Universidade Estadual de Feira de Santana Programa de Pós-Graduação em História Mestrado em História RICARDO GEORGE SOUZA SANTANA Lourenço de Brito Correa: o sujeito mais perverso e escandaloso. Conflitos e suspeitas de motim no segundo vice-reinado do Conde de Óbidos. (Bahia 1663-1667) Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Feira de Santana, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em História. Área de concentração: História Social. Orientadora: Profª Dra. Márcia Maria Barreiros Feira de Santana 2012 2 Introdução O historiador espanhol Jaume Vicens Vives preocupou-se com as estruturas do poder na Europa do século XVII, para ele o chamado poder absoluto verificado nas monarquias deste período foi antes de tudo: “uma realidad de mando, uma realidad vivida cotidianamente por quienes habian de governar y queines deseaban o no deseaban se gobernados de tal guisa”.1 Os aspectos que engendram esta realidad de mando, forjadas pelos sujeitos do século XVII, devem ser compreendidos a partir dos valores, sentimentos e visões de mundo que estes partilhavam. Quando vasculhamos as experiências individuais e coletivas vivenciadas podemos ter acesso a alguns aspectos da cultura política vivenciada, especialmente se o nosso enfoque for a capitania da Bahia, sede do governo colonial e abrigo de oficiais régios com funções que lhes credenciavam prestígio social. Paixão, desejo, misericórdia, ganância, suspeita, medo, vingança são sentimentos que atravessaram a história e atribuíram significados diversos aos comportamentos e condutas de algumas pessoas ou grupos. Na Bahia do século XVII, a união destes sentimentos tão distintos deu uma tonalidade particular à conjuntura que se delineava, principalmente após a Restauração Brigantina.2 Neste momento, a realidade cotidiana de governantes e governados não poderia mais ser enquadrada em uma única cultura política e sim, em culturas políticas. Nas palavras de Sohiet, Bicalho e Gouvêa: [...] As culturas políticas constituem fator de agregação social, contribuindo de modo decisivo na constituição de uma visão comum de mundo, de uma leitura compartilhada do passado e do futuro. Formam desse modo ‘um patrimônio indiviso’, composto por vocabulários, símbolos e gestos, por todo um arsenal de ferramentas que possam exprimir valores, ideias e desejos políticos de um dado conjunto social.3 Podemos ter acesso à cultura política de uma época a partir dos discursos produzidos por homens e mulheres que experimentaram e disputaram uma determinada configuração de poder e 1 VIVES, Jaume Vicens. “Estructura Administrativa Estatal en los siglos XVI Y XVII.” In: MARTÍN, Jesús Izquierdo.; LEÓN, Pablo Sánchez. (coord.) Clásicos de historia social de España: una selección crítica. Rioja: Fundación Instituto Historia Social, 2000. p. 102. 2 Esta expressão se refere ao processo deflagrado em Portugal, em primeiro dezembro de 1640. Tinha por objetivo restaurar o reino de Portugal à uma dinastia de sangue luso. Desde 1580, a Casa da Áustria representada pelos Filipes de Habsbourg, hegemonizavam o controle da Península Ibérica e unificaram as coroas de Portugal e Castela durante 60 anos. Em 1640, o oitavo Duque de Bragança, apoiado em seu casamento com D. Luisa de Gusmão, uma espanhola descendente dos Reis de Portugal por via paterna, articulou o processo de rebelião contra a Espanha e foi aclamado Rei de Portugal com o título de Rei D. João IV, conhecido como “o Restaurador”. A consolidação da independência da Espanha e demarcação territorial só foi possível após 28 anos de guerra entre Portugueses e Espanhóis que só findou em 1668. Para mais detalhes sobre a Restauração Brigantina e seus reflexos na Europa e no Ultramar, ver: FRANÇA, Eduardo D’Oliveira. Portugal na Época da Restauração. São Paulo: Hucitec, 1997 e GODINHO, Vitorino Magalhães. Ensaios Sobre a História de Portugal. vol. II. Lisboa: Livraria Sá Costa Editora, 1968, p.257-291. 3 SOHIET, Rachel; BICALHO, Maria Fernanda & GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.). Culturas políticas: ensaios de história cultural, história política e ensino de história. Rio de Janeiro: Mauad, 2005. p.13 3 deixaram vestígios das posições políticas que tomaram ao longo das suas carreiras. Partindo destes aspectos, a pesquisa histórica tenta alcançar as motivações dos sujeitos levando-se em conta a coerência de seus comportamentos individuais e suas relações com o coletivo. Ao estudar a função política das elites na sociedade colonial mineradora do século XVIII, Vera Alice Cardoso Silva entendeu que as relações sociais vivenciadas na Colônia foram respaldadas a partir da manutenção de certos privilégios, associados a ritos e símbolos de reconhecimento de superioridade que orientavam a articulação das sociabilidades. Este modelo, baseado em relações pessoais, referenciava a identidade dos indivíduos de acordo com sua ascendência familiar e caracteriza o que a autora chamou de sociedade tradicional.4 A elite política que compunha a sociedade colonial diferenciava-se das outras camadas da população por ser formada pelos [...]indivíduos ocupantes das posições que asseguram o exercício efetivo do poder político de regulação compulsória e de fiscalização com poder de sanção.5 Faziam parte deste seleto grupo de homens da Colônia aqueles que tinham experiência com as armas e com as letras. Na prática, esta diferenciação apresentava-se no convívio social a partir de diversas manifestações de comportamentos que conferiam hierarquias e exigiam atitudes de submissão para com os que ocupavam funções de certa relevância política, sendo comum a possibilidade de união de pessoas desta mesma elite em torno de interesses congruentes, [...]sob a forma da relação calculista que vincula parceiros interessados na obtenção de objetivos comuns, aí incluído o de combater ou neutralizar adversários políticos.6 Neste sentido, o objetivo desta dissertação é analisar a trajetória política de dois homens que se encontraram no palco das Américas durante o século XVII e neste espaço foram adversários. De formas diversas, um nobre de Portugal e um fidalgo da Bahia vivenciaram a cultura política do Brasil colonial e cumpriram atividades de grande importância para o serviço régio neste lugar. Lourenço de Brito Correa e o Conde de Óbidos conheciam os meandros do poder do Reino e do Ultramar, porém, eles exerceram posições hierarquicamente desiguais na sede do governo do Brasil e por causa de desentendimentos políticos com Óbidos, Lourenço foi neutralizado e morreu numa cadeia em Lisboa. 4 SILVA, Vera Alice Cardoso. “Aspectos da função política das elites na sociedade colonial brasileira. O 'parentesco espiritual' como elemento de coesão social.” In: Revista Varia Historia, UFMG,n.31, janeiro/2004, p. 100. 5 Idem p.101. 6 Idem. 4 O nosso enfoque está no vice-reinado do Conde de Óbidos e sua experiência na Bahia (1663-1667), contudo, não foi possível fixar este estudo em um recorte cronológico rígido, muito menos foi possível uma delimitação espacial específica para nossa abordagem, a mobilidade de funcionários régios pelas partes do globo era uma demanda corriqueira e necessária para a consolidação das dinastias Ibéricas, por isso foi preciso acompanhar o itinerário de serviços que Óbidos executou na Europa, América e Ásia, bem como analisar o seu modo de governar nestes diferentes locais para assim entender a inserção política de D. Vasco Mascarenhas antes e depois da Restauração de 1640. Também seria difícil explicar com clareza os motivos das rusgas entre o Conde vice-rei e Lourenço de Brito Correa entre os anos de 1663 a 1667 sem antes analisar o histórico de serviços prestados por Lourenço nas guerras contra os holandeses e as atividades administrativas que exerceu na Bahia desde o período Filipino. Sua descendência familiar e influência política na cidade de Salvador em 1663 são resultado de uma carreira recheada de disputas políticas e que foram relembradas no governo do Conde de Óbidos, especialmente porque nesta época o velho Lourenço exercia bastante influência não só entre os juízes do Tribunal da Relação como também entre os militares e eclesiásticos que residiam na Bahia. Lourenço de Brito Correa e outras autoridades de destaque na cidade de Salvador manifestavam resistência e estranhamento à gestão de D. Vasco Mascarenhas por via de consecutivas epístolas enviadas às autoridades reinóis. O vice-rei, por sua vez, tentava silenciar seus principais adversários afastando-os da Colônia e justificando suspeita de conjuração. O desenrolar desta trama produziu um conjunto de comunicações entre as autoridades do Reino e da Bahia e pela riqueza de informações podem dar uma visão mais pormenorizada sobre o momento político e as disputas que vivia a esta Capitania durante o período em tela. O primeiro capítulo é um esforço de investigação mais detalhado acerca da trajetória política de Lourenço de Brito Correa, partindo de alguns aspectos da sua descendência e pertencimento à elite da Bahia do século XVII, tentaremos mapear o itinerário de sua educação e as ideias que compartilhava no seu tempo, para isso o trabalho de genealogia do Frei Santa Maria Jaboatão foi de fundamental importância, seja como fonte documental essencial para qualquer historiador interessado no método prosopográfico, seja como referencial de pesquisa sobre a formação da sociedade da Bahia colonial. Dados pessoais e as representações de Lourenço de Brito Correa foram acessados em seu depoimento ao Tribunal do Santo Ofício por ocasião da segunda visitação à Bahia. 5 Baseando-me nos estudos de Anita Nowinsky sobre o clima de perseguição aos cristãosnovos na Bahia, pude compreender com mais lucidez a denúncia feita por Lourenço especialmente as acusações de blasfêmia e comportamento sexual sodomita promovidos por alguns judeus proprietários de engenhos no recôncavo da Bahia. Notamos sua aversão aos marranos, mas também constatamos informações sobre sua idade, a patente de Capitão, filiação, local de residência e posição política que este fidalgo ocupava na cidade de Salvador em 1619. Luiz Henrique Dias Tavares e Francisco Adolfo de Varnhagen foram autores fundamentais para o desenvolvimento deste capítulo, a partir deles pude ter acesso à desenvoltura de Lourenço de Brito Correa como militar, outros cronistas do século XVII também registram sua patente de Capitão dos Aventureiros e seu protagonismo nas guerras que a dinastia Filipina perpetrou para expulsar os holandeses da Bahia e de Pernambuco, Lourenço esteve entre os combatentes mais aguerridos na empreitada que expulsou os invasores da cidade de Salvador, seja em 1625, seja nos anos seguintes a 1630. O trabalho de Wolfgang Lenk também auxiliou com informações sobre algumas desavenças registradas entre Lourenço de Brito Correa e o Governador Diogo Luis de Oliveira, Afonso Costa indicou que o capitão Lourenço passou uma temporada na Europa a regozijar dos benefícios adquiridos pelo monarca em recompensa dos serviços que prestou nas suas batalhas na Bahia, contudo, seus conhecimentos militares não foram dispensados, o biógrafo afirmou que Lourenço voltou ao Brasil em 1637, como tripulante de uma das armadas de socorro enviadas pelo Rei Felipe IV e continuou a auxiliar ao Conde da Torre na peleja de Pernambuco. A leitura das Cartas do Conde da Torre exerceu um papel fundamental nesta investigação, o manuseio das mesmas me deu oportunidade de conhecer com mais profundidade o protagonismo militar de Lourenço no período das tentativas de reconquistar o nordeste. Percebe-se que Lourenço demonstrou o acúmulo de experiência militar e conhecimento do clima tropical para aconselhar ao seu superior como proceder ao enfrentamento dos batavos em Pernambuco de forma eficaz. O Conde da Torre não conseguiu expulsar os holandeses do nordeste, na Europa, a Casa da Áustria amargava as consecutivas revoltas dos moradores de Portugal, especialmente da elite lusitana descontente com aumentos na cobrança de impostos para custear a guerra com os Países Baixos e perdas consecutivas nas conquistas ultramarinas. A situação na Bahia também estava preocupante dado o desgaste que a figura do monarca espanhol vinha sofrendo devido a mais taxações que recaíam sobre os fazendeiros e senhores de engenho desta parte do Império, além das consecutivas investidas das tropas de Nassau na capitania na Bahia, seja assediando o litoral e 6 apreendendo o conteúdo das embarcações, seja penetrando o recôncavo e queimando engenhos e canaviais. O Marquês de Montalvão foi o primeiro Vice Rei do Brasil7, enviado com ordens expressas do Rei Felipe IV e seu Valido para expulsar os holandeses de Pernambuco e reconquistar o Nordeste. A sua chegada acontece e maio de 1640, no fim deste mesmo ano percebe-se o final do período de hegemonia espanhola na península Ibérica e restauração do trono português à uma dinastia lusa e independente da casa da Áustria. Sérgio Buarque de Hollanda explicou como se deu a recepção do Duque de Bragança na América e os posicionamentos que os mandatários providos no Brasil por outorga Filipina – o Marques de Montalvão e Salvador Correa de Sá – apresentaram frente à nova situação política e tais argumentos serão também estudados neste capítulo. Para além de apresentarmos a fidelidade que o Marquês de Montalvão demonstrou na Bahia ao tomar conhecimento dos resultados do dia primeiro de dezembro de 1640 e a posterior coroação de D. João IV como rei de Portugal, a participação de Lourenço de Brito Correa entre os anos de 1641 e 1642 será discutida partir da trama que este se envolveu para retirar o primeiro Vice Rei do seu posto e sua posterior entrada na governança do Brasil. Apesar de separados pelo Oceano Atlântico, Lourenço e Óbidos estavam unidos em um ponto comum após 1640: ambos estavam satisfeitos com a Restauração Brigantina e de diferentes maneiras contribuíram com seus serviços aos monarcas que sucederam o rei D. João IV. A deposição do Marquês de Montalvão e o envio do primeiro Governador Geral do Brasil nomeado pelos Bragança foi o início de uma mudança radical na vida de Lourenço. Ele foi acusado de corrupção enquanto esteve no governo provisório do Brasil, teve ordens para ser conduzido ao Reino e lá ficou respondendo residência. Mesmo após consecutivos pedidos de vista em seu processo e súplicas de perdão, Lourenço permanece preso na cadeia do Limoeiro mais de sete anos, em uma carta escrita para o Conselho Ultramarino ele relembrou a astúcia que teve ao interceptar as comunicações enviadas pelo comando castelhano em um barco de Sevilha e que provavam sua inocência e a infidelidade de 7 Vice Rei era o mais importante título que um funcionário das monarquias Ibéricas poderia receber, constituía-se na representação direta dos Reis de Espanha e Portugal no mundo colonial ultramarino. A tradição deste título tem raízes espanholas, o primeiro a recebê-lo foi o genovês Cristóvão Colombo pelas mãos da monarquia católica de Aragão e Castela, o primeiro Vice-reinado da Índia foi dado a D. Francisco de Almeida (1505-1509) pelas mãos do Rei Manoel I, de Portugal, o Rei Felipe III, de Espanha, nomeou a D. Jorge Mascarenhas, o Marquês de Montalvão, como primeiro Vice Rei do Estado do Brasil, exerceu este cargo no ano de 1640 até 1641 e foi deposto. A função de Vice Rei deixou de existir no reinado de D. João VI, em 1808. Ver: AZEVEDO, Antonio do Carlos Amaral. Dicionário de nomes, termos e conceitos históricos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 453. Raphael Bluteau nos diz que o Vice Rei era “o governador de hum Reyno, que manda com suprema autoridade, em nome, & em lugar do Rey”, ver: BLUTEAU, D. Raphael. Vocabulario Portuguez e Latino. Vol. 8. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1728, p. 472. 7 outros membros da família de Montalvão para com D. João IV, também explicava que as suspeitas de que ele teria roubado a fazenda real enquanto esteve no governo provisório nunca foram comprovadas e por isso pedia a restituição dos seus ofícios. No tempo em que esteve preso em Lisboa, Lourenço sofreu perdas consideráveis em seu patrimônio, neste período a distância da atenção de D. João IV trouxe-lhe desgraça: seus bens foram confiscados na Bahia, seus gados e escravos leiloados e, como se não bastasse, Lourenço foi enviado de volta à Bahia na condição de degredado, por acusações formuladas por um familiar do Santo Ofício. A ordem de degredo de volta para o Brasil foi proveitosa para a carreira de Lourenço, notase sua presença na Bahia na década de 1650 e neste período ele alcançou novamente a graça régia, especialmente com o advento da Regente D. Luísa de Gusmão. Pelo favor da Rainha Mãe, ele voltou à cena política e foi reintegrado à Provedoria Mor da Fazenda Real do Brasil. Para saber como Lourenço de Brito Correa conseguiu alcançar outras mercês régias e reconstruir seu patrimônio dilapidado nos anos em reclusão no Reino, foi necessário estabelecer um estudo mais aprofundado sobre as práticas de escrita e de leitura no século XVII e de como estas habilidades eram por ele acionadas de diferentes maneiras para pleitear a graça régia. Antônio Manuel Hespanha, Maria de Fátima Gouvêa, Mafalda Soares da Cunha e Nuno Gonçalo Monteiro são exemplo de historiadores portugueses que na atualidade tem dado contribuições importantes para a compreensão das monarquias Ibéricas sob o olhar da política e a partir dos usos e costumes próprios das sociedades de Antigo Regime. Tais usos e costumes foram trabalhados em suas abordagens e reúnem um ponto de convergência: estes autores evidenciam a relevância das interpretações de Marcel Mauss quanto às possibilidades do favor benevolente dos reis para com os seus súditos. Apoiado pelas contribuições dos historiadores acima mencionados apresenta-se alguns aspectos do funcionamento deste sistema de concessão de privilégios que a historiografia tem chamado de “economia do dom” ou “economia de mercê”, bem como os contornos particulares que esta característica da monarquia Brigantina ganhou na Bahia. Para concluir o desenho da trajetória de Lourenço de Brito Correa, não poderia deixar de fazer uma análise mais pormenorizada sobre outra forma de manifestação da mercê régia e como esta era amplamente pleiteada pelos habitantes da Bahia que sabiam ler e escrever. Para além de ofícios, serventias e outras posições administrativas outorgadas pelo Rei, a mercê também poderia se manifestar na concessão de grandes extensões de terras. 8 O monarca era senhor supremo do Brasil, não somente dos seus habitantes, mas também dos rios e riquezas minerais descobertas ou que porventura haveria de se descobrir. Por não poder explorá-las apenas com os recursos do erário, o Rei disponibilizava Cartas de doação, sesmaria, forais e outros documentos que concediam ao interessado um pedaço de chão em forma de graça régia. Os trabalhos de Kátia Mattoso, Ciro Flamarion Cardoso, Erivaldo Fagundes Neves e Felisbello Freire foram essenciais para conhecer alguns aspectos do sistema de concessão de terras engendrado na Bahia Colonial. O fidalgo Lourenço de Brito Correa era herdeiro de grandes propriedades adquiridas pelos seus antepassados, verificamos que ele continuou a ampliar o seu patrimônio fundiário e pleiteou alguns lugares na região do recôncavo da Bahia e às margens do Rio Paraguaçu. Analisaremos seu interesse por sesmarias e seu pedido de fundar uma vila às suas expensas nestas férteis paragens, obtendo a jurisdição civil e criminal. Em 1663, Lourenço estava à beira dos setenta anos de idade e apresentava-se como bem sucedido homem de negócios, Cavaleiro da Ordem de Cristo, confrade maior da Irmandade da Misericórdia da Bahia, Provedor Mor da Fazenda Real do Brasil por graça da Rainha Regente e Chanceler da Relação da Bahia, ou seja, Lourenço fazia parte do seleto grupo de homens que decidiam os rumos da cidade de Salvador e que outrora estavam submissos à D. Luísa de Gusmão. Todavia, os ecos do “golpe de Alcântara” e ascensão de D. Afonso VI no trono de Portugal fazia-se ouvir na América. Com o advento deste novo soberano, a vida de Lourenço passou por mais uma mudança, desta vez definitiva. O segundo capítulo vai tratar da experiência política de D. Vasco Mascarenhas e para conhecer com mais profundidade a vida deste homem foi necessário recorrer a outro universo de informação e, consequentemente, uma nova experiência de pesquisa. Trata-se de um nobre oriundo de uma família vinculada às dinastias Ibéricas e herdeiro das honras adquiridas por seu pai. O instrumental da genealogia e da heráldica foram acessados para conhecer os títulos e privilégios adquiridos por este membro da família Mascarenhas, também foi preciso recorrer a cronistas da Restauração de Portugal que registraram seu protagonismo político e serviços que prestou para os Bragança até o final da sua vida. A pesquisa deu acesso às experiências de governança que D. Vasco Mascarenhas teve na Europa, América e Índia. Esteve em posição de comandante nas trincheiras montadas em Flandres e mostrou-se um habilidoso combatente nos Terços de Infantaria espanhóis. A primeira atividade deste nobre na América está associada a um pedido particular, feito pelo Governador Geral Diogo Luis de Oliveira. Necessitado de militares habilidosos e conhecedores do modo de combate batavo, 9 o Governador Geral amargava perdas no exército e pouco tempo disponível para inspecionar as tropas e guarnições espalhadas pelo Brasil e via na figura de D. Vasco Mascarenhas um auxiliar eficaz. Uma das primeiras constatações que D. Vasco Mascarenhas teve ao se deparar com a luta para reconquista do Nordeste sitiado pelos holandeses era a necessidade de adaptar os conhecimentos adquiridos em Flandres à realidade do clima e da topografia do Brasil. Aprender e ensinar foram atividades que estiveram sempre presentes neste período em que serviu como auxiliar do Governador, o posto que ocupava permitia-lhe visitar as vilas e cidades do Brasil, verificar as condições das fortalezas existentes, inventariar o aparelho bélico da Colônia, bem como fazer um levantamento quantitativo e qualitativo do efetivo militar que estava presente no Brasil nesta ocasião. A volta de D. Vasco Mascarenhas para Madri no ano de 1636 coincide com seu primeiro matrimônio e com a outorga do título de Conde de Óbidos, esta titulação nobiliárquica demonstra que apesar de ter origem portuguesa, Óbidos manteve fortes vínculos com a dinastia Filipina. O Rei Felipe IV e seu valido continuaram a solicitar os serviços militares de Óbidos e devido à experiência acumulada na América, vemos que o Brasil estava mais uma vez no seu itinerário de serviços. Ele foi um dos generais que acompanhou o Conde da Torre em uma nova armada de socorro organizada para expulsar os holandeses do Brasil, nesta segunda passagem pela Bahia, assumiu o posto de General de Artilharia, cargo bastante apropriado para um nobre com sua carreira, pois era conhecedor do armamento e efetivo militar presente no Brasil. A relação estabelecida entre o Conde de Óbidos e o Conde da Torre, seu superior hierárquico, foi objeto de atenção neste capítulo. Notamos que em um primeiro momento o Conde da Torre elogiava os serviços de Óbidos e chegou a entregar-lhe o governo do Brasil enquanto estava na guerra, todavia, em março de 1640, o relacionamento entre estes dois generais não mais existia. A documentação arrolada aponta que o Conde de Óbidos não presenciou o fim do governo do Conde da Torre, nem a chegada do Marquês de Montalvão em maio de 1640. Ele evadiu-se do seu posto sem dar satisfação alguma ao seu superior e retornou à Lisboa em março deste ano motivado por “pretensões particulares.” Tais pretensões guardam bastante proximidade com os ventos de Restauração, Óbidos estava inserido na teia de relações engendradas pelos nobres de Portugal interessados em coroar o oitavo Duque de Bragança e restabelecer o reinado de monarcas de sangue luso, após sessenta anos de hegemonia da casa da Áustria. 10 A fidelidade do Conde de Óbidos ao projeto político de D. João IV é vista desde os primeiros momentos da aclamação e nos anos que seguem este reinado, contudo, não se pode perder de vista outro aspecto que vinculava Óbidos com a casa Brigantina: D. Vasco Mascarenhas era parente do Rei por via materna e tal proximidade foi reconhecida em cartas escritas pelos Reis de Portugal que o chamavam de “conde parente” e “muy amado sobrinho”. As atividades deste nobre dentro da estrutura política que se delineava em Portugal e suas conquistas foram notadas a partir das funções que exerceu durante o período Brigantino. Em 1640 o Conde de Óbidos fazia parte do seleto grupo de militares e experientes combatentes do Reino e do Ultramar que compunham o Conselho de Guerra, sínodo estratégico para a condução da resistência portuguesa contra os ataques espanhóis e manutenção das conquistas portuguesas espalhadas pelo globo. Dando prosseguimento a investigação da trajetória política de Óbidos e cargos de governo que exerceu fora de Portugal, também abordarei a primeira e curta oportunidade que ele teve de ostentar o título de Vice Rei da Índia. Os problemas que enfrentou naquela praça estão diretamente ligados ao seu desacordo com a elite local, apresentarei neste capítulo os motivos que levaram a sua expulsão da cidade de Goa e usurpação do cargo tomando por base os relatos de historiadores do Oriente Português e uma bibliografia interessada nas revoltas que se iniciaram em 1640 e estouraram no ultramar português até 1680. Ser expulso da Índia serviu de lição para D. Vasco Mascarenhas e a partir deste episódio seu estilo de tratamento para com adversários políticos foi mais incisivo, como veremos no terceiro capítulo. Óbidos foi retirado das funções que cumpria na Índia em 1653 e chegou ao Reino neste mesmo ano. Encontrou um Portugal abalado pela morte de D. Teodósio, três anos depois, ele acompanhou a cerimônia de exéquias de D. João IV em 1656. O clima de instabilidade no Reino só pôde ser superado com a Regência da Rainha D. Luísa de Gusmão, Óbidos acompanhou todo este período e viu as medidas que a Rainha tomou para não perder os territórios conquistados pelo seu marido e preocupações que demonstrava para com a educação do seu filho D. Afonso, segundo na cadeia sucessória. Ao aprofundar os estudos realizados sobre a ascensão de D. Afonso VI pude alcançar as relações que o Conde de Óbidos tinha com aqueles que apostavam na maioridade do Infante e suas condições de assumir o reino. Um estudo detalhado das conexões existentes entre o Conde de Óbidos, o Rei D. Afonso VI e o Conde de Castelo Melhor, titulado Escrivão da Puridade, serão objeto de atenção ao fim deste segundo capítulo. 11 Duas décadas após a Restauração Brigantina, algumas práticas do período Filipino foram novamente introduzidas com o advento de D. Afonso VI: o primeiro exemplo desta alteração foi o reaparecimento da tradição do “valimiento” ou “privança” e os grandes poderes que o Conde de Castelo Melhor obteve como “Escrivão da Puridade”, o segundo exemplo encontra-se na nomeação do Conde de Óbidos como segundo Vice Rei do Brasil, cargo extraordinário, repleto de desafios e com uma forte carga simbólica naquele tempo. O terceiro e último capítulo desta dissertação abordará alguns aspectos políticos do segundo vice-reinado do Brasil (1663-1667). O enfoque de análise será a relação conflituosa estabelecida entre alguns funcionários da administração portuguesa instalados na Bahia e o Conde de Óbidos. Acompanharemos o desenrolar de manifestações de oposição ao modo de governo do vice-rei, seja por via de consecutivas missivas criticando suas ações perante o Conselho Ultramarino, seja por via de uma articulação em que o fidalgo Lourenço de Brito Correa era suspeito de liderar. Após uma breve comparação entre as trajetórias de Lourenço e Óbidos e os serviços que ambos prestaram até o ano de 1663, entraremos novamente na discussão sobre o reaparecimento do título de vice-rei do Brasil com auxílio dos estudos sobre “Vice Reinados de Príncipes no Portugal dos Filipes” feitos por Fernando Bouza Alvares. Tal esforço foi necessário para melhor aprofundar o conteúdo simbólico desta titulação, especialmente no reinado de D. Afonso VI e explicar os desafios que estavam por traz da vinda de um vice-rei para a América. A recepção do segundo vice-rei entre as autoridades da Bahia e a situação da administração colonial revela um terreno de disputa e guardam estreitas relações com a conjuntura política vivenciada em Portugal após a saída de D. Luísa de Gusmão da Regência. O projeto político de D. Afonso VI e seu Valido era estabelecer uma verdadeira reforma no fazer administrativo da Colônia do Brasil e esta tarefa estava delegada ao Conde de Óbidos, ele representava a pessoa de “El Rei” e em seu nome efetuou mudanças radicais que trouxeram desagrado à elite da Bahia e conflitos posteriores. Entre repressão do crescimento de quilombos nas partes do recôncavo, reformas na estrutura dos prédios públicos de Salvador, alterações no cunho, valor e forma de distribuição da moeda entre as Capitanias do Brasil, a gestão de Óbidos é caracterizada pelo seu interesse em por fim a conflitos de jurisdição e normatizar as práticas administrativas do Brasil colonial. Ele produziu um Regimento e mandou que todos os seus subordinados aplicassem em suas Capitanias, os detalhes deste conjunto de normas e a tentativa de Óbidos centralizar as decisões do Brasil serão estudados neste capítulo. 12 O Conde Vice Rei tratou de garantir a sua governabilidade e tentou adquirir do Rei todas as preeminências que o Marquês de Montalvão e outros Governadores Gerais do Brasil tiveram, em contrapartida, o Conselho Ultramarino demarcava posição e lançava consecutivos pareceres ao Rei e ao Conde de Castelo Melhor informando as pretensões descabidas que Óbidos tentava adquirir, em especial o interesse de interferir no tradicional sistema de concessão da graça régia. Assim como Óbidos formulou um conjunto de normas para serem cumpridas, ele também deveria seguir as regras que limitava o poder de seu vargo. Um estudo detalhado do seu Regimento e as alegações que Óbidos fez para concessão dos mesmos direitos que tiveram seus antecessores elucida como o resgate do vice-reinado do Brasil entrava em rota de colisão com as tradições de governo Brigantino, principalmente quando enfocamos nossa análise nos pareceres emitidos pelo Conselho Ultramarino deste período. Se a justiça de Portugal obstruía as pretensões de Óbidos, a justiça do Brasil também fazia a sua parte. O Regimento dado ao Conde vice-rei garantia que ele estava autorizado a prover pessoas em cargos militares, políticos e jurídicos em vacância no Brasil, até que chegasse confirmação régia acerca do titular proprietário do posto ou pessoa indicada por ele para assumir a função. Saliente-se que tais serventias régias eram oriundas de mercês remuneratórias e para recebê-las era necessário um amplo sistema de averiguação dos papéis que legitimavam o proprietário e grande parte destas inspeções eram feitas na Bahia pelos funcionários régios erradicados neste local. Contudo, o vice-rei interferia na lógica de provimento dos cargos vagos quando nomeava pessoas de seu círculo social em detrimento de outras, estas atitudes motivaram sérios constrangimentos para com alguns magistrados da Relação da Bahia que não temiam escrever ao Rei e ao Conselho Ultramarino queixas sobre o comportamento político pouco respeitoso do segundo vice-rei: ele quebrava o protocolo de conduta que rezava seu Regimento, ameaçava seus inimigos de prisão, dentre outros expedientes rigorosos. Membros da Relação da Bahia e o Secretário de Estado Bernardo Vieira Ravasco denunciaram as ameaças que vinham sofrendo por criticar as pretensões de Óbidos, as justificativas dos opositores demonstram o contexto histórico em que o segundo vice-reinado do Brasil se inseria e as impossibilidades de se outorgar os mesmos privilégios que teve o Marquês de Montalvão no período Filipino. A pesquisa possibilitou-me investigar as denúncias de que Óbidos usava violentos expedientes para neutralizar seus inimigos na Bahia, sua trajetória política demonstra que ele teve alguns desentendimentos com autoridades ultramarinas subordinadas ao seu comando as quais 13 deveria demonstrar apreço e afabilidade. Se o temperamento político de Óbidos demonstrou-se pouco eficaz em sua primeira experiência como vice-rei da Índia, na América suas atitudes tomaram outro contorno e serão objeto de estudo deste capítulo. Os motivos para a prisão e envio de Lourenço de Brito Correa, seu filho e outros três Capitães de Infantaria para a prisão do Limoeiro serão apresentados ao final desta dissertação, entraremos no universo vocabular daqueles que experimentaram o século XVII para conhecer o significado de expressões que não mais se utilizam no vocabulário hodierno, mas faziam grande sentido no século XVII tais como: ranchos, bandorias, capitulações e pasquins. Estes vocábulos remetem a uma situação política tensa pois a habilidade da escrita adicionada a contatos políticos engendrados por autoridades da Bahia poderiam novamente destruir a imagem do conde de Óbidos como vice-rei e expulsá-lo do cargo. Apesar de ter expulsado seus principais opositores do Brasil e continuar governando, Óbidos teve que enfrentar outros desafios, os dois últimos anos de sua gestão é marcado pela passagem de um cometa, fenômenos extraordinários e uma epidemia de bexiga que assolou a cidade de Salvador e o recôncavo. A riqueza deste período e o protagonismo de Lourenço de Brito Correa e do Conde de Óbidos serão analisados nas páginas seguintes e este esforço pretende fornecer mais subsídios para compreender a cultura política engendrada na Bahia Seiscentista e as disputas deste tempo. Fontes Para atingir os objetivos deste trabalho foi necessário recorrer a um corpo documental diverso e heterogêneo, traçar a trajetória de Lourenço de Brito Correa e a teia de relações que ele constituiu na cidade de Salvador só foi possível após uma criteriosa análise da obra do Frei Antonio Santa Maria Jaboatão, seu Catálogo Genealógico das principais Famílias que procedem de Albuquerques e Cavalcantis em Pernambuco e Caramurus na Bahia é uma referência para o estudo da sociedade colonial em formação e foi a partir deste documento que pude obter informações essenciais sobre a vida e a descendência deste fidalgo nascido na Bahia. A denúncia feita por Lourenço por ocasião da Visitação do Santo Ofício na cidade de Salvador da baia de Todos os Santos, do Estado do Brasil, em 1619, foi uma meio de obter comprovação das informações dadas por Jaboatão como também alcançar alguns aspectos preciosos acerca da mentalidade deste homem da Bahia Seiscentista, assuntos de fé e moral sexual são levantados nesta denúncia e problematizados nesta dissertação. Os documentos manuscritos custodiados na Santa Casa de Misericórdia da Bahia também foram acessados e receberam um 14 tratamento específico, neles encontramos outras informações sobre Lourenço como doações feitas à irmandade e sua posição de destaque na hierarquia desta confraria. Obras como História Trágico-Marítima, de Bernardo Gomes de Brito (1688-1759); Nova Lusitânia ou História da Guerra Brazílica, de Francisco de Brito Freyre ( 1675); o Castrioto Lusitano ou História da guerra entre Brasil e a Hollanda durante os annos de 1624 a 1654, de Raphael de Jesus e a História da América Portuguesa, de Sebastião da Rocha Pita, foram trabalhos produzidos no século XVII que forneceram informações fundamentais para conhecer o protagonismo de Lourenço de Brito Correa durante as guerras de reconquista do Nordeste do Brasil, nestas obras encontrei registros de suas patentes militares e o roteiro de batalhas que travou, mas também percebi as relações políticas que este fidalgo construiu após o período de “guerra viva” contra a Holanda, seja na Bahia, seja no Reino. Frei Vicente do Salvador, Ignácio Accioli de Cerqueira e Silva, Fracisco Adolfo de Varnhagen e Robert Southey são outros estudiosos que também registraram a presença de Lourenço de Brito Correa na Bahia e deram especial atenção à sua integração na Junta de Governo entre os anos de 1641 e 1642. O trabalho de Afonso Costa publicado na Revista do Instituto Histórico Geográfico do Brasil merece um destaque entre as fontes consultadas, este autor foi um dos primeiros a dedicar atenção especial à vida de Lourenço de Brito Correa e sua trajetória política. No trabalho intitulado “Baianos de antanho (biografias)”, Costa também recorreu ao trabalho de genealogia feito por Jaboatão para elucidar a vinculação de Lourenço à família Caramuru, o autor enriqueceu seu estudo recorrendo a outros fundos documentais e apresentou a integração política de Lourenço no Brasil à luz de informações acessadas na Bahia e em Portugal. Contudo, este trabalho deve ser lido à luz do seu tempo, Afonso Costa apresentou uma visão negativa e bastante parcial acerca de Lourenço e da sua carreira como funcionário régio. Apesar de ter sido generoso ao ilustrar detalhes da presença e protagonismo deste fidalgo no Brasil e no Reino, o autor omitiu a origem de algumas das informações sobre Lourenço e não fez referencia a outros aspectos da sua vida que tivemos acesso no decorrer da pesquisa. Por fim, o trabalho de Felisbello Freire deve ser ressaltado, a partir dele tive mais informações sobre o fazendeiro Lourenço de Brito Correa e das terras que acumulou na Bahia por via da mercê régia, também pude conhecer um pouco mais do universo jurídico da época e o interesse que Lourenço tinha pelas partes do recôncavo da Bahia banhadas pelo Rio Paraguaçu. Para alcançar a vida e a carreira política de D. Vasco Mascarenhas no Reino e no Ultramar foi preciso recorrer ao mesmo instrumental da genealogia, contudo, deparei-me com um corpo 15 documental maior e mais detalhado que só foi possível compreender depois de conversas com especialistas e historiadores do século XVII. As obras do Padre Antonio Carvalho da Costa (1712), de Antonio Caetano de Sousa (1742-1745) e Felgueiras Gayo (1941) são trabalhos respeitados e que fundamentaram a pesquisa sobre a origem dos Mascarenhas, especialmente o protagonismo do Conde de Óbidos nesta família. Os trabalhos sobre a História de Portugal no pós-Restauração também evidenciaram a participação do Conde de Óbidos em cargos de comando dentro e fora do Reino: D. José Barbosa (1727); João de Barros (1781) e Francisco Maria Bordalo (1862) são autores que registraram os serviços prestados pelo Conde de Óbidos na Europa, na Ásia e na América ao longo do século XVII, especialmente os cargos de comando que ocupou nestas ocasiões. Outros trabalhos sobre a História de Portugal salientam a vinculação de Óbidos com a Casa Real Brigantina a exemplo do Conde da Ericeira e das Cartas do primeiro Conde da Torre, nestes trabalhos percebe-se o jogo político em que Óbidos estava envolvido e suas vinculações políticas em diferentes ocasiões. Para concluir esta apresentação geral das fontes arroladas nesta pesquisa, faz-se necessário mencionar os documentos digitalizados do Arquivo Histórico Ultramarino, constantes no catálogo Luísa da Fonseca e dispostos nos CD-ROM do Projeto Resgate. Os documentos respeitantes às capitanias do Rio de Janeiro, Paraíba, Pernambuco e Bahia foram consultados e estas fontes subsidiaram o terceiro capítulo desta dissertação, para isso foi necessário conhecer aspectos da escrita e da leitura no século XVII a partir do instrumental da paleografia e da diplomática, também utilizei a coleção de Documentos Históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e o trabalho de Marcos Carneiro de Mendonça intitulado “Raízes da Formação Administrativa do Brasil” para fundamentar as discussões sobre o modo de governo do Conde de Óbidos no Brasil e a legislação que respaldava sua conduta, bem como conhecer mais detalhes dos seus desentendimentos com a elite erradicada na Bahia. 16 CAPÍTULO I 1- Lourenço de Brito Correa: um herdeiro do Caramuru [...]Aos sete dias do mês de fevereiro de 1619 annos, em a Cidade de Salvador da Bahya de Todos os Santos, nas moradas do Inquisidor Marcos Teixeira, em audiencia da tarde, perante elle apareceu, sendo chamado, Lourenço de Brito Correa, christão velho, solteiro, de ydade de vinte e oito annos, pouco mais ou menos, natural desta cidade, filho de Sebastião de Brito Correa e sua molher Maria de Figueiredo, já defunctos, todos christãos velhos.8 O presente capítulo é dedicado à trajetória política de Lourenço de Brito Correa, um homem nascido em Salvador e bisneto da índia Paraguaçu e Diogo Alvares, o Caramuru. Não foi tarefa fácil conhecer a vida deste homem e seguir os passos que ele percorreu no Brasil e em Portugal, apesar do seu nome constar em muitas fontes do século XVII, a documentação encontrava-se dispersa em muitos fundos arquivísticos e boa parte dela sem transcrição paleográfica adequada. O prazeroso trabalho de leitura das fontes e diálogo constante com uma historiografia interessada nos conflitos que permeavam o universo político da Bahia do século XVII possibilitoume aprofundar alguns detalhes do cotidiano compartilhado por este proprietário de terras e escravos da Bahia que, por desavenças políticas, cruzou o Atlântico algumas vezes e viu a cidade de Lisboa pelas grades da prisão do Limoeiro. Foi nesta cadeia o lugar onde Lourenço morreu, no ano de 1665, já septuagenário e apenas com seu filho mais velho a velar seu cadáver. Lourenço de Brito Correa foi objeto de alguns estudos da historiografia baiana, Pedro Calmon e Afonso Costa foram os primeiros a apresentar uma investigação consistente sobre a sua origem familiar e atividades políticas que exerceu na Bahia Seiscentista, tais autores tornaram-se fundamentais para levar à cabo esta pesquisa, eles ilustram o contexto político da época e indicam fontes e bibliografias que permitiu-me desenhar o itinerário que Lourenço percorreu e atividades que exerceu ao longo da sua carreira na Bahia. A teia de relações em que este fidalgo9 estava envolvido permitiu também perceber os posicionamentos que ele manifestou em diferentes conjunturas políticas, bem como as posses acumuladas e cargos de comando que exerceu ao longo da sua vida. Assim, consegui reunir subsídios suficientes para vislumbrar o contexto político vivenciado na cidade de Salvador, na década de 1660 e localizar a participação deste homem num suposto motim por ele liderado com 8 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Portugal (PT) – Torre do Tombo (TT) - Tribunal do Santo Ofício (TSO) – Inquisição de Lisboa (IL) / 038/0784. "LIVRO [2.º?] DAS DENUNCIAÇÕES QUE SE FIZERAM NA VISITAÇÃO DO SANTO OFÍCIO NA CIDADE DO SALVADOR DA BAÍA DE TODOS OS SANTOS, DO ESTADO DO BRASIL". disponível em: http://digitarq.dgarq.gov.pt/details?id=2318687 9 Filho, & de Algo, palavra castelhana, que em Portuguez significa alguma cousa. Ao homem cavalheiro deuse este nome, para se dar a entender, que seus pays tem herdado Algo, ou alguma cousa, de que se póde prezar, como nobreza de sangue, ou rendas, & fazenda considerável, porque Algo também significa cousa de valor. Ver: op. cit. BLUTEAU, D. Raphael. Vocabulario Portuguez e Latino. Vol. 4. 1728. p.107. 17 vistas a expulsar o segundo Vice Rei do Brasil do seu cargo. A transcrição que consta na epígrafe deste capítulo é o trecho de um documento produzido pelo Santo Ofício da Inquisição quando da sua segunda passagem pelo Brasil, este registro evidencia informações sobre os dados pessoais deste homem. Em 1619, Lourenço dizia ter [...] ydade de 28 anos, pouco mais ou menos, portanto, é provável que ele tenha nascido por volta de 1590, na cidade de Salvador. O trecho também destaca que ele pertencia a uma família importante e seus descendentes eram auxiliares do projeto de conquista e colonização do território da Bahia, iniciado pelo Reino de Portugal desde o século XVI. Antes de aprofundar mais sobre esta denúncia, é preciso ressaltar que o fidalgo Lourenço teve o privilégio de nascer numa família proprietária de terras, cargos administrativos e militares: Sebastião de Brito Correa10, seu pai, ajudou a construir o Forte de Santo Antônio, atesta esta informação uma carta patente que lhe deu o posto de Capitão, escrita em 27 de maio de 1598. Sebastião casou com uma das mulheres mais cobiçadas da Capitania da Bahia, seu nome era Maria de Figueiredo Mascarenhas, neta de Catarina e Diogo Álvares, o Caramuru.11 É provável que Lourenço de Brito Correa tenha sido batizado na ermida que a sua bisavó mandou construir em louvor a Nossa Senhora da Graça, posteriormente doada ao Mosteiro de São Bento da Bahia. A mãe de Lourenço morreu no dia 14 de janeiro de 1602 e Sebastião de Brito Correa faleceu em 19 de fevereiro de 1608. Apesar de ter ficado órfão aos dez anos, o menino Lourenço foi acolhido por suas irmãs mais velhas, Apolônia de Siqueira de Brito e Felipa de Brito. Era o primeiro varão que nasceu naquela família e por isso herdeiro legítimo das mercês régias e propriedades adquiridas por seu pai e sua mãe, Lourenço tinha mais dois irmãos caçulas: Joana Correa, que com ele adquiriu muitas terras na Bahia e João de Brito Correa, seu parceiro de batalhas e negócios, todos nascidos em Salvador.12 O Frei Santa Maria de Jaboatão mencionou uma compra feita no ano de 1603 de [...] fazendas de cana ligadas ao engenho do Conde, pagas por Sebastião de Brito Correa.13 A transmissão destes domínios fora dada em benefício de seu primeiro filho, Lourenço de Brito 10 CALMON, Pedro. Introdução ao Catálogo genealógico de famílias ilustres da Bahia, por Frei Santa Maria Jaboatão, Bahia: EGBA, 1985, p.235. 11 Para mais detalhes sobre as diferentes abordagens acerca da primeira família do Brasil e os pormenores da vida de Catarina Paraguaçu e Diogo Alvares ver: PARAISO, Maria Hilda Baqueiro. “A visão Indígena e Portuguesa da descoberta do Brasil: a formação da 1ª família brasileira.” In: Revista da Fundação Pedro Calmon. Salvador: Centro de Memória da Bahia. Volume 5,2000. p.79-96. 12 Os detalhes da genealogia de Lourenço de Brito Correa, bem como alguns detalhes da sua trajetória política foram tratados em um texto apresentado em 1952 por Afonso Costa por ocasião do 2º Congresso de História da Bahia. Com base em suas informações temos conhecido mais detalhes da biografia deste baiano. Ver: COSTA, Afonso. “Baianos de Antanho (Biografias).” In: RIHGB, vol. I, 1955, p.303-310. 13 Op. Cit. CALMON, Pedro. 1985, p. 235. Ver também: Documentos Históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (DHBNRJ), v. 62, p.291. 18 Correa, saliente-se que a região do “engenho do Conde” situava-se no fértil recôncavo da Bahia14, local de terra massapê e banhado pelo Rio Paraguaçú. Sua família era uma antiga proprietária de terras e escravos neste pólo estratégico de produção da cana-de-açúcar e seus subprodutos, cultivados em imensas propriedades e vendidos ao mercado europeu. Estas fazendas de cana registradas por Jaboatão não foram as únicas posses que Lourenço de Brito Correa legou de seus antepassados, a mais emblemática propriedade deste fidalgo encontra-se registrada em um documento custodiado pelo Mosteiro de São Bento da Bahia. O manuscrito atesta o traslado da carta de sesmaria, concedida por mercê régia a Diogo Álvares, [...] avô de Lourenço de Brito Correa, de terras circunvizinhas à ermida da Senhora da Graça, que deixou este ao convento com a dita ermida.15 a data referenciada por Jaboatão foi 20 de dezembro de 1636. O próprio Lourenço de Brito Correa declarava-se: [...] fidalgo da casa de sua majestade, que é verdade que por esta doação entre vivos, pela devoção que tenho a virgem Nossa Senhora da Graça, como meus mais bisavós e avós e pais tiveram sempre à dita Senhora, onde está enterrada minha bisavó na mesma capela a qual dôo (...) conforme as cartas de sesmaria que meu avô o Senhor Diogo Alvares e minha 16 bisavó Catarina Alvares houveram de sesmaria dos governadores. Afonso Costa apresentou uma data anterior a que Jaboatão fez referência, afirmando que Lourenço de Brito Correa doou tais terras aos beneditinos e registrou-as em cartório no dia 08 de setembro de 1628, veremos outras propriedades acumuladas por este fidalgo oportunamente. 17 A infância de Lourenço na cidade da Bahia foi como a dos demais meninos ricos de sua época, inserir os primogênitos nos estudos formais era um cuidado que os pais tinham para com seus sucessores, afinal, eram eles os próximos a administrar e ampliar o patrimônio construído ao longo das gerações e manter as honrarias e privilégios recebidos por mercê régia aos seus descendentes. O Colégio da Companhia de Jesus na Bahia, seguia as normas do Colégio de Évora e tinha como inspiração o método da Ratio et Instituto Studiorum - manual pedagógico jesuíta, escrito em finais do século XVI e fundamentado na teologia escolástica tardia de inspiração tomista principal referência no ensino europeu.18 Entre rosários e novenas, este bisneto do Caramuru aprendeu com os padres jesuítas a ler e a escrever as primeiras palavras, conheceu Latim, Gramática e Retórica, essenciais para o desempenho nos cargos administrativos que ocupou quando mais velho. Uma das áreas que 14 Recôncavos eram as enseadas que se formavam ao fundo da Baía de Todos os Santos, abrangendo as terras circunvizinhas a estes locais como mangues, baixios, serras e tabuleiros, sobre o assunto verificar: MATTOSO, Kátia M. de Queiroz. Bahia: A cidade de Salvador e seu mercado no século XIX. São Paulo: Hucitec; Salvador: Secretaria Municipal de Educação e Cultura, 1978, p.10. 15 Op. Cit. CALMON, Pedro.Catálogo Genealógico. 1985, p. 235. 16 Op. Cit. COSTA, Afonso. Baianos de Antanho (Biografias), p 303. 17 Idem p. 304. 18 CALÓGERAS, J.P., Os Jesuítas e o ensino, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1911, p.11. 19 Lourenço demonstrava interesse era a matemática, isto se comprova pela sua afinidade com números ao exercer a Provedoria Mor da Fazenda Real do Estado do Brasil, em 1663. Além de cálculos, também aprendeu as técnicas de memorização e repetição, estratégias de aprendizagem utilizadas pelos padres jesuítas residentes em Salvador e responsáveis pela educação dos jovens daquela época, assim, é provável que Lourenço tenha recitado os poemas de Camões, lido hagiografias e romances de cavalaria escritos pelos autores lusófonos e castelhanos de sua época.19 Não podemos esquecer que a educação na Bahia do século XVII estava impregnada pelas diretrizes do Concílio de Trento,20 o menino Lourenço foi educado dentro de um clima de perseguição direta contra os judeus, chamados de cristãos-novos, bem como a mouros e ciganos, hereges e bruxas que partilhavam a mesma cidade tão heterogênea (e heterodoxa) como era a Salvador do século XVII. Como cristão velho e seguidor da política tridentina, ele conhecia com detalhes os dogmas de fé e as tradições litúrgicas da Igreja Católica contidas no Catecismo, cujo teor havia sido traduzido para a língua brasílica em 1618, pelo padre Antônio de Araújo.21 Uma das ações mais conhecidas que a Igreja Católica deflagrou após o Concílio de Trento para coibir o crescimento de hereges e outros inimigos da fé, foi a instituição do Tribunal da Santa Inquisição. Por isso, retomarei a análise da denúncia feita por Lourenço de Brito Correa ao Inquisidor D. Marcos Teixeira, a partir dela podemos ter uma noção mais precisa do quanto a formação religiosa de Lourenço influenciou em suas posições quando adulto. Ele estava atento às práticas heterodoxas que alguns moradores de Salvador apresentavam e manifestou desconfiança para com o comportamento dos descendentes de nação infecta”22 que com ele disputavam a vida política e econômica na cidade de Salvador e recôncavo da Bahia. Em 1619, encontramos Lourenço de Brito Correa aos vinte e oito anos de idade ostentando a patente de capitão, herdada do pai. Dizia ele que estava em companhia do seu irmão caçula, João de Brito Correa e juntos apreciavam uma movimentação que ocorria nas proximidades de sua casa, situada na rua de Nossa Senhora da Ajuda. Os moradores daquela freguesia estavam [...] vestindo huas figuras dos doze apóstolos para 19 Mais aspectos da educação religiosa promovida no período colonial em: VILLALTA, Luiz Carlos. O que se fala e o que se lê: língua, instrução e literatura. In: NOVAIS, Fernando A. (dir.) História da vida privada no Brasil. Cotidiano e vida privada na América Portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p.332-385. Abordarei outros aspectos do pensamento científico produzido no Brasil Seiscentista ao final do terceiro capítulo. 20 REYCEND. João Baptista. O Sacrossanto e Ecumênico Concilio de Trento. Em latim e português: dedicada e consagrada aos excelentíssimos e reverendíssimos senhores Bispos da Igreja Lusitana. Tomo I, Lisboa, Officina Patriarchal de Francisco Luis Ameno, 1781. 21 ARAÚJO, Pe. Antônio de. Catecismo na Língua Brazílica. Reprodução fac-similar da 1ª edição, Rio de Janeiro: PUC-RJ, 1952. 22 A sociedade colonial baseava-se, assim como na Europa, em critérios raciais e sociais para diferenciar os indivíduos e enquadrá-los na complexa hierarquia que estavam submetidos. As chamadas nações "infectas" eram os mouros, turcos, árabes, negros, judeus, e seus descendentes não católicos ou de origem não católica. Ver: NOVINSKY, Anita. Cristãosnovos na Bahia, São Paulo: Perspectiva, 1972. 20 o cenáculo de quinta feira de Endoenças23, tal atividade fazia parte das celebrações que ocorriam durante a Semana Santa, esta expressão de fé e devoção católica foi entendida por Flexor como um verdadeiro espetáculo teatral a céu aberto, encenado nas ruas da cidade da Bahia, em grande pompa barroca.24 O apelo sensorial das imagens de vulto foi mais um artifício litúrgico forjado pelo catolicismo ibérico e transplantado para a América, este recurso era utilizado especialmente durante as celebrações que antecediam a Páscoa e tinha o objetivo de remontar o clima dramático vivido por Jesus Cristo antes de ser crucificado. O evento era obrigatório para todo cristão presente na freguesia e o cortejo era realizado à noite, acompanhado por tochas e fumaça de incenso. Podia-se ouvir ladainhas entoadas por mulheres ajoelhadas e batendo no peito como manifestação de arrependimento, as imagens de Jesus, de Maria e dos apóstolos eram talhadas em madeira com grande expressividade e vestidas de roxo, cor predominante no tempo litúrgico da quaresma, o espetáculo de cheiros, cores e sons estimulava a fé e a veneração dos moradores.25 A decoração prévia das imagens de vulto eram ocasiões de confraternização para os vizinhos da Igreja da Ajuda26, os moradores se reuniam para vestir as imagens de vulto, decorar os andores e retocar as alfaias, todavia, nem tudo era descontração naquele dia: quatro cristãos-novos que também se faziam presentes na ocasião, proferiram palavras pouco adequadas para o momento e foram ouvidas pelo cristão-velho [...] capitão e morador nesta cidade27 Lourenço de Brito Correa. Ele lembrou o nome dos tais cristãos-novos que, em plena quinta feira santa de 1618, [...] estavão zombando cõ as ditas figuras dos apóstolos, que eram de vulto.28 De acordo com seu depoimento, os zombeteiros eram [...] da nasção e pessoas conhecidas estantes nesta Cidade.29 O fidalgo nascido na Bahia guardava detalhes daquele dia, afirmou que o cristão novo Duarte Alvares Ribeiro, [...] olhando para a figura de São Pedro, disse: [...] olhai as barbas deste, como beberia no tempo que andava na barca.30 Talvez os quatro cristãos-novos não tivessem percebido que, dentro da mesma Igreja, o 23 op. cit. ANTT, PT-TT-TSO-IL/038/0784. p. 243. FLEXOR, Maria Helena Ochi. Procissões na Bahia : teatro barroco a céu aberto . In: Barroco: Actas do II Congresso Internacional. Porto: Universidade do Porto. Faculdade de Letras. Departamento de Ciências e Técnicas do Patrimônio, 2003. 25 Sobre as procissões realizadas na Bahia durante o período Colonial ver: CAMPOS, João da Silva. Procissões tradicionais da Bahia. Salvador: Secretaria de Cultura e Turismo, Conselho Estadual de Cultura, 2ª ed. 2001. Agradeço a professora Ione Celeste de Jesus Sousa pela indicação deste trabalho. 26 “Igreja de Nossa senhora da Ajuda com quatro braças e um palmo de frente correndo ao rumo noroeste a sudeste, a casa de sacristia tem frente para a rua, por detrás do mesmo tempo sita a freguesia de S. Salvador.” Ver: FREIRE, Felisbello. História Territorial do Brasil, Vol.1 (Bahia, Sergipe e Espírito santo). Rio de janeiro: Typographia do Jornal do Commercio. 1906, p. 441. 27 op. cit. ANTT, PT-TT-TSO-IL / 038/0784, p. 243 28 idem, p. 243. O nome dos cristãos-novos denunciados por Lourenço eram: Duarte Alvres Ribeiro, Duarte Fernandes, André Lopes de Carvalho e Luis Alvres. 29 idem, p. 243 30 Idem, p. 244 24 21 jovem Lourenço e seu irmão estavam a ouvir, escandalizados, tais palavras serem pronunciadas por um conhecido descendente de nação hebraica e morador daquele local. Insinuar que o primeiro Papa era adepto de bebida quando ainda exercia a profissão de pescador, foi interpretado como blasfêmia pelo cristão velho Lourenço de Brito Correa, ele foi criado em uma doutrina rigorosa e dava muita atenção a determinadas expressões ditas em público, principalmente quando o conteúdo das palavras ofendia a Deus ou a Igreja e eram pronunciadas por judeus, era seu dever, enquanto cristão velho, resguardar a ortodoxia da fé católica. Lourenço também citou outras testemunhas que presenciaram este episódio e poderiam confirmar sua versão diante do Inquisidor. Quando perguntado se os homens que zombavam das imagens estavam em seu juízo perfeito, o Capitão Lourenço disse que [...] lhe parecia que não por falta de juízo, mas por falta de zelo e de boa christandade zombavam os homens da nasção das sobreditas figuras e imagens e ele testemunha se escandalizara muito disso.31 Lourenço também afirmou que outro cristão velho, chamado Hieronimo Ferreira, armador de Igrejas e morador em Salvador, também ouviu a zombaria proferida, contudo, nenhum dos presentes naquela ocasião reprimiu de imediato os impropérios, justificando que [...] em semelhante gente não se estranhava tais desaforamentos.32 A denúncia feita ao Inquisidor D. Marcos Teixeira prossegue tratando da vida privada e do comportamento sexual de outros homens de posse que habitavam os casarões da cidade de Salvador. Novamente o alvo da acusação de Lourenço tinha origem israelita, era [...] meio xpão novo por parte de seu pay, casado e morador nesta Bahya e senhor de quatro Engenhos, 33 chamava-se Pero Garcia e, conforme o depoimento, um rico negociante. Lourenço denunciava que Pero Garcia [...] comettera pecado nefando de sodomia cõ um mullato por nome Joseph que creara em sua casa e nella o tinha ainda hoje”34, afirmou ainda que este cristão novo havia cometido [...] o mesmo peccado nefando35 com [...] hum moço chamado Gaspar, natural de Viana, sobrinho de hú João Alvares, ambos seus creados.36 Devemos destacar que todos as testemunhas arroladas por Lourenço de Brito Correa eram cristãos-velhos como ele, residentes em Salvador e antigos empregados do descendente de judeu, Pero Garcia.Diante destas duas denúncias, podemos concluir que Lourenço era mais um homem do século XVII que tinha restrições quanto a presença de judeus e seus descendentes no Brasil e 31 idem, p. 245 idem, p. 246 33 Idem. Pero Garcia era natural da Ilha de São Miguel e meio cristão novo pela parte do seu pai. 34 idem 35 Sobre práticas sexuais na Colônia e a perseguição Inquisitorial contra as heterodoxias existentes no Brasil ver: VAINFAS, Ronaldo. Moralidades brazílicas: deleites sexuais e linguagem erótica na sociedade escravista. In: NOVAIS, Fernando A. (dir.) História da vida privada no Brasil. Cotidiano e vida privada na América Portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p.222-273. 36 op. cit. ANTT, PT-TT-TSO-IL / 038/0784, p. 247 32 22 demonstrava preocupação quanto ao aumento das posses deste grupo de pessoas na Bahia. Não cabe aqui analisar os detalhes da apuração feita pelo visitador do Santo Ofício, nem o destino dos citados nesta denúncia, contudo, note-se, contudo, que todos os homens arrolados neste processo eram homens da “nasção” com reconhecido patrimônio financeiro, por isso competidores do disputado comércio do açúcar na Bahia Seiscentista. Caso a denúncia fosse julgada procedente pelo Inquisidor D. Marcos Teixeira, os denunciados seriam presos e teriam os seus bens confiscados, os familiares destes seguidores da Torá também sofriam os constrangimentos e violências típicas deste clima de desconfiança e denuncismo que vigorou na Bahia durante todo o século XVII. A vida privada dos cristãos-novos moradores da cidade de Salvador foi devassada pela passagem do Santo Ofício até o início da década de 1620, muitos dos que residiam na Bahia tiveram seus bens sequestrados, também foi numeroso o contingente de pessoas acusadas de sodomia e bruxaria expulsas da cidade de Salvador e embarcadas à força para os cárceres secretos da Inquisição de Lisboa para serem julgadas pelo Santo Ofício.37 2- Lourenço de Brito Correa e sua desenvoltura nas guerras de defesa de Salvador. Todo este clima de perseguição a cristãos-novos erradicados na Bahia apontam uma conexão direta com as invasões holandesas à Cidade de Salvador, nos anos que seguiram a década de 1620. Muitos proprietários de engenhos de cana no Brasil eram, secretamente, seguidores do judaísmo e eles driblavam o aperto fiscal para garantir a estabilidade dos seus lucros investindo dinheiro em bancas da Antuérpia, Flandres e Amsterdã. Estas cidades não só recebiam dividendos dos cristãosnovos do Brasil como acolhiam refugiados da opressão antissemita que grassava na Europa Seiscentista e tornaram-se foco de oposição política e militar contra a Espanha, principalmente após o acordo das Províncias Unidas, assinado em Ultrecht (1579). Em Amsterdã existia sinagoga, mesquita, além de outros templos erguidos pelas denominações cristãs protestantes, a liberdade de culto era respeitada nas cidades neerlandesas que resistiram à hegemonia Filipina e a força deste exército aumentou quando a Inglaterra e a França entraram na disputa pelo mercado da América. Foi com investimento dos senhores de engenho e negociantes judeus erradicados no Brasil e na África, mas também com o auxílio dos mercadores protestantes espalhados pela Europa, que o exército batavo enfrentou a dinastia católica dos Habsburgos. O Rei espanhol estava decidido em isolar os cristãos-novos da vida política e tinha total apoio do Sumo Pontífice; por acolher judeus e 37 Sobre a punição aplicada e a metodologia da perseguição e apreensão dos bens dos cristãos-novos de Portugal e do Brasil, conferir o livro de PIERONI, Geraldo. Banidos: A Inquisição e a lista de Cristãos-novos condenados a viver no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2003. 23 pessoas contrárias à Igreja Católica, todos os holandeses eram considerados hereges pela Inquisição, negociar com tais pessoas tornava-se agressão direta a Deus, ao Papa e ao Rei da Espanha. Mesmo amaldiçoados pelo Bispo de Roma e combatidos pelo numeroso exército da Casa da Áustria, a República das Províncias Unidas enfrentou a concorrência econômica e ideológica formando a West Indisch Compagne (WIC), em 1621. Para além de ser uma organização comercial que entrou na disputa do mercado internacional de cana-de-açúcar, escravos e especiarias, este agrupamento tornou-se um dos mais bem aparelhados exércitos nos Seiscentos. Luis Henrique Dias Tavares apontou dois momentos distintos para explicar a relação do Brasil com a Holanda. Até 1580, os portos de Lisboa recebiam navios neerlandeses abarrotados de pólvora, tecidos e armas, em contrapartida, os holandeses compravam sal, cortiça, azeite, bacalhau, mas também o marfim da África e o açúcar do Recôncavo da Bahia.38 O autor ressaltou que a partir da União Ibérica (1580-1640), as relações comerciais com Portugal estiveram submetidas às ordens de Madri e o comércio com a Holanda foi interrompido. A dinastia Filipina era incentivada pela Igreja Católica para continuar a conquista da América, fazendo isto, a benção do Papa estava condicionada ao cumprimento de acordos, um deles era o compromisso dos Habsburgos em coibir o crescimento da heterodoxia no Brasil, por isso os sacerdotes e pessoas associadas ao Santo Ofício eram os responsáveis pela fiscalização dos costumes e referendavam a perseguição dos muitos cristãos-novos erradicados na Bahia. Este clima de instabilidade interrompeu o fluxo de dinheiro enviado por estes negociantes do Brasil para os Países Baixos, esta situação se torna mais aguda quando o Rei Filipe II proíbe a entrada de embarcações holandesas nos portos da Península Ibérica, América, África e Ásia, excluindo assim a Holanda do comércio internacional. O Conselho dos XIX, colegiado diretivo da WIC, escolheu o nordeste do Brasil para iniciar as investidas, ali se encontrava as maiores fazendas de cana-de-açúcar, além de ser o principal centro administrativo, político e econômico da América Portuguesa Seiscentista. Para termos uma noção mais detalhada da importância da cidade de Salvador no século XVII, Luis Henrique Dias Tavares informa que a Bahia abrigava [...] trinta e seis engenhos de açúcar, cerca de dois mil proprietários e lavradores de cana e mandioca, quatro mil escravos africanos e seis mil índios cativos.39 O ano de 1624 foi marcado pela primeira e bem sucedida invasão à Cidade de Salvador, perpetrada pelo exército holandês. A empreitada tinha o objetivo de sitiar o centro administrativo e político da América e a partir daí dominar progressivamente as terras do Brasil. Nesta ocasião, Lourenço de Brito Correa contava trinta e quatro anos de idade e deixou de lado seus negócios para 38 39 TAVARES, Luis Henrique Dias. História da Bahia, São Paulo: UNESP/ Salvador, Ba: EDUFBA, 2001, p.133. idem. p. 134. 24 pegar em armas e ajudar a reconquistar a cidade que nasceu. Vimos anteriormente a formação intelectual de Lourenço, saliente-se então outros conhecimentos que ele adquiriu ao longo da sua trajetória, não bastava ter desenvoltura nas letras em uma época de invasões estrangeiras e ameaça iminente de perder o domínio do espaço Colonial. Como outros homens ricos da Bahia Seiscentista, Lourenço andava à cavalo para percorrer suas fazendas, sabia atirar e estava sempre portando alguma arma, também conhecia algumas estratégias de combate, próprias para o Brasil: por ser filho de militar, Lourenço era habilidoso nas as táticas de guerra forjadas por brasílicos, africanos e europeus que combatiam nas mesmas tropas durante décadas de convívio, a trajetória deste fidalgo e sua participação nos conflitos ocorridos em Salvador entre os anos de 1624 e 1625, justificam o tratamento de capitão que recebeu nos anos posteriores. Na madrugada de 9 de maio de 1624, as embarcações de Holanda podiam ser vistas pelos fortes que resguardavam a Baía de Todos os Santos, eram vinte e quatro navios de grande porte trazendo[...] quinhentos canhões, mil e seiscentos marinheiros e mil e setecentos soldados holandeses, ingleses, irlandeses, escoceses, galeses, poloneses.40 Enquanto o Comandante Piet Heyn ordenava que seus soldados subissem as íngremes ladeiras que davam acesso a Salvador, os poucos defensores se abrigavam nos Baluartes que defendiam as entradas e respondiam com flechas, bacamartes e lanças. A resistência era necessária para que os moradores recolhessem seus pertences mais valiosos e abandonassem as casas para salvar as suas vidas, apesar de armados e prontos para resistir, todos se evadiram de suas vivendas para preparar a resistência com mais cuidado.41 Lourenço foi testado e elogiado pelos comandantes desta época e sua desenvoltura pode ser constatada a partir da leitura das crônicas do século XVII, nelas podemos perceber o protagonismo deste fidalgo em ocasiões que ficaram marcadas na memória dos habitantes da Bahia por muitos anos.42 A armada de socorro enviada pela Espanha para restaurar a cidade de Salvador teve o 40 idem Idem, ver também: LENK, Wolfgang. Guerra e pacto colonial: exército, fiscalidade e administração da Bahia (1624-1654). Tese de Doutorado. UNICAMP, 2009, p 24. 42 É mencionado como Capitão dos Aventureiros em: SALVADOR, Vicente do. Historia do Brazil. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1889, p. 100;142. Outras informações sobre a participação de Lourenço de Brito Correa nas guerras de reconquista da cidade de Salvador como um dos seis comandantes de companhias de soldados, liderados pelo Bispo D. Marcos Teixeira, são vistas em: RIHGB. Tomo V, 1843, p.507. Ver também o seu protagonismo e as comendas recebidas pelo Rei Felipe IV após a reconquista da Cidade de Salvador em FREYRE, Francisco de Brito. Nova Lusitania: história da guerra brasílica. Lisboa: Oficina de Joam Galram, 1675, p. 460. Sobre as contendas existentes entre Lourenço de Britro Correa e o governador Diogo Luis de Oliveira, em 1631, por conta de provimento de cargos militares, ver: op. cit. LENK, Wolfgang. Guerra e pacto colonial: exército, fiscalidade e administração da Bahia (1624-1654).2009, p 226. Pedro Calmon informa que : [...] Há na Biblioteca da Ajuda (Lisboa) queixa de Lourenço de Brito Correa de “vexações, opressões públicas, injustiças e roubos que Diogo Luis de Oliveira, governador do Brasil, cometeu naquele Estado. Ver: op. cit: CALMON, Pedro. História do Brasil, Vol 2, 1971. p 259. 41 25 comando de D. Fradique de Toledo e compunha vinte e oito navios espanhóis e sete portugueses, eles recuperaram Salvador em maio de 1625. Após a expulsão dos holandeses, o Rei da Espanha ofereceu condecorações aos que auxiliaram no livramento da cidade da Bahia, Pedro da Silva, Governador em exercício, recebeu o título de Conde de São Lourenço; o comandante Conde de Banholo recebeu uma comenda extraordinária na Itália, por fim, foram agraciados com condecorações de comendadores Luiz Barbalho Bezerra, D. Fernando de Londonha, Heitor de La Cache, Pedro Cadena de Vilhassanti e Lourenço de Brito Correa.43 Uma informação importante sobre o destino que teve Lourenço, após a primeira invasão dos Holandeses à cidade de Salvador, pode ser constatada nas palavras de Afonso Costa: [...] segundo se infere de provisão ao seu respeito expedida, Lourenço estivera algum tempo em Portugal, ufano de vitórias, manutenido dos recursos financeiros que o abasteciam, e de lá, em 1637, se embarcou para a Bahia, numa caravela de socorro, com infantaria e munição, onde, tanto que chegou (no Brasil), agregando-se ao exército de Pernambuco, alojado em Sergipe, se retirou com ele para a Bahia de Todos os Santos. 44 A WIC manteve a estratégia de assediar o nordeste do Brasil, em 1630 os batavos já tinham o controle da capitania de Pernambuco e tal façanha era comemorada nos Países Baixos, em 1631, um segundo reforço foi enviado por Madri para auxiliar as tropas do Brasil, desta vez o comandante era o general D. Antonio Oquendo, mesmo assim a persistência dos holandeses continuava às custas da vida de pessoas e muitos mantimentos. A terceira armada de socorro enviada ao Brasil chegou em 1635, sob o comando de D. Lope de Hoces, estava aparelhada com dois galeões espanhóis e quatro portugueses que resguardavam vinte e dois navios mercantes abarrotados de soldados e mantimentos necessários para a continuidade da peleja no Nordeste do Brasil.45 Em uma carta escrita pelo Governador Pedro da Silva, a 12 de junho de 1638, nota-se a participação de Lourenço no custeio da guerra contra os holandeses que atacaram Salvador, nesta comunicação, o mandatário do Brasil ressaltava o cuidado que Pedro Cadena de Vilhassanti teve para com os mantimentos da guerra e dos empréstimos que fizeram o Bispo D. Pedro da Silva Sampaio e Lourenço de Brito Correa para a Restauração de Pernambuco. 46 Ao perceber o perigo de uma segunda invasão da cidade de Salvador pelo exército 43 SILVA, Ignácio Accioli de Cerqueira e. Memórias históricas e políticas da província da Bahia. Tomo I, Bahia: Typographia do Correio Mercantil de Precourt, 1835, p. 100. 44 op.COSTA, Afonso. Baianos de Antanho (Biografias), RIHGB, 1955, p.306. Este trecho é a única referencia que encontrei, até o momento, que menciona a passagem de Lourenço de Brito Correa pela Europa e seu retorno para o Brasil como um dos tripulantes da Armada de socorro liderada pelo Conde da Torre, todavia, Afonso Costa não deixou informações sobre a tal provisão expedida, nem indicou a data da mesma. Pedro Calmon atesta sua presença na Bahia em 1638 e seu protagonismo na defesa da cidade sitiada pelas tropas de Mauricio de Nassau, ver: op. cit. CALMON, Pedro. História do Brasil, Vol.2 (sec XVI-XVII). p. 617; 619. 45 Op.cit. LENK, Wolfgang. Guerra e pacto colonial: exército, fiscalidade e administração da Bahia (1624-1654). 2009, p 124; 46 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), fundo Luiza da Fonseca (LF), CX: (inexistente), Doc: 811. Ver também: AHU, LF, Cx.7, Doc. 799, 12/06/1638 26 neerlandês, o Duque de Olivares aconselhou que o Rei reunisse mais esforços para a quarta mobilização de navios e soldados em socorro daqueles que enfrentavam as tropas batavas instaladas no Brasil, desde 1624. O militar D. Fernando Mascarenhas, o Conde da Torre, foi o homem destacado para comandar esta missão. Os documentos que informam detalhes do planejamento desta grande ofensiva, os recursos utilizados, os militares envolvidos e os conflitos oriundos deste período podem ser encontrados nas “Cartas do 1º Conde da Torre”,47 a transcrição das comunicações enviadas e recebidas por D. Fernando Mascarenhas e por outros militares que fizeram parte da armada de Socorro do Brasil entre os anos de 1637 a 1640 são meios possíveis para desenhar, com mais nitidez o protagonismo de Lourenço de Brito Correa e do Conde de Óbidos nesta ocasião. A Câmara da Bahia esperava a quarta armada de socorro prometida pela Espanha e resistiam às privações daqueles dias, os fazendeiros forneciam mantimentos para os combatentes que enfrentavam o exército de Maurício de Nassau e amargavam consecutivas perdas na produção de cana. O Conde da Torre era um nobre de reconhecida experiência militar na Corte de Madri, membro do Conselho de Estado do Rei Felipe IV e estava incumbido de organizar o exército que iria expulsar os holandeses do Brasil, carregava consigo o título de Capitão General da Armada do Occeano48 e, quando saiu de Castela, avisava ao Rei que o Conde de Óbidos o acompanhava, cumprindo a função de General de Artilharia naquela armada de socorro. Os investimentos em armas, soldados, mantimentos e embarcações para retomar o controle do Nordeste do Brasil foram ameaçados pelos consecutivos problemas que o Conde da Torre enfrentou antes da viagem, durante o trajeto transatlântico e ao chegar à cidade de Salvador, acompanhemos.49 Após sair da Península Ibérica e atravessar boa parte do Oceano, o Conde da Torre ordenou que a armada aportasse nas ilhas de Cabo Verde, já era dia 16 de outubro de 1638 e ali desembarcaram mil soldados doentes, some-se a este contingente outros tantos que permaneceram naquele local para se curar e terminaram adquirindo varíola, epidemia que grassava aquelas ilhas. Quando o reforço de navios espanhóis aportou em Cabo Verde, no dia 5 de novembro de 1638, constatou-se a baixa de 475 homens e mais 1214 militares doentes. Embarcações espanholas e portuguesas, comandadas pelo português D. Fernando Mascarenhas, Conde da Torre, saíram da África no dia 29 de novembro de 1638 em direção ao Nordeste do Brasil, abarrotada de tripulantes enfermos. A armada de socorro chegou à Bahia no dia 19 de janeiro de 1639, depois de navegar 47 MIRANDA, Susana Münch. SALVADO, João Paulo (orgs.) Cartas do 1.º Conde da Torre, 4 vols. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001. 48 Op. cit. MIRANDA, Susana Münch. SALVADO, João Paulo (orgs.) Cartas do 1.º Conde da Torre, 2001. p. 67. 49 [...] Forão ao todo dez mil os que embarcaram nessa frota formidável, 33 navios de guerra (25 portugueses e oito espanhóis) – tendo como capitães generais da cavalaria D. Francisco de Moura e da artilharia o Conde de Óbidos [...] Ver: op. cit. CALMON, Pedro. História do Brasil, Vol.2, 1971, p. 621. 27 contra o vento e ter parte da frota dispersa pelo Oceano Atlântico. Ao chegar à Salvador, o Conde da Torre tentava reorganizar os planos para enfrentar Maurício de Nassau, além do efetivo militar enfraquecido pelas doenças, ele amargava a ausência de condições necessárias para o sustento dos soldados que chegavam famintos e doentes à cidade, não demorou muito para que as autoridades da Bahia reclamassem dos sete mil homens que desembarcaram em uma Salvador sem estrutura para manter e abrigar tantos milicos, além do receio destes trazerem a doença adquirida na viagem. Ainda que Óbidos tenha passado pela América, a pedido do Governador Geral Diogo Luis de Oliveira; em 1639 estava assumindo a função de General de Artilharia, posto de comando e auxiliar direto do Conde da Torre. O Conde da Torre ficou em Salvador por volta de dez meses e saiu rumo a Recife no dia 21 de novembro de 1639, neste intervalo de tempo reuniu as condições necessárias para enfrentar o exército de Maurício de Nassau que sitiava a Capitania de Pernambuco, um mês depois da partida de D. Fernando Mascarenhas da Bahia, o capitão Lourenço de Brito Correa mostrou-se conselheiro experiente no que dizia respeito às batalhas. Em um parecer emitido por ele, no dia 20 de dezembro de 1639, percebemos sua habilidade e conhecimentos de combate ao expor suas sugestões de como abordar o exército batavo. Como membro da junta auxiliar do Conde da Torre, o fidalgo acreditava que antes de invadir o Recife era necessário que as tropas de Espanha cercassem todos os acessos para que [...] se possa impedir ao enemigo os socorros de holanda que aly lhe vem, e daly senhorearmos a campanha e atacaremos as praças que puder ser para que o enemigo não tenha fora delas nem campanha , nem pelo mar, socorro50 O fator clima era um detalhe que não poderia deixar de ser levado em conta, Lourenço de Brito Correa sabia que a natureza poderia ser grande inimiga, por isso ele instruía que [...] mais brevemente esperamos que o inverno não de lugar as armadas poderem estar sobre o Recife, devemos aproveitarmos do verão para ganharmos o que despois não será possível.51 Vemos que o capitão Lourenço enfoca a urgência de se aproveitar as condições propícias para garantir a reconquista definitiva da Capitania de Pernambuco, tendo em vista as consecutivas perdas que aqueles soldados vinham sofrendo por não respeitarem os ditames do clima tropical. Utilizando o verão como aliado no combate, ele destacava a economia de tempo e de víveres, Lourenço prevenia o Conde da Torre: [...] porque isto he muyto longe de Espanha e não nos devemos prometer com tanta brevidade novos socorros, o que isto he o que lhe paresse e que gastar o tempo e mantimentos no que he quasi nada será impossibilitar todo remédio desta guerra.52 50 Op. cit. MIRANDA, Susana Münch. SALVADO, João Paulo (orgs.) Cartas do 1.º Conde da Torre, 2001. p. 321-322 Idem 52 idem 51 28 Apesar de seus conselhos, a campanha liderada pelo Conde da Torre foi um fiasco, todavia, em janeiro de 1640, aos cinquenta anos de idade, Lourenço de Brito Correa assumia o posto de Provedor Mor da Fazenda do Brasil, era dono de terras e escravos e homem influente entre os militares instalados na cidade de Salvador. Tais características são resultado de sua ascendência familiar e funções que ele cumpriu em tempos difíceis de conflito com os holandeses, mas que lhe rendeu lucros materiais e políticos após a guerra. Ser um varão da família do patriarca Caramuru, poderoso latifundiário e experiente combatente foram atributos fundamentais que credenciaram a entrada de Brito como uma das três autoridades que governaram o Brasil, em Junta Provisória, em 1641, acompanhemos os detalhes desta trama a seguir. 3- Lourenço de Brito Correa e a Restauração na Bahia. No século XVII, a praia de Itapoan abrigava um pequeno povoado onde viviam pescadores e armadores de baleias, submetidos neste período ao senhor da Casa da Torre, Francisco Dias de Ávila (1576-1650).53 Só o olhar mais atento – daqueles que se preocupam em identificar monumentos históricos e as marcas que a experiência humana deixou gravada nas ruas da cidade de Salvador – consegue localizar, bem próximo à Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Itapoan, a exposição de grandes ossos de cetáceos, que vinham para estas partes mais quentes do Oceano Atlântico parir suas crias nos verões do século XVII. A pesca da baleia era um negócio lucrativo e alvo de disputas acirradas entre os homens de grosso cabedal da Colônia interessados no monopólio do comércio da pesca e beneficiamento deste produto.54 A ruas da Velha São Salvador eram iluminadas às custas das várias pipas de óleo de baleia, além de frutos do mar, vinha também de Itapoan, carne de boi, couro curtido, mandioca e seus subprodutos como o beiju, a farinha, a carimã ou puba, além de frutas, verduras e hortaliças cultivadas pelos moradores desta pequena povoação vizinha a cidade de Salvador.55 Referi-me à antiga vila de Itapoan por ser este o lócus que dá início a uma série de acontecimentos que podem explicar o contexto político do Brasil colonial e suas relações com o momento que se descortinava no Império Ultramarino Português. Foi naquelas praias que o jesuíta Francisco Vilhena56 desembarcou discretamente, no ano de 1641. Era homem de confiança do novo 53 Ver: BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O feudo: a Casa da Torre de Garcia d'Ávila: da conquista dos sertões à independência do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. 54 O trabalho de Camila Baptista Dias é essencial para a compreensão da economia baleeira no Brasil Colonial, especialmente no Rio de Janeiro, ver: DIAS, Camila Baptista. A pesca da baleia no Brasil Colonial: Contratos, e contratadores do Rio de janeiro no século XVII. Dissertação (mestrado). UFF, 2010. Mais detalhes da pesca da baleia no período colonial, ver: CASTELLUCCI JR, Wellington. “Pescadores e baleeiros: a atividade da pesca da baleia nas últimas décadas dos oitocentos. Itaparica, 1860-1888.” In: Revista Afro Ásia, n.33, 2005. p. 133-168. 55 op.cit. TAVARES, Luis Henrique Dias. História da Bahia, 2001, p.139 56 O jesúíta Francisco Vilhena é um personagem importante para a compreensão do jogo político que se delineava na 29 soberano de Portugal D. João IV, o Restaurador; o emissário conduzia ordens secretas, escritas pelo próprio Rei, que o instruía como proceder a Restauração Brigantina na principal conquista portuguesa no Atlântico Sul, o Brasil.57 Depois de 60 anos de domínio Espanhol na Península Ibérica e, por conseguinte, nas conquistas ultramarinas, uma dinastia de sangue lusitano consegue ter de volta a soberania de Portugal, após anos de guerra civil e manobras políticas. O Duque de Bragança, auxiliado por sua esposa espanhola, foi aclamado Rei D. João IV em primeiro de dezembro de 1640, inaugurando uma nova fase de reconstrução de um país fragilizado pelas contendas e com suas conquistas ultramarinas seriamente ameaças por outras nações como a França, Inglaterra e Holanda. 58 O próprio D. João IV dizia que o Brasil era [...] uma vaca de leite59, por dar sustento seguro à metrópole e ser entreposto comercial fundamental para que o comércio transatlântico de açúcar e escravos continuasse lucrativo. Mas este objetivo só seria efetivamente realizado se a Restauração fosse reconhecida em todas as partes onde a Coroa Portuguesa havia fincado seus pés e que em todos estes locais os súditos e funcionários da administração estivessem submissos ao novo soberano.60 A Provedoria Mor da Fazenda Real do Brasil foi uma das primeiras Instituições erigidas em 1549 e exerceu um papel fundamental na administração do Brasil após o advento de D. João IV, sua principal atribuição era coordenar, supervisionar e fiscalizar as Provedorias da Fazenda existentes nas Capitanias. No início do seu funcionamento, tinha um expediente composto pelo Provedor Mor, Contador Geral, Escrivão da Provedoria Mor, Tesoureiro Geral, Meirinho, Porteiro e Patrão da Ribeira.61 Bahia, após a Restauração Brigantina. Segundo o cronista inglês Robert Southey, ele [...] trouxera de Portugal muitas cartas do rei com a direção em branco, para distribuir segundo a sua discrição pelos homens de mais influência e caracter no Brasil. Ver: SOUTHEY, Robert. História do Brasil. Tomo III, Rio de Janeiro: Livraria Garnier, 1862, p. 6. 57 MENEZES, D. Luiz de (Conde da Ericeria). História de Portugal Restaurado em que se dá notícia das mais gloriosas acções assim políticas, como militares, que obrarão os Portugueses na Restauração de Portugal, desde o ano de 1662 até o ano de 1668, 2ª Parte, Tomo IV, Lisboa: Oficina Ignácio Nogueira Filho, 1759. Esta é a principal obra da historiografia portuguesa que tratou da Restauração Brigantina, até fins do século XVII, apesar de ser alvo de críticas contundentes quanto à questões nacionalista que influenciaram esta narrativa, ela nos oportuniza conhecer o contexto político que Portugal experimentou com o advento de D. João IV e a sucessão dos Reis e Rainhas de Portugal, bem como o reflexo destas mudanças dentro e fora da Europa. Os detalhes que explicam o fim da hegemonia espanhola e advento da dinastia Brigantina, em 1640, serão discutidos no capítulo a seguir. 58 O contexto político que possibilitou o advento da Restauração da Coroa Portuguesa foi estudado por: SCHAUB, Jean Frédéric. Portugal na Monarquia Hispânica (1580-1640). Lisboa: Livros Horizonte, 2001. Também verificar um estudo sobre aspectos da cultura política que envolveram a Restauração Brigantina publicado por ÁLVAREZ, Fernando Bouza. Portugal no Tempo dos Filipes. Política, Cultura e Representações (1580-1668). Lisboa: Edições Cosmos, 2000. 59 ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes. Formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo, Companhia das Letras, 2000. p. 247. 60 Para mais informações sobre o Ultramar no tempo dos Filipes e as particularidades da administração castelhana, ver: VALLADARES, Rafael. “El Brasil y las Indias españolas durante la sublevación de Portugal (1640-1668).” In: Cuadernos de Historia Moderna, XIV, 1993, p. 151-172. Ver também: SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Do Brasil Filipino ao Brasil de 1640. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1968. 61 Para maiores informações, ver o Regimento do Provedor Morda Fazenda Real do Brasil em: 30 Na vacância de Governador Geral ou Vice Rei do Brasil, o Provedor Mor da Fazenda era membro nato da Junta Governativa que o substituía ou sucedia, por isso o Provedor não poderia se ausentar da capital por muito tempo dada as consecutivas demandas que necessitavam do seu parecer. A função da provedoria Mor da Fazenda não tinha fins apenas tributários ou fazendários, nela se encontrava a espinha dorsal da administração da Colônia, seja em seu funcionamento básico, seja no suporte militar. Eram funções da Provedoria Mor da Fazenda: arrecadar impostos, armazenar e comprar armas e munições, construir obras públicas e navios, organizar e financiar expedições de apreamento indígena e quilombola, dar manutenção à balança pública, organizar o cunho da moeda e abastecimento alimentar das Capitanias. Por fim, a presença de Lourenço de Brito Correa na função de Provedor da Fazenda em 1640 ressalta-se pelo seu alcance na administração os portos, controle das embarcações que entravam e saiam da Baia de Todos os Santos e do conteúdo que elas transportavam (inclusive as cartas), além disso, Lourenço era conhecido por todos os funcionários régios erradicados na Bahia pois a ele cabia o pagamento dos civis e militares que serviam no Brasil. Geralmente as monarquias nomeavam neste oficio a membros de famílias da Bahia, visto que este posto foi herdado pelo filho mais velho de Lourenço de Brito Correa após a sua morte.62 O Duque de Bragança foi anunciado novo Rei de Portugal em dezembro de 1640, a notícia chega ao Brasil entre os meses de fevereiro e março de 1641, simultaneamente, a Corte de Madri envia ordens expressas para que a rebelião de nobres portugueses fosse contida, tanto em Lisboa como no Ultramar, contudo, não obteve sucesso.63 Os primeiros homens a demonstrar fidelidade ao Rei D. João IV são mencionados nas Cartas ao Conselho Ultramarino, este era um sinal de como a adesão aos novos Reis e manifestações de reconhecimento da sua soberania era importante naquele tempo, seja por dar provas públicas de fidelidade e reconhecimento à Coroa Brigantina, seja para assinalar no espaço colonial a nova conjuntura política que o Reino atravessava, exigindo dos seus súditos a devida fidelidade e subserviência. O aspecto simbólico que a Restauração adquiriu entre os moradores da Bahia pode ser visto em vários dias de festejos que ocorrerão na cidade de Salvador nos primeiros meses de 1641.64 O historiador Sérgio Buarque de Holanda colabora com mais informações sobre a recepção da Restauração entre as lideranças militares instaladas no Estado do Brasil: http://iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/~ius/verlivro.php?id_parte=98&id_obra=63&pagina=533 62 MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Raízes da formação Administrativa do Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro/Conselho Federal de Cultura, 1972. P. 362-365. 63 Os detalhes desta trama foi estudado por VALLADARES, Rafael. La Rebelión de Portugal. 1640-1680. Valladolid: Junta de Castilla y Leon – Consejeria de Educación y Cultura, 1998. 64 TINHORÃO, José Ramos. As festas no Brasil Colonial, São Paulo: Editora 34, 2000, p. 82. 31 [...] Quanto a Salvador Correa de Sá, ligado à Espanha ainda mais que o primeiro [o Marques de Montalvão], pois era filho de mãe espanhola e casado com mulher espanhola, teve uma reação à notícia da aclamação de D. João IV um tanto inesperada. [...] hesitou e afinal, consultando a maioria, seguiu o exemplo de Montalvão. 65 D. Jorge de Mascarenhas, o Marques de Montalvão, era um homem influente na política Ibérica, fora destacado para estas partes do Atlântico ainda no Reinado de Filipe IV de Espanha, portanto, antes da Restauração. Recebeu o primeiro título de Vice Rei do Brasil concedido pelas mãos do Rei da Espanha e tinha ordens para comandar a guerra e expulsar definitivamente as tropas de Maurício de Nassau instaladas em Pernambuco, veio substituir principalmente para substituir o Conde da Torre.66 Montalvão inicia o período dos Vice-Reis no Brasil, esta atribuição tão extraordinária fora resultado de um histórico de sucesso militar colecionado ao longo da sua trajetória, este nobre apresentou estreitos laços de fidelidade e serviços, tanto com os Habsburgos como com os Bragança, percebe-se que ele soube tirar proveito do trânsito que tinha nas Cortes de Madri e de Lisboa para manter-se próximo das dinastias Ibéricas, sempre prestou serviços militares e em cargos de alta patente, fortificando assim os laços de relação direta com os Reis, sejam eles quais fossem. 67 Percebemos que tanto os documentos, como os historiadores que se debruçaram sobre o estudo da adesão do Brasil à Restauração Brigantina apontam para a fidelidade do Marquês à D. João IV, ele seguiu um protocolo interessante: primeiro Montalvão impediu a entrada de qualquer embarcação na Bahia de Todos os Santos sem a sua expressa autorização, até que se apurassem os sentimentos dos moradores da Bahia quanto à nova conjuntura política. Depois, sabendo que uma guarnição de 600 infantes espanhóis estava na Bahia e precavendo-se do perigo de rebelião, ordenou que o Terço de Infantaria comandado por seu filho, D. Fernando Mascarenhas,68 montasse guarda na Praça do Colégio dos Padres da Companhia de 65 HOLLANDA, Sérgio Buarque de. (org.) História da civilização brasileira. Tomo I: A época Colonial, vol. I, Rio de Janeiro: Bertrand, 1997, p. 188-189. 66 D. Fernando Mascarenhas, o Conde da Torre, recebeu este título por carta de 26 de julho de 1638, outorgada por Felipe IV, foi “Comendador da Torre, de Fonte Arcada e de Rosamaninhal, na Ordem de Cristo, Senhor do Morgado da Gocharia, Governador e Capitão Geral de Ceuta e Tanger, Presidente do Senado da Câmara de Lisboa e Reformador das Fronteiras”, não confundir com o filho do Marquês de Montalvão, seu homônimo. Para maiores detalhes, ver: CAMPO BELLO, Henrique Leite Pereira de Paiva de Faria Távora e Cernache Conde de. Governadores Gerais e Vice Reis do Brasil. Edição oficial e comemorativa. Delegação Executiva às Comemorações centenárias de Portugal. Porto: 1640, p.63. Ver também as informações de sua descendência na obra genealógica de GAYO, Felgueiras. Nobiliário de Famílias de Portugal. Braga: Oficinas Gráficas Pax, 1941. § 224. n. 24. 67 Sobre o protagonismo do Marquês de Montalvão, no Ultramar Portugues ver: GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. “Poder político e administração na formação do complexo atlântico português: 1645-1808.” In: FRAGOSO, João Luís Ribeiro,; BICALHO, Maria Fernanda Baptista.; GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. (orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 285316. 68 D. Fernando Mascarenhas era filho de D. Jorge Mascarenhas, o Marquês de Montalvão, sua mãe chamava-se Dona Francisca de Vilhena. Ele manteve-se fiel, junto com seu pai, ao partido dos Bragança enquanto esteve na Bahia ao contrário dos seus irmãos e da Marquesa de Montalvão, que optaram em continuar leais aos Filipes de Espanha, Segundo Felgueiras Gayo, D. Fernando Mascarenhas, quinto filho do Marquês de Montalvão, foi Marechal do Reino em 1639, Senhor e Conde de Serem, nomeado em 1643 e também Senhor da Vila de Albergaria. Ver: GAYO, 32 Jesus e que os soldados do Mestre de Campo Joanes Mendes de Vasconcelos, seu amigo pessoal, estivessem atentos a qualquer ordem. O Conde da Ericeira informou que D. Jorge Mascarenhas utilizou esta cautelosa metodologia para sondar os ânimos dos principais da Bahia e encontrando neles confiança, reuniu a todos e mandou que cada um referisse em público sua adesão ao novo Rei de Portugal, desta forma, percebemos o valor das declarações públicas na sociedade colonial: ao afirmar a adesão ao novo Rei de Portugal, os fidalgos de grosso patrimônio e influência política da Bahia declaravam estar dispostos a servir com obediência ao novo comando político do Reino. O cronista ressaltou que a guarnição castelhana que estava em Salvador foi desarmada sem violência e a cidade continuou em festa durante muitos dias comemorando o fim da hegemonia Espanhola.69 Para avalizar a fidelidade do Estado do Brasil à nova Coroa, o Marquês de Montalvão e primeiro Vice Rei do Brasil enviou o seu filho D. Fernando Mascarenhas, juntamente com o Padre Antônio Vieira para Lisboa; eles levavam cartas informando sobre a aclamação de D. João IV na América, o escrito atestava a lealdade do patriarca da família Montalvão à dinastia restaurada e dirimia quaisquer dúvidas quanto à adesão do Brasil ao partido do oitavo Duque de Bragança. Contudo, nem o Marquês de Montalvão, nem seu filho, pareciam suspeitar que, do outro lado do Oceano, o vigor da harmonia entre sua família e a Casa Real entronada estivesse ameaçada. Alguns filhos de Montalvão estavam desgostosos com a mudança política e haviam debandado para o lado espanhol.70 No Porto de Peniche, a notícia de que D. Pedro Mascarenhas e D. Jerônimo Mascarenhas – filhos do Marquês de Montalvão que residiam em Portugal – haviam fugido para Madri, já corria a cidade e o povo esperava furioso a chegada de mais um suposto traidor, quando a caravela aportou, D. Fernando Mascarenhas deu-se conta do perigo que corria. A turba enfurecida queria eliminá-lo e o excesso foi tanto que se o Conde de Autoguia não acudisse o fidalgo, escondendo-o em sua morada, o recém-chegado do Brasil certamente teria morrido pois conseguiu se livrar da população revoltada, ainda que xingado e ferido por uma cutilada na cabeça.71 Aqui cabe um breve parêntese para assinalar a participação do Padre Antônio Vieira nesta ocasião, Pedro Calmon relembrou que o jovem jesuíta havia adquirido a afeição do Marquês de Montalvão, a sua eloquência e aproximação com o vice-rei foi um dos elementos fundamentais para que ele fosse em comitiva atestar perante o Rei a fidelidade do comandante do Brasil, ressalte-se que depois desta viagem o Padre Antônio Vieira passou algum tempo em Portugal e paulatinamente ingressou na vida da Corte Brigantina e nos meandros do poder, tornou-se confessor de D, João IV Felgueiras. Nobiliário de Famílias de Portugal. Braga: Oficinas Gráficas Pax, 1941. § 295. n. 24. 69 Op. Cit. MENEZES, D. Luiz de (Conde da Ericeria). História de Portugal Restaurado, p. 57 70 Idem, parte I, livro III, p.134-136 71 Idem pg. 66. 33 e conselheiro da Rainha D. Luísa de Gusmão.72 Para além da má recepção que teve ao chegar ao Reino, D. Fernando Mascarenhas tomou conhecimento que a Marquesa de Montalvão, sua mãe, estava detida no Castelo de Arroyollos. O motivo desse escândalo se encontrava na suspeita de que a senhora havia seguido o exemplo dos filhos e também estivesse prevaricando contra D. João IV. Contudo, o Rei teve a prova da fidelidade do primeiro vice-rei do Brasil aos Bragança e esperava que o jesuíta Francisco Vilhena cumprisse à risca as ordens que lhe foram dadas. Anteriormente, mencionei a cuidadosa chegada do irmão Vilhena na praia de Itapoan, em 1641, levando consigo as missivas secretas que orientavam detalhadamente como e em que circunstância ela deveria ser aberta, lida e aplicada. Os postos de desembarque indicados para qualquer navio que atravessasse o Atlântico rumo a Bahia era no porto da antiga Vila do Pereira ou no porto situado à beira da Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia, locais de águas calmas e apropriados como ancoradouro, porém repleto de comerciantes e de outras pessoas influentes que certamente dariam notícia rápidas às autoridades locais sobre a chegada de um reinol à Bahia, portanto, não era apropriado descer na movimentada Salvador, o desembarque de Vilhena em Itapoan tinha a intenção de ser discreto e sigiloso.73 O Conde da Ericeira narra desta forma a chegada do jesuíta: [...] [Francisco Vilhena] sahio em terra e deo a ordem a caravela que se fizesse ao mar; chegou a cidade e entrou no seu Colégio sem fazer rumor; e tendo notícias do sossego que o Estado do Brasil obedecia a El Rey, executou com grande imprudência a ordem que levava sua.74 Vemos, no relato, que Vilhena preferiu seguir por terra até o Colégio dos Jesuítas. Pela sua condição, o clérigo certamente não caminhou os quilômetros que separavam a vila de Itapoan da Cidade de Salvador, certamente preferiu cavalgar, anonimamente, em cima do lombo de uma mula, meio de transporte de pessoas e mercadorias amplamente utilizado para cruzar o sertão baiano durante todo o XVII e que passava por Itapoan em seu itinerário. No caminho, o emissário real arquitetava meticulosamente o que fazer com tão importante tarefa. Mas porque tanto segredo? Porque um desembarque às escondidas e tão discreto? Qual o conteúdo misterioso das ordens do Rei e que deram nova forma ao jogo político de 1641? Em tempos de Restauração Brigantina, todo cuidado era pouco quando o assunto era lealdade e fidelidade ao novo Rei, principalmente em se tratando do Brasil e dos altos oficiais que o administravam, dentre os quais, muitos mantinham vínculos de fidelidade com a Coroa espanhola. 72 Op, cit. CALMON, Pedro. História do Brasil, vol2 (sec XVI-XVII), 1971. p. 628. Felisbello Freire afirmou que [...] dous caminhos comunicavam esta praça [Salvador] com a praia: um da banda do Norte para a fonte , então chamada do Pereira e do desembocadouro da gente dos navios; ou ao Sul, para Nossa Senhora da Conceição e para desembocadouro das mercadorias. op. Cit. FREIRE, Felisbello. História Territorial, p. 59. 74 Idem p. 161. 73 34 O Marquês de Montalvão foi o primeiro Vice Rei do Brasil, nomeado por D. Filipe IV de Espanha e sua família mantinha laços evidentes com a Coroa Castelhana, apesar deste vínculo, o professor Sérgio Buarque de Hollanda sintetizou a atitude do Marquês de Montalvão ao tomar conhecimento que uma nova cabeça havia sido coroada em Portugal: [...] A notícia recebida por Montalvão é a da restauração de um reino e da deposição de um reinado. A reação da autoridade é simples: rei morto, rei posto, viva o Rei! É isso exatamente o que lhe ditam os seus interesses imediatos. 75 Era no misterioso manuscrito resguardado pelo jesuíta Francisco Vilhena que se encontrava o interesse do monarca: caso o Marquês de Montalvão ainda não houvesse aclamado D. João IV como Rei de Portugal, ou se houvesse alguma suspeita de que este fidalgo assumisse o partido de Castela, o irmão Vilhena deveria instituir uma Junta Governativa, composta pelo Provedor Mor da Fazenda, do Mestre de Campo mais velho e pelo Bispo do Brasil e após isso, declarar deposto o Vice Rei em exercício. Ora, o emissário teve ciência da lealdade do Marques de Montalvão e da solene aclamação Brigantina na Bahia por ele liderada, mesmo assim, Vilhena convocou os possíveis novos governadores e lhes mostrou a Carta Régia, contrariando a metodologia ordenada pelo Rei e, como se não bastasse, referendou a posse de uma junta governativa que pela primeira vez derrubou um Vice Rei do Brasil.76 A sala de reuniões do Colégio dos Padres Jesuítas foi onde se deu a posse deste governo provisório, eram eles: Lourenço de Brito Correa, Provedor-mor da Fazenda Real, Luiz Barbalho Bezerra, Mestre de Campo mais velho do Terço de Infantaria e o Bispo do Brasil, D. Pedro da Silva Sampaio;77 saliente-se que estes homens estavam cientes da fidelidade manifestada por D. Jorge Mascarenhas ao Duque de Bragança, todavia eles seguiram as instruções de Vilhena e assumiram o governo do Brasil e após isto, trataram de justificar a substituição.78 Depois de empossar os substitutos do vice-rei, o irmão Vilhena se encarregou de entregar a Carta Régia que destituía D. Jorge Mascarenhas do cargo. Ele aceitou, resignado, esta posição estranha e se retirou da residência do Governador para o seu domicílio particular. Como a situação política não era propícia ao Marquês e as notícias do Brasil demoravam para chegar ao Reino, o triunvirato baiano iniciou o processo de recolhimento de provas contra Montalvão e também operou 75 Op. Cit. HOLLANDA, Sérgio Buarque de. (org.) História da civilização brasileira. p. 198. A possível vinculação do Marquês de Montalvão com os opositores à elevação de D. João IV foi estudada por CURTO, Diogo Ramada. “A Restauração de 1640: nomes e pessoas.” In: Península. Revista de Estudos Ibéricos. n. 0, Porto: Instituto de Estudos Ibéricos/Faculdade de Letras do Porto, 2003. p. 333. 77 Para mais detalhes ver: JESUS, Raphael de. Castrioto Lusitano ou Historia da guerra entre o Brasil e a Hollanda, durante os annos de 1624 a 1654, terminada pela Gloriosa Restauração de Pernambuco e das capitanias confiantes obra em que se descrevem os heroicos feitos do ilustre João Fernandes Vieira, e dos valerosos capitães que com elle conquistarão a independencia nacional. Pariz: J. P. Aullaud, 1844, p. 187-190. 78 Ver também as informações dadas sobre a participação de Lourenço nesta Junta Governativa em VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brazil, Tomo I, Rio de Janeiro: Livraria Clássica, p.590. 76 35 algumas reformas que julgavam necessárias.79 Devassaram os documentos pessoais do primeiro Vice Rei em busca de possíveis aproximações com Espanha, em contrapartida, Montalvão tratava de se defender das acusações contra ele levantadas e, para não ser preso, tentou se refugiar no Colégio dos Jesuítas. Malgrado, o Colégio não era território neutro, nem garantia imunidade para este nobre, especialmente naquele contexto político em que um jesuíta sacramentara sua depoisição. A Junta mandou prender D. Jorge de Mascarenhas e mais dois militares de renome, apenas por serem seus amigos, eram eles o Mestre de Campo Joane Mendes de Vasconcelos e o Sargento Mor Diogo Gomes de Figueiredo. Prender e soltar pessoas nesta época eram estratégias amplamente utilizadas para garantir a governabilidade, como veremos na ocasião do Vice Reinado do Conde de Óbidos. Por enquanto, cabe dizer que em 1641 o primeiro ato da Junta Governativa composta por Bispo, Barbalho e Brito foi libertar da prisão duas pessoas importantes da sociedade baiana e ligadas ao novo triunvirato, elas haviam sido presas pelo anterior vice-rei por acusação de um assassinato à luz do dia. As provas que a Junta Governativa tinha para poder justificar a deposição de Montalvão foram as cartas escritas pelos filhos de D. Jorge Mascarenhas, interceptadas por Lourenço de Brito Correa em uma embarcação de Sevilha que aportou na Baía de Todos os Santos, o conteúdo da epístola estimulava a adesão de D. Jorge Mascarenhas ao governo de Espanha, também foi apreendida uma carta pessoal do Rei Felipe IV orientando que D. Jorge Mascarenhas conservasse a Colônia em obediência à Castela.80 Lourenço de Brito Correa e os demais integrantes da Junta Governativa estavam cientes da fidelidade do vice-rei do Brasil à D. João IV, mesmo assim, assumiram o governo e seguiram as ordens régias trazidas pelo Jesuíta Francisco de Vilhena em 1641. Os motivos que levaram o jesuíta a fazer tal manobra política e a consequente deposição do Marquês de Montalvão foram estudados com detalhes pelo historiador Pablo Magalhães. De acordo com sua pesquisa, a historiografia do século XIX apresentou uma versão equivocada acerca da deposição do primeiro Vice Rei do Brasil, ligando-a a uma possível conspiração jesuítica liderada pelo Bispo da Bahia, D. Pedro da Silva Sampaio, contudo, o historiador afirma que não conseguiu encontrar documentação comprobatória 79 Luiz Henrique Dias Tavares constatou que os motivos que levaram Vilhena a operar a deposição do Marques de Montalvão continuam sem explicação convincente: op. Cit. TAVARES, Luis Henrique Dias. História da Bahia, 2001, p.146. Fernando Bouza Alvares compreendeu que tanto a esposa de Montalvão quanto dois filhos seus permaneceram fiéis à Castela. Jerônimo Mascarenhas, por exemplo, tornou-se um dos principais expoentes do grupo de fidalgos portugueses que então permaneceu na Espanha. Tornou-se Bispo de Segóvia e faleceu em 1672. Quanto a D. Pedro Mascarenhas, passou para o Reino de Castela assumindo o título de 2º Marques de Montalvão. Ver: ÁLVAREZ, Fernando Bouza. Portugal no tempo dos Filipes. Lisboa: Cosmos, 2000, capítulo X. 80 Op. cit LENK, Wolfgang. Guerra e pacto colonial: exército, fiscalidade e administração da Bahia (1624-1654). 2009, p 156. 36 que ateste esta conjura, ainda que perceba a participação fundamental da Companhia de Jesus neste episódio.81 4 - Depois do governo, o emprazamento A Junta Governativa composta por Bispo, Barbalho e Brito administrou o Estado do Brasil do dia 16 de abril de 1641 até 26 de agosto de 1642. É válido salientar que os novos mandatários assinavam suas cartas como [...] Governadores deste Estado do Brazil com poderes de VizoRey e capitão geral.82 Não nos cabe aqui avaliar os pormenores da gestão deste triunvirato, importa dizer que, de acordo com Robert Southey, os três governadores promoveram o diálogo com os holandeses instalados em Pernambuco, o fim da hegemonia Espanhola na Península Ibérica possibilitou uma nova relação de Portugal com os Países Baixos e a Junta Governativa tratou de estabelecer esta comunicação: [...] os três governadores, que depois da deposição do viso-rei havião sido investidos do poder na Bahia, mandarão ao Recife Pedro Correa da Gama e o Jesuíta Vilhena, a combinar o modo de estabelecer relações pacíficas entre as duas partes, até que pelos respectivos governos se arranjassem as couzas definitivamente na Europa,83 A Junta de Governo comandou o Brasil durante 16 meses e 10 dias, foi Antonio Telles da Silva (1642-1647) quem substituiu os três governadores e também ficou ao seu cargo a apuração dos acontecimentos que resultaram na deposição de D. Jorge Mascarenhas, o Marquês de Montalvão.84 Saliente-se que a prisão e envio de Luiz Barbalho Bezerra e Lourenço de Brito Correa para Portugal não está associado à deposição do Marquês de Montalvão e sim aos motivos que a devassa acima mencionada revela. Mais uma vez, o historiador Pablo Magalhães auxilia a compreensão, sua pesquisa aponta que o motivo principal para justificar a viagem de Brito para Portugal foi a acusação de descaminho na folha de pagamento do Estado do Brasil, efetuado pelos governadores substitutos: Os três governadores acharam por bem que cada um deveria retirar o vencimento que competia anualmente ao cargo de Governador Geral, ou seja, 1:500 cruzados. Ao invés de dividir o valor por três, cada um retirou integralmente o montante total, somando 4:500 cruzados. O total retirado pelos governadores causou um deficit de 9:000 cruzados na Fazenda Real, ou seja, 1/3 do total da folha anual para a Bahia.85 81 MAGALHÃES, Pablo Antonio Iglesias. “Equus Rusus” A Igreja Católica e as Guerras Neerlandesas na Bahia (1624-1654). Tese de Doutorado. UFBA. 2010. p. 206-210. Neste trabalho encontramos detalhes das ações que a Junta Governativa perpetrou para estabelecer as primeiras relações com os neerlandeses de Pernambuco, já iniciada por Montalvão e Nassau desde os primeiros meses de 1641. 82 AHU, LF, Cx8, Doc. 941, 05/11/1641: Provisão dos governadores do Brasil (três) dando ao Capitão Duarte Correa Vasqueanes o Governo do Rio de Janeiro, em substituição de Salvador Correa de Sá. 83 SOUTHEY, Robert. História do Brasil. Tomo III, Rio de Janeiro: Livraria Garnier, 1862, p. 6. 84 Afonso Ruy constatou “posturas tiranas” durante a gestão do Bispo, Barbalho e Brito, [...] anular resoluções, derrogar posturas e cancelar imposições fiscais que importavam em reduzir a renda pública, eram práticas deste triunvirato e consideradas tiranas pelo historiador. Ver: RUY, Affonso. História política e administrativa da cidade de Salvador. Salvador: Tipografia Beneditina, 1949. p.120. 85 Op. cit. MAGALHÃES, Pablo Antonio Iglesias. “Equus Rusus” A Igreja Católica e as Guerras Neerlandesas na Bahia (1624-1654). 2010. p.208. 37 No dia 22 de dezembro de 1642, o processo contra Lourenço de Brito Correa estava instalado, temos acesso às [...] perguntas que se devem fazer na devassa contra Lourenço de Brito Correa e Luis Barbalho Bezerra86 e o resultado desta investigação foi o emprazamento87 dos exgovernadores. Se o destino de Luiz Barbalho Bezerra foi o perdão, o caminho de Lourenço de Brito Correa foi a cadeia: conhecemos a consulta que o Conselho Ultramarino fez em relação a Lourenço e seu pedido de perdão régio, sete anos depois de ter sido preso e embarcado para responder inquérito administrativo em Lisboa. Em 19 de novembro de 1649, após consecutivos pedidos de vistas ao Rei sobre o seu caso, o Conselho lançou um parecer fazendo um breve histórico da vida do suplicante e sua especial condição de fidalgo: [...] foy hu dos governadores do Estado do Brazil; em qual alega, que depois de ter servido a Vossa Magestade anno e meio lhe mandou Vossa Magestade levantar omenagem, e que 88 viesse logo emprazado a este Reino, donde foy preso e o esteve seis anos por esta causa. Os motivos que comprovaram a inocência de Lourenço de Brito Correa foram encontrados nos documentos apreendidos pela Junta Governativa, após a deposição do Vice Rei do Brasil. Tais epístolas foram interceptadas pelo próprio Lourenço em uma [...] fragatta que El Rey de Castella mandou com cartas ao Marques de Montalvão, que elle rendeo89. Oportunamente, veremos que a astúcia de averiguar o conteúdo das cartas que levava o já mencionado navio de bandeira espanhola apreendido na Bahia de Todos os Santos foi utilizada como argumento para obter benefícios financeiros no final da sua estadia na cadeia do Limoeiro, em Portugal. Os papéis referentes a Lourenço de Brito Correa detalham que todo o seu procedimento quando fora um dos governadores do Brasil foi investigado criteriosamente, pois [...] processandose devassas90 e rizidencias91, assim na Bahia como nesta Corte, foi sentenciado solto e livre, e julgado 86 AHU, LF, Cx9, Doc 1021. Neste documento encontramos mais detalhes sobre os outros aspectos da Junta Governativa que estavam sendo objeto de apuração pelo Governador do Brasil que os sucedeu. Ver também, na mesma caixa, o documento 1022 que lista as pessoas indicadas para testemunhar neste caso. Robert Southey nos diz que [...]Barbalho e Brito foram por conseguinte prezos para o Reino; o primeiro foi perdoado, imputando-se-lhe a falta de juízo os erros, o segundo jazeu muitos annos na enxovia comum de Lisboa, e o bispo escapou com pena mais leve, tendo apenas de repor os emolumentos recebidos durante a sua administração. Ver: op. cit. SOUTHEY, Robert. História do Brasil. Tomo III, 1862, p. 28. 87 Segundo Raphael Bluteau, “emprazar”, significava [...] citar alguém para que em certo dia appareça diante do juiz ou emprazar é mandar huma justiça superior a outra inferior, para que va diante della dar a razão da queyxa, que della fez & isto vem a responder, ou assemelhar-se a uma citação que se manda fazer aquella justiça, pondo-lhe termo certo para emprazar alguém. Op. Cit. Raphael Bluteau. Vocabulario Portuguez e Latino. V.3, p. 68. O emprazamento de algumas autoridades do Brasil consistia, em alguns casos, na viagem para o Reino até que a fosse concluída toda a investigação. 88 AHU, LF, Cx. 11, Doc.1355, 19/11/1649. 89 idem 90 Devassas foram atos jurídicos, amplamente aplicados pela Administração Ultramarina e que na Bahia ganhou contornos especiais. Em termos específicos é a inquirição de um crime, apurado a partir do relato de testemunhas acerca de algum caso criminal, que tomava dimensões públicas. Op. Cit. BLUTEAU, Raphael. Vocabulario Portuguez e Latino v.3, p.180 91 Em termos administrativos, residência significava um criterioso processo de investigação da probidade administrativa dos funcionários da Coroa, destacados no Brasil. Para isso era nomeado um Juiz de Fora, Corregedor ou Ouvidor que, 38 que havia servido bem a Vossa Magestade.92 Na Bahia, [...] por se achar que recebera dinheiro que o povo fintara para o sustento dos soldados, sendo pelo contrário, e pertencente a fazenda real93, os bens de Lourenço de Brito Correa foram sequestrados por um Alvará do Rei, ordenando que o Conselho da Fazenda executasse na Bahia as suas posses enquanto estava prisioneiro em Lisboa. Os autos apontam que foram confiscados [...] três mil cruzados que recebeo a conta de seu ordenado de Governador (como se lhe fez).94 Com esta medida, as rendas ordinárias de Lourenço de Brito Correa ficaram bloqueadas, causando prejuízo tanto para pagar as despesas de sua família na Bahia, tanto para custear os honorários de seu livramento no Reino. Para além de ter o seu salário suspenso, o patrimônio de Lourenço de Brito Correa também foi liquidado, a Fazenda do Brasil tratou de vender [...] todos seus escravos, e gados em leilão a diversas pessoas, com perda mui considerável.95 Lourenço de Brito Correa conheceu a outra face da cidade de Lisboa e passou [...] mais de sete anos (1642 a 1649) trancafiado na Cadeia do Limoeiro, não consegui encontrar nenhum documento que referencia a situação em que Lourenço se encontrava em Lisboa durante este espaço de tempo. Em 1649, o fidalgo da Bahia reclamava [...] os quintos das fazendas que tinha direito pela prisão da fragata Espanhola que prendera em Salvador, [...] por particular mercê que Vossa Magestade fez aos Governadores do Estado do Brazil por alvará de 21 de dezembro de 1613.96 Confiando no pagamento deste débito, ele emprestou a quantia sem mesmo tê-la recebido [...] para ajuda do sustento dos soldados, que naquela época penavam com a ausência de víveres e reaver esta despesa se tornava imprescindível para o seu livramento e custeio de sua vida. Esta consulta do Conselho Ultramarino informa com clareza a condição jurídica em que Lourenço de Brito Correa se encontrava em Portugal, no ano de 1649 e a notícia do seu regresso para a América: [...] E hora esta degredado para o Brazil por dous annos, pela acusação que lhe fez Gaspar Sinel, que vai cumprir nesta frota97. durante um mês perguntava, aos Oficias da Correição e outras testemunhas da cidade de de vilas circunvizinhas no raio de seis léguas, se o ex-funcionário havia se beneficiado do seu poder para conseguir privilégios como: [...] recebimento de peytas, dádivas ou empréstimos, [...]se teve cuidado de saber dos malfeytores, se os prendeo ou deyxou, dentre outras apurações de ordem administrativa que qualificaria ou reprovaria sua gestão. Op. Cit. BLUTEAU, Raphael. Vocabulario Portuguez e Latino, v.7, p. 281. 92 op. Cit. AHU, LF, Cx. 11, Doc.1355 93 Idem 94 idem 95 idem 96 idem 97 Idem. Gaspar Sinel era um familiar do Santo Ofício da Inquisição de Lisboa, conforme atesta a Diligencia de Habilitação de Gaspar Sinel em PT/TT/TSO-CG/A/008-001/10086: Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, Gaspar, mç. 2, doc. 73. Disponível em: http://digitarq.dgarq.gov.pt/details?id=2329018 Acessado em 13/09/2011, às 15:37. 39 Lourenço de Brito Correa foi degredado do Reino e atravessou o Atlântico para cumprir uma pena de dois anos no Brasil. Sua primeira viagem compulsória, da Bahia para o Reino, foi por indícios de improbidade administrativa, contudo, em 1649, Lourenço refaz o caminho de volta para a América por uma acusação formulada por um membro da Inquisição de Lisboa. Não conhecemos ainda os argumentos levantados por Gaspar Sinel para justificar o degredo de Lourenço de volta para a Bahia, o que sabemos é que Gaspar fora um conhecido familiar do Tribunal do Santo Ofício e que suas acusações foram suficientes para fazer Lourenço cruzar o Atlântico na condição de degredado por dois anos de volta ao Brasil, uma viajem que parece ter sido proveitosa para o bisneto do Caramuru, analisaremos este aspecto com mais cuidado a seguir. Afonso Costa levanta a possibilidade de Lourenço de Brito Correa ter subornado algumas pessoas para conseguir regressar à Bahia,98 aparentemente, esta suposição não parece coadunar com o que diz os autos do processo em tela, principalmente se levarmos em conta a delicada situação financeira que este sujeito apresentava antes de voltar à América: [...] esta muito carregado de dívidas que fez em mais de sette annos que esteve prezo, e o que tinha no Brazil Vossa Magestade mandou vender, e cobrar o dinheiro para a sua real fazenda sem ele Lourenço de Brito ser devedor de couza algua, antes a fazenda real lhe deve99. Apesar de contar sua miséria, o fidalgo baiano Lourenço de Brito Correa relembrava sua condição de credor da Fazenda, o suplicante [...] pede a Vossa Magestade humildemente lhe faça mercê visto o que allega100. Resumindo sua petição, Lourenço de Brito Correa solicitava que o pagamento dos ordenados de cada ano que serviu como Governador do Brasil fosse pago na Bahia, [...] indo na folha ordinária como he costume e que da mesma maneira se lhe paguem os quintos das fazendas e da fragata de Sevilha na forma do alvará de Vossa Magestade referido.101 A palavra final do Conselho Ultramarino sobre este caso só foi dada no dia 13 de janeiro de 1650, quando Lourenço tinha 60 anos de idade, pouco mais ou menos. Os juízes Jorge de Castilho, João Delgado e Diogo Lobo Pereira trataram dos seus pedidos: sobre a quantia de três mil cruzados, que alegava ter direito por serviços prestados como um dos três Governadores, os magistrados assim entenderam: [...] Os governadores do Brasil tem de ordenado a cada anno, três mil cruzados, e a este respeito parece que a mesma quantia se deve repartir pelos três que servirão de que hu foi Lourenço de Brito Correa, a que cabem mil cruzados por hum anno e o mais que se manter 98 op. Cit. COSTA, Afonso. Baianos de Antanho (Biografias), p 304. op. Cit. AHU, LF, Cx. 11, Doc.1355. Apesar de Lourenço de Brito Correa manifestar em seu discurso a pobreza e privações que vivia enquanto esteve preso no Reino, vemos em outros documentos que a sua situação financeira não era tão periclitante como narrava, ele continuou a receber os benefícios que o Hábito da Ordem de Cristo e comendas da Ordem de Santiago lhe conferia, em um Alvará, escrito em 10 de julho de 1646, ele recebeu a promessa de 60$000 réis de pensão nos bens da Ordem com o Hábito de Cristo, em 16 de março de 1647 recebeu outra pensão, por meio de um Alvará com a quantia de 10$000 réis na Comenda de Santiago de Bedoido. Ver: Série: ANTT. Ordens Militares, Registro Geral de Mercês e Ordens, livro 2, folhas 183 e 263. 100 op. Cit. AHU, L F, Cx. 11, Doc.1355 101 idem 99 40 nos mezes que mais serviu que forão quatro ou cinco e se deve liquidar. 102 Vale salientar que os Conselheiros não fizeram referência, neste documento, sobre os direitos dos quintos das fazendas da fragata de Sevilha, apreendidas por Lourenço de Brito Correa, conforme o pedido que fez na carta de 1649. Ainda não sabemos se Lourenço de Brito Correa conseguiu reaver as dívidas que a Fazenda Real tinha com a sua pessoa, também não conhecemos o resultado das outras petições que ele fazia, apesar desta limitação, a trajetória deste fidalgo da Bahia – preso em Portugal, quebrado em suas finanças e mandado de volta à América – precisa ser mais bem compreendida. Para isso, seguiremos a sua carreira ao longo da década de 1650 e 1660 a fim de percebermos que, apesar de expulso do Reino, Lourenço de Brito Correa continuou a exercer papel protagonista na Bahia Colonial, em companhia de outros indivíduos que coadunavam com as suas pretensões políticas. A paisagem monótona do Oceano Atlântico era uma constante para os olhos dos viajantes que iam e vinham do Reino com as mais diversas finalidades. A tranquilidade do percurso era quebrada quando se avistava corsários ou embarcações inimigas que pilhavam as mercadorias, aprisionavam ou matavam os resistentes. Quando não era por motivos humanos, a natureza também se encarregava de animar a viagem transatlântica brindando os navegantes com temporais que viravam embarcações, ventos repentinos desviavam a frota do seu curso, levando-as a locais distantes e hostis, nevoeiros, bancos de areia e pedregulhos exigiam extrema atenção dos condutores e súplica perene a Nossa Senhora do Desterro, padroeira dos degredados tripulantes. Oração e jejum eram atividades religiosas em alto mar que quebrava a rotina dos meses de uma viagem marítima que atravessava o Trópico de Câncer e a linha do Equador, em direção ao hemisfério Sul. Os cronistas da época rememoravam as novenas e tríduos comemorativos aos santos da devoção portuguesa feitas durante a viagem, fazia-se procissões com o Santíssimo Sacramento ao redor do convés e o tradicional apego à virgem Maria eternizava-se na declamação do Ofício de Nossa Senhora e das 150 ave-marias do rosário.103 Dentre as orações mais significativas que estes católicos viajantes repetiam, a Salve Regina era a que encerrava a declamação das loas à virgem Maria, esta antiga oração católica adquire um sentido especial para o estudo em tela. Sérgio Buarque de Hollanda fez um estudo acerca das diferentes representações que teve o Brasil no quadro da mentalidade europeia durante os séculos posteriores à chegada dos portugueses. 102 idem BRITO, Bernardo Gomes de. História Trágico Marítima (1688-1759). Barcelos: Companhia Editora do Minho, 1942. Nesta obra temos mais detalhes da vida em alto mar, devoções, epidemias e folguedos durante as viagens oceânicas protagonizadas por Portugal durante os séculos XVII e XVIII. 103 41 A ideia de um Brasil edênico, fonte de fartura e felicidade, um Paraíso Terrestre poupado pelas águas do dilúvio, tornou-se, com a efetiva conquista e colonização de suas terras e habitantes, um local onde se constatou a presença do diabo em suas diferentes formas e, consequentemente, percebia-se que o pecado não havia poupado o Pindorama, repleto de gentio bravo e comedores de gente ou de epidemias consecutivas. Sérgio Buarque citou uma epístola de Paulo, na qual o apóstolo relembrava a comunidade de Roma que, por culpa do pecado original de Adão e Eva, a humanidade [...] geme e padece até hoje (Rm 8:22).104 Na Salve Rainha, declamada nesta época em Latim, as palavras de Paulo são repetidas, a humanidade privada da graça Divina por causa do pecado original estava gementes et flentes in lacrimarum vale105. O Vale de Lágrimas era concebido na mentalidade da época como o mundo material, uma antítese do Paraíso, pois estava repleto de doenças, perigos e morte, neste espaço estava degredada toda a descendência de Eva: exsules Filii Hevae.106 O Brasil, concebido pelos homens e mulheres dos Seiscentos como o Éden bíblico, vai tomando feições de um grande Vale de Lágrimas, especialmente na visão de algumas pessoas que do Reino foram degredadas para a América Portuguesa, a aventura da viagem pelo Oceano tornouse um verdadeiro rito de passagem, conforme entendeu Laura de Mello e Souza, ao analisar o sentido de Brasil–Purgatório, compartilhado por aqueles que cruzaram o Atlântico durante o século XVII.107 Todavia, dentre os muitos viajantes portugueses que vieram cumprir pena de degredo no Brasil estava Lourenço de Brito Correa, um curioso degredado, pois, como sabemos, havia nascido na América, foi preso e enviado para o Reino em 1642 por motivos administrativos e, em 1649, sua punição foi voltar degredado para o Brasil por acusações recebidas em Portugal. Certamente, Lourenço de Brito Correa não encarava a terra de seus pais e avós como um local hostil, seu Vale de Lágrimas havia sido no Reino, lá esteve preso por muitos anos longe dos seus parentes e aliados. Regressar ao Brasil era uma possibilidade de reaver o que perdeu no tempo que estava detido no Limoeiro e voltar à cena político-administrativa da Colônia. Em Salvador ele tinha um nome a zelar bem como um poderoso respaldo familiar que o colocava em uma situação política privilegiada, ele voltava à cidade após anos de reclusão no Reino e tinha sua imagem de veterano de guerra e ex-governador do Brasil ainda permanente na memória dos moradores da Bahia de então. Alguns aspectos da trajetória de Lourenço foram detalhados nas páginas anteriores, cabe 104 HOLLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos do descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1994, p.187. 105 “gemendo e chorando neste Vale de Lágrimas” 106 “degredados filhos de Eva” 107 SOUZA, Laura de Mello e. Inferno Atlântico: demonologia e colonização, século XVI-XVII. Rio de Janeiro: Companhia das letras, 2000, p. 89-100. 42 aqui lembrar que este sujeito viveu em um discreto ostracismo neste retorno à Bahia, pelo menos nos primeiros anos da década de 1650, talvez o fidalgo não quisesse chamar atenção para o seu passado de ligações perigosas e denuncia de um familiar do Santo Ofício da Inquisição e tratou de refazer a sua vida em Salvador.108 5- A graça e a desgraça cruzam o Atlântico, entre letras e leituras. Hábitos de ordens militares, ofícios régios, postos de alta patente militar, mercês régias. Todas estas palavras representavam no conteúdo vocabular de Portugal Seiscentista formas de benefícios advindos dos monarcas que resultavam em acúmulo de riqueza e mobilidade social, por isso, tais privilégios eram perseguidos por algumas pessoas, especialmente as que tinham acesso à leitura e à escrita. As petições e consultas sobre mercês régias constituem-se em um manancial rico de informações e tais documentos ilustram a cultura epistolar produzida no período colonial, época em que as comunicações entre Brasil e Portugal tornaram-se mais constantes e sistemáticas, apesar de contingências sempre presentes. A leitura e a escrita no século XVII era habilidade pouco comum para a maioria da população que habitava a Bahia e seu Recôncavo, vimos que o Colégio dos Jesuítas era a única instituição que lecionava aos jovens de famílias abastadas as primeiras letras e aprofundava o conhecimento das gerações de fidalgos nascidos na Bahia, educados pela Igreja Católica. O acesso à educação era proibido para os filhos de judeus, negros ou mulatos mal nascidos, ainda que alguns destes conseguissem, com muita dificuldade, entrar para os estudos formais.109 Assim como um bom cristão deveria saber de cor o credo, a ave-maria, o padre nosso e outras rezas que davam acesso à graça de Deus, ler e escrever eram habilidades que os homens da Bahia tentavam se esmerar, era por esta via que se alcançava a graça régia e as muitas benesses que O Rei podia outorgar. Mas isto só se fazia possível se a epístola seguisse alguns padrões, jargões, formas de tratamento e desempenho de escrita própria deste tempo. Analisando a cultura epistolar do Antigo Regime, percebemos que a solicitação de benesses régias por via escrita era entendida, pelos indivíduos que vivenciavam o contexto Ultramarino, como graça, um favor excepcional, quase milagroso, que a realeza dispunha para expressar sua gratidão à fidelidade ou coragem dos seus 108 Op. Cit. COSTA, Afonso. Baianos de Antanho (Biografias), p 307. AHU, LF, Cx.28, Doc. 3420, Nesta carta, o governador Matias da Cunha escreve ao Rei, em 9 de agosto de 1687, sobre a necessidade de recolher no Colégio dos Jesuítas a D. Diogo, potentado negro que foi mandado de Angola, para ser doutrinado na forma que se lhe havia ordenado. Em 1689, os moços pardos da Bahia pedem ao Rei, [...] sem embargo do seu nascimento e da sua cor os possa admitir estudar no Colégio dos Jesuítas. Ver: AHU, LF. Cx. (?) Docs. 3517-3519. Catarina Madeira Santos, analisando aspectos da política em Angola no século XVIII, estudou a cultura escrita apreendida pelos africanos e a formação de uma linguagem epistolar burocrática nos domínios de Angola e Benguela. Ver: SANTOS, Catarina Madeira. “Escrever o poder: Os autos de Vassalagem e a vulgarização da escrita entre as elites africanas”. In: Ndembu Revista de História da USP, n. 155, 2º vol. 2006, p. 81-95. 109 43 vassalos.110 A Graça Régia é, no entender de Antonio Manuel Hespanha, [...] o domínio de afirmação da vontade, pela qual se criam, espontânea e arbitrariamente, situações novas, a saber, se transmitem bens ou se outorgam estados.111 Por via da graça, o Rei tinha o arbítrio de estabelecer mudanças profundas no estado social dos súditos, nos seus bens e nas vantagens que adquiria a posteridade do agraciado como um milagre divino, onde Deus cura uma doença ou livra da morte àquele que o suplica pela oração fervorosa. No caso de Portugal, o Rei certamente não era Deus, mas a ele cabia algumas prerrogativas que mais ninguém poderia usufruir, pois dependia da sua tão pleiteada mercê. O soberano poderia legitimar filhos bastardos, nomear negros do Brasil em postos de alta patente militar por reconhecimento de sua bravura nas guerras, emancipar filhos, perdoar e soltar criminosos presos, conceder ou retirar bens e recursos daqueles que são alvo da graça ou da desgraça régia. Ao Rei eram atribuídos poderes excepcionais reconhecidos e pactuados socialmente, conforme entendeu Norbert Elias;112 a benevolência do monarca manifestava-se em forma de mercê, prerrogativa utilizada politicamente e com vistas estratégicas de controle e ordenamento social, cujo motor de concessão e negação de favores encontrava-se na figura régia.113 No Antigo Regime Português, o monarca era o referencial da ordem e da paz social, a ele cabia ministrar a justiça, no sentido tomista de atribuir a cada um o seu, fosse castigo, fosse prêmio. O iuris naturalis romano também corroborava com a ideia de centralidade do poder e da justiça nas mãos do soberano.114 Raphael Bluetau entende justiça por uma das quatro virtudes cardinais; consiste em dar a cada um o seu, prêmio & honra ao bom, pena & castigo ao mal.115 Com esta prerrogativa, a realeza mediava conflitos e outorgava benesses, esta benevolência 110 Fernando Bouza Álvarez tem se tornado uma referencia entre os estudiosos da cultura epistolar desenvolvida pelas monarquias Ibéricas modernas, os pressupostos teórico-metodológicos utilizados para a compreensão dos vários saberes que envolviam a cultura escrita são tratados em ÁLVAREZ, Fernando Bouza. “Corre manuscrito: la circulación de manuscritos em España y em Portugal durante los siglos XVI y XVII.” In: ALVAREZ, Fernando Bouza. Corre Manuscrito: uma historia cultural del siglo de oro. Madrid: Marcial Pons, 2001. P. 27-75. 111 Segundo Hespanha, na chamada economia da Graça incluía idéias “de liberalidade, de amizade, de caridade ou de magnanimidade.” A graça era entendida, no Antigo Regime, mais como uma disposição da benevolência do Rei que a necessidade de demonstrar o cumprimento do seu dever, porém, os agraciados estabeleciam, assim, uma relação de gratidão com a realeza e prestação de serviços mútuos, que poderia durar muitas gerações. HESPANHA, Antonio Manuel. “A mobilidade social na sociedade de Antigo Regime.” In: Revista Tempo. Vol11, n.21, Niterói: UFF. 2006. p 138. 112 ELIAS, Norbert. A sociedade de Corte. Jorge Zahar, 2001. P. 186. 113 Para um maior aprofundamento sobre a chamada “economia de mercês” em diálogo com os conceitos de “nobreza da terra”, compartilhados na América Portuguesa, ver: BICALHO, Maria Fernanda Baptista. “Conquista, mercês e poder local: a nobreza da terra na América Portuguesa e a cultura política do Antigo Regime.” In: Almanack Braziliense. São Paulo: n. 2, nov. 2005. p. 21-34. 114 Sobre os critérios de mobilidade social que regimentavam as sociedades de Antigo Regime, bem como as ideias aristotélico-tomistas que estabeleciam a ordem natural da sociedade lusófona seiscentista, ver: op. cit. HESPANHA, Antonio Manuel. “A mobilidade social na sociedade de Antigo Regime.”In: Revista Tempo. Vol11, n.21, Niterói: UFF. 2006, p. 121-143. 115 BLUTEAU, Raphael, v.4, p230-232. 44 baseava-se em costumes medievais de gratidão e justiça, a mercê servia de retribuição aos serviços relevantes que os súditos comprovadamente houveram feito como demonstração de sua fidelidade e dignidade. Por julgar-se merecedor da recompensa régia o suplicante apresentava inúmeras folhas que detalhavam os cargos e ofícios que houvera ocupado também por outorga do Rei, bem como detalhes de suas especialidades e provas de fidelidade à Coroa, dando assim mais subsídios para que a graça régia se manifestasse de forma ainda mais graciosa que a benesse anterior.116 A lembrança detalhada dos serviços prestados fazia parte da lógica do Antigo Regime e reforçava o caráter corporativo da monarquia portuguesa, seja combatendo contra os castelhanos no Reino ou pelejando contra os holandeses no Nordeste, estes serviços e partes que qualificavam a concessão da mercê real eram registrados no Brasil sob a forma de Cartas Patentes, Alvarás, Ordens Régias e outros documentos que comprovavam a memória dos funcionários régios estabelecidos na Bahia.117 Fossem eles militares ou oficiais da administração, o detalhamento das tarefas que cumpriram, bem como risco que correram, ferimentos, mutilações, mortes, espólio de guerra e outras lembranças de relevantes atividades cumpridas na época da Restauração e nas guerras contra o inimigo holandês eram informações úteis e estrategicamente empregadas nos discursos epistolares daqueles que tentavam convencer ao doador da graça, o Rei, sobre os motivos para que o favorecimento real fosse alcançado.118 Logo, era de grande interesse da elite da Bahia preservar a memória destes tempos difíceis, tendo em vista o [...] desejo de fazer valer junto às autoridades régias os serviços, materiais e espirituais, por todos prestados à restauração.119 Assim, a guerra, o nome, os companheiros, as feridas adquiridas no corpo e na alma, os lucros e prejuízos destes tempos, eram lembranças sistematicamente guardadas na memória dos fidalgos residentes na Bahia, mas também registrada pela ponta da pena que escrevia os documentos administrativos da Colônia e do Ultramar. Estes escritos, ainda preservados, abrem possibilidades de pesquisa renovadas sobre práticas de escrita e representações da mercê régia no contexto político-administrativo da Bahia seiscentista. 116 OLIVAL, Fernanda. As Ordens Militares e o Estado Moderno: Honra, Mercê e Venalidade em Portugal (16411789). Lisboa: Estar. 2001, p. 237-282. 117 Luiz Felipe de Alencastro chamou de “o novo pacto político entre a Corte e os guerreiros ultramarinos” as múltiplas concessões de patentes militares, postos de justiça e fazenda concedidos por mercê régia após a Restauração. Ver: op. cit. ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes. Formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo, Companhia das Letras, 2000. p. 302-307. 118 Marília Nogueira dos Santos entendeu a importância que as comunicações escritas tinham na Administração Ultramarina, afirmando que [...] governar por escrito deixava de ser exceção e passava a ser regra. Ver: SANTOS, Marília Nogueira dos. “O império na ponta da pena: cartas e regimentos dos governadores-gerais do Brasil.” In: Revista Tempo, Niterói: UFF, v. 14, n. 27, 2009. p. 101-117. 119 MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro Veio: o imaginário da restauração pernambucana. 2a. ed., Rio de Janeiro, Topbooks, 1997, p. 34. 45 O debate em torno das performances epistolares elaboradas pelos suplicantes da mercê régia merece a contribuição de Roger Chartier, especialmente no que tange as práticas de escrita e de leitura no período Moderno, seus estudos apontam para algumas particularidades materiais, que se estruturam e se inscrevem nos textos produzidos pelos homens e mulheres do passado. Estas características são notadas a partir da utilização de vários recursos, sejam eles visuais ou físicos, que orientam a organização da leitura e da escrita dos documentos e dão sentido ao texto produzido. O autor também indica que a prática da escrita e da leitura está associada a gestos, espaços e hábitos que, conjuntamente, determinam as diferentes formas que os textos podem ser lidos e apropriados por [...] leitores que não dispõe dos mesmos instrumentos intelectuais e que não mantém a mesma relação com o escrito.120 Portanto, analisar os manuscritos administrativos e as performances textuais formuladas por letrados da Bahia Seiscentista, interessados em adquirir a graça régia, permite alcançar a [...] maneira em que uma comunidade – qualquer que seja sua escala – vive e analisa sua relação com o mundo, com outras comunidades e consigo mesma.121 A partir da escrita, a concessão de postos na administração do Ultramar deixou de ser privilégio exclusivo da aristocracia reinol, pois [...] antigos soldados ou pessoas de origem social não-nobre podiam receber igualmente cargos e ofícios nas conquistas como forma de remuneração de seus préstimos ao rei.122 A concessão ou negação de mercês régias são percebidas ao longo de todo o Antigo Regime, em Portugal, no Brasil, na África e na Índia. Vale salientar que o soberano não tinha nenhuma obrigação em liberar a sua mercê por pagamento destes préstimos, por isto, o favor régio adquiriu em alguns casos um sentido sobrenatural, uma ajuda extraordinária que concedia ao agraciado algumas bonificações que podiam transformar a sua vida. O acesso ao disputado mercado da graça régia que vigorou no século XVII era restrito e os que souberam valer-se deste trânsito salientaram suas prerrogativas fidalgas [...] para descrever o quase - direito dos clientes (máxime, os vassalos do rei que lhe tivessem prestado serviços) às mercês.123 As várias instâncias decisórias existentes no complexo ultramarino português do século XVII foram utilizadas como mais um veículo de acesso à concessão de mercês régias. Leitura e escrita faziam parte da lógica de outorga da graça, visto que a Mesa de Consciência e Ordens, Tribunal da Relação da Bahia e de Goa, Desembargo do Paço, Casa de Suplicação e Conselho Ultramarino, foram sínodos que trataram largamente de petições de mercês régias formuladas por 120 CHARTIER, Roger. A ordem dos Livros. Leitores, autores, bibliotecas na Europa entre os século XVI e XVIII. Barcelona: Gedisa, 1994, p. 25. 121 Idem p.21. 122 FRAGOSO, João. “A nobreza da república: notas sobre a formação da primeira elite senhorial do Rio de Janeiro (séculos XVI-XVII).” In: Topoi Revista de História. Rio de Janeiro, vol1, 2000, p.69 123 Op. Cit. HESPANHA, Antonio Manuel. 2006, p 139. 46 lusófonos espalhados pelo globo no século XVII, o manancial de informações resguardados nestas missivas revelam diferentes estratégias utilizadas por mulheres e homens no intuito de alcançar o favor dos Reis em conjunturas políticas que necessitavam de performances de escrita diferenciadas e adaptadas à realidade. Na Bahia Seiscentista, a economia da graça124 pode ser entendida como um fator de mobilidade social que possibilitou o acúmulo de bens e propriedades e a consequente formação de fortunas de muitos fidalgos nascidos neste local. Ressaltamos anteriormente, que em 1640 o posto de Provedor Mor da Fazenda Real do Brasil,ocupado por Lourenço de Brito Correa, foi adquirido por mercê régia em retribuição aos seus relevantes serviços nas guerras das décadas de 1620 e 1630. Seus companheiros de governo – o Mestre de Campo mais velho, Luiz Barbalho Bezerra e o Bispo D. Pedro da Silva – também já haviam adquirido anteriores benefícios da dinastia Filipina destronada e continuaram a ser alvo da graça de D. João IV, após a Restauração. Era suplicando um favor, uma mercê, que algumas pessoas da elite da Bahia conseguiam a legitimação e ampliação de pedaços de terra, direito de fundar povoações e ter a jurisdição civil e criminal de tais domínios. O perdão régio por crimes diversos também era uma benesse bastante comum a que recorria os moradores de Salvador encalacrados com a justiça criminal, só esta graça extraordinária poderia extinguir a condição vil e difamatória do condenado. Em contrapartida, Antonio Manuel Hespanha alerta: [...] A graça não representa, então, uma irrupção absolutamente arbitrária da vontade no domínio dos equilíbrios sociais. Ao revés, a graça realiza também, à sua maneira, a ordem. A mobilidade social que desencadeia é apenas aparente. No fundo, a nova posição 125 atribuída ao agraciado já lhe era devida, ainda que não juridicamente. A liberação da graça necessitava de certos limites, fundamentados no costume, que eram respeitados pela realeza com vistas a preservar a ordem e a manutenção das tradições que legitimavam a outorga da graça régia no século XVII. Por exemplo, o Rei não poderia conceder um título de nobreza a pessoas que estivessem num lugar social incompatível com tal título, na mentalidade da época, o sentido de nobreza caminhava independente da vontade do Rei, pois, a graça régia apenas declarava nobreza àqueles que eram hierarquicamente superiores na ordem 124 Economia da Graça, do dom, de mercês ou de privilégios são termos cunhados por Antonio Manuel Hespanha, com base nos seus estudos de Marcel Mauss no clássico “Ensaio sobre a Dádiva”, a partir de Mauss ele pretende explicar a lógica de funcionamento da sociedade portuguesa do século XVII através do Dom, que seria: [...] acto de natureza gratuita, o dom faz parte da sociedade de Antigo Regime, de um universo normativo precioso e minucioso que lhe retirava toda a espontaneidade e o transformava em unidade de uma cadeia infinita de actos beneficiais que constituíam as principais fontes de estruturação das relações políticas. E, correspondente as categorias desta ‘economia do dom’, estavam a base de múltiplas praticas informais de poder e na formulação de mecanismos próprios e específicos a este universo político singular, como, por exemplo as relações clientelares, constituíam as principais fontes das relações políticas. Ver: HESPANHA, Antonio Manuel. “A economia do Dom. Amizades e Clientela na ação política.” In: MATTOSO, José (org.). História de Portugal: o Antigo Regime. Lisboa: Editorial Estampa, 1992. p. 382. 125 HESPANHA, Antonio Manuel. “A mobilidade social na sociedade de Antigo Regime.” In: Revista Tempo. Vol11, n.21 UFF, Niterói, 2006. p 141 47 natural existente, ou por serem descendentes de pessoas que já eram nobres, ou por terem se destacado dentre os outros súditos em alguma atividade memorável relevância. Portanto, o destaque nas batalhas e o ilibado serviço à realeza devidamente registrado constituíam-se como possibilidade mais acessível de se alcançar algum privilégio para aqueles que não tinham o sangue fidalgo e por isso estavam naturalmente afastados da graça. Percebemos então que, apesar de o Rei ser a única instância no Antigo Regime que concedia títulos de nobreza e fidalguia, esta concessão seguia a tradicionais critérios de linhagem, apresentados pelos pleiteantes e analisados criteriosamente pelos órgãos consultivos mais apropriados do reino. Fazendo isto, o Rei acomodava interesses políticos diversos e estabelecia relações mais consistentes com pessoas, que longe de terem ascendência nobre, eram importantes personalidades e parceiros estratégicos no comércio ultramarino. Especialmente a partir de 1640, a economia de mercês fora instrumento fundamental para a consolidação do projeto político dos Reis da Casa de Bragança. No Brasil, o perfil de controle estratégico da administração colonial efetuado pelos soberanos e regentes desta família real pode ser caracterizado pela concessão de privilégios e dons, com poderes de transformar radicalmente a vida dos agraciados e interferir diretamente nas decisões políticas tomadas pelos funcionários erradicados na Colônia. Todos estes benefícios originam-se da relação feudal de [...] auxilium e consilium,126 que durante séculos manteve em convivência, agraciados leais e benevolentes doadores da graça. Este pano de fundo envolve uma ampla cadeia de interesses, tácitos ou declarados e revela algumas estratégias utilizadas por D. João IV para garantir a continuidade do processo de conquista e colonização das terras do Brasil, em meio a um reino convulsionado pelas guerras que seguiram contra a Espanha e assédio de potências inimigas às praças ultramarinas. D. João IV cuidou em estabelecer ligações duradouras com algumas pessoas da Bahia que se destacaram, seja nas guerras de reconquista de Salvador e Pernambuco, seja com demonstrações de fidelidade à Coroa de Portugal doando mantimentos e prestando auxílios aos governantes enviados do Reino. A fidelidade reconhecida em forma de mercê estabelecia uma relação de troca entre o Rei e seus agraciados e esta dependência podia durar muitas gerações. Após a Restauração, a tradição de conceder ou negar mercês régias aos pleiteantes da Bahia continuou em ampla atividade no século XVII.127 Mais uma vez, Lourenço de Brito Correa torna-se um exemplo interessante para compreender como a aproximação ou afastamento da graça régia 126 FRANCO JR. Hilário. A Idade Média: Nascimento do ocidente. 5ed. SP:Brasiliense, 1994, p.76. Nos documentos avulsos da Capitania da Bahia, fundo arquivístico Luiza da Fonseca, tramitaram, entre a Capitania da Bahia e o Conselho Ultramarino durante o século XVII, 128 processos que envolviam concessão e negação de mercês régias, some-se a este quantitativo, 10 documentos que não informam a data correta da epístola, sendo que a década de 1660 marca o período de maior demanda desse assunto, contabilizando 35 ocorrências. 127 48 refletiu diretamente no seu patrimônio de fidalgo. A sua trajetória política é exemplo de como um funcionário da administração da colônia poderia, por seu comportamento, cair em desgraça, caso estivesse afastado das mercês régias, seja pela morte do soberano e surgimento de uma nova conjuntura política, seja por problemas locais que eventualmente questionasse o merecimento de alguns serventuários. Apesar de ter sido protagonista nas guerras de reconquista da cidade de Salvador nas décadas de 1620 e 1630, a participação de Lourenço na deposição do Marquês de Montalvão, aliado tanto dos Habsburgos quanto dos Bragança, foi o estopim que deflagrou uma devassa em sua vida e declínio dos seus privilégios a partir de 1642. O leilão dos seus bens e escravos em pagamento de um suposto desvio de dinheiro, que nunca se provou, seu embarque compulsório para o Reino e os anos que ficou preso na cadeia do Limoeiro evidencia como Lourenço de Brito Correa – herdeiro de uma tradicional família de Salvador, portador do Hábito da Ordem de Cristo, ex- Capitão do Terço dos Aventureiros e Provedor-mor da Fazenda Real do Brasil – não foi poupado das duras punições e consequências danosas no seu patrimônio. Enquanto esteve preso no Reino, Lourenço permanecia afastado da graça visto que os consecutivos pedidos de perdão régio eram inúteis, a ausência da mercê provocou assim a desgraça dos bens deste bisneto do Caramuru. 128 Porém, apesar de quebrado em suas finanças e desembarcado na Bahia sob a condição de degredado da Inquisição, a graça régia mais uma vez cruzou o Atlântico e tocou Lourenço de Brito Correa. A guinada que deu em sua vida, na década de 1650, foi fruto dos consecutivos favores que só foram possíveis por causa da nova conjuntura política que se delineava na Corte de Lisboa, após as exéquias do Rei D. João IV e a assunção da Rainha Regente, D. Luísa de Gusmão ao Trono de Portugal. 6- As graças da Rainha Regente Apesar de D. Luísa de Gusmão ser espanhola, ela tinha parentesco com os Reis portugueses, esta mulher foi essencial para o sucesso da Restauração Brigantina e a consequente coroação do seu marido, o Rei D. João IV. D. Luísa lhe deu três filhos varões, o mais velho e herdeiro legítimo, D. Teodósio, morreu muito novo, seus irmãos, D. Afonso e D. Pedro, ainda não tinham idade suficiente para assumir a Coroa de Portugal, por isso coube a esta mulher a Regência de Portugal no período de 1656 a 1661. A Rainha Mãe também seguiu a esteira do seu antecessor e concedeu mercês régias a muitos 128 AHU, LF, Cx11, Doc 1355, Lisboa, 19 de novembro de 1649. 49 pleiteantes do Brasil, é importante salientar que a concessão da graça demonstrava a importância política que a realeza tinha nos processo de mobilidade social advindos desta prerrogativa, por isto, a graça era uma fonte inesgotável de benefícios régios, mas também um paradigma de legitimação social destes benefícios, pois tinha a outorga inconteste da realeza e servia para propagandear positivamente a benevolência do monarca. A Regente concedeu uma mercê providencial a Lourenço de Brito Correa, deu-lhe a restituição do seu posto de Provedor Mor da Fazenda Real, cargo que ele não servia durante muito tempo, contudo, no Brasil era urgente a assistência de funcionários com experiência suficiente para dar suporte ao Governador Geral Francisco Barreto de Menezes (1657-1663). Pelas suas qualidades e merecimentos, mas também por uma antiga amizade com o dito Governador, o veterano de guerra Lourenço de Brito Correa é aventado pelas autoridades do Brasil e da Corte como opção viável para cargos de maior complexidade na administração colonial, vejamos a seguir. Em 16 de março de 1657, o então Governador da Capitania do Rio de Janeiro, D. Luis de Almeida (1652-1657), pedia substituto para seu posto, pois já o exercia a cinco anos, dois a mais que o previsto. O fidalgo reclamava que já estava [...] recebendo grande prejuízo, mayormente não havendo occasião preciza que necessite de sua assitencia.129 O Governador do Rio, ansioso para ter sucessor e voltar ao Reino, aventou a possibilidade de nomear Thomé Correa de Alvarenga 130, fidalgo da Casa Real que durante nove anos servia no cargo de Alcaide Mor daquela cidade, como Capitão Mor do Rio de Janeiro, era ele um homem [...] respeitável e tão bemquisto que a mais de sete [anos] que serve o Procurador da Misericórdia.131 De acordo com este documento, percebemos que, apesar de todas as qualidades que concorriam para que o Alcaide Mor do Rio de Janeiro assumisse interinamente a Capitania, a decisão tomada pela Rainha Regente para substituir temporariamente o ex-governador foi outra, D. Luíza de Gusmão preferiu dar o provimento de Capitão Mor a Lourenço de Brito Correa, experiente funcionário da administração colonial que durante anos vinha prestando serviços à dinastia Brigantina. Apesar de ter sido degredado em 1649 do Reino para a Bahia, por causa das acusações que levou em Portugal, Lourenço de Brito Correa parece ter sido perdoado e estava livre dos olhos da Inquisição; em 1657 percebemos que o fidalgo era encarado como uma pessoa da Bahia que resguardava em seu histórico de serviços prestados algumas qualidades que superavam a anterior condição de degredado, uma nódoa difícil de ser apagada quando se analisava o histórico de 129 AHU, LF, RJ. Cx. 5, Doc. 741-742, 16 de março de 1657. Tomé Correa de Alvarenga foi Governador da Capitania do Rio de Janeiro por duas vezes, primeiro assumiu interinamente o Governo da Capitania no dia 12 de abril de 1657, até que Salvador Correa de Sá e Benavides chagasse, em outubro de 1659. Foi Governador do Rio de Janeiro pela segunda vez, também interinamente, no ano 1660. 131 idem 130 50 qualquer fidalgo da época.132 O infante D. Afonso VI, por meio da Rainha Regente, fazia saber por meio de sua provisão as qualidades que concorriam na pessoa de Lourenço para que assumisse o cargo de Capitão Mor do Rio de Janeiro. A provisão lembrava a trajetória de serviços que prestou à Coroa Brigantina, seja em tempos de guerra contra Holanda, seja na Restauração, tendo sempre demonstrado fidelidade à Coroa. A carta afirma que alguns serviços e partes133 destacavam Lourenço de Brito Correa dentre os outros fidalgos do Brasil. Em 27 de março de 1657, o secretário menor Rodrigues Tinoco escreveu e a Rainha Regente assinou uma provisão que dava o cargo de Capitão Mor do Rio de Janeiro a Lourenço de Brito Correa. Percebemos assim que o ex-degredado tinha novamente a atenção e reconhecimento da Coroa Portuguesa que, neste documento, a Regente exaltava as suas qualidades afirmando que Brito era: [...] fidalgo da minha Casa por haver muitos anos que serve a esta Coroa, sempre com bom procedimento e ultimamente haver servido de um dos três governadores do Brasil.134 A Rainha demonstrava confiança na fidelidade de Lourenço de Brito Correa e, conforme a boa impressão que fazia em sua pessoa, lhe concedeu a mercê [...] do cargo de capitão mor da capitania do Rio de janeiro para que o sirva enquanto lhe não manda o sucessor135. Vemos que exGovernador do Brasil não havia caído no esquecimento da casa Brigantina pois a Rainha Regente concedeu-lhe uma graça especial, porém, em julho deste mesmo ano, Lourenço de Brito Correa pedia ao Conselho Ultramarino prerrogativas mais ousadas. Numa consulta feita pelos juízes do Conselho Ultramarino em 9 de julho de 1657, encontramos mais detalhes sobre a reinserção de Lourenço de Brito Correa na vida política do Brasil Colonial, de acordo com uma missiva anterior, emitida no dia 3 de julho de 1655, percebemos a reintegração de Lourenço no posto de Provedor Mor da Fazenda Real do Brasil, por um tempo de três anos, por mercê da realeza portuguesa.136 Nesta mesma epístola, percebe-se que a Rainha Regente demonstrava apreço ao fidalgo e devido a aquisição de graças anteriores, Lourenço de Brito Correa suplicou o Hábito da Ordem de Avis ou de Santiago, [...] para casamento de hua sobrinha sua,137 pedido muito comum feito pelos 132 Para mais detalhes das atividades que Lourenço de Brito Correa exerceu durante a Regencia de D. Luisa de Gusmão e mercês que solicitou neste período ver: KRAUSE, Thiago Nascimento. Em busca da Honra: a remuneração dos serviços da guerra holandesa e os hábitos das Ordens Militares. (Bahia e Pernambuco 1641-1683). Dissertação de Mestrado. Niterói: UFF. 2010, p, 75-77; 163. 133 Op. Cit. AHU, LF, RJ. Cx. 5, Doc.742 134 AHU, LF, RJ, Cx. 3, Doc. 303, 27 de março de 1657. Sobre o Governo de Lourenço de Brito Correa no Rio de Janeiro ver: DHBNRJ, Volume 33, p. 275. 135 Idem. 136 AHU, LF, Cx.14, Doc. 1680, 09 de julho de 1657. Passados os três anos Lourenço foi reconduzido ao posto em substituição do Desembargador Bento Rabelo, por carta escrita no dia 09 de abril de 1659, ver: AHU, LF, Cx.15, Doc. 1739, 15 de junho de 1659. 137 idem 51 homens de reconhecido destaque na Bahia que buscavam atrair noivos para unirem-se com as donzelas de sua família, o dote constituía-se numa oportunidade para o consorte se integrar às Ordens Militares e a união de famílias pelo vínculo do matrimônio foi mais uma estratégia utilizada pela elite colonial para ampliar e consolidar o patrimônio dos privilegiados donos de escravos e terras da Bahia Seiscentista.138 Vemos nestes dois documentos de 1657 que Lourenço fora nomeado governador da Paraíba e renunciou139, ele esperava que a realeza o provesse em um posto de Capitão de [...] Angolla, Pernambuco ou ao menos do Rio de Janeiro140. Por pretender ser melhorado no posto de Provedor Mor da Fazenda do Brasil, [...] que está em menos predicamentos, dos que já servio, e renunciou141, Lourenço de Brito Correa admitia sua disponibilidade em assumir postos mais importantes, assegurando a Rainha que [...] não desmerecerá por hir servir a hua praça tão apetecida dos inimigos de Europa142 O Conselho Ultramarino julgou procedente a nomeação de Lourenço de Brito como Capitão Mor do Rio de Janeiro e ainda ressaltava que o prazo temporário deste governo aliviaria a fazenda real [...] das ajudas de custo e de outras mercês que costumão pedir os que vão providos deste Reino.143 A trajetória política de Lourenço de Brito Correa comprova que também fidalgos da Colônia eram punidos com viagem compulsória na forma de emprazamento ou prisão e envio para o Reino por motivos que envolviam conduta política e probidade administrativa no exercício de seus cargos. As viagens de Lourenço estavam associadas a motivos políticos: a primeira vez foi para cumprir uma sentença expressa de emprazamento, saindo da Bahia para Lisboa, a segunda vez foi como degredado no Reino e sentença para cumpri-la no Brasil. Tantas viagens não foram suficientes para destruir a sua imagem pública, nem diminuir a sua influência política no espaço colonial apesar de tantos anos afastado da Bahia. Ao contrário, a ascensão da Rainha Regente lhe foi proveitosa e foi neste período que Lourenço de Brito Correa conseguiu melhorias e progressões em seus rendimentos, lembrando as prerrogativas conquistadas nas guerras pregressas e qualidades da sua ascendência fidalga. 138 Fernanda Olival é uma estudiosa das Ordens militares e religiosas existentes em Portugal durante o Antigo Regime, sua obra basilar nos instrumentaliza para a compreensão de como a economia de mercê também manipulava a concessão de hábitos nestas ordens e as múltiplas estratégias utilizadas para a participação em tais confrarias. Salientese que Lourenço de Brito Correa era cavaleiro professo da Ordem de Cristo e nesta ocasião pedia hábitos de ordens militares menos importantes como dote de casamento, ver: OLIVAL, Fernanda. As ordens militares e o Estado Moderno: Honra, Mercê e Venalidade em Portugal (1641-1789). Lisboa, Estar, 2001. 139 A solicitação do Alvará de nomeação para Governador da Paraíba, com a remuneração do cargo que levou Lourenço de Brito Correa encontra-se em AHU, LF, PB, Cx.1, Doc. 27. Posterior a 16 de abril de 1641. 140 Op. Cit. AHU, LF, BA, Cx.14, Doc. 1680, 09 de julho de 1657. 141 idem 142 idem 143 idem 52 É notória nesta época a sua influência, por exemplo, na Santa Casa de Misericórdia da Bahia, instituição que exigia [...] limpeza de sangue e antecedentes ilibados aos seus dignitários. Esta instituição foi beneficiária de uma doação de terras, feita por Lourenço de Brito Correa, ainda em 1656, provando assim o vigor econômico que este fidalgo baiano apresentava nos finais desta década.144 Exaltar a genealogia, bem como os serviços prestados à Coroa Brigantina como prova de fidelidade e competência na administração colonial era uma característica marcante na performance epistolar de Lourenço de Brito Correa, ele fazia questão de evidenciar o seu histórico de conquistas e omitia os períodos controversos de prisão e degredo por que passou. 7- A Bahia e seu recôncavo: ocupação e disputa na água doce e na água salgada. Se a água era uma das forças motrizes dos engenhos da Bahia Seiscentista, esta substância também fazia parte do cotidiano dos moradores da cidade de Salvador, entre muitas fontes e lagoas, era comum aos habitantes adquirir um barco ou canoa pois a cidade era entrecortada por rios e possibilitava a conexão com os Engenhos próximos ao porto, os barcos também uniam o centro administrativo do Brasil à Ilha de Itaparica e, consequentemente, aproximava as autoridades coloniais com os senhores de engenhos e fazendeiros do recôncavo, além de viabilizar o acesso dos padres às freguesias existentes. Pelos rios ou pelo mar as pessoas se locomoviam e escoavam a produção da Bahia ao longo de todo o século XVII.145 Em 1663, as terras do recôncavo eram locais estratégicos para a manutenção da cidade de Salvador. Os engenhos de cana-de-açúcar, situados nestas localidades dispunham de madeira que queimava nas fornalhas, dia e noite e durante séculos para a produção do açúcar e seus derivados.146 É na Serra do Sincorá que encontramos a nascente do Rio Paraguaçu, seu roteiro tem o percurso de 520 km e atravessa grande parte da paisagem baiana até desaguar na Baía de Todos os Santos.147 A importância do Paraguaçu no período Colonial era tamanha que ele foi utilizado como referencial demarcatório dos sertões da Bahia, durante o século XVI e boa parte do XVII, este rio é alimentado por outros que cortam as terras do recôncavo quais sejam: Sergi, Jequiriçá, Açú, Subaé, 144 Arquivo da Santa Casa de Misericórdia da Bahia (ASCM), Estante A, n. 41, Livro 2º do Tombo: Escrituras, aforamentos e testamentos. 1652-1685, p. 78 145 Um recente trabalho sobre a mobilidade de pessoas e escoamento da produção do período colonial encontra-se em NEVES, Erivaldo Fagundes; MIGUEL, Antonieta. Caminhos do sertão: ocupação territorial, sistema viário e intercâmbios coloniais dos sertões da Bahia, Salvador: Arcádia, 2007. 146 O cultivo da cana-de-açúcar foi rentável no recôncavo devido à quantidade de argila existente em sua pedologia, o que se denomina “solo massapé”, essencial para o crescimento de cana de açúcar e outros produtos que posteriormente foram cultivados. Ver: BARICKMAN, Bart J. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no recôncavo. 1780 – 1860, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 36-37. 147 Anais do Arquivo Público do Estado da Bahia, vol. 32, 1919, p.335-337. 53 São Paulo, Guaí, Jaguaripe, Jacuípe, Paramirim e Batatã. As fontes nos informam que no século XVII, a população situada nesta região não se resumia apenas a proprietários de minifúndios, ou grupos de famílias latifundiárias, servidas pela massa escrava dócil. Se a lavoura da cana-de-açúcar atraia engenhos e escravos suficientes para manter a produção, era fora dos domínios da Casa Grande e da Senzala, nas matas ainda intocadas que circundavam as freguesias do Recôncavo e nos caminhos que lhes dava acesso que se encontrava um grande contingente de africanos, fugitivos do chicote e da opressão do sistema escravista. Estavam eles reunidos em quilombos e mocambos e deram muito trabalho às autoridades régias e aos proprietários de terra da Bahia durante todo o século XVII. A sobrevivência e utilização dos recursos naturais de uma parte do Recôncavo ainda não ocupada por portugueses tornou-se refúgio para escravos fugitivos, eles se adaptaram ao clima, à geografia e à vegetação do recôncavo, muito semelhante ao das florestas tropicais do Golfo da Guiné, da qual veio grande parte destes homens e mulheres. 148 Também indígenas resistentes e aguerridos compunham outra parte do contingente de pessoas que se encontravam à margem do projeto de conquista e colonização e que ameaçavam a produção de cana-de-açúcar no recôncavo da Bahia. Paiaiás e kiriris são largamente mencionados pelos fazendeiros por queimarem engenhos e plantações inteiras, roubar criações, matar o gado, deglutir os viajantes, dentre outros inconvenientes enfrentados pelas autoridades da Câmara de Salvador.149 Para concluir este breve desenho da população indesejada que habitava as terras do recôncavo baiano no século XVII, temos que mencionar outras pessoas que estavam longe dos centros urbanos e davam trabalho às autoridades de Salvador. De acordo com os documentos, delinquentes fugidos do litoral continuavam seus delitos no interior, armavam emboscadas e roubavam mantimentos, armas e outros gêneros que eram transportados por terra, traziam insegurança aos viajantes e mercadores que passavam pelas margens do rio Paraguaçu. 148 Em 1699, o coronel Antônio da Sylva Pimentel, destacado na freguesia de Santo Amaro de Pitanga pedia mercê pelos serviços que prestou à Coroa, por ordem do poderoso senhor da casa da Torre, Francisco Dias de Ávila. Sua tarefa, bem sucedida, foi percorrer 140 léguas durante mais de um ano e meio, acompanhado por [...] tres mulatos e quatro negros vasculhando os sertões da Bahia a procura de [...] gegês rebelados e outros índios que nestas paragens fizeram um “Arrayal”. Destaca-se a peleja que teve no sítio do “Pajahu”, assinalando a morte de muitos seres humanos [...] por se não quererem reduzir a paz, de bônus o coronel trouxe com ele 424 pessoas, dentre homens e mulheres. Ver: AHU, LF, BA, Cx. 33, Doc. 4224, 22/07/1699 149 Os oficiais da câmara da Bahia também apresentavam graves queixas à realeza sobre os ataques do gentio nas povoações de “Maragogipe, Cachoeira, Jaguaripe, Boipeba, Camamu e Cairú”, os oficias pediam exaustivamente ajuda à Corte para cobrir as despesas de envio de destacamentos que garantissem a segurança nestes locais. A urgência do socorro a estas localidades se fazia tão notória, que o procurador do Estado do Brasil pedia, em 1669, que o Rei desse ordens expressas ao Governador Geral para continuar a guerra ao gentio bravo que ainda disputavam os domínios do sertão baiano com os colonizadores. Ver: AHU, LF, Cx. 20, Doc. 2332-2333. 16/11/1669. 54 A Câmara da Bahia passou todo o século XVII a pedir providências para a Coroa no sentido de enviar socorro e defesa das propriedades do recôncavo ameaçadas por índios, quilombolas e assaltantes, acoutados nas desertas estradas que davam acesso às fazendas e povoados. Vários são os registros de roubo de caravanas, assédio dos transeuntes e extravio de documentos, as queixas eram apresentadas pelos sesmeiros da Bahia aflitos com o escoamento de sua produção e segurança dos seus patrimônios seriamente comprometidos pela ação de assaltantes, desimpedidos pela ausência de lei. 150 Garantir o fluxo seguro de mercadorias e acesso da administração colonial nas partes do recôncavo era uma tarefa que despontava aos olhos dos homens de grosso cabedal na Bahia do século XVII, seja por ser conveniente à Coroa uma maior fiscalização dos negócios deste local, seja por causa das inúmeras queixas que as autoridades ultramarinas recebiam de fazendeiros locais, denunciando roubos, mortes e prejuízo de seus investimentos, provocados pela ausência de justiça.151 Lourenço de Brito Correa manifestou interesse nas terras situadas [...] junto a barra do Rio Perugasu,152 ao norte da cidade de Salvador, alegava que, nesta região, a presença da Coroa Portuguesa era invisível devido a ausência de povoações adequadas. Para Lourenço de Brito, as terras que avançavam 50 léguas do norte de Salvador até o Recôncavo, eram conhecidas por serem desabitadas e perigosas, segundo ele: [...] succede de ordinário muytas mortes, roubos, e insultos, por ser tudo hermo e não haver povoação algua em toda aquella distancia.153 Vimos que a falta de povoação adequada não significava um recôncavo inóspito, ao contrário, o espaço ainda intocado pelo processo de conquista e colonização serviu de abrigo para muitos que não se adaptavam às ordens impostas pela administração da Colônia. O que o capitão Lourenço parece ressaltar é que a ausência de casas, igrejas e prédios públicos legitimados pela Coroa e pelas autoridades da Bahia ocasionava prejuízos para os moradores daqueles lugares, pois 150 Num documento de 1651, Antônio de Couros Carneiro dá notícias da situação de “injustiças, roubos e insolências” que havia na Bahia do seu tempo. Ver: AHU, LF, Cx.12, Doc. 1395: [...] Consulta do Conselho Ultramarino sôbre o que escreve da Bahia Antônio de Couros Carneiro acêrca das injustiças, roubos e insolências que ali houve, ‘chegando o excesso a tanto que não ficou donzela nem casada que ou por fôrça ou por ameaças não fossem contrangidas ou violentadas suas honras,’ chegando o apêrto a tanto que se dizia naquela praça, publicamente, que melhor seria experimentar o jugo dos holandeses que não o que até agora sofrem, 08/03/1651. Esta nostalgia do tempo flamengo será vista novamente nos tempos de independência do Brasil. Ver: op.cit. Evaldo Cabral de Mello, Rubro Veio – o imaginário da restauração pernambucana. 1997, pg. 382-383. 151 Antônio de Couros Carneiro era um importante proprietário de terras e escravos na região do recôncavo da Bahia. Em 1665 este fidalgo demonstrava revolta com o descaso que os governantes do Brasil tratavam a situação de perigo e dano da sua propriedade, atacada sistematicamente pelo gentio bravo, na região de Camarugibe. Ver: AHU, LF, Cx18, Doc. 2112-2113, 15/07/1665. Para mais detalhes sobre a ocupação das terras do recôncavo da Bahia, que margeiam o Rio Paraguaçu, ver a dissertação de BARROSO, Juliana Brainer. Colonização e resistência no Paraguaçu – Bahia. 15301678. Dissertação (Mestrado em História), UFBA, Salvador, 2008. 152 AHU, LF, Cx.17, Doc. 1921: [...] Consulta do Conselho Ultramarino sobre Lourenço de Brito Correa, que desse licença para fazer uma vila à suas custas, nas terras do recôncavo, para a parte de Sergipe do Conde e Peruaçu, comprando com seu dinheiro, para que possa gosa o senhorio do cível e crime como os outros donatários, 21/02/1663 153 idem 55 estavam completamente afastados da justiça e da segurança e vulneráveis a todo tipo de ameaça. Durante boa parte do século XVII, percebemos que o recôncavo da Bahia tornou-se valhacouto apropriado para os que estavam em conflito com a lei, a mão da justiça não alcançava os criminosos muito bem escondidos nestas paragens. Para justificar seu interesse por terras, Lourenço afirmava que os ministros da justiça não podiam chegar às bandas do Rio Perugasu e assim [...] não podem accodir a remediar estes males e delictos.154 A investigação criminal e cível [...] para as partes de Seregipe do Conde, Cachoeira, Perugasu e outras freguesias155 estava comprometida no século XVII, além da distancia que estes locais tinham em relação a Salvador, o caminho era cheio de perigos e armadilhas, fossem elas naturais ou construídas por salteadores, espalhados pelas rotas que davam acesso ao sertão da Bahia. Ao constatar a situação, o fidalgo Lourenço de Brito Correa pede à D. Afonso VI, Rei de Portugal, mais uma mercê régia dentre as tantas que já havia recebido das mãos dos reis Brigantinos. Queria ele financiar a fundação de [...] hua Villa (...) nas terras do Recôncavo da Bahia,156 especifica que esta mercê poderia ser dada em [...] capitania, para a parte de Seregipe do Conde, Perugasu ou onde melhor lhe parecer.157 O pedido destas terras oportuniza um estudo mais profundo acerca das possibilidades jurídicas que dispunha o sistema administrativo português, tais possibilidades permitiam a aquisição definitiva das terras da Bahia, especialmente por alguns grupos familiares. O uso proveitoso do pedaço de chão, dado como favor régio, foi vetor de consolidação e ampliação do patrimônio fundiário de muitas ilustres famílias baianas, ao longo de todo o século XVII. Neste quadro normativo, a concessão de terras era também compreendida como uma mercê régia que se materializava em centenas de folhas manuscritas que legitimava a graça adquirida em forma de chão, quais sejam: cartas de sesmaria, forais ou cartas de doação. Estes eram os principais documentos legitimadores da propriedade fundiária no período colonial, só havendo mudanças radicais neste modelo no ano de 1850, por conta da Lei de Terras n.610, de 18 de setembro. Todas as cabeças coroadas após a Restauração Brigantina perpetuaram a tradição de conceder ou negar mercês régias em forma de terra a pessoas da Bahia e esta prática perdurou durante todo o século XVII.158 Seguindo esta tradição, Lourenço suplicou a mercê de uma capitania em local distante da 154 idem idem 156 idem 157 idem 158 Nos documentos avulsos da Capitania da Bahia e no fundo arquivístico Luiza da Fonseca tramitaram, entre a Capitania da Bahia e o Reino, durante o século XVII, 128 autos que envolviam concessão e negação de mercês régias, somem-se a este quantitativo 10 documentos que não informam a data correta da epístola, sendo que a década de 60 marca o período de maior demanda acerca desse assunto, contabilizando 35 ocorrências. 155 56 cidade de Salvador, mas à beira de rios navegáveis e com condição profícua para agricultura e aglomeração de pessoas em uma Vila que seria construída às suas custas em troca de alguns privilégios. Capitania, nesta época, era uma propriedade hierarquicamente maior que as outras concessões de terras disponibilizadas pela Coroa, o sistema de Capitanias hereditárias, apesar de ter sido substituído pela centralização administrativa dos governos gerais e vice-reinados, continuou a fazer parte do universo jurídico que ordenava a distribuição e uso do solo da Colônia do Brasil. O território da Bahia é resultado das Capitanias da Bahia, Ilhéus, Porto Seguro, Itaparica e Tamarandiva e Paraguaçu (Peruaçu, Perugasu).159 Os capitães donatários tinham suas orientações criteriosamente elencadas nas Cartas de Foral, nestes documentos, percebemos mais detalhes sobre o uso da propriedade e do pagamento dos tributos tradicionalmente cobrados especialmente para com a extração de pau Brasil ou lavras de ouro e pedras preciosas que porventura houvessem nas terras concedidas. As cartas de doação são mais generosas em termos de informação, registram e ordenam todo o sistema de capitanias hereditárias: identificava o donatário, ascendência e descendência do agraciado, títulos recebidos e serviços prestados à Coroa, bem como outros méritos que obteve ao longo da carreira, fazendo-o digno diante do Soberano que concedia a Capitania. O documento também apresentava os limites territoriais da outorga, sendo que no Brasil, composto por 635 léguas de litoral, apenas 10 léguas poderiam ser dadas aos Capitães donatários, ficando o restante de seus domínios disponível a pessoas interessadas em sesmarias, para posterior propriedade. A carta de doação também atribuía o título de Capitão e Governador ao proprietário, conferindo-lhe poderes de construir vilas e povoações, nomear juízes, oficiais e ouvidores, arrecadar os tributos ordinários, além de ser administrador da justiça, tendo, no caso de hereges, sodomitas, falsários e traidores, a prerrogativa de condenar sem apelação nem agravo. Se as capitanias eram doadas aos capitães donatários com a permissão de ter jurisdição civil e criminal, a vasta extensão do território possibilitava aos mesmos conceder sesmarias, disponível a pessoas interessadas em uma parte de terra da Capitania, com vista no seu desenvolvimento. A Carta de Sesmaria era o documento que ordenava juridicamente o uso e a distribuição do solo de uma capitania e tornou-se parâmetro básico para o entendimento da história agrária do Brasil durante o período colonial. As cláusulas deste documento submetiam os sesmeiros a alguns limites e orientações para o 159 O trabalho do professor Erivaldo Fagundes Neves revela mais detalhes dos critérios de distribuição de terras e problematiza a formação da estrutura fundiária da Bahia colonial. NEVES, Erivaldo Fagundes. Posseiros, rendeiros e proprietários: estrutura fundiária e dinâmica agro-mercantil no alto sertão da Bahia (1750-185). Tese (Doutorado em História). UFPE, Pernambuco, 2003, p.105. 57 uso da terra, contudo, a ausência da fiscalização tornava a Carta de Sesmaria mais um documento comprobatório de propriedade, que um manual de instruções atenciosamente seguido pelos contemplados. O principal objetivo para se conceder uma sesma de terra era o lucro. O candidato à sesmeiro deveria ter em mente que esta concessão estava condicionada ao cumprimento de um conjunto de atividades e em um determinado espaço de tempo. Derrubar árvores e aproveitá-las para a construção da casa sede, curral e outros apriscos, além de vender as inúmeras espécies de madeira de lei existentes na Mata Atlântica, úteis no Brasil e no Reino, foram as primeiras atividades de uma sesmaria do recôncavo no século XVII e primeira fonte de renda do possível proprietário. A depender do local e da qualidade do solo, o sesmeiro começava a plantação ou punha gado pastando no local, aliado a isso, construía benfeitorias como casa de farinha, moendas d´água, dentre outros empreendimentos que rendessem dividendos à produção da terra sesmada. Construções de defesa da propriedade contra invasores hostis também estava na ordem do dia do sesmeiro instalado no recôncavo da Bahia Seiscentista. O resultado da labuta diária era a maior garantia deste trabalhador da terra, tinha ele a esperança na posse definitiva da sesmaria e sua consequente ampliação, mas tudo isso dependia da graça régia que confirmava ou negava a posse daquele pedaço de terra. Um terreno dado em sesmaria que não apresentasse lucro ou estivesse abandonado pelo trabalhador, era sequestrado pela Coroa e transformado em terra devoluta, as terras e suas benfeitorias ficavam disponíveis aos muitos interessados em investir nestas léguas desocupadas ou abandonadas. E não foram poucas as sesmarias que acabaram em decadência, os motivos de alguns não obterem sucesso no desenvolvimento da sesmaria podem ser explicados, seja pela péssima qualidade do solo de alguns locais, ausência de rios ou nascentes e difíceis condições pluviométricas ou por causa do assédio constante de índios hostis e quilombolas, que atacavam sistematicamente as propriedades, queimando os empreendimentos, destruindo a lavoura, roubando e matando a criação. A sesmaria doada tinha caráter provisório e só era outorgada definitivamente ao trabalhador que cumprisse suas obrigações e desenvolvesse as potencialidades da terra que estava sob sua tutela, no prazo definido e com o pagamento dos tributos em dia. Com a posse garantida, o sesmeiro virava dono e tinha o direito de declarar a terra em testamento, isto garantia a herança dos seus domínios aos descendentes, bem como abria a possibilidade de ampliação dos limites primordialmente acordados na concessão da sesmaria. No universo jurídico da época, o uso profícuo da sesmaria e a consequente apropriação, 58 confirmava a posse do terreno sesmado em uma propriedade alodial ou enfiteuse. A terra alodial era uma propriedade imóvel, livre de encargos, vínculos e ônus que davam status de alodialidade a terra, pois o proprietário era isento de foros, pensões, hipotecas e outras despesas.160 Já emphyteosis, como registrou Raphael Bluteau, significava a concessão definitiva da terra produtiva, ao enfiteuta. A enfiteuse era então caracterizada pela impossibilidade do proprietário se desfazer da terra, pois estava obrigado a cultivar e melhorar estes domínios, sendo possível passá-lo à suas gerações.161 Vemos então, que tanto o alódio quanto a enfiteuse dava pleno gozo aos proprietários definitivos destes bens imóveis, na Bahia estes instrumentos jurídicos legitimadores foram acionados por Antonio Guedes de Brito, Antonio de Brito Correa, Lourenço de Brito Correa, Lourenço de Brito Figueiredo e tantos outros homens que, ao longo do século XVII, consolidaram o imponente patrimônio dos descendentes do Caramuru. 8- Uma capitania em forma de mercê: Lourenço de Brito Correa e seu interesse nas terras do Recôncavo. Depois de termos analisado o contexto jurídico e simbólico que envolvia a concessão de terras na Bahia Colonial, temos mais instrumentos para compreender o motivo que levou Lourenço de Brito Correa a pedir um amplo espaço de terra em forma de Capitania, para que nela custeasse a construção de uma Vila. Lourenço demonstrava interesse pelas terras do Recôncavo, todavia, desde em 1660 a graça régia em forma de grandes propriedades era outorgada pelas mãos de D. Luísa de Gusmão ao fidalgo Lourenço, no dia 23 de fevereiro de 1660 a Rainha concedeu carta de Sesmaria para algumas pessoas de destaque na cidade de Salvador, eram eles: Lourenço de Brito Correa e sua irmã Jona Correa de Brito, o Capitão Antonio Lopes Soeiro e o Padre Matheus de Mendonça, cada um recebeu [...] doze legoas em quadra sobre as lagoas do Sul e do Norte acima, e partes de Garanhém e do lado dos campos do Inhamú, com todos os seus logradouros, entradas e sahidas, serventias, mattos, lenhas, agoas e pastos. Em novembro de 1660 Lourenço recebeu outra Carta de Foral contendo [...] duas legoas de terra de comprido e duas de largo, compradas de Christovão da Rocha e mais duas legoas em quadra que de novo se lhe dá.162 160 CARDOSO, Ciro Flamarion Santana.; BRIGNOLI, Héctor Pérez. História Económica de América Latina. Sistemas agrários y historia colonial. Tomo 1. Barcelos: Crítica, 1984, p. 111. 161 Op. cit. BLUTEAU, Raphael. Vocabulário Portuguez e Latino, Volume III, 1728, p. 63 162 Esta mercê foi dada no dia 07 de novembro de 1660, [...] no rio de São Francisco, onde se chama Jasseoba, começando em uns montes à beira do rio rumo direito rio acima as duas legoas de terra que comprou a Christovão da Rocha e outro tanto de largo até o monte Obutura Caconha, das quaes esta de posse pacifica desde o anno de 1634; bem como mais duas legoas d´onde acabam as primeiras rumo direito pelo rio acima, e outras duas legoas perto do 59 Na linguagem jurídica da época, uma vila era entendida por um conjunto de edifícios públicos e moradias que mantinham vínculos com os seus patrocinadores e com as autoridades de Salvador. Uma Igreja conveniente ao número de fiéis, uma casa de Câmara e Cadeia para tratar de assuntos civis e criminais e a ereção de um Pelourinho eram construções necessárias a qualquer povoação adequada, seja no reino, seja na colônia. Mas, os gastos que tinha o donatário163 não era apenas na construção de imóveis públicos, ele deveria também, em um prazo estabelecido, assentar certo número de vizinhos, que viveriam nas casas construídas também às suas expensas, a construção obrigatória de moradias possibilitava a erradicação de famílias naquele espaço, bem como gerava sociabilidades das mais diversas modalidades, mediadas pela Igreja, pelo Capitão e pelos seus oficiais destacados. Lourenço de Brito justifica assim o seu pedido: [...] por causa da grande distancia, que há a Cidade da Bahia, aos lugares do Recôncavo della, que são mais de 50 légoas [...] por ser tudo hermo e ser povoação algua [...] se não podem averiguar muitos dos ditos crimes e fica sem castigo [...] passam os julgadores, que vão devassar alguns dos casos referidos muyto detrimento, em razão de não haver quem lhes venda, e acuda para o necessário para o seu sustento e da gente que levão consigo, nem de pousadas, e o mais de que necessitão; o que se pode evitar, havendo villas e povoações por aquelas partes, em que haja vendeiros, e justiças ordinárias e se aposentem os caminhantes e os ministros de VM.164 O primeiro parecerista desta petição foi o Procurador da Fazenda Real, ele seguiu a tendência da época em dar provimento a pedidos de terras, formulados por fidalgos abastados da colônia, dizia que tal petição seria [...] um grande serviço a VMgde. pelas utilidades, que a ele resulltão, mas há de ser com termo e limite de seis légoas de distancia ao redor. Na opinião do procurador, era [...] de utilidade de sua Real Fazenda, que nas terras do Brazil haja muytas por que com estas será mayor a cultura e mayores os interesses dos fructos, e por estas rasões costuma VMgde. dar licenças as pessoas de merecimentos e cabedais que as possam fazer; e VMgde. deve defferir ao ditto Lourenço de Brito, na forma que se pede, sem prejuízo de terceiro.165 Vemos então que, apesar de demonstrar interesse em empreendimentos como o que sertão para ficar em quadra, com todos os seus logradouros, entradas e sahidas, serventias, mattos, lenhas, agoas, pastos. As do foral. Op. Cit. FREIRE, Felisbello. História territorial do Brasil, p. 36. Ver também a confirmação destas posses em Anais do APEB, Volume 17, Salvador: 1929: [...] Alvará pelo qual se confere e dá de novo a Lourenço de Brito Correa e o Capitão e Sargento Maior Lourenço de Brito Figueiredo, seu filho, as terras declaradas. Ver também uma Portaria escrita pelo Conde de Óbidos que lhe ordenava apresentar os documentos para uma sesmaria que pretendia de Sua Magestade, em 26 de junho de 1664: [...] no coração dos mattos marinhos entre os rios Syrigiassu e Tarery de Seregipe do Conde que terá a largura em partes de uma legoa e de rumo direito pelos rios acima, duas. DHBRJ, volumes 6, p. 162 e 167. 163 Esta expressão é observada numa petição, também de capitania, feita pelo sobrinho de Lourenço e um dos patriarca das da Casa da Ponte, Antonio Guedes de Brito. Ver: AHU, LF, Cx. 24, Doc. 2875. [...]Consulta do Conselho Ultramarino sôbre Antônio Guedes de Brito, natural e morador na Bahia, que pede licença para levantar vila e ser senhorio, com o título de alcaide-mor para si e seus descendentes,13/01/1679. 164 op. cit. AHU, LF, Cx.17, Doc. 1921, p. 2. 165 idem 60 propunha Lourenço de Brito, o procurador da fazenda ressaltou os limites que esta concessão deveria ter, demarcando seu termo e limite em seis léguas, aproximadamente 19.800 hectares, conforme o cálculo de Célia Freire de A. Fonseca.166 Estipular os limites das terras concedidas evitava problemas com os proprietários que adquiriram mercês anteriores nestes locais e iriam dividi-lo com Lourenço, contudo, a pouca precisão dos referenciais de domínio territorial gerava crises e contendas por limites e domínios de jurisdição entre os donos de terra do Recôncavo. Já o procurador da Coroa foi mais cauteloso, apesar de não achar inconveniente a concessão da mercê que pedia Lourenço de Brito. No que tocava a pretensão de querer construir uma vila, o funcionário real disse [...] ser de grande utilidade a esta coroa povoarense as terras do Brazil, e augmento da fazenda real, porém, [...] no toccante a jurisdição, que se pede se deve declarar que a terá somente nas terras, que forem suas próprias, não se excedendo aos que já tiverem donos: porque pretendendo ter também nesta jurisdição, devião ser ouvidos primeiro os Officiaes da camara da Bahia, e os mesmos donnos das terras. 167 O precavido procurador da Coroa evidenciou em seu parecer a complexidade que o sistema de mercês apresentava neste período. Seu ponto de vista pode nos dar mais detalhes sobre os parâmetros de jurisdição utilizados na época, o Procurador salientava que a autoridade como capitão e a tutela do criminal e do civil, requeridos por Lourenço de Brito, não poderia superar a potestade de outras pessoas, que antes dele ocupava a vizinhança dos domínios pretendidos nas margens do Paraguaçu. Porém, o funcionário da Coroa não descartou esta possibilidade, orientando que se consultasse previamente a Câmara de Salvador e aqueles que antes de Lourenço erradicaram-se ali, para um possível acordo. Ainda não foi possível encontrar documento que comprove a aquisição destas terras por Lourenço de Brito Correa, sua influência política na Câmara de Salvador e entre os tradicionais proprietários da maioria das terras do Recôncavo são indícios de uma possível conquista das petições e jurisdições referidas. Outro indicativo da liberação desta mercê foi o parecer do Conselho Ultramarino, que referendava todos os argumentos apresentados pelos procuradores: [...] Ao conselho parece, que respeitando VMgde. os merecimentos e serviços de Lourenço de Brito Correa e as grandes utilidades, que resultam a fazenda de VMgde em se darem as terras do Brazil em Capitanias, demais de ser bem publico, para se evitarem os danos, que co declaração que a Villa que levantar de sua custa, será o termo della de seis legoas de distancia ao redor, na forma que declara o Procurador da Coroa, e fazenda de VMgde apontão. Lisboa, a 21 de fevereiro de 663. 168 166 FONSECA, Célia Freire de A.“Sesmarias no Brasil.” In: SERRÃO, Joel (dir.), Dicionário de História de Portugal. Porto: Figueirinhas, 1984, v.5, p.545-546. 167 op. Cit. AHU, LF, Cx.17, Doc. 1921. p. 2. 168 idem 61 Os documentos apresentados até o momento levam a crer que Brito obteve sucesso em sua petição, porém, um detalhe não pode ser esquecido na análise deste manuscrito a que temos nos debruçado. Neste parecer, existe uma discreta ressalva, escrita em forma de cláusula, à parte esquerda do documento, nela se registrou o maior impedimento para que a graça do Rei D. Afonso VI se fizesse mais uma vez presente na vida de Lourenço de Brito: [...] Remetasse a cópia desta Consulta ao Conde de Óbidos, que vai por Vice Rei ao Estado do Brasil; para que informando-lhe da pertenção de Lourenço de Brito; me envieis se convem parecer do que achar ou inconvenientes que se lhe offerecerem quando os haja.169 Vemos que o Conde de Óbidos já estava de malas prontas para chegar à Bahia e seu desembarque aconteceu neste mesmo ano, sabemos que Óbidos e Lourenço de Brito Correa já haviam se encontrado na Bahia, fosse nos tempos do governo de Diogo Luis de Oliveira, fosse quando Óbidos substituiu o Conde da Torre. Contudo, a visão negativa que o Conde teve de Lourenço só se fez mais notória a partir de 1664, ano em que o embate entre eles deu os primeiros sinais e estes conflitos serão analisados com mais cuidado no terceiro capítulo. Para encerrar este estudo da trajetória política de Lourenço de Brito Correa, uma observação formulada por Afonso Costa parece sintetizar como este fidalgo da Bahia fora encarado durante algum tempo pela historiografia, para o autor, Lourenço era um surrão de retribuições oficiais pois acumulou muitas tenças, hábitos e empregos. Afonso Costa continua a discorrer sobre o bisneto do Caramuru: [...] como um surrão de ambições não tem costuras ao fundo que o guarneçam com segurança, nunca se enchendo delas, o provedor mor, ainda mancomunado com o dito Mestre de Campo [Luiz Barbalho Bezerra] e já agora também com o irritadiço Bispo D. Pedro da Silva, começou de engendrar e praticar fosquinhas aos Mascarenhas, seja a Fernando Mascarenhas (Conde da Torre), a Vasco Mascarenhas (Conde de Óbidos) e a Jorge Mascarenhas (Marquês de Montalvão), sucessivamente no governo geral do Estado, e assim tomando em oposição.170 Percebe-se a partir deste trecho que a historiografia ressaltou as contendas de Lourenço com os homens que do Reino vinham administrar o Brasil, mas também as muitas benesses régias que ele adquiriu das Coroas Ibéricas, quando Afonso Costa qualifica o Provedor Mor da Fazenda Real do Brasil como um surrão de retribuições oficiais ressaltava a coleção de privilégios que Lourenço de Brito Correa obteve ao longo da sua carreira, especialmente durante a gestão de D. Luísa de Gusmão na Regência do Reino. 169 170 idem Op. Cit. COSTA, Afonso. Baianos de Antanho (Biografias), p 304. 62 Capítulo II 1- Seguindo os passos de D. Vasco Mascarenhas Mascarenhas era o nome dado no século XII a uma localidade de Portugal, situada na região da província da Beira. O primeiro monarca a se intitular Rei de Portugal e Algarves, D. Sancho I (1154-1211),171 concedeu a Estevão Rodrigues o título de Senhor daquele lugar e a varonia da Casa dos Mascarenhas. Como naquele tempo era comum aos primogênitos das famílias adotarem o local de nascimento em seus apelidos, o primeiro a introduzir Mascarenhas ao sobrenome foi Lourenço Esteves Mascarenhas, filho e herdeiro das mesmas terras e títulos.172 Esta família remonta, portanto, o tempo em que os homens do Reino de Portugal, agraciados com terras e honras por via de mercê régia, davam em troca de tais favores a sua própria vida nos momentos de guerra e se uniam ao exército cristão para expulsar os mouros, que permaneceram na Península Ibérica boa parte do século XI e XII. O patriarca dos Mascarenhas foi um dos cavaleiros que expulsou os muçulmanos erradicados na região das vilas de Elvas e Torres Novas, o que lhe rendeu benefícios régios em 1206.173 Para além da origem medieval, percebemos que a linhagem dos Mascarenhas se dispersou entre as outras famílias que compunham a corte palaciana Ibérica; em Portugal esta Casa foi uma tradicional auxiliar das Coroas que regeram aquela Península e em todas estas ocasiões os descendentes dos Mascarenhas ocuparam posições de destaque. Não queremos fazer um inventário mais pormenorizado sobre o desenvolvimento desta família dentro do complexo sistema nobiliárquico português, vale salientar que os Marqueses de Gouvêa (que tem a primogenitura dos Mascarenhas), os Marqueses da Fronteira, os Condes de Óbidos174, Condes de Santa Cruz, Condes da Torre, de Coculim e de Sandomil, são todos pertencentes à mesma árvore genealógica dos 171 GIORDANI, Mario Curtis. História do mundo feudal: acontecimentos políticos. Petrópolis: Vozes. 1984. p. 445. SOUSA, Antonio Caetano de. Memórias históricas e genealógicas dos grandes de Portugal, que contém a origem, e antiguidade de suas famílias: os Estados, e os Nomes dos que actualmente vivem, suas Arvores de Costado, as alianças das Casas, e os Escudos de Armas, que lhes competem, até o ano de 1754. Lisboa: Régia Officina Sylviana e da Academia Real, segunda impressão. 1755. p. 125-135. 173 Idem. p. 126. 174 [...] Dez legoas ao Sudeste da Cidade de Leyria, cinco ao Sul da Villa de Torres Vedras, dois ao mar Oceano & huma das Caldas para o Sul, em lugar alto tem seu assento a muyto nobre; & leal Villa de Óbidos, cujo nome se derivou de três palavras italianas; ob id os, por causa da boca ou foz de um braço do mar, que antigamente chegava a esta Villa & ainda hoje junto dela se achão algumas pedras furadas, aonde se prendião os barcos. He banhado de três rios, sobre que atravessão em pontes; o primeiro vem das Caldas & lhe chamão rio do Cabo; o segundo o rio do Meyo, o terceiro o Real os quaes se metem na lagoa, fertilizando suas varzeas de pão, vinho, & de gostosas frutas de toda a casta. Foy fundada pelo Túrdulos & Celtas 808 anos antes da vinda de Cristo. Entrou em domínio dos árabes & a conquistou pelos anos de 1148. Ver: COSTA, Padre Antonio Carvalho da. Corografia Portuguesa, e descripçam topográfica do famoso reyno de Portugal,com as noticias das fundações das Cidades, Villa e lugares que conthem: Varoens ilustres, Genealogia das famílias nobres, fundações de Conventos, Catalogo dos Bispos, antiguidades, maravilhas da natureza, edifícios & outras curiosas observações. Offerecido a Sereníssima Senhora D. Marianna de Áustria, Rainha de Portugal .Tomo Terceiro. Segunda edição, Braga: Topografia Domingos Gonçalves Gouvêa. 1712, p. 61. 172 63 Mascarenhas.175 Coletar os vestígios deixados nas fontes da época que registram o protagonismo de D. Vasco Mascarenhas foi uma tarefa trabalhosa, para cumprir este objetivo segui as orientações deixadas por Diogo Ramada Curto, o autor auxilia o trabalho do pesquisador interessado nas trajetórias políticas do século XVII: [...] em torno de cada nome e de cada pessoa será sempre possível desenhar, por círculos concêntricos, vários sentimentos de pertença: à família, linhagem, casa ou clientela (apesar de esta última nem sempre se afigurar muito nítida); ou a uma carreira – sobretudo ao serviço do rei, mas que muitas vezes se confunde com uma sucessão familiar em determinado cargo –, sendo que é muitas vezes ténue a separação entre os cargos ocupados e os títulos e comendas recebidas.176 Não temos dados que comprovam a data de nascimento de Vasco Mascarenhas177, provavelmente tenha nascido no início do século XVII. Se analisarmos com mais cuidado a vinculação deste nobre com os membros da casa real dos Bragança, teremos mais instrumentos para entender os laços que manteve com o Rei D. João IV; as contribuições da Heráldica apresentam uma breve descrição do brasão do Conde de Óbidos,178 vejamos: [...] As armas desta casa são tres faixas de ouro em campo vermelho, a que ajuntarão as reaes, por descenderem de D. Diniz, filho do Duque de Bragança, e assim esquartelarão o escudo, no primeiro os reaes e no outro os dos Mascarenhas acima. 179 Outra graça régia advinda dos Bragança foi outorgada pelo Infante D. Duarte, irmão mais novo do Rei D. João IV, Óbidos assumiu uma função de destaque em 1648 na Ordem de Cristo, conforme transcreveu D. Antonio Caetano de Souza: [...] ouve por bem de nomear por tenente do comendador Mor de Cristo a D. Vasco Mascarenhas, Conde de Óbidos, do meu Conselho de Guerra e meu muito amado sobrinho.180 175 Op.cit.; SOUSA, Antonio Caetano de. Memórias históricas e genealógicas dos grandes de Portugal, 1755, p. 127 CURTO, Diogo Ramada. “A Restauração de 1640: nomes e pessoas.” In: Península. Revista de Estudos Ibéricos. n. 0, Porto: Instituto de Estudos Ibéricos/Faculdade de Letras do Porto, 2003. p. 336. 177 Vasco Mascarenhas era filho de D. Fernando Martins Mascarenhas, Comendador de Mertola e Alcaide Mor de Monte Mor o novo. A vinculação de Óbidos com a Casa real Bragantina advêm da sua mãe, D. Maria Madalena de Lancastro, filha segunda de D. Diniz de Lancastro, portanto avô materno de Óbidos. D. Diniz era Comendador Mor do Mestrado e Ordem de Cristo e Alcaide mor de Óbidos, casou-se com D. Isabel Henriques, ambos fundadores e padroeiros do Convento de Óbidos, desta forma, Vasco Mascarenhas era [...] neto de D. Diniz de Lancastro, Conde de Lemos em Castella e bisneto de D. Fernando, segundo do nome, Duque de Bragança, e de sua mulher D. Isabel de Lancastro. ver: MARIA, Frei Joseph de Jesus. Espelho dos Penitentes e Chronica de Santa Maria de Arabida em que se manifestam a vida de muitos santos varoens de abalizadas virtudes e outros que pela verdade da fé sacrificarão as vidas destribuidas por todos os dias do anno. Offerecido a sempre augusta magestade de El Rey D. João V Nosso Senhor. Lisboa: Officina Joseph Antonio da Sylva, 1737, p.358. 178 [...] Óbidos, Villa na provincia da Estremadura; desta Villa foi feito Conde D. Vasco Mascarenhas, de que tirou a carta a 22 de Dezembro de 1636, que está na Chancellaria do dito anno, liv. 27, pag.210; depois quando passou por Vice-Rey do Estado do Brasil, El Rey D. Affonso VI lhe fez mercê, entre outras, de Conde de Óbidos de juro para todos os seus sucessores na forma da Ley mental, de que se lhe passou carta a 14 de Abril do anno de 1663, que está na sua Chancellaria, liv. 27, pag.211. ver: op. cit. SOUSA, Antonio Caetano de. Memórias históricas e genealógicas dos grandes de Portugal. 1755. p. 427. 179 op. cit. SOUSA, Antonio Caetano de. Memórias históricas e genealógicas dos grandes de Portugal, 1755. p. 435. 180 SOUSA, Antonio Caetano de. História Genealógica da Casa Real Portuguesa desde sua origem até o presente, com as famílias ilustres, que procedem dos Reys e dos Sereníssimos Duques de Bragança, justificada com instrumentos e escritores de inviolável fé e offerecida a El Rey D. João V. Tomo IX. Lisboa: Régia Officina Sylviana 176 64 A vinculação de D. Vasco Mascarenhas com a Coroa Castelhana é constatada a partir do título de primeiro Conde de Óbidos, concedido pelo Rei Felipe III, durante a União Ibérica. Tal benesse deve ser entendida a partir da sua primeira união matrimonial, estabelecida com Jeronima Maria de La Cueva e Benavides, filha de D. Luís de La Cueva e Benavides e de D. Elvira de Mendonça, Dama da Rainha D. Isabel de Bourbon. Seu primeiro matrimônio ocorreu durante a União Ibérica e foi pelas mãos dos Habsburgos que este membro do tronco dos Mascarenhas recebeu o título de primeira nobreza com que ficou conhecido no Reino e no Ultramar.181 Não teve filhos com a sua primeira mulher, defunta ainda jovem, a viuvez do Conde de Óbidos só foi substituída por um novo matrimônio contraído com sua sobrinha, Joana Francisca de Vilhena e com ela teve seu herdeiro de títulos, D. Fernão Martins Mascarenhas. O patrimônio familiar do primeiro Conde de Óbidos atravessou o tempo dos Filipes e continuou com os Bragança, esta constatação pode ser comprovada a partir das honras e mercês recebidas, especialmente após a Restauração. As várias atividades políticas, militares e administrativas que Óbidos exerceu podem ser percebidas ao longo do século XVII: pertenceu aos Condes de Óbidos a Alcaidaria-mor das vilas de Óbidos e Selir Porto (1638), D. Vasco Mascarenhas foi Conselheiro de Guerra em1640, recebeu o também o título de Governador e Capitão Geral do Algarve, Vice Rei da Índia (1652-1653), Vice Rei do Brasil (1663-1667), Governador das Armas da Província do Alentejo, Conselheiro de Estado de D. Afonso VI (1662), Comendador da preceptoria e comenda de N. S. da Lourinhã (1655); Sellamede; Idanha, a Velha e São Salvador de Barbaes (1666). Também foi Comendador da Ordem de Cristo (1659), em São Lourenço de Taveiro e da Ordem de Santiago em Hortalagoa (1665).182 2- Estágio probatório nas praças ultramarinas: o Brasil e seus desafios. Façamos então um mapeamento da trajetória de D. Vasco Mascarenhas enfocando nos registros documentais que comprovam a sua presença em terras americanas, a Carta patente de Vice Rei que recebeu de D. Afonso VI, em 1663, atestava que ele servia às Coroas Ibéricas desde e da Academia Real, 1742. P. 91. 181 Mafalda Soares da Cunha apontou que durante o período Filipino a casa da Áustria incentivava a união de casais espanhóis com portugueses no intuito de formar uma nobreza comum, com relação ao casamento do Conde de Óbidos na Espanha ela afirma: [...] El monarca fue liberal, respondiendo positivamente al pedido de la futura suegra para que el fuese prorrogado em dos vidas más la alcaidaria-mayor y las encomiendas que tênia, y hasta la merced de 10.000 reales de renda em Portugal sobre bienes vacantes de la Corona. El Rey asintió, dotando de inmediato la encomienda de São Mamede de Vila Marim (Algarve), contra la entrega de uma de menor valor que el hidalgo poseía. Y, com todo, llegó además El titulo de conde de Óbidos. Ver: CUNHA, Mafalda Soares da. “Titulos Portugueses e matrimônios mixtos en la Monarquia Católica.” In: CASALILLA, Bartolomé Yun (dir.). Las redes del Império : elites sociales em la articulación de la Monarquia Hispánica, 1492-1714. Marcial Pons Historia, Universidad Pablo de Olavide, 2009, p.226. 182 Op. cit. SOUSA, Antonio Caetano de. História Genealógica da Casa Real Portuguesa, tomo IX, 1742. P. 100. 65 1619183, todavia, enfocaremos na sua passagem em tempos de invasão holandesa no Brasil. Ressalte-se pois que até dezembro de 1636 ele não ostentava o título de Conde, todavia era um soldado de família nobre experimentado nas armas. O Brasil fez parte do roteiro de experiências que D. Vasco Mascarenhas teve em sua juventude fora do Reino, constatamos a sua presença na Bahia em fins do governo de Diogo Luis de Oliveira (1626-1635). Num capítulo de carta régia, de 09 de maio de 1635, a Coroa informava às autoridades da Bahia que ele [...] se parte logo daqui para se embarcar e servir seu cargo de Mestre de Campo se lhe passe logo ahi sua patente com os ditos ordinários.184 Seu envio para o Brasil foi resultado de um pedido de ajuda feito por Diogo Luis de Oliveira, Governador Geral do Brasil que sofria com constantes confrontos para expulsar os holandeses e ausência de militares aptos ao combate. Depois de expulsar os invasores de Salvador em 1625, a ameaça de uma nova ocupação continuava iminente, as constantes incursões batavas enfraqueciam a produção de açúcar no nordeste do Brasil e a Bahia era o local escolhido da ofensiva, eles queriam desmantelar os Engenhos do Recôncavo e tomar o controle da Capital da Colônia. Para superar as grandes limitações, especialmente a carência de militares hábeis e experimentados, o Governador Geral do Brasil escrevia um requerimento à Coroa para que lhe enviasse [...] pessoas práticas e de qualidades e experiência que o ajudem a servir.185 No escrito, o Governador demonstrava especial interesse por um militar que naquela época liderava uma Companhia de soldados da Coroa Espanhola em Flandres, ressaltava o Governador que em D. Vasco Mascarenhas [...] concorria todas as partes e calidades referidas de que ele Diogo Luis é testemunha de vista.186 A presença de um militar de destaque nas guerras contra os Países Baixos não podia deixar de constar na lista de pessoas de calidade enviadas para auxiliar o dito Governador Geral do Brasil 183 A Carta patente de vice-rei do Brasil outorgada ao Conde de Óbidos em 08 de fevereiro de 1663, assim registrou: [...] que tendo eu respeito dos serviços que o Conde de Óbidos meu muito amado sobrinho, do meu conselho de Estado tem feito a esta [ilegivel] desde o ano seiscentos e desanove ate o prezente no Estado do Brasil. Ver BNRJ, Seção de Manuscritos 1,2,5. Agradeço aos estudantes Ana Paula Magalhães, Caroline Garcia Mendes e João Henrique de Castro – UFV, pela transcrição do documento. 184 AHU,LF, cx5, doc. 567, 09/05/1635. Pedro Calmon confirma a relação amistosa existente entre o Governador Geral Diogo Luis de Oliveira e D. Vasco Mascarenhas e indica que este esteve no Brasil em 1626, salientando que [...] Por Mestre de Campo da gente de guerra trouxera D. Vasco Mascarenhas, seu companheiro de lutas em Flandres, e a quem deu posse em Olinda, em 11 de novembro de 1626. op. cit. CALMON, Pedro. História do Brasil, Vol 2, (sec XVIXVII). 1971. p. 529. […] Diogo Luis de Oliveira a que muito denota a Fama, e celebrão as Histórias foy escolhido, e elleito por El Rey Felipe IV, e o Conde Duque seu Valido para Governador e Capitão General deste Estado de que tomou posse em 27 de janeiro de 1627 por patente de 26 de Fevereiro de 1625 com 100:000 rz de soldo por mês [...] o qual fez preito e juramento, e homenagem nas mãos de El Rey na Villa de Madrid [...] sendo prezentes por testemunhas o Marques de Castelo Rodrigo, João Gomes de Sá e D. Vasco Mascarenhas e tomou juramento na Chancelaria de Lisboa em 13 de Agosto de 1626. Este e outros indícios da aproximação de D. Vasco Mascarenhas com Diogo Luis de Oliveira estão registrados em Anais BNRJ, Volume 22, 1900, p. 138: 185 AHU, LF, cx.34, doc. 4382, (SLND). 186 idem 66 a combater as ameaças estrangeiras que assolavam a América Portuguesa. Vasco Mascarenhas foi indicado não apenas por ter relações de amizade com Diogo Luís de Oliveira e outrora ter sido seu companheiro de armas, mas também porque o serviço militar que prestou na Europa o fazia conhecedor do modo de combate dos holandeses, das artimanhas de guerra daquele povo e o tipo de munição, armamento e táticas de defesa que utilizavam. Assim, o Governador elogiava seu ex-companheiro de armas, informando que ele servia com muita pontualidade e satisfação e por esses motivos justificava sua indicação. Como um administrador do seu tempo, Diogo Luis de Oliveira também se ocupou em sugerir os melhoramentos financeiros e a forma como o pagamento do soldo de D. Vasco Mascarenhas entraria nas contas da Fazenda Real do Brasil: [...] se lhe faça mercê de ocupar no ofício de Sargento Mor do Brasil da mesma maneira e com o mesmo ordenado [...]acrescentandolhe em o título de Mestre de Campo por ser calidade diferente de todas os demais que servirão [...]. Fazendo isto, o Governador apresentava a despesa que o envio deste militar ao Brasil geraria, bem como ressaltava os melhoramentos que esta vinda para o Brasil traria à sua carreira. 187 Mestre de Campo era o posto que D. Vasco Mascarenhas ocupava em Flandres, ele não poderia passar para o Brasil exercendo uma função inferior a esta, caso isto ocorresse seria ele “degradado”, ou seja, rebaixado em suas funções militares. Mas não foi esse o seu destino, o Governador Geral sugeria que este Mascarenhas fosse provido na Bahia com a função de Capitão Mor do Mar, cargo mais importante e com maiores rendimentos que o anterior, a tarefa que iria cumprir estava definida nesta mesma carta, vejamos: [...] visitar as capitanias e fortalezas mandando alistar a gente e vendo se tem armas e se sabem manejar e ver onde é necessario fortificar e reparar algumas couzas cahidas e que se há artilharia e se esta em seus postos e se tem os petrechos necessarios para se servir dela e que nos almazens aja polvora e monições onde faltarem todas estas couzas se avise 188 ao Governador. Vemos assim que a primeira temporada de D. Vasco Mascarenhas no Brasil foi marcada por viagens de reconhecimento e inspeção técnica, tinha ele a missão de reunir as informações sobre o efetivo militar, bem como inventariar o arsenal existente nas Capitanias, tal atribuição se fazia urgente tendo em vista as constantes ameaças de inimigos, fossem eles invasores holandeses, índios rebeldes ou escravos aquilombados. Diogo Luís de Oliveira reclamava das várias atribuições que tinha enquanto Governador Geral e tantas demandas o impedia de tomar o devido cuidado com as coisas da guerra, por isto ele conferiu esta missão especial a um especialista nas armas. Correr as estradas do sertão que levava aos Engenhos e fazendas de gado, navegar nos rios 187 188 idem idem 67 que margeavam fortalezas e as praias da costa do Brasil, se tornou uma boa oportunidade para D. Vasco Mascarenhas conhecer as belezas naturais que ouvira falar na Europa, também pôde perceber as carências do efetivo militar do Brasil e estabelecer relações com a população que habitava estas partes da América. Um trabalho difícil, porém necessário como primeira experiência, pois era exímio conhecedor das operações militares mais utilizadas na época, sabia como armazenar mantimentos bélicos com segurança, tinha noções de construção de fortalezas e reparos de sua estrutura física. Seu trabalho era relatar ao Governador Geral as potencialidades e fragilidades que cada Capitania apresentava em relação às ameaças cotidianas. Além de ter aumentado o repertório de habilidades e traquejo militar, D. Vasco Mascarenhas também teve a oportunidade de conhecer com mais profundidade o funcionamento da administração da Colônia Portuguesa nas Américas e o comportamento dos seus funcionários ante as atribuições que lhes eram devidas, observou ainda alguns detalhes do jogo político local e práticas dos membros da elite da Bahia. Foi neste período que se deu o primeiro contato deste nobre do Reino com alguns fidalgos de Salvador que nesta época uniram-se contra a invasão holandesa, dentre os quais está Lourenço de Brito Correa. D. Vasco Mascarenhas embarcou de volta para a Espanha e lá recebeu o título de Conde de Óbidos pelas mãos de Filipe IV, a 22 de dezembro de 1636. D. Vasco Mascarenhas encontrava-se em Madri e era um dos homens de confiança do Conde Duque de Olivares no aconselhamento dos assuntos concernentes à defesa do Brasil. Esta constatação sustenta-se nas narrativas de Francisco de Brito Freyre quando se referiu à situação da guerra em Pernambuco e os responsáveis pelas companhias de soldados existentes no Brasil no ano de 1638: [...] A guarnição que era própria da praça, constava de mil e quinhentos soldados, nos dois Terços dos Mestres de Campo D. Fernando de Lodueña e D. Vasco Mascarenhas, Conde de Óbidos, que por se achar em Espanha, governava seu Sargento Mor João de Araújo.189 Apesar de ser Mestre de Campo de um Terço de Infantaria no Brasil, o Conde de Óbidos estava na Espanha e só voltou à Bahia pela segunda vez em 1639, embarcou como um dos tripulantes da armada de socorro enviada por Castela para expulsar os holandeses sitiados em Pernambuco. Para completar o mapa das atribuições que ele desenvolveu durante os dois anos que antecederam a Restauração Brigantina, não podemos deixar de mencionar a primeira experiência de governador interino que teve o Conde de Óbidos.190 189 FREYRE, Francisco de Brito. Nova Lusiania, História da Guerra Brasílica a puríssima alma e saudosa memória do sereníssimo Príncipe Dom Theodósio, Príncipe de Portugal e Príncipe do Brasil. Década Primeira. Lisboa: Officina de Joam Galram. 1675. P. 444-443. 190 MIRANDA, Susana Münch. SALVADO, João Paulo (orgs.) Cartas do 1.º Conde da Torre, 4 vols. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001. p. 67. Ver também: SILVA, Ignacio 68 3- O Conde de Óbidos, substituto do Governador Geral do Brasil. O Rei Felipe IV, seguindo os conselhos do seu Valido,191 enviou a quarta armada de socorro ao Brasil, capitaneada pelo Conde da Torre (1639-1640).192 Óbidos era o Capitão General de Artilharia e foi testemunha dos poucos recursos que a campanha apresentava quando saiu da Península Ibérica em direção à África, em 7 de setembro de 1638. Os detalhes desta empreitada foram estudados por muitos historiadores dentre os quais Eval Cabral de Mello se destaca pelo cuidado que teve ao destacar os consecutivos auxílios enviados pelas coroas Ibéricas com vistas a expulsar os batavos do Atlântico Sul. A armada do Conde da Torre iniciou a viagem desfalcada, parte dos navios espanhóis ainda reuniam os mantimentos para a jornada e o Conde de Óbidos sabia da baixa qualidade daqueles soldados, dado que os tripulantes fardados eram camponeses alistados à força ou delinquentes obrigados a pegar em armas para comutar suas penas servindo na América.193 Ao longo da viajem a tripulação contraiu varíola e, durante os dez meses que esteve em Salvador, o Conde da Torre assumiu o Governo Geral do Brasil, cuidou dos doentes e preparou-se para guerrear. Para auxiliá-lo na supervisão das tropas ele contava com experientes combatentes que trouxe do Reino como o já mencionado Conde de Óbidos, D. Francisco de Moura e D. Rodrigo Lobo.194 As atividades que D. Vasco Mascarenhas desenvolveu no Brasil entre os anos de 1639 e 1640 podem ser sistematizadas em dois momentos distintos, o primeiro demonstra-se em uma carta escrita pelo Conde da Torre na qual as qualidades de Óbidos, sua integração com a Coroa Castelhana e a passagem prévia que tinha pelo Brasil foram pontos favoráveis que constavam ao seu respeito: [...] Em outras cartas dou conhecimento a Vossa Magestade da grande falta de gente com que cheguey a esta terra e como para a prevenir resolvi na junta das pessoas, com que Vossa Magestade me mandou aconselhar, (…) e como o Conde de Óbidos tem conhecimento tam antigo e tam geral aceitação destes moradores, pareceo com que sua presença se faria com melhor sucesso, asi o vay o tempo mostrando. E porque ele aceitou hir a esta ocazião, vencendo com o zelo de servir a Vossa Magestade o particular trabalho Accioli de Cerqueira da. Memórias históricas e políticas da Província da Bahia. Tomo I, Bahia: Tipografia do Correio Mercanil Precourt. 1835, p 101-112 191 Sobre o período do favoritismo régio do Conde Duque de Olivares, ver os trabalhos de : ELLIOTT, J. H. El CondeDuque de Olivares. El Político en una Época de Decadencia. Barcelona: Grijalbo Mondadori, 1998; ELLIOTT, J. H; BROCKLIS, Laurence. “El Mundo de los Validos.” In: ESCUDERO, José Antonio (Coord.). Los Validos. Madrid: Editorial Dykinson, 2004. 192 Op. cit. CAMPO BELLO, Conde D. Henrique de. Governadores Gerais e Vice Reis do Brasil. Porto: Edição oficial e comemorativa. 1940, p. 63. 193 MELLO, Eval Cabral de. Olinda Restaurada: Guerra e açúcar no nordeste (1630-1654). São Paulo: Editora 34, 2007. p.25-33. Ver também, LENK, Wolfgan. “Aspectos da defesa da Bahia durante as guerras holandesas.” In: Mneme. Revista de Humanindes. UFRN. Caicó: v.9, n.24, set/out 2008. Disponível em: www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais 194 Sobre o auxílio de Óbidos para com os enfermos desta armada, ver: op. cit. MIRANDA, Susana Münch. SALVADO, João Paulo (orgs.) Cartas do 1.º Conde da Torre, 4 vols. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001. p. 142-147 69 e descomodo de tam diferentes caminhos e logares, entendo devia representalo asi a Vossa Magestade para que fosse servido mandar lho agradecer, conhecendo que pera toda ocasião he de grande fruito no serviço de Vossa Magestade o parecer e zelo com que o Conde de Óbidos asiste e serve. Bahia, 10 de março de 1639. 195 Percebemos assim que até o mês de março de 1639 existia uma integração entre estes dois Condes enviados do Reino, porém eles tinham atribuições diferentes. O Conde da Torre era o Governador Geral do Brasil e via em Óbidos um nobre com boa aceitação entre os moradores da Bahia e com experiência militar suficiente para auxiliá-lo na condução da guerra, prova disto é que depois de recomposto o efetivo militar na Bahia, D. Fernando Mascarenhas foi para Pernambuco enfrentar exército neerlandês instalado no Recife e para não deixar o Brasil sem Governador Geral, Óbidos ficou incumbido de assumir esta função, durante o período de 21 de outubro de 1639 a 26 de maio de 1640.196 Apesar de não encontrarmos congruência com as datas apontadas para a volta de D. Vasco Mascarenhas para Portugal, até os meses finais de 1639 o Conde de Óbidos parece ter fornecido o apoio necessário para a continuidade da guerra.197 Um segundo momento do protagonismo de Óbidos enquanto auxiliar do Conde da Torre caracteriza-se por contendas influenciadas pelo seu vínculo com a casa Brigantina e com os ventos de Restauração que sopravam no Reino. Se em março de 1639 Óbidos foi elogiado pelo seu superior, em 26 de novembro deste mesmo ano as impressões de D. Fernando Mascarenhas ao seu respeito mudaram radicalmente: em uma carta escrita em alto mar, dentro do seu gabinete [...] do Galeão São Domingos, aos 18º e meio da parte Sul do Atlântico, o Conde da Torre registrou as suas insatisfações ao Duque de Olivares, queixava-se sobre o comportamento dos generais subordinados ao seu comando e destacava as decepções que teve com o Conde de Óbidos e com D. Francisco de Moura. Suas impressões apresentam outro olhar sobre o perfil dos homens que vieram para auxiliálo no governo e que naquele momento atrapalhavam sua gestão: [...] porque D. Fracisco de Moura, que o Senhor Conde Duque me deu por companheiro, não tem talento nem ação de homem mais que só aquella aparencia, que com alguma industria se enganão com elle a primeira vista, como eu tambem me enganei [...].198 D. Vasco Mascarenhas também foi alvo das críticas do Conde da Torre: 195 Op.cit. MIRANDA, Susana Münch. SALVADO, João Paulo (orgs.) Cartas do 1.º Conde da Torre, 4 vols. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001. p. 355-356. 196 Pedro Calmon nos diz que Óbidos [...] ficara no governo durante a ausência do conde [da Torre], a partir de 21 de outubro de 1639, o mestre de campo D. vasco Mascarenhas, o Conde de Óbidos. Ver: CALMON, Pedro. História do Brasil. vol 2 (XVI-XVII), 1971. p.628. 197 BARBOSA, Maria do Socorro.; ACIOLI, Vera Lucia Costa.; ASSIS, Virginia Maria Amoedo de. Fontes Repatriadas. Anotações de História Colonial, referencias para pesquisa, índice do Catalogo da Capitania de Pernambuco. Recife: Ed. Universitária da UFPe, 2006, p. 111. A data do termino do governo interino do Conde de Óbidos será discutida a seguir, visto que uma cartas do Conde da Torre aponta outra data para sua partida. 198 Op. cit. MIRANDA, Susana Münch. SALVADO, João Paulo (orgs.) Cartas do 1.º Conde da Torre, 4 vols. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001. p. 427. 70 [...]E o senhor Conde de Óbidos juro a Vossa Excelencia, asi Deos me honre, que em todos estes apertos e no traim de Campanha, com ser general de artilharia, não o vi nunca nem me ajudou em nada [...] Em fim Senhor, estes dois cavalheiros mais me serviram de embaraço que de ajudadores, e muito desejarão ambos que esta jornada se não fizesse, porque tão tímidos dois homens eu não os vi.199 Percebe-se então, que em novembro de 1639 as esperanças do Conde da Torre em ter Óbidos nas frentes de batalha foram frustradas, sua desenvoltura como General de Artilharia não estava dando resultados, outro trecho desta missiva ilustra outra nuance da crítica do Conde da Torre para com a atitude pouco combativa de D. Vasco Mascarenhas: [...] O (Conde) de Óbidos em nenhuma forma ouvera de hir a campanha ainda que Sua Megestade o obrigara, e na Bahia fica com tanto medo que era a cousa principal porque com elle queria deixar meu filho, e não tem nenhuma razão em seus temores porque, posto que se assentou lhe ficassem oitocentos soldados, ficão lhe mais de mil a fora as companhias da ordenança que he gente soldadesca [...] 200 Apesar de estar resguardado por muitos soldados que defendiam a cidade de Salvador e assumindo o Governo interino do Brasil, o Conde de Óbidos é descrito nesta carta como um comandante relapso, medroso e dado a outros interesses, por notar a pouca ajuda dos seus subordinados enquanto guerreava em Pernambuco, D. Fernando Mascarenhas informava ao Valido que não tinha [...] mais ajuda e favor que o do ceo porque o Conde de Óbidos não se ocupava mais que com seus prefumes e agoas cheirosas, D. Francisco de Moura com suas irmãs e parentes e D. Rodrigo Lobo com seu amancebamento [...].201 Uma última informação desta Carta aponta que todo o conjunto de críticas formuladas pelo Conde da Torre contra a pessoa de Óbidos tem um conteúdo político fundamental e explica a relação conflituosa destes dois nobres no quadro geral de disputas políticas que se delineava na Península Ibérica. Não podemos perder de vista que no ano de 1639 as articulações para a restauração do Reino de Portugal à uma dinastia lusa já estavam em curso, tanto o Conde de Óbidos como o Conde da Torre representavam famílias da alta nobreza Ibérica, ambos ostentavam o título de Conde e eram cavaleiros professos de Ordens Militares, contudo, o trecho a seguir indica que o motivo das desavenças estava na vinculação de Óbidos com a Casa Brigantina: [...] De todo o referido pode Vossa Excelencia dar conta [...] para que, sendo servido se mande informar a Bahia de Todos os Santos, pois já estou fora dela, e não lhe pareça a Vossa Excelencia que falo com pouca confiança, pois deixo nella o Senhor Conde de Óbidos que se encontra mui sentido da instrucção que lhe deixei, como Vossa Excelencia lá o verá, demais de ser irmão de padre frei Diniz, digo isto pelo de Seita. 202 As tais instruções que tanto incomodavam o Conde de Óbidos versavam sobre como ele 199 200 201 202 Idem idem idem idem 71 deveria proceder no Governo interino do Brasil durante a ausência do Conde da Torre e apontava algumas limitações sobre o trabalho que Óbidos vinha desenvolvendo. Contrariando alguns estudos, as Cartas do Conde da Torre atestam que desde março de 1639 D. Vasco Mascarenhas não se encontrava na Bahia, acompanhemos. Quatro meses depois de informar ao Conde Duque de Olivares dos percalços encontrados e a falta de apoio dos generais subordinados ao seu comando no Brasil, D. Fernando Mascarenhas emitiu outra comunicação ao Valido de D. Filipe IV, esta missiva não tinha o objetivo de apresentar mais uma queixa contra Óbidos e sim comunicar à Corte de Madri que ele havia saído do Brasil e retornado para o Reino sem ter lhe dado satisfação alguma, vejamos o conteúdo deste bilhete, escrito em castelhano, no dia 25 de março de 1640: [...] Excelentíssimo Senhor, En las ultimas embarcaciones que salieron deste puerto he dado cuenta a Su Megestad y a Vuestra Excelencia de todo lo que se há ofrecido em el servicio real; y por aver sabido que em una carabella se fue ocultamente el Conde de Obidos, doi cuenta a Su Magestad para que tenga entendido que há sido sin orden ni outra notisia mia ni aver tenido tiempo de acordarle al Conde las ordenes de Su Magestad y las causas que pudriam obrigarle a no salirse deste Estado sin tenerlas, y a Vuestra Excelencia doi la misma cuenta para que sepa que por la mia no corre la resolucion desta jornada.203 Neste mesmo dia, o Conde da Torre enviou outra carta à Madri endereçada ao Duque de Vila Hermosa, informava que o Conde de Óbidos havia se evadido ocultamente do Brasil à sua revelia, nesta missiva, D. Fernando Mascarenhas apresentou os motivos que estavam por trás do abandono do posto que Óbidos ocupava na América: [...] O que tenho alcançado he que vay (o Conde de Óbidos) a queixar se a Sua Magestade de mim por dizer que eu o tratava mal em sua ausencia; tão bem isto cousa incerta(…) Caso he, meu tio e Senhor, que este cavalheiro não pode ser meu amigo porque he irmão de D. Diniz de Alencastre com quem tive tam apertadas e tam rotas quebras.204 No dia seguinte, o Conde da Torre expediu outra comunicação à D. Francisco de Moura, este comandante tinha uma companhia de soldados em Montesserrate e mantinha aproximações com Óbidos, por isso o Governador lançou mão da sua autoridade para pedir esclarecimentos. Após informar do [...] bastimento de des mil alqueires de farinha aos soldados que estavam resguardando a cidade de Salvador na península de Itapagipe, ele convocava o general D. Francisco de Moura para ir ter com ele em Salvador: [...] E por aqui vera Vossa Senhoria quanto he do serviço de Sua Majestade vir se Vossa Senhoria para a cidade e juntarmo nos muitas vezes e praticarmos as matérias do serviço real.205 Nesta carta, o Conde da Torre questionava os motivos da evasão de Óbidos do Brasil e ressaltava a amizade que ele mantinha com D. Francisco de Moura, pois foi o último militar que 203 204 205 Idem, p. 449. Idem. P 450. Idem, p. 444 72 esteve em contato com Óbidos antes de sua jornada secreta de volta para o Reino, o Governador Geral do Brasil salientava que eles viviam [...] das portas a dentro alguns dias em Nossa Senhora da Graça e estando actualmente em Monteserrate agora com Vossa Senhoria todo tempo que há que Vossa Senhoria la asiste, de crer he que em resolução tão grande devia comonicalo a Vossa Senhoria ou pello menos alcançar a Vossa Senhoria esta noticia.206 O Conde da Torre queria saber o motivo que levou Óbidos a sair do Brasil e sondar se D. Francisco Moura compactuou com esta decisão, era sua obrigação comunicar ao Governador do Brasil as circunstâncias que envolviam o retorno de Óbidos para Portugal, principalmente porque eles conviviam portas a dentro e ambos tinham funções de comando na guerra contra os holandeses. Neste mesmo dia, a resposta de D. Francisco de Moura chegou às mãos do Conde da Torre, a carta informava que ele também não fora comunicado da partida do Conde de Óbidos e por isso não poderia dar informações seguras sobre aquela viagem: [...] E finalmente, Senhor, quanto congeituro e entendo da jornada deste fidalgo se limita a particularidades e conveniencias futuras de suas pertensõis.207 As conveniências e pretensões que tinha o Conde de Óbidos ao deixar o Brasil, no limiar da Restauração Brigantina, serão abordadas a seguir. 4- O Conde de Óbidos em 1640: responsabilidades em meio à Restauração Brigantina. D. João IV foi o décimo nono Rei de Portugal e devolveu o Trono a uma dinastia de sangue lusitano, após sessenta anos de domínio dos Reis Filipes de Habsburgo. Não podemos deixar de mencionar que o oitavo duque de Bragança teve uma ajuda importante na articulação das relações que propiciaram a sua coroação, no inverno de 1640: trata-se da mãe dos seus herdeiros, a Rainha D. Luísa Francisca de Gusmão, castelhana de nascimento, casada em 12 de janeiro de 1633 com D. João IV.208 A historiografia espanhola ocupou-se em analisar a versão oficial da Restauração Brigantina escrita pelo Conde da Ericeira, na obra História de Portugal Restaurado. Na opinião de Rafael Valladares Ramirez, a Feliz Acclamação do Duque de Bragança foi eternizada nesta narrativa em meio a mitos e construções ufanistas que visavam valorizar uma certa versão portuguesa para o fim da União Ibérica. Na opinião de Rafael Valladares, a assunção de D. João IV ao trono de Portugal não passou de um golpe de Estado arquitetado por alguns membros da nobreza portuguesa descontentes com as taxações fiscais e perda de privilégios que se acentuaram com o reinado de Felipe IV e do valimento 206 idem idem 208 BARBOSA, D. José. Catálogo Chronologico, Histórico, Genealógico, e Crítico das Rainhas de Portugal e seus filhos. Lisboa: Officina Joseph Antonio da Sylva , 1727. P.423.ss. 207 73 do Conde Duque de Olivares; o autor acredita que a participação de D. João foi importante, mas não pode ser interpretada como o motor exclusivo dos levantes em torno da Restauração: [...] Que la persona de D. João de Bragança [...] era imprescindible para la conjura, está fuera de duda. Primero, porque uno de los pretextos para dar el Golpe era la necesidad de restaurar la dinastia legítima de “reyes naturales” que pedia Portugal. Segundo, porque la alternativa a uma restauración monarquica seria la república, régimen difícil de legitimar allí donde carecia de tradición y que habria sido poco presentable dentro y fuera de Portugal. Si de ella se habló entre los conjurados fue solo para advertir al reticente D. João hasta dónde estaban dispuestos a llegar, com o sin él. Tercero, porque la riqueza patrimonial de los Bragança, la más imponente del reino, era una fuente preciosa de recursos que seria preciso mobilizar. Y cuarto, porque dentro de una sociedad rigidamente corporativista y jerarquizada la ausencia de una cabeza sólida al frente de ella habria abierto una lucha por el poder capaz de arruinar los objetivos de la conjura. 209 O Conde de Óbidos evadiu-se do Brasil em março de 1640 sem comunicar ao seu superior direto, vimos as críticas que o Conde da Torre fizera à Corte de Madrid em relação ao ocorrido e as suspeitas que tinha para explicar o abandono de posto do General de Artilharia do Brasil: Óbidos era parente de D. Diniz de Lencastre e, segundo a informação de D. Francisco de Moura, tinha pretensões particulares para sair do Brasil. A vinculação de D. Vasco Mascarenhas com a casa real Brigantina foi o fator decisivo que explicou a jornada de retorno de Óbidos para Portugal, em 25 de Março de 1640. Além de ser vinculado ao grupo de famílias de Portugal que legitimavam o reinado do oitavo Duque de Bragança, percebemos de Óbidos esteve intimamente ligado a este reinado, ele auxiliou o Rei D. João IV nos anos que seguiram a Restauração. Não pretendemos aprofundar as atividades que Óbidos exerceu dentro do território de Portugal após 1640, nosso foco de investigação são as atividades que ele protagonizou nas praças ultramarinas ao longo da sua carreira e assim reunir subsídios para analisar o seu estilo de governo como segundo vice-rei do Brasil, última atividade de governo que exerceu. Contudo, é importante salientar que D. João IV concedeu a D. Vasco Mascarenhas o título de Conde Sobrinho, no dia 08 de outubro de1640.210 Dois anos após a Restauração, em 14 de julho de 1642, foi reconstituído o Conselho Ultramarino e promulgado seu Regimento, este sínodo só entrou em funcionamento em 1643 e seguiu o modelo do antigo Conselho das Índias e Conquistas Ultramarinas (1604), criado no período Filipino e extinto em 1614. D. João IV reergueu este corpo consultivo escolhendo os mais distintos nobres do Reino, entre eles estavam militares de capa e espada e fidalgos letrados que ocuparam funções de governo no Ultramar ou no Reino e, portanto, eram experientes administradores e hábeis conselheiros; 209 VALLADARES, Rafael. "Sobre Reyes de Invierno. El Diciembre Portugués y Los Cuarenta Fidalgos (O Algunos Menos, Con Otros Más)." In: PEDRALBES. Revista d’Historia Moderna. Universitat de Barcelona,n. 15, 1995.p. 114. 210 Agraceço ao Professor Francisco Cosentino pela indicação deste documento que atesta a nomeação de Óbidos como Conde Parente: ANTT. Chancelaria de D. João IV, livro 19, folha 231 v. 74 acompanhemos a seguir algumas particularidades deste sínodo, cuja jurisdição era exclusiva para assuntos da alçada Colonial. Todos os documentos referentes a questões que ultrapassavam a autoridade dos Governadores Gerais e vice-reis do Ultramar Português eram remetidos à Lisboa e ali se transformavam em consultas ao Conselho Ultramarino, antes de chegar ao parecer final da Realeza. Devido ao grande volume de papéis que chegavam das Colônias, a pauta de despachos variava de acordo com os dias da semana: segundas e quartas o expediente dos Conselheiros tratava da Índia e dos seus negócios, quintas e sextas o cuidava-se das demandas do Brasil e aos sábados a Guiné, Cabo Verde e outras partes do Império Ultramarino entravam em discussão. A importância estratégica do Conselho Ultramarino e os registros deixados nos pareceres dos seus titulares resguardam informações valiosas sobre o funcionamento da administração colonial, posicionamentos e conflitos de interesses existentes entre os Conselheiros e o perfil político dos auxiliares de D. João IV nas Colônias.211 Outros institutos como o Desembargo do Paço, a Mesa da Consciência e Ordens e a Casa da Suplicação foram preservados após a Restauração e a função destes órgãos gerou alguns conflitos de jurisdição, ao longo do século XVII. Temos acesso ao translado de uma consulta feita pelo Conselho Ultramarino, em 15 de dezembro de 1644, sobre algumas pessoas capazes de substituir o Governador Geral do Brasil, Antonio Telles da Silva (1642-1647). Percebemos que mesmo servindo em Portugal, após os anos de experiência no Brasil, o nome de D. Vasco Mascarenhas continua a ser cotado entre os Conselheiros como possível Governador destas partes. Em 1644, este tribunal era composto por duas figuras que tiveram passagem pelo Brasil e apresentaram posições diferenciadas sobre envio do Conde de Óbidos para substituir um Governador Geral, eram eles: Salvador Correa de Sá, relator da consulta em tela e o Marquês de Montalvão, primeiro presidente do Conselho Ultramarino. Conforme o Regimento, os conselheiros iniciavam a sessão apresentando os pareceres sobre os papéis que haviam sido distribuídos previamente pelo Presidente. O relator da matéria era o primeiro a opinar, seguido dos outros, por ordem de antiguidade e por último, o voto do Presidente do Conselho era registrado pelo Secretário: [...] Pareceu a Salvador Correa de Saa nomear a V. VMgde. para este cargo por outros três annos, em primeiro lugar D. João de Mascarenhas, por ser fidalgo de boas partes, e muyto afabel, e que será bem aceito naquelle Governo. Em segundo lugar a D. João de Sousa. E terceiro ao Conde de Val de Reis, e que não vota em soldados, por lhe parecer serem necessários neste Reino e não se necessita hoje no Estado do Brasil, senão de pessoa afábel, e que trate também do serviço de VM, que são as partes, que concorrem nas 211 Sobre mais informações sobre o funcionamento do Conselho Ultramarino ver MYRUP, Erik Lars. “Governar a distância: o Brasil na composição do Conselho Ultramarino, 1642-1833.” In: SCHWARTZ, Stuart.; MYRUP, Erik Lars. O Brasil no Império marítimo português. Bauru/SP: EDUSC, 2009, p.263-298. 75 pessoas asima nomeadas.212 Apesar de ser o relator deste processo, Salvador Correa de Sá foi o único conselheiro que omitiu o nome de D. Vasco Mascarenhas como possível ocupante do cargo de Governador Geral do Brasil, todos os outros Conselheiros seguiram votando no Conde de Óbidos como um nobre de reconhecida carreira militar, passagem prévia pelo Brasil e apto à este provimento. Após a emissão dos pareceres dos demais conselheiros, o Marquês de Montalvão, presidente do sínodo, foi quem por último emitiu opinião sobre esta consulta. O primeiro vice-rei do Brasil, expulso do cargo em 1641, levantava o nome de três nobres do Reino em condições de substituir Antonio Telles da Silva no governo do Brasil, entre as características dos seus indicados, a aceitação das autoridades do Brasil era o motivo mais forte que orientava a sua predileção: [...] Ao Marques Presidente parece que pelo que ouvio no Brasil, acerca de como nelle era amado o Conde de Óbidos e pelas cartas que ha tido, desde que assiste neste Conselho, que será muyto aceito no ditto Estado, o mesmo Conde, se V.Mgde. mandar por Governador delle. Em segundo lugar se nomea a D. João de Sousa, por ser fidalgo de muytas partes, e pelo bem que tem servido a V.Mgde. despois de sua felice acclamação. E em terceiro lugar D. João Mascarenhas, por também concorrerem nelle as mesmas partes, e parecer razão, que V. Mgde. mande lançar mão delle, para ao adiante o ocupar em mayores postos [...]213 Todos os conselheiros apontaram o Conde de Óbidos como opção para governar o Brasil, todavia, apenas o relator não o mencionou e ainda formulou uma opinião que, diante das justificativas dos seus outros colegas de Conselho, parece desfavorável à sua nomeação: na visão do ex- Governador do Rio de Janeiro, afabilidade e trato político pareciam ser as características mais necessárias ao Governante que fosse enviado ao Brasil. Ressaltar que não vota em soldados parece refletir a preocupação de Correa de Sá em manter D. Vasco Mascarenhas no Reino e ocupado nos serviços de Conselheiro de Guerra de D. João IV, atribuição mais apropriada à sua formação de soldado e não em postos administrativos no Ultramar. Nesta Consulta de 1644, vemos o Conselho Ultramarino ciente de sua jurisdição: [...] E cõ a sumissão devida, pareceo representar a VMgde. que as cousas mais importantes ao governo de seus Reynos, e Senhorios he a elleição e escolha de semelhantes lugares, e que nestes sempre VMgde. e os senhores Reys seus antecessores costumão fazer estas nomeações ouvindo seus Conselhos e que havendo VMgde. de mandar seguir esta ordem por seu serviço deve em primeiro lugar mandar, que por este Conselho se lhe facão estas consultas pois a elle comete todas as cousas pertinentes a guerra, fazenda e justiça e o mais governo das Conquistas Ultramarinas.214 Especialmente após a Restauração, as instâncias consultivas de Portugal representaram um papel cada vez mais importante, especialmente na administração do Reino e das conquistas ultramarinas, Edgar Prestage entendeu que o Conselho de Estado criado no período dos Bragança 212 AHU, LF, BA. Cx.16, Doc1814 idem 214 idem 213 76 [...] era o mais alto corpo consultivo dos negócios públicos [...] gozava de certos poderes de iniciativa, embora sujeito a aprovação do Rei.215 Pedro Cardim amplia nossos horizontes, afirmando que os Conselhos eram instâncias que representavam a figura do Rei, como seu apêndice, pois [...] era o órgão onde assistem os maiores homens do reino, e isso foi de grande reputação nos anos de Restauração.216 A elevação da dinastia de Bragança ao trono de Portugal promoveu algumas mudanças na lógica de funcionamento do Reino e das suas conquistas, alguns aspectos do modelo administrativo, jurídico e militar promovido por Castela foi adaptado e adequado às necessidades de Portugal e do ultramar, o corpo jurídico espanhol continuou existindo, pois D. João IV e seus sucessores não aboliram o Código Filipino, contudo, algumas alterações se tornaram mais agudas. Na estrutura militar, reformas importantes foram efetuadas em 11 de dezembro de 1640 com a criação do Conselho de Guerra217, este foi um dos primeiros conselhos erigidos por D. João IV após sua coroação e imprescindível nos vinte e oito anos de conflito que se seguiram para a reconquista e defesa de territórios lusos, outrora dominados pelos Habsburgos. O Conselho de Guerra ocupou era composto por dez conselheiros de alta nobreza e militares de comprovada experiência, nomeados diretamente pelo Rei. Entre os primeiros selecionados deste corpo consultivo se encontrava D. Vasco Mascarenhas, o Conde de Óbidos. Os Conselheiros de Guerra eram homens experimentados nas batalhas da Europa e do Ultramar, submetidos a um complexo sistema de precedências e cerimonial rigoroso que normatizava o funcionamento daquela instância. Conforme a especialidade deste conselho, cabia aos seus membros a emissão de pareceres em assuntos de defesa, instrução aos Generais espalhados pelo mundo Ultramarino, bem como a criteriosa nomeação de Oficiais e Ministros da Guerra. Os membros tinham vasto histórico militar anterior à Restauração e por isso conheciam as demandas do Reino e das conquistas e as características do efetivo disperso no amplo território, desta forma, percebe-se que os Conselheiros de Guerra tiveram prerrogativa de nomear pessoas em todas as funções militares superiores, quais sejam Capitão Geral, Governador das Armas e Capitães-mores. Além disso, ainda deliberavam sobre o contingente dos exércitos, recrutamento militar, fabricação de embarcações e a fortificação 215 PRESTAGE, Edgar. O Conselho de Estado. D. João IV e D. Luísa de Gusmão, Lisboa: 1919, p. 19 CARDIM, Pedro. “A Casa Real e os órgãos centrais de governo no Portugal da segunda metade dos Seiscentos.” In: Revista Tempo, Vol. 7 N° 13. Niterói: UFF, julho de 2002, pp. 13- 56, p. 27. 217 O Conselho de Guerra foi criado logo após a Restauração, este sínodo era composto por conselheiros, um assessor, um promotor de justiça, um secretário, porteiro e contínuo. Seus trabalhos enfocavam a conservação das fortalezas e fornecimento do material de guerra, cabia-lhes também o provimento de postos militares, organização tática e estratégica das expedições das tropas e tribunal militar. Ver: op. cit. BARBOSA,Maria do Socorro.; ACIOLI, Vera Lucia Costa.; ASSIS, Virginia Maria Amoedo de. Fontes Repatriadas. Anotações de História Colonial, referências para pesquisa, índice do Catalogo da Capitania de Pernambuco. 2006, p. 35. 216 77 de espaços estratégicos ocupados pela Coroa Portuguesa.218 O panorama de reformas administrativas efetuadas a partir de 1640, influenciou o estilo de escolha dos vice-reis da Índia e dos Governadores Gerais e vice-reis do Estado do Brasil,219 por ser matéria de alta política, estas decisões eram exclusividade do Conselho de Estado. De acordo com estudos contemporâneos, a decisão do nome de possíveis Governadores e vice-rei do Brasil e da Índia não passava pelo crivo do Conselho Ultramarino, ainda que emitissem pareceres favoráveis ou contrários sobre os candidatos mais indicados para o governo das conquistas. Estes conselheiros se encarregavam apenas das nomeações de Governadores de Capitanias, portanto, apesar de tentar influenciar na escolha dos altos mandatários das conquistas, o Conselho Ultramarino não conseguiu tal prerrogativa.220 Após este breve levantamento de algumas a reformas administrativas implementadas por D. João IV, notamos a intensa atividade de Óbidos na década de 1640, ele era um quadro político importante para o desenvolvimento e consolidação da monarquia portuguesa recém restaurada. Diante de outros nobres de Portugal que concorriam para o Governo Geral do Brasil nesta década, Vasco Mascarenhas se destacava em 1644 por ser um comandante preparado e com passagem prévia pela América, as outras pessoas que estavam concorrendo com Óbidos para substituir Antonio Telles da Silva também eram homens de grande reconhecimento social e haviam servido nas fronteiras de Portugal ou tiveram passagem pelo Brasil. Mesmo indicado pela maioria do Conselho Ultramarino, o nome do Conde de Óbidos não foi aprovado por D. João IV para substituir o Governador Geral do Brasil, ressalte-se que nenhuma das pessoas elencadas nesta consulta obteve provimento para o Governo do Brasil, a função foi ocupada por Antonio Telles de Menezes, segundo Conde de Vila Pouca de Aguiar (1647-1650). Contudo, o Conde de Óbidos continuou exercendo cargos de comando na defesa do Reino durante 218 Outras informações sobre as pessoas providas no ultramar português no período de ascensão de D. João IV, ver: SILVA. Luiz augusto Rabelo da. História de Portugal nos séculos XVII e XVIII. Tomo IV. Lisboa: 1969, p. 189-193. Sobre a constituição dos Conselhos de Guerra e uma análise historiográfica mais detalhada, ver: COSTA, Fernando Dores. “O Conselho de Guerra como lugar de poder: a delimitação da sua autoridade.” In: Análise Social, abr. 2009, n.191, p.379-414. 219 O Brasil foi elevado a “Principado” por carta régia de 26 de outubro de 1645 e passou a ser reconhecido de uma forma diferenciada diante outras conquistas portuguesas. Maria de Fátima Gouvea entendeu que: [...] No caso do Brasil em particular, destaca-se o fato de que essa alteração se inseria em um processo de gradativa concessão de títulos à “conquista”americana, delineando-se uma trajetória político-administrativa capaz de explicitar uma dada estratégia de governo. Estratégia essa informada por uma economia política de privilégios, vale repetir, tecendo vínculos, e sentimentos capazes de relacionar indivíduos em ambas as margens do Atlantico. Ver: GOUVÊA, Maria de Fátima. “Poder político e administração na formação do complexo atlantico portugues (1645-1808). In: Op. Cit. O Antigo Regime nos Trópicos, 2001. p.294 220 MONTEIRO, Nuno Gonçalo.; CUNHA, Mafalda Soares da.; CARDIM, Pedro. OPTIMA PARS. As Elites do Antigo Regime no Espaço Ibero-Americano, Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2005. A conclusão dos autores desta obra coaduna com o documento que temos tratado, encontramos o parecer definitivo do Rei sobre a pretensão que o Conselho Ultramarino tinha em consultar Governadores Gerais e Vice Reis para as Colônias Ultramarinas: [...] Não toca ao Conselho consultar este posto. Lisboa 16 de dezembro de 1644. Ver: op. cit.: AHU, LF, BA. Cx.16, Doc. 1814: Consulta do Conselho Ultramarino sobre se consultarem pessoas para o Governo do Brasil. 78 os anos que seguiram a década de 1640;221 na década de 1650, constatamos a sua primeira viagem rumo ao Oceano Índico, Óbidos foi incumbido de assumir a mais alta função de governo outorgada a um nobre português no Oriente Português.222 5- As experiências malsucedidas de um vice-reinado na Índia. [...] D. Vasco Mascarenhas, Conde de Óbidos (27º Vice Rei), nomeado em 19 de janeiro de 1652, partiu de Lisboa em 25 de março, chegou a Goa no dia 3 de setembro do mesmo anno. Tomou posse do governo a seis. Socorreu o Ceylão e as fortalezas do Camará cercadas pelos holandeses.223 A historiografia contemporânea ocupou-se em estudar alguns aspectos da experiência de governo do Conde de Óbidos na Índia, partiremos de alguns estudos realizados no Brasil e em Portugal a fim de sistematizar os detalhes da sua governança, em meio a disputas políticas próprias daquele espaço.224 O envio de D. Vasco Mascarenhas com o título de vice-rei da Índia pode ser compreendido a partir da ótica da reprodução hierárquica da sociedade e das possibilidades de mobilidade social que orientavam as categorias nobiliárquicas existentes em Portugal Seiscentista, especialmente se o foco da nossa atenção for o período posterior a Restauração Brigantina. Os critérios de recrutamento e caracterização social dos nobres de Portugal indicados para exercer atividades de governo e concelhio no Estado da Índia foram estudados por Mafalda Soares da Cunha e Nuno Gonçalo Monteiro. Tomando por base esta análise, reuniremos mais subsídios para compreender o conjunto de atributos que Óbidos apresentava ao assumir seu primeiro vicereinado no Oriente em 1652.225 221 O Conde da Ericeria deu notícias sobre uma das tarefas que D. Vasco Mascarenhas operou após a Restauração: [...] O Conde de Óbidos havia servido no Brasil e em Flandres com muito bom procedimento, e esperava-se de seu juizo e afabilidade do seu trato que exercitasse com grande acerto a ocupação que El Rey lhe entregara – fora nomeado Governador das Armas na Província de Alentejo.Ver: ERICERIA, D. Luiz de Menezes Conde da. História de Portugal Restaurado,Parte I, Tomo I, Lisboa: Officina Domingos Rodrigues, 1759, p. 368. Quando esteve a governar o Alentejo, D. Vasco Mascarenhas foi expulso do posto e preso, ver: Biblioteca Nacional de Lisboa, Coleção pombalina, Cod. 46, sem título, folha 285. Agradeço a Renato de Souza Alves pela indicação desta referencia. 222 Sobre a trajetória e perfil político dos Governadores e Vice Reis do Estado do Brasil no século XVII, verificar: COSENTINO, Francisco Carlos. Perfil social e importância política dos Governadores Gerais do Estado do Brasil. (1640-1705). In: ANAIS DO II ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA COLONIAL. Mneme – Revista de Humanidades. UFRN. Caicó (RN), v. 9. n. 24, Set/out. 2008. Ver também: COSENTINO, Francisco Carlos. Governadores gerais do estado do Brasil (séculos XVI – XVII): ofício, regimento, governação e trajetórias. São Paulo: Annablume, 2009. 223 BORDALO, Francisco Maria. Ensaio sobre a estatística das possessões na África Ocidental e Oriental na Ásia Ocidental na China e na Oceania começados a escrever de ordem no governo de Sua Magestade, por Joaquim Lopes de Lima e continuados por Francisco Maria Bordalo. Segunda série, Livro V – O estado da Índia, 1ª parte, Lisboa: Imprensa Nacional, 1862, p. 118 224 MALDONADO, Maria Herminia. Relação das Naos e Armadas da Índia com os sucessos dellas que se puderam saber, para noticia e instrucção dos curiosos e amantes da História da Índia. Coimbra: Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, 1985, p.181. 225 MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Trajetórias sociais e governo das conquistas: Notas preliminares sobre os vice-reis e governadores-gerais do Brasil e da Índia nos século XVII e XVIII.” In: FRAGOSO, João.; BICALHO, Maria 79 De acordo com os autores, Óbidos paresentava perfil adequado para administrar estas partes, além de ser o primogênito da sua família, outro aspecto importante que lhe credenciou o cargo de governo na Índia foi a sua vinculação com os Duques de Bragança. Percebemos, desde a descrição das armas dos Condes de Óbidos, que D. Vasco Mascarenhas se encontrava em condições privilegiadas na Corte de D. João IV. Mesmo exercendo atividades militares para a Coroa Castelhana durante o período da União Ibérica, ele continuava próximo da dinastia Brigantina, pois era do tronco dos Mascarenhas, família que apresentava um antigo histórico de fidelidade e serviço às Coroas de Portugal. Óbidos foi um nobre de reconhecido valor e respeito tanto em Madri como em Lisboa e levou consigo um título de nobreza e um brasão de armas que atestava sua primogenitura entre os Condes de Óbidos. Todos estes atributos determinavam-lhe vários privilégios e mercês régias concedidas pelos soberanos de Portugal e, ao longo do século XVII, também outros homens que viviam nas praças ultramarinas disputavam a atenção dos Reis e solicitavam melhoramento dos seus patrimônios e estabelecimento de vínculos de fidelidade com os monarcas.226 O título de vice-rei, além de carregar um conteúdo simbólico de diferenciação social, se tornou mais um atributo de grandeza que o Rei D. João IV utilizou para manter a sua governabilidade, após o fim da hegemonia espanhola. Se no Brasil a concessão deste título extraordinário só aconteceu em 1640, na Índia, o vice-reinado foi instituído e mantido pelas coroas Ibéricas desde o século XVI. O primeiro a receber o título de “Almirante e Vice Rei das Índias”, concedido pelos Reis Católicos de Aragão e Castela, foi o navegador genovês Cristóvão Colombo, no século XVI o português D. Francisco de Almeida foi beneficiado com o primeiro título de vice-rei do Estado da Índia, outorgado em 1505. Diogo Ramada Curto resumiu assim o modus operandi para a nomeação de portugueses para ocupar os cargos administrativos do Reino e do Ultramar: [...] Com efeito, a necessidade de o príncipe virtuoso saber escolher os seus conselheiros; a legitimidade de nomeação dos melhores por suas acções e merecimento, baseada no confronto das carreiras, na distribuição de mercês e no vocabulário da justiça distributiva; a ordenação dos nomes e das histórias de vida, segundo um critério genealógico; o controlo judicial por residência e o inquérito judicial por audição e confronto de testemunhas, ou seja, a inquisitio, a referência e descrição dos sistemas políticos baseada na qualificação de personagens influentes e na detecção das suas ligações – todos estes são aspectos que fazem parte da referida lógica da nomeação.227 A outorga do título de vice-rei foi uma prática comum às monarquias Ibéricas, porém, esta Fernanda.; GOUVÊA, Maria de Fátima (Orgs.) O Antigo Regime nos Trópicos: A dinamica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). RJ: Civilização Brasileira, 2001, p.249-284. 226 CUNHA, Mafalda Soares da; MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Vice-reis, governadores e conselheiros de governo do Estado da Índia (1505-1834). Recrutamento e caracterização social.” In: Penélope. Fazer e desfazer a história. 15, 1995. Pg. 91-120. 227 Op. cit. CURTO, Diogo Ramada. “A Restauração de 1640: nomes e pessoas.” 2003. p. 324. 80 benesse extraordinária deveria seguir critérios rigorosos, dentre os quais, muitos fidalgos da primeira nobreza de Portugal se enquadravam, porém poucos conseguiam alcançar. Para ser vice-rei da Índia, algumas características eram imprescindíveis; de acordo com João de Barros, o candidato deveria ser: [...] homem limpo de sangue, natural e não estrangeiro, prudente, cavaleiro, bem acostumado, e que se tenha dele experiência em casos semelhantes de mandar gente na guerra.228 Tomado por base o estudo anterior realizado sobre a descendência de D. Vasco Mascarenhas e sua experiência no Ultramar, percebemos que ele tinha as condições genealógicas e políticas necessárias para assumir um posto de governo no Oriente, contudo, antes de prover os possíveis governantes da Índia, a Coroa, em consonância com o corpo consultivo apropriado no Reino, considerava dois aspectos básicos: A vinculação de cada fidalgo com as diversas facções nobiliárquicas que compunham a corte portuguesa e os contatos políticos ou negócios que tais famílias mantinham no Oriente deviam ser levados em conta no momento da indicação de um vice-rei da Índia. Um longo processo de investigação das atividades militares ou políticas que o indicado havia exercido no Oriente era efetuado pelos auxiliares do Rei, com vistas a garantir o nome de um nobre apto a cumprir tal função, também os contatos prévios ou negócios que o possível agraciado mantinha com a elite portuguesa de Goa embasavam a decisão régia na concessão ou negação do título de vice-rei da Índia. Um segundo fator a ser levado em conta, decorre do respaldo político que o indicado deveria ter no Reino, para assumir um vice-reinado no Oriente. Mesmo não tendo capacidade de prover o cargo de Governador Geral e vice-rei da Índia, percebe-se que o Conselho Ultramarino emitia pareceres favoráveis ou contrários e suas opiniões pesavam politicamente na decisão final do Rei, era neste momento que os principais homens de Portugal, distribuídos nos Tribunais do Reino entravam em cena e privilegiavam o interessado que mantivesse maior integração com seus interesses. Os Conselheiros ressaltavam em suas performances de escrita a visibilidade dos seus apadrinhados, formulavam argumentos favoráveis para certas pessoas e assim promoviam um reconhecimento diferenciado de alguns perante a Monarquia. Em resumo: o sucesso ou o fracasso da gestão de um governante na Índia dependia do seu respaldo político entre as autoridades do Reino; da integração com os membros das elites das Colônias e de uma carreira militar e administrativa reconhecida socialmente pelos os homens do seu tempo.229 Analisando a segunda metade do século XVII, percebemos que o perfil social dos vicereis da Índia portuguesa apresentava uma similaridade: os agraciados com este título eram 228 BARROS, João de. Terceira década da Ásia. Dos feytos que os portugueses fizeram no descobrimento & conquista dos mares & terras do Oriente. Lisboa: Livraria Sam Carlos. Parte II, Livro IX, Capítulo I. 1781. p.341. 229 Op.cit. CUNHA, Mafalda Soares da; MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Vice-reis, governadores e conselheiros de governo do Estado da Índia (1505-1834). Recrutamento e caracterização social.” p.93. 81 portugueses de nascimento, ou seja, primogênitos nascidos em famílias de primeira nobreza e [...] presuntivos senhores de Casa desde o berço, apesar de algumas exceções.230 Nuno Gonçalo Monteiro e Mafalda Soares da Cunha ressaltaram que durante este período, a Monarquia Brigantina flexibilizou a exigência de presença anterior na Índia como condição para outorgar o título de vice-rei aos nobres portugueses e era neste ponto a principal fragilidade política do Conde de Óbidos ao chegar em Goa. Apesar de ter sido nomeado pelo Rei de Portugal e ter ordens expressas de governar aquela praça, a temporada de Óbidos foi curta. Ele não tinha passagem pelo Oriente em sua carreira e por isso chegou à Índia com trânsito político limitado entre as autoridades locais, mesmo utilizando seus dotes militares no comando das tropas que defendiam o Ceilão, Óbidos encontrou resistência da elite Goense. Francisco Maria Bordalo dá mais informações destes meses turbulentos em que o Conde de Óbidos ostentou o título de vice-rei da Índia; [...] Não obstante possuir optimas qualidades,[O Conde de Óbidos] foi deposto no dia 22 de outubro de 1653, preso e enviado para o reino, em resultado de uma sedição de que era principal caudilho D. Braz de Castro. Este assumiu a si o governo, até que foi preso e 231 alguns de seus sequazes em 1655. Uma narrativa mais detalhada dos movimentos feitos pelos moradores de Goa para derrubar o Conde de Óbidos do vice-reino da Índia foi apresentada pelo Conde da Ericeira, nela percebemos o delicado terreno de disputas que o fidalgo vivenciou no Oriente Português. Ele fora enviado para substituir o Conde de Aveiras, por ocasião da sua morte, contudo, [...] dentro de poucos dias se começarão a alterar os ânimos da mayor parte dos Três Estados daquela cidade [...].232 Os articuladores desta sedição eram figuras de destaque na cidade: [...] Nicolau de Moura de Brito, natural da Índia e Antônio Barreto Pereira, que havia ido por Almirante no ano antecedente,233 estes dois obtiveram o apoio fundamental de D. Bráz de Castro,234 fidalgo morador na cidade de Goa que assumiu a liderança do motim e, posteriormente ao golpe, tomou para si o governo da Índia até que o Rei enviasse pessoa mais benquista. 230 idem. p.98. Op. cit. BORDALO, Francisco Maria. Ensaio sobre a estatística das possessões na África Ocidental e Oriental na Ásia Ocidental na China e na Oceania começados a escrever de ordem no governo de Sua Magestade, por Joaquim Lopes de Lima e continuados por Francisco Maria Bordalo. Segunda série, Livro V – O estado da Índia, 1ª parte, Lisboa: Imprensa Nacional, 1862, p. 118. 232 Op. cit. ERICERIA, D. Luiz de Menezes Conde da. História de Portugal Restaurado, Parte I, Tomo II, 1751, p. 402-408. 233 idem 234 [...] Nasceo em Lisboa, e teve por progenitores D. Rodrigo de Castro e D. Ana de Eça, filha de Luis de Brito, pagem do Cardeal D. Henrique e de D. Ignes de Castro. Depois de ter obrado ações dignas de memória as eclypsou injuriosamente quando em o anno de 1652, atendendo mais aos impulsos da ambição, que a nobreza de seu nascimento aceitou o Governo da Índia, que o levou a uma sublevação popular, mandando prender ao Conde de Óbidos, D. Vasco Mascarenhas, eleito Vice Rei do Estado pela Magestade do Rei D. João IV. Ver: MACHADO, Diogo Barbosa. Bibliotheca Lusitana, histórica crítica, chronologica na qual se comprehende a noticia dos authores portugueses, e das obras, qu compuserão desde o tempo deproclamação da Ley da Graça até o tempo prezente. Offerecida a augusta magestade de D. João V. Tomo I, Lisboa: Officina Antonio Isidoro da Fonseca, 1741, p. 300 231 82 Após reunir força suficiente, os amotinados prenderam o Conde de Óbidos no Colégio dos Reis e o vice-reinado deste Mascarenhas na Índia encerrou-se quando ele foi embarcado para Lisboa. A passividade de Óbidos diante da usurpação do seu cargo foi detalhada pelo Conde da Ericeira: [...] E o Conde que não havia dado causa a tão indigna sublevação, que querer curar com remédios tratando os achaques que pediam medicamentos rigorosos, se sujeitou sem resistência a prisão, parecendolhe que fazia a acção mais útil a saúde pública em sofrer o 235 opróbrio que em contradizelo. O clima político de desacordo que gerou este conflito na Índia foi inserido no estudo feito por Luciano Figueiredo ao tratar das alterações políticas oriundas da Restauração. O autor destacou a saída do Conde de Óbidos do vice-reinado da Índia entre os episódios de insurreições e instabilidade política que estouravam na América, África e Ásia, a partir do ano de 1640 até finais de 1680. Notemos que as estratégias de governabilidade a que D. João IV lançou mão, para superar os desajustes e tensões políticas entre a elite goense, apresentaram certa condescendência para com a contenção das revoltas coloniais: [...] a quase simultaneidade das contestações, em bases tão semelhantes no período, ofereceu uma oportunidade preciosa ao governo metropolitano de refinar suas ações no governo colonial em épocas de crise. Não apenas os colonos foram capazes de instrumentalizar as fragilidades que eram próprias da relação metrópole - colônia, como empregou cautela e prudência como exigiam tais inquietações, em vista do assédio dos inimigos, das ameaças dos colonos e das dificuldade em mobilizar formas de repressão imediata.”236 O autor também indica que a origem do conflito político estabelecido entre o Conde de Óbidos e a elite de Goa estava nos critérios de legitimidade, tão importantes naquele período e que deveriam ser atenciosamente comprovados. Mesmo acompanhado de uma frota especial e ordens expressas da Coroa pra exercer o vice-reinado da Índia, a elite local percebia a nomeação do Conde de Óbidos como uma intervenção direta da Rainha D. Luísa de Gusmão sem a devida provisão do Rei D. João IV.237 Apesar de sua desenvoltura no comando militar e respaldo político no Reino, D. Vasco Mascarenhas não foi habilidoso para conter a revolta das autoridades descontentes com a sua pessoa, por isso, não demorou um ano e o Conde de Óbidos foi usurpado do cargo de vice-rei da Índia. Nuno Gonçalo Monteiro e Mafalda Soares da Cunha apresentam o mesmo entendimento quanto a este episódio, o posicionamento político de D. Vasco Mascarenhas é utilizado pelos autores como um exemplo típico dos governantes que o Rei D. João IV enviava para o Oriente: [...] 235 Op. cit. ERICERIA, D. Luiz de Menezes Conde da. História de Portugal Restaurado, p.403. FIGUEIREDO. Luciano Raposo de Almeida. “O Império em apuros; notas para o estudo das alterações ultramarinas e das práticas no Império Colonial Português. Séculos XVII e XVIII.” In: FURTADO, Júnia. Diálogos Oceânicos: Minas Gerais e as novas abordagens para uma história do Império Ultramarino Português. Belo Horizonte: UFMG, 2001. P. 228. 237 idem, p. 122 236 83 o perfil dos Vice Reis desde meados dos Seiscentos é dado, sem dúvida, pelo deposto primeiro Conde de Óbidos (1652-1653), cujos opositores consideravam ser ‘mais um favorito da corte do que um competente administrador.’ 238 O administrador destacado para o Ultramar que não soubesse mediar conflitos ou não compreendesse os pormenores do funcionamento da lida colonial, poderia ter sérios problemas com os outros homens poderosos, não bastava ter linhagem nobre e ampla experiência militar, a ausência de delicadeza e deferências necessárias às elites da Colônia, a improbidade administrativa dos mandatários e a insatisfação dos negociantes de grosso patrimônio eram demandas que chegavam ao conhecimento da realeza, graças aos muitos manuscritos produzidos pelas autoridades do ultramar em crítica a vice-reis e Governadores Gerais destacados nas conquistas. A expulsão do Conde de Óbidos da Índia comprova que, quando as reclamações dos fidalgos das Colônias não faziam efeito, a ação dos mesmos contra os excessos dos mandatários enviados do Reino falava por si.239 Apesar de termos percebido certa condescendência de D. João IV diante da usurpação do vice-reinado de Óbidos na Índia, esta malfadada experiência deixou marcas profundas na personalidade política deste nobre, ele não conseguiu cumprir a tarefa que lhe fora incumbido, não foi enérgico na defesa do seu posto, não impôs às autoridades de Goa a titulação e qualidades nobiliárquicas que trazia do Reino. O Conde da Ericeira explicou que Óbidos não resistiu à sua deposição para evitar maiores danos a ordem pública, porém, parece que seus atributos de fidalgo de primeira nobreza não tinham muito peso dentro do jogo político instalado na Índia desta época, assim como o Marquês de Montalvão no Brasil de 1640, o Conde Óbidos vice-rei da Índia foi deposto do cargo, preso e enviado para Lisboa e substituído por uma articulação de poderosos locais, em 1653. O motivo da expulsão destes dois vice-reis, apesar de separados pelo tempo e pelo espaço, ressalta a pressão política que os homens da elite colonial exerciam neste período de pósRestauração e as múltiplas possibilidades que as autoridades locais lançavam mão para demonstrar resistência aos estilos de administração dos governantes enviados do Reino. A notícia de que Óbidos fora enxotado da Índia se espalhou pelo Reino e chegou ao Brasil, contudo, a sua volta para Lisboa em 1653 demarca outros desafios, apesar de não ter conseguido sucesso nesta boa 238 Op.cit. CUNHA, Mafalda Soares da; MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Vice-reis, governadores e conselheiros de governo do Estado da Índia (1505-1834). Recrutamento e caracterização social.” p.105. apud: SUBRAHMANYAM, Sanjay. O Império Asiático Portugues 1500-1700: Uma história política e econômica. Tradução Paulo Jorge Souza Pinto. Lisboa: Difel, 1995, p. 237. 239 Sobre mais aspectos dos Governadores e Vice Reis do Ultramar ver: MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Trajetórias sociais e governo das conquistas: Notas preliminares sobre os vice-reis e governadores-gerais do Brasil e da Índia nos século XVII e XVIII.” In: FRAGOSO, João.; BICALHO, Maria Fernanda.; GOUVÊA, Maria de Fátima (Orgs.) O Antigo Regime nos Trópicos: A dinamica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). RJ: Civilização Brasileira, 2001, p.249-284. 84 oportunidade de demonstrar seu valor como vice-rei, o Conde de Óbidos continuou a participar da disputa de poder que se delineava em Portugal. 6- O Conde de Óbidos e o partido do Príncipe inepto. D. Vasco Mascarenhas volta à Portugal em 1653, em maio deste mesmo ano D. Teodósio morreu, aos 19 anos de idade, após muitas tentativas de curá-lo de uma misteriosa enfermidade.240 As celebrações das exéquias do Rei D. João IV aconteceram em novembro de 1656 e estas duas perdas que acossaram a Casa de Bragança modificou a transição do trono e estabeleceu um cenário de fragilidade dentro do Reino: além de se preocupar com a continuidade da guerra travada com a Espanha e garantir os territórios conquistados pelo seu marido, a viúva do Rei, D. Luísa de Gusmão, recebeu a tutela dos seus filhos menores, D. Afonso e D. Pedro e a Regência do Reino e das suas conquistas até a maioridade do secundogênito, jurado herdeiro legítimo do trono de Portugal. No Palácio, os dois Infantes demonstravam comportamentos diferenciados: o caçula, D. Pedro, tinha oito anos quando o Rei D. João IV morreu e ainda não entendia a trama política em que estava inserido, todavia, seu irmão mais velho e próximo Rei de Portugal, D. Afonso, será motivo de um estudo mais criterioso a seguir, pois é a partir dele que iremos perceber a inserção do Conde de Óbidos na configuração política que se desenhava no Reino. D. Afonso nasceu em Lisboa após a Restauração, no dia 21 de agosto de 1643; foi batizado pelo seu irmão mais velho, D. Teodósio, em 13 de setembro de 1643 e jurado Príncipe sucessor de Portugal no dia 22 de outubro de 1653, começou a reinar aos 13 anos, sob a tutela da Rainha Mãe, no dia 6 de novembro de 1656, até que chegasse sua maioridade. 241 Os cronistas desta época são unânimes ao ressaltar as limitações do segundo filho do Restaurador, aos quatro anos de idade D. Afonso foi acometido por uma febre que lhe deixou sequelas profundas, muitas foram as descrições que a doença da infância causou no príncipe, em todas elas percebemos que a parte direita do seu corpo estava totalmente comprometida: [...] não via daquelle olho, não ouvia da mesma parte, e com muito pesar movia a mão e o pé direito.242 Padre Antonio Vieira, confessor da Rainha, foi um dos propagadores das debilidades do Infante D. Afonso, ele oferece riqueza de detalhes quanto à aparência do herdeiro do trono em um dos seus Sermões: [...] Era manco de um pé, era aleijado de um braço, e naquela parte da cabeça padecia do mesmo defeito porque a força do mal, de que escapou quase milagrosamente, como 240 D. Teodósio nasceu em Vila Viçosa, no dia 08 de fevereiro de 1634, foi jurado príncipe de Portugal em 28 de janeiro de 1641, morreu em 15 de maio de 1653. Ver: op. cit.: BARBOSA, D. José. Catálogo Chronologico, Histórico, Genealógico, e Crítico das Rainhas de Portugal e seus filhos. Lisboa: 1727. P.424. 241 SOUSA, Camillo Aureliano da Silva e. Anti-Catastrophe. História verdadeira da vida e dos successos Del Rey D. Affonso sexto de Portugal e Algarves. Escripta em lingoa hespanhola por um oficial das tropas de Portugal e na sua desgraça. Traduzida em portugues, 1791. Porto: Typographia da rua Formosa, 1845.p. 100. 242 BRANCO, Camillo Castello. Vida d´El-Rey D. Affonso VI, escripta no anno de1684. Porto/Braga: Livraria Internacional. 1684.p. 30. 85 diziam os médicos, o partiu ao meio.243 O desenho político que se configurou após a morte de D. João IV e as providências tomadas pela Rainha Regente para reorganizar a estrutura da Corte de Portugal foi estudado por Vinicius Orlando de Carvalho Dantas ao pesquisar o resgate do Valimento régio durante o reinado de D. Afonso VI. O historiador estudou as ações perpetradas pela Rainha Mãe e pelos seus conselheiros no sentido de difundir a incapacidade física e mental do futuro Rei de Portugal, cujo comportamento e companhias pouco adequadas comprometiam sua imagem como monarca. A Rainha Regente tentava reunir provas para atestar a fragilidade metal e impotência reprodutora do seu segundo filho, para isso ela mandou chamar [...] Antonio da Matta, e o cirurgião Francisco Nunes, pessoas que mereciam a confiança da rainha; e conferindo aquella matéria com as considerações da arte, declararam ambos por um papel que el-rei era mentecapto e impotente.244 D. Luísa seguia a Regência preocupada com D. Afonso, não só com sua saúde como também com suas amizades. O maior motivo de sua resistência eram as relações pouco recomendadas que o jovem Afonso mantinha com Antonio de Conti Vintimiglia, seu amigo pessoal e protagonista de muitos escândalos. 245 Para além de propagar a debilidade de D. Afonso, a Rainha Mãe tinha vistas em permanecer no poder, até a maioridade do caçula D. Pedro (que na sua compreensão tinha mais condições de assumir o Reino). Todavia, outros nobres da Corte vislumbravam no infante em vias de completar a maioridade, uma oportunidade para tirar proveito das condições deste ser o futuro Rei de Portugal. ‘ As crônicas da época apontam para uma estreita ligação existente entre o Conde de Óbidos e o Infante D. Afonso.246 Em 07 de abril de 1660, o herdeiro do trono de Portugal foi mudado de quarto pela Rainha Mãe e encontramos o Conde de Óbidos como um dos cinco fidalgos que serviam ao príncipe em sua nova câmara no Palácio, outro episódio que marca a intimidade de D. Vasco Mascarenhas com o Príncipe deu-se quando ele salvou a vida do Infante, em uma cilada que 243 Sermões do Padre Antonio Vieira, Tomo XII, Lisboa, 1856, pg 49. Após a ascensão de D. Afonso VI ao trono, os papéis que atestavam sua debilidade foram encontrados, por isto [...] foi chamado ao Paço Francisco Nunes, aonde o matou as pancadas o Marques de Fontes e Antonio da Matta, sabendo do caso, nunca mais saiu á rua. Ver: BRANCO, Camillo Castello. Vida d´El-Rey D. Affonso VI escripta no anno de 1684. Porto/Braga: Livraria Internacional, 1684. P.24. 245 Idem. P.24. Um estudo historiográfico mais pormenorizado das visões dicotômicas construídas na figura de D.Afonso VI foi feito por Angela Barreto Xaviel e Pedro Cardim, os autores recorreram a estudos e narrativas de autores do século XVII, XVIII, XIX e XX e elucidaram como as idéias de imbecilidade e impotência sexual imputadas pelo padre Antonio Vieira e pelos partidários de D. Luisa de Gusmão à este Rei foi uma manobra política forjada com as palavras e com a tinta dos seus opositores que viam em D. Pedro I um Rei mais apropriado em condições de gerar um herdeiro para o Trono de Portugal. Ver: XAVIER, Ângela Barreto.; CARDIM, Pedro. Afonso VI. Lisboa: Circulo de Leitores, 2006. p.9-27. 246 Pedro Cardim, ao estudar a estrutura da casa Real Brigantina e seus órgãos de governo dividiu em dois os ofícios domésticos do Palácio: os maiores e os menores, dentre os maiores Óbidos era “gentil homem da Câmara”, de acordo coma análise de Cardim, câmara eram os aposentos do Rei ou do Príncipe, um lugar de intimidade no qual pessoas selecionadas tinham acesso, os camaristas [...] eram os que frequentemente praticam com os Reis e príncipes, [eram] cofres de suas payxoens, moderadores de seus afetos. Ver: CARDIM. Pedro. “A Casa Real e os órgãos de Governo no Portugal da segunda metade de seiscentos”. In: Tempo. Departamento de História UFF. Niteroi: n.13, p.24-25 244 86 quase o matou.247 A fidelidade demonstrada por Óbidos se fez notável nos anos que seguiram a década de 1660, a maioridade do herdeiro do trono já era evidente, ainda que a Rainha Regente demonstrasse profundo receio em dar a coroa de Portugal a uma figura controversa. Não queremos aqui aprofundar os motivos que levaram a D. Luísa de Gusmão degredar Antonio de Conti Vintimiglia e outras estratégias que lançou mão para tentar manter o infante D. Afonso sob controle. Com esta medida, a Rainha extirpava de Portugal o indesejado mentor intelectual e companheiro de boemias do Infante, que certamente seria seu favorito quando assumisse o trono. Antonio de Conti foi degredado do Reino, mas o direito de governar Portugal ainda era garantido ao filho legítimo do Rei, segundo na cadeia sucessória e com idade suficiente para dirigir o Reino restaurado por seu pai.248 A partir do degredo de Antonio de Conti, os nobres mais próximos a D. Afonso perceberam o perigo que a metodologia de silenciamento de opositores utilizada pela Rainha poderia causar a outros fidalgos partidários da entronização do Príncipe. Saliente-se que a aposta em legitimar a maioridade de D. Afonso e suas condições de assumir o reino de Portugal era fruto de descontentamentos anteriores, alguns nobres de grande influência política no Reino desde a época da Restauração estranhavam certas medidas da Rainha Regente: [...] conjurou-se com o Conde de Authoguia e com Sebastião Cesar, contra a rainha à saúde d´el-rei: ambos estes eram queixosos, o primeiro por lhe tirar a mesma rainha o governo das armas do Alentejo e o segundo pela longa prisão em que esteve por traidor infame. O líder da dita conjuração era D. Luiz de Vasconcelos e Sousa, portador do título de terceiro Conde de Castelo Melhor e articulador da entronização do Infante. Os movimentos de imposição da maioridade de D. Afonso VI, em 1662, foi chamado de Golpe de Alcântara pela historiografia de Portugal e podem ser sistematizados em duas fases: a primeira é a viagem que D. Afonso fez em companhia do Conde de Autoguia e do Conde de Castelo Melhor, até a Quinta de Alcântara, propriedade da Coroa distante de Lisboa alguns quilômetros. Afastar o futuro Rei da cidade de Lisboa e instalá-lo em uma propriedade da Coroa distante de Lisboa era uma tentativa de isolar politicamente a Rainha e reforçar a maioridade de D. Afonso, legítimo Rei de Portugal. O Conde de Autoguia usou da sua influência para convencer os outros nobres da Corte 247 [...] D’ estes excessos resultou que apeando-se El-rei por cima do Convento do Rato, já noite, ordenou o monteiro mor e ao Conde de Óbidos, que fossem esperar à Cotovia; e indo só com João de Conti, já perto do coche que o vinha buscar, investiu com três homens que vinham com outro de nação francesa, chamado David Godefroi: fugiu João de Conti, e El-rei caiu em um valado, onde no chão lhe deram uma estocada: gritou que era El-rei; fugiram os homens e levaram a espada que era d’el-rei; acudiu o monteiro mor e o Conde de Óbidos, recolhendo-se El-rei ao Paço, e chamados os cirurgiões, depois de curado, se deu conta a Rainha que com grande sobressalto veio ver El-rei ao seu quarto.op. cit. BRANCO, Camillo Castello. Vida d´El-Rey D. Affonso VI escripta no anno de 1684. Porto/Braga: Livraria Internacional, 1684. P.30 248 Op. Cit. MENEZES, D. Luiz de (Conde da Ericeria). História de Portugal Restaurado. Parte II, Livro VII, p. 3 87 quanto a importância de registrar presença em Alcântara e demonstrar fidelidade ao Infante em condições de governar o Reino; ao saber deste movimento, a Rainha Mãe ordenou que o Tenente de Mestre de Campo Manuel Pacheco de Melo convocasse todos os nobres do Reino até o Palácio de Lisboa, contudo, a reação da Rainha não surtiu efeito: o Mestre de Campo foi detido pelo Conde de Sarzedas e enviado a Alcântara para se juntar aos que apoiavam a maioridade do Infante. 249 A segunda fase do golpe caracterizou-se pela solene reunião de nobres em Alcântara que legitimou a aliança e apoio à maioridade de D. Afonso VI. Embora D. Luisa de Gusmão tivesse consigo muitos nobres portugueses que demonstravam resistência em dar o trono de Portugal ao controverso D. Afonso, ela se viu obrigada a declarar seu filho como Rei de Portugal e passou-lhe os selos reais em uma cerimônia discreta, diante da maioria dos nobres que estavam do lado de D. Afonso VI e convencidos das condições que o monarca legítimo tinha para assumir o Reino. Para sensibilizar a causa de D. Afonso entre os varões das ilustres famílias de Portugal, foi necessária uma criteriosa articulação política costurada pelos que eram próximos ao infante, dentre o quais, o Conde de Óbidos assumiu um papel especial: tinha aproximação com o astuto terceiro Conde de Castelo Melhor e trânsito político favorável entre os nobres da Corte que naquele momento assumiam altos cargos no Reino e outrora foram seus companheiros de guerra no alémmar.250 Após o juramento sobre os Evangelhos, conduzido pela Igreja Católica e diante da Corte Portuguesa e da Rainha Mãe, o sexto Afonso eleva-se ao trono de Portugal. O novo Rei nomeou o grande articulador político de sua ascensão, o terceiro Conde de Castelo Melhor, como Escrivão da Puridade dando-lhe poderes extraordinários com seu favoritismo.251 D. Afonso VI tratou de afastar todos aqueles que demonstravam desconfiança para com sua pessoa ou aos seus aproximados políticos e constituiu um novo Conselho de Estado. De acordo com o Conde da Ericeira, D. João IV demorou alguns anos para constituir completamente o seu Conselho, contudo, D. Afonso VI, em apenas uma noite, nomeou homens de sua confiança como Conselheiros de Estado, eram eles: o Conde de Óbidos; D. Thomaz de Noronha; O Conde dos Arcos; o Conde de Val de Reis, o Marques de Niza e o terceiro Conde de Castelo Melhor.252 Notemos que mais uma vez o sujeito chave deste capítulo encontra-se em uma posição privilegiada na década de 1660. Óbidos ocupou nesta ocasião uma função almejada por qualquer nobre português do século XVII, graças à sua vinculação com o Conde de Castelo Melhor e com o 249 Op.cit. BRANCO, Camillo Castello. Vida d´El-Rey D. Affonso VI escripta no anno de 1684. Porto/Braga: Livraria Internacional, 1684. P.35 250 MELLO. D. Francisco Manuel de. Epanaphoras de varia história portuguesa a El Rey Nosso Senhor D. Affonso VI em cinco relações de successos pertencentes a este Reino. Que conthém negócios públicos, políticos, trágicos, amorosos, bélicos, trinfantes. Lisboa: Offcina de Henriques Vallente de Oliveira. Impressor Del Rey. 1660. 251 Op. cit. BRANCO, Camillo Castello. Vida d´El-Rey D. Affonso VI escripta no anno de 1684, p. 93. 252 Op. Cit. MENEZES, D. Luiz de (Conde da Ericeria). História de Portugal Restaurado. Vol IV, p.73 88 Rei D. Afonso VI, ele era Conselheiro de Estado e especialista em assuntos de guerra no Reino e no Ultramar e pode ser por esta qualidade que os serviços de Óbidos se fizeram mais uma vez necessários na América. Óbidos foi destacado para mais uma vez cruzar o Atlântico e aportar na Bahia. Acompanhemos a seguir o modo de governar de D. Vasco Mascarenhas no Brasil, durante a segunda oportunidade que teve para ostentar o título de vice-rei e terceira passagem pelo Brasil, assim reuniremos mais instrumentos para compreender a amplitude dos seus poderes e o apoio que tinha das autoridades reinóis em contraste com as oposições e críticas que enfrentou enquanto esteve na Bahia na década de 1660. 7- O Conde, o Rei e seu Valido Respaldado politicamente pelo Rei D. Afonso VI e pelo seu favorito, o Conde de Óbidos passou para o Brasil, com o título de segundo vice-rei e Governador Geral de Mar e Terra do Estado do Brasil, sucedendo Francisco Barreto (1657-1663). A política de favoritismo ou valimento fora executada por muitos dos Reis europeus do século XVII e ganhou diferentes nomenclaturas nos estados monárquicos. Na França de Luiz XIV, existia o cardeal Richelieu, era ele quem resguardava o esplendor do Rei Sol e operava a sua governabilidade executando a política do ministeriat Francês; na Inglaterra, o Duque de Bukinghan era o favorito do Rei Carlos I; o Conde Duque de Olivares era o valido do Rei espanhol Felipe IV; o padre Antonio Vieira era um dos favoritos do Rei D. João IV e compôs a “Junta Noturna” da Rainha Regente, D. Luisa de Gusmão. Por fim, o grande articulador da coroação do Rei D. Afonso VI, o terceiro Conde de Castelo Melhor, reinaugurou o período do valimento régio no período dos Bragança.253 Com D. Afonso VI entronado, D. Luiz de Vasconcelos e Souza, Conde de Castelo Melhor, tornou-se a figura de principal destaque em todo o Reino, não somente por causa nas suas vitórias nas batalhas de Ameixial e Montes Claros, mas também porque era o Valido do Rei, atribuição deveras importante e perigosa, pois o Valido tinha o amor e o ódio caminhando lado a lado em sua vida política. O motivo destes sentimentos tão díspares encontra-se na interferência constrangedora que a política de favoritismo régio executava no sistema polissinodal, mantido pelas dinastias Ibéricas desde antes da ascensão Brigantina. No tempo dos Filipes, os poderes do monarca estava distribuído 253 Sobre a política de Valimento ou favoritismo régio empregado pelas sociedades do Antigo Regime, esta dissertação ocupa-se especificamente com privilégio do 3º Conde de Castelo Melhor: DANTAS, Vinicius Orlando de Carvalho. O Conde de Castelo Melhor: Valimento e Razões de Estado no Portugal seiscentista (1640-1667). Dissertação de mestrado. UFF, RJ, 2009. Sobre os Validos e a tradição do valimento na Europa, ver: THOMPSON, I. A. A. “El contexto institucional de la aparición del ministro-favorito.” In: ELLIOTT, John & BROCKLISS, Laurence. El mundo de los validos. Madrid: Taurus, 1999. 89 em vários Conselhos, Tribunais e outras instâncias consultivas que respaldavam as decisões régias, em áreas especificas do governo e esta tradição foi mantida por D. João IV.254 Desta forma, quando um Soberano elegia um súdito como seu principal representante político e jurídico, o raio de ação e decisão dos Conselhos ficava limitado à vontade do Valido, seus poderes extraordinários geravam dissenso entre Conselheiros e representantes deste sistema administrativo, composto por múltiplos sínodos. O controle do Valido era tamanho que ele tinha a prerrogativa de interferir diretamente na economia de mercês e formar sua própria rede clientelar, colocando homens de sua confiança no exercício das funções mais importantes no Reino e no Ultramar. A centralização do processo decisório e monopólio dos mecanismos de distribuição de mercês régias submetidos às decisões do Valido, fez despertar a atenção de alguns fidalgos desgostosos com tal merecimento e ocasionou sérios conflitos, dentro e fora do Reino. Acompanhemos, a seguir um trecho do Regimento que levou o Conde de Castelo Melhor como Escrivão da Puridade do Rei D. Afonso VI e os poderes extraordinários que lhes foram conferidos: [...] Todos os Regimentos, Ordens, e Cartas que se houverem de dar, e escrever aos Vice Reis, e Governadores das Províncias e Praças Ultramarinas, para o bom governo dellas, na paz, ou na guerra, assim no que tocas a meus Vassalos, como aos estrangeiros, mandar Exércitos, ou Armadas, assim para os mares do Reino, como de fora: e finalmente tudo que pertencer ao Estado de coroa, se expedirá por sua ordem o officio. Correrão por sua mão todos os Provimentos de Vice-Reis, e governadores, assim das Províncias e Praças do reino como do Ultramar, Generaes das Armadas. Almirantes, e todos os oficiaes grandes de Paz e guerra, pelos quaes com superioridade se administra o governo público, como são os Presidentes dos Tribunaes, Conselheiros, Secretários e Escrivães delles, desembargadores e Ministros da camara desta Cidade, e quaesquer outros de igual poder e jurisdicção, criações de Títulos, nomeações de Bispados, e Prelazias, Officiaes da casa Real, lugares do Santo Offício, Reitor, Cadeiras e despachos semelhantes da Universidade de Coimbra, e qualquer dependência das outras sobreditas [...] tomará os preitos e homenagens, que se me fizerem, de qualquer Governo, Fortaleza ou Capitania, assim do Reino como Ultramarinos[...]255 Ângela Barreto Xavier afirma que o resgate da política de valimento foi mais uma forma de burlar o modelo polissinodal da Monarquia Portuguesa no intuito de garantir a governabilidade de D. Afonso VI. Esta monarquia, anteriormente respaldada pelas decisões provenientes de um amplo sistema de consultas aos Tribunais e Conselhos adequados, tornou-se, com resgate do favoritismo régio, um [...] modelo autocrático, centrado num pequeno núcleo que envolvia o rei, agora com 254 DANTAS, Vinicius Orlando de Carvalho. O Conde de Castelo Melhor: valimento e razões de Estado no Portugal seiscentista (1640-1667), p.1. Um estudo recente sobre as guerras de Restauração no período de D. Afonso foi realizada por COSTA, Fernando D. A Guerra da Restauração. (1641-1668), Lisboa: Livros Horizonte 2004. Ver também a obra de Fernando Palha sobre as razões do final do Valimento régio e reinado de D. Afonso VI em: PALHA, Fernando. O Conde de Castelo Melhor no exílio. Lisboa: Imprensa Nacional, 1883, p. 3-14. 255 Ver o Regimento do Escrivão da Puridade em : SILVA, José Justino de Andrade e. Collecção Chronologica da legislação portuguesa. (1657-1674). Lisboa: Imprenssa de J.J.A. Silva, 1856. p 38-84 90 poderes que esvaziavam os corpos tradicionais da sociedade política.256 D. Afonso VI, valeu-se da noção de razão de estado para nomear o seu privado e assim manter a sua figura longe dos desgastes, Castelo Melhor estava assim encarregado de conduzir o governo de Portugal, ora enfrentando os antigos partidários da Rainha Regente, ora mediando conflitos ente as várias instâncias políticas que compunham o Reino e suas conquistas. No século XVII, a chamada Razão de Estado se tornou argumento para todas as medidas extraordinárias tomadas pelas monarquias ibéricas, Carvalho Dantas fez um inventário minucioso acerca da historiografia que trabalha com esta temática e seus estudos balizam esta abordagem. O autor identificou a origem desta noção em antigos conceitos de necessitas ou ratio status, advindas das tradições jurídicas romanas.257 Portanto, não se pode pensar a política experimentada no Antigo Regime de acordo com parâmetros contemporâneos, nesta época, o político estava envolvido numa cadeia de hierarquias e códigos de conduta, respaldados em conceitos morais que organizavam o mundo e de acordo com os ditames da Igreja e da natureza das coisas. Por isso, o Rei D. Afonso VI era a cabeça do Reino e como uma figura legitimada socialmente, podia agir com verdadeira razão de estado, mesmo que sua demência fosse difundida publicamente, tinha ele um Valido que conduzia o Reino com a sua permissão e garantia a sua legitimidade como sucessor do trono de Portugal, lugar que lhe era de direito. Contudo, a vontade do Valido estava disfarçada de vontade do Rei e a partir da leitura do Regimento do Escrivão da Puridade percebe-se que os privilégios adquiridos pelo favoritismo régio provocaram crítica de nobres que também disputavam as mercês régias e demonstravam estranhamento diante das mudanças que o terceiro Conde de Castelo Melhor estava operando no governo de Portugal e das conquistas. O envio de D. Vasco Mascarenhas para o Brasil precisa ser compreendido a partir desta situação política vivenciada no Reino. Óbidos foi eleito presidente do Senado da Câmara de Lisboa quando os primeiros movimentos de transição do trono foram arquitetados, também foi auxiliar do terceiro Conde de Castelo Melhor no convencimento dos outros fidalgos da Corte para adesão ao reinado de D. Afonso VI e, sendo nomeado pelo novo soberano para compor o seu Conselho de Estado, Óbidos se juntava ao seleto grupo de autoridades do Reino que já haviam passado pelo Brasil assumindo funções de governo, como o Conde Autoguia e o Marquês de Niza. O vice-reinado de D. Vasco Mascarenhas no Brasil (1663-1667) coincide, pois, com o período de valimento do terceiro Conde de Castelo Melhor, foi no reinado de D. Afonso VI que se resgatou estas duas características marcantes do governo Filipino e foi durante este espaço de tempo 256 Idem, apud: XAVIER, Angela Barreto. “El Rei aonde pode, & não aonde quer” Razões da política no Portugal seiscentista. Lisboa: Edições Colibri, 1998, p. 147 257 idem 91 que a administração do Brasil sofreu mudanças sensíveis, especialmente no que tangia a outorga e negação de mercês e ofícios régios, gerando um conjunto de queixas e protestos dos fidalgos destacados na Bahia. Os poderes extraordinários que o Valido do Rei acumulava parecem servir de inspiração a D. Vasco Mascarenhas, muitas das suas práticas motivaram críticas das autoridades da Bahia, as limitações físicas e mentais do Rei D. Afonso VI eram conhecidas pelas autoridades destacadas em Salvador, especialmente por via do Padre Antônio Vieira, os fidalgos de Salvador também sabiam que Óbidos esteve entre os nobres da Corte que ajudaram o Príncipe a assumir o trono, durante Golpe que expulsou D. Luísa de Gusmão do comando político do Reino e a exilou em um convento de Carmelitas. Vejamos, por fim, um trecho da Carta patente de vice-rei que D. Vasco Mascarenhas recebeu de D. Afonso VI: [...] lhe dou todo poder e alçada sobre todos os Generaes, Mestres de Campo, Capitaens das ditas Fortalezas e pessoas que nellas estiverem; e que foram nas ditas Armadas & Capitaens das que la andarem & e forem aquelle Estado & sobre todos os fidalgos e quaesquer qualidade, estado e condiçam que sejam da qual em todos os casos[...] 258 Portanto, não podemos perder de vista que o envio de D. Vasco Mascarenhas como vice-rei do Estado do Brasil significava uma ação direta do Rei e do Conde de Castelo Melhor para controlar uma praça tão importante para o Reino e repleta de pessoas da elite local que mantinham vínculos com a Rainha Mãe destituída. A figura de Óbidos demarcava politicamente a ação de Afonso VI e do seu Escrivão da Puridade na América, seja porque ele já havia passado por estas partes em finais da década de 1630, seja porque seu estilo de Governo parecia o mais apropriado para conduzir uma Colônia importante como o Brasil.259 258 Op.cit. BNRJ, Seção de Manuscritos, Patente que se passou para o vice-rei Conde de Óbidos. Outras interpretações sobre o reinado de D. Afonso VI e o período de valimento régio, especialmente após a ascensão de D. Pedro I, pode ser encontrado em: LACERDA, Fernando Correa de. Catastrophe de Portugal na deposição Del Rei D. Affonso sexto, e subrogação do Principe D. Pedro o único, justificada nas calamidades publicas. Escripta para justificação dos Portugues por Leandro Dórea Carceres e Faria. Lisboa: 1669 259 92 CAPÍTULO III 1- O segundo vice-rei do Brasil [...] Quarta-feira, 28 de junho de 1662, se declarou a eleição do Conde de Óbidos e deuse-lhe o tal governo com este título contendo-se ele no tempo que a rainha régia só com o de governador como tivera todos os seus antecessores naquela conquista. Parece que lhe satisfizeram o ser lançado da Índia onde estava cendo Vice Rei. Antes de entrar el Rei no governo o favorecia muito (por ser gentil homem na Câmara) na pretensão. Agora lho despachou com mais vantagens.260 O trecho acima assinala a decisão tomada pelo Conselho de Estado de D. Afonso VI ao nomear o Conde de Óbidos no cargo de segundo vice-rei do Brasil. Todo esforço reunido no capítulo anterior teve o objetivo de mapear a trajetória política de D. Vasco Mascarenhas e as circunstancias que motivaram a sua inserção no quadro de Governadores e vice-reis que administraram a colônia no século XVII. O Conde de Óbidos foi um funcionário régio de reconhecida experiência, as atividades que cumpriu e as dificuldades políticas que enfrentou em Goa, demonstram que o seu modo de governar nem sempre era bem aceito pelos poderosos do Ultramar subalternos ao seu comando. Apesar de ter sido lançado da Índia, a Casa Real Brigantina continuou utilizando os seus serviços de administrador e o com advento do Rei D. Afonso VI e do terceiro Conde de Castelo Melhor seus préstimos novamente foram solicitados. Neste capítulo, aborda-se com mais profundidade o conflito existente entre o Conde vice-rei e Lourenço de Brito Correa. As origens desta contenda e seus desdobramentos serão analisados com base nas fontes disponíveis, especialmente as Consultas do Conselho Ultramarino e correspondências enviadas e recebidas pelo Conde de Óbidos, recorre-se também à pesquisas que se ocuparam em estudar alguns dos envolvidos neste suposto “motim” que resultou na prisão e envio de Lourenço rumo à Lisboa, acompanhado por seu filho, Lourenço de Brito Figueiredo, e por outros homens de reconhecida importância na cidade de Salvador. Já sabemos que Óbidos e Lourenço eram homens de destaque e reconhecimento entre a população da Bahia Seiscentista, ambos pertenciam a Ordens Militares e serviram em postos de comando na América desde o período Filipino. Deve-se levar em conta que em 1663, o Conde de Óbidos tinha 60 anos de idade, pouco mais ou menos e Lourenço já estava na casa dos 70 anos. Na época em que D. Vasco Mascarenhas esteve no Brasil pela primeira vez ainda não ostentava o título de Conde, viera para a capitania da Bahia a fim de cumprir atividades de comando militar no governo de Diogo Luís de Oliveira e, no ano seguinte, voltou ao Reino para receber a primogenitura e o brasão de suas armas pelas mãos da dinastia Habsburgo. Vimos também que D. Vasco Mascarenhas passou pelo Brasil, pela segunda vez, no ano de 260 Op. cit. CALMON, Pedro, História do Brasil. Vol.3 (sec XVII-XVIII), 1971. p739. 93 1639; neste período ele lutou nas frentes de batalha lideradas pelo Conde da Torre com vistas a expulsar os holandeses do Nordeste do Brasil, todavia, sabemos da sua partida para Lisboa, em 1640, sem avisar ao Conde da Torre e deixando de lado suas funções de General de Artilharia para ajuntar-se ao partido do Duque de Bragança. Todavia, o ano de 1663 foi decisivo na carreira política do Conde de Óbidos, seu reconhecimento entre os nobres da Corte de Lisboa é reflexo das suas opções políticas, ele foi um dos nobres de Portugal que apostaram no reconhecimento da maioridade de D. Afonso VI e nos poderes do Conde de Castelo Melhor no Valimento Régio, mantendo-se unido ao comando político do Reino até a substituição do monarca. Óbidos compunha o Conselho de Estado e o Conselho de Guerra do Reino de Portugal, além de ser comendador de tradicionais ordens militares que o distinguia entre outros homens do Reino. No primeiro capítulo, tivemos a oportunidade de apresentar a trajetória de Lourenço de Brito Correa, uma figura influente na principal conquista portuguesa das Américas e que acompanhou as passagens do Conde de Óbidos pelo Brasil. Em 1663, a posição política que este fidalgo da Bahia ocupava reunia em seu entorno funcionários da administração colonial com grande peso político como os magistrados da Relação, religiosos do Mosteiro de São Bento e capitães de Infantaria instalados na cidade de Salvador. Lourenço de Brito Correa estava encarregado das finanças da Coroa e cabia a ele o controle dos gastos, provisão do abastecimento e administração do tesouro do Estado do Brasil, além de ser um rico fazendeiro do Recôncavo da Bahia oriundo da família Caramuru, ele ostentava sua passagem na governança provisória do Brasil após ter participado da trama que usurpou o primeiro vice-rei do Brasil do cargo que ocupava. O Conde de Óbidos, por sua vez, representava a figura do Rei D. Afonso VI na América e tinha do Conde de Castelo Melhor todas as licenças para governar o Brasil com poderes de vice-rei e Governador Geral. Apesar de estar subalterno às ordens Óbidos, Lourenço de Brito Correa era um antigo serventuário da Coroa Portuguesa dentro do espaço colonial e tinha em suas mãos um cargo estratégico que o obrigava a fiscalizar as ações administrativas do vice-rei em exercício. Da mesma forma que o Conde de Óbidos estava ciente que poderia ser expulso novamente do seu cargo de vice-rei, caso não tivesse cuidado em conter seus opositores ou demonstrasse pouca afabilidade e diálogo com as autoridades constituídas, Lourenço de Brito Correa também sabia que as suas ações como Provedor Mor da Fazenda Real deveriam ser voltadas para coibir descaminhos e concorrer para a boa administração da Colônia, portanto, Lourenço conhecia os limites do cargo que ocupava e ressaltava em suas cartas o zelo que sempre manifestou para com as finanças da Coroa, assim ele legitimava os seus argumentos contra o modo como o vice-rei do Brasil vinha conduzindo seu governo e o Conselho Ultramarino fazia coro às suas críticas. 94 Deve-se levar em consideração que a governabilidade do Conde de Óbidos no Brasil dependia da constituição de laços afetivos e relações políticas amistosas no espaço colonial, não só com Lourenço de Brito Correa, mas também com outros fidalgos que ocupavam funções na Relação da Bahia, Senado da Câmara de Vereadores e na Santa Casa de Misericórdia da Bahia, também era necessário dar a atenção devida para todo o clero erradicado no Brasil e comandantes militares dispostos nos muitos Terços de Infantaria existentes. Não podemos perder de vista que o Conde de Óbidos e Lourenço de Brito Correa manifestavam vinculações políticas opostas dentro do jogo de interesses que se disputava em Portugal entre os anos que seguiram a ascensão de D. Afonso VI ao trono de Portugal, esta oposição parece ter influenciado diretamente nos conflitos engendrados por estes sujeitos dentro do espaço colonial. Como foi ressaltado no primeiro capítulo, Lourenço demonstrava aproximação com a Rainha Mãe e fora agraciado muitas vezes durante a Regência, especialmente nos primeiros anos da década de 1660, época que pedidos de mercê em forma de terras, hábitos e cargos foram feitos por Lourenço e outorgados pela Regente. Vimos assim que Conde de Óbidos estava em uma direção política oposta à anterior Rainha Regente, foi um dos articuladores do golpe que auxiliou a elevação de D. Afonso VI e do terceiro Conde de Castelo Melhor no comando político de Portugal em 1662, esta estreita relação com o monarca e seu Valido podem auxiliar na compreensão do modo de governar deste segundo vice-rei do Brasil, em contraste com as críticas formuladas pelas autoridades da Bahia e do Conselho Ultramarino diante de suas pretensões. Fernando Bouza Álvares estudou os “Vice reinados de Príncipes no Portugal dos Filipes”, e importância estratégica deste instituto político acionado no período da União Ibérica para superar os momentos em que a soberania e a governabilidade das conquistas ficavam fragilizadas.261 Passados mais de vinte anos que este cargo não era outorgado, um segundo vice-rei é novamente nomeado para governar a América. Revigorar o vice-reinado no Brasil era uma medida administrativa tomada de acordo com a conjuntura política que a Colônia atravessava, normas confusas e profusas ocasionavam constantes conflitos de jurisdição, especialmente num Brasil dividido em dois centros de poder: Salvador e Rio de Janeiro. Redefinir os espaços de ação dos governadores das Capitanias e reduzir o alcance dos seus poderes não foi tarefa fácil para aquele que no Brasil tinha a maior titulação, depois do Rei. 261 O autor ressaltou como o chamado “virreinado de sangre” foi instrumento de incorporação de Portugal à monarquia Hispânica, especialmente após as insatisfações oriundas das Cortes de Tomar (1581). Ver: ALVAREZ, Fernando Bouza. “A ‘saudade’ dos reinos e a ‘semelhança do rei’. Os vice reinados de príncipes no Portugal dos Filipes”.In: Portugal no tempo dos Filipes. Política, Cultura, representações (1580-1668). Cosmo, Lisboa: 2000, p.109-126. Saliente-se também que a importância política do Vice Rei refletia-se em custos com a criadagem e parentela que acompanhava o titular do cargo, além de outras prerrogativas extraordinárias. Ao fazer recair o Vice reinado do Brasil em um nobre a quem chamava de “mui amado sobrinho”, o Rei D. Afonso VI coloca o Conde de Óbidos no topo das relações políticas e administrativas do Brasil dando-lhe o mesmo Regimento que levou o primeiro Vice Rei, Marquês de Montalvão. 95 Muito menos agradáveis foram as mudanças radicais a que tiveram que se submeter os funcionários de carreira administrativa instalados durante décadas na Bahia e acostumados com as tradições que ajudaram a forjar dentro do espaço colonial.262 Para além de iniciar um período de reestruturação da administração da Colônia e centralização do poder na figura do vice-rei, não podemos perder de vista que o Conde de Óbidos cuidou em averiguar os fidalgos da Bahia que foram agraciados pela anterior Rainha Regente e que na Bahia estavam a ocupar cargos estratégicos, este era um indício de vinculação política oposta D. Afonso VI e contrária aos seus partidários. A notória ligação de Lourenço de Brito Correa com a Rainha D. Luísa de Gusmão e seu histórico de conflitos com outros Governadores Gerais e vice-reis do Brasil vistos no primeiro capítulo são elementos importantes para compreender as contendas vivenciadas na Bahia a partir do advento do segundo vice-rei do Brasil e serão discutidas a seguir. 2- Desafios de um vice-rei que já foi usurpado A relação política de Lourenço de Brito Correa e o antecessor do Conde de Óbidos, o Governador Francisco Barreto, parece ter sido cooperativa entre 30 de junho de 1657 a 23 de junho de 1663, os dois fidalgos serviram no Brasil durante todo o período de Regência de D. Luísa de Gusmão. No plano fiscal e econômico, Barreto e Brito enfrentaram jesuítas proprietários melhores Engenhos de cana-de-açúcar e maiores fazendas de gado da Capitania da Bahia e, apesar de acumular muito lucro, não pagavam os dízimos à Fazenda Real durante muitos anos.263 A Provedoria mor da Fazenda Real do Brasil também amargava a redução da produção do açúcar no recôncavo devido a concorrência da WIC e suplicavam ao monarca a emissão de recursos para conservar os Engenhos de cana existentes.264 No plano administrativo, Francisco Barreto também enfrentou problemas com André Vidal de Negreiros, este Governador da Capitania de Pernambuco foi severamente punido por sua insubordinação265 e tal atitude foi rememorada pelo Conde de Óbidos, anos depois, para justificar a prisão e embarque dos seus opositores para o Reino. 262 Alguns aspectos sobre os conflitos de jurisdição no espaço colonial e a variedade de leis que coexistiam foram estudadas por WEHLING, Arno e WEHLING, Maria José C. de M. Formação do Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994, p. 299-312. 263 Ver: AHU, LF, BA, Cx. 16, Doc,1797, 02/06/1661. 264 Existiam no Recôncavo da Bahia muitos Engenhos que estavam “desfabricados” na época que Lourenço era Provedor Mor da Fazenda. Em 1662, ele citou: quatro Engenhos reais de água no Rio Jaguaripe, 2 Engenhos Reais de água e dois trapiches na Ilha de Taparica, um Engenho Real em Peravivia, um Engenho em Cachoeira e outro em Capanema, ambos às margens do Paraguassú, cinco trapiches em Serezipe do Conde, duas moendas e um Engenho em Paramirim, um Engenho Real de água em Passé e um trapiche na Ilha de Maré, dois trapiches em Matoim e Praia Grande, dois Engenhos reais em Cotegipe. Os Engenhos que se construíram no seu tempo foram: uma moendinha em Taparica, um trapiche em Peruasu, duas moendinhas “em o Matto”, duas moendas e um trapiche em Serezipe do Conde, duas moendas “em os Mattos” e mais duas moendas “nos Mattos de Garagai e Peramirim. Ver: AHU, LF, BA Cx. 16, Doc. 1862-1863. 23/05/1662. 265 AHU, LF, BA, Cx. 15, Doc. 1735, 17/02/1659. 96 A substituição de Francisco Barreto por um vice-rei demarca o final da divisão do Brasil em duas zonas de poder. Durante a vigência das repartições Norte e Sul, com sede na Bahia e no Rio de Janeiro, respectivamente, foram produzidos regimentos específicos para organizar os cargos e serventias em cada uma dos centros administrativos. De acordo com Graça Salgado, somente o cargo de ouvidor da Repartição Sul recebeu regimentos em 1619, 1626 e 1630 com mudanças pouco sensíveis de um para o outro. A autora também ressaltou centralização do poder administrativo na pessoa do Conde vice-rei e retorno da sede de governo à Bahia, todas estas mudanças implicaram na extinção dos regimentos da Repartição Sul e, consequentemente, dos serviços que se prestavam nestas partes.266 Vemos assim que o Brasil encontrado pelo segundo vice-rei estava repleto de desafios e a sua presença parecia ser vista com otimismo, pelo menos nas palavras dos moradores da Bahia: [...] Em os vinte e seis dias do mês de junho do presente ano de 1663, estavam reunidos no templo da Sé os [...] Juízes, Vereador e Procurador da Câmara, Juiz do Povo e Místeres, Ministros e Officiaes de Guerra, Fazenda e Justiça, Mestres de campo e mais Ministros da Relação, Provedor Mor da Fazenda e mais povo desta cidade. 267 O motivo da reunião de pessoas importantes na catedral da Sé era para referendar o ato de posse de D. Vasco Mascarenhas, substituto de Francisco Barreto, no Governo Geral do Brasil. O Rei D. Afonso VI outorgou ao [...] Exmo. Conde de Óbidos, seu camarista, do seu Conselho de Estado, o cargo de [...] Vice Rey Capitam Geral de Mar e Terra de todo o Estado do Brasil. 268 Bernardo Vieira Ravasco269, irmão do padre Antonio Vieira, foi quem homologou a posse. [...] Umildes e prostados aos pées de de V. Mgd. Rendemos a VM as grassas da mercê que fes a este estado en nos mandar governar pello Conde de Obidos de cuja christandade, juízo, limpeza e benevolência esperamos obre no serviço de VM e beneficio destes vassalos, com grandes asertos pois os breves dias de seu governo nolo a seguram, guarde Deos VM para sempre nos emparar e fazer mercês, em Camera da Bahia aos 23 de agosto de 270 1663. O trecho acima foi escrito dois meses depois de iniciado o segundo vice-reinado no Brasil, três Vereadores e o Procurador da Bahia agradeciam ao Rei D. Afonso VI pelo envio de um novo governante. São quatro os pontos destacados pelos fidalgos da Bahia satisfeitos com a chegada de 266 SALGADO, Graça (coord). Fiscais e Meirinhos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. p. 254-258. Op.cit. SILVA, Ignacio Accioli de Cerqueira da. Memórias históricas e políticas da Província da Bahia. Tomo II, 1835, p. 121. 268 idem 269 Bernardo Vieira Ravasco é uma figura essencial para a compreensão do funcionamento da administração ultramarina no Brasil pelo seu estratégico posto de Secretário Geral do Estado do Brasil, maiores detalhes sobre este Sujeito e as suas relações com o motim que supostamente derrubaria o Conde de Óbidos foi estudado por PUNTONI, Pedro. “BERNARDO VIEIRA RAVASCO, SECRETÁRIO DO ESTADO DO BRASIL: PODER E ELITES NA BAHIA DO SÉCULO XVII.” In: Novos Estudos. CEBRAP. N.° 68, 2004, pp. 107-126. 270 AHU, LF, BA. Cx.17, Doc.1947. 267 97 D. Vasco Mascarenhas: ser cristão velho e ter as partes genealógicas congruentes aos critérios de limpeza de sangue constituíam-se pré-requisitos básicos para que a gestão do vice-rei fosse bem aceita; juízo e benevolência eram outros atributos decisivos para o sucesso da governança de um mandatário enviado do Reino e este conjunto de comportamentos e atributos faziam parte dos acertos esperados pela elite de Salvador. Apesar de ser uma declaração pública de afeto e confiança no trabalho recentemente iniciado por Óbidos, a Câmara da Bahia tinha o costume de emitir várias cartas para as instâncias Ultramarinas no intuito de agradecer à realeza o envio de governadores para as terras do Brasil. Haviam feito isso também na ocasião da chegada de Francisco Barreto,271 talvez para demonstrar tacitamente à realeza que, mesmo agradecendo, a elite local estava em constante vigilância no trabalho que estava sendo desenvolvido pelos administradores enviados do Reino e, por outro lado, buscavam uma aproximação com o recém-nomeado, fazendo um elogio público à sua pessoa e dando visibilidade positiva ao seu governo na Metrópole. Conforme analisamos no segundo capítulo, vice-rei seria a única titulação que o Conde de Óbidos poderia receber fora de Portugal, pois já havia recebido este título na Índia e, ainda que tivesse sido usurpado do cargo, ele não poderia exercer funções com menos importância política, sabemos também que a vinda de D. Vasco Mascarenhas com esta mercê extraordinária foi uma ação estratégica do Rei e seu Valido para manter o Brasil sob controle a partir de um comandante conhecido pela população local e fiel ao reinado em vigor. Foi durante as festas juninas a posse de Óbidos e ele administrou a Colônia até as celebrações de Santo Antônio de 1667.272 A nomeação de Óbidos ocorre semanas após a ascensão de D. Afonso no trono Português e se levarmos em conta a sua ligação com o comando político do Reino teremos mais subsídios pra compreender o papel que ele exerceu na administração da Colônia e os desafios que encontrou neste período. Para percebermos a amplitude dos poderes de Óbidos enquanto esteve no vice-reinado do Brasil é preciso analisar alguns registros deixados por ele e por outras autoridades da Bahia, em contraste com as comunicações enviadas e recebidas pelo Conselho Ultramarino, corpo consultivo que estranhava sistematicamente o modo de governar de Óbidos e suas pretensões. Uma breve noção dos desafios que o Conde vice-rei encontrou ao chegar na América pode ser alcançada no trecho de uma carta escrita pelo mesmo ao Governador do Rio de Janeiro, no dia 23 de outubro de 1663, o vice-rei descrevia assim as suas impressões sobre aquela capitania: [...]achei as coisas deste Estado tão demasiadamente confusas e a jurisdição deste governo tão sem limite e despedaçada; que para se tornar a unir e restituir o governo a aquelle ser 271 AHU, LF, BA. Cx.14, Doc. 1690. SILVA, Ignácio Accioli de Cerqueira e. Memórias históricas e políticas da província da Bahia. Tomo I, Bahia: Typographia do Correio Mercantil de Precourt, 1835, p. 112. 272 98 em que se deve conservar e que el Rei, meu Senhor, quer que o Brasil tenha.273 Pedro Calmon afirma que a nomeação do Conde de Óbidos como vice-rei tinha o objetivo de estabelecer uma [...] definitiva unificação administrativa.274 Óbidos efetuou reforço nas estruturas dos prédios públicos e na residência dos Governadores e vice-reis, para isso pediu por portaria de 20 de agosto de 1663 um empréstimo à Provedoria Mor da Fazenda de dois mil cruzados, oriundos do dinheiro do cunho da moeda e acautelou o pagamento em seu fiador, informava também que o Provedor Mor deveria disponibilizar recursos financeiros a ele sempre que fosse solicitado.275 Outra característica do governo de Óbidos pode ser verificada no interesse que ele manifestou em coibir o crescimento de quilombos e mocambos espalhados pelo sertão. 276 Numa Portaria de 17 de setembro de 1663, o vice-rei orientava a forma como o Capitão do Campo Francisco Rodrigues, o guia Manoel Dias, alguns soldados e 16 índios deveriam se comportar na empreitada organizada para desbaratar uns mocambos que se tinha notícia. Óbidos ordenava que os homens acima mencionados fossem acolhidos durante a jornada pelos [...] capitães mores e das freguezias, e quaesquer das pessoas ou fazendas ou curraes por donde forem, lhe dem o mantimento necessario, de que cobrarão recibo, para com elle se lhes pagar do que resultar dos prisioneiros.277 O destino dos escravos que porventura fossem apreendidos também estava previsto nesta portaria, Francisco Rodrigues tinha ordens do Conde de Óbidos para conduzir à cadeia da Bahia todos os [...] negros, negras e criação que prisionar (sem poder dar aos seus donos nenhuma em parte alguma; nem a descaminhar pena de ser castigado com todo rigor) para ali se satisfazerem as despesas, e se restituirem com mais segurança todas as peças a seus senhores.278. Outra providencia que Óbidos tomou ao chegar ao Brasil foi escrever um Regimento 279 que se destaca pela riqueza de detalhes, o conteúdo das cláusulas versava sobre questões militares e administrativas e deveria ser seguido atenciosamente pelos Capitães Mores e Governadores de Capitanias da Colônia. 273 DHBNRJ, Volume V, p. 465. Op. cit. CALMON, Pedro, História do Brasil. Vol.3 (sec XVII-XVIII), 1971. p.739 275 DHBNRJ, Volume VI, p. 116 276 Ver portaria que o Conde de Óbidos passou a Simão Fernandes Madeira, Capítão do Campo, para ir aos mocambos de Tabayana e Seregipe Del Rei em DHBNRJ, Volume VI, p. 122 277 DHBNRJ, Volume VI, p. 118 278 idem 279 Pedro Calmon afirmou que o Regimento dado pelo Conde de Óbidos foi “o primeiro código ou esboço de constituição dos poderes regionais, dando-lhes uniformidade, método e hierarquia.” ver. CALMON, Pedro. História do Brasil. (sec. XVII e XVIII) Riquezas e vicissitudes) Vol.3. 1971, p.736. Cosentino entendeu que a elaboração de normas pelos Governadores Gerais e Vice Reis do Brasil permitiu [...] a construção de uma memória, dedicadas ao exercício de governo, com todas as suas implicações, inclusive a elaboração da documentação escrita que norteava e delimitava os direitos e deveres, como eram os regimentos dos governadores gerais. Ver: COSENTINO, Francisco Carlos Cardoso. Governadores Gerais do Estado do Brasil (séculos XVI-XVII): ofício, regimentos, governação e trajetórias. São Paulo: Annablume; Belo Horizonte: Fapemig, 2009. p. 207. 274 99 A responsabilidade que Óbidos tinha ao receber o vice-reinado estava em alinhar os procedimentos dos administradores subalternos ao seu comando, promovendo uma normatização dos fazeres e evitando conflitos. Resumidamente, o Regimento dado pelo segundo vice-rei do Brasil tinha o objetivo de corrigir os [...] inconvenientes que resultão dos capitães mores das Capitanias deste Estado, não terem regimento que sigão; e para se evitar este prejuízo, e poderem proceder nas obrigações que lhes tocão, sem se occasionarem as duvidas que os Provedores da Fazenda Real, Ouvidores das Capitanias costumão ter, nem as queixas que os moradores 280 ordinariamente fazem de suas ações. Podemos entender este Regimento como um conjunto de providências à serem tomadas pelos administradores das Capitanias do Brasil e organização dos seus procedimentos, fora escrito pelo Secretário do Estado do Brasil, Bernardo Vieira Ravasco e dava orientações quanto a defesa dos territórios e matérias de jurisdição. O primeiro interesse normativo encontra-se em garantir a segurança das capitanias contra invasores estrangeiros, uma cláusula específica ordenava que todos os Capitães Mores visitassem periodicamente as fortalezas e armazéns de mantimentos bélicos de suas Capitanias, na presença do Provedor Mor e do Escrivão da Fazenda, para que, inventariada todas as peças de artilharia, fosse dado conta do que precisava de concerto. Justificava o Conde: [...] porque ainda que de prezente há paz com os holandeses, sempre convém estar a dita capitania com prevenção necessária a qualquer intento ou invasão de outros inimigos desta Coroa281. A norma também previa que os administradores das Capitanias alistassem todos os homens da sua jurisdição que tivessem condições de pegar em armas para adestrá-los, pelo menos uma vez no ano e manter o efetivo militar reserva em condições de guerrear caso fosse necessário; a cláusula incentivava que os varões portassem armas por [...] saberem usar dellas, sendo que os mais habilidosos deveriam ser informados ao vice-rei. O segundo aspecto das orientações dadas por Óbidos diz respeito a uma tentativa de padronizar o fazer administrativo dentro das Capitanias, revogando os costumes anteriores e submetendo todos os Capitães a um único referencial de poder, Óbidos orientava que os seus subordinados fossem moderados nas condenações que lhes eram cabíveis sentenciar, ressaltava que a autoridade dos Governadores era reconhecida exclusivamente no âmbito das Capitanias que administravam e todos eles estavam submissos às suas ordens. Uma prova desta prevenção foi vetar intromissões de opinião nos trabalhos do Capitão Mor, do Provedor da Fazenda Real do Brasil, dos Ouvidores da Justiça e do Senado da Câmara da Bahia e se houvesse algum dissenso a última 280 A transcrição deste regimento encontra-se em LISBOA, Balthazar da Silva. ANAES DO RIO DE JANEIRO, contendo a descoberta e conquista deste país, a fundação da cidade com a historia civil e eclesiástica, até a chegada de El Rey D. João IV; além de notícias topográficas, zoológicas e botânicas. Tomo 4, Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 1835. P. 222. 281 idem. 100 palavra era do vice-rei. Também estava previsto um ordenamento criterioso para a provisão de pessoas em postos militares, de justiça e de fazenda que se achassem vagos, Óbidos ordenava aos Capitães Mores que dessem pronta notícia das vacâncias e dos homens que foram providos como substitutos para não comprometer o andamento dos trabalhos de administração das Capitanias, o sexto capítulo ordenava: [...] E para que o curso das causas, ou negócios que dele dependerem se não suspendão, passara em virtude deste capitulo Provisão a pessoa benemérita, e suficiente que o sirva por tempo de dois meses se for a Capitania das do norte ou desta até o Espírito Santo inclusivo; e de seis se for das do Espirito Santo para o Sul para que continue enquanto eu não provejo. Será o Capitão Mor obrigado a ter particular cuidado nesta matéria, para que de nenhum modo sirvão com seu provimento mais que naquelle interino preciso, que he necessário para me chegar o aviso e ir a Provisão282 Para finalizar esta análise do Regimento feito pelo Conde de Óbidos, deve-se ressaltar que ele teve o cuidado de revogar e extinguir quaisquer ordens ou estilos que em contrario se tenha observado na dita Capitania até o prezente, e só este regimento terá effeito e vigor.283 Alinhar os procedimentos dos administradores das capitanias não foi a única estratégia de governar por escrito utilizada por Óbidos, ao longo da sua governança ele baixou outros Regimentos, a saber: o regimento das moedas284 que regulamentava valor, modo de circulação e cunho para todo o Estado do Brasil; o regimento do secretário de Estado Bernardo Vieira Ravasco285 e o regimento para a cobrança do “donativo do dote da Senhora Rainha de Grã Bretanha, e pax de Hollanda.”286 3- O Conde de Óbidos e o delicado terreno da mercê régia na Bahia Vimos anteriormente que na Bahia Seiscentista, a economia de mercês foi estratégia de acumulação de riqueza e mobilidade social, não apenas para fidalgos como também para militares de origem não nobre que demonstraram bravura durante as guerras contra os holandeses ou contra os índios rebeldes e comunidades quilombolas que ameaçavam os projetos de conquista e 282 idem Idem. Apesar de ter o cuidado em estabelecer um Regimento criterioso, os Capítães Mores continuavam a reclamar dos conflitos de jurisdição, foi o que aconteceu na Capitania da Paraíba, o capitão, o provedor da fazenda e os juízes ordinários daquela parte do Brasil entravam em constantes desentendimentos quanto a amplitude de suas ações. Para mais detalhes ver: DHBNRJ. Vol. 8. Rio de Janeiro, Augusto Porto & Cia, 1928. p. 170-172. 284 DHBNRJ. Vol. 5. Rio de Janeiro, Augusto Porto & Cia, 1928.. Sobre tais reformulações ver a legislação para o novo cunho da moeda do Brasil em: http://iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/~ius/verlivro.php?id_parte=101&id_obra=63&pagina=278 285 DHBNRJ. Vol. 5. Rio de Janeiro, Augusto Porto & Cia, 1928. p. 415. 286 Apesar de já existir a cobrança do dote desde o tempo de Francisco Barreto, o regimento dado por Óbidos ordenava que se inventariassem os bens dos moradores da Bahia e capitanias anexas, tudo isto para ter um melhor controle da arrecadação dos 80.000 cruzados anuais que cabia ao Brasil como pagamento. Óbidos nomeou [...] pessoas a cuja inteligência, zelo, e talento se possa fiar o bom effeito dele, para fazer tal cobrança, entre os homens de sua confiança estava o [...] Capitão Antonio Lopes de Ulhôa, Provedor-mor da Fazenda Real deste Estado, Sargento-maior Balthazar dos Reis Barrenho, Vereador mais velho da Camara desta Cidade, Sargento-maior Ruy de Carvalho Pinheiro, Escrivão da mesma Camara, e João Peixoto Viegas. DHBNRJ. Vol. 5. Rio de Janeiro, Augusto Porto & Cia, 1928. p. 381. 283 101 colonização do Brasil. Estes homens alcançaram do Rei a posse de terras, cargos militares e administrativos e contratos comerciais que lhes rendiam receita e prestígio social, o acúmulo destes bens em forma de mercês remuneratórias tornou-se uma propriedade passível de herança, arrendamento ou venda. Os proprietários dos cargos administrativos e militares tinham o direito de renunciá-los em benefício de um filho, ou como dote de casamento ao esposo de sua filha, ou arrendá-los em troca de uma porcentagem do ordenado. As consultas ao Conselho Ultramarino, cartas do Senado da Câmara da Bahia, devassas de diversas autoridades do Tribunal da Relação da Bahia e comunicações enviadas e recebidas no período do vice-reinado de D. Vasco Mascarenhas, demonstravam o valor que as autoridades portuguesas instaladas no Brasil davam aos ofícios régios recebidos por mercê, abrindo assim possibilidades de investigar como os funcionários da administração colonial encaravam as pretensões que tinha o vice-rei do Brasil ao interferir na outorga de cargos e ofícios para alcançar governabilidade e conveniências políticas. O provimento de ofícios administrativos e militares nas possessões ultramarinas era uma exclusividade do Rei de Portugal, no Brasil, porém, a nomeação de pessoas em cargos vacantes, à revelia do monarca, foi uma prática corriqueira entre os Governadores Gerais e vice-rei, principalmente em períodos de guerra e em necessidades extraordinárias que não permitiam deixar determinadas serventias sem ocupação durante muito tempo. Antes de aprofundar sobre as querelas existentes na Bahia em torno da outorga e negação de cargos e ofícios régios, torna-se importante apresentar uma petição, escrita pelo Conde de Óbidos em 19 de agosto de 1663 a qual dava notícias ao Rei de Portugal sobre a situação do pagamento da parte que cabia ao Brasil para o dote de casamento da Rainha da Grã Bretanha, D. Catarina de Bragança e a indenização estabelecida para manter a paz com a Holanda. Letícia dos Santos Ferreira apresenta um estudo detalhado acerca das taxações que todos os moradores do Brasil estavam submetidos e a cobrança de tributos proporcional às posses de cada pessoa. As ações do Conde de Óbidos para a arrecadação eficaz do dote da Sereníssima Rainha da Inglaterra e Pax de Holanda é mais um exemplo de como a sua presença no Brasil teve o objetivo de organizar e garantir o envio destes recursos para o Reino, ainda que ele mesmo reclamasse da situação de miséria que os moradores da Bahia vinham padecendo, graças à redução do preço do açúcar do Recôncavo e declínio da produção no Brasil.287 Mas esta carta revela outros interesses, o vice-rei do Brasil relembrava as prerrogativas que a Coroa Portuguesa lhe devia por [...] mercê particular que VMgde. faz a todos os Vice Reis da 287 FERREIRA, Leticia dos Santos. Amor, sacrifício e lealdade. O donativo para o casamento de Catarina de Bragança e para a Paz de Holanda (Bahia, 1661-1725). Dissertação de Mestrado. UFF, 2010, p. 101. 102 Índia de 12 fidalguias e 12 hábitos para repartirem naquele Estado pelos sogeitos mais benemeritos e ele não os levou quando foy governar.288 Óbidos não teve oportunidade de usufruir destes direitos pois, como se sabe, ele fora usurpado do seu cargo meses após chegar em Goa, sua intenção em reivindicar tais benesses era para que pudesse dispor destes hábitos e fidalguias e distribuí-los entre os homens do Brasil que mantivessem mais aproximação política com a sua pessoa e ao mesmo tempo garantir que tais beneficiados continuassem com o pagamento dos impostos que cabiam à Bahia, queria ele: [...] poder premiar os sogeitos que melhor procederão assim no serviço do donativo com os mais que tem feito a VMgde. enquanto duraram as guerras daquele Estado, dispendendo a Fazenda em tantas armadas malogradas na Restauração de Pernambuco e perdendo os filhos em quantas occasioens se pellejou com os olandeses. 289 Óbidos fez questão de ressaltar que esta preeminência já havia sido dada ao Governador Antonio Telles da Silva, primeiro Governador Geral do Brasil nomeado por D. João IV, contudo, este não divulgou o Alvará que recebera e por isso tal costume não se fez aplicar no Brasil: [...] além de seu merecimento ser digno desta honra, e os VReys da Índia terem aquella preheminencia, há exemplo de a ter no Brasil Antonio Telles da Sylva, a quem VMgde. fez por mercê por Alvará feyto por mão de Francisco de Lucena, de poderes para fazer fidalgos, dar comendas e hábitos, e por respeitos particulares a teve em silencio. [...] Que nesta matéria propõe ele Vice Rey por que são aly muytos os beneméritos de VMgde. os honrar e quase todos incapazes de passarem a esta Corte a requerer a satisfação de seus serviços.290 Esta tentativa de convencer a realeza do seu direito de disponibilizar gratificações à pessoas do Brasil, de acordo com os mesmos merecimentos que tiveram de seus antecessores, foi objeto de uma consulta dos membros do Conselho Ultramarino, realizada em 10 de junho de 1664. Os conselheiros ressaltavam as condições financeiras que Portugal passava e a impossibilidade de criar mais este gasto, seja pela falta de recursos para o pagamento dos hábitos e foros pretendidos, seja pela confusão que tal prerrogativa causaria entre os outros homens da Bahia que também eram merecedores de tais benefícios e ficariam excluídos das premiações do Conde vice-rei. Na opinião dos juízes do Conselho Ultramarino, conceder doze fidalguias e doze hábitos ao Conde de Óbidos era uma regalia291 exclusiva dos vice-reis da Índia e [...] cousa impraticavel e de muy prejudicial exemplo no tempo prezente, e estado do Reino e do Brazil que havendo VMgde. de remunerar aqueles vassalos beneméritos pelo muyto que de suas fazendas dispenderão de perdas de vidas naquelas guerras são muytos os que 288 AHU, LF, BA, Cx. 19, Doc. 2023, 10/06/1664. idem 290 idem 291 No vocabulário da época esta palavra significava [...] hum sinal exterior, demonstrativo da authoridade, & Magestade Real. As Regalias essenciais são fazer leys, investir Magistrados, eleger Ministros dignos, & beneméritos, bater moeda, por tributos, & a seus tempos publicar guerra, & fazer pazes. Também existiam as Regalias acidentais que não diminuíam a soberania nem aumentavam o poder supremo, mas variava de monarquia para monarquia, são tipos de regalias acidentais: [...] as Regalias accidentaes dos Emperadores eram trazer coroa, & sceptro, vestir púrpura, & que lhes fallassem de joelhos. Ver: op. cit. BLUTEAU, Raphael. Vocabulário Portuguez e Latino. Volume 7, p 193. 289 103 merecem prêmios e concedendose ao Conde o que pede servira (dandose ainda aos beneméritos) de justas queixas, nos que ficarem por premiar. 292 A partir deste documento, percebe-se que o Conde de Óbidos enfrentava contínua obstrução entre os magistrados que compunham o corpo consultivo da alçada Ultramarina, os Conselheiros pediam que o Rei advertisse o vice-rei ante as pretensões que ele apresentava, Óbidos justificava este pedido valendo-se das precedências que os outros Governadores e vice-rei do Brasil tiveram antes da sua chegada. Todavia, o Conselho Ultramarino expõe seu parecer e indefere a petição do Conde, explicando que em 1664 a situação política era outra: [...] e o exemplo e Antonio Teles, que o Conde Vice Rey aponta (se he que levou aquela faculdade) foy em outro tempo e no principio do reinado de SMgde. que está em glória, por então convir assim não só pela ocasião mas pela guerra profinqua de Pernambuco, com que entende o Conselho que não he lugar de se deferir ao que o Conde pede. 293 Percebe-se pois, que o Conselho Ultramarino demonstrava resistência ao ressurgimento do vice-reinado do Brasil, especialmente se analisarmos um conjunto de comunicações produzidas pelo Conselho Ultramarino, pela Câmara da Bahia e pelo Conde de Óbidos nos anos de 1663 e 1664. Nelas, podemos ter uma noção mais precisa de como o vice-rei do Brasil encarava o seu cargo a ponto de não dar cumprimento a uma Ordem Régia, acompanhemos: Em 09 de dezembro de 1662, D. Afonso VI mandava que o Conde de Óbidos extinguisse os dois Terços de Infantaria que assistiam na cidade de Salvador. Os oficiais da Câmara da Bahia escreveram ao Rei agradecendo tal medida, pois era a fazenda da cidade quem pagava os soldos de sustento dos Tenentes e Mestres de Campo General, seus ajudantes, capelães e furriéis. Contudo, eles diziam que a ordem não foi cumprida pelo vice-rei. 294 As justificativas que o Conde de Óbidos deu para não ter reformado aqueles postos encontra-se em uma carta, escrita no dia 20 de agosto de 1663.295 Óbidos dizia que não seria conveniente extinguir tais postos porque [...] não He justo que se escusem seus exercícios, quanto mais naquela praça, em que a disciplina militar os faz mais precisos,296 além disso, listou dois militares que na sua opinião eram “inexcusáveis” ao serviço régio e seriam prejudicados se ele efetuasse as reformas ordenadas pelo Rei. O Conde de Óbidos justificava que existia diferença em sua condição, ele era vice-rei e aquela situação de governo era mais para acrescentar sua autoridade que para diminuir as prerrogativas que tiveram seus antecessores, por isso ele não achava conveniente a extinção destes postos dado seu título e prejuízos que esta medida causaria aos militares que ele fez questão de 292 Op.cit. AHU, LF, BA, Cx. 19, Doc. 2023, 10/06/1664. idem 294 AHU, LF, BA, Cx. 17, doc. 1997. 06/02/1664. 295 AHU, LF, BA, Cx. 17, doc. 1998. 20/08/1663. 296 idem 293 104 mencionar.297 Mais uma vez, os conselheiros Jeronimo de Mello e Castro, Feliciano Dourado e o Conde dos Arcos manifestam no parecer do Conselho Ultramarino o desconforto que as atitudes do Conde de Óbidos em seu vice-reinado no Brasil traziam para aquele Tribunal, os juízes diziam que D. Afonso VI devia repreender o Conde de Óbidos por não ter dado inteiro cumprimento às ordens régias e aos pedidos da Câmara da Bahia. Os conselheiros afirmavam que por consecutivas vezes o Conde vice-rei tentava [...] sustentar a sua oppinião contra as rezoluções de VMgde. em dano daquelles vassalos.298 Ainda faziam questão de afirmar que a ordem de extinguir tais ofícios militares era uma forma de liberar a Câmara de um custo que só se fazia necessário no tempo da guerra viva contra Holanda e que, naquele tempo, o dispêndio com o pagamento das indenizações estabelecidas em Haia e que cabiam ao Brasil, bem como o dote do casamento da Rainha da Gran Bretanha oneravam muito os habitantes da cidade de Salvador. Os conselheiros reclamavam: [...] He de muito para reparar que o Conde VRey o encontra por respeitos particulares, em prejuízo de todo um Estado com o fundamento de que convem conservar nos postos os sogeitos que os ocupam a respeito da diferença em que esta aquelle governo, porque a gradeza de VMgde. quis usar com elle dandolhe o titulo de VRey não foi para fazer o que lhe parecesse , se não o que VMgde. lhe mandar. 299 E continuaram emitindo argumentos que afirmavam o quanto as pretensões de Óbidos extrapolavam os costumes: [...] E quanto He mayor a honra que o Príncipe faz ao vassalo, tanto mayor obrigação lhe corre de dar inteiro comprimento aos mandatos do Príncipe, porque as Monarchias so se conservão com a obediencia e respeito.300 O parecer final desta querela encontra-se registrado neste mesmo documento em forma de discreta cláusula, à esquerda do documento, o estudo da estrutura das comunicações administrativas produzidas pelas dinastias Ibéricas explica que este era o local adequado para registro dos pareceres régios enquanto a consulta estava tramitando.301 O Rei D. Afonso VI emitiu sua decisão sobre a reforma dos dois Terços de Infantaria que ele havia ordenado, no dia 15 de dezembro de 1663. Em breves palavras o monarca estabeleceu um consenso entre as pretensões do vice-rei e as reclamações da Câmara da Bahia e do Conselho Ultramarino: 297 Idem. Eram eles: Pedro Gomes, com trinta e oito anos e dois meses de serviço e Antonio de Brito de Castro, com trinta e dois anos e vinte e seis dias de serviços prestados nos Terços que iriam ser extintos. 298 AHU, LF, Cx. 17, doc. 1973. 23/11/1663 299 idem 300 idem 301 Para mais detalhes sobre a escrita administrativa no século XVII, ver : CADARSO, Pedro Luis Lourenzo. La correspondência administrativa en el Estado Absoluto Castellano (ss XVI-XVII) In: SAEZ, Carlos.; GÓMEZ, Antonio Castillo (Ed.). Actas del VI Congreso Internacional de Historia de la Cultura Escrita. La correspondência em la historia: modelos y prácticas de escritura epistolar. Vol I, 2002, p. 121-144. 105 [...]Pella rezolução que fui servido tomar de se prover aquelles que vão com titulo e authoridade de Vice Rey não pode ter lugar contudo a reformação que estava ordenada. E El Rey hei por bem que se reforme só um dos mestres de campo general; o mais moderno; e do mesmo modo hu dos ajudantes; E os furriéis. Isto se escreva ao Conde de Óbidos com todo bom modo; mas ordenandolhe que o execute sem réplica. Lisboa, 15 de dezembro de 1663.302 Este trecho acima transcrito possibilita problematizar o quão importante era o título de vicerei do Brasil, especialmente para D. Afonso VI, conforme se pode notar nesta resolução. O monarca não só reconheceu a autoridade que o Conde de Óbidos ostentava no Brasil, como também levou em conta os posicionamentos contrários emitidos pelo Conselho Ultramarino. Fazendo isto, o Rei acomodava interesses divergentes e mantinha a governabilidade do seu representante direto, pois, apesar de voltar atrás em sua decisão de reformar dois Terços de Infantaria e fazer a reforma em apenas um, D. Afonso ordenava que os conselheiros emitissem sua resolução ao vice-rei do Brasil “com todo bom modo”. Vimos que o vice-rei escreveu diretrizes aos seus subordinados, em contrapartida, ele também deveria seguir um criterioso conjunto de regras e procedimentos que guiava as suas ações no maior posto de comando militar e político existente no Brasil Seiscentista, seu Regimento foi o mesmo dado ao Governador Diogo de Mendonça Furtado em 1621 e apesar deste ter sido escrito no período Filipino, esta norma foi utilizada após a Restauração Brigantina só havendo mudanças em seu conteúdo no ano de 1678.303 Este Regimento previa que os casos que extrapolavam a alçada dos governadores e vice-rei do Brasil eram tratados pelo Conselho Ultramarino, esta Instituição tratava das demandas das conquistas, em especial daquelas que versavam as denúncias de abuso de poder das autoridades que administravam os domínios do Ultramar. Embora o Conde de Óbidos não tenha conseguido parecer favorável para premiar com títulos de fidalguia e hábitos a pelo menos vinte e quatro pessoas de importância estratégica no Brasil, ele lançou mão de suas atribuições como vice-rei para interferir na provisão das serventias militares, judiciais e civis que estivessem vagas. Dois trechos do Regimento dado a D. Vasco Mascarenhas, em 1663, explicitam as regras de provimento em postos militares e civis vacantes no Brasil: [...] encarregareis das serventias dos ditos officios a criados meus (se os ouver) que tenham partes para os servirem e em falta deles a outras pessoas que tenham as mesmas 302 Op.cit. AHU, LF, Cx. 17, doc. 1973. 23/11/1663 MENDES, Caroline Garcia.; CASTRO, João Henrique Ferreira de. “O Brasil no Império Ultramarino Português e o estudo das trajetórias dos Governadores-Gerais e Vice-Reis do Brasil entre 1647-1750.” In: Anais do II Colóquio do LAHES: Micro-História e os caminhos da História Social. Juiz de Fora: UFJF, 2008, p.11. Segundo os estudos do historiador Francisco Cosentino, o Regimento dado ao Conde de Óbidos foi uma cópia do mesmo que foi dado a D. Diogo de Mendonça Furtado, em 1621. Tal Regimento continuou sendo a base para os Governadores que o sucedeu e só foi substituído pelo modelo de Roque da Costa Barreto, em 1678. Para mais informações, ver: op. cit. COSENTINO, Francisco Carlos Cardoso. Governadores Gerais do Estado do Brasil (séculos XVI e XVII): ofício, regimentos, governação e trajetórias. 2009, p. 180-188. 303 106 parte, histo athe se prezentarem pessoas que tenhão provizões minhas para haverem de servir os taes officios.304 O capítulo 41 fornece mais detalhes do raio de ação que tinham os governantes do Brasil para nomear pessoas em cargos e ofícios régios, a norma previa que os Governadores Gerais e vicereis poderiam [...] prover as serventias dos offícios mayores, asy por morte, como por qualquer outra via, que seja, e da mesma maneyra, todos os outros [cargos] de justiça, guerra e fazenda de todo o Estado, enquanto eu não mandar outra couza em contrário [...] e me avizareis logo, particularmente, dizendo o cargo que vagou, e por quem, se deixou filhos, e em quem aproveste.305 Vemos então que, em caso de morte, doença ou aposentadoria de servidores da justiça, guerra e fazenda, cabia aos Governadores Gerais e vice-rei do Brasil prover os substitutos mediante informação posterior à Coroa e atenção aos critérios previstos no Regimento. Em uma carta escrita na Bahia, no dia 18 de agosto de 1663, encontram-se as justificativas apresentadas pelo Conde de Óbidos para prover os postos militares e ofícios políticos do Brasil alegando seguir as mesmas prerrogativas que tiveram seus antecessores: [...] me pareceu representar a VMgde. com a submissam que convem se conserve a este governo a preheminecia que vinha de prover os postos militares sem outra confirmação de VMgde.306 Citando o primeiro vice-rei Marquês de Montalvão e o Governador Geral Francisco Barreto, Óbidos apontava que o cargo que ocupava no Brasil conferia-lhe os poderes de prover pessoas em ofícios políticos vagos sem a aprovação imediata do soberano de Portugal. Na contra mão deste desejo, funcionários da administração do Brasil e autoridades do Conselho Ultramarino apresentavam consecutivas queixas ao Rei diante das medidas de Óbidos que interferiam na lógica de funcionamento da economia de mercês na Bahia e iam de encontro aos interesses da elite local.307 Algumas autoridades residentes na Bahia também manifestaram descontentamento em suas cartas e denunciaram ao Conselho Ultramarino as atitudes do vice-rei que desrespeitavam os protocolos do Regimento que ele devia seguir, principalmente quando tentava interferir na lógica de concessão e negação das mercês remuneratórias no Brasil. Em primeiro de setembro de 1663, o Rei de Portugal informava ao Conde de Óbidos que as autoridades do Brasil e de Angola estavam se queixando dos abusos de poder dos Governadores 304 AHU, LF, Cx.12, Doc. 1444: Cópia de Capítulos do Regimento do Governador do Brasil. Lisboa, 13/10/1651. (grifo do documento). Neste documento encontramos extratos do Regimento dado a Diogo Furtado de Mendonça em 1621, especialmente no que tange os limites para o provimento de cargos e ofícios régios no Brasil. 305 Idem (grifo do documento). Os Regimentos dos Governadores Gerais e Vice Reis do Brasil foram estudados por MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Raízes da Formação Administrativa do Brasil. Rio de Janeiro: IHGB/Conselho Federal de Cultura, 1972. 306 AHU, LF, BA Cx.17, Doc. 1976, 18/08/1663. 307 AHU, LF, BA Cx.19, Doc. 2208-2210,19/07/1667 107 Gerais enviados às conquistas , por [...] não darem cumprimento as provisões que lhes presentava algumas pessoas providas por VMgde. em serventias de ofícios por terem ocupado nellas seus criados, e VMgde. lho haver mandado estranhar, me encomendava muyto e ordenava que enquanto aqui servisse aVMgde. Desse inteiro cumprimento a todas as provisões e ordens de VMgde para que não houvesse queixa das partes.308 Quatro meses depois, D. Vasco Mascarenhas justificava os [...] postos e serventias dos ofícios que pretende prover, sem dar conta a Sua Majestade e afirmava no seu discurso a sua condição de vice-rei do Brasil. Relembrava ao soberano que [...] as faculdades de minha patente trouxe firmada pela real mão de Vossa Majestade cópia sem mudança de huma virgula da que se deu ao Marquês de Montalvão.309 O último parágrafo desta carta deixa registrada as intenções do Conde vice-rei e avisava as autoridades do Reino que ele continuaria levando a cabo as prerrogativas dos seus antecessores e faria valer o seu título de vice-rei do Brasil: [...] Sendo por estes e outros semelhantes os provimentos que o Conselho Ultramarino faz neste Estado ou por falta de noticias verdadeiras, ou por eficácia de favores particulares bem se deixa inferir quam justo He, que os VReys deste Estado conservem a jurisdiçam dos provimentos militares e serventias de ofícios políticos não só pelo que tocca a authoridade e posse do posto que ocupam, mas pela importância dos acertos do serviço de VMgde. e faz este o meio mais conveniente de não haver os vassalos de VMgde. pretendo evitar no meu Governo, cujas ações esperam sejam sempre muy como della as obrigações com que nacy e as do serviço de VMgde. que são as que mais prefiro a tudo. Bahia, 29 de Janeiro de 1661.310 O Conselho Ultramarino mostrou-se mais uma vez escandalizado com esta carta do vice-rei e sua pretensão em prover cargos políticos e militares no Brasil sem obedecer aos protocolos costumeiros, declaravam que os pedidos de Óbidos ofendiam todas as instâncias consultivas do Reino e solicitavam que o Rei o repreendesse asperamente, pois tentava intrometer-se na jurisdição alheia. Para justificar a impossibilidade jurídica das pretensões do segundo vice-rei do Brasil, o Conselho Ultramarino afirmava que no tempo do Marquês de Montalvão, Bahia e Pernambuco estavam em guerra viva com as tropas do Conde Maurício de Nassau e que, [...] o capítulo 42 do provimento dos cargos de guerra é só nos casos acidentais da mesma guerra e que acabada ela se extingam os mesmos cargos.311 Querer prover pessoas em cargos militares e políticos no Brasil era uma pretensão que ampliava extraordinariamente os poderes de decisão de Óbidos e uma regalia que só os monarcas de Portugal tinham. Os conselheiros demonstravam em suas missivas os poderes que o vice-rei pretendia ter e os prejuízos que as mesmas precedências que tiveram seus antecessores trariam ao 308 AHU, LF,BA Cx. 17, Doc. 1989, 29/01/1664 idem 310 idem 311 AHU, LF, BA, Cx. 17, Doc. 1996, 05/02/1664 309 108 erário e ao tradicional costume de consultas da dinastia Brigantina. 4- Um clima tenso e uma nova ameaça de ser expulso do vice-reinado O Conde de Óbidos pretendia arbitrar sobre a economia de mercês no espaço colonial, apesar de consecutivos pedidos dos conselheiros para que o Rei coibisse tais pretensões do vice-rei, o comando do Reino parecia fazer ouvidos moucos para com os avisos que o Conde de Óbidos, o rigor das queixas formuladas pelos Conselheiros do Ultramar registram que ele queria ser [...] Senhor absoluto do Brasil e independente de SMgde. e suas reaes ordens que deveria respeitar mais, que querendo usurpar por este modo a regalia de VMgde., que he ponto em que muyto se deve reparar para selhe mandar estranhar.312 A intenção do Conde de Óbidos ao requerer os mesmos poderes que teve o primeiro vice-rei do Brasil estava em sua tentativa de incluir pessoas de sua confiança nos cargos estratégicos em detrimento de outras e assim levar a cabo a gradual centralização do poder de prover pessoas em ofícios e serventias do Brasil sem dar satisfação ao monarca. Para cumprir este fim, Óbidos lançava mão de justificativas que descredenciavam os homens indicados pelos proprietários dos ofícios e colocava no posto vago aqueles que melhor atendessem suas conveniências políticas. Um exemplo desta atitude e de como Óbidos estava insatisfeito com a maneira que os cargos militares e políticos da Bahia vinham sendo providos encontra-se nesta mesma carta, o vice-rei relembra como se deu o provimento do Guarda Mor da Relação da Bahia, o proprietário deste cargo era defunto e deixou viúva e filhos que se encontravam na Bahia em busca de arrendar o posto até que um dos herdeiros tivesse condições de assumir. Após as tradicionais consultas e pareceres das autoridades da Relação da Bahia para suprir a vacância, um homem chamado Gaspar Dias de Araújo foi indicado pelos magistrados para ocupar o posto, contudo, Óbidos denunciou à realeza o pouco cuidado com que os juízes da Relação tinham na averiguação prévia das pessoas indicadas para assumir ofícios e serventias em vacância, o vicerei avisava que não ia permitir tal provimento: [...] sendo a pessoa do tal Gaspar Dias christão novo de todos os quatro costados de baixa sorte; quebrado nos negócios e incapaz por todos os respeitos de o exercer.313 Apontando a descendência israelita do ocupante do posto de Guarda Mor da Relação, o Conde de Óbidos tentava convencer o Rei que o seu interesse em prover tais serventias no Brasil era uma forma de prevenir o serviço régio de tais equívocos e conservar a jurisdição que os seus antecessores tiveram: [...] justo he que os Vice Reis deste Estado conservem a jurisdiçam dos provimentos militares e serventias de ofícios políticos não so pelo que toca a autoridade e posse do 312 313 AHU, LF, BA, Cx. 18, Doc. 2070, 28/01/1665 Op. cit . AHU, LF, BA Cx. 17, Doc. 1996, 05/02/1664 109 posto que ocupam, mas pela importancia dos acertos do serviço de VMgde.314 Sem dar importância à indicação do proprietário do posto, nem aos referendos dos Desembargadores da Relação, Óbidos deu a João Garcia este ofício, por ser [...] homem nobre, cunhado do Alcaide Mor desta cidade a quem provi pelo achar servido o mesmo e ser informado de sua qualidade e pobreza.315 Os Conselheiros também mencionaram uma antiga pendência que o Conde de Óbidos teve com D. Gabriel Garcês e por isso ele não o proveu em uma Companhia de soldados no Rio de Janeiro, mais uma vez o nomeado neste posto era [...] um criado seu chamado João Vieira, sem mais serviços que havido o acompanhado a Índia e agora ao Brasil.316 Vemos assim que o Conde vice-rei não estava isolado e mantinha laços políticos com outras pessoas, chamadas nas fontes de seus “criados” e tentava inseri-las nos postos em vacância, à revelia do Rei e das instâncias consultivas hodiernas. Tais pessoas possivelmente passaram para o Brasil por ocasião da chegada do Conde de Óbidos, estava entre as prerrogativas do cargo que os familiares dos vice-reis e Governadores Gerais do Brasil fossem acompanhados de sua família e serviçais, todavia, até o momento não tive acesso à lista de tais pessoas que chegaram com D. Vasco Mascarenhas em 1663. Outra interferência no provimento de oficio e serventias se deu com o filho do proprietário do ofício de Escrivão da Alfândega de Pernambuco, ele tinha direito de indicar alguém capaz para cumprir esta função, todavia, não pôde usufruir desta mercê porque o Conde de Óbidos colocou um criado seu no dito posto.317 Outro que teve seu cargo tomado por causa dos abusos de Óbidos foi Sebastião Duarte, ele estava a servir no ofício de Meirinho da Cidade de Salvador por provisão régia, enquanto durasse o impedimento do proprietário do referido cargo. Todavia, Sebastião foi retirado do seu posto por ordem do Conde de Óbidos logo nos primeiros meses de sua chegada à Bahia e no seu lugar ele proveu [...] um criado seu muito authorizado chamado Antonio Antunes, bem conhecido nesta Corte.318 Para garantir sua governabilidade e ter auxiliares fiéis no exercício de cargos e serventias, o vice-rei do Brasil pretendia dispô-los à pessoas do seu círculo social e dava tais provimentos sem prestar as devidas satisfações ao Rei nem ao Conselho Ultramarino, esta quebra de protocolo não era adequada no contexto político vivenciado no Brasil, especialmente porque, de acordo com a interpretação do Conselho Ultramarino, no tempo do vice-reinado do Conde de Óbidos a guerra 314 idem idem 316 Op. cit. AHU, LF, BA Cx. 18, Doc. 2070, 28/01/1665 317 idem 318 idem 315 110 contra a Holanda estava extinta e por isso as preeminências extraordinárias que os Governadores Gerais e vice-reis tinham nestes tempos só valiam exclusivamente para aquele período. O Conselho Ultramarino arremata nesta Consulta a precaução que o Rei D. Afonso VI deveria ter para com as ações do Conde de Óbidos no Brasil, prover postos e serventias sem dar conta ao Rei era uma manobra para colocar os seus aproximados políticos em lugares estratégicos da governança, especialmente quando estes se encontravam em vacância. Negar cargos, diminuir vencimentos e perseguir opositores, foram medidas tomadas pelo segundo vice-rei e mal recebidas pela elite, principalmente se enfocarmos nossa análise nas apelações feitas por outros homens que assumiram funções de grande importância política da Bahia e estavam descontentes com as práticas de D. Vasco de Mascarenhas, acompanhemos. O Secretário de Estado Bernardo Vieira Ravasco ocupava um cargo importante dentro do funcionamento da administração do Estado do Brasil, por ele passava todos os documentos notariais e despachos dos Governos e resguardava nesta função além da hereditariedade do cargo, o arquivo da memória dos governantes do Brasil. Pedro Puntoni estudou a trajetória da família Ravasco entre as mais destacadas da Bahia e os desacordos que Bernardo teve com Óbidos ao levantar os motivos da primeira prisão do Secretário.319 A versão de Bernardo Ravasco torna-se esclarecedora, nela verificamos o raio de ação do Conde de Óbidos e a sua influência dentro da Relação da Bahia. A desconfiança de que as comunicações enviadas em recebidas entre a Secretaria de Estado e as instências Ultramarinas estavam sendo sistematicamente interceptadas foi constata e o Secretário acusava o vice-rei [...] do crime de as abrir, e violar o segredo que o Sagrado nome de VMgde. segura a seus vassallos, ou para a comunicação do serviço real, ou para o remédio de suas queixas particulares, 320 nesta missiva, o Secretário elucidou a metodologia de silenciamento de opositores que vinha sendo implementada pelo vice-rei desde 1665, entre os quais ele era um dos perseguidos. Bernardo explica as causas da sua prisão na cadeia pública de Salvador, após o vice-rei tomar conhecimento do conteúdo dos escritos que ele produziu criticando seu estilo de governar e tentou enviar ao Conde de Castelo Melhor: [..,.] primeiro: diser eu naquele papel que se VMgde. fosse servido lhe apontasse os descaminhos que aqui padece sua Real Fazenda e os meios de remédios o faria mor, dando VMgde. se mostrasse os livros dos recebimentos que eu pedisse. Segundo: representar a VMgde. duas cartas, que na Relação que VMgde. mandara ao Brasil para remédio das violencias dos Governadores era um instrumento do arbítrio do poder do Conde 321 Por fim, é importante salientar a influência que o Conde de Óbidos mantinha no Tribunal da 319 PUNTONI, Pedro.“Bernardo Vieira Ravasco, secretário do Estado do Brasil: poder e elites na Bahia do século XVII.” In: Novos Estudos. São Paulo: Cebrap, n.68, p.107-126. 320 AHU, LF, BA Cx. 19, Doc. 2208-2210, 19/07/1667. 321 idem 111 Relação da Bahia, segundo o Regimento da Relação, ele tinha a função de Regedor daquele sínodo e por isso dirigia as reuniões e discussão das as pautas. Contudo, Bernardo Vieira Ravasco denunciava que Óbidos utilizava a Relação da Bahia como mais um instrumento de garantia de sua governabilidade, pois os ministros daquele Tribunal nunca entrariam em rota de colisão com o vicerei [...] por ser sempre nella mayor o numero dos ministros que confirmão o voto ao seu semblante; ou porque temem a desgraça dos que nam o adulam vendo huns perseguidos, e outros molestados.322 Jorge Seco de Macedo, Desembargador da Relação da Bahia, estava entre os magistrados que não temiam as perseguições do Conde de Óbidos e pela situação que descreveu, o clima em Salvador parecia tenso. Jorge era um antigo serventuário da Coroa, dizia que desde o dia 4 de agosto de 1663 ele havia passado precatório para que todos os Governadores do Brasil e de Angola cumprissem as ordens recebidas do Rei e não interferissem nas provisões que algumas pessoas apresentavam, pois eram ordens legítimas da realeza. Dizendo ter servido nas quatro partes do mundo: [...] onze annos na Índia, onze annos na Casa de Suplicação e nove neste Estado, fundando a Relação,323o Desembargador rememorava seus serviços anteriores, ao mesmo tempo em que ressaltava a sua experiência nas coisas de justiça e jurisdição. Ele avisava que o Conde de Óbidos fazia sucessivos provimentos indevidos a pessoas de seu círculo social e negava as mercês régias àqueles que tinham direito. Ao afirmar que este estilo não cabia ao vice-rei do Brasil, Jorge Seco de Macedo valia-se dos anos que esteve em cargos de justiça: [...] Eu servi onze anos na Índia com três Vice Reis e um Governador sempre vy as patentes e provisões dos Vice Reis324 e por isso mesmo conhecia os limites que os governantes do Brasil tinham para nomear os cargos em vacância. Vimos que o descontentamento com a gestão de D. Vasco de Mascarenhas era corroborado não só pelo Chanceler da Relação da Bahia e clérigo do Hábito de São Pedro Jorge Seco de Macedo. O Cabido da Sé da Bahia escrevia que o referido Jorge e o Licenciado Domingos Vieira de Lima haviam sido advertidos pelo Bispo da Bahia em 1664, para que [...] evitassem maiores ruínas desta republica eclesiástica e secular. O motivo da reprimenda eram as notórias demonstrações de [...] sedição e conspiração que contra o Governador desta praça indignamente se dispunham e por não dar ouvidos ao que prevenia o Bispo, o Conde de Óbidos os perseguiu, mandando prender e desterrar para Angola a Jorge Seco de Macedo, que nesta carta dizia se encontrar refugiado no Convento do Carmo, e a Domingos Vieira de Lima, que em prisão domiciliar aguardava livrar-se 322 idem AHU, LF, BA Cx. 18, Doc. 2036, 04/08/1664 324 idem 323 112 das suas culpas.325 Um dos opositores de Óbidos que mais detalhou o histórico de contendas que vinha ocorrendo entre a elite da Bahia e o segundo vice-rei foi o Desembargador Extravagante, Manuel de Almeida Peixoto. Em 6 de junho de 1664, ele apresentou sua queixa às instâncias Ultramarinas, também por causa das ameaças que vinha sofrendo pelo Conde vice-rei. Os consecutivos desentendimentos entre eles durante as sessões da Relação, especialmente quando o assunto era o pagamento em atraso dos ordenados de Manuel elucidam esta rusga, ameaçando de que iria recorrer ao Desembargador dos Agravos pela negação dos seus direitos, a discussão com o vice-rei deu-se durante uma sessão da Relação: [...] E o Conde me disse com grande paixão que podia agravar já desde logo per que muito bem me conheciam neste Reino, a que lhe respondi que por real zeloso dos serviços de VMgde., muyto inteiro e limpo era o conhecimento.326 A briga foi além da reunião ordinária da Relação e ganhou a rua, Manuel afirmava que Óbidos o ameaçou publicamente: [...] que me mandaria em um navio para esse Reino como fizera a outro no Algarve e daria parte a VMgde. dos decervissos que a VMgde. viera fazer neste estado e o mais que lhe pareceo, a que lhe dei como resposta me faria grande mercê.327 Manuel parecia não temer a ameaça de prisão e envio compulsório a que Óbidos era adepto desde a sua governança no Algarve, como se pode constatar no seu depoimento, o Desembargador continuou a relatar outra discussão, desta vez Manuel foi a obrigado a ler o parágrafo 45 do Regimento de Regedor da Relação da Bahia a que o Conde vice-rei deveria seguir: [...] para que soubesse de como avia de tratar os Desembargadores, E não descompolos publicamente sem mais cauza que sua paixão e apetites.328 Nem o pregador da Sé foi poupado de represálias por ter proferido palavras contra o vice-rei do Brasil, Manuel de Almeida Peixoto relatou o desrespeito que Óbidos demonstrou ao impedir o cura da Sé de subir a púlpito e o prender de forma afrontosa: ordenou que soldados e cabos armados levassem o Padre à cadeia e tal ação do vice-rei teve o consentimento do Desembargador Thomé da Costa Homem e do Procurador e Juiz da Coroa João Vanvessem, ambos apoiadores de sua gestão. Para além de tratar um religioso como se fosse criminoso condenado, a imagem de um membro da Igreja não foi preservada, o reverendo foi levado preso [...] com a maior afronta e vitupério pelo meio da cidade e ladeira da Misericórdia, para ser visto dos ebreus e povo, sendo o caminho legítimo, direto e mais escuso o das portas da cidade do Carmo.329 325 AHU, LF, BA Cx. 18, Doc. 2101, 08/08/1665 AHU, LF, BA Cx. 18, Doc. 2037, 06/07/1664 327 idem 328 AHU, LF, BA Cx. 18, Doc. 2110, 25/09/1665. Para mais detalhes, ver a Carta Régia de 12 de setembro de 1652 que dispõe sobre o Regimento da Relação da Bahia: http://iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/~ius/verlivro.php?id_parte=100&id_obra=63&pagina=352 329 idem 326 113 Manuel de Almeida Peixoto queria sair do Brasil, não via mais serventia em sua permanência no serviço régio, o Conde de Óbidos estava de todas as formas obstruindo a sua vida, seja confiscando seus rendimentos, seja espalhando o boato de que ele era [...] doudo e temerário. Desde o dia 06 de agosto de 1665 este Desembargador estava homiziado no Convento do Carmo, sem puder ir à Relação para votar e com seus salários retidos. O abandono de sua casa e refúgio num convento justificava-se por ver a sua vida em risco: [...] onde se mandou atirar a espingarda hua noite ao recolherme. E por não tomar fogo escapar, segundo o avizo que se me deu, para me recolher de dia e fechar as portas antes das Ave Marias, por andarem muitos homens as mais das noites na Rua, e canto de minha caza com arcos, frechas, espingardas e vacamartes para me matar, assi fora, como chegado a minhas janellas.330 Por fim, o Desembargador Manuel de Almeida Peixoto rememorou o custo que o zelo administrativo que sempre demonstrou ao longo da sua carreira de prestação de serviços régios em Portugal traziam à sua liberdade e à sua vida econômica: [...] por experiência Senhor se sabem e reconhecem minhas acções e serviços sempre fui molestado, estive nas enxovias do Limoeiro 16 meses por defender a jurisdição de VMgde. e sua Real Fazenda, fui privado da Correição de Leiria sem ser ouvido nem convencido, por cobrar as décimas e fazer cavallos para a guerra, obedecendo a VMgde. e não ao apetite do Secretario do Estado Pedro Vieira da Silva.331 Outro documento aponta que logo no primeiro ano de sua gestão, o segundo vice-rei do Brasil negou a Álvaro de Azevedo o disputado posto de Mestre de Campo do Terço Velho da Bahia. Em sua carta dirigida a D. Afonso VI, Álvaro relembrava que após a negação deste cargo, ele mesmo foi à presença do Soberano de Portugal e retornou à Bahia com ordens régias que ratificavam sua provisão no cargo. Porém, segundo seu relato, feito no ano de 1666, denunciava que Óbidos o [...] descompôs em uma rua pública, diante do General da frota Jorge Furtado de Mendonça, dizendo que eu fui me queixar a Vossa Majestade e o mais que sua paixão lhe ditou.332 O Conde de Óbidos era adepto das práticas de silenciamento das pessoas que manifestavam oposição ao seu modo de governar, ele enviava seus desafetos para locais distantes e assim os mantinha longe o tempo suficiente para não causar problemas. Este foi o destino de Álvaro de Azevedo: em 31 de julho de 1666 o militar escrevia para o Rei dentro de uma prisão na fortaleza do Morro de São Paulo, local distante doze léguas da cidade de Salvador. Álvaro foi um antigo comerciante de Pau Brasil, também era proprietário de terras da Bahia e no tempo do Conde de Óbidos assumia uma função militar de alta patente, por isso, lamentava os vexames que passava: [...] além da pouca estimação que de mim fez (o Conde), me vituperou em tudo que quis e finalmente me mandou preso e desterrado para o Morro sem saber o porquê nem 330 idem idem 332 AHU, LF, BA Cx. 19, Doc. 2161, 27/11/1666 331 114 me dar culpas.333, 5- Expulsos do Vale de Lágrimas Faltando dois anos para o encerramento da gestão, a governança do Conde de Óbidos seguia, apesar das consecutivas críticas formuladas pelo Conselho Ultramarino em relação aos seus abusos e consecutivas missivas escritas pelos homens letrados da Bahia, aflitos com suas vidas em risco e seus cargos e funções adquiridas por mercês régias sendo vilipendiados pelas conveniências políticas do governante do Brasil. A quantidade de fidalgos da Bahia descontentes com tal situação aumentava e o vice-rei desconfiava que alguns homens poderosos da Bahia estavam articulando um motim para expulsá-lo do posto. Em 29 de julho de 1665, cinco pessoas de destaque da cidade de Salvador da Bahia foram pegas de surpresa com ordem de prisão e embarque imediato para Portugal na frota que os aguardava pronta para partir. Eram três capitães de infantaria: Antonio de Queiroz Cerqueira, Paulo de Azevedo Coutinho, Francisco Teles de Meneses e o Provedor Mor da Fazenda Real do Brasil, Lourenço de Brito Correa, acompanhado do seu filho, Lourenço de Brito de Figueiredo.334 Dada a amplitude de fontes que explicam os motivos para a prisão e envio compulsório para Lisboa de cada um dos citados, não podemos aprofundar a trajetória política de todos os suspeitos de integrar esta conjuração para retirar o Conde de Óbidos do cargo, nosso enfoque está na participação de Lourenço de Brito Correa como protagonista desta trama e os desdobramentos que sua oposição política ao vice-rei do Brasil ocasionou em sua vida. Expulsar alguém do local de onde vive para outras partes do Reino, por um tempo determinado ou perpetuamente, era uma medida punitiva corriqueira no Antigo Regime. Todavia, para ser executada, deveria seguir alguns protocolos jurídicos, conforme ensinava o Conselho Ultramarino ao emitir parecer sobre a prisão e embarque de Lourenço de Brito Correa, do seu filho e das outras autoridades militares da Bahia, ordenado por Óbidos: [...] conforme a regra do direito, sem culpa formada, não se condena a ninguém e deve esta preceder primeiro para chegar aos termos da prisão.335 A justificativa que deu o vice-rei do Brasil para ter enviado tais pessoas foi registrada numa carta, escrita em 6 de agosto de 1665,336 o documento informava que Lourenço de Brito Correia seria a principal liderança de um suposto motim que maquinavam contra ele, pois, além de Lourenço ter histórico de contendas com os governantes enviados da metrópole, também apresentava consecutivas queixas por escrito ao Conselho Ultramarino sobre questões delicadas 333 AHU, LF, BA Cx.19, Doc. 2145, 31/07/1666 Idem p. 4 335 AHU, LF, BA Cx.19, Doc. 2142, 23/07/1666 336 AHU, LF, BA Cx. 18, Doc. 2100, 06/08/1665 334 115 envolvendo a gestão de D. Vasco Mascarenhas. Óbidos suspeitava ainda que alguns clérigos, militares e outros políticos da Câmara de Vereadores e da Relação da Bahia estavam envolvidos nesta conjuração para retirá-lo do cargo, pois estas pessoas estavam criticando sistematicamente sua gestão por via de escritos e boatos, formando a opinião dos moradores da Bahia contra o seu modo de governar. No segundo capítulo, tivemos a oportunidade de analisar com mais cuidado a trajetória política de D. Vasco Mascarenhas e as suas experiências no Ultramar Português. Sua passagem anterior no Brasil tornou sua pessoa conhecida e respeitada entre as autoridades, todavia, foi em 1652 que o ele recebeu a primeira tarefa de administrar uma praça Ultramarina na condição de vicerei e foi mal recebido pelos fidalgos de Goa, meses após a sua chegada, foi expulso da Índia. Esta breve experiência como vice-rei no Oriente Português serviu-lhe de lição. Ostentar títulos nobiliárquicos e adquirir vasta experiência militar anterior não garantiu o sucesso de D. Vasco Mascarenhas como administrador na Índia, ele não levou em conta que qualquer descuido no trato com as autoridades locais poderia lhe custar muito caro, de acordo com os registros da época, esta malsucedida experiência sempre era ressaltada nas cartas escritas pelo Conde de Óbidos, mas também lembrada por aqueles que estavam sob o seu comando como forma de apontar os erros e excessos que ele era acostumado a cometer.337 O documento que atesta os pormenores das suspeitas de uma trama engendrada pela elite de Salvador para retirar Óbidos do seu cargo de vice-rei, encontra-se em uma carta de aviso, escrita no dia 29 de julho de 1665, mesmo dia da prisão e embarque compulsório de Lourenço de Brito Correa para o Reino. O longo caminho que percorreu esta missiva é prova de como Óbidos conhecia a morosidade da tramitação judiciária do Reino e tais contingências eram necessárias para que, depois de expulsar da Bahia os homens anteriormente mencionados, o Conde vice-rei pudesse mantê-los o maior tempo possível afastados da Colônia e descobrir outras pessoas de Salvador que concorreram nesta suposta conjuração. Fugido do embarque compulsório, o Desembargador da Relação Manuel de Almeida Peixoto, queixava-se que desde 06 de agosto de 1665, estava [...] retirado pelos mosteiros vivendo de suas esmolas, desamparado de minha casa, filha, família, para que o Conde de Óbidos não executasse seu ódio, e fervor em mim, fulminando-me fantásticas culpas. Entre queixas de [...] absolutos poderes de que usa, e jacta contra as leis divinas, naturaes e humanas, o vice-reinado de Óbidos no Brasil era criticado pelo magistrado, ele continua sua denúncia avisando que as suas sistemáticas tentativas de recorrer à justiça ultramarina estava 337 Óbidos relembra mais uma vez a sua deposição do Vice Reinado de Goa em uma carta escrita ao Governador de Pernambuco, Francisco de Brito Freire. Ver: DHBNRJ. Vol. 9. Rio de Janeiro: Augusto Porto & Cia, 1928. Microfilmes, p. 133-137. 116 obstruída pelas ações de Óbidos: o sigilo das comunicações enviadas e recebidas entre o Brasil e o Reino esta obstruído pois Óbidos interceptava as comunicações, violava e lia seu conteúdo. 338 Por fim, a queixa registrou a já mencionada tentativa de assassinato que Manuel de Almeida Peixoto sofreu, em 18 de abril de 1663, por conta de agravos com o Conde de Óbidos e seus aproximados. Todo este panorama denota a situação perigosa na Bahia para aqueles que demonstrassem oposição ao vice-rei, pois [...] se não teme a Deus, nem observa justiça pelos ministros ostentarem mais lacaios do Conde.339 O Conde de Óbidos assistia a mesma cena que fora surpreendido em Goa. Dizia ele que os sobreditos suspeitos [...] procuravam por todos os meios persuadir os animos do povo e dos soldados a um geral ódio contra minhas ações[...].340 O principal inimigo do segundo vice-rei do Brasil foi, sem dúvida, o velho Lourenço de Brito Correa. Aqui cabe um parêntese para entender melhor os motivos de tanto ressentimento contra o fidalgo da Bahia. A primeira acusação formulada contra o Provedor Mor da Fazenda estava baseada em seu histórico de críticas contra os governantes enviados do reino, especialmente contra o Marquês de Montalvão. O Conde de Óbidos lembrava-se da trama que elevou Lourenço à uma das três autoridades que assumiram a Junta de Governo do Brasil, após seguir as ordens do jesuíta Francisco Vilhena. Já conhecemos as circunstâncias que motivaram as viagens que Lourenço de Brito Correa fez, enfocaremos agora na última viagem da sua vida, rumo a Lisboa, mais uma vez por motivos políticos. Ciente do histórico de cartas que Lourenço escrevia para os Reis de Portugal criticando os governantes enviados do Reino, a sua participação política era vista com preocupação, Óbidos resumia os feitos nocivos do Provedor Mor da Fazenda Real do Brasil e relembrava a D. Afonso VI e ao Valido a sua participação da deposição do Marquês de Montalvão: [...] [Lourenço de Brito Correa] com as presunções de ter sido um dos três governadores que sucederam o Marquês de Montalvão, haver tido com ele indecentíssimos procedimentos que são notórios e voltar indo preso a esta Corte, sem castigo algum para este Estado.341 O segundo vice-rei do Brasil rememorou a primeira viagem compulsória que Lourenço de Brito Correa fez em 1642 e ainda afirmou que o fidalgo da Bahia não teve nenhum castigo, pois apesar de ficar mais de sete anos no Reino, ele voltou ao Brasil e alcançou da Rainha o perdão dos erros do passado e graças diversas. Para melhor fundamentar o histórico de insubordinações de Lourenço, Óbidos elencou outras autoridades que já passaram pela governança do Brasil e foram alvos da sua crítica: [...] E com a soberba de haver capitulado aos Condes da Torre e Castel Melhor (tendo recebido de ambos o favor de o haverem authorizado com sua meza), murmurado do de 338 AHU, LF, BA Cx. 19, Doc. 2180, 08/08/1666 idem 340 Op. cit AHU, LF, BA Cx. 18, Doc. 2100, 06/08/1665 341 idem 339 117 Authoguia e escrito capitulado e posto paschins a Francisco Barreto, sem com ele usar demonstração alguma. 342 Ao citar alguns nobres do partido de D. Afonso VI que também foram alvejados pelas duras palavras de Lourenço, Óbidos elencava os documentos que ele era capaz de produzir para destruir a imagem dos administradores enviados do Reino dentro do espaço Colonial, seu interesse era reunir argumentos para reforçar as suspeitas que tinha ao afirmar que Lourenço de Brito Correa era o principal articulador de uma armadilha para expulsá-lo do cargo de vice-rei do Brasil. De acordo com seu relato, Óbidos reclamava que Lourenço seguia o mesmo dictame de ataques, desta vez à sua pessoa e avisava às autoridades do Reino que todos aqueles excessos praticados pelo fidalgo da Bahia não era novidade e aconteciam por falta de punição exemplar, tais atitudes extrapolavam os limites da sua [...] natural brandura e benevolência. 343. Capitular e escrever paschins foram recursos de escrita que alguns homens da Bahia recorreram para mobilizar a população (ou parte dela) em torno de questões de ordem política, econômica ou religiosa, era pela letra que os governantes enviados do Reino aumentavam as fintas, dízimos e impostos acumulados pela Fazenda do Brasil, em contrapartida, era também pela via escrita que os moradores e negociantes do Brasil criticavam o mal uso dos impostos recolhidos, a corrupção dos funcionários régios e os abusos de poder dos governadores e vice-rei do Brasil. Lourenço substituiu o primeiro vice-rei do Brasil e de acordo com as palavras de Óbidos em 1665, ele tentava repetir a mesma façanha, pois, [...] todo o intento de Lourenço de Brito Correa foi sempre a intenção de querer governar este Estado.344 Óbidos temia que [...] assim na noticia do mao procedimento de qualquer governador poderia suceder-lhe enquanto Vossa Magestade mandava outro ou Vossa Magestade o honrava com o mesmo posto.345 Vemos então um Conde de Óbidos escaldado pela falta de traquejo político que teve no Oriente e na América percebia a mesma cena se repetir, Lourenço de Brito Correa era um influente homem de negócios e funcionário régio a muitos anos, tinha trânsito político entre as instâncias mais importantes da Colônia e ainda era chamado de Capitão pelos poderosos de Salvador e do Recôncavo da Bahia que lembravam do destaque que teve nas batalhas, em tempos de invasão holandesa. Portanto, em se tratando de Brasil e seu governo, Lourenço era um especialista, tinha experiência na administração fazendária e passagem prévia em posto de governador interino, caso o Conde de Óbidos fosse expulso do seu cargo, ele certamente estaria entre os possíveis substitutos. 342 idem idem 344 idem 345 idem 343 118 6- Lourenço de Brito Correa em rota de colisão com o vice-rei do Brasil Lourenço era agraciado por mercês remuneratórias desde o advento de D. João IV, percebemos que ele estava em constante contato com as autoridades do Reino dada a posição política que ocupava na colônia, a função de Provedor Mor da Fazenda Real do Brasil e a entrada na Chancelaria da Relação da Bahia são atividades de grande relevância que podem explicar o clima de disputa que se envolveu entre os anos de 1664 e 1665. Como um habilidoso escrevente, ele tinha condições suficientes para desgastar, por via da justiça, a imagem do segundo vice-rei do Brasil. Para isso era preciso escrever consecutivas missivas às instâncias do Reino, apontando equívocos do governante e evidenciando os excessos cometidos nesta função, esta tática levantava suspeitas para com a eficácia do administrador do Brasil e poderia mobilizar os fidalgos insatisfeitos da Colônia para retirar o vice-rei do seu posto. Seguindo a tradição administrativa da Casa de Bragança, antes da queixa chegar ao conhecimento da realeza, o Conselho Ultramarino se ocupava em apurá-las para dirimir quaisquer dúvidas e após isso apresentar ao soberano a síntese dos seus pareceres para posterior decisão régia. Se analisarmos as consultas deste Tribunal sobre as contendas existentes entre o Conde de Óbidos e Lourenço de Brito Correa, constataremos que este sínodo não coadunava com as pretensões nem com o estilo de governo apresentado pelo segundo vice-rei do Brasil, especialmente no que dizia respeito a sua tentativa de interferir na lógica das mercês remuneratórias e ao trato pouco adequado que demonstrava para com alguns poderosos da Bahia. Devemos neste momento ressaltar o silêncio de Lourenço de Brito Correa e ausência de qualquer fonte que ateste sua participação nesta trama. Esta sem dúvida foi a maior limitação que encontrei no transcorrer desta pesquisa, pois até o momento não localizei na documentação arrolada nenhum papel escrito pelo próprio Lourenço que registre sua participação no motim, nem outro documento que ateste a versão deste Provedor da Fazenda fez em sua viagem derradeira à Portugal. As linhas a seguir apresentam a versão do Conde de Óbidos sobre o suposto motim engendrado por autoridades da Bahia, bem como as impressões deixadas pelo Conselho Ultramarino e por outras autoridades de Salvador envolvidas neste episódio. Contrastando a versão apresentada pelo Conde de Óbidos com outros documentos arrolados que também dão notícias do comportamento de Lourenço de Brito Correa nesta ocasião, reuniremos subsídios para elucidar algumas incongruências informadas por Pedro Calmon ao estudar este episódio decisivo para a carreira do Conde de Óbidos e assim estabelecer outros olhares para entender esta trama. O segundo vice-rei do Brasil fundamentou suas suspeitas de estar sendo vítima de um motim baseando-se em escritos que, supostamente, saíam do gabinete de Lourenço e eram remetidos para outras autoridades da Bahia, o conteúdo atacava a pessoa de Óbidos: [...] buscou [Lourenço de Brito 119 Correa] ultimamente esta de conspirar contra minha pessoa, capitulando-me e enviando até esta Corte e a alguns ministros vários papéis contra meu procedimento.346 O Conde de Óbidos pesa nas tintas ao evidenciar o histórico de contendas que Lourenço de Brito Correa havia se envolvido no passado e se mostrava desacatado pelas denúncias e queixas formadas por ele. De acordo com Óbidos, o Provedor Mor da Fazenda se [...] jactava que era mais bem ouvido que os governadores deste Estado e se tomasse alguma revolução comigo e me viesse a succeder. Desgastar a imagem do mandatário do Brasil por via de comunicações sistemáticas aos governadores das Capitanias elencando os desmandos, desvios e autoritarismos dos governantes superiores era uma estratégia utilizada pelos fidalgos da Bahia desde o século XVI, contudo a particularidade deste caso está na antecipação do Conde. Apenas por suspeitar de estar sendo vítima de uma trama que o expulsaria novamente do seu cargo de vice-rei, Óbidos embarcou subitamente os principais opositores do Brasil, rumo a Lisboa, para que pudesse governar com tranquilidade e sem escritos inoportunos que evidenciavam suas fragilidades. Óbidos não podia assistir a distribuição de paschins falando mal do seu governo sem tomar as providências cabíveis, suspeitava que os fidalgos da Bahia se reunião em ranchos e bandorias para tramar contra ele e estes possíveis sediciosos liderados por Lourenço de Brito Correa espalhavam críticas à sua pessoa por entre os homens da Bahia Colonial, de acordo com a denúncia de Óbidos [...] este era o seu intento: e nas disposições dele o ajudarão firmando papéis, escrevendo aos Ministros e influindo todo este povo, pública e secretamente.347 É sempre apropriado conhecer o conteúdo do vocabulário utilizado pelos homens que viveram no século XVII para termos uma noção mais precisa das suspeitas que tinha Óbidos em relação às manobras de Lourenço de Brito Correa, especialmente se levarmos em conta a sua habilidade de escrever e o significado das palavras capitular e capitulação348 para aqueles que viviam no Brasil Seiscentista. Capitular era um recurso de escrita que tinha o objetivo formar artigos com determinados temas e expô-los em público, capitulação eram as condições com que determinadas pessoas estabeleciam um pacto e registravam por escrito o acordo das partes, por exemplo, a trégua de uma guerra ou os termos de rendição entre sitiados e sitiadores eram lavrados em capítulos. No Brasil, os fidalgos tinham direito de formular capítulos de acusação contra os excessos dos seus comandantes, apontando em tais papéis os detalhes dos erros cometidos e o mal que tais desmandos causava aos moradores da Colônia, comprometendo-se em comprovar a 346 Op. cit. AHU, LF, BA Cx. 18, Doc. 2100, 06/08/1665 idem 348 Op. cit. BLUTEAU, Vol.2, p.128. 347 120 veracidade de suas informações perante a lei. A palavra bando349 dava a ideia de partido, parcialidade. As pessoas que manifestavam interesses congruentes reuniam-se em bandos com o objetivo de debater os pontos principais de suas posições, esta palavra coaduna com o sentido que o termo racho era utilizado pelos lusófonos do século XVII, apesar de ser uma palavra de origem castelhana, cujo significado é pousada ou hospedaria, o termo foi muito utilizado pelos militares ibéricos para nomear toda companhia de camaradas, soldados e marinheiros, que se reunião em algum local reservado do quartel ou do navio, nestes lugares os rancheados350 se tratavam familiarmente e mantinham interesses e intenções confluentes. Por fim, a palavra paschim ou pasquim era um [...] dito picante posto em papel e publicamente exposto.351 Todo este repertório de escritos, muitas vezes anônimos, podia comprometer a gestão de um governante, dentro e fora do Ultramar. Entre suspeitas de reuniões privadas promovidas por Lourenço com outros poderosos da Bahia e comunicações que circulavam entre os fidalgos de Salvador atacando duramente a gestão do Conde de Óbidos, vemos que o clima político da Bahia Seiscentista estava tenso. Sabendo que muitos homens inclinavam-se às ideias promovidas supostamente por Lourenço de Brito Correa e narrando os movimentos de seus opositores, D. Vasco Mascarenhas deu prosseguimento a sua denúncia nomeando os participantes dos [...] ranchos e bandorias352 que articulavam a sua retirada. Lourenço não estava sozinho e tinha aliados influentes na Colônia que faziam coro às suas críticas, seus companheiros eram fidalgos agraciados por D. João IV e pela Rainha Regente e possuíam propriedades de terras e escravos na Bahia, além de religiosos, funcionários da administração colonial e comandantes militares, outras pessoas foram citadas pelo vice-rei do Brasil como participantes deste suposto motim liderado por Lourenço. As culpas formuladas pelo Conde de Óbidos contra seus opositores são encontradas num auto de culpas, escrito no dia 30 de outubro do ano de 1665 pelo escrivão da [...] Ouvidoria geral do crime e da auditoria da gente de guerra situada na cidade de Salvador.353 Ele certificava o que o Desembargador da Relação Bernardim Macedo Velho ouvira [...] no ano de cristo de 1665 aos 5 dias do mês de agosto, nas casas onde vive o Vice Rei do Brasil,354 analisaremos em um momento oportuno que o Desembargador Macedo Velho vituperou os protocolos de justiça ao lavrar este auto de denúncias dentro da residência do vice-rei e tal atitude foi vista com estranhamento pelo 349 Idem BLUTEAU, p. 31; 104. Idem, BLUTEAU, Vol. 7, p. 105 351 Idem, BLUTEAU, Vol. 6, p.296. 352 Op. cit. AHU, LF, BA Cx. 19, Doc. 2144, 30/10/1665. 353 idem 354 idem 350 121 Conselho Ultramarino pois era prova de que um oficial da justiça na Bahia poderia estar sendo manipulado pelos interesses de Óbidos, passemos para as denúncias pronunciadas por Óbidos: [...] ele dito Conde Vice Rey governando este estado com a moderação e justiça que convinha o serviço de Vossa Magestade e bem de seus vassalos evitando por todas as vias com seu procedimento as queixas que do contrário costumão resultar, procurando com todo o desvelo manter em paz e quietação os moradores355 O zelo administrativo que o segundo vice-rei do Brasil evidenciava nas palavras acima transcritas objetivou ressaltar que alguns homens de destaque da Bahia ameaçavam a paz e a quietude da sua administração, Lourenço de Brito Correa foi o principal alvo da denúncia pois estava a [...] tratar por todas as vias de amotinar os soldados deste presidio e aos moradores desta cidade para que depusessem do governo ele dito Conde Vice Rei e o dito Lourenço de Brito Correa se introduzir Governador.356 O Conde vice-rei aprofundava o conteúdo das suspeitas, afirmou que Lourenço lançava mão de [...] ranchos, lianças, e amizades com varias pessoas,357 dentre elas, o já mencionado Desembargador Manuel de Almeida Peixoto, acusado de ser auxiliar direto dos planos para expulsálo do Brasil, pois também estava [...] reprovando publica e secretamente as acções dele Conde Vice Rei e divulgando assim por sua parte como por outras. 358 Óbidos fez registrar nesta carta as calúnias que estava sendo vítima, corria-se pela Bahia a notícia de que ele [...]havia tomado contra sua vontade de muitas pessoas de valor e quantias de consideração como era uma baixela de prata, hum anel de hum diamante de preço, roupas de muito custo e outras varias couzas.359 Contudo, Óbidos sabia que o maior motivo para as desavenças e discordâncias dos fidalgos da Bahia para com sua gestão era por causa da sua pretensão em prover cargos vacantes, originários de mercês remuneratórias: [...] e publicando que os postos que se provião todos eles se davão a quem os comprava ao dito Vice Rei, não admitindo por este respeito os provimentos que o Conselho Ultramarino fazia para que sendo tudo provido por ele Conde Vice Rei tivesse grandes avanços que os pretendentes lhe davão aos quais somente provião nos postos e ofícios e que outrossim vindo a este Estado provera os oficios em criados seus não permitindo que os servissem as pessoas nomeadas pelos proprietários.360 Aflito com a situação de desacordo com certas autoridades da Bahia, o Conde vice-rei explicava que por mais louváveis que fossem suas ações, seus opositores o caluniavam ao afirmar que sua pretensão em prover cargos e ofícios vagos no Brasil era para atender suas conveniências políticas e não para cumprir o melhor serviço régio. Por ser um fidalgo influente na Bahia, Lourenço de Brito Correa foi acusado de ser o 355 idem idem 357 idem 358 idem 359 idem 360 idem 356 122 principal formulador das opiniões negativas sobre o modo de governar do segundo vice-rei do Brasil e expunha suas ideias a [...] zelosos e discretos.361 O Conde de Óbidos explicava que Manuel de Almeida Peixoto também estava ressentido por causa do seu estilo do administrar a outorga de cargos e ofícios no Brasil, o vice-rei negou a ele o [...] ofício de Provedor da Fazenda que pretendia ser seu, não constando carta de seu provimento mais que só de Desembargador extravagante.362 Antônio de Queiroz Cerqueira foi retirado do seu posto de Capitão em um Terço de Infantaria, instalado na Ilha de Taparica, Óbidos justificava que Antonio tinha histórico de muitas queixas, incluindo denúncias de [...] roubos e excessos que ali se obrava sem embargo de lhe fazerem ofertas de grandes quantias de dinheiro para que o dito Capitão assistisse na dita Ilha.363 Paulo de Azevedo Coutinho foi expulso da Bahia e citado nesta denúncia formulada pelo Conde de Óbidos, o motivo do desentendimento foi que por sua ordem o militar esteve [...] preso muito tempo pela queixa que os oficiais da camara lhe haviam feito dos excessos e ameassas com que o dito capitão se houve com os ditos oficiaes em vereaçam.364 Francisco Teles de Menezes também foi preso e embarcado compulsoriamente no mesmo navio por suas ligações com Lourenço de Brito Figueiredo, filho do Provedor Mor da Fazenda, a acusação é que eles [...] se haviam ajuntado para divulgarem por si e seus amigos muitas infamias dele dito Conde.365 A origem das suspeitas de motim foram elucidadas nesta mesma carta, uma [...] inquietação que os soldados deste presídio haviam feito366 deflagrou uma situação de insegurança no apoio dos militares da Bahia para com a gestão de D. Vasco Mascarenhas, desconfiando que também os soldados estavam cientes das críticas de Lourenço de Brito Correa contra seu governo e ouvindo falar que os mesmos já estavam [...]apelidando-o por seu Governador. 367 O vice-rei via-se cada vez mais envolvido numa trama de usurpação e tudo indicava que o Provedor Mor da Fazenda estava por traz daquela armação, pois, ao invés de aplacar os ânimos dos soldados revoltados e comunicar de imediato a Óbidos sobre os possíveis descontentamentos, 361 idem idem 363 idem 364 Idem. O Conde de Óbidos explicou os motivos do desentendimento que o Capitão Paulo de Azevedo Coutinho teve com os oficiais da Câmara por meio de uma Portaria enviada no dia 22 de outubro de 1664 ao ouvidor Geral do Crime e auditor da gente de guerra do Brasil, Cristóvão de Burgos, o Vice Rei afirmava que [...] não lhe tocando procurar o sustento da Infantaria dos Terços deste presídio, se resolveu a dar à Camara desta Cidade a petição que com esta se remete, e ater com alguns oficiaies dela demasiado desabrimento sobre o mesmo intento da petição, Constando estar a Infantaria paga do que lhe devia satisfazer em meu tempo, e havendo precedido a revolução que há poucos dias houve na mesma Infantaria [...] o doutor Christóvão de Burgos [...] tire logo informação jurídica, das palavras que o dito capitão teve , com o oficial ou oficiaes daquele senado e juntada a mesma petição me dê conta para resolver. Ver: DHBNRJ, Vol 6, p. 198. 365 idem 366 idem 367 idem 362 123 Lourenço de Brito Correa manteve-se distante e omisso a estas manifestações, não debelou a fúria dos militares, nem apareceu à casa do vice-rei para lhe prestar solidariedade. No auto de culpas que estamos analisando, o Conde de Óbidos faz registrar outras suspeitas que recaíam sobre Lourenço de Brito Correa, baseando-se em um [...] papel contra ele dito Vice Rei no qual lhe impunhão vários crimes e culpas tão indignas de sua pessoa e postos grandes que ocupava.368 O Provedor Mor da Fazenda estava utilizando seus dotes de escrita para convencer outros aliados acerca das suas limitações como governante, por isso Lourenço estava [...] andando por si e seus sequazes assinando e obrigando assinar a várias pessoas mal afectas e inimigas dele Vice Rei.369 Óbidos afirmava que Lourenço se vangloriava de suas experiências de governo e que na Bahia [...] ninguém é maior fidalgo que ele, e tudo assim obrava, o dizia, para persuadir que nos merecimentos e qualidades se igualava muito aqueles que tais postos costumam ocupar. [...] e ultimamente era tanta a devassidão e excessos dos sobreditos que andavam insitando os moradores e soldados contra a pessoa dele dito Vice Rey dizendolhes que procurassem por governador a ele Lourenço de Brito Correa porquanto o Vice Rey não era para o governo e não somente isto que dito tinham, dezião e publicavam dele dito Vice Rey mais ainda muitas outras cousas afim de conseguir o intento que somente se encaminhava ao governo em que se queria introduzir. 370 O histórico de desacordos com o primeiro vice-rei do Brasil e a suspeita de que ele estava liderando uma conjura para usurpar o segundo, credenciava Lourenço como [...] cabeça de rancho,371 ou seja, líder da conjuração. De acordo com a denúncia de Óbidos, o comportamento insubordinado de Lourenço ia adquirindo mais adeptos e alcançava [...] a maior parte do povo e Infantaria,372 afirmava ainda que as acusações que faziam contra ele [...] animava a todos os que ligeiramente se deixavam persuadir a qualquer novidade.373 O Conde de Óbidos deixava transparecer nas suas palavras que esta [...] atrevida deliberação tinha o mesmo conteúdo político da malsucedida experiência que ele teve em Goa, ele reclamava ao Rei D. Afonso VI que a conspiração que armaram contra sua pessoa, em 1653, [...] não só não foi castigada, mas voltaram-se os cúmplices habilitados a ocupar os governos das praças daquele Estado.374 Os fidalgos de Salvador e do Recôncavo sabiam que Óbidos havia sido expulso da Índia e estava governando o Brasil por causa de sua aproximação com o Afonso VI e com o seu Valido, o segundo vice-rei tomou medidas drásticas para conter o que supunha se tratar de um motim e para 368 idem idem 370 idem 371 idem 372 idem 373 idem 374 idem 369 124 garantir sua permanência no poder, afastou compulsoriamente do centro administrativo do Estado do Brasil seus principais opositores. Óbidos entendeu os supostos escritos que criticavam negativamente sua gestão como capitulações e exigia de D. Afonso VI uma punição exemplar, todos os indícios levavam a crer que o Provedor Mor da Fazenda e seu sequito pretendiam repetir contra ele o sucesso da Índia. Contudo, Óbidos não esperou o parecer do Reino e agiu com poderes de vice-rei, lançou mão do fator surpresa para impedir a fuga dos seus principais opositores e os pegou desprevenidos para afastá-los da capital da Colônia sem resistência e com pouco alarde: [...] Este navio ficou acabando de carregar parte das fazendas da Nao Populo, que não coube na capitania e outra nao que vai dividida. E pela brevidade de ir achar a frota em Pernambuco não pode levar as culpas dos presos que enviei a Vossa Magestade como consta da certidão inclusa.375 Após apresentar o conteúdo de suas suspeitas nesta carta de aviso, o Conde de Óbidos tratou de assegurar que as provas da [...] inocencia do procedimentos de que me arguem, como atroz a maldade com que huns e outros conspirão376 seria enviada ao monarca posteriormente devido as contingencias do mar. A tramitação que esta missiva teve merece um destaque, apesar do manuscrito informar suposições e indícios de que certas pessoas tramavam destituir o segundo vice-rei do Brasil, ele não dava provas cabais do envolvimento dos denunciados e nem apontava as testemunhas que poderiam comprovar a versão de Óbidos, o vice-rei prometia enviar, na próxima embarcação que sairia da Bahia rumo a Lisboa, a devassa completa que demonstrava a culpa de cada um dos seus desafetos e os motivos que orientaram esta atitude. 7- Lourenço morre no cárcere Chegando a Lisboa, os suspeitos foram conduzidos para a cadeia do Limoeiro enquanto os papéis que informavam sobre as culpas foram enviados para o Desembargo do Paço e não para o Conselho Ultramarino, fazendo isto, Óbidos sabia que seu dever de justificar a prisão e envio de pessoas tão importantes da Bahia deveria ser feito com cuidado, como um bom conhecedor dos conflitos de jurisdição existentes no Reino, ele mandou os autos para um corpo consultivo inadequado e que não tinha alçada para com os assuntos da América Portuguesa.377 O Conselho Ultramarino mais uma vez relembra ao Rei que [...] pertence a este Conselho privativamente todas as matérias da justiça, fazenda e guerra das conquistas e que as ações do 375 idem idem 377 Um estudo mais aprofundado sobre os conflitos de jurisdição entre o Conselho Ultramarino, o Desembargo do Paço e Conselho da Fazenda foi feito por CARDIM, Pedro. “ ‘Administração’ e ‘governo’: uma reflexão sobre o vocabulário do Antigo Regime”. In: Modos de Governar: Idéias e práticas no Império Português (séculos XVI-XIX). São Paulo: Alameda, 2007, p. 45-69. 376 125 segundo vice-rei do Brasil estava extrapolando os limites de poder que tinha, pois [...] lhes são presentes as ordens, e regimentos de Vossa Majestade, a que devia dar inteiro cumprimento e não quebrantálas, como fez, em não enviar a devassa, de que tinha dado conta.378 Valendo-se desta contingência, o segundo vice-rei do Brasil ganhava tempo para apurar novas denúncias e recolher as provas necessárias contra seus oponentes que, em finais de 1665, encontravam-se na cadeia do Limoeiro e aguardavam saber os motivos porque foram presos e embarcados compulsoriamente.379 Não podemos perder de vista que o Desembargo do Paço era uma instância aliada ao governo de D. Afonso VI e, consequentemente, tinha ministros próximos à Óbidos, tal afirmação pode ser comprovada se analisarmos o que o Rei pensava sobre este sínodo: [...] a Mesa do Desembargo do Paço [...] é o Tribunal mais unido à minha pessoa, e assim o que com maior deve procurar o acerto do meu governo.380 O penúltimo parágrafo desta carta, escrita em 1665, arremata as conclusões que o segundo vice-rei do Brasil tirou sobre o envolvimento de Lourenço de Brito Correa no suposto motim: [...] E sendo Lourenço de Brito Correa o motor original de tudo e o sujeito mais perverso e escandaloso, que entre todos os que somos vassalos de Vossa Majestade considero, e tão prejudicial o exemplo com que se faz absoluto, e não querer pagar finta ou contribuição alguma para o Serviço de Vossa Magestade.381 Óbidos afirmava que Lourenço de Brito Correa se negava a pagar impostos ou contribuições régias previstas alegando isenção por pertencer a Ordens Militares, por isso os fidalgos da Bahia estavam imitando a inadimplência e tais atitudes aumentavam a tensão entre estes dois homens, apesar de ser o vice-rei do Brasil, D. Vasco Mascarenhas parecia temer o desacordo que aquela movimentação suspeita poderia acarretar à sua governabilidade: [...] não faltam no Brasil sogeitos de ânimo inquieto e prontos para semelhantes revoluções.382 Lourenço era execrado pelas palavras de Óbidos: [...] não terá o Brasil sossego nem os generais que a ele vierem acerto algum no serviço de Vossa Majestade se a ele voltar Lourenço de Brito, o que não será crível depois que forem apresentadas a Vossa Majestade as culpas.383 Mais uma vez o Conde deixa escapar suas intenções, ele sabia que o velho Provedor Mor da Fazenda 378 AHU, LF, BA Cx.19, Doc. 2142, 23/07/1666 O Conselho Ultramarino mandou repreender o Vice Rei do Brasil por ter enviado ao Desembargo do Paço a devassa contra as pessoas que ele mandou presas ao Reino, por conspirarem contra ele e se ordenar aoi mesmo Tribunal a remessa daquela devassa ao Conselho Ultramarino. Desta forma, os presos continuavam detidos e com os autos do seu processo propositadamente desviados para uma instância inadequada. Ver: Op. cit. AHU, LF, BA Cx. 19, Doc. 2142, 23/07/1666. 380 Ver: Carta do Rei D. Afosno VI sobre o Desembargo do Paço e seus ministros. 22/08/1662. Rei. Livro X daSuplicação, disponível em http://iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=101&id_obra=63&pagina=234# 381 Op. cit. AHU, LF, BA Cx. 19, Doc. 2144, 30/10/1665. 382 Idem. De fato, desde a Provisão Régia de 16 de abril de 1663, declarava os [...] Commendadores e Cavalleiros das Ordens Militares, no Brasil, isentos de pagar os donativos parra sustento da Infantaria do mesmo Estado. Ver: http://iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/~ius/verlivro.php?id_parte=101&id_obra=63&pagina=263 383 idem 379 126 Real do Brasil já era septuagenário em 1665 e fazê-lo cruzar o Atlântico àquela altura da vida seria uma punição deveras cruel: [...] porque enquanto viver há de perturbar esta república e censurar os mais qualificados merecimentos pela aversão natural que o seu ânimo tem a todos os que não são como ele, pois só os seus semelhantes são os que costumão aprovar o que elle escrevia contra a mesma verdade.384 A partir da terceira folha deste longo documento, encontra-se os pareceres dos magistrados do Conselho Ultramarino que trataram deste caso e as percepções que deixaram sobre as alegações do Conde de Óbidos. Saliente-se que o conselheiro relator, Feliciano Dourado, só escreve a súmula desta consulta em 27 de outubro de 1665 e depois de examinar cuidadosamente os argumentos do vice-rei ele apresentou tecnicamente o seu posicionamento, relembrando um antigo costume do processo penal Filipino para explicar a falta de consistência das desconfianças apresentadas pelo Conde de Óbidos para ter prendido e embarcado para o Reino seus opositores, pois [...] conforme as regras de direyto, sem culpa formada não se condena a ninguém e deve preceder esta primeiro para chegar aos termos da prisam.385 Feliciano Dourado mencionou a fragilidade da denúncia feita por Óbidos e o tempo demasiado longo que esta consulta estava sem análise apropriada, acarretando prejuízo aos fidalgos expulsos da Bahia: [...] como não vem devassa com culpas que obrigue, nem consta na dita carta de avizo mais que suspeitas de uma conjuração nascida dos capítulos que dis mandava Lourenço de Brito Correa a Vossa Majestade e a vários ministros, não he isto bastante para prender e mandar ao Reino este homens.386 O magistrado não encontrou delito algum nas acusações formuladas contra aqueles que supostamente estavam escrevendo capítulos sobre a gestão do segundo vice-rei do Brasil, na opinião do juiz, [...] dar capítulos contra os poderosos era um recurso por onde se faz saber aos Reis e Príncipes e a seus ministros os procedimentos daqueles contra quem se dão.387 Feliciano Dourado aproveitou a oportunidade para explicar os leitores do seu parecer a metodologia legalmente admitida para se prosseguir os expedientes da capitulação. Não bastava escrever críticas e acusações contundentes contra os governadores do Brasil e espalhá-las entre outros homens da elite, os capitulares deveriam deixar certa quantia em dinheiro como [...] caução depositada para pena de sua malícia ou temeridade se os não provarem, além do direyto que fica reservado contra eles como de ordinário acontece em casos semelhantes.388 O relator desta consulta ressaltava que era inadmissível [...] privar os homens do povo e 384 idem idem 386 idem 387 idem 388 idem 385 127 quaisquer particulares deste recurso de poder capitular na forma que fica apontado,389 era um dever dos fidalgos da Bahia resguardar o bem comum e manter o Rei informado dos procedimentos que os Governadores e vice-rei do Brasil manifestavam, por isso o silenciamento de Lourenço de Brito Correa tinha o objetivo principal de afastá-lo da Colônia por ser o principal suspeito de articular um motim e ao mesmo tempo intimidar outras pessoas da Bahia que ousassem escrever papéis criticando o estilo de governar do Conde vice-rei do Brasil. As suspeitas de Óbidos foram interpretadas pelo conselheiro apenas como [...] humas influências e casos, contingentes para o futuro, que não são provas verificadas.390 Diante de todos estes argumentos, Feliciano Dourado aconselhava que seria mais acertado [...] mandar soltar estes presos e polos em sua liberdade pois não consta de culpas que os obrigou ao serem que he o que precisamente deveria preceder.391 O parecer de Feliciano Dourado deu provimento favorável aos que foram expulsos da Bahia por ordem do Conde de Óbidos, contudo ele fez registrar como esta atitude estava fora dos padrões jurídicos daquela época: [...] em casos de fragante se dentro de oito dias se não averigua a culpa, manda a lei que seja o preso em sua liberdade, quanto mais vindos do Brasil que he parte tão remota e donde não pode vir tão facilmente esta averiguação 392, os expulsos pelo vice-rei ficaram presos e impossibilitados de apresentar suas versões, também não tinham acesso à devassa que elencava suas supostas culpas e todo este conjunto de equívocos privava Lourenço de Brito Correa e os outros expulsos da Bahia do direito de poder acessar as garantias que a lei lhes dava. O magistrado entendeu que Óbidos poderia ter prendido os homens suspeitos de motim em uma cadeia na Bahia até que se reunissem todas as provas que davam consistência à dita suspeita, como conhecedor nas prerrogativas de nobres com alta patente, Feliciano Dourado prestou deferência a D. Vasco Mascarenhas, afirmando que em sua pessoa concorriam [...] calidades e requisitos que pedem se atenda em parte ao que ele escreve, sobre este caso deve Vossa majestade por razão de estado, mandar que a soltura dos ditos presos seja com obrigação de não saírem desta Corte.393 Dourado aconselhava a liberação imediata dos homens expulsos da Bahia e que se encontravam presos no Limoeiro, com a condição destes não saírem da cidade de Lisboa até que o processo fosse concluído. Outro juiz do conselho Ultramarino, Miguel Zuzart Azevedo, manteve o mesmo parecer do relator, todavia, este magistrado entendeu que o Conde de Óbidos utilizou o expediente da prisão e envio de seus opositores por acreditar que tinha motivos suficientes para tal ação, por isso o 389 idem idem 391 idem 392 idem 393 idem 390 128 conselheiro acreditava ser mais prudente manter os fidalgos da Bahia presos no Limoeiro até que chegassem os papéis das culpas e só após o conhecimento do conteúdo das mesmas, eles estariam livres para cuidar das suas defesas e livramentos. Já os juízes João Falcão de Souza e Francisco Malheiro ressaltaram a falta de legitimidade daquelas denúncias e flagrante parcialidade de um membro da Relação da Bahia na apuração deste caso, toda a denúncia feita pelo Conde de Óbidos contra os cinco homens que expulsou da Bahia foi lavrada dentro da residência do Conde de Óbidos e não em um edifício público e esta atitude comprometia seriamente a lisura do processo em tela: [...] nesta consulta consta que ser procurado pela queixa que fez o Conde Vice Rei em sua própria casa o que o direito dá pouco credito e resiste, porque os autos para serem legítimos e verdadeiros fora de toda suspeita hão de ser processados nos logares destinados pela justiça, e não em casa do mesmo que se queixa.394 Em Portugal, os expulsos da Bahia e prisioneiros no Limoeiro tentavam acelerar a tramitação daquele processo e solicitavam que o Rei desse vistas aos seus pedidos de soltura, foi o que fez o Capitão Paulo de Azevedo Coutinho numa carta escrita a 6 de julho de 1666, um ano depois daquela passagem incômoda e repentina para Portugal, o Conselho Ultramarino emitiu um parecer favorável ao militar e aos outros envolvidos: [...] visto pela devassa não haver testemunha, que condene os presos, he haverem delinquido no crime de sediciosos, nem de haverem amotinado, nem conjurado para alguma facção, contra a pessoa do Conde Vice Rei, os deve soltar, e restituir aos seus postos, como antes, e que se vão para suas casas, sem outra pena alguma: porque pelos autos da devassa a não merecem” 395 O parecer final do Conselho Ultramarino sobre esta suposta conjuração liderada por Lourenço de Brito Correa encerra este trabalho e nos oportuniza estabelecer alguns questionamentos sobre o modo de governar do Conde de Óbidos no Brasil. Em primeiro lugar, vale salientar que o parecer abaixo foi emitido pelo Conselho Ultramarino no dia 09 de outubro de 1666, após receber finalmente os autos das culpas que estavam em posse do Desembargo do Paço. Este foi o parecer emitido pelo Conselho Ultramarino: [...] pareceu dizer a Vossa Majestade, que no auto, que o dito Conde mandou processar para se tirar a dita devassa, se trata somente de motim, e conjuração, que Lourenço de Brito Correa, e os mais, que no auto se contem, tratavam fazer contra a pessoa do dito Conde Vice Rei, e de capítulos, e papéis, que contra ele faziam, para madarem a Vossa Majestade, e também de palavras escandalosas, e injuriosas que assim os presos, como o Desembargador Manuel de Almeida Peixoto, diziam publicamente contra sua pessoa, com menos respeito do que se lhe devia. E considerada uma, e outra cousa, não se acha em toda a devassa testemunha alguma, que diga, que visse, ou soubesse, que o dito Lourenço de Brito Correa, e os mais conhecidos no auto, fizessem motim ou conjuração contra a pessoa do dito Conde; nem falassem, persuadissem, ou inquietassem pessoa alguma da gente da terra, nem dos soldados pagos para esse efeito, que é a forma com que os sediciosos, e amotinadores fazem semelhantes ações, em prejuízo do serviço de Vossa Majestade. 396 394 idem AHU, LF, BA Cx. 19, Doc. 2143, 25/06/1666 396 AHU, LF,BA Cx. 19, Doc. 2155, 09/10/1666. 395 129 Neste mesmo parecer, encontra-se o destino final do velho Lourenço de Brito Correa em 1666, depois de ter passado pelo menos um ano e meio prisioneiro, o fidalgo da Bahia morreu dentro da prisão do Limoeiro ao lado do seu filho. O Conselho Ultramarino fez questão de ressaltar as consecutivas quebras de protocolos jurídicos e violência cometida pelo Conde por ter expulsado do Brasil pessoas de destaque, apenas por leve suspeita de um motim nunca comprovado: [...] E querendo o Conde Viso Rey intentar acção contra elles, pelas palavras que falarão temerariamente, o poderia fazer na forma da ley; mas não pelo modo com que o fes. E quando fora destes termos, os prezos tivessem alguã culpa, enquanto as palavras. Reprezenta o Conselho a Vossa Magestade, que parece a tem bem purgado no discômodo da viagem a este Reyno, e modo com que o Conde Viso Rey os remetteo, e com desamparo de suas casas, e haver mais de hum anno, que estão prezos, sendo muyto para considerar morrer na prizão Lourenço de Brito Correa, pessoa tam benemérita no serviço de VMgde. , e que contra elle nunca por este Conselho houve queixa, nos cargos que tinha servido.397 Aproximando-se das considerações finais desta dissertação, é preciso ressaltar que D. Vasco Mascarenhas e Lourenço de Brito Correa construíram suas carreiras entre o primeiro quarto do século XVII e o último quarto deste mesmo século. Por isso, definir um recorte cronológico fixo que baliza este trabalho foi uma tarefa difícil que só pôde ser superada quando percebi que as trajetórias destes homens tinham algumas convergências possíveis de serem analisadas: eles serviram em cargos militares durante a dinastia Filipina, acompanharam os movimentos de Restauração do Trono de Portugal e fim da União Ibérica e continuaram a servir aos soberanos da casa de Bragança até o final de suas vidas. Após 1640, este homens ostentavam em seus históricos os muitos serviços prestados às monarquias e as várias retribuições que obtiveram da graça régia, Lourenço e Óbidos estavam inseridos na trama da economia de mercê e com o advento do Rei D. Afonso VI e as reformas políticas implementadas pelo Conde de Óbidos em seu vice-reinado, a outorga da graça régia sofreu uma interferência notória e que foi mal vista por alguns homens de destaque na Bahia. Pedro Calmon chamou de “rebelião obscura” os acontecimentos que se deram na cidade de Salvador no dia 29 de maio de 1666, por ocasião das exéquias da Rainha D. Luisa de Gusmão, o historiador compreendeu que os já mencionados opositores do Conde vice-rei estavam tramando uma conjuração para retirá-lo do cargo, contudo, esta informação não parece ser verdadeira, visto que deste julho de 1665 as manobras políticas de silenciamento dos opositores de Óbidos já estava em plena execução e, em 1666, Lourenço de Brito Correa já era defunto. O autor tem razão ao afirmar que a origem dos motivos dos desentendimentos e perseguições perpetradas pelo Conde vice-rei contra os seus desafetos estava na vinculação política que eles apresentavam com a Rainha Regente, uma prova da veracidade desta afirmação é que, após o fim do reinado de D. Afonso VI e ascensão de D. Pedro I ao Trono, todos os expulsos da Bahia 397 idem 130 pelo Conde de Óbidos foram restituídos aos seus postos e indenizados pelas perdas que tiveram durante o encarceramento, mas este é um assunto para próximos estudos. Os meses finais do ano de 1665 demarcam acontecimentos que definiram todo o restante da gestão de Óbidos no Brasil. Se neste ano o vice-rei se livrou dos seus principais opositores políticos, embarcando-os Lisboa e perseguindo os outros que na Bahia encontravam-se refugiados pelos conventos, ele também teve que enfrentar outros problemas que não podiam ser contidos por vias políticas. Sebastião da Rocha Pita se ocupou em sua História da América Portuguesa daquela que considerou a pior calamidade vivida pelos moradores do Brasil, desde o descobrimento. É a partir de suas palavras que podemos acompanhar os dois últimos anos da gestão do Conde de Óbidos e assim expor outras inquietações a que este trabalho motivou. [...] um horroroso cometa, que por muitas noites tenebrosas ateado em vapores densos ardeu com infausta luz sobre nossa América, e lhe anunciou o danno que havia de sentir, porque ainda que os meteoros se formam de incendios casuaes, em que ardem os átomos que subindo da terra chegam condensados à esphera as cinzas em que se dissolvem são poderosas assim a infeccionar os ares para infundirem achaques como a descompor os ânimos para obrarem fatalidades; tendo-se observado que as maiores ruínas nas repúblicas e nos viventes trouxeram sempre deante destes signaes.398 O matemático, filósofo e astrólogo jesuíta de nome Valentim Stansel veio para o Colégio da Bahia na mesma época que o Conde de Óbidos chegou ao Brasil, em 1663. Esteve a ensinar teologia moral e matemática e aqui se ocupava em aprofundar os seus estudos sobre o clima e a natureza dos Trópicos, além de continuar suas investigações, acompanhando os movimentos dos astros no Hemisfério Sul. Ele era um dos mais respeitados astrólogos da Companhia de Jesus e teve seus trabalhos publicados na Europa, seus estudos foram utilizados por Isaac Newton e a sua história pode nos dar mais detalhes sobre o pensamento científico do Brasil no período colonial. Não é cabe aqui aprofundar os pormenores da trajetória de mais este homem que fez o nome da Bahia ser conhecido pelos astrólogos e cientistas do Velho Mundo, todavia não seria possível encerrar esta dissertação sem mencionar que no ano de 1665, o jesuíta escreveu o seu “Legado Uranico do Novo ao Velho Mundo”.399 Apesar do padre Stansel não ver o mencionado fenômeno celeste como um aviso de Deus para redenção das almas ou prenúncio do apocalipse, na sua concepção, todas as alterações posteriores às passagens de cometas pelo orbe eram consequências naturais e não tinham necessariamente relação com a vontade divina, nota-se também que a passagem de cometas era 398 PITA, Sebastião da Rocha. História da América Portuguesa, livro 6, 1730. p.180. Mais detalhes sobre o padre Valentim Stansel e suas posições sobre os cometas por ele observador e catalogados entre os anos de 1664,1665, 1668 e 1689, bem como o reflexo de suas idéias na Europa a partir do Legado Uranico foi feito por CAMENIETZKI, Carlos Ziller. “O cometa, o pregador e o cientista: Antonio Vieira e Valentim Stansel observam o céu da Bahia no século XVII.” In: Revista da Sociedade Brasileira de História das Ciencias, Número 14, 1995, p.37-52. 399 131 entendida pelo astrólogo jesuíta como sinais de ruínas aos governos e aos súditos, acompanhemos: [...] costuma ser apresentado como segundo argumento [em favor da natureza celeste dos cometas], embora não menos eficaz, os influxos e feitos dos cometas. [...] constatamos que após o aparecimento de cometas diversas vicissitudes tem lugar no mundo. Por exemplo: fomes, pestes, doenças; e mais o que passamos para nosso dano: guerra, morte de príncipe e de reis, secas terremotos, etc, não quero alongar os exemplos, os livros estão cheios deles. Logo, os cometas são de natureza celeste.400 Tanto Rocha Pita como Valentim Stensel assinalaram a passagem de um cometa entre os dias 16 de dezembro de 1664 e 5 de janeiro de 1665, os resultados deste movimento no céu podem ser percebidas a partir das palavras de Rocha Pita: [...] outro accidente extraordinário experimentou n’aquelle próprio tempo a Bahia, jamais visto n’ella. Crescendo por três vezes em três alternados dias o mar, com tal profusão de águas que atropelou os limites que lhe pos a natureza, dilatando as ondas muito além das praias e deixando-as cobertas de innumeravel pescado miúdo, que os moradores da cidade e dos arrabaldes colhiam, mais atentos ao apetite que ao prodígio, ufanos de lhe trazer o mar voluntária e prodigamente tão valioso tributo, sem considerarem que quando saem da ordem natural os corpos elementares, padecem os humanos, e causam não só mudanças na saúde e ruínas nas fabricas materiaes, mas nos Impérios. Todos estes avizos ou correios precederam ao terrível contágio das bexigas – de que daremos lastimosa notícia.401 Foi durante o governo de Óbidos e após a passagem do cometa que a cidade de Salvador vivenciou uma das muitas epidemias que assolaram os moradores da Bahia e seu recôncavo no século XVII. A bexiga era uma doença perigosa e de acordo com o cronista o Nordeste foi vítima de maior contágio, todos estavam doentes e não tinham condições de trabalhar, os irmãos da Misericórdia tentavam conseguir remédio e acolhimento para as crianças e velhos doentes, prover os funerais dos mais pobres e carregar os caixões dos confrades que não resistiam à doença. O espaço da Igreja para se enterrar os mortos já não estava disponível e as pessoas começaram a ser enterras no chão, se na cidade a peste da bixa foi rigorosa, no recôncavo foi destruidora. Tanto escravos, índios, senhores e engenho e fazendeiros de gado foram contagiados, consequentemente, a produção de alimentos para a capital caiu vertiginosamente por não ter quem plantasse nem colhesse. O Conde vice-rei teve um papel positivo no socorro das pessoas aterrorizadas pela epidemia: [...] o Vice Rei com incessante cuidado, assistência e despesa visitava aos enfermos e mandava aos pobres tudo o que lhes era necessário, devendo esta caridade ao seu ânimo e ao seu sangue (ambos esclarecidos) e pôde remediar muita parte desta ruína. 402 400 idem Op. cit. PITA, Sebastião da Rocha. História da América Portuguesa, livro 6, 1730. p. 180 402 idem 401 132 Considerações finais Os atributos de honra e privilégio eram as bases para se outorgar e receber mercês remuneratórias no Reino de Portugal Seiscentista, alcançar tais benefícios tornou-se símbolo de distinção hierárquica e social, prestar serviços à Coroa e manter tais serventias ao longo dos anos resultava em “acrescentamento” social para as famílias e suas “casas”.403 Nuno Monteiro entendeu que a casa é [...] como um conjunto coerente de bens simbólicos e materiais a cuja reprodução alargada estavam obrigados todos os que nela nasciam ou dela dependiam.”404 Ao estudar a prestação de serviços de nobres de Portugal às dinastias Ibéricas, o autor expõe que [...] la forma de ennoblecimiento más frecuente era casi exclusivamente el servicio a la monarquía. De ahí el peso fundamental de la ideología de los servicios en la doctrina nobiliaria portuguesa405 O serviço fiel à realeza propiciava, em contra partida, a remuneração por serviços prestados por via da Graça, por isso a liberalidade e a benevolência do monarca garantia o contato permanente entre a Coroa, seus diversos sínodos e os súditos espalhados no Reino e no Ultramar, desta forma, [...] boa parte da interação e da coesão que estes dois pólos mantinham entre si assentariam nos elos da economia de mercê.406 Para Fernanda Olival, a economia de mercê sustentava-se em dois exemplos de Liberalidade:407 a graça, que dependia da benevolência e vontade do Rei, por isso tinha a intenção de premiar e a Justiça, que relacionava-se mais como um pagamento pela prestação de serviços à monarquia, seja em bens, seja em “acrescentamentos”. Como ressaltou Olival, a ideia de justiça correspondia, ao longo de quase todo o Antigo Regime, ao principio de [...] dar a cada hum o que he seu fosse castigo, fosse benesse. O monarca assumia o papel de juiz, cabia-lhe avaliar não só as culpas, mas também os bons serviços, e devia fazê-lo com equidade. A justiça distributiva era um dos alicerces fundamentais da ordem estabelecida e através dela garantiam-se os privilégios que 403 Segundo Bluteau, Casa. Geração. Família. [...] Illustre, & antiga casa. In: BLUTEAU. D. Raphael . Vocabulario Portuguez e Latino. Vol. II, p. 174 404 MONTEIRO, Nuno. O Crepúsculo dos Grandes. A Casa e o Patrimônio da Aristocracia em Portugal (17501832). Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2003. p. 95. 405 MONTEIRO, Nuno G. “Nobleza y Élites en el Portugal Moderno en el Contexto de la Península Ibérica (siglos XVII y XVIII).” In: MESA, Enrique S.; CARO, Juan J. B. & BARRADO, José Miguel D. (edit). Las élites en la Época Moderna: la Monarquía Española. Tomo I: Nuevas Perspectivas. Servicio de Publicaciones: Universidad de Córdoba, 2009. p. 144. 406 OLIVAL, Fernanda. As Ordens Militares e o Estado Moderno: honra, mercê e venalidade em Portugal. Lisboa: Ed. Estar, 2000. p. 31. 407 Gesto de dar conforme regalia dos reis, ver: OLIVAL, Fernanda. As ordens militares e o Estado Moderno. Lisboa: Ed. Estar, 2001. p. 15. [...] He uma virtude moral, que se sabe dispender as riquezas em bom uso,”.ver op. cit. BLUTEAU, D. Raphael. p. 110. Bluteau também entende que a Mercê régia não tinha caráter remuneratório pois partia da bondade do monarca [...] porque elles são os que com sua liberalidade, piedade, e misericórdia fazem mercê aos povos. Ver op. cit. BLUTEAU, D. Raphael. p.431-432. 133 definiam as diferentes hierarquias do Reino.408 Neste trabalho, pude compreender que liberalidade era uma virtude esperada pelos súditos e característica essencial da monarquia Brigantina. Caso o Rei não seguisse a tradição de premiar aos bons e castigar os maus, um sentimento de críticas às ações da coroa se instalava entre os súditos do Reino e do Ultramar. Mais uma vez, as conclusões de Marcel Mauss 409 tornam-se importantes para compreender a dádiva, visto que a atitude de dar insere-se num conjunto de obrigações que deviam ser cumpridas tanto pelo Rei como pelos seus súditos: pedir, dar, receber e manifestar agradecimento num verdadeiro círculo vicioso410 fazia parte do itinerário da economia política de privilégios ou a economia de mercê, discutida neste trabalho e presente nas relações engendradas no espaço colonial. Vimos também que a mercê remuneratória era um bem passível de alienação, a posse da graça régia por via da Justiça podia ser reclamada no Tribunal Ultramarino ou na Relação da Bahia, pois era fruto de um investimento,411 ou seja, a mercê perdia seu caráter de premiação e passava a ser um assunto da alçada jurídica e, consequentemente, implicava em alterações sociais na vida do portador caso houvesse alguma interferência na continuidade da outorga da graça.412 Podemos ter uma noção sobre o sentido de “justiça” a partir das palavras do Rei D. Afonso VI, dias após a sua assunção no Trono. Em 11 de outubro de 1662 ele baixava um Decreto em razão dos maus procedimentos que os cônegos de Évora demonstravam ao se revoltarem contra o Governador do Arcebispado do Porto: [...] Sendo a justiça o firmamento do Trono do Rei e na sua falta o que destrói os Imperios, devo fundar nela o meu governo para que se consigam as felicidades que meus Povos podem desejar.413 Após explicitar a sua intenção em ministrar justiça, o Rei apresentou neste decreto a forma com que gostaria que esta fosse executada, por isso solicitava que o Regedor da Casa de Suplicação mantivesse atenção quanto ao cumprimento da lei, orientando que [...] há de ter muito especial vigilância em seus procedimentos para premiar os bons, como merecem, por este serviço, que é o mais que se pode fazer, como também se não há de dissimular com os maus remessos, em coisa de tanta importância.414 408 Op. cit OLIVAL, Fernanda. As Ordens Militares e o Estado Moderno: honra, mercê e venalidade em Portugal. 2000. p. 20. 409 MAUSS, Marcel. Sociologie et Antropologie. Paris: PUF, 1973. p. 143-279. apud: OLIVAL, Fernanda. As Ordens Militares e o Estado Moderno: honra, mercê e venalidade em Portugal. 2000. p. 18. 410 Idem. 411 Um estudo mais detalhado sobre as mercês remuneratórias é visto em: RAU, Virginia. Estudos sobre a História Económica e Social do Antigo Regime. Lisboa: Editorial Presença, 1984. p. 29-35. 412 Op.cit. OLIVAL, Fernanda. As Ordens Militares e o Estado Moderno: honra, mercê e venalidade em Portugal. 2000. p. 23-24. 413 Decreto de 11 de Outubro de 1662, Livro X da Supplicação, fol 107, disponível em: <http://iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=101&id_obra=63&pagina=226> 414 idem 134 A prisão, embarque compulsório e posterior morte na cadeia do Limoeiro foi um roteiro fatal para Lourenço de Brito Correa, ao lado do seu filho mais velho, o bisneto do Caramuru acabou seus dias de vida sem conhecer os reais motivos de ter sido afastado dos seus parentes e propriedades. O seu histórico de contendas com os Governadores Gerais e vice-rei que o antecedeu foram utilizados pelo Conde de Óbidos para justificar sua precaução pois, de acordo com as suspeitas, Lourenço mais uma vez protagonizava uma armação para derrubar um Mascarenhas no Brasil. Sem papéis que comprovasse culpas, nem testemunhas suficientes que atestassem a versão do Conde de Óbidos, as acusações foram interpretadas pelo Conselho Ultramarino apenas como uma leve suspeita de conjura e as ações rigorosas que o vice-rei tomou para conter o que chamou de motim foram prejudiciais aos envolvidos e motivo de escândalo para os conselheiros do Ultramar ante o excesso e abuso de poder demonstrado, os suspeitos poderiam ficar presos na cidade de Salvador e apenas embarcarem depois que a devassa completa de suas culpas fossem produzidas, conforme as regras do direito. Afastar os inimigos mais inconvenientes e perseguir outros opositores que não puderam ser expulsos da Bahia foi um expediente que o Conde vice-rei lançou mão para continuar no seu cargo até 1667, sem ter que se preocupar com funcionários régios descontentes com seu modo de governar. O Conde de Óbidos parece ter total apoio do Rei e do seu Valido, visto que, apesar de consecutivas cartas do Conselho Ultramarino precavendo D. Afonso VI dos acontecimentos que se desenrolavam na cidade de Salvador desde 1663, a Coroa continuava legitimando o vice-reinado de Óbidos e fazendo vistas grossas para com as reclamações que chegavam à sua mesa. Mesmo com a substituição de D. Afonso VI e exclusão do Conde de Castelo Melhor da cena política do Reino em 1668, D. Vasco Mascarenhas continuou a assumir cargos domésticos maiores que serviam diretamente aos reis da Corte Brigantina, morreu em 04 de julho de 1678 ostentando o título de Estribeiro Mor da Rainha Maria Francisca Isabel de Sabóia e seu descendente recebeu sua herança de nobreza.415 Lourenço de Brito Figueiredo retornou ao Brasil após a morte do pai e foi recompensado pelas agruras de ter sido preso e embarcado por motivos políticos, com o advento de D. Pedro I ele recebeu a Provedoria Mor da Fazenda Real do Brasil por herança. Prender e embarcar os mais problemáticos para uma cadeia do outro lado do Atlântico e executar manobras para que a tramitação do processo de julgamento dos seus desafetos fosse ainda mais demorada foi uma das muitas práticas que o segundo vice-rei do Brasil lançou mão para 415 Estribeiro Mor, de acordo com Bluteau: [...] He officio, cuja ordem estão os cavallos, os coches, & liteiras da Casa Real, & a gente que serve neste ministério. Acompanha El Rey, calça-lhe as esporas, ajudao a se por a cavalgalo , & appearse, quando El Rey sahe em cavall, vai atraz delle, & se sahe em coche, vai no estribo direito, Preside ao Estribeiro Pequeno, ao sevadeiro, & mais ministros da Estribaria, & prove os moços della. Op. cit. BLUTEAU, Raphael. Vocabulario Portuguez e Latino. vol III, p. 343. 135 garantir a sua governabilidade. A sua tarefa como vice-rei não poderia mais uma vez ser ameaçada por uma suspeita de que os fidalgos da Bahia, liderados por um antigo agitador, armavam uma conjuração para retirá-lo do seu posto. Entre escritos que nunca foram vistos, a que o Conde chamou de capítulos e pasquins, e suspeitas de que o velho capitão Lourenço de Brito Correa estava reunindo-se em ranchos e bandorias com alguns militares descontentes, Desembargadores da Relação opositores e religiosos da Sé da Bahia, encerramos este trabalho abrindo novas possibilidades de pesquisa. A primeira delas consiste em aprofundar os estudos das consecutivas cartas de estranhamento enviadas pelo Conselho Ultramarino durante o vice-reinado do Conde de Óbidos no Brasil, se neste estudo sobre a capitania da Bahia vimos numerosos casos de postos e ofícios negados após o advento das reformas de Óbidos, veremos que nas demais Capitanias o descontentamento para com a redução dos poderes dos oficiais régios e interferência nas mercês remuneratórias foi motivo de outras críticas que precisam ser aprofundadas. Por outro lado, faz-se necessário também problematizar as revoltas existentes nas praças ultramarinas, já estudadas por Luciano Raposo Figueiredo, mas que nesta experiência vivenciada na Bahia tomou rumos interessantes se levarmos em conta que desta vez o vice-rei do Brasil não esperou para ver o resultado das suas suspeitas de motim e lançou mão do seu poder para prender e embarcar seu maior inimigo e continuar a implementar as reformas que pretendia. Estes e outros problemas certamente serão levantados na pesquisa que pretendo levar a cabo, após ter atingido os objetivos do presente trabalho, o próximo passo será entender mais detalhes sobre os diferentes modos de governar dos Governadores e vice-reis enviados de Portugal, em contraste com as rusgas e tensões promovidas pela elite administrativa erradicada Brasil Colonial, especialmente no século XVII. 136 Fontes Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), fundo Luiza da Fonseca (LF) RJ, Cx. 3, Doc. 303, 27 de março de 1657. RJ. Cx. 5, Doc. 741-742, 16 de março de 1657. Cx.1, Doc. 27. Posterior a 16 de abril de 1641. Cx. (?) Docs. 3517. 30/01/1689; 3519. 22/02/1689 Cx5, doc. 567, 09/05/163. Cx.7, Doc 799, 12/06/1638 Cx8, Doc. 941, 05/11/1641 Cx9, Doc 1021, 22/12/1642 Cx.11, Doc.1355, 19/11/1649. Cx.12, Doc. 1395, 08/03/1651; 1444 (SLND); Cx.14, Doc. 1680, 09/07/1657; Doc. 1690, 04/08/1657. Cx.15, Doc. 1735, 17/02/1659; Doc. 1739, 15/07/1659. 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