8
Sistemas Relativísticos
Os efeitos da Relatividade Restrita tornam-se importantes à medida que as
velocidades envolvidas se aproximem da velocidade da luz., fato que ocorre
plenamente no mundo das partículas elementares que, devido à pequena
massa, adquirem velocidades extremamente altas, próximas à da luz. Em
geral interagem entre si através de processos violentos: colisões, emissões e
absorções de fótons, criação e aniquilação de pares partícula anti-partícula,
etc.. Envolvendo tempos de interação extremamente curtos, pode-se apenas identi…car os estados inicial e …nal do sistema, onde tem papel relevante
as quantidades conservadas, como carga elétrica, energia, momento linear,
momento angular, etc.
Em particular, as leis de conservação garantem que o momento linear
total e a energia total do sistema antes e depois do processo são iguais,
Pi = Pf
e Ei = Ef ,
(1)
onde os índices i e f referem-se aos estados inicial e …nal, respectivamente.
8.1
Colisões
Considere, por exemplo, uma colisão e espalhamento de duas partículas, A e
B, resultando em duas outras, C e D,
A+B !C +D
:
(2)
A equação de conservação do momento linear total …ca
pA + pB = pC + pD
(3)
e a equação de conservação da energia,
EA + EB = EC + ED ;
(4)
com a equivalente lei de conservação da massa relativística,
mA + mB = mC + mD :
(5)
Na linguagem dos quadri-vetores, resume-se na equação de conservação
da energia-momento total do sistema,
pA + p B = pC + pD :
(6)
Em geral as colisões podem ser elásticas, caso em que a energia cinética
total do sistema é conservada, e inelásticas, caso em que uma parte ou o total
da energia cinética pode ser absorvida pelo sistema. Outros são processos explosivos onde energia cinética é liberada, como nos decaimentos expontâneos
e criação e aniquilação de pares.
118
8.1.1
Colisões elásticas
Numa colisão elástica a energia cinética total do sistema é conservada,
K A + KB = K C + KD :
(7)
Como a energia cinética relativística de uma partícula de massa m e velocidade v é de…nida como
K = (m m0 )c2 ;
a conservação da energia cinética aliada e a conservação da massa relativística
implica na conservação da massa de repouso das partículas,
m0A + m0B = m0C + m0D :
(8)
Como exemplo de uma colisão elástica, vamos considerar uma partícula
incidente, massa m0 , momento p0 e energia E0 ; chocando-se com uma outra
partícula idêntica, em repouso, sendo que, após o choque, as partículas
emergem espalhadas simetricamente de um ângulo em relação ao eixo de
incidência. Pela conservação de energia e momento,
E0 = E1 + E2 ;
0 = p1 sin
p2 sin ;
p0 = p1 cos + p2 cos
;
(9)
de onde resulta
e portanto
p1 = p2 = p ) E1 = E2 = E ;
E0 = 2E ;
p0 = 2p cos ;
de modo que
p
E2
p0
= p 0
cos =
2p
2 E2
(10)
p
E 2 m20 c4
p 0
=
2 E02 =4 m20 c4
m20 c4
m20 c4
Utilizando a relação entre energia e momento,
E2
p2 c2 = m2 c4 ;
a equação anterior …ca
p
p
(E0 + m0 c2 ) (E0 m0 c2 )
E02 m20 c4
p
cos = p 2
=
(E0 + 2m0 c2 ) [(E0 m0 c2 ) m0 c2 ]
E0 4m20 c4
s
p
(E0 + m0 c2 ) (E0 m0 c2 )
E0 + mc2
= p
=
; (11)
E0 + 3mc2
(E0 + 2m0 c2 ) [(E0 m0 c2 ) m0 c2 ]
119
que de…ne o ângulo de espalhamente em função da energia inicial da partícula
incidente e da massa das partículas. O momento das partículas espalhadas
pode ser obtida da equação (10).
8.1.2
Colisões inelásticas
Uma colisão é inelástica quando a energia cinética e, consequentemente, a
massa de repouso, não são conservadas,
KA + KB 6= KC + KD
(12)
m0A + m0B 6= m0C + m0D :
(13)
e
Pode ocorrer absorção de energia cinética, quando
(14)
KA + KB < KC + KD
ou liberação de energia cinética, que caracteriza uma colisão explosiva,
KA + KB > KC + KD
;
(15)
No caso extremo, as colisões podem ser completamente inelásticas, quando
as partículas emergentes após a colisão se agregam, tornando-se um corpo
único, com a absorção máxima da energia cinética. O exemplo a seguir
mostra um típico espalhamento completamente inelástico: duas partículas
de massas iguais movendo-se com velocidades iguais em módulo, v, colidem
frontalmente, sendo que, após a colisão, emerge uma única partícula de massa
M.
Da conservação da energia e momento,
2mc2 = M c2 ;
o momento inicial e o …nal sendo nulos, de modo que a partícula emergente
deve estar em repouso. A energia cinética inicial do sistema é
K = 2mc2
2m0 c2 ;
de modo que a massa de repouso da partícula emergente …ca
M = 2m0 +
K
;
c2
expressão que ilustra a absorção de toda a energia cinética do sistema, contribuindo na massa de repouso da partícula resultante. A energia pode ser
120
absorvida como energia de ligação do sistema ou, em sistemas macroscópicos, ser parcial ou totalmente convertida em energia térmica, por exemplo.
Signi…ca que qualquer tipo de energia contribui para a massa total do sistema, sendo que, do ponto de vista relativístico, massa e energia podem ser
tomados como sinônimos, levando em conta apenas a diferença no sistema
de unidades adotado para cada caso.
Numa reação inversa, pode ocorrer de uma partícula de massa M se fragmentar, numa reação explosiva, em outras partículas, com liberação, portanto, de energia cinética. Vamos supor a partícula de massa M inicialmente
em repouso fragmentando-se em duas outras partículas de mesma massa de
repouso m0 . Nesta reação,
M c2 = 2mc2 ;
o momento …nal permanecendo nulo, de modo que as duas partículas devem ser lançadas em direções opostas, com a mesma velocidade em módulo,
relacionado com o momento de cada partícula como
p = mv :
A relação entre as massas …ca
M = 2m0 +
K
c2
;
onde agora K é a energia cinética liberada, mostrando que a reação somente
pode ocorrer se
M > 2m0 :
Reação similar aos exemplos anteriores ocorre numa colisão e aniquilação
de um par elétron-pósitron com produção de fótons, por exemplo. Na aniquilação
elétron-pósitron, deve resultar no mínimo dois fótons para que o momento
seja conservado, pois os fótons, embora de massa nula, transportam energia
e momento diferentes de zero relacionados por
E = pc :
Se o momento inicial do sistema elétron-pósitron for nulo, o momento …nal
também deve permanecer nulo, o que é impossível com a produção de apenas
um fóton. Dois fótons também podem dar origem a um par elétron-pósitron,
desde que, naturalmente, a energia dos fótons seja su…ciente para, no mínimo,
fornecer a energia de repouso do elétron e do pósitron.
121
8.2
Referencial de Centro de Massa
Na Relatividade Restrita, o referencial de Centro de Massa de um sistema
de N partículas é de…nido como o referencial onde o momento linear total do
sistema,
N
X
P=
pi ;
i=1
se anula.
Utilizando as transformações relativísticas de energia e momento entre o
referenciais inerciais R e R0 em movimento relativo uniforme, com velocidade
V , ao longo do eixo xx0 ,
E0 =
Px0
Py0
(E
V Px ) ;
EV
= (Px
);
c2
= Py ; Pz0 = Pz ;
o referencial do Centro de Massa, R ; é de…nido pela condição sobre o momento linear total, P = 0, de modo que, supondo Px = P e Py = Pz = 0,
E
=
(E
P
=
(P
V P) ;
EV
)=0:
c2
Deste modo,
P c2
E
de…ne a velocidade do referencial do centro de massa em relação ao referencial
R , e a relação
1
E=q
E ;
2
1 Vc2
V =
para
E = M c2
e E = M0 c2
de…ne a relação entre a massa relativística total do sistema e a massa no
referencial do Centro de Massa,
M=q
1
1
122
V2
c2
M0 :
Para um sistema de partículas que não interagem entre si, a posição do
Centro de Massa pode ser de…nida pela fórmula usual
P
mi ri
:
R = Pi
i mi
Como as massas relativísticas das partículas assim como a massa relativística
total do sistema são constantes,
P
mi vi
dR
Pc2
= V = Pi
=
dt
E
i mi
resulta na velocidade uniforme do Centro de Massa. O referencial do Centro de Massa equivale ao referencial de repouso do sistema como um todo,
como se uma única partícula pontual de massa de repouso M0 estivesse localizado no Centro de Massa. Neste sentido, pode-se veri…car também a relação
relativística entre a energia e o momento do sistema,
E2
P 2 c2 = M02 c4 :
Tudo passa como se uma única partícula de massa de repouso M0 estivesse
localizado nas coordenadas do Centro de Massa do sistema, movendo-se uniformemente com velocidade V.
8.3
Partículas Elementares
A equação relativística de conversão de massa e energia, E = mc2 , satisfeitas
as demais leis de conservação, é a regra básica para a criação ou o decaimento
de partículas elementares. Uma vez desvendado o processo de formação das
partículas elementares na natureza, deu-se início a construção dos aceleradores de partículas carregadas, como os prótons e os elétrons que, colidindo
com alvos pré-determinados, permitiria a criação controlada das partículas
elementares e o estudo sistemático das suas propriedades em condições controladas de laboratório. Aceleradores cada vez mais potentes permitiram
desvendar as propriedades e as interações fundamentais das partículas elementares. Veja, por exemplo, a referência [4].
Além das partículas estáveis (prótons, nêutrons, elétrons, neutrinos e fótons), há uma profusão de partículas mais pesadas, com meias vidas extremamente curtas, que decaem sucessivamente até atingir as partículas estáveis,
de massas menores, protegidas por alguma quantidade conservada.
Na visão atual, acredita-se que haja duas classes de partículas fundamentais, os quarks e os léptons, ambos partículas de spin 1=2 (férmions), cada
123
qual em três famílias (ou gerações) de dupletos da interação eletrofraca. As
interações entre estas partículas surgem em função de simetrias especí…cas,
como a simetria de fase U (1) da interação eletromagnética, a simetria SU (2)
da interação fraca, a simetria SU (3) da interação forte e a simetria pelo
Grupo das Transformações Gerais de Lorentz da Relatividade de Einstein,
com cargas conservadas associadas a cada uma dessas simetrias. Identi…cadas
as simetrias, inicialmente na forma global (os parâmetros das transformações
são constantes), as teorias de gauge, que tem como modelo a eletrodinâmica,
impõem que sejam válidas localmente (os parâmetros das transformações são
funções das coordenados do espaço-tempo), com a consequente introdução
dos bósons de gauge, partículas de troca das respectivas interações [5].
A simetria SU (2) tem como representantes os dupletos de quarks e de
léptons,
u
c
t
;
;
d
s
b
e
e
e
;
;
;
respectivamente, mais os dupletos das respectivas antipartículas.
Ao contrário dos léptons, os quarks carregam também cargas da interação
forte, formando tripletos de SU (3),
1
0
qR
@ qY A
qB
onde q representa cada um dos quarks (up; down; charm; strange; top; bottom).
A interação forte entre os quarks é a responsável pela estrutura dos hádrons, partículas compostas por quarks e anti-quarks. Os bárions, como
prótons e nêutrons, são sistemas compostos de três quarks, enquanto que
os mésons, como os píons, são sistemas quark-antiquark. As propriedades
das combinações das cargas da interação forte, em número de três, têm uma
certa analogia com as propriedades de combinação das três cores primárias,
de onde vem a denominações das cargas da interação forte, Red, Y ellow e
Blue. Os glúons, em número de oito, transportando cargas de cores, são as
partículas intermediárias das interações fortes. Assume-se as partículas físicas, os hádrons, são sistemas incolores, isto é, são neutros do ponto de vista
das cargas das interações fortes. Deste modo, os quarks não tem existência
livre, estando sempre con…nados em sistemas multiquarks neutros. Se assim
não fosse, quarks livres seriam detectados com relativa facilidade, uma vez
que são portadores de cargas elétricas fracionárias, (2=3)e para os quarks
124
u; c; t e ( 1=3)e para os quarks d; s; b. Da mesma forma, os glúons, sendo
portadores de carga forte, também não existem livres, ao contrário do que
ocorre com os fótons. Assim, embora os hádrons sejam sistemas compostos
de quarks e anti-quarks, nas reações de criação e de decaimento que ocorrem, por exemplo, nos chuveiros atmosféricos, apenas partículas elementares
usuais são detectados.
As partículas elementares mais comuns são os elétrons, prótons e nêutrons,
constituintes dos átomos. Além destas, outras partículas, como os múons, os
píons, os mésons K, os híperons , etc. foram identi…cadas inicialmente nos
raios cósmicos.
Embora depois dessas descobertas iniciais, o estudo das partículas elementares tenha migrado para os aceleradores, a importância do estudo dos
raios cósmicos é inequívoca. Os aceleradores tem a vantagem de poder produzir partículas em grande quantidade e de forma controlada. Por outro
lado, a grande vantagem dos raios cósmicos é justamente serem produtos de
fenômenos naturais, produzidos sem a interferência ou controle humano, e
que podem envolver energias extremamente altas, até da ordem de 1020 eV ,
inacessíveis nos aceleradores. O mais potente dos aceleradores atinge energias
da ordem de T eV , com um consumo de energia que se torna proibitivo. Apesar de serem eventos raros, os raios cósmicos e, em especial os raios cósmicos
ultra energéticos, são resultantes de processos físicos naturais, e portanto são
portadores de informações preciosas para uma melhor compreensão tanto da
Física das Partículas Elementares como da natureza do Universo.
8.4
Raios cósmicos
Apesar da denominação, sabe-se que os raios cósmicos primários são constituídos de partículas estáveis de alta energia, principalmente prótons (83%),
núcleos de hélio (16%), elétrons (1%) e núcleos pesados (menos de 1%). Estas
partículas, ao penetrarem na atmosfera terrestre, colidem com os núcleos dos
gases atmosféricos e dão início a um processo em cascata de criação de outras
partículas elementares, geralmente de meias vidas extremamente curtas, que
decaem sucessivamente até resultar nas partículas mais leves e estáveis, basicamente elétrons e neutrinos. Assim, não é de se estranhar que as primeiras
partículas subatômicas tenham sido observadas durante o estudo dos raios
cósmicos, sendo o posítron (anti-elétron) e o múon os primeiros de uma série
de partículas subatômicas descobertas no estudo dos raios cósmicos, descobrimentos que levaram à física de partículas elementares.
A rigor, raios cósmicos primários são as partículas aceleradas em fontes
astrofísicas e secundários são os produzidas em interações das partículas
primárias com o meio (gás) interestrelar. As partículas primárias dos raios
125
cósmicos são essencialmente matéria comum, prótons e núcleos atômicos
leves, em proporção similar à da matéria presente no sistema solar, e a ausência de anti-partículas é um indicativo de que, pelo menos nas regiões de onde
vem os raios cósmicos, o universo é constituído principalmente de matéria.
Assim, elétrons, prótons e hélio, assim como carbono, oxigênio, ferro e outros
núcleos sintetizados nas estrelas, são primárias. Núcleos como lítio, berílio e
boro, que não são produzidos em abundância nos processos de núcleo-síntese
estelar, são partículas secundárias. Anti-prótons e posítrons são quase que
totalmente secundárias, mas presume-se que uma fração destas partículas
possa ser primária.
Para efeitos práticos, são primários todos os raios cósmicos que incidem sobre a alta atmosfera terrestre, provenientes do espaço exterior, e
são secundários os produzidos como consequência das colisões das partículas
primárias com os gases da atmosfera terrestre. Raios cósmicos primários são
essencialmente prótons e outros núcleos leves e secundários são principalmente píons carregados, que logo decaem em múons, que por sua vez decaem
em elétrons e posítrons.
O espectro de energia dos raios cósmicos cobre da ordem de 1GeV , abaixo
da qual são desviados pelo vento solar, a 1020 eV , com ‡uxo que varia de
10:000 eventos/m2 =s a 1GeV , decrescendo a 1 evento/m2 =s a 1:000GeV , decrescendo mais rapidamente a partir de 1016 eV , com poucos eventos/m2 =ano,
tornando-se extremamente raros acima de 1019 eV , região dos raios cósmicos
ultra energéticos, com algo em torno de 1 evento/km2 =ano. Vale lembrar,
comparativamente, que os mais potentes aceleradores de partículas consegue
fornecer energias até da ordem de 1:000GeV = 109 eV .
A tabela abaixo traz a abundância relativa dos núcleos para a energia de
10; 6 GeV por nucleon, normalizado para o oxigênio (‡uxo F = 1).
Z
1
2
Elemento
H
He
3 5
Li-B
6 8
C-O
9 10
F-Ne
11 12
Na-Mg
F
730
34
0; 40
2; 20
0; 30
0; 22
Z
13
15
17
19
21
26
14
16
18
20
25
28
Elemento
Al-Si
P-S
Cl-Ar
K-Ca
Sc-Mn
Fe-Ni
F
0; 19
0; 03
0; 01
0; 02
0; 05
0; 12
Nesta região de energia, o ‡uxo de oxigênio é da ordem de
3; 26x10
6
cm 2 s
1
sr
1
GeV
nucleon
1
e as frações dos núcleos primários são quase constantes.
126
(16)
8.5
Origem dos raios cósmicos
Os raios cósmicos de baixa energia, até da ordem de 10 GeV , em parte provenientes do Sol, durante as explosões solares, são fortemente afetados pelo
vento solar, sendo parcialmente excluídos da trajetória rumo à Terra. Os
que chegam interagem com o campo geomagnético, sendo capturados no cinturão de radiação de Van Allen e desviados para as regiões polares, onde, ao
penetrarem na atmosfera, dão origem às auroras boreais (Norte) e austrais
(Sul), ‡uorescência causada pela desexcitação dos gases atmosféricos após as
colisões com as partículas cósmicas. Deste modo, a intensidade do ‡uxo da
radiação cósmica de baixa energia tem uma forte dependência em relação às
atividades solares, variando fortemente em função do local e do tempo.
Os raios cósmicos de alta energia, até da ordem de 1016 eV , são partículas liberados nas explosões estelares super-novas, por exemplo, com energias
iniciais da ordem de centenas de M eV e que, sob a infuência do fraco campo
magnético intergaláctico, são mantidos aprisionados pelas linhas de campo.
Ao encontrarem e colidirem com regiões de inhomogeneidades do campo magnético, adquirem e aumentam a sua energia, num processo estatístico sucessivo sugerido por Fermi. A partir de aproximadamente 1018 eV , o raio de
giro magnético torna-se maior que a espessura do disco galáctico, podendo
abandonar a galáxia. Por este motivo, acredita-se que os raios cósmicos ultraenergéticos, com energias entre
1018 eV a 1020 eV , sejam extra-galácticos.
Evidências recentes apontam a sua origem para os núcleos de galáxias ativas,
onde aparentemente matérias estelares estão sendo capturadas por buracos
negros.
De onde quer que provenham, uma vez aceleradas e lançadas ao espaço,
devem ter seguido uma longa caminhada até, eventualmente, penetrarem na
atmosfera terrestre. No interior das galáxias as partículas carregadas estão
sujeitas à ação do campo magnético que permeia o meio galáctico, da ordem
de G = 10 6 gauss (o campo magnético da Terra na superfície é da ordem
de 0; 3 gauss). Uma partícula com carga Ze e energia E, numa região de
campo magnético uniforme B, executará uma órbita circular de…nida pelo
raio de Larmor
E
pc
'
:
(17)
rL =
ZeB
ZeB
Para um próton com energia de 1018 eV (eV = 1; 602 10 12 erg) num
campo de 3 G corresponde um raio de giro rL de aproximadamente 300pc,
que é ordem da espessura do disco galáctico. Assim, raios cósmicos acima
1018 eV tendem a ser excluídos do plano galáctico, sendo, portanto, um limitante para a energia dos raios cósmicos de origem galáctica.
Ocorrem eventos raros, conhecidos como raios cósmicos ultra-energéticos,
127
com energias acima da ordem 1019 eV , reconhecidos como de origem extragaláctica. Suas trajetórias são pouco afetadas por campos magnéticos da
ordem de grandeza dos campos galácticos e inter-galácticos, de modo que a
direção de entrada na atmosfera de uma partícula cósmica ultra energética
deve apontar diretamente para a sua fonte. No entanto, o espaço cósmico
é permeado pela radiação cósmica de fundo que, embora não tenha energia
su…ciente para afetar partículas cósmicas com energias abaixo da ordem de
1016 eV , pode-se mostrar que interage fortemente com os raios cósmicos de
ultra alta energia, com energias acima da ordem de 1019 eV , com uma rápida
perda de energia causada pela criação de pares partícula antipartícula como
os píons.
8.5.1
Mecanismo de Fermi de aceleração de raios cósmicos
Em 1949, Enrico Fermi sugeriu um mecanismo efetivo de aceleração de
partículas. Fermi explorou a idéia de que existem nuvens magnéticas em
movimento no meio interestelar. Estas nuvens são muito largas, vários anosluz, com densidade de 10 a 100 vezes maior do que a densidade média do
meio. São nuvens de poeira, eletricamente carregadas e com campo magnético intrínseco. Fora das nuvens, o campo magnético é bem comportado
(com linhas de campo bem de…nidas e intensidade média de 10 G) devido ao
‡uxo constante e ordenado de cargas. Vale ressaltar que, a nível cosmológico,
as cargas em movimento podem ser estrelas ou até galáxias inteiras. Dentro das nuvens, o campo deve possuir um aspecto não tão ordenado quanto
no meio interestelar, de maneira que imperfeições ou irregularidades nas linhas de campo devem estar presentes. Quando uma partícula carregada com
grande velocidade penetra uma nuvem magnética e colide com uma irregularidade do campo magnético, a partícula muda seu momento, seja ganhando
ou perdendo energia. Ganhar ou perder energia são dois eventos igualmente
prováveis durante uma re‡exão. O campo magnético é muito estável comparado com o tempo de interação e permanece inalterado durante a colisão,
desta maneira, a colisão de uma partícula carregada com a irregularidade
do campo é “mecanicamente igual” à colisão de um bola rápida contra um
pesado movendo-se lentamente (com velocidade V ). Durante uma colisão
frontal a partícula deverá ganhar energia, enquanto irá perder se a nuvem se
mover na mesma direção que a partícula.
Considere um modelo simpli…cado do Mecanismo de Fermi à luz de considerações sobre o tempo de interação da partícula com o campo magnético
da nuvem. Como o tempo de interação é muito curto (comparado com a
estabilidade do campo magnético), a partícula será espalhada pelo campo
magnético, permitindo tratar a interação partícula-campo como uma colisão
128
elástica.
Para que haja ganho de energia, é evidente que a colisão da partícula
contra a nuvem magnética deve ser frontal, ao passo que se ambos, partícula
e nuvem se moverem no mesmo sentido, haverá perda de energia. O esquema
de uma colisão frontal partícula-nuvem é mostrado na …gura 1.
Figura 1:Esquema da colisão de uma partícula carregada com uma nuvem
magnética em movimento
Partículas com energia de algumas centenas de M eV geralmente são produzidas em supernovas, por isso são abundantes no meio interestelar e conseqüentemente em nossa galáxia. Tais partículas possuem em sua maioria
velocidades relativísticas, estando assim sujeitas a um tratamento relativístico.
Seja a energia relativística dada por
E 2 = p2 c2 + m2o c4 :
(18)
Se a partícula possui velocidade próxima à velocidade da luz, sua massa
de repouso mo = 0, resultando E = pc.
Consideremos uma partícula em movimento (com energia E1 ) penetrando
uma nuvem magnética que se move lentamente. Uma colisão exatamente
frontal é pouco provável, por isso, como é mostrado na …gura 1, a partícula
incide segundo um ângulo 1 em relação à direção do movimento da nuvem.
A nuvem como um todo representa um referencial inercial em movimento com
velocidade constante V . A energia da partícula incidente, vista do referencial
do laboratório (referencial no qual foi criada, fora da nuvem) é diferente da
energia da partícula em relação ao referencial da nuvem.
Seja a transformação da energia-momento
E
p = mo U = ( ; p) = (mc; mv):
c
129
(19)
Levando em consideração as transformações especiais de Lorentz entre
referenciais R e R0 (referencial do laboratório e referencial da nuvem, respectivamente) com movimento relativo uniforme ao longo do eixo comum xx0 , a
transformação da energia-momento …ca
E 0 = (E
(20)
V px ):
Devemos transportar a energia da partícula, inicialmente no referencial do
laboratório, para o referencial da nuvem, já que a partícula a está penetrando.
Lembrando que, neste caso, a partícula incidente está sujeita à aproximação
E = pc; a transformação da energia-momento …ca
E10 =
(E1
V px )
c
(E1 V px cos 1 )
c
E1 (1
cos 1 )
E10 =
E10 =
onde
=
V
c
e
= p1
1
2
são os fatores
(21)
e de Lorentz da nuvem.
Após ser espalhada, ou seja, após deixar a nuvem, deve-se fazer a transformação inversa dos referenciais, retornando para o referencial do laboratório:
(E20 + V px )
c
(E20 V px cos 02 )
c
E20 (1 + cos 02 )
E2 =
E2 =
E2 =
(22)
Considerando que as colisões partícula-campo são elásticas, a energia total
no referencial da nuvem deve ser conservada, de modo que
E10 = E20
E1 (1
cos
E2
1)
E2
(1 + cos 02 )
2
E1 (1
cos
2
E1 (1
cos
=
E2 =
E1 =
ou
1
E
=
E
cos
(23)
1
+ cos
1
130
0
2
1 )(1
+ cos
1 )(1 + cos
2
2
cos
1
cos
0
2
0
2)
0
2)
1
(24)
E1
(25)
Como todo o processo envolvido na colisão é aleatório, não se tem certeza
sobre os ângulos 1 e 02 , podendo obter apenas médias estatísticas dos
cossenos destes ângulos. Devido à aleatoriedade das irregularidades do campo
magnético da nuvem, o movimento da partícula também deve ser aleatório,
de maneira que todos os ângulos 02 são igualmente prováveis. Desta maneira
hcos 02 i = 0. Por causa do movimento da nuvem, a probabilidade de que
a partícula penetre a nuvem segundo um ângulo 1 é (para uma partícula
relativística e nuvem lenta) proporcional a c V 2ccos 1 , levando a hcos 1 i = 0.
Substituindo as médias obtidas na Eq. (8),
E
1
cos 1
1
=
2
E
1
1 + 13 2
E
1
1=1+
=
2
E
3
1
2
1+
4 2
E
E
3
Então, o ganho de energia (por colisão) tem a forma
dE /
2
2
(26)
(27)
E;
onde = V =c é uma constante. Desta forma, o ganho de energia aumenta
com a energia da partícula. Dividindo o ganho de energia por n colisões,
resulta a equação diferencial
dE
/
dn
2
E:
Rearranjando a equação e integrando a energia desde Ei (energia de injeção da partícula) até E (energia ao deixar a nuvem) para n colisões,
Z E
Z n
dE
E
2
=
dn0 =) ln
= 2 n,
E
E
i
Ei
0
isto é,
E = Ei exp(
2
n):
(28)
Se c for o intervalo de tempo entre duas colisões sucessivas, então o
número de colisões num intervalo de tempo t será n = t= c , resultando a
energia
2
t
= Ei exp(t=tc );
(29)
E (t) = Ei exp
c
131
onde tc =
c=
2
.
Sob a denominação comum de raios cósmicos [9], incluem todo tipo de
partículas e núcleos estáveis presentes no espaço e que eventualmente podem
incidir sobre a alta atmosfera da Terra. Apesar da denominação, são na
maioria partículas carregadas, principalmente prótons e alguns outros núcleos
mais leves.
A …gura ?? [?] ilustra a incidência de uma partícula cósmica na alta
atmosfera e a consequente produção de partículas secundárias em cascata.
Conforme a altitude, diferentes partículas podem ser detectados e, também,
diferentes técnicas de detecção devem ser utilizadas.
8.6
Chuveiro Atmosférico
Os raios cósmicos primários, em geral partículas carregadas altamente energéticas, ao penetrarem na alta atmosfera terrestre, colidem com os núcleos
atômicos do gás atmosférico, iniciando a formação das partículas secundárias
que, tendo energia su…ciente, desencadeiam um processo de colisões sucessivas, formando o chuveiro atmosférico. Dependendo da energia da partícula
primária ao penetrar na alta atmosfera, o chuveiro atmosférico pode chegar
ao solo, cobrindo uma superfície tanto mais extensa quanto maior for a energia da partícula primária. Os eventos associados a um determinado chuveiro
cósmico, captados ao nível do mar, por exemplo, devem ter uma correlação
temporal [17], [42], [46].
Os chuveiros têm um núcleo (eixo) hadrônico de…nido pela partícula
primária (próton ou outro núcleo) que, colidindo com os núcleos do gás atmosférico, produzem mésons carregados, principalmente os píons + e
,
os quais decaem em múons + e
, e os píons neutros 0 , que originam
pares e+ e ou fótons, constituindo os ramos secundários do chuveiro, formados pelas partículas secundárias. Nesta reação em cadeia, os múons + e
decaem em elétrons e posítrons, e+ e e e em neutrinos e anti-neutrinos, etc..
Uma ilustração do processo de formação dos chuveiros atmosféricos pode ser
vista na …gura 1.
As partículas primárias vão perdendo energia nestas sucessivas colisões,
até atingir o solo com a energia bastante atenuada. Quanto maior a energia
inicial da partícula primária, maior deve ser a área coberta pelas partículas
secundárias do chuveiro atmosférico. Para energias das partículas primárias
acima de E0 > 100T eV = 1014 eV , os chuveiros cobrem uma extensa área
do solo, daí a necessidade de detectores baseados no solo cobrindo áreas
extensas.
132
Figure 1: Ilustração a formação do chuveiro atmosférico.
Raios cósmicos primários de alta energia, com energias acima da ordem
de 1016 eV , por serem eventos raros, somente podem ser detectados indiretamente a partir da detecção das partículas secundárias dos chuveiros cósmicos,
em sistemas de detectores espalhados em grandes áreas, daí a importância
de se conhecer a dinâmica da formação dos chuveiros atmosféricos.
8.7
Propagação no espaço cósmico
Para um próton com energia de 1018 eV em um campo de 3 G, resulta um
raio de giro rL de aproximadamente 300pc, da ordem da espessura do disco
galáctico, de modo que os raios cósmicos acima 1018 eV tendem a ser excluídos do plano galáctico. Deste modo, raios cósmicos com energias acima desta
ordem de grandeza, cuja isotropia é incompatível com o resultado acima exposto, acredita-se sejam de origem extra-galáctica, supondo que muitas das
partículas primárias nesta região de energia sejam prótons. Também, raios
cósmicos ultra energéticos, com energias acima da ordem 1019 eV , têm as suas
trajetórias pouco afetadas por campos magnéticos da ordem de grandeza dos
campos galácticos e inter-galácticos, de modo que a direção de entrada na atmosfera de uma partícula cósmica ultra energética deve apontar diretamente
para a fonte de onde vem esta partícula cósmica.
Por outro lado, o espaço cósmico é permeado pela radiação cósmica de
133
fundo que, embora não tenham energia su…ciente para afetar partículas cósmicas com energias abaixo da ordem de 1016 eV , pode-se mostrar que interagem fortemente com os raios cósmicos de ultra alta energia, com energias
acima da ordem de 1019 eV .
Logo após a descoberta por Arno Penzias e Robert Wilson da radiação de
fundo de baixa energia, na região de microondas, em 1965, em trabalhos independentes, Kenneth Greisen, Vadem Kuzmin e George Zatsepin esboçaram
cálculos mostrando que os raios cósmicos de alta energia, interagindo com
esta radiação cósmica de fundo, sofrem uma rápida perda de energia, tanto
maior quanto maior for a sua energia, estabelecendo um mecanismo de corte
para a energia da ordem de 5 1019 eV , atualmente conhecido como a energia
de corte GZK.
O espectro da radiação cósmica de fundo é o da radiação de corpo negro
à temperatura de 2; 7K, correspondendo à região de microondas. Em termos
de energia, tem pico em 6 104 eV , com densidade de 400 fótons/cm3 . Nestas
condições, o limiar de energia para a produção de pares
p+
2;7K
! p + e+ + e
(30)
é da ordem de 1018 eV , com livre caminho médio de aproximadamente 1M pc.
Signi…ca que, convertido para o referencial de repouso do próton, os fótons
da radiação cósmica de fundo são percebidas como tendo energia igual ou superior a duas vezes a massa de repouso do elétron, possibilitando a formação
do par elétron-posítron.
No caso de prótons, o principal mecanismo de corte é a foto-produção de
píons,
p + 2;7K ! n + + ;
(31)
ou
p+
2;7K
!! p +
0
;
(32)
cujo limiar de energia é de 1019;6 eV e que causa a perda de energia da ordem
de 20% em cada interação, com livre caminho médio de 6M pc.
No caso das partículas primárias serem núcleos de outros elementos, de
peso atômico A, as reações possíveis são a produção de pares elétron-posítron,
A+
2;7
! A + e+ + e ;
(33)
e as reações de foto-desintegração
A+
2;7K
! (A
1) + N
(34)
2) + 2N ;
(35)
ou
A+
2;7K
! (A
134
sendo os processos igualmente importantes para a atenuação de energia dos
núcleos pesados. Se os raios cósmicos primários forem raios , a sua interação
com a radiação de fundo se dá através da criação de pares
+
2;7K
! e+ + e
(36)
a partir da energia de 4 1014 eV até 2 1019 eV .
Devido ao comprimento de atenuação da ordem de 100M pc, as localizações das fontes dos raios cósmicos ultra-energéticos …cam limitadas a
esta distância. Esta limitação implica, também, que deve haver uma forte
anisotropia na distribuição desses raios cósmicos ultra energéticos, indicando
as possíveis fontes astrofísicas.
Notas:
1. A unidade de distância pc (parsec, de paralax per second) corresponde
à distância de uma estrela …xa tal que um observador na Terra, ao
ocupar as posições opostas durante a sua translação em torno do Sol,
vê a posição desta estrela deslocada de um segundo de arco. Equivale
a 3; 262 anos-luz, um ano-luz sendo a distância percorrida pela luz no
vácuo durante um ano, = 9; 461 1017 cm.
2. O elétron-volt, eV , é uma unidade de energia correspondente à energia
potencial de um elétron submetido a uma diferença de potencial de 1
volt, e tem a equivalência 1eV = 1; 602 10 19 Joule0 s. Comumente
é usado também como unidade de massa, considerando a equivalência
massa-energia E = mc2 .
Exercícios
1. As estrêlas obtem parte da energia pela fusão de três partículas , ou
H24 , formando um núcleo de Carbono, C612 . Quanta energia é liberada
nesta reação?
Dados: massas em unidade de massa atômica, u:m:a: = 1:66 10 27 kg =
931:1M eV ,
nêutron
1:008665
próton
1:007825
Hélio ( )
4:002603
12
Carbono C6
12:000000
135
2. Considere a reação
H 2 + Li6 ! 2He4 :
a) Supondo que toda a energia excedente desta reação transforme-se
em energia térmica, qual é o ganho em temperatura após a reação?
b) Qual é a energia cinética ganha por cada molécula de hélio, considerando que um mol contém 6:025 1023 moléculas?
Os pesos de um mol de cada uma das substâncias abaixo são:
H 2 (deutério)
Li6 (lítio)
He4 (hélio)
2:014102g
6:015126g :
4:002603g
Bibliogra…a
1. C. Moller, The Theory of relativity (second edition), Oxford University
Press (1972).
2. L. Landau and E. L. Lifshitz, The Classical Theory of Fields, Pergamon
Press, Oxford (1976).
3. P. G. Bergmann, Introduction to the Theory of Relativity, Dover Publications, NY, (1976).
4. David Gri¢ ths, Introduction to Elementary Particles, John Wiley &
Sons, NY, 1987.
5. Thomas K. Gaisser, Cosmic Ray and Particle Physics, Cambridge University Press, 1990.
136
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Raios Cósmicos