UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA - UFPB CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA PAULO RENER DE FREITAS SOUSA A VIA CRUCIS DAS COMUNIDADES SÃO JOSÉ – CHATUBA NO VALE DO JAGUARIBE EM JOÃO PESSOA - PB João Pessoa - PB Setembro de 2006 PAULO RENER DE FREITAS SOUSA A VIA CRUCIS DAS COMUNIDADES SÃO JOSÉ – CHATUBA NO VALE DO JAGUARIBE EM JOÃO PESSOA - PB Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Paraíba para obtenção do título de Mestre em Geografia. Orientador: Prof. Dr. Sérgio Fernandes Alonso João Pessoa – PB Setembro de 2006 Sousa, Paulo Rener de Freitas. A via crucis das comunidades São José – Chatuba no vale do Jaguaribe em João Pessoa – PB / Paulo Rener de Freitas Sousa. – João Pessoa, PB: 2006. 164 f. Orientador: Dr. Sergio Fernandes Alon Dissertação (Mestrado) – UFPB / PPGG. 1. Reestruturação urbana 2. Estado 3. Acessibilidade 4. Consumo 5. Segregação 6. Resistência UFPB / BC CDU: PAULO RENER DE FREITAS SOUSA A VIA CRUCIS DAS COMUNIDADES SÃO JOSÉ – CHATUBA NO VALE DO JAGUARIBE EM JOÃO PESSOA - PB Dissertação aprovada em ___/___/_____ como requisito para a obtenção do titulo de Mestre no Curso de Pós-Graduação em Geografia, no Centro de Ciências Exatas e da Natureza da Universidade Federal da Paraíba pela seguinte banca examinadora: ________________________________________________________ Orientador: Dr. Sergio Fernandes Alonso ______________________________________________________ Membro: Drª. Beatriz Maria Soares Pontes ________________________________________________________ Membro: Dr. Eduardo Pazera Júnior João Pessoa – PB Setembro de 2006 Dos rios se diz que são violentos, mas ninguém diz, violentas as margens que os comprimem. (Bertholt Brecht) AGRADECIMENTOS A realização deste trabalho só foi possível graças à colaboração direta ou indireta de muita gente. A todos em geral e a alguns em particular, registro aqui meus agradecimentos: - A Deus, a minha família e amigos; - Ao meu orientador, o professor doutor Sergio Fernandes Alonso; - À Coordenação do PPGG, professores, funcionários e aos colegas do mestrado; - À comunidade do bairro São José - Chatuba e seus representantes; - De modo especial ao nosso Grupo de Estudo, formado pelo trio: Alzeni, Aldo e Paulo Rener. Uma história que teve início em 1993, quando nos unimos pela primeira vez, com a pretensão de aproximar a relação teoria-prática e a certeza de sermos sempre, surpreendido pelo inesperado. As nossas dissertações são testemunhas do nosso pensamento: união, força, luta e resistência. Entretanto, nada disso seria possível se não existisse em nós, fraternidade, solidariedade e muito otimismo. Por isso, em nossas reflexões sempre esteve presente o pensamento do Fernando Sabino: “No fim tudo vai dar certo, se não der certo é porque não é o fim”. Cada dia que passa em nossas vidas, há pessoas que deixam um pouco de si mesmos e levam um pouco de nós mesmos. Esta é a grande realidade da vida, é a certeza de que almas não se encontram por acaso. (Vinícius de Morais) RESUMO Esta pesquisa procura enfocar a relação entre o discurso da cidade e suas formas de apropriação, uso e domínio, no processo de reestruturação urbana diante da relação conflitante entre espaço abstrato e o espaço social. Enquanto lócus de reprodução das relações sociais, a cidade contemporânea e capitalista apresenta um caráter de poli (multi) centralidade, passando por um processo de implosãoexplosão implicando na fragmentação-segregação do seu território e na necessidade de adequação de novas funcionalidades pela ação do Estado. Partindo dessa premissa, identificamos a manifestação contraditória do discurso do Estado que utiliza estratégias pautadas no nexo assesibilidade-consumo-segregação, favorecendo a lógica do consumo em detrimento das comunidades São José – Chatuba que tentam sobreviver no médio vale do rio Jaguaribe na cidade de João Pessoa, Paraíba. De pronto, identificamos diferentes intervenções do Estado nessa perspectiva como a implantação de vias de trânsito rápido, a exemplo da BR-230 e outras vias que cortam ou margeiam o vale, contribuindo para a concentração de investimentos privados, comerciais e de serviços e o surgimento de um novo padrão periférico, o dos enclaves fortificados. Para permitir a reprodução da lógica do consumo, o poder público e a iniciativa privada vêm adotando diferentes estratégias de segregação, ora limitando o acesso da comunidade ao entorno mais valorizado, ora através dos discursos do Estado, estigmatizando-as, portanto nos planos da materialidade e das representações. As mudanças nas relações cotidianas das comunidades, pelos ritmos, pela identidade sócio-cultural, pela valorização/desvalorização do uso do solo, implica em estratégias de resistências através de formas alternativas de acesso, de modalidades de trabalho, de organização, enfim, do direito à cidade. Palavras-Chave: Reestruturação urbana, Estado, acessibilidade, consumo, segregação, resistência. ABSTRACT This research looks for to focus the relation enters the speech of the city and its forms of appropriation, use and domain, in the process of urban restructuring ahead of the conflicting relation between abstract space and the social space. While locus of reproduction of the social relations, the city contemporary and capitalist presents a character of polished (multi) centrality, passing for an implosion-explosion process implying in the spalling-segregation of its territory and in the necessity of adequacy of new functionalities for the action of the State. Leaving of this premise, we identify the contradictory manifestation of the speech of the State that uses strategies in the nexus accessibility-consume-segregation, favoring the logic of the consumption in detriment of the communities São José – Chatuba that they try to survive in the average valley of the river Jaguaribe in the city of João Pessoa, Paraíba. Then, we identify different interventions of the State in this perspective as the implantation of ways of fast transit, the example of the BR-230 and other ways that cut or border the valley, contributing for the concentration of private, commercial investments and of services and the sprouting of a new peripheral standard, of enclaves strengthened. To allow the reproduction of the logic of the consumption, the public power and the private initiative they come adopting different strategies of segregation, however limiting the access of the community to around more valued, however through the speeches of the State, stigmatized them, therefore in the plans of the materiality and the representations. The changes in the daily relations of the communities, for the rhythms, the partner-cultural identity, the valuation/depreciation of the use of the ground, imply in strategies of resistances through alternative forms of access, of organization, work modalities, at last, of the right to the city. Key-words: Urban restructuring, State, accessibility, consumption, segregation, resistance. LISTA DE SIGLAS APP - Áreas de Preservação Permanente BNH - Banco Nacional de Habitação CEHAP-PB - Companhia de Habitação da Paraíba CRECI - Conselho Regional de Corretores de Imóveis CURA - Comunidade Urbana para a Renovação Acelerada FAC - Fundação de Ação Comunitária FEURB-PB - Federação dos Movimentos urbanos na Paraíba FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço FUNSAT - Fundação Social de Apoio ao Trabalho GEIPOT - Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDEME - Instituto de Desenvolvimento Municipal e Estadual da Paraíba MEC - Ministério da Educação e Cultura ONG - Organização Não Governamental PNCCPM - Programa Nacional de Capitais e Cidades de Porte Médio PMJP - Prefeitura Municipal de João Pessoa PRODETUR - Programa de Desenvolvimento Turístico PSF - Programa de Saúde da família RMJP - Região Metropolitana de João Pessoa SEPLAN - Secretaria de Planejamento SETRAPS - Secretaria do Trabalho e Promoção Social SFH - Sistema Financeiro da Habitação SUDENE - Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste UFPB - Universidade Federal da Paraíba URBVALE - Urbanização do vale do rio Jaguaribe ZEIS - Zona Especial de Interesse Social LISTA DE TABELA E QUADRO Tabela 01: Recursos aplicados no programa é pra morar da PMJP................... 88 Quadro 01: Comunidades São José e Chatuba: infra-estrutura e ocupação...... 116 LISTAS DE FIGURAS Figura 01: Mapa de localização das comunidades São José – Chatuba - 2006...................................................................................................... 59 Figura 02: Mapa de ocupação e eixos viários da cidade concêntrica – 1963...... 68 Figura 03: Mapa de ocupação e eixos viários da cidade periférica – 1993.......... 79 Figura 04: Mapa dos principais eixos viários da cidade poli (multi) cêntrica – 2005...................................................................................................... 86 Figura 05: Mapa de ocupação das comunidades São José – Chatuba............... 114 Figura 06: Mapa de estratégias de segregação e de resistências....................... 131 LISTA DE FOTOS Foto 01: Lagoa depois da urbanização, em 1928, antiga lagoa dos Irerês.......... 62 Foto 02: Os bondes de tração animal e partir do sítio da Cruz do Peixe em 1910.................................................................................................. 63 Foto 03: As linhas de sopas que conduziam os veranistas até a praia de Tambaú............................................................................................................ 66 Foto 04: O Ponto de Cem Réis (1963) lugar de encontros, reuniões, confirmando um padrão de crescimento urbano concentrador em transição para o periférico, acelerado a partir de 1964......................................................... 69 Foto 05:- Vista parcial da entrada de Oitizeiro e do viaduto Governador Ivan Bichara, em 2006........................................................................................... 84 Foto 06: Vista parcial do terminal de integração de ônibus urbanos de João Pessoa, em 2006..................................................................................... 87 Foto 07: Vista parcial do bairro de Manaíra destacando a vertcalização............. 92 Foto 08: Obras de reestruturação do Retão de Manaíra, uma parceria entre a Prefeitura Municipal de João Pessoa e o dono do Manaíra Shopping Center.................................................................................................... 96 Foto 09: Vista parcial da Av. Edson Ramalho em Manaíra em 2006................... 97 Foto 10: Hospital de Trauma, exemplo de empreendimento localizado na BR-230............................................................................................................. 98 Foto11: Carrefour também na BR-230................................................................. 99 Foto 12: Formas de ocupações diferentes, segundo os proprietários: a favela São José (em baixo) e o Manaíra Shopping Center (em cima)............................ 102 Foto 13: Vista aérea das comunidades São José – Chatuba e do bairro de Manaíra em 2004.............................................................................................. 116 Foto 14: Um discurso contraditório de área de risco: para o pobre, área de risco, para o capital a área é de rico, é o que mostra a foto desta realidade presente na falésia que fica no bairro Jardim Luna............................................... 124 Foto 15: Momento de rotina na comunidade São José quando policiais abordam diariamente os moradores nas entradas das pontes que dão acesso ao bairro para dar satisfação à sociedade contra a violência................................ 125 Foto 16: A favelas da Chatuba (à esquerda) e o bairro São José (à direita) visualizando-se as condições precárias de habitabilidade das duas comunidades.......................................................................................... 129 Foto 17: O muro do shopping impedindo a visibilidade e o acesso das comunidades................................................................................................... 132 Foto 18: A expansão do estacionamento e o muro que foi erguido para impedir o acesso das comunidades.............................................................. 133 Foto 19: Ponte metálica próxima ao Shopping Center Manaíra, interligando a favela da Chatuba I com o bairro São José, recentemente restaurado pela PMJP..................................................................................................................... 135 Foto 20: Ponte metálica interligando a favela da Chatuba II com o bairro São José, encontra-se em avançado processo de corrosão................................. 135 Foto 21: Primeira escadaria próxima ao ponto final dos ônibus de João Agripino / São José................................................................................................ 137 Foto 22: Segunda que também liga o bairro São José ao conjunto João Agripino......................................................................................................... 137 Foto 23: Terceira escadaria localizada próxima da escola Capitulina Sátyro e do campo de futebol que fica no conjunto João Agripino................................... 137 Foto 24: Terceira escadaria.................................................................................. 137 Foto 25: Único acesso das duas linhas de ônibus que circulam na comunidade São José................................................................................................................ 138 Foto 26: O ônibus ao centro (azul) circula pela única rua que é asfaltada no bairro São José................................................................................................. 138 Foto 27: A bicicleta usada para atravessar a ponte.............................................. 139 Foto 28: A bicicleta usada para subir as escadarias.............................................139 Foto 29: Ponte de madeira ligando a favela da Chatuba I com o bairro São José................................................................................................................ 141 Foto 30: Ponte de madeira ligando o bairro de Manaíra com São José.............. 141 Foto 31: Moradores atravessando o rio em uma balsa improvisada.................... 142 Foto 32: A ponte reconstruída pelos moradores.................................................. 142 Foto 33: Primeiro caminho ou trilha próximo ao ponto final dos ônibus de São José e João Agripino, popularmente conhecida como ladeira do cajueiro............ 143 Foto 34: Segundo caminho aberto pelos moradores para ter acesso ao Conjunto João Agripino, próximo a escola Capitulina Sátyro........................... 143 Foto 35: Mulheres das comunidades levando as roupas lavadas e engomadas para os condomínios no bairro Jardim Luna................................... 144 Foto 36: Chefe de família conduzindo sua carroça com lixo selecionado............ 144 SUMÁRIO INTRODUÇÃO....................................................................................................... 15 CAPÍTULO I REESTRUTURAÇÃO URBANA, ESTADO E SEGREGAÇÃO........................... 20 1.1 A reestruturação urbana contemporânea na concepção crítica..................... 20 1.2 As concepções e discursos do Estado e as políticas urbanas no Brasil........ 35 1.3 Território urbano, segregação e resistência: campo de luta e lócus da cotidianidade das comunidades....................................................................... 49 CAPÍTULO II O PLANEJAMENTO URBANO EM JOÃO PESSOA A PARTIR DA DÉCADA DE 1990................................................................................................................ 60 2.1 Planejamento estratégico, acessibilidade e novas centralidades................... 60 2.2 O Shopping Center Manaíra e a difusão do consumo.................................... 89 2.3 As comunidades São José – Chatuba e o vale do Jaguaribe......................... 100 CAPÍTULO III AS COMUNIDADES SÃO JOSÉ-CHATUBA, SEGREGAÇÃO E RESISTÊNCIA................................................................................................... 106 3. 1 Estratégias e contradições do Estado em relação às comunidades São José – Chatuba e seu entorno............................................................................... 106 3.2 Mudanças nas relações cotidianas das comunidades com o entorno: o choque de territorialidade................................................................. 126 3.3 Organização das comunidades e as estratégias de resistência..................... 129 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 147 REFERÊNCIAS..................................................................................................... 150 ANEXO.................................................................................................................. 162 INTRODUÇÃO O presente trabalho versa sobre a expansão urbana de João Pessoa no contexto da reestruturação territorial contemporânea, focalizando o papel do Estado local como principal agente responsável pelos processos de fragmentação e valorização do vale do Jaguaribe, em particular, pela segregação das comunidades São José – Chatuba, localizadas no médio curso do rio, na cidade de João Pessoa PB. Ao investigar as políticas de habitação e transportes em João Pessoa, a partir da década de 1990, destaca-se a influência da acessibilidade no processo de valorização do vale do rio Jaguaribe para o consumo. Com isso, buscou-se identificar a relação da política de transportes com as estratégias de segregação impostas ás comunidades em estudo pelo poder público. Diferentes estratégias forjadas por políticas urbanas vêm se materializando através da implantação de vias de trânsito rápido como a BR-230, num cruzamento de lógicas que se diferenciam dos ritmos lentos das comunidades que ocuparam o vale do rio Jaguaribe, dando maior visibilidade às contradições do Estado. Para permitir a reprodução da lógica do consumo, o poder público local e a iniciativa privada vêm adotando estratégias de segregação sócio-espaciais, ora limitando o acesso das comunidades São José – Chatuba ao entorno mais valorizado, pela negligência à acessibilidade destas, ora dificultando a visibilidade das habitações autoconstruídas, pela edificação de muros, empreendimentos, entre outras, ora através dos discursos do Estado, guetificando-as, estigmatizando-as, portanto nos planos da materialidade e das representações. 16 O interesse pela área de estudo deve-se ao fato de ser um lugar onde as contradições são mais visíveis e intensas. Em função da lógica do consumo as comunidades estudadas perderam o direito à rua, a qual ficou reduzida a uma função, a da circulação. As mudanças nas relações cotidianas das comunidades São José – Chatuba, pelos ritmos, pela identidade sócio-cultural, pela valorização/desvalorização do uso do solo, implica em estratégias de resistências através de formas alternativas de acesso, de modalidades de trabalho, de organização, enfim, do direito à cidade. Para compreender as transformações porque vem passando o espaço urbano de João Pessoa considera-se uma periodização que permite a análise do novo padrão de segregação sócio-espacial proposto por Caldeira (2003) para a cidade de São Paulo. Reconhecendo-se as diferenças de cada lugar, em particular, da cidade de João Pessoa, tem-se uma expansão em três períodos distintos: o primeiro estendeu-se do final do século XVI até a década de 1960, a cidade crescia lentamente concentrada entre o rio e a lagoa, apresentava uma forma monocêntrica e segregada pelo tipo de moradia. O segundo se desenvolveu entre as décadas de 1960 e 1990, marcou a expansão urbana acelerada de João Pessoa pelo predomínio das políticas estatais e padrão de segregação com base na relação centro-periferia. O terceiro momento começou a se configurar a partir de 1990, quando a forma da cidade passou a ser estabelecida pela superposição de novas práticas de segregação sócio-espaciais, destacando o domínio dos espaços privados em detrimento dos espaços públicos, numa relação contraditória entre proximidade-separação, uma verdadeira “Cidade de Muros”. 17 O Primeiro Capítulo, denominado de Reestruturação urbana, Estado e Segregação foi desenvolvido como referencial teórico metodológico. Apoiando-se nas discussões teóricas sobre os impactos da Globalização e Reestruturação Produtiva e Tecnológica no espaço urbano e regional, tentou-se construir um quadro histórico conceitual sobre a reestruturação urbana em curso, a partir da idéia de continuidade-descontinuidade e as mudanças nas relações centro-periferia e no surgimento de poli (multi) centralidades. O Segundo Capítulo, com o título de Legislação e Planejamento urbano no Brasil discorrerá sobre o processo de expansão urbana de João Pessoa no contexto do paradigma da reestruturação urbana a partir de 1990, enfatizando as mudanças no padrão de crescimento periférico, de centro-periferia para enclaves fortificados. No processo de apropriação, uso e domínio do vale destacam-se o papel do Estado local como principal agente responsável pelos processos de fragmentação, valorização e segregação das comunidades São José – Chatuba. No Terceiro Capítulo, denominado de Comunidades São José – Chatuba: segregação e resistências identificam-se a nova prática de segregação resultante de estratégias impostas pelo Estado e pelo capital. Ao investigar as políticas de habitação e transportes, no período entre 1990 e 2005, em particular, a influência da acessibilidade no processo de valorização do vale para o consumo, focalizando a relação da política de acessibilidade com as estratégias de segregação impostas ás comunidades em estudo pelo poder público. A constituição do marco teórico teve como objetivo compreender os temas principais: Reestruturação urbana, Estado e Segregação sócio-espacial. Com base nas análises de bibliografias gerais e específicas ou locais buscaram-se os encaminhamentos do problema investigado e a produção do trabalho como um todo. 18 Para discutir a reestruturação do espaço urbano na globalização e as novas centralidades, destacamos autores como Lefebvre (1991, 2002, 1999), Soja (1993), Gottdiener (1997) Harvey (1980, 1993), Giddens (1991), Santos (1993, 1994, 1996, 2001, 2002), Carlos (1994, 2003, 2004) Seabra (2001, 2000, 2004), Damiani (2001), Ribeiro e Lago (1994). Em relação às concepções de Estado, a discussão da Reforma Urbana, Planejamentos, Políticas Públicas e os Instrumentos Urbanísticos foram feitas leituras de autores como Lefebvre (2002), Gottdiener (1997), Soja (1993), Lipietz (1988, 1991) e Bobbio (1997), Mandel (1985), Lanni (1999), Martins (1996, 1999, 2000), Maricato (1996, 2000, 2001), Arantes e Vainer (2002). Sobre a concepção de segregação, a noção de exclusão-inclusão e pobreza, procuramos embasamentos teóricos em autores como, Lefebvre (1999, 2000), Martins (1996, 2000), Oliveira (1998), Santos (1996), Ribeiro e Lago (1994). Além das leituras que abordam a temática urbana em geral e, de forma específica, a reestruturação do espaço urbano, do Estado e da segregação sócioespacial, recorreu-se a bibliografias locais para identificar as transformações sócioespaciais verificadas na área em estudo. Nesse contexto, destacaram-se as leituras feitas sobre a área em estudo: Honorato (1999), Mello (1995), Silva (1995), Melo (2001), Rodriguez (1981, 1987), Scocuglia (2000), Coelho (2003), Cortez (2004), Vasconcelos Filho (2003), Lima (2004), Coutinho (2004), Fernandes (2004), Madruga (1992) e Lavieri e Lavieri (1992). Para obter informações a respeito da problemática urbana da área foram analisados projetos e instrumentos urbanísticos como o Plano Diretor de João Pessoa, a Lei Orgânica do Município e o Código de Urbanismo, Assim como visitas em órgãos como PMJP, SEPLAN, IDEME, IBGE e FAC. Procedeu-se a confecção 19 de mapas para localizar os pontos estratégicos de segregação imposta às comunidades. A pesquisa de campo foi realizada nas duas comunidades, especialmente nas pontes, escadarias, caminhos, no estacionamento do Shopping Center Manaíra e nas principais ruas do bairro São José e da favela da Chatuba. Para uma análise do cotidiano foram realizadas diversas visitas nas comunidades. Na pesquisa de campo buscou-se contato com as comunidades de maneira informal, por meio de diálogos e entrevistas, sem a aplicação de questionários deixando os entrevistados livres para expor todas as suas aspirações e necessidades. A contribuição da presente pesquisa foi discutir o Estado e as comunidades, identificando-se problemas e tendências que se vislumbram na relação de novas estruturas, produtivas e territoriais. CAPÍTULO I REESTRUTURAÇÃO URBANA, ESTADO E SEGREGAÇÃO O presente capítulo discute o paradigma da reestruturação urbana em curso destacando-se o Estado nas suas diferentes instâncias político-administrativo como principal agente responsável pela adequação desse processo reestruturação e, conseqüentemente, pelo surgimento de novas centralidades e do novo padrão de segregação sócio-espacial que se sobrepõe, a dos enclaves fortificados. Notadamente a concepção de Estado, centralidade e segregação assume dimensão relevante no contexto do referencial analítico, permitindo aprofundar a compreensão do impacto da reestruturação urbana em curso, das estruturas que se renovam no campo das relações entre o espaço abstrato e o espaço social, ou segundo Santos (1996), espaços da racionalidade, em “áreas luminosas” e da contra-racionalidade em “áreas opacas”. 1.1 A reestruturação urbana contemporânea na concepção crítica No atual período, vive-se a perplexidade de uma mudança de época, em que as relações territoriais vêm sendo redefinidas no plano, do local ao global, como implicações de três revoluções: tecnico-científica, econômica e cultural. Um período caracterizado por crises, revoluções e busca de novos paradigmas. A história do capitalismo pode ser dividida em períodos distinguida por certa coerência entre as suas variáveis mais significativas que evoluem diferentemente, porém dentro de um mesmo sistema. No presente período tem-se a Globalização. 21 Alguns estudos sobre os impactos da Globalização e da Reestruturação produtiva e tecnológica apontam para um processo amplo e articulado da política econômica, com mudanças qualitativas nas formas e estruturas do espaço, Lipietz e Benko (1992), Harvey (1993). Nesse sentido, entende-se que as principais mudanças nos territórios urbanos são conseqüências do impacto da reestruturação associada à globalização e ao modo de produção capitalista. A dinâmica da estruturação da cidade é associada ao desenvolvimento do modo de produção capitalista, como manifestação espacial dos conflitos de interesses de diversos agentes presentes nesse processo. Alguns autores discutem essa questão como Lefebvre (1991, 1999 e 2002), Harvey (1993), Soja (1993) e Gottdiener (1997). A estrutura urbana é constituída por diferentes formas de apropriação, domínio e usos do solo, segundo Santos (1993), relacionadas a fatores políticos, culturais e econômicos, implicando constantes transformações ou reestruturações. Gottdiener (1997) aponta para a necessidade de se compreender as forças que estruturam o espaço urbano, em especial, o uso deste espaço pelo Estado e pelo poder econômico. Este pode ser um caminho para explicar as diferentes formas do ambiente construído. O termo “reestruturação” evidência uma estrutura renovada, uma necessidade de pensar o novo, quase sempre, esboçado no passado. Trata-se de uma nova estruturação que se afirma sob o efeito de uma cadeia complexa de crises. Um exemplo que ilustra bem o processo é sua associação com a crise urbana e o retorno ao modelo de cidade ideal via planejamentos, forjando diferentes discursos sobre a cidade. 22 A reestruturação urbana e regional em curso é entendida como um novo paradigma que parte da idéia de “desencaixe” dos sistemas sociais, segundo Giddens (1991). Uma “freada-e-mudança” que se realiza por um movimento de separação espaço-tempo na direção de uma ordem e uma configuração significativamente diferente. “A descontinuidade, advém do "descolamento" das relações sociais, isto é, dos contextos locais de interação e sua reestruturação em outras escalas de espaço-tempo” (GIDDENS, 1991, p. 21). Na fase atual de globalização o espaço urbano metropolitano e regional, atravessa transformações qualitativas em suas formas e estruturas básicas. Autores como Lefebvre (1991), Soja (1993), Harvey (1993) e Gottdiener (1997) apontam para a descontinuidade do processo de urbanização, segundo diferentes jogos de interesses envolvidos. Para Lefebvre (1991, p. 54-55), “em toda a formação urbana sempre se sucederam no tempo e no espaço, desestruturações e reestruturações, num processo de ascenção-apogeu-declínio, no qual os fragmentos do urbano vão servir para/em outras formações”. Segundo Soja (1993, p.193): O conceito de reestruturação está ligado ao de espacialidade 1 numa seqüência combinada de desmoronamento e reconstrução nas tendências seculares, e uma mudança em direção a uma nova ordem sócio-espacial, ou seja, um movimento de desconstruçãoreconstituição. 1 Soja (1993) capta esta espacialidade às vezes latente, em outras, explícitas, no trabalho de pensadores contemporâneos como Lefebvre, Sartre, Althusser, Foucault, Polantzas, Giddens, Mandel, Harvey, Jamenson entre outros, destinadas a reunir material para empreender um luta pela antologia do espaço. 23 Gottdiener (1997, p.235): Analisa a desconcentração metropolitana através do processo de mudança contemporânea no espaço de assentamento com movimentos simultâneos de aglomeração e descentralização, ou numa articulação entre recentralização, periferização e novas centralidades. No paradigma da reestruturação contemporânea há uma concordância quanto à sua origem. Para a grande maioria, a reestruturação foi deflagrada por uma série de crises inter-relacionadas a partir da década de 1960. Com destaque para os movimentos pela reforma urbana, a crise energética, a crise do modelo de Estado Keynesiano, a rigidez do Fordismo e a crise da modernização. A nova estruturação urbana tem como referenciais eventos e movimentos dos sistemas urbanos espacialmente planejados e administrados pelo poder público. A crise do sistema previdenciário, modelado pelo Estado, reflete-se numa crise urbana a partir de 1960 quando “a recessão global de 1973-75 seguiu-se de uma cadeia de choques sofridos pelo sistema e ajudou a desencadear outra rodada conjunta de reestruturação” (SOJA, 1993, p.221). No final do século XX transformações passaram a ocorrer com ritmos e intensidades diferentes em um grande número de cidades no mundo sob o fenômeno da globalização, de uma cadeia complexa se crises e do novo papel do Estado, implicando numa reestruturação da produção e do consumo na cidade, lugar fecundo para (re) territorialização das novas estratégicas de reprodução do capital. Na América Latina o processo de reestruturação em curso teve início em meados da década de 1970. Desde então as cidades latino-americanas vem sendo submetidas a uma série de transformações sócio-econômicas e territoriais importantes. Entretanto, as reformas econômicas dos anos de 1990 apontavam par 24 uma diminuição do Estado mediante privatizações de empresas públicas e o desmantelamento do sistema social que limitaram seriamente a capacidade de gestão estatal. A decrescente capacidade re-distributiva do Estado serviu para aprofundar mais o fosso entre ricos e pobres. As transformações do espaço urbano das cidades e o processo de reestruturação não é um caso isolado na América Latina. Numerosos estudos documentam essas transformações revelando situações similares a exemplo de Buenos Aires, por Ciccolella (1999) e Janoschka (2002). Para Ciccolella (1999) nos anos de 1990 tem-se o marco dos processos de privatização, desregulação e abertura econômica, a reestruturação dos espaços constitui um fenômeno nos quais os fatores externos a metrópole e ao país em que esta se localiza, tende a avançar sobre os fatores internos, podendo ocasionar uma considerável perda de controle sobre os processos econômicos, sociais e territoriais que se desenvolvem nestes espaços urbanos. Nesta perspectiva, afirma Janoschka (2002) que as restrições ao acesso e a auto-segregação não solucionam a crescente segmentação social e intensificação da fragmentação do espaço. Na realidade somente muda o lugar de confrontação. Uma parte crescente da população rica vive, consome e trabalha nos enclaves fortificados privados cujo tamanho e complexidade aumenta em meio ao mar de pobreza que os rodeia. Ilhas que são uma resposta às forças do mercado e a ausência do Estado tudo isso ajuda a entender e visualizar o processo de fragmentação. A partir de meados da década de 1980, grandes e médias cidades brasileiras vem apontando para novas transformações qualitativas em suas formas e estruturas 25 básicas com a sobreposição do espaço centro-periferia pelas novas práticas de segregação sócio-espaciais, a dos enclaves fortificados (CALDEIRA, 2003). Segundo Ribeiro e Lago (1994), as concepções sobre o paradigma da reestruturação urbana estão relacionadas a uma cadeia complexa de crises econômicas que o país vem experimentando nas últimas décadas2. São observadas basicamente duas tendências. A primeira, pelo redirecionamento da expansão urbana das metrópoles para as cidades de porte médio, fenômeno definido como desmetropolização. A segunda, com a mudança na estrutura interna das cidades, organizadas com base na relação centro-periferia bem como na emergência de novas formas de segregação sócio-espacial. No processo de reestruturação contemporânea do espaço urbano brasileiro constata-se que a relação centro-periferia não é mais tão rígida. A área central das cidades deixou e ser mais bem equipadas em relação a periferia pobre. Esse modelo tornou-se insustentável em todas as escalas espaciais. O que se verifica hoje é uma nova relação centro-periferia com a sobreposição de novas práticas de segregação sócio-espaciais. Concorda-se que as duas tendências explicam a reestruturação no espaço urbano de João Pessoa: no início predominava a relação centro-periferia, a partir dos anos de 1980, com as crises econômicas tem-se visibilidade os novos padrões de segregação sócio-espaciais, resultado do cruzamento de diferentes lógicas, estrategicamente reguladas pelo Estado e o capital. As estruturas que se renovam no espaço urbano de João Pessoa apresentam um caráter de descontinuidade: as novas formas urbanas surgem como sobreposições das vias de acessos estruturadas no padrão centro-periférico ou 2 Um exemplo que ilustra bem o processo é sua associação com a crise urbana atrelada a crise econômica e o retorno ao modelo de cidade ideal através de um novo pensamento único, contrapondo-se aquela cidade realmente existente. 26 desenvolvidas a partir deste, convertendo-se em fatores dominantes de crescimento e construção dos espaços urbanos. Hoje, o espaço urbano das cidades se fragmenta acompanhando as (dês) conexões espaço-tempo que permeiam a vida cotidiana, separando os contextos espaciais de trabalho, consumo, residência, estudo e lazer Janoschka (2002). Em João Pessoa, assim como em muitas cidades brasileiras de médio e grande porte, esses espaços descontínuos de ação na vida cotidiana passam a ser mais visíveis pelas seguintes evidências: • Difusão e multiplicação dos condomínios e loteamentos fechados para as classes médias e altas, sempre localizados junto às vias de acessos mais importantes da região metropolitana; • No discurso de apropriação dos enclaves fortificados e vigiados destacam-se os de melhor qualidade de vida associadas à preservação da natureza e a segurança; • Desconcentração metropolitana, pela maior fluidez dos sistemas de transporte, muitas pessoas passam a fixar residência nas cidades conturbadas, porém exercendo atividades cotidianas (trabalho, estudo, compras, etc.) no centro principal; • Ampliação e implantação da infra-estrutura de serviços nas vias de acesso principal para atender a equipamentos como: shopping centers, hipermercados, centros empresariais, concessionárias de automóveis, centros universitários, redes de lojas de comercio varejistas, implicando numa forte dependência do transporte particular; 27 • Modificação do significado da infra-estrutura de transporte: a rentabilidade do espaço urbano dar-se-á pela proximidade de uma via de trânsito rápida ou autopista. O espaço urbano de João Pessoa constitui-se em um dos exemplos desse tipo de reestruturação urbana. Apresenta praticamente todas essas evidências e muitas outras ainda a ser investigada com mais profundidade. Porém, já é notável uma série de mudanças sócio-econômicas e territoriais importantes nas últimas décadas como a intensa fragmentação espacial e segmentação social, relacionadas e formação de novas centralidades. O vale do Jaguaribe também vem passando por transformações. Até o final da década de 1980, depósito de mão-de-obra desqualificada e lugar de práticas rurais remanescentes. Porém, com a implantação das vias de circulação, passou a ocorrer uma fragmentação e o surgimento de novas funções. Visivelmente o vale do Jaguaribe passou a ser incorporado ao espaço urbano da cidade, através das ocupações irregulares ou oficiosas, dos empreendimentos comerciais e de serviços públicos e privados, confinando as comunidades que se apropriaram de suas margens, reproduzindo contradições como no caso da política habitacional, por exemplo. Nesse movimento de re-qualificação, qual a função que o vale passou a ter para o espaço da cidade de João Pessoa? A partir da lógica dos fluxos, com os acessos favorecendo a expansão da cidade, associada à lógica da habitação, com uma formação social, ocorreu uma valorização da área, e o vale passou a ser estratégico e ter uma função de circulação em que o capital passou a disputar o território do vale para o consumo. 28 No decurso do processo de reprodução do espaço urbano, tendências das estruturas que se renovam no território das grandes e médias cidades brasileiras vêm apontando para o surgimento de novas contradições do/no espaço e de novas centralidades. No processo de urbanização capitalista a cidade foi literalmente pulverizada. Segundo Lefebvre (1991) a "antipolítica" do Estado destruiu a sociabilidade tradicional em nome do urbano capitalista, por meio da produção do espaço. Com a indústria, a generalização da troca e do comércio, os costumes e seu valor desaparecem quase por completo, perdurando apenas como exigência do consumo. O solo converteu-se em mercadoria e a cidade passou a ser vendida aos pedaços. Amplia, extrapola seus limites, ao mesmo tempo em que fragmenta-segrega sua centralidade, reúne em espaço a segmentação necessária à produção capitalista. Para Lefebvre, a essência do fenômeno urbano encontra-se na centralidade, porque: A cidade atrai para si tudo o que nasce da natureza e do trabalho, noutros lugares: frutos e objetos, produtos e produtores, obras e criações, atividades e situações. O que ela cria? Nada. Ela centraliza as criações. E, no entanto, ela cria tudo. Nada existe sem troca, sem aproximação, sem proximidade, isto é, sem relações. Ela cria uma situação, a situação urbana, onde as coisas diferentes advêm uma das outras e não existem separadamente, mas segundo as diferenças (LEFEBVRE, 1999, p.111). Parte-se da concepção de que não existe cidade sem centralidade, logo, todo espaço urbano relaciona-se contraditoriamente com seu centro urbano: “De sorte que o todo o espaço urbano carrega em si esse possível-impossível, sua própria negação. De sorte que todo espaço urbano foi, é, e será concentrado e poli (multi) 29 cêntrico” (LEFEBVRE, 1999, p. 46). Ao se realizar, as novas centralidades ampliam a fragmentação do espaço urbano. Com a fragmentação do espaço e o surgimento de novas centralidades os acessos passam a ser estratégicos para a reprodução do capital. A circulação passa a ser importante quando aliada à valorização/desvalorização porque amplia a possibilidade de deslocamento de atividades econômicas para se realizar. O caráter móvel da nova centralidade, especificamente do sub-centro especializadomonofuncional, segundo Carlos: Uma vez esgotada/envelhecida pela efemeridade da moda (imposta pelo consumo, pelo mundo da mercadoria) como consumo do espaço, esvazia-se. Como a centralidade não se isola de uma articulação mais ampla no espaço, o papel da rede de circulação, que amplia os limites e possibilidades dos deslocamentos da atividade econômica, permite a criação de lugares como nós de fluxos importantes (CARLOS, 2001, p.179). Na cidade contemporânea, as diferença e desigualdades articulam-se no processo de apropriação espacial, definindo uma acessibilidade que é, sobretudo, simbólica e hierárquica. Tais diferenças entre os modos de morar, o tempo de locomoção, o acesso à infra-estrutura, ao lazer, à quantidade de produtos consumidos, são contradições inerentes a uma sociedade de classes manifestadas na vida cotidiana (CARLOS, 1994). Nos países capitalistas, notadamente nos periféricos, a expansão das cidades grandes e médias vem sendo norteada pela lógica da propriedade privada, loteada, vendida aos pedaços como produto mercadoria. As pessoas ocupam espaços de acordo com o poder aquisitivo, implicando uma fragmentação-segregação sócioespacial: 30 Os diferentes usos da terra urbana revelam um espaço, simultaneamente, fragmentado e articulado, condicionante e reflexo social, campo de lutas entre as classes sociais e cheios de símbolos, definem as diferentes áreas da cidade e, dentre elas, aquelas que estão reservadas à futura expansão (CORRÊA, 1989, p.11). Diferentes lógicas cruzam a cidade, reorganizando o território. Praticadas por agentes “concretos”, como proprietários dos meios de produção e fundiários, promotores imobiliários, Estado e grupos sociais excluídos. Agentes que produzem e consomem espaço, cuja ação é “complexa, derivando da dinâmica de acumulação de capital, das necessidades mutáveis de reprodução das relações de produção e dos conflitos de classe que dela emergem” (CORRÊA, 1989, p.11). No processo de expansão das cidades, a relação centro-periferia marca o espaço social em suas contradições. A relação centro-periferia foi concebida estrategicamente pelo Estado para a reprodução do capital. O centro inclui e atrai os elementos que o constituem: mercadorias, capitais e informações. “Mas tais elementos constituintes logo saturam. Por outro lado, o centro exclui os elementos que ele domina: os “governados”, “sujeitos” e “objetos” e que o ameaçam” (LEFÉBVRE, 1999, p. 22-23). A justaposição centro-periferia é um fenômeno contemporâneo nas diferentes cidades do mundo capitalista segundo o modo de urbanização impressa. Trata-se de um modelo fragmentário e segregacional, visto serem planejadas cidades ideais que vão entrar em conflito com as cidades reais, sob a égide de um novo pensamento único e seguindo um modelo norte-americano no qual privilegia a privatização dos espaços públicos (CALDEIRA, 2003). No Brasil, a discussão sobre a expansão urbana emerge, sobretudo, no final da década de 1970. A crítica ao chamado “modelo brasileiro” é uma marca 31 característica das pesquisas que surgem nesse período se, por um lado, procuram demonstrar as relações entre as características particulares da metropolização e a reprodução do capital na economia brasileira, por outro, procuram evidenciar uma dinâmica social que reproduz e acentua as desigualdades sociais (RIBEIRO; LAGO, 1994). Surge, então, o modelo “periférico” caracterizado pela segregação social das camadas populares de mais baixa renda e suas características contextuais de habitação associadas às regiões mais distantes e desvalorizadas da cidade. O termo “periferização”, portanto, passa a ser entendido como um paradigma teórico que abre mão da descrição física e procura tratar a segregação das camadas sociais de baixa renda aos espaços periféricos da economia urbana. A maior parte das cidades brasileiras apresenta problemas em comum: carência generalizada de habitação, saneamento, transportes e demais serviços urbanos. Estruturalmente, caracterizam-se pela ocupação desigual: concentração em vastas superfícies, entremeadas de vazios, gerando um modelo centro-periferia. As periferias sem infra-estrutura originam diferenças no valor da terra das áreas centrais alimentando a especulação imobiliária. A problemática especulativa é fortalecida pelo processo de expansão, com a criação de novas periferias urbanas num verdadeiro círculo vicioso, fortalece o processo de expansão da área urbana, criando novas periferias, e perpetuando a problemática (SANTOS, 1993). Acrescenta-se a essa problemática a ilegalidade da propriedade do solo urbano que ganhou destaque nas discussões sobre a expansão urbana no Brasil. De acordo com Maricato, na oposição entre cidade real e cidade legal, o uso ilegal do solo e a ilegalidade das edificações em meio urbano atingem mais de 50% das construções nas grandes cidades brasileiras, se considerarmos as legislações de uso e ocupação do 32 solo, zoneamento, parcelamento do solo e edificação (MARICATO, 1996, p.21). A ilegalidade em relação à propriedade da terra na cidade contribui para noção de exclusão social. A regularidade urbanística está vinculada aos serviços urbanos, desde a infra-estrutura básica ao exercício de cidadania. É também um fator definidor do padrão de segregação sócio-espacial que caracteriza as cidades brasileiras. As diversas localizações urbanas, resultantes do processo de produção da cidade, assumem diferentes preços, estabelecidos pelo mercado imobiliário. A cidade que ora expande na explosão não é a cidade obra, apropriada por seus cidadãos, mas produto do capital, no qual o valor de troca predomina sobre o valor de uso. Portanto uma cidade, lócus da reprodução das relações sociais de produção e das contradições sócio-espaciais. De origem histórica, a cidade monocêntrica resiste, mesmo com as transformações que a modernidade implanta e impõe. Hoje, reconstruída sobre si mesma constantemente para maximizar a reprodução do capital, “se contrapõe àquela, pelas justaposições sucessivas, que aparecem como mosaicos desconexos. Reafirmam-se em novas centralidades que se condensam e se dispersam pelo espaço urbano” (SEABRA, 2004, p.184). Com as novas centralidades, surge a cidade poli (multi) cêntrica. Revela-se uma nova forma de expressão no espaço, um novo padrão de segregação espacial e desigualdade social na cidade, substituindo aos poucos o padrão dicotômico centro-periferia (ricopobre) pelo modelo de enclaves fortificados (CALDEIRA, 2003, p. 211). A cidade, antes compacta, concêntrica, agora se esgarça, ultrapassando os seus limites. A sociedade urbana, antes circunscrita a uma morfologia histórica, 33 agora vem se organizando e se distribuindo em espaços regionais, num permanente processo de desconcentração. A cidade contemporânea passou a ser amorfa, disforme pelas justaposições sucessivas de diferentes lógicas contraditórias, explica Seabra: Nela [Cidade] sucedem-se quase indefinidamente, espaços super funcionalizados numa sucessão de homogeneidade, geralmente sistêmicas que formam as pesadas estruturas. Estas se sobrepõem, recortam, fragmentam e quebram formas progressivas de organização do espaço (bairros, subúrbios, etc.) (SEABRA, 2004, p. 195). Partir da discussão sobre centralidade faz-se necessária para qualificar o processo de expansão urbana de João Pessoa, especialmente na ocupação, uso e domínio do vale do rio Jaguaribe e seu entorno, quando seu significado revela jogos de forças hierárquicas e globais no território. O padrão periférico de crescimento contraditoriamente foi responsável pelo aumento das tensões sociais urbanas em João Pessoa. Para Gonçalves (1999, p.49): Esse quadro de contradições urbanas, combinadas com a crise de legitimidade política do Estado, fez com que os três primeiros anos da década de 1980 fossem marcados pelo maior acirramento de conflitos em torno da produção, apropriação e gestão urbanas até então verificado na história da cidade. Nos últimos anos, com a rápida expansão urbana da cidade, a segregação e fragmentação do espaço ficaram mais evidente, assim como os seus impactos sócio-ambientais, ainda mais acentuados. É a fase denominada por Madruga (1992), 34 de João Pessoa, do ”além Jaguaribe”. Com a fragmentação do espaço têm-se origem as novas centralidades. A origem das comunidades São José – Chatuba e a centralidade do bairro de Manaíra como entorno mais valorizado encontra-se na fase denominada por Madruga (1992), de João Pessoa, do ”além Jaguaribe”. Entretanto, a partir da década de 1980, tem início um celeiro processo de fragmentação e reestruturação do seu espaço urbano, originando novas centralidades e discursos em defesa de um novo pensamento único. As comunidades São José – Chatuba passa a ser mais visível na fase em que o vale do rio passou a ser destaque não só por abrigar algumas permanências como favelas e vacarias, mas por ter uma relação mais direta com o consumo e sofrido uma fragmentação do seu espaço. Hoje em dia verificam-se algumas especializações no vale: comercial, residencial, serviços, industrial, etc. Nesse sentido, as diferentes estratégias forjadas nos planejamentos ou políticas urbanas vêm se materializando, especialmente com a implantação de vias de trânsito rápido a exemplo da implantação da BR-230 e outras vias que ora cortam, ora margeia o vale, num cruzamento de lógicas que vem se diferenciando dos ritmos lentos daquelas comunidades dando maior visibilidade às contradições do Estado. O discurso do Estado intervencionista e do Estado reflexivo tal como descrito por Giddens (1991), apresenta-se carregado de contradições, forja modelos de “planejamento urbano”, estabelece políticas urbanas pautadas no nexo habitaçãocirculação, favorecendo a lógica do consumo em detrimento da lógica social, imprimindo novas práticas de segregação. 35 1.2 As concepções e discursos do Estado e as políticas urbanas no Brasil O discurso do Estado carregado de contradições, Giddens (1991), de símbolos e interesses “é determinante na dinâmica cotidiana de produção e reprodução do espaço“ (MOURA; KARNIN, 2001, p. 66). O discurso não pode ser dissociado da ação. Nesse sentido, para ações diferentes existem diferentes discursos: discursos do dia-a-dia e de reuniões informais, os discursos específicos ou oficiais e a idéia de discurso competente ou instituído (CHAUÍ, 2003). Portanto, o discurso, para que seja efetivamente aceito pela sociedade, deve seguir determinados rituais, sob pena de exclusão. Por isso as práticas discursivas devem estar emolduradas por elementos ritualísticos que conferem ao discurso maior ou menor densidade de verdade e, por conseguinte, de aceitabilidade social (CHAUÍ, 2003, p. 07). Os discursos, específicos ou oficiais são freqüentemente associados a determinadas comunicações, mais impermeáveis, herméticos e passivos de menor transformação, porque atendem ao propósito de reiterar códigos de poder. Entendese, nesta dissertação, o discurso enquanto estratégia do poder hegemônico e do Estado, como elemento da ação e de sua realização. As ações dependem de discursos para se legitimarem na vida social e os dois se completam. Para Santos, O discurso das ações e o discurso dos objetos às vezes se complementam como base de desinformação e de contra-informação e não propriamente da informação... Por exemplo, o discurso como base de uma ação comandada de fora que leva a construir uma história através de práxis invertida (SANTOS, 1996, p.181). No final da década de 1970 e nos anos de 1980 e 1990, o Estado passou por uma crise econômica, mais especificamente fiscal, segundo Anderson (1995) e 36 Bresser Pereira (1998). Caracteriza-se por ser uma crise do Estado da Providência, nos países centrais, do Estado Desenvolvimentista, nos países periféricos e do Estado Planificado, nos países de orientação socialista. Na polêmica envolvendo a “Crise do Estado” destaca-se a manifestação contraditória dos discursos sobre a natureza e o papel do Estado Keynesiano e do Estado neoliberal. Nesse contexto, inserem-se também, as concepções marxistas que buscam responder as seguintes questões: como identificar a natureza e o papel do Estado nas sociedades capitalistas avançadas de hoje? Conferindo importância no debate marxista contemporâneo. Predomina no interior do pensamento marxista bem como dos autores contemporâneos que estudam a Crise do Estado, a idéia gramsciana de Estado ampliado, isto é, de que o Estado não se resume ao seu aparato repressivo e à Sociedade Política, mas também às diferentes instituições da Sociedade Civil, através do qual a hegemonia se dá por consenso. O debate entre os marxistas surgiu nos anos de 1970 através de diferentes concepções, destacando-se o Estado: como regulador da competição econômica (MANDEL, 1975), distinção entre poder político e aparelho político (ALTHUSSER, 1971), distinção entre funções e natureza do Estado capitalista (CLARK; DEAR, 1981), como estrutura condensada das relações de poder (POULANTZAS, 1976), instrumento da classe dirigente (MILIBAND, 1973), natureza das funções ou da estrutura da tomada de decisões (OFFE; ROUGE; HOLLOWAY, 1975, 1979). Sendo Castells (1977) e Lefébvre (1974, 1976) os dois expoentes da discussão entre Estado e espaço, para (GOTTDIENER, 1993). O Estado Keynesiano ou do “Bem Estar Social” no primeiro mundo, e o “Estado Desenvolvimentista”, na América Latina e nos países do capitalismo 37 periférico, caracterizou-se pela intervenção direta na economia mediada pelo planejamento, de forma a garantir o pleno emprego por meio de uma série de medidas: obras públicas, tarifas protecionistas, diminuição das taxas de lucro, subsídios agrícolas, etc. Nos países periféricos, especialmente os da América Latina, desde o início dos anos 80, o modelo neoliberal foi imposto de forma mais direta. Desenhou-se um programa compacto de políticas e reformas perfeitamente alinhadas com a hegemonia dominante dos países centrais através do Consenso de Washington. Programa para a América Latina propondo rigoroso esforço de equilíbrio e austeridade fiscal ao máximo, o que passa inevitavelmente por um programa de reformas administrativas, previdenciárias e fiscal, e um corte violento no gasto público. Sob a égide do sistema capitalista, a produção do espaço urbano tem no Estado o seu principal agente reestruturador. Assim o espaço adquire um caráter estratégico, isto é, o Estado regulador impõe relações de produção sob a forma de dominação do uso do solo urbano imbricando espaços dominados/dominantes para assegurar a reprodução da sociedade como reprodução continuada do capital e do poder do próprio Estado. Com as novas contradições do / no espaço resultante da ação estruturadorareestruturadora do Estado no território, toma-se por base as reflexões lefebvrianas por acreditar que elas são fundamentais para analisar o papel do Estado no espaço urbano contemporâneo. É por essa concepção que se pretende entender as estratégias de segregação institucional nos discursos das políticas de habitação e transportes, como em relação às comunidades no vale do rio Jaguaribe. 38 O Estado não pode ser concebido como um agente regulador de conflitos de classe, sem uma perspectiva de agente da reprodução do espaço. De um ponto de vista lefebvriano o Estado é uma estrutura a serviço do poder. Por isso é fundamental entender o Estado para além do racionalismo hegeliano. O Estado atua concretamente na produção do espaço, como elo de conexão entre os interesses do capital e o espaço apropriado de reprodução. Concordando com Lefébvre, Gottdiener assinala: O Estado é uma forma hierárquica dotada de abstração concreta de poder, numa relação de subordinação-dominação que é então utilizada por burocratas para controlar a sociedade. Além disso, ele concebe sua essência, a tarefa concreta de dominação, da mesma forma que realiza o poder econômico, destruindo ou substituindo o espaço social pelo espaço instrumental (GOTTDIENER, 1993. p. 146). Nesse sentido, o espaço não é neutro, mas torna-se um campo de ação das forças políticas entre o espaço social e o espaço abstrato. É através da relação de poder e de dominação exercida pelo Estado capitalista sobre os homens, que se confere o caráter opressivo do Estado. Por esse ângulo argumenta Lefébvre: O que é o Estado? Uma estrutura, diz os cientistas políticos, a estrutura de um poder que toma decisões. Sim, mas devemos acrescentar: uma estrutura espacial. Se não levamos em conta essa estrutura espacial e seu poder, retemos apenas a unidade racional do Estado; voltamos ao hegelienismo. Somente os conceitos de espaço e de sua produção permitem que a estrutura de poder atinja o concreto. É nesse espaço que o poder central elimina qualquer outro poder, que uma classe no poder alega suprimir as diferenças de classe (LEFÉBVRE apud GOTTDIENER, 1993, p.146). A ação do Estado na produção de novas relações, além da econômica, dá origem a uma produção política da sociedade. Esta produção política viabiliza-se 39 pela formação de instituições governamentais, fundamentais para o funcionamento e as necessidades da sociedade definidas por uma organização, como explica Lefébvre: Então a organização suscita um interesse político, que a transforma em instituições. O movimento que cria as organizações é de baixo para cima. As instituições são de cima para baixo. Ela comporta a intervenção ou estabelecimento de uma autoridade específica. Num certo sentido, o Estado mesmo resulta da institucionalização da linha social constituída para a troca. Mas as necessidades sociais que surgem com a generalização da troca, em primeiro lugar com a produção industrial, são numerosas (LEFÉBVRE, 1976, p.140). O Estado possui múltiplas funções não só políticas, mas também econômicas. No espaço urbano, o Estado vem administrando diferentes ramos da economia, mediando tensões sociais no propósito de dar sustentação ao processo de reprodução do capital. Reside aí a origem do Estado intervencionista, empenhado na reprodução das relações sociais através do desaparecimento do tradicional espaço social. O papel contraditório do Estado caracteriza-se, por um lado, pela necessidade de preservar o espaço social, em face da vitória do valor de troca sobre o valor de uso. Por outro, propõe modelos de planejamento que assegurem a dominação e às vezes a destruição do espaço social, garantindo a reprodução-acumulação do capital. Tal concepção de Estado intervencionista lefebvriana é destacada por Gottdiener: Sendo o Estado uma “superestrutura de poder”, suas intervenções inauguram a destruição do espaço social e a forma compacta, confinada de cidade. O Estado está aliado não só contra a classe trabalhadora ou mesmo contra frações do capital, ele é o inimigo da própria vida cotidiana - pois produz o espaço abstrato que nega o espaço social que suporta a vida cotidiana e a reprodução de suas relações sociais (LEFÉBVRE apud GOTTDIENER, 1993, p.148). 40 As investigações urbanas sobre a relação entre Estado e espaço preservaram o enfoque na intervenção. “O planejamento urbano foi considerado por Lefébvre como uma máscara ideológica que seduz a classe trabalhadora a acreditar que a intervenção estatal sobre o meio ambiente, promove de fato a representação de seus interesses na sociedade” (GOTTDIENER, 1993 p.137-138). No plano da ordem estabelecida, a ação do Estado, via poder local, interfere no processo de produção da cidade. Segundo o pensamento lefebvriano, é nesse plano que o espaço abstrato domina o espaço social, um espaço produzido que assume a característica de fragmentado (pelo uso do solo), hierarquizado (pela divisão espacial do trabalho) e homogêneo (pelo controle oficial) e revela uma contradição: a segregação. Lefebvre (1991) confere ao espaço homogêneo – “concebido” – um caráter abstrato, em contraposição ao espaço absoluto, o espaço vivido/percebido das representações e das práticas espaciais cotidianas. Produto da violência e da guerra, o espaço abstrato é instituído pelo Estado. Ele serve de instrumento para que os detentores do poder – político e econômico – destruam tudo aquilo que representa ameaça e resistência, abrindo caminho para homogeneização das diferenças. Entende-se que esse espaço abstrato torna-se concreto no espaço via discursos instituídos que se transformam em ações normalizadoras e homogenizantes em suas diferentes escalas espaciais, procurando administrar a cidade e seus habitantes, segundo discursos que tendem a impedir uma busca efetiva de compreensão da problemática urbana. 41 O planejamento urbano é uma tomada de decisão, um processo político, manifestado através das políticas urbanas ou intervenções do urbanismo, oficial ou “policial”, no dizer de Alain Lipietz, explicitadas por prioridades, envolvendo escolhas, compromissos e pactos em cada cidade. Portanto, questionar o urbanismo é democratizar a urbanização (SOUZA, 1988, p.56). No Brasil o planejamento urbano pauta-se em instrumentos urbanísticos, tendo nos planos e leis, seus representantes mais pragmáticos, que se tornaram “opções” racionalizadoras para solucionar as mazelas sociais. Contudo, muitos desses planos só tiveram a pretensão de fornecer receituários para orientação do ambiente construído, não enfrentando as questões sociais. Existe, de fato, uma ampla legislação urbanística, que oferece aos governos um imenso leque de possibilidades em promover o melhoramento das cidades. Todavia, as legislações, os planos e a centralização, no encaminhamento da discussão urbana, não responderam às questões conflitantes dentro do contexto socioespacial, como acesso ao mercado imobiliário legal e melhoria dos transportes das classes trabalhadoras. Um dos motivos pelo qual isso acontece é que entre a Lei e sua aplicação há um abismo que é mediado pelas relações de poder na sociedade. Uma “flexibilidade” que inspirou também o “jeitinho brasileiro” e ajudou a adaptar uma legislação positivista, moldada sempre em modelos estrangeiros, a uma sociedade no qual o exercício do poder se adapta às circunstâncias (MARICATO, 2001, p. 42). A partir de 1970 podem-se distinguir no Brasil, pelo menos dois momentos de experiências de planejamentos urbanos. O primeiro concebido pela “política desenvolvimentista”, implantada pelo Estado autoritário com destaque para o planejamento urbano modernista. Um discurso que: 42 Aspirava transformar a cidade em um único domínio público homogêneo patrocinado pelo Estado, eliminar as diferenças para criar uma cidade racionalista universal, dividida em setores de acordo com as funções urbanas: residência, trabalho, recreação, transporte, administração e cívica (CALDEIRA, 2003 p. 311). O planejamento estatal nas décadas de 1960 e 1970 se caracterizou por um centralismo de caráter autoritário através da Ditadura Militar calcada numa visão tecnocrata de execução de planos. Nesse contexto, “as intervenções estatais devem ser consideradas por meio da análise da legislação e dos planos e projetos praticados” (MORAIS, 1999, p.26). Por meio de legislações o Estado cria limitações, impedindo ou induzindo os diferentes usos do solo, orientando tendências que atendam os interesses do capital. Na perspectiva do mercado de habitação e da acessibilidade, verificou-se no Brasil, uma política intervencionista estatal, com a criação do BNH e do SFH, como órgãos mediadores para que o circuito secundário de acumulação desempenhasse um papel ativo na preservação do ciclo de super acumulação, associada a uma política de transportes, dentro de um macro projeto de governo denominado de “integração nacional”. Damiani (2001), Lanni (1997), Maricato (2001) e Singer (1998). O modelo particular de política habitacional promovida no Brasil no pós-64 supôs pesada intervenção estatal constituindo-se num dos setores privilegiados de atuação do regime militar. Contudo, o mercado da promoção imobiliária foi segmentado em duas grandes vertentes, operados por agentes distintos e direcionado a públicos diferentes: uma vertente, à população de renda média e alta, foi atendida pelos agentes privados do sistema e regulados pelo Estado. A outra vertente voltada para a população de baixa renda atendida por agências estatais associados com empresas privadas de construção (ARRETCHE, 1990 p. 23). 43 João Pessoa passou a ter um ritmo mais acelerado de urbanização, sob o signo de uma política habitacional que tinha como discurso solucionar o problema da moradia para a classe trabalhadora. Porém, ao contrário do que se supunha, a ação do poder público, ainda que delineada por políticas sociais de combate à pobreza, não só interferiu nos preços do solo urbano e na maior valorização dos espaços dotados de infra-estruturas, como estimulou exemplarmente a lógica da empresa privada, um modelo de Privatização do Estado3 (ARRETCHE, 1990). As políticas de habitação e transportes foram importantes no processo de reestruturação do espaço urbano das grandes e médias cidades brasileiras. Na cidade de João Pessoa, as políticas intervencionistas do Governo federal, direcionou a expansão urbana para além dos eixos tradicionais, dando origem a periferização do espaço da cidade. Desde as últimas décadas do século XX observa-se a transformação do papel do Estado, diante da passagem do Estado Keynesiano para o Estado Neoliberal e pela Globalização. O processo de reestruturação urbana está ligado às necessidades que se renovam. Nas cidades brasileiras, as novas formas urbanas que originam novos arranjos são reflexos dessa condição, criando formas exclusivas e rígidas, constituídas por uma prática social e uma racionalidade cada vez mais pautada na crescente ação hegemônica. As ações contraditórias do Estado como agente principal no processo de reestruturação do território, em especial, das cidades brasileiras, realiza-se pelo uso de estratégias, a exemplo dos instrumentos urbanísticos, destinadas muito mais atender a reprodução ampliada do capital do que equacionar a problemática do espaço social. 3 Para Arretche (1990, p.34), No Brasil, esse fenômeno ou modelo de política habitacional, traduz o caráter privatista da ação estatal resultante da inserção de interesses de segmentos produtivos privados no interior do sistema. 44 A cidade de João Pessoa vem passando por uma reestruturação econômica, por isso vem mudando as relações dos empreendedores da classe capitalista em busca de atender as necessidades das novas centralidades que surgem. Nesse contexto busca-se entender o papel do Estado neoliberal. Na década de 1970, a questão urbana no Brasil teve uma importância política dentro de um quadro de crises sócio-econômicas e ambientais mais gerais. Na década seguinte, é colocada em novas bases valendo-se de iniciativas de unificação das lutas populares às questões da vida nas cidades, tendo como princípio o "direito à cidade" ou "direito à cidadania", a "gestão democrática da cidade" e a "função social da cidade e da propriedade". Estes princípios estão baseados numa leitura das cidades cujo padrão de produção, ocupação e gestão, são marcados pela mercantilização do solo, da moradia, do transporte de massa e dos demais equipamentos e serviços urbano, apoiado pelo Estado, através de políticas, controles e mecanismos reguladores e discriminatórios. O conceito de descentralização entrou em cena a partir de meados da década de 1970, como alternativa à crise do Estado social experimentado pelos paises centrais após um período conhecido como os Trinta Gloriosos.4 Nos paises latinoamericanos essa alternativa de mudança do Estado e da sociedade ganhou destaque a partir dos anos 80. No Brasil a questão da descentralização pode ser evidenciada pela Constituição Federal de 1988. O significado geral da descentralização como transferência do poder central para outras instâncias de poder, constituindo um processo estratégico de reestruturação do Estado, é predominante. Porém, o discurso oficial, em nome de 4 Significa dizer que foram três décadas, praticamente ininterruptas de crescimento econômico da história contemporânea. 45 uma fabulosa governança urbana, procura justificar a descentralização, provocando discussões em torno da valorização/desvalorização nas escalas de poder. Moura (2003) chama atenção a respeito da valorização de determinadas escalas de poder em detrimento de outras. É dominante na interpretação das relações cidade/mundo as escalas local e global em detrimento do regional e do nacional. Em âmbito internacional, o nível de poder municipal tem sido o foco dos discursos para a busca de soluções locais, nacionais e mesmo globais no mundo contemporâneo. O Fórum de Reforma Urbana que teve sua origem na década de 1980 ligadas através da articulação de diferentes entidades em torno da proposta de iniciativa popular foi o motor principal de aprovação do Estatuto da Cidade. Porém, como afirma Maricato: A experiência brasileira mostra, no entanto, que conquistas formais legais nunca serão suficientes. Todos reconhecem que no Brasil há leis que pegam e leis que não pegam, tudo depende do que se trata e de quem se trata, ou seja, tudo depende dos interesses em jogo (MARICATO, 2002, p.92). Uma sociedade baseada em tradições culturais e sociais autoritárias como a sociedade brasileira não consegue eliminar interações violentas oriundas da própria sociedade, nem práticas ilegais do aparelho do Estado. Tal aparelho não é neutro e reflete as ilegalidades generalizadas na prática de uma sociedade que tem como regra o arbítrio. O Estatuto da Cidade, com base no seu artigo 182, instrumentaliza os municípios para que estes garantam, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, o desenvolvimento das funções sociais das cidades e o bem-estar de seus habitantes, definindo como instrumento legal de política urbana os Planos Diretores. 46 O Estatuto da cidade, aprovado pelo Congresso Federal em julho de 2001, passou a ser celebrado como marco para uma reforma urbana no Brasil, por trazer inovações no campo da legislação, gestão urbana e regularização fundiária. Por outro lado, possui dispositivos que podem, contraditoriamente, revelar contornos perversos. Nesse sentido, as possibilidades abertas por este instrumento legal para o combate eficaz contra uma propalada desordem urbana exigem o reconhecimento crítico do discurso e práticas que referenda e legitima (LIMONAD, 2003). O Plano Diretor é um instrumento de racionalidade e servirá de base para que os municípios desenvolvam suas competências de promover, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano. Acredita-se que isso só será possível se fundamentado na vontade de toda população, caso contrário nada mais será do que apenas uma reprodução do “direito” urbanístico. Para o enfrentamento da problemática urbana contemporânea, os governos municipais passaram a elaborar um amplo arcabouço de legislação urbanística, a exemplo de planos e leis, com presumida participação popular e de entidades organizadas, para aplicação de instrumentos que garantam a função social da cidade proposta desde o Estatuto da Cidade. Ao mesmo tempo, são forjados diferentes modelos de planejamentos urbanos que nada mais são do que discursos ideológicos que tentam ocultar contradições, conflitos e interesses dominantes na produção do espaço urbano. Nas décadas de 1980 e 1990 ocorreu um processo de desmonte da estrutura técnico-institucional, iniciada com o descrédito do modelo de planejamento estatal centralizado, incapaz de planejar o desenvolvimento e a organização territorial do Brasil. Tem-se uma quase total incapacidade do governo federal na articulação das diferentes políticas públicas, culminando com a extinção e o 47 abandono de órgãos e o descaso com o armazenamento de informações (MORAIS, 1999, p.76-97). O segundo modelo, inserido no projeto neoliberal tendo como exemplo as propostas de planejamento estratégico e Orçamento participativo. O planejamento neoliberal atinge sua expressão mais forte quando procura vender a imagem da cidade para os investidores, à moda de Barcelona, que é tida como o protótipo da Cidade ideal para atrair investimentos. Para isso utiliza-se do chamado planejamento estratégico. Trata-se de um planejamento que considera a cidade como um organismo independente das relações sociais e das formas de apropriação e produção do urbano, vislumbrando-se uma nova questão urbana: produtividade e competitividade. É como se a cidade fosse uma mercadoria, ou uma empresa, ou uma pátria, segundo Vainer (2002) deve -se fazer um debate sério e rigoroso sobre este modelo de planejamento urbano com articulação dessas três analogias constitutivas as relações sociais estão ocultas e o discurso da construção de uma cidade, paradoxal. O planejamento estratégico emerge no contexto do neoliberalismo como um novo instrumento de gestão urbana sobrepondo-se às políticas públicas tradicionais, trata-se de um modo de planejar a cidade introduzindo e naturalizando conceitos, mistificando práticas sociais e difundindo a ideologia do pensamento único (ARANTES, 2000 p.18). Outra vertente, o planejamento participativo, criado na Constituição de 1988, assemelha-se a uma peça de ficção em razão do seu caráter genérico, é a caixa preta das prefeituras, e sua fragilidade na aplicação pelo Governo local, em face das manobras políticas existentes entre o Executivo e o Legislativo, verdadeiramente, os representantes dos interesses privados. Acredita-se na nova vertente de 48 planejamento como sendo mais uma “invenção política”, que avança com a finalidade de ultrapassar a democracia representativa. “A década perdida para o planejamento urbano em João Pessoa” segundo Honorato (2003) refere-se ao período compreendido entre 1990 e 2000, caracterizado pela falta de reflexões para o redimensionamento do Plano Diretor, elaborado em 1994, que já deveria ter sido revisado na virada do milênio. E de ações competentes das políticas urbanas para o município de João Pessoa. Em João Pessoa a partir da década de 1990 as ações do Estado vêm sendo forjadas através das políticas urbanas, que se caracterizam, ora pela repressão, violência, na produção dos fixos, ora pelo assistencialismo/populismo, ora pelo descaso, ora pelo planejamento estratégico. Ao anunciar o Plano Diretor como instrumento estratégico para orientar o desempenho dos agentes públicos e privados na produção e gestão do espaço urbano, objetivando assegurar o desenvolvimento integrado das funções sociais da cidade, garantir o uso socialmente justo da propriedade e do solo urbano e preservar, em todo o seu território, os bens culturais, o meio ambiente e promover o bem estar da população (PLANO DIRETOR DE JOÃO PESSOA, 1992, p. 01). Para Honorato (2003), Passados 11 anos, o que se vê é um desrespeito total às regras urbanas pelo mau uso dos espaços público e privado por falta de ação fiscalizadora municipal. No caso do vale do Jaguaribe identificam-se algumas contradições do Estado entre os seus discursos e suas ações a partir do momento que ele confina ou segrega as comunidades que localmente se apropriaram, através das estratégias como: vias de trânsito rápido, pontes, muros, falta de emprego, etc. Numa relação espaço-tempo pelo choque de temporalidades (tempos lentos e rápidos). E da 49 exclusão: pela presença do carroceiro, transeunte a pé, comunidade indo para a escola, etc. 1.3 Território urbano, segregação e resistência: campo de luta e lócus da cotidianidade das comunidades Analisar o processo de resistência das comunidades pelo direito ao entorno no vale do rio Jaguaribe, em João Pessoa - PB, passa, obrigatoriamente, pela discussão do território, como campo de lutas e lócus da cotidianidade. O espaço cotidiano (o entorno) aparece como um campo de possibilidades, o lugar, essencialmente, da prática sócio-espacial. A concepção de território implica na possibilidade em construí-lo e desconstruí-lo para além do poder do Estado. Partindo desse pressuposto, considera-se o território como delimitado por relações de poder entre diversos atores que vão territorializando as suas ações. Notadamente nesta pesquisa, os principais atores envolvidos são: as comunidades e o Estado. Para Milton Santos o território usado é uma categoria analítica. É o espaço vivido dos homens, o teatro da ação, de todas as empresas e instituições, o espaço banal. Portanto, não significa apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas de coisas superpostas, mas o seu uso, que faz dele um objeto de análise social: O que importa não é o território em si, senão o território usado, o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho, o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida (SANTOS, 2002, p.08). 50 O Estado exerce a função de regulador de territórios, do seu território e muitas vezes de outros que não fazem parte do seu espaço contínuo. A importância de sabermos o papel e o poder do Estado no processo de dominação territorial, frente às novas territorialidades que vem surgindo nos últimos anos é essencial para compreendermos a extensão, quantitativa e qualitativa, das resistências das comunidades urbanas excluídas e segregadas na sua vida cotidiana. O território usado e o cotidiano vivido constituem o campo de luta dos pobres. A vida real, concreta, com necessidades, carências, são os pressupostos básicos na elaboração de “suas políticas”, constituídas tomando-se na base da visão de mundo e dos lugares. Por outro lado, as “políticas ideais”, institucionalizadas e fundamentadas nas ideologias do crescimento, formuladas pelo Estado e pelas empresas, são estranhas aos pobres. Entretanto, pela centralidade do lugar, ambas se encontram e nesse momento, a ideologia do consumo também alcança os pobres gerando novas contradições e inconformismos. O cotidiano é concebido como a dimensão constituída e instituída pelo “vivido”. A vida cotidiana não acontece sem o “uso” que se faz do espaço e do corpo, mas também da “repetição” dos afazeres de todos os dias Lefébvre (1999) e Seabra (2004). Porém, se o cotidiano faz-se da “repetição” (da mesmice), ele dá margem para o conflito e para o surgimento do novo, a “insurreição do uso”. O cotidiano remete à proximidade de uma situação de vizinhança. Segundo Santos (1996a, p. 255), “em uma análise da situação de vizinhança, a proximidade cumpre um papel fundamental enquanto base da “sociabilidade” e geradora da solidariedade e da identidade”. 51 Para Santos (1996, p.10): O cotidiano é uma importante dimensão do espaço se considerado como portador do passado, das rugosidades ou condições préexistentes, do presente, pela constante mutação e do futuro, como projeto ou possibilidades. Nessa perspectiva, lançar um olhar ao cotidiano é entender os modos de vida, a proximidade e a resistência. Segundo Martins (1992, p.19) “é por meio do cotidiano vivido que os sujeitos excluídos têm a oportunidade de fazer História”. Uma das reflexões teóricas sobre a noção de exclusão social é oriunda da concepção de marginalidade, procurando explicar a existência de grandes contingentes de trabalhadores urbanos nos países latino americanos não incluídos na economia moderna, tornando-se mão-de-obra excedente. São desempregados irrelevantes para a economia, expulsos do seu setor dinâmico. As teorias da exclusão contemporânea aproximam-se da teoria da marginalidade pela semelhante reprodução de bolsões de pobreza. No entanto, mostra-se distante quanto à escala espaço-temporal. A marginalidade se desenvolveu nos países capitalistas periféricos no pós-guerra, enquanto a exclusão surgiu como um fenômeno mundial que tomou visibilidade e substância somente a partir da crise econômica que teve origem na década de 70, com o aumento vertiginoso das desigualdades sociais a exemplo da massificação da pobreza. A polêmica em torno da noção de exclusão pode ser evidenciada em autores como Robert Castel (1997) e José de Sousa Martins (1997). Castel designa a exclusão como sendo uma privação, uma situação imóvel, um fenômeno ocorrendo nas margens da sociedade. Por isso, prefere substituí-la por désaffiliation, visto que se a exclusão torna-se visível à margem da sociedade, a exclusão atinge o cerne da 52 mesma. Martins faz um convite a uma reflexão conseqüente sobre aquilo que constitui o verdadeiro problema: o modo como se dá à inclusão numa sociedade que fez da exclusão um modo de vida. Segundo Martins: O problema da exclusão nasce com a sociedade capitalista. O capitalismo traz como regra estruturante o desenraízamento e a exclusão. A sociedade capitalista desenraíza, exclui, para incluir, incluir de outro modo, segundo suas próprias regras, segundo sua própria lógica. O problema está justamente nesta inclusão (MARTINS, 1997, p. 32). A nova pobreza, agora formada por um exército de excluídos surge sob o signo do capitalismo reflexivo de Giddens (1991) e da globalização neoliberal de Singer (1998). Portanto, da hegemonia crescente do capital, do desemprego, da precarização do emprego, da vulnerabilidade econômica, da flexibilização produtiva, das novas práticas de segregação sócio-espacial que se revelam na relação dialética exclusão-inclusão defendida por Martins (1997). As relações são impostas pela diferença, já a exclusão e a segregação rompem essa relação, fragmentando o espaço urbano e o direito à diferença. A segregação complica e destrói a complexidade. Retomando-se Lefébvre (1999), o foco da análise recai no cotidiano do homem que vive numa relação espaço-tempo fragmentado e segregado. A expressão segregação socioespacial, vincula-se à problemática urbana, é discutida por autores como Lefébvre (1999), Lojkine (1997), Caldeira (2003), Luchiari (1999), Preteceille e Valadares (2000), Lago (2000) e Ribeiro (2000). Formando um leque de tendências numa tentativa de elucidação desse fenômeno. Em análise elaborada por Lago (2004) foi destacada a ausência de uma discussão conceitual sobre a noção de segregação espacial urbana porque segundo Lago (2004, p. 02-08) “parte significativa dos estudos utiliza uma visão bipolar na 53 perspectiva de mudança no padrão de segregação, caracterizada pela maior ou menos distância física entre grupos sociais, onde a escala geográfica é o fator central”. Há uma ausência em conceituar o fenômeno da segregação que ora é entendida como um processo inerente à ordem de mercado Ribeiro (2000) e Lago (2000), ora à ordem institucional, Caldeira (2003). Quanto ao caráter empírico da segregação, destaca-se o fenômeno da concentração espacial dos diferentes grupos sociais, de caráter quantitativo, Preteceille e Valadares (2000) e Ribeiro (2000), ou da conformação tendencial de áreas socialmente homogêneas, de caráter qualitativo Caldeira (2003) e Véras (1992) (LAGO, 2004, p. 02-08). Uma tendência comum na análise da segregação espacial é sua relação com vários processos sociais, entendidos como explicativos ou condicionantes do fenômeno. Entretanto segundo Lago (2004, p. 02-08): Predomina o enfoque das causas e não dos efeitos da segregação. A concepção sobre o novo padrão de segregação, inclui uma avaliação dos impactos desse novo padrão nas relações sociais tais como redução das possibilidades de interação entre classes sociais, práticas defensivas e a não vivência das diferenças. Segundo Caldeira (2003) e Luchiari (1999), as regras que organizam o espaço urbano e produzem a segregação varia, cultural e historicamente, revelando uma separação forçada e institucionalizada como padrão de discriminação. Sendo os enclaves fortificados, a principal expressão da nova prática de segregação sócioespacial. A visão institucional concebe a segregação como diferenciação espacial legitimada por normas legais ou sociais que conformam os enclaves fechados, por barreiras físicas ou simbólicas. É preciso avançar nas discussões sobre a idéia de um novo padrão de segregação, presente no debate atual limitado aos impactos 54 territoriais da reestruturação econômica e da exclusão social. É necessário refletir sobre as suas conseqüências. Os enclaves fortificados, presente no debate atual sobre os impactos territoriais da reestruturação econômica e das novas práticas de exclusão-inclusão social e desigualdade no interior da cidade, pressupõem a sobrevalorização da dimensão institucional. Tais práticas são entendidas no campo de relações e tensões, tanto Oliveira (1998), pela noção de descarte como Martins (1997), pela noção de degradação. Ambas, como efeitos mais visíveis das políticas econômicas capitalistas contemporâneas. Essas práticas de segregação que surgiram a partir das últimas décadas do século XX, ganharam graus de complexidade, Entretanto, tornou-se mais clara examiná-las a partir da vida cotidiana, porque o cotidiano não pode passar sem espaços e tempos apropriados, sem territórios exclusivos (SEABRA, 2004, p. 183). Caldeira (2003, p. 211) destaca os enclaves fortificados que erguem muros e criam uma ordem privada. Enclaves que mudam os padrões de residência, consumo, trabalho e lazer, alterando o panorama da cidade, o padrão de segregação espacial e o caráter do espaço público e das interações entre as classes. Ainda em relação à segregação, fica evidente aquilo que é privado e restrito contrapõe-se à desvalorização do que é público e aberto na cidade. Shopping centers, centros de lazer, parques temáticos, condomínios são demarcados, isolados, murados, voltados para o interior, socialmente homogêneos, negam a rua, o público e conferem status (CALDEIRA, 2003). Para Lefébvre, (1991 e 1999), a segregação deve ser focalizada, com seus três aspectos, ora simultâneos, ora sucessivos: espontâneos, voluntários e programados. A segregação programada ocorre quando o Estado intervém no 55 espaço através da implantação de infra-estrutura ou de políticas urbanas. Ao planejar, atende aos interesses da reprodução do capital, ao mesmo tempo em que institucionaliza e promove a segregação urbana. Entende-se, que políticas urbanas como as de habitação e transportes podem influenciar não só na valorização-refuncionalização do vale e seu entorno para o consumo. Como explicar os conflitos resultantes das estratégias de segregação impostas pelo Estado, produtor de racionalidades e as estratégias de resistência das comunidades locais pelo direito à cidade. Nesse sentido o conceito de resistência é referenciado em Foucault (1984, p. 226): Segundo o qual, ela não constitui uma substância, pois ela não é anterior ao poder que (...) enfrenta. Ela é coextensiva a ele e absolutamente contemporânea (...). Para resistir, é preciso que a resistência seja como o poder... Tão inventiva, tão móvel, tão produtiva quanto ele. Foucault. Na visão foucaultiana estão presentes relações objetivas/subjetivas que asseguram a produção/circulação do poder no território, produzindo novas formas de resistência e com isso novas identidades. Portanto, existe uma relação entre poder e resistência. Para Foucault (1984, p. 08) “o exercício do poder não é um fato bruto, um dado institucional, nem uma estrutura que se mantém ou quebra; ela elabora-se, transforma-se, organiza-se, dota-se de procedimentos mais ou menos ajustados”. A pluralidade é a marca da resistência, que pode surgir em qualquer ponto improvável, de forma inventiva, surpreendente, imprevisível. As resistências produzem, reorganizam, reagrupam, rompem com a suposta estabilidade de um poder absoluto. 56 A resistência está intrinsecamente ligada a uma lógica causalista, em que os fenômenos são explicáveis uns a partir dos outros e em que uma racionalidade, mesmo que específica, se delineia em um processo. Parte-se do pressuposto de que a realidade dos sujeitos impulsiona e define as estratégias para a consecução das ações a serem empreendidas no seu cotidiano. Conseqüentemente, entre essas, encontram-se as de busca pelo direito ao entorno através de estratégias de resistências . A cidade é hoje o fenômeno mais representativo da compressão espaçotempo, pela articulação dos objetos e ações que ali se mundializam e se movimentam. Na cidade os espaços de tempos rápidos, iluminados, dos privilegiados do consumo, porém dos mais alienados se opõe aos espaços lentos, opacos, dos ignorados, porém dos solidários, dos resistentes. É onde reside a força dos verdadeiros “donos do poder”, como defende Santos (1994, p.84): Creio, porém, que na cidade, na grande cidade, tudo se dá ao contrário. A força é dos “lentos” e não dos que detêm a velocidade elogiada por um Virilo em delírio na esteira de um Valéry sonhador. Quem na cidade tem mobilidade - e pode percorrê-la e esquadrinhála - acaba por ver pouco da Cidade e do Mundo. Sua comunhão com as imagens, freqüentemente pré-fabricadas, é a sua perdição. Seu conforto, que não desejam perder, vem exatamente do convívio com essas imagens. Os homens “lentos”, por seu turno, para quem essas imagens são miragens, não podem, por muito tempo, estar em fase com esse imaginário perverso e acabam descobrindo as fabulações. A lentidão dos corpos contrataria com a celeridade dos espíritos?. Resgatar a vida urbana, a urbanidade, também significa buscá-la onde ela ainda resiste, nos locais onde a vida social se dá de forma plena, densa e onde as trocas simbólicas e culturais ocorrem intensamente. Tais lugares, espécies de ágoras isoladas da cidade, devem representar um ponto de reflexão sobre uma 57 cidade transformada pela urbanidade em sua totalidade, e devem ser neste sentido, modelos da utopia urbana a ser construída. Parte-se do pressuposto de que a realidade dos sujeitos impulsiona e define as estratégias para a consecução de ações a serem empreendidas no seu cotidiano. Conseqüentemente, dentre essas ações, encontram-se a busca pelo direito ao entorno através de estratégias de resistências. A resistência, organizada ou não, nasce no cotidiano vivido, cada dia mais complexo, mais visível, mais real, resultando lentamente em movimentos de descontentamento aos modelos impostos pelos donos do “poder simbólico”. Por isso, acrescenta Santos (2003, p. 134): A organização é importante, como instrumento de agregação e multiplicação de forças afins, mas separadas. Ela também pode constituir o meio de negociação necessário a vencer etapas e encontrar um novo patamar de resistência e de luta [...] Os movimentos organizados devem imitar o cotidiano das pessoas porque constitui a sua riqueza e fonte principal de veracidade. Com o processo implosão-explosão de João Pessoa, o espaço tornou-se fragmentado, hierarquizado e segregado. Surgem novas centralidades para o consumo através da lógica da circulação, a exemplo da implantação da BR-230, de novas vias de trânsito rápido para dar maior fluidez ao consumo. O vale passou a ter uma concentração de investimentos no seu entorno, resultando numa pressão imobiliária e conseqüente choque com as permanências. As comunidades como São José – Chatuba criam estratégias de resistência para permanecer habitantes com isso têm-se os choques de territorialidades e temporalidades, reveladas pelas diferentes formas de segregação e exclusão social. 58 Sem a preocupação de estabelecer limites fixos, pode-se dizer que as comunidades São José – Chatuba localizam-se nas margens do exíguo terraço fluvial do rio Jaguaribe. Limitadas, a oeste, pelo sopé da falésia morta, a leste pelas ruas do bairro de Manaíra5 que margeiam o vale, ao norte pela Avenida Ruy Carneiro e ao sul Avenida Flávio Ribeiro Coutinho ou Retão de Manaíra, próximo a ponte da BR-230, local do seu desvio para o rio Mandacaru. (ver figura 01). Apresentando cerca de 2,3 Km de extensão no sentido norte – sul. Entretanto, a comunidade da Chatuba se caracteriza por uma apropriação de forma descontínua em três núcleos: Chatubas I, II e III, também se estendendo no mesmo sentido da comunidade São José à margem direita. 5 O bairro que faz parte do entorno mais valorizado da área de estudo desta pesquisa, Manaíra, apresenta uma área de aproximadamente 2,4 km², concentrando cerca de 19. 289 habitantes e a segunda maior densidade demográfica do município, em torno de 82.93 hab. / km² (IBGE, 2000). 59 Figura 01: Mapa de localização das comunidades São José – Chatuba - 2006 Fonte: Mapa base da SEPLAN/PMJP, organizado por Paulo Rener de Freitas e Arinaldo I. das Neves. CAPÍTULO II O PLANEJAMENTO URBANO EM JOÃO PESSOA A PARTIR DA DÉCADA DE 1990 O presente capítulo fala do processo de expansão acelerada da cidade de João Pessoa destacando-se a ocupação do litoral norte e conseqüente apropriação do vale do rio Jaguaribe e suas transformações focalizando as comunidades São José - Chatuba e suas relações com o bairro de Manaíra. Nesse contexto se insere o Estado e os promotores imobiliários como principais agentes da valorização do espaço que é fragmentado e segregado para permitir a reprodução do capital legitimados nas leis e forjados pelos planejamentos. 2.1 Planejamento estratégico, acessibilidade e novas centralidades Há mais de quatro séculos, às margens do rio Sanhauá, foi fundada a cidade de Nossa Senhora das Neves, atualmente João Pessoa. Privilegiada, já nasceu cité, planejada para a defesa e controle do uso. Lentamente foi subindo as colinas, com vistas e acesso fácil para o rio e de costas para o Atlântico6. O núcleo primeiro da cidade alta, acropolitana, foi o referencial a partir do qual a cidade se definiu. Em 4 de novembro de 1585 foram construídas as primeiras obras de edificações e a cidade passou a aglutinar funções, administrativa, política e, principalmente, militar e religiosa. 6 A presença de corais nos quase 25 Km de litoral dificultou a colonização: durante quase quatro séculos a cidade cresceu e se desenvolveu em função do rio e não do mar. 61 Do final do século XVI, com a fundação, até meados do século XIX, com o primeiro relatório sobre a Corografia da Província da Parahyba do Norte7, verificouse um crescimento do núcleo urbano de João Pessoa, sem um traçado definido. A superação dos limites naturais, fator de articulação do traçado linear e espontâneo foi o promotor de um crescimento concentrado. Nas franjas desse núcleo urbano existiam sítios, chácaras, vivendas e engenhos. Do ponto de vista urbanístico, o Centro Histórico era composto por duas formas de ocupação complementares que refletia a estrutura social. Na Cidade Baixa, processavam-se as atividades comerciais dando origem ao primeiro bairro da capital, o atual Varadouro. Na Cidade Alta, localizavam-se as principais edificações: administrativas, residenciais – das classes mais abastardas e religiosas – conventos franciscanos, carmelitas, beneditinos e jesuíta. O traçado irregular e concentrador foram mantidos até as primeiras décadas do século XX, quando transformações viriam alterar significativamente sua estrutura urbana, baseada no princípio social higienizador de Haussmann8, buscava-se uma nova imagem de cidade moderna, através das grandes reformas urbanas. A primeira experiência de reforma urbana em João Pessoa ocorreu entre os anos de 1910 e 1924 quando a cidade sofreu intervenções pontuais. Introduziram-se medidas de controle sanitário através do sistema de abastecimento com a captação de água em poços na Mata do Buraquinho e da construção de um reservatório na área central que distribuía o precioso líquido para toda a cidade (RODRIGUEZ, 1994, p. 122). 7 Por volta de 1855 com a cidade já denominada de Parahyba do Norte, foi produzida a primeira planta oficial da cidade por ordem do governador provincial o Tenente-Coronel Henrique B. Rohan. Foi um relatório minucioso sobre toda a província, nele foi revelada a sua topografia, tratava-se de um território planáltico cortado por vales de pequenos rios, a exemplo do Jaguaribe. 8 Movimento higienista, iniciado em fins do século XVIII, argumentava que os males nas cidades advinham da estagnação do trinômio – água, lixo e homens, daí a necessidade de sanear, circular e embelezar. Propondo, através do saneamento, promover a circulação desses três elementos dentro do espaço urbano. Entretanto, o higienismo utilizava o discurso do ideal estético apenas como pano de fundo para a estrutura física da cidade, ocultava a intenção de deslocar a população de miseráveis da cidade e eliminar o risco de epidemias. 62 A segunda experiência de reforma urbana da capital ocorreu na década de 1920 dando seqüência às políticas sanitaristas, destacando-se a urbanização da Lagoa dos Irerês, atual Parque Sólon de Lucena. Outras intervenções merecem destaque como a criação do Parque Arruda Câmera, da Praça Vidal de Negreiros e da Praça da Independência, que passou a ser, ao lado da Cruz do Peixe, um elo de ligação entre a cidade e a orla marítima com a construção da Avenida Epitácio Pessoa. A urbanização da “Lagoa” impulsionou uma tímida expansão dos espaços adjacentes e periféricos (ver foto 01), com a ocupação e ampliação da Cidade Alta e do núcleo histórico central. Entre as décadas de 1910 e 1920 já existiam os bairros de Cruz das Armas, Jaguaribe e Torre. Porém, mesmo tendo a Lagoa como limite, dois vetores de expansão se confirmavam: um para leste, pela estrada da Imbiribeira (atual Ruy Carneiro); outro, para o sudeste, pelas estradas dos Macacos e do Jaguaribe (hoje, Pedro II e Almeida Barreto, respectivamente), em direção à Mata do Buraquinho (W.RODRIGUEZ, 1994). Foto 01: Lagoa depois da urbanização, em 1928, antiga lagoa dos Irerês Fonte: Acervo Stuckert Filho. 63 O transporte público, através dos bondes elétricos (ver foto 02), foi um elemento impulsionador do crescimento urbano, especialmente voltado para o litoral. A ligação entre o centro da cidade e o Distrito de Tambaú se deu com o prolongamento da linha férrea que chegava até o Sítio da Cruz do Peixe, próximo ao atual Hospital Santa Isabel, e passou a ter como destino final o Sítio da Imbiribeira, próximo do atual Grupamento de Engenharia (RODRIGUEZ, 1994). Foto 02: Os bondes de tração animal e partir do sítio da Cruz do Peixe em 1910. Fonte: Acervo Stuckert Filho. A cidade da Parahyba entra na década de 1930 com um novo nome, passa a ser oficialmente João Pessoa, em homenagem ao Presidente do Estado, um dos personagens importantes na política do Estado e da Revolução de 1930. A concepção arquitetônica urbanística colonial começa a ser modificada com a reforma de residências e a abertura de vias de circulação mais amplas, a exemplo das avenidas, João Machado, Epitácio Pessoa e a Maximiliano de Figueiredo. 64 Expande-se não mais apresentando traçados irregulares, com ruas estreitas e sem pavimentação nem infra-estruturas, sobrepondo-se a estas, surgem ruas planejadas, retilíneas, pavimentadas e largas para receber e controlar o tráfego de bondes, automóveis e pedestres, consolidando a malha urbana já existente. Com isso institui-se o disciplinamento das ruas e dos homens pobres. Com o Estado Novo implantado no Brasil na década de 1930 surge a proposta de uma política urbana modernista para todas as capitais federais, com base na Carta de Atenas9. Além da capital federal, o Rio de Janeiro, muitas capitais e cidades experimentaram projetos urbanísticos de zoneamento a exemplo de Porto Alegre, Salvador, Recife, Niterói e Goiânia, uma cidade planejada sob a influência do modelo defendido por Le Corbusier. À forma urbana da cidade de João Pessoa foi imposta funções independentes das sociais. A rua deixou de ser o local de encontro e vivência para dar passagem gradativamente às mercadorias. Pequenos estabelecimentos foram substituídos por médios e grandes empreendimentos, ruas e avenidas foram abertas em vários pontos da cidade, as que já existiam foram ampliadas e alargadas. Nesse contexto, um plano urbanístico para João Pessoa foi elaborado em 1932 pelo arquiteto carioca Nestor Figueiredo que apresentou um estudo sobre a capital com base em observações feitas num sobrevôo de avião. Entretanto, o plano não foi implantado com sucesso, porém algumas realizações merecendo destaque na forma urbana da cidade algumas realizações como: a preservação da mata do buraquinho, a urbanização do bairro da Torre contribuindo para a abertura das avenidas Epitácio Pessoa e a conseqüente expansão para o litoral e da Getulio Vargas, com calçadas largas, duas pistas, estacionamentos e canteiros arborizados. 9 A Carta de Atenas de 1931 foi um paradigma mundial da arquitetura moderna, elaborada para dar respostas aos problemas causados pelo rápido crescimento das cidades, impulsionados pela mecanização na produção e as mudanças no transporte. 65 Ao lado do enraizamento da visão político-social de mundo moderno, o espaço urbano da cidade de João Pessoa foi deixando de ser colonial e ganhando novos contornos Nas edificações, passou a predominar elementos estilísticos do ecletismo, art nouveau, neocolonial e posteriormente do art déco. Com José Américo de Almeida e seu grupo no bojo da Revolução de 30, a modernização paraibana atrelou-se à visão de um Estado forte e centralizador. Por isso, as primeiras e principais mudanças na Paraíba ocorreram sob a égide do Estado. Durante a década de 1940 ocorreram várias intervenções que justificam a expansão urbana da cidade para o litoral como a ampliação da Avenida Epitácio Pessoa até Tambaú incorporando, além das primeiras edificações do bairro da Torre e depois do Bairro dos Estados, os atuais bairros do Cabo Branco, Tambaú, Manaíra e Bessa. Na mesma década, ainda existiam alguns currais de pescarias convivendo com algumas casas de veraneio. Entretanto, medidas intervencionistas a exemplo da chegada do bonde elétrico e das primeiras linhas das “sopas” – pequenos ônibus que faziam o percurso até à Praia de Tambaú (ver foto 03), o desvio do rio Jaguaribe para dentro do rio Mandacaru, além da drenagem dos pântanos existentes entre Tambaú e Bessa, destacaram-se como fatores responsáveis pela transformação gradativa das moradias de veraneio para permanentes. 66 Foto 03: As linhas de sopas que conduziam os veranistas até a praia de Tambaú. Fonte: Acervo Stuckert Filho. O espaço urbano de João Pessoa encontrava algumas dificuldades no seu processo de expansão como a conturbação com Bayeux e Santa Rita, a preservação da Mata do Buraquinho e os vales dos rios Jaguaribe, Sanhauá e Paraíba. Ainda nesse período, as avenidas Epitácio Pessoa e Cruz das Armas já constituíam os dois principais vetores de uma tímida expansão da cidade para leste e sul: (1) a Avenida Epitácio Pessoa, que condicionou a ligação com a orla marítima, atraindo à infra-estrutura, a formação de bairros de classe alta (Bairro dos Estados, Expedicionários, Tambauzinho), a expansão das atividades comerciais e de serviços em direção à orla marítima e a consolidação do uso residencial dos bairros de Tambaú e Cabo Branco (também de classe alta) que antes eram utilizados como bairros de veraneio; e a (2) Avenida Cruz das Armas que permitiu, como já citado, a ligação da área sul da cidade com a BR101, firmando-se como importante corredor viário de apoio rodoviário, polarizando-se ao longo de seu percurso a formação de comércios e serviços, bem como permitindo a criação do bairro de mesmo nome com o prolongamento, ao longo de seu trajeto, de nucleares residenciais da classe de renda baixa. (LAVIERI e LAVIERI, 1992, p.40). 67 Entre os anos de 1950 e 1964 foram edificados alguns conjuntos habitacionais nos bairros do Centro, Expedicionários, Jaguaribe, Torre e Tambiá. Surgiram nessa época os conjuntos habitacionais financiados pelos Institutos de Previdência ou pela Fundação Casa Popular. Esses organismos trabalhavam com pequenos núcleos habitacionais localizados na periferia da cidade. Como se tratava de poucas unidades habitacionais, não apresentavam “grande expressividade em relação à totalidade dos domicílios de uso residencial existentes” (LAVIERI e LAVIERI, 1992, p. 08). No início da década de 1960 as classes sociais de menor rendimentos ocupavam áreas desvalorizadas, deterioradas e abandonadas do centro e dos bairros localizados no seu entorno. Entretanto essa ocupação no interior da cidade era qualificada por construções residenciais com um mínimo de habitabilidade, sendo na sua maioria, de barro e taipa e com quintais (SILVA, 1995, p. 61). 68 Figura 02: Mapa de ocupação e eixos viários da cidade concêntrica - 1963 Fonte: Lavieri e Lavieri, 1999, Adaptação Paulo Rener de Freitas Sousa. Observa-se no mapa acima que a cidade ainda mantinha um padrão concentrador no início da década de 1960, pela presença de ocupações próximas da Lagoa que também era o centro de confluência das vias de acesso. 69 O Centro tinha uma centralidade única, o Ponto de Cem Réis, que atraía tudo: espaço de uso, de encontro, de festas, de informação pela ordem e pela desordem (ver foto 04). Com o prolongamento da Avenida Dom Pedro II e a abertura da Avenida Cruz das Armas possibilitou o desenvolvimento da cidade na direção sul e sudeste. Já o calçamento das Avenidas Epitácio Pessoa em 1954 e Beira Mar, em 1956, facilitou a locomoção da população para a orla marítima. E a cidade começa a se espraiar através do processo de periferização. Foto 04: O Ponto de Cem Réis (1963) lugar de encontros, reuniões, confirmando um padrão de crescimento urbano concentrador em transição para o periférico, acelerado a partir de 1964. Fonte: Acervo Stuckert Filho. De maneira geral afirma-se que o processo histórico da expansão urbana de João Pessoa pode ser seqüenciado em dois momentos: até a década de 1960, com a incorporação lenta dos espaços rurais e, a partir de 1970, em um ritmo mais acelerado, com o processo de urbanização forjado por intervenções planejadas 70 originando um padrão periférico de crescimento da cidade que se esgarça para além Jaguaribe, segundo o modelo de segregação centro-periferia. No Brasil, o período compreendido pelo Estado Militar (1964 e 1985) se caracterizou por uma ocupação do solo com base na intervenção estatal, dentro de um macroprojeto desenvolvimentista, através de políticas nacionais de habitação pelo BNH – Banco Nacional de Habitação - e políticas de integração nacional, pelo ministério dos transportes. No nível espacial, o conceito-chave do projeto desenvolvimentista foi o da integração nacional: na ocupação dos vazios demográficos, nos investimentos em grandes projetos de infra-estrutura e na interligação entre todas as regiões do país, através de rodovias federais. No nível do discurso, a política urbana passava pela retórica do planejamento urbano, que seria capaz de levar a cabo o projeto de integração modernizadora, dando conta de enfrentar a contradição representada pela ilegalidade que esta produzia (MARICATO, 2000). Esse período foi marcado pela consolidação do padrão de segregação centroperiferia, com as classes sociais distantes uma das outras, e um modelo de Estado que era imposto por uma racionalidade técnica presente também na eficácia do planejamento. Nas cidades de porte médio como João Pessoa esse crescimento periférico se estruturou através do Programa de Capitais e Cidades de Porte Médio e do Projeto CURA - Comunidade Urbana para Renovação Acelerada.10 A cidade de João Pessoa passa a ter uma rápida expansão impulsionada pelas grandes intervenções estatais desde o início do período militar com a implantação do Distrito Industrial incentivado pela SUDENE, do Campus da 10 O Projeto CURA foi criado pelo Conselho de Administração do Banco Nacional de Habitação (CABNH) em 30 de março de 1973 com o objetivo de preencher os vazios deixados no espaço urbano, bem como dotar este espaço de infra-estruturas, no tocante a equipamentos sociais urbanos. 71 Universidade Federal da Paraíba, com o apoio do MEC e do Anel Rodoviário – com a ligação entre a BR-101 e a BR- 230, onde localiza-se o viaduto de Oitizeiro11. A política nacional de transportes visava uma integração nacional, sendo responsável pela estruturação-desestruturação do espaço urbano de João Pessoa. A BR-230 ilustra bem essa política: na medida em que a cidade foi crescendo, trechos dessa rodovia foram sendo incorporados ao tecido urbano mudando a sua função12 para uma via urbana de fato. Formas ilegais de ocupação se desenvolveram nas margens dessa via como: habitações autoconstruídas, empreendimentos comerciais e serviços especializados. A política habitacional ganhou novos contornos na cidade com a implantação de conjuntos pelo governo federal através do sistema financeiro de habitação, dispondo de verbas do FGTS. Cinco conjuntos foram construídos: três ficaram próximos à Avenida Epitácio Pessoa, conjunto Boa Vista, atual bairro dos Ipês e 13 de Maio e Pedro Gondim criados para abrigar funcionários públicos federais e estaduais e de classe média. Os demais, ocuparam lugares diversos no desenho urbanístico da cidade. O conjunto Redenção se localizou na região entre a Br-230 e a Avenida Rui Carneiro. Embora formado por apenas 70 unidades, esse conjunto “foi o embrião do fenômeno posterior de expansão da cidade em direção a Cabedelo e da própria ocupação da Avenida Rui Carneiro em direção à praia“ (LAVIERI e LAVIERI, 1992, p. 15). O conjunto dos Funcionários, constituído por 381 unidades, por sua vez, teve 11 O Viaduto de Oitizeiro, na BR-230, em João Pessoa/PB passa a denominar-se “Governador Ivan Bichara" quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 11.089/2004 que entrou em vigor a partir da data de sua publicação no Diário Oficial da União em 05 de Janeiro de 2004. 12 Teve o papel de imprimir maior fluidez ao tráfego que vinha se tornando cada vez mais intensa nas ligações com o interior do estado e com as demais capitais da região, além de possibilitar uma alternativa rodoviária ao escoamento de mercadorias do Porto de Cabedelo, que até então se dava apenas pela via ferroviária (LAVIERI e LAVIERI, 1992, p.10). 72 objetivo semelhante. Localizado no extremo sul do bairro de Cruz das Armas serviu para o adensamento populacional da região. Entre as décadas de 1960 e 1990 verificou-se na cidade de João Pessoa um verdadeiro boom na construção dos conjuntos habitacionais, uma das prioridades das políticas públicas urbanas do governo federal. Foram construídos cerca de 10 conjuntos habitacionais. Momento definido por Lavieri e Lavieri (1992) de cidade dos conjuntos habitacionais, referindo-se a porção da cidade que abriga um grande número de habitações que seguiam essa tendência. A primeira etapa do conjunto Castelo Branco, foi construída em 1969, a segunda em 1970 e a terceira em 1974, sendo o primeiro empreendimento habitacional a ultrapassar o anel rodoviário e o vale do Jaguaribe, situando-se nas imediações do Campus Universitário (LAVIERI e LAVIERI, 1992, p. 43). Em seguida, foram construídos os conjuntos Costa e Silva (1971), Ernani Sátyro (1977), José Américo (1978), Ernesto Geisel (1978), Mangabeira (1979), Bairro das Indústrias (1983). Bancários (1980), Cristo Redentor (1981) e Valentina de Figueiredo, (1985). O mais destacado Projeto Habitacional foi o de Mangabeira, construído pela CEHAP-PB sob a orientação do programa habitacional do Estado da Paraíba, entre os anos de 1979 e 1993. A meta era implantar cinco etapas localizadas fora da malha urbana da cidade, no sentido norte-sul. Pela sua grandiosidade e localização fez-se necessário à elaboração de um programa de complementação à habitação através de equipamentos e serviços que iriam atender a população e, mais tarde, defini-la como um sub-centro. Em João Pessoa esse modelo particular e estratégico de política habitacional, principal setor da política estatal, implicou na criação de vários bairros destinados á população de baixa renda direcionando a expansão da cidade para sul e sudeste. 73 Na direção norte e noroeste, a expansão ocorreu pela implantação de loteamentos e construções de edifícios para atender a demanda das classes de maior poder aquisitivo, mudando o perfil da cidade. Entre os anos de 1975 e 1979, período marcado pela administração Hermano Almeida, foi feito uma ampla urbanização da orla marítima com a criação de loteamentos e infra-estruturas nas áreas mais valorizadas, a exemplo dos bairros de Cabo Branco, Tambaú, Manaíra e Bessa, em detrimento da infra-estrutura básica, equipamentos, serviços e moradias nas áreas carentes da cidade. Em “conseqüência, a população de maior poder econômico da cidade começou a migrar em direção a orla marítima, e as casas luxuosas ao longo da Epitácio transformaram-se, aos poucos, em estabelecimentos comerciais” (SILVA, 1995, p. 181). Tais medidas elevaram ainda mais o valor do solo urbano na região litorânea da cidade, sendo mais tarde alvo de recolhimento de impostos por parte da prefeitura. A origem dos bairros ditos nobres resultou do programa de urbanização no qual: O funcionamento do programa exige uma ação integrada no município, além de estimular a aplicação de uma Lei Municipal que regulamenta o aumento progressivo dos impostos fundiários. Daí se explica a razão pela qual a Prefeitura de João Pessoa deu prioridade à orla marítima que em si não constitui a área mais carente da cidade, mais é justamente aquela, cuja população pode melhor responder ao aumento gradativo dos impostos (RODRIGUEZ, 1981, p.35). Os bairros apresentavam uma configuração urbana horizontal e eram destinados a população de renda mais elevada, porém vislumbrava-se uma forte 74 tendência à vertcalização13. Em Manaíra, por exemplo, um bairro situado no entorno da área de estudo, “têm surgido construções residenciais predominando a verticalização. Com isso denota-se uma diversidade e intensidade da reprodução espacial urbana nesse setor litorâneo de João Pessoa” (VASCONCELOS FILHO, 2003, p.69). No litoral norte, outro bairro que se destaca pela sua ocupação recente e rápida expansão é o Bessa14. Até a década de 1970 predominava naquela área de restinga uma vegetação composta de cajueiros nativos e coqueirais. Entretanto, já apresentava sinais de urbanização devido à abertura da Avenida Argemiro de Figueiredo (1970), dos loteamentos e construções residenciais, inicialmente horizontais e depois verticalizadas e da avenida litorânea para interligar o litoral norte e o sul da cidade de João Pessoa. As ações conjuntas entre o governo federal os agentes imobiliários, em João Pessoa, foram responsáveis pela valorização e expansão especulativa do solo e expulsão das populações excluídas dessas intervenções, lhes restando recorrer à autoconstrução, dando origem ao processo de favelização na cidade. Até o momento destacou-se o processo de expansão da cidade de João Pessoa efetuada de maneira legal na sua forma e não no seu conteúdo, de acordo com as regras do mercado fundiário-imobiliário e pelas ações do Estado. Concomitante ao processo de expansão da cidade formal ocorreu à proliferação de favelas, loteamentos irregulares e ocupações informais, eufemismo para designar à margem da lei. 13 Era uma tendência porque, no início da década de 1970 a inauguração do Hotel Tambaú exerceu forte influência no governo estadual o qual criou a primeira ação institucional no sentido de preservar a paisagem da orla e impedir a construção de espigões, segundo Honorato (2003). 14 Neste caso segue-se o senso comum, ou seja, denomina-se de Bessa toda área que envolve também, os bairros: Jardim Oceania e Aeroclube. 75 O êxodo rural, o desemprego e o fluxo interno das camadas menos favorecidas na malha urbana de João Pessoa, que somados e relacionados, constituíram um inexorável vetor de pressão no processo de favelização de João Pessoa. O uso do solo tornou-se mais estratificado e as novas ocupações que foram se formando na cidade já surgiram bem mais marcadas pelo nível de renda de seus ocupantes (LAVIERI e LAVIERI, 1992, p. 48). A população de baixa renda, excluída do direito a moradia, ao trabalho e ao transporte, passou a ocupar as áreas do centro e da cidade baixa, entre o Varadouro e o Roger, além das já tradicionais de Cordão Encarnado e Torre deterioradas e de baixa valorização imobiliária, estendendo-se por Cruz das Armas e Mandacaru (LAVIERI e LAVIERI, 1992). Assim como os vales e encostas dos rios, principalmente do Jaguaribe. No vale do Jaguaribe, as ocupações passaram a ocorrer a partir da década de 1970 em áreas consideras de restrições físicas, por leis15 e de conflitos com os proprietários lindeiros. Entretanto, estes proprietários insatisfeitos com as leis de restrição passaram a promover uma ocupação ilegal ou oficiosa, com objetivos econômicos, a exemplo da construção do Shopping Center Manaíra e mais recentemente da expansão do seu estacionamento sobre o leito do rio, criando muros e aterrando parte do mangue. A cidade ilegal, desde a sua formação, vem mantendo uma relação conflituosa e contraditória com a cidade legal. O Estado encara essas formas de assentamentos como aglomerados invasores e ocupações irregulares. Entretanto, essas comunidades informais sempre estiveram disponíveis para atender às necessidades da sociedade formal, numa prática de inclusão perversa, Seabra (2004) ou exclusão-inclusão (MARTINS, 1997). 15 O vale tem sua ocupação restringida pelas Constituição Estadual (1988) e pelo Plano Diretor de João Pessoa (1993) que o incluiu nas Zonas Especiais de Preservação. 76 Além disso, o Estado mantém uma relação conflitante e contraditória com as comunidades que se apropriaram do vale ao impor normas de controle e repressão. O discurso do Estado é divulgado pela mídia contribuindo para acentuar o estigma desses espaços como territórios ou redutos da violência, de criminalidade e tráfico de drogas. Outra forma de dominação e controle das comunidades pelo Estado se verifica nas estratégias intervencionistas dos projetos de reurbanização, com políticas de remoção de favelas, nos discursos de área de risco ou de projetos de integrar a favela ao bairro. Diante da expansão urbana desordenada de João Pessoa, surge a necessidade da criação do Código de Urbanismo (1976) com o objetivo de contribuir para a gestão urbana da cidade. Outro instrumento urbanístico como o Plano Diretor constitui uma ferramenta básica para o planejamento urbano com previsões de longo prazo. O padrão periférico de crescimento existiu até o final dos anos 1970. A partir de então com o esgotamento do "milagre brasileiro" entra em crise o modelo de Estado centralizador e do padrão de segregação centro-periferia. O projeto do governo militar começa a ser questionado e tem início a transição democrática. A década de 1980 foi marcada pela crise fiscal16 que levou ao enfraquecimento das políticas intervencionistas no espaço urbano implementadas pela Política Nacional de Habitação associada ao Plano Nacional de Saneamento. Em conseqüência do impacto e da magnitude dessas políticas, tem-se a crise do SFH – Sistema Financeiro de Habitação e do modelo centro – periferia. 16 A crise fiscal do Estado também pode ser identificada em todo o processo histórico das últimas décadas de formação do capitalismo no Brasil, porém, nos anos de 1950 ela foi subjugada pelo otimismo do crescimento “de cinqüenta anos em cinco”, o mesmo ocorrendo com os anos do “milagre econômico” na década de 1960, momento da crise institucional gerada pelos problemas de crescimento, inflação e déficit nas balanças de pagamentos. 77 Na década de 1980, o espaço urbano de João Pessoa crescia sem um planejamento urbano adequado. Uma nova concentração econômica se reproduzia na direção nordeste-sudeste, localizada no entorno da BR-230, desde seu início, em Cabedelo até o sul da cidade de João Pessoa, passando pela bifurcação com a BR101 contribuindo para o processo de reestruturação urbana atual da cidade, pois, Essa concentração econômica faz parte de um processo mais amplo de redefinição da ocupação do solo urbano ligado ao crescimento da população que gera mudanças significativas na forma espacial, quando as atividades estão se concentrando em determinadas áreas e os bairros se reorganizando (RODRIGUEZ; DROULERS, 1981, p.61). Para atender ao padrão de segregação centro-periferia na cidade de João Pessoa, os governos, federal e estadual17, criaram uma malha viária cruzando a cidade e interligando os bairros, o que possibilitou a apropriação de áreas distantes do centro, com os trabalhadores se deslocando por meio de ônibus quase sempre, precários, onerosos e demorados e a classe média que se desloca em carros particulares, contradizendo os discursos oficiais18. No início dos anos de 1980, o sistema viário da cidade possuía uma estrutura radial concêntrica à área central, com vias que se tornaram grandes corredores, caracterizadas pela presença de comércio varejista, atacadista e demais atividades terciárias, reafirmando o padrão de crescimento periférico imposto pelo Estado 17 Em 1985 técnicos da GEIPOT, da PMJP e do governo estadual realizaram uma pesquisa na grande João Pessoa resultando na elaboração do Plano Diretor de Transportes Urbanos com o objetivo de unificar os diversos tipos de transportes urbanos, criando uma rede de transportes radiais – tendo o Centro como destino comum. A hierarquização das vias com a criação de corredores de transporte e de suas vias auxiliares levou à ampliação da infra-estrutura viária e dinamizou o fluxo de veículos, pessoas e mercadorias. 18 Exemplo dessa contradição foi em 1985 quando o governo municipal, através do Programa AGLURB-PB, realizou intervenções sobre a malha viária utilizada pelos transportes coletivos com o discurso de “dotá-las de condições que permitissem maior fluidez do tráfego, segurança, conforto e acessibilidade”. 78 provedor com desenvolvimento de políticas urbanas contraditórias através das relações de homogenização-fragmentação e acessibilidade-segregação. O espaço urbano de João Pessoa teve o crescimento acelerado pelo modelo de gestão baseado no trinômio: loteamento, casa própria, autoconstrução, agravando o processo de fragmentação territorial e segregação das classes sociais pela distância. Consolidando-se o modelo de crescimento periférico como mostra a (figura 03). No início da década de 1990 tem-se início um novo de padrão de crescimento, o fortalecimento dos enclaves, transformando-se em uma cidade poli (multi) cêntrica. 79 Figura 03: Mapa de ocupação e eixos viários da cidade periférica - 1993 Fonte: Lavieri e Lavieri, 1999, Adaptação Paulo Rener de Freitas Sousa. A cidade se esgarça, crescendo num ritmo mais acelerado para atender a diferentes lógicas que cruzam seu território. São interesses de classes sociais, que de acordo com os níveis de rendimentos expressam no espaço urbano novas praticas sócio-espaciais anunciando o rompimento da relação centro-periferia, a 80 crise da cidade, a intensificação da fragmentação, da favelização e o padrão de poli (multi) centralidade. Com a crise fiscal do Estado nacional brasileiro, associada ao esvaziamento da política federal de desenvolvimento regional coordenada pela Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE, a desordem e a crise fiscal-financeira de estados federados, a economia paraibana se comportou como um dos últimos estados da federação em crescimento sócio-econômico19. A crise fiscal-financeira do Estado é o ponto de partida das reflexões sobre as transformações urbanas em curso na cidade de João Pessoa com implicações nas diferentes formas de uso e ocupação do solo urbano, configuradas por intensa fragmentação do território e pelos processos subjacentes da reestruturação: centralização-descentralização. Ao mesmo tempo em que, no centro há uma recentralização ou renovação urbana, Gottdiener (1997) – as periferias se multiplicam, surgem novas centralidades20, conceitos discutidos no primeiro capítulo desta dissertação. Das novas centralidades que surgem no espaço urbano de João Pessoa destacam-se, os bairros de Manaíra e Cruz das Armas, do conjunto habitacional Mangabeira, como sub-centros comerciais. A Avenida Epitácio Pessoa como centro especializado e o Centro Histórico, recentralizando-se com base no discurso de revitalização21. Neste capitulo focaliza-se a centralidade do bairro de Manaíra, a 19 Segundo dados da SUDENE de 1990 para a década de 1980: a taxa média de crescimento da Paraíba foi de 4.8% que, juntamente com Pernambuco com 4.2% registraram as menores taxas. Na evolução do BIP per capta a Paraíba registrou 3.2% e Pernambuco 2.4%, os dois estados responsáveis pelos números mais reduzidos. 20 As novas centralidades que se formam podem se constituir em sub-centros, que seriam áreas distantes do Centro Principal. Áreas de expansão do Centro Principal da cidade, sendo geralmente, especializadas em determinadas funções, e outras consideradas como de desdobramentos do Centro Principal e ainda os shoppings centers, que algumas vezes atendem a uma escala urbana e regional. 81 mais valorizada para o consumo, por localizar-se no entorno imediato do objeto de estudo, as comunidades São José – Chatuba. Como conseqüências dos avanços nos meios de comunicação e transporte - mais rápidos e fluídos - as cidades hoje são lócus de dispersões sobre extensões de território cada vez maiores e a periferia, antes reservada apenas para as camadas sociais mais populares, passa a se configurar como refúgio das classes mais favorecidas. O status deixou de ser uma condição geográfica para ser uma condição estrutural da forma de habitação e o modo de vida que ela inspira. (LAVIERI e LAVIERI, 1992, p. 48). As tendências do processo de reestruturação urbana em curso na cidade de João Pessoa podem ser identificadas empiricamente através dos diferentes espaços que estão sendo racionalmente requalificados, com a superposição de um novo padrão de segregação espacial e desigualdade social através dos enclaves fortificados22 (CALDEIRA, 2003) convertendo-se em símbolos da transformação emergente e do desenvolvimento do espaço urbano para o consumo. O centro da cidade tinha função mista, residencial e comercial, até a década de 1960, passando a concentrar o grande comércio formal, o comércio popular, o poder público e os serviços em geral da cidade. Entretanto nas décadas seguintes, muitas empresas comerciais, de serviços e órgão da administração pública, a exemplo do Centro Administrativo Municipal, foram se dispersando para as periferias, juntos a BR-230, num processo de descentralização. 21 O discurso de revitalização dos centros históricos e a instauração de pontos turísticos não se restringem a João Pessoa, sendo comum a cidades brasileiras marcadas por processos acelerados de mudança. No Nordeste é exemplar os casos de Salvador; Fortaleza, Recife e São Luís. 22 Segundo Caldeira (2000), o surgimento de condomínios e loteamentos faz parte de um novo padrão de segregação espacial e desigualdade social na cidade, substituindo aos poucos o padrão dicotômico centro-periferia (rico-pobre) pelo modelo inspirado nos new towns e edge cities norteamericanos onde as camadas de alta e média renda buscam refúgio. 82 Nos últimos anos o Centro Histórico expandido de João Pessoa23 passa por uma recentralização. O marco desse processo foi à reurbanização da Lagoa, atual cartão postal da cidade, no início da década de 1990, com a padronização das barracas, dos estacionamentos e cercamento de canteiros, configurando-se até hoje. Porém, a expressão maior da requalificação do centro foi à implantação em 2002 do Shopping Center Tambiá atraindo novos empreendimentos e reestruturando os acessos para o centro. São também considerados elementos constituintes dessa nova recentralização do centro expandido de João Pessoa a implantação de novos empreendimentos comerciais, a exemplo do Shopping Cidade, de grandes redes de supermercados e lojas de departamentos, pelo comercio varejista popular. Serviços especializados, como telefonia móvel e fixa, bancos e de serviços públicos nas três esferas administrativas do poder. Outra centralidade, a Avenida Epitácio Pessoa vem, desde o final da década de 1970, mudando de função. Primeiro ela foi ocupada pelas residências das elites que iam deixando o centro à medida que este ia se expandindo para o comércio e administração pública. De 1980 até os dias de hoje a Epitácio Pessoa vem sendo refuncionalizada, transformando-se numa “Avenida Shopping” com comércio e serviços especializados 24 horas, destinada ao público de maior poder aquisitivo. De maneira geral, as mudanças em curso vêm sendo impulsionas pela valorização-especulação fundiário-imobiliária, a exemplo dos dois vetores de expansão da cidade de João Pessoa: ao sul, com a proliferação de loteamentos e 23 O Plano Diretor de João Pessoa de 1976, estabeleceu no seu Artigo 39 as Zonas Especiais de Preservação tanto para as áreas de reservas naturais como para o Centro Histórico. O Parque Sólon de Lucena (Lagoa) e outras ruas do centro passaram a integrar o Centro Histórico expandido de João Pessoa. 83 condomínios fechados24 é um processo que se reproduz nas grandes e médias cidades sempre nas marginais de avenidas de transito rápido. Em João Pessoa, os condomínios fechados se localizam próximo a novas avenidas de trânsito rápido como a João Crisóstenes Ribeiro e Desembargador Hilton Souto Maior que se interligam com a PB-008, esta seguindo em direção ao litoral sul do Estado. Destaca-se também a implantação de uma infra-estrutura para a construção de um mega-projeto, o Pólo turístico25 confirmando uma urbanização turística no espaço urbano da cidade26. No litoral norte, com o adensamento vertical e privatizado, através de condomínios residenciais de alto padrão, multiplicação de empreendimentos comerciais varejistas, como os Shoppings Centers, Centros Empresariais, hipermercados e serviços como hotéis, pousadas, restaurantes, boates, bancos, flats, redes fest foods, casas de shows, escolas particulares, centros de estética, consultórios médico-odontológicos, clínicas médicas, concessionárias, qualificandoos como bairros nobres. Para garantir a reprodução do capital verifica-se uma reestruturação nos acessos sob o discurso oficial de dar maior fluidez aos usuários de carros particulares e deslocamentos de trabalhadores nos transportes coletivos. Porém, evidencia-se uma maior fluidez para dar passagem às mercadorias, aos serviços, à 24 Em João Pessoa, sobretudo, a partir da década de 90, ganha força os condomínios e loteamentos fechados horizontais, tendência de um novo estilo de habitar no espaço urbano da cidade. Nos bairros do litoral sul como Altiplano Cabo Branco e Portal do Sol, estão localizados, respectivamente, o Residencial Alphavillage, construído em 1998 e o Cabo Branco Residence Prive, em 2001. Atualmente estão em fase de construção mais dois condomínios nas proximidades, o Bougainville residence Prive e o Portal do Sol Residence, direcionados para as classes de média e alta renda. 25 O Pólo Turístico Cabo Branco surgiu em 1988, com o nome de Complexo Turístico Costa do Sol. O seu plano de urbanização prevê a instalação da infra-estrutura hoteleira e residencial. No Pólo Turístico, destaca-se uma malha viária com quase cem por cento concluídas a partir da inauguração da perimretral leste-oeste ou Avenida Desembargador Hilton Souto Maior que faz a interligação com a Rodovia Ministro Abelardo Jurema ou PB 008, com a Avenida litorânea e com a BR-230, ligando não só o litoral sul ao norte da cidade, como outros estados e cidades do interior. 26 A urbanização turística reestruturadora do espaço urbano de João Pessoa é defendida nos trabalhos científicos de Leandro (2004) e Silva (2004). 84 reafirmação da ditadura do consumo. Nesse sentido faz-se a reestruturação dos corredores viários da cidade de João Pessoa conectando-os com os principais acessos de entrada e saída da RMJP que também se reestruturam. Os acessos de entrada de saída da Capital passam por mudanças nas ultimas décadas. É visível a maquiagem feita sobre o anel viário na entrada de oitizeiro que interliga o acesso oeste, formado pela ligação da BR 230 com a BR 101, ao corredor de Cruz das Armas com a construção de um viaduto sobre as três lagoas de oitizeiro e o aterramento de parte dessas lagoas e da expulsão de antigos moradores que ali sobreviviam em favelas (ver foto 05). Foto 05:- Vista parcial da entrada de Oitizeiro e do viaduto Governador Ivan Bichara, em 2006. Fonte: acervo de Aldo Gomes. A construção do viaduto Governador Ivan Bichara teve como discurso oficial o disciplinamento do tráfego de veículos no local, que indica simbolicamente o início 85 da área urbana de João Pessoa, o seu “cartão de visitas”. O lugar que fora programado para trânsito rápido e denso entra em contradição com o de trânsito lento: visualiza-se a circulação de pedestres que moram nas proximidades e trabalham nas fábricas de Distrito Industrial e na feira de Oitizeiro, revelando a ausência de políticas urbanas com a construção de passarelas e de iluminação pública e reafirmando o privilégio da mercadoria em detrimento do direito a cidade. Nesse sentido são desenvolvidas as gestões públicas locais através de planejamentos pontuais e normalizadores que criam o mito da “cidade ideal” negando a “cidade real”. Não só pontos privilegiados do espaço da cidade, como também setores estratégicos, são preferencialmente transformados para dar passagem ao capital. João Pessoa nos últimos anos é um exemplo claro dessa ideologia: as áreas mais valorizadas da cidade como na centralidade mais dinâmica, a do bairro de Manaíra, e o setor de transportes urbanos vêm sendo seletivamente preparados para atender ao fundamentalismo do consumo. Os principais corredores viários de João Pessoa27 (ver figura 04) estão passando por mudanças nas suas capacidades de tráfego, através da ampliação e alargamento de suas pistas, de iluminação, como no corredor Pedro II, ou da criação de alças de ligação entre essas vias e a BR 230, no caso do corredor da Beira Rio. De acordo com o discurso oficial: O projeto para a construção das alças de interligação da BR-230 com a Avenida Ministro José Américo de Almeida (Beira Rio). Desenvolvido pela Secretaria Municipal de Planejamento (Seplan) com recursos do Município e do Ministério dos Transportes pretende eliminar pontos de congestionamentos em corredores da cidade, como a Pedro II e Epitácio Pessoa. Além disso, vai trazer reflexos positivos no trânsito dos bairros Jardim Luna, Pedro Gondim e Castelo Branco. O resultado será um tráfego de maior fluidez e menos engarrafamentos. A interligação da Beira Rio com a BR-230 vai facilitar o acesso dos usuários provenientes da zona sul, com 27 Os seis principais corredores viários segundo a STTRANS – Superintendência de Transportes de João Pessoa são: Avenida Cruz das Armas, Avenida Epitácio Pessoa, Avenida Pedro II, Avenida 2 de Fevereiro, Avenida José Américo de Almeida e a Avenida Tancredo Neves. 86 destino às praias. Hoje, esse percurso é realizado por vias dos bairros Jardim Luna e Castelo Branco, gerando congestionamentos nessas áreas. O acesso à rodovia BR-230 pela Avenida Beira Rio vai resolver esse problema (Assessoria de Imprensa da Prefeitura/JP, 04/06/2006). Figura 04: Mapa dos principais eixos viários da cidade poli (multi) cêntrica – 2005 Fonte: Prefeitura Municipal de João Pessoa, Secretaria de Planejamento, 2005. Adaptação Alzeni G. da Silva e Arinaldo Inácio das Neves. 87 Outra importante intervenção do poder público local diz respeito às mudanças no Transporte coletivo da capital com a inauguração em abril de 2005 do terminal de integração do Varadouro: com aproximadamente 4,5 mil metros quadrados, composto por três baias, onde o usuário espera o seu ônibus28. A entrada do Terminal, que fica na rua Padre Azevedo, é composta por seis cabines com oito catracas, enquanto que a saída conta quatro catracas. Ao todo, 60 linhas radiais passam pelo local (ver foto 06). Foto 06: Vista parcial do terminal de integração de ônibus urbanos de João Pessoa, em 2006. Fonte: acervo de Aldo Gomes. Entre os anos de 1987 e 2001 as políticas de habitação da Prefeitura Municipal de João Pessoa tiveram seus recursos reduzidos (ver tabela), ao mesmo 28 Dados da PMJP - STTrans, em 2006 a frota de ônibus cadastrada em João Pessoa é de 486 veículos, sendo que 407 estão em operação nas 81 linhas que circulam pelos diversos bairros. Aproximadamente 8 milhões de pessoas utilizam, mensalmente, os transportes coletivos. Diariamente esse número chega a 300 mil. 88 tempo em que a gestão municipal29 era denunciada pela FEURB – PB (Federação dos Movimentos Urbanos na Paraíba) ao Ministério Público Federal em decorrência da violação do Direito à moradia pela PMJP e SETRAPS, através do Programa É Pra Morar. ANO Recursos em (%) 1997 3.57 1998 3.20 1999 1.98 2000 1.66 2001 2.11 2002 1.18 Tabela 01: Recursos aplicados no programa é pra morar da PMJP Fonte: FEURB-PB, 2005. Em 2000, a cidade de João Pessoa era a penúltima capital do Nordeste em déficit30 habitacional segundo a Fundação João Pinheiro, ostentando uma das realidades mais duras com relação às condições de vida da população de baixa renda, especialmente sob o aspecto do acesso à moradia com infra-estrutura e serviços básicos dando origem às denúncias sobre o programa habitacional da prefeitura local e sua validade. Sobre a denúncia de violação do direito à moradia com recursos públicos do programa É Pra Morar pela Prefeitura Municipal de João Pessoa, por exemplo, a Relatoria Nacional contatou a existência de políticas de regularização fundiária no município e a omissão da prefeitura municipal diante da grande demanda de comunidades situadas em áreas urbanas que lutam pela legalidade fundiária e 29 Período representado pelas duas administrações do prefeito Cícero Lucena. Segundo a Fundação João Pinheiro o déficit habitacional de João Pessoa em 2000 era de 104.851 mil domicílios urbanos 30 89 urbanização das áreas ocupadas. Nesse sentido, concluiu a Relatoria (2004, p.35) que “não há esforço para integrar a população de baixa renda à cidade de João Pessoa”. Depois de quatro anos de manobras políticas feitas pelo prefeito como forma de dificultar a apuração das denúncias e da omissão do Ministério Público Estadual, em 05 de março de 2005, o Chefe da Controladoria-Geral da União no Estado da Paraíba concluiu o relatório sobre as ações da Prefeitura Municipal de João Pessoa entre os anos de 1991 e 2001, destacando, entre outras ocorrências, graves irregularidades na aplicação dos recursos públicos federais, ficando assim demonstrado a prática de procedimentos ilegais e irregulares e indícios de recursos públicos da administração municipal. Desde as ultimas décadas do século XX até os dias de hoje, João Pessoa vem apresentando significativo crescimento através da ocupação de certo número de vazios especulativos. Efetuadas de modo legal ou clandestina, de acordo com os interesses dos promotores imobiliários e pelas ações do Estado e das resistências das comunidades de baixa renda. Nesse sentido é exemplar o choque de territorialidade existente entre as comunidades estudadas: São José – Chatuba e o seu entorno, o da centralidade do bairro de Manaíra. 2.2 O Shopping Center Manaíra e a difusão do consumo O litoral norte de João Pessoa, até a primeira metade do século XX era ocupado por pescadores que viviam da pesca artesanal e da agricultura de subsistência e de alguns veranistas que se deslocavam de bondes até a praia para veranear. Com o calçamento da Avenida Epitácio Pessoa e a chegada do ônibus, o 90 distrito de Tambaú31 passou a receber um fluxo ocupação mais intensa de veranistas. A partir da década de 1970, intensifica-se a urbanização de Tambaú, sua ocupação passou a ser definitiva, porém o domínio dos espaços públicos se tornou estratégico, para o Estado e o capital. Na década de 1980, bairros do litoral norte de João Pessoa como Cabo Branco, Tambaú, Manaíra e Bessa passam a ser áreas de concentração de investimentos, públicos e privados, com a implantação de infra-estruturas, serviços e equipamentos comerciais, favorecidos pelos corredores viários, a exemplo das avenidas Epitácio Pessoa (1950), Ruy Carneiro (1950), José Américo de Almeida ou Beira Rio (1970), Argemiro de Figueiredo (1970), Tancredo Neves (1980), Flávio Ribeiro Coutinho ou Retão de Manaíra (1980), quase todos esses eixos ligam-se com a BR-23032. A concentração de investimentos nos bairros da orla marítima de João Pessoa implicou em mudanças no uso e no valor de uso do solo urbano, numa visão lefebvriana ocorreu à vitória do valor de troca sobre o valor de uso: o que antes era espaço de apropriação se transformou em espaço da mercadoria, da valorizaçãoespeculação imobiliária, uma arena da reprodução da mais-valia e dos conflitos sociais. O bairro de Manaíra, por exemplo, 17se destaca por ser um bairro de classe média e um moderno sub-centro comercial varejista composto por um grande número de pequenos estabelecimentos comerciais e de serviços. Entretanto com a implantação de Shoppings Centers e Centros Empresariais, o bairro vem se transformando. Desde as últimas décadas do século XX, o poder público municipal 31 O distrito de Tambaú era formado pelos atuais bairros de Cabo Branco, Manaíra e Tambaú. Dos seis principais corredores de transportes existentes em João Pessoa, apenas a Avenida Beira Rio não possui ligação com a BR-230. Isso faz com que este corredor seja pouco utilizado, considerando a sua capacidade para atender os deslocamentos da população. 32 91 em parceria com a iniciativa privada vem investindo na reestruturação viária do bairro para melhorar a fluidez do dos transportes públicos e, especialmente os privados. A valorização do bairro de Manaíra foi uma decorrência da concentração de equipamentos urbanos, principalmente das atividades terciárias modernas reforçadas pelas vias de circulação o que facilitou a acessibilidade para e no bairro. Inicialmente, tinha uma função residencial que se expandia horizontalmente, entretanto, de forma gradativa foi sendo ocupado pela população de maior poder aquisitivo e atraindo um grande número de empreendimentos comerciais implicando na sua refuncionalização, por que: As atividades do setor terciário da economia têm-se expandido nos principais corredores viários de Manaíra - avenidas João Maurício, Edson Ramalho, Flávio Ribeiro Coutinho e Ruy Carneiro – [grifo nosso] e atendem principalmente uma camada da população elitizada, procedente não só do bairro, mas também de outras áreas da cidade. Também conforme dados do IPTU do município de João pessoa, é o bairro da zona leste (praia) que concentra o maior número de equipamentos comerciais e de prestação de serviços (SANTOS, 2002, p. 100). No aspecto urbanístico, as mudanças no padrão de moradia podiam ser observadas empiricamente desde os anos de 1980 e início de 1990, com o predomínio de construções verticalizadas sendo impressas uma paisagem arquitetônica moderna no bairro, a exemplo dos condomínios residenciais e comerciais (ver foto 07) em forma de enclaves fortificados como anunciados por (CALDEIRA, 2003). 92 Foto 07: Vista parcial do bairro de Manaíra destacando a verticalização Fonte: Paulo Rener, 2006. Para Manaíra e demais bairros urbanos do litoral norte de João Pessoa são forjadas estratégias de valorização que ainda hoje necessitam ser melhor investigada. Trata-se de “leis” criadas pelos poderes hegemônicos – o Estado e os empreendedores imobiliários, representados pelos deputados e vereadores – presentes na Constituição Estadual33 e no Plano Diretor da cidade de João Pessoa34, nas quais, vislumbram-se normas de disciplinamento: uma proposta progressiva de verticalização que fixou a altura máxima das edificações a partir da primeira quadra até 500 metros em direção ao continente. Um outro elemento que destaca o bairro de Manaíra dos outros bairros da cidade é a presença do Shopping Center, um empreendimento que se caracteriza por ser a materialização do vazio existencial da individualidade consumista em uma sociedade capitalista fragmentada. Um exemplo perfeito do ecletismo da sociedade espetacularizada (SANTOS, 1993; LEFEVBRE BAUDRILLARD, 1991). 33 34 Na Constituição Estadual, Artigo 229. No Plano Diretor da cidade de João Pessoa, Artigo 25. 1991; HARVEY 1993; 93 Em 1989 surgiu em João Pessoa o primeiro shopping, o Manaíra Shopping Center, localizado no bairro de Manaíra, na Avenida Flávio Ribeiro Coutinho35 e próximo a BR-230. A Avenida Flavio Ribeiro Coutinho antes da chegada do shopping era uma via de ligação entre os bairros do litoral norte e o centro da cidade. Após a instalação do empreendimento transformou-se numa via de circulação comercial e de serviços. A implantação do Manaíra Shopping Center até hoje é alvo de discussões judiciais pelo fato de ter sido edificado em uma área de restrições ambientais ferindo as normas do Plano Diretor de João Pessoa, pois, mesmo sendo o Manaíra Shopping um empreendimento da iniciativa privada, o empreendedor contou com o apoio do poder público, no sentido de facilitar a burocracia de licenciamento para a edificação do prédio, cujo estacionamento repousa sobre o leito do rio Jaguaribe. Trata-se de uma área de preservação ambiental, em que se infringiram s normas do Plano Diretor Municipal. Tal empreendimento também foi beneficiado com adequação das vias de circulação, com a construção de giradores, com a ampliação dos transportes públicos e com a criação de novas linhas que ligam o referido empreendimento aos bairros periféricos, dentre outros beneficiamentos (SANTOS, 2002, p. 67). Hoje, considera-se o bairro de Manaíra uma centralidade emergente, com um intenso dinamismo pela implantação do primeiro Shopping Center36 do Estado da Paraíba, o Manaíra, comprovadamente uma expressão dessa centralidade, reforçada pela presença dos vetores dessa expansão, os acessos mais rápidos que ora se cruzam, ora se unificam e são constantemente reestruturados para dar maior fluidez a ditadura do consumo. 35 A Avenida Flávio Ribeiro Coutinho também é conhecida popularmente por Retão de Manaíra 94 Segundo Santos (2002, p. 85): Muitos lotes antes desocupados deram lugar a centros comerciais menores, novas linhas de transportes coletivos foram criadas para atender o fluxo de pessoas que passaram a freqüentar o bairro em busca de novidades para o consumo. Isso aumentou nele, o interesse comercial. Nos dias atuais, os corredores de transportes coletivos e particulares [grifo nosso] vão se transformando, aos poucos, em corredores comerciais com o surgimento de muitos empreendimentos. O Shopping Center passou a ser uma importante expressão do processo de reestruturação urbana da não só da cidade de João Pessoa como também da RMJP. Destaca-se como elemento da centralidade do bairro de Manaíra, e vem sendo o responsável pela reestruturação das vias de acesso em seu entorno, interligando-se a toda cidade. É exemplar a modificação patrocinada tanto pelo poder público municipal quanto pela iniciativa privada (capital do dono do shopping) numa parceria público-privado para dar maior fluidez ao consumo, com mudanças do tráfego nas suas imediações (ver foto 08). Os principais vetores da centralidade de Manaíra, as vias de circulação a exemplo das avenidas Flávio Ribeiro Coutinho ou Retão de Manaíra, Edson Ramalho e a BR -230 no trecho próximo ao Shopping Center Manaíra vêm passando nos últimos anos por mudanças. Na Avenida Flávio Ribeiro Coutinho ou Retão de Manaíra, de acordo com o Jornal Correio da Paraíba de 01 de julho de 2006, estão sendo realizadas obras de modificação do transito, com o alargamento de suas pistas e a reurbanização das suas laterais. De acordo com a Superintendência de Transportes e Trânsito (STTrans). As obras de modificação do trânsito da Avenida Flávio Ribeiro Coutinho devem melhorar em, pelo menos, 50% o tráfego no local No trecho entre a faixa de pedestres localizada nas proximidades do Manaíra Shopping e o restaurante 95 Habbibs o Retão passará a ter três faixas, aumentando a capacidade do trânsito em 50%. As mudanças no Retão envolvem, ainda, um projeto de reurbanização na área. Postes com lâmpadas especiais de vapor de sódio de 400 watts, além de calçadas de porcelanato, ciclovias e palmeiras imperiais. É intenção de a Prefeitura construir, também, duas praças com equipamentos de lazer para a população. 96 Foto 08: Obras de reestruturação do Retão de Manaíra, uma parceria entre a Prefeitura Municipal de João Pessoa e o dono do Manaíra Shopping Center Fonte: Jornal da Paraíba, 2006. Outra avenida que merece também atenção é a Edson Ramalho desde os anos de 1990, vem se definindo como Avenida Shopping, atraindo um comércio 97 especializado em artigos de luxo. É uma via de acesso que a cada dia concentra atividades comerciais. De acordo com uma reportagem do Jornal Correio da Paraíba, de 09 de fevereiro de 2003, a instalação de estabelecimentos comerciais valorizou o preço do solo urbano da avenida, fazendo o metro quadrado ficar mais caro. Em apenas cinco anos, o valor do metro quadrado de terreno na Avenida Edson Ramalho, no bairro de Manaíra, valorizou mais de 30%. O dado é do CRECI (Conselho Regional de Corretores de Imóveis). O motivo são as empresas e lojas comerciais que “descobriram” a área e elegeram como nova “avenida shopping” da cidade (ver foto 09). Desde confecções, passando por aluguéis de roupas, imobiliárias, colégios, escolas de idiomas e restaurantes. É possível encontrar na Edson Ramalho lojas cujos produtos sofisticados e caros que atendem a exigências de consumidores de classe média e alta (VASCONCELOS FILHO, 2003). Foto 09: Vista parcial da Av. Edson Ramalho em Manaíra em 2006 Fonte: Aldo Gomes, 2006. 98 A BR-230, inicialmente implantada pelo governo militar na década de 1960 teve o papel de imprimir maior fluidez ao tráfego que vinha se tornando cada vez mais intenso nas ligações com o interior do estado e com as demais capitais da região, além de possibilitar uma alternativa rodoviária ao escoamento de mercadorias do Porto de Cabedelo, que até então se dava apenas pela via ferroviária (LAVIERI e LAVIERI, 1992, p.10). Na mesma lógica, surgem grandes empreendimentos comerciais e de serviços, Hospitais (ver foto 10), hipermercados (ver foto 11), como lojas de conveniências, Concessionárias de automóveis, Faculdades e Corpo de Bombeiro ao longo da de suas marginais. Foto 10: Hospital de Trauma, exemplo de empreendimento localizado na BR-230 Fonte: Paulo Rener, 2006. 99 Foto 11: Carrefour também na BR-230 Fonte: Aldo Gomes, 2006. Hoje no bairro de Manaíra, pode-se afirmar que as avenidas Flávio Ribeiro Coutinho, Senador Rui Carneiro, General Edson Ramalho e a João Maurício (a primeira da orla) e João Câncio, vêm se destacando pela concentração de equipamentos urbanos e pelo grande número de empresas, escritórios, supermercados, bares, restaurantes, shoppings e outras atividades do setor terciário. A partir da leitura que se fez concomitante a investigações de campo do/no bairro de Manaíra por Santos (2002) concluiu-se que, com uma maior valorização do espaço, a tendência é fortalecimento da centralidade do bairro pela atração de atividades terciárias modernas e moradia para uma população de altos extratos de rendimento (SANTOS, 2002, p.117). Todas essas mudanças implicam aumento da segregação espacial e a intensificação da exclusão-inclusão social com visibilidade entre as diferentes formas 100 de fortalecimento dos enclaves. O aumento da segmentação social e da fragmentação espacial passa a ser um novo desafio para as políticas urbanas, tanto do ponto de vista do atendimento pelos serviços públicos (escolas, segurança, transporte coletivo, etc.) como nos discursos sobre as ocupações de áreas protegidas por leis a exemplo das encostas e dos vales de rios urbanos. 2.3 As comunidades São José – Chatuba e o vale do Jaguaribe O rio Jaguaribe nasce no tabuleiro de uma pequena fonte localizada na antiga Granja Sandy, na qual foi construído o conjunto Esplanada, no sul de João Pessoa. O local da sua nascente hoje se encontra aterrada, o rio foi canalizado por cerca de 500 metros até a BR 230, daí ele prossegue no sentido sul-nordeste da cidade. Predominantemente urbano, considerado o mais importante rio da cidade de João Pessoa, o curso do Jaguaribe possui uma extensão de aproximadamente 21 Km, da nascente até a sua antiga desembocadura no oceano Atlântico, entre os bairros do Bessa e Intermares. Na década de 1940, o seu leito foi desviado para dentro do Mandacaru, um afluente do Sanhauá que faz parte do sistema estuarino do Paraíba. Até o inicio da década de 1970, o uso do solo no vale do Jaguaribe era predominantemente rural. Em todo seu percurso se praticava agricultura, de subsistência e comercial, pecuária leiteira, também surgindo no seu baixo curso alguns loteamentos. Entretanto, “a principal atividade era a criação de gado leiteiro, atestado pelo grande número de vacarias existentes e do qual, ainda hoje, restam algumas espalhadas pela área” (MELO, 2001, p. 125). 101 Na década de 1960, com as políticas de habitação e de transportes do governo federal, populações de baixa renda foram empurradas para dentro do seu vale, se apropriando e se territorializando daquele espaço que ainda não tinha importância para o Estado nem para o capital. Nesse sentido, o vale passou a ser um depósito de mão de obra barata, um espaço da informalidade. Hoje a ocupação do vale do Jaguaribe, retrata uma realidade contraditória: vem se realizando de forma desordenada, pela presença-ausência do Estado. Mesmo tendo a ocupação restringida pelas leis 2.101, de 31/12/1975 e, 2.699, de 07/11/1979, pela Constituição Estadual e pelos Planos Diretores da cidade de João Pessoa de 1974 e 1994, com sua inclusão nas Zonas Especiais de Preservação, são visíveis as diferentes formas de apropriação, dominação e usos do solo. A dinâmica de ocupação no vale é considerada desordenada, ilegal e informal, com predomínio de habitações auto-construídas ou favelas. Ao mesmo tempo em que foram construídos conjuntos habitacionais, segundo a lógica do mercado imobiliário e das ações ou ausência do Estado. Pode-se verificar também uma ocupação segundo dois grupos sociais distintos: os proprietários ou empreendedores comerciais e imobiliários e as populações pobres e excluídas (ver foto 12). 102 Foto 12: Formas de ocupações diferentes, segundo os proprietários: a favela São José (em baixo) e o Manaíra Shopping Center (em cima) Fonte: Paulo Rener, 2006. É nesse momento que se tem início o choque de territorialidades: de um lado, a população resistente, chamados de invasores; do outro, os possíveis donos que são também responsáveis por empreendimentos realizados de forma ilegal ou oficiosa, como forma de viabilizar economicamente essas áreas, a exemplo de Shopping Center Manaíra, de grandes Condomínios residenciais, supermercados e postos de gasolina (MELO, 2001, p.26-27). A população pobre que se apropriou do vale foi expulsa de áreas valorizadas à medida que a especulação imobiliária e fundiária se fortalecia. As primeiras favelas que surgiu no vale do Jaguaribe na década de 1970 foram Baleado, no alto curso e São José, no médio curso. Na década de 1980, cresce o número de habitações auto-construídas, destacando-se a favela da Chatuba, em Manaíra. 103 Com a expansão urbana da cidade, trabalhada pelos acessos e estes a ter uma relação direta com o consumo, o vale foi se reorganizando, e também se reestruturando. Às velhas formas do uso do solo no vale são sobrepostas novas lógicas que se cruzam e redefinem seu espaço, intensificando a fragmentação e conseqüente refuncionalização, dando maior visibilidade às novas práticas de segregação sócio-espaciais. O processo de valorização do vale se deu pelos investimentos públicos e privados, selecionando espaços, com novas funções e novas especializações. O que antes era um lugar de depósito, de mão-de-obra, de ocupações irregulares, concentração de favelas, passou a ser objeto de desejo para atender a necessidade da lógica do consumo. O vale passou a ter uma importância para o espaço da cidade, a partir da lógica dos fluxos, com os acessos favorecendo a expansão urbana, associada à lógica da habitação, uma formação social, implicou numa valorização da área, e o vale passou a ser estratégico e ter uma função de circulação no qual o capital passou a disputar o seu território para o consumo. Com o cruzamento das vias de circulação, a exemplo da BR-230 com as avenidas Epitácio Pessoa, Rui Carneiro e Retão de Manaíra sobre o curso médio do vale favoreceu o shopping Center Manaíra. As comunidades São José – Chatuba por se localizar próximo ao shopping e a outros empreendimentos de luxo passou a ser um espaço de valorização e a ter uma importância estratégica para o Estado e outros agentes da classe capitalista, com isso as comunidades passaram a ser alvo de diferentes estratégias de segregação, e a serem consideradas um espaço da ilegalidade. 104 Favelas, shoppings e condomínios. Três exemplos de enclaves fortificados; três entidades aparentemente autônomas que convivem lado a lado. Embora evitem, ou seja, evitados pelo resto da cidade, traduzem a dinâmica cotidiana no espaço urbano contemporâneo de metrópoles como João Pessoa. Dentre essas três formas de ocupação do espaço, os condomínios mantêm uma relação de cumplicidade com o shopping center através da acessibilidade-consumo. Com a favela, essa relação é de exclusão-inclusão pelo uso da mão-de-obra ou choques de territorialidade. Condomínios, shopping e favelas adotam posturas antagônicas com relação à cidade: os dois primeiros se isolam, construindo muros, barreiras eletrificadas e vigiadas, fugindo da violência urbana. As favelas também não perdem em hermetismo para os condomínios e shoppings. Desprezadas ou isoladas, ora pela presença de muros, ora pela falta de acessos, de infra-estrutura, pela ausência do Estado, tornam-se alvos de discursos estigmatizadores como, guetos, submundos do crime e redutos da violência. Evidenciam-se também, características comuns e diferentes entre condomínios e favelas. Ambas são práticas de segregação sócio-espaciais. Porém, o condomínio surge como uma forma urbanística de auto-segregação, ou segregação do tipo voluntária, enquanto as favelas têm sua formação e apropriação repousada na segregação do tipo compulsória, ou seja, aquela que independe da vontade do indivíduo. No novo padrão de segregação sócio-espacial são notórias as proximidades espaciais entre condomínios, shoppings e favelas. Em alguns casos, são favelados os detentores das maiores e melhores áreas para especulação urbana nas cidades. Na zona sul do Rio, a favela da Rocinha se debruça sobre os prédios de São Conrado. Na orla do Recife, a favela Brasília Teimosa é uma restinga próxima à 105 praia da Boa Viagem. Em Belo Horizonte, entre os bairros Sion e Santa Lúcia, um morro com vistas privilegiadas da cidade aglomera a favela do Papagaio. Em João Pessoa, o objeto de nossa pesquisa, as favelas da Chatuba e o bairro São José, que ainda mantém aspectos de favela, se localizam próximo ao mar e ao bairro litorâneo de Manaíra, uma centralidade que se destaca pela presença de condomínios verticalizados e o principal Shopping Center da cidade. CAPÍTULO III AS COMUNIDADES SÃO JOSÉ-CHATUBA, SEGREGAÇÃO E RESISTÊNCIA Neste capítulo se discute as estratégias de segregação impostas pelo poder público municipal combinado com os empreendedores imobiliários e em pelo proprietário do Shopping Center, às comunidades São José – Chatuba localizadas no vale médio do rio Jaguaribe, na cidade de João Pessoa. Destacam-se também as diferentes estratégias de resistências das comunidades como manifestação de descontentamento diante da injustiça social. 3. 1 Estratégias e contradições do Estado em relação às comunidades São José – Chatuba e seu entorno Para analisar as diferentes estratégias e contradições do Estado em relação às comunidades São José – Chatuba e seu entorno, é necessário tecer algumas considerações sobre a definição de comunidade. Em primeiro lugar, considera-se a comunidade e seu cotidiano. Assim como da formação e transformações com base no diferentes usos do solo. Comunidade constitui um grupo social identificável pelo local de moradia comum entre seus membros, por um “sentimento de comunidade”, ou seja, um “entendimento compartilhado por todos os membros. Não um consenso” (BAUMAN, 2003, p. 15). Este “sentimento de comunidade” decorre de uma prática social na qual o relacionamento entre as pessoas tem inicio na convicção de que a proximidade é 107 fundamental para a vida em grupo porque os moradores se corporificam em práticas sociais que privilegiam a interação afetiva. Em outros termos, vigora na no bairro São José e na favela da Chatuba “relações de vizinhança, as conversas nas esquinas, nas portas das casas, a confiança mútua nos transeuntes, como uma comunidade” (SANTOS, 2003, p. 22). Com o avanço dos meios de transportes e comunicação surgiu uma dificuldade de relacionamento entre as pessoas das comunidades e o seu entorno, é quando o equilíbrio entre a comunicação “de dentro” e “de fora”, antes inclinado para o interior, começa a mudar, embaçando a distinção entre “nós” e “eles” (BAUMAN, 2003, p. 18). Dentro desta perspectiva, quando a comunidade passa a ter troca de informações com o mundo exterior, as fronteiras são quebradas e esta passa a ser uma sociedade como a que conhecemos atualmente. No entanto, antigas tradições nem sempre desaparecem com o surgimento de outras, mas elas podem se juntar criando espaços híbridos. Notadamente, não se tem a pretensão de descrever o processo de desagregação ou hibridez das comunidades em estudo como implicação de uma expansão urbana. Nem tampouco a luta pela reconstrução de uma comunidade mítica ideal, mas a identificação, com base no seu cotidiano, das estratégias de resistências pelo direito ao entorno. Percebe-se, também que a escolha por uma definição específica de comunidade não dará conta de abarcar as categorias sociais com interesses heterogêneos que deram origem as duas formas de assentamentos espontâneos, a do São José, no final dos anos de 1960, e a da Chatuba, na década de 1980, as quais se autodenominam comunidades. 108 O entendimento das suas territorialidades passa, necessariamente, pela compreensão de suas histórias e de suas inserções no conjunto da cidade. Nesse sentido, busca-se fazer uma síntese da inserção das comunidades São José – Chatuba na história da cidade de João Pessoa, sobretudo no contexto da ocupação e uso do solo no vale do rio Jaguaribe que teve origem na década de 1970. Com o avanço da urbanização do litoral norte de João Pessoa e da verticalização e maior valorização do bairro de Manaíra na década de 1990, pela a implantação do Manaíra Shopping Center, as comunidades São José – Chatuba passaram a ter uma maior visibilidade no espaço urbano da cidade, assumindo novas funções e novas formas. A área onde estão localizadas as duas comunidades passou a ser mais valorizada em relação às outras áreas do vale e até mesmo, da cidade, implicando em uma refuncionalização pelo avanço do capital imobiliário A proximidade das comunidades São José - Chatuba com o Shopping Center Manaíra, destaca o padrão de segregação sócio-espacial que se sobrepõe no espaço urbano de João Pessoa. As favelas, condomínios residenciais e shopping Centers são exemplos de enclaves fortificados, que coexistem espacialmente no território das cidades contemporâneas fragmentadas. Neste caso temos exemplos de espaços de consumo (o Shopping Center), de precariedade (as favelas) e de espaços vigiados (os condomínios residenciais) que se caracterizam pelos movimentos de proximidade-separação espacial e exclusão-inclusão social. Até o final da década de 1960, no litoral norte da cidade de João Pessoa, a ocupação era caracterizada pelo predomínio de habitações pobres e de veraneio. Com a expansão urbana e a implantação de uma infra-estrutura, os bairros da orla marítima passaram a ser ocupados pelas classes média e alta e, como conseqüência, tem-se uma valorização-especulação fundiária e imobiliária. Muitas 109 famílias pobres que habitavam estes bairros, advindas do campo de outros municípios do Estado, foram novamente forçadas a migrar para as áreas menos valorizadas da cidade, dentre elas o vale do rio Jaguaribe. Os bairros litorâneos, de maior renda, foram se especializando e mantendo o “conservadorismo no processo da modernização”, acentuando-se o enobrecimento destes bairros de classe de população com renda alta implicando no processo de expansão da população mais pobre em núcleos de habitações autoconstruídas na periferia da cidade, em áreas de risco e áreas de preservação, tais como, encostas, vales, aterro de mangues (MADRUGA, 1992). No ano de 1968 ocorreu a primeira forma de apropriação do médio vale por famílias oriundas dos bairros que ficam no seu entorno a exemplo de Manaíra e Tambaú, expulsas das antigas vilas de pescadores ou de residências humildes. Na sua maioria, sobreviviam de atividades de subsistência como pesca, agricultura e criação de animais em pequenos lotes que logo “foram engolidos pela urbanização e transferidos para as margens do rio Jaguaribe” (MADRUGA, 1992, p.70). A origem de uma das primeiras favelas37 no vale, a Beira-Rio, foi condicionada pela proximidade do mercado de trabalho, já que os bairros de Manaíra, Tambaú e o conjunto João Agripino vislumbravam oportunidades de empregos de baixa qualificação. Outro fator de destaque foi “a passagem da rede elétrica de alta tensão, que implicou no desmatamento de parte da vegetação favorecendo o acesso à parte do terreno para as construções dos primeiros casebres” (LIMA, 2004, p.108). 37 As duas primeiras favelas que surgiram no vale do Jaguaribe foram: Baleado, no alto curso e BeiraRio, atual bairro de São José, no curso médio do vale (MELO, 2001, p.125). 110 Segundo dados oficiais38, entre os anos de 1968 e 1971, um total de apenas 24 famílias se apropriou da localidade. Esse número aumentou para 216 famílias entre os anos de 1972 e 1975. Esta intensificação no processo de ocupação deve-se tanto a grande disponibilidade de terreno, antes ocupados por poucas famílias, o que possibilitou uma localização esparsa da casas e a possibilidade de uma ampla escolha do local de moradia. Como pela possibilidade de práticas rurais e pela atração que o ambiente fluvial lhes propiciavam, porque: Aliás, o rio Jaguaribe foi outro condicionante natural que atraiu os moradores, ocasionado tanto pela facilidade da terra fértil para plantação das culturas e da pesca, quanto pela água cristalina e pura do rio que brindavam os moradores em banhos matinais e brincadeiras das crianças às suas margens (LIMA, 2004, p.108). No final da década de 1970 a favela Beira-Rio já contava com 605 famílias instaladas na localidade. Tal fato resultou no primeiro conflito pela posse das terras entre a comunidade e os proprietários lindeiros. Estes tentam a desapropriação através da derrubada de algumas casas originando a primeira manifestação de resistência da comunidade ao induzir um sentimento de luta solidária entre os moradores (LIMA, 2004 p. 108). O poder público municipal, até então ausente, resolve agir sob a égide do aparelho repressor da época militar, em defesa da lei e da ordem, fazer valer o direito à propriedade privada. Nesse sentido, o prefeito Hermano Almeida determinou mediante de ações violentas e repressivas, a derrubada de algumas casas com máquinas e apoio dos agentes de segurança. 38 Segundo dados formulados pela Companhia Estadual de Habitação Popular (CEHAP) e pela Secretaria de Planejamento do Estado da Paraíba (SEPLAN). 111 O conflito entre a comunidade Beira-Rio e os proprietários aliados com o Estado deram origem ao movimento de luta pelo direito a moradia e ao entorno. A estratégia de resistência faz-se através da união e da conscientização de toda a comunidade. Fato ocorrido quando: Os moradores organizam um movimento coletivo e estando acuados diante da situação, leva o fato à imprensa, o que causa grande repercussão na cidade como um todo. Jornais, Rádios, Noticiários locais, divulgavam o sofrimento dos moradores, revelando a angústia das famílias que viam suas casas derrubadas e os poucos objetos que tinham sendo jogados no rio. Foi a partir daí, que as famílias residentes no local não são expulsas (LIMA, 2004, p. 109). Com a ausência-presença do Estado surge um outro problema no processo de apropriação da favela Beira-Rio, a mercantilização ilegal dos lotes nas áreas não adensáveis ou espaços vazios que ainda existiam. Os terrenos foram cercados e limpados por antigos moradores e vendidos a famílias que buscavam apropriar-se do local, constituindo-se numa prática especulativa de acesso ao solo. Mesmo assim, o número de ocupações se intensifica e a média por ano também aumenta. Em 1983 a população residente na área era de 6000 habitantes, confirmando-se uma elevada densidade demográfica na favela. Diante da problemática crescente, como aumento das densidades, da precariedade dos equipamentos e da ausência e má fé do Estado39 os moradores decidiram formalizar suas resistências criando em 15 de novembro de 1980 a Associação dos Moradores União Beira-Rio. Esta tinha a finalidade de adquirir e lutar por melhorias dos equipamentos necessários e outras carências das comunidades, quando: 39 Depois da falsa promessa do poder público em construir um conjunto habitacional através do Projeto CURA (1978) os moradores da favela Beira-Rio (1978 – 1983) decidiram se organizar, criando a Associação dos Moradores da União Beira-Rio (FERNANDES, 2004). 112 As primeiras mobilizações tinham como interesse principal solucionar os problemas relacionados com a infra-estrutura básica, como água e energia elétrica. Depois de várias reuniões entre moradores e representantes das concessionárias da CAGEPA e da SAELPA, a Comunidade é contemplada com estes serviços básicos. Estava traçado o papel da Associação: o de representar legitimamente os interesses coletivos da Comunidade, levando as suas reivindicações aos órgãos Municipais e Estatais (LIMA, 2004 p. 110). A ocupação do vale médio do rio Jaguaribe pelas comunidades São José – Chatuba se deu de forma gradativa e desordenada. A primeira a se apropriar no vale foi à favela São José, em 1968. A partir de década de 1980 surgiu a favela da Chatuba no bairro de Manaíra, na margem direita do Jaguaribe, fragmentada em Chatuba I, II e III, verifica-se também, nesse período, um aumento vertiginoso de ocupações no bairro São José, transformando-o na comunidade mais populosa de João Pessoa segundo dados do IBGE (2000), com cerca de 7.923 habitantes, porém contestada pela Associação dos Moradores ao afirmar que são 13 mil habitantes residindo nas moradias auto-construídas. O uso do solo nas duas comunidades é predominantemente residencial. Entretanto as casas que se localizam na principal da comunidade São José e da Chatuba, vem dividindo espaços com pequenos comércios e serviços. Outros usos complementam o padrão de ocupação do bairro São José segundo Lima (2004). São as igrejas católica e evangélica, o posto médico, a creche, a escola BETEL, o cartório e o desativado posto policial. No início dos anos 80 foi construída uma lavanderia pública no mesmo terreno onde se encontrava o posto policial, mas esta sequer foi inaugurada e logo após, foi demolida. Na comunidade da Chatuba, tem a Associação de Moradores, uma creche desativada e um centro social. Os padrões construtivos das casas bem como o tamanho dos lotes podem ser definidos em períodos distintos. Na década de 1970 a comunidade São José ocupou 113 a parte norte e sul do curso médio do rio mantendo certa distância do seu leito por meio de lotes considerados grandes para o tipo de assentamento precário. Entre os dois extremos ocupados se praticava atividades rurais de subsistência que logo mais tarde foi ocupada por residências onde as casas eram na sua maioria de taipa-depilão, com algumas exceções, onde as casas eram em alvenaria sem reboco (LIMA, 2004). Em seguida, surgem as ocupações margeando o leito do rio, uma na parte norte, próximo da BR-230, e a outra, na parte sul, próximo da Avenida Rui Carneiro. Os poucos espaços livres, notadamente na beira do rio Jaguaribe, foram ocupados no período entre 1980 e 2005 (ver figura 05). Nesta fase, intensificam-se as ocupações ribeirinhas e as poucas áreas "disponíveis" são preenchidas. Os barracos às margens do rio são de materiais alternativos precários como madeiras, telhas de fibro-cimento, chapas de aço colhidas em ferro velho, etc. As demais residências são em alvenaria, e já se verifica a presença de algumas casas rebocadas (LIMA, 2004 p. 110). 114 Figura 05: Mapa de ocupação das comunidades São José – Chatuba Fonte: LIMA, Marco Antonio Suassuna. Morfologia Urbana, qualidade de vida e ambiental em assentamentos espontâneos: o caso do bairro São José, João Pessoa – PB. PRODEMA-UFPB, 2004. Adaptação: Arinaldo Inácio das Neves. 115 O Governo do Estado da Paraíba, através da FUNSAT (Fundação Social do Trabalho), utilizando-se do discurso de área de risco, criou o Projeto João de Barro, destinando recursos para recuperação das áreas afetadas pelos acidentes. Essa política de recuperação serviu para reurbanizar a favela e transformá-la em bairro. Entretanto, o fator mais importante para as essas transformações foram os atos públicos em prol da melhoria das condições de vida e de permanência das comunidades no local por elas apropriado, culminando com o poder público, através da FUNSAT, dar início ao projeto de urbanização da favela. “A escritura entra em vigor, legalizando juridicamente os lotes adquiridos pela comunidade em janeiro de 1983” (FERNANDES, 2004, p. 66). Com a extinção da favela Beira-Rio e a oficialização do bairro São José muitas famílias foram residir no Conjunto Renascer, em Cabedelo, resultado de Programas financiados pelo Governo do Estado/BNH/BNDES e FINSOCIAL. Outras se agregaram aos moradores de outras localidades da cidade e do interior, ocupando a margem direita do rio e dando origem a favela da Chatuba, no bairro de Manaíra, às margens direita do Jaguaribe, também condicionadas pelo fator proximidade do trabalho. Atualmente a favela está dividida em três partes. As três comunidades possuem, respectivamente, populações de 700, 250 e 600 habitantes. Chatuba I possui cerca de 140 domicílios; Chatuba II, 150 residências e Chatuba III, cerca de 120 habitações. 116 Foto 13: Vista aérea das comunidades São José – Chatuba e do bairro de Manaíra em 2004 Fonte: Eduardo Viana. As comunidades em estudo apresentam as seguintes características sócioeconômicas: Quadro 01: Comunidades São José e Chatuba: infra-estrutura urbana e formas de ocupação Comunidades São José Chatuba Pop. 7. 923 1.465 Fonte: IBGE/FAC, 2000. Área (ha) 20 1.2 Hab/ha 419 1.221 Infra-estrutura Abastecimento d’água parcial, energia elétrica total, rede de esgotos parcial e pavimentação inexistente Abastecimento d’água parcial, energia elétrica parcial, rede de esgotos inexistente e pavimentação inexistente Formas de ocupação e localização Área: uma parte cedida e outra invadida/ encosta e área inundável Área: invadida, propriedade da marinha, área inundável 117 Os dados populacionais oficiais fornecidos pela FAC (2002) e pelo IBGE (2000) divergem e são questionados pelos moradores, pela associação e pelo PSF local. Para a FAC, o total de domicílios no bairro de São José é de 1.545 unidades. Considerando-se uma média de cinco moradores por domicílio, a população seria de 7.725 habitantes. “A pesquisa realizada por Cortez (1999) afirma que a população da área em estudo é de 1.900 famílias residentes, o que resulta em 9500 pessoas. Os dados do IBGE acenam para um total de 7.923 habitantes” (LIMA, 2004, p.116). Os dados obtidos40 pelas amostras aplicadas em 251 domicílios nas comunidades São José – Chatuba, em 1999, confirmado nesta pesquisa em 2005 e com o relatório da FAC (2002): Ø A composição da renda familiar concentra-se no chefe de família e os proventos destes na sua maioria situam-se entre ½ e 2 salários mínimos. Ø Quanto a procedência do chefe de família, é predominantemente urbana, ou seja, dos 116 chefes de família , 81 são oriundos da capital. Ø Quanto ao tempo de moradia, os moradores entrevistados residem ha mais de cinco anos nas respectivas comunidades. Ø O número de pessoas sem instrução nas duas comunidades se aproxima de 30% segundo relatório da FAC (2002). É grande o número de pessoas que não consegue terminar o ensino fundamental. 40 Os dados obtidos foi uma realização do Projeto de Pesquisa – Vale do Jaguaribe realizado pela equipe de pesquisadores do UNIPÊ, nas comunidades São José – Chatuba para obter uma caracterização sócia econômica, em 1999. 118 Com base nas características sócio-econômicas das comunidades São José – Chatuba e sua relação com o entorno mais valorizado, representado pelo bairro de Manaíra41, desvenda-se a máscara do poder público municipal e o seu novo papel, uma vez que se configura um quadro de exclusão ou inclusão/inclusão das comunidades e o distanciamento do perfil do consumidor inserido no contexto da sociedade de consumo. Não é propósito de esta pesquisa discutir a questão habitacional da área em estudo. Entretanto é preciso destacar as diferenças do habitar entre as comunidades São José – Chatuba. São comunidades em áreas opacas coexistindo conflituosamente com as áreas luminosas, espaços da racionalidade com vias de trânsito rápido, os edifícios, os condomínios, os shoppings, os hipermercados, vários tipos de serviços e comércios, evidenciando o contraste que é imanente às cidades brasileiras de grande e médio porte, como João Pessoa. A crise fiscal do Estado brasileiro nos anos de 1980 agravou as desigualdades sociais e aprofundou a pobreza nas cidades. É com base nessa problemática urbana que se discute o paradigma da reestruturação contemporânea: no processo de mudanças do papel do Estado, progressivamente, conferem-se novos usos políticos ao território, o qual vai adquirindo, parcial e progressivamente, novas formas e sentidos. Com relação aos equipamentos comunitários e serviços de infra-estrutura vale destacar que, mesmo precários, resultou da ação solidária dos próprios moradores do bairro que além de construírem suas próprias casas também foram 41 Segundo o Censo Demográfico de 2000, o bairro de Manaíra tem a terceira maior renda média do chefe da família com renda de 2.770,02, perdendo apenas para os respectivos bairros de Cabo Branco, com 3.127,27 e Tambaú com 2.961,43. No outro extremo está o bairro São José com a menor renda IBGE (2000). 119 responsáveis pela implantação dos primeiros equipamentos comunitários na favela porque: Nesta mesma maneira solidária de produção autoconstruídas e de mutirão é que serão também construídos os primeiros equipamentos comunitários do bairro, como o Posto médico, A Associação dos Moradores, Igreja Católica e uma Creche. Entretanto, à medida que a população do bairro foi crescendo e as necessidades e demandas sócio-espaciais se tornando cada vez maiores, os poucos serviços, equipamentos e a própria infra-estrutura, se tornaram ineficientes e precárias (LIMA, 2004 p.112). Durante as décadas de 1980 e 1990 as associações42 se fortalecem pela sua importância em prol das lutas pela melhoria de infra-estruturas básica e pelas reações às tentativas de remoção feitas pelo governo municipal que se omite em relação às políticas públicas. “O fato é que o bairro cristaliza-se, incluindo uma linha de ônibus “ (FERNANDES, 2004. p.66) Para permitir a reprodução da lógica do consumo, o poder público local e a iniciativa privada vêm adotando diferentes estratégias de segregação, ora limitando o acesso das comunidades São José Chatuba ao entorno mais valorizado, pela negligência à acessibilidade destas pelas pontes e escadarias, ora dificultando a visibilidade das habitações autoconstruídas, pela edificação de muros, empreendimentos, entre outras, ora através dos discursos do Estado, guetificandoas, estigmatizando-as, portanto nos planos da materialidade e das representações. O discurso do Estado presente na legislação e no Plano Diretor é contraditório porque utiliza estratégias pautadas no nexo assesibilidade-consumo-segregação, 42 Segundo Lima (2004) Logo após a criação da AMUBR surge uma outra associação, denominada Associação Comunitária do Bairro São José, pois a favela recebe oficialmente o nome de Bairro São José. No início do ano de 2000, as duas associações se unificam formando a Associação Unificada dos Moradores do Bairro São José. 120 favorecendo a lógica do consumo em detrimento das comunidades São José – Chatuba que tentam sobreviver no médio vale do rio Jaguaribe na cidade de João Pessoa, Paraíba. Ao investigar as políticas de habitação e transportes, no período entre 1990 e 2004, a influência da acessibilidade no processo de valorização do vale para o consumo, como a implantação de vias de trânsito rápido, a exemplo da BR-230 e outras vias que cortam ou margeiam o vale, verificou-se uma concentração de investimentos privados, comerciais e de serviços, o buscou-se identificar a relação da política de transportes com as estratégias de segregação impostas ás comunidades em estudo pelo poder público. No Plano Diretor, o Capítulo V refere-se à Circulação e Transportes na cidade de João Pessoa. O artigo 41 fala da Política Municipal de transportes com destaque para as seguintes diretrizes: I. O ajuste da oferta e demanda de transporte, de forma a utilizar seus efeitos indutores e a compatibilizar a acessibilidade local as propostas de parcelamento, uso e ocupação do solo; II. A adequação da rede viária principal a melhoria do desempenho da rede de transporte coletivo, em termos de rapidez, conforto, segurança e custos operacionais; III. O Art. 42. Diz que o sistema de circulação e transporte do Município de João Pessoa compreende o transporte publico e a rede viária principal constante do mapa no anexo. Entende-se que o Art. 41, nas suas diretrizes I e V, revela-se contraditório e segregacionista à medida que se propõe compatibilizar a acessibilidade ao 121 parcelamento, uso e ocupação do solo. Nas comunidades São José – Chatuba o uso do solo é predominantemente residencial com elevadas densidades, entretanto até os hoje não houve nenhum ajuste da oferta e demanda de transporte coletivo. Quanto ao desempenho destes em termos de rapidez, conforto, segurança e custos operacionais, para um olhar mais atento, observam-se uma prioridade muito mais direcionada para se ter acesso ao Shopping Center em detrimento das comunidades que dispõem apenas de pontes e escadarias. No Plano Diretor estão incluídas propostas de novas vias de circulação para o bairro de Manaíra com o objetivo de dar maior fluidez e melhorar a qualidade de vida tanto ao trabalhador que se locomove de ônibus como aos motoristas particulares (Ver mapa em anexo). O Art. 42. Destaca o mapa de transportes público e da rede viária do Município de João Pessoa. No mapa (em anexo) nota-se a falta de uma política de transportes coletivos e de abertura de novas vias de circulação nas comunidades estudadas. Portanto, demonstram-se possibilidades muito mais evidentes de manter essas duas comunidades impedidas do direito de ir e vir. Quanto ao zoneamento da cidade, definido no Plano Diretor de João Pessoa, a área em estudo corresponde a Zona Especial de Interesse Social (ZEIS). No Art. 33, seção II do referido plano, as ZEIS “São aquelas destinadas primordialmente à produção, manutenção e à recuperação de habitações de interesse social e compreendem”: I - terrenos públicos ou particulares ocupados por favelas ou por assentamentos assemelhados, em relação aos quais haja interesse público em se promover a urbanização ou a regularização jurídica da posse da terra (...) (PLANO DIRETOR DE JOÃO PESSOA, 1994). 122 As comunidades São José – Chatuba inseridas no Plano Diretor como ZEIS (ver mapa em anexo), é passível de intervenções, tanto urbanísticas quanto de regularização fundiária, pelo poder público municipal. Entretanto, mesmo se tratando de uma área ocupada por habitações autoconstruídas com precariedades de infraestruturas básicas não se verificou nas últimas décadas nenhuma política urbana que tenha contemplado as duas áreas de estudo. Entre os anos de 1990 e 2004, predominou o modelo de planejamento inserido no projeto neoliberal, a do planejamento estratégico que considera a cidade como um organismo independente das relações sociais, deixando de fora as populações de baixa renda e maquiando a forma da cidade para ser vendida aos pedaços. Aos poucos o rio Jaguaribe, inserido no tecido urbano de João Pessoa foi desaparecendo do cotidiano da população. A expansão urbana desordenada se deu pela ocupação de favelas, conjuntos habitacionais, condomínios fechados, empreendimentos comerciais, empresariais e de serviços, ou para dar lugar e sentido a outro tipo de transporte, o rodoviário, com a construção de vias de acessos nas suas margens ou no seu leito soterrado. Foi assim nas grandes cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, e tantas outras que se expandiram tendo um rio, ora como obstáculo, ora como meio de ocupação. O olhar distante, indiferente sobre o rio urbano muda quando este transborda pelas suas margens invadidas pelas avenidas, marginais e edificações possibilitando uma releitura através do contraditório discurso de revitalização ou reurbanização. A paisagem natural do rio Jaguaribe no seu médio curso foi atingida de maneira mais sistemática a partir dos anos de 1980 até os dias atuais. Inicialmente, 123 com o assentamento mal planejado de populações de baixa renda a exemplo da antiga favela Beira-Rio quando ações da FUNSAT - Fundação Social de Apoio ao Trabalho – criaram conjuntos – considerados urbanizados – transformando a favela em bairro, porém com um grau mínimo de infra-estrutura confirmando o estigma de morar em favelas como um peso até hoje. Várias são as legislações que tratam da preservação das áreas que margeiam os rios denominadas de APP - Áreas de Preservação Permanente. A Lei Federal 4.771/65, chamada de Código Florestal, alterada pela Lei nº. 7.803/89. Esta lei define em seu art. 2º que as faixas ribeirinhas devem ter no mínimo 30 metros de largura quando a largura do rio não ultrapassar 10 metros, aumentando conforme a largura do corpo d’água. O papel contraditório do Estado também se faz a partir do discurso de preservação e consumo. Preservar a Mata sem preservar o vale! Nesse sentido, o Estado de coerção: da segregação ilegal e da preservação legal é o mesmo que culpa a comunidade pela poluição, propondo projetos como URBVALE43, quando segrega e nega as políticas sociais e ambientais para as comunidades. Portanto a lógica do Estado é a da preservação e consumo. Associada ao discurso da reurbanização ou preservação está o de área de risco que estrategicamente indica a remoção. Foi assim que ocorreu na antiga favela do Pasmado, em Botafogo, no Rio de Janeiro, quando removeram aquela comunidade, o governo dizia que era área de risco, mas em seguida a classe média foi mora lá. Então, porque a classe média pode e a favela não pode? O que motiva o poder público recomendar a remoção é primordialmente a especulação imobiliária quando existe valorização da área. 43 O Projeto URBVALE de reurbanização do vale do rio Jaguaribe em João Pessoa - PB teve início no final dos anos de 1990. 124 Em João Pessoa todos os anos a Defesa Civil do Município visita as áreas de risco, supostamente ocupadas só por nas favelas. Um exemplo é a das comunidades São José – Chatuba que são ameaçados pela remoção em períodos de cheias e deslizamentos. Entretanto em cima da falésia do Jardim Luna foram construídos alguns condomínios de luxo numa área de terrenos sedimentares e fragilizados, só que para os moradores de condomínios de luxo não existe risco físico-ambiental, e sim risco de morte pela presença das favelas ao lado (ver foto 14). Foto 14: Um discurso contraditório de área de risco: para o pobre, área de risco, para o capital a área é de rico, é o que mostra a foto desta realidade presente na falésia que fica no bairro Jardim Luna Fonte: Paulo Rener, 2005. Como justificativa de melhorar a qualidade de vida nas comunidades o Estado constrói discursos forjando forjados conceitos como os de: área de risco, moradias subnormais, no plano da materialidade. Já no plano das representações, o Estado 125 estigmatiza as comunidades rotulando-as de guetos, pela violência (ver foto 15), trafico de drogas, furtos, assaltos, entre outras. Foto 15: Momento de rotina na comunidade São José quando policiais abordam diariamente os moradores nas entradas das pontes que dão acesso ao bairro para dar satisfação à sociedade contra a violência Fonte: Paulo Rener, 2006. Com a ausência do Estado como gestor de políticas públicas, outro problema que se observa na área em estudo e entorno é uma diminuição de seus espaços públicos e ampliação daqueles privados, o que torna mais intensos os processos de fragmentação espacial, hierarquização e segmentação social tornando a comunidade um espaço cada vez mais limitado e vigiado e estigmatizado em relação ao entorno, ensejando uma sociabilidade hostil que serve de pretexto para a elaboração dos discursos oficiais sobre a violência. 126 3.2 Mudanças nas relações cotidianas das comunidades com o entorno: o choque de territorialidade O cotidiano é uma dimensão do espaço compartilhada por instituições e firmas e por uma diversidade de pessoas. É o local do conflito e da cooperação, onde a vida social é individualizada, mas, onde a contigüidade cria a comunhão (SANTOS, 2003). Nesse sentido, é onde repetições e rupturas interagem; é o momento presente da constante mutação do espaço. A maneira como o meio-técnico-científico-informacional se impõe no espaço hoje faz crer que há um só futuro possível. Porém, a categoria de território usado – que confronta, dialeticamente, os espaços luminosos e espaços opacos, destrói o pensamento único e afirma a existência de projetos diferenciados em curso. Há uma forte resistência acontecendo por parte dos pobres no cotidiano que geralmente são deixadas de lado e que pode significar o começo da negação da realidade como está sendo conduzida. Portanto, o cotidiano é revelador da dialeticidade do território. Nas duas comunidades estudadas o cotidiano das pessoas é concebido como a dimensão constituída e instituída pelo “vivido”. A vida cotidiana não acontece sem o “uso” que se faz do espaço e do corpo, mas também da “repetição” dos afazeres, do mesmismo de todos os dias Lefébvre (1991), Seabra (2004) e Santos (1996). O modo de vida remete à proximidade de uma situação de vizinhança e qualifica uma comunidade. Para Santos (1996, p. 255), a proximidade cumpre um papel fundamental como base da “sociabilidade”, geradora da solidariedade e da identidade. Nessa perspectiva, lançar um olhar ao cotidiano é entender os modos de vida, a 127 proximidade e a resistência. É por meio do cotidiano vivido que os sujeitos excluídos têm a oportunidade “de fazer História” segundo Martins (1992, p.19). Nesse sentido identificam-se os modos de vida das comunidades São José – Chatuba através das suas relações de vizinhança e com o entorno. Entre vizinhos é comum as conversas nas portas das casas, nas calçadas (quando existe), nas vielas e becos, na divisão do pó de café ou da xícara de açúcar, no pedido por empréstimo (mesmo que não possa pagar) de alguns reais para comprar pão ou peças de roupas para ir a danceteria, calçados, nos jogos de sinuca nos botecos e bares, dominó, no futebol praticado no campo do bairro de João Agripino ou na praia de Manaíra aos domingos e feriados ou quando a maré está baixa. Visualiza-se também uma relação de vizinhança nas comunidades em estudo através das festas. As mais destacadas são o carnaval, São João, Natal e o Reveillon. Para os jovens têm-se os campeonatos de futebol, corrida de rua, grupo de capoeira e outras atividades praticadas em projetos com “Sou do Bairro”, na Rádio Comunitária, em lançamentos de DJ’s e festas na Associação de Moradores do bairro São José. Algumas em conjunto com a Prefeitura Municipal de João Pessoa e outras sob a coordenação de ONG’s. Entretanto ainda existe uma carência de espaços livres e de lazer para as comunidades porque, “pela forma desordenada de ocupação do solo e pela considerável população do bairro, a área em análise não dispõe de um espaço qualificado onde possa ser desenvolvida atividade de sociabilidade, lazer e demais manifestações sócio-culturais” (LIMA, 2004. p.113). Vive-se a época em que o movimento do cotidiano da população passou a ser imposto pela ditadura do movimento. Esse movimento constante expresso pela ordem para a reprodução do capital auxiliado pelas inovações tecnológicas destacase pela contraposição entre os tempos do cotidiano, lentos e rápidos, caracterizando 128 uma prática social, tornando-o monótono e impregnado de sinais e portas estabelecidas pela sociedade de consumo. Nesse contexto, percebe-se uma relação contraditória entre as comunidades São José – Chatuba e o bairro de Manaíra pelos ritmos: as comunidades com seus tempos lentos andam de bicicleta, de carroça, a pé. Aos moradores de Manaíra se deslocam de carros, motos e ônibus. Na relação com o bairro de Manaíra, visualiza-se um choque de territorialidades, (ver foto) como resultado dos discursos de estigmatização, da violência, ou seja, de contradições não resolvidas que foram sendo acumuladas, impondo no campo do vivido hoje, estratégias e lutas pela sobrevivência no espaço apropriado, “porque para permanecer habitante há que ser morador, há que ser aquele que usa, que delimita território do uso” (SEABRA, 2004. p. 183). Para ser aceito pela população que mora no bairro de Manaíra, o jovem da comunidade São José, perguntado onde mora costuma dizer: “moro no bairro” e o da favela Chatuba diz: “moro no final do bairro de Manaíra”. Nessa mesma busca pela aceitação, é comum se ver jovens das duas comunidades vestindo roupas e acessórios do shopping center Manaíra ou copiando os modelos similares adquiridos em shoppings populares. A pouca aceitação e maior tolerância por parte dos moradores do bairro de Manaíra com relação às comunidades aparentemente excluídas44 observam-se pelo trabalho informal. Muitas pessoas das comunidades convivem quase diariamente com as do bairro de Manaíra através da prestação de serviços como diaristas, porteiros e zeladores de edifícios, seguranças, entregadores, pintores, pedreiros, encanadores, concertos de bicicletas. E de atividades comerciais como vendedores 44 Essa aparente exclusão é para SEABRA (2004) uma exclusão perversa e, para MARTINS (1997), uma exclusão marginal ou exclusão-inclusão. 129 ambulantes, balconistas e ajudantes nas pequenas lojas comerciais existentes no bairro. Dentre os fatores que anunciam os condomínios fechados, o Shopping Center, os grandes, médios e pequenos empreendimentos comerciais, consumidos pela sociedade do bairro de Manaíra, estão as favelas, apropriadas pelas comunidades pobres denominadas São José – Chatuba (ver foto 16). São comunidades excluídas-incluídas pela relação de trabalho, especialmente com o bairro de Manaíra. Foto 16: A favelas da Chatuba (à esquerda) e o bairro São José (à direita) visualizando-se as condições precárias de habitabilidade das duas comunidades Fonte: Paulo Rener, 2004. 3.3 Organização das comunidades e as estratégias de resistência A acessibilidade é uma noção relativa e contextual, um termo banal, freqüente até o momento de defini-lo, mensurá-lo. Entende-se por acessibilidade como sendo 130 a possibilidade de superar a resistência da separação entre lugares diferentes. Depende, da distribuição espacial de oportunidades urbanas, da disponibilidade dos meios de transporte e da mobilidade. Com relação às oportunidades urbanas, verifica-se que as comunidades São José – chatuba além da precariedade em infra-estrutura básica como água encanada, rede de esgotos, eletricidade, telefonia, coleta de lixo, que em nada contribuem para melhorar as condições de vida das comunidades, reafirma-se a ausência pelo poder público local, através da negação de uma política pública de transportes que as permitam ter acesso ao entorno (ver figura 06). Para garantir a reprodução da lógica do consumo, o poder público local associado com a iniciativa privada vem adotando diferentes estratégias de segregação. Ao mesmo tempo em que limita o acesso das comunidades São José – Chatuba através da implantação de pontes e escadarias, reestruturar as avenidas que passam pelo shopping numa parceria público-privado, sob o discurso de maior fluidez e comodidade. 131 Figura 06: Mapa de estratégias de segregação e de resistências Fonte: SEPLAN, Prefeitura Municipal de João Pessoa, 1998; pesquisa de campo; Adaptação: Paulo Rener e Arinaldo Inácio das Neves. 132 Existe uma preocupação especial do proprietário do shopping Center Manaíra em dificultar a visibilidade das habitações autoconstruídas, com a expansão do estacionamento do shopping e pela edificação de muros com uma ação duplamente arbitrária: o Manaíra Shopping Center foi construído sobre uma área de mangue, portanto, de preservação ambiental. Na expansão do estacionamento ocorreu uma invasão de área considerada ZEIS – Zona Especial de Interesse Social segundo o Plano Diretor de João Pessoa (1993), onde se localizam partes das comunidades São José – Chatuba (ver foto 17 e 18). Foto 17: O muro do shopping impedindo a visibilidade e o acesso das comunidades. Fonte: Paulo Rener, 2006. 133 Foto 18: A expansão do estacionamento e o muro que foi erguido para impedir o acesso das comunidades Fonte: Paulo Rener, 2006. A dimensão do vivido tem importância fundamental para compreensão das diferentes estratégias de segregação impostas pelo poder público local e o capital. Daí destacam-se as entrevistas realizadas com moradores das duas comunidades. Aliás, foram os relatos de alguns moradores que ajudaram a compreender as estratégias de segregação impostas e as estratégias de resistências das comunidades. As palavras da Sra. Rosali, de 28 anos, que trabalha como diarista em residências do bairro de Manaíra, moradora de um casebre da Chatuba I localizado na margem do rio e de frente ao muro construído pelo proprietário do shopping, ao referir-se àquela intervenção desabafa: Ele (o dono de empreendimento) construiu isso aí dizendo que era pra a água das cheias não invadir os carros do estacionamento. Só que agente sabe que, até pode ser, mais também é pros povo que vem comprar aí não se misturar com nós. E o medo dos assaltos tava expulsando o pessoal que vinha pro shopping. Esse muro ficou 134 horrível porque a gente agora tem que arrudiar lá pra rua da frente, andar um bocado pra chega na principal (Retão de Manaíra). Eu que trabalho todo dia é horrível. Mais ele (o dono do empreendimento) tem dinheiro faz o que quer agente fica prejudicado tendo que sair de casa mais cedo pra dar conta do trabalho (Em 12/ 05/ 2005). Parte-se da problemática interna com respeito à mobilidade dentro das duas comunidades. O que se verifica, tanto no bairro São José como na favela da Chatuba é um sistema viário praticamente inexistente. Na comunidade São José, por exemplo, a única rua asfaltada é a principal, a Rua Edmundo Filho. Poucas são calçadas com paralelepípedo, à maioria é de areia e esburacada. Predomina as vielas com esgotos a céu aberto e sem nenhuma pavimentação. Uma outra característica que chama atenção é a falta de calçadas. Quando existem, são muito estreitas dificultando a mobilidade dos pedestres. No Plano Diretor (1993) da cidade de João Pessoa no Capítulo que trata da acessibilidade não existe nenhuma proposta de implantação de vias de acessos para que as comunidades tenham direito ao entorno. (Ver mapa no anexo) Verificase uma política de exclusão pelos acessos à medida que para aquelas comunidades sobram apenas a construção e manutenção de duas pontes metálicas (ver foto 19 e 20). 135 Foto 19: Ponte metálica próxima ao Shopping Center Manaíra, interligando a favela da Chatuba I com o bairro São José, recentemente restaurado pela PMJP Fonte: Paulo Rener, 2006. Foto 20: Ponte metálica interligando a favela da Chatuba II com o bairro São José, encontra-se em avançado processo de corrosão Fonte: Paulo Rener, 2006. O bairro São José possui cerca de 2,3 Km de comprimento e está espremido entre a falésia morta do bairro João Agripino e a margem esquerda do rio Jaguaribe. Nesse percurso existem apenas duas pontes estreitas que não permitem a passagem de automóveis, apenas de motos, bicicletas ou a pé. A mobilidade dos moradores fica limitada, muitos se deslocam diariamente para o bairro de Manaíra para trabalhar. As duas intervenções reafirmam uma estratégia de segregação imposta pelo Estado local, às comunidades pela acessibilidade. Segundo depoimento do Sr. Roque, de 56 anos, vendedor de milho verde no calçadão da praia de Manaíra, morador da comunidade São José, ao se referir as pontes, tanto as metálicas quanto as de madeira relatou o absurdo de ter que passar todo dia pelas pontes com seu carrinho de mão para vender milho na praia: Agente aqui é esquecido pelos homens lá de cima, desde que vim morar aqui é esse problema todo ano, quando chove o rio sobe, invade aqui as casas. As pontes de ferro ficam tudo enferrujada, caindo os pedaços vendo a hora desabarem com gente em cima que precisa passar por ela todo dia pra ganhar o nosso pão, fica cheia de buraco, é não é mole não. Lá mais em cima o pessoal construiu uma 136 ponte de madeira e todo ano ela vai abaixo com as enchentes. E todo ano a mesma coisa, os homens da prefeitura vêm prometendo fazer uma ponte de ferro e nada, quando chega os jornalistas e bota a notícia no jornal, no outro dia eles aparecem pra prometer e depois, desaparece (Em 20/ 08/ 2005). Pela proximidade com os bairros de João Agripino e Jardim Luna a oeste, tendo a falésia morta como condicionante natural, a comunidade dispõe de três escadarias implantadas pela prefeitura como uma das formas de deslocamento para o trabalho, ir ao centro da cidade ou estudar na escola Capitulina Sátyro localizada no João Agripino. São intervenções precárias porque nas três escadarias não existe iluminação nem segurança e só se pode ter acesso se for a pé (ver foto 21, 22, 23 e 24). Para a Sr. Joana, de 74 anos, aposentada e doente , saindo do segundo enfarte, andando com dificuldade para escalar as escadarias e ter acesso ao hospital de trauma que fica do outro lado BR-230 e ao banco para receber seu salário desabafa: É um sacrifício toda semana ter que descer e subir essas escadas pra ir ao banco ou no hospital de trauma fazer consulta com especialista. E as crianças que tem que estudar? Minhas netas todo dia o pai leva pra escola daí de cima, elas estuda no Capitulina, e todo dia é esse problema, quando o pai não pode levar nem a mãe, elas tem de ir acompanhada com os coleginhas, só sobe se for de muitos. De noite isso aqui é mais perigoso, tem assalto, estupro, violência por conta da BR, aqui (na escadaria) não tem energia fica tudo escuro só pode andar se for muita gente junta. O pessoal da prefeitura fala que vai fazer uma estrada pro pessoal ir pro trabalho e pegar ônibus lá em cima que passa mais né. Até agora nada, esqueceram da gente (Em 20/08/2005). 137 Foto 21: Primeira escadaria próxima ao Foto 22: Segunda que também liga o bairro São ponto final dos ônibus de João Agripino / São José ao conjunto João Agripino Fonte: Paulo Rener, 2005. José Fonte: Paulo Rener, 2005. Foto 23: Terceira escadaria localizada próxima da escola Capitulina Sátyro e do Foto 24: Terceira escadaria Fonte: Paulo Rener, 2005. campo de futebol que fica no conjunto João Agripino Fonte: Paulo Rener, 2005. A acessibilidade entre o bairro São José e a favela Chatuba com os bairros de Manaíra, João Agripino e Jardim Luna restringe-se a duas pontes metálicas construídas pela prefeitura, que também implantou três escadarias. O sistema de transportes coletivos que passa por dentro da comunidade São José foi uma conquista das reivindicações da associação de moradores na década de 1980. 138 Hoje a comunidade dispõe de apenas três linhas de ônibus45 o que contrasta em muito com a concentração de linhas que circulam pelo bairro de Manaíra. O problema fica mais crítico na favela da Chatuba, fragmentada em três unidades, esta comunidade não possui linha de ônibus circulando pelas suas ruas. As linhas mais acessíveis são as que passam pela principal do bairro São José ou a 521, que faz seu percurso ruas próximas da favela, pelo bairro de Manaíra. Foto 25: Único acesso das duas linhas de ônibus Foto 26: O ônibus ao centro (azul) circula que circulam na comunidade São José pela única rua que é asfaltada no bairro São Fonte: Paulo Rener, 2006. José Fonte: Paulo Rener, 2006. Em conseqüência das estratégias de segregação realizadas pelo poder público através da implantação de limitadas linhas de ônibus, da presença precária de pontes e escadarias, verifica-se nas comunidades, o predomínio do número de bicicletas46 circulando como principal meio de locomoção dos moradores. Observa - 45 São as seguintes as linhas de ônibus que atendem as comunidades direta e indiretamente: duas linhas de ônibus da empresa Marcos da Silva - Bairro São José (512) , Conj. João Agripino (509) e da empresa Transnacional -Tambaú - Rui Carneiro (511). Reunidas (521) Segundo a STP, os intervalos entre os ônibus de cada linha são, respectivamente, 20 min; 20 min e 5.4 minutos. 46 Segundo pesquisa realizada por LIMA no bairro São José, 85% dos moradores possuem bicicletas, 12% motos, 2% carros e 1% carroças. Os mesmos percentuais são verificados na favela da Chatuba. 139 se também uma relação de solidariedade entre os moradores que costumam usar o “camelo” por empréstimo como uma ação natural entre eles (Ver fotos 27 e 28). Foto 27: A bicicleta usada para atravessar a ponte Fonte: Paulo Rener, 2005. Foto 28: A bicicleta usada para subir as escadarias Fonte: Paulo Rener, 2005. O conceito de resistência não é elaborado de maneira explícito ou sistemático, ao contrário, é sutilmente relacionado a algum aspecto da vida social contemporânea, como a perda ou limitação pelo direito ao entorno. Dessa maneira, tentar explicitar esse conceito, especialmente quando referido a essa questão, contribui para entender a concepção das estratégias de sobrevivência das comunidades, objeto de estudo desta pesquisa. Na visão de Foucault (1984, p. 08) “existe uma relação entre resistência e poder. São relações objetivas e subjetivas que asseguram a produção/circulação do poder no território, produzindo novas formas de resistência e com isso novas identidades”. Nas margens, nos limites sob influência e interesse dos espaços de poder ou dominantes, estão comunidades, guetos dos “homens lentos, que teimam em não se adaptar à nova ordem” (SANTOS, 2003, p. 325), que teimam em oferecer 140 resistências ao modelo hegemônico, que se constituem na melhor alternativa ao desenho global apresentado pelo capitalismo. O espaço urbano é constituídos pelos mais diversos objetos técnicos, dando origem aos espaços da racionalidade, e sócio-econômicos. A partir da hegemonia dominante instalam-se, paralelamente, a contra-racionalidade, socialmente localizadas nos pobres ou excluídos e minorias. Do ponto de vista econômico, entre as atividades marginais, ou tradicionais. Espacialmente, nas áreas opacas, tornadas irracionais visto serem espaços urbanos menos equipados. Portanto é ante a racionalidade do poder hegemônico que surge a contra-racinalidade pois, O fato de que a produção limitada de racionalidade é associada a uma produção ampla de escassez conduz os atores que estão fora do círculo da racionalidade hegemônica à descoberta de sua exclusão e à busca de formas alternativas de racionalidade, indispensáveis à sua sobrevivência. A racionalidade dominante e cega acaba por produzir os seus próprios limites (SANTOS, 1996, p. 247). Diferentes estratégias de resistência da comunidade São José – Chatuba como formas alternativas paralelas as estratégias de segregação impostas pelo poder hegemônico surgem através das organizações de moradores, de ações isoladas, de ONG’s. Visto que os movimentos sociais de luta pelo direito ao entorno parte das comunidades, do espaço político. As formas alternativas de racionalidade ou resistências que se encontra em evidência nas comunidades São José – Chatuba, sob o aspecto espacial, são aqueles relacionados aos acessos. Se por um lado o Estado implanta um sistema viário cada vez mais rápido e com melhor fluidez para o consumidor ter acesso ao Shopping Center Manaíra, para as comunidades é negada a construção de mais 141 pontes para facilitar a mobilidade dos moradores aos locais de trabalho, restando a alternativa de construir as pontes de madeira para as suas sobrevivências. Como estratégia de resistência, as comunidades construíram, por conta própria, mais duas pontes de madeiras com o objetivo de facilitar a locomoção dos moradores ao bairro de Manaíra. (Ver foto 29 e 30). Entretanto, pela precariedade dos materiais usados, quando ocorre o período de chuvas as pontes são destruídas e em seu lugar , emergencialmente são improvisados formas rústicas de travessia do rio. Foto 29: Ponte de madeira ligando a favela da Chatuba I com o bairro São José Fonte: Paulo Rener, 2006. Foto 30: Ponte de madeira ligando o bairro de Manaíra com São José Fonte: Paulo Rener, 2006. Em junho de 2006, mais uma vez, a ponte de madeira foi destruída pelas chuvas e os moradores, como estratégia de resistência (ver foto 31 e 32), improvisam uma jangada, é para atravessar as pessoas da comunidade. Só que tem de pagar 50 centavos por travessia, afirma o manobrista da jangada (Roberto, 19 anos), morador da comunidade. 142 Ou como denuncia um morador que reside na comunidade São José há mais de 24 anos: Pelo menos duas vezes por ano acontece isso. Onteontem, os próprios moradores que tiveram que percorrer 150 metros em uma jangada improvisada para buscar as tábuas destruídas pelo entulho e pelas águas do rio para que possamos reconstruir a ponte. Sempre é assim; são os moradores que arrecadam dinheiro para comprar pregos e tábuas e são eles que entram no rio para fazer a ponte. Nenhum político vem aqui cumprir as promessas que são feitas em época de eleição (Clodoaldo Silva, 37 anos). Foto 32: A ponte reconstruída pelos moradores Fonte: Paulo Rener, 2006. Foto 31: Moradores atravessando o rio em uma balsa improvisada Fonte: Cícero Silvestre, 2006. Outra forma de resistência das comunidades são aberturas de caminhos ou trilhas alternativas para ter acesso aos bairros que se localizam no topo da falésia. Como forma de vencer o cansaço nas distâncias percorridas ou dos obstáculos a serem vencidos como pontes e escadarias, os moradores das duas comunidades 143 criaram essas formas alternativas para chegar à escola, no hospital, pegar um ônibus mais rápido, etc. Para isso, são obrigados a subir ou descer diariamente, a encosta íngreme da falésia arriscando a vida, crianças, jovens e até idosos (ver foto 33 e 34). Foto 33: Primeiro caminho ou trilha próximo ao ponto final dos ônibus de São José e João Agripino, popularmente conhecida como ladeira do cajueiro Fonte: Paulo Rener, 2006. Foto 34: Segundo caminho aberto pelos moradores para ter acesso ao Conjunto João Agripino, próximo a escola Capitulina Sátyro. Fonte: Paulo Rener, 2006. A luta pelo direito de ir e vir não se esgota nesses exemplos citados, outras formas alternativas de sobrevivência dos moradores das duas comunidades se inserem no plano do trabalho, constituindo-se em sua maioria, como mão-de-obra sem qualificação, de baixo rendimento e na informalidade. Além do pequeno comércio distribuído dentro das favelas como barracas, bares, mercearias e serviços como, consertos de sapatos, bicicletas, etc., os moradores mantêm uma relação muito intensa de trabalho com o bairro de Manaíra e em menos proporção com os outros bairros da vizinhança. No início eles serviam de mão-de-obra para a construção civil, com a evolução do bairro de Manaíra e o surgimento de um comércio varejista formado, na 144 sua maioria, por empresas de pequeno porte, associada a sua verticalização, muitos moradores passaram a ocupar atividades pouco rentáveis, porém importantes para o funcionamento desses empreendimentos, como porteiros, faxineiros, zeladores, vigias, seguranças, diaristas, entregadores de água e gás, marceneiros, pintores de residências, eletricistas, encanadores, lavadeiras e engomadeiras de roupas e seletores do lixo que circulam diariamente pelo bairro de Manaíra (ver foto 35 e 36). Foto 35: Mulheres das comunidades levando Foto 36: Chefe de família conduzindo sua as roupas lavadas e engomadas para os carroça com lixo selecionado condomínios no bairro Jardim Luna Fonte: Paulo Rener, 2006. Fonte: Paulo Rener, 2006. Outra modalidade de resistência dos moradores em relação às estratégias de segregação e, em alguns casos de remoção, imposta pelo Estado, se caracteriza pelas resistências organizadas das comunidades. No primeiro capítulo foi ressaltada a importância da organização como um instrumento de cooptação e multiplicação de forças. “Ela também pode constituir o meio de negociação necessário a vencer etapas e encontrar um novo patamar de resistência e de luta” (SANTOS, 2003, p.134). 145 Nas comunidades São José – Chatuba são evidenciadas diferentes formas de organização que se constituem em instrumentos para as lutas de seus moradores pela sobrevivência, destacando-se as Associações de Moradores, tanto de São José como da Chatuba, as ONG que vêm atuando no bairro como o MAM - Movimento e Ajuda Mútua, a Ponto Cultura e a Sou do Bairro, todas atuando em projetos sociais com jovens e adolescentes das duas comunidades, assim como os movimento de grafiteiros, grupos de capoeira, etc. Com relação à associação de moradores, as experiências relatadas pela comunidade indicam que nas décadas de 1980 e 1990 ela foi um referencial de luta e conquistas para permanência e implantação de equipamentos como o posto médico, linha de ônibus e as regularizações fundiária de alguns lotes. Entretanto, nos últimos anos, devido às más administrações, por acumulo de dívidas, desvios de verbas e falta de compromisso com as atividades sociais, a associação não é mais acreditada pelos moradores. Está dividida em dois grupos que tentam o domínio do poder: O primeiro grupo vem desde a gestão anterior da associação dos moradores e que tem continuidade com a gestão atual. Verifica-se a existência de alguma forma de conchavo e de relações apadrinhadas com membros da prefeitura em troca da inércia e submissão da comunidade perante a administração municipal. Há indícios que pessoas chaves são infiltradas no bairro, para manipular as ações no mesmo. O segundo grupo é de pessoas com um nível de consciência mais elevado, professoras, educadores, mães, homens, mulheres, pessoas ligadas a igreja católica, que pensam no bem estar da comunidade, e que vem lutando há anos por melhoria no bairro. Algumas destas pessoas foram concorrentes do outro grupo durante a eleição para presidente da associação realizada em meados do ano passado (2003). Parte destas pessoas ainda tentam mudar o rumo administrativo na atual gestão da associação dos moradores (LIMA, 2004, p.113 ). 146 As variadas formas e estratégias de segregação, do Estado, de um lado, e as estratégias de resistências das comunidades, do outro, revelam um jogo de interesses pela ocupação do vale, transformando-o num campo de lutas entre o espaço abstrato e o espaço social. Para aquele, interessa a reprodução do capital, para as comunidades, a luta pela sobrevivência numa via crucis. 147 CONSIDERAÇÕES FINAIS A cidade de João Pessoa vem passando por uma reestruturação urbana, alterando as relações entre os empreendedores imobiliários e o Estado, em razão da emergência de novas centralidades. O advento do Estado neoliberal aguçou as contradições entre o discurso e ações do poder público a partir do momento em que adotou práticas de segregação impostas às comunidades no vale do rio Jaguaribe, em especial, as Comunidades São José e Chatuba. As diversas ações de segregação buscam favorecer a iniciativa privada, na perspectiva de manter o padrão de consumo que se verifica no bairro de Manaíra, notadamente pela proximidade entre as Comunidades São José e Chatuba e o Manaíra Shopping. A ação contraditória do poder público beneficia, por um lado, os agentes privados, através da implantação de vias de acesso rápido, parcerias públicoprivadas, etc. e, por outro, prejudicam as comunidades do vale, relegando-as a uma situação de abandono que se verifica não somente nas condições sócioeconômicas, mas também pela precária infra-estrutura. Enquanto o bairro de Manaíra é privilegiado com a pavimentação de ruas e acessos, as comunidades não possuem acessos satisfatórios. Desde o início da década de 1990 o discurso do governo local vem se realizando através do planejamento estratégico, planejando a cidade de forma pontual. Priorizando o discurso da fluidez, os principais corredores viários da cidade vêm se reestruturando e sendo direcionados para o consumo. A reestruturação viária se faz através de dispositivos presentes no Plano Diretor como a parceria público-privada, o qual deverá servir de meio para captação 148 de recursos que serão investidos em Zonas Especiais de Interesse Social. Entretanto, o poder público local vem negando políticas de acessos e moradias dignas às comunidades São José – Chatuba, confinadas e segregadas no médio curso do vale do Jaguaribe. Além da carência das moradias e das precárias condições de saneamento, as comunidades são submetidas à repressão policial, ao abandono de vias, pontes, escadarias e demais acessos. Na relação espaço-tempo, verifica-se o choque de temporalidades entre os tempos lentos das comunidades e os tempos rápidos do bairro de Manaíra. Enquanto os proprietários de automóvel são beneficiados por vias de acesso rápido, a comunidade é excluída, ou melhor, incluída de forma perversa. A presença do carroceiro, transeunte a pé, comunidade indo para a escola, etc. tem sido tratada com descaso pelas políticas públicas. O papel do Estado também se faz a partir do discurso contraditório entre Preservar a Mata sem preservar o vale! O Estado de coerção: da segregação (ilegal) e da preservação (legal). O Estado culpa a comunidade pela poluição, apesar de que ele segrega e nega as políticas sociais e ambientais no vale. Portanto a lógica do Estado é a da preservação e consumo. Os problemas de desordenamento urbano poderiam ser solucionados se a Prefeitura cumprisse a legislação municipal. O Plano Diretor e a Lei Orgânica do Município possuem instrumentos que, se aplicados, garantiriam recursos para investimentos na habitação popular e no Saneamento básico para as favelas. Nas ultimas décadas confirmou-se a previsão de estudiosos do vale sobre a ocupação dos seus espaços, antes destinados a atividades rurais, com a expansão acelerada da cidade, transformou-se em uma área de depósito de mão-de-obra excluída-incluída. Agora interessa aos especuladores imobiliários, com suas 149 estratégias combinadas com o poder público, transformá-lo em loteamentos residenciais e comerciais, ignorando as populações que se apropriaram do vale como única alternativa de sobrevivência. 150 REFERÊNCIAS AGUIAR, Wellington; ARRUDA, José Octávio de. Uma cidade de Quatro Séculos. João Pessoa: A União, 1985. ARANTES, Otilia; WAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia (orgs.). A cidade do pensamento único. Petrópolis: Editora Vozes, 2002. ARRETCHE, Marta T. S. Estado e mercado na provisão habitacional. 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