CUSTO EXTERNO DO USO DE AUTOMÓVEIS NO BRASIL Igor Veríssimo Fagotti Prado Engenharia de Produção Civil Universidade Federal de Santa Catarina Fakultät Verkehrswissenschaften "Friedrich List" – TU Dresden Bolsista Capes Processo Nr. 2266/12-1 Mirian Buss Gonçalves Pós-Graduação em de Engenharia de Produção Universidade Federal de Santa Catarina RESUMO O uso de automóveis gera custos não pagos pelo usuário. Estes custos são então externalizados para a sociedade, que a longo prazo terá que lidar com as consequências causadas pelo uso atual de veículos automotores. A estes custos denomina-se externalidades. Este estudo busca calcular o valor destas externalidades advindas do uso de automóveis no Brasil, considerando os custos de acidentes,poluição atmosférica, contribuição para mudanças climáticas e poluição sonora. ABSTRACT The use of automobiles generates costs not paid by the user. These costs are then externalized to society, which in the long term will have to deal with the consequences caused by the current use of automobiles. These costs are called externalities. This study seeks to calculate the value of these externalities arising from the use of automobiles in Brazil, considering the costs of accidents, air pollution, contribution to climate change and noise pollution. 1. INTRODUÇÃO O desenvolvimento pautado no setor rodoviário fez do setor automobilístico um dos mais importantes para a economia brasileira. O Brasil, em 2007, foi o sétimo maior produtor mundial de veículos. Com 19 montadoras e 40 fábricas, o setor automotivo representa 5,4% do PIB do país (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, 2013). A expansão da indústria automobilística no Brasil foi então responsável pelo aumento do uso do transporte individual. Ações governamentais foram tomadas para dar vazão a essa produção crescente, como oferta de crédito para aquisição de carros e uma política tributária que reduziu impostos de veículos populares, com no máximo 1000cc. Por outro lado, o aumento de renda da população, desde 2003, ampliou a base de consumidores dos veículos particulares. Enquanto a frota de automóveis cresceu 7% ao ano e a de motocicletas, 15%, o transporte público perdeu, em geral, cerca de 30% da sua demanda no período (IPEA, 2011). O grande aumento do uso do transporte individual e a falta de investimentos em transporte público contribuíram, porém, para o aumento de acidentes, poluição e congestionamentos (de Castro, 2013). Portanto, o uso de automóveis gera custos sociais, os quais não são distribuídos adequadamente (de Castro, 2013). A estes custos não pagos pelo usuário do automóvel e passados assim, para a sociedade, denominam-se custos externos de transporte, ou como definido pela Comissão Europeia: “Os custos externos de transporte referem-se às situações nas quais o usuário não paga pelos custos totais do seu meio de transporte ou não recebe o total benefício deste”. Portanto, é um interesse social a avaliação dos custos externos e a criação de políticas de controle do uso de automóveis e dos efeitos nocivos advindos desse (de Castro, 2013). Ou seja, é necessário internalizar estes custos, fazendo com que o usuário pague pelos efeitos causados à sociedade. Porém o cálculo dos custos externos é complexo, talvez impossível de ser calculado. No entanto, o importante não é a precisão do cálculo, mas uma estimativa que permita uma comparação entre os benefícios e os custos sociais causados pelo uso de automóveis, permitindo a criação de políticas de controle e monitoramento neste setor. Este artigo buscou estimar o custo externo associado ao uso de automóveis particulares no Brasil. Para tanto, foram utilizados como base estudos europeus e brasileiros realizados no setor. A seguir, estão descritas as metodologias utilizadas para a estimação do custo de acidentes, poluição do ar, contribuição para o efeito estufa e poluição sonora. 2. METODOLOGIA PARA CÁLCULO DO CUSTO DE ACIDENTES Os dados utilizados para a estimativa do custo gerado por acidentes rodoviários foram retirados do relatório “Impacto Social e Econômico dos Acidentes de Trânsito nas Rodovias Brasileiras”, estudo mais recente desenvolvido pelo Denatran em conjunto com o IPEA, em 2006. Neste relatório, foram utilizados dados retirados do Datatran, do Departamento da Polícia Rodoviária Federal, o mais importante banco de dados sobre acidentes de trânsito nas rodovias brasileiras. Esses registros cobrem a totalidade dos acidentes ocorridos nas rodovias federais policiadas que, por sua vez, correspondem a mais de 90% de todo o tráfego das rodovias federais (Denatran/IPEA, 2006). Para a formulação do relatório e cálculo dos custos de acidentes de trânsito nas rodovias brasileiras, foram analisados os seguintes custos (Denatran/IPEA, 2006): Custo do atendimento pré-hospitalar: atendimento da vítima (ambulâncias, bombeiros, médicos, etc.). Custo do atendimento hospitalar: soma dos custos do atendimento médico hospitalar do paciente não internado e do paciente internado na Unidade de Terapia Intensiva e/ou enfermaria. Custo pós-hospitalar: soma dos custos com reabilitação, para os casos de sequela temporária ou definitiva, com procedimentos, medicamentos, transporte, equipamentos e outros. Custo da perda de produção: custo correspondente às perdas econômicas das vítimas de acidente que, em decorrência da interrupção das suas atividades produtivas, deixam de gerar renda e produção ao sistema econômico. Custo de remoção/translado: custo de remoção da vítima fatal ao Instituto Médico Legal (IML); e custo de translado — terrestre ou aéreo — da vítima fatal do IML/hospital ao local do funeral. Gasto previdenciário: soma dos custos incorridos: i) à empresa, relativos ao valor da previdência, pago por ela, em um período de até 15 dias de afastamento do trabalho em decorrência de um acidente de trânsito; ii) sobre a previdência social, em virtude do afastamento,temporário ou definitivo, do trabalhador em decorrência de um acidente de trânsito; e iii) sobre as seguradoras — seguro DPVAT (Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre). Custo dos danos materiais aos veículos: custo de recuperação dos veículos danificados em acidentes de trânsito. Custo de perda de carga: custo de avaria da carga que estava no veículo envolvido em acidente. Custo de remoção/pátio: custo de remoção do veículo e diárias de pátio de armazenamento. Custo de reposição: despesa incorrida pela substituição do veículo, no período em que ele ficou sem condições de uso. Custo de processos judiciais: custo do funcionamento da estrutura judicial em função do atendimento às questões referentes aos acidentes de trânsito. Custo do atendimento policial: soma dos custos do tempo dos policiais rodoviários, da utilização de veículos para atendimento no local do acidente e do deslocamento para hospital ou delegacia. Custo dos danos à propriedade pública: custo de reposição/recuperação de mobiliário ou equipamentos danificados ou destruídos em função de acidentes nas rodovias. Custo dos danos à propriedade privada: custo de recuperação de propriedades particulares danificadas em função de acidentes de trânsito. Outros custos como, por exemplo, o tempo perdido nos congestionamentos, judiciais, de reposição do veículo acidentado, de limpeza da pista, tratamento do estresse pós-traumático, etc. não foram considerados neste estudo (Denatran/ IPEA, 2006). Considerando somente os acidentes envolvendo automóveis, o custo total estimado nas rodovias federais foi de aproximadamente 5,59 bilhões de reais, em valores de 2013. Segundo o Denatran/ IPEA, os acidentes envolvendo automóveis correspondem a 47,3 % do total. Com um total de 112.457 acidentes, tem-se 53.192 acidentes envolvendo automóveis e um custo de aproximadamente R$ 105 mil por acidente. Como no relatório não foi desconsiderado os valores pagos por seguradoras - e este estudo pretende apenas abordar os custos externos do uso do automóvel, foi retirado 31,09% do custo total de acidentes envolvendo automóveis. Os 31,09% representam uma aproximação – de acordo com o Denatran/IPEA, da porcentagem do custo relacionada à danos materiais. Portanto, tem-se um custo de 3,94 bilhões de reais para os acidentes envolvendo automóveis nas rodovias federais, retirados os custos relacionados aos danos materiais do automóvel. Segundo “Anuário Estatístico das Rodovias Federais”, realizado pelo DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), em 2010, ocorreram no ano 182.900 acidentes, onde automóveis apresentam uma participação de aproximadamente 49%, ou seja, 89.621 acidentes. Considerando que cada acidente custa à sociedade aproximadamente R$ 105 mil, tem-se um custo total de R$ 9,44 bilhões. Ambos os relatórios fornecem apenas os custos dos acidentes nas rodovias federais. No entanto, o número de mortes em acidentes de trânsito em geral, é muito maior. Segundo o Ministério da Saúde, em 2010 ocorreram 40.610 mortes em acidentes de trânsito no Brasil, colocando o país como o quinto em maior número de mortes em acidentes de trânsito (Waiselfisz, 2012). Os custos relacionados ao valor de perda de uma vida não foram contabilizados pelo Denatran/ IPEA. Estes custos apresentam em outros estudos um grande peso e são referentes à disposição a pagar para se evitar um acidente (Becker, Becker, Gerlach, 2012), variando assim, de estudo para estudo e de país para país. O CE Delf study estimou, em 1998, o custo de uma vida em 1,5 milhão de euros, ou R$ 4,35 milhões. Rosa (2006), em seu estudo na cidade de Porto Alegre, estima o valor de uma vida entre R$ 359 e 998 mil, em valores de 2006. Martinez et al.(2012) estima o valor de uma vida, em seu estudo na Espanha, em R$ 3,1 milhões. Ortiz, Markandy e Hunt (2009), em seu estudo sobre a disponibilidade a pagar pela diminuição da mortalidade por poluição do ar na cidade de São Paulo, sugerem valores entre R$ 1,7 e 2,88 milhões. Já Sousa (2010), em sua pesquisa também feita na cidade de Porto Alegre, sugere valores muito maiores. Segundo sua pesquisa, a disposição a pagar pela redução de mortes em acidentes de trânsito chega a R$ 13,4 milhões. Como ocorreram 40.610 mortes em 2010, onde em 49% há participação de automóveis, tem-se um total de 19.899 mortes em acidentes de trânsito envolvendo automóveis. Considerando o mínimo proposto por Rosa (2006) – R$ 514 mil, em valores de 2013 e o máximo proposto por Ortiz, Markandy e Hunt (2009) – R$ 3,6 milhões, em valores de 2013, tem-se um custo total mínimo de R$ 10,23 e um máximo de R$ 72,64 milhões. Somando-se aos custos totais de acidentes nas rodovias brasileiras, desconsiderados custos aos veículos, temos um total que varia entre R$ 19,67 e 82,1 bilhões. 3. METODOLOGIA PARA CÁLCULO DO CUSTO DE POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA Para a estimativa dos custos de poluição atmosférica foram utilizados dados retirados do relatório Poluição Veicular Atmosférica, desenvolvido pelo IPEA em setembro de 2011 e do Plano de Controle de Poluição Veicular, do estado do Paraná e do Estado de São Paulo,ambos de 2011, assim como o Relatório de Emissões Veiculares no Estado de São Paulo, realizado pela CETESB no mesmo ano. Como base comparativa, foi utilizado o projeto Ecoinvent datav2.0, realizado pelo Swiss Centre for Life Cycle Inventories, em 2007 e o Relatório Geral de Mobilidade Urbana, realizado pela ANTP, em 2012. Segundo o IPEA (2011), os principais poluentes veiculares locais são o monóxido de carbono (CO), os Hidrocarbonetos (HC), ou compostos orgânicos voláteis (COV), os materiais particulados (MP); os óxidos de nitrogênio (NOx) e os óxidos de enxofre (SOx). As emissões de materiais particulados foram excluídas dos cálculos, já que o estudo do IPEA, de onde foram tirados os custos de poluição atmosférica, analisa apenas as emissões de MP1. Motores a gasolina ou flex são responsáveis por apenas 1,42% das emissões de MP1, sendo os motores a Diesel – no caso do Brasil, utilizados apenas em veículos de grande porte, os maiores responsáveis pelas emissões destes. Como o Brasil apresenta uma variação muito grande de idade da frota, foi feito primeiramente um cálculo da média de emissões segundo a idade do automóvel e a porcentagem desta na frota nacional. Para tanto, foram tirados dados da PCPV do estado do Paraná e do relatório de Emissões Veiculares (CETESB, 2011). Ambos descrevem as emissões por ano do automóvel e tipo de motor. Para o cálculo das emissões de automóveis com mais de quatro anos, o PCPV do Paraná indica um incremento médio de emissões por acúmulo de rodagem. Os valores dos incrementos são 0,26 para CO, 0,03 para NOx e 0,023 para HC. Para simplificação de cálculo foi feita uma média das emissões de motores com menos de quatro anos, considerando-se apenas o uso de gasolina, e a partir desta, utilizado os incrementos. Neste estudo, utilizaram-se períodos de cinco anos ao invés de quatro. Após calculadas as emissões por idade de motor, foi calculada a média por poluente, considerando-se o percentual por idade da frota brasileira, segundo o Sindipeças/ Abipeças (2012). O resultado pode ser visto na tabela 1, abaixo. Tabela 1: Emissões por idade da frota e poluentes Idade da Participação Frota no Total Emissão Emissão Emissão Porcentagem Porcentagem Porcentagem CO HC NOx X Emissão X Emissão X Emissão (g/km) (g/km) (g/km) 21 ou + 0,03 1,38 0,041 0,158 0,00474 0,122 0,00366 16 à 20 0,14 1,12 0,157 0,128 0,01792 0,099 0,01386 11 à 15 0,18 0,86 0,155 0,098 0,01764 0,076 0,01368 6 à 10 0,21 0,6 0,126 0,068 0,01428 0,053 0,01113 Até 5 0,44 0,34 0,15 0,038 0,01672 0,03 0,0132 Média 0,629 0,0713 0,05553 A média por poluente em (g/km) foi multiplicada pela média de quilômetros rodados por automóvel por ano, média esta de 20000 quilômetros, como considerado pelo PCPV do Estado do Paraná. Os valores obtidos a partir daí, foram multiplicados pela frota nacional – 43.541.296 automóveis (Denatran, 2013) e passados de grama por ano para toneladas por ano. As emissões anuais por poluente foram multiplicadas pelo custo de emissão de uma tonelada, segundo o IPEA (2011). Os valores foram corrigidos, segundo a inflação brasileira para valores de 2013. O custo de poluição atmosférica obtido está apresentado na tabela 2 abaixo. Tabela 2: Custos totais por poluente Custo (em milhões de R$) CO HC NOx 126,22 83,89 65,22 No entanto, os valores para emissões utilizados neste estudo são muito baixos se comparados aos dados do Ecoinvent datav2.0 e do Relatório Geral de Mobilidade Urbana. Sendo assim, os custos foram novamente calculados utilizando-se os dados do Relatório Geral de Mobilidade Urbana, cujos valores para emissões de poluentes e seus custos (em reais por quilômetro) estão representados na tabela 3 abaixo. Vale ressaltar que neste relatório contam também emissões e custos para materiais particulados e SOx. Tabela 3: Custos de emissão por poluente em R$/Km e R$/g Emissão (g/km) Custo Emissão (R$/km) Custo Emissão (R$/g) CO HC MP NOx SOx 3 0,17 0,08 0,17 0,07 0,0028 0,0007 0,0019 0,0008 0,0013 0,0009333 0,004118 0,02375 0,004706 0,018571 Como os custos de emissões estavam apresentados em R$ por quilômetro, dividiram-se os custos de emissões (em R$/km) pelas emissões em gramas por quilômetro, obtendo-se os valores em R$ por gramas. Em seguida foram calculadas as emissões anuais de cada carro, multiplicando-se as emissões em gramas por quilômetro por 20.000. Os valores obtidos a partir destes cálculos foram multiplicados pelos custos das emissões (em R$/g) e multiplicados pela frota nacional (43.541.296 automóveis). Obteve-se assim, o custo total anual das emissões de poluentes atmosféricos no Brasil, os quais somados chegam a R$ 6,53 bilhões. Tabela 4: Custo por poluente e custo total em milhões de R$/ ano CO HC MP NOx SOx Custo por poluente (em milhões R$/ano) 2.438,31 609,58 1.654,57 696,66 1.132,07 Custo Total (em milhões R$/ano) 6.531,19 4. METODOLOGIA PARA CÁLCULO DO CUSTO DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS Para a mensuração dos custos referentes às mudanças climáticas foram utilizados dados retirados do estudo “Estimando as emissões atuais e futuras do transporte urbano no Brasil” realizado por da Rosa et al. no laboratório de Sistemas de Transporte da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 2008. Para a realização deste estudo, da Rosa et al. utilizaram dados do relatório “Automotive fuels for the future – The search for alternatives” (IEA,1999). Estes dados dizem respeito a todas as emissões ocorridas na cadeia de produção e consumo de combustíveis (“Wheel-to-wheel”). Porém, por não haver nestes valores monetários referentes às emissões de CO2, foi utilizado para este fim os valores em Euros, de acordo com o estudo The True Cost of Automobility: External Costs of Cars Overview on Existing estimates in EU-27 de Becker,Becker e Gerlach (2012). Becker, Becker e Gerlach (2012) utilizaram como base o estudo de Kuik et al. (2009) e os estudos do CE Delf et al. (CE Delft; Infras; Fraunhofer ISI, 2011), Maibach (Maibach, et al., 2007) e Umweltbundesamt (Agência Ambiental Federal, 2008) para a definição dos valores mínimos e máximos referentes ao custo de mudança climática. Com tanto, Becker,Becker e Gerlach (2012) definiram para o estudo um valor mínimo de 72 e um máximo de 252 euros por tonelada de CO2, valores estes acima dos utilizados em outros estudos, como o CE Delf, o qual considera um mínimo de 20 e um máximo de 70 euros por tonelada de CO2. Sendo assim, optou-se neste estudo utilizar o custo de 70 euros por tonelada de CO2 . Segundo da Rosa et al. (2008), os valores de emissões de CO2 são de 211,2 g/km para a gasolina, 131,2 g/km para mistura de etanol e gasolina e 51,2 g/km para uso exclusivo do etanol. Vale ressaltar que a emissão de CO2 tende a diminuir, já que a gasolina brasileira passa a conter cada vez mais etanol – desde maio deste ano, 25% (G1, 2013). Segundo o secretário de Petróleo e Gás do Ministério de Minas e Energia, Marco Antônio Almeida, atualmente o uso de etanol puro como combustível varia entre 30 a 35% (Reuters, 2013) Para os cálculos deste estudo utilizou-se a porcentagem mínima de 30 %. Considerando-se a rodagem média de 20000 km/ano por automóvel, multiplicou-se este número pelas emissões de CO2 (em g/km), obtendo-se as emissões totais anuais em gramas. Aqui calculadas duas médias distintas para as emissões de CO2, uma considerando 70% do valor das emissões para a gasolina (211,2 g/km) e 30% para etanol e a outra considerando 70% dos valores para a mistura de gasolina e etanol (131,2 g/km) e 30% de etanol. Obteve-se, portanto 163,2 g/km e 107,2 g/km, respectivamente. O total em gramas foi convertido para toneladas e multiplicado pelo custo por tonelada de CO2 (70 euros). Foi obtido assim, o custo anual por emissão de CO2 por automóvel. Este valor foi multiplicado pela frota nacional e obteve-se assim, o custo total de mudança climática. Os valores obtidos variam entre € 6,53 e € 9,95 bilhões por ano. Em reais, R$ 18,94 e R$ 28,86 bilhões. 5. METODOLOGIA PARA CÁLCULO DE POLUIÇÃO SONORA Becker,Becker e Gerlach (2012) baseiam o custo de poluição sonora em dados do IMPACThandbook, de Maibach, et al. (2007) e adaptam os custos de acordo com o PIB per capita de cada país europeu. Estes custos se baseiam em dois componentes: distúrbio causado por ruído e custos de saúde. O primeiro se refere à disposição a pagar por um ambiente com menos ruído e é calculado pela diferença entre valores imobiliários ou pesquisas de preferência declarada. Já os custos de saúde levam em conta os custos de tratamento médico, ausência no trabalho e efeitos econômicos de mortalidade. O cálculo do custo de poluição sonora se torna difícil devido a necessidade de muitos dados, tais quais a porcentagem de automóveis no centro da cidade e porcentagem de automóveis utilizados no período da noite, os quais não foram encontrados. Optou-se nesta pesquisa por calcular o custo de poluição sonora apenas nas principais cidades brasileiras. Para tanto foram utilizados dados do Denatran (2006) para frota por município e dados do IBGE para população por município. A partir daí, tomou-se as quarenta maiores cidades em termos de frota, as quais juntas contam com mais de 40% da frota nacional. Dividiu-se a população de cada município pela frota, obtendo-se o número de pessoas por automóvel. Considerou-se para o cálculo do custo apenas as cidades com menos de cinco pessoas por carro. Para a estimativa do custo utilizou-se os valores definidos por Becker, Becker e Gerlach (2012). Como estes valores foram definidos para a Alemanha, multiplicaram-se os mesmos por 0,29, ou seja, a relação entre o PIB per capita alemão e o brasileiro (The World Bank, 2013). Obteve-se assim, um total de € 294, 4 milhões ou R$ 853,8 milhões. O estudo de Becker, Becker e Gerlach (2012) define dois custos diferentes, um diurno e um noturno. Porém, como não foram encontradas informações sobre a porcentagem de tráfego noturno, este valor foi desconsiderado do cálculo final. 6. CUSTO EXTERNO DEVIDO O USO DE AUTOMÓVEIS Os custos obtidos foram aqui somados para encontrar-se o custo externo total do uso de automóveis. As tabelas 5 e 6, abaixo, mostram os custos externos mínimo e máximo, para cada custo analisado, a porcentagem que cada um representa no total e o total. Tabela 5: Custos totais mínimos em bilhões de R$ Acidentes 19,67 0,43 Poluição Atmosférica 6,53 0,14 Mudanças Climáticas 18,94 0,42 Poluição Sonora 0,29 0,01 Total 45,43 1 Tabela 6: Custos totais máximos em bilhões de R$ Acidentes 82,1 0,69 Poluição Atmosférica 6,53 0,06 Mudanças Climáticas 28,86 0,24 Poluição Sonora 0,85 0,01 Total 118,34 1 Considerando que o Brasil possui uma população de 190.732.694 pessoas (IBGE, 2013), podemos calcular também os custos externos de um automóvel per capita. Obtém-se assim, um mínimo de R$ 238,18 e um máximo de R$ 620 por pessoa por ano. Se considerado o custo por automóvel, obtém-se um mínimo de R$ 1.043,38 e um máximo de R$ 2.717,88. Se comparados estes custos com os valores encontrados por Becker, Becker e Gerlach (2012), os custos encontrados estarão bem abaixo dos encontrados na Europa. O custo externo do uso de automóveis na Europa é de € 750 por pessoa ou R$ 2175 por pessoa (Becker, Becker e Gerlach, 2012). Esta diferença ocorre, pois, como dito, o valor de uma vida na Europa é maior que no Brasil, assim como os custos de mudança climática utilizado por Becker, Becker e Gerlach (2012) são maiores que os utilizados neste estudo. Além disso, os custos relativos à poluição sonora não puderam ser aqui devidamente calculados. Utilizando os valores médios de perda de uma vida na Europa (€ 1,67 milhões ou R$ 4,84 milhões) e o custo máximo para mudanças climático utilizado por Becker, Becker e Gerlach (2012) - € 252 ou R$ 730,8 por tonelada de CO2, tem-se o seguinte custo total: Tabela 7: Custos totais máximos em bilhões de R$ Acidentes 96,4 0,46 Poluição Atmosférica 6,53 0,03 Mudanças Climáticas 103,86 0,5 0,85 0 207,64 1 Poluição Sonora Total Considerando este custo máximo, tem-se um total de R$ 1.088,64 por pessoa por ano e R$ 4.768,80 por carro por ano. A figura abaixo mostra uma comparação entre os custos externos do uso de automóveis no Brasil e em alguns países europeus. Os dados utilizados na tabela foram retirados do estudo de Becker, Becker e Gerlach (2012). Acidentes Poluição Atmosférica Poluição Sonora Mudanças Climáticas 300 Bilhões de R$ 250 200 150 100 50 0 Alemanha Espanha França Itália Portugal Reino Unido Brasil Figura 1: Custos externos totais no Brasil e Europa Ressalta-se aqui que o fato de o custo de acidentes de trânsito no Brasil ser menor ou comparável ao dos outros países analisados, se deve ao maior PIB per Capita europeu, utilizado no cálculo de valor de uma vida (Becker, Becker e Gerlach, 2012) e não ao número de acidentes e mortes. No período entre abril de 2012 e abril de 2013 foram registradas 3.689 mortes em acidentes de trânsito na Alemanha (Statista, 2013) contra 40.610 no Brasil (Waiselfisz, 2012), o que reflete a falta de segurança no trânsito brasileiro. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar do desenvolvimento econômico, pouca atenção se tem dado para o setor de transporte público no Brasil. O crescimento urbano desordenado, a precariedade do transporte coletivo, juntamente com políticas de incentivo à compra de automóveis, vem causando graves problemas à mobilidade urbana, principalmente nas grandes cidades. Porém a mobilidade urbana é apenas um dos problemas causados pelo uso excessivo de automóveis. Acidentes, poluição e congestionamentos são outras consequências do uso intensivo do transporte particular, o qual gera custos que não são pagos pelo usuário e sim pela sociedade com um todo. Este estudo procurou calcular os custos pagos pela sociedade, ou seja, os custos externos advindos do uso de automóveis. Foram aqui calculados os custos externos de acidentes, poluição atmosférica e sonora e contribuição para mudanças climáticas. O cálculo destes custos não é simples. Ressalta-se a dificuldade encontrada na busca por informações para este estudo. Alguns dados tiveram de ser retirado de estudos europeus, o que pode não refletir a realidade brasileira. Porém, o resultado deste estudo se mostra condizente com os estudos europeus realizados no setor. Espera-se assim, que este estudo sirva de modelo para novas pesquisas no setor e que o resultado deste e futuros estudos influencie a tomada de decisões na área de transporte e mobilidade urbana no Brasil, assim como na criação de medidas reguladoras para o uso de automóveis, visando uma maior internalização dos custos advindos de seu uso. Ressalta-se que estudos neste setor são importantes para o planejamento urbano, o qual deve estar atento à mobilidade urbana, segurança no trânsito, preservação ambiental e, consequentemente, à melhoria de vida da população brasileira. Agradecimentos Agradeço à professora Mirian Buss Gonçalves, pela atenção,correção e colaboração nesta pesquisa.Agradeço à Capes e ao programa Ciência sem Fronteiras pela possibilidade de estudar na Alemanha. E aos professores Udo Becker, Tilo Becker e Julia Gerlach pela ajuda com a pesquisa, correções e disponibilização de literatura, essenciais para a execução deste trabalho. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, (2013). Disponível em: http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=2&menu=327. Acessado em: 10/06/2013 IPEA, 2011. Poluição Veicular Atmosférica. Governo Federal, Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Brasília. CE Delft; Infras; Fraunhofer ISI, 2011. External Costs of Transport in Europe- Update Study for 2008. Delft: CE Delft. Maibach, M. et al., 2007. Handbook on estimation of external cost in the transport sector. Delft: CE Delft. 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