UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NEUBER LEITE COSTA C CA AP PO OE EIIR RA A,, P PO OLLÍÍTTIIC CA AC CU ULLTTU UR RA ALL E EE ED DU UC CA AÇ Çà ÃO O Salvador 2013 NEUBER LEITE COSTA C CA AP PO OE EIIR RA A,, P PO OLLÍÍTTIIC CA AC CU ULLTTU UR RA ALL E EE ED DU UC CA AÇ Çà ÃO O Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, como requisito à obtenção do grau de DOUTOR EM EDUCAÇÃO. Orientador: Prof. Dr. Pedro Rodolpho Jungers Abib. Salvador 2013 SIBI/UFBA/Faculdade de Educação – Biblioteca Anísio Teixeira Costa, Neuber Leite. Capoeira, política cultural e educação / Neuber Leite Costa. – 2013. 350 f. : il. Orientador: Prof. Dr. Pedro Rodolpho Jungers Abib. Tese (doutorado) – Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação, Salvador, 2013. 1. Capoeira. 2. Política cultural. I. Abib, Pedro Rodolpho Jungers. II. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação. III. Título. CDD 796.81 – 22. ed. NEUBER LEITE COSTA C CA AP PO OE EIIR RA A,, P PO OLLÍÍTTIIC CA AC CU ULLTTU UR RA ALL E EE ED DU UC CA AÇ Çà ÃO O Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Educação, Universidade Federal da Bahia. Banca Avaliadora Pedro Rodolpho Jungers Abib (orientador) ______________________________ Pós-Doutor em Ciências Sociais. Universidade de Lisboa (UL). Universidade Federal da Bahia (UFBA). Luiz Renato Vieira ___________________________________________________ Doutor em Sociologia. Universidade de Brasília (UNB). Senado Federal (SF). Augusto César Rios Leiro _____________________________________________ Doutor em Educação. UFBA. Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Hélio José Bastos Carneiro de Campos__________________________________ Doutor em Educação. UFBA. Universidade Católica do Salvador (UCsal). Amélia Vitória de Souza Conrado _______________________________________ Pós-Doutora em Artes. Universidade de Paris VIII Universidade Federal da Bahia (UFBA). Dedico esse trabalho: A minha filha: Ana Clara Por você Eu dançaria tango no teto Eu limparia Os trilhos do metrô Eu iria a pé Do Rio à Salvador Eu aceitaria A vida como ela é Viajaria a prazo Pro inferno Eu tomaria banho gelado No inverno...1. As comunidades da capoeira, no intuito que essas reflexões contribuam para o desenvolvimento da cultura. 1 Por você. Música de autoria de Frejat - canta Barão Vermelho. AGRADECIMENTOS Aos meus pais Carmen Leite Costa e Nilton Menezes Costa pela dedicação e o amor incondicional. A Cris “Ainda bem Que agora encontrei você Eu realmente não sei O que eu fiz pra merecer Você2” Ao meu eterno mestre Ministro (Raimundo Mário de Freitas) “Ô meu mestre muito obrigado Pela capoeira eu poder jogar Pelo aú, pelo S dobrado Pela capoeira eu poder jogar”3 Ao colega de doutorado, de trabalho, de corridas. Parafraseando Roberto Carlos: - O meu amigo: Luiz Carlos Rocha. A Ubiratan Menezes: “você meu amigo de fé, meu irmão, camarada”4. A Monalisa e a Djane Reis pela atenção e disposição. A Fran que muito me amparou: sempre olho de tigre! A Hermes Furacão, Hernani Jacarandá, Duda Carvalho e Marcelo Gomes pelo auxílio. A Juracema Silva, minha futura cirurgiã-dentista e Suelen Senna pelo carinho e prontidão. A meu querido amigo Frederico Abreu sempre disposto a contribuir. Ao mestre Suíno e família, que desde a década de 90 me acolhe tão bem! A Lobisomem pela atenção dispensada. Ao mestre Camisa pelos ensinamentos, simpatia e pela carona! A Raphael Cego, Leonardo Viera e Buda: que aventura heim! 2 Ainda Bem, música e letra de Marisa Montes. Muito Obrigado, música DP. 4 Amigo, música de Roberto Carlos e Erasmo Carlos. 3 Ao mestre Fumaça e Silvinha pela simpatia e pelos petiscos. A Mathias Assunção pela presteza, pela companhia e pela pizza! Aos integrantes do sempre doce grupo MEL. Aos entrevistados pela colaboração e prontidão na construção do trabalho: aprendi muito com vocês. Aos camaradas da Secretaria da Educação: Kelly Costa, Janete Beanes, Emília Madalena, Alaíde Souza, Patrícia Shettine, Francisco Camarão, Osmar Milazzo, Zé Fernandes, Rosane Claudia, Dôra, Marcelo Rocha, Naynara Moreira, Lara Matos (Larica), Fábio Barbosa. A Dayana Cristina Garcia, que também viveu essa fase comigo por um tempo. Natasha, Silas, às irmãs Michele Machado e Milena Machado, Juliana Free Dance, Igor Mandacaru, Neyla Marques, Érica Estevam de Santana, Deyse Martins e Daiara. A Nívea Cerqueira pelo apoio. Mi grand y querida profesora Icoos Angie. ¡Muchas gracias! Ao camarada Vitor Castro Júnior (Vitor de João Pequeno). À equipe técnica da PPGE da FACED: em especial à Nádia Cerqueira, Eliene Batista, Márcia Moura e Kátia Cunha. A Augusto César Rios Leiro que me acompanha desde a década de 90, estimulando a minha produção acadêmica, outrora como professor e atualmente como meu camarada e colega de trabalho. Ao amigo, professor, cineasta, sambista, pesquisador, capoeirista e o meu grande „des‟orientador oficial Pedro Abib. Ao grande camarada e mestre Luiz Renato, sempre me dispensando atenção e muito me ensinando. A professora Amélia Conrado pelo cuidado, pela responsabilidade e zelo. Ao professor e mestre Xaréu – Hélio Campos, que me acompanha desde o meu início na capoeira, quando eu nem sabia que existia universidade. À UNEB por subsidiar minha pesquisa através da Bolsa PAC. À Secretaria de Educação do Estado por aprovar o meu afastamento pra estudos. À Biblioteca Amadeu Amaral e sua equipe sempre prestativa. À FACED/UFBA que mais uma vez me refugiou. À Fundação Gregório de Matos. Ao IPHAN e sua equipe que me acolheu. Ao Red Hot Chili Peppers, ao Camisa de Vênus, a Lenny Kravitz, Iron Maiden, Metálica, Titãs e AC/DC que embalaram minha escrita. Ao escolher uma banca, o fazemos porque possuímos junto a estes afinidades, respeito e acreditamos que seus integrantes são fundamentais não somente para contribuir, mas para qualificar a pesquisa. Dessa forma estes nomes que seguem são imprescindíveis: À banca formada por Pedro Abib; mestre Luís Renato; César Leiro; mestre Xaréu – Hélio Campos e Amélia Conrado. Estes são em maior ou menor grau: ídolos, amigos, companheiros e exemplos para minha vida, para minha carreira e para a capoeira. A todos os amigos, conhecidos, companheiros e camaradas que contribuíram diretamente ou indiretamente para a realização desse trabalho. “Cada um sabe a dor E a delícia De ser o que é...” Caetano Veloso RESUMO Essa tese que analisa as políticas culturais voltadas para a capoeira se preocupou em investigar através de pesquisa documental, entrevista semi-estruturada, análises e nexos entre as políticas culturais, a educação e a capoeira. O trabalho objetivou compreender as consequências das políticas culturais da capoeira, para suas comunidades, principalmente no que diz respeito a sua formação. A pesquisa destacou a relação histórica da capoeira com a política e os fatores que a levaram, por um momento, a fazer parte de ações prioritárias nas políticas culturais do Governo, culminando no seu reconhecimento como patrimônio imaterial do Brasil. Aponta também os avanços, a estagnação e os retrocessos desse processo que ainda encontra-se em andamento, através dos projetos: Cultura Viva, Capoeira Viva e das ações de reconhecimento e salvaguarda da capoeira. Foram averiguadas contribuições para o processo educacional das iniciativas de fomento, assim como a ausência de estratégias para sua continuidade e democratização das produções. Apontamos que as ferramentas que constituem os processos de editais necessitam adequações para proporcionar autonomia às comunidades que compõe o universo diversificado da capoeira. Ficaram constatadas que o processo de reconhecimento apesar de se originar nas bases dos coletivos de capoeira, não significou ampla participação desta, assim também como precisam ainda ser amplamente divulgados e democratizados as ações de sua salvaguarda. Possibilidades de qualificação e avanços nas políticas culturais voltadas para a capoeira foram indicadas na tese no intuito de contribuir com os novos caminhos que esta manifestação irá trilhar. Palavras-chaves: capoeira, políticas culturais e formação. ABSTRACT This thesis examines the cultural policies aimed at poultry bother to investigate through desk research, semi-structured interviews, analyzes and connections between cultural policies, education and capoeira. The study aimed to understand the consequences of cultural policies of capoeira, to their communities, especially with regard to their training. The research highlighted the historical relationship of capoeira with the policy and the factors that led, for a time, part of the priority actions in the cultural policies of the government, culminating in their recognition as intangible heritage of Brazil. It also points to the progress, stagnation and setbacks in this process is still ongoing, through the projects: Cultura Viva, Capoeira Viva and actions recognition and safeguarding of capoeira. We investigated contributions to the educational process of development initiatives, as well as the absence of strategies for its continuity and democratization of productions. We point out that the tools that constitute the processes of edicts adjustments need to provide autonomy to the communities that make up the diverse universe of capoeira. Were found that the process of recognition despite originate at the bases of collective capoeira, not meant broad participation, so as still need to be widely disseminated and democratized the actions of its safeguarding. Possibilities qualification and advancements in cultural policies aimed at poultry were indicated in the thesis in order to contribute to the new ways that this manifestation will follow. Key Words: capoeira, cultural policies and training. RESUMEN Esta tesis que analiza las políticas culturales enfocadas en la capoeira se preocupó en pesquisar através de la investigación documental, entrevistas semiestructuradas, análisis y vínculos entre las políticas culturales, la educación y la capoeira. El estudio tuvo como objetivo comprender el impacto de las políticas culturales de la capoeira, a sus comunidades, sobre todo en lo que respecta a su formación. La investigación destacó la relación histórica de la capoeira con la política y los factores que llevaron, durante un tiempo, a ser parte de las acciones prioritarias en las políticas culturales del gobierno, que culminó con su reconocimiento como patrimonio inmaterial de Brasil. También señala los avances, estancamientos y retrocesos en este proceso sigue en curso, a través de los proyectos: Cultura Viva, Viva Capoeira y el reconocimiento de las acciones y la salvaguardia de la capoeira. Se investigaron las contribuciones al proceso educativo de las iniciativas de fomento, así como la ausencia de estrategias para su continuidad y la democratización de la producción. Señalamos que las herramientas que constituyen los procesos de notificaciones requieren ajustes para proporcionar autonomía a las comunidades que conforman el universo diversificado de la capoeira. Se constató que a pesar de que dicho proceso de reconocimiento de las raíces de la capoeira se originó basado en las mismas, no tuvo una gran participación, de este modo, se tiene que llevar a cabo amplias acciones de difusión y democratización para salvaguardarla. Las posibilidades de calificación y los avances políticas culturales enfocada a la capoeira se indicaron en esta tesis con el objetivo de contribuir a las nuevas formas y caminos que esta manifestación trazará. Palabras clave: capoeira, políticas culturales y educativas. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Imagem 1 Mapa da pesquisa 88 Gráfico 1 Projetos aprovados por regiões 130 Gráfico 2 Comparação entre regiões 130 Imagem 2 Cartaz PCV 2007 146 Imagem 3 Convite Lançamento da Coleção de Cd´s do PCV 173 Gráfico 3 Comparativo entre anuência e praticantes 210 Imagem 4 Material de divulgação dos Encontros 213 Imagem 5 Declarações preconceituosas do ex-diretor da Famed 256 Imagem 6 Titulações do Oficio dos Mestres de Capoeira e da Roda de Capoeira. 257 Imagem 7 Capoeiras reunidos no Hotel Jangadeiro 267 Imagem 8 Reunião da comunidade no Forte da Capoeira 268 Imagem 9 Capoeiristas protestam contra programa do IPHAN – A TARDE 269 Logo do Ciclo de debates Pró-capoeira 275 Imagem 10 LISTA DE TABELAS TABELA 1 Relação da Academia de Mestres do Capoeira Viva 122 TABELA 2 Oficinas do PCV 148 TABELA 3 Ranking Nacional da Presença da Capoeira nos Estados 149 TABELA 4 A Presença da Capoeira nas Regiões Brasileiras 150 TABELA 5 Situação do PCV 2007 165 TABELA 6 Gestores da FGM durante o PCV 170 TABELA 7 Relação dos artigos e autores. 171 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 1 Abracap Associação Brasileira de Capoeira 2 ABPC Associação Brasileira dos Professores de Capoeira 3 AD Análise do Discurso 4 ANRJ Arquivo Nacional do Rio de Janeiro 5 APAE Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais 6 APAMR Associação de Apoio ao Museu da Republica 7 APLB Associação de Professores Licenciados da Bahia 8 BA Bahia 9 BB Banco do Brasil 10 BIRD Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento 11 CBC Confederação Brasileira de Capoeira 12 CBCE Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte 13 CBP Confederação Brasileira de Pugilismo 14 CESE Coordenadoria Ecumênica de Serviços 15 CFC Conselho Federal de Cultura 16 CFE Coordenação de Educação Física e Esporte Escolar 17 CIDOCA Centro de Documentação e Informação sobre a Capoeira 18 CNC Congresso Nacional de Capoeira 19 CND Conselho Nacional de Desportos 20 COB Comitê Olímpico Brasileiro 21 Conbrace Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte 22 CONFEF Conselho Federal de Educação Física 23 CONPEDI Congresso de Pós-graduação e Pesquisa em Direito 24 CREF Conselho Regional de Educação Física 25 DA Diretório Acadêmico 26 DEFER Departamento de Educação Física, Esportes e Recreação 27 DEM Democratas 28 DF Distrito Federal 29 DIREC Diretoria Regional de Educação 30 DOM Diário Oficial do Município 31 DOU Diário Oficial da União 32 DP Domínio Público 33 DPI Departamento de Patrimônio Imaterial DUDH Declaração Universal dos Direitos Humanos 34 ENECULT Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura 35 ES Espírito Santo 36 EUA Estados Unidos da América 37 FACED Faculdade de Educação 38 Famed Faculdade de Medicina 39 FCB Federação Carioca de Boxe 40 FCP Fundação Cultural Palmares 41 FBP Federação Brasileira de Pugilismo 42 FGM Fundação Gregório de Matos 43 FHC Fernando Henrique Cardoso 44 Fica Federação Internacional de Capoeira FICART Fundo de Investimento em Cultura e Arte FJPF Fundação José Pelúcio Ferreira 45 46 FMI Fundo Monetário Internacional 47 FSBA Faculdade Social da Bahia 48 GO Goiás 49 HBO Home Box Office 50 IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 51 Ideb Índice de Desenvolvimento da Educação Básica 52 INCE Instituto Nacional do Cinema Educativo 53 Inep Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira 54 INL Instituto Nacional do Livro 55 Ipac Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia 56 IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional 57 JJ José Joaquim 58 LDB Lei de Diretrizes e Bases 59 Libac Liga Baiana de Capoeira 60 MD Método Dialético 61 ME Ministério do Esporte 62 MEC Ministério da Educação 63 Mel Mídia/Memória, Educação e Lazer 64 MG Minas Gerais 65 MinC Ministério da Cultura 66 MNCR Movimento Nacional Contra Profissional de Educação Física 67 MP Ministério Público 68 MUNIC Pesquisa de Informações Básicas Municipais 69 NY Nova York a Regulamentação do 70 OAB Ordem dos Advogados do Brasil 71 ONG Organização Não Governamental 72 ONU Organizações das Nações Unidas 73 Oscip Organização da Sociedade Civil de Interesse Público 74 PA Pará 75 PCB Partido Comunista Brasileiro 76 PCN Parâmetros Curriculares Nacionais 77 PCV Projeto Capoeira Viva 78 PC do B Partido Comunista do Brasil 79 PE Pernambuco 80 PFL Partido da Frente Liberal 81 PL Projeto de Lei 82 PL Partido Liberal 83 PMN Partido da Mobilização Nacional 84 PNC Programa Nacional de Capoeira 85 PP Partido Progressista 86 PPA Plano Plurianual 87 ProAC Programa de Ação Cultural 88 ProUni Programa Universidade para Todos 89 PT Partido dos Trabalhadores 90 PTB Partido Trabalhista Brasileiro 91 RJ Rio de Janeiro 92 SC Santa Catarina 93 SEC Secretaria da Educação 94 SECOM Secretaria de Comunicação 95 Secult Secretaria da Cultura da Bahia 96 Seneca Seminário Nacional de Capoeira 97 Sesc Serviço Social do Comércio 98 Sesi Serviço Social da Indústria 99 SID Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural 100 SNT Serviço Nacional de Teatro 101 SP São Paulo 102 SPC Secretaria de Políticas Culturais 103 SPHAN Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional 104 SPPC Secretaria de Programas e Projetos Culturais 105 STF Supremo Tribunal Federal 106 TCE Tribunal de Contas do Estado 107 UCSal Universidade Católica do Salvador 108 UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro 109 UFBA Universidade Federal da Bahia 110 UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro 111 UNEB Universidade do Estado da Bahia 112 UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 22 1.1 1.2 1.3 “Quem é Você que Acaba de Chegar” “No Brasil tem uma luta, pouca gente dá valor” “Pega o berimbau e começa a tocar” 22 26 29 2 DE DESORDENS NO IMPÉRIO A CAPOEIRA É PATRIMÔNIO IMATERIAL ESTATAL: 32 2.1 As tradições negras como possibilidade de formação da cultura nacional 40 A Capoeira Fora da Marginalidade: políticas para uma Educação Física (ginástica, esporte e luta) e cultura. 49 2.3 Capoeira e Políticas Culturais: ‘volta que o mundo deu’ 65 2.4 O Caminho faz-se caminhando 80 3 PROGRAMA BRASILEIRO E INTERNACIONAL DE CAPOEIRA 91 3.1 Cultura Viva: a capoeira como uma experiência 101 3.2 Primeiras ações desenvolvidas no Capoeira Viva 112 3.3 Capoeira Viva: os projetos e os contemplados 128 3.4 A Segunda Experiência com o Capoeira Viva: nova gestão 144 2.2 POLÍTICA 3.5 Capoeira Viva: “se arrastando que nem cobra pelo chão” 163 4 PROGRAMA BRASILEIRO E INTERNACIONAL DE CAPOEIRA: PATRIMONIALIZAÇÃO E AÇÕES DE INCENTIVO 184 4.1 A capoeira na pauta das políticas culturais: o patrimônio 192 4.2 Os Internexos entre a Gênese e a Produção do Dossiê para o Reconhecimento da Capoeira como Patrimônio Imaterial 212 4.3 Análise do Dossiê do Inventário: reflexões e contribuições 225 4.4 Dossiê do Inventário: ponderações finais 241 4.5 Reconhecimento e Salvaguarda: o dia depois de amanhã 254 4.6 Encontros e Desencontros do Pró-Capoeria 265 4.7 Balanço, proposições e perspectivas 283 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: Capoeira é Patrimônio, e daí? 303 REFERÊNCIAS 312 ANEXOS 327 22 1 INTRODUÇÃO 1.1 “Quem é Você que Acaba de Chegar?” Quem é você que acaba de chegar? Quem é você que acaba de chegar? Eu sou o Besouro preto Besouro de mangangá Trago o meu corpo fechado 1 Carrego meu patuá A pesquisa que ora apresentamos expressa ansiedades, compromissos, ideais e desejos que, embrionariamente, se iniciam no final da década de 1980, mais especificamente em 1988, quando iniciamos os primeiros contatos oficiais na capoeira, em um espaço onde se localiza, hoje, a Biblioteca Central da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), circunscrita ao bairro do Cabula. Orientado por Raimundo Mário Ribeiro de Freitas – mestre Ministro –, na ocasião iniciando sua docência na capoeira, tive a oportunidade de acessar, de forma consubstancial, a história, meu passado e minha herança cultural. Foi Ministro, 2 regido com mestria por Ailton Fiúza da Conceição – mestre Dedé – que me ensinou uma cultura, de base educacional diferente da cultura europeia/norteamericana, esta que até hoje dá o tom, em geral, do ensino nas escolas. Mas, de acordo com as culturas de origens africanas e tribais, os mais velhos ensinam os mais jovens e, na minha caminhada, contei com o amparo de personalidades como Benivaldo Santos Possidônio (mestre Benivaldo), Raimundo Silva Oliveira (mestre Raimundo Kilombolas), Manoel do Carmo Neto (mestre Manoel Mentira), Everildo da Silva Bandeira (mais conhecido como Jó – in memoriam) e Carlito Santos (mestre Carlito do Morro), somente para citar aqueles que mais diretamente colaboraram no início da minha jornada capoerística. Estes mestres não poderiam deixar de ser registrados nesse momento, pois foram 1 2 Música: Quem é você que acaba de chegar. Domínio Público (DP). Na época, fazíamos parte do Grupo de Capoeira Kilombolas. 23 importantes, tanto pelo estímulo quanto pela atenção e confiança em mim depositadas. Entretanto, como dar continuidade às práticas sem o apoio, no primeiro momento, dos pais e sem o dinheiro para a manutenção das mensalidades? Mestre Ministro não se fez de rogado e, automaticamente, deu continuidade aos meus ensinamentos, de forma gratuita e deliberada. Não fosse isso, com toda a certeza e convicção não estaríamos escrevendo estas linhas e, bem provavelmente, não chegaríamos à metade desse caminho que agora trilhamos. Apelidado de Soldado, por estudar no Colégio da Polícia Militar (CPM), continuei meus ensinamentos com o mestre. A dedicação e a paixão à Associação Cultural de Capoeira Maré e à capoeira geraram, consequentemente, o reconhecimento necessário à graduação de mestre, conquistada em 2006, após 18 anos de dedicação, em um evento do grupo realizado no teatro Caetano Veloso, na Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Mas como um negro, suburbano, capoeirista, surfista e cantor de uma banda de percussão (Batkum), que tinha tudo para não passar do Ensino Médio, consegue, sem cotas, chegar até o doutoramento? Certamente, as condições objetivas e os ensinamentos da capoeira – perseverança, respeito, dedicação e humildade – foram os elementos que me oportunizaram, principalmente, o salto qualitativo, do Colégio Estadual da Bahia (Colégio Central), direto para o décimo segundo lugar no vestibular para Licenciatura em Educação Física na Universidade Federal da Bahia (UFBA), em 1994. Levamos, de forma pioneira, as discussões da capoeira para o mundo acadêmico, nas disciplinas e nos encontros, estaduais e nacionais, de estudantes de Educação Física. Seguimos as orientações dos grandes mestres da Educação/Educação Física, que nos conduziram, estimularam e contribuíram para fortalecer a discussão da nossa cultura na Faculdade de Educação (FACED) Para fins de registro, elencamos: Hélio José Bastos Carneiro Campos, Fernando Reis do Espírito Santo, Pedro Rodolpho Jungers Abib, Augusto César Rios Leiro, Romilson Augusto dos Santos, Antônio Luiz Ferreira Bahia e Edva Barreto, somente para citar aqueles que mais diretamente me influenciaram. A oportunidade de angariar mais experiência no campo científico veio, mais uma vez, com os professores Augusto César Rios Leiro e Luiz Carlos Rocha, no curso de Metodologia da Educação Física e Esporte, na UNEB, onde tivemos a 24 oportunidade de dialogar mais diretamente com o professor Luiz Cerqueira Falcão (mestre Falcão). 3 Na oportunidade, o objeto de estudo foi O Trato com o Conhecimento da Capoeira e pesquisamos as contradições do ensino da capoeira, na contemporaneidade. Em 2007, nossa dissertação – Capoeira, Trabalho e Educação – apresentou como objetivo analisar as consequências sociais da regulamentação da profissão de Educação Física para a cultura capoeirana. Investigamos também a criação do Conselho Federal de Educação Física (CONFEF) e dos Conselhos Regionais de Educação Física (CREFs). Bem como, a especificidade da formação educacional do trabalhador da capoeira. Na oportunidade, demonstramos que a tentativa de ingerência da Educação Física sobre a capoeira decorre de um processo histórico, oriundo do desenvolvimento da ginástica na sociedade. Posteriormente, com o surgimento do fenômeno esporte, ambos passam a influenciar a capoeira, moldando-a e reduzindoa à lógica de mera atividade física. Em consequência, partiu-se para a sua regulamentação, através de entidades esportivas, e sua configuração como tal. Defendemos que esse processo engessa a manifestação, enquadrando-a numa lógica antagônica a uma práxis emancipatória. Demonstramos os movimentos, favoráveis e resistentes, gerais e particulares, e as ações que foram empreendidas para demonstrar à sociedade brasileira que a cultura da capoeira não quer ser regulamentada através de sua suposta profissionalização em outra área de conhecimento. 4 Ademais, deflagramos mais uma ação, que se materializava naquele momento. Tratava-se das discussões sobre a profissionalização da capoeira, através do Projeto de Lei (PL) 7150, que já tramitava no Congresso Nacional, sem que a sociedade tomasse ciência do que tratava tal matéria, sem maiores discussões e reflexões junto aos grupos, atropelando o processo democrático. Propomos, então, a não regulamentação da capoeira nestes moldes. Esta não precisa desse tipo de organização, e nossa avaliação assim o demonstrou. Todavia, o estudo conclamou a participação ativa das comunidades nos processos, para compreender a sociedade tal como está posta e as consequências desse 3 Orientador do Trabalho Final de Curso. Desse modo, foi possível provar que existe resistência às investidas do sistema CONFEF/CREF e que a capoeira não deveria aceitar essa condição. 4 25 modelo, a fim de não permitir que essa cultura, em seus aspectos mais profundos, seja transformada por completo. Foi apontada a necessidade de uma organização, em moldes mais democráticos, acolhedores e amplos, respeitando-se a liberdade, a diversidade, a ludicidade e as contradições geradas no seio da prática capoeirística. Assim também a necessidade de um acompanhamento das políticas que estavam envolvendo esta manifestação. Naquele momento, a capoeira sofria as implicações das modificações do mundo do trabalho e da regulamentação da Educação Física, que, baseadas em políticas de profissionalização, por meio de reserva de mercado e monocultura da formação acadêmica, pleiteavam que o ensino desta prática, em determinados momentos, fosse de responsabilidade exclusiva do profissional 5 regulamentado. As perseguições, impetradas por este conselho profissional, somadas ao medo de perderem seus espaços de trabalho levaram os capoeiras a abrir várias frentes alternativas de solução para o problema. Uma delas foi uma regulamentação profissional específica e a criação de um conselho próprio, nos mesmos moldes do CONFEF/CREF, 6 a outra pregava a não filiação, em hipótese nenhuma, e o enfrentamento deliberado contra a fiscalização, além da luta pelo reconhecimento da capoeira como patrimônio imaterial da cultura brasileira. Não que esta busca por reconhecimento tenha surgido apenas nesse momento, pois há muito que as comunidades de capoeiristas vêm reivindicando tal afirmação, por parte dos poderes públicos. Porém, no nosso entendimento, essa cobrança, ganhava força com as investidas dos conselhos sobre a capoeira. Essa agitação corroborará o reconhecimento da capoeira, como uma manifestação importante e que deve ser salvaguardada, valorizada, estimulada e democratizada. O primeiro passo, no sentido do reconhecimento oficial da capoeira pelo Estado, em termos de ações nacionais, que tivemos a oportunidade de testemunhar, concretamente falando, acontece já na primeira gestão do presidente Luís Inácio Lula da Silva, inicialmente no mandato do Ministro da Cultura (MinC), Gilberto Passos Gil Moreira (Gilberto Gil). 5 Esse termo, que é utilizado pelos defensores dessas ideias, somente está sendo utilizado aqui para manter a fidedignidade aos pensamentos. 6 Ideia criticada em nossa pesquisa. 26 Verificamos várias ações, envolvendo iniciativas interministeriais, abarcando diversos aspectos, desde discussões e demandas deste universo, até ações de cunho mais prático e de produção de conhecimento, em distintas linguagens, culminando no reconhecimento da capoeira como patrimônio imaterial do Brasil. Esse momento era diferente, nunca antes uma política cultural voltava-se efetivamente para as culturas que envolviam diretamente as populações menos favorecidas da sociedade. A capoeira jamais teve tanta visibilidade e oportunidade como nesse momento. Surgem, então, várias preocupações com a sistematização dessas políticas, sobre seu alcance, relevância, utilização, democratização, continuidade e consequências político-econômicas, sociais e educacionais. Este marco histórico necessita ser estudado, ponderado e refletido. Por isso propomos a análise desse fenômeno. Mas, como nexo central, não analisamos unicamente a política cultural. Para compreendê-la melhor, dialogamos com a história e a educação, entendendo-as como meios de perpetuar a cultura. Dialeticamente faz-se importante a discussão da educação e da cultura. Uma política cultural somente tem sentido se a educação, através da formação humana, estiver alicerçando essa ação. Mais do que o ato de pensar e de planejar são imprescindíveis as condições concretas de seu desenvolvimento e sua perpetuação e democratização. Sendo assim, é importante pensarmos políticas culturais para a capoeira, mas também refletirmos como fazer para que as pessoas acessem e se posicionem criticamente quanto ao produto desses esforços. 1.2 “No Brasil tem uma luta, pouca gente dá valor” No Brasil tem uma luta Pouca gente dá valor Vamos todos praticar 7 Capoeira com amor O desenvolvimento da capoeira faz parte da história do nosso povo e do país. Se hoje o ensino da capoeira fosse inserido em nossas escolas, provavelmente 7 Música: Capoeira Ô Lê Lê. DP. 27 estaríamos testemunhando, a médio/longo prazo, uma mudança expressiva do sentido e significado dessa cultura para a nossa população. Aparentemente, esse pensamento se produz na lógica utópica, todavia sua possibilidade não se torna assim tão distante. Empiricamente, analisando certos comportamentos, por vezes constatamos que existem integrantes de outras comunidades que valorizam mais a nossa cultura (além da própria) do que muitos de nós. Uma das explicações para isso está na própria sociedade brasileira, que ainda carrega o estigma de cultura dominada, processo histórico retratado nesta pesquisa. Nesse sentido, nossa tese é que essa subvalorização de nossas tradições e identidades está na educação. Somos educados, na família e nas nossas escolas, a valorizar a cultura do colonizador. Assim como a escola, a mídia também nos educa para esse comportamento, que se constitui como um círculo vicioso, impregnado em nossa história, desde épocas remotas. Folheando alguns livros de geografia, literatura, português, dentre outras disciplinas escolares da atualidade, ainda percebemos a supervalorização de alguns assuntos, em vez de outros e a valorização de algumas histórias. Apesar de existir, no Brasil, uma lei que incentiva, através da obrigatoriedade, o ensino da história e das culturas afro-brasileira e indígena, desde 2003, a sua concreta execução ainda não se tornou possível nas escolas brasileiras. Gostamos do Batman, do Capitão América e do Homem Aranha, porque não existem políticas de valorização e democratização dos nossos mitos e heróis. De um modo geral, não conhecemos a vida e a história de Zumbi, Dandara, Príncipe Obá, João Cândido, Tia Ciata, Joana Angélica, Antônio Conselheiro, Pastinha, Maria Quitéria e Bimba, dentre outros. Todos esses são verdadeiros heróis, com histórias interessantes e testemunhos de vida que nos podem ensinar muita coisa e elevar a nossa autoestima como brasileiros. Manoel Henrique Pereira, o Besouro, defendia os fracos e os oprimidos. Era capaz, para proteger os explorados e discriminados, de acabar com um batalhão inteiro... e sem o cinto de utilidades. 8 Tem sua existência comprovada, apesar de toda mitologia que envolve suas histórias. Os heróis brasileiros não possuem 8 Cinto usado pelo herói de quadrinhos Batman. O cinto é carregado de dispositivos que ajudam este paladino da justiça a combater os bandidos e, principalmente, seus inimigos. 28 identidades secretas, somente foram apagados da nossa história e da nossa cultura. Os nossos “super-heróis”, ao invés de identidades, possuem invisibilidades. Dessa forma, em nossos estudos, abordamos as políticas culturais voltadas para a capoeira. Mas, para estabelecermos as nossas análises sobre esse objeto de estudo, foi imprescindível falar sobre identidade, formação, trabalho, cultura e educação. Uma tarefa nada fácil, mas também gratificante, que fez com que mergulhássemos com maior atenção em nossa própria história, no nosso próprio passado, para entendermos o contexto contemporâneo. O termo política cultural é relativamente novo no Brasil, fazendo parte das ações de políticas públicas relacionadas à cultura. Todavia, a política cultural também pode ser desenvolvida por empresas privadas, de forma independente ou em parceria com a esfera pública. Entendemos que é da responsabilidade do Estado brasileiro, em sua atual constituição, promover a cultura 9 como um direito. Mas esta é dinâmica, constante, e independe dele para existir, ser fomentada e/ou consumida pela população. Nossa tese, cujo tema é Capoeira, Política Cultural e Educação, suscita o seguinte problema: quais as consequências das políticas culturais da capoeira para suas comunidades? 10 Chegamos a esse questionamento observando a realidade concreta de seus representantes – os mestres, seus praticantes e admiradores. 11 A partir das condições reais, objetivas, e do problema estabelecido, nosso interesse no estudo, e a intenção em entender e colaborar com esse processo, configuramos a análise das políticas culturais da capoeira, de sua proposição a seu desenvolvimento, e seu impacto nas comunidades. Com isto organizado, partimos para especificar como alcançamos essas metas. Ao decidirmos que precisaríamos estabelecer a análise das políticas culturais no Brasil e especificamente para a capoeira, avaliamos duas ações de políticas culturais da capoeira: a) o Projeto Capoeira Viva (PCV) e b) as políticas de patrimônio. Analisamos suas consequências, junto aos capoeiras e pesquisadores contemplados 9 em editais, avaliamos os materiais produzidos pelo seu Levando em consideração o contexto atual da sociedade, no sentido de acessibilidade, promoção, divulgação e salvaguarda. 10 Entendemos que existem na capoeira vários grupos e entidades que disputam diferentes projetos, por isso utilizamos esse termo no plural. 11 Estes partiparam das concorrências públicas dos editais, a fim de disputar prêmios para dar continuidade ao que, em grande parte, já proporcionavam à sociedade, sem a devida ajuda do Estado. 29 reconhecimento como patrimônio e os impactos educacionais junto a comunidades de capoeira. Metodologicamente falando, tentamos estabelecer um pensamento crítico para guiar nossas cogitações, a fim de entendermos o contexto em que as políticas culturais para a capoeira se configuraram, de forma concreta, na sociedade, e como se estabeleceu a relação entre Estado, cultura e capoeiras. O recolhimento de informações obedeceu às seguintes ações: 1 – levantamento do referencial teórico necessário; 2 – recolhimento de discursos, textos e documentos oficiais; 3 – identificação dos processos e materiais gerados em decorrência de tais ações. Quanto à análise destes materiais, optamos por técnicas que avaliamos mais coerentes e necessárias à conjuntura. Por isso, empregamos a análise documental, para os discursos oficiais, editais e dossiês e, para extrair as ideias incutidas de forma extralinguística, recorremos a aspectos técnicos da Análise do Discurso (AD), procurando não negligenciar as reflexões geradas, naturalmente, a partir da realidade concreta e da práxis social. Organizamos o nosso produto final em cinco etapas, sendo uma de apresentação, outra de contextualização do objeto, onde também detalhamos com mais evidência a metodologia da tese (apesar desta permear todo o seu corpo), dois capítulos de análise da pesquisa e nossas considerações finais, estabelecendo ponderações, levantando possibilidades e indicando caminhos. 1.3 “Pega o berimbau e começa a tocar” Pega o berimbau E começa a tocar Capoeira no Cabula Eu agora vou jogar Olha que axé Olha que axé 12 Capoeira do grupo Maré Iniciamos o nosso trabalho tentando relacionar e estabelecer nexos entre a capoeira e as políticas, de uma forma geral. Sua relação e os primeiros contatos 12 Música: Capoeira do Grupo Maré. Autor: Mestre Soldado. 30 com estas, no intuito de criar condições para entendermos como a capoeira, uma manifestação de origem popular e amplamente discriminada na sociedade, trilhou caminhos inundados de percalços até ser, atualmente, reconhecida legalmente como uma prática cultural nacional. Buscamos na história o respaldo concreto para contextualizar a sua prática na sociedade, desde o seu aparecimento, enquanto atividade cultural marginalizada, de rua e de origem negra, afro-brasileira e popular, até seu enquadramento em uma política de segurança pública, sendo perseguida e mitificada, passando a ser requisitada, posteriormente, para defender a pátria em conflitos regionais e guerras. Abordamos a transformação da capoeira como uma possibilidade de se constituir como uma tradição da cultura nacional. Seu percurso oficialmente fora da marginalidade e sua inserção social, cheia de acolhimentos e conflitos, com momentos de aparente reconhecimento e de tentativas de controle e formatação pelo Estado. Ainda criminalizada, registramos seu processo de ginasticalização, a tentativa de seu enquadramento social e nacionalização. Sua esportivização (com forte influência militarista e da Educação Física), sua marcialização, folclorização (com uma forte intervenção pública, em ações voltadas para o turismo, principalmente em Salvador) e pedagogização, que culminou em sua inserção nas escolas, sua introdução como disciplina em cursos de formação acadêmica e a institucionalização de algumas políticas públicas de Educação e Cultura. Estabelecemos compreensões e análise a respeito dos aspectos que delinearam o entendimento e o desenvolvimento das políticas culturais no Brasil, sempre estabelecendo seus nexos com a capoeira. Exploramos conceitos, como cultura, patrimônio, salvaguarda e memória, principalmente no âmbito legal. Discutimos ainda as políticas culturais, a cultura e as relações geradas a partir da relação com a capoeira, em uma análise que parte da história e de suas consequências reais e concretas. Expomos nossa trajetória metodológica, bem como elencamos também nossas estratégias de análise bibliográfica, documental e dos discursos. Em seguida, nos concentramos em aprofundar nossas reflexões sobre o Programa Brasileiro e Internacional de Capoeira (PBIC). Optamos por realizar nossas considerações sobre esse assunto, em duas partes, sendo que, na primeira: 31 Programa Brasileiro e Internacional de Capoeira, dicutimos a capoeira na pauta das políticas culturais, tendo como pano de fundo a iniciativa dos Pontos de Cultura. Tentamos aprofundar nossas observações das políticas culturais do Governo Lula, nas gestões Gilberto Gil/Juca Ferreira no Ministério da Cultura (MinC), especificamente voltadas para a capoeira, com ênfase, nos editais (primeiro e segundo) do Projeto Capoeira Viva (PCV). Analisamos documentos, eventos e os discursos e textos dos contemplados que protagonizaram uma das principais ações para o fomento desta manifestação cultural. Posteriormente, sob o título Programa Brasileiro e Internacional de Capoeira: patrimonialização e ações de incentivo, discutimos o processo que levou ao efetivo reconhecimento dessa manifestação da cultura corporal como patrimônio imaterial do Brasil. Realizamos ainda ponderações acerca do documento produzido para tal reconhecimento. Avançamos um pouco para dialogar com os acontecimentos que antecederam as ações de salvaguarda, bem como a tentativa de desenvolvimento dessas mesmas ações. Apontamos avanços, inércia e retrocesso nos caminhos de implementação das políticas voltadas para essa problemática. Na tentativa de ampliar nosso olhar, e ao final dessa fase do trabalho, imprimimos em nossa escrita um balanço dessas políticas culturais, enfatizando as iniciativas dos editais do PCV e das políticas de patrimônio voltadas para esse bem, assim como levantamos proposições e perspectivas para as mesmas. Por fim, arrematamos nossa pesquisa de doutoramento, recuperando todas as nossas discussões e imputando-as enquanto avaliações momentâneas, no intuito de ponderar e contribuir para uma análise desses episódios que ainda se encontram em percurso, desenhando sua trajetória. Destacamos, assim, a dificuldade de imprimir, nesse momento, uma análise de cunho mais conclusivo a este estudo. Todavia, não podíamos nos furtar à tentativa de atuar como coadjuvantes dessa história. Era preciso escolher e assumir o ônus de analisar um processo em andamento, expondo-o (e a nós mesmos) a futuras críticas ou abstermo-nos e também assumir o ônus de omitirmos tais reflexões políticas, uma vez que, se optassemos pelo silêncio, já estaríamos posicionados. 32 2 DE DESORDENS NO IMPÉRIO À POLÍTICA ESTATAL: CAPOEIRA É PATRIMÔNIO IMATERIAL Quebra, quebra a gereba Quebra tudo hoje Amanhã nada quebra Vamos quebrar um pouquinho Enquanto a polícia não vem Quando a polícia chegar 1 Quebra a polícia também Iniciaremos nossas cogitações, a partir de fatos históricos da capoeira e seus cultores2 no mundo da política brasileira. Está claro para nós que, nesse primeiro momento, esse envolvimento se consubstancia a partir de uma práxis cotidiana, que se materializa na época e vai dar o tom da implicação desta manifestação e destes personagens aos diversos fatos políticos. Contudo, entendemos que a participação político-social, através da construção de uma cultura, irá fazer com que os negros africanos e seus descendentes, levando consigo suas manifestações culturais, dentre elas a capoeira, se constituam como um corpus ativo na sociedade, influenciando-a e sendo influenciado por ela. Antes de focarmos nossas ponderações na temática central desta tese, que são as políticas culturais voltadas para a capoeira, nos valeremos da história – o passado – para entender a contemporaneidade – o presente. Mészáros (2002), no clássico Para além do capital, escreveu que a consciência3 se formula em três bases. A primeira diz respeito à determinação da ação histórica; em seguida, à percepção da mudança como um movimento de caráter cumulativo e, por fim, à oposição entre universalidade e particularidade. O ser humano, a partir da realidade concreta em que se encontra, estabelece relações com a natureza e com seus pares. Nesse processo, cria-se a cultura. Para Vygotski (1996), as características humanas emergem de um grupo cultural, consequentemente a cultura altera a natureza. Na nossa compreensão, a partir do momento que a capoeira passa a interferir, direta e ativamente, na construção 1 Música de capoeira Domínio Público – DP. Aqueles que cultuavam a prática da capoeira. 3 Refere-se aqui ao que chama de consciência histórica. 2 33 histórica do país, seus interlocutores passam a fazer parte da política. Esta primeira fase culminará em uma política de segurança pública. Quando a cultura é produzida e democratizada, tem-se a educação, que é responsável pela disseminação da cultura. A forma como entendemos o mundo, as relações sociais; como nos relacionamos com a natureza, produzimos trabalho e nos tornamos seres humanos, tudo isso perpassa tanto a cultura quanto a educação. A produção cultural oriunda das relações estabelecidas pelos africanos, escravizados e ex-escravizados, formará, em um primeiro momento, determinados comportamentos relacionados à capoeira, que será passada através da educação, de geração em geração, inserindo-se socialmente, a partir de várias possibilidades. Tanto essa manifestação, como os seus cultores irão se modificar, a partir de suas relações sociais. Na Bahia, de uma determinada forma, no Pará, distintamente, em Recife, de outra maneira, no Rio de Janeiro, de um jeito diferente, e assim sucessivamente, em todas as regiões onde encontramos registros da capoeira.4 A política não é apenas a atividade de políticos (pessoas que possuem cargos públicos, tais como vereadores, governadores, senadores etc.). Conforme o Dicionário de política, o termo significa tudo o que se refere à cidade. Esse é o conceito clássico de política. Nesta obra, Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Giafranco Pasquino (1998) destacam o conceito de política como atividade humana, mais especificamente como práxis humana. Ao contrário do imaginário social, política não se constitui somente como uma atividade das instituições sociais, dos palácios de governo, das câmaras de vereadores, dos partidos. Ela se origina da própria essência da sociedade e independe de institucionalização. É esse movimento que surge na rua, na praça, no cais, conseguinte ao processo de escravidão, de discriminação, de preconceito e falsos conceitos e do trabalho explorado, que levará a capoeira e seus cultores a emergirem na história do Brasil, de forma incrivelmente política.5 A cultura, por exemplo, é responsável também por materializar, a partir da realidade concreta, a subjetividade dos indivíduos, ou seja, os fatores sociais 4 Ela se constituirá de forma semelhante, contudo diferenciada, com movimentos específicos, rituais diversos, objetivos e fins divergentes. Configura-se a partir do sentido e do significado que se lhe atribuía. 5 A escravidão não foi invenção dos portugueses, Grécia e Roma também figuram como os principais adeptos deste modo de produção, na história mundial. A sujeição negro-africana foi justificada por fatores biológicos, alicerçada em pensamentos de superioridade da raça branca e determinismo, alimentados pelas teorias positivistas, assim como pela religião e sua necessidade de catequizar os pagãos. Entretanto, a vida social não é determinada somente dessa maneira. 34 também irão dar o tom da práxis humana.6 Países como Gâmbia, Senegal, Costa do Ouro, Congo e Angola, dentre outros, foram os principais locais de exportação de escravos, nos séculos XVII e XVIII. Os africanos escravizados chegaram ao Brasil nos portos de Salvador, São Luís do Maranhão, Recife e Rio de Janeiro. De acordo com os autores Danton e Matheus (2008), no artigo O tráfico negreiro, os primeiros negros que aportaram no Brasil, chegaram em Pernambuco, no ano de 1539.7 Com o desenvolvimento dos grandes centros urbanos, vamos ter os primeiros registros, até este instante, envolvendo os capoeiras. Não somente na capital, mas quase que simultaneamente em outras cidades do país. A capoeira era uma manifestação da cultura corporal que era utilizada em determinado momento, para resolver as diferenças políticas, sociais e econômicas, através de um determinado recurso – a violência. A estratégia de sobrevivência de uma classe completamente discriminada, e desprovida de qualquer participação na vida pública, alicerça-se com base em sua corporeidade, que irá servir, em primeira instância, para o enfrentamento e a sobrevida nas cidades. Vale destacar que a formação de grupos se configura também em uma tática que garantia a vida na colônia. A opressão desses seres humanos os levou a criar formas de emancipação. Uma dessas foi a capoeira, que vem ratificar a humanidade desses escravizados, que eram tratados como mercadorias e, posteriormente, como seres subdesenvolvidos, sendo discriminados, renegados e envolvidos por preconceitos e estereótipos, pela própria sociedade que os havia criado. Em seguida, a capoeira serve ao regime que está no poder, e, posteriormente é colocada na clandestinidade, como um ato ilegal. Algum tempo depois, ainda na ilegalidade, aparecem as primeiras defesas e tentativas de torná-la uma prática cultural brasileira: primeiro, como ginástica, depois como arte marcial e luta; em 6 O modo de produção escravocrata gerou no Brasil um processo de tráfico de seres humanos e um bom negócio para os traficantes. Foi outro modo de produção, o mercantilismo, praticado pelos europeus, que também propiciou essa prática nefasta, onde o dominador tenta destruir a cultura do dominado e impor a sua. Esse procedimento de comercializar pessoas, trazidas de várias partes da África para o território brasileiro, surge como algo lucrativo para uns e desumano para outros. 7 Até então, os explorados não tinham direitos, somente deveres. Deveriam trabalhar, seguindo ordens, sem questionar, abdicando de suas crenças e produzindo riqueza, sem o mínimo acesso ao que produziam, além de não participarem de forma direta da vida social e política da colônia. Na relação tensa entre dominador e dominados, algumas das manifestações culturais desses últimos eram permitidas, todavia somente serão desenvolvidas em outro contexto, sob outras necessidades. 35 seguida, como esporte, como um ato folclórico e, por fim, na contemporaneidade, como uma verdadeira manifestação cultural brasileira. Tais defesas não acontecem distintas uma das outras, muito menos de forma hierárquica. Elas surgem simultaneamente, mas sempre seguidas de um projeto de bases nacionalistas. Até chegar aqui, historicamente falando, não decorreu tanto tempo assim.8 Este percurso cotidiano foi, no entanto, intenso, sofrido e cheio de percalços. A capoeira e seus praticantes enfrentaram discriminações, perseguições, prisões, banimentos, torturas, preconceitos e a própria morte, tanto nos enfrentamentos civis como nos militares. Se não foi, cronologicamente falando, muito tempo, é a práxis que irá contradizê-lo.9 Nota-se que a sua conduta como criminal é rapidamente enquadrada nos termos de repressão da época. O Brasil adotou, como uma das primeiras formas de represália à alteração da ordem social – o castigo público. Myrian Sepúlveda dos Santos (2009), no livro Os porões da república: a barbárie nas prisões da Ilha grande: 1894-1945, enfatiza que as primeiras penas se caracterizavam pela simples punição e não almejavam a recuperação ou a reintegração do indivíduo à sociedade. O encarceramento era pouco utilizado na época. Os castigos dominavam o ambiente repressor. Estes eram, em sua esmagadora maioria, sentenciados aos escravizados e ex-escravizados, conforme Holloway (apud SANTOS, 2009), e isso continuou assim, quando as punições migraram para a implantação de penas que tomavam do indivíduo a sua liberdade,10 privando-o do seu cotidiano em carceragens. Com a chegada da corte, em 1808,11 houve uma demanda pelo aumento da mão de obra escravizada. De acordo com Karasch (2000), a instalação de D. João VI e de seus conterrâneos na cidade somou-se ao número da população branca, 8 É bastante provável que a capoeira já existisse entre nós no século XVII, porém não há comprovação científica disso. O que podemos fazer são reflexões em busca de coerência histórica, que nos levam a essa assertiva. Cavalcanti (2004) informa-nos que, em 1789, o senhor Manoel Cardoso Fontes teve um pedido de perdão homologado. Manoel solicitara ao rei a suspensão do resto da pena sentenciada ao seu escravizado, que fora condenado por prática de capoeiragem e cumpria a pena de 500 açoites e dois anos de trabalho em obras públicas, já há alguns meses. Esse será o primeiro registro realmente documentado que diz visivelmente que alguém estava envolvido com a capoeira e de forma clara. Reconhece o acusado como um de seus praticantes e por isso o condena com uma pena muito pesada, deixando evidente o fato de que a sociedade da época não estava a brincar com aqueles que fossem flagrados em tal prática. Caso se envolvessem com a capoeiragem, estes não deveriam sair ilesos dos braços da lei que se estruturava 9 A construção, a soberania e a história desse país devem muito à capoeira. 10 No caso dos escravizados que já não tinham liberdade, seria mais correto dizer isolamento social. 11 Oliveira (2008) informa-nos que eram cerca de 15 mil pessoas, desencadeando profundas transformações na cidade. 36 exigindo um aumento da servidão escrava, pois tal necessidade se materializava nas exigências de construção da própria capital e para atuar em serviços domésticos. Com um maior efetivo de negros escravizados na cidade, houve também um acréscimo dos problemas oriundos desse modo de produção e das relações dele advindas. Não obstante, o número de problemas com os típicos tipos de rua teve significativa ascensão nos registros policiais. Na busca pela manutenção da ordem e na tentativa de implantar o respeito pela força bruta, os escravizados e ex-escravizados tornaram-se o alvo principal da política de justiça do Império. Nesse processo histórico, encontramos a figura do major Miguel Nunes Vidigal. “Na ofensiva desfechada contra os capoeiras que infestavam a cidade do Rio, Vidigal celebrizou-se pela energia, utilizando com eficácia um instrumento contundente: o chicote” (MOURA, 2001, p. 10). Inicialmente, a capoeira estabeleceu-se no cenário brasileiro como transgressora da ordem pública (foram as condições reais e subjetivas que a levaram a isso) e desse jeito sempre se configurou, dialeticamente falando, sua característica de infratora social, como a combatente da ordem e da moral. Esses registros estão formalizados, desde processos penais e até na literatura da época. Em dois anos, na sua nova morada, o primeiro Imperador depara-se com o crescimento constante, nas ruas, da atuação dos famigerados capoeiras. Aumentavam os problemas do país, ainda que em detrimento das ações geradas por estes, mas se ampliava a sua perseguição. Soares (2002) destaca que a capoeira já se configurava, não somente em um incômodo social, mas em um grave problema de segurança pública, que mobilizou a sociedade para combatê-la. O termo política cultural é relativamente novo, mas registramos, ao longo da nossa história, a relação entre cultura e Estado, principalmente com a vinda de D. João VI para as terras tupiniquins. Antes desse evento, reinava certa inércia no território, fato que se constitui por ser o Brasil uma colônia. “É vastamente conhecida a proibição da metrópole portuguesa no que diz respeito à criação de instituições de ensino, seja qual for o nível, de editoras, de jornais, enfim, de toda instituição produtora de bens simbólicos na sua colônia americana” (BARBALHO, 2007, p. 38). Com o Imperador veio também o desenvolvimento da cidade.12 Inúmeras 12 A vinda da corte, sem dúvida, inaugura uma nova realidade na colônia. Estrangeiros e seus hábitos, produtos, uso de utensílios, formas de consumir as coisas, enfim, e suas culturas desencadeiam novas relações que irão incidir em novas formas de relacionamento e comportamento social. 37 instituições foram inauguradas na metrópole, conforme destaca a autora do livro Cultura é patrimônio: “[...] a Imprensa Nacional Régia (1810), a Academia Real Militar (1810), o Banco do Brasil, o Arsenal da Marinha, a Biblioteca Nacional, o Jardim Botânico, o Museu Nacional (1818)” (OLIVEIRA, 2008, p. 26). Essas novas transformações iriam se relacionar a pensamentos advindos da Europa, como o naturalismo, o evolucionismo, o criacionismo, o romantismo e o positivismo. Mais tarde, esses pensamentos irão influenciar a forma de entender a sociedade, as coisas e as pessoas, no nosso território, assim como “[...] a mudança nos projetos políticos da monarquia portuguesa, a volta de D. João para Portugal e a permanência de D. Pedro na ex-colônia desencadearam o movimento político que deu origem à nação brasileira” (OLIVEIRA, 2008, p. 31). Vale destacar que apesar da comunidade senhorial e do Estado temerem os capoeiras e a capoeira, seu descontrole e alastramento, os primeiros tinham seus interesses, muitas vezes diferentes dos segundos. Na visão dos donos das mercadorias (os escravizados capoeiras), perdê-las era ter prejuízo. Todavia, o Estado preocupava-se em manter a ordem e muitas vezes conferia uma pena ao condenado que chocava com os interesses do escravocrata Na segunda metade do século XIX, o medo toma conta ainda mais da população, principalmente dos senhores de escravizados, que ficam inseguros com os progressos e o desenvolvimento das ações e da política abolicionista. Estes senhores exigem do Estado uma postura mais contundente a respeito da problemática estabelecida. A nobreza e comerciantes incomodados com a capoeira, em 1872, exigem seu enquadramento no código penal, pois até o momento as punições efetivadas não estavam abolindo o problema. Em abril de 1821, D. João VI retorna com a corte para Portugal e deixa seu filho aqui no Brasil, como regente. Enquanto isso, o movimento a favor da independência cresce e toma corpo. Em 1822, D. Pedro I13 resolve permanecer em terras brasileiras, e tem início o processo de independência do Brasil, culminando na conhecida proclamação de 7 de setembro deste mesmo ano. Barbalho chama a atenção para o grande impulso, no campo cultural, que aconteceu com D. Pedro II. O autor destaca: “a vinda da Missão Artística Francesa, 13 D. Pedro I tinha pensamentos divergentes da sociedade da época sobre a escravidão e o negro. Todavia, o movimento abolicionista no seu reinado não avançou muito, as perseguições e punições à cultura africana e afro-brasileira continuaram. 38 as bolsas de estudos concedidas aos artistas, a criação do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, da Academia de Belas-Artes, da Biblioteca e do Museu Nacional” (2007, p. 38). “No Brasil a relação entre o Estado e a cultura tem uma longa história. Entretanto a elaboração de ações de políticas para o setor, ou seja, a preocupação na preparação e realização de ações de maior alcance, com um caráter perene datam do século XX” (CALABRE, 2007, p. 87). No que diz respeito à capoeira, como vimos, no momento em que o Imperador estimulava a cultura, de uma forma geral, a manifestação, que se tornaria uma das maiores divulgadoras da nossa língua portuguesa no mundo, caminhava para um momento histórico como algo a ser perseguido, proibido e odiado (de um modo geral), pela sociedade da época. Mas, nesse mesmo período, um fato colocará momentaneamente os capoeiras na posição de aliados. Tudo se inicia com a necessidade do Brasil importar soldados, em decorrência da guerra do Rio da Prata,14 que tem início em 1825 e dura até 1828. Esse fato trouxe, para o Império do Brasil, soldados de procedência irlandesa e alemã. Após a batalha, alguns combatentes decidiram ficar no Rio Grande do Sul e outros no Rio de Janeiro. Nesta cidade, ficaram aquartelados, segundo Rego (1968), no Campo de Santana, no Campo de São Cristóvão e na Praia Vermelha, mais ou menos dois mil praças, o que modificou consequentemente o cotidiano da cidade Estes fortaleceram as tropas brasileiras, que saíram vitoriosas naquele embate. Há registros de tumultos entre os negros e esses militares. A tensão entre eles explodiu em violência, em 1828, quando mercenários irlandeses e alemães se revoltaram por causa do mau tratamento que vinham recebendo. Essa insurreição, conhecida, como a Revolta dos Mercenários, foi desencadeada pela crescente insatisfação desses militares, inconformados com o governo.15 Com o avanço do capitalismo na Europa, durante o século XIX, o escravismo começa a perder força, a Inglaterra proíbe o tráfico negreiro em seu país e inicia uma cobrança a outras nações, que também fizessem o mesmo, com o objetivo de ampliar seu comércio. Inclusive, “[...] tentou condicionar o reconhecimento da independência do Brasil à cessação do tráfico negreiro, compromisso já estabelecido nos tratados de 1810” (SCHNEEBERGER, 2006, p. 179). 14 15 O Brasil já se envolvia com mercenários desde a assunção de D. Pedro I ao cargo de imperador. REGO, Waldeloir. Capoeira Angola: um ensaio sócio-etnográfico. Salvador: Itapuã, 1968. 416p. 39 Os capoeiras foram se organizando em maltas16 (Rio de Janeiro). As mesmas eram uma forma de defender seus interesses e territórios, além de se constituírem em uma forma de sobrevivência social frente às adversidades geradas pela discriminação, a eugenia, o preconceito, a miséria e a exclusão. O capoeira, apesar de estar muito associado ao mundo da marginalidade, era um trabalhador (no campo ou no meio urbano), que tentava conviver (sobreviver) na sociedade que lhe era imposta e lutava pelo fortalecimento de sua coletividade. É ele, junto a outros grupos, ambos formando as classes mais baixas da sociedade, que irão, de uma forma ou outra, construir o país com a sua força de trabalho. Assim como qualquer outro trabalhador, mantinha seus afazeres. Quando possível, também cultuava suas manifestações. Era um laborioso tentando sobreviver. O reinado de D. Pedro I estendeu-se de 1822 a 1831, ano em que abdicou, deixando o trono sob a responsabilidade de seu filho, D. Pedro II retornando a Portugal, para recuperar o trono usurpado de sua filha por seu irmão, D. Miguel. Tem início no Brasil, então, uma nova fase, agora sob um novo reinado. O novo mandato de D. Pedro II iria alterar de forma considerável a cultura local, com mudanças significativas Nesse período, podemos perceber no Brasil a influência do romantismo.17 Depois de conflitos que foram da esfera política à esfera policial, com a apreensão de 15 navios negreiros brasileiros, entre 1845 e 1846, foi promulgada pelo Brasil, em 1850, a lei Eusébio de Queiroz, extinguindo o tráfico negreiro no país. Esse é o primeiro passo legal, de fato, para a extinção do escravismo. Aqui, a capoeira já se fazia presente, diariamente, na sociedade, apesar de já institucionalizada a preocupação com o seu alastramento. A introdução lenta, mas 16 Todavia, esses grupos não eram formados apenas de negros escravizados. Nesse momento, a diversidade cultural já se fazia uma prerrogativa eminente no mundo da capoeiragem. Também não eram estritamente conglomerados de africanos e brasileiros. Sua formação era democrática e diversificada. Para maiores informações, consultar Soares (1994, p. 177). Não era a etnia ou a raça que os unia, mas sim a exclusão social a eles imposta (no geral), pois, em sua grande maioria, eram pessoas trabalhadoras que não possuíam bens e riquezas. Trabalhavam inclusive na força policial e no âmbito militar. “À semelhança dos boxers na Inglaterra, tivemos excelentes capoeiras, nas eminências da política” (MORAIS FILHO, 1946, p. 445). O autor continua descrevendo a inserção dos capoeiras em vários grupos sociais da época: “Os arsenais, o exército, a marinha, as classes menos abastadas fornecem contingentes avultados, e são na máxima parte mulatos e crioulos” (MORAIS FILHO, 1946, p. 445). 17 Movimento de influência europeia, que teve como marco o lançamento da revista Niterói, em 1836, conforme relata em seu livro Oliveira (2008). O pensamento romântico que preza pelo nacionalismo e pela a busca das raízes da cultura nacional acicatará uma série de seguidores, influenciando as artes, em várias dimensões, e consequentemente a cultura brasileira. Essas imagens e crenças desencadearam, no início do século XX, manifestações a respeito do trato com a capoeira, com anseios de torná-la um fruto da cultura corporal nacional. 40 constante dos negros escravos na sociedade, e as práticas que fragilizavam o tráfico foram despotencializando a escravidão e fortalecendo o movimento abolicionista, sendo que o partido republicano ganha mais força com a lei do Ventre Livre. Esses acontecimentos gerarão uma intensa movimentação política no país. 2.1 As tradições negras como possibilidade de formação da cultura nacional [...] Minha terra tem palmeiras, Onde canta o sabiá. Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá; Sem que eu desfrute os primores Que não encontro por cá; Sem qu’inda aviste as palmeiras, 18 Onde canta o sabiá. A Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, é considerada um dos textos que fundou o Romantismo no Brasil. Esse movimento cultural e político tem início na Europa do século XVIII, a partir das elites que estabelecem uma nova forma de se comunicar, diferente do modelo demasiadamente acadêmico do classicismo.19 No nosso país, este movimento se expressará a partir da realidade concreta do momento histórico. Após a chegada da família real, como já destacamos, uma nova perspectiva cultural atinge o país. No Dicionário Histórico Brasil: colônia e império, duas autoras, Angela Vianna Botelho e Liana Maria Reis, destacam vários verbetes que sintetizam temas, momentos históricos e cotidianos do período. No livro, Botelho e Reis (2008) observam que, com a abertura dos portos para as nações amigas, em 1808, outras possibilidades culturais vão adentrar as nossas fronteiras. Apesar da forte influência cultural que vinha da Europa,20 com o passar do tempo, o desenvolvimento do protetorado e as modificações culturais naquele 18 Parte do texto da Canção do Exílio, de Gonçalves Dias. Ver referências. A busca de novos temas e uma possibilidade de estabelecer uma maior comunicação que pudesse atingir o público em geral, além de uma possível saturação do modelo racional vigente, todos estes aspectos desencadearam um novo comportamento cultural. 20 Em especial França, Portugal e Inglaterra. 19 41 continente, mais transformações chegam a nossas terras. Dessa vez, com outra perspectiva.21 Conforme Oliveira (2008), esse movimento lançará os fundamentos para a formação simbólica da nossa nacionalidade. A realidade do movimento expressa o que o filósofo Kosik (2002) irá chamar de pseudoconcreticidade, abstendo-se de uma exposição real e concreta do contexto brasileiro. Vale ressaltar também que, nesse momento, o negro e sua cultura não eram cogitados como emblemas nacionais. Esse fato é reforçado, em Renato Ortiz, no livro Cultura brasileira & identidade nacional, quando observa: Até a abolição, o negro não existia enquanto cidadão [...]. Os primeiros estudos sobre o negro somente se iniciarão com Nina Rodrigues, já na última década do seculo XIX mas sobre a inspiração das teorias raciológicas [...]. (ORTIZ, 2006, p. 36) Paralelamente a esse novo movimento cultural, eclode a guerra do Paraguai e a entrada do Brasil na peleja desencadeará uma nova inserção do negro, de suas tradições e costumes, na cena política e cultural do país. Não significa dizer que neste momento as perseguições cessariam, todavia a sociedade percebe que os capoeiras podem ser importantes aliados da pátria. Na Bahia,22 de acordo com Abreu (2005),23 após a assinatura do Decreto 3.371, que cria os batalhões de Voluntários da Pátria para enfrentar o inimigo – o Paraguai – os baianos atendem maciçamente ao chamado do Imperador, demonstrando assim certo patriotismo e as intenções de galgar posições diferentes na sociedade, caso retornassem vivos da guerra.24 Enquanto isso, o Imperador apoiava as artes e os artistas, gostava de tecnologias, como a fotografia, e direcionava a nação para o desenvolvimento. “[...] 21 O Romantismo no Brasil irá se caracterizar pela volta às origens. Foi umas das primeiras regiões a se mobilizar, contribuindo com 15.297 soldados no total dos combatentes – a segunda força entre todas as províncias. Entre eles, voluntários itaparicanos, remanescentes da Guerra da Independência e de seus heróis descendentes, conforme Abreu (2005). 23 De acordo ainda com Abreu (2005), existiram vários batalhões que eram formados por grandes quantidades de capoeiras, especializados em tomar trincheiras inimigas, embora desarmados, usando somente suas habilidades corporais. De acordo com Capoeira (1996), um desses chamavase batalhão de Zuavos. A guerra não significa a entrada dos capoeiras no mundo da política, todavia leva ao retorno de novas posturas sobre a construção de sua práxis cotidiana, em uma colônia onde havia mais africanos escravizados e descendentes de africanos escravizados e livres do que europeus. 24 Esse retorno exprimirá uma nova sensibilidade e a inserção dos negros africanos e afro-brasileiros, cativos ou libertos, e de classes menos abastadas, na constituição desse país. Essa nova postura levará a capoeira a sua ressignificação social. A cultura africana e afro-brasileira influenciará de forma maciça a constituição da cultura brasileira, apesar da grande reprodução da cultura europeia, pela monarquia e burguesia da época. 22 42 patrocinou diversos literatos, artistas e profissionais de vários ramos da ciência, no intuito de favorecer uma fundamentação e autonomia cultural necessária à elite local, ansiosa em definir sua própria identidade” (BISCARDI; ROCHA, 2006).25 No que diz respeito aos capoeiras, parte da sociedade tinha compreendido que estes poderiam ser aliados, mas a política já havia percebido e estava na hora de potencializar essa aliança. Ao final da Guerra do Paraguai, os soldados foram cooptados pelo Partido Conservador como capangas eleitorais. Ou seja, o primeiro contato da capoeira com a política é feito através dos partidos políticos, na função de cacundeiros eleitorais. Porém, ao contrário do que possa parecer, isso não era um trabalho específico, muitos dos capangas capoeiras possuíam outras ocupações. Aos poucos, a capoeira se inseria em vários setores da sociedade brasileira.26 Ao mesmo tempo, fervilhavam as disputas de ideias sobre o futuro do Brasil. De um lado, monarquistas e, de outro, republicanos, e, nos dois lados, os capoeiras, apoiando um ou outro grupo político, através de serviços de segurança e capangagem.27 Aos poucos, a capoeira vai encontrando formas de esquivar-se da marginalidade e da capangagem, e torna-se atrativo para os rapazes da classe média, que também passam a cultuá-la: “[...] por volta dos últimos anos da monarquia, a capoeira era uma febre entre os jovens da elite [...] era ansiosamente cultivada pelos filhos das ‘boas famílias’ [...]” (SOARES, 1994, p. 174). Existem relatos que comprovam a existência de um coletivo, imbuído em proteger a princesa Isabel. Nada de especial até então, não fosse o fato desse grupo ser formado por capoeiras dispostos a utilizar técnicas corporais e sua valentia para defender os ideais do regime que os libertou.28 O fim da escravidão29 no Brasil foi uma construção de ideias que já vinham sendo cultivadas há tempos e que acabaram sendo fortalecidas pela sensibilidade da futura imperatriz, e por pressões dos países capitalistas. 25 D. Pedro II foi um patrocinador de atividades artísticas e culturais, potencializando a educação e, por conseguinte, a cultura no país. 26 É geralmente sabido que no Senado, na Câmara dos Deputados, no Exército, na Marinha e no funcionalismo público havia capoeiras de fama, cujos nomes nos são conhecidos. 27 Nítida demonstração de envolvimento político e inserção social desse coletivo que, mesmo à margem da sociedade, não se furtava a uma participação ativa. 28 Para maiores informações: Mattos (2009). Dessa forma, estavam os ex-escravizados capoeiras inseridos no mundo da política. Apoio ao regime monárquico e resistência ao regime republicano. 29 O regime escravocrata estava fadado a acabar. Seu desenvolvimento gerou sua própria decadência. Esse modo de produção já havia, de uma forma geral, sido extinto na Europa, há tempos, vindo a dar lugar, mais tarde, ao que conhecemos hoje como modo de produção capitalista. 43 Em meio à perseguição e à discriminação da capoeira pela sociedade, sua introdução na política, no âmbito da capangagem e das ações da Guarda Negra,30 surge em 1886, segundo um romance escrito por Plácido de Abreu Moraes, com o título de Os Capoeiras. Ademais, o livro aborda a ambiência da época e o cotidiano e cultura dos aludidos capoeiras. É um registro histórico e literário da cultura real.31 Do surgimento da palavra capoeira até sua configuração enquanto prática de negros; expandindo-se para uma prática marginal, que abrangia ex-escravizados, africanos, brasileiros e europeus degredados, indo até políticos e nobres, das classes mais abastadas da sociedade, e mesmo sua criminalização, foram quase duzentos anos de percurso.32 Quando a República, atendendo aos anseios da burguesia e da nobreza, decide exterminar a capoeira, não imaginava, em primeiro lugar, o fracasso a que todo esse esforço estaria fadado. Em segundo lugar, subestimava a dimensão que a capoeira já havia tomado, socialmente falando, e, por fim, não contava que seria necessário cortar na própria carne. A prisão de um integrante da elite republicana poderia ter passado quase que despercebida pela História do Brasil, uma vez que se tratava de uma narrativa que envolvia uma manifestação cultural discriminada, marginalizada e praticada, em sua grande parte, pela plebe urbana, formada por negros, índios, mestiços e alguns estrangeiros que não se enquadravam na conduta da época. Todavia, o incidente quase significou a desintegração da primeira equipe de ministros da República.33 Em abril de 1890, Juca Reis retornava ao Brasil de viagem e automaticamente era informado de sua prisão, por ordem de João de Sampaio Ferraz, o interventor de justiça na ocasião. A justificativa era algo banal na época, Juca (José Elísio dos Reis), apesar de ser integrante da burguesia brasileira,34 era 30 São esses homens simples que irão escrever grande parte da história das cidades e do nosso país, muitas vezes esquecida e não divulgada. A Guarda Negra é formada por homens devotados, que acreditavam fazer a coisa certa, em defesa da pátria e de sua própria sobrevivência. Mais do que fazer parte da história, eles são a própria história. 31 Sem dúvida, esse coletivo expressa o que estamos tentando relacionar em nosso trabalho. O fato de que a práxis cotidiana dos grandes centros urbanos, nos últimos anos da Monarquia, configurou a consolidação dos capoeiras, envolvidos na política e na formação da sociedade brasileira. Esses fatos vão contribuir para que a capoeira chegasse à contemporaneidade, sendo reconhecida como uma manifestação cultural complexa e requerendo uma política cultural de valorização e manutenção de suas tradições. 32 Mesmo com alguns defensores do passado de glória do país, os problemas estavam presentes. Um deles, e que assombrava os republicanos à sombra da monarquia, era a capoeira. 33 Primeira equipe ministerial: Benjamin Constant, Rui Barbosa, Campos Sales, Quintino Bocaiúva. 34 Era filho do Conde de Matosinhos e também irmão de outro Conde. 44 um capoeira e, portanto, se enquadrava no código penal, instituído através do Decreto 847, intitulado Dos Vadios e Capoeiras. Juca Reis deveria ser enviado a Fernando de Noronha, ilha prisional administrada, inicialmente, no período Imperial pelo Ministério da Guerra, localizada no litoral nordestino brasileiro.35 Quintino Bocaiúva trabalhava no jornal do pai de Juca Reis e era ministro do Governo do Marechal Deodoro da Fonseca.36 Devido a suas ligações particulares com os Matosinhos e por serem estes apoiadores da República, viu-se forçado a intervir por Juca Reis, ameaçando entregar o cargo, caso não fosse dada uma solução ao problema. Do outro lado da peleja, estavam Campos Sales, como Ministro da Justiça e João de Sampaio Ferraz, como chefe de polícia, que recebera autonomia do próprio presidente para extirpar a capoeiragem das ruas do Rio de Janeiro. Todavia, Ferraz estava a serviço da República, que tinha interesse em eliminar as desordens que se instalaram por todo o Império e não havia sido competentemente dominada. Ambos também queriam eliminar quaisquer resquícios da Monarquia entre grupos e setores sociais. As maltas, recheadas de capoeiras,37 eram um deles. A questão foi contornada após alguns embates. Quintino Bocaiúva não saiu do cargo e Juca Reis teve que cumprir a sua pena em Fernando de Noronha. Logo após o cumprimento de sua sentença, foi deportado para a Europa, de acordo com a legislação em vigor. Após o ocorrido, desapareceu das páginas policiais e sociais. Novas argumentações policiais emergem em coro social. A homilia da repressão alia-se aos pensamentos contidos nas cartilhas evolucionistas vigentes à época. Tais pensamentos, pautados numa abordagem biológica do ser social, foram orquestrados pelas reflexões de Charles Darwin, em sua obra: Origens das Espécies, e pressupunham a inferioridade racial do negro. Vindos da Europa, influenciaram cegamente a cultura brasileira e se perpetuam até os dias de hoje. Tais ideias, aliadas ao temor da capoeira e dos seus interlocutores, 35 Na ilha-prisão, o regime era semiaberto, porém associado a uma disciplina rígida. Entre altos e baixos, sob denúncias de desmandos, corrupção e imoralidade, Noronha continuou sendo a prisão central do Império e chegou à República. De acordo com Santos (2009), a ilha chegou a abrigar 2.364 presos. A ilha-prisão era o destino certo da política anti-imperialista de Campos Sales e Sampaio Ferraz, principalmente. Este último marcou sua trajetória na história por combater e perseguir contraventores e grupos que apoiavam o regime político anterior. Por isso, sua atenção em especial para as maltas e capoeiras. 36 Então chefe do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brasil. 37 A palavra capoeira ou capoeiragem, designou, por muito tempo, atos marginais. 45 orientavam a ação das autoridades, que tinham apoio do Estado, da Igreja e da população dominante, para exercerem o seu papel de algozes.38 Não devemos nos esquecer de que essa situação é gerada pelo próprio Império (posteriormente, a República dará continuidade) que, ao não promover uma política pública de inclusão social, ou de deportação para os recém-libertos, os coloca em situação delicada. Anos após o caso Juca Reis, já existiam trabalhos inscritos que tinham como objetivo transformar a capoeira de ato marginal em um método brasileiro de ginástica ou luta nacional, sob a égide do esporte. Personalidades como Coelho Neto, Raul Pederneiras e Annibal Burlamaqui, dentre outros, em um primeiro momento, irão pioneiramente defender a capoeira como um símbolo de brasilidade, como veremos mais adiante neste trabalho. Nesse ínterim, o monarquista Afonso Celso escreve, em 1900, o livro – Por que me ufano de meu país? – em que exaltava as razões para a glória do Brasil e por que este era um país maravilhoso que orgulhava seu povo.39 “Queria também regenerar o Brasil provando a superioridade do mestiço e acreditava que, pela educação, seria possível corrigir os vícios, as falhas, os defeitos existentes” (OLIVEIRA, 2008, p. 64). Todavia, o discurso da mestiçagem, para Ortiz (2006), gera um problema. O mito das três raças, ao se difundir na sociedade, permite aos indivíduos, das diferentes classes sociais e dos diversos grupos de cor, interpretar, dentro do padrão proposto, as relações raciais que eles próprios vivenciam. [...] A medida que a sociedade se apropria das manifestações de cor e as integra nos discursos unívoco nacional, tem-se que elas perdem sua 40 especificidade. (ORTIZ, 2006, p. 43) No caso da cultura africana, esses fundamentos são camuflados em prol da mestiçagem, em nome do nacional, abrasileirando o fenômeno e alterando seu processo histórico, que necessita ser adequado para a aceitação social. Perceberemos que, a partir do início do século XX, é esse o discurso que 38 O fato é que havia certo exagero nessas perseguições, que acabam atingindo outras parcelas da sociedade, como foi o caso de Juca Reis que, ao se aliar aos capoeiras, passou a ser tratado como tal, independente do seu status social. Apesar de não estar clara no código penal a questão do flagrante, no caso do Capítulo XIII – Dos Vadios e Capoeiras, Juca Reis foi preso por ser reconhecidamente um praticante da capoeiragem. Ele não a estava praticando, muito menos promovendo desordem ou algum tumulto, no ato de sua prisão, como prescreve a lei. 39 A obra inaugura o que ficará conhecido como ufanismo. De acordo com a autora, o movimento ufanista irá perpetrar construções simbólicas que utilizaram o discurso da identidade nacional. 40 A preocupação do autor está relacionada a um fenômeno que ocorre quando aceitamos que, para se criar a cultura brasileira, categorias como origem, mitologia e essência se pulverizam. 46 tomará a defesa da inserção da capoeira na sociedade brasileira. Essa manifestação não será africana, não era possível que a sociedade da época admita tal inserção nos seus costumes. A escravidão tornou-se um fardo, quando se propagou a ideia de impossibilidade do seu desenvolvimento devido a essa questão. A capoeira muito menos será afro-brasileira, pois, ainda assim, o fantasma da cultura africana, extremamente discriminada e malquista, tinha o reforço das teorias sociais da época, que a estigmatizavam como atraso ao desenvolvimento. Assim, ela se estabelecerá na lógica do nacional que se organiza da seguinte maneira: a capoeira é brasileira e por isso deve ser valorizada por nossa cultura. O Brasil avançava, no que diz respeito à cultura em geral. Conforme Oliveira (2008), o Barão do Rio Branco (José Maria da Silva Paranhos)41 vai imputar grandes avanços, à frente do Itamaraty, tanto no que diz respeito à valorização nacional, quanto nas relações exteriores, em especial com os Estados Unidos da América. Vários autores já destacaram, em suas pesquisas, o primeiro trabalho inscrito na tentativa de institucionalizar a capoeira como ginástica brasileira.42 Esse é um movimento que se valia da valorização e nacionalização da cultura. Marinho (1982) assim como Moura (2009) descrevem nos seus trabalhos o opúsculo Guia do Capoeira ou Ginástica Brasileira, cujo autor na época não quis se identificar, assinando a autoria com as iniciais O.D.C.43 Em 1909, a capoeira retorna com bastante ênfase às manchetes dos jornais, entretanto não mais nas páginas policiais. A notícia tratava de um feito quase heroico; algo histórico, nunca antes visto no Brasil até aquele momento. O boletim divulgava uma luta. Tratava-se do nascimento de um sentimento de nacionalidade e da quebra de um ostracismo, desde sua criminalização, no século passado.44 41 Possivelmente, o Barão do Rio Branco, ao mudar o foco da política externa do país, de Londres para Washington, contribuiu também para uma maior desvinculação da cultura europeia a nosso território. Esse lugar seria ocupado futuramente pela cultura norte-americana junto com o seu projeto imperialista de dominação cultural, política e financeira. Entretanto, contribuiu também para a organização e a definição dos “valores nacionais”, ao implementar uma política de valorização cultural, aproveitando-se dos serviços dos intelectuais como emissários da nação, segundo Oliveira (2008). Apesar de seu envolvimento com a capoeira na juventude, como destaca Moura (2009), esse importante estadista, que defendia ideias do Partido Conservador, não contribuirá diretamente com o desenvolvimento dessa manifestação, fora o fato de sido seu cultor. 42 Os exercícios físicos na época eram organizados através da ginástica, com destaque para os métodos: francês, alemão e sueco. Com o passar do tempo, o campo da ginástica também entrará nas discussões sobre a nacionalização da cultura. 43 Significa: Ofereço, Dedico e Consagro. Moura (2009) defende que seu autor é Garcez Palha. 44 Mais à frente, essa situação irá servir como exemplo para a criação da mitologia nacional e o fortalecimento, equivocado, da marcialização da capoeira, até hoje bastante propagada e reproduzida por muitos, sem maiores reflexões sobre o significado de tal concepção. 47 Era uma peleja de um negro brasileiro contra um nipônico, mas não somente isso, era a disputa da capoeira contra o jiu-jítsu, e representava a supremacia de uma técnica e manifestação, que fazia parte da nossa cultura corporal, até então perseguida e discriminada, frente a uma arte marcial estrangeira.45 O embate aconteceu no Pavilhão Internacional Paschoal Segreto, no Rio de Janeiro. A contenda foi arranjada por estudantes da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Alguns destes, conforme Moura (2009), eram, inclusive, discípulos de capoeira de Ciríaco.46 Ciríaco Francisco da Silva, utilizando a sua capoeira, derrotou Sada Miako,47 instrutor de jiu-jítsu da Marinha. O feito de Macaco, como era conhecido o comerciante campista, saiu estampado em distintos jornais da cidade – O Malho, Jornal do Comércio, A notícia e A Careta –, evidenciando a importância do feito. Podemos perceber, a partir deste episódio, uma negligência da polícia e da própria sociedade frente ao código penal. Na ocasião da luta entre Ciríaco e Miako, a prática da capoeira ainda estava proibida, apesar de já notarmos, antes desse acontecimento, um paulatino e progressivo abandono de tais imposições legais.48 Um ano depois, talvez ainda no rastro dos acontecimentos da grande peleja de Ciríaco, Coelho Neto, conforme nos relata Moura (2009), tentou encaminhar à Câmara dos Deputados, junto a dois parlamentares, um projeto que visava a obrigatoriedade do ensino da capoeiragem nos quartéis e nos institutos oficiais.49 Na Bahia, em 1914, um fato envolvendo um célebre capoeira estampa os jornais do período. Tratava-se de um atentado praticado por militares a um capoeirista. Toda a confusão retratada nos jornais também se encontra registrada no livro Mandinga, manha e malícia, de Adriana Albert Dias. Em sua obra, a autora 45 Simbolicamente falando, o que estava em jogo era a autoestima nacional que, naquele momento, estava sendo representada contraditoriamente por uma atividade que a sociedade sempre fez questão de repugnar e não reconhecer. 46 O fato de alguns estudantes de classes abastadas da sociedade serem identificados como discípulos de uma manifestação que ainda vigorava como contravenção penal, e o fato, mesmo com esse agravante, da luta ser realizada em espaço público bastante frequentado pela sociedade carioca, demonstra que a capoeira, apesar de ainda ser socialmente discriminada e pertencer juridicamente falando ao rol das ações relacionadas à marginalidade, já era aceita e defendida por algumas representações da sociedade. 47 Vale destacar aqui um equívoco recorrente em alguns livros e sites da internet em afirmar que Sada Miako é o Conde Koma. Otávio Mitsuyo Maeda, o verdadeiro Conde Koma, somente chegou ao Brasil em 1914, ou seja, após a luta de Miako com Ciríaco. Maeda, além de nunca ter perdido um desafio, foi quem ensinou essa arte suave a Carlos Gracie. 48 Se houve flexibilização por um lado, por outro, a vitória de Macaco serviu para alimentar a esperança de alguns em tornar a capoeira uma manifestação da cultura corporal aceita socialmente. 49 Ao final, acabaram renunciando à ideia, pois não havia lugar para tal implementação, uma vez que ainda pairavam ideias positivistas que propagavam o racismo. 48 relata que esse desfecho teve início provável em dezembro daquele ano, na Rua do Saldanha, após tiroteio promovido por marinheiros.50 O interessante nessa história foi que Pedro Mineiro se apresentou em depoimento à delegacia, como um trabalhador informal da justiça. Essa informação é divulgada na mídia, no jornal Diário de Notícias, e reproduzida no livro de Dias (2006).51 O governo baiano tinha como chefe maior José Joaquim Seabra (J. J. Seabra), e como chefe de polícia Álvaro Cova. De acordo com o depoimento de Mineiro, este último sabia da sua atuação como secreta de polícia.52 Existem relatos de que Cova utilizava os capoeiras em sua segurança pessoal e como cabos eleitorais, assim como também o fez J. J. Seabra. O modernista Jorge Amado, no clássico: Tenda dos milagres, história que se passa no início do século XX, registrará em sua literatura, o cotidiano dos baianos, na história de Pedro Arcanjo (Ojuobá), também capoeira. Outro personagem que é retratado nessa obra, em vários momentos e nos traz informações sobre os elementos que constituíam a capoeira, é Budião. Essa obra literária retrata a perseguição policial às manifestações de matriz africana na Bahia. A figura central da repressão, aqui atendia pelo nome de Pedro de Azevedo Gordilho.53 Os secretas, às vezes sob o comando do próprio Pedrito, infestavam a noite da Bahia em busca de candomblés e batuques, o pau comia solto. [...] De 1920 a 1926, enquanto durou o reinado do todo-poderoso delegado auxiliar, os costumes de origem negra, sem exceção das vendedoras de comida até os orixás, foram objeto de violência continua e crescente. O delegado mantinha-se disposto a acabar com as tradições populares, a porrete e a facão, a bala se preciso. (AMADO, 2008, p. 235) Os pesquisadores Pires (2004) e Oliveira (2005) destacaram que não há registros, até o momento, que, na Bahia, se praticou o enquadramento do capoeira 50 O que incentivou o ataque de Mineiro e Souza, que culminou em morte dos marinheiros, de acordo com Dias (2006), foi provavelmente o ciúmes de uma mulher, mas existem outras versões para o caso. 51 Fato que comprova o envolvimento da capoeira (que, importante aqui lembrar, ainda estava enquadrada no código penal como crime) com as instituições de justiça, sobrevivendo e se adequando, mesmo que ainda de forma escamoteada (mas não tanto assim), na sociedade. 52 Secreta de polícia: denominação da época para indivíduos que prestavam informações não formais para os policiais sobre pessoas, lugares etc. (informantes de policiais). 53 O registro da obra do escritor baiano não possui a intencionalidade de trazer veracidade ao leitor. Contudo, nos esclarece sobre o fato de que a Bahia também reprimiu a capoeira. 49 no código penal de 1890.54 Sem dúvida, podemos concluir que a capoeira se insere na sociedade brasileira a partir de várias possibilidades. Abordamos aqui, mais enfaticamente, a concepção da capoeira como um problema social que ocasionou uma política de segurança pública. Concomitantemente, alguns admiradores da capoeira tentaram enquadrá-la na sociedade como uma prática de exercício físico. 2.2 A Capoeira Fora da Marginalidade: políticas para uma Educação Física (ginástica, esporte e luta) e cultura Um movimento puro e ostensivo Palpita sobre os nossos corações Ó capoeira! Quem te olha mal Não sabe que a vida sua é uma união. Movida sobre uma necessidade Sempre concreta distingue a razão Se a luz da força a um corpo Velho ou moço, é lindo eu digo então 55 Vamos capoeirar... Se a cultura é um campo vasto, passível de várias interpretações e adequações a um contexto político e histórico, o esporte é um fenômeno que, alicerçado pela lógica do capital, vai influenciar e se manifestar em todo exercício físico conhecido pela humanidade, moldando-o e transformando-o em uma espécie de reprodutor e perpetuador das ideias da sociedade. As tentativas de nacionalização da cultura vão expor a capoeira, num primeiro momento, como ginástica, conclamando-a como possibilidade pedagógica de ensino em Educação Física. Nasce então a defesa dessa manifestação como um Método de Ginástica Nacional.56 Essa relação com a Educação Física irá, em um curto período histórico, elevar socialmente a capoeira, de uma atividade marginal a uma forma de educar.57 54 Isso também não significou que seu processo histórico fosse tranquilo, pelo contrário, os fatos demonstram o mesmo tratamento: criminalidade, perseguição e discriminação. 55 Vamos Capoeirar: Música do Mestre Tonho Matéria. 56 Sua defesa como ginástica não impedirá que o termo esporte apareça em diversos momentos, tratando das duas coisas, como se fossem somente uma. 57 Educar nesse momento tem o sentido de controlar e de regulação. 50 Pedro Antelo Pagni, no texto de 1997, A prescrição dos exercícios físicos e do esporte no Brasil (1850-1920): cuidados com o corpo, educação física e formação moral, informa que, no início do século XX, o trabalho físico era discriminado e ainda estava associado à escravidão e às classes subalternas da sociedade. Uma possibilidade para conseguir que o projeto se concretizasse foi a institucionalização da obrigatoriedade da Educação Física nas unidades escolares. Ou seja, seria necessária a sua expansão e popularização. Carmen Lúcia Soares (2001) destaca que a incorporação da disciplina ao ensino regular58 não ocorre de forma imediata, nem tranquila. Ainda pairava sobre a sociedade um preconceito sobre os exercícios físicos,59 principalmente para as mulheres, ainda de acordo com essa autora. Nesse processo, a prática do esporte vai paulatinamente substituindo, em muitos casos, a ginástica. Pagni (1997) situa os anos de 1910 a 1920, como o período de sua discussão pedagógica e, consequentemente, de seu avanço social no território. O Brasil dessa época passa por transformações, efeito dos processos de mudança também vindas do velho mundo. Moura (2009) destaca que o objetivo do primeiro livro sobre capoeira era disseminá-la nas forças navais. Não imaginava que isso extrapolaria o âmbito militar e civil.60 Ao mesmo tempo em que se cria um vínculo entre capoeira e ginástica, criase, por tabela, um envolvimento muito próximo com a caserna, que culminará no fortalecimento da ideia de marcialização, contexto mais complexo do que o da luta. Nesse mesmo ano, Raul Pederneiras, em artigo de sua autoria: A Defesa Nacional61 “ressalta a supremacia da capoeiragem como exercício físico” (MOURA, 2009, p. 139). Em 1922, Coelho Neto escreve sobre a capoeira, desta vez, no livro 58 Ruy Barbosa e Fernando de Azevedo são apontados por diversos autores como grandes defensores dessas ideias. Para eles, a Educação Física inserida nas unidades escolares brasileiras contribuiria para forjar o indivíduo forte, disciplinado e saudável, assim também como auxiliaria na regeneração da raça que a nova sociedade em formação necessitava. 59 Tanto a ginástica como os jogos e os esportes, atividades consideradas como cultura corporal, serão inseridas no rol dos conteúdos da Educação Física, como estratégias educacionais desse componente curricular. A princípio, esses professores procedem dos espaços militares. São instrutores militares, em muitos casos, oriundos da Europa. O primeiro curso de Educação Física no Brasil data de 1910 e tinha um cunho militar. Somente em 1929 abrem-se as inscrições para civis. 60 O mesmo autor destaca que, em 1921, a Revista da Semana entrevistou o professor de ginástica e jiu-jítsu Mário Aleixo sobre sua criação: um método capoeirístico que denominou de A arte de defesa pessoal. Ao que tudo indica, o professor teria misturado golpes de outras lutas à capoeira, com o discurso de torná-la um desporte (escrita original) mais valorizado e um método de defesa considerado insuperável. 61 A publicação ficou sobre a responsabilidade da Revista da Semana. Todos esses artigos em defesa da capoeira, em especial no Rio de Janeiro, contribuirão para sua inserção social, anos mais tarde. Porém, para ser aceita, ela deveria se adequar. 51 Bazar. O escritor maranhense também lança a crônica Nosso Jogo. Moura (2009) enfatiza que o autor manifesta a sua decepção pela capoeira, em específico a do Rio de Janeiro, não ter se expandido e alcançado o exterior. Soares (2002) ressalta que, em 1926, uma série de publicações no jornal Rio Sportivo, lança reportagens direcionadas à capoeira, sob o título Capoeiras e Capoeiragens. O autor, o argentino Adolfo Morales de Los Rios Filho, apesar de não ser brasileiro, defende ideias nacionalistas de incorporação da capoeira ao mundo dos esportes. Dois anos após a publicação dos artigos no jornal Rio Sportivo e seis anos após a Semana de Arte Moderna era lançado, no Rio de Janeiro, pelo militar Annibal Burlamaqui, o livro Gymnastica Nacional (Capoeiragem): methotisada e regrada. Seu objetivo era expor suas ideias e vê-las aceitas socialmente, inserindo a capoeira oficialmente como uma prática de exercícios.62 O prefácio da obra, de autoria de Mario Santos, deixa claro sua intenção: “São meus votos que seja a ‘Gymnastica brasileira’ acceita e praticada, pois vae n’isso, além de um acto de brasilidade, um pouco de integralisação na posse de nós mesmos” [sic] (BURLAMAQUI, 1928, p. 5).63 As passagens do autor no livro também indicam isso, quando enfatiza seu patriotismo, ao expor suas ideias: “Quis apenas ser um brasileiro – e um brasileiro útil [...]”. [sic] (BURLAMAQUI, 1928, p. 7). Da mesma forma, no agradecimento ao prefacista: “[...] esse patriótico gesto, para a destruição do archaico e tolo preconceito de que a “GYMNASTICA BRASILEIRA” – a capoeiragem – desdoura a quem pratica”. [sic] (BURLAMAQUI, 1928, p. 7).64 Em nossa linha de raciocínio, observamos a necessidade de pontuar políticas que influenciaram a sociedade. Essas iniciativas intervieram nos rumos do desenvolvimento e no entendimento da prática da capoeira, induzindo, consequentemente, as políticas culturais voltadas ao seu trato. 62 Fortalece as ideias de cunho esportivista e nacionalista do argentino Rios Filho e de tantos outros que, já há algum tempo, ansiavam por ver essa manifestação ajuizada a partir dessa formatação. 63 Não há dúvidas aqui sobre os objetivos de inserção social da capoeira e a compreensão, por parte dos seus defensores, do benefício que tal adoção traria para a pátria. 64 No prefácio da obra, Mario Santos lamenta a falta de reconhecimento da capoeira enquanto sport nacional e enfatiza as suas vantagens frente a uma luta (o boxe) e a uma arte marcial (o jiu-jítsu). Ambiciona a aceitabilidade da proposição de Burlamaqui pela sociedade e espera futuramente a formação de campeões nacionais frente aos estrangeiros. O discurso é arrolado por ideias higienistas e positivistas, na tentativa de ganhar adeptos de outras camadas da sociedade que, até então, repugnavam a capoeira. 52 O peso das origens de suas tradições e práticas será um fardo que, em diversos momentos, será renegado, ora camuflado, em recursivas tentativas de sua aceitação. Após inúmeros ensaios de ressignificação da capoeira para sua inserção e aceitação, aos poucos, com a persistência característica dessa manifestação frente aos desafios históricos que enfrentou, ela vai conseguindo, não sem determinados custos, se consolidar como prática cultural da sociedade. É fato que esses movimentos tinham em comum um espírito de nacionalismo. Em todos os projetos existe esse ponto comum: a capoeira é brasileira.65 A partir de então, a capoeira irá percorrer uma trajetória política que envolve várias vertentes, como o turismo, a educação e o esporte. É através deste último que ela se institucionaliza e consegue sair da clandestinidade, sendo citada na legislação e se organizando, na lógica associacionista, a partir de entidades dessa esfera. O movimento folclorista do Brasil retomará novamente a discussão da capoeira como pauta do dia. Ela será a manifestação oriunda do povo, uma prática popular; e um saber que deverá ser preservado ao invés de perseguido. Suas características, como oralidade, regionalismo, mitologia e ritual serão exaltadas. Em 1930, o país sofre novamente várias mudanças, a partir dos acontecimentos mundiais. O projeto nacionalista, que tem início no século XIX, ainda persiste, mas, desta vez, a partir de outro contexto e outras influências. Essa é uma década marcada por pequenos e grandes conflitos, quebras e mudanças de paradigma, recessões econômicas, profundas mudanças políticas e sociais e a eclosão de regimes totalitários. Para o Brasil, o início dessa era significa o fim da Política do café com leite e a assunção ao poder do presidente Getúlio Dornelles Vargas, que comandaria o país por longos 15 anos. Ao final da década de 1930 tem-se o início do chamado Estado Novo. Nesse período têm início, na cidade de Salvador, movimentos voltados para a capoeira, que mudarão radicalmente o seu contexto, em todo o território nacional e, mais tarde, fora do país. Estamos nos referindo ao surgimento da Luta Regional Baiana, mais tarde conhecida como Capoeira Regional, criada por Mestre Bimba 65 Dentre as ações que colaboraram para a capoeira ser reconhecida pelo Governo do Brasil está a criação do Departamento de Luta Brasileira (Capoeiragem) da Federação Carioca de Boxe (FCB), em 1933, mesmo com a capoeira ainda legalmente proibida. É nesse período que se inicia uma reviravolta, em relação à capoeira. Até então, a legislação existente sobre a matéria resumia-se ao Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil, em especial o Decreto 847, de 11 de outubro de 1890. 53 (Manoel dos Reis Machado)66 e da invenção do que conhecemos como Capoeira de Angola, tendo como seu representante maior Mestre Pastinha (Vicente Ferreira Pastinha). Essas inovações irão influenciar a capoeira, em todo o território brasileiro, reorganizando essa manifestação e apresentando um perfil dessa prática.67 Folclore passou a ser a denominação utilizada, no século XIX, para os costumes populares. A antropóloga Maria Laura Videiros de Castro Cavalcanti, no artigo Entendendo o folclore, nos esclarece que: “A palavra Folclore provém do neologismo inglês folk-lore (saber do povo) cunhado por William John Thoms, em 1846, para denominar um campo de estudos até então identificado como ‘antiguidades populares’ ou ‘literatura popular’” (CAVALCANTI, 2002, p. 1). A tradição, que era entendida como o passado – o que veio antes – na contemporaneidade – o agora – servia para legitimar a nação moderna e nortear os caminhos a seguir. Conforme Oliveira (2008), essa era uma preocupação do Iluminismo, porém com uma interpretação racional sobre o pensamento popular. Aquele que se ocuparia em estudar os costumes e tradições, denominado de folclorista, deveria coletar e traduzir esses materiais. Maria Laura Videiros de Castro Cavalcanti fez uma comunicação, apresentada no Seminário “Patrimônio Cultural e Identidade Nacional”, na mesaredonda sobre Cultura Popular,68 em 2001, intitulado Cultura e Saber de um Povo: uma perspectiva antropológica.69 Para ela: A fala sobre folclore e cultura popular inaugura-se quando se reconhece intelectualmente uma distância entre os modos de vida e saberes das elites e do povo. Um dos muitos méritos do Romantismo foi o de traçar várias pontes e atalhos sobre essa distância que, entretanto, o constitui. Valorizando a diferença e a particularidade – em oposição ao ideal de uma razão intelectual universal proposto pelo Iluminismo – e fortemente associado em sua gênese aos nacionalismos europeus mais tardios, o Romantismo atribuiu às noções de folclore e cultura popular características 66 Em Salvador, Mestre Bimba, auxiliado por discípulos e amigos, inicia um trabalho de ressignificação da capoeira, para que a mesma saísse da marginalidade em que se encontrava e fosse aceita pela sociedade. Sua metodologia chamou-se, inicialmente, Luta Regional Baiana. Contudo, após a capoeira sair do código penal, o método de Bimba vai se transformar, influenciado pelo contexto societal do momento, no que conhecemos hoje como Capoeira Regional. 67 Tanto uma como a outra serão influenciadas pelas ideias ginásticas, que ainda se mantinham nessa época e se propagavam pelos cursos de formação em Educação Física e nas escolas baianas, bem como pelas lutas e artes marciais e as competições de luta livre, e também pelo fenômeno do esporte que, a partir desse momento, incidirá no país, com um forte apelo para o seu desenvolvimento, contando inclusive com apoio estatal. 68 Evento promovido pela Frente Parlamentar de Apoio à Cultura Popular do Congresso Nacional do Distrito Federal. 69 Este foi publicado posteriormente na revista Tempo Brasileiro – Patrimônio Imaterial. 54 que até hoje nos assombram. (CAVALCANTI, 2001, p. 2) 70 Marx e Engels (1998) entenderão as relações sociais a partir da produção. Estas definem o social e até mesmo, como afirmaram, em última instância, a nossa própria consciência. O trabalho, no entendimento da teoria marxista tradicional, é a categoria fundante e estruturante de toda a sociedade, assim como a natureza é a fonte dos valores de uso que consistem na riqueza, bem como fonte da cultura. A capoeira fará parte desse movimento. As pesquisas de Edson Carneiro e Câmara Cascudo levariam ao público notícias a respeito dessa manifestação. Na Bahia, principalmente, esta será explorada repetidas vezes como tal, pelas instituições de turismo. A capoeira ganha contornos folclóricos que influenciaram o imaginário social, dentro e fora do país.71 Com esta manifestação enquadrada nessa lógica, iniciativas atreladas a interesses econômicos começam a se desenvolver. A Política Pública de Turismo contribuirá para fortalecer o desenvolvimento de uma capoeira espetacularizada, em prol de um determinado consumidor – o turista.72 Com o amadurecimento dessas práticas vieram os grupos folclóricos que mais tarde passaram a ser denominados de para-fólclóricos.73 Estes traziam a capoeira como base de preparação dos dançarinos, apresentando-se em algumas oportunidades e até mesmo fora do Estado. Porém, o trivial eram os hotéis, casas de shows, restaurantes temáticos e navios.74 O turismo é a primeira experiência da capoeira lidando diretamente com os 70 Esse trato com a capoeira, a partir de demonstrações previamente contratadas, vai ser fortemente desenvolvido, em um primeiro momento, em Salvador, inicialmente através de Mestre Bimba, com as suas demonstrações de capoeira (inclusive para políticos). Com o passar do tempo, se unirá junto a outras manifestações da cultura afro-brasileira (maculelê, dança de orixás, puxada de rede do xaréu, dentre outras) para formar o que se denominou inicialmente de show folclórico. Fica claro que a noção da forma de viver e se relacionar distintamente entre grupos, em consequência do desenvolvimento da sociedade e de sua produção em massa, gerando excedente, originando a exploração do homem pelo homem, possibilitou o surgimento da divisão social do trabalho e a desigualdade social. As classes sociais terão relação com as distintas formas de saber e fazer que inicialmente o folclore tentará explicar. 71 Autores como Rego (1968) e Esteves (2004) já abordaram parte dessa fase da capoeira, na perspectiva da folclorização. Os autores citados apontam os anos de 1930 como o início desta fase. 72 Nesta fase, podemos identificar alguns elementos que antes não faziam parte dessa manifestação, como, por exemplo: a supervalorização de acrobacias, indumentária de cores exageradas, jogo combinado e sem objetividade e demonstrações individuais de gestualidade corporal etc. 73 Grupo folclórico diz respeito a grupos que vivem na própria comunidade e que tentam manter uma determinada tradição, a partir de seus ritos passados. Grupos para-folclóricos são coletivos formados para apresentar artisticamente determinadas manifestações no âmbito da recepção turística. 74 Ao tempo que desmistificavam a marginalização da capoeira, exploravam a força de trabalho dos seus praticantes e vendiam uma imagem (estética) que não condizia com o real e o concreto desta prática, levando à ideia de superficialidade e esvaziando as possibilidades de sua práxis cotidiana. 55 órgãos públicos, fora da marginalidade. Para nós, iniciada de forma inadequada e superficial. Aliás, muitos compartilham desses pensamentos. As políticas públicas para o turismo, desde o seu surgimento, não contribuíram significativamente para a valorização, a democratização e a conscientização da capoeira enquanto patrimônio cultural.75 Em meio às discussões sobre folclore e cultura, uma destas, dizendo respeito à temática do patrimônio no Brasil, delineia-se, primeiramente, a partir de um pensamento ligado ao concreto, ao material. Segundo Oliveira (2008), o primeiro órgão federal que tinha como responsabilidade a proteção ao patrimônio foi a Inspetoria de Monumentos Nacionais.76 É exatamente dessa época, a legislação brasileira sobre o assunto, apesar da proposição de Mário de Andrade, em 1936, através de um projeto de lei, onde “também fossem incluídos no patrimônio brasileiro os falares, os cantos, as lendas, as magias, a medicina e a culinária indígenas” (OLIVEN, 2009, p. 81). A opção política naquele momento foi pelo patrimônio edificado, demonstrando a tendência referente ao entendimento que deveria permear a sociedade brasileira. Vale destacar aqui uma defesa feita por Oliveira e Leal (2009), quando enfatizam que, desde essa época, no anteprojeto do SPHAN, a capoeira poderia ser reconhecida como patrimônio imaterial da cultura brasileira. De acordo com os autores, para que tivesse o seu reconhecimento como patrimônio, uma obra teria que pertencer a uma das categorias estabelecidas.77 A pesquisadora Calabre (2009) confirma que é na gestão do presidente 75 Na Bahia, ainda persiste com grande força a utilização das manifestações da cultura local nessa perspectiva, reforçada pelas constantes propagandas que utilizam símbolos da capoeira, muitas vezes patrocinada pelos próprios órgãos estatais de turismo, como atração. Constantemente, a propaganda dos órgãos públicos reforça a ideia de que o Estado, e principalmente Salvador, é a cidade do turismo, criando, pela reprodução dessas ideias, um estereótipo de cidade “cultural”. 76 Criada por Gustavo Barroso, a partir do Decreto n° 24.735, de 14 de julho de 1934, e ligada ao Museu Histórico Nacional. O Estado Novo cria o primeiro órgão federal de proteção ao patrimônio, em 1934. Mas essa é uma política que amadurece primeiramente em níveis estaduais, com ênfase no Sudeste do país. Conforme Oliveira (2008), houve posteriormente experiências em Minas, na Bahia e em Pernambuco, que contribuíram para que essa empreitada se consolidasse na criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), em 1936/1937, em substituição à Inspetoria. Vale destacar que há registros que apontam a década de 1920, como os primórdios da noção de patrimônio em nosso país, que se institucionaliza, principalmente, através de projetos de proteção (muitos sem sucesso), conforme destaca a professora Maria Lúcia Bressan Pinheiro, no texto Origens da noção de preservação do patrimônio cultural no Brasil. 77 No caso, a capoeira poderia se enquadrar na categoria intitulada Arte Popular. Porém, como também afirmam os autores citados, a capoeira não tinha reconhecimento e apoio social suficiente para isso, como um elemento que a identificasse a nossa cultura, para ser definida como tal. No ambiente desse momento histórico, encontramos tanto discriminações, preconceitos e estereótipos, como também indivíduos obstinados em transformar tais concepções. 56 Getúlio Vargas (1930 a 1945), onde encontraremos os primeiros indícios de uma organização, através de um grupo de ações em nível federal, com contornos de políticas culturais.78 A cultura era a essência da nacionalidade e caberia, à educação e ao campo da propaganda, fortalecer e incutir essa ideia na sociedade. Essa estratégia se qualifica pelo engajamento de intelectuais da época, envolvendo-se não somente com a produção do conhecimento, mas também nas questões políticas. A criação do Ministério da Educação, inicialmente vinculado à saúde, ensejou a formação de uma cultura nacional. De acordo ainda com a supracitada autora, Francisco Campos assumiu a pasta até 1934. Seu sucessor, Gustavo Capanema, reunirá um grupo79 respeitável de educadores, artistas e intelectuais, que fortalecerá institucionalmente o campo da cultura. Nota-se que Capanema entendia que a educação não podia estar desvinculada da cultura. Sua gestão, conforme Fonseca (apud CALABRE, 2009) vai contribuir para o avanço de temas que vão desde a arquitetura até as questões indígenas. São as ideias e ações dessa gestão que contribuirão para a criação da Secretaria de Cultura do Ministério da Educação e Cultura (MEC), durante o primeiro ano da década de 1980.80 Contudo, sabemos que a gestão de Getúlio tentava “apoiar” as manifestações mais populares, dentre elas a capoeira, que o próprio presidente reconheceu como manifestação integrante da cultura. A introdução e o desenvolvimento de lutas e artes marciais no país; o movimento esportivo crescente; o governo populista de Vargas, dentre outros fatores, vão estimular e fundamentar as modificações feitas por Bimba na capoeira. Assim, a capoeira começa a ser tratada a partir da lógica de uma Educação Física, alicerçada pelo mote ginástico/esportivo/cultural. [...] esse ‘Projeto Nacionalista’ norteou o delineamento de políticas educacionais onde incluía a Educação Física [...] um poderoso instrumento para auxiliar no fortalecimento do Estado e um possante meio para o aprimoramento da raça brasileira. (GRANDO, 1996, p. 61) 78 Além da criação do SPHAN, destacamos a criação do Serviço Nacional de Teatro (SNT), o Instituto Nacional do Livro (INL), o Instituto Nacional do Cinema Educativo (Ince), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Ministério da Educação e Saúde, o Ministério do Trabalho. Tudo isso significa um aumento das atividades do Estado no campo da cultura, mas denota, ainda, uma preocupação do próprio Estado com a reorganização social. 79 Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade, Rodrigo Melo Franco de Andrade, Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Heitor Villa-Lobos, Manuel Bandeira, entre outros. 80 Quatro anos depois era criado o MinC. 57 A campanha nacionalista rende bons frutos à sociedade brasileira e, em 1937, é criado o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). Seu primeiro administrador foi o mineiro Rodrigo Melo Franco de Andrade, que ficou à frente da instituição por longos 30 anos. A gestão do modernista influenciou, sem sombra de dúvidas, direcionamentos da cultura, em especial do patrimônio no Brasil. Algumas referências informam que foi depois de uma apresentação de capoeira, que o presidente Getúlio Vargas liberou as manifestações populares, até então perseguidas, e, com isso, beneficiou a capoeira, que deixou de ser proibida.81 Porém o Decreto-lei nº 2.848, que modifica o código penal da República Velha, data de 7 de dezembro de 1940, 13 anos antes do aperto de mão e da frase atribuída ao ex-presidente: “A capoeira é o único esporte verdadeiramente nacional”.82 O professor Alcântara Machado foi o criador do novo projeto de código penal de 1940, a convite do então ministro da Justiça Francisco Campos. Aceito o desafio de modificar a lei penal e atualizá-la, o texto preliminar do anteprojeto passou por uma comissão de revisores,83 que tinha como objetivo contribuir no processo de reestruturação.84 Três anos depois, a FCB passou a se chamar Federação Brasileira de Pugilismo (FBP), transformando-se, em seguida, na Confederação Brasileira de Pugilismo85 (CBP), informação que é confirmada em várias páginas de instituições voltadas à capoeira e no próprio site oficial da CBP.86 O Decreto-lei nº 3.199, de 14 de abril de 1941, assinado por Vargas, estabelece as bases de organização dos desportos e talvez tenha sido o foco irradiador de legitimação da capoeira, a partir da lógica esportiva. 81 Vale destacar que até o momento o único registro material que relaciona a capoeira a Getúlio é uma fotografia tirada em 1953. Na imagem, Manuel dos Reis Machado, o Mestre Bimba cumprimenta o então Presidente da república. Até o momento, pesquisadores não encontraram provas reais, em nenhum documento, falando claramente de tal legalização. 82 Se levarmos em consideração e aceitarmos a ideia de que a capoeira perdurou no Código Penal por 50 anos e somente desapareceu de suas páginas em 1940, devemos compreender a existência de polêmicas quando ao fato dela ter sido retirada intencionalmente, ou apenas suprimida. O fato é que, a partir do novo código penal, a capoeira não seria mais proibida. 83 Roberto Lyra, Vieira Braga, Nelson Hungria e Narcélio de Queiroz. Para maiores informações consultar: SONTAG, Ricardo. Código e técnica. A codificação penal de 1940 e a construção da identidade do penalista. BRASIL (1930-1945). 2007. 87 f. Monografia (Bacharelado em História) – Faculdade de Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2007. 84 Possivelmente já no anteprojeto, a capoeira estava suprimida, pois o professor Machado deve ter seguido a lógica do novo Governo e do movimento que já se ampliava e se arrastava, desde o início do século, em prol da aceitação da capoeira, enquanto possibilidade esportiva de cunho nacional. 85 Atualmente denomina-se Confederação Brasileira de Boxe. 86 Disponível em: <http://www.cbboxe.com.br/aconfed-historia.htm>. 58 Como já ratificamos acima, é preciso lembrar que a Federação Nacional de Pugilismo já existia e contava com um departamento de Luta Brasileira Capoeira (Capoeiragem), e que, a partir das possibilidade colocadas pelo decreto, mais especificamente depois de quatro meses de sua publicação no Diário Oficial da União (DOU), transforma-se em CBP.87 A ideia de cultura como foro social, a partir da dimensão dos direitos humanos, emerge no final das atrocidades da II Guerra Mundial e do genocídio do Holocausto perpetrado pelo líder do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães – Adolf Hitler.88 Esse direcionamento culmina na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). Os primeiros passos ocorrem com a redação da Carta das Nações Unidas, elaborada por representantes de 50 países presentes à Conferência sobre Organização Internacional, que aconteceu no período de 25 de abril a 26 de junho de 1945, em São Francisco.89 Cerca de três anos após o término da II Guerra Mundial, a redação da Carta das Nações e a Criação da ONU, surge a DUDH,90 que é por ela adotada. Observando o documento, percebemos dois termos que remetem a cultura. Nos artigos 22 e 27, aparecem, respectivamente, as palavras ‘culturais’ e ‘cultural’.91 No artigo 27, o texto faz referência à garantia de liberdade e acessibilidade do indivíduo a sua cultura: “Toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade [...]” (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1948, p. 5). Retornando nossa leitura ao início do documento, percebemos que o meio de ratificar essas demandas culturais, dentre as outras enfocadas no documento, é a educação. Da mesma forma, a educação é fortalecida na Declaração, no artigo 26. Não há dúvidas de que a ideia que alicerçava tanto a criação da United Nations Educational, Scientific, and Cultural Organization92 (UNESCO), como a DUDH, era a 87 O Departamento que tratava da Luta Brasileira (Capoeiragem) não mais estava atrelado a uma federação, mas sim a uma confederação, que, na hierarquia esportiva, possui mais poder e status. 88 Várias ações coletivas são tomadas, com os objetivos de manter a paz mundial e garantir direitos universais para a humanidade. 89 Nesse momento, cria-se a Organização das Nações Unidas (ONU). 90 O documento, redigido consensualmente por um grupo de vários representantes de países distintos e que não tinha obrigatoriedade legal, expressa a necessidade da humanidade reconhecer coletivamente os direitos universais. 91 Consultar 22º artigo do documento. 92 Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. 59 educação para a paz e para a tolerância e o respeito ao ser humano – a sua história, a suas crenças e a suas culturas. Enquanto isso, no Brasil, a capoeira, uma das manifestações mais importantes do final do século XX, continuava, até então, no ostracismo cultural.93 Vale destacar que seis anos antes da divulgação da DUDH, governos europeus ponderavam a respeito de uma agência internacional para discutir, promover e apoiar a educação, a cultura e a ciência, principalmente nos lugares afetados pelas guerras. Imbuídos do espírito de paz, representantes de algumas dezenas de países ratificaram a criação da UNESCO94 para esse fim. No site oficial ainda encontramos seus objetivos que, assim como vários outros textos relacionados ao organismo, destacam sempre as palavras cultura e educação, e suas derivações: […]. Thus UNESCO’s unique competencies in education, the sciences, culture and communication and information contribute towards the realization of those goals95 (UNESCO, 2011).96 Dentre as missões da UNESCO também podemos detectar que a cultura, assim como a educação, são destaques: “UNESCO’s mission is to contribute to the building of peace, the eradication of poverty, sustainable development and intercultural dialogue through education, the sciences, culture, communication and information”97 (UNESCO, 2011). Enquanto Bimba lutava para a capoeira ser reconhecida e respeitada em Salvador, em São Paulo acontecia um passo importante para as políticas culturais, de um modo geral. Mais uma vez Maria de Andrade se destaca: [...] ocorreu uma experiência impar na cidade de São Paulo, capitaneada por Mário de Andrade, e estreitamente ligada a alguns dos ideais presentes no Movimento Modernista Brasileiro: a criação do Departamento de Cultura de São Paulo. O período de 1946 e 1960 pode ser identificado como o momento áureo do crescimento da indústria cultural no Brasil, no qual a presença direta do Estado como elaborador e fomentador de políticas era bastante restrita. (apud CALABRE, 2009. p. 11) 93 Apesar da capoeira sempre demonstrar avanços em sua relação com o Estado. Essa instituição foi criada em 16 de novembro de 1945, com 20 Estados-membros. Atualmente, conforme o seu site oficial, a entidade conta com 195 membros e oito associados 95 [...] Assim competências únicas da UNESCO em educação, ciências, cultura e comunicação e informação contribuem para a realização dessas metas. (Tradução nossa) 96 Grifos nossos. 97 A missão da UNESCO é contribuir para a construção da paz, a erradicação da pobreza, o desenvolvimento sustentável e o diálogo intercultural através da educação, ciências, cultura, comunicação e informação. (Tradução nossa) 94 60 Nos anos de 1940, as discussões culturais ainda continuam latentes, sob a égide do folclore. Cavalcanti (2001) e Cavalcanti e Fonseca (2008) enfatiza que o Brasil foi o primeiro país a atender à recomendação da UNESCO, criando em 1947 uma comissão98 que tinha à frente o diplomata Renato Almeida, para tratar do assunto.99 Para Bruno Wanderley Júnior e Carla Ribeiro Volpini:100 “[...] a cultura, através dos direitos culturais, é consolidada como direitos humanos, devendo, devido a esta dimensão, ser respeitada como direito fundamental da humanidade” (JÚNIOR; VOLPINI, 2007, p. 6602). Mas como a perspectiva desses autores poderia de fato se concretizar em uma sociedade como a nossa? No livro Filosofia, ideologia e ciência social, o húngaro Mészáros (2008), chama a atenção quanto à discussão dos direitos humanos. Baseado nas ideias de Marx, o filósofo alerta: As teorias burguesas que defendem de maneira abstrata os ‘direitos do homem’ são intrinsecamente suspeitas, porque também defendem os direitos da alienabilidade universal e posse exclusiva e, dessa maneira contradizem necessariamente e invalidam de modo efetivo os mesmos ‘direitos do homem’ [...]. (MÉSZÁROS, 2008, p. 159) Mesmo que a intencionalidade dos indivíduos que produziram o documento almeje o que este defende, a sociedade na qual estamos inseridos demonstra que a práxis atual, ou seja, a realidade concreta nos imputa mais e mais desigualdades. Estamos ainda muito distantes, por exemplo, do acesso universal à educação, dificuldade esta agravada pela pobreza e os níveis ainda altos de miserabilidade.101 Reforçar o autêntico exercício dos direitos humanos envolve, portanto, necessariamente a aplicação de um mesmo padrão para a totalidade dos indivíduos [...]. Se a aplicação desse padrão igual requer simultaneamente a negação de um outro direito – uma vez que o funcionamento destrutivo do interesse parcial tem de ser restringido –, isso não é uma contradição do sistema de direitos humanos, mas da estrutura socioeconômica dada que produz determinações contraditórias. E, se não há dificuldade conceitual em 98 Comissão Nacional do Folclore do Ministério das Relações Exteriores. Em seus textos, tanto Cavalcanti (2001) quanto Cavalcanti e Fonseca (2008), concordam que, no contexto do pós-guerra, marcado pela preocupação internacional com a paz, o folclore era visto como um fator de compreensão e incentivo à apreciação das diferenças entre os povos. 100 Trabalho apresentado no XVI Congresso de Pós-Graduação e Pesquisa em Direito (CONPEDI), em 2007, na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais. 101 Direitos humanos é uma categoria complexa, pois se origina em um contexto que nos remete a uma abstração, uma possibilidade irrealizável frente a uma realidade que nos empurra cada vez mais para o egoísmo, a concorrência e a desumanização. 99 61 sugerir que, ao mesmo tempo, o direito que expressa o interesse maior da humanidade deve dominar o interesse particular, na realidade, o exercício dos direitos humanos persistirá como mero postulado e retórica ideológica enquanto os interesses de classe de uma sociedade dividida prevalecerem e paralisarem a realização do interesse de todos. (MÉSZÁROS, 2008, p. 166) O universo da capoeira atesta essa reflexão. Podemos afirmar que grande parte de seus cultores é oriunda de classes menos favorecidas da sociedade, frequenta escolas públicas, sendo vítima de uma formação deficitária. Em sua grande maioria, ainda se encontra excluída de uma educação de qualidade. É parte da população brasileira que também, em linhas gerais, é “naturalmente” excluída do acesso à cultura e a seus equipamentos (bibliotecas, museus, livrarias, cinemas, clubes etc.), principalmente quando falamos de indivíduos que vivem fora dos grandes centros urbanos.102 Há que se entender que: “A cultura em seus vários níveis, unifica uma maior ou menor quantidade de indivíduos em estratos numerosos, em contato mais ou menos expressivo, que se entendem entre si em diversos graus, etc.” (GRAMSCI, 1966, p. 36). Conforme o pensador italiano, são estas distinções, relacionadas a aspectos histórico-sociais, que se refletem na linguagem comum. Isso produz análises equivocadas, se olhadas às luzes do pragmatismo. Quando o assunto é cultura e tocamos na palavra patrimônio, automaticamente nos remetemos a expressões como história, herança, identidade, memória, antepassados e preservação. Ao consultarmos esta palavra, sem adjetivações, em qualquer dicionário, encontraremos mais fortemente palavras relacionadas a herança e bens. O termo patrimônio também se relaciona a expressões como direitos e obrigações, sempre com intencionalidades ligadas à mercadoria e ao dinheiro. Nestes casos, está relacionado ainda às finanças, à contabilidade. Da mesma forma, liga-se diretamente a coisas que nossa família, em primeiro grau (pais e mães) e/ou parentes nos delegam e, então, passamos a ter responsabilidades sobre as mesmas. “A noção de patrimônio confunde-se assim com a de propriedade herdada” (OLIVEIRA, 2008, p. 26). O significado de patrimônio também se modificou, com o passar do tempo, adequando-se às mudanças sociais, ao desenvolvimento da cultura na sociedade e 102 Para maiores informações, consultar dados da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC, 2006). 62 em novas abordagens de seu conceito. Relações dialéticas entre o desenvolvimento da noção e o trato com a cultura, com o patrimônio, a educação e a capoeira, e, consequentemente, destes com os seres humanos e a sociedade, possivelmente tenham criado um ambiente propício para que o Brasil estabelecesse um salto qualitativo, no que diz respeito a ações de políticas culturais voltadas para a capoeira. No final da década de 1930, um projeto de lei do Deputado José Wanderley de Araújo Pinho se configurará em decreto. Para Pinheiro (2006), esta proposta continha uma visão mais avançada de patrimônio histórico e artístico nacional, em relação a seus antecessores, imputando à legislação um perfil abrangente e inovador. De acordo com o Decreto-lei nº 25, promulgado no Brasil, durante o Estado Novo, por Getúlio Vargas, presidente em exercício, o patrimônio histórico e artístico nacional era entendido como: “[...] o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país cuja conservação seja de interesse público quer por sua vinculação a fatos memoráveis, quer pelo seu excepcional valor arqueológico o etnográfico, bibliográfico ou artístico”103 (BRASIL, 1937, p. 1).104 No momento histórico acima citado, não encontraremos nenhuma política cultural, muito menos de patrimônio, que se volte com mais afinco para a capoeira. Como vimos, algumas ações nesse período contribuirão para certo reconhecimento desta manifestação, porém não há nenhuma obra política significativa, com ações de valorização, proteção, perpetuação e desenvolvimento dessa prática.105 Se observarmos a etimologia da palavra patrimônio, entenderemos melhor seu significado. Patrimônio tem origem em vocábulos do grego e do latim. “Pater”, expressão de origem latina, está relacionada aos antepassados; e “nomos”, de origem grega, refere-se a grupo social. Para Deonísio da Silva (1997), no clássico De onde vêm as palavras, sua etimologia está relacionada ao vocábulo latino 103 Grifos nossos. Esse é o marco da legislação sobre a proteção do patrimônio no Brasil: 30 de novembro de 1937. Mas a expressão “fatos memoráveis” é fator restritivo para designar algo como patrimônio cultural, assim como o termo “excepcional valor”, constitui uma lacuna do que é ou não excepcional e, afinal, quem decide o que é ou não excepcional? Aqui se corre o risco de considerar tais fatos questões que desencadearão, hegemonicamente, em consensos impostos pela classe dominante. 105 A origem de algumas ações, neste sentido, será verificada na ideologia do Estado Novo e do governo populista e ditatorial de Getúlio Vargas. O nacionalismo contribui de forma consubstancial para a incorporação da capoeira, ao projeto de construção e consolidação de um novo corpo de cultura nacional e promoção da disciplina (corporal e espiritual) dos povos, dentre outros. 104 63 patrimonium, significando propriedades, bens, dentre outros. Dessa maneira, podemos compreendê-lo, de uma forma mais ampliada, como um legado, uma herança deixada de uma geração a outra, o que não significa necessariamente uma coisa, mas podendo se constituir subjetivamente em memória. Esta pode, assim, estar relacionada a uma forma de se cozinhar algum alimento, de se fazer uma pintura corporal para uma determinada atividade, um imóvel do século passado, móveis antigos de outras épocas, terrenos, práticas corporais ancestrais, dentre outras.106 José Reginaldo Santos Gonçalves escreve que “Muitos são os estudos que afirmam constituir-se essa categoria em fins do século XVIII, juntamente com os processos de formação dos Estados nacionais, o que é correto” (GONÇALVES, 2009, p. 26). Todavia, o pesquisador nos estimula a pensar que os povos e as civilizações mais antigas também já utilizavam a categoria “patrimônio” com objetivos de perpetuação e memória. Esse conceito também está diretamente ligado à noção de ensinoaprendizagem, principalmente quando a escrita ainda não existia e a única forma de passar a informação adiante era através da oralidade. Isso pode ser facilmente verificado nos estudos das culturas tribais africanas, somente para citar.107 A memória da capoeira, por muitos séculos, perpetuou-se através da oralidade, patrimônio que nos foi legado pela cultura africana. Ainda na época presente, com outras formas de preservação da memória em voga, como livros, DVDs, CDs, sites, blogs etc., a oralidade representa uma das formas mais importantes de preservação da mitologia e dos mestres dessa manifestação cultural.108 Concordamos com a opinião de Gonçalves: “A modernidade ocidental apenas impõe os contornos semânticos específicos assumidos por ela” (2009, p. 26). Mas não paramos nesta assertiva, pois o problema não se encontra somente na semântica e sim no sentido. Qualquer sociedade orienta educacionalmente o que 106 Enfim, em algo muito mais vasto. Podemos perceber na literatura a palavra patrimônio geralmente acompanhada de termos como: cultural, histórico, artístico, arquitetônico, arqueológico, material, imaterial, cultural ambiental, cultural subaquático. O que denota um movimento de ampliação da noção e significado do mesmo. Mas nem sempre foi assim, como já vimos, o patrimônio estava muito voltado para as artes, as construções e os objetos. 107 A ideia de continuidade, de ensino-aprendizagem, de como fazer determinada coisa não é uma invenção da modernidade. É algo necessário e que está diretamente conectado à vida social. 108 Fruto também de sua formação educacional, com pouco ou nenhum acesso à escola. Essa situação é observável principalmente nos velhos mestres. 64 deve ser valorizado.109 O problema também é que qualquer sociedade, sob os auspícios do capital, se preocupará, da mesma forma, com a formação de sua classe dominante, bem como com a de seus dominados. Assim, o que deve ser guardado, lembrado e se constituir enquanto memória será cuidadosamente legalizado pelo Estado. Seu aparelhamento é constituído de tal forma que, mesmo partindo das classes menos favorecidas, sua legalização, através da burocracia estatal, ficará a cargo dos cuidados desse mesmo Estado. A burguesia, que controla firmemente e mantém um modo de produção pautado na lógica do capital, nos prepara para isso. A educação formal é uma das principais armas dos grupos que detêm o poder, tendo em vista perpetuar as contradições do modo de produção capitalista, naturalizando-as como se fossem fatos corriqueiros, normais. Se valorizarmos determinada coisa em oposição a outra, estamos reproduzindo ensinamentos que nos condicionam. Por isso, ao mesmo tempo em que reconhecemos que determinadas tradições necessitam ser cuidadas e mantidas, supervalorizamos o patrimônio no sentido de bens e valores econômicos. Assim, corre-se o risco de transformá-los em fetiches. A educação “não formal”,110 em geral, acaba reforçando e reproduzindo tal lógica. Os ensinamentos de capoeira na atualidade viram mercadorias, pois a força deste trabalhador necessita ser quantificada e vendida. Objetivos como relevância social, cultivo das tradições e continuidade são, costumeiramente, substituídos por um ensino que Gentili (1996) denominou, no final do século passado, de mcdonaldização, onde podemos observar uma formação padronizada e aligeirada, com ênfase na técnica e na utilização de recursos pautados em modelos administrativos, como o franchising e a mercadorização de artigos relacionados à capoeira.111 109 Comunidades tribais, que viveram sob o modo de produção comunista primitivo, ensinavam às suas gerações o que deveria ser lembrado, cultivado e guardado. 110 Utilizamos aqui a ideia de Gohn (1999). 111 Nossas observações acima devem estar resguardadas às devidas proporções, pois, ao mesmo tempo em que o capoeira necessita sobreviver nesta sociedade, vendendo sua força de trabalho, testemunhamos diversas iniciativas educacionais, que se preocupam com a educação de sua comunidade, desenvolvendo trabalhos sociais, sem fins lucrativos, e enfocando a capoeira enquanto cultura ancestral, que deve ter sua continuidade baseada nas matrizes africanas e afro-brasileiras. 65 2.3 Capoeira e Políticas Culturais: ‘volta que o mundo deu’ Antes mundo era pequeno Porque Terra era grande Hoje mundo é muito grande Porque Terra é pequena Do tamanho da antena parabolicamará Ê volta do mundo, camará Ê, ê, mundo dá volta, camará Esse tempo nunca passa Não é de ontem nem de hoje Mora no som da cabaça Nem tá preso nem foge No instante que tange o berimbau Meu camará Ê volta do mundo, camará 112 Ê, ê, mundo dá volta, camará Martin Cézar Feijó, autor do livro O que é política cultural, um dos primeiros a escrever sobre esse tema, no Brasil, defende que: “A cultura é um elemento da política. Há quem veja a política como um momento da cultura. De qualquer forma, desde que existe política também existe elaboração cultural e uma ação comum em torno dela” (FEIJÓ, 1990, p. 123). Aceitamos a reflexão de que cultura seja um elemento da política e de que, existindo a política, as elaborações culturais estarão presentes, porém essas elaborações não estão totalmente sujeitas à existência do Estado. A capoeira exemplifica isso muito bem. Não precisou do Estado para se difundir pelo mundo, nem para atender, culturalmente falando, as camadas mais baixas, realizando inclusive trabalhos socioeducativos. Lembremos Karl Marx e Friedrich Engels, em sua famosa obra A ideologia alemã, quando afirmam: “Não é o Estado que cria a sociedade civil, conforme pretendia Hegel. Ao contrário, é a sociedade civil que cria o Estado. A sociedade civil é o verdadeiro lar e cenário da história [...]” (MARX; ENGELS, 1998, p. 31). Constatamos isso no capítulo anterior, quando discutimos o desenvolvimento da capoeira, antes mesmo de estar inserida nas políticas culturais contemporâneas, quando irá desenvolver um grande serviço, sem essa intenção, à sociedade capitalista, ao cuidar das mazelas sociais produzidas pelas suas próprias 112 Música Parabolicamará. Canta: Gilberto Gil. 66 contradições.113 A cultura está viva, transcorrendo todo o tempo na sociedade. O Estado, em determinado momento, a vasculariza, ora em determinadas áreas, ora envolvendo determinado grupos e ações, dando visibilidade e democratizando certos conhecimentos.114 Na nossa sociedade, a temática da cultura exprime a incompatibilidade marcante entre as produções culturais oriundas das camadas mais populares e trabalhadoras e as produções provenientes dos que detêm o poder e o capital.115 Quando o músico Gilberto Gil assume o MinC, sua gestão estabelece um novo olhar sobre a cultura, imprimindo um trato diferenciado, incomum até então, na gestão dessa área. E o que entendo por cultura vai muito além do âmbito restrito e restritivo das concepções acadêmicas, ou dos ritos e da liturgia de uma suposta ‘classe artística e intelectual’. Cultura, como alguém já disse, não é apenas ‘uma espécie de ignorância que distingue os estudiosos’. Nem somente o que se produz no âmbito das formas canonizadas pelos códigos ocidentais, com as suas hierarquias suspeitas [...]. (GIL, 2003) Essas são as primeiras palavras proferidas publicamente pelo então ministro da cultura Gilberto Gil. Em seu discurso oficial, o primeiro gestor negro da pasta, na história de um país miscigenado, deixa claro o seu entendimento de cultura, que iria de encontro à visão habitual. Ele anunciava a quebra de um paradigma estabelecido desde a criação do MinC, em meados da década de 1980. O conceito de cultura estabelecido contrapõe-se ao trato efetivado em gestões anteriores do MinC, tais como a supervalorização das produções de um determinado grupo e o desprezo às manifestações e ao modo de vida dos coletivos menos favorecidos da sociedade. Ele anuncia, na sua alocução, um entendimento de cultura, em uma lógica antropológica que a entende como uma construção cotidiana e sua geradora constante. Trata-se de uma visão muito mais dilatada da categoria em questão. Em seu surgimento, o termo cultura designava uma relação do ser humano 113 Mais fortemente, a partir da década de 1930. O pleito para o destino da capilarização das ações culturais se constitui em política. A disputa entre grupos antagônicos das diferentes classes estabelecidas socialmente, representações e símbolos, além de disposições políticas personalizadas destinarão atendimento às áreas culturais, em determinada gestão. 115 Historicamente, as ações culturais eleitas pelos burgueses como suas preferidas têm significativamente orientado os caminhos da produção, divulgação e manutenção da cultura no país. 114 67 com a natureza. Era o ato de cultivar e estava relacionado à terra – à produtividade e ao trabalho. Consideraremos pesquisadores neste campo, autores como Eagleton (2005) e Gramsci (1966), para aprofundarmos essa discussão. Se cultura significa cultivo, um cuidar, que é ativo, daquilo que cresce naturalmente, o termo sugere uma dialética entre o artificial e o natural, entre o que fazemos ao mundo e o que o mundo nos faz [...]. Numa outra virada dialética, os meios culturais que utilizamos para transformar a natureza são eles próprios derivados dela. (EAGLETON, 2005, p. 11) Mesmo depois de sua desvinculação de Portugal, quando o Brasil deixou de ser colônia, com o advento da independência, a Europa continuou a exercer uma forte influência em nossa vida cultural. A nossa língua, a religião católica, o carnaval, as festas juninas, o modelo educacional institucional, lendas, jogos infantis, arquitetura, dentre outros, foram elementos que aqui se enraizaram.116 A concepção de cultura que ficou enraizada na educação também não privilegiou a conscientização da população acerca da importância da preservação e valorização da nossa própria cultura. A sociedade perpetuou as ideias veiculadas na época, de biologização, superioridade e de elitização da cultura. A ideia de cultura, então, significa uma dupla recusa: do determinismo orgânico por um lado e da autonomia do espírito, por outro. É uma rejeição tanto do naturalismo como do idealismo, insistindo contra o primeiro, que existe algo na natureza que a excede e a anula, e, contra o idealismo, que mesmo o mais nobre agir humano tem suas raízes humildes em nossa biologia e no ambiente natural. (EAGLETON, 2005, p. 14) Em discurso realizado, o então Ministro Gilberto Gil enfatizou: “[…] a dificuldade histórica deste reconhecimento pelo Estado se explica justamente pelas origens da capoeira serem parte do contexto sócio-cultural dos negros na sociedade” (GIL, 2004). O fato é que, somente no século XXI, há um avanço para o reconhecimento 116 A cultura europeia fixou-se a partir da nobreza e posteriormente da burguesia oligárquica, em seguida industrial, no nosso país, reforçada por um modelo de educação eurocêntrico e, posteriormente, sob forte influência norte-americana. É claro que nossa formação cultural exprime costumes, crenças, tradições e fazeres da cultura negra e indígena, todavia as mesmas não significam, hegemonicamente falando, um projeto de construção, valorização, reconhecimento e conscientização cultural. Assim, tais manifestações são retratadas e reduzidas, na história da construção política cultural do nosso país, a meras atividades folclóricas e turísticas, com ênfase mercantilista e de entretenimento, sempre maquiadas em nome de uma estética burguesa e sob padrões exóticos, aos olhos alheios. Isso é reforçado pelos nossos programas educacionais e pela mídia, fazendo com que um determinado discurso se torne legitimador e único, pela sua constante reprodução. 68 institucional dessa prática. Com o governo Lula, através do trabalho desenvolvido pelo MinC, tem-se, pela primeira vez na história do Brasil, um outro entendimento do conceito de cultura. A cultura passa não mais a ser um conhecimento acessível apenas às classes burguesas, ou algo que se constitui apenas no campo erudito. Ela é tratada como uma resultante dos vários tipos de conhecimentos construídos socialmente por todas as esferas da sociedade, por todas as classes e em todo o território. Representa não somente construções de concreto, mas os rituais, o conhecimento dos velhos mestres da cultura popular, a pintura corporal indígena, a forma de fazer coisas, dentre outros meios de representação. Essa proposta fica clara na defesa do ex-Secretário Executivo do MinC, e depois Ministro, Juca Ferreira, em documento oficial: “Trata-se de uma compreensão de cultura como dimensão simbólica da vida social, como direito de cidadania, direito de todos os brasileiros e como uma economia poderosa, geradora de ocupação e renda” (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2006). Compreendemos cultura, assim como Eagleton (2005), quando destaca que, apesar de ser um termo difícil de conceituar, se encontra, etimologicamente e historicamente, ligado a natureza e compreende uma tensão constante entre fazer e ser feito. O autor defende que pairam no ar noções de cultura, sendo uma delas, debilitantemente ampla e [a] outra desconfortavelmente rígida, e que o desafio é ir além do que está posto. Enfim: “a cultura não é unicamente aquilo de que vivemos. Ela também é, em grande medida, aquilo para o que vivemos” (EAGLETON, 2005, p. 184). Para outro intelectual marxista italiano, a socialização da cultura, está diretamente ligada ao movimento da práxis, que aproveitará situações propícias para se consolidar enquanto uma realidade concreta. Criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas ‘originais’; significa também, e sobretudo, difundir criticamente verdades já descobertas, ‘socializá-las’ por assim dizer; transformá-las, portanto, em base de ações vitais, em elemento de coordenação e de ordem intelectual e moral. (GRAMSCI, 1966, p. 13) A capoeira enquadra-se muito bem nessa concepção, e há tempos vinha, em seu movimento, tentando um reconhecimento na sociedade brasileira que, dialeticamente e constantemente, ora a reconhece como uma produção cultural 69 nacional, ora a renega e discrimina. Entretanto, conseguiu, a partir da gestão do ministro Gilberto Gil, ganhar notoriedade e destaque em ações desenvolvidas pelo MinC, como os Pontos de Cultura, a Capoeira Viva e as políticas de Patrimônio. A cultura ao lado da educação, em uma perspectiva revolucionária, possui um poder de transformação social muito grande e se estabelece como ameaça constante para a burguesia dominante no país, que sempre tentou desvalorizar, expropriar e, quando não possuía alternativa, cooptar e ressignificar a cultura oriunda das classes mais populares e trabalhadoras. Tudo para cultivar a sua manutenção no poder, utilizando como estratégia a privatização da cultura.117 Já é sabido dos estudiosos da área de política que foi na Grécia que tudo teve início. Também é célebre a frase do filósofo Aristóteles, afirmando que o homem é um ser político. A história da política cultural também advém daquela região. Conforme Feijó (1990), o general grego Péricles, que se tornou governador de Atenas, estabeleceu critérios que envolviam, desde a arquitetura até o teatro.118 Finalmente, Feijó (1990) conclui que: (1) a política sempre se ocupou da cultura; (2) na maioria das vezes, a cultura tem sido incentivada de acordo com os interesses políticos e econômicos dominantes; (3) quando a cultura ultrapassou os limites permitidos, foi reprimida; (4) mas também, a produção cultural, quando organizada e consciente, provocou ou deu contribuição decisiva para as transformações históricas. Registramos aqui que nem toda política cultural é pública. Segundo Abad (apud LEIRO, 2004), as políticas, para serem consideradas públicas, precisam de controle pelo cidadão, gerar desenvolvimento das instituições e, de forma apropriada, prover gestão democrática para, em seu sentido e significado, do mais restrito (relação Estado e sociedade) ao mais amplo (convivência cidadã) venham a ser implantadas continuamente, atendendo a demandas. As políticas culturais também estão inseridas na política pública, todavia nem sempre se manifestam a partir dela. São bastante conhecidos os pensamentos de Néstor Canclini sobre esse termo, quando ele afirma: “Los estudios recientes tieden 117 Sem democratização educacional e cultural, o poder estava assegurado a uma determinada classe. 118 O autor ainda destaca a cidade de Roma que, no governo de Otávio Augusto, instituiu uma política de cultura, com estímulos em forma de patrocínios de obras que engrandecessem o Império. Esse mecenato ganhará força no Renascimento, na Idade Média. Este autor traz, ainda, fatos históricos pontuais para concluir sua linha de raciocínio sobre a política cultural na história. As ações a que o autor denomina de política cultural não se atrelavam ainda ao termo em questão, pois são as ações cujos direcionamentos o fazem interpretar dessa maneira. 70 a incluir bajo este concepto al conjunto de intervenciones realizadas por el estado, las instituciones civiles y los grupos comunitários organizados a fin de orientar El desarrollo simbólico [...]”119 (CANCLINI, 2005, p. 78). Eduardo Nivón Bolán, citado por Calabre (2007), informa-nos que é por volta da década de 1950, que a política cultural surge como uma ação global e organizada. Diversos são os autores que irão caracterizá-la. Essas caracterizações diversas não se distanciam, ao contrário, se aproximam. Política cultural é entendida habitualmente como programa de intervenções realizadas pelo Estado, instituições civis, entidades privadas ou grupos comunitários com o objetivo de satisfazer as necessidades culturais da população e promover o desenvolvimento de suas representações simbólicas. (COELHO, 2004, p. 293) Até os anos de 1930, como vimos, a capoeira não será encarada pela política brasileira, muito mais do que já relatamos.120 Apesar de já reconhecermos o trabalho de perpetuação cultural desta manifestação, assim como a sua incrível adaptabilidade à sociedade, que ora a tratava como luta, ora como ginástica ou esporte, ora como atração turística e/ou como símbolo de brasilidade e identidade nacional, dentre outros. Feijó (1990) destaca, assim como Rubim (2007),121 que “a relação entre cultura e política no Brasil começou a se tornar mais clara com o advento da República” (FEIJÓ, 1990, p. 147). Analisando seus escritos, identificamos que, nos primeiros anos de República nova, o Brasil ainda se encontrava no ostracismo cultural, pois atitudes provincianas e cosmopolitas davam o tom de subdesenvolvimento à nação. Realmente, há uma elevada intervenção do Estado sobre a área cultural, 119 Estudos recentes tedem a incluir, sob este conceito, o conjunto de intervenções do Estado, instituições civis e grupos comunitários organizados para orientar o desenvolvimento simbólico. (Tradução nossa) 120 A capoeira configuraria as páginas dos jornais enchendo os noticiários policiais, com crimes e conchavos políticos. Até nos momentos de guerra ou conflito, quando estava posto o êxito do capoeira, sua história daquele momento seria apagada ou renegada, apesar de sua grande contribuição. Os jornais estampariam também cartas da época, criticando-a, rebaixando-a a ato marginal, em processos criminais, o que, mais tarde, na República, ganharia um artigo no código penal. 121 Rubim (2007) não julgará suficiente a ação do Império, nem da República até os anos de 1930, em relação à área cultural. Ele defenderá que estes momentos históricos não tiveram a capacidade de construir, efetivamente, um cenário propício às políticas culturais, que surgiriam, com suas características peculiares, apenas mais tarde. Em consequência disto, temos um incentivo para o desenvolvimento e o fortalecimento da cultura nacional, que é muito superficial, e um caráter hipertardio das políticas culturais em nosso território. 71 incluindo a criação de instituições e órgãos importantes para a área, dos quais destacamos aqui o Ministério da Educação, na época de sua instituição, atrelado à Saúde. Oliveira (2008) e Ortiz (2006) reforçam essa opinião, destacando ainda a criação do SPHAN,122 o Instituto Nacional do Livro (INL), o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) que teve, como uma de suas iniciativas, a organização da revista Cultura Política,123 o Instituto Nacional do Cinema Educativo (Ince) e o programa de rádio A Hora do Brasil, somente para citar algumas dessas iniciativas. O fortalecimento da área cultural realmente acontece no período do governo de Getúlio Vargas. A capoeira e seus praticantes se beneficiaram nesta fase. Barbalho (2007), Calabre (2007) e Rubim (2007) concordam que nesse momento há a construção de uma identidade nacional,124 a institucionalização da área da cultura, o fortalecimento da indústria cultural e o surgimento das primeiras universidades. Essas ações, posteriormente, se transfigurarão em políticas culturais. De acordo com Warnier (2003), as políticas culturais baseiam-se em três constatações: a) as indústrias culturais são um ramo importante da economia; b) a mídia está incluída como um setor das indústrias da cultura; e c) a transmissão dessas tradições culturais se apoia no patrimônio herdado do passado. Ela se caracteriza, ainda, por ser um: “Conjunto de intervenções dos diversos agentes no campo cultural com o objetivo de obter um consenso de apoio para a manutenção de um certo tipo de ordem política e social ou para uma iniciativa de transformação social” (COELHO, 2004, p. 294). Assim sendo, conforme Warnier (2003), três aspectos estarão presentes em qualquer ação de política cultural: o desenvolvimento econômico, o acesso e o controle da informação-comunicação e a socialização dos indivíduos e a difusão do patrimônio cultural e de identidade.125 Ressaltamos também que este autor defende que essa transmissão cultural 122 Segundo Rubim (2007), em 1937, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) foi criado através de uma proposta encomendada pelo então Ministro de Educação e Saúde, Gustavo Capanema, a Mário de Andrade, chefe do Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo. A criação desse órgão, que posteriormente se transformará no Instituto de Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN), fortalecerá o início das políticas culturais em nosso país. 123 A revista Cultura Política será um instrumento de divulgação da visão que identifica a cultura como a essência da nacionalidade. 124 As ideias e ações para o desenvolvimento de uma identidade nacional têm início no Império. 125 Grifos nossos. 72 não está desvinculada da educação. Não há como dissociar educação e cultura. Uma política cultural deve vislumbrar sempre os impactos educacionais e de formação gerados por suas ações. Cabe ao Estado definir uma política cultural e arbitrar entre os interesses setoriais implicados na gestão do patrimônio e das indústrias culturais [...]. No âmbito nacional, o Estado gerencia o patrimônio nacional dos monumentos, museus, artes e tradições populares, apoia as indústrias culturais e apoia espetáculos que não poderiam subsistir sem auxílio público, favorece as atividades culturais e artísticas no conjunto do sistema educativo, estimula o mecenato privado com sua política fiscal. (WARNIER, 2003, p. 108) Esta concepção também se apresenta em nossas intenções. Ao estudarmos a política cultural, especificamente as ações voltadas para a capoeira, queremos considerar os impactos destas políticas na formação humana.126 Quanto à intervenção do Estado, não devemos esquecer que “Assim como o Estado é o Estado dominante, as ideias da classe dominante são as ideias dominantes de cada época” (MARX; ENGELS, 1998, p. 32). O projeto do Estado Novo e de Vargas, no campo econômico, atrelava-se à independência; no campo da política, buscava a integração; e, no campo social, a unificação. Uma das características do Estado Novo e da Era de Vargas, apontada por pesquisadores dessa fase de nossa história, foi a cooptação de intelectuais no campo das comunicações, da educação e da cultura. Tal movimento se fará presente também na capoeira, com um movimento iniciado na Bahia. Mestre Bimba, ao se relacionar com intelectuais da Faculdade de Medicina, inicia uma reorganização da capoeira. Orientado por estes, dos quais destacamos aqui José Sisnando Lima e Ângelo Decânio Filho, o mestre estrutura disciplinarmente e pedagogicamente a capoeira, denominando-a, num primeiro momento, de Luta Regional Baiana. No site da Câmara Municipal encontramos um registro da pedra fundamental da Regional,127 que cita um de seus parlamentares e, por um período, prefeito: Cearense natural da cidade de Crato, José Sisnando Lima formou-se pela Faculdade de Medicina de Salvador, tornando-se especialista em neuropsiquiatria. Clinicou em Santa Bárbara, seguindo depois para o sul do Ceará e norte de Minas. [...] Eleito vereador em 1958, chegou à presidência da 126 A formação cultural mais crítica, consciente ou não, perpassa por um processo de intencionalidades, de ideologias e de contradições. 127 Conforme Ângelo Decânio Filho. 73 Câmara e, nesta condição, substituiu o então prefeito Arnold Silva por quatro meses, no ano de 1962. (CÂMARA MUNICIPAL DE FEIRA DE SANTANA, 2011) José Sisnando Lima já gozava há muito de determinado status social, com boa inserção na alta sociedade baiana. [...] foi através da adesão e insistência de José Sisnando Lima à ‘capoeira de Bimba’, e com sua proximidade junto ao interventor do Estado da Bahia na década de 1930, que foi possível sua participação no processo de impulsionamento da capoeira, tornando-se a partir daí, o ‘braço direito’ de Mestre Bimba. (ABIB, 2009, p. 151) A relação com o mundo acadêmico desenvolveu certo hibridismo nessa nova capoeira. Podemos notar isso, não somente em sua organização pedagógica, influenciada pelos métodos de ginástica, mas também nas nomenclaturas utilizadas na Regional, tais como: formatura, batizado, graduação, orador e paraninfo. Em grande parte, tais termos perduram até a atualidade. Nesse processo, a Educação Física, para o Estado Novo, é considerada como uma cultura atrelada à Educação. Nessa peleja, a cultura denominada de popular, por alguns estudiosos, sempre saiu em desvantagem. Nas disputas políticas e na preferência das classes sociais, que detinham o poder, muitas vezes, ela se tornou invisível na história do país. A própria dinâmica do desenvolvimento societal, alicerçada por políticas educacionais pautadas em modelos eurocêntricos, impôs o desuso, a exclusão, o desaparecimento e (ou) a ressignificação de várias dessas manifestações.128 Com a descriminalização da capoeira e também a partir de grandes modificações em sua prática, ela se torna mais acessível a uma parcela mais abastada da sociedade, ampliando dessa forma as possibilidades de sua inserção social. Vale lembrar que, apesar do movimento getulista querer insuflar um espírito nacional nos brasileiros, não encontramos ainda uma política cultural, mas, sim, ações que prepararão o terreno para seu estabelecimento, tempos depois.129 128 A capoeira enquadra-se nas manifestações que precisaram ser modificadas e adequadas para que fossem aceitas socialmente. A sociedade brasileira não iria tolerar algo que nasceu nas ruas, a partir de uma cultura de negros, africanos e afro-brasileiros escravizados, salvo se não sofresse sérias modificações em suas estruturas. Nessa lógica, surgem os projetos de ginasticalização, de esportivização e de nacionalização impostos, principalmente, na década de 1930. 129 As ações na área da cultura, por parte da política nacionalista da era getulista, e posteriormente do movimento militar, fortaleceram, em determinadas medidas, o amadurecimento do país frente ao reconhecimento de alguns símbolos, a necessidade de preservação, a salvaguarda e a valorização das produções culturais nacionais, ora de forma mais livre, ora de forma controlada, ao extremo, mas sempre com tensionamentos e disputas. 74 Para Calabre (2007), pode-se considerar que as gestões de Vargas foram responsáveis pela implementação das primeiras políticas públicas de cultura no país. Data dessa época a desvinculação de saúde e educação, e a vinculação da cultura à educação. Ganhando novas estruturas – o Ministério da Saúde – o antigo Ministério da Educação e Saúde passa a se chamar Ministério da Educação e Cultura (MEC), ficando responsável, dessa forma, pelos órgãos ligados à educação e à cultura.130 O desenho estava tomando forma e várias ações que tratavam a capoeira, na perspectiva do esporte – ora travestida de luta, ora realmente como prática esportiva –, foram simultaneamente e corriqueiramente assumindo forma. É imprescindível lembrar, conforme ressaltou Leiro (2004) em sua tese, que as atividades esportivas são práticas sociais que influenciam e são influenciadas pelas decisões políticas e econômicas. Estas, há tempos, intervêm no pensar e no fazer social. Mas, na década de 1960, logo no seu início, a história do país toma novo rumo, com a ascensão dos militares ao poder. O general Humberto de Alencar Castelo Branco assume as rédeas do país, alicerçado pelas forças militares. Na gestão de Castelo Branco, observamos, mais uma vez, a cooptação de intelectuais131 e, apesar da reforma política e da censura, notamos, nessa época, o desenvolvimento dos meios de comunicação no país e diversas ações significativas, no campo cultural, como a criação do Conselho Federal de Cultura (CFC), por meio do Decreto-Lei n° 74, de 21 de novembro de 1966. “[...] Já em 1966, durante o governo do Presidente Humberto de Alencar Castello Branco, foi instituída uma comissão para a criação do Conselho Federal de Cultura [...]” (BERBEL, 2011). O CFC tinha como objetivo substituir o Conselho Nacional de Cultura (CNC), criado em 1938, na Era Vargas, e recriado posteriormente em 1961. “O novo conselho tinha tanto sua representação quanto suas atribuições ampliadas, estando integrado às metas governamentais de revigorar a ação do Estado em diversas áreas, sobretudo na cultura” (CALABRE, 2006, p. 2). O projeto de nacionalização da capoeira para sua aceitação social continua, 130 Essas alterações ocorrem em 1953. Não será um momento de grandes expressões neste campo. Calabre (2006) afirma que, em fevereiro de 1967, o Conselho Federal de Cultura tomou posse, com a seguinte composição: Adonias Filho, Afonso Arinos, Ariano Suassuna, Armando Schnoor, Arthur Reis, Augusto Meyer, Cassiano Ricardo, Clarival Valladares, Djacir Lima Menezes, Gilberto Freire, Gustavo Corção, Hélio Viana, João Guimarães Rosa, José Cândido de Andrade Muricy, Josué Montello, D. Marcos Barbosa, Manuel Diegues Junior, Moysés Vellinho, Otávio de Faria, Pedro Calmon, Rachel de Queiroz, Raymundo de Castro Maia, Roberto Burle Marx, Rodrigo Mello Franco. Todos são intelectuais de reconhecida importância e projeção nacional. 131 75 com as forças armadas tendo para si a responsabilidade de colocá-lo em prática.132 Neste sentido, ao ‘disciplinar prioridades’, sob a vigência do regime militar, a cultura não foi esquecida. Pelo contrário, a construção da política cultural do regime militar, segundo Vanderli Maria da Silva (2001), obedeceu à Doutrina da Escola Superior de Guerra. (BERBEL, 2011) Não é por acaso, que o I e o II simpósios de capoeira aconteceram na década de 1960, sob o patrocínio das Forças Armadas.133 Conforme Almeida (1982), mestre Bimba foi convidado para os dois eventos, porém somente participou do último, que acabou abandonando, no segundo dia, pois não concordava com uma de suas pautas: a unificação da capoeira. Essa demanda está diretamente relacionada à lógica do esporte moderno, mais especificamente, ao modelo de alto rendimento, regulamentado e universalizado, assim como o protótipo de institucionalização da cultura, anexado aos símbolos nacionais, e aliado à autoridade estatal, sob o suposto pretexto de organização. Na década de 1970, tivemos o apogeu da Ditadura Militar, bem como sua crise. Intensas atividades de repressão marcaram essa época. Muitas perseguições e exílios, bem como alta censura, o que não significou necessariamente um retrocesso no âmbito cultural. As Forças Armadas tomaram as rédeas, a fim de dar continuidade ao projeto nacionalista e de controle do corpo social. Para isso, era preciso fortalecer a esportivização da capoeira e uma das estratégias era regulamentá-la. Fato que ocorre em 1972, com a aprovação do Regulamento Técnico da Capoeira, pelo Conselho Nacional de Desportos (CND). Mesmo a contragosto de Bimba e de numerosos integrantes da capoeira, essa manifestação será transfigurada em prática esportiva e é a Regional que vai servir como modelo para a sua esportivização e todas as caracterizações impostas. Ela será a base que fortalecerá a concepção da capoeira como um esporte de alto rendimento veiculado pelas distintas federações e confederações e todos os seus cacoetes,134 oriundos do seu submundo. Na década de 1980, o Brasil, na gestão do ex-presidente maranhense José 132 Em 1961, o professor Lamartine Pereira Costa publica, pela Ediouro, Capoeiragem: a arte da defesa pessoal brasileira e, logo em seguida, em 1962, o famoso Capoeira sem Mestre. 133 Mais especificamente em 1968 e 1969. 134 Exacerbação da técnica, cartolagem, espetacularização, racionalização, burocratização, quantificação e mercadorização, dentre outros. 76 Ribamar Ferreira Araújo da Costa Sarney, dá-se um grande passo para o desenvolvimento das políticas culturais, através do Decreto 91.144 que cria o Ministério da Educação e Cultura.135 Foram trinta e dois anos vinculados à Educação (1953-1985), para, em seguida, o Estado reconhecer a necessidade e a importância da autonomia da cultura. Até 2008, foram 12 ministros da cultura, o primeiro foi José Aparecido de Oliveira, no governo Sarney. No Governo Lula, depois de Gilberto Gil, assumiu a pasta Juca Ferreira. Após a assunção de Dilma Rousseff, a primeira presidenta do Brasil, será também uma mulher – Ana de Hollanda – a assumir ineditamente o cargo, quebrando um mandato masculino de 26 anos. Atualmente, a pasta tem o comando de outra representante do gênero, a psicóloga Marta Suplicy. Mas antes de chegarmos à atualidade, a cultura no país sofreria o seu pior retrocesso, politicamente falando. Ao ser eleito, em 1990, o até então presidente Fernando Afonso Collor de Mello dá início à implantação das políticas neoliberais no país, caracterizadas pela redução do poder do Estado, através de privatizações, desregulamentação do trabalho e regulamentação do trabalhador, somente para citar algumas ações. Implanta o Plano Collor, que logo em seguida levará o país a uma recessão. Com a ascensão do carioca Fernando Collor de Mello ao poder, observamos também a redução do MinC a uma Secretaria da Cultura, vinculada diretamente à Presidência da República. Retrocesso lamentável para as políticas culturais do país. O primeiro ministro da cultura, Francisco Correia Weffort, após a era Collor, explicita sua visão, em entrevista, anos após sua gestão: O Collor teve que construir a sua imagem anti-Sarney [...]. E o Sarney tinha feito uma lei de cultura – quem fez a lei, na verdade, foi o Celso Furtado, mas de qualquer maneira, foi chamada Lei Sarney. O Collor era o ferrabrás do moralismo. Atacou a Lei Sarney com tudo que pôde. Pessoalmente, acho que houve um erro grave. [...] Acabaram com a Lei Sarney quando deveriam ter acabado com as incorreções da Lei Sarney. O erro básico é este. (PRODUÇÃO CULTURAL NO BRASIL, 2010, p 5) O pano de fundo que fez com que o então presidente Collor de Melo reduzisse o MinC a uma secretaria, para Weffort, foram supostas fraudes relacionadas à Lei Sarney. 135 No cargo do novo Ministério estava o pernambucano Marco Antônio de Oliveira Marciel, que, a partir desta ação, agora ficaria somente com a responsabilidade sobre a pasta da educação. 77 [...] O Collor aproveitou a onda de supostas fraudes e acabou com a Lei Sarney, reformou o Iphan, reformou a Funarte, várias instituições culturais. Que eu saiba não beneficiou nenhuma. O que o período Collor deixou de benéfico – e eu não sei se é da influência direta dele ou de algum dos seus ministros – foi a Lei Rouanet. [...] A outra lei que começa no período Collor é a lei do cinema, a Lei do Audiovisual, desenvolvida pelo Antônio Houaiss. (PRODUÇÃO CULTURAL NO BRASIL, 2010, p 6) Essa situação foi revertida após o impeachment de Collor. Em 19 de novembro de 1992, o MinC ressuscita, pela lei nº 8.490, já no governo do presidente Itamar Franco. Weffort discute o que encontrou, quando chegou ao MinC, e continua sua digressão, a respeito da gestão cultural na era Collor de Melo: [...] encontrei a Lei Rouanet e a lei do cinema, que são leis importantes com todos os defeitos que possam ter. Encontrei algumas experiências deixadas pelas administrações anteriores, como o programa de bandas de música. Encontrei uma proposta extremamente interessante de recuperação da documentação histórica brasileira na Europa, do período do Descobrimento até a Independência. E também frangalhos das instituições do Ministério da Cultura, especialmente da Funarte. [...] Havia um clima de muita desesperança na cultura [...]. Collor deixou, fora a Lei Rouanet, um clima de depressão. [...] O período da minha administração foi um grande esforço de recuperar a possibilidade de um Ministério da Cultura [...]. (PRODUÇÃO CULTURAL NO BRASIL, 2010, p 6) Na gestão FHC, já no final da década de 1990, observamos grandes mudanças nas áreas da educação e da cultura, graças à globalização e às transformações no mundo do trabalho e do modelo político.136 No texto Políticas Culturais no Brasil: tristes tradições, enormes desafios, Rubim (2007) nos repassa a informação de que a primeira lei brasileira de incentivos fiscais, para financiar a cultura, nos remete o ano de 1986, época do governo de José Sarney. Esta legislação, atualmente extinta, cedeu lugar à Lei Rouanet. Essa política, no geral, irá dar o tom do governo neoliberal de FHC. Cultura é um bom negócio é a publicação do MinC, no governo FHC, e na gestão do ex-ministro Francisco Weffort. Este livreto, espécie de cartilha do MinC produzida na gestão do então ministro, destaca o rumo e o trato com a cultura, na gestão FHC. O próprio Weffort reafirma sua posição frente às leis de incentivo fiscal, confirmando a sua postura, anos atrás, quando ainda era ministro. 136 Iniciadas por Collor e continuadas por FHC, no Brasil, essas reformas podem ser resumidas nas palavras: terceirização, precarização, burocratização e institucionalização. 78 Sempre acreditei que o Estado tem o dever da cultura, tanto quanto o dever da educação. Isso não significa que deva haver dirigismo de Estado para a cultura, como não deve haver dirigismo para a educação. [...] A política da cultura deve trabalhar com ‘duas mãos’: fundos públicos, que devem ser aplicados a fundo perdido, e a possibilidade de captar recursos nas empresas com dedução fiscal. (PRODUÇÃO CULTURAL NO BRASIL, 2010, p. 7). Intelectuais e artistas acusam Weffort137 de não se preocupar com a cultura popular, direcionando enfaticamente o Minc, durante a sua gestão, às políticas de financiamento através das leis de incentivo como política cultural. Assim o fará Castello (apud RUBIM, 2007), quando nos chama a atenção sobre o perigo de nos enganarmos, uma vez que as leis de incentivo criam uma aparência que pode esconder a ausência de uma política cultural. Concordamos com Castello (apud RUBIM, 2007), que ratificará a postura do ex-ministro, citando o Fundo de Investimento em Cultura e Arte (FICART) como algo muito mais voltado para apoiar uma cultura relacionada aos moldes capitalistas. Será o Fundo Nacional de Cultura, que empoderava o ministro e finalmente as leis de incentivo, que, em primeira instância, orquestrará as ações de apoio à cultura. Nesse caso, em especial os números não mentem: [...] no governo Itamar somente 72 empresas usaram as leis (CASTELLO, 2002, p. 637), no governo Cardoso/Weffort este número cresceu, por exemplo, para 235 (1995); 614 (1996); 1133 (1997); 1061 (1998) e 1040 (1999), sendo que a queda que ocorre de 1997 em diante decorre do processo de privatização das estatais; que em geral investem mais em cultura que a iniciativa privada. (RUBIM, 2007, p. 27) Em entrevista a uma revista masculina de grande circulação, a cantora Maria Bethânia Vianna Telles Velloso faz uma crítica a essa forma de gestão da cultura, pelo ex-ministro: [...] não temos um ministério da cultura preparado. [...] Eu nem sabia que ele existia. Mas vi o ministro sendo entrevistado [...] e pensei: ‘Será que estou ficando pirada? Esse ministro é da cultura ou da economia?’ Durante 50 minutos ele só falou em verbas, dinheiro e outros palavrões. [...] de tradição ele não entende nada! (VELLOSO, 1996) A cantora ainda cobra uma maior sensibilidade para gerir um país com tão rica e diversa cultura. A capoeira, enquanto cultura popular terá, na gestão de 137 Ex-ministro e um dos fundadores do PT. 79 Weffort, uma invisibilidade, em consequência das políticas estabelecidas pelas ações da pasta, que priorizavam o mercado hegemônico, já estabelecido, de bens culturais que atendiam à demanda das camadas mais abastadas da sociedade.138 Em 2000, FHC, através do Decreto nº 3551/00 institui o registro de bens culturais de natureza imaterial, que constituem patrimônio cultural brasileiro e cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial139 (PNPI). Quatro livros para registro dos tombamentos são, então, criados: (1) livro dos saberes; (2) livro das celebrações; (3) livro das formas de expressão e (4) livro dos lugares. Essa ação de reconhecimento, de inventário e, consequentemente, de registro constitui-se em um marco e quebra do velho paradigma – de pedra e cal140 – das políticas adotadas até então pelo Estado brasileiro a respeito da noção de patrimônio histórico e cultural, no país. O Programa Nacional de Patrimônio Imaterial/PNPI, instituído pelo decreto 3551, de 4 de agosto de 2000, viabiliza projetos de identificação, reconhecimento, salvaguarda e dimensão imaterial do patrimônio cultural. É um programa de fomento que busca estabelecer parcerias com instituições dos governos federal, estadual e municipal, universidades, organizações não-governamentais, agências de desenvolvimento e organizações privadas ligadas à cultura, à pesquisa e ao financiamento. (PROGRAMA NACIONAL DE PATRIMÔNIO IMATERIAL, 2000, p. 1) Nesse sentido, precisamos reconhecer que determinadas ações, que serão efetivadas no governo Lula, se iniciam em processos históricos anteriores, algumas na gestão do seu antecessor. Estas todas, lhe darão sustentação e criarão a base e um momento propício para efetivar determinadas ações que consideraremos como avanços na área da política cultural. No capítulo seguinte, abordaremos as políticas culturais voltadas para a capoeira, que ganham força a partir de mudanças na política do país. Falamos da ascenção de Luiz Ignácio Lula da Silva e do Partido dos Trabalhadores ao poder. É uma nova forma de fazer política, desenvolvida a partir do início do século XXI, e, assim como a capoeira, tem uma influência na história do Brasil, o que se 138 Apesar dos pontos negativos que apresentamos na política de FHC, notamos também que foram ampliados os recursos do MinC, o que é bom. A estrutura do órgão foi reorganizada, segundo a lei nº 9.649, aprovada em 27 de maio de 1998. Ademais, todos esses órgãos federais têm sido importantes incentivadores e patrocinadores da cultura brasileira, apoiando diversos projetos e ações culturais. 139 Este Programa tem o objetivo de viabilizar projetos de identificação, reconhecimento, salvaguarda e promoção da dimensão imaterial do patrimônio. Sua ação constitui-se em fomento e estabelecimento de parcerias, com vários tipos de instituições relacionadas à cultura, ao financiamento e à pesquisa. 140 Como ficou conhecida a política de preservação de prédios, igrejas e monumentos. 80 repetirá na gestão dos primeiros ministros da cultura dessa nova fase. Antes, porém, ressaltaremos nossas estratégias para a realização da pesquisa. 2.4 O Caminho faz-se caminhando141 Quando não houver caminho Mesmo sem amor, sem direção A sós ninguém está sozinho É caminhando 142 Que se faz o caminho. Levando em conta que a capoeira é uma das principais manifestações da cultura brasileira, encontra-se hoje em diversos países, sendo uma das maiores divulgadoras da língua portuguesa/brasileira, e notoriamente reconhecida pelo seu potencial educacional e cultural, é imprescindível uma investigação desse fenômeno, no que tange à política cultural nessa área. Assim, o problema desta pesquisa se constitui na seguinte questão: quais as consequências das políticas culturais da capoeira para suas comunidades? Nosso objetivo é analisar as políticas culturais da capoeira, de sua proposição a seu desenvolvimento, para a formação humana. Com isso, queremos estabelecer uma análise das políticas culturais no Brasil para a capoeira, avaliando duas ações dessas políticas culturais: (a) capoeira viva, e b) políticas de patrimônio. Trata-se de analisar as consequências das políticas culturais da capoeira, junto aos capoeiristas e pesquisadores contemplados em editais, bem como seus impactos educacionais na comunidade da capoeira. Para compreender essa trama e discutir a capoeira como parte da recente política cultural brasileira, tomamos de empréstimo a ideia de “que nenhuma teoria pode ser tão boa a ponto de nos evitar erros” (KONDER, 2004, p. 43). Por isso, o nosso critério de compreensão acerca desses fenômenos, em última instância, será a prática social. Não são os teóricos e as teorias que conduzem nossas reflexões e análises 141 142 Referência à frase do poeta espanhol Antônio Machado. Enquanto houver Sol, música de autoria de Sérgio Brito. Canta: Titãs. 81 nesta pesquisa, mas sim os pensamentos. Estes são livres e não se aprisionam em caixas teóricas. Estabelecemos, neste trabalho, um diálogo aberto com diversos pensadores críticos e, a partir do nosso discernimento, formulamos críticas, ponderações, proposições, discordâncias e aquiescências. No livro Contribuição à crítica da economia política, Marx (2008) enfatiza, somente para exemplificar, a importância das “tradições”, quando discute a propriedade comunal dos eslavos. Dito isso, convém agora afirmarmos que o raciocínio desenvolvido ao longo do nosso trabalho “[...] não nega as ações exteriores e suas possibilidades de acarretar mudanças correspondentes nos fenômenos submetidos a essa ação. Mas, não reduz a causa do aparecimento e da existência de fenômenos às ações exteriores que eles sofrem [...]” (CHEPTULIN, 2004, p. 229). É importante também demarcar aqui que não procuraremos a explicação dos fenômenos fora deles mesmos, muito menos em outros. Para nós, a resposta está no próprio fenômeno e sua essência. Observando o surgimento e a historicidade da capoeira, bem como as relações estabelecidas entre esta e a sociedade, podemos entender seu movimento. Como percebemos, a capoeira surge em meio a uma sociedade explorada pelo colonizador, que implementou, naquele momento, um modo de produção escravocrata. Em seguida, o país inicia mudanças estruturais, consequência também de pressões externas, que desencadearão no modo de produção capitalista, ainda de forma bem rudimentar, no primeiro momento. Na atualidade, a capoeira também é consumida, ou seja, os seus produtores, ao produzi-la, a transformam, modificam a si próprios e também à natureza. Ao final, a consomem, e o que consomem nada mais é do que a síntese dessa relação, oriunda da própria natureza. Tudo isso nos proporciona uma riqueza muito grande, ao estudá-la e estabelecer uma tentativa de sua compreensão, enquanto fenômeno da atualidade, no recorte da política cultural. Entra aqui o modo como enxergamos esse fenômeno, bem como a realidade que emerge de suas relações. Sendo assim: “A realidade é interpretada não mediante a redução a algo diverso de si mesma, mas explicando-a com base na própria realidade, mediante o desenvolvimento e ilustração das suas faces, dos momentos do seu movimento” (KOSIK, 2002, p. 35). 82 Entendemos que a política cultural, desenvolvida pelo governo de um Estado que vive sob os auspícios do modo de produção capitalista, influencia nas consequências dessas ações. Estas, assim como suas contradições e as disputas que emergem do processo capitalista, são fulcrais para compreendermos os rumos que darão contorno a esta manifestação. O Estado não se constitui à margem da sociedade que o criou. Nossas análises considerarão esta questão como algo de fundo para o entendimento das políticas culturais e suas ações voltadas para a capoeira, assim como as diversas disputas dos coletivos que formam a sua comunidade. O caminho trilhado inicialmente foi acessar as produções históricas da capoeira e estabelecer um recorte, no que diz respeito a sua relação com a política. A história da capoeira e sua inserção na sociedade brasileira nos serviram de base para entendê-la e como ela mesma se relacionou com a política, em seus mais diversos aspectos. Sentimos essa necessidade, para termos propriedade de tratar, nesse momento, dos subsídios das políticas culturais voltadas para a capoeira, na contemporaneidade. Valemo-nos de autores que abordaram a capoeira, em uma perspectiva histórica, e a tratamos em um recorte político-social. Estes autores, trabalhados no capítulo anterior, nos ajudaram a compreender como essa manifestação foi se constituindo enquanto tal, com e pelo Estado brasileiro. Essa base histórica é, para nós, fundamental à nossa compreensão neste trabalho. Depois desse percurso, analisando as produções já realizadas nessa área e estabelecendo as devidas conexões às políticas, apresentaremos, de forma mais específica, nossas opções referentes ao trato metodológico. Quanto às técnicas de coleta de dados,143 trabalhamos com a análise documental e a entrevista semiestruturada. Continuando nossa pesquisa, utilizamos a análise documental para compreendermos documentos das políticas culturais, tais como: a) Edital Pontos de Cultura – Capoeira Viva 2005 – Edital 1; b) Capoeira Viva 2006 – Edital 1; c) Capoeira Viva 2007 – Edital 2; e d) Documentos das Políticas de Patrimônio Imaterial (Certidão de Registro, Dossiê e Salvaguarda). Durante as nossas investigações, descobrimos que um grupo de mestres de 143 Conforme Minayo (2008). 83 capoeira foi convocado a auxiliar o grupo que se encontrava à frente do primeiro edital do PCV, em suas proposições referentes à capoeira. Dessa forma, constituiuse um coletivo denominado de Conselho de Mestres. Participaram deste Conselho, dez mestres. Foi imperativo realizarmos entrevistas com alguns integrantes desse grupo, e seis deles colaboraram com nossas reflexões: Mestre Luiz Renato; Mestre Suíno; Mestre Janja; Mestre Itapoan; Mestre Camisa e Mestre Zulu. Entrevistamos mestres/pesquisadores de capoeira que foram beneficiados ou se envolveram diretamente na construção ou na execução de políticas culturais para a capoeira. Nessa ocasião, enfocamos dois contemplados do edital Pontos de Cultura, específico de capoeira; mais nove do primeiro edital do PCV – 2006, além de um depoimento e mais vinte e um do segundo edital do PCV – 2007. 1- Edital Cultura Viva – Capoeira: Nº NOME DO PROJETO GRUPO 1 Capoeira Instrumento Grupo de de Educação Malícia 2 Cidade Cidadã Capoeira CIDADE Ginga e Salvador Associação Lapense de Capoeira Bom Jesus da Lapa 2- Capoeira Viva 2006: 2.1 Seleção da Categoria Acervos Documentais Nº NOME PROJETO CIDADE 1 Frederico José de Abreu Acervo Fred Abreu Salvador 2 Gil Cavalcanti de Albuquerque Projeto Centro de Referência da Rio de Janeiro Capoeira Carioca 2.2 Incentivo a Produção de Pesquisa, Inventários e Documentação. Nº NOME PROJETO CIDADE 3 Elton Pereira Livro – Fundamentos da Capoeira Goiânia Raquel Silva/Bernardo Velloso Coleção Capoeira Viva Rio de Janeiro Conde e Izabel Ferreira Rodrigo Bruno Lima Mestre Ananias São Paulo 4 Jucimar Moraes de Souza Capoeira Frevendo na Tela 5 Raimundo Muniz Carvalho Rucungo – Pesquisa sobre São Luiz elementos ancestrais da capoeira em manifestações da cultura popular do Maranhão africano 1 2 Recife 84 2.3 Socioeducativos/Entidades Governamentais/ Grupo Informal/ Organização sem fins lucrativos Recolhimento de depoimento Nº 1 NOME DO PROJETO CIDADE Capoeira arte e luta-projeto social-educacional com crianças e Colombo PROJETO adolescentes portadores de necessidades especiais 2.4 Socioeducativos/Entidades Governamentais/ Grupo Informal Nº 1 NOME PROJETO Antônio César de Vargas LOCAL Encontro e Vivência: Capoeira Rio de Janeiro um veículo educacional 2.5 Seleção da Categoria Socioeducativos / Organizações sem fins lucrativos Nº 3 NOME José Reginaldo Moura PROJETO Ferreira de Projeto Criança Esporte e Cultura. LOCAL Capoeira, Tocantins 3- Capoeira Viva 2007: 3.1 Apoio a Ações Socioeducativas Nº NOME PROJETO CIDADE 1 Maria Luisa Bastos Pimenta Neves Capoeira É Nossa Berimbau e O Caxixi 2 Antônio Cesar de Vargas Encontro e Vivência – Capoeira Rio de Janeiro um veículo educacional. 3ª Edição 3 Gustávio da Silva Pinheiro Quilombo de Angola 4 Valdemiro Pereira Filho 5 Ivanildes Teixeira de Sena Projeto Sócio Cultural Quilombola Florianópolis “Capoeirando com as crianças e adolescentes”. Palmares em Nós Salvador 6 Jorge Estevão Ferreira Capoeira Práticas 7 Raphael Alves Vieira da Silva Projeto de Educação e Cultura Palmas Terra Brasil 8 Valter da Rocha Fernandes Projeto Capoeira Cidadã 9 Rodrigo Bruno Lima Casa Mestre Ananias – Centro São Paulo Paulistano de Capoeira Tradicional, Convivência e Cidadania Angola: Cor: O Salvador Cidade Góias Estudos de e Olinda Rio de Janeiro 3.2 Incentivo para projetos inéditos de estudos, pesquisas, inventários e 85 documentação sobre o desenvolvimento da capoeira Nº 1 2 3 NOME PROJETO Helio José Bastos Carneiro de Campos Elto Pereira de Brito - Mestre Suino Roberto Augusto A. Pereira CIDADE Uma Vida Na Capoeira Regional: Os Salvador Seguidores de Mestre Bimba A História da Capoeira De Goiás Goiânia Contada Por Seus Pioneiros: Mestre As Rodas de ruaSabú na capoeira do São Luiz Osvaldo E Mestre Maranhão da década de 1970. 3.3 Categoria: Apoio a Acervos Documentais N NOME PROJETO 1 Raimundo César Alves de Acervo Mestre Itapoan 2 4 5 Frederico Almeida José de Abreu José Tadeu Carneiro Cardoso João Ferreira Mulatinho Adegmar José da Silva 6 Rodrigo Bruno Lima 3 CIDADE Salvador Acervo Frede Abreu - Instituto Jair Salvador Acervo Camisa da Capoeira Rio de Moura Mestre ou Memorial Janeiro Pernambucana. Memorial da Capoeira Pernambucana Recife MUSCAP – Museu da Capoeira do Colombo Paraná Casa Mestre Ananias – Centro São Paulo Paulistano de Capoeira e Tradições Baianas 3.4 Ações relacionadas à capoeira por meio de mídias e suportes digitais, eletrônicos e audiovisuais, incluindo filmes, vídeos, exposições, instalações, sítios, portais e jogos eletrônicos, software livre e produtos correlatos e iniciativas de produção e difusão. N NOME PROJETO Pernas para Voar CIDADE 1 Ioná Pizzi Dourado 2 3 Antônio Liberac Cardoso Pesquisadores da Capoeira Muritiba Simões Pires Raimundo Muniz Carvalho Punga, Marimba e Pernada – Aspectos São Luiz da capoeiragem na cultura popular do Maranhão. 4 Matthias Röhrig Assunção Capoeira de Cacete São Paulo Rio Janeiro de 4 Políticas de Patrimônio Dentre os depoentes que contribuíram com nossas reflexões relacionadas às políticas de patrimônio, destacamos Gestores: Morena Salama e Franciane Simplício; Coordenadores: Maurício Barros de Castro e Wallace de Deus Barbosa; Equipe de Pesquisadores – Rio de Janeiro: Johnny Alvarez Menezes e Hugo de 86 Lemos Belluco; – Salvador: Amélia Conrado e Adriana Albert Dias; – Recife: Vânia Fialho, Izabel Cordeiro e Maria Jaidene Pires; Consultores: Frederico Abreu e Matthias Röhrig Assunção. Nossa pesquisa de campo foi fundamental para compreendermos o processo que envolveu as políticas culturais voltadas para a capoeira. Esforçamo-nos para envolver os cinco territórios brasileiros, com o objetivo de perceber o impacto das políticas voltadas para a capoeira em nosso país. A investigação buscou ouvir sujeitos que participaram, direta e indiretamente, destes processos, nas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Nosso trabalho divide-se em seis momentos. No primeiro momento, realizamos pesquisas no Estado da Bahia, na capital, Salvador, e no interior, em Cachoeira, Feira de Santana e em Bom Jesus da Lapa, efetuando entrevistas e levantamentos em fontes primárias, na Biblioteca Pública do Estado. Vale destacar nossa participação em eventos que discutiram o nosso objeto de estudo, como o VI e o VII Fórum de Políticas Culturais, ocorridos em Salvador, e Diálogos Culturais, na cidade de Cachoeira. O segundo momento abarcou três viagens ao Rio de Janeiro. Na primeira viagem, cursamos um seminário/disciplina intitulado Capoeira: cultura, patrimônio e identidade, no Programa de Pós-Graduação de História Comparada, do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ministrado pelo professor-doutor Luís Renato Vieira. Estabelecemos contato com o Museu da República e realizamos levantamentos e pesquisas na biblioteca Amadeu Amaral, do Museu do Folclore. Na segunda visita ao sudeste do país, fizemos entrevistas nas cidades do Rio de Janeiro e Niterói e pesquisamos materiais bibliográficos e midiáticos, novamente na biblioteca do Museu do Folclore, além de recolhermos materiais produzidos no PCV e no processo de reconhecimento da capoeira como patrimônio imaterial. Ademais, assistimos à aula da disciplina Cultura e Política: Sociologia da Cultura – IFC02906, ministrada pelos professores Myrian Sepúlveda dos Santos144 e Maurício Barros de Castro, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. Recolhemos algumas referências trabalhadas na disciplina e participamos das discussões que se acrescentaram a 144 Myrian dos Santos foi uma das autoras trabalhadas como referência desta tese. 87 nossas reflexões sobre cultura, memória e diversidade. Também aproveitamos para realizar coleta de material no grupo de pesquisa Arte, Cultura e Poder. Em nossa última visita ao Rio de Janeiro, conversamos com o coordenador da primeira edição do PCV, Rui Fernando Rodrigues Pereira, e levantamos documentos do projeto, antes inacessíveis, resgatando uma memória que até então permanecia perdida. Aproveitamos o ensejo e realizamos mais duas entrevistas com responsáveis por projetos aprovados na segunda experiência do PCV: um deles na categoria de mídia e outro socioeducativo. No terceiro momento, nos dirigimos a Goiás, Tocantins e a Brasília. Na cidade de Goiânia e na Cidade de Goiás, antigo Arraial de Sant’anna, realizamos entrevistas e recolhemos materiais produzidos através dos editais do PCV. Em Tocantins, realizamos entrevistas no município de Arraias e na capital, Palmas. Em Brasília, visitamos o IPHAN e realizamos levantamento e análise de documentos institucionais, bem como entrevistas com envolvidos diretamente nas ações do primeiro edital do PCV e de salvaguarda, além de gestores. Em seguida, fomos a Recife e tivemos a oportunidade de entrevistar os pesquisadores envolvidos na produção do dossiê sobre o inventário da capoeira, tendo em vista o seu reconhecimento como patrimônio imaterial. Também conversamos com dois participantes do segundo edital do PCV, que tiveram seus projetos aprovados. Visitamos o sul do país, realizando duas entrevistas nessa região. Recolhemos depoimentos no Estado do Paraná, onde, na capital, Curitiba, pudemos ouvir um dos contemplados no segundo edital do PCV e, em seguida, nos dirigimos a Santa Catarina, onde, também na capital, Florianópolis, realizamos entrevista com um mestre de capoeira que obteve êxito em seu projeto. Encerramos nossa pesquisa de campo, realizando duas entrevistas em São Paulo e mais duas no Maranhão, ambas com contemplados da primeira e segunda experiência do PCV. Um dos nossos entrevistados da região paulistana e outro da região maranhense tiveram suas propostas aprovadas em todas as edições. No segundo edital, o nosso entrevistado, na terra da garoa, conseguiu ter dois projetos atendidos, fato que merece destaque. 88 Projeto de Educação e Cultura Terra Brasil Punga, Marimba e Pernada – Aspectos da capoeiragem na cultura popular do Maranhão. Projeto Criança Capoeira, Esporte e Cultura. As Rodas de rua na capoeira do Maranhão da década de 1970. Patrimônio Salvaguarda PCV. e e Livro Fundamentos Capoeira. – da Memorial da Capoeira Pernambucana. Capoeira Angola: Estudos e Práticas. Capoeira Tela. na Patrimônio e Salvaguarda. A História da Capoeira De Goiás Contada Por Seus Pioneiros: Mestre Quilombo Angola Frevendo Acervos: Fred Abreu Mestre Itapoan. Pesquisadores Capoeira. de e da Palmares em Nós. Pernas para voar. Capoeira É Nossa Cor: O Berimbau e O Caxixi. Mestre Ananias/Casa do Mestre Ananias Patrimônio e Salvaguarda. Capoeira de Cacete. MUSCAP – Museu da Capoeira do Paraná. Projeto Capoeira Cidadã. Acervo Mestre Camisa. Capoeira arte e luta-projeto socialeducacional com crianças e adolescentes portadores de necessidades especiais. Patrimônio e Salvaguarda Projeto Sociocultural Quilombola: “Capoeirando com as crianças e adolescentes” Imagem 1: mapa da pesquisa. Nossa análise documental recaiu também sobre o material produzido para o reconhecimento da capoeira, enquanto patrimônio imaterial, momento histórico para a trajetória da capoeira. Esta, em especial, se encontra cada vez mais divulgada, espalhando-se pelo mundo. Já os detentores do seu saber, em especial os mestres, é que precisam ser valorizados e cuidados, principalmente após a salvaguarda do ofício de mestre de capoeira. Enfim, além das análises e do trabalho que envolve toda pesquisa desta natureza, foram realizadas quatro viagens municipais, nove viagens estaduais, uma viagem ao distrito federal, computando 48 entrevistas e quatro levantamentos em arquivos e bibliotecas. Nossa pesquisa tentou englobar todas as regiões do Brasil. As entrevistas e análises de materiais contemplaram todas as cinco regiões do país e envolveram 10 pesquisadores em formação, o que nos auxiliou na fase de 89 preparação do material de análise. Para estabelecer uma avaliação desses materiais, utilizamos princípios da Análise do Discurso (AD), como técnica de análise, assim como reflexões, na perspectiva dialética. Nosso objetivo foi estabelecer uma ponderação crítica, pois a AD constitui-se a partir de “uma proposta crítica que busca problematizar as formas de reflexão estabelecidas” (ORLANDI apud MINAYO, 2008, p. 319). Nossa opção está relacionada a uma ideia da obra Concepção dialética da história, quando o autor destaca: “Se é verdade que toda linguagem contém os elementos de uma concepção do mundo e de uma cultura, será igualmente verdade que, a partir da linguagem de cada um, é possível julgar da maior ou menor complexidade da sua concepção do mundo” (GRAMSCI, 1966, p. 13). Antes da AD, pensava-se que as palavras, as expressões tinham um fim em si mesmas. Era como se elas tivessem vida própria e falassem por si. Pêcheux (2006) irá nos esclarecer exatamente o contrário, destacando que o seu sentido se formulará a partir da realidade concreta do contexto societal que se vive e das condições objetivas de quem as pronuncia. O sentido de uma palavra, expressão, proposição não existe em si mesmo (isto é, em sua relação transparente com a literalidade do significante), mas é determinado pelas posições ideológicas colocadas em jogo no processo sócio-histórico em que palavras, expressões, proposições são produzidas (isto é, reproduzidas). (PÊCHEUX, 1997, p. 160) A palavra forma um texto. Nessa lógica, este não significa simplesmente um texto. Para a AD, texto é uma unidade complexa, com variados significados. Assim, o texto se configura a partir de várias possibilidades: de uma palavra somente, como já explicitado, a um documento completo. Distingue-se, ainda, de discurso, pois este último se constrói aqui a partir de um conceito analítico. O discurso é a linguagem em interação, com seus efeitos de superfície e representando relações estabelecidas. O texto consiste no discurso acabado para fins de análise [...], porém, o texto é infinitamente inacabado: a análise devolve sua incompletude, acenado para um jogo de múltiplas possibilidades interpretativas, para o contexto que o gerou, para ideologia nele impregnada e para a ideologia nele impregnada e para as relações dos atores que o tornam possível. (MINAYO, 2008, p. 321) Orlandi (2007) afirma que o texto possui a totalidade, sendo um espaço privilegiado para observar o fenômeno da linguagem. Minayo (2008) revela que sua 90 totalidade possui três dimensões de argumentação: (1) a relação de força entre locutor e interlocutor; (2) a relação de sentido, interligando o atual aos outros discursos; e (3) a relação de antecipação, que prevê as implicações da fala no ouvinte. Para nós, estas questões são de fundamental importância tendo em vista efetivarmos uma avaliação dos discursos oficiais do MinC, diante das políticas culturais para a capoeira. Assim também avaliaremos os discursos daqueles que representam diretamente essa manifestação (os capoeiras), e/ou indiretamente, em relação à gestão pública e suas consequências. A partir de outro trato, as políticas que abordam prioritariamente a cultura, emergem de forma significativa do contexto da sociedade brasileira, no governo do presidente Lula da Silva. A discussão sobre a capoeira e qual a postura que os poderes públicos e a sociedade brasileira devem ter diante desta manifestação ressurge com força significativa na agenda política de alguns ministérios. O principal deles é o MinC,145 que toma para si a responsabilidade principal de gerir as políticas públicas146 direcionadas à capoeira. Toda essa movimentação suscitou a importância de se acompanhar e pesquisar esse momento histórico e suas implicações para a sociedade. 145 Outros ministérios também desenvolveram discussões e (ou) ações voltadas para a capoeira como: Relações Exteriores, Educação, Esporte e Previdência Social. 146 Trataremos aqui como políticas culturais. 91 3 PROGRAMA BRASILEIRO E INTERNACIONAL DE CAPOEIRA Negro africano Que é de sangue nosso irmão Em terras brasileiras Criou a capoeira para sua libertação E na província Quiseram ela, acabar Mas como um broto de cana 1 Brotou, e voltou a plantar. Tudo tem início com o Programa de Governo 2002, da coligação Lula Presidente, que envolvia os seguintes partidos: PT, PC do B, PL, PMN e PCB. O coordenador do Programa de Governo, Antônio Palocci Filho, já destaca de início os contornos em linhas gerais, que a cultura tomaria na nova gestão. Num país com a extraordinária diversidade cultural do Brasil, as forças políticas comprometidas com a Coligação Lula Presidente não se permitem elaborar um Programa de Políticas Públicas de Cultura sem auscultar de perto as diferentes expressões culturais de cada região do país. Por isso, fomos a todas elas para estabelecer o debate necessário sobre essa questão crucial e estratégica para a formulação de um novo Projeto Nacional para o Brasil. (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 2002, p. 2) A diversidade e a participação popular seriam as bases que se transformariam mais tarde em protagonismo, autonomia e empoderamento. O documento fala sobre a cultura como um direito, assim como outros direitos, indicados na nossa lei maior, e enfatiza também a importância de conjugar as iniciativas da área da cultura a outras políticas. Para dirimir qualquer dúvida sobre o perfil das políticas culturais no governo, destaca de início um trecho das Concepções e Diretrizes do Programa de Governo do partido. A valorização da cultura nacional é um elemento fundamental no resgate da identidade do país. É preciso, pois, abrir espaço para a expressão de nossas peculiaridades culturais (inclusive de corte regional), sem que isso se confunda com um nacionalismo estreito, mas sim articulado e aberto às culturas de todo o mundo. Trata-se, na linha de nossa melhor 1 2 Música de capoeira de Toni Vargas. Título: Ajuda eu berimbau. Item 35 das Concepções e Diretrizes do Programa de Governo do PT para o Brasil. 92 tradição cultural, de resgatar os traços peculiares de nossa identidade em formas de expressão de cunho universal, isto é, em diálogo aberto com todo mundo. É essencial, nessas condições, realizar um amplo processo de inclusão cultural, garantindo, de forma progressiva, o acesso de toda a cidadania à produção e fruição cultural, bem como a livre circulação de idéias e de formas de expressão artística. [...]. 2 (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 2002, p. 8) Havia um anúncio das possibilidades de uma cultura como a capoeira não participar das políticas culturais do Governo Lula, apenas como coadjuvante. Na introdução do documento, ela já aparece, de forma clara: A lógica da homogeneização nos oprime. Por isso gingamos o corpo, damos um passe e seguimos adiante como num drible de futebol ou 3 numa roda de capoeira que, sem deixar de ser luta, tem alma de dança e de alegria. Como formular um projeto [...] que contemple esse mosaico 4 imperfeito? (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 2002, p. 8) O documento apontava que a cultura iria entrar na agenda de discussão do Governo, não como um programa da gestão simplesmente, mas vislumbrando a possibilidade de sua independência dele, sendo sempre assegurada como um dever do Estado e direito de todo cidadão – era uma proposta inédita na história da relação existente entre Estado e Cultura, em nosso país. Define ainda que os eixos estruturantes do Programa são o Social, o Democrático e o Nacional, e constata: “Os setores populares se encontram, hoje, entregues ao mercado das grandes cadeias de entretenimento [...] que todos conhecemos” (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 2002, p. 10). Nossa tradição partidária não tem considerado adequadamente a cultura como necessidade social básica, no mesmo nível da saúde, da educação ou da assistência social. O reflexo institucional disto é que não há uma política nacional de cultura com instrumentos adequados de controle social, democrático e transparente que possam, por exemplo, 2 Item 35 das Concepções e Diretrizes do Programa de Governo do PT para o Brasil. Grifo nosso. 4 No texto, são apontados seis temas que norteariam as políticas culturais do Governo Lula: Cultura como Política de Estado; Economia da Cultura; Gestão Democrática; Direito a Memória; Cultura e Comunicação e Transversalidades das Políticas Públicas de Cultura. Ao delimitar e expor esses temas, o PT engloba, em sua proposição, desde o trato com a cultura como um direito básico e permanente do cidadão, respeitando a diversidade do país; passando pela cultura como um fator de desenvolvimento humano, assim também como da economia; a descentralização política e administrativa; a regionalização das políticas culturais e sua acessibilidade; a preservação da memória e do patrimônio material e imaterial; estímulos e novos critérios para o trato das redes de entretenimento e a relação das políticas culturais com as políticas sociais. 3 93 definir, acompanhar e fiscalizar os gastos do Fundo Nacional da Cultura, entre outros. [...] os partidos e governos de direita reconhecem com muita acuidade a importância do campo cultural, porém desenvolvem ações autoritárias, utilitaristas e clientelistas, com muita mídia, que não reforçam uma concepção democrática e nacional articulada de cidadania cultural. (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 2002, p. 12) O mesmo documento expõe críticas inevitáveis ao governo passado, porém estas se apresentam fundamentadas e coerentes, tornando-se quase uma constatação: O melhor exemplo é a política do governo FHC. [...] a ação do governo resume-se ao financiamento de projetos culturais do interesse de bancos e de grandes empresas. Por outro lado, o orçamento do Minc, correspondente a ridículos 0,25% da arrecadação da União, é o que sobra para aplicação no custeio de instituições públicas importantes como o Iphan e a Funarte, que, obviamente, não conseguem dar capilaridade nacional a suas ações. No ano 2000, por exemplo, o IPHAN teve um orçamento de pouco mais de 70 milhões de reais, dos quais nem 20% foram destinados a investimentos. (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 2002, p. 12) Todos os seis temas explicitados estão interligados, todavia, apenas os temas Cultura como Política de Estado, Economia da Cultura e Direito a Memória darão bases, em especial, para a criação do que podemos chamar de programa guarda-chuva do MinC. Para orquestrar esse ideário, o PT convocou o baiano Gilberto Passos Gil Moreira, um músico formado nas bases da cultura popular nordestina. Na equipe, como Secretário Executivo, assumiu o ex-presidente da Fundação Movimento Onda Azul, João Luiz Silva Ferreira, mais conhecido como Juca Ferreira. Este, também baiano, teve larga experiência com a cultura, quando, no início da década de 1990, desfrutou da experiência de participar de um dos primeiros projetos de arte-educação do país – o Projeto Axé.5 O Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania – Cultura Viva foi criado pela Portaria nº 156, de 06 de julho de 2004, do MinC, publicada no DOU 5 Juca Ferreira foi responsável por incluir a dimensão cultural nos projetos socioeducativos voltados para crianças e adolescentes em situação de risco social do Projeto Axé, sendo a capoeira uma das linguagens artísticas utilizadas para as suas finalidades educativa e profissionalizante. 94 de 7 de julho de 2004. Consistiu em uma das ações mais importantes da gestão de Gilberto Gil, que assumiu a pasta da Cultura em 2003.6 Seu objetivo principal foi estimular a produção cultural do país, em todo o extenso território brasileiro, mas com uma especificidade, nunca antes trabalhada pelo MinC: os contornos do programa estavam mais voltados para um perfil de origem tradicional e popular Podemos perceber que o Cultura Viva prevê um processo dinâmico, a cultura estando sempre presente e constante. Como já destacamos, o Programa surge logo no início da nova gestão do MinC, e, ao definir suas ações, o exministro Gil estabelece seu conceito, a partir de três dimensões articuladas: cultura como usina de símbolos, cultura como direito e cidadania, cultura como economia. A execução foi desenvolvida pela Secretaria de Cidadania Cultural (SCC).7 [...] Inicialmente o Programa era formado por cinco ações: Pontos de Cultura, Escola Viva, Ação Griô, Cultura Digital e Agente Cultura Viva. Todas elas vinculadas aos Pontos de Cultura e articuladas por eles. Com o passar dos anos e a evolução do Programa, outros prêmios e ações foram concebidos, sempre atrelados às necessidades e desenvolvimento 8 dos Pontos de Cultura. (CULTURA VIVA, 2010) O mais significativo neste Programa é o estímulo para que os próprios geradores da cultura assumam esse papel ativo, apoiados pelo Estado, nos locais 6 Cria o Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania – CULTURA VIVA, com o objetivo de promover o acesso aos meios de fruição, produção e difusão cultural, assim como de potencializar energias sociais e culturais, visando à construção de novos valores de cooperação e solidariedade. (PORTARIA nº 156, 2004) 7 Até 2008, chamava-se Secretaria de Programas e Projetos Culturais. 8 Dentre os seus objetivos podemos citar: Ampliar e garantir acesso aos meios de fruição, produção e difusão cultural; – Identificar parceiros e promover pactos com atores sociais governamentais e não governamentais, nacionais e estrangeiros, visando um desenvolvimento humano sustentável, no qual a cultura seja forma de construção e expressão da identidade nacional; – Incorporar referências simbólicas e linguagens artísticas no processo de construção da cidadania, ampliando a capacidade de apropriação criativa do patrimônio cultural pelas comunidades e pela sociedade brasileira; – Potencializar energias sociais e culturais, dando vazão à dinâmica própria das comunidades e entrelaçando ações e suportes dirigidos ao desenvolvimento de uma cultura cooperativa, solidária e transformadora; – Fomentar uma rede horizontal de “transformação, de invenção, de fazer e refazer, no sentido da geração de uma teia de significações que envolva a todos”; – Estimular a exploração, o uso e a apropriação dos códigos de diferentes meios e linguagens artísticas e lúdicas nos processos educacionais, bem como a utilização de museus, centros culturais e espaços públicos em diferentes situações de aprendizagem, desenvolvendo uma reflexão crítica sobre a realidade em que os cidadãos se inserem; e – Promover a cultura enquanto expressão e representação simbólica, direito e economia. (MINC, 2005) 95 onde realmente a cultura acontece e é perpetuada. Um desses locais é a escola. É a escola que institucionalmente irá se responsabilizar por democratizar e produzir cultura. Sendo assim, é importante também que a capoeira seja introduzida nos currículos escolares, como conteúdo de diversas disciplinas escolares. A ideia principal da iniciativa parte de constatações sobre a produção e o consumo cultural do país. Gil preocupou-se, numa primeira instância, em diagnosticar como andava a cultura no Brasil. Assim, a partir da análise atual e do retrato da cultura, sua produção e seu consumo na sociedade, foi possível democratizar um dos programas mais importantes na área da cultura dos últimos tempos. O programa Cultura Viva é concebido como uma rede orgânica de criação e gestão cultural, mediado pelos Pontos de Cultura, sua principal ação. A implantação do programa prevê um processo contínuo e dinâmico, e seu desenvolvimento é semelhante ao de um organismo vivo [...]. (REVISTA CULTURA VIVA, 2004, p. 18) Diagnóstico feito, o passo seguinte foi traçar os objetivos, estabelecer diretrizes e ações. Este não deveria ser um mero Programa de Governo e isso já estava implícito e explícito. Primeiro, porque já nasce com intenções que demandaram estratégias para essas finalidades e, segundo, porque, ao anunciálo, automaticamente ficava exposta sua intenção final. É um programa do Ministério da Cultura, do Governo do Brasil, no entanto, nosso objetivo é consolidá-lo como política de Estado, desenvolvendo ações transversais entre os Ministérios, estados e municípios [...]. (REVISTA CULTURA VIVA, 2004, p. 14) Um fator importante, na organização de uma iniciativa dessa natureza, é o público que se quer atingir, e não havia dúvida, na equipe que compunha o MinC, sobre o direcionamento principal. Nesse momento, tem-se uma ruptura do paradigma que por muito tempo acompanhou essa instituição, no que respeita a essa questão. Outra parcela das organizações sociais que, inclusive, tem respondido de forma original e imediata aos apelos do Cultura Viva, é vinculada às comunidades tradicionais e às iniciativas não propriamente definidas de 96 caráter reivindicatório, como aquelas organizações das comunidades quilombolas, indígenas, de ritmos e danças tradicionais e populares como a capoeira, etc. [...]. (PROGRAMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO, CULTURA E CIDADANIA, 2008, p. 25) Estava dado, assim, o primeiro passo para uma nova postura em relação ao Estado e à cultura do país. Somente restava agora gerenciar sua execução e para que este programa fosse comprovadamente se respaldando, estratégias de avaliação moldariam um perfil do seu sucesso ou insucesso.9 Entretanto, o instrumento mais contundente para isso são os critérios de avaliação. À época da elaboração do PPA,10 2004-2007, a preocupação, no que tange à questão da cultura, estava no acesso limitado da população aos produtos culturais, bem como nos entraves à produção e à expressão da diversidade das culturas locais. Dessa maneira, o acesso e a democratização foram dois dos enfoques principais das políticas culturais do período. As dinâmicas culturais dependem do desenvolvimento das atividades sócio-econômicas e estão intimamente relacionadas com os processos de desenvolvimento setorial, regional e nacional. A produção cultural brasileira é dinâmica e plural, mas é desigualmente distribuída no espaço regional e sua produção não é acessível a todos. (PLANO PLURIANUAL 2004-2007, p. 251) O programa Cultura Viva11 envolve várias ações para atingir seus principais objetivos: Pontos de Cultura; Agente Cultura Viva; Cultura Digital; Escola Viva e Griôs – mestres dos saberes. Uma das principais ações, destacada como prioritária, do Programa Cultura Viva, sem dúvida são os Pontos de Cultura, desenvolvidos pela Secretaria de Programas e Projetos Culturais (SPPC). Essa ação contribuiu para minimizar um dos problemas detectados por vários estudiosos da área das políticas culturais, em relação a Programas – a descentralização. Dessa forma, tanto as 9 Estas estratégias se processaram não somente através de instrumentos de avaliação, mas pelos próprios participantes do programa e por aqueles que acompanhavam as políticas culturais. 10 O PPA é responsável por estabelecer todas as ações (projetos e programas) de longa duração do governo, definindo objetivos e metas da ação pública; está previsto na Constituição Federal. 11 De acordo com o site oficial do MinC, em 2012, o programa passou por alterações devido a mudanças no PPA de 2012/2015. A reestruturação do PPA, dentre outros objetivos, visou três grandes objetivos: resgatar a função de planejamento; permitir a reorganização gradual do orçamento e incentivar o trabalho intersetorial entre os ministérios. A partir destas transformações, o Programa Cultura Viva constituiu-se como uma iniciativa do Programa Temático “Cultura: Preservação, Promoção e Acesso”. 97 comunidades como os distintos grupos sociais seriam incluídos, além de passarem a ser representados por esta ação, o que na nossa avaliação é o mais importante. Para isso, a SPPC tinha à frente da gestão Célio Roberto Turino de Miranda. Os Pontos de Cultura são uma revolução nessa área, que se concretizou através de uma parceria envolvendo, de um lado, o Governo e, do outro, não mais os empresários com suas empresas, ávidos por descontos fiscais, mas as comunidades que necessitavam de oportunidades para a democratização de suas manifestações.12 Os contemplados deveriam investir parte do incentivo recebido na primeira parcela, no valor mínimo de 20 mil reais, na aquisição de equipamentos multimídia em software livre, que seriam distribuídos pela coordenação do Programa.13 Uma das obras que analisamos diz respeito ao relato do secretário Turino, que foi o idealizador desta ação de democratização e acesso a cultura. Em Ponto de Cultura: o Brasil de baixo para cima, este gestor materializará suas impressões, ideias e experiência de cinco anos à frente da SPPC. No prefácio da mesma obra, Emir Sader traz uma reflexão importante para nós, quando destaca que a cultura é uma vítima privilegiada da globalização. Através da mercantilização e da reestruturação do mundo do trabalho, podemos perceber, em decorrência, mudanças significativas, em várias manifestações populares. Somente para ilustrar, a capoeira, por exemplo, era ensinada, antigamente, de forma espontânea, livre, e com o objetivo de perpetuação desse conhecimento cultural. Hoje, de uma forma geral, constitui-se em um ofício, inclusive com trabalhadores vivendo somente de rendas oriundas dessa atividade de formação. Os governos Collor (1990-1992) e FHC (1995-2003) contribuíram para a extrema mercadorização da cultura, privatizando-a, com medidas e ações governamentais, entregando-a às entidades privadas, inclusive em benefício 12 Pontos de Cultura é uma ação articuladora, que vem estimular trabalhos já desenvolvidos. Por meio de uma nova gestão de política pública, através de editais abertos à sociedade civil, diversos grupos concorrem para receber recursos. Além de ser inovadora, essa política se configura como uma proposta democratizante, de acesso à cultura, protagonismo e autonomia cultural. 13 Os equipamentos são compostos por microcomputador, mini-estúdio para gravar cd, câmera digital, ilha de imagem, dentre outros. Conectados estes formariam uma grande rede. 98 dessas próprias instituições, que patrocinavam peças de teatro, shows musicais, filmes e recebiam benefícios fiscais. Trata-se aqui da lei federal de incentivo fiscal voltada para a cultura, mais conhecida como Lei Rouanet, institucionalizada em 23 de dezembro de 1991. Por alguns anos, houve somente esse incentivo à cultura brasileira, ou melhor: para uma cultura acessível apenas a uma pequena parcela da sociedade. Um reducionismo que despotencializou e deixou, em estado letárgico, a produção cultural nacional em sua totalidade. De acordo com Turino (2009), trata-se de um exercício de descoberta, tolerância e respeito mútuo, potencializar um processo de mudança capaz de expressar a cultura em diversas dimensões.14 O que existe em comum nos Pontos é: “o estúdio multimídia, pequeno equipamento para edição em software livre, filmadora digital, equipamento de som para gravação musical e conexão por internet em banda larga” (TURINO, 2009, p. 14). No mais, são pessoas fazendo o que geralmente faziam, ou tendo acesso, ou aprendendo o que sempre sonharam, mas nunca tiveram a oportunidade de realizar. No texto Programa Cultura Viva: uma nova política do Ministério da Cultura, as autoras Alice Pires de Lacerda, Carolina de Carvalho Marques e Sophia Cardoso Rocha (2010), que se debruçaram em avaliar a iniciativa, destacam que esta foi ganhando força, dentro e fora do MinC, e foi o primeiro objeto de descentralização de outra ação denominada de Mais Cultura. O Programa não se constitui como uma ação que simplesmente distribui financiamento para a cultura. Com suas diretrizes fincadas em eixos, como autonomia, protagonismo e empoderamento da população, o Mais Cultura reconhece as diversificadas produções culturais de múltiplos lugares e das várias populações que constituem o país. No fundo, é o reconhecimento da nossa diversidade cultural. O primeiro edital do programa foi divulgado em 2004, através da portaria nº 156.15 14 O Ponto de Cultura não é uma ação que aborda especificamente uma manifestação. Ele envolve todas as expressões, sem limites. São iniciativas que envolvem a dança, o teatro, o cordel, o esporte, a música, o circo etc. Atinge várias comunidades, nas cidades, no campo, nas tribos indígenas, nas comunidades quilombolas, que buscam suas identidades, na esperança de se reconhecerem como seres ativos e produtivos. 15 Para mais informações ver documento (Anexo B). 99 Vários são os grupos, associações e entidades contempladas em todo o território nacional, através dos Pontos de Cultura. Existem atividades específicas de capoeira, em conjunto com outras manifestações de mesma origem (maculelê, puxada de rede, samba), e há também a sua inserção, de forma secundária, em outras atividades (computação, teatro e circo, dentre outras). Com o desenvolvimento dos Pontos de Cultura, criaram-se os Pontões de Cultura. A ideia central é que quando uma cidade estiver com muitos pontos de cultura o MinC, como estratégia para resolver esta questão, sugerirá a constituição de Pontões. De acordo ainda com informações, os Grupos de Pontos e governos locais também têm autonomia para poder fazê-lo. Com o intuito de potencializar a cultura da infância no país, foram criados os Pontinhos de Cultura.16 Além de mapear o já existente, a iniciativa possibilita que novos recursos e capacidades enriqueçam as práticas sociais que estimulam aspectos lúdicos, de forma a potencializar e ampliar o fazer artístico e a formação, dentro de uma política pública de ação contínua junto às comunidades. Em 2003, um atentado vai chamar a atenção de um país que não possui tradição de guerra, muito menos de conflitos terroristas – o Brasil.17 Este não aconteceu em suas terras, não se tratava de retaliação específica ao nosso país, nem tão pouco estava direcionado a alguém em especial: um carro bomba explode em frente ao prédio utilizado com sede da ONU.18 16 Esta ação é uma medida para garantir a formação cultural dos futuros cidadãos. Além de movimentar a cultura local e desenvolver, em conjunto com as diversas instituições públicas (ou não), atividades para a implementação e a difusão dos direitos da criança e do adolescente, os Pontinhos estimulam experimentações culturais do universo infantil. Trata-se de uma política pública que amplia as possibilidades do fazer artístico, em uma ação conjunta com a comunidade, enriquecendo suas práticas e saberes, exercitando o direito ao brincar, como uma prática da cultura corporal dos ser humano, construída historicamente, e que faz parte do nosso arcabouço cultural, enquanto patrimônio. 17 Sérgio Vieira de Mello representante especial da ONU no Iraque ficou soterrado nos escombros do quartel-general da Organização em Bagdá, mas, depois de horas esperando por socorro, não resistiu aos ferimentos, conforme documentário feito em sua homenagem pela HBO, de autoria de Greg Baker, intitulado Sérgio Vieira de Mello. Esse brasileiro pacifista morreu vítima de um atentado terrorista. 18 A retaliação estava diretamente ligada à invasão e à ocupação desastrosa do Iraque pelos EUA, mas a explosão da bomba não escolheu culpados, nem tão pouco responsáveis. De acordo com outro documentário – Sérgio Vieira de Mello: a caminho de Bagdá, de Simone Duarte – era a primeira vez que a ONU entrava em um país após sua ocupação e, para muitos, Mello era o melhor representante que Kofi Annan tinha para essa missão. O atentado, atribuído à rede terrorista Al-Qaeda, feriu cerca de 150 pessoas e o brasileiro foi um dos 22 mortos, naquele fatídico 19 de agosto. 100 Um ano após esta tragédia, a ONU organizou uma homenagem a Vieira de Mello, em Genebra, na Suíça. Gilberto Gil, então ministro da cultura do Brasil, organiza um discurso e leva ao evento um coletivo de capoeiras, de vários países, para homenagear Sérgio Vieira, seus companheiros e companheiras. Os afro-brasileiros souberam transformar a violência em camaradagem, envolvendo dança, ritmo, canto, toque e improvisação. A capoeira é uma afirmação existencial do povo negro no contexto do escravagismo e do racismo de dominação presentes em momentos diversos da sociedade brasileira. [...] O humanismo é a raiz da capoeira. Ela educa, ensina o respeito, dá sentido à mente e ao corpo, cria auto-estima nos seus praticantes – dá sentido à vida do seu povo. (GIL, 2004) Com um discurso envolvente, Gilberto Gil eleva a capoeira e seus cultores, exaltando seus pontos positivos, alicerçado em iniciativas de sucesso e trabalhos já desenvolvidos pelos capoeiras, muitas vezes sem apoio do Estado. A diáspora da capoeira no mundo é uma realidade que já conta com o aval de instituições educacionais como o UNICEF, que referenda trabalhos de iniciativas dos capoeiristas brasileiros em vários países [...] Não há mais dúvida que a capoeira é instrumento da socialização e da resocialização em vários níveis. Ela integra diversas linguagens na sua forma de expressão [...]. Não poderia ter data mais significativa do que esta [...] para fazermos uma reparação histórica a esta manifestação dos africanos escravizados no Brasil. Anunciamos aqui, neste palco da Organização das Nações Unidas, as bases de um futuro Programa 19 Brasileiro e Mundial da Capoeira. (GIL, 2004) Oficial e publicamente, Gilberto Gil divulga ações que iriam dar a tônica das políticas culturais voltadas para a capoeira. O ministro anuncia uma reunião com representantes brasileiros e estrangeiros, com o objetivo de esboçar uma grande ação para esta manifestação, e se compromete apregoando uma série de ações que seriam implantada pelo que chamou de Programa Brasileiro e Mundial de Capoeira: Queremos construir um calendário anual, nacional e internacional da capoeira. Criar um Centro de Referência no Pelourinho, em Salvador, que servirá não só de acervo de pesquisas, livros, adornos e imagens, mas também de espaço para atividades. A Bahia, assim, deve se afirmar como uma espécie de “Meca da Capoeira”. Entre as outras medidas previstas, está a criação de um programa a ser implementado em escolas de todo o Brasil pelo nosso Ministério da Educação – considerando, assim, a capoeira como prática cultural e 19 Grifos nossos. 101 artística, e não apenas tão somente como prática desportiva. Também propomos a criação de uma previdência específica para artistas e, dentro desse plano, atenção especial aos capoeiristas. Pretendemos dar apoio diplomático aos capoeiras que hoje vivem no exterior – que podem ser considerados verdadeiros embaixadores da Cultura Brasileira, assim como efetivar o reconhecimento do notório saber dos mestres. Por fim, também lançaremos editais de fomento para projetos que usem a capoeira como instrumento de 20 cidadania e inclusão social. (GIL, 2004) Alguns meses após o anúncio, em Genebra, as pretensões de pôr em prática esse Programa principiam a tomar forma e alguns encaminhamentos, nesse sentido, começam a ser concretizados. Logo no início do ano seguinte, vislumbra-se a possibilidade do reconhecimento da capoeira como patrimônio imaterial, por parte do Estado brasileiro, bem como a possibilidade de ações mais que pontuais e passageiras, mas com intenções21 contínuas e profícuas. 3.1 Cultura Viva: a capoeira como uma experiência Child, don't you worry It's enough your growing up in such a hurry Brings you down, the news they sell ya To put in your mind that all mankind is a failure You've got to believe It'll be alright in the end You've got to believe 22 It'll be alright again. Em março de 2005, no ano de comemoração dos 456 anos da cidade de Salvador, uma roda de capoeira é formada, após a III Caminhada da Cidade. Conforme notícias veiculadas no Correio da Bahia (2005), cerca de 456 capoeiras, de 40 grupos distintos, saudaram a cidade que foi a primeira capital do 20 Grifos nossos. Grifos nossos. 22 What Happens Tomorrow, da banda Duran Duran. Mas ninguém sabe o que vai acontecer amanhã / Nós tentamos não demonstrar como estamos apavorados / Se você me permitir, vou te proteger da maneira que eu puder / Você tem que acreditar que ficará tudo bem no final / Você tem que acreditar que ficará tudo bem novamente / Você tem que acreditar que ficará tudo bem no final / Você tem que acreditar que ficará tudo bem novamente. (Tradução nossa) 21 102 Brasil, participando do evento. Na praça municipal, Juca Ferreira, então secretário executivo do MinC, anunciou a abertura de um edital inédito para uma manifestação que, há pouco mais de 120 anos atrás, era considerada um crime. A responsabilidade de coordenação do Projeto ficou a cargo da Fundação Gregório de Matos (FGM), que, na época, tinha à frente o professor da UFBA, Paulo Costa Lima. Em entrevista a um jornal local, Lima pronunciou-se favorável e esperançoso, referente ao incentivo, que possuía uma envergadura de aporte financeiro respeitável. O Edital de número 2 do programa Cultura Viva (2005) foi aberto para contemplar iniciativas voltadas especificamente para a capoeira. Em pouco mais de três meses desde que o edital foi aberto, 56 propostas foram inscritas para concorrer ao repasse em dinheiro, mas apenas 15 foram aprovadas e somente 10 contempladas por ordem de classificação. O prêmio divulgado pelo MinC foi de até R$ 185 mil reais, a serem distribuídos de acordo com a colocação, divididos em cinco parcelas semestrais.23 Como já destacamos aqui, a capoeira é uma das manifestações mais importantes da cultura nacional. Tal importância foi reconhecida pelo MinC, a ponto de produzir um edital específico para essa manifestação, contemplando de forma inédita, na história do país, coletivos que há muito ansiavam por reconhecimento público do Estado. As comunidades da capoeira receberam, apesar de desconfiadas, muito bem a notícia de incentivo federal voltado para essa cultura. Mas o fato do edital somente contemplar um Estado, no caso a Bahia, causou frustração e indignação, que foi rapidamente divulgada para os grupos. Acabei fazendo para mim mesmo aquelas gastas, mas instigantes perguntas: Por quê? Será possível? Por que só para a Bahia? Como os capoeiras do Rio de Janeiro, de Pernambuco, do Maranhão, do Tocantins, meu Estado natal, de Minas Gerais etc., encararão essa iniciativa? (FALCÃO, 2005) 23 De acordo com o Edital, as instituições/organizações que tivessem seus projetos selecionados seriam beneficiadas com um repasse no valor total de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), que seria efetuado em cinco parcelas semestrais. Conforme cronograma de distribuição dos recursos, seriam R$ 25.000,00 após a assinatura do convênio; R$ 30.000,00 no primeiro semestre de 2005; duas parcelas de R$ 30.000,00 no segundo semestre de 2005 e no primeiro semestre de 2006, respectivamente, e, por fim, R$ 35.000,00, no segundo semestre de 2006. 103 Exatamente em 30 de março de 2005, conforme divulgado por Juca Ferreira, foi publicado no DOU, Sessão lll, a primeira ação de política cultural do Governo Lula, voltada especificamente para a capoeira. União Federal, por intermédio da Secretaria de Programas e Projetos Culturais do Ministério da Cultura-SPPC/MinC, torna público o convite a organizações e instituições sem fins lucrativos [...] e que desenvolvam ações de caráter cultural na área de capoeira, para que apresentem propostas ao Programa Nacional „Cultura, Educação e CidadaniaCULTURA VIVA‟ [...]. A SPPC, por intermédio deste instrumento, objetiva promover a instalação, como iniciativa piloto, de 10 Pontos de Cultura de Capoeira no estado da Bahia. (DOU, 2005, p. 8) As manifestações de indignação foram precipitadas, afinal o edital traz claramente que se tratava de um projeto piloto, indicando que tal ação, em especial, seria apenas um momento para que a política cultural ganhasse experiência, com fins de ampliação da mesma ação, posteriormente.24 De acordo com informações colhidas no DOU (2005), os recursos destinados às ações deste edital específico do Programa Cultura Viva tinham como objetivo prover dinheiro a projetos de entidades sem fins lucrativos, que se transformariam em Pontos de Cultura, para o desenvolvimento da capoeira. No dia 2 de junho de 2005, foi divulgado no DOU a comissão de avaliação responsável pela seleção dos dez projetos, que deveriam desenvolver trabalhos com ênfase na capoeira. Esse foi o primeiro edital destinado unicamente a essa manifestação, um plano inicial, que daria, mais tarde, formato a outra ação do MinC, denominada de Capoeira Viva.25 A divulgação dos projetos inscritos no II edital Cultura Viva e que foram classificados a participarem do Programa Pontos de Cultura de Capoeira, ocorreu na segunda-feira, dia 18 de julho de 2005, segundo o DOU, seção 1. O resultado 24 Essa reflexão é coerente, porquanto logo em seguida, em 2006, foi lançado, no Rio de Janeiro, um edital específico para capoeira e mais amplo. É bem verdade que de forma mais diversificada do primeiro, que aconteceu somente na Bahia, pois já trazia um novo trato com a capoeira. 25 Como presidente desse coletivo, estava Célio Roberto Turino de Miranda, Secretário da SPPC. Complementando a lista de membros da banca avaliadora, estavam: Elder Vieira dos Santos, que exercia o cargo de Gerente da Secretaria de (SPPC); Franco César Bernardes, Assessor da Secretaria Executiva/SE; Cliffor Luiz Abreu Guimarães, Gestor Especialista em Gestão Pública e Governamental da Secretaria de Políticas Culturais (SPC); Sandra Silveira de Pereira Mendes, Assessora de Gestão Estratégica da Fundação Cultural Palmares (FCP); Marcus Vinícius Carvalho Garcia, Sub-gerente de Identificação do DPI do IPHAN; Elisiário Palermo, Consultor do Programa Monumenta; Rosana Fernandes, Assessora de Projetos da Coordenadoria Ecumênica de Serviços (CESE-BA) e Dulce Tâmara da Rocha Lamego da Silva, Diretora da Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia/UFBA-BA. 104 foi anunciado pelo Secretário Interino de Programas e Projetos Culturais, Elder Vieira, sendo selecionados, na ocasião, quinze projetos.26 Dessa forma, os dez primeiros colocados, seis localizados em Salvador e os outros quatro, nas cidades de Lauro de Freitas, Araci, Lençóis, Bom Jesus da Lapa, puderam ser contemplados, realizando os seus projetos. Diferente dos cinco outros selecionados, que não obtiveram o êxito de efetivamente contar com seus projetos escolhidos a ponto de serem implementados. Com o intuito de conhecermos mais como se deu esse processo, na lógica das comunidades, entrevistamos um dos projetos contemplados no interior do Estado e outro na capital. Nossa primeira percepção foi que os entrevistados já desenvolviam projetos sociais, sem apoio do Governo, o que ficou constatado, ao perguntarmos se o grupo do qual o mestre fazia parte já havia recebido algum incentivo anteriormente: “Não! Nenhum benefício. A gente vivia aqui [...] com as próprias pernas” (MESTRE FAZINHO, Informação verbal, 2012). Esse fato é confirmado pelo nosso segundo entrevistado. Ele ainda lembra que há muito tempo os docentes de capoeira vinham trabalhando nessa perspectiva: “[...] Toda a comunidade de Salvador sempre tem um capoeirista que faz um trabalho social, ou seja, faz o papel do Estado de educar jovens através da capoeira. Então eu já vinha fazendo isso [...]” (MESTRE MARINHEIRO, Informação verbal, 2012). Um fato que nos chamou a atenção foi que os dois mestres já haviam se preocupado com o registro de seus grupos. Ambos já o tinham realizado, fato não muito comum, principalmente nas comunidades baianas. “A associação de capoeira é registrada desde 1983, logo quando eu cheguei, que eu comecei a dar aulas em Bom Jesus da Lapa, fundamos a associação” (MESTRE FAZINHO, Informação verbal, 2012). Assim também se deu com o grupo de Salvador: “[...] eu já vinha com uma organização [...]. Me organizei uns 5 anos antes do edital, eu já tinha organização jurídica, um portfólio de tudo que eu fazia” (MESTRE MARINHEIRO, Informação verbal, 2012). De acordo com os nossos entrevistados, esse foi um fator que 26 Ver em Anexo F, a classificação dos Aprovados no II Edital Cultura Viva. Fonte: DOU 18 de julho de 2003. Dos projetos selecionados nove se localizam na capital do estado. Um em Lauro de Freitas, um em Araci, um em Lençóis, um em Bom Jesus da Lapa, um em Arataca e um em Camaçari. Apesar de serem classificados quinze projetos, vale a pena ratificar que apenas dez receberam incentivos financeiros para se tornarem Pontos de Cultura de Capoeira. 105 facilitou o processo, evitando mais uma preocupação para a efetivação do pleito em questão. Para outro de nossos depoentes, foi uma surpresa agradável ver o seu projeto, pela primeira vez, sendo agraciado com um prêmio. A possibilidade de potencialização do trabalho produzia uma esperança de reconhecimento e dias melhores: “Para mim foi uma surpresa [...] a Bahia tem trabalho de capoeira de alto nível, competência como instrumento de educação e eu sou considerado mestre recente” (MESTRE MARINHEIRO, Informação verbal, 2012). A consequência das intervenções feitas pelo mestre reforça a importância de programas dessa natureza: [...] graças a Deus e o movimento da capoeira, no meu bairro o número de delinquentes não é maior. Uma turma de jovens, que tinha tudo para serem delinquentes, hoje são pessoas de bem [...] (MESTRE MARINHEIRO, Informação verbal, 2012).27 Em muitos casos, os capoeiras utilizam os espaços físicos das entidades para seus ensinamentos, sem fins lucrativos e sem maiores apoios. Quando surgiu a oportunidade do Governo Federal qualificar esse trabalho, com investimentos, o mestre Marinheiro vislumbrou dias melhores para o que já vinha desenvolvendo no bairro: “E o desenvolvimento do projeto, após a contemplação: foi uma maravilha! Porque a capoeira ela já é muito boa pra ajudar na educação, [...] especialmente de um jovem menos favorecido na sociedade” (MESTRE MARINHEIRO, Informação verbal, 2012). A capoeira é uma manifestação da nossa cultura. Compreendemos que seu papel na atualidade, além de educar, é nos conscientizar sobre quem nós fomos para entendermos o que somos. Ela faz parte da nossa história e ajudanos a entender porque as coisas são do jeito que são, na contemporaneidade.28 Após eu ter recebido esse prêmio, consegui levar para a comunidade [...] técnicos em informática, fisioterapeutas, pessoas formadas em artes cênicas. A capoeira foi responsável por tudo isso! Então, a ginga e o 27 Apesar da capoeira ser praticada em grande parte do Estado, e principalmente na capital, onde existem muitos espaços e encontramos adeptos da sua prática, inclusive nas regiões mais afastadas do centro da cidade, não existe uma política clara, nem da Secretaria de Cultura, nem da Secretaria de Educação da Bahia, com vistas a fortalecer a disseminação e o ensino da capoeira na região. Mesmo assim, encontramos a capoeira em todos os bairros da capital, em academias, em sede de moradores, nas escolas e em projetos sociais. 28 O mais importante é que ela é um instrumento que ajuda os indivíduos a se reconhecerem enquanto seres sociais e, consequentemente, a se emanciparem. 106 berimbau abriram o leque para várias coisas dentro da comunidade. [...]. 29 (MESTRE MARINHEIRO, Informação verbal, 2012) As realidades deste tipo de formação são diferentes, podemos encontrar mestres com formação acadêmica, doutores (pós-graduados), pessoas com senso crítico apurado, engajados politicamente, todavia, nos depararmos também com aqueles que, por algum motivo, não concluíram seus estudos, pessoas ingênuas, que ignoram o trato com a burocracia do Estado. Enfim, as comunidades são extensas e congregam indivíduos com várias formações, posicionamentos e entendimentos.30 Em muitos casos, a participação em ações dessa natureza somente tornase possível através de terceiros, ficando o capoeira sempre dependente: “[...] eu fui auxiliado por pessoas inteligentes [...] que me deu uma força legal na hora de organizar o projeto” (MESTRE MARINHEIRO, Informação verbal, 2012). Os contemplados nunca desenvolviam somente a capoeira. Esta era apenas um instrumento de educação e de envolvimento, de crianças e jovens, em várias outras atividades e manifestações culturais. “As ações foram: capoeira, o resgate folclórico do bumba meu boi, puxada de rede, maculelê, samba de roda, eu comando um grupo de baianas aqui da cidade, aula de bateria, aula de violão e computação” (MESTRE FAZINHO, Informação verbal, 2012). Conforme relatado pelo mestre, em sua cidade, cerca de 300 alunos envolveram-se nas atividades, sem contar aqueles que participavam somente da capoeira. Além da comunidade local ter acesso às oficinas, eles tiveram a oportunidade de trabalhar como oficineiros,31 contribuindo assim para a formação dos envolvidos.32 Questionamos o nosso entrevistado se a associação de que ele fazia parte já havia recebido apoio local da prefeitura, pois o mesmo desenvolvia trabalhos sociais. A resposta foi negativa, apesar dele apontar que às vezes é auxiliado no 29 Está constatado, nas palavras do mestre, que a capoeira foi o fator que desencadeou uma mudança real e concreta na comunidade, onde o Programa estava sendo desenvolvido, ou seja, melhorias oportunizadas a partir da capoeira. 30 Ainda encontramos uma comunidade que possui grande parte de seus mestres vítimas do processo escravocrata, institucionalizado na época do Brasil Colônia, e de uma ausência de políticas de acessibilidade a uma educação formal, laica e de qualidade. 31 Cada modalidade contava com um oficineiro. 32 A Associação Lapense de Capoeira foi o único projeto contemplado na região, o que aumentou a responsabilidade da entidade, que acabou virando uma espécie de referência. 107 quesito transporte, para a sua participação em encontros de capoeira: “Não. Nunca recebi apoio nenhum. [...] a gente pede o apoio deles lá e às vezes não tem, às vezes é só em combustível e você vai correndo atrás [...]” (MESTRE FAZINHO, Informação verbal, 2012). Ao que parece, Araújo (2009) foi o primeiro a realizar ponderações acadêmicas acerca dessa iniciativa do Governo Federal. Em seu artigo A parceria público privado na capoeira, o autor enfatiza quão impressionado ficou pelo tamanho do investimento divulgado, uma vez que a história do Estado com a capoeira apontava para tradições que iam de encontro a tal iniciativa. [...] o impacto provocado pela cifra de R$ 1,85 milhão, foi aos poucos se desfazendo, inicialmente ao tomarmos conhecimento de que a quantia destinada a cada projeto deveria cobrir seus gastos por três anos. Ademais, essa verba estaria limitada a apenas 10 grupos, que, para concorrerem ao processo seletivo, deveriam cumprir alguns prérequisitos básicos – cópia do CNPJ da entidade ou CPF do candidato; cópia do estatuto da entidade; cópia autenticada da ata de posse ou de eleição da diretoria da entidade; cópia autenticada do RG e do CPF do responsável legal ou procurador nomeado (nesse caso, com cópia autenticada da procuração); título de utilidade pública dentre outros – o que tornava inviável a participação de grande parte dos grupos de capoeira. (ARAÚJO, 2009, p. 4) Também percebemos que o autor, que convive com o universo da capoeira, se preocupa com a burocratização do edital e, naquele momento, vislumbrava possibilidades reduzidas, assim como apontava para sentimentos de exclusão e inacessibilidade que, inevitavelmente, as comunidades de capoeira poderiam experimentar, desprovidas que eram, naquele instante, da instrumentalização necessária para lidar com tal situação. Interrogamos os entrevistados sobre as impressões positivas dessa experiência e as dificuldades para o desenvolvimento do trabalho. A preocupação de Araújo (2009) aparece de forma enfática, no discurso dos mestres: [...] a dificuldade que a gente tem é a seguinte: [...] teve muita associação que ficou inadimplente, por falta da parte burocrática aí da 33 prestação de contas. Veio as pessoas aí passava batido que era difícil, mas como é que você dava continuidade, se você é uma associação filantrópica? (MESTRE FAZINHO, Informação verbal, 2012) 33 Grifos nossos. 108 Também arguimos sobre as dificuldades de execução das ações dessa iniciativa. A burocracia foi a maior dificuldade, para um dos mestres contemplados, todavia não diretamente ligada ao programa Capoeira Viva. O sentimento do mestre recai mais sobre a prefeitura de sua cidade. 34 O problema que teve foi a burocracia [...]. A prefeitura de Salvador [...] quando nós instituímos a academia procuramos legalizar juridicamente. Cada espirro que você desse dentro da Secretaria da Fazenda você tinha que pagar e nós somos uma instituição sem fins lucrativos. (MESTRE MARINHEIRO, Informação verbal, 2012) De acordo com um dos depoentes, a questão burocrática estava ligada ao funcionamento do seu espaço, em especial, problema que esbarrava nos trâmites municipais o que, por conseguinte, dificultava o recebimento dos prêmios do MinC. Não estava diretamente relacionado às políticas culturais e sim ao funcionamento de um estabelecimento registrado. Conseguia a certidão negativa federal; a certidão negativa estadual; quando ia para a certidão negativa municipal embargava, porque a 35 36 prefeitura não liberava enquanto eu não pagasse TFF, IPTU. [...] tratava a gente como uma empresa privada com fins lucrativos [...]. Se o MinC tiver o recurso pra mim lá e depender da prefeitura eu não recebo. 37 (MESTRE MARINHEIRO, Informação verbal, 2012) Com o objetivo de premiar e incentivar os projetos desenvolvidos pelos Pontos de Cultura, o MinC criou o Prêmio Asas – Cultura Viva.38 Em 2010, dois projetos dos Pontos de Cultura de Capoeira foram selecionados para receber o Prêmio Asas – Cultura Viva 2010. Os projetos que melhor implementaram e finalizaram suas atividades referentes ao convênio firmado seriam contemplados.39 34 Grifos nossos. Taxa de Fiscalização de Funcionamento. 36 Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana. 37 O desabafo está relacionado à falta de domínio sobre o conhecimento necessário da comunidade de capoeira, quanto ao registro e ao funcionamento de instituições legais. É um problema que afeta, não somente a comunidade da capoeira, mas quase toda a sociedade. 38 Este prêmio visa contemplar entidades civis sem fins lucrativos que desenvolveram trabalhos, a partir de seleções de editais publicados pelo ministério, como Pontos de Cultura. A iniciativa já atingiu mais de sessenta projetos, que recebem, ao todo, um prêmio de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais). 39 O projeto Cidade Cidadã, da Associação Lapense de Capoeira, em 14º lugar, e o projeto Capoeira Instrumento de Educação, do Grupo Ginga e Malícia, em 27º lugar. 35 109 A gente ganhou o prêmio Asas e têm assim uns dois anos [...]. A gente nunca recebeu. Sempre a gente manda um e-mail pra lá procurando, eles falam que ainda está em processo de pagamento 2008, 2009, e que tenha paciência [...]. (MESTRE FAZINHO, Informação verbal, 2012) No ano de 2012, sete anos após a divulgação do primeiro edital voltado para a capoeira, a situação de adimplência dos contemplados do edital Cultura Viva – Capoeira não é animadora. Dos dez projetos aprovados, apenas dois encontram-se regularizados (um em situação concluída e outro adimplente).40 Não se trata aqui pura e simplesmente de avaliar se os grupos de capoeira da Bahia estavam ou não registrados ou seguiam atualizados, de acordo com as normas. Muitos já tinham seus registros, antes do lançamento do edital. Contudo, nunca tinham se submetido a tal experiência. A exigência apregoada no edital expressa uma burocracia inacessível a muitas instituições de capoeira.41 Por fim, solicitamos ao nosso interlocutor, que fizesse uma avaliação de todo o processo, uma vez que a associação fez parte da primeira ação do MinC voltada para a capoeira, e o mesmo participou ativamente de outras ações de políticas culturais, desde o início. Sobre as iniciativas voltadas para a capoeira, o mestre destacou: No Governo Lula a capoeira deu um salto. Por que a capoeira está nos países afora? Porque nós ensinávamos a “Paulo”, “Paulo” a “Pedro”, [...] e aí nós espalhamos a capoeira nesse mundo. Essa cultura lá é mais valorizada que aqui [...]. (MESTRE FAZINHO, Informação verbal, 2012) Há muito tempo discute-se a desigualdade na distribuição de recursos da cultura no país, mas não havia, em governos passados, um estímulo para investimentos culturais nas regiões mais pobres. Percebemos problemas aqui: os investimentos culturais anteriormente processavam-se principalmente em algumas regiões do país, e quando se conseguia quebrar esse paradigma, não chegavam ao interior dos Estados. Francisco Weffort, destaca essa problemática em um programa: O mecenato no Brasil se concentra no Sudeste. O Sudeste, em última instância, é Rio-São Paulo, talvez no sul de Minas. Mas de qualquer 40 Os demais ou estão inadimplentes, ou se encontram com suas prestações em análise pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), conforme dados recolhidos em novembro de 2012. 41 Ver Anexo C. 110 maneira, nessa região se concentram cerca de 85% dos recursos de mecenato. (RODA VIVA, 2010) Nosso entrevistado ressalta, a seguir, a oportunidade que o interior, no que tange à oportunidade de receber incentivos para o desenvolvimento da cultura local, obteve no Governo Lula e na gestão Gil/Juca: No governo Lula, a gente deu um passo através dos Pontos de Cultura, [...] dos encontros, conferências que houve. [...] Esse valor o Governo Lula deu. [...] Juca foi para mim, o melhor ministro da cultura e o Gil também, envolveu a cultura, a capoeira. Ela descentralizou de lá, veio 42 para o território, porque é aqui que tem a verdadeira cultura. Se você andar aí dentro desse matagal da zona rural você vai encontrar a cultura mesmo, a raiz [...]. (MESTRE FAZINHO, Informação verbal, 2012) Ao final da entrevista, solicitei ao mestre uma avaliação, segundo o seu ponto de vista, da atualidade das políticas culturais e sobre a nova gestão do MinC: [...] quando saiu Lula entrou Dilma, no meu ponto de vista, deu uma parada. A cultura do território foi esquecida, inclusive os Pontos de 43 Cultura. Tá tudo parado! Envolveu essa figura que está no ministério, que pra mim é nota zero. Se não me engano milhões de reais ela já tirou [...] do interior e já está centralizando de novo na cidade grande. Pessoas que nem precisam desse tipo de ajuda, que já têm o nome e nós estamos esquecidos. Eu dou nota zero a essa ministra. Acabou com o Ponto de Cultura [...]. (MESTRE FAZINHO, Informação verbal, 2012) O primeiro colocado no edital dos Pontos de Cultura voltado somente para a capoeira expressa sua visão das ações do MinC e do trato em relação à cultura: O que eu destacaria de ruim que pode melhorar é que a gestão atual 44 faça! Cumpra o que falou no palanque - continuidade do processo. E eu não vi isso. Gilberto Gil foi o melhor ministro de cultura que o Brasil já viu, pra todos, pro Brasil todo. O Juca Ferreira deu continuidade a isso. O Lula, inteligentemente, quando Gilberto Gil saiu do ministério deu a vaga pra Juca. Só que eles são baianos, nordestinos. E quer queira ou não, ainda existe essa política [...]. Tem que entrar alguém para tirar os nordestinos e colocar o pessoal do sul [...]. (MESTRE MARINHEIRO, Informação verbal, 2012) 42 Grifos nossos. Refere-se aqui à ex-ministra Ana de Hollanda. 44 Grifo nosso. 43 111 Não é nosso objetivo, neste trabalho, avaliar as políticas culturais voltadas para a capoeira, nem da gestão da ex-ministra da cultura Ana de Hollanda, muito menos da gestão atual, porém, inevitavelmente, pela questão da continuidade dessas políticas, não podemos nos furtar em trazer alguns pensamentos dos nossos entrevistados e muito menos de tecer nossas reflexões sobre o assunto.45 Nitidamente divergente das opções políticas de seu antecessor, a gestão de Hollanda não se esforçou em dar continuidade, por exemplo, às ações que envolviam a capoeira. Mas não há espaço para especulações e suposições, pois se trata da realidade concreta de quem viveu os dois momentos e vivenciou a transição que evidenciamos: “Eu faço parte da rede Ponto de Cultura e eu só vejo queixa de várias instituições da falta de continuidade do projeto [...] quando Dilma entrou não deu continuidade. [...]” (MESTRE MARINHEIRO, Informação verbal, 2012). Se entendermos cultura como um direito, assim exatamente como está descrita na nossa constituição, perceberemos que os seres humanos são muito mais que consumidores ou agentes passivos. A produção cultural e sua fruição dá-se de forma independente do Estado, pois não é ele que produz a cultura, mas pode, entretanto, apoiar, estimular e desenvolver, ajudar na sua manutenção e memória, estabelecer e oportunizar justiça cultural. Concluindo, nosso entrevistado destaca o trabalho educativo que a cultura, em especial, a capoeira, pode desenvolver. Intervenções desta natureza já vinham sendo feitas pelos mestres e tantas outras centenas de capoeiras, mas, com a ajuda do Governo, poderiam melhorar. “Quando você beneficia uma entidade como uma associação de capoeira, tá beneficiando mais de quinhentos, mil alunos de periferia [...] O trabalho nosso é esse: educar uma criança para não oprimir o homem” (MESTRE FAZINHO, Informação verbal, 2012). Após reflexão inicial sobre essa iniciativa piloto, que ainda se encontra em processo, referente às políticas culturais voltadas para a capoeira, adentraremos as ações que mobilizaram um efetivo muito maior destes coletivos, e são consideradas como a principal obra destas políticas: o PCV. 45 Esta inclusive tem sido uma grande discussão que toma uma e outra vez a dianteira nos assuntos sobre cultura no país. Desde a saída de Juca Ferreira à assunção da também exministra da cultura Ana de Hollanda, especulações e ações demonstram os entendimentos, estilos e caminhos da cultura, nesta nova fase. 112 3.2 Primeiras ações desenvolvidas no Capoeira Viva A novidade veio dar à praia Na qualidade rara de sereia Metade o busto D'uma deusa Maia Metade um grande Rabo de baleia Oh! Mundo tão desigual Tudo é tão desigual Oh! De um lado esse carnaval 46 De outro a fome total. Em 2006, mais precisamente em 15 de agosto, o PCV foi lançado pelo MinC, em parceria com o Museu da República, a Associação de Apoio ao Museu da República (APAMR) e a Petrobras. De acordo com o então ministro da cultura, Gilberto Gil, a iniciativa caracterizou-se como um marco, cujo propósito era corrigir a distorção do: “[...] fato de a capoeira ser uma das principais expressões de difusão da cultura brasileira pelo mundo, sem jamais ter recebido apoio governamental” (NUNES, 2009).47 O folder veiculado na época destaca que o PCV é o “primeiro Programa de valorização e promoção da capoeira como bem cultural brasileiro” (CAPOEIRA VIVA, 2006). No mesmo documento, ainda podemos encontrar afirmações como: “Pela primeira vez na história republicana o Estado apoia um programa nacional abrangente [...]” (CAPOEIRA VIVA, 2006). E ainda: O projeto Capoeira Viva tem como objetivo fomentar a implementação de políticas públicas para a valorização e promoção da capoeira como bem constituinte do patrimônio cultural brasileiro, apoiando uma das diretrizes de política cultural da atual gestão do Ministério da Cultura. (CAPOEIRA VIVA, 2006) 46 47 A novidade. Música de Gilberto Gil. Destacando as palavras do ex-ministro. 113 O Museu da República,48 foi escolhido pelo MinC para sediar o PCV, pelo caráter simbólico, pois a República traz em sua história momentos de perseguição e discriminação à cultura afro-brasileira, em especial à capoeira. Como este foi sede da República do Brasil, entre 1897 a 1960, a justificativa da reparação e do reconhecimento do valor da capoeira para o Estado fica registrada.49 O custo total, para o desenvolvimento de todas as ações previstas para a implementação e o desenvolvimento da iniciativa, conforme divulgação do Observatório dos Editais do MinC, ultrapassou a casa do milhão. O Prêmio Capoeira Viva 2006 apoiou projetos voltados para a valorização da capoeira como bem integrante do patrimônio imaterial brasileiro, o que incluía projetos de acervos documentais, projetos de pesquisa e inventários e projetos sócio-educativos. Com o custo total de 1,9 milhão de reais patrocinados pela Petrobrás com recursos de incentivo fiscal e geridos pela Associação de Apoio ao Museu da República, o edital distribuiu prêmios a 58 projetos e ofereceu Certificado de Qualificação a outros 16 projetos. (GRÁFICOS SOBRE A DISTRIBUIÇÃO TERRITORIAL DE RECURSOS DE SELEÇÕES PÚBLICAS, 2011) O PCV previu várias atividades que mobilizaram a capoeira, contudo sua ação prioritária foi o incentivo e o estímulo à produção na área, através da inscrições de projetos que pleiteavam incentivos, por meio de prêmios. “O objetivo do projeto é incentivar a produção de pesquisa, inventários e documentação histórica, bem como ações socioeducativas ligadas à capoeira”50 (NUNES, 2009). Podemos compreender que a ideia dos envolvidos era constituir uma política pública, através de uma política cultural, incentivando ações voltadas para uma produção permanente da capoeira e não somente pontual. Talvez, por isso, essas notas aparecem divergentes. Essa ação do Governo Federal se propunha inserir no Programa Brasileiro e Mundial da Capoeira, anunciado por Gil, em 19 de agosto de 2004, na cidade de Genebra. Tratava-se de uma das promessas anunciadas. O MinC estaria 48 Na época dirigida por Ricardo Vieira Alves de Castro. A função do Museu da República estava na coordenação técnica da ação, junto com a Associação de Apoio ao Museu da República (APAMR), que tinha à frente de sua gestão Romílio da Costa Leite. A empresa Petrobrás era a responsável pelos investimentos destinados ao PCV. Dados divulgados pelo MinC confirmam que a primeira edição do projeto, no Rio de Janeiro, abarcou o patrocínio da referida empresa através de R$ 930.000,00 (novecentos e trinta mil reais). 50 Esta ação se constitui como um projeto, apesar de ora os discursos sobre o PCV, em suas primeiras aparições, permearem a esfera de um projeto, ora outra, de um programa, pelas informações e discursos oficiais, divulgados em vários meios de comunicação. 49 114 lançando editais de fomento a projetos direcionados especificamente para a capoeira, como instrumento de cidadania e inclusão social. Podemos destacar como inédita a forma encontrada para as inscrições dos projetos que concorreram a esse primeiro edital: chamada pública de âmbito nacional. O objetivo era garantir, de forma clara e ampla, a possibilidade de acesso aos recursos financeiros públicos, captados através da empresa estatal Petrobras. As inscrições foram feitas através da internet e duraram um pouco mais de um mês, encerrando-se no dia 30 de setembro de 2006.51 As fichas de inscrição estavam alocadas no site www.capoeiraviva.org.br e qualquer pessoa física ou jurídica poderia se inscrever gratuitamente no PCV, a partir de 15 de agosto de 2006, porém não poderia se inscrever mais de uma vez na mesma categoria.52 Percorrendo a lista divulgada na internet, que ainda se encontra acessível, percebemos que 23 (vinte e três) projetos foram aprovados. Destes, apenas 4 (quatro) atingiram o quantitativo máximo da linha, recebendo vinte mil reais, os demais receberam valores que variavam entre doze e dezoito mil, cumprindo assim a meta estabelecida para o total de investimento da categoria. Na segunda linha, o objetivo foi apoiar 45 (quarenta e cinco) experiências socioeducativas, subdivididas em três modalidades. Todos os projetos inscritos na modalidade Experiências individuais ou informais receberam o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), totalizando R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais), pois somente 15 (quinze) projetos foram aprovados. Para as experiências institucionais, foram destinados R$ 15.000,00 (quinze mil reais) para 15 (quinze) projetos, fechando um total investido, nessa modalidade, de R$ 225.000,00 (duzentos e vinte e cinco mil reais).53 51 Se os pleiteantes preferissem as inscrições também poderiam ser feitas por caixa postal, todavia o prazo para isso era menor, os documentos tinham que estar registrados e a encomenda precisava possuir aviso de recebimento. 52 Estas se configuravam em linhas de ações visando organização e delimitação das ações. O investimento foi aplicado em três linhas de atuação: 1- Incentivo à produção de pesquisa, inventários e documentação histórica e etnográfica sobre a capoeira; 2- Ações sócio-educativas; 3- Apoio a acervos e documentos. A primeira tinha como meta atingir o quantitativo de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) por projeto. No total essa categoria obteve disponível para investimento R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais). 53 A última modalidade da categoria Ações Socioeducativas foram os projetos voltados para experiências governamentais, que, neste caso, não receberam nenhum incentivo. Os aprovados aqui, em número de 16, deveriam receber um certificado de qualificação emitido por um grupo de mestres de capoeira, que foi denominado de Conselho de Mestres do PCV. 115 A última linha de incentivo voltou-se para os acervos documentais, que contou com um aporte financeiro de R$ 270.000,00 (duzentos e setenta mil reais). O valor máximo que um projeto poderia galgar, nessa linha, era de R$ 90.000,00 (noventa mil reais). Mais uma vez, consultado o resultado da seleção, percebemos que nenhum projeto conseguiu levantar tal verba. Cinco projetos foram aprovados e apenas dois atingiram o valor máximo de R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais). Nesse primeiro momento, 74 (setenta e quatro) projetos foram aprovados, atingindo cerca de 20 (vinte) Estados de todas as regiões do país (Nordeste: Bahia, Paraíba, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Maranhão, Piauí e Alagoas; Sudeste: Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo; Centro-Oeste: Distrito Federal, Goiás e Mato Grosso; Norte: Tocantins e Acre; Sul: Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina), que recebem incentivos para seus projetos. No geral, 5 (cinco) projetos foram aprovados na categoria acervos documentais; 23 (vinte e três) em incentivo à produção; 15 (quinze) em duas categorias socioeducativos (Grupo Informal e Organizações sem fins lucrativos) e 16 (dezesseis) na categoria socioeducativos/entidades governamentais. Vale destacar que para esta última não havia previsão de bolsa, mas sim o reconhecimento do PCV e uma certificação. A coordenação geral do projeto ficou a cargo de Rui Fernando Rodrigues Pereira; a Coordenação Administrativa esteve sob a responsabilidade de Renata Barbosa Gomes Carneiro e a gerência foi assumida por Maria A. Aché Cardoso Pinto, conforme divulgado nos documentos relacionados à experiência.54 Podemos notar também que, afora as palestras, os seminários e os prêmios, o PCV reuniu outras ações, como a criação de uma página na internet para a difusão dos projetos inscritos, a criação de um Conselho e a Galeria dos Mestres,55 visando à promoção da capoeira como um bem cultural brasileiro.56 Os integrantes do Conselho de Mestres, com representatividade de vários Estados, deveriam atuar como consultores, auxiliando os trabalhos do PCV.57 54 Dentre as ações do PCV, destacam-se palestras e seminários, com o objetivo de disseminar conhecimentos sobre essa cultura e articular os saberes de seus mestres e estudiosos. 55 Inicialmente, Galeria dos Mestres, transformou-se, posteriormente, em Academia de Mestres. 56 Essas ações irão culminar com o reconhecimento da Capoeira como Patrimônio Cultural do Brasil, Patrimônio Imaterial. 57 Três seminários nacionais foram realizados: na Bahia, em Recife e no Rio de Janeiro. 116 Esse Conselho indicou nomes de mestres que receberam um incentivo financeiro. Eles passaram a formar a Academia de Mestres. “Estão previstas, também, a concessão de 50 bolsas no valor de R$ 900,00 mensais por um período de seis meses” (NAHUM e NAHUM, 2006). Este incentivo, denominado pelo MinC e pela coordenação do PCV de bolsa de estudos, tinha a previsão de se estender por um semestre.58 No total, foram R$ 270.000,00 (duzentos e setenta mil reais) investidos nesta Academia de Mestres, tendo em vista a finalidade de auxiliar estudos e publicações futuras sobre essa manifestação da cultura brasileira. Os indicados deveriam participar de oficinas e palestras, democratizando seus conhecimentos para que estes futuramente pudessem ser utilizados como fontes de memória e pesquisa. Acessando os arquivos do website oficial do PCV, observamos a confirmação das informações já destacadas acima. Os mestres escolhidos, por sua história de vida, sua participação na preservação da capoeira, na formação de outros mestres e importância regional, recebem bolsas de estudo para que, através de oficinas e palestras, possam dar seus depoimentos, subsidiando estudos e publicações futuras sobre a capoeira, formando assim a Academia de Mestres do Capoeira Viva. (CAPOEIRA VIVA, 2006) Ainda segundo documentos recolhidos no site oficial do PCV, amplamente divulgados em 2006 e 2007, como em outras fontes na internet, faziam parte deste coletivo dez mestres de capoeira, de cinco diferentes Estados da federação, sendo eles: Bahia, Paraná, Rio de Janeiro, Goiânia e São Paulo, além de Brasília. Estavam representadas no Conselho de Mestres quatro das cinco regiões do nosso país, somente faltando a região norte; destacamos também uma representante feminina e mandatários da capoeira Regional, de Angola e Contemporânea.59 Conforme publicado no site oficial do PCV, desse coletivo constam os nomes dos mestres Raimundo Cesar Alves de Almeida (mestre Itapoan), Pedro 58 No final de seis meses, o objetivo era que cada mestre recebesse a quantia de R$ 5.400,00 (cinco mil e quatrocentos reais). 59 Tudo leva a crer que o termo foi cunhado pela primeira vez pelo Mestre Camisa, em 1987, em Ouro Preto, na primeira jornada pedagógica de capoeira. Este defende até hoje sua posição na jornada. Sendo assim, achei por bem fazer o registro. Para maiores informações, consulte <http://www.youtube.com/watch?v=c37be-Cw8mE>. 117 Moraes Trindade (mestre Moraes), Luiz Renato Vieira (mestre Luiz Renato), Antônio de Menezes (mestre Burguês), Antônio Batista Pinto (mestre Zulu), José Tadeu Carneiro Cardoso (mestre Camisa), Elton Pereira de Brito (mestre Suíno), Marcelo Azevedo Guimarães (mestre Peixinho), Reinaldo Ramos Suassuna (mestre Suassuna) e Rosangela Costa Araújo (Contra mestra Janja).60 Para entender melhor o que foi o Conselho de Mestres, fomos ouvir dos próprios indicados, suas impressões, pensamentos e reflexões sobre esse momento das políticas culturais. Dos dez mestres integrantes desse coletivo, entrevistamos a metade. Nossa curiosidade inicialmente foi a respeito de como se formou esse grupo e como esses nomes surgiram para integrá-lo. Para a depoente a seguir, única mulher do grupo, sua participação está diretamente ligada a seu envolvimento político e a representatividade de gênero. [...] Então eu só recebi [...] o convite de que eu passaria a integrar o programa Capoeira Viva, fazendo parte do conselho de mestre, porque primeiro eu fazia parte de uma série de discussões. Eu venho discutindo essas políticas públicas desde o PNC, da década de 1980, do plano nacional de capoeira [...]. (MESTRA JANJA, Informação verbal, 2012) No Rio de Janeiro, em uma escola pública no Humaitá, também pudemos perceber o mesmo modus operandi na formação desse grupo: O primeiro contato que eu tive, foi com o Gilberto Gil. [...] encontrei com ele e falei sobre alguns problemas da capoeira e como ele, como ministro, poderia contribuir bastante. O ministério da cultura vendo a capoeira como uma manifestação cultural [...] foi no Rio de Janeiro, depois em Brasília. E me convidaram para fazer parte de um conselho de mestre. (MESTRE CAMISA, Informação verbal, 2012) Outro depoente confirmou que sua convocação foi via web: “[...] eu me lembro de ter recebido por e-mail esse convite e fiz minha confirmação de imediato, porque eu procuro estar sempre à disposição da capoeira e dos capoeiristas” (MESTRE ZULU, Informação verbal, 2012). A ideia de formar um coletivo de mestres de capoeira partiu dos primeiros gestores do PCV. Estes somente participaram do primeiro edital, afastando-se de suas funções, quando do fechamento da ação. Em entrevista, o coordenador, destaca como aconteceu o chamado para atuar nesta iniciativa: “Foi num 60 Graduação da época. 118 encontro no Museu da República, em 2006, se não me engano, no início de 2006, em que havia um problema de quem iria desenvolver esse projeto, eu me dispus a desenvolver, então fui convidado” (RUI PEREIRA, Informação verbal, 2012).61 A vinculação de Rui Pereira, que é funcionário do Departamento de Extensão da UERJ, ocorreu através da Fundação José Pelúcio Ferreira (FJPF), órgão vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).62 O objetivo foi simplificar o repasse, tendo em vista agilizar a efetivação das ações planejadas. A Pelúcio foi uma estratégia porque todo dinheiro público pra poder ser repassado é uma burocracia muito grande. A gente perde 5 a 10% do dinheiro, só nessas tramitações e o tempo. Então, eu optei em fazer um contrato com a Pelúcio, de modo que, como é uma Fundação de fomento, ela então transformou isso num processo muito simples de bolsas que, inclusive, isentava os recebedores, os capoeiristas de pagarem impostos [...]. Então, essa foi a estratégia usada [...]. Como eu já tenho costume, na área científica [...], já sabia que isso ia funcionar e funcionou. (RUI PEREIRA, Informação verbal, 2012) Conforme nos relatou seu coordenador, a ideia de um Conselho de Mestres, bem como a Academia de Mestres, não fazia parte da ação. De início, havia a ideia fixa de homenagear os detentores do saber da capoeira – os mestres – mas era preciso respaldo para isso, pois sua experiência com a manifestação era pontual e já haviam decorridos muitos anos atrás. Assim, surgiu a ideia de formar um Conselho de Mestres, que respaldaria a indicação desta Academia de Mestes.63 Dessa forma estava estabelecida a principal atividade do grupo, porém as intenções do nosso depoente eram estrapolar essa mera atividade, aproveitandose da experiência dos mestres que formaram tal coletivo: “[...] Escolher a galeria e também me indicasse aos caminhos pra como proceder, não é? Nesse meio [...]. É um meio complexo. E, portanto, eu não ia, eu sozinho, me meter a fazer o conceito do projeto” (RUI PEREIRA, Informação verbal, 2012). 61 De acordo com Rui Pereira, o convite originou-se do professor Ricardo Vieira Alves, que era diretor do Museu da República e atualmente desenvolve suas atividades como reitor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). 62 O envolvimento da FJPF com o PCV foi estrategicamente pensado, pelo coordenador, que já tinha experiência na área acadêmica, e conhecia o trato com verbas públicas. 63 A ideia que fundamentou a constituição dessa Academia de Mestres, conforme seu idealizador, atrela-se à formação de uma agremiação que indicasse seus expoentes, assim como fazem as Academias de Letras, dentre outras, além de ser uma forma de homenagear os mestres dessa manifestação popular. 119 Metas estabelecidas junto à equipe, o próximo passo era contatar e convencer os mestres escolhidos a participarem, de fato, da iniciativa. [...] o que me repassaram foi que eu ia fazer parte, com dez mestres, de uma comissão. [...] e que esse Capoeira Viva ia pegar parte das discussões, que a gente tinha feito no Encontro Nacional de Capoeira, e contemplar algumas discussões. [...] Então, uma das propostas era fazer como uma Academia de Letras, não é? Pegar os principais mestres e fazer uma Academia [...]. (MESTRE SUÍNO, Informação verbal, 2012) Todos os entrevistados são unânimes em afirmar que contribuíram pouco para as ações do Conselho, propriamente dito, estabelecendo assim uma rápida e curta passagem por essa experiência. A minha contribuição também foi muito pequena, indicando os mestres antigos, fazendo um levantamento, e eu indiquei uns mestres aqui do Rio de Janeiro, da Bahia, Pernambuco [...] tentei contribuir dentro do possível. [...] Teve uma série de coisas que eu não consegui participar. Eu tinha outros compromissos [...] Então, não acompanhei muito a coisa de perto. (MESTRE CAMISA, Informação verbal, 2012) Apesar de encontrarmos em algumas fontes, onde ainda conseguimos garimpar, algo sobre esse momento, referente à ideia por trás do Conselho de Mestres, nossa análise inicial foi que, a partir do desenvolvimento da empreitada, as coisas aconteciam, sem uma definição muito fechada. O objetivo era fortalecer as ações, à medida que o PCV se desenvolvesse, conforme nos relata o mestre: [...] A impressão que eu tenho é que havia a perspectiva de que essa iniciativa ganhasse uma dimensão maior, digamos assim. [...] Não repetila na pequena dimensão [...], mas ampliá-la. E, ao fazer isso, a referência de ter um grupo de mestres, como referência, seria bastante produtivo! Mas isso [...], eu estou te dizendo como uma impressão. Eu não tenho elementos para dizer que essa era a razão de ser do Conselho de Mestres. (MESTRE LUIZ RENATO, Informação verbal, 2012) Talvez, na esperança de que aquelas ações tomassem dimensões maiores, tudo foi sendo executado, mas sem um planejamento de longo prazo. Tanto assim, que esse grupo inicia e termina, no mesmo período, do primeiro edital do PCV. Foi um breve momento na história da política cultural voltada para a capoeira. 120 O que eu percebi [...] foi que eles mesmos não sabiam direito como é que ia ser. Então, quando eu fui ao Rio de Janeiro para uma reunião, eu percebi que eles não tinham as informações que a gente necessitava. Poucas pessoas estavam sabendo as atribuições, como fazer, eu vi que era algo muito novo pra todo mundo. Eu recebi o convite, por meio da internet mesmo [...]. (MESTRE SUÍNO, Informação verbal, 2012) Mas ainda persistia a indagação: afinal, o que foi o Conselho de Mestres criado pelo PCV? O mestre a seguir nos traz uma ponderação plausível: O Conselho de Mestres foi algo que eu entendo como circunstancial, em que, havendo uma disponibilidade de verbas, e havendo uma demanda por parte da capoeira, fez com que algumas demandas do meio capoeirístico pudessem ser atendidas. E esse conselho, no meu entendimento, [...] foi instituído com fim específico daquele momento do Capoeira Viva. (MESTRE ZULU, Informação verbal, 2012) Após a análise das informações, concluímos que a única função mais efetiva deste conselho foi a indicação de mestres para receber uma bolsa, como reconhecimento pelos serviços prestados à sociedade. “[...] eu indiquei Felipe de Santo Amaro [...]. Cada um parece que podia indicar 5 mestres eram 5, [...] Indiquei Felipe, indiquei Gigante, indiquei João Pequeno [...]” (MESTRE ITAPOAN, Informação verbal, 2012). Sobre as indicações, nosso entrevistado, recordando-se do momento, enfatiza alguns dos nomes que recomendou ao PCV, com o intuito de formar a Academia dos Mestres: “Indiquei mais o pessoal da velha guarda: Mestre João Pequeno, Boca Rica, Bigodinho, Gigante, Arthur Emídio, Leopoldina, Mendonça [...]” (MESTRE CAMISA, Informação verbal, 2012). Quando iniciamos a pesquisa, imaginávamos que o Conselho de Mestres tivesse se reunido em vários momentos e participado mais ativamente do direcionamento das ações do PCV, mas tudo indica que nos enganamos. “[...] a única reunião que houve do conselho que eu tenha participado e de que eu tenha noticia, [...] que eu me lembre [...] foi apenas aquela [...] no dia do lançamento no Museu da República [...]” (MESTRE LUIZ RENATO, Informação verbal, 2012). Mas há controvérsias, no grupo, sobre as reuniões: “Eu creio que foram duas. Uma pra lançar e depois dessa, nós tivemos que reunir de novo pra ver os 121 nomes [...]”64 (MESTRE SUÍNO, Informação verbal, 2012). Indagado sobre isto, um dos membros nos informa não ter participado de nenhuma: “Não! Tudo foi pela internet” (MESTRE ITAPOAN, Informação verbal, 2012). Não há registros em diários oficiais e nem mesmo em outro documento do governo sobre o Conselho de Mestres, fora o que já citamos. Esta foi uma ação da coordenação da primeira gestão do PCV, que possuía autonomia para tal. Conforme também já ponderou nosso depoente, houve poucos registros oficiais. O que sabemos pelos posicionamentos dos entrevistados é que ocorreu um breve encontro, após o lançamento do que se chamou, no primeiro momento, de Programa Capoeira Viva, no dia 15 de agosto de 2006, e que esse encontro acabou se convertendo em uma reunião, no entendimento de alguns integrantes. Foram estabelecidos os seguintes critérios para as indicações à Academia:65 Importância do mestre, nacional e local, na preservação da capoeira; quantidade de mestres por ele formados; sua contribuição e de seu grupo para a valorização e a promoção da capoeira em sua região; a idade e a condição de saúde e social.66 No Rio de Janeiro, algumas ideias foram expostas para o grupo. Em seguida, pela própria dinâmica da iniciativa e das agendas dos mestres, as discussões posteriores aconteceram virtualmente, sem um acompanhamento rigoroso. Nem todo o grupo estava presente neste momento. As ausências dos mestres Suassuna e Itapoan são relembradas por um membro: “Parece que o Suassuna faltou! Eu não tenho certeza. O Itapoan também tinha compromisso na data, e eu tenho uma vaga lembrança que foram esses dois!” (MESTRE ZULU, Informação verbal, 2012). Houve poucas reuniões presenciais do Conselho de Mestres. Não mais que duas, conforme nossos entrevistados. As dificuldades de conciliação da 64 Mestre Suíno refere-se aqui ao lançamento do Conselho de Mestres. A segunda reunião foi para a indicação do Conselho. 65 O Conselho de Mestres precisava estabelecer critérios, de acordo com os objetivos daquela ação, pois os mesmos estariam influenciando diretamente o processo, dada a representatividade que isto significaria, bem como a honraria. Consequentemente, a distribuição pensada inicialmente ficou pendente. Outra questão chamada à atenção pelo primeiro coordenador do PCV é que deveria haver uma equidade regional, na implementação desta ação, tendo em vista o objetivo de contemplar o maior número de regiões. 66 A lista com os critérios que serviram de base para a indicação dos mestres (bolsistas) à Academia do Capoeira Viva, ou conforme indicado em divulgações no próprio site do MinC, foi validada. Ela deveria se organizar da seguinte maneira: além dos critérios discriminados, cada membro do Conselho de Mestres deveria indicar uma lista com cinco nomes. 122 agenda pessoal de todos, dado o desenvolvimento das atividades de cada integrante, possivelmente tenha sido um fator para isso.67 Dentre os que receberam o reconhecimento do Estado e a indicação para integrar a Academia de Mestres do PCV, merecidamente beneficiados, podemos citar os destacados, a seguir, fruto de pesquisas em várias fontes, na tentativa de recuperar a memória deste momento único na história da capoeira: 1. Mestre Ananias (SP) 2. Mestre Cavaliere (MG) 3. Mestre Carcará (BA) 4. Mestre Zé de Freitas (BA) 5. Mestre Itapoan (BA) 6. Mestre Roque (RJ) 7. Mestre Boca Rica (BA) 8. Mestre Sabú (GO) 9. Mestre Juarez (PE) 10. Mestre Gaguinho (SP) 11. Mestre Virgílio (BA) 12. Mestre Pop (SC) 13. Mestre Pelé da Bomba (BA) 14. Mestre Felipe (BA) 15. Mestre Damião (SP) 16. Mestre Virgílio de Ilhéus (BA) 17. Mestre Decânio (BA) 18. Mestre Curió (BA) 19. Mestre Bigodinho (BA) 20. Mestre Gigante (BA) 21. Mestre Tabosa (DF) 22. Mestre João Pequeno (BA) 23. Mestre Celso (RJ) 24. Mestre Joel (SP) 25. Mestre Lua de Bobó (BA) 26. Mestre Leopoldina (RJ) 27. Mestre Vilmar (RJ) 28. Mestre João Grande (NY) 29. Mestre Acordeon (BA) 30. Mestre Genaro (RJ) 31. Mestre Arthur Emídio (RJ) 32. Mestre Brasília (SP) 33. Mestre Pinatti (SP) 34. Mestre Rafael Flores (ES) 35. Mestre Bigo (SP) 36. Mestre Adilson (DF) 37. Mestre Nestor Capoeira (RJ) 38. Mestre Moraes (BA) 39. Mestre Camisa (RJ) 40. Mestre Camisa Roxa (Áustria) 41. Mestre Suassuna (SP) 42. Mestre Nô (BA) 43. Mestre Travassos (RJ) 44. Mestre Peixinho (RJ) 45. Mestre Bezerra (PA) 46. Mestre Jair Moura (BA) 47. Mestre Sergipe (PR) 48. Mestre Pirajá (PE) 49. Mestre Mendonça (RJ) 50. Mestra Cigana (RJ) Tabela 1: Relação da Academia de Mestres do Capoeira Viva – Fonte: www.capoeiraviva.org.br. Questionamos os entrevistados se eles confirmaram, junto aos mestres indicados como homenageados, o recebimento das bolsas. Houve confirmação: “Receberam! Pelo menos o Felipe68 me disse que recebeu!” (MESTRE ITAPOAN, Informação verbal, 2012) 67 A indicação dos mestres que deveriam compor essa Galeria, ou como se denominou depois – Academia –, se consolidou no campo virtual, enviadas on-line para a conta de e-mail do PCV, aos cuidados de Rui Pereira. 68 Mestre Itapoan refere-se aqui ao Mestre Felipe de Santo Amaro. 123 Alguns destes mestres participaram também da produção de um vídeo, como anunciado em uma das ações do PCV. Esse documentário, intitulado Palavra de Mestre: mestres de capoeira do Brasil, até o momento não foi corretamente divulgado. Vale destacar a dificuldade que tivemos para poder localizá-lo. Os integrantes da capoeira, em sua esmagadora maioria, desconhece tal obra que possui uma cópia, apenas para consulta, no Museu do Folclore. Tentamos localizar tal documento em instituições públicas de acesso livre para a população, em outros Estados, sem sucesso. Na película, podemos ver imagens e depoimentos de alguns dos mestres que compõem, conforme tabela acima, a Academia dos Mestres do Capoeira Viva.69 Assim como começou, terminou o Conselho de Mestres do PCV. A impressão é que esse coletivo foi formado com a autonomia que cabia ao coordenador da ação, sem maiores preocupações com a formalidade que de costume se faz presente em ações dessa natureza. “Eu creio que o Conselho de Mestres, [...] na verdade não teve existência formal” (MESTRE LUIZ RENATO, Informação verbal, 2012). Conforme a única representante feminina do Conselho de Mestres, ela mesma nunca foi comunicada do seu fim: “Não! Se me perguntarem, eu continuo dizendo que sou do Conselho de Mestres até hoje. E ninguém me disse que acabou” (MESTRA JANJA, Informação verbal, 2012). Questionada se havia recebido alguma comprovação desta experiência, ela foi categórica: “Também não [...] Não, não. Também não” (MESTRA JANJA, Informação verbal, 2012). Este fato vai de encontro a outro depoimento: “Nós recebemos um certificado em que, alguns até pegaram a assinatura dos vários mestres que estavam participando [...] recebemos um certificado, sim” (MESTRE ZULU, Informação verbal, 2012). Contudo, todos concordam com a sua dissolução, sem comunicados ou justificativas: “Absolutamente nada, não tivemos uma documentação mínima que 69 Mestre Ananias (SP); mestre Zé de Freitas (BA); mestre Bigodinho (BA); mestre João Pequeno (BA); mestre João Grande (NY); mestre Arthur Emídio (RJ); mestre Nestor Capoeira (RJ); mestre Travassos (RJ); mestre Jair Moura (BA); mestre Mendonça (RJ); mestre Felipe (BA); mestre Celso (RJ); mestre Brasília (SP); mestre Bigo (SP); mestre Moraes (BA); mestre Suassuna (SP); mestre Carcará (BA); mestre Roque (RJ); mestre Curió (BA); mestre Joel (SP); mestre Vilmar (RJ); mestre Genaro (RJ) e mestre Pinatti (SP). Alguns mestres homenageados na produção desse vídeo não se encontram mais vivos. 124 fosse colocada à disposição do conselho, não é? Quanto mais tornar público para o meio capoeirístico, de forma geral” (MESTRE ZULU, Informação verbal, 2012). Nem mesmo alguns integrantes do Conselho de Mestres conseguem analisar a sua ausência de continuidade. No segundo edital do PCV, o grupo foi sumariamente ignorado e completamente excluído da gestão das ações. O segundo edital já veio pronto [...]. Me parece que eles desconsideraram. Ao invés de haver um aprendizado e uma continuidade [...]. Não posso afirmar, mas a impressão que eu tenho é 70 que houve desconsideração a tudo que o Museu fez ao primeiro [...]. (MESTRE SUÍNO, Informação verbal, 2012) O que podemos perceber é que a iniciativa poderia ser mais explorada pelo PCV, uma vez que o Conselho era integrado por mestres renomados, competentes em suas áreas, e que, pela sua história, já haviam contribuído bastante com a capoeira e, por seus conhecimentos, poderiam qualificar melhor o processo. Eles emprestaram suas experiências, sem qualquer custo, contudo, foram pouco consultados e até subutilizados. Em nossa análise, a segunda gestão do PCV deveria ter mantido o Conselho de Mestres, com periódicas modificações em suas cadeiras, favorecendo, assim, uma reciclagem dos membros. É válido destacar que, apesar das decisões deste Conselho recaírem no grupo como um todo, nem todos os mestres que o integraram participaram das decisões, de forma coletiva como aparentou ser. Muitas foram efetivadas pela própria coordenação do PCV, sem posicionamentos efetivamente coletivizados, como, por exemplo, a indicação de alguns integrantes da Academia de Mestres, para fins de conclusão da lista final. Continuando a discussão sobre o Conselho de Mestres, questionamos os integrantes sobre uma ação anunciada, inclusive no Caderno Informativo da própria iniciativa, referente a um trabalho que seria desenvolvido pelo coletivo, e que estava diretamente ligado aos projetos aprovados no primeiro edital do PCV. 70 Trata-se do Museu da República. 125 Dentre as categorias indicadas para concorrerem à seleção, havia uma categoria denominada Socioeducativa/Entidades Governamentais.71 Contudo, estava previsto que seria papel do Conselho certificar os selecionados, que não receberiam um prêmio em dinheiro, mais, sim, um certificado do Governo de reconhecimento de suas boas práticas voltadas à capoeira. Para encerramos a discussão sobre o Conselho de Mestres, é válido esclarecer informações contidas em um artigo nosso, publicado em 2010, que foram mal interpretadas em dissertação defendida em 2012.72 Bueno (2012) separando trecho deste texto73 interpreta nosso discurso, conforme seu entendimento. Este, na época, se traduziu em um artigo informativo e não denunciativo, vale enfatizar, até porque não há nada, nesse caso a denunciar. Contudo, o autor destaca um pequeno trecho da nossa escrita e faz averbações equivocadas a respeito da indicação de integrantes do Conselho de Mestres à Academia de Mestres, como se nós estivéssemos colocando do jeito que o mesmo expôs, em seu trabalho de pesquisa, relacionado o fato à “luta de classes” e à “administração de dinheiro publico para fins privados”.74 Os indicados à Academia de Mestres receberam um prêmio75 e não há nenhuma ilegalidade nisto, qualquer mestre poderia receber, desde que seja indicado para isto. A coordenação do PCV tinha autonomia para realizar tal ação, como o fez. A avaliação que fizemos é que os integrantes do Conselho de Mestres não deveriam ser, ao mesmo tempo, integrantes da Academia de Mestres, naquele momento, por que esta última tinha a função de indicar o primeiro. Não houve a intenção de acusar ou prejudicar, muito menos, de levantar qualquer suspeita quanto às ações dos que participaram, direta ou indiretamente, da gestão do primeiro edital do PCV. Pelo contrário, todos os depoimentos são 71 É apropriado esclarecer que o Conselho de Mestres não avaliou, em última instância, projeto algum para concorrer ao edital do PCV, função que foi realizada por uma comissão de avaliadores. 72 BUENO, Marcos Cordeiro. O Fetiche da Capoeira Patrimônio: quem quer abrir mão da histórica da capoeira?. 2012. Dissertação (Mestrado em Educação Física). Escola Superior de Educação Física. Universidade Federal de Pelotas. Pelotas. 2012. 73 COSTA, Neuber Leite. De ato marginal a patrimônio imaterial: análise das políticas culturais para a capoeira. In RUBIM, Antonio Albino Canelas (org). Políticas Culturais no governo Lula. p. 287-306. (Coleção Cult) 74 Conforme Bueno (2012, p. 107). 75 Conforme indicado no site do PCV. 126 direcionados para críticas positivas às iniciativas e ao trato dispensado às comunidades da capoeira. Também, como indicado no início do citado artigo, não tínhamos a intenção de aprofundar as discussões, pois queríamos apenas levar ao conhecimento dos leitores os fatos que estavam acontecendo, que envolviam as políticas culturais voltadas para a capoeira, e que até então não estavam tão acessíveis, principalmente aos que fazem parte deste universo. O PCV demarca, na história da capoeira, o primeiro edital aberto onde poderiam participar democraticamente os capoeiras do país, submetendo seus mais diversos projetos, para concorrerem a incentivos financeiros do governo. Para muitos, é a estratégia mais acertada para o incentivo à cultura. [...] edital [...] é a forma legítima, sobretudo transparente [...]. Você divulga antecipadamente; concede prazo para todos; você pode ter certo grau de orientação dirigindo o edital para temas que considere prioritários. Então, por exemplo, você acha que a memória da capoeira vem se perdendo, você pode criar uma categoria específica no edital: no campo, de memória oral [...]. Ao mesmo tempo é uma política que garante a impessoalidade, os princípios constitucionais que devem dirigir e orientar as políticas públicas. E ao mesmo tempo, permite que você consiga utilizar mecanismos compensatórios, procurar áreas que, por exemplo, vêm sendo menos contempladas e beneficiá-las nesse sentido. Para regiões menos atendidas e segmentos sociais, você pode, por exemplo, dirigir editais para projetos socioeducativos [...]; tudo isso pode ser feito com a maior lisura e total garantia de impessoalidade. Então, acho que edital realmente é a melhor maneira. Agora, [...] não é destituída de problemas [...]. (MESTRE LUIZ RENATO, Informação verbal, 2012) Dando continuidade às ações dessa política cultural, destacamos agora o I Seminário Capoeira Viva, ocorrido no dia 21 de novembro de 2006, no Auditório Apolônio de Carvalho, no Museu da República, Rio de Janeiro. Este seminário aconteceu três meses após o lançamento do primeiro edital do PCV.76 76 Registramos aqui a dificuldade de acessarmos a memória do primeiro edital do PCV. Conforme a Diretoria atual, bem como os funcionários não há arquivo algum, sobre essa ação, no Museu da República. A atual gestão afirma não possuir nenhuma documentação referente a essa ação que foi desenvolvida com o seu apoio técnico. A APAMR não existe mais e conforme o primeiro coordenador do Projeto o mesmo repassou o que possuía para a FGM. No Museu do Folclore, mas especificamente na Biblioteca Amadeu do Amaral, encontramos algumas poucas informações que se traduzem no Folder Informativo e em uma revista publicada em 2007, denominada Capoeira Viva organizada por Gilberto Nahum que traz algumas informações sobre os projetos aprovados no 1º Edital. O site não está mais acessível e poucas informações ainda se encontram espalhadas pela internet. 127 A ação tinha previsto a realização de três seminários nacionais. Essa primeira atividade aconteceu no período da tarde e contou com palestras de alguns dos membros do Conselho de Mestres. Os objetivos do encontro foram: “socialização da informação, troca de conhecimentos, quantificação e qualificação das demandas próprias dessa expressão cultural, [ bem como] apontar caminhos que poderão subsidiar futuras políticas públicas para a capoeira” (PORTAL CAPOEIRA, 2008).77 Um mês após este primeiro evento, aconteceu em Salvador, no dia 12 de dezembro de 2006, o II Seminário Capoeira Viva.78 Após o término das exposições foram abertas as inscrições para a plenária, com o intuito de estabelecer um debate aberto com os presentes.79 Em seguida, foi perpetrada uma homenagem a alguns membros da Academia de Mestres.80 O III Seminário do PCV, referente ao primeiro edital, ocorreu em Salvador, no Teatro Gregório de Matos.81 Percebe-se, conforme anunciado, que a gestão do 77 De acordo com informações recolhidas no site do MinC a palestra que abriu os trabalhos foi sobre a temática: A FORMAÇÃO DO MESTRE, ONTEM E HOJE e contou com a exposição de três mestres renomados no mundo da capoeira brasileira. Mestre Camisa, Moraes e Suíno. No segundo momento o tema gerador da discussão foi DE ARMA DA VADIAGEM A INSTRUMENTO DE EDUCAÇÃO. Os expositores também foram membros do Conselho de Mestres, como já destacamos: mestra Janja, Luiz Renato e Zulu. As falas foram seguidas de debates aberto, todos mediado pelo professor sociólogo e também capoeira Muniz Sodré. 78 Na abertura do evento realizado no Teatro Gregório de Matos, foram apresentados os projetos selecionados no PCV, pelo então Presidente da FJPF. Essa fundação atuou como parceira da APAMR, conforme informações divulgadas nos folhetins do Projeto. Em seguida a discussão se constitui a partir do tema “CAPOEIRA QUE É BOM, NÃO CAI...”: os caminhos da Capoeira e as políticas governamentais. Participaram como responsáveis por essa exposição o mestre Cobrinha Mansa, mestre Itapoan e mestre Moraes, bem como também Frederico José de Abreu, pesquisador e fundador do Instituto Jair Moura e Wallace de Deus, coordenador do Projeto Inventário para o Registro e Salvaguarda da Capoeira. Os trabalhos foram mediados por Rui Fernando Rodrigues Pereira, que à época, era o coordenador do PCV. 79 Esse segundo encontro foi também uma oportunidade para ampliar as discussões acerca do processo de formação do Dossiê para o Reconhecimento da Capoeira como Patrimônio Imaterial, uma das ações que integram o Programa Nacional e Internacional de Capoeira. As pesquisas já se encontravam em andamento e os coordenadores aproveitaram a oportunidade para fazer uma parceria com o PCV, por isso a presença de Wallace de Deus na atividade. 80 Mestre Gigante, mestre João Pequeno, mestre Bigodinho, mestre Curió, mestre Boca Rica, mestre Felipe de Santo Amaro, mestre Pelé da Bomba e mestre Decânio. 81 O primeiro painel foi composto por mestre Moraes, que falou sobre A Capoeira como Instrumento de Resistência; seguido por mestre Rafael Flores, que abordou o tema Capoeira: de volta às origens. Ainda se apresentaram o mestre Luiz Renato, que discutiu: O Estado Brasileiro e a Capoeira e o professor Carlos Eugênio Líbano, tratando de: A capoeira entra na Universidade. O segundo painel do III Seminário organizou-se de forma mais institucional do que os anteriores. O então coordenador, Rui Fernando Rodrigues Pereira, apresentou publicamente uma avaliação e os resultados do PCV, primeira ação específica para a capoeira, constituindo-se em uma política pública de impactos maiores, democratizando, aos presentes, um relatório das ações realizadas durante sua gestão. Foi um momento público de encerramento da primeira etapa. 128 primeiro coordenador do PCV cumpriu o previsto, no que diz respeito à organização, à execução das ações previstas e à realização dos três seminários. Em seguida, discutiremos com os contemplados do primeiro edital as questões que os envolveram, suas impressões e análises do processo que gerou a primeira grande iniciativa de políticas culturais voltadas para a capoeira. 3.3 Capoeira Viva: os projetos e os contemplados Eu quero fazer com essa gente Uma grande transformação Jogando capoeira pelo mundo A se embolar pelo chão Capoeira do meu corpo amigo Capoeira do coração Capoeira pro resto do mundo 82 E somos todos irmãos. Acessando o Caderno Informativo, produzido para a divulgação das políticas culturais do MinC voltadas à capoeira, em especial o PCV, notamos várias instituições envolvidas nesta ação. Ali encontramos a informação de que a sistematização desta primeira experiência envolveu a Associação de Apoio ao Museu da República (APMAR) que: “[...] celebrou convênio com a Fundação José Pelúcio Ferreira [...]” (CADERNO INFORMATIVO CAPOEIRA VIVA, 2006). Ao pesquisarmos sobre o PCV, nossas questões envolveram desde o acesso a informação sobre os editais e as formas de participação, passando pelo desenvolvimento do projeto, sua finalização e prestação de contas. Sendo assim, tivemos contato com 9 (nove) contemplados, que emitiram seus discursos a respeito desta experiência. Além disso, ouvimos também o coordenador da ação. Foram 3 (três) entrevistas referentes aos projetos voltados a acervos documentais, 3 (três) relacionados a ações de Incentivo à Produção de Pesquisa, Inventários e Documentação e 1 (um) em cada categoria socioeducativa. Sendo 82 Capoeira Olêlê. Música de Capoeira D.P. 129 que, é bom lembrar mais uma vez, em uma das categorias socioeducativas – Experiências Governamentais – não houve premiação.83 Apesar da Bahia ser considerada pelo imaginário social e por muitos cultores dessa manifestação, a Meca da Capoeira, não houve projetos aprovados na Categoria Socioeducativos/Entidades Governamentais.84 Dos quinze projetos contemplados, nenhum se encontrava nessa região. Vale ressaltar que, desde o início da década de 1990, vários projetos que objetivavam estimular o ensino e a prática da capoeira no Estado da Bahia, vêm sendo desenvolvidos, tanto pelo governo estadual quanto pelo governo municipal.85 Houve dificuldades em localizar os proponentes destes projetos, muitos ligados a gestões públicas passadas, e que já não mais faziam parte das equipes atuais. Entretanto, conseguimos conversar com o proponente deste último projeto, desenvolvido na cidade de Colombo, no sul do país, no Estado do Paraná. Fizemos um contato com Aristeu Oliveira dos Santos, conhecido na região como mestre Mestrinho, idealizador do projeto Capoeira Arte Luta. Mestre Mestrinho, além de tecer elogios a esta ação da política cultural, voltada à capoeira, mostrou-se muito satisfeito com sua participação, nesse momento histórico. Enfim, este mestre confirmou o recebimento do certificado do PCV.86 Como destacamos, nossa primeira preocupação gerou em torno do acesso ao conhecimento referente a essa nova política cultural voltada para a capoeira, implementada pelo MinC, na gestão de Gil. O PCV foi divulgado em vários meios de comunicação, mas principalmente pela internet. Apesar de observarmos um desenvolvimento significativo do acesso à web, no nosso território, ainda notamos 83 Para estes, havia apenas a previsão de recebimento de um certificado de qualificação. A região onde mais projetos foram selecionados nesta categoria, obtendo o reconhecimento do PCV pelas ações voltadas para a capoeira, foi o Sudeste do país, com 10 (dez) aprovações. Temos, assim, 5 (cinco) em Minas Gerais, 4 (quatro) em São Paulo e 1 (uma) no Espírito Santo. O Centro-oeste foi representado por Goiás, o Nordeste com 1 (um) projeto apenas, do Rio Grande do Norte, e o Sul com 3 (três) projetos, sendo 2 (dois) no Rio Grande do Sul e 1 (um) no Paraná. 85 O que notamos é a falta de manutenção e de continuidade dessas iniciativas que se constituem em projetos de governo e automaticamente, com o fim dos mandatos, as mesmas se esvaem também 86 Trata-se de um trabalho educacional com crianças e adolescentes portadores de necessidades especiais, que vem sendo desenvolvido pelo Mestre há algum tempo, nas dependências da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) da região. No site Capoeira Arte e Luta, podemos encontrar mais informações sobre os trabalhos desenvolvidos pelo capoeira paranaense. Para maior informações, acesse: <http://www.capoeiraarteluta.com.br/?pg=noticias&limit=0>. 84 130 bolsões de miséria e consequentemente carência, dentre outras coisas, de acesso à educação, à cultura digital e a informações dessa natureza. No primeiro edital, por exemplo, os contemplados das regiões norte e nordeste, região onde se encontram os maiores bolsões de miséria do país, o número de projetos aprovados foi menor que nas regiões Sul e Sudeste. Foram vinte e três projetos aprovados na região Nordeste, quatro no Centro-Oeste e no Norte apenas três, contra trinta e cinco da região Sudeste e oito no Sul do país. Gráfico 01: Projetos aprovados por regiões Se juntarmos o Sul e o Sudeste do país e compararmos aos resultados do Nordeste, Norte e Centro-oeste, percebemos que ainda persistiu, nesse primeiro edital do PCV, a velha questão referente ao direcionamento das verbas destinadas à cultura, no que diz respeito à concentração destas no eixo Sul e Sudeste. Gráfico 02: Comparação entre regiões. Todos os nossos respondentes, indubitavelmente confirmam que acessaram notícias sobre o PCV, em vários meios de comunicação, inclusive 131 através do Jornal Nagô.87 Todavia, estes enfatizam também que, de fato, o acesso às informações do edital, chegou até eles, principalmente por uma das ferramentas mais contemporâneas de comunicação – a Internet. “Eu fiquei sabendo do edital na própria internet” (MESTRE GIL VELHO, Informação verbal, 2012). Provavelmente, os indivíduos que residem no extremo norte do país, principalmente em determinadas regiões, onde temos conhecimento que o acesso à comunicação digital ainda se encontra em desenvolvimento, tenham encontrado alguma dificuldade em realizar essa ação, mas isto é somente uma especulação. Até mesmo os que se localizam nos grandes centros urbanos expressam a dificuldade de uso dessa ferramenta: [...] eu particularmente não sou muito bom nessa história de computador, como acabei constatando com vários amigos meus de capoeira, também, que tinham essa dificuldade. A gente pensa assim: – Ah todo mundo acessa a internet! Ainda não é todo mundo. Ainda tem muita gente que não está completamente familiarizada com esse tipo de linguagem. (MESTRE TONY VARGAS, Informação verbal, 2012) Todavia, mesmo sem o domínio da ferramenta, muitos não se intimidaram e se utilizaram do expediente de familiares, amigos, e de apoio, inclusive, de algumas instituições, para produzirem um projeto, na esperança de finalmente receber apoio em suas iniciativas: “[...] mais minha esposa, felizmente é uma pessoa que lida com isso. As pessoas foram se comunicando [...]. Tenho muitos amigos que também jogam [...]. A galera que já lida melhor com isso. Esse povo falou: - Vai, lá [...]” (MESTRE TONY VARGAS, Informação verbal, 2012). Apesar de ser a primeira experiência para muitos, todos consideram ter sido um processo de inscrição muito tranquilo, sem maiores complicações. Um destes pontos positivos, que foi evidenciado pelos pleiteantes: O site era muito intuitivo, a interface muito boa, tranquilo. Projeto muito simples, eu acho que, pelo menos e, na primeira edição, eu acho que na segunda também, porque foi o mesmo site, porque mudou pouco! Tinha essa preocupação de facilitar o acesso, até pra pessoas que não entendessem é, muito, de informática, não era nada complicado fazer o projeto! (RAQUEL SILVA, Informação verbal, 2012) 87 Termo utilizado na Bahia para designar que a notícia ocorreu verbalmente, ou de boca a boca. 132 Alguns proponentes tentaram realizar a inscrição no último dia do prazo estabelecido. Como a quantidade destes retardatários foi significativa, o sistema travou e impossibilitou as inscrições. “[...] Eu perdi o primeiro! [...] aquela coisa de brasileiro mesmo [...], coisa de última hora, então acho que teve problema com a plataforma de receber as informações do primeiro, ficava travando, eu fui fazer no último dia e é claro, não consegui!” (LILU, Informação verbal, 2011). Mas nossa entrevistada se equivocou, ao estereotipar os brasileiros. Nosso outro depoente, que tem nacionalidade inglesa, também deixou de inscrever seu projeto no primeiro edital, por fazê-lo apenas no último dia. [...] eu tentei entrar. Teve um problema com web porque ele ficou fora do ar no último dia. [...] Ficou muito chato, porque você preparou aquilo, queria entrar e o website não tava funcionando. Depois, a gente reclamou, mas o pessoal responsável do primeiro edital disse que não podia fazer nada. [...] eu acho que não foi justo, porque foi um problema do website, isso tá comprovado. Não é uma coisa de uma só pessoa. Teve um monte de gente, eu inclusive estava em contato com outras pessoas que experimentaram o mesmo problema. Acho que não foi muito justo não aceitar essas propostas sabendo as dificuldades com o site. (MATTHIAS ASSUNÇÃO, Informação verbal, 2012) A coordenação do PCV, com consciência de que o problema foi demandado pelo próprio web site do Projeto, poderia ter optado por esticar o prazo de inscrição, mas não o fez, postergando, dessa forma, a participação dos nossos dois depoentes (acima). Ambos tiveram os seus projetos contemplados na segunda experiência da ação. Não houve maiores problemas para o desenvolvimento do projeto, após aprovado. O depoimento do mestre, a seguir, exprime com gratidão a oportunidade de oferecer um curso gratuito para seus pares, através do PCV. “[...] pra gente foi supergratificante, o fato de poder abrir pra um número maior de pessoas. Uma coisa que muita gente já vinha indicando que precisava. Quer dizer [...], na verdade foi um curso. É intensivo pra quem trabalha com criança Capoeira Infantil. [...]” (MESTRE TONY VARGAS, Informação verbal, 2012). No ensejo, conversarmos com os autores da Coleção Capoeira Viva. Ambos demonstraram grande satisfação e realização por publicarem seus trabalhos acadêmicos através do PCV. 133 [...] eu não tive dificuldade [...] na verdade, o trabalho que foi aprovado foi o da Raquel, [...] eu tava incluído nele. Era rever rapidamente a dissertação de mestrado e tentar preparar ela da melhor maneira para ser lida por um público não acadêmico. Ainda assim, não consegui fazer isso muito bem. Ela ainda tá muito acadêmica, porque não deu muito tempo entre o resultado do edital e a produção do livro. (BERNARDO CONDE, Informação verbal, 2011) Para a contemplada a seguir, importante foi o fato de que sua contribuição para o universo da capoeira está registrada de forma mais ampla, em um livro, fruto de uma política pública que valorizou as produções desta área. [...] O livro fica, entendeu? Mesmo que eu morra amanhã, meu livro tá aí! Mas isso é muito pouco, não é? Eu acho assim, que, de alguma maneira, eu contribuí pra capoeira, pra legitimação da capoeira [...] (IZABEL FERREIRA, Informação verbal, 2012). A simplicidade do primeiro edital configurou-se, para nossos entrevistados, no ponto forte desta primeira etapa de desenvolvimentos dos projetos contemplados. Essa compreensão aparece em todos os depoimentos, principalmente naqueles que foram contemplados tanto no primeiro edital quanto no segundo edital: Eu não encontrei dificuldade nenhuma [...] Eles repassaram o dinheiro numa velocidade muito grande [...] eu acho que eles foram mais realistas com relação à coisa do projeto mesmo, não é? [...] Então, você faria uma prestação de contas intermediária. Eles tinham certa velocidade nisso e depois [...] escreveria um documento [...] se comprometendo a prestar conta, desde quando fosse solicitado pelos órgãos competentes. Então, o primeiro foi assim [...]. (FREDE ABREU, Informação verbal, 2011) Para muitos, a oportunidade de ser contemplado foi o credenciamento para dominar as ferramentas de concorrência em editais, modalidade muito utilizada nas atuais políticas culturais do MinC. O que possibilitou know-how para a participação em outras experiências que seguem o mesmo modelo. Foi meu primeiro edital [...]; se eu for parar pra pensar botando a mão nos dedos, na gratidão, foi meu primeiro passo. Me estimulou a buscar outros, que eu já conquistei. Então, ali me abriu [...], foi o primeiro passo mesmo e, como era de capoeira, ficou mais fácil concorrer. (RODRIGO BRUNO, Informação verbal, 2012) De acordo com o Blog Casa Mestre Ananias, os projetos desenvolvidos foram contemplados em outros editais, como o Edital ProAC de Culturas Tradicionais, diversas vezes, e receberam reconhecimento, como, por exemplo, o 134 Selo Cultura Viva e o Prêmio Itaú Unicef. Além de outros prêmios e bolsas recebidos pelo próprio Mestre Ananias, pelas suas contribuições no âmbito da capoeiragem. Enfim, uma trajetória de sucessos e reconhecimento de anos de trabalho e dedicação foi traduzida em todos esses prêmios e editais selecionados. Mas é importante ressaltar que tudo se inicia com o PCV. Nosso depoente, discípulo do mestre Ananias,88 inscreveu vários projetos, nas duas oportunidades em que houve o PCV. Seus projetos, que sempre envolveram ações voltadas para o trabalho desenvolvido pelo Centro Paulistano de Capoeira e Tradições Baianas e o experiente Mestre Ananias, foram um dos mais contemplados. Ele foi selecionado no primeiro edital com o projeto Mestre Ananias e, no segundo, com os projetos Casa Mestre Ananias – Centro Paulistano de Capoeira Tradicional, Convivência e Cidadania, na Categoria Socioeducativa, e Casa Mestre Ananias – Centro Paulistano de Capoeira e Tradições Baianas, na categoria acervos. O depoente destaca a simplicidade do primeiro edital, o que possibilitou o desenvolvimento do trabalho, assim como a sua prestação de contas, em sua visão, bastante adequada para esse universo. Eu lembro que foi muito bom o primeiro, foi simples e feito para quem era realmente iniciante. Capoeirista é muito iniciante nessa questão de política pública, de escrever projeto e se articular dessa forma, então, foi excelente, a prestação de contas simples, então, foi tudo tranquilo. [...]. (RODRIGO BRUNO, Informação verbal, 2012) O projeto Centro de Referência da Capoeira Carioca foi contemplado na categoria Acervos documentais. Estava previsto um orçamento de R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais), R$ 15.000,00 (quinze mil reais) a mais do que o projeto havia proposto.89 [...] em sua primeira fase, deu início à implantação do acervo da capoeira carioca através da edificação de um Memorial Digital. Nesta segunda fase, a proposta é criar o espaço físico do Centro e torná-lo pessoa jurídica. A partir deste centro, que será um Ponto de Cultura, pretende-se dar continuidade à pesquisa e ao ordenamento deste material, tanto em nível do acervo digital como na estruturação do espaço físico. (MESTRE GIL VELHO, Informação verbal, 2012) 88 Um dos percursores da capoeira baiana em São Paulo. Segundo os planos, a proposta englobava o trato da memória da capoeira e, assim, se tornar um local de pesquisa. 89 135 Infelizmente, não foi isso que aconteceu, a segunda etapa do Centro de Referência da Capoeira Carioca, de acordo com o planejamento do projeto, não foi à frente. Apesar de algumas ações, acabou se resumindo a um site da internet que, desde 2012, não se encontra mais acessível. Além disso, nem mesmo estava concluído, pois se podiam verificar várias páginas ainda em construção.90 Em compensação, o Acervo Frede Abreu desenvolveu atividades diversas, prestando serviços aos integrantes da capoeira e ao público em geral, com grupos de estudos, palestras, encontros e oficinas, dentre outras atividades. Em verdade, no que diz respeito ao acesso público dos acervos do pesquisador, isso já vinha ocorrendo sem apoio algum. [...] pode se ver isso pelos agradecimentos que são feitos nas teses, em várias partes do mundo. Teve um determinado momento que a gente tinha a liderança nisso aí, não é? [...] a gente tinha um acervo e esse acervo já era aberto [...], ele já funcionava antes do edital, [...] como um alvo de consulta pública, entendeu? [...] já prestava o serviço público [...], tinha um quarto em minha casa, aonde as pessoas iam lá e eu atendia gente até de madrugada [...]. (FREDE ABREU, Informação verbal, 2011) Contudo, de acordo com o pesquisador, o repasse auxiliou a organização do trabalho, uma vez que, com o incentivo, se pode qualificar melhor um trabalho desta natureza, pelo desenvolvimento das ações necessárias de forma muito mais profissional: “Foi muito, muito, aí eu tive estante pra colocar, tive equipe, eu pude catalogar entendeu? Arrumar direitinho não é? [...] Muito, muito! Qualificou bastante, entendeu? Ajudou muito mesmo, andou mais rápido as consultas, entendeu?” (FREDE ABEU, Informação verbal, 2011). Mas assim como o Centro de Referência da Capoeira Carioca o acervo de Frede Abreu também sucumbiu, fechando suas portas em 2011 e retornando para a sua residência. Uma quantidade significativa de material sobre a nossa cultura foi novamente amontoada em um quarto de seu apartamento. Sem a devida 90 O Memorial Digital perdeu-se. A fase número um, conforme previsto no projeto não foi completamente implantada e não houve continuidade, após o término do primeiro edital do PCV, assim como em várias outras ações contempladas. 136 valorização e o apoio dos órgãos públicos, Frede Abreu não vislumbrou outra opção.91 O depoente a seguir lembra que, apesar de algumas dificuldades no desenvolvimento das ações do PCV, houve a tentativa de viabilizar diversos projetos, com a interiorização das ações. Tudo foi feito para preparar as comunidades da capoeira para essa forma de se fazer política cultural. [...] se nós quisermos, se o governo quiser, nós podemos fazer muitas coisas boas. O que ficou foi a experiência de ter sido contemplado, quando a gente não via essa possibilidade. Acho que ela deve continuar. No Brasil, tem uma dificuldade, que é de cobrar, de supervisionar. E há pessoas também com interesses de burlar todo tipo de lei, mas a gente não tem que pensar nessas pessoas, a gente tem que pensar naquilo que facilitou. Vários mestres, pessoas longe, do interior, pessoas que teriam dificuldade de fazer um projeto mais ampliado, conseguiram. (MESTRE SUÍNO, Informação verbal, 2012) É bem possível que todos os contemplados na categoria relacionada a projetos sociais já estivessem desenvolvendo suas atividades, educando através da capoeira, antes do PCV. Um dos nossos entrevistados confirma essa conjetura: [...] tava com esse trabalho, sempre com esse foco, e o que eu tava esperando era oportunidade [...]. A partir do Capoeira Viva, que foi a vivência pro trabalho aqui de Arraias [...], acredito que foi uma coisa muito positiva, que aconteceu com a capoeira, pra gente. (MESTRE FUMAÇA, Informação verbal, 2012) Neste caso em especial, o PCV serviu para estimular a participação da comunidade de Arraias, interior de Tocantins, em outros editais, credenciando-os para o pleito e qualificando o trabalho que já vinha sendo executado. Com isso renovou as esperanças de continuidade das ações no município. “[...] Então, essa verba veio assim pra atender as dificuldades que naquele momento tava sendo primordial e necessário” (MESTRE FUMAÇA, Informação verbal, 2012). Muitos projetos não foram contemplados. Para um dos nossos entrevistados, fica a dúvida sobre os critérios de avaliação, bem como o por quê 91 O pesquisador destaca que a execução do projeto já havia acabado e sua saída do espaço que ocupava anteriormente se deu pela dissolução de sua sociedade, e não necessariamente por atrasos ou ausência de verbas públicas. 137 do trabalho não ter sido aprovado, pois, segundo ele, seria uma oportunidade de aprendizado para poder participar e concorrer, novamente, de uma forma mais qualificada. [...] eu tava fazendo a minha pesquisa, que era a difusão da capoeira na Europa. [...] eu tinha resolvido que eu ia documentar tudo, com gravação de vídeo, [...] mas eu precisava de um apoio pra poder contratar um pessoal especializado, profissionais pra edição [...]. Então, eu fiz um projeto, solicitando uma verba pra fazer o ensaio videográfico [...] saiu o resultado do projeto e eu não vi o meu aprovado. (BERNARDO CONDE, Informação verbal, 2011) Seria realmente importante um retorno, ainda que de forma simples, apontando os motivos dos projetos não terem sido selecionados e, em que, se fosse o caso, seria possível melhorar para, nos próximos editais, enfrentar a concorrência de forma mais adequada. Contudo seria uma tarefa muito mais complicada para os avaliadores do processo. Se houve algo desta natureza, não contemplou o nosso entrevistado que, quando questionado sobre isso, negou que tivesse ocorrido com ele: Não. Eu tinha curiosidade [...], porque eu documentei tudo. [...] Fiz uma edição caseira, mas com alguma qualidade [...]. Enviei junto com toda a documentação da minha pesquisa, da qualificação, tudo! Mandei pelo correio, além da inscrição na internet, e não recebi nenhuma resposta com relação a isso. (BERNARDO CONDE, Informação verbal, 2011) Nem todos os projetos do primeiro edital do PCV foram finalizados. Alguns não conseguiram, por um motivo ou outro, concluir seus cronogramas, inviabilizando o acesso ao produto final, pelo menos é o que se verificou até o momento. Assim, foi o que aconteceu com o Projeto Rucungo: pesquisa sobre elementos ancestrais da capoeira em manifestações da cultura popular do Maranhão africano: [...] o material ficou todo na mão do produtor, porque eu não sabia fazer esse negócio de edição, eu tinha que passar pra pessoa que sabia [...]; ele já é premiado a nível nacional, até no Doc TV, só que ele [...] foi embora pra Alcântara e abandonou o processo, a gente passou o material, pagamos [...] e ele não terminou, tá tudo na mão dele [...], tá tudo com ele! (RAIMUNDO CARVALHO, Informação verbal, 2012) 138 Essa situação, ocorrida no projeto do Maranhão, acabou inviabilizando o acesso a uma manifestação riquíssima da nossa cultura ancestral. Nosso entrevistado demonstra a disposição de retomar o processo, futuramente, reconhecendo a importância de recuperar as informações sobre a presença dos saberes africanos e afro-brasileiros na região: 92 [...] é um débito que eu tenho com o negócio. Mas se for pra repetir, eu vou e pego todas as informações, por que as comunidades existem, as pessoas me conhecem, me respeitam. Então, sabem que não é brincadeira. Dá pra se refazer tudo de novo. [...] Aliás, eu vou refazer, eu preciso refazer. (RAIMUNDO CARVALHO, Informação verbal, 2012) Para a vice-presidente da Associação de Capoeira Chapada dos Negros, um dos fatores negativos do PCV está relacionado à seleção das propostas. Ela relata que seu projeto, no segundo edital, não foi aprovado, apesar do bom trabalho realizado e da prestação de contas organizada. Em sua visão, os critérios de avaliação, bem como os de distribuição de prêmios, ambos deveriam ser revistos. [...] não que a gente queira sempre tá ganhando [...]. Acho que tem que ter a democracia. [...] a partir do momento em que você concorre uma segunda vez, com a bagagem que a gente tem da primeira. Então, eu acho que teria mais chances de ganhar na segunda, do que na própria primeira vez [...]. Eu acho assim: teria que ver os critérios de avaliação [...] Ou distribuição por Estado [...] então, acaba que fica uma coisa muito [...] generalizada. (SILVINHA, Informação verbal, 2012) O problema a ser discutido diz respeito a projetos que foram aprovados no segundo edital, sem terem concluído o projeto e a prestação de conta do primeiro, como no caso que relatamos anteriormente do Maranhão. Neste caso específico, a não conclusão do projeto deveria, segundo a nossa entrevistada, inviabilizar a inscrição em editais futuros, até a devida conclusão do mesmo.93 Em 8 de maio de 2007, a coordenação do primeiro edital cobrou, de alguns proponentes, a prestação de contas, pelo menos parcialmente, destacando que a 92 Refere-se aqui ao projeto PCV. Vale destacar que outro projeto do nosso contemplado (acima) foi aprovado no segundo edital, que foi executado pela Fundação Gregório de Matos (FGM), com o título de Punga, Marimba e Pernada: aspectos da capoeiragem na cultura popular do Maranhão. 93 139 não realização daquela solicitação invibializaria a participação em outros editais promovidos pelas instituições envolvidas no processo. Solicitamos, com urgência, àqueles que ainda não enviaram suas prestações de conta (mesmo que parcial), que o façam até o dia 20 de maio, data do encerramento das atividades desta coordenação. Devemos esclarecer que o não atendimento a esse pedido tornará o responsável (ou a entidade) pelo projeto, inadimplente (torna o responsável inabilitado a participar de outros editais), junto à Petrobras, MinC e à Fundação José Pelúcio Ferreira. (COORDENAÇÃO CAPOEIRA VIVA, via e-mail, 2012) Um dos nossos entrevistados estava nesta situação e acabou não concluindo o trabalho, o que não o impediu, como vimos em nota de rodapé, de ser mais uma vez contemplado no segundo edital, com outro projeto. Ainda sobre não ter concluído a ação o mesmo destaca, ressentido: 94 [...] a gente fica um pouco frustrado, essa história de [...] não ter sido responsável, por parte dele, do processo. Não fiz um contrato que foi um erro meu, não ter feito um contrato, pagamos sem fazer um contrato [...]. Isso foi uma coisa que eu achei que foi uma deficiência do processo [...]. (RAIMUNDO CARVALHO, Informação verbal, 2012) Capoeira Frevendo na Tela foi um dos projetos aprovados na categoria estudos, do primeiro edital do PCV. Bastante organizado e com toda a documentação em dia, um dos autores do projeto relata como concluiu seu produto final, muito rico em informações sobre a temática, e qual seria o segundo passo, que até o momento não havia sido concretizado: [...] a pesquisa a gente conseguiu. Eu avalio que foi boa. [...] começou com uma busca da gente pra fazer essa linha frevo-capoeira. [...] a gente fechou, subsidiou [...] O produto da pesquisa, o roteiro audiovisual a gente desenvolveu. [...] a gente pretendia dar continuidade ao livro – à 95 boneca, não é? (JUCIMAR SOUZA, Informação verbal, 2012) 94 Supressão do nome do citado. A pesquisa tratou de produzir um roteiro audiovisual que subsidiou a produção da boneca de um livro. O assunto gira em torno da implantação da Capoeira Regional em Caruaru, destacando a presença afrodescendente na constituição da cidade, a partir da década de 1980, e seu desenvolvimento, focando o estudo principalmente em dois mestres: Pintado e Geleia. Tivemos acesso ao material produzido e orientamos um dos autores para encaminhá-lo para publicação, pois contribuiria bastante para a comunidade da capoeira. 95 140 Dentre os pontos positivos dessa primeira ação de política cultural voltada para a Capoeira, a própria tomada de decisão da gestão do MinC, em realizar tal feito, voltado especificamente para a capoeira, aparece nas entrevistas. “E uma coisa que chamou a atenção [...] quando a gente vê que foi um programa específico pra capoeira, que atendia a linguagem da capoeira. Tava começando a falar nossa língua” (SILVINHA, Informação verbal, 2012). A lisura do processo de seleção do PCV chamou a atenção do pesquisador entrevistado, bem como a variedade de possibilidades de produção, permitindo a expressão artística, docente, antropológica e teatral, dentre outras. Eu acho fantástico! [...] para o universo da capoeira é a primeira experiência significativa de nível nacional, sem apadrinhamento. [...] aparentemente mais aberto, mais democrático, que possibilitou isso, os vários campos de pensar a capoeira, não só como uma prática, mas pensar como um acervo [...]. Quando o Estado vai e reconhece isso, implementando um projeto desse nível, aí a conversa muda de patamar! (BERNARDO CONDE, Informação verbal, 2011) A simplicidade do processo também foi destacada pelos entrevistados: [...] foi um programa que realmente perguntava o que eles queriam saber da gente, [...] sem exigir que a gente falasse palavra difícil, foi o vocabulário que mais chamou a atenção, na época, porque qualquer pessoa que fosse analfabeta ou não, ter uma ajuda pra alguém digitar, podia ir falando e a pessoa escrevendo. Então, uma coisa que a gente tirou o chapéu, pra esse projeto [...], que realmente falou a linguagem da capoeira. (SILVINHA, Informação verbal, 2012) A visão imposta pela primeira equipe da gestão do PCV configura-se a partir da realidade concreta das comunidades. Sendo assim, a tentativa de tornar os projetos acessíveis às mais variadas classes do coletivo que compõe o universo dessa cultura ficou marcada para quem vivenciou toda a atividade. Para alguns, são os impactos causados por essa experiência que se constituem como fatores mais importantes. Não a ação em si, mas a movimentação que ela gerou, em consequência do que foi proposto, mobilizando e estimulando a comunidade. De bom, eu acho que esse projeto vai ter um efeito disso adiante. Eu acho que a gente tem que saber o tipo de efeito, [...] a capoeira tem que ter um programa, como tem o programa Cultura Viva não é? Então que dizer: se buliu muita coisa, muita gente, entendeu? De muita forma, 141 integrou! Tem gente que viajou, se misturou com outras linguagens. [...] então, eu acho que isso é extremamente proveitoso na construção dessa rede de cultura popular no Brasil. (FREDE ABREU, Informação verbal) Para outros contemplados, o ponto positivo se constituiu em realização pessoal, pela oportunidade dada por essas políticas culturais de sistematizar seus planos, quando foram atendidas as suas expectativas e pelo fato de se conseguir aprovação em edital público, ocorrência que os credenciava para oportunidades futuras. [...] acho que a principal coisa foi essa de conhecer mais a minha cidade, a minha origem, [...] então, isso aí acho que foi uma coisa boa em termos de você conhecer a sua origem. A outra, que ainda hoje se fala nessa questão do negro; da miscigenação [...] Acho isso uma coisa interessante. (JUCIMAR SOUZA, Informação verbal, 2012) Quanto aos aspectos negativos, que de alguma forma acabaram confundindo, criando dificuldades para os executores dos projetos, após sua aprovação, foi a falta de informações claras. Talvez por ser a primeira proposta desta natureza, pois se tratava de um momento em que todos estavam de uma maneira ou de outra aprendendo a lidar com esta nova experiência. Em depoimento, um dos interlocutores da pesquisa e que produziu um livro, neste primeiro edital, observou que não sabia direito como tratar com algumas situações. Inclusive uma das questões que em nossa opinião seria de extrema importância: a divulgação e a democratização do material produzido, assim como o seu acesso, em instituições escolares oficiais, como escolas, somente para citar. [...] a gente nem sabia como ia disponibilizar isso pras pessoas. Então, nós não prevemos como enviar isso pra todas as escolas. Como as pessoas teriam acesso? Se elas poderiam vir buscar aqui? Se eu poderia cobrar? Quanto eu poderia cobrar? Pra onde que ia o lucro disso? [...] Isso não ficou claro, quando eu estava fazendo o projeto. [...] a tiragem foi pequena, não ia chegar aos alunos das escolas. (MESTRE SUÍNO, Informação verbal, 2012) O acesso às produções no primeiro edital, pelos próprios contemplados foi também um dos fatores mencionados. Ao que parece, no processo de transição do primeiro para o segundo edital, a divulgação e a democratização do que foi feito não teve o mesmo caráter de outras ações exitosas: 142 O ponto negativo – acho que é divulgação. Eu acho que essa coisa tinha que ser mais publicizada. [...] A própria publicização disso já é um retorno mais garantido para as implementações que o próprio projeto está propondo. (BERNARDO CONDE, Informação verbal, 2011) Outra questão está relacionada às bolsas recebidas para a realização dos projetos aprovados, pois muitos dos contemplados tinham uma previsão acima dos valores recebidos, ou seja, idealizaram algo, a partir de um orçamento, contudo somente foi aprovado e liberado parte deste comprometimento. Consequentemente, necessitaram adequar a realidade às possibilidades reais que se apresentavam naquele momento. Para nosso depoente, esse foi um percalço: “Então assim, isso aí foi de certa forma foi um empecilho” (JUCIMAR SOUZA, Informação verbal, 2012). Contudo, isso não inviabilizou as ações previstas, somente houve a necessidade de reorganização ou de replanejamento do orçamento, assim como relata nossa entrevistada: “Prejudicou que todo mundo ganhou menos, não é? O livro ficou menor, [...] eu queria pagar melhor, até como uma questão de valorização para o escritor. [...]” (RAQUEL SILVA, Informação verbal, 2012) A prestação de contas, momento sempre de tensão para os contemplados em editais, dada a sua complexidade e detalhes, não se configurou um tormento no primeiro edital do PCV. Todos os depoentes, sem exceção, destacam a facilidade que tiveram diante da simplicidade da tarefa neste momento: Eles mandaram orientação [...] com modelo e a gente só foi adequando e enviamos as notas junto com as observações do relatório. Foi bem tranquilo. [...] A gente não tinha experiência com essa linguagem formal, dessa prestação de contas. Se fosse pagar um contador, seria muito complicado [...]. (SILVINHA, Informação verbal, 2012) A simplificação estava na orientação e nos modelos de planilhas já préorganizados, com pontos autoexplicativos. A aplicação dos recursos, em algumas situações, tinha direcionamento prévio, enquanto em outras ocasiões a liberdade e a autonomia de decisão ficavam a cargo dos ganhadores. E acabou que eles deram essa liberdade, essa confiança pra gente aplicar o recurso, e sugeriam como poderia ser aplicado. E a partir do momento que eles mandaram a planilha, eles davam orientações por e- 143 mail. As originais, a gente guardou. Enviou as cópias, junto com os extratos bancários. [...] montamos essa pasta aqui [...], tudo a gente tem registrado. (SILVINHA, Informação verbal, 2012) Independentemente das críticas, das análises e das dificuldades presentes no desenvolvimento e na finalização dos projetos, houve um sentimento de reconhecimento, de gratidão e de oportunidade por esta ação de política cultural voltada para a capoeira, na gestão Gilberto Gil/Juca Ferreira no MinC, no governo Lula, em todos os nossos entrevistados: [...] Não tinha nada pra capoeira, então a Capoeira Viva [...] mostrou assim o que eu sempre quis que a capoeira tivesse [...]. Você via tudo; do karatê [...], de outras artes. Mas da capoeira você não via. O Capoeira Viva deu sentido à capoeira, [...] Foi conhecida nacionalmente, foi tombada como patrimônio imaterial, então foi tudo a partir daí, que eu acredito que veio as coisas, as consequências [...] foi muito positivo esse prêmio! (MESTRE FUMAÇA, Informação verbal, 2012) Na transição do primeiro para o segundo edital, a coordenação do PCV solicitou uma avaliação, por parte dos contemplados. Tratava-se, provavelmente, de uma tentativa de realizar uma transição que superasse as dificuldades e equívocos da primeira experiência. Ao que tudo indica, entretanto, essa iniciativa não foi levada em consideração, pois veremos em um momento propício, que houve alguns retrocessos. [...] Gostaríamos de contar com sua colaboração para que possamos realizar uma avaliação de todo o processo. Devemos lembrar que sua avaliação torna-se importante para a realização da próxima edição do 96 projeto. [...] Devemos ressaltar que as avaliações serão encaminhadas ao Ministério da Cultura e à Petrobras e que podem determinar a forma de um novo projeto. (COORDENAÇÃO DO PROJETO CAPOEIRA VIVA, Comunicação via e-mail, 2007) Dessa forma, concluímos aqui nossas reflexões e considerações referentes ao primeiro edital do PCV. Passaremos, agora, a analisar todo o processo que 96 Dentre os itens importantes da avaliação devem constar: (1) Facilidade ou dificuldades na apresentação dos projetos (fase inscrição); (2) Adequação da linguagem utilizada na chamada pública e na ficha de inscrição; (3) Página do Capoeira Viva na internet (acessibilidade, facilidade de leitura etc.); (4) Relacionamento com a Coordenação do projeto (troca de informações, respostas às questões referentes ao projeto, soluções de problemas – via e-mail ou telefone ); (5) Burocracia (dificuldades no preenchimento de formulários, exigência de documentações, trâmites para pagamentos dos auxílios, prestação de contas etc.); e (6) Estratégia de acompanhamento dos projetos: críticas e sugestões. 144 resultou no lançamento e desenvolvimento do segundo edital, bem como seu processo de transição de sua sede inicial, o Estado do Rio de Janeiro, na cidade do Rio de Janeiro, para Salvador, a capital baiana e, por conseguinte, de instituição: do Museu da República para a FGM, órgão local de cultura municipal. Vale por fim ressaltar que, no primeiro edital desta ação política, todas as regiões do Brasil foram contempladas, todavia nem todos os Estados destas regiões foram selecionados para o desenvolvimento de seus projetos.97 Ao final dessa experiência, foi realizado um evento na Bahia, como um processo de transição para o segundo edital. Nessa oportunidade, foram democratizados os resultados da implementação e execução do PCV. Essa iniciativa buscou desenvolver uma estratégia de transição, de forma pública e transparente, além de apresentar a avaliação do trabalho realizado.98 Entretanto, a experiência mudou de endereço, de cidade e de região, apesar de seguir praticamente o mesmo processo, da inscrição à prestação de contas. Com isso, institui-se um novo momento de gestão que trouxe mudanças e distintas questões neste novo capítulo das políticas culturais voltadas para a capoeira. No segundo momento desta ação se constitui uma nova história, as vezes com velhos atores e práticas idênticas, com avanços, estagnações e retrocessos, mas, sem dúvida, traçando uma nova história, que abordaremos a seguir. 3.4 A Segunda Experiência com o Capoeira Viva: nova gestão Nadando contra a corrente Só pra exercitar Todo o músculo que sente Me dê de presente o teu bis 97 Ficaram de fora do primeiro edital, na região nordeste: Sergipe e Ceará; na região CentroOeste: Mato Grosso do Sul e quase fica de fora toda a região do norte do país, destaque para as ausências de: Pará, Amapá, Roraima, Amazonas e Rondônia. 98 Por ter sido de certa forma uma experiência exitosa, a primeira coordenação do PCV alimentava esperanças de desenvolver sem problemas, novamente, dando continuidade ao processo, o segundo edital. 145 Pro dia nascer feliz O mundo inteiro acordar E a gente dormir, dormir Pro dia nascer feliz O mundo inteiro acordar 99 E a gente dormir. A segunda experiência com o PCV renovou as esperanças das comunidades de capoeira, que há muito cobravam do Estado seu reconhecimento e valorização. O Projeto estava se transformando realmente em um Programa? E mais: finalmente a capoeira seria agraciada com uma política pública de Estado e não de Governo? Seria possível, afinal, após anos de perseguição e discriminação, a capoeira se tornar beneficiária de uma grande política cultural no Brasil? A FGM, em Salvador-Bahia, assumiu a gestão, com o objetivo de dar continuidade às políticas culturais que tinham a capoeira como protagonista. O edital de número dois foi lançado no segundo semestre de 2007, mobilizando novamente a comunidade e renovando suas expectativas de continuidade. O Edital Capoeira Viva 2007 foi lançado no dia 9 de outubro, em Salvador, em uma solenidade com a presença do secretário executivo do MinC, Juca Ferreira, que explicou a atual política pública para o setor e o objetivo da premiação – fortalecer, patrocinar, fomentar e reconhecer a manifestação cultural. „Incluímos uma série de possibilidades de participação neste último edital: produtos audiovisuais, estudos, pesquisas, centros de referência, etc.‟ [...]. (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2007) O lançamento da segunda experiência, em forma de edital, foi amplamente divulgado e realizou-se no Palácio Rio Branco, em Salvador. Neste mesmo momento, foi lançado o documentário Capoeira Paz no Mundo,100 fruto da homenagem do governo brasileiro ao embaixador Sérgio Vieira de Mello, que foi vitimado por atentado terrorista, em 2003. 99 Letra de Roberto Frejat e Cazuza: Pro dia nascer feliz. O filme apresenta praticantes de capoeira que cedem depoimentos onde registram a importância dessa prática na integração e socialização das comunidades e a necessidade de políticas públicas voltadas à capoeira. A obra, apoiada pelo MinC, contém ainda uma homenagem ao diplomata Sérgio Vieira de Mello, que morreu no atentado terrorista de 2003. 100 146 O secretário Juca Ferreira explica que a política do Ministério da Cultura para o setor busca promover e valorizar a arte sem deixar de priorizar o apoio às atividades dos mestres de Capoeira. „Este já é o nosso quarto edital voltado para a área. Todos eles têm mais ou menos o mesmo objetivo, ou seja, fortalecer, patrocinar, fomentar e reconhecer por meio dessa política de apoio, a importância da Capoeira. Incluímos uma série de possibilidades de participação neste último edital: produtos audiovisuais, estudos, pesquisas, centros de referência.‟ [...] A Capoeira já vem sendo usada há muito tempo como um instrumento cultural importante na construção do sentimento de pertencimento, do sentimento de constituição de valores e da prática de modos de respeito mútuo [...]. (PAIVA, 2007) Imagem 2: Cartaz PCV 2007 Nesta segunda fase, o PCV foi amplamente divulgado em vários meios de comunicação, o que favoreceu um número maior de inscritos, assim como proporcionou visibilidade às ações que seriam desenvolvidas. [...] abertas as inscrições do edital do Projeto Capoeira Viva do Ministério da Cultura. O projeto tem a cidade de Salvador como eixo nacional dessa nova fase, que premiará propostas, ideias e ações qualificadas que procurem valorizar a capoeira e utilizá-la como instrumento de cidadania e inclusão social. [...] O gerenciamento do edital [...] estará a cargo da Fundação Gregório de Mattos [...]. (SECOM, 2007) Não houve excessivas modificações relativas ao processo de inscrições do edital anterior para este.101 Tanto pessoas físicas como associações, fundações e outras instituições sem fins lucrativos, e legalmente constituídas, puderam realizar suas inscrições nesta nova fase.102 Foi divulgado que a FGM executaria outras ações que buscavam fortalecer a iniciativa. Assim, junto com a distribuição de recursos para a realização dos projetos, outras ações consolidariam a experiência na instituição, o que também foi divulgado em blogs e sites na internet. 101 Estas foram feitas pela internet e complementadas por via postal. Dois endereços foram disponibilizados para as inscrições on-line. O acesso dava-se pelo próprio site do Projeto: <http://www.capoeiraviva.org.br/>, ou pelo link da página da FGM: <www.cultura.salvador.ba.gov.br>. As inscrições foram abertas, em todo o Brasil, no dia 22 de outubro. A data final da postagem divulgada limitou-se a 17 de dezembro, a ser enviada para a sede da coordenação da iniciativa, cujo endereço foi amplamente divulgado. 102 Como no primeiro edital, a seleção das propostas foi concretizada por uma comissão de avaliação, formada por especialistas e estudiosos da capoeira, indicados pela própria gestão da FGM e os resultados amplamente divulgados no Diário Oficial do Município (DOM) e diversos sites oficiais e não oficiais. 147 Teremos também uma Enciclopédia com quatro volumes excelentes: um livro produzido por Frede Abreu, que editou antigas gravações feitas por Emilia Biancardi com Mestre Pastinha e suas pesquisas para criar o Viva Bahia; o livro de Pedro Abib, [...]. O outro volume será com jovens escritores de vários Estados e um catálogo mapeando as regiões onde se discute a capoeira. [...] Junto com os livros, a turma fez um excelente trabalho com as músicas que receberam para o edital. Serão lançados em vários CDs; com a nata. Trata-se de uma coleção chamada Capoeira Viva [...]. (JEITO BAIANO, 2011) Para conseguir executar a ação, a nova gestão do PCV utilizou, como mecanismo de apoio, o mecenato, produzindo um projeto submetido ao MinC, com o título de Projeto de Valorização da Capoeira como Patrimônio Imaterial – Edital Viva Capoeira 2007, através de Solicitação de Apoio a Projetos.103 O Projeto Capoeira Viva 2007 divulgará os premiados pelo edital, através de pronunciamento do ministro interino da Cultura, Juca Ferreira, no dia 4 de abril. O evento será no Salão dos Espelhos da Fundação Pedro Calmon – Palácio Rio Branco, às 16h30, e logo após o anúncio dos premiados vários grupos de capoeira de Salvador se apresentarão na Praça Thomé de Souza. (SECOM, 2007) A primeira equipe formada para realizar o acompanhamento das ações do PCV era composta pelo então presidente da FGM, professor Paulo Costa Lima, pelo seu chefe de gabinete, Fernando Rêgo, e pela equipe de Coordenação Técnica, formada por Renata Rocha, que exerceria o cargo de Coordenadora, Louise Gumes, na função de Produtora, Sara Régis, como Assistente de Produção, e Natália Prud‟Homme, como estagiária. Novas atividades foram desenvolvidas, na tentativa de qualificar as ações e provavelmente também como fruto da experiência com o primeiro edital. Para o desenvolvimento da segunda experiência, a gestão cultural do Estado da Bahia promoveu uma oficina que visava auxiliar a comunidades de capoeira que fossem pleitear apoio financeiro via edital.104 Para estimular a participação de mestres de capoeira e instituições da área, foi promovida, hoje (05), no Forte da Capoeira, no bairro Santo Antônio Além do Carmo, a oficina de capacitação para o Prêmio Capoeira Viva 2007. Aproximadamente 100 pessoas participaram da 103 O valor total deste projeto ficou em R$ 1.708.532,81 (um milhão setecentos e oito mil quinhentos e trinta e dois reias e oitenta e dois centavos), sendo que 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil) seriam destinados somente para o pagamento de projetos. 104 Participaram desse evento, conforme informações oficiais. cerca de 100 pessoas. 148 capacitação, ministrada pela Secretaria de Cultura da Bahia (Secult). (SECOM, 2007) Outros incentivos desta natureza também foram realizados, em outros locais, como Recife, João Pessoa, Maceió, Fortaleza, Natal, e Teresina, pela representação regional nordeste do MinC, conforme fontes na web.105 O mesmo foi feito em outras regiões e cidades do território nacional. Essa qualificação é um avanço para as diversas comunidades da capoeira, onde podemos encontrar vários de seus integrantes com necessidades educacionais e de formação, sendo uma ação que sem dúvida contribuiu para minorar tais dificuldades. N REGIÃO CIDADES 1 NORDESTE Recife (PE) 18/10/2007 João Pessoa (PB) 29/10/2007 Teresina (PI) 5/11/2007 Salvador (BA) 5/11/2007 Fortaleza (CE) 6/11/2007 Natal (RN) 12/11/2007 Aracaju (SE) - 19/11/2007 Maceió (AL) - 20/11/2007 2 NORTE Belém (PA) - 3/12/2007 3 CENTRO-OESTE Campo Grande (MG) - 11/12/2007 Goiânia (GO) - 11/12/2007 4 SUDESTE São Paulo (SP) - 19/11/2007 5 SUL Porto Alegre (RS) - 3/12/2007 Tabela 2: Oficinas do PCV Nessas oportunidades, foram apresentados os seguintes dados do Suplemento de Cultura da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC),106 sobre a capoeira: 105 Dados disponíveis em: <http://www.jornalcazumba.com.br/index.php?conteudo=noticia&idconteud o=456>. 106 Pesquisa realizada com o propósito de fortalecer o trabalho de criação de um sistema de informações culturais no Brasil, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em parceria com o MinC. 149 Ranking Nacional da Presença da Capoeira nos Estados Ranking Estados Grupos Existentes % 1º MG Minas Gerais 380 13,99 % 2º SP São Paulo 343 12,63 % 3º BA Bahia 293 10,79 % 4º PR Paraná 141 5,19 % 5º PE Pernambuco 134 4,93 % 6º CE Ceará 132 4,86 % 7º GO Goiás 121 4,46 % 8º RS Rio Grande do Sul 118 4,34 % 9º PI Piauí 108 3,98 % 10º MA Maranhão 106 3,90 % 11º PB Paraíba 105 3,87 % 12º SC Santa Catarina 85 3,13 % 13º MT Mato Grosso 82 3,02 % 14º RN Rio Grande do Norte 78 2,87 % 15º RJ Rio de Janeiro 77 2,84 % 16º PA Pará 75 2,76 % 17º AL Alagoas 63 2,32 % 18º TO Tocantins 56 2,06 % 19º ES Espírito Santo 47 1,73 % 20º SE Sergipe 45 1,66 % 21º MS Mato Grosso do Sul 44 1,62 % 22º AM Amazonas 33 1,22 % 23º RO Rondônia 21 0,77 % 24º AC Acre 14 0,52 % 25º AM Amapá 9 0,33 % 26º RR Roraima 5 0,18 % 27º DF Distrito Federal 1 0,04 % Tabela 3: Ranking Nacional da Presença da Capoeira nos Estados 107 107 Slides apresentados nas oficinas de formação do segundo edital do PCV. 150 Da mesma forma, foi divulgado um ranking da presença da capoeira nos Estados, trazendo, nos primeiros três lugares, conforme pesquisa, os Estados de Minas Gerais, São Paulo e Bahia. Os slides apresentados estavam recheados de dados relacionados ao desenvolvimento da capoeira no nosso país. Em um destes materiais, aparecia também um levantamento da presença da capoeira por regiões, A Presença da Capoeira nas Regiões Brasileiras Regiões Grupos Existentes % NORDESTE 1.064 39,18 % SUDESTE 847 31,19 % SUL 344 12,67 % CENTRO OESTE 248 9,13 % NORTE 213 7,84 % BRASIL - Total 2.716 100,00 % Tabela 4: A Presença da Capoeira nas Regiões Brasileiras 108 No dia 30 de outubro de 2007, foi realizada uma videoconferência, que foi transmitida para várias cidades,109 a partir da sala da sede do Banco do Nordeste do Brasil, em Brasília, conforme consta no Relatório de Atividades Capoeira Viva (2008). Foram apresentados, ainda, os resultados de participação por categoria, em números, do primeiro edital do PCV, revelando incentivos nunca antes direcionados à capoeira: - Projetos Socioeducativos de R$ 15.000,00 – 24%; Projetos Socioeducativos de R$ 5.000,00 – 8%; - Acervos documentais – R$ 270,000,00 – 29%; - Pesquisa, Inventários e documentação – R$ 360.000,00– 39%. A Bahia (nordeste) aparece como o Estado que mais foi contemplado pelo primeiro edital, com 27,20% de projetos atendidos, seguido de dois Estados da região sudeste do país: Rio de Janeiro, com 25,16% e São Paulo com 11,40%. O 108 Slides apresentados nas oficinas de formação do segundo edital do PCV. São Luís (MA); Teresina (PI);Fortaleza (CE); Natal (RN); João Pessoa (PB); Recife (PE); Maceió (AL); Aracaju (SE) e Salvador (BA). 109 151 Distrito Federal foi o território que menos obteve projetos aprovados, ou seja, apenas 0,54% de ações incentivadas pelo PCV. No segundo momento, houve uma pequena modificação nas categorias, assim como na verba distribuída, conforme amplamente divulgado em sites especializados.110 Uma nova categoria foi lançada: Ações relacionadas à capoeira por meio de mídias e suportes digitais, eletrônicos e audiovisuais, incluindo filmes, vídeos, exposições, instalações, sítios, portais e jogos eletrônicos, software livre e produtos correlatos e iniciativas de produção e difusão.111 Outras novidades foram externadas nessa fase, como a ampliação em 30% no Valor Total de Premiação – de R$ 930.000,00 (novecentos e trinta mil reais), em 2006, para R$ 1,2 milhão, em 2007, especificamente destinados aos projetos selecionados. Valor considerável que mostrou, no momento, a disposição do Governo em atender a demanda da comunidade da capoeira. Além disso, estratégias de divulgação e estímulo à participação na ação pelos Estados não contempladas no primeiro edital. Com os mesmos objetivos das entrevistas realizadas junto aos contemplados no primeiro edital, fomos à busca dos contemplados, neste segundo edital, para ouvi-los e tentar compreender como foi, para muitos, essa primeira experiência e, para outros, poucos, a segunda. Deste segundo edital foram entrevistados 21 protagonistas, que, ao nosso contato, se disponibilizaram a relatar suas vivências. Quanto à divulgação, mantiveram-se as mesmas táticas, contudo, como essa versão já era uma segunda experiência e aconteceram estratégias de comunicação e seminários para a qualificação dos participantes, a maioria dos entrevistados indicou que o processo de divulgação e inscrição foi tranquilo. 110 A Categoria Apoio a Ações Socioeducativas (pessoa física e pessoa jurídica) foi mantida, agora, com um fomento total de: R$ 561.935,00 (quinhentos e sessenta e um mil e novecentos e trinta e cinco reais); a Categoria Incentivo à Produção de Pesquisa, Inventários e Documentação sofreu modificação no nome, passando a se chamar: Incentivo para projetos inéditos de estudos, pesquisas, inventários e documentação sobre o desenvolvimento da capoeira, sendo destinado a esta um fomento de R$ 171.000 (cento e setenta e um mil reais), a Categoria Apoio a Acervos Documentais foi mantida e recebeu R$ 200.000 (duzentos mil reais). 111 O fomento total foi de R$ 270.160 (duzentos e setenta mil e cento e sessenta reais). A Categoria Socioeducativa/sem fins lucrativos deixou de existir, sendo, assim, extinta em tese, uma vez que houve continuidade em projetos que privilegiaram ações dessa natureza. 152 De acordo ainda com outro entrevistado, havia um cadastro no MinC, de quem já havia participado de algum processo semelhante, onde estes participantes recebiam informações disponibilizadas pelo próprio órgão. Fiquei sabendo a partir de um cadastro que tem no site do Ministério da Cultura pra que você possa tá recebendo os editais, concursos, informações sobre os editais que vão pra cultura popular e a capoeira que é o carro chefe. O qual eu prezo muito o trabalho deles” (MESTRE JORGE, Informação verbal, 2012). As comunidades da capoeira englobam indiscriminadamente indivíduos de diversas classes sociais, com as mais variadas formações e formas de acesso à informação. Sendo assim, percebemos que existem variáveis, como a formação e a experiência adquirida em outros editais públicos, que vão influenciar quanto à facilidade ou dificuldade, mesmo para entidades registradas. [...] o processo de inscrição não teve grandes dificuldades, eles deixaram bem claro os documentos que exigiam pra associação, pessoa jurídica [...] já tinha um projeto, que a gente já executava, e que a gente adaptou ele pras necessidades, no que o Capoeira Viva pretendia, exigia. [...] o restante das documentações burocráticas não foi difícil da gente conseguir. (RAPHAEL CEGO, Informação verbal, 2012) O processo de inscrição para alguns entrevistados foi tão simplificado, que muitos puderam auxiliar, inclusive outros requerentes, com a coletividade extrapolando as fronteiras do individualismo e explicitando um forte sentimento de ajuda mútua, perfil peculiar à maioria dos praticantes de capoeira. Nossa entrevistada, que tinha perdido a oportunidade de participar do primeiro edital, porque deixou sua inscrição para o último dia, aprendeu a lição. Pra mim foi bem tranquilo [...]. No segundo, já fiz com muita antecedência [...]. Eu era monitora da ACC na época e a gente teve um movimento muito legal, que a gente colocou uns 12 projetos no Capoeira Viva, a gente deu essa força de preencher a inscrição pra galera. Foi massa! (LILU, Informação verbal, 2011) Aparentemente, podemos avaliar que não houve dificuldades nas inscrições. De fato, o processo foi simplificado, principalmente se comparado a outros editais de mesma natureza. Essa característica, inclusive, foi uma das intenções do primeiro coordenador do PCV: deixar as ações o mais simples 153 possível, pois ele tinha conhecimento da diversidade presente nas comunidades de capoeira. No segundo edital, o processo de inscrição seguiu praticamente o mesmo modelo do primeiro, porém encontramos relatos de dificuldades, indicando, assim, que as experiências foram as mais diversificadas possíveis, não havendo consenso sobre o assunto, o que reflete diretamente a diversidade que atinge esta manifestação cultural. Nós tivemos algumas dificuldades, primeiro porque as deficiências técnicas, onde a elaboração é muita, para digitar e fazer tudo isso. Nós construímos uma estrutura, mas tivemos mesmo assim dificuldade. Hoje está simplificado, mas em 2007 ainda era uma ficha gigantesca, a ficha de preenchimento pra inscrição do edital. Então tivemos sim dificuldade, inclusive alguns termos que são dúbios, não ficam óbvios. Tivemos muita dificuldade. (IVANILDES SENA, Informação verbal, 2012) Com a transposição da sede da coordenação do projeto do Rio de Janeiro para Salvador, alguns pleiteantes que inscreveram seus projetos, sentiram a mudança, indicando para nós algumas dificuldades de comunicação. Olha, no primeiro momento, foi mais simples, quando mudou, a gente teve um pouco de dificuldade, um pouco mais de dificuldade de comunicação, é, e tudo mais, não que as pessoas não nos atendessem, mas, volta e meia, alguém não sabia como era que tava. Ficava um pouco confusa. (TONY VARGAS, Informação verbal, 2012) Outro fator que poderia dificultar ou simplificar as inscrições dos projetos foi a organização dos beneficiários em duas categorias: 1) pessoas físicas, cujo procedimento e documentação se constituíam da forma mais simples possível; e 2) associações, fundações e demais instituições sem fins lucrativos, modalidade que exigia que estas estivessem legalmente constituídas, com o foco votado para a promoção da capoeira como bem constituinte do patrimônio e da diversidade cultural brasileira. Talvez a maior dificuldade para a inscrição, tenha sido, inicialmente, algumas informações com o setor responsável [...], que foi a Fundação Gregório de Mattos [...]. Possivelmente tenha sido a grande dificuldade, e depois, como eu concorri, numa área do edital [...] que era relacionada com a pessoa física, logicamente ficou muito mais simples, a relação da documentação a ser apresentada. Isso me facilitou enormemente a minha inscrição. (HÉLIO CAMPOS, Informação verbal, 2012) 154 Como já vimos acima, esse foi um fator que acabou excluindo alguns contemplados do acesso à concessão do incentivo. Mas o sucesso desta ação, reflexo da ausência de uma política voltada para atender a demanda dessa área, foi tão grande que alguns dos participantes inscreveram mais de dois projetos. Nosso entrevistado, a seguir, concorreu com três projetos, mas somente um foi aprovado: Só aprovaram um. Acho que a maioria das pessoas aprovou um, a não ser algumas exceções. [...] acho que escolheram não o melhor, escolheram o que queriam escolher! [...] o melhor era aquele para o encaminhamento do ensino em aldeias indígenas, que já estava fechado o acordo com a FUNAI. (LIBERAC, Informação verbal, 2012) A comissão foi escolhida pessoalmente pelo então presidente da FGM, durante os meses de dezembro de 2007 e janeiro de 2008. Seus membros eram “pessoas de notório saber em relação ao estudo e pesquisas na área da capoeira e da cultura e/ou nas linhas de atuação dos projetos inscritos”112 (RELATÓRIO DE ATIVIDADES, 2008, p. 4). O trabalho contou com a prestação do serviço de consultoria para a gestão do processo seletivo da empresa Ritos Produções em Comunicação e Cultura. A lista da comissão que avaliou o segundo PCV foi composta pelos seguintes membros: Álvaro Augusto Malaguti; Anselmo Accurso; Letícia Vidor de Souza Reis; Luis Felipe Machado Almeida; Luiz Augusto Pinheiro Leal; Luiz Renato Vieira; Raimundo Oswald Cavalcante Barroso; Pedro Rodolpho Jungers Abib; Flávio dos Santos Gomes; Muniz Sodré de Araújo Cabral; Fábio Fornazari Kobol (Ministério da Cultura) e Paulo Costa Lima (Fundação Gregório de Mattos) Este grupo foi dividido conforme as categorias dos editais.113 Além destes nomes, mais duas pessoas poderiam ser indicadas pelos membros da comissão de seleção responsáveis por avaliar os projetos da categoria socioeducativa: 112 Além também do próprio presidente da FGM e um especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental da Secretaria Nacional de Políticas Culturais do MinC. 113 Luiz Augusto Pinheiro Leal (PA) – Socioeducativos Região Norte/Estudos e Pesquisas; Raimundo Oswald Cavalcante Barroso (CE) – Socioeducativos Região Nordeste; Pedro Rodolpho Jungers Abib (BA) – Socioeducativos Bahia/Estudos e Pesquisas; Flávio dos Santos Gomes (RJ) – Socioeducativos Região Sudeste; Letícia Vidor de Sousa Reis (SP) – Socioeducativos São Paulo/Acervo; Anselmo da Silva Accurso – Socioeducativos Região Sul; Luiz Renato Vieira (DF) – Socioeducativos Região Centro-Oeste; Muniz Sodré de Araújo Cabral (RJ/BA) – Acervo; Álvaro Augusto Malaguti (RJ/DF) – Mídias e Luis Felipe Machado Almeida (PE) – Mídias. Vale ressaltar a ausência de Muniz Sodré, que não participou da atividade. 155 Cada um dos membros responsáveis, por região, pela avaliação dos 114 projetos sócio-educativos indicou uma dupla de pareceristas ad hoc, para avaliação on-line dos projetos, tendo em vista a grande quantidade de inscritos na categoria. Foi indicado que os pareceristas deveriam ser, preferencialmente, estudantes de pós-graduação e pertencer às diversas regiões do Brasil. (RELATÓRIO DE ATIVIDADES, 2008, p. 5) Os projetos foram avaliados pelos membros da comissão, observando os critérios estabelecidos pelo Edital e priorizando projetos inovadores: a) Importância do projeto no reconhecimento da capoeira como bem cultural; b) Efeito multiplicador do projeto; c) Capacidade de execução; d) Perspectivas de continuidade; e) Benefícios quantitativos e qualitativos para a comunidade (e/ou comunidades) onde o projeto se realiza; f) O „peso‟ da iniciativa na matriz cultura da região; g) No caso de acervos, a riqueza, o volume e a disponibilidade para o acesso; h) Nas experiências socioculturais, o número de indivíduos beneficiados com a experiência; a importância do projeto na qualificação dos indivíduos; i) Melhoria na qualidade de vida; j) Instrumentação para recuperação da auto-estima. (EDITAL CAPOEIRA VIVA, 2007, p. 3) Os dados divulgados pela FGM informam que as inscrições giraram em torno de mais de 800 (oitocentas)115 propostas inscritas, sendo contempladas 113 (cento e treze).116 Todavia, somente 108 foram desenvolvidas, pois 5 (cinco) desistiram. Conseguimos localizar um dos contemplados que não chegou a executar a ação: Embora tenhamos feito uma vasta caminhada, tentado acessar a Secretaria da Fazenda, tudo que você imaginar pra conseguir algumas certidões que faltavam [...], nós tivemos uma enorme dificuldade, gastamos bastante dinheiro, tentando conseguir todos os documentos e mesmo assim não conseguimos realizar em tempo hábil [...], nós não conseguimos superar essa burocracia toda dos projetos ditos para as comunidades. Pra gente, foi bastante frustrante esse processo todo [...]. (IVANILDES SENA, Informação verbal, 2012) 114 Diana Priscila Sá Alberto e Karla Cristina Damasceno de Oliveira (Região Norte); Simone Oliveira de Castro e Paulo Sérgio de Brito (Região Nordeste); Gabriela Santos Cavalcante Santana e Sante Braga Dias Scaldaferri (Bahia); Carlos Eduardo Moreira de Araújo e Juliana Barreto Farias (Região Sudeste); Carolina Fonseca e Rosa Ribeiro (São Paulo); Mateus Ceni de Oliveira e João Batista (Região Sul); Igor Marcio Corrêa Fernandes da Cunha e Bruno de Souza Costa Pedroso (Região Centro-Oeste). 115 1289 é o número oficial divulgado de projetos inscritos nacionalmente. 116 Em alguns sites da internet, como no próprio site do MinC, é possível acessar a informação de 122 projetos aprovados. Contudo, de fato, da lista com o nome dos ganhadores consta o total de 113. 156 Em outro documento, recolhemos as seguintes informações: total de 1289 (um mil, duzentos e oitenta e nove) projetos inscritos; 122 (cento e vinte e dois) projetos premiados, 9,46% do total de inscritos; 23 (vinte e três) Estados contemplados e premiação total de R$ 1.203.095,00 (um milhão e duzentos e três mil e noventa e cinco reais). Estas são as informações mais fidedignas dos números do segundo edital do PCV. Questionamos a nossa depoente sobre o que, no percurso do processo, emperrou a continuidade dos procedimentos que justificassem o projeto inscrito, ou seja, o seu não enquadramento nas exigências estipuladas para o recebimento dos valores que possibilitariam o desenvolvimento das atividades: Na época, tinha a certidão municipal, estadual. Era pra fazer a vistoria, eles nunca iam no tempo. Depois, resolveram ir fazer a vistoria em uma das sedes do Begê Eró, que estava com a documentação. E aí nunca iam fazer a visita. As solicitações foram feitas milhões de vezes [...]. Sempre um órgão joga pro outro e essa visita não foi feita, e nós estruturamos uma equipe para a realização desse projeto, e mesmo assim não conseguimos. As certidões foram um dos problemas pra conseguir [...] e aí havia mais exigências também em torno dessa sede, de funcionamento. Foi um dos motivos. (IVANILDES SENA, Informação verbal, 2012) Sem dúvida, o item cinco, intitulado Da Seleção e do Julgamento, do edital do Projeto impossibilitou que nosso entrevistado, mesmo sendo escolhido, por atender aos critérios de seleção fosse adiante e desenvolvesse seu projeto socioeducativo: “5.6 – Os candidatos que tiveram seus projetos selecionados, terão o prazo de 30 dias para a entrega dos documentos e certidões necessários à formalização do Termo de Compromisso, a partir da publicação do resultado” (EDITAL CAPOEIRA VIVA 2007, 2007, p. 3). Foram 86 (oitenta e seis) projetos aprovados nas Ações Socioeducativas; 16 (dezesseis) em Incentivo para projetos inéditos de estudos, pesquisas, inventários e documentação sobre o desenvolvimento da capoeira; 7 (sete) atendidos na categoria Acervos Documentais e, por fim, em Ações relacionadas à capoeira por meio de mídias e suportes digitais, eletrônicos e audiovisuais, incluindo filmes, vídeos, exposições, instalações, sítios, portais e jogos eletrônicos, software livre e produtos correlatos e iniciativas de produção e difusão foram registrados 13 (treze) contemplados. 157 Na primeira edição do PCV, foram premiados 74 (setenta e quatro) projetos e investidos R$ 930,000.00 (novecentos e trinta mil reais), conforme divulgações na mídia, na segunda edição, o investimento aumentou R$ 270,000.00 (duzentos e setenta mil), assim também como os projetos contemplados saltou para 122 (cento e vinte e dois). Porém, nem todos os contemplados ficaram satisfeitos com o valor que receberam para o desenvolvimento de seus projetos. [...] resolveu dividir vários projetos [...]. Essa política de dar a todos, ter que agradar a todos, é uma política errada, porque ela não cria elementos de qualidade. Vários vídeos que eu vi já prontos, não têm qualidade. Vários trabalhos não têm qualidade, entendeu? Porque, se você pega um trabalho com trinta mil, e você vai fazer com onze, obviamente a qualidade não existe! (LIBERAC, Informação verbal, 2012) No primeiro edital, os projetos relacionados à produção de vídeos que, naquele momento, se encontravam na categoria Incentivo à Produção de Pesquisa, Inventários e Documentação receberam, no máximo, para o desenvolvimento da produção R$ 20.000, 00 (vinte mil reais), que se constituía no teto estipulado, no regulamento do Projeto, que previu um investimento total de R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais). Na ocasião, houve uma divisão no valor total a ser investido na categoria 23 (vinte e três), referente a projetos distribuídos em livros, vídeos, roteiros, levantamento de documentações, dentre outros. Houve uma diminuição no valor total desta nova categoria, no segundo edital, que recebeu apenas R$ 270.160,00 (duzentos e setenta mil e cento e sessenta reais), que foram distribuídos também para um número menor de projetos: 13 (treze), no total. O projeto que recebeu um incentivo maior auferiu R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Esse era o valor total previsto nesta categoria, que passou a ser chamada de Ações relacionadas à capoeira por meio de mídias e suportes digitais, eletrônicos e audiovisuais, incluindo filmes, vídeos, exposições, instalações, sítios, portais e jogos eletrônicos, software livre e produtos correlatos e iniciativas de produção e difusão. Um valor maior que o previsto no primeiro Edital. Então, esse é um problema sério dessa política, digamos populista, de vamos agradar a todos que mandaram [...], alguns exemplos, que eu já vi, o trabalho não ficou legal, ficou um trabalho básico, não deu pra mostrar em lugar nenhum. [...] Eu até não acabei o trabalho [...]. Consegui novas verbas, agora, pra tentar fazer algo de qualidade, pra 158 não mandar um vídeo incipiente, meras imagens que não vão servir para propagar a capoeira, de forma qualitativa. Então, eu acho que esses foram os problemas da seleção. Nos projetos, foi esse corte de verbas. [...] de 30 mil, eles mandam 11 [...]. (LIBERAC, Informação verbal, 2012) Como houve diminuição, tanto no valor do investimento, quanto na quantidade de contemplados, o problema maior não foi esse; e, sim, a previsão que os pleiteantes fizeram. Ao inscrever um projeto, pleiteando o valor total da categoria, isso não significa que este seria atendido em sua plenitude. Foi o que aconteceu com outros inscritos: “Parece que veio a metade, mas deu pra adaptar, a gente pagou a todo mundo, a maioria das pessoas não tinha CNPJ a gente pagou com recibo” (IONÁ, Informação verbal, 2012). Entretanto, esta questão estava prevista no edital público de convocação do PCV. Além de informar os valores mínimos e máximos brutos investidos em cada categoria, o ponto 5.9, esclarecia: “Os projetos selecionados poderão ser aprovados na íntegra ou sofrer cortes nos valores previstos, de acordo com a avaliação técnica do orçamento e do plano de trabalho proposto, por decisão da Comissão de Avaliação” (EDITAL CAPOEIRA VIVA 2007, 2007, p. 3). Sendo assim, ao inscreverem projetos orçados no valor total da categoria, os pleiteantes estavam cientes de que poderiam não receber o total socilitado. Essa adequação coube aos avaliadores, que foram soberanos em suas escolhas. Assim, ao avaliarem todos os projetos da categoria, definiram os contemplados levando em conta os critérios preestabelecidos pela coordenação. A questão é que isso acabou inviabilizando, tanto a qualidade, como já pontuou um dos nossos entrevistados, como a finalização de várias ações. Algumas etapas de vários projetos não puderam ser executadas como foram pensadas no momento da escrita e da inscrição dos pleiteantes. [...] o que posso dizer é que em relação ao recurso financeiro acabou sendo um pequeno problema, não vou colocar como grande problema. [...] algumas coisas que estavam previstas no projeto, eu acabei tendo que cortar pra poder viabilizar. [...] principalmente, o produto final, que seria a produção de um livro sobre o assunto dos seguidores de mestre Bimba. Então, essa parte não foi feita, eu fiz um relatório onde constam todos os mestres e todo o meu trabalho, mas eu não avancei para a publicação, até porque não teria recursos financeiros para contemplar essa parte. (HÉLIO CAMPOS, Informação verbal, 2012) 159 Contudo, algo que foi mais enfatizado por nossos entrevistados, como um fator dificultador, foi o imposto, que deveria ser pago por aqueles que fossem contemplados no PCV. Uma novidade para os que já haviam participado do primeiro edital, quando, na oportunidade, ganharam um prêmio livre de impostos, recebendo assim o valor exato do indicado na lista de contemplados, e uma surpresa para aqueles que pela primeira vez estavam sendo agraciados no edital. Então, talvez os principais problemas que eu tive com esse projeto foi a redução do recurso, e, ainda desse recurso, nós tivemos que pagar imposto de renda [...]. Sempre foi falado nas reuniões que Capoeira Viva, era um prêmio [...]. Como é que se ganha um prêmio, e você ainda tem que pagar imposto desse prêmio? [...] pelo que eu conversei com tantas outras pessoas, todos eles se ressentiram de receber pela metade os recursos financeiros, e que acabou não viabilizando o seu trabalho no seu conjunto total! (HÉLIO CAMPOS, Informação verbal, 2012) Parte de nossos depoentes afirma que não tinha conhecimento dos descontos que incidiriam nos valores dos projetos contemplados, e que esta questão surgiu somente após a divulgação dos resultados. Apenas um dos nossos entrevistados afirmou que já tinha conhecimento de que, no edital desenvolvido pela FGM, haveria descontos. Não! Eu sabia que ia ter o desconto, entendi isso. É aquela história, bicho, eu não tô acostumando a ler contrato, eu tenho que ir pra um advogado, senão eu vou me enrolar. [...] Tem essa história, quer dizer, tá ali, tem muita informação, não tá acostumado, o cara não vê. Claro que tava dizendo que ia ter desconto, desconto é de praxe [...] Eu entendi isso, eu tive alguém que ajudou, que prestou atenção [...]. (MESTRE TONY VARGAS, Informação verbal, 2012) Acessando o edital e lendo-o com atenção, encontraremos no item Apoio Financeiro o esclarecimento pertinente. Não fica dúvida, sobre a questão: “6.2- Os valores dos repasses devem estar em conformidade com a legislação tributária vigente, com a incidência dos tributos pertinentes, inclusive com a retenção na fonte”117 (EDITAL CAPOEIRA VIVA 2007, 2007, p. 3). Além disso, assim que tinha seus projetos aprovados, a coordenação do segundo edital do PCV enviava um e-mail aos contemplados, informando o valor destinado ao pleito e solicitando o envio do projeto adequado à nova realidade. 117 Grifos nossos. 160 No processo de avaliação do referido projeto, foi aprovada a premiação no valor de [...], com a adequação/indicação, seguindo documento em anexo. Por esse motivo, deve ser apresentado o novo plano de trabalho, conforme modelo em anexo, com as alterações propostas, que poderá ser avaliado pela comissão se as alterações assim justificarem. Este deve ser encaminhado para o e-mail [email protected], até o dia 28/04/2008, sob pena de ser considerado como desistência. (Comunicação via e-mail, 2012) Dando continuidade à comunicação, a remetente deixava claro que a premiação, bem como a assinatura do Termo de Compromisso, ambas dependiam invariavelmente da apresentação dos documentos elencados (ver nota). Estes deveriam ser enviados, em duas vias, pelo correio, via SEDEX, com registro, até o dia 4 de maio de 2008, ou entregues pessoalmente, conforme determinação.118 Quem se inscreveu como pessoa jurídica, sem dúvida necessitou de mais tempo e disposição para conseguir toda a documentação necessária, pois a lista solicitada perfazia dez documentos.119 Uma das integrantes da equipe técnica do segundo edital do PCV, Renata Rocha, enviou orientações sobre como proceder para a efetivação adequada da prestação de contas, em consequência de um número elevado de projetos que já haviam procedido a tal prestação, mas de forma inadequada. Pessoa Jurídica: Nos projetos cujos proponentes sejam instituições não há retenção de impostos na fonte. Assim, devem ser incluídos, na planilha a ser apresentada, apenas impostos referentes a outros objetos, como por exemplo, os impostos sobre pagamento de pessoal (ISS/INSS institucional), e outros. Pessoa Física: Em relação aos projetos cujos proponentes sejam pessoas físicas há cobrança de imposto de renda, a ser retido na fonte. Isso significa que no valor a ser recebido na conta bancária, já constará o respectivo desconto. [...] esse imposto é cobrado conforme a tabela 118 Para pessoa física: a) Certidão de quitação de tributos federais e Dívida ativa da União; b) RG e CPF do proponente; c) PIS/Pasep ou NIT; d) Comprovante de endereço do proponente; e) Cópia de documento bancário do proponente, contendo nome do banco, conta-corrente e agência (não pode ser conta poupança). 119 Para pessoa Jurídica: a) Certidão de quitação de tributos municipais; b) Certidão de quitação de tributos estaduais; c) Certidão de quitação de tributos federais e Dívida ativa da União; d) Certidão negativa de débitos com o INSS; e) Certidão negativa de débito FGTS; f) Estatuto; g) Ata de posse da Diretoria atual; h) Cartão de CNPJ da entidade; i) Comprovante de Endereço da Entidade; e j) Cópia de documento bancário da entidade, contendo nome do banco, conta-corrente e agência (não pode ser conta poupança). 161 progressiva mensal [...] Entretanto, tendo em vista a complexidade do cálculo e exiguidade do tempo para entrega do plano de trabalho, encaminhamos uma planilha (ANEXO II) com a especificação do valor global bruto da premiação; valor bruto de cada parcela a ser recebida (50% após a assinatura do termo de compromisso e 50% após a apresentação de relatório parcial); valor líquido do prêmio; valor líquido de cada parcela; e o total do Imposto de Renda a ser cobrado. Este último item – total do Imposto de Renda cobrado – deve constar da planilha a ser enviada para este e-mail no item “outras despesas”, bem como impostos referentes a outros objetos, como, por exemplo, os impostos sobre pagamento de pessoal (ISS/INSS institucional), e outros. (EQUIPE TÉCNICA, Comunicação via e-mail, 2008) A funcionária da FGM ainda solicitou, aos proponentes que já houvessem enviado o cronograma físico-financeiro sem a inclusão do imposto devido, que estes adequassem a planilha e a reenviassem novamente, a fim de atualizar sua situação, ficando adimplentes, neste aspecto. Após informações desencontradas, limitações dos contemplados e depoimentos para a tese, dos mais diversos, referentes ao acesso ou não de informações, percebemos o quanto é importante a adequação das políticas culturais aos seus públicos, especialmente quando voltadas a uma população que pouco acesso teve à escola, e ao lidar com uma manifestação que tem suas bases na oralidade. De certa forma, caberia nesse processo outras possibilidades de linguagem e comunicação, tendo em vista a prática real de inclusão e autonomia nas ações. É verdade que alguns contemplados não dominam tais ferramentas, principalmente as mais contemporâneas, como a informática, necessárias ao completo cumprimento das etapas que integram a participação em um edital público. Alguns não dominam nem mesmo a linguagem escrita, apesar de doutores no fazer da capoeira. Nossa experiência na capoeira e o acompanhamento do processo nos apontam alguns caminhos que são utilizados por tais públicos. Contratação e terceirização de serviços, junto a indivíduos que dominam esse processo de chamadas públicas e/ou consultoria de amigos e alunos que, de alguma forma, acessam esses conhecimentos. O fato é que a situação posta pelo MinC para os capoeiras ainda indica um distanciamento da realidade concreta de suas comunidades. 162 Assim como na primeira experiência do PCV, vários projetos interessantes foram desenvolvidos: formações, aulas, vivências, produção de vídeos, acervos, animações, edição de livros, dentre outros. Tivemos a oportunidade de conversar com a criadora de um projeto de animação que foi aprovado. [...] a partir daí eu precisei pegar algumas pessoas pra me ajudar, porque o negócio tinha que ser mais profissional do que só uma pessoa fazer. Peguei, pensei no trabalhão que eu ia ter que desenvolver pelo projeto. Era assim: tinha uma quantia “x” que você poderia gastar, então eu pensei no projeto, distribuí naquele “x”, para aquilo que eu propunha. A ideia principal do projeto era a gente tá divulgando a capoeira, em escolas, lugares carentes, pontos culturais voltados pra criança e, como a animação é mais esse caminho, tinha que ser mais por essa coisa. (IONÁ, Informação verbal, 2012) Projetos de pesquisas visando estudos bibliográficos, de perfil históricodescritivo-biográfico-antropológico, também foram realizados e ajudaram a qualificar os trabalhos desenvolvidos nesta segunda versão de uma política cultural específica de editais para a capoeira. [...] essa ideia, desse projeto – Os Seguidores do Mestre Bimba – aparece na minha tese de doutorado [...]; eu acabei escrevendo o perfil de alguns alunos de mestre Bimba [...], que são mestres de capoeira, uma contribuição importante pra Capoeira Regional. [...] muitas pessoas conhecem mestres mais próximos [...], mas outras poucas conhecem o mestre Piloto, o mestre Cafuné, o mestre Sariguê, o mestre Sarara, o Mestre Escurinho, [...] o próprio mestre Nenel [...]. Então, eu vi que existia um interesse enorme das pessoas conhecerem esses outros, esses outros alunos de mestre Bimba e daí, então, essa foi a principal realização do projeto. (HÉLIO CAMPOS, Informação verbal, 2012) Estava tudo transcorrendo conforme o planejado, ampla divulgação, edital realizado, boas propostas inscritas, avaliação dos trabalhos realizados, com tranquilidade, divulgação dos aprovados. Contudo, na fase de execução da ação, propriamente dita, a gestão da FGM passa por mudanças, em decorrência da nova conjuntura política, na cidade, a partir das eleições municipais. Deste momento em diante inicia-se um processo, entre a segunda gestão do PCV e os contemplados do segundo edital, de luta para executar e finalizar as ações previstas em seus projetos. Este processo se arrasta até a atualidade e, 163 por enquanto, sem previsão de finalização concreta120 e, muito menos continuidade, com um provável terceiro edital do PCV. 3.5 Capoeira Viva: “se arrastando que nem cobra pelo chão” Plunct Plact Zum Não vai a lugar nenhum! Tem que ser selado, registrado, carimbado Avaliado, rotulado se quiser voar! Se quiser voar... Pra Lua: a taxa é alta, Pro Sol: identidade Mas já pro seu foguete viajar pelo universo É preciso meu carimbo dando o sim, 121 Sim, sim, sim. Durante o desenvolvimento da nossa pesquisa de doutorado, testemunhamos mudanças radicais no MinC, iniciando pela gestão do cantor e compositor santo-amarense Gilberto Passos Gil Moreira, que estabeleceu grandes mudanças nas políticas culturais, passando pela gestão do sociólogo soteropolitano João Luiz Silva Ferreira,122 que deu continuidade às ações impetradas na primeira gestão de governo do PT. Em seguida, a cantora e compositora paulistana Anna Maria Buarque de Hollanda assumiu a Pasta, quando pudemos notar uma retração nas políticas culturais relacionadas à capoeira, e mais, recentemente, tomou posse a psicóloga paulistana Marta Teresa Smith de Vasconcelos Suplicy. Não há como negar que houve (apesar das mais diversas críticas estabelecidas), no mínimo, uma maior visibilidade da capoeira, nestes últimos anos. Houve também mudanças na relação do governo com suas comunidades. Esta relação jamais será a mesma, após todas essas experiências, principalmente com a tentativa de se realizar no Brasil, conforme o ex-ministro Gil divulgou, o Programa Nacional e Mundial de Capoeira. 120 Nos referimos aqui ao fechamento de todas as pendências que se encontram em aberto. Letra de Raul Seixas: carimbador maluco. A música é uma crítica à burocracia estatal. 122 Juca Ferreira. 121 164 Todavia, na execução das ações, uma série de entraves, atrasos, informações desencontradas e, às vezes, ausência destas, gerou desconforto, indignação e descontentamento. Um fato relacionado a isso foram os atrasos nos repasses do segundo edital. Para um dos nossos entrevistados, não houve reciprocidade por parte da instituição responsável por executar as ações da iniciativa. [...] então, vocês têm que prestar conta [...], o dinheiro é do Estado. E quem rompia com esse conceito eram eles, porque eles não repassavam o dinheiro pra gente, no prazo determinado. [...] no meu caso, por exemplo, eu tive que fazer dois empréstimos pessoais a bancos, que eu pago até hoje. Eu tinha uma equipe fixa [...], eu não ia chegar pra uma equipe no fim do mês e dizer: – Eu não tenho dinheiro pra pagar vocês. E você tinha o trabalho diário dessas pessoas. Então, tive que fazer dois empréstimos bancários [...]. (FREDE ABREU, Informação verbal, 2012) Todos os nossos entrevistados informam esses atrasos, que acabaram prejudicando e deixando insatisfeita grande parte dos contemplados no segundo edital do PCV. A experiência exitosa do primeiro acabou fortalecendo a insatisfação com a forma de gerir a segunda experiência. O problema foi a liberação da verba. Porque veio em duas parcelas, na primeira vez, atrasou. Aí, depois a gente mandou um relatoriozinho, não é? Que foi fácil. Mas aí, a segunda parcela demorou [...] um tempo assim bem grande. E aí tudo ficou parado. Foi um problema, porque na época eu, me lembro, rolaram e-mails [...]. As pessoas desesperadas [...]. (MATTHIAS ASSUNÇÃO, Informação verbal, 2012) Avaliamos que o primeiro atraso no pagamento aos contemplados que tiveram seus projetos aprovados ocorreu por inexperiência com o trato do financiamento oficial.123 A falta de familiarização do público do universo da capoeira, a quem este edital se destina, em relação às exigências para o recebimento de qualquer financiamento oficial (certidões negativas, comprovantes, inscrições), mostrou-se patente no recolhimento da documentação para elaboração do processo de pagamento dos projetos premiados pelo Edital. (RELATÓRIO DE ATIVIDADES, 2008, p. 11) 123 A primeira experiência do PCV, executada pela Biblioteca Nacional não impôs tal situação aos capoeiras e comunidade, tendo em vista que os proponentes deste primeiro edital foram contemplados em forma de prêmio, modalidade menos burocrática, como vimos. 165 Além disso, a própria FGM possui seus trâmites legais e, para a efetivação do pagamento, os processos tinham que percorrer as mesmas instâncias dos outros procedimentos de pagamento da instituição. Sendo assim, a equipe do PCV, que era contratada para prestar esse serviço em específico, também ficou submetida a essa condição. Além disso, ao verificar que a publicação dos resultados no Diário Oficial do Município poderia vir a gerar distorções no futuro (pela ausência do nome da instituição/pessoa física responsável pelo recebimento da verba do projeto, a Equipe Técnica do Capoeira Viva 2007 encaminhou a republicação do Resultado no Diário Oficial. O documento, pronto, aguarda apenas o encaminhamento da Presidência desta Fundação. (RELATÓRIO DE ATIVIDADES, 2008, p. 11) Toda essa situação explicitada gerou a situação apresentada no quadro a seguir, gerando o primeiro atraso no pagamento: Situação do projeto Enviados à GEPROC para pagamento (Pessoa Física) - aguardando encaminhamento da presidência Finalizados, aguardando o encaminhamento da presidência (Pessoa Física) Finalizados, esperando encaminhamento e republicação do Diário Oficial do Município (Pessoa Jurídica) Documentação finalizada/aguardando regularização do plano de trabalho Desistente Documentação a regularizar Total 124 Tabela 6: Situação do PCV 2007 Qtd 15 20 25 40 1 21 122 Essa circunstância causou indignação nos contemplados, de tal maneira que estes, após o silêncio da FGM em relação à questão dos atrasos e o fim do limite da paciência, formularam carta aberta, que foi intitulada: Manifesto Capoeira Viva. Expressamos nosso descontentamento em relação ao Capoeira Viva 2007 e sua instituição gestora. Durante este longo período de entraves burocráticos, foi muito difícil nos sentirmos „contemplados‟ e gostaríamos que uma forma de diálogo real e claro, não virtual e cheio de termos que não compreendemos pudesse ser estabelecido entre essa comunidade e os responsáveis pela elaboração, gestão e 124 Fonte: Relatório de Atividade do Projeto Capoeira Viva 2007. 166 liberação deste tipo de política pública. (DÓREA, Comunicação via email, 2009, p. 2) Essa problemática teve início com a mudança da gestão da FGM, entraves burocráticos e atrasos nos pagamentos das primeiras e segundas parcelas. Poucos receberam a segunda parcela corretamente; por exemplo: 32 dos 108 contemplados, após um ano de divulgação do edital, ainda não a tinham recebido. Um dos mestres destaca o ocorrido, em reportagem: Proprietário de um atelier de instrumentos de percussão que leva seu nome, no Pelourinho, Mestre Lua Rasta diz que os atrasos comprometeram a execução dos dois projetos que teve aprovados no edital: Meninos do Campo Formoso, oficina de instrumentos para crianças em situação de risco do bairro situado no município de Mar Grande, na Ilha de Itaparica, e o Teatro Mestre Lua. „Os meninos se dispersaram. O Teatro foi filmado e virou um documentário que eu tive de finalizar com dinheiro do próprio bolso, pois contratei um profissional e não poderia ficar esperando a verba chegar‟, disparou. (NUNES, 2009) A situação agravou-se para quem se localizava em outro Estado, pois, as despesas de correio, telefonemas e acesso à internet, na tentativa de resolver as questões, oneravam o projeto. Para a maioria dos mestres contemplados, todo esse mecanismo já se constituiu em um desafio, pois a formatação do projeto – da seleção à prestação de contas – se tornou uma barreira para a autonomia daqueles que, por exemplo, não tiveram acesso à Educação Básica e necessitaram de auxílio para participar da iniciativa, fato corriqueiro, ainda na atualidade, entre os capoeiras. A Fundação Gregório de Mattos (FGM), responsável pelo Edital Capoeira Viva, vem enfrentando obstáculos nos trâmites do andamento dos Projetos, inclusive o Capoeira Viva 2007, o que provocou alguns atrasos. Esta situação já se regularizou, e 108 projetos encontram-se em regularidade, com toda documentação entregue, inclusive o Plano de Trabalho e o Cronograma Físico Financeiro. Estes já foram encaminhados para a Gerência Administrativa e Financeira, e estão tramitando internamente para que toda burocracia ocorra e aconteça o repasse dos prêmios. Agradecemos aos contemplados que estão quites com a documentação, com o Cronograma Físico Financeiro e com o Plano de Trabalho dos seus projetos. Informamos que aqueles projetos que ainda apresentam pendência com relação à documentação, Plano de Trabalho e/ou Cronograma Físico Financeiro (ver tabela abaixo), terão até o dia 21 de julho para envio dos referidos documentos e regularizar toda e qualquer pendência ainda 167 existente. (EQUIPE EDITAL CAPOEIRA VIVA 2007, Comunicação via email, 2012) A conjuntura mobilizou os interessados que enviaram e-mails para o Ministro da cultura. Em uma das cartas, um dos contemplados questionava, em primeiro plano, a mudança na coordenação do projeto. Caro Ministro, Até o momento, nós os coordenadores dos projetos premiados na 2ª edição do Programa Capoeira Viva, não entendemos o porquê da retirada do Programa do Museu da República, que através de um excelente coordenador e organizador da 1º edição do Programa Capoeira Viva, Sr. Rui Pereira, estruturou o primeiro programa que funcionou maravilhosamente, do começo ao fim. E, inexplicavelmente a segunda edição foi colocada na mão da Fundação Gregório de Matos, que já tinha dado provas de incompetência, quando em 2005 o Programa Capoeira Viva, tinha sido lhe entregue para que o desenvolvesse, coisa que a mesma não conseguiu e então foi entregue, em 2006, para que o Museu da República o fizesse [...]. (MESTRE GIL VELHO, Comunicação via e-mail, 2012) Dando continuidade, o mestre desabafa e aborda o problema instaurado – o atraso no repasse das verbas para os projetos. Em sua escrita, o contemplado mostra-se de fato indignado com tal situação, que havia prejudicado o andamento de sua atividade e tece duras críticas a todo o processo. Ministro, esta edição do Programa Capoeira Viva veio recheada de equívocos. Os nossos projetos estão, de fato, interrompidos por falta de uma administração adequada dos recursos que foram transferidos para a Fundação Gregório de Mattos. Esta Fundação trata a Capoeira e os capoeiristas com descaso no ano que a capoeira foi transformada em Patrimônio Imaterial da cultura Brasileira [...] Vamos Senhor Ministro, pois o MINC não pode ficar omisso a uma patifaria desta, pois isto já é caso de polícia. Esperamos que este quadro mude e os recursos sejam liberados o mais breve possível para que possamos acabar nossos projetos, pois, estes são frutos de um prêmio proveniente de Recurso Público e conquistado arduamente por todos, os coordenadores dos projetos, eleitos nesta segunda edição. (MESTRE GIL VELHO, Comunicação via e-mail, 2012) Em outro e-mail, intitulado O Descaso do Governo Municipal de Salvador com o Primeiro Projeto Federal para Capoeira, outro contemplado divulga carta enviada a Juca Ferreira, que ocupava, então, o cargo de ministro da área cultural. Caro Ministro Juca Ferreira, Manifesto junto ao Gil Cavalcanti, que escreve abaixo, salientando o desrespeito e a violação de todos os direitos que cabem aos 168 responsáveis pelos projetos da 2ª edição do edital federal „Capoeira Viva‟. Os desdobramentos dessa situação invadem a formação de crianças e jovens com raras oportunidades além de comprometer a dignidade do esforço de um mestre com 84 anos que honra sua arte mesmo frente a irresponsabilidade do governo. Nós capoeiristas somos a maior comunidade em número de adeptos a representar a cultura popular no país e no mundo. Também representamos um „suposto reconhecimento governamental‟ de Patrimônio Imaterial Nacional, assim me refiro uma vez que a violência e o desprezo histórico a que fomos submetidos permanece [...]. (RODRIGO BRUNO, Comunicação via e-mail, 2012) Após a divulgação do manifesto e depois de várias demonstrações de insatisfação, finalmente a FGM tenta explicar-se perante a opinião pública. No dia 13 de março, em resposta ao manifesto, a FGM divulgou nota oficial em que atribuiu o atraso ao extravio de pedido de execução do projeto Capoeira Viva/2007, documento enviado ao Minc no dia 20 de novembro de 2008, fato que a entidade só tomou conhecimento em fevereiro deste ano. (NUNES, 2009) O fato relatado foi logo esclarecido pelo MinC, que rebateu as acusações da instituição soteropolitana: No entanto, comunicação interna do Minc à qual a reportagem do UOL Esporte teve acesso atesta que a FGM, proponente do projeto, estava inadimplente com o ministério, situação que só foi solucionada no dia 20 de março, o que obrigou a prorrogação do prazo de execução dos projetos para 31 de julho de 2009. (NUNES, 2009) Algo que emperra qualquer ação no setor público são as constantes trocas de gestores. Quando o PCV ficou sob a responsabilidade da FGM, o gestor à frente dessa instituição era o compositor e professor Paulo Costa Lima. Este, no final de 2008, por questões políticas – troca de partido, e com a eleição municipal e as mudanças na base de aliados, acabou sendo substituído pelo poeta, dramaturgo e jornalista Antônio Lins. Então, a gente recebeu alguns e-mails, dizendo que o problema mesmo seria nos trâmites internos deles, pra depois entrarem em contato, e aí, sim, poderem de fato fazer essa segunda verba. Eu me lembro que, na época, eu conversei com algumas pessoas da Fundação Gregório de Mattos, que diziam que, como tinha mudado a gestão, eles tinham de refazer todo um estudo, tipo refazer o convênio com as associações. Isso acabou burocratizando ainda mais, gastando muito mais tempo que o previsto. (RAPHAEL CEGO, Informação verbal, 2012) 169 A gestão de Lins foi conturbada, com uma série de denúncias, por parte de funcionários da FMG, por parte da comunidade cultural do município e por desentendimentos políticos entre os aliados. Em notícia divulgada no site de Samuel Celestino, acessamos o desabafo de Lins: O prefeito não dá bola para a cultura nem para a cidade. Sua assessora cometeu uma série de desmandos, pedi inclusive auditoria na Secretaria da Fazenda, mas chega a um ponto que a gente cansa. É um governo fraco. Todo dia nos jornais tem denúncia de corrupção. Estou na Fundação Gregório de Mattos há um ano e não deram bola. A cidade não merece esse tipo de gente. Estou caindo fora para não me contaminar [...]. (BAHIA NOTÍCIAS, 2010) Após acusações, de cunho político e pessoal, ao gestor do município e a afirmação de que solicitou o seu afastamento do cargo, Lins foi desmentido publicamente. João Henrique foi aos meios de comunicação, afirmando que o exgestor da área cultural fora dispensado do cargo. O prefeito, na época, ainda enfatizou que exoneração foi estimulada por outros motivos. [...] o prefeito João Henrique (PMDB) afirma que, diferentemente do que disse o ex-presidente da Fundação Gregório de Mattos, Antonio Lins, de que teria pedido para sair, ele foi exonerado nesta quarta-feira (17) às 18h. O gestor justifica que enfrentava problemas com a FGM devido ao fraco desempenho do dramaturgo enquanto administrador. JH disse ainda que a atuação de Lins era motivo de diversas queixas de funcionários e do meio artístico e intelectual. (BAHIA NOTÍCIAS, 2010) Ao mesmo passo em que se desenrolava o PCV, seguia a gestão municipal, confusa, atrapalhada e com desmandos, principalmente na área de mobilidade urbana e segurança. O próprio prefeito trocou de partido diversas vezes.125 A troca de partido político significava, em muitas ocasiões, a alteração de alianças e, consequentemente, a mudança de gestores públicos. A modificação de gestores na área cultural não parou. Vale aqui ressaltar que também houve mudanças na gestão do MinC, bem como no setor responsável pelo acompanhamento das ações junto à FGM. Enquanto o PCV ainda estava sendo executado, uma série de problemas atingiu a segunda gestão do segundo edital, que foi substituída, interinamente, por Carlos Soares, à época, 125 Eleito, em seu primeiro mandato, pelo Partido Democrático dos Trabalhadores (PDT), depois, em 2007, filiou-se ao PMDB. Em seguida, no início de 2011, ingressou no Partido Progressista (PP). 170 gestor maior da Secretaria de Educação, Cultura, Esporte e Lazer (Secult), até a assunção do jornalista Ipojucã Cabral.126 Assim como Lins, o ex-secretário da Secult e ex-presidente interino da FGM, Carlos Soares, também foi alvo de denúncias de má gestão e desvio de verbas, amplamente anunciados nos diversos jornais da capital baiana. Estas o levaram ao seu afastamento da instituição. A notícia de que o secretário municipal da Educação, Cultura, Esporte e Lazer, Carlos Soares, pediu afastamento do cargo após tomar conhecimento, pela imprensa, de que a Justiça decretou a indisponibilidade dos seus bens, motivada pela denúncia de desvio de verbas em dois contratos do Programa Nacional de Inclusão de Jovens – Projovem –, surpreendeu diversos vereadores de Salvador, entidades e sindicatos ligados à educação. [...] as investigações da Justiça chegaram à Secult no bojo de uma série de denúncias e ante os indícios de existência de irregularidade no órgão. O titular resolveu deixar o posto para abrir caminhos à inspeção. (TRIBUNA DA BAHIA, 2010) Se o produtor, roteirista e ator Roberto Gomes Bolaños soubesse de todos os acontecimentos referentes à gestão cultural da cidade de Salvador, durante o governo de João Henrique, não faltariam assuntos para seus programas de comédia mexicana. Talvez uma nova versão de uma comédia bonachona, ao estilo do seu maior sucesso no Brasil: “El Chavo”, no caso, possivelmente chamaria de “El Polilla”.127 NOME 126 SITUAÇÃO ASSUNÇÃO Paulo Costa Lima Gestor oficial 2005 Maria Adriana Almeida Couto de Castro. Gestor oficial 2008 Antônio Lins de Albuquerque Gestor oficial 2009 Carlos Ribeiro Soares Interino 2010 Ipojucã Cabral Brito (Popó) Gestor oficial 2010 Apesar da FGM ser uma autarquia da Secult, esse acúmulo de cargos por Carlos Soares, mesmo que temporário, graças à ideia do prefeito João Henrique de extinguir a Secretaria de Esporte e Lazer do município, foi muito prejudicial à cultura, assim como a todas as ações que a FMG vinha desenvolvendo, pois esse gestor já não vinha conseguindo atender as demandas de todas as áreas – educação, cultura, esporte e lazer – que a gestão da Secult requeria, e, o caos completo se instalou na cidade. 127 Nome do livro de Ziraldo, editado em língua espanhola: “Menino maluquinho” foi o apelido de João Henrique, cunhado por seu ex-aliado, agora desafeto, Geddel Vieira Lima. 171 Célia Maria Borges Humildes Interina 2011 Isa Maria da Silva Gestora oficial 2011 Tabela 6: Gestores da FGM durante o PCV 128 Para os nossos depoentes fica a sensação de descaso, em especial com a capoeira, que sempre foi uma manifestação discriminada, principalmente pelos órgãos públicos. Para os proponentes que participaram dos dois editais, não restam dúvidas sobre a deficiência na continuidade das ações. [...] no segundo, o recurso financeiro e a forma de administrar o projeto, [...] eu creio que ficou confusa, não é? Poderia ser um pouco mais clara, nós tivemos dificuldades nas informações, no repasse de dinheiro. [...] eu creio que eles emperram nessa dificuldade do continuísmo [...]. Não é só pegar o dinheiro do Governo e falar que agora a gente tem apoio [...]. (MESTRE SUÍNO, Informação verbal, 2012) Mas, recuperando todas as ações que envolviam PCV e foram executadas pela FGM, notamos que, além da questão da continuidade, outro problema se estabeleceu no processo. Estamos nos referindo às ações que estavam previstas e que não aconteceram, ou seja, não houve execução. Dentre estas ações, destacamos a Enciclopédia da Capoeira, que deveria ter uma edição de 1.000 (um mil) exemplares, e um livro, com produções de jovens pesquisadores, que abordassem a temática da capoeira. Os gestores que passaram pela FGM talvez não se recordem mais desse compromisso, mas, com certeza, os autores contatados, que criaram expectativas e nem ao menos tiveram um retorno sobre a publicação (ou não) da obra, ainda não se esqueceram. Eram onze artigos de caráter inédito, conforme tabela a seguir: N TÍTULO AUTOR (A) 1 A docência no Centro das Transformações da Capoeira no Século XX: primeiras aproximações Sujeitos e prática beligerantes: um contributo à genealogia da capoeira Benedito Carlos Libório Caires Araújo Drauzio Pezzoni Annunciato 2 128 O segundo edital do PVC não foi concluído oficialmente, mas novamente houve mudanças na gestão da prefeitura da cidade, com as últimas eleições. Atualmente, o gestor da FGM é o diretor teatral Fernando Guerreiro. 172 3 A Ditadura na (De)Formação do Capoeira Jean Adriano 4 As Relações do Sagrado no Jogo de Capoeira Jorge Felipe Fonseca Moreira e Nilda Teves Ferreira 5 Narrativas Identitárias da Capoeira Atual: Um estudo de campo Capoeira e Candomblé: Irmãos Da Resistência Do Corpo” Juliana Azevedo de Almeida 6 7 8 9 10 11 As Redes da Capoeira em Madrid (Espanha): Imigração, Transnacionalismo e Reinvenção da Cultura Nacional como Cultura Global. Regulamentações na Capoeira: ressignificações da cultura capoeirana Bota Mandinga nesta Gymnastica Nacional! Só o tempo te faz mestre: Pastinha, Bimba, Maré e Noronha - a transformação da capoeira em Salvador. Menos Malandragem e mais Mandinga! O resgate da tradição africana da capoeira angola abrindo espaço para igualdade de gênero. Maria Luísa Bastos Neves Menara Lube Guizardi Pimenta Neuber Leite Costa Paula Cristina da Costa Silva Sante Scaldaferri Christine Nicole Zonzon TABELA 7: Relação dos artigos e autores Em 23 de outubro de 2008, uma funcionária da FGM enviou um e-mail para a lista de discussão do GECA, com o objetivo de divulgar mais uma ação prevista no Plano de Desenvolvimento do PCV. A Fundação Gregório de Mattos o convida para publicação de um artigo sobre capoeira, com a finalidade de incentivar jovens pesquisadores e difundir a produção cientifica. Através do projeto Capoeira Viva será lançado um livro composto por uma coletânea de artigos. Um dos critérios de participação é não ter livro publicado, e se tratar de um artigo inédito. [...] Os artigos passarão por uma avaliação da comissão do projeto Capoeira Viva [...]. (SIMPLÍCIO, Comunicação via e-mail, 2008) Dois anos após a emissão da solicitação acima, os pesquisadores que enviaram seus trabalhos e já há algum tempo não tinham notícias sobre o ocorrido, iniciaram uma série de cobranças referentes à ação prevista, que, até aquele momento, não teria sido realizada, recebendo a seguinte informação: A proposta de edição do livro faz parte de uma das metas a ser executada pelo edital Capoeira Viva. Em virtude de mudanças na gestão administrativa da Fundação Gregório de Mattos, o trabalho de edição da enciclopédia ficou comprometido. Hoje a fundação esta sanando algumas pendências com o Ministério da Cultura para poder então, concluir o trabalho de edição do livro, pois todo material está na gráfica. (SIMPLÍCIO, Comunicação via e-mail, 2010) O livro não foi editado, não há previsão alguma de retomada ou recuperação desta ação, e arriscamos dizer que nunca mais será, caso um gestor 173 realmente comprometido, junto a uma equipe empenhada, não assuma a responsabilidade. Não houve mais retorno institucional e as ações do segundo edital do PCV, até segunda ordem, foram dadas por encerradas pela FGM.129 Simbolicamente falando, este encerramento aconteceu com o lançamento de outra ação prevista, que, mesmo com um atraso de cerca de três anos, finalmente se concretizou. Falamos do lançamento do Box com Cd‟s de capoeira do PCV. A solenidade aconteceu em meados de 2011, no Espaço Cultural Barroquinha, em Salvador, e contou com a participação de vários representantes das comunidades. O gestor da época, que lançou a coleção, foi Ipojucã Cabral. Este conseguiu, quatro anos após o lançamento do segundo edital do PCV, concluir essa atividade. Vale ressaltar que esta proposta passou por vários outros gestores, que não encaminharam a finalização do produto.130 Imagem 3: Convite Lançamento da Coleção de CD‟s do PCV Apesar do lançamento do produto ter sido viabilizado por Ipojucã Cabral, o texto, no encarte dos CD‟s, tem a assinatura da falecida professora, arquiteta e ex-gestora da instituição, que substitui Paulo Lima, Maria Adriana Couto de Castro. 129 Alguns dos autores já publicaram seus artigos em outros locais, pois compreenderam que, devido ao rumo que as coisas estavam tomando, a ação em questão dificilmente seria executada, mesmo com algumas poucas esperanças que, na época, ainda pairavam no ar. 130 Muitos dos nossos entrevistados afirmaram que receberam essa coleção da FGM, enviada por correio, fato que não aconteceu com os outros produtos, frutos dos editais do PCV. 174 Durante este processo seletivo, a Fundação Gregório de Mattos teve acesso a um vasto repertório musical, contido no material de inscrição do edital. Este acervo nos motivou a lançar esta série de cinco volumes de CD´s, com o objetivo de registrar e preservar estas expressões artísticas da capoeira como patrimônio cultual imaterial característico da Bahia e que tem se manifestado ao longo de todo o Brasil. (ENCARTE COLEÇÃO CAPOEIRA VIVA, 2011) As datas dos acontecimentos indicam o quanto foi demorado este processo, desde o planejamento à finalização da coleção, que já estava prevista no ano de 2008, data também que Maria Castro assina o texto, bem como o ano de sua assunção à gestão da Fundação. Contudo, somente se concretiza em 2011, muito tempo depois do lançamento do PCV.131 Há um discurso recorrente, como um ponto negativo do segundo edital do PCV, que se configura nos descontos imputados aos projetos contemplados, o que não ocorreu, como já enfatizamos aqui, na primeira experiência. Não! No número um, não teve desconto, isso também foi [...] outra falha! No número um eles fizeram certo, que era bolsa! No segundo, fizeram. Inclusive eu participei com mestre Camisa, no segundo e eu consegui que a instituição dele que era sem fins lucrativos, substituísse ele, pra que não houvesse o desconto [...]! No primeiro, pessoa física não teve desconto não! (RAQUEL, Informação verbal, 2012) No decorrer da tese, também pontuamos, por várias vezes, a questão da continuidade das políticas culturais, sendo esta uma palavra que aparece constantemente no discurso dos depoentes. Não somente se referindo ao PCV, mas às políticas culturais voltadas para a capoeira, de uma maneira geral. Pelo que já vimos até o momento, não restam dúvidas de que uma página foi virada na história da política cultural no país, com a ascensão de Lula e de Gilberto Gil ao MinC. Mas, sobre a continuidade destas políticas, ainda paira uma dúvida. A realidade concreta nos obriga a refletir sobre a continuidade das políticas implementadas na gestão Gilberto Gil/Juca Ferreira, em especial no que diz respeito à capoeira. Não é por acaso que existe insatisfação dos que se relacionaram diretamente com estas políticas. Nesse aspecto, não se trata de uma ou outra reflexão isolada, mas, sim, de um coro que ecoa em todos os discursos recolhidos. 131 A ex-gestora, inclusive, já havia falecido, vitimada pelo agravamento de uma leucemia, em 2009. 175 Pra melhorar tem que continuar, desburocratizar e eu não sei o que aconteceu, mas [...] sei lá [...]. Dá pra gente aqui no escritório que a gente coordena, não é tão difícil assim! A Fundação Gregório de Mattos foi muito gentil, as meninas foram muito gentis, mas não conseguiram fazer com que as pessoas prestassem contas [...]. Talvez precisasse de uma assistência maior [...]. Se houvesse continuidade, isso seria detectado, porque o primeiro grupo, ele foi bem claro em perceber que haveria essas dificuldades, então isso não é novidade. Gilberto Gil tava na mesa e disse que haveria dificuldade de prestação de conta, de organização [...]. (RAQUEL SILVA, Informação verbal, 2012) Um dos nossos depoentes, com larga experiência na capoeira, inclusive com participação em programas e ações que envolveram a capoeira, desde a década de 1960, relembra, com os olhos de quem já viu e passou pelos mesmos acontecimentos, a grande problemática da continuidade. Não tem continuidade. O último era para acontecer aqui, como não teve já recolheram essa verba que iriam fazer aqui. Tem muita dessa no Brasil que começa, mas não termina!! [...] começa e tem que ter porrada pra terminar e dizer qual foi o resultado final. [...] É sempre assim todos esses programas de capoeira que já teve até hoje [...]. (MESTRE ITAPOAN, Informação verbal, 2012) A gestão da FGM foi muito criticada em nossas entrevistas, por nossos depoentes. Pensamos que uma série de fatores comungou para a situação se agravar. Já destacamos as constantes trocas de gestores, bem como a mudança no processo de liberação dos valores, através da distribuição de bolsas. Mas, como destaca, a seguir, nossa contemplada, esse é um processo novo para os capoeiras, assim também como foi uma experiência nova para a instituição, lidar com as demandas, a partir de problemas instalados. Isso tá mudando! Agora, pra mudar, tem que continuar. Houve esse problema [...]. Se tivéssemos no quarto edital, já não teria essas desculpas, mas, no primeiro, no segundo, naturalmente isso ia acontecer [...] Mas não deram nenhum apoio. No meu caso, eu já estava acostumada a fazer isso, mas, no caso de um cara, que tá acostumado a da aula na rua, e na escola, a pegar o berimbau e é ocupado e tem um monte de filho, e tem aluno, e tem não sei o que lá [...] tá mais prejudicado. Não é ignorância, não! É que não tá acostumado. Não é má fé, não é? É uma questão mesmo de lidar com a coisa toda [...]. (RAQUEL SILVA, Informação verbal, 2012) Entre o primeiro e o segundo edital do PCV, percebemos, como ficou constatado, alguns problemas, principalmente no que diz respeito aos domínios 176 da ferramenta de prestação de contas escolhida pela FGM. Apesar de ser um dos instrumentos mais democráticos, no momento, os editais também podem significar um problema para as instituições que estão iniciando essa relação mais formal com o Estado. O caráter excessivamente técnico dessa ferramenta é abordado: [...] Um deles é o risco de você ter um caráter excessivamente técnico nos editais e isso provocar uma seletividade indesejada. E isso gera desvio de foco, você pode ter editais, por exemplo, que, de tão cuidadosos que são com o mau uso dos recursos, que exigem projetos extremamente técnicos e extremamente detalhados. Quando isso acontece, o dirigente, o gestor público acaba indo contra o seu próprio objetivo; ele quer ter é cuidado em relação ao uso do recurso, mas se excede nas formalidades e, com isso, o segmento que ele gostaria de atender, que tem dificuldade de lidar com outra linguagem, acaba não sendo contemplado. Agora existem, e o setor público já descobriu isso, formas de compensação, [...] você pode ministrar cursos de elaboração de projetos; você pode simplificar os formulários, sem prejudicar os mecanismos, você pode substituir longos documentos por declarações simples, em que a pessoa assuma a responsabilidade. Quanto mais você simplifica, mais tem a possibilidade de atingir o setor e o objetivo que você identificou na meta do edital. (MESTRE LUIZ RENATO, Informação verbal, 2012) Provavelmente, os editais públicos tenham sido, realmente, uma possibilidade, até o momento, que mais se aproximou do que podemos chamar de “democrático”. Nossas aspas buscam indicar que, no caso da capoeira, precisamos usar tal nomenclatura com ressalvas, tendo em vista que boa parte dos integrantes dessa manifestação foi excluída do acesso a uma educação “formal”. Alguns podem entender que esse foi o início de um processo que serviu como experiência de aprendizado e também para empoderar as comunidades. Vimos que a história da política cultural no país se efetivou à margem das decisões públicas. É quase nula a participação popular nos momentos decisórios dessa ou daquela ação política que envolve cada comunidade. Algumas autoras destacam que a pobreza e as desigualdades sociais são fatores que contribuem para a dificuldade de se efetivar de fato a democracia, nos moldes previstos em nossa Constituição, assim como há outras problemáticas: “[...] vale ressaltar a dificuldade de aceitação, por parte de representantes das classes dominantes, da „intromissão‟ de populares nas decisões públicas, que 177 quase sempre foram controladas por organizações partidárias das elites brasileiras” (SOTO et al, 2012, p. 28). O edital, como um mecanismo de seleção pública, foi uma das estratégias para estabelecer uma maior aproximação das comunidades com o Estado, oportunizando a novos pleiteantes o acesso a oportunidades nunca antes apresentadas. Mas como garantir essa acessibilidade a indivíduos que não dominam a escrita? Fato nada incomum, em uma sociedade que não valoriza a educação e seus profissionais. As autoras Juciane Santos, Luiza Peixoto, Renata Machado e Simone Braz destacam no texto As Políticas Públicas para a Diversidade Cultural Brasileira, uma iniciativa inédita da Secretaria de Identidade e Diversidade (SID), no Prêmio Culturas Indígenas: [...] para se atender às realidades e costumes culturais dos grupos envolvidos, os editais foram substituídos. Neste caso, os interessados puderam se inscrever por intermédio de vídeo, carta, oralmente etc. Essa mudança representou um aumento no número de inscrições. Em 2006, os povos indígenas representavam 111 inscritos e, em 2007, esse número aumentou para 192. (SANTOS et al apud MINISTÉRIO DA CULTURA, 2010, p. 272). Pensamos que essa experiência poderia se reproduzir nos editais específicos para a capoeira. Notamos, em nossas entrevistas e na pesquisa de campo, diversos capoeiras que executaram a ação, mas sempre dependiam de alguém para escrever o projeto, prestar contas, dentre outras coisas, como confirmam os depoimentos apresentados. Sabemos que, dentre as dezenas de contemplados nos editais do PCV, existem analfabetos e semianalfabetos. Indivíduos que dominam com maestria sua cultura e aspectos profundos da manifestação, todavia não acessaram ou puderam concluir a educação básica. Nunca é tarde para lembrar que uma das características fundamentais de transmissão da capoeira é a oralidade, de fato, reconhecida inclusive nos documentos que antecederam seu reconhecimento. Por que não lhes dar a rédea da situação? Por que não promover realmente a sua autonomia, tornado-os independentes e capazes de expressar, a seu modo, de sua forma, da maneira que conseguem, suas ideias? Estes capoeiras ficam sempre a mercê de alunos, de amigos, conhecidos e 178 acadêmicos, que se prestam a colaborar prontamente com seus mestres e amigos, contudo tiram deles essa possibilidade, o que os deixa paralisados e engessados nesta situação. Em um país onde o índice de analfabetos funcionais e excluídos sociais, sem acesso a uma educação de qualidade, ainda atinge índices significativos, é no mínimo inadequado pensar em uma política cultural que exija domínio técnico de leitura, escrita e interpretação. Se assim o for, está garantido o favorecimento de uma parcela mínima da população. Para que esse problema seja contornado, é preciso pensar em outras estratégias que excluam a exigência desse domínio ou que sejam formuladas, em conjunto, ações que visem essa instrumentalização, possibilitando, de fato, a paridade de condições. Podemos notar o quão demasiado foram os diversos e-mails, recheados com longas orientações, que eram enviadas para os contemplados. Estabelecendo cobranças e informações técnicas, em excesso, o que provavelmente dificultou, para os menos experientes, acompanhar e encaminhar as demandas, concluindo a contento suas responsabilidades. A comprovação da realização das atividades pelos projetos contemplados [...] ocorrerá mediante apresentação de relatórios descritivos, apresentando, de forma detalhada, as atividades executadas até a data de cada relatório, que devem estar em conformidade com o Plano de Trabalho apresentado e aprovado. Relatório Parcial I – postagem até o dia 10 de novembro de 2008; [...] Relatório Parcial II – postagem até o dia 1 de fevereiro de 2009; Caso o projeto tenha até quatro meses de execução, não será necessária a apresentação do Relatório Parcial II. Relatório Final – Deverá ser apresentado dez dias após o término da execução do projeto. Neste devem conter todas as atividades realizadas ao longo do projeto, de acordo com os Relatórios Parciais I e II. Todos os relatórios devem ser enviados à Comissão Gestora do Capoeira Viva, via SEDEX [...] com assinaturas reconhecidas em cartório [...]. (EQUIPE CAPOEIRA VIVA, Comunicação via e-mail, 2011) As orientações ainda informavam que a documentação deveria ser enviada, por correspondência, para o endereço da FGM, sendo uma cópia encaminhada virtualmente para um endereço eletrônico.132 Os contemplados 132 Disponível em: <[email protected]>. 179 deveriam ficar atentos e observar o prazo indicado. Além disso, determinados contemplados deveriam disponibilizar um artigo.133 Ainda nessa comunicação, percebemos orientações quanto ao uso das logomarcas das instituições promotoras, bem como a utilização da logomarca da instituição que coordenou o segundo edital e da Prefeitura Municipal de Salvador. Estas marcas deveriam ser expostas em materiais produzidos pelos contemplados. Nosso depoente encontrou dificuldade em seguir estas últimas orientações: “[...] o problema maior foi junto à prefeitura, a Fundação Gregório de Matos [...] queria que eu botasse numa escola da Prefeitura do Rio de Janeiro a logomarca da Prefeitura de Salvador” (MESTRE CURUMIN, Informação verbal, 2012). Contraditoriamente, notamos que entre os dois primeiros editais do PCV, houve interrupções e continuidades. As ações não se resumem apenas a contemplar com prêmios ou benefícios projetos voltados para a área da capoeira. Ficam nítidas, ao longo da nossa abordagem, várias iniciativas colocadas em prática pelos coordenadores, na tentativa de qualificar o trato com essa cultura. A autonomia das gestões permitiria extrapolar as iniciativas, algumas delas pioneiras, da primeira equipe que coordenou o PCV, como foi o caso da Academia e do Conselho de Mestres e dos vídeos produzidos na primeira experiência. Em contrapartida, houve a continuidade dos Seminários, dentre as outras novidades que já citamos e que não estavam atreladas aos projetos, em específico o lançamento da Coleção de Cd‟s, que realmente foi um diferencial. Outras ações estavam previstas, mas, como vimos, ainda não foram realizadas. Rubim (2010) aborda a tradição de instabilidade da política brasileira, principalmente no campo da cultura. Assim como cada governo tenta imprimir uma marca a sua gestão, interrompendo muitas vezes ações anteriores exitosas, as coordenações da segunda edição do PCV também tentaram imprimir sua marca ao Projeto, colhendo alguns sucessos e insucessos. Esta instabilidade, gerada principalmente pelas sucessivas trocas de gestores da FGM, comprometeu o bom desenvolvimento da iniciativa. De um modo geral, a tentativa de suprimir esta triste tradição na área da cultura, em nosso país, ainda vem sendo construída, através de instrumentos que 133 Somente na categoria Projetos inéditos de estudos, pesquisas, inventários e documentação. 180 alicercem outras ações, capazes de impactar diretamente a população mais necessitada. O Sistema Nacional de Cultura (SNC), o Plano Nacional de cultura (PNC) e o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 150 são apontados por Rubim (2010) como instrumentos importantes para isso. Essa instabilidade, que afeta incondicionalmente o PCV, já aponta para uma problemática presente na área da política cultural em nosso país. Para Rubim (2011), tendo em vista superar a tradição que envolve a falta de continuidade, algumas ações vêm sendo construídas e desenvolvidas nas gestões do PT. Na tentativa de contribuir com os debates atuais, este autor apresentou algumas reflexões, mesmo entendendo o risco de analisar um fenômeno que ainda está em andamento.134 É importante, porém, observar que a FGM se esforçou para realizar o acompanhamento dos projetos. Funcionárias da equipe do PCV viajaram por todo o Brasil, visitando, registrando imagens, colhendo documentos, orientando os contemplados e documentando as ações desenvolvidas. Para cumprimento da etapa acompanhamento contido na fase de exigências do projeto Capoeira Viva, foram realizadas viagens de verificação da execução e suporte dos projetos premiados. As viagens iniciaram-se no dia 25 de novembro de 2008 tendo como destino os estados de Brasília, Goiás, Espírito Santo, Minas Gerais, Maranhão, Pará, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Natal, Pernambuco e Alagoas. (RELATÓRIO DE ACOMPANHAMENTO DOS PROJETOS 135 EXECUTADOS EM OUTROS ESTADOS, 2008, p. 1) Ainda há pendências, ou seja, alguns contemplados não conseguiram cumprir o fechamento do projeto conforme o planejado incialmente, por diversos motivos, inclusive, pelo corte de verbas aplicados no momento de sua avaliação. 134 Este estudioso estabeleceu um recorte em torno da capoeira, assim como estamos fazendo. Nosso envolvimento visceral com a capoeira aumenta em certa medida, mais ainda, o perigo de exposição de uma análise equivocada da realidade concreta, pois, além de corrermos o risco de um envolvimento pela aparência, o processo ainda está em construção, neste momento, impossibilitando ponderar sobre as suas possíveis reverberações. Contudo, não nos furtaremos ao desafio de contribuir, mesmo tendo consciência desses riscos. 135 Foram visitados: um projeto em Brasília; quatro projetos em Goiás; um no Espírito Santo; dois em Minas Gerais; três no Maranhão; três no Pará; três no Rio de Janeiro; três em São Paulo; três em Maceió; três em Pernambuco; um em Maceió; dois em Santa Catarina. Apesar da citação acima, encontrada no relatório, não destacar dois projetos da Bahia, realizados na cidade de Feira de Santana, estes também foram visitados. 181 A previsão é que eu faça um trabalho de qualidade! No final do ano, acho que sai! Ainda tem algumas filmagens ainda para fazer. [...] E aí a edição é cara. E eu tenho que pagar a edição, ela é cara! Lógico que até o final do ano ela sai. Então, eu acho que alguns trabalhos saíram esse ano, acho que foram CD‟s que saíram esse ano, acho que foi, então, acho que o meu sairá este ano também! [...] eu acredito que feche, não é? Tem muito material e muita coisa e a gente já começou a fazer a seleção das imagem todas, boas imagens. Então, as máquinas que foram alugadas, boas, também caras, mas boas, então, as imagens são muito boas e tem outras imagens que são imagens mais experimentais, que foram feitas em alguns outros locais, mas não vai prejudicar o documentário, no caso [...]. (LIBERAC, Informação verbal, 2012) Há alguns projetos, inclusive, que iriam beneficiar, não somente o universo da capoeira, mas também a comunidade em geral – pesquisadores, estudantes, curiosos, acadêmicos e simpatizantes –, como é o caso dos acervos. Eu tô envolvida no segundo, [...] e é o seguinte: eles não pagaram a segunda parte, porque faltou uma certidão. Quando chegou a certidão, não tinha mais dinheiro. Não sei o que houve! E era uma certidão que ninguém sabia onde tirava. Uma complicação! O projeto pelo meio [...], não tinha o resto do dinheiro [...], os computadores tão [...] obsoletos [...]. 136 E um eu não sei o que fazer, tô com o material [...] as meninas vieram ver o processo do trabalho que eu montei aqui [...] vieram, conversaram, viram o trabalho, adoraram, mas o resto da grana não veio [...]. (RAQUEL, Informação verbal, 2012) Neste caso em especial, a coordenadora da ação afirma ter prestado conta da primeira parcela, ou seja, houve prestação parcial, “tudo direito”, conforme orientação do PCV. Desta forma, considera que não estaria inadimplente. Entretanto, as ações previstas no projeto não foram concluídas em sua plenitude. É uma certidão que é documentação. Aí a certidão venceu, porque não saiu o dinheiro. Aí, quando saiu dinheiro, não tinha certidão! Aí demorou, demorou [...], aí eles não quiseram depositar. Não tinha certidão, aí parece que voltou o dinheiro ou ia voltar. Isso já faz três anos que não tem dinheiro e eu não sei, a gente tá inadimplente. Eu fiz uma prestação de contas parcial, aliás, não tô inadimplente, com a parte que eles deram, já prestei conta! (RAQUEL, Informação verbal, 2012) Em nossa avaliação, esse foi outro ponto que ficou a desejar nas ações do PCV – a divulgação das produções e sua distribuição/democratização. Tanto na primeira como na segunda experiência. Não que fosse uma ação que estivesse planejada e não tenha sido executada, não se tratava disso. Mas, com tantas 136 Referência às técnicas da FGM, que realizaram o acompanhamento de alguns projetos. 182 produções interessantes e inéditas, algo deveria ter sido feito para que isso chegasse, por exemplo, às escolas públicas. Este é o ponto crucial, que daria acessibilidade, perpetuando e democratizando as produções de dezenas de contemplados ligados a essa cultura, que produziram diversos materiais, com inúmeras temáticas relacionadas à capoeira. Essa é uma lacuna que nem a primeira e muito menos a segunda experiência do PCV conseguiu minimizar. Seria nesta fase que o MinC, junto ao MEC e possíveis outros parceiros poderiam potencializar as produções e distribuí-las, como kits, para as bibliotecas, centros culturais, creches e escolas públicas, incentivando a discussão sobre a capoeira, cultura, política, memória e patrimônio, nessas unidades, bem como sobre as temáticas específicas de cada material produzido na iniciativa. As divulgações e mobilizações que aconteceram, a partir do que se produziu no PCV, emergiram de iniciativas dos próprios autores dos materiais e se consolidaram em ações tímidas, localizadas, que não obtiveram grande visibilidade nem maior impacto. Eles próprios não conseguiram se beneficiar ainda deste material. O que dizer então da sociedade em geral? Capoeiras e não capoeiras, jovens, adultos e crianças, completamente alheios ao que foi feito em uma das maiores ações das políticas culturais voltadas para a capoeira. É inevitável não estabelecer comparações entre o primeiro edital e o segundo, principalmente para aqueles que participaram de ambas a edições. Contudo, entendemos que estes momentos devem extrapolar a simples constatação. Os depoimentos recolhidos formulam-se a partir de várias indignações, reprovações, concomitantes a apontamentos para a superação das dificuldades e a busca de melhorias. Não. Foi dramática, a diferença foi absurda, em todos os sentidos, a gente não conseguia falar, cê ligava ninguém atendia, quem atendia não explicava, não sabia o que tava acontecendo direito. Foi assim. O Rio de Janeiro, na gestão do Museu da República, foi excepcional. Os caras vieram aqui deram atenção, não é? Fizeram com que a gente se sentisse bem. (RODRIGO BRUNO, Informação verbal, 2012) Outro depoente destaca que não participaria mais de um terceiro edital, se houvesse essa possibilidade, mas destaca que essas ações foram, sem dúvida, 183 muito válidas, em geral, para as comunidades da capoeira. Para ele, o mais importante, dentre todas as iniciativas do PCV, foram as ações socioeducativas. [...] então, atualmente, eu acho que esse programa é válido, acho que ajudou muito a capoeira, deu evidência à capoeira. Eu, particularmente, não mandaria mais. Mas eu acho que outras pessoas devem mandar. Eu acho que é cabível que tenha. Eu acho que ajudou muito aí, principalmente os praticantes da capoeira. Ajudou, pelos trabalhos comunitários da capoeira, eu acho que o principal disso tudo são os trabalhos comunitários. (LIBERAC, Informação verbal, 2012) Todavia, apesar dos entrevistados apontarem críticas, estas não se configuraram, em momento algum, pelo menos na nossa percepção, em atitudes que possam significar a desqualificação de alguém ou de algum órgão específico. Pelo contrário, as críticas sempre caminharam no sentido de tentar apontar erros e equívocos, que realmente aconteceram, mas na perspectiva de melhoria das futuras ações. Eu penso também que a Fundação deve ter feito uma avaliação das mancadas que deram [...]. Ninguém tá aqui pra crucificar ninguém também. Né, meu? [...]. Vamo acertar! Então, se tiver um próximo edital eu vou concorrer. [...] Então, se tiver um outro edital, com certeza, eu quero participar. Agora, eu gostaria que tivesse mais presença [...] Que eles cumprissem o que eles nos cobram, entendeu? [...]. (MESTRE PINÓQUIO, Informação verbal, 2012) Questionamos os depoentes que, além de apontar críticas, pudessem também sugerir ações que pudessem significar melhorias, a fim de qualificar possíveis edições dessas políticas culturais voltadas para a capoeira. [...] eu tenho essa sugestão de ter um meio de comunicação que seja mais facilitado, informações e de que nós possamos [...] conhecer, ajudar e ser ajudados naquilo que a gente tá propondo. Que haja esse continuísmo e que se no futuro [...] aqueles projetos estão [...] dando continuidade, que seja inclusive mais facilitada a verba pra eles. Que seria quase automático a renovação dessa verba e que, se possível, por mais longos anos não é? (MESTRE SUÍNO, Informação verbal, 2012) Outras ações em concomitância vão se materializando e se efetivando, como é o caso do processo de reconhecimento da capoeira como patrimônio cultural do Brasil. A seguir, iniciaremos nossas discussões a esse respeito, na tentativa de compreender como se constituiu todo esse processo. 184 4 PROGRAMA BRASILEIRO E INTERNACIONAL DE CAPOEIRA: PATRIMONIALIZAÇÃO E AÇÕES DE INCENTIVO O Brasil tem uma luta Pouca gente dá valor Vamos todos praticar 1 Capoeira com amor. Nos utilizamos da premissa linear para tratar da inserção da capoeira na sociedade; sua relação com o Estado e seus desdobramentos, sob a ótica da história. Foi uma opção que entendemos ser didática. Contudo, ao iniciarmos esse penúltimo capítulo, do nosso estudo, usaremos da prerrogativa não linear, para fortalecer a discussão inerente ao patrimônio e aos aspectos que o rodeiam.2 De acordo com Oliveira (2008), a nova fase da política de patrimônio tem, na Constituição de 1988, sua certidão de nascimento.3 O artigo 215 nos aponta isso: O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. § 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras [...]. (BRASIL, 1988, p. 102). No artigo seguinte, destacamos a palavra imaterial como uma nova possibilidade de encarnar as políticas de patrimonialização. “Constitui Patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira [...]”. (BRASIL, 1988, p. 102). 1 Capoeira Olêlê. Música de Capoeira D.P. Como vimos, o período dos anos de 1930 demarcou efetivamente a primeira fase da política cultural em nosso país, estando relacionado à preservação do patrimônio cultural, na lógica intervencionista do Estado e na perspectiva de sua institucionalização. Quando nos debruçamos para estudar e analisar essa fase, fica nítida a opção preservacionista, que alicerçou a noção de preservação do patrimônio em nosso território. Já nos anos de 1970, constatamos paradoxalmente um Estado repressivo, censurador, que tenta hegemonizar a cultura. Estratégias de restauração, mapeamento e documentação, seguidas por linhas de ação de tombamento e preservação, atreladas ao que se denominou de turismo cultural. Após essas fases iniciais, com o final da ditadura, o advento da Nova República e a esperança de uma nova constituição política, econômica e social, surge também a probabilidade de um novo trato da cultura. 3 Provavelmente, as ideias de Mário de Andrade e os esforços dos modernistas tenham ecoado mais eficazmente nesse momento histórico. 2 185 O texto ainda destaca a inclusão das formas de expressão e dos modos de criar, fazer e viver, entendidas aqui como imaterialidade. Em 1982, é realizado na cidade do México a Conferência Mundial sobre Políticas Culturais – MONDIACULT, cujo foco de discussão foi a relação entre cultura e desenvolvimento. Tem-se, pela primeira vez, o princípio de uma política cultural fundamentada no respeito à diversidade cultural.4 Outros objetivos do MONDIACULT buscavam “[...] estabelecer uma conceituação antropológica de cultura, mas também o de conceituar política cultural [...]” (JÚNIOR; VOLPINI, 2007, p. 6605). Em meados da década de 1980, a Conferência Mundial sobre as Políticas Culturais confirmou mudanças no entendimento de patrimônio cultural. No texto do evento, há uma reflexão com a qual concordamos: “A educação é o meio por excelência para transmitir os valores culturais nacionais e universais, e deve procurar a assimilação dos conhecimentos científicos e técnicos sem detrimento das capacidades e valores dos povos”. (DECLARAÇÃO DO MÉXICO, 1985, p. 5). É impossível pensar uma iniciativa relacionada à área cultural, na forma de uma política séria e compromissada, sem repensar a base para isso. Para nós, somente a educação, com estruturas que se democratizam, pode inserir e consolidar qualquer política cultural, em primeira e última instância. Qualquer ministro que assuma o MinC, sem dialogar e compartilhar suas demandas com o MEC, com vistas a impactar socialmente suas ações, está fadado ao insucesso. Para as instituições da área educacional, esse desafio é menos difícil. As iniciativas do MEC, por exemplo, conseguem estabelecer algumas mudanças na vida cultural da sociedade, sem necessariamente contar com o apoio do MinC. Isso se dá porque a educação precede a cultura, neste sentido, ou somente neste sentido. Ou melhor, somente uma educação institucionalizada será responsável por disseminar a cultura que deverá ser cultuada.5 A educação acontece fora e dentro das instituições. Esta, que podemos aqui chamar de formal (aceita socialmente), ocorre no âmbito escolar. Diferente da 4 O entendimento de patrimônio que pairava no imaginário social da população era um reflexo das políticas públicas desenvolvidas até aquele momento, e que acabavam por reproduzir ações em torno da uma noção tradicional de patrimônio. 5 Em sociedades regidas pelo modo de produção capitalista, é a cultura do dominador que será hegemônica, sendo ensinada e reproduzida socialmente, orquestrada pela escola. 186 cultura que não necessariamente segue tais padrões e não acontece essencialmente de forma dependente de instituições. A educação também acontece à margem da institucionalização, se a entendermos de forma mais ampla. Mas é a educação escolar que é responsável e socialmente aceita por divulgar e ensinar a ciência e a cultura na sociedade, preparando o ser humano para o trabalho e a vida social. Em tese, a educação é a estrutura que constituirá um novo modus operandi, uma nova forma de se comportar e viver em sociedade. Vide a última reestruturação da educação, regida pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB), fruto das modificações impetradas pela globalização, ao mundo do trabalho, impondo novas adequações à educação brasileira. Qualquer ação na área educacional impactará a vida cultural, pois, uma vez educados em determinada perspectiva, haverá mudanças sociais que se incorporarão ao cotidiano de todos nós, criando, adequando e/ou reinventando nossas tradições. Quatro anos depois da Declaração do México, a UNESCO democratizou uma série de recomendações sobre a salvaguarda da cultura tradicional e popular, fruto das discussões realizadas na 25ª Conferência Geral da UNESCO, em Paris, na França, destacando inicialmente o conceito de cultura tradicional e popular. Em um mundo globalizado, onde a informação e as ações influenciam o caminho da humanidade, a UNESCO percebe a necessidade de fazer chegar, ao maior número de nações, os elementos que alicerçam a quebra de paradigmas, no que diz respeito ao que é patrimônio e ao que se deve preservar. Tais recomendações se configuram em uma série de proposições da UNESCO, para seus Estados-membros.6 Por fim, a conferência geral recomendou que os Estados-membros submetam as informações necessárias à UNESCO, a respeito das medidas e ações que conseguirem desenvolver, após as recomendações. 6 São três recomendações. Solicita-se aos Estados-membros que apliquem as disposições pertinentes à salvaguarda da cultura tradicional e popular, tomando medidas legislativas imperativas, de acordo com suas práticas constitucionais, e que sejam adotados os princípios e medidas abalizadas nessas recomendações; solicita-se, ainda, que tais recomendações sejam comunicadas às autoridades, serviços, órgãos, enfim, que sejam democratizadas, para que as instituições, uma vez a par de seu conteúdo, tomem as medidas cabíveis para salvaguardar a cultura tradicional e popular e, além disso, solicita-se, enfim, fomentar o contato com organizações internacionais que possuam a mesma responsabilidade. 187 Antes de entrarmos na discussão do patrimônio imaterial e após essas questões iniciais partiremos para três ponderações sobre a preservação: a) o que preservar? b) por que preservar e c) como preservar? Na nova fase da política de patrimônio de nosso país, que tem início no final da década de 1980, com a promulgação da Constituição brasileira, percebemos um avanço na noção de patrimônio, no sentido de sua amplitude, englobando outras matérias até então desconsideradas enquanto tal.7 Em 14 de novembro de 1997, o IPHAN realizou um evento comemorativo dos seus 60 anos, e após quatro dias de discussão sobre estratégias e formas de proteção ao patrimônio imaterial, a plenária final do evento aprova a Carta de Fortaleza.8 Sobre o patrimônio material, encontramos a informação a seguir. O patrimônio material protegido pelo Iphan, com base em legislações específicas é composto por um conjunto de bens culturais classificados segundo sua natureza nos quatro Livros do Tombo: arqueológico, paisagístico e etnográfico; histórico; belas artes; e das artes aplicadas. (PATRIMÔNIO MATERIAL, 2011) Quando olhamos o quadro de culturas reconhecidas recentemente como patrimônio imaterial, observamos suas características. São manifestações consideradas pela sociedade como culturas populares, construídas a partir da oralidade e que historicamente ficaram à margem das políticas públicas e do reconhecimento do Estado. Considerar algo como patrimônio está diretamente ligado à relação que estabelecemos com o próprio patrimônio. O que o MinC ou o IPHAN consideram patrimônio, não necessariamente terá o nosso aval e reconhecimento. Há religiões e religiosos que reconsiderariam a ideia de incluir a capoeira no rol de manifestações ditas como patrimônio. Neste caso, não há identificação e nem mesmo sentimentos de pertencimento. 7 A preservação de um bem está relacionada ao cuidado de sua biodiversidade, dessa forma, esta deve-se preocupar com o meio ambiente e as comunidades. As condições de sobrevivência de um determinado grupo estão diretamente ligadas à manutenção da sua cultura. Preservar também é resguardar a vida humana, sua subjetividade e os fatores que fazem uma comunidade ser como ela é. Apesar de termos registros históricos que datam de meados do século XVII, no que diz respeito à preservação, o ato de se preocupar em conservar as coisas somente será legalizado em nosso país, em 1923, através de um projeto de lei do deputado Luiz Cedro, e, posteriormente, do parlamentar baiano Wanderley Pinho. 8 Texto proposto por cinco considerações, doze proposições e recomendações e seis moções, sendo duas de defesa, três de apoio e uma de congratulações. 188 Já no final da década de 1990, em acolhimento às recomendações da referida Carta de Fortaleza, mais especificamente em 1998: “[...] foram criados uma Comissão composta por membros do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural e o Grupo de Trabalho Patrimônio Imaterial (GTPI)” (POLÍTICA – BENS CULTURAIS REGISTRADOS, 2011). Ao definir o patrimônio imaterial como objeto de instrumento normativo multilateral no campo da cultura, em 2003, a UNESCO fazia repercutir o reconhecimento do papel deste tema em um cenário global marcado por profundas transformações, associadas ao agravamento da desigualdade econômica e da intolerância étnico-religiosa. (CAVALCANTI; FONSECA, 2008, p. 7) Entretanto, a legitimidade e a legalidade, rodeadas pela necessidade do reconhecimento e salvaguarda de seus bens imateriais pela nação, não seriam logo de início adotadas pelos governantes, e somente 12 anos após a sua promulgação na constituição é que podemos perceber um início de mobilização para a sistematização dessas ações. Existe um alinhamento entre as ações políticas do Brasil a respeito desta temática e a UNESCO. De tal forma, que o nosso país, em muitos momentos, pelo menos legalmente falando, se torna parâmetro e modelo para outros, que a UNESCO tenta convencer da necessidade e importância dessas políticas, para a preservação da diversidade cultural. Entende-se por „patrimônio cultural imaterial‟ as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade e contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana. (UNESCO, 2003) Seis anos após o Decreto 3551/2000, a resolução n° 1, de 3 de agosto de 2006 (IPHAN/MinC), define bem cultural de natureza imaterial como sendo: [...] as criações culturais de caráter dinâmico e processual, fundadas na tradição e manifestadas por indivíduos ou grupos de indivíduos como expressão de sua identidade cultural e social; [...] toma-se tradição no seu sentido etimológico de “dizer através do tempo”, significando práticas produtivas, rituais e simbólicas que são constantemente reiteradas, 189 transformadas e atualizadas, mantendo, para o grupo, um vínculo do presente com o seu passado. (O REGISTRO DO PATRIMÔNIO IMATERIAL, 2006, p. 35) Adiante, veremos que a relação da capoeira com o esporte culminará com uma sanção do presidente Lula, instituindo a capoeira como um desporto9 de criação nacional.10 Essa contradição, que se expressa através de uma manifestação cultural, nesse caso a capoeira, considerada uma cultura oriunda, em sua base, de duas culturas – africana e brasileira, mas que, ao mesmo tempo, na contemporaneidade, é considerada brasileira, pode ser entendida a partir do seguinte pensamento: É lugar comum a afirmação de que o homem não pode ser concebido senão como vivendo em sociedade, todavia não se extraem de tal afirmação todas as consequências necessárias, inclusive individuais: a saber, que em determinada sociedade humana pressupões uma determinada sociedade das coisas. (GRAMSCI, 1966, p. 41) Os discursos a esse respeito acabam se consolidando segundo as conveniências. Fica explícita, nos documentos que alicerçam o reconhecimento da capoeira como patrimônio imaterial do Brasil, sua afro-brasilidade, contudo, a mesma é reconhecida, pelo governo brasileiro, como um esporte de criação nacional, como se a ela fosse oriunda especificamente da cultura brasileira.11 O patrimônio cultural de uma nação, de um povo, constitui-se como uma estrutura fundamental de sua identidade.12 O patrimônio é o acúmulo das experiências vivenciadas e que foram constituídas ao longo dos tempos. É ele que enuncia a autenticidade do presente.13 A iniciativa de incluir a capoeira como cultura da sociedade brasileira, parte de militares, escritores e jornalistas do Rio de Janeiro. Eles são, no momento, os primeiros a defender a inclusão da capoeira, enquanto produto “brasileiro”, oriundo 9 Desporto é um termo português para designar o que na nossa língua chamamos de esporte. Todavia, a capoeira não foi criada por brasileiros. A maioria dos pesquisadores aponta para uma criação de evidência afro-brasileira, e não somente brasileira. Até porque a essência, ou melhor, como diz Sodré (apud NETO, 2001, p. 20), o princípio, tanto o fundamento quanto o mito é africano. 11 Enfim, nessa lógica, acaba sendo e se constituindo conforme o contexto. A capoeira é e não é, ao mesmo tempo, ao passo que continua sendo. 12 Porém, não devemos compreendê-lo sob a ótica de algo anacrônico, imutável e/ou acabado. 13 Como legitimador, o patrimônio se vale da memória para constantemente organizar e reorganizar o passado. Para se constituir com sentido e significado, a memória traduz-se no mecanismo que ajustará o material, formando-se através da natureza imaterial e construindo, pela educação, uma identidade coletiva. Enfim, o patrimônio constitui-se como tal, através da sua dimensão imaterial. 10 190 de nossa cultura, a partir de várias propostas (como ginástica, como luta e como esporte).14 Com as demonstrações públicas, as apresentações folclóricas e as lutas (que Mestre Bimba e seus alunos realizaram); assim também com a nova formatação dada por Mestre Pastinha e seus contemporâneos (antiga capoeira Tradicional posteriormente denominada de Capoeira Angola), a capoeira vai ganhando espaços institucionais, desenvolvendo-se e inserindo-se primeiro em academias15 e depois em escolas. Vai, assim, estabelecendo-se a partir de várias lógicas (culturais, folclóricas, artísticas), mas principalmente pela via esportiva.16 Como política de formação humana, pautada na complementação de um ensino formal, a capoeira provavelmente inicia sua inserção na escola em 1959.17 Neste local é a disciplina Educação Física que mais se aproximará dessa manifestação. Como vimos, essa área já se aproximava há tempos dessa cultura. A forma como a sociedade moderna encontrou, para assegurar sua história, intrinsecamente locada nos seus patrimônios, foi a preservação. Preservar é o ato de cuidar do patrimônio. Mais uma vez, se consultarmos diversos dicionários, encontraremos palavras semelhantes que dizem respeito ao ato de preservar: conservar, defender e resguardar. Essas palavras remetem à seguinte reflexão: quem conserva, defende e resguarda, o faz de alguém ou algo.18 No Decreto-lei 25/37, encontramos a forma escolhida naquele momento: o tombamento. Sua inscrição deveria ser feita, em um livro, que se organizava a partir de quatro possibilidades, denominado Livro do Tombo, assim organizado, no artigo quarto: 14 Podemos citar, dentre eles: Coelho Neto, Gomes Carmo, Mario Aleixo, Garcez Palha, Annibal Burlamaqui, dentre outros. Fonte: Moura, Jair. A capoeiragem no Rio de Janeiro através dos séculos. 2. ed.. Salvador: JM Gráfica e Editora Ltda., 2009. 15 Aqui, o uso do termo academia não está vinculado ao que representa seu uso na atualidade. Os espaços onde se praticava capoeira, denominados de academias ou escolas de capoeira, se diferenciavam, em muito, do modelo de academia de ginástica. 16 Apesar de seu forte apelo esportivo/ginástico, os praticantes de capoeira não abandonaram por completo seu principal viés: o cultural. Seus fundamentos sempre tiveram alicerce na tradição, na história, nas raízes e no fundamento cultural afro-brasileiro. Empiricamente falando, sua inserção nas escolas e nos estudos da área pedagógica, de uma forma ou de outra, privilegiam esse aspecto, fato que fortalece, mais ainda, sua prática como riqueza cultural do povo brasileiro. 17 De acordo com o Mestre Senna, citado em CAMPOS, Hélio Carneiro Ribeiro. Capoeira na Universidade: uma trajetória de resistência. EDUFBA: Salvador. 2004. 18 Suscitam, assim, a ideia de que a preservação se faz necessária contra perigos ou danos que, de alguma forma, a humanidade ou as forças da natureza podem imputar a algo. 191 1) no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, as coisas pertencentes às categorias de arte arqueológica, etnográfica, ameríndia e popular, e bem assim as mencionadas no § 2º do citado art. 1º. 2) no Livro do Tombo Histórico, as coisas de interesse histórico e as obras de arte históricas; 3) no Livro do Tombo das Belas Artes, as coisas de arte erudita, nacional ou estrangeira; 4) no Livro do Tombo das Artes Aplicadas, as obras que se incluírem na categoria das artes aplicadas, nacionais ou estrangeiras. (BRASIL, 1937, p 2) Várias outras ações e a criação de órgãos fortaleceram uma política de patrimônio denominada de “pedra e cal”,19 norteando um pensamento sobre a relevância de determinada cultura em detrimento de outra. Essa concepção, porém, não perduraria, e a compreensão de que há de se preservar também o intangível iria ser legalizada tempos depois.20 Quando a capoeira ainda era tratada como contravenção e o seu cultor era visto como um marginal, não existia um órgão específico que se preocupasse com a cultura do país. Após a vinculação institucional da cultura à política, a preocupação em gerir ações com esse cunho se materializavam em obras pontuais, como já pudemos notar e, posteriormente, por meio de políticas públicas.21 Na década de 1970, conforme Santos (2005), vários seminários, ainda com o objetivo de institucionalizar a capoeira na lógica de arte marcial, se configurarão como estratégia de regulamentação da nossa cultura, a partir, é claro, da lógica do Estado e sob os auspícios do capital.22 Vale aqui chamar a atenção de que a relação da educação com a capoeira se inicia no que Maria da Glória Gohn (1999) chamará de “educação informal”. O processo educacional evidencia-se no primeiro momento que um determinado indivíduo, na ação de dedicar o seu tempo, ensina um movimento de capoeira a 19 Como ficou conhecida a política de patrimônio; esse termo diz respeito ao Patrimônio Histórico Arquitetônico: igrejas, sobrados, casas, dentre outros, que irão ser considerados bens culturais que deverão ser preservados e conservados. 20 Para o museólogo Hugues de Varine-Boham, citado por Carlos Alberto Cerqueira Lemos (2006), o Patrimônio Cultural divide-se em três categorias: a primeira, relacionada aos bens pertencentes à natureza, ao meio ambiente (rios, árvores, cachoeiras, peixes); a segunda está arrolada a partir dos conhecimentos, técnicas, ao saber e ao fazer, ou seja, dos elementos não tangíveis (a forma de se fazer panelas, a pintura corporal, a forma de esculpir, o jeito de curtir uma pele de animal) e, por fim, a terceira, que é denominada de bens culturais (artefatos, coisas, objetos). A partir da visão do museólogo, a capoeira, manifestação da cultura afro-brasileira, estaria alocada na segunda categoria. Políticas que garantam seu desenvolvimento, sua memória e a transmissão dos seus saberes, devem ser pensadas e desenvolvidas pelos órgãos competentes, pautados em políticas culturais para a sua efetiva realização e manutenção. 21 É a partir da reorganização do MinC que as políticas culturais vão estabelecer um contorno mais concreto, no Brasil, fortalecendo o reconhecimento de várias práticas culturais como patrimônio. 22 Pensamentos nossos. 192 outro. Essa talvez seja a ação mais importante da capoeira. Os capoeiras, há anos, vêm, através do ensino dos golpes, toques e músicas de capoeira, educando a sociedade brasileira, em especial as classes trabalhadoras menos abastadas. Oralidade, circularidade, tradição, memória, ritualidade, historicidade, corporeidade, identidade e singularidade são aspectos que se traduzem como essenciais e pertencentes historicamente ao universo de ensino-aprendizagem dessa manifestação cultural. Estes aspectos já eram apontados, por Abib (2000; 2004) e Castro Júnior (2000; 2002) e Sobrinho (2000; 2002), como fundamentais à manutenção dos princípios pedagógicos da capoeira, pois não são acessados nos bancos universitários, muito menos em estratégias metodológicas educacionais formais, desenvolvidas nas escolas formais. Conrado (2006) também já destacava, em sua tese Capoeira Angola e Dança Afro: contribuições para uma política de educação multicultural na Bahia, as ações pedagógicas dessa manifestação como um meio de educação e formação. A pesquisadora aponta as tradições que acompanharam o desenvolvimento da nossa educação, segundo um paradigma eurocêntrico e monocultural, e aponta a capoeira como possibilidade de resistência e de construção de outra lógica. Seu ensino acontece na rua, nos centros sociais, nas sedes comunitárias, todo dia, dentre outros espaços, e muitas vezes percebemos ali um trabalho social, evidenciando pouco ou quase nenhuma relação com o modo de trabalho capitalista. Enfim, com a nossa experiência, percebemos que não se aprende capoeira, se vive capoeira. Nesse caso, os objetivos são outros. As palavras de ordem são educação, formação e cidadania. A cultura, nestes casos, é utilizada como meio de formação. 4.1 A capoeira na pauta das políticas culturais: o patrimônio Igreja do Bonfim E Mercado Modelo Ladeira do Pelourinho A baixa do Sapateiros Por falar em Rio Vermelho Eu me lembrei do Terreiro Igreja do São Francisco E a Praça da Sé 193 Onde ficam as baianas Vendendo acarajé Por falar em Itapuã 23 e Lagoa de Abaeté [...]. O que a Monarquia tem em comum com o modo de produção escravocrata, em nosso país? Ambos tiveram seu fim quase que na mesma época. Enquanto a escravidão foi extinta em 1888, a Monarquia somente teve mais um ano, seis meses e dois dias de sobrevida. Com a República, a noção de nacionalismo, ou seja, de uma identidade nacional, ganha contornos mais claros do que no período da Independência. Para Ademar Bogo (2008), no livro Identidade e luta de classes, a identidade “[...] manifesta-se pela unicidade entre a natureza e cultura em oposição à outra identidade. A existência física é reconhecida por certas características próprias de cada ser, forjadas pelo movimento da matéria e, no caso dos seres humanos, pela capacidade de ação e imaginação” (BOGO, 2008, p. 36). Assim sendo, a identidade vai além do conceito de Parmênides, primeiro filósofo a pensar sobre a identidade, na metade do século V a.C., como afirma o próprio autor. A forma de raciocinar sobre a identidade, conforme a concebe Bogo (2008), vai além do presente e estático, assim também como do pensamento metafísico de Aristóteles sobre o tema, ou do pensamento idealista de Hegel. Optamos por entender a identidade como algo que está vivo e constante, compreendendo que as coisas SÃO e, pelo seu movimento ininterrupto de mudança, simultaneamente NÃO SÃO mais, como da primeira vez. A identidade, ao passo que o ser humano se transforma e com isso transforma-se a si mesmo, também o faz constituindo nova identidade. Por fim, estará diretamente ligada à cultura que, por sua vez, terá relação direta com o conceito de patrimônio, exercitado e transmitido em determinado momento social. A gestão de Gilberto Gil/Juca Ferreira consegue quebrar um paradigma, institucionalizado desde os primórdios da criação do IPHAN, que está diretamente ligado ao entendimento do que deve se preservar, ou seja, do que nos dá uma identidade. 23 Música de Mestre Suassuna e Dirceu – Igreja do Bonfim. 194 A música deste subcapítulo, que tem um dos autores em nossa árvore genealógica da capoeira,24 trata de falar sobre alguns desses bens materiais, localizados especificamente em Salvador e considerados patrimônios históricos.25 Nesse instante, analisaremos os primeiros momentos das políticas de patrimônio do governo Lula. Todos os trabalhos que tivemos acesso sobre a temática trataram, dentro dos seus limites, de analisar as discussões atuais de patrimônio, memória, identidade, capoeira, enfim, sobre políticas culturais. Notamos, porém, nesses autores, uma ausência: destacar o início do debate sobre o reconhecimento da capoeira, enquanto patrimônio. Assim, iremos, nesse momento, nos ater a essa problemática, com o objetivo de tentar buscar a gênese da questão. Na página oficial do MinC, na internet, temos a divulgação de um texto intitulado Iphan registra capoeira como Patrimônio Cultural Brasileiro, onde é observado que: “O pedido de registro da capoeira foi uma iniciativa do Iphan e do Ministério da Cultura [...]” (PORTAL DO MINISTÉRIO DA CULTURA, 2008). Também no site da Revista de História da Biblioteca Nacional, há uma reprodução desse mesmo discurso, na realidade é quase uma cópia exata do texto encontrado na página oficial do Ministério: “[...] é preciso realizar uma ampla pesquisa documental e de campo. Entre 2006 e 2007, pesquisadores do Rio de Janeiro, de Salvador e de Recife fizeram um mapeamento completo de todos os estudos já realizados [...]” (ALDÉ, 2008, p. 65). Um dos nossos entrevistados, respeitado pesquisador da área destaca: “[...] quem transformou na verdade a capoeira em patrimônio foram os capoeiristas, não é? E numa perspectiva maior do que o reconhecimento do Estado e IPHAN, tá entendendo?” (FREDE ABREU, Informação verbal, 2011) Esta reflexão nos remete a ponderar que toda essa construção, que culminou no reconhecimento da capoeira enquanto patrimônio, foi alicerçada em anos e anos de trabalhos desenvolvidos pelos mais diversos mestres, dentro e fora do Brasil. 24 Mestre Suassuna faz parte da nossa identidade enquanto capoeira, pois é nosso tataravô. Conjuntos arquitetônicos, paisagens naturais e prédios, por muitos anos, constituíram-se, no Brasil, a forma de entender o que seria patrimônio para o Estado. Qualquer outro bem que não comungasse dessas características, burocraticamente falando, era desconsiderado, mesmo sendo considerado, por determinada classe, também como patrimônio que deveria ser resguardado. Isso irá mudar com a ascensão de um operário no poder e de seu “time”. 25 195 É este esforço de divulgar, ensinar e disseminar a capoeira, enquanto uma manifestação cultural pelo mundo, propagando inclusive nossa língua, que vai qualificar e praticamente exigir o seu reconhecimento enquanto uma cultura que merece ser reconhecida pelo Estado, pela sua gente. Reflexão que se traduz nas palavras de um dos mestres entrevistados: “[...] somos um braço do Estado importante. A capoeira vai onde o Estado não vai. O mestre de capoeira vai nas periferias [...]” (MESTRE PINÓQUIO, Informação verbal, 2012). Em 1998, surge o Conselho Federal de Educação Física (CONFEF) e consequentemente seus Conselhos Regionais de Educação Física (CREF). Nesse processo, o sistema CONFEF/CREF estreia uma perseguição aos docentes de capoeira, na tentativa de fazer com que estes se enquadrassem em uma nova lógica, orquestrada e alicerçada por uma nova constituição do mundo do trabalho. Esse órgão quer regulamentar também a atividade de capoeira, o que gerou descontentamentos na comunidade, desencadeando, assim, uma série de debates, mobilizações etc. O primeiro documento solicitando o reconhecimento da capoeira como patrimônio cultural do Brasil data de 2003, todavia foi em 2004, quando sua comunidade já se aliava a outros ofícios, em busca de amadurecer caminhos mais adequados para a sua consolidação e de suas nuanças, na contemporaneidade.26 A discussão sobre o reconhecimento da capoeira como patrimônio surgiu, na contemporaneidade, efetivamente a partir de uma das possibilidades de desvincular essa manifestação e seu ofício do sistema CONFEF/CREF. A ideia de vincular oficialmente a capoeira à cultura, desconstruindo o seu conceito como um mero esporte, ou prática de exercício físico, emana das bases de criação do MNCR e do GECA. Essa problemática é expressa inclusive no Inventário, no âmbito de um conjunto de medidas de salvaguarda expressas ao final do documento, denominadas de Recomendações do Plano de Salvaguarda da Capoeira. Trata-se 26 Em 1998, surge o Conselho Federal de Educação Física (CONFEF) e consequentemente seus Conselhos Regionais de Educação Física (CREF). Nesse processo, o sistema CONFEF/CREF estreia uma perseguição aos docentes de capoeira, na tentativa de fazer com que estes se enquadrassem em uma nova lógica, orquestrada e alicerçada por uma nova constituição do mundo do trabalho. Esse órgão quer regulamentar também a atividade de capoeira, o que gerou descontentamentos na comunidade, desencadeando, assim, uma série de debates, mobilizações etc. Para saber mais, consultar COSTA, Neuber Leite. Capoeira, Trabalho e Educação. 2007. 227 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, 2007. 196 da primeira medida recomendada e possui o título de Reconhecimento do notório saber do mestre de capoeira pelo Ministério da Educação (MEC): Espera-se que o registro do saber do mestre de capoeira como Patrimônio Cultural do Brasil possa favorecer a sua desvinculação obrigatória do Conselho Federal de Educação Física, ao qual a capoeira está 27 subordinada. (INVENTÁRIO PARA REGISTRO E SALVAGUARDA DA 28 CAPOEIRA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL, 2007, p. 94) A forma de transmissão desse conhecimento e a formação de um mestre de capoeira estabelecem-se, ainda, como um processo cultural intrinsecamente ligado às raízes africanas. Não que este conhecimento também não tenha sofrido ressignificações, contudo, uma mudança imposta por leis é bastante diferente do processo de mudança social e cultural. Abib (2004) e Costa (2007) apontam que a forma de transmissão de conhecimento que envolve culturas que compõem um universo híbrido, como a capoeira, cujo princípio é africano, diverge, em muito, do modelo hegemônico a que estamos acostumados. Por isso, discordamos de qualquer tipo de regulamentação que venha a desconhecer seus pressupostos históricos. Discordamos da ideia transmitida através de vários meios de comunicação de que o reconhecimento da capoeira tenha partido de cima para baixo. A solicitação parte oficialmente e de forma institucionalizada do governo, que é como funciona o Estado, burocraticamente, porém, a partir de demandas oriundas da sociedade. Pensamos que o contexto expresso no texto deveria externar o discurso real. Este, como é colocado, não submete ao leitor as discussões que emergem da própria coletividade; fica, dessa forma, subentendido que a ideia parte do IPHAN. Parte das comunidades da capoeira externava, ainda neste momento, a necessidade de maiores discussões, assim com de sua ampliação, a fim de se esgotarem todas as possibilidades de se reconhecer a capoeira como tal.29 Em 14 de junho de 2003, essas questões foram discutidas na Conferência Estadual de 27 Grifos nossos. Ao final deste subcapítulo, discutiremos todas as recomendações do documento. Somente registramos, nesse momento, a primeira recomendação, para ratificar a importância da discussão e de nossa linha de pensamento. 29 Já apontamos isso em nossa dissertação, defendida em 2007. É importante explicar que nossas discussões já vinham acontecendo no início de 2003, quando os problemas entre a capoeira e o sistema CONFEF/CREF começam a se ampliar e também se iniciou a mobilização da comunidade da capoeira da Bahia, para a Conferência Nacional de Capoeira (CNC). 28 197 Capoeira, realizada na FACED/UFBA, com o tema Políticas Públicas Afirmativas para Capoeira – Reparação Já. De acordo com o folder produzido para o encontro que aconteceu na UFBA, o objetivo era: “[...] a definição de uma política nacional de identidade cultural para a capoeira, bem como a sua inclusão na rede educacional de ensino, quer seja como atividade lúdico-motora ou como Patrimônio Cultural30 [...]” (FOLDER CONFERÊNCIA ESTADUAL DE CAPOEIRA, 2003).31 Está aqui uma prova de que as questões sobre o reconhecimento da capoeira como patrimônio imaterial já faziam parte das discussões pertinentes a essa manifestação cultural, em suas comunidades. E não há dúvidas de que a mesma surge das demandas oriundas do mundo da educação e do trabalho. O cerne central da questão é este, e não devemos nos espantar se, assim como um círculo, essa problemática voltar à tona, de forma ainda mais perversa, traduzida possivelmente em uma regulamentação da própria capoeira. Após a Conferência Nacional de 2004, a comunidade de capoeira da Bahia retorna mais consciente e não diminui suas atividades de mobilização. Os encontros e debates continuam, fortalecendo as lideranças e seus pares, culminando no reconhecimento da capoeira no plano estadual. O primeiro passo foi dado na Bahia. Este Estado desponta na frente, quanto ao reconhecimento oficial da capoeira, após a promulgação do Decreto-Lei 3551/2000, que instituiu o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial e a criação do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI).32 30 Grifos nossos. A Conferência Estadual de Capoeira ensejou uma grande mobilização na Bahia, com diversas reuniões envolvendo diversos grupos e mestres de capoeira, para discutir as temáticas em voga e a posição da Bahia, referente ao contexto sociopolítico posto naquele momento. Esta foi orquestrada por várias lideranças, com destaque para um dos herdeiros da Capoeira Regional, Demerval Lopes Machado, o Mestre Formiga, que faleceu ao retornar da Conferência Nacional. Nessas reuniões havia uma preocupação em garantir todas as falas, discutindo ponto por ponto, sempre com o cuidado de esclarecer a comunidade sobre o contexto e as consequências dos mesmos. Existiam, ali, vários grupos políticos que estavam presentes para defender e garantir suas ideias, com perspectivas de que a delegação da Bahia defendesse de forma representativa seus anseios.De fato, foi um momento muito rico, produtivo e que aglutinou diversos representantes da capoeira a fim de discutir questões esportivas, culturais e educacionais. Todavia, o que estava alicerçando e norteando as discussões era a profissionalização da capoeira. Lendo os documentos norteadores do evento, tanto o estadual quanto o nacional, isso fica bastante claro, não somente pela temática recorrente nas mesas e grupos de trabalho, mas também pela participação ativa do assunto na programação oficial, assim como a participação de parlamentares que estavam envolvidos com Projetos de Lei (PL) que tratavam desse o assunto. 32 O primeiro bem a ser registrado e reconhecido oficialmente pelo país foi a Arte Kusiwa – pintura corporal e arte gráfica Wajãpi, registrada no livro de formas de expressão, seguida pelo Ofício das Paneleiras de Goiabeiras, no livro dos saberes. Ambos receberam reconhecimento em 2002. 31 198 O Estado da Bahia institui normas de proteção e estimula a preservação do patrimônio cultural estadual,33 promovendo um salto qualitativo para a cultura local, quando enfatiza, no capítulo V, o registro especial do patrimônio imaterial. No artigo 39 lê-se: “O Registro Especial será aplicado aos bens culturais de natureza imaterial, comumente designados como manifestações, passíveis de verificação no plano material” (BAHIA, 2003, p. 7). Esse documento seria utilizado para uma ação mais ousada, anos após a sua divulgação: o reconhecimento da capoeira como bem cultural de preservação.34 O Estado, considerado como o “celeiro da capoeira” é o primeiro a reconhecer a capoeira como patrimônio imaterial. A solicitação foi feita oficialmente por Arany Santana Neves Santos,35 que, naquele momento, ocupava um cargo inédito no município, e que ganhara repercussão nacional. Ela mesma solicitou, em 13 de agosto de 2004, o reconhecimento da capoeira a Júlio Santana Braga, que exercia o cargo de Diretor do Instituto de Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC). Solicitamos a V. S.ª a possibilidade do registro da Capoeira como Bem Cultural de Preservação [...] Vale ressaltar que a Capoeira é uma arte que engloba luta, dança e jogo e que essa “ginga” de raízes africanas, provocada pelo som do berimbau, vem sendo há praticada em solo brasileiro há mais de 4 séculos. (OFÍCIO SEMUR nº 192, 2004) Essa solicitação foi um pedido, a partir das demandas oriundas dos debates com as comunidades da capoeira, da Liga Baiana de Capoeira (LIBAC) e, posteriormente, da Frente Liberdade para a Cultura. Esta última surge das discussões em defesa da capoeira contra o sistema CONFEF/CREF, como uma possibilidade de emancipação desse coletivo, desvinculando de uma vez por todas a capoeira de submissão à regulamentação desse conselho profissional. Em 27 de agosto de 2004, Júlio Braga, atendendo ao pedido da Secretária da Reparação, encaminhou o pleito36 e deu sequência ao trabalho, através da divulgação de notificação pública, expedida no dia 22 de dezembro de 2004, em evento público – Roda dos Mestres. Assim tem início, oficialmente, o processo de reconhecimento da capoeira como patrimônio estadual da Bahia. 33 Através da lei 8.895/2003, promulgada em 16 de dezembro de 2003, pelo governador Paulo Souto. Vale registrar, aqui, que o IPHAN, até a abertura do processo de registro regional da capoeira, somente tinha reconhecido quatro bens como patrimônio imaterial. 35 Ela foi a primeira gestora da Secretaria Municipal da Reparação (SEMUR). 36 Seguindo a orientação do ofício nº 192, a técnica Milena Tavares encaminhou o pedido. 34 199 A conclusão do trabalho ocorreu em 2006, com a apresentação do documento, denominado Registro Especial do Patrimônio Imaterial: livro do Registro Especial das Expressões Lúdicas e Artísticas, ao Diretor Geral e seu encaminhamento à Câmara do Patrimônio do Conselho Estadual de Cultura, “[...] visando efetuar sua inscrição no “Livro do Registro Especial das Expressões Lúdicas e Artísticas” (PARECER DA SUBGERÊNCIA DE PESQUISA E LEGISLAÇÃO PATRIMONIAL apud INVENTÁRIO DE REFERÊNCIAS DA CAPOEIRA, 2006, p. 152).37 Dessa forma, a capoeira foi inscrita no Livro de Registro Especial das expressões Lúdicas e Artísticas, no registro especial sem município, e definida como patrimônio imaterial, sob a responsabilidade do IPAC, através do Estado da Bahia, por meio da notificação 10.178, em 11 em dezembro de 2006. A capoeira passa, então, a ser considerada como um bem cultural, sob a responsabilidade do Estado.38 Diferente do que aconteceu com o reconhecimento da capoeira como patrimônio imaterial do Brasil. As reportagens sobre o processo de reconhecimento da capoeira como Patrimônio Imaterial da Bahia, sempre destacavam a mobilização da comunidade, apesar do trâmite burocrático exigir que o IPAC estivesse à frente. Foi assim com a matéria Capoeira pode virar patrimônio cultural, de um jornal de grande circulação na região.39 Ocorreu o mesmo como a reportagem do Correio da Bahia, com o título: Ipac dá início ao registro de tombamento da capoeira, que demonstra a parceria do Estado com a comunidade, em todo o processo: A notificação pública do início do processo foi anunciada na Roda dos Mestres. Agora a capoeira começa a ser reconhecida oficialmente como patrimônio imaterial do estado da Bahia. [...] Mestres que atuam em 37 O documento é datado de 12 de julho de 2006, sendo assinado por Milena Luisa da Silva Tavares, que desenvolvia a função de Subgerente de Pesquisa e Legislação Patrimonial, Maria da Conceição Barbosa Costa e Silva, que tinha o cargo de Gerente de Pesquisa Legislação Patrimonial e Patrimônio Intangível e Jorge Augusto Halla Guimarães, representando a Diretoria de Preservação do Patrimônio Artístico e Cultural. 38 Em nossa dissertação, já tínhamos apontado esse percurso. As discussões sobre o registro da capoeira como patrimônio imaterial surgem no bojo das discussões contra o sistema CONFEF/CREF. Nossa participação nessa empreitada foi tão visceral que culminou na defesa da dissertação Capoeira, trabalho e educação, em 2007, onde apontamos todo o processo, que foi amplamente divulgado nos jornais da capital, conseguindo comprovar nossa tese. Na ocasião, presenciamos a reunião solicitada pela Liga Baiana de Capoeira (LIBAC), com Arany Santana, na época Secretária Municipal da Reparação, para tratar de tal empreitada. Apontamos, também, a necessidade do reconhecimento da capoeira enquanto expressão cultural e a obrigação do Estado de cuidar dela. A nossa única preocupação, sempre evidenciada nos diversos encontros, palestras, reuniões e fóruns, era como esse reconhecimento se daria, quem o faria, que modelo seguiria e como de fato isso se consubstanciaria na vida da sua comunidade. 39 Mais informações consultar a dissertação: Capoeira, trabalho e educação. 200 Salvador têm outras esperanças: além de ajudar a manter as tradições, o registro oficial deve contribuir com a arrecadação de recursos para realização de projetos comunitários de cunho social e cultural. A falta de investimento é uma das principais dificuldades enfrentadas por quem entende a capoeira como meio de vida. (FUNKE, 2004) Do mesmo modo, ocorreu com a divulgação do reconhecimento da capoeira como patrimônio imaterial do Brasil, na matéria: Mestres querem tombar40 o “jogo”, onde fica clara a participação ativa de parte da comunidade da capoeira, que já vinha se mobilizando e apoiando, de certa forma, a ação. “[...] A ideia [...] é manifestar-se em favor do tombamento da capoeira – arte afro-brasileira – como patrimônio imaterial pelo Instituo do Patrimônio Histórico Artístico Nacional [...]” (BOCHICCHIO, 2004). A nossa dissertação também já apontava as mobilizações do movimento denominado Entre a Arte e o Oficio. Esse movimento, no que diz respeito à capoeira, vai embasar a deputada federal Alice Portugal e estimulá-la a encaminhar solicitação pelo reconhecimento da capoeira como patrimônio.41 Enfim, o documento de solicitação da deputada foi enviado ao IPHAN, em 3 de setembro de 2004, através do ofício nº 190. Neste, Alice Portugal solicita a inscrição da capoeira como manifestação da cultura afro-brasileira, como patrimônio cultural do país, no livro de registro. Sem notícias do seu encaminhamento, em 26 de janeiro de 2006, a deputada envia uma carta ao Ministro da Cultura, descrevendo todo o processo que se arrastava já há algum tempo, sem maiores manifestações do órgão. [...] apresentei à Câmara dos Deputados Indicação [...] na qual peço que o Ministério da Cultura, através do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), proceda a inscrição da Capoeira no „Livro de Registro‟, declarando esta manifestação cultural afro-brasileira „Patrimônio Cultural do Brasil‟. (CARTA DE ALICE PORTUGAL, 2006). A indicação da deputada foi aprovada pela Câmara dos Deputados e remetida ao Ministro da Cultura, no dia 2 de junho de 2003. De acordo com a carta de Alice, em 2003, o IPHAN informou que estava analisando o seu pedido e, em 2005, 40 Bens de natureza imaterial são registrados e salvaguardados e não tombados. Mesmo que parte do grupo estivesse preocupada com a forma dessa ação e ansiasse por uma maior amplitude e esclarecimento da discussão. 41 201 aproveitando uma oportunidade, em um evento,42 a parlamentar informalmente estabeleceu um contato, com o próprio Gilberto Gil, reiterando o pedido.43 Quase um mês depois, em 13 de fevereiro de 2006, a senhora Isabela Madeira, que até então ocupava o cargo de chefe de Gabinete do Secretário Executivo do Ministério da Cultura, Juca Ferreira, enviou o ofício nº 29, na tentativa de recuperar a solicitação da parlamentar, feita através do ofício nº 190, solicitando resposta do IPHAN ao documento enviado.44 No ofício nº 951, de 6 de julho de 2004, endereçado a Adolpho Ribeiro Schindler Netto, que exercia o cargo de chefe de gabinete do MinC, Luiz Alberto dos Santos, subchefe de coordenação da Ação Governamental da Casa Civil da Presidência da República, encaminha cópia do ofício 1 SECM/INC nº 2063, de 18 de julho de 2004, assim também como a Indicação nº 2924, do mesmo ano, de autoria da parlamentar Alice Portugal, e solicita informações das consequências do encaminhamento. Dia 19 de maio de 2004 é a data da indicação nº 2924, que sugere a inscrição da Capoeira como Patrimônio Cultural do Brasil no Livro de Registro.45 Alice Portugal adianta-se ao movimento de discussão mais ampla, das comunidades, e, logo no início de seu primeiro mandato, faz a solicitação. É um pedido que pode ser considerado como apressado, em relação a todo o contexto da época, pois, como os primeiros registros imateriais no Brasil datam de 2002, esse trato se consubstancia em um novo momento da cultura no país. Tratase de uma experiência nova para todos.46 O único argumento que justificaria, em determinada dimensão, essa pressa em se reconhecer a capoeira enquanto patrimônio imaterial seria a crescente 42 Entrega das Medalhas do Mérito Cultural. Enumera, ainda, na correspondência, os pontos da legislação que abordam a temática e, por fim, destaca que existem, de fato, todas as condições favoráveis ao atendimento de seu pleito. Alice Portugal ainda faz um apelo para que a autoria do pedido de inclusão da capoeira no rol das manifestações culturais reconhecidas como patrimônio seja dirigido a ela, o que não aconteceu! 44 Em primeira instância, de fato, as notícias oficiais não fazem menção a esse episódio, assim como não o fazem, também, a respeito de toda a movimentação oriunda da Bahia, que culminou com o seu reconhecimento no próprio Estado. Mas os documentos apontam e registram, indubitavelmente, que Alice Portugal se movimentou quanto a isso, de forma pioneira, enquanto parlamentar. 45 A deputada federal não se preocupa em apontar onde a capoeira deveria ser inscrita, talvez deixando essa questão para os técnicos do IPHAN, especializados em questões dessa natureza, para ser discutida entre os mesmos, mais adiante. 46 Sendo assim, a necessidade de acesso a informações e a democratização destas discussões seriam uma premissa de fundamental importância para a comunidade da capoeira amadurecer a necessidade real e concreta do reconhecimento. 43 202 pressão do sistema CONFEF/CREF, na tentativa de regulamentar o ofício dos docentes em capoeira, relacionando-o à formação acadêmica em Educação Física. [...] a deputada Alice Portugal assumiu firme defesa da Capoeira e apresentou o Projeto de Lei 1.371/2007, que estabelece que „não estão sujeitos à fiscalização dos Conselhos federal e regionais de Educação Física os profissionais de Dança, Capoeira, Artes Marciais, Ioga e Método Pilates, seus instrutores, professores e academias‟. A partir do registro, a capoeira passa a fazer parte do patrimônio cultural do Brasil e assegura os direitos dos profissionais da 47 arte. (ALICE PORTUGAL, 2008) Essa questão fica clara em uma das passagens de um texto divulgado no site Vermelho,48 quando destaca o assunto do reconhecimento da capoeira, sugerindo que, a partir do seu reconhecimento como patrimônio imaterial do Brasil, estariam os mestres com seus direitos docentes assegurados. [...] além do reconhecimento histórico e cultural da capoeira como arte, luta e dança popular, ainda a protege de investidas de estruturas como o Conselho Federal de Educação Física que quer cobrar uma mensalidade do capoeirista para que ele possa atuar em sua profissão. „À medida que a capoeira é reconhecida como patrimônio, objetivamente só aqueles que a exercitam como arte podem usufruir 49 deste patrimônio e não nenhum cartel‟, afirmou a deputada. (PORTAL VERMELHO, 2008) Entretanto, as questões são mais complexas. A temática do reconhecimento da capoeira, enquanto patrimônio, estava envolvida por uma série de dúvidas e questões, que demandavam uma cautela necessária, por uma série de fatores, como veremos adiante.50 O entendimento, a compreensão verdadeira do fato é algo que a comunidade da capoeira não dominava, quando se tratava desse assunto de patrimônio cultural. Uma das dificuldades do processo de registro destacada por um dos responsáveis por isso é a verdadeira compreensão do que significava a coisa, e também de alguns termos específicos dessa natureza. Estes termos confundiam alguns capoeiras, logo no início das discussões, como destaca o nosso depoente: 47 Grifos nossos. Página da internet, mantida e gerenciada pela Associação Vermelho, em convênio com o PCdoB. 49 Grifos nossos. 50 Questões pairavam durante os momentos que precederam o ato final da iniciativa. Como seria feito o reconhecimento? Quem seriam as pessoas responsáveis pelo trabalho? Qual a visão de capoeira que estaria expressa no documento? O mesmo abrangeria a diversidade da manifestação, com seus estilos, organizações e formas? Preocupações para não prejudicar a capoeira e seus praticantes. 48 203 Emblemático com relação a isso foi um dia, logo nas primeiras vezes que eu fui me apresentar ao Mestre Curió, e dizia pra ele, [...]: Nós estamos aqui pra coordenar o inventário da capoeira. Aí que ele, no primeiro contato, logo, falou: – Inventário, meu filho? Então, quer dizer que a capoeira morreu? Eu falei: – Não mestre, a capoeira continua muito viva! – Mas já tão querendo fazer o inventário? Inventário que a gente faz é de morto. Então, são esses termos que acabam provocando um ruído da comunicação. [...]. (WALLACE DE DEUS, Informação verbal, 2012) Por outro lado, também entendemos que as políticas, quando não se efetivam como políticas de Estado, ocorrem pontualmente nas gestões e, com isso, há certa necessidade de encaminhar, de forma mais aligeirada, algumas demandas, pois, caso o contrário, estas demandas correm o risco de não se materializar com a continuidade da gestão, quiçá com a mudança destas.51 Em uma das solicitações da parlamentar Alice Portugal, em 31 de maio de 2004, podemos verificar o nome do primeiro gestor do IPHAN, no governo Lula e na gestão de Gilberto Gil, Antônio Augusto Arantes Neto.52 Já destacamos que a ação pública que inicia oficialmente este processo partiu do então Ministro Gilberto Gil, em 2004, no continente Europeu, na sede das Nações Unidas, em Genebra. Diante de Kofi Anan e representantes de diversos países, o ministro lançou o que chamou de Programa Brasileiro e Internacional para a Capoeira. Posteriormente, este projeto foi alocado no [...] Iphan, que o inseriu no seu Programa Nacional de Patrimônio Imaterial. (CASTRO, 2008, p. 1) Finalmente, em 17 de fevereiro de 2006, foi expedido um memorando à senhora Marcia Sant‟anna, então diretora do Departamento de Patrimônio Imaterial (DPI) do IPHAN, solicitando a abertura do processo de registro da capoeira, que, por sua vez, encaminhou, no dia 23 do mesmo mês, o pleito para sua gerência dar providências à solicitação. Na justificativa do pedido, identificamos o reconhecimento da contribuição dos conhecimentos africanos para a nossa cultura: Valorização e reconhecimento de uma manifestação cultural 53 expressiva da contribuição africana para a cultura do país, que 51 Em nosso país, a história das políticas culturais está recheada de exemplos de descontinuidade. Este antropólogo – autor do livro O que é cultura popular? – foi gestor da instituição por dois anos e o primeiro, à frente do IPHAN, a registrar bens de cultura imaterial (arte kusiwa, ofício das paneleiras e o acarajé). Foi também, na sua gestão, antes da entrada de Luiz Almeida, que se iniciaram os estudos para o reconhecimento do samba e do frevo. 53 Grifo nosso. 52 204 segundo pesquisadores desenvolveu-se no Brasil e constitui-se em referencia marcante da cultura afro-brasileira, em função de sua origem e dos aspectos que a constituem, como forma de sociabilidade, saber e expressão, a exemplo dos seus toques – Angola, São Bento Pequeno, 54 Luna, Banguela etc. –, seus instrumentos – berimbau, agogô, atabaque, pandeiro e reco-reco –, seus golpes – como, por exemplo, armada, meia55 lua, batida-de-três e rolê, ginga, meia-lua de frente e queixada – e suas 56 cantorias. (MEMO IPHAN 0002/06, 2006) [sic] A primeira reunião oficial do reconhecimento da Capoeira como Patrimônio Imaterial aconteceu na sala de reuniões do 4º andar, do Ministério da Cultura, no dia 10 de junho de 2005. No documento encontrado no IPHAN, consta uma lista que continha assinaturas confirmando os presentes57, bem como os órgãos que representavam. A pauta foi bastante enxuta, porém com tópicos complexos, e previa a fala do Secretário Executivo Juca Ferreira, sendo organizada da seguinte maneira: apresentação dos instrumentos de salvaguarda do patrimônio; apresentação da experiência do samba de roda ou do círio de Nazaré; fala dos convidados especiais sobre o universo da capoeira e suas referências principais; discussão sobre o território e os grupos que devem ser objeto do inventário; assim como as possibilidades de registro e salvaguarda e, por fim, encaminhamentos e definição das responsabilidades.58 A empreitada foi assumida pelo professor e antropólogo Wallace de Deus. Ele foi convidado, em 2005, através de Antonio Carlos de Souza Lima, que era professor do Museu Nacional e coordenava o Laboratório de Pesquisas em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento (LACED), para fazer o dossiê que objetivou fundamentar o pedido de reconhecimento da capoeira como patrimônio cultural. Conforme nosso depoente: “à primeira pergunta que eu fiz: – Mas por que eu? [...] Eles falaram: [...] – A gente já teve a tentativa de fazer com outras duas 54 Há um erro de digitação aqui. O termo correto é Iúna. Desconhecemos esse movimento. 56 Logo em seguida à solicitação, está anexado um abaixo-assinado para o Inventário e o Registro para Salvaguarda da Capoeira como Patrimônio Imaterial do Brasil. O recolhimento das assinaturas aconteceu no I Seminário para o Reconhecimento da Capoeira como Patrimônio Imaterial, que aconteceu no Rio de Janeiro. 57 Ana Claudia Lima e Alves; Ana Lúcia Ferreira de Castro; Carlos Eugênio Líbano Soares; Claudia Márcia Ferreira; Franco César Bernardes; Juca Ferreira; Júlio César Tavares; Luiz Renato Vieira; Márcia Sant´Anna; Marcus Vinícius Carvalho Garcia; Muniz Sodré; Tereza Cotrim de Paiva Chaves e Marina Caldas Verne. 58 Nenhum dos participantes da primeira reunião oficial para o Reconhecimento da Capoeira como Patrimônio Imaterial assumiu o trabalho de produzir um dossiê para o inventário da capoeira. 55 205 pessoas vinculadas ao mundo da capoeira, e não deu certo”. (WALLACE DE DEUS, Informação verbal, 2012).59 Um dos nossos entrevistados foi cogitado também para realizar a produção do dossiê, em consequência da sua importância para a democratização e a produção de conhecimento sobre a capoeira, a convite de Juca Ferreira, mas declinou de pronto. Segundo o próprio, ele foi solicitado: “Eu não quis participar disso [...] não tenho por que assumir [...] eu vou criar um problema para mim, eu estou à vista [...] exposto” (FREDERICO ABREU, Informação verbal, 2011). Conforme o coordenador do dossiê do inventário, a primeira reunião com a sua presença aconteceu no início de 2005, no Museu do Folclore: Participou, a Márcia Sant´Anna, diretora do DPI, a Claudia Márcia, que era Diretora do Museu do Folclore, o presidente do IPHAN [...] o Antonio Carlos, o próprio Antonio Carlos. E aí me deram o termo de referência, [...], eu senti que o negócio ia sair. (WALLACE DE DEUS, Informação verbal, 2012) Através da Fundação Universitária José Bonifácio (FUJB), instituição ligada à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o IPHAN firmou um contrato para a produção do dossiê do inventário da capoeira. O objetivo era que a FUJB executasse serviços técnicos de pesquisa documental e de campo.60 Maurício Barros de Castro, que tem experiência no mundo da pesquisa, também fazia parte do universo da capoeira e assumiu junto com Wallace os trabalhos e o desafio de coordenação do dossiê. Dessa forma, a equipe foi se formando e os convites foram acontecendo; uns sendo aceitos, outros não.61 Conforme nos assinalou nosso interlocutor, a equipe, além do caráter interdisciplinar, constituía-se de pesquisadores que tinham uma relação com a capoeira. Sobre o grupo de pesquisadores do Recife, o mesmo complementa: 59 De acordo com ele, outros dois membros da comunidade da capoeira já tinham sido convidados para realizar esse trabalho que, todavia, acabou não acontecendo. 60 No próprio documento, essa questão fica esclarecida. O LACED, órgão ligado à FUJB, que é uma instituição relacionada à UFRJ, foi o responsável pela gestão da pesquisa. A FUJB contratou Wallace de Deus que, consequentemente, convidou Maurício Barros de Castro, aconselhado pelo mestre Carlão, antigo integrante do Grupo de Capoeira GCAP, e o indicou para ser seu assistente de coordenação. 61 De acordo com um dos coordenadores, algumas pessoas não aceitaram participar da equipe de trabalho, como, por exemplo, Mestre Moraes, que foi convidado e declinou do chamado. Os outros integrantes foram se incorporando, a partir das relações de proximidade com os coordenadores, assim também como de suas competências específicas. 206 [...] eu tinha uma colega lá no Recife [...] quando eu comentei sobre o dossiê da capoeira, ela falou que tinha o mestre Mago lá, que era aluno do Mulatinho e que eles tinham ficado muito interessados nessa história. A partir dali, a gente também incorporou a esposa [...] do Mago, que é a Belzinha e o próprio Mago [...], mas também tivemos estagiários [...]. O critério foi acadêmico [...]. (WALLACE DE DEUS, Informação verbal, 2012) Por fim, a equipe que compôs o dossiê do inventário final, assim como consta em documento acessível através da internet, na página oficial do IPHAN, é formada por um coletivo multidisciplinar de pesquisadores de três Estados da Federação. No grupo do Rio de Janeiro, estavam: Carlo Alexandre Teixeira, Cristiana Nastari Villela, David Nascimento Bassous, Hugo de Lemos Bellucco e Johnny Alvarez Menezes e os estagiários Barbara Tinoco, Bernardo Guimarães e Filipe Gonçalves. Em Salvador, podemos citar as pesquisadoras Adriana Albert Dias, Amélia Conrado e Ricardo Biriba, e os estagiários Lucylane Oliveira, Nilo Ricardo Lobo. Recife foi representado por Izabel Cordeiro, Marco Aurélio Lauriano de Oliveira, Maria Jaidene Pires e Vânia Fialho, além dos estagiários Annelise Lins Meneses, Graciane Costa Gomes dos Santos, Joice Poliana da Paixão Sales, Karina Lira da Silva, Paula Natanny Rocha Bezerra e Silvia Carla Lafaiete. Entendemos que o tempo para a realização dos trabalhos foi corrido, dado o tamanho do campo de pesquisa, todavia, o coordenador discorda: A gente tinha um tempo razoável. Foram dois anos, pra fazer quatro encontros, para produzir o material, para produzir o DVD. Acho que tem que ser assim mesmo [...]. Eu acho que o tempo foi razoável. [...] A gente teve também um acompanhamento sistemático do IPHAN, da própria diretora, que vinha de Brasília pra encontrar com a gente. [...]. (WALLACE DE DEUS, Informação verbal, 2012) A partir do que discutimos a respeito do Patrimônio Imaterial, o IPHAN ocupou-se desta tarefa e implementou o que chamaremos de tripé do reconhecimento: identificação, registro e ações de promoção. O primeiro ato de identificação foi respaldado com o desenvolvimento de um instrumento denominado de Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC).62 62 O INRC é uma metodologia de pesquisa desenvolvida pelo IPHAN que tem como objetivo produzir conhecimento sobre os domínios da vida social aos quais são atribuídos sentidos e valores e que, portanto, constituem marcos e referências de identidade para determinado grupo social. Contempla, além das categorias estabelecidas no Registro, edificações associadas a certos usos, a significações históricas e a imagens urbanas, independentemente de sua qualidade arquitetônica ou artística. Informação contida no site oficial do IPHAN. Para saber mais acesse: http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=13493&retorno=paginaIphan 207 [...] é o instrumento de uma política de identificação abrangente, cuja meta é o levantamento e mapeamento de bens culturais significativos para os moradores dos núcleos tombados, dos municípios, dos estados, seja para o reconhecimento como patrimônio nacional, por meio de Registro ou de Tombamento, seja como subsídio ao planejamento de ações de preservação e apoio adequados. (MINC, 2010) O INRC é um modelo para os pesquisadores, trata-se de uma recomendação e não necessariamente uma obrigação de sua realização, como afirma nossa entrevistada: “Se recomenda, mas não é obrigatório, é uma metodologia feita pelo IPHAN [...]” (MORENA SALAMA, Informação verbal, 2012). Perguntamos ao nosso interlocutor se houve alguma adaptação no instrumento oficial do IPHAN. Ao responder, ele vai de encontro à afirmação acima, sobre as adaptações feitas ao burocrático instrumento: Não, a gente não fez muita adequação, não, até porque o IPHAN dizia pra gente, o seguinte: – Vocês não podem fazer [...]. Uma vez alguém falou, fizemos uma adaptação do INRC, e descobrimos que isso era uma expressão maldita aos ouvidos do IPHAN. Eles diziam: – Vocês não podem fazer uma adaptação em um instrumento de pesquisa, porque esse instrumento foi testado [...]. (WALLACE DE DEUS, Informação verbal, 2012) Como a Roda de Capoeira e o Ofício dos Mestres de Capoeira, no entendimento da legislação vigente no país, não fazem parte da cultura “objetiva” 63 e sim da “subjetiva”, diferente de um antigo casarão, ou de uma igreja do século passado, ou um documento centenário, considerados patrimônios materiais, optouse pelo registro do bem ao invés do tombamento. Assim sendo: “[...] A capoeira, como cultura, é um bem imaterial que, ao ser reconhecido como patrimônio nacional, será contemplado com um plano de salvaguarda que aponta para políticas públicas [...]” (CASTRO, 2008, p. 1). Consequentemente, “[...] isso significa que o registro não supõe a tutela estatal, mas sim preconiza a criação de planos de salvaguarda que acompanhem e promovam a continuidade da manifestação cultural em sua plasticidade e adaptabilidade” (TURATTI; GODOY, 2012). Esse pensamento possibilita que a manifestação seja salvaguardada, bem como a organização coletiva, a partir de suas demandas, além de sua 63 Entendemos ser essa questão um posicionamento regulamentar, pois, no fundo, a mesma se compõe de objetividades e subjetividades. 208 independência e liberdade. Assim, as disputas constituem-se nessa proposição, de forma interna. Cabe à comunidade da capoeira estar atenta às discussões, cobrando, junto a seus parlamentares, medidas e ações que deem sustentabilidade a essas políticas culturais. De acordo com o IPHAN, a entidade responsável por uma pesquisa dessa natureza tem que se adequar a diversas normas64 impostas, que deveriam ser seguidas sem alterações. O alcance da área do inventário advém de funções das referências culturais presentes em algum território, que podem ser reconhecidas em distintas escalas, ou seja, podendo corresponder a uma vila, a uma zona, a uma região geográfica específica, dentre outras. No caso da capoeira, foi o território nacional. O percurso oficial para o procedimento também segue orientações rígidas. O primeiro passo para o início dos trabalhos de campo foi montar o termo de referência, de acordo com nosso interlocutor. Ele ainda chama a atenção que essa metodologia já se atualizou, estando um pouco diferente da época em que aconteceu o processo da capoeira. Enfim, de acordo com a nossa fonte, foi assim que se sucedeu. Primeiro, montou-se o termo de referência que é: [...] é a estrutura do trabalho, é a estrutura no sentido financeiro, e, assim, vai contratar um pesquisador sênior ou pesquisador máster, tantos consultores, vai pagar tanto a hora de trabalho, e tantos estagiários, 64 A Instituição deverá declarar que assume a inteira responsabilidade em adotar a metodologia do Inventário Nacional de Referências Culturais – INRC, de propriedade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, exclusivamente para a sua aplicação no projeto, comprometendo-se a observar as seguintes disposições: 1. Aplicar todos os procedimentos estabelecidos na metodologia do INRC; 2. Apresentar projeto de execução com todas as especificações para aprovação do IPHAN; 3. Controlar os levantamentos de campo e manter a guarda dos dados; 4. Contratar, arregimentar e credenciar todos os profissionais, estagiários e auxiliares envolvidos na execução dos trabalhos; 5. Prover os meios necessários para que a equipe de execução do projeto do INRC receba treinamento por técnicos do IPHAN ou por agentes por ele credenciados, assim como para o acompanhamento da execução do inventário; 6. Consultar o IPHAN em caso de dúvidas ou obstáculos, ou, ainda, quando houver necessidade de ajustes na aplicação da metodologia, os quais serão admitidos, desde que realizados com a participação dos autores e do IPHAN; 7. Assegurar o sigilo sobre os dados obtidos por meio do inventário, não expondo nem divulgando informações relativas aos entrevistados e aos bens culturais, seus processos de produção e seus produtores, sem a prévia e expressa autorização dos envolvidos; 8. Utilizar o conhecimento produzido com a aplicação da metodologia do INRC, respeitados os direitos da propriedade intelectual dos produtores dos bens culturais inventariados; 9. Inserir em todos os produtos derivados da aplicação do INRC os créditos do autor da metodologia, assim com a logomarca do IPHAN; 10. Disponibilizar para o IPHAN as informações coletadas na pesquisa, para fins de inclusão em seu banco de dados, a quem é assegurado o direito de uso dos conteúdos, observados os devidos créditos ao autor; e 11. Comunicar imediatamente ao IPHAN possível interrupção do projeto, que, a qualquer momento, poderá requisitar o material produzido até aquela etapa. (TERMO DE COMPROMISSO PARA USO DO INVENTÁRIO NACIONAL DE REFERÊNCIAS CULTURAIS – INRC, 2010) 209 estagiário dessa área, estagiários daquela, e tantos profissionais, então, ele era mapeado, a estrutura, quanto os encontros. (WALLACE DE DEUS, Informação verbal, 2012) O segundo passo era construir um Termo de Anuência, ou seja, era preciso que a comunidade da capoeira, a mais supostamente interessada no assunto, em outras palavras, confirmasse o que vinha sendo realizado pelo IPHAN. Uma estratégia para esse recolhimento de assinaturas foram os seminários, que funcionavam a partir de duas premissas: recolher as assinaturas para a anuência e ouvir a comunidade da capoeira a respeito de suas demandas. [...] foi uma estratégia que o Wallace inventou pra reunir a comunidade da capoeira [...] pra saber qual eram as demandas [...] que os capoeiristas tinham. Então, os encontros tiveram esse objetivo de criar um espaço de discussão, que nos ajudasse a localizar, identificar as demandas e as pautas que depois nós utilizaríamos pra formular as recomendações de salvaguarda. (MAURÍCIO BARROS DE CASTRO, Informação verbal, 2012) Organizar e pôr em prática os seminários, no que tange a sua organização, não era tarefa difícil, pois Wallace de Deus tinha experiência no assunto, como professor do curso de produção cultural, dominando e acumulando know-how para esse tipo de trabalho. O mais complicado, em nossa opinião, que acabou não acontecendo, foi conseguir uma quantidade significativa de assinaturas para a anuência. [...] a gente já sabia que haveria esse problema de poucas assinaturas pela questão do afro-brasileiro. Por outro lado, a gente estava tentando implementar um modelo de anuência que não fosse via abaixo-assinado, que fosse por via virtual. E a gente estava trabalhando junto com a Capoeira Viva. A gente entendia que todo inscrito no Capoeira Viva estava de certa forma concordando, dando anuência àquela série de políticas que estavam sendo implementadas. Se você concorda, você concorre ao edital. (WALLACE DE DEUS, Informação verbal, 2012) De fato, há poucas assinaturas no abaixo-assinado do inventário e do registro para a Salvaguarda da Capoeira como Patrimônio Imaterial do Brasil. No próprio site do IPHAN, podemos ter acesso a sete páginas incompletas de assinaturas que expressam apoio à iniciativa. Em uma rápida verificação, constatamos que não passam de 100 assinaturas. São ao todo 96 assinaturas que, em relação ao universo da capoeira, não possui nenhuma representatividade.65 65 Mais à frente, encontraremos a gênese desse quantitativo reduzido de assinaturas. 210 96 6.000.000.000 Gráfico 03: Comparativo entre anuência e praticantes. Se fôssemos comparar em gráficos o quantitativo estimado que compõe a comunidade da capoeira, cerca de 6.000.000.000 (seis milhões de praticantes),66 somente no Brasil, com o quantitativo das assinaturas recolhidas para a anuência à execução do inventário e do registro desta manifestação cultural, o número de assinaturas é ridículo. Existem diversos grupos de capoeira que, sozinhos, deixariam esse quantitativo em situação até constrangedora.67 Outro aspecto suscitado por esse comportamento do IPHAN nos faz refletir que, indiferentemente do posicionamento da comunidade frente aos seus processos de reconhecimento, uma vez iniciados, estes já estão dados.68 Independente de quantas assinaturas, representações, ou como seja o modelo de anuência, a decisão política já tinha sido tomada, reduzindo com isso a concreta participação popular no processo. Há também um documento, denominado de Anuência 2. Trata-se do recolhimento de assinaturas em um abaixo-assinado apoiando a realização do INRC para reconhecer como patrimônio cultural imaterial a capoeira pernambucana. Entendemos que esse documento, de 53 páginas, muito mais significativo que a 66 Essa informação pode ser acessada através do Portal do Serviço Social do Comércio (Sesc). Disponível em: <http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas_sesc/pb/artigo.cfm?Edicao_Id=175&Artigo_ID=2628&IDCate goria=2673&reftype=1&BreadCrumb=1>. Da mesma forma, no site da Mundo Estranho, disponível em: <http://mundoestranho.abril.com.br/materia/qual-e-o-esporte-mais-praticado-no-brasil>. 67 Analisando outros processos de reconhecimento, como o da Arte Kusiwa – pintura corporal e arte gráfica Wajãpi, Jongo e o Samba de Roda do Recôncavo baiano, percebemos também que esse se constitui de forma muito particular. Cada bem detém suas estratégias e histórias de reconhecimento como patrimônio cultural. Assim também é o universo da capoeira, diferente e único. 68 O processo de anuência tornou-se, assim, mais um simples trâmite burocrático do que algo realmente a ser cumprido à risca, ou algo que realmente fosse imprescindível para o processo acontecer. 211 Anuência 1, não está diretamente relacionado ao reconhecimento da capoeira, no sentido em que estamos aqui abordando.69 O texto é claro e faz nítida alusão à capoeira pernambucana, e não ao reconhecimento da capoeira enquanto patrimônio cultural imaterial do Brasil. Se compararmos os textos que precedem as assinaturas, entenderemos melhor os fatos. O primeiro texto da Anuência 1, diz o seguinte: Eu, abaixo assinado, reconheço o inventário e registro para salvaguarda da capoeira como Patrimônio Imaterial do Brasil, como uma iniciativa oportuna de reconhecimento nacional de sua relevância e contribuição para o país, de modo a apontar para políticas públicas que permitam o estabelecimento desta importante expressão da cultura brasileira. (ABAIXO-ASSINADO, 2006, p. 1) O texto do outro enunciado destaca: Apoiamos que seja feito o INRC – Inventário Nacional de Referências Culturais da Capoeira em Pernambuco, para identificar e reconhecer a capoeira em Pernambuco como Patrimônio Imaterial e Cultural 70 Brasileiro no Livro ‘Formas de Expressão’ e posterior Salvaguarda. (ABAIXO-ASSINADO CAPOEIRA PERNAMBUCANA, 2006, p. 1) É um documento que possui anseios diferentes do primeiro. Apesar desse movimento ser desencadeado a partir do III Encontro: Capoeira como Patrimônio Imaterial do Brasil, a comunidade da capoeira pernambucana não ficou satisfeita e, com autonomia, encaminhou seu próprio reconhecimento. Este último foi realizado porque, assim como na Bahia e Rio de Janeiro, Pernambuco também queria realizar o seu dossiê, para o reconhecimento da capoeira praticada em seu Estado.71 O coordenador do dossiê não sabia da existência deste último dossiê. “[...] eu nem sabia que tinha esse segundo que você falou [...]” (WALLACE DE DEUS, Informação verbal, 2012). Na nossa compreensão, a anuência do reconhecimento da capoeira como patrimônio cultural do Brasil ficou a desejar. Tornar os contemplados do PCV apoiadores automáticos de uma ação de reconhecimento é descabido, uma vez que muitos desses contemplados não participaram destas discussões, e não acompanharam nem mesmo o seu desenrolar. 69 Trata-se de um movimento regional mais localizado no Estado de Pernambuco. Grifos nossos. 71 O mesmo encontra-se em processo, mais especificamente na fase final, conforme divulgação. 70 212 Em seguida, vamos expor e analisar as estratégias de preparação para as discussões que alicerçaram a produção do dossiê do inventário. Os encontros que antecederam sua produção, bem como as discussões e embates que produziram reflexões e posicionamentos acerca da temática. 4.2 Os Internexos entre a Gênese e a Produção do Dossiê para o Reconhecimento da Capoeira como Patrimônio Imaterial É a esperança é como cristaleira resiste ao tempo e as boladas que levou [...] Eu bem tava dizendo e olha lá pois cedo ou tarde 72 toda espera tem seu fim [...]. A melhor forma para tentar democratizar e estabelecer um diálogo com as comunidades sobre o registro da capoeira como patrimônio imaterial, conforme os coordenadores do inventário, foi através de encontros para debates e levantamentos de assuntos pertinentes ao campo. No próprio documento do inventário, encontramos a descrição, de forma superficial, dos encontros realizados. Nos escritos, localizamos o objetivo principal: [...] reunir os mestres, alunos e pesquisadores para apresentar o projeto do Inventário, discutir sua importância, definir as possibilidades de registro e fazer um levantamento de pautas que seriam utilizadas como referências para a elaboração das „Recomendações do Plano de Salvaguarda da Capoeira‟. (INVENTÁRIO PARA REGISTRO E SALVAGUARDA DA CAPOEIRA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL, 2007, p. 9) Aconteceram quatro encontros, todavia, o documento não apresenta maiores informações sobre estes, privando a comunidade, em geral, e principalmente a da capoeira, de uma memória73 importante dos acontecimentos que antecederam a produção do dossiê de registro da capoeira. Contudo, nossa pesquisa encontrou 72 73 Toda espera. Música de Jorge Vercilo. Poucas informações podem ser localizadas na internet sobre esses encontros. 213 informações e levantou dados que nos possibilitaram recuperar eventos, nomes, datas e locais, reconstituindo a história dos fatos e seus protagonistas. No blog Paz no Mundo Camará, encontramos uma entrevista cedida, na época, por um dos responsáveis pela organização do dossiê do inventário da capoeira e, de acordo com Maurício Barros de Castro, que cede a entrevista: “A ideia era fazer dois encontros em cada cidade para ouvir dos mestres e dos pesquisadores quais eram as questões da capoeira, e a partir daí, poder elaborar uma pauta que seguisse esse plano de salvaguarda” (ABREU, 2010). Estes quatro eventos aconteceram em diferentes cidades brasileiras. O primeiro encontro aconteceu em Niterói, no Estado Rio de Janeiro, o segundo na metrópole soteropolitana, na Bahia, o terceiro em Recife, no Estado de Pernambuco e, por fim, mais uma vez, no Rio de Janeiro, no município de Duque de Caxias. Imagem 04: Material de divulgação dos Encontros Além dos Cartazes, encontramos pistas a respeito da participação de alguns mestres de capoeira. Em notícia divulgada através do blog,74 percebemos uma entrevista realizada com um dos coordenadores do dossiê: Na verdade, a partir desse encontro (que ocorreu em dezembro de 2006) nós chamamos estas pessoas para elas falarem para o público. No Rio, buscamos as diversas vertentes da capoeira, uma vez que o inventário não é só restrito à capoeira angola. Então buscamos o representante do Grupo Senzala (mestre Gil Velho), o Mestre Peixinho, da manifestação da 74 Paz no Mundo Camará. 214 chamada como capoeira de Rua, nós buscamos o Mestre Russo, de Duque de Caxias; chamamos o representante da capoeira angola do Rio: o Mestre Zé Carlos e Mestre Manuel, e pesquisadores como o Julio Tavares – o primeiro a fazer um trabalho acadêmico sobre capoeira – e outros pesquisadores que estavam envolvidos neste processo, como pesquisadores que trabalhavam com o Mestre Russo e outros que eram alunos do Mestre Peixinho. [...] Em Salvador o evento foi mais amplo, durou dois dias. Convidamos da mesma forma, buscando ampliar as 75 vertentes: na capoeira angola, convidamos o Mestre Moraes , e Mestre Cobra Mansa, atualmente Mestra Janja, que na época era contramestre. [...] Em Pernambuco, fizemos o mesmo modelo de encontro, então chamamos os mestres locais [...] como o Mestre Pirajá, Mestre João 76 Mulatinho, Espinhela [...]. (ABREU, 2010) O primeiro encontro para discutir sobre capoeira e patrimônio aconteceu no âmbito de um evento denominado Brasil Profundo – Programa Interculturalidades, na Universidade Federal Fluminense (UFF), entre 25 de agosto e 5 de setembro de 2006. Um evento extenso, que envolveu várias atividades, tais como palestras, oficinas, debates, exposição de vídeos, performances, minicursos, dentre outras. No dia 3 de setembro de 2006, aconteceu o I Encontro Capoeira como Patrimônio Imaterial do Brasil: perspectivas para a implementação de políticas públicas de salvaguarda da capoeira. Podemos perceber, pelo folder do evento, que essa atividade gerou mesa de debates com representantes da capoeira e pesquisadores, Oficina de Capoeira Angola, ministrada por Mestre Curió, auxiliado por Mestra Jararaca, e Roda de Capoeira Angola e Samba de Roda Baiano, com performance dos pesquisadores Ricardo Biriba e Amélia Conrado. Em outro folheto informativo, podemos perceber uma programação mais detalhada, com as seguintes palestras e seus expositores: O que é ser Mestre? – mestre Curió; A ECAIG77 como “Ponto de Cultura”, uma avaliação preliminar, foi a temática de Ricardo Biriba; Festas e celebrações na Capoeira Angola foi a fala de Amélia Conrado; Maurício Barros de Castro destacou pontos da sua pesquisa e trouxe à exposição o tema Mestre João Grande em Nova Iorque; a discussão sobre A capoeira como patrimônio Imaterial do Brasil ficou a cargo de Júlio Tavares. Continuando com a programação, ainda conforme divulgada no folder do evento, o tema: A Roda Livre de Caxias, Etonografia de uma Roda de Rua, deveria ser desenvolvido por David Bassous; A Roda de Rua, sua Dinâmica Poética foi o tema do Mestre Russo; Mestre José Carlos abordaria a temática A Cultura Material 75 Mais à frente, na mesma entrevista, o depoente observa que o Mestre Moraes foi convidado, mas não participou das atividades. 76 Grifos nossos. 77 Escola de Capoeira Angola Irmãos Gêmeos. 215 da Capoeira; A experiência com Capoeira e Crianças no Complexo da Maré, deveria ser exposta por Mestre Manoel; Musicologia e Etnografia da Capoeira Angola no Rio de Janeiro seria a abordagem de Guilherme Werlang; o psicólogo Johnny Alvarez responsabilizou-se pela temática A transmissão da capoeira e seu aprendizado e o tema O Evento “Roda Mundo” e a Difusão da Capoeira no Exterior ficou a cargo de Mestre Peixinho.78 Conforme foi apresentado o reconhecimento da capoeira, como patrimônio imaterial, tensões nos debates já emergiram e se fizeram presentes, no primeiro encontro. Essas reflexões são tratadas também nas mídias sociais. Se por um lado o Registro garante uma pesquisa e análise do bem cultural e a criação de mecanismos de manutenção das tradições, muitos pontos primordiais sobre esse novo Patrimônio Cultural precisam ser elucidados. Como a própria questão da capoeira ter sido reconhecida apenas como uma cultura genuinamente brasileira. Para mestre Curió, do Grupo Irmãos Gêmeos, de Salvador, este lapso chega a ser ‘um desaforo’, pois ‘não há como negar sua origem africana’. [...] Mestre Moraes, também se mostrou indignado com a forma como foi desenvolvido o processo de pesquisa [...]. Para ele o processo aconteceu ‘à revelia dos mestres antigos’ e através da ótica de pesquisadores e de pessoas de pouca 79 expressão no mundo da capoeira. (ABREU, 2010) Um dos depoentes confirma que esta reflexão se iniciou no primeiro encontro, no recolhimento de assinaturas para a anuência do processo e perdurou por todo o percurso do reconhecimento. Quando os primeiros foram assinar, o Biriba passou pra Jararaca [...] aí quando caiu na mão da mestra Jararaca, ela foi à mesa, no ouvido do Curió, e falou: – Não tô gostando disso não! Patrimônio cultural do Brasil? A capoeira é africana! [...]. Rapaz! Foi um angu de caroço! (WALLACE DE DEUS, Informação verbal, 2012) Dentre as teorias do surgimento da capoeira, a que mais se destaca é a de que ela tem origem afro-brasileira, e defende que a capoeira foi criada no Brasil, por africanos. Mas existe uma corrente, principalmente constituída por praticantes da 78 Foi uma mesa longa e cansativa, onde se evidenciou pronunciamentos que nem sempre seguiram a temática indicada, muito menos o tempo de fala dos expositores, que, sem uma mediação clara, ocasionou o esgotamento do tempo previsto; consequentemente, o debate ficou prejudicado. De acordo com o folder, esse evento foi realizado pelo IPHAN e o Departamento de Difusão Cultural (DDP) da UFF, com apoios da PROEX da UFF, o LACED e o Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular. Ainda neste mesmo documento, encontramos a informação de que o evento fez parte do Inventário para o Registro e Salvaguarda da Capoeira como Patrimônio Imaterial do Brasil. 79 Grifos nossos. 216 capoeira Angola, que defendem apenas uma origem africana. A partir desse pensamento, o posicionamento dos capoeiras citados logo acima é coerente. Nesse ínterim, as altercações foram acontecendo e algumas giraram em torno dessa questão, conforme relata nosso depoente: “[...] essa discussão, ela foi até o final do evento. Não! Do dossiê! [...]” (WALLACE DE DEUS, Informação verbal, 2012). Mesmo que esta fosse realmente africana, o que achamos pouco provável, não poderia o Brasil, neste caso, reconhecer uma manifestação cultural de outro continente, ou país, como seu patrimônio nacional? Isso inviabilizaria todo o registro iniciado pelo IPHAN? [...] tentava argumentar com ele que o fato dela ser africana ou afrobrasileira, não significava que ela não podia ser brasileira, afinal de contas, o afro-brasileiro, são os brasileiros, da mesma que forma que os índios são brasileiros, não é? E aí eu falei pra ele, olha mestre eu tive aqui o ano passado na sua escola, e vi com muita satisfação, com muito respeito, o senhor hastear a bandeira do Brasil e cantar o hino nacional! [...] Você faz uma veneração aqui, à nação brasileira, agora, vem dizer que não é brasileiro [...]. (WALLACE DE DEUS, Informação verbal, 2012) Obviamente, que estas discussões, apesar de ser interessantes, de certo modo não tornaram o processo inviável, pois obteve sua conclusão em 2008. No entanto, influenciaram o recolhimento de assinaturas, para a efetivação da anuência. Provavelmente, aqui está a gênese do quantitativo reduzido de assinaturas na anuência do reconhecimento da capoeira como patrimônio cultural. É provável que, além de não ter conseguido envolver todo o contingente que compõe esta manifestação, por ser incrivelmente imenso, alguns integrantes da comunidade não compreendiam que a capoeira se constituísse como uma atividade puramente nacional, pois, se levarmos em conta que a mesma nasce aqui em terras brasileiras, também é verdade que ela ainda carrega consigo os ritos, mitos e características africanas, que a fazem se configurar como um universo dúbio, de brasilidade e também de africanidade. O segundo encontro da série aconteceu em Salvador, nos dias 11 e 12 de dezembro de 2006, no teatro Gregório de Mattos. Denominado de II Encontro Capoeira como Patrimônio Imaterial do Brasil este evento teve uma programação 217 bastante intensa.80 É pertinente informar que o trabalho do dossiê do inventário, num primeiro momento, somente seria realizado no Rio de Janeiro e em Salvador. Aliás, nós incluímos Recife, já no final. Foi uma negociação, [...] eu estava lá justamente pra fazer trabalho com os índios, encontrei uma colega que é da Educação Física, que é Vânia Fialho. [...] e a Vânia Fialho disse: – Rapaz! Tem o pessoal da capoeira aqui, que está querendo saber, esse negócio do dossiê, aí que foi que eu fui encontrar o mestre, o Mago. E o Mago falou: – Não rapaz, vamos fazer esse encontro aqui. Foi cordato, superinteressado [...]. (WALLACE DE DEUS, Informação verbal, 2012) Essa informação é confirmada por outro depoente, que nos traz mais detalhes do momento e de como se configurou a inclusão de uma terceira cidade, nos encontros sobre a patrimonialização da capoeira. [...] essa história de vir a terceira reunião pra Recife, foi uma dessas coincidências [...] Walace veio pra cá, [...] exatamente nesse momento que ele passa em Recife e aí ele, conversando com Vânia sobre essa história do inventário [...], Vânia disse: – Olha, cê precisa conhecer Bel, Mago, porque são pessoas que trabalham aqui com a capoeira, estudam. E aí falou um pouco da gente [...]. (MESTRE MAGO, Informação verbal, 2012) 80 De acordo com a divulgação, no primeiro momento, estava prevista uma apresentação da Orquestra de Berimbaus do Ponto de Cultura “Vadeia, Menino, Vadeia”, do mestre Sabiá; a apresentação do filme “Dança de Guerra”, com a presença do diretor, Jair Moura, e, em seguida, a formação das mesas. Na Mesa I, o tema divulgado foi Patrimônio, Tradição e Cultura no Brasil, coordenada pela professora Amélia Conrado, que também fez parte do grupo de pesquisadores que desenvolveram o Projeto para Salvaguarda da Capoeira como Patrimônio Imaterial do Brasil. A primeira fala prevista foi a de Wallace de Deus, sobre O Inventário da Capoeira e as Políticas de Salvaguarda do IPHAN. Em seguida, a professora Maria de Lourdes Siqueira da UFBA se pronunciou a respeito da Ancestralidade e Saberes Africanos no Brasil. O tema que abordava a Criação da Capoeira Regional no Brasil ficou a cargo de mestre Nenel, da Fundação Mestre Bimba, seguido do mestre Moraes do GCAP, que destacaria A Revitalização da Capoeira Angola. Mestra Jararaca do ECAIG ficou com a responsabilidade de apresentar a Importância Social da Mulher enquanto Mestra de Capoeira Angola, precedida de Adirana Albert Dias, também pesquisadora do Projeto de Salvaguarda, que falou sobre Pedro Mineiro e Outros Personagens Históricos da Capoeira na Bahia. Estava previsto para mestre Itapoan a temática Mundialização da Capoeira Regional e Ricardo Biriba, outro pesquisador do Projeto de Salvaguarda, ficou de abordar o tema Um Olhar sobre a Patrimonialização da Capoeira em Salvador. Ao final dos trabalhos, neste primeiro dia, foi prevista uma roda de apresentação de Capoeira Angola, em homenagem a mestre João Pequeno de Pastinha, organizada e realizada por integrantes do seu Centro. O segundo dia do encontro previu a realização de uma roda de capoeira, com crianças do Ponto de Cultura “Ginga e Malícia”, do mestre Marinheiro, seguido da roda de Capoeira Regional, em homenagem a mestre Decânio, organizada pela Fundação Mestre Bimba. A segunda mesa teve a coordenação do professor Calos Eugênio Líbano Soares, que abriu os trabalhos com a palestra da professora Márcia Sant‟Anna, na época diretora de Patrimônio Imaterial do IPHAN, cujo tema foi O Patrimônio Imaterial do Brasil e as Políticas de Salvaguarda. Desafios e Perspectivas para Mulher na Roda de Capoeira, era o tema da contramestra Janja, do Instituto de Estudos de Capoeira Angola N‟zinga. Sobre A Mundialização da Capoeira Angola estava prevista a fala do mestre Cobrinha da FICA. Apontamentos sobre o Registro da Capoeira no Rio de Janeiro foi o assunto abordado por Maurício Barros de Castro. Assim como a Etnografia de uma “Roda de Rua”, em Londres: homenagem a Jean Charles, ficou a cargo do mestre Carlão. A capoeira na universidade brasileira foi discutida por mestre Xaréu (Hélio Campos), a Reafricanização em Salvador, abordada por Arani Santana e A Capoeira e os Quilombos: recontando a história do Brasil, por Zulu Araújo. 218 Continuando, nosso depoente destaca a forma como se encontrou, encaminhou e conseguiu levar o terceiro encontro para uma cidade que não estava prevista, em primeira instância, nos planos do IPHAN. [...] Sentamos numa mesa e aí começamos a conversar sobre capoeira, essa coisa do inventário e tudo mais e aí eu expus a ele a importância e a necessidade de puxar essa terceira reunião pra Pernambuco. Já que Pernambuco era reconhecido como um dos polos históricos da capoeira, assim como Rio de Janeiro e Bahia, e que coincidentemente naquele ano tava se completando 100 anos de frevo, que tem uma relação muito direta com a capoeira [...]. (MESTRE MAGO, Informação verbal, 2012) O terceiro encontro, realizado em Recife, no Estado de Pernambuco, nos dias 15 e 16 de março de 2007, aconteceu no Bairro de São José, no Forte das Cinco Pontas. Um dos nossos depoentes destaca tensões que permearam todo o evento, dizendo respeito à organização e ao desenvolvimento das discussões sobre essa iniciativa, sob o direcionamento da comunidade da capoeira na região, principalmente de seus representantes mais antigos. Na visão do nosso entrevistado: [...] houve um pouquinho de falha na comunicação [...] a gente tava querendo sugerir pessoas pra participar da mesa, a pauta da reunião. Começou um processo mais assim [...] participativo e aí, num certo momento, essa comunicação cessou e quando a reunião chegou, ela já chegou pronta e aí [...] com as mesas prontas e com tudo [...]. (MESTRE MAGO, Informação verbal, 2012) Sua maior preocupação foi garantir a representatividade da capoeira local, que possui várias nuanças frente a outras capoeiras do território brasileiro, e assim garantir as falas de seus cultores. Pelo menos no cartaz de divulgação, que consta dos documentos do IPHAN sobre a patrimonialização da capoeira, há um registro da participação de vários mestres da capoeira pernambucana, em um determinado momento do evento, mas não na mesa de abertura.81 O universo da capoeira é abrangente e, ao que parece, as instituições que realizaram o reconhecimento desta manifestação tiveram que optar pela delimitação da área de pesquisa, o que acabou por sintetizar o fenômeno pesquisado. 81 Especificamente, no período da tarde, às 17:00h, no painel intitulado: Perspectivas para a capoeira no presente e no futuro: trajetórias, reflexões e demandas para a implementação de políticas públicas para a salvaguarda da capoeira. 219 Desde as primeiras discussões, sempre houve tensões, como já destacamos acima, envolvendo a temática do reconhecimento da capoeira enquanto patrimônio. É uma manifestação ampla, que se constitui das mais variadas formas e em localidades distintas, tendo características específicas. O campo da capoeira é bastante polêmico, não é? Bastante é, digamos assim, ele não é um campo que as pessoas são muito unidas, têm diversas vertentes e, então, se você unir essas vertentes que, além de serem diferenciadas, elas também muitas vezes não dialogam entre si. Então, isso foi um problema, não é? E outro problema é a própria relação da capoeira com o Estado. Diante de todo o histórico do Estado em relação à capoeira, de perseguição, de abandono, ou seja, tinha, assim, um sentimento que, agora que nós ganhamos mundo por nós mesmos, é que nós estamos sendo reconhecidos no mundo inteiro, o Estado resolveu se pronunciar pra quê? (MAURÍCIO BARROS DE CASTRO, Informação verbal, 2012) Pelos relatos recolhidos, Recife foi o momento mais tenso dos quatro encontros realizados pela equipe responsável por esse desafio. Ainda sobre essa questão, um dos nossos depoentes, avaliando o ocorrido, destaca: [...] as demandas do mundo da capoeira no Recife; demandas extremamente conservadoras, do ponto de vista político [...] (WALLACE DE DEUS, Informação verbal, 2012). As atividades desse encontro em Recife têm início no turno da tarde, com a previsão de uma apresentação de uma orquestra de berimbaus. Para abrir os trabalhos, o evento contou com as falas de Wallace de Deus Barbosa e Maurício Barros de Castro, ambos ligados ao projeto de Salvaguarda da Capoeira como Patrimônio Imaterial do Brasil; Rui F. Pereira, como coordenador do PCV; Frederico Farias Neves de Almeida que, na ocasião, era superintendente regional do IPHAN de Pernambuco, e Tito Figueirôa, representando a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Após esta mesa de abertura, estava previsto a exibição dos filmes: Mestre Curió: o guardião da tradição e Bem-vindo capoeira, que conta a história do Mestre Touro e Dentinho, que deveriam ser debatidos por Frede Abreu, Luiz Renato Vieira, Wallace de Deus e Izabel Coordeiro, sob a mediação de Maurício Barros de Castro. Estava previsto, logo em seguida, um coquetel de confraternização e uma performance do Maracatu Batuque Estrelado, coordenado por Mestre Papagaio. No dia seguinte, aconteceu a mesa redonda Patrimônio, Tradição e Cultura no Brasil: capoeira, frevo e corporalidade na cultura contemporânea. Ao que parece, o tema da mesa foi permeado de subtemas, pois a previsão, conforme divulgado, 220 era que Maurício Barros de Castro falasse sobre a Memória do Corpo na Capoeira; Luiz Renato Vieira abordasse Reflexões Contemporâneas sobre a Prática da Capoeira no Brasil e no Mundo, seguido pela fala de Rui F. Pereira, avaliando preliminarmente o PCV, e por Frede Abreu, que abordou a Importância do Levantamento de Documentação sobre a Capoeira em Pernambuco. Contraditoriamente, também se torna um encontro mais profícuo. Após alguns impasses, o interlocutor, que foi responsável por levar a discussão da capoeira, de forma oficial, enquanto patrimônio para Recife, avaliou de forma positiva a atividade. [...] no fim terminou sendo legal. As pessoas participaram, a reunião deu bastante gente da capoeira. Assim, foi um público bem diversificado, gente de muitas linhagens de capoeira de Pernambuco e aí foi bem participativo. Teve bastante discussão, bastante história, foi bem interessante a reunião em si [...]. (MESTRE MAGO, Informação verbal, 2012) Encontramos documentos no IPHAN, que demarcam a solicitação da inclusão da cidade de Recife ao processo de registro da capoeira. A própria diretora, na época do DPI do IPHAN, Márcia Sant‟Anna, solicita ao Departamento de Planejamento e Administração (DPA) do órgão a suplementação orçamentária para tal inserção. Conforme entendimentos mantidos, encaminho para conhecimentos e providências de suplementação orçamentária junto ao Ministério da Cultura o plano de trabalho e o termo de Referência que detalha os serviços necessários à instrução do processo [...] referente ao registro da Capoeira do Brasil [...]. (MEMORANDO 051/06 GAB/DPI, 2006) Dando continuidade à escrita do seu documento, podemos notar, de fato, que, por um período, a capoeira realmente foi prioridade nas políticas culturais implementadas pelo MinC, na gestão de Gil, no governo Lula. [...] Uma vez que essa é uma das ações de Registro consideradas prioritárias em 2006, solicito urgência no encaminhamento junto ao MinC, ao tempo que coloco-me à disposição para prestar qualquer esclarecimento julgado necessário ou informação complementar. (MEMORANDO 051/06 GAB/DPI, 2006). No Termo de Referência, que faz parte do processo de reconhecimento dessa manifestação, enquanto patrimônio cultural, localizamos uma alusão a inserção da região pernambucana como um polo importante de capoeira. 221 A pesquisa para instrução do processo de registro da capoeira deverá ser realizada tendo como referências as cidades do Rio de Janeiro e Salvador e seus arredores. Esse recorte foi definido a partir de reunião realizada em Brasília em 2005 com especialistas do campo convidados pelo Ministério da Cultura. Avaliou-se então que essa abordagem seria historicamente correta, tecnicamente aceitável e suficiente para dar conta do surgimento das primeiras notícias sobre capoeira no Brasil, de suas principais transformações e da constituição das principais matrizes modernas dessa prática. Obviamente, a descrição desse processo deverá mencionar também um outro polo importante – o Estado de Pernambuco. (TERMO 82 DE REFERÊNCIA, 2006) Outro encontro, desta vez o último, foi realizado novamente no Estado do Rio de Janeiro, nos dias 16 e 17 de agosto de 2007. O evento aconteceu no Tetro Raul Cortez, no município de Duque de Caxias, no centro da cidade. Nesse momento, os trabalhos de realização do Inventário e Registro para Salvaguarda da Capoeira como Patrimônio Imaterial do Brasil (IRSCPIB) já se encontravam na fase final e esta ação se estabelece como o fechamento dos trabalhos. Este evento teve início com uma roda de capoeira, com crianças do complexo da Maré, coordenadas pelo mestre Emanoel. Após a sessão solene, estavam previstas as falas de Márcia Sant‟Anna (Diretora de Patrimônio Imaterial do IPHAN), Cláudia Márcia Ferreira (Diretora do Centro Nacional de Referência da Cultura Popular), Wallace de Deus (Coordenador do IRSCPIB), Dalva Lazaroni (Secretária de Cultura do Município de Duque de Caxias) e Rui Pereira (Coordenador do PCV). A segunda mesa estava prevista para acontecer às 17h, sob a coordenação de Wallace de Deus, e previa as falas de Muniz Sodré (UFRJ),83 Júlio Cesar Tavares (UFF), Simone Pondé Vassalo (UERJ), Matthias Röhrig Assunção (ESSEX) e Maurício Barros de Castro (Assistente de Coordenação do IRSCPIB).84 No segundo dia, uma mostra de vídeo foi realizada, seguida por um painel com mestres do Rio de Janeiro.85 Constava ainda da programação uma roda de mestres e novamente um espetáculo denominado de Água de Beber. No percurso de elaboração do inventário da capoeira, foram amadurecendo algumas ideias que poderiam contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos 82 Grifos nossos. Conforme alguns entrevistados, o professor Muniz Sodré não se fez presente neste evento. 84 Ao final das discussões, estavam previstos: a apresentação do filme Fina Flor da Malandragem, em homenagem ao Mestre Leopoldina, um coquetel de confraternização e a apresentação de um espetáculo denominado de Água de Beber. 85 No cartaz de divulgação, destacam-se os nomes de mestre Russo, mestre Emanoel, mestre Nestor Capoeira, mestre Vilmar, mestre Gil Velho, mestre Peixinho e mestre José Carlos. 83 222 mestres de capoeira e a qualificação da capoeira, enquanto manifestação da cultura, conforme segue: 1) a necessidade de aposentadoria especial para os velhos mestres de capoeira; 2) a importância dos mestres de capoeira como divulgadores da cultura brasileira no cenário internacional, o que torna necessário pensar alternativas para facilitar seu trânsito por outros países; 3) a necessidade de criar mecanismos que facilitariam o ensino da capoeira em espaços públicos; 4) o reconhecimento do ofício e do saber do mestre de capoeira, para que ele possa ensinar em escolas e universidades; 5) a criação de um Centro de Referências da Capoeira que centralizasse toda a produção acadêmica sobre a capoeira, realizada por estudiosos espalhados em diversas disciplinas; 6) um plano de manejo da biriba, madeira usada para confeccionar o berimbau e que pode ser extinta no correr dos anos. (INVENTÁRIO PARA REGISTRO E SALVAGUARDA DA CAPOEIRA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL, 2007, p. 10) Essas demandas são lutas históricas da comunidade da capoeira. Desde a morte dos mestres Bimba e Pastinha (considerados ícones da capoeira) e o falecimento de outros mestres ilustres, em outros Estados e até mesmo aqui em Salvador, que existe uma preocupação com a qualidade de vida e envelhecimento.86 A internacionalização da capoeira também é uma questão presente nas rodas de conversas informais e até nas discussões formais.87 Vale lembrar que desbravadores já divulgavam nossa cultura, sem apoio nenhum, em todos os continentes do mundo. Alguns destes, inclusive, sendo deportados e perseguidos como marginais. Outros, porém, se estabelecendo, criando vínculos, sendo reconhecidos e respeitados onde desenvolviam seus trabalhos. Podemos citar Mestre Nestor Capoeira que, segundo pesquisas, iniciou os trabalhos de ensinoaprendizagem, em 1971: “[...] foi Nestor Capoeira quem iniciou o processo de ensino sistematizado desta manifestação na Europa, na London School of Contemporary Dance” (FALCÃO, 2004, p. 262). 86 Nós ouvimos relatos de vários capoeiras, repetindo frases como: “não quero morrer como Bimba e Pastinha”. E mesmo com essa preocupação, essa problemática ainda se repetiu por várias vezes. Tantos outros morreram na miséria, abandonados pelos órgãos públicos e expurgados do imaginário social, em consequência de uma educação, que não valoriza seus ícones e seus atores culturais, e de um governo, que não estimula e nem democratiza a cultura nacional. 87 Tanto que gerou boa discussão, inserida na primeira tese voltada para a capoeira, na FACED/UFBA, intitulada O Jogo da capoeira em jogo e a construção da práxis capoeirana, de José Luiz Cerqueira Falcão. Neste trabalho, Falcão (2004) incluiu um capítulo para tratar da internacionalização da capoeira no contexto da mundialização do capital, o que depois gerou um vídeo de título análogo Iê da Volta ao Mundo Camará: A internacionalização da capoeira. 223 Outros mestres, como João Grande e Jelon Vieira, também ousaram, em divulgar nossas culturas em países desconhecidos, contribuindo com essa expansão. Essa nova cultura levará, junto com ela, outros elementos, como a língua e os costumes. “No ímpeto de valorização da cultura brasileira, é expressamente proibida a tradução de nomes, golpes, movimentos, cânticos e instrumentos da capoeira. „João Grande não fala uma palavra em inglês [...]‟” (SANTANA, 2001, p. 7). Todavia, assim também como aconteceu com outras manifestações da cultura corporal, a partir do momento que o domínio técnico vai se enraizando em outro país, distintas tradições vão se construindo e se consolidando. Discursos que reforçam a ideia da necessidade de aprender a língua portuguesa/brasileira, ao se praticar capoeira, já estão sendo desconstruídos por professores formados em seus países, o que reforça o percurso natural de qualquer manifestação cultural.88 O debate sobre a necessidade de criar mecanismos que facilitariam o ensino da capoeira em espaços públicos e o reconhecimento do ofício e do saber do mestre de capoeira, para que ele pudesse ensinar em escolas e universidades, também não surge repentinamente. De acordo com as pesquisas de Hélio Campos, a capoeira está inserida no âmbito escolar público, desde a década de 1960, experiência que foi realizada pelo mestre Aristides, na unidade Tomaz de Aquino. Campos (2001) afirma que esta ação foi uma das primeiras a ser realizada no âmbito escolar. Contudo, traz ainda relatos de outras iniciativas, no final das décadas de 1950 e de 1970, em escolas privadas da cidade de Salvador. Existem também registros de apoio institucional, do Governo da Bahia, para o estímulo ao ensino da capoeira na escola, através do Festival de Capoeira, realizado na década de 1990. Apesar da participação direta de mestres, sem formação acadêmica alguma nestes festivais, o ensino cotidiano da prática ainda se encontra- restrito a professores que possuem formação acadêmica, na sua grande maioria, em Educação Física, e que foram aprovados em concurso público.89 88 A discussão da internacionalização está registrada em jornais baianos, desde 2001, quando a Fundação Internacional de Capoeira Angola (FICA) realizou, no mês de janeiro, um debate com o tema Internacionalização da Capoeira: causas e consequências. Na ocasião, a discussão pairava sobre a divulgação e a valorização da cultura afro-brasileira, que é repassada pela capoeira, como já destacamos acima, a preocupação com o ensino-aprendizagem, além da formação e da competência dos docentes que seriam os responsáveis por essa educação. 89 Contudo, a discussão da necessidade de flexibilização da docência para aqueles mestres que não possuem formação acadêmica será posta, mais fortemente ,a partir do final da década de 1990. 224 A polêmica ganha fôlego, no início do século XXI, quando as discussões sobre a regulamentação da profissão da Educação Física atinge a formação dos capoeiras, registrados em diversos momentos, pela imprensa escrita. Todo esse debate desencadeou também diversas reuniões, seminários, encontros, cujas pautas tratavam da autonomia cultural, da identidade da formação e do reconhecimento oficial da capoeira, enquanto patrimônio cultural. Vale destacar que, em Campinas, na gestão da secretária de Educação Corinta Maria Crisólia Geraldi, houve um concurso do qual capoeiras puderam participar, com o objetivo de ensinar suas práticas na rede pública municipal. Iniciativa inédita no Brasil, no âmbito municipal. A Secretaria Municipal de Educação do Município de Campinas faz saber que se encontra à disposição de quaisquer interessados, pessoas físicas habilitadas no ramo de Capoeira, [...] o regulamento completo do concurso, regido pela Lei Federal 8.666/93, para seleção de Capoeiristas para ministrarem estudos e práticas de capoeira em 42 Unidades Educacionais do Município de Campinas. (EDITAL DO CONCURSO DO SME, 2004) Esse edital sai publicado no Diário Oficial do Município (DOM), em 11 de março de 2004, e as exigências para esse concurso também se constituem como inéditas, pois se adequaram à realidade dos seus praticantes, como, por exemplo, a exigência da escolaridade em nível fundamental e a não realização de provas objetivas de conteúdos, modelo geralmente utilizado em concursos dessa natureza. O Edital foi fruto do PROJETO DE IMPLANTAÇÃO DA CAPOEIRA NA ESCOLA: COMPROMISSO COM A EDUCAÇÃO E A CULTURA. Foram 30 inscritos,90 que participaram da seleção, mas apenas seis mulheres. Do total, foram 16 aprovados,91 12 homens e 4 mulheres. Outros integrantes da comunidade da capoeira também se envolveram nessa experiência incomum, como 90 Adilson Silva de Moraes, Aguinaldo de Freitas Souza, Carlos Henrique Mantovani, Claudio Ferreira de Lima, Cristiano Rosa Farias, Daniel Nunes Vieira, Domingos Anastácio de Brito, Edson Mancusi da Silva, Fábio Gabriel da Costa, Gerisnaldo da Silva Santos, Irandi Ferreira da Silva, Johnni Rodrigues Kiss, José Abílio Pereira, José Carlos Machado de Araújo, José Macena da Silva Filho, Joseane Silva de Albuquerque, Karina Basso Ferraresso, Lílian Patrícia Soares, Luiz Eduardo Manuel, Marcelo Gomes Polidório, Marco Antonio da Costa, Marco Antonio Jeremias, Maria da Guia da Costa Batista, Mauro Gomes dos Santos, Ordack Miranda de Oliveira, Priscila Regina Félix Nascimento de Oliveira, Ramiro Markarian de Siqueira, Rodney Rogério Aregazone, Suzana Campos Cordeiro e Vladimir Pereira Bezerra. 91 José Abílio Pereira, Irandi Ferreira da Silva, José Carlos Machado de Araújo, Cristiano Rosa Farias, Carlos Henrique Mantovani, José Macena da Silva Filho, Gerisnaldo da Silva Santos, Suzana Campos Cordeiro, Vladimir Pereira Bezerra, Karina Basso Ferraresso, Fábio Gabriel da Costa, Ordack Miranda de Oliveira, Rodney Rogério Aregazone, Claudio Ferreira de Lima, Joseane Silva de Albuquerque e Lílian Patrícia Soares. 225 o Mestre Moraes, que foi membro da comissão de seleção, e Gilbert de Oliveira Santos, que coordenou o projeto Capoeira na Escola. Quanto às duas últimas indicações para as políticas de salvaguarda, referentes à criação de um Centro de Referências da Capoeira e um plano de manejo da biriba, nada de concreto aconteceu. Já se vão três outros ministros, após a gestão de Gilberto Gil, quando a política cultural se voltou de forma mais concreta para a capoeira, e não há indícios de que algo nesse sentido venha a se consolidar. Cada vez mais, fortalece-se o pensamento de que todas essas iniciativas específicas para a capoeira partiram muito mais de disposições políticas dos grupos que detinham o poder de decisão, do de que qualquer outro aspecto que se analise no momento. Vale ressaltar que os seis pontos já mencionados compõem o conjunto de encaminhamentos que alicerçou as Recomendações do Plano de Salvaguarda da Capoeira. Além disso, orientou a indicação de que seria imperativo reconhecer, como Patrimônio Cultural do Brasil, o saber do mestre de capoeira, como ofício, e a roda de capoeira, como forma de expressão, o que desencadeou o processo de reconhecimento da capoeira como patrimônio imaterial. Analisaremos, agora, uma produção a partir destas discussões. Toda produção textual é um instrumento valioso de transmissão cultural e pode ser utilizado para educar. Para ratificar o reconhecimento da capoeira, enquanto patrimônio imaterial do Brasil, uma equipe multidisciplinar de pesquisadores produziu, em especial, para esse momento, um documento. É deste documento que trataremos a seguir, que fundamenta os argumentos necessários para indicar a Roda de Capoeira e os Oficios de Mestre como patrimônios da cultura brasileira. 4.3 Análise do Dossiê do Inventário: reflexões e contribuições [...] Eu vou dizer a você E digo do fundo do coração Essa dança, Essa luta brasileira Faz o povo vibrar de emoção De Nova York ao México Do Rio de Janeiro até o Japão É no toque do berimbau viola 226 Seja São Bento Grande ou Angola Faz o povo vibrar de emoção Ê, ê, ê capoeira é do povo É da gente 92 Ê, ê, ê, um jeito de lutar diferente. O nosso objetivo agora é fazer reflexões e ponderações acerca do conteúdo do documento que norteou o processo de reconhecimento da capoeira, enquanto patrimônio imaterial do Brasil. Trata-se de um trabalho bibliográfico e de pesquisa de campo, realizado por um grupo de pesquisadores de diversas áreas do conhecimento, entre os anos de 2006 e 2007, sob a orientação do IPHAN, que culminou no documento denominado de Dossiê – Inventário para Registro e Salvaguarda da Capoeira como Patrimônio Cultural do Brasil. Além deste documento, que ainda não foi publicado oficialmente,93 analisaremos também alguns discursos produzidos durante encontros realizados para essa discussão, além do depoimento dos interlocutores que fizeram parte da ação e ajudaram a realizar todo esse processo, que acabou gerando um vídeo. Queremos destacar que tivemos dificuldade de encontrar o referido documento, que somente começou a estar acessível, através do site do IPHAN, em 2009. Outro problema é que mesmo estando na rede e sendo divulgado através de outros sites e blogs, ainda encontramos centenas de mestres e comunidades da capoeira, em geral, que não o conhecem e outras centenas que nunca acessaram o inventário, mesmo tendo acesso a rede, e possuindo inclusive páginas em redes sociais. Existe a necessidade de uma maior divulgação, tanto por parte dos órgãos responsáveis – IPHAN e MinC –, quanto por parte da comunidade da capoeira. Vários gestores94 participaram do processo do reconhecimento da capoeira como patrimônio imaterial. Além destes, uma equipe técnica que tinha a coordenação, como já destacamos, do antropólogo Wallace de Deus Barbosa, que acompanhou os trabalhos auxiliado pelo professor Maurício Barros de Castro, que 92 Música Manhã de Preto Velho. D.P. Encontra-se acessível na página oficial do IPHAN, na internet. 94 Presidente da República: Luiz Inácio Lula da Silva, Ministro da Cultura: Gilberto Gil Moreira, Presidente do IPHAN: Luiz Fernando de Almeida, Diretora de Patrimônio Imaterial: Márcia Sant‟Anna, Diretora do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular: Claudia Márcia Ferreira, Superintendente Regional do IPHAN da Bahia, Leonardo Falangola, Superintendente Regional do IPHAN de Pernambuco, Frederico Almeida, Superintendente Regional do IPHAN do Rio de Janeiro, Carlos Fernando Andrade, Acompanhamento técnico – Superintendência Regional do IPHAN de Pernambuco, Elaine Muller, Acompanhamento técnico – Superintendência Regional do IPHAN da Bahia, Maria Paula Adinolfi. 93 227 desenvolveu a função de assistente de coordenação. O trabalho contou com a consultoria de Frederico José de Abreu e Matthias Röhrig Assunção. Questionado sobre sua participação na consultoria do dossiê do inventário, um dos consultores apontados no documento, assim destacou: “Eu nem sei o que é que é ser consultor [...]” (FREDERICO ABREU, Informação verbal, 2011).95 Possivelmente seu nome apareça como consultor, porque é um pesquisador sempre disposto a contribuir com os estudos da capoeira, de forma independente, e há anos vem prestando esse serviço. Além do mais, esse pesquisador possui um dos maiores acervos sobre a temática, que também serviu para consultas das pesquisas que alicerçaram a produção do documento. Por outro lado, outro depoente confirma: “[...] me convidaram a ser consultor e no primeiro momento me pediram pra avaliar um documento do inventário que é aquilo que foi publicado no website. Então, me passaram uma primeira versão disso. Eu li tudo e fiz umas críticas” (MATTHIAS ASSUNÇÃO, Informação verbal, 2012). Na Revista de História da Biblioteca Nacional, mas em outra matéria, observamos a afirmação de que: “pesquisadores do Rio de Janeiro, Salvador e de Recife fizeram um mapeamento completo de todos os estudos já realizados, livros e filmes já produzidos, sobre a capoeira e sua história” (ALDÉ, 2008, p. 65). Esse mapeamento existe e foi feito pelo coletivo de pesquisadores. Um dos próprios pesquisadores do grupo ameniza tal amplitude: “Do tamanho que é esse bem, com tantas rodas, com tantas expressões, se a gente for ver bem, o levantamento não foi exaustivo” (HUGO BELLUCI, Informação verbal, 2012). Nem todos os pesquisadores participaram da escrita do texto, que se encontra no documento e/ou da pesquisa. De acordo com um dos nossos interlocutores, sua função foi pontual: “A minha participação foi um pouco lateral, pelo final, na verdade, eu fui chamado pra participar do processo já na finalização do dossiê, e eu fiz um trabalho de pesquisa bibliográfica de fontes sobre a capoeira, na cidade de Recife e Rio de Janeiro” (HUGO BELLUCI, Informação verbal, 2012). Cada contratado para realizar ações específicas desenvolveu as atividades que foram propostas, contribuindo pontualmente no processo. No caso do nosso 95 Nosso depoente seria inclusive um dos prováveis coordenadores do projeto de produção do dossiê, mas não aceitou o trabalho. 228 depoente acima, suas ações constituíram em um levantamento de documentos e informações para subsidiar a escrita do documento. Durante a pesquisa, foi realizado um bom mapeamento, mas muito longe da amplitude citada na reportagem. Este mapeamento, entretanto, não está no inventário que está acessível à população. Nele, somente encontramos 104 referências no total, sendo 82 específicas de capoeira.96 Muito distante de um mapeamento que leve em conta o universo de livros, teses, filmes, artigos científicos, dentre outros relacionados à capoeira. O levantamento completo encontra-se no IPHAN,97 e infelizmente não está acessível às massas, ficando até o momento restrito somente a pesquisadores. Na mesma reportagem, existe a afirmativa de que: “O produto final, chamado de „inventário‟, pode ajudar a desfazer alguns mitos e a divulgar incríveis e pouco conhecidas contribuições da capoeira para a cultura nacional” (ALDÉ, 2008, p. 65). Em Recife, por exemplo, polo incontestável de capoeira no Brasil, houve pouca pesquisa. Esta cidade nem mesmo estava prevista como um local a ser incluído no processo de reconhecimento, como já relatamos. Sendo assim, a pesquisa daquela área ficou muito incipiente. Nossa entrevistada, há 26 anos envolvida com a capoeira pernambucana, menciona: “E o que me preocupa não é nem o que é dito. É o que não é dito nos documento, não é? [...] Eu fiquei muito incomodada com o dossiê” (IZABEL CORDEIRO, Informação verbal, 2012). A preocupação desta depoente nos remete à diversidade existente nesse universo. Não existe uma capoeira, mas diversas capoeiras, influenciadas pelos contextos que incidiram sobre suas práticas, mas o documento reconhece essa limitação. O universo de quem se aventura a pesquisar a capoeira apresenta registros iconográficos e documentais desde possui diversas vertentes ensinadas por mestres, professores e instrutores, e cobre um amplo território 96 é vasto. A arte o século XVIII, contra-mestres, geográfico [...]. As referências do Inventário encontram-se cheias de erros. Faz-se necessário urgentemente que os responsáveis pelo documento acrescentem, ao mesmo, erratas, minimizando os equívocos. Um documento desta natureza não pode manter tais erros, por tanto tempo. Somente para ilustrar a referência de uma tese de doutorado de Sérgio Vieira, que é atribuída à Luiz Renato Vieira, e três textos de Luiz Cirqueira Falcão imputados ao saudoso Mestre Decânio. Um descuido possivelmente relacionado ao tamanho do trabalho e da equipe. 97 Estes documentos migraram para a Fundação Palmares. 229 (INVENTÁRIO PARA REGISTRO E SALVAGUARDA DA CAPOEIRA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL, 2007, p. 9) Assim também como reconhece a magnitude dessa prática: Diante da amplitude da capoeira como campo, espalhada pelos territórios nacional e internacional, optou-se pela pesquisa nos lugares históricos como ponto de partida para a reconstituição de sua trajetória. (INVENTÁRIO PARA REGISTRO E SALVAGUARDA DA CAPOEIRA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL, 2007, p. 9) Trata-se de uma opção. Provavelmente, não havia condições concretas para se realizar, naquele momento, uma pesquisa com a amplitude requerida neste caso. A delimitação da área a ser pesquisada para subsidiar as informações necessárias ao Conselho Consultivo do IPHAN era uma estratégia necessária e imprescindível. Havia vontade e disposição políticas, além de sensibilidade, porém as condições objetivas foram uma limitação. [...] o pesquisador tinha um recurso pequeno, como o próprio contrato com o Ministério da Cultura, mas é pela dimensão [...]; pela importância que era o contato com a comunidade, com os mestres de capoeira, com suas escolas. A gente não tinha como filmar, não foi feita a filmagem, as gravações ainda eram feitas em fitas cassete, ainda com o material de recurso muito precário. (AMÉLIA CONRADO, Informação verbal, 2012) Em cada região pesquisada, encontramos especificidades na Bahia. A ausência de recursos e equipamentos adequados foi uma dificuldade, para nossa depoente. Não havia a disponibilidade de contratação de uma equipe técnica, específica para capturar imagens, por exemplo. “É recurso antigo, e não havia uma equipe técnica, entendeu? O Ministério da Cultura não disponibilizava para entrevistas, filmagem, fotografia. [...] Então foi muito no contato mesmo, foi na garra, foi na garra!” (AMÉLIA CONRADO, Informação verbal, 2012).98 Mas o trabalho tinha que ser realizado e, na ausência de recursos que pudessem qualificar a pesquisa, a vontade de efetivar-se algo tão importante para os pesquisadores exigia esforços pessoais: [...] Eu como sou pesquisadora, eu lamentava demais, eu dizia: – [...] é uma pena, que a gente não tá podendo fazer um registro pleno desse momento 98 A pesquisadora está se referindo aqui à ausência desses materiais no momento de suas visitas para entrevistar os mestres, ou seja, em um momento específico da pesquisa de campo. A captura de imagens irá ser realizada, posteriormente, por uma equipe específica. 230 não é? Mas mesmo assim [...], a gente conseguiu levantar dados importantes. (AMÉLIA CONRADO, Informação verbal, 2012) Nem mesmo os pesquisadores pernambucanos, que trabalharam e auxiliaram na concretização da pesquisa, em Recife, escaparam do processo histórico que se instaurara, após anos de parcos recursos para a área da cultura. “[...] A gente não ganhou um tostão com essa história, absolutamente nada. O que eu fui de domingo, de final de semana pra os lugares mais impensáveis que você possa imaginar [...]” (VÂNIA FIALHO, Informação verbal, 2012). Outra depoente confirma as infomaçãoes acima destacadas: “[...], aliás, a gente fez tudo isso graciosamente [...]” (MARIA JAIDENE, Informação verbal, 2012). Contudo, todo o processo que ocorreu na capital e na região metropolitana pernambucana desencadeou a importância da pesquisa e a necessidade do reconhecimento da capoeira enquanto patrimônio do Estado. “[...] a partir desse material colhido houve uma indicação do [...] IPHAN, de se fazer um inventário mais aprofundado após a coisa do registro” (MESTRE MAGO, Informação verbal, 2012). Nosso entrevistado refere-se à última recomendação de salvaguarda para a prática e a difusão da capoeira no Brasil, que destaca a Realização de Inventário da Capoeira em Pernambuco. “Espera-se auxiliar e incentivar o aprofundamento de pesquisas sobre a capoeira em Recife, com base nas referências indicadas durante o processo do Inventário para Registro e Salvaguarda da Capoeira como Patrimônio Cultural do Brasil” (INVENTÁRIO PARA REGISTRO E SALVAGUARDA DA CAPOEIRA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL, 2007, p. 96). Analisando os discursos dos nossos depoentes e o documento do reconhecimento, percebemos que cada pesquisador desenvolveu funções específicas e que, em muitos casos, alguns se limitavam a uma questão técnica e pontual: Foi um trabalho bibliográfico, como eu disse pra você, quer dizer, eu não viajei pra pesquisar, eu não fiz pesquisa de campo pra pesquisar, foi um trabalho mais instrumental pra finalização do dossiê, foi um trabalho de levantamento mesmo. (HUGO BELLUCI, Informação verbal, 2012) Já outra entrevistada nossa da Bahia afirma que: “[...] pelo que eu sei, eu fui a pesquisadora responsável pelo levantamento da documentação da história da capoeira na Bahia [...] desde as fontes secundárias [...] e todas as fontes primárias. 231 [...] todo esse material quem fez o levantamento fui eu!” (ADRIANA ALBERT, Informação verbal, 2012) Questionei um dos coordenadores sobre a existência de algo inédito, encontrado no processo de pesquisa: “[...] tinha aquele trabalho daquele folclorista que dizia o seguinte: que o frevo era uma derivação da capoeira, que o passo do frevo tinha vindo da capoeira. [...] isso foi uma coisa interessante [...]” (WALLACE DE DEUS, Informação verbal, 2012). Na verdade, essa informação já é bastante conhecida. Quem já obteve acesso ao livro de OLIVEIRA (1985), já adquiria essa informação na década de 1980. A ausência de ineditismo nos levantamentos e pesquisas produzidos para o inventário é confirmada por outro participante na Bahia: “Não! Não teve nada inédito” (ADRIANA ALBERT, Informação verbal, 2012). É confirmado, ainda, pelo depoente a seguir, que teve acesso a documentos no Rio de Janeiro e em Recife. A gente não achou nada de tão inédito assim, porque a capoeira, ela já tem uma história bem contada [...] foi mais uma sistematização de informações [...] Acho que a ideia da pesquisa foi apontar ideias, caminhos, lacunas pros próximos pesquisadores [...]. (HUGO BELLUCI, Informação verbal, 2012) O documento subdivide-se em capítulos e subcapítulos que abordam as referências históricas; Origens e mitos fundadores; As cidades da capoeira; 19301940: nasce uma nova tradição da capoeira; 1950-1970: o processo de folclorização e esportivização; A globalização da capoeira; O aprendizado e as escolas de capoeira; Da rua para a academia: o nascimento das primeiras escolas de capoeira e algumas trajetórias da capoeira nos dias atuais. Ainda encontramos temas como: Descrição das rodas de capoeira; Etnografia e performance; Os movimentos e golpes; O canto, os toques e a dinâmica das rodas; Os instrumentos Berimbau, Atabaque, Pandeiro, Agogô e reco-reco; Os mestres e as rodas: patrimônio vivo; Recomendações de Salvaguarda para a prática e difusão da capoeira no Brasil. O processo de produção do inventário é regulado pelo IPHAN, que, para lembrar, somente institui normas denominadas de INRC, para o desenvolvimento de pesquisas voltadas para o reconhecimento. Além disso, a instituição responsável para desenvolver a pesquisa precisa seguir, rigorosamente, as orientações quanto aos Procedimentos para a utilização 232 da Metodologia do INRC, Instrução Normativa nº 1 de 2009, receber Autorização de uso, além de se adequar ao Termo de Compromisso para Uso do INRC. A pesquisa realizada, de acordo com o documento, seguiu três eixos principais: pesquisa historiográfica; trabalho de campo; abordagem de temas relacionados à capoeira, como a reflexão sobre o aprendizado e a descrição das rodas. A pesquisa de campo gerou, além das entrevistas, um arquivo iconográfico, que pode ser observado, tanto no dossiê, como em um documento institucional sobre o reconhecimento.99 Há um anúncio da produção midiática de um vídeo, que se encontra acessível à comunidade.100 No documento analisado, podemos visualizar os responsáveis pela sua formatação.101 Algo que chama a atenção, logo de início, é um dado que vem sendo repetido, por diversas vezes, tanto em sites oficiais do governo, quanto em específicos de capoeira, em textos, jornais e revistas. “Trata-se da informação de que as rodas de capoeira estão difundidas em mais de 150 países” (INVENTÁRIO PARA REGISTRO E SALVAGUARDA DA CAPOEIRA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL, 2007, p. 8). Porém, tal informação nunca é acompanhada da fonte. Repete-se essa informação constantemente, inclusive ao longo do texto do próprio dossiê. O número 150 aparece cabalisticamente, mais uma vez, porém, neste momento, com possibilidades de ampliação do quantitativo, mas, todavia, ainda sem referência. “Atualmente a capoeira se encontra presente em mais de 150 países” (INVENTÁRIO PARA REGISTRO E SALVAGUARDA DA CAPOEIRA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL, 2007, p. 51). Até o próprio ex-ministro Gil, já destacou esses dados em seus discursos, contudo ainda sem nenhuma menção de fonte. “Os capoeiristas deram a volta por cima. Atualmente, a capoeira já é praticada em mais de 150 países” (GIL, 2004). É 99 Produzido por Maurício Barros de Castro (somente algumas fotos). A responsabilidade da fotografia e da pesquisa iconográfica ficou a cargo de Eduardo Monteiro e do webdesigner, Guttemberg Coutinho. 100 Tentamos, em vários computadores, acessar esse vídeo, o que não foi possível. Somente conseguimos abri-lo na própria sede do IPHAN. Possivelmente, há a necessidade de instalação de algum programa específico para a sua visualização. 101 As indicações informam que o roteiro ficou sobre a responsabilidade de Wallace de Deus Barbosa e Maurício Barros de Castro. A montagem, ainda de acordo com o que foi divulgado, ficou sob a responsabilidade de André Sampaio, com locução de Luiz Motta. A finalização de áudio ficou a cargo de Luiz Eduardo do Carmo e as imagens do Rio de Janeiro: Luiz Araújo, de Recife: Antônio Luiz Carrilho e Hamilton Costa Filho e as imagens de Salvador ficaram sob a responsabilidade de Tenille Bezerra, Bruno Saphira e Wallace de Deus Barbosa; Imagens adicionais: Gabriela Gusmão e Wallace de Deus Barbosa. 233 possível que essa tenha sido a primeira vez que esse número foi divulgado, daí em diante, o mesmo vem sendo reproduzido, sempre sem sua fonte. O documento do dossiê, construído com base na pesquisa científica, deveria ter indicado a origem da informação e até situá-la no tempo, vez que se constitui em um dado bastante volátil, dado o intenso movimento de expansão da capoeira. Há outros registros, ainda sem respectivas fontes, que apareceram depois, apontando o número de 160 países que praticam capoeira. Não há, nesse sentido, até o momento, uma preocupação a respeito da veracidade destas informações.102 Desta forma, documento expressa que a opção de abarcar os lugares históricos onde a capoeira se desenvolveu ao longo do tempo. Contudo, ainda informa que isto não significaria restrições. “De início, as capitais da Bahia e Rio de Janeiro foram delimitadas como campo de pesquisa [...] O que não significava a realização de um registro historiográfico restrito às duas cidades”103 (INVENTÁRIO PARA REGISTRO E SALVAGUARDA DA CAPOEIRA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL, 2007, p. 9). Mas não há, nesse sentido, o registro de outras áreas, urbanas ou rurais, do território brasileiro, além das já citadas.104 Isso não foi notado somente por nós: “Na verdade, outros Estados podem requerer a mesma importância, [...] saiu uma pesquisa muito bacana sobre a capoeira no Pará, tem prisões de capoeira no Pará, o Maranhão tem outro movimento de capoeira importante também [...]” (MESTRE MAGO, Informação verbal, 2012). Até mesmo cidades históricas, que não fazem parte dos grandes centros urbanos, mas que possuem relatos importantíssimos para a história da capoeira, passaram despercebidas na pesquisa, como é o caso da região do Recôncavo baiano. Esta região conta apenas com uma rápida citação pontual, sobre o volume de documentação de capoeira ali existente. Por fim, observamos que um dos grandes mitos da capoeira baiana e que viveu naquela região, foi ignorado no texto do dossiê do inventário para registro e salvaguarda da capoeira. 102 O documento destaca a amplidão da capoeira como campo, na contemporaneidade. Hoje, a capoeira encontra-se espalhada em todo o território nacional e por vários países dos diversos continentes. 103 Grifos nossos. 104 Não encontramos, somente para exemplificar, dados de áreas da região Norte, ou até mesmo de outras áreas do Nordeste, como, por exemplo, o Maranhão, que conta com expressivo movimento da cultura afro-brasileira, em suas cidades, com registros de capoeira. 234 De acordo ainda com o texto do “Plano de Ação”, documento que alicerça a “Proposta de Trabalho”, havia uma alusão a Pernambuco, como uma localidade que possuía um passado histórico que poderia contribuir para o processo de registro. Já destacamos que a inserção deste Estado se deu, posteriormente, mas, de qualquer forma, passou a configurar junto aos outros, como campo principal. Nestes três Estados, alguns mestres de capoeira foram ouvidos, suas escolas e rodas visitadas e registradas. O documento aponta 17 entrevistas realizadas, sendo que oito na cidade de Salvador, cinco no Rio de Janeiro e três em Recife.105 Indica que também foram importantes depositários do saber outros 20 mestres.106. Estes contribuíram com os demais documentos que compõem todo o processo.107 A escrita do dossiê, conforme podemos perceber, tem o intuito de reconstituir brevemente a história da capoeira e descrever a sua prática. Inicialmente, a discussão que primeiro emerge diz respeito às origens da capoeira e ao desenvolvimento dos seus três mitos fundadores: a) africano; b) afro-brasileiro e c) indígena, seguida de algumas discussões epistemológicas. Traz referências iconográficas em uma página, mas sem maiores esclarecimentos e aprofundamentos, como, por exemplo, quem foram: Augusto Earle e Johann Moritz Rugendas? O que vieram fazer em terras brasileiras? Por que registraram esse cotidiano? Possuíam alguma relação ou tinham reflexões sobre o que foi retratado nas suas obras? Assim como se inicia essa discussão, ela também termina: de forma superficial e rápida. 105 Na Bahia, foram ouvidos: Mestre João Pequeno (João Pereira dos Santos); Mestre Curió (Jaime Martins dos Santos); Mestre Virgílio (Virgilio Maximiniano Ferreira); Mestre Bamba (Rubens Costa Silva); Mestre Gajé (José Izidro de Carvalho); Mestre Xaréu (Helio Campos); Mestre Demolidor (Augusto Januário Passos da Silva) e Mestre Lua Rasta (Gilson Fernandes). Na cidade do Rio de Janeiro: Mestre Vilmar (Vilmar da Cruz Brito); Mestre Nestor Capoeira (Nestor Sezefredo dos Passos Santos); Mestre Gil Velho (Gilberto Cavalcanti); Mestre Russo (Jonas Rabelo); Mestre José Carlos (José Carlos Gonçalves) e em Recife: Mestre Coca-cola (Marco Aurélio Moreira); Mestre Mulatinho (João Ferreira Mulatinho) e Mestre Meia-Noite (Gilson Santana). 106 Mestre João Grande (João Oliveira dos Santos – BA); Mestre Arthur Emídio (Arthur Emídio – RJ); Mestre Boca Rica (Manoel Silva – BA); Mestre Pirajá (Marcondes Luiz Ferreira da Silva – PE); Mestre Leopoldina; (Demerval Lopes de Lacerda – RJ); Mestre Moraes; (Pedro Moraes Trindade – BA); Mestre Lua de Bobó (Edvaldo Borges da Cruz – BA); Mestre Suassuna (Inaldo Ramos Suassuna – BA); Mestre Itapoan (Raimundo Cesar Alves de Almeida – BA); Mestre Acordeon (Ubirajara Guimarães Almeida – BA); Mestre Decânio (Angelo Augusto Decânio Filho – BA); Mestre Camisa Roxa (Edvaldo Carneiro e Silva – BA); Mestre Camisa; (José Tadeu Carneiro Cardoso – BA); Mestre Peixinho (Marcelo Azevedo Guimarães – RJ); Mestre Rafael Flores (Rafael flores Viana - RJ); Mestre Celso do Engenho da Rainha (Celso Carvalho Nascimento – RJ); Mestre Pelé da Bomba (Natalício Neves da Silva – BA); Mestre Felipe de Santo Amaro (Felipe Santiago – BA); Mestre Gigante (Francisco de Assis – BA); Mestre Bigodinho (Reinaldo Santana – BA). 107 14 da Bahia, mais cinco do Rio de Janeiro e um de Pernambuco. 235 A discussão mais prolongada acontece quando são retratadas as cidades portuárias onde a capoeira se desenvolveu: Rio de Janeiro, Salvador e Recife. O documento ainda aponta para sua urbanidade, de acordo com o que abaliza a produção científica até o momento. Contudo, traz reflexões de um autor que aponta a necessidade de relativizar essa questão: [...] relativiza a capoeira enquanto fenômeno exclusivamente urbano, uma vez que fotografias e gravuras da capital da Bahia do século XIX mostram que, embora Salvador fosse um núcleo urbano desenvolvido, possuía amplas áreas de mata. (INVENTÁRIO PARA REGISTRO E SALVAGUARDA DA CAPOEIRA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL, 2007, p. 22) Ao tempo que aponta também que parte da documentação apresentada na ocasião, pelo citado autor, se restringe à zona urbana e que o mesmo, dando continuidade a sua ponderação, destaca a interface da capoeira com o mundo do trabalho, mas não de qualquer trabalho; em especial, o trabalho executado na rua. Posteriormente, a pesquisa enfatiza as décadas de 1930 e 1940, com as discussões sobre o surgimento da Capoeira Regional e de todo o contexto que favoreceu esse acontecimento.108 Quanto à questão da marcialização desta manifestação, os pesquisadores se limitaram a expressar: A idéia da capoeira como „arte marcial brasileira‟ norteou as primeiras iniciativas públicas que tiveram impacto no cotidiano do capoeirista, uma perspectiva polêmica que permanece defendida por uns e criticada por outros, principalmente pelos mestres de capoeira angola, que afirmam sua ancestralidade africana. (INVENTÁRIO PARA REGISTRO E SALVAGUARDA DA CAPOEIRA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL, 2007, p. 40) Apesar de não encontrarmos uma posição explícita dos autores sobre a questão, o termo marcial aparece no texto 15 (quinze) vezes e a palavra marcialidade 2 (duas) vezes. Ou seja, há 17 (dezessete) referências a marcialidade, que pensamos está muito mais ligada a ressignificações e a seus próprios autores, em uma empreitada para caracterizá-la, prioritariamente, como luta, e a consenso daqueles que acreditavam nisso, pois simpatizantes desta ideia. 108 Somente não é citado o surgimento do termo “de Angola”, denominação comumente utilizada, a partir da criação e desenvolvimento da Regional, desencadeando o processo de dicotomização da capoeira, que até então não possuía adjetivações. Torna-se bastante notória a ausência dessa discussão no documento. 236 Comumente, tal expressão é utilizada. São inúmeros os casos de jornais, revistas e até trabalhos científicos que reproduzem tal ideia. O curioso é o fato dos próprios pesquisadores terem apontado, no documento, a grande possibilidade, cientificamente falando, do desenvolvimento da capoeira no meio urbano: “A capoeira, dessa forma, é reconhecida como fenômeno cultural urbano,109 cuja história permeia o passado e o presente” (INVENTÁRIO PARA REGISTRO E SALVAGUARDA DA CAPOEIRA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL, 2007, p. 12). O que derruba a tese, na nossa concepção, de sua marcialidade. Etimologicamente falando, a palavra marcial tem origens que remontam ao deus Marte, que, para os gregos, é o deus das guerras, a palavra estando ligada a este contexto. Porém, as pesquisas indicam que a capoeira não surge em situações de guerra. Ela surge mais em um contexto lúdico, de rituais e de disputas corporais, do que de conflitos efetivamente marciais.110 Ao analisar-se primeiramente o étimo da palavra „marcial‟, constata-se a sua vinculação com Marte, o deus da guerra. Por inferência, ao usar-se o termo „arte marcial‟ para as artes de luta conhecidas, seríamos levados a crer serem estas artes de combate meros instrumentos de guerra. Ainda baseado nessa perspectiva, e reconhecendo serem muitas das artes de luta aqui referidas práticas milenares e de períodos históricos deveras conturbados por conflitos internos e guerras de conquistas em todo o oriente, pode-se considerar que toda a preparação individual, ou mesmo colectiva, objectivava unicamente a preparação para um fim específico: eliminar o adversário ou inimigo da maneira mais rápida e mais eficaz, logo, uma preparação com fins eminentemente guerreiros. [sic] (ARAÚJO, 1997, p. 24) O autor supracitado destaca que, após análises do contexto, o termo mais adequado a ser usado seria arte de defesa pessoal. A complexidade dessa caracterização é concreta, pois essas manifestações exprimem, ainda, de acordo com o autor, bases culturais, físicas, filosóficas, morais e espirituais. Ademais, devemos não nos esquecer de que a capoeira vai se desenvolver em diversas localidades, com características diferentes, e sua configuração está dialeticamente ligada ao desenvolvimento da sociedade em que ela está inserida. Lembremos aqui que o termo capoeira aparece nos documentos históricos, designando diversas significações (como indivíduos fugitivos, malfeitores, marginais). “Entretanto não se pode deixar de reconhecer que este vocábulo foi um 109 Grifos nossos. Mesmo com registros de participação de capoeiras, posteriormente, em motins, guerras, revoltas e rebeliões, como na guerra do Paraguai. 110 237 dos epítetos recorrentes para designar os indivíduos „negros‟, fugitivos e malfeitores, durante os três primeiros séculos da nossa história” (ARAÚJO, 1997, p. 77).111 Se tomarmos o N‟golo como ponto de partida para discutirmos a questão da marcialidade, possivelmente esta seria facilmente desconstruída, pois a capoeira é um ritual de passagem de tribos africanas, caracterizado como uma dança-luta. O elemento de enfrentamento e disputa corporal é claro nessa manifestação, todavia, não significa dizer que, com isso, este se manifeste a partir da marcialidade. O n‟golo, explicou Neves e Sousa ao velho capoeirista, é dançado por rapazes nos territórios do sul de Angola, durante o ritual da puberdade das meninas. Chamado de mufico, efico ou efundula, esse ritual marca a passagem da moça para a condição de mulher, apta a namorar, casar e ter filhos. É uma grande festa em que se consome muito macau, bebida feita de um cereal chamado massambala. O objetivo do n‟golo é vencer o adversário atingindo seu rosto com o pé. A dança é marcada pelas 112 palmas [...]. (ASSUNÇÃO; MANSA, 2008, p. 16) Essa informação já havia sido democratizada por Rego (1968), desde a década de 1960. Se a capoeira tivesse se originado do N‟golo, seus objetivos se distanciariam de uma possível marcialidade. Os aspectos combativos e desafiadores são alicerçados pela festa, a comemoração, a ludicidade e o ritual, elementos que se diferenciam do surgimento e desencadeamento das artes marciais. Considerando que a capoeira se desenvolve no Brasil, a partir de misturas e ressignficações de outras manifestações da cultura africana, os documentos dos primeiros registros, tanto da capoeira considerada como ato marginal, quanto da capoeira considerada como manifestação de jogo/luta, não conseguem comprovar que originalmente sua criação se deu com fins marciais. Dessa forma, concluímos que o termo foi utilizado indevidamente e empiricamente, durante o seu desenvolvimento, em uma tentativa de inserção e aceitação social, por grupos que a enxergavam de forma positiva. Provavelmente, ideias nacionalistas precipitadas, buscando exterminar seu passado marginal e enquadrar a capoeira como uma manifestação tupiniquim, também tenham 111 Não conseguimos explicar cientificamente até o momento a origem etimológica do termo para a prática da capoeira, como um conjunto de técnicas corporais, no contexto que a conhecemos hoje como um jogo, diferente de outras manifestações da cultura corporal, que surgiram como esporte e até os dias de hoje se configuram assim. A capoeira perpassa por várias caracterizações, ora como defesa pessoal, ora com jogo, ora como exercício físico, ora como luta, ora como ginástica, ora como folclore, dentre outras. Além disso, ela é utilizada com vários objetivos, para atingir os mais variados fins: artísticos, estéticos, históricos, culturais, educacionais e filosóficos. 112 Grifos nossos. 238 contribuído para a massificação da ideia de que se tratava de uma arte marcial brasileira. Referente à Capoeira Regional, não pairam dúvidas até o momento, pois temos documentos, relatos, jornais, vídeos, materiais suficientes que a contextualizam completamente fora desse ambiente marcial.113 Uma luta, com certeza, todavia muito distante de se constituir em uma arte marcial. Desde o final da década de 1930, em Salvador, surgem oportunidades para o fortalecimento político dos capoeiras e de possíveis ações governamentais que fortalecessem o desenvolvimento cultural da cidade. Em 1937, sob a organização de Édson Carneiro, acontece o II Congresso Afro-brasileiro, onde estava prevista, em meio as discussões de valorização da cultura afro-brasileira, a criação da União dos Capoeiras Baianos, o que acabou não se efetivando. O documento traz informações que evidenciam que algumas ações, que poderiam constituir políticas culturais, na esfera municipal, já eram tomadas no final da década de 1970. Porém, não tiveram consequências significativas: Em 1977, o Departamento de Assuntos Culturais da Prefeitura Municipal de Salvador inicia um projeto diretamente relacionado à capoeira que encontra adesão por parte da comunidade capoeirística, [...]. Este projeto tinha por objetivo agregar todos os estilos de capoeira e todas as tendências que estavam em voga (esporte, folclore, educação) e, através de fórum de debates e apresentações de capoeira, listou os pontos impulsivos e restritivos para a prática da capoeiragem. (INVENTÁRIO PARA REGISTRO E SALVAGUARDA DA CAPOEIRA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL, 2007, p. 86) Posteriormente, algumas ações pontuais foram registradas: No ano de 1980, este projeto culminou na realização do Primeiro Seminário Regional de Capoeira e Festival de Ritmo de Capoeira, que deve ser entendido como a primeira iniciativa governamental em prol da capoeira. Neste evento, foram levantadas as principais questões que envolviam a capoeira da época e indicados alguns rumos de atuação para orientar as 114 políticas públicas em seu benefício [...]. Muitos destes itens levantados encontram ressonância no momento atual da capoeira. (INVENTÁRIO PARA REGISTRO E SALVAGUARDA DA CAPOEIRA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL, 2007, p. 87) 113 Apesar do mestre Bimba, em diversos momentos, caracterizá-la como luta e participar, assim, como seus discípulos, de desafios e competições em ringue. 114 1) a revitalização da capoeira angola; 2) a introdução da prática da capoeira nas escolas; 3) o incentivo às pesquisas e estudos sobre o tema; 4) a importância de encontrar formas de amparo aos velhos mestres e suas famílias; 5) a realização de novos eventos de capoeira; e 6) a busca de novos espaços para a sua prática. 239 Tomando as décadas de 1950 e 1970, os pesquisadores abordam o processo de folclorização e esportização. O texto tematiza, ainda, o processo de globalização da capoeira, assim como o trato com o conhecimento da capoeira, nas suas escolas, produzindo um percurso desde a capoeira de rua até a contemporaneidade. O acervo gestual da capoeira possui características próprias que variam de acordo com a vertente do jogador, que por sua vez possui uma expressão própria e individual, manifestada na roda. Neste lugar, os capoeiristas colocam em prática os golpes e movimentos que aprenderam nos treinos. (INVENTÁRIO PARA REGISTRO E SALVAGUARDA DA CAPOEIRA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL, 2007, p. 72) O dossiê perde a oportunidade de trazer à tona a história da perseguição sofrida pelos capoeiras, pelo sistema CONFEF/CREF, o que está diretamente ligado ao mundo do trabalho e ao ofício dos mestres. Não compreendemos como o assunto que originou o processo de reconhecimento da capoeira, enquanto patrimônio imaterial, não é abordado no documento que servirá de respaldo a esse reconhecimento. Sem dúvida, é uma falha no inventário. Destacam-se os cânticos, os toques e a dinâmica da roda. Apresenta-se a ladainha e seu significado, das chulas e dos corridos. No livro Cantos & Ladainhas da Capoeira na Bahia, os autores destacam que, logo após a Ladainha, o que se canta é denominado de Canto de Entrada, o que difere do que está apresentado no dossiê, como sendo saudações durante a Chula.115 Outra curiosidade é que o texto aparentemente vai tratar de denominar o berimbau que possui a cabaça maior, mais grave, de berra boi ou gunga. Todavia, autores com Rego (1968) e Oliveira (1956), informam que gunga seria sinônimo do instrumento completo e não, ao contrário do que o texto nos faz entender, uma variante do berra-boi. “Oneyda Alvarenga registra vários nomes do arco musical: Urucungo, Orucungo, Oricungo, Ricungo, Rucungo, todos variantes de um só termo, Berimbau, Berimbau de Barriga, Marimbau, Gobo, Bucumbumba, Gunga,116 Macungo, Matungo, Marimba” (OLIVEIRA, 1958, p. 235). Assim também como Edson Carneiro, no livro Capoeira, da série Cadernos de Folclore, nº 1, falando sobre o assunto berimbau: “Anotei, na ocasião, os sinônimos 115 Nem os autores Carlos Pereira (Charles) e Mônica Carvalho e muito menos os pesquisadores do dossiê informam a fonte de suas cogitações, constituindo-se em mais uma lacuna nas pesquisas. 116 Grifo nosso. 240 gunga117 e berimbau de barriga” (CARNEIRO, 1975, p. 15). Vale ressaltar que encontramos essa confusão em outras referências. Nas obras de Mano Lima, organizador do Dicionário da Capoeira, e Déo Lembá, percussionista, capoeirista e autor do opúsculo Meu Berimbau Instrumento Genial: manual de percussão, encontramos controvérsias a esse respeito. Estes autores, dentre outros que abordam a temática, identificarão o gunga, como sendo o berimbau, enquanto instrumento completo, que possui uma cabaça grande. Lembá (2002, p. 17) destaca que um dos nomes que o berimbau é conhecido é gunga, porém mais, à frente, se contradiz: “Berimbau de cabaça grande e som grave. Sua função é marcar o toque base de todos os instrumentos” (LEMBÁ, 2002, p. 23). De acordo com a sua primeira afirmação, gunga seria um berimbau com qualquer tamanho de cabaça. Em seguida, há uma afirmação que não compreendemos. O texto informa que: “A capoeira que funde as duas modalidades utiliza o padrão de canto da capoeira angola, iniciando suas rodas com ladainhas e utilizando a instrumentação da capoeira antiga” (INVENTÁRIO PARA REGISTRO E SALVAGUARDA DA CAPOEIRA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL, 2007, p. 77). Na realidade, essa organização da capoeira, que alguns irão denominar de contemporânea, tem uma grande variação. A única regra definida para a orquestra é que o comando da roda é do berimbau, e não se deve realizar a roda sem ele. Afirmativa confirmada no texto de Albano de Oliveira, intitulado Berimbau: o arco musical da capoeira na Bahia, onde o autor afirma: “Capoeira sem reco-reco, pandeiro ou violão pode existir. Nunca, porém sem berimbau” (OLIVEIRA, 1958, p. 229). Já presenciamos rodas em academias, nas ruas, em encontros, em batizados e na troca de cordões, com variadas organizações, com três berimbaus não necessariamente estando presente um berra-boi, um médio e uma viola, um ou dois pandeiros e atabaque, onde os integrantes ficam sentados ao redor da roda. Há momentos em que a roda não se inicia com um toque de angola ou uma ladainha. Às vezes com a presença de um agogô e de vez em quando também de um reco-reco, sendo executado em um ritmo mais acelerado da versão do toque de São Bento Grande de Angola, que se faz predominante nessa capoeira. Em outras 117 Grifo nosso. 241 oportunidades, a roda é realizada com um toque de São Bento Grande de Bimba, apenas com um berimbau, um ou dois pandeiros, e todos ficam em pé. O texto não deixa claro a que se refere, quanto à denominação de capoeira antiga. Enfim, não há uma padronização, ou regras, quando o assunto é esse. Aqui prevalece um dos principais fundamentos da capoeira – a liberdade. No dossiê, o dobrão é denominado de uma moeda. O documento usa um trecho dos escritos de outro autor: “O instrumentista usa o dobrão (moeda) para alterar o comportamento da corda e produzir três diferentes tonalidades sonoras [...]” (REGO apud INVENTÁRIO PARA REGISTRO E SALVAGUARDA DA CAPOEIRA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL, 2007, p. 77).118 Atualmente, o dobrão pode ser uma pedra de praia, com contornos arredondados, ou uma peça mais contemporânea, que é comercializada em lojas especializadas, feita de ferro ou cobre, conforme cita o dossiê do inventário.119 Outra curiosidade, que nos soa como surpresa, é que o documento enfatiza: “outro toque inventado pelos capoeiristas antigos que permanece nas rodas atuais,120 ainda que em raras ocasiões, é a Cavalaria. O ritmo imita o som de cavalos trotando e era tocado para avisar a chegada do Esquadrão da Cavalaria [...] (INVENTÁRIO PARA REGISTRO E SALVAGUARDA DA CAPOEIRA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL, 2007, p. 78). Não há indicação em que região isso acontece, mas, na nossa experiência de 25 anos na capoeira, desconhecemos capoeiras e grupos que executem esse toque, durante a roda. O mesmo permanece somente como uma tradição histórica e é aprendido pelos iniciantes, como uma forma de sua manutenção, sem maiores e outros fins. Afinal, o objetivo desse toque se perde com o desenvolvimento da sociedade e o fim da repressão a essa manifestação, perdendo sentido e modificando o seu significado. 4.4 Dossiê do Inventário: ponderações finais 118 Mas devemos alertar que a mesma não é mais comumente utilizada. A moeda a que se refere o documento é uma peça antiga, de quarenta réis, do século XVIII, feita de bronze. Não esqueçamos de que a ruela foi muito utilizada na década de 1990, na Bahia, somente para exemplificar. 119 Há uma citação sobre o dobrão atual, na página 82. 120 Grifos nossos. 242 É o a, Éob É o a, é o b é o c É o a, Éob É o a, é o b é o c É o a, de aú É o b de berimbau É o c, de capoeira. O texto inicial sobre os instrumentos está bastante claro, mas notamos a ausência de referências, principalmente ao tratar do berimbau, com exceção de Rego (1968). A escassez da biriba, material para fazer a verga, é tratada com lucidez, principalmente quando se destaca a exploração desenfreada da árvore para a comercialização de berimbaus, no mercado internacional.121 Todos os materiais utilizados para fazer o berimbau, que ainda é produzido artesanalmente, provêm de recursos naturais, diretamente da natureza.122 Sendo assim, é imperativo que o ser humano, principalmente aquele diretamente ligado à prática da capoeira atente, bem como o governo brasileiro, para a sua preservação e o seu adequado manejo. Incluímos aqui a cabaça, o vime e as sementes utilizadas na produção de caxixis. Referente ao atabaque, o texto nos informa: Sem dúvida foi um dos primeiros instrumentos adotados na capoeira, como fica demonstrado numa das gravuras de Rugendas, feita no séc. XIX [...]. No fantástico cenário retratado por Rugendas, apenas um instrumento – o atabaque – se destaca um uma manifestação que apresenta traços da movimentação de capoeira. (INVENTÁRIO PARA REGISTRO E SALVAGUARDA DA CAPOEIRA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL, 2007, p. 84) Além de não mencionar o tipo de toque realizado no atabaque para que o jogo da capoeira aconteça, o documento afirma algo que nos parece dado como não totalmente confiável. Como podemos afirmar que o instrumento tocado na gravura de Rugendas seja realmente um atabaque? Parece-se com um tambor, sem dúvida. Mas o tipo do tambor suscita desconfianças quanto a sua caracterização. Seria mesmo um atabaque? 121 Pensamos inclusive que deveria ser mais aprofundado, dado o problema que pode desencadear em um futuro não tão distante. 122 Exceto o aço do berimbau, que é retirado de pneus de carro. 243 O texto continua trazendo agora informações básicas sobre o pandeiro, o agogô e o reco-reco, até iniciar a discussão dos mestres e da roda de capoeira, destacando uma época que evidenciou a folclorização e a esportivização da capoeira, além de suas dificuldades particulares e a luta pela sobrevivência social. Portanto, há uma contradição inerente à difusão da capoeira. Por um lado, percebe-se que o jogo não corre risco de desaparecer, é praticado por milhões de pessoas em todo o mundo e estudado por pesquisadores de universidades nacionais e internacionais. No entanto, os mestres encontram brutais dificuldades para manter seu ensinamento, enfrentam problemas financeiros, falta de espaço para ministrar aulas e barreiras para divulgar a arte no exterior. (INVENTÁRIO PARA REGISTRO E SALVAGUARDA DA CAPOEIRA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL, 2007, p. 87) O documento aponta então a necessidade do reconhecimento oficial, por parte do governo, de sua relevância. Há um temor explícito aí que, em determinado contexto, outros países entendam que o Brasil somente tenha sido um ponto de passagem da capoeira para sua internacionalização. A perspectiva deste dossiê é a de que a capoeira, embora marcada pela influência africana, estabeleceu-se como hoje é conhecida no Brasil. Foram também os mestres brasileiros os responsáveis por articular aspectos culturais a uma manifestação que poderia ficar restrita à face marcial, mas que, ao contrário, é reconhecida por sua riqueza musical e gestual, o que a aproxima também de uma dança especial, reminiscência de jogos de combate de sociedades tradicionais. (INVENTÁRIO PARA REGISTRO E SALVAGUARDA DA CAPOEIRA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL, 2007, p. 87) Está aqui, possivelmente, o ponto mais importante para o reconhecimento da capoeira como patrimônio: políticas culturais necessitam ser incorporadas às políticas públicas do Estado brasileiro. Esse risco é constante, é um processo passível de acontecer com qualquer manifestação cultural. Tomemos, como exemplo, o jiu-jítsu, que historicamente tem sua origem na região oriental (possivelmente entre o Japão e a Índia). Este sofreu um processo de modificação e adaptações e incorporação à cultura brasileira, de tal forma que ficou internacionalmente conhecido como jiu-jítsu brasileiro; e em muitos casos se sobrepõe ao jiu-jítsu tradicional, desenvolvido no Japão. O jiu-jítsu também incorporou, em um processo de globalização, nomenclaturas inglesas/norte- 244 americanas a seus golpes e posições, o que potencializou sua divulgação e aceitação cultural, em todos os continentes.123 Para os pesquisadores, a roda de capoeira é a forma de expressão que possibilitou o ensino-aprendizagem da manifestação e sua expansão. A roda é o grande momento da capoeira, sem dúvida, uma expressão muito importante que realmente precisa ser preservada, é um momento que demarca a síntese das suas vivências, onde você pode expressar corporalmente suas emoções, através de movimentos, cânticos e toques. Enfim, o documento indica que a roda também deve ser registrada como um saber imaterial da capoeira.124 Diante dessas propostas, torna-se importante recomendar as medidas de salvaguarda (na fase final do documento estão tais recomendações, que analisaremos mais adiante). No texto O Registro da Capoeira como Patrimônio Imaterial: Novos Desafios Simbólicos e Políticos, a antropóloga Simone Pondé Vassallo (2008) destaca que a ideia de patrimônio se diversifica para as pessoas e para as instituições, assim também como a capoeira. Assim, a capoeira é interpretada de diferentes formas, pela mídia, pela população, pelos órgãos públicos e até mesmo pelos próprios capoeiristas, que a denominam ora de luta, às vezes de dança, de jogo, esporte, arte, dentre outros termos. Já discutimos neste trabalho como a capoeira foi se configurando e se relacionando com os indivíduos, a natureza e a própria sociedade. São essas relações que vão direcioná-la para a sua constituição, em determinadas comunidades e, de uma forma geral, para a própria sociedade. Neste instante, não estamos falando de qualquer sociedade, mas nos referimos à sociedade globalizada, regulada na lógica do modo de produção capitalista. Sobre a sociedade atual e seus possíveis efeitos sobre o patrimônio, concordamos com Falcão (2007), quando aborda essa questão, no texto Contribuições dos Grupos de Pesquisa e dos Eventos Científicos para o Registro da Capoeira como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. 123 Podemos observar algo parecido com os chutes do Muay Thay, manifestação da cultura corporal tailandesa, que tem seus golpes pronunciados na língua inglesa, sem tradução em muitos casos (jab, uppercut, hight kick). Com o advento de shows, cobertos pelas mídias e transmitidos para diversos países, onde lutadores que defendem suas lutas e artes marciais se enfrentam na tentativa de provarem quais técnicas são melhores e mais eficientes, essa aculturação é potencialmente ampliada, sendo ainda uma tentativa de universalização da cultura dominante. 124 A capoeira também foi privilegiada em outras linhas de atuação, como o edital de incentivo a documentários (DOC TV) e os Pontos de Cultura. 245 O processo de globalização pode gerar desdobramentos paradoxais. Se por um lado pode intensificar intercâmbios e interdependência econômica, ele vem contribuindo para uma desproporção cada vez maior em favor das grandes centros, das cidades antigas, dos grandes monumentos e das grandes civilizações, em detrimento das culturas e das espiritualidades comunitárias e, de modo geral, do patrimônio de todas as sociedades ditas tradicionais. O fato é que vem ocorrendo uma aceleração do desaparecimento de inúmeras expressões culturais que formam as identidades culturais dos povos. (FALCÃO, 2007, p. 2) Independente do seu conceito ou como as pessoas a enxergam, na atualidade, a capoeira é patrimônio imaterial do Brasil. Vassallo (2008) defende no texto O Registro da Capoeira como Patrimônio Imaterial: novos desafios simbólicos e políticos, que a noção de patrimônio se relaciona a duas categorias: propriedade e herança. Estas implicam outras duas palavras destacadas pela autora: transmissão e continuidade. É comum ouvirmos dos mestres de capoeira, ao se tratar desse assunto, que ela deve seguir a tradição. Expressões como “a verdadeira capoeira”, ou a “capoeira legítima” são propagadas e repetidas por seus discípulos, de forma corriqueira, sem maiores reflexões. Certamente, há um consenso que a capoeira seja uma cultura. Toda cultura é dinâmica; viva. Influencia e é influenciada pela sociedade, pelo modo de vida e pelas condições reais e objetivas de relacionamento dos seres humanos, com a natureza e na própria sociedade. Não há pureza, nem verdades absolutas, quando o assunto é o movimento da cultura. O que é legítimo na capoeira? Tomemos, como exemplo, sua metodologia de ensino. No início, sua forma de ensinar era através da oitiva. Abreu (2003), no livro O Barracão do Mestre Waldemar, nos fala dessa metodologia. [...] era na roda, sem a interrupção do seu curso, que se dava a iniciação, com o mestre pegando nas mãos do aluno para dar uma volta com ele. Diferentemente de hoje em dia, quando é mais freqüente se iniciar o aprendizado através de séries repetitivas de golpes e movimentos, antigamente o lance inicial poderia surgir de uma situação inesperada, própria do jogo: um balão boca-de-calça, por exemplo. A partir dele se desdobravam outras situações inerentes ao jogo, que o aprendiz vivenciava orientado pelos „toques‟ do mestre [...]. (ABREU, 2003, p. 20) Com Bimba, toda essa pedagogia foi modificada, inclusive sua metodologia, que passou a se formatar através de uma organização didática e de sequências pedagógicas. Destaque-se a Sequência de Ensino e a Cintura Desprezada. “As sequências que inventou foram o primeiro método de ensino da capoeira” 246 (INVENTÁRIO PARA REGISTRO E SALVAGUARDA DA CAPOEIRA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL, 2007, p. 59). Nesse sentido, a referência utilizada é atual e a abordagem da temática é objetiva. Contudo, o documento deveria trazer, de forma sintética, a origem desse processo, para um melhor entendimento e compreensão dos fatos. As informações contidas nele são insuficientes para um entendimento dos fatos e acontecimentos que desencadearam as práticas pedagógicas do jeito que são na capoeira. Este encontro com as escolas formais e suas pedagogias centradas no conhecimento intelectual tem transformado o ensino da capoeira numa prática pedagógica sistemática, em que o conhecimento não é construído num ambiente de tradição popular, mas nas academias dos mestres ou nas cadeiras formais dos bancos universitários. (INVENTÁRIO PARA REGISTRO E SALVAGUARDA DA CAPOEIRA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL, 2007, p. 67) Essa problemática surge a partir de militares/instrutores de ginástica, que defendiam que a capoeira deveria ser considerada uma ginástica brasileira. Durante todo o início do século XX, um movimento para sua sistematização será desenvolvido, fortalecendo a relação da Educação Física com a capoeira. Mas esta se constituirá na tentativa de cooptação da prática pedagógica desta manifestação, para fins pedagógicos específicos da disciplina. Ao que parece, há uma falha no que tange à continuidade do pensamento. Os escritos do dossiê do inventário apontam duas tradições de ensino e aprendizado, contudo somente indicam uma que é o modelo da escola tradicional. Desta maneira, estamos diante de duas tradições de ensino e aprendizado que atravessaram a história da capoeira. O modelo da escola tradicional, voltado para a sistematização, racionalização e competição, em que o importante é o resultado ou a eficiência do processo de aprendizado, e o modo inspirado na forma antiga de aprender, na qual a vadiação, a 125 brincadeira e a estética tornam-se base. (INVENTÁRIO PARA REGISTRO E SALVAGUARDA DA CAPOEIRA COMO PATRIMÔNIO 126 CULTURAL DO BRASIL, 2007, p. 67) Estas tradições não se resumem apenas às descritas acima, pois podemos perceber, no seu desenvolvimento, transformações e adequações, conforme as condições sociais vigentes. A tradição é todo tempo a própria imagem da 125 Grifos nossos. Na nossa compreensão, a capoeira foi sendo ensinada/aprendida através de várias influências, conforme o seu movimento natural, de uma manifestação com suas características. 126 247 contradição, quando falamos de capoeira. Ela reinventa-se diante de mínimas modificações, constituindo-se, então, em uma nova tradição, que adiante pode não mais ser considerada como tal.127 O próprio Hélio Campos (Mestre Xaréu), referência utilizada no dossiê do inventário, já apontava, em seu primeiro livro sobre capoeira, essas influências dos métodos de ginástica. Da nossa experiência, concluímos que essas aulas podem ser ministradas de duas maneiras: a primeira, sendo a Capoeira incluída na parte da aplicação desportiva dos métodos de ginástica, tais como o Método Natural Austríaco, o Método da Desportiva Generalizada e o Método Padrão, ou mesmo como parte principal das aulas de Educação Física; a segunda 128 com prática desportiva , já sendo utilizada por alguns estabelecimentos de ensino, principalmente da rede particular. [...]. (CAMPOS, 1998, p. 15) A discussão da prática pedagógica da capoeira, assim como o espaço de aprendizagem e as competências para o seu ensino, em espaços distintos, é um debate que incidirá na problemática da regulamentação da profissão. Entretanto, não há aprofundamento, nem nexos claros nessa problemática em especial, abordada no texto. Isto incide diretamente no reconhecimento do saber do mestre de capoeira, como patrimônio cultural. Assim sendo, percebemos que existem discursos. Por um lado, parte significativa da comunidade da capoeira defendendo uma pureza de tradição e o que julga verdadeiro; e de outro lado uma lógica que alicerça a noção de patrimônio do qual a capoeira está hoje inserida, pautada na sua transmissão e continuidade. Mas, como vimos, não são ideias prontas ou fabricadas, muito menos institucionalizadas, que irão dar o tom da realidade concreta. Esta sempre será constituída a partir das relações sociais estabelecidas na sociedade, em um movimento contínuo, por vezes influenciando, por vezes sendo influenciada. Vassallo (2008) ainda destaca, nesse assunto, um ponto que gostaríamos de discutir um pouco mais: “[...] grupos de capoeira e agentes de órgãos públicos como 127 Dessa forma, temos o ensino através da oitiva; o método da Capoeira Regional (sequências cintura desprezada etc.); o ensino com influência dos métodos ginásticos e esportivos; o método da Capoeira Regional, com métodos ginásticos e esportivos (exercícios sistematizados de flexibilidade, corridas, saltitos, apoios, abdominais, polichinelos etc.); a mesma foi ensinada com princípios da sequência da Capoeira Regional, com exercícios do treinamento desportivo e complemento do treino com atividades com pesos (não necessariamente nesta ordem); princípios da sequência da Capoeira Regional e da Oitiva, treinamento com pequenos aparelhos e princípios do treinamento funcional, dentre outros. 128 Grifos nossos. 248 o Ministério da Cultura ou o IPHAN podem defender percepções díspares, e até mesmo contraditórias, da idéia de patrimônio e seus desdobramentos” (VASSALLO, 2008, p. 1). Há unanimidade nos depoentes em afirmar que a comunidade da capoeira é complexa.129 Outro ponto que destacamos diz respeito à importância e à minúcia, de se levantar, de forma mais abrangente possível, o universo do conhecimento produzido pela capoeira, que o grupo responsável por fazer o documento, que seria a base para as políticas de salvaguarda da capoeira, deveria ter. Falcão (2007) destaca dentre estes a produção de eventos científicos da área. Além dos grupos e instituições de pesquisa e todas as suas produções, os eventos científicos específicos sobre a capoeira, como o Simpósio Nacional Universitário de Capoeira (SNUC), promovido pela Universidade Federal de Santa Catarina e o Seminário Nacional de Estudos sobre Capoeira (SENECA), promovido pelo Grupo de Estudos da Capoeira (GECA), merecem atenção especial. (FALCÃO, 2007, p. 8) Dos eventos citados pelo pesquisador, podemos destacar o I SENECA, que ocorreu nos dias 7, 8 e 9 de maio de 2004, na Estação Cultura, em Campinas/SP. Este evento, o primeiro realizado pelo coletivo do GECA, contou com a participação de cerca de 500 pessoas, com representações de diversos Estados brasileiros, 32 (trinta e duas) cidades, e também do exterior, como Sidney (Austrália), Nova Iorque (EUA) e Bristol (Inglaterra). Na síntese do seminário, denominada Carta de Campinas, percebemos a preocupação em reconhecer a capoeira como uma estratégia educacional a ser implantada nas escolas, justificando essa ação através de sua importância identitária e, já naquele momento, adotando essa manifestação como patrimônio. A capoeira tem que estar presente na escola como atividade curricular complementar abarcando uma perspectiva de pesquisa, produção do conhecimento e valorização do saber popular, por ser um elemento importante da identidade brasileira fazendo parte da história de formação do povo brasileiro e assim se constituir um patrimônio da 130 cultura nacional. (CARTA DE CAMPINAS, 2004, p. 1) 129 Gostaria de destacar dois pontos a esse respeito: o primeiro desentendimento se produz por causa do discurso construído, que muitas vezes se torna intransigente e imutável, tanto por parte de um como de outro. E o segundo, pela representação de interesses distintos. 130 Grifos nossos. 249 O II SENECA foi realizado no Centro de Cultura e Eventos da Universidade Federal de Santa Catarina, entre 12 e 14 de maio de 2006, e congregou 149 (cento e quarenta e nove) pesquisadores e capoeiras de várias regiões brasileiras. Seu tema foi: “Capoeira e Políticas Públicas: Realidade e Possibilidades”.131 Tanto o primeiro quanto o segundo seminário produziram materiais que não foram considerados pelos pesquisadores do inventário. O documento do II SENECA, intitulado Carta de Florianópolis, indicou uma maior preocupação com as políticas públicas para a capoeira, e já apontava a necessidade do Estado atentar para alguns princípios que deveriam nortear essas iniciativas. 1 - A adoção de políticas públicas para a capoeira deve contemplar os princípios da diversidade, da identidade e do direito; 2 - Que haja ostensiva divulgação e transparência em todas as ações de políticas públicas encampadas pelas instâncias do poder público federal, estadual e municipal. (CARTA DE FLORIANÓPOLIS, 2006 p. 1) O trabalho de pesquisa levantou grande quantidade de documentos, entretanto, estes não se encontram acessíveis à comunidade em geral. Existem dezenas de fichas, fruto das pesquisas realizadas principalmente no Rio de Janeiro e em Salvador. Nestas, encontramos principalmente a indicação de diversas referências sobre a temática, levantadas no Instituto Jair Moura, em sua grande maioria, no Centro de Estudos Afro-orientais (CEAO) e no Arquivo Público do Estado da Bahia. Vassallo (2008) ressalta, como um aspecto de discussão sobre o registro da capoeira como patrimônio imaterial, a origem da capoeira, se africana ou brasileira. A autora faz uma reflexão interessante sobre essas duas possibilidades, algo real e bastante presente nas discussões que envolvem a capoeira, e que ainda se constitui como um aspecto sobre o qual pairam dúvidas e diversos questionamentos. No documento oficial, oriundo das pesquisas realizadas pela equipe formada para esse trabalho, encontramos essa discussão. A produção relata três mitos fundadores da capoeira, que desembocam nas assertivas de que a capoeira seria africana, brasileira ou indígena. Esta última origem, é prontamente descartada, 131 Durante os três dias do evento, participaram cerca de trezentas pessoas. Dentre as várias discussões, a patrimonialização se fez presente, como tema em diversos GTs, mesas-redondas, apresentação de pôsteres e comunicação oral de trabalhos científicos. 250 porém não há um posicionamento claro no documento sobre alguma defesa explícita, se africana ou brasileira, apenas cogitações sobre estas teses.132 Na gestão do presidente Lula, há exemplos de determinadas palavras de ordem que lembram a época getulista, gerando fortes tendências nacionalistas. Podemos citar, além das propagandas com slogans do tipo: “sou brasileiro e não desisto nunca”, o trato com a cultura nacional, em especial as atividades consideradas como jogos, esportes e dança, sendo reconhecidas como esportes de criação nacional. Órgãos do governo, como o Ministério dos Esportes (ME), divulgaram e defendem a capoeira nessa lógica. Essa ideia foi alicerçada pelo documento do Estatuto da Igualdade Racial, na Seção IV – Do Esporte e Lazer. Neste momento, no documento, destaca-se: “Art. 22. A capoeira é reconhecida como desporto de criação nacional, nos termos do art. 217 da Constituição Federal” (BRASIL, 2010). O discurso, na época em que Lula ainda era o Presidente da República Federativa do Brasil, na abertura da 1ª Conferência Nacional do Esporte, reforça a dualidade de pensamento da gestão: “O esporte é ainda um componente fundamental na afirmação da identidade nacional, um dos fatores de unidade da nossa rica diversidade cultural” (LULA, Informação verbal, 2004). O Princípio da Identidade Nacional, defendido pelo governo, decorre diretamente da nossa lei suprema, mais especificamente do art. 217, da Constituição Federal e visa ações em que se tutelam e estimulam as manifestações de cunho esportivo, denominadas aqui de desporto de criação nacional. Art. 2º O desporto, como direito individual, tem como base os princípios: I – da soberania, caracterizado pela supremacia nacional na organização da prática desportiva; [...] VII – da identidade nacional, refletido na proteção e incentivo às manifestações desportivas de criação nacional; [...] (BRASIL, 1998) Essas ações foram amplamente divulgadas, tanto pelo ME, quanto por sites, jornais e entidades ligadas ao esporte no país. 132 Os pesquisadores são cautelosos, o que por um lado os livra das contradições. Possivelmente, houve um consenso que momentaneamente deixou no texto um posicionamento mais claro, diferente do Governo, que explicitamente expõe as contradições e os posicionamentos de grupos diferentes que fizeram e fazem parte dele. 251 As práticas de cultura nacional que recebem apoio do projeto são: esportes praianos, arqueria, canoagem, caça, pesca, lutas rituais indígenas, corridas em meio rústico, vaquejadas, corrida-de-argolinhas, derrubada de bezerro no laço, montaria de burro bravo, cavalgadas, saltos e trotes com eqüinos, muares, asininos, bovinos, regatas à vela de saveiros e jangadas, peteca, bocha, capoeira, entre outros. (BRASIL TEM PROJETO PARA INCENTIVAR ESPORTE NACIONAL, 2012) Grande parte dos angoleiros não abre mão da africanidade da manifestação, com o perigo de perda da centralidade política desse grupo. Assim como os praticantes da Regional e parte daqueles que pertencem a diversos outros tipos de capoeira consideram sua afro-brasilidade fato mais coerente, de acordo com alguns argumentos e informações levantadas até o momento. O documento aponta e discute várias questões relacionadas à capoeira, dentre elas a história, as personalidades, sua esportivização, a folclorização e sua pedagogização. Algumas ausências de questionamento e aprofundamentos no dossiê são ululantes. Pensamos, por exemplo, que os golpes,133 http://portalrevistas.ucb.br/index.php/efr/article/view/977/841 tipos de música,134 tipos de toque dos instrumentos e graduações deveriam ser catalogadas e descritas, tanto como registro, como também memória. Todas essas questões, acima citadas, se relacionam diretamente com a roda de capoeira e os ofícios dos mestres. Não há um aprofundamento sobre a influência da sociedade nas ressignificações que acometeram a capoeira, na contemporaneidade. Em um dos encontros organizados pela equipe responsável pela produção do dossiê do inventário para o reconhecimento da capoeira, um pesquisador destaca, em seu pensamento, um assunto que não poderia ficar à margem. [...] um fenômeno também que nos preocupa muito [...] é a transformação da capoeira em mera mercadoria de consumo, a gente vê isso acontecendo muito [...]. A capoeira como uma simples mercadoria. Bota em uma embalagem muito bem colocadinha, mas justamente pra poder entrar nessa lógica de consumo que a gente vê aí. Quando isso acontece, a gente percebe que capoeira perde muito da sua essência, perde aquilo que é a 135 sua tradição [...], esse documento que vai ser feito, eu acho que tem que tocar nessas questões, tem que deixar muito claro isso, pra que isso também não seja, de certa forma, através de uma iniciativa como essa, uma forma de se vender a capoeira por aí. (ABIB, Informação verbal, 2006). 133 Somente há referências a alguns poucos golpes da Capoeira Regional de Mestre Bimba, na página 75, e a alguns movimentos da Capoeira Angola, registrados através de fotos, na página seguinte. 134 Há registros aligeirados na página 77. 135 Diz respeito aqui ao dossiê do inventário da capoeira. 252 Apesar de seu apelo estar registrado em vídeo, não há referência alguma, durante todo o texto do dossiê do Inventário para o Registro da Salvaguarda da Capoeira como Patrimônio Cultural do Brasil, a tal discussão.136 O próprio Abib (2004) em sua tese, assim como Sodré apud Neto (1996) enfatiza que devemos atentar para o núcleo cultural e a essência africana que compõem a capoeira. Além disso, vale ressaltar suas vertentes. A ausência de algumas referências no assunto tratado pelo dossiê também chama a atenção. Há afirmações sobre mestre Bimba e sua Regional, entre as páginas 56-64, que mereceriam o registro das fontes. Sobre o berimbau, abordado na página 81, não encontramos nenhuma referência específica a pesquisadores especialistas no assunto, nem para subsidiar, nem para fundamentar algumas das afirmações expostas. Há somente as referências aos estudos de Rego (1968). Ficou claro na pesquisa que não houve a participação efetiva das diversas comunidades que compõem a capoeira, durante o processo do seu reconhecimento. Houve mobilização, sim, mas insignificante, se considerarmos o universo da capoeira. [...] foi certo descompasso entre as falas por ocasião dos eventos, das mesas, dos mestres, daquilo que se dizia, daquilo que se pedia, que se encarava como demanda do mundo da capoeira. Havia visões muito díspares. Muito variadas. (WALLACE DE DEUS, Informação verbal, 2012) São coletivos extensos, dentro e fora do Brasil, que disputam ideias diversas e em muitos casos incongruentes. Além disso, não há como simplesmente apagar da memória a relação, extremamente conflituosa, que o Estado construiu com as comunidades dessa manifestação cultural. Assim, uma ação como essa, torna-se extremamente complexa e difícil. E tenho que dizer, é muito difícil mobilizar a comunidade da capoeira, por razões históricas, eu acho que o Estado em vários momentos já tentou instrumentalizar a capoeira, no Estado Novo, na Ditadura Militar já aconteceu isso. Então, eu entendo que os capoeiristas ficam com o pé atrás. Eu acho que eles têm razão, historicamente [...]. (ASSUNÇÃO, Informação verbal, 2012) 136 O que indica que não houve o entendimento, por parte dos produtores do documento, da necessidade de tal discussão. 253 O que o nosso entrevistado destaca está relacionado ao processo histórico da capoeira em sua relação com o Estado,137 principalmente na sua transformação em ofício. A origem do Estado atrela-se à origem da divisão do trabalho. Não devemos esquecer que “[...] por „Estado‟ entende-se, na verdade, a máquina governamental ou o Estado, na medida em que, por meio da divisão do trabalho, forma um organismo próprio, separado da sociedade [...]” (MARX, 2012, p. 45). O que vai contribuir, em última análise, para o reconhecimento da capoeira, enquanto patrimônio imaterial é a sua constituição, enquanto ofício, e a disputa de poder que se institui, a partir do final da década de 1990, entre diversos grupos, para regulamentar essa manifestação, quer seja ela enquanto ofício, educação, esporte, cultura etc. Essa disputa se inicia na comunidade, mas é o Estado que ratificará o pensamento ora de um grupo ora de outro e este pensamento será o “hegemônico”. Não devemos entender o Estado como um ser autônomo “dotado de seus próprios fundamentos espirituais, morais, livres” (MARX, 2012, p. 42). Devemos nos perguntar em quais bases o mesmo fincou seu alicerce? Devemos ressaltar que não é qualquer sociedade. No nosso caso, o Estado é um órgão alicerçado e completamente subordinado à sociedade do capital. As iniciativas do governo Lula não significaram a ruptura cultural do bloco hegemônico138 que se construirá no Brasil. É óbvio que todas essas movimentações e mobilizações efetivadas pelo MinC e pelo IPHAN, e nem mesmo a política cultural e as comunidades da capoeira serão as mesmas, entretanto, notamos que: “[...] a articulação de elementos culturais também é feita utilizando-se da tradição seletiva dos elementos culturais residuais, utilizados, como largamente feito no Brasil, com o fim de construir e contar a história a partir da classe hegemônica” (WILLIAMS apud CLOUX, 2012, p. 227). Parte destas comunidades de capoeiras pode não perceber diretamente essas questões, outra parcela não somente percebe, como consegue compreender e questionar, outros ainda se relacionam com o Estado em suas condições, mas sempre desconfiados, em muitos casos tentando extrair o que há de importante e bom no processo. 137 Os registros sobre a capoeira surgem no Brasil, ainda no período escravocrata, exatamente na primeira grande divisão social do trabalho e a divisão de classes. De um lado, os senhores de engenho e, do outro, os escravos, negros africanos. A capoeira é influenciada por todo esse processo. 138 Conforme Jorge Almeida (2011), formam o bloco hegemônico: a economia, a sociedade civil, o Estado e o Estado ampliado (mídias e conjunto de leis). 254 Essas estratégias são bem definidas na fala do mestre, no vídeo Pastinha: uma vida pela capoeira. “A capoeira tem negativa. A capoeira nega. A capoeira é positiva. Tem verdade. Negativa é fazer que vai e não vai e na hora que nego não mais espera, o capoeirista vai e entra e ganha” (PASTINHA, 1998). As ações, principalmente para a capoeira, se constituíram como políticas sociais compensatórias, que não resolvem o problema na raiz. Não possibilitam a extinção daquilo que gerou tal situação. Repetimos que não há dúvidas de que as condições dadas oportunizaram uma movimentação e uma estimulação, nunca antes vista, contudo, completamente instável e vulnerável. Não somos nós que apontamos isso, é a realidade concreta que se escancara aos olhos do avaliador mais míope. A seguir, mais exemplos fortalecem nossas ideias já destacadas. Após o reconhecimento da capoeira como patrimônio cultural, o Governo Federal, através de seus órgãos competentes, inicia estratégias para salvaguardar essa manifestação. Estas estratégias também remetem a mobilização, com o envolvimento direto da sociedade e a construção de outras estratégias, a partir de demandas para proteger o bem reconhecido. Nosso próximo passo é estabelecer um olhar sobre esse processo que, por incrível que pareça, ainda está em andamento, mesmo após cinco anos dessa manifestação obter o seu reconhecimento como patrimônio imaterial. 4.5 Reconhecimento e Salvaguarda: o dia depois de amanhã A noite esfriou, O dia não veio, O bonde não veio, O riso não veio Não veio a utopia E tudo acabou E tudo fugiu E tudo mofou, 139 E agora, José? 139 E agora José? Música de Paulo Diniz. 255 Conforme Oliveira (2008), a partir das grandes transformações na Europa, no século XIX, os Estados nacionais se fortaleceram e iniciaram um processo que mais tarde chamaríamos de globalização, através de normas que estabeleceriam muitas padronizações: de horas, pesos e medidas, por exemplo. Há uma verdadeira reviravolta na forma de se relacionar com a natureza e com os indivíduos. A tradição é esse constante diálogo entre passado e futuro. Ao contrário do senso comum, que imputa um sentido de imutabilidade a essa palavra, como se algo, em pleno movimento real, não pudesse ser alterado, o sentido e o significado em que devemos aqui compreender este termo é exatamente o contrário. Se analisarmos o movimento do real, sob as luzes da dialética materialista, perceberemos que este se faz constante e contínuo. Como afirma o sociólogo Sodré, na película Capoeira: patrimônio cultural do Brasil: “A tradição é também um lugar onde as formas morrem e renascem” (SODRÉ, 2007).140 Assim, quando abordamos a temática de capoeira, faz-se imprescindível tratar de tradições no plural. Enfim, a capoeira chega ao século XXI, após, pelo menos, três séculos de existência, construindo, em conjunto com seus atores, sua história, de forma rica, resistente e diversificada, influenciando e sendo influenciada pela sociedade e enfim sendo reconhecida legalmente pelo Estado, com quem estabelece conflitos contínuos e constantemente trava batalhas pela sua sobrevivência. Muitas vezes tem pequenos êxitos, outras convive com retrocessos. Em meio a esse processo, um pouco antes do dia oficial do reconhecimento da capoeira como patrimônio imaterial do Brasil, uma declaração chamaria a atenção da comunidade baiana e nos traria uma reflexão sobre os desafios que ainda teríamos pela frente, mesmo com todas as ações desenvolvidas e implantadas pelo governo, já destacadas por nós, nesta tese, e as diversas ações voltadas para a constituição da nossa cultura, bem como a tolerância cultural.141 140 Vimos que a história da capoeira passou por várias tradições, estas se constituíam de forma diferente, nas cidades em que a capoeira se desenvolveu, influenciando de forma significativa o próprio movimento interno dessa manifestação, em alguns casos. Podemos destacar aqui algumas tradições da capoeira baiana, que acabou de forma hegemônica influenciando grande parte da comunidade nacional e internacional. 141 Estamos nos referindo às declarações de Antônio Natalino Dantas, ex-diretor da Faculdade de Medicina (Famed) da UFBA. 256 Revoltado com as sucessivas notas baixas obtidas no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), consequência do boicote dos estudantes da instituição, o ex-diretor da Famed, não se fez de rogado, explodindo sua revolta com declarações racistas e descabidas, envolvendo a discriminação territorial, de cor, musical e também o símbolo maior da capoeira. Imagem 5: Declarações preconceituosas do ex-diretor da Famed. “É uma mistificação essa história da inteligência do baiano. Ao contrário, há até deficiência”. “Acho que houve uma contaminação da questão das cotas”. “O berimbau é um instrumento para quem tem poucos neurônios. A música da Bahia é batuque, não tem qualidade”. Provavelmente, essas declarações refletem o pensamento de parcela da classe burguesa que, no fundo, nunca se conformou com os aspectos afrobrasileiros e indígenas que recheiam a formação cultural de nosso país. Em um ataque de insanidade, por causa de todo o contexto instituído, o senil Natalino, exdiretor da Famed, acabou expondo e mostrando seu verdadeiro pensamento, que até então necessitava ficar velado, por enrustidos códigos sociais convencionais. Esses tipos de indivíduos e grupos povoam ainda, em sua esmagadora maioria, os bancos políticos de Brasília, detêm a hegemonia política e cultural e não se conformaram, nem se conformarão com movimentos culturais que ameacem suas atuais condições e posições, muitas vezes veladas, mas concretas, pois vez ou outra acabam sendo expostas, como a ferida mais difícil de cicatrizar. Essa é a nossa história. Esse é o nosso desafio. Com a finalização do Dossiê para o Inventário da Capoeira como Patrimônio Imaterial, os processos foram enviados a Salvador, com o intuito de dar continuidade à ação. O parecer da antropóloga Maria Paula Fernandes Adinolfi foi favorável, e data de 31 de janeiro de 2008. Esta solicitou ao superintendente do IPHAN – Bahia, que encaminhasse o pleito ao DPI do órgão, para dar prosseguimento ao processo. 257 O parecer técnico, que ficou sob a responsabilidade da Gerente de Registro do DPI, Ana Claudia Lima e Alves, sugere, em 09 de abril, o encaminhamento do processo à Procuradoria Federal e ao Presidente do IPHAN. Esta técnica enfatiza, no documento, os aspectos culturalmente relevantes da manifestação e ratifica os argumentos apresentados no processo e no Parecer 031/08, de Maria Adinolfi. Em 12 de junho do mesmo ano, o procurador do IPHAN, Antônio Fernando Alves Leal Neri, encaminhou suas considerações e instruções jurídicas, acerca do processo de registro, para o gabinete da presidência do IPHAN, que não tardou em tomar as providências cabíveis. É na gestão de Gil/Juca, mais precisamente em 15 de julho de 2008, através do parecer favorável do Conselheiro do Conselho Consultivo do IPHAN, Arno Wehling, no Estado da Bahia, na capital Salvador, que o país reconhece, legalmente falando, a capoeira enquanto patrimônio imaterial.142 Foram reconhecidos como patrimônios nacionais o Ofício dos Mestres de Capoeira, registrado no livro dos saberes, e a Roda de Capoeira, registrada no livro das Formas de Expressão. Imagem 6: Titulações do Ofício dos Mestres de Capoeira e da Roda de Capoeira. Algumas questões já ficaram claras, outras, que virão em decorrência do registro, ainda se encontram em construção. Várias ações culminaram em dois documentos produzidos para poder alicerçar o posicionamento do conselho consultivo do IPHAN, para estabelecer, de fato, tal reconhecimento. São eles: o 142 Tal reconhecimento público e nacional se constitui a partir de dois registros em livros diferentes. 258 Dossiê do Inventário para Registro e Salvaguarda da Capoeira como Patrimônio Cultural do Brasil143 e o Vídeo Capoeira: patrimônio cultural do Brasil. Consta nos documentos relacionados a essa ação, no IPHAN, a data de 2 de abril de 2008, como o período de encerramento do volume I do processo administrativo nº 01450.002863/2006-80, referente ao processo de registro da capoeira, com 145 (cento e quarenta e cinco) folhas. O processo de volume II foi aberto imediatamente, também no dia 2 de abril de 2008, a partir da folha de nº 146, e assinado pela técnica Ana Lúcia de Abreu Gomes.144 Podemos afirmar empiricamente que grande parte da comunidade da capoeira, de várias regiões do país, não obteve acesso à documentação produzida para o reconhecimento da capoeira, por vários motivos, inclusive de acessibilidade ao website do IPHAN. Já são cerca de cinco anos, após o reconhecimento, e sua democratização continua comprometida. Atualmente, existem no IPHAN, na Categoria Formas de Expressão, nove registros, sendo que a Roda de Capoeira é o sétimo bem registrado.145 Assim como na Categoria Saberes, sendo o Ofício de Mestres o terceiro bem registrado.146 Esse processo é o reconhecimento pelo Governo brasileiro que essa manifestação é um bem que faz parte da nossa cultura e que representa nossa identidade nacional. Fato nada absurdo, tendo em vista que a capoeira hoje se constitui em uma das maiores manifestações populares que representam a cultura brasileira pelo mundo. A capoeira já se constitui em uma manifestação cultural que é patrimônio imaterial do Brasil. A discussão agora é como a partir das ações de salvaguarda, 143 O documento escrito, que fundamentou o reconhecimento da capoeira como patrimônio, até o primeiro semestre de 2010, não tinha sido democratizado à população, muito menos aos maiores interessados: a comunidade da capoeira. No segundo semestre de 2010, o IPHAN postou na sua página oficial da internet alguns desses documentos, mas não divulgou, devidamente, até o momento. 144 Também a este foi solicitado anexar os cartazes dos encontros Capoeira com Patrimônio Imaterial do Brasil; 61 folhas de abaixo-assinados referentes à anuência ao pedido de registro da capoeira e à gravação de dois DVD‟s referentes ao primeiro e segundo encontros, para a discussão da temática de patrimonialização da capoeira, ocorridos, respectivamente, no Rio de Janeiro e em Salvador, como já destacamos neste trabalho. Todo esse material juntou-se ao processo. 145 Completam a lista: Arte Kusiwa – pintura corporal e arte gráfica Wajãpi, Frevo, Jongo no Sudeste, Matrizes do Samba no Rio de Janeiro: Partido Alto, Samba de Terreiro e Samba-Enredo, Samba de Roda do Recôncavo baiano, Tambor de Crioula do Maranhão e Toque dos Sinos em Minas Gerais, tendo como referência São João del Rey e as cidades de Ouro Preto, Mariana, Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes. 146 Os demais são: Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, Modo de Fazer Viola-de-Cocho, Ofício de Sineiro, Modo Artesanal de Fazer Queijo de Minas, nas regiões do Serro e das serras da Canastra e do Salitre/ Alto Paranaíba, Ofício das Baianas de Acarajé, Modo de Fazer Renda Irlandesa, tendo como referência este ofício em Divina Pastora/SE, Ofício das Paneleiras de Goiabeiras. 259 essa manifestação será tratada pelo Estado? Estas de fato se constituem em demandas reais e concretas dos seus coletivos representativos? Levando em consideração que se encontra ainda em processo esta segunda fase do reconhecimento da capoeira como patrimônio e que nossa pesquisa tem delimitações, faremos, a seguir, algumas exposições sobre o processo iniciado. As bases do tripé da capoeira como patrimônio imaterial do Brasil já estão formadas. A capoeira foi identificada e registrada. As ações efetivas de salvaguarda até o momento estão paradas. Somente conseguimos identificar ações, de âmbito genérico, para a sua promoção – excluindo-se um edital denominado Viva Meu Mestre, executado em 2010, na gestão de Ministra Ana de Hollanda – governo Dilma.147 Conforme levantamos, a responsável pela execução do segundo edital não o concluiu. Esta execução teve início em 2007 e até o momento não foi concluída. Isso é confirmado a partir de um dos nossos depoentes, que destaca que a FGM solicitou uma prorrogação do prazo, a fim de finalizar o edital: [...] o Ministério teve uma parcela de culpa muito grande. Ele teve uma morosidade de responder os processos, em 2009, 2010, a gente questiona muitas coisas do Ministério, faz muitas solicitações onde a gente nao tem resposta. A gente passa um ano sem ter resposta do Ministério sobre nossas indagações, sobre o pedido de prorrogação do prazo de execução do projeto. Só em 2011, que ele pede a prestação de contas e pede a finalização, onde a gente responde, faz a prestação de contas e solicita a necessidade de dar continuidade [...] e mais uma vez ele não se posiciona e só agora, em 2012, ele aponta que vai fazer uma reanálise desse pedido. (FRANCIANE SIMPLÍCIO, Informação verbal, 2012) É essa a situação do PCV, na atualidade, e não há perspecitvas de conclusão do edital, nem de continuidade de uma terceira experiência. A menos que haja uma mobilização em torno de uma cobrança aos gestores públicos. Pelo menos até o momento, não existe um posicionamento do MinC sobre a solicitação da FGM e muito menos uma definição declarada da nova ministra Martha Suplici. O objetivo, agora, é fazer reflexões a partir do reconhecimento da capoeira enquanto Patrimônio Imaterial do Brasil. Democratizar, analisar e discutir as medidas tomadas pelo Governo para a concretização da salvaguarda da Roda de Capoeira e 147 As outras ações, que já discutimos aqui, especificamente voltadas para a capoeira (Edital Pontos de Cultura de Capoeira, primeiro e segundo edital PCV), que aconteceram na gestão Gil/Juca, no Governo Lula, foram desenvolvidas antes do reconhecimento da capoeira como patrimônio imaterial, auxiliando e ajudando inclusive essa ação, mas continuam sem previsão de continuidade. 260 do Ofício de Mestre de Capoeira, bem como as consequências, para as comunidades da capoeira, pós-reconhecimento. Para a efetivação desta tarefa, ponderamos sobre quatro pontos (encontros Pró-Capoeira, Viva meu Mestre, Cadastro Nacional de Capoeira e Reconhecimento da Capoeira como Patrimônio da Humanidade), entre ações e produção documental, oriundas de política cultural específica, referente a ações de salvaguarda da capoeira, que fizeram parte do segundo momento das políticas de patrimônio. As ações de salvaguarda da capoeira têm início exatamente oito meses após o seu reconhecimento como patrimônio imaterial do Brasil. Por estas entende-se: [...] as medidas que visam garantir a viabilidade do patrimônio cultural imaterial, tais como a identificação, a documentação, a investigação, a preservação, a proteção, a promoção, a valorização, a transmissão – essencialmente por meio da educação formal e não-formal – e revitalização deste patrimônio em seus diversos aspectos. (CONVENÇÃO PARA A SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL, 2003, p. 5) Estas geralmente seguem um mesmo roteiro para todas as manifestações que são reconhecidas pelo IPHAN: Então, a gente mobiliza esses detentores para a formação, identifica a pessoa chave e instituições também, para que se forme um comitê gestor e a partir desse comitê gestor se faça um plano de Salvaguarda, que é um planejamento estratégico de ações que serão desenvolvidas para a Salvaguarda desse bem, normalmente é assim. E aí, a partir de 2007, a gente fez uma articulação com o Ministério da Cultura, pra fazer pontes de cultura de bens registrados [...] então, a partir dessa articulação, a gente nesse comitê gestor identifica uma instituição que possa firmar um convênio com o IPHAN e passa o recurso que é diferente, mas normalmente são de 400 mil reais por ano. Eles demoram dois anos para executar, na verdade. [...] E isso é a Salvaguarda. (MORENA SALAMA, Informação verbal, 2012) Todavia, com a capoeira foi diferente, conforme continua a nossa depoente, em seu discurso: A capoeira não, a capoeira é mais ampla. [...] a gente não podia escolher uma instituição. Como é que você vai escolher uma instituição de capoeira com um monte de grupos de capoeira [...]. A política é: – Não vamos dar preferência a ninguém, vamos tentar ser o mais democrático e o mais inclusivo possível. E foi essa a ideia que a gente começou a implementar [...]. A gente nunca viu essa possibilidade de fazer um ponto de cultura na capoeira, apesar de que teve, na época no Ministério, um projeto de fazer o forte da capoeira virar um pontão, virar um centro de referência de pesquisa. [...] e acabou não acontecendo também, não sei por quê. (MORENA SALAMA, Informação verbal, 2012) 261 O IPHAN, mais precisamente em 22 de julho de 2009, instituiui um Grupo de Trabalho Pró-Capoeira (GTPC), através da portaria nº 48, com o objetivo de estruturar as bases do Programa Nacional de Salvaguarda e Incentivo à Capoeira.148 Mais conhecido como Programa Pró-Capoeira, esta ação, que envolvia representantes de várias unidades do MinC, conforme foi divulgado pela imprensa, tinha como desafio realizar o Cadastro Nacional da Capoeira, bem como três encontros, de âmbito nacional, com a comunidade da capoeira. Sobre o cadastro,149 este se encontra divulgado no site do órgão: O cadastro tem caráter preliminar, com o objetivo de mapear o universo da capoeira, identificando mestres, professores, instrutores, grupos, pesquisadores, instituições de pesquisa e entidades que agregam grupos de capoeira. [...] Atualmente o GTPC está estruturando as bases do PróCapoeira, com o propósito de, em 2010, implementar uma base de dados pública que será construída a partir desse cadastro, além de lançar editais de apoio à capoeira e realizar encontros em todo o Brasil. A finalidade dos encontros é formular, de modo participativo, uma ampla e abrangente política pública voltada para salvaguarda da capoeira. [...]. (IPHAN, 2010) Os encontros visavam a sistematização das demandas do campo, bem como o planejamento estratégico das ações de salvaguarda e incentivo à capoeira. A Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), denominada de Centro Cultural Internacional (Intercult – BSB), foi selecionada para esse fim.150 Uma política dessa envergadura demanda, certamente, a formulação de um programa específico de apoio e fomento e a atenção das várias áreas de governo que podem contribuir para o fortalecimento e para o desenvolvimento pleno do potencial da capoeira. [...] Um programa que também encaminhe soluções, no âmbito nacional, para os problemas que a capoeira enfrenta para ter continuidade como tradição e saber popular, soluções que passam, entre outras medidas, pelo reconhecimento da importância e pela valorização dos detentores desse saber [...] em suma, que inclua a salvaguarda dos aspectos patrimoniais da capoeira e incentive sua prática em todo o país. (TERMO DE REFERÊNCIA, 2010, p. 13) Ainda no documento denominado Termo de Referência, que faz parte do edital de concurso nº 01/2010, encontramos como se pensava realizar tal desafio e a 148 Este, conforme o DOU, era composto por cinco membros: Luiz Fernando de Almeida, Presidente do Instituto do IPHAN; Edvaldo Mendes de Araújo, Presidente da FCP; Américo José Córdula Teixeira, secretário da SID e José Luiz Herência, secretário da SPC. 149 Segundo ainda o site do IPHAN, as fichas poderiam ser encontras nos seguintes endereços: <www.iphan.gov.br>; <www.cultura.gov.br/diversidade> e <www.palmares.gov.br>. 150 Através do Edital de Concurso nº 01/2010 – denominado Apoio à Formulação e Implantação do Programa Nacional de Salvaguarda e Incentivo à Capoeira – PRÓ-CAPOEIRA. 262 indicação da necessidade de estabelecer parcerias interministeriais, para a efetivação da iniciativa. [...] Pró-Capoeira será coordenado pelo Ministério da Cultura. Deverá, contudo, contar também com o apoio e a participação dos Ministérios da Educação, dos Esportes e das Relações Exteriores, além de ter a atenção das pastas do Trabalho e da Previdência em razão da sua interface com as questões profissionais que a prática da capoeira suscita. (TERMO DE REFERÊNCIA, 2009, p. 13) Essa questão é de extrema importância. Na nossa avaliação, uma ação de tal magnitude e importância jamais será efetivada sem essas estratégias amadurecidas. Não há, por exemplo, como implementar uma mudança radical na cultura da sociedade, sem pensar que esta estratégia perpasse pela questão educacional, somente para dar um dos diversos exemplos. Lembremos uma ação promocional da Fundação Roberto Marinho para a Educação, no início da década de 1990.151 Enquanto a imagem de um menino se transformava em macaco, ouvia-se a frase: “Todo ser humano para evoluir e se tornar um ser humano completo precisa de educação e cultura. Este é um direito que nunca pode ser negado. Por que toda vez que esse direito é negado, o ser humano deixa de ser humano”. Para a efetivação concreta do Pró-Capoeira, essas parcerias institucionais são de extrema relevância. É importante reafirmar que é indispensável um diálogo constante e ações conjuntas entre a área da Educação e Cultura. Estes ministérios devem realizar ações de salvaguarda, em conjunto, caso contrário, estas se tornarão meras iniciativas que não impactarão, a médio, nem a longo prazo, na mudança de hábito da sociedade referente a esta manifestação cultural. De acordo com o Termo de Referência, o objetivo do Pró-Capoeira é o da promoção da salvaguarda. Promover salvaguarda significa geração de condições para que a prática da capoeira se desenvolva, se expresse, se dissemine e estabeleça vínculos históricos/culturais com o cotidiano, em território nacional, bem como facilitar o intercâmbio com outras localidades do exterior, que desenvolvem a mesma manifestação. Uma das formas mais efetivas e concretas de se fazer isso é através da educação. 151 Propaganda inclusive premiada no festival de Cannes, que destacava a importância da educação e da cultura para o desenvolvimento humano. 263 O documento também aponta a necessidade de incentivar a apropriação dessa manifestação, em suas diversas possibilidades existentes: manifestação artística; atividade física; instrumento pedagógico e de cidadania.152 Ao pensar nessa estratégia, o MinC e seus órgãos interligados, optam por trabalhar conjuntamente com a Oscip. Nossa depoente, nos explica o porquê da opção por trabalhar com uma instituição dessa natureza: A ideia de se contratar uma Oscip, era porque [...] o contrato [...] é muito mais flexível, [...] ela pode fazer coisas a mais que uma associação comum não pode fazer. Podia contratar alguns consultores, que eram essenciais. [...] Então, assim havia várias outras facilidades que a gente percebia nesse tipo de contrato, que é termo de parceria, que é híbrido, entre contrato e convênio com a empresa. É uma coisa bem flexível [...] e se via que era uma maneira mais simples e também mais barata de fazer os encontros. (MORENA SALAMA, Informação verbal, 2012) No processo de seleção, conforme levantamos junto ao IPHAN, apenas três Oscip‟s participaram da disputa. Todas obtiveram pontuações baixas: Então fizemos a seleção pública. [...]. Apareceram três Oscip‟s candidatas, todas com uma pontuação muito baixa isso eu estava vendo no relatório [...] todas tiveram uma pontuação muito baixa, mas ou era aquilo ou ia 153 ter que fazer outra seleção que ia demora três [...] e aí contratamos a Oscip, sem conhecer, sem saber quem eram as pessoas. (MORENA SALAMA, Informação verbal, 2012) Pelo depoimento da nossa depoente, o programa tinha começado mal. Conforme relatado, não havia tempo político para uma nova seleção. Mais à frente veremos que problemas afastaram a Oscip selecionada do processo de salvaguarda, o que gerou desgastes, tanto institucionais, quanto pessoais. A fim de acompanhar as ações, o IPHAN, constituiu uma comissão de avaliação para monitorar os resultados.154 O Pró-Capoeira tinha início e fim. Conforme divulgado para a sociedade, através do edital de 7 de julho de 2010, seu início se constituía a partir do dia 29 de junho de 2010, até 29 de dezembro de 2012. Para cumprir os desafios que o edital demandava, o GTPC e a Oscip contratada lançaram a contratação de consultores, especialistas em capoeira, em 152 Ver Anexo O. Grifos nossos. 154 Composto pelos integrantes: Gisela Pelegrinelli, como representante da Oscip Centro Cultural Internacional – Intercult BSB; Teresa Paiva-Chaves, como representante do DPI-Iphan; Washington Queiroz, como representante do Conselho Nacional de Política Cultura; Carolina Santos Petitinga, como representante do GTPCGrupo de Trabalho Pró-Capoeira e Rívia Ryker Bandeira de Alencar. 153 264 várias regiões do país. “Nível superior em qualquer área com experiência comprovada em pesquisa no campo da capoeira [...]. Para concretização da contratação, os candidatos selecionados deverão entregar documentação comprobatória das informações declaradas no currículo [...]” (PROGRAMA PRÓCAPOEIRA, 2010).155 Havia o desafio de identificar representantes do universo da capoeira para participar dos encontros e discussões a respeito da salvaguarda da manifestação, produzir textos e documentos que referenciariam as demandas da comunidade, coordenar os debates realizados nos encontros, produzir relatórios das atividades, bem como a sistematização dos resultados. [...] não era só indicar pessoas que viriam participar do encontro, mas também fazer os textos e conduzir os grupos de trabalho, fazer mediação. A gente precisava de alguém que soubesse escrever, [...] sistematizar. Pessoas que tivessem experiência nessa área. Foi muito difícil encontrar gente dessa forma [...] muita gente que apresentou currículo e não tinha experiência nesse tipo de tema que a gente trabalha [...]. A gente teve muita dificuldade, principalmente encontrar gente no nordeste e norte [...] teve que 156 republicar a chamada [...]. (MORENA SALAMA, Informação verbal, 2012) Os consultores selecionados foram: Região Norte – Marcela Andrade e Fábio Araújo Fernandes; na Região Nordeste – Juliana Soares Monteiro e Paulo Andrade Magalhães Filho; na Região Centro-Oeste – Caio Sgarbi Antunes e Antônio Batista Zulu; na Região Sudeste – Alessandra Regina Gama e Maurício Barros de Castro e na Região Sul – Leandro de Oliveira Acordi e Valmir Ari Brito. Um dos nossos depoentes fala desse processo, a partir de sua própria experiência como participante e também consultor selecionado: Nós fomos convocados pra uma reunião e tivemos que fazer a comprovação do currículo. [...] feito isso foi assinado um contrato e depois [...] os consultores eram trazidos pra Brasília. [...] informado também como seria a forma de pagamento e quais seriam os valores, então, de início, foi isso. Nós passamos a trabalhar os textos de referência [...] nos três encontros que aconteceram. Seria preparação de texto, uma preparação de perguntas também com sentidos provocativos, trabalhar como mediadores nos grupos de trabalho, fazer o levantamento das demandas, durante o processo, e depois de cada encontro, feito o levantamento, nós deveríamos sistematizar [...]. (MESTRE ZULU, informação verbal, 2012) 155 A relação da Oscip com o IPHAN estabelecia-se através de apoio, orientações, suporte e encaminhamentos. A primeira prestava serviços à segunda, a partir de demandas que surgiam. 156 Essa informação pode ser confirmada na reportagem Reabertura de seleção de consultores Região Norte / Pro-Capoeira. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/portal/ montarDetalheConteudo.do?id= 15269&sigla=Noticia&retorno=detalheNoticia>. 265 Referente aos encontros do Pró-Capoeira, um das nossas entrevistadas afirma, em seu discurso, as intenções que acompanhariam o desenvolvimento da ação. Ela afirma que a iniciativa não atingiu sua etapa de implementação: Os encontros seriam processos participativos, se pensava que se chamariam os detentores, os mestres de capoeira, os capoeiristas para levantamentos de demanda e, a partir desse levantamento de demanda e prioridade, também que seriam desenhadas no encontro nacional, desenhar, fazer o escopo desse programa. Então, o Pro-Capoeira estava no começo do desenho, não tava nem implementado, nunca foi implementado. (MORENA SALAMA, Informação verbal, 2012) A Oscip contratada, consultores selecionados, encontros planejados. Tudo levava a crer que, desta vez, a iniciativa do governo se desenvolveria, conforme o previsto e anunciado. Um encontro na cidade de Recife, em Pernambuco; um encontro na cidade do Rio de Janeiro e outro em Brasília, no Distrito Federal. Estes seriam os eventos, denominados de regionais, que subsidiariam o encontro nacional com previsão de acontecer em Salvador, na Bahia. 4.6 Encontros e desencontros do Pró-Capoeira Quando eu ia ela voltava Quando eu voltava ela ia Quando eu ia ela voltava 157 Quando eu voltava ela ia. O evento que abriu a série de encontros na cidade de Recife aconteceu, no Hotel Jangadeiro, nos dias 8 e 10 de setembro de 2010. A lista de inscrição, no primeiro encontro regional Pró-Capoeira, foi dividida segundo três condicionantes de participação no evento: participantes, observadores e convidados. A ação de selecionar representantes para participar de um evento onde se pretende discutir salvaguarda de um bem das dimensões da capoeira não é tarefa fácil. As instituições envolvidas nesse processo sentiram a experiência “na pele”. 157 Ela voltava. Canta Zenilton. 266 Além de ser uma comunidade composta de milhares de membros, que critérios utilizar para minimizar os impactos de uma participação não representativa ou significativa, levando em consideração a amplitude que compõe sua estrutura? Em cada região do Brasil foram selecionados dois consultores para fazer uma pré-seleção dos mestres a serem convidados, escolha que será efetivada pelo GTPC – Grupo de Trabalho Pró-Capoeira, sediado no IPHAN, com a participação de diversas secretarias e ministérios. (ENCONTROS IPHAN PRÓ-CAPOEIRA, Comunicação via e-mail, 2010) Esse desafio, que se traduz quase em uma missão impossível ficou a cargo dos consultores que contataram esses representantes através de vários meios, sendo um deles foi o mundo virtual. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), por meio da OSCIP Intercult-BSB está implementando as ações previstas no Programa Nacional de Salvaguarda e Incentivo à Capoeira – Pró-Capoeira. Dentre as metas do Pró-Capoeira temos a implantação do Cadastro Nacional da Capoeira e a realização de encontros regionais de mestres e capoeiristas em Recife, Brasília e Rio de Janeiro. Estes encontros regionais visam promover a sistematização de demandas do campo da capoeira no Brasil e elaborar e definir as estratégias de implementações de políticas públicas voltadas para a salvaguarda dos elementos que definem a capoeira como patrimônio cultural e para o incentivo ao seu ensino e prática. O PróCapoeira está fazendo um levanto prévio dos mestres e demais docentes de capoeira que queiram participar do encontro Pró-Capoeira a realizarse em Recife-PE nos dias 08, 09 e 10 de Setembro. (ENCONTROS IPHAN PRÓ-CAPOEIRA, Comunicação via e-mail, 2010). Outra questão que tinha que ser pensada, e que não foi, ao que parece, tratase do domínio dos assuntos a serem discutidos nos encontros. Essa problemática ficou visível em Recife. Como participar, por exemplo, de uma discussão que envolve regulamentação da profissão, sem dominar minimamente o que isso significa? Ou sem ter uma avaliação prévia dos impactos, das consequências ou mesmo dos fatores que trouxeram essa discussão à baila? Foi o que aconteceu no primeiro encontro, realizado em Recife. Os capoeiras foram convocados para realizar discussões e apontar possibilidades de assuntos que muitos não dominavam, não tinham acúmulo de discussão e, em alguns casos, sequer informações básicas sobre os mesmos. Os seis eixos temáticos foram: Capoeira e Educação; Capoeira e Política de Desenvolvimento Sustentável; Capoeira e Políticas de Fomento; Capoeira, Esporte e Lazer; Capoeira Identidade e Diversidade; Capoeira, Profissionalização, Organização Social e Internacionalização. 267 Para todos estes eixos foram construídos, pelos consultores, textos que possuíam, em média, uma a duas laudas, e objetivavam introduzir a temática a ser discutida pelos Grupos de Trabalho (GT).158 Ao percebermos o caos que constituiriam essas ações, sem os devidos esclarecimentos, tratamos de organizar, inicialmente, em uma tentativa desesperada de minimizar os impactos equivocados e improdutivos destas discussões, sem uma preparação prévia ou um mínimo de organização dos coletivos, um encontro com os representantes baianos, mas que logo se ampliou para qualquer interessado, quando tivemos a participação de representantes de outros Estados do nordeste. A mobilização aconteceu durante a abertura do evento, convocando os capoeiras para realizar uma discussão prévia, antes de acontecerem as discussões nos GT‟s, e solicitamos ao hotel um espaço onde pudéssemos nos reunir, dirigindo as discussões auxiliados por capoeiras da Bahia.159 Outra preocupação era mobilizar esses representantes, para dar conhecimento, replicando em seus grupos e associações etc., os últimos acontecimentos relacionados às ações das políticas culturais voltadas para a capoeira e os nexos que incidiam nas discussões das ações do Pró-Capoeira, com vistas a ampliar os debates e torná-los o mais democráticos possível.160 Imagem 7: Capoeiras reunidos no Hotel Jangadeiro. 158 Vale destacar que os textos foram insuficientes para esclarecer ou aproximar qualquer leitor da temática em questão. Impossível levar alguém a ter conhecimento de uma temática tão ampla como a Capoeira, profissionalização, organização social e internacionalização, em uma ou duas laudas, somente para exemplificar a discussão de um dos eixos. 159 A preocupação maior era organizar as intervenções, as ideias, e requerer da organização acesso às discussões acumuladas sobre as temáticas. 160 Algo que na prática era quase impossível, pois o processo já havia se iniciado, sem essas questões que deveriam, pelo menos, ser recuperadas com o processo em andamento. 268 Ao final do primeiro encontro, as mobilizações na Bahia tiveram continuidade. Nossas ações em Recife tiveram desdobramentos que acabaram por dar prosseguimento às reflexões realizadas na primeira reunião, acontecida no Hotel Jangandeiro, com questionamentos, solicitação de esclarecimentos, ponderações e proposições. Foram realizados mais alguns encontros com algumas representações que encabeçaram um movimento, na tentativa de ampliar o diálogo com o IPHAN, dar voz à comunidade da capoeira local e, de certa forma, contribuir com o desenvolvimento do processo, de forma mais ativa, presente e produtiva. Desses pequenos encontros surgiu a ideia da chamada para uma nova reunião, com os participantes do encontro, em Recife, assim também com os capoeiras que não tiveram a oportunidade de estar presentes. Consolida-se, então, o I SEMINÁRIO BAIANO DE PROPOSIÇÕES DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A CAPOEIRA, com o intuito de replicar as discussões e o que estava por vir, caso não houvesse mudanças nas ações do Pró-Capoeira, bem como fortalecer as ideias e sistematizá-las, produzindo algo substancial que, de fato, pudesse contribuir com o processo, na tentativa de desconstruir o que achávamos equívocos. Foto: Eduardo Carvalho Imagem 8: Reunião da comunidade no Forte da Capoeira. 269 O grupo mais a frente da mobilização intitulou-se Militância da Capoeira e iniciou uma série de atividades que culminou em uma passeata e uma roda de protesto, nas ruas da cidade, envolvendo a mídia local. Imagem 9: Capoeiristas protestam contra programa do IPHAN – A TARDE. Houve, ainda, a elaboração de um documento, com as sistematizações originárias dos GT‟s, seguindo o mesmo modelo criado pelo IPHAN. Neste momento, as ideias estavam mais maduras, não tanto quanto deveriam, em nossa opinião, mas não há dúvidas quanto ao seu avanço. A mobilização em Salvador contou com alguns canais da imprensa, além de comunidades sensíveis à causa, dentre associações de capoeira e movimentos de militância do negro. A parada foi divulgada em todo Brasil e tinha como programação estratégica o dia de início do segundo encontro do Pró-Capoeira no Rio de Janeiro. A próxima iniciativa da comunidade que já recebeu o nome de Manifesto da Bahia será no formato de proposição de políticas públicas, de forma autônoma, e sustentada nas possibilidades legislativas. (CAPOEIRA E MILITÂNCIA, 2012) O documento que tem o título de Manifesto da Bahia, cuja data é de 22 de setembro de 2010, foi produzido durante o processo já destacado, e apresenta posições e proposições. É um fruto das reuniões e convocações feitas à comunidade baiana de capoeira, mas que, assim como as ações que o precederam, realizadas pelos órgãos públicos, também não traduz uma grande mobilização. Entretanto, expressa as ideias de indivíduos que fazem parte da comunidade e que são seus produtores. 270 De uma forma geral, o documento, que se encontra no Anexo P deste trabalho, discorda da maneira como o IPHAN vinha conduzindo as discussões, além da solicitação de uma maior transparência em todo o processo, e expressa isso em suas linhas. Desde a escolha dos consultores que, para a comunidade, de uma forma geral, se constituem em representantes sem expressividade e inserção significativa na comunidade regional da qual participam; passando pela condução das discussões e propostas levantadas nos GT‟s do encontro de Recife; e indo até uma expressiva discordância referente aos resultados. O segundo e o terceiro eventos do Pró-Capoeira tinham a previsão de acontecer nas regiões centro-oeste e sul.161 Contudo, mais uma vez a comunidade da capoeira presenciaria outra ação do governo que impediria tais desdobramentos, para não fugir à regra dos últimos acontecimentos. No dia 24 de setembro de 2010, em uma nota assinada pela diretora do DPIP, somos informados de uma alteração na data do segundo encontro. Este adiamento era um fator indicativo de que havia problemas para encaminhar a ação. O Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional na qualidade de instituição coordenadora do grupo de trabalho interinstitucional criado pelo Ministério da Cultura para promover a formulação e implantação do Programa Nacional de Salvaguarda e Incentivo à Capoeira – Pró-Capoeira, vem a público informar que por problemas administrativos, logísticos e operacionais o Encontro Pró-Capoeira relativo às regiões Norte e CentroOeste será adiado para os dias 3,4 e 5 de novembro, em Brasília, em local a ser oportunamente divulgado. Pedimos desculpas às pessoas mobilizadas para o evento e informamos que os convites enviados estão reiterados para a nova data, assim como as inscrições feitas permanecem válidas e serão consideradas no processo de seleção dos participantes e observadores deste encontro. (SANT´ANNA, 2010) Eram os primeiros indícios de que o Programa não aconteceria como fora previsto. O que a comunidade da capoeira não sabia – e muitos não tiveram acesso ainda a todos os fatos–, foi que a suspensão das atividades foi gerada por uma denúncia de irregularidades que envolviam a Oscip responsável por desenvolver o Pró-Capoeira. 161 O segundo Pró-Capoeira deveria acontecer em Brasília, reunindo representações da manifestação das regiões norte e centro-oeste, nos dias 28 a 30 de setembro de 2010, e o terceiro e último encontro regional estava previsto para ser realizado na cidade do Rio de Janeiro, entre os dias 27 a 29 de outubro do mesmo ano, e tinha como objetivo reunir representantes das regiões sul e sudeste do país. 271 [...] indícios de que realmente havia uma má versação de recursos públicos [...]. Até hoje estão julgando. Tá todo mundo julgando. A gente teve que parar todo o contrato. Agora, vai ter que ser o IPHAN que vai executar, a gente teve que contratar uma empresa de eventos, que sai até mais caro, saiu mais caro pro IPHAN fazer. (MORENA SALAMA, Informação verbal, 2012) A reflexão da nossa depoente deve ser entendida como sendo algo que estava em andamento, e até que se prove o contrário, a instituição é idônea. Essa é a função da justiça e o processo se encontrava em andamento, quando de seu depoimento. O IPHAN fez o que se esperava de uma instituição séria, coube ao INTERCULT defender-se, apresentando provas de sua inocência, exatamente o que aconteceu. Por outro lado, há também um processo da Oscip contra o IPHAN: [...] a OSCIP já entrou com uma ação contra o IPHAN, pedindo recurso, porque eles gastaram mais pra fazer o evento do que receberam, receberam uma primeira parcela, fizeram mais do que tinham que fazer nessa primeira parcela prevista no cronograma de execução. (MORENA SALAMA, Informação verbal, 2012) Como destacou nossa entrevistada, o IPHAN acabou se responsabilizando pelos outros dois encontros regionais previstos, que aconteceram nas cidades já previamente indicadas: no Rio de Janeiro, nos dias 27, 28 e 29 de outubro, e o terceiro, em Brasília. Estes encontros foram organizados e realizados pelo próprio órgão gestor, que acabou assumindo essa tarefa, objetivando, pelo menos, a concretização dos encontros regionais. No meio desse processo, os consultores se encontravam desorientados, e foram, aos poucos, tendo acesso a toda a problemática gerada. Nosso depoente, a seguir, explana esse fato, rememorando o tom de indignação por todo o processo gerado, ao mesmo tempo que demonstra tranquilidade, ao expor a questão: [...] nós não ficamos sabendo o que era, inclusive nós solicitamos a Dra. Márcia pra fazer uma reunião conosco, com os consultores, porque nem a Intercult fazia, nem o IPHAN fazia, então, quando da realização em Brasília, ela veio reunir conosco pra dizer que estava havendo problemas na prestação de contas e tudo o mais, mas exatamente o que era não, então, nós ficamos assim, então, na verdade, o IPHAN suspendeu temporariamente (foi o termo usado) [...]. (MESTRE ZULU, Informação verbal, 2012) O indicativo de que algo estava errado se deu pelo fato do comunicado da gestora do órgão administrador, na época, solicitar todo material que estava no 272 poder destes consultores e da solicitação para participar como convidados dos encontros regionais derradeiros: “[...] é fácil deduzir que fomos dispensados de alguma forma, não pela Intercult, mas pelo IPHAN [...]” (MESTRE ZULU, Informação verbal, 2012). Toda essa celeuma conduziu os consultores a tomarem medidas judiciais contra as duas entidades envolvidas: o IPHAN e o Intercult. Tratou-se de uma estratégia escolhida na tentativa de terem suas horas de trabalhos ressarcidas Então, a partir de fevereiro, eles me pediram pra sondar um advogado como o IPHAN e a Intercult, [...], eles acharam por bem eu fazer algumas consultas e pedir uma ação trabalhista, e assim nós fizemos, procuramos um advogado especialista na área, e aí é que não podia ser uma ação coletiva, mas o mesmo advogado cuidando dos 10 casos. (MESTRE ZULU, Informação verbal, 2012) Conforme o depoente, em nenhum momento, a Intecult entrou em contato para esclarecer o que estava havendo. As informações a que os consultores tiveram acesso partiram do IPHAN. Todo esse processo acabou gerando desconfianças, descréditos e insatisfação, mal-estar que se voltou, de certa forma, também contra os consultores, que não tinham nada a ver diretamente com a situação que havia se desencadeado. Nosso depoente atesta esse acontecimento. O que aconteceu? No primeiro tinha consultores, no segundo já não tinha, no terceiro também não! E o IPHAN tomando toda a frente, a Intercult toda afastada, então isso é como se nós tivéssemos tido uma conivência em tudo o que aconteceu, por parte da Intercult, porque foi a Intercult que nos contratou. (MESTRE ZULU, Informação verbal, 2012) Na verdade, os questionamentos, como bem já apontamos, surgem desde a seleção dos consultores. Desde o início, a comunidade da capoeira cobrou do processo democratização e principalmente transparência. Nosso entrevistado, sabiamente, remete-se a todos esses fatores, compreendendo todo o processo. [...] No meio capoeirístico gerou uma desconfiança muito grande, e já existia uma, após o primeiro. Antes mesmo de realizar o primeiro encontro, já havia [...] manifestação lá da Bahia. Um movimento; uma frente em que esse movimento queria saber quem eram os consultores. [...]. Depois que aconteceu o primeiro encontro, [...] tiveram a oportunidade de ver quem eram os consultores, e, dentre os consultores, de mestre de capoeira, só tinha eu. [...] os outros não eram mestres. (MESTRE ZULU, Informação verbal, 2012) 273 O texto acima descreve o movimento da comunidade, que exigia que todo o processo fosse claro e democrático, além de participativo. Para a Oscip, as demandas deste universo não significavam um problema, pois o trâmite, tanto da contratação como do trabalho dos consultores, estava a margem destas. Todo esse problema ocorreu no final do primeiro encontro, em Recife, sendo que, no segundo e no terceiro encontros, respectivamente no Rio e em Brasília, oficialmente, os consultores já não faziam mais parte do Pró-Capoeira. Assim, sua participação no processo foi meramente de espectadores, assim como os demais capoeiras convidados. Entretanto, para a comunidade da capoeira em geral, estes ainda eram os consultores, o que gerou desconforto nos mesmos. Então, esse era o grande problema, alguns já sabiam que não éramos consultores, outros não sabiam, e por não saber, faziam uma cobrança como se fôssemos consultores, nós ficamos numa situação extremamente difícil, e eu acho que ninguém saiu sem estar com a imagem arranhada. Ninguém! Ppossivelmente, até hoje, nenhum documento foi publicado, nada de esclarecimento do que aconteceu entre IPHAN e Intercult, [...]. (MESTRE ZULU, Informação verbal, 2012) Já está acessível a quem interessar o processo aberto pelo IPHAN contra a Intercult, inclusive com o parecer final da relatora Maira Iraneide Olinda Santoro Facchini, solicitando o seu arquivamento, por falta de provas. Assunto: Suposta irregularidade na execução do termo de parceria, decorrente do processo n° 01450.011805/2009-90, concurso 01/2010, firmado pela OSCIP Centro Cultural Internacional de Intercult BSB e o Instituto do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural – IPHAN, para formulação e implementação do Programa Nacional de Salvaguarda e Incentivo à Capoeira – Pró-Capoeira. Relator(a): Maria Iraneide Olinda Santoro Facchini Decisão: A Câmara, à unanimidade, decidiu pela homologação do arquivamento. 280 Procedimento: 1.17.000.000134/2010-58 Interessado: MPF/ES e outros. (DOU, 2011, p. 119) Vale aqui destacar a reflexão de uma das nossas entrevistadas sobre a gestão do IPHAN e as dificuldades orçamentárias que sempre rondam as ações dessa natureza. Importante reconhecer que alguns gestores que passaram pela experiência de implementar ações para a comunidade da capoeira, o fizeram sempre com vontade política, pois muitas vezes lhes faltavam as condições apropriadas. 274 [...] muito, uma força da Márcia Santana porque ela brigava por isso com os ministros [...] eles jogaram na mão da Márcia. Ela pegou e fez. E eles prometeram ajuda no orçamento, técnicos e não tinha essa ajuda. Prometiam, prometiam, ia lá dava a cara a tapa. Comprometiam-se e, no final, não tinha orçamento. Não tinha como fazer as coisas. [...] Fizeram muita promessa que não foi cumprida. E aí, do meu ponto de vista, eu acho que aconteceu mais por uma força da Márcia mesmo, uma briga da Márcia, que a Márcia tomou pra si. (MORENA SALAMA, Informação verbal, 2012) Mesmo com todos os tropeços e desafios, os encontros regionais foram realizados, a bem da verdade que com qualidade e organização questionáveis, bem como os resultados do processo, restando somente para cumprir e fechar essa questão. O encontro nacional que, conforme as últimas notícias divulgadas nos sites oficiais dos órgãos competentes, deve acontecer ainda no primeiro semestre de 2013, mas sob outra perspectiva. Acessando o relatório 2010 do IPHAN, percebemos que a Implantação do Programa Nacional de Salvaguarda da Capoeira teve um investimento considerável e foi tratada como prioritária, como aponta o documento. Ao total, foram executados R$ 1.162.753,20 (um milhão cento e sessenta e dois mil, setecentos e cinquenta e três reais e vinte centavos). Os recursos que foram disponibilizados para o IPHAN foram utilizados em um único Projeto que era de grande interesse não só do Instituto, mas também do Ministério da Cultura, a „Implantação do Programa Nacional de Salvaguarda e Incentivo à Capoeira‟. (RELATÓRIO DE GESTÃO 2010, p. 99) Nesse ínterim, o Pró-Capoeira foi deslocado do IPHAN para a Fundação Cultural Palmares (FCP), que vem tentando mobilizar a comunidade para as ações de salvaguarda, que se encontram já em um processo de grande descaso e descrédito, fruto dos acontecimentos que envolveram todas as ações das políticas culturais voltadas para a capoeira. Talvez a mudança de órgão seja uma tentativa de reviravolta, uma estratégia para recuperar a confiança da comunidade e reconstruir a esperança de conclusão dos trabalhos. Ao deslocar-se do IPHAN para a FCP, possivelmente esteja aí uma tentativa de renovação da credibilidade. É provável que por trás dessa nova chamada às comunidades de capoeira, com vistas à conclusão de um processo já iniciado, haja uma esperança de recuperar a crença da comunidade, que obteve tantos avanços 275 nesta contemporaneidade, mas que também tanto se decepcionou com as políticas culturais implementadas pelo governo. Imagem 10: Logo do Ciclo de debates Pró-Capoeira. Vários destes ciclos de debates estão previstos e sendo feitos, em todo o Brasil. A seguir, podemos ver o informativo enviado via e-mail, convocando a comunidade para a continuidade dos debates: [...] o Ciclo de Debates Pró-Capoeira levará o tema a capitais brasileiras que ainda serão definidas e será encerrado com uma audiência pública na Câmara dos Deputados, no dia 22 de novembro. O Ciclo é resultado de uma parceria entre a Fundação Cultural Palmares (FCP) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), órgãos vinculados ao Ministério da Cultura (MinC), com a Câmara dos Deputados e conta com o apoio dos Ministérios da Educação (MEC), do Esporte (ME), do Trabalho e Emprego (MTE) e com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). (CICLO DE DEBATES PRÓ-CAPOEIRA, 2012) Sempre nos resta a esperança de que finalmente esta etapa seja concluída já que, em discursos oficiais, a capoeira é pautada como prioridade: “Como uma das prioridades do MinC atualmente é o estabelecimento de uma política pública para capoeira enquanto saber, arte, tradição cultural e instrumento pedagógico, de desenvolvimento físico e social [...]” (SALÉM, 2012). Esse é um discurso facilmente acessível no site oficial do IPHAN. No texto intitulado Encontro debate regulamentação, salvaguarda e incentivo à atividade da Capoeira, além da afirmação, já destacada acima, encontramos também o indicativo de outras ações já realizadas com esse fim: “diversas ações de reconhecimento e incentivo à prática deste bem cultural têm sido empreendidas [...]” (SALÉM, 2012). O que se constitui na mais pura verdade, entretanto, muitas destas 276 ainda sem conclusão. E não custa nada questionar, até mesmo para refletir: com que qualidade e impactos na comunidade essas ações vêm sendo desenvolvidas? Quase encerrando nossas reflexões acerca das ações das políticas culturais voltadas para a capoeira, abordaremos, rapidamente, outra ação que também está diretamente ligada e integrada às ações de salvaguarda e incentivo da capoeira, que, para não fugir da regra, também foi cercada de polêmicas, desencontros, atrasos e questionamentos. Estamos falando do Prêmio Viva Meu Mestre. Trata-se de uma política de reconhecimento, conforme divulgado pelo MinC e pelo IPHAN, bem como de valorização dos principais atores que compõem o universo da capoeira. Os velhos mestres. Esta ação tem como objetivo: [...] reconhecer e fortalecer a tradição cultural da Capoeira por meio da premiação de Mestres e Mestras de Capoeira, com idade igual ou superior a 55 anos, cuja trajetória de vida tenha contribuído de maneira fundamental para a transmissão e continuidade da Capoeira no Brasil. (EDITAL DE 162 PREMIAÇÃO Nº 001, 2010) O objetivo inicialmente era premiar 100 mestres de capoeira com uma quantia em dinheiro, conforme destaca o mesmo edital: Serão concedidos 100 prêmios, no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) para cada premiado. Desse valor haverá a dedução e o recolhimento na fonte, referente ao imposto de renda. Assim sendo, o total que cada mestre receberá será de aproximadamente R$ 10.800,00 (dez mil e oitocentos reais). (EDITAL DE PREMIAÇÃO Nº 001, 2010) Essa ação de salvaguarda, que busca agraciar uma quantidade de mestres de capoeira com a quantia de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), é bom destacar, tem impactos momentâneos e ao mesmo tempo passageiros. Esse prêmio auxiliou momentaneamente os contemplados, mas, efetivamente, o que significou essa ação, que deveria salvaguardar o patrimônio vivo dessa manifestação? Um dos nossos depoentes, que há muito acompanha a relação do Estado com a capoeira, fez uma ponderação coerente: 15 mil reais vai resolver o problema dos capoeiristas? 15 mil e acabou! Isso é resolução do quê? Muito pelo contrário, [...] é isso que vai resolver o 162 Estão envolvidas nesta ação palavras como reconhecimento, valorização, divulgação, transmissão dos saberes e dedicação; todas elas ligadas ao trabalho desenvolvido há anos, muitas vezes sem apoio algum aos nossos mestres de capoeira frente a suas comunidades, hoje reconhecidos como verdadeiros patrimônios do país. 277 problema do capoeirista? – Não! Então, é uma coisa paliativa! Eu vou lhe dar 15 mil, e, sim, e depois? (MESTRE ITAPOAN, Informação verbal, 2012) As inscrições para os prêmios podiam ser realizadas pelo correio e deveriam ser enviadas junto a uma série de solicitações indicadas no edital, tais como: formulário específico preenchido; carta de apoio de outros mestres, grupos, instituições e cópias de materiais que pudessem comprovar a atuação do candidato junto à comunidade da capoeira. Estas inscrições deveriam ser realizadas no período de 29 de outubro de 2010 a 17 de novembro de 2010, porém, no último dia do primeiro tempo determinado, mais uma prorrogação de prazos, divulgada pela diretora do DDPI. A União, por intermédio do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, torna pública a prorrogação do período de inscrição para o Concurso Público „Prêmio Viva Meu Mestre – Edição 2010‟, regulamentado pelo EDITAL DE PREMIAÇÃO Nº 001 – DPI, de 25 de outubro de 2010, publicado no D.O.U. no dia 29 de outubro 2010. As inscrições poderão ser apresentadas até o dia 12 de dezembro de 2010. (IPHAN, 2010) Mais uma vez, como já destacamos, houve atrasos e paralisações nesta ação, assim como em todas as outras. Esse foi o tom que acompanhou todos os processos de implantação e desenvolvimento de iniciativas voltadas para a capoeira, relacionadas às políticas culturais. Para nossa entrevistada, vários foram os fatores que contribuíram para essa questão, em especial, dessa ação: Troca de governo, de diretoria, o GPPC deixou de existir porque o GPPC tinha um prazo de validade pela portaria que institui esse grupo, ele deixou de existir formalmente, então, não tinha orçamento. Trocou de ministro, hoje que a ministra tá começando a tomar pé que existia isso, então, assim, a gente tava com processo de transição do governo e aí foi minguando, foi minguando, a gente até hoje tá aí discutindo se existe essa possibilidade, é fazer um encontro nacional que a gente previa. [...] Pra você ter uma ideia, o nosso orçamento aqui pra Salvaguarda inteira, sem contar o pontão de cultura, é de 1 milhão pro ano inteiro. E a gente gasta três vezes mais, no Pró-Capoeira, em um ano. (MORENA SALAMA, Informação verbal, 2012) Além das questões relatadas, fica claro que não existia, por parte da gestora que substituiu o então ministro Juca Ferreira, compreensão acerca da importância dessa ação, assim também como a mesma disposição política para o assunto: A gente ficava esperando. A gente esperou mais de seis meses uma reunião com a ministra pra pautar a capoeira. Depois que chegou uma carta 278 163 via presidência pra ministra, que a ministra pega e chama a gente: Ah! – Vamos falar da capoeira. (MORENA SALAMA, Informação verbal, 2012) O edital é bastante claro, dentre aqueles que estavam aptos a se beneficiar com mais esta ação de salvaguarda e incentivo à capoeira: 3.1 – Poderão concorrer ao Prêmio Viva Meu Mestre 2010, Mestres e Mestras de Capoeira, de qualquer vertente ou estilo [...] que atendam a todos os seguintes requisitos: a) Idade igual ou superior a 55 (cinquenta e cinco) anos na data de encerramento das inscrições; b) Grande experiência e conhecimento nos saberes e fazeres da Capoeira; c) Que contribuam ou tenham contribuído, em algum momento de suas vidas, ao fortalecimento e à transmissão das tradições culturais da Capoeira; d) Que tenham ou tiveram ao longo de sua história de vida reconhecimento da comunidade de praticantes da capoeira e/ou de outros setores da sociedade. (PRÊMIO VIVA MEU MESTRE, 2010) Mas, ao que parece, o que é claro, para alguns, não o é para outros. Vale registrar um fato intrigante e interessante, que ocorreu durante o desenvolvimento desse edital. A primeira lista preliminar, com os contemplados do Prêmio Viva Meu Mestre, que deveria ser um prêmio que contemplasse especificamente mestres e mestras de capoeira, reconhecidos pela comunidade, apresentou nomes que não faziam parte especificamente do universo dessa manifestação. A lista, divulgada em 6 de abril de 2011, continha nomes de indivíduos que não faziam parte do universo da capoeira164 e apresentava 152 pleiteantes, bem como uma lista de 24 candidatos não habilitados. Dentre os habilitados, foram selecionados quatro mestres de punga, na primeira lista divulgada.165 Após inúmeras discussões e posicionamentos da comunidade da capoeira, em sites, blogs, ligações e nas redes sociais, cobrando esclarecimentos e um posicionamento claro do IPHAN referente à problemática instaurada, a comissão de seleção resolveu divulgar seu parecer sobre o caso. A Comissão de Seleção do Prêmio Viva Meu Mestre – edição 2010 reconhece a importância da punga como manifestação cultural de matriz afro-brasileira com origens comuns à capoeira. Entretanto, o Prêmio Viva Meu Mestre destina-se somente a mestres e mestras de capoeira, conforme 163 Refere-se aqui a Ana de Holanda. Ver no Anexo R a lista completa. 165 Izidório dos Santos – Seo Izidório – Cantanhede/MA; Lázaro Martins dos Santos – Mestre Lazinho – Cantanhede/MA; Raimunda Nonata Pinto Nascimento – Dona Raimundinha de Mário – Cantanhede/MA e Raimundo Lopes – Seo Chico Sarapião – Cantanhede/MA. 164 279 indicado pelo Registro do Ofício de Mestre de Capoeira como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. Dessa forma, a comissão entende que não devem ser habilitadas as inscrições dos mestres da punga, que se candidataram ao Prêmio Viva Meu Mestre. (COMISSÃO DE SELEÇÃO DO 166 PRÊMIO VIVA MEU MESTRE, 2011) O curioso de toda essa situação é que o envolvido nessas inscrições foi selecionado no segundo edital do PCV, ação que também tinha o objetivo de incentivar e fomentar políticas públicas para a capoeira. Raimundo Muniz foi selecionado e recebeu financiamento do Governo Federal para produzir um vídeo sobre punga, intitulado PUNGA, MARIMBA E PERNADA – Aspectos da capoeiragem na cultura popular do Maranhão. Raimundo Muniz lamenta a exclusão dos mestres de Punga167 e argumenta a favor das indicações, valendo-se da própria indicação no edital, quanto destaca que, no próprio documento, no item Condições de Participação, se informava que: “mestres e mestras de capoeira, de qualquer vertente ou estilo”. Esse trecho, conforme ele, inclui os praticantes antigos de Punga da região maranhense. Os argumentos são enviados e constam do próprio site do MinC: A capoeira – vertente ou estilo – mesmo que não reconhecida pela grande massa de praticantes, tem no Maranhão a vertente denominada „PUNGA‟, „ESPERANDO PUNGA‟, ou „PUNGA DOS HOMENS‟, muito praticada no vale do Itapecuru. Embora não seja reconhecida como tal, para os seus praticantes, e eles mesmos se autodenominam como sendo uma vertente da capoeira, assim como o é o frevo de Pernambuco. [...]. (RAIMUNDO MUNIZ, 2011) Outro fato que merece reflexão foi o óbito de três mestres de capoeira durante o processo de execução do edital. Conforme divulgado no site da Fundação Palmares, os mestres Artur Emídio, Peixinho e Bigodinho não chegaram a receber o prêmio em vida.168 As inscrições para o prêmio Viva meu Mestre tiveram início em outubro de 2010, em seguida foram prorrogadas até 12 de dezembro, e o resultado final somente foi divulgado em 25 de agosto de 2011, quase um ano depois. Esse fato é 166 Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/baixaFcdAnexo.do?id=1791>. Manifestação afro-brasileira praticada no Maranhão, que possui alguns aspectos semelhantes à capoeira. 168 Esse acontecimento que envolve três personalidades que tanto contribuíram para o desenvolvimento da capoeira, dentro e fora do Brasil, nos faz refletir sobre o quão demoradas foram as iniciativas dessa natureza e como se fazem necessárias políticas culturais que, de fato, efetivem e mantenham ações constantes para o desenvolvimento e a perpetuação da capoeira e de seus cultores. 167 280 mais um para acrescentarmos às nossas reflexões sobre a efetivação das políticas culturais voltadas à capoeira, bem como sua continuidade e perpetuação. Observamos, ainda, a desorganização das informações que são divulgadas no site oficial do órgão, responsável, no momento, pelas ações de salvaguarda e incentivo da capoeira. Lá avistamos uma nota destacando que um dos objetivos do prêmio Viva Meu Mestre é contemplar mestres em situação de vulnerabilidade socioeconômica, informação que não condiz com as condições de alguns contemplados. O Viva Meu Mestre tem como objetivo fortalecer a tradição cultural da capoeira e premiar mestres acima de 55 anos em situação de vulnerabilidade sócio-econômica, destacando aqueles cuja trajetória de vida tenha contribuído de alguma forma para a transmissão e a continuidade do esporte-luta no Brasil. (FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES, 2011) Trata-se de um equívoco, pois a ação não destaca necessariamente esse objetivo. A situação de vulnerabilidade social constitui apenas um dos itens de avaliação e pontuação dos pleiteantes à premiação. Em nenhum documento oficial do Pró-Capoeira, nem mesmo no próprio edital do prêmio Viva meu Mestre, nem no site do MinC, encontramos afirmação de tal natureza. Uma das previsões que se destacam, ainda relacionadas à salvaguarda, diz respeito a uma demanda que surge nos documentos do Pró-Capoeira. Além das tarefas demandadas pela Portaria n° 48/2009, é importante também aproveitar a mobilização do campo que será promovida nos encontros regionais para a articulação de apoios para as candidaturas da Roda e do Ofício de Mestre de Capoeira às Listas da Convenção da Unesco para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial. Nesses encontros também se poderá realizar a complementação da pesquisa e da documentação audiovisual produzida durante a instrução do processo de Registro desses bens, pois naquela oportunidade, por razões de recorte histórico, foram documentados apenas mestres e rodas de capoeira da Bahia, do Rio de Janeiro e de Pernambuco. Nos encontros regionais previstos, se poderá então expandir essa documentação para outros estados da federação – razão pela qual se propõe a incorporação desta tarefa às demais que foram imputadas ao GTPC. (TERMO DE REFERÊNCIA, 2009, p. 13) Essa demanda constitui um discurso que emerge, dentre os documentos que pudemos observar naquele momento, com fins de aproveitar a mobilização que estava por vir, mas não há acúmulo de discussão no que diz respeito a esse pleito, na capoeira. 281 Se o processo de reconhecimento gerou dúvidas, as candidaturas da Roda e dos Saberes dos Mestres ratificam ainda mais o distanciamento da participação popular, em certas decisões do Governo, que aparentemente são democráticas e/ou unânimes. Em visita institucional ao IPHAN, com vistas à realização de pesquisa documental, fomos informados de que o órgão já havia enviado para a UNESCO tal solicitação.169 Averiguando a veracidade da informação, percebemos a ausência de maiores discussões com as comunidades da capoeira, não somente sobre o processo, mas sobre todos os acontecimentos que culminaram na suspensão das ações. Ao questionarmos como isso era possível, levantamos que o IPHAN “divulgou” um abaixo-assinado eletrônico. Trata-se de um site localizado no endereço eletrônico http://www.peticaopublica.com.br/, onde esse tipo de documento pode ser criado e divulgado através desse meio de comunicação. Não é só mais um título bonito para colocar na parede nem é mais um simples reconhecimento para compor discursos de exaltação. Vai além. É um pacto entre o Brasil (governo e sociedade) e o mundo para aumentar as bases de expansão das nossas raízes. Um passaporte a mais para abrir fronteiras e dar o tom brasileiro, detentor absoluto das raízes dessa prática, no cenário internacional. O título é um ato de fortalecimento que não interfere na autoria da Capoeira nem na autoridade dos Mestres. A Capoeira continua fiel à sabedoria dos que a criaram sem perder direitos nem sofrer intervenção em seu conceito ou prática. O que se abre é a possibilidade de criação de mais estrutura e força política [...]. (ABAIXOASSINADO CAMPANHA DE APOIO À CANDIDATURA DA RODA DE CAPOEIRA À LISTA REPRESENTATIVA DO PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL DA HUMANIDADE, 2012) No texto que precede a solicitação de assinaturas, notamos que a base da solicitação é pautada através de documento produzido no processo de reconhecimento da capoeira enquanto patrimônio imaterial do Brasil. O problema é que nossa pesquisa demonstra que as discussões que precederam e acompanharam tais documentos foram, resguardadas as proporções, ínfimas, incompletas e/ou superficiais, se levarmos em consideração o universo dessa manifestação cultural. 169 Mesmo com os encontros do Pró-Capoeira suspensos, naquele momento e sem previsão de conclusão. 282 A lista a ser enviada a Unesco é de responsabilidade do Iphan e tem como base um dossiê de candidatura redigido a partir de pesquisas já realizadas no registro da Roda de Capoeira e do Ofício de Mestre de Capoeira como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. O Grupo de Trabalho Pró-Capoeira coloca na roda o encaminhamento deste dossiê à Unesco. Todas as demandas e propostas levantadas nos Encontros Pró-Capoeira foram consideradas na elaboração do dossiê. Após a finalização da candidatura uma comissão intergovernamental decidirá sobre a pertinência da inscrição [...]. (ABAIXO-ASSINADO CAMPANHA DE APOIO À CANDIDATURA DA RODA DE CAPOEIRA À LISTA REPRESENTATIVA DO PATRIMÔNIO 170 CULTURAL IMATERIAL DA HUMANIDADE, 2012) Os encontros do Pró-Capoeira não foram suficientes para pôr em prática uma discussão dessa natureza. O mesmo não foi discutido suficientemente e amplamente com a comunidade da capoeira. Sabe-se pouco de todo o processo e ainda não podemos avaliar as possíveis contribuições de tal empreitada, de forma consubstancial para essa manifestação. Na década de 1970, no decorrer da Convenção da UNESCO sobre Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, uma solicitação alterou os rumos das discussões que, até então, dominavam o cenário cultural. [...] alguns países que possuem um vasto e rico patrimônio imaterial, [...] requisitaram à Unesco estudos no intuito de criar instrumentos jurídicos para salvaguardar, sobretudo, as manifestações da cultura popular e tradicional, incluindo-as também, como patrimônio da humanidade. (NETO; 171 FILHO, 2011, p. 5) Vale ressaltar que algumas ações de salvaguarda, relacionadas à capoeira, foram iniciadas no Brasil em 2010. Entende-se por „salvaguarda‟ as medidas que visam garantir a viabilidade do patrimônio cultural imaterial, tais como a identificação, a documentação, a investigação, a preservação, a proteção, a promoção, a valorização, a transmissão – essencialmente por meio da educação formal e não-formal – e revitalização deste patrimônio em seus diversos aspectos. (UNESCO, 2003, p. 5) As ações de salvaguarda visam estabelecer uma manutenção dos fazeres, atos, gestos, estruturas das manifestações consideradas como patrimônio imaterial. 170 Continuando, o texto conclama a comunidade a fortalecer o pedido (assinatura de adesão) que, se atendido, exigirá que o governo atente mais para essa manifestação, desenvolvendo políticas culturais específicas. 171 A partir da descrição acima, estudos sobre o patrimônio imaterial começaram a pautar as discussões de especialistas, assim como outras reflexões acadêmicas a respeito do assunto. 283 A salvaguarda também se expressa conceitualmente no documento da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial. Para assegurar maior visibilidade do patrimônio cultural imaterial, aumentar o grau de conscientização de sua importância, e propiciar formas de diálogo que respeitem a diversidade cultural, o Comitê, por proposta dos Estados interessados, criará, manterá atualizada e publicará uma lista representativa do patrimônio cultural imaterial da humanidade. (UNESCO, 2003, p. 10) Fica claro que as ações de salvaguarda não se resumem ao Estado, mas a sua preservação é da responsabilidade de todos. Porém, é igualmente fundamental que a comunidade esteja consciente dos processos que envolvem, desde o reconhecimento da manifestação como patrimônio imaterial, até sua salvaguarda. Como saldo positivo ficam as mobilizações refletidas em reuniões, que geraram troca de informações, dentre outras oportunidades de expressão para a comunidade, demonstrando o seu potencial de organização e autonomia, como ficou claro nas mobilizações da Bahia e outras localidades. Vale também lembrar que a comunidade da capoeira de Minas Gerais cultivou sua autonomia e poder de coletividade, criando um Conselho de Mestres que constantemente estabelece diálogo com a secretaria do IPHAN, naquela região, demonstrando grande efetividade, parceria e participação. Por fim, vale destacar que o programa Pró-Capoeira de fato não chegou ainda a ser implementado. A realidade concreta nos remete a dúvidas quanto a sua efetiva implantação. No que respeita a esta questão, esperamos estar errados, contudo, necessitamos atentar para esta ação que nada mais é que a continuidade do ato de reconhecimento de uma cultura enquanto patrimônio imaterial. 4.7 Balanço, proposições e perspectivas A gente não quer só comida A gente quer comida Diversão e arte A gente não quer só comida A gente quer saída Para qualquer parte [...] A gente não quer Só dinheiro A gente quer dinheiro 284 E felicidade A gente não quer Só dinheiro A gente quer inteiro 172 E não pela metade [...]. Nossa pesquisa tem limitações, pois algumas questões discutidas aqui ainda se encontram em trâmite, o que dificulta uma análise mais precisa e aprofundada. De qualquer forma, não podíamos ficar somente observando esse momento, que foi muito importante para o universo da cultura brasileira, principalmente da capoeira. Preferimos arriscar e contribuir com o processo, assumindo o ônus dos possíveis equívocos e contradições. Para Mészáros (2002; 2007), o sistema de metabolismo social do capital forma-se a partir de um núcleo central, oriundo de um tripé formado pelo próprio capital, pelo trabalho assalariado e o Estado. O filósofo acredita que é impossível romper com a lógica do capital rumo à verdadeira transformação, sem a extinção deste tripé. Além disso, o sistema é essencialmente destrutivo, contudo, através do seu metabolismo, sempre se expande, de forma mais incontrolável e destruidora. Tomando emprestado este pensamento, observamos que as ações que presenciamos, relacionadas às políticas culturais voltadas para a capoeira, não se constituem em mudanças significativas na vida de sua comunidade, em razão da impossibilidade de mudanças mais radicais, na atual sociedade em que vivemos. Estas são proposta pelo Estado, alicerce fundamental de manutenção da lógica do capital. Sendo assim, nenhuma política que brote desse contexto deverá alterar a hegemonia mantida pela classe que está no poder. As rédeas sempre serão reagrupadas, ao mínimo perigo de instabilidade da estrutura e empoderamento dos trabalhadores. Os avanços serão cerceados e as ações retroagirão na mesma velocidade que eclodiram, além disso, a burocracia cuidará de dificultar o andamento, o desenvolvimento e a continuidade deste movimento. Em uma das suas teses, Mészáros (2007) alerta que qualquer tentativa de superar o sistema oriundo e restrito à esfera institucional e parlamentar está destinada ao malogro. Isso não significa que, nos últimos anos, as experiências não tivessem alguma significância para o universo da capoeira. Nem tão pouco denota que as 172 Comida. Letra de Arnaldo Antunes. 285 ações não tenham articulado ou mobilizado as comunidades da capoeira. Toda experiência deve ser um aprendizado e aproveitada ao máximo. Se é verdade que, mesmo com todas as ações e o reconhecimento da capoeira, não há garantia de desenvolvimento e manutenção das políticas culturais, também é verídico que, sem essas ações, seria mais difícil pleitear incentivos. Mas, finalmente, quanto a esse reconhecimento, seria de fato necessário, no sentido que imprimiu o próprio IPHAN, registrar a capoeira como um bem imaterial brasileiro? Será necessário salvaguardar toda manifestação considerada como cultura? As reflexões que nos atingem, ao analisarmos o discurso de um dos responsáveis pelo processo de reconhecimento dessa manifestação da cultura corporal, são desafiadoras para o entendimento do contexto contemporâneo. Se o Sírio ensinou que nem toda ação deve ser salvaguardada, o Frevo ensinou que a adesão foi maciça e tudo o mais. A capoeira foi um bem; um antecedente importante! Foi o primeiro bem que teve que ser escrito em dois livros diferentes. Por quê? Porque a capoeira tal como o Sírio também não precisava de nenhum plano de salvaguarda. O que dizia pra gente, desde a época do mestre Pastinha: a capoeira vai bem. Obrigado! Quem tá mal é o mestre, não é? [...] Então, a gente tinha esse entendimento, que a capoeira está bem, que a capoeira não necessita do IPHAN. Eles são muito mais necessitados da capoeira do que a capoeira do IPHAN. (WALLACE DE DEUS, Informação verbal, 2012) O reconhecimento da capoeira foi melhor para a comunidade da capoeira? Ou melhor, politicamente, para a política e para o Estado? Essa reflexão do nosso depoente é pertinente. É crucial para entendermos o movimento do real e todas as coisas que desencadearam tal processo, bem como porque o mesmo não conseguiu avançar. Que fique claro. Não é a capoeira – a roda de capoeira – que precisa de amparo e sim os seus cultores, a sua comunidade – o ofício dos mestres. São as pessoas que necessitam de dignidade para viver. Elas precisam de liberdade e condições para fazer e produzir suas culturas. Desta forma, devemos encarar o reconhecimento e a salvaguarda como estratégias para qualificar e dignificar a vida dos velhos mestres, que tanto contribuíram para a nossa cultura, bem como pensar e escrever uma nova história para as futuras gerações de mestres. Estes são o foco principal para lutarmos por ações qualificadas de salvaguarda. 286 Mas o mestre sim, o mestre necessitava. Em que aspecto? O ofício do mestre, aquele mestre tradicional de capoeira é aquele que é como o mestre Curió, que pegou as crianças na rua pra fazer um trabalho de educação, de formação, um trabalho cultural com aquelas crianças, esse é o primeiro aspecto. Então, esses mestres tinham quer ser contemplados, tinham que ter um olhar pra esse mestres. E a outra? (WALLACE DE DEUS, Informação verbal, 2012) Outro participante direto do processo que culminou no reconhecimento da capoeira como patrimônio imaterial, também entra na discussão, ponderando, de forma sábia e sensível, sobre a situação que atinge essa comunidade: Se por um lado a capoeira não tá ameaçada de extinção, tem problemas sérios. Eu acho justamente, os mestres antigos, sobretudo na Bahia, mas aqui no Rio também tem e em alguns outros lugares têm, que vivem em condições precárias, que têm um saber interessante, uma vivência interessante, esse sim merece um apoio e eu acho que nesse sentido [...]. (ASSUNÇÃO, Informação verbal, 2012) Os números que perseguem o desenvolvimento da capoeira, no século passado e neste, são impressionantes para uma manifestação que foi discriminada e perseguida por toda uma socieadade. A sua expansão no mundo é algo tão impressionante que, constantemente, este avanço é abordado em trabalhos acadêmicos de pesquisa. Contudo, a reflexão acima destaca que é o indivíduo que necessita de cuidados. Os mestres de capoeira ainda continuam vivendo e morrendo em condições precárias, porque estes também são indivíduos excluídos socialmente. O mestre que ainda não sabe ler é a mesma criança que, lá atrás, teve seu acesso à escola, por um motivo ou outro, negado. O mestre que vive em condições sub-humanas é o mesmo indivíduo que nasceu e se desenvolveu na miséria, excluído de atendimento as necessidades básicas de uma sobrevivência digna, aquele que sofreu preconceitos, discriminações etc. etc. A questão que precede o problema atual está mais atrás, está na formação da sociedade em que vivem esses capoeiras. Um punhado consegue reverter essa situação, assim como um punhado de peixes consegue vencer a pororoca, enquanto milhares de outros perecem rio abaixo. A partir dessa análise, não há política cultural que consiga reverter essa problemática. Aqui está uma questão de fundo, que somente será revertida com a mudança dos paradigmas que constituem a sociedade, minimizando as distâncias sociais que excluem os trabalhadores de sua dignidade enquanto seres humanos. E 287 é exatamente isso que os mestres clamam. Todas as discussões culminam em palavras como dignidade, reconhecimento, respeito e paridade. Assim, em uma sociedade organizada em classes sociais e sob os auspícios do capital isso se liquefaz. Recentemente, o Brasil ficou estarrecido com o caso de uma garota de dez anos de idade que foi alvejada com um tiro de bala perdida na cabeça, no quintal de casa, na cidade do Rio de Janeiro. Após alguns dias, ela não resistiu e sucumbiu, na tarde do dia 4 de janeiro de 2013.173 A ocorrência de alguém morrer no Brasil por bala perdida remete à questão da violência, que assola as grandes metrópoles do mundo, especialmente aqueles países menos desenvolvidos e com grandes índices de desigualdade. Mas o fato de uma criança de 10 anos não possuir certidão de nascimento significa que essa menina não frequentava a escola, nunca foi matriculada, pois, para isso, necessitaria do documento em questão; não era assistida por programas de saúde, enfim, não existia para a sociedade, estava literalmente à margem desta. A mesma já estava morta (socialmente falando), antes mesmo de receber seu atestado de óbito.174 “Quando eu crescer, eu quero ser mestre de capoeira”. Desejo traduzido em discurso, enunciado por um soteropolitano, em uma propaganda da Empresa de Turismo da Bahia (Bahiatursa). Tempos depois da gravação deste produto comercial, o sonho do garoto iria ser sumariamente cortado, interrompido precoce e abruptamente, por uma ação desastrosa da Polícia Militar. Vale destacar que essa frase poderia representar centenas de praticantes mirins dessa manifestação. O que pensar do caso Joel, que assim como Adrielly, também tinha dez anos, ao morrer? O infortúnio aconteceu em 2010, no bairro do Nordeste de Amaralina, em Salvador. Filho de um mestre de capoeira, também era praticante. Assim como a vítima do Rio de Janeiro, sucumbiu com uma bala na cabeça, em sua própria casa. 173 Além de ter problemas para ser atendida e socorrida, pois o médico plantonista do hospital Salgado Filho se ausentou do plantão de Natal, para o qual estava escalado, conforme anunciado pelas redes de televisão, sites e programas de rádio, após sua morte o corpo da garota demorou a ser liberado porque a ela não tinha certidão de nascimento. 174 Para maiores informações. Disponível em: <http://tvuol.uol.com.br/assistir.htm?video=vitima-debala-perdida-menina-adrielly-e-enterrada-no-rj-04020C183668D0914326>; <http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/ 2013/01/ morre-menina-baleada-na-noite-de-natal-norio.html>; <http://www.diariodepernambuco.com.br /app/noticia/brasil/2013/01/08/ interna_ brasil,416719/medico-isenta-colega-que-nao-atendeu-menina-baleada-no-rio.shtml>; <http://noticias .uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2012/12/25/familiares-tenta-invadir-hospital-que-atendeumenina-baleada-no-rio.htm>. 288 O fato diferente, nesta narrativa, é que a bala que alvejou o jovem capoeira, comprovadamente, conforme indicou a perícia, foi disparada por um policial.175 O que dizer de uma sociedade, quando nos deparamos com casos como estes? Como esperar que esta reconheça seus produtores culturais e possibilite que mudem suas realidades? Muitos se situam na mesma classe que a falecida menina se encontrava, muitos mestres de capoeira sofrem as mesmas necessidades: sem acesso à educação formal, sem acesso à assistência de saúde, completamente marginalizados. Estes mestres encontraram na capoeira uma tábua de salvação, uma possibilidade de sobrevivência, de sobrevida social. De nada adiantarão as políticas culturais voltadas para a capoeira, sem alicerces que as sustentem e proporcionem condições para serem produzidas e desenvolvidas, em suas bases. Estamos falando aqui, não somente de condições igualitárias, mas condições de justiça social. Acesso à educação, transporte de qualidade, assistência à saúde, trabalho, enfim condições dignas de viver em sociedade. Isso para falarmos das questões mais gerais, que se encontram na base. Para falamos de questões mais específicas, utilizamos as reflexões da filósofa Marilena Chauí, expressas em um livro escrito a partir de suas experiências, enquanto gestora da área cultural, à frente da Secretaria Municipal de Cultura (SMC), de uma das maiores cidade da América Latina – São Paulo. O livro em questão é a obra intitulada Cidadania Cultural: o direito a cultura. Nele, Chauí, intelectual crítica atuante, reflete sobre as boas experiências através de iniciativas e projetos, bem como as expectativas de implementar uma política cultural diferenciada, na primeira gestão de um partido de esquerda no referido município. Vamos nos ater, todavia, nas dificuldades, que não foram poucas, e nos entraves que a gestora encontrou e relatou, para conjecturarmos o quão é difícil quebrar paradigmas de uma estrutura viciada. O livro em questão poderia ser chamado também de Missão impossível. Os primeiros passos, conforme relata a autora, foram: 175 Para maiores informações. Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/brasil/policia/ba-garotomorto-durante-acao-policial-e-enterrado-emsalvador,52684fc7b94fa310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html>; <http://atarde.uol. com.br/noticias/5654368>; <http://www.correio24horas.com.br/noticias/detalhes/detalhes2/artigo/tristeza-e-comocao-marcaram-o-enterro-do-menino-morto-por-bala-perdida-em-nordeste-deamaralina/>; <http://www.r2cpress.com.br/v1/2010/11/30/caso-joel-pms-envolvidos-em-tiroteionao-comparecem-a-delegacia/>; http://www.bahianoticias.com.br/principal/noticia/81370-caso-joelwagner-comenta-acao-de-policiais.html. 289 Recusar o controle estatal sobra a cultura e a monumentalidade oficial da tradição autoritária, garantindo contra ela que o Estado não é produtor de cultura. [...] recusar a divisão [...] entre cultura de elite e cultura popular [...] procuramos recusar a perspectiva neoliberal, garantindo independência do orgão público e da cultura em face das exigências do mercado e da privatização do que é público [...]. Navegando contra a corrente propusemos para a Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo uma 176 política. (CHAUÍ, 2006, p. 68) No discurso da autora, notamos que o caminho percorrido foi de muitas dificuldades e lutas, entraves e enfrentamentos, para a realização das ações. O movimento que Chauí tentou imprimir à SMC exigiu da equipe o aprendizado e a amargura de lidar com a máquina estatal, com todos os seus entraves e vícios. Teve simultaneamente de fazer o difícil aprendizado das tarefas burocráticas e administrativas, lutando contra elas por serem rotineiras, vagarosas diante do rimo e do tempo culturais, baseadas no lidar com as tradições do clientelismo, do favor, do corporativismo interno e externo à SMC. (CHAUÍ, 2006, p. 73) A autora elenca as dificuldades encontradas na gestão: dificuldade para instituir o campo democrático dos direitos; burocracia; bloqueio jurídico; poder legislativo; expectativas e frustrações e situação física da SMC. Apesar disto, enfatiza, no final, algumas iniciativas que estimularam, em outros Estados e, até nacionalmente, o desenvolvimento de suas políticas culturais, a partir de outras lógicas. Também destaca as iniciativas que receberam elogios e observações, tanto de artistas, quanto do público em geral, que, através dos projetos, tiveram acesso à cultura, que possivelmente antes não tinham. Dessa forma, a autora democratiza o quão é difícil tratar com a cultura, sob a lógica estatal, todavia existem possibilidades que constituem em avanços e boas experiências pontuais, mas boas. Podemos agora fazer a relação da gestão que Chauí vivenciou à frente da SMC, com as ações das políticas culturais voltadas para a capoeira. Existe semelhança nas experiências. Os entraves burocráticos, os preconceitos estabelecidos, as dificuldades causadas pelo contexto político, o bloqueio jurídico, dentre outros. As histórias parecem se repetir, com atores diferentes, cenários e contextos diversos, mas com os mesmos problemas, dificuldades e limitações. Em matéria divulgada, Nunes (2009) informa que, em 2008, por falta de patrocínio, não houve edital do PCV. Em 2009, a comunidade da capoeira também 176 Grifos nossos. 290 ficou na expectativa, aguardando a terceira experiência e, mais uma vez, o Projeto não aconteceu. Ainda de acordo com o repórter da UOL, já foi divulgado pelo MinC que a próxima gestão do PCV mudará mais uma vez. A reportagem indica que esta passará para o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (IPAC). Seria o terceiro órgão que ficaria à frente do PCV, mas isso não se concretizou até o momento. Houve mudanças na gestão do MinC, mais uma vez, e não há indícios de continuidade. Ana de Hollanda que, na época, substitui Juca Ferreira, não esboçou simpatia, muito menos preocupação com a situação em que se encontrava a iniciativa. Acabou saindo do cargo, sem maiores contribuições à capoeira e outras manifestações que, historicamente, não tinham acesso a políticas culturais. Uma das nossas entrevistadas, que vinha acompanhando os desdobramentos da gestão pública na área da cultura, configurou toda a conjuntura que se consolidaria, mais tarde, com a sua saída do ministério. Bom eu acho que a gente tá no vácuo agora. Porque, todo projeto da Capoeira Viva, e todas essas políticas da capoeira, é projetos da área da cultura. E a gente teve no Juca Ferreira, que foi Ministro da Cultura, e antes dele, Gilberto Gil. Eles eram grandes incentivadores disso! E aí, com a entrada da nova ministra, os projetos pararam, é uma pena isso. Isso realmente é uma perda enorme! Eu trabalho na área de cultura, eu sou produtora cultural e eu sei o quanto isso está afetando varias áreas. A política é indefinida do novo ministério, tá? Mas eu acho que é uma questão de tempo, ou a ministra vai ter que dá um direcionamento, ou ela vai cair. (IZABEL FERREIRA, Informação verbal, 2012) Entendemos que não necessariamente a descontinuidade das ações aconteceram pela assunção da Ana de Hollanda ao MinC, pois, se observamos as datas dos acontecimentos, notaremos um refluxo, ainda na gestão de Juca Ferreira. Não precisa ser Mãe Diná,177 para prever que a ex-ministra não duraria muito no cargo, pois já o assumira em meio a manifestações de insatisfação, por determinados grupos, como, por exemplo, o Movimento Fica Juca. O Ministério de Juca foi e tem sido o sopro tropicalista com que sempre sonhamos na cultura brasileira: a inclusão de todas as partes, a expressão de todas as artes, a fibra ótica ecoando o toque do tambor. Tudo isso precisa continuar. Não podemos correr o risco de repassar todas essas conquistas a mãos de pouco talento, a alguma gestão que reduza o tamanho que o Ministério alcançou. 177 Benedicta Finazza, vidente que ficou famosa ao frequentar programas de televisão realizando previsões futurísticas. 291 Por tudo e por muito mais, nossa música não cala e a nossa poesia fala. Está nas rodas de samba, nos acordes da sinfônica, nos passos da bailarina, na ginga da capoeira: – Fica, ministro Juca Ferreira! (FICA JUCA, 2010) Diversas ações que precederam a assunção de Dilma Rousseff à presidência da República apontavam a necessidade de manutenção, na pasta da cultura, do grupo que estabeleceu uma revolução na área cultural. Várias foram as reportagens, artigos e textos, em sites, microblogs e blogs, além de manifestações distintas de apoio a Juca e contra a sua saída da pasta da cultura: Sabemos que a gestão do Juca aprovou uma série de marcos legais importantes, que são alicerces mesmo ainda mais pensando na breve história do MinC, que é importante lembrar, é muito diferente de outras áreas – o MinC é pós Collor, onde o modelo de privatização mais radical foi experimentado: a implosão da estrutura cultural. Só por isso, pelos marcos legais, objetivamente, o Juca deveria ficar mais quatro anos. (FERRON, 2010) Nada adiantou, pois sabemos como isso terminou. A pasta da cultura estava entre as cotas para as mulheres que assumiriam os ministérios da recémempossada presidenta. Até o comediante, escritor e apresentador Jô Soares tentou apoiar a recente empossada ministra, convidando-a a participar do seu programa – Jo Soares Onze e Meia – como uma forma de ampliar o seu apoio, esclarecer algumas polêmicas e fortalecer suas bases políticas, sem muito sucesso. Um mínimo movimento em falso e os críticos às mudanças no MinC tentavam desestabilizar a sua gestão. Às vezes nem precisava fazer muito esforço. Mas Hollanda demonstrou grande resistência às pressões, que não foram poucas, vale ressaltar, porém, que não é de toda a responsabilidade da sua gestão, esses percalços, apesar de vivenciarmos poucas pautas ou quase nenhuma, voltadas para a capoeira, principalmente no que diz respeito à continuidade das ações. Não basta iniciar ações, é imprescindível, além da sua manutenção, a sua melhoria. Essa é uma questão básica de qualquer política pública. Há de haver manutenção, acompanhamento e principalmente educar para isso. Os contemplados, já chamavam a atenção para isso nas entrevistas. [...] Tem que ser uma política de Estado, não de governo, ou seja, muda o governo, muda a política. Então, vai acabar [...] tem que ser uma construção, uma política do Estado. Quem entrar tem que ter uma linha de financiamento pra essa construção, então, eu acho que é isso que tem que 292 ser discutido [...] pra você poder cristalizar as associações de capoeira, representações dos praticantes. Então, acho que isso aí falta! Pensar neste sentido [...]. (LIBERAC, Informação verbal, 2012) Para nosso entrevistado, que possui bastante experiência e já há muito acompanha o desenvolvimento da capoeira. Houve uma crença na comunidade, em geral, de que o momento, que marcou a implementação destas políticas culturais no país, seria um marco de transição para o atendimento de todas as demandas do universo da capoeira. Uma falsa esperança, alimentada por um tratamento nunca antes dispensado a esta comunidade. [...] Primeiro que terminou muito pela coisa, também, do capoeirista achar que ele estava em outra fase, o que acreditar nessa fase, em vez de mascarar também num processo que dá o ponto de associado aquela ação desses pontos de cultura de capoeira que era o programa de capoeira viva como patrimônio cultural da cultura brasileira, não é? [...] Então, quando a gente esperava que a capoeira fosse virar, digamos, ultrapassar um limite de uma cultura de governo pra uma cultura de Estado, ela atraiu uma raiva sobre ela, em outro setor, de setores artísticos, não é? (FREDE ABREU, Informação verbal, 2011) A análise do nosso entrevistado diz respeito também à ampliação do conceito de cultura, ou, melhor dizendo, um novo trato com a cultura que foi inaugurado com a gestão de Gilberto Gil. Até então, antes da assunção do músico ao ministério, cultura para o MinC delimitava-se prioritariamente por arte e edificações. O imaterial, mesmo já estando inserido na legislação, não se configurava como algo de fato, real. Permanecia somente no âmbito legal. A partir dessa nova gestão, as políticas culturais realmente irradiaram, do Oiapoque ao Chuí, expandindo das capitais para o interior, dos índios aos grupos denominados de minorias.178 As políticas culturais são definidas também a partir da correlação de forças. As comunidades da capoeira precisam se articular, enquanto coletividade, definindo estratégias e metas, demandando as prioridades e necessidades reais da classe. Em determinados momentos históricos, quando pensávamos que as diferenças entre os conjuntos de capoeiras pareciam estar superadas, em benefício de algo que favorecesse os interesses coletivos, durante o seu desenrolar, percebemos retrações, afastamentos, desistências, enfraquecimento comunidade. 178 Refiro-me aqui aos grupos de remanescentes quilombolas, ciganos, LGBT etc. da 293 Autonomia parece ser a palavra de ordem da capoeira, em relação às outras manifestações consideradas como populares, e ao Estado, ao mesmo tempo em que percebemos certa dependência. Contraditoriamente, estas situações aparecem fortes em nossas análises. Ao passo que a realidade concreta irá potencializar discursos. “As políticas do governo poderiam ajudar mais a capoeira, mas se não ajudar, a capoeira também não depende dele!” (IZABEL FERREIRA, Informação verbal, 2012). Seria prepotência? Ou um discurso que condiz com a realidade concreta? Mestre Pastinha já nos chamava a atenção sobre a negação, ou, como ele próprio relatou, no filme Pastinha uma vida pela capoeira: “– A capoeira tem a negativa”. Com sua sabedoria, o velho mestre explicava a possibilidade do fenômeno se adaptar, se moldar e se ressignificar. Talvez esse momento histórico, que vivenciamos, seja uma oportunidade de darmos um salto qualitativo e entendermos que precisamos cuidar mais dos capoeiras do que da capoeira. [...] eu acho que a gente tá vivendo um momento no Brasil, politicamente único! Do ponto de vista macro, especificamente da área de cultura [...], mas eu acho que a capoeira ela não acaba nesse governo, ela não acaba nessa política. [...] então, eu acho que a capoeira, ela não depende tanto das políticas publicas, as políticas públicas são interessantes pra capoeira, porque reforçam o projeto, o projeto que já existe, não é? [...]. (IZABEL FERREIRA, Informação verbal, 2012) A primeira gestão cultural do governo Lula, assim como a que se seguiu, mas principalmente a primeira, responsável pelo início das mudanças de planejamento das ações marcou o imaginário social da comunidade da capoeira, imprimindo uma marca que dificilmente será superada, pensamos nós. Olha, o Gilberto Gil pra mim tá de parabéns! Foi um cara que [...], não teve um ministro da cultura que olhasse mais pela cultura popular do que ele. Ele abriu alguns precedentes, por exemplo – o ponto de cultura. [...] eu fiquei maravilhado, cara, em ver a cultura popular organizada. A gente sentando para debater políticas públicas pra capoeira, pro candomblé, sabe? [...] Me arrepio quando falo, cara, eu digo: “Agora sim a coisa vai andar”, entende? [...] Então eu penso que essa gestão, esse governo do presidente Lula pra capoeira, entendeu? Teve realmente coisas concretas, entendeu, cara? E penso que o Brasil daqui pra frente vai ser muito diferente, cara? (MESTRE PINÓQUIO, Informação verbal, 2012) Como destacamos anteriormente, estas ações somente foram possíveis porque fizeram parte de um processo longo de construção, que envolveu vários 294 atores sociais: políticos, comunidades, produtores culturais, que construíram e amadureceram uma proposição para um novo olhar sobre a cultura. A oportunidade de pôr essas ideias em prática, aliada à presença de gestores com vontade política para isso, geraram o momento propício que marcou um novo processo histórico no país. Contudo, isso não significou até o momento mudanças estruturais. Muito menos quebrou com uma das tristes tradições das políticas culturais no país, quando se trata de continuidade. Testemunhamos um desaquecimento significativo, bastante diferente dos primeiros momentos das gestões do MinC, no governo Lula. Ao que tudo indica, foram perdendo fôlego ou não encontraram vontade política para brigar por essa causa. Tanto que não existem novas ações voltadas para esse campo específico, há anos. E as antigas estão paradas ou emperradas por diversos entraves.179 As ações do PCV, em primeiro lugar, necessitam de conclusão. Atualmente, houve mudanças na gestão da cultura, no município de Salvador, em decorrência das últimas eleições. Esses novos gestores precisam encerrar, em definitivo, o segundo edital. O MinC precisa posicionar-se com relação a essa problemática, a fim de que outras possibilidades desta ação possam ocorrer. Os Editais do PCV necessitam com urgência de adequações e ampliação, pois ainda estão distantes da realidade concreta da grande massa que compõe a comunidade da capoeira.180 [...] fui a várias reuniões lá, pra resolver esse negócio. Eu disse: – Isso não é um prêmio, é um castigo! Porque, por exemplo, eu sou um profissional liberal, aí, eu deixo de trabalhar para ir a reunião, aí, não tem reunião, ou então tem reunião e não resolve nada, eu deixei de ganhar naquele dia, por quê? E eles não tão nem aí pra isso, marcava reunião e a gente chegava lá e não resolvia [...]. (MESTRE ITAPOAN, Informação verbal, 2012) Propomos que os próximos editais sejam pensados para esta comunidade que, infelizmente, ainda não conseguiu acesso a uma educação básica de qualidade; que possui limitações, necessita de formação e oportunidades que 179 Não há dúvidas que o governo de Lula promoveu uma maior intervenção do Estado, também no campo da cultura, mas isso não significou nem estatização, nem constituição de um novo bloco histórico, que poderia inverter a hegemonia de classes atual. 180 Esta, desde seu surgimento, sempre foi diversificada e acolhedora, contudo, a maioria esmagadora de seus integrantes são majoritariamente prepostos da classe trabalhadora, ou seja, a classe mais sofrida e menos abastada da sociedade, composta em sua grande maioria de excluídos. 295 realmente possibilitem a ela usufruir de uma vida digna. Essa iniciativa precisa se transfigurar em autonomia para os mestres, evitando que careçam de terceiros para realizar seus projetos. Tanto a Academia de Mestres como o Viva meu Mestre auxiliaram momentaneamente nossos velhos mestres, contudo, estes, em sua grande maioria, continuam com as mesmas necessidades anteriores. Ou seja, essas ações não significaram necessariamente verdadeiras mudanças em suas vidas. É fato! Nossos mestres continuam morrendo desamparados.181 Defendemos, mais uma vez, um Conselho de Mestres permanente, nos moldes dos conselhos de cultura, onde os seus membros tenham uma alternância constante e representatividade ampliada, por todo o território nacional, estabelecendo formas de desenvolvimento e continuidade das ações, para auxiliar as políticas culturais voltadas para a capoeira. As produções originárias dessas políticas precisam ser amplamente democratizadas e distribuídas para as instituições de ensino público, assim também como em espaços culturais. Que sirvam de material didático e de formação para as novas gerações. Ambos os editais do PCV desencadearam produções interessantes sobre a capoeira, que, por vários motivos, acabaram sendo pouco divulgadas. Nem a própria comunidade da capoeira obteve acesso a esses materiais. Arriscaria dizer que, mesmo não participando, em nenhum momento, das ações diretas do primeiro e segundo editais do PCV, registro o maior acervo de produções feitas a partir dessa experiência. Se não somos aquele que mais possui, somos, com certeza, um dos que possui. Possivelmente, o MinC, a FCP, o Museu da República e a FGM detêm uma quantidade de material que, com a pesquisa, conseguimos ter acesso. Isso é fruto da ausência de uma política de democratização e de gestão das produções realizadas pelos selecionados nos respectivos editais. Em relação à patrimonialização, reforçamos que o seu reconhecimento como patrimônio imaterial corre o sério risco de se tornar um fetiche. Um dos nossos entrevistados revela sua análise, desse momento, onde tudo vira patrimônio. “Agora tudo é patrimônio material, começou a ter uma preocupação com relação a essa coisa muito compulsiva, de registrar bens imateriais, mas que eu acho que deu conta de uma lacuna histórica [...]” (WALLACE DE DEUS, informação verbal, 2012). 181 O Estado continua a virar as costas para os guardiões da nossa cultura, iludindo-os com falsas aparências, quando na verdade os escraviza ou os faz de cooptados. 296 Os capoeiras devem ficar atentos às aparências. Em um primeiro momento, o status de uma manifestação considerada patrimônio parece algo incondicionalmente bom e louvável. Contudo, precisamos conduzir esse processo atento às demandas de uma comunidade que extrapola as fronteiras do território e se constitui a partir de uma diversidade, muitas vezes, incompreendida pelos seus pares. Sua constituição aponta para o risco de um horizonte figurativo, sem avanços significativos. Os documentos que precedem o reconhecimento de algum bem, como patrimônio, são o perfeito exemplo de burocratização do Estado. Uma verdadeira rede de documentos, acessíveis somente aos próprios funcionários do IPHAN/Fundação Cultural Palmares/MinC. No discurso da nossa depoente, a seguir, testemunhamos o abstruso trabalho documental: [...] então essa equipe teve que dar conta do registro, do levantamento, que ele é complexo, é um levantamento tanto no nível de registro bibliográfico, filmográfico, fotográfico, quanto da pesquisa de campo (AMÉLIA CONRADO, Informação verbal, 2012). Outro depoente pondera que ao mesmo tempo em que as ações relacionadas ao reconhecimento não surtem efeitos concretos para a comunidade da capoeira, ao menos o Governo é testemunha de quão grande e complexa esta comunidade é. Este depoente, agora, possui subsídios para entender melhor a questão: [...] também colocou numa situação em que pelo menos o governo tá sabendo que pelo menos a gente existe, que eles ignoravam totalmente (MESTRE ITAPOAN, Informação verbal, 2012). Retomando o pensamento da entrevistada anterior, percebemos o discurso oficial da política, que a mesma destaca, justificando o processo que desencadeou o reconhecimento da capoeira como patrimônio. [...] então, o que foi que o Ministério da Cultura verificou? Que uma vez que a capoeira não está nos livros de registros, fica difícil o próprio ministério argumentar seu valor! O seu valor cultural, seu valor histórico, seu valor, não é? Isso pra se transformar em benefícios e políticas, isso era o que presidia. (AMÉLIA CONRADO, Informação verbal, 2012) Dialeticamente, as questões se manifestam e não são tão simples. Outro entrevistado pondera que as políticas culturais, vez ou outra apregoadas como políticas públicas de Estado, ainda não se configuram de maneira concreta e real. 297 Em certa medida, ele tem razão. Não presenciamos ainda, nesta área, iniciativas que, de fato, possam ser consideradas enquanto políticas de Estado. Por parte do Estado, a gente vê que ainda é uma questão de governo, não é de Estado, então nós estamos vendo que o governo passado se empenhou com todos os percalços, mas estava acontecendo, era uma coisa de ir acertando, porque agora é que estava se fazendo, quer dizer: a esperança da capoeira ser um patrimônio cultural da humanidade, que a base era o plano de salvaguarda, hoje ninguém fala mais. E a verba pública que foi gasta com aqueles que participaram? [...] é um prejuízo ao patrimônio público. (MESTRE ZULU, Informação verbal, 2012) Continuando, o mesmo depoente aponta possibilidades que irão depender do comportamento da comunidade da capoeira. [...] se houvesse a continuidade, os efeitos seriam outros [...] então, o que eu vejo é isso. Porque ninguém vai conseguir segurar a capoeira mais. Porque hoje tem velhos mestres que sabem pressionar, sabem cobrar. (MESTRE ZULU, Informação verbal, 2012) Quanto às ações apontadas para salvaguardar a capoeira, estamos diante de impasses, de possibilidades e de utopias. O primeiro desafio apontado como estratégia e que, na nossa concepção, é de fundamental importância para o que realmente importa nesta questão, pois lida com os produtores desta cultura, que são os mestres, diz respeito ao reconhecimento do seu notório saber pelo MEC. Espera-se que o registro do saber do mestre de capoeira como Patrimônio Cultural do Brasil possa favorecer a sua desvinculação obrigatória do Conselho Federal de Educação Física, ao qual a capoeira está subordinada. Entende-se que o saber do mestre não possui equivalente no aprendizado formal do profissional de Educação Física, mas sim se estabelece como acervo da cultura popular brasileira. Dessa forma, espera-se contribuir para que mestres de capoeira sem escolaridade, mas detentores do saber, possam ensinar capoeira em colégios, escolas e universidades. É recomendado que esta proposta seja de implantação imediata. (INVENTÁRIO PARA REGISTRO E SALVAGUARDA DA CAPOEIRA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL, 2007, p. 94) A promulgação da lei que institui o Estatuto da Igualdade Racial apontou certas possibilidades, mas, como tantas outras leis que existem, ela ainda não conseguiu de fato ser praticada. Esta é uma questão para ser trabalhada, cobrada, aperfeiçoada. Essa ação incluiria os trabalhadores da capoeira no mundo do trabalho formal, minimizando sua exploração. Além disso, estes poderiam ter acesso a garantias e direitos, antes distantes, possibilitando condições de vida mais dignas. 298 Os pesquisadores Vieira e Assunção (2008), destacam, em artigo, a problemática da formação do capoeira. Para eles, esse é um debate que não pode ser subestimado na contemporaneidade. Essa temática materializa-se na discussão sobre quais são as condições exigíveis para que um praticante da arte se torne professor ou mestre. Afinal, a noção tradicional de mestre – indivíduo reconhecido pela comunidade e portador de saberes ancestrais, transmitidos por oralidade e pela convivência cotidiana e prolongada com o discípulo – vem sendo substituída pelo capoeirista cuja condição de mestre passa a ser outorgada por determinado grupo, federação ou alguma entidade de caráter mais ou menos oficial. (VIEIRA; ASSUNÇÃO, 2008, p. 16) Qualquer política cultural que se preze deve levar em consideração as consequências nefastas de mudanças abruptas e interferências externas referentes a esta questão (já apontadas inclusive em nossa dissertação de mestrado e em diversos outros trabalhos de pesquisa pelo Brasil). Resta saber se as ações tomadas até aqui, junto às proposições de salvaguarda, de fato constituíram-se em práxis, e assegurando à comunidade da capoeira sua autonomia e liberdade. Caso o Art. 19, § 3º do Estatuto da Igualdade Racial fosse realmente posto em prática e os mestres tradicionais pudessem lecionar nas escolas, como consequência desta ação, seria provável também que as crianças e jovens tivessem acesso às questões relacionadas à sua cultura, preparando-se para uma melhor consciência e compreensão de sua história, patrimônio, tradições e antepassados. Com isso, seria possível incidir diretamente na sua forma de entender e perceber o mundo, desmistificando o trato atual, como já destacava o pesquisador, a seguir: Estamos considerando, também, que a educação formal ainda carece de uma visão mais ampliada sobre a importância das referências provenientes do universo da cultura popular, cujos elementos são tratados de forma „folclorizada‟ e, na maioria das vezes, preconceituosa, em grande parte dos programas desenvolvidos nas redes públicas e privada de ensino em nosso país. (ABIB, 2004, p. 121) Todavia, sua condição facultativa ainda é um entrave, pois pode se constituir enquanto sinônimo de exclusão: “É facultado o ensino da capoeira nas instituições públicas e privadas pelos capoeiristas e mestres tradicionais,182 pública e formalmente reconhecidos” (BRASIL, 2010). 182 Grifos nossos. O texto atual foi modificado: “§ 3º É facultado aos tradicionais mestres de capoeira, reconhecidos pública e formalmente pelo seu trabalho, atuar como instrutores desta arte-esporte nas instituições de ensino públicas e privadas”. (BRASIL, 2006) 299 Aqui corremos o risco de acontecer o mesmo que ocorreu com a Educação Física, no ensino noturno, conforme a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), quando facultou o seu ensino a unidades escolares, somente para dar um exemplo. O resultado é praticamente a exclusão do acesso a esse conhecimento pelos trabalhadores que estudam no turno da noite, em quase todo o território nacional. Em várias escolas, principalmente de Educação Infantil, na Bahia, não é possível ao mestre de capoeira, que não possui formação pedagógica, ensinar, embora isso já aconteça de forma sistemática há pelo menos vinte anos. Podemos citar, como forma de ilustrar essa questão, a Escola Lua Nova, o Colégio São Paulo e o Colégio Apoio, que já possuem em seus espaços mestres tradicionais de capoeira, que desenvolvem suas aulas na instituição.183 Ao passo que estas experiências podem ser consideradas um avanço, também podem significar uma distorção ou abuso e/ou uso indevido, inapropriado e perverso, da lei, constituindo-se, em determinadas unidades, como um trabalho expropriado, superexplorado, terceirizado e contratação de mão de obra barata. Além do Estatuto da Igualdade Racial, a Lei 10.639/03, depois modificada para Lei 11.645/08, e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana complementaram a importância da inserção e do trato com o conhecimento da cultura afro-brasileira, africana e indígena, nas escolas, assim como a possibilidade da inserção dos mestres nas escolas e universidades. Abib (2004) reforça que se faz pertinente e imperativo realizarmos uma reflexão mais aprofundada sobre as formas de educação presentes no universo da cultura popular, em contrapartida ao modelo de educação que somos expostos, em grande parte das escolas. O autor enumera que estas experiências são baseadas: “na tradição, na ancestralidade, no ritual, na memória coletiva, na solidariedade e num profundo sentido comunitário” (ABIB, 2004, p. 121). Possibilidades dessa outra educação já existem, inclusive com experiências realizadas. Foi o que apontou Conrado (2006), quando destaca as diversas produções e práxis oriundas de uma epistemologia e metodologia afro-brasileiras, procedimento que não é novidade nas escolas, grupos e academias de capoeira. 183 O trato com o trabalho nos exemplos dados não é a forma que defendemos, mas já se constitui, no contexto atual, com determinado avanço. 300 As iniciativas das políticas culturais, junto às produções oriundas desses projetos, podem estar auxiliando em um processo de construção de formas alternativas de se pensar a educação, pois, como apontou o autor supracitado, os elementos que compõem essa perspectiva podem constituir possibilidades de avanços e mudanças nos paradigmas culturais, os quais incidirão, consequentemente, na educação e conscientização dos indivíduos. Outra ação apontada foi o plano de previdência especial para os velhos mestres de capoeira e a criação de um Programa de Incentivo da Capoeira no Mundo. Ambos, em nossa opinião, dificilmente viáveis. Essas demandas surgiram nas primeiras discussões dos encontros sobre a patrimonialização da capoeira, conforme destacou um dos nossos entrevistados. Conforme ele relata, o mestre Curió entregou ao então ministro Gil, na viagem que fizeram à Suíça, para homenagear Sérgio Vieira de Mello, uma carta onde o mesmo solicitava essas demandas: o passaporte e o plano de previdência. Ele ainda explana nossa reflexão acima, destacando: [...] só que essas duas coisas [...] a gente só foi saber no processo final do dossiê. Do ponto de vista político era inexequível! Impossível! O máximo que o IPHAN poderia, era recomendar. Mesmo assim, com certa restrição, por quê? Porque o plano de previdência tinha a ver com o Ministério da Previdência, e o passaporte da capoeira tinha a ver com o Instituto Rio Branco. Então, os próprios diplomatas, até onde a gente soube, ficaram muito irritados, com essa coisa de serem comparados com mestre da capoeira. Houve uma reação forte. (WALLACE DE DEUS, Informação verbal, 2011) Conforme nosso depoente, esse depoimento vai ao encontro do que vínhamos discutindo anteriormente, páginas acima. Ao mínimo espectro de ameaça ao status de representante cultural, os embaixadores reagiram de forma negativa ao pleito dos capoeiras: “Que história é essa? Embaixador da cultura? Não gostaram do termo: embaixador da cultura. – Nós somos os embaixadores, a gente estudou muito pra ser embaixador, agora vem dizer que mestre de capoeira é embaixador da cultura?!?!” (WALLACE DE DEUS, Informação verbal, 2011) O texto enfatiza: “Espera-se que o Itamaraty possa inserir a capoeira nos seus programas de apoio à difusão da cultura brasileira. Desse modo, pode facilitar o trânsito de mestres e grupos de capoeira que oferecem cursos e apresentam rodas no exterior” (INVENTÁRIO PARA REGISTRO E SALVAGUARDA DA CAPOEIRA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL, 2007, p. 94). 301 Este já desenvolve, há tempos, algumas ações pontuais de apoio a eventos e apresentações de mestres e seus grupos: “Em 2007, o Ministério das Relações Exteriores teve a oportunidade de patrocinar a realização de mais de 50 eventos de capoeira em todos os continentes” (TEXTOS DO BRASIL, 2008). Também lançou, em 2010, um livro sobre capoeira.184 Como já destacamos, não há muita esperança de algo mais concreto, além das medidas pontuais já realizadas. A previdência especial, proposta que já nasce fadada ao fracasso, sem maiores possibilidades de acontecer, pelo menos no contexto atual, foi justificada coerentemente, na nossa opinião, da seguinte forma: Diante de um histórico de mestres importantes, como Bimba e Pastinha, entre outros, que morreram em sérias dificuldades financeiras, sugere-se elaborar, junto à Previdência Social, um plano especial para mestres acima de 60 anos que tenham tido dificuldades de contribuir com a entidade ao longo dos anos. Como justificativa, reconhecesse a contribuição do velho mestre de capoeira para difusão da cultura brasileira. Como se trata de uma ação de emergência, que busca acolher os mestres atuais que vivem em absoluto estado de carência, recomenda-se que esta proposta tenha implantação imediata e perdure até que os mestres vindouros possam dispensar esta ação de salvaguarda. (INVENTÁRIO PARA REGISTRO E SALVAGUARDA DA CAPOEIRA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL, 2007, p. 94) Na nossa concepção, a primeira proposta de salvaguarda ligada à educação e ao trabalho destes embaixadores da cultura brasileira é a opção mais viável, na atualidade. Entretanto, isso poderá resolver, em alguns aspectos, se pensarmos nas novas gerações de mestres. Para os mestres mais antigos, as medidas deveriam ser mais emergenciais, e não pontuais. Daí a importância do conceito de preservação, na expectativa de assegurar a diversidade. Outra proposta que seria viável, mas que, até o momento, não se concretizou é a criação de um Centro Nacional de Referências da Capoeira. De acordo com os produtores do Inventário: Os estudos sobre a capoeira estão dispersos entre os departamentos de ensino de antropologia, história, educação, educação física, psicologia, artes, entre outros. A natureza polifônica e multifacetada do jogo e da cultura da capoeira enseja reflexões em diversos campos do saber [...] e a produção relativa à prática da capoeira no Brasil contemporâneo encontrase dispersa, o que justifica a criação de um Centro Nacional de Referências da Capoeira virtual no Brasil, de caráter multidisciplinar e multimídia [...]. 184 Não devemos esperar mais do que isso dessa instituição. 302 (INVENTÁRIO PARA REGISTRO E SALVAGUARDA DA CAPOEIRA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL, 2007, p. 95) Pensamos que a única polêmica desse ponto seria o local de construção de tal centro. O plano de manejo da biriba e de outros recursos que constituem a confecção dos instrumentos utilizados na capoeira foi outra proposta elencada e bem pensada, pois ela depende da natureza para acontecer. Seus instrumentos derivam dela, do que nos oferece – madeira, frutos, couro. Nossa sociedade tem devastado nossas reservas naturais. Fica cada vez mais difícil encontrar a matéria-prima, não somente do instrumento que comanda a roda de capoeira, mas também dos outros elementos que a compõem. O documento enumera e chama a atenção para o cuidado com estes elementos. Para a produção dos instrumentos da capoeira, ainda persiste a lógica artesanal, que vai de encontro ao modo de produção capitalista. Quando o produtor do berimbau, ou de outro instrumento artesanal de capoeira, conclui o seu trabalho, ele ainda é capaz de se reconhecer nele.185 As outras propostas como o Fórum da Capoeira, um espaço para a realização de encontros periódicos, com vistas a discutir questões pertinentes à comunidade da capoeira, e o Banco de Histórias de Mestres de Capoeira, que aconteceria em forma de oficinas de história oral, para capoeiristas, no primeiro momento, com o objetivo de criar e manter um Banco de Histórias a integrar o Centro Nacional de Referências da Capoeira, ainda não vingaram. Em parte, foi efetivada a última sugestão que foi a Realização de Inventário da Capoeira em Pernambuco, em consequência do próprio processo do Inventário para Registro e Salvaguarda da Capoeira como Patrimônio Cultural do Brasil. Mas como todas as outras ações, não conseguiu uma finalização e o processo demonstrou várias lacunas em sua pesquisa e produção. Enfim, precisamos democratizar ao máximo essas proposições, pois a política funciona a partir de demandas que são contextualizadas, sistematicamente apontadas e referenciadas aos políticos e às instituições. A comunidade da capoeira deve organizar-se e cobrar a continuidade no desenvolvimento das ações, sempre com discussões, esclarecimentos e bastante transparência em todo o processo. 185 Estes não são, via de regra, produzidos nas fábricas, em grande escala, pois, se assim fosse, a situação estivesse pior. 303 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: CAPOEIRA É PATRIMÔNIO, E DAÍ? Capoeira é Patrimônio! Isso eu já Sabia Foi o meu prezado Mestre Que em 80 já dizia Eu vou te ensinar Coisa de grande valor Velhos mestres me ensinaram Antepassado quem criou Mas, me diga o que adianta O Brasil reconhecer Mas de fato o que é que muda? O que de bom aconteceu? A capoeira vai bem Lá fora se instalou Mas os meus queridos mestres Pra eles nada mudou Continuam abandonados De fato nada mudou Ainda desamparados Para eles nada mudou.1 Ressignificando-se várias vezes, a capoeira, no âmbito da política, foi pauta da justiça, ainda no Império, e, legalmente falando, na República velha, constitui-se, como um assunto do Ministério da Justiça. Com o passar do tempo, ela entrou na pauta do Ministério da Educação e Secretarias de Educação, sendo demanda também no Ministério e Secretarias de Turismo e, no Ministério das Relações Exteriores e no Ministério e Secretarias de Cultura, com o desenvolvimento de políticas culturais para a sua preservação e desenvolvimento, até entrar legalmente na pauta da política federal, de uma forma geral. Durante nossas cogitações traçamos uma trajetória desta manifestação, enquadrada na política pública de segurança, enquanto política pública de turismo; de educação e de esporte, quase sempre de forma isolada, superficial, pontual e descaracterizando-se ao extremo (em muitos casos) de seus fundamentos históricos e culturais afro-brasileiros. Esta manifestação sofreu inúmeras mudanças sociais. Como testemunhamos, 1 Capoeira é Patrimônio, música de Mestre Soldado. 304 a capoeira surge em um contexto de forte repressão social, passa por um momento de criminalização e, no embate social de acomodação e reacomodação, por um processo de descriminalização. Tenta ser organizada como ginástica e como luta, é formatada como esporte, sendo utilizada como potencial turístico e pedagógico e, atualmente, ganha espaço definitivo nas discussões sobre cultura. A capoeira ressignifica e é ressignificada socialmente. Os diversos grupos sociais com os quais a mesma entra em contato vão interpretá-la e organizá-la, a partir de suas realidades e de seus objetivos. Desde muito cedo, ela não se configura como um elemento somente de uma classe e, neste embate, chegou aos dias de hoje disputada pelos mais variados grupos. A capoeira representa, na atualidade, várias classes e categorias. Há constantes disputas pelo seu campo de trabalho, pelo seu espaço pedagógico, com diversos conflitos, inclusive étnico-raciais, entre coletivos, mas se traduzindo também em manutenção das tradições e adaptações à sociedade do capital, mesmo que inconscientemente. Situa-se também entre o nacional, envolvendo soberania da nação e apropriação internacional, dentre outras problemáticas, inclusive no campo religioso. O reconhecimento de um patrimônio perpassa pela nossa própria história de vida. São as nossas relações com a natureza e com os outros seres humanos que indicarão o que iremos cultivar, cultuar, valorizar e venerar. Isto se dá, muitas vezes, sem realizarmos maiores reflexões, de um jeito espontâneo, meramente reprodutivo e em alguns casos de forma plenamente consciente e opcional. Para que as culturas sejam expressas como um direito é necessário uma série de fatores que permita, por um determinado momento, sua efetiva sustentabilidade. Mesmo a capoeira, reconhecida como patrimônio imaterial, se não houver disposição política para a realização de ações de salvaguarda, bem como o estabelecimento de nexos, principalmente, com a área educacional, sua patrimonialidade somente se configurará como um conceito ideológico vazio, traduzindo-se, mais uma, vez em simples iniciativas. Esta é a nossa tese. Mesmo assim, não devemos nos aprisionar por essa contradição. Saltos qualitativos consideráveis já foram dados, sempre acompanhados de incongruências. Porém, há pouco mais de cem anos atrás, a capoeira aparentemente estava com seus dias contados, e não havia esperança de reviravolta naquele quadro. Esse é um fato que precisa ser considerado e não deve 305 ser menosprezado A cultura no país sempre foi diversificada e, ultimamente, geneticistas defendem que esta variedade já nos acompanha há milhares de anos. No nosso caso, podemos pontuar que as três principais matrizes fundadoras da nossa sociedade contribuíram com a língua, a culinária, as lendas, a mitologia, as vestimentas, as artes, a arquitetura, as danças, a música, a religião, a culinária e a cinestesia. Todos contribuíram em aspectos semelhantes, também em um emaranhado complexo de conviver e perpetuar suas memórias. Todavia, em uma sociedade de classes existem embates na área cultural, que também se constitui em um território de disputas. Dessa forma, algumas culturas vão aparecer, influenciar, permanecer e se oficializar, mais que outras. As discussões que já vínhamos acompanhando, há tempos, e que antecederam o reconhecimento da capoeira como patrimônio, o desenvolvimento do processo e as sucessivas tentativas de estabelecer continuidade nas políticas culturais e sistematizar suas ações de salvaguarda ratificaram, na prática, os internexos de sua complexidade. Os discursos acerca da cultura, na política atual, por exemplo, acabam se constituindo de consensos de grupos majoritários, capazes de nortear essas ações, sufocando os anseios de coletivos desorganizados, com outras formas de organização e/ou minoritários. Não nos enganemos: a formulação de uma política cultural se aparelha, organiza e se desenvolve a partir de um ciclo de negociações entre os atores políticos que interagem em arenas formais, não formais e informais. As políticas culturais como políticas públicas surgem em um processo de decisão e vontade, bem como podem partir também de demandas históricas e/ou reprimidas, provenientes de diversas camadas sociais, principalmente das que estão com maior representatividade no poder. Percebemos, no que diz respeito ao acompanhamento das ações e iniciativas no campo cultural, que essa premissa ficou realmente a desejar. Esse é um fator que precisa ser rapidamente incluído nas planilhas de qualquer política que ouse ser efetivada e anseie por sucesso, bem como eficácia. Não há dúvida que houve um trato diferenciado dessa gestão governamental para com a capoeira, frente às gestões anteriores. Realmente, o governo Lula inaugurou uma nova postura, uma nova política cultural no país. De fato, as ações 306 das políticas culturais voltadas para a capoeira estabelecem essa nova fase. É importante também destacar que as ações de políticas culturais, implantadas na primeira gestão do PT na presidência, tentaram estabelecer nexos com outras políticas, como as educacionais, por exemplo. A questão é que as ações não passaram de boas intenções, pois percebemos que a cultura continua sendo vascularizada a partir de preocupações políticas e econômicas, que continuam a infestar a base de quem domina o poder. De fato, a proposta inicial perdeu-se e constatamos as mesmas velhas problemáticas: descontinuidade, burocratização, acessibilidade, democratização e, acrescentaríamos aqui, uma boa dose de vontade política. Como consequência dessas ações, a cultura da capoeira se organiza de forma diversa e já se articula a partir de outra premissa, desenvolvendo suas atividades dignamente. Mas ainda podemos perceber resquícios do trato com essa cultura, de governos passados, onde o clientelismo, a terceirização e o monopólio beneficiaram alguns poucos grupos. Esses, que antes monopolizavam as migalhas que lhes sobravam para suas ações pontuais, agora criticam, de forma infundada e desarticulada, as ações do contexto vigente. Organizada agora nos moldes da sociedade atual, mestres que antes viviam na informalidade, não conseguiam acessar nenhum tipo de apoio e eram discriminados pela sua posição sociopolítica, econômica e educacional, atualmente desenvolvem seus trabalhos com certo apoio do Estado e/ou podem concorrer e ser contemplados em editais, mesmo que com certas dependências. Percebemos, como consequência positiva desse novo contexto, que a participação política das comunidades da capoeira se qualifica, uma vez que os coletivos passam a conhecer e participar mais de seminários, palestras, cursos, editais e diversas ações implementadas pela gestão do MinC. Talvez isso venha a ficar mais claro, após alguns anos, quando as consequências deste processo educacional serão melhor visualizadas. Por se tratar de um fato novo, nunca antes acessível à população, essas ações incorrem em determinadas falhas e pendências que vão surgindo ocasionalmente em sua implantação. Isto acaba prejudicando o andamento do processo e precisa ser revisto, o quanto antes. Possivelmente, a política teve que aproveitar as condições que se apresentaram no momento, o que fez com que as disposições e os planejamentos não saíssem alinhados à realidade concreta. 307 É importante observar, também, que tudo que se produziu e que será produzido, através dos projetos voltados à capoeira, seja acessível e amplamente divulgado em nossas unidades escolares e nos espaços culturais institucionais, principalmente. Durante todo o nosso trabalho, expusemos esta tese. Para que haja avanços significativos na sociedade em relação à cultura, em especial a capoeira, é fundamental que esse processo envolva ações educacionais e de formação. Do que pudemos observar até o momento, não houve tal preocupação. Grande parte de tudo o que se produziu nesses processos é desconhecido das comunidades. Essa talvez seja a ação mais correta e importante que completará o ciclo da ação cultural, que se tentou realizar. Com pouca percepção, inicialmente, mas uma atuação educacional, nessa perspectiva, com o passar dos anos, significará mudanças de comportamento da sociedade em relação à cultura e à capoeira. Quanto às iniciativas específicas das políticas culturais voltadas para a capoeira, enfatizamos que os atrasos nos repasses, a ausência de uma competente operacionalização, a falta de previsão de aumento no custeio, durante o desenvolvimento dos projetos, aliados ao engessamento e à obrigatoriedade do levantamento de custos e o fechamento destes, no início da solicitação, como foi relatado por alguns contemplados do PCV e dos Pontos de Cultura, acabaram prejudicando a qualidade do trabalho. O acompanhamento dessas ações e sua democratização merecem também um destaque. Nesse sentido, ainda existem falhas que exigem ser corrigidas com urgência. É preciso criar as condições ideais e adequadas para o acompanhamento, tanto dos recursos, quanto do desenvolvimento das ações, assim como a garantia de acesso, da população em geral e de pesquisadores, ao processo e ao resultado dos projetos aprovados. Ou seja, tudo tem que ser registrado, publicizado e democratizado. Vale destacar que os produtos oriundos do PCV se expressam em construções de seus cultores, admiradores e pesquisadores. Estes produziram materiais que, talvez, sem esses incentivos, jamais teriam sido concretizados. Para muitos, foi um sonho realizado. Registros de um momento histórico para a capoeira. Enfim, mais um avanço que deixará de ser significativo, caso tais produções não se tornem, de fato, acessíveis e sejam divulgadas. Reconhecemos que foi dado o primeiro passo e é, indubitavelmente, mérito 308 desse governo, mas somente isto não constitui reparação a anos de negligência, de intolerância, de incompreensão, de distorções, de invisibilidade, de exploração e discriminações. Cabe aqui a garantia de manutenção, coisa que ainda não foi alcançada. A história das políticas que se relacionam com a capoeira se formulam a partir dessa premissa: avanços, paradas e retrocessos. Não necessariamente nesta ordem, bem como não especificamente sectarizadas. As comunidades da capoeira já sentiram, na pele, o gosto de serem acolhidas e, depois, desamparadas, uma série de vezes. Mais recentemente, a falta de continuidade do PCV impactou tanto os trabalhos que vinham sendo desenvolvidos, como os que almejavam e almejam apoio. A possibilidade de, mais uma vez, se ver abandonado pelo Estado já faz a capoeiragem desacreditar na seriedade das políticas. Algo que, para alguns, não é novidade. Ao mesmo tempo, temos possibilidades de garantias legais, que podem ser articuladas e fundamentadas, mas que, na realidade, também não asseguram, de fato, a permanência dos trabalhos que já estão sendo desenvolvidos e a esperança de novas oportunidades. É preciso que a legislação traga, na sua formatação, um modo de exigir dos futuros governantes a continuidade das ações, de maneira clara e objetiva, o que se faz imperativo, na atualidade. Acreditamos que, além de construir políticas culturais, faz-se imprescindível articular políticas públicas. Nota-se que ainda estamos engatinhando nesse sentido. As propostas do MinC devem estar envolvidas, dialética e dialogicamente, com outros gestores e ministérios do Governo, a exemplo de Educação, Saúde e Trabalho, e demais instituições, como secretarias estaduais e municipais. Será somente com essa integralidade de fato, que estaremos contribuindo na formação do ser humano, o que, no nosso entendimento, deveria ocorrer em toda ação cultural dessa natureza. É de extrema importância ressaltar que o reconhecimento da capoeira como patrimônio cultural do Estado brasileiro fortalece a desvinculação do docente da capoeira da obrigatoriedade de uma formação superior em Educação Física, fato que insistentemente o sistema CONFEF/CREF tenta implementar, teima e insiste no erro. Cabe, agora, a atualização dos setores jurídicos e trabalhistas, tendo em vista apoiar os capoeiras que, desavisada ou coercitivamente, tiveram seus direitos constitucionais, históricos e sociais, aviltados, sendo obrigados a se filiar e se manter atrelados a essa instituição, para não ampliar os dados de desemprego no país. 309 Outra questão, que possivelmente provocará polêmica, por muito tempo, também fortalecida pelo reconhecimento da capoeira, enfatizada nas recomendações de salvaguarda, refere-se ao ensino da capoeira pelos mestres, independente de sua formação, em instituições educacionais formais. Trata-se de um desafio para os pesquisadores, estudiosos e o poder público, que devem amadurecer essa discussão e, de fato, colocar essa ideia em prática. Atentos para que os desvios que a mesma permite, e que já apontamos aqui não supere o conceito central – o capoeira ensinar a capoeira. A décima quarta posição na lista do IPHAN que designa as manifestações que tiveram o seu reconhecimento como cultura imaterial demonstra uma desarticulação, à primeira vista, tanto da intelectualidade da capoeira, como de suas comunidades, de uma forma geral, junto aos poderes públicos. Contudo, percebemos que a necessidade real de salvaguarda atrelava-se aos seus divulgadores, seus guardiões e não a prática da capoeira, que ao contrário das outras manifestações reconhecidas como patrimônio, não corre perigo de cair em desuso. Durante as disputas e decisões, as políticas que serão de fato efetivadas enfrentam outros problemas de percurso, em possíveis desorganizações do processo. Isto fica nítido na nossa pesquisa; a real inserção das demandas, inclusive oriundas dos principais beneficiários da agenda do Estado, o que também ficou claro na dificuldade encontrada até o momento de se efetivar a continuidade de ações como o PCV e o andamento contínuo das políticas de salvaguarda. Vimos também que o ritmo da nossa constituição política atual se afasta, em muito, do ritmo necessário para efetivar mudanças radicais, a partir das políticas culturais. Confessamos aqui nossa incapacidade de pensar alternativas imediatas e/ou de médio prazo, nesse momento, que solucionem esse abismo, entre a pseudoconcreticidade e a realidade concreta, institucionalizado pela lógica societal contemporânea, que atinge em cheio a capoeira. O ritmo das decisões frente ao real, bem como a concreta realização das ações projetadas não se configuram, no mesmo peso e na mesma medida anunciada. Podemos acompanhar e vivenciar os vários planejamentos que não conseguiram até o momento se efetivar, muitos sequer lograram êxito em iniciar seus primeiros passos, anunciados por gestores passados, abandonados e/ou completamente ignorados pelos sucessores. Experimentamos essa sensação na gestão de Ana de Hollanda. 310 Assim como a roda de capoeira, que mantém uma circularidade, tudo leva a crer que as ações de salvaguarda rodaram e voltaram para o início das discussões – regulamentação da profissão. Podemos até nos enganar, mas as discussões sempre se remetem ao mundo do trabalho e não é por acaso, como chamamos a atenção desde nossa dissertação. Os últimos acontecimentos nos levam a crer que as políticas culturais voltadas para a capoeira estão sendo pensadas sob a ótica do trabalho assalariado. Estas devem se reverter primeiramente para a educação, com base em critérios culturais, pois o que está em jogo finalmente é a manutenção do Oficio do Mestre de capoeira, junto com todas as suas tradições culturais de formação. Almejamos com esperança que as ações que deveriam valorizar, estimular, democratizar, proteger e cuidar da capoeira, enquanto bem do patrimônio imaterial do país, não se resumam a interesses menores e localizados, bem como a disputas com fins privados, mesquinhos e corporativistas, seguidas de promessas surreais. Percebemos que as ações implementadas pelo MinC, a partir do comando do ex-ministro Gilberto Gil, assim como seus sucessores, contribuíram para a maior acessibilidade, democratização, educação, o amplo incentivo à produção e o aumento de investimentos. Mas notamos, também, posteriormente, certa paralisia, amnésia, anemia, afasia, dentre outros traços que nos fazem questionar “se o pulso, ainda pulsa”.2 Enfim, o MinC, a Fundação Palmares e o IPHAN não são mais como eram antes. Pedagogicamente falando, vale ressaltar as diversas formações ministradas por especialistas, as diversas palestras de pesquisadores, estudiosos, mestres, técnicos e professores, nos diversos encontros promovidos durantes as ações, que formaram um grande fórum educacional para as comunidades da capoeira, o que, a nosso ver, deveria ser constante. Todo o processo também gerou a vontade de se atualizar, de conhecer e participar ativamente, estimulando, inclusive, a retomada aos estudos, por parte de alguns. Proporcionou, ainda, experiência para novas empreitadas e desafios, com participações em outros fóruns, reuniões, conferências e editais relacionados à cultura. Mesmo com os problemas apontados neste trabalho, pertinentes a este momento histórico, quem passou pela experiência não saiu o mesmo, nem a 2 Pensamento que remete à música O pulso ainda pulsa, de autoria de Arnaldo Antunes. 311 mesma. Mas isso não significou, junto a outras ações do governo, a diminuição da desigualdade real, nem da acessibilidade, muito menos a democratização real e concreta. As ações do PCV, com a Academia de Mestres, bem como as iniciativas do Viva Meu Mestre não resolveram, de fato, o problema dos velhos mestres. Estes continuam sofrendo as amarguras de uma sociedade desigual e morrendo, após anos de serviços prestados à sociedade, através da cultura e da educação, muitas vezes sem assistência estatal, privada ou algo semelhante; muitos em condições de miséria. Vimos também que existem cobranças e exigências para que uma comunidade que nunca antes obteve acesso a determinadas políticas seguisse exemplarmente, sem falhas, as orientações referente aos programas. Contudo, percebemos vários problemas de gestão destas políticas também em sua execução. O que foi e ainda é cobrado aos capoeiras, como a incapacidade de gerir verbas e de prestar contas, também está presente na gestão de governos brasileiros, de qualquer partido, em qualquer época. As comunidades ainda precisam se organizar melhor, mas de forma democrática, plural e livre. Unindo forças e fazendo valer suas reivindicações, para que a capoeira e consequentemente seus cultores tenham de fato o seu verdadeiro respeito e reconhecimento frente à sociedade. Se estas foram as ações e decisões mais acertadas, que configuraram o contexto atual das políticas culturais voltadas para a capoeira, somente os futuros pesquisadores e as comunidades da capoeira irão apontar com maior clareza. 312 REFERÊNCIAS ABAIXO-ASSINADO PARA O INVENTÁRIO E REGISTRO PARA SALVAGUARDA DA CAPOEIRA COMO PATRIMÔNIO IMATERIAL DO BRASIL. 2006. Disponível em: <file:///C:/Users/Neuber%20Costa/Downloads/anexo%20(5).pdf>. Acesso em: 10 nov. 2010. ABAIXO-ASSINADO CAPOEIRA PERNAMBUCANA. 2007. 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Resultado da Premiação – Projeto Capoeira Viva 2007 – 3ª edição. 341 342 ANEXO O – Termo de Referência: contratação de empresa de emissão de bilhetes aéreos e terrestres. Ministério da Cultura Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional Departamento do Patrimônio Imaterial Coordenação Geral de Salvaguarda GRUPO DE TRABALHO PRÓ-CAPOEIRA ANEXO I TERMO DE REFERÊNCIA APOIO À FORMULAÇÃO DO PROGRAMA NACIONAL DE SALVAGUARDA E INCENTIVO À CAPOEIRA PRÓ-CAPOEIRA FASE I - 2009 Identificação Nome da Unidade: Departamento do Patrimônio Imaterial Programa: Brasil Patrimônio Cultural Ação: Fortalecimento a Projetos de Capacitação e de Fortalecimento Institucional na Área do Patrimônio Histórico Urbano – 2C650000 Projeto: Formulação e implantação do Programa Nacional de Salvaguarda e Incentivo à Capoeira – Pró-Capoeira – Fase I 2. Contextualização A capoeira é uma das manifestações culturais mais importantes do Brasil. No governo atual essa importância tem sido reconhecida por meio de várias iniciativas de fomento do Ministério da Cultura, entre as quais se destacam a articulação para a viabilização dos editais do Prêmio Capoeira Viva e a implantação de 112 pontos de cultura também voltados para o incentivo, transmissão e desenvolvimento da capoeira enquanto manifestação artística e cultural. Por meio do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do IPHAN, em 15 de julho de 2008, seu valor histórico, memorial e cultural foi publicamente reconhecido com o registro do Ofício de Mestre de Capoeira e da Roda de Capoeira como Patrimônio Cultural do Brasil. Atualmente a capoeira é praticada em todo o Brasil e em, pelo menos, 150 outros países. Constitui, assim, um fenômeno mundial que tem contribuído enormemente para divulgar a cultura brasileira nos quatro cantos do mundo. Além disso, no Brasil e nos outros países onde é praticada, a capoeira tem sido utilizada como uma importante ferramenta para o desenvolvimento pessoal e social, bem como tem sido valiosa como instrumento pedagógico e de afirmação de identidades. É fundamental, portanto, que, no país que é o berço dessa manifestação cultural, o Estado organize, com o apoio e a participação dos seus praticantes e da sociedade em geral, uma política pública que salvaguarde e amplie os benefícios dessa arte para a nossa população. Uma política dessa envergadura demanda, certamente, a formulação de um programa específico de apoio e fomento e a atenção das várias áreas de governo que podem contribuir para o fortalecimento e para o desenvolvimento pleno do potencial da capoeira como cultura, como patrimônio, como arte e como atividade física e pedagógica. Um programa que também encaminhe soluções, no âmbito nacional, para os problemas que a capoeira enfrenta para ter continuidade como tradição e saber popular, soluções que passam, entre outras medidas, pelo reconhecimento da importância e pela valorização dos detentores desse saber que, ainda hoje, alimenta a capoeira em suas várias expressões. Um programa, em suma, que inclua a salvaguarda dos aspectos patrimoniais da capoeira e incentive sua prática em todo o país. Em atenção à importância histórica, memorial e cultural da capoeira, o Programa Nacional de Salvaguarda e Incentivo à Capoeira – Pró-Capoeira será coordenado pelo Ministério da Cultura. Deverá, contudo, contar também com o apoio e a participação dos Ministérios da Educação, dos Esportes e das Relações Exteriores, além de ter a atenção das pastas do Trabalho e da Previdência em razão da sua interface com as questões profissionais que a prática da capoeira suscita. O objetivo geral do Pró-Capoeira é, assim, promover a salvaguarda dos elementos dessa forma de expressão que sustentam o seu valor como referência histórica, memorial e cultural e incentivar sua apropriação como manifestação artística, como atividade física, como instrumento pedagógico e de construção de cidadania, ampliando sua prática no território nacional e facilitando o intercâmbio com outros países que admiram e praticam essa arte. São ainda objetivos específicos do programa: Apoiar e fomentar a difusão da produção intelectual, acadêmica, cultural e audiovisual sobre a capoeira no Brasil e no mundo; Cadastrar docentes, praticantes, grupos, entidades e instituições públicas e privadas dedicadas à prática, ao estudo e ao ensino da capoeira no Brasil; Fomentar a criação de mecanismos de participação e de consulta às instituições e aos representantes de grupos e indivíduos praticantes de capoeira no Brasil, com vistas a organizar a regulamentação do exercício de atividades de ensino e de formação; Estabelecer critérios para o reconhecimento do notório saber dos mestres de capoeira formados na tradição. Apoiar a transmissão dos conhecimentos tradicionais ligados à prática da capoeira; Incentivar a prática da capoeira como recurso cultural, lúdico, pedagógico e como atividade física na rede pública e particular, em todos os níveis de ensino. Promover o intercâmbio entre praticantes e estudiosos da capoeira do Brasil e de outros países; Promover e difundir a capoeira no Brasil e no mundo com respeito à diversidade cultural presente em suas diferentes manifestações rituais, técnicas e estilísticas. 343 Com a finalidade de coordenar as atividades necessárias à formulação e implementação do Pró-Capoeira, o Ministro da Cultura criou, por meio da Portaria n° 48, de 22 de julho de 2009,1 Grupo de Trabalho, composto por representantes do IPHAN, da Fundação Cultural Palmares, da Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural e da Secretaria de Políticas Culturais do MinC. O Grupo de Trabalho Pró-Capoeira (GTPC) é coordenado pelo IPHAN e, no desempenho de sua missão, deve realizar as seguintes atividades : formular proposta preliminar de escopo geral do programa; planejar e realizar cinco encontros regionais com representantes desse campo para discussão e aperfeiçoamento da proposta preliminar do programa; providenciar o cadastramento nacional dos docentes, praticantes, grupos, pesquisadores, entidades e instituições ligadas ao ensino e à pesquisa da capoeira; planejar e realizar encontro nacional para apresentação e validação da versão final do Pró-Capoeira; estabelecer as articulações institucionais e demais providências necessárias à consecução das tarefas acima citadas. Além das tarefas demandadas pela Portaria n° 48/2009, é importante também aproveitar a mobilização do campo que será promovida nos encontros regionais para a articulação de apoios para as candidaturas da Roda e do Ofício de Mestre de Capoeira às Listas da Convenção da Unesco para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial. Nesses encontros também se poderá realizar a complementação da pesquisa e da documentação audiovisual produzida durante a instrução do processo de Registro desses bens, pois naquela oportunidade, por razões de recorte histórico, foram documentados apenas mestres e rodas de capoeira da Bahia, do Rio de Janeiro e de Pernambuco. Nos encontros regionais previstos, se poderá então expandir essa documentação para outros estados da federação - razão pela qual se propõe a incorporação desta tarefa às demais que foram imputadas ao GTPC. Diante da magnitude das tarefas acima mencionadas e com vistas a prestar o apoio técnico e logístico especializado que é necessário à sua consecução, propõe-se a seleção, por meio de concurso de projetos, de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP atuante na área de cultura. Em conformidade com sua natureza legal, essa organização deverá dar suporte ao GTPC na formulação e implantação dessa importante política de valorização, salvaguarda e incentivo. 3. Objeto Estabelecimento de Termo de Parceria com Organização da Sociedade Civil de Interesse Público a partir de Concurso de Projetos, a ser realizado mediante Edital, para a execução de Programa de Trabalho, 2 contendo as atividades da Fase I do projeto de formulação e implementação do Programa Nacional de Salvaguarda e Incentivo da Capoeira – Pró-Capoeira. 4. Objetivos da Fase I Mobilizar e definir critérios de representação dos agentes governamentais, não-governamentais e da sociedade em geral, que compõem o campo da capoeira no Brasil, com vistas à discussão da proposta preliminar de escopo do Pró-Capoeira e à elaboração, de modo participativo, do escopo definitivo, das linhas de ação, das prioridades e da estratégia de implementação desse programa. Iniciar a implementação de sistema informatizado para o cadastro nacional dos docentes, praticantes, grupos, pesquisadores, entidades e instituições ligadas ao ensino e à pesquisa da capoeira. 5. Meta Elaborar e definir a estratégia de implementação de política pública voltada para a salvaguarda dos elementos que definem a capoeira como patrimônio cultural e para o incentivo ao seu estudo, documentação e à sua prática como expressão artística, atividade física, instrumento de socialização e aprendizagem e ferramenta para o desenvolvimento pessoal e social no Brasil e no mundo. 6. Justificativa A formulação e a discussão pública do escopo definitivo do Pró-Capoeira, bem como a definição e a implementação de suas ações de curto, médio e longo prazo, deverão contar com a participação dos praticantes, estudiosos dessa forma de expressão e das instituições governamentais e não-governamentais que atuam no campo. A mobilização e a identificação desses agentes demanda: - a contratação de consultores especializados que possam apoiar o GTPC na elaboração da proposta preliminar do PróCapoeira, bem como na proposição dos critérios para definição das formas e/ou mecanismos de representação dos diversos segmentos do campo, com vistas ao planejamento e à organização das atividades necessárias à elaboração participativa da versão final e consolidada do programa; - a contratação de profissionais da área de ciências sociais para análise e sistematização dos dados existentes sobre docentes, praticantes, grupos, pesquisadores, entidades e instituições ligadas ao ensino e à pesquisa da capoeira, para a análise e sistematização das informações geradas nos encontros regionais e para a formulação do conteúdo do Cadastro Nacional da Capoeira; - a contratação de profissionais da área de tecnologia da informação para elaboração do sistema informatizado do Cadastro Nacional da Capoeira. Além dessas atividades, a formulação e a implantação do Pró-Capoeira demandam o planejamento, a organização, a divulgação e a realização de encontros regionais para discussão da proposta preliminar do programa, assim como para a identificação e mobilização de parcerias, com vistas à organização e realização. do Encontro Nacional que lançará oficialmente o programa em 2010 (atividade que faz parte da Fase II do projeto). Considerando a deficiência de recursos humanos do IPHAN, notadamente na área de salvaguarda do patrimônio cultural imaterial e no que toca a profissionais especializados nos campos da capoeira e da tecnologia da informação, torna-se imprescindível contar com o apoio de serviços técnicos especializados. 7. Resultados Esperados da Fase I 1 Publicada no DOU n° 142, de 28 de julho de 2009. Conforme determina a legislação que cria e regulamenta a formalização de Termos de Parcerias com OSCIP’s. 2 344 Discussão e formulação de modo participativo e representativo do campo da capoeira do escopo geral, das linhas de ação e das prioridades do Programa Nacional de Salvaguarda e Incentivo à Capoeira – Pró-Capoeira. Mobilização de agentes governamentais e da sociedade para captação de parcerias e apoio à implementação do Pró-Capoeira. Implantação do Cadastro Nacional da Capoeira (CNC). 8. Produtos e Especificações – Fase I 8.1 Produtos e Serviços a) Análise e sistematização dos dados existentes sobre grupos e praticantes de capoeira nos arquivos do Prêmio Capoeira Viva e do Programa Cultura Viva, bem como os resultantes do mapeamento preliminar realizado pelo Iphan com vistas a subsidiar a definição dos participantes e a organização dos encontros regionais. b) Mobilização e contratação de consultores especializados em capoeira para apoio ao Grupo de Trabalho criado pela Portaria n° 48/MinC, de 22 de julho de 2009. c) Produção de material para divulgação dos Encontros Regionais e distribuição junto ao campo da capoeira e aos meios de comunicação. d) Organização, divulgação e realização de 03 (três) encontros regionais. e) Elaboração e alimentação da página WEB do Pró-Capoeira f) Elaboração do sistema informatizado para implantação do Cadastro Nacional da Capoeira (CNC). 8.2. Procedimentos técnicos e metodológicos O Cadastro Nacional da Capoeira deverá considerar em sua elaboração, além dos dados sobre os diversos segmentos do campo existentes nas fichas do mapeamento preliminar realizado pelo Iphan (ver Anexo A), informações relacionadas à história e memória da capoeira no Brasil, seus estilos, escolas e correntes pedagógicas, suas várias aplicações e utilizações artísticas, culturais, esportivas, acadêmicas e pedagógicas. O Cadastro Nacional da Capoeira deverá ser elaborado de modo a possibilitar sua incorporação ao Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais - SNIIC. Os Encontros Regionais para discussão do escopo, linhas de ação e prioridades do Programa Pró-Capoeira deverão mobilizar e garantir a participação de mestres e grupos de capoeira, pesquisadores, instituições de pesquisa e ensino, bem como de representantes das secretarias do Ministério da Cultura, do Iphan, da Fundação Cultural Palmares, do Ministério da Educação, do Ministério do Esporte, do Ministério das Relações Exteriores, de Secretarias Estaduais e Municipais de Cultura e/ou Organismos Estaduais e Municipais de Preservação do Patrimônio, Universidades, ONGs, potenciais patrocinadores e parceiros. Os Encontros Regionais deverão ser organizados conforme diretrizes emanadas do Grupo de Trabalho criado pela Portaria MinC n° 48/2009. Deverão ainda atender ao seguinte conteúdo geral preliminar: - apresentação dos objetivos do Encontro Regional (organização e mobilização do campo para discussão do Pró-Capoeira e estabelecimento de parcerias); - apresentação das linhas gerais e das diretrizes do Programa Nacional de Salvaguarda e Incentivo à Capoeira – Pró-Capoeira, conforme proposta preliminar do Grupo de trabalho criado pelo MinC; - discussão de ações emergenciais, de curto, médio e longo prazo; - apresentação e discussão de proposta de implantação de mecanismos de gestão e de participação na implementação do programa: montagem de Conselho Gestor do Pró-Capoeira e de Fóruns Regionais ou Estaduais; - proposição de mecanismos de financiamento e incentivo; - discussão e estabelecimento de cronograma de implementação. O serviço de concepção do material para divulgação dos encontros regionais deverá ser submetido ao GTPC para aprovação, assim como a proposta de distribuição. 8.3. Especificações – Previsão de Recursos Humanos e Materiais A coordenação da elaboração dos produtos e da realização dos serviços discriminados no item 8.1 será realizada pelo Departamento do Patrimônio Imaterial do Iphan, mediante delegação do presidente desta instituição na qualidade de coordenador do Grupo de Trabalho criado pela Portaria MinC n° 48/2009 e sob a supervisão e acompanhamento do grupo. Para apoiar o referido grupo de trabalho nas tarefas de definição dos critérios para a organização dos Encontros Regionais previstos nessa fase, a OSCIP vencedora do certame deverá mobilizar 10 (dez) consultores entre especialistas de reconhecida atuação no campo da capoeira, considerando, como subsídio, o guia de fontes do dossiê de registro da Roda e do Ofício dos Mestres de Capoeira. Além desses requisitos, os consultores devem ser identificados e mobilizados conforme a seguinte distribuição: - 02 (dois) especialistas na Região Norte; - 02 (dois) especialistas na Região Nordeste; - 02 (dois) especialistas na Região Centro Oeste; - 02 (dois) especialistas na Região Sudeste; - 02 (dois) especialistas na Região Sul; Sempre que possível, os especialistas deverão possuir conhecimentos e/ou experiências complementares com relação à Região do país que objeto da consultoria. A equipe responsável pelos serviços de elaboração do sistema informatizado do Cadastro Nacional da Capoeira deverá ser composta por profissionais especializados em gestão de bases de dados e sistemas de informação. Os encontros regionais deverão ser realizados por empresa de especializada na produção e organização de eventos de grande porte, com capacidade para administrar a recepção, acomodação, transporte e alimentação de cerca de 100 (cem) convidados para os encontros regionais previstos nessa fase, prevendo-se ainda 300 participantes por encontro. 345 O material de divulgação dos encontros deverá ser produzido de acordo com as especificações e tiragem constantes do Anexo B deste Termo de Referência. A OSCIP vencedora do certame deverá comprovar experiência na área cultural e capacidade de atuar com isenção, neutralidade e impessoalidade no campo da capoeira. Além desses requisitos, apresentar projeto de execução e cronograma de trabalho contemplando todas as atividades necessárias à realização dos produtos e serviços discriminados para esta fase. Deverá ainda mobilizar equipes técnicas com experiência comprovada e compatível com os produtos a serem apresentados, em conformidade com o Edital e seus anexos. Os currículos dos consultores e coordenadores de equipes deverão ser encaminhados juntamente com as propostas técnica e financeira para a execução dos serviços e produtos listados. Os demais profissionais que irão compor as equipes de trabalho poderão ser apresentados após a celebração do Termo de Parceria, porém, todos os currículos deverão ser submetidos à aprovação prévia do DPI/IPHAN. 9. Etapas de Trabalho e Cronograma de Execução Os trabalhos da Fase I do projeto serão realizados tendo em vista o Cronograma de Desembolso (item 12) e os Recursos Disponíveis (item 14) e devem contemplar as etapas discriminadas a seguir, ao longo de um total de 06 meses, correspondendo à realização dos serviços e produtos discriminados no item 8 e de acordo com a planilha constante do Anexo C deste Termo de Referência. Etapa 01 (30 dias): Identificação, mobilização e contratação de consultores especialistas em capoeira nas cinco regiões do país. Contratação de equipe de técnicos em ciências sociais para sistematização e análise dos dados já existentes e disponíveis no âmbito do MinC sobre praticantes e segmentos da capoeira, com vistas à elaboração do Cadastro Nacional da Capoeira. Etapa 02 (30 dias): Sistematização e análise dos dados existentes sobre praticantes e segmentos da capoeira. Etapa 03 (120 dias): Contratação de equipe de tecnologia da informação. Estabelecimento dos critérios para definição de datas, locais e número aproximado de participantes dos Encontros Regionais. Elaboração e produção do material de divulgação de três Encontros Regionais. Realização de três Encontros Regionais Elaboração do conteúdo final dos três Encontros Regionais Elaboração do Cadastro Nacional da Capoeira (CNC) e do seu sistema informatizado. Elaboração de Relatório de Avaliação das atividades realizadas. 10. Recomendações Finais A instituição vencedora do certame deverá: I. ceder gratuitamente ao Ministério da Cultura, ao Iphan e à Fundação Cultural Palmares os direitos autorais para fins de promoção, divulgação e comercialização sem fins lucrativos, e o direito de uso e reprodução, sob qualquer forma, dos produtos e subprodutos listados neste Termo de Referência; II. colher todas as autorizações que permitam ao Ministério da Cultura, ao Iphan e à Fundação Cultural Palmares o uso de imagens, sons e falas registrados durante a realização do trabalho. III. ceder gratuitamente o material permanente adquirido durante a organização e realização dos Encontros para a instituição gestora do Plano de Salvaguarda da Capoeira. Todo o conhecimento e documentação produzidos no âmbito deste projeto são de propriedade do Ministério da Cultura e, sem a sua autorização expressa, não poderão ser utilizados para outros fins que não a divulgação dos aspectos relevantes dessa política pública. 11. Prazo de Execução e Entrega A primeira fase do trabalho será desenvolvida no prazo máximo de 06 (seis) meses com entrega dos produtos descritos no item 8.1 – Fase I e/ou com a apresentação de relatórios parciais. 12. Cronograma de Desembolso O pagamento dos serviços será feito em conformidade com o Edital de Concurso e seus Anexos, mediante a entrega de relatórios parciais a cada etapa de execução e dos produtos e serviços correspondentes, devidamente aprovados pelo Iphan (ver Anexo E). 13. Responsáveis pela Gestão do Projeto/Etapas de Execução Supervisão: Departamento do Patrimônio Imaterial / Iphan Coordenação: Coordenadora Geral de Salvaguarda, Tereza Maria Cotrim de Paiva Chaves. 14. Recursos disponíveis para o Projeto Devem ser disponibilizados recursos da ordem de R$ 1.599.294,81 (um milhão quinhentos e noventa e nove mil, duzentos e noventa e quatro reais e oitenta e um centavos) para a Fase I do projeto. 15. Recursos Orçamentários – PTRES e PI PTRES – PI – Brasília, 04 de novembro de 2009. 346 ANEXO P – Manifesto pro-capoeira. MANIFESTO PRO-CAPOEIRA O Coletivo de Mestres e Capoeiristas reunidos no dia 08 de setembro de 2010, na Cobertura do Hotel Jangadeiro vem através desse manifesto reconhecer e parabenizar: PONTOS DE DISCUSSÃO CAPOEIRA E EDUCAÇÃO 1- A iniciativa do governo em pautar a capoeira em suas políticas públicas. 2- A iniciativa do coletivo Pro-capoeira pelo esforço em realizar o evento. 3- O diálogo institucional entre os vários setores da sociedade. Todavia, não podemos deixar de destacar e considerar situações que envolveram a realização do mesmo. Sendo assim questionamos e registramos nossas reflexões no sentido de contribuir para uma construção de políticas para a capoeira com ênfase na democracia, acesso ao conhecimento e liberdade de expressão. Dito isso questionamos: CAPOEIRA E PROFISSIONALIZAÇÃO 1- Os critérios para escolha dos consultores. 2- Os critérios para a seleção dos convidados e participantes do evento e suas funções. 3- Quem é o grupo de trabalho que organiza os textos? Pois os mesmos não são assinados. Registramos também, neste documento, a desorganização, a falta de comunicação e uma incongruência no discurso do grupo organizador do evento desde o primeiro contato até a vinda dos mestres. Decorrendo disto, em convites e 'desconvites' a mestres e pesquisadores, se constituindo em uma falta de respeito a esses capoeiras. Assim como, informações infundadas sobre os critérios de seleção, participação e representatividade de gênero. Coletivo de Mestres e Capoeiristas Recife, 10 de setembro de 2010 Qualificação do professor de capoeira Capoeira da Escola e Capoeira na Escola (Capoeira além dos grupos) Terceirização da Capoeira na Escola Condições mínimas do professor de capoeira Ver a inserção dos mestres de capoeira - ver livro de tombo. Fazer o cruzamento dos projetos existentes que podem beneficiar a inserção do mestre na escola. Somente discutir a partir da documentação existente. Esclarecimento sobre o que é regulamentação e como podemos se organizar a partir disso. Discriminação, visto para passaporte, Adido cultural. Criar políticas para melhoria do transito dos mestres nos países estrangeiros. Criar setor específico para tratar da capoeira no Ministério das Relações Exteriores. (transito, incentivo, apoio, etc) - Editais para capoeiras que estão fora do país. (que não tenha distinção para os capoeiras que estão fora do país) Desburocratização das viagens referente a capoeira. CAPOEIRA E POLÍTICAS DE FOMENTO Pontos de Cultura Prazos Apertados (48h) Atraso nas verbas Muita burocratização nas documentações Ausência nas orientação para utilização dos gastos (orientação técnica) (Prestação de conta) Formação e cursos para conhecer a organização e implementação dos editais. Ausência de informações referente a correta prestações de contas. Falta de instrumentalização para tratar com os editais Ausência de auto-avaliação. No encontro oficial não foi discutido os pontos negativos. Apoio a projetos sociais de capoeira Capoeira Viva Quando sai o terceiro edital? Falta de continuidade A FGM não prestou contas e está atrapalhando o processo. CAPOEIRA IDENTIDADE Qual a noção de identidade e diversidade, para o trabalho com capoeira? Analisar a discussão a partir da Ldb (críticas e sugestões) Conceito de Tradição 347 ANEXO Q – Manifesto da Bahia. 348 ANEXO R – Edital de premiação nº 1, de 5 de abril de 2011 - Prêmio Viva meu Mestre. 349 350 ANEXO S – Suposta irregularidade na execução do termo de parceria, decorrente do processo nº 01450.0011805/2009-90