UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA - UFPB
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
PAULO RENER DE FREITAS SOUSA
A VIA CRUCIS DAS COMUNIDADES SÃO JOSÉ – CHATUBA
NO VALE DO JAGUARIBE EM JOÃO PESSOA - PB
João Pessoa - PB
Setembro de 2006
PAULO RENER DE FREITAS SOUSA
A VIA CRUCIS DAS COMUNIDADES SÃO JOSÉ – CHATUBA NO
VALE DO JAGUARIBE EM JOÃO PESSOA - PB
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa
de
Pós-Graduação
em
Geografia da Universidade Federal da
Paraíba para obtenção do título de Mestre
em Geografia.
Orientador: Prof. Dr. Sérgio Fernandes Alonso
João Pessoa – PB
Setembro de 2006
Sousa, Paulo Rener de Freitas.
A via crucis das comunidades São José – Chatuba no
vale do Jaguaribe em João Pessoa – PB / Paulo Rener de
Freitas Sousa. – João Pessoa, PB: 2006.
164 f.
Orientador: Dr. Sergio Fernandes Alon
Dissertação (Mestrado) – UFPB / PPGG.
1. Reestruturação urbana 2. Estado 3. Acessibilidade
4. Consumo 5. Segregação 6. Resistência
UFPB / BC
CDU:
PAULO RENER DE FREITAS SOUSA
A VIA CRUCIS DAS COMUNIDADES SÃO JOSÉ – CHATUBA NO
VALE DO JAGUARIBE EM JOÃO PESSOA - PB
Dissertação aprovada em ___/___/_____ como requisito para a obtenção do titulo
de Mestre no Curso de Pós-Graduação em Geografia, no Centro de Ciências Exatas
e da Natureza da Universidade Federal da Paraíba pela seguinte banca
examinadora:
________________________________________________________
Orientador: Dr. Sergio Fernandes Alonso
______________________________________________________
Membro: Drª. Beatriz Maria Soares Pontes
________________________________________________________
Membro: Dr. Eduardo Pazera Júnior
João Pessoa – PB
Setembro de 2006
Dos rios se diz que são violentos, mas
ninguém diz, violentas as margens que os
comprimem.
(Bertholt Brecht)
AGRADECIMENTOS
A realização deste trabalho só foi possível graças à colaboração direta ou indireta de
muita gente. A todos em geral e a alguns em particular, registro aqui meus
agradecimentos:
- A Deus, a minha família e amigos;
- Ao meu orientador, o professor doutor Sergio Fernandes Alonso;
- À Coordenação do PPGG, professores, funcionários e aos colegas do mestrado;
- À comunidade do bairro São José - Chatuba e seus representantes;
- De modo especial ao nosso Grupo de Estudo, formado pelo trio: Alzeni, Aldo e
Paulo Rener. Uma história que teve início em 1993, quando nos unimos pela
primeira vez, com a pretensão de aproximar a relação teoria-prática e a certeza de
sermos sempre, surpreendido pelo inesperado.
As nossas dissertações são
testemunhas do nosso pensamento: união, força, luta e resistência. Entretanto,
nada disso seria possível se não existisse em nós, fraternidade, solidariedade e
muito otimismo. Por isso, em nossas reflexões sempre esteve presente o
pensamento do Fernando Sabino: “No fim tudo vai dar certo, se não der certo é
porque não é o fim”.
Cada dia que passa em nossas vidas, há
pessoas que deixam um pouco de si mesmos e
levam um pouco de nós mesmos. Esta é a
grande realidade da vida, é a certeza de que
almas não se encontram por acaso.
(Vinícius de Morais)
RESUMO
Esta pesquisa procura enfocar a relação entre o discurso da cidade e suas formas
de apropriação, uso e domínio, no processo de reestruturação urbana diante da
relação conflitante entre espaço abstrato e o espaço social. Enquanto lócus de
reprodução das relações sociais, a cidade contemporânea e capitalista apresenta
um caráter de poli (multi) centralidade, passando por um processo de implosãoexplosão implicando na fragmentação-segregação do seu território e na necessidade
de adequação de novas funcionalidades pela ação do Estado. Partindo dessa
premissa, identificamos a manifestação contraditória do discurso do Estado que
utiliza estratégias pautadas no nexo assesibilidade-consumo-segregação,
favorecendo a lógica do consumo em detrimento das comunidades São José –
Chatuba que tentam sobreviver no médio vale do rio Jaguaribe na cidade de João
Pessoa, Paraíba. De pronto, identificamos diferentes intervenções do Estado nessa
perspectiva como a implantação de vias de trânsito rápido, a exemplo da BR-230 e
outras vias que cortam ou margeiam o vale, contribuindo para a concentração de
investimentos privados, comerciais e de serviços e o surgimento de um novo padrão
periférico, o dos enclaves fortificados. Para permitir a reprodução da lógica do
consumo, o poder público e a iniciativa privada vêm adotando diferentes estratégias
de segregação, ora limitando o acesso da comunidade ao entorno mais valorizado,
ora através dos discursos do Estado, estigmatizando-as, portanto nos planos da
materialidade e das representações. As mudanças nas relações cotidianas das
comunidades,
pelos
ritmos,
pela
identidade
sócio-cultural,
pela
valorização/desvalorização do uso do solo, implica em estratégias de resistências
através de formas alternativas de acesso, de modalidades de trabalho, de
organização, enfim, do direito à cidade.
Palavras-Chave:
Reestruturação urbana, Estado, acessibilidade, consumo,
segregação, resistência.
ABSTRACT
This research looks for to focus the relation enters the speech of the city and its
forms of appropriation, use and domain, in the process of urban restructuring ahead
of the conflicting relation between abstract space and the social space. While locus
of reproduction of the social relations, the city contemporary and capitalist presents a
character of polished (multi) centrality, passing for an implosion-explosion process
implying in the spalling-segregation of its territory and in the necessity of adequacy of
new functionalities for the action of the State. Leaving of this premise, we identify the
contradictory manifestation of the speech of the State that uses strategies in the
nexus accessibility-consume-segregation, favoring the logic of the consumption in
detriment of the communities São José – Chatuba that they try to survive in the
average valley of the river Jaguaribe in the city of João Pessoa, Paraíba. Then, we
identify different interventions of the State in this perspective as the implantation of
ways of fast transit, the example of the BR-230 and other ways that cut or border the
valley, contributing for the concentration of private, commercial investments and of
services and the sprouting of a new peripheral standard, of enclaves strengthened.
To allow the reproduction of the logic of the consumption, the public power and the
private initiative they come adopting different strategies of segregation, however
limiting the access of the community to around more valued, however through the
speeches of the State, stigmatized them, therefore in the plans of the materiality and
the representations. The changes in the daily relations of the communities, for the
rhythms, the partner-cultural identity, the valuation/depreciation of the use of the
ground, imply in strategies of resistances through alternative forms of access, of
organization, work modalities, at last, of the right to the city.
Key-words: Urban restructuring, State, accessibility, consumption, segregation,
resistance.
LISTA DE SIGLAS
APP - Áreas de Preservação Permanente
BNH - Banco Nacional de Habitação
CEHAP-PB - Companhia de Habitação da Paraíba
CRECI - Conselho Regional de Corretores de Imóveis
CURA - Comunidade Urbana para a Renovação Acelerada
FAC - Fundação de Ação Comunitária
FEURB-PB - Federação dos Movimentos urbanos na Paraíba
FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FUNSAT - Fundação Social de Apoio ao Trabalho
GEIPOT - Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDEME - Instituto de Desenvolvimento Municipal e Estadual da Paraíba
MEC - Ministério da Educação e Cultura
ONG - Organização Não Governamental
PNCCPM - Programa Nacional de Capitais e Cidades de Porte Médio
PMJP - Prefeitura Municipal de João Pessoa
PRODETUR - Programa de Desenvolvimento Turístico
PSF - Programa de Saúde da família
RMJP - Região Metropolitana de João Pessoa
SEPLAN - Secretaria de Planejamento
SETRAPS - Secretaria do Trabalho e Promoção Social
SFH - Sistema Financeiro da Habitação
SUDENE - Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
UFPB - Universidade Federal da Paraíba
URBVALE - Urbanização do vale do rio Jaguaribe
ZEIS - Zona Especial de Interesse Social
LISTA DE TABELA E QUADRO
Tabela 01: Recursos aplicados no programa é pra morar da PMJP................... 88
Quadro 01: Comunidades São José e Chatuba: infra-estrutura e ocupação...... 116
LISTAS DE FIGURAS
Figura 01: Mapa de localização das comunidades São José –
Chatuba - 2006...................................................................................................... 59
Figura 02: Mapa de ocupação e eixos viários da cidade concêntrica – 1963...... 68
Figura 03: Mapa de ocupação e eixos viários da cidade periférica – 1993.......... 79
Figura 04: Mapa dos principais eixos viários da cidade poli (multi)
cêntrica – 2005...................................................................................................... 86
Figura 05: Mapa de ocupação das comunidades São José – Chatuba............... 114
Figura 06: Mapa de estratégias de segregação e de resistências....................... 131
LISTA DE FOTOS
Foto 01: Lagoa depois da urbanização, em 1928, antiga lagoa dos Irerês.......... 62
Foto 02: Os bondes de tração animal e partir do sítio da Cruz
do Peixe em 1910.................................................................................................. 63
Foto 03: As linhas de sopas que conduziam os veranistas até a praia
de Tambaú............................................................................................................ 66
Foto 04: O Ponto de Cem Réis (1963) lugar de encontros, reuniões,
confirmando um padrão de crescimento urbano concentrador em transição
para o periférico, acelerado a partir de 1964......................................................... 69
Foto 05:- Vista parcial da entrada de Oitizeiro e do viaduto Governador
Ivan Bichara, em 2006........................................................................................... 84
Foto 06: Vista parcial do terminal de integração de ônibus urbanos
de João Pessoa, em 2006..................................................................................... 87
Foto 07: Vista parcial do bairro de Manaíra destacando a vertcalização............. 92
Foto 08: Obras de reestruturação do Retão de Manaíra, uma parceria
entre a Prefeitura Municipal de João Pessoa e o dono do Manaíra
Shopping Center.................................................................................................... 96
Foto 09: Vista parcial da Av. Edson Ramalho em Manaíra em 2006................... 97
Foto 10: Hospital de Trauma, exemplo de empreendimento localizado
na BR-230............................................................................................................. 98
Foto11: Carrefour também na BR-230................................................................. 99
Foto 12: Formas de ocupações diferentes, segundo os proprietários: a favela
São José (em baixo) e o Manaíra Shopping Center (em cima)............................ 102
Foto 13: Vista aérea das comunidades São José – Chatuba e do bairro
de Manaíra em 2004.............................................................................................. 116
Foto 14: Um discurso contraditório de área de risco: para o pobre, área
de risco, para o capital a área é de rico, é o que mostra a foto desta realidade
presente na falésia que fica no bairro Jardim Luna............................................... 124
Foto 15: Momento de rotina na comunidade São José quando policiais
abordam diariamente os moradores nas entradas das pontes que dão acesso
ao bairro para dar satisfação à sociedade contra a violência................................ 125
Foto 16: A favelas da Chatuba (à esquerda) e o bairro São José
(à direita) visualizando-se as condições precárias de habitabilidade
das duas comunidades.......................................................................................... 129
Foto 17: O muro do shopping impedindo a visibilidade e o acesso
das comunidades................................................................................................... 132
Foto 18: A expansão do estacionamento e o muro que foi erguido
para impedir o acesso das comunidades.............................................................. 133
Foto 19: Ponte metálica próxima ao Shopping Center Manaíra, interligando
a favela da Chatuba I com o bairro São José, recentemente restaurado pela
PMJP..................................................................................................................... 135
Foto 20: Ponte metálica interligando a favela da Chatuba II com o bairro
São José, encontra-se em avançado processo de corrosão................................. 135
Foto 21: Primeira escadaria próxima ao ponto final dos ônibus de João
Agripino / São José................................................................................................ 137
Foto 22: Segunda que também liga o bairro São José ao conjunto
João Agripino......................................................................................................... 137
Foto 23: Terceira escadaria localizada próxima da escola Capitulina Sátyro
e do campo de futebol que fica no conjunto João Agripino................................... 137
Foto 24: Terceira escadaria.................................................................................. 137
Foto 25: Único acesso das duas linhas de ônibus que circulam na comunidade
São José................................................................................................................ 138
Foto 26: O ônibus ao centro (azul) circula pela única rua que é asfaltada
no bairro São José................................................................................................. 138
Foto 27: A bicicleta usada para atravessar a ponte.............................................. 139
Foto 28: A bicicleta usada para subir as escadarias.............................................139
Foto 29: Ponte de madeira ligando a favela da Chatuba I com o bairro
São José................................................................................................................ 141
Foto 30: Ponte de madeira ligando o bairro de Manaíra com São José.............. 141
Foto 31: Moradores atravessando o rio em uma balsa improvisada.................... 142
Foto 32: A ponte reconstruída pelos moradores.................................................. 142
Foto 33: Primeiro caminho ou trilha próximo ao ponto final dos ônibus de São
José e João Agripino, popularmente conhecida como ladeira do cajueiro............ 143
Foto 34: Segundo caminho aberto pelos moradores para ter acesso
ao Conjunto João Agripino, próximo a escola Capitulina Sátyro........................... 143
Foto 35: Mulheres das comunidades levando as roupas lavadas
e engomadas para os condomínios no bairro Jardim Luna................................... 144
Foto 36: Chefe de família conduzindo sua carroça com lixo selecionado............ 144
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................... 15
CAPÍTULO I
REESTRUTURAÇÃO URBANA, ESTADO E SEGREGAÇÃO........................... 20
1.1 A reestruturação urbana contemporânea na concepção crítica..................... 20
1.2 As concepções e discursos do Estado e as políticas urbanas no Brasil........ 35
1.3 Território urbano, segregação e resistência: campo de luta e lócus
da cotidianidade das comunidades....................................................................... 49
CAPÍTULO II
O PLANEJAMENTO URBANO EM JOÃO PESSOA A PARTIR DA DÉCADA
DE 1990................................................................................................................ 60
2.1 Planejamento estratégico, acessibilidade e novas centralidades................... 60
2.2 O Shopping Center Manaíra e a difusão do consumo.................................... 89
2.3 As comunidades São José – Chatuba e o vale do Jaguaribe......................... 100
CAPÍTULO III
AS COMUNIDADES SÃO JOSÉ-CHATUBA, SEGREGAÇÃO
E RESISTÊNCIA................................................................................................... 106
3. 1 Estratégias e contradições do Estado em relação às comunidades São
José – Chatuba e seu entorno............................................................................... 106
3.2 Mudanças nas relações cotidianas das comunidades com
o entorno: o choque de territorialidade................................................................. 126
3.3 Organização das comunidades e as estratégias de resistência..................... 129
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 147
REFERÊNCIAS..................................................................................................... 150
ANEXO.................................................................................................................. 162
INTRODUÇÃO
O presente trabalho versa sobre a expansão urbana de João Pessoa no
contexto da reestruturação territorial contemporânea, focalizando o papel do Estado
local como principal agente responsável pelos processos de fragmentação e
valorização do vale do Jaguaribe, em particular, pela segregação das comunidades
São José – Chatuba, localizadas no médio curso do rio, na cidade de João Pessoa PB.
Ao investigar as políticas de habitação e transportes em João Pessoa, a partir
da década de 1990, destaca-se a influência da acessibilidade no processo de
valorização do vale do rio Jaguaribe para o consumo. Com isso, buscou-se
identificar a relação da política de transportes com as estratégias de segregação
impostas ás comunidades em estudo pelo poder público.
Diferentes estratégias forjadas por políticas urbanas vêm se materializando
através da implantação de vias de trânsito rápido como a BR-230, num cruzamento
de lógicas que se diferenciam dos ritmos lentos das comunidades que ocuparam o
vale do rio Jaguaribe, dando maior visibilidade às contradições do Estado.
Para permitir a reprodução da lógica do consumo, o poder público local e a
iniciativa privada vêm adotando estratégias de segregação sócio-espaciais, ora
limitando o acesso das comunidades São José – Chatuba ao entorno mais
valorizado, pela negligência à acessibilidade destas, ora dificultando a visibilidade
das habitações autoconstruídas, pela edificação de muros, empreendimentos, entre
outras, ora através dos discursos do Estado, guetificando-as, estigmatizando-as,
portanto nos planos da materialidade e das representações.
16
O interesse pela área de estudo deve-se ao fato de ser um lugar onde as
contradições são mais visíveis e intensas. Em função da lógica do consumo as
comunidades estudadas perderam o direito à rua, a qual ficou reduzida a uma
função, a da circulação.
As mudanças nas relações cotidianas das comunidades São José – Chatuba,
pelos ritmos, pela identidade sócio-cultural, pela valorização/desvalorização do uso
do solo, implica em estratégias de resistências através de formas alternativas de
acesso, de modalidades de trabalho, de organização, enfim, do direito à cidade.
Para compreender as transformações porque vem passando o espaço urbano
de João Pessoa considera-se uma periodização que permite a análise do novo
padrão de segregação sócio-espacial proposto por Caldeira (2003) para a cidade de
São Paulo. Reconhecendo-se as diferenças de cada lugar, em particular, da cidade
de João Pessoa, tem-se uma expansão em três períodos distintos: o primeiro
estendeu-se do final do século XVI até a década de 1960, a cidade crescia
lentamente concentrada entre o rio e a lagoa, apresentava uma forma monocêntrica
e segregada pelo tipo de moradia.
O segundo se desenvolveu entre as décadas de 1960 e 1990, marcou a
expansão urbana acelerada de João Pessoa pelo predomínio das políticas estatais e
padrão de segregação com base na relação centro-periferia. O terceiro momento
começou a se configurar a partir de 1990, quando a forma da cidade passou a ser
estabelecida pela superposição de novas práticas de segregação sócio-espaciais,
destacando o domínio dos espaços privados em detrimento dos espaços públicos,
numa relação contraditória entre proximidade-separação, uma verdadeira “Cidade
de Muros”.
17
O Primeiro Capítulo, denominado de Reestruturação urbana, Estado e
Segregação foi desenvolvido como referencial teórico metodológico. Apoiando-se
nas discussões teóricas sobre os impactos da Globalização e Reestruturação
Produtiva e Tecnológica no espaço urbano e regional, tentou-se construir um quadro
histórico conceitual sobre a reestruturação urbana em curso, a partir da idéia de
continuidade-descontinuidade e as mudanças nas relações centro-periferia e no
surgimento de poli (multi) centralidades.
O Segundo Capítulo, com o título de Legislação e Planejamento urbano no
Brasil discorrerá sobre o processo de expansão urbana de João Pessoa no contexto
do paradigma da reestruturação urbana a partir de 1990, enfatizando as mudanças
no padrão de crescimento periférico, de centro-periferia para enclaves fortificados.
No processo de apropriação, uso e domínio do vale destacam-se o papel do Estado
local como principal agente responsável pelos processos de fragmentação,
valorização e segregação das comunidades São José – Chatuba.
No Terceiro Capítulo, denominado de Comunidades São José – Chatuba:
segregação e resistências identificam-se a nova prática de segregação resultante de
estratégias impostas pelo Estado e pelo capital.
Ao investigar as políticas de
habitação e transportes, no período entre 1990 e 2005, em particular, a influência da
acessibilidade no processo de valorização do vale para o consumo, focalizando a
relação da política de acessibilidade com as estratégias de segregação impostas ás
comunidades em estudo pelo poder público.
A constituição do marco teórico teve como objetivo compreender os temas
principais: Reestruturação urbana, Estado e Segregação sócio-espacial. Com base
nas análises de bibliografias gerais e específicas ou locais buscaram-se os
encaminhamentos do problema investigado e a produção do trabalho como um todo.
18
Para discutir a reestruturação do espaço urbano na globalização e as novas
centralidades, destacamos autores como Lefebvre (1991, 2002, 1999), Soja (1993),
Gottdiener (1997) Harvey (1980, 1993), Giddens (1991), Santos (1993, 1994, 1996,
2001, 2002), Carlos (1994, 2003, 2004) Seabra (2001, 2000, 2004), Damiani (2001),
Ribeiro e Lago (1994). Em relação às concepções de Estado, a discussão da
Reforma Urbana, Planejamentos, Políticas Públicas e os Instrumentos Urbanísticos
foram feitas leituras de autores como Lefebvre (2002), Gottdiener (1997), Soja
(1993), Lipietz (1988, 1991) e Bobbio (1997), Mandel (1985), Lanni (1999), Martins
(1996, 1999, 2000), Maricato (1996, 2000, 2001), Arantes e Vainer (2002). Sobre a
concepção de segregação, a noção de exclusão-inclusão e pobreza, procuramos
embasamentos teóricos em autores como, Lefebvre (1999, 2000), Martins (1996,
2000), Oliveira (1998), Santos (1996), Ribeiro e Lago (1994).
Além das leituras que abordam a temática urbana em geral e, de forma
específica, a reestruturação do espaço urbano, do Estado e da segregação sócioespacial, recorreu-se a bibliografias locais para identificar as transformações sócioespaciais verificadas na área em estudo. Nesse contexto, destacaram-se as leituras
feitas sobre a área em estudo: Honorato (1999), Mello (1995), Silva (1995), Melo
(2001), Rodriguez (1981, 1987), Scocuglia (2000), Coelho (2003), Cortez (2004),
Vasconcelos Filho (2003), Lima (2004), Coutinho (2004), Fernandes (2004),
Madruga (1992) e Lavieri e Lavieri (1992).
Para obter informações a respeito da problemática urbana da área foram
analisados projetos e instrumentos urbanísticos como o Plano Diretor de João
Pessoa, a Lei Orgânica do Município e o Código de Urbanismo, Assim como visitas
em órgãos como PMJP, SEPLAN, IDEME, IBGE e FAC. Procedeu-se a confecção
19
de mapas para localizar os pontos estratégicos de segregação imposta às
comunidades.
A pesquisa de campo foi realizada nas duas comunidades, especialmente nas
pontes, escadarias, caminhos, no estacionamento do Shopping Center Manaíra e
nas principais ruas do bairro São José e da favela da Chatuba. Para uma análise do
cotidiano foram realizadas diversas visitas nas comunidades.
Na pesquisa de campo buscou-se contato com as comunidades de maneira
informal, por meio de diálogos e entrevistas, sem a aplicação de questionários
deixando os entrevistados livres para expor todas as suas aspirações e
necessidades.
A contribuição da presente pesquisa foi discutir o Estado e as comunidades,
identificando-se problemas e tendências que se vislumbram na relação de novas
estruturas, produtivas e territoriais.
CAPÍTULO I
REESTRUTURAÇÃO URBANA, ESTADO E SEGREGAÇÃO
O presente capítulo discute o paradigma da reestruturação urbana em curso
destacando-se o Estado nas suas diferentes instâncias político-administrativo como
principal agente responsável pela adequação desse processo reestruturação e,
conseqüentemente, pelo surgimento de novas centralidades e do novo padrão de
segregação sócio-espacial que se sobrepõe, a dos enclaves fortificados.
Notadamente a concepção de Estado, centralidade e segregação assume
dimensão relevante no contexto do referencial analítico, permitindo aprofundar a
compreensão do impacto da reestruturação urbana em curso, das estruturas que se
renovam no campo das relações entre o espaço abstrato e o espaço social, ou
segundo Santos (1996), espaços da racionalidade, em “áreas luminosas” e da
contra-racionalidade em “áreas opacas”.
1.1 A reestruturação urbana contemporânea na concepção crítica
No atual período, vive-se a perplexidade de uma mudança de época, em que
as relações territoriais vêm sendo redefinidas no plano, do local ao global, como
implicações de três revoluções: tecnico-científica, econômica e cultural. Um período
caracterizado por crises, revoluções e busca de novos paradigmas.
A história do capitalismo pode ser dividida em períodos distinguida por certa
coerência entre as suas variáveis mais significativas que evoluem diferentemente,
porém dentro de um mesmo sistema. No presente período tem-se a Globalização.
21
Alguns estudos sobre os impactos da Globalização e da Reestruturação
produtiva e tecnológica apontam para um processo amplo e articulado da política
econômica, com mudanças qualitativas nas formas e estruturas do espaço, Lipietz e
Benko (1992), Harvey (1993). Nesse sentido, entende-se que as principais
mudanças nos territórios urbanos são conseqüências do impacto da reestruturação
associada à globalização e ao modo de produção capitalista.
A dinâmica da estruturação da cidade é associada ao desenvolvimento do
modo de produção capitalista, como manifestação espacial dos conflitos de
interesses de diversos agentes presentes nesse processo. Alguns autores discutem
essa questão como Lefebvre (1991, 1999 e 2002), Harvey (1993), Soja (1993) e
Gottdiener (1997). A estrutura urbana é constituída por diferentes formas de
apropriação, domínio e usos do solo, segundo Santos (1993), relacionadas a fatores
políticos, culturais e econômicos, implicando constantes transformações ou
reestruturações.
Gottdiener (1997) aponta para a necessidade de se compreender as forças
que estruturam o espaço urbano, em especial, o uso deste espaço pelo Estado e
pelo poder econômico. Este pode ser um caminho para explicar as diferentes formas
do ambiente construído.
O termo “reestruturação” evidência uma estrutura renovada, uma necessidade
de pensar o novo, quase sempre, esboçado no passado. Trata-se de uma nova
estruturação que se afirma sob o efeito de uma cadeia complexa de crises. Um
exemplo que ilustra bem o processo é sua associação com a crise urbana e o
retorno ao modelo de cidade ideal via planejamentos, forjando diferentes discursos
sobre a cidade.
22
A reestruturação urbana e regional em curso é entendida como um novo
paradigma que parte da idéia de “desencaixe” dos sistemas sociais, segundo
Giddens (1991). Uma “freada-e-mudança” que se realiza por um movimento de
separação espaço-tempo na direção de uma ordem e uma configuração
significativamente diferente. “A descontinuidade, advém do "descolamento" das
relações sociais, isto é, dos contextos locais de interação e sua reestruturação em
outras escalas de espaço-tempo” (GIDDENS, 1991, p. 21).
Na fase atual de globalização o espaço urbano metropolitano e regional,
atravessa transformações qualitativas em suas formas e estruturas básicas. Autores
como Lefebvre (1991), Soja (1993), Harvey (1993) e Gottdiener (1997) apontam
para a descontinuidade do processo de urbanização, segundo diferentes jogos de
interesses envolvidos.
Para Lefebvre (1991, p. 54-55), “em toda a formação urbana sempre se
sucederam no tempo e no espaço, desestruturações e reestruturações, num
processo de ascenção-apogeu-declínio, no qual os fragmentos do urbano vão servir
para/em outras formações”.
Segundo Soja (1993, p.193):
O conceito de reestruturação está ligado ao de espacialidade 1 numa
seqüência combinada de desmoronamento e reconstrução nas
tendências seculares, e uma mudança em direção a uma nova
ordem sócio-espacial, ou seja, um movimento de desconstruçãoreconstituição.
1
Soja (1993) capta esta espacialidade às vezes latente, em outras, explícitas, no trabalho de
pensadores contemporâneos como Lefebvre, Sartre, Althusser, Foucault, Polantzas, Giddens,
Mandel, Harvey, Jamenson entre outros, destinadas a reunir material para empreender um luta pela
antologia do espaço.
23
Gottdiener (1997, p.235):
Analisa a desconcentração metropolitana através do processo de
mudança contemporânea no espaço de assentamento com
movimentos simultâneos de aglomeração e descentralização, ou
numa articulação entre recentralização, periferização e novas
centralidades.
No paradigma da reestruturação contemporânea há uma concordância quanto
à sua origem. Para a grande maioria, a reestruturação foi deflagrada por uma série
de crises inter-relacionadas a partir da década de 1960. Com destaque para os
movimentos pela reforma urbana, a crise energética, a crise do modelo de Estado
Keynesiano, a rigidez do Fordismo e a crise da modernização.
A nova estruturação urbana tem como referenciais eventos e movimentos dos
sistemas urbanos espacialmente planejados e administrados pelo poder público. A
crise do sistema previdenciário, modelado pelo Estado, reflete-se numa crise urbana
a partir de 1960 quando “a recessão global de 1973-75 seguiu-se de uma cadeia de
choques sofridos pelo sistema e ajudou a desencadear outra rodada conjunta de
reestruturação” (SOJA, 1993, p.221).
No final do século XX transformações passaram a ocorrer com ritmos e
intensidades diferentes em um grande número de cidades no mundo sob o fenômeno
da globalização, de uma cadeia complexa se crises e do novo papel do Estado,
implicando numa reestruturação da produção e do consumo na cidade, lugar fecundo
para (re) territorialização das novas estratégicas de reprodução do capital.
Na América Latina o processo de reestruturação em curso teve início em
meados da década de 1970. Desde então as cidades latino-americanas vem sendo
submetidas a uma série de transformações sócio-econômicas e territoriais
importantes. Entretanto, as reformas econômicas dos anos de 1990 apontavam par
24
uma diminuição do Estado mediante privatizações de empresas públicas e o
desmantelamento do sistema social que limitaram seriamente a capacidade de
gestão estatal. A decrescente capacidade re-distributiva do Estado serviu para
aprofundar mais o fosso entre ricos e pobres.
As transformações do espaço urbano das cidades e o processo de
reestruturação não é um caso isolado na América Latina. Numerosos estudos
documentam essas transformações revelando situações similares a exemplo de
Buenos Aires, por Ciccolella (1999) e Janoschka (2002).
Para Ciccolella (1999) nos anos de 1990 tem-se o marco dos processos de
privatização, desregulação e abertura econômica, a reestruturação dos espaços
constitui um fenômeno nos quais os fatores externos a metrópole e ao país em que
esta se localiza, tende a avançar sobre os fatores internos, podendo ocasionar uma
considerável perda de controle sobre os processos econômicos, sociais e territoriais
que se desenvolvem nestes espaços urbanos.
Nesta perspectiva, afirma Janoschka (2002) que as restrições ao acesso e a
auto-segregação não solucionam a crescente segmentação social e intensificação
da fragmentação do espaço. Na realidade somente muda o lugar de confrontação.
Uma parte crescente da população rica vive, consome e trabalha nos enclaves
fortificados privados cujo tamanho e complexidade aumenta em meio ao mar de
pobreza que os rodeia. Ilhas que são uma resposta às forças do mercado e a
ausência do Estado tudo isso ajuda a entender e visualizar o processo de
fragmentação.
A partir de meados da década de 1980, grandes e médias cidades brasileiras
vem apontando para novas transformações qualitativas em suas formas e estruturas
25
básicas com a sobreposição do espaço centro-periferia pelas novas práticas de
segregação sócio-espaciais, a dos enclaves fortificados (CALDEIRA, 2003).
Segundo Ribeiro e Lago (1994), as concepções sobre o paradigma da
reestruturação urbana estão relacionadas a uma cadeia complexa de crises
econômicas que o país vem experimentando nas últimas décadas2. São observadas
basicamente duas tendências. A primeira, pelo redirecionamento da expansão
urbana das metrópoles para as cidades de porte médio, fenômeno definido como
desmetropolização. A segunda, com a mudança na estrutura interna das cidades,
organizadas com base na relação centro-periferia bem como na emergência de
novas formas de segregação sócio-espacial.
No processo de reestruturação contemporânea do espaço urbano brasileiro
constata-se que a relação centro-periferia não é mais tão rígida. A área central das
cidades deixou e ser mais bem equipadas em relação a periferia pobre. Esse
modelo tornou-se insustentável em todas as escalas espaciais. O que se verifica
hoje é uma nova relação centro-periferia com a sobreposição de novas práticas de
segregação sócio-espaciais.
Concorda-se que as duas tendências explicam a reestruturação no espaço
urbano de João Pessoa: no início predominava a relação centro-periferia, a partir
dos anos de 1980, com as crises econômicas tem-se visibilidade os novos padrões
de segregação sócio-espaciais, resultado do cruzamento de diferentes lógicas,
estrategicamente reguladas pelo Estado e o capital.
As estruturas que se renovam no espaço urbano de João Pessoa apresentam
um caráter de descontinuidade: as novas formas urbanas surgem como
sobreposições das vias de acessos estruturadas no padrão centro-periférico ou
2
Um exemplo que ilustra bem o processo é sua associação com a crise urbana atrelada a crise
econômica e o retorno ao modelo de cidade ideal através de um novo pensamento único,
contrapondo-se aquela cidade realmente existente.
26
desenvolvidas a partir deste, convertendo-se em fatores dominantes de crescimento
e construção dos espaços urbanos.
Hoje, o espaço urbano das cidades se fragmenta acompanhando as (dês)
conexões espaço-tempo que permeiam a vida cotidiana, separando os contextos
espaciais de trabalho, consumo, residência, estudo e lazer Janoschka (2002). Em
João Pessoa, assim como em muitas cidades brasileiras de médio e grande porte,
esses espaços descontínuos de ação na vida cotidiana passam a ser mais visíveis
pelas seguintes evidências:
•
Difusão e multiplicação dos condomínios e loteamentos fechados para as
classes médias e altas, sempre localizados junto às vias de acessos mais
importantes da região metropolitana;
•
No discurso de apropriação dos enclaves fortificados e vigiados destacam-se
os de melhor qualidade de vida associadas à preservação da natureza e a
segurança;
•
Desconcentração metropolitana, pela maior fluidez dos sistemas de
transporte, muitas pessoas passam a fixar residência nas cidades
conturbadas, porém exercendo atividades cotidianas (trabalho, estudo,
compras, etc.) no centro principal;
•
Ampliação e implantação da infra-estrutura de serviços nas vias de acesso
principal
para
atender
a
equipamentos
como:
shopping
centers,
hipermercados, centros empresariais, concessionárias de automóveis, centros
universitários, redes de lojas de comercio varejistas, implicando numa forte
dependência do transporte particular;
27
•
Modificação do significado da infra-estrutura de transporte: a rentabilidade do
espaço urbano dar-se-á pela proximidade de uma via de trânsito rápida ou
autopista.
O espaço urbano de João Pessoa constitui-se em um dos exemplos desse
tipo de reestruturação urbana. Apresenta praticamente todas essas evidências e
muitas outras ainda a ser investigada com mais profundidade. Porém, já é notável
uma série de mudanças sócio-econômicas e territoriais importantes nas últimas
décadas como a intensa fragmentação espacial e segmentação social, relacionadas
e formação de novas centralidades.
O vale do Jaguaribe também vem passando por transformações. Até o final
da década de 1980, depósito de mão-de-obra desqualificada e lugar de práticas
rurais remanescentes. Porém, com a implantação das vias de circulação, passou a
ocorrer uma fragmentação e o surgimento de novas funções.
Visivelmente o vale do Jaguaribe passou a ser incorporado ao espaço urbano
da cidade, através das ocupações irregulares ou oficiosas, dos empreendimentos
comerciais e de serviços públicos e privados, confinando as comunidades que se
apropriaram de suas margens, reproduzindo contradições como no caso da política
habitacional, por exemplo.
Nesse movimento de re-qualificação, qual a função que o vale passou a ter
para o espaço da cidade de João Pessoa? A partir da lógica dos fluxos, com os
acessos favorecendo a expansão da cidade, associada à lógica da habitação, com
uma formação social, ocorreu uma valorização da área, e o vale passou a ser
estratégico e ter uma função de circulação em que o capital passou a disputar o
território do vale para o consumo.
28
No decurso do processo de reprodução do espaço urbano, tendências das
estruturas que se renovam no território das grandes e médias cidades brasileiras
vêm apontando para o surgimento de novas contradições do/no espaço e de novas
centralidades.
No processo de urbanização capitalista a cidade foi literalmente pulverizada.
Segundo Lefebvre (1991) a "antipolítica" do Estado destruiu a sociabilidade
tradicional em nome do urbano capitalista, por meio da produção do espaço. Com a
indústria, a generalização da troca e do comércio, os costumes e seu valor
desaparecem quase por completo, perdurando apenas como exigência do consumo.
O solo converteu-se em mercadoria e a cidade passou a ser vendida aos pedaços.
Amplia, extrapola seus limites, ao mesmo tempo em que fragmenta-segrega sua
centralidade, reúne em espaço a segmentação necessária à produção capitalista.
Para Lefebvre, a essência do fenômeno urbano encontra-se na centralidade,
porque:
A cidade atrai para si tudo o que nasce da natureza e do trabalho,
noutros lugares: frutos e objetos, produtos e produtores, obras e
criações, atividades e situações. O que ela cria? Nada. Ela centraliza
as criações. E, no entanto, ela cria tudo. Nada existe sem troca, sem
aproximação, sem proximidade, isto é, sem relações. Ela cria uma
situação, a situação urbana, onde as coisas diferentes advêm uma
das outras e não existem separadamente, mas segundo as
diferenças (LEFEBVRE, 1999, p.111).
Parte-se da concepção de que não existe cidade sem centralidade, logo, todo
espaço urbano relaciona-se contraditoriamente com seu centro urbano: “De sorte
que o todo o espaço urbano carrega em si esse possível-impossível, sua própria
negação. De sorte que todo espaço urbano foi, é, e será concentrado e poli (multi)
29
cêntrico” (LEFEBVRE, 1999, p. 46). Ao se realizar, as novas centralidades ampliam
a fragmentação do espaço urbano.
Com a fragmentação do espaço e o surgimento de novas centralidades os
acessos passam a ser estratégicos para a reprodução do capital. A circulação passa
a ser importante quando aliada à valorização/desvalorização porque amplia a
possibilidade de deslocamento de atividades econômicas para se realizar. O caráter
móvel da nova centralidade, especificamente do sub-centro especializadomonofuncional, segundo Carlos:
Uma vez esgotada/envelhecida pela efemeridade da moda (imposta
pelo consumo, pelo mundo da mercadoria) como consumo do
espaço, esvazia-se. Como a centralidade não se isola de uma
articulação mais ampla no espaço, o papel da rede de circulação,
que amplia os limites e possibilidades dos deslocamentos da
atividade econômica, permite a criação de lugares como nós de
fluxos importantes (CARLOS, 2001, p.179).
Na cidade contemporânea, as diferença e desigualdades articulam-se no
processo de apropriação espacial, definindo uma acessibilidade que é, sobretudo,
simbólica e hierárquica. Tais diferenças entre os modos de morar, o tempo de
locomoção, o acesso à infra-estrutura, ao lazer, à quantidade de produtos
consumidos, são contradições inerentes a uma sociedade de classes manifestadas
na vida cotidiana (CARLOS, 1994).
Nos países capitalistas, notadamente nos periféricos, a expansão das cidades
grandes e médias vem sendo norteada pela lógica da propriedade privada, loteada,
vendida aos pedaços como produto mercadoria. As pessoas ocupam espaços de
acordo com o poder aquisitivo, implicando uma fragmentação-segregação sócioespacial:
30
Os diferentes usos da terra urbana revelam um espaço,
simultaneamente, fragmentado e articulado, condicionante e reflexo
social, campo de lutas entre as classes sociais e cheios de
símbolos, definem as diferentes áreas da cidade e, dentre elas,
aquelas que estão reservadas à futura expansão (CORRÊA, 1989,
p.11).
Diferentes lógicas cruzam a cidade, reorganizando o território. Praticadas por
agentes “concretos”, como proprietários dos meios de produção e fundiários,
promotores imobiliários, Estado e grupos sociais excluídos. Agentes que produzem e
consomem espaço, cuja ação é “complexa, derivando da dinâmica de acumulação
de capital, das necessidades mutáveis de reprodução das relações de produção e
dos conflitos de classe que dela emergem” (CORRÊA, 1989, p.11).
No processo de expansão das cidades, a relação centro-periferia marca o
espaço social em suas contradições. A relação centro-periferia foi concebida
estrategicamente pelo Estado para a reprodução do capital. O centro inclui e atrai os
elementos que o constituem: mercadorias, capitais e informações. “Mas tais
elementos constituintes logo saturam. Por outro lado, o centro exclui os elementos
que ele domina: os “governados”, “sujeitos” e “objetos” e que o ameaçam”
(LEFÉBVRE, 1999, p. 22-23).
A justaposição centro-periferia é um fenômeno contemporâneo nas diferentes
cidades do mundo capitalista segundo o modo de urbanização impressa. Trata-se de
um modelo fragmentário e segregacional, visto serem planejadas cidades ideais que
vão entrar em conflito com as cidades reais, sob a égide de um novo pensamento
único e seguindo um modelo norte-americano no qual privilegia a privatização dos
espaços públicos (CALDEIRA, 2003).
No Brasil, a discussão sobre a expansão urbana emerge, sobretudo, no final
da década de 1970. A crítica ao chamado “modelo brasileiro” é uma marca
31
característica das pesquisas que surgem nesse período se, por um lado, procuram
demonstrar as relações entre as características particulares da metropolização e a
reprodução do capital na economia brasileira, por outro, procuram evidenciar uma
dinâmica social que reproduz e acentua as desigualdades sociais (RIBEIRO; LAGO,
1994).
Surge, então, o modelo “periférico” caracterizado pela segregação social das
camadas populares de mais baixa renda e suas características contextuais de
habitação associadas às regiões mais distantes e desvalorizadas da cidade. O termo
“periferização”, portanto, passa a ser entendido como um paradigma teórico que
abre mão da descrição física e procura tratar a segregação das camadas sociais de
baixa renda aos espaços periféricos da economia urbana.
A maior parte das cidades brasileiras apresenta problemas em comum:
carência generalizada de habitação, saneamento, transportes e demais serviços
urbanos. Estruturalmente, caracterizam-se pela ocupação desigual: concentração
em vastas superfícies, entremeadas de vazios, gerando um modelo centro-periferia.
As periferias sem infra-estrutura originam diferenças no valor da terra das áreas
centrais alimentando a especulação imobiliária. A problemática especulativa é
fortalecida pelo processo de expansão, com a criação de novas periferias urbanas
num verdadeiro círculo vicioso, fortalece o processo de expansão da área urbana,
criando novas periferias, e perpetuando a problemática (SANTOS, 1993).
Acrescenta-se a essa problemática a ilegalidade da propriedade do solo
urbano que ganhou destaque nas discussões sobre a expansão urbana no Brasil.
De acordo com Maricato, na oposição entre cidade real e cidade legal,
o uso ilegal do solo e a ilegalidade das edificações em meio urbano
atingem mais de 50% das construções nas grandes cidades
brasileiras, se considerarmos as legislações de uso e ocupação do
32
solo, zoneamento, parcelamento do solo e edificação (MARICATO,
1996, p.21).
A ilegalidade em relação à propriedade da terra na cidade contribui para
noção de exclusão social. A regularidade urbanística está vinculada aos serviços
urbanos, desde a infra-estrutura básica ao exercício de cidadania. É também um
fator definidor do padrão de segregação sócio-espacial que caracteriza as cidades
brasileiras. As diversas localizações urbanas, resultantes do processo de produção
da cidade, assumem diferentes preços, estabelecidos pelo mercado imobiliário.
A cidade que ora expande na explosão não é a cidade obra, apropriada por
seus cidadãos, mas produto do capital, no qual o valor de troca predomina sobre o
valor de uso. Portanto uma cidade, lócus da reprodução das relações sociais de
produção e das contradições sócio-espaciais.
De origem histórica, a cidade monocêntrica resiste, mesmo com as
transformações que a modernidade implanta e impõe. Hoje, reconstruída sobre si
mesma constantemente para maximizar a reprodução do capital, “se contrapõe
àquela, pelas justaposições sucessivas, que aparecem como mosaicos desconexos.
Reafirmam-se em novas centralidades que se condensam e se dispersam pelo
espaço urbano” (SEABRA, 2004, p.184).
Com as novas centralidades, surge a cidade poli (multi) cêntrica.
Revela-se uma nova forma de expressão no espaço, um novo
padrão de segregação espacial e desigualdade social na cidade,
substituindo aos poucos o padrão dicotômico centro-periferia (ricopobre) pelo modelo de enclaves fortificados (CALDEIRA, 2003, p.
211).
A cidade, antes compacta, concêntrica, agora se esgarça, ultrapassando os
seus limites. A sociedade urbana, antes circunscrita a uma morfologia histórica,
33
agora vem se organizando e se distribuindo em espaços regionais, num permanente
processo de desconcentração. A cidade contemporânea passou a ser amorfa,
disforme pelas justaposições sucessivas de diferentes lógicas contraditórias, explica
Seabra:
Nela [Cidade] sucedem-se quase indefinidamente, espaços super
funcionalizados numa sucessão de homogeneidade, geralmente
sistêmicas que formam as pesadas estruturas. Estas se sobrepõem,
recortam, fragmentam e quebram formas progressivas de
organização do espaço (bairros, subúrbios, etc.) (SEABRA, 2004, p.
195).
Partir da discussão sobre centralidade faz-se necessária para qualificar o
processo de expansão urbana de João Pessoa, especialmente na ocupação, uso e
domínio do vale do rio Jaguaribe e seu entorno, quando seu significado revela jogos
de forças hierárquicas e globais no território.
O padrão periférico de crescimento contraditoriamente foi responsável pelo
aumento das tensões sociais urbanas em João Pessoa.
Para Gonçalves (1999, p.49):
Esse quadro de contradições urbanas, combinadas com a crise de
legitimidade política do Estado, fez com que os três primeiros anos
da década de 1980 fossem marcados pelo maior acirramento de
conflitos em torno da produção, apropriação e gestão urbanas até
então verificado na história da cidade.
Nos últimos anos, com a rápida expansão urbana da cidade, a segregação e
fragmentação do espaço ficaram mais evidente, assim como os seus impactos
sócio-ambientais, ainda mais acentuados. É a fase denominada por Madruga (1992),
34
de João Pessoa, do ”além Jaguaribe”. Com a fragmentação do espaço têm-se
origem as novas centralidades.
A origem das comunidades São José – Chatuba e a centralidade do bairro de
Manaíra como entorno mais valorizado encontra-se na fase denominada por
Madruga (1992), de João Pessoa, do ”além Jaguaribe”. Entretanto, a partir da
década de 1980, tem início um celeiro processo de fragmentação e reestruturação
do seu espaço urbano, originando novas centralidades e discursos em defesa de um
novo pensamento único.
As comunidades São José – Chatuba passa a ser mais visível na fase em que
o vale do rio passou a ser destaque não só por abrigar algumas permanências como
favelas e vacarias, mas por ter uma relação mais direta com o consumo e sofrido
uma
fragmentação
do
seu
espaço.
Hoje
em
dia
verificam-se
algumas
especializações no vale: comercial, residencial, serviços, industrial, etc.
Nesse sentido, as diferentes estratégias forjadas nos planejamentos ou
políticas urbanas vêm se materializando, especialmente com a implantação de vias
de trânsito rápido a exemplo da implantação da BR-230 e outras vias que ora
cortam, ora margeia o vale, num cruzamento de lógicas que vem se diferenciando
dos ritmos lentos daquelas comunidades dando maior visibilidade às contradições
do Estado.
O discurso do Estado intervencionista e do Estado reflexivo tal como descrito
por Giddens (1991), apresenta-se carregado de contradições, forja modelos de
“planejamento urbano”, estabelece políticas urbanas pautadas no nexo habitaçãocirculação, favorecendo a lógica do consumo em detrimento da lógica social,
imprimindo novas práticas de segregação.
35
1.2 As concepções e discursos do Estado e as políticas urbanas no Brasil
O discurso do Estado carregado de contradições, Giddens (1991), de
símbolos e interesses “é determinante na dinâmica cotidiana de produção e
reprodução do espaço“ (MOURA; KARNIN, 2001, p. 66). O discurso não pode ser
dissociado da ação. Nesse sentido, para ações diferentes existem diferentes
discursos: discursos do dia-a-dia e de reuniões informais, os discursos específicos
ou oficiais e a idéia de discurso competente ou instituído (CHAUÍ, 2003).
Portanto, o discurso, para que seja efetivamente aceito pela
sociedade, deve seguir determinados rituais, sob pena de exclusão.
Por isso as práticas discursivas devem estar emolduradas por
elementos ritualísticos que conferem ao discurso maior ou menor
densidade de verdade e, por conseguinte, de aceitabilidade
social (CHAUÍ, 2003, p. 07).
Os discursos, específicos ou oficiais são freqüentemente associados a
determinadas comunicações, mais impermeáveis, herméticos e passivos de menor
transformação, porque atendem ao propósito de reiterar códigos de poder. Entendese, nesta dissertação, o discurso enquanto estratégia do poder hegemônico e do
Estado, como elemento da ação e de sua realização. As ações dependem de
discursos para se legitimarem na vida social e os dois se completam. Para Santos,
O discurso das ações e o discurso dos objetos às vezes se
complementam como base de desinformação e de contra-informação
e não propriamente da informação... Por exemplo, o discurso como
base de uma ação comandada de fora que leva a construir uma
história através de práxis invertida (SANTOS, 1996, p.181).
No final da década de 1970 e nos anos de 1980 e 1990, o Estado passou por
uma crise econômica, mais especificamente fiscal, segundo Anderson (1995) e
36
Bresser Pereira (1998). Caracteriza-se por ser uma crise do Estado da Providência,
nos países centrais, do Estado Desenvolvimentista, nos países periféricos e do
Estado Planificado, nos países de orientação socialista.
Na polêmica envolvendo a “Crise do Estado” destaca-se a manifestação
contraditória dos discursos sobre a natureza e o papel do Estado Keynesiano e do
Estado neoliberal. Nesse contexto, inserem-se também, as concepções marxistas
que buscam responder as seguintes questões: como identificar a natureza e o papel
do Estado nas sociedades capitalistas avançadas de hoje? Conferindo importância
no debate marxista contemporâneo.
Predomina no interior do pensamento marxista bem como dos autores
contemporâneos que estudam a Crise do Estado, a idéia gramsciana de Estado
ampliado, isto é, de que o Estado não se resume ao seu aparato repressivo e à
Sociedade Política, mas também às diferentes instituições da Sociedade Civil,
através do qual a hegemonia se dá por consenso.
O debate entre os marxistas surgiu nos anos de 1970 através de diferentes
concepções, destacando-se o Estado: como regulador da competição econômica
(MANDEL, 1975), distinção entre poder político e aparelho político (ALTHUSSER,
1971), distinção entre funções e natureza do Estado capitalista (CLARK; DEAR,
1981), como estrutura condensada das relações de poder (POULANTZAS, 1976),
instrumento da classe dirigente (MILIBAND, 1973), natureza das funções ou da
estrutura da tomada de decisões (OFFE; ROUGE; HOLLOWAY, 1975, 1979). Sendo
Castells (1977) e Lefébvre (1974, 1976) os dois expoentes da discussão entre
Estado e espaço, para (GOTTDIENER, 1993).
O Estado Keynesiano ou do “Bem Estar Social” no primeiro mundo, e o
“Estado Desenvolvimentista”, na América Latina e nos países do capitalismo
37
periférico, caracterizou-se pela intervenção direta na economia mediada pelo
planejamento, de forma a garantir o pleno emprego por meio de uma série de
medidas: obras públicas, tarifas protecionistas, diminuição das taxas de lucro,
subsídios agrícolas, etc.
Nos países periféricos, especialmente os da América Latina, desde o início
dos anos 80, o modelo neoliberal foi imposto de forma mais direta. Desenhou-se um
programa compacto de políticas e reformas perfeitamente alinhadas com a
hegemonia dominante dos países centrais através do Consenso de Washington.
Programa para a América Latina propondo rigoroso esforço de equilíbrio e
austeridade fiscal ao máximo, o que passa inevitavelmente por um programa de
reformas administrativas, previdenciárias e fiscal, e um corte violento no gasto
público.
Sob a égide do sistema capitalista, a produção do espaço urbano tem no
Estado o seu principal agente reestruturador. Assim o espaço adquire um caráter
estratégico, isto é, o Estado regulador impõe relações de produção sob a forma de
dominação do uso do solo urbano imbricando espaços dominados/dominantes para
assegurar a reprodução da sociedade como reprodução continuada do capital e do
poder do próprio Estado.
Com as novas contradições do / no espaço resultante da ação estruturadorareestruturadora do Estado no território, toma-se por base as reflexões lefebvrianas
por acreditar que elas são fundamentais para analisar o papel do Estado no espaço
urbano contemporâneo.
É por essa concepção que se pretende entender as
estratégias de segregação institucional nos discursos das políticas de habitação e
transportes, como em relação às comunidades no vale do rio Jaguaribe.
38
O Estado não pode ser concebido como um agente regulador de conflitos de
classe, sem uma perspectiva de agente da reprodução do espaço. De um ponto de
vista lefebvriano o Estado é uma estrutura a serviço do poder. Por isso é
fundamental entender o Estado para além do racionalismo hegeliano. O Estado atua
concretamente na produção do espaço, como elo de conexão entre os interesses do
capital e o espaço apropriado de reprodução. Concordando com Lefébvre,
Gottdiener assinala:
O Estado é uma forma hierárquica dotada de abstração concreta de
poder, numa relação de subordinação-dominação que é então
utilizada por burocratas para controlar a sociedade. Além disso, ele
concebe sua essência, a tarefa concreta de dominação, da mesma
forma que realiza o poder econômico, destruindo ou substituindo o
espaço social pelo espaço instrumental (GOTTDIENER, 1993. p.
146).
Nesse sentido, o espaço não é neutro, mas torna-se um campo de ação das
forças políticas entre o espaço social e o espaço abstrato. É através da relação de
poder e de dominação exercida pelo Estado capitalista sobre os homens, que se
confere o caráter opressivo do Estado. Por esse ângulo argumenta Lefébvre:
O que é o Estado? Uma estrutura, diz os cientistas políticos, a
estrutura de um poder que toma decisões. Sim, mas devemos
acrescentar: uma estrutura espacial. Se não levamos em conta essa
estrutura espacial e seu poder, retemos apenas a unidade racional
do Estado; voltamos ao hegelienismo. Somente os conceitos de
espaço e de sua produção permitem que a estrutura de poder atinja
o concreto. É nesse espaço que o poder central elimina qualquer
outro poder, que uma classe no poder alega suprimir as diferenças
de classe (LEFÉBVRE apud GOTTDIENER, 1993, p.146).
A ação do Estado na produção de novas relações, além da econômica, dá
origem a uma produção política da sociedade. Esta produção política viabiliza-se
39
pela formação de instituições governamentais, fundamentais para o funcionamento e
as necessidades da sociedade definidas por uma organização, como explica
Lefébvre:
Então a organização suscita um interesse político, que a transforma
em instituições. O movimento que cria as organizações é de baixo
para cima. As instituições são de cima para baixo. Ela comporta a
intervenção ou estabelecimento de uma autoridade específica. Num
certo sentido, o Estado mesmo resulta da institucionalização da linha
social constituída para a troca. Mas as necessidades sociais que
surgem com a generalização da troca, em primeiro lugar com a
produção industrial, são numerosas (LEFÉBVRE, 1976, p.140).
O Estado possui múltiplas funções não só políticas, mas também econômicas.
No espaço urbano, o Estado vem administrando diferentes ramos da economia,
mediando tensões sociais no propósito de dar sustentação ao processo de
reprodução do capital. Reside aí a origem do Estado intervencionista, empenhado
na reprodução das relações sociais através do desaparecimento do tradicional
espaço social.
O papel contraditório do Estado caracteriza-se, por um lado, pela necessidade
de preservar o espaço social, em face da vitória do valor de troca sobre o valor de
uso. Por outro, propõe modelos de planejamento que assegurem a dominação e às
vezes a destruição do espaço social, garantindo a reprodução-acumulação do
capital. Tal concepção de Estado intervencionista lefebvriana é destacada por
Gottdiener:
Sendo o Estado uma “superestrutura de poder”, suas intervenções
inauguram a destruição do espaço social e a forma compacta,
confinada de cidade. O Estado está aliado não só contra a classe
trabalhadora ou mesmo contra frações do capital, ele é o inimigo da
própria vida cotidiana - pois produz o espaço abstrato que nega o
espaço social que suporta a vida cotidiana e a reprodução de suas
relações sociais (LEFÉBVRE apud GOTTDIENER, 1993, p.148).
40
As investigações urbanas sobre a relação entre Estado e espaço preservaram
o enfoque na intervenção. “O planejamento urbano foi considerado por Lefébvre
como uma máscara ideológica que seduz a classe trabalhadora a acreditar que a
intervenção estatal sobre o meio ambiente, promove de fato a representação de
seus interesses na sociedade” (GOTTDIENER, 1993 p.137-138).
No plano da ordem estabelecida, a ação do Estado, via poder local, interfere
no processo de produção da cidade. Segundo o pensamento lefebvriano, é nesse
plano que o espaço abstrato domina o espaço social, um espaço produzido que
assume a característica de fragmentado (pelo uso do solo), hierarquizado (pela
divisão espacial do trabalho) e homogêneo (pelo controle oficial) e revela uma
contradição: a segregação.
Lefebvre (1991) confere ao espaço homogêneo – “concebido” – um caráter
abstrato, em contraposição ao espaço absoluto, o espaço vivido/percebido das
representações e das práticas espaciais cotidianas. Produto da violência e da
guerra, o espaço abstrato é instituído pelo Estado. Ele serve de instrumento para
que os detentores do poder – político e econômico – destruam tudo aquilo que
representa ameaça e resistência, abrindo caminho para homogeneização das
diferenças.
Entende-se que esse espaço abstrato torna-se concreto no espaço via
discursos
instituídos
que
se
transformam
em
ações
normalizadoras
e
homogenizantes em suas diferentes escalas espaciais, procurando administrar a
cidade e seus habitantes, segundo discursos que tendem a impedir uma busca
efetiva de compreensão da problemática urbana.
41
O planejamento urbano é uma tomada de decisão, um processo
político, manifestado através das políticas urbanas ou intervenções
do urbanismo, oficial ou “policial”, no dizer de Alain Lipietz,
explicitadas por prioridades, envolvendo escolhas, compromissos e
pactos em cada cidade. Portanto, questionar o urbanismo é
democratizar a urbanização (SOUZA, 1988, p.56).
No Brasil o planejamento urbano pauta-se em instrumentos urbanísticos,
tendo nos planos e leis, seus representantes mais pragmáticos, que se tornaram
“opções” racionalizadoras para solucionar as mazelas sociais. Contudo, muitos
desses planos só tiveram a pretensão de fornecer receituários para orientação do
ambiente construído, não enfrentando as questões sociais.
Existe, de fato, uma ampla legislação urbanística, que oferece aos governos
um imenso leque de possibilidades em promover o melhoramento das cidades.
Todavia, as legislações, os planos e a centralização, no encaminhamento da
discussão urbana, não responderam às questões conflitantes dentro do contexto
socioespacial, como acesso ao mercado imobiliário legal e melhoria dos transportes
das classes trabalhadoras.
Um dos motivos pelo qual isso acontece é que entre a Lei e sua
aplicação há um abismo que é mediado pelas relações de poder na
sociedade. Uma “flexibilidade” que inspirou também o “jeitinho
brasileiro” e ajudou a adaptar uma legislação positivista, moldada
sempre em modelos estrangeiros, a uma sociedade no qual o
exercício do poder se adapta às circunstâncias (MARICATO, 2001, p.
42).
A partir de 1970 podem-se distinguir no Brasil, pelo menos dois momentos de
experiências de planejamentos urbanos. O primeiro concebido pela “política
desenvolvimentista”, implantada pelo Estado autoritário com destaque para o
planejamento urbano modernista. Um discurso que:
42
Aspirava transformar a cidade em um único domínio público
homogêneo patrocinado pelo Estado, eliminar as diferenças para
criar uma cidade racionalista universal, dividida em setores de acordo
com as funções urbanas: residência, trabalho, recreação, transporte,
administração e cívica (CALDEIRA, 2003 p. 311).
O planejamento estatal nas décadas de 1960 e 1970 se caracterizou por um
centralismo de caráter autoritário através da Ditadura Militar calcada numa visão
tecnocrata de execução de planos. Nesse contexto, “as intervenções estatais devem
ser consideradas por meio da análise da legislação e dos planos e projetos
praticados” (MORAIS, 1999, p.26). Por meio de legislações o Estado cria limitações,
impedindo ou induzindo os diferentes usos do solo, orientando tendências que
atendam os interesses do capital.
Na perspectiva do mercado de habitação e da acessibilidade, verificou-se no
Brasil, uma política intervencionista estatal, com a criação do BNH e do SFH, como
órgãos mediadores para que o circuito secundário de acumulação desempenhasse
um papel ativo na preservação do ciclo de super acumulação, associada a uma
política de transportes, dentro de um macro projeto de governo denominado de
“integração nacional”. Damiani (2001), Lanni (1997), Maricato (2001) e Singer
(1998).
O modelo particular de política habitacional promovida no Brasil no
pós-64 supôs pesada intervenção estatal constituindo-se num dos
setores privilegiados de atuação do regime militar. Contudo, o
mercado da promoção imobiliária foi segmentado em duas grandes
vertentes, operados por agentes distintos e direcionado a públicos
diferentes: uma vertente, à população de renda média e alta, foi
atendida pelos agentes privados do sistema e regulados pelo Estado.
A outra vertente voltada para a população de baixa renda atendida
por agências estatais associados com empresas privadas de
construção (ARRETCHE, 1990 p. 23).
43
João Pessoa passou a ter um ritmo mais acelerado de urbanização, sob o
signo de uma política habitacional que tinha como discurso solucionar o problema da
moradia para a classe trabalhadora. Porém, ao contrário do que se supunha, a ação
do poder público, ainda que delineada por políticas sociais de combate à pobreza,
não só interferiu nos preços do solo urbano e na maior valorização dos espaços
dotados de infra-estruturas, como estimulou exemplarmente a lógica da empresa
privada, um modelo de Privatização do Estado3 (ARRETCHE, 1990).
As políticas de habitação e transportes foram importantes no processo de
reestruturação do espaço urbano das grandes e médias cidades brasileiras. Na
cidade de João Pessoa, as políticas intervencionistas do Governo federal, direcionou
a expansão urbana para além dos eixos tradicionais, dando origem a periferização
do espaço da cidade.
Desde as últimas décadas do século XX observa-se a transformação do papel
do Estado, diante da passagem do Estado Keynesiano para o Estado Neoliberal e
pela Globalização. O processo de reestruturação urbana está ligado às
necessidades que se renovam. Nas cidades brasileiras, as novas formas urbanas
que originam novos arranjos são reflexos dessa condição, criando formas exclusivas
e rígidas, constituídas por uma prática social e uma racionalidade cada vez mais
pautada na crescente ação hegemônica.
As ações contraditórias do Estado como agente principal no processo de
reestruturação do território, em especial, das cidades brasileiras, realiza-se pelo uso
de estratégias, a exemplo dos instrumentos urbanísticos, destinadas muito mais
atender a reprodução ampliada do capital do que equacionar a problemática do
espaço social.
3
Para Arretche (1990, p.34), No Brasil, esse fenômeno ou modelo de política habitacional, traduz o
caráter privatista da ação estatal resultante da inserção de interesses de segmentos produtivos
privados no interior do sistema.
44
A cidade de João Pessoa vem passando por uma reestruturação econômica,
por isso vem mudando as relações dos empreendedores da classe capitalista em
busca de atender as necessidades das novas centralidades que surgem. Nesse
contexto busca-se entender o papel do Estado neoliberal.
Na década de 1970, a questão urbana no Brasil teve uma importância política
dentro de um quadro de crises sócio-econômicas e ambientais mais gerais. Na
década seguinte, é colocada em novas bases valendo-se de iniciativas de unificação
das lutas populares às questões da vida nas cidades, tendo como princípio o "direito
à cidade" ou "direito à cidadania", a "gestão democrática da cidade" e a "função
social da cidade e da propriedade". Estes princípios estão baseados numa leitura
das cidades cujo padrão de produção, ocupação e gestão, são marcados pela
mercantilização do solo, da moradia, do transporte de massa e dos demais
equipamentos e serviços urbano, apoiado pelo Estado, através de políticas,
controles e mecanismos reguladores e discriminatórios.
O conceito de descentralização entrou em cena a partir de meados da década
de 1970, como alternativa à crise do Estado social experimentado pelos paises
centrais após um período conhecido como os Trinta Gloriosos.4 Nos paises latinoamericanos essa alternativa de mudança do Estado e da sociedade ganhou
destaque a partir dos anos 80. No Brasil a questão da descentralização pode ser
evidenciada pela Constituição Federal de 1988.
O significado geral da descentralização como transferência do poder central
para outras instâncias de poder, constituindo um processo estratégico de
reestruturação do Estado, é predominante. Porém, o discurso oficial, em nome de
4
Significa dizer que foram três décadas, praticamente ininterruptas de crescimento econômico da
história contemporânea.
45
uma fabulosa governança urbana, procura justificar a descentralização, provocando
discussões em torno da valorização/desvalorização nas escalas de poder.
Moura (2003) chama atenção a respeito da valorização de determinadas
escalas de poder em detrimento de outras. É dominante na interpretação das
relações cidade/mundo as escalas local e global em detrimento do regional e do
nacional. Em âmbito internacional, o nível de poder municipal tem sido o foco dos
discursos para a busca de soluções locais, nacionais e mesmo globais no mundo
contemporâneo.
O Fórum de Reforma Urbana que teve sua origem na década de 1980 ligadas
através da articulação de diferentes entidades em torno da proposta de iniciativa
popular foi o motor principal de aprovação do Estatuto da Cidade. Porém, como
afirma Maricato:
A experiência brasileira mostra, no entanto, que conquistas formais
legais nunca serão suficientes. Todos reconhecem que no Brasil há
leis que pegam e leis que não pegam, tudo depende do que se trata
e de quem se trata, ou seja, tudo depende dos interesses em jogo
(MARICATO, 2002, p.92).
Uma sociedade baseada em tradições culturais e sociais autoritárias como a
sociedade brasileira não consegue eliminar interações violentas oriundas da própria
sociedade, nem práticas ilegais do aparelho do Estado. Tal aparelho não é neutro e
reflete as ilegalidades generalizadas na prática de uma sociedade que tem como
regra o arbítrio.
O Estatuto da Cidade, com base no seu artigo 182, instrumentaliza os
municípios para que estes garantam, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, o
desenvolvimento das funções sociais das cidades e o bem-estar de seus habitantes,
definindo como instrumento legal de política urbana os Planos Diretores.
46
O Estatuto da cidade, aprovado pelo Congresso Federal em julho de 2001,
passou a ser celebrado como marco para uma reforma urbana no Brasil, por trazer
inovações no campo da legislação, gestão urbana e regularização fundiária. Por
outro lado, possui dispositivos que podem, contraditoriamente, revelar contornos
perversos. Nesse sentido, as possibilidades abertas por este instrumento legal para
o combate eficaz contra uma propalada desordem urbana exigem o reconhecimento
crítico do discurso e práticas que referenda e legitima (LIMONAD, 2003).
O Plano Diretor é um instrumento de racionalidade e servirá de base para que
os
municípios
desenvolvam
suas
competências
de
promover,
adequado
ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento
e da ocupação do solo urbano. Acredita-se que isso só será possível se
fundamentado na vontade de toda população, caso contrário nada mais será do que
apenas uma reprodução do “direito” urbanístico.
Para o enfrentamento da problemática urbana contemporânea, os governos
municipais passaram a elaborar um amplo arcabouço de legislação urbanística, a
exemplo de planos e leis, com presumida participação popular e de entidades
organizadas, para aplicação de instrumentos que garantam a função social da
cidade proposta desde o Estatuto da Cidade. Ao mesmo tempo, são forjados
diferentes modelos de planejamentos urbanos que nada mais são do que discursos
ideológicos que tentam ocultar contradições, conflitos e interesses dominantes na
produção do espaço urbano.
Nas décadas de 1980 e 1990 ocorreu um processo de desmonte da
estrutura técnico-institucional, iniciada com o descrédito do modelo
de planejamento estatal centralizado, incapaz de planejar o
desenvolvimento e a organização territorial do Brasil. Tem-se uma
quase total incapacidade do governo federal na articulação das
diferentes políticas públicas, culminando com a extinção e o
47
abandono de órgãos e o descaso com o armazenamento de
informações (MORAIS, 1999, p.76-97).
O segundo modelo, inserido no projeto neoliberal tendo como exemplo as
propostas de planejamento estratégico e Orçamento participativo. O planejamento
neoliberal atinge sua expressão mais forte quando procura vender a imagem da
cidade para os investidores, à moda de Barcelona, que é tida como o protótipo da
Cidade ideal para atrair investimentos. Para isso utiliza-se do chamado
planejamento estratégico. Trata-se de um planejamento que considera a cidade
como um organismo independente das relações sociais e das formas de apropriação
e produção do urbano, vislumbrando-se uma nova questão urbana: produtividade e
competitividade.
É como se a cidade fosse uma mercadoria, ou uma empresa, ou uma pátria,
segundo Vainer (2002) deve -se fazer um debate sério e rigoroso sobre este modelo
de planejamento urbano com articulação dessas três analogias constitutivas as
relações sociais estão ocultas e o discurso da construção de uma cidade, paradoxal.
O planejamento estratégico emerge no contexto do neoliberalismo
como um novo instrumento de gestão urbana sobrepondo-se às
políticas públicas tradicionais, trata-se de um modo de planejar a
cidade introduzindo e naturalizando conceitos, mistificando práticas
sociais e difundindo a ideologia do pensamento único (ARANTES,
2000 p.18).
Outra vertente, o planejamento participativo, criado na Constituição de 1988,
assemelha-se a uma peça de ficção em razão do seu caráter genérico, é a caixa
preta das prefeituras, e sua fragilidade na aplicação pelo Governo local, em face das
manobras políticas existentes entre o Executivo e o Legislativo, verdadeiramente, os
representantes dos interesses privados. Acredita-se na nova vertente de
48
planejamento como sendo mais uma “invenção política”, que avança com a
finalidade de ultrapassar a democracia representativa.
“A década perdida para o planejamento urbano em João Pessoa” segundo
Honorato (2003) refere-se ao período compreendido entre 1990 e 2000,
caracterizado pela falta de reflexões para o redimensionamento do Plano Diretor,
elaborado em 1994, que já deveria ter sido revisado na virada do milênio. E de
ações competentes das políticas urbanas para o município de João Pessoa.
Em João Pessoa a partir da década de 1990 as ações do Estado vêm sendo
forjadas através das políticas urbanas, que se caracterizam, ora pela repressão,
violência, na produção dos fixos, ora pelo assistencialismo/populismo, ora pelo
descaso, ora pelo planejamento estratégico.
Ao anunciar o Plano Diretor como instrumento estratégico para orientar o
desempenho dos agentes públicos e privados na produção e gestão do espaço
urbano, objetivando assegurar o desenvolvimento integrado das funções sociais da
cidade, garantir o uso socialmente justo da propriedade e do solo urbano e
preservar, em todo o seu território, os bens culturais, o meio ambiente e promover o
bem estar da população (PLANO DIRETOR DE JOÃO PESSOA, 1992, p. 01). Para
Honorato (2003), Passados 11 anos, o que se vê é um desrespeito total às regras
urbanas pelo mau uso dos espaços público e privado por falta de ação fiscalizadora
municipal.
No caso do vale do Jaguaribe identificam-se algumas contradições do Estado
entre os seus discursos e suas ações a partir do momento que ele confina ou
segrega as comunidades que localmente se apropriaram, através das estratégias
como: vias de trânsito rápido, pontes, muros, falta de emprego, etc. Numa relação
espaço-tempo pelo choque de temporalidades (tempos lentos e rápidos). E da
49
exclusão: pela presença do carroceiro, transeunte a pé, comunidade indo para a
escola, etc.
1.3 Território urbano, segregação e resistência: campo de luta e lócus da
cotidianidade das comunidades
Analisar o processo de resistência das comunidades pelo direito ao entorno
no vale do rio Jaguaribe, em João Pessoa - PB, passa, obrigatoriamente, pela
discussão do território, como campo de lutas e lócus da cotidianidade. O espaço
cotidiano (o entorno) aparece como um campo de possibilidades, o lugar,
essencialmente, da prática sócio-espacial.
A concepção de território implica na possibilidade em construí-lo e
desconstruí-lo para além do poder do Estado. Partindo desse pressuposto,
considera-se o território como delimitado por relações de poder entre diversos atores
que vão territorializando as suas ações. Notadamente nesta pesquisa, os principais
atores envolvidos são: as comunidades e o Estado.
Para Milton Santos o território usado é uma categoria analítica. É o espaço
vivido dos homens, o teatro da ação, de todas as empresas e instituições, o espaço
banal. Portanto, não significa apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas
de coisas superpostas, mas o seu uso, que faz dele um objeto de análise social:
O que importa não é o território em si, senão o território usado, o
chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer
àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho, o
lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício
da vida (SANTOS, 2002, p.08).
50
O Estado exerce a função de regulador de territórios, do seu território e
muitas vezes de outros que não fazem parte do seu espaço contínuo. A importância
de sabermos o papel e o poder do Estado no processo de dominação territorial,
frente às novas territorialidades que vem surgindo nos últimos anos é essencial para
compreendermos a extensão, quantitativa e qualitativa, das resistências das
comunidades urbanas excluídas e segregadas na sua vida cotidiana.
O território usado e o cotidiano vivido constituem o campo de luta dos pobres.
A vida real, concreta, com necessidades, carências, são os pressupostos básicos na
elaboração de “suas políticas”, constituídas tomando-se na base da visão de mundo
e dos lugares. Por outro lado, as “políticas ideais”, institucionalizadas e
fundamentadas nas ideologias do crescimento, formuladas pelo Estado e pelas
empresas, são estranhas aos pobres. Entretanto, pela centralidade do lugar, ambas
se encontram e nesse momento, a ideologia do consumo também alcança os pobres
gerando novas contradições e inconformismos.
O cotidiano é concebido como a dimensão constituída e instituída pelo
“vivido”. A vida cotidiana não acontece sem o “uso” que se faz do espaço e do corpo,
mas também da “repetição” dos afazeres de todos os dias Lefébvre (1999) e Seabra
(2004). Porém, se o cotidiano faz-se da “repetição” (da mesmice), ele dá margem
para o conflito e para o surgimento do novo, a “insurreição do uso”. O cotidiano
remete à proximidade de uma situação de vizinhança.
Segundo Santos (1996a, p. 255), “em uma análise da situação de vizinhança,
a proximidade cumpre um papel fundamental enquanto base da “sociabilidade” e
geradora da solidariedade e da identidade”.
51
Para Santos (1996, p.10):
O cotidiano é uma importante dimensão do espaço se considerado
como portador do passado, das rugosidades ou condições préexistentes, do presente, pela constante mutação e do futuro, como
projeto ou possibilidades. Nessa perspectiva, lançar um olhar ao
cotidiano é entender os modos de vida, a proximidade e a
resistência.
Segundo Martins (1992, p.19) “é por meio do cotidiano vivido que os sujeitos
excluídos têm a oportunidade de fazer História”.
Uma das reflexões teóricas sobre a noção de exclusão social é oriunda da
concepção de marginalidade, procurando explicar a existência de grandes
contingentes de trabalhadores urbanos nos países latino americanos não incluídos
na economia moderna, tornando-se mão-de-obra excedente. São desempregados
irrelevantes para a economia, expulsos do seu setor dinâmico.
As teorias da exclusão contemporânea aproximam-se da teoria da
marginalidade pela semelhante reprodução de bolsões de pobreza. No entanto,
mostra-se distante quanto à escala espaço-temporal. A marginalidade se
desenvolveu nos países capitalistas periféricos no pós-guerra, enquanto a exclusão
surgiu como um fenômeno mundial que tomou visibilidade e substância somente a
partir da crise econômica que teve origem na década de 70, com o aumento
vertiginoso das desigualdades sociais a exemplo da massificação da pobreza.
A polêmica em torno da noção de exclusão pode ser evidenciada em autores
como Robert Castel (1997) e José de Sousa Martins (1997). Castel designa a
exclusão como sendo uma privação, uma situação imóvel, um fenômeno ocorrendo
nas margens da sociedade. Por isso, prefere substituí-la por désaffiliation, visto que
se a exclusão torna-se visível à margem da sociedade, a exclusão atinge o cerne da
52
mesma. Martins faz um convite a uma reflexão conseqüente sobre aquilo que
constitui o verdadeiro problema: o modo como se dá à inclusão numa sociedade que
fez da exclusão um modo de vida. Segundo Martins:
O problema da exclusão nasce com a sociedade capitalista. O
capitalismo traz como regra estruturante o desenraízamento e a
exclusão. A sociedade capitalista desenraíza, exclui, para incluir,
incluir de outro modo, segundo suas próprias regras, segundo sua
própria lógica. O problema está justamente nesta inclusão
(MARTINS, 1997, p. 32).
A nova pobreza, agora formada por um exército de excluídos surge sob o
signo do capitalismo reflexivo de Giddens (1991) e da globalização neoliberal de
Singer (1998). Portanto, da hegemonia crescente do capital, do desemprego, da
precarização do emprego, da vulnerabilidade econômica, da flexibilização produtiva,
das novas práticas de segregação sócio-espacial que se revelam na relação
dialética exclusão-inclusão defendida por Martins (1997).
As relações são impostas pela diferença, já a exclusão e a segregação
rompem essa relação, fragmentando o espaço urbano e o direito à diferença. A
segregação complica e destrói a complexidade. Retomando-se Lefébvre (1999), o
foco da análise recai no cotidiano do homem que vive numa relação espaço-tempo
fragmentado e segregado.
A expressão segregação socioespacial, vincula-se à problemática urbana, é
discutida por autores como Lefébvre (1999), Lojkine (1997), Caldeira (2003), Luchiari
(1999), Preteceille e Valadares (2000), Lago (2000) e Ribeiro (2000). Formando um
leque de tendências numa tentativa de elucidação desse fenômeno.
Em análise elaborada por Lago (2004) foi destacada a ausência de uma
discussão conceitual sobre a noção de segregação espacial urbana porque segundo
Lago (2004, p. 02-08) “parte significativa dos estudos utiliza uma visão bipolar na
53
perspectiva de mudança no padrão de segregação, caracterizada pela maior ou
menos distância física entre grupos sociais, onde a escala geográfica é o fator
central”.
Há uma ausência em conceituar o fenômeno da segregação que ora
é entendida como um processo inerente à ordem de mercado Ribeiro
(2000) e Lago (2000), ora à ordem institucional, Caldeira (2003).
Quanto ao caráter empírico da segregação, destaca-se o fenômeno
da concentração espacial dos diferentes grupos sociais, de caráter
quantitativo, Preteceille e Valadares (2000) e Ribeiro (2000), ou da
conformação tendencial de áreas socialmente homogêneas, de
caráter qualitativo Caldeira (2003) e Véras (1992) (LAGO, 2004, p.
02-08).
Uma tendência comum na análise da segregação espacial é sua relação com
vários processos sociais, entendidos como explicativos ou condicionantes do
fenômeno. Entretanto segundo Lago (2004, p. 02-08):
Predomina o enfoque das causas e não dos efeitos da segregação. A
concepção sobre o novo padrão de segregação, inclui uma avaliação
dos impactos desse novo padrão nas relações sociais tais como
redução das possibilidades de interação entre classes sociais,
práticas defensivas e a não vivência das diferenças.
Segundo Caldeira (2003) e Luchiari (1999), as regras que organizam o
espaço urbano e produzem a segregação varia, cultural e historicamente, revelando
uma separação forçada e institucionalizada como padrão de discriminação. Sendo
os enclaves fortificados, a principal expressão da nova prática de segregação sócioespacial.
A visão institucional concebe a segregação como diferenciação espacial
legitimada por normas legais ou sociais que conformam os enclaves fechados, por
barreiras físicas ou simbólicas. É preciso avançar nas discussões sobre a idéia de
um novo padrão de segregação, presente no debate atual limitado aos impactos
54
territoriais da reestruturação econômica e da exclusão social. É necessário refletir
sobre as suas conseqüências.
Os enclaves fortificados, presente no debate atual sobre os impactos
territoriais da reestruturação econômica e das novas práticas de exclusão-inclusão
social e desigualdade no interior da cidade, pressupõem a sobrevalorização da
dimensão institucional. Tais práticas são entendidas no campo de relações e
tensões, tanto Oliveira (1998), pela noção de descarte como Martins (1997), pela
noção de degradação. Ambas, como efeitos mais visíveis das políticas econômicas
capitalistas contemporâneas.
Essas práticas de segregação que surgiram a partir das últimas décadas do
século XX, ganharam graus de complexidade, Entretanto, tornou-se mais clara
examiná-las a partir da vida cotidiana, porque o cotidiano não pode passar sem
espaços e tempos apropriados, sem territórios exclusivos (SEABRA, 2004, p. 183).
Caldeira (2003, p. 211) destaca os enclaves fortificados que erguem muros e
criam uma ordem privada. Enclaves que mudam os padrões de residência,
consumo, trabalho e lazer, alterando o panorama da cidade, o padrão de
segregação espacial e o caráter do espaço público e das interações entre as
classes. Ainda em relação à segregação, fica evidente aquilo que é privado e restrito
contrapõe-se à desvalorização do que é público e aberto na cidade. Shopping
centers, centros de lazer, parques temáticos, condomínios são demarcados,
isolados, murados, voltados para o interior, socialmente homogêneos, negam a rua,
o público e conferem status (CALDEIRA, 2003).
Para Lefébvre, (1991 e 1999), a segregação deve ser focalizada, com seus
três aspectos, ora simultâneos, ora sucessivos: espontâneos, voluntários e
programados. A segregação programada ocorre quando o Estado intervém no
55
espaço através da implantação de infra-estrutura ou de políticas urbanas. Ao
planejar, atende aos interesses da reprodução do capital, ao mesmo tempo em que
institucionaliza e promove a segregação urbana.
Entende-se, que políticas urbanas como as de habitação e transportes podem
influenciar não só na valorização-refuncionalização do vale e seu entorno para o
consumo. Como explicar os conflitos resultantes das estratégias de segregação
impostas pelo Estado, produtor de racionalidades e as estratégias de resistência das
comunidades locais pelo direito à cidade.
Nesse sentido o conceito de resistência é referenciado em Foucault (1984, p.
226):
Segundo o qual, ela não constitui uma substância, pois ela não é
anterior ao poder que (...) enfrenta. Ela é coextensiva a ele e
absolutamente contemporânea (...). Para resistir, é preciso que a
resistência seja como o poder... Tão inventiva, tão móvel, tão
produtiva quanto ele. Foucault.
Na visão foucaultiana estão presentes relações objetivas/subjetivas que
asseguram a produção/circulação do poder no território, produzindo novas formas de
resistência e com isso novas identidades. Portanto, existe uma relação entre poder e
resistência. Para Foucault (1984, p. 08) “o exercício do poder não é um fato bruto,
um dado institucional, nem uma estrutura que se mantém ou quebra; ela elabora-se,
transforma-se, organiza-se, dota-se de procedimentos mais ou menos ajustados”.
A pluralidade é a marca da resistência, que pode surgir em qualquer ponto
improvável, de forma inventiva, surpreendente, imprevisível. As resistências
produzem, reorganizam, reagrupam, rompem com a suposta estabilidade de um
poder absoluto.
56
A resistência está intrinsecamente ligada a uma lógica causalista, em que os
fenômenos são explicáveis uns a partir dos outros e em que uma racionalidade,
mesmo que específica, se delineia em um processo. Parte-se do pressuposto de
que a realidade dos sujeitos impulsiona e define as estratégias para a consecução
das ações a serem empreendidas no seu cotidiano. Conseqüentemente, entre
essas, encontram-se as de busca pelo direito ao entorno através de estratégias de
resistências .
A cidade é hoje o fenômeno mais representativo da compressão espaçotempo, pela articulação dos objetos e ações que ali se mundializam e se
movimentam. Na cidade os espaços de tempos rápidos, iluminados, dos
privilegiados do consumo, porém dos mais alienados se opõe aos espaços lentos,
opacos, dos ignorados, porém dos solidários, dos resistentes. É onde reside a força
dos verdadeiros “donos do poder”, como defende Santos (1994, p.84):
Creio, porém, que na cidade, na grande cidade, tudo se dá ao
contrário. A força é dos “lentos” e não dos que detêm a velocidade
elogiada por um Virilo em delírio na esteira de um Valéry sonhador.
Quem na cidade tem mobilidade - e pode percorrê-la e esquadrinhála - acaba por ver pouco da Cidade e do Mundo. Sua comunhão com
as imagens, freqüentemente pré-fabricadas, é a sua perdição. Seu
conforto, que não desejam perder, vem exatamente do convívio com
essas imagens. Os homens “lentos”, por seu turno, para quem essas
imagens são miragens, não podem, por muito tempo, estar em fase
com esse imaginário perverso e acabam descobrindo as fabulações.
A lentidão dos corpos contrataria com a celeridade dos espíritos?.
Resgatar a vida urbana, a urbanidade, também significa buscá-la onde ela
ainda resiste, nos locais onde a vida social se dá de forma plena, densa e onde as
trocas simbólicas e culturais ocorrem intensamente. Tais lugares, espécies de
ágoras isoladas da cidade, devem representar um ponto de reflexão sobre uma
57
cidade transformada pela urbanidade em sua totalidade, e devem ser neste sentido,
modelos da utopia urbana a ser construída.
Parte-se do pressuposto de que a realidade dos sujeitos impulsiona e define
as estratégias para a consecução de ações a serem empreendidas no seu cotidiano.
Conseqüentemente, dentre essas ações, encontram-se a busca pelo direito ao
entorno através de estratégias de resistências.
A resistência, organizada ou não, nasce no cotidiano vivido, cada dia mais
complexo, mais visível, mais real, resultando lentamente em movimentos de
descontentamento aos modelos impostos pelos donos do “poder simbólico”. Por
isso, acrescenta Santos (2003, p. 134):
A organização é importante, como instrumento de agregação e
multiplicação de forças afins, mas separadas. Ela também pode
constituir o meio de negociação necessário a vencer etapas e
encontrar um novo patamar de resistência e de luta [...] Os
movimentos organizados devem imitar o cotidiano das pessoas
porque constitui a sua riqueza e fonte principal de veracidade.
Com o processo implosão-explosão de João Pessoa, o espaço tornou-se
fragmentado, hierarquizado e segregado. Surgem novas centralidades para o
consumo através da lógica da circulação, a exemplo da implantação da BR-230, de
novas vias de trânsito rápido para dar maior fluidez ao consumo. O vale passou a ter
uma concentração de investimentos no seu entorno, resultando numa pressão
imobiliária e conseqüente choque com as permanências. As comunidades como São
José – Chatuba criam estratégias de resistência para permanecer habitantes com
isso têm-se os choques de territorialidades e temporalidades, reveladas pelas
diferentes formas de segregação e exclusão social.
58
Sem a preocupação de estabelecer limites fixos, pode-se dizer que as
comunidades São José – Chatuba localizam-se nas margens do exíguo terraço
fluvial do rio Jaguaribe. Limitadas, a oeste, pelo sopé da falésia morta, a leste pelas
ruas do bairro de Manaíra5 que margeiam o vale, ao norte pela Avenida Ruy
Carneiro e ao sul Avenida Flávio Ribeiro Coutinho ou Retão de Manaíra, próximo a
ponte da BR-230, local do seu desvio para o rio Mandacaru. (ver figura 01).
Apresentando cerca de 2,3 Km de extensão no sentido norte – sul. Entretanto, a
comunidade da Chatuba se caracteriza por uma apropriação de forma descontínua
em três núcleos: Chatubas I, II e III, também se estendendo no mesmo sentido da
comunidade São José à margem direita.
5
O bairro que faz parte do entorno mais valorizado da área de estudo desta pesquisa, Manaíra,
apresenta uma área de aproximadamente 2,4 km², concentrando cerca de 19. 289 habitantes e a
segunda maior densidade demográfica do município, em torno de 82.93 hab. / km² (IBGE, 2000).
59
Figura 01: Mapa de localização das comunidades São José – Chatuba - 2006
Fonte: Mapa base da SEPLAN/PMJP, organizado por Paulo Rener de Freitas e Arinaldo I.
das Neves.
CAPÍTULO II
O PLANEJAMENTO URBANO EM JOÃO PESSOA A PARTIR
DA DÉCADA DE 1990
O presente capítulo fala do processo de expansão acelerada da cidade de
João Pessoa destacando-se a ocupação do litoral norte e conseqüente apropriação
do vale do rio Jaguaribe e suas transformações focalizando as comunidades São
José - Chatuba e suas relações com o bairro de Manaíra. Nesse contexto se insere
o Estado e os promotores imobiliários como principais agentes da valorização do
espaço que é fragmentado e segregado para permitir a reprodução do capital
legitimados nas leis e forjados pelos planejamentos.
2.1 Planejamento estratégico, acessibilidade e novas centralidades
Há mais de quatro séculos, às margens do rio Sanhauá, foi fundada a cidade
de Nossa Senhora das Neves, atualmente João Pessoa. Privilegiada, já nasceu cité,
planejada para a defesa e controle do uso. Lentamente foi subindo as colinas, com
vistas e acesso fácil para o rio e de costas para o Atlântico6. O núcleo primeiro da
cidade alta, acropolitana, foi o referencial a partir do qual a cidade se definiu. Em 4
de novembro de 1585 foram construídas as primeiras obras de edificações e a
cidade passou a aglutinar funções, administrativa, política e, principalmente, militar e
religiosa.
6
A presença de corais nos quase 25 Km de litoral dificultou a colonização: durante quase quatro
séculos a cidade cresceu e se desenvolveu em função do rio e não do mar.
61
Do final do século XVI, com a fundação, até meados do século XIX, com o
primeiro relatório sobre a Corografia da Província da Parahyba do Norte7, verificouse um crescimento do núcleo urbano de João Pessoa, sem um traçado definido. A
superação dos limites naturais, fator de articulação do traçado linear e espontâneo
foi o promotor de um crescimento concentrado. Nas franjas desse núcleo urbano
existiam sítios, chácaras, vivendas e engenhos.
Do ponto de vista urbanístico, o Centro Histórico era composto por duas
formas de ocupação complementares que refletia a estrutura social. Na Cidade
Baixa, processavam-se as atividades comerciais dando origem ao primeiro bairro da
capital, o atual Varadouro. Na Cidade Alta, localizavam-se as principais edificações:
administrativas, residenciais – das classes mais abastardas e religiosas – conventos
franciscanos, carmelitas, beneditinos e jesuíta.
O traçado irregular e concentrador foram mantidos até as primeiras décadas
do século XX, quando transformações viriam alterar significativamente sua estrutura
urbana, baseada no princípio social higienizador de Haussmann8, buscava-se uma
nova imagem de cidade moderna, através das grandes reformas urbanas.
A primeira experiência de reforma urbana em João Pessoa ocorreu
entre os anos de 1910 e 1924 quando a cidade sofreu intervenções
pontuais. Introduziram-se medidas de controle sanitário através do
sistema de abastecimento com a captação de água em poços na
Mata do Buraquinho e da construção de um reservatório na área
central que distribuía o precioso líquido para toda a cidade
(RODRIGUEZ, 1994, p. 122).
7
Por volta de 1855 com a cidade já denominada de Parahyba do Norte, foi produzida a primeira
planta oficial da cidade por ordem do governador provincial o Tenente-Coronel Henrique B. Rohan.
Foi um relatório minucioso sobre toda a província, nele foi revelada a sua topografia, tratava-se de um
território planáltico cortado por vales de pequenos rios, a exemplo do Jaguaribe.
8
Movimento higienista, iniciado em fins do século XVIII, argumentava que os males nas cidades
advinham da estagnação do trinômio – água, lixo e homens, daí a necessidade de sanear, circular e
embelezar. Propondo, através do saneamento, promover a circulação desses três elementos dentro
do espaço urbano. Entretanto, o higienismo utilizava o discurso do ideal estético apenas como pano
de fundo para a estrutura física da cidade, ocultava a intenção de deslocar a população de miseráveis
da cidade e eliminar o risco de epidemias.
62
A segunda experiência de reforma urbana da capital ocorreu na década de
1920 dando seqüência às políticas sanitaristas, destacando-se a urbanização da
Lagoa dos Irerês, atual Parque Sólon de Lucena. Outras intervenções merecem
destaque como a criação do Parque Arruda Câmera, da Praça Vidal de Negreiros e
da Praça da Independência, que passou a ser, ao lado da Cruz do Peixe, um elo de
ligação entre a cidade e a orla marítima com a construção da Avenida Epitácio
Pessoa.
A urbanização da “Lagoa” impulsionou uma tímida expansão dos espaços
adjacentes e periféricos (ver foto 01), com a ocupação e ampliação da Cidade Alta e
do núcleo histórico central. Entre as décadas de 1910 e 1920 já existiam os bairros
de Cruz das Armas, Jaguaribe e Torre. Porém, mesmo tendo a Lagoa como limite,
dois vetores de expansão se confirmavam: um para leste, pela estrada da Imbiribeira
(atual Ruy Carneiro); outro, para o sudeste, pelas estradas dos Macacos e do
Jaguaribe (hoje, Pedro II e Almeida Barreto, respectivamente), em direção à Mata do
Buraquinho (W.RODRIGUEZ, 1994).
Foto 01: Lagoa depois da urbanização, em 1928, antiga lagoa dos
Irerês
Fonte: Acervo Stuckert Filho.
63
O transporte público, através dos bondes elétricos (ver foto 02), foi um
elemento impulsionador do crescimento urbano, especialmente voltado para o litoral.
A ligação entre o centro da cidade e o Distrito de Tambaú se deu com o
prolongamento da linha férrea que chegava até o Sítio da Cruz do Peixe, próximo ao
atual Hospital Santa Isabel, e passou a ter como destino final o Sítio da Imbiribeira,
próximo do atual Grupamento de Engenharia (RODRIGUEZ, 1994).
Foto 02: Os bondes de tração animal e partir do sítio da Cruz do Peixe em
1910.
Fonte: Acervo Stuckert Filho.
A cidade da Parahyba entra na década de 1930 com um novo nome, passa a
ser oficialmente João Pessoa, em homenagem ao Presidente do Estado, um dos
personagens importantes na política do Estado e da Revolução de 1930. A
concepção arquitetônica urbanística colonial começa a ser modificada com a
reforma de residências e a abertura de vias de circulação mais amplas, a exemplo
das avenidas, João Machado, Epitácio Pessoa e a Maximiliano de Figueiredo.
64
Expande-se não mais apresentando traçados irregulares, com ruas estreitas e
sem pavimentação nem infra-estruturas, sobrepondo-se a estas, surgem ruas
planejadas, retilíneas, pavimentadas e largas para receber e controlar o tráfego de
bondes, automóveis e pedestres, consolidando a malha urbana já existente. Com
isso institui-se o disciplinamento das ruas e dos homens pobres.
Com o Estado Novo implantado no Brasil na década de 1930 surge a
proposta de uma política urbana modernista para todas as capitais federais, com
base na Carta de Atenas9. Além da capital federal, o Rio de Janeiro, muitas capitais
e cidades experimentaram projetos urbanísticos de zoneamento a exemplo de Porto
Alegre, Salvador, Recife, Niterói e Goiânia, uma cidade planejada sob a influência do
modelo defendido por Le Corbusier.
À forma urbana da cidade de João Pessoa foi imposta funções independentes
das sociais. A rua deixou de ser o local de encontro e vivência para dar passagem
gradativamente às mercadorias. Pequenos estabelecimentos foram substituídos por
médios e grandes empreendimentos, ruas e avenidas foram abertas em vários
pontos da cidade, as que já existiam foram ampliadas e alargadas.
Nesse contexto, um plano urbanístico para João Pessoa foi elaborado em
1932 pelo arquiteto carioca Nestor Figueiredo que apresentou um estudo sobre a
capital com base em observações feitas num sobrevôo de avião. Entretanto, o plano
não foi implantado com sucesso, porém algumas realizações merecendo destaque
na forma urbana da cidade algumas realizações como: a preservação da mata do
buraquinho, a urbanização do bairro da Torre contribuindo para a abertura das
avenidas Epitácio Pessoa e a conseqüente expansão para o litoral e da Getulio
Vargas, com calçadas largas, duas pistas, estacionamentos e canteiros arborizados.
9
A Carta de Atenas de 1931 foi um paradigma mundial da arquitetura moderna, elaborada para dar
respostas aos problemas causados pelo rápido crescimento das cidades, impulsionados pela
mecanização na produção e as mudanças no transporte.
65
Ao lado do enraizamento da visão político-social de mundo moderno, o
espaço urbano da cidade de João Pessoa foi deixando de ser colonial e ganhando
novos contornos Nas edificações, passou a predominar elementos estilísticos do
ecletismo, art nouveau, neocolonial e posteriormente do art déco. Com José Américo
de Almeida e seu grupo no bojo da Revolução de 30, a modernização paraibana
atrelou-se à visão de um Estado forte e centralizador. Por isso, as primeiras e
principais mudanças na Paraíba ocorreram sob a égide do Estado.
Durante a década de 1940 ocorreram várias intervenções que justificam a
expansão urbana da cidade para o litoral como a ampliação da Avenida Epitácio
Pessoa até Tambaú incorporando, além das primeiras edificações do bairro da Torre
e depois do Bairro dos Estados, os atuais bairros do Cabo Branco, Tambaú, Manaíra
e Bessa.
Na mesma década, ainda existiam alguns currais de pescarias convivendo
com algumas casas de veraneio. Entretanto, medidas intervencionistas a exemplo
da chegada do bonde elétrico e das primeiras linhas das “sopas” – pequenos ônibus
que faziam o percurso até à Praia de Tambaú (ver foto 03), o desvio do rio Jaguaribe
para dentro do rio Mandacaru, além da drenagem dos pântanos existentes entre
Tambaú e Bessa, destacaram-se como fatores responsáveis pela transformação
gradativa das moradias de veraneio para permanentes.
66
Foto 03: As linhas de sopas que conduziam os veranistas até a
praia de Tambaú.
Fonte: Acervo Stuckert Filho.
O espaço urbano de João Pessoa encontrava algumas dificuldades no seu
processo de expansão como a conturbação com Bayeux e Santa Rita, a
preservação da Mata do Buraquinho e os vales dos rios Jaguaribe, Sanhauá e
Paraíba. Ainda nesse período, as avenidas Epitácio Pessoa e Cruz das Armas já
constituíam os dois principais vetores de uma tímida expansão da cidade para leste
e sul:
(1) a Avenida Epitácio Pessoa, que condicionou a ligação com a orla
marítima, atraindo à infra-estrutura, a formação de bairros de classe
alta (Bairro dos Estados, Expedicionários, Tambauzinho), a
expansão das atividades comerciais e de serviços em direção à orla
marítima e a consolidação do uso residencial dos bairros de Tambaú
e Cabo Branco (também de classe alta) que antes eram utilizados
como bairros de veraneio; e a (2) Avenida Cruz das Armas que
permitiu, como já citado, a ligação da área sul da cidade com a BR101, firmando-se como importante corredor viário de apoio
rodoviário, polarizando-se ao longo de seu percurso a formação de
comércios e serviços, bem como permitindo a criação do bairro de
mesmo nome com o prolongamento, ao longo de seu trajeto, de
nucleares residenciais da classe de renda baixa. (LAVIERI e
LAVIERI, 1992, p.40).
67
Entre os anos de 1950 e 1964 foram edificados alguns conjuntos
habitacionais nos bairros do Centro, Expedicionários, Jaguaribe, Torre e Tambiá.
Surgiram nessa época os conjuntos habitacionais financiados pelos Institutos de
Previdência ou pela Fundação Casa Popular. Esses organismos trabalhavam com
pequenos núcleos habitacionais localizados na periferia da cidade. Como se tratava
de poucas unidades habitacionais, não apresentavam “grande expressividade em
relação à totalidade dos domicílios de uso residencial existentes” (LAVIERI e
LAVIERI, 1992, p. 08).
No início da década de 1960 as classes sociais de menor rendimentos
ocupavam áreas desvalorizadas, deterioradas e abandonadas do centro e dos
bairros localizados no seu entorno. Entretanto essa ocupação no interior da cidade
era qualificada por construções residenciais com um mínimo de habitabilidade,
sendo na sua maioria, de barro e taipa e com quintais (SILVA, 1995, p. 61).
68
Figura 02: Mapa de ocupação e eixos viários da cidade concêntrica - 1963
Fonte: Lavieri e Lavieri, 1999, Adaptação Paulo Rener de Freitas Sousa.
Observa-se no mapa acima que a cidade ainda mantinha um padrão
concentrador no início da década de 1960, pela presença de ocupações próximas da
Lagoa que também era o centro de confluência das vias de acesso.
69
O Centro tinha uma centralidade única, o Ponto de Cem Réis, que atraía tudo:
espaço de uso, de encontro, de festas, de informação pela ordem e pela desordem
(ver foto 04). Com o prolongamento da Avenida Dom Pedro II e a abertura da
Avenida Cruz das Armas possibilitou o desenvolvimento da cidade na direção sul e
sudeste. Já o calçamento das Avenidas Epitácio Pessoa em 1954 e Beira Mar, em
1956, facilitou a locomoção da população para a orla marítima. E a cidade começa a
se espraiar através do processo de periferização.
Foto 04: O Ponto de Cem Réis (1963) lugar de encontros,
reuniões, confirmando um padrão de crescimento urbano
concentrador em transição para o periférico, acelerado a partir de
1964.
Fonte: Acervo Stuckert Filho.
De maneira geral afirma-se que o processo histórico da expansão urbana de
João Pessoa pode ser seqüenciado em dois momentos: até a década de 1960, com
a incorporação lenta dos espaços rurais e, a partir de 1970, em um ritmo mais
acelerado, com o processo de urbanização forjado por intervenções planejadas
70
originando um padrão periférico de crescimento da cidade que se esgarça para além
Jaguaribe, segundo o modelo de segregação centro-periferia.
No Brasil, o período compreendido pelo Estado Militar (1964 e 1985) se
caracterizou por uma ocupação do solo com base na intervenção estatal, dentro de
um macroprojeto desenvolvimentista, através de políticas nacionais de habitação
pelo BNH – Banco Nacional de Habitação - e políticas de integração nacional, pelo
ministério dos transportes.
No nível espacial, o conceito-chave do projeto desenvolvimentista foi o da
integração nacional: na ocupação dos vazios demográficos, nos investimentos em
grandes projetos de infra-estrutura e na interligação entre todas as regiões do país,
através de rodovias federais. No nível do discurso, a política urbana passava pela
retórica do planejamento urbano, que seria capaz de levar a cabo o projeto de
integração modernizadora, dando conta de enfrentar a contradição representada
pela ilegalidade que esta produzia (MARICATO, 2000).
Esse período foi marcado pela consolidação do padrão de segregação centroperiferia, com as classes sociais distantes uma das outras, e um modelo de Estado
que era imposto por uma racionalidade técnica presente também na eficácia do
planejamento. Nas cidades de porte médio como João Pessoa esse crescimento
periférico se estruturou através do Programa de Capitais e Cidades de Porte Médio
e do Projeto CURA - Comunidade Urbana para Renovação Acelerada.10
A cidade de João Pessoa passa a ter uma rápida expansão impulsionada
pelas grandes intervenções estatais desde o início do período militar com a
implantação do Distrito Industrial incentivado pela SUDENE, do Campus da
10
O Projeto CURA foi criado pelo Conselho de Administração do Banco Nacional de Habitação
(CABNH) em 30 de março de 1973 com o objetivo de preencher os vazios deixados no espaço
urbano, bem como dotar este espaço de infra-estruturas, no tocante a equipamentos sociais urbanos.
71
Universidade Federal da Paraíba, com o apoio do MEC e do Anel Rodoviário – com
a ligação entre a BR-101 e a BR- 230, onde localiza-se o viaduto de Oitizeiro11.
A política nacional de transportes visava uma integração nacional, sendo
responsável pela estruturação-desestruturação do espaço urbano de João Pessoa.
A BR-230 ilustra bem essa política: na medida em que a cidade foi crescendo,
trechos dessa rodovia foram sendo incorporados ao tecido urbano mudando a sua
função12 para uma via urbana de fato. Formas ilegais de ocupação se
desenvolveram nas margens dessa via como: habitações autoconstruídas,
empreendimentos comerciais e serviços especializados.
A política habitacional ganhou novos contornos na cidade com a implantação
de conjuntos pelo governo federal através do sistema financeiro de habitação,
dispondo de verbas do FGTS. Cinco conjuntos foram construídos: três ficaram
próximos à Avenida Epitácio Pessoa, conjunto Boa Vista, atual bairro dos Ipês e 13
de Maio e Pedro Gondim criados para abrigar funcionários públicos federais e
estaduais e de classe média. Os demais, ocuparam lugares diversos no desenho
urbanístico da cidade.
O conjunto Redenção se localizou na região entre a Br-230 e a Avenida Rui
Carneiro. Embora formado por apenas 70 unidades, esse conjunto “foi o embrião do
fenômeno posterior de expansão da cidade em direção a Cabedelo e da própria
ocupação da Avenida Rui Carneiro em direção à praia“ (LAVIERI e LAVIERI, 1992,
p. 15). O conjunto dos Funcionários, constituído por 381 unidades, por sua vez, teve
11
O Viaduto de Oitizeiro, na BR-230, em João Pessoa/PB passa a denominar-se “Governador Ivan
Bichara" quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 11.089/2004 que entrou em
vigor a partir da data de sua publicação no Diário Oficial da União em 05 de Janeiro de 2004.
12
Teve o papel de imprimir maior fluidez ao tráfego que vinha se tornando cada vez mais intensa nas
ligações com o interior do estado e com as demais capitais da região, além de possibilitar uma
alternativa rodoviária ao escoamento de mercadorias do Porto de Cabedelo, que até então se dava
apenas pela via ferroviária (LAVIERI e LAVIERI, 1992, p.10).
72
objetivo semelhante. Localizado no extremo sul do bairro de Cruz das Armas serviu
para o adensamento populacional da região.
Entre as décadas de 1960 e 1990 verificou-se na cidade de João Pessoa um
verdadeiro boom na construção dos conjuntos habitacionais, uma das prioridades
das políticas públicas urbanas do governo federal. Foram construídos cerca de 10
conjuntos habitacionais. Momento definido por Lavieri e Lavieri (1992) de cidade dos
conjuntos habitacionais, referindo-se a porção da cidade que abriga um grande
número de habitações que seguiam essa tendência.
A primeira etapa do conjunto Castelo Branco, foi construída em 1969, a
segunda em 1970 e a terceira em 1974, sendo o primeiro empreendimento
habitacional a ultrapassar o anel rodoviário e o vale do Jaguaribe, situando-se nas
imediações do Campus Universitário (LAVIERI e LAVIERI, 1992, p. 43). Em seguida,
foram construídos os conjuntos Costa e Silva (1971), Ernani Sátyro (1977), José
Américo (1978), Ernesto Geisel (1978), Mangabeira (1979), Bairro das Indústrias
(1983). Bancários (1980), Cristo Redentor (1981) e Valentina de Figueiredo, (1985).
O mais destacado Projeto Habitacional foi o de Mangabeira, construído pela
CEHAP-PB sob a orientação do programa habitacional do Estado da Paraíba, entre
os anos de 1979 e 1993. A meta era implantar cinco etapas localizadas fora da
malha urbana da cidade, no sentido norte-sul. Pela sua grandiosidade e localização
fez-se necessário à elaboração de um programa de complementação à habitação
através de equipamentos e serviços que iriam atender a população e, mais tarde,
defini-la como um sub-centro.
Em João Pessoa esse modelo particular e estratégico de política habitacional,
principal setor da política estatal, implicou na criação de vários bairros destinados á
população de baixa renda direcionando a expansão da cidade para sul e sudeste.
73
Na direção norte e noroeste, a expansão ocorreu pela implantação de loteamentos e
construções de edifícios para atender a demanda das classes de maior poder
aquisitivo, mudando o perfil da cidade.
Entre os anos de 1975 e 1979, período marcado pela administração Hermano
Almeida, foi feito uma ampla urbanização da orla marítima com a criação de
loteamentos e infra-estruturas nas áreas mais valorizadas, a exemplo dos bairros de
Cabo Branco, Tambaú, Manaíra e Bessa, em detrimento da infra-estrutura básica,
equipamentos, serviços e moradias nas áreas carentes da cidade.
Em
“conseqüência, a população de maior poder econômico da cidade começou a migrar
em direção a orla marítima, e as casas luxuosas ao longo da Epitácio
transformaram-se, aos poucos, em estabelecimentos comerciais” (SILVA, 1995, p.
181).
Tais medidas elevaram ainda mais o valor do solo urbano na região litorânea
da cidade, sendo mais tarde alvo de recolhimento de impostos por parte da
prefeitura. A origem dos bairros ditos nobres resultou do programa de urbanização
no qual:
O funcionamento do programa exige uma ação integrada no
município, além de estimular a aplicação de uma Lei Municipal que
regulamenta o aumento progressivo dos impostos fundiários. Daí se
explica a razão pela qual a Prefeitura de João Pessoa deu prioridade
à orla marítima que em si não constitui a área mais carente da
cidade, mais é justamente aquela, cuja população pode melhor
responder ao aumento gradativo dos impostos (RODRIGUEZ, 1981,
p.35).
Os bairros apresentavam uma configuração urbana horizontal e eram
destinados a população de renda mais elevada, porém vislumbrava-se uma forte
74
tendência à vertcalização13. Em Manaíra, por exemplo, um bairro situado no entorno
da área de estudo, “têm surgido construções residenciais predominando a
verticalização. Com isso denota-se uma diversidade e intensidade da reprodução
espacial urbana nesse setor litorâneo de João Pessoa” (VASCONCELOS FILHO,
2003, p.69).
No litoral norte, outro bairro que se destaca pela sua ocupação recente e
rápida expansão é o Bessa14. Até a década de 1970 predominava naquela área de
restinga uma vegetação composta de cajueiros nativos e coqueirais. Entretanto, já
apresentava sinais de urbanização devido à abertura da Avenida Argemiro de
Figueiredo (1970), dos loteamentos e construções residenciais, inicialmente
horizontais e depois verticalizadas e da avenida litorânea para interligar o litoral
norte e o sul da cidade de João Pessoa.
As ações conjuntas entre o governo federal os agentes imobiliários, em João
Pessoa, foram responsáveis pela valorização e expansão especulativa do solo e
expulsão das populações excluídas dessas intervenções, lhes restando recorrer à
autoconstrução, dando origem ao processo de favelização na cidade.
Até o momento destacou-se o processo de expansão da cidade de João
Pessoa efetuada de maneira legal na sua forma e não no seu conteúdo, de acordo
com as regras do mercado fundiário-imobiliário e pelas ações do Estado.
Concomitante ao processo de expansão da cidade formal ocorreu à proliferação de
favelas, loteamentos irregulares e ocupações informais, eufemismo para designar à
margem da lei.
13
Era uma tendência porque, no início da década de 1970 a inauguração do Hotel Tambaú exerceu
forte influência no governo estadual o qual criou a primeira ação institucional no sentido de preservar
a paisagem da orla e impedir a construção de espigões, segundo Honorato (2003).
14
Neste caso segue-se o senso comum, ou seja, denomina-se de Bessa toda área que envolve
também, os bairros: Jardim Oceania e Aeroclube.
75
O êxodo rural, o desemprego e o fluxo interno das camadas menos
favorecidas na malha urbana de João Pessoa, que somados e
relacionados, constituíram um inexorável vetor de pressão no
processo de favelização de João Pessoa. O uso do solo tornou-se
mais estratificado e as novas ocupações que foram se formando na
cidade já surgiram bem mais marcadas pelo nível de renda de seus
ocupantes (LAVIERI e LAVIERI, 1992, p. 48).
A população de baixa renda, excluída do direito a moradia, ao trabalho e ao
transporte, passou a ocupar as áreas do centro e da cidade baixa, entre o Varadouro
e o Roger, além das já tradicionais de Cordão Encarnado e Torre deterioradas e de
baixa valorização imobiliária, estendendo-se por Cruz das Armas e Mandacaru
(LAVIERI e LAVIERI, 1992). Assim como os vales e encostas dos rios,
principalmente do Jaguaribe.
No vale do Jaguaribe, as ocupações passaram a ocorrer a partir da década
de 1970 em áreas consideras de restrições físicas, por leis15 e de conflitos com os
proprietários lindeiros. Entretanto, estes proprietários insatisfeitos com as leis de
restrição passaram a promover uma ocupação ilegal ou oficiosa, com objetivos
econômicos, a exemplo da construção do Shopping Center Manaíra e mais
recentemente da expansão do seu estacionamento sobre o leito do rio, criando
muros e aterrando parte do mangue.
A cidade ilegal, desde a sua formação, vem mantendo uma relação
conflituosa e contraditória com a cidade legal. O Estado encara essas formas de
assentamentos como aglomerados invasores e ocupações irregulares. Entretanto,
essas comunidades informais sempre estiveram disponíveis para atender às
necessidades da sociedade formal, numa prática de inclusão perversa, Seabra
(2004) ou exclusão-inclusão (MARTINS, 1997).
15
O vale tem sua ocupação restringida pelas Constituição Estadual (1988) e pelo Plano Diretor de
João Pessoa (1993) que o incluiu nas Zonas Especiais de Preservação.
76
Além disso, o Estado mantém uma relação conflitante e contraditória com as
comunidades que se apropriaram do vale ao impor normas de controle e repressão.
O discurso do Estado é divulgado pela mídia contribuindo para acentuar o estigma
desses espaços como territórios ou redutos da violência, de criminalidade e tráfico
de drogas. Outra forma de dominação e controle das comunidades pelo Estado se
verifica nas estratégias intervencionistas dos projetos de reurbanização, com
políticas de remoção de favelas, nos discursos de área de risco ou de projetos de
integrar a favela ao bairro.
Diante da expansão urbana desordenada de João Pessoa, surge a
necessidade da criação do Código de Urbanismo (1976) com o objetivo de contribuir
para a gestão urbana da cidade. Outro instrumento urbanístico como o Plano Diretor
constitui uma ferramenta básica para o planejamento urbano com previsões de
longo prazo.
O padrão periférico de crescimento existiu até o final dos anos 1970. A partir
de então com o esgotamento do "milagre brasileiro" entra em crise o modelo de
Estado centralizador e do padrão de segregação centro-periferia. O projeto do
governo militar começa a ser questionado e tem início a transição democrática.
A década de 1980 foi marcada pela crise fiscal16 que levou ao
enfraquecimento das políticas intervencionistas no espaço urbano implementadas
pela Política Nacional de Habitação associada ao Plano Nacional de Saneamento.
Em conseqüência do impacto e da magnitude dessas políticas, tem-se a crise do
SFH – Sistema Financeiro de Habitação e do modelo centro – periferia.
16
A crise fiscal do Estado também pode ser identificada em todo o processo histórico das últimas
décadas de formação do capitalismo no Brasil, porém, nos anos de 1950 ela foi subjugada pelo
otimismo do crescimento “de cinqüenta anos em cinco”, o mesmo ocorrendo com os anos do “milagre
econômico” na década de 1960, momento da crise institucional gerada pelos problemas de
crescimento, inflação e déficit nas balanças de pagamentos.
77
Na década de 1980, o espaço urbano de João Pessoa crescia sem um
planejamento urbano adequado. Uma nova concentração econômica se reproduzia
na direção nordeste-sudeste, localizada no entorno da BR-230, desde seu início, em
Cabedelo até o sul da cidade de João Pessoa, passando pela bifurcação com a BR101 contribuindo para o processo de reestruturação urbana atual da cidade, pois,
Essa concentração econômica faz parte de um processo mais amplo
de redefinição da ocupação do solo urbano ligado ao crescimento da
população que gera mudanças significativas na forma espacial,
quando as atividades estão se concentrando em determinadas áreas
e os bairros se reorganizando (RODRIGUEZ; DROULERS, 1981,
p.61).
Para atender ao padrão de segregação centro-periferia na cidade de João
Pessoa, os governos, federal e estadual17, criaram uma malha viária cruzando a
cidade e interligando os bairros, o que possibilitou a apropriação de áreas distantes
do centro, com os trabalhadores se deslocando por meio de ônibus quase sempre,
precários, onerosos e demorados e a classe média que se desloca em carros
particulares, contradizendo os discursos oficiais18.
No início dos anos de 1980, o sistema viário da cidade possuía uma estrutura
radial concêntrica à área central, com vias que se tornaram grandes corredores,
caracterizadas pela presença de comércio varejista, atacadista e demais atividades
terciárias, reafirmando o padrão de crescimento periférico imposto pelo Estado
17
Em 1985 técnicos da GEIPOT, da PMJP e do governo estadual realizaram uma pesquisa na
grande João Pessoa resultando na elaboração do Plano Diretor de Transportes Urbanos com o
objetivo de unificar os diversos tipos de transportes urbanos, criando uma rede de transportes radiais
– tendo o Centro como destino comum. A hierarquização das vias com a criação de corredores de
transporte e de suas vias auxiliares levou à ampliação da infra-estrutura viária e dinamizou o fluxo de
veículos, pessoas e mercadorias.
18
Exemplo dessa contradição foi em 1985 quando o governo municipal, através do Programa
AGLURB-PB, realizou intervenções sobre a malha viária utilizada pelos transportes coletivos com o
discurso de “dotá-las de condições que permitissem maior fluidez do tráfego, segurança, conforto e
acessibilidade”.
78
provedor com desenvolvimento de políticas urbanas contraditórias através das
relações de homogenização-fragmentação e acessibilidade-segregação.
O espaço urbano de João Pessoa teve o crescimento acelerado pelo modelo
de gestão baseado no trinômio: loteamento, casa própria, autoconstrução,
agravando o processo de fragmentação territorial e segregação das classes sociais
pela distância. Consolidando-se o modelo de crescimento periférico como mostra a
(figura 03). No início da década de 1990 tem-se início um novo de padrão de
crescimento, o fortalecimento dos enclaves, transformando-se em uma cidade poli
(multi) cêntrica.
79
Figura 03: Mapa de ocupação e eixos viários da cidade periférica - 1993
Fonte: Lavieri e Lavieri, 1999, Adaptação Paulo Rener de Freitas Sousa.
A cidade se esgarça, crescendo num ritmo mais acelerado para atender a
diferentes lógicas que cruzam seu território. São interesses de classes sociais, que
de acordo com os níveis de rendimentos expressam no espaço urbano novas
praticas sócio-espaciais anunciando o rompimento da relação centro-periferia, a
80
crise da cidade, a intensificação da fragmentação, da favelização e o padrão de poli
(multi) centralidade.
Com a crise fiscal do Estado nacional brasileiro, associada ao esvaziamento
da política federal de desenvolvimento regional coordenada pela Superintendência
de Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE, a desordem e a crise fiscal-financeira
de estados federados, a economia paraibana se comportou como um dos últimos
estados da federação em crescimento sócio-econômico19.
A crise fiscal-financeira do Estado é o ponto de partida das reflexões sobre as
transformações urbanas em curso na cidade de João Pessoa com implicações nas
diferentes formas de uso e ocupação do solo urbano, configuradas por intensa
fragmentação do território e pelos processos subjacentes da reestruturação:
centralização-descentralização. Ao mesmo tempo em que, no centro há uma
recentralização ou renovação urbana, Gottdiener (1997) – as periferias se
multiplicam, surgem novas centralidades20, conceitos discutidos no primeiro capítulo
desta dissertação.
Das novas centralidades que surgem no espaço urbano de João Pessoa
destacam-se, os bairros de Manaíra e Cruz das Armas, do conjunto habitacional
Mangabeira, como sub-centros comerciais. A Avenida Epitácio Pessoa como centro
especializado e o Centro Histórico, recentralizando-se com base no discurso de
revitalização21. Neste capitulo focaliza-se a centralidade do bairro de Manaíra, a
19
Segundo dados da SUDENE de 1990 para a década de 1980: a taxa média de crescimento da
Paraíba foi de 4.8% que, juntamente com Pernambuco com 4.2% registraram as menores taxas. Na
evolução do BIP per capta a Paraíba registrou 3.2% e Pernambuco 2.4%, os dois estados
responsáveis pelos números mais reduzidos.
20
As novas centralidades que se formam podem se constituir em sub-centros, que seriam áreas
distantes do Centro Principal. Áreas de expansão do Centro Principal da cidade, sendo geralmente,
especializadas em determinadas funções, e outras consideradas como de desdobramentos do Centro
Principal e ainda os shoppings centers, que algumas vezes atendem a uma escala urbana e regional.
81
mais valorizada para o consumo, por localizar-se no entorno imediato do objeto de
estudo, as comunidades São José – Chatuba.
Como conseqüências dos avanços nos meios de comunicação e
transporte - mais rápidos e fluídos - as cidades hoje são lócus de
dispersões sobre extensões de território cada vez maiores e a
periferia, antes reservada apenas para as camadas sociais mais
populares, passa a se configurar como refúgio das classes mais
favorecidas. O status deixou de ser uma condição geográfica para
ser uma condição estrutural da forma de habitação e o modo de vida
que ela inspira. (LAVIERI e LAVIERI, 1992, p. 48).
As tendências do processo de reestruturação urbana em curso na cidade de
João Pessoa podem ser identificadas empiricamente através dos diferentes espaços
que estão sendo racionalmente requalificados, com a superposição de um novo
padrão de segregação espacial e desigualdade social através dos enclaves
fortificados22 (CALDEIRA, 2003) convertendo-se em símbolos da transformação
emergente e do desenvolvimento do espaço urbano para o consumo.
O centro da cidade tinha função mista, residencial e comercial, até a década
de 1960, passando a concentrar o grande comércio formal, o comércio popular, o
poder público e os serviços em geral da cidade. Entretanto nas décadas seguintes,
muitas empresas comerciais, de serviços e órgão da administração pública, a
exemplo do Centro Administrativo Municipal, foram se dispersando para as
periferias, juntos a BR-230, num processo de descentralização.
21
O discurso de revitalização dos centros históricos e a instauração de pontos turísticos não se
restringem a João Pessoa, sendo comum a cidades brasileiras marcadas por processos acelerados
de mudança. No Nordeste é exemplar os casos de Salvador; Fortaleza, Recife e São Luís.
22
Segundo Caldeira (2000), o surgimento de condomínios e loteamentos faz parte de um novo
padrão de segregação espacial e desigualdade social na cidade, substituindo aos poucos o padrão
dicotômico centro-periferia (rico-pobre) pelo modelo inspirado nos new towns e edge cities norteamericanos onde as camadas de alta e média renda buscam refúgio.
82
Nos últimos anos o Centro Histórico expandido de João Pessoa23 passa por
uma recentralização. O marco desse processo foi à reurbanização da Lagoa, atual
cartão postal da cidade, no início da década de 1990, com a padronização das
barracas, dos estacionamentos e cercamento de canteiros, configurando-se até
hoje. Porém, a expressão maior da requalificação do centro foi à implantação em
2002 do Shopping Center Tambiá atraindo novos empreendimentos e reestruturando
os acessos para o centro.
São
também
considerados
elementos
constituintes
dessa
nova
recentralização do centro expandido de João Pessoa a implantação de novos
empreendimentos comerciais, a exemplo do Shopping Cidade, de grandes redes de
supermercados e lojas de departamentos, pelo comercio varejista popular. Serviços
especializados, como telefonia móvel e fixa, bancos e de serviços públicos nas três
esferas administrativas do poder.
Outra centralidade, a Avenida Epitácio Pessoa vem, desde o final da década
de 1970, mudando de função. Primeiro ela foi ocupada pelas residências das elites
que iam deixando o centro à medida que este ia se expandindo para o comércio e
administração pública. De 1980 até os dias de hoje a Epitácio Pessoa vem sendo
refuncionalizada,
transformando-se numa “Avenida Shopping” com comércio e
serviços especializados 24 horas, destinada ao público de maior poder aquisitivo.
De maneira geral, as mudanças em curso vêm sendo impulsionas pela
valorização-especulação fundiário-imobiliária, a exemplo dos dois vetores de
expansão da cidade de João Pessoa: ao sul, com a proliferação de loteamentos e
23
O Plano Diretor de João Pessoa de 1976, estabeleceu no seu Artigo 39 as Zonas Especiais de
Preservação tanto para as áreas de reservas naturais como para o Centro Histórico. O Parque Sólon
de Lucena (Lagoa) e outras ruas do centro passaram a integrar o Centro Histórico expandido de João
Pessoa.
83
condomínios fechados24 é um processo que se reproduz nas grandes e médias
cidades sempre nas marginais de avenidas de transito rápido.
Em João Pessoa, os condomínios fechados se localizam próximo a novas
avenidas de trânsito rápido como a João Crisóstenes Ribeiro e Desembargador
Hilton Souto Maior que se interligam com a PB-008, esta seguindo em direção ao
litoral sul do Estado. Destaca-se também a implantação de uma infra-estrutura para
a construção de um mega-projeto, o Pólo turístico25 confirmando uma urbanização
turística no espaço urbano da cidade26.
No litoral norte, com o adensamento vertical e privatizado, através de
condomínios residenciais de alto padrão, multiplicação de empreendimentos
comerciais varejistas, como os Shoppings Centers, Centros Empresariais,
hipermercados e serviços como hotéis, pousadas, restaurantes, boates, bancos,
flats, redes fest foods, casas de shows, escolas particulares, centros de estética,
consultórios médico-odontológicos, clínicas médicas, concessionárias, qualificandoos como bairros nobres.
Para garantir a reprodução do capital verifica-se uma reestruturação nos
acessos sob o discurso oficial de dar maior fluidez aos usuários de carros
particulares e deslocamentos de trabalhadores nos transportes coletivos. Porém,
evidencia-se uma maior fluidez para dar passagem às mercadorias, aos serviços, à
24
Em João Pessoa, sobretudo, a partir da década de 90, ganha força os condomínios e loteamentos
fechados horizontais, tendência de um novo estilo de habitar no espaço urbano da cidade. Nos
bairros do litoral sul como Altiplano Cabo Branco e Portal do Sol, estão localizados, respectivamente,
o Residencial Alphavillage, construído em 1998 e o Cabo Branco Residence Prive, em 2001.
Atualmente estão em fase de construção mais dois condomínios nas proximidades, o Bougainville
residence Prive e o Portal do Sol Residence, direcionados para as classes de média e alta renda.
25
O Pólo Turístico Cabo Branco surgiu em 1988, com o nome de Complexo Turístico Costa do Sol. O
seu plano de urbanização prevê a instalação da infra-estrutura hoteleira e residencial. No Pólo
Turístico, destaca-se uma malha viária com quase cem por cento concluídas a partir da inauguração
da perimretral leste-oeste ou Avenida Desembargador Hilton Souto Maior que faz a interligação com
a Rodovia Ministro Abelardo Jurema ou PB 008, com a Avenida litorânea e com a BR-230, ligando
não só o litoral sul ao norte da cidade, como outros estados e cidades do interior.
26
A urbanização turística reestruturadora do espaço urbano de João Pessoa é defendida nos
trabalhos científicos de Leandro (2004) e Silva (2004).
84
reafirmação da ditadura do consumo. Nesse sentido faz-se a reestruturação dos
corredores viários da cidade de João Pessoa conectando-os com os principais
acessos de entrada e saída da RMJP que também se reestruturam.
Os acessos de entrada de saída da Capital passam por mudanças nas
ultimas décadas. É visível a maquiagem feita sobre o anel viário na entrada de
oitizeiro que interliga o acesso oeste, formado pela ligação da BR 230 com a BR
101, ao corredor de Cruz das Armas com a construção de um viaduto sobre as três
lagoas de oitizeiro e o aterramento de parte dessas lagoas e da expulsão de antigos
moradores que ali sobreviviam em favelas (ver foto 05).
Foto 05:- Vista parcial da entrada de Oitizeiro e do viaduto Governador
Ivan Bichara, em 2006.
Fonte: acervo de Aldo Gomes.
A construção do viaduto Governador Ivan Bichara teve como discurso oficial o
disciplinamento do tráfego de veículos no local, que indica simbolicamente o início
85
da área urbana de João Pessoa, o seu “cartão de visitas”. O lugar que fora
programado para trânsito rápido e denso entra em contradição com o de trânsito
lento: visualiza-se a circulação de pedestres que moram nas proximidades e
trabalham nas fábricas de Distrito Industrial e na feira de Oitizeiro, revelando a
ausência de políticas urbanas com a construção de passarelas e de iluminação
pública e reafirmando o privilégio da mercadoria em detrimento do direito a cidade.
Nesse sentido são desenvolvidas as gestões públicas locais através de
planejamentos pontuais e normalizadores que criam o mito da “cidade ideal”
negando a “cidade real”. Não só pontos privilegiados do espaço da cidade, como
também setores estratégicos, são preferencialmente transformados para dar
passagem ao capital. João Pessoa nos últimos anos é um exemplo claro dessa
ideologia: as áreas mais valorizadas da cidade como na centralidade mais dinâmica,
a do bairro de Manaíra, e o setor de transportes urbanos vêm sendo seletivamente
preparados para atender ao fundamentalismo do consumo.
Os principais corredores viários de João Pessoa27 (ver figura 04) estão
passando por mudanças nas suas capacidades de tráfego, através da ampliação e
alargamento de suas pistas, de iluminação, como no corredor Pedro II, ou da criação
de alças de ligação entre essas vias e a BR 230, no caso do corredor da Beira Rio.
De acordo com o discurso oficial:
O projeto para a construção das alças de interligação da BR-230 com a
Avenida Ministro José Américo de Almeida (Beira Rio). Desenvolvido pela
Secretaria Municipal de Planejamento (Seplan) com recursos do Município e
do Ministério dos Transportes pretende eliminar pontos de
congestionamentos em corredores da cidade, como a Pedro II e Epitácio
Pessoa. Além disso, vai trazer reflexos positivos no trânsito dos bairros
Jardim Luna, Pedro Gondim e Castelo Branco. O resultado será um tráfego
de maior fluidez e menos engarrafamentos. A interligação da Beira Rio com
a BR-230 vai facilitar o acesso dos usuários provenientes da zona sul, com
27
Os seis principais corredores viários segundo a STTRANS – Superintendência de Transportes de
João Pessoa são: Avenida Cruz das Armas, Avenida Epitácio Pessoa, Avenida Pedro II, Avenida 2 de
Fevereiro, Avenida José Américo de Almeida e a Avenida Tancredo Neves.
86
destino às praias. Hoje, esse percurso é realizado por vias dos bairros
Jardim Luna e Castelo Branco, gerando congestionamentos nessas áreas.
O acesso à rodovia BR-230 pela Avenida Beira Rio vai resolver esse
problema (Assessoria de Imprensa da Prefeitura/JP, 04/06/2006).
Figura 04: Mapa dos principais eixos viários da cidade poli (multi) cêntrica – 2005
Fonte: Prefeitura Municipal de João Pessoa, Secretaria de Planejamento, 2005. Adaptação
Alzeni G. da Silva e Arinaldo Inácio das Neves.
87
Outra importante intervenção do poder público local diz respeito às mudanças
no Transporte coletivo da capital com a inauguração em abril de 2005 do terminal de
integração do Varadouro: com aproximadamente 4,5 mil metros quadrados,
composto por três baias, onde o usuário espera o seu ônibus28. A entrada do
Terminal, que fica na rua Padre Azevedo, é composta por seis cabines com oito
catracas, enquanto que a saída conta quatro catracas. Ao todo, 60 linhas radiais
passam pelo local (ver foto 06).
Foto 06: Vista parcial do terminal de integração de ônibus urbanos de
João Pessoa, em 2006.
Fonte: acervo de Aldo Gomes.
Entre os anos de 1987 e 2001 as políticas de habitação da Prefeitura
Municipal de João Pessoa tiveram seus recursos reduzidos (ver tabela), ao mesmo
28
Dados da PMJP - STTrans, em 2006 a frota de ônibus cadastrada em João Pessoa é de 486
veículos, sendo que 407 estão em operação nas 81 linhas que circulam pelos diversos bairros.
Aproximadamente 8 milhões de pessoas utilizam, mensalmente, os transportes coletivos. Diariamente
esse número chega a 300 mil.
88
tempo em que a gestão municipal29 era denunciada pela FEURB – PB (Federação
dos Movimentos Urbanos na Paraíba) ao Ministério Público Federal em decorrência
da violação do Direito à moradia pela PMJP e SETRAPS, através do Programa É
Pra Morar.
ANO
Recursos em (%)
1997
3.57
1998
3.20
1999
1.98
2000
1.66
2001
2.11
2002
1.18
Tabela 01: Recursos aplicados no programa é pra morar da PMJP
Fonte: FEURB-PB, 2005.
Em 2000, a cidade de João Pessoa era a penúltima capital do Nordeste em
déficit30 habitacional segundo a Fundação João Pinheiro, ostentando uma das
realidades mais duras com relação às condições de vida da população de baixa
renda, especialmente sob o aspecto do acesso à moradia com infra-estrutura e
serviços básicos dando origem às denúncias sobre o programa habitacional da
prefeitura local e sua validade.
Sobre a denúncia de violação do direito à moradia com recursos públicos do
programa É Pra Morar pela Prefeitura Municipal de João Pessoa, por exemplo, a
Relatoria Nacional contatou a existência de políticas de regularização fundiária no
município e a omissão da prefeitura municipal diante da grande demanda de
comunidades situadas em áreas urbanas que lutam pela legalidade fundiária e
29
Período representado pelas duas administrações do prefeito Cícero Lucena.
Segundo a Fundação João Pinheiro o déficit habitacional de João Pessoa em 2000 era de 104.851
mil domicílios urbanos
30
89
urbanização das áreas ocupadas. Nesse sentido, concluiu a Relatoria (2004, p.35)
que “não há esforço para integrar a população de baixa renda à cidade de João
Pessoa”.
Depois de quatro anos de manobras políticas feitas pelo prefeito como forma
de dificultar a apuração das denúncias e da omissão do Ministério Público Estadual,
em 05 de março de 2005, o Chefe da Controladoria-Geral da União no Estado da
Paraíba concluiu o relatório sobre as ações da Prefeitura Municipal de João Pessoa
entre os anos de 1991 e 2001, destacando, entre outras ocorrências, graves
irregularidades na aplicação dos recursos públicos federais, ficando assim
demonstrado a prática de procedimentos ilegais e irregulares e indícios de recursos
públicos da administração municipal.
Desde as ultimas décadas do século XX até os dias de hoje, João Pessoa
vem apresentando significativo crescimento através da ocupação de certo número
de vazios especulativos. Efetuadas de modo legal ou clandestina, de acordo com os
interesses dos promotores imobiliários e pelas ações do Estado e das resistências
das comunidades de baixa renda. Nesse sentido é exemplar o choque de
territorialidade existente entre as comunidades estudadas: São José – Chatuba e o
seu entorno, o da centralidade do bairro de Manaíra.
2.2 O Shopping Center Manaíra e a difusão do consumo
O litoral norte de João Pessoa, até a primeira metade do século XX era
ocupado por pescadores que viviam da pesca artesanal e da agricultura de
subsistência e de alguns veranistas que se deslocavam de bondes até a praia para
veranear. Com o calçamento da Avenida Epitácio Pessoa e a chegada do ônibus, o
90
distrito de Tambaú31 passou a receber um fluxo ocupação mais intensa de
veranistas. A partir da década de 1970, intensifica-se a urbanização de Tambaú, sua
ocupação passou a ser definitiva, porém o domínio dos espaços públicos se tornou
estratégico, para o Estado e o capital.
Na década de 1980, bairros do litoral norte de João Pessoa como Cabo
Branco, Tambaú, Manaíra e Bessa passam a ser áreas de concentração de
investimentos, públicos e privados, com a implantação de infra-estruturas, serviços e
equipamentos comerciais, favorecidos pelos corredores viários, a exemplo das
avenidas Epitácio Pessoa (1950), Ruy Carneiro (1950), José Américo de Almeida ou
Beira Rio (1970), Argemiro de Figueiredo (1970), Tancredo Neves (1980), Flávio
Ribeiro Coutinho ou Retão de Manaíra (1980), quase todos esses eixos ligam-se
com a BR-23032.
A concentração de investimentos nos bairros da orla marítima de João
Pessoa implicou em mudanças no uso e no valor de uso do solo urbano, numa visão
lefebvriana ocorreu à vitória do valor de troca sobre o valor de uso: o que antes era
espaço de apropriação se transformou em espaço da mercadoria, da valorizaçãoespeculação imobiliária, uma arena da reprodução da mais-valia e dos conflitos
sociais.
O bairro de Manaíra, por exemplo, 17se destaca por ser um bairro de classe
média e um moderno sub-centro comercial varejista composto por um grande
número de pequenos estabelecimentos comerciais e de serviços. Entretanto com a
implantação de Shoppings Centers e Centros Empresariais, o bairro vem se
transformando. Desde as últimas décadas do século XX, o poder público municipal
31
O distrito de Tambaú era formado pelos atuais bairros de Cabo Branco, Manaíra e Tambaú.
Dos seis principais corredores de transportes existentes em João Pessoa, apenas a Avenida Beira
Rio não possui ligação com a BR-230. Isso faz com que este corredor seja pouco utilizado,
considerando a sua capacidade para atender os deslocamentos da população.
32
91
em parceria com a iniciativa privada vem investindo na reestruturação viária do
bairro para melhorar a fluidez do dos transportes públicos e, especialmente os
privados.
A valorização do bairro de Manaíra foi uma decorrência da concentração de
equipamentos
urbanos,
principalmente
das
atividades
terciárias
modernas
reforçadas pelas vias de circulação o que facilitou a acessibilidade para e no bairro.
Inicialmente, tinha uma função residencial que se expandia horizontalmente,
entretanto, de forma gradativa foi sendo ocupado pela população de maior poder
aquisitivo e atraindo um grande número de empreendimentos comerciais implicando
na sua refuncionalização, por que:
As atividades do setor terciário da economia têm-se expandido nos
principais corredores viários de Manaíra - avenidas João Maurício,
Edson Ramalho, Flávio Ribeiro Coutinho e Ruy Carneiro – [grifo
nosso] e atendem principalmente uma camada da população
elitizada, procedente não só do bairro, mas também de outras áreas
da cidade. Também conforme dados do IPTU do município de João
pessoa, é o bairro da zona leste (praia) que concentra o maior
número de equipamentos comerciais e de prestação de serviços
(SANTOS, 2002, p. 100).
No aspecto urbanístico, as mudanças no padrão de moradia podiam ser
observadas empiricamente desde os anos de 1980 e início de 1990, com o
predomínio de construções verticalizadas sendo impressas
uma paisagem
arquitetônica moderna no bairro, a exemplo dos condomínios residenciais e
comerciais (ver foto 07) em forma de enclaves fortificados como anunciados por
(CALDEIRA, 2003).
92
Foto 07: Vista parcial do bairro de Manaíra destacando a
verticalização
Fonte: Paulo Rener, 2006.
Para Manaíra e demais bairros urbanos do litoral norte de João Pessoa são
forjadas estratégias de valorização que ainda hoje necessitam ser melhor
investigada. Trata-se de “leis” criadas pelos poderes hegemônicos – o Estado e os
empreendedores imobiliários, representados pelos deputados e vereadores –
presentes na Constituição Estadual33 e no Plano Diretor da cidade de João
Pessoa34, nas quais, vislumbram-se normas de disciplinamento: uma proposta
progressiva de verticalização que fixou a altura máxima das edificações a partir da
primeira quadra até 500 metros em direção ao continente.
Um outro elemento que destaca o bairro de Manaíra dos outros bairros da
cidade é a presença do Shopping Center, um empreendimento que se caracteriza
por ser a materialização do vazio existencial da individualidade consumista em uma
sociedade capitalista fragmentada. Um exemplo perfeito do ecletismo da sociedade
espetacularizada
(SANTOS,
1993;
LEFEVBRE
BAUDRILLARD, 1991).
33
34
Na Constituição Estadual, Artigo 229.
No Plano Diretor da cidade de João Pessoa, Artigo 25.
1991;
HARVEY
1993;
93
Em 1989 surgiu em João Pessoa o primeiro shopping, o Manaíra Shopping
Center, localizado no bairro de Manaíra, na Avenida Flávio Ribeiro Coutinho35 e
próximo a BR-230. A Avenida Flavio Ribeiro Coutinho antes da chegada do
shopping era uma via de ligação entre os bairros do litoral norte e o centro da
cidade. Após a instalação do empreendimento transformou-se numa via de
circulação comercial e de serviços.
A implantação do Manaíra Shopping Center até hoje é alvo de discussões
judiciais pelo fato de ter sido edificado em uma área de restrições ambientais ferindo
as normas do Plano Diretor de João Pessoa, pois,
mesmo sendo o Manaíra Shopping um empreendimento da iniciativa
privada, o empreendedor contou com o apoio do poder público, no sentido
de facilitar a burocracia de licenciamento para a edificação do prédio, cujo
estacionamento repousa sobre o leito do rio Jaguaribe. Trata-se de uma
área de preservação ambiental, em que se infringiram s normas do Plano
Diretor Municipal. Tal empreendimento também foi beneficiado com
adequação das vias de circulação, com a construção de giradores, com a
ampliação dos transportes públicos e com a criação de novas linhas que
ligam o referido empreendimento aos bairros periféricos, dentre outros
beneficiamentos (SANTOS, 2002, p. 67).
Hoje, considera-se o bairro de Manaíra uma centralidade emergente, com um
intenso dinamismo pela implantação do primeiro Shopping Center36 do Estado da
Paraíba, o Manaíra, comprovadamente uma expressão dessa centralidade,
reforçada pela presença dos vetores dessa expansão, os acessos mais rápidos que
ora se cruzam, ora se unificam e são constantemente reestruturados para dar maior
fluidez a ditadura do consumo.
35
A Avenida Flávio Ribeiro Coutinho também é conhecida popularmente por Retão de Manaíra
94
Segundo Santos (2002, p. 85):
Muitos lotes antes desocupados deram lugar a centros comerciais
menores, novas linhas de transportes coletivos foram criadas para
atender o fluxo de pessoas que passaram a freqüentar o bairro em
busca de novidades para o consumo. Isso aumentou nele, o
interesse comercial. Nos dias atuais, os corredores de transportes
coletivos e particulares [grifo nosso] vão se transformando, aos
poucos, em corredores comerciais com o surgimento de muitos
empreendimentos.
O Shopping Center passou a ser uma importante expressão do processo de
reestruturação urbana da não só da cidade de João Pessoa como também da
RMJP. Destaca-se como elemento da centralidade do bairro de Manaíra, e vem
sendo o responsável pela reestruturação das vias de acesso em seu entorno,
interligando-se a toda cidade. É exemplar a modificação patrocinada tanto pelo
poder público municipal quanto pela iniciativa privada (capital do dono do shopping)
numa parceria público-privado para dar maior fluidez ao consumo, com mudanças
do tráfego nas suas imediações (ver foto 08).
Os principais vetores da centralidade de Manaíra, as vias de circulação a
exemplo das avenidas Flávio Ribeiro Coutinho ou Retão de Manaíra, Edson
Ramalho e a BR -230 no trecho próximo ao Shopping Center Manaíra vêm
passando nos últimos anos por mudanças. Na Avenida Flávio Ribeiro Coutinho ou
Retão de Manaíra, de acordo com o Jornal Correio da Paraíba de 01 de julho de
2006, estão sendo realizadas obras de modificação do transito, com o alargamento
de suas pistas e a reurbanização das suas laterais.
De acordo com a Superintendência de Transportes e Trânsito (STTrans). As
obras de modificação do trânsito da Avenida Flávio Ribeiro Coutinho devem
melhorar em, pelo menos, 50% o tráfego no local No trecho entre a faixa de
pedestres localizada nas proximidades do Manaíra Shopping e o restaurante
95
Habbibs o Retão passará a ter três faixas, aumentando a capacidade do trânsito em
50%. As mudanças no Retão envolvem, ainda, um projeto de reurbanização na área.
Postes com lâmpadas especiais de vapor de sódio de 400 watts, além de calçadas
de porcelanato, ciclovias e palmeiras imperiais. É intenção de a Prefeitura construir,
também, duas praças com equipamentos de lazer para a população.
96
Foto 08: Obras de reestruturação do Retão de Manaíra, uma parceria entre a Prefeitura
Municipal de João Pessoa e o dono do Manaíra Shopping Center
Fonte: Jornal da Paraíba, 2006.
Outra avenida que merece também atenção é a Edson Ramalho desde os
anos de 1990, vem se definindo como Avenida Shopping, atraindo um comércio
97
especializado em artigos de luxo. É uma via de acesso que a cada dia concentra
atividades comerciais. De acordo com uma reportagem do Jornal Correio da
Paraíba, de 09 de fevereiro de 2003, a instalação de estabelecimentos comerciais
valorizou o preço do solo urbano da avenida, fazendo o metro quadrado ficar mais
caro.
Em apenas cinco anos, o valor do metro quadrado de terreno na Avenida
Edson Ramalho, no bairro de Manaíra, valorizou mais de 30%. O dado é do CRECI
(Conselho Regional de Corretores de Imóveis). O motivo são as empresas e lojas
comerciais que “descobriram” a área e elegeram como nova “avenida shopping” da
cidade (ver foto 09). Desde confecções, passando por aluguéis de roupas,
imobiliárias, colégios, escolas de idiomas e restaurantes. É possível encontrar na
Edson Ramalho lojas cujos produtos sofisticados e caros que atendem a exigências
de consumidores de classe média e alta (VASCONCELOS FILHO, 2003).
Foto 09: Vista parcial da Av. Edson Ramalho em Manaíra em 2006
Fonte: Aldo Gomes, 2006.
98
A BR-230, inicialmente implantada pelo governo militar na década de 1960
teve o papel de imprimir maior fluidez ao tráfego que vinha se tornando cada vez
mais intenso nas ligações com o interior do estado e com as demais capitais da
região, além de possibilitar uma alternativa rodoviária ao escoamento de
mercadorias do Porto de Cabedelo, que até então se dava apenas pela via
ferroviária (LAVIERI e LAVIERI, 1992, p.10). Na mesma lógica, surgem grandes
empreendimentos comerciais e de serviços, Hospitais (ver foto 10), hipermercados
(ver foto 11), como lojas de conveniências, Concessionárias de automóveis,
Faculdades e Corpo de Bombeiro ao longo da de suas marginais.
Foto 10: Hospital de Trauma, exemplo de empreendimento
localizado na BR-230
Fonte: Paulo Rener, 2006.
99
Foto 11: Carrefour também na BR-230
Fonte: Aldo Gomes, 2006.
Hoje no bairro de Manaíra, pode-se afirmar que as avenidas Flávio Ribeiro
Coutinho, Senador Rui Carneiro, General Edson Ramalho e a João Maurício (a
primeira da orla) e João Câncio, vêm se destacando pela concentração de
equipamentos
urbanos
e
pelo
grande
número
de
empresas,
escritórios,
supermercados, bares, restaurantes, shoppings e outras atividades do setor
terciário.
A partir da leitura que se fez concomitante a investigações de campo do/no
bairro de Manaíra por Santos (2002) concluiu-se que, com uma maior valorização do
espaço, a tendência é fortalecimento da centralidade do bairro pela atração de
atividades terciárias modernas e moradia para uma população de altos extratos de
rendimento (SANTOS, 2002, p.117).
Todas essas mudanças implicam aumento da segregação espacial e a
intensificação da exclusão-inclusão social com visibilidade entre as diferentes formas
100
de fortalecimento dos enclaves. O aumento da segmentação social e da
fragmentação espacial passa a ser um novo desafio para as políticas urbanas, tanto
do ponto de vista do atendimento pelos serviços públicos (escolas, segurança,
transporte coletivo, etc.) como nos discursos sobre as ocupações de áreas
protegidas por leis a exemplo das encostas e dos vales de rios urbanos.
2.3 As comunidades São José – Chatuba e o vale do Jaguaribe
O rio Jaguaribe nasce no tabuleiro de uma pequena fonte localizada na antiga
Granja Sandy, na qual foi construído o conjunto Esplanada, no sul de João Pessoa.
O local da sua nascente hoje se encontra aterrada, o rio foi canalizado por cerca de
500 metros até a BR 230, daí ele prossegue no sentido sul-nordeste da cidade.
Predominantemente urbano, considerado o mais importante rio da cidade de
João Pessoa, o curso do Jaguaribe possui uma extensão de aproximadamente 21
Km, da nascente até a sua antiga desembocadura no oceano Atlântico, entre os
bairros do Bessa e Intermares. Na década de 1940, o seu leito foi desviado para
dentro do Mandacaru, um afluente do Sanhauá que faz parte do sistema estuarino
do Paraíba.
Até o inicio da década de 1970, o uso do solo no vale do Jaguaribe era
predominantemente rural. Em todo seu percurso se praticava agricultura, de
subsistência e comercial, pecuária leiteira, também surgindo no seu baixo curso
alguns loteamentos. Entretanto, “a principal atividade era a criação de gado leiteiro,
atestado pelo grande número de vacarias existentes e do qual, ainda hoje, restam
algumas espalhadas pela área” (MELO, 2001, p. 125).
101
Na década de 1960, com as políticas de habitação e de transportes do
governo federal, populações de baixa renda foram empurradas para dentro do seu
vale, se apropriando e se territorializando daquele espaço que ainda não tinha
importância para o Estado nem para o capital. Nesse sentido, o vale passou a ser
um depósito de mão de obra barata, um espaço da informalidade.
Hoje a ocupação do vale do Jaguaribe, retrata uma realidade contraditória:
vem se realizando de forma desordenada, pela presença-ausência do Estado.
Mesmo tendo a ocupação restringida pelas leis 2.101, de 31/12/1975 e, 2.699, de
07/11/1979, pela Constituição Estadual e pelos Planos Diretores da cidade de João
Pessoa de 1974 e 1994, com sua inclusão nas Zonas Especiais de Preservação,
são visíveis as diferentes formas de apropriação, dominação e usos do solo.
A dinâmica de ocupação no vale é considerada desordenada, ilegal e
informal, com predomínio de habitações auto-construídas ou favelas. Ao mesmo
tempo em que foram construídos conjuntos habitacionais, segundo a lógica do
mercado imobiliário e das ações ou ausência do Estado. Pode-se verificar também
uma ocupação segundo dois grupos sociais distintos: os proprietários ou
empreendedores comerciais e imobiliários e as populações pobres e excluídas (ver
foto 12).
102
Foto 12: Formas de ocupações diferentes, segundo os proprietários: a favela São
José (em baixo) e o Manaíra Shopping Center (em cima)
Fonte: Paulo Rener, 2006.
É nesse momento que se tem início o choque de territorialidades: de um lado,
a população resistente, chamados de invasores; do outro, os possíveis donos que
são também responsáveis por empreendimentos realizados de forma ilegal ou
oficiosa, como forma de viabilizar economicamente essas áreas, a exemplo de
Shopping Center Manaíra, de grandes Condomínios residenciais, supermercados e
postos de gasolina (MELO, 2001, p.26-27).
A população pobre que se apropriou do vale foi expulsa de áreas valorizadas
à medida que a especulação imobiliária e fundiária se fortalecia. As primeiras favelas
que surgiu no vale do Jaguaribe na década de 1970 foram Baleado, no alto curso e
São José, no médio curso. Na década de 1980, cresce o número de habitações
auto-construídas, destacando-se a favela da Chatuba, em Manaíra.
103
Com a expansão urbana da cidade, trabalhada pelos acessos e estes a ter
uma relação direta com o consumo, o vale foi se reorganizando, e também se
reestruturando. Às velhas formas do uso do solo no vale são sobrepostas novas
lógicas que se cruzam e redefinem seu espaço, intensificando a fragmentação e
conseqüente refuncionalização, dando maior visibilidade às novas práticas de
segregação sócio-espaciais.
O processo de valorização do vale se deu pelos investimentos públicos e
privados, selecionando espaços, com novas funções e novas especializações. O
que antes era um lugar de depósito, de mão-de-obra, de ocupações irregulares,
concentração de favelas, passou a ser objeto de desejo para atender a necessidade
da lógica do consumo.
O vale passou a ter uma importância para o espaço da cidade, a partir da
lógica dos fluxos, com os acessos favorecendo a expansão urbana, associada à
lógica da habitação, uma formação social, implicou numa valorização da área, e o
vale passou a ser estratégico e ter uma função de circulação no qual o capital
passou a disputar o seu território para o consumo.
Com o cruzamento das vias de circulação, a exemplo da BR-230 com as
avenidas Epitácio Pessoa, Rui Carneiro e Retão de Manaíra sobre o curso médio do
vale favoreceu o shopping Center Manaíra. As comunidades São José – Chatuba
por se localizar próximo ao shopping e a outros empreendimentos de luxo passou a
ser um espaço de valorização e a ter uma importância estratégica para o Estado e
outros agentes da classe capitalista, com isso as comunidades passaram a ser alvo
de diferentes estratégias de segregação, e a serem consideradas um espaço da
ilegalidade.
104
Favelas, shoppings e condomínios. Três exemplos de enclaves fortificados;
três entidades aparentemente autônomas que convivem lado a lado. Embora evitem,
ou seja, evitados pelo resto da cidade, traduzem a dinâmica cotidiana no espaço
urbano contemporâneo de metrópoles como João Pessoa. Dentre essas três formas
de ocupação do espaço, os condomínios mantêm uma relação de cumplicidade com
o shopping center através da acessibilidade-consumo. Com a favela, essa relação é
de exclusão-inclusão pelo uso da mão-de-obra ou choques de territorialidade.
Condomínios, shopping e favelas adotam posturas antagônicas com relação à
cidade: os dois primeiros se isolam, construindo muros, barreiras eletrificadas e
vigiadas, fugindo da violência urbana. As favelas também não perdem em
hermetismo para os condomínios e shoppings. Desprezadas ou isoladas, ora pela
presença de muros, ora pela falta de acessos, de infra-estrutura, pela ausência do
Estado, tornam-se alvos de discursos estigmatizadores como, guetos, submundos
do crime e redutos da violência.
Evidenciam-se
também,
características
comuns
e
diferentes
entre
condomínios e favelas. Ambas são práticas de segregação sócio-espaciais. Porém,
o condomínio surge como uma forma urbanística de auto-segregação, ou
segregação do tipo voluntária, enquanto as favelas têm sua formação e apropriação
repousada na segregação do tipo compulsória, ou seja, aquela que independe da
vontade do indivíduo.
No novo padrão de segregação sócio-espacial são notórias as proximidades
espaciais entre condomínios, shoppings e favelas. Em alguns casos, são favelados
os detentores das maiores e melhores áreas para especulação urbana nas cidades.
Na zona sul do Rio, a favela da Rocinha se debruça sobre os prédios de São
Conrado. Na orla do Recife, a favela Brasília Teimosa é uma restinga próxima à
105
praia da Boa Viagem. Em Belo Horizonte, entre os bairros Sion e Santa Lúcia, um
morro com vistas privilegiadas da cidade aglomera a favela do Papagaio. Em João
Pessoa, o objeto de nossa pesquisa, as favelas da Chatuba e o bairro São José, que
ainda mantém aspectos de favela, se localizam próximo ao mar e ao bairro litorâneo
de Manaíra, uma centralidade que se destaca pela presença de condomínios
verticalizados e o principal Shopping Center da cidade.
CAPÍTULO III
AS COMUNIDADES SÃO JOSÉ-CHATUBA, SEGREGAÇÃO
E RESISTÊNCIA
Neste capítulo se discute as estratégias de segregação impostas pelo poder
público municipal combinado com os empreendedores imobiliários e em pelo
proprietário do Shopping Center, às comunidades São José – Chatuba localizadas
no vale médio do rio Jaguaribe, na cidade de João Pessoa. Destacam-se também as
diferentes estratégias de resistências das comunidades como manifestação de
descontentamento diante da injustiça social.
3. 1 Estratégias e contradições do Estado em relação às comunidades São
José – Chatuba e seu entorno
Para analisar as diferentes estratégias e contradições do Estado em relação
às comunidades São José – Chatuba e seu entorno, é necessário tecer algumas
considerações sobre a definição de comunidade. Em primeiro lugar, considera-se a
comunidade e seu cotidiano. Assim como da formação e transformações com base
no diferentes usos do solo.
Comunidade constitui um grupo social identificável pelo local de moradia
comum entre seus membros, por um “sentimento de comunidade”, ou seja, um
“entendimento compartilhado por todos os membros. Não um consenso” (BAUMAN,
2003, p. 15).
Este “sentimento de comunidade” decorre de uma prática social na qual o
relacionamento entre as pessoas tem inicio na convicção de que a proximidade é
107
fundamental para a vida em grupo porque os moradores se corporificam em práticas
sociais que privilegiam a interação afetiva. Em outros termos, vigora na no bairro
São José e na favela da Chatuba “relações de vizinhança, as conversas nas
esquinas, nas portas das casas, a confiança mútua nos transeuntes, como uma
comunidade” (SANTOS, 2003, p. 22).
Com o avanço dos meios de transportes e comunicação surgiu uma
dificuldade de relacionamento entre as pessoas das comunidades e
o seu entorno, é quando o equilíbrio entre a comunicação “de dentro”
e “de fora”, antes inclinado para o interior, começa a mudar,
embaçando a distinção entre “nós” e “eles” (BAUMAN, 2003, p. 18).
Dentro desta perspectiva, quando a comunidade passa a ter troca de
informações com o mundo exterior, as fronteiras são quebradas e esta passa a ser
uma sociedade como a que conhecemos atualmente. No entanto, antigas tradições
nem sempre desaparecem com o surgimento de outras, mas elas podem se juntar
criando espaços híbridos.
Notadamente, não se tem a pretensão de descrever o processo de
desagregação ou hibridez das comunidades em estudo como implicação de uma
expansão urbana. Nem tampouco a luta pela reconstrução de uma comunidade
mítica ideal, mas a identificação, com base no seu cotidiano, das estratégias de
resistências pelo direito ao entorno.
Percebe-se, também que a escolha por uma definição específica de
comunidade não dará conta de abarcar as categorias sociais com interesses
heterogêneos que deram origem as duas formas de assentamentos espontâneos, a
do São José, no final dos anos de 1960, e a da Chatuba, na década de 1980, as
quais se autodenominam comunidades.
108
O entendimento das suas territorialidades passa, necessariamente, pela
compreensão de suas histórias e de suas inserções no conjunto da cidade. Nesse
sentido, busca-se fazer uma síntese da inserção das comunidades São José –
Chatuba na história da cidade de João Pessoa, sobretudo no contexto da ocupação
e uso do solo no vale do rio Jaguaribe que teve origem na década de 1970.
Com o avanço da urbanização do litoral norte de João Pessoa e da
verticalização e maior valorização do bairro de Manaíra na década de 1990, pela a
implantação do Manaíra Shopping Center, as comunidades São José – Chatuba
passaram a ter uma maior visibilidade no espaço urbano da cidade, assumindo
novas funções e novas formas. A área onde estão localizadas as duas comunidades
passou a ser mais valorizada em relação às outras áreas do vale e até mesmo, da
cidade, implicando em uma refuncionalização pelo avanço do capital imobiliário
A proximidade das comunidades São José - Chatuba com o Shopping Center
Manaíra, destaca o padrão de segregação sócio-espacial que se sobrepõe no
espaço urbano de João Pessoa. As favelas, condomínios residenciais e shopping
Centers são exemplos de enclaves fortificados, que coexistem espacialmente no
território das cidades contemporâneas fragmentadas. Neste caso temos exemplos
de espaços de consumo (o Shopping Center), de precariedade (as favelas) e de
espaços vigiados (os condomínios residenciais) que se caracterizam pelos
movimentos de proximidade-separação espacial e exclusão-inclusão social.
Até o final da década de 1960, no litoral norte da cidade de João Pessoa, a
ocupação era caracterizada pelo predomínio de habitações pobres e de veraneio.
Com a expansão urbana e a implantação de uma infra-estrutura, os bairros da orla
marítima passaram a ser ocupados pelas classes média e alta e, como
conseqüência, tem-se uma valorização-especulação fundiária e imobiliária. Muitas
109
famílias pobres que habitavam estes bairros, advindas do campo de outros
municípios do Estado, foram novamente forçadas a migrar para as áreas menos
valorizadas da cidade, dentre elas o vale do rio Jaguaribe.
Os bairros litorâneos, de maior renda, foram se especializando e mantendo o
“conservadorismo no processo da modernização”, acentuando-se o enobrecimento
destes bairros de classe de população com renda alta implicando no processo de
expansão da população mais pobre em núcleos de habitações autoconstruídas na
periferia da cidade, em áreas de risco e áreas de preservação, tais como, encostas,
vales, aterro de mangues (MADRUGA, 1992).
No ano de 1968 ocorreu a primeira forma de apropriação do médio vale por
famílias oriundas dos bairros que ficam no seu entorno a exemplo de Manaíra e
Tambaú, expulsas das antigas vilas de pescadores ou de residências humildes. Na
sua maioria, sobreviviam de atividades de subsistência como pesca, agricultura e
criação de animais em pequenos lotes que logo “foram engolidos pela urbanização e
transferidos para as margens do rio Jaguaribe” (MADRUGA, 1992, p.70).
A origem de uma das primeiras favelas37 no vale, a Beira-Rio, foi
condicionada pela proximidade do mercado de trabalho, já que os bairros de
Manaíra, Tambaú e o conjunto João Agripino vislumbravam oportunidades de
empregos de baixa qualificação. Outro fator de destaque foi “a passagem da rede
elétrica de alta tensão, que implicou no desmatamento de parte da vegetação
favorecendo o acesso à parte do terreno para as construções dos primeiros
casebres” (LIMA, 2004, p.108).
37
As duas primeiras favelas que surgiram no vale do Jaguaribe foram: Baleado, no alto curso e BeiraRio, atual bairro de São José, no curso médio do vale (MELO, 2001, p.125).
110
Segundo dados oficiais38, entre os anos de 1968 e 1971, um total de apenas
24 famílias se apropriou da localidade. Esse número aumentou para 216 famílias
entre os anos de 1972 e 1975. Esta intensificação no processo de ocupação deve-se
tanto a grande disponibilidade de terreno, antes ocupados por poucas famílias, o
que possibilitou uma localização esparsa da casas e a possibilidade de uma ampla
escolha do local de moradia. Como pela possibilidade de práticas rurais e pela
atração que o ambiente fluvial lhes propiciavam, porque:
Aliás, o rio Jaguaribe foi outro condicionante natural que atraiu os
moradores, ocasionado tanto pela facilidade da terra fértil para
plantação das culturas e da pesca, quanto pela água cristalina e pura
do rio que brindavam os moradores em banhos matinais e
brincadeiras das crianças às suas margens (LIMA, 2004, p.108).
No final da década de 1970 a favela Beira-Rio já contava com 605 famílias
instaladas na localidade. Tal fato resultou no primeiro conflito pela posse das terras
entre a comunidade e os proprietários lindeiros. Estes tentam a desapropriação
através da derrubada de algumas casas originando a primeira manifestação de
resistência da comunidade ao induzir um sentimento de luta solidária entre os
moradores (LIMA, 2004 p. 108).
O poder público municipal, até então ausente, resolve agir sob a égide do
aparelho repressor da época militar, em defesa da lei e da ordem, fazer valer o
direito à propriedade privada. Nesse sentido, o prefeito Hermano Almeida
determinou mediante de ações violentas e repressivas, a derrubada de algumas
casas com máquinas e apoio dos agentes de segurança.
38
Segundo dados formulados pela Companhia Estadual de Habitação Popular (CEHAP) e pela
Secretaria de Planejamento do Estado da Paraíba (SEPLAN).
111
O conflito entre a comunidade Beira-Rio e os proprietários aliados com o
Estado deram origem ao movimento de luta pelo direito a moradia e ao entorno. A
estratégia de resistência faz-se através da união e da conscientização de toda a
comunidade. Fato ocorrido quando:
Os moradores organizam um movimento coletivo e estando acuados
diante da situação, leva o fato à imprensa, o que causa grande
repercussão na cidade como um todo. Jornais, Rádios, Noticiários
locais, divulgavam o sofrimento dos moradores, revelando a angústia
das famílias que viam suas casas derrubadas e os poucos objetos
que tinham sendo jogados no rio. Foi a partir daí, que as famílias
residentes no local não são expulsas (LIMA, 2004, p. 109).
Com a ausência-presença do Estado surge um outro problema no processo
de apropriação da favela Beira-Rio, a mercantilização ilegal dos lotes nas áreas não
adensáveis ou espaços vazios que ainda existiam. Os terrenos foram cercados e
limpados por antigos moradores e vendidos a famílias que buscavam apropriar-se
do local, constituindo-se numa prática especulativa de acesso ao solo. Mesmo
assim, o número de ocupações se intensifica e a média por ano também aumenta.
Em 1983 a população residente na área era de 6000 habitantes, confirmando-se
uma elevada densidade demográfica na favela.
Diante da problemática crescente, como aumento das densidades, da
precariedade dos equipamentos e da ausência e má fé do Estado39 os moradores
decidiram formalizar suas resistências criando em 15 de novembro de 1980 a
Associação dos Moradores União Beira-Rio. Esta tinha a finalidade de adquirir e
lutar por melhorias dos equipamentos necessários e outras carências das
comunidades, quando:
39
Depois da falsa promessa do poder público em construir um conjunto habitacional através do
Projeto CURA (1978) os moradores da favela Beira-Rio (1978 – 1983) decidiram se organizar,
criando a Associação dos Moradores da União Beira-Rio (FERNANDES, 2004).
112
As primeiras mobilizações tinham como interesse principal solucionar
os problemas relacionados com a infra-estrutura básica, como água
e energia elétrica. Depois de várias reuniões entre moradores e
representantes das concessionárias da CAGEPA e da SAELPA, a
Comunidade é contemplada com estes serviços básicos. Estava
traçado o papel da Associação: o de representar legitimamente os
interesses coletivos da Comunidade, levando as suas reivindicações
aos órgãos Municipais e Estatais (LIMA, 2004 p. 110).
A ocupação do vale médio do rio Jaguaribe pelas comunidades São José –
Chatuba se deu de forma gradativa e desordenada. A primeira a se apropriar no vale
foi à favela São José, em 1968. A partir de década de 1980 surgiu a favela da
Chatuba no bairro de Manaíra, na margem direita do Jaguaribe, fragmentada em
Chatuba I, II e III, verifica-se também, nesse período, um aumento vertiginoso de
ocupações no bairro São José, transformando-o na comunidade mais populosa de
João Pessoa segundo dados do IBGE (2000), com cerca de 7.923 habitantes, porém
contestada pela Associação dos Moradores ao afirmar que são 13 mil habitantes
residindo nas moradias auto-construídas.
O uso do solo nas duas comunidades é predominantemente residencial.
Entretanto as casas que se localizam na principal da comunidade São José e da
Chatuba, vem dividindo espaços com pequenos comércios e serviços. Outros usos
complementam o padrão de ocupação do bairro São José segundo Lima (2004).
São as igrejas católica e evangélica, o posto médico, a creche, a escola BETEL, o
cartório e o desativado posto policial. No início dos anos 80 foi construída uma
lavanderia pública no mesmo terreno onde se encontrava o posto policial, mas esta
sequer foi inaugurada e logo após, foi demolida. Na comunidade da Chatuba, tem a
Associação de Moradores, uma creche desativada e um centro social.
Os padrões construtivos das casas bem como o tamanho dos lotes podem ser
definidos em períodos distintos. Na década de 1970 a comunidade São José ocupou
113
a parte norte e sul do curso médio do rio mantendo certa distância do seu leito por
meio de lotes considerados grandes para o tipo de assentamento precário. Entre os
dois extremos ocupados se praticava atividades rurais de subsistência que logo mais
tarde foi ocupada por residências onde as casas eram na sua maioria de taipa-depilão, com algumas exceções, onde as casas eram em alvenaria sem reboco (LIMA,
2004).
Em seguida, surgem as ocupações margeando o leito do rio, uma na parte
norte, próximo da BR-230, e a outra, na parte sul, próximo da Avenida Rui Carneiro.
Os poucos espaços livres, notadamente na beira do rio Jaguaribe, foram ocupados
no período entre 1980 e 2005 (ver figura 05).
Nesta fase, intensificam-se as ocupações ribeirinhas e as poucas
áreas "disponíveis" são preenchidas. Os barracos às margens do rio
são de materiais alternativos precários como madeiras, telhas de
fibro-cimento, chapas de aço colhidas em ferro velho, etc. As demais
residências são em alvenaria, e já se verifica a presença de algumas
casas rebocadas (LIMA, 2004 p. 110).
114
Figura 05: Mapa de ocupação das comunidades São José – Chatuba
Fonte: LIMA, Marco Antonio Suassuna. Morfologia Urbana, qualidade de vida e
ambiental em assentamentos espontâneos: o caso do bairro São José, João Pessoa –
PB. PRODEMA-UFPB, 2004. Adaptação: Arinaldo Inácio das Neves.
115
O Governo do Estado da Paraíba, através da FUNSAT (Fundação Social do
Trabalho), utilizando-se do discurso de área de risco, criou o Projeto João de Barro,
destinando recursos para recuperação das áreas afetadas pelos acidentes. Essa
política de recuperação serviu para reurbanizar a favela e transformá-la em bairro.
Entretanto, o fator mais importante para as essas transformações foram os
atos públicos em prol da melhoria das condições de vida e de permanência das
comunidades no local por elas apropriado, culminando com o poder público, através
da FUNSAT, dar início ao projeto de urbanização da favela. “A escritura entra em
vigor, legalizando juridicamente os lotes adquiridos pela comunidade em janeiro de
1983” (FERNANDES, 2004, p. 66).
Com a extinção da favela Beira-Rio e a oficialização do bairro São José
muitas famílias foram residir no Conjunto Renascer, em Cabedelo, resultado de
Programas financiados pelo Governo do Estado/BNH/BNDES e FINSOCIAL. Outras
se agregaram aos moradores de outras localidades da cidade e do interior,
ocupando a margem direita do rio e dando origem a favela da Chatuba, no bairro de
Manaíra, às margens direita do Jaguaribe, também condicionadas pelo fator
proximidade do trabalho. Atualmente a favela está dividida em três partes. As três
comunidades possuem, respectivamente, populações de 700, 250 e 600 habitantes.
Chatuba I possui cerca de 140 domicílios; Chatuba II, 150 residências e Chatuba III,
cerca de 120 habitações.
116
Foto 13: Vista aérea das comunidades São José – Chatuba e do bairro
de Manaíra em 2004
Fonte: Eduardo Viana.
As comunidades em estudo apresentam as seguintes características sócioeconômicas:
Quadro 01: Comunidades São José e Chatuba: infra-estrutura urbana e formas de
ocupação
Comunidades
São José
Chatuba
Pop.
7. 923
1.465
Fonte: IBGE/FAC, 2000.
Área
(ha)
20
1.2
Hab/ha
419
1.221
Infra-estrutura
Abastecimento
d’água parcial,
energia elétrica total,
rede de esgotos
parcial e
pavimentação
inexistente
Abastecimento
d’água parcial,
energia elétrica
parcial,
rede de esgotos
inexistente e
pavimentação
inexistente
Formas de
ocupação e
localização
Área: uma
parte cedida e
outra
invadida/
encosta e
área
inundável
Área:
invadida,
propriedade
da marinha,
área
inundável
117
Os dados populacionais oficiais fornecidos pela FAC (2002) e pelo IBGE
(2000) divergem e são questionados pelos moradores, pela associação e pelo PSF
local. Para a FAC, o total de domicílios no bairro de São José é de 1.545 unidades.
Considerando-se uma média de cinco moradores por domicílio, a população seria de
7.725 habitantes. “A pesquisa realizada por Cortez (1999) afirma que a população
da área em estudo é de 1.900 famílias residentes, o que resulta em 9500 pessoas.
Os dados do IBGE acenam para um total de 7.923 habitantes” (LIMA, 2004, p.116).
Os dados obtidos40 pelas amostras aplicadas em 251 domicílios nas
comunidades São José – Chatuba, em 1999, confirmado nesta pesquisa em 2005 e
com o relatório da FAC (2002):
Ø A composição da renda familiar concentra-se no chefe de família e os
proventos destes na sua maioria situam-se entre ½ e 2 salários
mínimos.
Ø Quanto a procedência do chefe de família, é predominantemente
urbana, ou seja, dos 116 chefes de família , 81 são oriundos da capital.
Ø Quanto ao tempo de moradia, os moradores entrevistados residem ha
mais de cinco anos nas respectivas comunidades.
Ø O número de pessoas sem instrução nas duas comunidades se
aproxima de 30% segundo relatório da FAC (2002). É grande o número
de pessoas que não consegue terminar o ensino fundamental.
40
Os dados obtidos foi uma realização do Projeto de Pesquisa – Vale do Jaguaribe realizado pela
equipe de pesquisadores do UNIPÊ, nas comunidades São José – Chatuba para obter uma
caracterização sócia econômica, em 1999.
118
Com base nas características sócio-econômicas das comunidades São José
– Chatuba e sua relação com o entorno mais valorizado, representado pelo bairro de
Manaíra41, desvenda-se a máscara do poder público municipal e o seu novo papel,
uma vez que se configura um quadro de exclusão ou inclusão/inclusão das
comunidades e o distanciamento do perfil do consumidor inserido no contexto da
sociedade de consumo.
Não é propósito de esta pesquisa discutir a questão habitacional da área em
estudo. Entretanto é preciso destacar as diferenças do habitar entre as comunidades
São
José
–
Chatuba.
São
comunidades
em
áreas
opacas
coexistindo
conflituosamente com as áreas luminosas, espaços da racionalidade com vias de
trânsito rápido, os edifícios, os condomínios, os shoppings, os hipermercados, vários
tipos de serviços e comércios, evidenciando o contraste que é imanente às cidades
brasileiras de grande e médio porte, como João Pessoa.
A crise fiscal do Estado brasileiro nos anos de 1980 agravou as
desigualdades sociais e aprofundou a pobreza nas cidades. É com base nessa
problemática urbana que se discute o paradigma da reestruturação contemporânea:
no processo de mudanças do papel do Estado, progressivamente, conferem-se
novos usos políticos ao território, o qual vai adquirindo, parcial e progressivamente,
novas formas e sentidos.
Com relação aos equipamentos comunitários e serviços de infra-estrutura
vale destacar que, mesmo precários, resultou da ação solidária dos próprios
moradores do bairro que além de construírem suas próprias casas também foram
41
Segundo o Censo Demográfico de 2000, o bairro de Manaíra tem a terceira maior renda média do
chefe da família com renda de 2.770,02, perdendo apenas para os respectivos bairros de Cabo
Branco, com 3.127,27 e Tambaú com 2.961,43. No outro extremo está o bairro São José com a
menor renda IBGE (2000).
119
responsáveis pela implantação dos primeiros equipamentos comunitários na favela
porque:
Nesta mesma maneira solidária de produção autoconstruídas e de
mutirão é que serão também construídos os primeiros equipamentos
comunitários do bairro, como o Posto médico, A Associação dos
Moradores, Igreja Católica e uma Creche. Entretanto, à medida que a
população do bairro foi crescendo e as necessidades e demandas
sócio-espaciais se tornando cada vez maiores, os poucos serviços,
equipamentos e a própria infra-estrutura, se tornaram ineficientes e
precárias (LIMA, 2004 p.112).
Durante as décadas de 1980 e 1990 as associações42 se fortalecem pela sua
importância em prol das lutas pela melhoria de infra-estruturas básica e pelas
reações às tentativas de remoção feitas pelo governo municipal que se omite em
relação às políticas públicas. “O fato é que o bairro cristaliza-se, incluindo uma linha
de ônibus “ (FERNANDES, 2004. p.66)
Para permitir a reprodução da lógica do consumo, o poder público local e a
iniciativa privada vêm adotando diferentes estratégias de segregação, ora limitando
o acesso das comunidades São José Chatuba ao entorno mais valorizado, pela
negligência à acessibilidade destas pelas pontes e escadarias, ora dificultando a
visibilidade
das
habitações
autoconstruídas,
pela
edificação
de
muros,
empreendimentos, entre outras, ora através dos discursos do Estado, guetificandoas, estigmatizando-as, portanto nos planos da materialidade e das representações.
O discurso do Estado presente na legislação e no Plano Diretor é contraditório
porque utiliza estratégias pautadas no nexo assesibilidade-consumo-segregação,
42
Segundo Lima (2004) Logo após a criação da AMUBR surge uma outra associação, denominada
Associação Comunitária do Bairro São José, pois a favela recebe oficialmente o nome de Bairro São
José. No início do ano de 2000, as duas associações se unificam formando a Associação Unificada
dos Moradores do Bairro São José.
120
favorecendo a lógica do consumo em detrimento das comunidades São José –
Chatuba que tentam sobreviver no médio vale do rio Jaguaribe na cidade de João
Pessoa, Paraíba.
Ao investigar as políticas de habitação e transportes, no período entre 1990 e
2004, a influência da acessibilidade no processo de valorização do vale para o
consumo, como a implantação de vias de trânsito rápido, a exemplo da BR-230 e
outras vias que cortam ou margeiam o vale, verificou-se uma concentração de
investimentos privados, comerciais e de serviços, o buscou-se identificar a relação
da política de transportes com as estratégias de segregação impostas ás
comunidades em estudo pelo poder público.
No Plano Diretor, o Capítulo V refere-se à Circulação e Transportes na cidade
de João Pessoa. O artigo 41 fala da Política Municipal de transportes com destaque
para as seguintes diretrizes:
I. O ajuste da oferta e demanda de transporte, de forma a utilizar seus
efeitos indutores e a compatibilizar a acessibilidade local as propostas de
parcelamento, uso e ocupação do solo;
II. A adequação da rede viária principal a melhoria do desempenho da rede
de transporte coletivo, em termos de rapidez, conforto, segurança e
custos operacionais;
III. O Art. 42. Diz que o sistema de circulação e transporte do Município de
João Pessoa compreende o transporte publico e a rede viária principal
constante do mapa no anexo.
Entende-se que o Art. 41, nas suas diretrizes I e V, revela-se contraditório e
segregacionista à medida que se propõe compatibilizar
a acessibilidade ao
121
parcelamento, uso e ocupação do solo. Nas comunidades São José – Chatuba o
uso do solo é predominantemente residencial com elevadas densidades, entretanto
até os hoje não houve nenhum ajuste da oferta e demanda de transporte coletivo.
Quanto ao desempenho destes em termos de rapidez, conforto, segurança e custos
operacionais, para um olhar mais atento, observam-se uma prioridade muito mais
direcionada para se ter acesso ao Shopping Center em detrimento das comunidades
que dispõem apenas de pontes e escadarias.
No Plano Diretor estão incluídas propostas de novas vias de circulação para o
bairro de Manaíra com o objetivo de dar maior fluidez e melhorar a qualidade de vida
tanto ao trabalhador que se locomove de ônibus como aos motoristas particulares
(Ver mapa em anexo).
O Art. 42. Destaca o mapa de transportes público e da rede viária do
Município de João Pessoa. No mapa (em anexo) nota-se a falta de uma política de
transportes coletivos e de abertura de novas vias de circulação nas comunidades
estudadas. Portanto, demonstram-se possibilidades muito mais evidentes de manter
essas duas comunidades impedidas do direito de ir e vir.
Quanto ao zoneamento da cidade, definido no Plano Diretor de João Pessoa,
a área em estudo corresponde a Zona Especial de Interesse Social (ZEIS). No Art.
33, seção II do referido plano, as ZEIS “São aquelas destinadas primordialmente à
produção, manutenção e à recuperação de habitações de interesse social e
compreendem”:
I - terrenos públicos ou particulares ocupados por favelas ou por
assentamentos assemelhados, em relação aos quais haja interesse público em se
promover a urbanização ou a regularização jurídica da posse da terra (...) (PLANO
DIRETOR DE JOÃO PESSOA, 1994).
122
As comunidades São José – Chatuba inseridas no Plano Diretor como ZEIS
(ver mapa em anexo), é passível de intervenções, tanto urbanísticas quanto de
regularização fundiária, pelo poder público municipal. Entretanto, mesmo se tratando
de uma área ocupada por habitações autoconstruídas com precariedades de infraestruturas básicas não se verificou nas últimas décadas nenhuma política urbana
que tenha contemplado as duas áreas de estudo.
Entre os anos de 1990 e 2004, predominou o modelo de planejamento
inserido no projeto neoliberal, a do planejamento estratégico que considera a cidade
como um organismo independente das relações sociais, deixando de fora as
populações de baixa renda e maquiando a forma da cidade para ser vendida aos
pedaços.
Aos poucos o rio Jaguaribe, inserido no tecido urbano de João Pessoa foi
desaparecendo do cotidiano da população. A expansão urbana desordenada se deu
pela ocupação de favelas, conjuntos habitacionais, condomínios fechados,
empreendimentos comerciais, empresariais e de serviços, ou para dar lugar e
sentido a outro tipo de transporte, o rodoviário, com a construção de vias de acessos
nas suas margens ou no seu leito soterrado.
Foi assim nas grandes cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo
Horizonte, e tantas outras que se expandiram tendo um rio, ora como obstáculo, ora
como meio de ocupação. O olhar distante, indiferente sobre o rio urbano muda
quando este transborda pelas suas margens invadidas pelas avenidas, marginais e
edificações possibilitando uma releitura através do contraditório discurso de
revitalização ou reurbanização.
A paisagem natural do rio Jaguaribe no seu médio curso foi atingida de
maneira mais sistemática a partir dos anos de 1980 até os dias atuais. Inicialmente,
123
com o assentamento mal planejado de populações de baixa renda a exemplo da
antiga favela Beira-Rio quando ações da FUNSAT - Fundação Social de Apoio ao
Trabalho – criaram conjuntos – considerados urbanizados – transformando a favela
em bairro, porém com um grau mínimo de infra-estrutura confirmando o estigma de
morar em favelas como um peso até hoje.
Várias são as legislações que tratam da preservação das áreas que
margeiam os rios denominadas de APP - Áreas de Preservação Permanente. A Lei
Federal 4.771/65, chamada de Código Florestal, alterada pela Lei nº. 7.803/89. Esta
lei define em seu art. 2º que as faixas ribeirinhas devem ter no mínimo 30 metros de
largura quando a largura do rio não ultrapassar 10 metros, aumentando conforme a
largura do corpo d’água.
O papel contraditório do Estado também se faz a partir do discurso de
preservação e consumo. Preservar a Mata sem preservar o vale! Nesse sentido, o
Estado de coerção: da segregação ilegal e da preservação legal é o mesmo que
culpa a comunidade pela poluição, propondo projetos como URBVALE43, quando
segrega e nega as políticas sociais e ambientais para as comunidades. Portanto a
lógica do Estado é a da preservação e consumo.
Associada ao discurso da reurbanização ou preservação está o de área de
risco que estrategicamente indica a remoção. Foi assim que ocorreu na antiga favela
do Pasmado, em Botafogo, no Rio de Janeiro, quando removeram aquela
comunidade, o governo dizia que era área de risco, mas em seguida a classe média
foi mora lá. Então, porque a classe média pode e a favela não pode? O que motiva o
poder público recomendar a remoção é primordialmente a especulação imobiliária
quando existe valorização da área.
43
O Projeto URBVALE de reurbanização do vale do rio Jaguaribe em João Pessoa - PB teve início no
final dos anos de 1990.
124
Em João Pessoa todos os anos a Defesa Civil do Município visita as áreas de
risco, supostamente ocupadas só por nas favelas. Um exemplo é a das
comunidades São José – Chatuba que são ameaçados pela remoção em períodos
de cheias e deslizamentos. Entretanto em cima da falésia do Jardim Luna foram
construídos alguns condomínios de luxo numa área de terrenos sedimentares e
fragilizados, só que para os moradores de condomínios de luxo não existe risco
físico-ambiental, e sim risco de morte pela presença das favelas ao lado (ver foto
14).
Foto 14: Um discurso contraditório de área de risco: para o pobre, área
de risco, para o capital a área é de rico, é o que mostra a foto desta
realidade presente na falésia que fica no bairro Jardim Luna
Fonte: Paulo Rener, 2005.
Como justificativa de melhorar a qualidade de vida nas comunidades o Estado
constrói discursos forjando forjados conceitos como os de: área de risco, moradias
subnormais, no plano da materialidade. Já no plano das representações, o Estado
125
estigmatiza as comunidades rotulando-as de guetos, pela violência (ver foto 15),
trafico de drogas, furtos, assaltos, entre outras.
Foto 15: Momento de rotina na comunidade São José quando policiais
abordam diariamente os moradores nas entradas das pontes que dão
acesso ao bairro para dar satisfação à sociedade contra a violência
Fonte: Paulo Rener, 2006.
Com a ausência do Estado como gestor de políticas públicas, outro problema
que se observa na área em estudo e entorno é uma diminuição de seus espaços
públicos e ampliação daqueles privados, o que torna mais intensos os processos de
fragmentação
espacial,
hierarquização
e
segmentação
social
tornando
a
comunidade um espaço cada vez mais limitado e vigiado e estigmatizado em
relação ao entorno, ensejando uma sociabilidade hostil que serve de pretexto para a
elaboração dos discursos oficiais sobre a violência.
126
3.2 Mudanças nas relações cotidianas das comunidades com o entorno: o
choque de territorialidade
O cotidiano é uma dimensão do espaço compartilhada por instituições e
firmas e por uma diversidade de pessoas. É o local do conflito e da cooperação,
onde a vida social é individualizada, mas, onde a contigüidade cria a comunhão
(SANTOS, 2003). Nesse sentido, é onde repetições e rupturas interagem; é o
momento presente da constante mutação do espaço.
A maneira como o meio-técnico-científico-informacional se impõe no espaço
hoje faz crer que há um só futuro possível. Porém, a categoria de território usado –
que confronta, dialeticamente, os espaços luminosos e espaços opacos, destrói o
pensamento único e afirma a existência de projetos diferenciados em curso.
Há uma forte resistência acontecendo por parte dos pobres no cotidiano que
geralmente são deixadas de lado e que pode significar o começo da negação da
realidade como está sendo conduzida. Portanto, o cotidiano é revelador da
dialeticidade do território.
Nas duas comunidades estudadas o cotidiano das pessoas é concebido como
a dimensão constituída e instituída pelo “vivido”. A vida cotidiana não acontece sem
o “uso” que se faz do espaço e do corpo, mas também da “repetição” dos afazeres,
do mesmismo de todos os dias Lefébvre (1991), Seabra (2004) e Santos (1996). O
modo de vida remete à proximidade de uma situação de vizinhança e qualifica uma
comunidade.
Para Santos (1996, p. 255), a proximidade cumpre um papel fundamental
como base da “sociabilidade”, geradora da solidariedade e da identidade. Nessa
perspectiva, lançar um olhar ao cotidiano é entender os modos de vida, a
127
proximidade e a resistência. É por meio do cotidiano vivido que os sujeitos excluídos
têm a oportunidade “de fazer História” segundo Martins (1992, p.19).
Nesse sentido identificam-se os modos de vida das comunidades São José –
Chatuba através das suas relações de vizinhança e com o entorno. Entre vizinhos é
comum as conversas nas portas das casas, nas calçadas (quando existe), nas vielas
e becos, na divisão do pó de café ou da
xícara de açúcar, no pedido por
empréstimo (mesmo que não possa pagar) de alguns reais para comprar pão ou
peças de roupas para ir a danceteria, calçados, nos jogos de sinuca nos botecos e
bares, dominó, no futebol praticado no campo do bairro de João Agripino ou na praia
de Manaíra aos domingos e feriados ou quando a maré está baixa.
Visualiza-se também uma relação de vizinhança nas comunidades em estudo
através das festas. As mais destacadas são o carnaval, São João, Natal e o
Reveillon. Para os jovens têm-se os campeonatos de futebol, corrida de rua, grupo
de capoeira e outras atividades praticadas em projetos com “Sou do Bairro”, na
Rádio Comunitária, em lançamentos de DJ’s e festas na Associação de Moradores
do bairro São José. Algumas em conjunto com a Prefeitura Municipal de João
Pessoa e outras sob a coordenação de ONG’s. Entretanto ainda existe uma carência
de espaços livres e de lazer para as comunidades porque, “pela forma desordenada
de ocupação do solo e pela considerável população do bairro, a área em análise não
dispõe de um espaço qualificado onde possa ser desenvolvida atividade de
sociabilidade, lazer e demais manifestações sócio-culturais” (LIMA, 2004. p.113).
Vive-se a época em que o movimento do cotidiano da população passou a ser
imposto pela ditadura do movimento. Esse movimento constante expresso pela
ordem para a reprodução do capital auxiliado pelas inovações tecnológicas destacase pela contraposição entre os tempos do cotidiano, lentos e rápidos, caracterizando
128
uma prática social, tornando-o monótono e impregnado de sinais e portas
estabelecidas pela sociedade de consumo.
Nesse contexto, percebe-se uma relação contraditória entre as comunidades
São José – Chatuba e o bairro de Manaíra pelos ritmos: as comunidades com seus
tempos lentos andam de bicicleta, de carroça, a pé. Aos moradores de Manaíra se
deslocam de carros, motos e ônibus.
Na relação com o bairro de Manaíra, visualiza-se um choque de
territorialidades, (ver foto) como resultado dos discursos de estigmatização, da
violência, ou seja, de contradições não resolvidas que foram sendo acumuladas,
impondo no campo do vivido hoje, estratégias e lutas pela sobrevivência no espaço
apropriado, “porque para permanecer habitante há que ser morador, há que ser
aquele que usa, que delimita território do uso” (SEABRA, 2004. p. 183).
Para ser aceito pela população que mora no bairro de Manaíra, o jovem da
comunidade São José, perguntado onde mora costuma dizer: “moro no bairro” e o
da favela Chatuba diz: “moro no final do bairro de Manaíra”. Nessa mesma busca
pela aceitação, é comum se ver jovens das duas comunidades vestindo roupas e
acessórios do shopping center Manaíra ou copiando os modelos similares adquiridos
em shoppings populares.
A pouca aceitação e maior tolerância por parte dos moradores do bairro de
Manaíra com relação às comunidades aparentemente excluídas44 observam-se pelo
trabalho informal. Muitas pessoas das comunidades convivem quase diariamente
com as do bairro de Manaíra através da prestação de serviços como diaristas,
porteiros e zeladores de edifícios, seguranças, entregadores, pintores, pedreiros,
encanadores, concertos de bicicletas. E de atividades comerciais como vendedores
44
Essa aparente exclusão é para SEABRA (2004) uma exclusão perversa e, para MARTINS (1997),
uma exclusão marginal ou exclusão-inclusão.
129
ambulantes, balconistas e ajudantes nas pequenas lojas comerciais existentes no
bairro.
Dentre os fatores que anunciam os condomínios fechados, o Shopping
Center, os grandes, médios e pequenos empreendimentos comerciais, consumidos
pela sociedade do bairro de Manaíra, estão as favelas, apropriadas pelas
comunidades pobres denominadas São José – Chatuba (ver foto 16). São
comunidades excluídas-incluídas pela relação de trabalho, especialmente com o
bairro de Manaíra.
Foto 16: A favelas da Chatuba (à esquerda) e o bairro São José (à
direita) visualizando-se as condições precárias de habitabilidade das
duas comunidades
Fonte: Paulo Rener, 2004.
3.3 Organização das comunidades e as estratégias de resistência
A acessibilidade é uma noção relativa e contextual, um termo banal, freqüente
até o momento de defini-lo, mensurá-lo. Entende-se por acessibilidade como sendo
130
a possibilidade de superar a resistência da separação entre lugares diferentes.
Depende, da distribuição espacial de oportunidades urbanas, da disponibilidade dos
meios de transporte e da mobilidade.
Com relação às oportunidades urbanas, verifica-se que as comunidades São
José – chatuba além da precariedade em infra-estrutura básica como água
encanada, rede de esgotos, eletricidade, telefonia, coleta de lixo, que em nada
contribuem para melhorar as condições de vida das comunidades, reafirma-se a
ausência pelo poder público local, através da negação de uma política pública de
transportes que as permitam ter acesso ao entorno (ver figura 06).
Para garantir a reprodução da lógica do consumo, o poder público local
associado com a iniciativa privada vem adotando diferentes estratégias de
segregação. Ao mesmo tempo em que limita o acesso das comunidades São José
– Chatuba através da implantação de pontes e escadarias, reestruturar as avenidas
que passam pelo shopping numa parceria público-privado, sob o discurso de maior
fluidez e comodidade.
131
Figura 06: Mapa de estratégias de segregação e de resistências
Fonte: SEPLAN, Prefeitura Municipal de João Pessoa, 1998; pesquisa de campo;
Adaptação: Paulo Rener e Arinaldo Inácio das Neves.
132
Existe uma preocupação especial do proprietário do shopping Center Manaíra
em dificultar a visibilidade das habitações autoconstruídas, com a expansão do
estacionamento do shopping e pela edificação de muros com uma ação duplamente
arbitrária: o Manaíra Shopping Center foi construído sobre uma área de mangue,
portanto, de preservação ambiental. Na expansão do estacionamento ocorreu uma
invasão de área considerada ZEIS – Zona Especial de Interesse Social segundo o
Plano Diretor de João Pessoa (1993), onde se localizam partes das comunidades
São José – Chatuba (ver foto 17 e 18).
Foto 17: O muro do shopping impedindo a visibilidade e o acesso
das comunidades.
Fonte: Paulo Rener, 2006.
133
Foto 18: A expansão do estacionamento e o muro que foi erguido
para impedir o acesso das comunidades
Fonte: Paulo Rener, 2006.
A dimensão do vivido tem importância fundamental para compreensão das
diferentes estratégias de segregação impostas pelo poder público local e o capital.
Daí destacam-se as entrevistas realizadas com moradores das duas comunidades.
Aliás, foram os relatos de alguns moradores que ajudaram a compreender as
estratégias de segregação impostas e as estratégias de resistências das
comunidades.
As palavras da Sra. Rosali, de 28 anos, que trabalha como diarista em
residências do bairro de Manaíra, moradora de um casebre da Chatuba I localizado
na margem do rio e de frente ao muro construído pelo proprietário do shopping, ao
referir-se àquela intervenção desabafa:
Ele (o dono de empreendimento) construiu isso aí dizendo que era
pra a água das cheias não invadir os carros do estacionamento. Só
que agente sabe que, até pode ser, mais também é pros povo que
vem comprar aí não se misturar com nós. E o medo dos assaltos
tava expulsando o pessoal que vinha pro shopping. Esse muro ficou
134
horrível porque a gente agora tem que arrudiar lá pra rua da frente,
andar um bocado pra chega na principal (Retão de Manaíra). Eu que
trabalho todo dia é horrível. Mais ele (o dono do empreendimento)
tem dinheiro faz o que quer agente fica prejudicado tendo que sair de
casa mais cedo pra dar conta do trabalho (Em 12/ 05/ 2005).
Parte-se da problemática interna com respeito à mobilidade dentro das duas
comunidades.
O que se verifica, tanto no bairro São José como na favela da
Chatuba é um sistema viário praticamente inexistente. Na comunidade São José,
por exemplo, a única rua asfaltada é a principal, a Rua Edmundo Filho. Poucas são
calçadas com paralelepípedo, à maioria é de areia e esburacada. Predomina as
vielas com esgotos a céu aberto e sem nenhuma pavimentação. Uma outra
característica que chama atenção é a falta de calçadas. Quando existem, são muito
estreitas dificultando a mobilidade dos pedestres.
No Plano Diretor (1993) da cidade de João Pessoa no Capítulo que trata da
acessibilidade não existe nenhuma proposta de implantação de vias de acessos
para que as comunidades tenham direito ao entorno. (Ver mapa no anexo) Verificase uma política de exclusão pelos acessos à medida que para aquelas comunidades
sobram apenas a construção e manutenção de duas pontes metálicas (ver foto 19 e
20).
135
Foto 19: Ponte metálica próxima ao
Shopping Center Manaíra, interligando a
favela da Chatuba I com o bairro São José,
recentemente restaurado pela PMJP
Fonte: Paulo Rener, 2006.
Foto 20: Ponte metálica interligando a
favela da Chatuba II com o bairro São José,
encontra-se em avançado processo de
corrosão
Fonte: Paulo Rener, 2006.
O bairro São José possui cerca de 2,3 Km de comprimento e está espremido
entre a falésia morta do bairro João Agripino e a margem esquerda do rio Jaguaribe.
Nesse percurso existem apenas duas pontes estreitas que não permitem a
passagem de automóveis, apenas de motos, bicicletas ou a pé. A mobilidade dos
moradores fica limitada, muitos se deslocam diariamente para o bairro de Manaíra
para trabalhar. As duas intervenções reafirmam uma estratégia de segregação
imposta pelo Estado local, às comunidades pela acessibilidade.
Segundo depoimento do Sr. Roque, de 56 anos, vendedor de milho verde no
calçadão da praia de Manaíra, morador da comunidade São José, ao se referir as
pontes, tanto as metálicas quanto as de madeira relatou o absurdo de ter que passar
todo dia pelas pontes com seu carrinho de mão para vender milho na praia:
Agente aqui é esquecido pelos homens lá de cima, desde que vim
morar aqui é esse problema todo ano, quando chove o rio sobe,
invade aqui as casas. As pontes de ferro ficam tudo enferrujada,
caindo os pedaços vendo a hora desabarem com gente em cima que
precisa passar por ela todo dia pra ganhar o nosso pão, fica cheia de
buraco, é não é mole não. Lá mais em cima o pessoal construiu uma
136
ponte de madeira e todo ano ela vai abaixo com as enchentes. E
todo ano a mesma coisa, os homens da prefeitura vêm prometendo
fazer uma ponte de ferro e nada, quando chega os jornalistas e bota
a notícia no jornal, no outro dia eles aparecem pra prometer e depois,
desaparece (Em 20/ 08/ 2005).
Pela proximidade com os bairros de João Agripino e Jardim Luna a oeste,
tendo a falésia morta como condicionante natural, a comunidade dispõe de três
escadarias implantadas pela prefeitura como uma das formas de deslocamento para
o trabalho, ir ao centro da cidade ou estudar na escola Capitulina Sátyro localizada
no João Agripino. São intervenções precárias porque nas três escadarias não existe
iluminação nem segurança e só se pode ter acesso se for a pé (ver foto 21, 22, 23 e
24).
Para a Sr. Joana, de 74 anos, aposentada e doente , saindo do segundo
enfarte, andando com dificuldade para escalar as escadarias e ter acesso ao
hospital de trauma que fica do outro lado BR-230 e ao banco para receber seu
salário desabafa:
É um sacrifício toda semana ter que descer e subir essas escadas
pra ir ao banco ou no hospital de trauma fazer consulta com
especialista. E as crianças que tem que estudar? Minhas netas todo
dia o pai leva pra escola daí de cima, elas estuda no Capitulina, e
todo dia é esse problema, quando o pai não pode levar nem a mãe,
elas tem de ir acompanhada com os coleginhas, só sobe se for de
muitos. De noite isso aqui é mais perigoso, tem assalto, estupro,
violência por conta da BR, aqui (na escadaria) não tem energia fica
tudo escuro só pode andar se for muita gente junta. O pessoal da
prefeitura fala que vai fazer uma estrada pro pessoal ir pro trabalho e
pegar ônibus lá em cima que passa mais né. Até agora nada,
esqueceram da gente (Em 20/08/2005).
137
Foto 21: Primeira escadaria próxima ao Foto 22: Segunda que também liga o bairro São
ponto final dos ônibus de João Agripino / São José ao conjunto João Agripino
Fonte: Paulo Rener, 2005.
José
Fonte: Paulo Rener, 2005.
Foto 23: Terceira escadaria localizada
próxima da escola Capitulina Sátyro e do Foto 24: Terceira escadaria
Fonte: Paulo Rener, 2005.
campo de futebol que fica no conjunto João
Agripino
Fonte: Paulo Rener, 2005.
A acessibilidade entre o bairro São José e a favela Chatuba com os bairros de
Manaíra, João Agripino e Jardim Luna restringe-se a duas pontes metálicas
construídas pela prefeitura, que também implantou três escadarias. O sistema de
transportes coletivos que passa por dentro da comunidade São José foi uma
conquista das reivindicações da associação de moradores na década de 1980.
138
Hoje a comunidade dispõe de apenas três linhas de ônibus45 o que contrasta
em muito com a concentração de linhas que circulam pelo bairro de Manaíra. O
problema fica mais crítico na favela da Chatuba, fragmentada em três unidades, esta
comunidade não possui linha de ônibus circulando pelas suas ruas. As linhas mais
acessíveis são as que passam pela principal do bairro São José ou a 521, que faz
seu percurso ruas próximas da favela, pelo bairro de Manaíra.
Foto 25: Único acesso das duas linhas de ônibus Foto 26: O ônibus ao centro (azul) circula
que circulam na comunidade São José
pela única rua que é asfaltada no bairro São
Fonte: Paulo Rener, 2006.
José
Fonte: Paulo Rener, 2006.
Em conseqüência das estratégias de segregação realizadas pelo poder
público através da implantação de limitadas linhas de ônibus, da presença precária
de pontes e escadarias, verifica-se nas comunidades, o predomínio do número de
bicicletas46 circulando como principal meio de locomoção dos moradores. Observa -
45
São as seguintes as linhas de ônibus que atendem as comunidades direta e indiretamente: duas
linhas de ônibus da empresa Marcos da Silva - Bairro São José (512) , Conj. João Agripino (509) e da
empresa Transnacional -Tambaú - Rui Carneiro (511). Reunidas (521) Segundo a STP, os intervalos
entre os ônibus de cada linha são, respectivamente, 20 min; 20 min e 5.4 minutos.
46
Segundo pesquisa realizada por LIMA no bairro São José, 85% dos moradores possuem bicicletas,
12% motos, 2% carros e 1% carroças. Os mesmos percentuais são verificados na favela da Chatuba.
139
se também uma relação de solidariedade entre os moradores que costumam usar o
“camelo” por empréstimo como uma ação natural entre eles (Ver fotos 27 e 28).
Foto 27: A bicicleta usada para atravessar a
ponte
Fonte: Paulo Rener, 2005.
Foto 28: A bicicleta usada para subir as
escadarias
Fonte: Paulo Rener, 2005.
O conceito de resistência não é elaborado de maneira explícito ou
sistemático, ao contrário, é sutilmente relacionado a algum aspecto da vida social
contemporânea, como a perda ou limitação pelo direito ao entorno. Dessa maneira,
tentar explicitar esse conceito, especialmente quando referido a essa questão,
contribui para entender a concepção das estratégias de sobrevivência das
comunidades, objeto de estudo desta pesquisa.
Na visão de Foucault (1984, p. 08) “existe uma relação entre resistência e
poder. São relações objetivas e subjetivas que asseguram a produção/circulação do
poder no território, produzindo novas formas de resistência e com isso novas
identidades”. Nas margens, nos limites sob influência e interesse dos espaços de
poder ou dominantes, estão comunidades, guetos dos “homens lentos, que teimam
em não se adaptar à nova ordem” (SANTOS, 2003, p. 325), que teimam em oferecer
140
resistências ao modelo hegemônico, que se constituem na melhor alternativa ao
desenho global apresentado pelo capitalismo.
O espaço urbano é constituídos pelos mais diversos objetos técnicos, dando
origem aos espaços da racionalidade, e sócio-econômicos. A partir da hegemonia
dominante
instalam-se,
paralelamente,
a
contra-racionalidade,
socialmente
localizadas nos pobres ou excluídos e minorias. Do ponto de vista econômico, entre
as atividades marginais, ou tradicionais. Espacialmente, nas áreas opacas, tornadas
irracionais visto serem espaços urbanos menos equipados. Portanto é ante a
racionalidade do poder hegemônico que surge a contra-racinalidade pois,
O fato de que a produção limitada de racionalidade é associada a
uma produção ampla de escassez conduz os atores que estão fora
do círculo da racionalidade hegemônica à descoberta de sua
exclusão e à busca de formas alternativas de racionalidade,
indispensáveis à sua sobrevivência. A racionalidade dominante e
cega acaba por produzir os seus próprios limites (SANTOS, 1996, p.
247).
Diferentes estratégias de resistência da comunidade São José – Chatuba
como formas alternativas paralelas as estratégias de segregação impostas pelo
poder hegemônico surgem através das organizações de moradores, de ações
isoladas, de ONG’s. Visto que os movimentos sociais de luta pelo direito ao entorno
parte das comunidades, do espaço político.
As formas alternativas de racionalidade ou resistências que se encontra em
evidência nas comunidades São José – Chatuba, sob o aspecto espacial, são
aqueles relacionados aos acessos. Se por um lado o Estado implanta um sistema
viário cada vez mais rápido e com melhor fluidez para o consumidor ter acesso ao
Shopping Center Manaíra, para as comunidades é negada a construção de mais
141
pontes para facilitar a mobilidade dos moradores aos locais de trabalho, restando a
alternativa de construir as pontes de madeira para as suas sobrevivências.
Como estratégia de resistência, as comunidades construíram, por conta
própria, mais duas pontes de madeiras com o objetivo de facilitar a locomoção dos
moradores ao bairro de Manaíra. (Ver foto 29 e 30). Entretanto, pela precariedade
dos materiais usados, quando ocorre o período de chuvas as pontes são destruídas
e em seu lugar , emergencialmente são improvisados formas rústicas de travessia
do rio.
Foto 29: Ponte de madeira ligando a favela
da Chatuba I com o bairro São José
Fonte: Paulo Rener, 2006.
Foto 30: Ponte de madeira ligando o bairro
de Manaíra com São José
Fonte: Paulo Rener, 2006.
Em junho de 2006, mais uma vez, a ponte de madeira foi destruída pelas
chuvas e os moradores, como estratégia de resistência (ver foto 31 e 32),
improvisam uma jangada, é para atravessar as pessoas da comunidade. Só que tem
de pagar 50 centavos por travessia, afirma o manobrista da jangada (Roberto, 19
anos), morador da comunidade.
142
Ou como denuncia um morador que reside na comunidade São José há mais
de 24 anos:
Pelo menos duas vezes por ano acontece isso. Onteontem, os
próprios moradores que tiveram que percorrer 150 metros em uma
jangada improvisada para buscar as tábuas destruídas pelo entulho e
pelas águas do rio para que possamos reconstruir a ponte. Sempre é
assim; são os moradores que arrecadam dinheiro para comprar
pregos e tábuas e são eles que entram no rio para fazer a ponte.
Nenhum político vem aqui cumprir as promessas que são feitas em
época de eleição (Clodoaldo Silva, 37 anos).
Foto 32: A ponte reconstruída pelos moradores
Fonte: Paulo Rener, 2006.
Foto 31: Moradores atravessando o rio em
uma balsa improvisada
Fonte: Cícero Silvestre, 2006.
Outra forma de resistência das comunidades são aberturas de caminhos ou
trilhas alternativas para ter acesso aos bairros que se localizam no topo da falésia.
Como forma de vencer o cansaço nas distâncias percorridas ou dos obstáculos a
serem vencidos como pontes e escadarias, os moradores das duas comunidades
143
criaram essas formas alternativas para chegar à escola, no hospital, pegar um
ônibus mais rápido, etc. Para isso, são obrigados a subir ou descer diariamente, a
encosta íngreme da falésia arriscando a vida, crianças, jovens e até idosos (ver foto
33 e 34).
Foto 33: Primeiro caminho ou trilha próximo ao
ponto final dos ônibus de São José e João
Agripino, popularmente conhecida como
ladeira do cajueiro
Fonte: Paulo Rener, 2006.
Foto 34: Segundo caminho aberto pelos
moradores para ter acesso ao Conjunto João
Agripino, próximo a escola Capitulina Sátyro.
Fonte: Paulo Rener, 2006.
A luta pelo direito de ir e vir não se esgota nesses exemplos citados, outras
formas alternativas de sobrevivência dos moradores das duas comunidades se
inserem no plano do trabalho, constituindo-se em sua maioria, como mão-de-obra
sem qualificação, de baixo rendimento e na informalidade. Além do pequeno
comércio distribuído dentro das favelas como barracas, bares, mercearias e serviços
como, consertos de sapatos, bicicletas, etc., os moradores mantêm uma relação
muito intensa de trabalho com o bairro de Manaíra e em menos proporção com os
outros bairros da vizinhança.
No início eles serviam de mão-de-obra para a construção civil, com a
evolução do bairro de Manaíra e o surgimento de um comércio varejista formado, na
144
sua maioria, por empresas de pequeno porte, associada a sua verticalização, muitos
moradores passaram a ocupar atividades pouco rentáveis, porém importantes para o
funcionamento desses empreendimentos, como porteiros, faxineiros, zeladores,
vigias, seguranças, diaristas, entregadores de água e gás, marceneiros, pintores de
residências, eletricistas, encanadores, lavadeiras e engomadeiras de roupas e
seletores do lixo que circulam diariamente pelo bairro de Manaíra (ver foto 35 e 36).
Foto 35: Mulheres das comunidades levando Foto 36: Chefe de família conduzindo sua
as roupas lavadas e engomadas para os carroça com lixo selecionado
condomínios no bairro Jardim Luna
Fonte: Paulo Rener, 2006.
Fonte: Paulo Rener, 2006.
Outra modalidade de resistência dos moradores em relação às estratégias de
segregação e, em alguns casos de remoção, imposta pelo Estado, se caracteriza
pelas resistências organizadas das comunidades. No primeiro capítulo foi ressaltada
a importância da organização como um instrumento de cooptação e multiplicação
de forças. “Ela também pode constituir o meio de negociação necessário a vencer
etapas e encontrar um novo patamar de resistência e de luta” (SANTOS, 2003,
p.134).
145
Nas comunidades São José – Chatuba são evidenciadas diferentes formas de
organização que se constituem em instrumentos para as lutas de seus moradores
pela sobrevivência, destacando-se as Associações de Moradores, tanto de São José
como da Chatuba, as ONG que vêm atuando no bairro como o MAM - Movimento e
Ajuda Mútua, a Ponto Cultura e a Sou do Bairro, todas atuando em projetos sociais
com jovens e adolescentes das duas comunidades, assim como os movimento de
grafiteiros, grupos de capoeira, etc.
Com relação à associação de moradores, as experiências relatadas pela
comunidade indicam que nas décadas de 1980 e 1990 ela foi um referencial de luta
e conquistas para permanência e implantação de equipamentos como o posto
médico, linha de ônibus e as regularizações fundiária de alguns lotes. Entretanto,
nos últimos anos, devido às más administrações, por acumulo de dívidas, desvios de
verbas e falta de compromisso com as atividades sociais, a associação não é mais
acreditada pelos moradores. Está dividida em dois grupos que tentam o domínio do
poder:
O primeiro grupo vem desde a gestão anterior da associação dos
moradores e que tem continuidade com a gestão atual. Verifica-se a
existência de alguma forma de conchavo e de relações apadrinhadas
com membros da prefeitura em troca da inércia e submissão da
comunidade perante a administração municipal. Há indícios que
pessoas chaves são infiltradas no bairro, para manipular as ações no
mesmo. O segundo grupo é de pessoas com um nível de
consciência mais elevado, professoras, educadores, mães, homens,
mulheres, pessoas ligadas a igreja católica, que pensam no bem estar da comunidade, e que vem lutando há anos por melhoria no
bairro. Algumas destas pessoas foram concorrentes do outro grupo
durante a eleição para presidente da associação realizada em
meados do ano passado (2003). Parte destas pessoas ainda tentam
mudar o rumo administrativo na atual gestão da associação dos
moradores (LIMA, 2004, p.113 ).
146
As variadas formas e estratégias de segregação, do Estado, de um lado, e as
estratégias de resistências das comunidades, do outro, revelam um jogo de
interesses pela ocupação do vale, transformando-o num campo de lutas entre o
espaço abstrato e o espaço social. Para aquele, interessa a reprodução do capital,
para as comunidades, a luta pela sobrevivência numa via crucis.
147
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A cidade de João Pessoa vem passando por uma reestruturação urbana,
alterando as relações entre os empreendedores imobiliários e o Estado, em razão da
emergência de novas centralidades.
O advento do Estado neoliberal aguçou as contradições entre o discurso e
ações do poder público a partir do momento em que adotou práticas de segregação
impostas às comunidades no vale do rio Jaguaribe, em especial, as Comunidades
São José e Chatuba. As diversas ações de segregação buscam favorecer a
iniciativa privada, na perspectiva de manter o padrão de consumo que se verifica no
bairro de Manaíra, notadamente pela proximidade entre as Comunidades São José
e Chatuba e o Manaíra Shopping.
A ação contraditória do poder público beneficia, por um lado, os agentes
privados, através da implantação de vias de acesso rápido, parcerias públicoprivadas, etc. e, por outro, prejudicam as comunidades do vale, relegando-as a uma
situação de abandono que se verifica não somente nas condições sócioeconômicas, mas também pela precária infra-estrutura. Enquanto o bairro de
Manaíra é privilegiado com a pavimentação de ruas e acessos, as comunidades não
possuem acessos satisfatórios.
Desde o início da década de 1990 o discurso do governo local vem se
realizando através do planejamento estratégico, planejando a cidade de forma
pontual. Priorizando o discurso da fluidez, os principais corredores viários da cidade
vêm se reestruturando e sendo direcionados para o consumo.
A reestruturação viária se faz através de dispositivos presentes no Plano
Diretor como a parceria público-privada, o qual deverá servir de meio para captação
148
de recursos que serão investidos em Zonas Especiais de Interesse Social.
Entretanto, o poder público local vem negando políticas de acessos e moradias
dignas às comunidades São José – Chatuba, confinadas e segregadas no médio
curso do vale do Jaguaribe.
Além da carência das moradias e das precárias condições de saneamento, as
comunidades são submetidas à repressão policial, ao abandono de vias, pontes,
escadarias e demais acessos. Na relação espaço-tempo, verifica-se o choque de
temporalidades entre os tempos lentos das comunidades e os tempos rápidos do
bairro de Manaíra. Enquanto os proprietários de automóvel são beneficiados por vias
de acesso rápido, a comunidade é excluída, ou melhor, incluída de forma perversa.
A presença do carroceiro, transeunte a pé, comunidade indo para a escola, etc. tem
sido tratada com descaso pelas políticas públicas.
O papel do Estado também se faz a partir do discurso contraditório entre
Preservar a Mata sem preservar o vale! O Estado de coerção: da segregação (ilegal)
e da preservação (legal). O Estado culpa a comunidade pela poluição, apesar de
que ele segrega e nega as políticas sociais e ambientais no vale. Portanto a lógica
do Estado é a da preservação e consumo.
Os problemas de desordenamento urbano poderiam ser solucionados se a
Prefeitura cumprisse a legislação municipal. O Plano Diretor e a Lei Orgânica do
Município possuem instrumentos que, se aplicados, garantiriam recursos para
investimentos na habitação popular e no Saneamento básico para as favelas.
Nas ultimas décadas confirmou-se a previsão de estudiosos do vale sobre a
ocupação dos seus espaços, antes destinados a atividades rurais, com a expansão
acelerada da cidade, transformou-se em uma área de depósito de mão-de-obra
excluída-incluída. Agora interessa aos especuladores imobiliários, com suas
149
estratégias combinadas com o poder público, transformá-lo em loteamentos
residenciais e comerciais, ignorando as populações que se apropriaram do vale
como única alternativa de sobrevivência.
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A via crucis das comunidades São José Chatuba no Vale do