Anais do IX Seminário Nacional de
História da Matemática
Sociedade Brasileira de
História da Matemática
A Matemática em Irati (PR): História e Memórias de Professores
Mathematics in Irati (PR): Storie and Memories of Teachers
Leoni Malinoski Fillos1
Resumo
Este trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa sobre a formação de professores no município de Irati (PR), abrangendo o início do
século XX, quando se constituiu o povoado, aos primeiros anos do século XXI. A investigação teve por objetivo a constituição de um
panorama do movimento de formação e atuação dos professores de Irati, em particular para o ensino de Matemática, articulando tal
movimento aos processos de desenvolvimento do município. Para alcançarmos nossos objetivos, utilizamos a História Oral como
metodologia de investigação. Foram entrevistados ao todo oito professores que estudaram seus primeiros anos em escolas da região e
contaram individualmente histórias de sua trajetória como aluno e depois como docentes. Além dos relatos orais, que foram transcritos e
textualizados, agregou-se ao estudo documentos históricos como jornais, livros, atas de reuniões, fotografias e outros, consultados nos
arquivos de escolas, secretarias da administração pública e nos pertences dos depoentes e outros colaboradores. Paralelamente à
concretização, transcrição e textualização das entrevistas, realizou-se um estudo sobre a História da Educação, buscando articular dados
educacionais do município à organização social mais ampla, ou seja, buscando compreender as relações características da região com as que
se mantém no contexto estadual e nacional. O uso de fontes orais, aliado às fontes escritas, possibilitou retraçar um cenário da trajetória da
formação docente nas diferentes décadas, não somente do município de Irati, como do Brasil. Permitiu, também, a compreensão de questões
históricas do ensino de Matemática e da Educação como um todo, bem como os reflexos que tais questões trazem para o presente. O estudo,
desenvolvido junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPR – linha de pesquisa Educação Matemática, insere-se nos
interesses do GHOEM - Grupo de Pesquisa em História Oral e Educação Matemática - que se dedica a estudar a interface entre a História
Oral e a Educação Matemática e busca, dentre outros objetivos, um mapeamento da formação docente no Brasil.
Palavras-chave: Irati. Formação de Professores. Educação Matemática. História Oral.
Abstract
This paper presents the results of a study on the background of mathematics teachers in the municipality of Irati (PR) from the beginning of
the twentieth century, when the village was formed, to the early years of the twenty-first century. The study aimed to provide an overview of
the movement of education and performance of the teachers of Irati, particularly for the teaching of Mathematics, linking this movement to
the development processes of the municipality. To achieve our goals, we used Oral History as research method. We interviewed eight
teachers in total who have studied their early years in schools in the region and individually told stories about their career as a student and
later as teachers. Besides the speeches, which were transcribed, historical documents such as newspapers, books, meeting minutes,
photographs and others, consulted in the archives of schools, departments of public administration and the belongings of the interviewees and
other contributors were added to the study. Parallel to the achievement, transcription and textualization of the interviews, a study on the
History of Education was conducted, trying to articulate educational data of the municipality to the broader social organization, which is,
trying to understand the characteristics relations of the region with the ones that remain in the state and national context. The use of oral
sources, combined with written sources, enabled to retrace a scene of the path of teacher education in different decades, not only in the city
of Irati, but also in Brazil. It also allowed us to understand historical issues in Mathematics education and Education as a whole as well as the
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Universidade Estadual do Centro-Oeste, E-mail: [email protected]
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reflection that these issues bring into the present. The study, developed with the program of Post Graduation in Education of UFPRMathematics Education research line, fits the interests of GHOEM - Research Group in Oral History and Mathematics Education - dedicated
to studying the interface between Oral History and Mathematics Education and seeks, among other objectives, a mapping of teacher
education in Brazil.
Keywords: Irati. Teachers Background. Mathematics Education. Oral History.
Introdução
Nas investigações em História, as fontes orais auxiliam no desvendamento de fatos,
esclarecem ou confirmam dados de outras fontes e apontam rumos a fontes ainda não
localizadas. Em Educação Matemática, especificamente, os testemunhos orais possibilitam
compreender processos históricos referentes ao ensino e aprendizagem de Matemática e à
formação de professores de uma época ou região, além de resgatar experiências pessoais e
profissionais e atribuir significados ao cotidiano docente e discente nas aulas de Matemática.
Neste estudo, por meio de relatos orais, buscou-se compreender o movimento de
formação e atuação de professores para o ensino da Matemática, nos diferentes níveis de
ensino, no município de Irati, localizado na região Centro-Sul do Estado do Paraná. O período
investigado abrange desde a constituição do povoado, no final do século XIX, ao início do
século XXI.
Na seleção dos colaboradores, buscou-se abarcar o tempo delimitado entrevistando
professores aposentados e professores que ainda atuam em sala de aula, de tal forma que, na
ocasião das entrevistas, o mais idoso contava com 101 anos de idade e o mais novo com 35
anos. Esses professores, num total de oito, nem todos de Matemática, narraram suas trajetórias
como alunos em escolas da região e depois como docentes de diferentes níveis de ensino.
Suas vozes, harmônicas ou dissonantes, possibilitaram a (re)constituição de fatos históricos
sobre o ensino da Matemática em Irati e permitem a compreensão de questões históricas sobre
a Educação como um todo, bem como os reflexos que tais questões trazem para o presente.
Formação docente para as primeiras séries em Irati
No início do século XX, apenas algumas rústicas moradias, com poucos habitantes,
formavam o vilarejo de Irati, que politicamente pertencia ao vizinho município de Imbituva.
Com a fixação dos trilhos da estrada de ferro São Paulo – Rio Grande na região e a
inauguração da estação ferroviária (denominada Iraty), a vila desencadeou acelerado processo
de crescimento. Tornou-se emergente a criação de uma escola e um professor para nela
lecionar. (ORREDA, 2004)
A primeira professora, vinda de Curitiba, começou a lecionar em Irati no ano de 1901.
Trata-se de Rosalina Gonçalves Cordeiro que, tendo prestado exame de habilitação para o
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magistério público primário, apresentou às autoridades locais, o título de nomeação fornecido
pela Diretoria Geral da Instrução Pública do Paraná.
Naquela época, o provimento de professores para as escolas públicas do Paraná era de
responsabilidade do poder executivo. Na falta de professores normalistas, a efetivação para o
exercício do magistério era feita sob regulamentações, que incluíam um exame de habilitação,
no qual o candidato se submetia a uma prova de conhecimentos sobre os conteúdos da escola
primária e uma prova prática para demonstrar aptidão para o ensino. (WACHOWICZ, 1981)
Rosalina Gonçalves Cordeiro, que ficou conhecida por D. Noca, começou a ministrar
aulas em Irati numa escola instalada em um depósito de erva-mate, perto da recém inaugurada
estação ferroviária. Crianças do povoado e de localidades distantes vinham à escola a pé, de
carroça ou a cavalo (ORREDA, 2004). A matemática era ensinada sob a denominação
Disciplina de Contabilidades.
A partir de 1909, os primeiros professores normalistas começaram a chegar a Irati.
Eram na maior parte homens, formados no Ginásio Paranaense, onde funcionava a única
Escola Normal do Estado. Conforme o depoimento de Rosala Grazuze: “Naquele tempo, os
professores se formavam normalistas em Curitiba e iam para o interior sem saber, muitas
vezes, das dificuldades que iam encontrar. Eles se aventuravam para o interior porque na
capital não havia muitas escolas”. (FILLOS, 2008, p. 25)
As políticas públicas para a educação na época propunham que as primeiras
nomeações deviam ser sempre para as escolas rurais com acesso destas para as escolas das
cidades e depois para as da capital, onde os vencimentos eram maiores. Os professores
normalistas procuravam as escolas do interior pela facilidade de conseguirem a nomeação.
Lecionar na capital era, porém, o desejo da maioria. (WACHOWICZ, 1981)
No interior do estado, as dificuldades para exercer a profissão docente eram imensas:
escolas precárias, ausência de material pedagógico, baixa frequência dos alunos, acesso
difícil, moradia sem conforto, além do isolamento da família. Muitas escolas funcionavam em
salas alugadas ou na própria residência do professor. Por volta de 1914, foi instalado em Irati
o primeiro Grupo Escolar.
Os Grupos Escolares eram adotados em praticamente todo território nacional e
ordenavam o ensino primário na época. Com uma organização administrativo-pedagógica,
nessas instituições educativas era previsto um ensino inovador com a utilização de livros e
materiais didáticos, uso de laboratórios, mobília adequada, além da inserção da figura do
diretor que tinha a incumbência, dentre outras funções, de manter a ordem escolar e atualizar
o corpo docente. (BENCOSTTA, 2005)
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No Grupo Escolar instalado em Irati, a demanda discente cresceu aceleradamente e,
pela ausência de professores normalistas, atuavam neste educandário também professores não
formados. Em 1934, foi implantado no Grupo o curso Complementar, destinado a alunos
egressos do ensino primário. Tal curso, com duração de dois anos, foi ofertado somente para
duas turmas. Uma das depoentes do estudo, Avany Caggiano Santos, relatou que:
Minha professora da 2ª série não fez a Escola Normal, fez somente o Complementar. Várias
pessoas fizeram esse curso. [...] Acho que o Complementar deveria equivaler a Escola Normal
porque era de um preparo extraordinário. Minhas professoras eram super preparadas. [...] Não
havia Escola Normal em Irati, naquele tempo. (FILLOS, 2008, p.67)
Na ausência de um curso de formação de docentes em nível primário, amparando-se
nos depoimentos e em outros documentos, conclui-se que grande parte dos alunos que
finalizou o curso Complementar passou a lecionar em escolas da região. Era uma época que,
na falta de professores habilitados, pessoas que detinham maior grau de escolaridade eram
contratadas para ministrar aulas como professores provisórios. Depois de alguns anos de
trabalho, eram efetivados no cargo, mesmo sem formação para tal.
A necessidade de professores para atuar nas escolas de Irati, acentuou-se após o ano de
1938, quando, por determinação federal, várias escolas estrangeiras foram fechadas com a
exoneração da maioria de seus professores. Eram escolas subvencionadas instaladas em Irati a
partir de 1910, com professores estrangeiros ministrando aulas nos seus respectivos idiomas.
Uma das professoras entrevistada, Irmã Verônica Sedoski, frequentou o curso primário
em escolas polonesas. Conforme seu relato, seu professor era um polonês. “Ele ensinava um
pouco em português, mas a maior parte era no idioma polonês. A matéria era toda decorada.
Regras, tabuada... Já no 1º ano, tínhamos que decorar a tabuada. Fazíamos continhas de
somar, de subtrair, de multiplicar e de dividir”. (FILLOS, 2008, p.49)
As políticas idealizadas pelo governo federal estimularam a vinda de imigrantes para o
Brasil que, dedicando-se principalmente à agricultura e à pecuária, organizaram um número
expressivo de colônias pelo país. No território de Irati foram criados núcleos coloniais oficiais
e não-oficiais onde se fixaram holandeses, alemães, italianos e, em maior escala, ucranianos e
poloneses.
Nesses núcleos, foram instaladas escolas que estiveram ativas até 1938, quando foi
proibido o exercício das funções das escolas de língua estrangeira, através do Decreto-Lei nº
383, de 18 de abril, da Campanha de Nacionalização do governo brasileiro.
Com a extinção das escolas estrangeiras e a demissão de professores que ensinavam
em idioma diferente do português, muitos alunos ficaram sem estudar devido à falta de
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professores para atuar nas escolas em nível primário, em especial nas localizadas no interior
do município. A primeira escola Normal de Irati foi instalada somente em 1947.
As dificuldades encontradas pelos professores normalistas para exercer o cargo em
escolas interioranas eram imensas. Além das dificuldades de locomoção, a falta de materiais
didáticos e apoio pedagógico, os normalistas enfrentavam a extrema vigilância dos inspetores
de ensino que faziam visitas surpresas e aplicavam as provas finais nos alunos.
No início da década de 1960, poucos eram os professores que lecionavam no interior
do município de Irati com formação específica. O número de escolas era reduzido, assim
como a parcela da população que tinha acesso à escolarização. Por tais motivos, a nomeação
para o cargo de professor primário era obtida, por vezes, mediante indicação política.
Segundo o depoimento de José Maria Orreda: “Para se tornar professor, não era difícil! Houve
um determinado período, que os candidatos ofereciam título de nomeação para servente de
escola e para professor de 1ª a 4ª série, em branco. Isso acontecia em todo Estado, inclusive
em Irati!”. (FILLOS, 2008, p.100)
A falta de professores habilitados para o ensino primário era um problema não apenas
para Irati, como para grande parte dos municípios brasileiros. Por esse motivo, o Ministério
da Educação implantou, em 1973, o projeto Logos com o objetivo de habilitar professores,
dispersos pelo país, sem retirá-los da sala de aula. Por isso, o planejamento e a execução do
Logos exigiram estudos detalhados e um cuidadoso plano de acompanhamento, controle e
avaliação. Muitos dos professores leigos estavam em áreas rurais de difícil acesso, sem
energia elétrica e com escassos meios de transporte e comunicação.
O Logos foi implantado em 17 estados brasileiros e atendeu 50.000 alunosprofessores, diplomando 70% deles. Em nível nacional, foi desativado em 1990. No
município de Irati, esteve em funcionamento até 1988, tendo sido ofertadas quatro etapas e
formado cerca de 200 professores para o ensino de 1ª a 4ª séries.
Formação docente para o ensino secundário
A primeira escola de ensino secundário foi implantada em Irati somente em 1940, após
intensas reivindicações da população do município. O estabelecimento era particular e
recebeu a denominação Colégio Irati. Até esse tempo, as famílias de melhores condições
financeiras, que almejavam uma formação além da primária para os filhos, encaminhavamnos para outros municípios, geralmente para a capital do Estado.
Era uma época em que o ensino secundário no Brasil se encontrava em plena
expansão, motivada por diversos fatores como o aumento demográfico, as exigências de
maior escolarização frente ao desenvolvimento industrial, a concentração da população em
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áreas urbanas e a aspiração das classes menos favorecidas ao ensino superior. “O crescimento
do curso em questão, no período de 1933 a 1954, atingira 490%”. (ABREU, 1955, apud
NUNES, 2000, p. 46)
Desse modo, houve um aumento significativo no número de estabelecimentos de nível
secundário nos grandes centros e, também, a expansão destes para o interior dos Estados, em
localidades onde, anteriormente, este nível de ensino era inexistente.
No Colégio Irati inicialmente foi implantado o curso de admissão e o ginasial, nos
períodos diurno e noturno. Na mesma década, outros estabelecimentos, mantidos por
congregações religiosas, passaram a ofertar o ensino secundário.
A atuação das congregações religiosas na instrução em nível secundário foi decisiva
não apenas em Irati como no ensino brasileiro de um modo geral. Com dedicação exclusiva e
fervor missionário, as congregações teceram uma rede de colégios de abrangência nacional.
No início da década de 1930, mais de 75% das 700 escolas secundárias do país eram
católicas. (DALLABRIDA, 2005)
A falta de uma sólida política para a instituição de estabelecimentos públicos, a
negligência na formação de pessoal docente qualificado e a descentralização do ensino
primário aos Estados que investiam nesse nível de ensino, contribuíram para que o ensino
secundário fosse entregue às instituições privadas, principalmente àquelas de caráter
confessional, de forma regular na Primeira República e na era Vargas. (DALLABRIDA,
2005)
Nas escolas mantidas por congregações católicas, as aulas eram ministradas
geralmente por padres e freiras que, na maioria, não possuíam formação específica para
lecionar as disciplinas do currículo. Fato este é levantado pelo Professor José Maria Orreda,
que frequentou o curso ginasial num dos educandários católicos de Irati, em princípio da
década de 1950:
No Colégio São Vicente, nunca tive um professor de Matemática de verdade. Como não havia
professor, o padre diretor, que não era formado em Matemática, ministrava as aulas dessa
disciplina. Suas aulas, no entanto, eram tomadas para dar sermões nos alunos. Uma tragédia!
Aprendi muito pouco dos conteúdos de Matemática (FILLOS, 2008, p.95).
Nessa época, com a expansão do ensino secundário, e na falta de docentes,
profissionais de outras áreas lecionavam as matérias da grade curricular nos ginásios e
colégios. A escassez de professores habilitados para os cursos Ginasial e Colegial era um
sério problema observado em todo território nacional. Se as escolas surgiam, era
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imprescindível o treinamento de docentes para nelas atuarem, tendo em vista que a maioria
dos professores que lecionava as disciplinas do currículo era leiga.
Surge, dessa necessidade, a CADES – Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do
Ensino Secundário - criada no governo de Getúlio Vargas, pelo Decreto nº 34.638, de 14 de
novembro de 1953. O objetivo dessa campanha era “difundir e elevar o nível do ensino
secundário, ou seja, tornar a educação secundária mais ajustada aos interesses e necessidades
da época, conferindo ao ensino eficácia e sentido social, bem como criar possibilidade para
que os mais jovens tivessem acesso à escola secundária”. (BARALDI, 2003, p. 146)
A CADES passou a realizar cursos de treinamento para professores, diretores,
inspetores de ensino, secretários de escolas, além de divulgar publicações referentes ao ensino
secundário. Conforme conta a Professora Maria Iveth Martins, também depoente na pesquisa,
que frequentou um dos cursos da CADES em Curitiba:
Esse curso era realizado nas férias de janeiro ou julho e eram trabalhados os conteúdos de
Matemática. Foi um curso muito bom! Aprendi bastante. Depois de um mês era feita uma
prova e, de acordo com o rendimento dessa prova, era dada, ou não, a autorização para o
professor ministrar aula. (FILLOS, 2008, p.118 )
Nos cursos da CADES eram ministrados os conteúdos específicos das disciplinas que
os professores iriam lecionar, ou que já estavam lecionando, e também as disciplinas
pedagógicas.
No final da década de 1960, começam a surgir as primeiras faculdades no interior dos
Estados, tornando os cursos e o exame de suficiência promovidos pela CADES
desnecessários. Em 1971, com a Lei de Diretrizes e Bases 5692, o exame de suficiência
perdeu sua validade. (BARALDI, 2003)
Nessa época, começam a se disseminar pelo país os cursos de Licenciatura Curta e
surgem, também, como contra-opção, os “cursos vagos”, cujas atividades eram realizadas nos
finais de semana.
A obrigatoriedade e urgência da “formação” se tornaram uma mera
formalização, posto que o professor, já exercendo suas funções, tinha, muitas vezes, como
inviável sua formação em cursos regulares. (GARNICA, 2005)
Em 1973, partindo da premissa de que a educação científica básica é um dos
ingredientes indispensável ao desenvolvimento de uma nação, o MEC definiu um projeto
denominado PREMEN – Projeto Nacional de Melhoria do Ensino de Ciências, objetivando a
capacitação de professores de Ciências e Matemática do 1º grau e de Física, Química e
Biologia do 2º grau, para novos métodos de ensino, voltados para a experimentação.
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O PREMEN foi elaborado com o intuito de atender principalmente os professores
leigos, ou seja, aqueles que estavam em serviço sem formação específica para tal. Diversos
professores de Irati garantiram estabilidade frequentando estes cursos em municípios como
Curitiba e Ponta Grossa. Nessa época, instalava-se em Irati a faculdade, ofertando cursos de
formação para docentes dos anos finais do 1º grau e para o 2º grau.
A formação docente em nível superior em Irati
A primeira manifestação pública que se tem conhecimento sobre a instalação de uma
faculdade em Irati ocorreu em 1954, por meio de um jornal de circulação regional, no qual se
estampava o desejo da direção do Colégio Irati, o pioneiro de ensino secundário na região
Centro-Sul do Paraná, de ampliar as atividades do educandário, oferecendo cursos de ensino
superior em suas dependências.
Esta aspiração, entretanto, nunca se concretizou, mas sensibilizou a população do
município e lançou a semente para que membros da elite cultural, políticos e administradores
públicos passassem a observar como possível a consolidação desta ideia.
Surgiram muitos entraves para que a criação da faculdade se tornasse realidade, como
a ausência de corpo docente qualificado, falta de biblioteca e insuficiência de recursos
financeiros. Foram anos de reivindicações de professores e alunos e diversos embates,
marcados pelo esforço de muitas pessoas.
A Fundação Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Irati – FECLI - foi criada
somente no ano de 1974, consolidando um velho sonho da população iratiense. Nessa
instituição, foram implantados, inicialmente, os cursos de Pedagogia, Letras e Licenciatura
Curta em Ciências.
Era uma época na qual se verificava uma expansão muito grande das Faculdades de
Filosofia pelo Brasil, principalmente pela iniciativa privada. Essa ampliação se deve, em
parte, porque os cursos de formação de docentes para atuar em nível secundário eram os
“cursos fáceis”, ou seja, não necessitavam de equipamentos especiais para serem implantados
nas faculdades.
Dentre esses cursos, destacavam-se os cursos de Licenciatura Curta, destinados à
formação de professores para o 1º ciclo ou ginásio e cujo ideário político era o barateamento
do ensino e a mais rápida inserção do alunado no mercado. Esses cursos, aprovados em
outubro de 1964, tinham duração de três anos e os professores concluintes se tornavam
“polivalentes”, podendo atender mais de uma disciplina e não necessitando serem
especialistas para atuar no curso ginasial.
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Com a Reforma Universitária de 1968, ampliaram-se oficialmente as vagas de acesso
à universidade e, como as Licenciaturas Curtas não exigiam altos investimentos, a iniciativa
privada se viu estimulada ao “negócio”. Surgem, assim, numerosas faculdades pelo país
ofertando cursos de curta duração, incluindo os de Licenciatura Curta em Ciências.
Na década de 1970, entra em vigor o Parecer n º 895/71, do CFE, que diminui o tempo
da Licenciatura Curta em Ciências de 2430 horas na área científica, para 1500 horas. Em
1974, é aprovada a Resolução nº 30/74 que deu mais força à implementação de tais cursos,
fixando os conteúdos mínimos e estabelecendo as habilitações específicas em Matemática,
Física, Química e Biologia.
Desse modo, a Resolução 30/74 obrigou as Instituições de Ensino Superior a
transformar as licenciaturas específicas, como as de Matemática, em uma das Habilitações da
Licenciatura em Ciências.
Na Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Irati (FECLI), cujas atividades se
iniciaram em março de 1975, foi necessária mais de uma década para que nessa instituição
fosse ofertada a habilitação em Matemática aos concluintes do curso de Licenciatura Curta em
Ciências, como narra a professora Joanice Zuber Bednarchuk, colaboradora do estudo:
Terminando o curso de Ciências, que foram dois anos e meio, iniciei um ano depois, em 1987,
o curso de Complementação em Matemática para tornar a licenciatura plena. Os professores
com licenciatura curta ficavam em desvantagem na distribuição de aulas e o salário era
menor. Por isso, tornava-se crucial fazer a Complementação. (FILLOS, 2008, p.138)
A Complementação em Matemática, era, desse modo, uma formalização necessária
aos professores que na maior parte já atuavam em sala de aula. Em Irati, esse curso,
implantado na FECLI em 1985, foi cessado pelo Conselho Estadual de Educação dois anos
depois, devido às deficiências estruturais da Faculdade e ausência de docentes qualificados.
A partir desse tempo, os licenciados em Ciências se viram obrigados a buscar a
Complementação em outras instituições. A mais procurada foi a Faculdade Estadual de
Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória, tendo em vista a possibilidade de acesso
diário a professores que já lecionavam em Irati.
Em 1990, as Faculdades de Irati e de Guarapuava foram integradas, formando a
UNICENTRO – Universidade Estadual do Centro-Oeste. O curso de Licenciatura Curta em
Ciências continuou sendo ofertado nessa instituição, no Campus de Irati, até o final desta
década. Os graduados desse curso garantiam o direito de lecionar as disciplinas de Ciências e
Matemática do 1º Grau e, na falta de professores habilitados, podiam atuar também com as
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disciplinas de Física, Química e Biologia, além de Matemática, do 2º Grau. Eram, assim, os
professores “polivalentes”.
No entanto, desde a aprovação da Resolução nº 30/74, que estabelecia as habilitações
em Matemática, Física, Química e Biologia, a comunidade acadêmica se mostrou contrária a
esta legislação, entendendo ser mais adequada à formação advinda de uma Licenciatura Plena
e Específica.
Ao entrar nos anos 90, diversos fóruns permanentes de discussões e de deliberações
foram instalados por instituições de ensino superior em todo o Brasil, fomentando o debate a
respeito da problemática das licenciaturas. A licenciatura curta foi perdendo terreno e, com a
promulgação da LDBEN 9394/96, submergiu definitivamente, já que, pelo artigo 62 da Lei,
“a formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso
de licenciatura, de graduação plena”.
Por esse motivo, o curso de Licenciatura Curta em Ciências da Unicentro de Irati, que
tinha duração de dois anos e meio, foi transformado, em 1999, em Licenciatura Plena em
Ciências, com duração de quatro anos. Os alunos que se formavam neste curso garantiam o
direito de trabalhar somente de 5ª a 8ª séries, com as disciplinas de Ciências e Matemática.
No entanto, houve um concurso, tempos depois da implantação, e os graduados em
Licenciatura Plena em Ciências que passaram em tal concurso na área de Matemática, não
puderam assumir as aulas porque no edital havia um item que exigia formação para o Ensino
Médio e o nosso curso habilitava somente para o Ensino Fundamental. Isso deu um problema
enorme, tanto que numa reunião do Departamento, decidimos não mais ofertar o curso de
Ciências. (Depoimento de Izabel Bonete, apud FILLOS, 2008, p.162).
Com a extinção do curso de Licenciatura em Ciências, deu-se início às discussões para
implantar o curso de Licenciatura em Matemática. Após alguns embates, a proposta foi
concretizada em 2006. Irati, enfim, passa a ter um curso específico de formação de
professores de Matemática.
Considerações finais
Lançando um olhar sobre o ensino em Irati - desde a constituição do povoado no início
do século XX - tendo como base depoimentos e documentos, concluí-se que até o final do
século passado as escolas do município, em geral, batalharam contra a falta de professores,
seja no ensino fundamental ou médio e mesmo no ensino superior. A situação era ainda mais
grave em se tratando das disciplinas de Matemática, Física e Química e das escolas
localizadas na área rural.
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Ao reconstituir a história da Educação, ainda que num enfoque regional, é possível
constatar que, no período pesquisado, a escola pública expandiu-se realmente em Irati, como
em todo território nacional. Porém, a principal promessa dos discursos políticos de se levar a
instrução às crianças e jovens até as mais distantes regiões, com professores devidamente
preparados, não ocorreu efetivamente. As conquistas e os avanços para a Educação na região
se deram somente após longo período de reivindicações e quando houve pressão de grupos
interessados forçando a concretização de propostas encaminhadas ao governo.
As entrevistas coletadas, seguindo os parâmetros da História Oral, permitiram a
apropriação de aspectos históricos da região de Irati e também aspectos docentes e
administrativos que possibilitam compreender a Educação Matemática de uma forma
específica, isto é, as práticas pedagógicas, as relações professor/aluno, as mudanças
curriculares e ainda os sucessos, angústias e tensões profissionais que permeiam o cotidiano
nas aulas de Matemática. Pode-se perceber, também, pela trajetória dos colaboradores, as
emoções, sentimentos, relações de poder e crenças que os professores têm em relação à
Educação e, especificamente, em relação ao conhecimento matemático escolar.
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A formação de professores de Matemática em Irati (PR): memórias e