOTAS EM ALGARISMOS ROMANOS
(I)
Do Nobiliário ou Coleção de Títulos de diversas Famílias, por José
Freire Montarroio Mascarenhas, códice da Biblioteca Nacional de Lisboa,
resumiu o Sr. F. M. Esteves Pereira, História da Colonização Portuguesa do
Brasil, vol. II, págs. 361-364, várias notícias acerca de Cristóvão Jaques, da
procedência de sua família e da sua descendência, como também de suas
expedições ao Brasil.
Os Jaques, segundo essas notícias, eram originários do reino de
Aragão. Huillelm Jaques, com seu filho Diogo Gil Jaques, passou a Portugal
ao tempo da menoridade de D. Afonso V, quando governou o reino D. Pedro,
duque de Coimbra, que lhe fez mercvê de terras no Algarve. Pero Jaques,
filho de Diogo Gil, foi como seu pai fidalgo da casa real, teve as mesmas
terras e morgado, e foi feito por D. Afonso V comendador de Bouças. Esse
Pero Jaques foi o pai de Cristóvão Jaques, filho segundo, bastardo, porque os
comendadores então não podiam casas, havido em Beatriz Afonso, mulher
solteira, filha de lavrador honrado. Por carta de D. João II, datada de
Montemor-Novo, a 31 de Janeiro de 1495, Cristóvão Jaques foi legitimado;
como na mesma carta o rei diga: “querendo fazer graça e mer cê a Cristóvão,
filho de Pêro Jaques”, observa o Sr. Esteves Pereira, ib., 363, que “na data da
legitimação Cristóvão Jaques devia ser mancebo de cerca de quinze anos,
tendo nascido pelos anos de 1480”.
Não se casou no Algarve com D. Isabel de Paiva, filha de Gil Anes
de Magalhães, o cavaleiro, e D. Isabel de Paiva, sua mulher, conforme se tem
escrito; mas com uma filha de Francisco Porto Carreiro, da qual houve três
filhos, dois homens e uma mulher: Manuel Jaques Porto Carreiro, talvez o
mesmo Manuel Jaques referido em outra nota; Francisco Porto Carreiro e
Catarina Jaques, que foi casada com seu tio Henrique Jaques.
Das mesmas notícias consta que D. Manuel, sendo Cristóvão Jaques
fidalgo de sua casa, o mandou ao Brasil, dando-lhe cem mil reais para armar
dois navios. Por outro mandado sabe-se que veio ao Brasil e “gastou na
viagem dois anos, quatro (aliás dez) meses e dezoito dias, que começaram em
21 de Junho de 1516 e acabaram em 9 de Maio de 1519, com o ordenado de
dezoito quintais de pau-brasil por ano... e recebeu de Pedro Cardoso, feitor
das almandravas do reino do Algarve e cavaleiro da casa do rei, cento e vinte
e cinco mil e quinhentos reais, além do que cobrou depois os cem mil reais
que lhe havia prometido”, ib., 363. Dessa última quantia passou-se alvará, em
2 de Setembro de 1521, para lhe ser paga pelo tesoureiro Fernão Álvares;
mas é possível que houvesse delongas no pagamento.
60
Foi nessa viagem, cujas instruções deviam ser contra os castelhanos,
que Cristóvão Jaques, depois de fundar uma feitoria em Pernambuco,
encontrou ao sul, em um porto de Santa Catarina, nove dos companheiros de
Solis, e navegou até o Rio da Prata, conforme, baseado na carta de Luís
Ramirez, presumiu Capistrano de Abreu (Livros I e II da História do Brasil
de Frei Vicente do Salvador, pág. 35, nota, Rio, 1887; prefácio da História
Topográfica e Bélica da Nova Colónia do Sacramento, págs. XLIII-XLIV,
nota B, Rio, 1900) e agora, como justamente reconhece o Sr. Esteves Pereira,
vêm confirmar as notícias de Montarroio Mascarenhas.
A essa viagem devem referir-se as palavras do embaixador João da
Silveira a D. João III, em carta de Paris de 24 de Dezembro de 1527, Alguns
documentos da Torre do Tombo, pág. 490, avisando-o da partida projetada de
navios franceses “hum grão rrio na costa do Brasil... creo que he o que achou
Christovão Jacques”.
De uma carta ao imperador Carlos V, escrita pelo sem embaixador
em Portugal, Juan de Çuñiga, datada de Évora, 27 de Julho de 1524, tem -se
deduzido outra viagem de Cristóvão Jaques ao Brasil e ao rio da Prata em
1521. O embaixador diz ter atraído à sua pousada, uns quinze dias antes, um
homem que não nomeia, e que, confiando em sua palavra, embora com
grandes medos, lhe disse “que agora três años, el Rey don Manuel le dió
licencia que fuese á descubrir por aquella costa, prometiéndole grades
mercedes si hallase cobre y otras cosas que él deseaba, y dice que se fué
derecho al Brasil com dos carabelas, y que siguió la costa del dicho Brasil
por el sudueste setecientas leguas de donde ellos toman el Br asil, y que halló
à las CCC leguas, poco más ó ménos, nueve hombr4es de los que fueron com
um Juan de Solís á descubrir, y habló com ellos, y están casados alli, y
quisieran que él se los truxera, porque él no osó por ser astellano, y porque él
sabia que al Rey le habia pesado de lo que iba á descubrir el dicho Juan de
Solís, porque les prometió que si Dios alli le tornase, que los traeria. Dice
que en la tierra que aquellos están no hay cosa de provecho, y que seguió su
costa otras CCCL leguas, que son las DCC dichas, y que halló um rio de agua
dulce, maravilloso, de anchura de cuatorce leguas, y que subió por el rio doce
leguas y vió muy hermosos campos á todas partes, y que surgió alli y tomó
lengua de la tierra, y que dijeron que aquel río no sabian de donde venia sino
que era de muy lejos…” Esse homem, diz em começo de sua carta o
embaixador, “andaba com el Rey (de Portugal) en demandas y respuestas ára
que le pagase su trabajo, ayudandole par que pudiese volver all á, a vista de lo
que habia descubierto…” Medina, Juan Diaz de Solis, CCCXII-CCCXVI.
Do exposto vê-se que a expedição descrita se efetuou três anos antes
de 1524, isto é, em 1521; que era castelhano quem a empreendeu; que se
compunha de duas caravelas; que a trezentas léguas, pouco mais ou menos do
61
lugar onde os Portugueses tomavam pau-brasil, isto é, de Pernambuco,
seguindo para o sul, achou os nove homens da armada de Solis, em Santa
Catarina, e, continuando a navegar, foi ter a um rio maravilhoso , de quatorze
léguas de largura, pelo qual seguiu doze léguas. Vê-se também que, excluídas
as duas primeiras circunstâncias, as demais se ajustam perfeitamente à
armada de Cristóvão Jaques, de 1516 a 1519; por outro lado, não se conhece
nenhuma expedição portuguesa que no último ano do reinado de D. Man uel
viesse ao Brasil e ao Rio da Prata. Pode-se, portanto, admitir seja ele o
homem a quem Çuñiga se refere, embora contra essa hipótese militem as
duas circunstâncias apontadas: o tempo que o embaixador assinala para a
navegação e a qualidade de castelhano que atribui ao navegador. Quanto à
primeira, é possível engano de Çuñiga, ou do próprio Cristóvão Jaques,
dizendo três años, em vez de seis años, o que datia 1518 ou 1519, para termo
da viagem; quanto à segunda, é provável que Cristóvão Jaques, talvez
desgostoso pela demora das recompensas prometidas, ou por não ter
comissão nos primeiros anos do reinado de D. João III, pusesse seus serviços
à disposição da coroa de Castela e se dissesse castelhano para vê -los melhor
aceitos.
Parece, pois, que se deve eliminar a expedição de 1521, fundida com
a primeira de 1516 a 1519, sobre a qual não pairam dúvidas.
Da segunda viagem sabe-se por Frei Luís de Sousa, Annaes de elrei
Dom João Terceiro, pág. 178, Lisboa, 1844, que: “No mesmo (ano de 1526)
despachou El Rey a primeyra Armada que foy em seu tempo ao Brasil;
Capitão-mór Christovão Jaques. Foy correr aquella costa, e alimpalla de
corsarios, que com teyma a continuavão pollo proveito do pau Brasil. E erão
os mais dos portos de França do Mar Oceano.” Era uma armada de Guardacosta e destinava-se especialmente a impedir que os Franceses continuassem
a forragear em nosso litoral. Além de Cristóvão Jaques, que comandava a
nau capitânia, vinham como capitães de três caravelas Diogo Leire, Gonçalo
Leite e Gaspar Correia; mas não se conhece o número exato dos navios que
compunham a esquadrilha.
Uma carta do embaixador João da Silveira, datada de Paris a 11 de
Fevereiro de 1526, referida no texto, denunciava ao rei que se estavam
armando nos portos de França dez navios para o corso no Brasil, e essa seria
a razão decisiva para o apresto da armada. A data da saída de Portugal não
consta de documento algum conhecido. Da carta de Diogo Leite, de 30 de
Abril de 1528, Revista do Instituto Histórico, 6,pág. 222, deduz-se que o
tempo da armada era limitado a dois anos, “des o dya que chegamos a esta
costa”, e já estava terminado; portanto, acrescentando -se àquele tempo, pelo
menos, cinqüenta dias, que comportava a travessia oceânica, ter -se-ia para a
partida os dez primeiros dias e Março de 1526. Mas, com essa suputação não
62
concorda o fato de trazer o capitão-mor um alvará passado a 5 de Julho
daquele ano, que vem transcrito no texto, sobre a retirada de Pero Capico,
além de que, se foi a carta de João da Silveira uma das causas dete rminantes
da expedição, como parece, não é possível conceber que em tão angusto
prazo – de 11 de Fevereiro a 10 de Março – sem contar o tempo que levaria a
missiva do embaixador para chegar às mãos do rei, fosse ela aprestada. O
mais certo é que tenha zarpado em Setembro ou Outubro, que era a monção
preferida, para alcançar em Dezembro a costa do Brasil, como diz o autor. Do
modo por que foi cumprida a missão existem documentos vários que
certificam sobretudo da guerra sem tréguas feitas aos Franceses.
Reclamações e queixas chegaram à presença de D. João III e por isso talvez
Cristóvão Jaques tivesse sido substituído no cargo por Antônio Ribeiro, que
na feitoria de Pernambuco despachava a 26 de Outubro de 1528 uma petição
de D. Rodrigo de Acuña, para que se tomassem as declarações de alguns
marinheiros da nau São Gabriel sobre os desgraçados sucessos que
experimentaram desde sua separação da armada de Loaysa, Navarrete,
Colección de los viajes, 5, 313-321. Depois o nome de Cristóvão Jaques
ainda aparece em uma proposta, talvez de 1530, para povoar o Brasil,
introduzindo mil colonos, como consta de uma carta de Diogo de Gouveia,
datada de Ruão, 29 de Fevereiro e 1 de Março de 1532, a D. João III.
“Entretanto, - observa Capistrano de Abreu, Livros I e II da História
de Frei Vicente do Salvador, cits., - o seu oferecimento não foi aceito, nem
seu nome figura entre os dois donatários, ou porque não parecesse
satisfatório o seu desempenho de comissão, sobre o qual há muitas queixas,
fundadas ou não, ou por qualquer outro motivo não conhecido, e que teria
antes valor biográfico do que histórico.”
Veja-se sobre Cristóvão Jaques: - F. M. Esteves Pereira, História da
Colonização Portuguesa do Brasil, Vol. II, págs. 361-364; Antônio Baião e
C. Malheiro Dias, ibidem, vol. III, págs. 59-94. – (G.).
(II)
Sebastião Caboto chegou a Pernambuco em 4 de Junho de 1526, por
conseguinte um mês antes da nomeação de Cristóvão Jaques. Já encontrou
fundada a feitoria e nela notícias das riquezas do rio da Prata, que o
desviaram da projetada expedição às Molucas. É mais uma prova da viagem
de Cristóvão Jaques sob o reinado de D. Manuel, e de logo daquela vez ter
sido fundada a feitoria. Nada autoriza a crer que tivesse mudado de lugar.
Pernambuco parece ter sido primitivamente o nome do canal que separa
Itamaracá do continente. De um trecho do membro da expedição Alonso de
S. Cruz que Harisse publicou em John Cabot, the discoverer of North
63
America, etc., pág. 409, London, 1896, pode concluir-se que Itamaracá era
chamada naquele tempo ilha da Ascensão.
Em Pernambuco a primeira pessoa que se dirigiu para a nau capitânia
foi João ou Jorge Gomes, que estava desterrado e daí se incorporou à armada.
Medina, J. D. de Solis, CCXCIII. O feitor chamava-se Manuel de Braga,
como se vê no citado livro de Harrisse. – João de Melo da Câmara descreve
esses colonos como homens que se contentam “com terem quatro indias por
mancebas e comerem do mantimento da terra”, ao contrário dos que ele
queria introduzir, “homens de muita sustancia e pessôas mui abastada s, que
podem consigo levar muitas eguas, cavallos e gados, e todalas outras cousas
necessarias para o frutificamente da terra.” – (C.). – Manuel de Braga obteve
carta de mercê “dos officios de feitor e almoxarifado da capitania dos
bytygares que Pero Lopes tem no Brasil”, os quais por seu falecimento
passaram a João Gonçalves, criado de Pero Lopes, por carta de mercê feita
em 8 de Fevereiro de 1538. – Liv. 49, fls. 30 v. da Chancelaria de D. João III,
cit. pelo dr. Jordão de Freitas, na Lusitânia, vol. III, fasc. IX, pág. 324.
Em Dezembro de 1530, quando a feitoria foi saqueada por um galeão
de França, o feitor era Diogo Dias, que Martim Afonso foi encontrar na
Bahia. É possível que Manuel de Braga tivesse o cargo pela segunda vez, e
desta com a carta de mercê a que se refere o documento supracitado. – (G.).
(III)
Consta isso do seguinte trecho da carta que de Ruão escreveu a D.
João III Diogo de Gouveia, a 29 de Fevereiro e 1 de Março de 1532: “A
verdade era dar, Senhor, as terras a vossos vassallos, que tres annos ha que si
a Vossa Alteza dera aos dois que vos falei, a saber do irmão do Capitão da
ilha de S. Miguel, que queria ir com dois mil moradores la a povoar, e de
Christovão Jaques com mil, já agora houvera quatro ou cinco mil crianças
nascidas e outros moradores da terra casados com os nossos, e é certo que
após estes houveram de ir outros moradores e si vos, Senhor, estorvaram por
dizerem que enriqueciam muito. Quando vossos vassallos forem ricos, os
reinos non se perdem por isso, mas se ganham... porque quando la houver
sete ou oito povoações estes serão abastantes pera defenderem aos da terra
que não vendam o brasil a ninguem e non o vendendo as naus não hão de
querer la ir pera virem de vasio.
“Depois disto aproveitarão a terra, na qual non se sabe si ha minas de
metaes como deve haver, e converterão a gente á fé, que é o principal intento
que deve de ser de Vossa Alteza, e non teremos pendença com esta gente
nem outra...” – Varnhagen, Primeiras negociações, 135. [Revista do
Instituto, 65, 438].
64
O irmão do capitão da ilha de São Miguel chamava-se João de Melo
da Câmara: dele possuímos uma carta a D. João III, sem data, mas de 29 ou
30, como se vê do trecho acima de Gouveia, em que alude à sua proposta,
Melo da Câmara assim se refere a Christóvão Jaques: “... dá-me muita paixão
darem pessôas informações a Vossa Alteza como querem, por onde o fazem
assi estar perdendo tempo, e non tomar em nem uma cousa concrusão. E non
sei, Senhor, quem lh’as dá, porque lhe non dizem que dê as terras que
temperdidas a seus vasalos e naturaes, que lhas ganhem e povôem, pagando lhe aquelles direitos que Vossa Alteza ordenar e forem resão, e não buscarem
lhe cousas em que gaste dinheiro sem proveito, como agora me certificaram
que dizia Christóvão Jaques que lhe mandara Vossa Alteza dizer que nã fazia
nada desta terra sem seu parecer, o que lhe havia de mandar ou mandara já
por apontamentos. E que este meio buscara por terceira pessoa, que o
dissesse como de si a Vossa Alteza, que eu nã sei que parecer pode ser o seu,
pois que Vossa Alteza tem por experincia nisto quanto foi. E diz que buscou
este meio pera lhe dizer que nã dê sinã a tal parte a tal e que o mais guarde
pera si pelo muito ouro, e prata, e metaes que ahi havia e que pera aqui havia
de dar-me Vossa Alteza que o fizesse; mas até aqui não temos visto esta
somma de metaes, nem quem vos visse, sinã dizerem que um homem viu
outro... (falta) que fosse assi porque eu e os mais amigos nossos portuguezes
e naturaes somos e leaes, e nã castelhanos nem francezes, e tudo como é
servido de Vossa Alteza. E com isto diz que com estas cousas se ha de vingar
dos que lhe pedem o seu, e que os ha de fazer ficar nas mõtanhas e serranias
pera que se percam, porque elle crê que toda esta terra lhe pertence de
direito, e que nã ha lá de mandar Vossa Alteza outrem sinã a elle, e assi o
anda dizendo, que eu affirmo a Vossa Alteza que lhe o ouvi, e eu, Senhor, lhe
digo pera que saiba a verdade e a tenção e fundamento deste homem, e dahi
pode fazer o que mais seu serviço for. E si Vossa Alteza quizer mais
verdadeira informação da terra, aqui andam homens que o sabem tão bem
como elle, porque foram nella mais vezes, e que lhe darão verdadeiramente,
porque nã são partes no caso.” – Sousa Vitervo, Trabalhos náuticos dos
Portugueses nos séculos XVI e XVII, 1, 216-217, Lisboa, 1898. – (C.).
(IV)
Nota 26, da 1ª edição desta História, suprimida nas outras edições.
“Carta de Simão Affonso, de Sevilha: - Sñr. eu estou nesta cidade de
sevilha esperãdo requado de Vossa Alteza para daqui hir á corte do
emperador pedir execução cõtra João frz. de crasto e seus bes se V. A. asi
houver por seu serviço por que aqui ja esta detreminado q. se não ha de fazer
sem o dº conselho vir por especial mãdado ás justiças desta cidade que a
65
fação segundo tenho escrito a V. A., e per não vir mãdado de V. A. não sam
ja partydo porque sua justiça se perde é esto se dilatar mãdeme V. A. o que
for seu serviço porque não espero outra cousa.
Esta semana chegou aqui hu piloto e capitão que era hydo a
descobrir terra o quoal se chama gabote piloto mor destes reinos e he ho que
mãdou o navio que veo ter a lisboa agora ha dous anos que trazia nova de hua
terra descuberta polo rio Pereuái que dezião ser de muito ouro e prata, elle
veo muy desbaratado e pobre por q. dizer qué não tr az ouro né prata né cousa
algua de proveito aos armadores e de duzétos homes que leuou não traz vyte
que todos los outros dyzé que la ficão mortos hús de trabalho e fome outros
de guera q. cos mouros tiverão porq. as frechadas dizé mataraõ muitos deles e
lhe desfizerão hua fortaleza de madeyra que la tinhaõ feyta, de maneira que
eles vem mal cõtétes, e o piloto está preso e dizé que quere mãdar á corte ver
o q. mãndoõ que se dele faça, o que disto pude saber e se aqui pobrica ayda
que mui paso que na terra que dezião ter descuberto não deixaõ nenhum
requado salvo a géte morta e o gasto perdido, dizé com tudo estes homes que
vierão que a terra he de muita prata e ouro e a causa pesq. não traze nada he
segundo dizé per que o capitão os não quis deixar tratar e taobem perque os
mouros os eganaraõ e se levantaraõ cõtraeles disto podera V. A. crer o que
lhe parecer, da terra ficar deserta não tenho duvida o rio dizé que he muito
grande e alto e muito largo, na étrada se V. A. ouver por seu serviço mãdar la
agora o podera fazer, porq. esta géte apartase donde não ve drº, e se acergua
disto poder ao diãte saber mais particularidades escreverei a V. A., nosso snr,
a vida e real estado de V. A. cõserve a acrecéte per muitos anos, de sevilha
ha ij dagosto de 1530. – Simão, doctor.” (Torre do Tombo, Conf. Cron., I, 45,
90). – Conf. Henry Harisse, John Cabot, the discoverer of Nort-America, and
Sebastian his son, citado, págs. 196. 427-428. – (G.).
(V)
Torre do Tombo, Chancelaria de D. João III, liv. 56, fls. 130 v. –
(A.). Da volta de Henrique Montes dá notícia Herrera, Dec. IV, 1. X, c. 6. –
(C.). – Henrique Montes era português: Harrisse, John Cabot, the discoverer
of Nort-America, and Sebastian his son, citado, pág. 239; Medina, El
veneciano Sebastian Caboto al servicio de España, Santiago de Chile, 1908,
t. I, pág. 261, citando a declaração de mestre Juan, ibidem, t. II, pág. 238.
Teria quatorze ou quinze anos de idade, quando acompanhou a expedição de
Solis ao rio da Prata. De volta, em 1516, naufragou o galeão em q ue vinha
com dez companheiros, nas vizinhanças do porto dos Patos, e ficou entre os
índios até regressar à Espanha na armada de Cabot. Nesse intervalo prestou
bons serviços a D. Rodrigo de Acuña, o comandante da São Gabriel, quando,
66
depois de abandonar a esquadra de Loaysa, tocou naquele porto.
Montes levou consigo para a Espanha duas índias forras, suas
mulheres; com uma delas passou a Portugal, a outra ficou em Cantillana.
Embarcou de novo na armada de Martim Afonso de Sousa, como
consta de Herrera, no lugar citado em princípio desta nota.
Melchior Ramirez, natural de lepe, era com Montes derrelito da
armada de Solis, em que tinha a graduação de alferes. Voltou à Espanha com
Diego Garcia, que passou pelo porto de Patos pouco depois de Cabot.
Sobre Montes há abundantes informações nos livros de Harrisse e
Medina, citados supra, como também no deste último – Juan Diaz de Solis,
vol. I, onde à pág. CCCXXXVIII se encontra o fac-símile de sua assinatura.
Veja-se ainda a carta de Luís Ramirez, na Rev. do Inst. Hist., t. 15, 1853,
págs. 14-41. – (G.).
(VI)
“Era Martim Afonso de Sousa um fidalgo principal e de alta
linhagem, neto de Pedro de Sousa, senhor do Prado, e filho de Lopo de
Sousa, senhor do Prado, Pavia e Baltar, alcaide-mor de Bragança, e aio do
duque de Bragança. D. Jaime. O próprio Martim Afonso de Sousa foi na sua
primeira mocidade criado dos duques, passando depois para o serviço de
príncipe herdeiro, D. João. Ele e seu primo co-irmão, D. Antônio de Ataíde,
foram os dois grandes validos e privados de D. João, chegando a tal este
valimento que ofuscou o ânimo cioso del-rei D. Manuel, o qual tratou de
arredar os dois jovens fidalgos da companhia de seu filho... Martim Afonso
de Sousa era “fantesioso e opiniatigo”, e ressentiu-se tanto desta intervenção
do rei, e da fraca resistência oferecida pelo príncipe às determinações de seu
pai, que se retirou para Castela. Visitou então Salamanca, e residiu mesmo
durante algum tempo naquela cidade, vindo a casar ali com D. Ana Pimentel,
filha de Aryas Maldonado, regedor de Salamanca e Talavera, e pertencendo a
uma das mais nobres famílias daquela província.
“Quando el-rei D. Manuel faleceu, ainda Martim Afonso se
conservava em Espanha e ali se deteve até que o novo rei o mandou chamar;
o que este não fez nem tão prontamente nem de tão boa vontade quando ele
esperava e desejava. No ânimo fraco e volúvel de D. João III estava já tanto
apagada a memória da antiga amizade, “a privança era resfriada”. Dominava o além disso a influência do outro valido, Antônio de Ataíde , que depois foi
conde da Castanheira, vedor de sua fazenda, e já então era, como continuava
a ser, o seu principal e mais intimo conselheiro. Dados os hábitos da corte de
então, podemos crer que Antônio de Ataíde receasse a presença do seu antigo
amigo e rival, e desejaria conservá-lo arredado da pessoa do rei. Por isso
67
vemos Martim Afonso encarregado depois de altas e honrosas, mas
longínquas comissões.” – Ficalho, Garcia da Orta e o seu tempo, 65-66,
Lisboa, 1886. – (C.).
(VII)
João Ango obteve duas cartas de marca. Uma, de 27 de Junho de
1530, autorizava-o a apresar bens de súditos portugueses no valor de
duzentos e cinqüenta mil ducados. D. Antônio de Ataíde, conde da
Castanheira, conseguiu reavê-la, pagando a Filipe de Chabot, conde de
Charny, a quantia de 10.000 francos, e a João Ango, nos prazos que se
fixassem, a quantia de 50.000. Em documento passado em Ruão a 29 de
Fevereiro de 1531 (sic) João Ango reconhece juntamente com os consórcios
ter recebido do conde da Castanheira e Gaspar Vaz a quantia convencionada.
Este dinheiro, aliás, não lhe deu fortuna. Morel, um dos sócios, promoveu
contra o grande armador uma ação que, iniciada em 1548, terminou em 1604,
condenando os herdeiros de Ango a pagarem aos de Morel a quantia de
30.000 ducados, com o juro de 14% a partir de 1531.
A primeira carta de marca nada tem com o Brasil. A segunda,
concedida em 3 de Fevereiro de 1543, refere-se a um navio tomado em 1531,
segundo parece, e pode relacionar-se com a expedição de Martim Afonso.
Ango alega que seu navio La Michelle, tendo de carregar na costa do Brasil
em certa abra chamada Aster – nome evidentemente deturpado, porque não é
europeu nem americano -, capitães e súditos portugueses tomaram-no, e
levaram-no a Portugal, onde ficou a serviço do dito rei. Da gente do La
Michelle, parte refugiou-se entre os índios, parte foi levada para o reino, e lá
conservada presa. Na longa detenção morreram alguns dos aprisionados.
A data desse sucesso não é positivamente declarada, mas não tendo
entrado na primeira carta de marca, outorgada em 1530, e referindo-se a
segunda carta, em seguida ao sucesso do La Michelli logo outro de 1532
(quiçá 1533), naturalmente foi nesse meio tempo, durante a assistência de
Martim Afonso no Brasil, que isso passou.
A expedição de Martim Afonso, como veremos na seção seguinte,
tomou duas naus francesas a 31 de Janeiro de 1531: a gente de uma fugiu
para terra; sobre a tomada da outra nem uma particularidade oferece o Diário
de Pero Lopes. Terceiro navio tomou a 3 de Fevereiro depois de grande
resistência. Antes de deixar Pernambuco, Martim Afonso queimou um dos
navios, outro mandou para Portugal por João de Sousa, no último batizado
Nossa Senhora das Candeias, seguiu Pero Lopes para o Sul. La Michelli
podia ser tanto o navio de João de Sousa, como o de Pero Lopes, ambos
aproveitados no serviço real. Pode-se consultar sobre o assunto, F. Palha. A
68
carta de marca de João Ango, Lisboa, 1882, que trata só da primeira, e Eug.
Guénin, Ango et ses pilotes, Paris, 1901, que publica ambos os documentos. –
(C.).
(VIII)
Ordenações Manuelinas, liv. V. títs. 98 e 112. Veja -se também n. 11
do maço 1º das leis sem data. A respeito da naturalidade de João Afonso,
posta em dúvida pelo douto D’Avezac, vejam nos esclarecimentos que
publicamos no escrito – Amerigo Vespucci, etc. – (A.).
Em carta de Gaspar Palha, de Paris, 1 de Maio de 1531, lê-se:
“Depois de ler esta carta, fui topar com um homem de Rochella que chegava
então della, e me comecei informar delle, sem que me este conhecesse, das
novas que lá havia; entre outras coisas lhe perguntei que era feito de João
Afonso, aquelle piloto portuguez que ahi estava. Disse-me que andava
homesiado, porque quando se perdera com tormenta na costa da Bretanha,
que houvera razões com um filho que tinha já homem, e que o mat ara, e que
por este caso andava agora homesiado, que non ousava parecer.” – Raccolta
Colombiana, parte V, vol. II, pág. 296. Uma carta de Gaspar Vaz para D.
João III, escrita de Honfleur em 19 de Outubro de 1531 e extratada por
Santarém, Quadro elementar, III, 244, confirma a nacionalidade portuguesa
de João Afonso, do mesmo modo que um documento de 3 de Fevereiro de
1533, citado em Fr. Luís de Sousa, Anais de D. João III, 377. Contudo, Sousa
Viterbo, Trabalhos náuticos, s. v., acha a questão duvidosa. – (C.).
69
SECÇÃO VIII
RESULTADOS DA EXPEDIÇÃO DE MARTIM
AFONSO
Seus feitos. Os Franceses. O Maranhão, A Bahia. Combate naval
dos índios. Martim Afonso na Bahia e no Rio. Ilha da Cananéia. Oitenta
homens ao sertão. Padrões da Cananéia. Naufrá gio de Martim Afonso.
Pero Lopes sobe o Paraná. Martim Afonso fica na costa. Escolha do porto
de São Vicente. Sua descrição. Estabelecimento da colônia. João
Ramalho. Etimologia do nome Piratininga. Piracemas. Vilas de São
Vicente e de Piratininga. Concelhos das duas vilas. Sesmarias. Direitos
dos colonos. Jurisdição eclesiástica primitiva.
Acabava Martim Afonso de avistar a costa de
Pernambuco, quando descobriu ao longe uma nau francesa.
Pouco lhe custou dar-lhe caça, e rendê-la; fugindo no batel
para terra toda a tripulação, menos um só homem. Seguiu-se a
esta presa a de outras duas naus, também francesas, e
carregadas, como estava também a primeira, de brasil. De uma
delas coube o apresamento a Pero Lopes, que depois de a
haver seguido com duas caravelas, e combatido um dia todo,
conseguiu rendê-la.
Feliz com tão boa estréia, dirigiu-se Martim Afonso ao
próximo porto de Pernambuco; e daí resolveu mandar a
Portugal uma das naus apresadas, com a notícia do sucedido
(I), levando outra consigo, caminho do rio da Prata, e
queimando a terceira por incapaz (II). Igualmente resolveu,
talvez em virtude de ordens que tinha, mandar as duas
caravelas para as bandas do Maranhão, a fim de fazer explorar
por aí a costa, e de colocar nela padrões em sinal de posse.
70
Diogo Leite foi o capitão a quem Martin Afonso confiou o
mando dessas duas caravelas. Sabemos que este chefe,
percorrendo o litoral de leste-oeste, chegou pelo menos até a
baía de Gurupi, que por algum tempo se denominou “abra de
Diogo Leite”; – nome este que já se lê em um mapa em
pergaminho de toda a costa, feito por Gaspar Viegas em 1534
(1).
Da nau francesa mandada a Portugal foi capitão João de
Sousa, Além de umas setenta toneladas de brasil, levou trinta e
tantos dos prisioneiros, e em fins de Julho estava a dita nau
fundeada em Vila Nova de Portimão, no Algarve, onde se
procedeu à venda da sua carga de brasil, à razão de 800 a 900
réis o quintal (2).
De Pernambuco seguiram os outros navios para o sul, e
foram entrar na baía de Todos os Santos, descoberta em 1501.
Aqui se apresentou ao capitão-mor o português Diogo Álvares,
que em terra vivera entre os índios os vinte e dois anos
anteriores, e que aí tinha muitos filhos, havendo -se aliado a
uma índia, cujo nome primitivo corre haver sido Paraguaçu,
Catarina o da pia batismal (3).
Por intervenção do mesmo Diogo Álvares, vieram todos
os principais visitar ao capitão-mor, trazendo-lhe mantimentos, que foram retribuídos com as dádivas de costume.
Admirou Pero Lopes na baia a alvura da gente, a boa
disposição dos homens, e a formosura das mulheres, que não
achou inferiores às mais belas de Lisboa.
Reservando-nos a tratar, mais ao diante, do colono
Diogo Álvares e desta baía, nos limitaremos agora a dizer que,
durante os quatro dias que fundeada se demorou a armada,
tiveram os nautas ocasião de presenciar um combate naval
71
travado dentro do recôncavo; naturalmente entre os da ilha de
Itaparica, e os do lado do norte que senhoreavam as terras
onde se assentou depois a cidade do Salvador. Cada
esquadrilha constava de cinqüenta canoas, guarnecidas
algumas destas de sessenta homens, todos escudados de
paveses de cores, semelhantes aos que usavam então os
guerreiros marítimos portugueses. O combate durou desde o
meio-dia até o sol posto; – os da armada européia
conservaram-se impassíveis espectadores desta naumaquia
entretrópica, e viram com gosto decidir-se o triunfo pelos que
combatiam do lado em que eles estavam surtos. Muitos dos
vencidos caíram prisioneiros; e com estes praticaram os
vencedores o costumado uso de os matarem, com grandes
cerimônias, e de lhe tragarem depois – oh, asqueroso horror! –
as carnes.
Martim Afonso, deixando com Diogo Álvares dois
homens e muitas sementes, para saber-se por experiência o que
a terra (que segundo doze anos antes publicara Enciso (4) era
de pouco proveito) poderia melhor produzir, velejava com sua
pequena frota para o sul, quando, ao cabo de alguns dias, foi
obrigado a arribar. Entrando na mesma baía, em 26 de março
(1531), encontrou agora aí fundeada a caravela que, com
destino a Sofala, passara por Pernambuco, e recebera a bordo a
Diogo Dias, feitor do estabelecimento ou feitoria, que o galeão
francês havia, meses antes, saqueado (5). Martim Afonso,
vendo que esta caravela lhe podia servir, decidiu-se a levá-la
consigo. No dia imediato levantaram de novo âncoras todos os
navios da armada, e seguiram navegando para o sul até que
entraram, em 30 de Abril, no porto ou baía já então conhecida
pelo impróprio nome de “Rio de Janeiro” (6). Para não
72
deixarmos de aproveitar a mínima eventualidade no pouco que
sabemos do que então se passou nesta paragem, cujas menores
circunstâncias hoje interessam a todo o país, transcreveremos
fielmente quanto nos transmitiu um dos nautas, que logo
veremos donatário de Itamaracá, Santo Amaro e Santa
Catarina. É Pero Lopes quem prossegue, em seu estilo, tão
ingênuo como pitoresco: “Como fomos dentro (da baía de
Janeiro) mandou o capitão I. (Martim Afonso) fazer uma casa
forte com cerca por derredor; e mandou sair a gente em terra, e
pôr em ordem a ferraria, para fazermos coisas de que tínhamos
necessidade. Daqui mandou o capitão I. (Martim Afonso)
quatro homens pela terra dentro: e foram e vieram em dois
meses; e andaram pela terra cento e quinze léguas, e as
sessenta e cinco delas foram por montanhas mui grandes; e as
cinqüenta foram por um campo mui grande; e foram até darem,
com um grande rei, senhor de todos aqueles campos; e lhes fez
muita honra, e veio com eles até os entregar ao capitão; e lhe
trouxe muito cristal, e deu novas como no rio de Paraguai
havia muito ouro e prata (7). O capitão I. lhe fez muita honra,
e lhe deu muitas dádivas, e o mandou tornar para as suas
terras. A gente deste rio é como a da baía de Todos os Santos;
senão quanto é mais gentil gente. Toda a terra deste rio é de
montanhas e serras mui altas. A melhores águas há neste rio
que podem ser. Aqui estivemos três meses tomando
mantimentos para um ano, para quatrocentos homens que
trazíamos, e fizemos dois bergantins de quinze bancos”.
Cumpre aqui acrescentar que o mencionado
estabelecimento de Martim Afonso, nesta baía, deve ter tido
lugar na enseada em que desemboca o rio Comprido; e em uma
73
paragem que, ainda meio século depois, de denominava “porto
de Martim Afonso” (G. Soares, I, cap. 52).
Deixando o Rio de Janeiro foram os navios, ao cabo de
doze dias de navegação, ancorar da banda de dentro da ilha
chamada “do Abrigo”, junto do porto da Cananéia. Por este
último, cujas águas, com o nome de “Mar pequeno”, se
estendem terra dentro (desde o rio de Iguape até o sul da barra
de Ararapira, onde acaba a ilha que ora chamam do Cardoso) e
quase a comunicam com a baía de Paranaguá, mandou Martim
Afonso ao piloto Pedro Anes, entendido na língua dos índios,
que fosse, em um bergantim, haver fala dos que ali houvesse.
Este piloto voltou cinco dias depois, conduzindo a bordo do
bergantim um bacharel português, que havia trinta anos que ali
estava, isto é, como vimos, desde a primitiva exploração da
costa em 1502, um tal Francisco de Chaves, e vários
castelhanos.
Este Francisco de Chaves, naturalmente, era algum dos
aventureiros que antes haviam chegado até as terras do Inca. O
certo é que, pelas informações que deu e promessas que fez de
trazer, dentro de dez meses, quatrocentos escravos carregados
de prata e ouro, Martim Afonso acedeu a mandá-lo seguir de
oitenta homens armados, metade de arcabuzes, e outra metade
de bestas, da sorte dos quais adiante trataremos.
Quarenta e quatro dias se demorou a esquadra junto da
Cananéia, durante os quais esteve sempre encoberto o sol,
circunstância pouco para admirar aos que saibam que ainda
hoje raras vezes ele se mostra radiante aos habitantes desses
contornos.
Também no ancoradouro se romperam muitas amarras e
perderam-se várias âncoras, o que sucede ainda agora nesse
74
porto, cujo fundo tem rato, como dizem os mareantes, daqueles
que rompem as amarras, quando não são de elos de ferro.
Defronte da ilha da Cananéia sai da terra para o mar um
pontal de pedra, que se chama hoje de Itaquaruçá, onde ainda
existem três padrões de mármore sacaróide, do que se encontra
nas formações vulcânicas das imediações de Lisboa, os quais,
com toda a probabilidade, foram ali postos durante estes
quarenta e quatro dias, apesar do silêncio que a tal respeito
guarda o (tantas vezes desesperantemente omisso) escritor dos
feitos desta expedição, que merece desculpa, porque não se
propunha ele a ser cronista, mas somente a consignar por
escrito o seu roteiro ou diário marítimo. Os padrões da
Cananéia que examinamos pessoalmente, são de quatro palmos
de comprido, dois de largura e um de grossura; e têm
esculpidas as quinas portuguesas, sem a esfera manuelina, nem
castelos; e nenhuma data se lê em suas faces (8).
Com o pensamento sempre na colonização do rio da
Prata, seguiu Martim Afonso para o Sul, e daí a dias, a 26 de
Setembro, experimentou tão grande temporal que a capitânia
deu à costa, junto ao riacho de Chuí, na atual fronteira
meridional do Brasil; do que resultou perecerem sete pessoas.
Reunidos de novo todos os navios, excetuando um
bergantim também naufragado, chamou Martim Afonso a
conselho todos os que para isso eram, e neste foi assentado
que, em virtude, não só da falta de mantimentos, originada da
perda da capitânia, como do mau estado das outras duas naus,
que se não poderiam expor aos temporais do rio da Prata
naquela estação (naturalmente os conhecidos pampeiros), se
desistisse da empresa de ir colonizá-lo.
75
Apesar desta resolução, julgou Martim Afonso que,
estando tão perto desse tio, não devia deixar para mais tarde o
ato da posse dele, por meio dos padrões que levava. Jul gando
ser para isso suficiente um bergantim com trinta homens,
encarregou o comando deste, e a comissão de pôr os mesmos
padrões, a seu irmão Pero Lopes (9), que se fez de vela em
companhia de Pero de Góis, ao depois donatário da capitania
de São Tomé ou Campos de Guaitacases. – Desempenhou Pero
Lopes o mandato, subindo pelo Paraná e Uruguai, e achando se de volta, decorrido pouco mais de um mês. Desta
exploração do rio da Prata é que seu chefe Pero Lopes, a quem
ela deu tantos trabalhos, se compraz de nos transmitir
informações muito mais minuciosas do que costuma. Ainda
mal, são justamente todas alheias à nossa história, e mais
poderão interessar à dos estados limítrofes do Brasil pelo sul.
Muito provável é que no entremeio de tantos dias, em
que Pero Lopes demarcava o Rio da Prata, não estivessem
ociosos os pilotos que haviam ficado na costa com Martim
Afonso. Em terra tiveram ocasião de fazer freqüentes
observações astronômicas (10) sobre a latitude e longitude do
lugar e isso lhes daria a convicção, e ao capitão-mor, de que
aquela costa e, com mais razão, todo o rio da Prata, já se
achavam fora, isto é, mais a oeste, da raia até onde se estendia,
pelo tratado de Tordesilhas, o domínio português naquelas
paragens. Ao conhecimento deste fato em Portugal dev emos
atribuir o não prosseguirem em Madri as reclamações acerca
desse rio; e o desistir aquele reino de mandar mais frotas às
suas águas; e até o não doar, quando doou outras terras, as que
ficaram além das de Sant’Ana, ou da Laguna, onde terminava
a courela que de direito ainda por aí lhe tocava.
76
Talvez também pelo conhecimento desse fato, mais que
por serem aí as terras (no litoral) sáfias e areentas, é que
Martim Afonso não se deixou ficar nas plagas da atual
província do Rio Grande, onde o lançara de si o próprio mar, e
decidiu retroceder mais para o norte, a buscar outro local onde
fixar-se de preferência. Entrando no porto de São Vicente, o
bom abrigo que nele encontrou para as naus, a excelência das
águas, a abundância do arvoredo, encantador principalmente
aos que acabavam de viver nos areentos planos do Chuí, a
amenidade do clima, por certo mui preferível ao do vizinho
porto da Cananéia, onde nunca se vira o sol durante quarenta e
quatro dias, e talvez, mais que todas estas razões, a presença
de um colono português, por nome João Ramalho, que ali
contava já mais de vinte anos de residência e que,
naturalmente avisado pelos índios, apareceu dando razão da
terra e de como toda ela pelo interior era de campos e clima
semelhantes aos amenos de Coimbra onde nascera – tudo
concorreria a predispor o ânimo do capitão-mor em favor desta
paragem para fundar nela, como fundou, a primeira colônia
regular européia no Brasil. E dizemos a primeira, porque não
podemos chamar colônias regulares às pequenas feitorias
provisórias fundadas antes, nenhuma das quais vingou até
chegar a ter as honras de povoação e de vila.
É o porto de São Vicente por assim dizer formado em
um canal que, convenientemente, se afeiçoa entre duas ilhas de
mediana extensão conchegadas à terra firme. Mais metida por
esta adentro fica a que se diz de São Vicente, cuja planta
apresenta alguma semelhança ao perfil de uma cabeça humana,
vista pela face direita (11), Um pouco para o norte, se
prolonga a vizinha ilha de Santo Amaro que, nesse rumo, vai
77
fenecer na barra do canal chamado da Bertioga, corrupção de
Buriqui-oca, que quer dizer covil de bugios; o que prova que
aí devia de haver muitos; pois eram os Tupis sinceros em tais
denominações (III). Assim à dita ilha de Santo Amaro
chamaram eles do Guaimbé (12), planta deste nome, que nela
dava como verdadeira praga. A ilha de São Vicente chamavam
Orpion ou Morpion (13), nome que somente podemos explicar
como uma contração de Morubi-nhum, isto é, “campo dos
trabalhadores ou lidadores”. O nome de São Vicente lhe
proveio da povoação nela construída, que o recebeu, em
virtude de ser o que já tinha o porto.
O local desta última ilha, escolhido para assento da
colônia, foi uma quase insensível eminência fronteira à barra e
à ilha de Santo Amaro, mui lavada de ares, e situada no meio
do istmo para um farelhão ou promontório, em que ela remata
por este lado. Os morros deste promontório alimentariam os
mananciais de água para a povoação; e dariam no princípio
pedra para as obras; e os matos, que ainda hoje os cobrem,
forneceriam com a maior comodidade a necessária lenha. Um
pequeno regato, essencial para muito em qualquer povoação,
corre para o lado da barra, e vai desaguar na deliciosa praia
que segue contornando a ilha. – Para o rumo oposto, a quase
igual distância, havia outra vez água, um mar pequeno, com
beiras mui a propósito para porto e varadouro das canoas.
Finalmente, do local preferido se descobria, pela barra, o mar
até perder-se no horizonte, o que permitiria aos moradores,
sem atalaias de aviso, juntarem-se a tempo para acudir a
qualquer rebate de pirata inimigo. O viajante que percorresse a
ilha de São Vicente, em busca da melhor paragem para uma
povoação, sobretudo no mês de Janeiro, em que a praia de
78
Embaré, fronteira à barra, está alagada, ainda hoj e não
indicara outra mais adequada, se o porto de São Vicente
pudesse competir com o de Santos, aliás abafadiço e tristonho
(14).
Martim Afonso não quis, porém, limitar-se a fundar
uma só vila. À vista das informações que lhe deu João
Ramalho, assentou de reforçar esta, contra qualquer tentativa
de inimigo marítimo, com outra povoação sertaneja, que ao
mesmo tempo servisse de guarda avançada para as futuras
conquistas da civilização. As duas vilas irmãs fiariam assim no
caso de prestarem apoio uma à outra, segundo lhes viesse do
mar ou da terra o inimigo, ao passo que a marítima receberia,
ao mesmo tempo, socorros das naus do reino, a quem por seu
turno socorreria.
De São Vicente para o interior, a umas três léguas, se
levanta o continente, apresentando para o mar um paredão, em
forma de serra, às vezes elevada de mais de dois mil pés. Do
cimo manam vários riachos, dos quais um se despenha com tal
fúria que de longe se vê branquejar a espuma de seus ferventes
cachões. Chamavam-lhe os índicos Itu-tinga ou cachoeira
branca. As águas desses riachos, promiscuindo-se com as
salgadas do mar, recortam todas as planícies debaixo, por tal
forma em esteiros que, vistas estas dos altos ao longe, mais
parecem marinhas de sal, que braços de mar ou de rios. – À
serra denominavam os índicos, como nós hoje, paranápiacaba, o que quer dizer “de onde se vê o mar” (15).
Desde aquelesw cimos elevadíssimos, as águas baixam
com o terreno para o interior, quase insensivelmente; pois este
se reduz na essência a uma extensa chapa ou chapada, que para
o sertão se ramifica em vários sentidos até mui longe. A zona
79
vizinha ao mar, o paredão de serra para o lado dele, reforçado
por muitos espigões ainda o primeiro par de léguas para o
interior, são vestidos de vegetação vigorosa de mato-virgem,
que alcança até um linde que chamam “Borda do Campo”; pois
que daí por diante a terra não é de matos e, apenas de quando
em quando, povoada de reboleiras e de pequenas boscagens,
algumas delas de pinheiros curis ou araucários, que os índios
muito apreciavam, pelo alimento que lhes forneciam seus
grandes pinhões (16).
A algumas léguas da Borda do Campo, e próximo de
uma ribeira, cujas margens não deixam de recordar as
coimbrãs do plácido Mondego, era a aldeia em que
principalmente vivera João Ramalho, com a sua família, já
numerosa, como se pode imaginar, sabendo que vinte anos
passara livremente entre aquela gente, à lei da natureza.
Chamavam-se, tanto a aldeia como a ribeira, de Pira-tininga
ou do Peixe-seco (17). nome que em outros lugares do Brasil
se pronunciava Pira-sinunga, e queria dizer o mesmo. A
origem do nome explica a causa por onde se fundara aí a
aldeia: provinha aquela das freqüentes pira-cemas ou invasões
do peixe, pelas margens principalmente do chamado saguairu,
isto é, de certos enxurros e desenxurros, digamos assim,
demasiado rápidos, a que era, e é ainda, sujeita a dita ribeira;
em virtude dos quais o peixe ficava em seco pelas margens, o
que dava aos moradores destas grande fartura; como sucede
aos povos do litoral quando, com os temporais, dão certos
peixes à costa. O fenômeno das pira-cemas é freqüente em
vários rios do império, sobretudo nas proximidades de sua foz,
donde se pode imaginar que vem tal fenômeno a ser como uma
pequena pororoca, causada pelo desempate de suas águas com
80
as do monte do outro rio, em que aflui o da piracema. Foi a
aldeia de Piratininga que Martim Afonso escolheu para fundar
a colônia ou vila sertaneja, cujo governo militar confiou a João
Ramalho, com o pomposo título de guarda-mor do campo. Eis
a origem européia da atual cidade de São Paulo.
Ouçamos agora o que nos diz Pero Lopes de Sousa,
testemunha de vista, durante os primeiros quatro meses de vida
das ditas duas colônias: “Repartiu o capitã-mor a gente nestas
duas vilas, e fez nelas oficiais; e pôs tudo em boa ordem de
justiça; do que a gente toda tomou muita consolação, com
verem povoar vilas, e ter leis e sacrifícios, celebrar
matrimónios e viver em comunicação das artes; a ser cada um
senhor do seu; e investir as injúrias particulares; e ter todos
outros bens da vida segura e conversável”.
Nestas poucas palavras se encerram os pontos capitais
respectivos a qualquer sociedade constituída. Vemos as
colônias e as suas competentes autoridades; vemos o
reconhecimento das leis; vemos as práticas, assim do qu e
respeita às consciências, pelas cerimônias dos sacrifícios
religiosos, como ao estado social pela celebração dos
matrimônios; vemos garantida a segurança individual e a
propriedade, e sem valhacouto as tropelias e injúrias. Para
nada faltar, como bem essencial na vida “segura e
conversável”, diz-nos Pero Lopes que já viviam os colonos em
“comunicação das artes”.
Tal era o estado florescente das duas colônias, quando
Pero Lopes, por ordem de seu irmão, as deixou, fazendo-se de
vela aos 12 de Maio de 1532.
Enfim Martim Afonso não se descuidou da empresa
confiada à sua solicitude, e que mais no-lo recomenda, e o há81
de recomendar à posteridade, que todos os outros seus feitos
militares (apesar de mui brilhantes, de mais perecedoura
memória) praticados nesse Oriente por que tanto se afanava.
Enquanto no Brasil, não dava ele nem um dia de féria a seu
cuidado. A Igreja, a casa da câmara, o estaleiro, as sesmarias,
o tombo competente para estas, tudo o trazia ocupado – a tudo
acudia. Nem lhe consentiu o dever, nem talvez tampouco a
curiosidade, própria da sua idade, o deixar de empreender uma
jornada a Piratininga: e sesmarias chegaram até nós que ele aí
assinou. De falta de atividade nem sequer na velhice foi
acusado. O seu caráter, se tinha defeito, era antes o da viveza
afanosa, e de alguma violência.
Várias terras de São Vicente e de Piratininga destinou
ele desde logo, como era natural, para rocios e logradouros dos
dois concelhos, aos quais fixou os termos que julgou razoáveis
(18). – Escusamos dizer que estas vilas foram fundadas sem
diferença alguma do que se passaria, tratando-se da instalação
de qualquer colônia, em uma paragem menos povoada de
Portugal. Subentendeu-se que, em legislação e em tudo, os
novos moradores e os descendentes destas teriam, em relaç ão à
metrópole, os foros de naturais; e seriam governados pelas
mesmas leis vigentes, das quais nos ocuparemos mais ao
diante.
Quanto à jurisdição eclesiástica, vimos que em 1514
fora o Brasil considerado sujeito à mitra do Funchal. Cumpre
acrescentar que assim continuou ao declarar-se, em 1534,
metropolitana a sua sé, tendo por sufragâneos os bispados de
Angra, Cabo Verde, São Tomé e Goa, então criados por
Clemente VII; o que mais evidentemente se consignou na bula
82
– Romani Pontificis – de 8 de Julho de 1539, que reformou a
anterior (19).
NOTAS EM NÚMEROS ARÁBICOS
(1) Mais a oeste se vê designada a baía de São João. Chegaria a
ela Diogo Leite, no dia deste santo (24 de Junho), depois de haver
entrada, a 19 de março, na baía de São José, e a 25 de Abril na de São
Marcos: se é que estes nomes não haviam sido anteriormente dados por
Diego Lepe, em 1500. (A.).
Em 1537, estamdo Diogo Leite, cavaleiro da casa real, com uma
armada de cinco caravelas pousado sobre âncoras no porto da ilha do
Corvo à espera de uma nau da Índia, cinco navios franceses deram sobre
elas, e as tomaram e levaram com toda a artilharia, segundo uma carta de
D. João III a Rui Fernandes, de que existe cópia no Instituto Histórico.
Será o mesmo? – (C.).
(2) Veja (no Arm. 25, maç. 9, nº 5 do interior da Casa da Coroa
na Torre do Tombo) um livro rubricado por Diogo Toscano, almoxarife e
juiz da alfândega da dita vila. Consta desse livro que Lourenço Fernandes
viera por mestre da nau francesa de que João de Sousa viera por capitão,
sendo marinheiros Rodrigo Eanes e Afonso Vaz, e bombardeiro Aleixo
Pinto. Parece que eram no todo 927 quintais de brasil, dos quais 17 foram
dados de quebra. – (A.). – Cópia na Bibl. Nacional. – (C.).
(3) Frei Vicente do Salvador, que ainda a alcançou, “viúva mui
honrada, amiga de fazer esmolas aos pobres e outras obras de piedade”,
chama-lhe Luísa na Hist. do Brasil, livro III, cap. 1º (Pág, 150, da ed.
paulista de 1918). – (C.).
(4) Martin Fernández de Enciso, Suma de Geographia, Sevilha,
1519, § Índias ocidentales (sem núm. de fols.): ... “desde el [rio] de Sant
Frãcisco fasta ala baya de todos sanctos ay setenta leguas esta Baya al
sudueste: quarta al sur, en XIIj grados, queda en el medio puerto real que es
83
buen puerto, i tiene buenos rios i la de todos Sanctos tiene dentro unos ileos
pequeños, en esta entra dos rios buenos, i nel paraje desta costa es la tierra
algo baxa, la gente desnuda i comun pan de rayses: es tierra de povo
provecho…”. – (G.).
(5) Em 17 de Fevbereiro de 1531 havia dois meses que o galeão
francês saqueara a feitoria de Pernambuco: Diário de pero Lopes, Revista
do Instituto Histórico, 24, 1861, págs. 20-21; edições de Engênio de
Castro, págs. 128-132, e 131-135. Esse galeão não podia ser o que depois
foi tomado nas costas da Andaluzia pelas caravelas portuguesas que
andavam na armada do Estreito; arregava brasil e foi levado para Lisboa:
carta de D. João III para Martim Afonso de Sousa, de Lisboa, 28 de
Setembro de 1532, incluída na secção seguinte. – (G.).
(6) O nome de rio de Janeiro, já conhecido no tempo de
Magalhães, Notícias para a história e geografia das nações ultramarinas ,
4, n. 2, Lisboa, 1826, Raccolta Colombiana, parte 3ª, I, pág. 273, Roma,
1893, figura em mapas anteriores a 1530. Esses testemunhos bastariam a
provar que não foi Martim Afonso de Sousa quem deu o nome de rio de
Janeiro, se já não o soubéssemos pelo Diário de Pero Lopes. – (C.). – O
nome figura nas Declaraciones que algunos marineros de la nao San
Gabriel dieron en Pernambuco á 2 de noviembre de 1528 sobre los
sucesos desgraciados que experimentaron despues de sua separacion de
la armada de Loaísa en la entrada, del estrecho de Magalhanes , Navarrete, Coleccion de los viages, citada, V, pág. 318: “E asi venimos
hasta el rio de Janero...”. – (G.).
(7) Orville A. Derby, Revista do Inst. Hist. e Geogr. de S. Paulo ,
e José Luís Baptista, Primeiro Congr. de Hist. Nacional, in Rev. do Inst.
Histórico, tomo especial, 2, 1914, pensam que podiam estes emissários ter
chegado a Minas Gerais. Parece preferível admitir que tenh am ido a terras
de São Paulo, pois só nestas havia conhecimento das riquezas do rio
Paraguai. – (C.).
(8) Como asseverou o meritíssimo Cazal, I, págs. 227 e 228. –
Veja Fr. Gaspar pág. 32. Anais da Marinha, pág. 401. – Soares, I, cap. 65
e também Varnhagen, na Rev. do Instit. Hist., 12, págs. 374 e 375.
Convém aqui notar que já no século passado (XVIII) Afonso Botelho,
visitando esses marcos, ou antes o que está visível em cima, diz “que lhe
84
não aparece letreiro algum”. Veja a Descrição da comarca de Paranaguá,
Ms. na Bib. do Porto, 437. – (A.).
Um desses marcos, com o respectivo tenente ou testemunha, foi
em 1866 recolhido ao museu do Instituto Histórico, por iniciativa do Dr.
Guilherme Schüch de Capanema, depois barão de Capanema. Na Revista,
tomo 49, parte 2ª, págs. 261-265, ocorre notícia a respeito por Moreira de
Azevedo. – (G.).
(9) O piloto Francisco Fernández, espanhol, em Maro de 1800,
explorando a ilha de Maldonado, achou “uma piedra que pesaria três
quintales con un escudo grande de Portugal y en cima outro pequeño
atravesado con uma cruz...”. Segundo P. Groussac, Anales de la
Biblioteca, 4, pág. 315, Buenos Aires, 1905, trata -se evidentemente de
sinais deixados pela expedição de Martim Afonso de Sousa e Pero Lopes.
Sobre este e pontos conexos, veja-se o Diário de Pero Lopes, na edição de
Eugênio de Castro, Rio, 1927. – (G.).
(10) Assim no-lo confirma o matemático Pedro Nunes, em uma de
suas obras. – (A.). – Que ele (Martin Afonso) possuía um alto valor
intelectual é fato sobre que também não pode haver dúvida. Todos os
escritores do tempo, amigos como inimigos, se referem ao seu engenho
agudo e sutil, à sua razão clara e à prudência do seu conselho. Reunia aos
dotes naturais do espírito uma instrução pouco vulgar. Era -lhe familiar a
língua latina como se fosse a sua própria e materna. Passava na Índia as
raras horas de ócio em graves leituras de história. Era como D. João de
Castro perito nas questões de navegação e cosmografia. Quando voltou do
Brasil deu a Pedro Nunes miúda relação da sua derrota, “contou-lhe com
quanto diligência e por quantas maneiras tomara a altura dos lugares em
que se achara e verificara as rotas por que fazia seus caminhos”. e expôs lhe algumas dúvidas que tivera durante a navegação, as quais o grande
geômetra tomou em tanta conta que expressamente compôs um tratado
para as resolver. (Tratado que o doutor Pedro Nunes fez sobre certas
dúvidas de navegação, dirigido a El-Rei Nosso Senhor. – Anda anexo ao
Tratado da sphera, Lisboa, 1537). Escreveu as suas memórias, - um
Epítome da sua vida -, que provavelmente se perderam, mas ainda foram
vistas pelo erudito investigador conde da Ericeira. – Ficalho, Garcia da
Orta e o seu tempo, págs. 69-70. – (C.). – D. João III, em carta ao conde
da Castanheira, de 3 de Março de 1536, remetia -lhe o capítulo que Martim
Afonso escrevera sobre a navegação que as naus da armada, que iam para
a Índia, deviam fazer. Queria o rei que a matéria fosse examinada pelo
85
conde em prática com os pilotos que para isso eram, e do que se
assentasse se lhe chegou à Índia, e conclui assim: “Não se espante Vosa
Alteza de vos falar soltamente nas cousas de nagevaçam, porque eu cuydo
que tendes poucos em Portugal que a entendam milhor que eu; e mais
trabalho muyto pola saber, pois he pera vos servir con yso”. – J. D. M.
Ford, Letters of John III, citadas, págs. 254-256. – (G.).
(11) A boca se representa no Outerinho; Monserrate no lugar de
olho direito; Santos sobre o cavalete do nariz; a praia de Embaré na
papada, etc. – (A.). – Na secção XII o autor emprega imagem semelhante
para a ilha do Maranhão. – (C.).
(12) Gaibé escreve o jesuíta Simão de Vasconcelos; Guaybea diz
Tomás Grigs, em Hackluyt, 3, 704 e 706. – (A.). – 4, pág. 203, da
reedição de 1811. – (C.).
(13) Veja Thevet e Abbeville [Léry? Cf. C. Mendes de Almeida,
Rev. do Inst. Hist., t. 40, parte 2ª, 1877, pág. 237, nota, e 330. – (C.)] –
Staden diz Orbioneme, Orbion-ém, ou Orpion mà e na colecção Purchas
(5, 1242) há quem a denomine Warapisumama. Este último nome iludiria
aos guarás, que ali se matavam. – (A.).
O nome Urbioneme transmitido pro Staden, repara Teodoro
Sampaio em nota à tradução do livro de Hans Staden comemorativa do
quarto centenário do descobrimento do Brasil, deve estar alterado, se é
que o devemos ter como de língua tupi como se deve inferi r das próprias
palavras do narrador. Muito se tem discutido a propósito deste vocábulo
adulterado, parece-nos que ele não é senão corruptela de Upau-nema,
denominação tupi, que quer dizer – ilha imprestável ou ruim, talvez em
alusão a ser ela baixa em sua máxima extensão, lamacenta, alagada e
coberta de mangues. – (C.).
(14) É (São Vicente) situada em uma ilha que tira seis milhas em
largo e nove em circuito, antigamente era porto de mar e nele entrou
Martin Afonso a primeira vez com sua frota, mas depois com a corrente
das águas de terra do monte se tem fechado o canal, nem podem chegar as
embarcações por causa dos baixos e arrecifes. – Anchieta, Informações e
fragmentos históricos, 44. – (C.).
86
(15) Ruiz de Montoya. Conq. Espiritual del Paraguay, fol. 45 f.;
se bem que “ver” se diga (Dic Bras. pág. 78) Cepiaca. – (A.). – Na edição
da Conquista Espiritual, de Bilbao, 1892, à pág. 143. – (C.).
(16) O apreço do fruto ainda mais tarde, entre os moradores de
língua européia, poe deduzir-se do fato que, ao tempo do padre Belchior
de Pontos (1644-1719) pinhão servia para designar outono. – Fonseca.
Vida do Venerável Padre Belchior de Pontes, pág. 98. Lisboa, 1752. –
(C.).
(17) Tining, “secar”. Veja Dic. Bras. no voc. “Seca” e “Murchar”.
Porventura a trodução literal seria “seca do peixe”. – (A.). – Segundo
Teodoro Sampaio. O Tupi na Geografia Nacional, pág. 147, São Paulo,
1901, Pirassununga, corruptela de piracyninga, significa peixe roncando,
ou ronca peixe. – (C.).
(18) O autor aproveita-se nesta secção do Diário de Pero Lopes,
que publicou em Lisboa no ano de 1839 e depois reimprimiu na Rev. do
Inst. Hist., t. 24, 1861, e avulso. A autenticidade deste documento foi
contestada por João Mendes de Almeida em uma memória. A Capitania de
S. Vicente-S. Paulo. Sua origem: legenda histórica, São Paulo, 1887,
reproduzida na Rev. do Inst. Hist., t. 53, parte 1ª, 1890. Sua tese é:
“Manifestamente esse Diário da navegação de Pero Lopes de Sousa com
referência à expedição de 1530-1535, é um documento apócrifo, ou sem
fundamento algum de autenticidade, podendo, porém, ser o Diário da
navegação de Martim Afonso de Sousa para a Índia em 1533-1534,
mudados para 1530-1531. com enxerto em forma complementar da
navegação de Pero Lopes de Sousa para o rio da Prata e do seu regresso
para Portugal em 1531-1532”. – A argumentação de Mendes de Almeid
dificilmente convencerá a quem ler o Diário, confirmado por tantos
outros testemunhos independentes. Na Série Eduardo Prado está-se
imprimindo a 5ª edição do Diário de pero Lopes, anotado por Eugênio de
Castro, da Marinha Nacional. Por este terão de ser aferidas todas as
questões relativas à expedição de Martim Afonso. – (C.).
Além dessa edição já citada (nota 9 desta secção), há outra, a 6ª,
da Comissão Brasileira dos Centenários Portugues es, Rio de Janeiro,
1940, adiante descrita. – (G.).
(19) Provas da Hist. Gen., II, n. 122, pág. 728. – Nesta bula se
diz em latim terras de brasil, e terrarum de Brasil, em vez de Brasiliae,
87
como hoje, e como já se preferira escrever no hemisfério de J. S Achoener
(1520). – (A.).
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NOTAS EM ALGARISMOS ROMANOS
(I)
A Portugal a notícia do sucedido chegou meado Maio, como se vê
da seguinte carta de D. João III ao conde da Castanheira, publicada por
Fernando Palha, na Carta de marca de João Ango, 56-57:
“D. Antonio amigo. Eu el Rei vos envio muito saudar. Aqui se
diz, e não porem por via nenhuma certa nem autentica que M. A. de Sousa
topou com algumas naus francezas carregadas de brasil que as tomou: e,
porem, porque isto M. Af. me não escreve nem disso sei m ais que dizerse, não o tenho por certo. E todavia me pareceu necessario, por que la
pode ir ter a mesma nova, dar-vos aviso disso, pera que se vos nisso
apontar alguem e la se disser isto mesmo, que vós digaes que o não
credes, por que si assi fosse eu volo escreveria, que eu não tenho
mandado tal nova, e como pessoa que totalmente haveis esta por falsa
respondereis a quem vos nisso falar, sem vir a outra resão emquanto la na
materia se não falar sinão como incerta. E porem, si apertarem mais
comvosco e a nova for la per outra via e a tiverem por certa e disso
fizerem caso, vós todavia direis que o não credes, nem vos parece que
sendo assi eu o podera leixar deo saber e de outro volo escrever, e
tambem que vós não credes que Francezes fossem aquella parte, e porem,
si alguma cousa foi, que poderia mui bem ser que os Francezes fariam o
que não deviam em algumas de minhas feitorias que eu la tenho muitas,
ou tambem elles seriam os acomettedores, como se acontece, e que por
certo tender que M. Af. nem meus capitães não haviam de fazer nem uma
cousa sinão com muita rezão e de que possam dar boa conta a todo tempo
e logar, e que vós sabeis mui bem quão apertadas levam as commissões
todas minhas armadas e capitães que pelo mundo navegam pera nunca
poderem erras guardando o que lhe por mim é mandado; e que, assi como
isso tendes por certo, assi não duvidaes nada que si elles alguma cousa
fizeram como não deviam e passaram meu mandado, que sabendo eu
quem errou não passará sem castigo, mas que percima de tudo vos não
parece que pode ser verdade, e si a for que ha de ser muito differente do
que dizem, e meus capitães e gentes mui sem culpa. E como acima vai
apontando podeis tocar em camanho trato e quantas casas de feitorias eu
tenho em todos aquelles mares, como em par tes mui proprias minhas, e
que de tantos atraz achadas, ganhadas e possuidas por mim e por a coroa
destes reinos, onde ha tambem muita fazenda minha, e muita guarda assi
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do mar como da terra, como é resão que haja, e que não é maravilha quem
destes logares e guardas e tratos tem cuidado não querer consentir nem uma torvação nelles. E tudo isto, porem, direis e apontareis aos tempos e
nos logares e com as pessoas que vos parecer conveniente, mais e menos
segundo vos nisso falarem, e segundo o caso tambem qu e vos disso
fizerem mais ou menos grave, que eu confio que vós mui bem sabereis
fazer e dizer, e todas estas diferenças e ensejos sabereis mui bem guardar,
e porisso nesta carta não é necessario vos dizer mais. – Jorge Rodrigues o
fez em Montemor-o-novo – a 17 de Maio de 1531.” – (C.).
(II)
Só em Novembro chegou a propagar-se em França, em meio de
grandes Queixas e alaridos, a notícia dos três navios apresados, com a
circunstância, não sabemos se verdadeira, de haver Martim Afonso
mandado enforcar o piloto Pedro Serpa, que encontrou em um deles.
Sendo certo que já então (principalmente desde a criação, em 2 de Agosto
de 1525, do ofício do Correio-mor em Portugal, ofício em que foi provido
Luís Homem, que veio a ter à sua morte, por sucessor Luís Afonso em 13
de Janeiro de 1533), havia correio público cada oito dias de Lisboa a
Burgos, e cada quinze dias de Burgos a Flandres, devemos crer que os
prisioneiros franceses estiveram incomunicáveis em Portugal por algum
tempo. Gouveia parecia assustado com a notíc ia, porém o embaixador
Gaspar Vaz era de parecer que por fim o resultado seria favorável a
Portugal; não querendo outros expor -se ao que acabava de suceder a
tantos. – (A.).
O trecho da carta de Diogo de Gouveia (cópia no Instituto
Histórico), escrita de Ruão a 17-18 de Novembro de 1531, é o seguinte:
“Eu me achei aqui hoje 17 de Novembro e o Almirante era vindo
aqui... e fui ver o Almirante para lhe fazer a reverencia. Ele me mandou
mostrar uma carta que no mesmo porto de sua chegada viera de Lisboa
desses Francezes que la foram presos no Brasil por Martin Affonso de
Sousa. E depois de elle aqui ser chegado as mulheres e parentes se foram
lançar diante delle e lhe pedir justiça e principalmente a mulher de um
piloto ou mestre que chamava Pedro Serpa. Elle me disse que rogava que
visse este negocio e escrevesse a Vossa Alteza que os mandasse soltar. Eu
non sei o porque elles som presos porem sei que deste negocio não ha...
(roto) provento. Si assi é como na carta diz, que o Capitão maor mandou
enfocar este Pedro Serpa, e que catou todo o navio para ver se achava
alguma cousa afora bresil, e dizem que non achou nada, eu por o que devo
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a Deus e a V. A., e ao proveito deste reino queria ver todas estas cousas
postas em outro rumo e que se levassem por outra manha .” – (C.).
(III)
A esse respeito escreve Teodoro Sampaio, em nota a Hans Staden:
“Em nenhum documento antigo se encontra o nome do canal entre a ilha
de Santo Amaro e a terra firme com a grafia Brikioka. O primeiro k foi
erroneamente substituído a um t. Examinando-se a estampa da página 28
(da edição de São Paulo, 1900), vê-se que o nome escrito por sobre a
figura no alto e à esquerda, tanto pode ser lido Brikioka como Britioka,
sendo até mais admissível a segunda hipótese, que de fato é a mais
próxima da verdade.
“Frei Gaspar da Madre de Deus, que de certo conheceu a obra de
Staden, donde tirou Enguaguaçu por Iguaguaçupe (Iwawassupe), colheu
também Brikioka, como Britioka, e sobre esse nome alterado pelos
copistas ou tradutores fez a lenda dos macacos bur iquis, dizendo-nos que
o nome foi primeiro aplicado ao monte fronteiro ao forte, cuja mata era de
contínuo visitada por essa espécie de símios vermelhos. Não discutiremos
a autenticidade do documento indicado, nem a lenda que depois se
formou. O que está averiguado é que o nome Bertioga, Britioka, Bartioga,
sempre se aplica ao canal que separa do continente a ilha de Santo Amaro,
lendo-se sempre nos roteiros, cartas da costa e relações de viagens, assim
como nas crônicas, canal de Bertioga, variando às vezes para Bartioga.
“Evidente é que o nome Bertioga ou Bartioga é corruptela do
tupi, não sendo difícil a sua restauração, uma vez conhecida a lei,
segundo a qual em todas as línguas os vocábulos evoluem e se alteram.
Bertioga é, de fato, corruptela de Birati-oca, ou melhor de Pirati-oca, que
quer dizer paradeiro das tainhas, pelas muitas que nesse canal se
encontravam naqueles tempos remotos.” – (C.).
_ Artur Neiva, em seus magistrais Estudos da Língua Nacional,
págs. 112-141, São Paulo, 1940, discute longame nte o vocábulo para
fixar-lhe etimologia diversa das propostas até agora, a qual, pelos
fundamentos apresentados, deve prevalecer. Neiva, com observação inloco, contesta não somente a ocorrência de macacos buriquis na
localidade da Bertioga, o que daria Buriquioca – casa dos buriquis para
Frei Gaspar da Madre de Deus, como também dos cardumes de tainhas,
parati ou pirati, a desovar nas águas mansas do canal, originando daí a
denominação Parati-óca ou Pirati-óca, casa do parati, viveiro das
tainhas, fixada finalmente em Bertioga.
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Para Neiva mais natural seria que o nome provenha de
mbariguioca, do mosquito barigui ou birigui, pequeno díptero
hematófago do gênero Flebotomus, abundante na região, e oca, por
alterações de forma até beriqui-oca, que facilmente, pela queda do
primeiro i e a mudança do q em t, chegou a Bertioca, que sem nenhum
esforço se transformou em Bertioga.
As considerações do eminente e saudoso sábio brasileiro são
dignas da ponderação dos entendidos. – (G.).
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SECÇÃO IX
SUCESSOS IMEDIATOS À EXPEDIÇÃO
E MARTIM AFONSO
Tomada de uma fortaleza e uma nau de França. Resolve -se a
partição do Brasil em capitanias. Carta régia a Martim Afonso. Volta de
Martim Afonso à Europa. Doze donatários. Quinze quinhões. Irmão s
Sousa. Pero de Góis. Vasco Fernandes. Pero do Campo. Jorge de
Figueiredo.
Francisco
Pereira,
Duarte
Coelho.
Pero
Lopes.
Fernand’Álvares. Aires da Cunha. João de Barros. Antônio Cardoso de
Barros. Poucos competidores. Extensão das diferentes capitanias.
Demasiada terra a cada donatário. Paralelo com a colonização da Madeira
e Açores. Vantagens que se propunha salvar Portugal desta colonização.
Deixemos, porém, por algum tempo a nascente colônia
brasileira, e vejamos o que, entretanto, se passa no resto do
Brasil, ou se decide a seu respeito no além-mar, isto é, na
metrópole.
Doloroso é ter que mencionar a sorte dos que da
Cananéia partiram pela terra adentro com Francisco de
Chaves. Seguindo na direção do sudoeste, talvez a buscar o rio
Paraguai, para naturalmente depois passarem aos estados do
Inca, haviam chegado às margens do Iguaçu (Herrera, dec.
VII, 2, 9) quando foram todos traiçoeiramente assassinados
pelos índios. Ignoramos ao justo em que época chegaria a São
Vicente a triste nova deste sucesso, presente ainda na memória
de seus habitantes, daí a meio século (Fr. Gaspar, pág. 8), e
transmitido além disso até nós pelo adiantado Cabeza de Vaca,
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que por esses campos passava, mais prevenido contra os
índios, dez anos depois (1).
Enquanto Martim Afonso navegava pelo Sul, fora ter a
Pernambuco uma nau de Marselha (2), com dezoito peças e
cento e vinte homens, denominada La Pélerine, e armada à
custa do Barão de St. Blancard (3). Em lugar da feitoria
portuguesa, de seis homens, que aí havia ficado, fez o capitão
da Pélerine, Jean Duperet, construir uma fortaleza provisória,
que deixou guarnecida de trinta homens; e regressara à Europa
com uma carga que (segundo as reclamações posteriores dos
interessados, às quais nos cumpre dar algum desconto)
montava a cinco mil quintais de brasil, trezentos de algodão
(bombicis), seiscentos papagaios, três mil peles de animais,
grande número de macacos e muita bugiarias.
Tanto a nau como a fortaleza francesa tinham de ser
mui mal afortunadas. A primeira, entrando no Mediterrâneo, se
viu necessitada de arribar a Málaga; e, quando deste porto
saía, foi apresada pela armada de guarda-costa, que Portugal
mantinha à boca do estreito de Gibraltar, e que, pela
mencionada arribada da nau, soubera que vinha ela do Brasil.
A fortaleza galo-pernambucana (4), ou porque Pero Lopes teve
conhecimento da sua existência, ou porque necessitava ir no
porto em que ela estava a fazer aguada, antes de atravessar o
Atlântico, foi por tal forma pelo intrépido capitão combatida,
durante dezoito dias consecutivos (I), que se lhe rendeu (II).
Então Pero Lopes, deixando a mesma fortaleza
guarnecida de gente sua, às ordens de um Paulos Nunes, fez -se
de vela para Portugal, levando consigo duas naus francesas
que tomara, alguns índios, e trinta e tantos prisioneiros. No
princípio do ano imediato aportou em Faro; e desta cidade do
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Algarve, seguiu logo para Évora, onde então estava a corte, e
aí chegou, ao que parece, a 20 de Janeiro de 1533 (5). Suas
naus se mandaram recolher com os franceses a Lisboa; e
quatro principais da terra, que o soberano chegou a distinguir
dando-lhes o nome de reis, foram por ordem régia vestidos de
seda.
Já havia meses que, pelos da mencionada nau apresada
no Estreito, soubera o governo de como ela havia deixado em
Pernambuco um forte com numerosa guarnição; e mandara
ordens à costa da malagueta a fim de que Duarte Coelho,
capitão-mor de uma esquadrilha aí estacionada, passasse a
Pernambuco para desalojar os intrusos (6). Com a chegada de
Pero Lopes, foi ordenado que a mesma esquadrilha, em lugar
de ir ao Brasil, ficasse cruzando na altura dos Açores (7), e
para Pernambuco foi, segundo entendemos (Vol. II, fls. 208 da
Col. de cartas do conde da Castanheira) despachada (depois de
23 de Janeiro de 1534) uma caravela, ao mando de Vicente
Martins, com ordens para Paulos Nunes (III).
Pouco antes, o governo português, instado ainda de
França pelo Dr. Diogo de Gouveia, e receoso do demasiado
desenvolvimento que os franceses iam dando ao seu comércio
com o Brasil, viu-se obrigado a adotar o plano de colonizar,
pelo simples meio de ceder essas terras a uma espécie de
novos senhores feudais, que, por seus próprios esforços, as
guardassem e cultivassem, povoando-as de colonos europeus,
com a condição de prestarem preito e homenagem à Coroa.
Providências análogas tinham adotado, com proveito, os reinos
da Europa, para se povoarem com a necessária disciplina,
sobretudo nos lugares fronteiriços aos inimigos em que, para
fugir da perigosa fraqueza, era necessária toda a união e a
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maior subordinação; e para convocar colonizadores com
alguns capitais, era indispensável conceder-lhes, sobre os
colonos, que eles contratavam e levavam à sua custa, certo
ascendente (8).
Foi, pois, resolvido que o Brasil se dividisse (9) em
grandes capitanias, contando para cada uma, sobre a costa,
cinqüenta ou mais léguas; o que el-rei participou logo a
Martim Afonso, na resposta às cartas que o mesmo Martim
Afonso escrevera de Pernambuco, dando conta da tomada das
naus francesas. Embora seja essa resposta bastante conhecida ,
por andar reproduzida em muitos livros, julgamo-la de tal
importância que não nos é possível deixar de inclui-la também
neste lugar. Diz assim:
“Martim Afonso, amigo: Eu el-rei vos envio muito
saudar.
“Vi as cartas que me escrevestes por João de Sousa; e
por elle soube da vossa chegada a essa terra do Brasil, e como
ieis correndo a costa, caminho do Rio da Prata; e assim do que
passastes com as naus francesas, dos cossairos que tomastes, e
tudo o que nisso fizestes vos agradeço muito; e foi tão bem
feito como se de vós esperava; e sou certo qual a vontade que
tendes para me servir.
“A nau que cá mandastes quizera que ficára antes lá,
com todos os que nella vinham. Daqui em diante, quando
outras taes naus de requeriam capitanias de cincoenta leguas
cada uma; e segundo se requerem, parece que se dará a maior
parte da costa; e todos fazem obrigações de levarem gente e
navios à sua custa, em tempo certo, como vos o Conde mais
largamente escreverá; porque elle tem cuidado de me requerer
vossas cousas, e eu lhe mandei que vos escrevesse.
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“Na costa da Andaluzia foi tomada agora pelas minhas
caravelas, que andavam na armada do Estreito, uma nau
franceza carregada de brasil, e trazida a esta cidade; a qual foi
de Marselha a Pernambuco, e desembarco gente em terra, a
qual desfaz uma feitoria minha que ahi estava, e deixou lá
trinta (10) homens, com tenção de povoarem a terra e de se
defenderem. E o que eu tenho mandado que se nisso faça
mandei ao Conde que vo-lo escrevesse, para serdes informado
de tudo o que passa, e se há-de fazer; e pareceu necessario
fazer-vo-lo saber, para serdes avisado disso, e terdes tal vigia
nessas partes, por onde andaes, que vos não possa acontecer
nenhum mau recado: e que qualquer força ou fortaleza que
tiverdes feita, quando nella não estiverdes, deixeis pessoa de
quem confieis, que a tenha a bom recado; ainda que eu creio
que elles não tornarão lá mais a fazer outra tal; pois lhe esta
não succedeu como cuidavam.
“E mui declaradamente me avisai de tudo o que
fizerdes; e me mandai novas de vosso irmão, e de toda a gente
que levastes; porque com toda a boa que me enviardes,
receberei muito prazer” (11).
A recepção desta carta (12) devia apressar a partida do
capitão-mor para a Europa. Vê-se dela que o rei, com o seu
conselheiro, o Conde da Castanheira, ansiava primeiro ouvir
os votos de pessoas práticas, como o capitão-mor do Brasil,
para não ir tanto às cegas, na doação das suas terras. Assim o
entendeu também Martim Afonso; e deixando por seu lugartenente, com os poderes que podia delegar, a Gonçalo
Monteiro (Rev. do Inst. Hist. 9, 160) na colônia de São
Vicente, partiu para Portugal, onde chegou naturalmente antes
do meado do ano de 1533 (13).
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Bem que, como se vê da carta acima transcrita, a
resolução de se dividir o Brasil por donatários foi tomada em
1532, e já então se fizeram alvarás de lembrança por algumas
doações, só em Março de 1534, mês em que partia (14) Martim
Afonso para a Índia, é que se começaram a passar as cartas ou
diplomas aos agraciados, que gozariam, de juro e herdade, do
título e mando de governadores das suas terras, as quais
tinham pela costa mais ou menos extensão; e por conseguinte
eram maiores ou menores os quinhões, segundo o favor de que
gozavam e talvez os meios de que podiam dispor.
Compreendiam-se nas doações as ilhas que se achassem até à
distância de dez léguas da costa continental. As raias entre
capitania e capitania se fixaram por linhas geográficas tiradas
de um lugar da mesma costa, em direção a oeste. Assim o
território ficou verdadeiramente dividido em zonas paralelas,
porém umas mais largas que outras. Este meio de linhas retas
divisórias imaginárias, que ainda com os mais exatos
instrumentos num terreno muito conhecido seriam quase
impossíveis de traçar, era o único de que se podia lançar mão,
pelo quase nenhum conhecimento corográfico que havia do
país, além do seu litoral. Em algumas doações, nem foi
possível declarar o ponto em que principiavam ou acabavam.
Incluía-se apenas a extensão da fronteira marítima, e
designavam-se os nomes dos dois donatários limítrofes.
Manifesta é a insuficiência de uma tal demarcação que,
para algumas capitanias, veio a dar origem a leitos que
duraram mais de um século.
Doze foram os donatários: mas verdadeiramente quinze
os quinhões, visto que os dois irmãos Sousa tinham só para si
cento e oitenta léguas, distribuídas em cinco porções
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separadas, e não em duas inteiriças. Com razão deviam eles de
ser, pelos serviços importantes que acabavam de prestar no
próprio Brasil, os mais atendidos na partilha.
A Martim Afonso, a quem a carta régia acima fazia
terminantemente a promessa, foram adjudicadas, naturalmente
por sua própria escolha, as terras da colônia de São Vicente, e
por conseguinte com ela os gastos já feitos pelo Estado para
fundá-la. O não se mencionar esta cláusula fez que, em virtude
da letra da carta de doação, se entendesse tempos depois
pertencer esta vila aos herdeiros de Pero Lopes, cuja doação
começava do lado do norte da barra grande de São Vicente. Os
dois quinhões de Martim Afonso compreendiam as terras que
correm desde a barra de São Vicente até doze léguas mais ao
sul da ilha da Cananéia, ou proximamente até uma das barras
de Paranaguá; e para o lado oposto, as que vão desde o Rio
Juquiriqueré até treze léguas ao norte do Cabo Frio, que depois
se fixou pela barra de Macaé; ficando por conseguinte suas as
magníficas terras de Angra dos Reis, as da soberba baía de
Janeiro, e do Cabo Frio. Eram nada menos que cem léguas
contadas sobre o litoral; mas em virtude do rumo, que durante
essa extensão toma a costa, vieram a produzir, na totalidade,
em léguas quadradas, alguns milhares de menos do que a
vários dos outros, como se verá.
A extensão do Juquiriqueré até a barra de São Vicente,
e a de Paranaguá para o sul até as imediações da Laguna, que
chamavam terras de Sant’Ana (15), foi doada a Pero Lopes
que, além destas porções, que perfaziam cinqüenta léguas
sobre o litoral, recebeu, desde a ilha de Itamaracá inclusive
para o orte, trinta léguas mais, como abaixo diremos, quando,
costeando como vamos, o Brasil de sul a norte, chegarmos,
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com a nossa resenha, à paragem onde delas se encontram.
Com a porção mais setentrional de Martim Afonso
entestavam as trinta léguas doadas a Pero de Góis, e que iam
terminar no baixo dos Pargos, ou antes de Itapemirim
proximamente. Pero de Góis prestara também importantes
serviços na armada de Martim Afonso, a cuja família devia ser
mui afeiçoado, e até foi ele quem se encarregou de escrever
por sua letra o diário de Pero Lopes, cujo original entregamos,
em 1839, pela primeira vez, à imprensa (16). Essa afeição não
deixaria de ser tomada em conta no repartimento da terra para
evitar as demandas e pleitos que pudessem acaso resultar da
falta irremediável da precisão nas demarcações laterais.
Contíguo a Pero de Góis, cinqüenta léguas sobre a
costa, as quais alcançavam até o rio Mocuri, veio a ficar Vasco
Fernandes Coutinho, também fidalgo da casa real; e que
havendo servido em Goa, em Malaca e na China, às ordens de
Affonso d’Albuquerque (17), conforme recordam as historias
da Ásia, depois de juntar algum cabedal se havia retirado a
Alenquer (vila situada, como sabemos, a algumas léguas de
Lisboa, perto de Tejo) para aí desfrutar, com a ajuda da
moradia, de uma tença que recebia do Estado. Naturalmente
nessa vila, por intermédio de algum agente do conde da
Castanheira, proprietário vizinho seu, se recomendaria para
entrar no número dos da partilha.
Do Mocuri para o norte vinha a capitania de Porto
Seguro, com outras cinqüenta léguas concedidas a Pero do
Campo Tourinho, rico proprietário de Viana do Minho.
Seguiam-se os Ilhéus, nas cinqüenta léguas até a barra
da Bahia, doadas a Jorge de Figueiredo Correia, também
fidalgo da casa real, e que exercia na corte o cargo de escrivão
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da Fazenda, o qual lhe daria lugar a estar informado do que se
passava, e a pedir para si o que tão generosamente via
conceder a outros. A raia entre esta capitania e a precedente
não se indicava.
Tudo quanto se estende desde a barra da Bahia à foz do
rio de São Francisco obteve para si Francisco Pereira
Coutinho, excetuando-se, porém, o mesmo rio que devia ficar
exclusivamente a Duarte Coelho; e, segundo se diz na própria
doação, foi-lhe conferida tal graça, em atenção aos muitos
serviços que ele havia prestado, assim em Portugal, como “nas
partes da Índia, onde servira muito tempo com o Conde
Almirante (18) e com o Vice-Rei D. Francisco de Almeida, e
com Affonso d’Albuquerque, e em todos feitos e cousas que os
ditos capitães nas ditas partes fizeram, nos quaes dera sempre
de si mui boa conta”.
As Alagoas e parte do atual território da província de
Pernambuco tocaram, na extensão de sessenta léguas, a Duarte
Coelho, valente capitão que muito se distinguira por feitos no
Oriente, em cujos fastos achamos mais de uma vez consignado
honrosamente o seu nome, em missões ao reino de Sião e à
China, no descobrimento da Cochinchina, no recontro que reve
com duas armadas, conseguindo fazer vinte e tantas presas, e
em outras ações ilustres (19). Havia sete anos que voltara do
Oriente, e se casara com D. Brites, irmã de Jerônimo d’
Albuquerque. Como, por ocasião da primitiva repartição das
terras, lhe haviam ido ordens para navegar até Pernambuco (da
costa da Malagueta, onse de achava cruzando), a fim de
destruir a feitoria deixada pela nau de Marselha, é natural que
daí proviesse o ser preferido para esta parte da costa, de que
porventura chegaria a ter conhecimento prévio.
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Um pouco ao norte da foz do rio Igaraçu ficava a
extrema do domínio de Coelho. À margem esquerda da foz
deste rio, no canal de Itamaracá, fora levantada a feitoria de
Cristóvão Jaques. A cinqüenta passos ao norte dela, onde se
diz “Os Marcos”, em virtude dos que aí se postaram, era o
ponto donde partia designadamente a raia setentrional da
mesma capitania. Para o norte se contavam as restantes trinta
léguas da pertença do donatário Pero Lopes, as quais
alcançavam a baía da Traição, compreendendo parte da atual
província da Paraíba, e incluindo a fértil ilha de Itamaracá.
A extensão d litoral daí para diante, o resto da atual
Paraíba e Rio Grande do Norte, coube a João de Barros e a
Aires da Cunha, de parceria; contando-se-lhes cem léguas
além da baía da Traição. Seguiam-se sobre o Ceará quarenta
léguas para o cavaleiro fidalgo Antônio Cardoso de Barros
(20), e depois de mediarem setenta e cinco para Fernando
Álvares de Andrade, e que vinham a incluir parte da costa do
Piauí e Maranhão atual “desde o cabo de Todos os Santos, a
leste do rio Maranhão, até junto ao rio da Cruz (IV)”,
competiam outra vez àqueles dois donatários associados,
Barros e Cunha, cinqüenta léguas mais, começando a contá-las
de loeste “desde a abra de Diogo Leite até o dito cabo de
Todos os Santos”.
Fernando Álvares de Andrade, do conselho do rei, era
então tesoureiro-mor do Reino (Barros, Déc. I, VI, 1º). –
Enquanto viveu, diz-nos o conde da Castanheira, foi
solicitador acérrimo em favor de providências a bem do Brasil.
Aires da Cunha era um valente nauta que se distinguira
como capitão-mor do mar em Malaca (Barros, Déc. III, liv. 10,
c. 6. – IV, liv. 1º, cs. 9, 10 e 11. – Couto, IV, liv. 1º, c. 6; liv.
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2º, cs. 2 e 3). Recolhendo dos Açores, onde se achava com
uma esquadrilha de caravelas de guarda-costa e onde prestara
serviços importantes, em Setembro de 1533 (21), chegara a
Lisboa, comandando um galeão, com o qual se oferecera a
destruir a feitoria que em Pernambuco fundara a nau de
Marselha La Pélerine, comissão que não lhe foi incumbida,
por chegar pouco depois Pelo Lopes, deixando concluída essa
empresa.
Quanto ao donatário João de Barros, escusado é dizer
que se trata do que viria a ser historiados da Índia, com tanta
glória para a nação, e fortuna para a língua, em que ele tão
vigorosamente escrevia. Louve-se muito embora, nos
historiadores portugueses, a crítica de Brandão, o colorido de
Brito, o fraseado de Sousa, de Lucena, ou de Mendes Pinto,
sempre haverá que conceder a Barros toda a pureza na
linguagem, muita propriedade na frase, e um estilo elegante,
principalmente quando descreve ou pinta certas paragens,
ostentando as muitas noções que tinha das coisas do Oriente,
como quem, aproveitando-se do seu ofício de feitor da casa da
Índia, não praticava em outro assunto com os que de lá
chegavam. Bem alheias vereis sempre as Décadas da Ásia,
assim dos soporíferos contos de Castanheda e de Azurara,
como das pregações homéricas do velho Fernão Lopes; e por
isso mereceram elas a glória de ser o livro português que mais
folheou o imortal cantor do Gama. O conde da Castanheira
tinha o erudito feitos da Casa da Índia em tão boa conta que a
seu respeito dizia num relatório (22) ou exposição ao monarca:
“O feitor hei eu por tão fiel em seu officio que casi me
parece que ainda que furtar fôra virtude elle o não fizera:
entende o negocio muito bem, ha mister mais favor que
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sofreadas. Não fôra mau para o negocio da cada (23) não ser
elle incrinado a outros, os quaes, não somente não são illicitos,
mas muito proveitosos à terra”. Estes outros negócios lícitos,
úteis à terra, a que se mostrava inclinado o pobre feitor, eram
naturalmente as ocupações de sua pena, que tanta glória dão ao
país, e que revertem em quem assim o protegia, para escrever
suas obras, e colonizar a pátria e o orbe com as suas criações.
No número destas contaríamos hoje uma crônica do Brasil até
o seu tempo, se havendo vivido mais anos, houvesse ele
podido realizar (24) os seus intentos.
Resta-nos unicamente tratar do cavaleiro fidalgo
Antônio Cardoso de Barros, cuja capitania, computada em
quarenta léguas de costa, se estendia, aquém da de Fernando
Álvares, desde o rio da Cruz, em dois graus e um terço,
correndo para leste, até a Angra dos Negros, em dois graus
(25). Esta capitania tinha apenas seis léguas de espaço de
latitude, pois seguia de dois graus a dois graus e um terço. –
Dos precedentes deste donatário não encontramos notícias. –
Segundo certos indícios de ruínas de pedra e cal, e ncontradas
depois na Tutóia (26), aí pretendeu estabelecer uma colônia,
que se viu obrigado a desamparar; e mais tarde aceitou da
coroa um cargo de fazenda para a Bahia, e ao recolher-se ao
Reino naufragou, e foi barbaramente assassinado pelos índios.
Por certas expressões, que lemos no relatório
mencionado do conde da Castanheira, deduzimos que não
houve, entre os poderosos da corte, grande concorrência, como
dá a entender a carta régia a Martim Afonso, para alcançar tais
capitanias, que nem sabiam alguns dos agraciados que coisa
eram. Reconhece o conde que a distribuição não tinha dado
ainda tantos resultados como se esperava, e desculpa -se de que
104
a tal respeito não se pôde fazer mais, por o não consentirem os
que queriam ir, “e serem poucos os que sobre isso
competiam”.
Embora pareça que nada há que opor a estas reflexões,
porque a necessidade era a lei, e porque urgia o estímulo aos
empreendedores, que naturalmente imporiam as condições, não
podemos dissimular que, em nosso entender, o governo andou
precipitado em distribuir logo a terra, de juro e herdade:
reconhecemos a necessidade que havia de colônias por toda a
extensão da costa; mas talvez estas se houveram da mesma
sorte obtido e outras muitas após elas, se as doações se
houvessem limitado, por então, a doze ou mais quinhões
muito mais pequenos; e que constassem de algumas léguas
quadradas, próximas aos portos principais da costa, já então
conhecidos e freqüentados. A colonização não se teria
disseminado tanto (chegando às vezes a perder-se), e houvera
sido mais profícua, e dado resultados mais prontos; e o
governo poderia ter guardado um novo cofre de graças, para
recompensar os serviços feitos pelos abastados do comércio
que aspirassem a satisfazer a tendência existente no coração
humano de vincular, para sucessores, as fortunas adquiridas. –
Com doações pequenas, a colonização se teria feito com mais
gente, e naturalmente o Brasil estaria hoje mais povoado –
talvez – do que os Estados Unidos: sua povoação seria
porventura homogênea, e teriam entre si as províncias menos
rivalidades que, se ainda existem, procedem, em parte, das tais
grandes capitanias. Pois é possível crer que esses poucos que
competiam para ser donatários, como diz o conde da
Castanheira, se não contentassem sem a idéia do domínio de
muita terra embora inútil, e sobre que nem sequer podiam
105
saciar com os olhos, mas só com a imaginação, sua cobiça,
quando na maior parte eram de sertão, onde não poderiam ir,
nem foram, em sua vida? O mal foi fazer-se tudo às pressas” E
o caso é que isso, por ser mal feito, não se expulsaram de
nossos mares os navios franceses, que era o resultado principal
que se pretendia obter.
É certo que a mania de muita terra acompanhou sempre
pelo tempo adiante os sesmeiros, e acompanha ainda os nossos
fazendeiros, que se regalam de ter matos e campos em tal
extensão que levem dias a percorrer-se, bem que às vezes só a
décima parte esteja aproveitada; mas se tivesse havido alguma
resistência em dar o mais, não faltaria quem se fosse
apresentando a buscar o menos. Anos antes tinham aparecido
colonizadores para os Açores, com muito mais pequenas
doações de terras; e os Açores e a Madeira têm hoje,
proporcionalmente mais povoação que os distritos de Portugal,
naturalmente porque foram as doações mais pequenas e em
maior número: e apesar de haverem sido muitos dos colonos
estrangeiros, como os que levou Hürter para o Fayal e Bugres
para a ilha Terceira, nem por isso a colônia, formada de
flamengos, ficou flamenga, nem falando flamengo.
Na distribuição primitiva das terras, sem dúvida se
deram muito notáveis desigualdades, não tanto no avaliar as
doações pelo maior ou menor número de léguas sobre a costa,
que esse foi em geral de cinqüenta; bem que por exceção se
estendesse a oitenta ou a cem, ou se restringisse a trinta. As
maiores e mais caprichosas desigualdades se encontram,
quando hoje vamos sobre o terreno apurar até onde chegavam,
pelo serão a dentro, os direitos senhoriais concedidos; e
medimos aproximadamente os milhares de léguas quadradas
106
que, segundo a correspondente carta de doação, tocava a cada
um destes Estados, geralmente com maior extensão de
território do que a mãe-pátria; extremando de loeste, pela
meridiana da raia que estabelecemos (27), na suposição de se
contarem as léguas como de dezesseis graus e dois terços.
Procedendo a esta apuração, fácil será conhecer que as
doações, em milhares de léguas quadradas, vinham a guardar,
pouco mais ou menos, as proporções seguintes:
1º - Duarte Coelho, doze milhares;
2º - Pero Lopes, sete milhares e meio;
3º - Francisco Pereira, sete milhares;
4º - Figueiredo, quase o mesmo;
5º - Tourinho, seis milhares e meio;
6º e 7º - Barros e Cunha, quase o mesmo cada um;
8º - Vasco Fernandes, cinco milhares e meio;
9º - Martin Afonso, pouco mais de dois e meio;
10º - Pero de Góis, menos de dois;
11º - Fernando Álvares, menos de milhar e meio;
12º - Antônio Cardoso, pouco mais de seiscentas
léguas.
Deste modo a capitania de Martim Afonso, que talvez o
doador pensou fazer maior que as outras, saiu das mais
pequenas. Ainda nos nossos tempos há exemplos de
disposições legislativas em que da ignorância de princípios
científicos procedem resultados absurdos, ou contrários à
mente dos legisladores.
Em todo caso, por meio do estabelecimento destas
capitanias, pensou o governo de D. João III, sem lesar
diretamente o tesouro da nação, não só assegurar esta grande
107
extensão de terra que a fortuna lhe outorgara, como, com o
tempo, recolher, por meio da cultura dela, maiores vantagens.
– Não há dúvida que por muito entraria no ânimo do soberano
o pensamento de propagar o evangelho; mas ele o faria,
faltando aos seus deveres, se o executasse empobrecendo, em
gente e em recursos, o povo que regia, sem esperanças de
retribuição. Uma colônia, diz um publicista que se ocupou
profissionalmente do assunto, “é o resultado da emigração de
indivíduos de que a metrópole se priva, com a esperança de
poder indenizar-se mais tarde dos sacrifícios que faz; sem o
que, os estabelecimentos que fizesse só lhe causariam dano”.
Pelo que, o simples fato do estabelecimento de uma colônia
por qualquer nação, que a funda com os seus filhos, “a defende
com as suas armas e a mantém por suas leis, como diz
Montesquieu, reclama a compensação nas vantagens do seu
comércio, com exclusão de todas as outras nações, segundo o
direito europeu ainda praticado em nossos dias por alguns”.
NOTAS EM NÚMEROS ARÁBICOS
(1) Também desse infausto sucesso trata Oviedo, no Liv. 23, cap.
10 (T. 2º, pág. 188). – (A.). – Sobre o caminho seguido por Cabeça de
Vaca, interpretação de modos tão difere ntes, consulte-se Rio Branco,
Exposição, etc., II, págs. 224-225. – (C.). – A expedição, composta de
quarenta besteiros e outros tantos espingardeiros, comandada por Pero
Lobo, um dos capitães de Martim Afonso, e guada por Francisco de
Chaves, partiu de Cananéia, no primeiro dia de Sertembro de 1531, Diário de Pero Lopes, I, págs. 206-207, da edição de Eugênio de Castro.
Entranhando-se pelo sertão, rumo do sudoeste, em busca de metais
preciosos, dos expedicionários não houve mais notícias senão a que, dez
anos depois, transmitiu o adiantado Alvar Nuñez Cabela de Vaca:
108
“Llegados que fueron al rio Yguaçu fu[e informado de los índios naturales
que el dicho rio entra en el rio del Parana, que asi mismo se llama el rio
de la Plata. Y que entre este rio del Parana y el rio de Yguaçu mataron los
índios a los Portugueses que Martim Afonso de Sousa ambio a descubrir
aquela tierra; al tiempo que pasavam el rio en canoas dieron los índios en
ellos y los mataron; algunos destes de la del Parana que ai mataron a los
Portugueses, le avisaron al governador (Cabeça de Vaca) que los índios
del rio del Pequeri, que era mala gente, enemigos nuestros, y que estavon
aguardando para acometerlis y matarlos en el passo del rio...”. –
Comentarios de Alvar Nuñez Cabeça de Vaca, adelantado y governador
de la provincia del rio de la Plata. Scriptos por Pero Hernández, scrivan
y secretario de la provincia, y dirigidos al Serenisimo, muy alto y muy
poderoso Señor el Infante Don Carlos, N. S.”, fls. LXVIII v., Valladolid,
1555. – Dos termos do itinerário de Cabeça de Vaca, Rio Branco ( op. et
loc. cit.) deduziu elementos de prova de que naquela região, cuja posse a
República Argentina disputava ao Brasil, os Portugueses precederam de
dez anos aos Espanhóis no descobrimento. – (G.).
(2) D. Martinho de Portugal, em carta de 19 de Abril de 1532, “dá
conta de huma nau de Franceses de Marselha, que tomou Antonio Correa
com grande valor; e foy de importancia por vir do Brasil; que se tornara a
salvamento á sua terra, se ouverão de armar outras muy tas logo em
Marselha e por toda a Italia”. – Frei Luís de Sousa, Anais de D. João III,
pág. 377, Lisboa, 1844. – (G.).
(3) “Géneral des armées navales” – diz F. Denis, em seu
interessante trabalho Le Génie de la Navigation, pág. 33. Também se
escrevia Blanquart. – (A.). – Bertrand d’Ornessan era o nome do barão de
Saint-Blancard. – (G.).
(4) Cremos que essa fortaleza seria em um dos morros de Olinda,
nome que Duarte Coelho veio a substituir ao indígena de Marim, que
tinha no tempo dos franceses e de Paulos Nunes.
(5) No dia seguinte, 21 de Janeiro de 1533, é datada a carta de D.
João III ao conde da Castanheira, avisando -o da chegada de Pero de
Sousa, que vinha do Brasil, “quall, antre boas novas que trouxe, foy que,
vymdo elle do Rio da Prata, correndo a custa do Brasil, veyo teer a
Pernambuco, ôde achou os Franceses, que tinham feyto fortalezza; e lha
tomou, e os tomou a elles, e ficou pacificamente e poder dos Portugueses
109
sem nenhua contradiçam. E porque pareçe que, por esta obra ser feyta,
non sera necessario ir Duarte Coelho com a sua armada há dita costa do
Brasyll, e que seja muyto mais meu servyço ir esperar as naoos que
Antonio Vaaz de Lacerda diz que se aviam de ir ajuntar, pera seguirem
d’y sua viajem em cõserva até a India, que deve de ser na c osta de Ginee
ou perto da costa de mallageta, omde o dito Duarte Coelho estaa”. – J. D.
M. Ford, Letters of Joh III, citadas, pág. 69. – (G.).
(6) Carta del-rei ao conde da Castanheira, de 25 de Janeiro de
1533. – (A.). – Publicada por J. D. M. Ford, Letters of John III, citadas,
págs. 73-75. – (G.).
(7) Duarte Coelho havia de andar na costa da Malagueta até 10 ou
15 de Abril; Parece que quando o aviso chegou, já seria Maio, tempo
necessário para ir às ilhas, ibidem, pág. 82. – (G.).
(8) Para promover a colonização dos países, aonde ela não ia
espontaneamente, não havia então, e nem talvez haja ainda hoje, outro
meio; bem que se possam aperfeiçoar cada vez mais as condições, sempre
em harmonia, com o sistema da enfiteuse romana. Somente certos direitos
sobre o colono podem estabelecer igualdade em contratos, onde um
homem, sem fiador, faz promessas, em virtude das quais unicamente o
donatário abona o custo de seu transporte e outras despesas. – (A.).
(9) Esse sistema foi também seguido pelos Holandeses qu ando,
em 1630, colonizaram nos Estados Unidos, no Delaware, Hudson, etc. –
(A.).
(10) “Setenta” se lê nas cópias. Parece, porém, ter havido engano
de algum copista, pois “trinta” se lê no processo autêntico de St.
Blancard. – (A.).
(11) Segue: “Pero Anriques a fez em Lisboa aos 28 de Setembro
de 1532 annos-REI”. – (A.). – Santarém, Quadro elementar, 3, 241,
equivoca-se, dando-a como escrita por Martin Afonso a D. João III. –
(C.).
(12) Esta carta parece autêntica: entretanto, o final dá que pensar.
Significará que el-rei tinha tanta confiança nas medidas tomadas que de
110
antemão já cantava vitória? Conterá referência a algum fato de que não
temos outra notícia? – (C.).
(13) Martim Afonso estava ainda em São Vicente a 4 de Março de
1533, segundo Tanques, na Rev. do Inst., 9, (1847), pág. 146. Reuniu-se a
Duarte Coelho na ilha Terceira, e naturalmente voltou com ele para
Lisboa, depois de Julho do mesmo ano, como se vê de Fr. Luís de Sousa,
Anais de D. João III, pág. 378. Parece que primeiro governou como seu
locotenente Pero de Góis, que teve com os espanhóis de Iguape um
conflito, a que o autor se refere na secção XI. – (C.).
(14) A doação a Duarte Coelho é de 10 de Março (1534) e teve
apostila em 25 de Set., concedendo -lhe metade da dízima do pescado, que
pertencia de direito à Ordem de Cristo. – (A.).
(15) “Em altura de vinte e oito graus e um terço”. (Carta de
doaç.). – (A.).
(16) Se a letra é de Pero de Góis, segundo o autor afirma também
na Revista do Instituto, 24, (1861), pág. 5, a cópia foi extraída alguns
anos depois dos sucessos narrados, porque Pero de Góis ainda ficou no
Brasil, como se vê do seguinte trecho de sua carta de doação passada a 28
de Janeiro de 1536: “havendo respeito aos serviços que me tem feito
Pedro de Góis, fidalgo de minha casa, assim na armada que Martim
Affonso de Sousa foi por capitão-mor na dita costa do Brasil como em
alguns descobrimentos que o dito Martim Affonso fez no tempo em que lá
andou, e em todas as mais cousas de meu serviço e a que se o dito Pedro
de Góes achou, assim como o dito Martim Affonso como sem elle, depois
de sua vinda por ficar lá”. – Silva Lisboa, Anais do Rio de Janeiro, 1,
pág. 351. Rio, 1834. – (C.). – Conf. nota V, no fim da secção XII.
(17) Liv. 7, de D. João III, fls. 113 e 187. – (A.). – O que se
encontra em João de Barros (Déc. II liv. VI, cap. IV) sobre os feitos de
Vasco Fernandes Coutinho compendiou Silva Lisboa, Anais do Rio de
Janeiro, 1, 333 d segs. – (C.). – Em Fernão Cardim, Tratados da Terra e
Gete do Brasil, Rio, 1925, pag. 342, há referência “àquele Vasco
Fernandes Coutinho, que fez as maravilhas em Malaca, detendo o elefante
que trazia a espada na tromba”. – (G.).
(18) Vasco da Gama. – (A.).
111
(19) Barros, III, passim, e Couto, IV, passim. Veja também o t. V,
das obras poéticas de Dinis, págs. 142 a 144, donde se colige como a essa
família veio a entroncar-se um homem célebre. – (A.). – O marquês de
Pombal. Duarte Coelho passou à Índia em 1509, na armada em que foi por
capitão-mor D. Fernando Coutinho: esteve na China, primeiro europ eu
que isto fez em navios europeus, em 1516 -1517; em 1529 foi encarregado
de ver com dois engenheiros os portos em África que deviam ser
fortificados. em 1531 foi à França, de onde voltou pouco depois de lá ter
chegado o conde da Castanheira [Fernando Palha, La lettre de marque de
Jean Ango, pág. 49, et passim, Rouen, 1890]. Frei Luís de Sousa, Anais
de Dom João Terceiro, 378, dá breve notícia dos seus serviços no Oriente.
Quando ao parentesco com o marquês de Pombal, veja -se a nota da secção
XXV. – (C.).
Duarte Coelho era filho de Gonçalo Coelho, emissário de D. João
II ao príncipe de Jalofo, capitão -mor da armada de 1503 e escrivão da
fazenda real. Veja-se História da Colonização Portuguesa do Brasil, vol.
II, págs. 301-308. – (G.).
(20) Por carta de 19 de Novembro de 1535, atendendo aos
serviços que Antônio Cardoso de Barros, cavaleiro fidalgo, tem feito
assim no Reino como em África, etc., el -rei lhe fez mercê de quarenta
léguas de costa do Brasil, que começarão da angra dos Negros, que está
na banda do Leste em altura de 2º, e acabam no rio da Cruz, da banda de
Loeste, que está em altura de 2º 1/s. – Livro 21 das Doações de D. João
III, fls. 187. No dia seguinte (20 de Novembro) foi feito o foral. – Livro
22 das Doações, fls. 108. A carta de doação nunca foi impressa. O foral
foi impresso pelo Barão de Stuart, in Revista do Instituto do Ceará, tomo
XXIII (1909), págs. 11-16. – (G.).
(21) Se, como se lê à pág. 159, já em janeiro de 1533 Pero Lopes
chegava à Europa depois de tomada a fortaleza galo -pernambucana, como
ainda em Setembro do mesmo ano poderia Aires da Cunha se oferecer
para desempenhar essa comissão? Evidentemente, onde está 1533, deve -se
ler 1532. – (C.).
(22) Este relatório será oportunamente dado à luz. – (A.). – Esta
promessa, já feita na 1ª edição, 1, 68, nunca foi realizada pelo autor; o
paradeiro do documento é desconhecido. – (C.).
112
(23) Da Índia, entende-se. – (A.).
(24) Varn. na Rev. do Inst., 13, 396. Barros servira também,
interinamente, de tesoureiro da Casa da Índica, no 1º de Ma io de 1525 a
fins de 1528. Rib. Diss. Cr., Tom. 2º, pág. 265. Recebeu quitação em 20
de Out. de 1563. – (A.).
(25) Doaç. de Évora, em 19 de Nov. de 1535. – (A.).
(26) Na entrada tinha umas ruínas de pedra e cal, como que em
algum tempo houvesse sido povoada de gente da Europa – lê-se na
Jornada do Maranhão, pág. 185. Este trecho não implica, porém, que de
Antônio Cardoso de Barros procedessem tais ruínas. – (C.).
(27) A raia que o autor deduz da interpretação do tratado de
Tordesilhas. – (C.).
NOTAS EM ALGARISMOS ROMANOS
(I)
Processo do barão de Saint-Blancard contra Pero Lopes, na nota
32 da 1ª edição desta História, e na 3ª e 4ª do Diário de Pero Lopes. –
(A.). – Veja-se na Lusitânia, vol. III, fascículo IX, págs. 315-327, Lisboa,
1926, o erudito artigo do dr. Jordão de Freitas sobre o achado na Torre do
Tombo (Corpo cronológico, I, 65, 13) de peças desse processo, que
encerram “interessantes e valiosos elementos de informação não só
relativamente às condições da vida social, comercial, religiosa e m ilitar
dos habitantes da feitoria portuguesa de Pernambuco em 1532, quando ali
aportou a nau marselhesa Pélerine (antiga nau portuguesa Sam-Thomé a
estirada, roubada pelos franceses a um André Afonso, da cidade do
Porto), mas ainda acerca do assalto, destruição, roubos e mortes que os
franceses ali fizeram então, bem como a respeito dos sucessos ocorridos
após a chegada de Pero Lopes de Sousa a Pernambuco no mesmo referido
ano”.
Além de Pero Lopes de Sousa, Antônio Correia e o arcebispo D.
Martinho de Portugal, mencionados no documento que o autor publicou
na primeira edição deste livro e em duas sucessivas do Diário de Pero
Lopes, reproduzido por Gaffarel, Histoire du Brésil Français, 366-372 –
113
foram também acusados pelo barão de Saint -Blancard mais três capitães
portugueses: Gonçalo Leite, Bartolomeu Ferraz e Gaspar Palha, que
figuram nas pelas do processo ultimamente encontradas.
O tribunal, que já funcionava em Baiona em 10 de Outubro de
1537, era constituído por dois juízes, deputados ou comissários fran ceses,
dois portugueses e, em caso de empate, elegia -se um quarto juiz. A carta
citatória (informa Jordão de Freitas) havia sido trazida por um procurador
do autor do processo, sendo o assunto tratado em audiência da correição
do civil da corte, presidida pelo licenciado Men de Sá e realizada no dia
16 de Junho de 1538. O Instituto Histórico possui cópias fotográficas
destes documentos, impressos no Diário de Pero Lopes, de Eugênio de
Castro. – (G.).
(II)
“Pernambuco onde achou os Francezes que tinham fei to fortaleza
e lha tomou a elles, e ficou pacificamente em poder dos Portuguezes”. –
Primeira carta de el-rei ao conde da Castanheira, de 21 de Janeiro de
1533. Cópia ms. na Cor. do autor. – (A.). – Essa carta, conforme averigou
o Dr. Jordão de Freitas, História da Colonização Portuguesa do Brasil ,
vol. III, pág. 117, nota 133, é de Évora, 20 de Janeiro de 1533; há outra
de 21, relativa à “vinda de pero lopes de sousa eu veyo do brasil”, mas
não é nesta, e sim na primeira, que se contém o trecho apontado. – (G.). –
Frei Luís de Sousa, Anais de Dom João Terceiro, pág. 377, escreve:
“Consta por carta delRey ao conde da Castanheira, de 21 de Janeyro de
1533, que Martim Afonso de Sousa tomou na sua viagem (parece que foy
do Brasil) duas naos de Francezes com tri nta e tantos homens de França e
quatro índios do Brasil, que chama Reys: manda el -Rey que os Francezes
venhão presos ao limoeyro, e os navios a Lisboa; e os que chama Reys
sejão bem tratados, e vestidos de seda.” – (C.). – Jordão de Freitas, ub
supra, encontrou duplo equívoco por parte do cronista, quanto à data da
carta, conforme já se viu, e quanto ao nome de Martim Afonso de Sousa
em lugar de Pero Lopes de Sousa, que no Borrador arquivado na
Biblioteca da Ajuda vem mencionado quatro vezes.
As cartas de D. João III ao conde da Castanheira vêm anexas ao
estudo do dr. Jordão de Freitas sobre a Expedição de Martim Afonso de
Souza, no citado vol. da História da Colonização. – (G.).
(III)
114
Consta de uma certidão passada a 15 de Junho de 1535, por Heitor
de Barros, escrivão da feitoria de Pernambuco, sobre os serviços do
bombardeiro Diogo Vaz, que “chegando a pernambuquo do Ryo da prata
domde vynha foy necesariho ho dyto Dº Vaz fyquar é o dyto
pernambuquo para serviço delRey nosso sõr ho quoall pº lopes mãdou e
fez fyquar por cõdestabre da fortaleza que se fez de q. Vte. miz [Martins]
feReyRa [Ferreira] hera quapitã e quomesou a servyr no dyto
pernambuquo aos trynta dyas do mês doutubro da era de myll e qujñetos e
trynta e dos años [até] q. chegou palus nniz [Pa ulos Nunes] na qaRavela
espeRa pera ser quapitã do dyto pernambuquo quomo ho foy e fez
cõdetabre da fortaleza a xpº franq e ho dyto Dº Vaz servya de
bombardeyRO do primeiRo de mayo da era de trynta e três años esta de
mjll e qujn~etos e trynta e cinquo e q. estamos q. aquj chegou Duarte
qoelho a esta fortaleza a nove dyas do mês de março da dyta era e q. lhe
foy entregue a duta fortaleza e lhe deu lycensa pera q. se qujzesse jr pera
ho Reyno”. – Doc. da Torre do Tombo, Corpo Cronológico, II, 202,
citado pelo dr. Jordão de Freitas, Lusitânia, vol. III. fascículo IX, pág.
326. – em carta de D. João III ao Conde da Castanheira, de 8 de Fevereiro
de 1533, determina o rei que da armada de Duarte Coelho, que estava na
costa da Malagueta, se mandasse ao Brasil, por to de Pernambuco, uma
caravela com sessenta homens, e que nela fosse Paulos Nunes, “o quall
estee por capitão da gente que llaa lleyxou Pero Llopez de Sousa...” – J.
D. M. Ford, Letters of John III, citadas, pág. 91. – Outra carta de 16 dos
mesmos mês e amo, o rei aprovava o regimento que Paulos Nunes devia
levar; escrevia que Pero Lopes lhe dera conta do que era necessário sobre
Manuel de Braga e Vicente Martins, piloto, e que logo mandava as
competentes provisões, ibidem, pág. 99. – (G.).
(IV)
“Afirma o gentio que nasce este rio de uma lagoa, ou de junto
dela, onde também se criam pérolas e chama -se este rio da Cruz, porque
se metem nele perto do mar dois riachos em direito um do outro, com que
fica a água em Cruz.” – Gabriel Soares, Tratado descritivo, 23. – O nome
do rio da Cruz (rio donde se halló uma crus) já se encontra no mapa de
Juan de la Cosa; é o atual Camocim, como afirma Pimentel em 1712. –
(C.).
O pouco que sabemos a respeito da capitania de João de Barros e
seus sócios, condensou Capistrano de Abreu nos prolegômenos à História
do Brasil de Fr. Vicente do Salvador, págs. 78 e 79:
115
“Sobre João de Barros, Fernando Álvares de Andrade e Aires da
Cunha quase só conhecemos o que contam documentos castelhanos. A
armada fortemente organizada zarpou em fins de 35. Parece ter seguido
para Pernambuco, donde parte desgarrou para as Antilhas e foi presa,
Medina (Diego Garcia de Moguer, pág. 62): parte navegou para o Rio
Grande, onde não demorou, porque a grande preocupação era o ouro, isto
é, as terras do Peru, já então invadidas por Pizarro e Almagro. A morte de
Aires da Cunha não desanimou a expedição, que subiu por um rio e seu
afluente “durante duzentas e cinqüenta léguas até não poderem ir mais
adiante por causa da água ser pouca e o rio se ir estreitand o de maneira
que não podiam já por ele caber as embarcações”, informa Gandavo,
História da Província de Santa Cruz, cap. 2. Um manuscrito espanhol
contemporâneo (cópia na Bibl. Nac.), reduz as léguas a cento e cinqüenta,
diz que fizeram uma fortaleza na il ha em que ainda hoje está a capital do
Maranhão, outra na confluência de dois rios, outra finalmente no último
ponto do rio vindo da esquerda que puderam alcançar; este deve ser o
Pindaré, mas o autor, dá-lhe o nome de Maranhão. Antônio Baião acaba
de publicar no Bol. da Ac. das Ciências de Lisboa, muitos documentos
sobre João de Barros, que contêm ligeiras referências ao Brasil.” Deles
resulta que os filhos de João de Barros vieram depois de Aires da Cunha,
mais ou menos no tempo de Luís de Melo. – (G.).
116
SECÇÃO XXIII
O BRASIL EM 1584 – MISERICÓRDIA.
LITERATURA CONTEMPORÂNEA.
O Brasil e Gandavo e Camões. Gabriel Soares. Fernão Cardim.
Seus serviços. Situação das Capitanias. Itamaracá. Pernambuco.
Engenhos, riqueza, luxo, etc. A Bahia. População. Edifícios. Trato.
Riqueza. Ilhéus. Porto Seguro. Duque d’Aveiro. Espírito Santo. Rio de
Janeiro. Seu adiantamento. São Vicente e Santo Amaro. Atraso das
capitanias do Sul. Suas vilas. São Paulo. Seus habitantes. Produção total
do açúcar. Importações. Riqueza, Misericórdias e irmandades. Leis
absurdas. Camões e seus contemporâneos. Góis e Sá de Miranda. Pedro
Nunes. O sol dos trópicos.
É tempo de pararmos um pouco a contemplar os
progressos feitos durante meio século de colonização. Antes,
porém, cumpre que dediquemos algumas linhas para dar a
conhecer dois escritores contemporâneos, que nos vão servir
de guias, e que fazem já honra ao Brasil-colônia, onde muitos
anos viveram, e onde faleceram.
As obras de Gabriel Soares e de Fernão Cardim não só
se devem considerar como produções literárias de primeira
ordem no século XVI, mas também, principalmente com
relação ao nosso fim, como verdadeiros monumentos histó ricos, que nos ministram toda a luz para avaliarmos o estado
da colonização do nosso país, na época em que escreveram, o
primeiro em 1584 e o segundo um ano antes (1).
117
Como produção literária, a obra de Soares é
seguramente o escrito mais produto do próprio exame,
observação e pensar, e até diremos mais enciclopédico da
literatura portuguesa nesse período. Nos assuntos de que trata,
apenas fora precedido uns dez anos pela obra (I) muito mais
lacônica, mas que lhe serviu de estímulo, do gramático Pero de
Magalhães de Gandavo, autor que publicou o primeiro livro
em português acerca do Brasil, e que ainda mais estimamos,
por haver sido amigo de Camões, e por haver, por assim dizer,
posto em contacto com nosso país o grande poeta, quando este
escreveu em verso a epístola oferecendo-a a D. Lioniz Pereira,
antigo governador de Malaca.
A breve história sua que ilustrasse
A terra Santa Cruz pouco sabida (2)
Nos Lusíadas apenas Camões se lembrou do Brasil,
escrevendo uma vez este nome, e outro o de Santa Cruz (3);
nunca o de América.
Seja embora rude, primitivo, e pouco castigado o estilo
de Soares, confessamos que ainda hoje nos encanta o seu modo
de dizer; e ao comparar as descrições com a realidade, quase
nos abismamos ante a profunda observação que não cansava,
nem se distraía, variando de assunto (II).
Como corógrafo, o mesmo é seguir o roteiro de Soares
que o do Pimentel ou de Roussin; em topografia ninguém
melhor do que ele se ocupou da Bahia; como fitólogo faltam lhe naturalmente os princípios da ciência botânica; mas
Dioscórides ou Plínio não explicam melhor as plantas do velho
mundo que Soares as do novo, que desejava fazer conhecidas.
118
A obra contemporânea que o jesuíta José de Acosta publicou
em Sevilha em 1590 (4), com o título de História Natural e
Moral das Índias, e que tanta celebridade chegou a adquirir,
bem que pela forma e assuntos se possa comparar à de Soares,
é-lhe muito inferior quanto à originalidade e cópia de doutrina.
O mesmo dizemos das de Francisco Lopez de Gomara (5) e de
Gonçalo Fernández de Oviedo (6). O grande Azara (7), com o
talento natural que todos lhe reconhecem, não tratou
instintivamente, no fim do século XVIII, da zoologia austro americana melhor que o seu predecessor português; e numa
etnografia geral dos povos bárbaros, nenhumas páginas
poderão ter mais cabida pelo que respeita ao Brasil, que as que
nos legou o senhor de engenho das vizinhanças do Jequiriçá.
Causa pasmo como a atenção de um só homem pôde ocupar-se
em tantas cousas “que juntas se vêem raramente”, - como as
que se contêm na sua obra, que trata a um tempo, em relação
ao Brasil, de geografia, de história, de topografia, de
hidrografia, de agricultura entretrópica, de horticultura
brasileira, de matéria médica indígena, das madeiras de
construções e de marcenaria, da zoologia em todos os seus
ramos, de economia administrativa e até de mineralogia (8).
Pouco depois de haver o Brasil passado ao domínio do
rei de Espanha, avisava profeticamente ao governo da
metrópole o dito Grabriel Soares:
“Vivem os moradores tão atemorizados, que estão
sempre com o fato entrouxado para se recolherem para o mato,
como fazem com a vista de qualquer não grande, temendo
serem corsarios: a cuja affronta S. M. deve mandar acudir com
muita brevidade; pois ha perigo na tardança, o que não convem
que haja; porque, se os estrangeiros se apoderarem desta terra,
119
custará muito lança-los fóra della, pelo grande apparelho que
têm para nella se fortificarem; com o que se inquietará toda a
Espanha, e custará a vida de muitos capitães e soldados, e
muitos milhões do ouro em armadas, e no apparelho dellas, ao
que agora se pode atalhar acudindo-lhe com a prestesa devida”
(9).
A obra de Fernão Cardim, que só viu a luz em Lisboa,
em 1847, com o título posto pelo editor (o próprio autor desta
história) de Narrativa epistolar, por constar verdadeiramente
de duas cartas que dirigiu ao provincial da Companhia em
Portugal, é seguramente mais insignificante e destituída de
mérito científico que a precedente; entretanto, recomenda-se
pelo estilo natural e fluente, e pela verdade da pintura feita
com os objetos à vista, e as impressões, ainda de fresco
recebidas dos encantos virgens que regalavam os olhos de
quem acabava de deixar a Europa nos fins do Inverno. –
Cardim, que havia chegado ao Brasil com o governador Teles
Barreto em 1583, prestou depois à Companhia, da qual foi
mais tarde eleito provincial no Brasil (cargo que exerceu ainda
muitos anos do século seguinte), serviços importantes, no
número dos quais devemos incluir o haver a ela atraído tão
valente campeão como veio a ser o Padre Antônio Vieira (III).
Passemos, porém, a aproveitar do conteúdo destas
obras, para oferecer aos olhos do leitor um quadro do estado
em que se achavam então as várias capitanias existentes no
Brasil.
A Paraíba, acabada de fundar, tinha um engenho em
construção por conta da fazenda (10). Começava esta nova
capitania a render ao Estado quarenta mil cruzados, que em
tanto se arrendou o seu contrato do pau-brasil.
120
Na ilha de Itamaracá, do mesmo donatário que Santo
Amaro, seguia prosperando a pequena vila da Conceição,
situada no seu extremo meridional; e nos rios ou córrego s
imediatos moíam três engenhos (11).
Passemos a Pernambuco, que era então sem duvida a
capitania mais adiantada e rendosa, e de todo o Brasil a única
em que realmente havia já luxo e trato cortesão. Contava -se
nesta capitania mais de dois mil colonos e outros tantos mil
escravos: daqueles mais de cem teriam passante de cinco mil
cruzados de renda, e alguns de oito e dez mil. E dava -se na
terra a circunstância de serem todos gastadores, de modo que
ainda com tais rendas, que eram enormes para aquele século,
havia muitas dívidas, em virtude dos escravos de Guiné, que
morriam em grande número. – Eram freqüentes as festas e os
jantares; trajavam os homens veludos, damascos e sedas, e
despendiam briosamente com cavalos de preço, com sedas da
roupa. Para o complemento do luxo de hoje só faltariam
carruagens, que em Pernambuco e outras terras do Brasil nem
tinham ainda entrado, segundo parece, no tempo de Vieira
(12). – Além dos cavalos, havia cadeirinhas, ou palanquins,
introduzidas da Ásia, e as serpentinas ou tipóias, que eram
como liteiras ou padiolas, feitas de uma rede e levadas por
dois homens. Só em vinhos se consumiam anualmente em
Pernambuco muitos mil cruzados. Filhos da vila de Viana
eram a melhor parte dos ricaços da terra; e a tal ponto tinham
ali influência que diz o jesuíta, talvez por graça, que em lugar
de aqui del-rei se gritava aqui de Viana” (13). Admirava-se o
padre visitador (14) dos leitos de damasco carmesim, franjados
de ouro, das ricas colchas da Índia, que lhe ofereciam na cama
de dormir, e dos presentes, visitas e convites que recebia.
121
Segundo o testemunho de Cardim, havia então na capitania
sessenta e seis engenhos, que lavravam por ano duzentas mil
arrobas de açúcar, de modo que eram necessários quarenta ou
mais navios para o levar (15). Possuía Olinda uma boa igreja
matriz, quase acabada, de três naves, e muitas capelas, um
colégio da Companhia, com lições de casos, de latim e de
primeiras letras, e boa casaria de pedra e cal. Em Pernambuco,
exclamava Cardim, se encontra mais vaidade qu e em Lisboa!
As senhoras também ostentavam luxo, e gostavam mais de
festas que de devoções. No recife apenas havia um começo de
povoado com alguns armazéns, e uma ermida com a invocação
do Corpo Santo. O pau-brasil estava arrendado, por dez anos,
em vinte mil cruzados cada ano; e o dízimo dos engenhos em
dezenove mil (16). O donatário Jorge de Albuquerque cobrava
para si uns dez mil cruzados do tributo do pescado, redízima e
outras rendas. No sul da capitania, para as bandas de Porto
Calvo, se ia estabelecer Cristóvão Linz, que chegou a possuir
sete engenhos (17).
Quanto à Bahia, capitania da coroa, mais conhecida que
as outras a deixamos pelo seguimento da nossa história: havia
então nesta capitania também uns dois mil colonos, quatro mil
escravos africanos, e seis mil índios cristianizados. Exportava
anualmente para cima de cento e vinte mil arrobas de açúcar (o
melhor de toda a costa) de seus trinta e seis engenhos; donde
resultava que o termo médio do produto de cada engenho
regulava por três mil e trezentas arrobas. Contava dezesseis
freguesias, um colégio dos padres, um mosteiro de São Bento
(18) e outro de Capuchos (19), além de mais quarenta igrejas e
capelas. Os barcos e canoas de remo, só no Recôncavo,
avaliavam-se em mil e quatrocentos. – Tinha já a cidade do
122
Salvador bons edifícios, porém a sé estava, como a de
Pernambuco, por concluir. Havia nela cinco dignidades, seis
cônegos, dois meios-cônegos, quatro capelães, um cura e
coadjutor, quatro moços de coro e mestre-de-capela, dos quais
muitos não eram sacerdotes, em geral mais mal pagos que os
capelães dos engenhos, cujos lugares os eclesiásticos
preferiam. O edifício do colégio era grande, bem acabado; e
havia nele aulas de teologia, de casos, duas de humanidades,
um curso d’artes, além das primeiras letras. Tinha de renda
três mil cruzados, e sustentava de ordinário uns sessenta
discípulos. Entre os habitantes notava-se igualmente muita
abundância e rico trato, se bem que menos luxo que em
Pernambuco. Nas casas havia bons serviços de prata. As
senhoras tinham bastantes jóias. Também se viam cavalos bem
ajaezados, e até os peões trajavam de cetim e damasco, e suas
mulheres vasquinhas e gibões das mesmas telas. E pois que
nesta capitania as comunicações se faziam principalmente por
água, eram os jovens baianos menos amigos de montar a
cavalo que os pernambucanos. – A capital contava apenas
oitocentos moradores livres, e as casas não passavam ainda
fora das portas de São Bento e do Colégio, ou sé atual. As
rendas da câmara não excediam de cem mil réis an uais.
Seguem as três capitanias dos Ilhéus, Porto Seguro e
espírito Santo, que apesar de seu fecundo solo, e dos muitos
rios que as retalham, e dos freqüentes portos que oferecem ao
comércio, havia progredido mui pouco, como seguiu
sucedendo até hoje. – Tão nociva lhes foi a influência da falta
de uma colonização simultânea, que pudesse absorver os
selvagens, em vez de se deixar por eles tragar.
A capitania dos Ilhéis achava-se reduzida à vila de São
123
Jorge, apenas com uns cinqüenta colonos, em vez de
quatrocentos ou quinhentos que tivera; e unicamente contava
três engenhos, de oito ou nove que possuíra (20) e algumas
roças de algodão e mantimento. Para casa lado da vila, os
habitantes não se estendiam mais de duas ou três léguas, pela
ourela da costa, e apenas meia légua para o sertão.
Não era mais lisonjeiro o estado da capitania de Porto
Seguro; se bem que nesta havia, além da vila capital, com
quarenta colonos, a de Santa Cruz, e duas aldeias de índios, a
de São Mateus e a de Santo André, A gente era pobre: havia
um só engenho de açúcar (21); o gado vacum morria de certo
capim mata-pasto (22) mas em troco os jumentos e cavalos
cresciam em tal quantidade que daqueles havia bravos pelos
matos. As árvores de espinho eram sem conta, e os habitantes
fabricavam, para exportar, água de flor de laranja. Era
donatário o primeiro duque de Aveiro D. João d”Alencastre,
por contrato que, segundo dissemos (23), fizera com a terceira
donatária D. Leonor do Campo.
Um tanto melhor se achava a capitania do Espírito
Santo: contava sobre cento e cinqüenta vizinhos, que possuíam
seis engenhos de açúcar, muito gato e algodões. A Companhia
tinha também seu colégio e igreja regular, e várias aldeias que
administrava (24). Havia aqui mais gentio manso que em
nenhuma outra parte; e os colonos serviam-se muito dele, de
modo que apenas existia escravatura africana. Era desta
capitania segundo donatário Vasco Fernandes, filho do outro
de igual nome, de quem já tratamos; mas pouco depois faleceu,
ficando governadora D. Luísa Grinalda, sua mulher, que fez
antes de muito entrega ao quarto donatário Francisco de
Aguiar Coutinho.
124
A capitania do Rio de Janeiro, bem que apenas contava
vinte anos desde fundada, tinha cento e cinqüenta colonos e
três engenhos, trabalhados principalmente pelos índios. Havia
um colégio da Companhia, em que se ensinava o latim, e que
recebia das rendas públicas dois mil cruzados. Igualmente
seguiam subsistindo a casa de misericórdia e o hospital, quase
no próprio sítio em que ainda hoje estão. Abundava a fruta e a
hortaliça, e era tanto o pescado que valia o de escama a quatro
réis, e o de pele a rea e meio a libra. Ainda então vivia Martim
Afonso, Ararigbóia, comendados de Cristo, índio antigo,
abaeté e moçacara, (Mboçácára, o que é muito honrado,
Montoya, Tesoro, fls. 215) que servira muito aos colonos na
conquista desta paragem. Os três engenhos de que fizemos
menção, eram: um de Cristóvão de Barros, de água; outro do
próprio governador, na sua ilha, movido por bois; e finalmente
um terceiro, começado por Salema e por concluir, do
patrimônio real (25).
“Está tão mística a capitania de São Vicente com a de
Santo Amaro (dizia um dos escritores contemporâneos que nos
vão guiando) que se não foram de dois irmãos, amanharam -se
muito mal os moradores delas” (26). – Já então na prática se
começavam a realizar os temores de Gabriel Soares, e
principiavam a germinar as questões, que pouco depois foram
levadas ao julgamento dos tribunais. Reservando para o diante
o tratarmos de qual era verdadeira linha de raia, nos
limitaremos aqui a consignar que, falecido o primeiro
donatário em 1571, e morto o segundo, seu filho, nos campos
africanos de Alcácer-Kebir, era já, por confirmação régia,
Lopo de Sousa, neto do primeiro, o possuidor da capitania de
São Vicente. A de Santo Amaro, por morte de Pero Lopes,
125
passara sucessivamente a dois de seus filhos, e por falecimento
destes recaíra em uma irmã deles, D. Jerônima, já viúva de D.
Antônio de Lima, de quem tivera D. Isabel de Lima, que veio a
ser a quinta donatária (27).
Apesar, porém, de haver nas terras chamadas de São
Vicente duas capitanias e dois donatários, na realidade quase
que se imaginavam uma só; e inclusivamente tinha um só
provedor, contador e alcaide-mor, que era o velho (28) Brás
Cubas (29); se bem que as sesmarias, nas terras julgadas do
neto de Martim Afonso, eram unicamente concedidas pelo seu
lugar-tenente Jerônimo Leitão, e as da neta de Pero Lopes pelo
governador Salvador Correia, seu bastante procurador para
isso. Entretanto, para a resenha que vamos fazendo, as
consideraremos uma única, e nos ocuparemos indistintamente
das vilas e povoações de ambas.
É necessário confessar que por este lado, principal mente perto da costa, o Brasil se tinha porventura atrasado em
vez de melhorar. Vimos que quarenta anos antes havia já aí
seis engenhos e uns seiscentos vizinhos. A colonização do Rio
de Janeiro, e os maiores atrativos de prosperidade na Bahia e
Pernambuco, e a bondade do clima de Piratininga tinham
privado São Vicente de muitos moradores, e a escassez de
navios de comércio para ali, e a presença dos últimos piratas,
haviam-na despojado de muita da sua riqueza. Bem que em
pior estado, as duas capitanias sustinham, entretanto, ainda os
mesmos engenhos.
A vila de São Vicente se empobrecera de um modo
sensível; e estava reduzida a uns oitenta colonos, além dos
padres do colégio da Companhia que, a pedido da gente de
Santos, o visitador Cristóvão de Gouveia ordenava agora que
126
para esse porto se transferisse (30). Eram apenas seis, os quais
ali “estão como eremitas, por toda a semana não haver gente, e
aos domingos pouca” (31).
Menos habitantes colonos, e mais pobres, contava a vila
da Conceição de Itanhaém, dez léguas pela praia, caminho da
foz do Rio de Iguape.
Poucos mais moradores que São Vicente tinha Santos:
em uma e outra vila escasseavam os braços; e pouco antes
haviam ambas dirigido uma súplica a Jerônimo Leitão para
proceder contra os índios, que tanto mal haviam feito à
capitania (32). Naturalmente menos população que todas teria
a vila de Santo Amaro, junto da qual possuía um engenho
Francisco de Barros. Ao norte da Ilha de Santo Amaro havia
bem guarnecidas as duas fortalezas de São Filipe e de
Santiago, à boca da barra da Bertioga; e da banda do sul, à
entrada de São Vicente, e nas terras que haviam sido de
Estêvão da Costa (33), havia (no forte que pouco antes se
fizera) uma guarnição de cem soldados, com capitão e alcaide
(33bis).
São Paulo de Piratininga era a terra mais povoada do
distrito, e continha tanto e meio dos colonos da de Santos ou
de São Vicente. Já seus habitantes se mostram naquele tempo
amigos de cavalgar e fazer “escaramuçar e correr seus
ginetes”. – Os paulistas “do meio daquele sertão e cabo do
mundo”, vestiam-se ainda à moda antiga “de burel e pelotes
pardos e azuis, de petrinas compridas...” e iam nos domingos à
igreja “com roupões ou bornéus de cacheira, sem capa” (34).
Não tinham na vila pároco (35), e seis ou sete padres da
Companhia eram os seus únicos eclesiásticos. Havia muito
gado, e muitas vinhas, de cuja uva se fazia certo vinho que se
127
bebia “antes de ferver de todo”. Igualmente abundavam, entre
as árvores da Europa, os marmeleiros, e se fazia muita
marmelada. O trigo e cevada produziam bem, se os semeavam
(36); escassos eram, porém, os vestuários pelo pouco trato do
comércio. O fabrico do tal vinho cessou acaso com as
proibições, que depois se fizeram em favor do comércio de
Portugal (37). Os habitantes eram servidos pela escravaria da
terra, e nas vizinhanças havia, entre outras aldeias, a da
Conceição dos Pinheiros (38).
Tratando da principal produção do Brasil naquela
época, a do açúcar, contavam-se em Pernambuco sessenta e
seis engenhos; na Bahia trinta e seis, e nas outras capitanias
juntas metade deste número. Total dos engenhos cento e vinte.
Referimos o número dos engenhos, porque cremos este o
melhor meio de dar uma idéia do estado de prosperidade e
riqueza do país. Um engenho por si é ainda hoje equivalente a
uma grande povoação, e representa não só muitos braços,
como as necessárias terras de canaviais, de mato, de pasto e de
mantimentos. Com efeito, além da casa do engenho, da de
moradia, senzalas e enfermarias, havia que contar com uns
cem colonos ou escravos, para trabalharem umas mil e
duzentas tarefas (39) de massapé (a novecentas braças
quadradas por tarefa), além dos pastos, cercas, vasilhames,
utensílios, ferro e cobre, juntas de bois, e outros animais.
Anualmente produziam os ditos engenhos uns
setecentos mil quintais de açúcar ou setenta mil caixas,
número igual ao dos mil cruzados que pagava o mesmo açúcar
de direito de saída, na razão de cruzado por caixa de dez
quintais.
O consumo no Brasil de gêneros estrangeiros vindos do
128
Reino, avaliava-se em quatrocentos mil cruzados, e portanto
em oitenta mil a renda que produzia às alfândegas de Portugal
o não estarem os nossos portos abertos ao comércio das outras
nações.
As fortunas eram geralmente, sobretudo em
Pernambuco, na Bahia e no Rio, isto é, nas terras que já
recebiam escravaria africana (40), bastante desiguais; e um dos
meios com que mais dinheiro se juntava era o tráfic o dos
pretos. Às vezes associavam-se alguns senhores de engenho, e
mandavam navios por escravos africanos, que lhes saíam assim
muito mais em conta do que comprando-os aos traficantes, os
quais, principalmente a prazos, efectuavam as vendas com
muita usura.
Os pobres encontravam já, em algumas povoações,
apoio eficaz numa instituição pia introduzida em Portugal no
século anterior, a fim não só de recolher os peregrinos, como
as antigas albergarias, mas de curar os enfermos, de enterrar
os mortos, de educar e dotar as desvalidas órfãs, e de praticar
as obras de misericórdia. Pelo que o estabelecimento, onde em
cada povoação isso era adotado, se chamou Santa Casa de
Misericórdia ou simplesmente A Misericórdia ou A Santa
Casa, como entre nós se diz muito (41). – A primeira casa de
misericórdia em Portugal foi a de Lisboa, instituída pela
Rainha D. Leonor, em Agosto de 1498; – bem que
recomendada a instituição às outras cidades e vilas do reino,
pela C. R. de 14 de Março de 1499, como... “uma confraria
para se as obras de misericórdia haverem de cumprir,
especialmente acerca dos presos pobres e desamparados... e
assim em muitas obras piedosas” (42), etc. Em Santos foi a
instituição introduzida em 1543 por Brás Cubas, e não nos
129
consta de povoação brasileira que antes a tivesse. – Nas
cidades do Salvador e de São Sebastião foram elas erigidas
contemporaneamente com as mesmas cidades (43); e tanto a
elas, como às de outras cidades do Brasil, os reis não tardaram
em conceder privilégios análogos aos de que gozava no Reino
a de Lisboa. Além das Misericórdias para os pobres
desamparados, havia também irmandades, ou comunidades, em
que sob a invocação de algum santo, e com certas práticas
devotas, os irmãos se obrigavam, por compromissos, a se
prestarem vários auxílios. – Dessas irmandades, as ordens
terceiras, que depois se estenderam tanto, anexas a ordens
religiosas ou delas derivadas, produziram, e produzem ainda,
com seus hospitais, benefícios incalculáveis.
O Brasil se podia considerar a mais importante das
possessões portuguesas que Filipe II havia agregado à sua
coroa, pois que as colônias da Ásia iam em manifesta
decadência, e o comércio do Oriente, desde o princípio, longe
de criar raízes em Lisboa, não serviu senão a dar maior
importância ao mercado de Amsterdam, e a fazer levantar a
Holanda (44). – Portugal se locupletara, sim, com as primeiras
riquezas da Ásia; mas por outro lado perdera a sua
prosperidade real, desprezando a agricultura e a indústria; de
modo que, apenas lhe faltou a força, não pôde nutrir o
comércio do Oriente, que passou a mãos estranhas, onde
estavam os capitais, que algumas providências absurdas faziam
desviar do reino e possessões. Nesse número se devem contar
a perseguição impoliticamente exercida, contra os judeus e
cristãos-novos (45), a inquisição, e talvez não menos, uma lei
proibindo que se cobrassem juros ao dinheiro (46). Por lei de
30 de Junho de 1567, provisão de 2 de Junho e alvará de 2 de
130
Julho de 1573, foi proibido passarem os cristãos-novos às
colônias. Estas disposições foram revogadas pelo alvará de 21
de Maio de 1577 (47).
O domínio da maior parte dos litorais da Ásia que,
segundo alguns, concorrera à desmoralização dos Portugueses,
produziu por outro lado nos ânimo tal energia que, além da
glória marítima e militar que a nação adquiriu (e que será
perdurável para sempre nos fastos da História universal e nos
do progresso do espírito humano) talvez que a essa energia
deveu o grande desenvolvimento que então tiveram a sua
literatura e língua. Os escritores quinhentistas, isto é, do
século XVI, são ainda os mais lidos e preferidos pelos
melhores puristas. Desta época é o primeiro escritor português,
chamado príncipe dos poetas de toda a Espanha – o grande
Camões. O argumento capital de sua epopéia é a navegação do
Oriente; e Camões não houvera produzido tal poema, no juízo
de Humboldt, uma das primeiras obras do engenho humano em
relação à vida marítima, se não tivesse peregrinado até a China
“novos perigos vendo e novos danos”. As Décadas de Barros
(depois prosseguidas por Couto) são em prosa a história dos
feitos portugueses na Ásia, ilustrada também pela descritiva
pena de Lucena, na conquista espiritual, e pelas admiráveis, e
às vezes fantásticas, pinturas das maravilhas da Ásia, que
devemos ao livro das Peregrinações de Fernão Mendes Pintos.
Às obras destes escritores deve a língua portuguesa muito.
Como autores de crônicas se assinalavam Damião de Góis,
escrevendo as de D. João II e D. Manuel (que o bispo Osório
depois magistralmente latinava), e Francisco de Andrade a de
D. João III. Entre os poetas contemporâneos de Camões,
recomendam-se o filósofo e moralista Francisco de Sá de
131
Miranda, o suavíssimo Bernardes, cantor do rio Lima, e o
douto Ferreira (48), autor da primeira tragédia sobre Inês de
Castro. Góis e Sá de Miranda interessam mais que os outros ao
Brasil, como irmãos que eram um do donatário das terras de
Campos Pero de Góis (49), e outro do terceiro governador do
Estado, Men de Sá. Poetas conhecidos foram também Jerônimo
Corte Real e Vasco Mousinho. Como prosadores recomendáveis mencionaremos Jorge Ferreira de Vasconcelos, autor de
uma novela de cavalarias acerca das proezas de uma segunda
Távola Redonda (50), e de mais três novelas-comédias,
intituladas Eufrosina, Ulyssipo e Aulegrafia; e contentar-nosemos em citar os Diálogos de Heitor Pinto e de Amador
Arrais, pois fora divergir de nosso intento tratar deles por
extenso. Com mais razão devemos ser desculpados se não
tratarmos de outros de menos nomeada, e se não fizermos
dissertações acerca da literatura castelhana desta época, que
alguma voga, especialmente a dramática, veio a ter no Brasil.
Nas ciências as maiores ilustrações como que se
desenvolviam no Oriente. O grande matemático Pedro Nunes
(51), o seu discípulo D. João de Castro, o médico observador
Garcia da Orta (52), - todos talvez deveram ao sol dos trópicos
o reflexo da sua glória: sendo certo que concorre muito a
fecundar o gênio a contemplação da natureza, em o maior
número de paragens da terra, diversas em clima e em produtos
naturais; bem como o trato dos homens e a vista dos objetos
d’arte contribuem a apurar o gosto e a formar o artista; quer
este maneje o pincel, o escopro, ou o compasso; quer possua o
segredo de fundir em palavras ou sons articulados, quer em
sons músicos, os seus pensamentos, isto é, quer seja pintor ou
escultor e arquiteto, quer poeta ou músico. Para nós é certo
132
que (ocupando-nos só da poesia) Camões não houvera sido o
que foi e o que é, se não tivesse tido tanto trato com diferentes
povos, e se com as cenas novas e originais de que contínuo lhe
deviam proporcionar as terras, os mares e as cidades da Ásia,
não houvesse tanto enriquecido a fantasia.
NOTAS EM NÚMEROS ARÁBICOS
(1) A estes dois autores deve-se acrescentar Anchieta, cujas
Informações e fragmentos históricos completam, a mais de um respeito,
Gabriel Soares e Fernão Cardim. Fundado nelas, Rio Branco avalia a
população das colônias portuguesas no Brasil em cerca de 57.000
habitantes, dos quais 25.000 brancos, 18.500 índios mansos e 14.000
escravos africanos: Lé Brésil en 1889, 116. – (C.). – Essa população vem
assim distribuída, op. et loc. cit.: brancos – 250 em Itamaracá, 8.000 em
Pernambuco, 12.000 na Bahia, 750 em cada uma das capitanias de Ilhéus,
Porto Seguro, Espírito Santo e Rio de Janeiro, 1.500 na de São Vicente ;
índios mansos – 2.000 em Pernambuco, 8.000 na Bahia, 4.500 no Espírito
Santo, 3.000 no Rio, 1.000 na capitania de São Vicente; escravos
africanos – 10.000 em Pernambuco, 3 a 4.000 na Bahia, 100 no Rio de
Janeiro. – Anchieta, para algumas capitanias, dá o s algarismos da
população; para outras dá apenas o número de fogos (vizinhos). O cálculo
de Rio Branco é de cinco pessoas por fogo. Veja Informação do último de
Dezembro de 1585, Informações e fragmentos históricos, págs. 31/56,
Rio, 1886. – (G.).
(2) Camões: dedicatória da História de Gandavo. – (A.).
(3) “De Santa Cruz o nome lhe poreis” – (Lusíadas, 10, 140).
Referência directa ao nome do Brasil encontra -se no canto 10,
estr. 63, quando fala de Martim Afonso de Sousa:
“... que já será ilustrado
no Brasil com vencer e castigar
O pirata francês ao mar usado.”
Outras alusões: cantos 2, 45; 5, 4; e 7, 14. – (A. e G.).
133
(4) A primeira edição da obra de Acosta saiu em Salamanca,
1589, em latim. Vertida em castelhano na edição citada no texto ( História
/ Natural / y Moral delas / Índias / en que se tratan las cosas / notables
del cielo, y elementos, metales, plantas, y ani - / males dellas: y los ritos,
y ceremonias, leys y / gobierno, y guerras de los índios, etc.) Sevilla en
casa de Iuan de Leon, 1590, in – 4º - Logo no ano seguinte teve outra na
mesma cidade e ainda em barcelona. Existem dela traduções em línguas
italiana, francesa, holandesa, alemã e inglesa. – Acosta foi provincial dos
jesuítas no Peru, onde residiu dezessete anos; nasceu em Medina del
Campo em 1539 e faleceu em Salamanca em 1600. – (G.).
(5) Primera y segunda parte de la his / toria general de las Indias
com todo el descubrimiento y cosas nota / bles que han acaecido dende
que ganaron ata el año de 1551. Com la cóquista de / México y de la
nueva España. Em Çaragoça, 1553, in-fol. – Outra edição: Conquista de
Mexico / Segunda parte de la / Chronica generald e las Indias, que trata
de la / Conquista de Mexico. – Medina del Campo, 1553, in-fol. peq. –
Mais outra edição em Anvers, 1554, in-12; outras edições modernas. –
Gomara nasceu em Sevilha, em 1510. – (G.).
(6) La historia general delas Indias, Primera parte de la historia
y gene ; ral de las Indias, yslas y tierra firme del mar oceano... Sevilha,
1535, in-fol. pág. …. – Há outra edição, Valadolid, 1537, in-fol., e a
edição clássica da Real Academia de la Historia de Madrid, 1851, 4 vols.
in-fol. – (G.).
(7) Viaggi nell‟America Meridionale fatti tra il 1781 e il 1801. –
Milano, 1807, 2 vols. in 16º - A edição francesa de C. A. Walckenaer,
Voyages dans l‟Amérique Méridionale: publiés les manuscrits de
l‟auteur, Paris, Dentu, 1809, 4 tomos, in-8º, é mais pedestre. – Há outras
ediçoes em castelhano e alemão. – (G.).
(8) A primeira edição começou-se na Tipografia do Arco do Cego,
in-fol.; mas não se concluiu, nem se expôs ao público: realizou -se a
publicação pela primeira vez nas Memórias da Academia de Lisboa em
1825, no tomo III das do Ultramar. Os primeiros 29 capítulos se deram de
novo à luz pelos ms. da Bibl. R. de Paris, no jornal O Patriota Brasileiro,
Paris, 1830. Porém a edição mais correta é a do Rio de Janeiro, 1851
(Revista do Instituto, tomo XIV), com os comentários que lhe juntou o A.
da presente história, quando primeiro secretário do Instituto, Soares partiu
134
para Europa em 1584 (Carta de Cristóvão de Barros, de Agosto de 1584),
depois de haver feito testamento na Bahia em 10 de Agosto deste ano,
aprovado em 21 do mesmo mês. – (A.).
(9) Tratado descriptivo do Brasil em 1587, 14-15. Linhas antes
escrevia Gabriel Soares ainda mais profeticamente:
“Em reparo e accrescentamento estará bem empregado todo
cuidado que sua Magestade mandar ter deste novo reino; pois está capaz
para se edificar nelle um grande imperio, o qual com pouca despesa destes
reinos se fará tão soberano, que seja um dos estados do mundo...”.
Ibidem, 13. – (G.).
(10) Ao levantamento do primeiro engenho na Paraíba fa \z
menção Fr. Vicente do Salvador, História do Brasil, São Paulo-Rio, 1918,
324: “... e no fim do mez de Janeiro de 1587 se foi (Martim Leitão) ao rio
Tibiri, duas leguas acima da cidade, ao longo da várzea da Parahiba, fazer
um forte pera o engenho de assucar de el -rei, que já estava começado e
para defender a aldeia do Assento de Passaro e mais fronteiras...”
A seguir diz ainda Fr. Vicente do Salvador, ibidem, 343, 3ª ed.
1931: “Ficando a capitania da Parahiba, na fórma que dissemos...
entregue ao capitão João Tavares, começou logo a fazer um engenho não
longe do de el-rei, com que corria um Diogo Correia Nunes, e plo
conseguinte aos moradores muii contentes começaram logo a plantar as
cannas que nelle se haviam de moer...”
Esses dois engenhos tomaram os nomes de Tibiri de Cima e Tibiri
de Baixo, que vieram ter às mãos de Fernandes Vieira e sua mulher D.
Maria César, que os houveram dos herdeiros de Jorge H omem Pinto e do
dr. Luís Sanches de Baena; em 17 de Janeiro de 1967 possuía -os José
Cardoso Moreno, conforme a escritura pública, saída à luz na Revista do
Instituto Arqueológico Pernambucano, 6, n. 42, 302/307.
O engenho real era possivelmente o Tibiri de Cima, mais perto do
forte, e que era ainda moente e corrente por ocasião daquela escritura, ao
passo que o outro já estava de fogo morto. – (G.).
(11) Os engenhos da ilha de Itamaracá eram os do Obu, de
Araripe de Bairo e de Araripe de Cima, mencionados no Sommier
discours ouer den staet vande vier geconquesteerde Pernambuco
Itamarica, Paraiba en Rio Grande, inde Noorderdeelen van Brasil
(Arquivo de Hilten.. Utrecht, 1879. – Dos últimos um era propriedade de
Filipe Cavalcanti. – (G.).
135
(12) Sermões, VIII, 436. – (A.).
(13) Conf. Fernão Cardim, Tratados da Terra e Gente do Brasil,
Rio, 1925, 335. – (G.).
(14) Cristóvão de Gouveia – (C.). – A visita a Pernambuco durou
três meses, de 14 de Julho a 16 de Outubro de 1584. – Fernão Cardim, op.
ct., 327/336. – (G.).
(15) Quando Cardim estava em Pernambuco faleceu a viúva do
velho Duarte Coelho, D. Brites de Albuquerque, conf. tomo I desta
História, 296/297. Em suas exéquias, pomposamente realizadas no
colégio de Olinda, fez-lhe a oração fúnebre o bispo D. Antônio Barreiros,
que antes fora prior de Ávis, como informa Fr. Vicente do Salvador, que
foi seu vigário-geral, História do Brasil, 3ª ed., 1931, 220. (G).
(16) O contratador dos dízimos reais era Bento Dias de Santiago,
tomo I, 462/463. – (G).
(17) Conf. tomo I desta História, 387. – (G).
(18) De notícia de Gabriel Soares, Tratado descritivo, pág. 123,
infere-se que os frades de São Bento chegaram à cidade do Salvador, com
licença de Sua Majestade para fundar seu mosteiro, em 1586. Nesse ano,
aos 16 de Junho, Martim Afonso, o Condestável, e sua mulher Maria
Carneira, faziam doação aos mesmos frades, para assento do mosteiro, do
terreno junto à ermida de São Sebastião naquela cidade. – Conf. Livro
Velho do Tombo do Mosteiro de São Bento da Cidade do Salvador , págs.
400/410, Bahia, 1945. (G.).
(19) O mosteiro de Capuchos foi estabelecido mais tarde. – (C.).
(20) “... a qual capitania [dos ilhéus] Jeronimo de Alarcão, filho
segundo de Jorge de Figueiredo, com licença de S. A. vendeu a Lucas
Giraldes, que nella metteu grande cabedal com que a engrandeceu de
maneira que veio a ter oito ou nove engenhos. Mas deu nesta terra esta
praga dos Aimorés, de feição que não ficaram ali mais que seis engenhos,
e estes não fazem assucar, nem ha morador que ouse plantar cann as,
porque em indo os escravos ou homens ao Campo não escapam a estes
136
alarves, com medo dos quaes foge a tente dos ilhéos para a Bahia, e tem a
terra quase despovoada...” – Gabriel Soares, Tratado descritivo, pág. 57.
– (G.).
(21) Gabriel Soares, op. cit., págs. 61/62, menciona em Porto
Seguro dois engenhos de açúcar, pertencentes a Manuel Rodrigues
Magalhães e a Gonçalo Pires, além de dois outros extintos, um de João da
Rocha e o que esteve na ponto do Curumbabo. – (G.).
(22) Com esse nome conhecem-se diversas espécies do gênero
Sassia, família das Leguminosas, As folhas e vagens do mata -pasto
vermelho (Cassia stipulata) são tidas como tóxicas. – (G.).
(23) Veja secção XVIII, 307. – (A.).
(24) Anchieta, Informações e fragmentos históricos, págs. 40/41.
A Companhia não tinha Colégio no Espírito Santo, apenas casa, onde
residiam de ordinário oito – cinco padres e três irmãos; essa casa era
subordinada ao Colégio do Rio de Janeiro. – (G.).
(25) Conf. tomo I desta História, 346 e 370, Gabriel Soares,
Tratado descritivo, 91. – (G.).
(26) Gabriel Soares, loc. cit., 97. – (G.).
(27) Esta D. Isabel, apesar de casar -se, não deixou descendentes.
Segundo a História Genealógica [tomo XII, parte II, pág. 1113], a
desposou Francisco Barreto [de Lima]; e segundo um d ocumento que
recolheu Taques. Revista do Instituto Histórico, 9, pág. 163, um André de
Albuquerque, que vivia em Setúbal. Naturalmente casou -se duas vezes.
Em tal caso da segunda vez foi com Francisco Barreto. – (A.). – André de
Albuquerque era o donatário em 1584, como assegura Anchieta,
Informações e fragmentos historicos, 32. – (C.).
(28) Brás Cubas teria então uns oitenta anos, pois faleceu, com
oitenta e cinco, em 1592, como se colige de seu epitáfio no presbitério da
hoje matriz de Santos, que consigna os seus principais feitos, que
explanará a sua biografia melhor do que esta história o pudera aqui tentar.
– (A.). – Desta biografia anunciada aqui pelo Autor, ignora -se o
paradeiro. – (C.). – Na Revista do Instituto Histórico de São Paulo, tomos
137
13, 241/249, e 18, 13/36 e 37/43, ocorrem bons subsídios de Eugênio
Egas, F. C. de Almeida Morais e Benedito Calixto sobre o fundador de
Santos. O epitáfio supra mencionado diz assim:
Sª DE BRAZ CUBAS
CAVALLEIRO FIDALGO DA CAZA D’EL-REY
FVNDOV E FEZ ESTA VILLA SENDO CA
PITAN E CAZA DE MISERICORDIA
ANNO 1543
DESCVBRIO OVRO E METAES
ANNO 60
FEZ FORTALEZA POR MANDO D’EL-REY
D. JVAN III
FALLECEV NO ANNO DE 1592 A.
A História da Colonização Portuguesa do Brasil, III, 260/261,
insere três documentos importantes sobre B rás Cubas. – (G.).
(29) Brás Cubas foi provido nos ofícios de provedor e contador
das rendas e direitos da capitania de São Vicente por provisão de D. João
III, dada em Almerim, a 18 de Junho de 1551. Esses ofícios, por um
alvará de lembrança, pertenceram a Pedro Henriques, escrivão da Câmara
real; por seu falecimento, em apostilha, o rei fez deles mercê a Leonor da
Costa, viúva de Pedro Henriques; porque Leonor se metesse freira em
convento, passaram os ditos ofícios à sua filha Beatriz da Costa, para que
seu avô Ambrósio Rodrigues os pudesse vender a pessoa apta, o que foi
feito a Brás Cubas, com licença real e notificação a Tomé de Sousa,
governador-geral, para metê-lo na posse daqueles cargos, que devia servir
em dias de sua vida. – Documentos Históricos, XXXV, págs. 146/148. –
(G.).
(30) Azevedo Marques, Apontamentos, I, pág. 97, dá a escritura
da doação do terreno para o Colégio. – (C.).
(31) Fernão Cardim, Tratados da Terra e Gente do Brasil, pág.
358. – (G.).
(32) Arq. da Câm. de São Paulo, L. 158 5-1586, fls. 13 v. e 14. –
(A.). – Actas da Câmara da Vila de São Paulo, I, 275/279, São Paulo,
1914. A súplica ou requerimento tem a data de 10 de Abril de 1585. –
(G.).
138
(33) Sobre as terras de Estêvão Costa, veja tomo I, 169. (G.).
(33bis) Por provisão de 16 de Fevereiro de 1553, fez saber o
provedor-mor da fazenda, Antônio Cardoso de Barros, o Brás Cubas,
provedor das capitanias de São Vicente e Santo Amaro, que Sua Alteza
lhe ordenara em seu regimento que, quando corresse as capitanias desta
costa, mandasse fazer em cada uma delas casa para alfândega e contos;
que por ver que na de São Vicente era preciso havê -la pela muita
necessidade que disso se tinha, a mandasse fazer na vila do porto de
Santos, no lugar e sítio onde estava, o que então servia para o efeito. As
alfândegas e construir seriam por esta maneira: duas casas por baixo de
30 palmos de largo e 40 de comprido cada uma; do mesmo comprimento e
largura seriam também as outras duas, por cima assobradadas, cobertas de
telhas, e bem emadeiradas, de pedra e cal, com um tabuleiro entre elas e o
mar, da compridão das mesmas casas à maneira de cais, onde, se fosse
necessário, pôr-se-ia artilharia, se se pudesse fazer; haveria uma varanda
coberta sobre o tabuleiro, para que ficasse a artilharia ao abrig o da água e
do sol; que se contratassem os pedreiros à sua avença, e a delas e não em
pregão, e que o pagamento das obras se fizesse pelas rendas de sua
Alteza, etc. – Documentos Históricos, XXXVIII, págs. 239/240. – (G.).
(34) Fernão Cardim, Tratados da Terra e Gente do Brasil, págs.
355/356; Fr. Vicente do Salvador, História do Brasil, 382, 3ª ed., 1931,
diz que os “homens e mulheres se vestiam de pano de algodão tinto e, se
havia alguma capa de baeta e manto de sarge, se emprestava aos noivos e
noivas para irem à porta de igreja; porém, depois que chegou D. Francisco
de Sousa e viram suas galas e de seus criados e criadas, houve logo tantas
librés, tantos periquitos e mantos de soprilhos que já parecia outra coisa”.
– (G.).
(35) Por primeiro vigário foi mandado, alguns anos depois, o
padre Lourenço Dias Machado, Revista do Instituto Histórico, 2, 435. –
(A.). – Esse vigário devia ter sido nomeado em 1593, quando o
administrador das partes do Sul esteve em visita a São Paulo; dois anos
depois, por provisão datada da Bahia, em 8 de Outubro de 1595, D.
Francisco de Sousa mandou dar-lhe a côngrua que percebiam os vigários
de São Vicente e Santos, Ibidem. – (G.).
(36) Fernão Cardim, Tratados da Terra e Gente do Brasil, pág.
108. – (G.).
139
(37) No tempo de Cardim, já se começava a fazer vinhos, ainda
com muito trabalho para conservá-los, “porque em madeira fura-lha a
broca logo, e talhas de barro não nas têm...” – Tratados, 108. – (G.).
(38) Havia ainda a aldeia de São Miguel, como refere Anchieta,
Informações e fragmentos históricos. 45. – (C.).
(39) A tarefa, como medida agrária equivalente a 30 braças em
quadro, ou 4.356m 2 é peculiar à Bahia, destinada à cultura da cana -deaçúcar. Uma tarefa, no ato de plantar, consome ordinariamente cinco
carros de semente, se a plantação é feita a enxada, ou seis, se por arado. A
esta chama-se tarefa de soca, quando a cana já foi cortada uma ou mais
vezes e cujos brotos se vão sucedendo anualmente. A moagem de uma
tarefa de cana, em bom engenho movido por água, pode ser exe cutada em
24 horas, produzindo pelo menos oito meladuras, o que se chama tarefa
redonda. – Conf. Morais, Dicionário, e Beaurepaire Rohan, Dicionário de
Vocábulos Brasileiros, s. v. – Massapé é uma argila compacta, anegrada e
extremamente fértil. Na Bahia essa espécie de terreno é produzida pela
decomposição de quistos cretáceos e em outros Estados pela
decomposição de rochas graníticas. Em Pernambuco se diz massapê. –
Conf. Rodolfo Garcia, Dicionário de Brasileirismos. s. v. – (G.).
(40) No Rio de Janeiro, em 1583, lavrou-se um auto de avença,
que Salvador Correia de Sá, como governador e provedor da fazenda real,
fez com João Gutierres Valério, obrigando-se este a pagar certa quantia
por escravo que de África conduzisse em seu navio. – Revista do Instituto
Histórico, 1, 161. Foi o primeiro contrato para a importação de africanos
no Rio de Janeiro – Rio Branco, Lé Brésil en 1889, 117. – “Os traficantes
de negros – informa J. B. de Almeida Prado, Pernambuco e as Capitanias
do Norte do Brasil, I, pág. 270, São Paulo, 1939 – costumavam carregar
os navios de Janeiro a Março, estação mais favorável nas costas da
África, onde aportavam com mercadorias europeias”. Estes mesmos
navios (continua, citando a Relação de Antônio Dinis sobre o comércio de
Angola) se lhes pagam em escravos, como digo, e os carregam para o
Brasil, outros para as Índias (Espanholas). Os resgatados nessa quadra
custavam, pela terra dentro, 10$000, ficando na costa para o mercador em
22$000, se era peça das Índias. Quando iam para o Brasil pagavam uma
taxa de 3$600 e 400 réis de avanços, e para as possessões espanholas
7$000”. – (G.).
140
(41) Destes assuntos tem-se ocupado Vítor Ribeiro, autor de uma
história da casa de Misericórdia de Lisboa e de estudos publicados no
Instituto de Coimbra. – (C.).
(42) O seu compromisso foi confirmado por alvará régio de 4 de
Julho de 1564, reformado em 10 de Maio de 1618. O compromisso dado à
dita misericórdia de Lisboa se declarou extensivo à do Espírito Santo por
Alv. de 1 de Julho de 1605; à de Olinda por reso lução régia de 26 de
Janeiro de 1606, e à de Itamaracá por dita de 8 de Abril de 1611. – O Alv.
de 18 de Out. de 1806 o fez extensivo a todas as misericórdias que não
tivessem outro. A Ordem terceira de São Francisco da Penitência do Rio
data de 1622. – (A.).
(43) Há quem date a Casa da Misericórdia no Rio de Janeiro da
era de 1540, antes de povoada a cidade! Vejam-se os trabalhos de
Francisco de Sá e Félix Ferreira. Atribuem outros a criação a José de
Anchieta por ocasião de aportar a gente de Diogo Flore s. Da relação de
Sarmiento, que chama os Jesuítas de Teatinos, como os chamava D.
Cristóvão de Moura, nada consta a respeito. – (C.). – Na Sumaria
Relación de Pedro Sarmiento de Gamboa, Gobernador y Capitán general
del estrecho de Magallanes,in Colección de documentos inéditos del
Archivo de Índias, 5, pág. 306, Madrid, 1866, - vem a referência aos
Teatinos, ordem de clérigos regulares, que Sarmiento confundiu com a
dos Jesuítas. Nessa mesma Sumaria Relación trata-se (pág. 303) da
chegada da armada de Diogo Flores de Valdez ao porto do Rio de Janeiro,
a 24 de Março de 1582, onde invernou até fins de Novembro do mesmo
ano. Nesse tempo morreram muitos da tripulação, “que veniam enfermos
de la mar, y enfermaron muchos otros de nuevo, de un mal del seso, que
es peste de aquella tierra, que es fácil de curar, entendiendo-se, ysi no se
entiende e no se cura, pasados dos o tres dias sin remediarlo, es incurable,
y mata con bascas; llámanle el mal de la tierra. En estas enfermedades los
portugueses de la ciudad de San Sebastián se oferecieron de curar los
enfermos, pidiento á Diego Flores algun socorro de limosna, de la
hacienda real, que V. M. enviaba para semejantes y otras necessidades; y
Diego Flores dio una vez algunos reles, pocos, que no llegaron o no
pasaron de ciento, para más de doscientos enfermos. Y haciendo de su
parte el gobernador, Salvador Correa, y los vecinos del pueblo lo que era
en su posible, siendo pobrísimos, nunca más Diego Flores los proveyó ni
aun de ración ordinaria de sanos, y asi murieron más de ciento y
141
cincuenta, y otros viendo esto, se huyeron. Pedro Sarmiento, viendo el
peligro en la mano, hizo alojar los pobladores por las casas de los vecinos
de la tierra, donde fueron recreados y curados, y no murieron cuatro; y
para los oficiales de fortificación hizo casas de ramada de palma
arrimadas, á las casas de su morada, donde los alojó, y visitaba y
medicinaba todas las horas, con que á Gloria de Dios fueron guarecidos,
que no murió sino uno, de ciento cincuenta y tantos que eran”. – (G.).
(44) Conf. Zimmermann, Die Kolonialpolitik Portugals und
Spaniens. I, págs. 11/116, Berlim, 1896. – (C.).
(45) Declarados de novo em vigor por leis de 18 de janeiro de
1580 e 26 de Janeiro de 1587. Essa proibição foi levantada em 31 de
Julho de 1601, estando a Corte em Valadolid, mediante 200.000 cruzados
oferecidos pelos judeus, acrescentando -se em 24 de Novembro desse
mesmo ano, que ninguém lhes chamasse “cristãos-novos, confessos,
marranos ou judeus”. Foi isso outra vez revogado em 13 de Março de
1610, voltando tudo ao ordenado em 1587. Tornou em 17 de Novembro de
1629 a proteção de 1601; porém uma consulta de 29 de Abril de 1630
opinava que se devia revogar na parte em que se lhes consentia passar à
colônias. (Regs. Reais, IV, 72 e 73; V, 23; VI, 25). – (A.).
(46) Além desta lei de 16 de Junho de 1570, contrária a toda
economia política, dessa que já se conhecia antes de ter tal nome,
promulgou nesse mesmo ano D. Sebastião outra mais absurda, em 28 de
Abril, na qual ordenou que “pessoa alguma não pudera comer nem dar a
comer à sua mesa mais que um assado e um cozido, e um picado ou
“desfeito”, ou arroz ou cuscuz, e nenhum doce, como manjar branco,
bolos de rodilha, ovos mexidos, etc.”. – (A.).
(47) Algumas dessas leis estão notadas em Figueiredo, Sinopse
cronológica, 2. – (C.).
(48) “Que por modos diversos
Ou deu versos às leis ou leis aos versos.” – Dinis. – (A.).
(49) O fato não parece muito certo; pelo menos tem sido
ultimamente contestado. – (C.). – Pedro de Azevedo, História da
Colonização Portuguesa do Brasil, III, 212/213, não admite mais dúvida
a respeito. – (G.).
142
(50) Veja a nossa publicação – Da Literatura dos Livros de
Cavalarias, com o respectivo aditamento [Viena, 1872]. – (A.).
(51) Está hoje verificado que Pedro Nunes, a matemático, não
esteve na Índia, como afirmou o Autor, em nota à primeira edição desta
História, 1, 467/468. Conf. Luciano Pereira da Silva, Revista da
Universidade de Coimbra, 2, 246/253, 532/539, Coimbra, 1913. – Além
de outras obras de matemática Pedro Nunes escreveu o Tratado da Sphera
com a Theorica do sol e da Lua, etc., Lisboa, 1537 – obra de universal
celebridade e raríssima, ao ponto de não existirem mais de dez
exemplares conhecidos em todo o mundo. Maggs Bros., em sua
Bibliotheca Brasiliensis, Lodnres, 1930, enumeram nove exemplares: 2
nos Estados Unidos, 1 no Brasil (Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro),
e 6 na Europa. Como aquela Biblioteca possua duplicata do Tratado, o
número de Maggs Bros. fica acrescido de mais um. – (G.).
(52) Coloquios [dos simples e drogas] da India. Veja-se a 2ª
edição publicada, página por página, conforme á 1ª de Goa em 1563, pelo
Autor desta História em 1872. – (A.). Reeditados admiravelmente pelo
conde de Ficalho [Lisboa, 1891/1892, em dois volumes], que além disso
consagrou uma erudita monografia do ilustre médico português. – (C.). –
Garcia da Orta e o seu tempo, Lisboa, 1886. Referindo-se à edilão de
1872, escreveu o conde de Ficalho nessa monografia, pág. 389: “Esta
edição foi, como todos sabem, dirigida por F. A. Varnhagen, vi sconde de
Porto Seguro. Não seria difícil apontar alguns dos seus numerosos erros e
incorrecções, muitos deles reconhecidos e emendados pelo zeloso e
erudito editor no Post Editum, datado de Viena de Áustria; e devidos a
circunstâncias independentes da sua vontade e da sua notória
competência. É-nos porém muito mais agradável dizer que a edição, tal
qual está, é ainda assim um excelente serviço prestado às letras
portuguesas. Pôs a leitura dos Coloquios ao alcance de muitas pessoas,
que nem teriam ensejo de encontrar algum dos raros exemplares da edição
de Goa, nem disporiam da paciência suficiente para penetrar naquelas
páginas, crivadas de erros de ortografia e de pontuação”.
Dos Coloquios há tradução inglesa por Sir Clemente R. Markham,
Londres, 1913, edição limitada, da qual possui um exemplar, talvez o
único existente no Rio, o ilustre bibliófilo e camonista Prof. Simões
Correia. – (G.).
143
NOTAS EM ALGARISMOS ROMANOS
(I)
História da província de sãcta Cruz, a qu‟ vulgarmete chamamos
Brasil: feita por Pero de Magalhães de Gandavo, dirigida ao muito Ils.
sñor Don Lionis Pª governador que foy de Malaca & das mais partes do
Sul da India [Armas dos Pereiras] In-fine: Impresso em Lisboa, na
officina de Antonio Gonsaluez. Anno de 1576 . In-4º, de 48 ff. n8um. no
verso, com 2 estampas intercaladas no texto.
A História de Gandavo foi concomitantemente reeditada em 1858
na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo 21, e na
Colecção de Opúsculos reimpressos relativos à História das navegações,
viagens e conquistas dos Portugueses, pela Academia Real das Ciências
de Lisboa, tomo 1, n. 3. A essas publicações procedeu, porém, a edição
francesa de Ternaux-Compans, na coleção intitulada Voyages, relations et
mémoires pour servir à l‟histoire de la décou verte de l1Amérique, tomo
II, Paris, Arthus Bertrand, 1837, in 8º.
Para a reimpressão da Revista do Instituto utilizou-se o texto da
primeira edição pelo exemplar que se conserva na Biblioteca Nacional do
Rio de Janeiro, coleção Barbosa Machado: à dos Opúsculos serviu cópia
manuscrita existente na Biblioteca da Academia: reputa -se a primeira
mais fiel do que a outra.
Pertence também à autoria de Gandavo o Tratado da Terra do
Brasil, no qual se contém a informação das cousas que há nestas partes ,
que só veio a lume em 1826, na Colecção de Notícias para a História e
Geografia das Nações Ultramarinas, que vivem nos Domínios
Portugueses, ou lhes são vizinhas: publicada pela Academia Real das
Ciências de Lisboa, tomo IV, n. IV. Na Revista do Instituto Histórico,
tomo 2, 1840, págs. 425-426, saiu a Introdução a esse Tratado, a qual não
é da lavra de Gandavo.
O Tratado deve ter sido escrito antes da História, antes mesmo de
1573, porque não se refere à divisão do Brasil em dois governos, de que
aquele já faz menção: que o fosse antes de 1570 não é de estranhar,
porque uma nota marginal que se lê em cópia adiante citada, da Biblioteca
Pública Municipal do Porto, aumenta de 23 para 60, em 1587, os
engenhos de açúcar da capitania de Pernambuco.
A obra complexiva de Gandavo conta duas reimpressões
modernas:
144
I – Na coleção – Documents and Narratives concernings the
Discovery and Conquest of Latin America, editada pela Cortez Society,
New York, 1922, 2 vols., compreendendo a História, em fac-símile e com
tradução inglesa, introdução e notas por John B. Stetson, Jr., e o Tratado,
igualmente traduzido para o inglês, sendo aproveitado o texto da
Colecção de Notícias para a História e Geografia das Nações
Ultramarinas. É o n. 5 dessa importante coleção americana.
II – Na coleção Clássicos Brasileiros, edição do Anuário do
Brasil, Rio, 1924, com uma Advertência de Afrânio Peixoto, Nota
bibliográfica de quem escreve estas linhas e uma Introdução de
Capistrano de Abreu. Aí vem em primeiro lugar o Tratado, por cópia do
apógrafo existente na Biblioteca do Porto, mais completo do que o
impresso na citada Colecção de Notícias, e a seguir a História, conforme
as publicações do Instituto Histórico e da Academia de Ciências,
colacionadas com o exemplar da Biblioteca Nacional.
Do autor bem pouco se sabe: era natural de Braga, descendia de
flamengos, como seu nome indica – Gandavo, diz Capistrano de Abreu na
Introducção referida, corresponde a Gantois, morador ou filho de Gand.
Sua estada no Brasil deve ter coincidido com o governo de Mem de S á
(1558-1572) – conjetura ainda o mestre. – A um Pero de Magalhães, que
bem pode ser o Gandavo, refere-se esta alvará de D. João III, de 29 de
Agosto de 1576:
“Eu el-Rei faço saber aos que este meu alvará virem que avendo
Eu respeito a Pero de Magalhães, meu moço da Câmara servir na Torre do
Tombo em trasladar alguns livros e papeis de meu serviço, e por confiar
delle que no que o encarregar servirá bem e fielmente, hei por bem por
lhe fazer mercê que elle sirva de provedor de minha fazenda na Capitania
da Cidade do Salvador da Bahia de Todos os Santos nas partes do Brasil
por tempo de seis anos, não sendo primeiro provida a pessoa que tem o
dito cargo, ou não mandando Eu no dito tempo o contrario, o qual cargo
servirá conforme ao Regimento dos provedores da dita Capitania, e
haverá com elle de ordenado em cada um anno trinta mil réis, pelo que
mando ao Governador das ditas pares, e ao provedor mor dellas, que lhe
deem posse do dito cargo e lho deixem servir e haver o dito mantimento,
o qual lhe pagará o almoxarife da dita Capitania, etc. 29 de Agosto de
1576.” – Cópia no Instituto Histórico, Conselho Ultramarino, Registros,
tomo I, fls. 68-68 v.
Humanista insigne e excelente latino, publicou Gandavo as
Regras que ensinão a maneira de escrever a Orthographia d a lingua
Portugueza, com um Dialogo que adiante segue em defensão da mesma
145
Lingoa, Lisboa, por Antônio Gonsalvez, 1574, in 4º, que tiveram mais de
uma edição. Teve cadeira pública de Latim entre Douto e Minho, onde foi
casado. Era amigo de Camões, que lhe dedicou os tercetos célebres e o
soneto, que servem de pórtico à primeira História do Brasil. – (G.).
(II)
Zeferino Cândido consagrou um capítulo inteiro de seu livro
Brasil à demonstração de que Gabriel Soares não foi o verdadeiro autor
do Tratado descritivo. Seus argumentos são em resumo:
1º) Barbosa machado, em quem Varnhagen se apoiou para afirmar
a identidade, condimenta suas afirmações de tantos erros que suas
palavras não inspiram confiança;
2º) Varnhagen, ora afirmando que nada se sabe de Gabriel Soares,
ora traçando-lhe uma biografia completa, mostra a pouca segurança de
suas convicções;
3º) Ferdinand Denis, em 1837, disse poder demonstrar que o
Tratado tinha por autor Francisco da Cunha;
4º) O autor falando de si na primeira pessoa e de Gabriel Soares
na terceira, mostra bem que se trata de pessoas diferentes;
5º) As interpolações do Tratado não permitem aceitar-se a data de
1584, fixada por Varnhagen para a composição do livro.
A força desta argumentação é só aparente:
1º) Antes de Barbosa Machado, já Pedro de Mariz tinha citado e
extratado o livro de Gabriel Soares, e o aditador de Pinelo assinalado sua
existência na biblioteca do conde de Vimioso. Os erros da Biblioteca
Lusitana, incontestáveis, e diga-se também inevitáveis, porque eram
desconhecidos os documentos e desde 1624 Simão Estácio da Silveira
começara a confundir os fatos, não podem ter efeito retroativo.
2º) Varnhagen, no que escreveu antes de 1858, afirmou ignorar -se
tudo a respeito do autor do Tratado. Em 1858 João Francisco Lisboa
encontrou vários documentos na Torre do Tombo, mais um capítulo da
obra de Fr. Vicente, e deu-se pressa em communicá-los ao autor da
História Geral, que logo os publicou na Revista do Instituto Histórico
[tomo 21, 455-468]. Que culpa tem ele de Zeferino Câ ndido considerar
simultâneas publicações separadas por vinte anos, e de atribuir -lhe
contradições que não existem na realidade?
3º) Se em 1837 Ferdinand Denis atribuiu o Tratado a Francisco da
Cunha, vinte e sete anos mais tarde, em 1864, escreveu: “ Il est reconnu
aujourd’hui que ce livre si remarquable, composé em 1587, par Gabriel
146
Soares...” – Yves d’Évreux, Voyage dans le Nord du Brésil, 418, Leipzig,
1864.
4º) Barredo, nos Anais históricos do Maranhão, § 19, escreve:
“defensas exteriores a que já tinha dado princípio o governador Pereira de
Berredo...”; e logo no § 20 lê-se: “por ser tirado dos meus próprios exames,
quando governei aquele Estado”. Seria lícito concluir daí que Berredo não é o
autor dos Anais, porque na mesma página fala de si na primeira e na terceira
pessoa? Gabriel Soares fala de si na terceira quando quer dar uma noção
geográfica, como na descrição dos engenhos, na viagem de Adorno, etc.
5º) É impossível evitar interpolações em manuscritos, e a nota
marginal com o tempo incorpora-se fatalmente ao texto. Admira que tão
poucas interpolações existam no Tratado descritivo, e isto só se explica
pelo fato de terem vindo poucas cópias, e só tarde, ao Brasil.
Passemos a examinar outra questão em que Zeferino Cândido
também tocou: qual o ano da composição do Tratado descritivo?
Varnhagen, atendendo ao momento em que Gabriel Soares deixa as
guerras da Paraíba, fixa a data em 1584, até certo ponto com razão, pois
agora sabemos por Pedro Sarmiento [Documentos inéditos del Archivo de
Indias, 5, 402] que em Setembro daquele ano Gabriel Soares aportou a
Pernambuco, de viagem para a Europa. Entretanto, o prólogo escrito em
Madrid em alguns códices traz 1587, em outros 1589. Ambas as datas são
possíveis.
Uma obra como o Tratado pedia anos. – (C.).
Conf., supra, nota 8. – Varnhagen, editando a obra de Gabriel
Soares na Revista do Instituto Histórico, tomo XIV, 1851, outorgou-lhe o
título de Tratado descritivo do Brasil em 1587, que muito bem a definiu.
Entretanto, tem-se verificado que fatos e descrições co ntidos no livro são
evidentemente anteriores àquela data. Jaqime Cortesão, em sua sábia
monografia Cabral e as Origens do Brasil (Ensaio de tipografia
histórica), págs. 25-26, Rio de Janeiro, 1944, opina que o livro deve ter
sido coligido e composto até o mês de Agosto de 1584, em que seu autor
embarcou na Bahia para Portugal. Wanderley Pinho, no prefácio com que
iluminou o Livro Velho do Tombo da Bahia, págs. XVII-XVIII, Bahia,
1945, confere com documentos ali transcritos a chegada dos frades de São
Bento à cidade do Salvador em 1580, com o tópico em que Gabriel Soares
(Tratado, pág. 123), declara que “haverá tres annos que foram a esta
cidade [os Beneditinos] com licença de S. Magestade fundar este
mosteiro, que lhes os moradores della fizeram á sua custo com grande
fervor e alvoroço”. De onde se infere haver Gabriel Soares composto,
pelo menos a descrição da cidade, em 1583, recuando -se assim de quatro
anos a data que Varnhagen assinalara para a terminação do Tratado.
147
A edição de 1851 foi reproduzida na mesma Revista em 1879,
com defeituosa revisão, e alcançou outra na Brasiliana da Companhia
Editora Nacional, São Paulo, 1939. Sua última edição, com o título de
Notícia do Brasil, saiu na Bibiloteca Histórica Brasileira da Livraria
Martins Editora, São Paulo, s/d (1945), 2 tomos, dirigida pelo sábio
Professor Pirajá da Silva, que a opulentou com exaustiva introdução e
eruditos comentários e notas, tudo relacionado com a história dos
primeiros povoadores, sua genealogia, a etnografia, a corografia, a
agricultura, flora, fauna e mineralogia do Brasil quinhentista. São lições
de mestre, que tornam o livro do senhor de engenho do Recôncavo ainda
mais valioso e, para tudo dizer, insuprível em qualquer biblioteca
brasileira. – (G.).
(III)
Fernão Cardim era natural de Viana de Alvito, arcebispado de
Évora, filho de Gaspar Clemente e sua mulher D. Inês Cardim, de família
antiga e importante em Portugal. Nasceu cerca de 1548 e entrou para a
Companhia de Jesus em 9 de Fevereiro de 1566. Já era professo dos
quatro votos e ministro do Colégio de Évora, quando foi designado, em
1582, para companheiro do visitador Cristóvão de Gouveia; passou a
Lisboa em princípios de Outubro daquele ano e ali esteve cinco meses, até
que, a 5 de Março de 1583, com o governador Manuel Teles Barreto, o
visitador e outros padres e irmãos, embarcou para o Brasil na nau Chagas
de São Francisco, chegando à Bahia a 9 de Maio seguinte. Acabada a
visita, em que esteve na Bahia, nos Ilhéus, Porto Seguro, Pernambuco,
Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo, uma e mais vezes, foi reitor
dos colégios da Bahia e do Rio de Janeiro, onde por algum tempo lhe fez
companhia Josef de Anchieta, antes de ir morrer em Reritiba, no Espírito
Santo, a 7 de Junho de 1597. Em 1598 foi eleito na congregação
provincial para procurador da Província do Brasil em Roma; regressava
dessa missão, em 1601, com o padre João Madureira, que vinha por
visitador, quando foi tomado por corsários ingleses. Madureira morreu no
mar, Cardim chegou à Inglaterra, onde ficou até ser resga tado. Foi então
despojado dos papéis que conduzia – um tratado sobre o clima e as
produções naturais, outro sobre os índios do Brasil, mais tarde, com
tradução inglesa, publicados na famosa coleção Purchas his Pilgrimes,
vol. IV (Londres, 1625), págs. 1289-1320, sob o título – A Treatise of
Brazil written a by a Portugall wich had long lived there.
Em 1604 tornou ao Brasil com o cargo de provincial, que exerceu
148
até 1609, e foi em seguida reitor, pela segunda vez, do Colégio da Bahia e
vice-provincial. Faleceu na aldeia do Espírito Santo, depois Abrantes,
onde se refugiara da fúria dos invasores holandeses, a 27 de Março de
1625, no mesmo ano em que saíam à luz em Londres os seus escritos.
Dos tratados de Cardim o que primeiro foi divulgado na própria
língua e com autoria declarada, foi a Narrativa epistolar de uma viagem e
missão jesuíta, etc., por Varnhagen, que lhe deu esse título, em Lisboa,
1847. Os outros, antes citados, só o foram no Rio de Janeiro, 1881 e 1885,
pelo meritório Capistrano de Abreu, que confrontando cópias da
Biblioteca de Évora com as publicações de Purchas, chegou à feliz
conclusão de tratar-se de idênticos escritos e de pertencerem à lavra de
Cardim.
A obra integral desse notável jesuíta pode ser lida nos Tratados
da Terra e Gente do Brasil, editores J. Leite & Cia, Rio, 1925, - onde se
encontra mais completa notícia bio -bibliográfica. – Segunda edição na
Brasiliana da Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1939. – (G.).
149
TEXTOS DE VARNHAGEN
TERCEIRO SÉCULO
(século XVIII)
150
SECÇÃO XLV
D. JOSÉ I E POMBAL. ADMINISTRAÇÃO
JOSEFINA. LETRAS.
Elogio de José I. Grandes dotes de Pombal. Incorporação de todas
as capitanias na coroa. Serviços ao Brasil na instrução p ública. No
comércio. Juntas e companhias. Tabaco. Favor ao Maranhão. Anil, café,
arroz, etc. Indústrias. Navegação. Canal do Arapapaí. Nova capitania do
Maranhão e Piauí, independente da do Pará. Joaquim de Melo e Póvoas,
seu capitão-general. Instruções notáveis que recebeu de Pombal. Rendas
públicas, Contratos e monopólios. Cronista do Brasil. Coleção especial
legislativa. Regulamento de Lippe. Legislação. Relação do Rio. Juntas de
justiça. Leis filantrópicas. Caboucolos. Casamentos com índias. Diretório
dos índios. Cristãos novos e velhos. Retrato de José I. Caráter de Pombal,
segundo Ratton. Sua economia: O outro do Brasil. Considerações
conciliadoras. Peias que tinham os governadores do Brasil. Chegaram às
vezes a ser um mal. Corretores de ofícios. Rio N egro. Governadores.
Lavradio. Sua política. Cultura do anil, do café e planta da cochonilha.
Conde de Valadares em Minas. Conde de São Miguel em Goiás, Trajes.
Brasileiros favorecidos. Poetas. Estatísticas. Vários escritores durante
este reinado, etc.
Antes de passar adiante, cumpre-nos fazer uma pequena
parada, e contemplar de relance, mas com reconhecimento, os
muitos serviços que prestou ao Brasil o reinado de vinte e seis
anos de D. José I, com a administração do seu hábil e poderoso
ministro Sebastião José de Carvalho, conde de Oeiras e
151
marquês de Pombal (1). – E quando a evidência dos fatos fale
por um e outro, os seus detratores poderão condenar alguns
erros, que eles cometessem, como homens que eram; acaso
perderão sua autoridade desde que intentem infamá-los, o que
aliás não causará admiração aos que saibam que não faltam
católicos que nem sequer respeitam a memória do sábio
pontífice Clemente XIV (2), - só pelo fato de haver abolido a
Companhia de Jesus, - levado por exigências a que acaso
qualquer outro não houvera talvez tão pouco resistido.
Possuía el-rei D. José grandes dotes para rei,
começando pelo amor do país, da glória e da virtude. Era
benigno, verdadeiro e probo. De sua firmeza de caráter,
qualidade primeira nos que governam, não necessitamos mais
prova que a do modo como soube empatar tantas e tão
diferentes intrigas que lhe armaram contra o seu ministro
Pombal; e isso apesar de que era, com compleição, um pouco
timorato.
Flagelado pela Providência, com um terremoto,
acometido por um atentado de alguns de seus vassalos,
palpado pela guerra estrangeira, - a nada se abalou o seu
grande ânimo para deixar de conservar à frente da
administração o homem que, em meio de seus defeitos,
desejava a todo transe despertar a apatia da nação, restaurand o
a sua dignidade e independência; - e que, quando nos
perigosos momentos do célebre terremoto em Lisboa, outros
ministros fugiam ou se escondiam, ordenava “prontas e bem
entendidas providências no meio da calamidade geral” (3), e,
segundo certa frase proverbial, ia a el-rei pedir as ordens, para
“enterrar os mortos e cuidar dos vivos”.
E não só dos vivos, como também dos vindouros cuidou
152
e muito nos anos (perto de vinte e dois) que, ainda depois do
mesmo terremoto, foi ministro até o falecimento do rei. Ai nda
hoje estamos desfrutando dos benefícios que nos legou a
ciência desse grande estadista; isto apesar que algumas leis
teve ele mesmo que reformar ou revogar, e apesar da reação
imprudente que distinguiu o reinado seguinte, e das tendências
tão excessivamente inovadoras do século. Assim, cremos que
todo brasileiro que for a Lisboa verá com gosto a memória de
el-rei D. José, com o busto do sábio ministro restituído ao seu
pedestal, por justo decreto do primeiro imperador do Brasil
(4). E começaremos por dizer que as leis josefinas não ficavam
em letras mortas: eram logo cumpridas, pois tinha D. José um
ministro, que, sabendo aproveitar os homens, escolhia logo
quem as havia de executar, sendo que não apresentava à
sanção a lei, senão depois de haver preparado o seu
recebimento no país, à maneira do bom agricultor que sabe de
antemão adubar a terra, em que tem de lançar a semente, para
que dê sazonados frutos. – Com magistrados e fiscais das leis,
corruptos ou covardes, não há leis que valham, nem povo que
se melhores, nem patriotismo que se acrisole: nem a
constituição mais bela do mundo felicitará jamais qualquer
poro, quando ele não esteja preparado, por meio de virtudes
domésticas, para não sofismar os seus mais sagrados dogmas.
Começaremos por fazer menção da empresa, talvez
mais importante, levada avante nesse reinado, a favor da
nacionalidade brasileira: - a de haver incorporado de todo no
Estado, resgatando-as por meio de indenizações convencionadas com os interessados, e que consistiam em títulos e
pensões ou padrões de juros (de 600$000 a 2:000$000), todas
as capitanias que ainda tinham donatários, e eram umas onze,
153
pelo menos, a saber: as de Cametá (5), ilha de Joanes (6), de
Caité (7), de Cumá (8), de Itamaracá (9), do Recôncavo da
Bahia (10), de Itaparica (11), dos Ilhéus (12), de Porto Seguro
(13), Campos de Goitacazes (14) (sem dúvida as duas reunidas
já em uma só) e São Vicente (15).
No militar sabido é como ao reinado del-rei D. José e
ao conde de Lippe remonta a base da organização do nosso
exército, começando pelo seu regulamento. Em todas as
capitanias se aumentaram as forças da tropa de linha, e em
virtude das guerras do Sul, regimentos inteiros vieram de
Portugal. Em Minas, São Paulo e Rio Grande se organizaram
companhias de dragões, combatendo a pé e a cavalo, e por
conseguinte apropriados a prestar, em seus vastos campos,
apoio à autoridade. – O aumento dos terços de auxiliares de
cavalaria e corpos de ordenança mereceu também muito
especiais atenções do governo. Para quase todas as vilas f oram
nomeados capitães-mores, e freqüentemente os que começavam servindo nos auxiliares e ordenanças, quando se
distinguiam por serviços importantes, eram passados em seus
mesmos postos para a primeira linha.
Na instrução e obras públicas, no comércio, lavoura e
indústria, na navegação, na arrecadação da Fazenda e na
governação do Estado, na organização militar, em úteis
reformas judiciais, em providências benéficas e caritativas, o
dedo gigânteo de Pombal ficou assinalado neste país.
Benefícios legítimos do reinado de José I experimentou
também o Brasil na instrução pública, em primeiro lugar pela
admirável reforma da Universidade de Coimbra, que levou a
cabo, pondo-a, como se vê dos seus Estatutos, especialmente
nas faculdades de direito, filosofia e matemáticas, a par das
154
primeiras do seu tempo. A esta reforma, em que trabalharam
muito dois beneméritos brasileiros, o bispo conde reformador
D. Francisco de Lemos e seu irmão João Pereira Ramos,
deveram depois outros brasileiros a ilustração, com que
serviram com tanta distinção nesse reinado, que muito os
protegia, e com que ainda nos últimos tempos puderam bem
servir o seu País. Para realizá-la o ministro Pombal não
hesitou, como patriota superior a prevenções, de fazer vir até
de fora capitais de inteligência e de atividade, nas pessoas dos
Vandellis, Francinis, Dallabellas, Blascos e outros. – Não foi
menor o benefício que resultou da reforma dos estudos das
escolas menores, o restabelecimento do colégio dos Nobres,
tudo debaixo da inspeção da Mesa Censória, tribunal
encarregado da censura dos livros, que ficaram isentos de
passar pelas três censuras, da inquisição, do desembarbo do
paço e do ordinário. para a manutenção destas escolas foi
estabelecido o imposto do subsídio literário para o reino e
conquistas (16), em vez dos parciais, que foram abolidos. Os
edifícios monumentais da cidade do Pará, levantados desde
que ideou, em 1761, preparar aí um refúgio, em caso de
necessidade, ao trono da casa de Bragança, recomendam a sua
previsão (17). Pela maior parte foram delineados pelo
arquiteto Antônio José Landi, que para esse fim despachou
(18). O palácio, hoje ocupado pela presidência da província,
com quinze janelas de frente, três das quais no corpo do meio,
é um dos mais esplêndidos do Brasil. A sé e as igr ejas de São
João e Santa Ana são idênticos testemunhos do favor real que
presidiu à sua ereção.
O comércio em geral deveu ao reinado de José I o
estabelecimento de uma aula de comércio, em Lisboa, para
155
guarda-livros e praticantes, da ereção de um tribunal, ou Junta
do Comércio, para o animar e proteger, em utilidade do bem
comum dos seus domínios, tendo em geral as atribuições e
privilégios da antiga Companhia do comércio. A instituição
em 1755, da companhia do Grão-Pará e Maranhão (19), com o
fundo e capital de um milhão e duzentos mil cruzados, fez
surgir estas duas capitanias do definhamento em que jaziam.
Outro tanto sucedera ao vizinho distrito de Venezuela desde o
estabelecimento, em 1730, de uma companhia semelhante (20).
O Maranhão principalmente, cujos produtos antes se achavam
empatados, e que parecia condenado a volver outra vez à
barbárie, levantou cabeça, e começou a rivalizar com as
províncias mais opulentas (21). O algodão e o arroz especial mente prosperaram muito, favorecendo ao primeiro a
introdução das máquinas nas fábricas, e ao segundo as guerras
dos Estados Unidos, etc. Menos feliz foi acaso o monopólio,
quatro anos depois concedido (22), a outra semelhante
Companhia de Pernambuco e Paraíba (reunidos poucos anos
antes em uma só capitania) com o fundo de três milhões e
quatrocentos mil cruzados. Ambas foram extintas no seguinte
reinado. Se a primeira delas, tendo por emblema a estrela
sobre uma âncora, foi civilizadora, pelos capitais que adiantou
aos ovos, que deles tanto careciam, é certo que a última, não
compreendeu ao mote ut luceat omnibus, que adotou, em seu
selo, ao redor de outra estrela (23). O com´percio do açúcar e
do tabaco (24), apesar de sujeitado por meio de preços
impostos para a venda no Brasil e para os transportes nos
navios (25), e apesar de alguma opressão que chegou a causar
aos lavradores o estabelecimento de Mesas ou casas de
inspeção (26) para o qualificar, cobrou grande desenvol 156
vimento. As casas de inspeção eram quatro, a saber: no Rio,
Bahia, Pernambuco e Maranhão. Compunham-se de um
magistrado, de um lavrador eleito pelas câmaras da capitania,
e de um negociante indicado pelo corpo do comércio da praça
do porto de embarque. O tabaco devia ser classificado como de
primeira qualidade ou escolha de Holanda, ou como de
segunda folha; o máximo dos direitos em Portugal era de 1689
1/4 réis por arroba, regulando o custo desta aos lavradores por
l$200, sendo de primeira folha (27). O tabaco inferior não se
podia exportar para a Europa: porém sim para África, quando
se não consumisse no país (28). – A Bahia deveu a Pombal, no
tabaco, a introdução da cura seca, própria para os charutos,
enviando aí à Cachoeira, cuidar da preparação do tabaco em
folha, um André Moreno, o qual havia chegado em 1757 (I).
Pouco depois já um Manuel da Silva Pimentel remetia dali, a
João Francisco da Cruz, uns maços de folhas, apertadas e
ligadas, e outros de manocas ligadas em volumes separados.
Em 17 de Dezembro, remetia mais algum, feito em manojos,
como no Maranhão, com muito trabalho e impertinência. –
Antes (pelo Reg. de 18 de Outubro 1702) o tabaco do Brasil
pagava de entrada em Portugal l$600, e o do Maranhão 800
réis (29).
O favor concedido pela corte à agricultura do Maranhão
(30), se fez agora extensivo ao anil, que foi por dez anos
isento de todos os direitos de entrada e saída, sendo que em
1762 já, sem esta providência, se haviam do mesmo Maranhão
exportado quarenta e duas libras dele.
Também já então se exportava daí porção de café (31),
além de algum cacau, gengibre, algodão, mais de vinte mil
couros, e duas mil oitocentas e quarenta e sete arrobas de arroz
157
(32). A cultura deste último produto no Brasil foi muito
animada com a isenção, por duas vezes concedida por dez
anos, à fábrica de descascar arroz de Manuel Luís Vieira e
Domingos Lopes Loureiro, no Rio de Janeiro (33). – Esta
proteção dada então ao arroz veio a tempo, pois havendo a
companhia do comércio do Maranhão introduzido a semente
do da Carolina, e tendo estabelecido em 1766 uma fábrica de
soque, com o do Brasil se chegou em parte a suprir a falta do
verdadeiro carolino, ocasionada pela guerra nos Estados
Unidos (34). – Recebeu igualmente a régia proteção uma
fábrica de curtumes no Rio, ordenando-se para esta a economia
dos mangues não descascados; e para proteger o uso da adu ela
indígena, tirada do pau da canela e tapinhoã, proibiu o
governo, no Brasil, a importação da da Europa, impedindo -se
por outro lado em Portugal (35) a entrada de toda goma -copal
estrangeira, para proteger a de jatubá ou jutaicica do Brasil,
da qual em 1769 haviam sido remetidas a Lisboa 14 arrobas
colhidas no Turiaçu. Foi também consentido o estabelecimento
de uma fábrica de lonas na Bahia, o que não deve admirar
quando já alguns anos antes, em 1750, se chegara a ordenar o
estabelecimento no Pará de fábricas de chitas, trazendo-se para
isso tecelões da costa de Coromandel (36). Como favorável à
nossa lavoura devemos também considerar o alvará de 14 de
Outubro de 1751 (37), que proibiu a saída de pretos, do Brasil
para os domínios estrangeiros, bem como o de 10 de Janeiro de
1757 (38), que permutou o contrato do tabaco que se
estabelecera no Rio de Janeiro, por um equivalente de 800 réis
em cada escravo que entrasse, 1$000 em cada pipa de jerebita
que ali se fabricasse, e 3$000 em cada pipa de azeite de pei xe
que se consumisse.
158
Em 1775 foi criada a nova capitania do Maranhão, com
o Piauí, independente da do Pará, e dela foi nomeado capitão general Joaquim de Melo e Póvoas (39), que antes tivera o
governo subalterno do Rio Negro e depois o do Maranhão
(desde 1761); havendo nesta ocasião recebido do primeiro
ministro uma notável carta, contendo instruções e
recomendações, ainda digníssimas de ser estudadas e
meditadas por quem tenha o espinhoso encargo de governar
povos. Nessa carta, hoje divulgada pela imprensa (40),
recomenda-lhe Pombal toda a justiça e possível piedade e
benevolência, o devido comedimento nas palavras, a
necessária serenidade em todos os atos, o essencial desprezo
dos aduladores e esteliões, a concessão de fáceis audiências
aos queixosos, protegendo aos pobres e humildes; o não dever
jamais valer-se da jurisdição real que lhe era conferida em
satisfação das suas paixões; porque, diz, “é injúria do poder
usar da espada da justiça fora dos casos dela”. Prudência para
deliberar, informando-se bem da verdade, destreza para dispor,
preparando o terreno, e perseverança para executar, vencendo
os obstáculos, tais seriam suas máximas. Nem lhe esqueceu a
advertência de deverem ser leais e de todo seus, os criados que
tivesse de portas a dentro.
Quanto a providências favoráveis à navegação do
Brasil, limitar-nos-emos a citar a preferência dada para a
mesma aos navios fabricados neste Estado, a permissão para se
navegar sem ser em frotas (41), e a provisão de 10 de Junho de
1766 (42) para virem cada ano duas fragatas de guerra, uma
em Abril, outra em Outubro, ao Rio de Janeiro, a fim de
poderem ser por elas mandados os valores com mais
segurança. No Maranhão se ativaram então os trabalhos do
159
furo de Arapapaí projetado em 1742, comunicando, sem os
perigos do passo do Boqueirão, as águas da Bacanga com as
do Arapapaí (43); ao mesmo tempo que se abria (em 1754) a
importante estrada da Estiva, que oferece a mais fácil e natural
comunicação da ilha com o continente (44).
As rendas públicas eram rematadas no Conselho
Ultramarino, geralmente por três anos; e feitas as arrema tações, se publicavam logo os contratos. – De uma coleção
destes (impressos avulsamente) (45), que conseguimos reunir,
demos em outro lugar (II) um resumo que, por sua pouca
amenidade nos dispensaremos de reproduzir de novo.
Como providências essenciais à governação do principado do Brasil propriamente dito, devemos contemplar a
nomeação de um cronista especial na pessoa de Inácio Barbosa
Machado, irmão do erudito abade de Sever; e não menos a
provisão de 28 de Março de 1754, que mandou reunir uma
coleção completa de todas as leis e ordens expedidas para o
Brasil (46) – coleção que se chegou a completar até o ano de
1757, em 39 volumes, e ainda, ultimamente se viu em Londres
(47). Também é digno de notar-se o alvará (48) que regulou a
sucessão na falta dos governadores, conferindo-a a uma junta
composta das três primeiras autoridades militar, eclesiástica e
de justiça. Igualmente pertence a esse reinado a idéia da
fundação da praça de Macapá, na Guiana brasileira, à custa da
de Mazagão, em Marrocos, cujas muralhas se fizeram voar
(49).
Desse mesmo reinado são, principalmente no Norte do
Brasil, todos esses nomes de terras idênticos a outros de
Portugal: Oeiras, Borba, Santarém, etc. (50).
Deixaremos sem menção as muitas reformas, amplia160
ções e interpretações feitas às ordenações do reino, e muitas
providências legislativas, que mais que à nossa história civil
em geral, pertencem à especial do direito pátrio.
Com aplicação especial à justiça no Brasil,
mencionaremos, primeiro: o estabelecimento da Relação do
Rio de Janeiro em 1751 (51). Essa criação havia sido já antes
proposta, e até ordenada (52); porém dessa primeira vez fora
deixada em trespasso. – Para a nova relação (53) tomou-se por
base o regimento da da Bahia, donde até passaram para a
instalação da nova dois dos desembargadores, que consigo
trouxeram cópia do livro dourado (54) que nela havia. A
relação passou a contar, incluindo o chanceler, de dez
desembargadores, sendo cinco agravistas, um ouvidor-geral do
crime, e outro do cível, um juiz dos feitos da coroa e fazenda e
outro procurador da coroa e fazenda (55). Abrangeria as treze
comarcas do Sul, incluindo as de Minas e a do Cuiabá (56). –
O capitão-general do Rio ficou pelo regimento declarado
governador da Relação (57), da qual foi nomeado chanceler
João Pacheco Pereira de Vasconcelos, que, deixando-a
instalada, regressou à Europa em 1755 (58). Em segundo lugar
mencionaremos o alvará com força de lei de 18 de Janeiro de
1765 (59), que fez extensiva a todas as terras do Brasil onde
houvesse ouvidores a instituição das Juntas de Justiça, ou
pequenos tribunais para sentenciar sumariamente, já em
prática em Pernambuco e no Maranhão e no Pará (60),
compostas do dito ouvidor, com dois letrados adjuntos, as
quais foram autorizadas a deferir os recursos contra as
violências dos juízes eclesiásticos, devendo os provimentos
que nelas se tomassem ser cumpridos logo, e sem esperar-se
pela decisão última da respectiva Relação ou do Desembargo
161
do Paço.
Das miras caridosas e filantrópicas do legislador nos
deixaram evidentes provas:
1º) Os alvarás de 19 de Setembro de 1761 e 16 de
Janeiro de 1773 (61), pelos quais foram declarados forros não
só os escravos que desembarcassem em Portugal, como os aí
nascidos de ventre escravo, mas cujo cativeiro viesse já das
bisavós, ficando logo hábeis “para todos os ofícios, honras e
dignidades, sem a nota distintiva de libertos, que a superstição
dos Romanos estabeleceu nos seus costumes”.
2º) O alvará de lei de 4 de Abril de 1755, favorecendo
os casamentos com as raças dos índios, e proibindo tratar a
estes com o nome de caboucolos (62).
3º) As leis (63), revalidando as antigas, em favor da
liberdade dos índios; e a aprovação dada ao conhecido
Diretório (64) para estes; o que tudo descobre intentos mais
que filantrópicos, embora, em nossa opinião, foi esta parte da
legislação a que menos aplicação pôde ter; por isso mesmo que
quase toda ela se reduziu a teóricos tratados de moral, – a
conselhos; visto que meros conselhos são as leis não
acompanhadas de penas; e estas tanto mais severas quanto
mais brutal está o homem para quem são feitas. Os diretores,
privados de direitos coercivos sobre os índios, deixaram a
estes entregues à sua reconhecida indolência e devassidão,
conforme veio anos depois a provar, em uma luminosa e larga
exposição repleta de notícias e de profundas considerações, o
Dr. Antônio José Pestana e Silva (65), pondo em contribuição
a própria experiência que tivera como ouvidor e intendente
geral dos índios na capitania do Rio Negro, subordinada à do
Pará.
162
4º) O aviso de 15 de Maio de 1756, permitindo que os
ciganos (66) fossem empregados em obras públicas, dando -se
mestres a seus filhos.
5º) Finalmente a carta de lei, constituição geral e edito
perpétuo de 25 de Maio de 1773 (67), mandando acabar para
sempre com as frases distintivas de cristãos novos e velhos, de
que tanto havia inclusivamente abusado, com escândalo e
contra as doutrinas do Evangelho, o tribunal da Inquisição; e o
alvará de lei (do 1º de Setembro de 1774) aprovando um novo
regimento para este tribunal (68), cujos poderes D. José I
sopeou muito, fazendo as sentenças dependentes da
confirmação régia, sendo para lamentar que não ousasse
(talvez por isso mesmo que estava já lutando contra tantos
inimigos) aniquilá-lo de todo.
Em elogio de el-rei D. José, limitar-nos-emos a
transcrever aqui os seguintes períodos do que, em suas
exéquias na Bahia, proferou (69) o exímio pregador baiano Fr.
Antônio de Sampaio: “O Brasil pode sem dúvida (disse o
orador) gloriar-se de ter merecido a predileção do seu real
ânimo... A veneração com que ele recordava a memória desses
antigos povoadores do Brasil, de quem nós agora
descendemos, induzia-o a olhar com carinho para a nobreza
deste novo Estado; a colocar sobre os nossos compatriotas as
mitras de Pernambuco (70), Rio de Janeiro (71), Coimbra (72)
e outras. Com esta consideração honrou os nossos jurisperitos
com togas honoríficas, ocupou-os nos governos, intendências e
magistraturas. Essa foi a verdadeira ocasião de tantos
privilégios com que honrou as nossas cidades, com que
amplificou e enriqueceu os nossos territórios”.
“Política do Brasil! Tu mereceste ao glorioso príncipe
163
essas leis benéficas, que tanto promovem nestes domínios a
tranqüilidade pública: conseguiste da sua magnificência
tribunais amplíssimos, intendências, administrações esten didas, que prometem a esta preciosa porção da América a
população de um império. Que descobrimentos não fizemos?
Que progressos não conseguimos, no Pará, no Maranhão, no
Mato Grosso? Que desvelos não foram os do monarca para
fazer culto e feliz o estendido país das minas do ouro?...” “O
Brasil floresce hoje na posse de todos os cômodos e
ornamentos das nações mais cultas... As nossas esperanças
animadas com tantos benefícios iam criando asas para voar à
glória que nos mereceu a ascendência que nos prezamos trazer
dos Correias Sás, Sousas Coutinhos, Pires, Costas, Azeredos,
Pereiras e outros antigos celebérrimos argonautas, que por
glória da nação, por aumento da fé, por novo esplendor destas
colônias, deixaram o ninho da sua amada pátria, para virem
disputar a estes homens semi-feras a posse destas regiões bemaventuradas.”
Acerca da pessoa de Pombal atrevemo-nos a transcrever
aqui o que dele nos informa um francês que muito o conheceu
e tratou (73): - “O conde de Oeiras [Pombal] possuía muitas
qualidades para ser, como foi, um grande ministro.
Empregando todo o tempo da semana no serviço de seu amo,
reservava as manhãs dos domingos para os negócios de sua
casa, nos quais se ajuntavam todos os almoxarifes, feitores e
mestres de obras, no quarto de sua contadoria, metodicamente
escriturada com livros em partes dobradas; e ali conferia com
eles, recebia e pagava, à boca de cofre, as entradas e despesas
da semana precedente. E era extremamente reservado com sua
família e amigos, a respeito dos negócios do Estado; de modo
164
que ninguém podia descobrir, da sua conversação, gestos ou
maneiras, os negócios que o ocupavam, e que se deviam
conservar em segredo. Ouvia as partes, sem lhes interromper
as suas falas, e as respostas eram graves, breves e terminantes,
revestidas sempre da autoridade do soberano, e não do seu
motu próprio. Não consta que se enfadasse e descompusesse as
partes que o buscavam, por mais que estas se desmedissem em
palavras, nem que em sua casa aparecesse pessoa alguma, que
fosse recebida debaixo do mais estreito cerimonial. Sabia
assim conciliar o recíproco respeito que o público deve ter aos
ministros do soberano, e estes ao público. Possuía mais o
conde de Oeiras um arranjo metódico, tanto na distribuição do
tempo, como nas matérias de que se achava encarregado; e foi
por efeito deste arranjo metódico que ele pôde dirigir bem
todas as repartições do Estado, a ponto de o fazer prosperar
tanto que, apesar da reedificação da cidade, extinção dos
jesuítas, estabelecimentos de inumeráveis fábricas, escolas
públicas, reforma dos estudos, e guerras que ocorreram no seu
tempo, deixou, quando saiu do ministério, 48 milhões de
cruzados no erário régio, e 30, segundo ouvi, nos co fres das
décimas: riqueza que jamais se tinha ajuntado desde a
descoberta das minas. Esse espírito metódico se mostra bem no
arranjo econômico da sua própria casa, o qual confirma o
axioma de que “quem não sabe bem governar a sua casa não
presta para governar o Estado”.
“Foi por efeito da sua estrita economia (continua
ponderando acerca de Pombal o mesmo escritor) que ele pôde
fazer a sua grande casa, e não à custa do Estado, como alguns
terão pensado, regulando-se unicamente pelas aparências. O
conde de Oeiras viveu sempre... sem fausto, nem aparato;
165
servindo-se ele, e seus irmãos da mesma cozinha. Sua mesa,
bem que farta, não era delicada; sua cavalheirice era mui
pouco dispendiosa. ainda nos anos de 1764 a 1766 andava por
Lisboa na mesma carruagem de jornada em que tinha vindo de
Viena d’Áustria”...
Acusam-no de haver usado demasiado rigor com alguns
que haviam sido seus colegas no ministério, como Diogo de
Mendonça Corte Real, demitido em 1756 (74), Tomé Joaquim
da Costa, em 1760, e José de Seabra (75), seu antigo
confidente nos assuntos contra os jesuítas, demitido em 1774;
o primeiro dos quais foi desterrado para Mazagão, e este
último para Vizeu e Porto e por fim para Angola. Mas os que
assim pensam pretendem que há mais de um século se
pensasse como hoje, e esquecem-se de que deviam ser quase
crimes de lesa-majestade o haver, o primeiro revelado os
projetos de casamento da herdeira do trono com um infante de
Espanha e o último nada menos do que certos planos de el -rei
de fazer passar a sucessão da coroa a seu neto o príncipe D.
José, em detrimento da princesa do Brasil, sua mãe.
É igualmente acusada a memória do dito primeiro
ministro Pombal, pelas irregularidades ou faltas de clareza que
se notam em quanto foi publicado acerca da condenação dos
réus implicados na tentativa de assassinato do rei em 1758
(III). Essa acusação desaparecerá, cremos nós, quando venha a
ser integralmente dado à luz todo o processo, que nos
asseguram existir em Portugal (76). Mas, pelo que já sabemos,
na falta de publicação do mesmo processo íntegro, deu o dito
primeiro ministro mais um aprova de abnegação, expondo até
a sua reputação, em serviço e dedicação pelo rei. Ele próprio o
disse na sua célebre “Justificação”, ainda inédita, por estas
166
palavras: “A necessidade pública que fez preciso um
melindroso segredo de Estado a respeito de alguns fatos que se
contêm nos Processos”. E em outro lugar: “Não havendo
confiado o dito monarca o segredo daquele delicadíssimo
negócio senão aos três secretários de Estado, ... logo que pôde
passar do leito para o gabinete, no dia 9 de Dezembro” (77).
Reduzia-se o segredo a que o próprio rei fora o acusador,
apenas toda a trama lhe foi revelada pela sua favorita, a jovem
Távora, na primeira visita que lhe fez, depois do atentado.
Cumpre-nos acrescentar que (pois a sentença acerca das
consciências compete exclusivamente ao supremo e
sempiterno Juiz) todos os homens que se ocupam de governo,
quanto mais estudam a administração de Pombal, mais
sinceramente a admiram, chegando até a crer que, sem ela ,
Portugal se houvera acaso submergido, “no gosto da cobiça e
na rudeza”.
Graças ainda ao auxílio indireto dos capitais e ouro do
Brasil, para não mencionar um pingue donativo de três milhões
de cruzados (78) em trinta anos, ou quarenta contos em cada
ano (79), com que, convidadas pela carta régia de 16 de
Dezembro de 1755 (80), todas as capitanias deste Estado
puderam, depois do terremoto do 1º de Novembro de 1755,
socorrer a capital, a ova Lisboa se levantou como por encanto.
– Pelo que se o Brasil, pelos nomes das famílias e pela língua
vernácula, há de testemunhar sempre qual foi o tutor europeu
que lhe encaminhou os passos, na infância da sua civilização,
também Portugal não se esquecerá jamais dos socorros que lhe
ministrou o seu rico pupilo americano, enquanto existir uma
pedra no enorme aqueduto de Alcântara, no pomposo
monumento de Mafra, ou nas suas regularissimamente
167
alinhadas da baixa da antiga Ulíssipo. Esta é a verdade, por
mais que (nem que apostados a evitar justas, políticas e
convenientes conciliações) defendam partidos opostos as
opiniões extremas, acerca de quem deve ou é devedor. Não
cremos razoável, nem generoso, nem nobre, nem animador da
colonização européia de que tanto carecemos, lembrar de parte
a parte só o que há de queixa, sem pôr ao lado o muito que
pede louvor e gratidão. – Do lado da metrópole, e mais ainda
dos agentes dela, sabemos que houve muitas vezes despotismo,
injustiças, incoerências, ignorância, e por conseguinte maus
governo. Mas, não é menos verdade que a corte mostrava
sempre desejos de caminhar com o possível acerto, e não
deixava de repreender e de castigar o procedimento dos
governadores menos observantes das leis. A própria
independência que concedia aos magistrados, às câmaras, aos
bispos e às ordens religiosas e que foram causa de tantas
desordens, eram, para essas corporações e para os povos,
verdadeiras garantias de liberdade, que não existiriam em
governos propriamente despóticos.
Além de que, as faculdades dos mesmos governadores,
não deixavam de estar sopeadas pela independência do poder
judicial, exercido pelas relações, ouvidores e juízes, pelas
garantias dos empregados do fisco, e pela autoridade de certas
juntas e até das câmaras ou municipalidades. Não faltaram, é
verdade, governadores, em geral saídos da classe militar,
ignorantes dos mais triviais princípios do governo político,
que se entremetessem a alterar as formas dos processos, que se
envolvessem nas questões de propriedade, dando sesmarias já
concedidas a outros, que fossem menos observantes das leis,
que à vezes até ignoravam; mas alguns se poderão citar que
168
administravam admiravelmente, ou que, nos próprios ofícios à
corte e nas instruções por escrito que deixaram a seus
sucessores, mostraram especial conhecimento dos assuntos
mais importantes da capitania, e grande ciência de governo, e
muito juízo prudencial. – Os governadores não podiam
comerciar por si, nem por outrem, nem lançar nos bens que
iam à praça; nem mandar fazer seqüestros; nem receber
presentes; nem aceitar cessões de dívidas; nem consentir que
as aceitassem seus criados. Igualmente não podiam mandar
tirar devassas; nem prender sem culpa formada; nem dar
auxílios ara prisões, senão por ordens das justiças dos
distritos; nem podiam conceder ajudas de custo; nem abrir
cartas particulares, ainda a pretexto de averiguar descaminhos
da fazenda; nem proibir os descobrimentos em terra incultas. –
Não podiam, nem tampouco os ouvidores e juízes de fora,
contratar casamento no círculo de suas jurisdições. Deviam os
governadores além disso evitar eficazmente que os oficiais da
justiça e fazenda levassem às partes emolumentos excessivos,
cuidando que os ministros observassem o regimento de seus
salários, e não faltassem às suas obrigações. Também eram
obrigados a mandar logo aos ministros as cartas do serviço
recebidas para eles; a fazer que as eleições dos juízes dos
órfãos tivessem lugar ao mesmo tempo em que as das mais
justiças; e a não consentir que os ouvidores passassem
provimento aos oficiais que serviam com eles. Era -lhes
proibido arbitrar salários aos ministros, ou passar-lhes
atestados durante o tempo em que exerciam lugares. Não
podiam convocar a palácio as câmaras, sem necessidade
urgente, a benefício delas ou do serviço público; nem permitir
que elas lançassem fintas. E só das mesmas câmaras podiam
169
receber por aposentadoria casas e camas, para si e suas
comitivas: aos oficiais das mesmas não podiam obrigar a que
os fossem visitar em corpo de câmara. Não deviam intrometer se nas eleições dos oficiais de ordenanças, nem criar novos
postos. Nos preenchimentos das vagas deviam justificar estas
com documentos, e atender às propostas das câmaras. Também
lhes era proibido ter criados com praça de soldados;
providência esta que se fez extensiva acerca dos ministros.
Tantas peias tinham os governadores pela lei, que acaso
algumas vezes não poderiam eles ter a necessária autoridade
para governar na distância a que se achavam da metrópole, se
as tendências naturais do instinto de conservação e de mando
lhes não fizessem propender para o arbítrio. – Em vista das
ditas peias, que expusemos, pudéramos desconfiar que a
administração devia principalmente ressentir-se de falta de
centralização tão encomiada pelo ilustre Timon da França (81),
quando chegou, no tratado especial acerca da mesma
centralização, a afirmar que “quanto mais se concentra a
autoridade, menos pesa sobre os governados; e quanto mais se
divide e desce, também mais se apresenta com o caráter das
humanas paixões”. E com efeito, já nesse tempo a própria
experiência provava que, sobretudo nos sertões menos
habitados, não era pelo excesso de autoridade dos
governadores que mais pecava a boa administração da justiça;
pois o influxo deles era em geral benéfico aos povos, contra as
demasias e prepotências dos capitães-mores locais, que
alguém, não sem malícia nem sem razão, se lembrou de
comparar a certos potentados de nossos dias, revestidos com a
fita de juiz de paz ou as dragonas de comandante superior da
guarda nacional. Desgraçadamente, a experiência prova que os
170
países menos povoados passam sempre uma época com
tendências feudais, seja qualquer o nome que se dê aos
suseranos, que acabrunham os pequenos, quando, aliás, na
cabeça do Estado e nas cidades populosas a administração da
justiça corre com a maior regularidade. Felizmente, as estrad as
de ferro, e os vapores acabarão essas tendências, estabelecendo a polícia mais rigorosa, equilibrando a população, e
melhorando-a pelos dois grandes meios civilizadores: a
indústria que subministra ao homem os maiores cômodos da
vida; e a observância da religião, que o beneficia moralmente.
Depois dos capitães-mores, eram, mais que os
governadores, causas de imoralidade e arbítrios os empregados
subalternos, tanto da justiça, como da fazenda; pois que,
dando-se a princípio de preferência os ofícios aos que
ofereciam para as urgências do Estado maiores quantias, veio
isso a degenerar em abuso, a tal ponto que havia na corte
agentes ou corretores deles, e às vezes recaíam em indivíduos
de procedimento menos regular. A esses abusos pôs cobro el rei D. José, que, por carta régia de 20 de Abril de 1758,
mandou às capitanias do Brasil Antônio de Azevedo Coutinho,
do Conselho Ultramarino, a fim de proceder nelas à
arrematação dos mesmos ofícios, entre os indivíduos dignos de
os exercer (82).
Como delegados de el-rei D. José na administração das
capitanias do Brasil prestara serviços mais importantes, além
do conde de Bobadela e da Cunha, o vice-rei marquês de
Lavradio.
Em seu largo vice-reinado de dez anos e cinco meses, o
marquês de Lavradio, que antes governava na Bahia, em meio
dos cuidados em que se viu com as hostilidades e guerras no
171
Sul, com o maior zelo e inteligência, a todos os ramos da
administração. Ao passo que se entregava à organização da
milícia, animava os estudos, protegia os estudiosos e cuidava
do aformoseamento da capital, que ainda à sua memória dedica
o nome de uma de suas ruas. Ao mesmo tempo se dedicava,
com o maior empenho, a favorecer o desenvolvimento das
indústrias agrícolas no país, e com especialidade as do anil,
cochonilha, queijos e manteigas (83). E todos sabem que no
seu tempo nasceram e floriram, em uma chácara de
Mataporcos, do holandês João Hopman, as plantas de café que
deram as sementes para todo o Sul do Brasil (84).
Quanto ao seu caráter, preferimos deixar que nos dê
dele idéia um eloqüente frade, seu contemporâneo (85), no
sermão que, depois do seu falecimento, recitou na catedral do
Rio de Janeiro: ouçamo-lo:
“... homem singular, em quem o contágio da dignidade,
e da grandeza não tinha feito mudar o aspecto, nem corromper
o coração. Não o cercou nunca aquela nuvem medonha, que,
escondendo a autoridade de que necessitam os povos, deixa
com tudo aparecer uma soberba que os aterra (86). Brilharam
sempre do redor de sua presença os sinais mais evidentes de
seu amor para convosco, e vós sois testemunhas daquela
candura que pintava em seu rosto e seus afetos. Viu-se na sua
pessoa aquela união prodigiosa que poucas vezes faz o poder
com a ternura e a justiça com a humanidade Despendeu
liberalmente convosco aquele tesouro de talentos preciosos
que tinha recolhido em sua alma, e fez da vossa felicidade o
unido objeto dos seus cuidados.”
Do seu grande tino governativo pode-se fazer perfeita
idéia, em presença das explicações por ele próprio dadas ao
172
seu jovem sucessor acerca do modo como alcançara apaziguar
muito os turbulentos habitantes do distrito de Campos. Ei -las
(87): “... como aquelas gentes ainda estão com as idéias muito
frestas da má criação que tiveram, é necessário, enquanto não
passam mais anos, não dar a nenhum deles um poder e
autoridade que, enchendo-os de vaidade, possa vir a dar um
cuidado que traga consigo maiores conseqüências. Eu tenho
seguido o sistema de dar ali muitas sesmarias, de facilitar às
pessoas desta capital que se vão para ali estabelecer. Tenho
mandado vir a muitos para lhes falar; tenho-os aqui
conservado por algum tempo, para os costumar a ver como os
povos vivem sujeitos; e que vejam o modo com que se respeita
e obedece aos diversos magistrados, e às pessoas que mais
representam: e em todo o tempo que aqui estão, procuro que
estejam muito dependentes; e por fim os mando retirar,
fazendo-lhes sempre algum benefício. Por este modo se tem
ido sujeitando de sorte que já hoje não acontecem aquelas
horrorosas desordens, que todos os dias inquietavam os
governadores desta capitania. É preciso ter um grandíssimo
cuidado em não consentir que para ali se vão estabelecer
letrados rábulas ou outras pessoas de espíritos inquietos;
porque, como aqueles povos tiveram uma má criação, em
aparecendo lá um desses, que falando-lhes uma linguagem
mais agradável ao seu paladar, convidando-os para alguma
insolência, eles prontamente se esquecem do que devem, se
seguem as bandeiras daqueles. No meu tempo assim sucedeu,
por causa de um advogado chamado José Pereira, que
parecendo-me homem manso e de boas circunstâncias, o fiz
juiz das sesmarias daquele distrito, o qual fez tais desordens
que até se fomentou um levantamento, e se naquela ocasião eu
173
seguisse os meios ordinários, e não tomasse uma resolução
extraordinária, ficariam de todo arruinados os utensílios e
excelentes estabelecimentos, que ali estão hoje adiantados. Eu
mandei buscar este homem e aqueles que com ele mais
procuravam representar, tive-os por muitos meses reduzidos a
uma aspérrima prisão; mascarei-os até o último ponto; e, com
este meu procedimento, se intimidaram todos os outros, e
depois de estar tudo sossegado, tornei a permitir -lhes que
voltassem para que pudessem contar o que lhes tinha sucedido;
e lhes disse que a primeira notícia que eu tivesse de alguma
inquietação por aquelas partes, eles seriam os primeiros que
me fossem responsáveis de todas aquelas desordens. Com isso
consegui o serem eles os primeiros, quando voltaram, que
procuravam a quietação de todos, de sorte que hoje tudo se
conserva na maior tranqüilidade”.
Além dos condes de Bobadela e da Cunha e do marquês
de Lavradio, distinguiram-se também neste reinado, D.
Antônio Rolim de Moura, conde de Azambuja, pela sua
atividade nos governos de Mato Grosso, Bahia e Rio, e D.
Álvaro Xavier Botelho, conde de São Miguel, pelas
prevaricações escandalosas que lhe foram provadas em seu
governo de Goiás, de 1755 a 1759 (88), embora ele se
chegasse a queixar que haviam passado três anos sem receber
nenhuma comunicação da metrópole.
Em Minas, fez-se muito notável o governador (17681773) conde de Valadares, D. José Luís de Menezes, que,
apesar de sua pouca idade, sendo menor de vinte e cinco anos
(89), quando tomou posse do bastão, soube fazer respeitar a
autoridade (90), perseguindo os malfeitores, e reduzindo o
numeroso quilombo do Bateeiro na comarca do Rio das
174
Mortes.
Pelo que respeita à sua integridade, formamos dela
desfavorável idéia desde que tivemos conhecimento do notável
fato que passamos a narrar (91). Oito dias depois de seu
regresso de Minas, procurou-o o marquês de Pombal, e lhe
pediu emprestados noventa mil cruzados. Entregou-lhos o
conde, em 12 de Março de 1768; e nesse mesmo dia mandou
Pombal que se desse entrada desta soma no erário, e
efetivamente se abriu sobre ela assento a fls. 122 v. do liv ro 2º
dos ofícios da fazenda; declarando serem dela, cinqüenta, por
um ofício conferido a José Rodrigues do Amaral, de Mariana,
e quarenta, de outro dado a Bento José Gomes, de Vila Rica. –
Em Maio de 1778, vendo Valadares a grande reação contra
Pombal, foi queixar-se à rainha da dívida em que lhe estava o
dito ex-ministro. Sendo este ouvido, respondeu, em 14 de
Maio, ser verdade haver recebido os noventa mil cruzados, e
citando a folha do livro do erário em que se achavam lançados,
e a razão por quê, acrescentando porém que, apesar disso,
entregaria a mencionada soma ao conde, se a rainha o
ordenasse.
Acerca dos trajes no Brasil (92) baste-nos dizer que se
iam seguindo à risca as modas da metrópole, que por sua parte
seguia as do resto da Europa. Estavam em voga, até para os
soldados, as cabeleiras com rabicho, os chapéus à Frederica, as
fardas desabotoadas, redondas, nas abas, as camisas de folhos,
e os calções com fivelas, sapatos e polainas.
A administração de Pombal, apesar de tão votada a
promover os interesses materiais do país, não deixou de ser
muito propícia às letras, e aos brasileiros que nestas se
distinguiram. – O favor que durante ela receberam os dois já
175
mencionados
fluminenses,
irmãos,
reformadores
da
Universidade, bispo-conde D. Francisco de Lemos, e João
Pereira Ramos, procurador da coroa e guarda-mor da Torre do
Tombo, se estendeu a outros muitos brasileiros. O modesto
autor da História Eclesiástica Lusitana, D. Tomás da
Encarnação (93) e o franciscano Fr. Antônio de Santa Maria
Jaboatão (94) deixaram-nos obras que ainda os recomendam. –
Também foi obra desse reinado a Etiópia resgatada, que deu à
luz em 1758 o padre Manuel Ribeiro da Rocha, na qual já este
filantropo autor propõe a idéia de ser o tráfico declarado
pirataria, e de poderem os escravos resgatar a sua liberdade ao
cabo de cinco anos de cativeiro. – O distinto mineiro, autor do
poema épico Uraguai, José Basílioda Gama, foi honrado com a
confiança do ministro, que o escolheu para seu oficial de
gabinete, com carta, foros e escudo de nobreza. Igualmente
não deixaram de encontrar favor em Pombal os nossos poetas
Cláudio Manuel da Costa, Manuel Inácio da Silva Alvarenga,
Inácio José de Alvarenga Peixoto, e até já o próprio Domingos
Caldes Barbosa. O fluminense Feliciano Joaquim de Sous a,
deixou-nos, entre outros escritos, a sua Política Brasílica (95).
O bispo do Pará D. Fr. João de São José legou -nos o seu
Diário (1762-1763) (96), sento também valiosos, acerca das
terras do Amazonas, os escritos do vigário-geral do Rio Negro
José Monteiro de Noronha (97) e do ouvidor Francisco Xavier
Ribeiro de Sampaio (98); João da Silva Santos viajava em
1764 (99) pelo Jequitinhonha, e o governador de São Paulo
Luís Antônio de Sousa Explorava, pouco depois (1768),
pessoalmente, os rios Tibagi e Ubaí (100).
Pouco diremos das três associações literárias que
contou o Brasil durante este reinado. A dos Seletos, no Rio de
176
Janeiro, em 1752, de que foi secretário um ex -ouvidor de
Paranaguá, Manuel Tavares de Sequeira e Sá, teve
principalmente em vista um certame em favor do governador,
e as suas produções foram publicadas na coleção Júbilos da
América (101).
A dos Renascidos, que se instalou na Bahia em 1759,
debaixo dos mais favoráveis auspícios (IV), com quarenta
acadêmicos de número (todos residentes na Bahia) e oitenta e
três supranumerários, com estatutos bem pensados, e que
chegou durante vários meses a ter sessões regulares duas vezes
por mês, e viu-se dissolvida pela misteriosa prisão do seu
diretor ou presidente (V), o conselheiro José Mascarenhas
Pacheco (o qual, comprometido na questão dos jesuítas, foi
remetido preso à corte em 1760, e não veio a sair solto senão
em 1777) produziu um interessante livro, ainda manuscrito, a
História Militar do Brasil de 1547 a 1562, pelo sócio tenentecoronel José Mirales (VI).
A Científica foi instituída no Rio de Janeiro em
Fevereiro de 1772, pelo médico do vice-rei Lavradio, José
Henriques Ferreira, que foi dela o presidente (VII).
Entretanto, no reinado de D. José, no Brasil, não eram
tanto os escritos de literatura amena, como os que continham
informes estatísticos do país, os que mais fomentava o
governo, e que efetivamente se escreviam. Ainda hoje se
guardam em Lisboa, nos arquivos do Conselho Ultramarino,
maços e maços, contendo muitos de tais informes, que
esperamos hão-de um dia ser dados ao prelo (102). De uma
dessas estatísticas acerca da capitania de Pernambuco e suas
subalternas, Ceará, Rio Grande, Paraíba e Alagoas, em 1774,
temos cópia, e dela aproveitaremos os seguintes fatos (103).
177
Contava o Ceará mais de 34 mil almas, o Rio Grande passante
de 21 mil, a Paraíba de 30 mil, e Pernambuco 175 mil,
incluindo as comarcas das Alagoas e do Penedo, relacionadas
pelas listas das desobrigas das freguesias. No Ceará contavam se 972 fazendas; no Rio Grande 283; na Paraíba 869; em
Pernambuco 516. Havia nas oito comarcas de Pernambuco 360
engenhos e na Paraíba 37. O sobrante das rendas públicas
montava em Pernambuco acima de 14 contos (104); na Paraíba
perto de 13; no Rio Grande a mais de 5; e no Ceará (produto
dos dízimos) a mais de 11. - Os tributos, fontes dessa receita,
eram além dos dízimos, o subsídio do açúcar e das carnes e do
tabaco, donativo da alfândega, novos direitos dos ofícios e
cartas de seguro, direito de caixas, passagem de alguns rios,
pensão dos engenhos, pesqueiros do mar, etc.
Acerca da Bahia o seu termo escrevera em 1757 uma
estatística o medidor da cidade Manuel de Oliveira Mendes
(VIII). Havia 17 freguesias; mas o autor só designa os fogos e
almas de 14; subindo aqueles a 8.026 e estas a 46.455. – Em
São Paulo, a renda provincial em 1776 montava a 47:900$599,
e a despesa ordinária subia a 49:429$869; havendo portanto
um excesso de 2:339$270; isto sem contar os enormes gastos
com as tropas da capitania estacionadas no Sul, os quais
corriam à conta do vice-reinado. A respeito de Minas
preparava o desembargador José João Teixeira Coelho uma
mui importante notícia estatística, hoje impressa (105), e da
qual trataremos, com mais extensão, na secção seguinte. Da
Estatística do Ceará se ocupava o coronel Antônio José
Vitoriano Borges da Fonseca, autor da Nobiliarquia
Pernambucana (106), que ali estivera dezesseis anos de
capitão-mor. Do Rio de Janeiro, em fins de Janeiro e
178
princípios de Fevereiro de 1751, nos deixou uma idéia o
matemático La Caille (107), que então aqui esteve, morando
na rua do Rosário. A população da cidade se avaliava em
cinqüenta mil almas. Nas janelas e portas viam-se urupemas.
Nas esquinas havia nichos diante dos quais se rezava o terço. –
No largo do Paço se construía o chafariz (108).
Das relações contemporâneas de festas públicas nos é
dado coligir algumas notícias curiosas acerca do estado das
artes (109). – Pelo que respeita à Bahia, muito minuciosas
notícias nos dá uma relação escrita (1761) por Francisco
Calmon, sócio dos Renascidos (110), acerca das festas
celebradas pelos desposórios da princesa, depois D. Maria I
(111). – A um bando, em que saíram a cavalo o porteiro da
câmara e meirinhos, vestidos à cortesã, ao som de atabales e
mais instrumentos, seguiram-se danças, fogos e comédias. –
Entre as danças, distinguiram-se não só as dos mesteres; v. gr.
a dos cutileiros e carpinteiros, com farsas mouriscas, a dos
alfaiates, a dos sapateiros e correeiros, como a dos Congos,
que muito agaloados, anunciavam a vinda de um rei negro, o
qual depois aparecia com a sua corte e sovas, dançando as
talheiras e quicumbis, ao som de seus instrumentos: seguiamse índios emplumados e de arco e flechas, saindo de ciladas. E
por fim houve canas, escaramuças e argolinhas, e se
representaram a comédia Porfiar amando e a ópera Anfitrião,
muito provavelmente a de Antônio José (112). – Mais curiosa
que esta, de notícias verdadeiramente interessantes para as
artes, é outra anterior acerca dos festejos com que Pernambuco
celebrou a aclamação de el-rei D. José, publicada pelo oficial
maior da secretaria do governo da capitania, Filipe Néri
Correia (113). Nela se descrevem minuciosamente os artefatos
179
do teatro, devidos ao artilheiro Miguel Álvares Teixeira; nela
se diz que a música foi obra do compositor mestr e de capela da
sé, o padre Mestre Antônio da Silva Alcântara; dela finalmente
se vê que as comédias La sciencia de reinar, Cueba y costillo
de amor e La piedra filosofal, que se representaram nos dias
14, 16 e 18 de Fevereiro de 1752, foram ensaiadas pelo
compositor dramático Francisco de Sales Silva. Das artes do
Rio nos oferece algumas notícias uma Epanáfora festiva
acerca do nascimento do príncipe real em 1763 (114). Nessa
última festa não somente se correram touros e praticaram
escaramuças, com argolinha, alcanzias e canas, como saíram
também à rua danças de ciganas, dos cajadinhos, com gaitas
de foles, dos cavaleiros, além das dos alfaiates, carpinteiros e
pedreiros, e das dos marceneiros e sapateiros, cada uma destas
últimas com seu carro. Concluiu a festa com índios caçando,
com pardos e congos divertindo-se, e afinal com um castelo e
navio de fogo, que arderam, etc.
NOTAS EM NÚMEROS ARÁBICOS
(1) Conde de Oeiras em 6 de Junho de 1759; marquês de Pombal
em 17 de Setembro de 1770. – Filho de Manuel Carvalho de Ataíde, que
servira nas armadas da costa e fora capitão de cavalos, e de uma senhora
que descendia dos morgados de Souto de El -rei; nasceu em Lisboa a 13 de
Maio de 1699 e faleceu em 8 de Agosto de 1782. Sua genealogia não se
insere, como se pretendeu, no trono pernambucano de D. Paulo de Morai,
filho do governador D. Filipe de Moura e de D. Genebra Cavalcanti. –
Conf. Pedro A. de Azevedo, Os Antepassados do Marquês de Pombal, in
Arquivo Histórico Português, 3, 231/331. – Veja a nota II, secção XXV,
tomo segundo desta História, pág. 123. – (G.).
180
(2) Aqui podemos repetir com o sábio Augusto Theiner, na
História de Clemente XIV: “Cada vez que lançamos os olhos sobre
quaisquer inúmeras obras publicadas de oitenta anos a esta parte, com
nomes dos autores ou sem eles, pelos jesuítas ou pelos seus amigos... um
sentimento de dor e de tristeza se apodera de nós... vendo a pouca justiça
e caridade com que nelas se trata não só de Clemente XIV, como de
outros personagens célebres, que, embora não isentos de alguma fraqueza,
não deveram ser tratados inclusivamente com infâmia”. – (A.). – A obra
de Theiner, mais vulgar na tradução francesa, intitulou -se – Histoire du
Pontificat de Clément XIV, Paris, 1852. – (G.).
(3) Embaixador de França, conde de Baschi, of ício de 11 de
Novembro de 1755, Santarém [Quadro Elementar], 6, 70/71. – (A.). – E
acrescentava que “a abundância reinava na cidade sem carestia”. – (G.).
(4) A estátua de D. José noc entro da praça do Comércio, em
Lisboa, terreiro do Poço antes do terremoto foi inaugurada a 6 de Junho
de 1775. O escultor foi Joaquim Machado de Castro e o fundidor
Bartolomeu da Costa, que conseguiu fundi -la de um só jacto. No pedestal
figurava a efígie do marquês de Pombal. Quando o ministro caiu em
desgraça, em uma note de Abril de 1777, foi sua efígie arrancada do lugar
e substituída pelas armas da cidade. Bartolomeu da Costa escondeu -a no
arsenal de guerra, onde, passados tempos, foi encontrada e restituída ao
monumento, por um decreto de D. Pedro, duque de Bragança, de 10 de
Outubro de 1833. – Conf. John Smith, Memoirs of the marquis of Pombal,
2, 291/294, Londres, 1843. – (G.).
(5) De Francisco de Albuquerque Coelho de Carvalho: 1:200$000.
– (A.). – A capitania foi mandada incorporar à coroa pela carta régia de 1
de Junho de 1752, Revista do Instituto Histórico, 69, parte 1ª, 192. – (G.).
(6) Título de visconde de Mesquitela e 1:200$000 de pensão. –
(A.). – Da Gazeta de Lisboa, de 9 de Maio de 1754: “Foy S. M.
fidelissima servida de reunir á sua Real Corôa a Ilha grand e de Joanne,
sita na boca do Rio das Amazonas, de que o Senhor Rey D. Affonso VI
fez mercê de juro e herdade fóra da Ley mental a Antonio de Sousa de
Macedo (sexto neto sempre por varonia do famoso Martim Gonçalo de
Macedo, que na batalha de Aljibarrota salvou a vida ao Senhor Rey D.
Joam I, de cujo acçam se conserva a memoria, nam só nas historias do
Reyno, mas no braço armado com huma massa na mão, que serve de
181
timbre ao escudo de suas armas), em remuneração aos relevantes serviços
que tinha feito a esta Corôa, sendo Embaixador na Republica de Hollanda,
e na Côrte da Inglaterra; dando em satisfaçam a seu bisneto Luis de Sousa
de Macedo, terceiro Maram da dita Ilha grande, o senhoria da Villa de
Misquitela, na Província da Beira, com toda a jurisdicçam civi l, mudandolhe o título de Baram em Bisconde de Misquetela, alem de 30.000
cruzados de renda cada anno, tudo de juro e herdade, tres vezes fóra da
Ley Mental”. – A renda dada ao donatário pelo equivalente da Ilha
Grande, foi apenas de tres mil cruzados, e não de trinta mil, conforme
retificou a Gazeta seguinte, de 16 de Maio. – Conf. tomo terceiro desta
História, págs. 199 e 213, nota II. – (G.).
(7) Porteiro-mor José de Melo Sousa; pensão de 600$000. – (A.).
– José de Sousa e Melo chamava-se o porteiro-mor, que faleceu em
Lisboa, a 27 de Fevereiro de 1750, com setenta e oito anos de idade. A
transação da capitania foi feita com seu filho e sucessor Manuel Antônio
de Sousa e Melo, como noticiou a Gazeta de Lisboa, de 15 de Novembro
de 1753: “Havendo S. Mag. Fidelissima resolvido reunir á sua Real Coroa
todos os dominios ultramarinos, doados por mercê dos Senhores Reys
seus predecessores a alguns Senhores particulares, por meyo de
subrogaçoens, se assinou em 8 do corrente a Escritura celebrada com o
Porteiro mór Manuel Antonio de Dousa e Mello, que cede a Sua
Magestade o Senhorio da Capitania de Cayté no Estado do Maranham,
pela mercê da Villa de Anciões, de juro e herdade, dispensada três vezes a
Ley mental, com a data de todos os Officios, e nomearam de Ouvi dor, e
de 600$000 de juro cada anno, pagos pelos effeitos do Conselho
Ultramarino, com todas as mais circunstancias, e regalias da mercê da
capitania cedida”. – (G.).
(8) Estava unida à primeira [de Cametá]. – (A.). – Conf. o tomo
terceiro desta História, pág. 151, nota 5, - (G.).
(9) Comprada aos marqueses de Loriçal, herdeiros do de Cascais.
– (A.). – D. Luís José Tomás de Castro Noronha Ataíde e Sousa, nono
donatário dessa capitania, faleceu a 14 de Março de 1745, sem geração.
Passou a donataria ao marquês de Louriçal, que a vendeu à coroa. –
Capistrano de Abreu, nota a Frei Vicente do Salvador, História do Brasil,
109, Rio, 1887. – (G.).
182
(10) Do armador-mor [aliás armeiro-mor] José da Costa e Sousa:
pensão 64$000. – (A.). – A capitania do Recôncavo originou-se da
sesmaria dada pelo segundo governador-geral D. Duarte da Costa, em
Janeiro de 1557, a seu filho D. Álvaro, abrangendo da narra do Paraguaçu
da parte do sul, até a barra do Jaguaripe, quatro léguas de costa, pouco
mais ou menos, e para o sertão, pelo dito rio acima dez léguas. Essa
sesmaria teve confirmação régia a 12 de Março de 1562; a 29 de Março de
1566 foi elevada a capitania, com a mesma extensão de costa, mas sendo a
largura das dez léguas para o sertão a que houvesse entre os dois rios
Jaguaripe e Paraguaçu. D. Álvaro da Costa faleceu por 1578, porque a 8
de Abril Pedro Carreiro concedeu uma sesmaria em seu nome e como seu
procurador, e a 16 de Julho Cristóvão de Barros pediu outra a Sebastião
Álvares, mas como procurador de D. Leonor de Sousa, sua viúva, e de seu
filho menor D. Duarte da Costa. Este foi o segundo donatário; seguiram se outros, sendo nono e último D. José da Costa, que faleceu sem
sucessão a 10 de Março de 1766. Dele foi que passou a capitania para a
coroa. – Conf. Capistrano de Abreu. op. cit., 107/108. – (G.).
(11) Como a quinta [de Itamaracá]. – (A.). – Essa capitania tem
origem na sesmaria dada em Abril de 1552 por Tomé de Sousa a D.
Antônio de Ataíde, conde da Castanheira, confirmada pelo rei em 10 de
Maio de 1556 e convertida em capitania, compreendendo as ilhas de
Itaparica e Tamarandiva, a 10 de Novembro do mesmo ano. Por morte do
conde, sucedeu-lhe seu filho, segundo conde da Castanheira; o terceiro
donatário foi D. Manuel de Ataíde, seguindo -se outros condes da
Castanheira, até o segundo marquês de Cascais, neto do terceiro conde da
Castanheira, ao qual coube grande parte de sua casa, inclusive a capitania,
que assim passou a ter os mesmos donatários que a de Itamaracá. – Conf.
Capistrano de Abreu, op. cit., 106/107. – (G.).
(12) Título de conde de Resende, e pensão de dois contos de réis.
– (A.). – O oitavo e último donatário foi D. Antônio José de Castro, que
vendeu a capitania à coroa, sendo em compensação criado conde de
Resende, de juro e herdade, dispensado três vezes na Lei mental em 10 de
Junho de 1754. Na mesma forma de juro e herdade, com a mesma
dispensa na Lei mental, concedeu-lhe D. José I o ofício de almirante do
Reino, e cinco mil cruzados de renda. – Conf. Capistrano de Abreu, op.
cit., 106; Memórias Históricas, 2, 420/421, 2ª edição; secção XL desta
História, nota 98. – (G.).
183
(13) Confiscada à casa de Aveiro, herdada pelos marqueses de
Gouveia, em 1749, a poder de muita proteção de que dispunham na corte
de D. João V. a Capitania, depois de ter saíd o duas vezes da casa de
Aveiro para um filho segundo, entrara nela de novo (em 1637), pela
herança do duque de Torres Novas. Depois uma sentença a adjudicou à
coroa; porém, em 1724, foi adjudicada a D. Gabriel de Alencastro Ponde
de Leon [duque de Banhos, D. Gabriel Pereira de Leon Lencastro]. – Veja
as Alegações Jurídicas, do Dr. Francisco Velasco de Gouveia, Lisboa,
1637; Manuel Lopes de Oliveira, ibidem, 1666; Padre Bibiano Pinto da
Silva, Ibidem, 1666; Miguel Lopes de Leão, Lisboa Ocidental, 1719, (em
casa do conde de Unhão, em magnífico papel); e Sebastião Martinez de
Cabezon, Madri, 1 vol. de 1223 págs. in -fol. – (A.). – Por morte do duque
de Banhos, em 1745, foi seu sucessor por sentença de 1749, o marquês de
Gouveia. A esse, executado a 13 de janeiro de 1759 como regicida, foi
confiscada a capitania e definitivamente incorporada à coroa. – Conf.
Capistrano de Abreu, op. cit., 105. – (G.).
(14) Aos viscondes de Asseca, padrão de 1:600$000. – (A.). –
Veja a nota IX da secção XL. – Conf. Alberto Lamego, A Terra Goitacá,
2, 455/457. – (G.).
(15) Ao conde da Ilha do Príncipe, pelo título de Linhares [aliás
Lumiares] e um padrão de 1:600$000 de juro. – (A.). – O undécimo
donatário foi Carlos Carneiro de Sousa, quinto conde da Ilha do Príncipe,
que vendeu a capitania a D. José I, obtendo em compensação, por decreto
de 29 de Outubro de 1753, o título de conde de Lumiares, com diversos
privilégios e favores, Capistrano de Abreu, op. cit., 101. – (G.).
(16) Lei de 10 de Novembro de 1774 (Delgado, Coleção da
Legislação Portuguesa, 2, 617/619). – O subsídio literário cobrava-se na
carne e licores. Ainda em 1831 se orçava a sua renda em todo o império
do Brasil em uns 157 contos. – (A.).
(17) J. Lúcio de Azevedo, Novas Epanáforas, 23, Lisboa, 1932,
encontra pouco fundamento histórico neste asserto do autor. – Conf.
terceiro tomo desta História, p[ag. 200. – (G.).
(18) Antônio José Landi, italiano, de Bolonha, nasceu em 1708.
Era professor de arquitetura e perspectiva no Instituto de Ciências
daquela cidade, quando passou a Portugal, contratado por D. João V,
184
como arquitecto. Nomeado para a comissão de limites organizados em
execução do tratado de 1750, e designado para a divisão do Norte,
embarcou em Lisboa a 2 de Junho e chegou ao Pará a 19 de Julho de
1753. Esteve em Barcelos como comissário principal Francisco Xavier de
Mendonça Furtado. Encerrados os trabalhos de demarcação, voltou ao
Pará em 1761, e aí casou com uma filha do sargento -mor de Sousa de
Azevedo. Por patente de 6 de Maio de 1768 foi nomeado capitã o do
segundo terço de infantaria auxiliar. Em Belém trabalhava em
levantamento de plantas e construção de edifícios públicos e particulares
(palácio do governo, igreja de Santa Ana, etc.), quando foi de novo
mandado servir na comissão de limites, decorrent e do tratado de 1777,
servindo com João Pereira Caldas. Por ter sido atacado de paralisia em
1787, voltou a Belém, onde veio a falecer em 1790. – Conf. Manuel
Barata, Apontamentos para as Efemérides Paraenses, 48/49, Rio, 1925. –
(G.).
(19) A Companhia Geral do Comé4rcio do Grão-Pará e Maranhão
foi requerida em 1754 e confirmada pelo alvará de 7 de Junho do ano
seguinte, Delgado, Coleção da Legislação Portuguesa, „, 376/391,
391/392. A concessão foi de vinte anos a contar da saída do primeiro
navio do porto de Lisboa, o que se realizou a 26 de Abril de 1756. O
alvará de 6 de Fevereiro de 1757 ampliou os privilégios da Companhia,
Coleção citada, 1, 490/492. Foi extinta pela resolução régia de 25 de
Fevereiro de 1778; mas a liqüidação das contas durou m uitos anos. A
empresa poderia ter sido útil ao Maranhão; que não o foi ao Pará,
demonstrou J. Lúcio do Azevedo, Estudos Paraenses, Pará, 1893. – (G.).
(20) Notícias historicas praticas de los
adelantamientos (de esta Compañia), Madri, 1765. – (A.).
sucessos
y
(21) Gaioso [Raimundo Jose de Sousa], Compêndio Históricopolítico [dos princípios da lavoura do Maranhão, etc., Paris, 1818], pág.
XXI. – Baena, Compêndio das Eras, 294. – “A idade do ouro da lavoura
desta província (Maranhão) data do estabelecimento da Companhia do
Comércio”, etc. – Cruz Machado, Relatório [do Presidente da Província],
de 1856, pág. 74. – (A.).
(22) Por alvará de confirmação de 13 de Agosto de 1759,
precedido do requerimento de sua instituição pelos homens de negócio
185
das praças de Lisboa, Porto e Pernambuco, em 30 de Julho do mesmo ano,
Delgado, Coleção citada, 1, 695/713. – (G.).
(23) Deste modo temos a idéia da esfera del -rei DS. Manuel
adotada pela Companhia do Brasil em 1649, e a das estrelas para as
províncias, muito antes dos Estados Unidos. – (A.).
(24) Regimento de 16 de Fevereiro [aliás Janeiro] de 1751. –
Decreto de 17 [aliás 27] do dito. – Delgado, Colecção, 1, 32/38, 38/40. –
(A.).
(25) Alvará de 29 de Abril e resolução de consulta de 12 de Maio
de 1766, Delgado, Coleção, 2, 243/244 e 245. – (A.).
(26) Regimento das casas de inspeção, de 1 de Abril de 1751,
Delgado, Coleção, 1, 54/59. – (A.).
(27) Veja o Regimento de 16 de Janeiro de 1751 e [alvará de 15
de Julho de 1775. – (A.). – Delgado, Coleção, 1, 32/38, e 3, 50/59. – (G.).
(28) Sistema ou Coleção dos Regimentos Reais, 4, 84/91. – (A.).
(29) Ibidem, 16/35. – (G.).
(30) Alvará de 9 de Julho de 1764. – Delgado, Coleção, 2,
122/123. – (A.).
(31) Veja a lei de 29 de Novembro de 1753. – Regimentos Reais,
4, 99/102. – (A.). – Delgado, Coleção, 1, 172/175. – Do Pará e Maranhão
se exportava cacau, café, salsaparilha, cravo, algodão e couros. –
Regimentos reais, citados, 101; Coleção, citada. 174. – (G.).
(32) Acerca da exportação de 1760 a 1771, veja o mapa primeiro
de Gaioso. – (A.). – Compêndio Histórico-político, citado, fls. 179. –
(G.).
(33) Por alvará de 8 de Outubro de 1766 foi prorrogado por mais
dez anos o privilégio exclusivo que já tinha a fábrica de descascar arroz
de que eram proprietários e diretores Manuel L uis Vieira e Domingos
Lopes Loureiro, Delgado, Coleção citada, 2, 279/281. – (G.).
186
(34) Um bando do governador do Maranhão Joaquim de Melo e
Póvoas cominava penas de multa, cadeia, calceta e surra (açoites),
segundo a qualidade das pessoas, aos que contin uassem na cultura do
arroz vermelho da terra, em vez do arroz branco da Carolina, único
permitido, J. Francisco Lisboa, Obras, 3, 433. – Conf. Memória sobre a
Introdução do arroz branco no Estado do Grão -Pará, in Revista do
Instituto Histórico, 48, parte 1ª 79/84, e Manuel Barata, A antiga
produção e exportação do Pará, 13, Pará, 1915. – (G.).
(35) Alvará de 10 de Dezembro de 1770. – (A.). – Delgado,
Coleção, citada, 2, 519/520. – Concedia-se à Real Fábrica das Sedas o
privilégio exclusivo do comércio da resina chamada jutaicica, ou seja,
goma-copal, que por diligência dos diretores da mesma fábrica havia sido
descoberta nos domínios da América Portuguesa. – (G.).
(36) Accioli [Memórias Históricas] 1, 187. – (A.). – Segunda
edição, 2, 179/181. – (G.).
(37) Delgado, Coleção, citada, 1, 119/120. – (G.).
(38) Ibidem, 482/483. – (G.).
(39) Joaquim de Melo e Póvoas tomou posse do novo governo a
29 de Julho de 1775, Revista do Instituto Histórico, XVI, pág; 388.
Residiu por algum tempo em Oeiras. De seu governo escreveu frei
Francisco de Nossa Senhora dos Prazeres, Poranbuba Maranhense, in
Revista citada, LIV, parte 1ª, págs. 107/108: - “Ainda hoje se suspira por
este verdadeiro criador da capitania; elle só cuidava em augmenta -la,
promovendo a lavoura e o commercio. Não faltando ás obrigações de seu
governo, edificava os povos frequentando os templos, pois para tudo
temos tempo, quando temos vontade. Porém ainda que era tão religioso,
não faltava á justiça; e por isso para castigar os assassinos passou ao
certão; fez seu quartel general na vila Moxa (hoje cidade de Oeiras) e dali
os castigou, já com penas ultima (mandando matar os que não queriam
entregar-se), já com degredo ou galés; de sorte que foi o terror do certão.
Fundou algumas povoações, pondo-lhes nomes portugueses, segundo a
ordem que para isso teve. Mandou fazer o palacio dos governadores, que
hoje existe, e deu outras providencias, que adiante se verão. Finalmente, o
estado de opulencia, em que se acha hoje o maranhão, deve -se a Melo e
187
Póvoas e á Companhia Geral do Commercio”. – Conf. F. A. Pereira da
Costa, Cronologia Histórica do Estado do Piauí, pág. 94, Pernambuco,
1909. – (G.).
(40) Reproduzida pelo Dr. César Augusto marques, Dicionário
Histórico e Geográfico da Província do maranhão, págs. 276/278, 2ª
edição. – (A.).
(41) Alvará de 10 de Setembro de 1765. – (A.). – Abolindo as
frotas e esquadras para o Brasil, e declarando livre a navegação, Delgado,
Coleção, citada, 2, 221/222. – (G.).
(42) Ibidem, 251/252. – (G.).
(43) Veja o Relatório da província do Maranhão desse ano pelo
Sr. Cruz Machado, pág. 42. – (A.).
(44) Ibidem, pág. 47. – (A.).
(45) Uns por Miguel Manescal e Miguel Rodrigues, e outros por
Antônio Pedroso Galrão, Pedro Ferreira e Francisco L. Ameno. – (A.).
(46) Da Gazeta de Lisboa, de 8 de Novembro de 1753: “Foi Sua
Magestade Fidelissima servida de nomear por seu Real Decreto assinado
em Bellem a 18 do mez de Outubro passado, do Dezembargador Ignacio
Barbosa Machado chronista de Ultramar para fazer uma Collecçam de
todas as Leys, Regimentos, Resoluçõens que se tem expedido para a
administração da justiça nos seus Dominios Ultramarinos”. – (G.).
(47) Conf. do A. Sucinta indicação de alguns manuscritos
importantes, respectivos ao Brasil e a Portugal, existentes no Museu
Britânico, e não compreendidos no Catálogo – Figanière, etc., pág. 8,
Habana, 1863. – (G.).
(48) De 12 de Dezembro de 1770. – (A.). – Delgado, Coleção
citada, 2, 521/522. – (G.).
(49) Veja O Estabelecimento de Mazagão do Grão-Pará, com a
relação completa das famílias transportadas da praça africana para a que
188
ia ser fundada, que publicou quem escreve esta linha na Regista do
Instituto Histórico, 84, 609/695. – (G.).
(50) Cartas régias de 29 de Julho de 1758 e 19 de Junho de 1761.
– (A.). – Antes da primeira dessas cartas régias já tinham sido erectas em
vila, pelo governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado: Borba,
antiga aldeia do Trocano do Rio madeira, em 1 de Janeiro de 1756, Baena,
Compêndio das Eras, 244; Oeiras, antiga aldeia de Araticu, em 20 de
Janeiro de 1758; e Santarém, antiga aldeia de Tapajós, em 14 de Março do
mesmo ano, Correspondência do Governador do Grão-Pará, 1752-1777,
no Instituto Histórico. – Seguiram-se Alenquer, Óbidos, Almeirim,
Pombal, Faro, etc. – (G.)
(51) Da Gazeta de Lisboa, de 7 de Março de 1754: “Os Povos das
Províncias do Rio de Janeiro, e Minas Geraes, considerando as grandes
despesas de dinheiro, e tempo, que lhes custava encaminhar as suas
appellaçõens judiciaes ao Tribunal da Relaçam desta Corte, pediram ao
Rey nosso Senhor, quizesse servir-se de mandar estabelecer outro na
cidade de S. Sebastiam, offerecendo -se logo a fazerem a despesa á sua
custa; porém Sua Magestade Fidelissima atendendo ás suas
representaçõens nam só lhes concedeu o estabelecimento do Tribunal que
deprecavam, mas com a sua incomparavel magnanimidade ordenou, que
toda a despesa se fizesse por conta da sua Real fazenda. Com efeito
nomeou Sua Magestade os Ministros de que elle se devia compôr, que
chegaram á Cidade de S. Sebastiam em 16 de Junho de 1752, e
principiárão o seu despacho em 15 de Julho seguinte, e o continuárão com
geral aplauso dos mesmos Povos, que ficárão summamente satisfeitos de
haver Sua Magestade escolhido para Chanceler, e Governador Delle a
Joam Pacheco Pereira de Vasconcelos, pela fama que havia da grande
rectidam, e desinteresse com que administrou as justiças, e reformou os
salarios, sendo Ouvidor das Minas. Festejou -se esta mercê de sua
Magestade logo no dia seguinte ao primeiro despacho: houve Missa e
Sermam na Igreja do Convento do Carmo, e se cantou no fim delle o Te
Deum laudamus. Houve tres noytes de luminárias, e festas publicas de
Touros, e Cavalhadas; publicando todos esta grande mercê que Sua
Magestade fez áquelles seus vassalos lhe fôra positivamente inspirada por
Deos”. – Gomes Freire de Andrada, em carta datada da Colônia do
Saramento, 10 de Fevereiro de 1753, para o secretário de Estado da
Marinha e Ultramar. Diogo de Mendonça Corte -Real, diz haver dado
cumprimento ao decreto do rei para que na cidade de São Sebastião se
189
erigisse um Relação, e que o governador daquela capitania fosse o
regedor, para evitar o prejuízo que em seus litígios tinham os moradores
dela acudir à Relação da Bahia, pela muita distância. Pedia que lhe
declarasse como devia nomear-se quanto assistisse a despachar naquele
Tribunal. – Anais da Biblioteca Nacional, LII (Documentos sobre o
Tratado de 1750, II) págs. 178/179. – (G.).
(52) 8 [aliás 3] de Julho de 1734. – (A.). – Veja a nota 88 da
secção XL, desta História. – (G.).
(53) Veja o Regimento de 13 de Outubro de 1751, Sistema ou
Coleção dos Regimentos Reais, 4, 484/502. – (A.). – Reproduzido por C.
Mendes de Almeida, Auxiliar Jurídico, 19/27, Rio, 1869. – (G.).
(54) Existe dele cópia na Biblioteca Pública de Évora [Catálogo
dos Manuscritos da Biblioteca Pública Eborense, 1, 148/159, de J. H. da
Cunha Rivara]. – (A.).
(55) Um desses ministros foi o desembargador João Luís Cardoso
Pinheiro, de quem tratou a Gazeta de Lisboa, de 15 de Outubro de 1753: “Com o ultimo aviso chegado da Bahia de Todos os Santos, se recebeu a
noticia, de que havendo S. Magestade provido na propriedade da vara de
Ouvidor geral, com vezes de Corregedor do Crime da Côrte da Relaçam
da Cidade do Salvador, ao Dezembargador Joam Cardoso Pinheiro, que
nella servira o lugar de Decano de agravos, e de Procurador da Corôa, e
Fazenda Real, foi tal o contentamento daquelles moradores, que fizeram
armar magnifica, e custosamente toda a Caza da mesma Relaçam, e a sua
escada, até a rua no dia em que tomou posse deste novo lugar;
alcatifandolhe de flores todo o caminho desde a Caza da moeda, donde
sahiu; e de noyte o obsequio de o divertirem com hum concerto de
Musica, e hum outeiro de primorozas Poezias. Este Ministro tinha servido
dous annos o cargo de Provedor mór da fazenda Real, o de C onservador
dos moedeiros, e o de Superintendente dos Tabacos, antes de se erigir a
nova Caza da Inspecçam, e em todos grangeou pelo seu procedimento
estes referidos obsequios”. – (G.).
(56) O distrito da Relação era todo o território que ficava ao sul
do Estado do Brasil, em que se compreendiam treze comarcas, a saber:
Rio de Janeiro, São Paulo, Ouro Preto, Rio das Mortes, Sabará, Rio das
Velhas, Serro do Frio, Goiases, Paranaguá, Espírito Santo, Itacases
190
(Campos dos Goitacases), e ilha de Santa Catarina, incluindo todas as
judicaturas, ouvidorias e capitanias, que existissem ou que de novo se
criassem no âmbito do mesmo distrito, inteiramente separado do distrito e
jurisdição da Relação da Bahia. – (G.).
(57) AO estabelecimentod a Relação se associou a publicação de
três alvarás, fixando os salários, assinaturas e mais próis e percalços dos
desembargadores e dos ouvidores e juízes, os quais ainda ultimamente
estavam (ao menos em parte) em vigor. – (A.).
(58) Gazeta de Lisboa, de 27 de Março [de 1755]. – Aí se lê: “Na nau de guerra ultimament4e chegada do Rio de Janeiro, voltou ao
Reyno Joam Pacheco Pereira de Vasconcellos, Fidalgo da Casa Real, e do
Conselho de Sua Magestade Fidelissima, por cuja ordem tinha ido criar
com o título de Chanceler mór o novo Tribunal da Relaçam, que foi
servido mandar estabelecer naquella Província. Logo depois de
desembarcado teve a honra de beijar a mão de Suas Magestades, e
Altezas, e no dia seguinte recebeu por hum Decreto de Sua Magestade a
mercê de o mandar exercitar no Tribunal do Desembargo do Paço o lugar
de que já tinha tomado posse antes de sua partida, atendendo a grande
rectidam com que no discurso de 40 annos tem servido vários lugares de
letras”. – A nau de guerra Nossa Senhora da Natividade, do comando do
capitão de mar e guerra Gonçalo Xavier de Barros e Alvim, entrou no
porto de Lisboa com noventa e seis dias de viagem pouco antes de 20 de
Março, Gazeta de Lisboa desta data. – (G.).
(59) Delgado, Coleção citada, 2, 141/142. – (G.).
(60) Pelas cartas régias de 28 de Agosto e 20 de Outubro de 1758
e 18 de Junho de 1761, J. Francisco Lisboa, Obras, 3, 370/371. – (G.).
(61) Delgado, Coleção citada, 1, 811/812, e 2, 639/640. – (G.).
(61) Da Gazeta de Lisboa, de 21 de Agosto de 1755: “Considerando S. Mag. Fidelissima quanto convém, que os seus reaes
dominios da America se povôem, e que para este fim pode concorrer
muito a communicação com os Índios por meyo de casamentos, foi
servido declarar, que os seus vassalos assim os nacidos neste Reyno,
como na America, nam ficam com infamia alguma, antes de faram dignos
da sua real atençam, e nas terras em que se estabelecerem seram preferids
191
para os lugares e ocupaçõens que couberem na graduaçam das suas
pessôas; e que seus filhos e descendentes seram habeis, e capazes p ara
qualquer emprego, honra, e dignidade, sem carecerem de dispensa alguma
por estas alianças, em que se comprehenderám as que já se acharem feitas
antes desta sua declaraçam, e que o mesmo se praticará a respeito das
Portuguezas que casarem com Índios; impondo às pessôas de qualquer
qualidade que sejam, que os tratarem com o nome de Cabowclos (sic), ou
outro semelhante, injurioso, a pena de sahirem desterrados da comarca em
que viverem, dentro de hum mez até mercê de Sua Mag., o que
recommenda aos Ouvidores das Comarcas, e manda ao Vice Rey do
Brasil, aos mais governadores do mesmo Estado, e do Maranham, e Pará,
que assim façam cumprir, por Alvará de Ley assinado pela sua Real mão,
publicado e registrado na Chancelaria mór do Reyno”. – Veja Delgado,
Coleção citada, 1, 271/272. – Por portaria de 6 de Agosto de 1771, o vice rei do Estado do Brasil mandou dar baixa de capitão -mor a um indio,
porque, sem atenção às distintas mercês com que pelo alvará acima citado
el-rei os havia honrado, se mostrara de tão bai xos sentimentos que casou
com uma preta, manchando o seu sangue com essa aliança e tornando -se
assim indigno de exercer o referido posto, J. Francisco Lisboa, Obras, 3,
384. – (G.).
(63) De 6 de Junho de 1755 e 17 de Agosto de 1758. – (A.). –
Delgado, Coleção citada, 1, 369/376 e 634/635. – (G.).
(64) Abolido pela carta régia de 12 de Maio de 1798. – (A.). – Por
proposta do governador do Pará D. Francisco Maurício de Sousa
Coutinho. – (G.).
(65) Intitula-se essa exposição: Meios de dirigir o governo
temporal dos Índios, e foi impressa por Melo Morais, Corografia
histórica, 4, 122/185. Foi escrita no reino: não traz data, mas de seu
contexto pode inferir-se que é de 1788. – (G.).
(66) A respeito das perseguições desses imigrantes em toda a
Europa pode consultar-se a obra Origine e Vicende dei Zingari, impressa
em Milão, 1841; a parte que respeita a Portugal é, porém, omissa. Quanto
respeita à Espanha se encontra mais extensamente tratado na Historia de
los Gitanos, impressa em Barcelona, 1832. – (A.). – Veja Arquivo do
Distrito Federal, 3, 138/144, 191/196, erudito artigo de Adolfo Coelho. –
Dos ciganos do Brasil dizem os governadores interinos Gonçalo Xavier de
192
Brito e Alvim e José Carvalho de Andrade, em carta datada da Bahia, em
5 de Outubro de 1761, para o conde de Oeiras: - “Os ciganos vêm vindo
bastantes a querer tomar vida regulada, porque por todas as partes so
prendião, pelas ordens que para isso se passárão para todas as Capitanias,
dirigidas aos Capitães móres, ouvidores, juízes de fóra e ordinari os. Os
casados entregão os filhos solteiros aos oficiaes mecanicos se são de
idade competente, e os adultos alguns assentárão graça, mas muito raros,
por não aparecerem, ou porque esta gente casa logo nestas terras de mui
pouca idade. Os mais vão arrendando terras, occupando-se com suas
mulheres em lavoiras, e em abrir terras de novo; deixando totalmente o
illicito commercio, e o modo libertino, que tinhão de vida...” – Anais da
Biblioteca Nacional, 31, 482. – (G.).
(67) Extinguia definitivamente a separação de cristãos-velhos e
cristãos-novos, e declarava estes últimos aptos para quaisquer postos e
honras, como os demais portugueses; proibia que se usasse em público ou
particular a designação depreciativa, em referência às pessoas de origem
hebraica: pena de açoite e degredo aos contraventores sendo peões; perda
de empregos ou pensões, quando nobres; extermínio do reino, se fossem
eclesiásticos. – Conf. Delgado, Coleção citada, 2, 672/678. – Outra lei, de
15 de Dezembro de 1774, ibidem, 849/852, veio ampliar a precedente com
a abolição da infâmia, até aí atribuída aos que prevaricavam na fé; por
essa disposição, os apóstatas que, confessando o delito, eram recon ciliados no Santo Ofício, não ficavam com mácula nem inábeis para as
dignidades e ofícios, e muito menos seus descendentes. A infâmia
abrangia somente os condenados à morte, impenitentes, sobre os quais
unicamente recaía a pena de confiscação. – Conf. J. Lucio de Azevedo,
História dos Cristãos Novos Portugueses, 351/352, Lisboa, 1922. – (G.).
(68) Ibidem, 352/253. – (G.).
(69) Impresso em Lisboa, na Oficina Régia, em 1781, págs 30/33.
– (A.). – Elogio fúnebre pronunciado na Bahia por ocasião das exéquias
de D. José I, é o título desse sermão. – (G.).
(70) D. Francisco de Assunção e Brito, natural de Mariana, Minas
Gerais; nomeado, não tomou posse do bispado; e D. Tomás da Encarnação
Costa e Lima, natural da Bahia. – (G.).
193
(71) D. José Joaquim Justiniano Mascarenhas Castelo Branco,
natural do Rio de Janeiro. – (G.).
(72) D. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho, também
natural do Rio de Janeiro. – (G.).
(73) Memórias [Recordaçoens] de Jácome Ratton, impressas em
Londres, em 1813 – (A.). – Págs. 185/187. – (G.).
(74) Conf. Lúcio de Azevedo, O Marquês de Pombal e a sua
época, 152/154, 2ª ed. – (G.).
(75) Ibidem, 378/379. – (G.).
(76) Em poder, diz-se, de S. M. El-rei D. Luís. – (A.). – O
original do processo dos Távoras acha -se na secção histórica do Arquivo
nacional do Rio de Janeiro. Fazia parte de uma coleção de documentos
encontrada nos palácios do imperador D. Pedro II, quando foi proclamada
a república, e deu entrada no Arquivo em 1891. Compõe -se de seis
grossos volumes: I – Processo; II – Idem; - III – Inquirição de
testemunhas (Inquirição ad perpetuam rei memoriam, facultada pela
Rainha, nossa Senhora, ao Marquez de Alorna, como procurador da
Marqueza sua mulher e filhos); IV – Manifesto da Innocencia dos Tavoras
e Ataídes, e resposta á obrepção e sobrepção com que se embargou o
progresso da Revista concedida nos autos, e sentença em qu e foram
condemnados. – Lisboa: Anno de 1787; V – Segunda parte; VI –
Continuação desta. – Parte do processo dos Távoras foi impressa nas
Publicações da Biblioteca Nacional de Lisboa, por Pedro A. de Azevedo,
Lisboa, 1921, 1 vol. in-4º, de 34, 226 págs.; sendo aquelas não
numeradas. – (G.).
(77) Justificação de Pombal, Museu Britânico, Ms. Adicionais,
15.593-15.596, tomo 3º, fls. 860/900. – O fato das revelações feitas pela
jovem Távora é contado em um bilhete do secretário da Legação de
Espanha Lardizabal, que vimos na Biblioteca de Fernan-Nuñez, em Madri.
Passados meses o ministério francês fazia a tal respeito muitas e
significativas perguntas ao seu cônsul Saint -Julien, às quais ele não soube
responder. – Santarém [Quadro Elementar], 6, 168/169. – (A.). – Conf. J.
Lúcio de Azevedo, O Marquês de Pombal, citado, 174/189. – (G.).
194
(78) Só a Pernambuco (ofício do governador de 2 de Maio de
1756) foram impostos 900 mil cruzados, em todas as fazendas que
pagavam dízimas, com a condição de que cessariam estes ap enas se
prefizesse essa quantia. – A Paraíba prestou-se a dar 100 mil cruzados
dentro dos seis anos primeiros, e aproveitou a ocasião para pedir o ficar
independente de Pernambuco. – (G.).
(79) Findos os trinta anos o tributo seguiu igual, até depois da
independência, e figurava ainda na receita em 1831, com uma verba de
56:500$000. – Segundo Bougainville, no Rio, realizou -se esse donativo,
cobrando-se na alfândega mais 2 1/2% além da décima ordinária. – (A.). –
Conf. Voyage autour du Monde, 1, 108, Neucharel, 1772. – (G.).
(80) Veja o ofício do vice-rei conde dos Arcos para Diogo de
Mendonça Corte-Real, de 14 de Maio de 1756, que se refere à carta de 16
de Dezembro do ano anterior, Anais da Biblioteca Nacional, 31, 140/142.
– (G.).
(81) Cormenin. – (A.). – Louis-Marie Lahaye, visconde de
Cormenin (1788-1868), escritor, parlamentar e jurisconsulto francês,
notável pelos seus panfletos políticos, em que se assinava Timon. – (G.).
(82) A carta régia, ordenando que partisse para a Bahia o
conselheiro do Conselho Ultramarino Antônio de Azevedo Coutinho,
escrita de Belém na data acima, vem em ementa dos Anais da Biblioteca
Nacional, 31, 274. Na mesma data comunicava a Azevedo Coutinho o
ministro de Ultramar as instruções acerca da comissão que ia
desempenhar na Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais, ibidem. Uma carta
particular do conselheiro para Filipte José da Gama, datada de Braço de
Prata, 23 de Abril de 1758, participava -lhe que sua mulher se chamava D.
Marcelina Perpétua de França Córdoba e Faro, ibidem, 275. Em 13 de
Setembro do mesmo ano já devia estar na Bahia o conselheiro, como se
infere do ofício daquela data do vice -rei conde dos Arcos para o ministro
Tomé Joaquim da Costa Corte-Real, em que lhe dizia ficar ciente da
ordem régia que lhe mandava prestar todo o auxilio e cooperação ao
conselheiro Antônio de Azevedo Coutinho, na comissão que viera
desempenhar no Brasil, ibidem, 289. – (G.).
(83) Ofício de Martinho de Melo [e Castro], de 24 de Novembro
de 1774, Revista do Instituto Histórico, 31, parte 1ª, 325/329. – (A.).
195
(84) Conf. nota 127 secção XL desta História. – (G.).
(85) Fr. Antônio de Santa Úrsula Rodovalho, Oração fúnebre [à
memória do Ilustríssimo e excelentíssimo Marquês de Lavradio, recitada
na Catedral do Rio de Janeiro, nas exéquias, qu e lhe consagraram os
Cidadãos da mesma Cidade]. Lisboa, Tip. Nunesiana, 1791, in-4º - (A.). –
Pág. 18. – (G.).
(86) Alusão evidente ao vice-rei conde de Resende. – (A.).
(87) Relatório do marquês de Lavradio, vice -rei do Rio de
Janeiro, entregando o governo a Luís de Vasconcelos e Sousa, que o
sucedeu no vice-reinado, Revista do Instituto Histórico, 4, 422/423. –
(G.).
(88) A prevaricações do conde de São Miguel, como governador e
capitão-general da capitania de Goiás, refere -se a instrução dada a José de
Almeida e Vasconcelos por Martinho de Melo e Castro, em 1 de Outubro
de 1771, Goiás – Documentos vários – 1743 a 1786, n. 31, na Biblioteca
Nacional. O conde, ao assumir o governo da capitania, encontrou -a em
grande desordem, a fazenda real padecendo eno rmes prejuízos, os índios
das aldeias desertando, a religião aniquilando -se; de tudo deu repetidas e
documentadas provas ao rei e ao Conselho Ultramarino, sem qualquer
solução durante mais de dois anos e meio. A carta ao rei, datada de Vila
Boa, 25 de Abril de 1758, em que alude a tais desconcertos, Revista do
Instituto Histórico, 84, 51/59, parece inocentá-lo das acusações de
prevaricador, que vieram depois a recair sobre ele. – (G.).
(89) Nascera a 5 de Dezembro de 1743. – (A.).
(90) Sobre Valadares e seu procedimento com o arrematador João
Fernandes de Oliveira, veja J. Felício dos Santos, Memórias do Distrito
Diamantino, 148/151, Rio, 1868. – (G.).
(91) O fato narrado pelo A. é contestado com bons fundamentos
por J. Lúcio de Azevedo, O Marquês de Pombal e a Sua Época, 357/358,
nota da 2ª edição. O conde de Valadares governou Minas Gerais de 1768 a
1773; saiu de Lisboa a 4 de Fevereiro do primeiro daqueles anos, em uma
nau que trazia mais três governadores para outros distritos do Brasil. A 31
196
de Agosto escrevia de Vila Rica ao cardeal Paulo da Cunha, dando parte
da chegada à sede de seu governo. Não podia, portanto, dar dinheiro a
Pombal em 12 de Março, quando estava em viagem. Só regressou cinco
anos depois. Tudo isso, pondera J. Lúcio de Azevedo, inqu ina de
falsidade o documento divulgado na desordenada compilação das Cartas e
Outras Obras Seletas do Marquês de Pombal, em que alguns mais são
apócrifos. – (G).
(92) Sobre os trajes do tempo, veja J. Felício dos Santos,
Memórias citadas, 77/79. – (G.).
(93) D. Tomás da Encarnação da Costa e Lima, 10º bispo de
Olinda. Sua História Ecclesiae Lusitanae foi impressa em Coimbra, 1759,
4 tomos, in-4º. – (G.).
(94) Escreveu: Orbe Seráfico Novo Brasílico, etc., primeira parte,
Lisboa, 1761; Novo Orbe Seráfico Brasílico, Rio de Janeiro, 1858-1861, 3
vols., in-4º, compreendendo a parte já impressa e a que se conserva
inédita no Convento de São Francisco da Bahia, reimpressão feita por
ordem do Instituto Histórico. Escreveu mais: Catálogo genealógico das
principais Famílias, que procederam de Albuquerque, e Cavalcantes de
Pernambuco, e Caramurus da Bahia, publicado na Revista do Instituto
Histórico, 52, parte 1ª. – Foi membro da Academia Brasília dos
Renascidos. – (G.).
(95) Feliciano Joaquim de Sousa Nunes chamava-se, e sua obra –
Discursos Políticos-Morais, comprovados com vasta erudição das
Divinas, e humanas Letras, a fim de desterrar do mundo os vícios mais
inveterados, e dissimulados, etc. A obra, de que saiu à luz apenas o
primeiro tomo. Lisboa, na Oficina de Miguel Manescal da Costa, 1758,
era dedicada a Sebastião José de Carvalho e Melo. A oferenda não foi
bem recebida pelo ministro, que repreendeu o autor por lhe haver
dedicado o livro sem sua prévia licença, e fossem queimados todos os
exemplares. Desses salvaram-se três apenas, dois que estão na Biblioteca
Nacional, e o terceiro que pertence ao grande poeta Alberto de Oliveira.
Com erudito prefácio desse acadêmico, a Academia Brasileira de Letras
reeditou os Discursos Político-Morais, Rio, 1931. Sousa Nunes nasceu
nesta cidade, cerca de 1734 e faleceu talvez em 1808. Dele conhecem -se
ainda os seguintes escritos: - Demonstração do maior jubilo que no fausto
dia 12 de Março de 1769, em que se celebrárão os felicissimos annos do
197
Ilmo, e Exmo. Senhor Conde de Azambuja sendo Vice-rei e Capitão
General de Mar e Terra do Estado do Brasil, expoz e offereceu, etc. –
Lisboa, na Oficina de Manuel Rodrigues, 1771, in -8º de 19 págs. –
Venturosos annuncios na chegada do Illustrissimo, e Excellentissimo
Senhor Marquez de Lavradio... á Cidade do Rio de Janeiro, por Vice -rei e
Capitão Geral de Mar e Terra do Estado do Brasil, expostos, e
offerecidos por, etc. – Lisboa, 1771, in-8º de 29 págs. – Oração no fausto
dia em que celebrava annos a Ilma, e exma. Marqueza de Lavradio,
exposta ao Ilmo. e Exmo. Marquez do mesmo título, Vice -rei, etc. –
Lisboa, 1771, in-8º de 15 págs. – Este último folheto é absolutamente
raro, desconhecido dos bibliógrafos, como Inocêncio, Sacramento Blake e
J. Carlos Rodrigues. – (G.).
(96) Viagem e visita do sertão em o Bispado do Grão-Pará em
1762 e 1767, escrita pelo bispo D. Frei João de São José [Queirós],
Revista do Instituto Histórico, 9, 43/107, 179/227, 328/375 e 476/548, da
2ª ed. – As Memórias do mesmo bispo foram publicadas, com introdução e
notas, por Camilo Castelo Branco, Porto, 1868. – (G.).
(97) Roteiro da Viagem da Cidade do Pará athé as ultimas
Colonias dos Dominios Portuguezes em os rios Amazonas e Negro.
Illustrado com algumas Notícias que podem interessar á curiosidade dos
Navegantes e dar mais claro conhecimento das duas Capitanias do Pará, e
de São José do Rio Negro. – Publicado pela primeira, sem nome do autor,
por diligência de Filipe Alberto Patroni martins Maciel Parente, no Jornal
de Coimbra, n. LXXXVII, parte 1ª, pela segunda vez, na Coleção de
Notícias para a História e Geografia das Nações Ultramarinas , tomo VI,
n. I; e por último, em separado, no Pará, Tipografia de Santos & Irmãos,
1862, in-4º. – Na Revista do Instituto Histórico, 67, parte 1ª, 281/289,
saiu impressa parte do Roteiro, sem declaração de autor. – (G.).
(98) Diario da Viagem que em visita, e correição das povoações
da Capitania de S. José do Rio Negro fez o Ouvidor e Intendente Geral da
mesma Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio no anno de 1774 e 1775 ;
etc. – Lisboa: na Tipografia da Academia, 1825. – Publicado pela
Academia Real das Ciências de Lisboa. – Na Coleção das Notícias para a
História e Geografia das Nações Ultramarinas, tomo VI, n. II, Lisboa,
1856, saiu o Apendice ao Diario da Viagem, do Ouvidor-Geral Ribeiro de
Sampaio. – Joaquim Nabuco, Question de limites soumise á l‟arbitrage de
S. M. le Roi d‟Italie par le Brésil et la Grande Bretagne , Annexes du
198
Prémier Memoire, vol. IV, págs. 3/98, reproduz em versão francesa o
Diário e o Apêndice. – Na Revista do Instituto Histórico, 1,109/122 (2ª
ed.) vem um extrato do Diário, parágrafo CVIII a CXLVII, na parte em
que refuta a opinião de La Condamine sobre os limites das colônias
portuguesas no rio Amazonas. – De Ribeiro de Sampaio é também a
Relação Geográfica e Histórica do Rio Branco da América Portuguesa,
reproduzida em francês por Joaquim Nabuco, op. cit., 1/55, com outra
numeração de páginas. – (G.).
(99) Há engano. João da Silva Santos, capitão -mor de Porto
Seguro, viajou pelo Rio Grande de Belmonte, ou Jequitinhonha, em
princípios do século XIX, no governo de Francisco da Cunha Menezes.
Da sua Descripção diaria do Rio Grande de Belmonte desde o Porto
grande desta Villa [Porto Seguro] até o fim delle, ou divisão de VillaRica... cuja expedição e embarque foi no dia 1º de Outubro de 1804,
existe cópia no Instituto Histórico. – (G.).
(100) As explorações foram ordenadas por esse governador, mas
dirigidas pessoalmente pelo seu ajudante de ordens, o tenente -coronel e
coronel de infantaria da praça de Santo s Afonso Botelho de S. Paio e
Sousa, de 1768 a 1774. De suas notícias, roteiros e mais papéis existem
cópias na Biblioteca Nacional, cód. I -5, 3, 15. – (G.).
(101) Jubilos da América, na gloriosa exaltação, e promoção do
Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Gomes Freire de Andrade –
Colleção das obras da Academia dos Selectos, que a Cidade do Rio de
Janeiro se celebrou em obsequio, e applauso do dito excellentissimo
Heróe. – Dedicada, e offerecida ao Senhor José Antonio Freire de
Andrada... pelo Doutor Manuel Tavares de Sequeira e Sá. – Lisboa, na
Of. do Dr. Manuel Álvares Solano, 1754, in -4º. – (G.).
(102) Os documentos do conselho Ultramarino, recolhidos ao
Arquivo da Marinha e Ultramar de Lisboa, na parte referente ao Brasil,
têm sido inventariados e os respectivos verbetes publicados nos Anais da
Biblioteca Nacional, vols. 31, 32, 34, 36, 37 e 39, os cinco primeiros
concernentes à Bahia, e o último ao Rio de Janeiro. É publicação de
grande utilidade, que deverá continuar nos próximos volumes dos Anais. –
(G.).
199
(103) Idéa da população da Capitania de Pernambuco, e das suas
annexas, extensão de suas Costas, Rios, e Povoações notaveis.
Agricultura, numero dos Engenhos, Contractos, e Rendimentos Reaes,
augmento que estes têm tido, &, &, desde o anno de 1 774, em que tomou
posse do Governo das mesmas Capitanias o Governador e Capitam
General José Cezar de Meneses, – impressa nos Anais da Biblioteca
Nacional, 40, 1/111. – (G.).
(104) Em 1776 foi a receita 144:397$953, e a despesa
131:003$520, sobrando 13:394$433. – Em 1791 havia subido a receita a
308:226$633, e a despesa a 261:934$234, sobrando 24:269$096. – (A.).
(105) José João Teixeira, Instrução para o Governo da Capitania
de Minas Gerais, in Revista do Instituto Histórico, 15, 257/496,
reproduzida na Revista do Arquivo Público Mineiro, 8, 397/581. –
Teixeira Coelho foi desembargador da Relação do Porto. – (G.).
(106) Ainda inédita: 4 volumes, de 517, 585, 633 e 559 págs. ou
fólios. – (A.). – O manuscrito foi legado ao Mosteiro de São Bento de
Olinda e posteriormente passou ao Instituto Arqueológico Pernambucano,
em cuja Revista foi começado a publicar. Além da Estatística da
Capitania do Ceará, Borges da Fonseca escreveu uma Cronologia da
mesma capitania; quer de uma, quer de outra, perderam -se os originais.
Borges da Fonseca nasceu no Recife a 26 de Fevereiro de 1718 e faleceu a
9 de Abril de 1786. – Foi sócio extranumerário da Academia Brasília dos
Renascidos. – Conf. tomo III, secção XXXIX, nota 56. – (G.).
(107) Journal historique [du voyage fait au Cap de BonneEspérance], Paris, 1763. – (A.). – Veja Vieira Fazenda, Um Sábio no Rio
de Janeiro, in Revista do Instituto Histórico, 86, 192/198. – (G.).
(108) A carta régia de 2 de Maio de 1747 ordenou os fundos para
a obra do chafariz do largo do Paço, que a Câmara havia solicitado. Veio
o mármore de Lisboa, já preparado, e, principiada a obra, ficou concluída
em 1750. Depois, para aformosear a praça e deixá -la livre às manobras
militares, o vice-rei Luís de Vasconcelos resolveu remover o chafariz do
centro da praça e mandou preparar outro à face do mar, com pedra do
país, sendo encarregado do desenho e direção da obra o mestre Valentim
da Fonseca e Silva. Esse chafariz ficou concluído em 1789. Por estar à
beira-mar era nele que os marinheiros vinham fazer aguada: os aterros e
200
obras do cais afastaram-no tanto do mar que pode dizer-se regressou de
novo para o centro da praça. – Conf. Moreira de Azevedo, O Rio de
Janeiro, 1, 445/446, Rio, 1877. – (G.).
(109) Sobre as festas públicas no Brasil, conf, Ramiz Galvão,
Diogo barbosa Machado – Catálogo de suas Coleções, in Anais da
Biblioteca Nacional, 2, ns. 84, 85, 110/112, 269, 270; 3, ns. 481, 508/511;
8, n. 851. – (G.).
(110) Foi sócio extranumerário; era fidalgo da casa real. – (G.).
(111) Relação das faustíssimas Festas, que celebrou a Câmara da
Villa de N. Senhora da Purificação, e Santo Amaro da Comarca da Bahia,
pelos Augustissimos Desposorios da Serenissima Senhora D. Maria,
Princeza do Brasil, com o Serenissimo Senhor D. Pedro, Infante de
Portugal, dedicada ao Senhor Sebastião Borges de Barros... por
Francisco Calmon... – Lisboa, na Oficina de Miguel Manescal da Costa.
Ano de 1762. – Com todas as licenças necessárias, in-4º de 3 fls. – 16
págs. – (G.).
(112) Sobre o mesmo assunto existe ainda a Narraç ão
panegyrico-historica das festividades com que a Cidade da Bahia
solemnizou os felicissimos desposorios da Princeza Nossa Senhora com o
Serenissimo Senhor Infante D. Pedro, offerecida a El -Rei Nosso Senhor
por seu Author o Reverendo P. Manuel de Cerqueir a Torres, Bahiense,
etc., que acompanhou o ofício do chanceler governador Tomás Robi de
Barros Barreio, de 12 de Novembro de 1760, para Francisco Xavier de
Mendonça Furtado. Essa Narração lê-se nos Anais da Biblioteca
Nacional, 31, 408/424. As festas se celebraram nos três dias que
começaram em 23 de Setembro de 1760, durante os quais, por ordem do
governador, sob pena de graves penas aos que a transgredissem, todos os
moradores iluminaram suas janelas com brilhantes e vistosas luminárias.
– (G.).
(113) Relação das festas que se fizeram em Pernambuco pela feliz
acclamação do muito alto, e poderoso rey de Portugal D. Joseph I nosso
Senhor, do anno de 1751 para o de 1752, sendo Governador e Capitão
General das Capitanias o illustrissimo, e excellentissimo Sen hor Luis
Joseph Correa de Sá, do Conselho de Sua Magestade &c. – Por Felippe
Neri Correa, Official Mayor da Secretaria do Governo, e Secretario
201
particular do mesmo illustrissimo e excellentissimo Senhor Governador. –
Lisboa, na Oficina de Manuel Soares. Ano MDCCLIII. In-4º, de 22 págs.
– (G.).
(114)Epanáfora Festiva, ou relação summaria das festas, com
que na cidade do Rio de Janeiro, capital do Brasil, se celebrou o feliz
nascimento do... príncipe da Beira. – Lisboa, da Oficina de Miguel
Rodrigues, MDCCLXIII; - In-4º, de 20 págs. – (G.).
NOTAS EM ALGARISMOS ROMANOS
(I)
Ofício de D. Marcos de Noronha [conde dos Arcos], de 11 de
Maio de 1757. – (A.). – Datado da Bahia e dirigido a Sebastião de
Carvalho e Melo, sobre a cultura e preparação do tabaco na B ahia, e as
novas experiências que se iam fazer no distrito da vila da Cachoeira. Diz
o seguinte:
“Nas cartas que dessa Côrte chegarão a esta Cidade no mez de
Fevereiro, vindas pela frota de Pernambuco, recebeu Joaquim Ignácio da
Cruz a noticia de que lembrava o projecto de hum novo modo de plantar e
colher tabaco: communicando-me este negocio, de que já tinha alguma
noticia adquirida por huma pouca de especulação, mostrei -lhe o methodo,
que se observa em Virginia, Mariland e Olanda, a respeito da cultura e
preparação dos tabacos e as advertencias que os Fracezes desejavão ver
praticadas pelos nossos lavradores, para que os tabacos do Brasil
pudessem servir ao seu uso, o qual hoje se tem reduzido quase
universalmente ao tabaco rapé, que elles inventárão e têm communicado
ás mais nações.
Com hum destes papeis mandou Joaquim Ignacio da Cruz
consultar no distrito da Villa da Cachoeira a Manuel da Silva Pimentel e
na minha presença foi consultado também Diogo Alvares Campos, ambos
lavradores de tabaco e summamente praticos na sua cultura: nenhum deles
duvidou que sem embargo do differente clima poderia o tabaco do Brasil
ser igual ou ainda muito melhor do que he o das mais nações, porem toda
duvida consiste a respeito do preço por que este poderá vender -se,
attendendo aos maiores gastos e aos muitos desperdicios, que
necessariamente ha de haver com este novo methodo, porque julgão que
só aproveitarão as primeiras e segundas folhas, ficando sendo de muito
202
pouco ou nenhum proveito para o lavrador todas as mais de que se
utilizão, fazendo-se o tabaco ao modo do Brasil; mas como em se fazer
alguma experiencia se não perdia nada mais do que o trabalho, forão
encarregados ambos estes homens de fazerem as amostras, que podessem,
para que remettendo-se a essa CÔrte, haver de se fazer nellas algum
genero de exame, se bem que não poderá ser por agora todo o de que se
necessita, por terem chegado estas noticias tão fora de tempo, que já os
lavradores tinhão as suas fabricas quase nos termos de se não poder
laborar nellas; mas como na de Manuel da Silva Pimentel, ainda que
muito casualmente, poderão fazer -se 5 barricas, que nesta mesma Náu de
licença se remettem a José Francisco da Cruz: dellas humas são de folhas
encamadas e apertadas em tal ou qual empresa e outras de manocas
ligadas e apertadas em volumes separados, para que vendo -se o estado em
que se chegão a essa Côrte pode saber-se qual deste dous modos será o
mais proveitoso para se continuarem semelhantes remessas. Estando neste
negocio nos termos, que deixo dito, chegou a Náu de licença do Contrato
do tabaco, em que veyo João Lopes Rosa, irmão do Contratador actual do
tabaco, Duarte Lopes Rosa, por elle fui entregue da carta de V. Ex. de 30
de Janeiro deste anno, em que me participa, que este homem passava ao
Brasil a associar-se com Joaquim Ignacio da Cruz em hum negocio, que
podia ser muito util ao Real serviço e muito vantajoso a este Estado no
aumento da navegação do comercio do tabaco.
Sabendo eu que na sua Companhia, tinha chegado André Moreno,
que vem encarregado de plantar e colher tabacos para ver se pode no
Brasil pôr em pratica este novo methodo, procurei primeiro ouvillo
discorrer sobre a materia; mas como este he inteiramente alheya da minha
profissão, para me onstruir nella quanto bastasse, mandei vir a esta
Cidade o Juiz de Fóra da Villa da Cachoeira e a Manuel da Silva Pimentel
e ouvindo todos o que disse João Lopes Rosa e vendo -se juntamente as
instruções que havia recebido Joaquim Ignacio da Cruz, foi tambem
ouvido André Moreno, que concluio dizendo que par a as primeiras
experiencias necessitava de terra, em que pudesse plantar athé 300
arrobas de tabaco, o que logo se lhe franqueou, como tambem o haver se
de lhe pôr prompto tudo o mais que dissesse lhe era precizo, para o que
lhe passaria Joaquim Ignacio da Cruz todas as ordens, que lhe podessem
ser necessarias e que tanto da minha parte, como da do Juiz de Fóra da
Cachoeira se lhe faria promptamente todo o auxilio de que necessitasse.
Resolveu-se finalmente a que André Moreno passasse logo para a
Villa da Cachoeira para ver e examinar as terras e escolhendo dellas a que
lhe parecesse mais a propósito para pelo seu methodo poder fazer as
203
plantas, e todos os mais beneficios de que necessitar o tabaco. Em carta
de 2 de Maio, escrita a Joaquim Ignacio da Cruz, a visa André Moreno que
tinha visto e examinado varios sitios de terra, que lhe parecerão muito
bons para fazer o que pretendia, tanto pela qualidade da mesma terra
como pela sua extensão e todas as mais circumstancias necessarias e
ultimamente conclue que tinha escolhido o terreno que possa produzir
athé 300 arrobas de tabacos ou mais e que como a planta estava em bom
estado, que dentro em 15 dias poderia ter dado principio a
transplantalla...”
- Anais da Biblioteca Nacional, 31, 164/165.
O mesmo vice-rei conde dos Arcos, em outro ofício a Sebastião
José de Carvalho, de 14 de Setembro do mesmo ano, comunica ter sido
enviado para Lisboa por Joaquim Inácio da Cruz uma porção de tabaco
cultivado no distrito da vila da Cachoeira por André Moreno, e por ele
preparado à imitação do que se fabricava na Havana acrescentando:
“... Pelo que affirma o mesmo André Moreno, não se póde duvidar
que, assim as terras, como o clima, têm qualidades requisitas para o
estabelecimento desta fabrica: só póde occorrer duvida se o pr eço do
primeiro fará conta para a extracção pela grande differença que faz o
rendimento do tabaco de corda ao de folha, de sorte que se entende que
as folhas poderão bastar para fazer duas arrobas de tabaco de corda,
apenas farão uma arroba do de folha e por esta razão se julga, que não
diminuirão o seu primeiro custo de 1.600 réis por arroba, porém a este
respeito se ficão fazendo as mais exactas averiguações que couberem no
possível para inteiro conhecimento da verdade, e com a que puder
alcançar renderei conta a V. Ex.”.
- Ibidem, 252/253.
Um ano justo depois, a 14 de Setembro de 1758, o conde dos
Arcos, em ofício para Tomé Joaquim da Costa Corte Real, acerca da
cultura do tabaco e novo processo de preparação, das experiências de
empacotamento, etc., enaltece os serviços prestados por Joaquim Inácio
da Cruz, e propõe que em recompensa lhe seja dado o hábito da Ordem de
Cristo.
- Ibidem, 289 – (G.).
(II)
Veja pág 283 do vol. II da 1ª ed. desta História. – (A.). – Para que
204
se possa ter idéia das rendas do país em geral, aqui fica o resumo a que o
A. se refere:
“Em 23 de Dezembro de 1752 rematou José Machado Pinto, por
158.000 cruzados livres, os dízimos da Bahia. Estavam por 120.075
cruzados.
“Em 10 de Abril de 1753 tomou Antônio José Dinis a Passagem
do Rio Grande em Minas por 1:525$000; e em 10 de Maio seguinte João
de Sequeira Lima a de Goiases por 365$000; e em 15 de Maio Domingos
José de Campos a do Rio Verde por 85$000, tudo em cada ano.
“Em 1753 se rematou em 8.000 cruzados e 25$000 o rendimento
de dez tostões de entrada na Bahia por cada escravo, para manter em
África o forte de Ajudá; e em 18.000 cruzados e 120$000 o de 3$500 de
direitos por cabeça.
“Em Março de 1756 foi contratado o rendimento do subsídio dos
molhados de novo imposto de Santos por 1:520$000; e o dons registros de
Viamão e Curitiba em 34.000 cruzados e 15 réis. O subsídio da
aguardente do reino, no Rio, desde 1757, foi dado por ano em 5:255$000;
e a dízima da chancelaria da cidade em 2:420$000; o rendimento da
aguardente e vinhos de mel da Bahia em 15.000 e tantos cruzados por
ano. Os dízimos das capitanias do Sul (São Paulo, Santa Catarina e Rio
Grande) foram rematados em 27$000 e 145$000; os de Cuiabá em
2:800$000; os das passagens para Goiás em 2:410$000, e os das entradas
de Minas em 344:005$000. OS dízimos de Goiás foram contratados, em
21 de Agosto de 1764, por 19:005$000”. – (G.).
(III)
Da Gazeta de Lisboa, de 18 de Janeiro de 1759:
“Do fatal da noite de 3 para 4 de Setembro, que a todos os seculos
será memoravel, com a duração da infamia de seus autores, se teve logo a
prozumpção dos que o forão; como o fazia duvidosa a consideração, de
haverem elles recebido, e estarem recebendo actualmente, muitas mercês
do nosso Amado Monarca; não se fazia crivel, que cobrindo com a sua
soberba ingratidão, se cegassem de maneira, que não vissem o
despenhadeiro, e cahissem no precipicio; e assim não quis a recta justiça
do Ministério, proceder ao castigo, sem huma exacta averiguação da
verdade, porém feita esta com a mais admiravel prodencia , e sagacidade,
forão reconhecidos incontestavelmente por agressores daquelle execrando
crime, o Duque de Aveiro, o Marquez de Tavora, sua mulher, dous filhos
seus, e seu genro o Conde de Athouguia, e assim forão sentenciados pela
205
Junta da inconfidencia, composta de Ministros incorruptos, a ser
degredados da immunidade das ordens, de que erão Commendadores,
exautorados dos lugares, e titulos que tinhão, desnaturalizados do Reyno,
e tidos por peregrinos, e vagabundos; ordenandose que Leonor Tomazia,
que se intitulou Marqueza de tavora, fosse degolada, e que José
Mascaranhas, que se chamou Duque de Aveiro, Francisco de Assis, que se
dizia Marquez de Tavora, Luis Bernardo, que tinha o mesmo título, José
Maria, que foi ajudante da Sala de seu Pae, quando era Gen eral, e
Jeronimo de Ataíde, nomeado Conde de Athouguia, depois de lhe
quebrarem as canas dos braços, e pernas, e os peitos com huma grossa
maça de ferro fossem todos agarrotados, queimados os seus corpos,
juntamente com o da dita Leonor Tomazia, e lançadas no mar as suas
cinzas. As casas em que viviam demolidas, e salgadas. Todas as suas
Terras, Senhorios, Alcaydarias mores, Comendas, Prazos, e Morgados,
sem clausula confiscados para a Câmara Real.
“Executou-se com effeito esta sentença no dia 13 do corrent e, no
largo, que há entre o Cays de Bellem, e o Palacio que foi do Conde de
Aveyras. No mesmo dia, e no mesmo lugar padeceram garrote Manuel
Alves Ferreira, guarda roupa de José Mascaranhas, e Braz José Romeiro,
guarda roupa de Francisco de Assis, e João M iguel, homem de
acompanhar, cujos corpos forão queimados com a estatua de José
Policarpo de Azevedo (que escapou de o prenderem, e se prometem
10.000 cruzados de premio a quem o entregar á justiça), e lançadas as
suas cinzas ao Mar, com as de Antonio Alvar es Ferreira, guarda roupa de
José Mascaranhas, que no mesmo lugar, e dia foy queimado vivo.” – (G.).
(IV)
Revista do Instituto Histórico, 1, 79/97 [2ª ed.] – Catálogo de
Évora [J. H. da Cunha Rivara, Catálogo dos Manuscritos da Biblioteca
Eborense, 1, 147] – (A.).
- Veja Fernandes Pinheiro, Revista do Instituto citada, 32, parte
2ª. 53/70. – Os Estatutos da Academia lêem-se ainda na mesma Revista,
45, parte 1ª, 49/67, reproduzidos nas Memórias Historicas de Accioli, 2,
2ª edição, 436/446.
A primeira reunião para a constituição da Academia Brasílica dos
Renascidos efetuou-se na casa da residência do conselheiro José
Mascarenhas Pacheco Pereira Coelho de Melo, em 19 de Maio de 1759,
presentes os seguintes convidados:
1 – Padre Dr. Amaro Ferreira Paiva, advogado nos auditórios da
206
Bahia.
2 – Dr. Antônio Ferreira Gil, juiz comissário das execuções da
fazenda real.
3 – Antônio Gomes Ferrão Castelo Branco, sargento -mor do terço
de auxiliares do Recôncavo.
4 – Padrre Dr. Antônio Gonçalves Pereira, desembargador da
Relação Eclesiástica, e acadêmico que foi da Academia dos Esquecidos.
5 – Antônio Joaquim de Araújo Velasco Leite Molina.
6 – Antônio José de Sousa Portugal, sargento -mor de um dos
regimentos de infantaria da guarnição da Bahia.
7 – Padre Antônio de Oliveira, acadêmico que foi da Academia
dos esquecidos.
8 – Frei Antônio de Santa maria Jaboatão, cronista -mor da
Seráfica Província de Santo Antônio de Brasil.
9 – Bernardino Marques de Almeida e Arnisan, capitão de
auxiliares.
10 – Dr. Bernardo Germano de Almeida, cônego da Sé e
desembargador da Relação Eclesiástica.
11 – Bernardo José Jordão, capitão engenheiro.
12 – Frei Calixto de São Caetano, monge beneditino.
13 – Francisco Gomes de Abreu Lima, provedor da Saúde.
14 – Francisco Xavier de Araújo Lassos, bac harel formado pela
Universidade de Coimbra e provedor da Misericórdia.
15 – Frei Frutuoso Ferreira do Rosário, religioso carmelitano.
16 – Frei Inácio de Sá e Nazaré, reitor do Colégio de Nossa
Senhora do Pilar.
17 – Dr. João Borges de Barros, primeiro desembargador
numerário da Relação Eclesiástica e tesoureiro -mor da Catedral.
18 – Dr. João Ferreira Bittencourt e Sá, juiz de fora da Bahia.
19 – Dr. João Pedro Henrique da Silva, desembargador dos
agravos na Relação da Bahia.
20 – José Álvares da Silva Lisboa, homem de negócios.
21 – José Antônio Caldas, capitão engenheiro e aadêmico da
Academia Militar.
22 – Padre José Antônio Sarre, mestre em artes.
23 – Dr. José Félix de Morais, médico do partido de Sua
Majestade.
24 – D. José de Mirales, tenente-coronel de um dos regimentos de
infantaria e acadêmico, que foi, da Academia dos Esquecidos.
25 – Frei José da Natividade Figueiredo, monge beneditino.
207
26 – Dr. José Pires de Carvalho e Albuquerque, alcaide -mor de
Maragogipe e secretário de Estado e Guerra do Bras il.
27 – Frei José dos Santos Cosme e Damião, examinador do
arcebispado da Bahia e bispado de Pernambuco.
28 – Dr. José Luís de Cheves, ex-físico-mor na Índia.
29 – Padre Lopo Gomes de Abreu Lima.
30 – Desembargador Luís Rebelo Quintela, procurador da coro a
na Bahia.
31 – Padre Manuel Ferreira Neves.
32 – Frei Manuel de Jesus Maria Pereira de Sousa, religioso dos
carmelitas descalços do Brasil e cronista -mor da sua religião.
33 – Manuel Matos Pegado Serpa, provedor da fazenda.
34 – Frei Manuel Pinto de Jesus Maria, religioso dos carmelitas
descalços.
35 – Frei Pascoal da Ressurreição, monge beneditino.
36 – Rodrigo de Argolo Vargas Cirne de Menezes, coronel de um
dos regimentos de cavalaria do Recôncavo.
37 – Rodrigo da Costa Almeida, provedor da alfândega.
38 – Tomás Robi de Barros Barreto, chanceler da Relação.
39 – Dr. Venceslau Pinto de Magalhães Fonseca, desembargador
da Relação Eclesiástica e vigário da igreja de Nossa Senhora da
Conceição da Praia.
40 – Conselheiro José Mascarenhas Pacheco Pereira Coel ho de
Melo, do conselho de sua Majestade e do Ultramarino, deputado da Mesa
de Consciência e Ordens, juiz executor da real fazenda da Bula da Santa
Cruzada, acadêmico de número da Academia Real de Esapnha, e da
Geografia e Matemática de Cavaleiros de Valha dolid e Salamanca, doutor
em leis pela Universidade de Coimbra.
Nessa primeira asembléia, José Mascarenhas propôs que desde
logo fosse criada a Academia Brasília dos Renascidos; a proposta foi
sustentada elo padre Sarre, e posta a votos, quatro dos present es se
manifestaram contra a criação imediata, opinando que a Academia só
fosse instituída depois do decreto régio, que lhe desse o título de real.
Aprovada a proposta de José Mascarenhas, retiraram-se do recinto o
chanceler Tomás Robi, o procurador da coro a Luís Quintela e o provedor
da fazenda Pegado Serpa; o outro voto divergente foi o do sargento -mor
Ferrão Castelo Branco, que, entretanto, se sujeitou à deliberação da
maioria.
Ficou assim a academia composta de trinta e sete acadêmicos,
sendo trinta e dois de número e cinco supranumerários. Na mesma sessão
208
foram eleitos: presidente, José Mascarenhas; censores: Borges de Barros,
Bittencourt e Sá, Carvalho e Albuquerque e Frei Inácio de Sá; secretário:
Ferrão Castelo Branco, e vice-secretário: Almeida e Arnizan. Para redigir
os estatutos foi escolhido o presidente.
Na segunda sessão preparatória estiveram presentes os trinta e
sete acadêmicos que votaram pela criação da academia. Para completar o
quadro social foram efeitos nessa sessão:
1 – Frei Antôniod e Santa Eufrásia Barbosa, carmelita descalço.
2 – João de Couros Carneiro, escrivão da Câmara da cidade.
3 – Frei João de São Bento, carmelita descalço.
4 – Padre Dr. José Correia da Costa, advogado nos auditórios da
Bahia.
5 – João Lopes Ferreira, inspetor da Mesa de Inspeção.
6 – Dr. José de Oliveira Beça, cônego da Sé da Bahia.
7 – Dr. José Teles de Menezes, cônego da Sé da Bahia.
8 – Silvestre de Oliveira Serpa.
Lidos os nomes de cinqüenta e três acadêmicos supranumerários,
inclusive os dos cinco fundadores, foram nessa ocasião eleitos mais três:
Frei José dos Santos, carmelita, tenente -coronel Manuel Xavier Ala e Dr.
Mateus Saraiva, físico-mor no Rio de Janeiro.
Mais tarde a lista dos supranumerários chegou a elevar -se a cento
e quinze nomes, dentre os quais ficam aqui os de maior relevo: Antônio
José Vitoriano Borges da Fonseca, o linhagista pernambucano; D.
Domingos de Loreto Couto, o autor dos Desagravos do Brasil e Glórias
de Pernambuco; Francisco Calmon, Frei Gaspar de madre de Deus, Dr.
Inácio Barbosa Machado, Cláudio Manuel da Costa, João Manuel de
Melo, governador de Goiás; capitão -mor João Teixeira de Mendonça,
Pedro Dias Pais Leme, alcaide-mor da Bahia; Pedro Leolino Mariz,
intendente das Minas Novas do Araçuaí; Eleonor Cicile Goujon Disiers,
oficial da esquadra francesa que estava na Bahia; Frei Francisco Xavier
Feijó, depois acadêmico de número na vaga do Dr. José Félix de Morais,
riscado por indigno, e muitos outros.
Para seu protetor a academia elegeu o rei, e para seu Mecenas o
ministro Sebastião José de Carvalho e Melo. Por empresa escolheu a
Fênix, citando o céu, e a letra: Multiplicabo dies.
A academia foi instalada solenemente no dia 6 de Junho seguinte,
na capela-mor da igreja dos carmelitas descalços; a sessão começou às 3
horas da tarde e terminou às 4 da madrugada!
- Conf. Alberto Lamego, A Academia Brasílica dos Renascidos,
209
sua fundação e trabalhos inéditos, Bruxelas, 1923. – (G.).
(V)
O marquês de Pombal explicou a prisão do conselheiro José
Mascarenhas Pacheco Pereira Coelho de Melo pelo procedimento que
tivera quando à Bahia aportaram uma esquadra inglesa e outra francesa,
desvelando-se com os franceses em atenções que não dispensava aos
outros, sempre em rivalidades com a França, e além disso aliados de
Portugal. Os ingleses, dando-se por ofendidos, destacaram um barco, que
levou ao reino a queixa daquele procedimento, o que determinou, por
parte de D. José I, para dar satisfação ao governo britânico, mandar
prender o conselheiro, conservando-lhe, entretanto, os ordenados. J. Lúcio
de Azevedo, O Marquês de Pombal e sua época, 380, 2ª ed. Que há nisso
algum fundamento, prova-o um ofício do vice-rei conde dos Arcos, datado
da Bahia a 23 Julho de 1759, para o ministro da marinha Tomé Joaquim
da Costa Corte Real, informando acerca de um empréstimo que o
comandante Marnier pretendia fazer para abastecimento dos navios da
esquadra francesa, referindo-se à parcialidade do conselheiro José
Mascarenhas a favor do mesmo comandante, e narrando incidentes
provocados pela permanência no porto da Bahia das naus inglesas ali
refugiadas, Anais da Biblioteca Nacional, 31, 351.
Filiar a prisão de José Mascarenhas a modo escandaloso e cruel
por que se houve no Porto, em 1757, quando escrivão da alçada
sanguinaria que puniu os implicados na revolta dos borrachos contra a
Companhia Geral dos Vinhos do Alto Douro, como se tem insinuado, é
ignorar os prêmios com que, logo em seguida, foi favorecido; tão pouco
sustentável é atribui-la à atitude simpática aos Jesuítas, em conluio com o
arcebispo da Bahia. Não foi remetido preso à corte, como se lê no texto;
da cidade do Salvador veio solto para o Rio de Janeiro, e daqui foi
mandado para Santa Catarina, onde passou os longos anos de prisão na
fortaleza de Anhatomirim; os documentos a respeito publicou João
Gualberto, Revista do Instituto Histórico, 70, parte 1ª, 169/208.
À corte de Lisboa só chegou depois de reinar D. Maria I, e não só
visitou Pombal, grato pelo que lhe fizera antes da prisão, como desistiu da
causa que pleiteava sobre a quinta de Santoro, em pod er do marquês, por
saber o gosto que ele tinha nessa propriedade, J. Lúcio de Azevedo, op.
et. loc. cit.
Para a vida e obras dessa pouco atraente personagem, veja
Barbosa Machado, Biblioteca Lusitana, 4, 216/217.
210
A Biblioteca Nacional possui um exemplar da História
Genealógica da Casa Real Portuguesa, de D. Antônio Caetano de Sousa,
que pertenceu a José Mascarenhas, cujo extenso nome e por extenso se vê
na página de rosto de cada um dos volumes. – (G.).
(VI)
D. José de Mirales nasceu em Xatira, Valência, na Espanha, filho
de D. Márcio Mirales e D. Josefa Pastor; casou -se em Cairu, na Bahia,
com Josefa Ramos, filha de Domingos Gonçalves Ramos e de Maria da
Guerra Botelho: é o que Pedro Calmon (a quem deve o anotador estes
informes) viu no Livro de Registro dos Irmãos da Misericórdia da Bahia,
registro de 6 de Abril de 1727.
Não se sabe por que passou a Portugal e veio a servir na Bahia,
onde já estava em 1724, como tenente -coronel de um dos regimentos da
cidade; nesse mesmo ano foi um dos fundadores da Acad emia Brasílica
dos Esquecidos. Em 1759, fez parte, como acadêmico de número, da
Academia dos Renascidos, e teve o cargo de escrever a História Militar
do Brasil, desde o anno de 1549, em que teve princípio a fundação da
cidade de S. Salvador da Bahia de Todos os Santos. Em 20 de Julho de
1761 escrevia ao conde de Oeiras, rogando se interessasse pelo
requerimento que dirigira ao rei, para que lhe fizesse mercê da patente de
coronel honorário, e referindo-se à História Militar do Brasil que dizia
ter começado a escrever, Anais da Biblioteca Nacional, 31, 436. Em 26 de
Setembro do mesmo ano o governo interino (exercido pelo chanceler da
Relação Tomás Robi, por morte do primeiro marquês de Lavradio) em
ofício ao conde de Oeiras, refere-se à licença superiormente concedida a
D. José de Mirales para consultar os livros da Vedoria e deles extrair os
elementos que desejasse para a História Militar, que estava elaborando,
ibidem, 470. Em ofício para Francisco Xavier de Mendonça Furtado,
datado da Bahia, 5 de Maio de 1768, o segundo marquês de Lavradio,
informando sobre os militares da capitania, escreveu a respeito de
Mirales: “O Tenente Coronel D. José de Mirales, que he do Regimento de
Gonçalo Xavier, tem de idade 82 annos. S. Magestade o honrou no anno
de 760 com a patente de Coronel com exercício de Tenente Coronel, que
elle não póde ter pelos seus annos e algumas queixas que padece; ouvi
que servia muito bem; elle não está tonto, aqui me veio falar que me
pareceu ter juízo e instrucção na nossa arte”, Anais citados, 32, 197.
Mirales faleceu antes de Agosto de 1777, porque em ofício de 1
desse mês do conde de Povolide para Martinho de Melo e Castro,
211
propunha aquele governador para o posto de tentente -coronel da infantaria
da Bahia, vago por sua morte, Antônio José de Sousa Portugal, sargentomor do segundo regimento, ibidem, 245.
A História Militar do Brasil, que felizmente concluiu, obra de
investigação fidedigna, só foi publicada em 1900, nos Anais da Biblioteca
Nacional, 22, 1/238. – (G.).
(VII)
A Academia Científica foi instituída no Rio de Janeiro pelo vice rei marquês de Lavradio, por proposta de seu médico, Dr. José Henriques
Ferreira, que lhe fazia ver a necessidade que havia, para o interesse do
Brasil, de conferir com pessoas ilustradas as matérias de Histó ria Natural,
de Física e Química, Agricultura, Medicina, Cirurgia e Farmácia.
A 18 de Fevereiro de 1772 celebrou-se a sessão inaugural, no
palácio do vice-rei, na presença deste e das pessoas notáveis da capitania.
Nessa sessão foram eleitos presidente da academia o Dr. Ferreira e
secretário o cirurgião Luís Borges Salgado. Além desses, os primeiros
associados foram os médidos Gonçalo José Muzzi e Antônio Freire
Ribeiro; os cirurgiões Maurício da Costa, Ildefonso José da Costa Abreu e
Antôinio mestre; os boticários Antônio Ribeiro de Paiva e Manuel
Joaquim Henriques de Paiva; o curioso de agricultura Antônio José
Castrioto. A esses associaram-se depois muitos outros, tanto nacionais,
como estrangeiros, entre os quais, como sócios correspondentes, os Drs.
Pedro Wargentin e Pedro Jonas Bergius, da Academia Real das Ciências
da Suécia.
Do Dr. José Henriques Ferreira conhece -se o Sumário da História
do Descobrimento da Cochonilha no Brasil, e das Observações que sobre
ela fez no Rio de Janeiro, impresso no Patriota, terceira subscrição, n. 1,
págs. 3/13, Rio, 1814.
Manuel Joaquim Henriques de Paiva é autor das Memórias de
História Natural, de Química, de Agricultura, Artes, e Medicina, Lisboa,
1790, - onde se trata da jalapa, da fava purgativa, feijão peruano, ou
mucuná, no Brasil, guaxima, etc.
Os estudos da Academia Científica muito concorreram para tornar
conhecidas na Europa certas plantas do Brasil. A cultura do anil, cacau,
cochonilha e outros produtos foi incentivada, graças à iniciativa de seus
associados. – (G.).
(VIII)
212
Manuel Cardoso de Saldanha, em carta para Francisco Xavier de
Mendonça Furtado, datada da Bahia, 30 de Julho de 1761, pedindo
dispensa do emprego de engenheiro, que ali exercia, indicava para
substitui-lo o capitão José Antônio Caldas, seu discípulo na Academia
Militar, “o qual ainda que bem instruído na Teoria, principia a praticar
só”, e acrescenta: “Tenho outro discípulo chamado Manuel de Oliveira
Mendes, soldado infante no Regimento de que he Coronel Manuel Xavier
Ala, que depois de graduado em Philosofia, dispensado para os postos
subalternos, vivendo com muita honra, foi á minha aula, e escreveu todas
as materias que ditei instructivas para um perfeito official engenheiro, e
com inteligencia dellas, risca sofrivelmente as plantas; mas nas praticas
de conhecer as obras e seus materiaes, nas medições conforme a
geometria pratica ensina, em fazer as contas dos seus valores, em avaliar
projectos e os edificios já construidos, como verificaram as avaliações
que fez no inventario das fazendas dos Padres denominados da
Companhia, o julgo perfeitissimo; por exerce o emprego de medidor das
obras do Senado da Câmara desta Cidade. A este homem póde V. M.
prover no posto de ajudante de Infantaria...”, Anais da Biblioteca
Nacional, 31, 438/439.
Por carta patente de 10 de julho de 1773, o governador conde de
Povolide nomeou capitão agregado do regimento de artilharia a Manuel de
Oliveira Mendes, que devia ter falecido antes de 5 de Setembro de 1796,
quando seu filho Luís Manuel de Oliveira Mendes pediu justificação dos
serviços por ele prestados, à qual juntou duas certidões dos que se
referiam à organização do tombo dos bens pertencentes à fazenda real e à
inventariação e seqüestro dos bens dos jesuítas proscritos, Anais citados,
36,364.
Quanto a José Antônio Caldas, sabe-se que escreveu a Noticia
Geral de toda esta Capitania da Bahia, desde o seu descobrimento até o
presente anno de 1759, somente agora publicada na Revista do Instituto
Geográfico e Histórico da Bahia, n. 57 (1931), págs. 7/444, sem as vistas
e plantas que acompanham o manuscrito original. Era capitão engenheiro
e acadêmico da Academia Militar da Bahia; foi, como se lê antes, da
Academia Brasília dos Renascidos. Faleceu antes de 10 de Maio de 1786,
como sargento-mor engenheiro, Anais citados, 34, 15; deixou muitas
cartas de diversas partes do Brasil, que o marquês de Valença comprou
em leilão, Anais citados, 36, 243. – (G.).
213
(Transcrito do tomo quarto, págs. 234 -266).
SECÇÃO XLVII
IDÉIAS E CONLUIOS EM FAVOR DA
INDEPENDÊNCIA EM MINAS.
Clube em Coimbra. Conferência de Maia com Jefferson. Projeto
do conde de Aranda sobre o Brasil. Domingos Vidal Barbosa. Cartas
Chilenas. Dr. José Álvares Maciel. Visconde de Barbacena. Cláudio,
Alvarenga Peixoto e o Tiradentes. Inocência de Gonzaga de todo
comprovada. Freire de Andrada. Padres Correia e Oliveira Rolim. Abreu
Vieira. Biografia do Tiradentes. Conventículos. Parte o Tiradentes para o
Rio de Janeiro. Outros cúmplices. Denunciantes. O governador revoga a
derrama. Hesitações. Gonzaga com o governador. Primeiras prisões.
Suicida-se o poeta Cláudio. Efetua-se no Rio de Janeiro a prisão do
Tiradentes. Devassas. Revelações. Penas infligidas aos réus.
Considerações acerca do malogro da revolução. Resignação aos altos
decretos da Providência. Barbacena é repreendido pela corte, quanto
esperava recompensa.
214
O aumento da facilidade das comunicações, que
acompanha o desenvolvimento da civilização, irmana de tal
modo em sentimentos, assim os povos da mesma nação, como
os de nações diferentes, que não é raro em política que os ecos
de uma grande revolução se repercutam em paragens muito
distantes, mediando só o tempo necessário para se propagar a
notícia. Memorável exemplo do que levamos dito nos oferece
a bem lograda revolução feita pelas colônias inglesas do Norte
da América, para se declararem nação independente da mãe
pátria. Como era natural, cada uma das outras colônias
americanas, ou ao menos a sua gente mais ilustrada,
reconheceu a analogia de situação. – Em Coimbra doze
estudantes brasileiros, combinando entre si a possibilidade de
se declarar o Brasil independente, se comprometeram a levar
avante a idéia, quando isso fosse possível. Em França, onde
tanto entusiasmo havia pela revolução norte-americana,
deviam os Brasileiros encontrar nesse mesmo entusiasmo
incentivos e estímulos, para imitarem o primeiro povo da
América colonizada e cristã, que se emancipou, proclamando
sua nacionalidade. – Ventilou-se, pois, a questão em
Montpellier em 1786, entre alguns jovens brasileiros (talvez
algum ido ali de Coimbra) que estudavam Medicina, contando se nesse número Domingos Vidal Barbosa, natural de Minas,
isto é, da freguesia da Conceição, hoje Queluz; José Mariano
Leal, do Rio de Janeiro, e José Joaquim da Maia, também do
Rio de Janeiro, filho de um pedreiro da rua da Ajud. – Este
último, movido de ambição, e segundo sua própria narrativa,
aspirando a exorbitar da esfera em que nascera (1), decidiu -se,
com menos rebuço do que os seus companheiros e colegas, a
215
escrever em Outubro desse ano ao célebre Tomás Jefferson,
que estava de plenipotenciário dos Estados Unidos em Paris,
dizendo-lhe como ele e outro patrício seu eram ali vindos do
Brasil, para tratarem da independência deste Estado da
América, e desejavam saber até que ponto, para uma tal
empresa, poderiam contar com o apoio dos Estados Unidos.
Respondeu Jefferson muito pontualmente; mas, guardando as
formas que a sua posição oficial lhe recomendava, disse que
apenas os brasileiros por si próprios conquistassem a
independência, não teria a sua nação dúvida em negociar o
provê-los; porém que antes disso nada podia fazer, pois que
estava em paz com Portugal, e em seus portos recebiam os
cidadãos dos Estados Unidos benigno acolhimento. Conclui
noticiando-lhe que contava ir passar o próximo inverno em
Aix, e que faria uma volta por Nimes, a fim de ver as suas
antiguidades, e aí poderia Maia avistar-se com ele. –
Estiveram ambos os americanos, o do Norte e o do Sul,
pontuais no encontro em Nimes: Maia expôs então todo o seu
plano: pintou as forças viris do Brasil e os seus muitos
recursos para constitui-se em nação, e o pouco receio que
devia haver de forças vindas de Portugal ou das colônias
espanholas, sobretudo quanto o porto do Rio e o sertão de
Minas eram por si muito defensáveis, quando os lit eratos do
país eram favoráveis à independência, e quando grande parte
do clero e da mesma tropa do Brasil constava de brasileiros. –
Jefferson ouviu com atenção o seu interlocutor: tornou a dizer lhe que a revolução deveria em todo caso ser primeiro efetua da
pelos próprios Brasileiros, e que depois, uns por desejo de
ganho, outros por ambição, não deixariam de passar a levar lhes bacalhau, etc., e a ajudá-los. Maia não saiu muito
216
satisfeito dessa conferência, e julgou que o ilustre enviado
tivera em pouco o plano dele improvisado negociador, ao
tratá-lo, - ao presenciar-lhe a casca, segundo a sua expressão.
Entretanto, não era assim: o fino diplomata o que fez foi
disfarçar bem, ante o jovem inexperiente, o seu entusiasmo,
em presença de tais idéias, pois, em 4 de Maio desse mesmo
ano (1787), escrevia de Marselha a J. Jay, dando -lhe conta de
quanto passara, e ficou sempre pensando em tais planos (2).
Entretanto, por outra parte, o conde de Aranda,
embaixador espánhol em Paris, nem que o seu coração
pressagiasse tudo quanto se passava a respeito dessa
insurreição, meditava não só um plano da independência do
Brasil todo, instituindo nele uma monarquia regida pela casa
de Bragança, como até do engrandecimento de uma tal
monarquia, inclusivamente até as beiras do Pacífico, unindolhe o Peru e o Chile, uma vez que a família Bragança
abdicasse os seus direitos às províncias continentais européias
de Portugal, e que estas se agregassem à Espanha. O conde de
Aranda chegou a formular esse pensamento, em uma carta
escrita ao ministro Florida-Blanca, em 1786 (3), acrescentando
a idéia de formar de Buenos Aires e terras de Magalhães outra
monarquia em favor de um infante espanhol. – “Não falo
(prossegue Aranda, desenvolvendo sua proposta) de reter
Buenos Aires para Espanha, porque ficando cortado por ambos
os mares pelo Brasil e Peru, mais nos serviria de cuidado que
de proveito, e o vizinho pela mesma razão se tentaria a
alargar-se. Não prefiro tão pouco agregar ao Brasil toda a
extensão até o cabo de Horn, e reter o Peru, ou destinar este ao
infante; porque a posição de um príncipe da mesma casa de
Espanha, colhendo em meio ao dono do Brasil e Peru, serviria
217
para conter a este pelos dois lados:”... “... se tenho tanto na
cabeça que a América Meridional se nos irá das mãos, e que,
se tem de suceder, melhor seria uma troca do que nada, não me
faço projetista, nem profeta; ... porque a natureza das coisas o
trará, e a diferença não consistirá senão em anos antes ou
depois. Se eu fora português aceitaria a troca, porque lá grão senhor e sem os riscos do de cá, também, mais dia menos dia,
seria maior que no canto da Lusitânia; e sendo, como sou, bom
vassalo da coroa, prefiro e preferirei sempre a reunião a ela de
Portugal, embora pareça que se lhes dava em troca um mundo
(I)”.
Em parte a providência veio pouco antes a realizar, em
favor do Brasil e da casa de Bragança, o que não soube
realizar a política. Pelo que toca ao Peru e a Portugal, nada
diremos, pois melhor compete decidir se houveram sido mais
ou menos felizes. Quanto ao império americano, que grande
nação seria ele hoje!
Maia, quando se propunha recolher ao Brasil, faleceu
em Lisboa; mas Domingos Vidal Barbosa voltou à pátria, e
chegou a Minas, doutorado em Medicina na faculdade de
Bordéus, quando essa capitania sofria ainda dos insultos com
que, por perto de cinco anos, a avexara o governador Luís da
Cunha de Menezes, cujo desgoverno um dos poetas mais
notáveis da mesma capitania satiricamente pintara nas
chamadas Cartas Chilenas (II): não devendo admirar que já aí
existisse quem pensasse em independência, quando, segundo
vimos, esta se resolvera em Coimbra, entre o apostolado dos
estudantes; e destes, três, segundo se disse, estavam agora em
Minas. Quase ao mesmo tempo, chegava da Europa,
igualmente doutorado, José Álvares Maciel, filho do capitão218
mor de Vila Rica, e que, depois de formar-se em Filosofia em
Coimbra (onde talvez fora do número dos doze), passara à
Inglaterra, e aí se aplicara muito às artes e manufaturas,
proposta a introduzi-las no Brasil.
Os seus conhecimentos em Mineralogia (4) foram,
desde logo, para ele uma grande recomendação perante o
governador e capitão-general Visconde de Barbacena, que
tomara posse em 11 de Julho de 1788, e que, igualmente era
afeiçoado (5) a tais estudos (aos quais porventura devia até o
haver sido preferido para governar esta capitania), chegou a
oferecer hospedagem, na sua casa de campo da Cachoeira, ao
mencionado doutor, filho do capitão-mor.
Esse regresso ao Brasil do dito Dr. Maciel, veio, quanto
a nós, dar alento à idéia (6) de ser possível efetuar na
província de Minas, e com bom êxito, um levante, se o dito
governador intentasse executar as ordens que trazia da corte
para fazer cobrar, por meio de uma derrama geral, grandes
impostos devidos do tributo do ouro, levante em que, além
dele Dr. Maciel, e (muito ao depois) do mencionado Dr. Vidal
Barbosa, vieram a figurar entre os cúmplices os conhecidos
poetas Cláudio Manuel da Costa (7) e Inácio José de
Alvarenga (Peixoto) (8); sendo também acusado o
desembargador Tomás Antônio Gonzaga (9), autor da muito
conhecida Marília de Dirceu; e, aparecendo em cena como
principal vulto, pelo seu grande entusiasmo, pela sua muita
expansão e indiscrição, e, afinal, até pelo seu martírio, o
alferes de cavalaria Joaquim José da Silva Xavier, alcunhado o
Tiradentes.
Repelindo aqui, com a devida energia, a injusta
acusação de havermos sido contraditórios na sucinta narração
219
deste sucesso, contida nas páginas da primeira edição desta
obra (10), narração pela maior parte escrita, não pela ouvida
das tradições, mas especialmente em presença das informações
oficiais enviadas à corte pelo próprio governador em ofício de
11 de Julho de 1789 (11), que alguns têm citado sem o ter
visto (dando-o até com a data errada de um ano), começaremos
por declarar que a publicação efetuada, embora interpolada e
menos corretamente, do teor do processo, nos permitirá,
cingindo-os aos depoimentos, interpretados com o devido
critério, dar atualmente a esta secção um pouco mais de
desenvolvimento, esmerando-nos, como temos feito nas
demais, em ser concisos e exatos, sem nos emaranharmos em
pormenores que se contradizem, que escapam apenas lidos e
que nada aproveitam à história, pois (não nos cansaremos em
repeti-lo), não consiste o bom critério desta em juntar muitos
fatos, nem muitas autoridades, mas sim em apreciá-los
devidamente, apurando deles e delas a verdade.
Em primeiro lugar diremos que hoje temos a convicção
de que o poeta desembargador Gonzaga não chegou jamais a
associar-se aos tais ou quais planos aéreos de se efetuar na
província uma insurreição.
Resulta essa nossa convicção do estudo profundo de
toda a devassa, analisada com a devida imparcialidade, ante a
luz da crítica, que não se deve guiar pelo dito de uma ou outra
testemunha apaixonada, ou interessada; mas unicamente pela
essência que ressumbra do conjunto dos depoimentos,
manifestamente mais sinceros, e de todos os fatos apurados.
Cremos, sim, que, em geral, chegou o mesmo Gonzaga a
conversar, antes de se pensar em semelhante insurreição,
acerca da “possibilidade e naturalidade de vir um dia o Brasil
220
a separar-se de Portugal” (12) e que mais tarde ouviria
vagamente os clamores gerais contra a idéia da derrama, e os
perigos que havia de poder ela vir a causar uma grande
perturbação e sublevação na província; mas a prova de que
sinceramente não desejava que estalasse um rompimento, se
deduz dos esforços que, primeiro com o intendente Dr.
Francisco Gregório Pires Monteiro Bandeira, e por fim ante o
próprio governador, fez para não levar avante a idéia da
mesma derrama, com a desistência da qual caíram por terra
todos os pretextos para um tumulto. Não há dúvida que um
grande inimigo seu (13) o acusou “de ser um dos
conspiradores, indicado até para chefe, e encarregado de
fabricar as novas leis, e de ser autor da idéia de se dever cortar
a cabeça ao governador”. Mas, quando é que se viu a acusação
de inimigos encarniçados ser recebida como prova? – E isso,
quando foram demonstrados evidentemente de falsos outros
testemunhos do mesmo denunciante? Mas, acrescente -se,
também vários, não inimigos seus, serviram-se do seu nome, e
alguns dos seus próprios amigos o acusaram. Responderemos
que os que eram interessados (14) em valer-se do seu nome,
tão respeitado na província, não podem tampouco fazer
autoridade; nem podem merecer mais créditos do que quando
esses mesmos ou seus sócios citaram entidades imaginárias
(15), como já de acordo com eles: e, quanto aos amigos, tudo
induz a crer que chegaram candidamente a persuadir-se de que,
associando a si na cumplicidade um nome tão respeitável, nada
menos que um desembargador, colega dos seus juízes,
conseguiriam salvar-se, à maneira dos que, vendo-se em perigo
de afogar-se, não duvidam, pensando escapar, agarrar-se
tenazmente aos seus que encontram próximos, resultando, de
221
ordinário, o levarem também consigo ao pego essas novas
vítimas, – às vezes até a mulher ou os filhos. Mas, a verdade é
que não se prova que Gonzaga fosse conspirador, nem
assistisse a nenhuma das reuniões em que se tratou da idéia da
revolta, depois de essa idéia nascer. Assim, pois, cremo-nos
hoje com todo o fundamento autorizados, em defesa da
probidade do autor de Marília, a proclamar que ele não mentiu
à posteridade, quando em seus versos lhe deixou dito que era
calúnia vil e insolente a acusação com que “se ultrajava o seu
nome, com o suposto delito”; acrescentando, na célebre lira
em que se figura na presença da deusa Astréia, razões em
prova de como tais planos eram então utopias impossíveis, e
incluindo até aquele conhecido verso: “Daqui nem ouro quero”
(16).
Liquidado este ponto, passaremos a ocupar-nos do
assunto.
Da acareação, por nós pausada e refletidamente feita, de
todos os depoimentos, resulta que, verdadeiramente, entre os
vários que se conluiaram, só um chegou a entusiasmar-se pela
idéia da revolução: foi o mencionado alferes Silva Xavier,
nascido em Pombal, perto de São João del-Rei (17). Desde que
na alma lhe caiu a primeira centelha a favor da idéia de
independência, lavrou o incêndio por tal forma que não se
pôde mais apagar. A esse único pensamento, que o abrasava,
subordinava tudo quanto via e ouvia; e, com uma leviandade e
audácia inauditas, para aquele tempo, a todos se propunha
converter e angariar, inclusivamente inventando para isso,
como ainda hoje vemos nos partidos políticos, que ha via
esperanças de socorros estrangeiros, e partidários e conjurados
decididos, em outras paragens. Assim, foi ele que
222
atrevidamente começou por abordar o seu próprio
comandante, jovem de trinta e dois anos, o tenente -coronel
Francisco de Paula Freire de Andrada (18), dizendo-lhe que no
Rio de Janeiro, donde regressava, se ia fazer a revolução. Foi
ele que tentou inutilmente aliciar a Cláudio; chegando, porém,
a converter o poeta Alvarenga, dizendo-lhe que “era pena de
uns países tão ricos... se achassem reduzidos à maior miséria,
só porque a Europa, como esponja, lhes estivesse chupando
toda a subsistência; e os excelentíssimos generais de três em
três anos traziam uma quadrilha, a que chamavam criados, os
quais, depois de comerem a honra, a fazenda e os ofícios, que
deviam ser dos habitantes, saíam rindo-se deles” (10). Foi
ainda ele quem contribuiu a angariar o padre Carlos Correia de
Toledo e Melo, paulista, filho de Taubaté, e vigário de São
José do Rio das Mortes, e o irmão do distinto pregador
Rodovalho (20), o opulento padre José da Silva de Oliveira
Rolim; e ao depois, atacando a cada qual pelo respectivo lado
fraco, não só brasileiros natos, então alcunhados pelos filhos
de Portugal de mazombos (21), mas até portugueses natos,
começando pelo seu compadre, o venerando Domingos de
Abreu Vieira.
No auge do entusiasmo, obedecia o mesmo alferes, não
só aos impulsos do patriotismo, como também aos da ambição.
Havendo começado por aplicar-se à profissão de dentista, em
que chegou a ser hábil, do que lhe proveio o ser denominado
Tiradentes, lançou-se também a mascatear em Minas Novas;
mas saiu-se mal, e resolveu-se a sentar praça na cavalaria.
Muito pontual nos seus deveres, foi seguido os postos
inferiores, e como rebentassem guerras no Sul, e o seu corpo
chegou a marchar para o Rio de Janeiro, conseguiu ser
223
promovido a alferes; mas de alferes não passou. Vendo -se por
vezes preterido, o que ele candidamente acreditava provir de
falta de proteção, e devemos antes hoje atribuir à
“desrecomendação” que seria para ele o geral conceito de ser
um hábil tiradentes, pretendeu votar-se à mineração; mas saiuse de novo mal, e tornou ao serviço; e contava já de idade mais
de quarenta anos (22), quando, achando-se no Rio de Janeiro,
com esperança de melhorar de fortuna em umas empresas de
estabelecimento de trapiches e encanamentos, para suprir de
mais águas a capital (23), empresas para que não conseguiu
encontrar sócios, nem fundos, aí travou conhecimento do dito
Dr. Maciel, quando regressava da Europa, e dele recebeu as
primeiras inspirações para se lançar, com afinco, na nova
empresa, de que viria a ser a vítima principal.
Cumpre acrescentar que para alguns dos malogros do
mesmo alferes em suas pretensões, além da circunstância de
ser tiradentes, devia também contribuir o seu físico. – Era
bastante alto e muito espaduado, de figura antipática, e “feio e
espantado”.
Pelo que respeita à sua heróica empresa, não a
denominaremos conjuração. Custa-nos até o dar-lhe o nome de
conspiração; embora concedamos que fosse ele verdadei ro
conspirador. Não houve, porém, conjurados ou conspiradores
ajuramentados em regra; não foi a resolução precedida de
conciliábulos tenebrosos, conluiados em forma: as reuniões
faziam-se quase a portas e janelas abertas, sendo apenas o
assunto, que servia nelas de tema, conversação reservada,
interrompida com a entrada de qualquer profano, que vinha de
visita. Assim sucedeu até na única reunião, em casa do
tenente-coronel Andrada, em fins de 1788 ou princípios de
224
1789, que teve um pouco mais aparência do verdadeiro
conventículo, ou conluio, e na qual se cruzaram e ventilaram
mais fixamente algumas espécies revolucionárias. Assistiram a
essa reunião, além do dono da casa e do seu alferes, os padres
Toledo e Rolim, o Dr. Maciel, e, por fim, o poeta Alvarenga,
calando-se todos, segundo depôs o Tiradentes, ao chegar
Gonzaga de visita, prova evidente de que não era este dos do
conluio (24).
Não há dúvida que, nessa ocasião, se tratou da
conveniência, se tivesse lugar um levante, de não se esperar
pelo rompimento do Rio de Janeiro; da necessidade de que,
para o haver, se contasse com segurança com a província de
São Paulo; da vantagem de ser feito, começando pelo povo, e
fraternizando depois a tropa; e isso com o menor
derramamento de sangue possível, respeitando-se a pessoa do
governador, e mandando-o escoltado até a fronteira, no
registro da Paraibuna. Por essa ocasião foi, pelos que estavam
presentes, aplaudida a idéia do Tiradentes, mui devoto do
mistério da Santíssima Trindade, de tomar-se por armas um
triângulo, representando o mistério, à imitação de Portugal,
que tinha as Chagas de Cristo (25); e também, sem se votar
pelas que seriam preferidas, pela de Alvarenga, de um gênio
quebrando os grilhões, com uma legenda em latim a isso
alusiva (26). – Mas, repetimo-lo, tudo isso não passou de
conversação hipotética: não houve decididas resoluções, a que
se devesse começar a dar cumprimento. Nem sequer se
assentou em quem deveria ser o chefe. De todos o que tomou o
negócio mais a sério, constituindo-se verdadeiro cabeça de
motim, foi ainda o Tiradentes, que já não pensava em outra
coisa; e quando muito, depois dele, também o vigário Toledo.
225
– Os demais, especialmente Alvarenga e o tenente-coronel,
pareceram antes, pouco depois, arrependidos de se haverem
deixado levar tanto adiante. Quase todos trataram sem demora
de se ausentar de Vila Rica; o tenente-coronel logo, com
licença para a sua fazenda de Caldeirões, com projetos de
obter outra, a fim de passar dentro de poucos meses ao Rio de
Janeiro, à Bahia, e até a Portugal.
O alferes Silva Xavier, porém, à custa de algum
sacrifício, pedindo até dinheiro emprestado, resolveu seguir
para o Rio de Janeiro. As recomendações que solicitou para
militares dessa praça, as exclamações que desde logo começou
a proferir (27) diante dos da tropa, depois de chegar a esta
vice-corte, nos autorizam a crer que não voltara só com
intenções de sair ao encontro do seu requerimento, acerca das
empresas dos trapiches e das águas, mas sim de aqui adquirir,
tão indiscretamente como em Minas, e com a mesma
perseverança, partido em favor da independência da pátria.
Infeliz! Não tinha obtido mais do que conseguir fazer, livre de
algemas, até o sítio do seu martírio, a jornada que os demais
companheiros, menos culpados e até inocentes, haviam de
fazer, pouco depois, acorrentados!
O número dos cúmplices foi crescendo, sendo uns
estimulados pelo amor da pátria ou por simples ambição, e
outros pelo desejo de se libertarem do pagamento da derrama;
unindo-se-lhes muitos, que se viram comprometidos, já pel a
maldade dos denunciantes, já pela deferência com os primeiros
conluiados, já pela indiscrição deles, ou pelos seus apuros,
quando acusados, já finalmente pela própria fatalidade. Entre
todos, devemos fazer menção, por haverem sido julgados mais
comprometidos, de Luís Vaz de Toledo Piza, de Taubaté,
226
irmão do mencionado vigário, Francisco Antônio de Oliveira
Lopes, os dois José de Resende Costa, pai e filho, um infeliz
aprendiz de cirurgia, de nome Salvador Carvalho do Amaral
Gurgel, que se limitou a escrever duas linhas, recomendando o
Tiradentes (28), um ilustrado cônego e exímio pregador de
Mariana, Luís Vieira da Silva, só porque simpatizara com os
Estados Unidos, e muitos outros, incluindo o Dr. Maciel e
mais três miseráveis, que vieram a converter-se em primeiros
denunciantes, seguindo-os depois, nesse exemplo, vários
outros, pensando obter a impunidade por meio de tardias e
incompletas delações. Foi o primeiro, em 15 de Março,
Joaquim Silvério dos Reis, natural de Leiria, coronel de um
regimento de auxiliares, mandado extinguir, homem
geralmente tido por orgulhoso, de mau coração e gênio altivo,
que contava muitos inimigos, por haver abusado das
protecções que desfrutara, e que agora se vira apertado para o
pagamento das somas, em que ficara alcançado, do contrato
das entradas, que tivera por sua conta de 1782 a 1784 (29); –
somas que talvez pensava remir com a traição, – que ao
mesmo tempo lhe servisse de se desafrontar de seus
perseguidores, em cujo número contava o desembargador
Gonzaga. A esse denunciante seguiram-se depois, com
denúncias escritas, como por cautela exigira já do primeiro o
governador, o tenente-coronel Basílio de Brito Malheiro do
Lago (natural de Ponte de Lima), e o mestre de campo Inácio
Correia Pamplona, ilhéu (natural da Terceira).
O visconde de Barbacena, achava-se no sítio da
Cachoeira do Campo a três léguas da capital, na casa de campo
dos governadores, onde ele preferia fixar a residência, quando,
aos 15 de Março de 1789 (30), se lhe apresentou o primeiro
227
denunciante a fazer as suas pérfidas revelações. Conhecendolhe o caráter, e não deixando de imaginar que poderia na
denúncia andar espírito de intriga e de calúnia (31), assentou,
entretanto, como lhe cumpria em caso tão arriscado, caminhar
mais pelo seguro, precavendo-se como se tudo quanto ele dizia
fora certo. Recomendou ao denunciante o maior segredo,
ordenou-lhe que seguisse, traiçoeiramente, metendo-se com os
revoltosos (e outro tanto praticou com os outros dois
denunciantes), regressou à capital, e sem se dar em nada po r
entendido, limitou-se a dirigir logo às diferentes câmaras da
província uma circular concebida nos seguintes termos (32):
“A considerável diminuição que tem tido a quota das
cem arrobas de ouro que esta capitania paga anualmente de
quinto a Sua Majestade, pede as mais eficazes averiguações e
providências. A primeira de todas deveria ser a derrama, tanto
em observância da lei, como pela severidade com que a mesma
Senhora foi servida estranhar o esquecimento dela; porém,
conhecendo eu as diversas circunstâncias, em que hoje se acha
esta capitania, e que este ramo da Real Fazenda é suscetível de
melhoramento, não só em benefício do Régio Erário, mas dos
povos, cuja conservação e prosperidade é o objeto principal do
iluminado governo da Rainha Nossa Senhora; e não tanto pela
afeição particular com que me ocupo em procurar aos desta
capitania toda sorte de felicidade, que sempre preferiria à
minha própria, como pela confiança que devemos ter na
piedade e grandeza de Sua Majestade, que é bem notória,
tomei sobre mim suspender o lançamento da derrama que a
junta da administração e arrecadação da Real Fazenda é
obrigada a promover até chegar a decisão da conta que terei a
honra de pôr na augusta presença de Sua Majestade, sobre os
228
meios que me parecerem mais proporcionados ao bem da
mesma administração nesta parte, e ao dos seus leais vassalos.
E para me haver com o conhecimento e acerto que desejo, e
me é necessário neste importante negócio, recomendo a V.
Mcês. que hajam de fazer sobre ele, com toda a brevidade, a s
mais sérias reflexões e exames, e me enviem por seus
procuradores até meado de Junho os seus requerimentos,
informação e parecer; e com isto espero também que V. Mcês.
concorram comigo, entretanto, assim pelo reconhecimento a
que ficam obrigados, como por conveniência própria, para o
descobrimento
e
extirpação
dos
contrabandistas
e
extraviadores, que são e têm sido a principal causa da referida
diminuição. Deus guarde a V. Mcês. – Vila Rica, vinte e três
de Março de mil setecentos e oitenta e nove. – Visconde de
Barbacena. – Senhor juiz de fora e oficiais da Câmara de...”
Essa resolução do governador ia de acordo com o
parágrafo da sua Instrução (de 29 de Janeiro de 1788), redigida
talvez em virtude das sugestões do desembargador J. J.
Teixeira, em que, depois de contar-lhe as revoluções anteriores
em Minas, acrescentava: ...”sempre se faz indispensavelmente
necessário que V. Sª, sem mostrar no exterior a menos
desconfiança, tenha toda a vigilância em que os mesmos
habitantes se conservem na devida obediência e sujeição a S.
M., – e que à vista dos acontecimentos anteriores... tome V. Sª
sempre as providentes medidas, não só para ocorrer aos
incidentes que possam sobrevir de presente, mas para acautelar
os futuros (33)”.
Logo ordenou o mesmo governador ao primeiro dos
denunciantes que seguisse imediatamente para o Rio de
Janeiro, a espiar os passos do alferes; e alcançando-o ainda em
229
caminho, e perguntando-lhe para onde ia, lhe respondeu o
mesmo alferes: “Cá vou para o Rio de Janeiro para tratar de
você”.
O simples fato da expedição da dita circular
desconcertou bastante os cúmplices, que dela tiveram notícia, e a não ser a muita manha e dissimulação com que seguiu
conduzindo-se o governador, houveram conhecido estar seu
plano descoberto. Em todo caso esmoreceram, ao ver que se
desviava de relance a ocasião que tão favorável se apresentava
à realização de seus desejos, deixando estranha a eles a
maioria do povo, que teria mais dificuldade de mover -se por
motivos políticos, que não compreendia, do que pelo int eresse
imediato de ser aliviada por novos governantes, de pagar
tributos com que não podia, e aos quais pretendiam obrigar os
mandantes de direito.
Entretanto, Alvarenga, com muito bom senso, indicou
que se devia tentar o golpe, pois que, uma vez que disso se
tratara, era necessário levar avante, sob pena de saber-se, e
serem todos considerados tão culpados como se o intentassem.
Mas, por outra parte, ou então ou pouco mais tarde, esse poeta
da adulação, para se recomendar, empreendia escrever uma
ode, cujo começo se encontrou entre os seus papéis, contendo
duas estrofes (a 5ª e a 6ª) que parecem um verdadeiro elogio
ao governador, que, vendo a tempestade, salvara (com esta
resolução) o perigo, e tornara feliz o povo, que se via
miserável, bem que rodeado de minas de ouro.
Assim, enquanto Barbacena tratava de colher novas
informações, enquanto se prevenia com mais tropa, e enquanto
participava reservadamente para o vice-rei Vasconcelos o que
fora revelado, e lhe recomendava que fizesse espiar e seguir o
230
alferes Silva Xavier, o desembargador Gonzaga ia visitar o
mesmo governador à Cachoeira, para onde havia regressado, e
lhe dizia que mal sabia o serviço que havia feito ao Estado,
suspendendo a derrama, que o povo lhe podia, por ele, levantar
uma estátua, que só faltavam cabeças para se realizarem certos
planos, que a corte devia ter aquela capitania na menina dos
seus olhos, etc.
Todas estas frases no ânimo do governador, prevenido
pelas caluniosas denúncias do grande inimigo de Gonzaga,
Silvério dos Reis, produziam um efeito análogo ao das carícias
de Desdêmona no coração atribulado de Otelo. Esmerou -se,
porém, o mesmo governador por aparentar que dava a tudo
pouca importância, pois, não desejando inculcar suspeita,
continuamente se fazia desentendido e mudava de
conversação; e pode-se fazer idéia de que não poucos
tormentos passaria, para não arriscar palavra que
comprometesse o êxito das disposições que estava dando, nem
mostrar-se suspeitoso ou bem informado ou tímido; receando
com isso, segundo ele, precipitar o rompimento, ou pelo menos
aconselhar a fuga de muitos réus. Gonzaga, sem haver podido
notar da parte de Barbacena a menos suspeita, e vendo que era
já muito tarde, retirou-se.
Enquanto o governador seguia procedendo com tanto
excesso de disfarce e manha, ou levando nisso tanto tempo que
pudera acaso revelar-se o fato da denúncia, e estalar uma
sublevação, embora ainda não de vez, foi prevenido pelo vice Rei Vasconcelos como do Rio se escapara, com muitas armas e
sem passaportes, o alferes Silva Xavier, o que não era verdade;
pois que o mesmo alferes, por uma série de fatalidades, veio a
ser encontrado depois, no sótão de uma casa da rua dos
231
Latoreiros (34), em 10 de Maio de 1789. Com aquela notícia,
mandou Barbacena executar as ordens para as prisões já
prevenidas (35), guardando ainda nestas muita cautela, a fim
de que fossem feitas pouco a pouco, sem alarmar nem causar
escândalo, e até dando a entender que se efetuavam por
motivos alheios à suposta conjuração.
Foram em primeiro lugar presoso o desembargador
Gonzaga, o poeta Alvarenga e o vigário Toledo. Gonzaga sabia
já, na véspera do dia em que foi preso, que havia contra ele
denúncia; mas tão tranqüila tinha a consciência que declarou a
seus amigos que ia ainda nessa noite compor uma ode, antes de
se deitar (36). No dia seguinte estava em ferros! Seguiram -se
depois as prisões de Cláudio Manuel da Costa e outros
denunciados por Joaquim Silvério; e o governador, por sua
conta, mandou igualmente prender a Oliveira Lopes e ao
tenente-coronel Andrada, por haverem ambos, quando
souberam das prisões, procurado justificar-se, indo fazer-he
denúncias tardias e diminutas; e, além deles, o velho português
Abreu Vieira, por haver hospedado em sua casa um dos
conjurados mais conhecidos, o padre Rolim... E justamente
foram esses três presos e o alferes Xavier os que então mais
descobriram toda a trama da oposição! Foram também presos
Maciel, Vidal Barbosa, os dois Rezendes, o irmão do vigário,
o cônego Luís Vieira e outros acusados. José de Sá e
Bittencourt, bacharel em filosofia por Coimbra, que, ao acabar
os seus estudos, viajara pela França e Inglaterra, em 1777, e
vivia no Caité, foi também buscado, como suspeito; mas
conseguiu escapar-se para os sertões da Bahia, foi preso pelo
ouvidor dos Ilhéus, remetido à Bahia, e daí ao Rio de Janeiro,
onde conseguiu sair absolvido (37).
232
Coadjuvaram o governador, em suas diligências, o
ajudante de ordens Francisco Antônio Rebelo (encarregado,
depois de feitas as prisões, de levar os ofícios à corte), e o
novo ouvidor Pedro José Araújo de Saldanha, sendo nomeado
escrivão da devassa o ouvidor do Sabará José Caetano César
Manitti, até que chegaram do Rio de Janeiro, mandados pelo
vice-rei para a mesma devassa, o desembargador José Pedro
Machado Coelho Torres e o ouvidor do Rio de J aneiro
Marcelino Pereira Cleto. – Outras devassas se tiraram no Rio,
onde, em fins de 1790, se instaurou a alçada para julgar os
réus, que foram todos levados ante ela. Desta alçada fazia
parte o desembargador Dinis, conhecido pelo seu poema herói cômico e por suas odes pindáricas (38). A ela vieram a
responder todos os presos mandados de Minas, aos poucos, em
sete remessas, alguns deles em ferros, entrando neste número
os poetas Gonzaga e Alvarenga.
Gonzaga alegou, em seu favor, razões mui
convincentes, sem acusar a ninguém. Outro tanto fez o
honrado cônego Luís da Silva, que não era mais culpado que
ele; pois toda culpa, se a havia, se reduzia a serem ambos
muito ilustrados, verem claro o que se passava no mundo, e
preverem os sucessos que, segundo a ordem natural, tinham de
acontecer um dia.
Cláudio, já então com sessenta anos de idade feitos,
uma só vez interrogado, em 2 de Julho de 1789 (39),
acovardou-se excessivamente: atribui a sua desgraça a castigo
da justiça divina, declarou que pedia perdão ao go vernador,
protestou que não estava em nenhum plano de conspiração,
nem acreditava nela. O estado, porém, de alucinação em que se
achava o seu espírito fez avultar o alcance de conversações
233
íntimas que tivera com seus amigos, ou revelações que estes
lhe haviam feito, depois das idéias lançadas pelo Dr. Maciel e
o Tiradentes, e muito os veio a comprometer. Dois dias depois,
foi encontrado no cárcere, suspendido de um armário,
havendo-se enforcado com uma liga (40). Alvarenga, Maciel e
Vidal Barbosa revelaram quanto sabiam, e o mesmo fez
religiosamente o Tiradentes (depois de haver tudo negado a
princípio) quando se persuadiu, devoto como era, que estava
de Deus que tudo ficasse sabido. Os seus depoimentos últimos
merecem, pois, o conceito de um relato muito verdadeiro de
quanto se passou.
Gonzaga procurou disfarçar as largas horas nas
masmorras, retocando muitas das suas liras, e compondo
outras novas, em que, apesar de amorosas, chegou a incutir a
impressão medonha sob que eram inspiradas. Alvarenga, o
pindárico vate, de novo procurou recomendar-se por meio de
uma poesia, adulando na prisão, a um tempo, a rainha, o vice rei e o próprio governador Barbacena. A sublime ode (41)
imprecando a soberana para visitar o Brasil, bem que não
serviria de recomendação aos juízes, em virtude da
consagração dos princípios de americanismo, que nela
dominam, excedeu à que antes compusera ao nascimento do
filho do conde de Cavaleiros, fazendo votos para que o recém nascido viesse um dia a empunhar o bastão de governador na
sua pátria (42).
Aos 18 de Abril de 1792, proferiu a dita alçada o
acórdão, e na conformidade das leis eram condenados à morte,
enforcados com infâmia, o Tiradentes, Alvarenga, Freire de
Andrada, o Dr. Maciel, Abreu Vieira, Vaz de Toledo, Oliveira
Lopes, Vidal Barbosa, os dois Rezendes, e o Amaral Gurgel,
234
ficando-lhes infamados os filhos e netos, e sendo confiscados
os seus bens, Dos sete primeiros, deviam ser cortadas as
cabeças, levadas a seus distritos, e aí pregadas em postes altos
até que o tempo as consumisse. De alguns as casas seriam
derribadas e os chãos delas salgados. O Tiradentes seria, além
disso, esquartejado. Lida a sentença, Rezende pai exclamou:
“Senhor! eu tenho credores e muitas dívidas!”, e ficou mudo
(43). Abraçou-se com ele o filho e, entre muitas lágrimas,
pareceram ambos resignar-se. Igualmente se abraçara
Domingos de Abreu com um seu escravo que muito o amava.
Procurava Maciel consolar a Oliveira Lopes. Mais feliz foi
Vidal Barbosa, que desatou em uma gargalhada, pois de uma
conversação que ouvira aos juízes do cárcere, via chegada a
hora do perdão...
Felizmente, não tinha para todos de executar-se a dura
sentença. Ocupava o trono uma piedosa rainha, que havia com
tempo prevenido contra a severidade do código criminal do
país, o livro quinto das Ordenações Filipinas. Por carta régia
de 15 de Outubro de 1790 (44), dirigida ao chanceler, juiz da
alçada, fora ordenado que, aos próprios chefes da facção, a
pena ficasse limitada a degredo; exceto quando fosse isso
absolutamente impossível, pela atrocidade e escandalosa
publicidade de seu crime, revestido de tais e tão agravantes
circunstâncias que fizessem a comiseração impossível.
Esse só ato da boa alma da primeira testa coroada, que
veio em pessoa com o diadema ao novo mundo, fará todos os
brasileiros bendizer a memória desta ínclita herdeira da
piedosa Santa Isabel, da talentosa rainha D. Catarina (mulher
de D. João III) e da intrépida esposa do primeiro rei
bragantino...
235
“Este perdão, diz Fr. Raimundo de Penaforte, firmou
muito mais o direito de vassalagem nos corações, do que a
justiça, ainda eu revestida da clara luz do meio-dia, que
castigasse delito semelhante (45).”
A leitura desse decreto apresentou-se nos mais trágicos
momentos, produzindo uma verdadeira catástrofe dramática.
Alvarenga prorrompeu em exclamações quase de alienado.
O alferes Silva Xavier foi o único declarado como
cabeça (46). Julgando os juízes necessário para o escarmento
público algum exemplo, votaram para que fosse ao patíbulo,
cumprindo-se inteiramente, a seu respeito, a dura e cruel
sentença.
Alvarenga foi degredado para Ambaca, Maciel para
Maçangano, Freire de Andrada para as Pedras de Ancoche, e
Gonzaga para Moçambique, donde naturalmente enviaria, para
ser dado ao prelo, o seu célebre cancioneiro, que intitulou
Marília de Dirceu (47), sendo o nome Dirceu o que ele adotara
como árcade. Com estes, foram condenados, para outros
presídios mortíferos da África, e por maior ou menor número
de anos, mais quatorze infelizes (48).
Do alferes Silva Xavier sabemos que ouvira a sentença
com toda a serenidade; e que, com a maior abnegação de si,
chegou a dizer quanto estimava vir a pagar as culpas daqueles
que ele havia comprometido. Por essa forma ele se adiantou a
aceitar para si a responsabilidade desta nobre tentativa e as
glórias do martírio que hoje lhe confere a posteridade.
O dia 21 de Abril veio a ser o designado para o do seu
suplício no Rio de Janeiro. Teve ele lugar depois das onze da
manhã, na praça então denominada de Lampadosa, junto à
atual da Constituição (49). Toda a tropa estava em armas, e
236
postada pelas ruas com cartucheiras providas. O
acompanhamento foi aparatoso, e a população curiosa se
apinhava pelas ruas e praças. Ao pedir o carrasco perdão ao
réu, quando lhe vestia a alva, exclamou ele: “Oh meu amigo!
Deixe-me beijar-lhe as mãos e os pés: também o nosso
Redentor morreu por nós”. Marchou depois sereno ao suplício,
pediu por três vezes ao carrasco que abreviasse a execução, e
com os olhos pregados no Crucifixo, subiu ao patíbulo...
Os degredados para Angola e Moçambique partiram
todos do Rio de Janeiro, aos 22 de Maio seguinte (50); e por lá
vieram a morrer, sem que até hoje almas patrióticas tenham
procurado fazer que voltem seus ossos a abrigar-se na terra da
pátria (51). O martírio do patíbulo conferiu ao alferes Silva
Xavier, apesar de “pobre, sem respeito e louco”, como dele diz
Gonzaga, a glória toda de semelhante aspiração prematura em
favor da independência do Brasil.
Lamentando, como devemos, as vítimas que causou esta
mal denominada conspiração, que tantas simpatias inspira a
todas as almas generosas, cremos que o seu êxito, ainda
quando a revolução chegasse a realizar-se, não podia ser
diferente do que foi; e que, portanto, quase parece ter sido um
bem que ela não estalasse, para não comprometer muito mais
gente, e induzir a província em uma guerra civil, que
devastasse essas povoações, que começavam a medrar.
Na apatia em que estava o governador, gozando das
delícias da sua Cápua, nada mais fácil do que os primeiros
triunfos, se tivesse tido resolução e vontade o tenente-coronel
Freire de Andrada. Mas depois?
Os paulistas, que não consta haverem sido ouvidos,
estavam satisfeitos com seu governador, Bernardo José de
237
Lorena (52), não temiam ser vexados com a derrama, e
começavam já a aborrecer-se do ócio em que viviam, depois da
paz com Espanha. Não seria difícil ao vice-rei Luís de
Vasconcelos, ainda quando o Rio de Janeiro se declarasse com
os republicanos (o que não era provável, pois não vigoravam
aí tais idéias (53), – refugiar-se para Santa Catarina ou Rio
Grande, e enviar dali forças, por São Paulo, enquanto fizessem
bloquear o porto do Rio, empório da província de Minas. As
forças da capitania do Rio de Janeiro constavam então de
quinze terços de auxiliares (cinco destes na cidade), ao todo
com mais de nove mil praças; a tropa de linha, compreendendo
a que estava no Rio Grande e Santa Catarina, acercava-se a
sete mil homens. Os socorros dos Estados Unidos ou da
França, com que se faziam ilusões os que suspiravam pelo
movimento, só poderiam vir, se é que com eles deviam contar
(no que pomos tanta dúvida como na possibilidade do êxito
então de uma revolução de independência), se a mesma
revolução começasse a mostrar algumas aparências de
duração, o que não era provável, não se lhe unindo São Paulo,
como dissemos (54), e neste caso a guerra civil podia estar
terminada, ainda antes de se haver feito constar na Europa a
sua existência. De Pernambuco, cujo governador era então um
hábil militar, e ode havia bastante tropa, poderiam estas ter
sido mandadas: enfim a guerra civil teria estalado, e os
resultados não se pode crer que fossem em favor dos Mineiros.
E supondo ainda que no fim de uma encarniçada guerra civil,
que já por si só seria um flagelo, triunfasse a revolução,
estaria hoje o Brasil em melhor estado? Essa pequena
república, encravada no meio do majestoso império de Santa
Cruz, não teria sido um mal? Não teria alguma nação poderosa
238
procurado um pretexto de guerra para buscar ter nesse
território uma Guiana? Não teria ainda nele também outra
Guiana o próprio Portugal? Curvemos a cabeça ao decreto da
Providência, que, à custa do próprio sangue dos mártires do
patriotismo, veio a conduzir-nos à única situação, em que
podemos, sem novos ensaios, procurar ser felizes, e fazer -nos
respeitar como nação.
Pelo que respeita ao visconde de Barbacena, quando
esperava haver bem merecido grande galardão da rainha pelo
seu bom serviço, encontrou-se ele, ao cabo de mais de um ano
de dar a notícia, com um aviso (55) do sisudo e honesto
ministro Martinho de melo, increpando-lhe uma grande parte
da responsabilidade de quanto sucedera, e levando-lhe ate a
quase a mal o haver mandado fazer tantas prisões, quando os
verdadeiros culpados eram em pequeno número; e por fim
ordenando-lhe que deixasse de ter a sua residência habitual no
campo, e passasse a morar na capital da província, para bem
das partes, e para poder atender a qualquer desordem. Não
cremos impossível que, tanto para esta repreensão, como para
a concessão do perdão, concorressem muito as informações
verbais dadas pelo vice-rei, amigo do Brasil, Luís de
Vasconcelos e Sousa, que justamente por esse tempo deixara o
posto, e partira para a corte, muito queixoso do mesmo
Barbacena (56).
NOTAS EM NÚMEROS ARÁBICOS
(1) Todos esses fatos constam do auto sumário fei to aos presos,
em 7 de Julho de 1789, são admiravelmente confirmados pela carta do
próprio Jefferson a J. Jay, extratada na Revista do Instituto Histórico, 3,
239
208/216. – (A.). – Conf. citada Revista, 47, parte 1ª, 123/132, onde se
encontra a correspondência trocada entre Jefferson e Vendek, pseudônimo
de José Joaquim da Maia, que escrevia de Montpellier. – Essas cartas, em
número de quatro, são vertidas do mau francês em que foram lançadas
para o português, e abarcam o período de 2 de Outubro de 1786 a 5 de
Janeiro de 1787. Encontra-se também a carta de Jefferson a John Jay, de 4
de Maio daquele último ano, mais completa do que a que vem transcrita
na mesma Revista, 3, 209/213. – Autos de devassa da Inconfidência
Mineira (Publicação autorizada pelo Decreto n. 756ª, artigo 3º, de 21 de
Abril de 1936). Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, 1936 -1938, 7
volumes. – O Auto sumario de testemunhas, a que mandou proceder o
Illustrissimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador, e Capitão
General desta Capitania de Minas Geraes, nesta Villa Rica de Nossa
Senhora do Pilar, supra referido, vem nos mesmos Autos de devassa, II,
págs. 81/95. – Das cartas de José Joaquim da Maia, que era estudante em
Montpellier, e se ocultava sob o pseudônimo de Vendek, e de Tomás
Jefferson, ministro dos Estados Unidos em França, existem cópias
autênticas dos originais em língua francesa, na secção de manuscritos da
Biblioteca Nacional, por certidão obtida pelo Dr. José Carlos Rodrigues: “Department of State. Bureau of Rolls and Library, Washington, April 11,
1883. – I certify that the papers hereto attached, viz: - A letter to Th.
Jefferson from one “Vendek”, dated October 2, 1786. – Ditto, dated
November 2, 1786. – Ditto, dated January 5, 1787; and a letter from Th.
Jefferson to monsieur Vendek dated Paris, Dec. 26, 1786 – Are true
copies, made from their originals in files of this Department – Theodore
F. Dwigth, Chief of Bureau of Rolls and Library”. – Seguem-se as cópias
dos documentos. Na segunda carta de Vendek acusa -se a recepção de uma
carta de Jefferson, de 16 de Outubro, que não consta da certidão, e da
qual o Dr. Lúcio José dos Santos, A Inconfidência Mineira – Papel de
Tiradentes na Inconfidência, pág. 101, São Paulo, 1927, supre a falta em
bom extrato. – (G.).
(2) O Visconde de Barbacena, por certo impressionado com o fato
das relações de um dos estudantes de Montpellier com o ministro
americano em Paris, do que teve conhecimento pelas referências do
coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, Autos de devassa II, pag.
55, ordenou que a respeito se fizesse em separado auto sumário de
testemunhas, ibidem, págs. 81/95, que já foi referido. – (G.).
(3) Documento de Simancas, transcrito na Historia del reinado de
240
Carlos III [en España, Madrid, 1856, 4 vols.], pelo nosso esclarecido
amigo, o finado D. Antônio Ferrer del Rio, liv. V, cap. 4º. – (A.). – Vol.
III, págs. 406/407. – Conf. nota I no final desta secção. – (G.).
(4) Veja nota 48 desta secção. – (G.).
(5) Veja Bartasat da Silva Lisboa, Discurso historico, politico, e
econômico [citado], pág. 14, que dá conta dos mármores descobertos pelo
dito visconde, nos arredores de Coimbra. – (A.). – “... desdobrio muitos
marmores nobres, e várias minas de ferro nos contornos de Coimbra”, escreveu Lisboa, loc. cit. – O visconde de Barbacena era secretário da
Academia Real das Ciências de Lisboa, quando foi nomeado governador e
capitão-general de Minas Gerais. – Conf. S. J. da Luz Soriano, História
da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em
Portugal, I, 324, Liboa, 1866. – (G.).
(6) “... foi o primeiro que suscitou esta espécie, com a lembrança
da Inglaterra...”. – Depoimento de Cláudio, 2 de Julh de 1789. – (A.). –
Revista do Instituto Histórico, 53, parte 1ª, 158. – (G.).
(7) Cláudio Manuel da Costa nasceu em 5 de J unho de 1729, no
bispado de Mariana, de João Gonçalves da Costa e D. Teresa Ribeiro de
Alvarenga. Seus primeiros estudos fez em Vila Rica; passou depois ao
Rio de Janeiro, onde cursou Filosofia no Colégio dos Jesuítas; em 1749
seguiu para Lisboa e daí para Coimbra, em cuja Universidade se formou
em Cânones; e, 1753 ou 1754 voltou ao Brasil e passou a residir em Vila
Rica com o exercício da advocacia. – (G.).
(8) Inácio José de Alvarenga Peixoto nasceu no Rio de Janeiro em
fins de 1743 ou princípios de 1744, porquanto em auto de perguntas a que
respondeu em 11 de Novembro de 1789 declarou ser da idade de quarenta
e cinco anos, Autos de devassa, IV, págs. 127/128. Era filho de Simão de
Alvarenga Braga e de D. Angela Micaela da Cunha. Fez seus primeiros
estudos no Colégio dos Jesuítas e formou-se em Leis na Universidade de
Coimbra em 1769. Ficou em Portugal até 1776, como juiz de fora de
Sintra, cargo que ocupou por um triênio; foi depois despachado ouvidor
da comarca do Rio das Mortes (São João d’El -Rei), na capitania de Minas
Gerais. Deixando a magistratura recebeu a nomeação de coronel do
Primeiro Regimento de Cavalaria da Campanha do Rio Verde, onde era
abastado proprietário territorial. Em 1778 contraiu matrimônio com D.
241
Bárbara Eliodora Guilhermina da Silveira, poetisa de renome. – (G.).
(9) Tomás Antônio Gonzaga nasceu na freguesia de Miragaia, rua
dos Cobertos, na cidde do Porto, em 11 de Agosto de 1744, filho do
licenciado João Bernardo Gonzaga, natural do Rio de Janeiro, e de D.
Tomásia Isabel Gonzaga, filha de John Clark, inglês, negociante ali
estabelecido. – Conf. José Pereira de Sampaio (Bruno), Portuenses
Illustres, I, págs. 297/302, Porto, 1907. – (G.).
(10) Tomo II, págs. 269/281. – (G.).
(11) Uma cópia desse ofício é atualmente oferecida pelo A. ao
Instituto Histórico. – (A.). – Impresso em sua Revista, XL, parte 1ª, págs.
157/175. – (G.).
(12) Se isso fosse crime, tinha já sido grande criminoso o conde
de Aranda, escrevendo o mesmo nada menos do que a um ministro de
Estado, como vimos. – (A.).
(13) Joaquim Silvério: Veja o Processo no Brasil Histórico [de
Melo Morais], 1, n. 51. – (A.). – Rio de Janeiro, 1854. – Veja Autos de
devassa, I, págs. 6/8. – (G.).
(14) Neste número entrou o vigário Toledo, que depois confessou
ter disso escrúpulos. Também depuseram não ser Gonzaga cúmplice, com
a maior efusão, o honrado e venerando Domingos de Abreu Vieira; e (com
o assento de verdade religiosa que respira no seu depoimento, desde que
julgou que estava do Céu que tudo se viesse a saber) o alferes Sil va
Xavier, nos dias 18 de Janeiro e 4 de Fevereiro de 1790. Naquele dia
declarou que “absolutamente não sabia que ele (Gonzaga) fosse entrado, e
nunca ele respondente lhe falou em tal, pelo temer; ... e não tinha razão
nenhuma de o favorecer, porque sabe q ue o dito desembargador era seu
inimigo”; no segundo acrescentou: “É verdade que Joaquim Silvério nesta
cidade disse... que o dito... Gonzaga era entrado, do que ele respondente
se admirou, e ainda hoje mesmo se não capacita; e é certo que nem o
encobre por amizade, porque era seu inimigo, nem pelo respeito, porque,
a ser isso, encobriria o seu tenente -coronel”. – (A.).
(15) Tais como as de um doutor meio-clérigo, de um doutor
pequenino do Sabará, e outras. – (A.).
242
(16) Veja-se o nosso Florilégio da Poesia Brasileira, tomo II,
págs. 416 e segs., quando, instintivamente, estávamos possuídos das
mesmas idéias que hoje, das quais, na 1ª edição desta História Geral, nos
desviaram os ofícios de Barbacena, mas a que de novo temos de voltar
pelo estudo crítico do teor do processo todo. – (A.). – Florilégio, II,págs.
53/81, da edição da Academia Brasileira. – (G.).
(17) Nasceu a 12 de Novembro de 1746, filho de Domingos da
Silva Santos e de sua mulher Antônia da Encarnação Xavier; foi fatizado
na capela de São Sebastião do Rio-Abaixo (filial da paróquia de São João
del-Rei), sendo celebrante o capelão padre João Gonçalves Chaves e
padrinho João Ferreira Leitão, e “não teve madrinha”. Conf. Lúcio José
dos Santos, A Inconfidência Mineira, págs. 117/118. – (G.).
(18) Escrevemos assim este apelido, e não Andrade, porque o
tenente-coronel era filho (natural) do governador José Antônio Freire de
Andrada, irmão de Gomes Freire. Demais, parece que ele próprio assinava
correto. – Veja o Brasil Histórico [de Melo Morais], 2, n. 56. – (A.). 0
Rio de Janeiro, 1865. – (G.).
(19) Depoimento em 14 [aliás 18] de Junho de 1790. – (A.). –
Melo Morais, Brasil Histórico, I, 2ª série, págs. 5 e 6. – Veja Autos de
devassa, IV, pág. 47. Aí diferem os termos do depoimento dos do texto
supra: “... porque poderia assim succeder que esta terra se fizesse uma
República, e ficasse livre dos governos que só vêm cá ensopar -se em
riquezas de tres em tres annos, e quando elles são desinteressados sempre
têm uns criados que são uns ladrões...” – (G.).
(20) Frei Antônio de Santa Úrsula Rodovalho, no século Antônio
de Melo Freitas, filho de Timóteo Correia de Toledo e de D. Úrsula Isabel
de Melo; nasceu em Taubaté, capitania de São Paulo, a 1 de Novembro de
1762 e faleceu a 2 de Dezembro de 1817. Foi religioso Franciscano da
Província da Conceição do Rio de Janeiro, professo no convento de São
Paulo. Notável pregador, dele existem impressos alguns sermões.
Escreveu um Tratado de Filosofia, que não chegou a ser publicado. –
(G.).
(21) Não teve esta palavra para nenhum dos do conluio, a mínima
referência à de maçon, como pensou um contemporâneo. – Veja o
243
Dicionário de Morais. – (A.). – “...qui ad Europaeis parentibus, patre
atque matre, hic natus est, appellatur Mazombo”. – explica Marcgrav,
Historiae Rerum Naturalium Brasiliae, 268, Amsterdam, 1648. – (G.).
(22) Quarenta e quatro contava quando foi morto. – (A.). –
Quarenta e cinco anos cinco meses e nova dias, segundo se apurou de seu
assento de batismo. – Conf. Lúcio José dos Santos, A Inconfidência
Mineira citada, 119. – (G.).
(23) Em 19 de Junho de 1788 foi registrada no Senado da Câmara
do Rio de Janeiro uma petição do alferes Joaquim José da Silva Xavier,
para que lhe fosse concedida a faculdade de poder tirar água do córrego
Catete ou Lajanreiras, e do rio Andaraí ou Maracanã, para moinhos que
pretendia edificar onde lhe fosse mais conveniente, conforme provisão
que tinha, Arquivo do Distrito Federal, 3, 511/512. – (G.).
(24) Depoimento de Tiradentes, em 18 de Janeiro de 1790, Melo
Morais, Brasil Histórico, 1, 2ª série, n. 5. – Autos de devassa, IV, págs.
49/50. – (G.).
(25) Depoimento de Tiradentes, citado. – (G.).
(26) E não é para nós vem averiguado, por certa contradição que
se adverte nos depoimentos, se a verdadeira legenda de Alvarenga, por
todos preferida, foi a Libertas quae sera tamen, ou a de Libertas aut nihil,
que se atribuiu depois a Cláudio. – (A.).
(27) “De serem os cariocas uns bananas vis e covardes, porque
suportavam o jugo dos vice-reis”, etc. – (A.). – Eram outras as expressões
que a Sentença consignou: “... os cariocas americanos eram fracos, vis, e
de espiritos baixos, porque podiam passar sem o jugo que sofriam, e viver
independentes do reino, e o toleravam”, Revista do Instituto Histórico, 8,
319. – São diferentes as expressões constantes do interrogatório, aliás
contestadas pelo interrogado: “... que os cariocas eram uns patifes, vis,
que era bem feito que levassem com um bacalhau, visto que queriam
suportar o jugo, que tinham do governo da Europa, do qual se podiam
bem livrar, como fizeram os americanos ingleses...”, Autos de devassa,
IV, pág. 34. – Noutro passo do interrogatório os termos são estes: “... que
os cariocas eram uns vis, patifes e fracos, que estavam sofrendo o jugo da
Europa, podendo viver della idependent es...”, ibidem, pág. 39. – (G.).
244
(28) Veja o Processo, no Brasil Histórico [de Melo Morais], 2, n.
65 [Rio de Janeiro, 1865]. – É, pois, inexato o dizer-se que não lhe deu
nenhuma recomendação, quando foi justamente pela misteriosa que lhe
deu, que ele veio a ser contemplado entre os principais réus. – (A.).
(29) Ainda estava devendo 220:423$149 (Instrução a Barbacena,
parágrfo 123. – (A.) – Revista do Instituto Histórico, 6, 58. – (G.).
(30) Revista do Instituto Histórico, 8, 343. – (A.).
(31) Ofício do próprio Barbacena, de 11 de Julho de 1789. – (A.).
– Conf. nota 11 desta secção. – (G.)
(32) Documento inédito encontrado pelo A. em Portugal, em
1855, e por ele publicado pela primeira vez em 1857. – (A.) – Primeira
edição desta História, tomo segundo, págs. 274/275. – (G.).
(33) Parágrafo 38 da Instrução citada, Revista do Instituto
Histórico, 6, 18. – (G.).
(34) Assim chamada até 1865, quando passou a denominar -se rua
de Gonçalves Dias. – (G.).
(35) Ofício de Barbacena, de 11 de Julho de 1789. – (A.). – Conf.
nota 11 desta secção. – (G.).
(36) Depoimento de Gonzaga, em 17 de Novembro de 1789. –
(A.). – Melo Morais, Brasil Histórico, 1, 2ª série, n. 19. – Autos de
devassa, IV, pág. 248. – (G.).
(37) Veja Revista do Instituto Histórico, 6, 107/108. – O Dr. José
de Sá Bittencourt e Accioli fugira para a Bahia com o desígnio de
despedir-se dos pais e emigrar para os Estados Unidos; mas seu tio, o Dr.
João Ferreira de Bittencourt e Sá, convicto de sua inocência, o dissuadiu
do intento. Apenas constou ao governador da Bahia a presença do acusado
no distrito de sua jurisdição, ordenou ao ouvidor dos Ilhéus que o
prendesse. De fato, foi preso o Dr. José de Sá Bittencourt, recolhido à
cadeia de Camamu, transferido depois para a Bahia, e finalmente
remetido, para o Rio de Janeiro. Seu livramento, assegura -se, custou a
245
uma sua tia duas arrobas de ouro. – (G.).
(38) Elogiando muitos guerreiros portugueses, em cujo número
contamos o nosso governador Mem de Sá. A estada no Brasil deu a Dinis
a idéia de compor, acerca de assuntos americanos, várias fábulas ou
metamorfoses cujas formas excessivamente mitológicas as recomendam
pouco hoje em dia. – (A.) – Antônio Dinis da Cruz e Silva nasceu em
Lisboa a 4 de Julho de 1731, filho de João da Cruz Lisboa e Eugênia
Teresa da Silva. Estudou Humanidades nos Padres do Oratório, e Direito
na Universidade de Coimbra, onde se formou em 1753. Foi primeiramente
ouvidor em Castelo de Vide e depois auditor militar em Elvas, onde
compôs o Hissope, poema herói-cômico à maneira do Lutrin de Boileau,
que lhe deu mais fama. Chamado à presença do marquês de Pombal, por
queixa do bispo de elvas, D. Lourenço de Lencastre, que se considerava
ridicularizado na contenda com o deão Carlos de Lara, dizem que, à
leitura do poema e à vista do prelado, o ministro não pode guardar a
gravidade devida: contudo o poeta foi retirado de Elvas, mas promovido a
desembargador para o Rio de Janeiro, em 1778. Regressou a Portugal em
1787 e foi desembargador no Porto até 1790, quando pela carta régia de
17 de Julho desse ano passou com dois outros desembargadores ao Rio de
Janeiro para julgar os réus da Inconfidência Mineira. – Cruz e Silva
faleceu no Rio de Janeiro em 5 de Outubro de 1799, e foi sepultado na
igreja dos Capuchinhos do Morro do Castelo. – Na Arcádia, Cruz e Silva
foi Elpini Nonacriense. O Hissope só foi publicado em 1802, Paris,
embora se inscreva – Londres – no frontspício. As Odes Pindáricas e
Odes Anacreônticas, reunidas sob o título de Poesias..., foram editadas
em 6 tomos, Lisboa, 1807-1817. – (G.).
(39) Melo Morais, Brasil Histórico, 1, 2ª séria, n. 18. – (G.).
(40) Veja o auto de corpo de delito e exame do corpo do Dr.
Cláudio Manuel da Costa, em 4 de Julho de 1789, em Melo Morais, op.
etc, loc. cit., - (G.).
(41) Essa ode não estava feita antes de ser preso, como há quem
creia. E deve entender-se que anda geralmente impressa dividida em duas,
sendo uma só. Começa pelo Sonho, que se acha às págs. 385 e 386 do 2º
vol. do nosso Florilégio da Poesia Brasileira, e depois segue de págs. 369
a 372, constituindo os três últimos versos desta o final do Sonho. – (A.). –
Florilégio, II, págs. 30/31, da edição da Academia Brasileira. – (G.).
246
(42) Não “fosse convidado a reinar”, como disse um escritor, que
pelo nome não perca. – (A.). – Esse escritor foi Joaquim Norberto de
Sousa Silva, História da Conjuração Mineira, 121. – (G.).
(43) Frei Raimundo de Penaforte. – (A.). – Revista do Instituto
Histórico, 44, parte 1ª, 175. – (G.).
(44) Lê-se em melo Morais, Brasil Histórico, 2, 2ª série, pág.
125. – (G.).
(45) Últimos momentos (que felizmente não o foram para a maior
parte) dos Inconfidentes de 1789, no fim da Relação circunstanciada da
... Conjuração, etc. pelo mesmo autor. Ms. de 1792. – (A.). – O título
completo desse escrito é: “Últimos momentos dos Inconfidentes de 1789,
pelo frade que os assistiu de confissão. Foi publicado na Revista do
Instituto Histórico, 44, parte 1ª, 161/186, sem nome de autor, precedido
da Memória do êxito que teve a Conjuração de Minas e dos fatos
relativos a ela, acontecidos nesta cidade do Rio de Janeiro desde o dia 17
de Abril de 1792, págs. 140/160. – O passo indicado no texto lê-se à pág.
179, da citada Revista. – (G.).
(46) “... Sendo talvez por esta descomedida ousadia, com que
mostrava ter totalmente perdido o temor das justiças e o respeito e
fidelidade devida à dita Senhora (Rainha), reputado por um herói entre os
conjurados”. – Sentença na Revista do Instituto Histórico, 8, 318. – Dizia
“que os cariocas americanos eram fracos, vis, e de espíritos baixos,
porque podiam passar sem o jugo que sofriam e viver independentes do
reino, e o toleravam”, etc., ibidem, 319. – (A.). – Edição mais fidedigna
da Sentença, de acordo com o original existente na Biblioteca Nacional,
vem na citada Revista, 64, parte 1ª, 109/152. – A sentença está impressa
nos Autos de devassa, VII, págs. 145/197. – Conf. nota 27. – (G.).
(47) Para a bibliografia de Gonzaga veja: Gonzagueana da
Biblioteca Nacional. Catálogo organizado pelo bibliotecário Emanuel
Eduardo Gaudie Ley, in Anais da Biblioteca Nacional, XLIX, págs.
417/492. – Osvaldo M. B. de Oliveira – As edições de Marília de Dirceu.
– Rio de Janeiro, 1930. – São aí descritas quarenta e sete edições em
português, nove edições em francês, italiano, latim, castelhano e alemão.
– “Nenhuma obra em português, a não ser o Camões, tem tido mais
247
edições neste século [XIX]”, escreveu o Autor, Revista do Instituto
Histórico, XII, pág. 123. – (G.).
(48) Veja a nota 50. – Sobre os que foram deportados para Angola
publicou o Rev. Padre Manuel Ruela Pombo, na edição ilustrada da
Revista Diogo Cão, de Luanda, fascículos 1 a 6, de 1932, preciosos
documentos que informam suficientemente das circunstâncias de vida
daqueles brasileiros nos presídios de maçangano, de Cambambe, de
Ambaca, de Muxima, de Ancoche ou Encoge, de Bié e de Mengue-aNova. Merece destaque a ação do Dr. José Alvares Maciel, desterrado
para Maçangano, e encarregado depois pelo governo português de montar
uma fábrica de ferro em Angola. Dos documentos a respeito consta a
correspondência do governador de Angola, D. Miguel Antônio de Melo
com o ministro D. Rodrigo de Sousa Coutinho, bem como uma longa carta
de Maciel, de 2 de Maio de 1800, dando conta de seus trabalhos de
mineração. – (G.).
(49) No campo de São Domingos, diz a certidão do
desembargador Francico Luís Álvares da Rocha, escrivão da comissão
expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, passada
no próprio dia da execução de Tiradentes, que transcreveu Rio Branco,
Efemérides Brasileiras, pág. 210, edição de 1946. – A esse tempo, o
campo assim chamado, se estendia da atual rua da Alfândega aos morros
da Conceição e Livramento. O campo da Lampadosa, segundo rio Branco,
op. cit., 247, já estava separado do de São Domingos pelos quarteirões
que demoram entre a rua da Alfândega e a da Constituição, com o seu
prolongamento no antigo largo do Rocio, depois praça da Constituição, e
hoje praça Tiradentes. – Miguel Lemos, em seu opúsculo Determinação
do lugar em que foi supliciado o Tiradentes, Rio, 1892, situou aquele
local entre as ruas Visconde do Rio Branco e da Constituição, onde
existia uma empresa funerária, hoje ocupada pela Escola Tiradentes. –
(G.).
(50) Revista do Instituto Histórico 13, 405. – (A.). – Aí, o A., em
Aditamento à biografia de Gonzaga, refere-se à partida dele na data
acima, no navio Nossa Senhora da Conceição Princesa de Portugal,
“nome que quase se poderia dizer maior que o barco”. Nesse navio, além
de Gonzaga, seguiram para Moçambique: Vicente da Mota, José Aires
Gomes, João da Costa Rodrigues, Antônio de Oliveira Lopes, Vitoriano
Veloso e Salvador Gurgel. Antes, a 5 de Maio, nas corvetas Nossa
248
Senhora de Guadalupe e Nossa Senhora de Brota, embarcaram para
Angola: Inácio José de Alvarenga, Luís Vaz de Toledo, José Álvares
Maciel e Francisco Antônio de Oliveira Lopes. A 24 de Junho, na fragata
Golfinho, foram embarcados para Lisboa para dali serem transportados
para a África, os Rezende Costa, pai e filho, Domingos Vidal Barbosa e
João Dias da Mota. No dia 15 do mesmo mês, seguiram para Angola na
corveta Nossa Senhora da Conceição e Santa Rita: Francisco de Paula
Freire de Andrada e Domingos de Abreu Vieira. Ficou ainda na prisão, à
espera de navio para conduzi-lo a Benguela, o réu Fernando Ribeiro. –
Conf. Lúcio José dos Santos, A Inconfidência Mineira, 528. – (G.).
(51) No esclarecido governo do Presidente Getúlio Vargas e em
execução do decreto n. 756ª, de 21 de Abril de 1936 (artigo 1’o),
referendado pelos ministros Gustavo Capanema, da Educação, José Carlos
de Macedo Soares, das Relações Exteriore s, e Henrique A. Guilhem, da
Marinha, foram trasladados para a terra pátria os restos dos Inconfidentes,
que ainda jaziam em solo africano. Pelo mesmo decreto (artigo 2º), à
cidade de Ouro Preto foi confiada a guarda desses despojos, que foram
depositados no Museu da Inconfidência, na mesma cidade, enquanto não
for erigido o monumento, que o citado decreto previu. O voto patriótico
do A. foi assim cumprido. – (G.).
(52) Sobre a depravação desse governador, veja J. Felício dos
Santos, Memória do Distrito Diamantino, 258, Rio, 1868. – (G.).
(53) Veja o opúsculo Observações que mostrarão [não só] o
crime de rebellião, que temeraria, e sacrilegamente intentarão alguns
moradores da Capitania de Minas [no Brasil, mas a legítima posse, que
tem os Senhores reis de Portugal daquellas Conquistas. Dedicadas a Sua
Alteza Real o Serenissimo Principe do Brasil], escrito pelo conhecido
Domingos Alves Branco Muniz Barreto, nesse tempo capitão de infantaria
[do Regimento de Extremos]. – (A.). – Datadas de Lisboa, 16 de
Novembro de 1793. – Cópia no Instituto Histórico.
(54) E como, com todo o fundamento, opinava o tenente -coronel
Freire de Andrada. – (A.). – Conf. Lúcio José dos Santos, A Inconfidência
Mineira, 208. – (G.).
(55) De 20 [aliás 29] de Setembro de 1790. – (A.). – Conf. Lúcio
José dos Santos, A Inconfidência Mineira, 549/550. Deste livro do
249
olustrado professor de Belo Horizonte, superiormente documentado,
pode-se dizer que esgota a matéria de que se ocupa. – (G.).
(56) Conf. a Correspondência do vice-rei Luís de Vasconcelos
com o ministro Martinho de Melo e Castro, em que há graves acusações
ao governador de Minas Gerais, Revista do Instituto Histórico, 30, parte
1ª, 190/208, e 32, parte 1ª, 263/284. – (G.).
NOTAS EM ALGARISMOS ROMANOS
(I)
O conde de Aranda acrescentava, qualificando seu plano de puro
sonho:
“Mi tema es que no podemos sustener el total de nuestra Am érica,
ni por su extension ni por la disposicion de algunas partes de ella, como
Perú y Chile, tan distantes de nuestras fuerzas, ni por las tenta tivas que
potencias de Europa pueden emplear para llevársenos algun giron.
“Vaya, pues, de sueño. Portugal es lo que más nos convendria, y
solo él nos seria mas util que todo el continente de América, exceptuando
las islas. Yo soñaria el adquirir Portugal con el Perú, que por sus espaldas
se uniese con el Brasil, tomando por limite la embocadura del rio
Amazonas, siempre rio arria, hasta donde se pudiese tirar una linea que
fuese á parar á Paita, y aun, en necesidad, más arriba de Guayaquil.
“Estableceria un infante en Buenos Aires, dándole tambien el
Chile; y si solo dependiese en agregar este al Perú, para hacer declinar la
balanza á gusto de Portugal em favor de la idea, se lo diera igualmente,
reduciendo el infante á Buenos Aires y dependencias.
“No hablo de retener Buenos Aires para España, porque,
quedando cortado por ambos mares, por el Brasil y el Perú, más nos
serviria de enredo que de provecho. No prefiero tanpoco el agregar al
Brasil toda aquella extension hasta el cabo de Hornos, y retener el Perú ó
destinar este al infante, porque la posicion de un principe de la misma
casa de España, cogiendo al dueño del Brasil y Perú, serviria para
contener á este por dos lados. Quedaria á la España desde el Quito,
comprendido, hasta sus posesiones del Norte y las islas que posee al
Golfo de México, cuya parte llenaria bastante los objetos de la corona, y
podria esta dar por bien empleada la desmembracion de la parte
250
meridional por haber incorporado con otra solidez el reino de Portugal. - ¿
Pero, y el señor de los fidalgos queria buenamente prestarse? - ¿ Pero
cabria, aun queriendo que se hiciera del golpe y zumbido? - ¿ Pero, y
otras potencias de Europa, dejarian de influir ú obras en contrario? - ¿
Pero y cien peros; y yo diré que soñaba el ciego que veia y so ñaba lo que
queria…” – (Aranda á Florida-Blanca: 1786).
- Conf. D. Antonio Ferrer del Rio, Historia del reinado de Carlos
III, 3, 407/409, nota. – (G.).
(II)
Sem dúvida, segundo os nossos definitivos exames, o próprio
Cláudio Manuel da Costa. – Veja a nossa carta de 30 de Novembro de
1867 a esse respeito, impressa no Rio de Janeiro, para se anexar à edição
das mesmas Cartas Chilenas, do Sr. L. F. da Veiga. – (A.). – A carta ao
Sr. Dr. L. F., da Veiga acerca do autor das “Cartas Chilenas”, escrita
por F. A. Varnhagen, impressa no Rio de Janeiro, sem data, é documento
bastante raro, por isso, aqui fica transcrita integralmente:
“Ilmo Sr. Dr. Luís Francisco da Veiga. – Graças à minha recente
vinda a esta corte, acabo de estudar as Cartas Chilenas, valendo-me desta
vez da bela edição com que V. S. mimoseou as letras pátrias em 1863, e
da qual nem a notícia me tinha chegado além dos Andes, onde até os
nossos próprios jornais, começando pelo Diário Oficial, recebia sempre,
pelas irregularidades dos correios inter médios, com desesperantes
demoras e interrupções.
Creio que faltaria a um dever se, felicitando a V. S. pelo seu
valioso trabalho, não lhe agradecesse desde já a benévola distinção que
me fez ao contemplar no seu prólogo, de um modo para mim tão honroso,
o meu pobre nome.
Nem devia esperar de V. S. menos que ainda há sete anos, em
1860, deveu, em grande parte, a V. S. o obséquio de uma coleção de
folhetos raros, impressos entre nós desde 1808, com uma pequena porção
dos quais enriqueci em pecúlio, enviando outros (alguns até incompletos
ou roídos do bicho) ao Sr. Inocêncio Francisco da Silva, para serem por
ele contemplados no seu Dicionário Bibliográfico vários escritores ou
tradutores nossos, que não o houveram sido sem essa nobre generodiade
do Sr. João Pedro da Veiga e de seus dignos filhos.
Todos estes favores de V. S. obrigaram-me tanto, que tendo de
consignar quanto antes, por escrito, as impressões deixadas por
semelhante estudo em meu ânimo, prefiro fazê -lo por meio desta carta,
251
que poderá ser publicada, se nisso V. S. assentir.
Devo começar por confessar a V. S. que, se nunca acreditei que
fossem de Gonzaga as Cartas Chilenas (a que no Florilégio propus
déssemos o nome de Mineiras), ao lê-las agora de novo, sinto a este
respeito uma convicção inabalável, não só pelo modo como nelas se
nomeia mais de uma vez a Dirceu, em terceira pessoa (revelando até um
incidente que ele por certo não estimaria muito), mas principalmente
pelos pensamentos e pelo estilo, que desdizem completamente da
gravidade, resignação, suavidade e estro que todos reconhecemos no
cantos de Marília, já depois da época em que deve ter sido o poema
composto, época de que adiante me ocuparei.
Pelas mesmas razões não me é possível hoje admitir que fosse das
mesmas Cartas autor o coronel Inácio José de Alvarenga Peixoto. Dele
como de terceira pessoa, se trata nas novas cartas com o nome de Alceu, e
os versos que também dele possuímos, posteriores à época do poema, na
prisão, antes e depois de conhecer que lhe fora comutada a sentença, têm
felizmente para o seu bom conceito de poeta, muito mais estro e nume.
Se em virtude da “facilidade da metrificação, naturalidade de
estilo e propriedade da linguagem” tive sempre, como V. S. sabe,
tendências para atribuir esta composição a Cláudio Manuel da Costa, hoje
que melhor o conheço, até pelos seus depoimentos no processo ( * ), sinto
em mim vencidas, pelos muitos argumentos a favor dele, as dúvidas que
abrigava para admiti-lo como verdadeiro autor.
Sem me ocupar, porém, agora da linguagem, castiça e de boa lei,
e do estilo natural, fácil, mas viciado pelo abuso das duplicações, os
novos argumentos são para mim deduzidos da falta de estro que se nota
nas Cartas, do pouco entusiasmo do autor pela sua “terra natal”, de certas
referências que lhe escaparam, e finalmente do próprio pseudônimo de
Critilo. Considerarei por parte cada um destes pontos.
Falta de estro. – Cláudio é o próprio que confessa que desde que
se vira em Minas, longe das Musas do Tejo e do Mondego, não podia mais
poetar; e prova patente dessa verdade a deu no prosaico poema que
intitulou Vila Rica por todos reconhecido como produção autêntica da sua
pena.
Pouco entusiasmo pela terra natal. – Também é confessado pelo
próprio Cláudio no prólogo do tomo de poesias que de Minas mandou
*
No depoimento de Cláudio em Vila Rica, no dia 2 de Julho de 1789, ele é o
próprio que reconhece “o gênio gracejador que tinha”, e que confessa como fora
amigo da “maledicência”. (Nota do A.).
252
imprimir em Portugal. Bastante chamei sobre essas palavras a atenção,
transcrevendo-as pela primeira vez no Florilégio. Ora, que o autor das
cartas era filho de Minas, o revela ele claramente, quanto a mim, no fim
da carta 10ª..., dizendo:
“Talvez, prezado amigo, que nos hoje
Sintamos os castigos dos insultos
Que nossos pais fizerão...
...............................................................
Aqui os Europeos se divertão
Que muito pois de Deos levante o braço,
E puna os descendentes de uns tyrannos.”
Bem sabe V. S. que em Minas os poetas brasileiros, conhecidos e
célebres, com Critilo é declarado na epístola alheia que precede as cartas,
não eram por certo numerosos.
Referências que lhe escaparam. – Na pág. .... diz o autor:
“A minha, a minha Nise, está vestida
Da côr mimosa com que o céo se veste.”
.................................................................
A minha doce Nise, qual menino,
Os olhos nella fito cheios d’agua.
Logo depois (pág....) vê na fantasia um caduco Adônis que oferta
“A Nise uma das flores, e que Nise
Com ar risonho no peito a prega”,
e mais adiante, ao começar a carta 10ª, volta a comemorar a longa
ausência da sua bela, dizendo:
“Perdôa, minha Nise”, etc.
Agora bem: sabemos que Nise havia sido o nome da amada, ideal
ou verdadeira, - da deidade poética, a quem votara Cláudio os seus versos,
ao chegar da Europa; mas já não havia indiscrição em designá -lo, quando
tantos outros poetas versejavam pelo mesmo tempo a outras Nises; da
mesma forma que outros, sem ser Gonzaga, fariam coetane amene com ele
versos a outras Marílias, e outros, sem ser Alvarenga, a outras Clauras.
Demais as Cartas não eram destinadas a ver a luz da imprensa. Escrevia as o autor a um amigo seu que estava na corte, e provavelmente teria bem
cuidado de dirigi-las, até o Rio de Janeiro pelo menos, em carta fechada e
253
por algum próprio de confiança; de modo que não corressem risco de cair
nas mãos dos mandões em Minas. Mas se chegassem a cair, não deveriam
elas comprometer a Cláudio, que já então poetava à sua Eulina. As sim,
com a lembrança da antiga Nise (alguma Inês provavelmente), dirigindo a
Doroteu, que talvez também tivesse dela notícia em Portugal, bem poderia
o poeta julgar que nenhuma revelação fazia; ao passo que, para com o seu
amigo, guardava a lei dos trovadores, ao ter, como os antigos cavalheiros
andantes, continuamente presente a sua Dulcinéia.
Nome de Critilo.- Neste nome era necessário maior disfarce, pois
que o de Galucestes devia ser mui conhecido. Destarte pela mesma razão
com que o poeta, por prudência, dissera Cartas Chilenas em vez de
Mineiras, Chile em vez de Minas, Santiago em vez de Vila Rica,
substituições todas como calculadas para poderem, a todo tempo, entrar
nos versos, sem prejuízo da metrificação, escreveu Critilo em vez de
Glaucestes, com igual disfarce. Um e outro nome entram no verso da
mesma forma.
Porventura, se Critilo fosse nome de Arcádia, há de por meio dele
revelar-se o autor, que em tudo o mais, para não chegar a comprometer -se
em caso de alguma violação do correio, buscava guarda r tantos mistérios?
Cabe-me ainda para mais, acrescentar que alguma tradição deviam
haver recolhido a favor de Cláudio Manuel da Costa os redatores dos
Anais Fluminenses de 1822, quando, propondo-se a imprimir as Cartas no
Jornal Científico, Econômico e Literário, publicado por eles nesta corte
em 1826, não duvidaram associar a elas, desde logo, bem que
misteriosamente, o nome de Cláudio, publicando -o com as suas iniciais
deste modo: De C. M. da C.
Passando agora a tratar da época em que foram escritas as Cartas,
direi que, pela própria leitura delas, se reconhece que não se compuseram
de um jacto, mas sim sucessivamente, mediando largas interrupções.
Foram, ao que parece, escritas as primeiras enquanto ainda o Minésio
permanecia no governo, e por conseqüência talvez em 1784 ou 1785;
seguiram a 5ª e 6ª depois dos festejos pelos desposórios dos Infantes em
1786; e as seguintes à 7ª, que começa:
“Ha tempo, Dorotheo, que não prosigo
Do nosso Fanfarrão a longa historia...”
depois de partido, em 1788, o governador D. Luís da Cunha e
Menezes, a quem Cláudio não podia querer muito, quando não se vira por
ele tratado como no tempo de seus antecessores desde o conde de
Valadares.
254
Quanto ao Doroteu, que estava na corte, a quem eram dirigidas as
mesmas Cartas, e que deve ser dúvida ser o autor (não residente em
Minas, como dela se depreende) da apístola em resposta a elas, e que não
edição as precede, propendo a suspeitar, que seria ele o conselheiro
Teotônio Gomes de Carvalho, de idéias liberais, companheiro de Cláudio
em Coimbra, poeta como ele, e seu conhecido Mecenas, pela grande
influência de que gozava não só no tempo de Pombal, como junto dos
ministros de Maria I.
Penso, permitindo-me Deus, dedicar-me a estudar e esclarecer
este ponto; pois não me faltam motivos p ara suspeitar que era também
filho do Brasil o mesmo Teotônio Gomes de Carvalho, cuja naturalidade
declara ignorar o dito meu douto e prestante amigo Sr. Inocêncio F. da
Silva, no tom. 7º, pág. 313 do seu Dicionário Bibliográfico.
Seja como for, o que não há dúvida é que se as chamadas Cartas
Chilenas não têm grande mérito poético, não lhes falta o mérito literário,
e bem que em verso, são em todo caso um importantíssimo documento
histórico, não só para a monografia de Minas, como para a própria
história geral do país; visto que nelas se vê pintado o modelo de outros
governadores e capitães-generais tanto do Norte, como do Sul, e dos
sertões, – que nada valiam; pois como diz o autor da epístola a Critilo, na
pág. ....:
“Destro pintor, em um só quadro, a muitos
Soubeste descrever. Sim, que o teu chefe
As maldades de todos comprehende.”
Com efeito a crítica das Cartas Chilenas vinha servir a justificar
a consulta do Conselho Ultramarino, quando, mais de meio século antes,
em 11 de Março de 1712, referindo-se à vergonhosa rendição do Rio de
Janeiro a Duguay Trouin, dizia ao rei que “não era menos para considerar
a idade do governador, o qual não devia ser rapaz, ainda que de ilustre
sangue, porque dos poucos anos não se podia esperar muita prudência
nem muita experiência, antes pelo contrário muitas vezes, com dano da
honra dos vassalos, os quais irritados concebem ódio contra os
governadores e por conseqüência tumultuam contra eles”.
Aqui termino por hoje, repetindo a V. S. que todas as veras sou:
De Vossa Senhoria – Atento venerador e amigo – F. A. DE
VARNHAGEN.
- Rio de Janeiro, 30 de Novembro de 1867.”
As Cartas Chilenas constituíram um problema bibliográfico, que
255
por longo tempo desafiou a argúcia dos historiadores da literatura
nacional. O A., a princípio, chegou a atribuir a autoria delas a Alvarenga
Peixoto, mas logo depois, com os argumentos expedidos na carta supra,
decidiu-se por Cláudio Manuel da Costa. Por Alvarenga ficaram
Ferdinand Denis, Camilo Castelo Branco e Teófilo Braga, entre os
críticos alienígenas, e Sílvio Romero, entre os nacionais. Por Tomás
Antônio Gonzaga ficou a maioria: Francisco Luís Saturnino da Veiga,
Francisco das Chagas Ribeiro, Santiago Nunes Ribeiro, Luís Francisco da
Veiga, Joaquim Norberto, Pereira da Silva, José Veríssimo, T ito Lívio de
Castro, Alberto Faria, Artur Mota e ainda outros.
À fé do padrinho, de quem muito raras vezes, e reverentemente,
tem discrepado neste largo trabalho de anotações à sua História, aquele
que escreve esta linha ficou ao seu lado, quando teve de t ratar da matéria
na anterior edição. Fortalecia-o a opinião de Caio de Melo Franco, que
aabava de descobrir e publicar O Inconfidente Cláudio Manuel da Costa,
o Parnaso Obsequiso e as Cartas Chilenas (Rio de Janeiro, 1931); sua
crítica perfeitamente conduzida através de argumentos tirados do texto
das Cartas era de molde a convencer não só ao anotador em questão,
como a outros estudiosos mais autorizados da história literária brasileira,
como aconteceu com Ronald de Carvalho.
Entretanto, a pendência não se encerrava, e havia de ressurgir
mais uma vez para dar ganho de causa a Gonzaga, com os esclarecedores
estudos de Luís Camilo de Oliveira Neto, Manuel Bandeira, Afonso
Arinos de Melo Franco e Afonso Pena Júnior.
Luís Camilo, em notáveis artigos estampados n o O Jornal
(Dezembro de 1939 e Janeiro de 1940), fez o cotejo de trechos das Cartas
Chilenas com outras de um ofício ou representação do ouvidor Antônio
Tomás Gonzaga à rainha D. Maria I, que descobriu nas eficientes
pesquisas que realizou em 1937 no Arqui vo Histórico Colonial de Lisboa,
e chegou à conclusão que nesse documento se acham compendiadas as
violências e irregularidades atribuídas ao governador Luís da Cunha
Menezes, o Fanfarrão Minésio das Cartas, expostas e comentadas nas
mesmas. As expressões e conceitos são muitas vezes os mesmos, com a
tênue diferença que se pode notar entre a prosa corrente e o verso solto.
Portanto, quem escreveu uma, escreveu as outras: é a conclusão, que não
deixa de tirar quem quer que estude o assunto sem preconcebido
propósito.
Por seu lado Manuel Bandeira, em seu estudo – A autoria das
Cartas Chilenas, in Revista do Brasil, n. 22 (Abril de 1940), em
percuciente análise do problema, com elementos trazidos por Luís Camolo
256
e outros auridos das próprias Cartas, chegou a idêntico resultado, como
ainda o erudito Afonso Pena, decifrador número um de complicadas
charadas bibliográficas, em estudo publicado no referido O Jornal por
esse mesmo tempo.
A Afonso Arinos compete a mais extensa contribuição prestada à
solução do dissídio em causa, quando deu a lume a edição oficial das
Cartas Chilenas, organizada por iniciativa do ministro Gustavo Capanema
e publicada por autorização especial do presidente Getúlio Vargas, com
introdução e notas. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1940, – um livro
modelar, padrão de inteligência e de saber.
Na formosa introdução Arinos estuda todos os aspectos da
questão, – o estado econômico e social da capitania com o declínio da
produção do ouro e das pedras preciosas, que estranhamente não
complicou em decadência das artes e letras, como provaram os templos
magníficos e as obras públicas que ali se erigiram então, a par da
florescência da chamada “escola mineira”, formada por poetas e escritores
eminentes; examina a política dos sátrapas que vinham gov ernar a terra,
seus desmandos e arbitrariedades, que foram a razão determinante da
sátira das Cartas Chilenas; da época em que teriam sido escritas, e de
seus vários apógrafos; discute as diversas opiniões sobre a autoria, afasta
a tese de colaboração nas mesmas e todas as mais questiúnculas
ocorrentes; e trata das relações de Luís da Cunha Menezes com Cláudio,
que eram boas, e com Gonzaga, que não eram das melhores, para concluir
“como tudo concorda em apontar, sem qualquer sombra de dúvida, para os
espíritos desapaixonados, um único autor para as Cartas Chilenas: Tomás
Antônio Gonzaga”. A Cláudio Manuel da Costa fica, na conclusão de
Arinos, a autoria da Epístola, que precede as Cartas, o que não pode ser
objeto de discussão.
Critilo, o pseudônimo usado por Gonzaga, em que se quis ver um
anagrama do nome Cláudio Manuel da Costa, foi tomado das obras do
padre Lourenço (ou Baltasar) Gracian y Morales, que se dividem em três
partes, das quais uma se intitula El Criticon, com dois personagens
principais: Critilo, ou o Crítico, o homem da razão, e Androgênio, o
homem da natureza. Note-se que o livro de Lourenço Graciam existia em
Vila Rica, contemporaneamente. Entre os que foram seqüestrados ao
inconfidente Cláudio vem ele mencionado, em dois termos, Autos de
devassa, V, pág. 264, provavelmente na edição Verdussem, Antuérpia,
1702, que possui a Biblioteca Nacional; mas tanto podia pertencer a
Cláudio, como a Gonzaga, dado o costume de empréstimos de livros,
principalmente entre colegas e amigos, como eram os dois magnos poetas.
257
Ainda a favor de Gonzaga, se mais fosse necessário juntar aos
autos, ocorre o depoimento de uma testemunha da devassa da
Inconfidência: o capitão José Lourenço Ferreira, comandante do distrito
da Igreja Nova, no caminho do Rio de Janeiro, o qual refere que o
governador mandaria sair da capitania o desembargador Tomás Antônio
Gonzaga, isso por conta ou de um casamento, ou de uns pasquins, que se
tinham feito públicos... – Autos de devassa, II, pág. 77.
Esses pasquins do capitão eram evidentemente as Cartas Chilenas
de Gonzaga. – (G.).
(Transcrito do tomo quatro, pág. 306-328)
INDEPENDÊNCIA DO BRASIL
Textos de Varnhagen
258
PREFÁCIO
Nunca nos passou pela mente a idéia da audaz empresa
de escrever uma História especial da Independência, e muito
menos ainda a de publicá-la em vida, depois de havermos, por
vários motivos, abandonado o projeto, que chegáramos a
conceber, de esboçar em grandes traços certa crônica que
devia abranger sua época (1).
Como, pois, – nos perguntarão, – se ninguém a isso
obriga nos lançarmos a tal empresa expondo-nos a
desassossegos, desgostos e trabalhos?
Responderemos francamente. Porque ela nos caiu em
cima. Obrigados pelo dever, para nós já sagrado, de legar ao
Brasil, onde nascemos, tão completa, quanto caiba em nossas
259
forças em sua maior virilidade, a História Geral da sua
civilização, até à nova era que começou com a proclamação do
Império, ao lançarmo-nos a redigir, mais pausadamente que
antes, as últimas seções, tantos fatos novos e novas
apreciações se nos apresentaram em vista dos novos
documentos e informações fidedignas por nós recolhidas e
apontadas, às vezes inteiramente em oposição às que se
encontram admitidas pelos escritores que nos têm precedido,
começando pelo último, o Sr. Conselheiro Pereira da Silva (2),
que julgamos não seria possível emitir, em resumo, na mesma
História Geral, certos juízos que nela devem caber, sem
primeiro os haver mais por extenso justificado ante o público,
competentemente explicados e documentados, provocando até
por este meio a que se nos corrija onde estejamos em erro, ou
se nos ouça de novo onde se duvide de nossas asserções, ou se
nos ministre mais algum esclarecimento onde se creia que
tenha havido omissão da nossa parte. O historiógrafo não pode
adivinhar a existência de documentos que não são do domínio
do público e não encontra, e cumpre com o seu dever quando,
com critério e boa-fé e imparcialidade, dá, como em um
jurado, mui conscienciosamente o seu veredicto, cotejando os
documentos e as informações orais apuradas com o maior
escrúpulo que, à custa do seu ardor em investigar a verdade,
conseguiu ajuntar.
Não desconhecemos que o simples título desta obra
revela tão grande responsabilidade, não só para com o Brasil
como para com Portugal, e que, escrita com o amor à verdade
que nela nos guiou, acima de todas as considerações humanas,
como deve ser escrita toda história que aspira a passar à
posteridade, não será provavelmente agora tão bem recebida,
260
como o seria uma espécie de novo memorando, justificando só
os direitos de uma das partes contendoras. O autor, porém,
propôs-se a escrever uma história e não a adular ou lisonjear
os sentimentos ou prevenções de uns, nem de outros, nem por
considerações com os descendentes vivos, embora poderos os,
de uma e outra parte, tratou de calar censuras, quando as
julgou cabidas e justas.
Tais memorandos, destinados a justificar a oportunidade
e os direitos da independência, já viriam hoje serôdios. Nem
mais se poderia acrescentar aos de La Beaumelle (3) e
Beauchamp (4), publicados em 1823 e 1824, sob as vistas do
ativo agente brasileiro Gameiro (Visconde de Itabaiana), no
intuito de dispor a opinião geral da Europa, e especialmente da
França legitimista e do seu Ministro Mr. de Villèle, em favor
da causa do Brasil. Seguiu-se a publicação, de 1827 a 1830,
dos três volumes do Visconde de Cairu (5), acompanhados de
um quarto, compreendendo as cartas de Pedro I a el -rei seu pai
e outros documentos (6), tudo quase exclusivamente só até fins
de 1822. Preciosos como são esses volumes pecam pela sua
insuficiência e falta quase total de redação e de critério; e,
mais que uma História, eram importantes apontamentos de
decretos e discursos conhecidos e até impressos, próprios para
serem depois, como foram, aproveitados e postos em estilo por
mais corrente pena, e com muitas adições inteiramente inéditas
o serão de novo por nós nesta História, em que nos
comprazemos de citar muitas vezes o consciencioso trabalho
do honrado e fecundo setuagenário baiano.
Apareceu depois o inglês John Armitage, publicando em
1836 (7) a sua interessante História desde a chegada da
família real em 1808 até à abdicação de Pedro I em 1831, a
261
qual, traduzida por Evaristo Ferreira da Veiga (8), foi
publicada no Rio de Janeiro em 1837, e goza ainda entre nós
de bastante autoridade, que a nova, chamada da Fundação do
Império Brasileiro, que começa, também como aquela, com a
chegada de el-rei, veio, em muitos pontos, contribuir e
aumentar.
Pelo que respeita a esta obra, esperamos que não pouca
novidade apresentará, especialmente pelas notícias de todas as
publicações, jornais e folhetos que foram sucessivamente
dirigindo a obra da Independência, e também pelas muitas
explicações até hoje omitidas acerca dos importantes sucessos
de 26 de Fevereiro, 21 de Março e 5 de Junho de 1821, dos de
9 e 11 de Janeiro e 29 e 30 de Outubro de 1822, dos de 17 de
Julho e 12 de Novembro de 1823, e finalmente de toda a
negociação para o reconhecimento em 1824 e 1825.
Não nos sendo possível estar em cada página citando as
provas do que afirmamos, nem invocando a atenção do leitor
para os fatos novos e apreciações, que se compreendem nesta
História, diferentes das que se encontram nas obras dos que
nos precederam, por certo menos noticiosas e minuciosas que
esta, contentar-nos-emos de indicar as principais daquelas em
que, segundo nossos exames,manifestamente se equivocou o
conhecido orador contemporâneo, e com as suas luzes e boa
vontade contamos para, reciprocamente, devolver igual serviço
a este livro, que, longe de sair a lume às atenças de elogios,
não fica para póstumo, em favor de nossa tranqüilidade e
maior descanso, porque, como já dissemos, além da mira de
justificar adiantadamente o resumo de parte delas na História
Geral, leva outra, não menos importante, – a de bater o campo
em busca ainda, se é possível, de novos subsídios e
262
esclarecimentos, enquanto há de alguns sucessos testemunhas
vivas ou possuidoras de documentos que, nos pontos em que,
ainda aqui, mostramos dúvidas, nos poderão melhor esclarecer,
se Deus nos conservar ainda alguns anos de vida, para deles
poder aproveitar, – como já aproveitamos, – não pouco de
muitas revelações e informações, cotejadas entre si, tanto de
estrangeiros insuspeitos, agentes no Rio de Janeiro de várias
cortes européias, com alguns dos quais eram bastante francos
os ministros, e cujas correspondências conseguimos em grande
parte ver (9), como de amigos e patrícios conhecidos, cujas
conversações, com a mira em outra obra, tínhamos o cuidado
de ir sempre, desde há quase trinta anos, notando e
protocolizando: começando por muitíssimas com o
Comendador Ataíde Moncorvo (10) e os Cônegos Geraldo (11)
e Januário (12), o jurisconsulto Silvestre Pinheiro (13), o
Patriarca Francisco de São Luís Saraiva (14), o Dr. Elias (da
Bahia) (15), e os Marqueses de Palma (16), de Paranaguá (17)
e de Monte Alegre (18); e seguindo-se algumas outras menos
frutuosas com os Viscondes de Pedra Branca (19) e
Maranguape (20), Marqueses de Valença (21), de Maricá (22)
e de Olinda (23), com os quais todos tivemos a fortuna de
tratar e de interrogá-los, às vezes até com alguma indiscrição;
– restando-nos agora o sentimento de não termos igualmente
podido pôr em contribuição, não só José Clemente (24), mas o
Marquês de Baependi (25), com quem ainda tratamos, como
especialmente Antônio Carlos e Martim Francisco, que
freqüentamos em 1840, antes de subirem ao Ministério, por
ocasião da Maioridade. Acerca de ambos e de seu irmão José
Bonifácio (então já falecido, mas cujo aspecto ainda temos
presente, havendo-o apenas visto, como dizemos em uma nota
263
do texto, na mais tenra infância), nos valemos especialmente
das informações que encontramos escritas, com ligeiras
retificações, do Conselheiro Drumond (26), amigo
dedicadíssimo dos mencionados três irmãos e todo feitura
deles.
Quando ao método adotado na exposição, foi a própria
experiência que no-lo aconselhou. Não escrevemos anais,
escrevemos uma História, e os saltos continuados a uma e
outra província, deixando interrompido o fio dos sucessos
importantes e capitais, produzia confusão e não permitia que
os próprios das províncias fossem convenientemente
explicados. Além de que, na época da Independência, a
unidade não existia: Bahia e Pernambuco algum tempo
marcharam sobre si, e o Maranhão e o Pará obedeciam a
Portugal, e a própria província de Minas chegou a estar por
meses emancipada. A mesma experiência convencerá aos
leitores da vantagem do método adotado, quando notem que
por meio dele se lhes gravam melhor os fatos narrados.
Nossos escrupulosos desejos de acertar são tais, que,
antes de dar por terminada a redação desta obra, nos dirigimos
por escrito aos Exmos. Marqueses de Sapucaí (27) e de
Resende (28), pedindo-lhes .... de alguns pontos duvidosos em
assuntos, ainda que de pouca importância, em que já um já
outro foram testemunhas presenciais (29).
NOTAS EM NÚMEROS ARÁBICOS
(1) Trata-se, talvez, da Crônica do Rio de Janeiro, que em 1839
Francisco Adolfo de Varnhagen cuidava de imprimir em Lisboa, conforme
ofício de seu chefe, Ministro do Brasil em Portugal, Cons elheiro Antônio
264
de Meneses Vasconcelos de Drummond, de 14 de Dezembro daquele ano,
dirigido ao então Ministro dos Negócios Estrangeiros, Caetano Maria
Lopes Gama, cuja minuta encontra-se no Arquivo do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro. (H.V.).
(2) Refere-se à História da Fundação do Império Brasileiro, de
João Manuel Pereira da Silva, 7 vols. (Rio de Janeiro -Paris, 1864/1868),
daqui por diante citada apenas “Pereira da Silva” – VII, etc. (H.V.).
(3) M. V. Angliviel La Beaumelle – De l‟Empire du Brésil,
consideré sous ses rapports politiques et commerciaux (Paris, 1823).
Traduzido, no ano seguinte, no RJ, com correç ões e acréscimos, pelo
Padre Luís Gonçalves dos Santos (Padre Perereca). (H.V.).
(4) Alphonse de Beauchamp – L‟Indépendance de l‟Empire du
Brésil, presentée aux Monarques Européens (Paris, 1824). Obra divulgada
e comentada, no mesmo ano, no Rio de Janeiro, por José da Silva Lisboa,
depois 1º Barão e Visconde de Cairu, no folheto, dividido em três partes,
intitulado Independência do Brasil apresentada aos Monarcas Europeus
por M. Beauchamp. (Cf. Helio Vianna – Contribuição à História da
Imprensa Brasileira, 1812/1869 (Rio, 1945) p. 427) . (H.V.).
(5) José da Silva Lisboa, Visconde de Cairu – História dos
Principais Sucessos Políticos do Império do Brasil, parte X, seção I (Rio,
1827); idem, seção II (Rio, 1829); idem, seção III (Rio, 1830). Obra daqui
por diante citada apenas “Cairu” I, II, III, etc. (H.V.).
(6) José da Silva Lisboa, Visconde de Cairu – Crônica Autêntica
da Regência do Brasil do Príncipe Real o Senhor D. Pedro de Alcântara
em série de Cartas a seu Augusto Pai o Senhor D. João VI e
Proclamações Autógrafas, Manifestos e Diplomas (Rio, 1829). Em nota
adiante incluída relacionaremos a várias edições das cartas de D. Pedro,
Príncipe-Regente e Imperador, a D. João VI, relativas à Independência do
Brasil. (H.V.).
(7) Smith & Elder, London, 1836. (A.). John Armitage – The
History of Brazil, from the period of the arrival of the Bragaza family in
1808, to the abdication of Don Pedro The First in 1831. Compiled from
State Documents and other Original Sources. Forming a continuation to
Southey’s History of that country; 2 vols. (Londres, Smith, Elder and Co.,
265
1836). (H.V.).
(8) A autoria da tradução da História de Armitage não cabe a
Evaristo da Veiga, como em carta de 9 de Novembro de 1860, guardada
na Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, a
Francisco Inácio Marcondes Homem de Melo aventou José Joaquim
Machado de Oliveira. No Catálogo da Exposição de História do Brasil,
de 1881 (vol. IX dos Anais daquela Biblioteca), foi sugerido, no verbete
nº 5.370, que essa tradução coubesse a Joaquim Teixeira de Macedo. Com
novos elementos aceitou a hipótese o Sr. Eugênio Egas, ao preparar a 2ª
edição, de 1914, da História de Armitage. Também a acataram os
bibliógrafos Tancredo de Barros Paiva, em suas Achegas a um Dicionário
de Pseudônimos (Rio, 1929), nº 173; J. F. Velho Sobrinho, no Dicionário
Biobibliográfico Brasileiro,
tomo I (Rio, 1937), p. 559; e Argeu
Guimarães, no Dicionário Bibliográfico Brasileiro de Diplomacia,
Política e Direito Internacional (Rio, 1938). Em seu livro sobre Evaristo
da Veiga (S. Paulo, 1939), outros argumentos apresentou o Sr. Otávio
Tarquínio de Sousa para demonstrar a impossibilidade da ref erida
tradução ter sido feita por seu biografado. Também aceitou a indicação de
Joaquim Teixeira de Macedo o Sr. Garcia Júnior, na 3ª ed. brasileira da
História de Armitage (Rio, 1943). (H.V.).
(9) Da Espanha, de Casa Flores; da França, do Coronel Maller e
do Conde de Gestas, que lhe sucedeu em Novembro de 1823; da Áustria,
do Barão de Marschall; e da Inglaterra, de Chamberlain, Não pudemos ver
as poucas que haverá do agente de Portugal, Carlos Matias Pereira, que,
antes de ser acreditado 1º encarregado de negócios em 1826, estivera no
Rio de Janeiro em 1823, regressando pelo mesmo paquete em que viera;
mas não cremos ter perdido muito, – não tanto porque serão apaixonados,
que fácil seria dar-lhes o desconto, – mas porque nunca alcançou a achar se bastante bem relacionado como os outros. (A.). Tobias Monteiro, na
introdução à sua História do Império – A Elaboração da Independência
(Rio, 1927), p. 281, salientou não ter Varnhagen conhecido, de acordo
com esta nota, a correspondência daqui enviada pelo Barão Bartolomeu
von Stürmer, Ministro da Áustria no Rio de Janeiro em 1820/1821, que se
guarda em Viena. Antes de Tobias dela já se servira Oliveira Lima, em O
Movimento da Independência, 1821-1822 (S. Paulo, 1922). (H.V.).
(10) José Domingues de Ataíde Moncorvo. (H.V.).
266
(11) Cônego Geraldo Leite Bastos. (H.V.).
(12) Cônego Januário da Cunha Barbosa. (H.V.).
(13) Silvestre Pinheiro Ferreira. (H.V.).
(14) D. Frei Francisco de São Luís, beneditino, no século
Francisco Justiniano Saraiva, Reitor da Universidad e, depois Bispo de
Coimbra, Conde de Arganil, Cardeal Saraiva e Patriarca de Lisboa.
(H.V.).
(15) Francisco Elias Rodrigues da Silveira. (H.V.).
(16) D. Francisco de Assis Mascarenhas, Conde de Palma, título
português, de 1810; Marquês de São João da Pal ma, no Brasil, 1825.
(H.V.).
(17) Francisco Vilela Barbosa, 1º Visconde e 1º Marquês desse
titulo. (H.V.).
(18) José da Costa Carvalho, 1º Barão, Visconde e Marquês desse
título. (H.V.).
(19) Domingos Borges de Barros. (H.V.).
(20) Caetano Maria Lopes Gama. (H.V.).
(21) Estêvao Ribeiro de Resende. (H.V.).
(22) Mariano José Pereira da Fonseca. (H.V.).
(23) Pedro de Araújo Lima. (H.V.).
(24) José Clemente Pereira. (H.V.).
(25) Manuel Jacinto Nogueira da Gama. (H.V.).
(26) Antônio de Meneses Vasconcelos de Drummond. (H.V.).
(27) Cândido José de Araújo Viana. (H.V.).
267
(28) Antônio Teles da Silva Caminha e Meneses. (H.V.).
(29) Além das personalidades citadas, Varnhagen também
consultou, por escrito, para a elaboração desta História, o Conde de
Baependi, filho do Marquês do mesmo título, e Benjamim Franklin de
Ramiz Galvão, depois Barão de Ramiz, quando Diretor da Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro, em 1875. As respectivas respostas foram, sem
real proveito, transcritas em notas das duas edições ant eriores, do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. (H.V.).
OBS.: Notas com a indicação (H.V.) são de Helio Viana e as com
indicação (R. B.) do Barão do Rio Branco.
(Transcrito da edição da Itatiaia, publicaa com o título que se
indica, que dá início a nova numeração, págs. 11 a 15)
A Observação e a indicação precedente são válidos para os
capítulos subsequentes.
268
CAPÍTULO I
Desde a revolução constitucional até ao regresso
de Dom João VI para Lisboa
Não encabeçaremos esta História, contando como o
Brasil foi achado, nos fins do século XV, habitado
escassamente por selvagens, quase todos da mesma estirpe,
mas em estado de hordas ou famílias, algumas das quais
admitiam a antropofagia por vingança; como deveu ser
colonizado pelos portugueses, com auxílio sempre crescente de
escravos africanos; como se fundaram nele as primeiras
feitorias e as primeiras vilas, e como foi organizado em um só
Estado, com um governador-geral e um bispado, em meado do
século imediato (XVI). Nem falaremos de suas vicissitudes e
invasões por várias nações estranhas, nem dos pasmosos
descobrimentos dos sertões, nem da fecundação neles de
grandes povoados pelos próprios moradores já nascidos na
terra, em busca de índios e de mina de ouro; nem do sucessivo
desenvolvimento de toda esta região e fundação de novas
cidades, a ponto de contar já em si, em princípios deste século
(1), um arcebispado, seis bispados e duas prelazias e dezoito
províncias ou capitanias, entre gerais e particulares (2),
governadas por uma legislação análoga à da metrópole, bem
que com mais abusos. Todos esses fatos são por nós
extensamente tratados em outra obra, a que votamos o melhor
269
dos nossos dias, – obra que é a um tempo, história do Brasil e
de parte de Portugal também.
Sabemos que, desde 1645, começara a intitular-se
Príncipe do Brasil o herdeiro da coroa portuguesa; que, em
1808, esta região, abrindo seus portos a todas as nações
amigas, passou a sede do trono português, em virtude da
invasão de Portugal pelos exércitos do César do século, filho
da Córsega, – primeiro passo para fomentar a união da ação
futura, pois que só desde então começaram os moradores do
antigo Estado do aranhão a acostumar-se a receber as ordens
vindas não já da Europa, mas dos confins do Brasil.
Sabemos também como, em 1815, foi toda a região, do
Amazonas ao Prata, elevada à categoria de reino, e incluída no
próprio ditado do monarca, – fato que, acolhido com
entusiasmo por todos, veio a ser o segundo passo dado para
formar das capitanias dos dois antigos Estados uma só naç ão.
Assim, em meado de 1820, era já esta região a sede de
1820, era já toda esta região a sede de um Império maior que
os dois romanos, o qual estendia o seu poderia pelas cinco
partes do globo terrestre, tendo no Portugal hispânico uma
simples regência subordinada à influência do chefe do
exército, o inglês Marechal Beresford, Marquês de Campo
Maior.
Esta situação da heróica metrópole convertida pela
forma das circunstâncias em humilhada colônia, quase
despotizada, e obrigada a receber ordens de uma distância
proximamente de duas mil léguas, em cuja viagem redonda,
em navios de vela, únicos que então nela se empregavam, se
não gastava menos de quatro a cinco meses, foi suportada
enquanto durou a guerra que se seguiu à invasão. Porém,
270
conseguida apenas a paz em 1814, começaram as queixas e as
intrigas, apoiadas até pela diplomacia britânica, e, o que é
mais, pelos próprios agentes diplomáticos portugueses, menos
lealmente, por cento, a fim de que el-rei recolhesse a Lisboa.
A todos os argumentos e insinuações resistia, porém, o bom
rei, que se encontrava mais feliz na sua quinta de São
Cristóvão, nos arrabaldes do Rio de Janeiro, e que se achava
mui querido por todo o povo desta nova capital, onde, desde
que nela desembarcara, vira a sua autoridade real mais acatada
do que nunca antes havia sido.
Intentou a Maçonaria em Portugal, no ano de 1817, uma
primeira conspiração, para o aclamar rei constitucional e atrai lo a si, a Portugal; mas foi denunciada ao Marechal Beresford,
e tanto o hábil General Gomes Freire de Andrade como outros
conspiradores foram levados ao patíbulo, antes que ao próprio
rei fosse a sentença submetida.
Era D. João VI talhado de molde para um bom rei
constitucional. Em nossa opinião, fazem-lhe grande injustiça
alguns escritores que ajuízam de seu caráter menos
favoravelmente. A sua correspondência íntima com o seu
primeiro Ministro Tomás Antônio de Vila Nova Portugal, hoje
impressa (3), no-lo apresenta como homem bastante tino e
circunspeção, justo, desejoso de acertar, de muita consciência
e bastante aplicado aos negócios. Uma vez, em 22 de Fevereiro
de 1820, lhe escrevia da Ilha do Governador: “Remeto três
pastas... despachadas; tive demora, porque tenho tido muito
que ler: agora recebi o resultado da conferência que teve com
o Conde dos Arcos. Desejarei muito que o tempo amanhã
permita vir a este sítio, pois de boca se fala melhor que por
escrito”. Em 9 de Março do mesmo ano, escrevia de novo ao
271
dito seu ministro: “Louvo-lhe... a muita atividade que tem tido
no meu serviço, julgo que não tenho ficado atrás”. O Ministro
Tomás Antônio tinha então 62 anos (4). Nascera em Tomar aos
18 de Setembro de 1755, e, tendo-se feito conhecido por uns
trabalhos conscienciosos publicados pela Academia Real das
Ciências acerca de jurisprudência dos morgados, preferência
dos mercados às feiras, descrição de alguns distritos de
Portugal, etc., estava de corregedor de Vila Viçosa, quando aí
o conheceu el-rei, ainda então príncipe-regente, e o apreciou
muito por encontrar sempre maduros os frutos dos seus juízos.
Regressando o mesmo príncipe para Lisboa, mandou chamar à
Corte o dito corregedor e pouco depois o despachou
Desembargador da Relação do Porto com o exercício na de
Lisboa, e logo Desembargador do Paço, pelos serviços que
prestou no Erário, ajudando o incapaz presidente dele, Conde
de Vila Verde. Por intrigas palacianas, chegou algum tempo a
estar separado do soberano; passou, porém, com ele ao Brasil,
e, sendo o único Desembargador do Paço que emigrara, foi aí
feito chanceler-mor do Brasil, e era de contínuo consultado
pelo regente, até que, por falecimento do Conde da Barca,
Antônio de Araújo, em 21 de junho, passou, em 24 de junho de
1817, a ocupar a pasta do Reino, ficando considerado com o
título de assistente ao despacho, sendo a da Fazenda confiada a
João Paulo Bezerra (desanexada da do Reino), a da Marinha ao
Conde dos Arcos, e a da Guerra e Estrangeiros a Palmela (5),
que continuou na Europa, e só veio a tomar posse em 23 de
Dezembro de 1820.
Nenhum destes ministros, nem dos anteriores, chegou a
merecer como Tomás Antônio tão completa confiança do
soberano. Em prova dessa confiança e da consideração e
272
amizade com que era tratado o ministro, limitar-nos-emos a
transcrever este bilhete que lhe dirigia el-rei em 27 de
Fevereiro de 1818: “Remeto a assinatura e o decreto dos
Índios: me parece muito bom. O de João Ferreira assinei, pois
estou certo que está bom como feito por mão inteligente.
Flaning esteve esta manhã comigo, oferecendo-se para servir
na legação austríaca; respondi-lhe com palavras gerais; agora
diga-me, se vier outra vez e me tornar a falar, o que lhe devo
responder. Estimo que continue com alívio, para continuarmos
com o nosso trabalho”.
Pouco depois começaram a chegar notícias mais ou
menos
assustadores
de
Portugal,
agravadas
pela
desinteligência entre D. Miguel Pereira Forjaz e o Marechal
Beresford. Quis el-rei ouvir os seus dois ministros: propôs o
Conde dos Arcos, em 4 de Maio, alguns remédios, que não
foram adotados. Chegou pouco depois de Portugal o próprio
Beresford, Marechal-General. Opinou Tomás Antônio que, não
havendo dois generais, era necessário conservar o que havia,
separando a Forjaz, mais fácil de ser substituído, nomeando -se
novo governador, e, além dele, um presidente para
amortização do papel-moeda, um regedor das justiças e um
animador da alfândega. Além disso, atribuindo à miséria e
fome parte das queixas, assentou de propor à régia assinatura o
Alvará de 30 de Maio, com a supressão de vários direitos e
impostos para contentar as classes do povo e a dos lavradores
e negociantes (6); e sustentou a proposta em uma carta de 6 de
Junho, dizendo que pedia, polícia e mais polícia, e que, postos
fora de Lisboa e Porto os curiosos e separados alguns oficiais,
sem se lhes fazer mal, tudo se arranjaria. Quis ainda el -rei
ouvir, acerca do mesmo alvará, o parecer do Conde dos Arcos:
273
aprovou-o ele em carta de 5, mas achou que era insuficiente,
pois, além de só dever começar a ter efeito no princípio do ano
seguinte, julgava que, sendo o mal urgente, eram necessários
remédios prontos e heróicos, restituindo-se às leis “a força que
o tempo, a relaxação dos seus aplicadores lhes tinham
roubado”, e concluía: “liberalidade que espante e justiça por
sistema inabalável são os únicos antídotos contra o veneno da
revolução”.
Todas essas providências tinham de ser insuficientes e
tardias, pois, ainda antes que chegasse a Portugal a simples
notícia delas, a 24 de agosto desse mesmo ano estalava a
anunciada revolução na cidade do Porto, contando sem dúvida
com o apoio moral (7) que deveria receber das instituições
idênticas, então em voga na Espanha, e, aproveitando-se da
ausência do Marechal-General Beresford, que viera ao Rio de
Janeiro solicitar maiores poderes, ausência que sem dúvida
facilitaria o aliciamento dos principais chefes das tropas do
Minho.
Deixando que as histórias (8) de cada um dos reinos
peninsulares ocupem dos seus cidadãos, que influíram para se
efetuarem essas revoluções, e narrem por menor a marcha
desses acontecimentos que mais lhes pertencem, - contentemonos aqui de consignar os fatos consumados, que influíram na
sorte do Brasil, propondo-nos desde já a demorar-nos mais em
Lisboa, quando aí venham a ser debatidos os interesses e a
sorte do novo reino austro-americano.
A 17 de Outubro chegaram ao Rio, com o brigue
Providência, partido de Lisboa em princípios de setembro, as
primeiras notícias do movimento revolucionário do Porto, e as
providências tomadas pela Junta do Governo de Portugal, para
274
procurar frustrá-lo, capitulando por sua parte com as idéias em
voga e convocando as antigas Cortes da monarquia.
Não tomou de sobressalto a notícia da revolução a el-rei
nem aos ministros, mas sim a idéia da regência de pactuar com
a revolução, convocando, por conselho de Palmela, as Cortes,
sem ter ara isso autorização. Davam os governadores do reino
disso conta em ofícios de 2 e 10 de Setembro. Quis el -rei
ouvir, acerca dos mesmos, o voto dos seus ministros e outros
conselheiros, incluindo nesse número João Severiano (9),
Monsenhor Almeida (10) e o Desembargador Veloso (11),
filho de São Paulo. Dois opinaram por que se prometesse o
regresso de el-rei, quatro ou cinco pelo do príncipe real (12), e
dois, sendo o Desembargador Veloso um deles, pelo do Infante
D. Miguel; assentando todos que, embora ilegalmente
convocadas as Cortes, convinha confirmá-las e dirigi-las.
Propôs, pois, Tomás Antônio, no dia 21, que, no ofício a
Portugal, se dissesse que, em caso de ser conveniente a
Constituição que fizesse as Cortes, iria para lá el -rei ou pessoa
real, e que se insistisse nisto, fazendo-se que a dita carta régia
se expedisse nos seguintes têrmos (13):
“Governadores do Reino de Portugal. Amigos. Eu el-rei
vos envio muito saudar, como àqueles que prezo. Tendo
chegado à minha real presença os vossos ofícios de 2 e 10 de
Setembro, com a cópia do assento que tomastes para a
convocação das Cortes do Reino, não pode deixar de ser
havida por excessiva esta ilegal resolução, quando esta
prerrogativa, inseparável do reinado, só podia ser emanada
imediatamente de mim, sem que baste o motivo que destes de
ser a unânime vontade dos povos, porquanto as câmaras do
reino vo-la não tinham comunicado, como meio legítimo de
275
chegar ao meu real conhecimento, e tão-somente se havia
manifestado entre alguns sediciosos, que, pretendendo assumir
autoridades, por fatos criminosos, iludiram algumas das
minhas tropas, que desapercebidamente tomaram abusos
parciais de administração por erros imputados à constituição
monárquica. Nem tampouco podia ser fundado o receio que se
publicou da subversão da monarquia, devendo lembrar as
vezes que tem sido arrancada de mãos usurpadoras e
estrangeiras e restaurada pela fidelidade portuguesa na mesma
dinastia, que a criou, e aonde se conserva. Querendo, porém, ir
conforme ao que me tenho proposto, de cuidar da prosperidade
da monarquia portuguesa e fazer felizes os meus fiéis vassalos,
em vastos Estados dela: considerando que ao melhor sistema
de administração sempre com o correr dos tempos se lhe faz
necessária alguma emenda; e que, devendo esperar me
proponham coisas muito importantes, para que essas propostas
das Cortes não cheguem à minha real presença com a
ilegalidade sobredita: eu as autorizo para que, em vista dos
assentos das Cortes anteriores, sancionadas pelos reis, meus
predecessores, me representem as emendas, alterações ou
disposições, que acharem úteis para o esplendor e
prosperidade da monarquia portuguesa, que vós enviareis
imediatamente à minha real presença, para que eu legalize as
propostas das Câmaras com a minha real sanção, como
convier, segundo os usos, costumes e leis fundamentais da
monarquia. Assegurando aos meus vassalos do reino de
Portugal e Algarves, que, concluídos estes trabalhos, de forma
que satisfaçam às minhas paternais vistas, com a dignidade
devida, terão na Europa para os governar a minha real pessoa,
ou um de meus filhos ou descendentes, assim como também
276
outro no Brasil, para a consolidação, união e vantagens
recíprocas do reino unido, que mutuamente se aumenta e se
defende.
“E, querendo usar da minha paternal piedade e natural
clemência, vos ordeno que, no meu real nome, concedais
anistia a todos os meus vassalos, que, esquecidos dos seus
mais sagrados deveres, motivaram ou tiveram parte na sedição,
que se manifestou na cidade do Porto, e alguns lugares por ela
contagiados; devendo entender-se a dita anistia tão-somente a
favor dos que se retirarem dos corpos, ou civis ou militares,
que se acham em sublevação, e daqueles que obedecerem ao
legítimo governo e autoridades por mim estabelecidas. E vos
mando que façais imprimir e publicar esta minha carta régia,
para ser constante a todos, enviareis os exemplares às câmaras
e aos tribunais. Escrita, etc., 27 de Outubro de 1820”.
Insistiu principalmente Tomás Antônio com el-rei em
que não prometesse claramente o seu regresso, e com este o
dele ou de um dos seus filhos, para obrigar deste modo a
concluírem as mesmas Cortes, com dignidade e em bem, o que
não alcançaria, se a concessão perdesse o penhor de sua volta,
ou do príncipe real, já assegurada, reduzindo-se como a dizer:
“Se vos conservais na obediência ao rei, irei”, acrescentando:
“mas sempre estará também uma pessoa real no Brasil, pois
bem vêem que o Brasil não há de já agora ser colônia, e
desconfiarão sempre que se deixava o menos pelo mais; e, para
sossegarem, é preciso que contem com a união do reino do
Brasil”.
Logoa crescentava: “Como não é prudente ir para uma
casa que está incendiada, faz-se depender a partida de notícias
que cheguem, de maior tranqüilidade, - e isto mesmo para
277
incentivo de se tranqüilizarem”.
A 29 do mesmo Outubro voltou o brigue Providência
para Portugal, com a dita carta régia, acompanhada de um
ofício. Ainda à última hora, no momento da assinatura, teve el rei certo escrúpulo se havia certa contradição entre o teor da
dita carta régia e do ofício, ao que acudiu Tomás Antônio: “Senhor. Não pode haver contradição: pois na carta régia se
estabeleceu a promessa, para sempre, de estar uma pessoa real
em Portugal e outra no Brasil, desde que as Cortes terminarem
dignamente, como é o voto de Monsenhor Almeida e outros.
No ofício se trata de agora, e que vai pessoa real, como diz a
carta régia, e segundo o interesse permitir, mas na esperança
de virem notícias mais agradáveis. Eu entenderia melhor não
se aumenta mais nada, nem especificar um ou outro dos
senhores príncipes: pois V. M. o penhor que tem, para
conservar o reino é a sua pessoa e a sucessão real; e, por este
penhor, é que os pode obrigar a acomodarem-se. Por isto não
tem que prometer francamente, porque perde a força dos meios
que tem. Eles pedirão de lá, que é melhor três m ercês do que
uma. Veloso pensa bem. Digne-se V. M. assinar a carta régia e
não mandar acrescentar o ofício, pois não há coisa melhor a
seguir, no que pode ficar certo, Espero, pois, a decisão de V.
M., para mandar desembaraçar o Laje (14) e o comandante,
que estão à espera na Secretaria. Aos reais pés, etc.”.
Revogava-se, pois, a patente de 29 de Julho desse
mesmo ano, com que despachara do Rio o Marechal Beresford,
constituído quase chefe do governo do reino, sob uma forma
inteiramente militar (15), com a qual se pensava sufocar as
tendências da situação. Mas todas essas providências eram
inúteis, quando chegavam, visto que já nessa época (desde 15
278
do precedente mês) Lisboa havia aderido à revolução, e uma
nova Junta se organizara em governo quase soberano, bem que
em nome de el-rei, e nem permitiu o desembarque de
Beresford, nem teve que dar execução às ordens trazidas pelo
Providência, já impossíveis de ser executadas, em virtude dos
novos fatos consumados.
Esta revolução triunfante marcava uma nova era pa ra o
Brasil: se não adere a ela, fica separado em Estado
independente; se adere e consegue proclamar também as novas
instituições, era mais que seguro que não se havia de dar ao
trabalho de se libertar do jugo do antigo sistema de governo,
par voltar ao jugo maior e mais humilhante do estado colonial,
de que alias já se libertara com a vida da Corte.
Somente mais de três semanas depois da primeira
notícia, a 11 de Novembro, chegaram ao Rio as notícias desse
triunfo completo da revolução em Portugal.
El-rei achava-se na lagoa de Rodrigo de Freitas, quando
avistou fora da barra o correio, e voltou logo para a cidade,
onde recebeu a notícia à entrada da noite. Não tardaram a vir
aportando outros navios, portadores de cartas e de jornais e
impressos, repassados de sentimentos exaltados, e que eram
lidos com avidez, especialmente pelos oficiais da tropa, então
em número na capital, onde desde pouco se achava parte da
divisão de “Voluntários de El-Rei” (16).
No próprio mês de Novembro receberam-se também
noticias da Bahia que faziam recear alguma manifestação de
parte da tropa dessa capital. Propôs Tomás Antônio que se
mandasse desde logo, para substituir ali o Capitão -General
Conde de Palma, um militar de prestígio e de confiança da
tropa, e foi aprovada por el-rei a proposta do Conde de Vila
279
Flor (17), e assim foi participado ao próprio Conde de Palma,
que, com a notícia, ficou não só descontente, como
desprestigiado, o que fazia ser de todo urgente a partida
imediata do seu sucessor. Empatou, porém, esta, o Conde dos
Arcos, e por fim se opôs até abertamente a ela. Quis el -rei
ouvir de novo a Tomás Antônio, e este lhe dirigiu, em 9 de
Dezembro, a sua opinião, nos seguintes termos:
“Torno a restituir à real presença de V. M. os papéis
que me fez a honra de mandar com o voto do Conde dos
Arcos. Ele nada diz de razões: diz que não, porque entende
que não, e contenta-se com impugnar. Portanto, o que V. M.
tem decidido, de ir o Conde de Vila Flor, é muito justo e
acertado; e, se o não fizer, expõe-se a perder a Bahia, e
principiar a revolução no Brasil. É conhecida de V. M. a
manobra da Bahia; todo o mundo conhece e teme, e pergunta
porque não se dá providência. Precisa, pois, dar as
providências já ponderadas, - e não perder tempo, porque eles
não o perdem, e ainda não há notícias do batalhão 12.
“V. M. bem vê que entre um parecer que não diz nada,
nem tem nada que dizer; - e entre outro que se funda na
opinião pública, e que desvia o perigo, deve sguir este, para
ficar tranqüilo na sua consciência. Eu descarrego a minha:
entendo ser necessário, e necessário absolutamente e logo. É
necessário um governador soldado, e não um como Aires Pinto
(18), que se deixou surpreender. É necessário quem desmanche
a combinação dos maçons (19), apresentando outro gênio,
outras inclinações, etc., para terem de firmar novos aproxes.
Enfim, é necessário que aqui haja um presidente, pois o
tribunal está feito um café neutral.
“Não se deixe V. M. iludir: agora é injuriar ao Vila Flor
280
e ao Palma; desanima a todos, e apressa mais a ruína. Se foss e,
devia ser antes de se lhe dizer; agora, é dobrar o mal, tornar a
desfazer o que está feito. Deus nos acuda. Aos reais pés”, etc.
Pediu Vila Flor instruções: deu-lhas Tomás Antônio, em
Janeiro, nos seguintes termos (20):
“Ilmo. e Exmo. Sr. – Havendo V. Exa. de ir exercer o
governo da província da Bahia, na forma das ordens de S.
Majestade, recomenda o mesmo Senhor a V. Exa. em primeiro
lugar a tranqüilidade pública, pois que, nas difíceis
circunstâncias atuais é necessária toda a vigilância, para que o
desvario de alguns não cause a desgraça de todos.
“A respeito de Portugal se comunicação a V. Exa. as
resoluções, que tomar S. Majestade; porque, sendo certo que a
maioria da nação é fiel ao mesmo Senhor, que os soldados
confessam que foram iludidos pelo grito de viva el-rei, e viva
a religião, que não entendiam o que era Constituição, e não
sabiam o que viram depois, que havia um partido que queria
ocupar o governo, desobedecendo a el-rei, e que este partido
apareceu, composto de pessoas que não tinham a aceitação
pública: tudo tem concorrido para que S. Majestade espere as
propostas que lhe fizerem as Cortes, sobre as mudanças, ou
emendas, que acharem convenientes na administração; porque
então dará as suas resoluções, como pai, que, ainda nos
desvarios de seus filhos, procura sempre o bem.
“Por esse motivo, não embarace V. Exa. a remessa do
Tabaco e dos gêneros coloniais para Portugal; procurará,
porém, que não haja remessas de numerário, pois não fazem o
uso digno que devem; não embarace a qualquer que para lá
queira ir pelos seus particulares interesses; porém, cuidará
muito em evitar correspondências suspeitosas, e em não
281
admitir emigrados, sem certeza de que não são emissários,
fazendo-os observar pela política e expelindo-os ou
castigando-os, se forem compreendidos em culpa.
“Havendo tumultos, ou otins, tenha V. Exa. o cuidado
de que se façam aos réus processos judiciais, para não vir a
embaraçar-se o ânimo dos juízes, na imposição das penas.
Mas, quando for necessário preveni-los, ou no flagrante,
proceda militarmente, na forma do regimento dos
governadores, pois a conservação do Estado é superior
consideração.
“Para as províncias vizinhas, haja V. Exa. de ter as
correspondências que forem convenientes; e acudirá a
qualquer que a precise, como o permitir a segurança da sua
própria, assim como dela exigirá os auxílios que lhe forem
necessários, quando os precisar.
“Não permita V. Exa, que os oficiais da tropa estejam
fora de seus postos, nem se demorem os que pertencem a
outras províncias. A administração da justiça é muito
recomendada a V. Exa., e dê parte de qualquer contravenção,
ainda sem esperar as informações secretas anuais; pois são
estes objetos dos que precisam providências prontas de S.
majestade. E na administração da fazenda, e com muita
especialidade da alfândega, onde o descaminho de gêneros
extraviados é muito grande, conduzindo os gêneros
escondidamente para os trapiches, e deixando outros por fora
da cidade, antes de darem entrada; - tenha V. Exa. toda a
vigilância, dando as participações necessárias, para S.
majestade prover s lugares, que o precisarem, preenchendo -os
com pessoas de integridade.
“E como V. Exa. há de achar naquela província amplas
282
instruções, V. Exa, com a sua inteligência e conhecimentos, e
com o grande zelo que emprega no real serviço, as observará
como convém ao serviço de sua Majestade, com inteiro
cumprimento.
“Deus guarde a V. Exa. – Paço, 3 de Janeiro de 1821. –
Tomás Antônio de Vila Nova Portugal. – Sr. Conde de Vila
Flor.”
Desejou, porém, Vila Flor, talvez inspirado pelo próprio
Conde dos Arcos, saber qual seria o seu procedimento no caso
de haver já a Bahia, à sua chegada, proclamado a Constituição,
e para esse fim dirigiu, em 9 do mesmo mês, a seguinte carta a
el-rei:
“Senhor. – Havendo-me V. Majestade, por efeito da sua
natural bondade e graça especial para comigo, permitido a
honra de levar à augusta presença de V. Majestade as
reflexões, que me ocorrem relativamente ao meu
comportamento, nas atuais circunstâncias, como governador e
capitão-general da Bahia, assim como os pontos, sobre os
quais devo ser esclarecido, com ordens e providências
terminantes dadas por V. Majestade; eu, cumprindo com a
determinação de V. Majestade a este respeito, e dirigido pelos
desejos de acertar e de marchar sempre conforme com as
régias intenções de V. Majestade, ofereço à sábia contem plação de V. Majestade as seguintes reflexões, em que
somente influi o zelo e interesse, que tenho pela glória e pelo
bem do serviço de V. Majestade.
“1º) Se, ao tempo da minha chegada àquela capitania, se
tiver já declarado algum ato de desobediência da parte dos mal
intencionados, devo regressar para esta Corte, ou desembarcar,
esperando novas ordens de V. Majestade.
283
“2º) Se, no caso de desembarcar, qual deve ser o meu
comportamento para com os rebeldes; enquanto me não
chegam ordens da Corte.
3º) Se, depois de eu haver já tomado posse do governo,
se manifestar algum ato de desobediência e rebelião (o que eu
não espero), deverei retirar-me para a Corte, ou continuar a
persistir ali, até receber novas ordens de V. Majestade.
“4º) Se, apesar de toda a minha vigilância e esforços, se
verificar um tão horrendo atentado, deverei protestar contra os
atos emanados de qualquer governo, que de novo se
estabeleça, ou reduzir-me a uma perfeita nulidade.
“Permita-me V. Majestade, ainda, que eu pondere muito
humildemente que, no estado de expectação, em que devem
ficar aqueles povos pela mudança de governador a respeito do
comportamento, que terei para com eles, é muito conveniente
que V. Majestade se digne dar-me tais instruções, que eu possa
desde logo conceituar-me bem na opinião pública, por meio de
atos, que os possam desviar de quaisquer projetos, que tenham
concebido; porque de me conceituar bem logo ao princípio
dependerá muito a segurança daquela capitania, e a
continuação de sua obediência para com a sagrada pessoa de
V. Majestade, e que eu procurei sempre fazer conservar, à
custa mesmo da minha vida.
“Lembra-me que uma destas instruções seja
relativamente à comissão da alçada, que ali se acha, de
qualquer maneira que V. Majestade digne de considerá-la;
assim como relativamente à tropa, para serem pontualmente
pagos dos seus soldos e mais vencimentos, e fazerem -se
promoções para os corpos, a fim de serem promovidos os
oficiais beneméritos.
284
“Julgo também convir muito que a tropa seja entretida
com repetidos exercícios e distraída, quanto possa ser, de
quaisquer relações que lhe possam ser prejudiciais.
“Estes meios, reunidos a outros, que forem mais do
agrado de V. Majestade, e que chamem a atenção do povo por
uma exata administração de justiça, e uma prudente, porém,
vigilante polícia, darão desde logo uma melhor direção ao
espírito público, ele terá confiança no governo, e, reco nhecendo-se em todas estas providências a augusta e benfazeja
mão de V. Majestade, para felicitar os seus vassalos, eles
amarão um governo paternal, que tantos bens lhes confere.
“Deus guarde a preciosa vida de V. Majestade. – Rio de
Janeiro, 9 de Janeiro de 1821.
“Senhor – De V. Majestade o mais fiel vassalo. – Conde
de Vila Flor.”
O certo é que, no dia 30, nada ainda se havia resolvido,
segundo escrevia Tomás Antônio a el-rei: - “Aqui veio o
Conde de Vila Flor, que está amofinado, por não se
desembaraçar para ir ao seu destino: o meu voto é que se
aproveite este intervalo de sossego, - pois já ontem tive notícia
que se tornava a falar no primeiro dia de mostra, e que a falta
de dinheiro de um chefe é que impediu o tumulto na passada.
Um dos meios de o impedir é sair o Vila Flor, e o embaraçá-lo
de ir entrar nos cálculos da facção”.
Devia contribuir para não partir o Conde a falta de
resposta aos quesitos que pusera a el-rei, em carta do dia 9,
acerca do que deveria fazer em determinadas circunstâncias.
Assim, por falta de resoluções decididas, se foi Ficando Vila
Flor, até que, a 17 de Fevereiro seguinte, chegou a notícia da
285
sublevação militar na Bahia, a qual talvez se não houvesse
efetuado, se a tempo houvesse partido o mesmo Vila Flor.
Desde que era tão notável a divergência no ministério,
explica-se a hesitação de el-rei, que tinha o maior escrúpulo de
tomar providências, das quais pudesse resultar derramamento
de sangue.
Em vez, pois, das providências políticas, que eram tão
urgentes, limitou-se o ministério àquelas em que não havia
divergência.
No 1º de Dezembro, a pretexto de não pesar tanto ao
Tesouro da metrópole, foi promulgado um decreto, desligando
do Exército de Portugal a divisão de “Voluntários Reais”,
deixando-a por esse fato descontente, apesar de conceder que
seguissem todos sem diminuição nos vencimentos. No dia
seguinte, deu providências a respeito da maior vigilância e
rigor nos passaportes dos que viessem da Europa; e no dia 16
promulgou um decreto, criando 12 lugares de pensionistas na
freqüência da Academia Médico-Cirúrgia do Rio de Janeiro...
Quanto à revolução de Portugal, o Ministro Tomás
Antônio julgava, e talvez não sem fundamento, que ela por si
mesmo se gastaria, e concluiria por uma contra-revolução,
restabelecendo a situação antiga. Opunha-se-lhe também, nesta
parte, primeiro o Conde dos Arcos, opinando ser d a maior
urgência a imediata partida para a Europa do príncipe, o qual
só desde então começou a ocupar-se da política, freqüentando
assiduamente a casa do mesmo Conde dos Arcos (21).
Destarte, a própria apatia do governo incitava a atividade do
príncipe e a do público. Eram freqüentes as reuniões para se
tratar de política, e alguns clubes amiudavam, com o mesmo
fim, as suas sessões.
286
A principal questão, que se ventilava, era a da ficada ou
regresso a Portugal de toda a real família. Era esta ( este
regresso) mui calorosamente recomendada de Portugal por
todos os liberais, em suas cartas, e até positivamente prescrita
pelo Grande Oriente da metrópole. Inclinavam-se, como era
natural, os brasileiros a que el-rei não partisse, continuando a
Corte do Brasil, idéia por que, desde anos antes, pugnava em
Londres Hipólito José da Costa (22), que ainda em Abril desse
mesmo ano de 1820 havia dito: “Todo o sistema de
administração está hoje arranjado por tal maneira que Portugal
e o Brasil são dois Estados diversos, mas sujeitos ao mesmo
rei; assim a residência do soberano em um deles será sempre
motivo de sentimento para o outro, a não se fazer mais alguma
coisa. Nestes termos, a mudança de el-rei para a Europa trará
consigo a mudança do lugar dos queixosos, mas não remédio
dos males...”.
Pugnava o partido português pelo regresso de el -rei,
encontrando para isso apoio na legação inglesa, cujo governo
já nesse mesmo sentido trabalhava desde 1814 (23).
No Brasil, os brasileiros mais conciliadores começavam
a propender ao partido de que partisse tão-somente para
Portugal o príncipe real, ficando el-rei, e, vice-versa, os
portugueses menos exigentes se contentavam com a partida de
el-rei, ficando o príncipe regente no Brasil. Os mais exaltados
de uma e outra parte queriam, cada qual para seu país, a
família real toda.
Entretanto, em Dezembro, chegava ao Rio de Janeiro,
partido de Lisboa a 6 de Outubro, o Conde de Palmela, para
tomar posse do Ministério dos Estrangeiros e Guerra, para que
fora nomeado três anos antes. Havia conferenciado com Frei
287
Francisco de S. Luís, membro da Regência em Portugal, e
começou desde logo a insistir com el-rei pela necessidade
urgente de providências, que ele conceituava de francas e
decisivas, mas que foram os seus conselhos dados tão
habilmente que não deixassem no ânimo de el-rei a impressão
de que o mesmo Conde, mais do que a causa da monarquia
(24), advogava a sua própria, e que todo o seu empenho, em
suas tendências anglômanas, era obter uma carta
constitucional, como a de Luís XVIII, onde ele e os seus
parentes viessem a figurar como lordes ou pares hereditários.
Desde logo no voto que, neste sentido, deu por escrito (25),
em 5 de Janeiro (1821), tratando-se de responder aos ofícios
do governo instaurado em Lisboa, começou por assentar uma
proposição, que Tomás Antônio provou de falsa, a de que S.
M. “necessitava de ser rei de Portugal, para conservar o
Brasil”, - Enviou el-rei no dia 6 o parecer de Palmela a Tomás
Antônio, e este ofereceu a el-rei, logo a 7, as seguintes
reflexões:
“Senhor. – Li com a maior seriedade o parecer do
Conde de Palmela; mas nem posso mudar dos princípios com
que já expus a minha opinião, nem me posso convencer dos
fundamentos, ainda que eles são otimamente explicados.
“O parecer em substância é que anuncie V. M. já uma
carta constitucional, e que vá o príncipe real, para presidir as
Cortes, ou governar e fazer cumprir a Constituição dada.
“Minha opinião é diametralmente contrária, porque V.
M. não se deve sujeitar aos revolucionários; - não deve largar
o cetro da mão. Compete-lhe conservar a herança de seus pais
até à última extremidade: não lhe convém aprovar a revolução,
e desanimar todo o partido realista; não lhe é decente seguir os
288
malvados e desamparar os honrados. Eu jurei isto na
aclamação, e já agora hei de morrer fiel ao meu juramento.
Sinto não poder condescender, mas este negócio não é de
condescendências.
Na segunda parte do parecer de ir o príncipe real,
também já tenho dito a minha opinião: a vantagem que V. M.
tem é o estar aqui a salvo toda a família real; portanto, não se
deve conceder, enquanto não voltarem à obediência.
“Estou, portanto, persuadido que se precisa ir
conseqüente com o que se anunciou na carta régia de 28 de
Outubro de 1820, isto é, que V. M. autorizava umas Cortes
consultivas, e que, terminadas elas, iria uma pessoa real a
governá-los.
“Não duvido que no decreto se explique mais essa
alternativa, de estar uma pessoa real no Brasil e outra em
Portugal, que se diga que, para a segurança das pessoas,
apontem se precisa algum aditamento a Ord. liv. 5º, tit. 119,
assim como, para a segurança das propriedades, se o precisa, a
lei da Ord. liv 4º, tit. 4º, II. E que as propostas das Cortes de
mandarão examinar aqui por pessoas dignas, das capitanias e
províncias do Brasil, para se conhecer por V. M. se são
aplicáveis e úteis as inovações que se propuserem.
“Mas sempre é preciso que V. M. conserve a autoridade
de rei, que tem de seus avós, e se, deixa rasgar o véu, se deixa
publicar que os seus ministros votam em Constituição, se
mostrar qualquer dubiedade que se perca o primeiro respeito,
está tudo perdido: desanimam-se os realistas e atrevem-se mais
os revolucionários, que por toda parte têm observadores. V. M.
sabe que logo ontem se disse que V. M. tinha aprovado (26)
uma Constituição; e sabe a comoção que isto fez.
289
“Disse acima que me não convenciam os fundamentos,
e vou dar a razão.
“O primeiro é ser o exemplo das outras nações, e por
isso precisa medidas diversas; porém, o que se tem visto nas
outras nações é que, vencido o ponto de terem Constituição,
passarem a formar-se conjurações contra os soberanos; e assim
parece de temer; pois, vencido o ataque contra a autoridade,
segue-se o atacar a pessoa. Logo, é um mal adiantar-lhe, de
moto próprio, um fim, do qual se não segue o sossego; mas
então é que principiam os perigos.
“O que fez Luís XVIII, de oferecer a Carta, não é
paridade, pois ele a deu como graça, estando os exércitos
aliados subjugando a França. Mas, neste caso, é oferecida aos
revolucionários, que estão governando Portugal; é temos , não
é graça. Com esta medida vai perder-se a esperança do
sistema, que poderão tomar a favor da autoridade real, as
nações da Europa. Vai perder-se a esperança da contrarevolução da Espanha, e vai perder-se a esperança da
obediência de Portugal, quando os atuais intrusos perderem a
popularidade. Logo, a pressa é mais um mal do que um bem.
“O outro fundamento de que o Brasil depende de
Portugal, e que dali se pode conservar, - não me convence;
porque o Brasil é independente, nenhuma potência da Europa o
pode atacar com vantagem. E bem se vê que a maior ânsia dos
revolucionários é incendiar o Brasil; porque, se ele se separa e
rompe a comunicação, Portugal tem de cair. Ele precisa ser
considerado como Hanover a respeito da Grã-Bretanha.
“O fundamento de que a ida de S. A. R. há de conter os
revolucionários nos seus limites, é somente de boa esperança;
mas não tem garantia, nem segurança; e não é possível dizer
290
que uma pessoa real se deve ir expor a ultrajes, e que seja
decoroso ir por incertezas estar à discreção dos
revolucionários, ou ir ser chefe de partido e não regente.
“Estou, pois, no mesmo parecer em que estava. V. M.
deixe-se estar no seu trono; e nem falar em Constituição.
Prometa todos os bens e as mudanças de leis que forem
prudentes ou úteis; escreva-se aos povos de Portugal, nomeie
desses mesmos do governo intruso alguns, e espere os
sucessos. A vertigem revolucionária não pode durar muito
tempo, para que, quando ela passar, o achem rei, e não
presidente. Aos reais pés”, etc.
Desta forma, Tomás Antônio sustentava o teor da carta
régia de 28 de Outubro, insistindo não dever el -rei prescindir
de duas coisas: - 1ª) Declarar expressamente que as Cortes
seriam consultivas, na conformidade das leis do reino; 2ª)
Exigir que as propostas, reformas e mudanças viessem à sua
presença, para as mandar examinar “por pessoas de províncias
do Brasil”.
Travou-se, então, no seio do gabinete, uma luta franca
entre Tomás Antônio e Palmela, para cujo lado se inclinava o
Conde dos Arcos, lutando, porém, às escondidas, aliciando-se
o príncipe real, a rainha e alguns chefes portugueses, com os
quais também por fim se comunicou Palmela.
Quis el-rei ouvir também, acerca desta questão, o voto
por escrito de João Severiano, e, tardando este, assim o
advertia, no dia 14 do mesmo Janeiro, a Tomás Antônio, que
lhe respondia: - “Sem dúvida é necessária toda pressa em
tomar resolução: mas bem vê V. M. que ela vai seguindo seu
caminho e não aproveitava nada mandar-se dizer que V. M.
cede nenhum ápice da sua real autoridade. Se cede, para
291
repartir com a nobreza, virá a perder-se toda, tirando o povo
tudo: o meio de conservar-se a nobreza é conservar-se os usos
do reino; e o soberano é que a defende. Mas o mais necessário
é para tranqüilizar p Brasil; mas este não se tranqüiliza por V.
M. ceder da autoridade, mas sim por declarar que quer
emendar abusos” (27).
Insistiu Palmela em suas idéias, nos dia 16, 26 e 27 de
Janeiro, oferecendo até um projeto de manifesto (28) aos
povos de Portugal, e respondeu Tomás Antônio a 29 (29):
“Senhor. – Não concordo de modo nenhum no voto do
Conde de Palmela, enquanto diz – Que vá o príncipe-regente
nosso senhor – Que vão declaradas as concessões da Nova
Constituição.
“Já expus as razões, e estou firme que, uma vez
encetada a autoridade real, toda vai perdida, e mais se não
pode suspender a torrente. Modifico, porém, o meu voto: 1º)
Que se declare a nulidade da convocação, e, sem se falar nisso,
somente se inste em que venham as propostas e requerimentos
das Cortes à aprovação real; 2º) Que, muito embora se não
nomeiem nenhuns governadores de fora, - mas somente dos
que estão governando de fato; 3º) Que para procurador régio,
nas Cortes, seja nomeado o Arcebispo de Évora.
“Com estas mudanças, voto que vá a carta régia ao povo
de Portugal, que apontei com o decreto da nomeação do
governo, e a carta régia de 28 de outubro, que é conseqüente
com isto.
“Este plano admite ainda mais instâncias sobre a réplica
que fizerem: e como V. Majestade está no Brasil, e precisa
conhecer a vantagem da sua posição, é quanto penso, o meio
melhor de escolher, e não dar-se já por vencido, não sabendo
292
ainda o que há de tecer a favor dos tronos; Há de despojar -se,
para que o não despojem!
“V. M. tem na sua real presença os votos todos; dignese escolher o que lhe parecer melhor.
“E, decidido este ponto, se passe a tratar dos
melhoramentos do Brasil. Aos reais pés de V. Majestade. –
Tomás Antônio de Vila Nova Portugal. – 28 de Janeiro de
1821.”
Decidiu-se então el-rei a cansar antes a Palmela com
evasivas, segundo costumava (30). E, por sua parte, Tomás
Antônio começava a não contar muito com Portugal; e até, por
decretos de 4 de Janeiro (1821) fazia converter em pensões,
pagas pelos cofres de Pernambuco e do Maranhão, as
comendas lucrativas em Portugal, com que antes haviam sido
agraciados, em recompensa dos seus relevantes serviços, os
Capitães-Generais de Pernambuco e Maranhão, Luís do Rego e
Bernardo da Silveira (31).
Neste comenos, apareceu, clandestinamente impresso, e
em francês, depois do meado de fevereiro, e começou a correr
por toda a cidade, um escrito anônimo acerca da questão:
Devem, nas presentes circunstâncias, el-rei e a família real de
Bragança voltar para Portugal, ou ficar no Brasil? (32).
Sustentava o folheto que a família de Bragança não
devia deixar o Brasil, e alegava para isso umas seis poderosas
razões: Que Portugal não podia naquele momento passar sem
o Brasil, ao passo que este não tirava nenhumas vantagens da
união; que a partida da família real seria o prelúdio da
Independência; que el-rei poderia conservar íntegra a sua
autoridade no Brasil, fundando aqui um Império de bastante
peso na política do mundo; que o vôo revolucionário de
293
Portugal se afrouxaria, ficando el-rei, ao passo que não se
conteria, tendo os revoltados o rei em suas mãos; que a melhor
posição de el-rei, em presença dos fabricantes da Constituição,
era aquela mesma em que a Providência o colocara, desviado
do foco da sedição e senhor da parte mais florescente e
importante do Império; que em todo caso, el-rei estaria sempre
no caso de poder dar, a todo tempo, esse passo da viagem à
Europa.
Atribuíram então alguns este escrito, impresso
inquestionavelmente no Rio, a João Severiano; mas a opinião
mais geral o julgou obra do publicista Silvestre Pinheiro (por
ter sido escrito em francês, língua em que então, entre os
nacionais que estavam no Rio, só ele se abalançaria a escrever
para a imprensa). A alusão ao mesmo Silvestre Pinheiro é bem
manifesta em uma passagem da resposta ou Exame analíticocrítico do mesmo escrito, que logo, nesse menos ano, se
publicou na Bahia (33), para destruir a impressão causada ao
partido português, que desejava o regresso do rei.
Entretanto, na correspondência de Tomás Antônio
aparece como escrito por um tal Caille, e mandado imprimir
por Tomás Antônio por conta do próprio Erário; mas não seria
impossível que, se existia algum indivíduo deste nome, não
seria mais que testa de ferro, pois, a ser tão grande pensador
como o escrito mostra, se houvera denunciado por outras obras
(34). Também acreditou haver tido parte no folheto o dito João
Severiano (35), que sustentou tais idéias, e estava então mui
chegado aos conselhos do rei e do dito Tomás Antônio.
Foi tanta a impressão que produziu em Portugal a
simples aparição deste folheto, que, logo uns três meses depois
(Abril de 1821), foi publicado em resposta outro folheto,
294
combatendo a idéia de ficar el-rei no Brasil, com o título de
Considerações sobre a integridade da monarquia portuguesa.
Bem que anônimo, sabe-se (36) que foi escrito pelo Dr.
Francisco Soares Franco, médico distinto, que veio a tomar,
como deputado, assento nas Constituintes.
Ainda um mês depois, em lugar de resoluções de
natureza política por que todos ansiavam, apareceu publicado
o alvará com força de lei de 6 de Fevereiro de 1821, criando
um Tribunal de Relação na vila do Recife de Pernambuco. Foi
organizado em tudo análogo ao que sete anos antes fora
decretado para o Maranhão, servindo-lhe até o mesmo
regimento, ficando, porém, do distrito da nova Relação a
província do Ceará, bem como as do Rio Grande e Paraíba e a
nova comarca do Rio de São Francisco.
Em nosso entender, têm vários escritores sido mui
injustos com Tomás Antônio, apresentando-o até como escasso
de luzes. Fazemos dele mui diferente opinião: se não obrou
como constitucional cremos que obrou como leal, e temos para
nós que, de acordo com os princípios que havia jurado, um
hábil Metternich não houvera procedido melhor. Não é pelos
resultados, em que influíram até menos lealmente os seus
próprios colegas, nem pelas idéias que vieram a triunfar e a
estar em voga, que ele deve ser julgado: é pela sã razão.
Cedendo cada um dos votantes de parte de suas
opiniões, assentou-se, no dia 30, em que partisse o príncipe
real, e no dia seguinte escrevia Tomás Antônio a el-rei que
falasse ao mesmo príncipe. Eis o teor da carta:
“Senhor. – Muito tenho pensado neste negócio; agora
mesmo o tenho estado a conferir com Paulo Fernandes (37); e
não pode haver dúvida, sendo como se conveio na conferência,
295
isto é, ir o príncipe real a ouvir, saber as queixas, remediar o
que for, segundo as leis, e propor a V. Majestade as emendas
ou reformas – e, segunda parte, nada falar de Constituição, e
tudo de melhoramentos, e conservar a autoridade real toda
inteira para V. Majestade e seus sucessores.
“Como nisto cada um cedeu de metade da sua opinião, e
está concordado, está em termos de V. Majestade assim o
decidir.
“Segue-se, pois, falar V. Majestade ao príncipe real: por
muitos motivos – para V. Majestade ouvir o imediato sucessor,
antes de decidir – para que ele diga se voluntariamente quer
fazer esta ação, que é de grandes conseqüências – e em
terceiro lugar, porque é ação de amizade e de confidência V.
majestade e ele.
“Pode V. Majestade ter a certeza que, em falar-lhe, faz
a coisa, que será para ele mais lisonjeira, e para o reino todo é
o mais saudável ser esta medida ajustada entre V. Majestade e
o príncipe.
“Só pode repugnar a ir sem a princesa, e nisso se pode
ceder, pois o ponto principal para o sossego do Brasil, e para
conservar o respeito da monarquia na Europa, é ficar no Rio de
Janeiro o trono, que é V. Majestade, e a sucessão direta da
coroa; e por isso, em ficando os netos de V. Majestade, ou dos
dois, um que há, outro que se espera (38), o que for o sucessor,
é o que basta para o essencial.
“Pelo que, não pode haver dúvida em V. Majestade lhe
falar: dizendo-lhe que ontem, discutindo-se as opiniões, cada
um cedeu parte da sua, e se concordou em ir por aquele modo
S. A. Real; mas que era bom consultar a sua vontade, pois lhe
pertencia tanto o negócio, como pessoa, e como herdeiro do
296
reino.
“Ele responderá a V. Majestade o que entende: e V.
Majestade pode decidir com ele sobre o que digo de ir só, ou
acompanhado, criados, que leve, tempo e modo de ir, etc.
“Esta conferência, que V. majestade tiver, será muito
gloriosa para V. Majestade, e mostrará ao mundo que a
vontade de V. Majestade é toda o bem dos seus vassalos.
“Aos reais pés de V. Majestade”, etc.
Respondeu o príncipe, prontificando-se para partir:
comunicou el-rei no dia 4 de Fevereiro a sua resposta a Tomás
Antônio, que lhe agradecia da forma seguinte:
“Senhor. – Dignando-se V. Majestade fazer-me a honra
de eu saber a resposta e voto de S. A. Real, o sereníssimo Sr.
Príncipe Real, não posso deixar, primeiro que tudo, de beijar a
real mão de V. Majestade, pela penetração de pensar, pelo
ânimo cheio de heroísmo e pela fidelidade, que reluz no
parecer a resposta do mesmo senhor.
“Estando, pois, decidido o mesmo senhor a partir, me
parece uma lembrança feliz o ir com o título de Condestável,
pois leva com ele toda a autoridade militar e toda a
preponderância civil, e é um título português que certamente
dará grande peso, neste caso de umas Cortes, que é necessário
obrigar a que sejam portuguesas.
“É sem dúvida necessário o manifesto ou carta régia aos
povos; e não pode haver dúvida, antes é absolutamente
essencial, que nele se declare o que diz S. A. Real: - Que as
Cortes se devam convocar, conforme os usos e costumes da
nação, e que elas, assim convocadas, deliberem as reformas
que convierem, - mas as bases sejam as da Constituição
portuguesa; sem discutir por hoje outras, para ir bem conforme
297
a estas palavras da opinião de S. A. Real; para não perder
nenhum fruto de uma tão grande ação, como é a ida do
príncipe sucessor da coroa, que pela sua presença e respeito os
fará comedir a não exigirem formas estrangeiras, que sejam
coartadoras da real autoridade; e para não obrigar de uma vez
as inteligências que sejam anti-monárquicas. A presença de S.
A. Real pode ir diminuindo a efervescência dos espíritos; o
tempo que for passando dá lugar a melhorar-se o espírito de
obediência e do obséquio e acatamento ao mesmo Senhor; e o
mesmo intervalo, que pede a realeza, de virem as propostas
das reformas, logo que alguma delas está discutida, a receber a
aprovação e sanção real, pode ir melhorando cada dia mais.
“É pois, de toda justiça e política que sejam ouvidos
representantes do Brasil, porém vindo as propostas à presença
de V. Majestade e aqui mandando-os ouvir. Porque não se hão
de imitar as Cortes de Cádiz, e, demais, há de ser estranho que
os representantes do Brasil não venham aonde V. Majestade
está, e sejam mandados para as opiniões perigosas de Portugal;
porém, sendo ouvidos aqui, segue-se exatamente o espírito de
opinião de S. A. Real deles deverem gozar dos mesmos
direitos, sem o inconveniente de os separar da presença do rei;
e, entretanto, estão as Cortes permanentes.
“E, se é licito adiantar parecer, podiam nomear-se dois
procuradores de V. Majestade em Cortes: um, algum dos
bispos de Portugal; e outro, um desembargador do Paço do
Brasil, João Severiano Maciel da Costa, o que parece ser
conforme ao espírito desta observação que faz S. A. Real”.
“Aos reais pés...”
A pedido de Palmela, demorou-se a partida do correio, a
fim de que a ida do príncipe não fosse prevenida; mas, por
298
vim, se deixou partir depois do dia 11, pelas instâncias do
Conde dos Arcos, que já talvez maquinava em que el-rei e não
o mesmo príncipe devia ir para Portugal.
Chegou a estar até indicado o pessoal que devia
acompanhar o príncipe, que só esperava pelo bom sucesso da
princesa real para partir, quando no dia 17 chegou uma notícia
de maior transcendência.
Havendo, porém, já, entretanto, lavrado através dos
mares a revolução constitucional, passando à Madeira, a quase
todo o arquipélago dos Açores, e por fim, no dia 1º de Janeiro
de 1821, ao Pará, e, no dia 10 de Fevereiro, à própria Bahia, a
notícia, que então chegava desta última cidade, vinha alarmar
a todos no Rio de Janeiro.
Par não estarmos interrompendo a cada passo o fio da
narração com os fatos parciais de cada província, faremos
apenas aqui, nesta parte da nossa narrativa, menção
unicamente dos fatos que com ela se ligarem, reservando os
pormenores de quanto se passou em cada província para outra
seção, em que historiaremos mais por miúdo os sucessos em
cada uma delas ocorridos.
A maior distância do Pará fez que primeiro chegasse ao
Rio de Janeiro, no dia 17 de Fevereiro, a notícia da
proclamação constitucional da Bahia, donde regressariam à
Corte o Capitão-General Conde de Palma e o Marechal-deCampo, comandante das armas, Felisberto Caldeira Brant (39),
na fragata inglesa “Icarus”.
Foi a legação inglesa a primeira a ser informada,
comunicando o Ministro Thornton (40) a notícia a Palmela e
enviando-lhe a própria carta do cônsul inglês na Bahia,
participando o ocorrido. Transmitiu Palmela a tradução desta a
299
el-rei, acompanhando-a da insistência de providências prontas
e eficazes, incluindo a da imediata convocação de um conselho
de seus ministros e pessoas de maior confiança. Teve este
lugar no dia 18, e assistiram a ele, além dos ministros. os
Marqueses de Alegrete e Valada, os dois Capitães-Generais
então na Corte, Condes da Figueira e Vila Flor, Paulo
Fernandes, João Severiano e outros. Confirmou -se nele a
resolução da viagem do príncipe real, encarregando-se Palmela
de apresenta um projeto de manifesto aos povos de Portugal e
de umas bases constitucionais, que enviou a el-rei no dia 21,
insistindo na necessidade da publicação do manifesto e
também de um decreto contendo as ditas bases constitucionais,
que era servido outorgar (41).
Reduziram-se as bases, à divisão de poderes: igualdade
de direitos, liberdade de imprensa, segurança individual e de
propriedade, responsabilidade dos ministros, contendo um
período acerca da convocação de uma Junta de Cortes no
Brasil, composta dos procuradores das Câmaras.
Consultou el-rei ao príncipe acerca da proposta
publicação das bases, e, recebendo dela a competente resposta,
comunicou-a a Tomás Antônio, e este assentou que, sem mais
consulta, podia mandar publicar o decreto, sem falar em tais
bases. A resposta do príncipe, confirmada no despacho a que
assistiu no próprio dia 22, foi concebida nos seguintes termos
(42):
“Senhor. – Lei nenhuma terá vigor, sem ser proposta
pelo rei, em Cortes, as quais devem ser consultivas, quero
dizer, terem o direito de discutir a proposta real, a qual,
decidida pela pluralidade de votos, será sancionada pelo rei.
“Mandar as bases da Constituição, é reconhecer a
300
convocação destas Cortes; reconhecida aí, está reconhecido o
governo, e é indecoroso a V. Majestade. O reconhecimento é
uma vergonha certa, e ser ou não ser admitida uma
probabilidade e incerto; portanto, neste caso, o melhor é ir
pelo incerto do que não pelo certo. – Pedro.”
Ainda neste mesmo dia 22 apresentou-se Palmela a
Tomás Antônio, com outra minuta de bases.
Ponderou-lhe Tomás Antônio que, à vista da resolução
do príncipe, por ele ratificada de novo nesse mesmo dia,
estava resolvido que elas se não deviam publicar. Notando,
porém, os desejos de el-rei por não contrariar a Palmela,
enviou-lhe à assinatura o decreto pelo que devia respeitar ao
Brasil e acrescentou que mandasse o Conde lavrar o alvará,
com as bases, que a ele competia o referendar, e acrescentava
a el-rei: - “Ele (Palmela) mandou dizer aos regimentos que V.
M. dama uma Constituição inglesa e quer por força que se
publiquem as bases. Decida V. M. isto, porque eu não o posso
fazer. Publique ele as bases para Portugal, como lhe parecer
bem; mas não se embarace com o que é preciso no Brasil: aqui
não dá por contrato; é em Portugal: e faça para lá outro
diploma. É o que entendo, e assim farei a comunicação. E V.
M. mande-me a decisão, pois, depois de as haver com seu
filho, não há, quanto a mim, mais que hesitar”.
À vista desta insistência, resolveu-se el-rei a assinar o
decreto; mas não deixava de advertir ainda ao seu ministro: “Tomás Antônio veria as gazetas que me mandou a força com
que falam em Constituição, chegando a dizer que esperam que
todo o Brasil as siga: igualmente a força com que fala o Conde
(de Palmela) a ponto de pedir a sua demissão. Remeto o
decreto assinado, autorizando-o para o mandar publicar, no
301
caso que tudo que lhe digo não fizer obstáculo. Julgo que
seria conveniente fazer alguma comunicação ao Conde, antes
de se publicar. A única coisa que me faz alguma força é que
diz o Conde que melhor é o dar espontaneamente do que por
contrato”.
Tomás Antônio, sem fazer esta comunicação a Palmela,
recomendada por el-rei, talvez porque temia dele receber outro
projeto de decreto, que não era de seu gosto, mandou-o
imprimir, dizendo a el-rei que não havia que comunicar, por
ser parte do outro que já fora comunicado, de modo que
Palmela só veio a ter dele conhecimento depois de publicado.
Já no dia 22 o Intendente da Polícia instava com Tomás
Antônio pela publicação do decreto, acrescentando, segundo
este dizia a el-rei, que o voto geral ia sendo que se falasse
alguma palavra mais expressa, - de que o que houvesse de
adotar-se haja de ser Constituição dada a Portugal, - e que
querem se fale em Constituição. – “Isto é mais do que ontem
se dizia (acrescentava Tomás Antônio) na conferência, porém
é preciso estar-se por isso; pois cada dia vai sendo pior, a
demora a fazer desconfiança”.
O decreto apresentado à régia assinatura no dia 23, com
data de 18, dia da reunião do conselho (bem que só fosse
impresso a 23), declarou que o príncipe real iria a Portugal
(43) “para ouvir as representações e queixas dos povos e para
estabelecer as reformas, melhoramentos e leis que possam
consolidar a Constituição portuguesa, e tendo sempre por base
a justiça e o bem da monarquia, procurar a estabilidade e
prosperidade do reino unido”; devendo ser-lhe transmitida
pelo mesmo príncipe real a Constituição, “a fim de receber,
sendo aprovada, a real sanção”. Acrescentava, porém, o
302
decreto que, não podendo a Constituição que se houvesse de
estabelecer para Portugal, “ser igualmente adotável e
conveniente em todos os seus artigos e pontos essenciais à
povoação, localidade e mais circunstâncias do Brasil, ordenava
a convocação de outras Cortes no Rio de Janeiro”. Para
preparar os trabalhos deste congresso, criava pelo mesmo
decreto uma comissão, cujos membros, vinte em número,
foram nomeados por outro decreto datado de 23, publicado só
no dia 25, e foram escolhidos quase todos entre os brasileiros
natos.
Por esta resolução se formariam duas constituições e
duas capitais, habitadas estas alternativamente pelo soberano e
herdeiro da Coroa.
Tais idéias, que eram também as do Conde dos Arcos,
aceitas pelo príncipe real, eram as que já grassavam em
Portugal em fins de 1820; e não era muito que, mais de mês e
meio depois, já se tivessem espalhado por toda a cidade do Rio
de Janeiro. Ainda em fins de 1820 se imprimira em Lisboa
(44), para ser, como foi, distribuído no 1º de Janeiro, um novo
periódico (45), cujo primeiro número continha um longo artigo
de nove páginas com o título de “Considerações sobre a união
de Portugal com o Brasil”, o qual concluía por esta forma: “Temos jurado por nosso rei constitucional a D. João VI, por
ele erguemos o grito de independência; assim, cumpre que ele
se recolha a Portugal, ou nos envie seu augusto filho. Ou ele
venha ou mande seu filho, por ambos os modos a
independência dos governos parece-nos indispensável. É de
crer que el-rei tenha uma vez idéias políticas, ao menos por
vantajosas à sua pessoa: nesse caso, os vastos domínios do
Brasil formarão a sua monarquia, a que dará uma Constituição
303
livre; e no que não deve andar dormido, pois que ninguém
afiançará felizes resultados ou pacíficos procedimentos em
uma revolução suscitada nesses países: enviar-nos-á para
nosso rei constitucional a seu augusto filho; e, compostas
assim ambas as partes, um tratado que assente em bases de
comum interesse e recíproca utilidade ligará estes dois reinos
independentes, com um vínculo mais apertado e consistente
que esse que até aqui tem existido”.
Desta época deve ter sido um trabalho que Luís Antônio
Rebelo da Silva disse depois nas Cortes (46) haver escrito
“para informar a el-rei sobre os riscos que corria a integridade
da monarquia, se ele não viesse sem perda de tempo para
Portugal, e não adotasse a forma de governo pelo qual se tinha
declarado o espírito geral da Europa”.
Se as resoluções tomadas se houvessem promulgado
logo à chegada das primeiras notícias do movimento em
Portugal, e antes que os planos de conjuração tivessem tomado
tanto incremento e que a Bahia se houvesse pronunciado, é
mais que provável que a independência do Brasil se teria desde
então feito pacífica e progressivamente, e que Portugal teria
concluído por pactuar com o rei, a não preferir aclamar o
Duque de Cadaval ou unir-se à Espanha, recurso que Manuel
Borges Carneiro não tinha tido dúvida em assoalhar (47), mas
que encontraria contra si a liga das potências da Europa, e que
não poderia vingar.
Mas, depois das ocorrências da Bahia, principalmente, o
plano do novo regime era perigoso, e ameaçava o
fracionamento do Brasil, confederando-se a Portugal algumas
províncias, para entrarem no gozo de mais direitos
constitucionais do que os que lhe eram oferecidos por Tomás
304
Antônio. Do que ocorria, ia Tomás Antônio dando parte a el rei nos termos seguintes: - “Senhor. – Mandei para a
impressão o decreto, pois o que está decidido não precisa
demorar-se, e o publicar bases ou não, instalada a Junta, se faz
mui bem, baixando à Junta. E, assim como vai, é melhor, sem
dúvida nenhuma; mas sempre desejo que V. M. aprove. Agora
podem já publicar-se os da Junta; e V. M. digne-se a ver a lista
que mando inclusa, que pode também imprimir-se amanha...”.
Aprovou el-rei a publicação do decreto, acrescentando
que, quanto à lista para os membros da nova Junta, encontrava
nela alguns que não seriam bem vistos, sendo aliás necessário
que todos contassem em seu favor com a opinião pública.
Impresso o decreto, remeteu-o Tomás Antônio a el-rei,
dizendo: “Chega impresso o decreto, que remeto; mas é
necessário o outro da Junta, para não dizerem que é para
enganar. E, em vindo assinado, se pode imprimir hoje. Agora
podem-se mandar quaisquer bases, ou inovações, que parecer à
mesma Junta, para se discutir. Os nomeados, os estive
conferindo, como V. M. sabe”.
Respondeu el-rei: - “Remeto assinado o decreto: quanto
aos membros, José de Oliveira Barbosa (48) me parece pouca
coisa. Se houvesse algum que não fosse conhecido e capaz,
seria bom, para não parecer paixão, mas só desejo de acertar.
Responda-me, para mandar expedir”.
Replicou Tomás Antônio que pouco importava Oliveira
Barbosa, que eliminava; propondo, porém, José Caetano
Gomes, Antônio José da Costa Ferreira e também o Mosqueira
(49), como procurador da Coroa. Pedia pelo decreto assinado,
“pois a tropa esperava Constituição inglesa”; e acrescentava:
“não se meta barulho de que o outro foi para enganar”. Quanto
305
na tarde de 23 esta instância chegou ao paço, el-rei se havia
recostado, e só despertou às 9 horas, “bem aflito pela demora”.
Lembrou ainda para a lista Monsenhor Almeida (50), visto não
haver nela nenhum eclesiástico, João José de Mendonça, que
fora corregedor de Évora, e Camilo Maria Tonnelet; e que se
lembra-se de mais “dois negociantes do Porto, que achasse
bons”.
Logo depois de publicado o primeiro decreto
convocando a Junta, no próprio dia 23 escrevia el -rei: “Tomás Antônio. – Agora acaba de falar-me o comandante da
polícia, dizendo-me que o Decreto foi mal recebido, e que já
se fala descaradamente que o que querem é a Constituição de
Portugal: como hoje se deve publicar o decreto da Junta, seria
melhor ver se nele se dava a esperança de que se devia aceitar
a dita Constituição, com as mudanças adotáveis ao país, ou dar
as bases. – João Carlos”.
Entre os papéis de Tomás Antônio se encontrou a
seguinte minuta, com data de 23, que atribuímos a projeto de
Palmela: - “Tendo estabelecido uma Junta de Cortes, para se
tratar da aplicação que poderá ter ao Brasil a Constituição q ue
se está discutindo e organizando nas Cortes de Lisboa, para vir
à minha real sanção, para se facilitarem mais os exames e
trabalhos da sobredita Junta: hei por bem declarar que seja
admitida a sobredita Constituição de Portugal, com as
modificações e aplicações próprias ao Brasil, e sobre esta base
continuará os seus exames a mesma Junta, a qual assim o terá
entendido e executará nesta conformidade”.
O certo é que desagradou também a Palmela a
publicação do decreto, e no dia 24 dirigia a el-rei a seguinte
carta (51), pedindo a sua demissão:
306
“Senhor. – Suplico a V. Majestade que se digne
dispensar-me hoje de ir ao despacho; acho-me com uma grande
dor de cabeça, e sumamente transtornado pela publicação que
vi ontem, e pelo modo com que V. Majestade tomou esta
resolução.
“O que é certo, Senhor, é que, se algum meio resta
ainda de servir a V. Majestade, e de lhe evitar a desgraça e a
humilhação de receber a lei, que lhe quiserem impor, como a
recebeu o Sr. D. Fernando VII, é o adotar V. Majestade um
sistema claro, e segui-lo com lisura. Pra conseguir este fim, é
necessário que V. Majestade tenha plena confiança naqueles a
quem faz o honra de escolher para seus ministros, e que os
seus ministros coincidam todos num mesmo modo de pensar e
de obrar.
“Meias medidas são, na minha opinião, ainda mais
nocivas do que uma total inação, porque, em lugar de
satisfazerem, irritam os ânimos, e dão uma prova de falta de
meios de resistência, e ao mesmo tempo de falta de vontade de
conceder. É de advertir, além disso, que as concessões, que
ontem teriam sido suficientes, talvez para evitar uma comoção
no Rio de Janeiro, hoje, ou amanhã, já o não serão!
“Lanço-me, portanto, aos régios pés de V. Majestade,
para lhe pedir que se digne dispensar-me do ministério, de que
não posso dar conta, nem como utilidade do serviço de V.
Majestade, nem com honra minha. Protesto, porém, que, sendo
bem alheia do meu caráter a idéia de aumentar os embaraços,
em que V. Majestade se acha (se é possível que a falta de um
indivíduo insignificante, como e, tenha esse resultado), e ainda
mais o desejo de adquirir uma aura de popularidade, que
sacrificarei sempre gostoso ao serviço de V. Majestade e ao
307
cumprimento do meu dever; guardarei, enquanto V. Majestade
me não ordenar o contrário, o mais profundo silencio sobre a
humilde súplica que agora lhe dirijo, e, continuarei mesmo, se
V. Majestade assim o quiser, a ocupar-me, em casa, do
expediente ordinário dos negócios destas repartições, até que
V. Majestade destine a pessoa a quem deverei entregar a pasta .
“Permita V. Majestade que, na maior agitação, por me
atrever a levar uma tal petição à presença do augusto soberano,
a quem tenho consagrado, a sua real mão. – Conde de Palmela.
– Rio de Janeiro, 24 de Fevereiro de 1821”.
Afligiu-se el-rei e ordenou a Tomás Antônio que fosse
conferenciar com o mesmo Conde, dizendo fazê-lo da parte de
el-rei, mui sentido do seu incômodo.
Cumpriu Tomás Antônio pontualmente as ordens de seu
augusto amo, e nesse mesmo dia 24 lhe dava disso conta na
seguinte carta:
“Senhor. – Fui conferir com o Conde, e ele falou com
toda a boa-fé, assim como eu com ele. Depois de discorrer na
matéria assentamos que ele mandaria chamar esta tarde, dos
nomeados, e de foram – Saraiva, Carretti, João de Sousa e
Manuel Jacinto (52), aqueles para que assegurassem os
batalhões de que não se fazia engano, - e ele me avisava para
amanhã, pelas 10 ou 11 horas, mandar chamar toda a nossa
Junta nomeada, na sua casa, onde eu irei. – e ouvi-la sobre os
dois projetos, ou o das bases da Constituição para Port ugal e
Brasil, ou o de reconhecer já a Constituição de Lisboa, que
vem a ser a de Espanha.
“Entende, e eu também, que este é o último caso, e por
isso se ao deve já fazer, pois que dele se não pode passar
adiante: diz que melhor será dar as bases.
308
“Ele lembra, além dos nomeados, o João de Sousa: e
não me parece mal.
“É, portanto, o seu desejo, que V. Majestade lhe mande
dizer alguma palavra, de que continue a servir, e que não está
pela desculpa.
“Parece-me, pois, fazer-se assim, e, como se tomam
estas medidas, acho que não tem perigo: como, porém, diz o
intendente (53) que o sinal são as girândolas, pode muito bem
não se mandarem deitar, se o bom sucesso for hoje ou amanhã.
“Eu vou fazer os avisos de prevenção para chamar a
Junta.
“Aos reais pés de V. Majestade. – Tomás Antônio de
Vila Nova Portugal.”
Desta comunicação resulta, com a maior evidência, que
já então Palmela se achava relacionado com alguns dos
Portugueses, chefes militares da sublevação, Saraiva (da Costa
Refoios), Caretti e João de Sousa. Resulta igualmente que a
demissão de Palmela não se fez efetiva; pois que se prestou a
assistir como ministro à primeira, e única, sessão da Junta
nomeada, que teve lugar (54) em uma casa na Rua do Conde
(Catumbi) (55), na manhã de 25. Nessa reunião insistiu
Palmela em apresentar e fazer adotar as suas bases; havendo,
porém, quem levantasse a voz, tratando de rebeldes e
revolucionários os de Portugal, acrescentando que não
convinha com eles transigir dessa maneira, separaram -se
todos, sem nada haver resolvido.
Desesperaram-se com isto as tropas portuguesas, e
julgaram chegada a sua vez de obrar, e por certo que, se
Palmela não as animou, tampouco, despeitado como se achada,
as conteria. Assim, só à resolução da Junta cabe, e não a el -rei,
309
nem a Tomás Antônio, a responsabilidade da revolução que
teve lugar no dia seguinte.
Havia-se formado, desde algum tempo, um pequeno
conclui (56), para promover a proclamação da Constituição
portuguesa. Eram membros ajuramentados dele o bacharel
Padre marcelino José Alves Macamboa, o Padre Francisco
Romão de Góis e outros portugueses estranhos aos interesses
do Brasil e nele não domiciliários (57). Celebravam suas
reuniões todas as tardes em casa do dito Padre Macamboa, e
por influência até da rainha que desejava que el -rei fosse
obrigado a retirar-se para Portugal, chegaram a pôr-se em
inteligência com o príncipe real, vendo-o até em palácio, na
sala do seu guarda-roupa, por baixo da sala chamada dos
Pássaros. Reconhecera ademais o príncipe que, proclamada já
a Constituição na Bahia, era intempestiva e perigosa a
tentativa aconselhada por Tomás Antônio e prometera que
chegando o caso, auxiliaria um movimento constitucional.
Haviam os ditos Macamboa e Góis associado a si o
Major Antônio de Pádua da Costa e Almeida, adido ao estado maior do exército do Brasil, os Majores graduados Antônio
Duarte Pimenta e Manuel dos Santos Portugal, da cavalaria da
polícia da Corte, o Tenente de artífices engenheiros Cipriano
José Soares, o Tenente de caçadores Luís de Sousa da Gama e
três outros menos nomeados.
Encarregou-se o Major Costa e Almeida de contribuir
para o pronunciamento do regimento 2º de infantaria e da
artilharia da Corte, entendendo-se com o Major Comandante
José Maria da Costa e a oficialidade do primeiro e com o
Major graduado, comandante da artilharia, Francisco de Paula
e Vasconcelos.
310
O Tenente Gama incumbiu-se por sua parte, de aliciar
os oficiais do seu regimento e de falar ao Tenente -Ajudante do
regimento de infantaria n. 3, João Henriques de Amorim, no
que teve o êxito a que se propunha.
O Major Pimenta tomara a si o seduzir o regimento de
cavalaria da Corte, o qual, entretanto, como vários dos outros
corpos não convidados para a sublevação, só se pronunciou
depois que viu postada no Rocio a respeitável força sublevada.
Para ajudar o suborno das tropas, reuniu-se avultada soma na
loja de um alugador de cavalos, por nome Leal, perto do Lago
de São Francisco de Paula (58)
Combinou-se para a simultânea saída dos quartéis a
hora do tiro de peça do navio registro no porto; e, como s e
achava então grávida no último mês a princesa real, assentou se, à mesma hora, iria à quinta de S. Cristóvão o Padre Góis,
para prevenir ao príncipe o que ia suceder, e porventura
também para o convidar a vir colocar-se à frente do
movimento.
Chegando o Padre Góis a S. Cristóvão, ainda dormiam o
príncipe e a princesa. Estava já, porém, levantado el -rei, que
acabava de ser informado da marcha da artilharia montada da
Corte e do batalhão de caçadores 3º, pelo comandante deste
corpo, o Tenente-Coronel Tomás Joaquim Pereira Valente
(59), e pelo Alferes Francisco Avelino, que não haviam
querido acompanhar o mesmo corpo revoltado.
Conduzira o batalhão 3º de caçadores o Major Antão
Garcez Pinto de Madureira, sendo este batalhão e uma bateria
de seis peças, sob o mando do Capitão João Carlos Pardal, os
primeiros que se apresentaram no Rocio (60).
Ainda toda a tropa se não achava reunida, quando se
311
apresentou o Brigadeiro Francisco Joaquim Carretti, a quem
desde logo foi oferecido o mando. Logo depois chegou o
príncipe (61) e, entrando no quadrado formado pelas tropas,
com um papel exclamou: - “Está tudo feito. A tropa pode já ir
a quartéis, e os oficiais a beijar a mão a meu Augusto Pai”.
Passou então a ler um decreto revogando o de 18, ao que o
Bacharel Macamboa observou a S. A. R. que, ainda com o
mesmo deceto, não ficavam satisfeitos os votos da tropa e do
povo, que pediam se dignasse el-rei e a Corte jurar a
Constituição que se estaria fazendo em Portugal, demitindo ao
mesmo tempo os indivíduos que ocupavam os grandes cargos
do Estado e sento cometido o governo aos de uma lista de doze
nomes que apresentou, com o fim de que constituíssem uma
Junta de Governo.
Voltou o príncipe a São Cristóvão, sendo, entretanto,
convocada a reunião, na sala do vizinho teatro, do S enado da
Câmara, e convidado também a assistir a ela, para tomar os
juramentos, o bispo capelão-mor (62). Ainda no paço, valeu a
el-rei a dedicação e serenidade de ânimo de Tomás Antônio:
aconselhou-lhe que aceitasse todos os da lista, distribuindo
entre eles os ministérios e os principais cargos do Estado.
Pelas 7 horas, voltou o príncipe de S. Cristóvão,
trazendo, além do decreto de revogação, com a data de 24 em
vez de 26, a lista dos doze novos ministros e altos
funcionários, que entre aplausos foi recebida pela multidão.
Foram, pois, nomeados: o Vice-Almirante Inácio da
Costa Quintela para a pasta do Reino; o Vice-Almirante
Joaquim José Monteiro Torres para a da Marinha; Silvestre
Pinheiro Ferreira para a dos Estrangeiros e Guerra; o Conde de
Louzã, D. Diogo de Meneses, para Presidente do Erário. O
312
bispo capelão-mor era feito Presidente da Mesa da
Consciência; Antônio Luís Pereira da Cunha (63), Intendente Geral da Polícia; José Caetano Gomes, Tesoureiro-Mor (64); o
velho e íntegro Desembargador Sebastião Luís Tinoco (65),
Fiscal do Erário; Jose da Silva Lisboa, Inspetor-Geral dos
estabelecimentos literários; João Rodrigues Pereira de
Almeida (66), Diretor do Bando pela Fazenda Real; o velho
José de Oliveira Barbosa, Comandante da Polícia; o Visconde
de Asseca, Presidente da Junta do Comércio. Faltava substituir
o general das armas, e Silvestre Pinheiro Ferreira lembrando o
nome do seu amigo Carlos Frederico de Caula, em lugar do
“Grão-de-bico” (67), foi este aceito por todos.
Eis o teor do decreto trazido pelo príncipe, escrito por
sua própria letra:
- “Havendo eu dado todas as providências para ligar a
Constituição que se está fazendo em Lisboa com o que é
conveniente ao Brasil, e tendo chegado ao meu conhecimento
que o maior bem que posso fazer aos meus povos é desde já
aprovar essa mesma Constituição, e sendo todos os meus
cuidados, como é bem constante, procurar-lhes todo o
descanso e felicidade: hei por bem desde já aprovar a
Constituição que ali se está fazendo, e recebê-la no meu reino
do Brasil e nos mais domínios da minha coroa. Os meus
ministros e secretários de Estado, a quem este vai dirigido, o
façam assim constar, expedindo aos tribunais e capitães generais as ordens competentes. – Palácio do Rio de Janeiro,
24 de Fevereiro de 1821”.
A circunstância da antedata, num decreto arrancado à
majestade naquele mesmo instante, pareceu a alguns, e talvez
não sem razão, digna de censura. Em seguida, foi convocada a
313
municipalidade ao vizinho edifício do teatro, onde o príncipe,
seu irmão D. Miguel e os militares e povo passaram a prestar
juramento; o que também depois executou el-rei, a quem o
príncipe real foi pessoalmente rogar que viesse com ele ao
Rocio, donde logo se viu conduzido ao paço da cidade, em
meio de entusiásticos tumultos, para ele estranhos e pouco
agradáveis.
Como era de esperar, foi desde logo sucessivamente
começando a ser seguidos o exemplo de el-rei e da Corte em
todas as paragens do Brasil, em que a Constituição ainda não
fora proclamada, à proporção que a elas chegava a notícia do
ocorrido na capital, isso em meio de maiores ou menores
turbulências, que guardamos para historiar depois, em cada
província mui separadamente, sendo certo que a sua sorte
ficou desde logo dependente do resultado da grande luta que
veio a travar-se entre os governos centrais de Lisboa e do Rio
de Janeiro.
Cumpre advertir que, no dia 25, depois de publicados os
decretos com data de 18 e 23, partiu um barco que s levou
oficialmente à Bahia, à Junta, que os recebeu dentro de poucos
dias. Alarmou-se a Junta: convocou o Chanceler da Relação,
José Joaquim Nabuco (68), a Antônio Carlos (69), que aí
estava, anteriormente preso pelos acontecimentos de 1817, e a
mais outros cidadãos, e todos clamaram que os mencionados
decretos eram uma verdadeira cilada, a que cumpria r esistir. A
Junta transmitiu deles logo cópia para as Cortes, assegurando
que não daria execução, e instando por que de Portugal lhe
fossem enviadas as tropas que havia requerido desde a sua
manifestação. Mal sabia que tanto mal lhe viriam depois a
causar esses auxílios! Encarregou-se Antônio Carlos de redigir
314
logo uma impugnação dos novos decretos, o que ele fez
imediatamente,
publicando
sob
o
pseudônimo
de
Filagiosotero, um folheto em onze páginas, impresso neste
comenos na tipografia da Viúva Serva e Carvalho, sob o título
de Reflexões sobre o Decreto de 18 de Fevereiro deste ao (70).
Aí tratava de excitar contra os ditos decretos toda a oposição
dos baianos, já sob o domínio das Cortes convocadas em
Portugal; combatida a idéia (que depois veio a abraçar) de dois
congressos na mesma monarquia, toda de igual nacionalidade e
mesma religião, argumentando que de Lisboa se deviam
esperar novas instituições mais liberais, ao passo que as Cortes
convocadas por el-rei no Rio de Janeiro, a conselho de Tomás
Antônio, prometiam ser, segundo o teor do próprio decreto,
puramente consultivas.
Se tais eram as idéias dominantes na Bahia, se o decreto
de Tomás Antônio não ia ser aí obedecido, e a mesma Bahia,
já revolucionada, preferia unir-se a Lisboa, é claro que a
conspiração de Macamboa, com a idéia de servir só a Portugal,
tinha providencialmente livrado o Brasil do maior perigo que
devia temer: o obter novas instituições à custa do seu
fracionamento, como sucedera aos povos seus limítrofes das
antigas colônias da Espanha.
Logo depois começou a correr a notícia que el-rei
deixaria o Brasil com toda a sua família; e parece que chegou
isso a ser decidido por maioria em conselho, sendo indubitável
que assim o participou Silvestre Pinheiro ao governo de
Portugal, em ofício de 28, levado pela corveta Maria da
Glória (71).
Temos, porém, como certo que no ânimo de el-rei esta
resolução não foi considerada como definitiva, e que lhe não
315
seriam estranhas as hesitações e maquinações que ainda se
foram seguindo e que deram causa à prisão, na Ilha das
Cobras, no dia 3 [de Março], do Vice-Almirante Rodrigo Pito
Guedes e dos Desembargadores do Paço João Severiano e Luís
José de Carvalho e Melo (72), - prisão que este último sofreu
com menos serenidade de ânimo do que os dois primeiros,
conforme já lhe sucedera em 1817, quando dado por suspeito
de simpatizar com a causa dos sublevados de Pernambuco.
Aos 7 de Março havia sido recebido um ofício das
Cortes de 15 de Janeiro, pedindo a el-rei que regressasse a
Lisboa, e manifestando vivo dissabor de não verem também no
seu seio os representantes do Brasil. Resolveu, pois, promulgar
el-rei um decreto, revolvendo sua partida, ficando o príncipe
como regente do Brasil todo: terceira grande resolução em
favor da futura unidade nacional. Na mesma data era decretada
a convocação, por todo o Brasil, dos deputados às Cortes de
Lisboa, adotando-se para a marcha das eleições vários artigos
da Constituição espanhola, que já haviam sido adotados para
as eleições em Portugal. No Conselho de Estado, a respeit o da
partida de el-rei, fora Silvestre Pinheiro o único que votara
contra, do que resultou dirigir-se no fim el-rei para o mesmo
conselheiro, dizendo-lhe: - “Que remédio, Silvestre Pinheiro!
Fomos vencidos!” (73). Honra muito a este publicista a
lealdade do seu voto, especialmente havendo ele, segundo
propendemos a acreditar, tido parte no escrito em francês, que
meses antes se espalhara pela capital, segundo dissemos (74).
O Marechal Felisberto Caldeira Brant e o Desembargador Maciel da Costa foram, sob certos pretextos,
despachados por el-rei para a Europa. Este último, a título de
encarregado de uma missão em Roma, devia tratar de
316
informar-se da situação de Portugal, na época em que aí
poderia chegar el-rei, para o prevenir no caminho, se não fosse
prudente a sua entrada em Lisboa. Felisberto dirigiu -se à
Inglaterra.
Para afagar a oficialidade da guarnição, publicou-se na
mesma data um decreto, igualando os vencimentos do exército
do Brasil aos mesmos que percebia o exército de Portugal
(75).
E, ou porque com o mesmo decreto os oficiais
reconheceram a dependência que havia deles e se mostraram
ainda pouco satisfeitos, ou porque assim o supuseram alguns, é
certo que começou a correr que a mesma tropa estava ainda
descontente e se preparava a uma revolução. Este boato
provocou da parte de muitos oficiais uma espécie de protesto,
em forma de representação a el-rei, em data de 13 de Março,
protestando-lhe a maior fidelidade, lembrando a conveniência
de se mandar proibir os conventículos, que poderiam ser fatais
ao sossego público, e dizendo expressamente saberem que
“homens inquietos e amigos de novidades, sem refletirem no
mal que daí poderia resultar, projetavam reformas, inventavam
governos provisórios e outros delírios desta natureza” (76).
Levou o Senado da Câmara à presença de el-rei, em 26
de março, três memórias, em uma das quais insistia pedindo a
el-rei que não se ausentasse do Rio de Janeiro (77).
Agradeceu, por el-rei, o Ministro do Reino, Quintela, em data
de 28, dizendo ao Presidente do Senado que S. M. ficava
penetrado dos puros sentimentos de amor, de lealdade e de
respeito do seu povo, porém que a situação dos negócios
políticos e o interesse bem entendido e geral da monarquia lhe
não permitiam aceder aos seus desejos, prolongando por mais
317
tempo a estada nesta Corte. Em data de 31, agradeceu
igualmente Quintela, em nome de el-rei, e representação dos
negociantes e proprietários da cidade (78).
Havendo resultado do balanço do Banco [do Brasil],
feito a 23 de Março, que a fazenda pública era ao mesmo
Banco devedora de 4.799:415$717, incluindo 165:230$855,
que devia o Teatro de S. João, 102:800$ à polícia e
168:356$433 à Praça do Comércio, - por um decreto dessa
mesma data, que faz honra ao seu referendatário Conde de
Louzã, foi reconhecido como dívida nacional o desembolso do
Banco do Brasil nos adiantamentos feitos ao governo,
ordenando-se à diretoria-geral dos diamantes que fizesse
imediatamente entrar no cofre do mesmo Banco todos os
brilhantes lapidados do Erário, bem como os não lapidados,
não precisos para se entreter o trabalho da lapidaria deles,
então existente; mandando igualmente pôr em depósito no
Banco todos os objetos de prata, ouro e pedras preciosas, que
se pudessem dispensar do uso e decoro da coroa. Para ajudar a
suster o Banco, foi este autorizado, com a garantia das rendas
do Brasil e hipoteca da Alfândega do Rio de Janeiro, a
levantar na Europa um empréstimo de 2.400:000$000.
Uma provisão do Desembargo do Paço, de 10 de Abril,
reconheceu à Câmara do Rio de Janeiro o seu antigo direit o de
senhorio dos solares da cidade, anulando e cassando o acórdão
do Juízo dos Feitos da Fazenda, de 28 de Junho de 1812,
contrário à mesma Câmara. Outro decreto melhorou o sistema
da percepção dos dízimos em todo o Brasil, dispondo-se que
vigorasse este novo sistema durante três anos, a título de
ensaio, ficando dependente de nova decisão o prosseguir daí
em diante ou adotar-se de novo o anterior, se a experiência o
318
demonstrasse preferível (79).
Em Portugal, nem todos eram partidários das doutrinas
defendidas por Soares Franco. Dois escritos especialmente se
distinguiram, sustentando pelo mesmo tempo a conveniência
de ficar no Brasil a futura Corte e capital do Reino Unido. Um
deles, anônimo, foi publicado no periódico Astro da Lusitânia
(n os 39 e segs.), sob o título de “Breve discurso sobre o lugar
onde el-rei deve ter a sua Corte”, e não só fez grande
sensação, como chegou a ser origem de mui acres polêmicas
(80).
O outro, publicado em Coimbra, sob o título de Projeto
para o estabelecimento político do Reino Unido, etc., e de que
foi autor Antônio d’Oliva de Sousa Siqueira, Tenente de
infantaria e estudante do 4º ano de Matemática (81), veio a ter
grandes conseqüências, embora a princípio se apresentassem
também contra ele opositores acérrimos, e desde lo go, do
próprio grêmio da Universidade, um estudante do 3º ano de
Leis, José Joaquim de Almeida Moura Coutinho, que, na
mesma imprensa da Universidade e no mesmo ano, publicou
uma Análise do dito projeto (82).
Como desentendendo-se ostensivamente das censuras,
ou, antes, dos nomes dos censores, voltou Oliva, nesse mesmo
ano de 1821, com uma 2ª edição do seu projeto, igualmente
impressa na tipografia da Universidade; mas acompanhou-a de
uma Adição ao Projeto muito mais volumosa que este, em que
se propôs a combater todas as objeções que se poderiam fazer
ou se tinham já feito contra as suas propostas.
Depois de provar que interessava a Portugal o seguir a
união com o Brasil, e aos brasileiros a união a Portugal, deduz
que a política dos portugueses da Europa, para susterem essa
319
união, devia ser a conservação da metrópole no Brasil, e, sob
estes princípios, apresenta o seu projeto em sete artigos, a
saber:
1º) Que se fizesse uma Constituição geral para o Reino
Unido, na qual se declarasse que ou o Rio de Janeiro ou a
Bahia fosse dele a capital;
2º) Que houvesse um congresso no Brasil, onde
mandassem representantes as possessões de Ásia e África, e
outro em Portugal, onde fossem recolhidos os deputados dos
Açores e Madeira;
3º) Que el-rei nomeasse para Portugal um vice-rei
regente, com todos os poderes, até para conceder títulos;
4º) Que este regente nunca seria o sucessor da coroa,
mas sim o imediato a este;
5º) Que então se evitasse o regresso do Brasil de el-rei e
do príncipe real, devendo ser nomeado logo o Infante D.
Miguel, vitalícia ou temporariamente, mas nunca por menos de
dez anos;
6º) Que os súditos residentes em um dos reinos não
seriam proprietários no outro;
7º) Finalmente, que se estabelecesse comércio livre
entre Portugal e o Brasil, devendo, porém, ser feito com
bandeira nacional.
Conclui o autor a Adição ao Projeto, a qual contém
nada menos de 56 páginas, quando a reimpressão do novo
Projeto não ocupa mais de 16, com algumas idéias a favor da
prosperidade do Brasil, que coordena em 14 artigos, contendo
providências tendentes a ir concluindo com a escravatura; ao
melhoramento da raça escrava e da indígena; à concessão de
privilégios aos colonos europeus, dando-se aos pobres terras e
320
meios, e aos proprietários a nacionalidade e recompensas
honoríficas; ao acabar-se de todo com os nomes de mulato,
crioulo, caboclo, etc. (83); ao promoverem-se os casamentos,
retirando-se até direitos políticos aos que não fossem casados
aos 25 anos; ao impetrar-se de Roma faculdade para casarem
os eclesiásticos; ao fomentar-se a dedicação do povo pela
agricultura, deixando de parte as minas de ouro, e explorando
antes as de ferro e platina; ao recrutar de preferência o Brasil
tropas estrangeiras; e finalmente ao descuidar as possessões da
Ásia, conservando-as apenas como “presídios de honra”, onde
se guardam as cinzas dos avós, e como canais, por onde
viessem a passar ao Brasil a cultivar-se nele todas as plantas
da Ásia.
O brasileiro mais patriota não poderá inspirar por certo
idéias mais fecundas, nem mais adequadas Pa situação do
Brasil. Assim não admira que viessem a frutificar no Brasil,
como veremos.
A resolução primeira de partir o príncipe havia
desagradado aos portugueses; a da próxima partida de el -rei
descontentou ao partido brasileiro, em cujo número entravam
muitos nascidos em Portugal. Esperançados uns e outros em
que tais resoluções não eram definitivas, todos faziam os
possíveis esforços por que fosse revogada, o que julgavam
tanto mais fácil quando sabiam positivamente ser essa a
vontade de el-rei: não partir. Os descontentes formulavam
queixas contra os novos membros do governo, dizendo que
nada haviam ganho com a mudança e que seguiam os arbítrios
pior que dantes. Gritavam contra a arbitrária prisão e soltura
do vice-almirante [Pinto Guedes] e dos dois desembargadores
{Maciel da Costa e Carvalho e Melo], e clamavam contra um
321
decreto, de 2 de Abril, estabelecendo para a imprensa uma
censura prévia, cuja responsabilidade devia principalmente
recair no inspetor-geral dos estabelecimentos literários
[Cairu], que logo se demitiu do cargo (84).
A conseqüência natural era que, em vez de publicações
em regra, se publicavam pasquins anônimos; e no dia 19
chegou a correr por toda a cidade uma proclamação
incendiária. Para esta grande oposição se davam as mãos os
amigos do governo caído, e com especialidade do Conde dos
Arcos, com os agitadores do dia 26, Macamboa ou outros,
vexados do modo como, graças à dedicação, habilidade e
sangue-frio de Tomás Antônio, se lhes havia feito evaporar o
projeto da sua Junta de Governo.
Informado el-rei desta agitação, e receando alguma
manifestação da parte da tropa que se devia reunir no sábado
de aleluia, 21 de Abril, para tributar as honras fúnebres a um
falecido oficial-general, mandou chamar, na sexta-feira santa,
ao governador das armas Caula e ao ouvidor da comarca
Joaquim José de Queiróz, resultando da conferência o
convocar o mesmo Caula no dia seguinte, às 10 horas da
manhã, toda a oficialidade de 1ª e 2ª linha ao Teatro Real,
fazer-lhes aí uma breve fala, convidando-os a reiterarem todos
o juramento do dia 26 de Fevereiro, ao que acederam, sendo
ele o primeiro a dar o exemplo; ao passo que, por sua parte, o
ouvidor resolveu mandar passar na própria sexta-feira à noite
os convites aos eleitores dos deputados já apurados na
conformidade do decreto de 7 de Março anterior, a fim de se
reunirem na Praça do Comércio, no dia seguinte, sábado de
aleluia, às 4 horas da tarde, e não no domingo 22, como estava
anunciado.
322
Não deixou de produzir sensação na cidade esta
repentina mudança do dia designado para a eleição dos
deputados; mas logo no sábado pela manhã se explicou pela
ansiedade, em que estava el-rei de conhecer a opinião pública
acerca das resoluções tomadas sobre a sua partida e sobre as
providências relativas à regência.
Ante esta perspectiva de irem a ter voto nas resoluções
do govêrno, exaltaram-se alguns dos eleitores, uns porque
ainda esperavam conseguir que el-rei não partisse, outros
porque meditaram levar agora avante, instados pela influência
do Padre Macamboa, a instalação da Junta que este havia
proposto no dia 26 [de Fevereiro].
Para melhor favorecer os planos de uns e outros,
lembrou-se imprudentemente Silvestre Pinheiro de dirigir um
aviso ao ouvidor presidente da Junta, comunicando-lhe as
resoluções de el-rei acerca da sua partida e o projeto das
instruções para a regência. Dir-se-ia que, desejoso de que elrei não partisse, ia tentar que viessem desta Junta objeções
tais, que os seus desejos se realizassem.
Às 4 horas da tarde de sábado 21 [de Abril] achava-se
reunido na Praça do Comércio muito povo e a maior parte dos
eleitores, cujo número veio a ser de uns 160, cada um dos
quais ao entrar entregava o seu diploma ao ouvidor presidente.
Nomeou este para secretário ao juiz de fora da Praia Grande,
José Clemente Pereira, e logo passou a ler o aviso de Silvestre
Pinheiro e o decreto de el-rei. E, antes de ler os documentos a
este anexos, acerca da nomeação dos secretários de Estado e
instruções que se dariam à regência, disseram alguns dos
extremos da sala não o terem ouvido, pelo que se ofereceu a
fazer a mesma leitura em voz mais alta e em dois sítios mais
323
proeminentes o Coronel José Manuel de Morais, que ao depois
veremos tomar grande parte em todos os sucessos da
Independência.
Lidos somente o aviso e o decreto, pois que os anexos
haviam ficado em mão do presidente, levantou-se entre o povo
das galerias grande alarido, declarando não quererem
semelhantes providências, mas antes de tudo a adoção da
Constituição da Espanha. É de notar que neste mesmo sentido
havia já tido lugar em Lisboa um motim no dia 11 de
Novembro, cujas resoluções poucos dias depois se haviam
anulado. Apresentaram-se como principais propugnadores
desta idéia um jovem das galerias, Luís Duprat, filho de um
alfaiate francês em Lisboa, e o Padre Macamboa, também das
galerias, os quais ambos se passaram para lugares
proeminentes entre os eleitores, para entre eles perorarem.
Duprat era criatura de Silvestre Pinheiro, e acabava de ser por
ele nomeado para adido à legação portuguesa nos Estados
Unidos. Também foram acusados de haver enunciado
propósitos sediciosos os eleitores José Nogueira Soares,
negociante, dono do navio Maria I, e João Pereira Ramos,
cirurgião, por alcunha o Cavaquinho. Anuiu o ouvidor a que
fosse eleita uma comissão para pedir a el-rei a promulgação da
Constituição espanhola. Procedendo-se à votação, convocou
para escrutinadores os eleitores Joaquim Gonçalves Ledo,
Oficial-Major da Contadoria do Arsenal do Exército, e o
Oficial da Contadoria do Conselho da Fazenda, Manuel José
de Sousa França, aos quais, para facilitar o trabalho, se
agregaram o Padre Januário da Cunha Barbosa e o Contador do
Erário, João José Rodrigues Vareiro. Apurados os eleitores,
ficou a comissão afinal composta do Desembargador do Paço,
324
Conselheiro Francisco Lopes de Sousa, do Padre Dr. Francisco
Aires da Gama, do Major de engenheiros, Lente de
Matemática, Antônio José do Amaral (85), negociante
Francisco José da Rocha (86), e do Desembargador Antônio
Rodrigues Veloso de Oliveira, que entrou em lugar de outro
que foi rejeitado.
Era já noite, quanto esta deputação deixava o edifício,
e, apesar da chuva que caía, e acompanhada de muito povo, e
de muitas lamúrias, se dirige a pé ao paço da cidade, onde
supunha estava el-rei. Foram recebidos pela rainha, que aí os
deteve algum tempo, enquanto se dava aviso para S. Cristóvão,
onde se mandavam reunir todos os ministros. Afinal partiram
em seges, sem o menor acompanhamento, no meio de uma
noite tenebrosa.
Em S. Cristóvão encontraram a el-rei já com os seus
ministros, e não tardaram a ser despachados, trazendo consigo
o decreto seguinte, pelo qual el-rei anuía ao que pediam:
_ “Havendo tomado em consideração o termo de
juramento, que os eleitores paroquiais desta comarca, a
instâncias e declaração unânime do povo dela, prestaram à
Constituição espanhola, e que fizeram subir à minha real
presença, para ficar valendo interinamente a dita Constituição
espanhola, desde a data do presente até a instalação da
Constituição em que trabalham as Cortes atuais de Lisboa, e
que eu houve por bem jurar com toda a minha corte, povo e
tropa, no dia vinte e seis de Fevereiro do ano corrente. Sou
servido ordenar que de hoje em diante se fique estrita e
literalmente observado neste reino do Brasil a mencionada
Constituição espanhola, até o momento em que se ache inteira
e definitivamente estabelecida a Constituição, deliberada e
325
decidida pelas Cortes de Lisboa. – Palácio da Boa Vista, aos
vinte e um de Abril de mil oitocentos e vinte e um”. Com a
rubrica de Sua Majestade.
Não haviam tido origem mais legal as resoluções de 26
de Fevereiro, e entretanto, ficaram válidas. E válido ficaria
também este novo decreto, até novos acontecimentos, se,
embriagada por uma vitória tão fácil, não se propusesse logo a
empregar o resto da noite ara pretender seguir ditando a lei, e
até já constituir-se em governo.
Tardando os da deputação em regressar, o que só
conseguiram efetuar pela volta da meia-noite, acharam a Junta
na maior agitação, por se ter espalhado que as tropas estavam
em armas nos quartéis, e outros fatos que seriam avultados
pelo próprio temos da consciência.
Entretanto, peroravam Macamboa e principalmente Luís
Doprat (87), que propôs ao povo que decretasse a ficada de el rei, com ordens às fortalezas, sob pena de morte, para que não
saísse nenhuma embarcação, desde sumaca até nau grande, o
que, sendo logo entusiasticamente aprovado, foram
incumbidos o velho General Joaquim Xavier Curado, então
com 78 anos de idade, filho do Arraial de Jaraguá, em Goiás
(depois Conde de S. João das Duas Barras), e o Coronel Jos é
Manuel de Morais, de transmitir esta ordem às fortalezas, o
que eles passaram a cumprir, escoltados por seis populares,
encabeçados pelo oficial do Conselho Supremo Militar,
Joaquim Veríssimo Jardim, um dos corifeus do motim;
dirigindo-se todos, alta noite, em um escaler da ribeira, que aí
lhes foi dado pelo chefe de esquadra Francisco Antônio da
Silva Pacheco, a levar a ordem ao comandante da fortaleza de
Santa Cruz, Tibúrcio Valeriano Pegado, que se deu por
326
intimado.
No seio da Junta, ao regressar de S. Cristóvão a
deputação, desvaneceram-se todos os sustos, e resolveram
nomear outra deputação para agradecer a el-rei; e logo mais
outra para lhe levar a proposta de quatro outros indivíduos
para o seu ministério e mais 12 para formarem a Junta de
Governo, a cuja eleição logo se procedeu, por mais que os
eleitores mais sensatos, como Tinoco (88), Manuel Jacinto
(89), Fragoso (90) e outros argumentassem que, admitida a
Constituição espanhola, ficava livre ao rei a escolha dos seus
ministros.
Entretanto, constou no recinto da Junta que na cidade se
reuniam tropas. Propôs Duprat que fosse chamado o General
Caula; e, comparecendo este, interpelou-o acerca de tal
reunião, ao que ele respondeu não ter disso o menos
conhecimento.
Havia já partido para S. Cristóvão a nova comissão
apurada, composta do Desembargador do Paço José Albano
Fragoso, do Tenente-General José de Oliveira Barbosa e do
Coronel Joaquim José Pereira de Faro (91), e já se haviam
retirado a maior parte dos eleitores, pela volta das quatro da
madrugada, quando constou que o edifício se achava cercado
de tropa. O General Caula havia sido separado do governo das
armas, que havia sido confiado a Jorge de Avilez, o qual,
reunindo as tropas portuguesas no Largo do Paço e as do
Brasil no Rocio, ordenara ao Brigadeiro Carretti de ir com
algumas companhias contra a Praça do Comércio.
Retiraram-se desde logo, conforme puderam, a maior
parte dos eleitores que ainda se conservaram no edifício;
demoraram-se, porém, o Secretário José Clemente e os
327
escrutinadores e outros mais, quando uma companhia de
caçadores de Portugal, comandada pelo Major graduado
Peixoto, se apresentou à porta do edifício. Eram umas 40 ou
50 praças, a dois de fundo, que começaram por uma descarga,
com o principal fim de atemorizar, e seguindo logo à baioneta
calada contra os que se não retiravam. O lente Antônio José do
Amaral refugiou-se a muito custo em uma sumaca. O
Desembargador José da Cruz Ferreira salvou-se, atirando-se à
água e afastando-se da praia a nado. Miguel Feliciano de
Sousa, com armazéns de vinhos à Rua de S. Pedro, dos quais
havia mandado vir muitas garrafas e havia bebido bastante,
ferindo um soldado, foi logo morto. José Clemente Pereira,
então de 34 anos de idade, recebeu várias baionetas e um golpe
na cabeça, que o obrigou a tratar-se e a demorar até 30 de
Maio seguinte a posse do lugar de juiz de fora da capital, para
que por esse tempo foi transferido. Recebera assim José
Clemente o batismo de sangue, que apesar de nascido em
Portugal, lhe deu o passaporte de um dos chefes do partido
liberal brasileiro, como seguiu sendo, vindo a ser um dos
cidadãos que mais contribuíram para a proclamação da
Independência, e logo depois para a do Império (92).
O escaler que fora à fortaleza de Santa Cruz regressava
para a Laje, quando foi encontrado por um bote de quatro
remos, em que ia o Tenente de dragões do Rio Grande, Souto,
o qual, dando ao General Curado a ao Coronel Morais a voz de
prisão, por mandado do príncipe real e à ordem de el -rei, estes
se submeteram, e voltaram presos, com o Jardim e outros cinco
da escolta, para a mesma fortaleza de Santa Cruz, donde foram
mandados pôr em liberdade no dia 27.
Duprat e Macamboa foram presos na Ilha das Cobras, e
328
vieram a ser pronunciados na devassa a que, por ordem régia,
logo procedeu o Desembargador Lucas Antônio Monteiro de
Barros (93), e a qual, com os depoimentos de brasileiros dos
mais eminentes da Corte, os eleitores ao depois marqueses de
Baependi e Maricá, Visconde de Cairu, Desembargadores
Veloso e Fragoso, e General Curado, constitui hoje o mais
precioso documento histórico que possuímos acerca deste
extraordinário sucesso (94).
Deu-se a mesma devassa por conclusa em 5 de Maio
seguinte, e, em virtude do acórdão de 22 do mesmo mês, foi
dada ordem de prisão também para Nogueira Soares e Pereira
Ramos, os quais não foram encontrados em suas casas,
confirmando-se as de Duprat e Macamboa, na Ilha das Cobras.
Convindo que as ordens para ser dissolvida a
mencionada Junta, pela sua inqualificável conduta, foram
postas, e não duvidando admitir que provieram elas da
influência do príncipe real, só nos resta lamentar o modo
bárbaro como foram levadas à execução, e que contribuiu às
apreensões com que ficaram muitos liberais, especialmente nas
províncias, acerca dos sentimentos do mesmo príncipe. Na
Bahia, a Praça do Comércio chegou a cobrir-se de luto,
durante dois dias.
No dia 23, espalharam-se com essa mesma data pela
cidade duas proclamações de el-rei: uma aos habitantes e outra
ao corpo militar,lamentando o sucedido e apelando para o
patriotismo de todos (95). Ao mesmo tempo se publicavam
quatro (96) decretos com data de 22. Anulava o primeiro o da
aceitação da Constituição espanhola: mandava iutro proceder à
dita devassa; dispunha o terceiro acerca da forma e poderes da
regência do príncipe depois da partida de el-rei; o quarto
329
ampliava aos oficiais inferiores, soldados do exército do
Brasil, as regalias concedidas aos oficiais em 7 do mês
anterior, para vencerem prés e etapas como os do exército de
Portugal. Ficava o príncipe investido de plenos poderes para a
governação do Brasil, com direito de conferir cargos, postos e
condecorações, limitando-se a propor somente os bispos, e era
até autorizado, em caso urgente, a fazer a guerra ou admitir
tréguas. Deveria resolver os negócios em conselho, ficando,
porém, por estes responsáveis os ministros ou secretários, que
deveriam referendar os atos respectivos. Em caso de morte do
mesmo príncipe, governaria a princesa, com um conselho de
regência, composto de dois ministros de Estado, do presidente
do Desembargo do Paço, do regedor das Justiças e dos dois
secretários de Estado, da Guerra e da Marinha. De Ministro de
Estado ficavam os que já o eram de el-rei, o Conde dos Arcos,
nos negócios do Reino e Estrangeiros, e o Conde de Louzã,
nos da Fazenda; e de Secretários de Estado interinos, o
Marechal-de-Campo Caula na Guerra e o Major-General da
armada, Manuel Antônio Farinha (97), na Marinha. Esta
diferença no próprio seio do gabinete, de ficarem dois em
posição inferior, atribuída ao Conde dos Arcos, era já uma
origem de desunião, que deixava el-rei no governo.
No dia 24, achando-se p príncipe no seu quarto (98),
disse-lhe [o pai]: - “Pedro, se o Brasil se separar, antes seja
para ti, que me hás de respeitar, do que para algum desses
aventureiros”.
A 26 de Abril deixava el-rei, com toda a sua comitiva, o
Rio de Janeiro. O sentimento de el-rei e da família real, de
deixarem o Brasil, se descobriu nas lágrimas de todos, exceto
a rainha. Constava a esquadra da nau D. João VI, duas fragatas
330
e várias charruas e transportes.
A própria esquadra que condizia el-rei era portadora de
muitas cartas dos maiores liberais do Rio de Janeiro,
despeitados ainda com os acontecimentos da madrugada de 22,
pedindo para Portugal a retirada do príncipe (99) e do seu
ministro Conde dos Arcos, acusando a um e outro de
tendências ao absolutismo.
Ao chegar à altura da Bahia, mostrou el-rei a Silvestre
Pinheiro desejos de ali entrar, a pretexto de deixar ordens para
que obedecessem ao governo, que deixava no Rio de Janeiro.
Contrariados como iam, um e outro, por se haverem visto
obrigados a sair do Brasil, não seria estranho que, ao assaltar lhes esse pensamento, lhes sorrisse a idéia de verem-se
obrigados pelos baianos a ficar entre eles. Palmela (100)
apresentou razões plausíveis, para não ser adotado semelhante
alvitre.
NOTAS EM NÚMEROS ARÁBICOS
(1) Século XIX, em que escrevia Varnhagen. (H. V.).
(2) Capitanias subalternas, não “particulares”, categoria extinta
por sucessivos atos de autonomização, ocorridos durante a regência do
Príncipe D. João, a partir de 1799. Somente em 1821 as capitanias
brasileiras passaram a ter a denominação de províncias. (H. V.).
(3) As cartas de Tomás Antônio de Vila Nova Portugal a D. João
VI, e deste ao mesmo ministro, de 1816 a 1821, guardam -se na Seção de
Manuscritos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Tiveram, no
Catálogo da Exposição de História do Brasil, de 1881, o n. 6.653. Foram
publicadas na revista Brasil Histórico, de A. J. de Melo Morais, 1ª série,
na “História dos Ministérios”, do n. 12, de 27 de Março de 1864, ao n. 35,
de 4 de Setembro do mesmo ano, com interrupções, em que aparecem
331
cartas a Tomás Antônio, de outros missivistas. (H. V.).
(4) Morreu em 1839, com 84 anos. (A.).
(5) D. Pedro de Sousa Holstein, Conde de Palmela. (H. V.).
(6) Carta de Tomás Antônio a D. João VI, de 6 de Junho de 1820,
publicada no Brasil Histórico, então denominado O Médico do Povo de
Santa Cruz, n. 15, de 17 de Abril de 1864. (H. V.).
(7) E a prova é que as instituições caíram em Portugal, logo
depois de caírem em Espanha. (A.).
(8) Pode consultar-se, acerca da revolução da Espanha, a mui bem
elaborada e pouco lida História de la vida y reinado de Fernando VII
(Madri, 1842); e acerca da de Portugal o opúsculo Revelações e Memórias
para a História da Revolução de 24 de Agosto, por J. M. Xavier de
Araújo. (A.).
A última obra indicada intitula -se, totalmente, Revelações e
Memórias para a História da Revolução de 24 de Agosto e de 15 de
Setembro do mesmo ano (Lisboa, 1846). (H. V.).
(9) João Severiano Maciel da Costa, depois 1º Visconde e
Marquês de Queluz. – Neste ponto o relator da Comissão do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, encarregada da preparação da 1ª ed.
desta História, colocou chamada para uma longa nota, que aqui não
resumimos, porque contém errôneas informações genealógicas sobre João
Severiano, devidas ao Visconde de Nogueira da Gama e ao seu desafeto
Barão do Rio da Prata. Foram contestadas pelo Sr. Salomão de
Vasconcelos em “Retalhos Históricos”, na Revista do Arquivo Público
Mineiro, ano XXV, 1º vol., de Julho de 1937 (Belo Horizonte, 1938), p.
470/473. (H. V.).
(10) Antônio José da Cunha Almeida e Carvalho, do Desembargo
do Paço, deputado da Mesa da Consciência e Ordens, chanceler das três
Ordens Militares. No “Índice Onomástico” da 2ª ed. desta História, p.
XVII, apareceu, errôneamente, como “Monsenhor Miranda e Almeida”,
em confusão com Monsenhor Pedro Machado de Miranda Malheiro,
conforme nota 37 ao cap. II, adiante. (H. V.).
332
(11) Antônio Rodrigues Veloso de Oliveira. (H. V.).
(12) D. Pedro de Alcântara, depois Imperador D. Pedro I. (H. V.).
(13) Publicada no Brasil Histórico, n. 32, de 14 de agosto de
1864. (H. V.).
(14) Camilo Martins Laje, oficial-maior da Secretaria de Estado
dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, a 12 de Abril de 1821 nomeado
ministro do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves nos Estados
Unidos da América, missão que não pôde cumprir, conforme A
Malagueta, jornal de Luís Augusto May, n. 15, de 10 de Abril de 1822, p.
64. (H. V.).
(15) Borges Carneiro, Publicola, parábola VI, (A.). Manuel
Borges Carneiro – Parábola VI acrescentada ao Portugal Regenerado – A
necessidade de Constituições provada pela injustiça dos Cortesões
(Lisboa, 1821). p. 84: “transtornava -se pelos Regimentos de 21 de
Fevereiro de 1816 e pela novíssima Carta de 29 de Julho de 1820, a antiga
forma do Reino, dando-se-lhe uma toda militar”. (H. V.).
(16) Procedente da Banda Oriental, para onde havia partido em
1816. (H. V.).
(17) Antônio José de Sousa Manuel de Meneses Severim de
Noronha, depois Duque da Terceira. (H. V.).
(18) “Governador das justiças”, que no Porto não pôde impedir o
rompimento da revolução. (Cf. Rocha Martins – A Independência do
Brasil (Lisboa, 1922), p. 61/62. (H. V.).
(19) Como se vê, não era estranha a To más Antônio a
participação da maçonaria nos recentes acontecimentos portuguesas.
Conforme cópia que se guarda no Arquivo da Família Imperial do Brasil,
no Museu Imperial, de Petrópolis, da “Relação das Lojas Maçônicas,
publicada em Paris, em 26 de Novembro de 1821”, foram presidentes de
lojas portuguesas Álvares do Rio, Borges Carneiro, Fernandes Tomás,
Ferreira Borges, Domingos Monteiro, Ferreira de Moura, José da Silva
Carvalho, José Liberato – redator do Investigador – figuras eminentes das
ocorrências de 1820/1821. (Arq. cit., maço XVVI, doc. 2.112 do
333
“Inventário” de Alberto Rangel, nos Anais da Biblioteca Nacional do Rio
de Janeiro, vol. LIV, de 1932 (Rio, 1939) . (H. V.).
(20) Publicados no Brasil Histórico, n. 30, de 31 de Julho de
1864. (H. V.).
(21) Apesar da indicação de Varnhagen ter sido, aqui – “Cairu –
Crônica da Independência, I, I”, a colocação desta dessa referência é:
Visconde de Cairu – História dos Principais Sucessos Políticos do
Império do Brasil, cit., parte X, seção I, p. 6. (H. V.).
(22) Correio Brasiliense ou Armazén Literário, revista de
Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça, de Londres, vol.
XXI, de Novembro de 1818,
(23) O Investigador Português em Inglaterra, revista de Londres;
vol. XIX, de agosto de 1817, seção “Política”, noticiário intitulado
“Reino do Brasil”, contendo nota de Lorde Strangford ao Ministro
Marquês de Aguiar e resposta deste, p. 209/215. (H. V.).
(24) De Plamela já se havia el-rei queixado, antes, de que com o
Investigador, pago pelo Erário régio, fazia mais política própria que do
seu rei. Veja as cartas de H. J. de Araújo Carneiro (Londres, 1821). (A.).
– Leliodoro Jacinto de Araújo Carneiro, encarregado de negócios na
Suíça, depois Visconde de Condeixa, na capital inglesa publicou, no
referido ano – Cartas dirigidas a S. M. El-Rei D. João VI desde 1817,
acerca do estado de Portugal e Brasil e outros mais documentos escritos .
(H. V.).
(25) Despachos e Correspondência do Duque de Palmela .
Coligidos e publicados por J. J. dos Reis e Vasconcelos, 4 vols. (Lisboa,
1851/1869), vol. I, p. 144/149. (H. V.).
(26) Notícias que tinha espalhado um inglês, que, sem dúvida, as
obtivera da legação britânica, informada do parecer de Palmela. (A.).
(27) Publicado no Brasil Histórico, n. 31, de 7 de Agosto de
1864. (H. V.).
(28) Despachos e Correspondência do Duque de Palmela, cit.,
334
vol. I, p. 161/164. (H. V.).
(29) Publicada no Brasil Histórico, n. 32, de 14 de Agosto de
1864. (H. V.).
(30) O próprio Palmela, conhecendo depois (1824) mais de perto
a el-rei, assim se expressava acerca do modo como não acedia às
pretensões do diplomata inglês A’Court: - “Nosso amo sabe cansar com
demoras evasivas esses ardores intempestivos, do que é prova o que
aconteceu ao Marechal (Beresford)”. (A.).
(31) Luís do Rego Marreto e Bernardo da Silveira Pinto da
Fonseca. (H. V.).
(32) Na Exposição de História do Brasil realizada em 1881, na
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, figurou, sob n. 6.703, conforme o
respectivo Catálogo (vol. IX dos Anais da instituição), exposta “por S. M.
o Imperador”, uma “Cópia do impresso que saiu da Impressão Régia do
Rio de Janeiro em 1820”, acompanhada da correspondente tradução e
intitulada: Le Roi et la Famille Royale de Bragance doivent -ils, dans le
circonstances présentes, retourner en Portugal ou bien rester ao Brésil?
A tradução manuscrita em português, não a cópia do folheto em francês,
encontra-se hoje no Arquivo da Família Imperial do Brasil, no Museu
Imperial, de Petrópolis, no maço X, doc. n. 550 do Catálogo B, de
Manuscritos sem Data, do “Inventário” levantado por Alberto Rangel. Fê la certo José Maria de Andrade Cardoso, que ofereceu vender à Imperatriz
D. Leopoldina várias cópias de obras avulsas (Cat. cit., maço IX, doc. 482
do mesmo Arquivo), acrescentando, a propósito desta: “Tem junto a
tradução em português. Este impresso fêz -se tão raro que hoje não
aparece por se ter mandado recolher todos os exemplares que foram
impressos em língua francesa”.
Quanto à data de sua saída, não foi, como sugeriu Varnhagen,
“depois do meado de fevereiro” (de 1821), nem “em 1820”, como diz o
verbete da Exposição. Veremos, adiante, na nota 34, que a publicação
ocorreu depois de 14 de Janeiro de 1821. E, como observou Tobias
Monteiro, na História do Império – A Elaboração da Independência, p.
281 – já a 30 e 31 de Janeiro referiram-se ao folheto, na correspondência
para as respectivas Cortes, os Ministros austríaco, Sürmeer, e espanhol,
Conde de Casa Flores. (H. V.).
335
(33) Exame analítico-crítico da solução da questão..., 52 págs., 8º
pequeno. É obra de um filho de Portugal, publicada “com licença da
Comissão da Censura” na tipografia da Viúva Serva e Carvalho. Na pág.
17 se lê: “Até o senhor discursista (A. do tal escrito) teria que importar ao
Brasil, se quisesse cortar os seus pinheiros, e excusavam os americanos
de trazerem o precioso comércio do tabuado...” (A.). – É o seguinte o
título completo do folheto baiano, n. 6.704 do Catálogo da Esposição de
História do Brasil. cit.,: Exame Analítico-Crítico da Solução da questão:
O Rei, e a Família Real de Bragança devem, nas circunstâncias
presentes, voltar a Portugal ou ficar no Brasil? Publicada na Corte do
Rio de Janeiro, por um anônimo, em idioma Francês, nos últimos dias do
ano próximo passado (Bahia, s.d. [1821]). Há engano, como vimos na
nota anterior e veremos na seguinte, quanto à época exata da saída do
folheto que deu causa a este, existente na Divisão de Obras Raras da
Biblioteca Nacional. Começa a publicação baiana por uma “Observação
Prelimianr”, seguindo-se-lhe a “Memória” em apreço, com as seis
“Proposições” do folheto francês, acima resumidas por Barnhagen,
respondidas uma por uma. A p. 18 poder-se-ia ver nova alusão ao
Ministro Silvestre Pinheiro Ferreira, quando diz o autor do folheto baiano
que “isto não é prova de grande conselheiro”. (H. V.).
(34) Realmente, na carta n. 84, que se guarda na Seção de
Manuscritos da Biblioteca Nacional e que foi publicada no Brasil
Histórico, então intitulado O Médico do Povo, n. 18, de 8 de Maio de
1864, escreveu Tomás Antônio a D. João VI: “O papel d o Caolhe em
Francês merece imprimir-se; e dando V. Maj. licença, o faço imprimir
pelo Erário”. No mesmo papel, sob n. 85 do códice, autorizou o
rei:”quanto a Cailhe, como julga boa a sua obra, pode mandar imprimir”.
Fica assim comprovada a tentativa do ministro, de acordo com o rei, no
sentido de ser orientada a opinião pública tendo em vista a permanência
de D. João no Brasil.
Não teve razão Varnhagen em duvidar da existência de Cailhe ou
supô-lo apenas “testa deferro”, nem Tobias Monteiro em julgá -lo talvez
apenas “tradutor”, este na cit. História do Império – A Elaboração da
Independência, p. 281. Em D. João VI no Brasil, de 1908, aludiu Oliveira
Lima ao aventureiro bonapartista, como outros voluntariamente exilado
no Brasil, depois da Restauração: “o Coronel Cailhé, antigo soldado da
Revolução, depois oficial ao serviço de Portugal, agregado como
escudeiro à pessoa de Carlos IV d’Espanha após a abdicação deste rei, de
fato espião ao soldo de Napoleão e jogador de profissão, estabeleceu no
336
Rio uma roleta que teve de fechar diante das reclamações dos pais de
família, havendo-lhe contudo corrido tão proveitoso o negócio que ele e
seus associados ofereceram, em troca do privilégio da banca, mandar vir
de França e sustentar à sua custa um corpo de bombeiros” ( op. cit., 2ª ed.,
vol. I, Rio, 1945, p. 273). Ainda sobre o aventureiro Caille acrescentouo
Sr. Mário de Lima Barbosa, em Les Français dans l‟Histoire du Brésil
(Rio-Paris, 1923, p. 245), que ele “finit assez misérablement une vie de
condottière”. O Sr. Otávio Tarquínio de Sousa, em A Vida de D. Pedro I
(Rio, 1952), vol. I, p. 156, aceitou a contribuição de Varnhagen, ao
declarar que o “presumido autor M. Cailhe (se não se trata de pseudônimo
de João Severiano Maciel da Costa) escreveu -o [o folheto] por encomenda
de Tomás Antônio”, etc.
Documentos ao Sr. Augusto de Lima Júnior adquiridos pela
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro esclarecem tratar -se do
Comendador e Coronel de cavalaria F. Cailhé de Geine, que a 12 de
novembro de 1820 apresentou ao governo de D. João uma “Nota relativa à
formação de uma Guarda Real”, e a 15 de Dezembro do mesmo ano um
“Projeto” mais audacioso, acompanhado de “Memória e Notas
Explicativas”, segundo o qual, para atender às circunstâncias então
vigentes para a monarquia luso -brasileira, deveria o rei outorgar uma
Carta Real, estabelecendo um Supremo Conselho e uma Junta de Governo,
de modo a reformar completamente sua política e administração. Além
desses três documentos, que mostram no autor um planejador de certos
recursos, guarda a Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional cinco
cartas do mesmo coronel francês ao intendente -geral da Polícia, Paulo
Fernandes Viana, quatro das quais contendo informações sobre os
recentes acontecimentos da Bahia. São datadas de 2 e 28 de Janeiro , 18,
22 e 23 de Fevereiro de 1821. A segunda é inicialmente dedicada à
repercussão que vinha obtendo a famosa “brochura francesa”: “J’ai eu
déjà l’honneur de faire à V. S. divers rapports de vive -voix sur l1effet que
produisait en ville la publication de la Brochure française. Cet effet va, à
chaque moment, croissant. Rien n’égale l’empressement que met le Corps
Diplomatique à se la procurer. Plusieurs exemplaires sont partir par le
Brick Espagnol Achilles, d’autres par um navire anglais qui a fait voile
hier pour Jersey. Le Paquet anglais qui part mardi en portera pour les
Pays de l’Europe. Les principaux personages de cette Capitale témoignent
le même empressemen6t qui s’étend à tout ce qu’il y a d’hommes de
quelque instruction s’occupant de matières poli tiques. – Les opinions se
prononcent. Les Brésiliens en général & même un grand nombre de
Portugais d’Europe abondent dans le sens de cet écrit. D’un autre côté
337
ceux qui le désapprouvent le font avec beaucoup d’emportement”. – As
linhas seguintes são dedicadas aos “revolucionários”, à provável atitude
das Cortes, às modificações que julga necessárias ao governo e que sugere
sejam anunciadas em “Proclamação” do Rei, que teria bom efeito. Trata se, como se vê, de velado elogio das idéias do missivista informa nte da
Polícia, já expostas no “Projeto”, “Memória e Notas” de 15 de Dezembro
de 1820. – A irônica parte final da carta do Cel. Cailhé de Geine importa
em verdadeira confissão de autoria do célebre folheto, deixando
inutilizadas as hipóteses a respeito for muladas por Varnhagen e Tobias
Monteiro: “Les conjectures qu’on fait sur l’auteur inconnu de cette
brochure française sont vraiment amusantes. On l’a d’abord attribuée a
Mr. de Stürmer, puis au dezembor. Maciel da Costa. D’autres on prétendu
qu’elle avait été faite & imprimiée en Europe; enfin Mr. Le Colonel
Maler, sans comparaison le plus furet du corps diplomatique, a fini dit -il
par decouvrir l’auteur qui est selon lui Mr. l’Amiral Pinto” (Rodrigo
Pinto Guedes, depois Barão do Rio da Prata) . (H. V.).
(35) Foi disso terminantemente acusado, em um artigo do
periódico Malagueta, pelo seu redator May, sem provocar a menor
reclamação. (A.).
(36) Inocêncio Francisco da Silva – Dicionário Bibliográfico
Português, tomos III e IX (Lisboa, 1859 e 1870). O folheto de Francisco
Soares Franco, deputado pela Estremadura, cit., de 22 p., foi publicado
sob anonimato em Lisboa, 1821. (H. V.).
(37) Paulo Fernandes Viana, brasileiro, intendente -geral da
Polícia. (H. V.).
(38) D. Maria da Glória, nascida no RJ, a 4 de Abr il de 1819,
futura Rainha D. Maria II de Portugal; D. João Carlos, Príncipe da Beira,
nascido a 6 de Março de 1821, falecido a 4 de Fevereiro de 1822, ambos
filhos de D. Pedro e D. Leopoldina. (H. H.).
(39) Depois 1º Visconde e Marquês de Barbacena. (H. V .).
(40) Edward Thornton. (H. V.).
(41) Despachos e Correspondência do Duque de Palmela , cit., I,
338
p. 172/174. (H. V.).
(42) Publicada no Brasil Histórico, n. 38, de 25 de Setembro de
1864. (H. V.).
(43) Francisco Adolfo de Varnhagen – História Geral do Brasil,
1ª ed., tomo II (Rio de Janeiro -Madri, 1857), p. 400/401; Viscone de
Cairu – Crônica Autêntica, cit., “Suplemento ao Apêndice”, p. 104. (H.
V.).
(44) Na Nova Impressão da Viúva Neves & Filhos. (A.).
(45) Redigido por José Pinto Rebelo, Manuel Fe rreira de Seabra e
Antônio Luís de Seabra (ao depois Visconde de Seabra). O periódico
intitulava-se... (A.) – A Comissão do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro completou a nota inacabada de Varnhagen assegurando, nas
duas edições anteriores desta História, tratar-se de O Cidadão Liberato,
“periódico de política e literatura”, quando é O Cidadão Literato,
conforme o Catálogo da Exposição de História do Brasil, cit., n. 6.702.
(H. V.).
(46) Visconde de Cairu – História dos Principais Sucessos
Políticos do Império do Brasil, cit., seção I, “Apêndice”, p. 46. –
Realmente, Luís Antônio da Silva esteve no Rio de Janeiro em 1820,
conforme alusões de Luís Augusto May, nas Malaguetas de 11 de Maio e
5 de Junho de 1822, p. 100 e 130. Foi Deputado pela Estrema dura. (H.
V.).
(47) Cf. Diálogo sobre o futuro destino de Portugal ou Parábola
VIII acrescentada ao Portugal Regenerado por D. C. N. Publícola
(deputado Manuel Borges Carneiro, não “Manuel Fernandes Tomás” como
por engano consta do texto manuscrito de Var nhagen e das duas edições
anteriores desta História), folheto publicado em Lisboa, 1821, no qual, à
p. 30/31, aparecem referências à possível união de Portugal e Espanha.
(H. V.).
(48) Militar, depois Barão do Passeio Público e Visconde do Rio
Comprido. (H. V.).
(49)
José
de
Oliveira
Pinto
Botelho
de
Mosqueira,
do
339
Desembartgo do Paço, chanceler da Casa da Suplicação, regedor das
Justiças e procurador da Real Coroa e Fazenda. (H. V.).
(50) Antônio José da Cunha Almeida e Carvalho. Cf. nota 10,
supra. (H. V.).
(51) Transcrevemo-la do próprio original, que dera Tomás
Antônio ao Conselheiro Drummond e foi publicado no Brasil Histórico, n.
38. Com insignificantes correções se lê no 1º vol. de Palmela, p. 180.
(A.). – Trata-se dos Despachos e Correspondência do Duque de Palmela,
cit. O Brasil Histórico n. 38 é de 25 de Setembro e 1864. (H. V.).
(52) Francisco Saraiva da Costa Refoios, Francisco Joaquim
Carretti, João de Sousa Mendonça Corte Real e Manuel Jacinto Nogueira
da Gama (Depois Marquês de Baependi), todos militares. (H. V.).
(53) O Intendente-Geral da Polícia, Paulo Fernandes Viana. (H.
V.).
(54) Assim o assegura Cairu, que era um dos membros da Junta, e
o confirma uma relação impressa na Bahia, nesse mesmo ano, acerca dos
acontecimentos do dia 26. (A.). – Cf. Visconde de Cairu – História cit.,
seção I, p. 57; Relação dos Sucessos do dia 26 de fevereiro de 1821 na
Côrte do Rio de Janeiro. (Bahia, s.d. [1821]), n. 6.852 do Catálogo da
Exposição de História do Brasil, de 1881, cit. (H. V.).
(55) A Rua do Conde, assim denominada em homenagem ao vice rei Conde da Cunha, depois Rua do Conde d’Eu, hoje Frei Caneca, não
fica em Catumbi, mas conduz a esse bairro. (C. I. H. G. B. e H. V.).
(56) Relação impressa em 1821, e reproduzida no Brasil
Histórico, ns. 17 e seguintes. (A.). – Trata-se do folheto baiano citado na
nota 54, supra, sob o título “Revolução de 26 de Fevereiro de 1821 no Rio
de Janeiro” reproduzido na revista de Melo Morais, n. 17 (intitulada O
Médico do Povo), de 1º de Maio de 1864, e números 18, 19 e 20, de 8, 15
e 22 do mesmo mês e ano; depois também apareceu na História do BrasilReino e Brasil-Império, do mesmo Melo Morais, tomo I (Rio, 1871), p.
53/57. (H. V.).
(57) Manuel Joaquim de Meneses – Exposição Histórica da
340
Maçonaria no Brasil, particularmente na Província do Rio de Janeiro, em
relação com a Independência e Integridade do Império (Rio, 1857), p. 13.
– Talvez algum deles teria vindo já da Bahia, visto que diz Paulo José de
Melo ter a Junta mandado dali emissários. (A. e H. V.). – A última obra
cit. pro Varnhagen é a Carta de um membro da pretérita Junta do
Governo Provisional da Província da Bahia (Paulo José de Melo Azevedo
e Brito) com um apêndice (Lisboa, 1822), 74 p., n 7.339 do cit Catálogo
da Exposição de História do Brasil. (H. V.).
(58) Informação verbal do meu colega Ribeiro da Silva, que foi
testemunha presencial, e mo contou em S. Petersburgo, em Agosto de
1872. (A.). – José Ribeiro da Silva foi, durante muitos anos, encarregado
de negócios e Ministro do Brasil na Rússia, onde se casou com uma
princesa. (H. V.).
(59) Depois Barão e Conde do Rio Pardo. (H. V.).
(60) Conforme o Suplemento à Gazeta do Rio de Janeiro n. 17, de
28 de Fevereiro de 1821, a referida bateria pertencia à Artilharia Montada
da Corte. (A. e H. V.).
(61) O Almanaque da Corte para 1823, mencionando do dias de
gala, consignou acera de 26 de Fevereiro: “Dia em que S. M. I. abraçou e
seu ao Brasil o sistema constitucional”. (A.).
(62) D. José Caetano da Silva Coutinho, Bispo do RJ. (H. V.).
(63) Depois Visconde e Marquês de Inhambupe. (H. V.).
(64) Sobre sua ação no cargo, ver, adiante, a nota 79. (H. V.).
(65) Sebastião Luís Tinoco da Silva. (H. V.).
(66) Depois Barão de Ubá. (H. V.).
(67) “Grão-de-bico” era a alcunha do comandante das armas do
Rio de Janeiro, Tenente-General Vicente Antônio de Oliveira, conforme o
relato reproduzido no Brasil Histórico n. 17 (intitulado O Médido do
Povo), de 1º de Maio de 1864. (C. I. H. G. B. e H. V.).
341
(68) José Joaquim Nabuco de Araújo, depois 1º Barão de Itapoã .
(H. V.).
(69) Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva. (H.
V.).
(70) É o n. 6.821 do Catálogo da Exposição de História do
Brasil: - Bahia, 1821, tip. da Viúva Serva e Carvalho, in -4º, 11 p. (R. B.).
– O título completo do folheto é: Reflexões sobre o Decreto de 18 de
Fevereiro deste ano, oferecidas ao povo da Bahia por Filagiosotero . (H.
V.).
(71) Veja-se o teor deste ofício, que se acha até transcrito na
chamada “História das Constituições Políticas do Brasil de 1789 a 1825”,
de A. J. de Melo Morais, incluída em sua História do Brasil-Reino e
Brasil-Império, 2 tomos (Rio, 1871/1873). (A. e H. V.). – Na Exposição
de História do Brasil, de 1881, figurou, sob o n. 6.705 do respectivo
Catálogo, do Conselheiro Silvestre Pinheiro Ferreira, o origin al, por ele
assinado, e em 3 fls. mss., de uma “Proposta autógrafa sobre o regresso da
Corte para Portugal e providências convenientes para prevenir a
Revolução e tomar a iniciativa na Reforma política” . (H. V.).
(72) Depois, respectivamente, Barão do Rio da Prata, Marquês de
Querluz e Visconde da Cachoeira, Também foi preso, nessa ocasião, o
Visconde de São Lourenço, Targini, ex-tesoureiro-mor. Os documentos
relativos a essas prisões tiveram o n. 19.654 no Catálogo da Exposição de
História do Brasil; foram publicados, em arte, na Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo LI, parte I, de 1888, 76;
guardam-se na Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro. (H. V.).
(73) Revelação feita pelo mesmo publicista. (A.). – Cf.
Varnhagen – História Geral do Brasil, cit., 1ª ed., tomo II (Madri, 1857),
p. 410, onde ocorre a seguinte nota: “Ouvi -o do próprio Silvestre em
1843”. – A atitude desse ministro, em toda a crise, foi por ele
posteriormente explicada nas “Memórias e Cartas Biográficas sobre a
revolução popular e o seu ministério no Rio de Janeiro desde 26 de
Fevereiro de 1821 até o regresso de Sua Majestade o Senhor D. João VI
com a Corte para Lisboa, e os votos dos homens d’Estado que
acompanharam a Sua Majestade”. O manuscrito autógrafo, de 95 fls., com
342
28 cartas, oferecido pela filha do publicista, Joana Carlota Leithold
Pinheiro Ferreira Pais Leme, à Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, foi
publicado, com introdução de J. A. Teixeira de Melo, nos respectivos
Anais, vol. II, de 1876/1877 (Rio, 1877), p. 247/314, e vol. III, de
1877/1878 (Rio, 1877), p. 182/209; sob n. 6.696 figurou no Catálogo da
Exposição de História do Brasil, cit., de 1881. As referidas “Cartas” de
Silvestre foram também publicadas na Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, tomo LI, parte I, de 1888, vol… 76 (Rio, 1888), p.
239/332, sob o título “Cartas sobre a Revolução do Brasil”. Acomanham nas, aí, 18 documentos que faltam àquela publicação nos Anais, cit. (H.
V.).
(74) Cf. notas 32 e 34, infra. (H. V.).
(75) Também houve uma gratificação popular à tropa, que
alcançou o total de 36:600$000. Dela existe uma relação impressa, de 15
p., na Biblioteca Nacional, intitulada: Para uma gratificação a toda a
honrada e valerosíssima Tropa da primeira linha da Guarnição do Rio de
Janeiro, que tão subordinada como corajosamente deu o maior
brilhantismo nos Fastos da Nação do Di 26 de Fevereiro de 1821,
subscreveram mui fervorosa e espontaneamente as pessoas abaixo
nomeadas. Tem o n. 6.850 no Catálogo da Exposição de História do
Brasil. (H. V.).
(76) Visconde de Cairu – História dos Principais Sucessos
Políticos do Império do Brasil, parte X, seção I, cap. “Protesto de
Fidelidade da Tropa a El-Rei”, p. 73/76. – A representação, datada de 11,
não de “13 de Março”, foi impressa em folheto de 9 p., sob o título:
Protesto da Tropa a Sua Majestade, existente na Biblioteca Nacional.
Assinou em primeiro lugar o Brigadeiro Carretti. É o n. 6.694 do
Catálogo da Exposição de História do Brasil. O exemplar remetido pelo
Príncipe D. Pedro “Para a Rainha minha Mãe e Senhora” encontra -se no
Arquivo da Família Imperial do Brasil, hoje no Museu Imperial, de
Petrópolis. No “Inventário dos inestimáveis documentos históricos do
Arquivo da Casa Imperial do Brasil, no Castel d’Eu, em França”,
organizado poe Alberto Rangel (Anais da Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro, vols. LIV e LV, de 1932 e 1933 (Rio, 1939), teve, no Catálogo
A, a indicação: maço XLVI, doc. 2.073. (H. V.).
(77) Visconde de Cairu – Crônica Autêntica, cit., p. 106.
343
Transcreve-se, aí, a resposta ao pedido do Senado da Câmara do Rio de
Janeiro para que D. João permanecesse no Brasil. (H. V.).
(78) Publicou A. J. de Melo Morais, na “História das
Constituições Políticas do Brasil de 1789 a 1825”, incluí da na História do
Brasil-Reino e Brasil-Império, tomo I (Rio, 1871), p. 42/45, cópias desses
documentos relativos aos pedidos de permanência de D. João VI no
Brasil, as quais também figuram no Catálogo da Exposição de História do
Brasil, sob n. 6.695. Intitula-se o primeiro: Por via de Embargos ao
Venerando Decreto de 7 de Março de 1821, e em contrariedade do
Manifesto feito pelos Portugueses Europeus às Cortes Estrangeiras, com
toda a submissão dizem os Portugueses estabelecidos no Brasil por esta
ou por outra melhor forma e via de Direito. Em anexo, aparece a
Representação do Comércio ao Senado da Câmara para sustar o efeito do
Decreto de 7 de Março sobre a “partida d‟El-Rei”. (H. V.).
(79) A propósito publicou-se em 1821, no Rio de Janeiro, folheto
de 8 p., de que existe exemplar na Biblioteca Nacional, intitulado Cópia
da Carta que escreveu José Caetano Gomes, Tesoureiro -Mor do Erário
do Rio de Janeiro, ao Exmo. D. Manuel de Portugal e Castro,
Governador e Capitão-General da Província de Minas Gerais, sobre os
Dízimos e Miunças do Brasil. Em 1826 apareceu novo folheto, sob o
título: Exquisa (sic) sobre a Cobrança dos Dízimos feita na Província do
Rio de Janeiro, do ano de 1821 em diante, pelo método de José Caetano
Gomes, que se estendeu a todo o Brasil. Tem o n. 6.844 no Catálogo da
Exposição de História do Brasil. cit. (H. V.).
(80) Aludiu Varnhagen aos seguintes folhetos, todos mencionados
no Catálogo da Exposição de História d Brasil, de 1881:
N. 6.678 – Carta do Compadre do Rio de S. Francisco do Nor te,
ao Filho do Compadre do Rio de Janeiro, na qual se lhe queixa do
paralelo que faz dos índios com os cavalos, de não conceder aos homens
pretos maior dignidade que a de Reis do Rosário, e de asseverar que o
Brasil ainda está engatinhando. E crê provar o contrário de tudo isso.
Por J. J. do C. M. (Rio, 1821), 10 p. Dubitativamente atribuída, pelo Sr.
Tancredo de Barros Paiva, em suas Achegas a um Dicionário de
Pseudônimos (Rio, 1929), p. 82, a Joaquim José da Costa de Macedo.
N. 6.679 – A Impostura Desmascarada ou Resposta que o Filho
do Compadre do Rio de Janeiro dá ao Compadre do Rio de S. Francisco
do Norte (Rio, 1821), 18 p. É de autoria do Padre Luís Gonçalves dos
344
Santos, mais conhecido por Padre Perereca.
N. 6.680 – Justa Retribuição dada ao Compadre de Lisboa em
desagravo aos brasileiros ofendidos por várias asserções que escreveu na
sua carta em resposta ao Compadre de Belém, elo Filho do Compadre do
Rio de Janeiro (Rio, 1821), 30 p. Teve este folheto do Padre Perereca 2ª
ed., aumentada, em 1822; é o n. 6.681 do referido Catálogo. Refere -se à
Carta do Compadre de Belém ao redator do “Astro da Lusitânia”, dada à
luz pelo Compadre de Lisboa, folheto Lisboeta de autoria do Deputado
Manuel Fernandes Tomás, conforme o Dicionário Bibliográfico
Português, de Inocêncio Francisco da Silva, tomo V (Lisboa, 1860), p.
422.
N. 6.682 – Carta, que em defesa dos brasileiros insultados
escreve ao Sacristão de Caraí o Estudante Constitucional, amigo do
Filho do Compadre do Rio de Janeiro (Rio, 1821), 22 p.
N. 6.683 – Discurso que, em desagravo dos Brasileiros ofendidos
pelo Compadre de Lisboa, na sua carta impolítica dirigida ao Compadre
de Belém, escreveu José Joaquim Lopes de Lima (Rio, 1821), 4 p. (H. V.).
(81) Antônio d’Oliva de Sousa Siqueira – Projeto para o
estabelecimento político do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves,
oferecido aos ilustres legisladores em Cortes Gerais e Extraordinárias
(Coimbra, 1821; reimpresso no Rio de Janeiro, no mesmo ano, 10 p.).
Tem o n. 6.689 no cit. Catálogo da Exposição de História do Brasil. (H.
V.).
(82) José Joaquim de Almeida Moura Coutinho – Análise do
Projeto para o estabelecimento político do Reino Unido de Portugal,
Brasil e Algarves, de Antônio d‟Oliva de Sousa Siqueira (Coimbra, 1821),
16 p. É o n. 6.690 do cit. Catálogo da Exposição de História do Brasil.
(H. V.).
(83) Digna de nota é essa preocupação, muito portuguesa, de
eliminação do preconceito de cor. (H. V.).
(84) Visconde de Cairu – História, cit., seção I, p. 63. – Silva
Lisboa criticando, aí, o decreto de criação da censura, declarou que o
remédio era pior que o mal, motivo pelo qual os censores (inclusive ele),
logo se escusaram de um “ofício danoso” . (H. V.).
(85) Depois redator do jornal Astréia e do humorístico Simplício.
345
(H. V.).
(86) Francisco José da Rocha Leão, depois 1º Barão de Itamarati.
(H. V.).
(87) Duprat foi depois estudar em Coimbra e aói se formou com
distinção, vindo a ser em Lisboa um excelente advogado e diretor do
Panorama, falecendo em 1843. Vej. no mesmo jornal, nesse ano, a p. 70,
um artigo de Alexandre Herculano. (A.).
(88) Sebastião Luís Tinoco da Silva. (H. V.).
(89) Manuel Jacinto Nogueira da Gama, depois Marquês de
Baependi. (H. V.).
(90) Desembargador José Albano Fragoso. (H. V.).
(91) Depois 1º Barão de Rio Bonito. (H. V.).
(92) Em uma espécie de projetada História da Independência,
encabeçada como biografia do Conselheiro Drommond e publicada no
Brasil Histórico, se diz, no n. 18, que José Clemente era Presidente da
Junta e se lhe atribuem injustamente planos menos l eais. São calúnias que
só se devem atribuir ao excesso de zelo de quem deu as informações (o
próprio Conselheiro Drummond), com o fim de enegrecer o belo caráter
de José Clemente, porque este foi adversário de José Bonifácio. (A.). – O
n. 18 do Brasil Histórico é de 8 de Maio de 1864. (H. V.).
(93) Depois 1º Barão e Visconde de Congonhas do Campo. (H.
V.).
(94) O “Processo da Revolta da Praça do Comércio do Rio de
Janeiro em 21 de Abril de 1821”, n. 6.854 do Catálogo da Exposição de
História do Brasil, guarda-se na Seção de Manuscritos da Biblioteca
Nacional. Foi incompletamente publicado na revista Brasil Histórico, do
n. 57, e 5 de Janeiro de 1865, ao n. 78, de 2 de Julho do mesmo ano. (H.
V.).
(95) El-Rei aos Habitantes do Rio de Janeiro, 1 fl., e El-Rei ao
Corpo Militar desta corte, 1 fl., ambas de 23 de Abril de 1821, números
346
6.699 e 6.700 do cit. Catálogo da Exposição de História do Brasil .
Existem na Bibliotca Nacional, em coletânea de publicações de 1821, da
Impressão Régia. A primeira foi publicada por A. J. de Melo Morais, na
História do Brasil-Reino e Brasil-Império, tomo I (Rio, 1871), p. 49. (H.
V.).
(96) Acham-se nas coleções vulgares da legislação brasileira, e,
alguns deles, em Cairu – História cit., seção I, p. 83/86, e em Pereira da
Silva – História da Fundação do Império Brasileiro , vol. V (Rio-Paris,
1865), p. 312/316. (A. e H. V.).
(97) Depois Almirante, Barão e Conde de Souzel. (H. V.).
(98) Não a bordo, como disse o Sr. Pereira da Silva. Vej. carta do
príncipe, de 19 de Junho de 1822. (A.). – Apesar da correção de
Varnhagen, quanto ao local e ao próprio texto, numerosos foram os
escritores e compendiógrafos que repetiram erros a respeito, inclusive
apresentando uma versão inteiramente fantasiosa da frase de D. João VI
ao filho e herdeiro, por este confirmada em carta muitas vezes publicada,
desde 1822. A versão errônea da famosa frase |(“Ponha a coroa sobre a
tua cabeça”, etc.) teve origem na História dos Principais Succesos
Politicos do Império do Brasil, cit., do Visconde de Cairu, parte X, seção
I, cap. XXI, “Recomendação na Despedida de El -Rei ao Herdeiro da
Coroa”, p. 87. (H. V.).
(99) José Clemente o confirmou no seu discurso de 9 de Janeiro
de 1822. E de Ledo disse a proclamação andradista de 29 de Outubro
desse último ano que celebra o Decreto de 29 de Setembro com uma festa
do seu rito. (A.).
(100) Despachos e Correspondência do Duque de Palmela , cit.,
tomo I, p. 190/192, parecer dado a Silvestre Pinheiro Ferreira, a 6 de
Maio de 1821, a bordo da fragata Princesa Real. O respectivo autógrafo
figurou na Exposição de História do Brasil, de 1881, tendo o n. 6.706 no
respectivo Catálogo. (H. V.).
(Transcrito da pág. 17 à 57).
347
CAPÍTULO III
As Cortes de Lisboa, depois da chegada
dos principais deputados do Brasil.
Notícia dos principais destes e impressão nelas
produzida pelos acontecimentos que
se associaram ao “Fico”.
O projeto para a supressão dos tribunais só foi
convertido em lei aos 12 de Janeiro de 1822 (1). Referendou -a
José da Silva Carvalho (2), recentemente chamado ao
ministério, que pediu logo depois às Cortes autorização para
dar por acabado o tempo a todos os magistrados no Brasil,
para poder substitui-los por outros de sua confiança; e, ainda
não satisfeito de abolir, chegou-se a espalhar que pretendia
suprimir as próprias academias estabelecidas no Rio de Janeiro
(3).
348
A Casa da Suplicação do Rio de Janeiro ficaria reduzida
a simples Relação provincial, estabelecendo-se nela uma mesa,
por onde se despachariam os assuntos que corriam pelas do
Desembargo do Paço e Consciência; ficando, portanto,
dependentes da metrópole quaisquer mercês que se houvessem
de fazer.
Em meados do mês de março era apresentado um
projeto de relações comerciais com o Brasil (4), que veio
assustar os deputados do Brasil e daí a dois meses excitou os
clamores do Brasil todo.
A comissão que o submeteu ao Congresso valeu-se do
trabalho, com dois artigos menos, apresentado pouco antes (25
de Janeiro) (5) por uma comissão criada no ano anterior (28 de
Agosto de 1821), à qual ele fora cometido em 14 de Janeiro.
O comércio entre os dois reinos seria considerado como
de entre províncias do mesmo continente, e só feito por navios
nacionais; estabelecia-se troca dos produtos com exclusão dos
similares dos demais países, com grande desvantagem do
Brasil, pela menor soma que exportaria; favoreciam-se nos
direitos de exportação de Lisboa os gêneros do Brasil, que aí
entrassem em depósito, para converter de novo Lisboa no
empório do comércio do Brasil. Desta sorte, sob aparências de
reciprocidade, volveria o comércio do Brasil quase ao mesmo
estado em que estava em 1808.
Para que se faça idéia da impressão que este projeto
faria aos deputados do Brasil, transcreveremos as próprias
expressões que encontramos em um documento assinado por
dois deles (6):
“Apresenta-se um projeto de relações comerciais entre
os dois reinos, no qual, ajuntando o escárnio à fraude, alcunha 349
se de igualdade a mais descarada desigualdade, e quer-se
arteiramente soldar os já quebrados ferros do sistema colonial,
erigir de novo Portugal em depósito privativo dos gêneros do
Brasil, e fechar quase aquele reino à indústria estranha, por
proibições diretas ou por meio de restrições equivalentes a
proibições, sem se tomar em conta que um país inteiramente
agrícola, como o Brasil, tem interesses mui diversos dos de
Portugal, que quer à força ser manufatureiro, e que não pode
ser político, e menos justo, que uma parte do Império seja
sacrificada ao bem da outra, sem alguma compensação da
sacrificada, e até sem duradoura utilidade daquela a quem se
sacrifica.
“Um sistema de ilusão, só calculado para o horizonte da
rude Nigrícia, achou no primeiro dos abaixo-assinados a mais
atinada repulsa; passou, porém, pela decidida maioria dos
deputados de Portugal, numa conformidade de idéias
interessadas e inimigas do aumento e prosperidade do Brasil.”
Conforme antes dissemos, em fins de Agosto de 1821 se
haviam apresentado a tomar assento os deputados de Per nambuco; seguiram-se, em Setembro, alguns do Rio de
Janeiro; em 16 de Outubro, Vilela Barbosa, também do Rio de
Janeiro, como segundo substituto, que entrou em lugar do
Bispo de Coimbra; em Dezembro, vários da Bahia; e, em
Fevereiro de 1822, os principais de São Paulo, Antônio Carlos,
Vergueiro e Feijó (7).
Assim, de uns oitenta que devia dar o Brasil, apenas
estavam presentes uns trinta, em princípios de Março de 1822.
À frente de todos achava-se Antônio Carlos Ribeiro de
Andrada Machado, irmão de José Bonifácio. Tomando assento
a 11 de Fevereiro, e sendo a primeira vez em sua vida que
350
entrava em semelhantes lides, logo no dia seguinte se lançava
à discussão, como se fosse um consumado parlamentar, e a sua
grande resolução e energia e o seu talento fecundo de acudir
com alvitres na discussão, lhe granjearam, em poucos dias, a
posição de verdadeiro chefe e líder da parte da deputação
brasileira que pugnava por obter concessões a favor do novo
reino. Contava então pouco mais de quarenta e oito anos de
idade. Depois de formar-se em leis e tomar o grau de Bacharel
em Filosofia na Universidade de Coimbra, e de haver
colaborado na tradução de algumas obras para o estabe lecimento, sob a direção de Frei Veloso, no Arco do Cego, em
Lisboa (8), seguira Antônio Carlos a magistratura, e passara de
juiz de fora de Santos, sua pátria, a ouvidor em Olinda, quando
aí rebentou a revolução de 1817, na qual se envolveu, bem que
a sua cooperação para ela, segundo a sua própria confissão,
feita anos depois, espontaneamente (9), não passou de
tolerância passiva, sem chegar a ativa cooperação. Em todo
caso, vendida essa revolução, foi preso e remetido para a
Bahia, onde veio a ser solto em Fevereiro de 1821, por ocasião
da aclamação constitucional, ao cabo de perto de quatro anos
de reclusão, dos quais os dois primeiros, até chegar ao Rio
com licença o seu irmão José Bonifácio, em 1819, bastante
rigorosa.
Esses anos de reclusão forçada contribuíram mais para
acabar de formar o espírito e o caráter de Antônio Carlos do
que o seu curso em Coimbra. Durante eles, leu muito, meditou
não menos, e até se exercitou no foro, tomando a seu cargo a
defesa de muitos dos seus compatriotas, comprometidos com
ele, e alguns até seus companheiros na prisão, e também seus
discípulos. Mas, ao mesmo tempo, essa prisão agriou-lhe o
351
caráter, e porventura contribuiria a ver nos que se lhe op unham
inimigos em vez de antagonistas, e a tratar sempre de
combater em vez de tentar persuadir sem ofender.
Bem que mais parco de frases, mais moderado na forma
e menos brilhante e pomposo no dizer, não lhe cedia em
energia, coragem, honra e atividade, e era-lhe superior pela
prudência, e prometia já ser melhor estadista, o Deputado
fluminense Francisco Vilela Barbosa (10), que lhe levava
grande vantagem pela nobreza da figura e pela melhoria do
órgão da voz.
Nascido no Rio de Janeiro, em 1769, passara a
Coimbra, e, já antes de aí se formar em matemáticas, o que
efetuou em 1796, publicada um volume de poesias. Em 1801
passara a reger uma cadeira de matemática na Academia de
Marinha de Lisboa, obtendo, ao mesmo tempo, segundo era
então freqüente, um posto em que ia tendo acesso, na Marinha,
donde passou depois para a Engenharia. Alcançou grandes
créditos como lente, e ilustrara, além disso, o magistério,
compondo um compêndio de Geometria ainda hoje muito
conceituado, que a própria Academia das Ciências de Li sboa,
de que era membro, se encarregara de publicar, e que o
secretário desta, José Bonifácio, no discurso da sessão pública
e solene de 1815, não duvidou de recomendar, não só por mui
conforme “com as regras da analogia e do método, na
exposição e demonstração das proposições”, mas também pela
“vantagem preciosa de simplificar a ciência, enriquecendo -a
ao mesmo tempo de idéias novas”. Da mesma Academia fora
Vilela eleito vice-secretário, e lhe coubera ainda o proferir na
sessão solene de 24 de Junho de 1821 o discurso histórico dos
trabalhos dela, quando lhe chegou a notícia de que os seus
352
comprovincianos o haviam eleito suplente ao Congresso, quase
ao mesmo tempo que ele, naquele discurso, a propósito de um
trabalho oferecido pelo então Tenente-Coronel Varnhagen (11)
acerca do Ipanema e Morro de Biraçoiaba, recordava a
expressão de Rocha Pita, que dizia deste “ter as entranhas de
ferro” (12), e prosseguia: - “Nem era de supor que a natureza,
liberal em tantas preciosidades para com aquele abençoado
país, só fosse escassa em conceder-lhe o mais útil de todos o
minerais, o ferro, tão necessário em tudo à vida, até nos usos
funestos que dele fez a perversidade humana, depois que o
ouro, seu tirânico irmão, filho do luxo e da terra, o estendeu
em algemas e grilhões, o aguçou em espadas e baionetas, e o
fundiu em balas e canhões, para instrumentos da tirania, de
crimes e da morte”.
Sendo segundo suplente, viera a caber-lhe tomar
assento no Congresso, no dia 16 de outubro, em virtude da
renúncia, feita providencialmente pelo seu antigo protetor na
Universidade de Coimbra, o fluminense Bispo-Conde D.
Francisco de Lemos, que se eximira de aceitar a deputação
“pela sua muita idade e achaques”.
Segundo o seu biógrafo, matemático também, o
ilustrado Cândido Batista de Oliveira (13), foi Vilela – de
espírito elevado, de ânimo oficioso, nobre e franco de caráter,
“legislador consciencioso” e “rígido observador dos seus
deveres, tanto como homem público, como nos hábitos
próprios da vida privada; e tão amigo se mostrava do
verdadeiro merecimento, como aborrecia e menosprezava a
impostura”. “Para ele o justo e o honesto eram termos que...
exprimiam as mesmas idéias”. Em presença de tal autoridade,
nem nos ocuparemos em declarar caluniosas as proposições de
353
algum seu gratuito inimigo, que pensando favorecer aos seus
protetores Andradas (14), chegou a assegurar que Vilela
regressara ao Brasil com intentos de favorecer o despotismo,
citando-se até frases de um seu discurso nas Cortes, em que,
como recurso oratório, para conseguir a retirada de Luís do
Rego, protestou, com Malaquias e Muniz Tavares (15), que o
Brasil não queria a Independência, asserção que aliás se
encontra também em escritos de José Bonifácio (16).
A par dos de Vilela, devemos colocar os serviços e a
respeitabilidade de caráter de Nicolau Pereira de Campos
Vergueiro. Nascido em Portugal, em 1778, e formado em
1804, em Coimbra, passara em 1805 a São Paulo, com intento
de aí exercer a advocacia. Casando-se nesta província,
preferira entregar-se à lavoura em Piracicaba, quando se viu
eleito deputado, em 1821. Passando a Lisboa, enquanto no
parlamento zelava pelos seus constituintes, fazia imprimir
(1822) uma conscienciosa memória histórica acerca da fábrica
e minas de ferro de Ipanema, que antes compusera, e passa à
posteridade como uma das melhores monografias que possui o
Brasil (17).
Bem que mais calado e retraído, não cedia a nenhum
dos três em firmeza de princípios, nem em coragem, o Padre
Diogo Antônio Feijó. Obrando por convicção, com a maior
independência e abnegação, sem aspirações políticas pessoais,
regulando os seus atos só em harmonia com a sua consciência
e o que julgava do seu dever, alheio até talvez a ambições de
glória, já nas poucas vezes que falou ou teve que justificar por
escrito atos seus, deixou entrever a respeitabilidade do seu
caráter impertérrito, de que ao depois deu tantas provas, vindo
a ser o verdadeiro salvador do Império, no começo do segundo
354
reinado, e associando o seu nome, em nossa opinião, mais do
que nenhum outro brasileiro, ao do fundador do mesmo
Império, que, segundo ele, não fora outrem, senão o próprio
Pedro I (18), conforme a posteridade imparcial já começa a
reconhecer.
Como caracteres graves e respeitáveis, gozavam
igualmente de muito bom conceito entre os seus compatriotas
o Padre Marcos [Antônio de Sousa], Vigário da Vitória, na
Bahia, os Deputados de São Paulo, Desembargadores Costa
Aguiar e Fernandes Pinheiro, paulistas, o primeiro da família
Andrada e o segundo mui ligado nas Cortes a Vilela Barbosa,
o Comendador Borges de Barros, escritor e poeta baiano, e o
pernambucano, doutor em cânones, Pedro de Araújo Lima. Por
grandes e vigorosos discursos se assinalaram também, depois
de Antônio Carlos, o médico José Lino Coutinho, autor de
alguns escritos médicos e já então membro da Academia de
Ciências, e Barata de Almeida (19), da Bahia, Muniz Tavares,
de Pernambuco, e, por fim, o Padre Alencar, do Ceará, que
somente chegou mais tarde. Gonçalves Ledo (20), deputado
fluminense, que fora dos primeiros a sair a campo em defesa
dos direitos do Brasil, eclipsou-se depois quase inteiramente.
O Bispo do Pará (21) e os deputados do Maranhão, que
chegaram mais tarde, votaram em geral com os deputados de
Portugal, e Martins Basto e Luís Paulino, eleitos aquele pelo
Rio de Janeiro e este pela Bahia, nem sempre se associaram
nas votações com os outros seus conterrâneos, nos primeiros
passos de armas, que foram providenciais para se estabelecer
uma espécie de harmonia entre os deputados de províncias
distantes, e quase sem nexo entre si [harmonia], que depois
veio a ser aproveitada em favor da integridade na declaração
355
da Independência.
Assim, os principais dos deputados brasileiros que mais
tarde tomaram nas discussões, já se achavam com assento nas
Cortes, quando a elas eram apresentadas as cartas dirigidas elo
príncipe [D. Pedro] a el-rei, seu pai, em 14 e 15 de Dezembro
(22), dando conta do alarma em que ficava o sul do Brasil com
a promulgação dos dois decretos de 29 de Setembro e a certeza
da imediata chegada do outro para a supressão dos tribunais.
Ainda um pouco antes, em sessão de 23 de fevereiro,
havia o Deputado Borges de Barros feito uma indicação
pedindo a revisão do artigo (capítulo I do título 6º) já votado...
a respeito das Juntas administrativas, antes que fosse
declarado de aplicação no Brasil (23). Era até doutrina que se
deduzia do teor das próprias bases, já então juradas. Foi,
porém, impugnada injustamente elos Deputados Moura (24) e
Borges Carneiro (25), a pretexto de que os deputados presentes
representavam toda a nação.
Um ofício do Senado na Câmara do Rio de Janeiro (26),
referindo-se às instruções (27), dadas pela Junta Provisória de
São Paulo aos deputados dessa província, como um manifesto
das necessidades do Brasil a bem da união, deu também a
conhecer as mesmas instruções que Antônio Carlos, apesar de
ponderar ser contra o espírito delas, tudo quanto as Cortes
haviam já deliberado, não duvidou entregar (28) à Comissão
de Constituição.
Estremeceram os portugueses mais cordatos. Modera ram-se muito os mais violentos. Começaram todos a reler, com
maior atenção, o projeto de Oliva (29), os artigos do Correio
Brasiliense, a respeito do modo único de ser possível levar-se
a cabo a união, e certas polêmicas acerca da preferência do
356
Brasil para sede da monarquia, que, no ano anterior, segundo
dissemos, tanta celeuma de injúrias havia levantado.
Em presença da aparente tolerância, resultante desta
nova situação, animou-se Vilela Barbosa a apresentar, em
sessão de 11 de Março, uma indicação para que os gover nadores das armas do Brasil fossem tirados do respectivo
exército e ficassem subordinados à autoridade das juntas
governativas. Já não foi rejeitada: ficou somente adiada.
Tinham abraçado as idéias de tolerância vários
jornalistas e os deputados mais cordatos, começando por
Trigoso (30) e Bento Pereira do Carmo (31), e, ainda mais que
ambos, o judicioso Correia de Seabra (32). Com o apoio eficaz
destes e alguns outros, chegou-se a nomear uma comissão
especial dos “negócios políticos do Brasil”. Resolveu -se que
fosse composta de doze membros, seis de cada reino. Saíram
votados aqueles dois primeiros, juntando-se-lhes os corifeus
exaltados, Borges Carneiro e Moura, e os médicos Guerreiro
(33) e Anes de Carvalho (34). Brasileiros, foram escolhidos
Antônio Carlos, Gonçalves Ledo, Almeida e Castro (de
Pernambuco), Granjeiro (das Alagoas), Belfort (do Maranhão)
e Bento de França (35).
Apresentou a mesma comissão um projeto no dia 18 de
Março (36), declarando-se vencidos vários dos seus membros.
Constava de doze artigos, precedidos de um relatório (37), em
que se procuravam justificar mui candidamente todos os atos
de arbítrio e violência, decretados contra o Brasil, no ano
anterior. Entretanto, concluíram apresentando um projeto, pelo
qual se admitia: que o príncipe seguisse no governo do Rio de
Janeiro e não se instalasse aí Junta enquanto se não fizesse a
organização geral do seu governo; que ficasse autorizado para
357
não abolir, senão progressivamente, os tribunais; que os
generais das armas e Juntas de Fazenda ficassem subordinados
às de governo em cada província; que se discutisse e votasse
logo o projeto, que acima analisamos, acera das relações
comerciais, o qual seria um dos mais fortes vínculos da união;
que se especificariam, em cada reino, os gastos próprios a cada
um, dos que deveriam ser de cada parte tirados para as
despesas gerais da união, como família real, corpo
diplomático, marinha e extraordinárias de guerra; que a dívida
transata do Brasil seria declarada nacional; que a dívida
contraída com o Banco do Brasil seria declarada pública (38),
assinando desde logo prestações para sustentar esse útil
estabelecimento; que se declarasse às províncias do Brasil que
o Congresso não tinha dúvida de conceder-lhes um ou dois
centros de delegação de governo executivo, se assim o
desejassem; que, finda a Constituição, se discutiriam os
artigos adicionais a ela, com todos os mais deputados
brasileiros, que ainda comparecessem: que as tropas por tuguesas que estavam no Brasil aí continuassem, enquanto o
governo, depois de ouvir as juntas governativas das
províncias, não ordenasse o seu regresso.
Tratava-se de discutir este projeto, quando chegaram ao
conhecimento das Cortes as cartas do príncipe, de 30 de
Dezembro e 2 de Janeiro, acompanhando esta a representação
da Junta de São Paulo. Foi logo ouvida acerca desta
representação a comissão especial dos negócios do Brasil, a
qual, no dia 22, apresentou um parecer, que se reduzia a que se
esperassem mais notícias do Brasil, dando, entretanto, ocasião
de ter lugar, nesse dia e no seguinte, um violento debate, onde
Fernandes Tomás (39) chegou a dizer não se poder duvidar
358
que o Brasil se havia de separar, e que a sua opinião era que o
fizesse desde já. Distinguiram-se também, por seus ataques
contra o Brasil, Ferreira Borges, Xavier Monteiro (40), M oura
e outros dos vinte e dois mais notáveis contra as idéias dos
brasileiros, que denominaram “Regimento 22” (41). Defendeu
Pereira do Carmo a prórroga reclamada pela comissão, para
dar tempo a que se viesse a conhecer melhor se a opinião da
Junta de São Paulo era geral, e proceder-se com moderação.
Acrescentou que não deviam as Cortes querer tomar a
responsabilidade de que por sua culpa se fizera em pedaços o
Império lusitano, que até elas se havia mantido íntegro, através
de tantas contrariedades.
NOTAS EM NÚMEROS ARÁBICOS
(1) Esta carta de lei tem a data de 13 (e não 12) de Janeiro. Foi
referendada por Filipe Ferreira de Araújo de Castro. Vej. Documentos
para a História das Cortes Gerais & tomo I, p. 263-265. (R. B.). – Notese que “tribunais”, à época, não eram apenas os órgãos judiciais, mas
quaisquer repartições públicas. (H. V.).
(2) Este ministro, que tanto se empenhou para que o Brasil fosse
dividido em governos separados e convertidos em pequenas colônias
dependentes em tudo da metrópole, que q uis extinguir tribunais e
substituir todos os magistrados que serviam no Brasil, e suprimir escolas,
foi o protetor de um turbulento e exaltado guarda -livros, que converteu
por esse tempo em oficial de secretaria (1823), tomando -o para seu
auxiliar. Pouco depois, o improvisado oficial de secretaria, que aplaudiu
todas as medidas tendentes a escravizar o Brasil, teve de emigrar de
Lisboa, em conseqüência da contra -revolução (1823), e passou a
Pernambuco, onde entrou ao serviço da causa separatista, trabalhan do aí,
embora obscuramente, pelo desmembramento da terra que não era sua e
que um ano antes quisera ver reduzida ao regime colonial anterior a 1808.
Refiro-me a Guilherme Tatcliffe. (R. B.).
359
(3) Em Pereira da Silva, História da Fundação do Império (tomo
V, p. 285), lê-se o seguinte: “Publicou (Silva Carvalho) dois avisos,
extingüindo as Academias de Marinha e Belas -Artes, fundadas no Rio de
Janeiro, e mandando recolher a Lisboa os seus professores (16 de
Fevereiro de 1822). Clamou energicamente Vilela Barb osa contra estes
atos ilegais do governo. Em que lei do Congresso achara autorização para
resolvê-los? Não via o depuTado fluminense incluídas aquelas academias
no decreto promulgado pelas Cortes, em 13 de Janeiro, relativo só às
secretarias e tribunais que extinguira. Requereu se mandassem sustar e
suspender os arbitrários avisos, mas não foram ouvidas as suas vozes e
nem aprovada a sua proposta (sessões de 1 e 4 de Março de 1822). (R.
B.).
(4) Vimos como em sessão de 25 de Abril do ano anterior fora
retirado outro de Alves do Rio, pela consideração de não estarem
presentes os deputados brasileiros. (A.).
(5) Reimpresso no Rio de Janeiro, na tipografia Moreira e Garcez,
1822. (A.). No mesmo ano publicou-se no Rio de Janeiro uma Refutação
do Projeto do Comércio de Portugal com o Brasil, 2 fls., n. 7.073 do
Catálogo de Exposição de História do Brasil, de 1881. (H. V.).
(6) Refere-se o autor a Antônio Carlos Ribeiro de Andrada
Machado e Silva e seu sobrinho José Ricardo da Costa Aguiar e Andrada.
No jornal carioca O Espelho, n. 128, de 7 de Fevereiro de 1823, apareceu,
como extrato da revista londrina Correio Brasiliense de Novembro de
1822, o “Protesto” desses dois “Deputados de São Paulo”, assinado em
Falmouth, a 20 de Outubro do mesmo ano. Foi reproduzido, também, na
História do Brasil-Reino e Brasil-Império, de A. J. de Melo Morais, tomo
I (Rio, 1871), p. 314/315. (H. V.).
(7) Apenas 46 deputados do Brasil, dentre 69 que foram eleitos,
tomaram assento nas Cortes Gerais. Eis as datas em que se foram
apresentando e tomando assento; a 29 de agosto, sete de Pernambuco; a
10 de Setembro, quatro do Rio de Janeiro, um dos quais faleceu dois dias
depois, e passou a ser substituído no dia 17 por um suplente, e o quinto
representante do Rio de Janeiro (suplente) tomou assento no dia 16 de
Outubro; a 8 de Novembro, dois do Maranhão; a 19 de Novembro, o
deputado de Santa Catarina; a 17 de Dezembro, oito da Bahia (o nono não
360
se apresentou) e os três de Alagoas. Assim, em fins de 1821, estavam
presentes 26 representantes do Brasil. Em 1822 foram chegando os
seguintes: a 4 de fevereiro, um da Paraíba; a 11 de Fevereiro, três de São
Paulo; a 25 de Fevereiro, um de São Paulo; a 1º de Abril, um do Pará; a
18 de Abril, o deputado do Espírito Santo e o de Goiás; a 27 de Abril, um
de São Paulo; a 9 de Maio, três do Ceará; a 10 de Maio, um do Ceará; a 2
de Julho, um do Pará e um de São Paulo; a 8 de Julho, um do Paiuí; a 15
de Julho, um da Paraíba; a 1º de Agosto, um do Piauí; a 16 de Agosto, um
de Pernambuco; a 29 de Agosto, um dos Rio Negro, suplente, que ocupou
o lugar do efetivo até à sua chegada, em Outubro. (R. B.).
(8) Traduziu do inglês: Considerações cândidas e imparciais
sobre a natureza do comércio do açúcar e a importância comparativa das
Índias Ocidentais, nas quais se estabelece o valor e conseqüências das
Ilhas de Santa Luzia e Granada, etc. (Lisboa, na Oficina da Casa Literária
do Arco do Cego, 1800), com dedicatória do tradutor ao príncipe -regente
D. João. (A. e H. V.).
(9) Carta escrita em Londres, em 9 de Novemb ro de 1822,
transcrita no Espelho, n. 128, de 7 de Fevereiro de 1823. (A.). – Trata-se
da “Declaração do Deputado Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, sobre o
que dele publicou em Lisboa o Astro da Lusitânia”. (H. V.).
(10) Depois 1º Visconde e 1º marquês de Paranaguá. (R. B. e H.
V.).
(11) Frederico Luís Guilherme de Varnhagen, Diretor da Fábrica
de Ferro de São João de Ipanema, em Sorocaba, capitania de São Paulo,
onde nasceu seu filho Francisco Adolfo, depois Barão e Visconde de
Porto Seguro. (H. V.).
(12) Sebastião da Rocha Pita – História da América Portuguesa
(de 1730), 3ª ed. (Bahia, 1950), p. 27. (H. V.).
(13) Cândido Batista de Oliveira – “Marquês de Paranaguá”,
biografia, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro , tomo
XI, de 1847 (Rio, 1847), p. 407/408. (A. e H. V.).
(14) Refere-se o autor ao Conselheiro Antônio de Meneses
Vasconcelos de Drummond, que nas “Anotações... à sua Biografia
361
publicada em 1836 na Biographie Universelle et Portative des
Contemporains”, incluídas nos Anais da Biblioteca Nacional do RI, vol.
XIII, de 1885-1886 (Rio, 1888), p. 71, baseado, não em palavras textuais,
mas no que declarava ser o seu sentido, fez exageradas acusações à certa
atitude de Vilela Barbosa nas Cortes de Lisboa. (C. I. H. G. B. e H. V.) .
(15) Domingos Malaquias de Aguiar Pires Ferreira, depois 1º
Barão de Cimbres, e Francisco Muniz Tavares, Deputados por
Pernambuco. (H. V.).
(16) Estas, como outras manifestações, de brasileiros e do próprio
Príncipe D. Pedro, são anteriores à declaraçã o do “Fico”, de 9 de janeiro
de 1822, que marcou o ponto capital do processo da separação do Brasil.
(H. V.).
(17) Nicolau Pereira de Campos Vergueiro – Memória histórica
sobre a fundação da Fábrica de Ferro de São João de Ipanema, na
Província de São Paulo (Lisboa, 1822). n. 13.084 do cit. Catálogo da
Exposição de História do Brasil. (H. V.).
(18) “Depois de confessar, com a última convicção, que o Brasil
devia a existência pública a V. M., seu assegurava que devia ainda a sua
prosperidade e glória ao desinterêsse, à liberalidade e à justiça de V. M.”
(Carta de Feijó a Pedro I, em 1823). (A.). Corrigimos, na citação, dois
enganos de cópia, não apurados nas edições anteriores desta História. (H.
V.).
(19) Cipriano José Barata de Almeida, depois famoso jor nalista
de oposição, que estudamos em “Cipriano Barata e as Sentinelas da
Liberdade (1762-1838)”, cap. de nossa Contribuição à História da
Imprensa Brasileira (Rio, 1945), p. 447/502. (H. V.).
(20) Custódio Gonçalves Ledo, que não deve ser confundido com
seu irmão Joaquim Gonçalves ledo. (H. V.).
(21) D. Romualdo de Sousa Coelho. (H. V.).
(22) Mandadas publicar pelas Cortes, em folheto de 24 p.,
intitulado Cartas e mais peças oficiais dirigidas a Sua Majestade o
Senhor D. João VI pelo Príncipe Real o Sen hor D. Pedro de Alcântara
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(Lisboa, 1822). Teve o n. 6.984 no Catálogo da Exposição de História do
Brasil, de 1881, e contém quinze cartas, datadas de 8 de Junho de 1821 a
2 de Janeiro de 1822. (H. V.).
(23) Visconde de Cairu – História dos Principais Sucessos
Políticos do Império do Brasil, parte X, seção II (Rio, 1829), p. 134/136.
(A. e H. V.).
(24) José Joaquim Ferreira de Moura, Deputado pela Beira. (H.
V.).
(25) Manuel Borges Carneiro, Deputado pela Estremadura. (H.
V.).
(26) Ofício recebido pelas Cortes a 5 de Março de 1822. (R. B. e
H. V.).
(27) Lembranças e apontamentos do Governo Provisório (De São
Paulo) para os Srs. deputados da Província, Rio de Janeiro, na Tip.
Nacional, 1821, 11 p. in-folio. Impressas por ordem do príncipe-regente,
transmitidas em portaria do Ministro do Reino, Francisco José Vieira, de
3 de Novembro, a pedido feito por vários deputados de São Paulo, no Rio
de Janeiro, em 25 de Outubro. (A.).
(28) O leitor poderia ser induzido a engano, lendo Cairu (II, p.
142), quando diz simplesmente que Antônio Carlos “não quis” entregar
essas instruções. (A.). Cairu – História cit., seção II, p. 142. (H. V.).
(29) Mencionado na nota 81, ao capi. I. (H. V.).
(30) Francisco Manuel Trigoso de Aragão Morato, Deputado pela
Beira. (H. V.).
(31) Deputado pela Estremadura. (H. V.).
(32) José Vaz Correia de Seabra da Silva Pereira, Deputado pela
Beira. (H. V.).
(33) José Antônio Guerreiro, Deputado pelo Minho. (H. V.).
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(34) Joaquim Pereira Anes de Carvalho, Deputado substituto pela
Estremadura. (H. V.).
(35) Embora no original de Varnhagen, como nas duas edições
anteriores desta História da Independência apareça, aqui, o nome “Bento
da França”, trata-se do Marechal Luís Paulino Pinto de França, Deputado
pela Bahia. Bento era seu filho. (H. V.).
(36) Transcrito no Espelho, n. 49. (A.). De 7 de Maio de 1822.
(H. V.).
(37) Tudo se encontra transcrito no Espelho, n. 49. (A.).
(38) A este respeito, apresentava um dos membros da comissão
(Ledo) um projeto, em sessão do mesmo Março. (A.).
(39) Manuel Fernandes Tomás, Deputado pela Beira. (H. V.).
(40) Francisco Xavier Monteiro, Deputado pela Estremadura. (H.
V.).
(41) D. José d’Almeida Correia de Sá, Marquês de Lavradio, em
D. João VI e a Independência do Brasil – Últimos Anos do seu Reinado
(Lisboa, 1937), p. 46/47, citando Soriano (Simão José da Luz Soriano –
História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo parlamentar
em Portugal), diz que esse autor “considera verdadeiros promotores da
separação do Brasil os Deputados Fernandes Tomás, Ferreira de Moura,
Xavier Monteiro, Borges Carneiro, Pereira do Carmo e Teixeira Girão” .
(H. V.).
(Transcrito das págs. 67 a 74).
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14 jul – p - Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro