Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa
Lato Sensu em Relações Internacionais e Diplomáticas da
América do Sul
Trabalho de Conclusão de Curso
Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa
Lato Sensu em Relações Internacionais e Diplomáticas da
América do Sul
Trabalho de Conclusão de Curso
TRÁFICO DE PESSOAS: COMO A SITUAÇÃO É VISTA E
ESTUDADA NO MOMENTO DA GLOBALIZAÇÃO, NO ÂMBITO
NACIONAL E INTERNACIONAL
Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa
Lato Sensu em Relações Internacionais e Diplomáticas da
América do Sul
Trabalho de Conclusão de Curso
TRÁFICO DE PESSOAS: COMO A SITUAÇÃO É VISTA E
ESTUDADA NO MOMENTO DA GLOBALIZAÇÃO, NO ÂMBITO
Autor: Monique
Carvalho Pettasse de Souza
NACIONAL
E INTERNACIONAL
Orientador:
Prof. Msc.
Creomar Lima Carvalho
de Souza
Pró-Reitoria
de Pós-Graduação
e Pesquisa
Lato Sensu em Relações Internacionais e Diplomáticas da
Autor: Monique
Carvalho
Pettasse
de SouzaÉ VISTA E
TRÁFICO
DE PESSOAS:
COMO
SITUAÇÃO
América
do A
Sul
Orientador:
Msc. Creomar
Carvalho
de Souza
ESTUDADAProf.
NO
MOMENTO
DA Lima
GLOBALIZAÇÃO,
NO ÂMBITO
Trabalho
de Conclusão
de Curso
NACIONAL E INTERNACIONAL
Autor: Monique Carvalho Pettasse de Souza
Orientador: Prof. Msc. Creomar Lima Carvalho de Souza
TRÁFICO
DE PESSOAS:
COMO A SITUAÇÃO
É VISTA E
Pró-Reitoria
de Pós-Graduação
e Pesquisa
Autor:
Monique
Carvalho
deeSouza
ESTUDADA
NO
DAPettasse
GLOBALIZAÇÃO,
NO ÂMBITO
Lato
Sensu
emMOMENTO
Relações
Internacionais
Diplomáticas
da
Orientador: Prof.NACIONAL
Msc. Creomar
Lima
Carvalho de Souza
E INTERNACIONAL
América
do Sul
Trabalho de Conclusão de Curso
Brasília
- DF de Souza
Autor: Monique Carvalho
Pettasse
2013
Orientador:
Prof.
Msc. Creomar
LimaACarvalho
de ÉSouza
TRÁFICO
DE PESSOAS:
COMO
SITUAÇÃO
VISTA E
ESTUDADA NO MOMENTO DA GLOBALIZAÇÃO, NO ÂMBITO
- DF de
Autor:
Monique
Carvalho
Pettasse
Souza
NACIONAL
E INTERNACIONAL
Pró-Reitoria
de Brasília
Pós-Graduação
e Pesquisa
2
Artigo autoria de Monique Carvalho Pettasse de Souza, intitulado “Tráfico de Pessoas:
como a situação é vista e estudada no momento da globalização, no âmbito Nacional e
Internacional”, apresentado como requisito parcial para obtenção de Especialista em PósGraduação Lato Sensu em Relações Internacionais e Diplomáticas da América do Sul da
Universidade Católica de Brasília, em 23 de setembro de 2013, defendido e aprovado pela
banca examinadora abaixo assinada.
Prof. MSc. Creomar Lima Carvalho de Souza
Orientador
Prof.Coord Thiago Gehre
Prof. MSc. Tagory Figueiredo
Brasília
2013
3
MONIQUE CARVALHO PETTASSE DE SOUZA
TRÁFICO DE PESSOAS: COMO A SITUAÇÃO É VISTA E ESTUDADA NO
MOMENTO DA GLOBALIZAÇÃO, NO ÂMBITO NACIONAL E INTERNACIONAL
Trabalho de Conclusão de Curso ao
Programa de Pós-Graduação Lato Sensu
em
Relações
Internacionais
e
Diplomáticas da América do Sul da
Universidade Católica de Brasília, como
requisito parcial para a obtenção do
certificado de Especialista.
Orientador: Prof. MSc. Creomar Lima
Carvalho de Souza
Brasília
2013
4
TRÁFICO DE PESSOAS: COMO A SITUAÇÃO É VISTA E ESTUDADA NO
MOMENTO DA GLOBALIZAÇÃO, NO ÂMBITO NACIONAL E INTERNACIONAL
1. INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, o tráfico internacional de seres humanos, vem sendo um crime
que se encontra integrado ao ambiente internacional contemporâneo e que continua em
constante crescimento. Passando ater também, outras finalidades: como tráfico de crianças
para adoção e exploração sexual, tráfico para remoção de órgãos e tráfico para trabalho
forçado.
Impulsionado por vários motivos, como, por exemplo, economia e política fragilizadas
de alguns países, poucas oportunidades de trabalho, acesso restrito à educação, facilidade e
rapidez nos meios de transportes internacionais, falta de policiamento nas fronteiras, dentre
outros, o tráfico internacional de pessoas, problema atual, porém preocupante, vem assumindo
grandes proporções, necessitando, de forma urgente, despertar um alerta não só para nossas
autoridades como também para população.
Dentre as vítimas estão, preferencialmente, as mulheres jovens - 48% são menores de
18 anos, que são seduzidas por ofertas atraentes de emprego no exterior com rendas altas,
moradias e alimentações inclusas, são usadas, na maioria, para indústria da pornografia e à
exploração sexual.
Através disso, será abordado neste presente artigo, duas vertentes principais
relacionadas a este crime: primeiro faremos uma trajetória histórica para adquirir a presente
caracterização; para depois mostrarmos o efeito atual em que a globalização vem fornecendo
ferramentas para sua execução de forma transnacional.
Assim, o documento apresentado, será dividido, por questões didáticas, em tópicos
que vão desde a Introdução até Considerações Finais, seja abordando o surgimento da
Organização dos Estados Americanos (OEA), da definição da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos, sobre o Conceito do Tráfico de Pessoas, do MERCOSUL e o Tráfico de
Pessoas, e dos Desafios de Implementação a Carta de Iguaçu. Aplicados através de um estudo
descritivo-analítico, que ocorreu mediante pesquisas bibliográficas, feitas por livros, artigos
científicos, publicações especializadas e dados oficiais publicados na Internet.
5
Isso para mostrar que o tema move-se entre porções geográficas diversas desde os
mais remotos períodos históricos, bem como que seu combate e prevenção vêm sendo cada
vez mais difícil de ser aplicado.
O trabalho irá se debruçar em seções, sobre o surgimento de uma Organização – a
OEA; sobre o impulso propiciado pela globalização no mundo de hoje; as normas do
MERCOSUL sobre a questão citada (Convenção de Palermo, Oficinas de Cooperação e
Coordenação Policial do MERCOSUL), que propiciará uma explicação plausível acerca das
diversas configurações apresentadas pelo tráfico de pessoas ao longo da história.
Para que possamos fazer com que a situação se amenize, e também observar diferentes
órgãos responsáveis pela “caça” aos aliciadores e por cuidados com as vítimas,
apresentaremos alguns organismos que fazem as devidas providências em relação à
segurança, seja elas INTERPOL, a Sub-Regional para América do Sul, dentre outras.
A seguir, abordaremos as dificuldades e os desafios do MERCOSUL frente a esse
tema e de que maneira os conduzem, seja por meio das análises de suas medidas ou por suas
ações, além de esclarecer sobre os estudos dos Planos proposto pelo Brasil – sendo o I Plano
Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Brasil e o II Plano Nacional – através da
análise de sua criação, de seus objetivos e de suas metas.
E por fim, serão apresentadas as Considerações Finais sobre o Artigo proposto,
sugerindo opções de como nossas autoridades poderão amenizar ou dissipar essa atividade
criminosa mais absurda e repugnante de que se tem notícia - Tráfico de Seres Humanos.
2. A ORIGEM DA ORGANIZAÇÃO E SEUS DIREITOS
Quando falamos sobre a ONU (Organização das Nações Unidas)1 e sobre os Direitos
Humanos, não podemos esquecer-nos de destacar a OEA (Organização dos Estados
1
É um órgão que age como identidade própria, adota decisões de efeitos jurídicos variáveis, exerce amplas
funções diplomáticas, possuem privilégios e imunidades, esposa inúmeras reclamações internacionais, conclui e
registra acordos e tratados, estabelece outros órgãos internacionais, enfim, participa ativamente na formulação
dos princípios e normas do direito internacional (TRINDADE, 2003)
6
Americanos). Que se trata de uma organização internacional governamental, que foi criada
por um tratado internacional, pertencente ao direito internacional, por meio do artigo 52 da
Carta das Nações Unidas, e que possui sua sede na cidade de Washington, nos Estados
Unidos.
Tem como membros 21 Estados fundadores, que participaram da elaboração, adoção e
posterior ratificação da Carta, em 1948, sendo elas: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile,
Colômbia, Costa Rica, Cuba, República Dominicana, Equador, El Salvador, Estados Unidos,
Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e
Venezuela. Que após diversas outras discussões, incorporaram entre 1967 e 1990 mais 14
Estados: Antígua e Barbuda, Bahamas, Barbados, Belize, Canadá, Dominica, Granada,
Guiana, Jamaica, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Sant Kitts e Nevis, Suriname e
Trinidad e Tobago, totalizando hoje 35 Estados.
Tendo em vista as diversas línguas faladas nos Estados membros, são idiomas oficiais
o espanhol, o português, o inglês e o francês, idiomas estes originais da Carta, dos tratados
interamericanos e da documentação oficial dos direitos dos seus órgãos.
Possui seu organograma formado da seguinte maneira:
a) Assembleia Geral (órgão supremo);
b) Reunião de Consulta do Ministro das Relações Exteriores (órgão convocado em
casos excepcionais);
c) Conselhos (órgãos de representação governamental);
d) Comissão Jurídica Interamericana;
e) Comissão Interamericana de Direitos Humanos;
f) Secretária-Geral (órgão central);
g) Conferências Especializadas; e
h) Organismos Especializados.
Sua organização, como princípios, proclama os direitos fundamentais do ser humano,
sem fazer distinção de raça, nacionalidade, credo ou sexo, sempre direcionado ao direito
internacional.(ARRIGHI, 2004, p. 29-37).
Segundo Trindade, a organização foi criada para tratar de certas questões “por meio de
resoluções, dada a persistente dificuldade verificada na ratificação de tratados” (2003, p. 103).
Essas resoluções sendo nada mais do que tratados recomendatórios do ponto de vista jurídico.
De acordo com alguns conflitos que ocorrera na República Dominicana (1965-1966), e
entre Honduras e El Salvador em 1969, foi necessário institui uma Comissão, que surgiu
durante o desenvolvimento da OEA, e que ficou conhecida como Comissão Interamericana de
7
Direitos Humanos. Com a função de acordo com o artigo 106 da Carta da OEA: “de promover
o respeito e a defesa dos direitos humanos e de servir como órgão consultivo da Organização
em tal matéria” (ARRIGHI, 2004, p. 52).
Passando a ser então “dotada de base convencional, com um mandato não apenas de
promoção, mas também de controle e supervisão da proteção dos direitos humanos”
(TRINDADE, 2003, p. 107); fortalecendo como status jurídicos.
Assim estabelecendo, em 1978, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos,
formando a Comissão (que são compostas por sete membros, todos Estados integrantes da
OEA; que de acordo com a Assembleia Geral, são eleitos por quatro anos, podendo ocorrer
uma reeleição uma única vez) e prevendo junto o estabelecimento de uma Corte
Interamericana de Direitos Humanos. Que continuaria aplicando normas que vinham regendo
com Estados que não fossem partes da Convenção e agora aplacaria aos Estados-Partes
pertinentes da Convenção. Com o alcance do Sistema Interamericano, que fez com que
houvesse o progresso do direito internacional, e transformasse a realidade negativa de antes.
Desde o início, se havia estabelecido que os direitos humanos fossem uma obrigação
essencial do Estado. Porém, com o passar dos anos de história da humanidade, o desrespeito
aos direitos humanos se tornou uma forma muito abrangente, com isso se decidiu que segundo
Arrighi,“a proteção dos direitos do ser humano deixaria de ser competência exclusiva de cada
Estado e passaria a ser responsabilidade compartilhada internacionalmente” (2004, p. 110). A
definição desta norma ficou decidida na Quinta Reunião de Consulta de Ministros das
Relações Exteriores, que ocorreu na cidade de Santiago, no Chile, no ano de 1959. Mas que
somente em 1967 se incorporou à Carta da OEA, através do Protocolo de Reformas de
Buenos Aires, se tornando o artigo 106.
Sendo assim, para que um caso seja apresentado até a Corte, é necessário que esteja de
acordo com os requisitos estabelecidos: seja na descrição dos fatos; nas violações alegadas e
respectivas vítimas; e que na indicação do Estado responsável e na descrição das gestões já
tenha esgotado todos os recursos internos previstos a ação internacional ou que seja
impossível de fazê-lo. Seguindo a todos esses pedidos, a denúncia segue para ser analisada e
estudada por completo.
A partir dessas definições podemos fazer um estudo profundo sobre o tema proposto.
8
3. CONCEITO DO TRÁFICO DE PESSOAS
Definido e estabelecido as seguintes normas internacionais, podemos definir o que
seria o conceito / definição do tráfico de pessoas. Para isso faremos uso da Organização dos
Estados Americanos (OEA), da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (já
apresentadas anteriormente), das Convenções das Nações Unidas e de literaturas correlatas
para definir o tema.
Existe uma definição convencional para este tema?
De acordo com a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de pessoas, chamado de
Convenção de Palermo, que aconteceu entre os dias 12 e 15 de dezembro de 2000, na Itália,
que veio com o objetivo de promover a cooperação, junto com a promoção e o combate a
Delinquência Organizada Transnacional, definiu-se como:
“O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de
pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao
rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade
ou a entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento
de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A
exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras
formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou
práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos” (decreto n. 5017
de 12 de março de 2004, em seu artigo 3º, alínea a).
Com esta citação, podemos dizer que a definição do tráfico de pessoas, de acordo
como é dito pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), está
diretamente entendida como a aquisição de pessoas por meios impróprios seja através da força
ou por fraude, sempre com o objetivo de exploração, não escolhendo classes sociais (pobre ou
rico), nem raça ou qualquer outra religião.
9
E para isso considera-se o Tráfico, tal como se define no Protocolo, estruturado por
três elementos básicos:
Ação de captação, os meios utilizados, tais como a ameaça, uso da força ou outras
formas de coação e o fim de exploração (NINA, Carlos, p. 19, 2010).2
3.1 UMA ABORDAGEM HISTÓRICA DO TEMA
Quando falamos em Tráfico de pessoas, devemos primeiramente retomar ao que seria
o ponto de partida da história do mundo. Para isso, de acordo com Ary Carneiro o tráfico de
seres humanos é uma prática muito antiga, existindo desde a Antiguidade Clássica, passando
pela Grécia e, posteriormente em Roma, onde obtinha prisioneiros de guerra para serem
utilizados como escravos. Mais tarde, no período renascentista, por volta dos séculos XIV ao
XVII, o tráfico ganhou feição de prática comercial (2009, p. 22).
Em relação ao Brasil, podemos estabelecer que a prática ocorreu origem durante o
período colonial (1500 a 1822), onde o tráfico negreiro – a trazida de escravos para o país –
fizesse surgir à exploração laboral por meio da escravidão, seja de homens, mulheres ou
crianças.
Como dito anteriormente, a prática da exploração do ser humano com o intuito de ser
explorada para uso doméstico, para trabalho infantil, exploração sexual ou até mesmo para a
retirada de órgãos, vem ocorrendo desde os tempos do período de colonização, onde pessoas
eram exploradas para fazer trabalhos que muitas vezes não eram de conhecimento inicial e
sem chance de reverter à situação vivida. Tanto que se dava com muito destaque – com o uso
das mulheres – o uso delas para a parte doméstica, seja no plantio, nas “Casas Grandes” para a
cozinha dos mesmos, arrumação da casa, cuidados com os filhos dos donos de terra e
principalmente para o uso sexual.
2
Imagem de referência em anexo no final do artigo.
10
Como cita Emilia Viotti, o “intercâmbio sexual entre senhor e a escrava deu margem a
que se fixassem preferências por certos vícios e anomalias sexuais (masoquismo – sadismo),
estimuladas pela situação que a escravidão criara” (p.16, 1998).
Por se encontrar em péssimas condições, muitos desses escravizados durante anos, ou
aceitavam essa triste realidade e se rendiam a exploração, morriam de desgosto ou eram
assassinados ou se suicidavam por não aceitar a maneira como viviam.
Até que, durante o processo final de colonização é possível ver que talvez a situação
pudesse tomar outros rumos através da citação de Emília Viotti:
A pressão estrangeira também se fizera sentir. A Inglaterra condicionava o
reconhecimento da independência do Brasil à cessação do tráfico. A 23 de novembro
de 1826, foi concluído um tratado entre a Inglaterra e o Império, pelo qual este se
comprometia a restringir o tráfico e a suprimi-lo em março de 1830. Em 7 de
novembro de 1831, foi ele interdito, impondo-se aos traficantes severas penalidades,
ao mesmo tempo em que se consideravam libertos os negros que, a partir de então,
entrassem no país. Mas as fazendas de café multiplicavam-se e exigiam cada vez
mais negros. A lei permaneceu letra morta. A sociedade pactuou com a manutenção
do tráfico e da senzala, a fraude acobertava-se. Foi necessário ainda esperar mais de
meio século para que o regime da escravidão fosse extinto no Brasil (p. 20-21,
1998).
Com o desenvolvimento do capitalismo, a relação com os novos meios de produção e
a vinda de muitos europeus ao país, tornou-se impossível à manutenção dos quadros rígidos
de exploração do sistema colonial tradicional no Brasil.
Com isso, em 4 de setembro de 1850, o Parlamento do Império do Brasil, por dados de
Carlos Nina, nos diz que:
“Foi promulgada a lei nº581 que definitivamente proibiu o tráfico de escravos para o
país e previa a apreensão dos escravos trazidos para o Brasil, mesmo que já
desembarcados, o sequestro das embarcações e de outros bens pertencentes aos
traficantes, julgamento rápido dos traficantes por juízes especiais, e liberdade para
os africanos que foram objeto do tráfico” (p. 69, 2010).
Assim, a fiscalização se tornou mais profunda, prendendo todos os responsáveis por
esta prática e libertando aqueles que não mereciam o devido tratamento.
Só então, em 13 de maio de 1888, a chamada Lei Áurea aconteceu, por decorrência
não só de pressões externas (nesse caso a Inglaterra – dito anteriormente), mas também por
11
pressões internas. E também, devido às constantes fugas dos negros, a recusa do Exército em
capturá-los e devolvê-los aos seus donos de terra (decreto de 6 de novembro de 1866 ) e
principalmente por causa da concorrência da mão de obra dos imigrantes que estavam mais
barata e abundante (pois os imigrantes fugiam da II Revolução Industrial e da unificação da
Itália e da Alemanha – referência de Carlos Nina, Escravidão Ontem e Hoje, p. 86).
Mas, será possível observar adiante que essa lei não extinguiu totalmente a forma do
tráfico de pessoas e “sim passou de uma forma clássica para alternativas diversas sem solução
de continuidade” (Lengellé-Tardy, p.13, 2002).
3.2 ABORDAGEM CONTEMPORÂNEA DO TRÁFICO DE PESSOAS
Conforme passado o período do pós-Segunda Guerra Mundial, é possível caracterizar
que a história sobre o tema passou por um vácuo de esforços, na qual diversos outros
problemas, assuntos de low politics, e a Guerra Fria fizessem com que encobrisse a história, e
se tornasse em virtude disso, como o papel secundário, deixando as questões sobre os direitos
humanos em segundo plano. E somente retornando durante as diversas Convenções já
mencionadas e passando pelo impulso do período de Globalização3.
O tráfico hoje, em pleno século XXI, tornou-se uma prática mais organizada, formado
por diversos grupos de delinquência organizada transnacional – tanto em âmbito nacional
como internacional, afetando a ordem internacional.
Como pontilha Doezema, em relação às discussões e definições acerca do tráfico de
pessoas,
“Que trataram exclusivamente do comércio global do sexo, resultaram na
Convenção das Nações Unidas sobre a Supressão do Tráfico de Pessoas e a
Exploração da prostituição dos outros, em 1949. Esta apresentou um viés de reprimir
3
Um processo de aprofundamento da integração econômica, social, cultural, política, que teria sido impulsionada
pelo barateamento dos meios de transporte e comunicação dos países do mundo no final do século XX e início
do século XXI. Um fenômeno gerado pela necessidade da dinâmica do capitalismo de formar uma aldeia global
que permita maiores mercados para os países centrais (desenvolvidos) cujos mercados internos já estão
saturados. É o que destaca Samuel P. Huntington.
12
o ato de prostituição, solidificando ainda mais a vinculação dessa espécie de tráfico
com a prostituição e os preceitos advindos do discurso abolicionista. Salientando-se
que até a adoção do Protocolo de Palermo de 2000, os preceitos abolicionistas que
criminalizavam a prática da prostituição, permaneceram em voga, tendo em visa que
a Convenção de 1949, apesar de sua inexpressividade, era o único tratado que
abordava essa questão de forma plausível” (2002, p. 24).
Sendo assim, foi necessária a existência de um instrumento de lei que tratasse da
natureza de pessoas vulneráveis, que pudesse prevenir, reprimir e combater a forma como se
vinha tratando mulheres, homens e crianças (menores de 18 anos), sabendo da inexistência de
um instrumento universal que tratasse dessas questões.
No entanto, durante o desenvolvimento do processo de criação da Declaração das
Nações Unidas, foi definido que cada Estado Parte adotaria suas medidas legislativas, isto é,
definiria o que seria ou não aplicado para cada delito ocorrido:
“- inciso 2a: com sustentação aos conceitos básicos do ordenamento jurídico, a
tentativa de comissão de um delito tipificado;
- inciso 2 b: a participação como cúmplice na comissão de algum delito;
- inciso 2c: e a organização ou direção de outras pessoas para a comissão de um
delito”.
(Artigo 5, do anexo II do Protocolo para prevenir, reprimir e sancionar o tratamento
de pessoas, especialmente mulheres e crianças, complementando a Convenção das
Nações Unidas contra a Delinquência Organizada Transnacional, p. 43, 2000).
Através das medidas recomendativas da Declaração, adotadas a cada Estado, também
foi estabelecido que os mesmos fossem responsáveis por proteger a privacidade e a identidade
das vítimas que sofreram ou que sofressem o tráfico, prevendo sempre o sigilo dos atos
judiciais de cada caso (Artigo 6 do anexo II), e também de aplicar medidas destinadas a
recuperação física, psicológica e social de cada vítima sofrida, seja arranjando moradias
específicas, assessorando a respeito dos seus direitos, assistência para qualquer emergência e
dando a oportunidade de uma nova vida (dando emprego, educação). Isso sempre garantindo a
segurança de todos.
Para que isso ocorresse, era importante que os Estados estivessem sempre em
cooperação entre si para que assim houvesse um intercâmbio de informações que muitas
vezes ajudassem no combate ou na busca de vítimas ou aliciadores. Fosse através do controle
fronteiriço por mar, por terra ou até mesmo por ar.
13
4. INTERNALIZAÇÃO DA CONVENÇÃO
Depois da Declaração4 já vigorada, foi necessário que houvesse ações para a promoção
de práticas e políticas que ajudassem no combate à prevenção. Pois o Estado que aceitasse a
Convenção, neste caso o Brasil, poderia estabelecer-se da seguinte forma:
- Havendo vigilância em portos, aeroportos e estradas federais;
- Vigilância também em rede de computadores ou outras tecnologias;
- Programas de investigação, seja pela Polícia Federal, ou de outros órgãos envolvidos;
- Capacitação de todas as autoridades competentes, que estivessem envolvidas nas
ações contra o combate ou na captura;
- Aumento na assistência financeira a órgãos especializados, seja para compra de
materiais, pagamento de pessoal, pois só assim estariam bem equipados para qualquer que
fosse a eventualidade que pudessem enfrentar;
- A celebração de alguns acordos, sendo bilaterais ou multilaterais, que ajudariam em
determinados aspectos de combate.
Retornando ao que foi dito, para que ocorram todas essas medidas, é preciso sim à
cooperação de todos os que venham participar desta operação e sempre de acordo com o que
foi estabelecido no Protocolo das Nações Unidas e na Convenção das Nações Unidas Contra a
Delinquência Organizada Transnacional.5 (esta, sempre conectado com os chamados hard
crimes: tráfico de drogas e o contrabando de armas de fogo).
É importante que os atores internalizando os processos da Declaração das Nações
Unidas, farão com que o processo de desenvolvimento flua de uma forma mais suave. Por
exemplo, a forma com que o protocolo pode ser encontrado: em árabe, chino, espanhol,
francês, inglês e em russo (no próprio site das Nações Unidas). Assim será acessível discutir a
4
Em relação à definição do Tráfico juntamente a Declaração das Nações Unidas, considera-se como pressuposto
essencial para a ocorrência do referido crime, que seja comprovada ameaça, coerção, fraude, abuso de autoridade
ou de situação de vulnerabilidade, bem como a oferta de vantagens para a obtenção do consentimento da vítima
(ARY CARNEIRO, 2009, p. 59)
5
A partir do Protocolo de Palermo, serviu para apresentar como as migrações internacionais, o crime organizado,
a globalização, as novas formas de escravidão, entre outros, aglutinassem a permear os contornos
contemporâneos do crime do tráfico de pessoas. Ressaltando que o Brasil só ratificou a Convenção de Palermo e
seus protocolos adicionais, em março de 2004. (ARY CARNEIRO, 2009, p. 44).
14
forma como será abordada e atualizada cada vez que o processo se modifique e todos possam
ficar cientes de qualquer que seja a alteração feita durante cada encontro.
5. MERCOSUL E O TRÁFICO DE PESSOAS
Através dos conceitos, convenções e outras medidas adotadas para discutir sobre o
tema tráfico de pessoas, é possível saber se existe uma norma que se aplique somente aos
países do MERCOSUL?
É necessário que tenhamos ciência que anteriormente, antes da formação do
MERCOSUL, todos os países membros viviam em desavenças. Que somente após a Guerra
do Paraguai (1864-1870) foi que aconteceu a aliança da Argentina com o Brasil e Uruguai, e
mais tarde o Paraguai. Graças a esta integração, o MERCOSUL foi capaz de se reunir e tratar
de diversos temas relacionados uns com os outros, que nesse caso que estamos estudando,
seria o tráfico.
Para isso, foi necessário realizar uma Oficina que pudesse abrir um espaço de
discussão entre países do MERCOSUL, Regiões e Estados sobre como combater esta prática.
Assim, em abril de 2008, foi realizada na Tríplice Fronteira, na cidade de Foz do Iguaçu, com
a participação da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, além dos adidos policiais da Espanha,
Portugal e Reino Unido, a Primeira Oficina de Cooperação e Coordenação Policial no
MERCOSUL para o Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.
Com estudos produzidos, por órgãos policiais e de segurança, entidades
governamentais e órgãos internacionais, foi possível constatar que hoje a prática do tráfico de
seres humanos vem sendo uma das infrações mais lucrativas após o tráfico de drogas. Pois
como segundo Rodrigo Pena, se trata de um “comércio na qual se beneficia de lucros
bilionários na exploração de uma mão-de-obra vulnerável como fator de produção na clássica
dinâmica oferta e demanda” (p. 19, 2008).
A OIT (Organização Internacional do Trabalho) no ano 2012 analisou um relatório na
qual prevê o aumento de 12,9% em 2012 para 13,6% em 2018 no índice de desemprego da
população da América Latina – principalmente entre os jovens de 19 a 25 anos – isso se deve
às condições com que os jovens chegam ao mercado de trabalho, muitas vezes despreparados
e sem nenhuma instrução. Abaixo podemos ver os dados desta análise:
15
Indíce de Desemprego na América Latina
14
13,5
Indíce
de
Desemprego América
Latina
13
12,5
2012
2018
Deslumbrados com as facilidades das propostas que os aliciadores apresentam, as
potenciais vítimas julgam ser essa a forma mais acessível, rápida e certa, criando um
imaginário que faz vislumbrar uma nova vida cheia de oportunidades, tornando-as suscetíveis
ao engano por traficantes bem treinados.
5.1 AÇÃO PRÁTICA DO MERCOSUL COM A FINALIDADE DE INTERNALIZAR A
CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS
Com a origem desta Oficina, fez também com que a integração regional do Cone Sul
se harmonizasse e que fosse tratada de uma forma oportuna de sensibilização e de promoção
ao diálogo entre as forças de segurança.
Com isso, dividiram-se as normas em quatro passos lógicos fundamentais:
- “A primeira como Base de Conhecimento, indica que não é possível cooperar sem
que haja conhecimento prévio das estruturas de cada instituição envolvida, do arcabouço
(sobretudo legislativo e judiciário) que norteia as operações dessas mesmas instituições (para
isso é necessário um questionário), além de um conhecimento dos fluxos existentes e não
existentes entre elas. Pois só assim, as informações serão sistematizadas para serem usadas
como ferramentas no decorrer dos trabalhos da oficina” (p. 24, 2008).
- A segunda, denominada Diálogo, “não está desconectada da etapa de acumulação de
conhecimento, que é contínua, constantemente reavaliada, amadurecida e disseminada para
todos os participantes presentes. Mas pode, também, ser denominada como fase intermediária
entre a preparação e o produto final da oficina, isto é, um conjunto de proposições de como
16
preencher as lacunas que previnem uma melhor cooperação policial no Cone Sul no combate
ao tráfico de pessoas” (p. 24-25, 2008).
- No terceiro passo, intitulado Proposições, foi concretizada a Carta de Foz do Iguaçu,
que é uma Carta onde se “sistematizou a identificação dos maiores desafios impostos à
cooperação policial no MERCOSUL e as recomendações de como esses desafios poderiam
ser contornados do ponto de vista das próprias forças envolvidas no dia-a-dia da realidade do
tráfico de pessoas” (p. 25, 2008).
- Como último passo, conhecido como Divulgação, serve para mostrar “a existência da
cartilha, onde fala não só das proposições, como também sobre a experiência exitosa e
inovadora que representou a oficina (em Foz do Iguaçu). Este material servirá de consulta e
referência para os policiais, pelos „policymakers‟ do MERCOSUL e pelo grande público que
forma o corpo cidadão de nossa nação” (p. 25-26, 2008).
Porém, a utilização não é feita através de um bem comum, isso é, todos os países
membros do MERCOSUL realizam suas finalidades de resolução de acordo com seu sistema
de segurança pública, de forma distinta e relativamente isolada uma das outras, dificultando
em relação ao avanço com que o crime organizado internacional vai crescendo.
Conforme dissertação da citação de Rodrigo Penna, os direitos e a segurança devem
ser desenvolvidas através de reflexões e estratégicas coordenadas entre si, por meio da
compreensão a que se diferem.
5.1.1 A Carta será aplicada?
Depois da formação da Carta de Iguaçu6, é preciso saber como usá-la e para isso
veremos cada ponto importante a ser utilizada.
No entanto, fica a dúvida: como será a forma mais correta de usá-la? Haja vista que
em cada país do MERCOSUL, as funções de cada setor de segurança se diferem. Exemplo: A
Argentina tem cinco órgãos responsáveis pela segurança (Polícia Federal Argentina,
6
Ao contrário da Convenção das Nações Unidas, onde pune quem desobedece, a Carta de Iguaçu, se trata
somente de uma declaração de boas intenções.
17
Gendarmería Nacional, Prefectura Naval Argentina, Polícia de Seguridadad Aeroportuaria e
Policiais Provinciais e Territoriais)7, o Brasil tem cinco (Polícia Federal, Polícia Rodoviária
Federal, Polícia Ferroviária Federal, as Polícias Civis e Militares e o Corpos de Bombeiros
Militares)8, o Paraguai tem um só órgão responsável (Polícia Nacional) 9, e o Uruguai também
só conta com um único órgão (Polícia Nacional)10.
A fim de minimizar essa dificuldade, existe como instrumento de auxílio, uma
Organização que estabelece este equilíbrio, conhecida como a INTERPOL (Organização
Internacional de Polícia Criminal – O.I.P.C), que foi criada com o objetivo principal de ser “o
serviço único de comunicação policial em escala mundial” para o combate e prevenção da
delinquência internacional, seja em coleta de dados, serviços, análise de informação policial,
cooperação policial transfronteiriça e apoio em geral em diferentes missões.
Para a área do MERCOSUL, o setor responsável ficou sendo a Oficina Sub-Regional
para América do Sul.
“áreas de trabalho delituais, analisar informações criminais; apoiar em
investigações sobre fugitivos, delitos econômicos e financeiros, em delinquência
organizada e narcotráfico... em segurança pública e terrorismo... em tráficos de
seres humanos e pornografia infantil, e em delitos contra o meio ambiente” (p.37,
2008); além de dar apoio seja operacional ou administrativo junto a INTERPOL e
de dar cursos de formação aos Países Membros do MERCOSUL.
Com a operação conjunta entre os dois Órgãos, será sim possível utilizar as normas da
Carta de Iguaçu de forma consciente e organizada. Mas para isso, é será necessário muita
cooperação e apoio entre os Países Membros do MERCOSUL para que se possa conseguir,
pouco a pouco, combater o tráfico humano.
7
Imagem das referências e funções em anexo no final do artigo
Imagem das referências e funções em anexo no final do artigo
9
Idem
10
Idem
8
18
6. DESAFIOS DE IMPLEMENTAÇÃO DA CARTA
Por meio das Oficinas, Convenções e Normas, podemos ver como vem sendo
formuladas políticas que abordem cada vez mais o tema do tráfico de seres humanos. Mas
para isso, devemos ter total conhecimento dos desafios que o MERCOSUL enfrenta em
relação a este tema e quais as medidas ou ações que devem ser tomadas para se chegar a um
fim devido.
No âmbito do MERCOSUL há um tema na qual podemos destacar que pode ser
considerado como um desafio – a dificuldade de desenvolver a harmonização da legislação
entre os países membros. Cada um possui suas significativas particularidades e
complexidades que faz com que se dificulte uma boa interação entre eles.
Se houvesse um projeto por parte dos estudiosos agindo sobre isso, imagina-se que
seria necessário mais ou menos uma década para ser formulado. Porque envolveria os maiores
especialistas da aérea penal, internacional e constitucional. Necessitando analisar,
criteriosamente, cada legislação dos países para saber o que se poderia reutilizar e o que se
descartaria. Pois só assim haveria uma comunicação direta entre si e uma legislação que seria
considerada como instrumento internacional, desta forma procurando-se evitar a existência de
lacunas, onde as organizações criminosas pudessem se aproveitar e utilizarem para fugir da
repressão e da lei.
19
Podemos visualizar o quadro dos tratados internacionais que o MERCOSUL enfrenta:
Análise da dissertação Cooperação e Coordenação Policial no MERCOSUL e Chile para o Enfrentamento ao
Tráfico de Pessoas – fonte de Márcia Anita Sprandel e Rodrigo Penna, p.63,2009.
Outro desafio a ser destacado seria a dificuldade do recebimento de denúncias (porque
a maioria das vítimas não de declara como tal e muitas vezes se recusa a depor, por medo de
serem maltratadas ou por estarem ilegais no local), a pouca ou quase escassez de visibilidade
do tema e do preconceito social (pois muitas pensam que possam ser ridicularizadas pela
sociedade).
Além disso, a dificuldade da língua, principalmente a língua portuguesa com o
espanhol e o guarani (dialeto no Paraguai), faz com que a comunicação com os outros países
fique bem restrita, atrapalhando qualquer investigação necessária. Outro óbice é a difícil
tarefa de reunir documentação necessária entre os membros, pois as autoridades competentes
responsáveis se diferem entre si, por exemplo: no Brasil, quem é responsável pela
investigação é o delegado. Nos outros países do MERCOSUL, fica a critério dos fiscais do
Ministério Público. Isso quando não “bate de frente” com as vias diplomáticas, meio de
acesso bem mais restrito, prejudicando principalmente na agilidade das buscas entre países.
Como já apontado, faz-se necessária que seja feita uma harmonização das legislações,
de forma abrangente onde se possam abordar todas as suas dimensões, tanto no tema da
exploração sexual, no trabalho forçado e também na remoção de órgãos. E que não se trabalhe
20
nos demais temas de formas distintas, pois o tráfico humano está totalmente interligado a
esses três temas.
6.1 MEDIDAS E AÇÕES – I PLANO NACIONAL DE ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO
DE PESSOAS NO BRASIL
Conhecido os diferentes desafios que o Brasil vem enfrentando junto ao MERCOSUL,
foi necessária a formulação de uma lei nacional que tratasse do assunto e estipulasse diretrizes
e ações a serem seguidas. Como assinala Oliveira, a relevância deste assunto que:
Foi à primeira vez na história do país em que o movimento pela erradicação do
trabalho escravo, aqueles preocupados com a situação dos migrantes brasileiros em
situação irregular no exterior, o movimento contra a violência sexual de crianças e
adolescentes, e o movimento feminista se uniram para pensar juntos sobre o tráfico
de pessoas em suas diferentes modalidades e interfaces temáticas, e definir para seu
enfrentamento (2007, p. 114).
Com isso, surgiu no Brasil em 08 de janeiro de 2008 o I Plano Nacional de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Brasil (PNETP), instituído pelo ex-presidente Luís
Inácio Lula da Silva e pelo Ministro da Justiça, Jose Eduardo Cardoso, sendo delegado a um
Grupo de Trabalho Interministerial (envolvendo Ministério da Saúde, da Educação, da
Justiça, do Turismo, das Relações Internacionais e da Cultura) e a Órgãos Públicos Federais.
Podemos tomar conhecimento do objetivo desse Plano por meio do Decreto nº 6.347
que define:
“Prevenir e reprimir o tráfico de pessoas; responsabilizar os seus autores; e garantir
atenção às vítimas, nos termos da legislação em vigor; dos instrumentos
internacionais de direitos humanos e também da integração de diversos órgãos
governamentais, sociedade civil e organismos internacionais. Documento redigido
pelo Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo em 2008” (Barbara Campos, Cidália
Sant´t Ana e Marina Oliveira, p. 98, 2008).
Além de traçar três diretrizes:
- Eixo Estratégico 1 – prevenção do tráfico de pessoas.
21
- Eixo Estratégico 2 – atenção às Vítimas (neste caso, está relacionado com as vítimas
tanto aquelas que seguiram para fora do Brasil – brasileiras – quanto as que vieram
traficadas para o nosso país – estrangeiras).
- Eixo Estratégico 3 – Repressão ao Tráfico de Pessoas e Responsabilização de seus
Autores.
Este Plano teve a duração de dois anos e trouxe diversas recomendações para a
construção do II Plano.
6.2 O II PLANO DE ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE PESSOAS NO BRASIL
O II Plano desenvolveu-se no ano de 2012, mas só entrou em vigor em 26 de fevereiro
de 2013, dessa vez com a duração de quatro anos (2013-2016)11.
A demora pela implementação deste II Plano, deu-se por motivo de período de
consulta pública e da validação de 17 Ministérios. Onde este:
“[...] material recolhido na etapa de consulta pública deu origem ao documento base
para o II Plano... e que foi levado ao II Encontro Nacional de Rede de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, realizado em novembro de 2011, em Recife –
Pernambuco; onde estiveram presentes diversos segmentos do governo e da
sociedade civil para destacar as prioridades do II Plano” (Guia ETP, p.98, 2012).
Neste novo Plano, surgiu como uma das metas aumentar mais de dez postos de
atendimento em cidades de fronteiras (além das 13 já existentes) e em locais de grande
circulação seja em portos, aeroportos e rodoviária, além da capacitação de 400 agentes para
operar nos postos restantes, tendo tudo isso, um investimento de R$ 5,9 milhões de reais
(reportagem G1.globo, com acesso em 01 de março de 2013).
Seguem-se seus objetivos:
11
Imagem das referências e funções em anexo no final do artigo
22
I - ampliar e aperfeiçoar a atuação de instâncias e órgãos envolvidos no enfrentamento
ao trafico de pessoas, na prevenção e repressão do crime, na responsabilização dos autores, na
atenção às vítimas e na proteção de seus direitos;
II - fomentar e fortalecer a cooperação entre órgãos públicos, organizações da
sociedade civil e organismos internacionais no Brasil e no exterior, envolvidos no
enfrentamento ao tráfico;
III - reduzir as situações de vulnerabilidade ao tráfico, consideradas as identidades e
especialidades dos grupos sociais;
IV - capacitar profissionais, instituições e organizações envolvidas com o
enfrentamento ao tráfico de pessoas;
V - produzir e disseminar informações sobre o tráfico e as ações para seu
enfrentamento;
VI - sensibilizar e mobilizar a sociedade para prevenir a ocorrência, os riscos e os
impactos do tráfico. (Decreto da Presidência da República, publicada no dia 05 de fevereiro
de 2013 no Diário Oficial da União).
Com o novo Plano, o governo garante que 100% das pessoas que forem identificadas
no exterior, e sendo tituladas como “traficadas” (pessoas que concordam em serem assistidas
por Organizações não governamentais e internacionais - Guia ETP, p.25, 2012), terá toda a
sua situação monitorada, seus direitos de proteção legal assegurados, um atendimento jurídico
e uma reparação civil por danos morais e materiais garantidos por direito.
Para que tudo isso seja exequível, é fundamental que haja uma alteração ao Código
Penal Brasileiro12. Pois segundo o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo: “o código só
específica como crime de tráfico de pessoas aquele praticado para fins de exploração sexual”.
E também é o que podemos ver, segundo Ary Carneiro, que:
12
Código Penal Brasileiro, em seu artigo 231, mesmo após a alteração realizada no ano de 2005 (onde foi
modificado e apresentou dois aspectos eivados de inovação; um deles sendo a inclusão de outros possíveis
sujeitos passivos para o tráfico de pessoas, que não apenas o de mulheres, e o outro de haver a modificação sobre
a denominação de Tráfico Internacional de Pessoas) visando se adequar às diretrizes do Protocolo de Palermo, na
qual refere-se apenas à questão da exploração sexual.
23
A legislação brasileira, de forma inaceitável, negligenciou tais recomendações e
adotou uma redação descompassada com a nova configuração da prática de se
traficar pessoas propagadas no mencionado tratado. Desta reforma do Código Penal
pouco acrescentou no tocante a reprimir o tráfico de pessoas no Brasil, haja vista que
se mostrou anacrônica e inconsistente, deixando a posição do judiciário em
descompasso com os esforços internos de combate ao tráfico de pessoas em outras
esferas (2009, p. 107).
Porque na verdade o tema como vem sendo explorado ao longo deste Artigo, não
abrange somente esta questão da exploração para meios sexuais.
Para que seja caracterizado como crime é necessário que exista uma ação, um meio a
ser seguido e um fim. É o que menciona o Protocolo de Palermo, diferente do que é usado nas
investigações dos processos brasileiros, onde se diz que na Política Nacional de
Enfrentamento, pelo Artigo 7º: “o consentimento dado pela vítima é irrelevante para
configuração de processos”. Isso significa dizer que não necessariamente se precisa de uma
ação, meio e fim para que seja investigado cada processo.
Há também, como uma das ações feitas pelo governo brasileiro, onde na qual o
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) formulou em 2004, a Portaria nº540, que diz:
“[...] que existirá uma „lista suja‟, na qual cadastrarão os nomes de empregadores,
pessoas físicas ou jurídicas que exploram o trabalho escravo e o tráfico de pessoas.
Para que assim, todos tenham ciência de quem esta contratando. Se no período de
dois anos na lista, não houver reincidência do crime e pendências trabalhistas, o
nome é retirado do cadastro; ou da „lista suja‟ na qual estava” (NINA, Carlos, p.
140, 2010).
Em linhas gerais, é importante ter cuidado como analisar cada caso. Pois como o
governo brasileiro ainda não se prontificou em estabelecer uma só lei, deve ser analisado e
solucionado, separadamente, cada ação que ocorra. Para cada uma, existe uma lei específica
que ainda não segue caracterizada somente como tráfico de pessoas.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a análise do tema - Tráfico de Pessoas – é possível dizer que o MERCOSUL
ainda se encontra longe de se posicionar sobre essa questão social que acontecem nos países
24
membros. Deixando para que o Governo Federal Brasileiro - neste caso o país com a qual
trabalhamos neste artigo – atue isoladamente, fazendo com que o avanço desse crime seja
cada vez maior e que se torne uma forma econômica elaborada, abusiva e exploratória.
Isso porque, como diz o autor Carlos Vieira Nina: “a escravidão / exploração se tornou
inicialmente uma economia antiquada, que ressurgiu e que se desenvolveu nos países de
civilização capitalista” (p. 23, 2010).
Que a partir do Protocolo de Palermo, toda essa gama de temas, como o desenho
contemporâneo das migrações internacionais, o crime organizado, a globalização (é sem
dúvida, a grande facilitadora da atuação das redes criminosas internacionais, que traficam
seres humanos, em escala global), novas formas de escravidão, entre outras, aglutinaram-se
para permear os contornos contemporâneos do crime de tráfico de pessoas.
E que no decorrer da pesquisa, podemos analisar a origem das Organizações (OEA e
Comissão Interamericana de Direitos Humanos), depois entrar no conceito de tráfico, através
de idéias e convenções. Posteriormente, analisar seu surgimento no Brasil (com a escravidão
negreira), suas formas de ações e combate instituídos no país durante toda a sua história e no
MERCOSUL, quais as leis e decretos que as justificam e quais os desafios que poderiam ser
enfrentados, tanto no Brasil como nos países membros (Argentina, Uruguai e Paraguai).
O trabalho serviu para mostrar então, como este tema sempre esteve presente na
sociedade brasileira e no mundo e de como muitos aspectos existem para sua conscientização
e para seu combate. Mas que, infelizmente, ainda é muito difícil falarmos de sua extinção.
Há também que citar que durante a formulação dos Planos Nacionais de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Brasil I e II, foi definida uma matriz dos elementos
do crime de tráfico de pessoas que ficou definido da seguinte forma: o ato como será
escolhido às vítimas (seja dando alojamento, transporte, ou recrutando); os meios com que
garantirão o silêncio das vítimas (através de ameaças, do uso da força, do abuso de
autoridades, ou até do rapto de familiares) e qual será a finalidade da pessoa traficada (para
exploração sexual, trabalho forçado ou extração de órgãos).
Concluindo, esta pesquisa ajudou para mostrar estudos que foram realizados para
aprofundar os conhecimentos sobre o assunto e ampliar a contribuição à sociedade brasileira,
através de maiores esclarecimentos e informações dos meandros deste crime. Que a partir de
agora, cidadãos esclarecidos e cientes dos perigos que podem conter uma despretensiosa
oferta para viver no exterior são possíveis formas de se evitar o engano e, consequentemente,
de não ser a próxima vítima do tráfico de pessoas.
25
Porque através desta análise feita, é possível ver por Thalita Ary Carneiro que o tema
pode trazer
Contribuição para as Relações Internacionais, em virtude da escassez de pesquisa
que vinculam o tráfico de pessoas a esta área de estudo, tendo em vista que a maior
parte das pesquisas já desenvolvidas em universidades brasileiras prioriza discussões
direcionadas às esferas jurídicas e das Ciências Sociais. Assim trata-se de um tema
muito fértil para o campo do conhecimento relativo às Relações Internacionais,
englobando discussões na seara da proteção internacional dos direitos humanos,
migrações internacionais, cooperação internacional e globalização (2009, p. 19).
Pelo exposto, podemos por fim concluir que, o tráfico é considerado nada mais do que
uma violação aos direitos humanos, seja no direito à vida, a liberdade e ao direito de não ser
submetido à escravidão em nenhuma das suas formas. Por sua vez a adoção de uma
abordagem Global que tenha em conta o combate em prol da diminuição do
subdesenvolvimento, da pobreza, das desigualdades econômicas, a falta de educação, o êxodo
rural, o comportamento sexual responsável dos adultos, certamente contribuirá, em muito,
para podermos diminuir a grave ameaça que nos circunda. É necessário que se faça uma
reformulação das ações de combate ao tráfico em âmbito regional para que a situação seja
melhor enfrentada.
26
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Monique Carvalho Pettasse de Souza