XLIII CONGRESSO DA SOBER “Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial” Economia Solidária e Marketing no Cooperativismo de Reforma Agrária: um estudo com Educandos do ITERRA Cristiane Betanho Doutoranda em Engenharia de Produção da UFSCar Pesquisadora do GEPES – Grupo de Extensão e Pesquisa em Economia Solidária Alameda dos Crisântemos 80 bl A apto. 24 – CEP 13566-550 – São Carlos (SP) [email protected] Farid Eid Depto. de Engenharia de Produção da UFSCar Coordenador do GEPES – Grupo de Extensão e Pesquisa em Economia Solidária R. Sebastião Ferraz Caldas 125 apto.13 – CEP 13562-010 – São Carlos (SP) [email protected] Rosaura M. C. Oliveira Pesquisadora do GEPES – Grupo de Extensão e Pesquisa em Economia Solidária R. Sebastião Ferraz Caldas 125 apto.13 – CEP 13562-010 – São Carlos (SP) [email protected] Área Temática: Agricultura Familiar Forma de Apresentação: com presença de debatedor 1 Ribeirão Preto, 24 a 27 de Julho de 2005 Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural XLIII CONGRESSO DA SOBER “Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial” Economia Solidária e Marketing no Cooperativismo de Reforma Agrária: um estudo com Educandos do ITERRA Resumo Este artigo integra uma pesquisa financiada pelo CNPq. Trata-se de uma pesquisa-ação, com intervenção social, em parceria entre um grupo de pesquisadores da UFSCar, técnicos da CONCRAB/MST e educadores do ITERRA, cujo objetivo é buscar meios para a implementação de estratégias para o desenvolvimento dos Empreendimentos Econômicos Solidários oriundos da cooperação entre agricultores familiares, assentados da reforma agrária. Educandos do Curso Técnico em Administração de Cooperativas receberam capacitação teórica e prática sobre marketing. Por meio de trabalhos práticos e exposições teóricas sobre competitividade, análise do ambiente e o desenvolvimento da sensibilidade para o que pode ser demandado, em que quantidade, a que preço e nível de qualidade, os educandos apreenderam os conceitos de marketing, avaliaram sua efetividade e adaptaram-nos ao contexto da economia solidária. Os educandos concluíram que os conceitos poderiam ser utilizados na construção de ofertas competitivas de produtos da Reforma Agrária, e avaliaram que seria necessário que tais conceitos fossem adaptados ao contexto da economia solidária. PALAVRAS-CHAVE: Economia Solidária, Reforma Agrária, Marketing 2 Ribeirão Preto, 24 a 27 de Julho de 2005 Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural XLIII CONGRESSO DA SOBER “Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial” Economia Solidária e Marketing no Cooperativismo de Reforma Agrária: um estudo com Educandos do ITERRA1 1. INTRODUÇÃO O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em seus vinte anos de existência, tem buscado gradativamente legitimar suas ações perante a sociedade. Sua luta não se restringe à defesa de uma distribuição de riqueza mais justa, mas ao combate à fome e à miséria. Na sua luta pela terra e pela viabilização da vida no campo, os agricultores já assentados organizam-se em cooperativas e associações que visam ao fortalecimento conjunto de suas posições, buscando dignidade e qualidade de vida para assentados e auxiliar aos que ainda não alcançaram essa condição.A luta não se restringe à posse de terra; para o MST é preciso torná-la produtiva, sem, no entanto, reproduzir o paradigma capitalista da geração de excedente de capital a qualquer custo. Atualmente, boa parte da produção dos assentados da reforma agrária estudados é escoada via “atravessador”, o que reduz o fruto da comercialização dos produtos – geralmente matérias-primas e produtos in natura com baixo valor agregado percebido. Para Carvalho (2002), a valorização da vida, a proteção à saúde e ao meio ambiente, a luta contra o capital monopolista e pela alteração do atual modelo econômico, devem ser valores utilizados para a construção de Comunidades de Resistência e Superação. Tais valores também podem ser utilizados para distinguir a natureza da oferta dos produtos da pequena agricultura familiar, da oferta das propriedades capitalistas, que produzem a custos mais baixos, conseguem maior produtividade e possuem melhor poder de barganha sobre os compradores. Como afirma Eid (2002), é imperativo fazer o contraponto com o pensamento liberal que traduz a viabilidade somente do ponto de vista econômicofinanceiro, através da relação custo/benefício. O consumo solidário, definido por Mance (2003) como aquele praticado em função “não apenas do próprio bem-viver pessoal, mas também do bem-viver coletivo, em favor dos trabalhadores que produziram aquele bem ou serviço e da manutenção do equilíbrio dos ecossistemas”, pode absorver parte da produção dos empreendimentos econômicos solidários; porém, inserir-se no mercado e construir mecanismos para gradualmente competir na economia capitalista parece ser inevitável para a viabilização da produção da propriedade rural advinda da reforma agrária, seja ela coletiva ou individual. A construção da viabilidade deve trabalhar com o planejamento da demanda para curto, médio e longo prazos e passa necessariamente pela articulação nos e com os movimentos sociais em nível local, regional, nacional e internacional (EID, 2002). Este trabalho busca avaliar, juntamente com educandos do ITERRA (Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária), a utilização do conceito e de ferramentas de marketing para auxiliar na inserção dos produtos da reforma agrária no mercado. Por meio de trabalhos práticos e exposições teóricas sobre competitividade, análise do ambiente e o desenvolvimento da sensibilidade para o que pode ser demandado, em que quantidade, a 1 Artigo elaborado a partir de resultados da pesquisa DINÂMICA ORGANIZACIONAL E PRODUTIVA EM COOPERATIVAS DE REFORMA AGRÁRIA: diagnóstico, implementação de estratégias para o desenvolvimento e perspectivas, desenvolvida nos anos 2002-2004, em parceria entre o Grupo de Extensão e Pesquisa em Economia Solidária (GEPES) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e a Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil Ltda. (CONCRAB), financiada pelo MCT/CNPq/COAGR. 3 Ribeirão Preto, 24 a 27 de Julho de 2005 Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural XLIII CONGRESSO DA SOBER “Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial” que preço e nível de qualidade, os educandos apreenderam os conceitos de marketing, avaliaram sua efetividade e adaptaram-nos ao contexto da economia solidária. O resultado dessa intervenção foi utilizado para desenvolver uma nova identidade visual para as conservas de frutas produzidas na planta piloto do ITERRA, que resultou em 30% de aumento de vendas imediatas dos produtos com novas embalagens. 2. IMPORTÂNCIA PARA UMA ECONOMIA SOLIDÁRIA NO BRASIL Entende-se por Economia Solidária, segundo Singer (1999), o conjunto de experiências coletivas de trabalho, produção, comercialização e crédito organizadas por princípios solidários, espalhadas por diversas regiões do país e que aparecem sob diversas formas: cooperativas e associações de produtores, empresas autogestionárias, bancos comunitários, “clubes de trocas”, “bancos do povo” e diversas organizações populares, urbanas e rurais. Para o mesmo autor, as especificidades que distinguem um empreendimento solidário de um pautado pelas regras da corrente econômica hegemônica são o estímulo à solidariedade entre os membros via autogestão e a reintegração de trabalhadores expurgados do mercado de trabalho (SINGER, 2003). Provavelmente, a difusão da economia solidária no contexto brasileiro deu-se em função da quebra das forças produtivas nacionais, quando da abrupta abertura dos mercados internos, gerando níveis alarmantes de desemprego. Nas cidades, empresas modernizadas fecharam milhões de postos de trabalho, enquanto que no campo, a mecanização do processo de produção e a dependência de insumos químicos redundaram na falência crescente e acelerada da pequena propriedade rural e da agricultura familiar, resultando na exacerbação do êxodo rural, talvez sem precedentes na história da agricultura brasileira. Em diversas regiões do país, alguma com maior intensidade, vem se desenvolvendo, principalmente nos últimos quinze anos, experiências de geração de trabalho e renda, de forma solidária e associativa. Iniciativas isoladas deram lugar a uma realidade que se expande e se dinamiza, motivando a ação de entidades de classe e de políticas públicas no campo popular, orientadas para uma economia alternativa concreta que está em processo de gestação. Em diversas regiões do país, alguma com maior intensidade, vem se desenvolvendo, principalmente nos últimos quinze anos, experiências de geração de trabalho e renda, de forma solidária e associativa. Iniciativas isoladas deram lugar a uma realidade que se expande e se dinamiza, motivando a ação de entidades de classe e de políticas públicas no campo popular, orientadas para uma economia alternativa concreta que está em processo de gestação. Gaiger et al. (1999), ao analisarem a viabilidade e as perspectivas da Economia Solidária no estado do Rio Grande do Sul mostraram que, se antes, as experiências de geração de trabalho e renda eram consideradas pelos pesquisadores como circunstanciais e efêmeras, de difícil registro, a partir da década de 90, aumenta ano a ano o interesse por investigações científicas sobre iniciativas solidárias, algumas com mais de dez anos de atividade contínua. Isso não quer dizer que dissoluções não ocorram, mas o que se observa de novo, é a busca pela sobrevivência e mesmo o crescimento de algumas, procurando garantir, simultaneamente, o equilíbrio entre o econômico e o social. É nesse sentido que uma nova interpretação sobre experiências solidárias e programas de apoio considera que, para sobreviverem e crescerem, tenderiam a evoluir para ações propositivas, destacando-se o desenvolvimento de novas formas de organização da produção e do trabalho, com reflexos diretos no campo das políticas públicas e da organização da sociedade. 4 Ribeirão Preto, 24 a 27 de Julho de 2005 Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural XLIII CONGRESSO DA SOBER “Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial” Para Wautier (2003), a economia solidária possui caráter profundamente político e articulase sobre quatro eixos: o comércio eqüitativo, as finanças solidárias, intercâmbios nãomonetários e as iniciativas locais. Assim, busca-se um equilíbrio entre a dimensão social e a econômica, visando encontrar alternativas para os momentos de crise do que o repasse à sociedade de seus custos, como se observa nas empresas capitalistas (SINGER, 2003). Os empreendimentos econômicos solidários são definidos por Gaiger et al. (1999) como sendo organizações coletivas de trabalhadores voltados para a geração de trabalho e renda, regidos, idealmente, por princípios de autogestão, democracia, participação, igualitarismo, cooperação no trabalho, auto-sustentação, desenvolvimento humano e responsabilidade social. Para viabilizar a expansão da economia solidária, uma série de desafios são enfrentados, desde a criação de novas políticas e instituições públicas e populares voltadas à representação e apoio, à incubação de empreendimentos econômicos solidários, ao acompanhamento permanente das demandas de formação, crédito, tecnologia, mercado, gestão e outras (SINGER, 1999). 3. O COOPERATIVISMO DE REFORMA AGRÁRIA E A ECONOMIA SOLIDÁRIA O MST pode ser definido como uma empresa social pelo caráter de seus empreendimentos econômicos solidários (Pasquetti, 1998). De fato, observamos em nossa pesquisa e como docentes em Cursos Técnicos e de Especialização em Administração de Cooperativas, que as atividades sociais e econômicas, onde existem, estão voltadas, em suas esferas de poder, para a construção de um modelo de gestão democrático e participativo. Uma das modalidades clássicas de organização solidária é a cooperativa. Essa forma associativa, que prevê a propriedade conjunta dos meios de produção e o compartilhamento do processo decisório, tem sido a mais utilizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na luta pela terra e viabilização da vida no campo. De acordo com Eid e Pimentel (2000), o cooperativismo, para assentados do MST, é entendido como um dos caminhos para a emancipação humana. Busca-se o desenvolvimento organizacional, através da motivação coletiva para o trabalho voluntário e remunerado. Há compromisso e disciplina pessoal de seus membros com o cumprimento dos objetivos sociais. Na definição das estratégias de crescimento econômico, a busca pelas sobras líquidas não é a referência principal mas, principalmente, o desenvolvimento do ser humano, através do resgate e ampliação da dignidade e da cidadania. Geralmente, a propriedade é coletiva e deve beneficiar a todos os associados e envolvidos. Com vinte anos de atividades, o MST encontra-se organizado em 23 estados, em 600 assentamentos com cerca de 150 mil famílias. Nesse período, o movimento destacou-se pelas atividades articuladas de cinco setores. O Setor de Educação desenvolve pedagogia própria para escolas do campo em cerca de mil escolas públicas de assentamentos, com 75 mil crianças e 2800 professores da rede municipal e estadual. Quanto ao Setor de Comunicação, coordena as atividades do Jornal Sem Terra e acompanha a formação de repórteres populares, programas de rádio e rádio comunitária em assentamentos, divulgação de informações, notícias na página da Internet e via e-mail para diversas organizações e grupos de apoio em nível nacional e internacional. O Setor de Direitos Humanos articula uma rede nacional com 60 advogados que trabalham de forma voluntária, em processos que envolvem prisões, assassinatos e outras questões relacionadas com a defesa da Reforma Agrária. O Setor de Relações Internacionais coordena as 5 Ribeirão Preto, 24 a 27 de Julho de 2005 Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural XLIII CONGRESSO DA SOBER “Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial” atividades internacionais, principalmente em fóruns como a Via Camponesa que agrega 80 organizações camponesas dos cinco continentes. O Setor de Produção, foco deste trabalho, conta com cerca de 400 associações de produção, comercialização e serviços, 49 cooperativas de produção agropecuária (2300 famílias), 32 cooperativas de prestação de serviços (11 mil sócios), duas cooperativas regionais de comercialização, duas cooperativas de crédito (seis mil sócios) e 96 agroindústrias processadoras de frutas, leite, grãos, café, carnes, doces e cana-de-açúcar. O SCA atua em cerca de 700 municípios brasileiros (EID & PIMENTEL, 2000). 4. IMPORTÂNCIA DO MARKETING NA INSERÇÃO DOS PRODUTOS DE AGRICULTORES FAMILIARES DA REFORMA AGRÁRIA NO MERCADO Um olhar retrospectivo para a economia brasileira demonstra que idéias, conceitos e técnicas de marketing sempre encontraram melhor ressonância, e foram implantadas com maior sucesso, em organizações que atuavam em ambientes competitivos de negócios. Porém, a partir de 1990, com o processo de abertura da economia, todas as áreas de negócio foram forçadas a adotar uma perspectiva voltada para o consumidor, ao invés da mentalidade de distribuição em voga na época. O mercados consumidores estavam mudando, e era necessário fornecer valor competitivo. Na busca por resultados significativos, as ferramentas de marketing foram adaptadas para todas as áreas de negócio, a fim de que informações sobre os clientes pudessem orientar as organizações para sua conquista e manutenção. Morgan (1996) salienta que a pujança da disciplina marketing é demonstrada no desejo constante de se rever e questionar seu domínio. Para o autor, em função das mudanças de visão quanto às implicações do marketing, as definições foram tão abundantes quanto as críticas que atraíram. Para Kotler (2000), o conceito de marketing pode assumir um caráter gerencial ou social. Pode ser definido gerencialmente como a “ciência da escolha de mercados-alvo, e da captação, manutenção e fidelização de clientes por meio da criação, entrega e comunicação de um valor superior para o cliente”. A definição social de Kotler (2000) é por ele denominada como “orientação de marketing societal”. Para Morgan (1996), a filosofia do marketing societal tem suas origens no questionamento da legitimidade e aceitação da filosofia de marketing. Essa definição prevê que a busca pelo mercado deve ser realizada de tal forma que preserve ou melhore o bemestar do consumidor e da sociedade, indicando que as empresas devem desenvolver condições sociais e éticas em suas práticas de marketing, equilibrando critérios freqüentemente conflitantes entre os lucros da empresa, a satisfação dos desejos dos consumidores e o interesse público. Semenik e Bamossy (1995) afirmam que as empresas estão aceitando seu papel na preservação e não degradação do meio ambiente. Assim, as atividades de criação de ofertas para o mercado devem levar em consideração não apenas a satisfação do cliente no tempo presente, mas a relação com a sociedade e o ambiente no futuro. Para Richers (1994), as atividades de marketing facilitam o fluxo de produtos dos produtores para os clientes, o que pode ter profundas implicações sociais. Sistemas de marketing eficientes podem levar ao aumento do comércio e do desenvolvimento econômico, o que aumenta a base tributária do país. Esses benefícios podem ser rapidamente traduzidos em sistemas de educação e saúde melhores, indo muito além dos objetivos básicos de suprir os clientes com o que querem, quando querem e por um preço que queiram pagar por isso. 6 Ribeirão Preto, 24 a 27 de Julho de 2005 Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural XLIII CONGRESSO DA SOBER “Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial” Esses valores (bem-estar social e preservação ambiental) têm sido utilizados como um forte fator de posicionamento para empresas dos mais variados setores econômicos, visando a ocupar uma posição competitiva distinta e significativa na mente dos consumidores. Vários autores, como Kotler (2000), Toledo e Amigo (1999) e Semenik e Bamossi (1995) afirmam que a criação desse valor, em um contexto adequado de custo/benefício, é o grande desafio a superar para alavancar o desempenho. Os conceitos de marketing podem focar os níveis estratégico e operacional. O marketing estratégico analisa constantemente os mercados de referência (ou mercados-alvos) da empresa, identificando produtos e segmentos de mercados atuais e potenciais onde a mesma poderia atuar, considerando fatores como a atratividade dos diferentes segmentos ou nichos de mercado, o ciclo de vida dos diferentes produtos, as vantagens concorrenciais da empresa no longo prazo. O segundo conceito, o marketing operacional, ao contrário do estratégico, enfatiza as atividades de curto prazo, orientadas para o atendimento e a manutenção dos mercados atuais, através dos elementos do mix de marketing (produto, praça ou canais de distribuição, preço e promoção ou composto promocional) mais adequados aos objetivos da empresa. Ele se ocupa também dos orçamentos de marketing adequados às atividades comerciais da empresa. Uma das formas de aumentar a precisão do marketing dentro de uma organização é segmentar o mercado, identificando grupos com preferências, poder de compra, hábitos de consumo ou localização geográfica semelhantes. Para Kotler (2000), com a segmentação, a organização pode criar produtos a preços apropriados e oferecê-los através de canais de distribuição e comunicação mais adequados, além de enfrentar menor concorrência. Produto, preço, distribuição e comunicação são as variáveis mercadológicas que a empresa utiliza para concretizar uma oferta para o mercado. Na linguagem da área, são denominados os “4P’s” ou “mix de marketing”. Para Silva (2001), o marketing dentro do contexto do agribusiness utiliza basicamente os mesmos conceitos aplicados a outros setores produtivos, porém deve considerar algumas particularidades das firmas agroalimentares, como: a) natureza dos produtos (perecibilidade, sazonalidade); b) características da demanda (bens de consumo corrente, produtos em ascensão ou estabilizados ou em declínio, sazonalidade); c) comportamento do consumidor (dimensão psicológica: preocupação com a saúde, etc.); d) dispersão do setor de produção agropecuária; e) concentração do setor de distribuição; f) importância das cooperativas no negócio de transformação de produtos de origem agropecuária. 5. O CONCEITO DE COMPETITIVIDAADE E O COOPERATIVISMO DE REFORMA AGRÁRIA Apesar de ser um tema de destaque nos meios acadêmicos e governamentais, não existe consenso sobre o que significa competitividade. Ferraz et al. (1995) sintetizam a discussão, classificando os conceitos existentes em duas famílias: a primeira vê a competitividade como o desempenho da empresa, indústria ou nação em conquistar e manter market share, enquanto que a segunda família relaciona competitividade à eficiência que se pode obter na equação insumos/produtos finais. Para os autores, ambas as famílias de conceitos apresentam o problema da estaticidade. Assim, propõem que competitividade é “a capacidade da empresa de formular e implementar estratégias concorrenciais, que lhes permitam ampliar ou conservar, de forma duradoura, uma posição defensável no mercado”, agregando a análise do processo de concorrência e do ambiente ao estudo da competitividade (FERRAZ et al., 1995:3). 7 Ribeirão Preto, 24 a 27 de Julho de 2005 Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural XLIII CONGRESSO DA SOBER “Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial” Segundo Hooley et al. (2001), para que uma empresa possa definir uma posição competitiva defensável, deve conhecer a fundo o mercado e predispor-se a aprender sobre ele de forma contínua, dada a sua capacidade de mutação. Para os autores, o ambiente de marketing pode ser dividido em macroambiente (cenário social, político e econômico mais amplo) e ambiente competitivo (empresa, concorrentes imediatos e clientes). A manutenção da competitividade depende da criação e renovação das vantagens competitivas, onde cada produtor se esforçaria em obter peculiaridades que o distingam favoravelmente da concorrência (Lastres e Cassiolato, 1995, citado por PIGATTO, 2001). Porter (1986) desenvolveu o modelo das cinco forças competitivas para operacionalizar a análise do que Hooley denominou ambiente competitivo. Para Porter, uma empresa deve constantemente monitorar a rivalidade entre os concorrentes da indústria, a ameaça de produtos substitutos e de entrada de novos concorrentes, e o poder de barganha dos clientes e fornecedores. O conhecimento da indústria propicia subsídios para a obtenção de uma vantagem competitiva – a diferença entre o valor que a empresa é capaz de criar para seus compradores e o custo de criação desses valores (PORTER, 1990). Porter e Hooley et al. citam nas entrelinhas as competências básicas que uma empresa deve ter para criar e manter sua posição competitiva. Ferraz et al. (1995) propõem um modelo de análise dinâmica dos fatores determinantes da competitividade, classificando-os em três grupos. O primeiro, denominado “fatores empresariais”, diz respeito às competências básicas da organização em termos de desenvolver e acumular capacidades em recursos humanos, inovação, gestão e produção. Os “fatores estruturais” correspondem aproximadamente à análise da indústria desenvolvida por Porter (1986), abrangendo a análise do mercado, a configuração da indústria e as políticas públicas em termos de incentivos e regulação da concorrência. Por fim, o terceiro grupo congrega os “fatores sistêmicos”, que mais que o macroambiente sugerido por Hooley et al. (2001), correspondem à análise da infra-estrutura disponível para a produção e para pesquisa, aspectos ligados à educação, sistema trabalhista e securitário, e as políticas de relacionamento internacional. No caso brasileiro, a abertura da economia a partir da década de 90 acabou por tornar premente para a indústria nacional o incremento da capacidade de produção e inovação, com vistas a atender a um mercado maior que o nacional. Segundo Bell e Pavitt (1993), os países em desenvolvimento acumularam, nas últimas décadas, crescimento da capacidade de produção industrial e melhoraram a presença nos mercados internacionais, principalmente com produtos oriundos de empresas “dominadas por sua cadeia de suprimentos” e “intensivas em escala”, utilizando conhecimentos e tecnologias de firmas que são “fornecedoras especializadas”. O crescimento variou, segundo os autores, em termos de firmas, indústrias e países. No caso brasileiro, apesar do crescimento dos anos 50, não houve desenvolvimento de ofertas de maior poder agregado ou de tecnologias de ponta, dificultando a manutenção da competitividade face às mudanças técnicas do restante do mundo. Para Coutinho e Ferraz (1995), a superação da fragilidade do sistema empresarial brasileiro é um desafio fundamental, tendo em vista que o atual cenário de rápidas transformações pode levar ao aprofundamento do abismo que separa a estrutura competitiva do país dos demais, com reflexos indesejáveis de agravamentos das disparidades sociais e regionais. Para vencê-lo, é imprescindível que a internacionalização da inovação técnica e a capacitação sejam vistas como atividades empresariais permanentes e estruturadas. Ferraz et al. (1995) afirmam que as formas possíveis de competição combinam níveis diferentes de preço, qualidade, serviços, vendas e diferenciação da oferta. Assim, avaliar competitividade requer estudar as vantagens competitivas, geralmente vinculadas às 8 Ribeirão Preto, 24 a 27 de Julho de 2005 Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural XLIII CONGRESSO DA SOBER “Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial” especificações do produto, processo de produção, vendas, gestão, escalas de produção, tamanhos dos mercados, relações com fornecedores e usuários, condicionantes da política econômica, financiamentos, infra-estrutura disponível e aspectos legais. A partir da análise deste item em conjunto com os anteriores, pode-se perceber que a totalidade dos empreendimentos de produção agropecuária e agroindústrias dos agricultores familiares ligados ao MST pertencem ao grupo denominado por Ferraz et al. (1995) como “indústrias tradicionais”, que correspondem ao grupo “dominado pela cadeia de suprimentos” de Bell e Pavitt (1993). Na análise de Coutinho e Ferraz (1995), são empreendimentos que pertencem a um setor com deficiências competitivas, posto que “sua produção é voltada apenas para o mercado interno que, se por suas dimensões apresenta a principal vantagem competitiva do país, pela redução de poder aquisitivo, crescente desigualdade social e alijamento do mercado de parcelas significativas da população, não tem representado estímulo à competitividade” (COUTINHO E FERRAZ, 1995:258). No entanto, o setor se torna atraente para os empreendimentos econômicos solidários da reforma agrária, tendo em vista que a forte segmentação representa oportunidades para atender a espaços mais delimitados de mercado, que valorizam referências culturais, selos alternativos, produtos ecológicos e artesanais e outros. Tais atributos possibilitam fugir da guerra de preços, impossível de ser ganha pela estrutura produtiva e ideológica desses empreendimentos. Como afirma Lisboa (2003:191), “a economia solidária é a afirmação da possibilidade de uma economia jogada com regras em que todos ganhem através de uma simbiose entre cooperação/competição”. Essa oportunidade pode ser aproveitada em espaços de mercado situados dentro e fora do país. 6. O ITERRA E A INSERÇÃO DOS PRODUTOS NO MERCADO O Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária (ITERRA) localiza-se na cidade de Veranópolis (RS). Dentre outras atividades, desenvolve cursos de capacitação de nível secundário, como o Técnico em Administração de Cooperativas, Técnico em Saúde, Técnico em Comunicação Popular, Magistério e o curso superior de Pedagogia. Todos os cursos são modulares, sendo realizados em etapas presenciais e etapas denominadas tempo-comunidade, nas quais os educandos devem aplicar os conceitos discutidos no tempo-escola e realimentar o processo de construção de um novo modo de produção e de vida solidários. Além da educação formal, o ITERRA possui uma planta piloto para a fabricação de conservas de frutas e legumes, a fim de desenvolver técnicas de produção e princípios de boas práticas de manufatura para treinamento de cooperados para agroindústrias ligadas ao MST no Brasil. A execução do projeto de pesquisa “Dinâmica organizacional e produtiva em cooperativas de Reforma Agrária: diagnóstico, implementação de estratégias para o desenvolvimento e perspectivas”, financiado pelo CNPq, possibilitou o contato com o ITERRA e originou o convite para a realização de uma etapa de 27 horas/aula relacionadas ao assunto Economia e Mercado, cujo objetivo seria a transmissão de conceitos ligados à administração mercadológica para uma turma de formandos. O trabalho desenvolvido com os vinte educandos da Turma Carlos Marighela resultou no convite para o acompanhamento de quatro etapas de 30 horas/aula dessa disciplina para a turma Antonio Conselheiro, com 39 educandos, que atualmente já participou de três etapas da disciplina. O conteúdo do programa desenvolve os principais conceitos de marketing, a análise do ambiente e as estratégias de segmentação e posicionamento que derivam da análise do consumidor para a construção do composto mercadológico – produto, 9 Ribeirão Preto, 24 a 27 de Julho de 2005 Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural XLIII CONGRESSO DA SOBER “Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial” preço, promoção e praça, ou “4P’s”. Por fim, os educandos desenvolvem o composto de marketing para uma oferta escolhida pela turma. Duas atividades práticas são realizadas durante os módulos: a pesquisa de mercado e a análise sensorial. O objetivo de ambas as atividades era repassar uma ferramenta de formatação de uma oferta para um mercado-alvo. Através da comparação entre os atributos de produtos concorrentes e produtos fabricados dentro do ITERRA, os educandos construíram uma oferta concreta em termos de Produto, Preço, Promoção e Praça. Ao final do período de instrução e construção de conhecimentos, os educandos da Turma Carlos Marighela foram instados a analisar se os conceitos de marketing poderiam ser utilizados na construção de ofertas de produtos da Reforma Agrária, e avaliar se esses conceitos necessitariam de adaptações ao contexto da economia solidária. A turma Antônio Conselheiro passa por avaliações modulares, tendo trabalhado os conceitos de marketing, pesquisa de mercado, composto de marketing e planejamento. Alguns resultados serão mencionados em seu tempo. 7. METODOLOGIA DA INVESTIGAÇÃO Quanto ao método clássico, esta pesquisa pode ser classificada como um estudo de caso, tendo em vista que a falta de amplitude oriunda da análise de uma única experiência não permite extrapolar os dados para o universo dos cooperados da Reforma Agrária. Yin (2001) afirma que os estudos de caso, como os experimentos, são generalizáveis a proposições teóricas, e não a populações ou universos, e que o objetivo do pesquisador que se utiliza do método do caso é expandir e generalizar teorias (generalização analítica), e não enumerar freqüências (generalização estatística). Quanto a abordagem, trata-se de uma pesquisa-ação, tendo em vista que a discussão dos conceitos e a sua aplicação aos empreendimentos de Reforma Agrária junto aos educandos do ITERRA procurou interpretar particularidades dos comportamentos e atitudes dos indivíduos. El Andaloussi (2004) salienta que essa démarche possibilita abordar fenômenos da sociedade em sua complexidade, permitindo ainda a intervenção do pesquisador dentro de uma problemática social, onde os interessados tornam-se atores e, participando do desenvolvimento da ação, contribuem para produzir novos saberes. De acordo com Oliveira (2001), as pesquisas que se utilizam de dados qualitativos possuem a facilidade de poder descrever a complexidade de uma determinada hipótese ou problema, analisar a interação de certas variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos experimentados por grupos sociais e apresentar contribuições no processo de mudança, criação ou formação de opiniões de determinado grupo. Esta investigação foi construída com dois vetores de percepções dos educandos: o que entendiam por marketing antes do módulo Economia e Mercado e, após a socialização dos conceitos, como entendiam o marketing e se havia possibilidade de utilizar seus conceitos e ferramentas para a viabilização dos produtos da Reforma Agrária; e verificar a retenção dos conceitos aprendidos, através da aplicação dos conceitos a um caso concreto de produto da Reforma Agrária. 10 Ribeirão Preto, 24 a 27 de Julho de 2005 Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural XLIII CONGRESSO DA SOBER “Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial” 8. O MARKETING NO COOPERATIVISMO DE REFORMA AGRÁRIA No início das atividades com as Turmas Carlos Marighela e Antônio Conselheiro, após um nivelamento de expectativas, os conceitos elementares de administração mercadológica foram passados. Os alunos perceberam que o conceito tradicional de marketing não era adequado para o contexto da Reforma Agrária. Pelas características de empreendimento solidário e ambientalmente sustentável, o conceito mais adequado era o de marketing societal, como proposto por Kotler (2000). O trabalho prático de ambas as turmas foi iniciado após explanações sobre a pesquisa de mercado e sua importância em um universo de consumo em constantes mudanças de percepção. Sua primeira etapa foi desenvolvida nos supermercados da cidade por meio de pesquisa explotarória que visou conhecer, dentro de pontos de venda selecionados, as características de alguns produtos em termos de embalagens, quantidade acondicionada, variações, disposição nas gôndolas, quantidade de concorrentes, preço e percepção de valor em relação a “preço/qualidade aparente”. Para selecionar os produtos que seriam pesquisados, levou-se em consideração o critério de estarem as cooperativas já os produzindo ou pensando em produzi-los, a fim de que o trabalho fosse o mais prático possível. Dessa pesquisa exploratória, desenvolveu-se o processo de construção da oferta física em termos de “4P’s”. Na Turma Carlos Marighela, um dos produtos pesquisados foi selecionado para a realização de uma degustação comparativa entre uma marca comercial e o produto fabricado no ITERRA. Intencionalmente foi selecionada uma geléia sabor morango, tendo em vista ser esse um dos produtos de maior saída dentre os produzidos pela planta piloto. Os aspectos avaliados em ambos os produtos foram “cor”, “odor”, “sabor” e “textura”. A avaliação sensorial foi realizada de forma “aberta”: os respondentes avaliaram os produtos em suas próprias embalagens e declinaram suas opiniões em público. Os resultados da análise dos 20 educandos quanto a preferência nesses itens encontram-se na Tabela 1. Aspectos Concorrente ITERRA Odor 01 19 Cor 17 03 Sabor 03 17 Textura 01 19 Tabela 1 – Resultados da análise sensorial da geléia Iterra versus concorrente, realizada pela Turma Carlos Marighela. Os educandos perceberam o produto ITERRA como superior ao concorrente em termos de sabor, odor e textura; no entanto, a cor do produto da concorrência lembrava a coloração de morangos frescos, o que o tornava mais atrativo visualmente. Da mesma forma, sua embalagem e o formato de seu rótulo davam a aparência de produto mais nobre e com presença de pedaços de morango, o que não se confirmou durante a análise. A análise sensorial realizada em sala de aula acabou por deflagrar um processo de comparação entre os produtos ITERRA e concorrentes. Aproveitando a oportunidade de apresentar mais uma metodologia para análise sensorial, procedeu-se a uma segunda avaliação, desta vez “cega” (os respondentes não tinham indicação de procedência das amostras analisadas). O produto escolhido foi o segundo mais vendido no ITERRA – o pêssego em calda. Os aspectos analisados foram “textura da fruta”, “textura da calda”, “sabor”, “doçura”, “aroma”, “aparência” e “cor”. Novamente o produto ITERRA mostrou11 Ribeirão Preto, 24 a 27 de Julho de 2005 Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural XLIII CONGRESSO DA SOBER “Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial” se superior ao concorrente, somente perdendo no quesito “doçura” e empatando tecnicamente no que tange a “textura da fruta”. Ambos os aspectos estão relacionados a idade do fruto. Durante as aulas expositivas, foram clarificados os conceitos dos “4 P’s”. Ao final da explanação teórica sobre cada um deles, os educandos da Turma Carlos Marighela eram instados a retornar à análise da geléia e ratificar ou retificar as decisões tomadas quando do seu lançamento, propondo melhorias para o composto de marketing do produto. O Quadro 1 sintetiza as impressões dos educandos quanto aos aspectos do mix de marketing para a geléia de morango do ITERRA. Produto Dar maior visibilidade ao produto; Melhorar a cor; Usar lacre; Melhorar rótulo: formato, desenho da fruta, expor que o produto não contém conservantes Preço - Deve ser o mais baixo possível para possibilitar o acesso ao produto das classes menos favorecidas; - Deve ser coerente com o público-alvo (quem pode pagar mais, deve fazê-lo) Promoção Praça - Desenvolver as - Usar as mídias lojas do MST do MST e de (canal simpatizantes; exclusivo); - Desenvolver - Aumentar a panfletos junto distribuição para com o doce; outros pontos; - Participar de festas temáticas, - Desenvolver o mercado feiras e eventos; institucional - Estreitar laços (hotéis, creches, com a hospitais, comunidade e escolas) com a imprensa - Melhorar a - Fazer cadastro entrega porta-ade clientes para porta comunicação um a um Quadro 1 – Revisão dos “4P’s” da geléia do ITERRA após a análise sensorial pela Turma Carlos Marighela. O trabalho com os educandos da Turma Antônio Conselheiro já passou por três etapas, sendo a primeira relativa à importância dos conceitos econômicos que norteiam a relação com os mercados, e uma noção de marketing e técnicas de pesquisa, que foram desenvolvidas em campo, como a Turma Carlos Marighela. A segunda etapa resgatou os resultados das pesquisas, aprofundou o conceito de marketing e trabalhou o composto mercadológico em termos teóricos mais aprofundados, o que possibilitou a realização em sala de uma análise das estratégias atuais utilizadas pelas associações e cooperativas de produção do MST. O resultado dessa discussão está sintetizado no quadro 2. 12 Ribeirão Preto, 24 a 27 de Julho de 2005 Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural XLIII CONGRESSO DA SOBER “Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial” Produto Preço Promoção Praça - Boa parte da - O atual objetivo - Os esforços da A maior parte produção é comunicação não é sobrevivência, in natura escoada via estão integrados em função de - Falta de “atravessador” com o setor de “deficiências padronização de - Necessidade de produção para competir” cor, peso, conjugar esforços (produtos, canais - O setor de formulação e com as lojas do produção não de distribuição, tamanho MST e de está integrado comunicação, - Muitas vezes, simpatizantes (fornecimento de comparação com falta matéria(intercoopematérias-primas a concorrência) prima ração) e insumos) - Falta de cuidados com embalagem e rotulagem Quadro 2 – Avaliação das estratégias gerais para os “4P’s” utilizadas atualmente pelas associações e cooperativas de produção do MST, na visão da Turma Antônio Conselheiro - Magee apud Svensson (2001) afirma que a seleção de um canal de marketing apropriado é de vital importância para a eficácia subjacente do conceito do marketing, em função do imperativo de atender simultaneamente às necessidades de clientes e consumidores. Svensson afirma que as companhias bem-sucedidas buscam superar ambas as necessidades, tendo como ponto de partida da elaboração do canal de marketing não o cliente, mas o cliente do cliente. Assim, as organizações devem melhorar suas vantagens competitivas por meio do ajuste de suas atividades para os valores dos consumidores, o que vem ao encontro das colocações dos educandos da turma Antônio Conselheiro – a superação da comercialização via atravessadores, que não valorizam condizentemente as ofertas dos assentamentos, com a busca por consumidores ligados ao posicionamento dos produtos da reforma agrária. Na terceira etapa do curso Economia e Mercado, foram trabalhados os conceitos e ferramentas de planejamento de marketing, com vistas ao desenvolvimento de uma visão estratégica de mercado que possibilite a superação de problemas como esse. 9. CONSIDERAÇÕES FINAIS As expectativas iniciais da turma Carlos Marighella sobre marketing podem ser agrupadas como relacionadas a apreender “conceitos”, “conhecimento do mercado” e das “estratégias de competição” para intervir na realidade dos assentamentos de Reforma Agrária, trazendo viabilidade para as agroindústrias e visibilidade para os produtos. Morgan (1996) afirma que existem argumentos formidáveis para sugerir que as organizações devem reconhecer o potencial do marketing e, desse modo, procurar modos de colocá-lo em prática com os devidos ajustes necessários à organização, com vias a realizar os objetivos dos clientes e da organização. No entanto, para as turmas, não se deve esquecer o foco desse marketing: os valores éticos e sociais, que norteiam a construção de uma nova relação com o mercado, aproveitando nichos de mercado, como o consumo solidário, e segmentos com grande potencial, como o de produtos agroecológicos. 13 Ribeirão Preto, 24 a 27 de Julho de 2005 Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural XLIII CONGRESSO DA SOBER “Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial” Os aspectos de posicionamento a serem utilizados na comunicação, segundo os alunos da Turma Carlos Marighela, devem ser ligados a argumentos como “qualidade”, “orgânico”, “saúde”, “respeito ao meio ambiente”, “política e economicamente correto”, “solidário”, “leva o homem de volta para o campo”. Portanto, na terminologia de Ferraz et al. (1995), os produtos da reforma agrária devem competir em “especificações do produto”, “processo de produção”, “vendas” e “relação com fornecedores e usuários”. As avaliações após o término do módulo único da turma Carlos Marighela foram positivas quanto a apreensão de um conteúdo básico sobre marketing. De um extremo a outro, as visões vão desde uma visão de marketing operacional (operacionalização do mix) até a visão estratégica do marketing enquanto canalizador do esforço estratégico da organização. Alguns educandos citaram em seus relatos que suas barreiras quanto ao assunto tinham sido derrubadas, reconhecendo poder ser o marketing uma ferramenta gerencial de grande importância para a viabilização da competitividade de produtos e agroindústrias da Reforma Agrária no Brasil, que devem utilizar principalmente as vantagens em qualidade e diferenciação para a elaboração de suas estratégias competitivas. De fato, o trabalho com os educandos da turma Carlos Marighella acabou por deflagrar um processo de criação de uma nova identidade visual para os produtos do ITERRA, buscando valorizar a beleza dos produtos e alguns aspectos de competitividade, como a produção agroecólogica, ausência de conservantes e o fato dos produtos serem oriundos do trabalho de agricultores familiares, assentados no processo de reforma agrária. Segundo a gerência de produção e comercial da Terra e Frutos, agroindústria do ITERRA, as vendas dos produtos aumentaram 30% após a implantação da nova identidade visual, em relação às vendas dos produtos com as embalagens e rótulos antigos. Igualmente, apreender os conceitos de marketing pode auxiliar na participação de mercados fora do Brasil. Atualmente, a planta piloto do ITERRA está desenvolvendo protótipos de produtos para atender a redes de consumo solidário na Espanha e outros países da Comunidade Econômica Européia. Para Magalhães (2001), estudos de mercado e planos de negócio contribuem para a inserção dos produtores solidários nos mercados em condições econômicas mais favoráveis. Políticas de mercado devem priorizar a criação de sistemas de informação e implementar políticas de marketing para adequar produtos às necessidades da demanda. Assim, as ferramentas de análise de mercado, sintetizadas no planejamento estratégico, devidamente adaptadas ao contexto dos empreendimentos da economia solidária, podem ser de grande ajuda na viabilização econômica desses empreendimentos, a fim de que realmente se constituam numa alternativa ao emprego e ao subemprego. O apoio governamental a Reforma Agrária, efetivo e em grande escala, possibilitará a disponibilização de recursos para a implantação de novas agroindústrias e revitalização das existentes, que enfrentam enormes dificuldades de sobrevivência, e a implementação de práticas mais profissionalizadas de relacionamento com o mercado atual, bem como o acesso a outros mercados potenciais, como o estatal e o externo. Além disso, é fundamental a assistência e a formação integrada e contínua em três dimensões – técnica, administrativa e política. Por meio do ITERRA e outras escolas ligadas ao MST, os “fatores empresariais” de Ferraz et al. (1995) são estimulados. Os educandos recebem treinamento e educação para transformar-se em “novos homens e mulheres”, comprometidos com uma nova matriz tecnológica – a agroecologia –, e com uma relação mais ética e justa a sociedade. De fato, pessoas hábeis a analisar os fatores estruturais e sistêmicos, com vistas a buscar oportunidades e neutralizar ameaças para os produtos da reforma agrária, visando não apenas a presença no mercado capitalista, mas, conforme Lisboa (2003), demonstrar que 14 Ribeirão Preto, 24 a 27 de Julho de 2005 Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural XLIII CONGRESSO DA SOBER “Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial” há outras forças econômicas além da hegemônica, que buscam construir a possibilidade de uma maior democratização da economia e, portanto, da sociedade, alicerçadas num controle genuinamente social sobre os meios de produção, realizado por indivíduos cooperativamente associados. No entanto, sem planejamento adequado, esses esforços poderão ser vãos. Daí a importância da sensibilização dos assentados em conceitos de competitividade e planejamento estratégico e de marketing. A última fase da disciplina Economia e Mercado para a turma Antonio Conselheiro desenvolverá, a partir de informações sobre concorrentes, consumidores e oportunidades de mercado, coletadas pelos educandos durante o tempo-comunidade, a elaboração de um plano de marketing para cada cooperativa ou associação representada por eles, com vistas a um futuro acompanhamento da aplicação prática dos mesmos e avaliar os resultados práticos da aplicação dos conhecimentos de marketing pela reforma agrária. Porém só isso não basta. É fundamental a assistência técnica relacionada à formação integrada e continuidade em três dimensões – técnica, administrativa e política. De fato, a lógica da Economia Solidária é oposta à lógica do mercado globalizado. Este, em sua perseguição pelo lucro máximo, separa-se de questões que não sejam econômicas. Tradicionalmente a globalização e seus impactos sobre o setor agrário é interpretada como um processo de padronização de políticas de fazenda, aumentando-se a expansão das fronteiras agrícolas, medidas uniformes de proteção ambiental, aumento da competitividade e da produção e comercialização de alimentos com controle cada vez maior, por firmas transnacionais, sobre a cadeia produtiva. No entanto, segundo McMichael apud Levi (2000:2), longe de conduzir à homogeneidade, a globalização pode oferecer a oportunidade de repensar a diversidade local e pode ajudar comunidades locais a encontrarem novos espaços no mercado em uma economia global nova ou resistir às pressões globais. Nem os valores clássicos nem os princípios podem prover meios suficientemente resistentes à ameaça do paradigma neoliberal. Isso implica ir além da doutrina convencional sobre cooperativismo e de recorrer à variedade de formas sociais, culturais e que a comunidade espera que sejam adotadas pelas cooperativas, principalmente as rurais (LEVI:13). REFRÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BELL, Martin; PAVITT, K. Technological accumulation and industrial growth: contrasts between developed and developinf contries. In: Industrial and corporate change. Vol. 2, nº 2, p. 157-210, 1993. CARVALHO, Horário M. Comunidade de resistência e superação. São Paulo: Gráfica e Editora Perez, 2002 COUTINHO, Luciano G.; FERRAZ, João C. Estudo da competitividade da indústria brasileira. Campinas: Papirus, 1995. 3ª ed. EID, Farid; PIMENTEL, Andréa E.B. Dinâmica da organização social e produtiva em cooperativas de reforma agrária no Brasil. In: X World Congress of Rural Sociology. São Paulo, 2000. EID, Farid (org.) Construindo uma economia solidária. Confederação Nacional dos Metalúrgicos – CNM/CUT. Campinas, 2002. EL ANDALOUSSI, Khalid. 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