5. SISTEMAS DE DRENAGEM DE ÁGUAS PLUVIAIS 5.1. Considerações de âmbito geral O crescimento e expansão urbana, caracterizados nas últimas décadas por um ritmo particularmente acelerado de urbanização de áreas inicialmente rurais, tem criado profundas alterações no ciclo hidrológico natural e motivado a ocorrência de situações ameaçadoras do desenvolvimento equilibrado e estável do habitat humano. Como exemplo dessas situações podem citar-se as seguintes: - entrada frequente em funcionamento de descarregadores de tempestade, com descarga de caudais para o meio ambiente e incremento de poluição dos meios receptores; - comportamento hidráulico deficiente das redes de drenagem pluvial, devido a subdimensionamento ou a entupimentos e obstruções das secções de escoamento, com consequente entrada em carga de colectores e inundação dos pontos baixos das bacias drenadas; - sub-dimensionamento dos dispositivos interceptores de águas pluviais, nomeadamente das sarjetas de passeio e dos sumidouros de grades, com consequentes inundações. Não aproveitamento integral da capacidade de transporte dos sistemas de drenagem enterrados; - descarga de escorrências pluviais caídas em zonas pavimentadas, em meios receptores sensíveis. A tomada de consciência dessas situações veio operar uma profunda alteração dos conceitos de análise e dimensionamento dos equipamentos urbanos de drenagem, evoluindo a própria concepção e cálculo dos sistemas, por forma a um ajustamento mais adequado às formas diversificadas de crescimento urbano e de ocupação do solo. Os aspectos quantitativos da drenagem pluvial constituem, no entanto, apenas uma parcela do domínio da hidrologia urbana, assumindo importância crescente todos os aspectos relacionados com a gestão da água e da análise dos aspectos de qualidade relacionados com a rejeição de cargas poluentes veiculadas pelas águas pluviais. Neste capítulo são apresentadas as principais componentes e os princípios de concepção e de dimensionamento dos sistemas de drenagem de águas pluviais. Para além dos critérios e procedimentos de cálculo dos caudais e colectores de águas pluviais, é dada ênfase às expressões de cálculo de capacidade de dispositivos interceptores e à concepção e cálculo de bacias de retenção e de câmaras de retenção-infiltração (em terminologia anglo-saxónica soakaway systems), órgãos cuja inserção nos modernos sistemas de drenagem pluvial se está a tornar cada vez mais comum. Ênfase particular é também dada aos aspectos de qualidade da água das escorrências pluviais e ao impacte dessas águas nos meios receptores. 83 5.2. Concepção e constituição dos sistemas 5.2.1. Aspectos de concepção O elevado custo dos investimentos afectos aos sistemas de drenagem de água pluvial, relativamente ao das outras infra-estruturas urbanas, torna especialmente relevante a necessidade de se implementarem soluções tecnicamente adequadas, mas também economicamente viáveis. O princípio de dimensionar, em toda a extensão de um aglomerado urbano, uma rede de colectores para drenar os caudais de ponta de cheia, provocadas por precipitações de curta duração e de intensidade elevada, conduz, na maioria das vezes, a soluções economicamente proibitivas. Assim, nos moldes actuais de concepção dos sistemas de drenagem de água pluvial, são de evidenciar os seguintes aspectos: - redução da extensão das redes de colectores e dos respectivos diâmetros, maximizando-se o percurso superficial da água pluvial e favorecendo-se a integração no seio das áreas impermeáveis, ou em torno destas, de áreas permeáveis, como zonas verdes, ou de áreas semi-permeáveis, como pavimentos constituídos por materiais incoerentes: - opção, em grande número de situações, por soluções de drenagem não convencionais, constituídas por bacias de amortecimento e por câmaras drenantes; - preocupação com a problemática relacionada com a qualidade da água, nomeadamente devido aos riscos de efeitos nocivos no meio receptor, circunstância esta que se torna especialmente relevante devido à poluição veiculada pelos caudais pluviais após os períodos estivais. As regras urbanísticas mais adequadas a uma redução dos caudais de ponta pluvial, e ao controlo da qualidade da água, são aquelas que respeitam a integração de áreas permeáveis em áreas impermeáveis, através de soluções de descontinuidade. Sempre que possível, deverá ser privilegiado o estabelecimento de linhas de drenagem superficial através de espaços livres. Valetas e vales largos e pouco profundos são, de um modo geral, adequados para esse efeito. O tipo de solução a escolher deve ter em conta o cumprimento dos seguintes objectivos: - aumentar o volume de água pluvial infiltrada; - aumentar o volume de água pluvial retida e interceptada nas depressões do solo e nas árvores e arbustos; - promover o armazenamento temporário da água pluvial em locais pré-seleccionados; - permitir que, durante a ocorrência de precipitações intensas, se criem condições controladas de escoamento de superfície ao longo das superfícies impermeabilizadas (passeios, arruamentos, parques de estacionamento, etc.), por forma a que as características do escoamento, nessas condições, tenha em conta determinados critérios, com vista a minimizarem-se incómodos para os utentes e o desgaste das superfícies impermeabilizadas. 84 Dada a interdependência entre os caudais pluviais, a bacia drenante e o tipo de ocupação do solo, torna-se aconselhável conceber as infra-estruturas de drenagem logo na fase inicial do planeamento urbanístico. Este aspecto é particularmente importante quando as condições naturais são desfavoráveis do ponto de vista de disponibilidade de energia potencial para se processar o escoamento (caso de zonas planas), quando se prevêem alterações profundas nas condições topográficas iniciais, ou quando o aglomerado populacional se situa a jusante de uma bacia hidrográfica de dimensões relevantes. Quando, nessas condições, as áreas extra-urbanas são consideravelmente importantes, e por isso também importantes os caudais pluviais correspondentes, deve estudar-se o previsível comportamento do terreno, face à ocorrência de precipitações intensas. Aglomerados populacionais situados à beira de grandes cursos de água podem exigir a bombagem ou a retenção de caudais pluviais afluentes a zonas baixas, durante o período em que os níveis das linhas de água não permitam o escoamento gravítico nos colectores. Redes de drenagem de aglomerados populacionais situadas a cotas pouco superiores às dos níveis de cheia das linhas de água, ou de níveis de maré, deverão incluir, a jusante, colectores previstos para funcionarem em carga, quando da ocorrência de precipitações em períodos coincidentes com a ocorrência daqueles níveis. Em alguns destes casos, em que se pretendem minimizar os possíveis efeitos da inundação de áreas adjacentes, devem ser projectadas bacias de retenção, as quais vão permitir o armazenamento de volumes consideráveis, contribuindo para um melhor funcionamento global do sistema. Aglomerados populacionais, cuja localização é adjacente a cursos de água torrenciais, devem dispor de espaços livres non edificandi, nas margens inundáveis (leito maior). Quando situados em encosta montanhosa, deve estudar-se o comportamento mecânico do terreno face às precipitações prolongadas e à necessidade de se considerarem obras de protecção, incluindo pequenos açudes, etc.. A rejeição de caudais pluviais em pequenas linhas de água pode ocasionar, pelo aumento substancial dos caudais de ponta de cheia, prejuízos e inconvenientes aos utentes a jusante. Este aspecto não pode ser desprezado e a solução pode ser encarada na perspectiva da criação de dispositivos ou estruturas de armazenamento (bacias de retenção, ou câmaras de retenção-infiltração), para a eliminação ou redução daqueles inconvenientes. As bacias de retenção, quando inseridas em sistemas de drenagem unitários, podem também ser usadas como órgãos de controlo da qualidade da água, no sentido em que minimizam a descarga de efluentes não tratados directamente para o ambiente. Isto é, as bacias de retenção podem servir como reservas locais de acumulação da água, durante os períodos em que os sistemas de tratamento não tenham capacidade para fazer face aos caudais afluentes. Nos períodos de menor caudal, baixa o nível da água nesses reservatórios, sendo o efluente conduzido para a ETAR. No âmbito das modernas tendências da concepção e beneficiação de sistemas de drenagem unitários, a gestão do comportamento dos sistemas e a minimização dos impactes adversos resultantes das descargas directas nos meios receptores, passa pelo recurso à utilização de equipamentos automáticos e semi-automáticos (válvulas e adufas motorizadas, por exemplo), controladas em “tempo real” (em terminologia anglo-saxónica real time control), por forma a aproveitar-se ao máximo as potencialidades de reserva dos reservatórios e colectores e a capacidade de tratamento instalada. 85 5.2.2. Principais componentes Os sistemas separativos de drenagem de água pluvial são constituídos, essencialmente, por redes de colectores e órgãos acessórios, podendo dispor de órgãos especiais e instalações complementares. A rede de colectores é o conjunto das canalizações que assegura o transporte dos caudais pluviais afluentes, desde os dispositivos de entrada até um ponto de lançamento ou destino final. As modernas redes são constituídas, em geral, por colectores de betão ou de PVC de secção circular. Os órgãos acessórios são os seguintes: - dispositivos de entrada (sarjetas de passeio ou sumidouros) - as sarjetas de passeio são dispositivos sempre associados a um lancil do passeio, com entrada lateral de caudal: os sumidouros são considerados dispositivos que podem estar associados a um lancil ou a uma valeta, cuja entrada de caudal é feita superiormente, através de grade; - câmaras ou caixas de visita - destinadas a facilitar o acesso aos colectores, para observação e prática de operações de limpeza e de manutenção. No que respeita aos órgãos especiais e instalações complementares, podem referir-se os seguintes: - desarenadores - instalações complementares destinadas a provocar a deposição de materiais incoerentes transportados na água pluvial; - bacias de retenção - bacias destinadas a regularizar os caudais pluviais afluentes, restituindo, a jusante, caudais compatíveis com a capacidade de transporte da rede de drenagem ou curso de água; - câmaras drenantes - dispositivos destinados à retenção e infiltração da água pluvial, podendo ser associados ou não a sistemas de drenagem pluvial convencionais constituídos por colectores enterrados; - instalações elevatórias - a evitar, sempre que possível, tendo em conta os encargos de exploração e a variabilidade dos caudais afluentes e consequente dificuldade de se manterem as condições satisfatórias de funcionamento dos grupos electrobomba e da conduta de impulsão. 5.3. Qualidade das águas pluviais 5.3.1. Considerações introdutórias As águas pluviais, em zonas urbanas, podem ter vários destinos, - cair na cobertura dos edifícios, sendo encaminhadas para tubagens de queda e ramais domiciliários, acabando por drenar para colectores separativos de águas pluviais ou para colectores unitários; 86 - cair directamente sobre áreas pavimentadas, como parques de estacionamento, vias rodoviárias, pátios, ... etc., drenando por valetas para dispositivos interceptores, de onde são encaminhadas para colectores separativos pluviais ou colectores unitários; - cair em áreas permeáveis, acabando, pelo menos uma fracção, por infiltrar-se no solo ou afluir directamente a cursos de água. A importância das substâncias poluentes resultantes da circulação rodoviária aumentou drasticamente nos últimos quarenta anos, principalmente nos países mais industrializados. A deposição e acumulação de substâncias poluentes emitidas pelos veículos tem impactes mais ou menos significativos nos ecossistemas. Alguns estudos apontam para o facto de, em determinadas bacias de drenagem urbanas, a contribuição das vias rodoviárias, nomeadamente auto-estradas, para a poluição dos meios receptores, ascender a 50% em termos de sólidos suspensos totais, a 16% em termos de hidrocarbonetos totais e a 75% em termos de metais pesados (Ellis et al. 1987, citado in Ball et al. 1991). Estas cargas poluentes resultam não só do tráfego rodoviário mas também das modificações dos processos hidrológicos locais trazidos pela construção das vias. As substâncias poluentes são depositadas sobre a superfície das vias e bermas por acção atmosférica (em terminologia anglo-saxónica atmospheric fallout) ou resultam directamente da actividade de construção e da circulação rodoviária (Hvitved-Jacobsen e Youssef 1991). A magnitude e distribuição da acumulação dos poluentes parece variar com o tipo e inclinação do pavimento, volume de tráfego, actividades de conservação, características sazonais e uso do solo adjacente. Smith et al. 1979 (in Hvitved-Jacobsen e Youssef 1991) indicam para os Estados Unidos da América as seguintes cargas médias de partículas depositadas (em terminologia anglo-saxónica dust fall loads). - Região Norte 0,23 g/m2.d - Região Central 0,16 a 1,53 g/m2.d - Região Sul 0,07 a 0,18 g/m2.d - Região Leste 0,06 a 0,16 g/m2.d As escorrências pluviais contêm substâncias poluentes sob a forma dissolvida e particulada. No Quadro 5.1 são apresentadas, a título indicativo, concentrações médias de poluentes em escorrências pluviais de vias rodoviárias. Os valores referidos devem ser apreciados, obviamente, com as reservas inerentes ao facto da gama de variação de concentração poder ser extremamente elevada e variar de local para local. Os parâmetros poluentes mais representativos parecem ser, em regra, as partículas (sólidos em suspensão nas escorrências), os metais, sobretudo chumbo, zinco e ferro e os hidrocarbonetos. QUADRO 5.1 - Concentrações médias de poluentes em escorrências pluviais de vias rodoviárias (adaptado de Shelley e Gaboury 1986, citado in Hvitved-Jacobsen e Youssef 1991. 87 Parâmetro S. suspensão CQO Azoto kjeldahl total Fósforo total Chumbo Zinco Concentração zona urbana zona rural 220 26 124 41 2,72 1,4 0,19 0,55 0,38 0,04 0,09 0,09 Coeficiente de variação 0,8-1,0 0,5-0,8 0,7-0,9 0,6-0,9 0,7-0,4 0,6-0,7 No caso das águas ou escorrências pluviais drenarem para sistemas unitários, a carga poluente então arrastada no interior da massa líquida pode ser muito superior à que seria de esperar num sistema separativo pluvial. Efectivamente, por ocasião de precipitações significativas, as “ondas de cheia” originam velocidades e tensões de arrastamento tais, que são em regra suficientes para ressuspender e arrastar, para jusante, uma fracção significativa das partículas em suspensão acumuladas, durante os períodos secos, sob a soleira dos colectores. Estas situações ocorrem pelo facto de, durante os períodos estivais, com caudais muito inferiores, aquelas tensões de arrastamento não serem suficientes para garantirem condições de auto-limpeza. Por ocasião de precipitações significativas, a qualidade da água de sistemas unitários torna-se, assim, substancialmente diferente da qualidade da água das escorrências pluviais. 5.3.2. Qualidade da água de escorrências pluviais 5.3.2.1. Sólidos em suspensão Grande parte dos poluentes nas escorrências pluviais encontram-se associados aos sólidos em suspensão, e com eles se pode correlacionar. Esses sólidos em suspensão podem ser estimados, por sua vez, em função do volume de tráfego diário. No que se refere particularmente aos metais pesados, uma fracção significativa pode apresentar-se sob a forma particulada, associada aos sedimentos, sendo as respectivas concentrações mais altas nas partículas de menor diâmetro médio. Resultados experimentais apontam para o facto de uma fracção significativa dos sólidos em suspensão e poluentes associados poderem ser removidos da fase líquida por sedimentação. 5.3.2.2. Metais pesados A origem de metais pesados nas escorrências pluviais caídas em áreas pavimentadas pode estar ligada, designadamente, à deposição atmosférica e aos produtos de corrosão de elementos metálicos. Diversos metais pesados, como o chumbo, o zinco, o ferro, o cobre, o cádmio, o crómio e o níquel podem apresentar-se em concentrações significativas. No entanto, e em regra, o chumbo, o zinco e o ferro representam a carga poluente mais significativa. Youssef et al. 1986 (in Hvitved-Jacobsen e Youssef 1991) referem, em consonância com os resultados da análise de 150 amostras, que 50% da carga poluente particulada de metais pesados é transportada no primeiro quartil do acontecimento pluviométrico, sendo transportado 25% no segundo quartil e os restantes 25% nos terceiro e quarto quartis. O chumbo prevalece sob a forma predominantemente 88 particulada. Como se pode observar no Quadro 5.2, o zinco, o cobre e o cádmio são considerados mais solúveis que o chumbo. QUADRO 5.2 - Percentagem média das fracções dissolvida e particulada de metais em escorrências pluviais de vias rodoviárias (adaptado de Hvitved-Jacobsen e Youssef 1991). Poluente Chumbo Zinco Cobre Níquel Crómio Cádmio Ferro Percentagem média fracção dissolvida fracção particulada 21 79 57 43 70 30 76 24 65 35 72 28 27 73 5.3.2.3. Outros Poluentes Em determinados casos, os óleos e gorduras, os nutrientes (N e P) e as substâncias com carência de oxigénio (como matéria orgânica biodegradável) podem assumir, no contexto da poluição global veiculada pela água pluvial, uma importância relevante. Segundo Reynolds 1985, as concentrações de óleos e gorduras em escorrências pluviais de vias rodoviárias pode variar, em regra, entre 1 e 27 mg/l, com um valor médio de 9 mg/l. Esses valores correspondem a cargas entre 0,32 e 12,5 kg/(km.cm de precipitação). Em Hvitved-Jacobsen e Youssef 1991 são apresentados valores médios obtidos numa estação de amostragem para a carência química de oxigénio e fósforo total, respectivamente de 15 mg/l, e 0,79 mg/l. No entanto, o possível intervalo de variação desses parâmetros pode ser muito elevado. 5.3.2.4. Impacte nos meios receptores e disposições de controlo e tratamento. A drenagem das escorrências pluviais para os meios hídricos receptores pode reflectirse em termos de aumento de turvação da água, acumulação de sedimentos com carência de oxigénio, bioacumulação de substâncias tóxicas nos organismos bentónicos, alteração no sabor e cor e modificação na qualidade e na diversidade da fauna aquática. Essas alterações podem ser anuladas ou, pelo menos, minimizadas, implementando várias medidas e procedimentos, de entre os quais se incluem os seguintes: a) tratamento das escorrências pluviais por escoamento superficial (em terminologia anglo-saxónica overland flow) - neste caso, o líquido escoa-se sobre solo impermeável, mas com coberto vegetal, que actua como “filtro biológico”; b) tratamento por retenção e detenção em lagoas ou bacias com toalha de água permanente; 89 c) tratamento por infiltração rápida (em terminologia anglo-saxónica rapid filtratation) em bacias ou valas apropriadas - neste caso, a massa líquida é descarregada em terrenos permeáveis e percola através do solo, num meio filtrante; d) tratamento por aplicação em zonas húmidas (em terminologia anglo-saxónica wetland treatment), onde se favorece o desenvolvimento de ecossistemas com capacidade para assimilarem os poluentes afluentes; e) tratamento em lagoas ou bacias a seco - no caso deste tipo de bacia, elas só se enchem ocasional e temporariamente, durante os períodos de precipitação. Enquanto uma fracção significativa das partículas em suspensão pode ser removida por sedimentação ou filtração, outras substâncias poluentes são removidas da massa líquida por processos químicos e biológicos. Os solos não inundados parecem ter enorme capacidade para reter e mobilizar metais pesados, como o chumbo. A construção de bacias de retenção para reduzir cargas poluentes pluviais é uma prática corrente nos Estados Unidos da América e em vários Países Europeus. As bacias com longos tempos de retenção (da ordem das semanas ou meses) são, em regra, bastante eficientes em termos de tratamento. Uma fracção significativa dos metais pesados e do fósforo fica “imobilizada” nos sedimentos do fundo das bacias. A concentração de azoto reduz-se por acção de processos de nitrificação-desnitrificação. Quando as bacias têm dimensões adequadas, a eficiência de remoção de sólidos suspensos e chumbo pode ascender a 90%, enquanto a eficiência de remoção de fósforo pode ascender a 65% e a eficiência de remoção da CBO (carência bioquímica de oxigénio), CQO (carência química de oxigénio), azoto total, cobre e zinco poderá ascender a 50%. 5.4. Cálculo de caudais pluviais 5.4.1. Considerações introdutórias Em hidrologia urbana, os fenómenos intrínsecos à transformação de precipitação em escoamento, no percurso que vai desde o início do evento pluviométrico até ao escoamento na secção final da bacia urbana (parte do ciclo hidrológico que interessa à problemática da drenagem pluvial), são por natureza complexos. A sua complexidade reside na aleatoriedade e variabilidade temporal e espacial da precipitação, na heterogeneidade e dimensão da bacia urbana com toda a tipologia de superfícies (impermeáveis, semipermeáveis e permeáveis), passeios, valetas, dispositivos de entrada na rede de drenagem enterrada e na própria complexidade associada à hidráulica do escoamento. A primeira abordagem científica do processo de transformação da precipitação em escoamento tem hoje cerca de um século de existência. Depois das fórmulas propostas por Mulvaney e Burkli-Ziegler, Kuichling, engenheiro municipal de Rochester (Nova York), publica pela primeira vez a conhecida fórmula racional. Esta e outras fórmulas empíricas que se lhe seguiram constituíam uma abordagem global simplificada da realidade dos fenómenos. O seu principal objectivo visava a determinação de caudais de ponta, com a finalidade de dimensionar obras de drenagem. Caracterizavam-se pela lógica dos conceitos, simplicidade e facilidade de compreensão. Posteriormente, em todo o mundo, muitos trabalhos científicos tomaram como ponto de partida a fórmula racional americana, modificando-a através da explicitação dos seus parâmetros de base 90 e da introdução de novos parâmetros, dando origem a um grande número de formulações do tipo racional (Rafaela Matos 1987). Tomando como ponto de partida os valores de caudais, o dimensionamento hidráulico dos colectores recorre na generalidade a fórmulas hidráulicas bem conhecidas e atende a critérios estudados, o que faz com que os procedimentos de cálculo desta etapa sejam constituídos por um conjunto de regras sequenciais, quase unanimemente aceites e pouco díspares no que diz respeito às opções em jogo. O mesmo não se pode dizer dos métodos de cálculo de caudais, cuja diversidade, multiplicada pelas sua inúmeras variantes, decorrentes do número e tipo de parâmetros e da gama de valores que cada um pode assumir, abrange um campo muito vasto. A sua abordagem pode ser feita recorrendo a métodos simplificados (ferramentas clássicas do projectista, fazendo uso do cálculo manual), ou a métodos mais elaborados, baseados em modelos matemáticos mais ou menos complexos, pressupondo o recurso ao cálculo automático e à utilização de meios computacionais. De entre os métodos simplificados, ocupa o lugar de destaque o método racional, reconhecidamente o de maior utilização e divulgação à escala mundial. Apesar das suas limitações e das críticas de que tem sido alvo por alguns autores, o método racional é ainda o método de cálculo de caudais consignado em regulamentos e normas recentes de diversos países desenvolvidos. Nestes documentos são feitas referências em alguns casos a modelos matemáticos, sem no entanto aconselharem a utilização de qualquer um em particular. 5.4.2. Métodos de cálculo tradicionais em Portugal A situação portuguesa, no que respeita a métodos de cálculo de caudais pluviais em áreas urbanas, tem-se caracterizado, nos últimos vinte anos, pela utilização quase generalizada do método racional e do método racional generalizado (Costa 1956 e 1983) e pela utilização mais restrita do método italiano ou método dos volumes de armazenamento e método de Martino (Lencastre 1952 e Cary e Salsinha 1983). Outros métodos ou procedimentos, como os procedimentos dos Serviços de Conservação do Solo dos Estados Unidos da América (S.C.S.), terão tido aplicação muito mais restrita em Portugal. Em bacias rurais ou semi-rurais, e de média e grande extensão, a aplicação dos métodos atrás referidos não é recomendável, dispondo a comunidade técnico-científica de diversos modelos, mais complexos e mais apropriados. Entre esses inclui-se, por exemplo, o modelo determinístico conceptual NWSIST, apresentado em Hipólito 1985. Ao contrário das bacias rurais, as bacias urbanas são caracterizadas por uma consideravelmente maior impermeabilização dos solos (afecta à construção dos edifícios, vias de comunicação, parques de estacionamento, etc...), e à existência de extensas redes de colectores, com o consequente aumento das velocidades de escoamento e redução do tempo de resposta das bacias de drenagem. As bacias ou sub-bacias urbanas são, também, em regra, de pequena dimensão, raramente excedendo a centena de hectares. 91 Embora estas folhas não tenham como objectivo principal a análise de métodos de cálculo de caudais pluviais, entendeu-se recomendável relembrar e apreciar as limitações do método racional e método racional generalizado, tendo em conta a sua aplicação a bacias de drenagem urbanas. MÉTODO RACIONAL - COEFICIENTE C A origem e autoria dos princípios da fórmula racional (embora à data não intitulada como tal) é atribuída a Mulvaney, engenheiro irlandês que em 1851 publicou o artigo “On the use of the self-registering and flood gauges in making observations on the relation of rainfall and flood discharges in a given catchment”. Esta publicação foi no entanto completamente ignorada até 1889, altura em que Emil Kuickling, engenheiro municipal de Rochester (estado de Nova York) introduziu a expressão nos Estados Unidos da América intitulando-a de fórmula racional. Esta fórmula foi posteriormente divulgada em Inglaterra por Lloyd-Davis, e a sua utilização generalizou-se a muitos outros países, nas décadas que se seguiram. O método racional, aplicado à determinação de caudais de ponta pluviais, pode ser expresso pela seguinte equação: Qp = C I A (5.1) sendo, Qp - caudal de ponta (m3/s) C - coeficiente (-) I - intensidade de precipitação (m3/(ha.s)) A - área da bacia de drenagem (ha) As hipóteses de base do método residem no conceito de tempo de concentração e na linearidade da relação precipitação útil (C x I) - caudal (Q). O tempo de concentração pode ser definido, como se sabe, como o tempo dispendido no percurso de água precipitada, desde o ponto hidraulicamente mais afastado da bacia até à secção em estudo. A parcela de precipitação que origina escoamento na rede de colectores pode ser denominada precipitação útil. Da hipótese de linearidade resulta que a ocorrência do caudal de ponta coincide com o instante em que a totalidade da bacia está a contribuir para o escoamento, ou seja, ao fim de um intervalo de tempo igual ao tempo de concentração, tc. O valor da intensidade de precipitação a considerar é, assim, o valor da intensidade média máxima para uma duração igual ao tempo de concentração. Como este valor está sempre associado a uma frequência de ocorrência (ou período de retorno T), ao valor do caudal máximo está implicitamente associada a mesma frequência. No método racional a relação Qp/I é linear (assim como a relação Qp/A). A variável de entrada é a intensidade de precipitação I(tc,T) e o operador de transformação é representado por C x A. Na expressão (5.1) o coeficiente C engloba vários factores, não só a relação entre o volume de água escoada e a precipitação (ou seja, o coeficiente de escoamento 92 propriamente dito) mas também efeitos, mais ou menos importantes, de retenção, regolfo e atraso do escoamento superficial ao longo do terreno, linhas de água naturais e colectores. Todos estes efeitos dependem não só das características físicas e de ocupação da bacia mas, também, designadamente do estado de humidade do solo e da duração e distribuição da precipitação antecedente. Desde os estudos clássicos, publicados por Horner e Flynt (in COSTA 1983), e referentes ao estudo de três pequenas bacias de drenagem de águas pluviais da cidade de St. Louis (EUA) que se sabe que o coeficiente C está longe de se poder considerar constante se, em relação às chuvadas, se estabelecerem relações entre precipitações e caudais por elas produzidos. Para uma dada bacia, o coeficiente C poderá variar, por exemplo, entre 0,2 e 0,8, dependendo tal da precipitação que lhe deu origem. Não é pois legítimo avaliar frequências de caudais a partir da frequência de precipitações nem viceversa. No entanto, Horner e Flynt tiveram a ideia de estudar precipitações e caudais como fenómenos independentes a as relações então estabelecidas permitiram mostrar uma certa constância entre precipitações e caudais da mesma frequência. A chamada fórmula racional tem um significado meramente estatístico e não é, assim, adequada à avaliação de condições registadas caso a caso. Ou seja, não é legítimo adoptá-la para o cálculo do caudal de ponta pluvial correspondente a um determinado hietograma típico, não uniforme. Neste caso, tem especial sentido recorrer a métodos mais sofisticados, que considerem o caudal como um resíduo da precipitação. Estes métodos são também aconselháveis quando se pretenda gerar um hidrograma a partir de um determinado hietograma. A intensidade de precipitação I deve ser avaliada para condições críticas. Ou seja, devese admitir que toda a área da bacia contribui para a avaliação do caudal na secção de interesse o que, por definição, acontece a partir do momento em que a duração da chuvada iguala o tempo de concentração da bacia. Para durações inferiores ao tempo de concentração, nem toda a bacia contribui para o caudal de ponta máximo. Para durações superiores, é menor a intensidade de precipitação e, portanto, menor o caudal correspondente. Apesar do inestimável valor do método racional, que permite calcular com facilidade e rapidez caudais com qualquer frequência, tem sido contestada a sua aplicação para bacias com áreas superiores a 200 a 2000 ha, nomeadamente no caso de serem bacias rurais ou semi-rurais. No Quadro 5.3 e no Quadro 5.4 são apresentados valores do coeficiente C, aplicáveis a vários tipologias de superfície e de ocupação. Estes quadros são propostos, respectivamente por CONCRETE PIPE HANDBOOK 1958 e MANUAL Nº 37 da ASCE. O Quadro 5.5, proposto pelo DRAINAGE CRITERIA MANUAL 1977, apresenta o coeficiente C em função da tipologia de superfície e do próprio período de retorno da precipitação crítica. Nos Estados Unidos da América, na Rússia e em alguns outros países, o recurso a estas tabelas ou a outras afins constitui o procedimento consignado nos seus regulamentos nacionais. 93 MÉTODO RACIONAL - PRECIPITAÇÃO DE PROJECTO Em todas as formulações do tipo racional, a precipitação é representada pelos valores da intensidade média máxima, de duração igual ao tempo de concentração. Os valores de intensidade média máxima, para qualquer duração e período de retorno, são obtidos directamente a partir de expressões analíticas ou de gráficos das curvas intensidade-duração-frequência. Na Figura 5.1 são apresentadas expressões analíticas que traduzem as curvas de intensidade-duração-requência aplicáveis a Portugal Continental, e que figuram no Projecto de Regulamento Nacional de Drenagem de Águas Residuais. A aplicação das expressões analíticas apresentadas na Figura 5.1 requer a prévia definição do período de retorno que, em regra e em zonas urbanas, é considerado entre 2 e 25 anos. QUADRO 5.3 - Coeficiente “C” em função da tipologia de superfície (adaptado de Concrete Pipe Handbook 1958). Tipo de superfície Valores a utilizar na drenagem de aeroportos Coberturas impermeabilizadas de edificações Pavimento asfáltico Pavimento em betão Pavimento em gravilha de macadame Solo impermeável Solo impermeável, relvado Solo pouco permeável Solo pouco permeável, relvado Solo moderadamente permeável Solo moderadamente permeável, relvado Valores a utilizar na drenagem de áreas urbanas Coberturas impermeabilizadas de edificações, pavimentos impermeáveis Pavimentos de calçada Pavimentos de macadame Pavimentos de gravilha Parques 94 Coeficiente 0,75 - 0,95 0,80 - 0,95 0,70 - 0,90 0,35 - 0,75 0,40 - 0,60 0,30 - 0,55 0,15 - 0,40 0,10 - 0,30 0,05 - 0,20 0,00 - 0,10 0,70-0,90 0,50-0,70 0,25-0,60 0,15-0,30 0,05-0,30 Figura 5.1 - Curvas de intensidade-duração-frequência aplicáveis a Portugal Continental (adaptada de Matos e Silva 1986). 95 QUADRO 5.4 - Valores médios do coeficiente “C” para utilização na fórmula racional (Manual nº 37, ASCE Tipologia de ocupação Comercial no centro da cidade nos arredores Residencial habitações unifamiliares prédios isolados prédios geminados suburbano Industrial pouco denso muito denso Parques e cemitérios Campos de jogos Tipologia de superfície Pavimento asfáltico betão Passeios para peões Coberturas (telhados) Relvado sobre solo permeável plano < 2% médio, 2% a 7% inclinado > 7% Relvado sobre solo impermeável plano < 2% médio, 2% a 7% inclinado > 7% Coeficiente 0,70 - 0,95 0,50 - 0,70 0,30 - 0,50 0,40 - 0,60 0,60 - 0,70 0,25 - 0,40 0,50 - 0,80 0,60 - 0,90 0,10 - 0,25 0,20 - 0.40 Coeficiente 0,70 - 0,95 0,80 - 0,95 0,85 0,75 - 0,95 0,05 - 0,10 0,10 - 0,15 0,15 - 0,20 0,13 - 0,17 0,18 - 0,22 0,25 - 0,35 Os menores valores para o período de retorno são admitidos no cálculo de caudais de ponta para o dimensionamento de colectores de pequenos diâmetro, instalados em áreas planas e com reduzida ocupação urbana. Os valores superiores podem ser considerados no caso de zonas fortemente edificadas, com colectores de dimensão relevante, em que os riscos de inundações sejam manifestamente elevados. O tempo de concentração, em particular o tempo de entrada na secção inicial dos colectores, é uma variável para cuja determinação existe um número largamente diversificado de expressões de cálculo. No Quadro 5.6 Apresentam-se algumas das expressões mais conhecidas e no Quadro 5.7, que lhe é complementar, os valores atribuídos aos coeficientes de rugosidade das fórmulas de Izzard (k) e de Kerby (N). 96 QUADRO 5.5 - Coeficiente “C” em função do período de retorno, para diversas tipologias de ocupação (adaptado de Drainage Criteria Manual 1977 Coeficiente Período de retorno (anos) 5-10 25 100 Tipologia de superfície Pavimento asfáltico betão Passeios Coberturas (telhados) Relvado em solo permeável plano < 2% médio, 2% a 7% inclinado > 7% Relvado em solo impermeável plano < 2% médio, 2% a 7% inclinado > 7% Área florestada em solo impermeável plano < 2% médio, 2% a 7% inclinado > 7% Área florestada em solo permeável plano < 2% médio, 2% a 7% inclinado > 7% 0,80 0,85 0,85 0,85 0,88 0,93 0,93 0,93 0,95 0,95 0,95 0,95 0,07 0,12 0,17 0,08 0,13 0,19 0,09 0,15 0,21 0,18 0,22 0,30 0,20 0,24 0,33 0,22 0,27 0,37 0,12 0,20 0,30 0,13 0,22 0,33 0,15 0,15 0,37 0,30 0,40 0,50 0,33 0,44 0,55 0,37 0,50 0,62 QUADRO 5.6 - Fórmulas para o cálculo do tempo de escoamento superficial, tc (min) (adaptado de Rafaela Matos 1987). Fórmula tc Origem tc = 41 (0,0007 I1/3 + K/I2/3) (L/C2S)1/3 IZZARD 1946 KERBY 1959 tc = 0,83 (NL/ S)0,467 Simbologia: L - comprimento do percurso de escoamento superficial (pés) S - declive médio da bacia - (adimensional) I - intensidade da precipitação (polegadas por hora) K,N, - valores constantes do QUADRO 97 Observações IL < 500 L ≤ 1200 QUADRO 5.7 - Valores dos coeficientes de rugosidade das fórmulas de Izzard (K) e de Kerby (N). Tipologia da superfície Pavimento asfáltico liso Pavimento arenoso liso Pavimento em betão Pavimento de gravilha K 0,0070 0,0075 0,012 0,017 Tipologia da superfície Impermeável liso Solo compactado liso Relvado disseminado, superfície rugosa Pastagens; relva densa N 0,02 0,10 0,20 0,40 Em bacias tipicamente urbanas, em que as áreas de drenagem dos colectores de cabeceira são bastante impermeabilizadas, o tempo de entrada é em geral fixado arbitrariamente, com variação entre certos limites. Estes limites podem no entanto variar significativamente em função do tipo de solo, da tipologia de ocupação urbanística e do declive superficial. Assim, são tomados como referência valores de 2 a 4 minutos na Grã-Bretanha e Suécia, valores de 5 a 30 minutos nos EUA e valores de 5 a 10 minutos no Canadá. COSTA 1983 recomenda, para Portugal, valores de 5 minutos em áreas de declive superior a 8%, 7,5 e 10 minutos em áreas de declive compreendido entre 1,5 e 8% e 10 a 15 minutos em áreas de declive inferior a 1,5%. Wisner 1983 apresenta o estudo das curvas de variação do tempo de entrada (te) com a percentagem de áreas impermeáveis (IMP), resultantes de simulação de caudais utilizando o modelo SWMM (Figura 5. 2). Esta figura evidencia a convergência dos valores de te para a faixa de valores de 5 a 10 minutos. No Quadro 5.8 são apresentados valores do tempo de entrada recomendados em Inglaterra e no Canadá. Figura 5.2 - Curva de variação do tempo de entrada (te) com a percentagem de áreas impermeáveis. 98 QUADRO 5.8 - Valores do tempo de entrada, em minutos, recomendados em Inglaterra e Canadá 1/2 5-10 Inglaterra T 1 2 4-8 4-7 Canadá T IMP (%) 5 3-6 2 13 9 8 8 30 50 70 90 5 10 8 7 7 25 8 7 6 6 100 5 5 5 5 IMP - Áreas impermeáveis T - período de retorno (anos) MÉTODO RACIONAL GENERALIZADO Uma das maiores dificuldades do método racional consiste na previsão de caudais de ponta em bacias com baixas percentagens de áreas impermeáveis. Efectivamente, o método racional, na sua simplicidade de aplicação, não permite, nesses casos, qualquer grau de rigor (COSTA 1983). Em áreas livres, os coeficientes C podem variar bastante, correndo-se o risco de, subjectivamente, subestimar-se (ou sobrestimar-se) o caudal de ponta várias vezes. Daí a razão de certos autores recomendarem a aplicação do método racional apenas para o cálculo de caudais de ponta pluvial em zonas urbanas. Costa 1956 deduz que a fórmula racional é apenas um caso particular de uma fórmula mais geral, aplicável a bacias com qualquer percentagem de áreas impermeáveis. Aquele autor propõe a expressão: Q = 2 (v1/v) (t/tc) γ C i A (5.2) em que v1 e v (m3) representam, respectivamente, o volume correspondente à parte ascendente do hidrograma e o volume total do mesmo, t (hr) a duração da precipitação de projecto, tc (hr) o tempo de concentração da bacia e γ o coeficiente de regolfo. O quociente 2v1/v reflecte a percentagem de água precipitada que não sofre atraso ou efeito de armazenamento superficial e que, efectivamente, contribui para o caudal de ponta. O quociente t/tc exprime, em termos quantitativos, o facto do escoamento nas linhas de água principais ser muito mais rápido do que nas linhas de água secundárias ou sobre o terreno, o que faz com que, no momento em que se regista o caudal de ponta, não esteja realmente a contribuir toda a bacia. O coeficiente de regolfo γ reflecte o facto do regime de escoamento estabelecido não ser uniforme e criarem-se efeitos de regolfo (movimento gradualmente variado) que atrasam o escoamento e amortecem os caudais máximos. O quociente 2 v1/v que exprime um efeito de retenção e armazenamento, é mínimo em bacias naturais, onde toma o valor 0,65 (Costa 1983). Em bacias totalmente impermeáveis este quociente iguala a unidade. O quociente t/tc, que exprime o desfasamento entre o fim da chuvada e o instante em que se verifica o caudal de ponta, é também mínimo para bacias naturais, onde toma o valor 0,7 (Costa 1983). Em bacias totalmente impermeáveis ou altamente canalizadas, admite-se que tal factor iguale a unidade. 99 Na Figura 5.3 Apresentam-se, relações gráficas que permitem calcular, de forma expedita, o coeficiente de redução global do método racional generalizado. Como se já referiu anteriormente, este coeficiente é calculado, analiticamente, de acordo com a expressão: C1 = C (2 v1/v) (t/tc) (5.3) O modo como este método é tabelado e apresentado torna a sua aplicação bastante simples e expedita. Figura 5.3 - Cálculo expedito do coeficiente de redução global do método racional generalizado. 100 APRECIAÇÃO DOS MÉTODOS DE CÁLCULO Uma das críticas mais frequentemente apontada ao longo dos anos ao método racional foi a de sobrestimar os valores dos caudais de ponta, pelo facto de não ter em conta na sua expressão (Q = CIA), e de forma directa, os efeitos de armazenamento na rede de colectores. No método italiano, pelo contrário, esta preocupação é privilegiada e atendida pela sua formulação analítica, baseada na equação da continuidade, que é, na realidade, uma equação de balanços de volumes (fazendo intervir directamente o volume armazenado). Estudos recentes em diversos países, baseados na análise comparativa dos resultados obtidos com modelos hidrológicos mais ou menos sofisticados de dimensionamento versus método racional, ou resultados experimentais versus este método, têm evidenciado uma tendência de que o método racional subestima os caudais de cálculo para tempos de concentração sensivelmente superiores a 20 minutos (Matos 1987). A formulação contida na fórmula racional parece conter simplificações que actuam em sentidos opostos relativamente à estimação de caudais (sobreavaliação e subavaliação). À luz dos conhecimentos actuais, e no contexto de bacias urbanas, as simplificações de natureza hidrológica (actuando no sentido de uma subavaliação dos caudais, pela representação por defeito do volume das precipitações reais) têm uma incidência e um peso maior do que as simplificações de natureza hidráulica (actuando no sentido de uma sobreavaliação, pela não consideração do armazenamento na rede de colectores). O método italiano baseia-se numa formulação de base conceptualmente correcta, simulando o comportamento de uma rede de colectores através de um modelo de reservatório. No entanto, as hipóteses básicas utilizadas para a sua integração formal contêm, por um lado, todas as simplificações de uma formulação racional (propagação cinemática de caudais, caudal de entrada na rede obtido pela fórmula racional) e, por outro, o pressuposto do “sincronismo” da rede de colectores, conduzindo a um efeito de amortecimento por vezes excessivo. Alguns procedimentos complexos podem ser introduzidos para considerar a hipótese do “não sincronismo”, o que torna a prática do método ainda mais laboriosa. Segundo Matos 1987, o método racional é susceptível de operações de calibração dos seus parâmetros, o que lhe permite obter uma capacidade de resposta, em termos de caudal de ponta, semelhante à de modelos complexos de dimensionamento, para bacias cuja dimensão não exceda valores da ordem de uma ou duas centenas de hectares, continuando a manter o atractivo de uma ferramenta simples de pôr em prática. A título de exemplo, e como nota curiosa, os “derivados” mais recentes do método racional em Inglaterra (consignado no WALLINGFORD PROCEDURE) e no Canadá (consignado no IMPSWM PROCEDURES) utilizam um coeficiente de ajustamento, o designado routing coeficcient, igual a 1,3, o que corresponde a recomendar um agravamento de 30% aos valores obtidos a partir da fórmula racional clássica. Os métodos do tipo racional não devem ser utilizados em modelos de simulação e gestão. Para estes casos, há que utilizar modelos matemáticos que permitam uma representação mais precisa e elaborada dos processos hidrológicos e hidráulicos, com 101 uma capacidade de resposta mais eficiente, possibilitada por meios de cálculo mais poderosos. 5.5. Escoamento de superfície e capacidade de dispositivos interceptores 5.5.1. Considerações introdutórias A passagem do escoamento superficial (através de valas, valetas e bermas) a profundo (através de colectores) processa-se por dispositivos interceptores, como as sarjetas de passeio e os sumidouros. O projecto tradicional de sistemas de drenagem de águas pluviais tem-se restringido, em regra, ao dimensionamento de colectores tendo em vista o transporte, com secção cheia, dos caudais de projecto, relegando para um plano secundário, por vezes injustificadamente, o adequado estudo da localização e dimensionamento dos dispositivos interceptores de águas pluviais, como as sarjetas de passeio e os sumidouros. No entanto, e no que concerne a capacidade de vazão de sarjetas de passeio e sumidouros, existem trabalhos teóricos e pesquisas de laboratório que cobrem um campo experimental relativamente vasto, dentro do qual pode ser incluída a maioria dos casos que se apresentam na prática. 5.5.2. Escoamento de superfície em valetas Para o cálculo do escoamento em superfície livre em valeta, pode ser aplicada a expressão de Gauckler-Manning-Strickler: Qo = Ao/N R2/3 i1/2 (5.4) em que Qo (m3/s) é o caudal escoado. Ao (m2) é a área da secção molhada, N (m-1/3s) é o coeficiente de rugosidade de Manning, R (m) é o raio hidráulico e i (m/m) é o declive longitudinal da valeta. Se o arruamento tiver um declive transversal constante, então o escoamento, que se admite ser em regime uniforme, processa-se em secção triangular e a expressão (5.4) pode ser dada em função da água junto ao lancil, da seguinte forma: yo = (1,542 Qo3/8 N3/8) / (Z3/8 i3/16) (5.5) em que yo (m) é a altura de água junto ao lancil e z = tg θo é a tangente do ângulo que o plano do arruamento forma com o plano vertical, tal como se ilustra na Figura 5.4. A expressão (2.5) foi deduzida admitindo que o perímetro molhado pode ser aproximado à largura superficial do escoamento. 102 Figura 5.4 - Representação esquemática do escoamento em valeta. Note-se que as expressões (2.4) e (2.5) só são aplicáveis quando se admite que o escoamento se processa em regime uniforme. Ou seja, quando as secções de cálculo se situam a jusante de troços, de comprimentos superiores a 15 m, com características geométricas sensivelmente constantes. Apresenta-se, seguidamente, uma tabela de coeficientes de rugosidade de Manning, usualmente adoptadas em projecto (Wilken 1978): N (m-1/3s) - Para pavimentos betuminosos . de textura lisa ..................................................................................... 0,013 . de textura rugosa ................................................................................ 0,016 - Para pavimentos de betão . com acabamento não manual ............................................................. 0,014 . com acabamento manual (superfície lisa) .......................................... 0,016 . com acabamento manual (superfície rugosa) ..................................... 0,020 5.5.3. Critérios para localização dos dispositivos interceptores A localização de dispositivos interceptores deve ser fixada tendo em conta critérios de escoamento superficial em zonas urbanas, designadamente critérios de limitação de altura e velocidade do escoamento e de limitação de caudal. Critério do não transbordamento Adoptando como princípio que as águas pluviais tenham um trajecto superficial o mais extenso possível, os dispositivos interceptores devem ser localizados em secções onde a valeta, definida pela superfície do arruamento e a face vertical do passeio, atinja a sua capacidade limite. É conveniente considerar a altura de água de projecto como uma fracção da altura do lancil, tendo em conta os efeitos da turbulência presentes no escoamento. Parece ainda procedimento razoável considerar que o valor dessa fracção não seja superior a 0,8. O período de retorno a considerar para os transbordamentos é variável de caso para caso. Em zonas urbanas não é de considerar, em princípio, para esses acontecimentos, períodos de retorno inferiores a dois anos. 103 Critério da limitação de velocidade É aconselhável limitar a velocidade média do escoamento da água pluvial nos arruamentos a um valor que não provoque desgaste significativo dos pavimentos, nem incómodos exagerados aos peões e condutores de velocípedes e motociclos. O valor de 3 m/s é, em regra, aceite como limite máximo da velocidade superficial e, em arruamentos de declive acentuado, tal valor pode ser atingido antes que a altura de escoamento ultrapasse o valor máximo admissível. Daí a razão de ser deste critério. Critério da limitação de caudal Aos dois critérios atrás referidos é recomendável, em regra, acrescentar um terceiro, que limite o valor do caudal máximo por valeta a 300 l/s. Valores acima deste limite, para os dispositivos interceptores geralmente usados (desde sarjetas de passeio até duplos sumidouros de duas grades) conduzem a eficiências de comportamento bastante baixas. Podem, no entanto, existir situações particulares em que não seja razoável considerar tal critério. Considerações complementares Os três critérios apresentados são válidos tanto para o escoamento superficial em bacias de cabeceira como em bacias interiores. A aplicação destes critérios permite definir a localização dos dispositivos interceptores, nada adiantando, no entanto, no que respeita ao tipo e dimensão dos mesmos, os quais deverão ser definidos tendo em conta a garantia de uma eficiência hidráulica média entre 75 e 85%, entendendo-se como eficiência hidráulica a razão entre o caudal captado e o caudal total afluente ao dispositivo interceptor. 5.5.4. Capacidade hidráulica de dispositivos interceptores 5.5.4.1. Capacidade de sarjetas de passeio. Exemplo de cálculo. Entende-se por sarjeta de passeio, o dispositivo cuja caixa de recolha está situada sob o passeio, processando-se a entrada de água por uma abertura lateral, localizada na face vertical do lancil, tal como se ilustra na Figura 5.5. Em Portugal, os tipos, as características e as condições de emprego das sarjetas estão normalizadas (NP-676). As sarjetas de lancil (ou de passeio) designam-se, também, do tipo L. 104 Figura 5.5 - Representação esquemática de uma sarjeta de passeio sem depressão (adaptada de Sousa e Matos 1990 a)). O volume de água que um dispositivo deste tipo pode interceptar varia com as características geométricas da valeta a montante. Por outro lado, o facto do declive transversal da valeta na zona adjacente à sarjeta de passeio ser constante ou variável (caso haja depressão localizada) tem influência importante no seu comportamento hidráulico. Segundo Sorteberg e Geyer 1951, a capacidade de sarjetas de passeio sem depressão pode ser calculada pela seguinte expressão: Q = L K yo3/2 g1/2 (5.6) sendo, Q- caudal captado pela sarjeta (m3/s); L- comprimento da boca da sarjeta (m); yo - altura uniforme do escoamento, a montante da sarjeta (m); g- aceleração da gravidade (m/s2); K- constante empírica, função da inclinação transversal do arruamento, cujo valor é 0,23 ou 0,20, consoante aquela inclinação é de 8% ou de 2 a 4%, respectivamente. Caso haja depressão, tal como se ilustra na Figura 5.6, a expressão (5.6) deve ser corrigida, de modo a que se possa ter em linha de conta o efeito do incremento de carga hidráulica na capacidade de vazão do dispositivo. 105 Figura 5.6 - Representação esquemática de uma sarjeta de passeio com depressão (adaptada de Sousa e Matos 1990 a)). Neste caso, admitindo que os comprimentos dos troços a montante e a jusante da depressão, respectivamente L1 e L2, se relacionam com o valor da depressão “a” pelas seguintes expressões L1 ≥ 10 a e L2 = 4 a, obtém-se a expressão de cálculo: Q = L (K+C) yo3/2 g 1/2 (5.7) sendo, F = V2/(g y) (5.8) M = LF/(a tg θ) (5.9) C = 0,45/1,12M (5.10) θ- ângulo que o plano do pavimento forma, na depressão, com o plano vertical do lancil do passeio (graus); y- altura do escoamento na extremidade de montante da sarjeta de passeio, junto ao lancil (m); V- velocidade média do escoamento na secção correspondente à altura de escoamento, y (m/s) L, yo, g e K são parâmetros com o significado anteriormente definido. Os valores da altura, y, e da velocidade média do escoamento, V, podem ser determinados aplicando o teorema de Bernoulli generalizado entre as secções que se situam, respectivamente, imediatamente a montante da depressão e da sarjeta, sendo corrente admitir-se, nesse trecho, uma perda de carga unitária igual à do regime uniforme a montante. Nestas condições, a altura de escoamento, y, pode ser obtida resolvendo iterativamente a seguinte expressão: Q2/(2gAo2) + yo + a = Q2/(2 gA2) + y (5.11) 106 sendo, Ao, A - secções de escoamento correspondentes, respectivamente, à altura do regime uniforme yo e à altura y (m2); Q - caudal de projecto (m3/s). No caso de L2 = 4a ou a ≠ b, admite-se que o valor do parâmetro C, que figura na expressão (2.7), seja obtido a partir da expressão: C = 0,45/1,12N (5.12) sendo N = LF/(a' tg θ) e a' = (b-J L2)/(1-4J). Com objectivos ilustrativos apresenta-se, seguidamente, um exemplo de cálculo da capacidade hidráulica de uma sarjeta de passeio com depressão. EXEMPLO DE CÁLCULO - Enunciado Determinar a capacidade de escoamento de uma sarjeta de passeio instalada em depressão (a = b = 0,06 m, L1 = 0,60 m e L2 = 0,24 m), com 0,60 m de boca, quando se escoa um caudal de 10 l/s. A depressão desenvolve-se numa largura B1 de 0,60 m. O arruamento onde está instalada a sarjeta de passeio tem um declive longitudinal de 1% e uma tg θo igual a 48 (declive transversal aproximadamente igual a 2%). Admite-se um coeficiente de rugosidade de Manning do pavimento do arruamento de 0,015 m-1/3s. - Cálculos a) Cálculo de yo e Vo yo = 1542 (Q3/8 N3/8)/(tg θo3/8 J3/16) = 0,032 m Vo = Qo/Ao = Qo/(yo2 tg θo /2) = 0,41 m/s b) Cálculo de y, V e Q Com base na expressão (2.11) é possível escrever: Vo2/2g + yo + a = 0,412/19,6 + 0,032 + 0,06 = 0,1006 = Qo2/(g y2 tg θ) + y Nestas condições, resolvendo iterativamente esta expressão, obtêm-se os seguintes valores: y = 0,097 m; A = (y2 tg θ)/2 = 0,0972 x 8,276/2 = 0,039 m2 107 V = Qo/A = 0,01/0,039 = 0,26 m/s F = V2/ gy = 0,0262 / (9,8 x 0,097) = 0,071 M = LF/(a tg θ) =(0,6 x 0,071) / (0,06 x 8,276) = 0,086 Q = L (K+C) yo3/2 g1/2 = 0,6 x (0,20+0,45/1,120,086) x 0,0323/2 x 9,81/2 = = 0,007 m3/s = 7 l/s A tangente do ângulo θ (ângulo que o plano do pavimento forma, na depressão, com o plano vertical do lancil do passeio) foi calculada por intermédio da seguinte expressão: tg θ = B1 / [(B1/tg θo) + a] = 0,6 / (0,6/48+0,06) = 8,276 5.5.4.2. Capacidade de sumidouros. Exemplos de cálculo Designa-se por sumidouro um dispositivo cuja caixa de recolha de água pluvial está situada sob uma ou mais grades, por onde se processa a entrada de água captada, tal como se ilustra na Figura 5.7. Figura 5.7 - Representação esquemática de um sumidouro sem depressão (adaptada de Sousa e Matos 1990 a)). Neste dispositivo, os motivos de se não captar todo o caudal são os seguintes: - escoamento entre a primeira abertura da grade e o passeio (q1); - escoamento exterior à grade, pelo arruamento (q2); - escoamento sobre a própria grade, e que prossegue para jusante (q3). É usual dimensionarem-se os sumidouros de modo a que a parcela q3, de caudal não captado, seja próxima de zero. Se tal não acontecer, o comportamento do dispositivo torna-se muito ineficiente. 108 O comprimento de grade necessário para captar todo o caudal que sobre ela se escoa, e assim anular a parcela q3, é função da velocidade, Vo, da altura de escoamento uniforme, yo, da largura das barras, C1, da distância entre barras, C2 e da aceleração da gravidade, g. Segundo Geyer E Benton 1951, Lo = m Vo (yo/g)1/2 (5.13) sendo, Lo-comprimento útil do sumidouro (m); m-constante empírica, cujo valor deve ser considerado igual a 4, se a grade do sumidouro não contiver barras transversais, e igual a 8, no caso se ter três daquelas barras. Os restantes símbolos têm o significado já anteriormente apresentado. No caso de sumidouros instalados em arruamentos onde o declive transversal não é constante, tal como se ilustra na Figura 5.8, a secção de escoamento pode não ser triangular. Nessas circunstâncias, a altura e a velocidade média do escoamento correspondentes ao regime uniforme, a montante do dispositivo, podem ser calculadas iterativamente, sendo, ainda, aplicável a expressão (2.13) anterior. Figura 5.8 - Representação esquemática de um sumidouro com valeta rebaixada. O caudal, q1 (m3/s), que se escoa entre a primeira abertura da grade e o lancil do passeio é função da altura da água, yo (m); da velocidade média, Vo (m/s); do comprimento do sumidouro L (m); da distância, d (m), entre o lancil e a primeira abertura da grade e da aceleração da gravidade, g (m/s2). É então válida a seguinte expressão: q1/(Vo yo d) = 6,0 [Vo/g yo)1/2] (d/L)2 (5.14) Nas condições usuais do escoamento, o caudal q1 é desprezável, tomando valores inferiores a 1 l/s. Para que o caudal q2, proveniente de escoamento exterior à grade sobre o arruamento, se anule, é necessário que o sumidouro tenha um comprimento superior um valor crítico. Este comprimento crítico, L' (m), pode ser dado em função dos valores de yo (m), Vo (m/s), θo (graus), g (m/s2) e da largura da grade B (m), de acordo com a seguinte expressão: 109 (L'/Vo) (g/y')1/2 = 1,2 tg θo (5.15) sendo y' = yo - (B/tg θo). Quando houver depressão junto ao lancil do passeio, a expressão (5.15) toma a seguinte forma: (L'/Vo) (g/y')1/2 = 1,2 tg θ (5.16) sendo y' = yo - (B/tg θ). Se o comprimento do sumidouro for inferior ao valor crítico, L', o caudal, q2 (m3/s), não é nulo, podendo ser dado pela seguinte expressão: q2 = [(L'-L)/4] g1/2 y'3/2 (5.17) As expressões (5.15) a (5.17) foram deduzidas, experimentalmente, para valores do número de Froude do escoamento [Vo2/(g yo)] superiores a 1 e inferiores a 9. Com o fim de ilustrar a aplicação das expressões apresentadas, desenvolvem-se, em seguida, dois exemplos, relativos ao cálculo da capacidade hidráulica de sumidouros. EXEMPLO DE CÁLCULO 1 - Enunciado Calcular a capacidade hidráulica de um sumidouro, constituído apenas por uma grade com barra transversal, com as dimensões de 0,28 m x 0,56 m, instalado sem depressão, quando se escoa um caudal de 20 l/s, num arruamento com um declive longitudinal de 1% e uma tg θo de 48 (declive transversal = 2%). Admitir que o coeficiente de rugosidade de Manning-Strickler da superfície do arruamento é de 0,015 m-1/3s e que a distância entre o lancil do passeio e a primeira abertura da grade é de 0,03 m. - Cálculos a) Cálculo de yo ,Vo e Lo yo = (1,542 (Q3/8 N3/8)/(tg θo3/8 J3/16) = (1,542x0,023/8x0,'153/8) / (483/8x0,013/16) = = 0,041 m Vo = Qo/Ao = 0,02 / (0,0412x48/2) ≅ 0,50 m/s Lo = m Vo (yo/g)1/2 = 5 x 0,56 x (0,041/9,8)1/2 = 0,18 m No cálculo de Lo considerou-se um valor de constante empírica igual a 5, por o sumidouro ter uma barra transversal. Por outro lado, como Lo < L, então q3 = 0. b) Cálculo de y', L' e q 110 y' = yo - B/tg θo = 0,041 - 0,31/48 = 0,035 m L' = 1,2 tg θo Vo (y'/g)1/2 = 1,2 x 48 x 0,50 x (0,035/9,8)1/2 = 1,72 m q = q1 + q2 = 6,0 [Vo2 d3 (yo/g)1/2/L2] + [(L'-L)/4] g1/2 y'3/2 = = 6,0 x 0,502 x 0,033 x (0,041/9,8)1/2/0,562 + [(1,72-0,56)/4] x x 9,81/2 x 0,0353/2 = 0,006 m3/s Q = Qo - q = 0,02 - 0,006 = 0,014 m3/s Nestas condições, o caudal de captado, Q, é cerca de 70% do caudal afluente, podendo considerar-se a capacidade de escoamento do sumidouro relativamente insatisfatória. EXEMPLO DE CÁLCULO 2 - Enunciado Calcular a capacidade de escoamento de um sumidouro simples de uma grade, nas condições do exemplo anterior, mas com um caudal afluente de 30 l/s, instalado numa valeta rebaixada com uma depressão de 1 cm. - Cálculos Neste caso, a secção de escoamento não é triangular; no entanto, a altura e a velocidade média do escoamento uniforme, junto do sumidouro, podem ser obtidas, por um processo iterativo, com base na seguinte expressão, tendo em conta a geometria da secção em estudo. Qo = (1/N) (Ao5/3/Po2/3) J1/2 0,03 = (1/0,015) (Ao5/3/Po2/3) 0,011/2 Ao = B2/(2 tg θ) + y' (B+y' tg θo/2) y' = y - B/tg θ Po = y + B + y'/cos θo Nestas condições, obtém-se: B = 0,28 + 0,03 = 0,31 m; tg θ = 0,031/(0,01+0,31/48) = 18,835; y = 0,057 m; y' = 0,0405 m; Ao = 0,05447 m2 Vo = Qo/Ao = 0,55 m/s Lo = m Vo (y/g)1/2 = 5 x 0,55 x (0,057/9,8)1/2 = 0,21 m 111 Dado que Lo < L, é admissível considerar q3 = 0. L' = 1,2 tg θ Vo (y'/g)1/2 = = 1,2 x 16,635 x 0,55 (0,0405/9,8)1/2 = 0,80 m Q = q1 + q2 = 6,0 x 0,552 x 0,033/0,562 x (0,057/9,8)1/2 + + [(0,80-0,56)/4] x 9,81/2 x 0,04053/2 = 00015 m3/s Q = Qo - q = 0,03 - 0,0015 = 0,0285 m3/s O caudal captado, Q, representa cerca de 95% do caudal afluente, podendo considerarse que o sumidouro é bastante eficiente. Os exemplos apresentados ilustram bem a importância da depressão no comportamento hidráulico dos sumidouros, em particular dos de tipo simples de uma grade. 5.5.4.3. Capacidade de grades localizadas em zonas baixas. Exemplo de cálculo Ensaios realizados indicam que a capacidade hidráulica de grades (sumidouros) localizadas em zonas baixas depende da carga hidráulica sobre as grades, apresentandose, em Wilken 1978, as seguintes expressões: para h ≤ 0,12 m Q = 0,83 P h3/2 (5.18) para h ≥ 0,42 m Q = 1,45 A h1/2 (5.19) sendo, Q- caudal captado (m3/s); P- perímetro útil exterior da grade, não incluindo o espaço ocupado pelas barras transversais (m); h- carga hidráulica sobre a grade (m); A- área útil da grade (m2). Nas expressões (5.18) e (5.19) anteriores, considera-se um factor de segurança igual a dois, uma vez que é grande a probabilidade de ocorrência de obstruções parciais das grades. Quando a carga hidráulica sobre a grade está compreendida entre 0,12 e 0,42 m, o comportamento hidráulico desta é indefinido. Nestas condições, deve admitir-se que o valor do caudal captado está entre os valores limites obtidos por aplicação das expressões (5.18) e (5.19). EXEMPLO DE CÁLCULO 112 - Enunciado Determinar a capacidade hidráulica de uma grade quadrada, com 0,40 m de largura, implantada na zona baixa de um arruamento. A largura das barras é igual à abertura entre elas, sendo permitida uma carga hidráulica de 0,08 m. As barras estão colocadas apenas numa direcção. - Cálculos P = (0,4+0,4/2) x 2 = 1,2 m Nestas condições, dado que h ≤ 0,12 m, obtém-se: Q = 0,83 P h3/2 = 0,83 x 1,2 x 0,083/2 = 0,23 m3/s 5.5.5. Comparação entre a eficiência hidráulica de vários dispositivos interceptores A eficiência hidráulica dos dispositivos interceptores depende de vários factores, entre os quais se incluem as características do pavimento onde o dispositivo está implantado (declives longitudinal e transversal, rugosidade, existência ou não de depressão), a magnitude do caudal afluente e a configuração geométrica do dispositivo. Em condições médias de funcionamento, salvaguardando-se aspectos particulares relacionados com a existência de obstruções, julgam-se pertinentes os comentários que se seguem: - As sarjetas de passeio têm reduzida capacidade hidráulica, o que não torna a sua utilização recomendável, a não ser que sejam implantadas em zonas rebaixadas (com depressões acentuadas), onde afluam caudais pluviais pouco significativos (inferiores a 20 l/s). - A capacidade hidráulica dos sumidouros simples (isto é, constituídos apenas por uma grade) é, em regra, superior à das sarjetas de passeio. Considera-se, no entanto, de grande conveniência que esses dispositivos sejam implantados em valetas pelo menos levemente rebaixadas (a > 1 cm). O comportamento destes dispositivos, desde que tenham dimensões superiores a 0,56 x 0,28 m2, é bastante eficiente, até caudais afluentes da ordem de 50 l/s, mesmo quando implantados em valetas de elevado declive. No caso de se acentuar a profundidade da valeta (a > 1 cm), o que pode trazer inconvenientes sérios, nomeadamente para a segurança da circulação do tráfego, aumenta, em regra, a eficiência hidráulica do sumidouro. - Os sumidouros duplos são constituídos por dois sumidouros simples dispostos em série, um imediatamente a seguir ao outro, sendo, também, altamente recomendável a sua implantação em valetas levemente rebaixadas (a ≅ 1 cm). O comportamento destes dispositivos é eficiente até caudais da ordem de 100 l/s, mesmo quando implantados em valetas com elevado declive, desde que cada grade tenha dimensões superiores a 0,28 x 0,56 m2. - Os sistemas conjuntos sarjeta-sumidouro são constituídos por um sumidouro duplo disposto em paralelo com uma sarjeta de passeio, cuja abertura lateral tem o mesmo desenvolvimento que o sumidouro. Este sistema deve ser escolhido, nomeadamente, 113 quando se preveja que as grades do sumidouro possam vir a ser significativamente obstruídas. A eficiência hidráulica destes sistemas não difere substancialmente da dos sumidouros duplos. - No caso de bacias de cabeceira de grande extensão, em que o caudal de ponta pluvial possa já ser relativamente elevado, ou no caso de bacias interiores de dimensão média, mas de elevado declive, pode justificar-se a implantação de sumidouros duplos, concebidos e construídos de modo que só contenham uma barra transversal. Nessas condições, e desde que os dispositivos sejam implantados em valetas levemente rebaixadas, é de prever que possam captar caudais afluentes bastante superiores a 100 l/s. No Quadro 5.9 são indicadas as eficiências hidráulicas dos diversos tipos de dispositivos interceptores apresentados na Figura 5.9 à Figura 5.11, para diversos declives dos arruamentos, diversos caudais e diversas profundidades da depressão na zona de implantação dos mesmos. QUADRO 5.9- Eficiências hidráulicas de dispositivos interceptores de águas pluviais (tg θ = 48; N = 0,015 m1/3s; w = 0,40 m Dispositivo interceptor Sarjeta de passeio Sumidouro de uma grade Sumidouro de duas grades Sistema conjunto sarjeta de passeio-sumidouro de duas grades Sumidouro de duas grades com uma só barra transversal Eficiência ≥ (%) 80 90 100 80 90 100 80 90 100 80 90 90 80 90 100 fraco-médio i < 2% Q (l/s) a (cm) 40 6 30 6 30 6 200 1 170 2 120 5 300 1 300 2 260 3 300 1 300 2 300 4 300 1 300 2 300 4 Declive do arruamento alto 2% ≤ i ≤ 6% Q (l/s) a (cm) 30 6 20 5 20 6 90 1 70 2 50 4 150 1 130 2 110 3 250 1 200 2 170 4 300 1 300 2 300 5 Q - caudal afluente a - valor da depressão w - largura da depressão na zona de implantação da sarjeta de passeio 114 muito alto i > 6% Q (l/s) a (cm) 20 6 20 6 10 6 60 1 50 2 30 5 110 1 110 1 70 3 180 1 150 2 150 3 300 1 300 2 200 5 Figura 5.9 - Planta e corte de uma sarjeta de passeio. 115 Figura 5.10 - Planta e corte de um sumidouro simples. 116 Figura 5.11- Planta e corte de um sumidouro duplo. 5.6. Soluções de controlo na origem 5.6.1. Aspectos Gerais Por “controlo na origem de águas pluviais” entende-se um conjunto diversificado de técnicas de controlo local, a montante da rede, que permite a redução dos caudais de ponta e dos volumes de águas pluviais afluentes aos colectores, essencialmente através de processos de retenção, de infiltração ou da combinação de ambos. As técnicas de “controlo na origem de águas pluviais” começaram a ganhar expressão, especialmente a partir do início da década de 80, em países da Europa Central, mas também nos Estados Unidos da América, no Canadá, na Austrália e no Japão. Surgem como nova filosofia, alternativa (daí o termo “techniques alternatives”, utilizado na terminologia francesa), à abordagem tradicional (designada na terminologia inglesa por “conveyance-oriented” “approach” e na terminologia francesa por “tout à l´égout”), conducente à recolha e ao transporte das águas pluviais, de forma tão rápida quanto 117 possível, para fora das áreas afectadas, através da rede clássica de colectores. A uma estratégia de concentração, unidireccional, de técnica única, contrapõe-se uma estratégia de desconcentração, através de um conjunto diversificado de técnicas. Estas técnicas estão hoje internacionalmente aceites, sendo mesmo consideradas prioritárias e indissociáveis de um processo de gestão integrada de águas pluviais em meio urbano, com benefícios reconhecidos e largamente divulgados na bibliografia científica e técnica, em termos técnicos, económicos e ambientais. Neste sub-capítulo 5.6, adaptado em grande parte de Matos, R. (1999) dá-se uma panorâmica geral dos objectivos, das vantagens e limitações e dos critérios de selecção das técnicas de controlo na origem, e apresenta-se seguidamente, para cada uma delas e de forma necessariamente sumária, a definição e o princípio de funcionamento, as vantagens e os inconvenientes específicos, a concepção e o dimensionamento, a construção e a manutenção. O controlo na origem de águas pluviais tem como objectivos principais, os seguintes: • promover a retenção ou o armazenamento temporário da água precipitada, tendo em vista a redução de caudais de ponta do escoamento pluvial para jusante; • promover a infiltração no solo, quando esta é tecnicamente viável e não põe em causa aspectos de saúde pública, ambientais ou sociais, tendo em vista a redução de volumes de escoamento para jusante; • combinar os dois processos anteriores, contribuindo para a redução de caudais de ponta e de volumes de escoamento pluvial para jusante. Quando correctamente concebidas, projectadas e executadas, as técnicas de controlo na origem contribuem para a redução do risco de inundação e para a redução da descargas de poluentes para o meio receptor. De entre estas técnicas merecem destaque as bacias de retenção, os pavimentos «com estrutura reservatório», os poços absorventes, as trincheiras de infiltração e as valas revestidas com coberto vegetal. Com aplicação claramente mais restrita podem referirse as técnicas de armazenamento temporário em coberturas de edificações. Estas técnicas podem ser aplicadas de forma individualizada e autónoma, dispensando totalmente a rede de drenagem, ou serem compatibilizadas com a rede de colectores existente ou a construir. A sua versatilidade é grande, podendo aplicar-se a várias escalas ou unidades da malha urbana: a edificação, o lote, o quarteirão ou a urbanização. 5.6.2. Vantagens e limitações das soluções de controlo na origem As técnicas de controlo na origem apresentam, relativamente às soluções tradicionais de rede de colectores enterrados, importantes vantagens no quadro de uma gestão integrada das águas pluviais, mas exigem, em contrapartida, uma nova abordagem em termos de concepção, uma nova atitude em termos de diálogo e articulação com outros agentes da 118 intervenção urbana, um conhecimento claro das suas limitações e, consequentemente, dos respectivos domínios de aplicação e de exclusão. As vantagens e limitações podem situar-se nos planos técnico, ambiental, social e económico-financeiro. No plano técnico, as vantagens associadas ao controlo na origem resultam da sua contribuição directa para a redução dos caudais e dos volumes de escoamento superficial e, consequentemente, para a redução dos riscos de inundação e de descarga de poluentes para o meio receptor. Relativamente aos riscos de inundação há no entanto que ter presente que, ao passar-se de uma solução clássica de rede de colectores, praticamente independente do meio em que se insere e com flexibilidade limitada, para uma matriz de soluções mais ou menos dispersas no tecido urbano, cujo comportamento está estreitamente ligado às condições do meio (nomeadamente o solo, o tipo de urbanização e o enquadramento paisagístico), acresce a importância de uma concepção global, por um lado, e de uma análise e simulação prévia de cenários de maior risco (precipitações excepcionais ou disfunções de funcionamento por colmatagem, por exemplo), por outro. A sensibilização e responsabilidade individual e colectiva ganham também aqui uma dimensão acrescida. Em síntese, pode dizer-se que no plano técnico estas soluções podem ser potencialmente mais eficazes do que a solução clássica de rede enterrada, em termos de controlo de cheias, mas exigem uma nova postura, em termos de concepção e implementação, marcada pela necessidade de intervenção de especialistas em hidrologia e hidráulica urbana ao nível dos estudos de planeamento e do desenho urbano de pormenor e não, como tradicionalmente, a jusante do plano de urbanização, após definição dos modelos e das tipologias de ocupação do solo. Exigem também maior diálogo e envolvimento das equipas de trabalho e verdadeira articulação disciplinar. Do ponto de vista ambiental e relativamente ao controlo da poluição, as técnicas de controlo na origem são susceptíveis de apresentar uma elevada eficácia. No respeitante às soluções baseadas essencialmente em sistemas de retenção/armazenamento, os efeitos de despoluição são bastante dependentes da sua posição relativa e características da bacia de drenagem e da quantidade de precipitação. Em geral, soluções mais localizadas, correspondentes a menores bacias de drenagem e, consequentemente, a menores volumes de escoamento superficial e a menor carga poluente, apresentam níveis mais elevados de redução da poluição. Por exemplo, os pavimentos «com estrutura reservatório» são susceptíveis de reduzir de 70% a 90% a carga poluente (Balades et al.1992b). Já em relação a bacias de retenção, localizadas em geral a jusante de áreas urbanizadas com relativa dimensão, os efeitos de redução significativa das cargas poluentes, designadamente em termos de sólidos em suspensão, só se tornam verdadeiramente efectivos para volumes de armazenamento mínimos superiores a 50 m3/ha de área impermeabilizada (Bachoc et al. 1991 e Shaw 1993). Relativamente às soluções técnicas baseadas em processos de infiltração, os fenómenos em jogo, de natureza físico-química e biológica, têm também um efeito depurador, essencialmente na zona não saturada do solo. Inúmeros estudos experimentais realizados internacionalmente apontam para reduções sensíveis que podem atingir valores da ordem dos 80-90% em termos de sólidos suspensos, da ordem de 60-70% em termos de carga orgânica, da ordem de 30%-40% em termos de azoto e da ordem 30-40% ou 119 superior, relativamente a metais pesados (Jacobsen e Mikkelsen 1996 e Sansalone 1998). Do ponto de vista ambiental, estas soluções são potencialmente mais eficazes do que a solução clássica de controlo da poluição, mas exigem, para melhor utilização das suas potencialidades e integração no espaço urbano, a intervenção das especialidades de hidrologia, hidráulica urbana e ambiente, ao nível dos estudos de planeamento e do desenho urbano. Exigem igualmente maior envolvimento, articulação disciplinar e coordenação na concepção, no desenvolvimento e na aplicação. No plano social, as vantagens associadas às técnicas de controlo na origem resultam essencialmente da sua contribuição para a valorização dos espaços em que se inserem, permitindo compatibilizar objectivos técnicos com funções de lazer, de desporto e de recreio livre. Existe ainda o aspecto social ligado à promoção, em alguns casos, de uma participação e intervenção mais directa do cidadão na criação do «conforto ambiental» urbano. Existem vários exemplos reportados na literatura de casos bem sucedidos de integração paisagística, estética e ambiental A experiência tem demonstrado, por sua vez, que as técnicas de controlo na origem apresentam custos iniciais (de primeiro investimento) inferiores às soluções clássicas (Valiron e Tabuchi 1992). Verifica-se ainda que a diferença é tanto maior quanto maior é a dispersão das soluções para a mesma área geográfica e que a conjugação ou composição de soluções em série pode apresentar custos globais muito competitivos. De entre os factores que contribuem para a redução do custo global podem referir-se os seguintes: i) redução ou mesmo eliminação da rede de colectores e dos órgãos acessórios; ii) redução ou eliminação dos ramais de ligação pluvial; iii)aumento da capacidade de transporte disponível das infra-estruturas das redes de drenagem primárias e secundárias. Como é natural, a ordem de grandeza dos custos e a magnitude dos benefícios dependem das condições locais. Para além dos custos directos ou internos relacionados com a operação ou o empreendimento em causa, há que contabilizar os custos/benefícios indirectos ou externos, associados designadamente a aspectos de natureza social e ambiental, que correspondem sempre a uma mais valia relativamente à solução clássica de rede. Em termos de custos de manutenção, a informação publicada é mais escassa, mas os elementos disponíveis, de acordo com Valiron e Tabuchi 1992, apontam para custos que não são significativamente superiores aos custos associados à solução de rede de drenagem. Como naturalmente se compreende, os perfis-tipo do pessoal associado à manutenção deste tipo de soluções têm formações, competências e experiência diferentes daqueles que normalmente estão afectos à operação e à manutenção da rede de colectores. 5.6.3. Concepção de técnicas de controlo na origem e critérios de selecção 120 Na visão tradicional e clássica, os projectos de infra-estruturas de drenagem pluvial são realizados, em geral, na sequência da execução dos projectos de urbanização. Esta ordem de intervenção temporal não é naturalmente desejável no quadro da opção por técnicas de controlo na origem, na medida em que a pré-definição da ocupação do solo pode induzir a eliminação ou a perda de potencialidades de técnicas possíveis. Na verdade, exemplos bem sucedidos de integração de técnicas de controlo na origem em projectos de ordenamento urbano têm mostrado a importância de aspectos como os que a seguir se enumeram (Chocat et al. 1997): • a identificação preliminar dos problemas potenciais resultantes do escoamento pluvial numa fase precoce de planeamento, desejavelmente ao nível do Plano Director Municipal; • a definição, ao nível do projecto de urbanização dos objectivos e da funcionalidade pretendida para as infra-estruturas de drenagem pluvial e, sequencialmente, a opção pelas soluções adequadas à satisfação daqueles requisitos; • a consideração, ao nível do projecto de urbanização, das especificidades locais, em termos técnicos e sociais; • a promoção da discussão e da concertação de pontos de vista, ao nível de outras especialidades envolvidas (nomeadamente a arquitectura, o urbanismo, o paisagismo, a hidrogeologia e a ecologia social) não deixando de ter em conta a multiplicidade de critérios susceptíveis de influenciar o desempenho das soluções; • a consideração, como critério a pesar no processo de selecção, de aspectos ligados ao ciclo de vida das técnicas elegíveis, ou seja, à sua evolução previsível no tempo (da concepção à exploração, passando pela execução); • a avaliação do eventual impacte negativo perante ocorrências de risco agravado (precipitação excepcional, disfunção ou ausência de funcionamento da solução técnica, etc.) por forma a confinar as situações de maior vulnerabilidade. A tomada de decisão final, ao nível da selecção das técnicas, pressupõe uma metodologia de abordagem que, de acordo com Azzout 1996, deve ter em consideração a análise sequencial de dois tipos de critérios. Os do primeiro tipo são essencialmente critérios de viabilidade técnica, e permitem a escolha da solução ou soluções tecnicamente possíveis e adequadas à situação em análise. Os do segundo tipo são critérios de apoio à decisão, entre um eventual leque de soluções possíveis, permitindo a comparação de desempenho, ponderando igualmente outros aspectos não técnicos, para os vários cenários elegíveis. Os critérios relativos à análise de viabilidade técnica, de acordo com Azzout 1996, devem incluir a ponderação dos seguintes aspectos: 121 • tipo e funcionalidade da área a drenar: pavimento rodoviário para circulação ou estacionamento, área pedonal, edificação, lote, área de pequena dimensão ou de dimensão apreciável; • disponibilidade de espaço físico, incluindo a análise da possibilidade de utilizar espaço exterior à área em estudo; • natureza do solo e seu comportamento em presença de água; • vulnerabilidade à poluição das águas subterrâneas; • risco de águas pluviais transportando poluentes finos; • impacte de águas pluviais poluídas; • níveis freáticos de inverno e de verão; • tipo e frequência do tráfego; • capacidade de suporte do solo de fundação; • declive da área; • permeabilidade da zona vadosa do solo; • existência ou não de meio hídrico receptor permanente; • existência de zonas com diaclases; • afluência ou não de água em permanência à área em estudo. Após selecção das soluções tecnicamente adequadas há que passar à aplicação de critérios de apoio à decisão final. Estes devem incluir a análise dos seguintes aspectos: • integração paisagística natural e urbana: impacte na paisagem, constrangimentos induzidos nas soluções paisagísticas naturais e urbanas e possibilidades específicas de utilização para fins de lazer; • custos: custos relativos aos estudos preliminares geotécnicos e hidrogeológicos, custos de investimento, figura jurídica da infra-estrutura (pública ou privada) e financiamento associado, contributo da rendibilidade do cenário relativamente à valorização da área em estudo; • comportamento hidráulico: desempenho previsível em situações de precipitação excepcional e impactes em caso de inundação; • influência sobre a população: alteração de comportamentos, gestão das infra-estruturas de fins múltiplos, inconvenientes e riscos para a segurança de pessoas e bens; 122 • influência no ambiente: potencialidades relativas à redução da poluição de natureza permanente; • construção: facilidade de construção e seu controlo; • manutenção e operação: frequência dos procedimentos de manutenção corrente; facilidade e controlo das operações de manutenção; facilidade de remoção e de reutilização dos resíduos provenientes das operações de manutenção; consumos de energia, riscos potenciais para o pessoal de exploração, degradação previsível das soluções; • comportamento a longo prazo: duração de vida ou tempo previsível para a substituição da infra-estrutura, reutilização dos materiais resultantes da sua desactivação. 5.6.4. Descrição sumária das principais técnicas 5.6.4.1. Bacias de retenção Considerações introdutórias O escoamento de caudais pluviais, nomeadamente os provenientes da precipitação sobre zonas urbanizadas, por intermédio de obras artificiais, como colectores enterrados e canais revestidos, que percorrem, por vezes, longas distâncias até ao destino final, resulta, em regra, em investimentos significativos. Em muitos casos, uma solução funcional consiste em recolher os caudais de tempestade que ultrapassam determinado valor pré-estabelecido, armazenando-os em pequenas bacias ou lagoas. Estes caudais podem ser desviados do seu percurso inicial por intermédio de descarregadores laterais, convenientemente dimensionados. Por vezes, interpõe-se no percurso da água pluvial (na terminologia anglo-saxónixa «on-line») uma ou mais lagoas em série, que amortecem naturalmente os caudais de ponta de cheia. A dimensão destas bacias ou lagoas pode ser, na maioria dos casos, ampliada, para acompanhar os efeitos decorrentes da impermeabilização crescente da bacia de drenagem que se desenvolve a montante. Outras vezes, essa ampliação é justificada tendo em vista reduzir os riscos associados à ocorrência de regolfos indesejáveis. A possibilidade de se fasearem os investimentos, de acordo com as necessidades construtivas e disponibilidades financeiras, torna este tipo de solução frequentemente atraente. Independentemente das considerações de ordem funcional e económica, as bacias de retenção podem ter interesses múltiplos, do ponto de vista social, estético e de protecção do meio ambiente. Quando bem concebidas e exploradas podem, contribuir para a valorização do tecido urbano, contribuindo para a obtenção dos seguintes objectivos: - redução dos riscos de inundação; - criação de zonas de lazer apropriadas, por exemplo, para a prática de pesca e canoagem; 123 - criação de reservas de água para fazer face a necessidades agrícolas, ocorrência de incêndios e actividades industriais e municipais, como limpeza de arruamentos e parques ; - protecção do meio ambiente, aumentando a qualidade da água pluvial, nomeadamente do ponto de vista de redução da concentração de sólidos em suspensão e de matéria orgânica. Tipos de bacias e critérios de escolha. Disposições técnicas gerais As bacias de retenção (também designadas de amortecimento) podem classificar-se, quanto à sua implantação, da seguinte forma: - bacias a céu aberto, a seco ou com nível de água permanente; - bacias enterradas. Quanto à sua localização e disposição no sistema, podem classificar-se da seguinte forma: - bacias em série (colocadas no alinhamento do colector ou do canal ou vala de acesso); - bacias em paralelo, colocadas lateralmente ao colector ou vala de acesso. As bacias a céu aberto são geralmente construídas em terra, com taludes reforçados ou diques de protecção lateral. Podem resultar de simples intercepção de uma linha de água em local de fisiografia favorável, através de uma pequena barragem ou açude, ou de zonas em depressão natural com solos de resistência e características adequadas. Situam-se, em geral, em zonas de baixa densidade populacional, estando frequentemente associadas a preocupações de integração paisagística e de valorização de áreas de lazer e tempos livres. As bacias a seco são concebidas para estarem geralmente sem água, acumulando-a apenas em períodos específicos, correspondentes à ocorrência de precipitações mais ou menos significativas. A escolha deste tipo de solução é bastante frequente e depende, em grande parte, das condições de permeabilidade e de flutuação do nível freático do aquífero local. Na Figura 5.12 apresenta-se o perfil transversal de uma bacia a seco. As bacias com nível de água permanente são concebidas para terem água permanentemente, mesmo durante os períodos de ausência de precipitação. Em regra, a escolha deste tipo de solução acarreta maiores investimentos e custos de exploração do que os correspondentes às bacias a seco e está condicionada a uma alimentação de água por parte do aquífero subjacente. Na Figura 5.13 apresenta-se esquematicamente o perfil transversal de uma bacia com nível de água permanente. 124 Figura 5.12 - Perfil transversal de uma bacia a seco Figura 5.13 - Perfil transversal de uma bacia com nível de água permanente As bacias a céu aberto podem ser em série ou em paralelo. No primeiro caso, todo o caudal proveniente de montante aflui à bacia. Assim, se se tratar de um sistema unitário, o caudal de tempo seco não é desviado. No segundo caso, o escoamento de tempo seco não aflui, em princípio, à bacia de retenção; apenas os caudais em excesso, correspondentes à ocorrência de precipitação, são desviados e armazenados temporariamente na bacia. As bacias enterradas são geralmente construídas em betão armado à semelhança de reservatórios de água. São especialmente indicadas em zonas urbanas densas, com limitações de disponibilidade de terreno, ou onde o seu custo for elevado. Podem ser construídas junto a áreas públicas, como parques de estacionamento ou zonas ajardinadas. São, em geral, bacias construídas em paralelo. As bacias de retenção, quer se trate de bacias a seco ou de nível de água permanente, são constituídas, geralmente, pelo corpo de bacia (fundo e bermas) em terra, e por uma zona a jusante (em regra um dique) onde se encontram instalados os dispositivos de descarga de funcionamento normal (colector e descarregador) e os dispositivos de segurança (usualmente um ou dois descarregadores de superfície), para fazer face a 125 precipitações excepcionais ou à obstrução das secções de escoamento que garantem o funcionamento normal da bacia. No caso de bacias a seco, o fundo deve ser construído com inclinações suficientes (≥ 5/100), para evitar a formação de zonas sem renovação de água, enquanto para os taludes das bermas é aconselhável, respectivamente para os casos de acesso público ou não, a adopção de inclinações máximas de 1/6 ou 1/2. Os taludes das bacias podem ser revestidos com cobertura vegetal adequada, nomeadamente resistente a períodos de inundação mais ou menos prolongados. No caso de uma bacia com um nível de água permanente, é recomendada uma altura de água mínima de 1,5 m, mesmo em tempo seco, a fim de evitar um excessivo desenvolvimento de plantas aquáticas e de assegurar eventual vida piscícola, o que é importante para a estabilidade do equilíbrio ecológico no ecossistema formado pela bacia. Se a bacia estiver integrada em zona urbana, convém assegurar uma variação máxima do nível da água de, aproximadamente, 0,5 m, e garantir um tratamento conveniente das bermas. O grau de tratamento das bermas pode ser conseguido do seguinte modo: - talude relvado de pequena inclinação no corpo da bacia; - paramento vertical de 0,75 m ao longo do qual se manifestam as flutuações do nível da água e que é usualmente construído em material rígido (betão) ou semi-flexível (colchões reno ou gabiões), envolvendo a periferia da bacia; - passadeira horizontal de 2 a 4 m de largura, no topo do paramento vertical, concebida, fundamentalmente, por razões de segurança e protecção. As bacias a seco são as mais utilizadas, dado que em regra implicam menores investimentos e menores custos de exploração. Por vezes, constitui uma prática acertada implantar no corpo da bacia um pequeno canal revestido, para o escoamento dos caudais permanentes ou decorrentes de precipitação ocorrida no período estival. Na Figura 5.14 é apresentada a planta e perfis transversais de uma bacia de retenção existente, localizada no Concelho de Almada. Aspectos particulares de qualidade da água Por vezes e nomeadamente como resultado das primeiras precipitações após a estiagem, a água pluvial está bastante poluída. Essa poluição resulta, fundamentalmente, da acção erosiva no solo (com transporte, por exemplo, de sólidos em suspensão e nutrientes) e da acção de lavagem dos pavimentos e outras superfícies impermeabilizadas. Uma água pluvial pode conter matéria mineral, sedimentável ou não, partículas arenosas, matéria orgânica, óleos, gorduras hidrocarbonatos, corpos flutuantes de maior ou menor dimensão e microrganismos patogénicos. Os sólidos em suspensão contribuem para a turvação da água, enquanto os corpos flutuantes podem causar obstruções e colmatação parcial de determinados 126 equipamentos, como grades e tamisadores. Em todo o caso, tanto os sólidos em suspensão como os corpos flutuantes contribuem para a ocorrência de efeitos estéticos desagradáveis, cuja relevância se torna mais acentuada no caso das bacias de nível de água permanente. A degradação de matéria orgânica, em condições aeróbias, dá lugar a carência de oxigénio. Quando o défice de oxigénio dissolvido é elevado, a vida de determinadas espécies aquáticas (em geral, os peixes) pode tornar-se insustentável. Em condições extremas, quando o consumo de oxigénio no interior da massa líquida não é compensado pelo rearejamento atmosférico, a concentração de oxigénio na massa líquida pode praticamente anular-se (situações de anoxia ou anaerobiose). Nestas condições, a actividade de microrganismos redutores pode dar origem a compostos nocivos para a qualidade do ambiente (como o gás sulfídrico), nomeadamente no que respeita à libertação de odores indesejáveis. Os óleos e as gorduras têm um forte impacte negativo do ponto de vista estético e de redução do rearejamento atmosférico. A eutrofização dos corpos de água, nomeadamente no caso das bacias de nível de água permanente, pode tornar-se de extrema acuidade se o transporte de nutrientes (designadamente de compostos de azoto e de fósforo) for significativo. Nestas condições, é favorecida a proliferação súbita de certas espécies vegetais (ocorrendo desequilíbrios ecológicos, em determinados períodos, com degradação da qualidade da água provocada, nomeadamente pela existência de algas mortas no fundo da bacia, ou em suspensão na massa de líquida. Entre os elementos dissolvidos incluem-se metais pesados (Zn, Pb, Cu, Ni. Cr, Hg) particularmente os dois primeiros. Os metais pesados não têm acção significativa a curto prazo, podendo representar grave inconveniente se se acumularem no fundo, (fracção particulada) contribuindo para a toxicidade de espécies animais e vegetais. As bacias de retenção desempenham, em regra, um papel importante para a melhoria da qualidade das águas afluentes. 127 Figura 5.14 - Planta e perfis transversais de uma bacia de retenção localizada no Concelho de Almada As transformações que aí ocorrem são de natureza física, química e microbiológica, podendo assumir especial importância as seguintes: - sedimentação dos sólidos em suspensão e consequente redução do grau de turvação da água; - variação da concentração de oxigénio dissolvido da massa líquida, devido aos efeitos conjugados da transferência de oxigénio da atmosfera, actividade fotossintética das espécies vegetais e consumo verificado no processo de oxidação, em condições aeróbias, da matéria orgânica existente; - variação da concentração de nutrientes; em águas em repouso e sem alimentação constante verifica-se, em regra, uma redução da concentração de nutrientes, especialmente se se retirarem, com frequência, as plantas que aí proliferam; 128 - redução de microrganismos, nomeadamente bactérias patogénicas; o armazenamento de água ao ar livre contribui, em regra, para a redução de microrganismos, devido à conjugação de um conjunto de circunstâncias (como a temperatura, a radiação solar, a competição biológica e a sedimentação) desfavoráveis ao seu desenvolvimento e multiplicação. Dimensionamento hidráulico. Exemplo de cálculo O dimensionamento hidráulico de uma bacia de retenção consiste, fundamentalmente, na definição do volume necessário à regularização do caudal afluente, por forma a que o caudal máximo efluente não ultrapasse, para um determinado período de retorno, um limite pré-estabelecido. A esse volume corresponde, obviamente, uma determinada área inundada e uma determinada carga hidráulica sobre a bacia, que são determinadas no processo de dimensionamento. A natureza do problema a resolver, o grau de precisão requerido e a informação de que se dispõe condicionam o método de cálculo a utilizar. Se não se dispuser de um modelo de escoamento que permita gerar o hidrograma de entrada ou hidrograma de escoamento afluente à bacia, poderá recorrer-se a um método simplificado (vulgarmente designado por método holandês). Este método baseia-se no conhecimento das curvas de intensidade-duração-frequência da precipitação na zona em estudo. Permite calcular o volume necessário para armazenar o caudal afluente resultante da precipitação crítica, de período de retorno T, para garantir um caudal constante q, correspondente à capacidade máxima de vazão da estrutura de drenagem a jusante. É um método expedido, particularmente adequado na fase de pré-dimensionamento da bacia de retenção. Um outro método, numérico, baseia-se na resolução numérica da equação da conservação dos volumes ou equação de continuidade aplicada à bacia de retenção. Este método permite resolver as situações mais complexas, correspondentes, nomeadamente, à não constância do caudal descarregado (caudal efluente). Para utilização do método necessita-se de informação relativa ao hidrograma de escoamento de entrada ou afluente Qa(t), à lei de armazenamento (relação altura-volume armazenado) e à lei de descarga do caudal efluente (relação altura-caudal). Em Abreu 1983, Almeida 1985 e Almeida e Pinto 1987 são apresentados métodos e fórmulas para o dimensionamento aproximado de bacias de retenção. O método simplificado, apresentado em Abreu 1983, pode ser apresentado sob a forma seguinte: V = 10 A C [-b qs/(1+b)] [qs / a(1+b)]1/b (5.20) sendo: V - volume mínimo necessário da bacia de retenção (m3); A - área da bacia afluente (ha); 129 C - coeficiente (-): a,b, - parâmetros da curva intensidade-duração-frequência, para um determinado período de retorno, expressa por I = a tb, com I dado em mm/min e t em minutos. Qs - caudal específico efluente (caudal por unidade de área impermeabilizada), considerado constante e dado pela expressão: qs = [q/(CA)] x 6 x 10-3 (mm/min), em que q é o caudal efluente em l/s. É corrente a duração da precipitação crítica, isto é, a duração da precipitação que conduz a uma maior necessidade de armazenamento, ser bastante superior ao tempo de concentração da bacia drenada. No método simplificado, a duração crítica, tc (min), é dada pela expressão: tc = [qs/a(1+b)]1/b. Por outro lado, é corrente admitirem-se períodos de retorno para a precipitação de projecto entre 10 e 50 anos. Exemplo de cálculo - Enunciado Pretende-se determinar, pelo método simplificado (método holandês), o volume mínimo de uma bacia de retenção localizada na zona litoral de Portugal Continental, para amortecer o caudal proveniente de uma precipitação de projecto com um período de retorno de 20 anos. - Dados a) Período de retorno T = 20 anos b) Expressão da curva I-D-F da região: I = 5,3 t-0,538 (I em mm/min) (a = 5,3 e b = -0,538) c) Área drenada: A = 40 ha d) Coeficiente: C = 0,60 e) Caudal efluente (considerado constante): q = 0,6 m3/s = 600 l/s - Cálculos a) Determinação do caudal específico efluente (qs): qs = [600/(0,6x40)] x 6 x 10-3 = 0,15 mm/min b) Determinação do volume da bacia e da duração da precipitação crítica: V = 10 A C [-b qs/(1+b)] [qs/a(1+b)]1/b = = 10x40x0,6x[0,538x0,15/(1-0,538)] [0,15/ (5,3x(1-0,538))]1/0,538 = 7530 m3 tc = [qs/a(b+1)]1/b = [0,15 / (5,3x(1-0,538))]-1/0,538 = 180 min 130 - Comentários A consideração de um caudal efluente constante, correspondente ao caudal máximo descarregado pelo dispositivo descarregador, conduz, em regra, a uma estimativa por defeito do volume de armazenamento da bacia a dimensionar. Efectivamente, o caudal descarregado pelo dispositivo evacuador (colector, orifício, etc.) depende da carga, atingindo-se apenas o caudal máximo de descarga em condições de carga máxima. Em Abreu 1983 é descrita uma metodologia para definição do coeficiente de majoração a aplicar para estas situações. Simplificadamente, e do lado da segurança, pode considerar-se o caudal efluente, a aplicar na expressão (5.20), inferior ao caudal máximo de descarga efectivamente previsto. 5.6.4.2. Pavimentos “com estrutura reservatório” Definição e princípios de funcionamento Um pavimento “com estrutura reservatório” (“chaussé à structure réservoir”, na terminologia francesa, e “reservoir pavement” ou “porous structure”, na terminologia inglesa), designado simplificadamente por pavimento reservatório, é parte de uma infraestrutura destinada a permitir a circulação de pessoas e veículos, que se distingue de um pavimento tradicional por dispor de uma camada de base com um elevado número de vazios, aos quais a água pluvial pode aceder, permitindo reduzir os caudais de ponta e/ou os volumes de escoamento pluvial. Um pavimento reservatório distingue-se de um pavimento poroso. Com efeito, um pavimento que dispõe apenas de uma camada de desgaste permeável, em geral de 3 a 4 cm de espessura, e cuja camada de base se pode considerar impermeável, diz-se um pavimento poroso mas não se inclui no tipo dos pavimentos reservatório. No pavimento poroso apenas a camada de desgaste tem vazios para permitir o escoamento da água pluvial, o que tem efeitos em termos de segurança e conforto na condução, em período de chuva, e de redução de ruído de rolamento. Não existe, pois, neste pavimento, uma função hidráulica de armazenamento. Num pavimento reservatório a camada de base dispõe de uma estrutura de vazios com capacidade de armazenamento das águas pluviais, podendo a camada de desgaste ser ou não porosa. O funcionamento de um pavimento reservatório baseia-se na capacidade de armazenamento temporário da água na camada de base do pavimento, frequentemente da ordem dos 40 a 50 cm, o que possibilita a restituição, a jusante, de caudais mais reduzidos, tendo como destino final um meio receptor superficial (através de colector ou dreno) ou o solo de fundação do pavimento (através de infiltração pela sub-base). Um pavimento reservatório concilia, assim, a sua função primordial de permitir a circulação de veículos e pessoas, com uma função hidráulica de armazenamento similar à de uma bacia de retenção, exercida através dos vazios existentes na sua camada de base, como se exemplifica na Figura 5.15. 131 Figura 5.15 - Secção transversal de pavimento reservatório No funcionamento hidráulico de um pavimento reservatório há a considerar as condições de entrada, de armazenamento e de saída da água, como se exemplifica na Figura 5.16. O acesso da água à camada de base pode efectuar-se de forma distribuída através da camada de desgaste, no caso de pavimento poroso, ou de forma localizada, no caso de camada de desgaste impermeável. Neste último caso, a água pluvial é recolhida lateralmente através de sumidouro e de câmara de visita, sendo conduzida à camada de base do pavimento por meio de dreno difusor. De entre os materiais que podem ser utilizados como camada de desgaste porosas citam-se: betões porosos, misturas betuminosas porosas e elementos pré-fabricados de betão (blocos e lajetas). O armazenamento temporário da água faz-se nos vazios existentes na camada de base. Os materiais a utilizar nesta camada, função essencialmente dos requisitos estruturais e hidráulicos, podem ser: materiais granulares, misturas betuminosas, betões porosos, materiais alveolares em plástico e, ainda, materiais reciclados como, por exemplo, pneus usados. 132 Figura 5.16 - Condições hidráulicas de entrada e saída em pavimento reservatório Pelo facto de se armazenar água na camada de base há que ter cuidados acrescidos com a escolha dos materiais para as camadas subjacentes, em especial quando se permitir a percolação da água pela base e a capacidade de carga do terreno de fundação for sensível à variação do teor em água. Em alguns casos poderá ser necessário recorrer a uma impermeabilização. A saída da água pode efectuar-se por dois modos: i) de forma distribuída, promovendose a infiltração directa no terreno de fundação; ii) de forma localizada, através de dreno de saída para uma câmara de visita munida a jusante de um dispositivo de regulação do caudal. Uma combinação das duas soluções pode existir tendo como principal vantagem permitir o funcionamento do dreno nos dois sentidos (como difusor, se estiver em carga, ou como colector, em caso contrário), minimizando problemas de colmatagem. Porém, se se dispuser de camada de desgaste porosa, as vantagens conferidas por esta situação tornam-se menos sensíveis. No segundo caso, em que na zona inferior da estrutura do pavimento é colocado um dispositivo de impermeabilização para evitar a infiltração para as camadas subjacentes, o controlo da regulação do caudal de saída é mais eficaz. Vantagens e inconvenientes específicos Os pavimentos reservatório apresentam importantes vantagens. Sem exigência de espaço adicional relativamente à solução tradicional de pavimentação, nem comprometimento da sua função primordial de permitir a circulação, a regularização de caudais que possibilita - com reduções da ordem dos 20 a 50 %, e a redução de volumes 133 de escoamento, entre 15 a 30% - tem um impacte sensível ao nível da mitigação de problemas de inundação. Do ponto de vista de qualidade da água, o efeito depurador de um pavimento reservatório está hoje provado através de inúmeros estudos experimentais em protótipo (Balades et al. 1992b, Colandini 1997, Diniz 1993), que apontam para eficiências de redução sensíveis em termos de sólidos suspensos (entre 50% e 90%), de carga orgânica (entre 50% e 70%) e de metais, designadamente, de chumbo (entre 75% e 95%). Há ainda a referir as vantagens do ponto de vista do impacte positivo na recarga de aquíferos, no caso de pavimentos reservatório com infiltração através do terreno de fundação. No caso de pavimentos com camada de desgaste porosa acrescem vantagens em termos de segurança na condução em período de chuva, por redução dos riscos de aquaplanagem, de projecção de água e melhor visibilidade das marcas horizontais, e de conforto, por redução dos níveis de ruído de rolamento. Na Figura 5.17 pode observarse a diferença de comportamento, em período de chuva, entre um pavimento reservatório com camada de desgaste porosa e de um pavimento tradicional. Figura 5.17 - Comportamento de pavimento reservatório com camada de desgaste porosa e de pavimento tradicional, Craponne, França Na Figura 5.18 observa-se um parque de estacionamento, situado em Bordéus, França, e construído com um pavimento reservatório e camada de desgaste porosa. 134 Figura 5.18 - Parque de estacionamento construído com pavimento reservatório e camada de desgaste porosa, Bordéus, França Os inconvenientes principais relativamente à solução tradicional residem essencialmente na maior vulnerabilidade destes pavimentos a efeitos de colmatagem por finos, em particular no caso de camadas de desgaste porosas e à maior facilidade de formação de gelo em situação de baixas temperaturas. Por consequência, a manutenção destes pavimentos torna-se mais exigente em termos de frequência, de formação especializada e de custos. Contudo, o reconhecimento das suas vantagens, por um lado, e a evolução das técnicas e dos procedimentos de manutenção que a utilização crescente destas infra-estruturas tem incentivado, tendem a reduzir o peso a dar às limitações evocadas (Chocat et al 1997). Concepção e dimensionamento Na concepção e no dimensionamento de pavimentos reservatório é importante atender a um conjunto de factores, destacam-se os seguintes: condições geotécnicas: tipo de terreno, capacidade de suporte e níveis freáticos; tráfego a que se destina: tipo de veículos e frequência de circulação, pessoas e nível diário de movimento; 135 condições topográficas: essencialmente inclinações locais (um elevado declive condiciona naturalmente a capacidade de armazenamento da água, sendo no entanto possível conceber um pavimento reservatório, embora com custos acrescidos, com a introdução de superfícies de seccionamento como se ilustra na Figura 5.19); ocupação do subsolo: a existência de outras infra-estruturas instaladas ao nível do subsolo pode constituir um condicionamento à implantação de pavimentos deste tipo (este problema não se coloca em novas áreas a infra-estruturar, se for garantida a conveniente e atempada articulação entre os responsáveis pelas diversas infra-estruturas); outros aspectos específicos, relacionados designadamente com elevadas exigências de protecção da qualidade das águas subterrâneas, podem condicionar ou interditar a utilização de pavimentos de estrutura reservatório com infiltração através do solo de fundação. Figura 5.19 - Utilização de pavimento reservatório em situação de inclinação longitudinal exigindo seccionamento transversal O dimensionamento de pavimentos reservatório envolve dois aspectos distintos: o dimensionamento estrutural, para permitir a circulação do tráfego, idêntico, no essencial, ao que é feito para os pavimentos tradicionais e tratado em diversas publicações do LNEC; o dimensionamento hidráulico, realizado à semelhança das bacias de retenção, através de um método empírico simplificado ou através de um método numérico (modelo de reservatório). No método simplificado o dimensionamento corresponde ao cálculo do volume necessário ao armazenamento temporário da precipitação com determinado período de retorno, em geral dez anos, por forma a que o caudal de saída, considerado constante, não exceda um valor pré-determinado. O caudal de saída pode ser simplificadamente 136 estimado através do produto da superfície de infiltração pela capacidade de absorção do solo. Esta por sua vez, pode admitir-se igual à permeabilidade do meio, no caso de pequenas alturas de escoamento e níveis freáticos situados a distância superior a um metro do base do pavimento, situação em que se admite não haver influência do nível freático na permeabilidade da camada de base do pavimento. No modelo numérico há que definir a lei de armazenamento (volume armazenado em função da altura de água), que depende fundamentalmente da geometria da secção transversal da estrutura (na situação mais comum a secção é rectangular e a inclinação uniforme) e a lei de descarga (caudal de saída em função da altura de água armazenada), que é variável consoante as condições hidráulicas de saída sejam predominantemente de infiltração (lei de Darcy) ou de escoamento controlado por orifício a jusante (lei de vazão em orifício). 5.6.4.3. Poços absorventes Definição e princípios de funcionamento Os poços absorventes (“puits d´absorption” ou “puits d´infiltration”, na terminologia francesa, e “infiltration pit” ou “soakway”, na terminologia inglesa) são infra-estruturas que permitem a infiltração directa das águas pluviais no solo. Apresentam a vantagem de poderem ser aplicados em locais onde a camada superficial do solo é pouco permeável (zonas urbanizadas, terrenos superficialmente impermeáveis) mas que dispõem de boa capacidade de infiltração na camada mais profunda do solo. Distinguem-se em geral dois tipos de poços absorventes, função da posição da base do poço relativamente ao nível freático: os poços de infiltração e os poços de injecção, como se ilustra na Figura 5.20. No primeiro caso, em que a cota do nível da base do poço está acima do nível freático, a água pluvial é infiltrada através de percolação pela camada não saturada do solo. No segundo caso, em que o nível freático está acima do nível da cota da base do poço, a água pluvial recepcionada é conduzida directamente ao aquífero. Figura 5.20 - Poços absorventes: de infiltração e de injecção (Azzout et al. 1994) A alimentação de um poço absorvente pode ser feita quer directamente através do escoamento superficial quer através de rede de colectores, como se exemplifica na Figura 5.21. 137 Figura 5.21 -Tipos de alimentação de poços absorventes (Azzout et al. 1994) Um poço absorvente pode dispor ou não, no seu interior, de material de enchimento (Figura 5.22). Ele permite, deste modo, assegurar o armazenamento temporário da água pluvial, de forma mais ou menos significativa, consoante a natureza do solo, as condições de alimentação e o tipo de enchimento. Figura 5.22 – Poços absorventes com e sem material de enchimento (Azzout et al. 1994) Vantagens e inconvenientes específicos Entre as vantagens específicas destes dispositivos conta-se a sua facilidade de integração no tecido urbanizado e a economia em termos de utilização de espaço. Eles podem representar, por outro lado, uma resposta interessante, em termos de drenagem, em situações em que o meio receptor se encontra distanciado da origem, permitindo neste caso economias de dimensão da rede para jusante. Na Figura 5.23.ilustram-se três situações distintas de utilização urbana deste tipo de dispositivos, bem elucidativas da sua flexibilidade e domínio de aplicação. Na Figura 5.24 exemplifica-se a possibilidade de associação do poço absorvente com outras técnicas de controlo na origem, designadamente bacias de infiltração e trincheiras de infiltração. Esta associação permite, por exemplo, no primeiro caso, conciliar uma capacidade de retenção superficial ou sub-superficial existente com uma capacidade acrescida de infiltração das águas pluviais para as camadas mais profundas do solo. Os inconvenientes dos poços absorventes prendem-se com a escala reduzida dos efeitos de armazenamento e a tipologia dispersa da solução com a necessidade de manutenção regular e frequente para evitar fenómenos de colmatagem e com eventuais riscos de contaminação de águas subterrâneas. 138 Figura 5.23 – Tipos de utilização de poços de infiltração em meio urbano (Chocat et al.1997) 139 Figura 5.24 – Exemplificação da associação de poço absorvente com outras técnicas de controlo na origem (Azzout et al. 1994) Concepção e dimensionamento A concepção e o dimensionamento de poços absorventes pressupõe a ponderação de um conjunto de condições prévias, a saber: a zona em estudo não está condicionada por restrições em termos de infiltração - resultantes por exemplo de medidas de protecção especiais relativas à preservação da qualidade de aquíferos; as águas de escorrência pluvial são águas pouco poluídas - com efeito, certas áreas potencialmente causadoras de níveis de poluição significativos para as águas de drenagem superficial não devem ser objecto de drenagem para poços absorventes, como é o caso de áreas de utilização agrícola ou certas áreas do tipo industrial urbano, incluindo estações de serviço, áreas expostas a produtos químicos (por exemplo indústria petroquímica) ou, de um modo geral, superfícies com riscos de contaminação associados; A camada permeável do solo encontra-se a grande profundidade – em geral a solução de poços absorventes está limitada a poços pouco profundos (até 20 metros); a consulta de dados de permeabilidade do meio pode dar indicações preliminares úteis sobre a capacidade potencial de absorção, sendo igualmente útil a consulta de cartas hidrogeológicas. O subsolo é muito propício à infiltração de água – as zonas cársicas (vulnerabilidade elevada à poluição) e as zonas gipsíferas (riscos de dissolução) são, à partida, áreas de exclusão deste tipo de dispositivos, situação em que o recurso a cartas geológicas e à intervenção do hidrogeólogo se revelam da maior importância. Na sequência da análise de viabilidade relativamente à execução de poços absorventes devem ser realizados estudos complementares, designadamente para um melhor conhecimento da natureza e das características do solo e dos aquíferos. É indispensável 140 conhecer de forma tão precisa quanto possível a capacidade de infiltração do futuro poço que condiciona o valor do potencial da capacidade de infiltração, bem como as características do aquífero de destino final das águas pluviais (nomeadamente utilizações, flutuações sazonais, níveis piezométricos máximos e sentido de escoamento subterrâneo). O dimensionamento de um poço absorvente faz-se geralmente em duas etapas. Na primeira, estimam-se ou predefinem-se as dimensões iniciais, profundidade e diâmetro, com base nos elementos disponíveis e analisados na fase de concepção. Na segunda, estima-se o caudal de infiltração, com base nas características hidrodinâmicas das formações geológicas, designadamente nas características de permeabilidade e nas condições de fronteira do meio envolvente (designadamente geometria e fronteiras impermeáveis). O caudal de infiltração pode obter-se, simplificadamente, pelo produto da área de infiltração pela condutividade hidráulica do meio ao qual é aplicado um coeficiente de segurança. Em Azzout et al. 1994 são propostos valores correctivos de segurança a aplicar à superfície de infiltração real, variáveis entre 0,35 e 0,75, função da natureza das águas pluviais afluentes, da eventual existência de dispositivo complementar de tratamento e das condições expectáveis de frequência de manutenção. 5.6.4.4. Trincheiras de infiltração Definição e princípios de funcionamento As trincheiras de infiltração de águas pluviais são dispositivos pouco profundos (profundidade em geral não superior a um metro), de desenvolvimento longitudinal, e que se destinam a drenar as águas pluviais recolhidas perpendicularmente ao seu desenvolvimento, através de infiltração ou de retenção e transporte até um ponto de destino final (nomeadamente meio receptor, poço de infiltração e colector). No funcionamento hidráulico de uma trincheira de infiltração há assim a considerar as condições de entrada da água pluvial, a retenção ou o armazenamento temporário no seu interior e as condições de evacuação ou saída dessa água. A alimentação de uma trincheira de infiltração pode ser feita directamente através das escorrências superficiais ou através de rede de colectores, como se exemplifica na Figura 5.25. 141 Figura 5.25 - Tipos de alimentação de trincheira de infiltração (Azzout et al. 1994) A camada drenante superficial presta-se à utilização de uma variedade de materiais tais como lajes, blocos de material poroso ou alveolar, seixos e coberto vegetal, designadamente relva. A secção rectangular drenante que constitui o núcleo do corpo da trincheira pode ser envolvido por uma camada de areia ou de geotêxtil para assegurar a filtração de matérias poluentes finas. Se as águas recolhidas são pouco poluídas a trincheira pode inclusivamente não dispor de cobertura, como se exemplifica na Figura 5.26. Figura 5.26 - Exemplos de trincheiras de infiltração com e sem cobertura (Azzout et al. 1994) O armazenamento temporário da água pluvial no corpo da trincheira faz-se nos vazios do material que o compõe. Este material, que pode ser constituído por brita, blocos, estruturas alveolares em plástico ou ainda materiais de reutilização como, por exemplo, pneus usados, têm vazios que variam entre 30% e mais de 90%. A eventual colocação de drenos de difusão permite contribuir para uma melhor distribuição da água pluvial afluente no caso em que a alimentação se faz através de caixa de visita. A saída da água pode efectuar-se por dois meios: i) de forma distribuída, através de infiltração directa no solo, constituindo uma trincheira dita de infiltração; ii) de forma localizada, através de dreno de saída para uma câmara de visita munida a jusante de dispositivo de regulação do caudal, constituindo uma trincheira dita de retenção. Na Figura 5.27 exemplificam-se estes dois tipos. As duas soluções podem também coexistir. Figura 5.27 - Exemplos de trincheira de infiltração e de trincheira de retenção (Azzout et al. 1994) 142 No caso de uma trincheira de infiltração é aconselhável a colocação de um geotêxtil na base do seu núcleo drenante para evitar a migração de materiais finos para o seu interior. Se existem nas proximidades da trincheira árvores ou arbustos, pode ser necessário instalar um sistema adequado de protecção afim de evitar a penetração de raízes. Vantagens e inconvenientes específicos Entre as vantagens das trincheiras de infiltração conta-se a sua fácil integração no tecido urbano, as suas potencialidades na harmonização da paisagem urbana e na valorização do espaço, a relativa facilidade de execução e o custo acessível. Como vantagens específicas destes dispositivos, conta-se, geralmente, a elevada capacidade de absorção, que pode conduzir à dispensa de colector a jusante. As trincheiras de infiltração constituem assim uma solução alternativa interessante em situações em que não existe meio receptor próximo. Estas técnicas não dispensam no entanto uma manutenção cuidada, indispensáveis à minimização de riscos de colmatagem. Por outro lado, poderá haver o risco de contaminação das águas subterrâneas, designadamente por ocorrência de poluição acidental. A trincheira de infiltração é uma das técnicas de maior implantação actual ao nível das soluções de controlo na origem, em vários países europeus, nos Estados Unidos da América, Japão e Austrália. Inúmeras publicações, editadas ao longo da última década, traduzem, na prática, a experiência adquirida com realizações deste tipo (Fujita 1990, Somaratne & Argue 1990, Stenmark 1990, Geiger 1990, Pratt & Powell 1993, Hopkins & Argue 1993 E O´Loughlin et al. 1995). Na Alemanha foi concebido e desenvolvido um sistema (“mulden-rigolen-system”, designação original alemã, ou “swale-infiltration-trench-system”, na terminologia inglesa) hoje patenteado, representado esquematicamente na Figura 5.28. O comportamento deste tipo de sistema foi investigado, ao longo dos últimos 5 anos, tendo hoje grande aplicação prática (Sieker 1998). Este sistema, entendido como uma solução desconcentrada de gestão pluvial, combina três funções: a infiltração, que é maximizada em função das condições de permeabilidade do solo; a retenção ou armazenamento, tão longa quanto possível para tornar mais eficaz o processo de infiltração; o transporte da eventual água pluvial remanescente, através de colector, em situações em que tal é necessário para garantir condições adequadas de drenagem. Em Hannover-Kronsberg, área confinante com a Exposição HANNOVER 2000, várias soluções deste tipo foram projectadas e construídas. Muitas outras situações de integração de trincheiras de infiltração em meio urbano estão ilustradas na bibliografia da especialidade, não só na Europa mas também nos Estados Unidos da América, no Japão e na Austrália, sendo bem elucidativas da sua flexibilidade e do domínio de aplicação. 143 Figura 5.28 - Sistema de retenção/infiltração mulden-rigolen (Sieker 1998) Concepção e dimensionamento A concepção e o dimensionamento de trincheiras de infiltração pressupõe a ponderação de um conjunto de condições prévias, a saber: a zona em estudo não está condicionada por restrições em termos de infiltração, por exemplo áreas limitadas por perímetros de protecção de captações de água destinada a consumo humano ou outro tipo de protecções; existe uma distância mínima adequada entre o nível freático de inverno e a base da trincheira, valor este que, em geral, não deve ser inferior a um metro; os níveis superiores do solo são suficientemente permeáveis - o conhecimento da permeabilidade do meio é indispensável para estimar as condições de drenagem da trincheira e a capacidade de armazenamento necessária na fase de estudo e dimensionamento hidráulico; para o efeito devem ser realizados ensaios de medição in situ da permeabilidade a pequena profundidade. O solo de fundação é propício à infiltração de água - o conhecimento da natureza do solo de fundação e do seu comportamento na presença de água é relevante para se poder optar pela solução de trincheira de infiltração; a consulta de cartas geológicas permite dar informação sobre a natureza das formações geológicas, podendo justificar-se a realização de sondagens complementares; a existência de zonas instáveis do ponto de vista geotécnico em áreas próximas deve ser considerado factor de exclusão deste tipo de técnica; as águas de escorrência pluvial não representam riscos de poluição elevada - tal como referido em relação aos poços absorventes, também a utilização de trincheiras de infiltração é desaconselhável em áreas potencialmente causadoras de níveis de poluição elevados 144 nas águas de drenagem pluvial, como é o caso de áreas de utilização agrícola ou certas áreas do tipo industrial urbano, incluindo estações de serviço, áreas de armazenamento de produtos químicos ou, de um modo geral, superfícies com riscos de contaminação associados. A abordagem, para efeitos de dimensionamento hidráulico, de uma trincheira de infiltração, é similar à utilizada para os pavimentos reservatório, podendo recorrer-se a um método simplificado ou a simulação numérica. No método simplificado o dimensionamento corresponde ao cálculo do volume necessário ao armazenamento temporário da precipitação com determinado período de retorno (em geral dez anos), por forma a que o caudal de saída, considerado constante, não exceda um valor pré-determinado. O caudal de saída pode ser simplificadamente estimado através do produto da superfície activa de infiltração pela capacidade de absorção do solo. Esta, por sua vez, pode admitir-se igual à permeabilidade do meio, no caso de pequenas alturas de escoamento e níveis freáticos situados a distância superior a um metro da base do pavimento, situação em que se admite um gradiente hidráulico igual à unidade e influência desprezável do nível freático na permeabilidade do corpo da trincheira. Como em todas as técnicas de infiltração, é necessário ter em consideração, ao nível de projecto, o efeito de colmatagem, o que é feito através da utilização de um coeficiente de segurança, equivalente a uma diminuição da capacidade de absorção real ou da superfície de infiltração. Em Azzout et al. 1994 são propostos valores correctivos a aplicar à superfície de infiltração real, variáveis entre 0,35 e 0,75, função das características das águas pluviais, das condições expectáveis de manutenção e da existência ou não de dispositivos complementares de tratamento. No modelo de simulação numérica há que aplicar a lei de armazenamento (volume armazenado em função da altura de água), que depende fundamentalmente da geometria da secção transversal (na situação mais comum a secção é rectangular e a inclinação uniforme) e da lei de descarga (caudal de saída em função da altura de água armazenada), que é variável consoante as condições hidráulicas de saída sejam predominantemente de infiltração (lei de Darcy) ou de escoamento controlado por orifício a jusante (lei de vazão em orifício). Várias publicações e artigos científicos e técnicos se debruçam sobre esta matéria (Petersen et al. 1993, Ciria 1996 e Schneider et al. 1998). 5.6.4.5. Valas revestidas com coberto vegetal Definição e princípios de funcionamento As valas revestidas com coberto vegetal (“swales”, na terminologia inglesa, e “noues” ou “fosses”, na terminologia francesa) são dispositivos de desenvolvimento longitudinal, a céu aberto, geralmente de pequena profundidade, de secção variável, podendo ser triangular, trapezoidal ou curva de pequena curvatura, e revestidas com coberto vegetal. Destinam-se a recolher as águas de escorrência superficial, transportando-as lentamente (tempos de escoamento elevados), proporcionando efeito de armazenamento e, se possível, a sua infiltração ao longo do percurso. Na figura 5.29 145 exemplificam-se duas situações de funcionamento hidráulico típico destas valas, privilegiando essencialmente a infiltração (vala de infiltração) ou a retenção (vala de retenção). Figura 5.29 - Vala de infiltração e vala de retenção São dispositivos aplicados com frequência na bordadura de arruamentos ou estradas, podendo igualmente constituir soluções bem integradas no espaço verde das urbanizações ou de áreas de utilização pública. Na Figura 5.30 esquematiza-se uma vala relvada com dispositivos de seccionamento transversal em madeira. Esta solução permite não só aumentar a capacidade de armazenamento nos casos em que a inclinação longitudinal não é negligenciável mas também garantir o acesso de eventuais ligações laterais de lotes ou parcelas de terreno. Figura 5.30 - Vala relvada com seccionamento transversal em madeira (adaptado de Thomachot 1981) 146 Na Figura 5.31 pode observar-se uma vala relvada integrada no espaço verde de uma urbanização. O tipo de coberto vegetal a utilizar, em geral relva ou plantas rasteiras, deve ser adaptado ao tipo de escoamento previsto, ao solo e ao clima. Devem evitar-se espécies vegetais de folha caduca para minimizar a obstrução de eventuais dispositivos de regulação de caudais. Figura 5.31 - Vala relvada integrada em espaço verde Vantagens e inconvenientes específicos As valas revestidas de coberto vegetal têm como vantagem servir de meio receptor às águas de escorrência superficial, assegurando a condução gravítica para os pontos mais baixos da área em estudo. Entre as vantagens destes dispositivos contam-se as suas potencialidades de integração paisagística e de valorização do espaço, a relativa facilidade de execução e o baixo custo. Estas técnicas não dispensam, no entanto, uma manutenção cuidada, indispensável à manutenção das condições hidráulicas de escoamento e à minimização de riscos de colmatagem. Por outro lado, pode haver risco de contaminação das águas subterrâneas designadamente por ocorrência de poluição acidental, pelo que, em situações particularmente vulneráveis, poderá ser necessário prever a integração de dispositivos de intercepção e tratamento. Concepção e dimensionamento A concepção destes dispositivos apresenta grande paralelismo com a concepção e o dimensionamento de trincheiras de infiltração. Assim, há que assegurar, de forma idêntica, que as condições do solo e de nível freático são as adequadas. Por outro lado, a articulação com os vários intervenientes da concepção paisagística é indispensável desde a fase inicial do programa de planeamento, passando pelas fases subsequentes de pormenorização do tecido urbano, na medida em que estas soluções intervêm fortemente na estruturação e na organização do espaço. Igualmente, o dimensionamento destes dispositivos apresenta grande similitude com o dimensionamento de trincheiras de infiltração. A diferença reside essencialmente no facto da secção transversal das valas (ao contrário da situação clássica rectangular das trincheiras) poder apresentar secções típicas diferenciadas (designadamente triangular 147 ou trapezoidal) e, por consequência, a secção útil (ou superfície molhada) não ser função linear da altura de água. Para efeitos de pré-dimensionamento ou de cálculo expedito do caudal de infiltração Thomachot 1981 e Azzout et al. 1994 propõem a consideração de uma superfície de infiltração igual à projecção em planta da superfície real. Esta redução da superfície real, em termos de cálculo, corresponde à utilização de um coeficiente de segurança para ter em conta os efeitos de colmatagem. 5.6.5. Considerações finais Tal como referido anteriormente o conceito e a aplicação de “soluções de controlo na origem de águas pluviais” numa perspectiva de gestão integrada da água em meio urbano é ainda incipiente em muitos países do Mundo e da Europa. Esta situação pode e deve alterar-se nomeadamente com uma maior aposta na concepção integrada das infra-estruturas de drenagem, ao nível do ordenamento do território e do planeamento urbanístico. Em Portugal, o Decreto-Regulamentar n.º 23/95, que aprova o Regulamento Geral dos Sistemas Públicos e Prediais de Distribuição de Água incentiva a utilização de soluções alternativas, designadamente através do seu Art.º 118 relativo à Concepção dos sistemas, refere o seguinte: Na concepção de sistemas de drenagem de águas pluviais devem ser cuidadosamente analisadas as áreas em que o escoamento se pode fazer superficialmente, com o objectivo de reduzir, por razões económicas, a extensão da rede. Nos sistemas referidos no ponto anterior devem ser cuidadosamente analisadas as soluções que, interferindo quer ao nível da bacia hidrográfica, quer ao nível do sistema de drenagem propriamente dito, possam contribuir, por armazenamento, para a redução de caudais de ponta. As soluções de controlo na origem, pelas características que apresentam, são compatíveis com a evolução das infra-estruturas, em termos de desenvolvimento sustentado, pois permitem, em regra, economias globais significativas, em relação às soluções convencionais de drenagem enterrada, em termos de recursos económicos e materiais. 5.7. Dimensionamento hidráulico de colectores 5.7.1. Considerações introdutórias O dimensionamento hidráulico de colectores é o conjunto de procedimentos, ou etapas de cálculo, cuja finalidade é a determinação dos diâmetros e declives de cada um dos colectores que constituem a rede, por forma a assegurar o transporte dos caudais de cálculo previstos, de acordo com determinados critérios hidráulicos pré-estabelecidos. 148 No dimensionamento de uma rede de drenagem de água pluvial podem considerar-se, em regra, as três seguintes etapas fundamentais: definição dos elementos de base; cálculo dos caudais pluviais de projecto; verificação do comportamento hidráulico dos colectores. A secção 2.9 diz respeito, fundamentalmente, aos critérios hidráulicos e aos procedimentos de verificação ou dimensionamento hidráulico dos colectores. 5.7.2. Critérios de projecto e procedimentos de dimensionamento Os critérios de projecto de redes de drenagem de água pluvial são, em regra, os seguintes: - a velocidade de escoamento máxima admissível é de 5 m/s, dado que se considera que o caudal máximo de dimensionamento ocorre com pouca frequência; - a altura máxima de escoamento deve ser igual ao diâmetro do colector (escoamento a secção cheia); - a tensão de arrastamento mínima deve situar-se entre 3 a 4 N/m2, para o escoamento a secção cheia. Para efeitos do dimensionamento hidráulico tradicional de uma rede de drenagem de água pluvial, e utilizando o método racional (ou o método racional generalizado), tornase conveniente adoptar uma sequência articulada de procedimentos ou passos de cálculo que a seguir se sintetizam: 1º delimitação da bacia de drenagem e traçado preliminar da rede. Numeração das secções de cálculo: 2º fixação do período de retorno de dimensionamento; 3º verificação dos parâmetros a e b de curva intensidade-duração-frequência aplicável à área geográfica em estudo, para o período de retorno escolhido; 4º definição das sub-bacias em cada secção de cálculo; 5º determinação do coeficiente global médio ponderado para a bacia definida em cada secção de cálculo (C = (Σ CiAi) / Σ Ai; 6º determinação do tempo de concentração (tc), igual à soma do tempo de entrada (te) com o tempo de percurso (tp); O tempo de percurso (tempo dispendido no percurso desde o dispositivo de entrada na rede até à secção de cálculo), é dado pela expressão: tp = Σ Lj (5.23) Vj em que: 149 Lj - comprimento do colector de ordem j (a montante da secção de cálculo); Vj - velocidade de escoamento (em regime uniforme) no colector de ordem j. 7º determinação da intensidade de precipitação para uma duração igual ao tempo de concentração, a partir da expressão analítica I = atb e dos parâmetros a e b, definidos no passo 3º; 8º determinação do caudal de cálculo: Q (T) = C I (tc,T) A (5.24) 9º determinação, por recurso a fórmulas hidráulicas conhecidas, da velocidade, altura do escoamento e tensão de arrastamento no colector definido (D, i), em função do caudal de ponta; 10º determinação do tempo de percurso (tp) ao longo do trecho de colector considerado no passo 9º; 11º adição do tempo de percurso calculado no passo anterior ao tempo de concentração calculado no passo 6º; 12º repetição de todos os passos de cálculo, a partir do 5º, para as sucessivas secções de cálculo, de montante para jusante; Como se pode inferir da descrição sequencial dos passos de cálculo no método racional, cada colector é dimensionado individualmente e independentemente (excepto no que respeita ao cálculo do tempo de concentração) e o valor que lhe corresponde de intensidade de precipitação é recalculado, em cada secção de cálculo, para a área total drenada. Dado que o dimensionamento se processa de montante para jusante, as áreas drenantes são crescentes nas sucessivas secções de cálculo e, igualmente, os respectivos tempos de concentração. As intensidades de precipitação de cálculo correspondentes são, em regra, decrescentes, sendo os novos valores aplicados às áreas drenantes em cada secção de cálculo. A série de passos de cálculo descritos evidenciam que um trabalho deste tipo realizado manualmente pode tornar-se demorado e fastidioso, sobretudo se se trata de redes com um número elevado de trechos. O cálculo automático, quer se recorra ao método racional para a determinação de caudais quer a outro método alternativo, aplica-se com grandes vantagens de rapidez e eficiência ao dimensionamento de rede de colectores (a esse respeito consulte-se, por exemplo, Almeida 1983 ou Sousa 1983). 5.8. Síntese e considerações finais Os sistemas de drenagem de água pluvial são infra-estruturas destinadas a servir uma estrutura principal (edificações, parques urbanos, vias de circulação), devendo adequarse ao aglomerado populacional que pretendem servir. Por outro lado, em novas urbanizações, as regras urbanísticas devem ser delineadas no sentido de se adequarem a uma maior facilidade de construção e economia das redes de drenagem. 150 No caso das bacias de drenagem que não são de cabeceira, o caudal de superfície afluente às respectivas secções de jusante não é, em regra, igual ao caudal originado nas próprias bacias, dado o facto dos dispositivos interceptores da águas pluvial, implantados a montante, não recolherem, em geral, a totalidade dos caudais afluentes. A prática de localização e consequente dimensionamento dos dispositivos interceptores de água pluvial de cabeceira deve diferir da prática respeitante à localização dos dispositivos de percurso. No primeiro caso interessa, sobretudo, maximizar o trajecto percorrido pela água superficial, ou seja, as dimensões das bacias de cabeceira. Tal preocupação tem o duplo objectivo de diminuir a extensão da rede de drenagem enterrada e contribuir, simultaneamente, para um incremento do tempo de concentração inicial na bacia, que se reflecte directamente numa diminuição dos caudais de projecto e, consequentemente, do diâmetro e custo dos colectores que se desenvolvem a jusante. Pelo contrário, no caso dos dispositivos interceptores de percurso, não se põe com tanta acuidade a preocupação de maximizar o percurso da água escoada superficialmente, dado o facto da extensão da rede de drenagem enterrada já estar definida. Interessa, sobretudo, e com especial importância, minimizar os custos sociais e económicos associados à ocorrência de inundações. A problemática da redução de caudais de ponta de cheia e volumes de escoamento afluentes à rede de drenagem deve estar sempre presente no espírito do projectista. Soluções com recurso a escoamento a céu aberto (com valas revestidas ou não), bacias de retenção e câmaras drenantes podem, em inúmeros casos, ser aconselháveis, do ponto de vista económico e mesmo do ponto de vista estético e social. Em determinadas situações especialmente complexas, envolvendo colectores à maré, transições de secção e descargas em linhas de água com condicionalismos de jusante, pode ser recomendado o recurso a sofisticados modelos hidrológicos e hidráulicos. No que se refere à qualidade da água das escorrências pluviais, seja quando transportada em colectores separativos, seja quando transportadas em colectores unitários, sabe-se que arrastam, em regra, quantidades significativas de substâncias poluentes, nomeadamente sólidos em suspensão, hidrocarbonetos e metais, em particular chumbo, zinco e ferro. O impacte negativo da descarga dessas águas poluídas em meios receptores sensíveis pode ser minimizado e controlado recorrendo a processos “naturais” de tratamento (particularmente a lagoas ou bacias de retenção de toalha de água permanente) e a reservatórios de regularização inseridos em sistemas de drenagem. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DO CAPÍTULO 5 Abreu, M.R.S. - Lagoas de Amortecimento de Águas Pluviais. In Seminário 290 «Contribuição para o Estudo da Drenagem de Águas Pluviais em Zonas Urbanas», LNEC, Lisboa, 1983. Almeida, A.B. - Fórmulas Aproximadas para Dimensionamento Preliminar de Bacias de Retenção de Águas Pluviais. Revista Recursos Hídricos, APRH, Vol. 6, nº 1, 1985. 151 Almeida, A.B., Pinto, A.M. - Dimensionamento Aproximado de Bacias de Retenção de Águas Pluviais. III Simpósio Luso-Brasileiro sobre Hidráulica e Recursos Hídricos, Salvador, Brasil, 1987. Abreu, M.R. - Metodologia para a redução de caudais de ponta e volumes de escoamento em sistemas de drenagem. 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