LESÃO ENCEFÁLICA ADQUIRIDA: APRESENTAÇÃO DE UM CASO CLÍNICO
BIEGER Joice Amanda Schwab.1
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo apresentar um caso clínico de lesão encefálica adquirida, seu diagnóstico e aspectos fundamentais de seu processo
terapêutico, evidenciando os principais avanços alcançados pelo paciente em um ano de intervenção. Além disso, apresentar dados teóricos sobre
neuropsicologia, terapia cognitivo-comportamental e plasticidade cerebral, relatar comportamentos apresentados no início da terapia e principais
desafios percebidos, além de descrever as técnicas utilizadas e avanços alcançados. O paciente desenvolveu TDAH em função do traumatismo
craniano, observando que nenhum comportamento de TDAH era percebido pelos pais no período pré-trauma. Além disso, os domínios de
planejamento, coordenação motora e sintomas do TDAH aparecem e configuram a ocorrência do transtorno adquirido. Em função da especificidade
da lesão estudada, o trabalho de reabilitação se baseia tanto em atividades para desenvolvimento de domínios perdidos quanto em protocolos traçados
para doenças degenerativas das mesmas áreas perdidas pelo paciente. Para o conhecimento mais específico sobre os prejuízos causados em função da
lesão do paciente, foram estudados artigos que discorriam principalmente sobre Demência Frontotemporal (DFT), Doença de Alzheimer (DA) e
Demência Vascular (DV). Mais especificamente se tratando de DFT, são apontados como manifestações clínicas mais marcantes a alteração de
personalidade, comportamento, conduta social e linguagem, comportamentos de desinibição, impulsividade e comportamentos antissociais e
estereotipados e disfunções executivas. O trabalho de escolha e adaptação às técnicas e atividades foi focada primeiramente nas funções a serem
reabilitadas e depois nos interesses demonstrados pelo paciente, com vistas à melhorar a adesão e colaborar com a plasticidade positiva.
PALAVRAS-CHAVE: Lesão Encefálica Adquirida. TDAH. Terapia Cognitivo-Comportamental. Neuropsicologia. Reabilitação.
TÍTULO EM LÍNGUA ESTRANGEIRA
ABSTRACT
This paper aims to present a clinical case of acquired brain injury, its diagnosis and fundamental aspects of their therapeutic process, highlighting the
main advances achieved by the patient at one year of intervention. Furthermore, present theoretical data on neuropsychology, cognitive-behavioral
therapy and brain plasticity, reporting behaviors in early therapy and main perceived challenges, and describe the techniques used and progress made.
The patient developed ADHD due to head trauma, noting that no ADHD behavior was noticed for parents in the pre-trauma period. Furthermore, the
areas of planning, coordination and ADHD symptoms appear and configure the occurrence of the disorder acquired. Depending on the specificity of
the studied lesion, work rehabilitation is based on both activities for development of the areas lost as outlined in protocols for degenerative diseases of
the same areas lost by the patient. For more specific knowledge about the damages caused due to the injury of the patient, who discoursed mainly
articles about Frontotemporal Dementia (FTD), Alzheimer's disease (AD) and Vascular Dementia (VD) were studied. More specifically when dealing
with DFT, are seen as the most important clinical manifestations personality change, behavior, social behavior and language, behavior disinhibition,
impulsivity and antisocial behaviors and stereotyped and executive dysfunctions. The work of choice and adaptation techniques and activities were
focused primarily on the functions to be rehabilitated and then the interest shown by the patient, in order to improve adherence and collaborate with
positive plasticity
PALAVRAS-CHAVE EM LÍNGUA ESTRANGEIRA: Acquired Brain Injury. ADHD. Cognitive-Behavioral Therapy. Neuropsychology.
Rehabilitation.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo apresentar um caso clínico de lesão encefálica adquirida, seu diagnóstico e
aspectos fundamentais de seu processo terapêutico, evidenciando os principais avanços alcançados pelo paciente em um
ano de intervenção. Além disso, apresentar dados teóricos sobre neuropsicologia, terapia cognitivo-comportamental
(TCC) e plasticidade cerebral, além de relatar comportamentos apresentados no início da terapia e principais desafios
percebidos, descrevendo as técnicas utilizadas e os avanços alcançados (GOMEZ et.al., 2012; FUENTES, DINIZ,
CAMARGO, COSENZA, et. al., 2008).
1
Psicóloga, graduada pela Faculdade Assis Gurgacz e pós graduada em Docência do Ensino Superior pela Faculdade
Assis Gurgacz. Psicóloga do Ambulatório de Psicologia do CEACRI – Centro Especializado de Atendimento á Criança,
Adolescente e Neonato – de Cascavel, PR. [email protected]
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O tratamento foi baseado na abordagem cognitivo-comportamental e os objetivos iniciais traçados foram de
manejar os comportamentos de hiperatividade. Posteriormente verificou-se a possibilidade de reabilitar algumas
funções perdidas ou prejudicadas em função da lesão, através de trabalhos pautados nos princípios da reabilitação
neuropsicológica (GOMEZ et.al., 2012; FUENTES, DINIZ, CAMARGO, COSENZA, et. al., 2008; MOURA,
VENTURELLI, 2004).
2. REVISÃO DA LITERATURA
2.1 CONCEITUAÇÃO
A reabilitação neuropsicológica tem por objetivo entender primeiramente a lesão e posteriormente estabelecer
programas de intervenções efetivos para potencializar rotas residuais e funcionais diversas, que resultem tanto na
adaptação funcional do indivíduo em seu contexto, mas também que alterem sua qualidade de vida de forma geral. Pode
ter ainda o objetivo restaurar o funcionamento cognitivo a níveis pré-trauma das pessoas com Lesões Encefálicas
Adquiridas (LEA). Compreende atividades que fazem a estimulação da plasticidade cerebral (mudança adaptativa na
estrutura e função do sistema nervoso) para reabilitação. Diversas pesquisas internacionais apresentaram os melhores
resultados em pacientes que dispunham de um grupo coeso e com os mesmos objetivos terapêuticos de uma equipe
multidisciplinar (GOMEZ et.al., 2012; SANTOS, MOURA, HASSE, 2008; ÁVILA, MIOTTO, 2002; PONTES
HUBNER, 2007).
Em função da especificidade da lesão, sendo esta adquirida e, portanto, com características singulares, o
trabalho de reabilitação de funções perdidas se baseia tanto em atividades para desenvolvimento de domínios perdidos
quanto em protocolos traçados para doenças degenerativas das mesmas áreas perdidas pelo paciente. Para tanto, foram
estudados artigos que discorriam principalmente sobre Demência Frontotemporal (DFT), Doença de Alzheimer (DA) e
Demência Vascular (DV) (NETO, TAMELINI, FLORENZA, 2005; FUENTES, DINIZ, CAMARGO, COSENZA, et.
al., 2008; GOMEZ et.al., 2012).
Teixeira e Caramelli, (2008) in Fuentes, Diniz, Camargo, Cosenza, et. al., (2008) descrevem sobre a
neuropsicologia das demências, mais especificamente se tratando de DFT, são apontados como manifestações clínicas
mais marcantes a alteração de personalidade, comportamento, conduta social e linguagem. Nesta descrição também são
consideradas divisões funcionais do lobo frontal, para que seja possível o conhecimento mais aprofundado de cada caso
de DFT e para que o seu tratamento abarque as funções afetadas pela degeneração. As divisões são: “orbital, medial e
dorsal, que compõem circuitos paralelos e segregados com estruturas subcorticais, como os núcleos da base e o tálamo”
(p. 358).
O trabalho de adaptação às técnicas e atividades, passa, além disso, pelo crivo do interesse do paciente, que é
de fundamental importância, tendo em vista a diferença de adesão às atividades de interesse frente às que não despertam
interesse. Tendo em vista os objetivos de reabilitar algumas funções cerebrais, especialmente funções executivas, vale
mencionar os aspectos do quanto a vinculação e um ambiente agradável aumenta sua adesão e favorece a plasticidade
positiva e neurogênese para o paciente, no caso de criança, uma ludoterapia que respeite suas preferências dentre as
diversas atividades que podem ser feitas. Gomez, et. al, (2012), coloca que:
“A intima conexão entre o hipocampo e o córtex pré-frontal explica a relação da inibição da
neurogênese hipocampal com a plasticidade reduzida nas áreas pré-frontais. Desta forma, é
extremamente importante que o profissional de reabilitação estabeleça uma base de
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tranquilidade e de reforço positivo para facilitar as respostas de plasticidade positiva,
evitando a deflagração de respostas nocivas associadas à fadiga e ao estresse.” p. 60.
Sobre a natureza das lesões, há que se fazer um resgate básico das categorias que englobam uma lesão
encefálica adquirida (LEA). São elas: trauma devido a ferimentos na cabeça ou danos pós-cirúrgicos; acidente vascular
(derrame ou hemorragia subaracnóide); anóxia cerebral; insultos tóxicos ou metabólicos e infecções (meningite,
encefalite ou outros tipos de infecção como HIV). Dentro da categoria dos Traumatismos Crânio Encefálicos (TCE), os
traumas podem ser abertos, quando o couro cabeludo se lesionou e o cérebro ficou exposto, ou fechados, quando não há
ferimentos visíveis no crânio, dividindo-se ainda em concussão (sem lesão estrutural, mas com breve perda da
consciência por desconexão funcional), com destruição do parênquima cerebral onde há edema, contusão laceração ou
hemorragia ou fratura com afundamento do crânio em que um fragmento de osso comprime e lesiona o cérebro
(GOMEZ, et. al. 2012).
A reabilitação neuropsicológica ou reabilitação cognitiva é uma prática baseada em aspectos neurobiológicos
que busca melhorar o funcionamento cognitivo de indivíduos vítimas de lesões cerebrais. É baseada no modelo
psicológico cognitivista, voltada à algum déficit cognitivo, com o propósito de restaurar a função cognitiva para níveis
pré-trauma ou como vem se apresentando mais recentemente, voltada para capacitar o paciente a executar metas
funcionais ligadas ao exercício de atividades da vida diária (GOMEZ, et. al. 2012; SANTOS, MOURA, HASSE, 2008;
ÁVILA, MIOTTO, 2002; PONTES HUBNER, 2007).
Sobre plasticidade cerebral compreende a capacidade que o cérebro humano tem de reorganizar seus padrões
de respostas e conexões frente a determinados estímulos. A própria lesão mobiliza uma reprogramação estrutural ou
funcional do cérebro, operando em vários níveis, sendo eles:
“neuroquímico, na modificação de neurotransmissores e neuromoduladores, durante o
crescimento e o desenvolvimento; o hedológico, envolvendo diferentes padrões de
conexões entre os neurônios e o número de sinapses ativas, e o comportamental,
modificando estratégias cognitivas de acordo com os desafios ambientais. Envolve
crescimento e formação de novas conexões sinápticas, crescimento de epículas dendríticas,
mudança de conformação de macroproteínas das membranas pós-sinápticas, aumento dos
neurotransmissores e neuromoduladores e aumento das áreas sinápticas funcionais (Gomez,
et. al.2012 p. 57).
A plasticidade cerebral pode ser ainda classificada em tipos diferentes, sendo a primeira a plasticidade do
desenvolvimento que está relacionada à especificidade da atividade neural nas diferentes fases do desenvolvimento.
Esta primeira etapa resgata o princípio da maturação neural independente no início do desenvolvimento, sendo
determinados geneticamente, os níveis de diferenciação neural, crescimento dendrítico e formação de novas sinapses
dependem dos estímulos do meio, tendo cada uma das atividades cognitivas um ápice em algum momento do
desenvolvimento humano de capacidade de modelização (GOMEZ, et. al. 2012; PINHEIRO, 2007; RIESGO).
A segunda forma de plasticidade é a dependente das experiências que se caracteriza pelas mudanças de
conexões neuronais que situações diferentes eliciam. Estas situações, ao requererem comportamentos e estratégias de
resolução de problemas diferentes estão ligadas à plasticidade e esta á fenômenos de aprendizagem. Pode acontecer a
criação de novos neurônios, a expansão do mapa funcional e aumento da arborização dendrítica (GOMEZ, et. al. 2012;
MOCAIBER, OLIVEIRA, PEREIRA, PINHEIRO, et. al., 2008; PORTO, OLIVEIRA, VOLCHAN, MARI, et. al.,
2008).
A terceira forma de plasticidade é dada após dano cerebral, causado traumatismo em áreas corticais. Este tipo
de plasticidade divide-se em três formas: plasticidade de áreas homólogas, que ocorre principalmente em fases iniciais
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do desenvolvimento cerebral quando uma área compensa a função da área homóloga contralateral como migração da
área de broca do hemisfério esquerdo para o direito; a plasticidade por relação intermodal que se refere à canalização
dos estímulos direcionados à uma determinada área que foi privada de suas principais conexões como no caso de uma
pessoa cega que passa a transferir os estímulos táteis da leitura do braile para áreas cerebrais correspondentes à visão e
por fim a plasticidade cerebral tipo máscara compensatória que faz o uso de um processo cognitivo para realizar uma
tarefa que dependia da área lesada, por exemplo em lesão de memória espacial, decorar o nome de uma lista de ruas a
serem percorridas para auxiliar na orientação. A quarta e última forma de plasticidade é a neurogênese, que é
basicamente a criação de novos neurônios. Uma das atividades que mais favorece a neurogênese é o exercício físico
(GOMEZ, et. al. 2012).
Outro aspecto muito importante a ser considerado, é a perspectiva maturacional e fase do desenvolvimento
cerebral do indivíduo que sofreu a lesão, pois, a relação direta com fatores ontogenéticos e estruturais, bem como
especificidade das áreas envolvidas e extensão das lesões, modifica o planejamento de trabalho para reabilitação do
paciente (MUSZKAT E MELLO, 2012 in GOMEZ, et. al. 2012; PINHEIRO, 2007; RIESGO).
Falando sobre os diferentes níveis de desenvolvimento cerebral cita-se que os bebês recém-nascidos já
possuem cerca de 100 bilhões de neurônios, sendo que em termos de tamanho o cérebro do bebê tem apenas 25% do
tamanho de adulto e aos 5 anos este percentual aumenta para cerca de 90%. Ocorre que, para o crescimento e
desenvolvimento do cérebro humano, são necessárias condições físicas e ambientais que os propiciem. O crescimento
do Sistema Nervoso Central se dá de duas formas: hiperplasia (aumento do número) e hipertrofia (aumento do
tamanho). Outro processo importante é a mielinização, que trata do envolvimento dos axônios por uma camada
lipoproteica, formando uma bainha isolante de mielina. A mielina permite maior velocidade de condução aos estímulos
elétricos e inicia seu desenvolvimento na vida intrauterina aproximadamente no sexto mês, depois do nascimento se
intensifica por volta dos dois anos, podendo durar até os trinta anos de vida. A mielinização funciona como um índice
aproximado da maturação cerebral (ARRUDA, 2012; PINHEIRO, 2007; RIESGO).
Além do crescimento e desenvolvimento físico, as condições ambientais tem papel muito importante no que se
refere ao desenvolvimento neural. Os estímulos ambientais farão a seleção de quais sinapses deverão ser mantidas ou
reforçadas. Esta estimulação ambiental e a resposta cerebral configuram o processo de aprendizagem (ARRUDA, 2012;
PINHEIRO, 2007; RIESGO).
Pesquisas apontam que o tratamento com a terapia cognitivo-comportamental traz benefícios quanto à ativação
de circuitos neuronais de pacientes com lesão cerebral, inclusive em alguns casos relatados em estudos, referenciava-se
especificamente de lesões no córtex frontal. Estando, nesta perspectiva, mente e cérebro ligados intimamente, os
processos mentais, influenciam na plasticidade cerebral e esta, por sua vez, se traduz em aparecimento ou otimização de
processos mentais. Para exemplificar este pressuposto, destaca-se o fato de que pensamentos de medo geram como
reação no cérebro a produção de adrenalina e pensamentos de felicidade produzem endorfina. Cada uma das substâncias
geram efeitos diferentes no cérebro e no corpo. As alterações cerebrais estão, segundo os estudos levantados,
relacionadas ao tratamento com a Terapia-Cognitivo Comportamental. Sendo assim, com base em estudos, a
reabilitação neuropsicológica e as práticas em TCC estão estritamente ligadas (MOCAIBER, OLIVEIRA, PEREIRA,
PINHEIRO, et. al., 2008; PORTO, OLIVEIRA, VOLCHAN, MARI, et. al., 2008).
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A natureza da lesão do caso apresentado faz referência à perda de um domínio denominado de funções
executivas, que são descritas por Diniz, Sedo, Fuentes e Leite (2008) in Fuentes, Diniz, Camargo, Cosenza, et. al.,
(2008) como:
“conjunto de habilidades que, de forma integrada, permitem ao individuo direcionar
comportamentos a metas, avalia a eficiência e a adequação desses comportamentos,
abandonar estratégias ineficazes em prol de outras mais eficientes e, desse modo, resolver
problemas imediatos de médio e longo prazo” (p.187).
Além disso, as funções executivas ainda estão relacionadas ao altruísmo, reciprocidade, capacidade de
aprender, fazer uso de ferramentas e instrumentos para a solução de problemas, habilidades comunicativas, de lidar com
grupos de forma a filtrar possíveis manipulações ou interferências inconvenientes. As funções executivas são ainda
referenciadas como “diretoras executivas do funcionamento das atividades mentais” (p. 188). São descritas ainda como
funções executivas a capacidade de ter atenção seletiva, atenção alternada, capacidade de manutenção da atenção,
memória de trabalho ou de curto prazo, reconstituição ou improviso (capacidade de recombinar informações adquiridas
no passado em novos arranjos para resolução de problemas), controle emocional, internalização da linguagem e
resolução de problemas complexos (ARRUDA, 2012).
As funções executivas podem ainda ser divididas em grupos de habilidades: memória operacional que
compreende a manutenção de representações mentais, retrospecção e prospecção e orientação temporal; habilidade de
fala internalizada, pensamentos de autoinstrução, definição e seguimento de regras, raciocínio moral e avaliação da
própria conduta; auto regulação: ativação, motivação, controle sobre afeto, desempenho de atividades coerentes com o
contexto e conquista de metas e finalmente reconstituição: sintaxe comportamental, verbal e não verbal, criatividade,
ensaios mentais, análise e síntese comportamental (FUENTES, DINIZ, CAMARGO, CONCENSA, 2008).
Este domínio abrange ainda, segundo Gomez, et. al. 2012,
“habilidades necessárias para um indivíduo formar objetivos, planejar, organizar ações,
criar estratégias eficientes, monitorar o comportamento, resolver novos problemas, inibir ou
iniciar comportamentos apropriados ao contexto, tomar decisões, raciocinar e abstrair,
dentre outras habilidades.” (p.188).
Outro pressuposto teórico fundamental a ser destacado é o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade
(TDAH), que é descrito como um dos transtornos neuropediátricos mais frequentes, atingindo o patamar de 5,29% das
crianças em todo o mundo e chegando a 8% na população infantil brasileira, ou seja, três a cinco milhões de brasileiros,
sendo que o prognóstico aponta uma estimativa de 70% de persistência da doença na adolescência e de 2,9 a 4,4% na
vida adulta. Trata-se de um transtorno mental que atinge não somente o paciente, mas tem impacto na qualidade de vida
do indivíduo, de sua família e de seu contexto social, percebido nitidamente prejuízos para as crianças quanto ao
desempenho acadêmico escolar. O transtorno se caracteriza principalmente por sintomas de desatenção, hiperatividade e
impulsividade de origem multifatorial, incluindo fatores genéticos – sendo este o fator determinante – adversidades
físicas durante a gestação – aumento da pressão arterial da gestante, hemorragias, insuficiência da placenta e sofrimento
fetal, uso de substâncias, como cigarro, álcool e outras drogas, intercorrências no nascimento, como falta de oxigênio
para o cérebro do feto ou partos prolongados, ou eventos agressores ao cérebro como traumatismo craniano grave e
encefalite (DINIZ, CAPELLINI, DINIZ E LEITE, 2008 in FUENTES, DINIZ, CAMARGO, COSENZA, et. al., 2008;
ARRUDA, 2012).
O TDAH pode ser diagnosticado em pessoas com diferentes níveis de inteligência, porém os prejuízos
acadêmicos em crianças com TDAH são muito maiores quando citados dados de pesquisas, em termos de reprovações,
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dificuldade de relacionamento social e familiar. Já no que se refere ao domínio de vivencia temporal, dados revelam que
esta capacidade apresenta-se disfuncional nos indivíduos com TDAH, gerando prejuízos tanto nos aspectos temporais
necessários para o bom desempenho da coordenação motora como ao planejar, predizer, antecipar e responder
adequadamente ao meio (FUENTES, DINIZ, CAMARGO, COSENZA, ET. AL., 2008; ARRUDA, 2012).
Ocorre, no cérebro do indivíduo com TDAH que os neurotransmissores de dopamina, noradrenalina e
serotonina, sob influência dos genes DAT1, DRD4, DRD5 e outros ainda não identificados, provocam modificações no
funcionamento do córtex pré-frontal, lobos parietais e cerebelo. Precisar a localização da deficiência de determinado
neurotransmissor em áreas específicas do cérebro é fundamental para entender o que esta deficiência irá gerar de
sintoma ou efeito na vida do indivíduo. No caso descrito neste artigo, percebemos que E. desenvolveu TDAH pelo
ultimo fator descrito: traumatismo craniano, observando que nenhum comportamento de TDAH era percebido pelos
pais no período pré-trauma. Além disso, os domínios de planejamento, coordenação motora e demais sintomas do
TDAH aparecem e configuram a ocorrência do transtorno adquirido (DINIZ, CAPELLINI, DINIZ E LEITE, 2008 in
FUENTES, DINIZ, CAMARGO, COSENZA, ET. AL., 2008; ARRUDA, 2012).
2.2 IDENTIFICAÇÃO E DIAGÓSTICO
E.H., paciente do sexo masculino de 10 anos de idade com lesão cerebral orgânica (CID F07.9) adquirida em
acidente automobilístico no ano de 2010, período no qual E. tinha seis anos de idade, tendo atingido principalmente o
lobo frontal e temporal com fratura dos ossos do nariz e intraorbitários à esquerda. Extensa destruição associada a
alterações atróficas/cicatriciais no parênquima cerebral remanescente adjacente, envolvendo predominantemente os
giros reto e frontal superior. Além disso, foi constatada em ressonância magnética, anormalidade envolvendo o córtex e
substância branca subcortical no lobo temporal esquerdo, envolvendo parcialmente os giros temporais superiores
médios e parte do giro occipitotemporal (OMS, 1997).
Inicialmente, os pais buscaram atendimento psicológico tendo sido encaminhados por profissional de
neuropediatria, a fim de que fossem trabalhados comportamentos de agitação, desatenção e impulsividade, apresentando
sintomas de Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade (CID F90/DSM IV TR 314.xx) adquirido com o
politraumatismo, havendo perda de córtex cerebral principalmente no hemisfério esquerdo, com perda de substância
branca, sendo que a extensão em profundidade da lesão aproximou-se do corpo caloso (OMS, 1997; APA, 2002).
Como exemplos de efeitos da agitação psicomotora, dificuldade de concentração, agressividade e resultados
das lesões, citam-se alguns comportamentos presentes no início do processo terapêutico. Foram percebidos: dificuldade
para permanecer sentado em sala de aula; perda ou destruição de seu material escolar; autoagressão, principalmente na
cabeça; uso indiscriminado de sua força, inclusive quando desejava manifestar o seu afeto; ausência de seleção de
assuntos e interação inadequada com pessoas estranhas; recusa ou relutância em participar de atividades que exigiam
esforço mental; leitura silabada; repetição de informações recentes; grande dificuldade com números; baixa cooperação;
dificuldade para o seguimento de regras, entre outros. Neste quadro a autoagressão e uso indiscriminado da força
tornavam-se fatores de risco, sendo que E. apresentava perda óssea com fratura dos ossos do nariz e intraorbitários à
esquerda e, sem o controle destes impulsos, poderia agravar a lesão já existente. Além disso, a ocorrência do TDAH de
forma tão expressiva, prejudicou demasiadamente seu rendimento escolar, tendo em vista que além da dificuldade para
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selecionar estímulos adequados de atenção e conseguir mantê-los, a impulsividade agravava a situação, iniciando uma
significação negativa pelo contexto escolar.
No caso de E. o apoio recebido da rede de ensino mostrou-se fundamental para a melhora do quadro. Uma vez
estando medicado e em tratamentos para reabilitação, E. recebe o apoio de uma professora auxiliar individual, que
colabora na seleção de estímulos e fraciona as atividades, a fim de que E. possa absorver o conteúdo programado dentro
de sua limitação. Além disso, o bom vínculo com a professora PAPI (Programa de Apoio Pedagógico e Inclusão)
corrigiu a precipitação de associação negativa à escola, auxiliando inclusive na seleção de repertório de comportamento
de habilidades sociais (PEREIRA, DEL PRETTE E DEL PRETTE, 2009, SOARES, 2012).
Para que se alcançassem melhores resultados e buscando uma aproximação ao atendimento multidisciplinar,
foram realizados contatos tanto com a escola de E., com a professora PAPI e coordenação da escola, ainda, reunião
com outro centro multidisciplinar no qual E. recebe atendimento. Em ambos os contextos, realizou-se estudo de caso de
discussão de métodos e técnicas, bem como de teorias que norteariam o trabalho a ser realizado. A integração dos
atendimentos facilitou a adesão de E. a muitas estratégias necessárias para o bom andamento do processo de
reabilitação. (GOMEZ et.al., 2012; PERES, ASANO, CARVALHAES, 2001; ROTTA, 2002; DIAS, FREITAS,
FORMIGA, VIANA, 2010; SANTOS, MOURA, HASSE, 2008; SOARES, 2012).
Além disso, pôde-se lançar mão da comparação entre o caso de E. com as descrições de casos de degeneração,
entendendo que há, em ambos os casos perda das estruturas neuronais que possibilitem o desempenho das funções
cognitivas específicas. Para os autores, “o comprometimento orbital estaria associado à desinibição, impulsividade e
comportamentos antissociais e estereotipados” (p.359). Já o comprometimento dorsolateral que na DFT ocorre com a
progressão da doença, atingindo a convexidade do lobo frontal, acarreta em disfunções executivas. No caso de E., com
uma lesão de grande extensão, tanto a área orbital quanto dorsolateral foram atingidas, fazendo com que os sintomas
relatados aparecessem (TEIXEIRA E CARAMELLI, 2008 in FUENTES, DINIZ, CAMARGO, COSENZA, ET. AL.,
2008).
3. METODOLOGIA
Inicialmente, foram selecionadas as seguintes estratégias: formação de vínculo com a criança para que toda e
qualquer intervenção fosse facilitada; técnica da respiração diafragmática com a intenção de possibilitar o relaxamento
de E. e rebaixar a agitação psicomotora e utilização da história da luz do coração a fim de que se fizesse um elo
emocional às regras estabelecidas, não apenas as apresentando em termos teóricos ou rígidos, mas dando uma
conotação de efeito emocional em si e no outro dos comportamentos desempenhados (GASPARETO, 2007; RANGÉ,
2001).
E. aderiu às duas estratégias que foram trabalhadas já nas 4 sessões iniciais, período em que houvesse
automatização das mesmas. As estratégias foram resgatadas sempre que necessário, durante todo o processo terapêutico.
Além disso, em contexto terapêutico, as estratégias, principalmente a História da Luz do Coração, era o domínio
adotado para o reconhecimento das regras da terapia, como escolher dentre todos, 3 brincadeiras para a sessão e guardar
tudo no encerramento da sessão. O fato de escolher quais seriam as brincadeiras, tinha o foco principal de trabalhar com
o planejamento da sessão feito pelo paciente, uma vez que este domínio fora fortemente prejudicado havendo a lesão do
lobo frontal e consequentemente perda de funções executivas (MOURA, VENTURELLI, 2004; GASPARETO, 2007).
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Para que houvesse melhor aproveitamento da ludoterapia e da solicitação de planejamento das brincadeiras por
E. a terapeuta pré selecionava materiais que trabalhassem especificamente com o que se buscava estimular. Por
exemplo: eram colocados à disposição para que E. escolhesse, labirintos, massinha de modelar, fantoches e livros. E.
por sua vez deveria escolher 3 atividades entre estas. Independente de qual atividade fosse selecionada, todas teriam
foco voltado para a reabilitação de domínios necessários (MEDEIROS, 2010).
Outro ponto crucial para o desenvolvimento de E. era o envolvimento dos pais tanto em algumas sessões,
quando recebendo orientações parentais e aplicando as mesmas estratégias trabalhadas de contexto terapêutico, em casa.
A postura dos pais sempre foi muito participativa e colaborativa, trazendo dúvidas, novas informações quanto ao estado
geral de saúde e feedback das técnicas trabalhadas, informando dos resultados alcançados ou dificuldades percebidas
(WEBER, BRANDENBURG, SALVADOR, 2006).
Outras atividades realizadas durante as sessões foram estimulação com violão, piquenique para estimulação da
alimentação – em função do efeito colateral da medicação Venvanse que diminui o apetite –, fantoches, mistura
histórias infantis, para estimular a capacidade de improviso e resolução dos problemas, lig 4, tangran, sempre 10,
quebra cabeça, esculturas de balão, dominó, xadrez, trilha, cara a cara, combate, mímica, war, dobraduras, cadê você,
hora do rush, serpente mágica (cubos), como estratégias para fomentar a capacidade de planejar ações, resolver
problemas, aumentar a criatividade, trabalhando extensamente funções executivas de forma lúdica e prazerosa para o
paciente. Ainda foram trabalhadas atividades como caça ao tesouro com bussula, coreografias, bambolês, equilíbrio
(fita no chão), desenho à mão livre com ambas as mãos, bolinhas de papel crepom com ambas as mãos, para trabalhar
esquema corporal, equilíbrio, lateralidade, noção espacial, senso de localização. O jogo da vida tomou preferência de E.
portanto, focava-se no jogo a leitura e linguagem, juntamente com vídeos interativos. Outra estratégia muito bem aceita
foi a realização das “entrevistas com o Thor”, que se tratava de uma dramatização iniciada em ludoterapia com um
escudo de brinquedo do Thor – super-herói – e posteriormente utilizada como meio para estabelecer acordos de
mudança de comportamento ou fazer orientações à E. (ANAUATE, 2012 in GOMEZ, et. al. 2012; GOMEZ, et. al.
2012; ANVISA, 2013).
4. DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dentre os avanços percebidos durante o período de tratamento, cita-se o controle de impulsos, extinção de
comportamentos: autoagressão, destruição do material escolar e uso indevido do afeto e da força. Além disso, a adesão
à medicação aumentou, bem como a melhor aceitação das regras e limites colocados pelos pais. A leitura deu um
grande salto, aliada a melhora da aprendizagem de forma geral.
São considerados também como sinais de melhora do quadro, pequenas evoluções que E. fez em casa, na
iteração com sua família extensa e no contato com outras pessoas. A cada sessão, buscava-se sempre a superação do
resultado alcançado nas sessões anteriores e E. demonstrava seu melhor desempenho sempre que reunia condições para
tal. Em determinados pontos da terapia, a data e horário dos encontros foram alterados, coincidindo às vezes com dias
em que eram trabalhadas atividades que exigiam maior esforço de E.. Especialmente nestes dias, o rendimento não era o
mesmo, porém, partindo do pressuposto de que se deve manter um ambiente prazeroso e positivo para estimular a
plasticidade e neurogênese, E. não era cobrado a mais do que tinha condições de responder.
Um dos pontos mais significativos com relação à percepção de melhora de E. anteriormente à sua última
cirurgia foi o fato de que o paciente elaborou em detalhes o planejamento de sua festa de aniversário de dez anos. Este
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fato foi surpreendente tanto para os pais quanto para a terapeuta. E. planejou que seria festa a fantasia, escolheu o lugar
e planejou brincadeiras que seus familiares e amigos poderiam fazer nesta data. A fantasia que E. escolheu era um
personagem usado muitas vezes em terapia para psicoeducação e orientações (Thor). O fato de estarem sendo
trabalhadas funções executivas que estão diretamente ligadas à capacidade de planejamento e E. elaborar de forma tão
espontânea e coerente um evento como este foi marcante para a percepção da evolução do quadro.
Outro ponto marcante do tratamento foi um novo processo cirúrgico ao qual E. foi submetido para
reconstrução óssea da face. A cirurgia de risco e invasiva, fez com que E. ficasse fora da escola por aproximadamente
um mês e sem participar das sessões. Neste período E. ficou sem utilizar a medicação Venvanse, e logo após seu
regresso às atividades, E. apresentou um retrocesso significativo em termos de desempenho escolar, tendo esquecido
conteúdos já trabalhados e de seu domínio e fez períodos de autoagressão e recusa de usar a medicação. Também
esqueceu acordos, teve aumento da ansiedade, fez um retrocesso na linguagem, números, lateralidade e elaboração de
frases. Estas situações foram colocadas em pauta nos novos objetivos, dando-se enfoque principal nas atividades
acadêmicas como trabalho com números, resgate da leitura fluente, e noção de esquema corporal e espacial. Neste
período em específico, foram eleitos novos objetivos de tratamento com a família, percebendo que a demanda havia se
alterado em função do processo cirúrgico e principalmente do período pós-cirúrgico.
Percebe-se ainda que, além do trabalho apresentado, restam algumas demandas pendentes como dificuldades
percebidas memoria episódica, provavelmente relacionadas à lesão lobo temporal, além disso, lateralidade, noção
espacial e localização geográfica. Para tanto, serão organizados novos cronogramas e traçadas estratégias diferenciadas
para contemplar este déficit.
Durante o trabalho, um dos pontos relevantes do ponto de vista técnico é a dificuldade de encontrar material
específico para trabalho com lesão com estas configurações. Para tanto, uma das estratégias encontradas foi o apoio
com material psicopedagógico, a fim de que se pudesse ter maior gama de opções para trabalhar de diversas formas a
mesma função neurocognitiva. Foram feitas também comparações com trabalhos direcionados à doenças degenerativas
ou outros tipos de lesão, que tivessem atingido as mesmas áreas, para que servissem como base para o trabalho.
Para finalizar, destaca-se a importância da vinculação que é instrumento fundamental no trabalho com crianças,
e serve como fator motivacional mesmo no desempenho das tarefas mais difíceis, uma vez que, conseguindo executar a
atividade, haverá reforçamento positivos por parte da terapeuta. Ainda em função do vínculo, outro aspecto importante
a ser destacado é o respeito às preferências do paciente e norteamento pela natureza das atividades que mais lhe
despertam interesse, sendo que são conseguidos ganhos maiores com um ambiente de tranquilidade e com presença de
reforço positivo.
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DECLARAÇÃO DE DIREITO AUTORAL
Por meio deste instrumento, eu JOICE AMANDA SCHWAB BIEGER, em meu nome cedo os
direitos autorais do artigo: LESÃO ENCEFÁLICA ADQUIRIDA: APRESENTAÇÃO DE UM
CASO CLÍNICO, de publicação inédita, à Faculdade Assis Gurgacz, e declaro estar ciente da Lei
de Proteção de Direitos autorais (n. 9609 de 19/02/98).
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