INPE-10055-TDI/889 ESTUDO DOS RELÂMPAGOS NA REGIÃO SUDESTE DO BRASIL EM FUNÇÃO DAS CARACTERÍSTICAS GEOGRÁFICAS Maria Aurora Sá dos Santos Gomes Dissertação de Mestrado do Curso da Pós-Graduação em Geofísica Espacial, orientada pelos Drs. Iara Regina Cardoso de Almeida Pinto e Osmar Pinto Júnior, aprovada em 07 de outubro de 2002. INPE São José dos Campos 2003 551.594.21 (815) GOMES, M. A. S. S. Estudo dos relâmpagos na Região Sudeste do Brasil em função das características geográficas / M. A. S. S. Gomes. – São José dos Campos: INPE, 2002. 149p. (INPE-10055-TDI/889). 1.Relâmpagos. 2.Descargas elétricas. 3.Áreas urbanas. 4.Descargas nuvem-solo. 5.Áreas metropolitanas. 6.Áreas industriais. 7.Distribuição geográfica. 8.Geologia. 9.Altitude. 10.Distribuição de cargas. 11. Distribuição de corrente. I. Título. Dedico este trabalho à minha mãe, aos meus filhos, ao meu marido e a todos que confiaram e acreditaram em mim. O poder do intelecto ultrapassa os limites do tempo e do espaço. AGRADECIMENTOS À Energia Universal que nos intui a sabedoria e todo o conhecimento. À Dra. Iara Regina Cardoso de Almeida Pinto pela dedicada orientação e incentivo ao trabalho de pesquisa. Ao Dr. Osmar Pinto Júnior pelas contribuições científicas necessárias ao desenvolvimento deste trabalho. Ao Dr. Nelson Jesus Ferreira pela dedicada colaboração necessária para o aprimoramento deste trabalho. À Dra. Inez Staciarini Batista pelos momentos de compreensão e confiança. Ao Dr. René Adalid Medrano-Balboa pela amizade e respeito. Ao Dr. Ralf Gielow pelos votos de confiança no sucesso do trabalho. À Dra. Iara Regina Nocentini André pelas valiosas sugestões. Ao Mestre Adelmo Antonio Correia pela colaboração na utilização de software. Ao Dr. João Carlos Carvalho pela colaboração na utilização de software. Ao Mestre Marcos Barbosa Sanches pelo fornecimento de dados meteorológicos. À Sabrina Bérgoch Monteiro Sambatti pela colaboração na implantação de software. À geógrafa Isabela Pena Viana de Oliveira Marcelino pelos momentos de incentivo. À Companhia Energética de Minas Gerais pelo fornecimento dos dados das descargas de retorno. Ao Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento (CNPq) pelo apoio e subsídio à pesquisa. À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo apoio e subsídio à pesquisa. A todos os professores que dedicaram momentos de suas vidas em favor do aprimoramento do conhecimento. Às críticas que me tornam um ser melhor e mais capaz a cada dia. RESUMO Este trabalho apresenta um estudo das influências geográficas sobre os parâmetros característicos dos relâmpagos em uma região do Estado de Minas Gerais delimitada pelas latitudes de 18° a 21° S e longitudes de 43° a 47° O, durante um período de oito anos, de outubro de 1988 a novembro de 1996. Os dados dos parâmetros meteorológicos foram obtidos do National Centers for Environmental Prediction (NCEP) e os dos relâmpagos pelo sistema de detecção Lightning Position and Tracking System (LPATS), acumulados durante um longo período sem alterações significativas do sistema. Esses dados permitiram mostrar que um conjunto de fatores geográficos atuam simultaneamente sobre os relâmpagos. As condições meteorológicas em escala sinótica, o clima, a topografia e os centros urbanos exercem influências sobre a quantidade, a polaridade, a porcentagem e a intensidade de relâmpagos, favorecendo maior atividade de relâmpagos ao Sul em comparação com o Norte da região estudada. A altitude exerce influência na quantidade e na intensidade dos relâmpagos negativos, sendo mais numerosos e menos intensos ao sul, enquanto que ao norte são menos numerosos e mais intensos. A sudeste, onde estão localizados os centros urbanos de Belo Horizonte e Contagem, foi constatado um aumento na quantidade de relâmpagos negativos e uma redução na porcentagem dos relâmpagos positivos sobre essas cidades e nas regiões seguindo a direção do vento. Os efeitos das ilhas de calor e da poluição, próprios dos centros urbanos, aparentemente alteram a distribuição de cargas das nuvens de tempestade, afetando a densidade e a polaridade dos relâmpagos. Outro fator investigado foi o tipo de solo, mas não foram encontradas evidências de sua influência sobre os parâmetros característicos dos relâmpagos. A STUDY OF GEOGRAPHIC INFLUENCES ON THE LIGHTNING CHARACTERISTICS IN THE SOUTHEASTERN AREA OF BRAZIL ABSTRACT This work presents a study of geographic influences on the lightning characteristics in Minas Gerais, in the Southeastern Brazil, within an area delimited by 18° to 21° S and 43° to 47° W. The period of study was eight years, from October 1988 to November 1996. The lightning and meteorological data were obtained, respectively, by a Lightning Position and Tracking System (LPATS), detection system with an almost constant configuration over the period of study and by National Centers for Environmental Prediction (NCEP). The data showed that several geographic factors affect simultaneously the lightning characteristics. The synoptic conditions, climate, topography and urban centers affect the occurrence and the intensity of lightning, causing more activity in the South part than in the North part of the region studied. The altitude is apparently responsible for the lower flash densities and higher average currents found in the North part as compared to the South part of the region studied. In the Southeast, were to urban center are found (the cities of Belo Horizonte and Contagem), was found an increase in the number of negative flashes and a decrease in the percentage of positive flashes over those urban centers and in the downwind area. The urban heat islands and the urban pollution apparently cause a variation in the thunderstorms’ charge distribution affecting the polarity and the density of the flashes. Another factor investigated was the type of soil, but no evidence of its influence on lightning characteristics was found. SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO.............................................................. 21 1.1 - Histórico.................................................................................. 21 1.2 - Motivação e objetivos.............................................................. 25 CAPÍTULO 2 - REVISÃO BIBLIOGRÁFICA.......................................... 29 2.1 - Introdução............................................................................... 29 2.2 - Nuvens de tempestade........................................................... 30 2.3 - Estrutura elétrica das nuvens de tempestade......................... 36 2.4 - Processos de eletrização das nuvens de tempestade............ 39 2.5 - Evolução temporal dos relâmpagos nuvem-solo negativos.... 41 2.6 - Relâmpagos nuvem-solo positivos......................................... 47 2.7 - Relâmpagos intra-nuvem....................................................... 49 2.8 - Relâmpagos solo-nuvem......................................................... 50 2.9 - Formação das nuvens............................................................. 51 2.10 - Características sinóticas do verão na América do Sul............ 56 2.10.1 - Alta da Bolívia......................................................................... 56 2.10.2 - Zona de convergência do Atlântico Sul (ZCAS)...................... 58 2.10.3 - Sistemas frontais.................................................................... 59 CAPÍTULO 3 – METODOLOGIA............................................................ 61 3.1 - Sistemas de detecção de relâmpagos LPATS........................ 61 3.2 - Sistema de detecção dos dados utilizados............................. 62 3.3 - Desenvolvimento do trabalho................................................. 68 3.4 - Testes estatísticos de análise de dados................................. 76 3.4.1 - Teste estatístico Z................................................................... 76 3.4.2 - Teste estatístico F................................................................... 77 CAPÍTULO 4 – RESULTADOS.............................................................. 79 4.1 - Influência da altitude sobre os relâmpagos............................. 80 4.2 - Influência dos tipos de solos sobre os relâmpagos................. 91 4.3 - Influência dos centros urbanos sobre os relâmpagos............. 110 4.4 - Influência de aspectos meteorológicos sobre os relâmpagos. 116 CAPÍTULO 5 – DISCUSSÕES............................................................... 125 CAPÍTULO 6 - CONCLUSÕES E SUGESTÕES.................................... 137 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................... 141 LISTA DE FIGURAS Pág. 2.1 - Célula de tempestade no estágio de desenvolvimento................ 33 2.2 - Célula de tempestade no estágio maduro................................... 34 2.3 - Célula de tempestade no estágio de dissipação.......................... 35 2.4 - Modelo dipolar da estrutura elétrica de uma nuvem de tempestade isolada...................................................................... 36 2.5 - Modelo da estrutura elétrica tripolar de nuvens de tempestade isoladas........................................................................................ 37 2.6 - Modelo da estrutura elétrica multipolar de nuvens de tempestade isoladas.................................................................... 38 2.7 - Processo colisional indutivo de separação de cargas.................. 40 2.8 - Processo termoelétrico de separação de cargas......................... 41 2.9 - Representação esquemática do líder escalonado e da descarga conectante para o relâmpago nuvem-solo de polaridade negativa....................................................................................... 43 2.10 - Representação esquemática da estrutura do relâmpago nuvemsolo negativo................................................................................ 45 2.11 - Fatores que influenciam a ocorrência de relâmpagos positivos nuvem-solo.................................................................................. 48 2.12 - Comparação entre nuvens de tempestade de inverno e de verão............................................................................................ 49 2.13 - Ilustração da ascensão de uma parcela de ar na atmosfera....... 52 2.14 - Perfil típico de temperatura na atmosfera e parâmetros relacionados a instabilidade vertical............................................ 54 3.1 - Indicação da área de estudo e localização das estações LPATS......................................................................................... 63 3.2 - Linhas hiperbólicas de diferença de tempo constante................. 65 3.3 - Localização da fonte de emissão por interseção hiperbólica....... 66 4.1 - Região de interesse do estudo com destaque do relevo............. 81 4.2 - Distribuição geográfica da altitude............................................... 81 4.3 - Distribuição geográfica do número total de relâmpagos.............. 82 4.4 - Distribuição geográfica do número de relâmpagos negativos..... 83 4.5 - Distribuição geográfica do número de relâmpagos positivos....... 83 4.6 - Distribuição geográfica da porcentagem de relâmpagos negativos...................................................................................... 85 4.7 - Distribuição geográfica da porcentagem de relâmpagos positivos....................................................................................... 85 4.8 - Distribuição geográfica da intensidade de corrente negativa média........................................................................................... 86 4.9 - Distribuição geográfica da intensidade de corrente positiva média........................................................................................... 86 4.10 - Gráfico da altitude x número total de relâmpagos........................ 88 4.11 - Gráfico da altitude x número de relâmpagos negativos, excluída região 4........................................................................................ 88 4.12 - Gráfico da altitude x número de relâmpagos positivos................ 89 4.13 - Gráfico da porcentagem de relâmpagos positivos x número total de relâmpagos..................................................................... 89 4.14 - Gráfico da altitude x intensidade de corrente negativa média, excluída região 4.......................................................................... 90 4.15 - Gráfico da altitude x intensidade de corrente positiva média, excluída região 4.......................................................................... 90 4.16 - Tipos de solos x número de regiões............................................ 92 4.17 - Tipos de solos x número médio de relâmpagos negativos por unidade de área........................................................................... 93 4.18 - Tipos de solos x número médio de relâmpagos positivos por unidade de área........................................................................... 93 4.19 - Tipos de solos x número médio total de relâmpagos por unidade de área........................................................................... 94 4.20 - Tipos de solos x intensidade de corrente negativa média dos relâmpagos por unidade de área................................................. 94 4.21 - Tipos de solos x intensidade de corrente positiva média dos relâmpagos por unidade de área................................................. 95 4.22 - Tipos de solos x intensidade de corrente negativa máxima dos relâmpagos por unidade de área................................................. 95 4.23 - Tipos de solos x intensidade de corrente positiva máxima dos relâmpagos por unidade de área................................................. 96 4.24 - Tipos de solos x número de regiões na faixa de altitude de 500 a 750 metros................................................................................ 97 4.25 - Tipos de solos x número médio de relâmpagos negativos por unidade de área, na faixa de altitude de 500 a 750 metros......... 97 4.26 - Tipos de solos x número médio de relâmpagos positivos por unidade de área, na faixa de altitude de 500 a 750 metros......... 98 4.27 - Tipos de solos x número médio total de relâmpagos por unidade de área, na faixa de altitude de 500 a 750 metros......... 98 4.28 - Tipos de solos x intensidade de corrente negativa média por unidade de área, na faixa de altitude de 500 a 750 metros......... 99 4.29 - Tipos de solos x intensidade de corrente positiva média por unidade de área, na faixa de altitude de 500 a 750 metros......... 99 4.30 - Tipos de solos x intensidade de corrente negativa máxima por unidade de área, na faixa de altitude de 500 a 750 metros......... 100 4.31 - Tipos de solos x intensidade de corrente positiva máxima por unidade de área, na faixa de altitude de 500 a 750 metros......... 100 4.32 - Tipos de solos x número de regiões na faixa de altitude de 750 a 1000 metros.............................................................................. 101 4.33 - Tipos de solos x número de regiões na faixa de altitude de 1000 a 1250 metros..................................................................... 102 4.34 - Tipos de solos x número médio de relâmpagos negativos por unidade de área, na faixa de altitude de 750 a 1000 metros....... 102 4.35 - Tipos de solos x número médio de relâmpagos negativos por unidade de área, na faixa de altitude de 1000 a 1250 metros..... 103 4.36 - Tipos de solos x número médio total de relâmpagos por unidade de área, na faixa de altitude de 750 a 1000 metros....... 103 4.37 - Tipos de solos x número médio total de relâmpagos por unidade de área, na faixa de altitude de 1000 a 1250 metros..... 104 4.38 - Tipos de solos x número médio de relâmpagos positivos por unidade de área, na faixa de altitude de 750 a 1000 metros....... 105 4.39 - Tipos de solos x número médio de relâmpagos positivos por unidade de área, na faixa de altitude de 1000 a 1250 metros..... 105 4.40 - Tipos de solos x intensidade de corrente negativa média por unidade de área, na faixa de altitude de 750 a 1000 metros....... 106 4.41 - Tipos de solos x intensidade de corrente negativa média por unidade de área, na faixa de altitude de 1000 a 1250 metros..... 106 4.42 - Tipos de solos x intensidade de corrente positiva média por unidade de área, na faixa de altitude de 750 a 1000 metros....... 107 4.43 - Tipos de solos x intensidade de corrente positiva média por unidade de área, na faixa de altitude de 1000 a 1250 metros..... 107 4.44 - Tipos de solos x intensidade de corrente negativa máxima por unidade de área, na faixa de altitude de 750 a 1000 metros....... 108 4.45 - Tipos de solos x intensidade de corrente negativa máxima por unidade de área, na faixa de altitude de 1000 a 1250 metros..... 108 4.46 - Tipos de solos x intensidade de corrente positiva máxima por unidade de área, na faixa de altitude de 750 a 1000 metros....... 109 4.47 - Tipos de solos x intensidade de corrente positiva máxima por unidade de área, na faixa de altitude de 1000 a 1250 metros..... 109 4.48 - Regiões de Minas Gerais destacando-se os municípios de Contagem (verde) e Belo Horizonte (amarelo)............................ 111 4.49 - Distribuição geográfica do número de relâmpagos negativos nos centros urbanos demarcados e regiões circunvizinhas........ 113 4.50 - Distribuição geográfica do número de relâmpagos positivos nos centros urbanos demarcados e regiões circunvizinhas............... 113 4.51 - Distribuição geográfica da porcentagem dos relâmpagos negativos nos centros urbanos demarcados e regiões circunvizinhas.............................................................................. 114 4.52 - Distribuição geográfica da porcentagem dos relâmpagos positivos nos centros urbanos demarcados e regiões circunvizinhas.............................................................................. 114 4.53 - Distribuição geográfica da intensidade de corrente negativa média, em kA, nos centros urbanos demarcados e regiões circunvizinhas.............................................................................. 115 4.54 - Distribuição geográfica da intensidade de corrente positiva média, em kA, nos centros urbanos demarcados e regiões circunvizinhas.............................................................................. 115 4.55 - Linhas de corrente e divergência do campo de vento, em 300 hPa, média mensal (x105s-1), durante o período de setembro a março de 1988 a 1996................................................................. 118 4.56 - Componente vertical média da velocidade do vento (hPa s-1) em 300 hPa, média mensal, durante o período de setembro a março de 1988 a 1996................................................................. 118 4.57 - Linhas de corrente e divergência do fluxo de vapor d’água em 850 hPa, média mensal (x105s-1), durante o período de setembro a março de 1988 a 1996.............................................. 119 4.58 - Componente vertical média da velocidade do vento (hPa s-1) em 850 hPa, média mensal, durante o período de setembro a março de 1988 a 1996................................................................. 119 4.59 - Temperatura potencial equivalente (k) em 850 hPa.................... 121 4.60 - Linhas de corrente e divergência do campo de vento em 300 hPa, média mensal (x105s-1), para o verão de 1988 a 1996...... 123 4.61 - Vetor vento e divergência do fluxo de vapor d’água em 850 hPa, média mensal (x105s-1), para o verão durante o período de 1988 a 1996................................................................................. 123 4.62 - Umidade específica em 925 hPa, média mensal, para o verão durante o período de 1988 a 1996............................................... 124 CAPÍTULO 1 1.1 – Histórico O estudo de relâmpagos no Brasil começou no final da década de 80 com a pesquisa das medidas de campo elétrico atmosférico, a bordo de balões estratosféricos (Pinto et al., 1992a; Pinto Jr. et al., 1992b) e com a detecção das descargas de relâmpagos no solo (Araújo et al., 1990). Com a ampliação das redes de detecção de relâmpagos cobrindo áreas cada vez maiores e o aperfeiçoamento das antenas de detecção, foi possível aumentar o volume de dados e o conhecimento sobre os relâmpagos. Os resultados das pesquisas desses dados começaram a revelar a influência das características geográficas na distribuição dos relâmpagos nuvem-solo, afetando principalmente a sua quantidade e a sua intensidade, tais como: a latitude, a altitude, as condições meteorológicas e climáticas, a resistividade do solo, a presença de centros urbanos, as queimadas e a poluição. As influências das características geográficas sobre os relâmpagos foram percebidas nos estudos de Orville (1991, 1994), Orville e Silver (1997) para os Estados Unidos no período de 1989 a 1995, Hodanish et al., 1997 para a Flórida de 1986 a 1995. Em particular, Orville e Silver (1997) relataram que as densidades anuais de relâmpagos mais altas variam entre 9 e 13 relâmpagos/km².ano, ocorrendo às vezes na Flórida e outras vezes em outros estados, com porcentagem anual de relâmpagos positivos inferior a 10%, porém, nenhum dado sobre corrente de pico foi avaliado nesses estudos. Nessa mesma época, Orville e Silver (1997) encontraram na região tropical de Papua, New Guinea, no decorrer de um ano, a mais alta densidade anual de relâmpagos em torno de 20 relâmpagos/km².ano, uma porcentagem anual de relâmpagos positivos de 5,6 % e picos de correntes médias de 25 kA para relâmpagos negativos e 33 kA para relâmpagos positivos. Recentemente foi 21 realizada uma análise da distribuição geográfica de cerca de 1,1 milhões de relâmpagos nuvem-solo na região Sudeste do Brasil, registrados pelo sistema de detecção Lightning Positioning and Tracking System (LPATS), ocorridos durante o ano de 1993 (Pinto et al., 1999a). A densidade total de relâmpagos, a densidade máxima de relâmpagos negativos e positivos foram respectivamente: 11,7; 9,1 e 3,9 relâmpagos/km².ano. A porcentagem de relâmpagos positivos foi de 23% e a média geométrica dos picos de corrente ficou em torno de 38,7 kA, enquanto a dos negativos foi de 30,9 kA. A altitude do relevo é uma característica geográfica que exerce influência sobre a quantidade e a intensidade dos relâmpagos simultaneamente com as condições meteorológicas e climáticas. Reap (1986) estudou o comportamento dos relâmpagos em função da altitude do relevo, analisando cerca de dois milhões de relâmpagos nuvem-solo negativos, para a região Oeste dos Estados Unidos, ocorridos durante os verões de 1983-1984. Verificou que à medida que a altitude aumenta, cresce a densidade diária de relâmpagos e o pico de corrente passa a ocorrer mais cedo em função da hora local. Pinto et al. (1999a) fizeram o primeiro estudo de relâmpagos considerando dados detectados ao longo de um ano contínuo no Brasil, investigando a dependência da densidade de relâmpagos e picos de corrente com a latitude, altitude e resistividade do solo. Constataram o comportamento inverso dos picos de corrente com a latitude, uma tendência de maior densidade de relâmpagos em altitudes mais elevadas e nenhuma conclusão sobre a influência da resistividade do solo. Aliás, não existe até hoje na literatura nenhum trabalho conclusivo, que possa mostrar qualquer dependência da densidade de relâmpagos ou picos de correntes com o tipo de solo. Apenas Kindermann (1997), sugere que as intensidades das correntes dos relâmpagos podem depender da condutividade elétrica do solo, enquanto Kamra (1993) mostrou que a resistividade do solo atua sobre o campo elétrico atmosférico produzido pelas tempestades sobre a superfície terrestre. 22 Com a evolução dos estudos da distribuição geográfica dos relâmpagos, foi possível perceber grande concentração de relâmpagos em torno de centros urbanos e industriais, devido aos efeitos da poluição e da formação de ilhas de calor como resultado das modificações dos parâmetros da superfície e da atmosfera pela urbanização. Lombardo (1985) apresentou um estudo sobre a alteração climática na região metropolitana de São Paulo associada à formação da ilha de calor. Westcott (1995), encontrou o dobro de relâmpagos em várias cidades dos Estados Unidos e circunvizinhanças nos verões de 1989 a 1992. Estudos de Orville e Huffines (2000) sobre as características dos relâmpagos, durante um período de dez anos (1989-1998) nos Estados Unidos, mostraram significantes variações geográficas dos mesmos quanto à densidade, a polaridade, aos picos de corrente e a multiplicidade. Verificaram altas densidades de relâmpagos atribuídas aos efeitos urbanos e industriais, manifestadas nas áreas de Houston e Dallas no Texas e nas proximidades das refinarias de Lake Charles em Louisiana. Orville et al. (2001) também constataram um aumento na densidade de relâmpagos sobre a área urbana de Houston, no Texas, que se prolonga abaixo da cidade e uma diminuição acima da área urbana, ambos seguindo a direção do vento, no período de 1989 a 2000, manifestado tanto durante o verão como durante o inverno. Em seguida, Steiger e Orville (2002) verificaram, ainda, uma diminuição na porcentagem de relâmpagos positivos sobre o centro urbano de Houston em comparação com a sua circunvizinhança, durante um período de 12 anos, possivelmente devido aos efeitos da poluição industrial. Curiosamente Soriano e Pablo (2002) verificaram em nove pequenos centros urbanos, na Espanha, com áreas inferiores a 25 km2 e população abaixo de 334.000 habitantes, aumentos do número de relâmpagos nesses centros urbanos, que se prolongam abaixo dos mesmos, seguindo a direção do vento, e diminuição acima dos mesmos seguindo a direção do vento. No Brasil, Naccarato (2001) constatou na grande São Paulo, na grande Campinas e no Vale do Paraíba, uma forte relação entre 23 o aumento de relâmpagos e os elevados índices de industrialização como em Houston e Dallas no Texas e nas proximidades das refinarias de Lake Charles em Louisiana. Outros trabalhos mostraram a ocorrência da variação da quantidade e da porcentagem dos relâmpagos em relação à polaridade positiva, possivelmente, devido à influência da poluição sobre o processo de geração e separação das cargas dentro da nuvem. Lyons (1998) constatou o triplo de relâmpagos nuvem-solo positivos com picos de corrente em dobro em relação à climatologia normal, devido à poluição oriunda das queimadas, ocorridas no Sul do México, sobre a região Sul dos Estados Unidos no período de abril a junho. Na região Sudeste do Brasil os resultados da pesquisa de Fernandes (2001), mostraram que a porcentagem de relâmpagos positivos em setembro de 1988 foi o dobro da porcentagem encontrada em 1999 em função do aumento dos focos de queimadas na mesma ordem de magnitude ocorridas principalmente durante o inverno. Outro estudo interessante realizado por Rosenfeld e Lensky (1998), mostrou que as nuvens mais poluídas apresentam maior quantidade de água líquida com gotículas de água muito menores e maior espessura da fase mista em comparação com as nuvens menos poluídas, favorecendo a atividade de relâmpagos. Rosenfeld e Woodley (2001), perceberam que a presença de material particulado inibe o crescimento de gotículas de água dentro das nuvens e causa a retenção de maior quantidade de água líquida superresfriada dentro da nuvem, que interfere no processo inicial das descargas elétricas (Ogawa 1995) e no processo de geração e separação de cargas dentro da nuvem (Williams 1988). 24 1.2 – Motivação e objetivos A principal motivação para o desenvolvimento deste trabalho foi a existência de uma região com condições propícias para o estudo da influência das características geográficas sobre os relâmpagos, onde existe um sistema de detecção de relâmpagos em operação, durante um período de oito anos, sem alterações significativas. Na região Sudeste do Brasil, o Estado de Minas Gerais é uma região propícia para este estudo, apresentando uma ampla área coberta pelo sistema de detecção com boa eficiência e características geográficas diversificadas em relação às condições meteorológicas em escala sinótica, à topografia, aos tipos de solos e à ocupação urbana. Recentemente foi realizada uma análise da distribuição geográfica dos relâmpagos nuvem-solo na região Sudeste do Brasil, registrados pelo sistema de detecção LPATS, ocorridos durante o ano de 1993 (Pinto et al., 1997a), onde a densidade total de relâmpagos, a densidade máxima de relâmpagos negativos e positivos foi respectivamente: 11,7; 9,1 e 3,9 relâmpagos/km².ano. Esses resultados foram compatíveis com as altas densidades de relâmpagos encontradas por Orville e Silver (1997) na Flórida e outras cidades entre 9 e 13 rel/km2.ano. Porém, não existe no Brasil nenhum estudo sobre os relâmpagos, durante um longo período de tempo, que mostre o comportamento dos parâmetros característicos dos relâmpagos em função da adversidade geográfica. Portanto, o estudo estatístico dos dados armazenados, ao longo de oito anos pelo sistema de detecção, foi uma fonte de expectativas de ampliação do conhecimento dos relâmpagos na região Sudeste do Brasil. O objetivo principal deste estudo foi procurar evidências de influências geográficas sobre os relâmpagos durante um período de oito anos, de outubro de 1988 a novembro de 1996, na região Sudeste do Brasil delimitada pela latitude variando de 18° a 21° S e longitude variando de 43° a 47° O. 25 Este trabalho foi uma pesquisa inédita na região Sudeste, durante um extenso período de tempo, em que o sistema de detecção de descargas de relâmpagos, LPATS, funcionou sem alterações significativas, permitindo acumular um conjunto de dados adequados para uma análise estatística. Esses dados de descargas dos relâmpagos não foram corrigidos pela eficiência do sistema, estimada pelo fabricante entre 60% e 70%, por não haver um fator estabelecido para tal correção. O desempenho do sistema de detecção de descargas de relâmpagos, LPATS, apresenta falhas na identificação correta das descargas com intensidades de corrente abaixo de 15 kA, confundindo descargas intra-nuvens com descargas nuvem-solo de baixa intensidade. Para evitar uma contaminação de descargas intra-nuvens, sendo consideradas pelo sistema de detecção como descargas nuvem-solo, foram excluídos os dados de relâmpagos de ambas polaridades com intensidades de corrente inferiores a 15 kA. Mesmo assim, ainda permanece uma contaminação residual, característica do desempenho do sistema, principalmente para os relâmpagos nuvem-solo positivos. Os objetivos específicos deste trabalho foram: 1) Investigar os efeitos da altitude do relevo sobre os relâmpagos. 2) Investigar se existe alguma influência dos tipos de solos sobre os relâmpagos. 3) Investigar a influência da presença de centros urbanos sobre os relâmpagos. 4) Investigar a influência de aspectos meteorológicos de escala sinótica sobre os relâmpagos. Alguns trabalhos como Diendorfer et al. (1998) e Shulz e Diendorfer (1999), na Áustria, confirmaram a existência da variação da densidade e da intensidade 26 de corrente dos relâmpagos em função da altitude e Minas Gerais apresenta uma topografia adequada para o estudo da influência do relevo sobre os relâmpagos, com níveis de altitude que variam desde 500 metros até cerca de 2.000 metros. Nas regiões onde a altitude do relevo é mais alta, ao sul do Estado, predominam as mais altas densidades de relâmpagos, comparáveis com as principais regiões de ocorrências de relâmpagos do mundo: África Central, Região Amazônica e Flórida. Os valores mais baixos de densidade de relâmpagos foram registrados no norte de Minas Gerais numa região onde o relevo é plano e semi-árido. Em particular, Pinto et al. (1999a) sugerem um estudo mais discretizado das regiões durante um período de tempo maior, para ampliar o conhecimento do comportamento dos relâmpagos em função das características geográficas. Neste trabalho procurou-se investigar também a ocorrência de alguma indicação de influência do tipo de solo sobre os relâmpagos. Os tipos de solos característicos de Minas Gerais são bem diversificados, num total de treze, com a predominância dos tipos: latossolo, litossolo, cambissolo e podzólico. Havendo a constatação de algum indício de influência do tipo de solo sobre os relâmpagos é possível trabalhar hipóteses sobre os aspectos relacionados com o solo, que estejam exercendo tais influências sobre os relâmpagos. Sendo o tipo de solo um parâmetro mais genérico e menos variável, pode indicar melhor se existe algum controle da natureza do solo sobre a ocorrência de relâmpagos. Também foi investigada a influência de alguns aspectos meteorológicos em escala sinótica, capazes de justificar a atividade de relâmpagos na região em estudo. Para isso foi pesquisada a presença de fatores termodinâmicos e dinâmicos favoráveis à formação de nuvens e a ocorrência de relâmpagos. Orville e Huffines (2001), comentam que as condições meteorológicas também contribuem para a mudança das características geográficas dos relâmpagos em função do tempo e do espaço. Infelizmente, no Brasil não existe um banco 27 de dados de parâmetros meteorológicos suficiente para um estudo estatístico, com a utilização de modelos de mesoescala, que permita uma análise das condições meteorológicas sob uma ótica regional. Devido a esse fato, foram utilizados dados de reanálise do modelo global do National Centers for Environmental Prediction (NCEP), para os parâmetros meteorológicos neste estudo, conforme Kalnay et al. (1996). Na região de estudo existem duas cidades, Belo Horizonte e Contagem, com potencial para o estudo da influência de centros urbanos sobre os relâmpagos e comparação dos resultados com os descritos tanto em Orville et al. (2001) como em Steiger e Orville (2002) ambos no Texas, além de Soriano e Pablo (2002) na Espanha. No estudo dos relâmpagos na região Sudeste do Brasil em função das características geográficas do relevo, do tipo de solo, sinóticas e da presença de centros urbanos, foram analisados os seguintes parâmetros característicos dos relâmpagos: o número de relâmpagos, os percentuais de polaridade, os percentuais de multiplicidade, as intensidades de correntes médias e máximas dos relâmpagos. Os resultados dessas análises de maior relevância científica são apresentados no capítulo 4 e discutidos no capítulo 5 com base na literatura científica pertinente. Antes, no capítulo 2 foi feita uma revisão bibliográfica contendo conhecimentos básicos sobre nuvens de tempestade, relâmpagos e as características sinóticas do verão na América do Sul. Em seguida, no capítulo 3, foi abordada a metodologia utilizada para a obtenção dos dados e dos resultados da pesquisa. Finalmente, no capitulo 6, são apresentadas as conclusões deste estudo, acompanhadas das sugestões para trabalhos futuros. 28 CAPÍTULO 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1 - Introdução Relâmpagos são descargas elétricas associadas a nuvens de tempestade, com duração média de um quarto de segundo, percorrendo uma trajetória de 5 a 10 km na atmosfera, e sendo capazes de produzir intensas correntes e campos eletromagnéticos. Elas ocorrem quando um campo elétrico produzido pelo acúmulo de cargas dentro da nuvem excede a capacidade dielétrica do ar na sua base. A capacidade dielétrica do ar ao nível do solo é da ordem de 3.000 kV/m, na altura da base da nuvem esse valor diminui para 1.000 kV/m e dentro dela alcança 300 kV/m. Essas descargas elétricas geralmente são acompanhadas por trovões, que são ondas sonoras produzidas pela expansão do ar aquecido no canal percorrido pela corrente do relâmpago. A temperatura no interior do canal é da ordem de 30.000 K, equivalente a cinco vezes a da superfície do sol e a pressão dezenas de vezes a pressão atmosférica ao nível do mar, sendo capaz de gerar dentro dele uma ionização de densidade em torno de 1026 elétrons/cm³. Os relâmpagos também podem ocorrer em tempestades de neve e de areia, durante erupções vulcânicas ou de forma artificial, em explosões nucleares, com aviões e com foguetes em simulações de relâmpagos. Cerca de 50 a 100 relâmpagos ocorrem da nuvem para o solo por segundo no mundo, equivalente a 2 a 4 bilhões de relâmpagos por ano (Pinto Jr. e Pinto, 2000). Na natureza existem vários tipos de relâmpagos, os do tipo nuvem-solo (NS) negativos, ocorrem da nuvem em direção ao solo trazendo cargas negativas da nuvem para o solo; os nuvem-solo (NS) positivos trazem cargas positivas da nuvem para o solo; os solo-nuvem (SN) iniciam-se no solo em estruturas altas e pontiagudas, árvores, edificações e se dirigem na direção da nuvem, podendo ser positivos ou negativos; os intra-nuvem (IN), ocorrem dentro da 29 nuvem, sendo os mais freqüentes e difíceis de serem estudados; os entre a nuvem e o ar, onde o relâmpago sai da nuvem e se dirige para o céu ; os entre as nuvens e os entre a nuvem e a ionosfera (Pinto Jr. e Pinto, 2000). 2.2 - Nuvens de tempestade Nuvens de tempestade são nuvens eletrificadas do tipo Cumulonimbus que apresentam trovões e relâmpagos. Nelas ocorrem processos de geração e separação de cargas elétricas que dão origem aos vários tipos de relâmpagos. Uma nuvem de tempestade tipicamente apresenta um diâmetro de 10 a 20 km, uma extensão vertical de 10 a 20 km, podem movimentar-se com velocidade de 40 a 50 km/h e seu tempo de duração é em média de 30 a 90 minutos. Elas apresentam-se como tempestades isoladas ou tempestades locais, ou em grupos, formando tempestades organizadas, conhecidas como sistemas convectivos de mesoescala, em geral, mais severas com chuvas e ventos mais intensos, além de eventualmente produzirem granizo (Pinto Jr. e Pinto, 2000). As linhas de tempestade, as linhas de instabilidade e os complexos convectivos de mesoescala são tipos particulares de sistemas convectivos de mesoescala. Linhas de tempestade são tempestades individuais próximas umas das outras, porém sem interação entre si. Já as linhas de instabilidade são sistemas de tempestades dispostos ao longo de uma linha, conectados pela região estratiforme, com interação entre si, estendendo-se por várias centenas de quilômetros. Geralmente, formam-se junto à interface entre uma massa de ar úmido e quente e uma massa de ar fria (Pinto Jr. e Pinto, 2000). Os complexos convectivos de mesoescala são sistemas quase circulares, com centenas de tempestades interligadas, com duração em média de 10 a 12 horas e diâmetros de 300 a 400 km. Podem ocorrer ainda agrupamentos de tempestades em escala sinótica dando origem às tempestades tropicais e extratropicais ou ciclones, que atingem dimensões de centenas a milhares de 30 quilômetros, com ventos superiores a 300 km/h e duração de vários dias (Pinto Jr. e Pinto, 2000). No mundo ocorrem cerca de 50.000 tempestades por dia ou 18 milhões por ano. Uma tempestade isolada pode ser formada por uma única célula (unicelular) embora na sua maioria, seja formada por várias células (multicelulares). Raramente é formada por uma supercélula, com uma extensão de cerca de 100 km. Uma tempestade unicelular pode durar menos de uma hora, enquanto as multicelulares, as supercelulares e até as organizadas podem durar várias horas. Devido à existência de gradientes verticais dos ventos horizontais nas regiões onde elas se formam, as correntes de ar ascendentes tendem a ocorrer em regiões distintas das correntes descendentes de ar, permitindo-lhes um tempo de duração mais longo em comparação com as unicelulares. As tempestades severas, na sua grande maioria, formam-se em regiões com forte gradiente vertical do vento horizontal e alto valor da CAPE (energia potencial convectiva disponível) (Pinto Jr. e Pinto, 2000). A tempestade multicelular é constituída de várias células adjacentes em diferentes estágios de desenvolvimento, e a supercelular por uma célula gigante. A altura dos topos das nuvens de tempestade depende da latitude geográfica. Em regiões de média para altas latitudes raramente ultrapassam 8 km de altura, já em regiões de médias para baixas latitudes podem alcançar até 20 km de altitude, como acontece ao Norte da Austrália, Indonésia e Nova Guiné (Pinto Jr. e Pinto, 2000). As nuvens de tempestade unicelulares passam por três estágios de evolução, cada um deles com duração de 20 a 40 minutos: estágio de desenvolvimento, estágio maduro e estágio dissipativo, ilustrados nas Figuras 2.1, 2.2 e 2.3, respectivamente. 31 O estágio de desenvolvimento da tempestade envolve a reunião de pequenas nuvens Cumulus, tem duração de dezenas de minutos, a nuvem atinge diâmetro de 3 até 8 km, possui a base a 1 km do solo, alcança uma extensão vertical de 5 até 8 km e apresenta movimentos de ar predominantemente ascendentes, que arrastam gotas de água e gelo para cima (Pinto Jr. e Pinto, 2000). No estágio maduro, que dura cerca de 30 minutos, a nuvem apresenta um diâmetro de 10 km, podendo em alguns casos atingir dezenas de quilômetros, alcança uma extensão vertical de 8 a 20 km, a altura da base da nuvem dista cerca de 1 até 4 km do solo dependendo da umidade, contém movimentos de ar ascendentes tornando gotas de água e cristais de gelo mais massivos, apresenta movimentos de ar descendentes decorrentes da não sustentação dessas gotas de água e cristais de gelo, com precipitação de chuvas, ocorrência de relâmpagos, ventos fortes e até tornados. O topo da nuvem costuma apresentar um alargamento na direção horizontal em forma de bigorna, devido ao espalhamento horizontal das partículas de gelo (cristais de gelo), dando à nuvem um formato semelhante ao de uma bigorna que aponta na direção dos ventos (Pinto Jr. e Pinto, 2000). O estágio de dissipação tem duração de 30 minutos, apresenta predominantemente movimentos de ar descendentes, causando o esfriamento e a dissipação da nuvem, restando apenas a bigorna que assume a forma de nuvens Cirrostratus e Altostratus (Pinto Jr. e Pinto, 2000). 32 FIGURA. 2.1 – Célula de tempestade no estágio de desenvolvimento. FONTE: adaptada de Byers e Braham (1949, p.22). 33 FIGURA 2.2 - Célula de tempestade no estágio maduro. FONTE: adaptada de Byers e Braham (1949, p. 23). 34 FIGURA 2.3. - Célula de tempestade no estágio de dissipação. FONTE: adaptada de Byers e Braham (1949, p. 26). . 35 2.3 - Estrutura elétrica das nuvens de tempestade As nuvens de tempestade isoladas possuem uma estrutura elétrica devido ao acúmulo de partículas carregadas, produzidas por processos macrofísicos e microfísicos. No início do século XX foi proposto o primeiro modelo de estrutura elétrica das nuvens de tempestade isoladas, representado por dois centros principais de cargas, sendo um centro positivo de cargas ocupando a metade superior do volume da nuvem, e outro negativo de cargas ocupando a metade inferior do volume da nuvem, ilustrado na figura 2.4. O centro positivo principal de cargas depende do desenvolvimento vertical da nuvem e situa-se geralmente a 1 km abaixo de seu topo (Magono, 1980). Esses centros principais de cargas geralmente apresentam a mesma magnitude, que varia desde uma dezena a algumas centenas de Coulombs (Pinto Jr. e Pinto, 2000). FIGURA. 2.4 – Modelo dipolar da estrutura elétrica de uma nuvem de tempestade isolada. FONTE : adaptada de Pinto Jr. e Pinto (2000, p. 63). 36 No final da década de 1930 surgiu um novo modelo de estrutura elétrica para as nuvens de tempestade isoladas, chamado modelo tripolar, representado na Figura 2.5. Esse modelo supõe a existência de três centros de cargas de magnitudes similares, distribuídos em camadas horizontais, com dois centros positivos de cargas distribuídos na parte superior e na inferior da nuvem e um centro negativo de cargas no meio da nuvem. Independentemente da altura do topo da nuvem, o centro negativo de cargas, situa-se numa faixa de altura onde a temperatura varia em torno de 0 a –15°C. O modelo apresenta também uma camada negativa de blindagem no topo da nuvem e uma camada positiva de blindagem na base da nuvem, devido à captura de íons atmosféricos por gotículas de água ou cristais de gelo nos contornos da nuvem (Williams, 1989). FIGURA. 2.5 – Modelo da estrutura elétrica tripolar de nuvens de tempestade isoladas. FONTE : adaptada de Williams (1989, p. 13.153). Pesquisas de medidas de campo elétrico no interior das nuvens de tempestade, utilizando-se balões atmosféricos, ocorridas na última década, sugerem um modelo multipolar para a estrutura elétrica das nuvens de tempestade isoladas, ilustrado na Figura 2.6. Na região de correntes 37 ascendentes foram identificados quatro centros de cargas, em alturas crescentes com o aumento da velocidade das correntes e na região de correntes descendentes seis centros de cargas. Acredita-se ainda, que as tempestades organizadas possam apresentar estrutura elétrica semelhante às tempestades isoladas (Pinto Jr. e Pinto, 2000). FIGURA 2.6 – Modelo da estrutura elétrica multipolar de nuvens de tempestade isoladas. FONTE : adaptada de Pinto Jr. e Pinto (2000, p. 67). 38 2.4 - Processos de eletrização das nuvens de tempestade Devido a complexidade da estrutura elétrica das nuvens o processo de eletrização das mesmas não são bem conhecidos. Acredita-se que a geração e separação de cargas dentro da nuvem de tempestade tenha origem em processos macrofísicos e microfísicos, que ocorrem simultaneamente dentro da nuvem. A teoria mais aceita para explicar a existência de cargas dentro da nuvem assume que as cargas são geradas por colisões de diferentes partículas de gelo no interior da nuvem, embora os detalhes dos processos de colisões sejam desconhecidos. Durante as colisões ocorre a transferência de cargas entre as partículas pelos processos indutivo e termoelétrico (Pinto Jr. e Pinto, 2000). Pelo processo indutivo, partículas grandes como o granizo são polarizadas pelo campo elétrico externo e transferem cargas positivas em excesso para as partículas menores como os cristais de gelo durante as colisões, sendo em seguida separadas por processos macrofísicos gravitacional e convectivo. Dessa forma o granizo fica negativamente carregado e o cristal de gelo positivamente carregado, como ilustrado na Figura 2.7. Através do processo gravitacional, as cargas negativas associadas ao granizo por serem mais massivas, sob a ação da gravidade, movem-se para a parte inferior da nuvem. Já as cargas positivas ligam-se a partículas menos massivas como os cristais de gelo e ficam suspensas no topo da nuvem. Simultaneamente, pelo processo convectivo, as correntes de ar ascendentes e descendentes dentro da nuvem transportam as partículas mantendo as menores na parte superior da nuvem. Experiências indicam que processos indutivos assumem maior importância na presença de campos elétricos da ordem de 10 kV/m (Volland, 1984). Logo, o campo elétrico atmosférico é insuficiente para iniciar o processo de eletrização dentro da nuvem, podendo atuar mais significativamente no estágio maduro, quando já existem vários centros de cargas produzidos por outros processos. 39 FIGURA. 2.7 – Processo colisional indutivo de separação de cargas. FONTE : adaptada de Iribarne e Cho (1980, p. 138). Dos processos não indutivos, o mais recente é o termoelétrico, Figura 2.8, apresentado por Williams (1988). A polaridade da carga transferida durante a colisão entre o granizo e o cristal de gelo, depende da temperatura de inversão de carga, em torno de –15° C. Se a colisão ocorrer em uma temperatura maior do que –15° C, o granizo transfere carga negativa ao cristal de gelo. Sendo a temperatura menor, haverá transferência de carga positiva. De acordo com Williams (1989), para que ocorra uma transferência de carga significante durante a colisão entre o granizo e o cristal de gelo é necessário que exista alta concentração de água líquida super-resfriada dentro da nuvem. A quantidade de água existente no local da colisão, altera a temperatura superficial do granizo e a temperatura de inversão de carga. 40 FIGURA. 2.8 - Processo termoelétrico de separação de cargas. FONTE : adaptada de Williams (1988, p. 52). 2.5 - Evolução temporal dos relâmpagos nuvem-solo negativos O relâmpago nuvem-solo negativo consiste de uma descarga elétrica ou múltiplas descargas elétricas sucessivas de cargas negativas, que partem do centro negativo de cargas da nuvem e se dirigem em direção ao solo. Representam 90% da quantidade dos relâmpagos nuvem-solo (Pinto Jr. e Pinto, 2000). O mecanismo da descarga elétrica começa com fracas descargas dentro da nuvem, em torno de 3 a 5 km de altura, durante um período de 10 a 100 ms, chamado período de quebra de rigidez preliminar, na região entre o centro negativo de cargas e o pequeno centro positivo de cargas próximo à base da 41 nuvem, iluminando a nuvem e produzindo alterações no campo elétrico no solo além de radiação VHF (Pinto Jr. e Pinto, 2000). A quebra de rigidez dielétrica do ar ocorre quando o campo elétrico dentro da nuvem atinge valores da ordem de 400 kV/m, inferiores aqueles para a quebra de rigidez do ar na altura da nuvem, cerca de 1.000 kV/m. Esse fato pode ser devido a redução do campo necessário para a quebra de rigidez pela presença de gotículas de água polarizadas pelo campo elétrico no interior da nuvem ou pela ação de elétrons produzidos pela radiação cósmica e acelerados pelo campo elétrico, provocando o surgimento de uma fraca descarga luminosa chamada de líder escalonado. Este se propaga em direção ao solo durante 20 milissegundos, com velocidade de 400.000 km/h, percorrendo uma trajetória ramificada à procura de caminhos mais condutores, em pequenos passos discretos da ordem de 30 a 100 m, com duração em média de um microssegundo e pausas de 50 microssegundos entre cada passo, conforme Figura 2.9, (Pinto Jr. e Pinto, 2000). O líder escalonado forma um canal ionizado com um núcleo de alguns centímetros de diâmetro, de intensa luminosidade cujo diâmetro varia de 1 até 10 metros, podendo transportar uma corrente de algumas centenas de Ampères, com pulsos de 1 kA correspondentes a cada passo. À medida que as cargas do líder escalonado se propagam em direção ao solo, campos eletromagnéticos são produzidos pelos pulsos de corrente associados a cada etapa (Pinto Jr. e Pinto, 2000). 42 FIGURA. 2.9 - Representação esquemática do líder escalonado e da descarga conectante para o relâmpago nuvem-solo de polaridade negativa. (a) representação do início do líder escalonado, (b) evolução do líder escalonado e (c) encontro do líder escalonado com a descarga conectante. FONTE: adaptada de Iribarne e Cho (1980, p. 142). Quando o líder escalonado se aproxima do solo, a uma distância menor de 200 metros da superfície, as cargas elétricas armazenadas no canal intensificam o campo elétrico próximo ao solo, provocando a quebra da rigidez dielétrica do ar e o surgimento de uma ou mais descargas positivas ascendentes, chamadas descargas conectantes. Essas descargas conectantes surgem do solo, de estruturas altas e pontiagudas, de árvores ou de edificações e se dirigem em direção à parte frontal do líder escalonado (Pinto Jr. e Pinto, 2000). Do encontro da descarga conectante com o líder escalonado surge a descarga de retorno, com duração de cerca de 100 microssegundos, acompanhada de 43 intensa luminosidade, que se propaga para cima com velocidade em torno de 400.000.000 km/h. A luminosidade da descarga de retorno é proveniente de emissões contínuas e discretas de átomos, moléculas e íons de nitrogênio, oxigênio e hidrogênio, excitados e ionizados pelos elétrons no canal ao se deslocarem para o solo. O movimento da luminosidade ocorre para cima porque os primeiros elétrons a se deslocarem para o solo são aqueles mais próximos do solo (Pinto Jr. e Pinto, 2000). Durante a descarga de retorno, os elétrons presentes no canal ionizado pelo líder escalonado, são acelerados criando uma descarga descendente com duração em média de 200 a 400 microssegundos, com picos de corrente de 30 a 40 kA, transferindo cerca de 10 C de carga negativa para o solo. Esses picos de corrente são atingidos em cerca de 10 microssegundos, decaindo a metade desse valor em cerca de 100 microssegundos. A corrente da descarga aumenta lentamente no período que antecede a descarga de retorno, aumenta rapidamente até atingir o pico durante a descarga de retorno e decai lentamente até ocorrer um segundo pico de menor intensidade, em torno de 50 microssegundos, devido a corrente corona das cargas formadas ao redor do canal (Pinto Jr. e Pinto, 2000). Durante um relâmpago, esse processo pode ocorrer uma única vez para os chamados relâmpagos simples, com apenas uma descarga de retorno, ou várias vezes no caso de relâmpagos múltiplos, compostos de várias descargas sucessivas separadas por intervalos de tempo de 1 a 100 ms, conforme Figura 2.10 (Pinto Jr. e Pinto, 2000). 44 FIGURA. 2.10 - Representação esquemática da estrutura do relâmpago nuvem- solo negativo. FONTE: adaptada de Iribarne e Cho (1980, p. 143). Após cada descarga de retorno, as descargas múltiplas necessitam de novas descargas denominadas de líderes contínuos. Cada líder contínuo inicia-se na mesma região de onde partiu o líder escalonado, propaga-se pelo canal já ionizado de forma contínua, sem ramificações, com menor intensidade em torno de 1kA e maior velocidade do que o líder escalonado, cerca de 40.000.000 km/h. Às vezes o líder contínuo sofre desvios no seu trajeto seguindo novos caminhos, devido à ação dos ventos ou decaimento do canal inicial. Quando o líder contínuo aproxima-se do solo une-se a uma descarga conectante e surge uma descarga de retorno subsequente. O intervalo de tempo entre a descarga de retorno e o líder contínuo é de 50 ms e o tempo de duração do líder contínuo é de 1 ms (Pinto Jr. e Pinto, 2000). 45 As descargas subsequentes dos relâmpagos nuvem-solo negativos múltiplos, podem ser acompanhadas de intensa corrente contínua de 100 a 1000 A, com duração em torno de alguns milissegundos a centenas de milissegundos, que está associada à distribuição horizontal de cargas dentro da nuvem. Às vezes, enquanto ocorre a corrente contínua surge um aumento da corrente no canal, com duração de 1 ms, em um processo chamado componente M, causando variação no campo elétrico (Pinto Jr. e Pinto, 2000). De modo geral, as descargas subsequentes tendem a ocorrer num período menor, em torno de 50 microssegundos, a apresentar velocidades pouco maiores em comparação com a primeira descarga de retorno e intensidades de corrente menores com valores de pico em torno de 10 a 20 kA. Esses valores de pico são atingidos mais rápido, em torno de 1 microssegundo, em virtude do canal estar ionizado pela primeira descarga e decaem a metade do valor de pico em 20 microssegundos (Pinto Jr. e Pinto, 2000). Entre as descargas múltiplas ocorrem transportes lentos e rápidos de cargas de outras regiões dentro da nuvem para a região onde teve início o líder escalonado, chamados de processo J e processo K, respectivamente. O processo J causa variação lenta do campo elétrico no solo, com duração de dezenas de milissegundos. O processo K causa variações rápidas no campo elétrico na forma de pulsos, chamadas de variações K, em intervalos de poucos milissegundos, devido ao encontro das cargas em movimento com cargas opostas, chamadas de descargas K. Essas variações K duram dezenas de microssegundos e os picos de campo elétrico são em geral dez vezes menores comparados com os das descargas de retorno. Durante a evolução temporal dos relâmpagos nuvem-solo negativos, ocorre a emissão de radiação eletromagnética numa larga faixa de freqüência, que varia de poucos hertz a centenas de megahertz, sendo a máxima potência de emissão de radiação em torno de 10 kHz (Pinto Jr. e Pinto, 2000). 46 Do total de relâmpagos nuvem-solo negativos 20% são simples, apresentando apenas uma descarga de retorno, e 80% são múltiplos. Em média os múltiplos têm de 3 a 6 descargas sucessivas, mas há registros de até 42 descargas. Por outro lado, há evidências de que as descargas de relâmpagos simples sejam menos intensas comparadas com a primeira descarga de relâmpagos múltiplos (Pinto Jr. e Pinto, 2000). 2.6 - Relâmpagos nuvem-solo positivos São descargas elétricas que trazem cargas positivas da nuvem para o solo, representam a minoria em relação ao número de relâmpagos nuvem-solo, menos de 10% do total, porém, muito destrutivos. Geralmente desenvolvem etapas similares às descritas pelos nuvem-solo e seus líderes escalonados iniciam-se no centro principal de cargas positivas situado na parte superior da nuvem ou no pequeno centro de cargas positivas próximo à base da nuvem. Na maioria dos casos apresentam apenas uma descarga de retorno, freqüentemente acompanhada de uma fraca corrente de longa duração, chamada de corrente contínua. Essa fraca corrente contínua se mantém durante um tempo prolongado antes de decair, podendo transferir maior quantidade de energia (∫i²dt) da nuvem para o solo. Dessa forma, a permanência de uma fraca corrente contínua por um período prolongado faz com que os relâmpagos positivos tenham um poder destrutivo superior aos dos nuvem-solo negativos. Estima-se que a intensidade de corrente média dos relâmpagos nuvem-solo positivos seja levemente superior a dos nuvem-solo negativos (Pinto Jr. e Pinto, 2000). A ocorrência dos relâmpagos nuvem-solo positivos é influenciada pela latitude geográfica, pela estação do ano e pela variação horizontal dos ventos com a altura, que causa a inclinação das nuvens. Nuvens com grandes extensões verticais propiciam a ocorrência de relâmpagos intra-nuvem, nuvens mais baixas e mais inclinadas favorecem a ocorrência de relâmpagos nuvem-solo 47 positivos. Estas situações estão ilustradas nas Figuras 2.11 e 2.12. No Japão e nos Estados Unidos há uma predominância de relâmpagos positivos em tempestades durante o inverno, época em que as nuvens são mais baixas e mais inclinadas devido aos fortes ventos (Pinto Jr. e Pinto, 2000). FIGURA. 2.11 - Fatores que influenciam a ocorrência de relâmpagos positivos nuvem-solo: (a) extensão vertical e (b) variação dos ventos horizontais com a altura. FONTE: adaptada de Pinto Jr. e Pinto (1996, p. 51). 48 FIGURA. 2.12 - Comparação entre nuvens de tempestade de inverno e de verão. FONTE : adaptada de Magono (1980, p. 209). 2.7 - Relâmpagos intra-nuvem Os relâmpagos intra-nuvem ocorrem no interior da nuvem sendo normalmente vistos através de um clarão e costumam ser os primeiros a acontecer nas tempestades precedendo os relâmpagos nuvem-solo. De modo geral, iniciamse a partir de um líder contínuo, na região inferior do centro de cargas negativas, propagam-se com velocidade de torno de 40.000 km/h em direção ao centro positivo de cargas sem apresentar descargas de retorno e com emissão de radiação centrada em 100 kHz ao invés de 10 kHz como no caso dos relâmpagos nuvem-solo. Essa diferença é devida à diferente geometria do canal nos dois casos. Freqüentemente, quando o líder encontra pequenas regiões de cargas em seu trajeto, ocorrem cinco ou seis descargas, chamadas descargas K, cada uma delas com duração de 10 microssegundos e 49 intensidade de alguns ampères. Os relâmpagos intra-nuvem são diferenciados dos nuvem-solo positivos por parâmetros que caracterizam a forma de onda da radiação como a largura do pulso e o tempo de subida, embora os sistemas de detecção usem apenas a largura de pulso. A polaridade e a intensidade dos picos de correntes são obtidos dos valores de campo elétrico. O percentual de relâmpagos intra-nuvem nas tempestades varia de 30 a 100%. Por outro lado, pouco se conhece sobre as características dos relâmpagos que ocorrem entrenuvens e da nuvem para o ar, mesmo assim consideram-se similares aos intranuvem (Pinto Jr. e Pinto, 2000). 2.8 - Relâmpagos solo-nuvem O relâmpago solo-nuvem inicia-se de pontos elevados no solo como árvores, edifícios e torres, através de um líder escalonado que se move em direção à nuvem. Os relâmpagos solo-nuvem podem apresentar ambas polaridades, mas a grande maioria (em torno de 80%) é negativa, transferindo cargas negativas da nuvem para o solo. A maioria dos relâmpagos solo-nuvem não apresentam descargas de retorno, mas corrente contínua com baixa intensidade de corrente em torno de centenas de ampères e de longa duração cerca de dezenas a centenas de milissegundos, sobreposta a pulsos de corrente de alguns kA, embora às vezes ocorram com a presença de líderes contínuos acompanhados de descargas de retorno similares aos nuvem-solo negativos. Acredita-se que parte dos relâmpagos solo-nuvem, ocorram devido a relâmpagos intra-nuvem, capazes de produzir campos elétricos no solo suficientes para romper a rigidez dielétrica do ar (Pinto Jr. e Pinto, 2000). 50 2.9 - Formação das nuvens A formação das nuvens de tempestade dependem de fatores termodinâmicos e dinâmicos favoráveis à ascensão e a condensação do vapor de água existente na atmosfera. Esses fatores estão relacionados principalmente com a umidade dos ar, com o grau de instabilidade vertical da atmosfera relacionado com a variação da temperatura com a altura, além de mecanismos dinâmicos. O ar é composto por uma mistura de gases, vapor d´água, além de partículas em suspensão chamadas aerossóis, que atuam como núcleos de condensação, tais como: a poeira, as partículas de sal dos oceanos, os produtos da combustão de materiais e da poluição tanto urbana como industrial (Pinto Jr. e Pinto, 2000). A quantidade de umidade existente no ar é estabelecida pela massa de vapor d’ água existente por unidade de volume de ar, chamada de umidade absoluta, ou por unidade de massa de ar seco, chamada de razão de mistura, ou por unidade de massa de ar seco existente caso o ar esteja saturado, chamada de razão de mistura de saturação ou umidade relativa se expressa em porcentagem. O vapor d’água começa a condensar nas partículas de aerossóis quando a pressão da massa de vapor d’ água alcança a pressão de saturação do vapor d’água e caso não existam aerossóis ou gotículas de água o ar tornase supersaturado (Pinto Jr. e Pinto, 2000). A variação da temperatura com a altura indica o grau de instabilidade da atmosfera determinando se existe condição ou não para uma parcela de ar deslocar-se na vertical. À medida que uma parcela de ar não saturada sobe na atmosfera ocorre uma diminuição da sua temperatura, a uma taxa de aproximadamente 10 graus por km, descrita por uma curva adiabática não saturada, apresentada na Figura 2.13 (Pinto Jr. e Pinto, 2000). 51 A uma certa altura chamada de nível de saturação é atingida a pressão de saturação da massa de vapor d’água contida na parcela de ar, coincidente com o nível de condensação, onde se inicia a base das nuvens. A partir do nível de condensação, devido a liberação de calor latente de condensação, a temperatura da parcela de ar diminui mais lentamente com a altura, cerca de 3 graus por km, acompanhando uma curva adiabática saturada, conforme Figura 2.14. Quando a parcela de ar atinge a temperatura de 0° C, chamado nível de congelamento, as gotículas de água líquida congelam, no entanto, devido a falta de núcleos de condensação, muitas gotículas de água líquida permanecem como gotículas de água super-resfriada enquanto não atingirem a altura onde a temperatura é – 40° C, transformando-se instantaneamente em partículas de gelo (Pinto Jr. e Pinto, 2000). FIGURA.2.13 – Ilustração da ascensão de uma parcela de ar na atmosfera. FONTE: adaptada de Pinto Jr. e Pinto (2000, p. 43). 52 Em meteorologia as condições de estabilidade da atmosfera indicam se a situação termodinâmica é propícia ou não ao movimento ascensional. Uma atmosfera é considerada estável, se imprimindo movimento ascensional a uma parcela de ar ela tende a voltar à posição original, mantendo-se mais fria que a atmosfera. É considerada instável se o movimento ascensional ocorre independente da altura, sendo a temperatura da parcela superior a da atmosfera. Mas, como acontece freqüentemente, pode ser considerada condicionalmente estável, quando o movimento ascensional da parcela de ar é estável até uma altura chamada nível de convecção livre e instável desse nível até uma altura chamada nível de equilíbrio, que define o topo das nuvens, conforme Figura 2.14 (Pinto Jr. e Pinto, 2000). Para a parcela de ar atingir o nível de convecção livre precisa receber de uma fonte externa a energia necessária para ultrapassar a região estável, chamada energia de inibição da convecção ou CINE. Em seguida, para continuar o seu movimento ascensional precisa receber uma energia da atmosfera chamada energia potencial convectiva disponível ou CAPE, proporcional à velocidade das correntes convectivas ascendentes dentro da nuvem. Desse modo, esses dois parâmetros mostram que o grau de instabilidade da atmosfera será maior quanto menor for o valor da CINE e maior o da CAPE. (Pinto Jr. e Pinto, 2000). 53 FIGURA 2.14 – Perfil típico de temperatura na atmosfera e parâmetros relacionados a instabilidade vertical: nível de equilíbrio (NE); nível de convecção livre (NCL); nível de condensação (NC); temperatura de bulbo úmido (Tw); temperatura convectiva (Tc); temperatura potencial equivalente (Te); energia potencial convectiva disponível (CAPE); energia de inibição da convecção (CINE). FONTE: adaptada de Pinto Jr. e Pinto (2000, p. 44). 54 No entanto, existem outros parâmetros como a temperatura convectiva, a temperatura de bulbo úmido, a temperatura potencial equivalente, ainda a diferença entre a temperatura e a temperatura do ponto de orvalho na superfície, que podem ser usados para indicar o grau de estabilidade da atmosfera. A temperatura do ponto de orvalho é a temperatura atingida por uma massa de ar, ao ser resfriada até ocorrer a saturação a pressão constante. Já a temperatura convectiva equivale a temperatura que uma parcela deveria ter na superfície, para ocorrer a convecção sob influência de uma pequena perturbação. Por outro lado, a temperatura de bulbo úmido é definida como a mais baixa temperatura a ser atingida por uma parcela de ar, ao ser resfriada pela evaporação de água no seu interior sob ação do calor do ar e a pressão constante. Por último, a temperatura potencial equivalente é aquela que uma parcela de ar teria se aquecida pelo calor latente liberado da condensação de toda a sua umidade. Essas temperaturas podem ser obtidas das curvas adiabáticas saturada e não saturada e do perfil da temperatura da atmosfera, indicado na Figura 2.14 (Pinto Jr. e Pinto, 2000). Assim, vários fatores podem contribuir para a diminuição da CINE e o aumento do grau de instabilidade da atmosfera como o aumento da umidade, o aumento da temperatura potencial equivalente ou da temperatura de bulbo úmido, a diminuição da temperatura convectiva e a existência de montanhas. Algumas forçantes dinâmicas também favorecem o movimento ascensional como as frentes, as brisas marítimas, os ventos soprando em direção a uma montanha, área de convergência horizontal de ventos, as ilhas de calor e as frentes de rajada associadas às tempestades (Pinto Jr. e Pinto, 2000). 55 2.10 - Características sinóticas do verão na América do Sul 2.10.1 - Alta da Bolívia A circulação geral da atmosfera sofre influências entre outros fatores da variação sazonal da radiação solar que chega à superfície da terra, e do aquecimento diferencial entre os continentes e os oceanos. Essas influências são observadas no escoamento dos altos níveis nos meses de inverno e verão. O escoamento em 250 hPa, no mês de julho apresenta uma circulação anticiclônica sobre o Norte da América do Sul e tem um caráter zonal sobre as latitudes subtropicais e médias da América do Sul (Gan, 1993). No mês de janeiro a configuração do escoamento em 250 hPa sobre a América do Sul é ondulatória, possuindo uma circulação anticiclônica com centro sobre a Bolívia (AB) e a jusante deste há um cavado cujo eixo posiciona-se sobre a costa leste do Nordeste do Brasil e outro sobre o Oceano Pacífico. A circulação anticiclônica em altos níveis, geralmente, induz um fluxo divergente de massa, caracterizado pela presença de movimentos ascendentes e formação de nebulosidade. Associado ao cavado em altos níveis, na vizinhança do litoral do NE, freqüentemente observa-se uma circulação ciclônica fechada, que influencia um fluxo convergente de ar frio com movimentos descendentes e ausência de nebulosidade (céu limpo). Essa circulação é denominada Vórtice Ciclônico de Altos Níveis (Gan, 1993). A Alta da Bolívia é uma circulação anticiclônica na alta troposfera, associada a forçantes térmicas e dinâmicas, que domina grande parte da região tropical da América do Sul durante os meses de verão. Desenvolve-se a oeste da região amazônica, durante a primavera, intensifica-se sobre a Bolívia no verão e enfraquece no outono sobre a Amazônia central (Gan et al., 2001; Marengo et al., 2001; Kousky e Kayano, 1981). Seu desenvolvimento está associado à 56 intensa atividade convectiva provocada pelo forte aquecimento do altiplano boliviano abaixo de 500 hPa, durante o início da estação chuvosa entre os meses de outubro e novembro, e a liberação de calor latente da precipitação sobre o platô boliviano e região Sudeste do Brasil. A Alta da Bolívia surge em outubro, torna-se mais ativa em janeiro centrada em 15° S e 65° O persistindo até abril (Rao et al., 1995). A formação da Alta da Bolívia envolve o forte aquecimento da superfície terrestre (calor sensível), convergência do fluxo de vapor d’água nos baixos níveis (a Amazônia geralmente é úmida durante este período), movimentos verticais ascendentes, formação de nuvens convectivas, precipitação e liberação de calor latente e intensificação da circulação anticiclônica nos altos níveis. Na costa Norte da América do Sul, em baixos níveis (850 hPa), os ventos predominantes são de leste e se curvam para sudoeste quando entram na Amazônia, devido à existência de um grande influxo de vapor d’água, favorecendo a convergência de umidade para alimentar a Alta da Bolívia. O mesmo não ocorre no período seco em julho devido ao campo de vento manter-se paralelo a costa (Rao et al., 1995). De acordo com Carvalho (1989) há uma correlação direta entre a intensidade da circulação na Alta da Bolívia e o cavado a nordeste da mesma, a Alta da Bolívia e o cavado a nordeste estão diretamente e inversamente correlacionados com a intensidade da convecção e a Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), parece ser um mecanismo de conexão entre a Alta da Bolívia e o cavado a nordeste da mesma. 57 2.10.2 - Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) A ZCAS é um evento típico de verão, que modula a climatologia da América do Sul, sendo caracterizada por uma persistente faixa de nebulosidade, orientada no sentido noroeste-sudeste (NO-SE), que abrange o centro sul da Amazônia, as regiões Centro-Oeste e Sudeste, o centro-sul da Bahia, o norte do Paraná e prolonga-se até o Oceano Atlântico. De acordo com Sanches (2002), no período de 1980 a 2000, durante os meses de dezembro, janeiro e fevereiro, ocorreram 65 eventos de ZCAS, em média 3 eventos por verão com duração aproximada de 10 dias e variabilidade temporal entre 4 e 21 dias. Os eventos de ZCAS exercem influência relevante no aumento dos níveis pluviométricos decorrentes da elevada atividade convectiva na área de sua atuação. Os suportes dinâmicos da atividade convectiva da ZCAS sobre o continente estão associados à divergência nos altos níveis, induzida pela Alta da Bolívia e ao cavado sobre a região Nordeste do Brasil. Sobre o Oceano Atlântico a Alta a Bolívia não influencia diretamente a ZCAS e a atividade convectiva é mantida pelo cavado que se estende para as médias latitudes. Os fatores que determinam a organização da atividade convectiva no continente são: a topografia, a circulação dominante (ventos), as altas temperaturas e a umidade. Sobre o oceano a atividade convectiva é mantida pela convergência de umidade na baixa troposfera. A ZCAS apresenta um comportamento variável em função do ciclo diurno, à tarde e à noite a convecção concentra-se no continente, enquanto que no final da madrugada e de manhã acentua-se sobre o oceano (Quadro, 1994). A umidade envolvida durante os eventos da ZCAS é proveniente do oceano e da Amazônia. Quadro (1994) investigou 28 eventos de ZCAS no período de 1980 a 1989 e o resultado desse estudo sugere a existência meteorológicos associados aos eventos de ZCAS: 58 dos seguintes padrões faixa de nebulosidade orientada no sentido NO-SE, semi-estacionária por um mínimo de 4 dias, convergência de umidade na baixa e média troposfera associada a chuvas intermitentes na região de atuação, faixa de movimento ascendente do ar com orientação NO-SE, um cavado ou vórtice ciclônico semi-estacionário sobre a costa Leste da América do Sul em 500 hPa, intenso gradiente de temperatura potencial equivalente (θe) na média troposfera ao sul da banda de nebulosidade indicando que a ZCAS é uma região que separa duas massas de ar diferentes, faixa de vorticidade anticiclônica em altos níveis (200 hPa). Figueroa (1990) sugere que explosões convectivas sobre o Brasil central e sul da Amazônia são responsáveis pela ZCAS. Molion e Kousky (1985) notaram que a associação da convecção tropical com sistemas frontais, oriundos do Sul do Continente Americano e relativamente persistentes, intensifica a atividade convectiva sobre o Sudeste do Brasil entre 15° S e 20° S e 40° O e 50° O, causando aumento da precipitação normal. 2.10.3 - Sistemas frontais Sistemas frontais são formados pelo encontro de massas de ar com propriedades diferentes como por exemplo, massa de ar polar continental, massa de ar polar marítima, massa de ar tropical continental e massa de ar tropical marítima. Essas massas de ar têm extensão vertical e horizontal sendo a extensão vertical chamada de superfície frontal ou zona frontal. No encontro de duas massas com temperaturas e umidades diferentes surge uma superfície frontal de descontinuidade, estreita e inclinada, chamada de frente, na qual os parâmetros meteorológicos sofrem variações abruptas (Perrella, 1993). Geralmente um sistema frontal é formado por uma frente fria, uma frente quente e um centro de baixa pressão associado a uma superfície de circulação 59 ciclônica no Hemisfério Sul. A circulação ciclônica começa a se formar a partir de uma pequena perturbação ondulatória em uma frente quasi-estacionária, forçando a subida do ar quente na superfície de separação entre as duas massas de ar, causando decaimento da pressão à medida que o ar frio força o ar quente a subir. Assim, a ascensão do ar quente causa uma convergência de ar frio nos baixos níveis, formando uma circulação ciclônica que se desenvolve à medida que a frente fria avança sob a frente quente até se transformar num vortex frio na baixa troposfera. Em seguida essa circulação ciclônica sofre dissipação por fricção e pela ausência de mecanismos dinâmicos para a sua manutenção (Cavalcanti, 1995). Os critérios utilizados para localizar uma frente são: forte mudança de temperatura em uma distância relativamente curta, variações no conteúdo de umidade e na direção dos ventos, além da presença de nuvens e precipitação. Antes da chegada de uma frente aparece no céu uma faixa de cirrus, formada por cristais de gelo arrancados pelos ventos, dos topos das nuvens Cumulonimbus, que acompanham a superfície frontal causando precipitação e rajadas de vento. Após a passagem da frente o vento muda de direção, o ar fica mais frio, a pressão aumenta e cessa a precipitação (Cavalcanti, 1995). No Brasil a região Sul é a mais afetada por sistemas frontais, embora as regiões Centro-Oeste, Leste e Nordeste sejam muitas vezes atingidas. Os sistemas frontais deslocam-se do Oceano Pacífico para o Oceano Atlântico passando pelo Sul da América do Sul, podendo afetar as regiões Sul / Sudeste do Brasil e às vezes prosseguir até alcançar o Nordeste do Brasil (Cavalcanti, 1995). 60 CAPÍTULO 3 METODOLOGIA 3.1- Sistemas de Detecção de Relâmpagos Os sistemas de detecção de relâmpagos utilizam antenas Lightning Position and Tracking System (LPATS), cujos sensores utilizam o método de detecção TOA ou Método do Tempo de Chegada e antenas IMPACT, cujos sensores Advanced Lightning Direction Finder (ADLF), utilizam a combinação dos métodos TOA e MDF ou Método de Direção do Campo Magnético. O Método do Tempo de Chegada (TOA) utiliza no mínimo quatro antenas, cujos sensores registram o instante do tempo de chegada da radiação da descarga em cada uma das antenas. O cálculo da localização da descarga é determinado pela intersecção das hipérboles definidas pelas diferenças dos registros dos tempos de chegada da radiação aos sensores das antenas. O método MDF utiliza no mínimo duas antenas, cujos sensores medem a direção da descarga pelo azimute, ângulo em relação ao norte geográfico da Terra, determinado por duas antenas magnéticas ortogonais na forma de loop e os erros nos cálculos dos ângulos são minimizados por triangulação (Naccarato, 2001). Os sensores das antenas LPATS mais aperfeiçoados, versões III e IV, fornecem dados temporais das descargas amostrando a componente vertical do campo elétrico irradiado, permitindo determinar a intensidade do pico de radiação e seu tempo de subida. Os sensores das antenas IMPACT medem o campo elétrico vertical e duas componentes ortogonais do campo magnético irradiado pela descarga, através de um par de antenas em forma de loop, fornecendo dados temporais das descargas e a direção da fonte de radiação caracterizada pelo ângulo azimute. Esses sensores são capazes ainda de amostrar a forma de onda do campo elétrico vertical, determinar a intensidade do pico de radiação, o tempo de subida, a largura de pulso, além da relação 61 entre os campos elétrico e magnético do sinal eletromagnético (E/B) da descarga. Através da relação E/B distingue-se ruídos ambientes de sinais de radiação das descargas nuvem-solo. Já a largura de pulso identifica a forma de onda das descargas nuvem-solo, excluindo eventuais equívocos nos registros de descargas intra-nuvem como nuvem-solo. Esses recursos presentes nos sensores das antenas IMPACT e ausentes nos sensores das antenas LPATS versão III ou inferior, minimizam a contaminação dos dados de descargas nuvem-solo por descargas intra-nuvem muito intensas, melhorando o desempenho do sistema de detecção de descargas (Naccarato, 2001). 3.2 - Sistema de detecção dos dados utilizados Os dados de relâmpagos utilizados neste trabalho foram obtidos pelo sistema Lightning Positioning and Tracking System (LPATS), pertencente ao então Departamento de Pesquisas, Desenvolvimento e Normalização da Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG). O primeiro sistema de antenas LPATS foi instalado em 1988 pela CEMIG, composto por quatro estações: Usina de Volta Grande (20° 2’ S, 48° 13’ O), Represa de Três Marias (18° 13’ S, 45° 15’ O), Lavras (21° 15’ S, 45° O) e Ipatinga (19° 29’ S, 42° 32’ O). Em 1995 o sistema foi ampliado para seis estações com o acréscimo de mais duas estações: Capitão Enéas (16° 19’ S, 43° 43’ O) e Emborcação (18° 28’ S, 48° O). Os dados das descargas de retorno utilizados neste trabalho foram detectados pelo sistema LPATS, no período de outubro de 1988 a novembro de 1996. Portanto os dados obtidos no período de novembro de 1988 a junho de 1995 foram detectados pelo sistema composto por quatro estações receptoras, já os dados do período de junho de 1995 a novembro de 1996 foram detectados por seis estações, ilustradas na Figura 3.1. ▼VG - Estação LPATS Usina Volta Grande ▼L - Estação LPATS Lavras ▼3M - Estação LPATS Represa de Três Marias ▼IP - Estação LPATS Ipatinga ▼CE - Estação LPATS Capitão Enéas ▼EM - Estação LPATS Emborcação 62 CE ÁREA DE ESTUDO 3M EM IP VG L FIGURA. 3.1 - Indicação da área de estudo e localização das estações LPATS. Com o aumento da quantidade de estações detectoras foi possível detectar um número maior de descargas de retorno e melhorar a precisão na localização dessas descargas. As informações das descargas de retorno dos relâmpagos, detectadas pelas quatro (seis) estações, são enviadas para a estação central localizada em Belo Horizonte, via Embratel ou sistema de microondas da CEMIG. Essas informações são processadas pelo analisador central, que determina a latitude, a longitude, a polaridade, a intensidade, a data e a hora da ocorrência da descarga de retorno. As estações receptoras estão sincronizadas entre si através de um sinal de TV do satélite Brasilsat. 63 As descargas de retorno dos relâmpagos são identificadas pelo sistema LPATS, em cada uma das estações receptoras, pela detecção da onda eletromagnética, correspondente a cada descarga de retorno, numa faixa de freqüência de 200 a 250 kHz, com eficiência de 60% a 70% dentro da área definida pelas quatro (seis) estações e que engloba a região de estudo. A estimativa de erro na localização das descargas de retorno dos relâmpagos por esse sistema é de 0,5 até 1 km na área interna, compreendida dentro das quatro (seis) estações receptoras. A determinação da latitude e longitude de cada descarga de retorno é feita através das interseções das hipérboles obtidas pelas diferenças dos tempos registrados, para a mesma descarga de retorno entre os pares de estações de recepção. A Figura 3.2 ilustra a técnica de localização de uma descarga pelo tempo de chegada. Esta figura apresenta duas estações receptoras, R1 e R2, conectadas por uma linha sólida e linhas hiperbólicas de diferença de tempo constante, entre as duas estações receptoras, cada uma com um foco diferente. Usando a diferença de tempo de chegada pode-se determinar a posição do pulso de energia eletromagnética emitido pela descarga de retorno. S1 e S2 indicam os locais de detecção das descargas de retorno. Vê-se que neste caso, com duas antenas detectoras, existem duas soluções para a posição da descarga. 64 FIGURA. 3.2 - Linhas hiperbólicas de diferença de tempo constante. FONTE: adaptada de Atmospheric Research Systems Inc (1990, p.3). A Figura 3.3 ilustra a localização da emissão de um pulso de energia eletromagnética detectado por três estações receptoras R1, R2 e R3. O local da emissão, S, é determinado pelo ponto de interseção das hipérboles. Neste caso, na maioria das vezes a solução é única, porém, esporadicamente pode ocorrer singularidade devido à própria geometria do método. Para garantir uma solução única na determinação da localização da descarga é necessário a utilização de sistemas de detecção com um mínimo de quatro antenas. Com o aumento da quantidade de antenas, aumentam as famílias de hipérboles e maior será a precisão na localização da descarga de retorno. 65 FIGURA. 3.3 - Localização da fonte de emissão por interseção hiperbólica. FONTE: adaptada de Atmospheric Research Systems Inc (1990, p. 4). A polaridade é determinada pela forma de onda registrada na estação receptora e a intensidade de corrente é calculada com base na distância e no campo elétrico criado pela descarga de retorno (Orville, 1987). Os relâmpagos intra-nuvem geralmente não são considerados pelo sistema de detecção, pois diferem dos nuvem-solo pela onda eletromagnética mais rapidamente atenuada, devido a sua mais alta freqüência (100 a 200 kHz) e pela baixa amplitude de pico em relação aos relâmpagos nuvem-solo, cuja freqüência é de 5 a 10 kHz (Casper, 1992). Todavia estudos recentes, (Zaima et al., 1997; Pinto et al., 1999 a, b), têm mostrado que as descargas medidas pelo sistema LPATS com intensidades de correntes abaixo de 15 kA, principalmente as descargas positivas, podem estar contaminadas por relâmpagos intra-nuvem. Em função destes resultados somente descargas nuvem-solo acima de 15 kA foram utilizadas neste estudo. Esta aproximação tem sido adotada por diversos autores (Pinto et al., 1999 a; Orville e Ruffines, 2001), acreditando-se reduzir a contaminação dos dados significativamente, porém não a eliminando 66 completamente. Trabalhos mais recentes como Théry (2001), parecem indicar que esta contaminação pode-se estender até 30 kA e afetar principalmente além das descargas positivas, descargas negativas simples. Devido ao fato de que a adoção de um valor de 30 kA como limite inferior dos dados iria reduzir significativamente o número de descargas, comprometendo a significância estatística dos resultados, optou-se por manter o valor de 15 kA. Tal contaminação residual, contudo, não afeta os principais resultados deste trabalho. A partir de novembro de 1996, as estações de Volta Grande e Três Marias passaram a operar com antenas IMPACT. Em outubro de 1997 foi instalada mais uma antena IMPACT em Cachoeira Paulista (22° 41’ S, 45° O) e em outubro de 1998 uma outra LPATS III em Belo Horizonte (19° 34’ S, 44° O). Essas estações estão localizadas no Estado de Minas Gerais, exceto a de Cachoeira Paulista que está localizada em São Paulo. O alcance desse sistema de detecção compreende o intervalo de latitudes de 14° a 25° S e de longitudes 39° a 52° O. Em agosto de 2001 foi adicionado ao sistema, mais uma antena do tipo IMPACT (ES) em São José dos Campos, dentro do Centro Tecnológico da Aeronáutica (CTA). A partir de agosto de 2001 foram interligados os sistemas da CEMIG, INPE, FURNAS e SIMEPAR, compondo o sistema atual de 22 antenas com seis antenas IMPACT. Estas antenas adicionais permitiram uma melhor performance do sistema, contudo, o grande número de alterações ocorrido, impede estudos que necessitam de uma longa base de dados sem alterações significativas do sistema, como o apresentado neste trabalho. 67 3.3 - Desenvolvimento do Trabalho Os dados utilizados neste trabalho foram detectados pelo sistema de localização LPATS, versão III, localizado no Estado de Minas Gerais, região Sudeste do Brasil, durante o período de outubro de 1988 a novembro de 1996, numa região de maior interesse científico, compreendida entre as latitudes 18° a 21° S e longitudes 47° a 43° O, de acordo com a Figura 3.1. Essa região de estudo, Figura 3.1, foi escolhida por englobar aspectos importantes favoráveis ao desenvolvimento do trabalho e a confiabilidade estatística dos resultados. A região foi selecionada de modo que a eficiência na detecção e precisão na localização dos relâmpagos fosse a maior possível. Também foram considerados na escolha desta região, o fato de a mesma apresentar grandes variações de altitude, desde 500 m até 2000 m, e o fato de que para suas dimensões a eficiência e precisão do sistema possam ser consideradas uniformes. Mesmo que a região de estudo seja subdividida em regiões de pequenas dimensões, o longo período de tempo considerado garante que as condições meteorológicas nesta região em estudo sejam uniformes. De um modo geral, as tempestades predominantes que ocorrem nessa região são multicelulares e isoladas (Pinto et al., 1999 a), sendo devidas a processos de convecção locais, convecção tropical e sistemas frontais, sendo os dois últimos fatores predominantes (Faria, 2002). Tempestades severas e organizadas tendem a ser menos importantes para um longo período de tempo, tal como o considerado neste estudo. As variações sazonais na região Sudeste do Brasil (Pinto et al., 1999 b), são semelhantes às encontradas por Orville et al. (1997) em Papua (Nova Guiné) e tendem a ser mediadas neste estudo. Outros dois aspectos muito interessantes dessa região escolhida são a diversidade de tipos de solos existentes, favoráveis ao estudo da influência dos mesmos sobre os relâmpagos e o fato de apresentar dois grandes centros urbanos, Belo Horizonte e Contagem, propícios para o estudo da influência de centros urbanos sobre os relâmpagos. 68 Todas as informações fornecidas pelo sistema de detecção de relâmpagos, LPATS, sobre as datas de ocorrências, locais, tempo e intensidades de cerca de 2 milhões de descargas, registradas no período de estudo foram armazenadas em 184 arquivos, cada um deles ocupando, em média, 4 megabytes de memória, contendo os seguintes dados sobre as descargas: data (dia, mês, ano), tempo (hora, minuto, fração de segundos), localização (latitude, longitude), polaridade, intensidade de corrente e o número de antenas que detectaram cada descarga. Para melhor estudar a influência dos efeitos das características geográficas sobre os relâmpagos e permitir uma análise estatística confiável, a região de Minas Gerais compreendida entre o intervalo de latitudes que variam de 18° a 21° S e longitudes que variam de 47° a 43° O, foi subdividida em 1728 pequenas regiões de aproximadamente 9 km x 9 km. Todas as informações detectadas sobre as descargas dos relâmpagos, foram distribuídas nestas regiões, de acordo com as coordenadas de cada uma dessas regiões. Esse trabalho de processamento foi executado por um software especialmente desenvolvido, com a finalidade de separar os dados das descargas dos relâmpagos correspondentes às coordenadas de cada uma das 1728 regiões. Em seguida foi realizada uma seleção das descargas detectadas pelo sistema LPATS com intensidade de corrente superior a 15 kA, ocorridas em cada uma das 1728 regiões, para minimizar a contaminação dos dados de relâmpagos nuvem-solo por relâmpagos intra-nuvem, sugerido por Zaima et al., 1997; Pinto et al., 1999 a, b, e classificadas em relâmpagos, de acordo com os seguintes critérios de classificação de descargas em relâmpagos: tempo da descarga do relâmpago inferior a 1 segundo, tempo entre descargas inferior a 0,5 segundo, distância da primeira descarga às subseqüentes inferior a 10 km e máxima multiplicidade igual a 99. 69 Todo o trabalho computacional de seleção, classificação de descargas em relâmpagos e geração de parâmetros característicos de relâmpagos, foi efetuado por um programa, desenvolvido pelo Grupo de Eletricidade Atmosférica, ELAT, que gera arquivos texto, gráficos e fornece valores de vários parâmetros relacionados com os relâmpagos, sendo alguns deles: a quantidade total de relâmpagos, a quantidade de relâmpagos positivos, a quantidade de relâmpagos negativos; os percentuais de polaridade negativa e positiva, os percentuais de multiplicidade, a intensidade de corrente média dos relâmpagos negativos, a intensidade de corrente média dos relâmpagos positivos, a intensidade de corrente máxima dos relâmpagos negativos e a intensidade de corrente máxima dos relâmpagos positivos. Para cada uma das 1728 regiões foi atribuída uma altitude média a partir do modelo Earth Topographic 5 minutes Model (ETOPO 5), fornecido pelo National Geographical Data Center da National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA). Para classificar os tipos de solos das 1728 regiões foi utilizado um mapa temático de tipos de solos de Minas Gerais, da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (EMATER-MG), distribuído pela Companhia de Processamento de Dados de Minas Gerais (Prodenge). O material básico utilizado nesse Mapa Fonte foi o levantamento de recursos naturais do Projeto RADAMBRASIL, complementado com os trabalhos do Centro Nacional de Pesquisa de Solos (CNPS), (Amaral, 1993). De acordo com Amaral (1993), as principais classes de solos predominantes no Estado de Minas Gerais são: os latossolos vermelho-amarelo (25%), latossolos vermelho-escuro (18 %), cambissolos (18 %), podzólicos vermelho-amarelo (10 %) e podzólicos vermelho-escuro (10 %). Na classificação dos tipos de solos das 1728 regiões de Minas Gerais estudadas, foram encontrados os seguintes 13 tipos de solos: afloramento 70 rochoso (AFR), aluviais (ALU), cambissolo (CAM), glei húmico (GLEI), latossolo ferrífero (LFE), latossolo vermelho-amarelo (LVA), latossolo vermelho-escuro (LVE), latossolo roxo (LRO), latossolo una (LUN), litossolo (LIT), podzólico vermelho-amarelo (PVA), podzólico vermelho-escuro (PVE) e represa (REP). Algumas das características gerais desses tipos de solos estão descritas abaixo e de forma mais completa na parte de pedologia do Projeto RADAMBRASIL (1983). afloramentos rochosos - são considerados tipos de terreno representados por exposições de diferentes tipos de rochas nuas, ou com reduzidas porções de materiais grosseiros, não classificáveis especificamente como solo, constituído por largas porções de fragmentos provenientes de desagregação das rochas locais em algum material terroso. aluviais - são provenientes de deposições fluviais de natureza variável, dependendo da natureza e forma de distribuição dos sedimentos originários, possui textura grosseira e ricos em materiais primários, apresentam grande potencial agrícola. cambissolo - são solos mal a acentuadamente drenados, em muitos casos apresentam fase cascalhenta, pedregosa e/ou rochosa, possui textura média ou argilosa, com ocorrência de textura muito argilosa, alta saturação por alumínio (álicos). glei húmico - apresenta cores escuras, maior espessura e maior teor de carbono, textura média e argilosa. latossolo ferrífero - são derivados de rochas metamórficas e apresentam teores de trióxido de ferro maiores do que encontrados nos solos do tipo latossolo roxo e possuem atração magnética muito forte. latossolo vermelho-amarelo - solos profundos e bem drenados, textura argilosa e média, podem ocorrer, decrescentemente, do tipo álicos, distróficos e eutróficos (alta, média e baixa concentração de alumínio). 71 latossolo vermelho-escuro - solos profundos, textura média, argilosa ou muito argilosa, compreende solos minerais não hidromórficos, apresenta altos teores de trióxido de ferro (Fe2O3), por isso, sua cor avermelhada. latossolo roxo - solos minerais, não hidromórficos, profundos a muito profundos, acentuadamente drenados, apresentam elevados teores de trióxido de ferro (Fe2O3) e são distróficos (média saturação de alumínio) a eutróficos (baixa saturação de alumínio). latossolo una - são solos profundos, permeáveis, distróficos e predomina textura muito argilosa. litossolo - compreende solos minerais predominantemente rochosos. podzólico vermelho-amarelo - apresentam coloração vermelho-amarelada, classe muito argilosa e quando mais profundo, mais argiloso se torna, sendo solos bem drenados. podzólico vermelho-escuro – abrange solos minerais não hidromórficos, bem a acentuadamente drenados, variam de rasos a muito profundos, sua textura varia de arenosa a argilosa, chegando até a muito argilosa. represa - região constituída por água. Este trabalho foi complementado com um estudo em escala sinótica das condições meteorológicas, para esclarecer melhor o comportamento diferenciado da atividade de relâmpagos dentro da região de estudo. No Capítulo 5 é discutida a influência dos aspectos meteorológicos sobre a atividade de relâmpagos em conjunto com outros fatores geográficos. Com o propósito de verificar a contribuição da influência das condições meteorológicas em escala sinótica sobre os relâmpagos, foram analisados, próximos à superfície e em altos níveis alguns parâmetros meteorológicos: o campo das linhas de corrente do vento e da divergência horizontal de massa ou da divergência do fluxo de vapor d’água ou umidade, o campo da componente vertical média da velocidade do vento, a temperatura potencial equivalente e a umidade específica. Nessas análises foram utilizadas médias mensais de dados de reanálise do modelo global National Centers for Environmental 72 Prediction (NCEP), segundo (Kalnay et al., 1996), da temperatura, da umidade específica, da velocidade vertical média em coordenadas de pressão e das componentes zonal e meridional do vento. Esses dados são dispostos em pontos de grade com espaçamentos de 2,50 de longitude e latitude, tendo sido considerados nos níveis isobáricos de 925, 850 e 300 hPa, nos quatro horários disponíveis 00, 06, 12 e 18 Greenwich Mean Time (GMT). Esses dados abrangem um período de sete meses, de setembro a março, durante oito anos com início em 1988 e término em 1996. Tanto para o cálculo como para a visualização desses parâmetros meteorológicos foram utilizadas as funções intrínsecas do software de visualização Grid Analysis and Display System (GrADS), fornecido pelo Center for Ocean Land Atmosphere Interations (COLA). O campo da temperatura potencial equivalente foi determinado a partir de formulações empíricas propostas por Bolton (1980): 1000 θ e = Tk p 0.2845 (1− 0.28 x10 −3 r ) 3.376 − 0.00254 × r (1 + 0.81× 10 −3 r exp Tl (3.1) sendo: θe = temperatura potencial equivalente (K) Tk = temperatura absoluta (K) r = razão de mistura (g.kg-1) r = ( rh x rs )/100 (3.2) rh = a umidade relativa rs = a razão de mistura de saturação (g/kg) 73 rs = es x ((622.0)/(p-es)) (3.3) es = massa de vapor d’água / massa de ar total ps θ = T p R mva = a massa de vapor d’água cp mar = a massa total de ar Tl = temperatura do nível de condensação (K) onde, TL = 1 + 56 ln(Tk − Td ) 1 + Td − 56 800 (3.4) Td = temperatura do ponto de orvalho (K). A temperatura potencial equivalente (θe) é uma propriedade termodinâmica dependente da umidade e da temperatura. A mesma é definida quando se faz a razão de mistura tender a zero e é conservada tanto nos processos adiabáticos secos, como nos saturados (Oliveira et al., 2001). Já a temperatura potencial (θ) é a temperatura que uma parcela de ar, a uma dada pressão p e temperatura T, atingiria quando expandida ou comprimida adiabaticamente para a pressão em superfície ps (1000 hPa) (Oliveira et al., 2001). (3.5) cp = 1005x104 erg g-1 K-1 ps = a pressão em superfície (1000 hPa) R = constante universal dos gases perfeitos. 74 A análise desses parâmetros no período de setembro a março mostrou que a situação meteorológica de grande escala dominante era típica do verão, apresentando um gradiente de temperatura potencial equivalente típico em períodos de ZCAS, também observado por Kodama (1992) e por Sanches (2002), ao longo da Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS). A presença de um padrão atmosférico característico do verão direcionou o trabalho para a análise das condições meteorológicas específicas durante os meses do verão, dezembro, janeiro e fevereiro com uma discussão sobre a situação meteorológica em eventos envolvendo ZCAS. Para ressaltar padrões atmosféricos reinantes em episódios de ZCAS, foi necessário filtrar as variações interanuais e intersazonais presentes nos dados meteorológicos, através da aplicação da metodologia da composição apresentada em Sanches (2002). Dessa forma, neste estudo foi conveniente trabalhar com os mesmos dados utilizados em Sanches (2002). Durante o desenvolvimento deste trabalho, o potencial científico dessa imensa massa de dados foi analisado, com a finalidade de investigar evidências da influência da altitude, dos tipos de solos, centros urbanos e aspectos meteorológicos sobre os parâmetros característicos dos relâmpagos, sendo apresentados no capítulo 4 e discutidos no capítulo 5. Os testes estatísticos F e Z, foram aplicados aos resultados do estudo dos tipos de solos e centros urbanos respectivamente. 3.4 - Testes estatísticos de análise de dados 3.4.1 - Teste estatístico Z O teste Z é um método de análise estatística de comparações entre duas médias de dados para a verificação de diferenças significativas entre elas, que fornece o nível de significância dessas diferenças com base na variância dos dados. Este teste somente pode ser aplicado a uma população de dados que 75 apresente uma distribuição normal de probabilidades, mas sendo grande o número de dados de uma amostra da população, maior que 30, o Teorema do Limite Central garante que a distribuição das médias das várias amostras dessa população será normal (Brase e Brase, 1995). É possível também se aproximar a variância da população pela variância da respectiva amostra. Então, dado um número grande de elementos da população 1 (n1), um número grande de elementos da população 2 (n2), a média da amostra n1 ( x 1 ), a média da amostra n2 ( x 2 ), a variância da amostra n1 (s21) e a variância da amostra n2 (s22), a estatística do teste z será dada pela fórmula: z= x1 − x 2 (3.6) s12 s 22 + n1 n2 De acordo com a tabela da distribuição normal padrão: Para valores de |z| > 2,58 tem-se α < 0,01 e existe menos de 1% de probabilidade de erro em afirmar que há realmente diferença entre as médias consideradas, pois o nível de significância α< 1%. Para valores de 1,96 ≤ |z| ≤ 2,58 tem-se 0,01 ≤ α ≤ 0,05 e existe entre 1% e 5% de probabilidade de erro em afirmar que há realmente diferença entre as médias consideradas, pois o nível de significância α está entre 1% e 5% Para valores de |z| < 1,96 tem-se α > 0,05 e não existe diferença significativa entre as médias, pois a probabilidade de erro torna-se maior que 5%. 76 3.4.2 - Teste estatístico F O teste F é uma generalização n-dimensional do método estatístico de Análise da Variância ANOVA, aplicada a um número genérico k de grupos de dados, onde as populações dos grupos de dados apresentam distribuições normais, os grupos são independentes e selecionados aleatoriamente, e as variáveis de cada grupo apresentam desvios padrões aproximados. O propósito de um teste ANOVA é determinar a existência ou não de uma diferença estatísticamente significativa entre as médias µ 1, µ 2, µ 3,..., µ k, dos dados de um número k de grupos de dados, apresentando n 1, n 2, n 3,..., n k número de dados. SSTOT = ∑X2TOT – [( ∑XTOT ) 2 / N ] = variabilidade total dos dados, onde: (3.7) N = n 1 + n 2 + n 3 +...+ n k = número total de dados de todos os k grupos ∑XTOT = ∑X1+ ∑X2+ ∑X3 +... + ∑Xk = soma dos dados de todos os grupos (3.8) ∑X 2TOT = ∑X12+ ∑X22 + ∑X32 +... + ∑Xk2 SSTOT = SSBET + SSW (3.9) (3.10) SSBET = ∑ [(( ∑X i )2 / ni ) – ( ∑XTOT ) 2 / N )] = variabilidade entre os grupos(3.11) Todos grupos ∑X i = soma dos dados em cada grupo n i = número de dados de cada grupo i = 1, 2, 3, ..., k = número de grupos ( ∑X i ) 2 = quadrado da soma dos dados em cada grupo SSW = ∑ [ ∑X i 2 – ( ∑X i ) 2 / n i )] = variabilidade dentro dos grupos (3.12) MSBET = SSBET / k – 1 = variância entre os grupos (3.13) MSW = SSW / N – k = variância dentro dos grupos (3.14) Todos grupos k – 1 = grau de liberdade entre os grupos N – k = grau de liberdade dentro dos grupos 77 F = MSBET / MSW (3.15) A distribuição dos valores de F que estabelecem se há ou não diferença significativa entre as médias dos grupos, para os níveis de significância α = 0,05 e α = 0,01, estão tabelados em Brase e Brase (1995) em função dos graus de liberdade do numerador e do denominador, para serem comparados com valores de F calculados. Se o valor de F calculado for maior que o tabelado existe uma diferença significativa entre as médias dos grupos (Brase e Brase, 1995). 78 CAPÍTULO 4 RESULTADOS Com base na metodologia descrita no capítulo 3 foram gerados e tabelados, para cada uma das 1728 regiões, os seguintes parâmetros característicos dos relâmpagos: a quantidade total de relâmpagos, a quantidade de relâmpagos positivos, a quantidade de relâmpagos negativos, os percentuais de polaridade negativa e positiva, os percentuais de multiplicidade, os percentuais de relâmpagos negativos e positivos com a primeira descarga mais intensa, a intensidade de corrente média dos relâmpagos negativos, a intensidade de corrente média dos relâmpagos positivos, a intensidade de corrente máxima dos relâmpagos negativos e a intensidade de corrente máxima dos relâmpagos positivos. Com esses dados foram construídos gráficos, dos parâmetros característicos dos relâmpagos em função da altitude e do tipo de solo, para a análise do comportamento desses parâmetros em relação a essas variáveis geográficas. Com o intuito de facilitar a visualização das características geográficas relevantes relacionadas com a atividade dos relâmpagos, foram construídos gráficos da distribuição geográfica da altitude, do número de relâmpagos e da intensidade da corrente média dos mesmos, com a aplicação do software Grads. É oportuno esclarecer que o número de relâmpagos não foi corrigido pela eficiência do sistema de detecção. Em seguida, com a aplicação desse mesmo software, foi realizado um estudo complementar de alguns parâmetros meteorológicos para fundamentar com base científica a interpretação da distribuição geográfica da atividade de relâmpagos na região de estudo. Os dados obtidos também foram analisados nas regiões onde se localizam as cidades industrializadas de Belo Horizonte e Contagem, para pesquisar alguma evidência da influência de centros urbanos sobre os relâmpagos. A seguir são apresentados os resultados de maior importância científica e discutidos no próximo capítulo. 79 4.1 - Influência da altitude sobre os relâmpagos A distribuição geográfica das altitudes do relevo da região de estudo está apresentada nas Figuras 4.1 e 4.2, onde se observam três regiões de altitudes elevadas com valores superiores a 900 metros, sendo uma delas a sudoeste na Serra da Canastra e as outras duas ao sul e a nordeste, ambas situadas na Serra do Espinhaço. A distribuição do número total de relâmpagos sobre essa topografia é mostrada na Figura 4.3, apresentando duas regiões ao sul onde a quantidade de relâmpagos assume valores elevados, com máximos superiores a 2200 relâmpagos, indicando duas regiões de máxima atividade de relâmpagos, sendo uma a sudeste e outra a sudoeste, dentro da região de estudo. Comparando-se a distribuição geográfica da altitude com a distribuição geográfica do número total de relâmpagos, verifica-se ao sul da região de estudo duas regiões de maior atividade de relâmpagos próximas a duas regiões de altitudes elevadas com valores superiores a 1100 metros. Esse fato parece indicar que a altitude exerce forte influência sobre o número de relâmpagos e que a topografia atua como um dos agentes moduladores da atividade de relâmpagos. Porém, nota-se curiosamente a nordeste uma região de altitudes elevadas, superiores a 1100 metros, com baixa atividade de relâmpagos, com valores abaixo de 800 relâmpagos, chamada de região 4. Esse comportamento diferenciado da quantidade de relâmpagos com a altitude da região 4 em relação as outras duas de altitudes elevadas, mostra que a altitude é um fator que exerce influencia na atividade de relâmpagos, mas não de forma predominante ou independente. O modo como a altitude influencia a atividade de relâmpagos é discutida no próximo capítulo com base na literatura científica e complementada com um estudo sobre a influência de parâmetros meteorológicos, que predominam nessas regiões e também atuam como fatores moduladores da atividade de relâmpagos em conjunto com a altitude. 80 FIGURA. 4.1 – Região de estudo com destaque do relevo. FIGURA. 4.2 – Distribuição geográfica da altitude. 81 FIGURA 4.3 – Distribuição geográfica do número total de relâmpagos. Como o número total de relâmpagos inclui relâmpagos de polaridade negativa e positiva é interessante observar a distribuição geográfica dos relâmpagos negativos e positivos nas Figuras 4.4 e 4.5, para verificar se há predominância de alguma das polaridades nas regiões de maior atividade de relâmpagos e investigar a justificativa desse comportamento. Pela distribuição geográfica do número de relâmpagos negativos, Figura 4.4, observa-se que a maior quantidade de relâmpagos negativos ocorre ao sul da região de estudo, sendo a maior predominância de relâmpagos negativos a sudeste, com valores máximos superiores a 1800 relâmpagos, onde a atividade de relâmpagos é maior. Já os valores mínimos abaixo de 600 relâmpagos abrangem uma vasta área ao norte e principalmente a nordeste da região de estudo. Em relação à polaridade positiva nota-se, curiosamente na figura 4.5, que o número de relâmpagos positivos é menor a sudeste, onde a atividade de relâmpagos negativos é maior, possivelmente devido a efeitos regionais relacionados com a presença de centros urbanos e da poluição. Por outro lado, a predominância 82 FIGURA. 4.4 – Distribuição geográfica do número de relâmpagos negativos. FIGURA. 4.5 – Distribuição geográfica do número de relâmpagos positivos. 83 de relâmpagos positivos a sudoeste da região de estudo, pode indicar que a atividade de relâmpagos está sujeita a influências regionais, possivelmente relacionadas com o tipo de tempestade ou ainda com o transporte de aerossóis devido a queimadas nas regiões vizinhas, capazes de interferirem na microfísica das nuvens e na separação de cargas dentro da nuvem. A distribuição geográfica da porcentagem de relâmpagos negativos, apresentada na Figura 4.6, mostra uma altíssima porcentagem de relâmpagos negativos a sudeste, que coincide com a região de máxima atividade de relâmpagos negativos. Ao contrário, a distribuição geográfica da porcentagem de relâmpagos positivos, apresentada na Figura 4.7, mostra uma baixa porcentagem de relâmpagos positivos a sudeste. Outro resultado interessante diz respeito às intensidades de correntes médias dos relâmpagos negativos e positivos, observados nas Figuras 4.8 e 4.9, que mostram as distribuições geográficas desses parâmetros. Nota-se que tanto as intensidades das correntes médias dos relâmpagos negativos como as dos positivos assumem maiores valores nas regiões de menor atividade de relâmpagos, as quais abrangem grande área ao norte, noroeste e nordeste da região de estudo. Esse resultado parece indicar que em regiões com baixa atividade de relâmpagos as intensidades de correntes médias dos relâmpagos são mais elevadas em comparação com aquelas de maior atividade de relâmpagos. Os valores mínimos e máximos das intensidades de correntes negativas médias variam em torno de 33 kA a 60 kA, enquanto que as intensidades de correntes médias positivas variam, respectivamente, em torno de 26 kA a 38 kA. Esses valores de intensidades de correntes são discutidos no próximo capítulo com base no estudo do desempenho do sistema de detecção realizado por Naccarato (2001). Em continuidade ao estudo são apresentados gráficos com as respectivas curvas de tendência e coeficientes de correlação existentes entre a altitude e os vários parâmetros característicos dos relâmpagos, que confirmam e complementam os resultados observados. 84 FIGURA 4.6-Distribuição geográfica da porcentagem de relâmpagos negativos. FIGURA 4.7- Distribuição geográfica da porcentagem de relâmpagos positivos. 85 FIGURA 4.8-Distribuição geográfica da intensidade de corrente negativa média. FIGURA 4.9- Distribuição geográfica da intensidade de corrente positiva média. 86 De modo geral, na região de estudo constatou-se uma correlação entre a altitude e a quantidade de relâmpagos, havendo aumento do número total de relâmpagos com o aumento da altitude, apresentado no gráfico da Figura 4.10. Nele nota-se, também, uma discrepância em altas altitudes caracterizada por valores máximos e mínimos de relâmpagos numa mesma faixa de altitude. Esse fato é devido à influência do comportamento atípico principalmente das 144 pequenas regiões que compõem a região 4, localizadas a nordeste da região em estudo, nas quais a influência da altitude sobre os relâmpagos não se manifesta de forma acentuada. Devido à atipicidade dessa região foi conveniente excluir a região 4 para não mascarar os resultados da correlação da altitude com os parâmetros característicos dos relâmpagos. Nota-se na Figura 4.11, que excluída a região 4, ocorre um aumento significativo no valor do fator de correlação entre a altitude e o número de relâmpagos negativos, mostrando que a altitude exerce influência sobre o número de relâmpagos negativos, não acontecendo o mesmo em relação ao número de relâmpagos positivos, como mostra a Figura 4.12. Observa-se, ainda, no gráfico da Figura 4.13, uma correlação entre a diminuição da porcentagem de relâmpagos positivos e o aumento do número total de relâmpagos. Em relação à influência da altitude sobre a intensidade da corrente média dos relâmpagos, os gráficos das Figuras 4.14 e 4.15 mostram que existe uma diminuição da intensidade da corrente média negativa e positiva com o aumento da altitude, caracterizada pelo fator de correlação entre esses parâmetros. Já para a intensidade de corrente média positiva essa correlação é menos expressiva, sendo a influência da altitude menos acentuada. Os resultados apresentados sugerem que além da topografia do relevo outros fatores podem estar influenciando a atividade de relâmpagos. É provável que um estudo dos parâmetros meteorológicos em escala sinótica, dos tipos de solo e da presença de centros urbanos, possa justificar o comportamento diferenciado da atividade de relâmpagos. Com esse intuito, foi estudada a influência desses outros fatores sobre os relâmpagos, sendo apresentados em seguida. 87 ALTITUDE X NÚMERO TOTAL DE RELÂMPAGOS NÚMERO TOTAL DE RELÂMPAGOS 3.500 3.000 2.500 2.000 y = 0,6363x + 552,13 R2 = 0,0629 1.500 R=0,25 1.000 500 0 0 200 400 600 800 1.000 1.200 1.400 1.600 ALTITUDE (m) número total de relâmpagos Linear (número total de relâmpagos) FIGURA 4.10 - Gráfico da altitude x número total de relâmpagos. ALTITUDE X NÚMERO DE RELÂMPAGOS NEGATIVOS EXCLUÍDA REGIÃO 4 NÚMERO DE RELÂMPAGOS NEGATIVOS 3.000 2.500 2.000 y = 0,909x + 36,908 2 R = 0,2076 1.500 R=0,46 1.000 500 0 0 200 400 600 800 1.000 1.200 1.400 ALTITUDE (m) número de relâmpagos negativos Linear (número de relâmpagos negativos) FIGURA 4.11 - Gráfico da altitude x número de relâmpagos excluída região 4. 88 1.600 ALTITUDE X NÚMERO DE RELÂMPAGOS POSITIVOS 1.000 800 600 y = 0,004x + 329,15 R2 = 3E-05 400 R=0,005 200 0 0 200 400 600 800 1.000 1.200 1.400 1.600 ALTITUDE (m) número de relâmpagos positivos Linear (número de relâmpagos positivos) FIGURA 4.12 - Gráfico da altitude x número de relâmpagos positivos. PORCENTAGEM DE RELÂMPAGOS POSITIVOS X NÚMERO TOTAL DE RELÂMPAGOS PORCENTAGEM DE RELÂMPAGOS POSITIVOS NÚMERO DE RELÂMPAGOS POSITIVOS 1.200 60,0 50,0 40,0 30,0 y = -0,0064x + 38,7 2 R = 0,1621 20,0 R = 0,40 10,0 0,0 0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 NÚMERO TOTAL DE RELÂMPAGOS FIGURA 4.13 - Gráfico da porcentagem de relâmpagos positivos x número total de relâmpagos. 89 80,0 70,0 60,0 50,0 40,0 y = -0,0319x + 71,325 R2 = 0,404 30,0 R=0,64 20,0 200 400 600 800 1.000 1.200 1.400 1.600 ALTITUDE (m) intensidade de corrente negativa média (kA) Linear (intensidade de corrente negativa média (kA)) FIGURA 4.14 - Gráfico da altitude x intensidade de corrente negativa excluída região 4. INTENSIDADE DE CORRENTE POSITIVA MÉDIA (kA) INTENSIDADE DE CORRENTE NEGATIVA MÉDIA (kA) ALTITUDE X INTENSIDADE DE CORRENTE NEGATIVA MÉDIA EXCLUÍDA REGIÃO 4 ALTITUDE X INTENSIDADE DE CORRENTE POSITIVA MÉDIA EXCLUÍDA REGIÃO 4 50,0 45,0 40,0 35,0 y = -0,0061x + 35,208 R2 = 0,1511 30,0 R=0,39 25,0 20,0 200 400 600 800 1.000 1.200 1.400 ALTITUDE (m) intensidade de corrente positiva média (kA) Linear (intensidade de corrente positiva média (kA)) FIGURA 4.15 - Gráfico da altitude x intensidade de corrente positiva excluída região 4. 90 1.600 4.2 - Influência do tipo de solo sobre os relâmpagos O objetivo deste estudo limita-se a investigar se dentre os treze tipos de solos diferentes, predominantes em 1728 pequenas regiões dentro da região de estudo, ocorre alguma influência de um determinado tipo de solo sobre os parâmetros característicos dos relâmpagos. No caso de algum tipo de solo manifestar alguma influência sobre algum dos parâmetros característicos dos relâmpagos, será proposto como trabalho futuro a análise de parâmetros geológicos relacionados com as propriedades físicas e químicas do tipo de solo que possam justificar os resultados. Os parâmetros característicos dos relâmpagos relativos a quantidade total de relâmpagos, a quantidade de relâmpagos positivos e negativos, os percentuais de polaridade negativa e positiva, os percentuais de multiplicidade, os percentuais de relâmpagos negativos e positivos com a primeira descarga mais intensa, a intensidade de corrente média dos relâmpagos negativos e dos positivos, a intensidade de corrente máxima dos relâmpagos negativos e positivos, foram analisados e os resultados de maior relevância científica estão apresentados a seguir e discutidos no próximo capítulo. Para a obtenção dos resultados deste estudo, foi necessário trabalhar com as médias dos valores desses parâmetros, por unidade de área de 9 km x 9 km, de todas as regiões que apresentam o mesmo tipo de solo predominante. Inicialmente, o gráfico da Figura 4.16, apresenta o número de regiões correspondente a cada tipo de solo, dando uma idéia dos tipos de solos que mais predominam dentro da região de estudo. Os resultados desse estudo indicam, que dos treze tipos de solo, somente o tipo de solo latossolo ferrífero (LFE) apresentou alguma evidência de influência sobre o número médio de relâmpagos negativos. O tipo de solo latossolo ferrífero, predominante em onze regiões, apresenta número médio de relâmpagos negativos superior aos outros tipos de solo, mostrado na Figura 4.17, onde se verifica um aumento superior 91 ao dobro do valor do desvio padrão dessa grandeza. Aplicado o teste estatístico F, foi constatado que esse aumento no número médio de relâmpagos negativos é um resultado significativo com um nível de confiança de 1%. Por outro lado, verificou-se que os tipos de solos não exercem influência significativa sobre o número médio de relâmpagos positivos, sendo confirmado pela Figura 4.18. Como conseqüência do número elevado de relâmpagos negativos nas regiões onde predominam o tipo de solo latossolo ferrífero, verifica-se também um aumento estatisticamente significativo no número médio total de relâmpagos, (relâmpagos negativos e positivos), mostrado na Figura 4.19. Em relação aos outros parâmetros característicos dos relâmpagos não foi constatada nenhuma outra evidência significativa da influência do tipo de solo sobre os relâmpagos, e alguns deles são apresentados nos gráficos das Figuras 4.20, 4.21, 4.22 e 4.23. TIPOS DE SOLOS X NÚMERO DE REGIÕES 600 530 NÚMERO DE REGIÕES 500 416 400 300 266 200 160 132 125 100 16 10 AFR ALU 3 11 GLEI LFE 6 36 17 0 CAM LIT LRO LUN LVA LVE PVA TIPOS DE SOLOS FIGURA 4.16 - Tipos de solos x número de regiões. 92 PVE REP TIPOS DE SOLOS X NÚMERO MÉDIO DE RELÂMPAGOS NEGATIVOS 1.703 1.700 1.600 1.500 Valor Médio = 780 Desvio Padrão = 311 1.400 1.300 1.200 1.100 1.000 900 812 907 855 857 778 800 766 685 700 514 463 500 647 590 559 600 400 300 200 100 0 AFR ALU CAM GLEI LFE LIT LRO LUN LVA LVE PVA PVE REP TIPOS DE SOLOS FIGURA 4.17 - Tipos de solos x número médio de relâmpagos negativos por unidade de área. TIPOS DE SOLOS X NÚMERO MÉDIO DE RELÂMPAGOS POSITIVOS NÚMERO MÉDIO DE RELÂMPAGOS POSITIVOS NÚMERO MÉDIO DE RELÂMPAGOS NEGATIVOS 1.800 Valor Médio = 335 Desvio Padrão = 62 500 453 450 407 400 407 369 366 335 350 310 299 250 301 314 283 300 272 234 200 150 100 50 0 AFR ALU CAM GLEI LFE LIT LRO LUN LVA LVE PVA PVE REP TIPOS DE SOLOS FIGURA 4.18 - Tipos de solos x número médio de relâmpagos positivos por unidade de área. 93 TIPOS DE SOLOS X NÚMERO MÉDIO TOTAL DE RELÂMPAGOS NÚMERO MÉDIO TOTAL DE RELÂMPAGOS 2.400 2.200 2.110 2.000 Valor Médio = 1.114 Desvio Padrão = 354 1.800 1.600 1.361 1.400 1.262 1.182 1.200 1.167 1.144 1.067 1.020 961 1.000 793 762 AFR ALU 800 862 797 600 400 200 0 CAM GLEI LFE LIT LRO LUN LVA LVE PVA PVE REP TIPOS DE SOLOS FIGURA 4.19 - Tipos de solos x número médio total de relâmpagos por unidade de área. INTENSIDADE DE CORRENTE NEGATIVA MÉDIA (kA) TIPOS DE SOLOS X INTENSIDADE DE CORRENTE NEGATIVA MÉDIA 60,0 Valor Médio = 44,2 Desvio Padrão = 3,1 50,0 49,7 47,8 44,1 42,4 40,3 48,1 45,2 43,4 40,9 45,9 44,7 41,0 40,8 40,0 30,0 20,0 10,0 0,0 AFR ALU CAM GLEI LFE LIT LRO LUN LVA LVE PVA PVE REP TIPOS DE SOLOS FIGURA 4.20 - Tipos de solos x intensidade de corrente negativa média dos relâmpagos por unidade de área. 94 TIPOS DE SOLOS X INTENSIDADE DE CORRENTE POSITIVA MÉDIA INTENSIDADE DE CORRENTE POSITIVA MÉDIA (kA) 32,0 Valor Médio = 29,9 Desvio Padrão = 0,6 31,0 30,8 30,8 PVE REP 30,7 30,2 30,1 30,0 29,9 30,0 29,8 29,7 29,5 29,5 29,1 28,9 29,0 28,0 AFR ALU CAM GLEI LFE LIT LRO LUN LVA LVE PVA TIPOS DE SOLOS FIGURA 4.21 - Tipos de solos x intensidade de corrente positiva média dos relâmpagos por unidade de área. INTENSIDADE DE CORRENTE NEGATIVA MÁXIMA (kA) TIPOS DE SOLOS X INTENSIDADE DE CORRENTE NEGATIVA MÁXIMA 350,0 Valor Médio = 258,5 Desvio Padrão = 29,2 322,3 294,5 290,0 300,0 259,2 243,9 250,0 225,6 227,2 AFR ALU 233,5 228,6 LFE LIT 266,0 255,1 260,9 253,6 200,0 150,0 100,0 50,0 0,0 CAM GLEI LRO LUN LVA LVE PVA PVE REP TIPOS DE SOLOS FIGURA 4.22 - Tipos de solos x intensidade de corrente negativa máxima dos relâmpagos por unidade de área. 95 INTENSIDADE DE CORRENTE POSITIVA MÁXIMA (kA) TIPOS DE SOLOS X INTENSIDADE DE CORRENTE POSITIVA MÁXIMA 250,0 Valor Médio = 169,6 Desvio Padrão = 19,4 200,0 186,4 203,0 194,6 181,3 175,6 162,4 150,0 148,3 168,4 157,9 154,1 176,5 162,7 133,2 100,0 50,0 0,0 AFR ALU CAM GLEI LFE LIT LRO LUN LVA LVE PVA PVE REP TIPOS DE SOLOS FIGURA 4.23 - Tipos de solos x intensidade de corrente positiva máxima dos relâmpagos por unidade de área. A influência do tipo de solo sobre os relâmpagos também foi estudada por faixas de altitude: de 500 m a 750 m, de 750 m a 1.000 m e de 1.000 m a 1.250 m. Para isso, as 1728 regiões foram separadas tanto por faixas de altitude como por tipo de solo predominante. O objetivo dessa análise é verificar se há influência de diferentes tipos de solos sobre os relâmpagos em faixas de altitudes diferentes, visto que duas das três faixas de altitude não contemplam todos os treze tipos de solo. Na faixa de 500 m a 750 m de altitude, onde não há regiões com os tipos de solo latossolo ferrífero, afloramento rochoso, aluviais, latossolo roxo e latossolo una, Figura 4.24, não foi observada nenhuma evidência significativa da influência de nenhum desses solos sobre os parâmetros característicos dos relâmpagos, como mostram as Figuras 4.25, 4.26, 4.27, 4.28, 4.29, 4.30 e 4.31. 96 TIPOS DE SOLOS X NÚMERO DE REGIÕES ALTITUDE: 500 A 750 METROS 250 209 151 150 100 73 41 50 29 20 13 1 0 CAM GLEI LIT LVA LVE PVA PVE REP TIPOS DE SOLOS FIGURA 4.24 - Tipos de solos x número de regiões na faixa de altitude de 500 a 750 metros. TIPOS DE SOLOS X NÚMERO MÉDIO DE RELÂMPAGOS NEGATIVOS ALTITUDE: 500 A 750 METROS 900 780 800 NÚMERO MÉDIO DE RELÂMPAGOS NEGATIVOS NÚMERO DE REGIÕES 200 Valor Médio = 611 Desvio Padrão = 111 764 700 631 613 600 568 543 507 483 500 400 300 200 100 0 CAM GLEI LIT LVA LVE PVA PVE REP TIPOS DE SOLOS FIGURA 4.25 - Tipos de solos x número médio de relâmpagos negativos por unidade de área, na faixa de altitude de 500 a 750 metros. 97 TIPOS DE SOLOS X NÚMERO MÉDIO DE RELÂMPAGOS POSITIVOS ALTITUDE: 500 A 750 METROS NÚMERO MÉDIO DE RELÂMPAGOS POSITIVOS 450 Valor Médio = 302 Desvio Padrão = 59 399 400 350 341 340 303 301 300 269 260 250 206 200 150 100 50 0 CAM GLEI LIT LVA LVE PVA PVE REP TIPOS DE SOLOS FIGURA 4.26 - Tipos de solos x número médio de relâmpagos positivos por unidade de área, na faixa de altitude de 500 a 750 metros. TIPOS DE SOLOS X NÚMERO MÉDIO TOTAL DE RELÂMPAGOS ALTITUDE: 500 A 750 METROS NÚMERO MÉDIO TOTAL DE RELÂMPAGOS 1400 Valor Médio = 913 Desvio Padrão = 162 1179 1200 1067 1000 971 953 869 812 767 800 690 600 400 200 0 CAM GLEI LIT LVA LVE PVA PVE REP TIPOS DE SOLOS FIGURA 4.27 - Tipos de solos x número médio total de relâmpagos por unidade de área, na faixa de altitude de 500 a 750 metros. 98 INTENSIDADE DE CORRENTE NEGATIVA MÉDIA (kA) TIPOS DE SOLOS X INTENSIDADE DE CORRENTE NEGATIVA MÉDIA ALTITUDE: 500 A 750 METROS 60,0 55,1 54,8 Valor Médio = 50,0 Desvio Padrão = 4,7 52,9 53,2 PVE REP 49,3 50,0 47,0 44,8 42,7 40,0 30,0 20,0 10,0 0,0 CAM GLEI LIT LVA LVE PVA TIPOS DE SOLOS FIGURA 4.28 - Tipos de solos x intensidade de corrente negativa média por unidade de área, na faixa de altitude de 500 a 750 metros. TIPOS DE SOLOS X INTENSIDADE DE CORRENTE POSITIVA MÉDIA ALTITUDE: 500 A 750 METROS INTENSIDADE DE CORRENTE POSITIVA MÉDIA (kA) 34,0 Valor Médio = 31,1 Desvio Padrão = 1,4 32,9 33,0 32,3 32,2 32,0 31,7 30,9 31,0 30,5 30,0 29,6 28,8 29,0 28,0 CAM GLEI LIT LVA LVE PVA PVE REP TIPOS DE SOLOS FIGURA 4.29 - Tipos de solos x intensidade de corrente positiva média por unidade de área, na faixa de altitude de 500 a 750 metros. 99 TIPOS DE SOLOS X INTENSIDADE DE CORRENTE NEGATIVA MÁXIMA ALTITUDE: 500 A 750 METROS INTENSIDADE DE CORRENTE NEGATIVA MÁXIMA (kA) 400,0 350,0 Valor Médio = 288,1 Desvio Padrão = 25,3 333,4 309,5 300,0 298,7 292,5 278,5 263,1 268,6 260,9 250,0 200,0 150,0 100,0 50,0 0,0 CAM GLEI LIT LVA LVE PVA PVE REP TIPOS DE SOLOS FIGURA 4.30 - Tipos de solos x intensidade de corrente negativa unidade de área, na faixa de altitude de 500 a 750 INTENSIDADE DE CORRENTE POSITIVA MÁXIMA (kA) TIPOS DE SOLOS X INTENSIDADE DE CORRENTE POSITIVA MÁXIMA ALTITUDE: 500 A 750 METROS 250,0 Valor Médio = 176,2 Desvio Padrão = 15,2 200,0 185,9 192,0 189,8 187,5 179,0 157,0 156,7 LIT LVA 161,8 150,0 100,0 50,0 0,0 CAM GLEI LVE PVA PVE REP TIPOS DE SOLOS FIGURA 4.31 - Tipos de solos x intensidade de corrente positiva máxima por unidade de área, na faixa de altitude de 500 a 750 metros. 100 Tanto na faixa de altitude de 750 m a 1.000 m, onde existem os treze tipos de solo, Figura 4.32, como na faixa de altitude de 1.000 m a 1.250 m, onde não há regiões com tipos de solo glei húmico, latossolo amarelo e represa, Figura 4.33, o número médio de relâmpagos negativos foi bem maior nas regiões onde há predominância do tipo de solo latossolo ferrífero, com um aumento superior ao dobro do desvio padrão dessa grandeza, como pode ser visto nas Figuras 4.34 e 4.35. Feita uma análise estatística desses resultados com a aplicação do teste F, foi constatado que, tanto na faixa de altitude de 750 m a 1.000 m como na faixa de altitude de 1.000 m a 1.250 m, há um aumento do número médio de relâmpagos negativos, aparentando existir uma influência do tipo de solo latossolo ferrífero sobre o número médio de relâmpagos negativos com nível de confiança de 1%. Conseqüentemente o mesmo resultado se repete quanto ao número médio total de relâmpagos apresentado nas Figuras 4.36 e 4.37. TIPOS DE SOLOS X NÚMERO DE REGIÕES ALTITUDE: 750 A 1.000 METROS 250 235 226 NÚMERO DE REGIÕES 200 150 135 110 100 83 77 50 9 7 AFR ALU 2 16 14 6 4 0 CAM GLEI LFE LIT LRO LUN LVA LVE PVA PVE REP TIPOS DE SOLOS FIGURA 4.32 - Tipos de solos x número de regiões na faixa de altitude de 750 a 1.000 metros. 101 TIPOS DE SOLOS X NÚMERO DE REGIÕES ALTITUDE: 1.000 A 1.250 METROS 100 92 90 NÚMERO DE REGIÕES 80 70 60 56 50 40 35 29 30 21 20 7 10 7 5 3 2 3 LRO LUN 0 AFR ALU CAM LFE LIT LVA LVE PVA PVE TIPOS DE SOLOS FIGURA 4.33 - Tipos de solos x número de regiões na faixa de altitude de 1.000 a 1.250 metros. TIPOS DE SOLOS X NÚMERO MÉDIO DE RELÂMPAGOS NEGATIVOS ALTITUDE: 750 A 1.000 METROS NÚMERO MÉDIO DE RELÂMPAGOS NEGATIVOS 1.800 1.667 1.600 Valor Médio = 812 Desvio Padrão = 288 1.400 1.200 1.000 855 941 893 823 784 800 794 733 638 679 695 PVE REP 568 600 486 400 200 0 AFR ALU CAM GLEI LFE LIT LRO LUN LVA LVE PVA TIPOS DE SOLOS FIGURA 4.34 - Tipos de solos x número médio de relâmpagos negativos por unidade de área, na faixa de altitude de 750 a 1.000 metros. 102 TIPOS DE SOLOS X NÚMERO MÉDIO DE RELÂMPAGOS NEGATIVOS ALTITUDE: 1.000 a 1.250 METROS NÚMERO MÉDIO DE RELÂMPAGOS NEGATIVOS 2000 1746 1800 Valor Médio = 834 Desvio Padrão = 389 1600 1400 1200 1118 1062 1000 765 800 890 897 PVA PVE 748 678 600 457 411 404 400 200 0 AFR ALU CAM LFE LIT LRO LUN LVA LVE TIPOS DE SOLOS FIGURA 4.35 - Tipos de solos x número médio de relâmpagos negativos por unidade de área, na faixa de altitude de 1.000 a 1.250 metros. TIPOS DE SOLOS X NÚMERO MÉDIO TOTAL DE RELÂMPAGOS ALTITUDE: 750 A 1.000 METROS NÚMERO MÉDIO TOTAL DE RELÂMPAGOS 2.500 2.081 Valor Médio = 1.160 Desvio Padrão = 327 2.000 1.500 1.401 1.256 1.304 1.167 1.000 891 1.139 1.071 1.101 1.016 982 885 790 500 0 AFR ALU CAM GLEI LFE LIT LRO LUN LVA LVE PVA PVE REP TIPOS DE SOLOS FIGURA 4.36 - Tipos de solos x número médio total de relâmpagos por unidade de área, na faixa de altitude de 750 a 1.000 metros. 103 TIPOS DE SOLOS X NÚMERO MÉDIO TOTAL DE RELÂMPAGOS ALTITUDE: 1.000 A 1.250 METROS NÚMERO MÉDIO TOTAL DE RELÂMPAGOS 2500 2145 Valor Médio = 1.147 Desvio Padrão = 435 2000 1478 1500 1371 1098 1173 1162 1230 956 1000 668 698 AFR ALU 638 500 0 CAM LFE LIT LRO LUN LVA LVE PVA PVE TIPOS DE SOLOS FIGURA 4.37 - Tipos de solos x número médio total de relâmpagos por unidade de área, na faixa de altitude de 1.000 a 1.250 metros. Dessa forma o estudo estatístico dos resultados apontou uma influência significativa, com nível de confiança de 1%, do tipo de solo latossolo ferrífero sobre o número médio de relâmpagos negativos em duas das três faixas de altitude. Além dessa, não houve nenhuma outra evidência significativa da influência dos outros tipos de solo sobre os demais parâmetros característicos dos relâmpagos. As variações dos valores desses diversos parâmetros em relação aos seus valores médios não foram de relevância estatística, apresentando valores próximos dos limites dos seus respectivos desvios padrões, como pode ser visto nas Figuras 4.38, 4.39, 4.40, 4.41, 4.42, 4.43, 4.44, 4.45, 4.46 e 4.47. Estes resultados apresentados a respeito da influência do solo sobre os relâmpagos estão discutidos no próximo capítulo em conjunto com outros aspectos geográficos que atuam simultaneamente nessa região de estudo. 104 TIPOS DE SOLOS X NÚMERO MÉDIO DE RELÂMPAGOS POSITIVOS ALTITUDE: 750 A 1.000 METROS 500 NÚMERO MÉDIO DE RELÂMPAGOS POSITIVOS 460 Valor Médio = 348 Desvio Padrão = 60 450 413 411 401 400 382 338 350 317 304 337 316 306 287 300 253 250 200 150 100 50 0 AFR ALU CAM GLEI LFE LIT LRO LUN LVA LVE PVA PVE REP TIPOS DE SOLOS FIGURA 4.38 - Tipos de solos x número médio de relâmpagos positivos por unidade de área, na faixa de altitude de 750 a 1.000 metros. TIPOS DE SOLOS X NÚMERO MÉDIO DE RELÂMPAGOS POSITIVOS ALTITUDE: 1.000 a 1.250 METROS NÚMERO MÉDIO DE RELÂMPAGOS POSITIVOS 450 Valor Médio = 313 Desvio Padrão = 66 425 399 400 361 350 333 333 309 287 300 250 278 272 LVE PVA 234 211 200 150 100 50 0 AFR ALU CAM LFE LIT LRO LUN LVA PVE TIPOS DE SOLOS FIGURA 4.39 - Tipos de solos x número médio de relâmpagos positivos por unidade de área, na faixa de altitude de 1.000 a 1.250 metros. 105 TIPOS DE SOLOS X INTENSIDADE DE CORRENTE NEGATIVA MÉDIA ALTITUDE: 750 A 1.000 METROS INTENSIDADE DE CORRENTE NEGATIVA MÉDIA (kA) 60,0 Valor Médio = 42,8 Desvio Padrão = 3,4 49,7 50,0 46,1 42,1 40,0 46,2 45,3 44,5 42,5 42,0 41,2 40,5 40,1 39,6 36,8 30,0 20,0 10,0 0,0 AFR ALU CAM GLEI LFE LIT LRO LUN LVA LVE PVA PVE REP TIPOS DE SOLOS FIGURA 4.40 - Tipos de solos x intensidade de corrente negativa média por unidade de área, na faixa de altitude de 750 a 1.000 metros. TIPOS DE SOLOS X INTENSIDADE DE CORRENTE NEGATIVA MÉDIA ALTITUDE: 1.000 A 1.250 METROS INTENSIDADE DE CORRENTE NEGATIVA MÉDIA (kA) 60,0 Valor Médio = 41,0 Desvio Padrão = 3,6 49,7 50,0 44,8 41,2 40,0 42,3 39,6 39,5 39,6 39,3 36,6 41,1 37,8 30,0 20,0 10,0 0,0 AFR ALU CAM LFE LIT LRO LUN LVA LVE PVA PVE TIPOS DE SOLOS FIGURA 4.41 - Tipos de solos x intensidade de corrente negativa média por unidade de área, na faixa de altitude de 1.000 a 1.250 metros. 106 TIPOS DE SOLOS X INTENSIDADE DE CORRENTE POSITIVA MÉDIA ALTITUDE: 750 A 1.000 METROS INTENSIDADE DE CORRENTE POSITIVA MÉDIA (kA) 32,0 Valor Médio = 29,6 Desvio Padrão = 0,6 31,0 30,5 30,5 30,5 30,2 30,0 29,8 29,6 29,6 29,6 29,3 29,0 29,0 29,0 29,0 28,8 28,0 AFR ALU CAM GLEI LFE LIT LRO LUN LVA LVE PVA PVE REP TIPOS DE SOLOS FIGURA 4.42 - Tipos de solos x intensidade de corrente positiva média por unidade de área, na faixa de altitude de 750 a 1.000 metros. TIPOS DE SOLOS X INTENSIDADE DE CORRENTE POSITIVA MÉDIA ALTITUDE: 1.000 A 1.250 METROS INTENSIDADE DE CORRENTE POSITIVA MÉDIA (kA) 32,0 Valor Médio = 29,4 Desvio Padrão = 0,4 31,0 30,2 30,0 30,0 29,9 29,8 29,2 29,2 29,3 29,3 29,0 29,0 28,9 29,1 28,0 AFR ALU CAM LFE LIT LRO LUN LVA LVE PVA PVE TIPOS DE SOLOS FIGURA 4.43 - Tipos de solos x intensidade de corrente positiva média por unidade de área, na faixa de altitude de 1.000 a 1.250 metros. 107 TIPOS DE SOLOS X INTENSIDADE DE CORRENTE NEGATIVA MÁXIMA ALTITUDE: 750 A 1.000 METROS INTENSIDADE DE CORRENTE NEGATIVA MÁXIMA (kA) 350,0 304,3 300,0 Valor Médio = 252,6 Desvio Padrão = 29,4 295,7 281,1 262,1 250,0 248,5 239,5 262,4 253,9 255,2 236,9 223,5 216,5 205,0 200,0 150,0 100,0 50,0 0,0 AFR ALU CAM GLEI LFE LIT LRO LUN LVA LVE PVA PVE REP TIPOS DE SOLOS FIGURA 4.44 - Tipos de solos x intensidade de corrente negativa máxima por unidade de área, na faixa de altitude de 750 a 1.000 metros. TIPOS DE SOLOS X INTENSIDADE DE CORRENTE NEGATIVA MÁXIMA ALTITUDE: 1.000 A 1.250 METROS INTENSIDADE DE CORRENTE NEGATIVA MÁXIMA (kA) 400,0 Valor Médio = 250,3 Desvio Padrão = 48,3 358,2 350,0 288,9 300,0 278,4 270,4 250,0 200,0 253,6 249,0 231,2 229,5 196,2 198,6 AFR ALU 199,8 150,0 100,0 50,0 0,0 CAM LFE LIT LRO LUN LVA LVE PVA PVE TIPOS DE SOLOS FIGURA 4.45 - Tipos de solos x intensidade de corrente negativa máxima por unidade de área, na faixa de altitude de 1.000 a 1.250 metros. 108 TIPOS DE SOLOS X INTENSIDADE DE CORRENTE POSITIVA MÁXIMA ALTITUDE: 750 A 1.000 METROS INTENSIDADE DE CORRENTE POSITIVA MÁXIMA (kA) 250,0 Valor Médio = 169,2 Desvio Padrão = 23,2 221,9 195,9 193,1 200,0 178,3 174,5 151,1 150,0 150,8 155,7 165,5 162,8 159,9 PVA PVE REP 154,2 136,5 100,0 50,0 0,0 AFR ALU CAM GLEI LFE LIT LRO LUN LVA LVE TIPOS DE SOLOS FIGURA 4.46 - Tipos de solos x intensidade de corrente positiva máxima por unidade de área, na faixa de altitude de 750 a 1.000 metros. TIPOS DE SOLOS X INTENSIDADE DE CORRENTE POSITIVA MÁXIMA ALTITUDE: 1.000 A 1.250 METROS Valor Médio = 162,9 Desvio Padrão = 16,4 INTENSIDADE DE CORRENTE POSITIVA MÁXIMA (kA) 200,0 180,0 171,7 175,9 168,6 165,2 160,0 168,4 166,9 PVA PVE 147,1 141,7 140,0 180,6 176,4 128,9 120,0 100,0 80,0 60,0 40,0 20,0 0,0 AFR ALU CAM LFE LIT LRO LUN LVA LVE TIPOS DE SOLOS FIGURA 4.47 - Tipos de solos x intensidade de corrente positiva máxima por unidade de área, na faixa de altitude de 1.000 a 1.250 metros. 109 4.3 - Influência dos Centros Urbanos sobre os Relâmpagos A região de estudo abrange uma área de aproximadamente 140.000 km2 onde estão localizadas duas cidades industrializadas, Belo Horizonte e Contagem, as quais formam uma área comurbada. A primeira, com 2.300.000 habitantes está situada nas faixas de latitudes entre 19,77° S e 20,04° S e longitudes entre 44,07° O e 43,85° O, ocupando uma área de 342 km2. A segunda, vizinha de Belo Horizonte com aproximadamente 100.000 habitantes e situada nas faixas de latitudes entre 19,80° S e 19,98° S e longitudes 44,17° O e 44,01° O, ocupa uma área de 175 km2. Para facilitar o estudo da influência dos centros urbanos sobre os relâmpagos, a região que engloba essas duas cidades foi dividida em 12 pequenas regiões de 9 km x 9 km, marcadas nas cores amarelo e verde, respectivamente, como mostra a figura 4.48. Em seguida, foram consideradas duas faixas de pequenas regiões de 9 km x 9 km, circunvizinhas a essas cidades, sendo as vinte mais próximas marcadas na cor azul e as vinte e oito mais afastadas na cor lilás, conforme figura 4.48. O estudo dos parâmetros característicos dos relâmpagos nas regiões internas das cidades em relação às regiões circunvizinhas, mostrou que o número de relâmpagos negativos é maior nas cidades e ao sul das mesmas seguindo a direção do vento, além de forte decaimento ao norte das cidades seguindo a direção do vento e regiões circunvizinhas mais afastadas. Para verificar se a quantidade de relâmpagos negativos nas regiões internas aos centros urbanos é significativamente maior do que nas duas regiões circunvizinhas, foi realizada uma análise estatística do número total médio de relâmpagos negativos das doze regiões internas aos centros urbanos com as regiões circunvizinhas nas cores azul e lilás, através da aplicação do teste z. A aplicação do teste estatístico confirmou que a quantidade média de relâmpagos negativos nas regiões internas aos centros urbanos é significativamente maior que a das outras duas regiões circunvizinhas, com um nível de confiança de 1%. 110 07067 07068 07069 07070 07071 07072 08061 08062 08063 08064 08065 08066 869 931 805 761 673 632 580 786 770 603 417 324 PVE PVE PVE PVE PVE PVE PVE PVE PVE PVE LIT LIT 07079 07080 07081 07082 07083 07084 08073 08074 08075 08076 08077 08078 470 791 706 707 796 523 635 598 688 699 511 516 PVA PVA PVA PVE PVE PVE PVE PVE PVE AFR AFR LIT 07091 07092 07093 07094 07095 07096 08085 08086 08087 08088 08089 08090 854 676 854 832 696 547 613 761 616 514 466 519 PVA PVA PVA PVA PVE PVE PVE PVE PVE AFR AFR PVA 07103 07104 07105 07106 07107 07108 08097 08098 08099 08100 08101 08102 761 613 790 1.046 873 744 649 772 643 642 517 596 LVA PVA PVA PVA PVA PVE PVE PVE PVA PVA PVA PVA 07115 07116 07117 07118 07119 07120 08109 08110 08111 08112 08113 08114 768 631 815 1.135 995 1.099 1.128 1.178 986 915 518 569 PVA PVA PVA LVA PVA PVA PVA PVA PVA PVA AFR PVA 07127 07128 07129 07130 07131 07132 08121 08122 08123 08124 08125 08126 614 623 912 1.449 1.358 1.587 2.104 1.814 1.287 945 769 846 PVA PVA PVA LVA LVA LVA PVA LFE CAM PVA AFR PVA 07139 07140 07141 07142 07143 07144 08133 08134 08135 08136 08137 08138 693 909 1.130 1.506 1.851 2.420 2.328 2.232 1.423 1.013 782 794 LVE PVA PVA LVA PVA LFE LFE CAM CAM PVA LFE LFE 11007 11008 11009 11010 11011 11012 12001 12002 12003 12004 12005 12006 1.211 1.109 1.439 1.614 1.866 2.006 1.970 1.532 1.405 1.257 1.048 874 LVE LVE PVA PVA LFE LFE CAM CAM CAM LFE CAM CAM 11019 11020 11021 11022 11023 11024 12013 12014 12015 12016 12017 12018 1.117 1.197 1.219 1.441 1.823 1.696 1.866 1.735 1.420 1.099 864 779 LVE LVE LVA CAM CAM CAM LFE CAM CAM CAM CAM AFR 11031 11032 11033 11034 11035 11036 12025 12026 12027 12028 12029 12030 943 1.148 1.152 1.532 1.685 1.883 1.968 1.821 1.308 1.111 911 920 LVE CAM LVA LVA CAM CAM LFE LIT CAM CAM AFR AFR 11043 11044 11045 11046 11047 11048 12037 12038 12039 12040 12041 12042 1.273 1.120 1.301 1.445 1.393 1.653 1.632 1.816 1.344 1.305 1.129 1.192 LVA PVE LVA LVA CAM CAM LFE CAM CAM CAM CAM AFR 11055 11056 11057 11058 11059 11060 12049 12050 12051 12052 12053 12054 1.499 1.423 1.277 1.400 1.260 1.222 1.305 1.394 1.616 1.409 1.440 1.476 PVE LVA LVA LVA LVA CAM CAM CAM CAM CAM CAM CAM FIGURA 4.48 4 48 Regiões de Minas Gerais destacando-se os municípios de Contagem (verde) e Belo Horizonte (amarelo), número de dentificação da região (negrito), número de relâmpagos negativos e respectivos tipos de solos. 111 Complementando este estudo, as distribuições geográficas dos relâmpagos negativos e positivos, apresentadas nas Figuras 4.49 e 4.50, abrangendo as mesmas regiões da Figura 4.48, mostram que o número de relâmpagos de ambas polaridades são influenciados pelos centros urbanos. De modo geral, observa-se que o número de relâmpagos de ambas polaridades é maior nas cidades e ao sul das mesmas, seguindo a direção do vento, além de forte decaimento ao norte das cidades, seguindo a direção do vento e regiões circunvizinhas mais afastadas. Em seguida, as distribuições geográficas das porcentagens de relâmpagos negativos e positivos, observadas nas Figuras 4.51 e 4.52, mostram que essas porcentagens apresentam comportamentos contrários em relação a polaridade dos relâmpagos. A porcentagem de relâmpagos positivos é mínima sobre as cidades e ao sul das mesmas seguindo a direção do vento, enquanto que a dos negativos é máxima, sendo ambas acompanhadas de forte decaimento ao norte das cidades, seguindo a direção do vento e regiões circunvizinhas mais afastadas. Em relação às intensidades de correntes médias dos relâmpagos negativos e positivos as suas distribuições geográficas, apresentadas nas Figuras 4.53 e 4.54, não revelaram nenhuma influência significativa dos centros urbanos. Portanto, a influência dos centros urbanos sobre os relâmpagos foi mais evidente sobre o aumento do número de relâmpagos negativos e a diminuição da porcentagem de relâmpagos positivos. 112 FIGURA 4.49 – Distribuição geográfica do número de relâmpagos negativos nos centros urbanos demarcados e regiões circunvizinhas. FIGURA 4.50- Distribuição geográfica do número de relâmpagos positivos nos centros urbanos demarcados e regiões circunvizinhas. 113 FIGURA 4.51 – Distribuição geográfica da porcentagem dos relâmpagos negativos nos centros urbanos demarcados e regiões circunvizinhas. FIGURA 4.52 – Distribuição geográfica da porcentagem dos relâmpagos positivos nos centros urbanos demarcados e regiões circunvizinhas. 114 FIGURA 4.53 – Distribuição geográfica da intensidade de corrente negativa média, em kA, nos centros urbanos demarcados e regiões circunvizinhas. FIGURA 4.54 – Distribuição geográfica da intensidade de corrente positiva média, em kA, nos centros urbanos demarcados e regiões circunvizinhas. 115 4.4 - Influência de aspectos meteorológicos sobre os relâmpagos Os resultados apresentados até ao momento sugerem que a meteorologia exerce, em conjunto com a topografia do relevo, uma influência significativa que precisa ser confirmada através do estudo em escala sinótica de alguns parâmetros meteorológicos. Com o intuito de explicar o comportamento diferenciado da atividade de relâmpagos, inclusive na região 4 excluída a nordeste de Minas Gerais, foram analisados alguns parâmetros meteorológicos em escala sinótica, próximo à superfície e em alto nível, como: a temperatura potencial equivalente, o campo das linhas de corrente do vento e da divergência horizontal de massa ou da divergência do fluxo de vapor d’água ou de umidade, o campo da componente vertical média da velocidade do vento e a umidade específica. Nessa análise utilizou-se médias mensais de dados de reanálise do modelo global National Centers for Environmental Prediction (NCEP) da temperatura, da umidade específica, da velocidade vertical média em coordenadas de pressão e das componentes zonal e meridional do vento. No período de 1988 a 1996, durante o intervalo de meses compreendido entre setembro e março observa-se no campo das linhas de corrente do vento em 300 hPa, Figura 4.55, a presença de uma circulação anticiclônica fortemente delineada entre a Bolívia e Rondônia, e de um cavado que se estende tanto para o sudeste como para o Oceano Atlântico a partir do nordeste do Brasil. É oportuno lembrar que essa circulação anticiclônica, chamada de Alta da Bolívia, é um fenômeno típico do verão na América do Sul que se intensifica no mês de janeiro e apresenta-se delineada neste período de setembro a março porque em média, encontra-se ativa de novembro a março. O campo da divergência horizontal de massa, de acordo com a escala de cores, mostra os locais onde há condições dinâmicas favoráveis para a ocorrência de instabilidade (valores positivos) ou convergência (valores negativos), onde as condições são desfavoráveis. Dentro deste contexto, de modo geral, o Estado de Minas Gerais é fracamente dominado por divergência, não justificando a 116 ocorrência de intensa atividade de relâmpagos na região em estudo. Nesse mesmo nível os perfis das curvas da componente vertical média da velocidade do vento, Figura 4.56, assumem valor máximo ao norte de São Paulo, a sudoeste de Minas Gerais e ao sul de Goiás, apresentando valor negativo na escala de cores e abrangendo uma área deslocada a esquerda da região de estudo. Esses aspectos são coerentes com uma situação dinâmica média meteorológica em escala sinótica, que incluem tanto os dias de tempo estável como instável ao longo dos meses de maior atividade de relâmpagos. Se o presente trabalho considerasse somente os dias em que houve atividade de relâmpagos, o panorama dinâmico nos daria uma visão melhor dos fatores meteorológicos predominantes. Com o intuito de diagnosticar forçantes próximas à superfície terrestre que poderiam contribuir para a atividade de relâmpagos, analisou-se a convergência do fluxo de vapor de água, a componente vertical média da velocidade do vento e a temperatura potencial equivalente em 850 hPa. Observou-se nesse nível, através da Figura 4.57, que a região de estudo, encontra-se sob domínio de convergência do fluxo de umidade, mas de forma não acentuada. As regiões de divergência encontram-se distribuídas principalmente no litoral do Nordeste do Brasil, enquanto que as regiões de convergência pouco acentuadas ocorrem em pequenas áreas do sudoeste de Minas Gerais, norte de São Paulo, sul de Goiás, norte do Mato Grosso, sul da Amazônia e Pará. As linhas de corrente, Figura 4.57, sugerem que o transporte de umidade na região Sudeste do Brasil, de modo geral, é proveniente do Oceano Atlântico. Em conformidade com a situação dinâmica da região, a Figura 4.58 mostra os valores dos perfis das componentes verticais médias da velocidade do vento com valores negativos, onde predomina a convergência do fluxo de umidade. 117 FIGURA 4.55 - Linhas de corrente e divergência do campo de vento, em 300 hPa, média mensal (x 105s-1), durante o período de setembro a março de 1988 a 1996. FIGURA 4.56 - Componente vertical média da velocidade do vento (hPa s-1) em 300 hPa, média mensal, durante o período de setembro a março de 1988 a 1996. 118 FIGURA 4.57 - Linhas de corrente e divergência do fluxo de vapor d’água em 850 hPa, média mensal (x 105s-1), durante o período de setembro a março de 1988 a 1996. FIGURA 4.58 - Componente vertical média da velocidade do vento (hPa s-1) em 850 hPa, média mensal, durante o período de setembro a março de 1988 a 1996. 119 Nesse mesmo nível os perfis das curvas da componente vertical média da velocidade do vento, Figura 4.58, assumem valor máximo representado na escala de cores pelo menor valor negativo, a sudoeste de Minas Gerais e ao nordeste de Goiás, abrangendo uma área deslocada à esquerda da região de estudo. No que se refere ao diagnóstico de forçantes térmicas, a temperatura potencial equivalente, θe, é utilizada para avaliar a instabilidade condicional, que é uma condição termodinâmica para ocorrer convecção nos trópicos (Holton, 1992). Desta forma valores elevados de temperatura potencial equivalente, em geral, são condições necessárias para iniciar a atividade convectiva e estão presentes na Figura 4.59, abrangendo uma ampla região com valores acima de 338 K, que afeta grande parte da região de estudo. Essa característica possibilita o transporte vertical de calor e umidade para alimentar núcleos convectivos e a convergência presente nessa região, Figura 4.57, contribui com a força necessária para a ocorrência da convecção. O gradiente de temperatura potencial equivalente observado na região de estudo delimita uma massa de ar mais quente e úmida no lado equatorial, outra relativamente fria e seca ao sul e uma outra relativamente quente e seca ao norte. Esse padrão de gradiente de temperatura potencial equivalente foi observado por Kodama (1992) e por Sanches (2002) ao longo da Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS). Assim, a análise das condições termodinâmicas e dinâmicas descritas acima para o período de setembro a março parecem estar mais fortemente influenciadas por fenômenos típicos do verão, como a presença de eventos de ZCAS, muito freqüentes e de caráter estacionário nessa estação do ano. Embora a estatística mostre que existe maior atividade de relâmpagos no período de setembro a março, nenhum estudo de longa duração foi realizado sobre as condições meteorológicas durante os meses ou dias de maior atividade de relâmpagos nem durante os eventos de ZCAS, com exceção de Faria (2002) para um período de seis meses. Um trabalho futuro comparando 120 as condições meteorológicas com os meses e dias de maior atividade de relâmpagos poderia indicar melhor a conexão existente entre as condições meteorológicas e a atividade de relâmpagos. FIGURA 4.59 - Temperatura potencial equivalente (k) em 850 hPa. Os resultados apresentados até o momento parecem indicar que o verão exerce uma influência dominante sobre o período em estudo, tanto pela presença da Alta da Bolívia predominante no verão, como pela divergência de massa e pela convergência do fluxo de umidade pouco acentuadas e ainda pelo gradiente de temperatura potencial equivalente típico em períodos de ZCAS. Diante desses argumentos considerou-se diagnosticar as condições meteorológicas especificamente para os meses do verão, dezembro, janeiro e fevereiro, ressaltando fatores atmosféricos dominantes em períodos de ZCAS, que é a situação meteorológica em escala sinótica dominante na região. 121 Neste contexto, apresenta-se a seguir uma análise da situação meteorológica em eventos envolvendo ZCAS, durante o período de estudo deste trabalho, utilizando a metodologia de composição apresentada por Sanches (2002). Considerando-se o estudo durante os verões ao longo do período de 1988 a 1996, vemos na Figura 4.60, em alto nível, 300 hPa, a presença da Alta da Bolívia bem delineada sobre a Bolívia e um vórtice ciclônico no Oceano Atlântico, próximo ao nordeste do Brasil. Observa-se que o estabelecimento desse sistema composto pela Alta da Bolívia e pelo vórtice ciclônico, com circulações contrárias, induz divergência de massa numa vasta região do Brasil, apresentando maior intensidade ao longo da direção noroeste-sudeste onde se estabelece a ZCAS. Dessa forma, a divergência horizontal de massa abrange totalmente o Estado de Minas Gerais com valores mais acentuados ao sul, mostrando que existem condições dinâmicas favoráveis em escala sinótica para a atividade de relâmpagos na região de estudo. Na baixa troposfera, 850 hPa, Figura 4.61, as áreas de convergência do fluxo de umidade, necessárias para a manutenção da convecção, estão fortemente acentuadas e compatíveis com as áreas de divergência em alto nível. Abrangem em particular quase totalmente o Estado de Minas Gerais, alcançando valor máximo ao sul representado pelo menor valor negativo na escala de cores e as linhas de corrente indicam, novamente, que o transporte de umidade para a região Sudeste do Brasil provém do Oceano Atlântico. As curvas de umidade específicas próximas à superfície terrestre, em 925 hPa, Figura 4.62, apresentam valores máximos sobre a região de estudo sugerindo que esta característica pode contribuir para a manutenção de núcleos convectivos. 122 FIGURA 4.60 - Linhas de corrente e divergência do campo de vento em 300 hPa, média mensal (x 105s-1), para o verão de 1988 a 1996. FIGURA 4.61 - Vetor vento e divergência do fluxo de vapor d’água em 850 hPa, média mensal (x 105s-1), para o verão durante o período de 1988 a 1996. 123 FIGURA 4.62 – Umidade específica em 925 hPa, média mensal, para o verão durante o período de 1988 a 1996. 124 CAPÍTULO 5 DISCUSSÕES De modo geral, sob o ponto de vista meteorológico em escala sinótica a região de estudo apresenta padrões atmosféricos termodinâmicos favoráveis à formação de nuvens convectivas, e à atividade de relâmpagos, justificando o grande número de relâmpagos detectados no período de 1988 a 1996. Cerca de dois milhões de relâmpagos com intensidade acima de 15 kA foram detectados nesse período representando uma densidade média de 2 rel/km2.ano. Na realidade o número de relâmpagos é superior a quantidade de relâmpagos detectados, pois os dados não foram corrigidos pela eficiência do sistema LPATS, estimada pelo fabricante em torno de 60% a 70%. Em particular, dentro da região de estudo observou-se que as curvas de temperatura potencial equivalente, Figura 4.59, delimitam regiões climáticas distintas ao longo da direção noroeste-sudeste. Uma delas, no lado equatorial, se manifesta quente e úmida, onde a atividade de relâmpagos é maior e outra ao norte relativamente quente e seca, onde a atividade de relâmpagos é menor. Além disso, tanto o campo da divergência horizontal de massa em alto nível, Figura 4.60, como o da convergência de fluxo de umidade próximo à superfície, Figura 4.61, mais fortemente acentuados ao sul, asseguram condições dinâmicas favoráveis para a ocorrência de instabilidade e a manutenção de núcleos convectivos. Dessa forma, essas diferenças meteorológicas e climáticas justificam o baixo número de relâmpagos detectados ao norte e principalmente a nordeste, Figuras 4.2 e 4.3, onde a influência da altitude não se manifesta devido à ausência de condições meteorológicas favoráveis à atividade convectiva. Já ao sul, o número de relâmpagos detectados é maior, pois as condições meteorológicas, climáticas e a topografia com altitudes elevadas são fatores que atuam simultaneamente para modular a atividade de relâmpagos. 125 As condições meteorológicas favorecem a convecção e a topografia exerce grande influência na formação das nuvens e na atividade de relâmpagos. A topografia atua como uma forçante mecânica local que favorece a convecção local exercendo influência sobre a quantidade de nuvens formadas e conseqüentemente sobre o número de relâmpagos, justificando o aumento da quantidade de relâmpagos com o aumento da altitude ao sul, observados nas Figuras 4.3 e 4.10. Esse resultado concorda com o estudo de Reap (1986) sobre o comportamento dos relâmpagos em função da altitude no Oeste dos Estados Unidos, durante os verões de 1983-1984, tendo constatado aumento na densidade diária de relâmpagos com o aumento da altitude. Observou-se, ainda, que a altitude exerce influência diferenciada sobre a polaridade dos relâmpagos, sendo muito acentuada sobre os relâmpagos negativos e inexistente em relação aos positivos, conforme Figuras 4.11 e 4.12, devido aos centros de cargas negativos dentro da nuvem estarem mais próximos da superfície terrestre, ao contrário dos centros de cargas positivos. No entanto, a influência da topografia não se manifesta de forma predominante em regiões onde as condições meteorológicas e climáticas são desfavoráveis à atividade de relâmpagos, sendo necessário manter um padrão meteorológico para estudar o efeito da altitude. Esse fato justifica o baixo número de relâmpagos na região 4 onde predominam altas atitudes, mas as condições meteorológicas e climáticas não favorecem a atividade de relâmpagos, conforme Figuras 4.2, 4.3 e 4.10. Por outro lado, excluindo-se a região 4, constatou-se uma acentuada correlação entre o número de relâmpagos negativos e a altitude, mostrado na Figura 4.11. Fato semelhante ocorre nos E.U.A., comentado em Orville e Huffines (2001), nas Montanhas Apalaches, onde a densidade de relâmpagos é baixa, em contraste com as Montanhas Rochosas onde a densidade de relâmpagos é alta, por influência de fatores geográficos. Além disso, a região sul apresenta influências geográficas diferenciadas sobre a polaridade dos relâmpagos com maior predominância da polaridade negativa a sudeste. Essas diferenças são devidas a vários fatores geográficos 126 concorrentes, que estão relacionados com as condições meteorológicas de escala sinótica moduladoras do clima, com a influência da topografia local, com a presença de centros urbanos, com os efeitos da poluição e talvez os das queimadas a oeste da região de estudo. Orville e Huffines (2001), também constataram variações geográficas das características dos relâmpagos durante um período de dez anos (1989–1998) nos Estados Unidos. Em escala sinótica as variações espaciais e temporais dos relâmpagos foram atribuídas a condições meteorológicas diferenciadas. As médias das densidades 2 relâmpagos/km .ano, foram anuais mais identificadas na elevadas, Flórida em e entre média o 9 Lake Okeechobee e a costa leste da Flórida, atribuídas à convergência de fatores meteorológicos. As mínimas, cerca de 1-3 relâmpagos/km2.ano, ocorreram a Oeste da Virgínia sobre as Montanhas Apalaches, em contraste com altos valores sobre as Montanhas Rochosas no Arizona, onde a atividade de tempestades é influenciada por altitudes elevadas e dominada pela convecção local. Na distribuição geográfica das intensidades de correntes médias, Figuras 4.8 e 4.9, notou-se que os relâmpagos tanto de polaridade negativa como positiva são mais intensos ao norte, onde predominam menores altitudes. Já ao sul onde predominam maiores altitudes os relâmpagos são menos intensos, conforme distribuição de altitude mostrada na Figura 4.2. Esse comportamento também foi observado por Robertson et al. (1941) nos Estados Unidos ao constatar que os valores de picos das correntes dos relâmpagos diminuem à medida que a altitude aumenta. Portanto, a altitude também exerce influência sobre a intensidade de corrente dos relâmpagos, talvez modulando o comprimento dos canais dos líderes dos relâmpagos e a quantidade de corrente por eles conduzidos. A influência da altitude causa efeitos mais substanciais sobre os relâmpagos negativos, porque seus centros de cargas são mais próximos da superfície, enquanto os centros de cargas positivos 127 estão situados vários quilômetros acima dos centros negativos de cargas. Esse comportamento também aparece nos gráficos das Figuras 4.14 e 4.15, onde se observou uma correlação entre a diminuição da intensidade dos relâmpagos negativos e o aumento da altitude, porém esse efeito é pouco acentuado em relação aos relâmpagos positivos. Orville (1999) comenta que em altitudes mais elevadas, como nas Montanhas Apalaches, as correntes médias dos relâmpagos negativos são menores, mas em relação aos relâmpagos positivos não foi observado comportamento semelhante. Huffines e Orville (2001) constataram nos Estados Unidos no período 1995 a 1999, que os relâmpagos negativos são mais intensos no sudeste com intensidades de corrente superiores a 27 kA, ao longo do Golfo e costa do Atlântico, e os relâmpagos positivos são mais intensos ao norte com valores acima de 40 kA, nas planícies e junto à cadeia de Montanhas Rochosas. Explicam que os altos valores de corrente dos negativos parecem estar associados com a altitude do relevo e os dos positivos com sistemas convectivos de mesoescala e tempestades com super células. Além da altitude, as condições meteorológicas de mesoescala exercem influência sobre a intensidade de corrente dos relâmpagos, na medida em que modulam a extensão vertical das nuvens. É possível que ao norte onde o clima é predominantemente quente e seco, as nuvens possam apresentar extensões verticais maiores, podendo armazenar quantidades de cargas maiores e gerar relâmpagos mais intensos de ambas polaridades. Essas correntes elevadas também podem estar associadas a maior escassez de gotas de água existente dentro da nuvem, nesta região, necessárias para facilitar a ocorrência das descargas internas à nuvem onde se originam os líderes escalonados (Ogawa 1995). Já ao sul, onde o clima é predominantemente quente e úmido, o oposto pode ocorrer. Em suma, a distribuição geográfica dos relâmpagos mostra que ao sul da região de estudo, ocorre maior atividade de relâmpagos com intensidades de correntes menores, Figuras 4.3, 4.8 e 4.9, em contraste com o 128 norte onde a atividade de relâmpagos é menor com intensidades de correntes maiores. A influência da altitude associada às condições meteorológicas e climáticas sobre a quantidade e a intensidade de relâmpagos, também foram percebidas por Diendorfer et al. (1998) e Shulz e Diendorfer (1999) na Áustria. Curiosamente, as correntes negativas médias assumem uma faixa de valores mais elevada, de 33 kA a 60 kA, em comparação com a dos positivos, de 26 kA a 38 kA, quando, normalmente em média, as intensidades de correntes dos relâmpagos positivos são ligeiramente mais intensas. Esse fato indica que o desempenho do sistema utilizado na detecção dos dados deste trabalho era mais limitado comparado com o atual, confundindo relâmpagos intra-nuvens com relâmpagos positivos de baixa intensidade. Embora, excluídos deste estudo os relâmpagos com correntes abaixo de 15 kA, a contaminação se estende para correntes de aproximadamente até 30 kA. Dessa forma as correntes médias dos relâmpagos positivos são influenciadas por valores de correntes médias de relâmpagos intra-nuvens confundidos pelo sistema como positivos de baixa intensidade. Neste estudo optou-se por excluir relâmpagos até 15 kA e não até 20 kA com o propósito de manter um número de relâmpagos adequado para uma análise estatística. Naccarato (2001), estudou o desempenho do sistema de detecção atualmente melhorado, encontrando valores de corrente média em torno de 37 kA para relâmpagos negativos e 50 kA para positivos. Portanto, o aspecto relacionado com a intensidade de corrente parece ser uma conseqüência da maior contaminação dos relâmpagos positivos pelos intra-nuvens. Outro fato observado foi a ocorrência de uma grande concentração de relâmpagos negativos ao sul, apresentando máxima concentração a sudeste, onde a porcentagem de relâmpagos negativos é máxima e a porcentagem de relâmpagos positivos é mínima. Esse aspecto relacionado à polaridade sugere que a maior ou menor porcentagem dos relâmpagos seja influenciada tanto por fatores de mesoescala como regionais, que interferem no processo de 129 distribuição de regiões estratiformes e na separação de cargas dentro das nuvens, tais como: as condições meteorológicas de escala sinótica e o clima, a altitude, as cidades, a poluição e até as queimadas. Essa região sudeste é privilegiada porque reune vários fatores geográficos que contribuem para o aumento da quantidade de relâmpagos. Contempla topografia e clima favoráveis, condições meteorológicas de escala sinótica com máxima convergência e influência dos efeitos das ilhas de calor formadas pelos centros urbanos de Belo Horizonte e Contagem abordados mais adiante. No caso das queimadas, estas podem provocar a formação de nuvens monopolares ou talvez centros de cargas positivas próximos à base das nuvens com quantidades maiores de cargas. As queimadas estão relacionadas com o processo de ocupação de terras, a pastagem e a agricultura predominantes na região sudoeste e nas cidades vizinhas, inclusive nas regiões canavieiras ao norte de São Paulo e queimadas a oeste de Minas Gerais. Iniciam-se no mês de maio e atingem um máximo em agosto sendo fontes de partículas higroscópicas orgânicas, aerossóis, que atuam como núcleos de condensação e alteram a microfísica das nuvens, agindo diretamente nos processos de geração e de separação de cargas nas nuvens de tempestade. Normalmente os relâmpagos positivos ocorrem ao final das tempestades, por ocasião da dissipação das nuvens e representam cerca de 10% da quantidade total de relâmpagos e sua porcentagem diminui com o aumento do número total de relâmpagos de acordo com a Figura 4.13. Já no inverno quando as nuvens são mais baixas e ou mais inclinadas pela ação dos ventos o percentual de relâmpagos positivos tende a ser um pouco maior. Lyons (1998) estudou a influência das queimadas, ocorridas no Sul do México, sobre a região Sul dos Estados Unidos no período de abril a junho e constatou o registro do triplo de relâmpagos nuvem-solo positivos com picos de correntes em dobro com relação à climatologia normal. 130 Os resultados da recente pesquisa de Fernandes (2001) mostram que a porcentagem de relâmpagos positivos em setembro de 1988 foi o dobro da porcentagem encontrada em 1999, na região sudeste do Brasil, em função do aumento dos focos de queimadas na mesma ordem de magnitude ocorridas principalmente durante o inverno. A respeito do solo poucos trabalhos científicos foram publicados sobre as características geográficas relacionadas com os aspectos do solo, exceto a altitude, capazes de influenciar o comportamento dos relâmpagos. Kamra e Ravichandran (1993) mostraram que a resistividade do solo exerce influência sobre o campo elétrico atmosférico produzido pela nuvem de tempestade próximo ao solo e influencia as descargas conectantes entre o solo e o líder escalonado dos relâmpagos, que acompanham as inclinações dos vetores campo elétrico. Portanto o tipo de solo mais condutor ou mais dielétrico afeta os valores dos campos elétricos próximos ao solo, não interferindo no processo de geração de cargas no interior da nuvem. Conforme Chauzy (1999), o efeito diferenciado do solo sobre os valores dos campos elétricos próximos ao solo influencia fortemente a descarga corona, que depende do valor do campo elétrico no solo elevado ao quadrado e, portanto, poderia contribuir de forma relevante para a formação do pequeno centro positivo de cargas próximo à base da nuvem. Assim, tipos de solos com maior condutividade poderiam influenciar um número maior de relâmpagos positivos procedentes do pequeno centro positivo de cargas próximo à base da nuvem, embora evidência de tal processo não tenha sido encontrada neste estudo. Em relação ao estudo da influência do tipo de solo sobre os relâmpagos, os resultados apesar de significativos sob o ponto de vista estatístico, quando confrontados com outros aspectos, descaracterizaram a influência do tipo de solo latossolo ferrífero sobre o número de relâmpagos negativos. Um deles é relativo ao fato de existirem regiões com tipo de solo latossolo ferrífero, apresentando número de relâmpagos negativos altos e baixos numa mesma 131 faixa de altitude, como nas regiões dentro dos centros urbanos 07144 e 08133, e fora dos centros urbanos como nas regiões 08137 e 08138, apresentados na Figura 4.48. Outro aspecto curioso é o fato de existirem várias regiões com número de relâmpagos negativos bem elevados, onde não predominam solos do tipo latossolo ferrífero, como nas regiões 07143 - 08121 - 08134 - 12001, situadas sobre os centros urbanos de Contagem e Belo Horizonte, onde os tipos de solos predominantes são respectivamente, podzólico vermelho amarelo, podzólico vermelho amarelo, cambissolo e cambissolo, conforme Figura 4.48. Além disso, das onze regiões onde predomina o tipo de solo latossolo ferrífero, três delas que apresentam elevado número de relâmpagos negativos, 07144 - 08122 - 08133, estão localizadas nos centros urbanos industriais de Belo Horizonte e Contagem. Em suma, as regiões de tipo de solo latossolo ferrífero são apenas onze, localizadas numa área urbana, onde foi constatado um número elevado de relâmpagos, não só nas regiões de solo latossolo ferrífero como também em todas as outras regiões de outros tipos de solos. Nesse caso esse grande número de relâmpagos negativos é causado pela influência das cidades e não pelo tipo de solo. Outro aspecto importante observado é que as regiões de tipo de solo latossolo ferrífero mais afastadas dos centros urbanos apresentaram menor número de relâmpagos compatíveis com regiões de outros tipos de solo. Essas observações além de descaracterizarem a influência do tipo de solo latossolo ferrífero sobre o aumento expressivo do número de relâmpagos negativos, levantaram a hipótese desse fato ser devido à influência dos centros urbanos sobre os relâmpagos, uma vez que existem regiões com tipo de solo latossolo ferrífero fora dos centros urbanos com baixo número médio de relâmpagos negativos e regiões de outros tipos de solo situadas nos centros urbanos com elevado número médio de relâmpagos negativos. As distribuições geográficas dos relâmpagos negativos e positivos, apresentados nas Figuras 4.49 e 4.50, abrangem as mesmas regiões da Figura 4.48. Mostraram menor 132 número de relâmpagos para ambas polaridades ao norte dos centros urbanos, seguindo a direção do vento, forte intensificação sobre os centros urbanos e ao sul desses centros, seguindo a direção do vento, porém menos visível para a polaridade positiva. Comportamento análogo foi visto por Orville et al. (2001), no Texas, sobre a cidade de Houston e, recentemente, por Soriano e Pablo (2002), em nove pequenas cidades da Espanha, com áreas inferiores a 25 km2 e populações abaixo de 334.000 habitantes, durante um período de três anos, devido aos efeitos das ilhas de calor e da poluição urbanas. Por outro lado, em relação à intensidade de corrente média dos relâmpagos de ambas polaridades não houve nenhuma evidência de influência dos centros urbanos sobre os relâmpagos, conforme Figuras 4.53 e 4.54. Além disso, os resultados apresentados nas Figuras 4.51 e 4.52, mostraram que a porcentagem dos relâmpagos negativos é maior sobre os centros urbanos e ao sul dos centros urbanos, seguindo a direção do vento, ocorrendo uma diminuição nos valores desse parâmetro ao norte, seguindo a direção do vento, e nas regiões circunvizinhas mais afastadas desses centros urbanos. Constatou-se, ainda, que as porcentagens dos relâmpagos de ambas polaridades sofrem influência diferenciada dos centros urbanos, sendo a porcentagem de relâmpagos positivos mínima onde a porcentagem de relâmpagos negativos é máxima. O aumento da porcentagem de relâmpagos negativos e diminuição da porcentagem de relâmpagos positivos nas regiões internas aos limites desses centros urbanos indicaram uma forte influência dos centros urbanos de Contagem e Belo Horizonte sobre os relâmpagos, devido aos efeitos da formação de ilhas de calor próprios das grandes metrópoles e do aumento da poluição nesses centros urbanos. Acredita-se que o aquecimento local conhecido como ilha de calor seja causado pela destruição da vegetação local em função do aumento da urbanização alterando as condições atmosféricas e em particular a temperatura. Também pode ser relevante a 133 influência do aumento da poluição, observado nos centros urbanos, sobre a polaridade dos relâmpagos. Da mesma forma, Steiger e Orville (2002) também constataram uma diminuição da porcentagem dos relâmpagos positivos sobre Houston, Texas. Essa diminuição foi atribuída aos efeitos da ilha de calor na área urbana e da poluição, principalmente industrial. Segundo os autores, a poluição causa o aumento da concentração dos núcleos de condensação dentro da nuvem de tempestade, que interferem na geração e na distribuição das cargas dentro da nuvem e afetam a polaridade dos relâmpagos. Outro estudo interessante realizado por Rosenfeld e Woodley (2001), revelou que a presença de material particulado na atmosfera inibe o crescimento de gotículas de água dentro das nuvens e causa a retenção de maior quantidade de água líquida super-resfriada dentro da nuvem, que interfere no processo inicial das descargas elétricas (Ogawa 1995) e no processo de geração e separação de cargas dentro da nuvem. Orville et al. (2001), no período de 1989 a 2000, constataram um aumento na densidade de relâmpagos em áreas urbanas e industriais, tanto no verão como no inverno, em Houston e Dallas no Texas e nas proximidades das refinarias de Lake Charles em Louisiana, devido aos efeitos da formação de ilhas de calor e da poluição. A urbanização forma ilhas de calor que causam o aumento do fluxo do calor sensível das superfícies e do calor latente da atmosfera, contribuindo para o aumento do número de nuvens de tempestade e dos níveis de precipitação. De acordo com Ackerman et al. (2000), os centros urbanos e industriais lançam vários poluentes na atmosfera, aerossóis, que atuam como núcleos de condensação na formação das nuvens e quando em alta concentração interferem no mecanismo de separação de cargas dentro da nuvem podendo 134 aumentar a geração de cargas e a atividade de relâmpagos. O mecanismo de separação de cargas dentro da nuvem de tempestade depende do tamanho, da concentração e da natureza das partículas que interagem, além de parâmetros ambientais como a temperatura, velocidade vertical das correntes convectivas e quantidade de água líquida (Williams et al., 1991). Westcott (1995), encontrou um aumento de 40% a 85% de relâmpagos sobre e ao redor de várias cidades dos Estados Unidos, dentre as dezesseis cidades pesquisadas durante os verões de 1989 a 1992. Lombardo (1985) apresentou um estudo sobre a alteração climática na região metropolitana de São Paulo associada à formação da ilha de calor. A ilha de calor urbana corresponde a uma área na qual a temperatura da superfície é mais elevada que as áreas circunvizinhas, devido a redução da evaporação, ao aumento das áreas impermeabilizadas pela pavimentação de ruas e avenidas, ao aumento da concentração de construções, às propriedades térmicas dos edifícios e dos materiais utilizados nas pavimentações que apresentam grande condutibilidade térmica. A geometria dos prédios funciona como obstáculo à circulação do vento, alterando o seu fluxo natural e dificultando a dispersão do calor e dos poluentes. Como o ar tende a circular em direção à parte mais quente, as partículas de poluentes tendem a convergir para o centro das cidades. A camada de poluentes influi na absorção e reemissão da radiação solar ocasionando um excedente de temperatura, pois parte da radiação absorvida pelos aerossóis é emitida para baixo aquecendo as camadas inferiores. A poluição ao refletir parte da luz solar reduz a radiação direta que atinge a superfície dificultando o escoamento e a dispersão do calor. A radiação solar que entra na cidade é menor devido a grande quantidade de aerossóis, porém, ocorre um aumento da radiação emitida pela cidade no espectro de ondas longas, causada pelas temperaturas mais elevadas das superfícies dos materiais de construção e pavimentação. Essas superfícies de temperaturas mais elevadas aquecem grandes volumes de ar, provocando um 135 aumento na quantidade de precipitação nas áreas urbanas. Em resumo, o fenômeno da ilha de calor é o resultado das modificações dos parâmetros da superfície e da atmosfera pela urbanização. Recentemente, Naccarato (2001) constatou um aumento na concentração de relâmpagos em regiões densamente povoadas, como na grande São Paulo, na grande Campinas e no Vale do Paraíba, mostrando que há uma possível relação entre o aumento de relâmpagos e a alta densidade populacional, com elevados índices de industrialização. 136 CAPÍTULO 6 CONCLUSÕES E SUGESTÕES Diante dos resultados e discussões apresentadas, não há apenas um só fator predominante sobre as características dos relâmpagos, mas um conjunto de fatores geográficos que atuam simultaneamente cada um com sua parcela de contribuição. De acordo com o local os relâmpagos podem ser mais fortemente influenciados por fatores meteorológicos de escala sinótica e climática, pela topografia local, pela presença de centros urbanos e da poluição, ou ainda por outros fatores tais como queimadas. As condições meteorológicas de escala sinótica induzem ao sul, em um clima quente-úmido, condições favoráveis à formação de nuvens convectivas e ao norte, em um clima quente-seco, condições desfavoráveis à formação de nuvens convectivas. Portanto, as condições meteorológicas em escala sinótica contribuem para que a atividade de relâmpagos seja menor ao norte e maior ao sul da região de estudo. Em conjunto com as condições meteorológicas e climáticas, a altitude exerce influência na quantidade de nuvens, na quantidade e na intensidade dos relâmpagos negativos, agindo como uma forçante dinâmica para a convecção local e, talvez, agente modulador da quantidade de carga conduzida pelos canais dos líderes dos relâmpagos. De modo geral, em altitudes elevadas, ao sul, a quantidade de relâmpagos negativos é maior com intensidades de correntes menores e em baixas altitudes, ao norte, a quantidade de relâmpagos negativos é menor com intensidades de correntes maiores, com exceção da região nordeste. Em particular, na região sudeste ficou confirmada a influência dos centros urbanos sobre os relâmpagos, percebida no aumento da quantidade de 137 relâmpagos negativos sobre as cidades de Belo Horizonte e Contagem e regiões ao sul, seguindo a direção do vento, devido aos efeitos das ilhas de calor causadas pelas cidades de Belo Horizonte e Contagem, que intensificam as condições termodinâmicas da convecção e, talvez aos efeitos da poluição. Também foi constatado o aumento da porcentagem de relâmpagos negativos e a diminuição da porcentagem dos relâmpagos positivos sobre os centros urbanos e regiões ao sul, seguindo a direção do vento, possivelmente, devido à influência da poluição sobre a polaridade dos relâmpagos. E finalmente, em relação ao solo não houve confirmação da influência do tipo do solo sobre os parâmetros característicos dos relâmpagos, pois em torno dos centros urbanos, onde predomina a maior parte de solos do tipo Latossolo Ferrífero, todos os tipos de solos apresentaram grande número de relâmpagos não devido à influência do solo, mas a um conjunto de fatores geográficos. Em suma, é notável que a geografia exerce forte influência sobre fenômenos naturais como os relâmpagos, devido a grande diversidade das características geográficas, porém é evidente que a atuação do homem sobre o meio ambiente também pode afetar o equilíbrio natural do planeta, modificando a sua climatologia e aumentando os riscos de vida para os seres vivos. Este trabalho científico apresenta limitações de estudo comparativo da influência da altitude sobre os relâmpagos, entre regiões que apresentam baixa altitude média e picos elevados de altitude com regiões de mesma altitude média baixa e planas. Para fazer tal estudo as dimensões das regiões devem ser da ordem de 1 km x 1 km para abranger o pico de elevação. Dessa forma estaríamos trabalhando dentro da imprecisão do sistema de detecção das antenas, que é de 0,5 a 1 km, não havendo certeza na localização das descargas nas regiões em estudo. Além disso, cada uma das 1728 regiões de 9 km x 9 km teriam de ser subdivididas em 81 partes iguais, sendo necessários 81 x 8 anos de dados para manter a mesma confiabilidade dos resultados. As 138 dimensões das regiões em estudo foram limitadas ao máximo para evitar que fatores externos afetem os dados. Além disso, como comentado em capítulos anteriores, os dados utilizados neste trabalho não foram corrigidos de acordo com a eficiência do sistema de detecção, e a contaminação dos dados por relâmpagos intra-nuvem, que embora reduzida, não foi totalmente eliminada para não comprometer o estudo estatístico, permanecendo uma contaminação residual. Apesar das limitações os resultados estão coerentes com outras publicações, exceto no caso dos valores das correntes. Como a proposta do trabalho foi investigar as influências geográficas sobre os relâmpagos, foi necessário dividir a região de estudo em 1728 pequenas regiões de 9 km x 9 km e estabelecer um período de oito anos de dados de relâmpagos, para que cada uma dessas pequenas regiões apresentasse uma quantidade razoável de relâmpagos, que permitisse uma análise estatística confiável dos resultados. Somente na fase final do trabalho foi possível perceber a importância de sugerir um estudo temporal dos dados mais discretizado, através de uma análise anual, sazonal, mensal e até diária para alguns eventos de maior relevância, com o objetivo de identificar e quantificar melhor a influência dos fatores geográficos predominantes sobre os relâmpagos. No futuro seria interessante fazer um estudo comparativo anual, sazonal, mensal e diário das influências geográficas sobre os relâmpagos, principalmente com as ocorrências das queimadas e das condições meteorológicas ao longo de período entre 1988 e 1996. Um trabalho futuro comparando as condições meteorológicas com os meses e dias de maior atividade de relâmpagos poderia indicar melhor a conexão existente entre as condições meteorológicos e a atividade de relâmpagos. Um estudo da extensão vertical das nuvens em função das características geográficas seria importante para estimar a altura dos centros de cargas e a capacidade de cargas das nuvens, com o intuito de estabelecer uma relação desses parâmetros com a intensidade de corrente dos relâmpagos. 139 Seria interessante também, um estudo dos produtos da queima de combustíveis usados nos centros urbanos e industriais, além dos poluentes provenientes das queimadas nas zonas rurais, para auxiliar a pesquisa da interferência dos mesmos na microfísica da nuvem durante os processos de separação de cargas. É possível que poluentes de origens diferentes, com temperaturas, velocidades verticais, polarização, e outras propriedades peculiares possam exercer efeitos distintos sobre a geração de cargas dentro da nuvem, interferindo na quantidade, na polaridade e na intensidade de relâmpagos. Seria interessante ainda, em relação aos centros urbanos, um estudo da formação das ilhas de calor com detalhes da circulação dos ventos e dos perfis de temperaturas. 140 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Ackerman, A. S.; Toon, O. B.; Stevens, D. E.; Heymsfield, A. J.; Ramanathan, V.; Welton, E. J. Reduction of tropical cloudiness by cool. Science, v. 2801 n. 5160, p. 1042-1047 May 2000. Amaral, F. C. S. Aptidão Agrícola das Terras do Estado de Minas Gerais: Avaliação e Adequação. (Dissertação de Mestrado em Agronomia) – Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – Universidade de São Paulo, Piracicaba, ago. 1993. Atmospheric Research Systems A balanced comparison of time-of-arrival vs. direction finding technology for lightning ground strike tracking systems. Palm Bay, FL, 1990. Araújo, R. L.; Diniz, J. M.; Cherchiglia, L. C.; Ericsson, A. J.; Goldenluys, H. J. Applied research in a intertropical mountainous area. In: International Conference on Power Distribution, 1, Belo Horizonte. 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