Personagens do Fazer Jornalístico de São Borja nos anos 70 – memórias e relatos1
Autores
Cárlida EMERIM2
Tiago Radeski HAFFERMANN3
Universidade Federal do Pampa, São Borja, RS
Resumo
O presente artigo faz uma sistematização e uma análise dos modos de feitura da imprensa
radiofônica e impressa na cidade de São Borja no período compreendido entre 1970 e 1979,
tentando entender esse fazer na perspectiva de uma inserção jornalística numa área de segurança
nacional, no período considerado de auge da ditadura e da censura no país. Para tanto, entrevista
seis realizadores da imprensa da época e a partir de seus relatos orais constrói uma retrospectiva
do modo específico deste fazer.
Palavras-chave
história, memória oral, jornalismo, rotinas produtivas.
1. Introdução
O trabalho desenvolvido no referente artigo é construído com base em
depoimentos dos realizadores e atuaram no rádio e no jornal impresso, no período de
1970 a 1979, na cidade de São Borja (RS).
Como metodologia de trabalho primeiramente foi realizada uma pesquisa
bibliográfica, aos jornais da época e alguns pessoas da comunidade que podiam auxiliar
na identificação dos participantes. Depois, empreendeu-se uma outra verificação com
vistas a identificar quais dessas pessoas que atuaram no período estudado e poderiam
relatar sobre suas experiências no jornalismo.
1
Trabalho apresentado no 7º Encontro Nacional de Pesquisadores em História da Mídia, evento da Rede
Alfredo de Carvalho (ALCAR).
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Cárlida EMERIM. Doutora em Comunicação e Processos Midiáticos pela Universidade do Vale do Rio
dos Sinos; Mestre em Ciências da Comunicação com ênfase em Semiótica pela Universidade do Vale do
Rio dos Sinos; Especialista no Ensino das Artes Visuais pela Universidade da Região da Campanha e
Jornalista graduada em Comunicação Social na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Líder do Grupo de Pesquisa HISTÓRIA DA MÍDIA da UNIPAMPA Campus São Borja. Professora
Adjunta II da Universidade Federal do Pampa, Campus São Borja (RS). [email protected]
3
Tiago Radeski HAFFERMANN. Acadêmico do 7ª semestre de Comunicação Social – habilitação em
Jornalismo pela Universidade Federal do Pampa – Campus São Borja. Bolsista de Iniciação à Pesquisa.
[email protected]
De posse dessas informações agendou-se a realização de entrevistas gravadas
para o suporte televisivo com o objetivo não só de preservar a memória oral da mídia no
interior do Rio Grande do Sul, como também de buscar mais subsídios para o
entendimento da historia e dos fazeres jornalísticos.
O artigo apresenta além dessa introdução uma breve sobre a imprensa escrita e a
falada nos anos 70 em São Borja; algumas considerações sobre o período da de ditadura
militar no Brasil e os seus reflexos na cidade de São Borja; os relatos dos jornalistas e
radialistas da época e finaliza com algumas interpretações e sistematizações sobre os
fazeres jornalísticos a partir dos depoimentos gravados.
2. Breve Histórico da Imprensa em São Borja nos anos 70: Rádio e Jornal
Impresso
Segundo o jornal 7 dias, datado de 19 de novembro de 1967, a primeira rádio de
São Borja iniciou suas atividades em agosto de 1940, com a ZYF-2, Rádio Fronteira do
Sul AM. Fundada por treze empreendedores são-borjenses, ela foi inicialmente
idealizada por um argentino, Florêncio Gimenez, que possuía uma loja que prestava
serviços de consertos de rádios. A emissora funcionava em caráter experimental,
mantendo-se nesse formato até a metade da década de 40 quando obtiveram a
autorização governamental. Ao sair da direção da rádio, Gimenez negocia suas ações
com o então advogado João Belchior Marques Goulart, que se torna deputado estadual
em 1945 e, posteriormente, presidente da república em 1962, até o golpe em 1964.
Goulart, por sua vez, nomeia o advogado e contador Leo Ayub Vargas, para administrar
a emissora.
A trajetória da emissora foi interrompida em 1975 pela ditadura, que na figura
de representantes da Delegacia Nacional de Telecomunicações (Dentel), um dos órgãos
responsáveis pela aplicação da censura aos meios de comunicação no Brasil, acabou por
cortar o fio que ligava a antena ao transmissor. Diante do fato, o então diretor resolve
fechar a rádio e dividir os móveis e equipamentos com os funcionários.
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Com o fechamento da rádio Fronteira do Sul AM, a cidade ficou um tempo sem
esta mídia, e em 1977 começa a funcionar a Rádio Cultura AM. Desde sua fundação
foram realizadas coberturas importantes, como a morte do ex-ditador da Nicarágua,
Anastácio Somoza; o encontro entre os ex-presidentes, Carlos Menem da Argentina e
Fernando Henrique Cardoso do Brasil. Desde então a Cultura AM vem realizando
eventos que tentam unir a comunidade em torno de interesses em comum, como o
futebol. Tanto é que um dos eventos mais concorridos é o Culturão, torneio de futsal
realizado pela emissora que reúne cerca de mil atletas de toda a região incluindo atletas
da Argentina.
Embora São Borja seja uma cidade longe das grandes capitais, o campo do
jornal impresso sempre teve publicações ao longo da sua história. Nos anos 70
especificamente houve uma diminuição de publicações. Com o fechamento entre 68 e
69 do jornal 7 dias, do Jornal de São Borja, do jornal Uruguay e do jornal o Clarim,
surge em 1970 o jornal Folha de São Borja. Fundado por José Grizólia, em 24 de
fevereiro de 1970, reuniu vários colaboradores e passou a apresentar semanalmente uma
seleção de noticias dos acontecimentos da cidade e região. Inicialmente em formato
Standard, com oito paginas, dividia-se em editorias de policia, geral, informes,
jurídicos, esporte e a coluna social. Em 1976 foi vendido para um grupo de empresários
que tinha como acionista majoritário Renato Andrés que, em 1992, passa a direção da
empresa para Roque Auri Andrés.
A produção, como no início, ainda era feita artesanalmente, com a montagem
através de recortes datilografados e colados em páginas chamadas de “boneco”. Depois
de pronto o boneco, este era fotografado para poder produzir o fotolito para impressão e
este fotolito muitas vezes era chamado de espelho, só então enviar para a gráfica. De
1970 até 1990, o jornal foi produzido assim. O jornal FSB era impresso em uma editora
da cidade de Santana do Livramento, passou um tempo sendo impressa pelos próprios
donos através da empresa Artes Gráficas São Borja Ltda - de propriedade de Roque
Andrés (aliás, a que até hoje comporta a estrutura física do jornal), sendo impresso todo
em preto e branco. Mais tarde, por questões econômicas, o periódico volta a ser
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impresso em outra empresa, desta vez, na cidade de Santo Ângelo e permanece até os
dias atuais.
Como já se pode perceber, o fechamento de rádios e jornais também ocorreu
após o Golpe de 64 em São Borja que, aliás, merece ser relembrado a partir de seus
reflexos na cidade. O início do golpe militar foi na madrugada de 31 de março de 1964,
quando as forças armadas tomaram o poder do governante legalmente instituído, o
presidente João Goulart, que viajou em busca de segurança para Porto Alegre onde
Leonel Brizola tentava organizar uma resistência, com o apoio de alguns oficiais
simpatizantes. Mas Jango não quis arriscar um embate direto contra os militares
golpistas e se exilou no Uruguai e depois na Argentina, retornando ao país, somente em
1976, para ser enterrado em sua terra natal, São Borja. Com o poder nas mãos, os
militares dão inicio a uma intensa repressão contra setores da sociedade, contra políticos
de esquerda, contra a União Nacional dos Estudantes, contra a Juventude Universitária
Católica e as ações e movimentos populares. Nesse período calaram muitas pessoas, que
foram presas irregularmente, sendo que existiam casos de tortura, coisa muito comum
no nordeste do país, exemplo disso foi o que ocorreu com o líder sindicalista, Gregório
Bezerra, que foi amarrado e arrastado pelas ruas de Recife no estado de Pernambuco.
Ao longo desse período foram instituídos muitos mecanismos de repressão e,
dentre eles, estava a censura e a perseguição através de órgãos governistas. No campo
da mídia, essa repressão começou com bilhetes e telefonemas que eram enviados para as
redações dos veículos de comunicação: quem era contrário aos desmandos do governo
tinha que conviver com a presença de policiais e censores que vigiavam as redações.
Mas, o mais duro golpe à liberdade de imprensa e expressão veio com o Ato
Institucional AI-5, em 13 de janeiro de 1968, que dava plenos poderes aos governantes
para punir arbitrariamente. Esse Ato marcou os dez anos seguintes por um duro é
violento período histórico pelas perseguições e prisões além dos rechaços às
contestações políticas e os confrontos entre os movimentos estudantis e a polícia.
Em São Borja, uma cidade considerada zona de segurança militar, com quatro
quartéis, órgão federais e estaduais, convivia desde sempre com a idéia da vigilância.
Segundo moradores mais antigos, a ditadura não foi muito diferente do que já se
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percebia e vivia na cidade. A imprensa necessitava se reportar à Polícia federal antes de
publicar suas notícias e os cidadãos, para se precaverem, não se envolviam em nada que
pudesse causar confronto ou desconfiança.
3. Relato resumido dos realizadores entrevistados
Nesse sub-ítem propõe-se apresentar, brevemente, os relatos obtidos a partir dos
depoimentos gravados com os jornalistas e radialistas que fizeram parte da imprensa de
São Borja no anos 70. Assim, serão apresentados os relatos de Serzo Brites Rodrigues,
Leo Ayub Vargas, Íbaro Rodrigues e Alberí Côgo.
Nome: Serzo Brites Rodrigues
Nome de Guerra: Bolachinha
Função: Técnico em Radiofusão
Empresa: Fronteira do Sul AM; Rádio Cultura AM
Serzo Brites Rodrigues, de 67 anos, técnico em radiodifusão, tem 42 anos de
experiência em técnica de rádio. Foi o responsável pela montagem das rádios Fronteira
do Sul AM em 1967; Cultura AM em 1977 e Fronteira FM em 1985. Sua história na
rádio começou por acaso. Formado no curso de Técnica em Eletrônica, trabalhava num
hotel quando foi convidado para montar a estrutura de uma rádio. Era a rádio Fronteira
do Sul AM. Na ZYF-2, iniciou na área técnica como operador de áudio, mas ajudava
também nas transmissões externas. A grade de programação da rádio contava como
programas musicais, como os tradicionalistas que apresentavam músicos locais e do
estado, grupos e duplas sertanejas, tudo ao vivo. Outro ponto forte da programação era
os programas esportivos, com as transmissões de jogos de futebol até mesmo em outras
cidades.
Um programa de muita audiência era o definido como horário musical que
permitia que os ouvintes escolhessem músicas da programação e pudessem oferecer a
outras pessoas. Este programa recebia por cada pedido musical e movimentava uma
grande parte da renda total da emissora. As transmissões não se limitavam aos jogos de
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futebol, eventos festivos como bailes carnavalescos, concursos de musicas, e rodeios
recebiam a cobertura da emissora. E, como não poderia deixar de ser a rádio também
apresentava notícias de hora em hora com locutores que tinham a única
responsabilidade de narrar as reportagens produzidas pelos jornalistas. Outra forma de
captar e de divulgar informações na rádio era através do sistema de rádioescuta, no
qual alguns radialistas captavam e reproduziam notícias da Rádio Guaíba e da Rádio
Gaúcha, ambas de Porto Alegre. Segundo ele, era muito complicado trabalhar em
reportagens externas fora do estúdio, devido ao tipo de equipamento utilizado na época.
Aliás, estas transmissões lhe renderam boas experiências, muito trabalho e histórias. Em
sua história sobre a rádio em São Borja, ele aborda, também, peculiaridades da
produção em rádio com baixo custo e tecnologia precária.
As coberturas dos carnavais nos clubes da cidade eram verdadeiras maratonas.
Serzo com que eles gravavam as fitas e algumas músicas em um ou dois clubes, um
operador levava a fita até o estúdio que ficava rodando o programa e, enquanto isso
acontecia, esta mesma pessoa voltava até o local onde estava o repórter, pegava mais
fitas, resultado de mais gravações, refazia o mesmo percurso para que elas pudessem ser
transmitidas. Deste modo, eles conseguiam passar a idéia de que o programa estava
sendo transmitido ao vivo pela rádio. Quando não conseguiam realizar todo este
translado, as fitas eram apresentadas todas, em seqüência, no dia seguinte. Também
realizavam coberturas internacionais na cidade vizinha de Santo Tomé, na Argentina,
porém as gravações eram veiculadas no dia posterior, pois a travessia entre as duas
cidades, na época, era feita através de balsas pelo rio Uruguai, portanto, impossível de
ter a agilidade necessária. Outra dificuldade era o fato de que não existia rádio
transistorizada, elas eram valvuladas e tudo precisava de muita energia elétrica. Quando
não tinham uma fonte de energia próxima, era preciso colocar uma extensão até a fonte
mais próxima. Mas, com o passar do tempo, chegou à cidade o que eles chamavam de
Conversor Vibrador, que era ligado a baterias. O aparelho facilitava a obtenção de
energia, pois convertia a voltagem de 12 Volts para 220 Volts. Mas toda essa potência
propiciada pelo conversor acabava concentrando muita energia causando choques nos
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radialistas que seguravam o microfone. Durante muito tempo, eles tiveram que lidar
com este fator até o aparelho cair em desuso.
A sede da rádio Fronteira do Sul AM ficava a cerca de três quilômetros e meio
da antena transmissora. Serzo explica que o sistema de transmissão/recepção do estúdio
até o transmissor era feito através de linha física, ou seja, linhas telefônicas e fios. Era
muito difícil de conseguir uma linha telefônica para fazer este tipo de trabalho, e os
técnicos tinham que fazer uma ligação (fiação) da rádio até a antena, seguindo o fio do
poste de luz, de poste em poste. O técnico contou o caso de uma cobertura de um evento
que seria realizado no clube da cidade. Como a rádio não tinha muitos recursos e como
eram cobradas altas taxas para o uso das linhas telefônicas a rádio mantia uma linha
telefônica fixa num ponto estratégico da cidade. Quando precisava fazer transmissão
direta de um evento, para baratear os custos, eles puxavam apenas um fio até a linha
telefônica fixa da emissora: numa ponta tinha um bastão de metal que era trazido até a
sede da emissora para ser enterrado no solo e, e na outra ponta ficava um outro bastão
que deveria ficar no local onde seria feita a cobertura. Neste evento do clube, em
especial, eles tiveram que pegar um fio que saiu da rádio e o puxaram até o local do
evento. Depois dessa ligação, eles conectaram ao radiofone para transmitir direto para o
estúdio, “pois, a transmissão para ser feita, tem que realizar um looping, tem que ir e
retornar, então, a transmissão das ondas era feita por terra”, explica. Toda essa
sistematização era necessária, pois a rádio na época não tinha muito retorno publicitário,
o comércio local era pequeno e não oferecia capital de giro, por tanto, investia muito
pouco em comerciais na rádio. Os funcionários, segundo ele, reduziam ao máximo as
despesas para poder manter a rádio em funcionamento. Esta estrutura precária, quase
artesanal, de linha física, influenciava na qualidade de som das transmissões que não era
muito clara e nem firme, sofria ruídos e silêncios, repercutindo em muita perda de
qualidade na transmissão das ondas de rádio.
Quando a linha telefônica e a fonte de energia elétrica eram muito distantes os
radialistas se viam em situações inusitadas. Como a que aconteceu na cobertura de um
jogo de futebol de um time da cidade que iria jogar em outra cidade. A equipe teve que
sair dois dias antes da partida de futebol, tiveram que puxar o fio até o poste do
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telégrafo dos Correios onde então conseguiram permissão para usar a sua linha: Foram
dez mil metros de fio do estádio de futebol até alinha fixa dos Correios, uma distância
de 6 quilômetros. Depois de tudo montado ainda tiveram que enfrentar outro obstáculo:
eles não tinham uma fonte de energia para ligar os equipamentos. Mas, como tudo
naquela época era uma questão de criatividade e desafio eles conseguiram ligar o
equipamento em uma tomada da casa de um morador que ficava distante quatro quadras
do estádio de futebol. Em meio à euforia da equipe por terem conseguido tamanha
façanha tecnológica veio a noticia de que o jogo de futebol havia sido cancelado e os
técnicos tiveram que ficar mais dois dias na cidade para poder retirar toda a estrutura
que haviam conseguido montar.
Na cidade de Itaqui há 90 km de São Borja a linha telefônica ficava muito longe
dos locais que costumavam sediar eventos cobertos pela rádio. Como não tinham fios
suficientes para chegar até estes locais os técnicos da rádio Fronteira do Sul AM faziam
uma operação antológica: eles “grampeavam” as cercas que delimitavam as áreas rurais,
faziam uma ligação dos pontos de interrupção das cercas e estendiam, ai sim com fios,
até a linha telefônica que vinha de São Borja pela estrada4. Quando perguntado sobre a
estrutura administrativa da rádio Serzo afirma que sabia apenas que João Goulart, que
era um dos donos da rádio, quando foi para o exílio resolverá passar todas as suas ações
para os funcionários da emissora, utilizando-se de uma carta documento. Só que os
funcionários não conseguiram regularizar a situação da emissora junto ao Dentel, nem
tampouco efetivar junto ao cartório local a transferência das ações. Deste modo a rádio
permaneceu no papel como propriedade de João Goulart até o seu fechamento em 1975.
Após o fechamento da Fronteira do Sul AM, Serzo Brites foi trabalhar numa loja
de concertos eletrônicos de propriedade de sua família, até ser chamado para trabalhar
na implantação da rádio Cultura AM em 1976. Efetivamente no ar a partir de 1977 a
rádio Cultura AM já começou as atividades com equipamentos mais modernos. O
trabalho de Serzo ficou mais restrito a adequação de tecnologia e manutenção desta
nova emissora.
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Esta história que parece inverídica é contada por diferentes radialistas e técnicos em diferentes
depoimentos obtidos pelo Grupo de Pesquisa História da Mídia.
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Em relação ao período de ditadura militar de 1970 a 1979, Serzo Brites afirma
que ele nunca foi alvo de nenhum tipo de censura ou de cerceamento de atividade. Ele
acredita que a sua área de atuação não requeria muitas preocupações, pois ele não lidava
com conteúdo. A única referencia a um tipo de censura foi a tentativa de boicote de
divulgação de um programa político opositor ao regime, na rádio Fronteira do Sul AM.
A cidade teve sofreu um blackout no horário de transmissão desse programa. O que não
foi um problema para a emissora na época, pois vários amigos se mobilizaram e com
baterias emprestadas conseguiram colocar o programa no ar.
Nome: Leo Ayub Vargas
Nome de Guerra: Leo Ayub
Função: Diretor e Contabilista
Empresa: Fronteira do Sul AM
Leo Ayub Vargas, de 67 anos, Advogado e Contabilista, foi administrador e
diretor da rádio Fronteira do Sul. A pedido de João Goulart ele foi para a emissora para
tentar resolver algumas situações relacionadas a fiscalização da receita federal, bem
como a sua própria legalização. Segundo Ayub Vargas tratou por muito tempo com
advogados em Porto Alegre, para tentar validar o ato de doação das ações pertencentes a
Jango para os funcionários da emissora, sem sucesso. Embora não trabalhando na linha
de frente Ayub Vargas assumiu a função de uma espécie de diretor de programação da
rádio e passou a apoiar radialistas com suas posturas críticas e notícias polêmicas. Criou
novos modelos de programação e buscou uma rádio que estivesse com a produção de
noticias sem operar como rádio release (aquela que recebia verbas para divulgar o que o
cliente queria).
A respeito da programação, afirma que a emissora tinha concessão para trabalhar
24 horas ao dia, mas fechavam suas transmissões a partir da meia noite. Com
programação voltada para a comunidade apresentavam várias notícias de utilidade
pública, respeitando a população local e agindo com responsabilidade na veiculação das
informações, com fontes fidedignas e credibilidade dos repórteres. O forte destes
programas jornalísticos eram as entrevistas que faziam com os políticos da cidade, sem
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respeitar as ordens vindas de outras esferas. Esta prática causou muitas tentativas de
repressão ao formato, sendo que em certa ocasião o prefeito da época tentou impor uma
maneira de realizar tais entrevistas, pois achava que seu governo estava sendo atacado.
Para Ayub Vargas, esse foi um motivo precursor da onda de perseguições ao
funcionamento da Fronteira do Sul. Na linha musical, os programas de auditório eram
um marco da emissora. Neste estilo, ofereciam aos jovens cantores da cidade um espaço
nos programas de auditório que faziam sucesso na região.
Ayub Vargas enumera alguns aspectos da época que podem ter contribuído para
o fechamento da rádio. O primeiro deles é o fator financeiro que havia pouco
investimento em publicidade na rádio obrigando os radialistas muitas vezes a pagarem
os custos de viagem para realizar o trabalho em coberturas. O pouco que a rádio lucrava
era utilizado para o pagamento dos funcionários. O segundo esta relacionado as
pressões que a equipe sofria das autoridades locais da época, além das imposições do
próprio regime militar. Ordens de não ofertar o microfone para opositores do governo,
ordens de dar voz aos políticos do governo ou ordens de não exibir programas, mesmo
musicais se estes tivessem alguém pelo qual o regime não nutrisse simpatia. O terceiro
está diretamente relacionado ao fato de João Goulart ser um dos donos da rádio. Ela
seria alvo de várias perseguições, em diferentes instâncias até ser fechada, pois quando
o Ministério das Comunicações tomou conhecimento da queda de Jango, passou a
dificultar todos os processos de legalização, de liberação da concessão e de validação da
doação das ações aos funcionários.
[...] a partir daí a rádio estaria fadada a morte [...] foi declarada
perempta, o que significa que o tempo para que tinha sido
instituída tinha terminado, esse é o lado jurídico, porque por
outro lado está a vingança política, pois toda a vida a rádio
pertenceu a João Goulart. (VARGAS, 2009).
Leo Vargas é mais enfático ainda quando afirma: era muito difícil trabalhar no
jornalismo no período da ditadura militar, pois quem queria fazer valer suas idéias era
repreendido, mas para quem bajulava os poderosos ficava muito mais fácil de se
trabalhar. Porém, afora este relato, Ayub Vargas afirma que nunca sofreu diretamente
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ações de censura sob sua pessoa e nem fora chamado a dar esclarecimentos no período
da ditadura militar.
Nome: Íbaro Rodrigues
Nome de Guerra: Íbaro Rodrigues
Função: Locutor Esportivo
Empresa: Rádio Cultura AM
Íbaro Rodrigues, 47 anos, locutor esportivo, trabalhou em diversas rádios no
estado. Em São Borja há 31 anos, começou a trabalhar na rádio Cultura AM na sua
fundação em 1977. Sobre a produção de notícias Íbaro afirma que elas eram copiadas de
algumas rádios do estado (rádioescuta) e que na programação, a rádio Cultura AM se
pautava pela programação mais popular, com músicas tradicionalistas, transmissões
esportivas, noticiário e reportagens. Entre as dificuldades descreve a falta de tecnologia
pára a organização e o arquivamento da programação, bem como no controle e
veiculação de anúncios publicitários. Como locutor esportivo Íbaro não sofreu nenhuma
restrição em relação ao seu trabalho nos esportes. Porém, como atuava esporadicamente
como locutor noticiarista relata algumas situações que vivenciou durante o período de
ditadura militar. Colegas radialistas que produziam notícias e jornalistas que produziam
reportagens sofriam várias imposições na realização de suas atividades. Quando estava
fazendo a cobertura das eleições de 1978, Íbaro vivenciou diretamente a censura sob o
seu trabalho:
Na cobertura das eleições de 78 fui escalado como repórter para
cobrir uma seção eleitoral localizada em um colégio da cidade.
Fui impedido de informar que um candidato a deputado
estadual por São Borja estaria votando naquela seção, não pude
nem falar o nome daquele candidato, pois ele era da oposição.
(RODRIGUES, 2009).
Em relação a programação musical era necessário enviar uma lista com todos os
nomes das canções e dos artistas que a rádio pretendia veicular para a Polícia Federal
em São Borja. A lista voltava com as anotações de quem e quais canções poderiam ser
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reproduzidas. Ele conta que os discos que vinham para a rádio já chegavam das
gravadoras com faixas vetadas, as músicas censuradas nem rodavam no “bolachão”.
Nome: Alberí Côgo
Nome de Guerra: Côgo
Função: Repórter
Empresa: Folha de São Borja
Alberí Côgo, 53 anos, na atividade desde 1977, quando começou a trabalhar no
jornal Folha de Santiago. Em 1978, veio para São Borja onde começa a trabalhar no
jornal Folha de São Borja, e posteriormente, na rádio Cultura AM. É formado em
História. Côgo se define como um autodidata, um jornalista por vocação, pois tudo que
aprendeu sobre o jornalismo foi decorrência das experiências vividas e de muito estudo.
Com uma postura engajada reforça um comportamento apaixonado pela profissão e
acredita que as facilidades trazidas pelas novas tecnologias acabam limitando o
jornalismo no seu aspecto de conteúdo.
Apesar das dificuldades, era um jornalismo romântico, mais
realizador, que visava muito mais sonhos que lucros, a gente se
inspirava mais, era mais desafiador. Hoje, considerando as
facilidades maiores, a liberdade de expressão, a profissão é,
certamente, menos desafiadora. (CÔGO, 2009).
Na Folha de São Borja o jornalista e radialista relata que tudo era produzido de
forma quase arcaica a base de muita criatividade e improvisação. Sobre as temáticas, ele
afirma que as colunas tinham uma concepção mais literária, reportagens eram
produzidas com muita inspiração, com texto rebuscado e informações aprofundadas.
Para fugir da censura os jornalistas dedicavam-se mais a repercutir as notícias em
formas de crônicas e comentários literatos. Côgo explica que as matérias eram feitas nas
máquinas de escrever, depois recortadas e montadas no texto espelho para depois ser
fotografado e transformada em fotolito. Este material rudimentar segundo ele era
enviado por malotes do Correio para serem impressos em gráficas de outras cidades, um
processo demorado e que muitas vezes se perdia em outros destinos. A evolução desta
época foi passar a enviar os fotolitos pelos motoristas de ônibus que entregavam em
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mãos para pessoas que já estavam a espera do material. Correspondente do jornal
Correio do Povo (RS), com sede na capital gaúcha, Côgo conta que quando o deadline
era muito ele acabava por ditar toda a reportagem por telefone para o pessoal da redação
O jornalista é correspondente do jornal Correio de Povo há vários anos e conta
que naquela época, havia muita demora na entrega dos malotes de correspondência, por
isso era mais rápido enviar pelo motorista de ônibus das empresas de viagem, que ao
chegar no destino entregava a correspondência a uma pessoa que estava à espera. Isso
acontecia também com as fotos que precisava enviar, elas eram reveladas e assim
repetia-se todo esse processo penoso. Quando seu deadline era muito curto ele acabava
ditando toda a reportagem por telefone para o pessoal da redação. Entre todos os
entrevistados Côgo é o que mais sofreu com a ditadura, não de forma direta
pessoalística, mas através da necessidade de adequação do seu modo de trabalho e da
adesão da autocensura que, com certeza, limitaram por um bom período o crescimento
profissional de um jornalista por concepção. Quando perguntado sobre qual o trabalho
que mais lhe impactou ele aponta a cobertura realizado por ele da volta de Leonel
Brizola do exílio, em 1979. Na rádio cultura AM Alberí Côgo tem se dedicado desde
sempre a comentários e a noticiarismo, seguindo o padrão instituído desde o seu
ingresso na profissão.
4. Algumas considerações sobre o fazer jornalístico dos anos 70 em São Borja
A partir destes depoimentos, é possível levantar algumas considerações sobre o
fazer jornalístico em São Borja, nos anos 70. A primeira consideração pode ser feita em
relação a formação dos radialistas e jornalistas. Poucos são oriundos de outras
profissões, na linha de frente, além de alguns que saíram da classe do magistério, a
grande maioria era autodidata. Uns escolhidos pela voz, outros porque estavam
disponíveis. Muitos moldados pela vivência e, com ela, conseguiram aprimorar e
evoluir sua produção.
A segunda consideração pode ser relacionada ao próprio mercado e condições de
produção do jornalismo. Os relatos apontam para dificuldades técnicas e de maquinário,
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ausência de padrão a ser seguido e acúmulo de funções sem apoio ou respaldo
financeiro. O trabalho era realizado precariamente, pois a tecnologia era muito
limitadora, o que obrigava seus profissionais a improvisar quase sempre para poder dar
continuidade as suas atividades.
A terceira consideração é em relação ao período dos anos 70. Os relatos dão
conta da existência de uma autocensura na produção e isso foi uma experiência tão
intensa que até hoje, ao longo dos depoimentos, foi possível perceber uma preocupação
com o que se diz e o como se diz. É recorrente nas falas que o alvo mais direto da
censura sobre os textos eram os repórteres ou aqueles envolvidos diretamente com a
produção da notícia. Esta acepção se comprova, principalmente, nas afirmativas já
relatadas de Íbaro Rodrigues e de Leo Ayub, como também, abaixo destacado, as falas
de Alberí Côgo e de Mário Aquino5:
Tinha que escrever e levar para a Delegacia de Policia Federal e
depois ler na rádio ou publicar no jornal. Com o tempo nos
mesmos nos policiávamos. (CÔGO: 2009).
Não sofria com isso porque eu era locutor, só lia as notícias.
Mas os jornalistas tinham que ter muito cuidado porque a
censura era direta. (AQUINO, 2009).
Podemos perceber através dessas entrevistas que naquela década não havia uma
grande produção de noticias, muitas vezes ocasionado pela mobilidade que era
dificultada pela aparelhagem técnica necessária para a produção desse gênero. Então a
maior parte das informações eram reportagens gravadas para ser transmitidas no dia
posterior ao evento. Diante do exposto pode-se conceber que se o jornalismo do interior
já é difícil hoje em dia, em plena era de formação global de profissionais da imprensa,
na época estudada, é ainda mais premente a falta de pessoas para a atuação na imprensa
do interior. Tanto é que há mais de 20 anos depois, muitos ainda permanecem na ativa,
porque até agora nem o mercado conseguiu abrir espaço para novas vagas de trabalho
nem a formação conseguiu seduzir os jovens jornalistas para assumirem as matrizes do
interior. De outro modo, fica bem claro, também, que o período da ditadura militar São
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Mário Aquino, radialista, foi um dos entrevistados do projeto Preservação da Memória Oral da Imprensa
em São Borja, do Grupo de Pesquisa História da Mídia.
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Borja, cerceou a oportunidade de crescimento e desenvolvimento do mercado da
comunicação e fadou a cidade e a região há um monopolismo reducionista e de poucas
expectativas de mudanças futuras.
5. Referências bibliográficas
5.1 - Livros
AQUINO, Mário. Mário Aquino: Depoimento: [jul. 2009]. São Borja: Universidade Federal do
Pampa, Campus São Borja, 2009. Depoimento concedido a professora Cárlida Emerim e ao
aluno Tiago Haffermann para o projeto Preservação da Memória Oral da Imprensa em São
Borja, do Grupo de Pesquisa História da Mídia.
CÔGO, Alberí. Alberí Côgo: Depoimento: [jul. 2009]. São Borja: Universidade Federal do
Pampa, Campus São Borja, 2009. Depoimento concedido a professora Cárlida Emerim e ao
aluno Tiago Haffermann para o projeto Preservação da Memória Oral da Imprensa em São
Borja, do Grupo de Pesquisa História da Mídia.
PEREIRA (orgs.), Joseline PIPPI e Cárlida Emerim Jacinto. Memórias sobre a imprensa em
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Emerim e ao aluno Tiago Haffermann para o projeto Preservação da Memória Oral da Imprensa
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em São Borja, do Grupo de Pesquisa História da Mídia.
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Personagens do Fazer Jornalístico de São Borja nos anos